Repensando o Regime Vargas e seus desdobramentos/Antíteses/2022

Os acontecimentos dos anos 1930, 1940 e 1950 geraram uma série de transformações políticas, econômicas, culturais e sociais na História do Brasil. A chamada Revolução de 1930 alijou parte da oligarquia que estava no poder há décadas, e uma elite dissidente o assumiu. Em 1932, uma guerra civil colocou frente a frente grupos que lutavam pela direção do país. Nos anos que se seguiram, o Brasil acentuou a industrialização, e o Estado iniciou um projeto político que objetivava a inserção do crescente operariado em sua órbita.

Nesse contexto, surgiram a Aliança Nacional Libertadora e a Ação Integralista Brasileira, com projetos distintos para formatar a nação. Getúlio Vargas procurou manter-se no poder e enfrentou antigos adversários políticos de 1930 e 1932, que retornaram ao país em 1934, vindos do exílio e querendo a desforra. Na Câmara dos Deputados, conforme a Constituição de 34, os trabalhadores tinham seus representantes, que denunciaram seguidamente a estratégia de controle utilizada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a repressão que o governo fazia contra a imprensa e o movimento operário independente. Leia Mais

Repensando o Regime Vargas e seus desdobramentos | Antíteses | 2022

Detalhe de capa do numero 19 da revista Anaue 1935 1937.

Detalhe de capa do número 19, da revista Anauê (1935-1937)

Os acontecimentos dos anos 1930, 1940 e 1950 geraram uma série de transformações políticas, econômicas, culturais e sociais na História do Brasil. A chamada Revolução de 1930 alijou parte da oligarquia que estava no poder há décadas, e uma elite dissidente o assumiu. Em 1932, uma guerra civil colocou frente a frente grupos que lutavam pela direção do país. Nos anos que se seguiram, o Brasil acentuou a industrialização, e o Estado iniciou um projeto político que objetivava a inserção do crescente operariado em sua órbita.

Nesse contexto, surgiram a Aliança Nacional Libertadora e a Ação Integralista Brasileira, com projetos distintos para formatar a nação. Getúlio Vargas procurou manter-se no poder e enfrentou antigos adversários políticos de 1930 e 1932, que retornaram ao país em 1934, vindos do exílio e querendo a desforra. Na Câmara dos Deputados, conforme a Constituição de 34, os trabalhadores tinham seus representantes, que denunciaram seguidamente a estratégia de controle utilizada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a repressão que o governo fazia contra a imprensa e o movimento operário independente. Leia Mais

Jesuítas e Modernidade | Antíteses | 2021

Além da missionação, aspecto que, por muito tempo, mais atenção recebeu da historiografia – para exaltar as atividades dos religiosos, numa primeira vertente, e para rever os resultados dos encontros e tensões culturais entre eles e os “nativos” ou povos originários, num outro movimento –, os jesuítas se envolveram em discussões teológicas, com a manutenção de fazendas, de hospitais e de enfermarias, com a investigação e utilização da natureza, com o sistema escravista (sua justificação e sua participação), com a sistematização de línguas até então desconhecidas dos europeus, com a instrução formal, básica e universitária (de indígenas, de colonos e de reinóis), com a política em seus mais diferentes níveis – vide, por exemplo, as querelas com Marquês de Pombal que desencadearam na expulsão desses religiosos dos domínios lusos –, enfim, com uma gama ampla de camadas que envolviam o cotidiano moderno, muito além da atribuição primeva de zelar pelas almas. É sobre essa múltipla atuação da Companhia de Jesus, uma das ordens religiosas mais presentes – senão a mais – no Brasil ao longo do chamado período colonial, nas então colônias da Coroa espanhola na América e em diversos territórios à leste, como em Macau e Goa, além da própria Península Ibérica, que os estudos aqui reunidos se debruçam. Leia Mais

Província, região e metrópole:  o interior nos projetos de modernização nacional na América Latina | Antíteses | 2021

É amplamente reconhecido que ao longo do século XX se aceleraram os processos de migração do campo para as cidades, fenômeno iniciado com a revolução industrial e que em alguns países latino-americanos já estava presente nas primeiras décadas do século passado. Nessa direção, a partir, principalmente, do segundo pós-guerra, os termos “cidade, modernização e desenvolvimento”, que na América Latina começaram a se entrelaçar a partir da década de 1930, fundiram-se em um vetor dinâmico que, mesmo sem fazer parte de programas completamente explícitos, promoveu ainda mais a tendência, com consequências não intencionais ou não de todo controladas, como, entre outras, a do aprofundamento dos desequilíbrios regionais.

Na contramão desta tendência geral ao redor da “cidade, modernização e desenvolvimento” ou mais propriamente da associação entre “metrópoles, modernização e desenvolvimento”, pensadores como Bernardo Canal Feijóo, na Argentina, e Gilberto Freyre, no Brasil, desenvolveram posições descentradas frente aos relatos metropolitanos nacionais ou nacionalistas então em voga, quer em direção a um entendimento/ enfrentamento dos problemas regionais (CANAL FEIJÓO, 2018) quer elegendo uma região e sua cultura (o Nordeste brasileiro) como “ferramenta metodológica” de interpretação nacional (FREYRE, 2001). Leia Mais

Catástrofes, crises e respostas políticas e sociais | Antíteses | 2021

Ao longo dos séculos, as sociedades humanas buscaram entender e explicar as manifestações violentas da natureza que se abatiam sobre elas sob as mais diversas formas (secas, chuvas intensas e tempestades, inundações, sismos, erupções, pragas, epidemias). Durante muito tempo, também, as explicações fornecidas estiveram integradas em cosmologias ou narrativas que correspondiam a tipos de crenças mágicas ou religiosas que, ao mesmo tempo que davam um sentido ao cosmos e procuravam aliviar a ansiedade das sociedades antigas face à sua vulnerabilidade, legitimavam uma determinada ordem política e social.

No Ocidente europeu, foi sobretudo a partir do período renascentista que se assistiu ao emergir de novos discursos acerca da origem dos fenómenos naturais, ainda que a narrativa dominante permanecesse associada a visões religiosas ou mágicas — para não dizer supersticiosas: basta pensar na multiplicação de interpretações negativas, associadas ao Diabo, dos flagelos naturais e no número de processos por feitiçaria (HILDESHEIMER, 1990; MANDROU, 1968) — do mundo e também ao aumento de registos relativos à ocorrência desses mesmos fenómenos. A este respeito, importa saber se o crescimento verificado em relação aos registos correspondeu a uma efectiva maior frequência dos mesmos — pensemos, por exemplo, nos efeitos da Pequena Idade do Gelo, que alguns textos deste dossiê focarão —, a uma maior curiosidade pré-científica ou a um eventual uso político desse tipo de manifestações. Em suma, trata-se de uma questão heurística de crítica das fontes e da sua colocação em contexto, sendo certo que a sua distribuição é bastante assimétrica. Leia Mais

Nova História militar / Antíteses / 2020

Nova História militar / Antíteses / 2020

A designação “História Militar”, como quase tudo em História, está sujeita a discordâncias, controvérsias e disputas. De fato, como gênero historiográfico, a História Militar surge no final dos Oitocentos, derivada das histórias nacionais, isto é, emerge como narrativa das guerras que deram origem e formação dos Estados Nacionais naquele período.

Como consequência, as doutrinas sobre a Guerra, a do militar prussiano Carl von Clausewitz e, especialmente a de Jomini, marcaram a compreensão da História Militar de uma perspectiva ciceroniana, isto é, uma espécie de “mestra da vida”. Tratava-se de compreender os “acertos”, mas principalmente os “erros” militares para corrigi-los tendo em vista a realização da guerra, conceituada como “continuidade da política por outros meios”, fórmula célebre em determinados meios civis e militares.

Neste sentido, a História Militar tinha um aspecto didático muito claro: ela propiciaria exemplos para a formação das novas gerações de militares. Exemplos de guerras bem ou mal sucedidas, mas também, de guerreiros heróis (modelos morais) que serviriam para inspirar as novas gerações de soldados. Assim, este tipo de história militar, configura uma espécie de repositório moral que se coloca no plano da memorialística, da mitificação, fruto de uma reconstrução do passado com finalidade doutrinária.

Se assim fosse, porém, os historiadores contemporâneos pouco teriam a dizer sobre fenômenos militares. Mas felizmente não é o caso. A História Militar stricto sensu, isto é, enquanto campo historiográfico, emerge da ruptura da historiografia com a história nacionalista colocando em foco os homens, suas ações, dilemas e tragédias, com base em investigação temática e documental diversa e multifacetada. Assim não só aquela velha “história militar” se torna fonte e objeto de investigação, como também novos temas como as instituições militares, seu funcionamento e idiossincrasias, a vida dos soldados, o quotidiano das guerras, os estudos de gênero, focalizando a presença de mulheres e gays no âmbito das Forças Armadas, bem como a desconstrução das batalhas, dentre outras inúmeras problemáticas.

No caso do Brasil, a história militar tem especial interesse. Não porque o país tenha participado de extensas guerras. Ao contrário, stricto sensu podese dizer que a guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai foi, de fato, o único conflito externo travado pelo Brasil e com participações limitadas, mas de grande impacto interno, na I e na II Guerras Mundiais. O que também torna o estudo das questões militares no Brasil relevante reside na longa tradição de participação dos militares na política nacional.

Embora alguns analistas datem o início destas intervenções com o golpe militar que instituiu a República, este evento foi a manifestação pública de um processo que se desenvolvia, pelo menos desde meados do século XIX, acelerado pela crise provocada pelo conflito no Prata.

Recentemente, no período da assim chamada redemocratização brasileira, houve um renovado interesse nas discussões acerca da defesa nacional, e neste contexto, por iniciativa civil, foi criada a ABED- Associação Brasileira de Estudos de Defesa, que tem por objetivo o estudo de questões de defesa.

Por outro lado, além dos estudos de defesa, na ABED, formou-se também um grupo vinculado ao estudo da História Militar. Este grupo cresceu e adquiriu autonomia e dimensão suficientes para criar um Simpósio Nacional de História Militar em 2016, um Grupo de Trabalho de História Militar no âmbito da ANPUH- Associação Nacional de História em 2019 e, finalmente, desde o IV SNHM realizado na Universidade Estadual de Londrina, também em 2019, buscar a criação de uma Associação Brasileira de História Militar.

O que importa ao grupo de pesquisadores da História Militar é a colaboração acadêmica na área de História, da iniciação científica à pósgraduação. Isto tem promovido a aproximação dos historiadores que se dedicam à pesquisa dos fenômenos militares.

Finalmente, cabe destacar que o presente dossiê é parte das contribuições que a Universidade Estadual de Londrina e o Programa de Pós-Graduação em História Social têm dado continuamente à área. Em 2009, a UEL sediou o III Encontro da ABED. Naquele mesmo ano, foi publicado um dossiê sobre História e Defesa nesta revista. Em 2010, foi publicado um dossiê sobre os Cem Anos da Revolta da Chibata e, em 2014, um tematizando a Cultura Marítima. Além disto, em 2019 o Grupo de Pesquisa em Estudos Culturais Política e Mídia, o GT de História Militar da ANPUH do Paraná, o Departamento de História e o Programa de Pós Graduação em História Social organizaram, com a colaboração dos GTS de História Militar do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, o IV Simpósio Nacional de História Militar. Paralelamente, organizou-se o presente dossiê sobre a Nova História Militar.

Foi uma honra ter contato com a colaboração, na organização deste, dos professores António Manuel Fernandes da Silva Ribeiro do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas -Universidade de Lisboa e Francisco Eduardo Alves de Almeida da Escola de Guerra Naval, cuja presença aponta para uma ampliação da colaboração internacional no campo e com o Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina.

Não foi surpresa, assim, o grande número de artigos enviados para a Revista, num total de vinte e quatro. Difícil a tarefa de selecionar os onze textos aqui publicados e que constituem uma amostragem da excelência do campo.

Abrindo o dossiê, no texto “Na perda da opinião, arrisca-se um reino”, Marcello Loureiro analisa as condições da guerra nos séculos XVI e XVII, para compreender as tentativas de formação das opiniões durante os conflitos. Faz um balanço da historiografia acerca da questão da opinião coletiva na modernidade, seguido dos estudos de caso da monarquia portuguesa em torno da entrega de Pernambuco em 1648, mas elenca também exemplos da península itálica e da França, para concluir que é preciso superar a lógica de uma doutrina militar – especialmente a clausewitiziana – para se compreender os conflitos da modernidade.

Na sequência, Ana Paula Wagner e Bruno César Pereira no artigo intitulado “Que sendo de uma indispensável necessidade para a confecção do exército, em que consiste a manutenção e a defesa dos meus reinos: Notas sobre a nova forma de se fazer recrutas no Império Português (Século XVIII)”, analisam a reforma das formas de recrutamento paras as Tropas Regulares do Império Português, destacando as preocupações em delimitar o perfil dos homens a serem recrutados e as estratégias utilizadas por estes para eximir-se de sentar-praça.

Já Christiane Figueiredo Pagano de Mello, em seu texto “Política Militar Pombalina: nas áreas de alto e baixo risco de guerra” desvenda a estratégia ‘Defender para povoar’ da administração pombalina analisando os efeitos das reformas militares do período na região do Macapá, considerada como território de alto risco. Faz para isto, uma comparação com as regiões norte e centro-sul da América para compreender de modo mais amplo a política militar portuguesa nas suas colônias ultramarinas.

Por sua vez, Sérgio Willian de Castro Oliveira Filho, no texto “Em prol da moralidade e da disciplina: os oficiais do culto da Marinha imperial ente 1822 e 1865”, analisa – no contexto da institucionalização da Marinha – que pouco se fez para a efetivação de um Corpo Eclesiástico profissionalizado. Assim, recupera a atuação dos oficiais de culto da armada imperial e os discursos da imprensa e dos relatórios de ministros sobre estes oficiais e suas atribuições.

Em instigante artigo intitulado “Corrupção na armada imperial: fraudes no provimento de carvão para os navios de guerra da Marinha ( 1877-1879)”, Pablo Nunes Pereira e William Gaia Farias discutem o tema pouco explorado processos de corrupção no abastecimento do carvão para os navios de guerra situando-o em um contexto de transformações em máquinas de navegação, embarcações durante o desenvolvimento do capitalismo industrial da segunda metade do século XIX.

Ludolf Waldmann Júnior, analisa em seu artigo os Programas Navais da Argentina durante a Segunda Guerra Mundial, demonstrando que, inicialmente, os planos de renovação da esquadra foram feitos tendo em vista retomada da hegemonia argentina na América do Sul, numa complexa teia de relações que articulavam questões externas e internas. Ao longo da guerra, no entanto, e devido às mudanças tecnológicas na construção naval e nos armamentos, estes planos foram se modificando.

Entre 1937 a 1947, Apolônio de Carvalho filiou-se ao Partido Comunista do Brasil, lutou na guerra civil espanhola ao lado dos republicanos e engajouse na resistência francesa ao nazismo. A trajetória antifascista, bem como as memórias que produziu sobre esta militância é estudada por Marco Antonio Machado Lima Pereira, em envolvente artigo sobre este oficial do Exército, que lutou também na resistência à ditadura militar no Brasil e foi militante do Partido dos Trabalhadores desde sua fundação.

Rosemeri Moreira aborda em seu texto “Heroínas, gênero e guerras” as representações do feminino e das heroínas de guerra presentes na imprensa militar dos anos de 1942 a 1945. São analisadas diferentes publicações sobre as mulheres nas revistas militares: A Defesa Nacional; Nação Armada e Revista Militar Brasileira.

Em texto instigante, Francisco Cesar Alves Ferraz demonstra que o fato da composição racial da Força Expedicionária Brasileira – FEB, espelhar a estrutura multiétnica da sociedade brasileira, foi um resultado não planejado pelas autoridades do Exército. Estas desejavam uma composição de “elite” em termos físicos e de alfabetização, mas enfrentaram dificuldades – resistência mesmo – no recrutamento de membros das classes mais elevadas e da classe média brasileira predominantemente “brancas”, o que resultou em uma tropa mais diversa do ponto de vista racial.

Claudio Beserra de Vasconcelos em seu artigo sobre a Escola Superior de Guerra (ESG), analisa as políticas repressivas aplicadas a militares após o golpe de 1964, baseadas nas doutrinas de segurança nacional e de guerra revolucionária. Desvenda assim não apenas as fundamentações ideológicas e políticas, mas também os métodos e focos deste processo.

Finalmente, Francisco Eduardo Alves de Almeida, demonstra no seu artigo, o ainda pequeno número de trabalhos sobre História Naval nos meios acadêmicos, a partir de levantamento do catálogo de teses e dissertações da CAPES entre os anos de 2016 e 2018. Serve como estímulo aos pesquisadores a se debruçarem sobre a temática em seus trabalhos já que se trata de campo fértil e inexplorado pelos historiadores.

Há indícios notáveis de que os estudos de História Militar no Brasil têm enorme potencialidade e muito trabalho a fazer. Como se sabe, o futuro é imprevisível, mas por esta amostragem podemos ao menos divisar que o papel da História no processo de construção de conhecimento sobre os fenômenos militares, do passado e do presente, é fundamental para a democratização da sociedade brasileira.

José Miguel Arias –  Universidade Estadual de Londrina.

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[DR]

 

Medievalismo (s), neomedievalismo e recepção da Idade Média em períodos pós-medievais / Antíteses / 2020

Em Busca dos Dragões: a Idade Média no Brasil

O que é medievalismo pós-colonial?

Em sua forma mais reconhecida, o medievalismo é o reaproveitamento de elementos considerados “medievais” em qualquer formato e época após o fim da Idade Média histórica. Essa cronologia histórica está associada aos anos 500- 1500 da era cristã e cobre desde a queda de Roma até o Renascimento. Nesta primeira posição teórica da disciplina, no entanto, os estudos do medievalismo pressupõem, por um lado, o fim da Idade Média e, por outro, um reuso consciente de que esta Idade Média constitui-se num período do passado, um período que deveria ter terminado para que o medievalismo propriamente dito pudesse começar. Leslie Workman estabeleceu essa separação no primeiro volume da revista Studies in Medievalism (SIM), onde observou que “o medievalismo só poderia começar, não simplesmente quando a Idade Média tivesse acabado, quando quer que tenha sido, mas quando a Idade Média foi percebida como algo no passado, algo que era necessário reviver ou desejável imitar” (WORKMAN, 1979, p. 1, tradução nossa). [3]

Essa separação em relação a um tempo que se encerrou e sua percepção como ocorrida no passado não é especialmente problemática para os centros hegemônicos de conhecimento. Para os centros hegemônicos, sua própria Idade Média é uma época histórica que já acabou e que está, em seu próprio imaginário, cuidadosamente colocada além da realidade cotidiana. Mas essa mesma posição teórica acerca do final do período medieval cria dificuldades nas áreas pós-coloniais ou no chamado mundo subdesenvolvido. As áreas póscoloniais são consideradas como carentes de um verdadeiro passado medieval europeu e, ao mesmo tempo, são em sua maioria vistas como sociedades atrasadas, sociedades anacrônicas onde continuam os modos de vida medievais que estão fora de sincronia com o presente. Como outros países do sul global, o Brasil sofreria de ambos os problemas, tanto pela falta de uma Idade Média própria que lhe permitisse estudar o “após” de uma autêntica era medieval, quanto pelo fato de grande parte de sua extensão continuar a ser considerada por muitos como uma sociedade ultrapassada que ainda vive dentro de uma certa Idade Média. Nessas condições, então, o que significa estudar “a Idade Média” e o medievalismo no Brasil?

Os estudos pós-coloniais podem nos ajudar a reconhecer as razões e diretrizes de tal projeto. Diante da noção mais comum nos estudos do medievalismo (de que há uma Idade Média histórica que é reutilizada e volta a se difundir após 1500), uma perspectiva pós-colonial sobre a disciplina e um compromisso explícito com localidades fora da Europa nos mostram um panorama distinto. Ao contrário da posição comum acima mencionada, estas localidades permitemnos perceber mais claramente que, antes que um reaproveitamento da “Idade Média” possa ocorrer, uma ideia prévia do que é a “Idade Média” deve ser criada para o seu consumo e sua nova difusão.

Como exemplo, podemos citar dragões. Não há dúvida de que os dragões jamais existiram, nem na época medieval ou antes dela, e que, como criaturas do universo fantástico, encontram-se tanto fora da Europa como em tempos anteriores à Idade Média, como no caso da China. É também notável, no entanto, que hoje em áreas cultural e economicamente hegemônicas os dragões se tornaram um elemento frequente em cenários “medievais”, não aparecendo menos que castelos, armaduras e monarcas. O medievalismo como disciplina, então, não é sobre se os dragões existiam na Idade Média real ou cronológica. O que o medievalismo aborda é o fato de que hoje os dragões se tornaram elementos comuns da ideia de “medieval” nas produções culturais do Atlântico Norte. Ressalte-se que os dragões não foram os elementos primários da ideia do medieval no século XIX, mas pode-se dizer que eles o são no medievalismo do século XXI no Atlântico Norte. O que podemos aprender com esses “dragões”, então, é que os elementos associados ao medievalismo mudam com o tempo e que devem ser formulados como “medievais” antes que possam ser difundidos efetivamente em um lugar e tempo específicos. Da mesma forma, este exemplo nos permite apontar que a necessidade de que um componente seja inventado como medieval antes que se possa usá-lo como medieval também se aplica a centros hegemônicos e a geografias que supostamente tiveram sua própria e verdadeira Idade Média. Em centros e geografias com passado medieval histórico, esses elementos não devem ser considerados ou tomados como mais “autênticos” ou menos inventados do que nas periferias. Em outras palavras, qualquer lugar e qualquer época terão que ter formulado e difundido seus próprios “dragões”—seus próprios elementos do que é “medieval” e com eles suas próprias versões e seus próprios reaproveitamentos locais do medievalismo. Um estudo de quais são as versões brasileiras de “o medieval” e, portanto, de quais são suas próprias formas de medievalismo, é o diálogo que começa a se realizar através desse dossiê.

Sendo um novo campo de estudos, este dossiê também mostra a tensão que existe entre as obras que acompanham os estudos do medievalismo tal como são definidos em suas versões anglófonas, e a compreensão pós-colonial mais ampla do campo no qual o Brasil, para seguir nossa própria metáfora, encontrará seus próprios “dragões”. Essas tensões e as dificuldades que o conhecimento hegemônico cria nas tradições pós-coloniais de conhecimento não são novas. Por exemplo, após um encontro em São Paulo em 2003, organizado por colegas europeus francófonos com o objetivo de aprender como era a Idade Média do “além-mar” da América do Sul, o professor francês Joseph Morsel se mostrou decepcionado devido ao caráter imitativo dos estudos medievais na América Latina. Ele observou que esses estudos usaram a mesma construção cronológica, os mesmos métodos e as mesmas metodologias possíveis que na Europa. Morsel reclama que, embora os ibero-americanos olhem para a Idade Média “do equador”, eles claramente não a vêem de forma diferente dos europeus ou oferecem algo que os europeus não tenham visto (MORSEL, 2003, p. 3). Ao contrário, os ibero-americanos teriam simplesmente importado as diretivas europeias para seus próprios estudos. O que, então, o Brasil pode oferecer se for apenas um derivado deslocado fazendo o mesmo e da mesma forma que os centros hegemônicos?

Como muitos neste dossiê reconheceram, uma boa resposta é o medievalismo. O medievalismo é uma forma produtiva e intelectualmente estimulante de lidar precisamente com o uso local do “medieval” e das funções que o medieval tenha exercido em um cenário específico como o Brasil. Porque o medievalismo está interessado no lugar e na época em que o medieval é difundido, seja na Austrália, França ou Brasil: que função ele teve? Por que foi usado? Com que efeitos? Quais foram as razões para inventar um determinado elemento como “medieval” em uma época e lugar específicos?

Estipulemos também claramente que os estudos de caráter derivativo não são um problema exclusivo do “equador” e são encontrados em universidades europeias, marcadas por um nepotismo evidente, ou em universidades do Atlântico Norte, onde a falta de financiamento suprime a maioria dos projetos de pesquisa mais inovadores. Há também uma certa facilidade em exigir desde os centros de produção intelectual que as periferias acadêmicas “nos surpreendam” e “nos deem” algo novo e desconhecido. Em sua forma mais crua, essas expectativas são transformadas em uma forma de extrativismo, em que geografias menos familiares fornecem uma “renovação” e novos materiais para localidades hegemônicas, estas já talvez sem brilho ou absortas em suas rotinas, mas ainda exercendo autoridade. Junto com o desejo de novidade, uma questão semelhante é que é muito fácil saber pouco ou nada sobre o que acontece e é feito nas periferias, exceto quando esses trabalhos se enquadram em contextos disciplinares reconhecíveis. Há, portanto, uma linha tênue que separa o fornecimento de produções acadêmicas que são “iguais”—e, portanto, imitativas e desinteressantes—e fornecer inovações acadêmicas que são demasiado “nicho” em um contexto disciplinar regido principalmente pela academia de língua inglesa.

A favor do neomedievalismo

Uma área em que os praticantes brasileiros estão se posicionando para mudar é a “controvérsia” entre o medievalismo e o neomedievalismo. O que hoje é conhecido como medievalismo no Atlântico Norte poderia facilmente ter sido conhecido como estudos do neomedievalismo. Para os estudiosos brasileiros, a questão do neomedievalismo ressurge porque “neo” é a terminologia mais óbvia e direta. Se essa terminologia tivesse sido incorporada nos centros hegemônicos, aqueles que estudam a Idade Média histórica fariam o chamado medievalismo— sentido que continua a ser corrente na América Latina—enquanto aqueles que estudam as reapropriações posteriores fariam o neomedievalismo. Se essa seria uma solução possível, por que falamos em medievalismo e não em neomedievalismo no campo anglófono e seus derivados?

Um dos motivos é que seu fundador nos Estados Unidos, Leslie Workman, chamou a disciplina de medievalismo e só fazia distinções entre os estudos medievais e o medievalismo, sem mencionar o “neo” e às vezes sem reconhecer abertamente a correlação entre medievalismo e classicismo. Assim, em entrevista no livro em sua homenagem, publicado na década de 1990, Workman associa os estudos clássicos aos estudos medievais, mas não identifica a existência do classicismo como um processo de criação do passado grecoromano, paralelo ao medievalismo como um processo de criação da Idade Média (UTZ, 1998, p. 446–447). Já em relação ao Brasil e a possibilidade de se optar pelo termo neomedievalismo na contramão de Workman, Clínio Amaral menciona em entrevista ao grupo de pesquisa Linhas, que sua importância no Brasil se deve ao uso dado em Travels in Hyperreality de Umberto Eco, uma figura fundadora da disciplina e cujo renome e reconhecimento superam Workman, principalmente no Brasil, onde a historiografia está mais voltada à Europa (particularmente à França) do que aos Estados Unidos. Disciplina em início de incorporação e, se necessário, contando com uma figura fundadora alternativa como Eco, o Brasil é terreno fértil para o restabelecimento do termo neomedievalismo como equivalente ao uso corrente encontrado na academia de língua inglesa e seus seguidores.

Sejamos também claros que na academia de língua inglesa o senso de medievalismo e neomedievalismo não é hermético nem desprovido de fissuras. Dentro dessa academia seria possível usar o termo medievalismo igualmente para se referir a “estudos medievais”, tanto por ser um termo generalizado quanto pelo fato de os estudos medievais também ocorrerem após a Idade Média histórica. Por outro lado, diante das investidas de uma cultura popular que mistura e reinventa radicalmente o significado de “medieval”, a academia anglófona têm se esforçado para manter o termo medievalismo intacto, referindo-se a produções que mantêm vínculos com “a verdadeira Idade Média”, enquanto ela, finalmente, inclina-se ao uso do termo neomedievalismo para aquelas produções mais desligadas do período histórico e que mostram um distanciamento lúdico em relação a este passado. Para quem se apegava ao uso original institucionalizado por Workman, o medievalismo entraria em diálogo com a Idade Média cronológica e seus elementos históricos, enquanto o neomedievalismo mostraria maior desconexão com estes, vinculando-se com produções que apenas produzem o “sentimento” do medieval.

Uma forma de esclarecer os limites e possibilidades das terminologias medievalismo e neomedievalismo é uma comparação com os termos muito mais familiares e comuns de classicismo e neoclassicismo. Como é bem conhecido das histórias culturais da literatura e da arte, o classicismo foi uma tentativa erudita de recuperação de traços culturais durante o chamado Renascimento, que seus praticantes associaram ao passado greco-romano e consideraram esquecidos após a queda de Roma: foi um renascimento, um ressurgimento da antiguidade clássica. Este sentido constitui um bom paralelo em relação ao chamado “Medieval Revival”, como o medievalismo foi chamado quando pela primeira vez se tornou objeto de estudo das Ilhas Britânicas: um movimento de retorno aos valores, estéticas e modos de vida do passado, associados à Idade Média histórica e que consideravam-se perdidos em meio à era industrial. Isso se torna visível, por exemplo, na restauração da cavalaria ou no retorno ao catolicismo no chamado Movimento de Oxford. Devemos já notar que em contraste com o “Medieval Revival” ou, se quisermos, o “renascimento medieval” das Ilhas Britânicas, os primórdios do “medievalismo” na América espanhola e portuguesa não apresentam um renascimento ou um desejo nostálgico de reviver o passado, mas uma forte rejeição dos elementos que associavam-se com o medieval. Na Ibero-América, então, as primeiras mobilizações foram desde o início formas do “neomedieval” no seu sentido de apropriação a-histórica: não ressurgimento de tempos acabados, mas mobilizações politicamente motivadas com pouco ou nenhum interesse na autenticidade de um passado histórico (ALTSCHUL, 2020). Mencionemos novamente que o termo usado para o renascimento da antiguidade clássica é classicismo, enquanto as reutilizações e reproduções do período clássico após o século XVIII são conhecidas como neoclassicismo. Em contraste com o Renascimento ou o classicismo, o neoclassicismo não busca a recuperação ou ressurgimento da antiguidade clássica, mas, em vez disso, volta a difundir, por suas próprias razões e motivos, certos elementos que permaneceram filiados à antiguidade: leis rígidas nas produções culturais, arranjos considerados racionais, estruturas imponentes, colunas e mármores em seus edifícios. As linhas gerais do neoclassicismo podem então fornecer uma analogia com o neomedievalismo: um uso posterior e remoto de um suposto revival original e que manipula e implanta elementos quase estereotipados que permaneceram afiliados a uma ideia da Antiguidade Clássica ou da Idade Média. Além do auxílio que essas analogias com respeito ao confuso termo medievalismo podem nos oferecer, o que é evidente é que há boas, ou talvez melhores razões para associar nosso campo ao termo neomedievalismo do que continuar com o uso já estabelecido, mas confuso, que vem até nós hoje através da academia de língua inglesa. Nesse sentido, é instrutivo observar que Workman, como vimos, não tinha em mente o conceito de neoclassicismo ou de “neo” como um equivalente que o teria ajudado a avançar do neoclassicismo ao neomedievalismo. Uma hipótese nesse sentido é que o neoclassicismo (como o barroco) não foi uma categoria primária na disciplina histórica, na qual se formou, como o é na história literária e na história da arte. Por outro lado, essa ausência do neoclassicismo como categoria cultural que pudesse funcionar como intermediária foi exacerbada pela importância central dada ao ditado de Lord Acton em 1859, e que se reproduz até hoje nos volumes de Studies in Medievalism. Como as epígrafes tornam explícito:

Dois grandes princípios dividem o mundo e disputam o domínio, a antiguidade e a idade média. Estas são as duas civilizações que nos precederam, os dois elementos que compõem o nosso. Todas as questões políticas e também religiosas se reduzem praticamente a isso. Este é o grande dualismo que permeia nossa sociedade (DALBERG-ACTON, 2010, p. 9, tradução nossa) [4]

Em suas origens, o uso dessa posição maniqueísta de Lord Acton foi uma exigência na busca por reconhecimento e aceitação de uma nova disciplina, e a elevação da Idade Média ao nível de uma Antiguidade de cuja importância ninguém duvidava. Mas o “medievalismo”, como o tratamos aqui, ficou refém nessa divisão dicotômica necessária em seus primórdios. A divisão categórica que continua nas epígrafes do SIM parece ter sido estabelecida como uma categoria elementar, levando Richard Utz e Tom Shippey, por exemplo, no volume em homenagem a Workman, a elogiar a frase de Acton por sua “abrangência definitiva” e a identificar uma “cisão clássico / medieval” (UTZ; SHIPPEY, 1998, p. 5, 10, tradução nossa) [5]. Essa cisão é problemática: ela estabelece apenas dois canais únicos que negam na prática que outras civilizações como o Islã ou o mundo pré-colombiano tenham contribuído com elementos essenciais para “nossa” civilização. Também, em relação ao tema que nos interessa agora, estabelece uma progressão temporal em que o medievalismo chega com a era romântica. [6] Um caso instrutivo dessa progressão e dualidade fundamental pode ser visto na explicação de William Calin no mesmo volume em homenagem a Workman. Ali, Calin explica que o medievalismo é “igual” ao classicismo, embora “seu oposto” e “seu contrapeso”, mas com a diferença temporal de que o classicismo foi uma invenção do início da modernidade, enquanto o medievalismo é uma invenção dos séculos mais recentes (CALIN, 1998, p. 451, tradução nossa). [7]

Mas são essas questões terminológicas mesquinhas e, em última análise, ninharias? A incorporação de uma nova disciplina é precisamente um daqueles momentos que podem se tornar oportunidades perdidas e posições imitativas e, portanto, decepcionantes do que poderia ter sido uma posição intelectual própria e, portanto, verdadeiramente inovadora. Voltando ao dossiê, então, e como vários de seus ensaios observam, não há razão para “transferir” as perspectivas da língua inglesa para novos territórios como o Brasil. Ao contrário, um verdadeiro desvio pós-colonial pode deslocar a disciplina para fora de seus canais usuais e oferecer uma transformação em como ela se entende; pode conter uma transferência que não é imitativa, mas segura em suas diferenças e perspectivas. O que se propõe aqui, sob o signo de uma transferência pós-colonial, é que a abertura dessa disciplina no Brasil possa ser pautada pelo neomedievalismo como termo mais preciso e adequado para examinar as invenções e os reaproveitamentos de elementos daquilo que em nossos próprios espaços e trajetórias têm sido associado ao “medieval”.

Por sua singularidade, o Brasil colocou desde cedo os pesquisadores interessados no passado medieval diante de um complexo dilema: afirmar a necessidade do estudo de uma Idade Média histórica em um país que não a havia experimentado; e, ao mesmo tempo, construir um discurso que equilibrasse a conexão com o passado medieval português sem perder a formação de uma identidade própria nos horizontes dos debates acadêmicos. Ao leitor desavisado, tal problemática parece longínqua, assentada sobre os momentos fundadores da disciplina histórica no território brasileiro. Todavia, um mero olhar para as discussões levantadas em torno da proposta da Base Nacional Curricular Comum, que excluía do conjunto de temas de ensino obrigatório da disciplina histórica aqueles referentes à Idade Média—entre outros, vale lembrar. O tom geral das críticas levantadas por especialistas do medievo nas diversas manifestações de desagravo à proposta do governo federal incluía sistematicamente a ideia de que o passado brasileiro se estenderia, de uma forma ou outra, sobre a Idade Média europeia através da colonização portuguesa. Seríamos, portanto, também medievais, no sentido de herdeiros de uma tradição transferida pelos colonizadores, a qual não somente justifica ainda o investimento em pesquisa na área, mas também a sua presença nos currículos de ensino obrigatório. Como tal noção persistente se formou na academia brasileira ao início do século XX é o tema do artigo que abre o dossiê aqui apresentado. Nele, Renan Birro aborda o tema dos colonialismos culturais e intelectuais—sobretudo o francês—na academia brasileira e seu impacto na construção dos elementos mais marcantes do medievalismo brasileiro, os quais ecoam ainda hoje na produção acadêmica e no ensino de história no Brasil.

Se Birro em seu trabalho nos apresenta tal diagnóstico, preciso e necessário para a tomada de consciência das relações coloniais que permeiam a intelectualidade brasileira—em especial aqui o medievalismo, Marcelo S. Berriel nos traz, em sua contribuição, uma proposta de aproximação a partir de uma abordagem decolonial. Em seu trabalho, Berriel faz confluir reflexões sobre as deficiências que o vínculo cego aos modelos euro-referenciados trazem à compreensão dos medievalismos brasileiros, por um lado, e as possibilidades que as propostas decoloniais podem trazer, a partir daquilo que o autor chama de empirismo radical e perspectivismo, ou seja, uma perspectiva que parte essencialmente da experiência brasileira para explicar seus próprios fenômenos, que são ao mesmo tempo próprios e diversos, variando desde a literatura de Suassuna, até o medievalismo religioso presente em movimentos ultra-conservadores. A relação entre medievalismo e religião é, sem dúvida, um campo novo dentro da própria área de estudos do medievalismo. Esse é o sentido do artigo apresentado por Maria Eugenia Bertarelli e Clínio de O. Amaral. Em um instigante trabalho a respeito da missa “Urbi et Orbi” do Papa Francisco os autores propõem estratégias para pensar as questões de temporalidade que marcam a prática religiosa do cristianismo e sua constante atualização do passado—também medieval.A partir dessa reflexão, partem então para a análise da missa de Francisco, encarando o conteúdo desta como expressão de uma postura profundamente marcada pelo medievalismo. Ao final de seu trabalho, os autores reforçam a necessidade da ampliação dos estudos do medievalismo em caráter multidisciplinar, assim como propõem, de maneira inovadora, a abordagem das expressões da religiosidade cristã essencialmente como manifestações do medievalismo no mundo contemporâneo. Uma abordagem decolonial acompanha também o trabalho de Otávio L. Vieira Pinto e sua excelente proposta de discussão do colonialismo acadêmico e do medievalismo em torno da história da África ao sul do Saara. A partir desse pressuposto, Vieira Pinto conclui que a ideia de uma África Medieval se concentra sobre o território Ocidental africano não por questões externas, vinculadas à práxis historiográfica (como o acesso a documentação), mas devido, sobretudo, às pressões (políticas) exercidas pelo colonialismo acadêmico, que reconhece ali a emulação de realidades europeias e suas categorias analíticas. Vieira Pinto aponta como a própria noção de uma Idade Média africana acaba por se constituir em uma expressão de “medievalismo de exportação” que atende somente os interesses da academia euro-referenciada e ocidental. Ao se pensar em uma história decolonial e globalizada, é preciso repensar, reforça o autor, as categorias de aproximação aos objetos de análise de modo a promover— em consonância com Berriel—um ambiente de pesquisa que parte da própria realidade estudada para identificar as suas categorias analíticas viáveis.

