Posts com a Tag ‘América – Brasil’
Hotel Tropico: Brazil and the challenge of African decolonization, 1950-1980 | Jerry Dávila
‘We are going to be Africans, we are going to be Africans!’ It’s going to
be great! `We are all Africans, all Africans.’
Maria Yedda Linhares
Esta resenha examinará o livro Hotel Tropico: Brazil and the challenge of African decolonization, 1950-1980. O trabalho é de autoria de Jerry Dávila e foi publicado ano passado pela Duke University Press (2010, 328 páginas, ISBN: 0822348675). O livro é leitura essencial para historiadores (relações Brasil-África), antropólogos (debate sobre raça e identidade), economistas (promoção comercial e relações econômicas Brasil-África) e internacionalistas (um dos primeiros ensaios da diplomacia sul-sul brasileira). Ele é dividido em nove capítulos – além de introdução e epílogo. Há alguns temas recorrentes, como o impacto das relações com Portugal, o ideário da “democracia racial” e seus desdobramentos na diplomacia, a reconstrução dos laços na década de 1970 e a dimensão comercial. Apesar de falar da descolonização do continente, Gana, Senegal, Nigéria e Angola são, na verdade, os únicos países examinados com profundidade. Os temas também não são novos. Muitos atores já se debruçaram sobre as questões examinadas no livro – de José Honório Rodrigues a Adolpho Bezerra de Menezes, de Alberto da Costa e Silva a Florestan Fernandes, de Maria Yedda Linhares a José Flávio Saraiva. O autor tampouco é neófito no tema, pois publicou artigo na Revista de Antropologia em 2008 sobre a experiência de diplomatas brasileiros na Nigéria (Dávilla: 2008). Leia Mais
Fronteiras do Café: Fazendeiros e ‘Colonos‘ no Interior Paulista (1917- 1937) | Faleiros R. N.
O livro Fronteiras do Café: fazendeiros e ‘colonos‘ no interior paulista (1917-1937) resulta da tese de doutorado defendida por Rogério Naques Faleiros, em 2007, no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. A publicação deste trabalho, pela EDUSC, possibilita, aos leitores interessados, um bom texto que aborda o fado enfrentado pelos produtores diretos (empreiteiros e parceiros, ambos chamados pela literatura de colonos do café) no bojo da efervescente marcha leste–oeste dos cafezais, a qual transformou amplos sertões em verdadeiros mares de café. Leia Mais
Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de resistência através dos testamentos | Eduardo França Paiva
A partir dos anos 1980 a historiografia brasileira passou por um processo de renovação, revisitando a história do Brasil sob um novo enfoque e trazendo à tona elementos que antes eram quase invisíveis para ela. Essa nova historiografia passou a dar visibilidade a diversos agentes sociais enquanto participantes de processos históricos, observando suas dinâmicas cotidianas que, por sua vez, evidenciam a complexidade das relações entre os mais diversos grupos sociais. É, portanto, a partir de uma nova perspectiva teórica e metodológica, de um novo olhar e de novas questões que tais agentes, até então desconsiderados ou considerados irrelevantes para os processos históricos e identitários, foram visibilizados pela historiografia.
O livro Escravos e Libertos nas Minas Gerais do Século XVIII: Estratégias de Resistência Através dos Testamentos, de autoria do historiador Eduardo França Paiva, apresenta agora sua terceira edição, e é caudatário dessa transformação na perspectiva historiográfica. A primeira edição da obra resultou de pesquisa de mestrado desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em História e defendida ainda na década de 1990 na Universidade Federal de Minas Gerais – instituição em que, atualmente, o autor é professor do Departamento de História. Estudando o sistema escravista, o autor focaliza três aspectos que seriam peculiares às Minas Gerais do XVIII: “o processo de libertação do escravo, o papel desempenhado pelo elemento forro – sobretudo a mulher – na organização socioeconômica da capitania e o exame das relações sociais retratadas nas nossas principais fontes de pesquisa, isto é, os testamentos” (PAIVA, 2009, p.34). Leia Mais
Nervos da terra – Histórias de Assombração e Política entre os Sem-Terra de Itapetininga-SP | Danilo Paiva Ramos
“Nervos da terra” é uma obra que nasce do desejo de Danilo Ramos refletir sobre as tensões e as experiências dos sem-terra do Assentamento Carlos Lamarca, em Itapetininga, São Paulo, implantado no ano de 1998, após inúmeras ações das famílias acampadas, desde 1996.
A história narrada pelo autor traz a marca do sujeito coletivo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a perpassar as histórias e memórias de cada um dos narradores, seja para legitimar a proximidade com o MST ou mesmo para negá-la. Leia Mais
Os Índios na História do Brasil | Maria Regina Celestino Almeida
Durante longo período na historiografia brasileira convencionou-se estudar os povos indígenas como meros apêndices sem vontade de uma sociedade conquistadora e dominante. Vistos enquanto vítimas passivas de um processo assimilador, os mesmos acabavam submetidos e incorporados ao sistema colonial, perdiam sua identidade, sua língua, deixando de ser índios e desaparecendo da história. Na atualidade, felizmente, tais ideias já não se sustentam mais, tendo em vista o avanço das concepções teórico-metodológicas das investigações realizadas em diferentes centros de ensino e pesquisa, sobretudo a partir dos últimos 20 anos. Cada vez mais, diferentes pesquisadores revelam a imensa capacidade dos povos indígenas de agir com movimentos próprios, diante das mais adversas situações, criando múltiplas estratégias de sobrevivência que incluem negociações, conflitos, rearticulações culturais e identitárias.
Entre os pesquisadores desta nova corrente historiográfica que vem quebrando preconceitos e visões estereotipadas sobre as populações indígenas, está Maria Regina Celestino de Almeida, professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Em seu livro Os Índios na História do Brasil, a autora analisa a trajetória da inserção dos povos indígenas na historiografia brasileira, enfocando os avanços conceituais dos últimos anos e trazendo a tona o que John Manuel Monteiro chama de uma “nova história indígena” (2001, p. 5). Nesta concepção, é uma tarefa para os historiadores refazer as trajetórias múltiplas para entender que a história dos índios também faz parte da história do Brasil. Leia Mais
Calabouço urbano. Escravos e libertos em Porto Alegre (1840-1860) | Valéria Zanetti
Em nossa formação como nação, como povo e como Estado a colonização e a escravidão foram fundamentais e sob muitos aspectos ainda estão presentes em seus prolongamentos. A escravidão permanecendo bem além da constituição do Estado nacional e do surgimento de um novo ente político, cultural, social e econômico: a Nação brasileira.
Sob as mais diversas visões interpretativas e com maior ou menor solidez de pesquisa documental, ambas – colonização e escravidão – foram desde logo objeto de estudos históricos muitos dos quais se tornaram referências obrigatórias na historiografia brasileira. Não podia ser diferente, mesmo de um ponto de vista teoricamente pouco ambicioso, devido, entre outros fatores, a união intrínseca entre colonização e escravidão e a longa duração de ambas por mais de quatro séculos para a primeira e quase cinco séculos para a segunda. A escravidão sobreviveu ao fim do Antigo Sistema Colonial e continuou sendo o fundamento das relações sociais de produção do Império do Brasil. Todas as tentativas iniciais feitas para desvincular a nova Nação da escravidão fracassaram sob a força avassaladora da herança colonial escravista. Assim o Império do Brasil assentou sua modernidade na manutenção de uma estrutura econômica e social arcaica. Conheceu uma nova inserção na economia internacional absorvendo várias das inovações tecnológicas oriundas da revolução industrial: navegação a vapor, estradas de ferro, cabo submarino para a comunicação com a Europa e a América do Norte, fotografia, telefone, imprensa de massa. No plano político nasceu como uma nação constitucional, com divisão de poderes, limitações ao poder imperial, declaração de direitos de cidadania, liberdade de imprensa, vida social e cultural burguesa. Mas, convivendo com tudo isto no plano das estruturas materiais e das estruturas da política e da cultura, lá estava presente a escravidão. Não é, naturalmente, fortuito, que o final do Império tenha se dado pouco depois do fim da escravidão, embora esta quase coincidência não possa e não deva ser vista como uma causalidade mecânica. A relação entre os dois acontecimentos é mais profunda e, sob muitos aspectos, não deve ser tomada em desfavor das realizações reformistas do Império. Mas esta questão nos levaria longe do objeto e do objetivo desta resenha: a escravidão urbana em Porto Alegre e, por extensão no Brasil, a partir do livro de Valéria Zanetti, aqui examinado.
A grande teia das relações escravistas que cobriu, com intensidade diversa, todo o território colonial e nacional até sua extinção tinha duas grandes expressões espaciais: a rural e a urbana. A primeira numericamente mais importante propiciou a inserção da colônia e depois do Império independente, na economia mundial. Foi, em sua fase colonial, essencial para o enriquecimento da metrópole e de suas camadas mercantis, burocráticas clericais e fradescas e do Estado monárquico português. Foi, ainda, fundamental no processo de acumulação primitiva que está na base da formação do capitalismo e da eclosão da revolução industrial do século XVIII. A escravidão urbana, mais voltada para a acumulação interna, foi, sobretudo, a escravidão dos indispensáveis serviços domésticos quando a tecnologia do cotidiano dependia em larga medida da força física: abastecimento de água e lenha, limpeza dos excrementos humanos, limpeza do lixo, transporte de alimentos, de diversas mercadorias, de móveis e mesmo de pessoas. Mas ela esteve, também, presente, no comércio urbano de miudezas, de alimentos, de bebidas. No transporte costeiro e fluvial. Produtores de renda para seus senhores, escravos e escravas urbanos foram utilizados sob a dupla forma de escravos de aluguel e de escravos de ganho. Vista no longo prazo percebemos que, ao contrário de arrefecer com a Independência e com o crescimento de uma vida urbana de recorte mais burguês, ela se intensificou. O auge da escravidão urbana no Brasil corresponde justamente aos anos de consolidação do Império e ao seu apogeu.
Durante anos, mais ou menos ignorada pela historiografia ou mitificada como mais suave, a escravidão urbana no Brasil tem sido objeto de novos e importantes estudos, que tem promovido uma verdadeira renovação do conhecimento da história brasileira em seu conjunto. Neste processo de renovação muitos são os autores e livros a serem citados. Para não cometer injustiças e omissões deixamos de mencioná-los aqui, mas o leitor encontrará boa parte deles nas referências presentes no livro de Valéria Zanetti. Que passaremos agora a examinar mais detidamente. Situando-se com originalidade na renovadora historiografia da escravidão no Brasil Valéria Zanetti nos deu um livro vigoroso, solidamente fundamentado em pesquisas de ricas fontes primárias e utilizando o melhor das referências então disponíveis. Com pleno domínio da boa escrita histórica. O que significa que a leitura é feita com agrado, além de proveito, tanto por especialistas quanto por não especialistas, o que não é pouco.
Com este livro tomamos conhecimento da escravidão urbana na Porto Alegre e arredores entre os anos 1840-1860. A autora reforça a revisão de um equívoco por vezes ainda corrente: a da pouca presença do escravo no Rio Grande do Sul. Para tanto os dados quantitativos são, naturalmente, essenciais. Ficamos assim sabendo que mesmo após o fim do tráfico a partir de 1850, o número de escravos no Rio Grande do Sul aumentou. Informação importante que significa a existência de um dinamismo econômico que necessitava do aporte de mão de obra escrava através do comércio interprovincial de escravos. Mas, os essenciais dados quantitativos são aqui a base de uma trama qualitativa de grande riqueza. Para tanto contribui em muito o uso de depoimentos de viajantes e observadores locais, do noticiário dos jornais e dos processos judiciais. As ilustrações foram escolhidas com critério, enriquecem o texto, complementando-o.
Acomodação, negociação, alimentação, vestuário, doenças, folguedos, ofícios e ocupações de escravos e escravas, feitiçarias, estupros prostituição, devoção, controle, traições, atração erótica da mulher negra, assassinatos, conflito violência, criminalidade, roubos, suicídios, resistência, sob as mais diversas formas, (in) justiça senhorial, são algumas expressões e temas estudados ao longo do livro e que registram com acuidade a presença e o modo da presença de escravos e escravas no meio urbano de Porto Alegre de meados do século XIX. Expressões e temas que podem ser aplicados às principais cidades brasileiras do período, o que situa este livro não apenas como uma valiosa contribuição para a história de Porto Alegre, mas para a história do Brasil. A enunciação dos títulos dos seus vários capítulos dará ao leitor uma idéia dos diversos aspectos da escravidão em Porto Alegre no período estudado por Valéria Zanetti: 1. O gado, a terra e o homem, 2. Porto Alegre: origem e povoamento, 3. Violência no passado, amenidades no presente: as visões da historiografia acerca do escravo urbano, 4. Crimes de escravos e libertos em Porto Alegre, 5. Vivendo em conflito e em solidariedade, 6. Vida amorosa, familiar e manifestações culturais de escravos e libertos em Porto Alegre, 7. Poder e contrapoder: resistência do escravo urbano.
Finalizemos esta breve resenha com um trecho do livro para que o leitor tenha a vontade, da qual não se arrependerá, de conhecer o livro em sua inteireza:
“A visão de que os cativos urbanos eram bem alimentados, vestiam-se adequadamente e viviam em harmonia com os senhores não combina com a informação documental. Involuntariamente, os anúncios sobre fugas na imprensa denunciam a verdadeira condição de existência civil. Arsène Isabelle esteve na província e não partilhou da visão otimista, registrando em seu diário as violências cometidas pelos senhores. Segundo Isabelle, os senhores gaúchos tratavam seus cativos como se tratavam os cães: ‘Começam por insultá-los. Se não vêm imediatamente, recebem duas ou três bofetadas da mão delicada de sua senhora […] ou ainda um rude soco, um brutal pontapé de seu grosseiro amo. Se resmungam, são ligados ao primeiro poste e então o senhor e senhora vêm com grande alegria no coração, para ver como são flagelados, até verterem sangue aqueles que não têm, muitas vezes, outro erro que a inocência de não ter sabido adivinhar os caprichos de seus senhores e patrões’.
Ao percorrer as páginas deste livro, sob muitos aspectos fascinantes, não podemos deixar de pensar que muitos dos antigos males da escravidão não compõe apenas o nosso passado. Renovam-se cotidianamente em nossa (in) justiça de classe, ainda senhorial, na precariedade das diversas formas de trabalho nas áreas rurais e urbanas, na precariedade dos direitos, nas discriminações de gênero, na exploração do trabalho infantil, em renovadas formas de trabalho escravo, na violência a que está submetida a população pobre do campo e das cidades, especialmente dos descendentes diretos dos antigos escravos, nos privilégios incrustados no Estado, na sua captura pelos interesses privados.
Livros como este mostram como a boa história é sempre libertadora e não faz uma limitada e equivocada separação entre o passado e o presente. Por isso a grande mídia conservadora a ignora, promovendo best sellers que veiculam uma visão pitoresca e caricatural do nosso passado. Visão que serve apenas para acomodar os leitores na visão de que nada mudou e nada mudará.
Nota
1. Home Page: www.upf.tche.br/editora. E-mail: editora@upf.tche.br
Denis Antônio de Mendonça Bernardes – Universidade Federal de Pernambuco.
ZANETTI, Valéria. Calabouço urbano. Escravos e libertos em Porto Alegre. (1840-1860). Apresentação de Mário Maestri. Passo Fundo: Editora Universitária; Universidade de Passo Fundo1, 2002. (Coleção Malungo, 6). Resenha de: BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.29, n.2, jul./dez. 2011. Acessar publicação original [DR]
Il positivismo dall’Italia al Brasile: sociologia giuridica, giuristi e legislazione (1822 – 1935) | Marcela da Silva Varejão
A geração de 1870 é um dos temas de grande interesse e relevância para muitos dos intelectuais que se propõem ou propuseram a estudar a história das idéias no Brasil. A essa geração deve-se, parafraseando Sílvio Romero, o “surto de idéias novas” que passou a contestar as estruturas do Estado monárquico brasileiro. A chamada Escola do Recife, muito contribuiu, de acordo com essa mesma historiografia das idéias, para a recepção do positivismo e evolucionismo europeus e suas manifestações críticas em campos diversos como filosofia, direito, política e sociologia.
Essa autoproclamada escola, pois foi nomeada por um de seus membros, Sílvio Romero, e outros a perpetuaram, definia-se como uma orientação filosófica progressiva e que permitia a cada um ter suas idéias e investigações. Seus membros se formaram na mesma Faculdade, a de Direito do Recife, e compartilharam o mesmo ambiente acadêmico.
Entretanto, não existe unanimidade entre aqueles que enveredaram pelo estudo desse grupo de intelectuais quanto à formação de uma escola de pensamento, nem tão pouco dos membros que faziam parte desse grupo. Por outro lado, mesmo que se questione a existência de uma escola ou quem são seus membros, é inegável que eles tiveram um papel importante nos diversos campos pelos quais a chamada Escola enveredou.
O livro de Marcela Varejão, Il positivismo dall’Italia al Brasile: sociologia Del diritto, giuristi e legislazione (1822 – 1935), tem como tema mais circunscrito a relação entre os membros da Escola do Recife e os intelectuais italianos através da recepção, por parte dos primeiros, do pensamento positivista elaborado pelos segundos. O livro é o resultado da pesquisa de doutorado da autora, defendida no ano de 1999 em Milão, mas foi publicado em forma de livro apenas em 2005. A distância entre a conclusão da escrita e a publicação do livro pode deixar o leitor com a sensação de que a bibliografia utilizada é desatualizada, mas, com essa distância em mente, a leitura se torna mais indulgente nesse quesito.
O trabalho da autora consiste em rastrear a recepção do positivismo no Brasil focando na Escola do Recife através, principalmente, de sua faceta jurídica. Nesse sentido, o trabalho de Varejão se preocupa em fazer uma história das idéias sóciojurídicas com pouco ou quase nenhum contato destas com o ambiente político-social no qual elas, as idéias, e aqueles que as recepcionam e reelaboram, os intelectuais, estão inseridos.
O livro, por ser escrito e publicado na Itália e por ter os italianos como público alvo, procura nos dois primeiros capítulos inserir o leitor no contexto da recepção das idéias positivistas na América do Sul. A primeira parte do livro é dedicada a todas as nações sul-americanas. A Argentina é tomada como principal receptora e divulgadora, já os demais países, com exceção do Brasil, são tratados em separado e com pouca atenção. Nesse momento a autora se utilizou de uma bibliografia da história das idéias para a América Latina pouco atual (o livro mais recente é de 1987) e poucos trabalhos da historiografia dos países por ela trabalhados.
Já no Brasil são destacados os intelectuais que tiveram contato com o positivismo dedicando-se atenção especial ao positivismo ortodoxo capitaneado pela Igreja Positivista sediada no Rio de janeiro. A primeira parte funciona apenas como uma introdução confusa ao pensamento positivista sul-americano, o que, de qualquer maneira, se aproxima do que pareceu ser a intenção da autora.
A partir da segunda parte do livro, após mais de um terço do mesmo, Varejão inicia a sua pesquisa com profundidade. É nesse momento que ela passa a trabalhar com os membros da Escola do Recife como Tobias Barreto, Silvio Romero, Clóvis Beviláqua, Artur Orlando e João Vieira de Araújo, além de dedicar um capítulo especial à relação entre Nina Rodrigues, a Antropologia Criminal, Lombroso e sua filha, Gina Lombroso.
Daí em diante o trabalho ganha em riqueza com a análise das discussões, apropriações e rejeições das idéias de um sem número de intelectuais, principalmente os italianos. A análise da autora começa de uma dimensão mais ampla, ou seja, a introdução das idéias positivistas na Escola do Recife, em especial com Tobias Barreto, passando pelo nascimento de uma sociologia jurídica no Brasil, onde além de Barreto Varejão inclui Silvio Romero e Artur Orlando, terminando em Vieira de Araújo e sua relação entre as reformas da legislação penal de 1890 e o pensamento jurídico penal positivista italiano.
O trabalho de pesquisa de fontes realizado por Varejão é muito bem feito, entendendo-se como fontes aquelas que têm relevância dentro de uma história do pensamento jurídico-penal feita por uma jurista. Em capítulos como o último que trata de João Vieira de Araújo, por exemplo, encontra-se o ante projecto de nova edição do código criminal e o parecer de Assis Martins, exemplar raro, e até os estudos italianos do mesmo autor, também raríssimo. Entretanto, fontes de outros tipos, como jornais ou opúsculos, por exemplo, apesar de figurarem no texto são pouco explorados.
Não é à toa que a autora não se preocupa muito com esse tipo de fonte. As leituras que Varejão fez estão ligadas a uma tradição de história das idéias no Brasil associada a filósofos e juristas de renome que já trabalharam com a mesma temática, como Antônio Paim, Machado Neto, Vamireh Chacon, Nelson Saldanha, entre outros. A proposta e interesse da autora se alinham com os deles.
É a partir dessa tradição que na segunda parte ao trabalhar com Tobias Barreto é mostrado ao leitor como o próprio Barreto concebia o direito: como uma luta da humanidade contra a natureza que produziria a cultura na qual o direito estaria incluso. Essa visão de direito, por sua vez, seria derivada da leitura e refutação ou aceitação do pensamento de intelectuais italianos. Um exemplo disso foi a negação da teoria do atavismo de Lombroso por ser biologizante demais e negar a luta humana pela cultura.
Exemplos dessa relação não faltam durante todo o trabalho. Na quarta parte, quando Varejão passa a se dedicar a Artur Orlando, a autora mostrará que a concepção de direito dele estava intimamente ligada à sua percepção da sociedade. Para Orlando a Antropologia era a ciência por excelência para conhecer o homem, e o direito seria uma espécie de antropo-técnica que não poderia prescindir da Antropologia. Criticava Lombroso pelos seus exageros de querer submeter uma, o direito, à outra, a Antropologia.
O que fica claro na tese da autora é que a visão de sociedade de cada um dos membros da Escola do Recife influenciou profundamente na forma como recepcionaram as idéias positivistas italianas. Estas, por sua vez, eram em sua maioria ligadas às novas discussões jurídico-penais presentes em terreno europeu, como a Antropologia Criminal, a Sociologia Criminal e a Terceira Escola de Direito Penal. Mas não há explicação do porquê destas teorias terem despertado tanto interesse a ponto de serem abordadas por vários dos intelectuais mais importantes daquele período ligados ao direito no Brasil. É certo que a autora assinala o pertencimento destes intelectuais a uma linha evolucionista positivista em pelo menos algum momento de suas vidas, mas fora do mundo das idéias não há explicação para tal fenômeno na pesquisa proposta.
O trabalho de Marcela Varejão possui todos os méritos por se propor a fazer uma pesquisa inovadora de rastrear a recepção das idéias sócio-jurídicas nos integrantes da Escola do Recife e por dar continuidade à tradição de pesquisa de autores importantes como Antonio Paim e Miguel Reale. Acredito que cumpre muito bem com seu objetivo, como a própria banca da sua tese registrou. A autora deixou, no entanto, para outro pesquisador a tarefa de enveredar pelos caminhos ainda pouco explorados da recepção das idéias sócio-jurídicas e suas relações com o mundo social ou político.
Laércio Albuquerque Dantas – Universidade Federal de Pernambuco.
VAREJÃO, Marcela da Silva. Il positivismo dall’Italia al Brasile: sociologia giuridica, giuristi e legislazione (1822 – 1935). Milão: Giuffrè, 2005. Resenha de: DANTAS, Laércio Albuquerque. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.29, n.2, jul./dez. 2011. Acessar publicação original [DR]
Tereza Batista cansada de guerra | Jorge Amado
Esta resenha objetiva descrever e analisar algumas passagens do romance acima citado no intuito de perceber as relações elencadas por Jorge Amado, que possibilitam um conhecimento da época, do espaço e das relações sociais, que todas as obras literárias carregam nas entrelinhas de sua trama. No caso de Jorge Amado, escritor baiano que começa a escrever na década de 1930, estas relações são postas intencionalmente para mostrar a sociedade na qual o autor está inserido e é observador atento do cotidiano do povo. Aqui identificaremos estas relações enfocando a mulher como sujeito social no cenário proposto pelo autor.
Posto que Jorge Amado trabalha com uma temporalidade que descreve os meandros por que perpassam a memória, fazendo uma alusão ao caráter popular que ele dá as suas obras, traçaremos aqui uma linha cronológica que nos permita caminhar por uma ordem que não segue necessariamente a do livro.
Tereza ficou órfã muito cedo e passou sua curta infância com uma tia. Foi uma criança livre, gostava de correr e subir em árvores. Com os meninos, seus colegas, aprendeu que um bom guerreiro não chora. Aos doze anos ela foi vendida ao Coronel Justiniano, por uma quantia irrisória e um bracelete barato. Seu tio foi contra a venda, não por um gesto altruísta, mas por desejar ser ele a tirar o “cabaço” da menina. Sabendo que sua esposa conhecia suas intenções, não se atreveu a falar nada.
Já neste momento o autor sinaliza a falta de alternativa de Tereza. Era condição de ela perder a infância, pois se o Coronel não a desvirginasse violentamente o tio faria, fazendo-a perder, portanto a chance de ser uma “mulher direita”, posto que para isso era necessário ser virgem. Ela é coisificada e pela dimensão da violência deste processo ela é obrigada a aceitar esta condição.
Na casa do Coronel “Justo”, Tereza viveu um verdadeiro inferno a começar na sua chegada, na condição de “coisa sexual”, depois de resistir bravamente à primeira “cavalgada” (termo usado pelo próprio Coronel para referir-se aos estupros que comete) continua a ser estuprada. A descrição detalhada que o autor faz destas violências sexuais carrega nos detalhes a angústia, a raiva, a impotência do leitor, sensação esta que nos faz refletir sobre a nossa condição como participantes desta sociedade que carrega embaixo de um fino pano as injustiças contra a mulher.
Tereza foi escrava sexual por cerca de três anos, até ser seduzida por Daniel, jovem boêmio, sem caráter, muito semelhante fisicamente ao anjo pendurado na parede do quarto do Coronel, que presenciava toda a violência cometida contra a menina. Por Daniel, Tereza foi capaz de matar o Coronel quando ele descobrir a relação dos dois e humilhou o rapaz.
Neste momento o autor nos desvela que o Coronel não conseguiu anular a coragem da menina, agora mulher, com as surras e os estupros. A coragem lhe era inerente, só ficou adormecida por um tempo, despertando na primeira oportunidade.
Quem libertou Tereza da prisão, já que ela matou o Coronel na presença de Daniel que a denunciou acusando-a covardemente (e nós leitores sabemos que ela o fez para salvá-lo), foi o Coronel Emiliano, este já havia se encantado pela menina quando lhe fez uma visita ao, agora, falecido Justo, e tentou, na ocasião, “comprá-la”, mas não teve sucesso. A menina viveu durante seis anos na condição de “amásia” do Coronel Emiliano, ele a colocou numa casa, lhe deu vestidos, contou-lhe uma porção de coisas e ensinou-lhe a ser uma “senhora”. Porém nunca tornar-se-ia uma “senhora”, posto que as “mulheres de família” suportavam as “protegidas” dos Coronéis por medo e respeito aos mesmos, sua condição de “mulher da vida” iria acompanhá-la para sempre, como uma sombra.
Apesar desta condição de “amásia”, Tereza foi feliz durante aqueles anos, e quando finalmente o Coronel revelou seu amor por ela (dizendo-lhe inclusive que pensava em lhe dedicar parte da herança), confessando sua infelicidade no seio familiar, ele morreu, durante o ato sexual, dentro de Tereza. Novamente sem ninguém e sem nada a menina-mulher “cai na vida”.
O Coronel Emiliano reproduziu com Teresa a mesma lógica de todos os Coronéis, inclusive a do Coronel Justino, o vilão do primeiro capítulo. Mas pela primeira vez a menina, que perdeu a infância, foi tratada com carinho, ele fez o papel de pai e amante e este fato em contraste com os momentos vividos com o outro primeiro Coronel acabou aliviando a culpa deste.
O contraste também se faz presente na estrutura do texto, que nos transporta para dois momentos respectivamente: ora são descritos os momentos de felicidade de Tereza ao lado do coronel Justino, ora o desfecho da morte deste e o sofrimento da perda por Tereza, aliado a chegada da família, que o Coronel dizia nunca tê-lo amado. Neste momento as lembranças da menina são nossos guias, pois o autor nos faz enxergar o Coronel pelos olhos da personagem.
As relações dos dois espaços da mulher nestas cidades são descritas neste capítulo quando Amado narra a função de Tereza como “amásia”: a mulher sustentada e protegida por um Coronel próspero. Estas mulheres normalmente são tiradas de prostíbulos e colocadas na casa de descanso destes Coronéis, a maioria tem que estar consciente de seu papel; elas esperam os Coronéis terem vontade de estar com elas, fazendo, quando isso acontece, todas as vontades deles. Esta relação de submissão fica clara quando Tereza aborta, ao saber, pela boca do Coronel Emiliano, que ela não era mulher para ter filhos dele.
O Coronel então morreu durante o ato sexual e quando a família legitima dele chegou, Tereza se viu obrigada a ir embora sem nada. O autor deixou explicito o orgulho da personagem e o amor sem interesses materiais que ela mantinha pelo falecido, indo embora sem reivindicar nada. Ao partir, deixou todos os bens materiais que recebeu do Coronel para a família que se mostrava avarenta, pois mostravam-se mais preocupados com a herança do que com a morte do ente. Este é um cenário sempre presente na obra de Amado, tendo em vista sua busca por retratar as famílias patriarcais, tradicionais baianas, onde as diferenças sociais sempre são a tônica central.
