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Interdisciplinaridade: contribuições para a narrativa histórica / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2012
É com muito orgulho e satisfação que apresentamos mais uma edição Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR). No ano de 2012 ela completou seis anos de existência. Sua editoração é e sempre foi fruto de um esforço coletivo dos editores discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados, dos membros do Conselho Editorial e do Consultivo. Nesse tempo, a REHR tem se consolidado como um meio significativo de interlocução de pesquisas na área de História e nas Ciências Humanas em Mato Grosso do Sul, e no cenário brasileiro. Nesta perspectiva, destacam-se os diversos autores e autoras de Instituições de todo o país que contribuem com seus trabalhos e acreditam na qualidade e seriedade da Revista.
Ao propor a publicação da presente edição da REHR, volume 6, número 12, de julho / dezembro de 2012, que aborda o dossiê Interdisciplinaridade: contribuições para a narrativa histórica, este periódico reverbera, de certa forma, partes das reflexões que o célebre historiador Marc Bloch apresentou no clássico texto Apologia da história, ou, O ofício de historiador [1]. A construção da história utilizando-se de conceitos, métodos e mecanismos de diferentes Ciências, além da diversificação da matriz documental e de uma maior divulgação do conhecimento sobre eventos pretéritos da sociedade foram decisivos para que a forma de se compreender o passado sofresse mutações ainda no início do século XX, a partir da publicação da revista francesa Les Annales d’Histoire Économique et Sociale, no ano de 1929. Ciro Flamarion Cardoso na obra Domínios da História escreve que uma das principais características da primeira geração da Escola dos Annales, tendo como seus principais articuladores Marc Bloch e Lucien Febre, era o debate crítico entre as Ciências Humanas, partindo do pressuposto de que não existiam fronteiras estritas e definitivas entre elas [2].
Com o advento da denominada Nova História, por volta de 1970, este traço característico dos Annales também foi latente. Jacques Le Goff [3] e Peter Burke [4] defendiam também a necessidade de garantir um intercâmbio fecundo entre a História e outras Ciências, visando ampliar os horizontes e os campos de atuação do historiador. Após décadas da publicação das ideias de Bloch sobre a importância do consórcio entre história e demais áreas do conhecimento para uma construção holística da história, historiadores e pesquisadores ainda encontraram entraves frente à utilização da interdisciplinaridade como ferramenta para a construção da narrativa do passado. Contudo, o diálogo com outras áreas do conhecimento foi se tornando uma necessidade, e a resistência frente à interdisciplinaridade foi paulatinamente superada. Tal problemática disponibiliza um campo bastante fértil que tem na inserção de conhecimentos da Semiótica, Sociologia, Antropologia, Economia, Artes, Filosofia, Pedagogia, Relações Internacionais, Psicologia, Geografia, Linguística, Arquitetura, entre outras, uma maior diversidade de sentidos para a compreensão das ações e acontecimentos do passado. É neste sentido que a atual edição da REHR apresenta este dossiê. Os trabalhos que compõem a XII edição da REHR são experiências de pesquisa que carregam em seu interior o diálogo com concepções teóricometodológicas de distintas áreas do conhecimento.
O artigo que inaugura o dossiê é A Lei 10.639 / 03, possíveis diálogos, do autor Hermes Gilber Uberti. O artigo reflete sobre as possibilidades de trabalho interdisciplinar a partir do entrelaçamento das narrativas artística e histórica se valendo do uso de imagens enquanto recurso pedagógico. Premissas essas pensadas a partir da lei 10.639 / 03 que almejou dar maior evidência a história e a cultura afro-brasileira buscando romper certos estigmas que foram construídos em torno da figura do negro, tanto durante o período escravista quanto no momento posterior a abolição. Nesse sentido, debate sobre o papel da escola nesse processo de construção de negritudes por entender que se trata de um lócus por onde circularam e ainda circulam uma série de estereótipos envolvendo essa parcela da sociedade brasileira.
