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Esclavos y cimarrones en Cuba: arqueologia histórica en la Cueva El Grillete – ANTÚNEZ et al (RAP)
ANTÚNEZ, Carlos Arredondo; HERNÁNDEZ, Odlanyer de Lara; RODRÍGUEZ, Bóris Tápanes. Esclavos y cimarrones en Cuba: arqueologia histórica en la Cueva El Grillete. Buenos Aires: Instituto Superior del Profesorado Dr. Joaquín V. González – Centro de Investigaciones Precolombinas, 2012. 180p. Resenha de: MONTEIRO, Victor Gomes. Revista de Arqueologia Pública, Campinas, n.8, dez., 2013.
O livro “Esclavos y cimarrones en Cuba: arqueologia histórica en La Cueva El Grillete” foi produzido em conjunto por três autores com distintas áreas de especialidades, todas convergindo para a Arqueologia. Bóris Tápanes e Odlanyer Lara são arqueólogos com certa experiência em escavações em Cuba. Carlos Antunes contribuiu com seu conhecimento em ciências biológicas, zooarqueologia e antropologia física. O livro é uma ótima referência para análise da cultura material de contextos quilombolas ou cimarrones, tanto por apresentar possibilidades metodológicas de análise dos materiais, quanto por traçar um panorama geral do movimento cimarronero, pelo menos no que se refere à Província de Matanzas (região ocidental de Cuba). Ao aprofundar os estudos na “Cueva El Grillete” e traçar paralelos com outros sítios de cimarrones já estudados, os autores conseguem demonstrar com maior riqueza de detalhes o cotidiano desses indivíduos e salientar o quanto ainda falta ser estudado em termos de Cuba a esse respeito, mesmo com a consciência de que o potencial para este tipo de estudo seja enorme.
O objetivo principal do texto não era propriamente revisar a historiografia a partir do elemento da cultura material, mas sim entender a partir de uma micro-escala, o que é o sítio “Cueva El Grillete” e as dinâmicas de sobrevivência dos escravos cimarrones. Para tal o acesso a cultura material, munida de uma perspectiva da Arqueologia da Paisagem, que procura entender não somente os sítios arqueológicos isolados de seus meios, mas sim entender as paisagens arqueológicas presentes no espaço geográfico, ou seja, os processos e formas culturais do espaço (Boado, 1999), são de fundamental importância. O alicerce informacional do refugio cimarrón “Cueva El Grillete” é somente a documentação arqueológica (cultura material) e os elementos relacionados à paisagem, muito pouco se tem de documentação escrita acerca do local.
Através da organização estrutural dos capítulos é possível perceber que os autores compartilham de uma visão um tanto quanto cartesiana de divisão entre “dados históricos” e “dados arqueológicos”, ou de isolamento de elementos que deveriam estar em constante diálogo, que é o contexto histórico (proveniente de documentos escritos) em consonância com o contexto arqueológico (criado por todos elementos da cultura material). Essa divisão fica bem nítida com a escolha de deixar o segundo capítulo destinado a descrição e apresentação dos “dados históricos” e os seguintes capítulos (3º; 4º 5º) para os “dados arqueológicos”, sem tratar as fontes ditas históricas como potencialmente elucidativas da vida material dos cimarrones, ou seja, sem considerar esta documentação escrita como sendo portadora de materialidade e vetor da cultura material, tanto em seu conteúdo escrito, onde pululam referências a respeito das “materialidades do passado”, como na sua própria materialidade de documento constituído de suporte físico específico.
Na introdução os autores fazem uma análise da gênese até a atualidade da pesquisa em arqueológica histórica em Cuba, observando que até os anos 1960 as pesquisas se focavam muito nos estudos das elites nas sociedades coloniais. Os estudos em arqueologia da escravidão e dos cimarrones em Cuba, só vão se reverter em estudos sistematizados e de maior profundidade a partir dos anos 1990, principalmente pelas investigações realizados por Gabino La Rosa (1989; 1991). O grosso das publicações arqueológicas de escravidão e cimarrones se deram nas alturas de Habana-Matanzas. Nas regiões de Limonar, Coliseo e San Antonio de los Baños, não se tem proliferado estudos, mesmo com o potencial dessas regiões. Por outro lado a densidade e o contexto das plantações de café e açúcar de Habana- Matanzas tem sido, do ponto de vista arqueológico, bem estudadas.
O segundo capítulo “Algunos datos históricos”, é divido em duas partes. Num primeiro momento são apresentadas as informações de cunho contextual e histórico da região de Matanzas, desde a formação da indústria açucareira e da introdução da mão de obra escrava, ao processo de cimarronaje. Através de uma série de dados oficiais colhidos junto aos Arquivos da Província de Matanzas e outros locais, os autores traçam um cenário da rebeldia escrava na região com os focos de fugas e conseqüentemente de caça aos cimarrones.