Tereza instalou-se numa cidadezinha e lá trabalhou como “rapariga” (termo usado para designar as profissionais do sexo). Logo conheceu um médico e mudou-se com ele para uma cidadezinha do interior quando ele foi promovido. Mas em meio à tranqüilidade da saúde na cidade, houve um surto de Bexiga Negra, o médico que permaneceu por pouco tempo no local, recebeu a ajuda de Tereza que neste curto período aprendeu um pouco sobre a doença e o tratamento. Quando o médico fugiu, num ato covarde, com medo de contrair a doença, assim como fizeram as autoridades da cidade (sobraram apenas os mais pobres, que não tinham como fugir), Tereza ficou para tentar amenizar o problema. O autor a descreve como uma guerreira, que mesmo diante de tão heróicos feitos é condenada pelas más línguas da cidade devido ao seu passado e sua condição. O autor nos mostra a dificuldade de aceitação de uma mulher que foge das regras da sociedade, seja esta uma condição ou uma escolha.
Antes de encontrar a paz, Tereza ainda passaria por mais uma batalha. Este último capítulo é iniciado por uma Mãe de Santo que fala do destino de Tereza. Ela era querida no lugar onde agora vivia e trabalhava novamente como “mulher da vida” de coronéis muito poderosos, devido a sua exuberante beleza. Em sua narrativa, o autor nos apresenta uma distinção sócio-econômica entre os prostíbulos: existiam os mais simples, onde era aceito qualquer cliente, e os mais sofisticados, onde os clientes eram ricos e em sua maioria coronéis, estes tinham mulheres fixas, como Tereza que também se apresentava em shows de dança.
O governo decidiu deslocar os prostíbulos mais pobres para uma região de condições precárias. O autor descreve detalhes destas relações puramente políticas, sem preocupação social, mostrando como a vida do povo estava subjugada aos desígnios das autoridades locais. Por mais que Tereza não estivesse envolvida, tomou aqueles acontecimentos como se fossem dela, pois quando as mulheres se recusaram a sair, a polícia as reprimiu violentamente. A idéia veio de Tereza, as “profissionais do sexo” não trabalhariam enquanto o problema não fosse resolvido. Concomitantemente estava por chegar um navio com muitos marinheiros americanos que iriam movimentar a cidade com seus dólares, porém sem a atuação das “mulheres da vida” este movimento se reduziria significativamente.
A polícia ao saber da greve tentou violentamente reprimi-la, mas com a ajuda dos Deuses africanos, os Orixás, Tereza incentivou todas a não voltarem às atividades naquela noite. “A greve do balaio fechado”, um dos possíveis títulos para este capítulo sugerido pelo autor, deu certo, mas Tereza foi presa e apanhou muito na cadeia.
As torturas não foram suficientes para acabar com sua beleza e ela foi pedida em casamento por um antigo pretendente. Tereza por ter perdido seu grande amor, um marinheiro que ela conheceu quando ele a salvou da polícia no inicio do livro, e por ela estar acreditando que ele havia morrido no mar, sem nenhuma esperança de amar novamente aceitou o casamento. Porém, momentos antes de se casar, seu grande amor apareceu reivindicando seu lugar no coração de Tereza.
Finalmente ela encontrou a paz nos braços de quem amava, no convés de um barco, e foi no mar que ela descarregou as três mortes que pesava em suas costas: o Coronel Justo que ela matou com uma facada, o Coronel Emiliano que morreu durante o ato de amor e seu filho que ela matou ainda no ventre dela.
Através dos olhos de um narrador que se diz presente na história contada e que sempre coloca sua opinião apaixonadamente influenciando desta forma a opinião do leitor, Jorge Amado denunciou uma realidade dolorosa, cruel e ainda atuante. Tereza Batista é a personagem que carregou em suas costas as experiências de meninas que se tornam mulheres condicionadas a um futuro de escolhas limitadas. Tereza parece ser o grito desesperado de denuncia que Jorge Amado vem trazendo em todas as suas obras, estereotipada na mulher baiana que é muito sensualizada e que só encontra saída na sujeição do próprio corpo.
A estratégia estrutural do texto nos induz aos caminhos da memória, onde podemos ouvir a voz e as impressões do narrador presente, que tudo indica ser um taxista que conta a história para um passageiro, relembrando o que viu unido ao que ouviu da boca do povo que até transformou a história em cordel. Para dar veracidade à história ele usa o argumento desta ser conhecida nas ruas da Bahia, valorizando a oralidade e a tradição oral como forma de perpetuação da História de um Povo (deste povo marginalizado e oprimido que nunca é privilegiado pela história oficial). Esta tradição oral que veio nos navios negreiros e esta tão presente nas religiões e costumes de origem africana, com as quais o autor sempre trabalha.
Conhecemos Tereza Batista por meio da “Memória”, a mulher forte e inteligente é fruto de uma vida de violências físicas e psicológicas de uma sociedade machista, limitadora, patriarcal, injusta, desigual e muito violenta. Tereza pagou o preço por nascer mulher, negra, bonita e pobre, mas ela não desistiu, não se rendeu e venceu a guerra, cujas as batalhas por serem tão violentas fazem com que, nós leitores, duvidemos que seria possível vencê-la. Tereza perdeu o medo de apanhar, de sentir fome, de ser sozinha e talvez tenha sido isso que a fez querer enfrentar este monstro que é a sociedade, apresentando-se a ela na figura de um coronel, de uma doença (Bexiga Negra), da prisão, da lei, a mulher sem infância a enfrentou e mesmo diante de tanto sofrimento e desilusão, não perdeu a capacidade de amar.
Luciana Santos Barbosa – Mestra em História Social pela PUC-SP.
AMADO, Jorge. Tereza Batista cansada de guerra. São Paulo: Martins, 1972. Resenha de: BARBOSA, Luciana Santos. O grito de denúncia de Tereza: história, corpo e literatura. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.7, p. 403-411, jul./dez. 2011. Acessar publicação original [DR]
Militares/ Democracia e Desenvolvimento: Brasil e América do Su | Maria Celina D’Araújo
O papel dos militares na política do Brasil e dos demais países da América Latina, ao longo do século XX, é amplamente estudado, embora exista predominância do período compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o da Guerra Fria, quando estiveram à frente do poder da maior parte dos países do subcontinente. Conquanto tenham sido um dos principais atores políticos dos países sul-americanos até meados da década de 1980, quando as ditaduras da região começaram a ser substituídas por governos civis, não perderam a grande relevância no cenário político interno e externo dessas nações. No livro “Militares, Democracia e Desenvolvimento: Brasil e América do Sul”, Maria Celina D’Araújo1 analisa o papel contemporâneo das forças armadas no Brasil e nos demais países da América do Sul, com foco nas atuações em defesa dos regimes democráticos de direito, nas cooperações militares regionais, nos aspectos hodiernos da corporação. O supramencionado livro é dividido em duas partes principais, que tratam, separadamente, da América do Sul como um conjunto e do Brasil, individualmente, em oito capítulos. Leia Mais
New Powers: How to be come one and how to manage them | Amrita Narlikar
Dr. Amrita Narlikar, who teaches International Politics at Cambridge University, has written a very short and elegant book about Brazil’s, India’s and China’s rise. The topic of emerging powers invites, quite naturally, a lot of forward-looking analysis. The now famous paper “Dreaming with the BRICs: The Path to 2050”, published by Goldman Sachs in 2003, offers a seemingly unending number of fascinating discussions, all based on the question of how the world will look like when the five greatest economies are, in that order, China, the United States, India, Japan and Brazil. Will rising powers integrate into today’s world order, or will they overthrow the current system?
Yet Dr. Narlikar resists the temptation of participating in the guessing game and takes a sober look into the past, analyzing India’s, China’s and Brazil’s international negotiation strategies to answer the question mentioned above. She argues that “at one extreme, we may expect the new power to show complete socialisation. At the other extreme, however, we may also see the new power using its newfound status to pursue alternative visions of world order.” This issue already matters greatly today, for Narlikar rightly contends that today’s rising powers, while not yet well-integrated into international institutions, have acquired the de facto status os veto players “whose agreement is required for a change of the status quo.” This has important implications for the stability of today’s world order. If rising powers fail to assume global responsibility, established powers such as the United States may soon no longer be able to provide the global public goods that define today’s global order. Leia Mais
O Brasil e a Segunda Guerra Mundial | Francisco Carlos Teixeira da Silva, Karl Schuster, Ricardo Cabral e Jorge Ferrer
O livro O Brasil e a Segunda Guerra Mundial aborda, a partir da comparação, as novas pesquisas sobre a participação do país no conflito. Com mais de 30 artigos, o trabalho é dividido em 8 partes, com o objetivo de comportar os diferentes objetos de estudo, das relações internacionais até o cotidiano da sociedade brasileira na guerra.
A primeira parte do livro possui debates teóricos fundantes para a compreensão não somente do conflito mundial, mas dos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais que nortearam a participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial, seja através da Força Expedicionária Brasileira (FEB) ou a partir do cotidiano de jornais das cidades brasileiras. Esta parte do livro também analisa a historiografia brasileira sobre a 2ª Guerra, procurando avaliar suas diferentes perspectivas ao longo do século XX. Há, igualmente, um profundo debate sobre a economia brasileira e mundial no período. Leia Mais
O Crime do Restaurante Chinês – Carnaval, Futebol e Justiça na São Paulo dos anos 30 | Bóris Fausto
Considerações iniciais
Há no panorama teórico da historiografia uma intensa discussão conceitual, que tem sido descrita como uma disputa entre paradigmas rivais (CARDOSO, 1997: 3). De um lado, aqueles que embasam seus esforços numa ótica iluminista, o que significa acreditar na capacidade da razão humana em descobrir e ordenar as forças em atuação no universo. Entre estes, ainda de acordo com Cardoso, podem ser enquadrados os marxistas, positivistas e mesmo aqueles ligados à “Nova História”. Trabalhos realizados a partir dessas diretrizes tendem a buscar uma visão holística do processo histórico, agregando os fenômenos sob explicações totalizantes.
Na outra ponta estão aqueles que abandonam tentativas generalizantes de explicação, enfatizando a singularidade dos objetos e a impossibilidade de reuni-los sob uma mesma rubrica sem que se percam suas qualidades fundamentais. A esses se atribui a filiação a certo “paradigma pós-moderno”. O movimento tendencial parece apontar para a ascensão da ótica pós-moderna em detrimento do paradigma iluminista. Leia Mais
A Marinha Brasileira na era dos encouraçados/ 1895-1910. Tecnologia/ Forças Armadas e política | João Roberto Martins Filho
Até o outono da marinha veleira o Brasil podia ser considerado uma potência naval. O arsenal da Marinha e outros armadores empregavam madeiras e saberes há muito disponíveis para construir e manter grande variedade de navios. O avanço da Revolução Industrial trouxe o vapor e as estruturas metálicas; já a Revolta da Armada, no início da República, destroçou boa parte da Marinha brasileira, de modo que o seu poder naval no final do século XIX tornou-se uma sombra do que fora cinquenta anos antes. O livro do João Roberto Martins Filho investiga os caminhos, motivações e implicações do processo de modernização naval brasileiro, que, em meio à febre tecnológica dos encouraçados, procurou reposicionar a Marinha brasileira entre as potências mundiais. Leia Mais
Cultura & Música Popular na Primeira e Segunda Repúblicas | ArtCultura | 2011
Justo no momento em que a ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte beira a casa de 800 assinantes, temos a satisfação de lançar seu número 22, que consolida ainda mais a parceria estabelecida entre a Edufu, o CNPq, a Capes e a Fapemig. Desde os idos de 2007/2008, quando passamos a contar com recursos oriundos dessas agências de fomento à pesquisa, a revista ganhou em musculatura e ampliou significativamente suas redes de interlocução. Já há algum tempo ela recebe demandas de publicação dos mais diferentes estados do Brasil e do exterior, com destaque para Alemanha, Argentina, Colômbia, Cuba, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Jamaica, México e Portugal, como que a atestar a extensão do seu raio de alcance. Nesta edição, por exemplo, para além de pesquisadores nacionais, o elenco de colaboradores inclui intelectuais de três desses países, o que também equivale, a julgar pelo seu perfil, a uma reafirmação do caráter transdisciplinar deste periódico.
Depois de publicarmos mais de um minidossiê/dossiê sobre História & Cinema (v. ArtCultura n. 10, 13 e 18), chegou a hora de reduzirmos a escala de observação. Desse afunilamento do objeto de estudo surgiu novo minidossiê, que faz da relação entre História & Cinema Cubano-soviético seu ponto de ancoragem. Sua organização foi confiada a uma expert no assunto, Mariana Martins Villaça, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-Guarulhos), que, para dar lastro internacional a esse conjunto de quatro artigos, convocou – sendo prontamente atendida – um pesquisador francês e outro cubano. Leia Mais
Templos modernos, templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil | Marcus Marciano Gonçalves da Silveira
Desde a independência política do Brasil, já durante o período monárquico, surgiu a preocupação com a criação de uma identidade artístico-arquitetônica para o novo estado em vias de formação. Foi no contexto da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, por exemplo, que Manuel José Araújo de Porto Alegre encetou os primeiros debates acerca de um estilo arquitetônico nacional.
Entretanto, é somente a partir do movimento modernista e da institucionalização de uma política patrimonial para o país, com a criação do Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), durante o Estado Novo, que estratégias mais incisivas em torno da criação de um modelo artístico identitário nacional começaram a ser colocadas em prática.
Na verdade, seriam os mesmos arquitetos promotores do movimento modernista aqueles que a parir do final da década de 1930, ajudariam o governo Vargas a forjar a política patrimonial do Sphan e a elaborar a “versão oficial” da memória patrimonial e artística do Brasil.
O paradoxo que caracterizou a trajetória desse grupo de arquitetos-intelectuais, marcada pelo seu envolvimento direto tanto nas políticas de preservação do “Barroco Colonial” – em especial o “Barroco Mineiro” – elevado por eles à condição de símbolo da identidade artística nacional, quanto no projeto de criação de novo “estilo brasileiro”, o moderno, também por eles legitimado, é o ponto de partida do estudo de Marcus Marciano Gonçalves da Silveira.
O livro consiste na publicação da Dissertação de Mestrado em História e Culturas Políticas do autor, junto a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nele, a partir do caso da cidade de Ferros (MG) – cuja Igreja Matriz dedicada a Santa Ana, originariamente em estilo colonial, foi demolida, na década de 1960, para a construção de um edifício em estilo modernista –, o autor procura estabelecer relações entre o processo de difusão da arquitetura religiosa modernista no Brasil, nas décadas de 1940 a 1960, com uma ideologia estatal de cunho desenvolvimentista e a escolha de políticas “modernizantes” por parte de determinados setores da Igreja Católica.
Diante do silêncio das principais narrativas sobre a história da arquitetura modernista no Brasil que, centradas na arquitetura civil, geralmente, só mencionam duas obras de arquitetura eclesiástica: a Capela da Pampulha e a Catedral de Brasília de Oscar Niemeyer, o autor se propõe a tirar da obscuridade outros projetos arquitetônicos modernistas para edifícios religiosos.
Para tanto, faz um levantamento dos projetos de igrejas em estilo modernista publicados nas principais revistas brasileiras de arquitetura entre as décadas de 40 e 60 (leia-se: Acrópole; Habitat; Arquitetura e Engenharia; Arquitetura; e, Arquitetura, Engenharia e Belas Artes).
Todavia, apesar do título do primeiro capítulo “A trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil” somente ao seu final (pp. 88-97) encontraremos uma lista e algumas imagens de projetos e de igrejas efetivamente construídas. Mesmo somando-se a esses, os projetos colocados – sem razão evidente – no Anexo A, o autor está longe de fazer um levantamento sistemático sobre o assunto: os exemplos mencionados, praticamente, só dizem respeito ao sudeste e, em número menor, ao sul do país e, além disso, o autor não se preocupa em destacar quais projetos efetivamente saíram do papel.
A primeira parte do livro, na verdade, se ocupa muito mais dos fatores ideológicos e políticos que legitimaram a destruição dos edifícios antigos e sua substituição por templos modernos.
O autor procura investigar de que forma o modernismo conseguiu fomentar a associação entre passado e atraso, e entre modernidade e progresso. O modernismo coloca-se como alternativa a um passado atrasado, não pelo seu valor histórico e estilístico, mas por ser carregado de estrangeirismos.
Neste sentido, “o projeto modernista” vincularia a idéia de retrógrado, de ultrapassado, sobretudo, aos chamados “estilos históricos”, a partir de uma construção discursiva que também reverberaria na política do próprio Sphan, uma vez que houve pouquíssimos tombamentos de edifícios em estilo eclético neste período.
Segue-se uma reconstrução da rede de interesses que uniu os arquitetos modernistas e alguns setores da Igreja. A Igreja buscava fugir de sua “identidade museológica”, a partir da retirada dos elementos decorativos que preenchiam todo o corpo do templo, tirando a atenção do altar. Assim, a ânsia de alguns setores do clero por uma renovação litúrgica que adequasse os templos à sua funcionalidade ajudou nessa aproximação.
No que tange, por exemplo, o caso da Matriz de Ferros, segundo o autor, a preocupação com o estado deplorável do templo era muito mais centrada na sua falta de funcionalidade do que no seu valor enquanto patrimônio histórico.
Neste sentido, a ausência de posicionamento do Sphan em relação à proposta de demolição da Matriz de Sant’Ana, ratifica a afirmação do autor de que o estilo “Barroco Nacional” legitimado pelos modernistas, foi praticamente o único padrão artístico que despertava o interesse da instituição, a qual deixava na mão da Igreja a responsabilidade absoluta sobre aqueles templos que “fugiam da norma”, incluídos aqueles em estilo colonial tardio.
Desta forma, a aproximação entre religiosos e arquitetos e a inércia/desinteresse dos órgãos institucionais, segundo o autor, teriam ajudado o modernismo a se colocar como a possibilidade arquitetônica capaz de atender aos desejos do clero por novas formas litúrgicas, mais adequadas ao espírito desenvolvimentista no qual o país estava mergulhado.
Na segunda parte do livro, o autor desenvolve seu estudo de caso, reconstruindo, com rica documentação, todo o processo que conduziu a demolição da antiga e a ereção da nova Matriz.
Ele destrincha toda a polêmica acerca da demolição, o Movimento Verde – pró- modernismo –, seus antagonistas, os pontos de vista, os discursos, o papel da imprensa, a decisão por meio de plebiscito, a atuação da Igreja – mais especificamente do Movimento Litúrgico –, o desinteresse dos órgãos de salvaguarda do Estado, etc.. As imagens colocadas no Anexo B muito enriquecem a percepção do leitor acerca da importância e do impacto que todo o processo teve para a cidade.
Assim, partindo de um plano mais geral, o da consolidação do modernismo como proposta mais conveniente a um Estado cujo programa político estava voltado para a “modernização” do país, o autor chega às conseqüências – a seu ver, nefastas – que a colocação em prática desta política de renovação teve para a pequena cidade de Ferros, no interior de Minas Gerais.
Destaca-se, nesta parte, a força narrativa com a qual o autor constrói seu discurso acerca da falência do projeto “modernizador” dos modernistas. Tocante é seu relato acerca de como o contraste entre o fórum – em estilo colonial – e a nova igreja representavam a memória de um arrependimento coletivo.
A imagem da estrutura arquitetônica modernista – hoje já não mais “moderna” – transformou-se assim no vestígio vivo de uma “modernidade” que não veio. A crença na eficácia da inferência arquitetônica como propulsora do progresso mostrou-se vã.
O estudo da dissolução da “paisagem tradicional mineira” na cidade de Ferros, deste modo, torna-se uma importante reflexão sobre a ausência de preocupação com o restante da paisagem urbana que caracterizou o “projeto modernista”, bem como uma lição para aqueles que fazem e implantam políticas patrimoniais neste país.
A eleição de uma ou outra forma patrimonial como mais “legítima”, em detrimento de outras, consideradas retrógradas, via de regra, acaba por retirar das gerações vindouras o direito de conhecer o seu próprio passado.
Marília de Azambuja Ribeiro – Departamento de História, UFPE.
Angélica Cristina de Paula Botelho – Bolsista PIBIC (Propesq/UFPE) do Projeto Espaço urbano, arquitetura eclesiástica e cultura tridentina da Professora Doutora Marília de Azambuja Ribeiro (Departamento de História, UFPE).
SILVEIRA, Marcus Marciano Gonçalves da. Templos modernos, templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. Resenha de: RIBEIRO, Marília de Azambuja; BOTELHO, Angélica Cristina de Paula. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.29, n.1, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]
O capitalismo tardio. Contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira | João Manuel Cardoso de Mello
A Editora Unesp, em parceria com a Facamp está relançando um conjunto de obras clássicas sobre a história econômica do Brasil. Uma destas, O Capitalismo Tardio, de João Manuel Cardoso de Mello, estava esgotada há doze anos. Trata-se de sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, um Instituto criado em 1967, tendo como núcleo a área de economia, em 1975. No prefácio da tese — excluído das edições em livro — João Manuel Cardoso de Mello explica que sua intenção inicial era “examinar o papel do capital estrangeiro em nosso desenvolvimento”. Entretanto, à medida que o trabalho avançava o autor foi percebendo as fragilidades da escola de economia política na qual se educara, a Cepal (Comissão econômica para a América Latina e Caribe). O propósito se deslocou, assim, para a ideia de que “era preciso pensar o desenvolvimento brasileiro como formação de um certo capitalismo, de um capitalismo que nascera tardiamente”. Leia Mais
Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca | Marcelo Badaró Mattos
Durante décadas, os pesquisadores avaliaram que o nascimento da classe trabalhadora brasileira foi epifenômeno mecânico das determinações estruturais: o florescimento do capitalismo industrial e a expansão do trabalho assalariado, após o fim do sistema escravista. Essas duas determinações estruturais teriam exacerbado a luta de classes ou, antes, engendrado a própria classe trabalhadora, que, nesse processo, adquiriu consciência de seu papel histórico, fundando sindicatos e partidos classistas na transição do século XIX para o século XX. Portanto, a formação da classe trabalhadora brasileira estava inextricavelmente ligada ao trabalho industrial-fabril e operário. O trabalhador livre e o trabalhador escravo no Brasil eram abordados, quase que invariavelmente, numa relação de dicotomia fixa, como duas categorias antagônicas e dissociadas, que jamais se aproximavam ou entrecruzavam em termos de vivências e experiências político-culturais.
Talvez, por isso, durante um longo tempo os especialistas da história social do trabalho ficaram apartados dos especialistas da história da escravidão. Os primeiros, quando investigavam a formação da classe trabalhadora brasileira, costumavam negligenciar a participação dos escravizados e ex-escravizados no processo. Já os segundos não davam a devida importância às experiências escravas no processo social do trabalho. Felizmente, esse panorama vem mudando, e as falsas dicotomias sendo superadas. Os historiadores estão cada vez mais se convencendo de que essas duas áreas de estudos e pesquisas são confluentes, entrelaçam-se, tecem interconexões, devendo, portanto, ser tematizadas de forma dialógica. Leia Mais
Brazilian Foreign Policy in Changing Times: the quest for autonomy from Sarney to Lula | Tullo Bigevani e Gabriel Cepaluni
Ao final da primeira década do século XXI, a visibilidade do Brasil no sistema internacional tornou-se mais evidente, graças, em grande medida, ao sucesso alcançado pelo país nos campos econômico e político-diplomático. Percebeu-se, em contraste, a existência de uma grande carência na literatura internacional, a qual, muito ocasionalmente, desvia seu foco dos países centrais do sistema internacional. Neste sentido, a obra de Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni aqui apresentada preenche uma importante lacuna editorial não apenas por ser publicada em língua inglesa, mas sobretudo por permitir que o público estrangeiro conheça as grandes linhas da política externa brasileira tanto do ponto de vista teórico quanto empírico, por meio do estudo de vasta literatura produzida por pesquisadores latino-americanos.
O tema central do livro é a busca brasileira por autonomia, desde a segunda metade dos anos 1980 – com a inauguração do regime democrático – até 2009. Segundo os autores, a noção de autonomia (capítulo 1) é entendida pelos latino-americanos como a capacidade de se proteger contra os efeitos mais nocivos do sistema internacional e dos constrangimentos impostos por países poderosos. Vigevani e Cepaluni explicam que a autonomia se expressa por meio de três táticas distintas: pela distância perante países dominantes; pela participação ativa em instituições internacionais; e pela diversificação de parcerias e fóruns de atuação. Leia Mais
História da infância em Pernambuco | Humberto Miranda e Maria Emília Vasconcelos
Desde a tradução do livro História social da infância e da família de Philippe Ariès para o Brasil, na década de 1980, historiadores e historiadoras em todo o país intensificaram suas pesquisas em torno desta temática. A escolha da infância como novo “objeto de pesquisa” deu-se devido à intenção de alguns pesquisadores/as compreender como se construíram múltiplas infâncias na territorialidade que compreende o Brasil, atentando-se para as especificidades locais e regionais. Neste sentido, o estudo dos discursos dos operadores do direito, pedagogos, psicólogos, médicos, etc., enfim, uma miríade de técnicos, foram de fundamentais para compreender como a sociedade brasileira forjou seu ideal de infância. Estes discursos buscavam apontar um lugar social para a infância e a criança na modernidade, e suas discussões de maneira geral, concentravam-se entorno de arquétipos infantis: a criança problema, a criança aluno, a infância desamparada ou desvalida. Sempre com caráter intervencionista estes profissionais tentaram – e ainda hoje tentam – solucionar os ditos “problemas” partindo do pressuposto da existência de uma criança/infância universal, esquecendo-se de que este período da vida é social e historicamente construída – caleidoscópica.
Indo de encontro às novas perspectivas teóricas sobre os estudos da criança, onde a visão adultista é colocada de lado, o livro, História da Infância em Pernambuco da editora UFPE, condensa um apanhado de discussões sobre as crianças e suas diferentes infâncias, realizadas durante o Simpósio Memórias da Infância, no qual pesquisadoras e pesquisadores apresentaram seus trabalhos, propondo novas abordagens e olhares para a realização de uma história da infância brasileira. Leia Mais
Porto e Barra do Rio Grande: história, memória e cultura portuária | Francisco das Neves Alves
Francisco das Neves Alves | Foto: Clepul.eu
Não pretendo privar o leitor de acompanhar o percurso da exposição histórica do autor, mas ressaltar a forma a partir da qual ele tece seu texto através de vários fios. A escrita da história, ou daquilo que se costuma considerar história legítima, passou por uma profunda transformação. O historiador profissional não é o único que se dedica ao mister historiográfico. O pluralismo que hoje reina no campo nos impede de falar de uma história com “h” maiúsculo, e é comum falar-se em história múltipla. Esta mudança não é apenas em relação a quem escreve a história, mas abrange as fontes, que se tornaram também variadas.
Faço esta consideração inicial para chamar atenção para os dois volumes da obra acima citada, pois o autor não é seguidor de Ranke, já que admite vários tipos de fontes, no entanto ele também não se enquadra em uma perspectiva de construção historiográfica na qual as fontes aparecem sem uma justificada crítica [1] que enseje sua utilização. O Dr. Francisco [2] edifica sua pesquisa sobre o porto, a barra e a cidade do Rio Grande por meio de uma tessitura que envolve fontes de naturezas diversas, sem, contudo, perder-se em um emaranhado de variáveis, já que essas fontes poderiam apontar para perspectivas diferentes. Assim, ele utiliza fontes convencionais, tais como livros sobre a historiografia referente ao porto e a cidade, tanto aquela elaborada por conhecidos autores, como também trabalha obras escritas por intelectuais locais. Trabalha com jornais [3], documentos náuticos, informações de ministérios, fotografias, relatórios da Câmara Municipal, relatórios técnicos de especialistas e relatos de viajantes estrangeiros. Além das fontes, o autor utiliza imenso material analítico, que lhe permite transformar as fontes em história do porto, da barra e da cidade do Rio Grande. Leia Mais
Tragédias, batalhas e fracassos: as derrotas brasileiras nas Copas do Mundo (1950-1982) | Leonardo Pacheco Turchi
Não são apenas as vitórias que compõem o imaginário futebolístico. “Instrumento de renovação da vida” e o “começar de novo”, tal como afirmou Carlos Drummond de Andrade – oportunamente citado por Leonardo Pacheco na introdução do seu livro “Tragédias, Batalhas e Fracassos” – as derrotas têm um papel essencial dentro do universo esportivo. Publicado com base em seu doutorado defendido no Departamento de História da UFM, o livro de Leonardo tem como objetivo pensar as derrotas brasileiras nas Copas do Mundo entre 1950 e 1982 a partir das narrativas, discursos e imagens dos períodos pesquisados que, em sua maioria, centravam as análises nas questões ligadas à masculinidade e ao envelhecimento2. Para isso, relacionou estes dois temas principais para analisar o universo futebolístico, aqui compreendido por meio de seu principal momento ritual: a Copa do Mundo de Futebol.
