Posts com a Tag ‘Antoni Bosch Editor (E)’
Musa Libertaria – arte, literatura y vida cultural del anarquismo español (1880-1913) – LITVAK (VH)
LITVAK, Lily. Musa Libertaria – arte, literatura y vida cultural del anarquismo español (1880-1913). Barcelona, Antoni Bosch Editor, 1981. Resenha de: DUARTE, Regina Horta. Varia História, Belo Horizonte, v.5, n.9, p. 185-187, jun., 1989.
“No se presenta un plan prefabricado, sino ideas
audaces y heterodoxas, porque exigían que cada
hombre fuese único e uno dentre muchos” (p. 402)
Musa Libertaria cumpre, segundo a concepção benjaminiana, a função da obra do historiador, despertando no passado as “centelhas da esperança”. A autora reflete sobre o papal da arte como forma de luta. Alguns artistas consagraram-se e imortalizaram-se como Tolstoi, Picasso, Pissaro. Muitos, entretanto, permaneceram na obscuridade.
Lily Litvak dedica seu livro ao estudo desses artistas ocultos, destacando os anarquistas espanh6is. Chamando a atenção para a escassez de obras sobre a vida cultural e literária dos anarquistas, afirma que estes valorizavam a obra de arte como parte inseparável da propaganda, atribuindo-lhe um papel revolucionário. As criações artísticas de tendência libertaria se inspiravam nas vozes silenciadas e nas vidas dos despossuídos.
0 anonimato em que permaneceram tais obras e a derrota sofrida pelos anarquistas espanhóis não justificariam que o tema permanecesse esquecido. Como afirma a pr6pria autora, existem “tristes êxitos e her6icas derrotas”. Quanto a questão da eficácia ou não da atuação anarquista como arma contra a dominação, sempre se costuma lembrar seus fracassos. Porém, sua efetividade encontrava-se em sua própria existência, “enquanto testemunho da rebeldia humana contra a opressão e a injustiça” (p. 399).
Nota-se a forte influência de W, Benjamin sobre o propósito da obra em questionar o domínio dos vitoriosos e estabelecer uma relação de empatia com os que foram vencidos e derrotados.
0 estudo das manifestações artísticas libertarias não se faz de maneira simplesmente descritiva, mas esquadrinhando-se, com perspicácia, inúmeros pontos básicos e problemas fundamentais presentes no ideário anarquista.
0 levantamento dos temas a serem abordados no decorrer da obra é feito a partir da análise das imagens ficcionais construídas na literatura, nas gravuras, desenhos e pinturas de inspiração libertária. Assim, é através de poemas, romances e canções que se reconstrói, por exemplo, a concepção de natureza comum entre os libertários: a natureza harmoniosa, fonte de exemplos para a regeneração da sociedade humana, equilíbrio ao qual retornaria o homem na sociedade anárquica. São reproduzidas gravuras de jornais anarquistas, dentre alas uma que exemplifica a vida anarquista através da imagem de uma família trabalhando no campo: esta presente a noção de continuidade do labor na vida do homem, da beleza moral do trabalho e da premiação do esforço humano pela natureza, vista como uma mãe serena e fecunda (p. 27 e 28).
As figuras do padre, do capitalista, do miserável, do revolucionário, etc., eram apresentadas pelos anarquistas de forma estereotipada, tornando fácil a identificação. A autora destaca o expressionismo presente nestas caricaturas e a forma como as mensagens são’ comunicadas intensa e vibrantemente. 0 inimigo é simbolizado através de objetos (crucifixos, espadas, coroas, etc.), como animais ferozes (cobras, serpentes, monstros) ou através da ênfase a aspectos burlescos (burgueses gordos, avaros amarelados com um riso falso nos lábios, etc.). Os miseráveis são representados como possuidores de grande beleza moral e dignidade. A imagem do operário militante revela coragem, luta, rosto nobre, fronte larga. Na linguagem, como na construção das personagens, nada é sutil, tudo é manifesto, claro e simples. A emotividade transparece no use frequente de expressões extravagantes, de palavras de sonoridade significativa, repetições, exclamações e interrogações.
Este excessivo maniqueísmo levava a uma estética dominada por contrastes absolutos. 0 realismo anarquista era exagerado e desmedido, buscando demonstrar a todo o custo uma verdade inquestionável, cujo conhecimento levaria ao caminho da anarquia.
Analisando a linguagem e a construção de imagens ficcionais pelo realismo anarquista, Lily Litvak faz uma instigante reflexão sobre temas importantes do ideário anarquista e a extensão do conhecimento científico; o pacifismo; a valorização do potencial revolucionário dos miseráveis, criminosos, mulheres e camponeses; a preocupação com a criação de uma estética revolucionaria; a representação do caráter digno do trabalho (desvirtuado pela sociedade capitalista); o fervor religioso presente na crença no caráter regenerador da doutrina anarquista; visões da utopia, dentre outros.
Além da literatura e da pintura, a autora também examina outras atividades culturais. A imprensa é uma delas. 0 papel alternativo da imprensa anarquista era valorizado pois divulgava idéias, fatos e eventos silenciados pela imprensa burguesa. Os libertários buscavam organizar um sistema eficiente de distribuição. Os jornais lidavam com dois tipos de mensagens, as escritas e as tipográficas. As disposições tipográficas, na busca de impacto, traziam cores agressivas e simbólicas. Gravuras complementavam o texto, buscando despertar emoções. A imprensa libertaria intencionava ser um canal de comunicação alternativo que criticasse, desmascarasse e negasse a linguagem e os canais institucionalizados pela burguesia, contribuindo para a pratica de uma cultura revolucionaria.
0 teatro libertário é analisado em seu caráter popular (à medida em que era facilmente compreensível pela massa, por retratar com simplicidade seu pr6prio cotidiano) e realista medida em que procurava mostrar verdades absolutas que transcendiam a própria realidade “palpável”). A educação e a cultura também eram muito estimuladas. Várias revistas foram criadas, procurava-se facilitar o acesso a livros, jornais, etc.
A partir da avaliação de todas estas atividades, conclui-se que existia uma verdadeira pratica cultural levada a frente pelos anarquistas. Estes, opondo-se cultura burguesa, pretendiam forjar outros códigos linguísticos e novos veículos de comunicação (p. 283).
A concepção corrente entre os anarquistas espanhóis sobre a arte também objeto de reflexão da autora: a arte como forma de luta, como meio de despertar as consciências e o espírito de rebeldia. Relacionado a vida cotidiana, o ato criador era mais valorizado que o produto final, pois as obras artísticas eram vistas como uma forma de ação direta. Desmitificava-se as obras artísticas consagradas, assim como os museus, exposic6es, etc.
Lily Litvak realiza um estudo esclarecedor do anarquismo espanhol, utilizando livros, poemas, canções e gravuras. Investigando as especificidades desse movimento, consegue trazer ao leitor uma maior compreensão das ideias, esperanças e desejos libertários.
Regina Horta Duarte
[DR]