Em No Afrouxar dos Espartilhos: uma análise interdisciplinar acerca da formação da identidade ocidental feminina durante Primeira Guerra Mundial sob a ótica da indumentária, Ludimila Caliman Campos objetiva compreender as mudanças no papel social da mulher ocidental ao longo da Primeira Guerra Mundial a partir do contexto norte-americano e inglês. Para analisar as transformações do comportamento social feminino, utiliza como fonte imagens da indumentária da época, entendendo que o vestuário é uma importante expressão comunicativa. Como tal, a roupa é ainda uma linguagem que referencia eficazmente mutações sociais e sinaliza identidades pessoais e comunitárias. Ao final, define o conceito de prêt-à-changer próprio para caracterizar essa mudança de paradigma no habitus da mulher no início do século XX.
Marcelo Eduardo Leite e Carla Adelina Craveiro Silva em Imagens Múltiplas: algumas considerações sobre a(s) fotografia(s) do século XIX pretenderam lançar luz sobre a história da fotografia oitocentista atentando para as questões técnicas, assim como, para a existência de diversas formas de apropriação do fazer fotográfico nesse período. Nesta perspectiva, apresentam brevemente o ambiente cultural no qual esses “modos de fazer” se desenvolveram, vislumbrando os processos pioneiros de reprodução de imagens fotográficas, e, considerando, contudo, que um contexto técnico e ideológico específico é o que faz com que tais processos surjam.
No artigo Representações da Cultura Paraguaia: tradições e memórias na construção identitária de imigrantes e descendentes, Alan Luiz Jara reflete que o Mato Grosso do Sul conta com uma significativa população paraguaia imigrante que, a partir da década de 1970, começou a articular-se em torno de associações culturais. Este movimento de imigração e organização sociocultural foi objeto da primeira parte do trabalho. Adiante, a proposta central debate – tendo como marco o período entre 1990 e 2012 – as formas com que em alguns elementos desta cultura, considerados tradicionais (música, gastronomia, religiosidade, etc.) articulam memórias e, assim, atuam no sentido de construir e reforçar as identidades. Desta forma, entende este último conceito como uma estrutura que reconhece e incorpora as variações de expressão, negando, portanto, as perspectivas holistas. A metodologia utilizada foi a história oral, e as questões colocadas emergem das narrativas de imigrantes e descendentes, produzidas na cidade de Dourados / MS.
O Mundo Antigo a partir dos Escritos de F. Nietzsche: a eterna luta entre a moral aristocrática antiga e a moral judaico-cristã é o trabalho de Thiago Gomes da Silva. Conforme o autor, muitos foram aqueles que contribuíram para a perpetuação de uma série de preconceitos contra a política, a cultura e a própria concepção de existência das civilizações antigas. Em contrapartida, os textos de Friedrich Nietzsche possibilitam, de certa forma, resgatar uma imagem fortalecida do mundo antigo, apresentando-o com uma ótica peculiar. O filósofo também interpreta de maneira distinta a queda do Império Romano e frisa que sua representatividade moral esteve, e ainda estaria presente no próprio movimento que é história da humanidade, numa constante e eterna luta com aqueles valores responsáveis pela queda formal do Império. Uma luta entre as tábuas valorativas que compreendem os conceitos de bom e ruim contra bem e mal, a vigência do embate entre Roma contra Judéia, ou ainda, do Império Greco-Romano contra o Judaico-Cristianismo.
Geane Bezerra Cavalcanti em seu artigo Vigilância e Repressão do DOPS-PE contra as Associações de Moradores do Bairro de Casa Amarela e Adjacências (1955-1964) busca revelar os estudos sobre as intervenções do DOPS-PE sobre as associações de moradores do bairro de Casa Amarela e comunidades circunvizinhas. Justifica-se pela força, resistência e importância, que estas organizações tiveram para a história recente da cidade do Recife. Para desenvolvimento do trabalho se apropria como aporte teórico de Montenegro, Maria da Glória Gonh e Ilse Scherer-Warren. Como metodologia utilizou-se jornais de grande circulação em Pernambuco, bem como os apreendidos pelo DOPS-PE, além das informações referentes às associações de moradores de Casa Amarela, os inquéritos contra moradores, os documentos administrativos e os relatórios da polícia.
Os artistas e as Sociedades nos Estudos de História Comparada ou as Vidas Paralelas é o artigo de Leandro Couto Carreira Ricon, que objetiva demonstrar, através da análise teórica e metodológica, a possibilidade da utilização da produção de artistasintelectuais como fonte para a análise de realidades sociais, políticas e culturais díspares dentro do modelo proposto pela História Comparada. Desta forma, abre um foco de interdisciplinaridade com os estudos artísticos para a construção da História enquanto disciplina. Para tal, construiu um debate através da Sociologia Histórica, da História dos Conceitos, da História Social e da Historiografia Comparativa, buscando relacionar os conceitos de Artista, principalmente aquele proposto por Norbert Elias e de Intelectual.
