Caminhos da Liberdade no Jovem Marx: da emancipação política à emancipação social – VIEIRA (EL)

VIEIRA, Júlia Lemos. Caminhos da Liberdade no Jovem Marx: da emancipação política à emancipação social. São Paulo: Anita Garibaldi & Fundação Maurício Grabois, 2017. Resenha de: ANTUNES, Jadir. Eleuthería, Campo Grande, v 4, n. 6, 193-196, jun./nov., 2019.

O livro Caminhos da Liberdade no Jovem Marx: da emancipação política à emancipação social de Júlia Lemos Vieira é um livro inédito que descreve a biografia intelectual libertária e democrática do chamado jovem Marx até seu ingresso, e mesmo durante,  a chamada fase da maturidade. O livro é resultado da Tese de Doutoramento em Filosofia da autora na Usp em 2014 sob a orientação do professor Sérgio Cardoso.

O que imediatamente nos atrai na leitura do trabalho de Júlia Lemos Vieira é sua desenvoltura para tratar de um tema caro, porém pouco compreendido pela tradição marxista: o da relação de Marx com a filosofia clássica – seja ela grega, latina ou alemã.

Não temos dúvidas do caráter original e crítico da teoria desenvolvida por Marx sobre a natureza contraditória e histórica da estrutura econômica, política, jurídica e ideológica da sociedade capitalista. Não temos dúvidas, ainda, da importância decisiva que tiveram na vida de Marx, pessoas geniais como Hegel, Feuerbach, Smith, Ricardo e mesmo Engels. O livro de Júlia Lemos Vieira, porém, vai além dessas certezas ao nos apresentar, de maneira clara e radical, a importância decisiva para Marx, para ela, maior ainda que Hegel e Feuerbach, do filósofo e materialista grego Epicuro.

É comum entre filósofos o debate e o questionamento sobre os princípios orientadores do pensamento propriamente filosófico. Em filosofia quem não tem princípios não tem pensamento e, por isso, não tem também filosofia. É comum atribuir aos gregos, ao platonismo e ao aristotelismo especialmente, o mérito de terem sido a grande matriz de todo o pensamento verdadeiramente filosófico do Ocidente, o mérito de terem compreendido que não se pode fazer filosofia sem a adoção de um princípio racional essencial para a realidade, da adoção de um princípio único capaz de unificar racionalmente a irracionalidade da pluralidade, da multiplicidade e da diferença.

A ideia de que haveria algo em-si, por-si e para-si na realidade, de algo totalmente autônomo e independente da realidade humana e natural, de algo único e essencial, dotado do poder de organizar, racionalizar e dar sentido e finalidade ao caótico mundo da pluralidade, da multiplicidade e da diferença esteve na base de todas as grandes doutrinas clássicas gregas – posteriormente adotadas por quase toda a história da filosofia.

Seria este sistema metafísico, racionalista, objetivo, hierárquico e desigual de pensar que estaria, segundo os críticos de Marx, na base de todas as tendências autoritárias, antidemocráticas, hierárquicas, monolíticas, estatistas, necessitaristas, deterministas, objetivistas, burocráticas, elitistas e violentas do marxismo. Teria sido a adesão de Marx, segundo esses críticos, ainda que de maneira nunca clara e explícita na sua própria letra, a esta filosofia de matriz teológica e metafísica que teria condenado o marxismo a não suportar a pluralidade, a multiplicidade, a autonomia, a liberdade e a diferença – sejam elas teóricas ou práticas.

O livro de Júlia Lemos Vieira desmistifica essa falsa interpretação do pensamento de Marx ao nos mostrar que ele, desde sua tese doutoral até a maturidade, sempre teria sido, ainda que nem sempre explícito e claro em seus textos, um epicurista e ardoroso defensor da democracia, da pluralidade, da liberdade, da autonomia, da subjetividade, da diferença, da contingência e da multiplicidade.

O mecanicismo epicurista, ao negar o finalismo aristotélico e o determinismo democritiano, ao negar a existência de um princípio único, necessário e autonomizado ordenando e dando sentido à realidade, ao pensar o deslocamento contingente e não necessário dos átomos através do clinamen, ao atribuir aos deuses um caráter não antropomórfico, não consciente e não ocupado com os destinos da vida humana, ao negar a existência de qualquer coisa ou realidade em-si, fora, independente e diferente da natureza e do homem, de uma coisa que organiza e dirige a vida natural e humana de maneira objetiva, impessoal, necessária e universal, teria produzido em Marx uma visão filosófica não somente antimetafísica, antiteológica e antiabstrata, mas, sobretudo, horizontalizada, igualitária, democrática e libertária.

O livro de Júlia Lemos Vieira ocupa-se, minuciosamente, em nos mostrar, desde sua tese doutoral até seus primeiros escritos filosóficos de juventude, chegando à maturidade da Ideologia Alemã e ao Capital, como Marx sempre teve em mente o sistema materialista aberto, múltiplo, livre, plural e não finalista de Epicuro, um sistema racionalista onde a verdade não pré-existiria ao debate, onde não pré-existiria um saber e uma verdade absolutos e essenciais só apreensíveis pelos especialistas do saber, mas, onde a verdade é uma coisa que se produz no interior do debate público entre as muitas verdades efetivamente existentes na realidade.