Essas importantes reflexões de caráter teórico em torno do medievalismo e seu impacto na análise histórica são acompanhadas no presente dossiê por um conjunto de estudos de caso referentes tanto à experiência brasileira, com Elton O. S. Medeiros e Douglas M. X. de Lima, quanto da Europa, com Daniele Gallindo-Gonçalves e Vinicius C. D. de Araujo. O trabalho de Elton Medeiros nos traz importantes contribuições para a intersecção entre medievalismo e educação no contexto brasileiro. Medeiros parte de uma análise de monumentos arquitetônicos da capital paulista que buscam referenciar um (suposto) passado medieval à época de suas construções no âmbito do modernismo. A partir de seus resultados, o autor propõe esses espaços do medievalismo como possíveis fontes para o ensino de história com base nas experiências da sociedade brasileira. De Lima, por outro lado, nos oferece uma análise a partir da noção do lúdico, embasando seu trabalho nas apropriações do passado medieval e suas representações em jogos de tabuleiros. O autor conclui que o medievalismo presente nessa plataforma reforça a construção de um simbolismo atrelado ao imaginário euro-referenciado. Assim, os aspectos do medievalismo se tornam visíveis em novos espaços da cultura de entretenimento, reforçando a sua universalidade enquanto proposta midiática, assim como os problemas que colocam para uma representação da Idade Média em consonância com os avanços da história global e as críticas decoloniais. Mudando o foco para o espaço europeu e para a política, Vinícius de Araújo apresenta nesse dossiê uma análise do medievalismo presente no nacionalismo italiano da Lega Nord e suas influências sobre a política e cultura italianas na contemporaneidade. Daniele Gallindo-Gonçalves, por sua vez, analisa o medievalismo das obras de Otto Rahn e como este influenciou o pensamento nazista em torno da temática do Graal e do catarismo. Ambos os trabalhos transitam em um campo muito fértil da análise do neomedievalismo: a política.

Como já afirmamos, a publicação do presente dossiê recebe um caráter fundacional da área de estudos no cenário brasileiro ao propor novas perspectivas de análise, a discussão de importantes aspectos teóricos, bem como a apresentação de contribuições fundamentais ao campo a partir de uma perspectiva original. Convidamos os leitores da Revista Antíteses a se debruçarem sobre os materiais aqui publicados e buscarem neles a inspiração para o desenvolvimento do campo de estudos do neomedievalismo no Brasil.

Notas

3. “medievalism could only begin, not simply when the Middle Ages had ended, whenever that may have been, but when the Middle Ages were perceived to have been something in the past, something it was necessary to revive or desirable to imitate”.

4. “Two great principles divide the world, and contend for the mastery, antiquity and the middle ages. These are the two civilizations that have preceded us, the two elements of which ours is composed. All political as well as religious questions reduce themselves practically to this. This is the great dualism that runs through our Society”.

5. “definitive comprehensiveness”; “Classical / medieval divide”.

6. Por muito tempo, essa sequência quase implícita tornou desconhecidos os medievalismos pré-românticos.

7. “Equal,” “opposite,” “counterweight.”

Referências

ALTSCHUL, Nadia R. Politics of temporalization: medievalism and orientalism in nineteenth-century south America. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2020.

CALIN, William. Leslie Workman: a speech of thanks. In: UTZ, Richard; SHIPPEY Tom (ed.). Medievalism in the modern world: essays in honour of Leslie J. Workman: with the assistance of L. Workman. Turnhout: Brepols, 1998. p. 451–452.

DALBERG-ACTON, John Emerich Edward, Lord. [Epigrafe]. In: FUGELSO, Karl. Defining neomedievalism(s). Cambridge: D. S. Brewer, 2010. (Studies in Medievalism, 19).

MORSEL, Joseph. Le moyen âge vu d’ailleurs. BUCEMA, [Paris], v. 7, p. 1–5, 2003.

UTZ, Richard. Speaking of medievalism: an interview with Leslie J. Workman. In: UTZ, Richard; SHIPPEY Tom (ed.). Medievalism in the modern world: essays in honour of Leslie J. Workman: with the assistance of L. Workman. Turnhout: Brepols, 1998. p. 433–449.

UTZ, Richard; SHIPPEY, Tom (ed.). Medievalism in the modern world: essays in honour of Leslie J. Workman: with the assistance of L. Workman. Turnhout: Brepols,1998.

WORKMAN, Leslie. Editorial. Studies in Medievalism, Cambridge, v. 1, n. 1, p. 1–3, 1979.

Nadia R. Altschul– University of Glasgow.

Lukas Gabriel Grzybowski – Universidade Estadual de Londrina

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Francisco e o franciscanismo; Sociedades científicas / Antíteses / 2019

Editorial

O ano de 2019 foi particularmente difícil para as universidades brasileiras, que enfrentaram, além da redução de verbas destinadas à pesquisa, a desconfiança em relação ao conhecimento científico e sua relevância social. Neste cenário, o meio acadêmico, em particular o historiográfico, se viu diante do desafio de reafirmar suas bases epistemológicas e metodológicas (como fizemos no número anterior por meio de nossa Carta de princípios) e ao mesmo tempo prosseguir com a busca por resultados de excelência na pesquisa. Para nós, da Revista Antíteses, esse cenário não foi diferente. Este número encerra um ano de muitas transformações internas, da procura por novos caminhos para a difusão dos conhecimentos da área e da consolidação das conquistas obtidas nos últimos anos por nosso periódico.

A presente edição consolida, por exemplo, o novo projeto gráfico da Antíteses, possibilitado pelo apoio recebido do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), que modernizou o layout adequando-o a novos padrões de leitura. Também demos seguimento à nova seção “Sociedades Científicas”, desta vez por meio da parceria com o Laboratório de Estudos de História das Américas (LEHA), da FFLCH-USP. Celebramos ainda, mais uma vez, a conquista do novo Qualis-Capes obtido pela revista (A1). O feito de atingir o estrato máximo da avaliação já nos trouxe como resultado imediato o aumento no recebimento de artigos, vindos das mais variadas universidades brasileiras e do exterior, o que coloca novos desafios para o Comitê editorial.

Em continuidade a esse processo de reformulação, comunicamos a troca do editor-chefe da Revista Antíteses. Após 5 anos de dedicação no comando desta publicação, o professor Gilmar Arruda deixou o cargo de editor-chefe, embora continue como um membro fundamental da nossa editoria.

Em seu lugar, assumiu a professora Carolina Amaral de Aguiar. Essa mudança denota uma enorme responsabilidade e engajamento para manter o nível de qualidade do periódico, assim como o prestígio alcançado no campo historiográfico graças ao trabalho de Arruda nos últimos anos. Também anunciamos a inclusão de uma nova integrante na equipe editorial, a professora Cláudia Martinez, ampliando o número de docentes do Programa de Pós-graduação em História Social-UEL envolvidos neste projeto.

Além dos textos de temáticas variadas na seção “Artigos”, neste número publicamos novamente resultados recentes de pesquisa na seção “Primeiros passos”, destinada a pesquisadores que ainda não terminaram o doutorado. Trazemos também uma resenha, mantendo o espaço reservado à leitura e aos comentários de obras recentemente lançadas. Destacamse ainda dois dossiês. Na seção “Sociedades científicas” – coordenada pelas pesquisadoras vinculadas ao LEHA-USP Ângela Meirelles de Oliveira (UNIOESTE), Camila Bueno Grejo (USP) e Maria Antonia Dias Martins (CUFSA) –, apresentamos artigos representativos de tendências da área de História das Américas. Já a seção coordenada pelos professores Angelita Marques Visalli (UEL) e Daniel Russo (Université de Bourgogne) traz textos que abordam de maneiras variadas o pensamento, as imagens e a memória franciscanos: trata-se do dossiê “Francisco de Assis e a construção da experiência franciscana na Idade Média”.

A variedade de temáticas, períodos abordados, metodologias e pontos de vista presente nesse conjunto de textos reafirma nosso compromisso em dar espaço às mais variadas perspectivas historiográficas, legitimadas pelo rigoroso processo de avaliação pelos pares. Como resultado, obtemos também uma relevante abrangência nacional e internacional que se refere às instituições dos pesquisadores envolvidos para a realização deste número. Nunca é demais lembrar que a Revista Antíteses é resultado do trabalho comprometido de uma grande equipe – entre membros dos comitês editorial e científico; pareceristas ad hoc; autores; e assistentes do processo de edição. Esse compromisso coletivo deriva, sobretudo, de um engajamento com a pesquisa e com a universidade que resistiu aos duros golpes sofridos em 2019. Dessa forma, esperamos que a leitura deste número seja também um momento de reafirmação de princípios e de defesa da universidade em sua função pública e social.

Londrina, dezembro de 2019

Carolina Amaral de Aguiar –  Editora-chefe

Cláudia Eliane Parreiras Marques Martinez

Claudio Denipoti

Gilmar Arruda

Lukas Gabriel Grzybowski

Editores

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Revistas culturales de Iberoamérica / Antíteses / 2019

En las últimas décadas se ha revalorizado el interés por los estudios de las publicaciones periódicas desde distintas perspectivas de análisis. No sólo porque aportan información valiosa por los datos objetivos que contienen en tanto fuente documental, sino porque son, en sí mismas, observadores e incluso protagonistas del quehacer social y político de su época, constituyendo a la vez dispositivos culturales y actores políticos.

En el universo de las publicaciones periódicas, las revistas culturales registran el pulso cotidiano de la vida social, política y cultural. Difíciles de circunscribir dentro de un campo específico de la historiografía contemporánea, son una ventana para conocer la historia de la cultura impresa, la circulación y la discusión de ideas y escritos, la vida intelectual y política y sus formas de sociabilidad y la modernidad cultural y tecnológica que, como parte de la industria editorial, acercan prácticas y pensamientos a sus lectores al ponerlos en relación con estos productos.

En la tradición publicista iberoamericana, las revistas culturales han servido como generador y vaso comunicante de las ideas políticas y las tradiciones culturales, en particular el arte, la literatura y la ciencia. En palabras de Schwartz y Patiño (2004), las revistas tienen, dentro de la dinámica del campo cultural, funciones específicas pero variables. Tampoco tienen un lugar definido a priori, pues las hay portadoras de una legitimidad cultural buscada por muchos y repudiada por otros, así como hay algunas que por su carácter coyuntural e innovador se permiten un grado de intervención más agudo y determinante sobre las problemáticas de la cultura. Asimismo, las revistas pueden describir trayectorias diferentes, en el sentido de depender de una institucionalidad académica o estatal o de haber nacido como expresión disruptiva de determinadas formaciones intelectuales y artísticas.

De éstas últimas se ocupa el Dossier que se presenta a continuación, pues pretende reflexionar sobre la cultura impresa como plataforma esencial para analizar el tránsito del siglo XIX al XX en la conformación de un ideario continental, que se ha mostrado notable en su producción literaria y artística. Esta propuesta es abarcadora del universo iberoamericano, incluyendo países de habla portuguesa, como Brasil; pero también incorpora aquellas publicaciones editadas en el viejo continente que han interpelado la América Latina (española y portuguesa) y el Caribe como horizonte de pertenencia histórica y cultural.

A través de distintos formatos –prensa periódica, magazines literarios, revistas culturales y de actualidad- las publicaciones han constituido lugares de expresión por excelencia de intelectuales y artistas que, durante la modernidad cultural del continente, conformaron infraestructuras editoriales y circuitos culturales y del pensamiento que encontraron en ellas sitios privilegiados para su manifestación. Por lo mismo han funcionado como un espacio de debate y tribuna, un campo de controversias, una red de solidaridades, un lugar propicio para homenajes, polémicas, manifiestos y declaraciones de alegato o rechazo, de continuación, independencia o renovación. En esa anticipación de escrituras y recorridos de la creación intelectual y artística, logran establecer vínculos con el público lector, compartiendo estéticas, consumos culturales, imaginarios y programas de diversa índole. Indagar en las revistas deja ver las materialidades que las hacen posible – las redes de colaboradores, sus secciones, la diagramación de la información, los tópicos predominantes, el perfil del público lector y potencial consumidor, etc.-, lo cual, en muchos casos, les permiten superar el primer impulso programático y sostenerse en el tiempo, elaborando sus propias tradiciones y genealogías.

La coyuntura socio-histórica que acompañó su recepción y circulación en América Latina correspondió a los inicios de la industrialización del continente e incluye, entre otros factores: la industria cultural; la marginalización política de las oligarquías agrarias; la emergencia de clases modernas con diferenciación de funciones entre el trabajo intelectual e industrial; el desarrollo ‘espectacular’ de las ciudades en algunos países, el impacto de la gran guerra, la revolución mexicana y la reforma universitaria.Esa coyuntura encontró su correspondencia con los puentes culturales tendidos gracias al intercambio intelectual y científico acaecido entre el reformismo liberal, el modernismo literario y las vanguardias estéticas y literarias en ambos continentes.

Si durante su surgimiento -en los comienzos del siglo XX- acompañaron esos procesos globales, en su segunda mitad las revistas fueron espacios de resonancia y amplificación de denuncias contra los totalitarismos europeos por parte de emigrados y asilados, del partido comunista estadounidense, de militantes católicos que, con posterioridad, incursionaron en los debates de la segunda posguerra y su repercusión en el continente, en particular el significado ideológico e intelectual de la revolución cubana. De esta manera las revistas americanistas dieron voz a las denuncias contra la opresión y se constituyeron en medios de resistencia y autoconciencia, de configuración de identidades, de elaboración de programas de emancipación a lo largo de todo el siglo.

Las investigaciones sobre las revistas exigen la convergencia de metodologías cuanti y cualitativas que permitan analizar desde las perspectivas de redes, la circulación de actores, discursos, valores, prácticas y conocimientos en tanto bienes culturales. Es una perspectiva inscripta en el campo de la nueva historia cultural, que ha abarcado en los últimos años perfiles etno-metodológicos e interaccionistas, al reconocer en el mundo de las publicaciones periódicas y en particular las revistas, agentes transculturales (directores, editores, promotores culturales, militantes) cuyos descubrimientos, acciones y discursos articulan sensibilidades, valores y creencias compartidos y definen estrategias y modos de accionar. Al mismo tiempo, estas indagaciones se sitúan en el campo de la historia social de las ideas, que complementa el análisis de redes e identifica la producción y circulación de saberes y programas, es decir las plataformas de difusión y discusión que parten de un corpus de lecturas compartido, prefiguran prácticas y se ponen en funcionamiento en las publicaciones periódicas.

Otro aspecto metodológico importante es el examen de la recepción de ideas, conocimientos y escritos en las publicaciones periódicas pues, por lo general, arrastran viejas controversias, cuya actualización y / o resignificación convierte esos discursos en contemporáneos. En este Dossier, en particular, los autores buscan conocer qué hay detrás de las revistas (ideas, iniciativas, invitaciones, redes intelectuales), tanto en la formación de un pensamiento intelectual americanista de autoafirmación (liberales decimonónicos, católicos militantes) y de resistencia al imperialismo norteamericano (modernistas, nacionalistas), como en el impulso de redes de denuncia exiliar y pedidos de ayuda humanitaria (los republicanos españoles en México), en la promoción de una integración territorial (fomento del ferrocarril y del turismo de mar y playa), en la configuración de ciertas identidades profesionales (arquitectos), en la proyección venturosa del orden americano ideal(izado) por misioneros y exploradores (padres franciscanos, viajeros europeos), hasta la profesionalización del editor / director como auténtico promotor cultural (José Enrique Rodó, Rubén Darío, Emir Rodríguez Monegal).

Pese a su diversidad dentro del campo de la prensa, las publicaciones también se abordan por medio del análisis de los discursos visuales y escritos, además de los enfoques critico-literarios ajustados a la escritura biográfica y la literatura de carácter memorialista. Cualquiera sea el cometido para examinarlas, los trabajos ponen en evidencia la emergencia de agentes que articularon programas de intervención político-cultural desde sus ámbitos específicos. Así el punto de vista biográfico puede indicar la convergencia ‘generacional’ de intereses y expectativas en que se encontraron los directores, editores, patrocinadores, colaboradores y referentes; y resaltar la formación de redes que aquellos integren. Pero también el análisis del contenido de los artículos, notas de opinión, comentarios menores y reseñas, entre otras secciones internas, delimita los modos de intervención que, mediante polémicas, manifiestos e interlocuciones variadas, incluyen la construcción del / de los adversario / s.

En los artículos que aquí se ofrecen, encontramos aquellos que en la circulación de conocimientos, estéticas, programas y prácticas nos permiten seguir el latir cotidiano de la vida literaria y la configuración de un público lector. En este conjunto descubrimos, en el artículo de Fernando Torres Londoño y Sharley José Cunha, las tempranas voces de los padres franciscanos viajeros que a fines del siglo XVIII exploraron la región andina de Ucayali y, desde el Mercurio Peruano, conformaron una comunidad de conocimiento que tradujo los hallazgos del mundo desconocido para los europeos. Beatriz Cecilia Valinotti recorre los caminos de la cultura impresa en la Argentina a comienzos del siglo XX, en particular los avisos publicitarios sobre enciclopedias y compendios de historia universal ofrecido por la revista Caras y Caretas, que demuestran cómo el acto propio y privado de elegir qué leer está directamente atravesado por la resonancia particular de lo público. Mientras, los escritos de José E. Rodó publicados en la Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales configuran, según Elisângela da Silva Santos, un esbozo de historia de la literatura latinoamericana, la cual ocupa el mismo clivaje de formación de un pensamiento socio-cultural continental en el que se reconocen tanto fuentes europeas como autóctonas, en tensa disputa por la construcción de la autonomía americana y la diferenciación literaria.

Siguiendo esa trayectoria distintiva están también los trabajos que buscan explorar publicaciones que, durante los años 1920 y desde diversos ámbitos públicos (aulas universitarias, redacciones de periódicos), lograron reunir a jóvenes que exploran las bases legitimadoras de las vanguardias literarias y el ultraísmo en el plano nacional argentino. Karina Vázquez analiza estas intervenciones juveniles particularmente en Nosotros, Proa y Martín Fierro. Ronen Man, en clave local, hace foco en la revista El Círculo de Rosario (Argentina) e interpreta la vitalidad ideológica, estética, artística de esas mismas vanguardias a partir del cruce entre los aspectos textuales y los propios del lenguaje visual, que define la progresiva autonomización de la publicación. Aldrin Moura de Figueiredo y Heraldo Márcio Galvão Júnior examinan, hacia esa misma década, los manifiestos de dos revistas brasileñas -Belém Nova y Revista de Antropofagia- que se complementan en la reconfiguración de un modernismo nacional a partir del reconocimiento de lo local-regional y la preponderancia artística y estética que vincula a los autores y los temas de ambas publicaciones. Los trabajos antes señalados hacen hincapié en estas miradas en escala, que distinguen los enclaves territoriales como focos de la vida cultural con sus propios mecanismos internos y lógicas locales, pero que pretenden trascender también hacia horizontes más globales.

En un tercer plano ubicamos los análisis de revistas que permitieron descubrir los anclajes de la modernidad cultural y tecnológica americana y distinguir la configuración de culturas profesionales. Por un lado, aparecen las que, como analiza Andrea Pasquaré, privilegian el viaje como una práctica cultural que suscita comparaciones, búsquedas de goce y experimentación. Es el caso de Mundial Magazine, un emprendimiento editorial de origen parisino -pero ideado y dirigido por hispanoamericanos- que estuvo destinado a escritores residentes y viajeros americanos, intentando proveer, por medio de notas y publicidades, la información necesaria que orientara sus emprendimientos particulares. En tanto que Joana Carolina Schossler compara revistas uruguayas (Turismo en el Uruguay) y del sur de Brasil (A Gaivota) que promovieron el turismo de playa y la cultura de la diversión y el veraneo, en correspondencia con el desarrollo urbano e industrial en transporte y comunicaciones que, durante la primera mitad del siglo XX, ofrecía al sujeto moderno. Otra publicación que articuló en sus páginas un proyecto de modernización social y cultural fue la editada por la Administración General de los Ferrocarriles del Estado: Riel y Fomento. Pablo Javier Fasce demuestra de qué manera esta revista se hizo eco de la aparición y difusión del ferrocarril, promotor del crecimiento agrícola e industrial, y buscó desarrollar, acorde a los tiempos que se vivían, una cultura auténtica de valores americanistas. Leonardo Faggion Novo redefine la noción de circulación y red para analizar la constitución de una cartografía cultural profesional transnacional a través de la promoción de valores, prácticas, saberes, reconocimientos y prestaciones recíprocas entre las principales revistas técnicas de arquitectura y urbanismo editadas en Argentina, Brasil, Chile y Uruguay durante los años 1920 a 1940; período en el cual la realización del primer congreso panamericano de arquitectos contribuye, también, a pensar el campo de las asociaciones profesionales en disputa, abierto y dinámico.

Finalmente, están las revistas culturales que fueron ámbitos de confrontación, de configuración de constelaciones político-ideológicas y de formación de redes intelectuales. Estos proyectos editoriales por los que circularon valores, epistemologías y que definieron programas políticos, permitieron una lectura específica sobre el presente y pasado de un país, elaborando memorias y genealogías particulares de sus naciones y de su integración al continente. Algunas de ellas, como la Revista del Pacífico, ubican al lector en los proyectos de formación de la nación chilena (segunda mitad del siglo XIX), la actualidad de sus debates político-ideológicos y el acompañamiento programático de una república de las letras transnacional. Nicolás Arenas Deleón anticipa la emergencia de nuevos actores en puja en el ámbito público (intelectuales programáticos, funcionarios y reformadores propios del liberalismo finisecular). Por otra parte, hay revistas que suman sus voces de resistencia a los fascismos europeos al reactualizar sus debates con la presencia de inmigrados políticos en sus países, productos de esos procesos que acabaron promoviendo políticas culturales y diplomáticas, de lucha anti fascista o fomento del panamericanismo. La revista Historia Mexicana que estudia Marcos Gonçalves permite reconstruir el entramado relacional de exiliados republicanos en ese país, sus jerarquías e intereses que lograron ser vehiculizados en la fundación del Colegio de México. De manera particular, el autor considera que la revista contribuye a profundizar la redefinición del discurso historiográfico en términos del exilio como objeto de investigación específico. Mientras que la lucha antifascista, las ideas y prácticas de la buena vecindad, el panamericanismo y el antiimperialismo se entrecruzan en los textos estudiados por Angela Meirelles de Oliveira en la revista New Masses. Aunque cercana al partido comunista norteamericano, se torna visible en ella la tensión epistemológica de sus colaboradores entre la promoción de Frentes Populares para contrarrestar el avance del fascismo en el continente y la declarada tensión antiimperialista que forma su programa.

Por su parte, las revistas Christus y Mundo Nuevo exploran debates ideológicos y nuevas estéticas propias de los años ’60, integrándose a propuestas de emancipación, indagación de nuevas identidades y postulados ideológicos de transformación de la realidad nacional y continental. Igor Luis Andreo inspecciona la resistencia de una parte de la comunidad jesuita mexicana que, próxima a la teología de la liberación de fines de la década del sesenta, le disputa significados, saberes, prácticas y valores a la oficialidad episcopal nacional y a la propia Compañía de Jesús de México. En tanto que María Marcela Aranda indaga la articulación entre arte, literatura e historia en la revista editada en París mediante la relación dialógica que textos e ilustraciones, dibujos y fotografías mantienen con su época. Durante esos años el campo cultural latinoamericano fue interpelado por las convergencias y divergencias con los hechos mundiales derivados de la segunda posguerra y, en especial de la guerra fría y la revolución cubana; y las resistencias que inspiraron, aún con antagonismos, ofrecieron lecturas performativas de la originalidad americanas. Sólo insertándolas en el escenario complejo de la segunda mitad del siglo XX es posible comprender el alcance de la discusión que suscitaron tópicos como: el catolicismo liberacionista, el movimiento contracultural estudiantil en México, la confrontación con el catolicismo integrista, la crítica cultural en clave política y social, las reflexiones en torno a la negritud, el mestizaje cultural y las complejas relaciones con el hemisferio norte.

En síntesis, el conjunto de trabajos que se ofrece en este Dossier muestra cómo las publicaciones periódicas en general y las revistas culturales en particular, han sido desde fines del siglo XIX y durante el siglo XX vehículos idóneos en el desarrollo de representaciones sociales, en la recreación de imaginarios, en la formación de la opinión pública, en la elaboración de estéticas, en la generación de prácticas lectoras y de expresiones generacionales y en la afirmación de identidades político-ideológicas, culturales y profesionales. Al ser parte de las batallas propias del campo cultural en un momento histórico determinado, esas intersecciones entre los proyectos individuales y los proyectos grupales hicieron emerger en sus páginas la preocupación por América como tema filosófico, histórico y coyuntural, su relación estrecha con la cultura letrada y la formación de nuevas subjetividades plurales.

Referências

ALTAMIRANO, Carlos y SARLO, Beatriz. Literatura / Sociedad. Buenos Aires, Hachette: 1983.

BEIGEL, Fernanda. Las revistas culturales como documentos de la historia latinoamericana. Utopía y Praxis latinoamericana, Zulia, v. VIII, n. 20, eneromarzo 2003, p. 105-115.

EHRLICHER, Hanno y RIBLER-PIPKA, Nanette (eds.). Almacenes de un tiempo en fuga. Revistas culturales en la modernidad hispánica. Berlín, Shaker Verlag: 2014.

GRANADOS, Aimer (ccord.). Las revistas en la historia intelectual de América Latina: redes, política, sociedad y cultura. México, Juan Pablos Editor / UAM / Cujimalpa: 2012.

OSSUNA, Rafael. Materia y Texto: una reflexión sobre la revista literaria. Trad. cast. Kassel, Reichenberger: 1998.

SCHWARTZ, Jorge y PATIÑO, Roxana (eds.). Revistas literarias / culturales latinoamericanas del siglo XX. Revista Iberoamericana, Pittsburgh, v. LXX, n. 208- 209, julio-diciembre 2004.

SOSNOWSKI, Saúl. La cultura de un siglo. América Latina en sus revistas. Buenos Aires, Alianza: 1999.

Andrea Fabiana Pasquaré – Universidad Nacional del Sur

María Marcela Aranda – Universidad Nacional de Cuyo

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As reduções da Companhia de Jesus na América Colonial: diálogos de realidades missionárias e debates intelectuais sobre a ação jesuística / Antíteses / 2018

Las reducciones de la Compañía de Jesús: una introdución

Las poblaciones indígenas de América, desde los comienzos de la empresa de Conquista, se constituyeron como un escollo para el avance de las principales potencias imperiales. Un impedimento que movilizó todo el aparato conceptual y jurídico del Viejo Mundo con el claro fin de la dominación y control de los nuevos y forzados súbditos. Para alcanzar estos objetivos España y Portugal dispusieron sobre el territorio de América del Sur una serie de dispositivos de poder con el claro fin de sujetar los ánimos de los nativos. Las reducciones jesuíticas fueron una de las herramientas tecno-bio-políticas desde las que se impulsó un proceso de aculturación, inacabado por cierto, que tenía como objetivo modificar prácticas y usos culturales propios de las poblaciones nativas. Sobre todo lo que se pretendía era controlar los inconstantes ánimos de indígenas que ralentizaban, cuando no impedían, el avance colonizador por medio de estrategias políticas que mostraban un alto grado de dinamismo político y cultural de su parte.

La Compañía de Jesús, desde sus comienzos misionales en América y desde la experiencia recabada mediante su actuación en los Andes y en las costas del Brasil, como dos centros desde dónde la Orden iniciaría su andar por el continente, proponía al misionero como el baluarte de un modo civilizatorio en dónde prácticas aglutinantes nativas, como las borracheras, la hechicería y las guerras no deberían de tener lugar dado que las mismas, según la justificativa construida por los ignacianos, hacían posible que los indígenas dieran rienda suelta a pasiones carnales que desembocaban en una indolencia idolátrica contraria al ideal de Humanidad al que se debería de arribar por medio de la reducción como práctica instrumental civilizatoria.

Las tan afamadas borracheras y las consecuentes prácticas asociadas a una expresión corporal orgíastica en donde sensualidad y violencia se conjugaban para un horror jesuítico que justificaba desde ese lugar su combate contra el demonio y por ende su presencia en tierras americanas en dónde el martirio podría acontecer sin más; la hechicería con sus formas y el rol protagónico que muchas mujeres detentaban en aquella práctica así como hombres especializados en la comunicación y tratamiento de lo divino y lo cosmopolítico disputando el rol de líder religioso de los sacerdotes y, la práctica de la guerra con una ceremonialidad, simbología y temporalidad propias –por momentos intencionalmente comprendidas de modo reduccionista pero descriptas con una sutileza notable- se conformaron como la contraparte de la tríada nominal que identificaba a los pueblos americanos considerados como ‘Sin Fe, Sin Ley y Sin Rey’.

Para alcanzar la civitas cristiana, entonces, había que evangelizar y eso suponía una transformación que generara una sociedad nativa de nuevo cuño. Un modelo de orden social que no eliminaba las jerarquías y distinciones sociales propias de la indianidad, si no que partía de dichas diferencias para proponer un nuevo ordenamiento que, bajo la tutela de los sacerdotes y su esquema de control administrativo, generaría una geografía social en donde aquellas prácticas, que parecen identificar y englobar a priori a la totalidad de los pueblos nativos americanos, perderían significado estético y las performances que las mismas estructuraban mudarían de sentido hasta desaparecer como tales. Quizás por ello la atención misional, manifiesta de modo condicionado en las instrucciones y crónicas redactadas durante la experiencia reduccional así como ya en el Exilio, fue puesta sobre los niños y en las mujeres; paradójicamente, los ‘ausentes’ en algunas lecturas e interpretaciones de las mismas crónicas ignacianas desde donde se obtiene la información necesaria para construir una historia de aquellos por medio de la exégesis de un reflejo indirecto de una sociedad que es descripta mayoritariamente desde la potencialidad heurística que detenta la guerra en la trama argumental de las etnografías culturales de marras.

La escritura jesuítica es un rasgo distintivo de la Orden, tanto por las normas que rigen aquella ‘escritura para mostrar’3 así como por las interpretaciones que se construyeron desde, incluso, los comienzos mismos de la Compañía. Si bien la Compañía de Jesús no fue la única orden que ha legado escritos4 que dan cuenta de un número importante de rasgos de los avatares sociales y políticos que experimentaron las colonias españolas y portuguesas, entre los que debemos de contar a las poblaciones indígenas y su relación con los dispositivos de poder coloniales, sí el empeño jesuítico por la necesidad de informar a sus Superiores parece ser el que más producción escrituraria ha legado y de lo que mayormente se han apropiado los investigadores preocupados por el pasado colonial.

El estado actual de las investigaciones que indagan sobre la Compañía de Jesús y su accionar misional reduccional, tan solo en América, exigiría una revisión que desbordaría en sí misma la propuesta de esta presentación así como los límites previstos para la misma por las nomas editoriales que las publicaciones académicas fijan. A pesar de ello y para brindar un marco mínimo de referencia sobre los aspectos abordados por la historiografía especializada, se impone mencionar, circunscribiéndonos a las obras publicadas recientemente así como de aquellas que ya poseen algunos años pero que aún resultan instigantes por sus resultados de investigación así como por las propuestas analíticas que impulsaron, las que dan cuenta de la expansión global de la Compañía de Jesús por el Orbe (FABRE; VINCENT, 2007) y cómo desde esa globalización se produjo una prolífica difusión y circulación de saberes locales que contribuyeron a la conformación y sostén de la globalidad como pretensión misma de la Orden(CASTELNAU-L’ESTOILE et al., 2011). Una circulación que, para un mejor contralor y funcionamiento de los miembros de la Compañía de Jesús, había dispuesto una serie de normas sobre las formas de la escritura5 así como el modo en que debía de circular esa información redireccionando toda la correspondencia hacia un centro prefijado: Roma(MORALES, 2005). Una centralización política que pretendía articular ideas y personas que conformaban los distintos Imperios de Ultramar (COELLO; JAVIER; MORENO, 2012).

Junto a todo ese arsenal de formas y normas para el control de las reducciones extraeuropeas se desplegó una notable actividad científica (FABRE; VINCENT, 2005), desarrollada por sus miembros, a los fines de alcanzar la sujeción de los nativos. Labor que se pone de manifiesto mediante un cúmulo de conocimientos obtenidos por medio de mecanismos científicos sistematizados y compartidos, en gran medida, por el mundo intelectual de aquella época (PRIETO, 2011). Una de estas labores científicas es la labor médico-botánica (FLECK, 2014, 2015) que tenía como fin brindar soluciones para el tratamiento de las dolencias que afectaban los cuerpos de nativos y europeos. Formas y modos de definición y ejercicio de la bio-política que antecede notablemente a la formulación foucaultiana. Para ponderar ampliamente el carácter de la presencia reduccional jesuítica se torna imperioso señalar que la misma se construyó a partir de un diálogo con las sociedades americanas; conversación en dónde éstas mostraron dinámica creadora y vitalidad a la hora de enfrentar sosiegos que colocaron las estructuras sociales nativas en un marco de tensión posible de ser superado, precisamente, por la vivacidad que caracteriza a la ontología amerindia.

El diálogo establecido entre miembros de la Compañía de Jesús y algunos sujetos de las comunidades indígenas americanas es posible de ser recreado mediante una exégesis de las normas y formas jesuíticas sobre la escritura, ya sea esta etnológica o de cualquier otro tipo. Si bien el registro de la interacción entre nativos y sacerdotes se muestra de modo dispar, inclinando el fiel de la balanza hacia el lado de la labor ignaciana, no podemos desestimar la presencia nativa en la toma de decisiones implementada por los jesuitas. Allí dos instancias necesitan ser revisitadas. Una de ellas, las fiestas y celebraciones indígenas (MARTINS, 2006) y, la escritura que cobró forma bajo la Letra de Índios (NEUMANN, 2015).

Es bien conocido ya que la escritura, como práctica institucionalizada, es a la Compañía de Jesús cuasi un fin en sí mismo así como se impone al investigador la labor de desentrañar los ribetes de un pacto etnográfico (KOPENAWA; ALBERT, 2015) que no parece, por momentos, desarrollarse sin que la intencionalidad propedéutica y epidíctica de la Compañía de Jesús intenten aminorar aquello que hoy consideramos como la capacidad de agencia de las poblaciones nativas. Cuestión que se sucede por la necesidad de captar voluntades nuevas en Colegios y establecimientos educativos de la Orden así como porque el modo en que fue pensado el registro de las actividades sociales imponía a los sacerdotes un modo de concebir el comportamiento indígena desde parámetros de pretensión inmovilista que circunscribían qué era considerado propio de bárbaros. En este sentido, desde los comienzos de las labores reduccionales y hasta los escritos producidos ya en el Exilio, los nativos son expuestos como sujetos que actúan en función de acciones y reacciones que, de desentrañar los impulsos que generaron aquellas, hacen posible al investigador construir explicaciones sobre el devenir de las comunidades indígenas así como indagar, crecientemente, en cómo la escritura jesuítica se presenta como un campo de estudio en sí mismo pero que no debe de replegarse constantemente sobre sí.

Durante el siglo XVIII, y a medida que nos acercamos al momento de la expulsión de los dominios americanos de España (1767) y Portugal (1759), la escritura, y por ende la profusión de documentación con la que contamos para nuestras investigaciones, parece, por un lado, alcanzar velocidades de circulación que refuerzan la idea de una empresa planetaria y, por otro, muestran una gama de conocimientos y matices sobre las sociedades americanas que señala una clara distinción con, por ejemplo, la escritura del siglo XVII. Así es como, entonces, contamos con un mayor caudal de investigaciones que reflejan lo acontecido durante el siglo XVIII. No obstante ello es necesario formular un llamado para la reflexión sobre cuántos tópicos propios del siglo XVII se hacen presentes durante el tiempo venidero y en qué medida los problemas de aquel tiempo se constituyen en sí mismo como barreras de contención que encauzan el registro ignaciano quitando entonces vivacidad al registro de lo acontecido. Siendo necesario, por lo tanto, descentrar nuestra mirada de aquellas cuestiones propiamente significativas para la Orden en la escritura que la misma realiza de sí misma y prestar mayor atención a la dinámica propia del mundo indígena latinoamericano en su convivencia con los distintos sectores de la sociedad colonial; incluso con otras Órdenes que significaban para la Compañía de Jesús un panóptico necesario de ser incorporado en los análisis de la escritura en sí misma. La escritura, no debemos de olvidar, poseía una clara intencionalidad que refleja, de modo indiciario, las disputas académicas y políticas en las que los black robes estaban insertos.

Si bien la escritura jesuítica es portadora de un cúmulo notable de reflexiones sobre el accionar misional reduccional, con sus indicaciones pragmáticas y sus disquisiciones teológicas, no todo el accionar reduccional debe de reducirse a la escritura jesuítica. De suceder aquella cuestión corremos el enorme riesgo de reducir una experiencia por demás vasta a una práctica institucionalizada dejando de lado la capacidad creadora de las sociedades nativas americanas. Por ello es que los artículos que aquí presentamos intentan dar cuenta, de forma somera por cierto, de aquellos asuntos y, lejos de agotar la problemática, esperamos que sean para el lector una instancia de generación de conocimientos así como, quizás, puntal inicial de nuevas investigaciones.

Bartomeu Melià abre la sección con una reflexión analítica profunda sobre la Escuela Ibérica de la Paz. Movimiento intelectual que debatía uno de los grandes problemas que planteó la Conquista: la libertad y el servicio personal de los indios. Allí el caso guaraní se constituye como un caso testigo, luego convertido en nodo argumental de la práctica reduccional, desde dónde se ensayaron mecanismos para que los indígenas no quedaran expuestos a la ambición de los conquistadores. Melià, para construir este análisis, formula un recorrido por aquellas autoridades intelectuales que se manifestaron para impedir la esclavitud indígena; confluyendo estos pensamientos en la Provincia del Paraguay, generando que las reducciones de guaranies se vincularan con algunas ‘extrañas y externas utopías’. Incluso, incidiendo en el devenir historiográfico así como en el imaginario social construido para con los jesuitas como custodios de la bondad nativa.