Dividido em seis capítulos, cada dedicado a uma Copa do Mundo, o livro permite evidenciar que embora as questões e elementos vinculados às derrotas variem a cada evento, assinalados por um caráter multifacetado, que alternam concepções valorativas ora positivas e ora negativas, tais discursos relacionados às masculinidades e envelhecimento são marcados por certas permanências. A compreensão hegemônica de masculinidade é problematizada e reelaborada ao longo do trabalho, visto que é possível pensar a existência de múltiplas masculinidades em um mesmo contexto. Nesse sentido, faz-se importante o estudo do masculino em relação a outros conceitos e marcadores (geracional, de classe, corporal, racial etc.), decisivos para uma compreensão relacional do que é ser homem em determinados contextos socioculturais. Nesse sentido, o autor pensa o gênero como um conceito plural e relacional, construído e reconstruído socialmente, que abarca múltiplas experiências e marcado por diversas relações de poder. Leia Mais
Do dom à profissão: a formação de futebolistas no Brasil e na França | Arlei Sander Damo
Há uma tese, bastante difundida nos círculos onde o futebol é discutido, que versa sobre a habilidade ímpar do jogador brasileiro diante dos atletas das demais nacionalidades. Graças ao seu dom, este jogador apresentaria um diferencial na maneira de praticar futebol capaz de suplantar qualquer limite técnico. Essa imagem, amplamente explorada no chamado futebol espetacularizado, cujo monopólio pertence à FIFA (Federação Internacional de Futebol) fornece a base para a formação/produção e a venda de jogadores brasileiros.
É este o principal cenário investigado por Arlei Sander Damo em Do dom à profissão – a formação de futebolistas no Brasil e na França. O livro, originalmente uma tese de doutorado4, apresenta minucioso trabalho etnográfico que analisa o processo de formação de jogadores de futebol no Brasil, no Sport Club Internacional, de Porto Alegre, e na França, no Olympique Marseille. O dom, noção amplamente utilizada no meio futebolístico, figura como tema central, pois fornece a base simbólica para o processo de formação dos jogadores brasileiros. Leia Mais
Cinematógrafo: um olhar sobre a história | Jorge Nóvoa e Soleni Biscouto Fressato
O cinema é a arte da luz, da imagem e do movimento, é a arte da expressão audiovisual. Geertz nos ensina que é difícil falar de arte, pois, “a arte parece existir em um mundo próprio, que o discurso não pode alcançar” [1] e este preceito é válido para o cinema, conhecido como a sétima arte. Analisar uma arte que envolve imagem e movimento é uma tarefa complexa, pois “aquilo que vimos, ou que imaginamos ter visto, parece ser tão maior e tão mais importante que o que logramos expressar com nossa balbucia, que nossas palavras soam vazias, cheias de ar, até falsas.” [2] A imagem é captada e projetada por meio de um processo mecânico, através do olhar e do veículo condutor da câmera. A mensagem audiovisual é composta dentro de determinados parâmetros e preceitos da construção cinematográfica, na maioria das vezes de forma narrativa. Como observa Bertoni e Montagnoli:
Elementos que trabalham com a expressividade da câmera, com os detalhes, com as mudanças de planos, os enquadramentos, o som, a possibilidade de sugestão daquilo que está dentro e fora do quadro; mas também com o corte que direciona a visão do espectador, com a articulação da montagem, a característica minimal do cinema, com a irrealidade construída. Enfim, todo esse conjunto de elementos e de procedimentos, traça a característica de construção fundamental da linguagem e da estética do cinema.[3] Leia Mais
Cinematógrafo: um olhar sobre a história | Jorge Nóvoa, Soleni Biscouto Fressato e Kristian Feigelson
O cinema é a arte da luz, da imagem e do movimento, é a arte da expressão audiovisual. Geertz nos ensina que é difícil falar de arte, pois, “a arte parece existir em um mundo próprio, que o discurso não pode alcançar” [1] e este preceito é válido para o cinema, conhecido como a sétima arte. Analisar uma arte que envolve imagem e movimento é uma tarefa complexa, pois “aquilo que vimos, ou que imaginamos ter visto, parece ser tão maior e tão mais importante que o que logramos expressar com nossa balbucia, que nossas palavras soam vazias, cheias de ar, até falsas.” [2] A imagem é captada e projetada por meio de um processo mecânico, através do olhar e do veículo condutor da câmera. A mensagem audiovisual é composta dentro de determinados parâmetros e preceitos da construção cinematográfica, na maioria das vezes de forma narrativa. Como observa Bertoni e Montagnoli:
Elementos que trabalham com a expressividade da câmera, com os detalhes, com as mudanças de planos, os enquadramentos, o som, a possibilidade de sugestão daquilo que está dentro e fora do quadro; mas também com o corte que direciona a visão do espectador, com a articulação da montagem, a característica minimal do cinema, com a irrealidade construída. Enfim, todo esse conjunto de elementos e de procedimentos, traça a característica de construção fundamental da linguagem e da estética do cinema.[3] Leia Mais
Microcrédito: O Mistério Nordestino e o Grameen Brasileiro
O livro Microcrédito: O Mistério Nordestino e o Grameen Brasileiro fornece a melhor visão da indústria microcréditícia brasileira e de seu futuro do que a maioria do que foi escrito sobre o assunto. De forma interessante, a análise não discute o microcrédito brasileiro de uma perspectiva global, mas enfocando desde o ponto de vista quase exclusivamente institucional e sobre uma instituição em particular: o CrediAMIGO do Banco do Nordeste.
O livro demarca claramente os desafios enfrentados pelos praticantes de microcrédito no Brasil, dando ênfase particular à diversidade demográfica da maioria dos clientes potenciais e à informalidade dos seus negócios. Porém, também propõe soluções a esses problemas oferecendo uma visão duma indústria microcreditícia baseada numa forte presença estatal. E, no pano de fundo, é bem perceptível a mão de Marcelo Neri. Organizador e autor principal do livro, ele é seguramente um dos economistas mais importantes do Brasil. Formado em Economia e com mestrado pela PUC do Rio de Janeiro e doutorado pela Princeton University nos Estados Unidos, suas áreas de trabalho principais são o bem-estar social, o trabalho, e a micro-econometria. Leia Mais
Lampiões acesos: o cangaço na memória coletiva | Marcos Edilson de Araújo Clemente
Diferente das abordagens históricas que visam reconstituir a trajetória de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, bem como o movimento de resistência sertaneja das primeiras décadas do século XX conhecido como cangaço, o professor da Universidade Federal do Tocantins, Marcos Edilson de Araújo Clemente, propõe analisar a forma como a temática tem sido apropriada pela Associação Folclórica e Comunitária Cangaceiros de Paulo Afonso (Bahia). Lampiões acesos: o cangaço na memória coletiva é também “consequência direta” das lembranças do próprio autor que, em sua infância assistia às apresentações desta agremiação..
Antes, contudo, Clemente busca entender o modo como outras cidades nordestinas se apropriaram deste legado histórico-cultural. Os lugares escolhidos refletem os caminhos trilhados pelo “rei do cangaço”, a citar, Serra Talhada e Triunfo, PE; Mossoró, RN; Poço Redondo, SE e Piranhas, AL. Assim como foram diferentes as circunstâncias da passagem de Lampião em cada uma dessas regiões, também são os modos de apropriação das memórias que resistem, sobretudo nas últimas décadas, através de instituições conhecidas por “museus do cangaço”. Sendo Lampião exaltado ou mesmo condenado, a exemplo da memória construída em Mossoró, importa é que, de qualquer forma, sua representação e a do cangaço são recorrentes na promoção das identidades destes lugares de memória. Leia Mais
História do Estado do Espírito Santo | José Teixeira Oliveira
É sempre bem vinda a reedição feita com recursos estaduais de um livro importante e fora de comércio faz tempo, para que seja usado por acervos e instituições publicas, bibliotecas, pesquisadores das mais variadas procedências, níveis sociais ou profissões 2. Publicada pela primeira vez em 1951 e pela segunda em 1975, a História do Estado do Espírito Santo do carioca José Teixeira de Oliveira é a mais importante e completa narração dos quase cincos séculos de existência de uma terra chamada Espírito Santo, parte de uma terra maior chamada na seqüência pelos invasores e viajantes europeus de Ilha da Vera Cruz, Província de Santa Cruz 3 Terra Brasilis, “arquipélago do Capricorno”, e finalmente Império, depois Republica Federativa do Brasil. Parte da Coleção Canaã, organizada pelo Arquivo Publico do Estado do Espírito Santo, o volume integra assim uma série de outras valiosas publicações de documentos e narrativas históricas.
Ocasião a não se passar em silencio, esta terceira edição é acrescentada também pelos textos de dois especialistas, uma apresentação do prof. Luiz Guilherme Santos Neves e um prefácio do prof. João Eurípedes Franklin Leal, o qual teve a oportunidade de levantar documentos inéditos, sobretudo de procedência dos arquivos históricos de Portugal. Leia Mais
Lampiões acesos: O cangaço na memória coletiva | Marcos E. Clemente
Estamos na década de 1960 e mais especificamente às vésperas do golpe militar de 1964. Na tela do cinema, um público entusiasta assiste ao lançamento de Deus e o Diabo na terra do sol, de Glauber Rocha. Num dos episódios da saga glauberiana, Corisco é o rebelde cangaceiro:
O filme pretende demonstrar a inutilidade das tentativas anarcóides como a fuga “in alto”, isto é, para misticismo e/ou a violência pura, como forma de resolver um estado de crise perene. A tomada de consciência seria a única solução positiva (VALENTINETTI, 2002:59). Leia Mais
Jogos teatrais no Brasil: 30 anos | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2010
Quando todos forem
iniciadores
Quem ficará para ser o
seguidor?
Quando todos forem
seguidores
Quem ficará para ser o
iniciador?
Quem ficará para ser
iniciador e seguidor
Quando todos forem
iniciadores e seguidores?
Viola Spolin
Viola Spolin é conhecida internacionalmente por sua contribuição metodológica tanto para o ensino do teatro nas escolas e universidades como para a prática da arte cênica, principalmente para o teatro improvisacional. A “avó do teatro improvisacional norte-americano”, cunhou o termo theatre game, traduzido entre nós como jogo teatral. Os jogos teatrais acentuam a corporeidade, a espontaneidade, a intuição e a incorporação da platéia, indicando como princípios da linguagem teatral podem ser transformados em formas lúdicas, criando um acesso criativo para a atuação no teatro com leigos e profissionais
Na sistematização da prática do jogo teatral é possível divisar a construção de um método no qual, longe de estar submetido a teorias, técnicas ou leis, o jogador se torna artesão de sua própria educação no processo da prática teatral, produzido por ele mesmo ao articular essa linguagem. Como disse um especialista, o jogo teatral está para o teatro como o cálculo para a matemática.
Imigrante russa nos EUA na década de trinta, Viola Spolin recebeu influência de Stanislavski a quem faz uma dedicatória em Improvisação para o Teatro. Tive poucos contatos com Viola em vida, restritas a via postal. Mas soube uma história contada por seu marido Kolmus Greene, ao conhecê-los em Los Angeles (Viola já havia sofrido um derrame). Ela estava coordenando um workshop de jogos teatrais na sala contígua onde Brecht ensaiava o Galileu com Charles Laughton. Ao tentar adentrar a sala para acompanhar o ensaio, foi impedida de ver o “grande” ator. E ela teria exclamado: Eu queria ver Brecht, não Laughton (But I didn`t want to see Laughton, I wanted to see Brecht!). A proximidade entre o jogo teatral e Brecht é maior do que imaginamos inicialmente. Paul Sills, filho de Viola e criador do Story Theater fez estágio no Berliner Ensemble. Viola Spolin e Paul Sills eram contemporâneos de seu tempo.
Ao lado de outras abordagens sensório-corporais, desenvolvidas principalmente na década de sessenta nos EUA e na Europa, o jogo teatral vem se revelando de grande atualidade. Em Texto e Jogo (Perspectiva, 1999) 1 o texto de Bertolt Brecht Lehrstück/Learning Play (jogo de aprendizagem) é utilizado para avaliar o jogo, enquanto, ao mesmo tempo o jogo é utilizado na apropriação do texto pelo atuante.
O princípio do meta-teatro brechtiano, presente em seus textos poéticos exige uma abordagem através da consciência lúdica, promovendo o estranhamento de gestos e atitudes. O jogo teatral iniciado por Viola Spolin tem em seus ramos folhas das principais metodologias de teatro do século XX.
Lembro-me, quando ao experimentar os jogos teatrais com alunos do Curso de Licenciatura na ECA/USP, em 1978, nasceu a descoberta de um método diferente daquele que encontrava na maioria dos livros sobre teatro na educação. Eduardo Amos, então aluno do departamento, tornou-se parceiro de inestimável valor. Vínhamos pesquisando a bibliografia nacional e a matriz do Child Drama de Peter Slade, quando a atriz Maria Alice Vergueiro, docente do então Departamento de Teatro, tendo participado, do III Congresso Internacional de Teatro para a Infância e Juventude, nos EUA, trouxe em sua bagagem um exemplar de Improvisação para o Teatro de Spolin. A leitura do livro e a vontade de entender melhor como se daria a prática a partir deste manual levou à formação do Grupo Foco. A pesquisa prática foi sendo depurada através da encenação de Genoveva Visita a Escola, um relatório para pais de uma escola de Educação Infantil, escrito por Madalena Freire (1979).
Em meu livro Jogos Teatrais (Perspectiva, 1984) descrevo parte desta prática, desenvolvida inicialmente nos anos 1978 e 1979, assim como os trabalhos realizados na APTIJ – Associação Paulista de Teatro para a Infância e Juventude junto a artistas de Teatro Infantil profissional paulistano. No prefácio escrito por Tatiana Belinky ela afirma que esta foi “a primeira dissertação em Teatro-Educação no país, o que veio conferir status acadêmico a um campo entre nós bastante marginalizado”. 2 Originalmente escrito em função de meu Mestrado na ECA/USP, com orientação de Sábato Magaldi, nele Belinky destaca ainda que “na época o sistema de Viola Spolin não era conhecido no Brasil”.
Outros resultados dessa pesquisa foram a tradução de Improvisação para o Teatro, em 1979 (Ed. Perspectiva, tradução Eduardo Amos e Ingrid Koudela). Seguiram-se depois outras traduções e edições, O Jogo Teatral no Livro do Diretor (2004), Jogos Teatrais: O Fichário de Viola Spolin (2001) e Jogos Teatrais na Sala de Aula (2007) também pela Perspectiva.
Inicia-se aí um processo, ao longo destas décadas, em que o sistema de jogos teatrais vem sendo experimentado e adaptado a realidade cultural brasileira por professores-artistas e pesquisadores em todo o país, em distintas realidades culturais, abrindo diferentes abordagens deste sistema de ensino e aprendizagem do teatro e de sua aplicação tanto na área da educação como na da encenação. Esta trajetória configura um entendimento e prática brasileiros.
A múltipla aplicação dos jogos teatrais, direcionada pelo contexto do grupo de jogadores e pela abordagem critica utilizada durante as avaliações, sugere que o sistema oferecido por Spolin, ao mesmo tempo em que regula a atividade teatral, traz em si a possibilidade de sua própria superação como método.
Com o objetivo de refletir sobre a prática dos jogos teatrais entre nós, foi organizado o presente dossiê junto com Robson Corrêa de Camargo, para a revista virtual Fênix – Revista de História e Estudos Culturais.
Robson Corrêa de Camargo, docente da Universidade Federal de Goiás e Ana Paula Teixeira, mestranda na Universidade Federal de Uberlândia analisam intersecções entre Spolin e Stanislavski para o ensino e a prática do teatro. Argumentando a partir de autores como Richard Courtney e Vygotsky aproximam o método das ações físicas de Stanislavski com o sistema de jogos teatrais, visando à formação de profissionais de teatro e professores no Curso de Graduação em Artes Cênicas da UFG.
Beatriz Cabral, docente da Universidade do Estado de Santa Catarina, traz o seu histórico de pesquisa no qual analisa as possíveis interações entre o sistema de jogos teatrais e o método do drama inglês. As aproximações e diferenças são observadas entre significação e contexto; aquisição da linguagem e convenções teatrais. Apontando para as influencias das práticas teatrais pós-modernas, que também se refletiram na sala de aula, demonstra que os métodos não são excludentes, podendo haver inúmeras combinações entre ambos.
Alexandre Mate, docente do Instituto de Artes da UNESP – SP traz apontamentos bibliográficos sobre jogos teatrais entre nós, recuperando material bibliográfico produzido sobre o teatro na educação desde a década de setenta.
Contribuindo para que a dimensão lúdica e artística seja introduzida como campo de conhecimento e formação nos cursos de pedagogia, Lucia Lombardi, doutoranda na Faculdade de Educação da USP, traz os resultados da sua pesquisa na qual os jogos teatrais se revelaram produtivos na formação de educadores de creches da rede pública de ensino em São Paulo. Focalizando a avaliação através do protocolo (instrumento proposto por Bertolt Brecht) aponta para a importância da reflexão sobre a experiência do professor em formação.
Mariana Tagliari, licenciada em Artes Cênicas pela Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, traz a sua reflexão sobre o jogo na Educação Infantil, na experiência de jogos com crianças até quatro anos.
Marina Miranda de Carvalho, Iara Fátima Fernandes e Davi de Oliveira Pinto são coordenadores de Jogos Teatrais no Curso de Teatro na Educação do Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado de Belo Horizonte. Ressaltando a relevância e atualidade dos jogos teatrais como abordagem metodológica no trabalho de teatro com jovens, ao longo dos dez anos em que este projeto vem sendo desenvolvido no Palácio das Artes, o artigo reporta a depoimentos de educadores
Apontando para a importante função da Instrução do coordenador de jogos teatrais, Vicente Concilio, docente na Universidade do Estado de Santa Catarina, destaca sua relevância como procedimento artístico e pedagógico, estabelecendo pontos de contato entre o jogo teatral, a formação do professor de teatro e a criação teatral na contemporaneidade.
A Instrução no jogo teatral também é analisada como prática dialógica no processo de montagem do espetáculo Chamas na Penugem (2008). O relato de Raymon Aires, formado pelo Curso de Licenciatura em Teatro da UNISO – Universidade de Sorocaba – SP, investiga o processo de experimentação dos atuantes e a parceria que se estabelece com a coordenação dos jogos.
Apresentando a experiência do modelo espetacular denominado Teatro de Figuras Alegóricas, realizado na UNISO – Universidade de Sorocaba – SP, José Simões de Almeida Junior, encenador com Doutorado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo traz a fundamentação do jogo teatral aliado à leitura de imagens no processo de construção da montagem teatral. Sua reflexão tem como ponto de partida a discussão do espaço teatral, os procedimentos de espacialização da cena e os seus vínculos com as narrativas visuais na criação espetacular.
Joaquim Gama, doutorando na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e docente na Universidade de Sorocaba, analisa o princípio da Fisicalização no sistema de jogos teatrais como possibilidade de conciliação entre a imaginação dramática e a corporeidade, fazendo com que o atuante tenha a experiência do aqui/agora no jogo improvisacional.
Introduzindo a discussão acerca do jogo teatral como indutor à construção de dados a serem utilizados em investigações de recepção teatral, Tais Ferreira, Coordenadora do Curso de Teatro Licenciatura da Universidade Federal de Pelotas – RS narra uma experiência empírica desenvolvida durante um processo de investigação com crianças espectadoras.
Alessandra Ancona de Faria, docente na Universidade Paulista traz uma análise do livro O Jogo Teatral no Livro do Diretor de Spolin tendo em vista como o jogo teatral pode contribuir na encenação com grupos de alunos em escolas de Ensino Fundamental, a partir da experimentação que realizou com um grupo de adolescentes de uma escola pública na cidade de São Paulo.
Maria Lucia Pupo, docente no Departamento de Teatro da Universidade de São Paulo faz uma resenha de Jogos Teatrais na Sala de Aula, enfatizando a importância do jogo de regras no processo de aprendizagem do teatro, alertando para a recepção ingênua que poderia indicar o subtítulo ¨manual¨. Acentua o mérito que reside em apontar perspectivas para o fazer teatral numa ótica lúdica, no âmbito das contradições inerentes à instituição escolar.
Por fim, fechando este dossiê, Robson Corrêa de Camargo apresenta uma breve resenha – intitulada O Jogo Teatral e sua Fortuna Crítica…. – em que analisa a recepção dos jogos teatrais em nosso país no artigo.
É possível identificar no pensamento pedagógico contemporâneo brasileiro alguns eixos de discussão recorrentes na área de Arte. Do ponto de vista epistemológico, uma das possibilidades é a articulação metodológica entre o fazer artístico, a apreciação da obra de arte e o processo de contextualização histórico e social. Através do ensino da história e do exercício critico na leitura da obra de arte, o processo expressivo da criança e do jovem é ampliado e inserido na história da cultura e na cultura da história.
No âmbito da Arte na educação vários são os temas que vem sendo discutidos como a concepção polivalente no ensino da arte x interdisciplinaridade. O eixo do conhecimento em uma das linguagens específicas (Artes Visuais, Música, Teatro e Dança) é mantido como norteador de projetos, estabelecendo-se parcerias com outras linguagens, processo enriquecedor da aprendizagem. Outro tema que surge de forma recorrente é a concepção do professor-artista, ou seja, além de mediador esse professor desenvolve projetos com seus alunos na perspectiva da construção e experimentação de formas artísticas.
Os eixos de aprendizagem em Arte levaram, na última década, a uma reflexão e experimentação com a leitura e fruição de obras de arte, notadamente através dos setores educativos dos museus e outros espaços culturais. O mesmo fenômeno pode ser verificado na área de Teatro, estabelecendo pontes entre o teatro para a infância e juventude e platéias em escolas e outras, que até então não tinham acesso aos espetáculos apresentados em teatros nas cidades. A Lei de Fomento da cidade de São Paulo, por exemplo, vem neste sentido modificando o panorama cultural, ao exigir a contrapartida social dos projetos nela inscritos.
O exercício da linguagem artística vem sendo ressaltado em grau crescente na formação do professor de Arte. Na área do Teatro, a tematização do espaço acompanha os processos criativos contemporâneos. A leitura de imagens e/ou textos poéticos, como deflagradores do processo pedagógico e material para a construção da cena, amplia a perspectiva de aprendizagem e do exercício artístico.
Como se vê são muitos os caminhos trilhados. Por meio das oficinas de jogos teatrais é possível construir liberdade dentro de regras estabelecidas por acordo grupal. A matéria do teatro, gestos e atitudes, é experimentado concretamente no jogo, sendo que a conquista gradativa da expressão física, corporificada, nasce da relação estabelecida com a sensorialidade.
Na escola não se aprende normalmente através da experiência, mas por meio da didática (técnicas de organização do aprendizado). No entanto, o aprendizado estético é momento integrador da experiência humana. A transposição simbólica da experiência assume, no objeto estético, a qualidade de uma nova experiência. As formas simbólicas tornam concretas e manifestas, novas percepções a partir da construção da forma artística. O aprendizado artístico desenvolve-se como processo de produção de conhecimento.
Outra tendência verificada nas pesquisas apresentadas é o teatro como ação cultural. Problemas sociais contemporâneos têm surgido como temas privilegiados nos trabalhos realizados com crianças e jovens. Esse trabalho teatral, muitas vezes desenvolvido no âmbito de ONGs, de projetos de pesquisa e extensão nas universidades e através de apoio da iniciativa privada, propõem o tratamento de problemas sociais.
Nos ensaios apresentados no presente dossiê da Revista Fênix essas tendências podem ser reconhecidas, abrangendo os vários campos profissionais da Pedagogia do Teatro e as várias vertentes de pesquisa ora em curso. Os jogos teatrais de Viola Spolin revelaram-se altamente produtivos nas diferentes abordagens, acima de tudo ao promoverem habilidades no processo de aquisição da linguagem do teatro. As reflexões sobre o jogo teatral dentro de nossa realidade nacional certamente abrem novos caminhos para o método de Viola Spolin, ampliando e até mesmo transformando a proposta inicial.
Boa leitura!
Notas
1 KOUDELA, Ingrid D. Texto e Jogo. São Paulo: Perspectiva, 1999.
2 KOUDELA, Ingrid D. Texto e Jogo. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 10.
Organizadores
Ingrid Dormien Koudela – Livre Docente pela Universidade de São Paulo. Docente do Curso de Pós-Graduação em Artes Cênicas na ECA/USP e do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade de Sorocaba. Autora de Jogos Teatrais (Perspectiva, 2002) é tradutora e introdutora do método no Brasil. Pesquisadora de Brecht, com ênfase na Peça Didática, publicou vários volumes de sua autoria propondo uma abordagem alternativa para o ensino/aprendizagem da linguagem teatral e do texto literário. E-mail: idormien@usp.br
Robson Corrêa de Camargo – Encenador e crítico teatral. Doutor em Artes Cênicas e professor da Universidade Federal de Goiás. Cópias gratuitas de alguns dos trabalhos de sua autoria podem ser acessados em http://ufg.academia.edu/RobsonCamargo E-mail: robson.correa.camargo@gmail.com
Referências desta apresentação
KOUDELA, Ingrid Dormien. Apresentação. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, v.7, n.1, jan./abr. 2010. Acessar publicação original [DR]
O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil | A. G. Mendonça
As questões propostas pelo autor para serem respondidas são claramente colocadas: por que a significativa presença dos protestantes nas diversas áreas da cultura brasileira não se manifesta claramente em uma participação ideológica, cultural e política e por que não manteve o ritmo de crescimento das primeiras décadas de sua implantação, além de perder fiéis para formas mais novas de práticas religiosas?
Para fundamentar a resposta, o autor esboça um histórico dos protestantes do Brasil, descrevendo a frustrada tentativa de inserção da fé calvinista, com a chegada da expedição de Vilegaignon, em 1555; as tentativas no Nordeste pelos holandeses, especialmente em Pernambuco e Paraíba, entre 1630 e 1645, interrompidas pela restauração do domínio português em 1649; a tentativa dos calvinistas franceses, huguenotes, na primeira década do século XVII, especialmente no Maranhão, que desvaneceu com a curta existência da França equinocial. Leia Mais
Entre mares: o Brasil dos portugueses | Maria de Nazaré Sarges
Brasil, berço dos imigrantes
Sua raça é mistura
Sem cessar Roberto Ribeiro e Jorge Lucas (Samba Enredo da Escola de Samba Império Serrano, 1977)
A idéia do Brasil como um berço de imigrantes não é mera licença poética, daquelas que o carnaval permite. Italianos, libaneses, espanhóis, húngaros, alemães, japoneses, chineses e poloneses, entre imigrantes de outras nacionalidades, alcançaram o país em diversos momentos, especialmente a partir da formulação de políticas de incentivo à imigração, do último quartel do século XIX em diante. A introdução desses imigrantes conformou definitivamente os rumos da vida brasileira, de modo que as correntes migratórias estabelecidas desde então e a imigração como processo constituíram-se em objetos de estudos especializados.[2]
Visto como aquarela, como cadinho no qual foram forjadas uma nacionalidade e uma identidade singulares, o país se pensa e é pensado a partir da mistura. Autores emblemáticos, constituintes da gênese da moderna historiografia brasileira, participaram da conformação dessa tese, enfatizando o lugar preponderante dos portugueses na conformação dos tipos sociais e da cultura brasileiras. Entre nós, que vivemos e produzimos história a partir da Amazônia, Arthur Cezar Ferreira Reis foi, certamente, o gestor dessa perspectiva. Suas obras repercutem aquela tese para a trajetória histórica da Amazônia. [3]
Os vínculos que unem Portugal e Brasil contribuíram para que o país se tornasse um dos destinos preferenciais de portugueses interessados em emigrar. Aqueles homens e mulheres trouxeram em sua bagagem mais que o interesse de mobilidade e ascensão social, de melhoria das condições materiais de existência; seus valores, tradições, códigos de conduta, vícios e virtudes também compuseram o rol de utensílios que os acompanharam.
As trajetórias percorridas por esses emigrantes têm sido pesquisadas sob diversos aspectos.[4] O livro Entre mares: o Brasil dos portugueses participa da discussão sobre imigração no Brasil por meio da análise das correntes migratórias lusitanas para o Brasil. Nascido a partir do encontro de instituições brasileiras e portuguesas [5] em torno da temática da imigração lusa para o Brasil, o livro apresenta contribuições relevantes à temática, por meio dos artigos que o compõem, os quais resultam das reflexões apresentadas por seus autores no V Seminário Internacional sobre a migração portuguesa, ocorrido em Belém, no Pará, em setembro de 2009.
O livro está dividido em três partes: a primeira trata da presença portuguesa na Amazônia; a segunda aborda as experiências portuguesas em outras partes do Brasil; a terceira e última parte versa sobre aspectos diversos, como legislação, projetos políticos e registros de emigrados. Mais do que sugerem os títulos das partes, os artigos constituem um panorama revelador das possibilidades dos estudos sobre imigração.
Rafael I. Chambouleyron e Paulo C. Gonçalves, cada qual em seu artigo, analisam as motivações dos emigrantes. O primeiro considera a transferência de portugueses para o Estado do Maranhão no século XVII, o segundo sopesa a interferência dos interesses de Estado nos projetos de migrantes portugueses desejosos de se transferirem para o Brasil, ao longo do século XIX. A perspectiva adotada por esses dois trabalhos é complementada por outros que analisam aspectos quantitativos do fenômeno migratório, considerando a saída de portugueses das diversas localidades lusitanas. Maria da C. C. Salgado, Isilda B. da C. Monteiro, Ricardo Rocha, Susana S. Silva, Diogo Ferreira e Fernando de Sousa elaboram estudos que dão conta do perfil dos emigrantes, considerando faixa etária, gênero, funções exercidas e o que mais a documentação permitir, em áreas como a região do Douro e Trás os Montes, o universo insular açoriano e a parte Norte do país, desde o século XIX até bem entrado o século XX. Antonio O. de Souza Jr. e Daniel Barroso consideram o universo brasileiro por essa mesma perspectiva ao analisarem o fluxo de imigrantes portugueses para o Grão-Pará, no início do século XIX.