Num segundo momento os autores discorrem a respeito das autoridades locais e dos indivíduos responsáveis pela manutenção e execução do sistema repressivo e coercitivo do sistema escravista cubano: os rancheadores. A documentação produzida pelos rancheadores em suas “batidas de caça” são uma das mais ricas fontes de informação da dinâmica e estratégias de sobrevivência dos cimarrones, como também do poder repressivo que buscava o extermínio desse fenômeno social. Através de seus “relatórios”, eles descreviam de certa maneira o cotidiano dos cimarrones, ao elencar as características de seus refúgios, a cultura material presente nessas habitações e informações sobre os escravos capturados ou executados.
Esse registro das atividades dos rancheadores era além de uma obrigação burocrática, uma estratégia para melhor entender a dinâmica dos cimarrones.
Um ponto que merece destaque nesse capítulo, pelo menos para quem trabalha com resistência escrava, rebeliões e quilombolas no Brasil, é o registro da preocupação dos senhores e administradores locais da região de Guamacaro, de uma possível conspiração escrava que acabou não tomando proporções maiores em 1830. Saliento essa parte, por perceber que as notícias de conspirações escravas (em grande escala), mesmo na maioria das vezes não passando de boatos ou não chegando a se concretizar, são processos que permeiam tanto Cuba quanto o Brasil, como no exemplo da suspeita de uma conspiração escrava na província do Rio Grande de São Pedro nas primeiras décadas do séc. XIX (Maestri, 1984, p.145-146) ou do temor das autoridades da cidade de Pelotas para a possibilidade de uma revolta em massa dos cativos locais, incentivado por elementos estrangeiros (Monteiro, 2012).
Os autores mantêm uma divisão, proveniente do trabalho de Gabino La Rosa Corzo (1989; 1991), entre cimarronaje simple, que seria o primeiro nível de resistência, e as quadrilhas de cimarrones, que consistiam de grupos armados, que se deslocavam de um local a outro sem praticar agricultura, vivendo de caça, pesca, e roubos, estes fariam parte da resistência ativa. Essa divisão entre resistência ativa e passiva é pouco produtiva e não leva em consideração as resistências cotidianas e simbólicas, que não se encontram necessariamente no campo da resistência física direta.
No terceiro capítulo “Trabajos arqueológicos en Matanzas” os autores elencam uma série de trabalhos arqueológicos desenvolvidos na região de Matanzas (Cafetal La Dionisia; Cueva El Garrafón o Mural; Cueva Los Cristales; etc.). Salientam que são poucos os trabalhos executados com relação a potencialidade de pesquisa na região. As pesquisas relacionadas à escravidão não são propriamente relacionados ao cimarron, proporcionando na maioria das vezes um panorama contextual e sócio-político em que estavam inseridos os escravos. Os autores salientam que seguem para este trabalho o espaço natural de Matanzas em que se moveram os cimarrones, e não exatamente uma representação objetiva dos limites territoriais da província.
No quarto capítulo “La Cueva El Grillete” os autores entram no objeto específico das suas pesquisas que é o sítio “El Grillete” em Matanzas. Os dados arqueológicos retirados da “Cueva El Grillete” são analisados nas primeiras páginas do capítulo, relegando-se o final ao desenvolvimento e aplicação do conceito de paisagem.
Nessa parte do livro os autores descrevem de forma mais detida os aspectos metodológicos e contextuais da cultura material que dá base para produção deste trabalho.
Nesta primeira sessão do capítulo são descritos os dados quantitativos e de análise tipológica dos materiais, com destaque aos objetos de maior relevância para o entendimento da vida dos cimarrones que viveram naquele local. Ao final do capítulo os autores apresentam alguns aspectos do que entendem por paisagem e desenvolvem esse conceito baseando-se no sítio “Cueva El Grillete”. O estudo da Arqueologia da Paisagem é um aspecto até então não sistematicamente estudado em Cuba e de grande potencial para o estudo dos escravos cimarrones. Pela perspectiva que os autores seguem a paisagem não é mais estática, da ordem física e ambiental, mas sim é vista como construção social, imaginária, enraizada a cultura.