Em O “grande” como solução à identificação regional: ampliações e retratações das delimitações da região de Dourados – MS, Bruno Bomfim Moreno propõe reflexões sobre a trajetória da utilização da terminologia grande Dourados como instrumento de delimitação da região da cidade de Dourados e municípios vizinhos, abarcando conceitos da geografia, da história e da sociologia. Em um texto envolvente e ilustrado por dados cartográficos e estatísticos, Moreno apresenta também uma reflexão historiográfica acerca da ocupação territorial desta região e como o grande surge como elemento de associação simbólica entre a região e a população local.
O artigo de André Luiz de Vasconcelos é intitulado Batalha de Stalingrado: o documentário como agente da história. O tema em questão é fruto de uma pesquisa que volta sua atenção para a memória relacionada à Batalha de Stalingrado. Para desenvolver a análise, fez-se a escolha de um documentário como fonte denominada “Stalingrad” realizado no ano de 2006 pelos diretores alemães Jörg Müllner e Sebastian Dehnhardt. Esta produção fílmica retrata a questão social de civis e militares, sejam alemães ou soviéticos ao longo da Batalha de Stalingrado. Esse filme documentário tornou-se interessante pelo fato de fazer uso da memória de sobreviventes que estiveram no ocorrido para tentar refazer uma reconstrução do passado vivido.
Recentemente, no início de dezembro de 2012, a UNESCO conferiu ao frevo (dança típica do estado de Pernambuco) o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Exatamente neste momento de júbilo da cultura brasileira e tendo este ritmo nordestino como o plano de fundo para o desenvolvimento de suas ideias, Marcelo Martins Ianino apresenta o artigo Clube das Máscaras O Galo da Madrugada: o maior bloco de carnaval do Brasil é Patrimônio Cultural e tradição em Pernambuco. Narrando a trajetória desse bloco carnavalesco o autor aponta como o Estado se apropriou dessa tradição popular urbana para criar um canal de comunicação com a população. Ainda no bojo da história d’O Galo da Madrugada Ianino fornece dados do processo de patrimonialização das expressões populares, ações lideradas por entidades como a UNESCO, o ICOMOS e o IPHAN cada vez mais frequentes e que representam, sem dúvida, uma seara para o desenvolvimento do ofício do historiador.
Tiago Alinor Hoissa Benfica escreveu o artigo Superar os Achados: método quantitativo para a história do tempo presente. O trabalho apresenta uma discussão sobre a utilização de questionários fechados com questões respondíveis em escala, método próprio para pesquisas na área de história do tempo presente. O debate está alicerçado na teoria das representações sociais. A sistematização e a exploração dos dados realizam-se a partir de recursos da informática.
O artigo intitulado Pelas Ruas, Escolas, Comércios e Propriedades Rurais: o itinerário dos Integralistas em Garanhuns-PE entre os anos de 1935 até 1937 é de autoria de Márcio André Martins de Moraes. De acordo com o autor, a Ação Integralista Brasileira (AIB), criada pelo intelectual católico Plínio Salgado, ocupou importante papel na política nacional nos anos 1930, pautando seus discursos doutrinários no lema: Deus, Pátria e Família. Em Pernambuco foram fundadas 66 sedes, das quais 12 ficaram entre o Recife e região metropolitana e as demais no interior do estado. O objetivo do artigo foi analisar as práticas cotidianas desses militantes em uma dessas cidades, no caso, Garanhuns (1935- 1937), observando as estratégias de atuação desses nos espaços públicos e privados. As atividades políticas e ideológicas dos membros da AIB, não ficavam restritas às reuniões no núcleo local, mas ganharam as principais ruas e estabelecimentos educacionais e comerciais, contribuindo, assim, para a divulgação e popularização do pensamento integralista entre os garanhuenses.
