El poder de los comienzos: ensayo sobre la autoridad – D’ALLONNES (HH)

D’ALLONNES, Myriam Revault. El poder de los comienzos: ensayo sobre la autoridad. Buenos Aires: Amorrortu, 2008, 256 p. Resenha de: BATALHONE JÚNIOR, Vitor Claret. O poder dos começos: uma reflexão sobre a autoridade. História da Historiografia. Ouro Preto, n. 7, p. 331-337, nov./dez. 2011.

O poder dos começos 332 Em Que é autoridade, Hannah Arendt estabeleceu as características fundamentais do conceito de autoridade. Arendt inicia seu ensaio advertindo que a questão proposta no título deveria ser outra: não o que é autoridade, mas o que foi a autoridade. Segundo Arendt, a autoridade haveria desaparecido do mundo moderno em função de uma crise constante. Entretanto, mesmo diante dessa crise, a autora formulou uma definição do conceito de autoridade que pudesse ser compreendido “a-historicamente”, ou seja, apesar de tal conceito ter sido pensado sobre uma base de experiências históricas determinadas, ele possuiria um conteúdo, uma natureza e uma função definidos, passíveis de serem compreendidos ainda hoje mesmo apesar do suposto fenômeno de desaparecimento da autoridade do mundo moderno.

Segundo a autora, a crise da autoridade seria originariamente política, tendo sido os movimentos políticos e as formas de governo totalitárias surgidas durante a primeira metade do século XX, antes sintoma de nossa perda da autoridade do que resultado das ações de governos totalitários. A ruína “mais ou menos geral e mais ou menos dramática de todas as autoridades tradicionais” foi o grande substrato possibilitador da ocorrência generalizada de governos totalitários a partir do início do século XX. Entretanto, a crise da autoridade não permaneceu restrita à esfera dos fenômenos políticos, tendo sido justamente o “sintoma mais significativo da crise, a indicar sua profundeza e seriedade”, sua difusão “para áreas pré-políticas tais como a criação dos filhos e a educação”, nas quais a autoridade sempre fora compreendida como necessária e natural.

Era através da necessidade política básica de dar continuidade a uma civilização estabelecida, “que somente pode ser garantida se os que são recém-chegados por nascimento forem guiados através de um mundo preestabelecido no qual nasceram como estrangeiros”, que o fenômeno e o conceito da autoridade adquiriam suas forças e sua capacidade de estruturação de um mundo comum (ARENDT 2007, p. 128).

Dessa forma, a filósofa Myriam d’Allonnes partiu das reflexões sugeridas por Arendt para compor seu instigante livro intitulado O poder dos começos: ensaio sobre a autoridade. Porém é importante ressaltar que, se Arendt preocupou- -se com o conceito de autoridade segundo uma perspectiva na qual o conteúdo do conceito recebeu atenção privilegiada, tratando das experiências históricas grega e romana, d’Allonnes ampliou sua reflexão agregando também uma abordagem formal do conceito, a qual foi proposta pelo filósofo Alexandre Kojève.

Em seu ensaio filosófico intitulado “A noção da autoridade”, Kojève, inspirado na filosofia de Hegel, partiu de suas reflexões acerca do direito e da ideia da justiça para estabelecer um estudo formal do fenômeno da autoridade, determinado alguns tipos e características essenciais. Para o autor, o estudo detalhado e aprofundado da autoridade seria um primeiro passo indispensável para a compreensão dos fenômenos do Estado, principalmente para que fossem evitadas as confusões entre as noções de poder e de autoridade.

Assim como Arendt, Kojève também recorreu a uma compreensão do passado clássico greco-romano e à fenomenologia para estabelecer o que seria a autoridade. Em relação ao que foi a autoridade no período clássico, o autor colocou que a formalização das práticas autoritárias do âmbito doméstico grego foi elaborada primeiramente na filosofia de Platão e de Aristóteles, argumentando, entretanto, que o conceito da autoridade foi formulado de maneira sistematizada apenas com o advento da fundação de Roma e com o legado do direito romano.

A grande diferença entre os estudos de Arendt e o de Kojève é que enquanto aquela procedeu a um estudo mais ligado ao conteúdo conceitual, às experiências históricas que conformaram o conceito, esse, não negligenciando tais características, esteve mais concernido com a estrutura formal do fenômeno da autoridade. A partir da junção desses dois enfoques distintos, porém não excludentes, partiu Myriam d’Allonnes ao propor uma reflexão mais aprofundada sobre a autoridade. Como esclarece a autora, sendo a autoridade um fenômeno essencialmente social e histórico, “universal quanto a seu conceito e polimorfa em relação a suas figuras”, demanda para sua ótima compreensão uma análise tanto formal quanto de conteúdo conceitual (D’ALLONNES 2008, p. 26).