Outra dimensão dos estudos sobre imigração é satisfeita pelos trabalhos que analisam a experiência dos imigrantes no Brasil. É o caso da reflexão desenvolvida por Eliana R. Ferreira, que considera a presença portuguesa na Vila de Óbidos, no Pará do século XIX. Sênia Bastos analisa a distribuição dos diferentes estratos de imigrantes portugueses pela cidade de São Paulo, nas décadas de 1930 e 1940. Nessa dimensão, destacam-se, particularmente, as pesquisas sobre formas de sociabilidade, estabelecimento de vínculos e estratégias de ascensão social forjadas pelos imigrantes lusos, desde meados do século XIX até a segunda metade do século XX. Roseli Boschilia, Celina Fiamoncini e Giseli C. Passos, Vitor M. M. da Fonseca, Maria A. F. Pereira e Maria S. G. Frutuoso, Andréa T. da Corte, Ismênia Martins, Maria de N. Sarges e Caue Morgado, Cristina D. Cancela e Daniel Barroso e Yvone D. Avelino são autores dos artigos que tratam dessa fração importantíssima do universo imigrante, desvendando a interferência das diversas comunidades portuguesas no mundo em que se inserem. Maria Izilda S. de Matos e Lená M. de Menezes, em artigos próprios, participam desse grupo de trabalhos verificando as estratégias de sobrevivência e inserção social formuladas por mulheres imigrantes.
Aspectos reveladores do fluxo migratório português para o Brasil são perscrutados por outros artigos. O posicionamento da classe política lusa sobre a emigração para o Brasil é analisado por Paula Barros. José S. R. Mendes faz percurso inverso, ao considerar as reflexões dos constituintes brasileiros, de 1946, sobre a participação portuguesa na formulação da cidadania brasileira. Ainda com relação às formulações das elites, Paula M. Santos, Pedro Leitão e Filipe Ramos consideram a legislação portuguesa, produzida durante o Estado Novo português, e Paulo M. dos Santos Jr. analisa a apropriação das teses raciológicas, do final do século XIX, pela imprensa amazonense do início do século XX. O trabalho de Magda Ricci configura contraponto a este conjunto de trabalhos, pois, além de considerar a participação da comunidade luso-paraense na conformação de identidades locais, sopesa a percepção das populações indígenas e negras sobre a emergência daquelas identidades.
Dois trabalhos sugerem um caminho promissor para os estudos sobre imigração ao debruçarem-se sobre trajetórias individuais de imigrantes. É o caso da pesquisa de Aldrin M. de Figueiredo sobre o interessantíssimo caso de um pajé português no Pará oitocentista e o trabalho de Alexandre Hecker sobre a participação de um militante português nos processos iniciais do socialismo no Brasil. Finalmente, o trabalho de José J. de A. Arruda propõe reflexão sobre a apropriação, pelas pesquisas sobre imigração portuguesa, das contribuições formuladas pelos trabalhos que tratam do novo regime de temporalidade.
O livro Entre mares: o Brasil dos portugueses, especialmente pela diversidade dos temas que abarca e das perspectivas adotadas, oferece oportunidade para a reflexão sobre imigração no Brasil e, particularmente, para a consideração da participação portuguesa na conformação de nossas especificidades. Boa leitura!
Notas
2. Destaco os seguintes trabalhos, em os diversos estudos disponíveis: Boris FAUSTO. Negócios e ócios: histórias da imigração. São Paulo: Companhia das Letras, 2000; Jeffrey LESSER. Negociando a Identidade Nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2001; Giralda SEYFERTH; Helión POVOA NETO; Maria C. C. ZANINI. Mundos em Movimento: ensaios sobre migrações. Santa Maria: Editora da Universidade Federal de Santa Maria, 2007; Nelma BALDIN. Tão fortes quanto a vontade – história da imigração italiana para o Brasil: os vênetos em Santa Catarina. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999; Núncia Santoro de CONSTANTINO. Italiano na cidade: a imigração itálica nas cidades brasileiras. Passo Fundo/Porto Alegre: Editora da Universidade Federal de Passo Fundo/ACIRS, 2000; SEYFERTH, Giralda. A Colonização Alemã no Vale do Itajaí-mirim: um estudo de desenvolvimento econômico. Porto Alegre: Movimento, 1974; Maria Yume TAKEUCHI; Maria Luiza Tucci CARNEIRO (orgs.). Imigrantes Japoneses no Brasil: Trajetória, Imaginário e Memória. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008; Hiroshi SAITO. A presença japonesa no Brasil. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980.
3. Arthur Cezar Ferreira REIS. A Amazônia que os portugueses revelaram. Belém: Secretaria de Estado da Cultura, 1994; A política de Portugal no Vale Amazônico. Belém: Secretaria de Estado da Cultura, 1993; A formação espiritual da Amazônia. São Paulo: SPVEA, 1964.
4. Destaco, aqui, os trabalhos que analisam os fluxos migratórios e os percursos de imigrantes portugueses, como os de: Eulália Maria Lahmeyer LOBO. Imigração portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001; José Aurivaldo Sacheta Ramos MENDES. Laços de sangue: privilégios e intolerância à imigração portuguesa no Brasil (1822-1945). Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
5. CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, do Porto; Universidade do Porto, Universidade Lusíada; Universidade dos Açores; ISCTE: Universidade Federal do Pará: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: Universidade de São Paulo: Universidade Federal Fluminenses: Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Universidade do Estado de São Paulo e Universidade Mackenzie.
Mauro Cezar Coelho – Professor Adjunto da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará.
SARGES, Maria de Nazaré e outros (Org.). Entre mares: o Brasil dos portugueses. Belém: Paka-Tatu, 2010. Resenha de: COELHO, Mauro Cezar. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, v.6, n.6, p.229-232, 2010. Acessar publicação original [DR]
A instrução feminina em São Paulo: Subsídios para uma história até a Proclamação da República | Leda Maria P. Rodrigues
“Outro prazer (do historiador), este excitante prazer de decifrar, que não passa na verdade de um jogo de paciência.”
Georges Duby
A arte de vasculhar o passado, as memórias, as histórias fazem com que a oficina da História seja eternamente uma fonte de estudos e olhares, ciência e interpretações. O fato de sempre estar alerta às obscuridades e aos silêncios impele uma entrada investigativa em campos (inter)disciplinares como é a interface entre História e Educação, seguir os rastros empoeirados de velhos e esquecidos corpus documentae (sejam eles textuais, orais ou visuais), vozes silenciadas e, ainda assim, observar possíveis armadilhas que as intempéries e o uso de registros oficiais podem armar no processo de construção/reconstrução da História. Tudo isso indica-nos a difícil aventura percorrida neste campo do saber e tendo em vista que é produto da elaboração do conhecimento histórico/historiográfico.
Como expressou Georges Duby em seu livro A história continua: “cabe perguntar se o historiador encontra-se alguma vez mais próximo da realidade concreta, dessa verdade que anseia por atingir e que lhe escapa permanentemente, do que no momento em que tem diante de si, examinando-os atentamente, esses restos de escrita que emanam do fundo das eras, como destroços de um completo naufrágio, objetos cobertos de signos que podemos tocar, observar na lupa.”[1]
Este percurso por estudos que cruzaram as fronteiras da História e da Educação brasileiras tem um ponto em comum e um eixo fundante: a pesquisa desenvolvida por Leda Maria Rodrigues, ainda nos idos dos anos 60 e que reforçaram toda a produção posterior através de dissertações, teses, artigos e comunicações que partem de seu trabalho como referência da revisão historiográfica. Com seu doutorado intitulado A instrução feminina em São Paulo: Subsídios para uma história até a Proclamação da República, a historiadora Leda (mas também conhecida como Madre Maria Ângela) cria um marco na produção sobre a temática. Reconhecida pelas Escolas Profissionais Salesianas, de São Paulo, em 1962, conclui este estudo e faz extenso levantamento das principais inovações introduzidas no ensino particular feminino paulista durante o último quartel do século XIX, com destaque para o advento da Proclamação da República, ademais de ampla documentação para o Estado de São Paulo (elenco de colégios e dados fornecidos sobre educação feminina até 1889 é uma fonte demográfica/histórica de grande contribuição). Menciona desde ações governamentais que marcaram o período até a chegada de ordens religiosas ao Brasil e à Paulicéia. Alvo de sua atenção foram duas biografias em especial: Martha Watts e Marie Rennotte na Piracicaba dos anos 1880.
Das preceptoras às primeiras letras, das coleções de livros ao latim e às disciplinas “femininas”, das instruções “encomendadas” às primeiras ações políticas e religiosas que marcariam profundamente o projeto para um Brasil republicano. Das inúmeras instituições aos projetos profissionalizantes e técnicos; das exemplares professores/investigadoras até os mais remotos lugares de educação no interior do Estado foram alvo da tinta e da cuidadosa investigação promovida na tese.
Ao procurar narrar o cotidiano destas mulheres, formadas e educadas a partir dos princípios católicos de mãe cristã, Rodrigues marca o uso de categorias e fontes diferenciadas na construção da história regional. De um lado, há um ideal paradigmático de boa moça e do qual a mulher urbana não escapa, moldado para sua inserção funcional na nova sociedade brasileira, seguidora de normas do dever ser. Por outro, as experiências cotidianas demonstram existir uma certa tensão nesta relação, assentada nos costumes, nas maneiras originais pelas quais assimilaram ou não na sua formação os elementos prescritos, coercitivos e normatizadores, agravados pelos caminhos de um progresso acelerado decorrente do pós-guerra e que exigia a definição imediata dos novos papéis sociais para a mulher.
A tentativa de observar as transformações sócio-culturais ocorridas nos finais do século XIX e primeiras décadas do XX impõem, efetivamente, o inevitável esclarecimento de projetos ideológicos em vigor. No campo educacional, as discussões se exasperam no afã de adaptar a sociedade brasileira às constantes mudanças advindas do processo de republicanização e assentamento de novas relações no país. A trama republicana lançava os pilares de ordem e do progresso, contidos no ideário da Escola Nova, encontrando apoio nos princípios de desenvolvimento e de civilização, incentivando o surgimento de inúmeros agrupamentos em prol da formulação de políticas educacionais e médico-sanitaristas, incumbidos de traçar os rumos “inovadores” pelos quais a Nação deveria guiar-se. Confirma em sua tese que, no período anterior, justamente se caminhava na contra-mão: “na própria metrópole não havia escolas para meninas, apenas recolhimentos que visavam o ensino de afazeres domésticos e a mentalidade era considerar a instrução feminina como algo supérfluo e mesmo perigoso.”[2] Sua proposta doutoral indicou caminhos e possibilidades a outros estudos e detalhamentos. Não só como investigadora, mas sobretudo como integrante do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP, Irmã Leda – como era conhecida nos corredores – abriu múltiplas referências e oportunidades de entender, compreender e analisar melhor os matizes do projeto civilizador/civilizatório para educação e formação feminina dentro da história contemporânea brasileira.[3]
Um desses esforços, para além de suas orientações e trabalhos como educadora, foi verificar as contribuições realizadas a partir de seu marco. Pode-se mencionar aqui que um número especial da “Projeto História”[4] mostrou-se uma contribuição proeminente, não só pela temática apresentada, como por introduzir debates historiográficos que circundam ambos os temas. Nesta obra, a diversidade pode ser detectada a partir das perspectivas das autoras – de áreas acadêmicas distintas –, que enriqueceram a teoria e a historiografia em torno de temas tão “marginalizados”.
Em Educação e Gênero no Brasil, Fúlvia Rosemberg ressalta que a escola brasileira enfrentou um processo de “feminização”, causados por diversos fatores e que podem estar atrelados às “modificações culturais nas relações de gênero, os processos de urbanização, modernização, terceirização da economia e as crises econômicas poderiam estar provocando um aumento de escolaridade das mulheres e modificações no padrão de organização familiar”. Ademais, podemos citar como elementos constituidores deste processo de ampliação da escolaridade feminina: “a participação no mercado de trabalho, diminuição da fecundidade e retardamento da idade de casamento; diminuição da taxa de mortalidade infantil; ampliação de sua participação na esfera política.”[5]
Fruto também de diálogos com Leda Rodrigues, Rosemberg assinala contradições nos processos educacionais e que perpassam por questões de gênero, sendo exemplificado através da divisão curricular (conteúdos humanísticos para mulheres e técnicos para homens), ocasionando maior assimetria entre os sexos e apontando a escola como um centro de manutenção e reprodução da ordem estabelecida, seja esta na família, nos meios de comunicação ou no mercado de trabalho.
Outra assertiva é a de Eliane Lopes, cruzando História da Educação e Gênero e resgatando Michel de Certeau ao afirmar que a História é a escrita do “encontro de contingências, de decisões e de práticas”. Descreve os caminhos e fronteiras do ofício do historiador – desde o manuseio das fontes, passando pelo Scandere/Découper (decomposição/divisão) dos fatos históricos, pressupondo arte da inquirição e construção de categorias analíticas. “Categorizar, atrevo-me a uma definição, é a tarefa de organizar o material coletado, a partir de perguntas, para dar inteligibilidade ao problema posto. […] servem a problemas e a pesquisadores específicos, em realidades e tempos sociais determinados.”[6]
Talvez esta tenha, realmente, sido uma das maiores contribuições do trabalho original de Rodrigues e referência para as produções seguintes: a formulação, o uso de categorias de análise que possibilitem reconstituir culturas, memórias e histórias múltiplas. Concomitantemente, a tese envereda e articula a questão da história e educação feminina no Brasil, que será nas décadas seguintes alvo de inúmeros projetos e pesquisas. Apesar de uma ênfase na história das mulheres, sua tese ainda não se aproximava das contribuições sobre a categoria gênero.
Guacira L. Louro, em Uma leitura da História da Educação sob a perspectiva do gênero, demonstra séria preocupação nas questões concernentes ao gênero e a História da Educação, tendo como objetivo vislumbrar a abordagem histórica da educação sob tal perspectiva e com base teórica em Joan Scott e Michelle Perrot.
Após a introdução ao tema, Louro caracteriza a História da Educação: esteve sob o domínio de 1º) um paradigma experimental-positivista e, posteriormente, 2º) a articulação da educação com o todo social. Justamente neste ponto de transição e discussão epistemológica e teórica, a tese de Rodrigues marca seu tempo: ênfase dada aos estudos de instituições educacionais masculinas ou femininas, introduzindo uma abordagem embasada na categoria gênero, ampliando uso de fontes possíveis de investigação, além de contribuir para a elaboração de visões históricas. Para além do descritivo e cronológico, seguindo essa argumentação, a tese serviria como uma escrita comprometida e bastante detalhada de documentação sobre História e Educação feminina.
“Só podemos avançar em nossa leitura da história (e da história da educação) sob a perspectiva do gênero, na medida em que efetivamente aceitarmos que essa categoria é, ao mesmo tempo, social (portanto histórica) e biológica.”[7]
Outros foram continuidades e podem ser destacados: dissertação de Maria Cândida dos Reis Delgado sobre o período posterior ao estudado por Leda Rodrigues e avançando nas primeiras décadas da República. Também outros recortes e abordagens, tais como a escolarização profissional feminina, buscando “a relação histórica entre o dentro e o fora.”[8]
Outra questão revelada na leitura da tese é a relação Igreja e Educação. Ao dedicar um estudo sobre os libertários, existindo forças assimétricas na realidade feminina: “de um lado a Igreja, a força conservadora que coloca a mulher na secular ignorância, impedindo o seu acesso à educação e à ciência, pontuando o universo feminino de superstições, pregando a resignação e conformação. De outro lado está a educação, capaz de despertar a sua consciência crítica, apresentando-lhes um universo científico e racional, que a leva ao questionamento, sendo uma força de transformação de sua condição.”[9]
Uma resenha da tese e dos caminhos abertos por Irmã Leda são sinônimos. Seu doutorado é uma pesquisa original, inédita, útil e válida [10] e a revelação de suas potencialidades estão não só restritas ao número de citações, comentários e referências, mas aos impactos que tiveram e continuam a ter, mesmo depois de quase cinqüenta anos de distância temporal. ANPUH, ANPED, Programas de pós-graduação e graduação – especialmente nas áreas de História e Educação – continuam a mencionar a escrita de Leda Rodrigues. Rigor, compromisso, escrita criteriosa foram componentes de seu texto e de sua vida como educadora. Seu reconhecimento vem pelo acesso, disponibilidade, impacto, mas, sobretudo, por criar e potencializar uma área de interconexão nas Humanidades que resultou em diversas linguagens, pesquisas e continuidades.
Notas
1. DUBY, Georges. A vida continua. Rio de Janeiro, Zahar/UFRJ, 1994, p. 17.
2. RODRIGUES, Leda Maria P. A instrução feminina em São Paulo: Subsídios para uma história até a proclamação da República. São Paulo, 1960, p. 18. (Tese. PUC/FFCL “Sedes Sapientiae”.
3. CAVALCANTI, Vanessa R. S. Vestígios do Tempo: Memórias de mulheres católicas (1929-1942). 1995. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Estudos Pós-Graduados em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 1995.
4. ROSEMBERG, Fúlvia et al. Projeto História: Mulher & Educação, São Paulo, PUC-SP, n. 11, 1994, p. 9.
5. ROSEMBERG, op. cit., 1994, p. 9.
6. LOPES, 1994, p. 21. In: ROSEMBERG, op. cit., 1994.
7. LOPES, op. cit., 1994, p. 40.
8. OLIVEIRA, 1994, p. 58. In: ROSEMBERG, op. cit., 1994.
9. PRACCHIA, 1994, p. 76. In: ROSEMBERG, op. cit., 1994.
10. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 1997.
Referências
CAVALCANTI, Vanessa R.S. Vestígios do Tempo: Memórias de mulheres católicas (1929- 1942). 1995. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Estudos Pós-Graduados em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 1995.
DUBY, Georges. A vida continua. Rio de Janeiro, Zahar/UFRJ, 1994.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 1997.
RODRIGUES, Leda Maria P. A instrução feminina em São Paulo: Subsídios para uma história até a Proclamação da República. São Paulo, 1960. (Tese. PUC/FFCL “Sedes Sapientiae”).
ROSEMBERG, Fúlvia et al. Projeto História: Mulher & Educação, São Paulo, PUC-SP, n. 11, 1994.
Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti – Pós- doutora em Humanidades pela Universidade de Salamanca, Espanha (CAPES, 2011 e CNPq, 2008). Doutora em História – Universidad de Leon (2003). Mestrado em História Social pela PUC-SP. Professora e pesquisadora da Universidade Católica do Salvador no Doutorado e Mestrado em Família na Sociedade Contemporânea. Integrante do Núcleo de pesquisa e estudos sobre juventudes, identidades, cidadania e cultura (NPEJI/UCSAL) e do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade – NEHSC – PUC-SP.
RODRIGUES, Leda Maria P. A instrução feminina em São Paulo: Subsídios para uma história até a Proclamação da República. São Paulo, 1960. Tese. PUC/FFCL “Sedes Sapientiae”. Resenha de: CAVALCANTI, Vanessa Ribeiro Simon. Conexões históricas para além de uma geografia paulista: educação, gênero e instituições. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.5, 2010. Acessar publicação original [DR]
Paulistas e emboabas no coração das Minas: Ideias, práticas e imaginário político no Século XVIII | Adriana Romeiro
A obra recente de Adriana Romeiro, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, vem suprir uma lacuna de estudos recentes sobre o episódio da guerra dos emboabas, conflito que agitou Minas Gerais no início do século XVIII.
O levante dos emboabas é um tema clássico da história do Brasil, já abordado por autores do século XVIII, como Sebastião da Rocha Pitta, Manuel da Fonseca, Pedro Taques Leme e Cláudio Manuel da Costa. O tema foi retomado pelos primeiros historiadores que se propuseram a escrever uma história nacional, originando uma controvérsia sobre quem teria protagonizado um movimento então identificado como nativista, se os paulistas ou os emboabas. Leia Mais
Kissinger e o Brasil | Matias Spektor
A trama desenvolvida por Matias Spektor em “Kissinger e o Brasil” encapsula um importante episódio das relações bilaterais entre o Brasil e os Estados Unidos e narra como Henry Kissinger tornou-se um ponto focal para a diplomacia brasileira na consecução do projeto de Brasil Potência. Jovem intelectual da nova geração de historiadores das relações internacionais brasileiros, Matias Spektor coordena o Centro de Estudos sobre Relações Internacionais do CPDOC/FGV e vive intensamente a realidade da pesquisa arquivística no Brasil. No livro, o argumento central é que o Brasil construiu seu caminho no sistema internacional, procurando impor seus próprios termos e desígnios nacionais às relações com os outros países. Perante os EUA procurou exercer um papel protagônico em três sentidos: a) afastou-se de uma postura de rivalidade ou de submissão; b) buscou estabelecer-se como um dos alicerces da ordem global; e c) evitou seguir inadvertidamente os preceitos do “gigante do norte”.
O objetivo da obra é traçar a evolução da aproximação entre os governos de Washington e Brasília sob os comandos diplomáticos de Henry Kissinger e Azeredo da Silveira durante a década de 1970. Portanto, não se trata de uma biografia sobre um Homem de Estado, mas um estudo histórico das idéias de mandatários como Geisel e Nixon, mas principalmente Silveira e Kissinger, que impactaram diretamente nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Leia Mais
Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825/1909): o patriarca do Serra Negra e a política oitocentista em Sergipe | José Ibarê Costa Dantas
Ibarê Dantas (2009) | Imagem: Infonet
Resenhista
Samuel Barros de Medeiros Albuquerque – Professor da Universidade Federal de Sergipe (NMU/UFS). Doutorando em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: samuelalbuquerque@ufs.br .
Referências desta Resenha
DANTAS, José Ibarê Costa. Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825/1909): o patriarca do Serra Negra e a política oitocentista em Sergipe. Aracaju: Criação, 2009. Resenha de: ALBUQUERQUE, Samuel Barros de Medeiros. Sob a lupa de Ibarê. Ponta de Lança- Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. São Cristóvão, v.3, n. 5, p.117-121, out. 2009/abr. 2010. Acesso apenas pelo link original [DR].
Sandra Jatahy Pesavento: a historiadora e suas interlocuções (Segunda parte) | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2009
Com esta edição, o periódico Fênix – Revista de História e Estudos Culturais (Volume 6, Ano VI, Número 3 – Julho / Agosto / Setembro – 2009) dá continuidade à homenagem, iniciada no número anterior, à historiadora Sandra Jatahy Pesavento, falecida no início de 2009.
Estamos muito honrados, pois, neste número, Fênix – Revista de História e Estudos Culturais traz aos leitores a segunda parte do Dossiê intitulado “SANDRA JATAHY PESAVENTO: A HISTORIADORA E SUAS INTERLOCUÇÕES”, cuja organização ficou sob a responsabilidade das Profas. Dras. Nádia Maria Weber Santos (que também assina a Apresentação), Miriam de Souza Rossini e Maria Luiza Fillipozi Martini. Leia Mais
O Horizonte Regional do Brasil: Integração e Construção da América do Sul | Leandro Freitas Couto
Pensar as relações internacionais do Brasil exige ao analista a consideração de elementos políticos, econômicos, sociais, culturais e geográficos que sejam capazes de situar um significado singular à experiência internacional do país. A combinação desses elementos e a análise dela decorrente representam, portanto, condição necessária para compreender de que maneira é formulado e articulado seu projeto de política externa, bem como suas variações ao longo do processo histórico.
Este foi o desafio enfrentado por Leandro Freitas Couto, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e analista de planejamento e orçamento do Ministério do Planejamento. O livro, todavia, traz mais do que sua dissertação, apresentando resultados mais recentes da pesquisa que está em andamento no doutorado. Leia Mais
A dança dos deuses: futebol, sociedade, cultura | Hilário Franco Júnior
Comecemos com um clichê imperdoável: existem 180 milhões de técnicos de futebol no Brasil. Todo mundo pensa que entende do assunto. É uma reconhecida tradição nacional que praticamente a totalidade desse imenso exército de amadores chame o profissional que comanda a Seleção Brasileira de burro. Muitos, mesmo sem entender totalmente a lógica da regra do impedimento, declaram aos berros que podem fazer melhor. Melhor que os técnicos e melhor que os jogadores. Tudo ou nada é o lema. Um segundo lugar na Copa, medalha de prata ou bronze nas Olimpíadas são consideradas campanhas fracassadas. Erros não são permitidos. Perder um pênalti é imperdoável. Sofrer um frango é motivo de vexame eterno. Fazer gol contra é uma heresia.
A cultura do futebol está entranhada na cultura nacional. Seu jargão, seus hábitos, seus mitos. Estranhamente, até mesmo sua história. Não é tão raro que indivíduos que não sabem dizer quem foi Tiradentes ou D. Pedro I sejam capazes de dar a escalação completa do Guarani de Campinas, campeão brasileiro de 1978. O brasileiro médio que, outro clichê, não faz a mínima questão de cultivar a memória nacional, cultiva cuidadosamente sua história futebolística. Diversos programas esportivos de televisão ajudam nessa preservação, passando diariamente cenas de arquivo. Algumas imagens, de tão repetidas, entraram para o imaginário coletivo. Os resultados práticos desse amplo esforço educacional são continuamente comprovados ao final de cada partida de futebol, profissional ou amadora. Os torcedores, por mais simplórios que sejam, destilam orgulhosamente sua erudição esportiva nas rodas de conversa após os jogos. Enfim, todo brasileiro, de modo macunaímico, além de técnico de futebol também é um historiador do futebol. Leia Mais
Dourados: memórias e representações de 1964 | Suzana Arakaki
No livro, originário de sua dissertação de mestrado, a autora trata das conjunturas que levaram ao regime militar em 1964 e as reviravoltas políticas que foram geradas pela euforia do movimento no antigo sul do estado de Mato Grosso, especialmente a cidade de Dourados e a região da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), lugares grandemente influenciados pela ação do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). O contexto por ela analisado tem como recorte temporal a década de 1960, desde os primeiros momentos do governo de Jânio Quadros, concentrando especialmente na posse e governo de João Goulart (o Jango), destacando suas indefinições político-partidárias, até o golpe derradeiro com o Golpe e a tomada do poder pelo militares.
Para a elaboração do seu texto a autora vai fazer uso de notícias veiculadas no jornal douradense “O Progresso”, deixando clara a postura de direita assumida pelo mesmo e o apoio dado à derrubada do Governo Goulart, tendo como figura de destaque na propagando da pseudo-revolução o proprietário do jornal e deputado Weimar Gonçalves Torres. Em seguida ela não deixa de salientar a decepção que acometeu o mesmo deputado, assim como tantas outras pessoas da região com os resultados das ações dos militares. Para se utilizar dos jornais como fonte de sua pesquisa a autora elabora um pequeno histórico dos periódicos locais. Leia Mais
A história na escola: autores, livros e leituras | Helenice Aparecida Bastos Rocha, Luís Reznik e Marcelo de Souza Magalhães
Na última década, tenho vislumbrado um significativo avanço nas pesquisas na área de ensino de história no Brasil, traduzido pela presença de dissertação e teses defendidas nos programas de pós-graduação em História e Educação versando sobre temas como produção, circulação e usos dos livros didáticos, formação e prática do professor, novas linguagens e tecnologias, políticas públicas e currículos entre outros. Esse crescente interesse pelo assunto fica evidente na quantidade de livros, coletâneas e dossiês em periódicos científicos publicados no país. A Revista de História da Biblioteca Nacional, criada em 2005, à guisa de ilustração, desde o seu primeiro número tem dedicado uma seção às questões do ensino da História na escola de educação básica.
Em 1998, quando iniciava os primeiros passos na pesquisa, podia-se rapidamente levantar mentalmente a pequena lista de obras de referência sobre a história do ensino da História no Brasil, mesmo as dissertações e teses ocupavam poucas páginas após uma busca bibliográfica. Não me esqueço da alegria que fora mim receber do orientador de iniciação científica a coletânea O saber histórico na sala de aula, organizado pela historiadora Circe Bittencout. Até então só conhecia Repensando a história, organizado por Marcos Silva (1984), Ensino de História: revisão urgente (1986), de Conceição Cabrini e outras autoras, O ensino de história e a criação do fato (1988), organizado por Jaime Pinsky, Caminhos da história ensinada, de Selva Guimarães Fonseca (1993), e artigos publicados em um ou dois dossiês na Revista Brasileira de História e Cadernos CEDES. Leia Mais
Cristianismos no Brasil Central – História e Historiografia
Dentre os vários Domínios da História encontramos na História das Religiões e Religiosidades, atualmente, em lugar de destaque. giosidade em lugar de destaque, Entre as sociabilidades e sensibilidades percebidas a partir do viés religioso, um volume considerável de pesquisadores tem se dedicado a produções científicas com este enfoque, possibilitando condições para enxergarmos novos rumos e novas abordagens, inseridas na perspectiva da História Social e Cultural, tendo como referência os diferentes grupos religiosos e suas práticas. As discussões nesta direção imbricam-se, satisfazendo e/ou suscitando que certamente imbricam-se satisfazendo ou sucitando r estecuriosidades que despertam novos problemas intrincados a este campo epistemológico. Existe consenso quanto à complexidade de discuti-las e entendê-las, porém, o ato embrenhar-se à pesquisa torna estas fronteiras uma possibilidade iminente de transposição.