A parceria firmada entre Leandro de Araújo Crestani e Jefferson Andronio Ramundo Staduto tem como resultado O atraso tecnológico no setor agropecuário brasileiro: Lei de Terras de 1850 em perspectiva, uma análise da relação entre a estrutura fundiária do Brasil e a perpetuação de práticas rudimentares no setor agropecuário. Balizado pela Lei de Terras (1850) este texto contribui para o entendimento da proliferação das grandes propriedades rurais desde meados do século XIX a partir dos pressupostos da História Agrária e de conceitos da Economia, bem como a ocupação das terras brasileiras no período que antecedeu 1850.
Finalizando sua XII Edição, a REHR apresenta três resenhas: Memoria y Política en la Historia Argentina Reciente: una lectura desde Córdoba (2009), de Marta Philp, resenhada por María A. Zurlo. A obra Dourados e a Democratização da terra: povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956) (2008), de Maria Aparecida Ferreira Carli é resenhada por André Dioney Fonseca. Fechando essa sessão, Daniel Rincon Caires resenha a obra As Famílias Principais: redes de poder no Maranhão colonial (2012), de autoria de Antonia da Silva Mota.
Desejamos que a leitura desta edição da REHR seja agradável, proveitosa e que estimule novos olhares para a gama de possibilidades em que a História se permite entender. Parafraseando o saudoso e exímio historiador inglês Eric Hobsbawm, que faleceu aos 95 anos em 01 / 10 / 2012, concluímos esta apresentação com uma de suas célebres frases: A única generalização cem por cento segura sobre a história é aquela que diz que enquanto houver raça humana haverá história [5].
Notas
1. BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
2. CARDOSO, Ciro F. História e Paradigmas Rivais. In: CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 1-23.
3. LE GOFF, Jacques. A História Nova. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
4. BURKE, Peter (Org.) A escrita da História: novas perspectivas. 2ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 1992.
5. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 15-16.
Fabiano Coelho
Bruno Mendes Tulux
Anatólio Medeiros Arce
(Editores)
Dourados / MS, Primavera de 2012.
ARCE, Anatólio Medeiros; COELHO, Fabiano; TULUX, Bruno Mendes. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 6, n. 12, jul. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]
Estudos sobre Fronteiras / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2012
Apresentar a Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR), volume 6, número 11, de jan / jun de 2012, cujo dossiê tem como tema Estudos Sobre Fronteiras, é uma grande satisfação. Primeiramente, por que a exposição dessa abordagem está profundamente associada à proposta epistemológica do Programa de Pós-Graduação em História da UFGD, instituição de ensino e pesquisa qual a REHR está veiculada. Portanto, a diversidade dos vieses temáticos e a qualidade das reflexões presentes nas páginas a seguir contribuirão para que a temática “fronteira” seja pensada como objeto de múltiplos olhares para historiadores e pesquisadores das Ciências Humanas.
Em segundo lugar, a dinâmica da produção do conhecimento histórico demonstra uma necessidade cada vez mais urgente em divulgar estudos dos mais diversos temas de pesquisa relacionados às múltiplas possibilidades de análises do passado. É, portanto, a diversidade de vertentes analíticas que alimenta a produção intelectual das Ciências Humanas e dão novo fôlego para a compreensão da realidade histórica das sociedades do presente. Fatores como a velocidade dos meios de comunicação, o alcance mundial da internet, a organização dos setores historicamente excluídos da sociedade, por exemplo, são elementos que renovam os limites das relações humanas ao mesmo tempo em que recriam novos contornos dos vínculos entre homens, mulheres e o passado. Historicamente, as fronteiras foram formadas para “distinguir” e / ou separar territórios, povos e culturas. No entanto, as reorientações paradigmáticas das Ciências Humanas fizeram esse conceito angariar significados tanto de aproximação quanto de distanciamento entre grupos étnicos e sociedades urbanamente estabelecidas. As análises históricas, antropológicas, sociológicas, entre outras, atingem proporções que podem ser problematizadas pela discussão da fronteira ou do estudo sobre seus variados significados, entre campos do conhecimento que muitas vezes se completam rumo a uma análise multidimensional.
O deleite de expor tal assunto refere-se à importância dessa questão para a historiografia brasileira. Fronteira foi, inegavelmente, importante objeto para as primeiras análises do passado nacional. No entanto, a compreensão da temática fronteiriça durante muito tempo esteve relacionada aos limites da ordenação geopolítica e diplomática do território. Partindo da concepção limítrofe geográfica dos textos de Adolfo Varnhagen e Capistrano de Abreu a fronteira passou a ser assimilada sob a ótica da conexão entre as sociedades portuguesa, africana e indígena. Foi Sérgio Buarque de Holanda, no clássico Caminhos e Fronteiras (1957), quem apontou que paisagens, hábitos, instituições, técnicas e idiomas heterogêneos interagiam e criavam produtos mistos, re-significando os limites e resultando em novas acepções de fronteira.