Segundo a autora, é comum que se diga, desde as esferas acadêmica e política até às esferas da educação e das relações familiares, que estamos vivendo uma crise da autoridade. Porém, a crença na perda de qualquer tipo de autoridade através dos tempos considerados modernos seria antes de tudo, resultado de uma má compreensão sobre o fenômeno da autoridade, que teria como causa fundamental a alteração que temos experimentado em nossa relação com o tempo, uma vez que a autoridade tem a ver essencialmente com o tempo. A autora argumenta que ao entrarmos na modernidade nossas formas de se relacionar com a dimensão temporal se alteraram profundamente, de maneira que se alteraram também nossas formas de compreender e de experimentar a autoridade. Para d’Allonnes, as sociedades modernas, especificamente as sociedades democráticas e liberais, são construídas a partir do pressuposto básico da autonomia do indivíduo, fato que estaria estritamente vinculado à experiência do rompimento com as formas antigas de autoridade e tradição. Dessa forma, a crise da autoridade estaria vinculada essencialmente à ruptura da tradição e a uma crise mais profunda das formas modernas de experiência temporal: O movimento de emancipação crítica que caracteriza a modernidade tem feito desaparecer toda referência ao terceiro? A provada perda dos modos tradicionais de gerar sentido produziu tão somente vazio e ausência de sentido? […] Não reconhece a igualdade alguma dissimetria? Nestas condições, onde radica a autoridade, se a sociedade deu a si mesma o princípio constitutivo de sua ordem (D’ALLONNES 2008, p. 13-14)? Diante de tais questões, a autora nos propôs algumas considerações bastante significativas. A primeira consideração proposta por d’Allonnes é que a autoridade seria intrinsecamente vinculada ao tempo, não tanto porque o conceito e o fenômeno poderiam alterar-se conforme condições históricas e sociais, mas antes porque a autoridade existe num mundo cuja estrutura é essencialmente temporal. Assim como “o espaço é a matriz do poder”, “o tempo é a matriz da autoridade”. O caráter temporal da autoridade estaria vinculado à sua essência derivativa e seria uma dimensão inevitável de todo laço social, constituindo o que a autora denominou como a duração pública, ou seja, aquilo capaz de manter a duração de um mundo comum. Se o espaço público possibilita a convivência com nossos contemporâneos, a força de ligação da autoridade, assim como da tradição, permitiria que estabelecêssemos comunhão com nossos antecessores e sucessores, de forma que a duração de um mundo comum possibilitaria uma espécie de contemporaneidade em relação àqueles que nos antecederam ou que podem nos suceder. Segundo d’Allonnes, o que entrou em falência não foi a autoridade, mas as cadeias tradicionais de autorização: o fundamento da autoridade teria se alterado.

O que a autora propõe é que a autoridade está vinculada essencialmente às formas de temporalidade: se é o tempo que “tem força de autoridade”, se a autoridade apenas existe e é exercida quando as ações humanas estão inscritas num devir histórico, a alegada crise da autoridade estaria relacionada antes de tudo a uma crise das formas tradicionais de experimentação do tempo. Na modernidade, a ruptura com a tradição, ou antes, o desejo de ruptura, conduziu- -nos a uma perspectiva segundo a qual a orientação das ações humanas e os vínculos sociais começaram a emanar de projetos de futuro. Assim, a autora nos questiona se “o desmoronamento contemporâneo das perspectivas ligadas a essa autoridade do futuro não contribuiu para levar ao seu paroxismo a crise da autoridade”. Para a autora, a questão da autoridade deve ser colocada segundo a perspectiva de seu poder instituinte e de sua estrutura temporal (D’ALLONNES 2008, p. 15-18; 75).

Em relação à sensação de perda de sentido experimentada no mundo moderno, d’Allonnes argumentou que tal fenômeno não significa, entretanto, a perda efetiva de sentido ou um vazio de experiências, mas a perda de uma unidade de sentido existencial comungada socialmente. Segundo a autora, já que não mais emanam orientações do passado via tradição, o homem moderno estaria fadado a criar sentido para seu próprio mundo, vivendo sob a condição de uma pluralidade de sentidos existenciais e de autoridades capazes de fundamentar as ações humanas.

Em relação à característica proposta por Arendt acerca da estrutura hierárquica essencial a toda relação autoritária, hierarquia que seria justamente o elemento comum entre quem exerce autoridade e aqueles que a sofrem, d’Allonnes argumentou que não se trataria de uma relação hierárquica estrita, mas antes, de uma dissimetria aceita e justificada por todos os elementos implicados nessa relação.