Um exemplo pertinente desta ação pode ser visto na obra Cristianismos no Brasil Central – História e Historiografia – Goiânia: Editora da UCG, 2008. Com temáticas voltadas para a experiência do cristianismo em Goiás, esta obra leva à compreensão de que este aspecto se torna um vetor importante para adentrarmos no cotidiano social e suas representações cada vez mais nítidas na História de Goiás. Vemos que as temporalidades contempladas nos artigos que compõem a obra justificam esta tendência, já que as mesmas se encontram atávicas às origens identitárias dos sujeitos constituintes da história regional, formal e ou informalmente. Leia Mais
A formação da elite colonial. Brasil (c. 1530 – c. 1630) | Rodrigo Ricupero
Os momentos iniciais da efetiva conquista e ocupação dos territórios americanos do império português são de fundamental importância para todo o posterior desenvolvimento histórico do Brasil. Durante estes anos se desenharam os traços básicos da distribuição espacial da América portuguesa, traços que repercutem até hoje nas dinâmicas do país. Vem dessa época também algumas das principais feições sociais do país, bem como uma parcela importante do caldo sociológico que compõe suas culturas políticas. Apesar de sua importância, poucos são os historiadores que ousam mergulhar nestas águas profundas, nesta fase ao mesmo tempo tão longínqua e tão presente de nossa história. As razões para isso em geral giram em torno do problema das fontes. Essa é uma questão que se repete para outros objetos do período colonial, o que faz desta fase a menos conhecida de nossa história, pese seu caráter fundante.
A obra em tela enfrenta estas limitações e ousa incursionar no primeiro século de colonização. Sua baliza cronológica inicial é 1530, momento em que a política da coroa em relação às terras que lhe cabiam pelo Tratado de Tordesilhas “dá um salto de qualidade, com a iniciativa do povoamento das terras da costa do Brasil”. O fechamento do período do estudo é a invasão de Pernambuco pela West Indische Compagnie, em 1630, fase em que a conjuntura externa foi sacudida pela entrada em cena de novas potências e pela crise geral do século XVII. Do ponto de vista geográfico, o estudo abrange toda a área costeira da colônia, salientando o autor, que a repartição do estado do Maranhão somente se efetivou a partir de 1626. Leia Mais
O Brasil tem jeito? | A. Ituassu
O título é sedutor. A proposta parece progressista. Entre os textos organizados estão autores como Luiz Gonzaga Belluzzo e Wanderley Guilherme dos Santos. Um transeunte ingênuo na livraria poderia até dizer que a presença de Miriam Leitão, Merval Pereira e Gustavo Franco forneceriam certa pluralidade à proposta dos autores. Se estiver com pressa, e não olhar a orelha do livro que “pretende servir de base para o cidadão nos pleitos que virão”, acaba até levando-o para casa. Confesso a minha desatenção.
Ao começar a folhear o livro em casa, dando-me conta do engodo, tentei me conformar com o argumento de que “afinal, trata-se de uma amostra do pensamento da intelligentsia brasileira”. Pesquisa de campo. No final, a sensação de estar diante de um “museu de grandes novidades” persistiu em uma obra que nada acrescenta ao atual debate sobre a conjuntura brasileira, e, no que visa a propor, comete erros e simplificações grosseiras. Leia Mais
Paradiplomacia no Brasil e no mundo: o poder de celebrar tratados dos governos não centrais | José Vicente da Silva Lessa
Tradicionalmente, as relações internacionais sempre se comportaram no âmbito dos governos centrais dos Estados, e desenvolvidos sob os auspícios da atividade diplomática. No entanto, a partir das últimas décadas do século passado, um complexo fenômeno denominado de paradiplomacia tem imposto ações analíticas à Academia – mormente dentre os cânones de Direito, Ciência Política, Relações Internacionais e Administração Pública –, à Chancelaria dos governos centrais e às secretárias de governos subnacionais de vários países do globo.
Resultado de Tese apresentada no XLIV Curso de Altos Estudos do Ministério das Relações Exteriores, Instituto Rio Branco, em 2002, e, além de grande alento para estudiosos do tema – visto a escassa produção acadêmica e intelectual sobre paradiplomacia no País –, a obra de Lessa trata-se de contribuição tão valorosa quanto bem-vinda. Leia Mais
Sandra Jatahy Pesavento: a historiadora e suas interlocuções | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2009
Sandra Jatahy Pesavento foi uma mulher de desafios e inovadora. Inovadora no que pensou, no que fez, no que trouxe para o mundo da História neste espaço acadêmico do sul do país. E suas idéias atravessaram as fronteiras gaúchas, inspirando e ganhando interlocutores em vários circuitos acadêmicos nacionais e internacionais.
Em palestra proferida no Museu Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, em outubro de 1997 (quando ela mesma organizou a I Jornada de História Cultural, trazendo o historiador François Hartog, da École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris), a historiadora lançou a “pedra fundamental” do que seria o mote de sua vida profissional daí em diante: os pressupostos da História Cultural. Ela relacionou sete desafios e três impasses referentes a este novo campo historiográfico. Um destes desafios é a reafirmação da dúvida, enquanto princípio de todo o conhecimento, o que abre espaço para a incerteza, o desafio. É a História e suas várias interpretações; a possibilidade de contá-la sem antecipar a conclusão, a História como versão do que se passou, relativizando o contexto científico da mesma. Para Sandra Pesavento, a História Cultural veio firmar-se em uma nova postura epistemológica e em uma nova estratégia metodológica, apontando para um caminho de complexificação da História e refinamento da análise. Leia Mais
Da União à Fundação. A História da Panificação em São Paulo | Cristina Nilmara Perissini
A presente resenha se faz pertinente porque através dela coloco algumas preocupações referentes às normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), citações de fontes e revisão textual. Questões que ficaram evidentes na obra “A História da Panificação em São Paulo”, da autora Nilmara Cristina Perissini.
Com o livro em mãos, tive o primeiro contato com o resumo do currículo da autora, que é formada em História pela UNORP (Centro Universitário do Norte Paulista), e também autora dos seguintes livros: “Do Trigo ao Pão Sem Complicação”, lançado em 2003, e “Palestra Esporte e Clube. Histórias e Memórias”, lançado em 2000. É também responsável pelo Memorial da Panificação de São Paulo desde 1995. Além disso, vem de uma grande família de padeiros. A referida obra eleita para resenha possui dez capítulos e cento e setenta páginas, onde são narrados os principais acontecimentos que envolveram um dos mais antigos alimentos: o pão.
As padarias foram e são ao mesmo tempo um misto de comércio e indústria, e enfrentaram durante as décadas de 10 e 20 a concorrência de outros comércios, como os “quiósques”, que se dispunham a vender pão ao meio de moscas, bebidas alcoólicas, café, leite, cigarros de palha, fumo de corda, biscoitos, balas, jornais, bilhetes de loteria, graxas, cordas para sapateiros, entre outras mercadorias, que prejudicavam o aroma, o sabor e a higiene do pão. Estas e outras questões fizeram com que um grupo de panificadores liderados por Carlos C. Calia, Manuel R. Ladeira e Bignardi Albano fundassem a União Cooperativa dos Proprietários de Padarias de São Paulo, em 11 de fevereiro de 1915, e mais tarde, em 6 de junho de 1935, o Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria.
Essas organizações foram bastante importantes, pois defendiam a classe patronal dos panificadores, assim como também organizavam as relações com os padeiros. A maioria dos panificadores era de italianos, portugueses e espanhóis. Essa pequena diversidade de nacionalidades resultava também em uma diversificação na fabricação de pães.
As padarias das famílias italianas e espanholas faziam pães que pesavam entre um a dois quilos, e eram conhecidos como filões, roscas ou panholas.
Esses pães foram chamados de caseiros, pois eram feitos com fermentação natural, o que os tornava mais saborosos no dia seguinte. A maioria dos fregueses adquiria pão para dois ou três dias, permitindo assim que a padaria pudesse ficar fechada um dia por semana, oferecendo descanso semanal aos empregados, uma polêmica discussão sobre os direitos trabalhistas de padeiros e de funcionários ligados ao ramo panaderil.
O final da década de 20 e início da década de 30 marcou a presença das padarias chamadas “francezas”, que eram comandadas por portugueses.
Essa denominação estava relacionada à fabricação de pães que utilizavam o fermento biológico, esse derivado da cana de açúcar e do amido extraído da mandioca. Esse sistema de trabalho para a produção de pães permitiu aos padeiros fabricarem várias fornadas diárias, com pão quente toda hora.
Essa forma portuguesa de trabalhar inovou o modo de administrar as padarias, que a partir de então poderiam revezar os funcionários em turnos de trabalho, e garantia o funcionamento sete dias por semana à disposição do freguês, 20 horas por dia aproximadamente.
Havia também já no início do século XX as confeitarias de luxo, que se localizavam no Largo do Rosário e na Rua XV de Novembro. Temos como exemplo desse período a Confeitaria Castelões, que ficava aberta até às dez horas da noite. Outras de destaque foram a Fasoli, a Nagel, a Brassiere e Progredior, todas localizadas na rua XV de Novembro. Algumas delas como a Fasoli tinham até apresentação de orquestra.
A presente obra traz uma imensa contribuição para a área de humanas, sobretudo aos historiadores. Foi de suma importância a leitura deste livro para a pesquisa, e continua a ser relevante e pertinente às discussões no Núcleo de Estudos da História Social da Cidade – NEHSC – da PUC-SP, pois Nilmara consegue dar um panorama sobre tão importante tema, ainda mais quando traz à tona os problemas da história da panificação em São Paulo.
Isso posto, o motivo dessa resenha é chamar a atenção para as lacunas deixadas na obra que, sem dúvida, é de suma importância.
De início, algo chamou a atenção quando a autora narra sobre a alimentação portuguesa na ocasião do “descobrimento” do Brasil. Segundo a sua narrativa, houve um choque de paladar entre a base alimentar estruturada no pão, vinho e azeite, e os novos alimentos e sabores da culinária indígena, em que o consumo de mandioca e seus derivados, como a farinha, predominaram sobre a farinha de trigo.
Nessa discussão, a autora cita uma frase de José de Anchieta no século XVI: “Já deu trigo mas não o querem… Apenas semearam alguns grãos para hóstias e bolinhos…”
A citação acima não é devidamente indicada na presente obra resenhada. De onde foi tirada? De um livro? De uma carta? De um jornal? A dúvida sobre a fonte ficou eloqüente. A referida citação encontra-se na obra de Ernani Silva Bruno (1984, p. 33).
Nilmara continua a narrar sobre essa relação do homem com o pão, a escassez do trigo e hábitos alimentares. Assim, aponta que por volta de 1616, a Câmara Municipal de São Paulo registrou em suas Atas diversos pedidos de licenças para a instalação de moinhos. Mas também a autora não indica a localização das referidas atas [1], como também não indica a fonte documental sobre o trabalho feminino das chamadas padeiras, as quais era permitido fabricarem e venderem pães.
Mais adiante, a autora afirma que nos meados do século XIX, a sociedade paulistana estava influenciada pela presença dos imigrantes italianos na fabricação do pão de trigo. Com as famílias desses imigrantes surgiram as padarias italianas, como a Padaria Santa Tereza, fundada em 1872 e instalada na rua Santa Tereza, próxima à Praça da Sé; a Padaria Ayrosa, fundada em 1888, no Largo do Paissandu; a Padaria Popular, fundada em 1890, da família Di Cunto, na Rua Visconde de Parnaíba.
Após breve citação dos logradouros panaderis, a historiadora apresenta um depoimento oral do Senhor Alfredo Di Cunto, mas também não esclarece a fonte da entrevista. Algumas indagações surgiram: quando foi realizada a entrevista? Quem o entrevistou? A entrevista foi publicada na íntegra? O que foi perguntado ao Senhor Alfredo? Qual a importância desse cidadão no processo de panificação de São Paulo? O documento se perde por não ser devidamente apresentado.
Após esses e outros dados narrativos, o livro segue com um caderno de seis fotos, respectivamente: a Padaria Franceza; a Santa Tereza; a Nova Padaria Franceza; a Confeitaria da Sé; a Padaria União Brasileira; e a carrocinha de entrega de pão. Nenhuma das fotografias possui indicativo de arquivo, se este é público ou particular, e as datas das respectivas imagens são incertas. Por exemplo: por volta de 1900; por volta de 1910; entre outras questões lacunares sobre o trabalho com iconografia.
As atividades do ramo panaderil envolviam muitas questões a serem resolvidas e muitos problemas a serem enfrentados, desde a relação com a exportação do trigo quanto ao preço e venda do pão.
Com essa discussão, a autora cita um documento que se refere à Alimentação da Classe Obreira de São Paulo. Também não se sabe se é um livro, uma Tese, uma Dissertação, ou outro tipo de fonte documental, nem tão pouco a data e o local de publicação.
São inúmeras as citações de livros, Atas, depoimentos orais, revistas, jornais, relatórios de congressos e cartazes de cursos de panificação que não apresentam indicação de fontes, e o que existe de indicação está fora dos padrões da ABNT.
A autora não apresenta Bibliografia no final do livro, como também organização dos documentos utilizados como fontes. Alguns poemas e crônicas que foram utilizados também não estão devidamente apresentados. Vale ressaltar que a documentação eleita pela autora é variada e rica.
Outra questão que está em evidência é a falta de revisão textual, onde o revisor com o olhar atento deve corrigir os erros de digitação e impressão gráfica.
Ocorre que os historiadores têm uma responsabilidade muito grande com a transmissão da História, seja pelo ensino e/ou pela pesquisa, como também com os resultados obtidos por este ofício, expressos em artigos, resenhas, Teses, Dissertações, livros, comunicações, palestras, aulas, oficinas entre outros. Deve-se pensar como contribuir com qualidade e de forma diferenciada para a produção do conhecimento.
Sem dúvida, Nilmara Cristina Perissini tem dado grandes contribuições à historiografia, e com respeito e admiração pela colega de oficio, ouso resenhar a sua obra de forma crítica, pois a mesma trouxe-me preocupação com a referida documentação apresentada de forma lacunar e, por isso, não pude saborear melhor o saber sobre a história de um dos alimentos mais antigos do mundo, o pão!
Nota
1 As referidas atas encontram-se no Arquivo Municipal Washington Luiz, localizado na cidade de São Paulo, local por mim pesquisado recentemente.
Referência
BRUNO, Ernani Silva. História e tradições da cidade de São Paulo: arraial de sertanistas (1554-1828). São Paulo: Hucitec, 1984. v. 1.
Márcia Barros Valdívia – Professora Doutora em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Integra o Núcleo de Estudos da História Social da cidade – NEHSC – da PUC-SP. Atualmente desenvolve projetos de pesquisa junto ao NEHSC, entre eles “Padeiros Portugueses em São Paulo”, “Padarias na Cidade de São Paulo”, “Cantinas Portuguesas e a Cidade de São Paulo” e “História da Vila Madalena.
PERISSINI, Cristina Nilmara. Da União à Fundação. A História da Panificação em São Paulo. São José do Rio Preto: Mundial, 2005. Resenha de: VALDÍVIA, Márcia Barros. Para escrever e fazer pães: a necessidade da técnica e do método. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.2, 2009. Acessar publicação original [DR]
Senhores da história e do esquecimento: a construção do Brasil em dois manuais didáticos de História na segunda metade do século XIX | Ciro Bandeira de Melo
Introdução
Senhores da história e do esquecimento é a tese de doutoramento de Ciro de Melo, defendida na Universidade de São Paulo em 1997. Esse estudo imprescindível para todos os que se interessam pela história do ensino de História no Brasil finalmente foi publicado pela Editora Argvmentvm. A obra enfoca a disputa política pela representação do passado brasileiro na segunda metade do oitocentos.
O próprio título sintetiza bem a principal questão do texto: o que faz um acontecimento se tornar um fato histórico? Quem escolhe – e a partir de que critérios – o que será lembrado e o que será esquecido pela posteridade? Essas perguntas nos levam ao pressuposto que antecede à discussão: não há uma “verdade histórica”, mas construções históricas do passado. Leia Mais
Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes | Samuel Pinheiro Guimarães
O atual secretário-geral de relações exteriores do Brasil, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães escreve uma obra fundamental para compreendermos os principais dilemas do desenvolvimento nacional frente ao cenário já consolidado da Globalização enquanto processo no qual o Brasil está irremediavelmente inserido. É interessante localizar este trabalho, para entendermos melhor as suas motivações e apurarmos a nossa leitura.
Nos seus mais de 30 anos de carreira, Guimarães assistiu às diversas transformações na política externa brasileira, incluindo-se atuação na SUDENE e na Embrafilme durante o regime civil-militar. Foi um dos principais advogados da não-entrada do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas ao longo dos últimos 10 anos. Contudo, a notoriedade do trabalho do autor só ganhou espaço devido com a guinada nas relações exteriores do Brasil que ocorre inicialmente em 2003 e, mais notadamente, no segundo mandato do governo Lula. Leia Mais
Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira | Francisco Iglesias
Livro inédito e póstumo, publicado em 2000, um ano após o falecimento do historiador Francisco Iglésias, Historiadores do Brasil: capítulos da historiografia brasileira ainda representa um manual historiográfico a enriquecer, sobremodo, o ensino e a pesquisa de história. Não obstante às análises historiográficas produzidas nas últimas décadas, que alargaram os horizontes da pesquisa e ressignificaram trabalhos clássicos; o estudo da historiografia brasileira é um campo em aberto, que ainda carece de maior produção bibliográfica, et pour cause ávido por incursões capazes de ampliarem cada vez mais as interpretações há muito consagradas.
Longe de se constituir em um catálogo, o livro expressa, por um lado, o compromisso inequívoco do autor em entender a história do Brasil, o que sempre esteve inseparável do desafio do intelectual de transformá-la; e, por outro, a busca incessante para entender todas as dimensões da historiografia, área que o historiador Francisco Iglésias mais cultivou e refletiu ao longo de sua vida. Leia Mais
Caio Prado Junior, o Sentido da Revolução | Lincoln Secco
A obra de Caio Prado Júnior foi um marco na história do pensamento brasileiro. Ao lado de Gilberto Freyre, autor de Casa-Grande e Senzala (1933); de Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil (1936), Caio Prado Júnior marcou esta geração de grandes intelectuais brasileiros da década de 1930, com a publicação de Evolução Política do Brasil (1933).
Caio Prado Júnior partilhou – assim como inúmeros intelectuais de sua geração – da ousada preocupação de tentar entender a realidade brasileira como uma totalidade dotada de sentido, através de grandes obras de síntese. Esta perspectiva foi em parte abandonada pelas gerações seguintes que em nome de uma crescente especialização do conhecimento passaram a produzir trabalhos de caráter cada vez mais fragmentário. Leia Mais
Trajetórias de vida na História. | Fernando Tadeu de M. Borges
Trata-se de um livro original, sui generis e excêntrico, escrito por uma coletividade de autores não para exaltar personalidades, mas com o difícil objetivo de compreender, nas entranhas, o processo histórico latino-americano. Sem dúvida, tarefa complicada, não apenas para historiadores profissionais, mas principalmente para pessoas de outras áreas do conhecimento. Mesmo assim, os vinte e quatro artigos publicados por vinte e sete autores diferentes fixaram-se em aspectos instigantes do conhecimento histórico, oferecendo ao leitor interpretações que passam pela família patriarcal brasileira, pelas presenças das mulheres nos discursos históricos e pelas reminiscências da pracinha da vovó, só para citar alguns exemplos.
A satisfação dos autores não é descabida com o resultado do trabalho. Uma publicação como esta poucas vezes acontece nas trajetórias de vida dos próprios escritores. Desde o lançamento em 2008 o livro revelou-se de grande interesse para o público em geral. Centenas de exemplares já foram vendidos e a procura vem aumentando.
Acredito que o grande mérito dos organizadores tenha sido reunir temas tão distintos, alguns até bastante excêntricos, com autores tão variados, tornando o livro, de certa forma, bastante provocativo.
O livro conta com um breve comentário do Professor Marcos Prado de Albuquerque, que ressalta o mérito acadêmico do trabalho, mas enfatiza que o mesmo pode ser lido com muito prazer pelo público em geral e, também, com a epígrafe instigante de Sara Beatriz Guardia, pesquisadora do Instituto de Investigación de la Facultad de Ciencias de la Comunicación de la Universidad de San Martín de Porres (Lima, Peru). A apresentação dos organizadores é um verdadeiro convite à leitura da obra.
Devo registrar que esta coletânea tem para mim um elemento de grande interesse pessoal, pois grande parte dos temas estudados faz parte das minhas predileções como leitor indisciplinado e voraz. Desejo chamar a atenção, por mero interesse subjetivo, para o artigo “Corumbá, Campo Grande, Brasília e Cuiabá: quatro capitais na vida de José Fragelli”, de autoria do Professor Vinícius de Carvalho Araújo. É certo que não posso considerar as minhas experiências pessoais como exemplares, mas tive o privilégio de ser vizinho da família Fragelli, quando residi em Aquidauana, na rua Marechal Mallet. Conservei as mais gratas recordações daquela época na qual me senti completamente enraizado na sociedade mato-grossense, pois a residência da família Fragelli me parecia uma extensão de Cuiabá. Dona Lurdes é uma figura emblemática da cultura local e memória viva. Aproveito para sugerir aos organizadores deste livro um capítulo complementar para a próxima edição sobre esta personalidade feminina que afirma ter lembranças do Conde Labatut, autor de um interessante estudo sobre a Fazenda Francesa visitada, no final dos anos 30 do século XX, por Claude LéviStrauss. Não sei ao certo se as recordações de Dona Lurdes sobre o “nobre” francês são reais, mas o certo é que ela foi lembrada por Nelson Werneck Sodré em um dos seus livros de memórias.
Parece-me, finalmente, interessante confrontar os artigos com as experiências de pesquisas dos autores em diferentes arquivos e com fontes variadas. Logo evidenciam-se a riqueza da literatura historiográfica apresentada ao público e o esforço redobrado de alguns pesquisadores que passaram anos a fio elaborando, burilando, corrigindo e revendo seus temas. É um trabalho de fôlego para ser devorado com sofreguidão pelos amantes da boa história.
Cezar Benevides – Professor Titular da UFMS.
BORGES, Fernando Tadeu de M. et al (org.). Trajetórias de vida na História. Cuiabá: EdUFMT, Carlini e Caniato Editorial, 2009. Resenha de: BENEVIDES, Cezar. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, v.6, n.6, p.233-234, 2010. Acessar publicação original [DR]
Caminhos cruzados: migração e construção do Brasil moderno (1930-1950) | Odair da Cruz Paiva
As marcas das primeiras levas de migrantes que chegaram ao bairro já em meados da década de 1930 continuam presentes, revelando as idades da história. A decodificação dos desafios do presente nos obriga, assim, a deslindar os diferentes tempos que o constitui. Questões e problemas gerados pelas gerações passadas mantêm-se para além do momento em que foram criados e assumem formas diferenciadas a cada novo presente. O trabalho do historiador deve apontar para um olhar sobre o presente e faz emergir o passado que igualmente o constitui.
Odair da Cruz Paiva (p. 279)
“Caminhos cruzados” já seria um título bastante oportuno para se atribuir a um livro que nasce de uma minuciosa pesquisa que tem como principal objeto de estudo o tema migração. Mas, ao se aprofundar na obra percebemos a cada momento que a expressão é muito mais significativa, vai além desse primeiro encontro. Ainda no prefácio, a Profa. Dra. Zilda Márcia Grícoli nos expõe que seu orientando, como pesquisador, consegue com sucesso transpor para a vida acadêmica seus próprios anseios, seus incômodos pessoais, gerados ainda no seio familiar e instigado principalmente pelas histórias contadas por sua mãe (migrante e nordestina). Por outro lado, continua a professora, esse envolvimento com o tema não o impede de priorizar o rigor metodológico, muito pelo contrário. E tal contexto é facilmente identificado ao nos defrontarmos com as 306 páginas da obra de Odair da Cruz Paiva, que nascem de uma pesquisa para obtenção do título de doutor em História Social pela USP.
Desse modo, torna-se bastante apropriada a leitura da obra em diversos aspectos, mas principalmente para percebemos como o autor, graduado pela PUC-SP, demonstra o quanto pode ser rico o ofício do historiador. Uma riqueza que está em conseguir dar conta tanto de aspectos gerais da sociedade, e, ao mesmo tempo, tornar possível a busca de respostas para questões que passam por um campo mais específico, porque não dizer individual. No caso de Paiva, como filho de migrantes nordestinos, questionamentos gerados de acordo com as contradições vivenciadas em sua própria história de vida foram fatores que nitidamente o impulsionaram para a construção desta bela obra.
Assim, fica evidenciado o importante papel do pesquisador, já que observamos a presença de um termo que não pode estar ausente: a experiência. A memória de Paiva entrecortada por memórias de outros, de migrantes antes de tudo, lhe indicavam que a migração nordestina para São Paulo precisaria ser melhor explicada. Pensar o porquê do deslocamento, o desenraizamento, os estranhamentos gerados, vem precedido de o porquê e como procurar. Dessa forma, através de experiências pessoais e da experiência acadêmica, o autor trilha um caminho em que irá cruzar uma diversidade muito grande de fontes. Em conjunto com memórias de vida – inclusive a sua própria – documentos dos mais variados tipos foram somados, alguns ainda inéditos, e mostraram-se valiosos do ponto de vista do historiador que enxerga além das aparências, que busca nas fontes oficiais ou não algo que pode ser encontrado, mas que aos olhos dos desatentos pode permanecer oculto.
O autor, em sua pesquisa, se deteve em muitos documentos produzidos pelo poder público entre os anos de 1930 e 1950. Em sua maioria tratam de dados estatísticos a respeito da demografia e economia de municípios do interior e da capital do estado de São Paulo. Documentos produzidos pela Secretaria da Agricultura, da Indústria e do Comércio que incluíam, ainda, números registrados pela Hospedaria dos Imigrantes. A análise realizada através de uma exaustiva pesquisa permitiu que se originassem muitas indagações e reflexões que culminaram com a construção de uma hipótese fundamental para o estudo da migração nordestina em São Paulo. Assim, Paiva formula a tese de que esse fluxo migratório tinha como característica principal em seu primeiro momento, já nas décadas iniciais do século XX, um sentido rural-rural estimulado por iniciativas públicas associadas aos interesses do capital agro-exportador. E, num segundo momento, teria se transformado em uma migração rural-rural-urbana, articulada por interesses da acumulação do capital, que havia se direcionado, por sua vez, para as atividades industriais.
Nesse sentido, Paiva busca entre as conseqüências da Primeira Guerra Mundial a origem de tal contexto. O conflito teria trazido um decréscimo significativo de braços produtivos para a própria Europa, por conseguinte, e de acordo com as estatísticas buscadas por Paiva, o número de trabalhadores estrangeiros que entravam no Brasil diminuía significativamente, já que em sua esmagadora maioria vinham das regiões mais afetadas pela guerra. Os imigrantes europeus, portanto, já não eram mais a melhor alternativa. A opção agora se direcionava para a valorização do elemento nacional, mais especificamente, do nordestino. Ao mesmo tempo, a Guerra e, principalmente a Crise de 1929, provocaram transformações no padrão de acumulação do capital, já que a cafeicultura apresentava sérios problemas e, conseqüentemente, o setor urbano-industrial recebia um grande impulso em São Paulo. Como o planejamento da elite paulista, em conjunto com o governo Vargas, já envolvia o deslocamento de grandes contingentes de mão-de-obra para o café, isto é, para o campo no Oeste Paulista e outras regiões (principalmente o Paraná), a necessidade aumentava na medida em que a industrialização se desenvolvia e assim surge a chamada “política de subsídios migratórios”. Uma política que consistirá basicamente em captar e encaminhar mão-de-obra em larga escala do nordeste para o interior de São Paulo, primeiro para a cafeicultura, depois para a cotonicultura e para as indústrias, estas sim localizadas na capital paulista.
Todo esse processo, vale lembrar, como diz Paiva, tem outro importante elemento facilitador. A “política de subsídios” foi beneficiada pela excelente malha ferroviária existente, que pôde transportar um enorme contingente de trabalhadores de forma simples e ágil por diferentes regiões, desde o norte de Minas Gerais, até a capital e o interior de São Paulo e arredores. Em outras palavras, café e indústria, elite agrária e urbana, tiveram interesses intrínsecos e a ferrovia foi um instrumento poderoso nas mãos dessa oligarquia paulista.
Nesse sentido, é importante dizer que mesmo a noção de inferioridade numérica da migração nordestina para São Paulo em relação à migração intra-regional nas décadas de 1930 e 1940 é bastante contestável. O autor, valendo-se das fontes ainda inéditas na utilização dessa temática, nos mostra que os estudos dos fluxos migratórios do interior para a capital de São Paulo não consideraram que muitos dos migrantes eram antigos nordestinos que haviam sido arregimentados em sua terra natal para servirem de mão-de-obra nas lavouras de café e só num segundo momento se dirigiram para a indústria. Logo, a migração rural-rural-urabana não foi computada pelas estatísticas e muitos nordestinos engrossaram indevidamente os números das migrações internas do estado de São Paulo.