Natalia Aguerre discute, desde un enfoque propio de las Ciencias de la Comunicación, cómo algunos escritos realizados por la Compañía de Jesús, como por ejemplo las Cartas Annuas así como la Predicación del Evangelio en las Indias, fueron instrumentos estratégicos para la producción de conocimientos necesarios para la acción evangelizadora. En esa trama cobra centralidad la figura de Joseph de Acosta, SJ., quién fue el artífice del diagnóstico necesario para impulsar la evangelización indígena en un área como los Andes que se constituyó como la antesala sin la cual, sin lugar a dudas, las intervenciones realizadas entre los guarani, así como sobre otras poblaciones americanas, hubieran tenido un tenor distinto de aquel que conocemos. Aguerre propone entonces reflexionar sobre algunos de los tópicos que se encuentran en un documento imposible de no ser consultado por cualquier estudio que tenga a las poblaciones indígenas como centro de una investigación; esto último si es que es posible indagar a la Orden sin confrontar las políticas ensayadas por los nativos en el curso de la presencia ignaciana en suelo americano.

La utilidad estratégica y performativa de la escritura producida por la Compañía de Jesús hemos de encontrarla, una vez más, en el artículo de Carlos Page. El autor se detiene a indagar en el proceso de re-construcción de la vida de dos jesuitas, Pedro Correia y João de Sousa, y cómo es que su muerte, en condiciones que la califican como martirio, fue narrada en una primera instancia por José de Anchieta al mismo Loyola por medio de una carta. En este estudio lo que el lector encontrará es una erudita reconstrucción de las trayectorias individuales y de la apropiación edificante que la Compañía de Jesús hace de ellos. Un artículo tan bien documentado como necesario para cuestionar las relaciones sociales constituidas con distintos grupos nativos con los cuales se tenían vínculos de carácter inestable y que necesitaban, por ende, de una mayor conversación. El martirio, desde su utilidad pedagógica, atraía nuevas voluntades para la Compañía, por la vía de la lectura edificante que se realizaba en los establecimientos educativos de la Compañía, al mismo tiempo que ayudaba a consolidar imágenes estáticas sobre los comportamientos nativos. Los cuales podemos confrontar por medio de exégesis que briden claves para comprender los mecanismos argumentales de aquellos escritos.

La práctica catequética fue el instrumento por antonomasia desde dónde se intentó deculturar a los indígenas para que depusieran aquellas actitudes hostiles que costaban la vida de insignes soldados de Loyola. Por ello la importancia de los catecismos redactados para diversos grupos étnicos como se observa por ejemplo, durante la porción central del siglo XVIII, en aquel destinado para la evangelización de grupos kiriri que habitaban porciones de los actuales estados de Bahia y Serpige en Brasil. Prospectar formas, modos y expresiones del lenguaje siempre es por demás útil a la hora de conocer algunas de las percepciones de los misioneros sobre los grupos indígenas y cómo es que estos vivían en sus estados de ‘gentilidad’. Silva Mecenas parte desde este planteo inicial para brindar explicaciones sobre cómo fueron abordadas ciertas prácticas nativas que debían dejarse de lado para alcanzar réditos en aquellas porciones de la cristiandad; práctcias que pujaban por mantenerse en actividad y desafiando la autoridad del misionero.

Protagonismo guaraní, de Cristo, Laroque y Machado, vuelve a colocar a aquellos indígenas en el centro de los análisis históricos, interpelando a los mismos desde una perspectiva etnohistórica; la misma que anima y dinamiza la mayoría de los debates historiográficos a los que hemos hecho referencia a lo largo de esta presentación. El Protagonismo, aquí, se hace presente desde un ingenioso abordaje sobre el ‘modo de ser guarani’ para adentrarse en conflictos propios de la sociedad nativa. Las disputas entre líderes nativos especializados, unos, en la administración de las relaciones sociales que podemos llamar, de modo reduccionista por cierto, como política y, otros, sindicados como aquellos encargados de la vida espiritual de la comunidad indígena, son expuestas claramente en la Carta Annua de 1635. Desde allí entonces los autores, sugestivamente, retoman cómo esta conflictividad incide y se manifiesta en la capacidad de formular alianzas con distintos sectores de la sociedad colonial. Dinamizando de este modo la política guaraní y ajustando la misma a intereses particulares de un determinado sector. Aspecto siempre necesario de ser tomado en cuenta al momento de reflexionar sobre el contexto que expone la documentación jesuítica.

La salud de las poblaciones indígenas coloniales, así como de los pobladores del continente, fue una preocupación constante de la Orden; problema que se resolvió, de modo local, mediante la elaboración y circulación de obras referidas a la materia médica, como en el caso del Libro de Medicina recuperado desde el acervo documental de un Convento franciscano en la actual Catamarca (Argentina) y, estudiado por Deckmann Fleck y Obermeier. Un libro de medicina, como demuestran los investigadores por medio de una notable y sutil erudición, es un modo de acceder no sólo a los problemas de salud de las poblaciones para las cuáles fue pensado si no que permite hacer cuestionamientos sobre un problema de investigación que cada día reclama mayor atención y espacio: el cuerpo; considerando a este no sólo como un medio físico de expresión, negociación y control si no como una clave analítica para indagar sobre quién lo describe y quién aporta las informaciones sobre el mismo. Generando entonces un cruce de miradas –la del informante y de quién redacta- sobre qué aspectos son relevantes y necesarios de ser cuestionados, posibilitando además ponderar al cuerpo como una producción textual dado el peso que se puso en la descripción del mismo mediante estrictas descripciones de síntomas, patologías y conformaciones del mismo. Incluso del de las mujeres haciendo notar los autores sobre la necesidad de indagar más sobre ellas en la vida reduccional –aunque, como señalamos, no contamos aún con demasiados trabajos al respecto.

Da Silva y Lourenço, por su parte, analizan el periódico Mensageiro do Coração de Jesus; publicación utilizada como tribuna para formular críticas contundentes a la sociedad laica y sobre todo al modelo de Estado laico que Brasil poseía. Desde aquella publicación los jesuitas llamaban la atención sobre la relación conflictiva que existía entre religión y política, lo cual se había manifestado por medio de una turbulenta convivencia entre distintas expresiones confesionales hasta la conformación del Estado republicano. Cuestión que señala, claramente, cómo la Compañía de Jesús, a su regreso a Brasil, durante la segunda mitad del siglo XIX, fue un actor que detentó una fuerte impronta modernizadora al indicar cuáles aspectos conflictivos necesitaban corregirse, desde su criterio, para alcanzar el desarrollo y modernización del país. Esta ingerencia en la discusión sobre la convivencia de múltiples expresiones religiosas, sin lugar a dudas, es por demás importante de ser considerada no sólo como un aspecto del pasado sino como una clave analítica para proponer salidas a problemas que se encuentran presentes en la actualidad de nuestros países. Los mismos que cobran materialidad cuando algunas voces alzan críticas sobre el accionar de la Iglesia Católica y desde algunos sectores de la sociedad se quiere acallar formas de expresar dichas críticas impidiendo, en buena medida, una convivencia fundada en la multiplicidad de aquellas expresiones religiosas que conviven bajo el paraguas de la forma de Estado-Nación actual.

Cierra este Dossier una Entrevista realizada vía Skype a nuestro amigo y colega Prof. Dr. Alexandre Coello de la Rosa; Profesor Agregado en el Departamento de Humanidades en la Universidad Pompeu Fabra, de Barcelona (España). Autor de reconocidas investigaciones sobre el accionar de la Compañía de Jesús en Perú, Manila, Filipinas así como sobre Antropología Histórica y temas tan controversiales como actuales y polémicos: la corrupción. En esta oportunidad podemos acceder a algunas reflexiones de tan prestigioso y egregio investigador sobre el quehacer historiográfico vinculado a la Orden así como nos aporta prolíficas sugerencias para el trabajo a futuro tanto sobre el devenir de las investigaciones sobre la Compañía de Jesús así como sobre los mundos indígenas americanos. Por eso es que invitamos a leerla con el mismo placer que para nosotros significó realizarla. Contar con miradas de especialistas que colocan su interés sobre porciones del territorio consideradas marginales, en su tiempo, por la Compañía de Jesús, hace posible poner a prueba la idea de globalidad y circulación de saberes que anima la discusión historiográfica más reciente.

Notas

3. MORALES, Martín María. A mis manos han llegado. Cartas de los PP. Generales a la antigua Provincia del Paraguay (1608- 1639). Monumenta Historica Societatis Iesu. Nova Series, vol. I, Universidad Pontificia Comillas, Institutum Historicum Societatis Iesu, Madrid-Roma, 2005. La idea de una ‘escritura para mostrar’, hace referencia a una de las Instrucciones que Polanco, SJ, en 1547, exponía en sus Reglas acerca del Escribir para los de la Compañía. Allí se hace referencia a que el contenido de la documentación general remitida por los miembros de la Orden a sus superiores debía de manifestar el registro de acciones edificantes, o algunos avatares propios de la experiencia reduccional, que no comprometieran a la Compañía de Jesús ante alguna autoridad que pudiera sentirse cuestionada por los juicios de los ignacianos. Toda aquella información crítica hacia alguna persona o política implementada a contramano de los intereses jesuíticos debía de hacerse circular mediante hijuelas. Escritos que debían de remitirse por separado de la correspondencia ordinaria. Por ello no debe de olvidarse que la escritura institucional de la Compañía de Jesús es sólo un registro sesgado de los acontecimientos que narra.

4. Sobre este aspecto particular sugerimos consultar Palomo (2016).

5. Fernando Torres-Londoño nos recuerda que la Compañía de Jesús “nasceu e se estendeu no século XVI a quatro continentes sob o dominio da escrita” (TORRES LONDOÑO, 2002, p. 13). El propio fundador de la Compañía de Jesús, en las Constituciones, llamaba la atención sobre el hecho de que la “unión de los ánimos” se vería favorecida por medio de la escritura así como la uniformidad de vida y doctrina. Juan Alfonso de Polanco, secretario de Loyola, quién escribía en su nombre, instruyó a los jesuitas a que mantuviesen una práctica epistolar entre sí y con las autoridades de la Orden; entendiendo a la práctica epistolar como un medio de edificación y mutua consolación.

Referências

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FABRE, Pierre-Antoine; VINCENT, Bernard. Missions religieuses modernes: notre lieu est le monde. Roma: École Française de Rome, 2007.

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KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamá yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

MARTINS, Maria Cristina Bohn. Sobre festas e celebrações: reduções do Paraguai. Século XVIIXVIII. Passo Fundo: UPF; ANPUH RS, 2006.

MORALES, Martín María. A mis manos han llegado: cartas de los PP. Generales a la antigua Provincia del Paraguay (1608-1639). Madrid: Universidad Pontificia Comillas, Institutum Historicum Societatis Iesu, 2005. (Monumenta Historica Societatis Iesu, Nova Series, v. 1).

NEUMANN, Eduardo. Letra de índios: cultura escrita, comunicação e memória indígena nas Reduções do Paraguai. São Bernardo do Campo: Nhanduti, 2015.

PALOMO, Federico. Written empires: franciscans, texts, and the making of early modern iberian empires. Culture & History Digital Journal, Madrid, v. 5, n. 2, Dec. 2016. Disponível em: . Acceso el: 15 mar. 2018.

PRIETO, Andrés. Missionary scientists: jesuit science in spanish south america, 1570-1810. Nashville: Vanderilt University Press, 2011.

TORRES LONDOÑO, Fernando. Escrevendo cartas: jesuítas, escrita e missão no século XVI. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 43, p. 11-32, 2002.

Maria Cristina Bohn Martins – Professora Doutora. UNISINOS. E-mail: mcris@unisinos.br

Carlos Daniel Paz – Professor Doutor. FCH-UNCPBA. E-mail: paz_carlos@yahoo.com  e ychoalay@gmail.com

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Temas sociais controversos e aprendizagem histórica: desafios contemporâneos / Antíteses / 2018

As pessoas tentam, mas a história difícil não é facilmente descartada: o lugar dos temas controversos no ensino de história

A eficácia da formação social e cívica da História tem sido indicada como um dos objetivos mais desafiadores em debates recentes de historiadores do mundo inteiro, como atestam, por exemplo, os trabalhos de Mattozzi (1998). Analisando a realidade italiana, o autor dedica particular atenção ao que ele chama de uma “cultura manualística”, incorporada pelos professores, a qual tem sido responsável pela falência do ensino de história, em que pese as diferentes propostas de reformulações curriculares com indicações e sugestões de caráter inovador. No Brasil, a “cultura manualística” tem adotado uma estrutura narrativa que reproduz uma fragmentação histórica a partir de determinadas leituras dos textos historiográficos e reprodução de documentos, dificultando uma contextualização articulada do conhecimento da história, a organização de um sistema de pensamento histórico e a tomada de consciência da disponibilidade de diferentes interpretações sobre o passado.

Permanece ainda, e com algum vigor, um ensino de História centrado em perspectivas canônicas, que foram sendo legitimadas como verdadeiras, por meio de propostas e diretrizes curriculares e seu correlato, o manual didático de história. Em pesquisa sobre cadernos de história de alunos do ensino fundamental, Grendel (2009), observou esta relação, presente em conteúdos trabalhados por uma professora de história durante um ano letivo: Decadência, divisão e declínio do Império Romano; Como surgiu a Sociedade Feudal; A vida cotidiana na Europa Medieval; O fim da Idade Média; O tratado de Tordesilhas; O Renascimento; A questão das indulgências; A Reforma Luterana: Católicos e Protestantes (séc.XVI); Contrareforma; Mercantilismo; Sistema Colonial; A primeira riqueza a ser explorada no Brasil; O início da colonização do Brasil; As Capitanias Hereditárias (GRENDEL, 2009, p. 138). Esses conteúdos canônicos da história têm sido didatizados a partir de objetivos prédeterminados, indicativos do desenvolvimento de habilidades cognitivas universais.

Em conferência proferida no XI Seminário Internacional de Educação Histórica, realizado em Curitiba, em novembro de 2018, o historiador Ivo Mattozzi considera que a maneira como a História Geral tem sido abordada em propostas curriculares e manuais didáticos, a partir de visões canônicas que excluem temas contemporâneos e articulações com a história local, contribuiu para torná-la um dos temas da “história difícil” do ensino e aprendizagem histórica dos jovens alunos. Uma das principais razões apontada é a exclusão de temas significativos da história mundial, nacional e local, relacionados com a história traumática dos diferentes grupos.

No trabalho publicado em 2011, o pesquisador alemão Bodo von Borries, sistematiza entrevistas realizadas com jovens estrangeiros que viviam em Berlim. Uma das respostas destacada pelo autor, diz respeito à história da Alemanha nazista. Um jovem responde: “Hitler é problema de vocês, não é nosso”! Ao mesmo tempo, uma jovem, um dia após assistir um filme sobre o holocausto, comentou

Aquele dia não suportava falar com ninguém. Apenas conseguia olhar para os professores, no dia seguinte me custava muito olhar para as pessoas na rua, sentia vontade de vomitar. Me afetou muito. Me alegrava não ser um deles, estava contente de ser turca. Tenho medo de que, como muçulmana, possa ocorrer o mesmo que aconteceu com os alemães judeus (BORRIES, 2011, p. 66).

Como reagem os jovens frente aos temas difíceis da história geral e nacional? Será que o fator emocional interfere na maneira como eles constroem relações com o passado? Até que ponto? As dificuldades, principalmente de natureza ética, seriam empecilhos para a aprendizagem de temas considerados difíceis da História? Como definir o que seria “história difícil”?

Caminhando em direção a uma definição do que é a “burdening history – “história pesada” – Bodo von Borries (2011) afirma que esta perspectiva inclui o sentimento de culpa, responsabilidade, vergonha e luto, mas que estas questões necessitam ser apreendidas, levando-se em conta determinados problemas.

No que diz respeito ao sentimento de culpa, este não pode ser considerado como algo que envolva punição individual ou coletiva, mas um dar-se conta em relação a determinados feitos do passado, sem que ocorra uma transferência de culpa e envolvimento de pessoas ou gerações futuras, pois isto pode ser considerado algo ilógico e arcaico. Com relação ao sentimento de responsabilidade, isto não significa que membros de gerações posteriores, que nasceram em países onde foram cometidos crimes contra a humanidade, estejam desconectados de alguma especial relação com o passado, ou não estejam envolvidos, diferentemente de outras pessoas no mundo. Para o autor, mesmo que ninguém possa herdar a culpa por um crime, ele ou ela podem herdar as consequências, os custos do crime. Isto pode ser chamado de responsabilidade.

A vergonha é um sentimento muito forte e desconfortável e a tentação de escapar da vergonha é também forte e isto inclui aproximações e distanciamentos, ao mesmo tempo, na relação presente e passado. Outro sentimento decisivo, no caso da história carregada ou pesada, é o luto e há que se perguntar que elementos constituem o sentimento do luto, no caso da história. O autor cita o exemplo do Holocausto, a quem os jovens alemães contemporâneos lamentam e estão de luto. Inclui temas como o assassinato de judeus e escravos – ou a honra, a auto- imagem, o território dos seus antepassados, perdidos. Uma das importantes perguntas a ser feita é -O que e quem é lamentado? (BORRIES, 2011).

Segundo Bodo von Borries, aprender história não é um processo cognitivo solitário, mas também envolve emoções e julgamentos morais. Assim, interligar e conectar certas peças do passado pode ser importante, mas não é suficiente. A questão é como construir uma narrativa convincente e válida e como manusear seus efeitos para o presente e, neste caso, o ato mental de assimilar, digerir e superar histórias pesadas é decisivo.

A contemporaneidade do debate acerca da “burdening history” ou história pesada pode ser avaliada pela sua adoção como temática do congresso organizado pela American Educational Research Association (AERA) – Research on Teaching and Learning Difficult Histories: Global Concepts and Contexts, realizado em 2015, na HUNTER, City University of New York. As organizadoras do evento, Terrie Epstein e Carla Peck optaram pelo conceito de”histórias difíceis”

[…] queremos dizer narrativas históricas e outras formas (padrões, estruturas curriculares, memórias históricas de aprendizagem) que incorporam dolorosos, traumáticos e / ou violentos eventos nas narrativas regionais, nacionais e globais do passado. Ensino e aprendizagem de histórias difíceis estão entre as questões mais sensíveis no ensino de ciências humanas, ainda necessárias para a reconciliação e judiciosa participação cívica. Pesquisas acerca do ensino e aprendizagemde histórias difíceis não só podem ajudar a entendimentos históricos contemporâneos mais alargados e aprofundados dos jovens. Elas também podem realçar suas identidades cívicas, como eles aprendem a compreender, refletir e agir sobre as complexidades do mundo de hoje cada vez mais interdependentes (EPSTEIN; PECK, 2015, p. 112).

Se para Bodo von Borries, a preocupação com a formação cívica não está presente nos pressupostos e fundamentos da “burdening history”, para as autoras esta é uma temática importante, bem como as relações entre estes debates e a formação das identidades. A proposta dos trabalhos apresentados no evento de 2015 envolve uma pluralidade de temáticas acerca do que foi chamado de “história dificil”. Entre os temas contemplados pelas  investigações, pode ser citado, entre outros,o trabalho de Goldberg (2015), “On Whose side are you?”. O autor faz uma análise do contexto do ensino de história em Israel e conclui que o tema do Holocausto é abordado com grande entusiasmo, enquanto que o sofrimento dos Palestinos provoca reações de defensiva.

Como se pode observar em vários países do mundo, temas relacionados à chamada história dificil têm sido objetos de debates e discussões políticas. Na França, por exemplo, na década de 1990, após a unificação européia, uma matéria sobre o ensino de História, publicada no Brasil, pelo jornal Gazeta Mercantil, afirmava que

[…] as crianças francesas aprendem agora na escola que o sobrinho de Carlos Magno, Orlando, foi emboscado nos Pirineus pelos bascos, e não, como aprendiam antes, pelos mouros. Reconhece-se a existência de outros países e culturas, mas as crianças não são suficientemente estimuladas a pensar sobre como os mesmos fatos podem ter significados diferentes para pessoas diferentes (GAZETA MERCANTIL, 1997, p. 4).

Uma das questões mais polêmicas do ensino de História, na Argentina, diz respeito ao tema da Guerra das Malvinas. Em entrevista publicada no Suplemento Mais, do jornal Folha de São Paulo, em 2004, o historiador argentinoJosé Luis Romero, evoca a complexidade deste tema na consciência histórica dos argentinos

É uma questão deixada entre parênteses por causa de nossa história política recente. A democracia argentina nasceu graças à derrota nas Malvinas. Com ela, o Exército derrubou a si mesmo. E a pergunta que deveríamos ter feito, mas não fizemos para que não existisse divisão de opiniões, é o que desaprovamos naação do Exército? Desaprovamos o fato de terido à guerra ou de tê-la perdido? Ninguém quis discutir isso porque era importante manter uma unidade de forças sociais contra os militares, e essa pergunta dividiria opiniões. Precisamos saber se seguimos acreditando que as Malfinas são nossas por razões históricas. É muito inquietante dar-se conta de que não falamos sobre isso. Assim, não se pode descartar que um general louco em algum momento volte a reivindicar as ilhas e nos arraste a um novo conflito (ROMERO, 2004, p. 17).

O tema Guerra do Paraguai tem preocupado, não somente pesquisadores e professores de História, mas também influenciado as relações culturais entre diferentes países e governantes. Em 2015, durante viagem ao Paraguai, o Papa Francisco, no sermão que proferiu no santuário da Virgen de Caacupé, cidade de Caacupé, afirmou que a Guerra do Paraguai foi um conflito “injusto”, devido à dizimação de mais da metade da população do país. Ademais, disse o papa, é graças ao valor e abnegação, principalmente das mulheres paraguaias, que foi possível levantar o país derrotado, porque– Vocês têm a memória e a genética dos que reconstruíram a vida, a fé e a dignidadedo seu povo (Disponível em: www1.folha.uol.com.br / mundo / 2015 / 07 / 1654559. Acesso em: 11 jul. 2015).

Nesse particular, concorda-se com o historiador Bodo Von Borries, para quem o problema do ensino de História na contemporaneidade deve levar em conta, principalmente, a construção de formas de se pensar historicamente diferentes contextos, que envolvem questões de raça, língua, idade, sexo, religião, cultura, região, classe, poder, riqueza, profissão, consumo, estilo de vida e mentalidade.

No Brasil, temos assistido uma luta histórica e polêmica em torno de propostas para a inclusão de temas controversos no ensino de História. Na década de 1980, no contexto da reconstrução democrática do país, tornou-se público o chamado Projeto CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que introduzia o ensino da história a partir de temas como trabalho e terra. A reação conservadora manifestou-se pela chamada grande imprensa, como atesta uma das manchetes publicadas no mês de julho, no jornal Folha de São Paulo, na qual se afirmava que, com a proposta curricular da Cenp, “A história será reduzida a dominação e resistência”, e isto substituiria o conhecimento pela pura ideologia (HISTÓRIA…, 1987). Um velho discurso hoje revisado pelos movimentos conservadores, à época, já recebia crítica de historiadores como Carlos Guilherme Mota, da USP, que opinava, no mesmo jornal

Este pode ser um ponto de partida para que a Universidade ajude a instaurar a verdadeira revolução cultural, ajudando a meditar sobreas questões de formação histórica desta sociedade que, queiramos ou não, está no Terceiro Mundo. Toda reforma curricular voltada para, por exemplo, História da América Latina, da África e da Ásia, ainda em detrimento de temas mais distantes, como a História do Egito, pode ser até positiva (MOTA, 1987, p. A17).

No entanto, ao que consta, o termo “história difícil” foi utilizado publicamente no Brasil na entrevista concedida pela historiadora Lilia M. Scharcz e pela antropóloga Heloisa M. Starling, autoras do livro Brasil, uma biografia, editado em 2015. Em entrevista à revista TRIP as autoras apontam o que consideram alguns momentos tensos e de vergonha na história do Brasil.(As setes maiores vergonhas do Brasil, 10 / 07 / 2015). Os episódios selecionados pelas autoras foram: 1. Genocídio das populações indígenas; 2. O sistema escravocrata; 3. A Guerra do Paraguai; 4. Canudos; 5. Política do Governo Vargas; 6. Centros clandestinos de violação dos direitos humanos; 7. Massacre do Carandiru. A partir de outros critérios, poderse-ia selecionar episódios como os conflitos de terra e os ataques contra minorias homossexuais que têm se espalhado pelo Brasil. Ademais, a história da discriminação racial seria um tema a ser incluído na história difícil do país.

Assim como no Brasil, em vários países do mundo, na segunda década do século XXI, o ensino de História tem enfrentado, de forma sistemática, pressões e intervenções oriundas do fortalecimento da agenda conservadora. Isto inclui, entre outros, formas de censura à presença e ao tratamento de temas controversos na educação histórica das crianças e jovens. Assumir o desafio de agir em consonância com a nossa responsabilidade face à função social da História, em direção à formação para a cidadania e democracia e à construção de uma sociedade mais justa, significa também contribuir para tornar público esse debate. Portanto, e utilizando uma espécie de figura de linguagem – é “difícil” descartar a inclusão da história “difícil” como conteúdo a ser trabalhado no ensino de história. Se, alguns tentam descartá-los, a contribuição dos trabalhos, apresentados no presente dossiê, é fortalecer o debate e a luta pela sua inclusão.

No artigo que abre o dossiê, algumas formas e a natureza das pressões que visam descartar certo tipo de conteúdo no ensino de História em nível internacional são apresentadas pelo pesquisador Christoph Kohl, do Instituto Georg Eckert para a pesquisa internacional de livros didáticos (GEI), da Alemanha. No artigo Populismo, mídia educacional e escolas em tempos de crise e utilizando a perspectiva descritiva / analítica, explicita algumas relações entre a popularidade crescente dos partidos e movimentos políticos populistas, tanto na Europa como em outros países, e as interferências na educação, particularmente no setor de manuais didáticos. Segundo afirma, “gostaríamos de discutir como os discursos hegemônicos são contestados pelos populistas, caso e em que medida eles tentam influenciar e reconstruir a identidade e a história, e as estruturas do escolar, através da educação, contra as tradições anteriores ou prevalecentes e como eles – para esse propósito – influenciam a produção de mídia educacional.

Dentro das discussões mundiais em que o mundo tanto vinca o que nos distingue, o que nos diferencia, num quadro que reflita mais acerca do que nos une a historiadora, Marilia Gago professora da Universidade do Minho e Investigadora do CITCEM , Faculdade de Letras da Universidade do Porto ambas em Portugal, no artigo intitulado Ser Professor de História em tempos difíceis início de um processo formativo” destaca partir de uma pesquisa realizada com futuros professores de História a relevância de se compreender como um processo de formação pode contribuir para o desenvolvimento profissional e pensamento histórico, a partir da necessidade de um novo olhar acerca do ser humano e da concepção da História. Segundo a pesquisadora na investigação emergiram ideias que se pautam por uma lógica de profissionalismo gerencialista e perspectivam a História como o campo que forma cidadãos, ideias que sugerem estar em rota com demandas externas veiculadas por entidades e agendas políticas

Na esteira das discussões encetadas por Ivo Mattozzi, acerca do que chama de “cultura manualística”, está o artigo História, Livro Didático e Formação Docente: Produção, Limites e Possibilidades, do historiador Erinaldo Cavalcanti, do PPGHIST, da Faculdade de História  e do mestrado interdisciplinar da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Ele apresenta resultados de pesquisa sobre como o livro didático é problematizado no decorrer do processo de formação inicial de professores, nos cursos de licenciatura de universidades do Norte e Nordeste do Brasil e, um dos resultados que aponta é que “as matrizes curriculares têm praticamente ignorado as reflexões sobre os livros didáticos como principal instrumento de trabalho do professor de História.

Dois pesquisadores da Universidade Estadual do Centro-Oeste- Unicentro-PR, os doutores Danilo Ferreira da Fonseca e Geyso Dongley Germinari, assumiram o desafio de incluir um tema da “burdening history” como objeto de pesquisa e reflexões. Em seu artigo História difícil e etnocentrismo: o ensino de história e o genocídio de Ruanda na web eles abordaram, corajosamente, não somente um tema contemporâneo traumático – o genocídio de Ruanda, mas também a sua articulação com um dos mais desejados meios de informação dos jovens alunos, a rede mundial de computadores (web).

A pesquisadora Rita de Cássia Gonçalves, da Universidade Tuiuti do Paraná, aborda a mesma problemática, desta feita tomando aspectos de um passado recente da história do Brasil, o período da Ditadura Militar, no artigo O passado e a história difícil para o ensino e aprendizagem da História. O objetivo da autora foi tecer considerações sobre o ensino da História e mostrar como “a aprendizagem histórica pode superar um tipo de pensamento maniqueísta, implantado durante os governos militares, que ainda se encontra presente, e necessita de espaço para que seja superado no ambiente escolar e abra possibilidade para a discussão e debates que possibilitem o desenvolvimento de argumentações sobre temas controversos”.

A partir de um recorte específico, não apenas levando em conta o tema da história difícil, mas, especialmente, o período da Ditadura Militar, em que se tornou “difícil” ensinar e aprender História nas escolas, a pesquisadora Dra. Elisiane Soares, do PPFHIS / UCS e PPGEDU / UCS, juntamente com a mestranda Eliana Rela, analisam as influências do pensamento norte-americano na constituição da proposta de Estudos Sociais, que substituiu, parcialmente, o ensino de História no Brasil, no artigo Estudos sociais para crianças numa democracia: prescrições didáticas para o ensino de história sob o prisma norte-americano.

Por meio de original pesquisa de cunho longitudinal, utilizando intervenções em diferentes momentos, as pesquisadoras Doutora Maria da Conceição Silva, da Universidade Federal de Goiás e a mestranda Enelice MiIlhomem Jacobina Teixeira, professora de História da rede municipal de ensino de Goiânia, apresentam o artigo Charlie Hebdo: Consciência histórica sobre intolerância religiosa de estudantes de Goiânia. A originalidade reside, não somente na metodologia de investigação adotada, mas também na temática, a qual diz respeito a um acontecimento da história do presente, articulada à intolerância religiosa, analisado a partir da utilização de charges.

Dentro do mesmo contexto da relação com a prática de sala de aula, está o artigo Professores pesquisadores e o desafio de trabalhar com a história difícil: uma experiência de estágio supervisionado produzido pelas pesquisadoras doutora Adriane de Quadros Sobanski, do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica, da UFPR e professora de história da rede estadual de ensino do Paraná, junto com a estagiária Camila Quadros, do curso de História da mesma universidade. Trata-se de uma pesquisa-ação, em que o trabalho desenvolvido em sala de aula com temas da história difícil, permitiu, segundo as autoras, ressignificar a função dos professores de História como pesquisadores e produtores de conhecimento nas escolas.

O artigo A banda desenhada histórica como um recurso pedagógico no ensino da História do pesquisador Tiago Cardoso, mestre pela Universidade do Minho, e da pesquisadora doutora Glória Solé, professora da mesma universidade, apresenta elementos importantes para a utilização da “banda desenhada” (ou história em quadrinhos em português do Brasil) no ensino e aprendizagem da história de temas controversos. Nas palavras dos autores, “A análise dos dados recolhidos permitiu-nos concluir que a utilização de Banda Desenhada Histórica contribuiu para o desenvolvimento da compreensão histórica nos alunos e promoveu o desenvolvimento de várias competências específicas em História, como a leitura e interpretação de fontes diversas e com mensagens divergentes, bem como competências transversais, ao nível da comunicação (área do Português e das Expressões).”

Os diferentes artigos que compõem o presente dossiê são indiciários da importância da aprendizagem da história difícil. Ademais, indicam que a aprendizagem dessa história não é apenas um processo cognitivo de aquisição de conteúdo, mas envolve um trabalho de autoconhecimento matizado por emoções, percepções estéticas e julgamentos morais. Isto porque as relações entre a cultura histórica de cada época e o ensino de História trazem consequências que envolvem questões decisivas em relação às dimensões políticas, cruciais para os processos de seleção e do agir humano. Assim, mesmo que pessoas conservadoras tentem descartar a história difícil, isto não é uma tarefa fácil. Vale conferir o que dizem os autores do presente dossiê.

Referências

BORRIES, Bodo von. Coping with burdening history. In: BJERG, Helle; LENZ, Claudia; THORSTENSEN, Erik (ed.). Historicizing the uses of the past: Scandinavian perspectives on History Culture, Historical Consciousness and didactics of History related to World War II. Bielefeld: Transcript, 2011.

DOCENTES da USP rejeitam limitações de proposta da CENP para História. Folha de São Paulo, São Paulo, p. A18, 6 ago. 1987.

EPSTEIN, Terrie; PECK, Carla. Research on teaching and learning difficult histories: global concepts and contexts. New York: Hunter College: City University of New York, 2015. (Caderno de Resumos).

GAZETA MERCANTIL. São Paulo, p. 4, 5 nov. 1997.

HISTÓRIA será reduzida a “dominação e resistência”. Folha de São Paulo, São Paulo, p. A9, 29 jul. 1987.

MATTOZZI, Ivo. A história ensinada: educação cívica, educação social ou formação cognitiva? O Estudo da História, Lisboa, n. 3, p. 21-50, 1998.

MATTOZZI, Ivo. Enseñar a escribir sobre la historia. Enseñanza de las Ciencias Sociales: Revista de Investigación, Barcelona, n. 3, p. 39-48, marzo 2004.

MOTA, Carlos Guilherme. Entrevista ao Jornal Folha de São Paulo. Folha de São Paulo, São Paulo, p. A17, 30 jul. 1987.

ROMERO, Luis Alberto. Passados de uma ilusão. Entrevista ao Jornal Folha de São Paulo. Folha de São Paulo, São Paulo, p. 17, 9 nov. 2004. (Suplemento Mais).

RÜSEN, Jörn. A função da Didática da História. Mimeo: Anotações de aulas na UFPR. Curitiba: LAPEDUH / UFPR, 2013.

RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Curitiba: W. A. Editores, 2012.

RÜSEN, Jörn. Humanismo e didática da História. Curitiba: W. A. Editores, 2015.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Os sentidos conferidos ao agir e os desafios para a aprendizagem e formação da consciência histórica de jovens alunos. Revista Documento / Monumento, Cuiabá, v. 9, n. 1, p. 197-206, out. 2013.

SCHWARCZ, Lilia Katri Moritz; STARLING, Heloisa Maria Murgel. As sete maiores vergonhas do Brasil. Revista TRIP, São Paulo, 2 jun. 2015. Disponível em: https: / / revistatrip.uol.com.br / trip / as-sete-maiores-vergonhas-do-brasil-por-lilia-schwarcz-eheloisa-starling. Acesso em: 10 jul. 2015.

Maria Auxiliadora Schmidt – Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná; coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica-LAPEDUH / PPGE / UFPR; pesquisadora Cnpq. ORCID 0000-0003-4820-59 E-mail: dolinha08@uol.com.br

Marlene Cainelli – 2 Professora e Pesquisadora dos programas de pós-Graduação em História e Educação da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: cainelli@uel.br

Pedro Miralles – Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de Murcia, Espanha. ORCID: 0000-0002-9143-2145. Email: pedromir@um.es

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História e imprensa / Antíteses / 2017

A chamada inicial para esse dossiê temático teve por objetivo reunir artigos sobre História e Imprensa em distintas perspectivas de historiadores e estudiosos do Impresso e sua importância na construção de abordagens propostas pela historiografia contemporânea. Durante muito tempo a imprensa foi vista pelos historiadores apenas como fonte de informações. As transformações historiográficas contemporâneas têm, contudo, promovido a abordagem da Imprensa como fonte e objeto da pesquisa histórica. Como vários teóricos já observaram a imprensa cria fatos, interfere e produz realidades dotando o presente de sentidos diversos. Assim buscou-se selecionar textos de autores que contivessem a pluralidade das abordagens historiográficas do tempo presente acerca das relações entre História e Imprensa, envolvendo periódicos, revistas, projetos editoriais, formas de edição, toda uma gama de temas que ajudam a compor um universo de

Os textos que integram esse número da revista apontam para novos horizontes alcançados dentro da historiografia brasileira sobre o estudo dos impressos, com um universo temático bastante rico e multifacetado e que refletem o amadurecimento dos estudos do tema. Também indicam recortes temáticos e de periodização que contemplam os séculos XIX, XX e buscam iluminar novas perspectivas sobre História e Imprensa, suas interseções e margens. Isto significa novos olhares e reflexões sobre o tema, superando tradicionais interpretações e apontando novas direções de maneira multifacetada, inter-relacional e dinâmica. Nas últimas décadas, aliás, as tendências historiográficas têm questionado as explicações generalizantes e reducionistas. Hoje em dia, as pesquisas sobre História e Imprensa, e sobre os Impressos em geral, guardam uma riqueza ampla que está presente nos quatorze textos selecionados para compor esse dossiê

Seguindo a linha editorial da Revista Antíteses , os conteúdos dos artigos voltam-se para a questão da recepção dos impressos, nos mais diferentes registros que circularam na sociedade brasileira, considerando tais escritos não só enquanto instrumentos de poder – poder político, poder das elites, poder daqueles que detinham o privilégio do saber e da escrita – como também espaços de lutas, polêmicas, formas de consagração, debates, análises e vitrine para os autores inseridos nessas diversas conjunturas históricas.

O conjunto de textos pretende, assim, trazer à luz investigações, cujas abordagens teórico-metodológica encontram-se nas fronteiras da história dos periódicos, dos livros, do teatro, da música nas lutas e dos movimentos sociais e políticos registrados através dos impressos, tal como preconizam a historiografia francesa e anglo-saxônica, mas combinando com enfoques da nova história política e da história cultural.

O artigo de Aristeu Elisandro Machado Lopes analisa as ilustrações de três periódicos: A Vida Fluminense, O Mosquito e Semana Illustrada e o ambiente positivo criado pelos republicanos brasileiros para celebrar a República Espanhola. As notícias veiculadas e a iconografia utilizada pelos periódicos assinalavam para os leitores a mudança de regime político na Espanha e as festividades envolvidas com viés de humor e irreverência que caracterizava os jornais de ilustrações do período.

Silvia Cristina Martins de Souza nos insere no universo da cultura teatral do século XIX através dos diálogos estabelecidos entre os títulos de peças teatrais publicadas que se respondiam ou se parodiavam. Tais práticas criaram uma espécie de “sistema telefônico” baseado numa relação estreita entre palavra, intérprete, produtor e receptor, indo ao encontro das expectativas e interesses das plateias cada vez mais heterogêneas que assistiam às representações teatrais.