Por esse motivo se propõe como objetivo deste trabalho entender paisagens arqueológicas, ou seja, os processos e formas de culturalização do espaço. Inspirados em Criado Boado (1999), entendem a paisagem como um produto social, com três dimensões espaciais intrínsecas e relacionais: o espaço como meio físico ou ambiental da ação humana; o espaço enquanto meio construído pelo ser humano, onde se produzem as relações entre indivíduos e grupos; e o espaço enquanto meio pensado e simbólico que oferece a base para desenvolver e compreender a apropriação humana da natureza.
Seguindo essa linha de pensamento, os autores desenham cada um dos espaços com relação ao sítio estudado. O espaço natural diria respeito às elevações onde se encontra a “Cueva El Grillete” e que constituem a Sierra de Guamacaro. O espaço como meio construído poderia ser percebido, através da geografia das elevações da Sierra de Guanamacaro, que permitem inferir de certa maneira as possíveis vias de transito e a mobilidade dos cimarrones nessa zona. Por último os autores destacam o espaço como meio simbólico, que se demonstraria na cultura material através de elementos que poderiam conformar aspectos de religiões afro-cubanas. Certo para os pesquisadores é que a construção do mundo cimarrón não se limitou apenas a cultura material, mas também ao uso dos meios naturais, especialmente dos sistemas montanhosos e das covas que formataram parte imprescindível de suas vidas.
O quinto e último capítulo “Zooarqueología de la cueva el grillete” apresenta especificamente a pesquisa da fauna presente no sítio, com análise bastante detalhada de cada especificidade dos materiais ósseos e conseqüentemente da dieta alimentar dos cimarrones que em algum momento habitaram aquele local. Em resumo é possível depreender a partir da análise zooarqueológica dos materiais do sítio, que os cimarrones obtinham sua sobrevivência muito em função do aproveitamento das diversas espécies introduzidas pelos europeus a fauna nativa e da utilização dos recursos naturais. O registro não intencional ou as informações deixadas por esses indivíduos no tempo se dá na forma dessa dieta rica em carne animal (proteína), e nos utensílios de uso cotidiano que permanecem no registro arqueológico.
No sexto capítulo estão os apontamentos finais. Os autores ressaltam o valor dos estudos em arqueologia para dar luz a esse fenômeno social do séc. XIX que foram os cimarrones. As características geográficas e ambientais do sítio estudado “Cueva El Grillete” permitiram a conservação e preservação natural desses materiais tanto da ação do clima tropical como da ação antrópica. Artefatos como armas, vasilhas de cerâmica, recipientes e contas de vidro, cachimbos, três fogões e abundantes restos ósseos de animais, conformaram o espaço de habitação temporal dos cimarrones que ali estiveram. O auge do fenômeno da cimarronaje na área teria sido os anos de 1820 a 1840, no entanto as evidências arqueológicas apresentadas neste livro inclinam os autores a pensar em outro momento de habitação que se estabeleceria entre 1840 e 1886, próximo a abolição da escravatura em Cuba.
Referências
BOADO, Felipe Criado. Del terreno al espacio: planteamentos y perspectivas para La Arqueología del Paisaje. Capa 6. Grupo de Investigación em Arqueología del Paisaje, Universidad de Santiago de Compostela, 1999.
CORZO, Gabino La Rosa. Armas y tácticas defensivas de los cimarrones em Cuba. Reporte de Investigación del Instituto de Ciencias Históricas. Nº 2. Academia de Ciencias de Cuba. La Habana. 1989.
_______. Los Palenques em El Oriente de Cuba. Resistencia y Ocazo. Editorial Academia.
La Habana. 1991.
MAESTRI, Mário. A charqueada e a gênese do escravismo gaúcho. Porto Alegre: EST, 1984.
MONTEIRO, Victor Gomes. Um inventário do medo: a Pelotas escravista e a representação do medo através das Atas da Câmara Municipal de Pelotas (1832-1850). 2012. Trabalho Acadêmico – Curso de História. Instituto de Ciências Humanas. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, 2012.
Victor Gomes Monteiro – Bacharel em História pela UFPel (2012). Pesquisador Associado do LÂMINA.
[MLPDB]
Territoires Celtiques – Espaces ethniques des agglomérations protohistoriques d’Europe occidentale | D. Garcia e F. Verdin
Desde a década de 70, a partir das transformações na geografia, do diálogo com a história e a antropologia, bem como do surgimento de novas formas e técnicas de análise com o uso de SGI (Sistema Geográfico de Informação), o estudo do espaço e da paisagem despontou como área de interesse para a arqueologia. Encontrando fértil terreno, sobretudo nos países de língua anglo-saxã, veio ele a se consolidar nos anos 90 como área de debate e especialização sob a forma de ‘arqueologia da paisagem’. Tendo por base a relação homem-ambiente, o estudo das formas de apropriação da paisagem tem contribuído largamente para o desenvolvimento da análise das sociedades ditas “pré-históricas”, apontando novas perspectivas para a compreensão da dinâmica dos assentamentos e das práticas sociais e religiosas de tais populações.
