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Pólvora y tinta: Andanzas de bandoleros anarquistas | Salvador Neves e Alejandro Pérez Coutubre
Em uma época de aprofundamento da integração econômica, geopolítica e cultural entre os países da América do Sul, chama a atenção como os estudos historiográficos sobre os países hispano-americanos ainda são bastante desconhecidos no Brasil. A produção historiográfica uruguaia, por exemplo, é praticamente ignorada no país e a imensa maioria dos trabalhos não possui tradução para o português. Dessa forma, uma quantidade razoável de obras de qualidade dificilmente chegam à comunidade acadêmica brasileira e a potenciais leitores. Um dos muitos casos do tipo é o trabalho de Salvador Neves e Alejandro Pérez Coutubre. Publicado no Uruguai pela primeira vez em 1993 e reeditado em 2006, Pólvora y tinta: Andanzas de bandoleros anarquistas descreve o famoso assalto ao Câmbio Messina, ocorrido em Montevidéu no ano de 1928.
A história, na verdade, inicia-se em outubro de 1927, na capital argentina, Buenos Aires. O Comité Pro Presos y Deportados argentino, carente de recursos para pagar advogados de defesa para os processados, ajudar economicamente às famílias dos presos e, por vezes, construir túneis para auxiliar a fuga dos detidos, decide assaltar o Hospital Rawson no dia do pagamento de seus funcionários. Os assaltantes – em sua maioria imigrantes provenientes da Catalunha – conseguem uma boa soma de dinheiro com a operação, mas acabam matando um policial no tiroteio, o que faz com que a polícia arme um grande operativo para capturá-los. Contudo, os dias passam e a imprensa porteña veicula a possibilidade dos “terríveis bandidos” já não se encontrarem em território argentino. De fato, eles haviam atravessado clandestinamente o rio da Prata com destino ao Uruguai, alcançando, posteriormente a capital do país, Montevidéu.
Montevidéu, palco da maior parte dos acontecimentos descritos no livro, era uma tranquila cidade de aproximadamente 350.000 habitantes, que conservava ainda muitos hábitos provincianos, como a siesta. Contudo, tinha fama de ser um porto seguro para fugitivos e exilados políticos e lá os assaltantes do Hospital Rawson puderam contar com o apoio de militantes anarquistas que viviam em Montevidéu para sobreviverem na clandestinidade. Com efeito, o trânsito de militantes sociais e de foragidos políticos era intenso entre a Argentina e o Uruguai, existindo diversas redes de solidariedade entre os ácratas de ambas as margens do rio da Prata. Contudo, já se faziam sentir os efeitos do freio que os setores conservadores da sociedade buscavam impor às reformas políticas, econômicas e sociais levadas a cabo a partir de 1903, durante o primeiro mandato presidencial do político colorado José Battle y Ordóñez.
Durante a estadia em Montevidéu os anarquistas planejaram cuidadosamente o assalto ao Câmbio Messina. Porém, durante a execução houve imprevistos e falhas, o que fez com que além de não terem conseguido uma soma vultosa, ainda matassem três pessoas e ferissem várias outras durante a fuga. A sociedade ficou chocada com os acontecimentos e os editoriais dos diários conservadores exigiam da polícia e do governo a imediata prisão e deportação dos responsáveis. Era preciso “livrar o país de todos os anarquistas assassinos”. Trabalhando em conjunto com a polícia argentina, os oficiais uruguaios investigaram, descobriram e desmantelaram algumas das referidas redes de solidariedade existentes entre eles, conseguindo capturar alguns dos envolvidos nos dois assaltos.
Para reconstruir a história os autores recorreram principalmente aos jornais da grande imprensa que circulavam no período (El Día, El Diario, Tribuna Popular, etc.) e aos testemunhos dos processos judiciais que se seguiram. Estruturado como uma espécie de romance policial, a narrativa do livro é bastante envolvente e faz com que o leitor se veja quase como uma testemunha dos acontecimentos. Para isso contribuem a linguagem utilizada na reconstrução das falas dos personagens e as referências a fatos importantes da historia do país.
Apesar dos méritos do livro, há alguns pontos negativos. O principal deles é a nítida carência de uma análise de maior profundidade sobre o contexto histórico uruguaio e rioplatense no qual a ação se passou. Poderia ter sido dado um destaque maior às relações políticas entre Uruguai e Argentina e às temáticas referentes à “questão social” no contexto da reação conservadora ao battlismo. Além disso, os autores poderiam ter feito considerações sobre o anarquismo na América Latina, a influência libertária sobre o movimento operário- social uruguaio e caracterizado de maneira clara a vertente conhecida como anarquismo expropriador, à qual se filiavam os assaltantes. A ausência de um mapa de Montevidéu e de imagens na obra (principalmente fotos dos locais dos acontecimentos) prejudica a compreensão e visualização dos fatos – especialmente para os que não conhecem os locais em questão.
Contudo, essas falhas não tiram o valor do livro, que continua figurando como uma interessante leitura não apenas para os interessados na história do país vizinho, mas também para os que se dedicam à história do movimento operário-social latino-americano e do anarquismo na América Latina.
George Zeidan Araújo – Mestrando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: geoaraujo@ymail.com.
NEVES, Salvador; PÉREZ COUTUBRE, Alejandro. Pólvora y tinta: Andanzas de bandoleros anarquistas. Montevidéu: Editorial Sudamericana Uruguaya; Fin de siglo, 2006. Resenha de: ARAÚJO, George Zeidan. Aedos. Porto Alegre, v.3, n.8, p. 223-225, jan. / jun., 2011.
Política, cultura e classe na Revolução Francesa | Lynn Hunt
Originalmente lançado em 1984, mas publicado no Brasil apenas em 2007, o estudo da historiadora norte-americana Lynn Hunt intitulado Política, cultura e classe na Revolução Francesa oferece não apenas pertinentes contribuições ao exame de um dos eventos mais estudados da história mundial, como também apresenta uma original abordagem da política, vista de maneira indissociável das práticas culturais e sociais.
Quando Hunt começou a pesquisa que daria origem ao livro, esperava demonstrar a validade da interpretação marxista, ou seja, de que a Revolução Francesa teria sido liderada pela burguesia (comerciantes e manufatores). Os críticos dessa visão (chamados de “revisionistas”), afirmavam, ao contrário, que a Revolução havia sido liderada por advogados e altos funcionários públicos. Procedendo a um minucioso levantamento de dados sobre a composição social dos revolucionários e suas regiões de origem, Hunt esperava encontrar maior apoio à Revolução nas regiões francesas mais industrializadas. Contudo, ela constatou que as regiões que mais industrializavam não foram consistentemente revolucionárias, e havendo de ser buscados outros fatores para tais comportamentos como os conflitos políticos locais, as redes sociais locais e as influências dos intermediários de poder regionais. “Em suma, as identidades políticas não dependeram apenas da posição social; tiveram componentes culturais importantes” (HUNT, 2007:10). Leia Mais