Camila Bueno Grejo tem como enfoque um periódico, a Revista de Derecho, Historia y Letras, fundada e dirigida por Estanislao Zeballos e na sua análise destaca a importância desse intelectual e de sua Revista, especialmente em relação à construção de uma identidade internacional argentina.

As pesquisas de Paulo Rodrigo Andrade Haiduke o levaram a abordar as relações que se estabeleceram entre literatura, imprensa e mercado editorial na França da Terceira República, mais especificamente em Paris nas décadas de 1910 e 1920. A ênfase do artigo está no papel do novo intermediário cultural que se configurou então através da imprensa e do mercado livresco, e que marcou de maneira fundamental a história do modernismo literário, enfocando Proust e o projeto editorial que o consagrou.

Leandro Antonio Guirro, aborda as relações conflituosas entre Portugal e Moçambique colonial e as narrativas presentes em alguns periódicos que fizeram do colonialismo o centro de discussões entre várias narrativas, em dupla perspectiva, isto é na imprensa portuguesa e moçambicana e levantaram a problemática da tradição imperialista portuguesa para seus leitores.

Nas polêmicas político-partidárias presentes na imprensa brasileira do século XX, Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos analisa um episódio, conhecido como carta Brandi, cuja polêmica se iniciou dias antes das eleições presidenciais de 1955. A principal fonte histórica do trabalho é o diário carioca Tribuna da Imprensa, de propriedade de Carlos Lacerda, então deputado federal pela UDN (União Democrática Nacional) e destaca sua atuação nos calorosos debates desse momento político convulsionado, marcado pelo forte imaginário antiperonista.

Ivania Skura, Cristina Satiê de Oliveira Pátaro e Frank Antonio Mezzomo dividem a autoria de um artigo que trata do jornal Folha do Norte do Paraná como fonte e objeto de pesquisa, analisando as representações de beleza de mulher presentes no periódico entre os anos de 1962 a 1964. Fundado pela Igreja Católica da diocese de Maringá / PR, o destaque pretendido é centrado nas perspectivas de um jornal regional e das representações socioculturais históricas da mulher na sociedade norte paranaense.

Marcelo Garson analisou, no período entre 1960 e 1965, como a imprensa foi fundamental para dar corpo e substância à ideia de música jovem no Brasil. As fontes que destaca para sua abordagem são A Revista do Rádio – em especial a sessão O mundo é dos Brotos, de Carlos Imperial – e também publicações especializadas, como A Revista do Rock, que segundo o autor ajudaram a definir os códigos sonoros, visuais e morais que nortearam um novo nicho profissional de música popular brasileira.

A personalidade de Adalgisa Nery e o papel polêmico de sua coluna no jornal Ultima Hora são apresentados por Isabela Candeloro Campoi em artigo que busca discutir a polarização política refletida na imprensa brasileira às vésperas do golpe civil-militar de 1964, a partir da análise dos artigos da coluna “Retrato sem retoque” assinada pela jornalista e escritora que lhe deram projeção no mundo político brasileiro.

Elisangela Silva Machieski e Silvia Maria Fávero Arend optam por enfocar a imprensa regional e o discurso presente nas reportagens do jornal Tribuna Criciumense, da cidade de Criciúma (SC), acerca da infância pobre na década de 1970, quando o chamado ciclo da marginalização do menor, enunciado pelas autoridades da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), ganhou as páginas dos periódicos brasileiros. As crianças, adolescentes e jovens pobres foram noticiadas no jornal Tribuna Criciumense, sobretudo, sob três enfoques jurídicos: menores abandonados, menores delinquentes e menores trabalhadores.

Alvaro de Oliveira Senra e Flávio Anício Andrade tem como fonte o Jornal da Baixada, publicado nos anos de 1979 e 1980, e discutem a emergência da luta por melhores condições de vida na periferia da cidade do Rio de Janeiro, no contexto de reaparecimento na cena política de movimentos sociais que reivindicavam o usufruto ao direito e à cidadania em suas variadas formas. Outro ponto de destaque desse texto é usar como fonte privilegiada um órgão da então chamada “imprensa alternativa” politicamente identificado com as lutas por direitos, nos anos finais do governo militar instalado em 1964.

O objetivo do artigo de Everton de Oliveira Moraes é compreender os modos de historicidade presentes no suplemento Anexo, caderno de cultura e artes publicado no jornal Diário do Paraná no final da década de 1970, com a intenção de ser um espaço gráfico de experimentação artística, uma tentativa de fazer arte no jornal.

O artigo de Fabiano Coelho analisa as representações do MST quanto à figura do presidente Fernando Collor de Mello, no Jornal Sem Terra, no período em que esse ocupou a presidência da República (1990-1992). O recorte escolhido centra-se nos editoriais do periódico, por serem espaços exclusivos da Direção Nacional, que dessa forma o utiliza para falar em nome do Movimento. A ideia de representação, a partir das contribuições do historiador Roger Chartier, foi significativa para as reflexões do artigo. Ao longo do texto, destaca que Collor foi representado como inimigo dos trabalhadores e da reforma agrária, assim como a figura de um presidente autoritário.

Por fim, Carla Luciana Souza da Silva procura problematizar algumas questões sobre as dificuldades encontradas pelos historiadores no uso da imprensa como fonte, destacando especificamente, as concepções de verdade e mentira veiculadas pela mídia. Essas noções criam imensas dificuldades para a leitura do texto midiático, já que as mentiras possuem um lugar social e político e misturam fatos e narrativas com nítidas intenções ideológicas.

Para a escolha de todos esses textos contamos com a participação de um número significativo de pareceristas, aos quais queremos agradecer pela disponibilidade e cuidado ao analisar e apontar aqueles que melhor se adequavam ao dossiê. Nós, os editores, temos a satisfação de apresentar um conjunto de textos que refletem a riqueza de narrativas e das pesquisas desenvolvidas no Brasil por estudiosos de História e Imprensa e História do Impresso tal como preconizam as mais recentes correntes historiográficas.

Tania Maria Bessone da Cruz Ferreira – UERJ

José Miguel Arias Neto – UEL

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Cultura material e cultura intelectual (séculos XVI-XIX) / Antíteses / 2017

Este dossiê temático que intitulámos “Cultura material e cultura intelectual (séculos XVI-XIX)” constitui mais um resultado palpável da parceria iniciada há alguns anos entre as duas signatárias, as docentes, Maria Renata da Cruz Duran, da Universidade Estadual de Londrina, e Isabel Drumond Braga, da Universidade de Lisboa. No decurso do pósdoutoramento da primeira, pensou-se na preparação de um número temático de uma revista brasileira que acolhesse trabalhos de investigadores dedicados ao estudo da história da cultura com os quais as coordenadoras tivessem, de algum modo, trabalhado. O resultado que agora vem a público é apenas uma parte desse projeto que tem continuidade em outras vertentes e suportes.

Objeto de estudo da História enquanto matéria autónoma, desde o século XIX, com os textos fundacionais de Jacob Burckhardt e Johan Huizinga, e com percursos e autores muito diferenciados ao longo dos tempos, a cultura é o foco do presente dossiê, tendo em conta as suas facetas material e intelectual, naturalmente enlaçadas. Os séculos XVI e XIX servem como fronteiras de um panorama que tem início na Península Ibérica, com o texto “As Leguminosas no Portugal Moderno: uma presença constante e discreta”, de uma das organizadoras, e também autora convidada, Isabel Drumond Braga, da Universidade de Lisboa. Elaborado no rescaldo do Ano Internacional das Leguminosas (2016) o texto apresenta fontes como livros de culinária, informações sobre dietas de estudantes, de religiosos e de presos, provérbios, relatos de viajantes estrangeiros e outras, a fim de explorar as potencialidades da História da Cultura.

“Cultura material en la clausura de la realeza: “Las reliquias (tipos, simbología y cuidado) en el Monasterio de Las Descalzas Reales en Edad Moderna” é o texto subsequente, onde Esther Jimenez, da Universidade de Granada, explora as esferas de poder no universo feminino quinhentista a partir de seus vestígios materiais.

O doutor Carlo Pellicia, investigador do CLEPUL (Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias), da Universidade de Lisboa, apresenta em suas “Notas sobre influência da cultura portuguesa no Japão (séculos XVII e XVIII): o legado dos missionários europeus”, uma sondagem acerca do nanbangaku ou nanban bunka, ou seja, o conjunto das doutrinas dos “bárbaros do sul”, que não conheceu o seu epílogo com a proscrição do cristianismo, nem com o afastamento do mercantilismo ibérico. Situado entre 1641 e 1715, o artigo nos transporta para uma Ásia portuguesa.

Através de um profícuo diálogo entre Literatura e História, Markus Ebenhoch, da Universidade de Salzburgo, produziu o texto “O discurso religioso nas Obras do diabinho da mão furada”. Dedicado ao estudo de António José da Silva (1705-1739), chamado “o Judeu”, Ebenhoch apresenta uma análise dos processos inquisitoriais levantados contra António José da Silva, detendo-se no que classificou como “uma crítica satírica ao catolicismo e ao Santo Ofício, escrita por um antigo preso desta instituição”.

Maria Marta Lobo de Araújo, da Universidade do Minho, parte da análise intrínseca de um recolhimento do norte de Portugal, durante o século XVIII em “Aprender na clausura: a aula publica do recolhimento da Caridade de Braga, no século XVIII”. Local de preservação e definição da honra feminina, o espaço é sondado a partir de um cruzamento de fontes relativas às questões materiais e intelectuais.

Da mistura desses aspectos também se vale Francisco de Almeida Dias, Università degli Studi della Tuscia (Viterbo), com o seu texto sobre “D. Alexandre de Sousa e Holstein e a cultura lusitana numa Roma em ebulição (1790-1803)”. No artigo, o autor aborda a formação artística dos jovens portugueses enviados pela Casa Pia de Lisboa, bem como a fundação de uma efémera Academia de Belas-Artes, que teve D. Alexandre de Sousa e Holstein como protagonista.

Com “Assistência e cultura material: o património móvel do hospital da Santa Casa da Misericórdia de Pombal na segunda metade do século XIX”, Ricardo Pessa de Oliveira destaca o âmbito patrimonial em que a cultura artística, assim como a material, costumam operar. Claudia Marques Martinez, da Universidade Estadual de Londrina, atua no mesmo sentido, situando, todavia, uma abordagem da cultura intelectual no Brasil em que emerge o termo “cultura imaterial”, no texto “Manoel Bernardes da Cunha Cação, o inventário de um abolicionista: da cultura material à cultura imaterial”.

Carollina de Lima, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira, nos situa no campo do papel social da literatura na sondagem da cultura imaterial e / ou intelectual em ”A conciliação nos folhetins: Joaquim Manuel de Macedo e a carteira do meu tio (1855)”. Aldrin Figueiredo, da Universidade Federal do Pará, distende a história social ao analisar o papel da arte sacra e religiosa na Amazônia no contexto do movimento de renovação do catolicismo brasileiro no século XIX, mediante fontes em prosa, verso, pintura e escultura.

Na intersecção do design, “Joalheria de Crioulas: Subversão e Poder no Brasil Colonial”, de Amanda Gatinho Teixeira, mestre em Antropologia pela Universidade Federal do Pará, integra a seção dedicada a estudantes de pós-graduação, reaberta nesse número, apresentando uma visão histórico-antropológica acerca da joalheria Oitocentista no Brasil.

O dossiê fecha com o texto da organizadora Maria Renata da Cruz Duran, professora de História Moderna e Contemporânea da Universidade Estadual de Londrina, pós-doutoranda pela Universidade de Lisboa e bolsista PDE / CNPq, com o artigo “A ´augusta mãe por cima das ondas do oceano´: a corte portuguesa no púlpito brasileiro”, no qual revisa um sermão de frei Francisco de São Carlos, pregador real no Rio de Janeiro em 1809, com a finalidade de averiguar, na sermonística, um modelo de narrativa histórica que procura estabelecer uma interligação entre Portugal e Brasil, no solo sagrado das Capelas Reais.

Como se pode notar, o presente dossiê explora diferentes fontes, métodos e objetos, destacando na História da Cultura um manancial de compreensão da sociedade moderna e contemporânea que, tal como os autores aqui reunidos, ultrapassa e entrelaça fronteiras.

Maria Renata da Cruz Duran, Universidade Estadual de Londrina – PDE / CNPq

Isabel Drumond Braga, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras e CIDEHUS-EU

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Imagem na Idade Média / Antíteses / 2016

Os estudos da imagem nas últimas décadas têm assumido um espaço visível e indiscutível na historiografia. Desde a École des Annales e a valorização de documentação além da escrita evidenciada pela História Nova e depois pela Nova História Cultural, a imagem aparece como uma possibilidade concreta para o conhecimento do passado. Até então, o fascínio e inquietação promovidos pelas imagens não pareciam traduzir-se em estudos que as considerassem. Ainda que o trabalho formidável de Johan Huizinga em princípios do século XX tenha apontado para o valor das imagens para o entendimento sobre o homem medieval, prefigurando em parte, algumas questões importantes da História Cultural, nossa herança cartesiana dificultou-nos a apreensão das imagens segundo sua complexidade e riqueza. Como expressar verbalmente o que antes se fixou como imagem? Como estabelecer a genealogia de conteúdos e elementos que transitam entre referências escritas e imagéticas de modo tão inefável? Como enfrentar a estranheza e a convenção das formas? Como lidar com a multiplicidade de sentidos das imagens?

Os estudiosos da Idade Média foram grandes colaboradores para a renovação do campo da História. No campo específico dos estudos sobre os registros figurativos, esta contribuição tem sido também muito evidente. As discussões primeiras sobre o uso da expressão arte ou imagem certamente colaboraram em grande monta para a redefinição de parâmetros no exame da figuração do período medieval. Historiadores como Jean-Claude Schmitt, Jérôme Baschet, no campo da filosofia, estudiosos como Georges Didi Huberman e Marie-José Mondzain têm contribuído para o reconhecimento de funcionalidades e sentidos para a imago que ultrapassam a objetividade característica dos discursos em torno da comunicação e da ideologia. Ao contrário do que afirmou na tradição historiográfica, fundada principalmente na História da Arte, na esteira dos trabalhos de Émile Mâle, em meados do século passado, o medievo emerge como período fértil para as imagens. A liberdade e inventividade no tocante à produção das imagens que fizeram sobressair Jean Claude Schmitt e Jérôme Baschet vêm negar os equívocos gigantescos que de todo modo ainda se arrastam nas sínteses sobre a Idade Média: não, as imagens medievais não são basicamente a “bíblia dos iletrados”; sim, a civilização do ocidente medieval deu tamanha importância às imagens que superou as interdições veterotestamentárias e desenvolveu um cristianismo de imagens! Os desdobramentos disto estão entranhados no processo de expansão colonial, e no modo como os homens e mulheres do Ocidente pensam e lidam com a imagem, no meio religioso ou além dele.

Esse dossiê reuniu pesquisadores brasileiros que desenvolvem estudos sobre as imagens na Idade Média. Nesse caso, quatro medievalistas trazem recortes de suas reflexões e, a partir de formações e trajetórias distintas, possibilitam-nos conhecer a produção deste campo de estudo no Brasil. Esperamos, assim, contribuir para o conhecimento dos debates que se apresentam na teoria e historiografia hoje sobre as imagens neste período.

“Verbo que se faz carne, que se faz verbo”. A partir desse belo axioma que localiza a imagem no fundamento do cristianismo, a historiadora Maria Cristina Pereira apresenta o que existe de inexorável na operação do estudo da imagem. Sobre a imagem se produz discurso para se reportar a ela. O limite está no axioma, mas o desafio está no reconhecimento da limitação e na caminhada. A identificação e organização, pela pesquisadora, dos conteúdos escritos no período medieval relativos à imagem certamente facilitarão o reconhecimento da natureza dos textos pelos futuros estudiosos e seu lugar no entendimento do que se pensou sobre a imagem no período chamado medieval. São identificadas cinco categorias: os discursos teóricos sobre imagens; os que apresentam proposições normativas; aqueles que se referem à recepção; aqueles que mencionam os produtores das imagens; por fim, os que as descrevem.

Dessa forma, a partir da riqueza apresentada pelos discursos, a autora contribui para a superação da associação entre as imagens medievais e sua direcionada função didática. Apresenta-se, assim, mais uma oportunidade de localização, atenuação e superação do recorte do discurso do Papa Gregório (séc. V) sobre a destinação das imagens como “bíblia para os iletrados”. Esta passagem que se reproduz nos manuais e mesmo em materiais mais densos sobre o medievo apresenta-se, muito comumente, ainda, desconectada do discurso inteiro: uma carta de admoestação que se referia a imagens narrativas num contexto iconoclasta.

Ao classificar os textos que se referem às imagens, Cristina Pereira apresenta vozes discordantes à de Gregório (como a de Paulino de Nola ou a dos neoplatônicos), quando se reporta aos discursos teóricos. Os discursos sobre as práticas, revelam a pouca atenção dos intelectuais eclesiásticos acerca da normatização das imagens. Os registros indiretos e associados a contextos muitas vezes delicados obrigam o historiador a uma busca em textos dispersos e de naturezas muito distintas (cartas, tratados, material hagiográfico). Do mesmo modo, os textos que se referem aos produtores das imagens: cartas, contratos, referências dispersas que os mencionam em função da valorização dos comitentes, textos laudatórios, esses mais comuns nos últimos séculos medievais, assim como em necrológios, crônicas e hagiografias. As questões teológicas perpassam mais ou menos fortemente as diversas categorias, mas evidencia-se a pouca uniformidade e a ausência de discurso articulado e continuado. A quase ausência de referências diretas sobre a recepção das imagens e a difícil captação dos efeitos da figuração junto aos observadores nos faz refletir sobre o sentido do silêncio. De todo modo, ele nos parece indicar muito mais nossas angústias em entender por escrito o que tomaram os homens do passado pelo olhar. E principalmente pelo olhar.

Historiadores e historiadores da arte veem suas fronteiras dissolvidas pela aproximação de seus interesses e o esboroar-se de conceitos arraigados. A aproximação de historiadores da arte como Michael Baxandal de questionamentos marcantes da História da Cultura e a percepção cuidadosa sobre o objeto artístico dos primeiros adotada pelos historiadores da cultura, a exemplo de Carlo Ginzburg, trouxeram enormes ganhos para a emergência de novas possibilidades de trabalho. As fronteiras entre Renascimento e Idade Média, Humanismo e valores do medievo se esfumaçam na consideração das imagens. O estudo de Maria Eurydice de Barros Ribeiro sobre a obra de Uccello, a Batalha de São Romano, do século XV, historiciza o próprio objeto, apontando-nos para uma perspectiva de história não somente centrada na consideração das condições de produção do objeto ou de sua recepção prevista, mas também para a trajetória mesma do objeto de arte-documento. A imagem evidenciada fez parte de tríptico, que hoje repartido, compõe acervos que, inclusive, desconsideram sua origem. Os espaços que ocupam cada parte da antiga peça original, o lugar em que habitam, a singularidade que adquiriram, os olhares que suscitam, deram autonomia e ressignificaram as imagens.

O caráter emblemático da pintura, que justificou sua posse por Lourenço de Medici, assim como o uso da perspectiva e valor investido em ouro e prata, tornaram essa obra uma referência para o medievo florentino. A intencionalidade da obra inquieta a estudiosa que reafirma o caráter de registro e comemorativo da Batalha de São Romano, conflito que deu vitória a Florença sobre Siena poucos anos antes de sua confecção.

Dois estudos de caso, ainda, apresentam análises de imagens associadas ao universo cristão medieval. Adriana Zierer desenvolve um estudo sobre as várias formas de representação do Diabo na iconografia medieval. A partir de imagens retiradas da Vision de Tondal, do século XII, com uma versão iluminada no século XV, dedicada à duquesa Margaret de York (1475) e do Livro de Horas Les Très Riches Heures do Duc de Berry, produzido pelos irmãos Limbourg, também do século XV, a historiadora aponta para a riqueza de elementos que compõem a imagem do Diabo. As variações nas suas representações que indicam maior complexidade na representação da figura. Assim, uma imagem convencionada do Diabo foi a figura da Boca do Inferno, que está associada a animais como o dragão e a serpente, os quais, por sua vez ligam-se ao monstro bíblico Leviathan. Na Vision de Tondal, os seus guardiões, na entrada da cavidade, são elementos da cultura popular (os gigantes Fergus e Connal, associados à mitologia irlandesa). Já nas imagens produzidas pelos irmãos Limbourg o Diabo apresenta-se, por um lado, entre formas humanas e animalescas, como na imagem do “Inferno”, ou como como um belo anjo no momento em que traiu Deus, portando halo.

No texto de Tamara Quírico, o exame da dupla funcionalidade da cena de Juízo Final, particularmente nos últimos séculos medievais, valoriza a superação de uma objetivação unívoca para as imagens. Além da consideração da cena como momento especialmente valorizado no contexto da religiosidade cristã e dos efeitos esperados quanto à reafirmação dos destinos dos homens, santos e pecadores, pouco ou muito pecadores, a cena remete a outras preocupações dos homens. Nesse caso, a evocação da justiça dos homens equiparada à justiça de Deus.

Na esteira da historiografia francesa, particularmente de Jean-Claude Schmitt e Jérôme Baschet, o “lugar” da imagem importa além da consideração de um contexto da obra. A imagem que se define pelo seu conteúdo cristão, formula-se com intencionalidades outras, além da religiosa. Esta tem sua intenção apontada a partir também do local que a abriga. Nessa perspectiva, Tamara Quírico interpreta o ciclo de afrescos com o tema do Juízo Final executados na Capela Madalena ou (del Podestà), no Palazzo del Bargello, em Florença. Provavelmente concebido por Giotto di Bondone, por volta de 1336, o ciclo do último julgamento, embora, executado no interior de uma capela, estava localizado originalmente na sede da justiça do governo florentino. A suposta obviedade do assunto tratado se redefine na análise que a associa à valorização do tribunal e ações judiciárias. Assim, a imagem atua sobre duas temporalidades, aquela do tempo presente e aquela do futuro julgamento.

Os artigos, enfim, nos oferecem uma amostragem dos estudos realizados no Brasil sobre as imagens medievais. As justificativas para os estudos sobre o medievo em nosso continente, cremos, já foram apresentadas inúmeras vezes, e pensamos que isto já não deveria se fazer, ainda, necessário. Nossa cultura colonial europeia é medieval e por isso somente já deveríamos guardar atenção e cuidado. Quando pensamos no quadro das expressões visuais, cabe lembrar, todavia, que o ocidente desenvolveu uma cultura imagética que hoje se pulveriza pelas mídias eletrônicas, mas cuja trajetória se torna imprescindível para a reflexão sobre como lidamos com o olhar. Não pensamos que um caminho unívoco tenha nos levado a essa sociedade de imagens em que vivemos, mas perceber as inquietações, ousadias e censuras quanto ao que se vê e o que se cria para ser visto, assim como os silêncios e vazios, é absolutamente necessário.

Angelita Marques Visalli – Doutora em História. Universidade Estadual de Londrina. Departamento de História.

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Didática da História e ensino de História / Antíteses / 2016

As reflexões em torno do ensino de História (também) vêm de longa data. No caso do Brasil, desde o início do século passado, diversos trabalhos têm se caracterizado por propor reflexões em torno dos objetivos, finalidades e métodos de ensino. Esses estudos caracterizaram-se de forma predominante pela proposição de metodologias de ensino mais eficazes, visando superar o chamado ensino tradicional, e por definir objetivos e finalidades direcionadas à função do conhecimento na formação da personalidade e do comportamento cívico dos educandos.

Uma característica predominante no longo processo de consolidação desse Código Disciplinar tratou-se da cristalização dos conteúdos em torno de uma visão predominante da história como uma grande narrativa, no chamado modelo quadripartite – história antiga, medieval, moderna e contemporânea – que privilegia uma abordagem político-econômica, com centralidade na concepção de herança judaico-cristã como raiz do “mundo ocidental”, que depois se subdivide em diversas histórias nacionais particulares.

Outra característica relevante é a centralidade que tiveram, e ainda têm, as discussões influenciadas por teorias advindas dos campos da psicologia e da pedagogia para refletir sobre o ensino e a aprendizagem da História. Nesta perspectiva, quando se trata de discutir o ensino, o foco se estabelece na busca por estratégias de ensino que facilitem a aprendizagem. E quando a discussão é a aprendizagem, há uma ênfase em concepções cognitivistas, que abordam o problema do aprender em concepções predominantemente psicológicas, distanciando-se dos aspectos relacionados à epistemologia do conhecimento histórico, que influenciam no processo de aprendizagem (URBAN, 2009).

Em contraponto a essas abordagens historicamente hegemônicas, os estudos da Didática da História tem se difundido no Brasil a partir de proposições inovadoras. Essas reflexões surgiram na Alemanha nos anos 1970, e alargaram as preocupações com a história produzida nas universidades e a história ensinada nas escolas, tomando como objeto de investigação e reflexão as formas como o pensamento histórico era partilhado pela sociedade e quais efeitos sociais e culturais produzia.

Klaus Bergmann (1989) postulou os fundamentos básicos da Didática da História, definindo três tarefas para essa área do conhecimento. Uma tarefa empírica, que teria como fundamento a investigação dos processos de internalização, reprodução, produção e divulgação do conhecimento histórico, entendidos como processos coletivos da formação da consciência histórica, conduzidos por sujeitos que agem em contextos e experiências específicos. A tarefa é reflexiva, que revelaria elementos didáticos internos à ciência histórica  e analisaria seu significado geral para a vida humana prática, a partir da explicitação de processos de ensino / aprendizagem e formação e autoformação dos indivíduos, grupos e sociedades a pela História e a partir dela. E a tarefa normativa, que ressalta a regulamentação da História nos processos de ensino, nos contextos de orientação da vida prática e nas apropriações que são feitas dessa ciência pelos meios de comunicação de massa.

Esse enquadramento proposto por Bergmann sugere o caráter dessa concepção de Didática da História, que entende o conhecimento histórico como vinculado a um conjunto de processos de formação cultural dos indivíduos, de representações da memória e de lutas político-sociais. Sendo que as três tarefas definidas se articulam aos objetivos de investigação e reflexão, especialmente sobre a natureza especificamente histórica do pensamento e da explicação histórica, bem como de normatização das formas de transmissão e publicização do conhecimento histórico.

Seguindo essa mesma vertente, Jörn Rüsen (2012) define a Didática da História como ciência da aprendizagem histórica. A partir dessa definição, busca fundamentar a superação daquelas visões tradicionais, que concebiam a Didática da História como área voltada à formação de professores, a partir da transmissão de técnicas e métodos de ensino. Nesse enfoque, passa a ser central o papel da teoria da consciência histórica. Há uma preocupação em envolver sujeitos aprendizes no processo de investigação e reflexão sobre a aprendizagem histórica. A expansão para a análise global de todas as formas e funções da consciência histórica leva, portanto, a Didática da História a ser compreendida como autônoma, uma subdisciplina da ciência da História.

Para esclarecer melhor essa noção abrangente da Didática da História como uma subdisciplina no campo da ciência histórica, Rüsen retoma e reestrutura a definição das três funções atribuídas a essa área do conhecimento, estabelecendo que as três tarefas seriam a empírica, a normativa e a pragmática. Essa reorganização se dá no sentido de desenvolver uma compreensão global das formas e funções do conhecimento histórico na formação dos indivíduos, bem como estabelecer parâmetros científicos, metodológicos e normativos para o encaminhamento dos estudos sobre ensino e aprendizagem da História.

Dentre as tarefas a serem cumpridas no campo empírico, Rüsen (2012) define: examinar processos reais pelos quais se manifestam as diferentes condições da aprendizagem histórica; analisar suas formas e resultados, bem como seu papel no processo de individualização humana; perseguir o objetivo da aprendizagem histórica e descrever sua diversidade concreta; identificar seus fatores e esclarecer sua relação sistemática.

As funções normativa e pragmática são complementares, e se referem ao aspecto ativo da Didática da História como campo de conhecimento definidor de parâmetros, critérios, métodos e diretrizes para a aprendizagem histórica. Normativamente, Rüsen considera que a Didática da História deveria: levantar a questão do que deve ser a aprendizagem histórica; investigar pontos de vista nos quais a aprendizagem histórica deve influenciar, planejar, moldar, dirigir e controlar; e justificar tais pontos de vista como condições consensuais dos objetivos de ensino e da aprendizagem histórica.

No campo pragmático, a função da Didática da História se relacionaria a definições no campo da prática docente, como por exemplo: definir como a aprendizagem histórica pode ser organizada de acordo com planos e metas pré-determinadas; examinar estratégias do aprendizado histórico; analisar a prática em sala de aula, a experiência do professor e as regras e práticas. Enfim, trata-se de uma dimensão em que tal campo do conhecimento tomaria por tarefa analisar e refletir sobre a prática direta com o ensino da História.

Entendendo assim a Didática da História como ciência da aprendizagem histórica, que se fundamenta nos pressupostos da teoria da consciência histórica, Rüsen define também quatro temas: primeiramente a metodologia do ensino na sa la de aula, especialmente em razão da necessidade de superação do distanciamento entre ensino e alunos; em segundo lugar, a investigação da função do acontecimento e da explicação histórica na vida pública, no qual se inserem todas as formas de representação da experiência histórica; o terceiro tema seria o estabelecimento da finalidade do ensino de história, ou do que se espera que o conhecimento histórico mobilize nos estudantes; e por fim, o quarto tema seria investigação da natureza, da função e da importância da consciência histórica, a partir da qual entende-se que há conexões temporais essenciais num conjunto de operações mentais que definem o pensamento histórico e sua função na cultura humana.

Tomando como base essas contribuições, pensar e investigar o ensino de História hoje deixa então de ser uma questão de estratégia pedagógica, pois a escola é entendida como um espaço de difusão do pensamento histórico, o que se torna também objeto de pesquisa. Já a aprendizagem histórica deixa de ser pensada como processo cognitivo subjetivo, e surge um conjunto de investigações e proposições teóricas que visam identificar as interfaces entre a aprendizagem histórica e a forma como o pensamento histórico circula culturalmente.

Na mesma época em que surgiram os estudos da Didática da História na Alemanha, estudiosos ingleses também questionaram as formas hegemônicas de abordagem da aprendizagem histórica. Os estudos desenvolvidos por esses investigadores, conhecidos como Educação Histórica, que se difundiram posteriormente por países como EUA, Canadá, Espanha e Portugal, e mais recentemente no Brasil, se caracterizaram por problematizar as concepções de aprendizagem histórica fundamentadas conceitualmente na psicologia da aprendizagem, e encontraram nas discussões epistemológicas sobre o conhecimento histórico interfaces para desenvolver estudos sobre a aprendizagem histórica de crianças e jovens.

As duas vertentes, a Didática da História e Educação Histórica, chegaram ao Brasil e à América Latina nas décadas de 1990-2000, e têm contribuído de forma muito intensa para alargar as reflexões sobre o ensino de História. Esse alargamento se caracteriza tanto pela inovação teórica, que permite questionar o ensino como um processo consolidado de transmissão de conteúdos históricos, e a aprendizagem como processo individual de assimilação de informações históricas. E, do ponto de vista metodológico, têm permitido estruturar investigações que utilizam variadas abordagens, apresentando problemáticas e instrumentos diversificados de pesquisa, trazendo contribuições relevantes para se pensar a importância da história na sociedade, bem como do ensino de história na construção das identidades e do pensamento histórico dos sujeitos.

Nesse sentido, a denominação tradicional Ensino de História, já não pode ser pensada como categoria isolada. Uma vez que os estudos sobre conceitos, conteúdos e métodos do ensino de história, em ambientes escolares, não pode mais fugir ao debate sobre os impactos sociais do conhecimento histórico mobilizado na aprendizagem, nem deixar de contemplar as discussões da Didática da História, que objetivam alargar as reflexões e repensar o ensino em uma relação dialógica entre os sujeitos que mobilizam o conhecimento histórico nas interações sociais.

Devido à maior abrangência e possibilidade de aglutinação de diferentes formas e tendências de investigação, optou-se por denominar esse Dossiê “Didática da História e Ensino de História”, visando agregar contribuições renovadas nas pesquisas sobre ensino e aprendizagem histórica, sem menosprezar ou segregar quaisquer estudos que se preocupem com as formas pelas quais a história é ensinada, aprendida, difundida e partilhada, tanto em espaços de escolarização quanto na sociedade em geral.

Vale ressaltar que se trata de um campo de investigações amplo e com uma significativa profusão de trabalhos empíricos e teóricos publicados na última década, revelando uma inclinação a essas discussões e uma acentuada preocupação com a história escolar e com a cultura histórica. Como exemplo dessa relevância do tema, podemos destacar os diversos dossiês temáticos publicados nos últimos anos em revistas de circulação nacional: Educação Histórica, Teoria da História e Historiografia, nesta mesma Revista Antíteses em 2012; Didática da História, na Revista Teoria da História – UFG, em 2014; A Educação Histórica como campo investigativo, na Revista Diálogos – UEM, em 2015; Consciência Histórica, Ensino de História e Fronteira, na Revista Fronteiras – UFGD, em 2015; Ensino de História e Consciência Histórica, Revista História Hoje – ANPUH, 2015; Aprendizagem histórica: pesquisa, teoria e prática, na Educar em Revista – UFPR, em 2016.

Visando contribuir com essa literatura, o presente dossiê foi organizado a partir da colaboração de investigadores vinculados a distintas universidades e centros de estudos, em nível internacional, destacando-se contribuições de colegas do México e do Chile, bem como de universidades de diferentes estados brasileiros, como Paraná, São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. O objetivo da proposta é difundir pesquisas que se preocupam com o ensino e a aprendizagem da história, bem como com a formação docente em história e com os impactos da difusão do conhecimento histórico nos âmbitos social, cultural e político.

Além da difusão espacial alargada desses estudos, destaca-se também um rejuvenescimento do campo, caracterizado pela adesão de jovens pesquisadores que abordam de forma original e complexa os problemas colocados por pesquisadores já consolidados. Outra característica relevante no dossiê é também o esforço de aproximação entre diferentes leituras dos referenciais teóricos das pesquisas em Ensino de História, Educação Histórica e Didática da História, refletindo o período de transição que vivenciamos e a possibilidade de diferentes leituras quanto a conceitos fundantes, como consciência histórica, aprendizagem histórica, saber histórico e ciência histórica.

Optamos por dividir o dossiê em duas partes, cumprindo distintas tarefas da Didática da História: A primeira parte é composta por cinco artigos, que apresentam estudos vinculados à tarefa empírica da Didática da História, pois trazem estudos empíricos, de caráter qualitativo, preocupados com a análise das ideias históricas de sujeitos em processo de escolarização, professores e alunos, e as problemáticas identificadas que dizem respeito à condução das diretrizes e fundamentos da Didática da História num âmbito geral. Já a segunda parte do Dossiê é composta por seis artigos, que trazem estudos dedicados a tarefa normativo-pragmática na Didática da História, focando a pesquisa em documentos e práticas que visam regular e definir conceitos, normas e procedimentos de difusão do conhecimento histórico, estabelecimento de diretrizes de ação e interpretação do conhecimento histórico partilhado socialmente e formação dos profissionais do ensino de história.

Assim, na primeira parte do Dossiê, o artigo do pesquisador Éder Cristiano de Souza, docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA, relata uma pesquisa sobre as ideias históricas de professores da educação básica e estudantes de licenciatura em História, brasileiros e paraguaios, a partir dos conceitos de objetividade e multiperspectividade.

A pesquisa evidencia como a cultura histórica influencia nas interpretações históricas, e faz isso a partir de uma experiência investigativa sobre como os sujeitos da pesquisa interpretam documentos relativos à história da Guerra da Tríplice Aliança, o que lhe permite evidenciar diferenças qualitativas importantes nas interpretações de brasileiros e paraguaios. Os dados do estudo empírico permitem propor reflexões sobre a questão de se levar em conta que a aprendizagem dos conceitos de segunda ordem, ou conceitos epistemológicos, não pode ser isolada da relação afetiva e identitária que se estabelece com determinados conceitos históricos no âmbito da cultura histórica nacional.

O artigo da pesquisadora chilena Gabriela Alejandra Vasquez Leyton, da Universidad Católica de Valparaíso, aborda as noções dos estudantes chilenos de nível médio a respeito do conceito de Ditadura. Para isso, apresenta um estudo empírico com 616 jovens de Ensino Médio chileno, sobre os conceitos de Ditadura que formulam e sobre as implicações dessas concepções para seu comportamento como cidadãos. O estudo permite observar como os jovens desenvolvem variadas concepções sobre temas relevantes como concentração de poder, ditadura, liberdades individuais, direitos humanos, entre outros. Constata a predominância da liberdade de expressão e do direito ao voto como valores presentes entre os jovens, e apresenta o desafio de ensinar história a partir da temática da Ditadura, visando fomentar atitudes que permitam valorizar processo e instituições democráticas, a partir de estratégias de aprendizagem que favoreçam a participação, o respeito e a tolerância.

O artigo de Geyso Dongley Germinari, docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná – UNICENTRO, apresenta um estudo com jovens estudantes do Ensino Médio de uma escola técnica em Irati-PR. O pesquisador estabelece um debate sobre diferentes concepções de história e suas implicações epistemológicas e educacionais, o que lhe dá subsídios para analisar os dados do estudo empírico realizado, onde constata que a ideais dos jovens priorizam a compreensão da História como a totalidade das ações humanas no tempo e no espaço.

O artigo das pesquisadoras Glória Solé, docente da Universidade do Minho, Portugal, e Nayra Llonch, docente da Universitat de Lleida, Espanha, mostram a potencialidade do uso de objetos do patrimônio familiar para a explicação histórica, levando em conta que estes vestígios do passado são importantes para a história pessoal. Para isso, as autoras partem de dois estudos de caso interdependentes realizados de 2013 a 2016: um, envolvendo alunos do curso de formação de professores em educação primária com a finalidade de refletir sobre metodologias didático-pedagógicas para a aprendizagem histórica e outro, a estratégia de se criar o museu na escola. Neste último, as autoras tomam como inspiração o projeto Recriando Histórias coordenado pelas professoras Maria Auxiliadora Schmidt e Tania Garcia Braga da Universidade Federal do Paraná. O estudo realizado engloba futuros professores e alunos da escola primária, integrando pesquisa, extensão e ensino, e ainda, explorando diversas metodologias, como observação participante, relatos autobiográficos e questionários.