O livro ‘Territoires celtiques. Espaces ethniques et territoires des agglomérations protohistoriques d’Europe occidentale’, organizado por Dominique Garcia e Florence Verdin, vem no bojo dessa transformação reunir pela primeira vez especialistas que não de língua inglesa para discutir a questão da interação humana com o ambiente e o espaço sob a forma de ordenação do território e, portanto, da paisagem nas sociedades pré-históricas da Europa ocidental. Consiste esta obra, em verdade, no resultado do ‘XXIV e colloque international de l’AFEAF. Martigues, 1-4 juin 2000’, onde ‘territórios dos assentamentos e dos povos proto-históricos da Europa ocidental’ constituiu o tema geral de debate com apresentação de vinte e dois artigos em contraposição a oito trabalhos em torno do tema regional ‘territórios étnicos e territórios cívicos no sudeste da Gália: permanência e mutação (sécs. II a.C. – II d.C.)’. Reúne ele, pois, especialistas franceses, espanhóis, suíços, alemães e belgas a tratar do estado atual da pesquisa arqueológica acerca da construção do território em diversas regiões da Europa ocidental a partir de diferentes metodologias de análise e teorias interpretativas.
Abrindo o volume, Philippe Leveau apresenta um balanço das linhas de estudo e abordagem do território, traçando a trajetória do termo e, tendo por base o contraponto com as sociedades greco-romanas, suas implicações políticas, étnicas ou cívicas. Porém, ao contrário do que se poderia supor, não está ele a propor a definição de fronteiras políticas estáveis de Estados tradicionais na Antigüidade, mas sim compreender a dinâmica dos territórios, apontando diferentes formas de uso do espaço e da paisagem. Conforme aponta o autor, mais do que um debate, apresenta-se aos pesquisadores o desenvolvimento do conhecimento arqueológico não só dos assentamentos, mas, sobretudo, da zona rural, que só recentemente, ainda que de forma restrita, começou a ser explorada.
Em verdade, esta obra procura pontuar os avanços do conhecimento e da prática arqueológica para a compreensão dos sítios e artefatos em relação aos locais onde foram encontrados. Assim é que a maior parte dos artigos concentra-se em estudos de caso ou estudos regionais, analisando a construção e a dinâmica territorial em regiões da Península Ibérica, França, Suíça, Alemanha e Bélgica, abrangendo desde o período do Bronze final até o período romano. Fazendo uso de diferentes métodos de análise – desde os polígonos de Thiessen até SGI, procuram os autores contribuir com estudos que combinam as mais diversas formas de documentos (assentamentos, enterramentos, cerâmica, numismática, epigrafia, depósitos votivos, santuários, textos clássicos e toponímia), dando uma noção de conjunto e complementaridade dos sítios e achados.
No entanto, não se pode dizer que haja um caráter uníssono nas contribuições (neste sentido, muito se lamenta a ausência das discussões na publicação). Por exemplo, os trabalhos de R. Plana Mallart e A. M. Ortega, de J. Sanmartí, e de C. Belarte e J. Noguera abordam a questão do território de sítios ibéricos segundo uma abordagem de cunho mais tradicional, que supõe a estruturação deste a partir da criação de lugares centrais (segundo a teoria de Christaller) que dominam vastas regiões (modelo/método dos polígonos de Thiessen), controlando vias de comunicação, a produção e toda uma hierarquia de assentamentos.
Dentre os numerosos artigos acerca das sociedades gaulesas, há igualmente uma predominância desta sorte de interpretação. Patrice Brun, em sua análise do território dos Suessiones, também emprega o método dos polígonos de Thiessen e o modelo de lugares centrais a fim de identificar a dinâmica do território dos Suessiones durante os séculos II e I a.C. Entende ele que os oppida constituiriam o centro de estruturação do território, constituindo um “… nó de redes econômicas, políticas, ideológicas que asseguram a coesão territorial” (p.313).
De forma um tanto diferente, Dominique Garcia faz um balanço das transformações do território no sul da Gália desde o Bronze final até fins da Idade do Ferro, traçando uma evolução do território, inicialmente ‘… pouco hierarquizado (…), descontínuo e temporário’ (p.91), sendo depois, durante a primeira Idade do Ferro, transformado em vastos territórios étnicos que sofreram profundas mudanças com a fundação de Massalía. Para a autora, o interesse massaliota no controle tanto da costa quanto da rota rodaniana altera a ordenação do território das populações indígenas da Gália meridional, ocasionando a criação de assentamentos ao longo dos rios e instigando, no seu entender, uma “urbanização” (pp.95-96). Em verdade, defende ela que tal fenômeno se deveria “… a uma evolução da organização social das populações indígenas (…), bem como da participação dos gauleses do sul na rede comercial mediterrânea” (p.100).