Estruturado em três capítulos, o livro, já em sua primeira parte, nos instiga a refletir sobre o quanto sertão e cidade se confundem. Como, de acordo com suas próprias necessidades, os migrantes desenraizados “reeditam em São Paulo, aspectos de sua cultura e formas de sobrevivência de suas regiões de origem” (p. 41). Assim, o autor nos conduz à periferia de São Paulo, conceituando-a, caracterizando-a e exemplificando-a, principalmente a partir do caso de um bairro em específico: São Miguel Paulista. Ao realizar uma rica narrativa historiográfica, principalmente a partir da chegada do grande contingente nordestino quando da instalação da empresa Nitro Química em 1935, nesse distante lugar da cidade, Paiva faz com que seus leitores possam ter uma base concreta do quanto foi significativa a presença do elemento nordestino na constituição do que hoje é uma das maiores metrópoles do mundo. Lançando mão de outros estudos realizados e das memórias coletadas por outros pesquisadores, o autor nos traz a imagem de um migrante nordestino que se faz sujeito da história da cidade (construindo a periferia), da história do bairro (da “reedição” de muitos elementos de sua cultura de origem), da história da Nitro Química (do operário que tem consciência de sua classe e que pôde por vários momentos se mobilizar por melhores condições de trabalho).
No segundo capítulo, temos contato diretamente com o processo que permitiu ao autor chegar a sua tese principal. Paulatinamente, vai sendo desvelado todo o sistema de captação, triagem e encaminhamento da mão-de-obra migrante nordestina para São Paulo. O texto afirma que era uma reedição de mecanismos antigos que, naquele momento, porém, tinha um direcionamento diferente que se voltava para a valorização do elemento nacional. Ou seja, poder público e iniciativa privada participavam conjuntamente de um organismo que minuciosamente pensava qual trabalhador se deveria buscar e que estava atento em articular com as elites do próprio nordeste (já que estudos minuciosos sobre o perfil da população e da economia de vários municípios nordestinos foram encontrados por Paiva). Além disso, no interior desse sistema se verifica a entrada de outras entidades privadas que percebem nesse meio um excelente “negócio” financiado pelo Estado e que, por fim, demonstra que justamente por isso vai arregimentar mais braços do que as lavouras paulistas necessitavam. Por conseqüência, através de depoimentos e documentos da própria Secretaria, o historiador se depara com uma importante questão que lhe dará mais subsídios para sua tese: a questão da mobilidade. Segundo as palavras do próprio autor:
A questão da mobilidade da mão-de-obra migrante inserida no campo vem reforçar nosso argumento sobre a dinâmica do processo migratório que, em nosso ponto de vista, tinha dois aspectos inter-relacionados: num primeiro momento ele parte de uma dinâmica rural-rural e, em seguida, na saturação ou na inviabilidade da continuidade no campo, esses trabalhadores migraram para a cidade. (p. 169).
Desse modo, é aberto o espaço para a terceira e última parte do trabalho, que possui uma denominação bastante interessante e que está em plena conformidade com exposto acima: “A migração em São Paulo: modernização sem mudança”. Como é possível já antecipar, aqui o autor nos mostra que não ocorre nenhuma transformação na sociedade, apenas mudanças pontuais: investimentos transferidos do café para o algodão e para a indústria e mão-de-obra não mais imigrante, agora migrante. O conservadorismo dos grupos dominantes continua predominando. Sendo assim, a “política de subsídios migratórios” foi uma reedição da política de imigração, porém as velhas estruturas de dominação agora investem sobre um novo projeto de nação, que traz consigo a valorização do trabalhador nacional por um lado e, por outro, vem acompanhada de uma construção negativa do nordeste, que, no limite, contentará as oligarquias tradicionais. No que se refere às elites do nordeste do país, neste caso, caracterizar essa região como a imagem do atraso, resultado de uma geografia que simplesmente lhe coloca como produto da seca e que não lhe permite crescimento, facilitou a captação de recursos do Estado por parte desses que detém o poder local.
Já com relação às elites do Centro-Sul, que enfrentavam resistências à migração nordestina por parte de sua população, principalmente por meio da imprensa – nutridos por um sentimento eurocêntrico –, a idéia negativa do nordeste vai dar argumentos para uma espécie de “dever” que São Paulo teria para como os seus, neste caso, considerados compatriotas nordestinos. São Paulo sendo a “locomotiva do Brasil” – uma idéia que também passa a ser difundida nessa mesma época – teria os recursos e o saber técnico necessários para resolver o problema da região e, além disso, “educar”, melhor dizendo, “civilizar” os oriundos de outro ponto da nação que por uma questão “natural” não tinha condições de se desenvolver: um “esforço eugênico” (p. 206). Nesse caso, a obra nos traz mais um dado interessante. A Hospedaria dos Imigrantes, de acordo com relatos de ex-funcionários analisados por Paiva, era um local em que:
[…] buscava-se uma assepsia do trabalhador rural, informada por uma lógica urbana, […] regras de segurança e higiene ou procedimentos como o registro da matrícula e do encaminhamento eram impostos e, por vezes, transgredidos pelos trabalhadores; estas transgressões foram avaliadas como falta de higiene, falta de cultura ou pobreza [grifos do autor] (p. 212).O livro de Odair da Cruz Paiva vem desse modo ao encontro do debate sobre as correntes migratórias internas, mas como podemos observar vai além. Ele vem acompanhado do debate inevitável sobre a questão das identidades e no caso específico a questão do nordestino em São Paulo. Bastante necessário se faz que essa discussão continue ganhando espaço em todos os níveis da sociedade, inclusive do ponto de vista acadêmico, já que na “São Paulo imigrante” o nordeste migrante foi por muito tempo silenciado.
Luciano Deppa Banchetti – mestrando no Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUCSP. Bolsista CNPq.
PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados: migração e construção do Brasil moderno (1930-1950). Bauru: EDUSC, 2004. Resenha de: BANCHETTI, Luciano Deppa. Nordestinos em São Paulo: o deslindar de uma trajetória. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.2, 2009. Acessar publicação original [DR]
Capoeira – The History of an Afro-Brazilian Martial Art | Matthias Röhrig Assunção
A produção intelectual sobre capoeira tem crescido vertiginosamente, no Brasil e no exterior. Em meio a esse aumento de publicações e pesquisas sobre a temática, o livro do historiador Matthias Assunção, Capoeira – The History of an Afro-Brazilian Martial Art, merece destaque pelas questões levantadas. Assunção, que nos últimos quinze anos é membro do corpo docente da Universidade de Essex, na Inglaterra, se configura hoje como um dos principais expoentes nos estudos sobre capoeira.
No livro em questão, o autor estabelece um grande panorama da situação da capoeira desde o século XIX até os dias de hoje. O fio condutor da análise constitui-se em perfazer os caminhos pelos quais uma brincadeira de escravos marginalizada e temida “arma corporal” se tornou o jogo da moda de ‘descolados’ pelo mundo todo. Leia Mais
Modos de ver a produção no Brasil | José Ricardo Figueiredo
Modos de ver a produção do Brasil, de José Ricardo Figueiredo, mostra ao longo de suas mais de 600 páginas um panorama abrangente da historiografia feita sobre o país, desde quando América Portuguesa, até a época contemporânea.
Apesar de Figueiredo não atuar na área da História, ou ainda das Ciências Sociais, buscou apresentar a produção historiográfica sobre o país, desde o século XVI até o século XX, indo além da simples consolidação de textos para também compará-los à luz do conceito de modo de produção, ou seja, de que somente através do conhecimento de como uma sociedade organiza a sua produção que se pode estudar sua vida social e política, o que evidência influência claramente marxista do trabalho realizado. Leia Mais
Brasil e China na Globalização | Marcos Cordeiro
O texto coloca a diferença de inserção do Brasil e da China no contexto neoliberal principalmente no período de 1980 a 2006, onde o primeiro cresceu cerca de 2,5% (Produto interno) e o segunda 10% (Produto interno). No Brasil, além da crise da dívida externa e crise fiscal foram adotadas as políticas neoliberais, que consistiam na liberalização do mercado, privatização de empresas, resultando em estagnação, nesse contexto o Brasil seguia o “Consenso de Washington”. Na China foi implementado um acelerado e moderno crescimento, mecanismos de mercado, tais como o investimento externo, também uma estratégia de liberalização, esses sob o controle do Estado, o modelo chamado de “Consenso de Pequim”, o mesmo também foi analisado por Joshua C Ramo, ex diretor da revista Times, que antes encontrou estruturas políticos sociais importantes por de trás de uma estratégia de desenvolvimento econômico. Leia Mais
A raiz das coisas – Rui Barbosa: O Brasil no mundo | Carlos Henrique
O Chefe da Delegação Brasileira na Segunda Conferência de Paz de Haia de 1907 é um personagem central da história da primeira república, mas curiosamente, pouco estudado como diplomata e pensador dos fundamentos da inserção internacional do Brasil. A lembrança mais freqüente da atuação política de Rui Barbosa é do seu perfil de tribuno civilista e de opositor da tutela militar sobre a República nascente. Seria exagero, portanto, afirmar que o jurista baiano Rui Barbosa tenha sido injustamente esquecido pela historiografia brasileiro – de fato não o foi – mas a sua presença no pensamento diplomático brasileiro foi certamente eclipsada pela obra dos seus contemporâneos, sendo o mais importante o Barão do Rio Branco.
Esse esquecimento injusto é motivo da obra do diplomata de carreira e professor da Universidade de Brasília Carlos Henrique Cardim intitulada “A raiz das coisas – Rui Barbosa: O Brasil no mundo”, que vem a ser a mais completa análise da visão de mundo que Rui destilou ao longo da sua importante atuação como diplomata e que, em alguma medida, fundamenta até os dias de hoje, os princípios da ação internacional do Brasil. Leia Mais
Amazônia e Defesa Nacional. | Celso Castro
Após o regime militar brasileiro (1964-1984), a Amazônia ganhou importância nas discussões sobre defesa nacional, com destaque para o projeto Calha Norte em 1985 e na década seguinte o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Tal livro pretende contribuir com os estudos sobre Amazônia e defesa nacional no meio acadêmico civil. Com a nova realidade e as novas posturas estratégicas sul-americanas (como uma maior presença e interferência dos Estados Unidos e as atenções voltadas para a Amazônia internacional, assim como a diminuição das preocupações estratégicas brasileiras com a Argentina), torna-se necessário mais estudos abrangendo tais temas, principalmente devido à importância atribuída à região amazônica.
No primeiro capítulo (As Forças Armadas Brasileiras e o Plano Colômbia), João Roberto Martins Filho disserta como a questão sobre defesa da Amazônia ganhou força após o final da Guerra Fria e a criação no Brasil do Ministério da Defesa em 1999, mesmo ano da implantação do Plano Colômbia. O autor afirma que o Brasil se viu obrigado a voltar suas preocupações para a defesa das fronteiras e aos conflitos em território colombiano. A postura do Ministério da Defesa reafirmou a não-interferência brasileira no combate ao narcotráfico na Colômbia, fato esse que passou a ser visto pelas autoridades brasileiras como um assunto de segurança e não mais de defesa, pois o tráfico de entorpecentes é encarado no Brasil como um problema interno, de responsabilidade policial e não militar, não cabendo a outros países intervir nesse tipo de assunto. Tal decisão ganhou força principalmente devido aos interesses e pressões norte-americanos para que o Brasil reconhecesse as guerrilhas colombianas como grupos terroristas e realizasse ações militares em território colombiano. Leia Mais
Recortes de Paisagens na Cidade do Recife. Uma Abordagem Geográfica | Edvânia Torres Aguiar Gomes
Este trabalho produzido originariamente sob a forma de tese em 1997 pode ser considerado de vanguarda em diversas acepções, analisando o seu conteúdo e suas advertências no plano das novidades que cercam a discussão contemporânea sobre Paisagem. Pode-se argumentar que se trata de um trabalho clássico na revisão dos conceitos mais primevos dos primeiros entendimentos sobre paisagem, desde a escola alemã, passando por alguns desdobramentos disciplinares inclusive para além da Geografia. Por outro lado, pode ser considerado crítico na perspectiva sócio-ambiental, ao se utilizar este trabalho no âmbito do urbanismo. Verifica-se o efeito denúncia que marca os embates entre o idealizado e o realizado, entre a cidade e o meio. A voz de distintos segmentos da sociedade se expressa através dos 600 questionários trabalhados, capturando as vertentes da representação da cidade no final do século passado. Através dessas falas são reveladas as idealizações e representações da cidade, podendo subsidiar o urbanismo e a gestão dos espaços públicos na metrópole recifense. Essa mescla guarda nexos marcados pelo esforço transversal, enunciando que não existe novidade na feitura das práticas e interesses – principalmente quando se trata de um mundo confeccionado colonialmente, que se busca num jogo de espelhos – e sim, que o mundo é permanentemente (re)criado. Este trabalho é uma excelente maneira de afirmar que não é por natureza que se compreendem e se estabelecem múltiplas aproximações ao objeto do saber. É preciso sentir, estar apaixonado, em conexão com referentes que historicamente constituem elos estruturadores da cidade, mas, e, principalmente, priorizar na escolha por tornar visíveis experiências vividas, na fala de seus usuários, identificando sentimentos profundos do povo na relação com trechos da cidade, para descobrir neles os elementos, mesmo confusos, que podem impulsionar relações de respeito por representações culturais fundamentais que reflitam, na paisagem, as necessidades humanas que a reproduzem. Trata-se de uma pesquisa instigante, qualitativa, e quantitativa de corte teórico e empírico, que passando pela apropriação fenomenológica, subsidiada por um rico elenco de fotografias, mapas, gráficos e gravuras conseguiu preservar a coerência entre o método de pesquisa e a apresentação da realidade estudada. A autora partindo das contribuições da geografia alemã leva-nos de passeio, pela trajetória da paisagem, aproveitando aportes de diversas disciplinas, em legados de historiadores, psicólogos, antropólogos, poetas, filósofos para analisar a composição da paisagem: o meio físico e o meio social, em estreito nexo com as percepções, o imaginário, a atividade humana constituída por atos, com os quais visa algo. A pesquisa tem como campo empírico o dilema na perspectiva das coexistências do planejador, do artista, do político, do cientista, do simples habitantes em uma cidade anfíbia, marcada por atributos da natureza e engenharia humana. As águas dos rios e dos manguezais que configuram o sítio da cidade são enfatizadas a luz desses diferentes segmentos da sociedade em suas práticas. No contemporâneo, até olhares menos atentos registram evidentes provas de agressão como negação a presença das águas na cidade, subestimando a sua morfologia genuína. Através de uma linguagem simples e dialogando com imagens, letras de músicas, poesias, o trabalho nos ajuda a entender que em função da subordinação à lógica da acumulação de riqueza, este processo de construir os espaços vividos se faz à custa de uma decadente condição da sociedade, singularizando alguns resultados que impactam os modos vida dos seus habitantes. Nesse campo, a autora dialoga com reflexões realizadas por renomados geógrafos como Josué de Castro, Milton Santos, Manoel Correia de Andrade, Rachel Caldas Lins e Jan Bitoun, bem como com poetas como Bento Teixeira, Augusto dos Anjos, João Cabral de Melo Neto, Chico Science, consegue ilustrar faces desses impactos no sítio urbano natural do Recife. Os historiadores, urbanistas, engenheiros pesquisados em suas obras propiciam apoio para firmar a posição da autora em suas críticas aos processos de planejamentos da cidade, com a adoção de mudanças que priorizam a técnica aplicada a demandas pseudo uníssonas, tornadas homogeneizantes na leitura de escala global. Como através de um painel, passando pelos primeiros esboços da cidade Mauricia até os dias atuais, com base nos trabalhos comparativos, Edvânia propicia uma revisão da concepção da paisagem idealizada para a cidade e refletida na estrutura do planejamento e suas práticas ao longo da história. O trabalho utiliza três eixos espaciais como referências para cotejar Recife à luz de algumas questões urbanas significativas e que dizem respeito ao cotidiano daqueles que animam a cidade do Recife. As variáveis eleitas espelham a história do presente e do futuro, revelando aproximações entre as representações das paisagens instituídas e divulgadas do Recife e as representações contidas nas falas e depoimentos de alguns usuários de seus espaços. As inquietações da autora são marcas indeléveis que saltam nas páginas deste livro realizando um arco interdisciplinar no sentido acadêmico, mas também no sentido da vivência. De um lado essas inquietações remontam as vivências cotidianas de lembranças primordiais de vida familiar percorrendo a cidade, mas também as interpelações da vida profissional na passagem como técnica em Órgãos de Planejamento Urbano Ambiental na cidade do Recife e, continuando como intelectual, no ideário Gramsciano que inspira as conexões entre intelectuais e o povo-nação. Evidencia-se, assim, a novidade do trabalho, no movimento que incorpora e o inspira, como uma importante contribuição da autora, que se tornará cada vez mais necessária para nos ajudar a recolocar na ordem do dia a agenda do meio físico e do meio ambiental nos espaços da vida urbana, numa cidade de referência histórica para a reprodução das culturas. Edvânia o manifesta nas inquietações finais: “Afinal o que é natureza? Esta pergunta aparentemente tão simples de responder não encontra eco plausível na história da confecção de Paisagens de nossas cidades. Os pilares sobre os quais foram edificados os espaços urbanos não contemplam entendimentos nítidos acerca da existência da natureza possível. No “mundo da engenharia e da técnica” ideologicamente os elementos físico-naturais são convertidos em acessórios subliminares até o surgimento de protótipos que os substituam”. A obra finaliza como se estivesse iniciando pela carga de provocações que evoca e pelas inquietações que ultrapassam a leitura e fazem vagar o pensamento. Nesse sentido, cabe concluir essa resenha retomando mais um importante atributo desse trabalho que é a forma como ele se encontra estruturado em seqüência ascendente partindo da teoria, história e a parte empírica. Dividido em blocos que podem ser lidos de forma solta, enfim degustados, o livro é uma referência sem dúvidas para aqueles que querem aprender a paisagem e apreender as paisagens e a história da cidade do Recife enquanto registro e nova metodologia.
Aura González Serna – Doutora em Serviço Social pela UFPE, (2005). Docente Pesquisadora, na direção do Grupo Território na “Universidad Pontificia Bolivarianam-UPB”. Campus de Laureles. Medellín, Colômbia. E-mail: aura.gonzalez@upb.edu.co
GOMES, Edvânia Torres Aguiar. Recortes de Paisagens na Cidade do Recife. Uma Abordagem Geográfica. Recife: Massangana, 2007. Resenha de: SERNA, Aura González. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.26, n.2, p.375-378, jul./dez. 2008. Acessar publicação original [DR]
Rio Grande em debate: Conservadorismo e mudança | Nelson Boeira
Resenhista
Jacqueline Ahlerdt
Referências desta Resenha
BOEIRA, Nelson (Org.). Rio Grande em debate: Conservadorismo e mudança. Porto Alegre: Sulina, 2008. Resenha de: AHLERDT, Jacqueline. História Debates e Tendências. Passo Fundo, v. 8, n. 1, p. 247-253, jan./jun. 2008. Acesso apenas pelo link original [DR]
História política do futebol brasileiro | Joel Rufino dos Santos
O livro História política do futebol brasileiro é de autoria de Joel Rufino dos Santos, um dos principais nomes do movimento conhecido como a Nova História do Brasil. Tal movimento foi formado por um grupo de intelectuais ligados ao Departamento de Historia do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Este último, por sua vez, criado em 1955 pelo então presidente Café Filho e vinculado ao Ministério da Educação e da Cultura, foi um instituto de pesquisa que pretendia ser um espaço de vanguarda no pensamento social nacional. Entre suas contribuições, está a formalização de um Projeto Nacional Desenvolvimentista, que, de certo modo, foi a base teórica para o projeto de governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961).
Em 1964, com o golpe militar e o estabelecimento de um regime de exceção, o ISEB foi extinto e muitos dos seus membros exilados. Mas o período no qual esteve ativo foi suficiente para impulsionar importantes ações, como a Nova História, por exemplo. Nesse caso, especificamente, a ambição fora desde o início a de reescrever a história do Brasil, “rompendo com a história oficial, factual e mitificada”. Nas palavras de Nelson Werneck Sodré, um dos seus idealizadores, pretendia-se mesmo “fugir à rotina dos compêndios”. Leia Mais
As relações em eixo franco-alemãs e as relações em eixo argentino-brasileiras: génese dos processos de integração | Raquel Cristina de Caria Patrício
O livro ora apresentado é resultado da tese de doutoramento da autora apresentada ao Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília no ano de 2005, cujo reconhecimento a equivalência da tese pela Universidade Técnica de Lisboa já fora realizado. Obra de fôlego, trás em seu bojo a tarefa de reescrever o velho e apresentar um novo olhar, a partir da teoria das relações internacionais, sobre os processos de integração europeu e sul-americano.
O ponto de partida é o biênio 1870-1871, período que corresponde a um rearranjo de forças, tanto para as relações entre França e Alemanha, quanto para Argentina e Brasil. Por um lado, a unificação alemã após a guerra franco-prussiana marca o surgimento de um Estado centralizado e forte economicamente a fazer frente aos interesses hegemônicos da França, por outro, a Guerra do Paraguai consolida o fortalecimento político argentino – antes fragmentado – e a reestruturação da órbita de influências na Bacia do Prata. A partir deste contexto, busca-se reconstruir o longo caminho pelo qual estes países realizaram seus processos de aproximação e dessa forma, avaliar: primeiro a possibilidade de se equiparar o papel das relações bilaterais entre os casos de Argentina- Brasil e Alemanha-França em relação aos respectivos processos de integração; segundo, considerar em ambos os casos as relações bilaterais como relações em eixo; por fim, saber se é possível creditar aos dois eixos, a função de elemento determinante da gênese dos processos de integração. Leia Mais
Cidade das Águas: Usos de Rios, Córregos, Bicas e Chafarizes em São Paulo (1822-1901) | Denize Bernuzzi de Sant’Ana
Tema original, pouco apresentado na Historiografia contemporânea brasileira, onde pelos caminhos próprios de um estudo crítico, a competente e jovem historiadora Denise Bernuzzi de Sant´Anna nos apresenta este ousado e sugestivo trabalho, resultado de uma criteriosa e brilhante pesquisa, que foi objeto da sua Livre Docênci, defendida em Dezembro de 2004, no Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Obteve para tanto financiamento do CNPq, além de bolsas concedidas a alunos de Iniciação Científica e Aperfeiçoamento Técnico, sendo uma parte das investigações sobre higienismo realizada durante o curso de Pós-Doutorado na École de Hautes Études en Sciences Sociales em Paris, Financiado pela CAPES.
Agora, esta pesquisa é transformada em livro pela Editora SENAC, para alegria de seus leitores/alunos, e como uma substanciosa contribuição para aqueles estudiosos da temática Cidade, como é o caso dos integrantes do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade – NEHSC – do Departamento e do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da referida, acima citada Universidade, e por nós coordenado, além de outros interessados no tema.
Desde a primeira década do Século XIX, os habitantes da feia e provinciana São Paulo utilizavam-se de rios, bicas, chafarizes, córregos, tanques e regatos para suas necessidades básicas, até os inícios dos primeiros anos da República, quando foram construídas as usinas no rio Tietê. Com essa baliza cronológica, que surgiu inspirada no momento da Independência do Brasil realizada por Dom Pedro, o príncipe regente, às margens do Riacho do Ipiranga (1822), até o estabelecimento da Hidrelétrica de Parnaíba (1901), no Rio Tietê, variados reflexos sobre esse imenso “continente aquático” fazem das páginas deste livro uma história muita bem narrada e interpretada do abastecimento ou não de água na cidade, que hoje é uma megalópole.
Enriquecidas reflexões são trazidas pela autora sobre usos, costumes e abusos sobre a água, suas funções, seus hábitos de higiene do corpo, da casa, das ruas e das calçadas, quando ainda não havia a tecnologia dos séculos que se seguiram. Personagens desfilam, e o olhar atento da pesquisadora não os perde de vista, embora alguns não sejam conhecidos na atual conjuntura. E, se o foram, jazem esquecidos pela maioria da população, que sequer imagina que esta cidade tinha o dom de ter um rico mapa geográfico de águas. Até o Estado a que pertence é atravessado por um dos importantes rios paulistas que, nascendo em Salesópolis, interior do Estado de São Paulo, vai despejar suas águas no rio Paraná, e não no Oceano Atlântico, como a maioria dos outros rios, que despejam suas águas no mar. Uma premonição da importância do deslocamento de fronteiras paulistas, pela interiorização do homem, transformando-as em locais de sociabilidade. A cidade de são Paulo tinha um imenso volume de águas, e uma rica cultura gerada pela presença delas no espaço público.
A historiadora transporta o seu leitor para períodos difíceis da vida da cidade, pois apesar dessa imensa turbulência aquática, houve momentos em que o racionamento da água gerado por períodos de seca, ou problemas de saúde pública, gerados por imensos temporais que alagavam e castigavam a pobre urbe, transformavam a pacata cidade em um caos social, fato que até hoje ainda ocorre.
As águas da cidade contribuíram para as mudanças dos hábitos higiênicos e da cultura do cidadão, pois vão trazer novas crenças, curiosidades no cotidiano, e preocupações de médicos em relação a doenças, e de engenheiros que tentam “dobrar” a natureza.
Muito rica e interessante é a narrativa construída pela autora, que leva de forma envolvente o leitor a refletir junto com ela as mazelas relativas ao abastecimento urbano da água, e os desafios políticos para resolvê-lo. Do uso dos banhos nas bacias domésticas às sofisticadas casas de banho que surgiram com os primeiros restaurantes no decurso do Século XIX (sobretudo, no período após a criação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco), até às pescarias onde pululavam peixes os mais variados, a atenta historiadora documenta as agravantes cenas do cotidiano urbano relativo às águas, à eletricidade e ao seu consumo, além de captar o comportamento social dos moradores na cidade de São Paulo, como as noções de higiene, as novas condições de vida, oriundas de um progresso quase que “homeopático”. Diferente do olhar do paulistano de hoje, cujo comportamento social rotineiro não é sustentado pelos cursos fluviais. Difícil entender que esta “terra da garoa” de ontem, burgo de estudantes, foi durante décadas “um lugar com muitos veios de água, apoiada por uma rica cultura material, relacionada à construção de samburás, barcos, moringas de barro, fontes, pinguelas e pontes de madeira” (Sant´Anna, 2007, p. 13). Vai cuidadosamente a autora desvelando as ruas que foram portos, como a Ladeira Porto Geral, da Tabatinguera e a da Figueira, no rio Tamanduateí, hoje pavimentado. Além dos pequenos riachos que, soterrados, deram origem às ruas que hoje abrigam importantes centros comerciais, livrarias, cafés etc.
Muitas enchentes destruíram valores acumulados, mas em contrapartida, do fundo desses rios saíram materiais úteis, que edificaram esta cidade. Um exemplo desse progresso arquitetônico foi o Edifício Martinelli, durante muitos anos o mais alto de São Paulo, erguido em 1922, e finalizado em 1929, em plena crise da Bolsa de Nova York, que utilizou areia e outros materiais extraídos do rio Tietê e trazidos ao porto por barqueiros.
As águas paulistanas contribuíram para momentos fundamentais da vida dos habitantes desta cidade. Tristezas, alegrias, vidas em construção, devoções profanas e sagradas. Mas também trouxeram os miasmas que preocupavam os higienistas, que os combatiam com estudos e projetos para a saúde pública, tendo suas origens nas primeiras leis de Saúde Pública, assunto por nós já rastreado.
A Professora Doutora Denise Bernuzzi de Sant´Anna utilizou uma farta documentação, entre as quais se destacam as Atas da Câmara Municipal; queixas e reivindicações dos moradores, localizadas na Coleção dos Papéis Avulsos do Arquivo Municipal; Ofícios e Requerimentos enviados ao Governador da Província; Artigos dos jornais O Correio Paulistano e o Diário Popular; processos criminais; teses sobre Higiene e Salubridade; memorialistas e viajantes.
O livro é dividido em duas partes. Na primeira, a autora trabalha com A Visibilidade da Água, que ocupa uma deslumbrante narrativa que se estende da página 15 à página 185. Na segunda, Do Visível ao Invisível, que se inicia à página 187 e se completa de forma inteligente e eloqüente à página 296. No total, com Agradecimentos, Introdução, Bibliografia e Fontes, o livro contém 318 páginas, além de uma belíssima capa, que ostenta um Óleo sobre Tela de José Wash Rodrigues de 1922, retratando a Igreja e Pátio da Misericórdia em 1840, Acervo do Museu Paulista da USP fotografado por Hélio Nobre e José Rosael.
Esta obra, além de ser uma rica leitura para pesquisadores da área, uma excelente fonte para estudos de temas semelhantes na cidade de São Paulo, é um incentivo à leitura para jovens paulistanos que desejam conhecer a história de sua cidade, que é narrada em estilo simples, que foge ao academicismo, sem prejudicar o seu rigor científico, pois se apresenta de forma ainda profunda e inédita.
Estamos nós todos da Academia Paulistana de parabéns, por recebermos esta excelente contribuição de uma historiadora cuja carreira promissora muito ajuda a difundir a história desta cidade de São Paulo, e a contribuir para o enriquecimento da Historiografia nacional contemporânea, onde tal temática foi pouco explorada até então.