Fechando essa primeira parte do Dossiê, os pesquisadores Marcia Elisa Teté Ramos, da Universidade Estadual de Londrina – UEL, e Ronaldo Cardoso Alves, da Universidade Estadual de São Paulo – UNESP, Câmpus Assis, contrastam as representações 89 graduandos do curso de História da UEL com as representações de 424 alunos do Ensino Médio da escola pública. Partindo de elementos próximos ao estudo etnográfico, com depoimentos colhidos de 2011 a 2014, os autores demonstram como os jovens universitários pensam os jovens secundaristas. Contextualizando estes dois grupos de jovens, suas ideias históricas, seus códigos culturais e horizonte de expectativas, os autores procuram refletir sobre aspectos da orientação temporal e formação identitária. O artigo indica uma necessária desconstrução de estereótipos construídos em relação ao jovem aluno do Ensino Médio. Desconstrução esta que implica  pensar historicamente o aluno da educação básica, algo que deveria ser proposto nos cursos de formação de professores.

A segunda parte do Dossiê se inicia com o artigo dos investigadores mexicanos Gerardo Daniel Mora Hernández e Rosa Ortiz Paz, da Escuela Normal Superior de México, que apresenta a experiência de organização da formação docente nessa instituição, resgatando problemáticas, percursos e contribuições teóricas para a definição do que chamam de um “Modelo de Educação Histórica” para a formação de professores. Explicitam então como desenvolvem uma formação docente em história com a preocupação em ressaltar as contribuições de uma didática específica da história, que leve em consideração distintos paradigmas formativos e que se preste a desenvolver distintas habilidades docentes, fugindo ao modelo recorrente de formação de professores, que separa os conteúdos históricos específicos dos conteúdos pedagógicos. Conclui afirmando que o modelo de Educação Histórica já permitiu o desenvolvimento de habilidades docentes de mais de uma centena de estudantes normalistas no contexto do ensino secundário público no Distrito Federal mexicano.

Na sequência, o artigo de Maria Aparecida Leopoldino, docente da Universidade Estadual de Maringá – PR, discute a possibilidade de estabelecimento de uma didática específica da História, que supere o modelo da narrativa eurocêntrica e identitária, e que leve em consideração as contribuições da epistemologia da história, especialmente na perspectiva da história problema, em consonância com um olhar sobre a cultura histórica e necessidade de constituição de uma pragmática da didática da história voltada para a orientação da vida prática. Pretende assim que o ensino de história utilize como prática pedagógica a operação historiográfica e problematize a memória social, possibilitando uma leitura temporal dos problemas sociais, vinculando passado e presente. Concluindo que “a Didática deve participar do debate sobre o campo epistemológico da história, sobre questões relativas à memória, sobre os usos do passado e a cultura histórica, contribuir, enfim, com a normatização da operação historiográfica escolar”.

Já o artigo “O legado da aprendizagem histórica: refazendo percursos de leituras” trata – se de um trabalho em conjunto do pesquisador Renilson Rosa Ribeiro, da Universidade Federal de Mato Grosso, com Halferd Carlos Ribeiro Júnior e Mairon Escorsi Valério, da Universidade Federal da Fronteira Sul, que discutem as formas predominantes de pesquisa sobre ensino e aprendizagem histórica no Brasil nas últimas décadas, identificando a inserção dos debates da Educação Histórica e da Didática da História no Brasil. Apresenta também um resgate dos primeiros estudos em Didática da História no Brasil, ressaltando que a problemática de se vincular a discussão sobre ensino e aprendizagem histórica aos fundamentos epistemológicos do conhecimento histórico já se fazia presente no Brasil na década de 1950.

O artigo “Os Parâmetros Curriculares Nacionais e o processo de constituição de uma didática da história para os anos iniciais” de Tiago Costa Sanches, docente da UNILA, em Foz do Iguaçu-PR, toma os PCNs como documentos privilegiados de estudos em Didática da História, tratando-os como textos visíveis que revelam características de um código disciplinar em história. Com enfoque no documento voltado aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, destaca a prevalência de conceitos e abordagens vinculados a uma epistemologia educacional influenciada por teorias advindas do campo da psicologia e da pedagogia, e ressalta a importância do avanço no sentido de construir um código disciplinar mais próximo a uma epistemologia do conhecimento histórico.

O artigo “História e Ensino de História das Ditaduras no Brasil e na Argentina” de Juliana Pirola da Conceição Balestra, também docente da UNILA, em Foz do Iguaçu-PR, aborda a problemática do ensino de história sobre as Ditaduras de Segurança Nacional no Brasil e na Argentina, realizando um estudo comparativo que permite verificar como, no caso argentino, a inserção dessa questão no ensino tratou-se de um amplo projeto político, que fez com que essa questão se tornasse central no ensino de História naquele país nas últimas duas décadas. Enquanto no caso brasileiro, Juliana verifica uma determinada cultura do esquecimento, que leva a certa dificuldade de estabelecer na Didática da História a presença dessas discussões sobre as reais dimensões, os impactos e as heranças do último governo ditatorial vivenciado no país.

Fechando o Dossiê, o artigo “Manuais de Didática da História: contribuições para entender suas especificidades” de Osvaldo Rodrigues Júnior, docente da UFMT em Cuiabá -MT e Tânia Braga Garcia, Docente da UFPR, em Curitiba-PR, contribui para o estabelecimento de critérios de análise e investigação de manuais de formação de professores em história, estabelecendo parâmetros e categorias que auxiliam a entender a importância desses documentos como fontes de investigação da cultura escolar e das práticas, procedimentos e concepções de ensino e aprendizagem histórica.

Esperando contribuir qualitativamente com o avanço das investigações, concepções e práticas na Didática da História, concluímos essa apresentação convidando os leitores a uma imersão nas diversas problemáticas suscitadas nos últimos anos com relação ao Ensino de História e ao conhecimento histórico, com especial atenção à relevância desse debate no âmbito das políticas públicas e das lutas sociais vivenciadas atualmente.

Referências

BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n. 19, p. 29-42, set. 1989 / fev. 1990.

RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Curitiba: W. A. Editores, 2012.

Éder Cristiano de Souza

Marcia Elisa Teté Ramos

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50 anos de golpe: arte, cultura e poder (Parte I) / Antíteses / 2015

No ano de 2014 o golpe de 1964 completou 50 anos. Se não houve motivo para comemorações também não houve (e não há) justificativa para menosprezá-lo como marco histórico. Fato é que no ano de 1964 deu-se início a uma ditadura que durou mais de duas décadas e cujas práticas são sentidas ainda nos dias de hoje. No entanto, 50 anos depois, o evento (e tudo que ele representa) vem se transformando numa oportunidade de examinar o fenômeno do autoritarismo e suas práticas, difundir as pesquisas sobre o regime militar, também expandi-las através de novas abordagens e fontes, tornando-as conhecidas de um maior número de interessados que, durante um longo período, esteve apartado dos espaços de discussão acerca dos rumos do país ou alijado do processo de construção democrática no Brasil.

Embora tenhamos inúmeras tipologias para abordá-la como, por exemplo, ditadura civil, militar e até empresarial, acenando para a participação de grupos de natureza diversa tanto na concretude do golpe quanto na consolidação do regime, muito pertinente se torna a definição do sociólogo Juan Linz que definiu os casos brasileiro e argentino e também o espanhol de Primo de Rivera e o português de Salazar como regimes autoritários de natureza burocrático-militares que, em linhas gerais, representa “uma coalização chefiada por oficiais e burocratas e por um baixo grau de participação política”, na qual se “falta uma ideologia e um partido de massa; existe frequentemente um partido único, que tende a restringir a participação; às vezes existe pluralismo político, mas sem disputa eleitoral livre” (BOBBIO; MATTEUCCI, PASQUINO, 2004, p.102).

Partido dessas definições gerais em torno do fenômeno do autoritarismo e a versão brasileira dele, podemos tomar a produção bibliográfica no contexto imediato ao golpe de 1964 e no período pós-regime militar como objeto de estudo, analisando os temas mais recorrentes em determinados momentos bem como o impacto dessa discussão no encaminhamento das pesquisas.

Nos primeiros anos do regime militar, de 1964 a 1968, não se sabia ao certo o que estava por vir e não haviam sido fechados os espaços de atuação política, ainda que neles não fosse mais tolerada a interação interclasses como outrora vinha sendo efetivada no plano da cultura por instituições como o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), a União Nacional de Estudantes (UNE), o Centro Popular de Cultura (CPC), o Movimento de Cultura Popular (MCP), entre outros.

Paulatinamente, o regime militar expandiu suas práticas repressivas, utilizando-se da censura e repressão para coibir manifestações contestatórias da intelectualidade engajada que outrora buscaram a interação com as classes populares e outros extratos da sociedade e, naquele momento, encontravam-se restritos ao contato com as classes médias. Artistas e intelectuais, por sua vez, não se mantiveram passivos às decisões impostas de “cima para baixo” e se uniram em torno do projeto de consolidação da chamada resistência cultural.

Apesar das divergências vivenciadas por artistas e intelectuais no que concerne à construção de uma unidade em torno das reivindicações comuns, houve uma articulação efetiva deles no contexto pós-golpe e pré-AI-5, isto é, entre 1964 e 1968. As discussões anteriormente restritas à produção individual ou de grupos ganharam dimensões mais amplas e coordenadas durante o regime militar, o que podiam transitar de questões pontuais como a liberação de obras e a libertação de artistas até problemas mais complexos como a extinção da censura e um programa de subvenções.

A construção de uma unidade a partir do enfrentamento de um “inimigo comum”, não extinguiu os impasses teórico-políticos entre diferentes grupos. Isto porque a luta de uma intelectualidade contra o regime militar nunca se definiu por uma convivência pacífica entre integrantes da oposição. Como assinalou o editorial do periódico Arte em revista, num volume especial sobre teatro engajado de outubro de 1981, é necessário “relativizar a possível coerência que muitos querem enxergar numa atividade regida pela economia de mercado, pelos modismos artísticos, pelo jogo das influências externas, como as relações com o Estado, a censura, etc.” De qualquer forma, a atuação dos mecanismos de controle e do aparelho repressivo estimularam a convergência de opiniões divergentes em torno de reinvindicações comuns.

Assim durante pelo menos 10 anos, mais sintomaticamente entre 1968 e 1974, o regime militar, através de uma série de restrições, não só ignorou as principais demandas de artistas e intelectuais, sendo a liberdade de expressão a mais importante delas, como também os impediu de se comunicar com a sociedade brasileira, impondo-lhes a censura de peças teatrais, filmes, revistas, livros, jornais, publicidade, programas de rádio e televisão e também sujeitando-os a mecanismos de repressão como a perseguição, prisão, tortura e até morte de artistas e intelectuais.

Como se vê, este foi um período conturbado para artistas e intelectuais que não mais nutriam expectativas de unidade como outrora, dividindo-se cada vez mais. Diante do processo repressivo deixaram de lutar por questões mais amplas para reivindicar questões pontuais, transferiram a luta contra a censura das manifestações públicas para a esfera jurídica e, mais tarde, para o campo econômico, interiorizavam práticas de autocensura no processo de criação e também promoviam alianças táticas para enfrentar este estado de coisas.

Para se entender este embate de forças durante o regime militar (1964-1985), especificamente a partir de 1968 e durante a década de 1970, devemos ir além das interpretações consolidadas que propuseram dicotomias como resistência x cooptação como ocorreu com grande parte da literatura dos anos 1980 que analisou a produção artística e intelectual produzida durante os anos de censura e repressão; mais que isto, esta se insere num processo complexo e contraditório de projeção da cultura na vida nacional com o fechamento dos espaços tradicionais de atuação política, progressivamente a partir de 1968, que tinha como elemento catalisador as políticas culturais em seus múltiplos matizes como as de caráter proativa realizadas pelo Serviço Nacional de Teatro (SNT), a Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima (Embrafilme), entre outros, e as de natureza repressiva executadas pela Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), pelos Serviços de Censura de Diversões Públicas (SCDPs) e pela “supercensura” (NAPOLITANO, 2010, p.145 e 150).

Somente no contexto de abertura, o governo Geisel tentou uma aproximação a esses grupos permitindo-lhes expressar anseios reprimidos por longo tempo e convidando-os a participar da elaboração de políticas no âmbito do governo. Claro que isto não foi recebido com unanimidade por artistas e intelectuais, alguns consideraram a iniciativa uma oportunidade de subverter as estruturas por dentro ou, pelo menos, ver atendidas as reivindicações mais pontuais, outros viram nisto mais uma forma de cooptação adotada pelo governo militar e se colocaram contra ele e contra todos que, após longos anos de repressão e censura, aceitaram participar de planos do governo na área da cultura. Desse impasse, advém a rivalidade entre os artistas e intelectuais comunistas mais abertos à interlocução com o governo da abertura e o movimento da contracultura contrário a qualquer tipo de negociação.

Na década de 1980, mais especificamente no pós-1985, artistas e intelectuais buscaram entender o que havia acontecido nos 21 anos de regime militar e isto refletiu diretamente na produção bibliográfica e também nos debates públicos que se concentraram em apontar culpados pela passividade da oposição diante do golpe de 1964; não poupando críticas ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e tudo que esteve direta ou indiretamente relacionado a ele, já mencionamos o ISEB, o CPC e o MCP, entre outros.

De meados dos anos 1980 até o fim do século, a ditadura enfim acabara, mas as feridas continuaram abertas… e os arquivos fechados. Durante 30 anos pelo menos, a construção historiográfica acerca do regime militar pautou-se pelas apropriações da memória e a propensão de se confundir com a história. De um lado, militares e aqueles que apoiaram o golpe e a ditadura (a alta cúpula da Igreja Católica, as associações representativas das classes dominantes, os meios de comunicação de grande porte, os partidos e políticos de caráter conservador) contavam a versão deles da história através de restrições plenas ao acesso a arquivos e mecanismos sofisticados de manipulação dos fatos, um dos mais significativos e até hoje confundido refere-se ao tratamento do movimento golpista como revolução ou  redentora (TOLEDO, 2014). De outro, grupos de oposição, nem sempre articulados entre si, colocavam-se como “alvos” do sistema cuja perseguição ostensiva dos agentes da ditadura justificou, em alguns casos, a adesão à luta armada (rural ou urbana). Em ambos os casos, porém de maneiras distintas, consideramos oportuna a observação de Jacques Le Goff acerca da memória coletiva, na qual se tornar “senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas” (LE GOFF, 1996, p.426) e isto aconteceu também aqui, durante e depois do regime militar, considerando obviamente as diferenças entre eles e seu poder de inserção social.

A memória, no entanto, não é algo concreto e definido, cuja produção e acabamento se realizaram no passado e cumpre transportá-los para o presente bem como preservá-la dos riscos de desgaste através da restauração integral dela nem se resume a um “pacote de recordações” também já previsto e acabado. Ao contrário, “é um processo permanente de construção e reconstrução” (MENESES, 1992, p.10).

Portanto, que memória e história não são termos convergentes, ainda que possam ser considerados fenômenos complementares. Enquanto a memória, filha do presente e tendo como objeto a mudança, “é formação de imagem necessária para os processos de constituição e reforço da identidade individual, coletiva e nacional”; a história, operação cognitiva, tem como referencial o passado e “é a forma intelectual de conhecimento”. Noutras palavras, a História não é o “duplo científico da memória” a qual, por sua vez, precisa ser tratada como objeto da história (Id. Ibid., p.14, 22-23).

Nessas disputas pela consagração da memória coletiva, as restrições de acesso aos documentos de época favoreceram a construção de memórias a partir de questões do presente, sobretudo do primeiro grupo que exercia plenos poderes e controle dos arquivos públicos, inclusive dos critérios de descarte deles, orientados não por técnicas arquivísticas e sim por demandas políticas. Daí resulta a importância de pesquisadores de áreas como o jornalismo, a história, a sociologia, a antropologia e a ciência política que tomam hoje a memória coletiva como objeto de pesquisa e transformam a luta pela democratização da memória social numa das prioridades das pesquisas em Ciências Humanas e, assim, trabalham para que “a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens” (LE GOFF, op. cit., p.477).

A produção intelectual e bibliográfica em torno daquele contexto histórico começou a sofrer alterações consideráveis na virada do século quando a sociedade brasileira já se encontrava mais preparada e sem as amarras do passado para discutir nosso passado recente, os arquivos públicos estavam sendo paulatinamente abertos e, através deles, os pesquisadores brasileiros (e não somente os brazilianistas) iniciaram um amplo processo de revisão historiográfica que não só desconstruiu teses cristalizadas no imaginário social  como também apresentou novas abordagens de temas tratados anteriormente pela historiografia oficial.

É exatamente nesse contexto que o dossiê se inscreve. Um momento em que a produção científica e acadêmica no campo das humanidades se volta para reconsiderar uma série de temas que hoje ganham um contorno mais claro e evidente, sobretudo quando se trata, por exemplo, da questão dos direitos humanos. Porque regimes autoritários não atingiram apenas seus opositores e detratores, mas desfiguraram radicalmente os conceitos de democracia e de sociedade civil. Aliás, muitos desses regimes – como foi o brasileiro – usaram da repressão e da violência para impor e proteger uma noção estéril de democracia e de sociedade. Por isso que os estudos, as investigações que ora emergem nesses 50 anos do golpe se apresentam como fundamentais para não somente capitular os eventos que fundaram diversos tipos de oposição ao regime, mas reconsiderar as narrativas e as representações que serviram de fundamento às resistências contra o autoritarismo.

Tanto é fato que cada vez mais pesquisas são elaboradas em torno do tema, que o número de artigos recebidos para esse dossiê ultrapassou todas as expectativas dos organizadores. O montante de material de excelente qualidade serviu para a elaboração de dois tomos da revista. O primeiro deles, intitulado “50 anos do golpe: arte, cultura e poder”, reúne artigos que abordam a produção cinematográfica, teatral, literária, musical, bem como a atuação de artistas e intelectuais na oposição ao regime militar. Publicou-se primeiro porque no conjunto de todos os artigos aprovados, esse tema foi aquele em que os trabalhos de revisão e edição foram concluídos mais cedo. O segundo tomo, intitulado “50 anos do golpe: memória, política e movimentos sociais”, aparece em seguida trazendo consigo um conjunto de artigos que abordam os aspectos comparativos entre as ditaduras do Cone Sul, a construção da memória política sobre a ditadura e o papel da sociedade civil na organização dos movimentos sociais pela abertura política.

Pela realização desse trabalho agradecemos aos autores que colaboraram com esse dossiê e tornaram a publicação possível. Da mesma forma, agradecemos aos pareceristas que emprestaram seu trabalho à Antíteses no processo de leitura e avaliação dos artigos recebidos. A Carolina Sobreira pelos trabalhos gráficos que ilustram as capas dos dois tomos da publicação.

A todos uma boa leitura!

Referências

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política – de A a J. 5. Ed. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. p. 102.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 4. ed. Campinas: UNICAMP, 1996. p. 426.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra. A história, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 34, p. 9-23, 1992. p. 10.

NAPOLITANO, Marcos. “Vencer Satã só com orações”: políticas culturais e cultura de oposição no Brasil dos anos 1970. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha Viz (orgs.) A construção social dos regimes autoritários: legitimidade, consenso e consentimento no século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 145 e 150.

TOLEDO, Caio. Quase 50 anos do golpe de 1964: nada a comemorar. Consultado na Internet em 6 jan. 2014: http: / / blogdaboitempo.com.br / 2013 / 03 / 30 / quase-50-anos-do-golpe-de-1964- nada-a-comemorar /

Miliandre Garcia

Rodrigo Czajka

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50 anos de golpe: arte, cultura e poder (Parte II) / Antíteses / 2015

Como parte complementar ao dossiê “50 anos do golpe: arte, cultura e poder”, publicado no primeiro semestre de 2015, chega a público este segundo tomo intitulado “50 anos do golpe: memória, política e movimentos sociais”. A publicação do dossiê em duas partes justifica-se por dois motivos essenciais: a) dividir as contribuições em dois grandes temas de pesquisa sobre a ditadura militar no Brasil; b) contemplar o maior número possível de artigos enviados à Antíteses para este dossiê, que recebeu uma quantidade substancial de colaborações.

Cumpre também constatar, com esse dossiê, que os estudos sobre ditadura militar no Brasil vêm ganhando gradativa repercussão nacional e internacional. Na última década os trabalhos de pesquisa sobre regimes autoritários têm se tornado atuais não apenas pela necessária, ainda que tardia, abertura de arquivos da repressão, mas também pelo modo como ecos do autoritarismo de outrora hoje, mais uma vez, recolonizam o imaginário social, provendo discursos pelo retorno do controle, da repressão, da militarização do sociedade que consagraria, por sua vez, a vitória por revanche de um certo tipo de nacionalismo caduco.

Vê-se hoje setores da sociedade brasileira, sobretudo aqueles comprometidos com a formação de uma opinião pública sobre os rumos da “vida nacional”, engajados às avessas com panelas estridentes em sacadas de edifícios, tornando esse espaço um camarote particular a partir do qual se constrói um falsa noção de democracia: é necessário, pois, participar daquilo que alguns meios de comunicação chamam de “festa democrática”, mesmo que essa festa barre a entrada daqueles que não estão a caráter ou que não foram simplesmente convidados.

Daí que iniciativas da Antíteses, tais como essa, promovem o debate e permitem uma contemporização dos estudos aqui publicados que, a rigor, não estão necessariamente situados há 50 anos. Pois, se a recorrência dos estudos dessa matiz ainda é verificada no ambiente acadêmico, é porque atual nunca deixou de ser o tema do autoritarismo. Mais que isso: é necessário entender como ele próprio se metamorfoseou em instituições, em movimentos, em indivíduos que hoje perfilam os antigos delírios autoritários de tempos sombrios.

Assim, o artigo que abre este segundo volume, “Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro”, de Marcos Napolitano, propõe uma periodização inédita para analisar o processo de construção da memória do regime militar brasileiro. Partindo do princípio que a memória social e a experiência histórica de uma dada sociedade estão conectadas, o autor analisa a construção de uma “memória mutável” sobre o regime desde os anos 1970 até a primeira década do século XXI.

Florencia Lederman, com o artigo “La nación representada en los héroes. Las estrategias de legitimidad de las dictaduras de Brasil (1964-1985) y Argentina (1976-1983): visiones del tiempo y ejercicio del poder”, analisa como as ditaduras deste dois países se apropriaram dos heróis nacionais. Por serem estes protagonistas de “momentos fundantes” da nação, foram amplamente retomados pelos regimes em questão.

Em “O governo Geisel (1974-1979): o ápice da disputa pelo poder entre duros e moderados e sua expressão memorialista entre os militares”, Maria Gabriela da Silva Martins da Cunha Marinho e Sonale Diane Pastro de Oliveira analisam a disputa memorialista entre “duros” e “moderados” acerca da abertura política no Brasil (1974-1985).

Adrianna Setemy no artigo intitulado “Liberdade sob vigilância: um diálogo entre narrativas históricas sobre o exílio latino-americano no Cone Sul”, pretende, a partir da análise das singularidades, confluências e contradições que caracterizam os diferentes registros escritos sobre o exílio de brasileiros nos países do Cone Sul latinoamericano, promover um debate sobre a pluralidade de formas de narrar a saída indesejada do país de origem, a natureza desses diferentes registros históricos e a construção simbólica do exílio enquanto experiência traumática transcorrida fora das fronteiras nacionais.

Também discutindo a relação entre as ditaduras do Cone Sul, Hernán Ramírez, com artigo intitulado “Reflexiones acerca de las dictaduras del Cono Sur como proyectos refundacionales”, pretende evidenciar as ditaduras como eventos estruturais e não apenas simples conjunturas políticas, que repercutiram de forma profunda nas sociedade latino-americanas, não de modo homogêneo, e que ainda hoje se fazem sentir seus desdobramentos, ao ter remodelado aspectos sociais estruturais em diferentes nações da América Latina.

No texto seguinte, Agenor Sarraf Pacheco e Jaime Cuéller Velarde, analisam em “Silêncios da historiografia brasileira: o golpe civil-militar em experiências de pesquisa no Pará” as narrativas sobre a ditadura militar brasileira no Pará, levando em consideração que apesar das difíceis trajetórias que a nação e seus habitantes trilharam em distintas parte de seu território, a experiência dos longos tempos de regime de exceção na Amazônia ficou quase nas dobras das produções historiográficas nacionais.

Carla Brandalise e Marluza Marques Harres em “Brizola e os comunistas: os Comandos Nacionalistas na conjuntura do golpe civil-militar de 1964”, pretende circunscrever as divergências de concepção e ação entre Leonel de Moura Brizola e seus aliados na contraposição aos vinculados a Luiz Carlos Prestes no Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Em seu artigo intitulado “Formas de militancia en el Partido Comunista argentino durante la última dictadura militar (1976-1983)”, Natalia Casola analisa como a linha definida pelo PC durante a última década da ditadura militar na Argentina, o apelo a construir a “convergência cívico-militar”, se materializou nas diferentes frentes de militância e nas chamadas organizações de massas.

Discutir alguns usos de termos derivados do campo semântico da loucura quando o assunto é a ditadura civil-militar de 1964, analisar o funcionamento dos mecanismo de suspeição e propor uma análise do aparato repressivo ditatorial, do ponto de vista da paranoia, são alguns dos objetivos traçados por Daniel Faria, no artigo “Sob o signo da suspeita: as loucuras do poder ditatorial”.

Partindo para um conjunto de estudos com objetos mais específicos e pormenorizados, o artigo “Carlos Santos e os usos da ideologia da democracia racial na ditadura civil-militar brasileira”, de Arilson dos Santos Gomes visa conferir visibilidade ao protagonismo político negro no parlamento do Estado do Rio Grande do Sul no período da ditadura civil-militar (1964-1974), analisando a atuação do deputado estadual Carlos da Silva Santos.

Rivail Carvalho Rolim procura dar enfoque a algumas formas de resistência à ditadura militar no Brasil exercidas a partir da organização e mobilização de movimento populares, em seu artigo “Repressão e violência de Estado contra os segmentos populares durante os governos militares”.

No artigo “Todo artista tem de ir aonde o povo está”: o movimento político das Diretas Já no Brasil (1983-1984)”, Vicente Saul Moreira dos Santos tece comentários sobre a relação entre História do Tempo Presente e História Política, com objetivo de inserir o movimento político das Diretas Já, transcorrido no Brasil entre 1983 e 1984. Partindo do pressuposto de ter sido um evento da conjuntura do final da ditadura militar, da luta por democracia e cidadania no país.

No mesmo sentido de compreender e detalhar a organização dos movimentos sociais no curso do regime militar, o artigo “O golpe de 1964 e a repressão ao movimento de ‘trabalhadores favelados’ de Belo Horizonte”, de autoria de Samuel Silva Rodrigues de Oliveira, discute o “Inquérito DVS-096” que atingiu a Federação dos Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte (FTFBH). Segundo o autor, mais do que destruir a estrutura associativa que articulava o movimento social, a repressão desconstruiu a gramática pública que permitia aos “trabalhadores favelados” reivindicarem o “direito de morar”.

Tal como o artigo anterior, o seguinte aborda a organização de movimentos sociais na ditadura. Intitulado “Repressão política contra trabalhadores rurais: reflexões a partir de um estudo de caso em Magé (RJ)”, o artigo de Marco Antonio dos Santos Teixeira, discute a ação de um grupo de trabalhadores rurais em Magé, na Baixada Fluminense, que lutou pelo direito de permanecer na terra que ocupava e se transformou num exemplo de resistência em todo estado do Rio de Janeiro.

Em “A reforma agrária em projeto: o uso do espaço legal para garantir o acesso à terra no Pará (1960-1962)”, Edilza Joana Fontes, coloca em discussão a proposta de reforma agrária no Pará, ocorrido no pré-64, tendo como análise os decretos dos governos do Estado do que procuram definir uma faixa de terras em torno das estradas estaduais, para fins de assentamentos de pequenos produtores rurais. Um artigo que retoma um tema importante no seio das resistências do campesinato, mesmo antes do golpe de 1964.

Por fim, o artigo que fecha esse dossiê, de autoria de Reginaldo Benedito Dias, intitulado “Maringá no nascimento da ditadura civil-militar de 1964: análise do processo movido contra o vereador Bonifácio Martins e seus desdobramentos”, objetiva analisar o processo movido pelo Estado brasileiro, após a implantação da ditadura civil-militar de 1964, contra o Bonifácio Martins, que exercia mandato de vereador no município de Maringá (PR). Perseguido por causa de seu envolvimento com lutas sociais e sindicais e por presumido vínculo com o Partido Comunista Brasileiro, Bonifácio Martins, por motivos de segurança, evadiu-se de Maringá, ficando impossibilitado de concluir seu mandato. O texto de redimensiona os efeitos da ditadura militar sobre os aspectos biográfico e políticos de um figura importante da resistência e oferece uma interpretação mais densa do fenômeno da repressão.

Assim, com esse segundo tomo do dossiê “50 anos do golpe” foi elencado um conjunto representativo de colaborações que, assim como no primeiro, demonstram – como dissemos – a atualidade do tema de pesquisa e sua pertinência crítica nestes dias em que fantasmas do autoritarismo ganham força, mesmo que 50 anos depois.

A todos, uma boa leitura!

Miliandre Garcia

Rodrigo Czajka

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Cultura maritíma / Antíteses / 2014

Quando propusemos o tema Cultura Marítima compreendida como a articulação dos conceitos de História, Cultura e Mar não imaginávamos que a temática apresentasse tão grande inserção no mundo acadêmico como a profusão de artigos recebidos demonstrou. Isto, por um lado, foi fator de enorme satisfação para os organizadores do dossiê como para a editoria da Antíteses, mas, por outro, representou também um enorme trabalho de seleção dos textos que comporiam o dossiê.

Assim, o leitor se depara neste número com uma amostra do que vem sendo feito na academia brasileira acerca dos temas relativos às relações culturais, econômicas e políticas que os homens e mulheres constroem em relação ao mar, que se configuram, conforme as circunstâncias, como elementos de afastamentos, distanciamentos, proximidades, espaçamentos e estriamentos. A compreensão destas diferentes significações e ressignificações é necessariamente histórica, mas não prescinde de conceitos de outros campos, como o das Relações Internacionais, da Ciência Política, da Ciência Militar, da Literatura, da Filosofia, dentre outros que são trazidos à esta mesa de profícua discussão que se tornou este número da Antíteses.

Abrindo nossos trabalhos Silvia Capanema, da Universidade de Paris 13-Nord, revisita a Revolta da Chibata, buscando compreender as apropriações dos símbolos republicanos, feitas pelos Marinheiros Nacionais. Um destes momentos de apropriação e de ressignificação teria ocorrido quando da visita do presidente eleito do Brasil, Hermes da Fonseca, a Portugal em outubro de 1910. Esta viagem realizada pelo Dreadnought São Paulo propiciou aos marinheiros brasileiros presenciar a proclamação da República naquele país, movimento que contou com a expressiva participação dos quadros da Marinha Portuguesa, desde oficiais a marujos. Além desta experiência, Silvia Capanema ainda destaca a vivência de um grupo de marinheiros na Inglaterra durante a construção da nova esquadra brasileira e a percepção dos movimentos trabalhistas. A partir daí, a autora procura demonstra como se deu a apropriação da ideia republicana e da de cidadania por um grupo popular e majoritariamente composto por negros, pardos e mestiços, pouco depois da abolição da escravidão no Brasil.

Francisco Eduardo Alves de Almeida, da Escola de Guerra Naval, em interessante texto aborda a trajetória de Cecil Scott Forester como autor de livros de História, biografias e romances históricos, sempre voltados para seu tema preferido – a guerra no mar.

Todos sabem da importância do mar na vida do Reino Unido. C.S. Forester faz parte de uma tradição que constitui o romance histórico naval, gênero literário de grande sucesso que ensejou versões cinematográficas e televisivas. É o caso da série de vinte um livros de Patrick O´Brian, nos quais o autor criou o comandante Jack Aubrey que foi, em 2003, representado no cinema por Russell Crowe em O Mestre dos Mares. Cecil Forester antecede O’Brian, e também tem várias de suas obras vertidas para o cinema como o Afundem o Bismarck de 1954 e o Captain Horatio Hornblower de 1951, que teve o título no Brasil de O Falcão dos Mares.

Forester criou Horatio Hornblower na década de 1930, como modelo do oficial da marinha britânica, inspirado na figura de Horatio Nelson, herói que derrotou as forças hispano francesas na batalha de Trafalgar, em 1805, no contexto das guerras napoleônicas. Aliás, tanto Hornblower como Aubrey são representantes de um passado inglês que é idealizado frente às agruras das duas guerras mundiais, nas quais os antigos valores como o heroísmo, o cavalheirismo haviam desaparecido, assim como declinara a hegemonia britânica em termos globais.

Francisco Eduardo na primeira parte do texto percorre a trajetória de C.S. Forester e, na segunda, demonstra como este realizou a construção de Horátio Hornblower através da análise dos livros da série deste herói que transita entre a ficção e a realidade. Um excelente texto que nos permite compreender a cultura marítima inglesa.

José Miguel Arias Neto, professor das Universidades Estadual de Londrina e da do Centro Oeste do Paraná, especialista em História Naval brasileira, apresentou interessante pesquisa que levou o título de A Marinha do Brasil no início do século XX: tecnologia e política. Nele, o professor José Miguel analisou a literatura de caráter civilista que não só criticava as intervenções militares na política, mas igualmente propunha uma redefinição do papel das Forças Armadas, propugnando a necessidade de reformas nessas organizações, tanto no aspecto material como na formação e aperfeiçoamento de seus quadros. Para abordar essas questões, o autor inicialmente discutiu as conseqüências dessa literatura civilista na Marinha, baseando-se nos escritos de Eduardo Prado, de Afonso Celso de Assis Figueiredo e de outros personagens destacados do período como, por exemplo, Rui Barbosa. Como fontes de pesquisa, o autor também utilizou os Relatórios Ministeriais, além das necessárias edições da Revista Marítima Brasileira do final do século XIX e início do XX. Em seguida José Miguel passou a discutir as perspectivas de reformas no âmbito do Estado, em especial as propostas de programas de construção naval no início do século XX, que pretendiam modernizar a Esquadra. Em sua conclusão, o autor afirmou que a implantação do regime republicano provocou reformas para transformar a Marinha em uma organização mais profissional e moderna; no entanto, fatores exógenos e endógenos provocaram reformas legislativas que reforçaram as relações hierárquicas sociais na Marinha. A Revolta da Armada provocou uma cisão na Marinha que de certa maneira afetou os programas de construção naval. O programa Alexandrino pareceu para José Miguel o resultado da recriação de velhas idéias de estadistas do Império. Os canhões desses navios recém adquiridos se voltariam para as autoridades constituídas em 22 de novembro de 1910, no que ficou conhecido como Revolta da Chibata. Trata-se assim de importante texto para se compreender o que foi a Marinha no início do século XX.

Carlos André Lopes da Silva, historiador ligado à Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, discutiu a formação, constituição e a organização da Biblioteca da Real Academia dos Guardas-Marinha em 1802. O propósito principal dessa biblioteca era prover saberes diversos relacionados com a atividade marítima aos alunos e docentes da Real Academia ainda em Portugal, dessa forma antes da transferência da família real desse país para o Brasil em 1807. Com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, essa biblioteca tornou-se a primeira do gênero a funcionar no Rio de Janeiro. Carlos Lopes discute em seu artigo o entrelaçamento entre os conteúdos científicos e as artes mecânicas sintetizadas no acervo bibliográfico da biblioteca, local fundamental para a formação dos futuros oficiais de marinha no período joanino. Este artigo torna-se fundamental para a discussão da alvorada da formação da Marinha Imperial Brasileira e de seu corpo de oficialato, que se refletiria certamente no desempenho profissional da força nas primeiras questões militares no recém criado Império.

Um dos temas de marcada influência na história da Marinha brasileira nos primeiros anos da República foi a Revolta da Armada. Com o título de Entre barcos e telegramas: a crise do asilo diplomático depois do fim da Revolta da Armada, o professor João Júlio Gomes dos Santos Júnior, que desenvolve pós-doutorado na Universidade Federal de Pelotas, investigou detalhadamente um dos aspectos poucos discutidos dessa revolta, que foi a troca de telegramas entre os governos brasileiro e português quando, após o término da revolta em 1894, mais de 500 combatentes brasileiros solicitaram asilo diplomático em duas corvetas da Armada de Portugal. Esse episódio desencadeou uma disputa jurídica entre Brasil e Portugal quanto à interpretação do direito de asilo político. Em meio a negociações, as duas corvetas suspenderam do Rio de Janeiro e rumaram para Buenos Aires, de onde os asilados seriam transferidos para uma embarcação fretada que os levariam a Portugal. Por questões políticas, esses revoltosos brasileiros foram impedidos de desembarcar, o que provocou ampla insatisfação com a superpopulação dos navios e o temor de uma epidemia a bordo. João Júlio discutiu em detalhes essa troca de correspondência entre os dois países, que culminou na interrupção das relações diplomáticas entre eles, só reatadas no ano seguinte com a mediação inglesa. Trata-se assim de um texto fundamental para se compreender os bastidores da Revolta da Armada.

Elizabeth Espíndola Halpern, psicóloga e oficial da Marinha, e Ligia Maria Costa Leite, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentam o interessante  texto Marinha do Brasil: uma trajetória de enfardamento, a partir de um exame das fundações dessa instituição, por meio de uma análise sócio-histórica, tomando como hipótese central que a Marinha e seu componente humano têm uma trajetória histórica e uma origem e base sociais. Tanto a organização como seus profissionais são efeitos da racionalidade científica moderna, de acordo com as autoras. Para isso, as duas pesquisadoras discutem a invenção do Estado Moderno, do exército nacional e do soldado cidadão, passando em seguida a abordar o seu objeto de análise, a Marinha do Brasil, sua construção e o papel do recrutamento nessa organização. Em item subseqüente as autoras se debruçam sobre o que chamaram de “invenção do profissional militar naval” e a trajetória de enfardamento, concluindo que “os valores e preceitos militares concebidos como sínteses assumem um caráter dogmático, justificando-se por si mesmos, sem serem problematizados. De fato, eles são efeitos de uma construção cujas regras e objetivos precisam ser conhecidos”. Trata-se assim de uma interessante abordagem sobre o papel da Marinha na sociedade.