A edição traz aos leitores artigos referentes ao dossiê, bem como demais pesquisas sobre temas livres e resenhas. O artigo que abre o dossiê da XI Edição da REHR é Nas fronteiras do Império e um conceito de guerra no século XIX: “nessas terras de fronteiras, vinha sentindo cotidianamente as dificuldades de se fazer a guerra”, que trata da ocupação do Rio Grande do Sul pela análise do conceito de fronteira de guerra, arregimentado à historiografia militar e constituído como uma alternativa de análise do passado pela chamada Nova História Militar. Nesse texto Carlos Eduardo de Medeiros Gama tem como baliza espaço-temporal a fronteira sul-rio-grandense do Império brasileiro durante a primeira metade do século XIX. O autor ressalta a importância em notar que o lócus fronteira sul do Império deve ser interpretado como ponto nevrálgico para o desenvolvimento dos distúrbios sul-americanos do século XIX, espaço de consolidação dos estados platinos e de conexões sociais, econômicas e culturais do espaço fronteiriço.
Alessandro Batistella apresenta uma proposta de análise da construção da identidade paranaense a partir do paranismo, movimento regionalista que surgiu após a emancipação política daquele estado em meados do século XIX e que atingiu o auge de sua popularidade na década de 1920. Dessa maneira, o autor buscou os elementos simbólicos que compõe essa análise, bem como a distinção dos grupos sociais emergidos e excluídos pelo paranismo através da compreensão das características desse movimento. Esta análise está presente no texto O Paranismo e a invenção da identidade paranaense.
Raimundo Nonato de Castro escreve As Representações Indígenas no Processo de Colonização do Brasil. No artigo, o autor reflete que as imagens e os textos, produzidos pelos europeus, serviram para criar imaginários sobre as populações indígenas, passando a ser utilizadas para assegurar e garantir o incremento do processo de dominação colonial. Nesta perspectiva, analisa algumas das observações realizadas pelos navegadores europeus, verificando que apresentam os nativos como seres que necessitavam ser cristianizados.
A formação da fronteira oeste no sul do Brasil é apresentada por Hermes Gilber Uberti. Essa análise é estruturada a partir das estratégias para incorporar o território fronteiriço ao Império brasileiro pela concessão de sesmarias, a criação de núcleos urbanos, e, principalmente, o comércio entre colonos do Vale do rio Jaguari, na região central da província, e a cidade fronteira de Uruguaiana durante o século XIX. As discussões presentes em O Vale do Jaguari no processo de construção da fronteira oeste do Rio Grande do Sul demonstram a questão fronteira como espaço ativo na construção das atividades produtivas e das relações sociais entre os homens da fronteira, utilizandose, para tanto, da metodologia da micro-história.
O artigo de Vanderlei Sebastião de Souza, intitulado As Ideias Eugênicas no Brasil: ciência, raça e projeto nacional no entre-guerras abre a sessão de artigos livres. O trabalho analisa o discurso eugênico no Brasil, destacando o modo como essas idéias mobilizaram setores importantes da elite intelectual do país nas primeiras décadas do século XX. Considerando que a eugenia brasileira deve ser vista como um interessante caso de relação entre ciência e ideologia social, busca compreender que arranjos científico, político e institucional fundamentaram o movimento eugênico, quais foram e o que pensavam os intelectuais, cientistas e autoridades públicas que promoveram esse debate no Brasil. Para tanto, demonstra que os adeptos da eugenia se organizaram como um movimento que procurou articular ciência, raça e nação com vistas à formação de projetos de reforma da sociedade brasileira e de construção nacional.
Fernand Braudel e a Geração dos Annales é o nome do artigo de José D’Assunção Barros, que examina as especificidades do modelo historiográfico proposto pelo principal autor pertencente à segunda fase do movimento dos Annales: Fernando Braudel. Depois de uma discussão inicial sobre o contexto histórico e institucional que preside uma nova fase dos Annales sob a direção institucional de Fernando Braudel, discute a contribuição historiográfica deste historiador francês, enfatizando aspectos como a concepção braudeliana sobre o tempo e a dialética das durações, a importância do espaço para a historiografia braudeliana, o projeto de História Total neste historiador francês, e sua dinâmica de diálogos interdisciplinares.