Yvone Dias Avelino – Professora Titular do Departamento e Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP. Possui experiência na área de História, com ênfase em História da América, atuando principalmente nos seguintes temas: Cidade, Cultura, História, Memória e Literatura. Coordena o Núcleo de Estudos de História Social da Cidade – NEHSC – da PUC-SP, existente há mais de 15 anos.
SANT´ANNA, Denise Bernuzzi de. Cidade das Águas: Usos de Rios, Córregos, Bicas e Chafarizes em São Paulo (1822-1901). São Paulo: SENAC, 2007. Resenha de: AVELINO, Yvone Dias. Narrativas Citadinas: São Paulo das Águas. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.1, 2008. Acessar publicação original [DR]
A Independência brasileira: novas dimensões | Jurandir Malerba
Em meio aos preparativos para a comemoração dos 200 anos da vinda da corte portuguesa para o Brasil, surge no mercado editorial a A Independência brasileira: novas dimensões. Organizado por Jurandir Malerba, o livro é um convite à reflexão sobre um momento crucial da nossa história. Há muito a historiografia sobre o período colonial vem sendo revista por novas teses que compartilham perspectivas inovadoras e dialogam com o que há de mais recente no meio historiográfico internacional. Os artigos da coletânea, originalmente apresentados no seminário New Approaches to Brazilian Independence, em 2003, na Universidade de Oxford, são o resultado de pesquisas de uma nova geração de historiadores sobre o tema. Seu subtítulo (Novas dimensões) visa tanto sublinhar o valor de uma obra que marcou época organizada, em 1972, por Carlos Guilherme Mota , quanto distanciar-se de seus pressupostos e métodos de abordagem histórica.
O instigante artigo de Jorge Pedreira, Economia e política na explicação da Independência do Brasil, abre a primeira parte do livro. Ao discutir os argumentos de uma historiografia “clássica” sobre o tema, contesta as interpretações de Fernando Novais e de Carlos Guilherme Mota, baseadas na crise do antigo sistema colonial, uma vez que, segundo o autor, o império luso-brasileiro conheceu uma notável expansão comercial em sua fase final. O conceito de vulnerabilidade já utilizado por Valentim Alexandre em Os sentidos do império aplica-se, segundo Pedreira, para designar aquela conjuntura complexa e mutante, pois nada indicava que o sistema colonial estivesse condenado à desintegração. Analisa as convulsões políticas que abalaram Portugal, a transmigração do rei e da corte para o Brasil, a abertura dos portos, o tratado de 1810, o isolamento do grupo mercantil no Reino. Tais fatores teriam gerado um conjunto impreciso de idéias, assim como projetos de “regeneração nacional”. A análise do espaço de convergência entre os interesses dos corpos mercantis de Lisboa e do Porto e as perspectivas políticas de uma importante facção das cortes constituintes levam-no a concluir que, apesar da relevância das questões econômicas, a dinâmica que desembocou na secessão do Brasil teve um caráter essencialmente político. Leia Mais
Minas e os fundamentos do Brasil moderno | Ângela de Castro Gomes
Minas e os fundamentos do Brasil moderno é uma obra capitaneada pela Fundação Israel Pinheiro e integra o projeto “Os caminhos do Brasil moderno”, um conjunto de ações promovidas pela própria entidade, que inclui também a edificação do Espaço Israel Pinheiro, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, além da criação do Museu Casa de João Pinheiro, na cidade de Caeté (MG). Ou seja, este livro deve ser compreendido como uma obra integrada a uma série de iniciativas que procuram preservar uma dada memória do desenvolvimentismo no Brasil, tendo como foco central a contribuição de João Pinheiro e, mais tarde, de seu filho Israel Pinheiro na política brasileira.
Em síntese, os artigos procuram sustentar a concepção de que a gênese do projeto desenvolvimentista já estava configurada desde o início da República na figura do próprio João Pinheiro, presidente do Estado de Minas Gerais, e que tal ideário teria sido conduzido por seus filhos, parentes e políticos de um círculo de influências que incluiu, entre outros, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. Para defender essa hipótese explicativa, o livro conta com um prefácio, uma apresentação, um texto de abertura e 10 capítulos divididos em três partes bem distintas e bastante desiguais. Leia Mais
Museu do Ceará, 75 anos | Antônio Luiz M. Silva Filho e Francisco Régis Lopes Ramos
Resenhista
Júnia Sales Pereira – Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.
Referências desta Resenha
SILVA FILHO, Antônio Luiz Macêdo e. RAMOS, Francisco Régis Lopes (org.). Museu do Ceará, 75 anos. Fortaleza: Associação Amigos do Museu do Ceará, 2007. Resenha de: PEREIRA, Júnia Sales. Trajetos. Fortaleza, v.7, n. 12, 2008. Acesso apenas no link original [DR]
Subdesenvolvimento Sustentável | Argemiro Procópio
Subdesenvolvimento sustentável, assim Argemiro Procópio sugestivamente descreve o modelo de desenvolvimento predominante na região amazônica compartilhada por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Ao longo de sua exposição Procópio desnuda a realidade dos “oito amazônicos” ao apontar que a Hiléia, em pleno século XXI, ainda carrega consigo vários problemas estruturais, herança de um longo passado colonial.
Neste contexto, o autor nos apresenta a região como produtora de commodities e manufaturados com baixo valor agregado. Cita a mineração, a exploração madeireira e de metais preciosos, as redes do agronegócio da soja, da carne, do couro e, atualmente, da cana-de-açúcar como protagonistas do “continuum da sustentabilidade do subdesenvolvimento em novas versões da economia colonial nos oito países amazônicos”. Leia Mais
Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais | Christine Rufino Dabat
O objetivo de uma resenha é despertar o desejo de ler uma obra, destacando seus aspectos principais e traços originais que possam propiciar aos leitores descoberta, enriquecimento, reflexão, revisão das idéias já consolidadas, num processo de diálogo com o (a) autor (a), possibilitando utilidade e prazer intelectual associados. Tratando-se de “Moradores de Engenho”, de Christine Rufino Dabat, lançado pela Editora Universitária da UFPE em 2007, o principal desafio a ser superado reside na dimensão do livro (800 páginas) numa época cibernética durante a qual se acostumou os leitores a breves e sucessivas leituras de materiais eletrônicos consoantes com a aceleração e a fragmentação do tempo; por se tratar de uma tese de doutoramento em História, pode enfrentar também uma desconfiança face ao caráter especializado e técnico-acadêmico da obra, dificultando a ampla divulgação do livro. Em face desses dois freios iniciais, proponho-me mostrar que o leitor, que superar esse costume e essa desconfiança, terá a fruição do prazer e da utilidade ao ler a muito bem cuidada edição da tese de doutoramento de Christine Rufino Dabat: Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais.
Inicialmente, destaco algumas facilidades que a qualidade da edição propicia ao leitor: o sumário é extremamente detalhado, permitindo acompanhar o encadeamento e o conteúdo de cada um dos oito capítulos distribuídos em três partes. No texto, encontram-se notas de rodapé referenciais, explicativas e complementares que permitem uma leitura fluente do conteúdo central enriquecido aqui, acolá por quadros. A bibliografia estende-se sobre 40 laudas e constitui-se num acervo extraordinário para estudiosos da sociedade da cana-de-açúcar.
O autor dessa resenha não é historiador, mas geógrafo; participou como examinador externo da banca de Doutorado, que, sob a presidência da Profª Maria do Socorro Ferraz Barbosa – orientadora, examinou o trabalho acadêmico e foi unânime em destacar a originalidade e a contribuição que essa tese trouxe para a reinterpretação radical da zona canavieira de Pernambuco, objeto de inúmeros estudos anteriores. Para historiadores há muitas possibilidades de abordar as múltiplas técnicas de fazer história presentes na obra: relações com fontes literárias, organização e tratamento da historiografia, uso de arquivos, incursões no campo da antropologia, coleta e repasse da memória viva dos trabalhadores rurais, cada um desses diversos passos sendo objeto de muitas e debatidas polêmicas metodológicas no âmbito da História. Nada disso, portanto, será tema dessa resenha, pelo simples fato da identidade disciplinar do seu autor.
Mas, além das tecnicalidades disciplinares, a autora propõe uma tese: destaca um evento, “um episódio identificado como singular na evolução das relações de trabalho no campo”, isto é, a saída dos moradores dos engenhos para as “pontas de rua” das cidades da zona canavieira de Pernambuco, para afirmar que se trata de uma inflexão na longa história da exploração dos trabalhadores da cana-de-açúcar, inflexão que foi interpretada pelos setores dominantes da sociedade, através da literatura e da produção acadêmica, como uma mudança dificultando a identificação do “continuum” da incrível exploração do trabalho, desde a escravidão até nossos dias, que caracteriza a zona canavieira de Pernambuco entre as poucas regiões do mundo sem rupturas. É na memória viva das vitimas dessa exploração, que a autora encontra uma interpretação histórica capaz de recuperar esse “continuum”, e de situar o evento na longa duração da exploração e nas lutas políticas, sindicais e culturais do presente. A quais interesses afinal servem os recortes históricos e a afirmação da sucessão de mudanças senão àqueles que se beneficiaram dessa exploração contínua?
A obra de Christine Rufino Dabat não é de um pesquisador iniciante, como o é, hoje em dia, comum, tratando-se de tese de doutoramento. Longamente amadurecida, resulta de um itinerário afetivo, intelectual e militante de cerca de trinta anos. Entre idas e vindas na problemática das relações de trabalho vinculadas à “plantation” canavieira destaca-se a descoberta da obra de Sidney W. Mintz, disponibilizada em português numa coletânea organizada pela autora e publicada em 2003 pela Editora Universitária da UFPE, sob o título “O poder amargo do açúcar. Produtores escravizados, consumidores proletarizados.” Nesse autor, “involuntário farol intelectual de uma jornada acadêmica em forma de labirinto”, Christine Rufino Dabat encontrou o fio de Ariadne para debater e superar os entendimentos consagrados na historiografia nacional acerca da “Morada”; em “Moradores de Engenho” reinsere essa condição no contexto da “economia mundo” de Immanuel Wallerstein e mostra como as relações de trabalho e produção de açúcar são desde o início marcadas pela “modernidade precoce” (p. 388 a 434) relativizando e interpretando, à luz do eurocentrismo, o longo percurso historiográfico nacional do feudal ao capitalismo mercantil e ao capitalismo industrial.
Essa análise historiográfica desenvolvida no capítulo 5 constitui, junto com o capítulo anterior, a 2ª parte do livro. Em “Interpretações da morada”, a autora, após ter situado numa 1ª parte o contexto histórico do episódio que é objeto do trabalho, reserva cerca de 110 páginas a um estudo das visões da morada em José Lins do Rego e Gilberto Freyre, mostrando como a produção cultural foi capaz de criar representações duráveis e fundas, além dos debates acadêmicos norteados pelo evolucionismo cultural. Ao jovem leitor, além da releitura das obras de Lins do Rego e Freyre guiada pela desconstrução empreendida por Christine Rufino Dabat, aconselha-se assistir ao filme de Cláudio Assis “O Baixio das Bestas” que, filmado na zona canavieira de Pernambuco, assume também um caráter universal ao representar a total e brutal desumanização e instrumentalização das relações no período atual da “economia mundo”.
A 3ª parte de “Moradores de Engenho”, estende-se sobre mais da metade do livro e propõe uma reconstrução da história sob o título “A morada na experiência dos moradores”. São abordadas sucessivamente, as condições de vida dos trabalhadores rurais na época da morada, as condições de trabalho e as condições políticas denominadas “violência e cidadania”. Os textos resgatam falas dos trabalhadores e interpretações da autora remetendo sempre a outros estudiosos que se dedicaram ao estudo da vida, das relações de trabalho e da política na zona canavieira. Trata-se de uma minuciosa reconstituição, ficando claro o intuito da autora de dar prioridade à memória viva dos trabalhadores de modo a romper com a “lei do silêncio”, que afeta essa parte dos agentes da região em contraste com a abundância das produções culturais e acadêmicas recuperadas na parte anterior. Christine Rufino Dabat constrói respeitosamente, com os trabalhadores, uma história renovada pela empatia que sustenta a longa militância com os entrevistados, que revelam não ter saudade do passado mesmo se o presente continua marcado pela exploração. Reexamina assim, junto com eles, “a interpretação dada ao desenvolvimento histórico da região”.
Ao ler essa parte, lembrei de um texto do escritor nascido na Martinica, também terra de plantações criadas na “modernidade precoce”, Edouard Glissant, que procuro traduzir aqui:
O significado (a “história”) da paisagem ou da Natureza é a clareza revelada do processo através do qual uma comunidade cortada dos seus laços ou de suas raízes (e, talvez mesmo desde o início, de quaisquer possibilidades de enraizamento) pouco a pouco vem sofrendo a paisagem, merecendo sua natureza e conhecendo seu país” (…) ”Aprofundar esse significado é levar essa clareza à consciência. O esforço teimoso em direção à terra é um esforço para a história. (GLISSANT E., L’intention poétique. Paris: Gallimard, 1997).
Tradução livre de:
La signification (l’”histoire”) du paysage ou de La Nature, c’est La clarté révelée du processus par quoi une communauté coupée de ses liens et de see racines (et, peut-être même au départ, de toutes possibilités d’enracinement) peu à peu souffre le paysage, merite sa nature, connaît son pays. » (…) Approfondir la signification c’est porter cette clarté à la consciência. L’effort ardu vers la terre est un effort vers l’histoire. »
Jan Bitoun – Professor do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE.
DABAT, Christine Rufino. Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2007. Resenha de: BITOUN, Jan. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.26, n.1, p.257-261, jan./jun. 2008. Acessar publicação original [DR]
Nem Todo o Petróleo é Nosso | Sérgio Xavier Ferolla
Sérgio Xavier Ferolla é engenheiro pelo ITA e brigadeiro-do-ar. Paulo Metri também é engenheiro e presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro. Os dois autores procuram fazer aquilo que há muito se faz na produção acadêmica internacional, sublinhar com fortes traços para deixar claro que os assuntos energéticos não são, e nunca foram, separados dos interesses políticos dos Estados, sobretudo àqueles qualificados como grandes potências. Claro, não que o pesquisador brasileiro desconheça essa assertiva. Mas digamos que o tema não alcançara tanta evidência como passou a ter a partir de 2003 e 2006. Há quatro anos por causa da entrada norte-americana no Iraque. E há um ano em virtude dos acontecimentos que envolvem a produção de gás natural na Bolívia de Evo Morales. Tanto uma questão, quanto a outra está ligada, em grande parte, à segurança energética.
No livro Nem Todo o Petróleo é Nosso, com prefácio de Carlos Lessa, Ferolla e Metri fazem um balanço histórica da política energética brasileira no que corresponde ao petróleo. O tema do petróleo passou a ser observado a partir da Constituição de 1934, no primeiro governo de Getulio Vargas, como amostra das preocupações que aquele estadista apresentava para o equilíbrio político e econômico do Brasil. Os dois engenheiros são da opinião de que aquele governo saído da Revolução de 1930 fora sensível com a sorte do Estado brasileiro ao perceber que assuntos energéticos, o que valia para todos os outros minerais também, não poderiam ser vislumbrados sem o acompanhamento do poder público nacional. Leia Mais
A Santa Cruz do deserto: a comunidade igualitária do Caldeirão: 1920 – 1937 | Tarcísio Marcos de Alves
ALVES, Tarcísio Marcos de. A Santa Cruz do deserto: a comunidade igualitária do Caldeirão: 1920 – 1937. Recife: Néctar, 2008. Resenha de: SILVA, Edson. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.25, n.2, p.349-354, jul./dez. 2007.
Jango: as múltiplas faces | Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira
Em primeiro de abril de 1964, um furioso editorial intitulado “Fora” era publicado pelo jornal carioca Correio da Manhã. O golpe civil-militar efetivava-se no país, sem que a ordem de resistência, esperada por muitos, fosse dada pelo Presidente João Goulart.
O personagem, centro da crise instaurada a partir da renúncia de Jânio Quadros, do qual fora vice-presidente, sofreu, a partir de então, como toda a sociedade brasileira, as conseqüências do golpe civil-militar desencadeado contra o seu governo, amargando o exílio no qual morreu em dezembro de 1976. A partir do golpe, sofreria também constante julgamento de aliados, colaboradores e adversários dos mais diversos lugares sociais e políticos. Leia Mais
Rebeldes literários da República: história e identidade nacional no Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914) | Eliana Regina de Freitas Dutra
Corria a primeira década do século XX e a segunda da República no Brasil, quando a Livraria Garnier, uma das mais tradicionais e prestigiosas casas editoras do Rio de Janeiro, decidiu publicar um almanaque que marcaria os anos nos quais circulou: o Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914). Uma opção nada banal, pois se desejava utilizar a tradição de um gênero de impresso popular, consagrado na Europa há séculos e conhecido no Brasil, para conquistar leitores, divulgando, preferencialmente, autores e livros editados pela Garnier. Sem dúvida, uma moderna estratégia de mercado, mas que em nada prejudicava a possibilidade de difundir idéias e valores entre um amplo público leitor que acabava de ver proclamada a República. Ao menos, é assim que pensam os editores convidados para o Almanaque, Ramiz Galvão e João Ribeiro, bem como o amplo grupo de intelectuais por eles mobilizado para contribuir na publicação. Tratava-se, e esta é a tese da autora, de fazer do Almanaque Brasileiro Garnier um “vetor cultural” capaz de instruir e civilizar o povo da nova nação, ainda tão desprovida de escolas e de livros. Tratava-se de torná-lo um “substitutivo funcional do livro”, uma espécie de “biblioteca portátil” e, como tal, um instrumento eficiente para a difusão de um projeto político e intelectual (então indissociáveis), voltado para a construção de um Brasil republicano e moderno. Leia Mais
Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil colonial | Cristina Pompa
Abordagens interdisciplinares são recorrentes nas histórias das etnias americanas. Embora viabilizem uma análise mais consistente das sociedades indígenas, sobretudo de seus ritos e mitos, elas nem sempre se coadunam com a perspectiva da análise diacrônica. De todo modo, esses historiadores buscam harmonizar a diacronia à sincronia dos modelos teóricos, mas, de fato, ao recorrer às Ciências Sociais, eles, muitas vezes, negligenciam a temporalidade dos registros do passado. Este procedimento raramente é explicitado nas obras dedicadas à etno-história que, em geral, acabam por apresentar critérios pouco objetivos para estabelecer similitudes entre os conjuntos mítico-rituais. Essas filiações teóricas também incentivam uma apropriação do passado que, não raro, contraria a crítica aos testemunhos, a análise dos contextos narrativo e cultural, bem como a sua inserção social e geográfica.
Esses impasses, porém, não se encontram apenas nos escritos da história das etnias americanas. Nos anos 1990, o ambicioso livro de Carlo Ginzburg, História noturna (1989), provocou uma enorme polêmica ao combinar a morfologia e a história do Sabá, seus significados sincrônicos e desenvolvimento diacrônico. O historiador italiano pretendia, então, harmonizar o estruturalismo à perspectiva histórica dos mitos, descobrir homologias formais e reconstruir seus contextos espaço-temporais.1 Para explicar a existência de substrato comum de crenças e rituais eurasianos, Ginzburg recorreu à difusão cultural promovida pelas migrações e a uniformidade psíquica, combinação capaz de promover o entrelaçamento entre história e morfologia. Leia Mais
Forças Armadas e Política no Brasil | José Murilo de Carvalho
As reflexões sobre a história das Forças Armadas no Brasil têm mudado seu foco nos últimos anos. Com maior zelo empírico e com menor propensão para apriorismos teóricos e políticos, um conjunto crescente de pesquisadores – composto de civis e militares, é bom que se diga – tem ampliado seus interesses, fazendo com que a historiografia sobre as Forças Armadas no Brasil cresça em quantidade e qualidade. Melhor ainda: o debate historiográfico tem sido enriquecido pela variação temática e pelo aperfeiçoamento teórico e metodológico, com proveitos recíprocos. Ao invés de esses pesquisadores se ocuparem quase exclusivamente com a intervenção militar na política, a instituição castrense é estudada como um todo, sem prejuízo de suas relações com a sociedade não fardada.
Nesse sentido, é oportuna a publicação do livro de José Murilo de Carvalho, “Forças Armadas e Política no Brasil” (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005), coletânea de artigos e ensaios escritos pelo autor ao longo de mais de duas décadas de pesquisa sobre as forças armadas brasileiras. A estrutura do livro é dividida em três partes: a primeira delas, “História”, reúne os artigos mais “clássicos” e metodologicamente basilares das reflexões sobre a trajetória das Forças Armadas brasileiras no século XX. Leia Mais
As transformações dos espaços públicos, imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840) | Marco Moreil
A partir de meados da década de 1990, a historiografia luso-brasileira tem visitado o tema “da emergência e ordenação do império luso-brasileiro à definição do império do Brasil” assunto correlato surge nos estudos históricos hispano-americanos, sobretudo à luz da obra de François-Xavier Guerra. Neste prisma, o livro se insere como poucos e areja suas abordagens. Primeiro, por centrar-se nas agitadas décadas de 1820-1840 no Rio de Janeiro. De antemão, busca não projetar a corte para todo o Brasil, como se um fosse gêmeo do outro ou mera decorrência. Antes, considera o Rio de Janeiro uma cidade imperial. Esta acepção, nada ingênua, remete a uma geografia do poder, que se almeja centralizado-e-centralizador em um vasto território, conforme as inspirações literárias e históricas de então do Império Romano. As palavras, as ações e as propostas empreendidas na cidade imperial simultaneamente, corte da monarquia constitucional reverberavam com maior contundência na Europa, em especial em Portugal, e no próprio Brasil. Por outro lado, o debate internacional acerca do liberalismo constitucional, do ideário contra-revolucionário, das memórias e das narrativas sobre as experiências políticas nas Américas e na Europa encontrava aí alargada recepção, divulgação, (re)tradução e (re)apropriação. Neste sentido, o Rio de Janeiro gozava de um forte apelo junto às elites locais e regionais do Brasil, sem que isto, obrigatoriamente, implicasse uma posição unânime e coerente dos atores políticos. Morel logo esclarece: nesse período e nessa cidade, chegou-se, às vezes, a duvidar da pertinência e da necessidade de se lutar e manter a integridade e a unidade do território brasileiro. Em miúdos, não reafirma a idéia de que uma outra parte do Brasil por suposto, as regiões Norte, Nordeste e Sul postularia uma quebra ou uma reorganização do território político e uma redefinição da autonomia política de cada uma. Longe disto, tal possibilidade efetiva atravessava a pauta política no Rio de Janeiro. Em circunstâncias tão delicadas e específicas das décadas de 1820-1840, Morel estuda a emergência da modernidade política no Rio de Janeiro. Nessa medida, data o surgimento de tal modernidade e marca as balizas internas dessa periodização. Leia Mais
Territórios de mando: banditismo em Minas Gerais, século XVIII – SILVA
SILVA, Célia Nonata da. Territórios de mando: banditismo em Minas Gerais, século XVIII. Belo Horizonte: Crisálida, 2007. Resenha de: ROMEIRO, Adriana. Varia História, Belo Horizonte, v.23, n.37, p. 237-240, jan./jun., 2007.
Originalmente escrita como tese de doutorado, defendida no Programa de Pós-Graduação do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais, o livro Territórios de mando – banditismo em Minas Gerais, século XVIII debruça-se sobre um campo raramente explorado pela historiografia mineira: a vasta região rural da capitania, dominada por potentados e poderosos locais, perdidos em meio às lonjuras de um sertão inóspito e distante. Poucos foram os estudiosos que se aventuraram por esse verdadeiro continente indevassado, a exemplo de Bernardo da Mata-Machado1e, mais recentemente Carla M. J. Anastasia, num trabalho pioneiro sobre as turbulentas zonas de fronteira, intitulado A geografia do crime.2 Ao contrário do enfoque predominante na historiografia sobre o Setecentos mineiro, voltada para o universo das vilas e arraiais, a urbanização restringia-se a uns poucos núcleos populacionais, para além dos quais abria-se, imenso e inquietante, o sertão.
Filiada às novas tendências historiográficas, a autora se propõe a examinar a configuração política peculiar que floresceu à roda dos grandes potentados sertanejos, responsáveis pela constituição de vigorosos pólos de poder privado, que, ao longo de todo o século XVIII, minou insidiosamente as sucessivas tentativas da Coroa portuguesa no sentido de estender os seus tentáculos por toda a capitania. Afinal, como se dava o exercício do poder e do mando entre esses homens, tidos freqüentemente por facinorosos e rebeldes? Que valores pautavam o imaginário político deles? Ao longo da pesquisa, Célia Nonata da Silva descobre uma cultura política singular, profundamente marcada pelas concepções barrocas do Portugal restaurado, reinventadas no contato com as tradições locais. Mestiça, essa cultura política estruturava-se em formas de mando complexas, que estavam longe do estereotipo fixado pelos contemporâneos, que viram nelas tão-somente a expressão de uma violência irracional, típica do cenário bárbaro em que supostamente viviam os sertanejos.
Encarnando um poder que fustigava a Coroa, contra a qual empreenderam uma tenaz e bem-sucedida resistência, os potentados dominavam vastas extensões de terra – os chamados territórios de mando -, nos quais eram reconhecidos como chefes políticos legítimos, e por essa razão, obedecidos e respeitados por um número expressivo de moradores. Um exemplo disso é a situação inusitada em que se viu o Conde de Assumar, por ocasião do motim de Barra do Rio das Velhas, obrigado a enviar bandos para informar a população local de que ela devia obediência e vassalagem ao rei de Portugal e não a Manuel Nunes Viana. Apesar disso, este último continuou a reinar soberano e absoluto na região, desafiando acintosamente os esforços desesperados do governador para estabelecer ali o poder público.
Ao carisma destes potentados, somavam-se práticas de dominação que se traduziam sob a forma de ritos de violência específicos, como o recurso à vingança, a valorização da honra, a exibição de signos de virilidade, como a valentia, a bravura e o desafio, dos quais resultou um exercício de poder marcadamente privado, refratário, em alguns casos, à negociação, em outros, abertos à transação. Em torno deles, gravitava uma complexa rede de solidariedades, de que faziam parte escravos, forros, homens livres e pobres – e por vezes, as próprias autoridades locais – organizados em bandos armados, dispostos a executar os desígnios dos chefes locais, engalfinhados na luta pela expansão de seus territórios de mando e nas contendas entre famílias.
O principal mérito do livro reside no estudo sistemático da lógica e racionalidade do poder privado, buscando apreendê-lo como uma outra forma de exercício de poder, e não como mera negação da ordem pública. Dele emergem potentados a um só tempo fascinantes e perturbadores, como o contrabandista Mão de Luva, líder de uma quadrilha que aterrorizou por anos a Mantiqueira, ou o já mencionado Manuel Nunes Viana, que se valia de crenças mágicas africanas – como o ritual do corpo fechado – para controlar as populações da Barra do Rio das Velhas. Situados numa zona cinzenta, nos tênues limites entre a ordem e a desordem, os poderosos do sertão resistem à tipologia simplificadora proposta por Eric Hobsbawm em seu clássico Bandidos, cujo objeto são os indivíduos considerados criminosos pelo Estado. O caso dos potentados mineiros é muito mais complexo: se desafiavam as leis de Sua Majestade, perpetrando toda sorte de crimes e violências, ainda assim era os seus mais valiosos aliados, os únicos capazes de impor alguma ordem em meio às lonjuras da América. A este respeito, é bem reveladora a trajetória de Manuel Nunes Viana – que nada tinha de extraordinária ou excepcional, se comparada à de outros potentados. Tido pelos contemporâneos por um dos mais homens mais experientes nas matérias relativas ao sertão, investido de uma autoridade reconhecida pelos sertanejos, o chefe emboaba era, na opinião de um ouvidor do Rio das Velhas, o único indivíduo capaz de levar alguma ordem àquele “receptáculo para criminosos de toda a América”. Endossando esta idéia, o marquês de Angeja tecia-lhe elogios em carta ao rei, observando que “é certo que o dito Manuel Nunes Viana não só é o homem mais capaz que tem aqueles distritos, tanto para fazer o cabal informe que se lhe manda, e executar as ordens de V. Majestade fazendo-as observar e respeitar como devem ser; mas é o único que atualmente dá cumprimento ao que se lhe mandam, e faz ter em sossego e respeito o distrito, que se lhe tem assinado como sua capitania mor, sossegando-a e limpando-a dos ladrões todas as vezes que aparecem alguns por aqueles distritos…”.3 Existia mesmo, no início da década de 1710, um consenso generalizado entre os funcionários régios sobre o seu papel estratégico nos sertões distantes e, mesmo os inimigos, a exemplo do conde de Assumar, reconheciam que, não obstante seus excessos e tiranias, ele era uma figura respeitada e obedecida nos territórios distantes do controle da Coroa. Sensíveis à importância do conhecimento acumulado por estes potentados, verdadeiros depositários de um saber essencialmente sertanejo, que abrangia desde as condições ecológicas até a índole dos moradores, os sucessivos governadores-gerais sempre os tiveram em altíssima conta, encarregando-os de uma série de diligências relevantes nos confins da capitania.
O caráter ambíguo das relações entre os poderes público e privado é refutado veementemente pela autora, que vê nos potentados e poderosos do sertão o foco de um poder privado, a serviço de interesses particulares – e por essa razão, incompatível com as exigências das autoridades. Aliás, mesmo essas, como a própria autora admite, submeteram-se ao processo de privatização do poder, transformando-se também em pólos de poder concorrente, capazes de prejudicar – e mesmo subverter – a soberania portuguesa em terras mineiras.