O livro de Júlia Lemos Vieira nos mostra como Marx sempre se preocupou em desenvolver uma filosofia não dogmática, não teológica, não finalista, não necessitarista, não determinista e não racionalista, mas sim, uma filosofia que condenaria toda pretensão filosófica de elevar-se ao púlpito da verdade única e em-si, daquela verdade separada e absoluta que pretende elevar-se acima de todas as verdades como sendo a Verdade.

O livro de Júlia Lemos Vieira é de leitura filosófica profunda e agradável, está organizado em quatro capítulos e nele viaja-se pela história da filosofia enquanto história da metafísica e da teologia, enquanto história da falsa concepção de que há uma razão universal, absoluta, autonomizada e livre que organiza a realidade segundo seus próprios princípios ideais, necessários e abstratos. Em cada capítulo o livro procura esclarecer os problemas filosóficos enfrentados por Marx, quase sempre ligados à história da filosofia enquanto história da razão como coisa em-si, e como Marx os resolve tomando como pressupostos os princípios elementares do atomismo epicurista.

O livro parte do estudo da Tese Doutoral de Marx de 1841, Sobre a Diferença entre Demócrito e Epicuro, e prossegue estudando todos os principais textos, e mesmo textos por nós desconhecidos, da juventude de Marx, textos como as cartas ao pai Heinrich, onde Marx relata sua insatisfação com o formalismo filosófico e jurídico de Kant e seu ceticismo em relação à capacidade do Direito de ser um efetivo promotor da justiça e da ética entre os homens; os artigos e polêmicas contra Hermes e Moses Hess da Gazeta Renana de 1842; a Crítica à Filosofia do Direito de Hegel de 1842; os Anais franco-alemães e sua polêmica com o idealismo de Arnold Ruge de 1844; os Manuscritos Econômico-filosóficos de 1844; a Ideologia Alemã de 1845 e seu rompimento definitivo com as abstrações do idealismo e com a fraseologia filosófica; o Manifesto Comunista de 1848 e O Capital de 1867; mostrando-nos quão profundamente democrática, aberta, libertária e não monolítica era a concepção filosófica de Marx desde seus primeiros trabalhos filosóficos até seu ingresso na maturidade e na velhice.

O livro de Júlia Lemos Vieira nos mostra, ainda, o papel positivo de Proudhon na formação do pensamento de Marx com sua crítica à propriedade privada em O que é a propriedade?; o papel positivo dos sentidos e da diferença para a formação da consciência humana no Emílio de Rousseau; o papel positivo do Contrato Social e a defesa rousseauniana de uma democracia direta, plural e aberta, de um Estado que seja o resultado não da vontade geral abstrata e alienada, mas da vontade geral real que se forma a partir da polêmica e do debate consciente entre as muitas vontades concretas e particulares.

Em todos os momentos de seu livro, Júlia Lemos Vieira nos lembra sempre da importância de Epicuro e da presença da Tese Doutoral nas diferentes etapas da crítica filosófica de Marx à teologia e à metafísica e de como a contingência, a liberdade, a pluralidade, a diferença, a autonomia e a democracia sempre foram tidas por Marx como valores fundamentais e que a verdadeira filosofia seria a filosofia fundada na racionalidade democrática, no debate e na pluralidade das argumentações que se apresentam publicamente.

O livro de Júlia Lemos Vieira é uma belíssima e profunda introdução ao pensamento e ao sentido político da crítica filosófica de Marx aos modelos de filosofia fundados na hierarquia do saber e da crença de uma verdade oracular em-si, necessária, objetiva, impessoal, abstrata e universal habitando fora e além da consciência humana real.

O livro também é uma crítica à falsa separação entre um jovem Marx filosófico, romântico e democrata e um Marx maduro científico, racional e revolucionário. O livro, por isso, é uma crítica rica e profunda ao chamado materialismo histórico dialético, que valoriza somente as chamadas obras da maturidade de Marx produzidas a partir da Ideologia Alemã e desmerecendo as anteriores, ao materialismo que abstrai tudo o que seja livre, consciente e subjetivo para valorizar somente as estruturas materiais objetivas, impessoais e racionais da realidade.

O livro de Júlia Lemos Vieira contribuirá, certamente, no desenvolvimento de um novo marxismo, mais vivo, trágico, dramático, radical e filosófico e que deve ser lido e apreciado até mesmo pelos mais experientes leitores de Marx.

Jadir Antunes – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).

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China: Infra-estruturas e crescimento econômico | E. Jabbour

Trata-se da dissertação de mestrado do autor, publicada com pequenas alterações de texto e formato. O assunto, a economia chinesa, tem-se mostrado cada vez mais relevante na pauta de assuntos ligados à Economia e à História contemporâneas. O mercado editorial doméstico tem, em concordância com essa demanda, inundado as prateleiras das livrarias especializadas com títulos abordando o desempenho e as razões deste para a China, que adentra o século XXI como um país verdadeiramente emergente no cenário internacional, uma economia interna que mantém as maiores taxas de crescimento mundiais, e um parceiro comercial temido e desejado.

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