Instigante é o texto de Renato Amado Peixoto, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, analisando as origens, as transformações e a função do curso de História da Cartografia, de Jaime Cortesão, no Ministério das Relações Exteriores e no Instituto Rio Branco, descortinando o surgimento da Geopolítica brasileira: o trabalho nestas instituições terminou por “produzir e disseminar um saber acerca do espaço, cuja linguagem e seus usos foram enfeixados numa disciplina, a Geopolítica Brasileira, que ascenderia em importância por conta das tensões que acompanharam a separação dos cursos de Geografia e de História na década de 1940”.

Neste processo construtivo ou de fabricação, como quer o autor, uma série de ressignificações e novas identificações foram sendo cunhadas de modo a produzir um “sentido de continuidade” na história e na política do Brasil com a finalidade de dirigir a ação do Estadista e do Diplomata: a formação territorial, o pan-americanismo, a imagem de Alexandre de Gusmão e do Barão do Rio Branco, a criação do Instituto. “Jaime Cortesão, elabora a imagem da ‘Ossatura do Gigante’ para dizer da Formação Territorial do Brasil; do ‘Protótipo’ para ressaltar a figura do Barão do Rio Branco; da ‘Flecha’ para dizer de seu próprio esforço e de como os diplomatas poderiam dele se valer para acertar no ‘Alvo’”.

Já Alexandre Fiúza, da Universidade do Oeste do Paraná, no texto Uma ponte sobre o Atlântico: os exilados e as relações entre as polícias políticas brasileira e portuguesa (1950-1970) analisa brilhantemente as relações entre os órgãos de repressão portugueses a partir de extensa e significativa documentação da PIDE / DGS – Polícia Internacional de Defesa do Estado / Direcção-Geral de Segurança de Portugal e do DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Paraíba no Brasil. O autor demonstra que antes mesmo do golpe civil militar de 1964, os órgãos de segurança dos dois países mantinham estreita colaboração e que esta se aprofundou a partir da instalação do regime militar no Brasil. A partir daí, até a Revolução dos Cravos, constituiu-se uma vasta rede de comunicações que produziu informações que serviram “de parâmetro para ações práticas, como prisões, proibições e abertura de processos, no enquadramento dos setores observados, e, provavelmente, numa própria autojustificativa para a existência destes serviços e seus respectivos cargos públicos, com as comissões e extras recebidos pelos agentes quando da sua atividade rotineira ou nas `diligências` ”. Esta indústria da comunicação “construiu também uma ponte para a circulação de informações entre os dois países, bem como produziu e reforçou o convencimento dos ideais destes regimes autoritários nas próprias fileiras da repressão, seja do lado de cá ou de lá do Atlântico”.

O professor Marcos Valle Machado da Silva, da Escola de Guerra Naval, apresentou interessante artigo sobre um assunto pouco discutido na literatura naval que é a questão do Oceano Ártico como uma nova fronteira marítima. Em seu artigo O Oceano Ártico: oportunidades de nova fronteira marítima, o professor Marcos Valle argumenta que as mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global não terão apenas efeitos negativos. No caso do comércio marítimo, o aumento de temperatura global poderá apresentar algumas oportunidades, principalmente a abertura de rotas marítimas ligando o Pacífico e o Atlântico pelo Oceano Ártico. Marcos Valle apresenta as projeções de acessibilidade à navegação no Oceano Ártico e as potenciais rotas marítimas que se apresentam para o comércio marítimo, para em seguida discutir como os Estados com territórios no Ártico estão articulando instituições para incrementar o comércio marítimo nessa região e, por fim, porque a China tem conseguido implementar estratégias bem sucedidas em defesa de seus interesses nesse oceano, embora seja um Estado exógeno ao Ártico. Trata-se assim de um texto importante para se compreender o potencial comercial do Oceano Ártico no século XXI em um típico exemplo de história do tempo presente.

Em um interessante texto, o professor Gabriel Passetti da Universidade Federal Fluminense, em O Estreito de Magalhães redescoberto: ciência política e comércio nas expedições de exploração nas décadas de 1820 e 1830, a partir da leitura crítica de relatos de dois comandantes exploradores britânicos, Phillip Parker King e Robert FitzRoy, discute os motivos que levaram as principais potências a se interessar pela região do Estreito de Magalhães, conciliando interesses científicos, estratégicos e comerciais, estabelecendo também relações com os indígenas locais. Esses dois exploradores realizaram serviços de exploração e mapeamento nesse estreito, porém não foram os únicos. Mais de uma dezena de embarcações não militares de diversas bandeiras cruzaram a região, sendo aquela rota de navegação intensa, o que trouxe o interesse de muitas potências ocidentais. Gabriel analisou os relatos desses dois exploradores ingleses e concluiu que a relação entre ocidentais e indígenas no sul da Patagônia e na Terra do Fogo, nas primeiras décadas do século XIX, foi marcada pelo comércio, mas não pela amizade. O Estreito de Magalhães e a Terra do Fogo eram estratégicos para o Reino Unido e esses dois exploradores procuraram identificar potencialidades econômicas e oportunidades estratégicas, tendo sempre a certeza de sua superioridade e razão. Trata-se assim de um texto importante para se desvendar o modo de pensar britânico naquele início de século XIX.

Marília Arantes Silva Moreira, mestranda na área de Relações Internacionais na Universidade de São Paulo, analisa a narrativa de viagem La Plata, The Argentine Confederation and Paraguay (1853 – 1860), feita pelo comandante Thomas Jefferson Page da US Navy no Water Witch. Esta viagem visava forçar a livre navegação da bacia do Prata, mapear a região e descobrir a suposta conexão entre o Prata e o Amazonas, idéia, como todos sabem, proveniente das representações sobre a Ilha Brasil do imaginário cartográfico desde pelo menos o século XVI. Em parte os objetivos foram alcançados, pela imposição ao Paraguai de acordo liberando a navegação dos rios, o mapeamento da região, mas a tão desejada ligação entre as bacias meridional e setentrional não foi encontrada. Ao longo deste processo, o Water Witch foi alvejado por forças paraguaias o que ensejou a retaliação e a imposição dos acordos de navegação com o Paraguai. A narrativa, construída a posteriori, visa legitimar as ações do comandante Jefferson apoiando-se no discurso imperial dos EUA, que por esta época fundava-se já na idéia de “Destino Manifesto”. Desta suposta superioridade dos EUA provêm as representações negativas sobre o primeiro Lopez, devido à sua política protecionista, e uma visão positivada sobre Urquiza, para o militar estadunidense, mais liberal, portanto, mais civilizado. Tanto uma representação quanto a outra são mediadas pelo desejo do avanço dos EUA na América do Sul. Importante notar que a viagem se inicia exatamente no mesmo ano de 1853, quando os EUA iniciam um contencioso com o Brasil acerca da navegação do Amazonas, tema já explorado pela historiografia.

Finalmente, Fernando Ribas De Martini, mestrando em História Social, também da Universidade de São Paulo, desenvolve um tema – Toneladas de Diplomacia num mar sem fronteiras: discussões sobre os poderes navais de Argentina, Brasil e Chile, no início do século XX -, que tangencia e dialoga com os textos de Silvia Capanema e José Miguel Arias Neto. Trata-se da corrida armamentista que se estabeleceu na América do Sul, no contexto do desenvolvimento dos Impérios em final do século XIX e que resultou em uma disputa pela hegemonía militar, o que no período implicava em possuir o maior Exército e a maior Marinha. Não é ao acaso que os grandes empreendimentos capitalistas do período eram as indústrias química e metalúrgica. Mas Fernando De Martini aborda a corrida armamentista, no caso naval, dentro de uma perspectiva interesantísima, que é a busca de articular as relações internacionais no grupo ABC – Argentina, Brasil e Chile no contexto do Pan-Americanismo e da influencia dos EUA; o estado do desenvolvimento tecnológico que, rápidamente impõe oscilações aos frágeis compromisos políticos e diplomáticos conquistados, e, finalmente, ao fato de que boa parte da intelectualidade latino americana discutía os programas de reaparelhamento naval dos três países a partir de uma perspectiva anti-americana.

Esperamos que o leitor aprecie os textos que compõem este dossiê, cuja organização foi muito prazerosa.

Francisco Eduardo Alves de Almeida – Escola de Guerra Naval

José Miguel Arias Neto – UEL / UNICENTRO

Rio de Janeiro / Londrina, inverno de 2014.

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História e ensino / Antíteses / 2013

Nesta edição, a revista disponibiliza para seus leitores um dossiê intitulado História e Ensino. Composto por sete artigos, o dossiê permite vislumbrar as problemáticas teóricas que dizem respeito ao ensino de História em amplas dimensões contemplando análises amplas acerca das políticas publicas para a área e abordagens mais específicas da construção do saber histórico em sala de aula.

Obs.: Não disponibiliza apresentação do dossiê.

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Humor gráfico: representaciones y usos / Antíteses / 2012

Sobre la definición imposible del humor o la fluidez de la palabra

Este volumen lleva por título “Humor gráfico: representaciones y usos” y propone un conjunto de artículos con el objetivo de consolidar un área de trabajo. Desde esta perspectiva, el volumen busca abordar el lenguaje en narrativa gráfica para debatir sobre el argumento hegemónico del arte, repensar la dimensión política de las representaciones visuales y problematizar los usos sociales de las mismas.

Me complace enormemente presentar esta edición porque pretende, también, funcionar como una intervención en “los márgenes del concepto” y problematizar esos bordes en los cuales el lenguaje se confunde con otra cosa, o sencillamente, desaparece. Quizá como nunca antes el humor gráfico se ha visto atravesado por la reflexión acerca de su propia consistencia. Sus contornos precisos se tornan borrosos y sus bordes inestables. Ya no estamos tan seguros de que sea posible asignarle al humor procedimientos retóricos precisos o circunscribir sus efectos. Por otra parte, gran parte de los problemas que suscita tienen que ver con la porosidad de fronteras entre el arte y el mercado. De ello, también trata este volumen.

Abordar los objetos, prácticas y contextos de las llamadas “narrativas gráficas” no puede ser otra cosa que una agenda en construcción. Durante buena parte del siglo veinte, sociólogos, comunicológicos pero también críticos y artistas, miraron “hacia otro lado” desentendiéndose de las historietas como materia de análisis e intervención crítica. Recién en los últimos años, asistimos a una transformación en este sentido lo que permite avizorar la concreción de un campo de estudios y un área especialización programática.

Este volumen pretende formar parte de ese movimiento más amplio ya que gira en torno a la historia y el presente de la producción académica sobre historieta y humor gráfico. Al mismo tiempo, se establece un contrapunto entre bibliografías globales y locales y ello es posible de ser rastreado en las citas bibliográficas de los autores. En los sistemas de referencias aquí utilizados y en los marcos teóricos que los sustentan, pueden advertirse las redefiniciones de los “estudios centrales”, el debilitamiento de las disciplinas dominantes del campo y más específicamente, los nuevos problemas y preguntas que se formulan los investigadores. Es en este sentido que frente a una diversidad aparentemente irreducible, se torna necesario construir un proyecto de estudios compartido, de integración regional y avanzar en las perspectivas comparadas.

Durante años, los especialistas del campo, han estudiado la historia del cómic de los países centrales sin prestar atención a lo que ocurría en las historias nacionales o bien han puesto el acento en el desarrollo local dejando de lado el contexto en el que se insertaban esas prácticas, imaginarios y significados. Al mismo tiempo, decir “narrativas dibujadas” o “artes secuenciales” designa un coto de investigación de características difusas que si bien ha experimentado un desarrollo alentador, aún no se encuentra plenamente consolidado ya que presenta un conjunto de problemas metodológicos y teóricos que reclaman su atención por parte de los especialistas.

En tanto producto de la industria cultural, las narrativas de la imagen participan activamente en la conformación de subjetividades y en la construcción de identidades. Ya se sabe que el campo de los estudios de las culturas visuales comprende desde preguntas filosóficas del tipo “¿qué es una imagen?” hasta análisis más específicos situados en enclaves históricos determinados y ligados a las inflexiones culturales, políticas y sociales en las que se insertan esas producciones. En este sentido, si el lugar que ocupa la experiencia visual en la cultura moderna es una realidad ineludible, el humor gráfico como artefacto o como objeto no ha sido trabajado de igual modo que otros medios o dispositivos vinculados a la representación.

Las literaturas gráficas constituyen un tema relevante para distintas disciplinas en tanto lenguajes privilegiados para indagar la cultura, la sociedad y la política. De allí que el propósito es reparar en ciertos rasgos de un objeto vacante cuya presencia insoslayable promueve la constitución de un área de estudios programática y anclada en contextos históricos precisos.

Se entiende la imagen dibujada como un lugar de síntesis epistemológica de nuestras representaciones de lo real y como una sofisticada técnica de persuasión. Los distintos ensayos aquí reunidos proponen indagar en su materialidad para poner en escena sentidos, representaciones del poder, prácticas de resistencia y posibilidades de producción visual. Dar cuenta de las interrelaciones entre lenguaje y experiencia, entre imagen y representación, cultura de masas y mercado fueron ejes centrales en la elaboración del volumen que aquí presentamos. Desde este enfoque, los debates sobre las literaturas dibujadas y las artes secuenciales ameritan el desarrollo de una atención específica y, al mismo tiempo, interdisciplinaria. De allí que antes que postulados concluyentes, las intervenciones de este volumen encuentran su mejor forma en la superposición, combinación y amalgama de ideas y escenarios.

Ahora bien, el cambio de siglo, podría decirse, enfrentó al “humor gráfico” al límite de su propio nombre y con ello a una apertura insospechada de sus alcances y potencias. Esta edición de Antíteses da cuenta de la extenuación o fatiga de lo que alguna vez se definió categóricamente como “humor”. La etiqueta es centrífuga y liminar y es así como el “humor gráfico” ya no es tanto una formar de nombrar como una gavilla de sentidos convergentes y divergentes. Sus límites y alcances nos muestran que las formas de hacer reír ya no son tal y como supimos, alguna vez, imaginarnos.

En las Artes Secuenciales hay plásticas narrativas y narrativas que son plásticas. Se trata de lectores de literatura y escritores de narrativa dibujada. Pero también de dibujantes que escriben y escritores que dibujan. Ello supone un tratamiento del relato que dificulta su encorsetamiento semántico. En este número, la meta final ha sido analizar las imágenes humorísticas como uno de los medios expresivos más singulares de la cultura contemporánea.

Finalmente, deseo expresar un especial agradecimiento a todos los especialistas e investigadores que colaboraron en esta edición y contribuyeron a pensar el campo del humor gráfico nacional e internacional. A los lectores, disfruten de la empresa.

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Educação histórica, teoria da historia e historiografia / Antíteses / 2012

Desafios teóricos e epistemológicos na pesquisa em educação histórica

No Brasil, as pesquisas sobre ensino e aprendizagem da História adquiriram grande impulso nas últimas décadas, o que pode ser observado pela expansão das linhas de pesquisa nos cursos de pós-graduação e pelo aumento da produção e da publicação nessa área. Esse boom pode ser também observado em outros países e tem provocado o aparecimento de domínios específicos na área do ensino de História, como o chamado campo da Educação Histórica que se desenvolveu em países como Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, Portugal e também no Brasil.

Entre outras temáticas, as investigações e reflexões que têm ocorrido no âmbito do domínio teórico da Educação Histórica circunscrevem-se nas questões relacionadas aos estudos que têm como objeto e objetivo da didática da História, as problemáticas relacionadas à aprendizagem histórica. Essa mudança de foco se justifica, na medida em que a aprendizagem histórica passou a ter como parâmetros as categorias e processos de produção do conhecimento situados na própria ciência da História. São essas categorias e processos que orientam a construção do pensamento histórico, justificando a autoexplicação da História como disciplina escolar e a sua identificação como uma matéria específica e com uma metodologia própria.

A perspectiva da definição e constituição do ensino e aprendizagem histórica situados na própria História que vem sendo desenvolvida principalmente pelo historiador e filósofo Jörn Rüsen e sua relação com o ensino de história tem hoje, como referência, várias investigações, como as realizadas pelo historiador inglês Peter Lee e pelo historiador alemão Bodo Von Borries. Pode-se afirmar que esses trabalhos se integram ao conjunto de investigações e reflexões pertinentes ao campo de estudos da Educação Histórica. Nessa área, os investigadores procuram focar a sua atenção nos princípios, fontes, tipologias e estratégias de aprendizagem histórica, seja no recorte específico das análises das ideias de alunos e professores, seja investigando o significado da aprendizagem histórica nos artefatos da cultura escolar e da cultura da escola.

O momento definidor da mudança do embasamento das investigações sobre ensino e aprendizagem da história, da psicologia para a própria história, pode ser considerado o ano de 1998. Nesse ano foi realizada a Conferência de Pittsburg, na Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos. O tema do encontro era “Ensinar, Conhecer e Aprender História”, e contou com a participação de vários investigadores do ensino de História, como Denis Shemilt, Peter Lee e Rosalyn Ashby. Como indicativos tirados nessa conferência, foram apontadas orientações para novos investimentos em pesquisas, como a questão dos currículos de História pautados nas grandes narrativas universais e a necessidade da inclusão de temáticas nacionais e locais nas propostas curriculares; estudos sobre a visão do passado para alunos e professores e seu significado para a orientação temporal; análise e interpretação das práticas nas aulas de História; análise e interpretação do trabalho dos professores e da sua formação.

As investigações realizadas na esteira desses indicativos implicam em um enquadramento teórico baseado na própria natureza do conhecimento histórico, ancorado na epistemologia da História e em metodologias de investigação como as da sociologia, etnografia e antropologia, de índole qualitativa, as quais permitem investigar quer ideias substantivas, como democracia ou revolução, quer ideias sobre a natureza da História como explicação, narrativa, evidência, significância, consciência histórica. Os conceitos ou ideias substantivas e de segunda ordem foram sistematizados e desenvolvidos em investigações realizadas na esteira das reflexões do filósofo e historiador alemão Jörn Rüsen, como os conceitos históricos. Se os conceitos substantivos ou conceitos históricos permitem entender os processos de compreensão substantiva dos alunos e professores sobre o conteúdo da História, os conceitos de segunda ordem e as categorias históricas possibilitam a compreensão dos processos de aprendizado realizados por eles. Ainda na perspectiva dessas investigações, podem ser destacadas algumas pesquisas sobre progressão conceitual exemplificados pelos estudos sobre empatia e explicação (Lee, 2006;2008); evidência (Ashby, 2006); usos da história e sua ligação com a vida prática (Lee, 2011), bem como sobre as possibilidades de oscilação e estabilidade nas ideias dos jovens ao usarem a variação de perspectivas em História (Chapman, 2011). Outros estudos colocam ênfase na abordagem a partir de ideias por grupos culturais, como os de Barton e Levstik (2004) e Epstein (2009). Trabalhos nessas mesmas abordagens também têm sido realizados em Portugal, conforme Barca (2000; 2001;2005;2011), e, como outros referenciais, são base importante para as investigações realizadas no Brasil, como as que vêm sendo feitas no âmbito do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica, da UFPR e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Londrina.

Os trabalhos que vêm sendo realizados pelos investigadores ligados ao Lapeduh constituem um conjunto diversificado de produtos, os quais podem ser incluídos em, pelo menos, três situações de investigação. A primeira delas diz respeito às sistematizações relativas às experiências que vêm sendo realizadas por professores e alunos de licenciaturas de História, a partir de práticas de ensino e investigação em aulas de História. Essas sistematizações constituem um acervo privilegiado de reflexões acerca da realidade do ensino de História no Brasil, concretizados em relatórios de práticas de estágios, arquivados no Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica, da UFPR.

Outro conjunto de produtos deriva de situações particulares de investigações que envolvem, principalmente, séries sistematizadas de reflexões e especulações acerca de determinados objetos relacionados ao ensino de História, como a análise das ideias históricas de alunos e professores, bem como de suas relações com as ideias históricas em currículos e manuais didáticos. Desse conjunto fazem parte vários trabalhos realizados, alguns publicados e outros em fase de publicação, produzidos por professores de História do ensino fundamental e médio, do Paraná, que constituem o Grupo de Educação Histórica da UFPR.

Nesta mesma direção, emerge uma terceira situação, na qual podem ser contextualizados os trabalhos produzidos a partir de esforços intencionais de investigação, que supõem uma adequação teórica e metodológica, uma delimitação de campos e objetos de pesquisa, bem como uma finalidade em termos de sua significância social na área educacional. Exemplos dessa produção podem ser encontrados nas dissertações e teses produzidas pelo grupo de pesquisa Escola, ensino e Educação Histórica, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná.

Indica-se, aqui, a pertinência de investigações “em escolas”, as quais têm como objeto o “ensino de” e, portanto, pautam-se no repertório da ciência de referência e seu ensino específico, mas também encetam um diálogo mais próximo com perspectivas teórico-metodológicas empíricas da pesquisa educacional, como aquelas de cunho antropológico e sociológico. Tais investigações podem contribuir, na opinião de Cuesta Fernandez (1997;1998), para ajudar a compreender a construção do “código disciplinar” da História, apreendido a partir de pesquisas e reflexões acerca de como os “textos visíveis” como currículos e manuais, bem como os “textos invisíveis”, tais como as ideias e as práticas culturais de jovens e crianças se concretizam em experiências escolares, tendo como referência o estado atual da ciência e sua relação com os modos de educar de cada sociedade e suas múltiplas determinações.

Os resultados dessas investigações indicam a opção pelo campo da Educação Histórica, mas com o foco preciso nas situações de escolarização, por exemplo, em estudos na sala de aula, tornando-a o centro de referência para estudos como os de currículo e eficiência do ensino e da aprendizagem e também procurando os processos que têm lugar na sala de aula. Algumas referências das investigações já realizadas ou em andamento, baseiam-se nos fundamentos da sociologia crítica inglesa, cujas manifestações podem ser observadas, por exemplo, nos trabalhos de Raymond Williams, Basil Bernstei e Stuart Hall relativos aos estudos culturais3. Outras referências para o estudo dos processos de escolarização e das relações dos sujeitos com o conhecimento em situações de escolarização estão pautadas nas propostas da pedagogia de Paulo Freire e no campo da sociologia da experiência, particularmente os trabalhos de François Dubet e Bernard Charlot. Esses trabalhos tratam de investigações que englobam temáticas como relações de gênero e ensino, questões de identidades e ensino, exclusão / inclusão e ensino, bem como a especificidade das relações dos sujeitos com o conhecimento escolar, na dimensão da cultura e da sua relação com os processos de escolarização.

De modo geral, os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos propõem um diálogo com as metodologias de investigação qualitativa, na área educacional. Nessa direção, orientam-se, principalmente, em dois pressupostos. O primeiro deles parte da referência à investigação de natureza qualitativa, enquadrando-se na perspectiva de Eisner (1998), da “indagação qualitativa”. Para esse autor, a “indagação qualitativa” procura entender o que os professores e os alunos fazem e os grupos em que trabalham, bem como trabalham. Assim, segundo Eisner, para se alcançar esses objetivos, é necessário prestar atenção às escolas e às aulas, observa-las e utilizar o que vemos como fonte de interpretação e valoração (1998; 28). O segundo pressuposto baseiase na perspectiva da “construção social da escola” (Rockwell, 2011) e, por isto, a escola passa a ser considerada o lugar de onde partem as perguntas iniciais das atividades e investigações, como: o que acontece em aulas de História? Como ocorrem as mudanças? Como se processa ali o ensino? Que tipos de relações os sujeitos estabelecem com o conhecimento histórico? Quais são ou como professores e alunos elaboram a sua compreensão sobre as ideias históricas? Que significados o conhecimento histórico tem para os sujeitos envolvidos no processo ensino / aprendizagem? Como jovens e crianças reagem aos processos de produção do conhecimento histórico? Qual o resultado do conhecimento histórico na formação da consciência histórica de jovens e crianças?

Na Universidade Estadual de Londrina a investigação no campo da Educação Histórica acontece a partir de dois referenciais: do grupo de pesquisa História e Ensino de História certificado no conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), grupo que agrega professores pesquisadores e alunos de iniciação científica e mestrado cujas atividades de pesquisa têm como foco o Ensino de História e, mais particularmente, a Educação Histórica e do Mestrado em Educação mais especificamente a linha de pesquisa Perspectivas Filosóficas, Históricas e Políticas da educação no núcleo de investigação: – História, Cultura, Escola e Ensino.

Os projetos de Pesquisa e as dissertações desenvolvidas assim como o Grupo da Universidade Federal do Paraná se concentram em situações de escolarização com pesquisas qualitativas com perspectiva teórica e metodológica de investigação no campo denominado Educação Histórica, que por sua vez tem como uma de suas preocupações de pesquisa buscar elementos para a compreensão da consciência histórica, em especial de crianças e jovens, tendo em conta que o campo principal de analise é a educação formal e informal. Desta maneira, as pesquisas que se desenvolvem se debruçam com o objetivo de indagar como os conceitos históricos são compreendidos pelos indivíduos em tempos e espaços determinados, em diferentes sociedades.

A perspectiva da Educação Histórica compreende que a História é uma ciência considerando a existência de uma só explicação ou narrativa sobre o passado, mas que possui diversas perspectivas, entendendo que há uma objetividade na produção do conhecimento histórico. Desta forma, a história precisa ser conhecida e interpretada, tendo como base as evidências do passado e o desenvolvimento da ciência e de suas técnicas. Neste sentido, a Educação Histórica atribui uma utilidade e um sentido social ao conhecimento histórico, como por exemplo, a formação da consciência histórica.

Diversos conceitos têm sido alvo na pesquisa da Educação Histórica, como o conceito de significância, mudança, evidência, consciência histórica e narrativa histórica, nas pesquisas desenvolvidas na Universidade Estadual de Londrina nossos objetivos se concentram em investigar processos de aprendizagem em Educação Histórica procurando responder como acontece o processo de produção de narrativas históricas pelos alunos, a partir das aulas de história e do uso de livros didáticos, tendo como suporte o significado do ensino de História na formação do pensamento histórico. Como objetivos específicos dessas investigações podem ser citados: Analisar a produção de narrativas históricas pelos alunos, procurando entender a sua compreensão histórica, tendo como referencia a função da explicação histórica na produção de narrativas históricas.

Caracterizar os tipos de narrativas históricas presentes nos livros didáticos de História distribuídos pelo Ministério da Educação.

Investigar a formação da consciência histórica materializada nas narrativas produzidas pelos alunos do ensino fundamental segundo segmento.

Aprofundar estudos na metodologia da educação histórica especificamente na formulação de categorias de analise dos instrumentos de pesquisa em educação histórica.

Nesse sentido alguns trabalhos desenvolvidos na Universidade Estadual de Londrina merecem destaque. A pesquisa realizada por Tiago Costa Sanches (2010) intitulada Saberes históricos de professores nas séries iniciais: algumas perspectivas de ensino em sala de aula se detiveram em investigar o conjunto de fundamentos teóricos e metodológicos específicos da disciplina de História apropriado pelo professor das séries iniciais no processo de ensino aprendizagem da disciplina. Para tanto o pesquisador observou aulas, entrevistou professores realizou estudos exploratórios em uma escola da prefeitura do município de Londrina.

A dissertação de mestrado desenvolvida por Lidiane Lourençato (2012) intitulada A Consciência histórica dos Jovens-Alunos do Ensino Médio: Uma Investigação com a Metodologia da Educação Histórica investigou como os jovensalunos identificam a evidência histórica e o sentido de fonte para a produção do conhecimento histórico, assim como discutiu o conceito de temporalidade, tanto na história como em sua vida prática. A pesquisa de campo foi realizada em duas escolas localizadas no município de Londrina – Paraná – Brasil. A pesquisa utilizou como metodologia observações das aulas de História e análise de questionários investigando como estes jovens-alunos trabalham com os conceitos históricos, como temporalidade, fonte histórica e como lidam com o caráter de evidência histórica. Também foram observadas quais as relações que estes sujeitos estabelecem entre a história ensinada e a vida prática.

Ainda merece destaque as pesquisas realizadas pelos professores do Grupo de Pesquisa História e Ensino, com projetos de pesquisa que seguem a perspectiva da investigação em Educação Histórica de aproximar-se do pensamento de alunos e professores para compreender as ideias históricas, as relações dos sujeitos com o conhecimento histórico, tendo como referencial a epistemologia da História e relacionar esse conhecimento com a possibilidade de organização didática do ensino, com a aprendizagem nas aulas de História e em outros espaços sociais em que o conhecimento histórico é apreendido. Foram desenvolvidos até o presente momento três projetos: Educação Histórica: Iniciando crianças na arte do conhecimento histórico (2005- 2008), Educação Histórica: um estudo sobre a aprendizagem da história no processo de transição para a quinta série (6º ano) do ensino fundamental. (2009-2011) e atualmente o projeto: Projeto de Pesquisa: Educação histórica: um estudo sobre a forma de constituição do pensamento histórico em aulas de História do Brasil no ensino fundamental (2012 – 2014).

Nos projetos desenvolvidos o grupo de pesquisa está tentando compreender as noções que os alunos constroem sobre a história a partir da progressão da aprendizagem na escola formal. O interesse como afirma Barca (2011) é entender como se forma as ideias históricas dos alunos, em primeiro lugar porque só se pode mudar aquilo que se conhece e em segundo lugar para promover um conteúdo histórico estruturante que não valorize apenas a reprodução pouco refletida de conhecimento de temáticas curriculares, mas também a formação da consciência Histórica. As ideias são coletadas através da construção de narrativas pelos alunos, entendendo a narrativa no sentido atribuído por Isabel Barca (2011) “como expressão de ideias sob qualquer formato – que se comunica a compreensão histórica e os sentidos que lhes são atribuídos” e Rüsen (2001) que afirma ser a narrativa histórica a face material da consciência histórica mesmo que seja um relato descritivo-explicativo do passado.

Assim os artigos apresentados neste dossiê representam junto com os trabalhos desenvolvidos nestas duas instituições referencias das pesquisas que estão sendo realizadas no Brasil com a temática da educação Histórica tendo como perspectiva questões relacionadas à teoria e a historiografia. Também são apresentados dois artigos de pesquisadores convidados do pesquisador Jorn Rüsen da Universidade e o artigo do pesquisador Peter Seixas da University of British Columbia  (Canadá). Esperamos que a leitura deste número da revista Antíteses possa contribuir para o aprofundamento das discussões desta área de investigação no Brasil.

Notas

3. Uma discussão sobre esta temática pode ser encontrada em CEVASCO, Maria Elisa. Cultura: um tópico britânico do marxismo ocidental. In. LOUREIRO, I.M. / MUSSE, R. (org.). Capítulos do Marxismo Ocidental. São Paulo: UNESP, 1998, pp.145-171

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Marlene Cainelli – Docente da Universidade Estadual de Londrina, curso de História e do Mestrado em História Social.

Maria Auxiliadora Schmidt –   Docente da Universidade Federal do Paraná, curso de Educação e do Mestrado em Educação.

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Diálogo Europa América. Passado e Presente / Antíteses / 2011

Los autores aquí reunidos muestran la necesidad de centrar el análisis en el funcionamiento de una sociedad en cambio, es decir, el paso de un territorio preindustrial y colonial al papel que tendrán nuevos grupos ligados al capitalismo. La evolución de un complejo ámbito definido como “imperial” y la transformación que tuvo la América del Sur a lo largo del siglo XIX, permite analizar la originalidad del cambio, incluyendo los lazos generacionales y la reconstrucción de las estrategias de ascenso social. La transformación de territorios de habla hispánica y portuguesa desde finales del siglo XIX otorgan disparidad. Brasil, que conservó la esclavitud hasta 1888 junto con Cuba que se mantenía bajo dominio español, encuentra sentido para buscar y comparar la diversidad. Los textos de este dossier permiten entender el funcionamiento de relaciones complejas, fuertes y polifacéticas. Los autores prefieren insistir en la reconstrucción del proceso de ascenso, de la integración social y de la reconstrucción individual y de grupo. No descuidan el hecho de que esta movilidad social pueda tener sus propias limitaciones al tomar en cuenta casos de decaimiento y hasta de fracaso. Es una manera de recordar que no todos los intentos de ascenso social son exitosos y que la historia no relata siempre a los vencedores. Los estudios de caso insisten en lo individual y lo global sin caer en lo “anecdótico”.

La reflexión propuesta por este dossier ofrece una interesante información para la historia social, cultural y económica de América Latina. Los distintos trabajos que proponemos aquí analizan el pasado y el presente de países como Portugal, España, Alemania e Inglaterra con un contexto sudamericano específico y al mismo tiempo dispar formado por Brasil y Argentina. Se profundiza la vida de algunos grupos o colectividades residentes en Argentina y Brasil, que desde finales del siglo XVIII hasta las primeras décadas del siglo XX formaron parte de un mundo diferente y en disputa en relación a los vínculos españoles y portugueses. Algunos de los artículos que incluimos aquí insisten en el periodo de la organización colonial y centran  posteriormente las relaciones sociales que se tejen durante la organización del capitalismo en América Latina. Los trabajos estimulan un importante debate sobre las múltiples conexiones que se observan entre el mundo empresarial y laboral, los intercambios culturales, y los grupos o redes familiares. Los autores muestran una enriquecedora variedad ya que oscilan entre la descripción del caso y el debate teórico, la conclusión histórica o el matiz metodológico y de esta manera abordan cinco problemas principales. En primer lugar, el origen mercantil, social o militar de grupos o familias que se radicaron en los países aludidos. En segundo lugar, los objetivos y los cambios de individuos o grupos vinculados a la migración. En tercer lugar, la diversificación de actividades regionales con frecuencia ligadas a los cambios mundiales. En cuarto lugar, la implementación de cimientos asociativos, mercantiles y financieros en la zona rioplatense. Y, finalmente, la estrategia de las redes familiares o étnicas para la consolidación, supervivencia y / o expansión de los grupos, asociaciones o individuos.

Desde esta perspectiva los artículos se plantean sesgos comparativos que acentúan el enfoque regional e incorporan elementos de larga duración. Roberto Dante Flores se centra en la singular presencia de “invasores británicos” en la incipiente sociedad de Buenos Aires en unos años singulares de la historia latinoamericana: el ataque que hacen en 1806 y 1807 y modifican las relaciones sociales de manera clara hasta el año 1810 cuando se inicia el proceso de independencia. Es perfectamente conocido en Argentina qué papel jugaron los británicos en los dos ataques dirigidos a la colonia “española”. Con gran creatividad el autor rastrea cómo modificaron su pensamiento y su forma de vida esa nueva población, y también cómo afectaron a la población residente con legitimidad desde la fundación del Virreinato del Río de la Plata. Quienes habitaban Buenos Aires, en general se dedicaban a las actividades mercantiles y a la esclavitud. Se vieron obligados a convivir, voluntaria o involuntariamente, durante un tiempo considerable. Participaron, en consecuencia, tanto de manera directa como indirecta, en la crítica que poco tiempo después de las dos invasiones se dirigiera al poderío español. La entrada bélica a la ciudad, la decadencia hispánica y el peso de esta ciudad en el marco del proceso de independencia latinoamericana, articulan la experiencia rioplatense con el Imperio español. La legalización tardía del Virreinato del Río de la Plata (año 1776) otorgó un gran poder a catalanes, gallegos y vascos, es decir, a una mayoría de “hispanos” singulares si comparamos con los otros virreinatos. El artículo ofrecido por Flores otorga una mirada original para entender la reacción hispánica y la manera en que se articuló la sociedad civil hasta el inicio del proceso de independencias.

También interesada en la vida catalana entre la Península y Buenos Aires, Gabriela Dalla-Corte Caballero explica cómo la familia catalana Alsina (de gran trascendencia económica hasta inicios del siglo XX) excluyó a finales del siglo XVIII al verdadero heredero “primogénito” y lo sustituyó por un único heredero: el “segundón”. La conservación de “la familia” durante la pérdida de las colonias del Cono Sur permite analizar el diseño de una casa catalana durante un periodo absolutamente desgarrador que son los años que van de 1790 a 1820. Una comunidad catalana beneficiada por las relaciones coloniales pero afectada por la independencia y la crisis política de España, en particular la exclusión del rey y la sustitución de los intereses franceses, merece una atención en perspectiva histórica y empresarial. El objetivo es entender la distribución de los miembros familiares ante un conflicto económico producido fuera de Cataluña. El texto reflexiona sobre la empresa económica y su capacidad de adaptación al mercado y a sus evoluciones. La “empresa” y la “familia” son realidades estrechamente ligadas entre sí para el caso catalán. Se analiza un conflicto familiar a partir del primogénito varón que fue desheredado en el marco del derecho foral catalán. Su objetivo es comprender el papel de la conservación patrimonial en las estrategias familiares, así como la constitución de la dimensión “jural” en el ámbito familiar. En lo que a las estructuras se refiere, ya sean empresariales o familiares entre finales del siglo XVIII y principios del siglo XIX, se remiten a los trabajos “familiares” con marco “patriarcal” de los que, procedentes de Cataluña, optan por América y reconstruyen la orientación de los que dirigen desde Calella.

El período histórico elegido se circunscribe a la crisis del orden colonial así como a la transición del Antiguo Régimen a la modernidad. Presenta un fragmento de historia de familia en términos microanalíticos insistiendo en su desenvolvimiento en el seno de la cultura catalana de finales del siglo XVIII y principios del XIX, aproximación puntual que le permite apreciar el juego de las estrategias utilizadas por familias incipientemente burguesas para asegurar a largo plazo el futuro de sus miembros y para garantizar a mediano plazo la reproducción del patrimonio. A través de documentación notarial y patrimonial, obtenida en archivos locales de Cataluña, la autora muestra cómo estos grupos pudieron proyectar sus empresas familiares gracias al tráfico mercantil con América durante el Antiguo Régimen, y el apoyo que obtuvieron las familias más prósperas por parte de las comunidades locales para garantizar la transmisión del patrimonio, tanto material como simbólico. Bastaría recordar que en el mundo pre-industrial la empresa comercial, agrícola o artesanal se desarrollaba siempre en base a una estructura de tipo familiar. La falta de estructuras consolidadas intentó ser reemplazada por un denso entramado de relaciones comerciales, parentelares y étnicas que funcionaron a nivel local. El desarrollo del capitalismo industrial no significó la desaparición ni inmediata ni automática de la estructura familiar de las empresas, aún cuando la concentración capitalista o la intervención del Estado contribuyeron a borrar dicha dimensión inicial. Aún así, la dimensión familiar de la empresa económica no se diluyó de manera completa a pesar del desplazamiento de su contenido. En el mundo industrial de los siglos XIX y XX se desarrolló una forma de relaciones sociales para garantizar el “paternalismo”. Fueron esas relaciones una manera distinta de expresar la dimensión familiar de la empresa económica. Por ello, más que ofrecer una reconstrucción de las estructuras, se propone identificar las dinámicas, tanto sociales como socio-económicas y culturales, que afectaron al grupo analizado.