Já autores como Büchsenschütz, através do caso dos Bituriges, e Gruat e IzacImbert, com a análise do território dos Rutênios, procuram fazer uso de novos recursos e vertentes, aproximando-se da produção de linha anglo-saxã. Todavia, mesmo esses trabalhos não se desvencilham totalmente do modelo de lugares centrais a dominar e estruturar o território. Isso se deve em parte a uma limitação da documentação arqueológica, e parte ao uso de uma hierarquização tipológica das formas de assentamento.
Uma interessante contribuição para questionar os modelos generalizantes, em particular o monolitismo dos ‘lugares centrais’, é apresentada no artigo de P. Jud e G. Kaenel. Trabalhando com o caso das populações do Platô Suíço e sul do Reno na segunda Idade do Ferro ao início do império romano, eles demonstram a existência de três formas de ordenação do território, duas delas em regiões atribuídas aos Helvetes – na parte ocidental do Platô Suíço uma ocupação mais complexa, fortemente estruturada por meio da criação de pontes e rotas, santuários e numerosos oppida, enquanto no leste do Platô Suíço, ao contrário, não se verifica tão forte organização do território. Por outro lado, na região sul do Reno, atribuída aos Rauraci, revela-se uma ordenação do território com habitats fortificados localizados na periferia do território, assegurando suas fronteiras e o controle de vias de passagem essenciais para o eixo renaniano (p.304).
Vale, aqui, igualmente contrapor dois trabalhos que enfocam a relação entre território e enterramentos. Thierry Janin empreende uma análise das necrópoles e do espaço geográfico no Languedoc ocidental na primeira Idade do Ferro segundo uma ‘economia de bens de prestígio’, onde o processo de hierarquização promove a criação de centros ‘proto-urbanos’, que, por sua vez, vêm a estruturar o território dessas populações. Por outro lado, Laurent Olivier, Bruno Wirtz e Bertrand Triboulot, ao analisar os ‘Conjuntos funerários e territórios do domínio hallstattiano ocidental’, questionam as formas de análise espacial tradicionalmente empregadas na arqueologia, propondo, em seu lugar, o uso do conceito de informação espacial, obtido a partir do cálculo da combinação de atributos dos contextos funerários em estudo. Este método, que vai além dos métodos estatísticos geralmente empregados, permite traçar a posição e extensão dos grupos culturais e a agregação de suas necrópoles. Donde por meio de uma análise espacial aprofundada, propõem eles um estudo da distribuição e projeção territorial das populações da Idade do Ferro na Europa centro-ocidental.
Fechando a obra, Alain Daubigney articula um balanço das interpretações teóricas acerca da organização territorial e política aplicadas ao estudo do Bronze final e início da Idade do Ferro (até Hallstatt C) na França e na Europa ocidental, demonstrando a existência de elites locais emergentes controlando os territórios tribais.
Em verdade, evidencia-se, nesta obra, o conflito de paradigmas que hoje marca o estudo das sociedades “pré-históricas” européias. De um lado, as tradicionais abordagens estruturalistas, os modelos e métodos homogeneizantes amplamente empregados pela arqueologia processual, que mascaram as singularidades locais. De outro, temos as abordagens pós-processuais, chamando nossa atenção para estudos não generalizantes e uso de métodos que nos permitam analisar essas sociedades de forma mais aprofundada, enveredando pela dinâmica local.
Aqui, esse embate aparece de forma um tanto restrita, pois que a grande maioria dos autores se encontra parte ainda fortemente presa aos grandes modelos explicativos, e parte seduzida pelas possibilidades abertas por novas tecnologias e meios de análise da documentação. Trata-se, portanto, de um debate em aberto, e nem por isso menos fascinante.
Adriene Baron Tacla – Doutoranda em arqueologia Institute of Archaeology, University of Oxford. E-mail: adriene_tacla@yahoo.co.uk
GARCIA, D.; VERDIN, F. (eds.) Territoires Celtiques – Espaces ethniques des agglomérations protohistoriques d’Europe occidentale. Paris: Editions Errance, 2002. Resenha de: TACLA, Adriene Baron. Territórios celtas. Um debate acerca da relação entre paisagem, poder e religião. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.4, n.1, p. 103-105, 2004. Acessar publicação original [DR]