Atenta às formas de expressão e consolidação da ordem privada, a autora opta por não esmiuçar o outro pólo do exercício político dos chefes sertanejos: a comunidade que a eles devotava respeito e admiração. Para além do nível mais imediato de capangas, caboclos e escravos, configurando os bandos armados, havia largos setores da população que os reconheciam como uma liderança política legítima e absoluta. Tudo indica que, nas paragens distantes em que a Coroa não havia instalado o seu aparato administrativo, a ordem privada desempenhava um papel decisivo no cotidiano miserável dessas populações, uma vez que proporcionava desde o exercício da justiça e a solução dos conflitos vicinais até a cura de doenças e o auxílio a doentes e inválidos.
Campo vasto, mas árduo, o tema do poder privado nos sertões mineiros esbarra em inúmeras dificuldades, sendo a principal delas o fato de que as fontes disponíveis reproduzem o olhar das autoridades e por essa razão tendem a mascarar a natureza complexa da ordem privada, reduzindo-a à mera violência e barbárie. Se os potentados não tiveram direito à palavra, o mesmo também aconteceu com os seguidores deles: sociedade de analfabetos, não legaram aos estudiosos relatos mais densos sobre as suas motivações políticas. É através do olhar enviesado dos seus detratores que o historiador tem de adentrar no imaginário político desses homens, buscando nas entrelinhas as pistas e indícios das idéias e práticas que floresceram no sertão.
Por fim, é preciso elogiar a bela edição da Crisálida – cuja única restrição é a falta de uma revisão cuidadosa -, com um destaque especial para a sugestiva capa, inspirada numa xilogravura de Arlindo Daibert. A promissora editora firma-se assim como mais um veículo de publicação que se abre às numerosas e competentes dissertações de mestrado e teses de doutorado que, a exemplo do trabalho de Célia Nonata da Silva, tem revigorado a historiografia mineira.
Notas
1 MATA-MACHADO, Bernardo Novais da. História do sertão noroeste de Minas Gerais (1690-1930). Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991.
2 ANASTASIA, Carla M. J. A geografia do crime: violência nas minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
3 Ambos os documentos foram citados por RUSSELL-WOOD. Manuel Nunes Viana: paragon or parasite of Empire? The Americas, April 1988, v.37, p.488-489, n.4.
Adriana Romeiro – Professora do Programa de Pós-graduação da UFMG. E-mail: adriana.romeiro@uol.com.br
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Imagens do passado: São Paulo e Rio de Janeiro nos primórdios do cinema | Pedro Paulo A. Funari
Pedro Paulo Abreu Funari, arqueólogo e professor titular do Departamento de História da Unicamp e Aline Vieira de Carvalho, doutoranda na mesma instituição, reuniram-se para escrever Palmares, ontem e hoje, publicado recentemente pela Editora Jorge Zahar Editor.
O livro é o mais novo volume da coleção “Descobrindo o Brasil”, dirigida por Celso Castro, que visa à publicação de estudos especialistas sobre diferentes temas relacionados à História do Brasil em uma linguagem acessível a um público que não se restringe aos meios acadêmicos. Tendo em vista essa proposta, Funari e Carvalho tratam, nesse livro, de um aspecto ímpar da história do Brasil: o quilombo de Palmares. Em uma abordagem interdisciplinar, baseada em um constante diálogo entre arqueologia e história, os autores apresentam para o leitor diferentes maneiras de se interpretarem os eventos ocorridos no cotidiano do quilombo, bem como enfatizam a necessidade de uma abordagem crítica para a produção de leituras mais dinâmicas do quilombo de Palmares, estimulando uma reflexão da importância da luta pela liberdade tanto no passado como no presente. Leia Mais
Sistema internacional com hegemonia das democracias de mercado: desafios de Brasil e Argentina | Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis
Um duro retrato da realidade internacional: esta talvez seja a frase que melhor sintetiza o livro de Eduardo Viola, professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, e Héctor Ricardo Leis, professor da Universidade Federal de Santa Catarina. Após quase vinte anos do colapso da União Soviética as transformações operadas no sistema internacional agora podem ser melhor percebidas: coube aos autores descrevê-las de forma coerente e contundente.
A linha central de pensamento dos autores é que o sistema de estados que delineia a ordem internacional vigente é baseado na hegemonia das democracias de mercado. Nesse sentido, o protagonismo norte-americano só é válido em composição com outras grandes potências: juntas, como democracias de mercado consolidadas, fazem da democracia seu modelo político, do capitalismo de mercado sua moldura econômica definidora e da globalização seu veículo de manutenção ou transformação da ordem vigente. Ainda que exaltando o verdadeiro liberalismo, a análise de ambos aponta para uma valorização do progresso social e econômico como metas universais, em detrimento de orientações puramente ideológicas. Leia Mais
Portugueses no Brasil: migrantes em dois atos | Ismênia de Lima Martins
MARTINS, Ismênia de Lima; SOUSA, Fernando (Orgs.). Portugueses no Brasil: migrantes em dois atos. Niterói: Muiraquitã, 2006. Resenha de: KUSHNIR, Beatriz. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, v.3, n.3, p. 183-184, 2007.
Política, Arte e Cultura no Brasil (Anos 1940–1970) | ArtCultura | 2007
Expressivos profissionais das áreas de conhecimento histórico e afins aderiram, de forma renovadora, às mudanças de paradigmas metodológicos e temáticos, que ganharam maior consistência nos últimos tempos. Nesse sentido, ocorreu um afastamento das histórias estruturais e da escrita sintética ou holística. Por outro lado, têm proliferado estudos monográficos, muitas vezes inspirados pela abordagem da micro-história e por forte enfoque culturalista, não poucas vezes desprendidos das movimentações sociais e políticas mais amplas da própria história.
O dossiê que o leitor tem em mãos reúne diferentes textos, amalgamados pela temática Política, Arte e Cultura no Brasil (Anos 1940–1970). Seu título define, por si mesmo, que nossa compreensão sobre História Cultural agrega os novos aportes teóricos e as novas abordagens que alargaram o campo de conhecimento abrangido pela História. Mas que também, a par da perspectiva interdisciplinar que os caracteriza, considera que os macromovimentos da história estão relacionados aos micromovimentos e vice-versa. Leia Mais
O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004) | Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Sá Motta
Em 2004 muitos foram os pesquisadores que se reuniram em seminários, palestras e eventos tendo como objetivo discutir a questão da ditadura militar no Brasil. Foi um momento de refletir um acontecimento – o golpe militar – que marcou profundamente a história do povo brasileiro. Já tinham se passado quarenta anos, mas as lembranças daquele momento permaneciam na memória daqueles que presenciaram os direitos democráticos se desfazerem com as ações políticas dos militares.
A produção historiográfica referente ao golpe civil-militar de 1964 e o governo que se instalou desde então vem aumentando constantemente. Essa preocupação pode ser compreendida devido ao acesso a determinados documentos que anteriormente eram impossíveis de serem analisados, embora o estudo sobre a ditadura ainda careça de fontes. A intensa revisão desse momento histórico pode ser dada pelo fato desse período ainda provocar muitas contradições, como por exemplo a construção de narrativas daqueles que defenderam o regime e dos que foram vítimas desse sistema ditatorial. O que ocorre também é uma tentativa de redefinição desse passado pelos diferentes sujeitos, de um lado aqueles que vivenciaram essa experiência ditatorial e de outro os que investigam e interpretam esse passado com base em documentos escritos e orais. Leia Mais
A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje | Maurício Murad
O futebol tem ocupado, cada vez mais, um espaço como objeto de estudo dos vários pesquisadores, cuja formação se liga à História, à sociologia, à antropologia e demais áreas correlatas. Isso significa que o esforço de análise acerca desta temática vem deixando de ser algo restrito a uma prática diletante, para também ser analisada no âmbito das universidades. Neste aspecto, não tenho dúvidas quanto ao pioneirismo e ao brilhantismo do Professor Maurício Murad, quando nos reportamos à reflexão sobre a temática apontada, sobretudo no que diz respeito a um dos principais problemas que habita o universo do futebol: a violência. O livro é parte de amplas pesquisas que o autor já vem realizando há algum tempo, o que o coloca como indispensável para aqueles que estudam ou venham a estudar e/ou conhecer questões relacionadas ao futebol, também numa perspectiva da pesquisa acadêmica.
Desde já, creio ser necessário concordar com uma das principais teses do autor em questão, quando ele nos sugere em seu livro, que não se deve comparar a violência no futebol com a violência do futebol. A partir desta premissa, provavelmente o autor queira nos alertar quanto às ocasionais conclusões que poderiam naturalizar o futebol como algo estruturalmente violento, tal como muitas vezes alguns jornais impressos, programas de rádios e/ou de televisão, enfim, os diferentes veículos de comunicação poderiam nos levar a crer, quando noticiam os jogos de futebol. Não se trata de rejeitar a existência de absurdos ligados à violência absolutamente condenáveis que, de fato, estão presentes no esporte. Leia Mais
No território da Linha Cruzada: a cosmopolítica afro-brasileira | José Carlos Gomes dos Anjos
O livro No território da linha cruzada: a cosmopolítica afro-brasileira é escrito por José Carlos Gomes dos Anjos, e trata-se de um trabalho etnográfico no qual o autor, enquanto antropólogo, militante do movimento negro e filho-de-santo de um terreiro de Linha Cruzada, vale-se desses diferentes status, em diferentes momentos, para configurar sua problemática, colher seus dados e construir o texto etnográfico. Antropólogo já antes envolvido em pesquisas sobre religiosidade afro-brasileira, o autor volta seu olhar ao processo de remoção da Vila Mirim – uma vila de maioria negra no centro de Porto Alegre – para a implementação do entroncamento de três grandes avenidas, quando o movimento negro é acionado para mediar os conflitos que a iminência da remoção provocam. Dos 113 domicílios da área a ser removida, seis eram terreiros. É nesse contexto que dos Anjos se inicia como filho-de-santo de mãe Dorsa, uma das líderes da resistência contra a proposta da prefeitura de Porto Alegre de reassentar os moradores no bairro Rubem Berta, movimento instaurado em 1992, quando em reunião realizada num terreiro, formou-se a Comissão dos Moradores a serem removidos. A única reivindicação alcançada pela comunidade foi de não ser removida para Rubem Berta, mas para o bairro Chácara da Fumaça.
O autor, então, norteia suas análises acerca das estratégias políticas dos atores envolvidos nesse processo: a Comissão dos Moradores contra a remoção, a Associação dos Moradores da Vila Divina Providência (a favor da remoção), a Prefeitura de Porto Alegre e o Movimento Negro Unificado. Leia Mais
A Convergência Macroeconômica Brasil-Argentina: regimes alternativos e fragilidade externa | Leonardo de Almeida Carneiro Enge
Resenhista
Paulo Roberto de Almeida – Diplomata de carreira e Doutor em Ciências Sociais. As opiniões expressas no presente texto são exclusivamente as de seu autor. E-mail: pralmeida@mac.com
Referências desta Resenha
ENGE, Leonardo de Almeida Carneiro. A Convergência Macroeconômica Brasil-Argentina: regimes alternativos e fragilidade externa. Brasília: IRBr, 2006. Resenha de: ALMEIDA, Paulo Roberto de. Meridiano 47, v.7, n.75, p.22-26, out. 2006. Sem acesso ao original [DR]
Estado e Burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa | Antônio Carlos Mazzeo
Uma primeira associação ao título surge de maneira fácil, quase imediata: ao estudar as relações entre estado e burguesia na formação social brasileira, Antônio Carlos Mazzeo remonta à ideia originariamente expressa por Marx e Engels, em seu Manifesto Comunista, a qual serve de epígrafe a esta resenha e norteia nosso entendimento primário dos conceitos utilizados pelo autor ao apresentar suas ideias. Antônio Carlos Mazzeo é um autor marxista, que utiliza, em primeira instância, a análise de Marx e Engels para desenvolver sua apreensão das características da formação histórica da sociedade brasileira. Leia Mais
O Brasil no discurso da antropologia nacional | Mônica Thereza Soares Pechincha
Resenhista
Leandro Mendes Rocha – Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Goiás.
Referências desta Resenha
PECHINCHA, Mônica Thereza Soares. O Brasil no discurso da antropologia nacional. Goiânia: Cânone Editorial, 2006. Resenha de: ROCHA, Leandro Mendes. Cultura nacional e identidade. História Revista. Goiânia, v.11, n.2, p.401-402, jul./dez.2006. Acesso apenas pelo link original [DR]
Uma associação para a tecnologia brasileira: Abipti 25 anos | Shozo Motoyama, Paulo Queiroz Marques e Maria Anglélica Rodrigues Quemel
Shozo Motoyama, Paulo Queiroz Marques e Maria Angélica Rodrigues Quemel prestam um importante serviço à documentação e historiografia sobre o desenvolvimento da tecnologia no Brasil da segunda metade do século XX ao reunir documentos, depoimentos e informações diversas sobre a formação da Abipti.
A Associação Brasileira de Instituições de Pesquisa Tecnológica (Abipti), criada no início dos anos 1980 com o intuito de representar as instituições de pesquisas em tecnologia, demonstrou ao longo de 25 anos, mesmo em situações de turbulências econômicas, autonomia frente às autoridades governamentais, negociando e mostrando aos mesmos, as reais necessidades de fomento de pesquisa e inovação na área tecnológica. Leia Mais
Operários de uma vinha estéril: os jesuítas e a conversão dos índios no Brasil – 1580-1620 | Charlotte de Castelnau-L’Estoile
Em maio de 1583 dois padres vindos de Lisboa” desembarcaram em Salvador da Bahia. Eram eles Cristóvão de Gouvêa, encarregado pelo Geral da Ordem Jesuíta, o italiano Claudio Acquaviva, de visitar a Província do Brasil, e o jovem Fernão Cardim, seu companheiro e secretário. Por essa época, encerrava-se a primeira fase da história da Companhia, o tempo heróico da fundação, e ingressavase na era da redefinição de sua administração, pois o generalato de Acquaviva (1581-1615) seria marcado pelo esforço central da Ordem por ‘regularizar’ e unificar “as práticas intelectuais, espirituais e administrativas das diferentes províncias, ou seja, a da ação missionária na periferia, em busca da afirmação de uma identidade jesuíta” (p. 20). Leia Mais
Dicionário Crítico Câmara Cascudo | Marcos Silva
Desde o primeiro momento em que me deparei com o Dicionário Crítico Câmara Cascudo e, depois, à medida que o lia ou melhor, saboreava cada página uma pergunta se impunha: que outro escritor brasileiro poderia ser comparado a Câmara Cascudo, seja pelo volume de livros publicados, seja pela impressionante contribuição que deu aos mais diferentes campos do conhecimento? Que outro mereceria a organização de um dicionário para reunir e explicar sua produção intelectual? E, apesar de alguns nomes me ocorrerem, nenhum parecia superar o norte-rio-grandense, tal o inegável impacto de seu trabalho para a cultura brasileira. Como poucos, Cascudo introduziu no cenário nacional o testemunho de uma experiência sertaneja e a cosmovisão de um mundo nordestino, até então muito pouco conhecido e geralmente ignorado pela elite intelectual do país.
A vasta bibliografia de Câmara Cascudo (1898-1986) contabiliza cerca de uma centena de obras e se encontra espalhada pelos campos da história, da etnografia, da antropologia, da literatura, da crítica literária, da cultura popular, da religião, da geografia e, principalmente, do folclore. Como se não bastasse, há ainda um importante detalhe: seja qual for o tema estudado, o texto cascudiano prima por ser também literário. O escritor norte-rio-grandense desenvolveu ao longo de sua produtiva vida intelectual um estilo muito próprio, cujo ponto alto é justamente uma especial habilidade no trato com a linguagem, que resulta sempre em um texto sedutor, leve e singular, pontuado de imagens e de expressões poéticas que encantam o leitor e aliviam com muita sensibilidade a aridez da informação documental. Leia Mais
O integralismo nas águas do Lete: história, memória e esquecimento | Rogério Victor Lustosa
A problemática da memória e as suas múltiplas abordagens têm se tornado um tema recorrente na produção da História nas últimas décadas. A historiografia que aborda o movimento integralista não foge desse novo enfoque, tendo sido produzidos, nos últimos anos, vários trabalhos para analisar tanto a forma como os militantes da Ação Integralista (novos e velhos) interpretam e reelaboram seu próprio passado, quanto a maneira como outros agentes políticos e sociais interpretavam o movimento dos camisas-verdes.
Trabalhando nessa seara, o jovem pesquisador Rogério Lustosa Victor apresenta uma importante colaboração ao tema. No livro ora resenhado, o qual foi apresentado inicialmente como dissertação de mestrado na Universidade Federal de Goiás em 2004 e publicado no ano seguinte, a questão da memória integralista é trabalhada nos mais diferentes ângulos, sendo oferecidas importantes reflexões ao estudioso do tema. Leia Mais
Conquista Espiritual. A história da evangelização na Província do Guairá na obra de Antonio Ruiz de Montoya, S. I. (1585-1652) | Jurandir Coronado Aguilar
O livro trata da história da evangelização feita pelos jesuítas no início do século XVII no Guairá, região da fronteira do Brasil com o Paraguai. Pelo lado brasileiro é a região de Guairá, no Paraná. A figura do padre Antonio Ruiz de Montoya S. I. (1585-1652) é destacada pelo autor e analisada mais detidamente. A obra é resultante das pesquisas feitas pelo autor em seu doutorado em História da Igreja cursado na Pontifícia Universidade Gregoriana do Vaticano. A pesquisa mereceu o Prêmio Bellarmino de 2001 e foi publicada no ano de 2002 em Roma. O texto é apresentado em português.
O autor é presbítero da diocese de Campo Mourão, no Paraná, desde 1989. Sua formação sacerdotal básica foi realizada nos seminários de Maringá e Londrina, no Paraná, e em Florianópolis, Santa Catarina (Instituto Teológico). Leia Mais
Les Ouvriers D’Une Vigne Stérile. Les jésuites el la conversion des Indiens au Brésil 1580-1620 | Charlote Castelnau-L’Estoile
Nas últimas décadas, índios e jesuítas têm ganhado espaço pesquisas interdisciplinares que procuram repensar suas relações de contato. Nestes estudos, os índios, em geral, surgem como principal foco de interesse dos pesquisadores que em procuram refletir sobre as mudanças por eles vivenciadas, considerando-os também agentes destas mudanças. O aspecto religioso costuma ser priorizado e os jesuítas aparecem como importantes atores com os quais interagem os índios nestes processos de metamorfose. Cristina Pompa, Eduardo Viveiros de Castro, John Monteiro, Manuela Carneiro da Cunha e Ronaldo Vainfas são alguns exemplos de historiadores e antropólogos que, dos anos 1990 para cá, têm abordado o tema nesta perspectiva. Nestes trabalhos, bem como em outros que os antecederam, em perspectiva diversa, os inacianos desempenham papel essencial como agentes transformadores das culturas indígenas e, sobretudo, como produtores de fontes primárias fundamentais para o tema, porém não constituem o foco central de suas abordagens. Mais recentemente, José Eisemberg inovou ao abordar as missões, privilegiando o pensamento político da ordem jesuítica e refletindo sobre suas mudanças a partir da prática missionária. Leia Mais
Palmares, ontem e hoje | Pedro Paulo Funari
Escrito a quatro mãos, o ensaio Palmares, ontem e hoje é mais uma das primorosas narrativas da coleção Descobrindo o Brasil, editada pela Jorge Zahar Ed. Calcado num dos temas mais consagrados da nossa historiografia, o texto de Pedro Paulo Funari e Aline Viera de Carvalho aborda com maestria e originalidade as principais questões que envolvem a saga palmarina desde o período de formação do quilombo até as descobertas mais recentes no campo da arqueologia.
Fugindo das tradicionais e – por que não dizê-lo? – esquemáticas abordagens introdutórias aos episódios marcantes da nossa história, os autores apresentam o quilombo de Palmares como um problema historiográfico, ou seja, um fato histórico que foi e continua sendo constantemente reescrito por historiadores, sociólogos, arqueólogos e antropólogos. Tal honestidade profissional demanda naturalmente um convite ao leitor a compreender os meandros da escrita da história e a produzir suas próprias idéias sobre os fatos tratados. É isso que os autores literalmente fazem ao mostrar como o estudo da história implica na discussão da relação passado e presente, dado que dela resulta o discurso do historiador. Leia Mais
O camponês e a história: a construção da ULTAB e a fundação da CONTAG nas memórias de Lyndolpho Silva | Paulo Ribeiro Cunha
Em 1952, o Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB) resolveu chamar um amplo pleno sindical, que reformulou as linhas gerais de atuação dos comunistas frente ao movimento sindical. A resolução aprovada neste pleno orientava que os comunistas voltassem a atuar junto aos sindicatos existentes, ampliassem as reivindicações trabalhistas, forjassem alianças com outras forças políticas, notadamente os petebistas, e retomassem a luta pela sindicalização e unidade sindical.
A partir desse momento os comunistas vão investir fundo na “exploração dos espaços legais existentes”, procurando organizar o movimento sindical tanto “por baixo”, como “por cima”. “Por baixo”, fazendo um esforço para organizar a formação de “comissões de fábrica”, de “comissões de salários” e jogando as decisões fundamentais para as assembléias por categorias e gerais. “Por cima”, procurando criar organismos que pudessem contemplar a unidade da classe trabalhadora. Primeiro com o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), surgido durante a grande greve de 1953, mais conhecida como a greve dos “300 mil”; depois com o Pacto de Unidade e Ação (PUA) e por fim, com o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que se transformou na mais importante organização sindical vertical, fora da estrutura oficial, até o golpe de 1964. Aliás, o PCB só conseguiu liderar a “greve dos 300 mil” de 1953 e aquelas que a sucederam, nos anos imediatos, porque operou, previamente, “um realinhamento de sua política sindical, reaproximando-se dos trabalhistas e dos sindicatos oficiais e rompendo, neste ponto, com a estratégia maximalista e foquista que havia patrocinado experiências armadas no campo”, como bem frisou Gildo Marçal Brandão [2]. Leia Mais
Anos 70: Trajetórias | Antônio Risério, Maria C. M. Freire e Maria Rita Kehl
Resultado de um evento multidisciplinar realizado em São Paulo durante os meses de outubro de 2001 a janeiro de 2002, o livro Anos 70: Trajetórias compõe-se de 18 ensaios sobre a década de 1970, no Brasil, divididos em sete blocos temáticos, reunindo os seguintes autores: Nicolau Sevcenko, Antonio Risério, Maria Rita Khel e Cláudio Novaes Pinto Coelho falam sobre “Cultura e Contracultura”; Esther Hamburger, Silvia Borelli e Waldenyr Caldas, sobre “Comunicação e Indústria Cultural”; o debate sobre Literatura reuniu João Adolfo Hansen, Waly Salomão e Carlos A. Messeder Pereira; sobre “Artes Cênicas”, há os textos de Dulce Aquino, Luiz Carlos Maciel e Luiz Fernando Ramos; Luiz Tatit e Marcos Napolitano escrevem sobre “Música”; Paulo Sérgio Duarte e Cristina Freire, sobre “Artes Visuais”; e Daniel Revah, sobre “Educação”.
Como diz a apresentação do livro, os autores convidados viveram os anos 70, e seus textos, portanto, constituem, ao mesmo tempo, o relato pessoal dessa experiência e uma reflexão histórica sobre o período, buscando dar voz à pluralidade sem a preocupação de síntese. De fato, a variedade dos temas e autores favorece o interesse de leitores provenientes de distintas áreas de atuação, como permite também uma visão não unificada sobre o período em foco. Leia Mais
Do nacional-desenvolvimentismo à internacionalização no Brasil subnacional: o caso do Ceará | José Nelson Bessa e Déborah Barros Leal Farias
Eis uma obra plasmada pela oportunidade e inventividade dos seus autores. Do nacional-desenvolvimentismo à internacionalização no Brasil subnacional: o caso do Ceará demonstra a renovação que vem se impondo, com grande naturalidade, na reformulação nos cânones da pesquisa e do ensino das Relações Internacionais no Brasil. Claro, sucinto e bem escrito, o livro tem duas claras contribuições. Por um lado, escrutina aspecto extremamente relevante para as sociedades democráticas modernas: o limites da high politics ante a necessidade imperativa do avanço da low politics. Embrenham-se os autores no esforço de demonstração da capacidade dos entes subnacionais na conformação da política externa do Estado nacional. Evidencia-se, na leitura da obra, o quanto o Brasil está atrasado na matéria e o quanto está para ser feito. Leia Mais
O século XXI no Brasil e no mundo | Maria Izabel Valladão de Carvalho e Maria Helena de Castro Santos
Theodore Hook, escritor inglês, afirmava que a melhor forma de predizer o futuro é inventando-o. Esse mote singulariza muito bem o empreendimento de desbravadores, inventores e vanguardistas da arte, pois a engenhosidade humana parece dispor de irrestrito estoque de surpresas que transformam o espaço e a consciência que temos de nós mesmos. É com artifício semelhante que gerações de pesquisadores perscrutam uma grande “invenção” coletiva, que é a realidade social que nos cerca.
Para examiná-la, criam-se métodos, derrubam-se axiomas e debatem-se idéias um processo que redunda na grade de conhecimento que ajuda a tornar compreensível os complexos processos que enfrentamos. Nos últimos anos, contudo, esses exercícios demandam cada vez mais desvelo e mobilização por parte dos corifeus da academia, pois a realidade parece constituir um agregado difícil de decompor, de dar inteligibilidade e de explicar. Leia Mais
Desafios brasileiros na era dos gigantes | Samuel Pinheiro Guimarães
Nos últimos anos, intensificaram-se os debates nos meios de comunicação e na academia sobre a política externa brasileira, em decorrência do êxito eleitoral da oposição no âmbito federal em 2002, após três pleitos disputados (89, 94 e 98). Deste modo, o cotejo entre o desempenho das gestões de Fernando Henrique Cardoso e de Luis Inácio Lula da Silva foi constante, ainda mais durante as vésperas da última eleição presidencial (2006), de cujo resultado se extrairia a confirmação do atual titular.
Em face da proximidade das políticas econômicas executadas no último decênio, a política externa tornar-se-ia para muitos o cenáculo em que situação e oposição manifesta não apenas nos meios partidários se avaliariam, por ela eventualmente possibilitar a diferença das linhas traçadas, posterior execução e, por fim, auferimento dos êxitos. Leia Mais
Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920 | Eugênio Vargas Garcia
O livro resulta de tese de doutorado apresentada na UnB em 2001 e beneficiou-se de pesquisas do autor em arquivos nacionais e estrangeiros (EUA e Reino Unido), com o que ele construiu uma obra tão competente quanto necessária, uma vez que o período coberto permanecia uma espécie de “patinho feio” da nossa historiografia diplomática, prensado entre a “era do Barão”, na primeira década do século XX, e os episódios mais “excitantes” da fase da Guerra Fria. No próprio entre-guerras, os anos de depressão e conflitos econômicos e militares que se seguiram à crise de 1929 sempre receberam mais atenção dos historiadores que o período aparentemente “morno” que se situa entre o final da Primeira Guerra e o golpe de outubro de 1930, que inaugura a chamada era Vargas, de modernização e industrialização.
Eugênio Garcia formula, em primeiro lugar, uma série de perguntas, que ele tenta depois responder em sete capítulos temáticos que cobrem as principais áreas de atuação e os principais problemas diplomáticos – e desafios internacionais – do Brasil nos doze anos cobertos pela pesquisa. Como a política externa movia-se num triângulo atlântico formado pelos Estados Unidos, Europa e América do Sul, suas perguntas se dirigem aos problemas que serão depois analisados em cada um dos capítulos: “rumo à Europa”, ou seja, nossa participação na conferência da paz de 1919; “diplomacia econômica”, vale dizer, defesa do café e penetração de capitais estrangeiros; “equilíbrio estratégico na América do Sul”, com o rearmamento militar e as tentativas de equilíbrio de poderes na região; “comércio e finanças”, quando se assiste à competição entre os interesses britânicos e americanos nas duas vertentes; “a experiência da Liga das Nações”, nossa primeira tentativa, frustrada, de integrar o círculo dos “mais iguais”; “de volta à América”, quando se administra o afastamento diplomático da Europa; e “a diplomacia anti-revolução das oligarquias”, capítulo final no qual aparecem os problemas político-ideológicos que desembocariam na revolução de 1930. Leia Mais
As religiões no Rio | João do Rio
Resenhista
Ronaldo Salgado – Universidade Federal do Ceará.
Referências desta Resenha
RIO, João do. As religiões no Rio. Rio de Janeiro: Edição da Organização Simões, 1951. Resenha de: SALGADO, Ronaldo. Incursão de João do Rio no universo religioso carioca. Trajetos. Fortaleza, v.4, n. 8, 2006.
Escrita singular: Capistrano de Abreu e Madre Maria José | Virgínia A. Castro Buarque
Resenhista
Paula Virgínia Pinheiro Batista – Universidade Federal do Ceará.
Referências desta Resenha
BUARQUE, Virgínia, A. Castro. Escrita singular: Capistrano de Abreu e Madre Maria José. Fortaleza: Museu do Ceará; Secretaria da Cultura, 2003. Resenha de: BATISTA, Paula Virgínia Pinheiro. Trajetos. Fortaleza, v.4, n. 8, 2006.