Justamente por não implicar uma relação do tipo mando/obediência em sentido estrito é que a autoridade pode ser compreendida como algo que não anula a liberdade daqueles que a sofrem, mas antes, implica uma restrição da liberdade de ação. A autoridade é reconhecida e legitimada “não porque aplicam aos vivos um colar de ferro do que foi e tem que seguir sendo imutável”, mas porque ela aumenta a força das ações e confirma as experiências dos indivíduos.

“A autoridade não ordena, aconselha”, é “um conselho que obriga sem coagir”, ou ainda, na célebre expressão de Mommsen, a autoridade é “menos que uma ordem e mais que um conselho” (D’ALLONNES 2008, p. 28-29; 66).

Segundo d’Allonnes, esse “aumento”, tão característico do fenômeno da autoridade que está presente inclusive na etimologia latina da palavra – auctoritas, augere –, é em realidade um excesso de significação inerente a todo tipo de ação humana, mas que, nos atos e eventos que fundam uma estrutura de autoridade, sobrevive ao próprio ato de fundação e possibilita uma espécie de continuidade duradoura para a produção de novos significados relacionados ao ato de fundação. Por isso é necessário ter em consideração outra distinção proposta pela autora. Segundo d’Allonnes, “assim como a autoridade não se confunde com o poder, tampouco se reduz à tradição entendida como depósito sedimentado”, pois a essa espécie de “tradição sedimentada” não corresponderia necessariamente o referido excesso de significação do ato fundador, o qual, antes de sedimentar significações, possibilita a produção continuada de uma cadeia de significados. A fundação implica no reconhecimento de uma anterioridade de sentido, ou seja, em um excesso de significação oriundo do passado em relação aos eventos de um determinado presente. E tal excesso não somente possibilita a continuidade de uma cadeia de ações e experiências, como também determina em grande parte as significações criadas a partir de um ato fundador (D’ALLONNES 2008, p. 33-34; 95; 248).

Tal excesso de sentido das estruturas de autoridade estaria vinculado de maneira essencial ao poder instituinte dos atos ou eventos fundadores, reforçando a experiência do continuum temporal. “A força da ligação da autoridade está intimamente vinculada, portanto, a esse interesse na durabilidade por meio da instituição”. Portanto, o poder instituinte dos atos e eventos fundadores só é possível graças ao referido excesso de sentido presente no momento fundador.

O potencial instituinte da fundação criaria dessa forma uma estabilidade de sentidos capaz de manter um mundo de significações comuns, de tal maneira que se tornaria possível a experiência de mundos também comuns entre sujeitos do passado, do presente e do futuro. Mundo compartilhado o qual a autora define como um inter-esse, como algo referente a uma estrutura intersubjetiva.

A instituição de um mundo comum possibilitaria a reprodutibilidade estrutural do mundo de sentidos compartilhado assim como do fenômeno da autoridade.

Considerando o referido poder instituinte da fundação, que possibilita o surgimento do fenômeno da autoridade, Myriam d’Allonnnes sugere ainda que o reconhecimento inerente a toda relação de autoridade – pressuposto essencial, uma vez que não existe autoridade sem reconhecimento –, implica mútua e necessariamente, a noção de legitimidade. “A autorização, considerada sobre o eixo da temporalidade, e sem importar em que direção [seja em relação à dimensão do passado, seja em relação à do futuro], é uma busca de justificação”.

E é justamente a partir de tais reflexões que a autora afirma existirem “três elementos essenciais que excedem a relação mando / obediência” e que caracterizam o fenômeno da autoridade, a saber: o reconhecimento, a legitimidade, a precedência (D’ALLONNES 2008, p. 69-70).

Por fim, devemos ter em mente que a autoridade está estritamente vinculada a uma temporalidade divergente daquela na qual estariam situados os sujeitos que a exercem. É dentro desta temporalidade outra que um sujeito ou grupo de sujeitos pôde estabelecer uma fundação qualquer. Justamente pelo fato de que toda autoridade implica uma dimensão temporal outra que não necessariamente aquela dos sujeitos que a exercem é que tal fenômeno implica de forma necessária uma exterioridade, uma alteridade, ou seja, uma dimensão transcendente que lhe assegura continuidade derivativa ao longo do tempo. Assim, a autoridade pode ser considerada como sendo um “sempre já aí”, “uma obrigação herdada e um recurso para a ação que se inicia”, pois apenas se aumenta o que já existe (D’ALLONNES 2008, p. 72-73; 190).

Entretanto, isto não elimina o fato de que possa haver autoridades cuja fonte emanadora esteja relacionada às dimensões temporais do presente ou do futuro. Tais modulações temporais apenas alterariam a forma como a autoridade adquire seu lastro. Segundo François Hartog, esse processo de instituição de autoridades ligadas ao futuro – a uma dimensão do “não ainda” em contraposição ao “já aí” do passado e da tradição –, seria essencialmente constituinte das formas como a civilização ocidental moderna lidou com o grande processo de laicização operado em um primeiro momento a partir da Europa.