Antonio Carlos Sardinha, em seu artigo O Percurso Histórico da Organização Política por Direitos Sexuais de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais em Mato Grosso do Sul apresenta os principais resultados de estudo sobre a trajetória histórica e as características que marcaram a constituição do movimento social de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTT) em Mato Grosso do Sul. Recuperar o passado desse movimento social, por meio de pesquisa exploratória, contribui com a construção da memória de luta política pela garantia de direitos humanos a identidades sexuais que demarcaram, a partir da atuação pública, espaço próprio de interlocução em meio às demandas colocadas por outros grupos na esfera de conflito que permeia as lutas sociais.
O artigo El Bonaerense e Tropa de Elite: um debate sobre a segurança pública abordada nas telas do cinema argentino e brasileiro no século XXI, de autoria de Luiz Eduardo Pinto Barros analisa elementos comuns entre as sociedades argentina e brasileira no que se refere à segurança pública de ambas as nações, caracterizada por problemas como corrupção policial, guerra entre traficantes de drogas e deficiências dos governos para superar estes problemas. A análise é realizada a partir do olhar para as produções El Bonaerense (Argentina, 2002), dirigido por Pablo Trapero, e Tropa de Elite (Brasil, 2007), dirigido por José Padilha. As duas produções são heranças do estilo italiano Neo-realista surgido em meados do século XX, com características antihollywoodianas. Essa corrente cinematográfica visa tratar a realidade social como o objeto principal, o que é visualizado nas duas produções analisadas.
Bárbara Figueiredo Souto e Roger Aníbal Lambert da Silva, no artigo Representações e Combates Discursivos: práticas da imprensa nas décadas finais do século XIX refletem sobre como o jornal é uma valiosa fonte para os estudiosos de fins do século XIX e sua utilização na produção do conhecimento histórico. O objetivo do trabalho é discutir certas práticas da imprensa na construção de suas representações e seus discursos, ou seja, as estratégias das quais os jornais se utilizavam para legitimarem suas posições diante da opinião pública. Para tanto, elegeram como foco de análise representações acerca das mulheres e alguns combates discursivos sobre o tema da “rebeldia dos escravos”, objetos de atenção constantes por parte da imprensa nas décadas finais do século XIX.
O Gigante Adamastor Camoniano: nexos entre memórias e profecias é o nome do artigo de Cleber Vinicius do Amaral Felipe. No trabalho, problematiza o papel desempenhado pelo gigante Adamastor na epopeia Os Lusíadas (1572), de Camões. Ao se deparar com este personagem, Vasco da Gama ultrapassa uma fronteira e, do local onde se encontra, o nauta português consegue apreender tanto o “antigo” quanto o “novo”, sob uma perspectiva singular. Adamastor é um hiato situado entre o passado e o futuro, entre o vício e a virtude, entre o comedimento e o excesso. Afinal, o que suas profecias dão a entender? Quais são as memórias forjadas pelo gigante? Enfim, como ele relaciona passado, presente e futuro?
O artigo intitulado De Frente para o Mar: as representações da paisagem litorânea na cidade de Rio Grande (1904-1976), de Felipe Nóbrega Ferreira, analisa as diferentes representações da paisagem, dando a ler um mundo social em suas sensibilidades, entre os anos de 1904 e 1976. Assim, contribui para uma apropriação da idéia da paisagem junto ao campo da história. Para tal estudo, apresenta um conjunto de fotografias que circundam o universo do litoral de banhos.
Vinicius Fattori, em Um Charlatão, Padres Devassos e Escritores Libertinos: popularização de ideias no período pré-revolucionário francês reflete sobre obras e ideias do historiador estadunidense Robert Darnton. Este autor analisa aquilo que poderíamos denominar de “popularização de ideias iluministas”, uma vez que se foca em diversos escritores marginais que pareciam ter como missão pessoal disseminar as ideias do Iluminismo no francês comum pré-revolucionário, uma tarefa que não seria possível aos autores e filósofos clássicos do Iluminismo, com seus complicados tratados políticos. Estas pessoas, charlatães, padres devassos e escritores libertinos costumavam ser muito populares no século dezoito, mas atualmente estão esquecidos.