Desplazando el estudio de Argentina, Luis Fernando Beneduzi concentra el debate en torno al blanqueamiento en Brasil, un país que ha sido singular en la construcción de la identidad a partir de la pervivencia del racismo. El sur de Brasil, analizado por Beneduzi, permite observar singulares indicaciones sobre la evolución del siglo XIX que negó a su población “negra” y diferenció los conceptos entre “noble salvaje” y “noble portugués”. En un momento muy particular de las relaciones de Brasil con los países vecinos (pensemos, por ejemplo, en Argentina y Uruguay con los que Brasil se impuso contra Paraguay en la Guerra de la Triple Alianza entre 1865-1870), recordemos que el Imperio mantuvo la esclavitud hasta el año 1888, diferenciándose de este modo de los territorios anteriormente hispánicos en América Latina.

De esta manera se muestra la vision positiva de esta migración de origen europeo frente a la inferioridad de los “negros”. La colonización fue considerada una situación positiva en el sur brasilero, conclusión que Beneduzi nos brinda en su texto sobre la rapidez del “blanqueamiento” gracias, entre otras razones, a la llegada de población italiana a Brasil. Como señala el autor, es posible analizar la inmigración italiana en Rio Grande do Sul a finales del siglo XIX y principios del siglo XX para reflexionar sugestivamente sobre temas que interesan hasta hoy día. La investigación histórica busca salir de las problemáticas convencionales y las herramientas sociológicas de la organización merece un lugar central gracias al interés de sus conceptos e instrumentos de análisis. En general, la interdisplinariedad alcanza la necesidad de identificar las convenciones mantenidas como válidas. Como demuestra con fuerza Beneduzi, las situaciones analizadas al abordar a los italianos en Brasil son el resultado de procesos en constante construcción, mecanismos sociales que interesan mucho más que las propias estructuras.

Siguiendo los procesos migratorios en los países estudiados, Bettina Alejandra Favero nos ofrece una interesante visión sobre la inmigración en Argentina, específicamente el papel de la iglesia y la beneficencia en la construcción del barrio portuario de Mar del Plata. Se trata de un espacio que se convirtió en un centro balneario y un puerto de la costa del Atlántico y necesitó la presencia migratoria. La industria portuaria y turística, la vida pesquera en el puerto, la recepción de barcos y de inmigrantes, la suerte de las tribus tehuelches, son temas que se acompañan de una iglesia activa y capaz de hacerse cargo de la inmigración como ocurrió en otras zonas del país, como el caso de Rosario.

Lucas Poy y Daniel Gaido se centran en la inmigración alemana en la Argentina de finales del siglo XIX cuando el país se encontraba aún, según los autores, en la “prehistoria” del “socialismo”. En efecto, durante el año 1890 irrumpió la clase obrera en la escena pública de Argentina con una gran presencia alemana. El año 1893 marca el punto más álgido del reflujo obrero y también del incipiente movimiento socialista. A partir de entonces, los autores demuestran que los socialistas alemanes ya no tienen una participación decisiva: fueron inmigrantes que estudiaron las oportunidades que significaba la construcción del mercado laboral pero también la organización política. El papel de la inmigración en América Latina es retomado por Reinaldo Benedito Nishikawa al centrarse en la transformación del migrante en “colono” en la provincia del Paraná en Brasil. Los diversos niveles en que se articulaba el crédito, la circulación de la tierra y el flujo de mercancías durante las primeras décadas del siglo XX son indicativos en este trabajo centrado en la colonización que transforma incluso el sentido de los inmigrantes. La red de intermediarios que iban desde las empresas locales de ventas de tierras a los abogados, notarios, empleados de banco… también indican la integración de grupos.

Ruy Farías se centra en el asociacionismo gallego en Buenos Aires y profundiza en la integración de los migrantes a partir del archivo de la Federación de Asociaciones Gallegas de la República Argentina (FAGA) vinculado al Museo de la Emigración Gallega en la Argentina (MEGA). Concentra el interés en la integración de los inmigrantes entre la segunda mitad del siglo XIX y las tres primeras décadas del XX a partir de una base: los gallegos fueron aproximadamente el 17 % de todos los europeos que llegaron a Argentina entre 1857 y 1930. El país, por ende, fue “el más importante destino americano de la emigración gallega”. Los gallegos le permiten detectar la manera en que la colectividad o la comunidad actuaron a través de la Federación de Asociaciones Gallegas de la República Argentina (nacida en 1921 como Federación de Sociedades Gallegas, Agrarias y Culturales), ha generado con el tiempo una valiosa masa de documentación, a la que se suman importantes fondos provenientes de múltiples sociedades gallegas de ámbito microterritorial y del extinto Centro Republicano Español de Buenos Aires. El texto busca describir someramente el asociacionismo gallego en Buenos Aires, para luego analizar la composición y características de los fondos del archivo de la Federación, ofreciendo, al mismo tiempo, una interpretación de su valor y de las posibilidades que ofrecen a la investigación.

Finalmente, Norberto Osvaldo Ferreras se centra en las relaciones establecidagracias a la Organización Internacional del Trabajo (OIT) en Sudamérica. Elige específicamente el momento de 1925 en que el secretario general, Albert Thomas, concentró su actuación en importantes países como Brasil, Uruguay, Chile y Argentina. Thomas cumplió con el mandato de profundizar la situación laboral de esta zona latinoamericana y nutrir de datos a la OIT. El texto se centra en el viaje de Thomas al Cono Sur e indica que la primera conferencia internacional de la OIG del año 1925 reunió a participantes de 40 países, casi el 25% de origen latinoamericano. Fue una de las tantas soluciones que se buscaron a partir del fin de la Primera Guerra Mundial y de la consolidación del Pacto de Versalles para reorganizar el mundo económico. En esa línea, este texto remite como los otros a lo “significativo” de sus contenidos pero también a la dimensión significativa de una realidad más amplia.

La diversidad temática de este dossier tiene, paralelamente, coincidencias históricas, especialmente el interés de los autores por la manera en que Brasil y Argentina resuelven en diversos momentos la independencia, la esclavitud, la presencia de inmigrantes, y tienen paralelamente las diferencias regionales. Esperamos que la lectura de estos trabajos agradezca a los lectores e impulse análisis novedosos en el estudio de las relaciones en el pasado y el presente.

Gabriela Dalla-Corte Caballero  – Doctora en Historia de América y Doctora en Antropología Social y Cultural. Profesora Titular de Historia de América del Departamento de Antropología Social, Historia de América y África, Facultat de Geografia i Història, Universitat de Barcelona. Dirección electrónica: dagapa@yahoo.es

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Representaciones en torno al territorio y las relaciones sociales en las fronteras iberoamericanas, siglos XVIII y XIX / Antíteses / 2011

Nadie ignora que el Sur empieza del otro lado de

Rivadavia. Dahlmann solía repetir que ello no es

una convención y que quien atraviesa esa calle

entra en un mundo más antiguo y más firme

(BORGES, 1999, p. 209).

[…] desde la perspectiva de los indígenas no

sometidos, los españoles ocupaban las fronteras

de las tierras que ellos controlaban, y el territorio

circundante (WEBER, 1998, p. 147).

Aunque la vida social está inscripta en el espacio y en el tiempo, son pocos aún los historiadores que ponen el énfasis de sus análisis en la dimensión espacial de los fenómenos sociales. Es más común y generalizado presentar al territorio como una de las dimensiones en la que ocurren los acontecimientos y, como corolario, la representación gráfica en mapas y cartografías cumple, en la mayor parte de los casos, la función de señalar o ubicar. Sin embargo, el territorio es percibido y valorado de manera diversa por quienes lo ocupan, lo habitan y le confieren sentido. Así, los recortes espaciales se establecen a partir de construcciones sociales y culturales, y de percepciones simbólicas, en estrecha relación con los mecanismos de poder que operan en una sociedad.

Los espacios definidos como fronteras en el contexto iberoamericano colonial y decimonónico, fueron objeto de percepciones y construcciones conceptuales que intentaban dar cuenta de realidades territoriales y sociales diferentes -y en gran medida contrapuestas- a las conocidas hasta ese momento, tanto por sus características físicas y geográficas, como por el modo de vida de las sociedades que las habitaban. Las fronteras, que se fueron conformando al calor de los procesos de conquista y colonización del continente, eran para los hombres que vinieron del otro lado de mar, zonas poco conocidas, escasamente dominadas y, en muchos casos inhabitables, que estuvieron estrechamente relacionadas con la idea de desierto, entendido en la época como un espacio vacío de población y ausente de civilización occidental, habitado por el “otro” social y cultural. Así, el avance sobre esos desiertos permitió ampliar los límites del dominio colonial, y continuó durante el proceso de construcción de los estados nacionales a través del corrimiento de las denominadas fronteras interiores sobre los territorios ocupados por las sociedades indígenas que aún resistían los embates civilizatorios y defendían sus recursos (BANDIERI; ORTELLI, 2007, p. 277-281).

Estos procesos, representados en mapas y cartografías oficiales -en su carácter de elementos en los que se manifiestan el conocimiento y la representación que una sociedad se hace del espacio (BERNABÉU ALBERT; GARCÍA REDONDO, 2011, p. 142)- fueron dando cuenta de las diversas lecturas del paisaje, de la organización del espacio y de las territorialidades, entendidas como construcciones históricas y culturales. Así, en gran parte de la cartografía de los territorios iberoamericanos en la época colonial y el siglo XIX, aparecen extensas zonas en blanco, como si estuvieran vacías, y en las cuales el proceso de poblamiento emanado desde los centros de poder se detiene y los circuitos de comercio e intercambio se interrumpen. En la América austral existen varios ejemplos paradigmáticos.

El Chaco, caracterizado en algunas crónicas coloniales como un “desierto verde”, aparece representado con frecuencia como una gran mancha, ubicada en el corazón del territorio sudamericano, rodeado de misiones, haciendas y presidios, que parecen no adentrarse más allá de unos pocos kilómetros, en una zona plagada de peligrosos indios errantes. Sin embargo, lejos de ser un espacio vacío de población y yermo de actividades económicas, residían en él varios grupos nativos que mantenían intensas y estrechas relaciones con los hispanocriollos, tanto por tierra como a través de los ríos que lo surcaban. Al mismo tiempo, albergaba a pobladores que huían del mundo colonial escapando de la justicia y de las condiciones de vida de las haciendas y los presidios o, más tarde, a quienes desertaron durante las guerras de independencia y el periodo de conformación del estado-nación (SANTAMARÍA, 1998).

En el caso de la frontera rioplatense, más allá del límite que señalaba el río Salado, al sur de la línea dibujada por las guardias de frontera que se extendían a lo largo de las pampas, todo parece definirse por el vacío: en la denominada tierra adentro las líneas que representan los circuitos de comercio e intercambio se interrumpen de manera abrupta en la cartografía y los asentamientos humanos desaparecen. Por su parte, los sertões en la América portuguesa también constituyeron espacios que fueron considerados vacíos de civilización, ajenos al resto y fuera del control de las autoridades imperiales y, más tarde, nacionales (CAPELARI NAXARA, 2011, p. 227-244). Sin embargo, cuando invertimos los términos de la ecuación, surge como nos recuerda David Weber que “Desde la perspectiva hispánica, los grupos indígenas ocupaban las fronteras del Imperio español en el Nuevo mundo y sus tierras adyacentes; desde la perspectiva de los indígenas no sometidos, los españoles ocupaban las fronteras de las tierras que ellos controlaban, y el territorio circundante” (WEBER, 1998, p. 147).

Las fronteras fueron entendidas durante mucho tiempo como límites o líneas de separación que marcaban la transición entre mundos con diferencias irreconciliables, y definidas como “fronteras de guerra” que limitaban con el territorio ocupado por “indios de guerra”. A partir de estas concepciones, en la historiografía de la frontera latinoamericana predominó por muchos años una perspectiva que enfatizó el conflicto, y dejó de lado el análisis de otras manifestaciones sociales, o las subordinó a la dinámica de las guerras por territorios. En efecto, la historiografía iberoamericana ubicó en tales espacios a las sociedades indígenas no reducidas y las entendió como separadas del mundo colonial e independiente. Sin embargo, cuando se profundiza el estudio de procesos y casos concretos, en diferentes regiones y temporalidades de las Américas hispana y portuguesa, surge una dinámica diferente, en la que los sectores socioétnicos lejos de estar aislados y separados, establecían profusas relaciones de índole diversa.

En ese marco, la frontera se desdibuja como límite, raya o término, y adquiere las características de espacio permeable y dinámico, atravesado por relaciones sociales que deben ser analizadas en términos cada vez más complejos y tratar de superar los enfoques anclados en las perspectivas étnicas, y aludir a relaciones sociales y políticas, entendiendo que lo étnico aparece como una variable sin duda relevante, pero no determinante. Al mismo tiempo, las identidades étnicas deben entenderse como construcciones históricas que se van definiendo a través de complejos procesos de apropiaciones y resignificaciones culturales, sociales y políticas, signadas por las experiencias de grupos e individuos en el tiempo. Así, las categorías y clasificaciones étnicas vienen siendo problematizadas por muchos estudios de caso que, enfocando situaciones específicas, revelan la fluidez y la complejidad de las interacciones entre diferentes grupos (RADDING, 2008; BOCCARA, 1998; GIUDICELLI, 2009, p. 27-66; FRÜHAUF GARCÍA, 2009, WILDE, 2009; KOK, 2004; ver los artículos reunidos en BOCCARA; ORTELLI, 2006).

Al mismo tiempo, la redefinición de la escala de análisis de los estudios ha permitido enfocar y visualizar realidades más concretas y específicas, sin perder de vista, por supuesto, los contextos y los procesos generales. Esto se relaciona tanto con el despliegue de nuevos enfoques y herramientas teórico-metodológicas, como con el análisis de diversas fuentes documentales, y ambas cuestiones aparecen con claridad en el caso de los espacios fronterizos iberoamericanos. Por mucho tiempo los historiadores reconstruyeron la historia de las fronteras desde la mirada metropolitana, con documentos emanados de archivos que reflejaban el punto de vista de los centros de poder. Esta reconstrucción se ha venido enriqueciendo a partir de trabajos que plantean una aproximación regional y local, que integran otro tipo de documentación y que está transformando, en varios aspectos, nuestra comprensión de los procesos del pasado y del papel que las sociedades de frontera jugaron en ellos.

La profundización de las investigaciones sobre estas áreas plantea la necesidad de revisar el lugar subordinado y periférico que se ha otorgado, en general, a las fronteras en los procesos del pasado (CRAMAUSSEL, 2006; JONES, 1998). En tal sentido, es necesario repensar los recortes espaciales, no en función del paradigma central -y teleológico- que impone la idea del proceso de establecimiento de los límites del estado nacional, sino a partir de la reconstrucción de las dinámicas espaciales coloniales y decimonónicas. De hecho, el establecimiento de los límites jurisdiccionales de los actuales estados escindió espacios que durante el periodo colonial estuvieron articulados, pero que en la época independiente pasaron a formar parte de entidades diferentes. A la vez, los transformó y reorientó, en función de las necesidades de los nuevos tiempos, que desembocaron más tarde en el proceso de construcción del estado nacional, como así también del mercado interno y de la nueva constelación de relaciones en el ámbito internacional.

A partir de estas premisas, el dossier propone incentivar el diálogo entre estudiosos de las diversas fronteras iberoamericanas para indagar acerca de las imágenes y representaciones que se han construido en torno a estos territorios y a las relaciones sociales que se desarrollaron en ellos durante los siglos XVIII y XIX. Sólo resta, entonces, agradecer a las y los colegas que se han hecho eco de esta convocatoria, y la han enriquecido a partir de los análisis, reflexiones y discusiones de sus estudios de caso.

Por último, este dossier está dedicado a la memoria del estimado colega, Dr. Pedro Navarro Floria, quien falleció el día 5 de diciembre de 2010, poco tiempo después de haber enviado su colaboración.

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Sara Ortelli – Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas / Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires.

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Manifestações Culturais: perspectivas da diversidade / Antíteses / 2010

Ao ler o conjunto de textos que compõem este dossiê intitulado Manifestações Culturais: perspectivas da diversidade, lembrei-me de Machado de Assis. Quando reuniu uma série de contos num volume que foi publicado por B. L. Garnier em 1882, ao qual denominou Papéis Avulsos, Machado acrescentou uma advertência à edição. Nela, ele lembrava a seus leitores que o título da obra poderia levar à idéia de que o livro carecia de uma unidade, por reunir escritos de ordem diversa, concluindo: “Avulsos são eles, mas não vieram parar aqui como passageiros que aceitam entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma mesma família, que a obrigação do pai fez sentar à mesa”.1

As palavras de Machado bem poderiam servir de epígrafe a este dossiê cujo subtítulo nos remete a uma imagem de fragmentação que pode sugerir ausência de unidade a um conjunto de artigos que abordam temas diversos ligados a diferentes temporalidades, espaços geográficos e vieses teóricos. Mas esta falta de unidade é apenas aparente, pois os textos nele presentes fazem parte de uma mesma “família” que agrega historiadores os quais trabalham com a intenção partilhada de procurar traduzir o mundo a partir da cultura através de manifestações tais como discursos, palavras, práticas, representações e imagens. De uma “família”, poderíamos acrescentar, muito parecida com uma família de carne e osso, na qual existem discussões e desentendimentos constantes, uma vez que a História Cultural é capaz de abrigar pesquisas de naturezas diversas associadas a diferentes (e por vezes antagônicos) modos de conceber o fazer historiográfico, de formular questões e de abordar a documentação, ligados a tradições historiográficas distintas, sem que isto as impeça de “sentar à [mesma] mesa”.

Sem dúvida que esta diversidade tem sido, dentre outros fatores, um dos pontos polêmicos que a ela tem atribuído o fato de a História Cultural ter ido longe demais, do que decorreria sua fragilidade e um patente “ecletismo e inconsistência teóricos” cujos desdobramentos seriam “uma série de desacertos e incongruências” tais como generalizações imprecisas e insustentáveis construídas a partir de relações conjecturais que seriam menos analíticas e mais descritivas.2 Como decorrência, e ainda a partir deste ponto de vista, a História Cultural seria um rótulo opaco e sem significado consistente, que acabaria por abrigar, “tal qual as mentalidades, histórias pitorescas, de grande apelo público, porém supérfluas, sem qualquer chance de desvendar as forças propulsoras, explicativas do movimento da História”,3 dela podendo-se esperar um desgaste definitivo e um fim próximo.

Cultura é uma palavra que ganhou espaço significativo em estudos elaborados por historiadores nas últimas duas décadas, na maior parte das vezes querendo dizer coisas diferentes. No Brasil, particularmente, cultura é uma palavra recorrente em estudos, pesquisas e análises históricas, sem contar que em vários títulos de cursos de graduação, linhas de pesquisa de pós graduação de diferentes universidades, núcleos, centros de pesquisas revistas acadêmicas e… dossiês! Esta presença aponta para a vitalidade da História Cultural sugerindo que seu fim parece não estar tão próximo assim, ainda que para alguns tal vitalidade seja vista como um sinal da propagação de certos “modismos” que de tempos em tempos assaltam a comunidade de historiadores.4

Não vou me ater a estas e outras críticas, uma vez que melhores penas já se incumbiram de respondê-las com propriedade e competência, e também porque seria evidentemente impossível aprofundar nas poucas páginas de uma apresentação todas as questões levantadas em torno da História Cultural nos últimos tempos.5 Para nossos objetivos, creio ser mais importante sublinharmos que o leitor terá oportunidade de constatar, nos trabalhos aqui reunidos, que esta tão propalada diversidade não é neles sintoma de fragilidade nem tampouco explicitação de “modismos”. Ainda que voltados para preocupações múltiplas, que são a de cada autor, estes artigos baseiam-se em pesquisas empíricas sólidas que objetivam compreender as marcas e as mudanças permeadas por conflitos e tensões construídas no campo de debates e embates culturais travados pelos homens em outras épocas. Deste movimento configura-se um rico painel em que a cultura é vista como algo dinâmico e em constante mutação e reconfiguração reconhecendo-se, simultaneamente, a diversidade como uma característica positiva de um campo de estudos que, apesar dos limites e problemas que apresenta, tem trazido uma contribuição imprescindível para a historiografia mundial.

Estes são alguns dos pontos que os artigos que compõem este número da Antíteses apresentam, os quais evitamos resumir para com isto não diminuir o prazer do leitor na sua jornada. Com este número a revista procura mostrar, mais uma vez, graças à colaboração de autores, pareceristas e de todos os envolvidos em sua produção e edição, seu desejo de abordar com qualidade algumas das facetas dos recentes debates travados na historiografia. A todos que participaram deste processo ficam, aqui, nossos sinceros agradecimentos. E de você, caro leitor, despedimo-nos desejando que a viagem proporcionada por esta leitura faça jus às suas expectativas e que a partir dela você possa criar sua própria leitura dos temas enfocados, pois, afinal, esta capacidade autoral pertence a todos que se acercam de um texto.

Silvia Cristina Martins de Souza e Silva.

Coordenadora do Dossiê

Londrina, junho de 2010

Notas

1 ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008, p. 236.

2 PESAVENTO, Sandra J. Em busca de uma outra história: imaginando o imaginário, Revista Brasileira de História, vol. 15, nº 29 (1995), pp. 9-27.

3 Apud AZEVEDO, Cecília. Identidades compartilhadas: a identidade nacional em questão. IN: ABREU, Martha e SHOIET, Rachel (orgs). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003, p. 40.

4 VAINFAS, Ronaldo. História Cultural e Historiografia Brasileira, História: Questões e Debates, Curitiba, nº 50, 2009, p. 233

5 Ver para tais críticas, dentre outros, VAINFAS, Ronaldo, op. cit. ; PESAVENTO, Sandra J. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2008; BURKE, Peter, O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2005 e LARA, Silvia Hunold. História Social e História Cultural, Diálogos, UEM, vol. 1, nº 1, 1997.

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História e ensino. Teorias e metodologias / Antíteses / 2010

Para pensarmos qualquer questão relacionada ao ensino de história hoje em dia, é fundamental levar em conta o caminho traçado nos últimos vinte e cinco anos, pelo menos, em especial no Brasil. Pois consideramos que o processo que vivemos atualmente ainda é um desdobramento das primeiras discussões realizadas na década de 1980. Entendemos que as mesmas fundamentaram e também dão a diferença para aquilo que propomos atualmente, em especial quando pensamos a questão da possibilidade da produção do conhecimento na sala de aula.

Na década de 1980, autores como Marcos Silva e Dea Fenelon procuravam demarcar algumas questões extremamente importantes para se pensar a História como disciplina e, particularmente, a relação da academia com o ensino de História. Questões como a possibilidade de produção de conhecimento no então 1º e 2º graus, ganhavam grande destaque nas discussões daquele momento.

A partir das inovações das tendências historiográficas que despontavam naquele período e aliado à tentativa de se provar que a sala de aula era um lugar onde seria possível produzir conhecimento, foram muito comuns naqueles anos de 1980 os “relatos” de experiência de professores que utilizavam em suas práticas em sala de aula aquilo que se convencionou chamar de “novas linguagens” nas salas de aulas.

É expressivo deste momento dossiês de revistas sobre ensino de história ou seções dentro das revistas, destinadas a estes relatos. Deste período podemos destacar, entre outros, o livro Repensando a História, organizado por Marcos Silva .1

Neste livro, no clássico artigo “A vida e o cemitério dos vivos”, Marcos Silva fazia um alerta para o que ele chamava de paralisia crítica no trabalho em sala de aula e que seria utilizado como álibi para não se tentar nenhuma mudança em sala de aula. O decorrer do livro aponta para várias possibilidades de ações contra esta situação dentro daquilo que Heloisa de Faria Cruz entendia como ir para “além das margens”, pensando a possibilidade de construção de conhecimento em sala de aula. E mais do que isto, praticamente todo o livro questiona o entendimento da escola apenas como espaço de “reprodução de conhecimento”.

Da mesma forma, vários números da Revista Brasileira de História passaram também a dedicar a mesma atenção à fala dos professores inaugurando um espaço que se tornou comum durante alguma tempo.2

Tal preocupação se desdobrou, na década seguinte, em publicações e em dossiês da mesma Revista Brasileira de História, exclusivamente dedicados ao ensino de história, indicando que este tema estava, já naquele momento, se transformava em um lugar de investigação no campo da História.

Entretanto, grande parte destes relatos de experiência, em especial aqueles que tratavam da utilização de novas fontes documentais em aulas de história para o ensino de formação básica, ainda abordavam o seu uso na perspectiva da “novidade”. Ou seja, era uma tentativa de, primeiramente, provar que a sala de aula era também um lugar de produção do conhecimento e, igualmente, que o professor tinha condições de superar a utilização do livro didático como única fonte documental.

Em especial em relação ao uso das novas metodologias, a preocupação se direcionava na perspectiva de demonstrar familiaridade por parte do professor no domínio do conhecimento que essas fontes requeriam e os cuidados com o seu uso. Todavia, no que dizia respeito ao ensino de história e às preocupações com a aprendizagem, as discussões ainda “tateavam”, mas “tentavam” inovar.

Neste sentido, devemos dizer que já no final da década de 1990, as preocupações no campo do ensino de História começavam a se voltar para pensar a produção do conhecimento e o ensino de história focando o olhar em um sujeito fundamental deste processo: o aluno.

No final do século XX aparecem várias discussões no ensino de história a partir da linha de investigação denominada “educação histórica” que tem como intuito investigar as idéias que as crianças possuem sobre determinados conceitos em História.

Neste sentido, podemos perceber que essas preocupações se desdobram em outros trabalhos mais recentes que repensam a questão da produção do conhecimento em sala de aula. Estas pesquisas estão preocupadas essencialmente com a questão de como o aluno aprende conceitos em História. Estas observações podem ser constatadas através, por exemplo, de algumas dissertações de mestrado da Linha de Pesquisa História e Ensino do Programa de Mestrado em História Social da Universidade Estadual de Londrina.

Tais estudos podem atestar algumas questões levantadas em recente artigo de Flávia Caimi. Segundo a autora, atualmente, podemos dizer que os estudos atuais sobre os processos do pensar e do aprender, em suas diversas vertentes, acentuam o papel ativo dos sujeitos / alunos em seus percursos de aprendizagem. Da mesma forma, estes trabalhos apontam o protagonismo do professor na promoção de situações educativas que favoreçam o desenvolvimento de habilidades de pensamento, traduzidas na construção de competências cognitivas para o “aprender a aprender”. E que, ao mesmo tempo, para autora, possam educar os jovens com base nos valores contemporâneos 3.

E mais, para Caimi, as pesquisas nesta área sobre o fenômeno da aprendizagem, podem ser traduzidas em duas principais linhas de investigação: os estudos da cognição e educação histórica. As duas linhas de investigação teriam muitos pontos em comum e pelo menos duas diferenças. Para a autora, os estudos da cognição, embora se situem em zona fronteiriça entre a epistemologia da história e a psicologia cognitiva, tendem mais para a segunda, ao passo que a educação histórica dialoga mais estreitamente com os referenciais da epistemologia da história. E, ao investirem mais fortemente nos fundamentos da psicologia cognitiva, os estudos da cognição acabam por dar maior ênfase aos processos de construção do conhecimento em detrimento dos conteúdos da aprendizagem. A educação histórica, em contraposição, focaliza prioritariamente suas investigações nos produtos da aprendizagem escolar, buscando compreender as idéias substantivas dos estudantes sobre o conhecimento e a conceituação histórica.

Contudo, de acordo com Caimi, considerando-se o caráter ainda lacunar das pesquisas no campo da investigação histórica, em virtude de haver poucos pesquisadores debruçados sobre ele, podemos afirmar que as duas vertentes são fundamentais e se complementam: em especial na tarefa de explicitar os meandros do pensamento histórico das crianças e jovens que freqüentam a educação básica.

Concluindo, podemos dizer que atualmente está posto para os pesquisadores do ensino de história que é possível a produção do conhecimento em sala de aula, que existe, segundo Chervel, um saber histórico próprio, chamado por ele de saber escolar.

Diferentemente das décadas anteriores, a questão apontada agora é outra, como salientamos no início deste texto. Ela pode ser resumida em: como se dá este processo de produção de conhecimento e como os alunos podem apreender conceitos específicos do campo de história.

Assim, os artigos apresentados neste número da revista Antíteses, dedicada a pensar questões sobre o ensino de história a partir de pesquisas atuais, se apresentam na confluência dessas discussões, não só no Brasil. Esperamos que a leitura deste número permita contribuir para ampliar as reflexões desenvolvidas por todos que atuam na área do ensino de história.

Maria de Fátima da Cunha –  Coordenadora do Dossiê

Londrina, dezembro de 2010

Notas

1. No livro existia um tópico à parte intitulado “experiências” onde se destacam artigos de professores da rede pública, em sua maioria, narrando as suas experiências em sala de aula utilizando-se de materiais, abordagens e temas diferenciados. Cf. SILVA, Marcos (org.) Repensando a História. SP, ANPUH / Marco Zero: 1984, pp. 95-135.

2. Podemos citar outras publicações que se tornaram referência deste período: O ensino de História e a Criação do Fato de Jayme Pinsky, em 1988; O Ensino de história: revisão urgente de Conceição Cabrini, em 1986 e, já na década de 1990, o livro O saber Histórico na sala de aula organizado por Circe Bittencourt, em 1997, bem como o número 19 da Revista Brasileira de História “História em Quadro-Negro”, organizado por Marcos Silva, em 1990, e o número 25 / 26 da mesma revista que trazia o “Dossiê ensino de História”, em 1992

3. Cf. CAIMI, Flávia Eloísa. História escolar e memória coletiva: como se ensina? Como se aprende? IN: ROCHA, Helenice e outros (orgs.). A Escrita da História Escolar – memória e historiografia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009.

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Cem anos da Revolta da Chibata / Antíteses / 2010

“Revolta da Chibata -100 anos: história e historiografia” Seminário internacional realizado na UERJ, setembro de 2010

O presente dossiê reúne, agora em textos, resultados de reflexões dos principais pesquisadores da atualidade que se aventuraram a navegar pelas águas, nem sempre calmas, da Revolta da Chibata – como se tornou conhecido na historiografia o levante de marinheiros brasileiros de novembro e dezembro de 1910. Os trabalhos aqui publicados foram apresentados no quadro do seminário internacional “Revolta da Chibata – 100 anos: história e historiografia”, organizado por Marco Morel, Sílvia Capanema P. de Almeida e Tania T. Bessone da Cruz Ferreira e ocorrido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) nos dias 10 e 11 de setembro de 2010 1. O objetivo do encontro era reunir, no ano do centenário da revolta dos marujos contra os castigos corporais e por melhores condições de trabalho na Marinha de Guerra do Brasil, pesquisadores nacionais e internacionais que proporcionaram, nos últimos anos, diversas abordagens sobre o movimento, a partir de diferentes perspectivas metodológicas, epistemológicas e até mesmo institucionais. mseminário significou um encontro inédito: pela primeira vez, historiadores, que em muitos casos somente se conheciam através de textos ou graças a uma esbarrada ou outra em um evento acadêmico, tiveram a oportunidade de discutir juntos sobre a Revolta dos Marinheiros de 1910.

O dossiê que publicamos coletivamente a quatro mãos, com a participação, além dos organizadores do evento, de José Miguel Arias Neto, busca registrar essas diferentes visões em torno de um mesmo “tema historiográfico” e propor, de uma certa maneira, um parâmetro do estado atual da reflexão sobre o assunto. Alguns artigos apresentam resultados de pesquisas recentes, como os trabalhos de Joseph Love (Universidade de Illinois), Sílvia Capanema (Universidade de Paris 13-Nord) e Tânia Bessone (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Outros são fruto de reflexões atualizadas ou de natureza ensaística apresentadas por historiadores experimentados no assunto, como Álvaro Pereira do Nascimento (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), Hélio Leôncio Martins (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), Mário Maestri (Universidade de Passo Fundo) e José Miguel Arias Neto (Universidade Estadual de Londrina)2.

A obra de Edmar Morel (A revolta da chibata, 1959), trabalho, aliás, que nomeia a revolta dos marujos, é citada como referência, direta ou indiretamente, em todos os artigos aqui publicados. Nessa perspectiva, o ensaio do historiador Mário Maestri destaca a importância desse trabalho na sua própria formação intelectual e política de orientação marxista. O autor discute o caráter polifônico da obra e, analisando os trabalhos existentes sobre o assunto até meados dos anos 1990, põe em perspectiva a sua reflexão pessoal à medida que sintetiza seus principais argumentos: a analogia feita ao grupo de marinheiros como “proletariado embarcado”, o papel da dimensão racial num país profundamente marcado pela escravidão e a necessidade de uma escrita da história compromissada com a transformação da sociedade e o combate às injustiças. Num sentido oposto, surge o artigo de Hélio Leôncio Martins, historiador militar e vice-almirante da Marinha do Brasil, que atualiza parte dos argumentos já apresentados em seu livro de 1988 (A Revolta dos marinheiros – 1910). No artigo, através de uma análise documental rigorosa, o autor combate a criação de uma imagem heróica do marujo João Cândido, principal líder da rebelião. Segundo o historiador naval, construiu-se uma figura mítica em torno do personagem que não condiz com as verdadeiras e profundas características do marujo: pouco preparado; representante de uma geração de marinheiros mais habituados à dinâmica de trabalho do navio a vela e nada aptos para acompanhar as mudanças da modernização técnica da Marinha da virada do século; pertencente a um meio de praças violentos, miseráveis e delinquentes. Assim, para Hélio L. Martins, a revolta se explica pela contradição entre o aspecto material – sobrevalorizado pelos governos e em plena transformação – e pessoal – subestimado e sem preparo. A substituição do material sem a consequente mudança de pessoal é a razão do levante, que não revela heroísmo, consciência ou coragem da marujada.

Assumindo uma outra direção, o historiador José Miguel Arias Neto propõe pensar, através da análise dos discursos emitidos pelos rebeldes – em especial a partir do manifesto dos marinheiros -, a revolta da chibata como uma verdadeira revolução, que se insere, como acontecimento histórico, no quadro mais amplo das transformações, ainda em curso, pela aquisição da cidadania no Brasil (“a longa revolução republicana”). O autor atribui à revolta um caráter definitivamente político, destaca a violência subjacente ao acontecimento e o poder dos marinheiros como fatores de ruptura com as formas de governo instauradas. Em oposição a um discurso frequente no meio dos oficiais visando à “regeneração” dos quadros da Armada, os marujos de 1910 começavam a se ver como cidadãos e, nesse sentido, como possuidores do direito de reivindicar mudanças e uma nova organização social, na qual encontrariam plenamente um lugar.

O historiador Álvaro Pereira do Nascimento também retoma a sua relação “pessoal” de historiador com a revolta, tema principal de sua produção. Recompõe o ambiente acadêmico que o acolheu quando começou suas pesquisas, no final dos anos 1980 e início dos 1990, quando uma renovação do conhecimento sobre a escravidão ganhava terreno, em grande parte em razão dos debates decorridos com o centenário da abolição, das discussões em torno da cidadania no período de redemocratização (que despertaram novo interesse pela Revolta da Vacina) e do impacto, no meio universitário campinense sobretudo, da obra de Edward P. Thompson. A oposição social – classes populares versus classes dominantes – assume em seu trabalho o paralelo dicotômico entre “oficiais” e “marinheiros” e o autor passa a se interrogar sobre o processo de construção da revolta, particularmente através da documentação do Tribunal Militar presente no Arquivo Nacional que revela um sistema complexo de regras e condutas, bem como transformações nas formas de pensar que se tornaram mais acentuadas com a chegada da República. O autor assinala os novos caminhos que sua abordagem assumiu, incluindo reflexões sobre a cultura dos marinheiros e a dimensão racial, num contexto de produção em que os militares e a sociedade civil brasileira também buscavam reconstruir seus lugares sociais.

O artigo de Joseph Love lança novas luzes sobre a revolta, trazendo à tona sua dimensão internacional através da imprensa estrangeira, mas também da presença da Marinha do Brasil no exterior em período anterior ao levante, e discute os sentidos da revolta de dezembro a partir das mesmas fontes. Assim, o brasilianista americano especialista em Primeira República revela em que medida a viagem do encouraçado São Paulo a Lisboa, no momento da proclamação da República portuguesa e poucos dias antes da eclosão da Revolta da Chibata, foi bastante significativa para o movimento dos marujos brasileiros, bem como para a desconfiança do presidente Hermes da Fonseca, também presente em Portugal. A visão externa sobre o movimento de dezembro ocorrido no Batalhão Naval indica novas contradições nas organizações das forças armadas no Brasil e esse olhar estrangeiro ajuda a compreender o sentido do levante dos marujos que, na percepção do autor, buscavam os direitos do cidadão já previstos na Constituição de 1891.

A imprensa é também o objeto central do artigo de Tânia Bessone, que põe em relevo não somente a recepção do levante pelos jornais cariocas, mas também em que medida estudar o acontecimento através da imprensa pode dizer bastante sobre o contexto mais amplo em que ele se insere. Nesses termos, os jornais cariocas foram verdadeiros vetores das reações populares diante dos problemas urbanos da cidade do Rio de Janeiro – e das soluções encontradas pelas autoridades – em particular, e da exclusão no Brasil, de maneira geral. A imprensa teve um papel fundamental na divulgação de material sobre a revolta, seja ele textual ou iconográfico (fotografias e caricaturas), que serviram de fonte para os historiadores em diferentes momentos. Nas páginas dos periódicos, tecia-se também a manifestação de diversas formas de estereótipos sobre os marujos e o poder público, compartilhavam-se imaginários sobre esses “homens do mar”, ao mesmo tempo em que a imprensa tornava-se um espaço de popularização dos rebeldes e seus líderes. Tania Bessone discute ainda a produção historiográfica sobre os protestos populares no contexto da Primeira República e insere a própria produção sobre a revolta nesse quadro, ainda em construção.