Tal autoridade do futuro estaria relacionada à criação dos inúmeros projetos de futuro elaborados pelas filosofias da história a partir do século XVIII e que ganharam força ao longo do século XIX: as utopias modernas do progresso. Já em relação ao tipo de autoridade lastreado no presente, Hartog escreveu que essa é a forma típica da espécie de temporalidade na qual a tensão fundadora entre um “não ainda” futuro e um “já aí” pretérito seria permanente (HARTOG 2007, p. 29-33). Nessa situação, a autoridade estaria ora baseada nos elementos do passado, ora nos nas projeções de futuro, capazes de estabelecerem ligações significativas em relação a uma determinada realidade do presente. Por isso existiria nas sociedades contemporâneas, tal qual afirmou d’Allonnes, um grande espaço entre o que as sociedades postulam e reclamam e aquilo que elas realmente são ou fazem.

Destarte, segundo Myriam d’Allonnes, toda autoridade – considerando que toda autoridade é um fenômeno histórico e social por natureza – exige um ato ou evento fundador cuja instauração está situada em uma dimensão temporal transcendente ao próprio fenômeno de seu exercício. Assim, a fundação seria essencialmente marcada por um excesso de sentido que ultrapassaria o momento específico da fundação e emanaria tal potencial de significação em relação aos sujeitos pertencentes à estrutura do fenômeno autoritário. Tal excesso de significação, reapropriado, remanejado com liberdade restrita por parte dos elementos pertencentes à cadeia da autoridade, implicaria necessariamente no reconhecimento da autoridade daqueles que a exercem, uma vez que seria através desses indivíduos que o excesso de significação da fundação chegaria aos demais elementos. Enquanto houvesse a possibilidade de existir o reconhecimento da autoridade, a continuidade de um determinado corpo social estaria estabelecida e garantida ao longo de um continuum temporal, pois estariam instituídos os parâmetros de significação segundo os quais o referido corpo social se configurou e se reconfigura continuamente.

Entretanto, o surgimento de novas fundações não estaria eliminado enquanto possibilidade. Uma vez que novas fundações surgem, novos significados e novas estruturas temporais e de autoridade são conformadas, reorganizando o corpo social. Ou, como colocou a autora, “o que é a autoridade senão o poder dos começos, o poder de dar aos que virão depois de nós a capacidade de começar por sua vez? Quem a exerce – mas não a possui – autoriza assim aos seus sucessores a empreender por sua vez algo novo, isto é, imprevisto.

Começar é começar a continuar. Mas continuar é, também, continuar começando” (D’ALLONNES 2008, p. 253). Por aliar as abordagens de Arendt e Kojève e avançar a discussão, creio que Myriam d’Allonnes tornou seu El poder de los comienzos fundamental a todos aqueles que se dedicam a estudar o que é a autoridade, tornando-se consequentemente, uma autoridade sobre o tema.

Referências

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007.

KOJÈVE, Alexandre. La notion d’autorité. Paris: Éditions Gallimard, 2004.

HARTOG, François. Ouverture : autorité et temps. In: FOUCAULT, Didier; PAYEN, Pascal (Orgs.). Les autorités : dynamiques et mutations d’une figure de référence à l’Antiquité. Grenoble: Éditions Jérôme Millon, 2007, p. 23-33.

Vitor Claret Batalhone Júnior – Doutorando Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: bitaka@gmail.com Rua Silva Só, 272/402 – Santa Cecília 90610-270 – Porto Alegre – RS Brasil Palavras-chave Autoridade; Temporalidades; Modernidade.

História y teoria social | Peter Burke

Historia y teoria social, de autoria de Peter Burke, é um livro que tem como objetivo principal discutir as aproximações e contribuições da teoria social para os historiadores, a utilidade da história para os teóricos sociais e as contribuições da história e da sociologia na produção do conhecimento do social.

A obra é dividida em seis capítulos. No primeiro encontram-se questões que perpassam as relações entre a história e a sociologia, as quais, segundo o autor, apesar do interesse comum – o estudo do social -, nem sempre foram boas vizinhas, pelo fato de que historiadores e sociólogos, dentro dos limites de suas concepções e do exercício de sua ciência, construíram visões estereotipadas. Historiadores questionam o caráter científico da prática dos sociólogos, alegando que estes não vão além de suposições genéricas, descontextualizadas no tempo e no espaço, apenas classificatórias dos indivíduos. Já os sociólogos falam do historiador como um profissional que coleta informações e faz uma exposição da história, sem embasamento em uma teoria ou método. Leia Mais