Em A invenção do Brasil no mito fundador da Umbanda, Mario Teixeira de Sá Junior apresenta uma perspectiva histórico-sociológica da criação da Umbanda no Brasil do início do século XX. Tendo como eixo discursivo a mitologia umbandista de Zélio de Morais o autor buscou contextualizar esse fenômeno cultural aos aspectos históricos da transição do século XIX para a centúria seguinte. Dessa forma, a alteração na estrutura política nacional e a modificação nas relações entre trabalhadores e as classes dominantes contribuíram para a formação da nação brasileira no mesmo momento em que a Umbanda surgia como religião resultante das interações culturais africanas e brasileiras.
O artigo Memórias e Práticas Pedagógicas: a escola multisseriada em Novo Hamburgo / RS e a trajetória da professora Élia Thiesen (1958-1983), de José Edimar de Souza apresenta fatos da trajetória de uma professora cuja docência acorreu na zona rural de Novo Hamburgo – RS, entre 1958-1983. Para tanto, analisa como a trajetória docente se entrelaça à prática pedagógica em classes multisseriadas, considerando para esse fim a memória como fonte documental. A pesquisa, de natureza qualitativa, utiliza metodologia da História Oral valendo-se de entrevistas semi-estruturadas. O referencial teórico fundamenta-se na perspectiva da História Cultural, tendo as memórias como documento. As memórias desta professora permitiram conhecer um pouco sobre os primórdios da escola pública em Lomba Grande enfatizando o processo de construção das Escolas Isoladas.
Resquícios de Al-Andaluz em Norte de África: aspectos da autobiografia de Ibn Khaldun (1332-1406), da autora Elaine Cristina Senko finaliza a seção de artigos livres. O historiador medieval Abu Zaid Abd’ul-Rahman Ibn Khaldun (732-806 H. / 1332-1406 J.C.) revela por meio de sua Autobiografia (parte integrante da Muqaddimah) que seus antepassados teriam origem sevilhana. Nesse contexto do outono da Idade Média se faz pertinente discutir as formas de migração dos muçulmanos de grande parte de AlAndaluz por iniciativas da Reconquista cristã, em que Fernando III (1217-1252 J.C.), filho de Afonso IX rei da Galícia, era o perpetrador indireto da fuga da família Khaldun para a região de Túnis. Essa análise torna primordial, pois que a atuação de muçulmanos em cargos dos governos de Al-Andaluz se apresenta por meio dessa família. Nesta perspectiva, a o artigo demonstra a participação dos antepassados de Ibn Khaldun em cargos específicos e como esses personagens interferiram na maneira de pensar desse erudito.
Em memória ao historiador e indigenista Antonio Jacó Brand, que faleceu no dia 03 de julho de 2012, em Porto Alegre / RS, republicamos a entrevista do pesquisador concedida a REHR, no ano de 2009, em sua VI Edição. A notícia de seu falecimento foi recebida com muita tristeza pelos familiares, amigos e aqueles que conheciam os trabalhos desenvolvidos por Brand, sobretudo, em defesa das populações indígenas. Para além de pesquisador, Brand foi um lutador da causa indígena, atuando junto aos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, estado em que viveu aproximadamente 30 anos. A dor da perda é enorme, mas as contribuições intelectuais de Brand, sua militância e ensinamentos vivem.
A XI Edição da Revista Eletrônica História em Reflexão ainda oferece aos leitores duas resenhas. Pedro Paulo Abreu Funari resenha o livro Nazi Germany and the Jews, 1933-1945, do autor Saul Friedländer. A outra resenha é de Daniel Rincon Caires, que resenhou o livro (Des)medidos – A revolta dos quebra-quilos (1874-1876), da autora María Verónica Secreto.
Desejamos uma agradável e proveitosa leitura dos textos publicados. Agradecemos pela credibilidade confiada e que os trabalhos da XI Edição da REHR possam nos instigar a percorrer os caminhos e descaminhos da História.
Fabiano Coelho,
Bruno Mendes Tulux
Anatólio Medeiros Arce
(Editores)
Dourados / MS, Inverno de 2012.
ARCE, Anatólio Medeiros; COELHO, Fabiano; TULUX, Bruno Mendes. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 6, n. 11, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]