Por fim, Sílvia Capanema busca entender quem, de fato, eram os marujos de 1910. Através de um estudo das identidades coletivas e de alguns traços biográficos das principais lideranças, revela tanto a complexidade de percursos quanto a possibilidade de se pensar em um perfil comum do marinheiro de 1910. A partir de documentos inéditos encontrados nos arquivos da Marinha sobretudo, reconstitui dados como as origens geográficas e familiares dos marujos, faixa etária, níveis de instrução, discutindo as estatísticas de cor e os discursos raciais referentes a essa população de marujos e evocando ainda os significados embutidos nas marcas corporais, como bigodes e tatuagens. Apoiando-se também na leitura do histórico de algumas lideranças e outras informações biográficas, demonstra como o nascimento de uma identidade comum – a de marinheiro nacional – e a comunicação escrita foram elementos importantes para o sucesso do levante.

No entanto, a versão impressa das comunicações apresentadas neste dossiê tem como limite não conseguir mostrar ao público leitor o ambiente de debates, por vezes emocionados e emocionantes, que tomou conta do auditório 33 da UERJ nos dias do seminário internacional. Estavam presentes estudantes e pesquisadores de diferentes níveis, áreas e instituições, mestrandos e doutorandos que trabalham sobre questões e militares da Marinha, cineastas e outros profissionais das comunicações, oficiais, marujos e funcionários da Marinha ligados aos serviços de documentação e história e antigos marinheiros, hoje anistiados e aposentados pela Marinha, que participaram do movimento de 1964 e se organizaram em duas entidades associativas, a UMNA (União pela Mobilização Nacional pela Anistia) e o MODAC (Movimento Democrático pela Anistia e Cidadania). A participação de todos esses atores nos permite pensar num prolongamento e continuidade da questão, que, mesmo contendo propriedades do meio militar e corporativo, suscita ainda hoje polêmicas e paixões. Mais do que isso, o tema remete à formação contínua da luta pela cidadania, ligando diferentes parcelas sociais e múltiplas temporalidades, estabelecendo conexões entre herdeiros do movimento, intelectuais e outros atores sociais que buscam compreender as origens e os processos que nos levaram a nossos lugares atuais e como poderemos nos projetar no futuro.

Notas

1 O seminário foi realizado com o apoio das agências de financiamento CAPES e FAPERJ.

2 Lamentamos a ausência neste dossiê do texto de Zachary Ross Morgan (Boston College), que apresentou uma comunicação intitulada “Radicalismo transatlântico e as raízes britânicas da Revolta da Chibata” no seminário na UERJ, mas não nos enviou texto para publicação.

Marco Morel – UERJ

Sílvia Capanema P. de Almeida – Universidade de Paris 13 – Nord

Tania Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira – UERJ

José Miguel Arias Neto – UEL

Os organizadores

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História e Ensino. A Produção de Conhecimento / Antíteses / 2009

Tudo o tempo leva.

A própria vida não dura.

Com sabedoria

colhe a alegria de agora

para a saudade futura.

Helena Kolody

Na década de 80 do século XX, pode-se dizer que ocorreu uma ruptura no debate filosófico do ensino de história. Tal ruptura deveu-se ao fato de alçar como sujeitos o professor e o estudante no fazer escolar. Estava posto, nesse contexto, o debate sobre o conhecimento histórico produzido em todos os níveis escolares, e o alicerce para o entendimento de que na escola básica e média seria produzido saber na nossa disciplina. A questão polêmica constitui campo de reflexão sobre o conhecimento em geral e específico.

Entende-se aqui por saber histórico, apesar da polêmica ainda contemporânea daí advinda, o conhecimento produzido na reflexão educacional onde professores e alunos dialogam diversamente com as tradições e fontes históricas disponíveis. O fortalecimento do debate acerca das relações entre História e Ensino amplia este campo de investigação traduzido no expressivo resultado de pesquisas apresentadas nos grandes encontros da área (Encontro Nacional de Pesquisadores de Ensino de História e Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História), bem como, nos simpósios regionais e nacionais de História (ANPUH).

Tal adensamento reflete-se na abertura dos debates acerca dos novos suportes, fontes e abordagens para o ensino de história, incluindo outras formas de constituição de consciência histórica, fora do ambiente escolar, e as relações que são travadas entre estes meios e a sociedade (BARCA, LEE, DICKINSON, ASHBY).

Saberes docentes, formação de professores, formação de consciência histórica pelos jovens, metodologias de ensino e pesquisa a partir do espaço da sala de aula, currículos e práticas pedagógicas em todos os níveis, e políticas públicas e ensino de história, além de outros, são exemplos de linhas investigativas em curso que a cada dia mais ocupam espaço nos programas de pós graduação, em obras e periódicos científicos da área.

Este debate está inserido de forma exemplar em sua historicidade, especialmente, na transição política brasileira e é reflexo das novas teorias e abordagens da historiografia. As concepções historiográficas contemporâneas – que articulam reflexão sobre a cultura, a política, a economia e o social– serão também as matrizes norteadoras das grandes guinadas e da ampliação das discussões acerca do ensino de história.

Nas reflexões sobre o ensino de história deságuam as contradições, proximidades e equacionamentos da historiografia contemporânea, sendo, portanto, o debate teórico-metodológico objeto privilegiado de investigação.

Reflexões sobre o lugar da História da Educação, assim como o reconhecimento, na produção historiográfica brasileira e nas atividades dos historiadores por todo o país, da necessidade de constituição de um espaço próprio para as questões relacionadas ao ensino de História constituíram parte das justificativas para a inclusão de História e Ensino como linha de pesquisa no Programa de Pós- Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina. Deve-se acrescentar que, além dessa demanda por uma reflexão embasada por questões teóricas e metodológicas próprias à área, é possível amalgamar às reflexões sobre o Ensino de História, a História das instituições e políticas públicas educacionais. Este debate coloca em evidência a necessidade de constituição de um campo de investigação historiográfica, não somente do ensino de História no ambiente escolar, mas também as relações entre essa cultura escolar e outros meios que as sociedades dispõem para elaboração e reelaboração do passado.

De tal forma que, para alguns autores, não se pode separar, atualmente, o debate sobre o ensino de História do contexto no qual este é produzido. Ou seja, das relações de poder e saber, em especial das relações entre universidades, indústria cultural e ensino fundamental e médio (FONSECA, 2003).

Nas últimas décadas do século XX, além do Estado e do mercado editorial, a mídia também se fez presente na discussão sobre o que ensinar aos jovens. Assim, como salienta a autora mencionada, discutir o ensino de História hoje, significa pensar outros espaços e formas de se educar cidadãos, principalmente numa sociedade marcada pelas diferenças e desigualdades. Uma sociedade que vive um tempo de mudanças e incertezas, de relativismos e neoliberalismos, no qual a mudança tomou um valor enquanto tal, isto é, o homem de hoje carrega em si próprio a ruptura como um desejo.

Nesta perspectiva, uma questão que se coloca é o que ensinar e preservar em relação ao passado numa sociedade que faz uma apologia à mudança? (FONSECA; FORQUIN). Tentativas como as realizadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), no Brasil, pretenderam dar uma resposta para essa questão: o que da nossa cultura, da nossa memória seria mais adequado transmitir às novas gerações. Entretanto, não se deve esquecer que o currículo é uma “invenção da tradição” como bem indica (GOODSON). Ou seja, é um discurso que atende interesses e, portanto, age no pensamento dos professores, na burocracia escolar e na indústria cultural.

Todavia, também deve-se levar em conta que o currículo formal é apenas um aspecto que opera e faz uma seleção cultural, igualmente o currículo real que é feito a partir da cultura escolar e da vida cotidiana dos alunos são dimensões que se tem que tomar como parâmetros (FONSECA; PERRENOUD; FORQUIN). Refletir sobre tais questões, inclusive sobre a nova LDB e os PCNs, nos remetem a reexaminar qual é a função e o papel da escola com relação aos saberes históricos nela transmitidos.

Diferentemente das décadas de 1970 e 1980, quando a escola era vista como um aparelho de reprodução dos valores e idéias da “classe dominante” e a História como um veículo de reprodução da memória do vencedor, nas décadas seguintes, ela é repensada como um lugar social que deve ser analisado de diferentes formas (APPLE). Não se trata apenas de um “reflexo” do funcionamento da sociedade, mas um local de conflitos de classes e de formas culturais outras, bem como um lugar de produção do conhecimento (FONSECA).

Segundo André Chervel, é inconcebível como não se percebeu durante tanto tempo o poder criativo que a escola detém e desempenha, pois ela forma não apenas os indivíduos, mas também uma cultura que pode penetrar, moldar e modificar a cultura da sociedade global. (CHERVEL). Isso não significa que a escola deve ser vista como “um império dentro do império”, mas é necessário reconhecer a sua autonomia relativa em relação às outras dinâmicas que coexistem no campo social. (FONSECA; FORQUIN; SACRISTÁN). Dessa forma, a escola pode ser vista como dotada de uma dinâmica própria, possuidora de saberes, hábitos, valores, modos de pensar, estratégias de dominação e resistências, critérios de seleção que fazem parte daquilo que se chama “cultura escolar”.

Nesse contexto, o professor de História pode fazer emergir o plural (a memória e projetos de diferenciados sujeitos sociais) ou pode perpetuar uma memória dominante. Talvez a reposta mais comum encontrada nos últimos anos para esse dilema, tanto no ensino público quanto no privado, seja a concepção do ensino temático e multicultural, como pode ser constatado nos textos dos PCNs, por exemplo. Para Selva Fonseca, essa constatação nos remete a repensar pelo menos três aspectos. Primeiro, não basta introduzir novos temas nos currículos multiculturais, se na prática, nas relações cotidianas se promove a exclusão através de brincadeiras, jogos ou formas de avaliação. Segundo, devese reconhecer que o professor não opera no vazio. Existem outros espaços educativos atuando nas concepções dos alunos como, por exemplo, a televisão, os quadrinhos ou os acontecimentos cotidianos. E terceiro, a perspectiva do ensino temático e multicultural deve vir acompanhada de uma mudança na formação dos professores: postura crítica e reflexiva, cultivo à tolerância e respeito à diversidade e às diferenças.

Podemos dizer igualmente que, na atualidade, parte das pesquisas se volta para a compreensão da lógica da História, nomeadamente no que diz respeito ao pensamento dos alunos, em especial nos trabalhos de ingleses e portugueses (LEE; BARCA) assumiu um objetivo central procurando encontrar os vários componentes dessa lógica através da produção filosófica da História, da Psicologia, em especial das teorias construtivistas do conhecimento, focalizando o seu labor investigativo no pensamento histórico dos alunos através de uma sólida fundamentação empírica, centrada, sobretudo em idéias chave como as de mudança, desenvolvimento, causa, efeito, entre outros.

Por outro lado, autores como Rüsen, entre outros, afirmam a existência de um domínio específico do conhecimento que denominam de Didática da História, nas interfaces da investigação entre a própria epistemologia da História, tomada como referência para a construção de categorias e metodologias de análise, e seu diálogo com as outras ciências, situado naquilo que Prats denomina de encruzilhada de diversas ciências humanas, as que se ocupam tradicionalmente da aprendizagem e as que constituem a base do conhecimento que se pretende ensinar.

Entre as mudanças paradigmáticas que ocorreram no campo da história e do ensino de história a partir da década de 1980, que ampliaram as perspectivas de pesquisa, estão as propostas de investigar os processos de constituição da consciência histórica, aqui tendo como referencia epistemológica as investigações de Rüsen e Laville sobre a constituição de um pensamento sobre a história e um pensar histórico necessários para a vida prática dos seres humanos, que se levanta como um dos grandes debates atuais das investigações no campo do ensino de história.

As idéias anteriormente apresentadas constituíram o alicerce e os pilares das reflexões que foram construídas pelos membros da Área de Ensino de História do Departamento de História da UEL para a proposição da Linha de Pesquisa denominada “História e Ensino” do seu Programa de Pós-graduação em História Social, que entre outras iniciativas promoveu a edição de uma revista, Antíteses, que apresenta seu primeiro número sobre as temáticas relacionadas a esta área de conhecimento.

O título “História e Ensino. A Produção de Conhecimento” deste dossiê teve a intenção de abarcar e sublinhar os marcos do debate sobre a já superada, no sentido de não restar dúvida, discussão sobre a possibilidade de produção de conhecimento –hoje conhecido como conhecimento histórico escolar– que se constrói no fazer dos professores e estudantes no âmbito do ensino fundamental e médio, mas também, a produção das reflexões sobre ensino, instituições e políticas públicas, no meio acadêmico.

Para fazer jus a tal proposição, nosso autor convidado, Marcos Silva, que nos oferece uma contundente reflexão sobre o historiador e seu tempo, representa aqui uma geração de historiadores que ousaram trazer à baila o debate sobre o ensino de história nos moldes em que se deu a partir da década de oitenta do século XX. O historiador organizou a obra “Repensando a História” que concentrou naquele momento as principais referências do debate que depois muito se ampliou. Mesmo com os limites que são peculiares a uma publicação como a que aqui apresentamos, podemos visualizar, a partir dela, a grandiosidade do alcance e da perspectiva de tal ampliação.

Por último, especialmente, pela importância do ato, a primeira publicação da Linha de Pesquisa de História e Ensino deste Programa, que traz a notícia de suas primeiras dissertações defendidas na área, deve ser oferecida à memória da Professora Mariana Josefa de Carvalho Almeida, nossa pioneira e precursora na longa e trabalhosa trajetória que construiu a possibilidade de hoje nos constituirmos uma das linhas de pesquisa que contribuem para sua edificação. Para lembrar e homenagear a doçura e sabedoria que representava a prazerosa convivência com nossa queridíssima colega Mariana encontramos na obra “Sinfonia da Vida”, da grande poetisa paranaense Helena Kolody, um poema intitulado “Sabedoria” (1993) o epígrafe que expressa de maneira ímpar a felicidade e tesouro que significou para nós o convívio com o jeito de ser dessa pessoa maravilhosa.

Cristiano Biazzo Simon –  Coodenador do Dossiê.

Londrina, junho de 2009

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História e Defesa / Antíteses / 2009

Editorial

É com grande prazer que anunciamos o lançamento de um novo número de Antíteses, demonstração de que o trabalho tem sido fecundo. Na breve história da nossa revista avançamos a passos largos, fruto do empenho e da confiança que o corpo editorial, os autores e os avaliadores depositam nesta ferramenta de divulgação e contato da comunidade acadêmica, que já deixou de ser apenas da Universidade Estadual de Londrina para abranger uma ampla rede, que vem se expandindo e consolidando rapidamente.

Como parte da estratégia de qualificação e diversificação regional, dentro e fora do Brasil, incorporamos nos Conselhos a mais colegas latino-americanos de renome, como Ana Frega, da Universidad de la República, do Uruguai; Maria Luisa Soux Muñoz Reyes, da Universidad Mayor de San Andrés, da Bolívia e Rita Ana Giacalone, da Universidad Central de Venezuela; assim como destacados especialistas brasileiros das regiões Norte e Nordeste, como Almir de Carvalho Bueno, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Dilton Candido Souza Maynard, da Universidade Federal de Sergipe e Temis Gomes Parente, da Universidade Federal do Tocantins, que seguramente nos ajudarão na empreitada com o mesmo afinco dos que já vêm participando.

Nesse sentido, informamos que Gabriela Dalla Corte Caballero, da Universitát de Barcelona, Espanha, coordenará o dossiê “Diálogos Europa América. Passado e Presente”, correspondente ao volume 4, número 7, de janeiro-junho de 2011, com o qual pretendemos dar outro importante impulso na direção que nos permita estreitar laços com acadêmicos dos Velho e Novo continentes.

Como manifestamos, o ano que fechamos foi intenso também em resultados. A nossa alegria de informar no mês de fevereiro passado o ingresso da revista no Latindex se multiplicou, pois, além dos indexadores já elencados em números passados, fomos incorporados ainda em: BASE, EZB, HeBISVerbundkatalog e vLib, da MPG, da Alemanha; Citation Linker, do consórcio entre o MPG e o SFX, da Alemanha e da Inglaterra, respectivamente; OAKList, da Austrália; VUB, da Bélgica; PIRATE, do Canadá; Current Abstracts, EBSCO A-to-Z, Fonte Acadêmica e TOC Premier, os quatro do EBSCO Host, Ejournals.org, Google Scholar, Journal Finder, JournalSeek, New Jour, WorldCat, do OCLC, Refbase, ResearchGATE e Researching Brazil Bibliographic Index, dos Estados Unidos; SPARC Europe, da Europa; HKU Libraries, de Hong Kong; MetaLib e SFX, os dois do Ex Libris, da Inglaterra; TULIPS-Linker, do Japão; CLASE e Maestroteca, do México; BIBSYS, da Noruega; e DOAJ, da Suécia. Encontram-se também avançados os processos de indexação no Scopus, da Holanda, e RedALyC, do México.

Várias destas incorporações nos auxiliaram na obtenção de ferramentas de preservação digital e de direitos autorais, assim como permitiram a presença da revista nos catálogos digitais (Online Public Access Catalog: OPAC) de bibliotecas do mundo todo. Assim, com o ingresso no DOAJ, Antíteses passou a ser preservada digitalmente pela Koninklijke Bibliotheek, Biblioteca Nacional da Holanda, e suas colaborações registradas e protegidas autoralmente pela Scientific Commons; já com a admissão no Portal do CLACSO será incorporada numa coleção especial do RedALyC, cujo ingresso já estava sendo providenciado independentemente com pareceres favoráveis, e as colaborações também estarão protegidas autoralmente pela Creative Commons; e a Universidade Estadual de Londrina deu parecer favorável para a filiação à CrossRef, com o objetivo de colocar o Digital Object Identifier (DOI) nas colaborações, com o que poderemos obter indicadores bibliométricos mais acurados.

Passando ao conteúdo desse número, o dossiê “História e Defesa”, alusivo ao III Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos da Defesa, que se realizou no mês de julho deste ano na UEL, é aberto por Celso Castro, como coordenador e autor convidado, brindando-nos com um estudo sobre o trote no Colégio Naval, ritual de passagem usual também em outras instituições de vários países; na seqüência José Otávio Aguiar discorre acerca de literatura Wushia, Budismo, marcialidade e ascese, abordagem pouco usual por estas latitudes; Cristina Souza da Rosa escreve sobre a educação militar na Itália de Mussolini; Helder Gordim da Silveira analisa a visão militar brasileira da Guerra do Chaco, em especial sua projeção geopolítica e a rivalidade internacional na América do Sul; Gabriel Carrizo disserta sobre a Patagonia argentina no período de entreguerras, particularmente sobre as origens da Zona Militar de Comodoro Rivadavia; Hernán Comastri escreve sobre os limites e potencialidades da transferência científico-tecnológica, impulsionada por cientistas alemães na Argentina peronista; Nilo Dias Oliveira analisa as atividades do Serviço Secreto do DOPS, de São Paulo, objetivando vigiar as Forças Armadas; Maria Valeria Galvan discorre sobre os discursos dos órgãos de inteligência argentinos a respeito de um movimento de direita, o Tacuara, ocorrido durante a Guerra Fria; Mariana Joffily analisa as estratégias de defesa nos interrogatórios políticos da Oban e do DOI-CODI; Ananda Simões Fernandes e Marina Franco escrevem acerca da Doutrina de Segurança Nacional, na Escola Superior de Guerra do Brasil e na política estatal na Argentina, respectivamente; Ramiro José dos Reis analisa a metodologia de Terror de Estado no seqüestro e cárcere de dois militantes uruguaios; Andrea Rodriguez observa o cotidiano da guerra nas experiências dos integrantes do Apostadero Naval Malvinas no conflito do Atlântico Sul; e, fechando o dossiê, Claudia Marques Amaral escreve sobre um tema universal, embora centrado nos jovens portugueses, a mobilização de conhecimento histórico escolar na resolução de situações de conflito.

Destes, os trabalhos de Marina Franco e Mariana Joffily foram selecionados a tradução para o inglês, após uma difícil escolha que levou em consideração seus méritos acadêmicos e relevância temática. O principal intuito dessa iniciativa é o de internacionalizar a revista, oferecendo à comunidade de fala anglo-saxã a oportunidade de aproximação às problemáticas candentes nas historiografias argentina e brasileira, que têm se tomado freqüentes nas páginas de Antíteses.

Seguidamente, na seção de artigos, Macarena Perusset nos fala da tensão entre a regulamentação jurídica e os usos e costumes no Paraguai colonial; Paula Caldo junto a Sandra Fernández sobre os usos do epistolário no estudo da sociabilidade; Amelia Beatriz Garcia acerca das Malvinas e da Antártida nos textos escolares para a “Nueva Argentina” de Perón; e, finalmente, Alejandra Reta sobre o Frente Estudiantil Nacional no processo contestatário dos anos sessenta na Argentina.

Continuando com o intuito de revelar trabalhos promissores na seção Primeiros Passos, Odilon Caldeira Neto nos apresenta um artigo no qual reflete sobre um tema sempre candente, como o da memória e da justiça no caso do negacionismo. Nas resenhas, Thiago Rodrigo da Silva nos reapresenta o clássico de Fernando Oliveira, A Arte da Guerra do Mar, e José Miguel Arias Neto a coletânea organizada por Celso Castro e Piero Leiner intitulada Antropologia dos militares – Reflexões sobre pesquisas de campo.

Fechando o número, nossos ex alunos, já mestres, Andre Camargo Lopes, Milton Genésio de Brito, Vandergleison Judar, Juliana Dela Torres e Márcia Raquel Branco de Almeida nos brindam os resumos das suas dissertações, defendidas durante este semestre, em nosso Programa de Pós-graduação em História Social.

Por último, agradecemos a todos os que colaboraram de inúmeras formas para que a revista seja uma realidade e fique à disposição dos leitores, em especial a Celso Castro, coordenador do dossiê. Desejamos-lhe, igualmente, uma ótima leitura e os convidamos a que continuem enviando colaborações, na espera que no ano próximo as conquistas, pessoais e coletivas, continuem.

Hernán Ramírez –  Editor

Londrina, dezembro de 2008.

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Intolerâncias / Antíteses / 2008

Editorial

Apresentar este segundo número de Antíteses tem um significado especial, já que tínhamos que lhe dar continuidade, depois de um auspicioso início, não apenas para confirmar o que havia sido realizado, mas também para ampliar seus horizontes, num caminho que, almejamos, seja muito longo e próspero.

O padrão de qualidade da revista vem se mantendo, contando com um quadro de consultores e colaboradores de ampla abrangência institucional, enriquecendo seu processo interno de trabalho. Os textos que aqui incluímos confirmam, assim, que a construção do conhecimento é uma tarefa coletiva, à qual todos nós nos dedicamos.

Estes primeiros meses de vida da Revista Antíteses têm sido intensos e, devido às novas tecnologias, o impacto foi além do esperado, pois conseguimos nossa primeira indexação, com a inclusão da revista no Latindex, situação que, a partir de agora, será intensificada com novos pedidos em bases nacionais e estrangeiras, possibilitando, assim, maior visibilidade e oportunidades de atingir um público mais vasto.

Fizemos também várias inovações internas, além da nova versão da página, com maiores aplicativos, incluímos as seções Primeiros Passos, aberta para os estudantes de graduação e pós-graduação do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina; resumos de Teses e Dissertações; e Análises Bibliográficas. Pretendemos, dessa forma, contribuir tanto para o processo formativo do corpo discente, quanto para a discussão de temáticas nas quais se dialogue com um conjunto amplo de autores e ainda divulgar a importante produção do nosso Departamento.

Passando a tratar do conteúdo das colaborações incluídas neste número, destacamos que as “Intolerâncias”, temática do dossiê, permitiram abordar uma multiplicidade de objetos e abranger espaços distantes que, mesmo não sendo sua pretensão inicial, terminou por formar microcosmos articulados que permitem o diálogo entre diferentes textos.

No primeiro grupo, são abordadas as intolerâncias contra diferentes grupos étnicos durante o fim do período medieval e na Idade Moderna, em especial para com os judeus, em territórios do império português. Patrícia Souza de Faria e Carlos Eduardo Calaça se debruçam sobre o estudo desse assunto na Espanha, em Goa e no Rio de Janeiro.

O racismo contra os negros, que ainda dilacera muitas sociedades, foi abordado por Valeria Lourdes Carbone e Elaine Pereira Rocha, num diálogo multidisciplinar entre a história e a literatura, para os Estados Unidos, a África do Sul e o Brasil, debate que as instituições brasileiras e, em especial a Universidade Estadual de Londrina, têm promovido intensamente nestes últimos anos.

A intolerância política centrada no anti-comunismo perpassa os textos de Cristiano Cruz Alves, Marylu Alves de Oliveira e Alicia Servetto, que embora tratando de regiões distintas como Piauí, Bahia e Córdoba, na Argentina, são elucidativos de processos mais amplos.

De certa forma, o trabalho de Fernando da Silva Rodrigues terminou por articular o estudo dessas três formas de intolerância dentro do exército brasileiro, trazendo contribuições inéditas para as discussões que seguramente serão prosseguidas no evento da Associação Brasileira de Estudos da Defesa, que promoveremos no mês de julho deste ano, e no respectivo dossiê, a ser publicado na revista.

Gabriel Giannattasio e Rodrigo Poreli nos proporcionam um olhar sobre a vadiagem e vidas transgressoras, discorrendo sobre o assunto por várias épocas históricas até chegar a uma singular série de eventos que ocorreram na cidade de Londrina e arredores, que fez aflorar atitudes de repulsa para com comportamentos diferentes.

Na seção artigos, Vanessa Cristina Santos Matos propõe um estudo teórico, na perspectiva historiográfica, para articular os conceitos de gênero e classe no processo de produção e reprodução da força de trabalho, os que, muitas vezes, têm estado dissociados.

Através de suas resenhas, Victoria Baratta e Leonardo Simonetta, nos oferecem análises acerca de obras de autores argentinos que abordam questões medulares da historiografia de minha pátria natal e país irmão, como o caudilhismo e o doloroso processo de integração nacional, que esclarecem sobre as formas de construir a ordem naquele espaço.

Inaugurando a seção Resumos de Teses e Dissertações, nossa colega, Regina Célia Alegro, nos brinda a possibilidade de conhecer seu trabalho de doutorado em Educação, que fora defendido na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, campus de Marília. Aproveitamos a oportunidade para felicitá-la pela conquista.

No momento da despedida, gostaria de agradecer a todos aqueles que se envolveram para o sucesso do segundo número da revista, em especial a Marco Antonio Neves Soares, coordenador do dossiê, a Laudicena de Fátima Ribeiro, diretora da Biblioteca Central e a Zaqueu Costeski, da Assessoria de Tecnologia de Informática, os três da Universidade Estadual de Londrina, desejar a todos uma boa leitura e solicitar que continuem colaborando, nos diferentes níveis do processo editorial, para que possamos continuar nesta senda, que, a cada dia, se reafirma como instância de debates e trocas, no melhor sentido do termo, imprescindível para o sadio desenvolvimento acadêmico.

Hernán Ramírez –  Editor

Londrina, março de 2009.

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Perspectivas em História Social / Antíteses / 2008

Editorial

Iniciar uma nova revista apresenta sempre múltiplos desafios, principalmente pela força criadora e aglutinadora que esta empreitada leva implícita, já que não depende apenas de nosso esforço único, mas também da ação coletiva e institucional. Por isso, das atividades acadêmicas seja talvez aquela na qual a longa duração se reflita de forma mais contundente. Em Antíteses, projetos individuais, de grupos e oficiais se encontrarão para dar origem a um produto que levará suas marcas e no qual poderão ser perceptíveis seus humores temporais.

O Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina abraçou a idéia desta publicação, já que considera o debate a chave para aperfeiçoar o conhecimento e as revistas como um dos instrumentos mais importantes para constituir uma arena onde autores e idéias sejam colocados à disposição pública e divulgados e, com isso, poderão transpor os limites espaciais e temporais aos quais estamos sujeitos.

O nome escolhido para a revista é a primeira amostra dessa intenção, retomando uma palavra que o tempo tinha ossificado decidimos resgatá-la, mas desta vez livre de interpretações que podem gerar preconceitos teóricos, e de alguma forma brincamos com sua natureza polissêmica. Assim, adotando-a como própria, não pretendemos reviver questões ideológicas há muito superadas, mas registra-o como um dos mais importantes objetivos almejados pela revista.

Para alcançar esse propósito, procuramos interagir com um público acadêmico amplo valendo-nos das novas tecnologias e oferecendo diferentes alternativas de participação e discussão. Em primeiro lugar acreditamos na força dos dossiês temáticos, os quais abordarão uma gama de problemáticas consideradas relevantes. Nos artigos de fluxo contínuo os pesquisadores poderão tratar de temas que julguem meritórios, mas que não estejam contemplados nos dossiês em andamento.

Pesquisadores de notório saber serão convidados a expor suas contribuições nos âmbitos nos quais se destacam. Nesta ocasião, Estevão Chaves de Rezende Martins nos proporciona uma reflexão sobre “Memória e experiência vivida: a domesticação do tempo na história”, tema da aula inaugural que deu início ao período letivo de 2009 em nosso programa de pós-graduação, no qual analisa como os atos humanos de lembrar e esquecer se constituem em procedimentos elementares do conhecimento, da coesão social e, por conseqüência, da história.

Com as seções de notas sobre acervos e fontes de pesquisas, nos propomos a constituir uma ferramenta para que os investigadores possam divulgar suas descobertas, inquietações ou caminhos percorridos e, assim, apresentar aos nossos leitores novas possibilidades no âmbito da pesquisa, já que os acervos, por ocasiões tão ricos, encontram-se, muitas vezes, ocultos dos não iniciados que, dessa forma, poderão encontrar auxílios para trilhar suas próprias sendas, ou pontos de encontro para compartilhar suas experiências.

No espaço reservado às entrevistas, pretendemos divulgar opiniões de personalidades e acadêmicos, privilegiando aqueles que sejam pouco conhecidos no Brasil. Com isso, pretendemos contribuir para que outras perspectivas amplifiquem sua voz.

A seção de debates, uma modalidade que há anos era a favorita dos periódicos acadêmicos e que vem praticamente desaparecendo desse meio, foi retomada com força em Antíteses, como um espaço para a polêmica sadia e necessária, sem privilegiar nenhum ponto de vista em particular, permitindo que todos possam dialogar, respeitando as alteridades, sem perder com isso seu sentido original.

Muitas vezes essa prática foi deslocada para as resenhas, estas, aqui, sem perder seu ponto de vista nem esquecer seu lado crítico, serão reservadas para dar conhecimento de obras com méritos diversos a um público mais amplo. Com as traduções, nos propomos colocar à disposição da comunidade acadêmica textos que, apesar de seu mérito, ainda não hajam sido divulgados em nossa língua. Todas essas seções serão coordenadas por nossa colega Silvia Cristina Martins de Souza e Silva.

Por fim, com a seção Primeiros Passos, que será coordenada pelo professor Alfredo dos Santos Oliva, nos propomos a incorporar novos ares às discussões, incentivando, através de chamadas específicas, a participação de nossos acadêmicos da graduação e da pós-graduação a apresentação de artigos produzidos nas pesquisas realizadas na instituição em suas diversas instâncias.

Falando das concretizações deste primeiro número, gostaria salientar o difícil dilema que nos foi colocado pelo Dossiê “Perspectivas em História Social”, que não era outro senão o de tomar a decisão sobre quais colaborações incluir e quais excluir. De certa forma, toda história pode ser considerada História Social, na mesma medida que toda história é História Cultural. Não existe história não social ou história não cultural. Definir os limites desse corte, portanto, não é nada fácil, razão pela qual decidimos deixá-lo a critério do leitor.

Nesse número, o veio teórico-metodológico aberto por Rezende Martins continua, à sua medida, com o artigo de José D’Assunção Barros, que disserta em “História, narrativa, imagens. Desafios Contemporâneos do Discurso Historiográfico”, sobre um problema que a cada tanto retorna, agora com maior força, por causa dos novos critérios nos processos avaliativos da produção acadêmica. Assim, a preocupação recorrente acerca da tensão entre a liberdade acadêmica, neste caso na produção de textos, e a “objetividade cientifica” é o objeto principal de sua análise, contribuindo com isso para um debate sempre atual.

Adotando diferentes perspectivas, os outros artigos se ocupam de estudos de casos, que manifestam a riqueza da produção nas ciências sociais em geral, num país de dimensões continentais, com objetos e ângulos teóricometodológicos diversos.

César Augusto B. Queirós em “A questão social no Rio Grande do Sul: positivismo, borgismo e a incorporação do proletariado à sociedade moderna” analisa a forma como o Partido Republicano Rio-Grandense, de forte inspiração positivista, durante os governos de Júlio de Castilho e Borges de Medeiros, tratou o movimento operário, num momento de forte agitação social.

O aporte das próximas duas colaborações vai além dos seus objetivos específicos dos autores, já que, através do diálogo interdisciplinar, podemos trazer de volta para uma revista, focada na problemática histórica e editada por historiadores, discussões que no Brasil por diversos motivos estão quase ausentes do debate nesse campo historiográfico, mas que inegavelmente deveriam retornar para poder compreender melhor certos processos.

Assim, Fabiane Santana Previtalli e Andréia Farina de Faria em “Reestruturação produtiva e novas formas de controle no local de trabalho: a experiência da indústria de fumo em Uberlândia / MG” nos brindam com uma abordagem da problemática relação entre novas tecnologias, trabalho e educação num contexto específico, mas que seguramente pode ser interpretada numa perspectiva mais abrangente.

Também desde uma perspectiva sociológica, Luciana da Luz Silva, em “Breve relato histórico da luta por moradia em Salvador: o caso da ocupação Quilombo de Escada” ilustra o conflito fundiário no cenário soteropolitano, não apenas focado nesse aspecto, mas com nuances que permitem inserir a problemática no contexto amplo do quotidiano e da luta pela sobrevivência de amplos segmentos sociais brasileiros, que não se limitam apenas a esse espaço geográfico.

A partir de outro ângulo, mas igualmente focado na problemática que nos é colocada pela exclusão, Mauro Amoroso, através de depoimentos de repórteres, proporciona, em “Memórias do olhar: as favelas do Rio de Janeiro na lembrança dos repórteres fotográficos”, um panorama acerca do papel da imprensa e do discurso foto jornalístico na cobertura de matérias sobre as favelas cariocas.

Esse artigo e os posteriores se ocupam de problemas e utilizam perspectivas que mostram o dinamismo da historiografia brasileira, que rapidamente incorporou as novidades vindas do mundo afora, mas que às vezes se esqueceu ou enviou ao ostracismo assuntos e visões, que, apesar dos justos questionamentos, são medulares na análise social, vista como um todo.

Demonstrando a riqueza desses novos olhares, Raul Max Lucas da Costa se centra, no artigo “Alcoolismo, discurso científico e escrita de si no Diário do Hospício de Lima Barreto”, na relação entre a perspectiva individual e coletiva para tratar de um problema social e médico, que tem despertado um interesse crescente, precisamente por mudar o locus a partir do qual é abordado, pelas diferentes tradições teóricas nos mais diversos tempos e espaços.

A preocupação por questões vinculadas à arte de curar é comum a Patrícia de Freitas que desde a perspectiva de gênero aborda em “‘A mulher é seu útero’. A criação da moderna medicina feminina no Brasil”, as vicissitudes particulares no surgimento de duas especialidades voltadas para a saúde das mulheres como a ginecologia e obstetrícia.

Igualmente com foco no gênero, Caroline P. Leal nos propõe continuar como tema das festas populares em “Carnaval em Porto Alegre: mulheres, entrudo, perseguição e repressão”, resgatando seu surgimento na capital da Província do Rio Grande, ainda no século XIX, assim como muitas das polêmicas que levaram à sua defesa ou condenação.

Já na seção de Notas sobre Acervos e Fontes, contamos com a colaboração de Nancy E. Juncos, colega da Argentina, que oferece, em “El retorno de los Documentos de las Temporalidades de Córdoba al Archivo General e Histórico de la Universidad Nacional” um pequeno, mas significativo, panorama de um riquíssimo arquivo da mais antiga universidade argentina, prestes a completar quatro séculos de existência, e que também foi a cabeça intelectual dos jesuítas no Cone Sul, durante o período colonial tendo, em épocas recentes protagonizado fatos relevantes como a Reforma Universitária, que repercutiu em vários países da América Latina.

Na continuação, Nora Siegrist, também colega da Argentina, elabora uma resenha do livro de Ana María Rivera Medina, Entre la cordillera y la Pampa: la vitivinicultura en Cuyo, Argentina (S. XVIII), e Ana Claudia Ribas nos ilustra a respeito da coletânea organizada por Luiz Fernando Duarte, Maria Luiza Heilborn, Myriam Lins de Barros, Clarice Peixoto, Família e Religião.

Para finalizar, manifesto meu reconhecimento a todos aqueles colegas que se animaram a colocar seus nomes à disposição para dar crédito a algo novo como membros de seus conselhos Editorial e Consultivo, que nos apóiam, e aos quais deveremos prestar contas, esperando confirmar a confiança depositada. Também aos autores, que nos confiaram seus textos, aos consultores ad hoc, que os avaliaram em tempo e que contribuíram com sugestões valiosas para aprimorá-los, demonstrando assim o quanto a criação do conhecimento é dinâmica e fruto do esforço coletivo.

Igualmente devo agradecer aos colegas do programa de pós-graduação por se engajarem na formação dos conselhos, indicando membros tão qualificados, e, em especial, ao seu Coordenador, José Miguel Arias Netto; a Francisco César Alvez Ferraz, agradeço pela organização deste primeiro dossiê; a Célia Regina da Silveira Célia, Isabel Bilhão e Silvia Cristina Martins de Souza e Silva, pela correção de alguns textos; às assistentes editorias, Daniela Reis de Moraes e Manuela Garanhani Lopes de Mello que, no atribulado fim de ano, esticaram seu tempo para se dedicarem a inúmeras tarefas. Sem as suas colaborações, a aspiração de lançar uma nova revista não teria sido possível.

Hernán Ramírez –  Editor

Londrina, dezembro de 2008

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Antíteses | UEL | 2008

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A revista Antíteses (Londrina, 2008-) é um periódico semestral eletrônico on-line em Open Access, no sistema ahead of print e volume fechado, do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina. Publica, após processo de avaliação entre pares, contribuições multidisciplinares inéditas a partir da perspectiva histórica, nos idiomas português, espanhol e inglês.

Periodicidade semestral.

Acesso livre

ISSN 1984-3356

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