Entre a revolução dos costumes e a ditadura militar: as cores e as dores de um país em convulsão | Adrianna Setemy

No panorama de estudos relativos a ditadura militar brasileira – e em especial no que tange as políticas de governo e aos aspectos culturais conservadores da época – foi lançado recentemente uma interessante contribuição da historiadora Adrianna Setemy, ela que é mestre e doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e com pós-doutorado na mesma instituição. Nessa obra a autora mostra com acuidade, como após o golpe de Estado de 1964 no Brasil, inúmeros fatores afetaram o comportamento das pessoas, desde o modo de se vestir, até as questões relacionadas a sexualidade, além disso, nesse mesmo interim ressalta que o mundo tomava conhecimento de uma gama de fenômenos que o abalaria, tais como: o término da Segunda Guerra Mundial, a luta dos direitos civis, a Guerra do Vietnã, da mesma maneira que, introdução da pílula anticoncepcional, a influência do rock, do movimento hippie e do uso de drogas faziam parte das manifestações políticas e culturais daquele momento. O Brasil, por sua vez, sentiu todas essas circunstâncias sob a agonia de uma ditadura, a qual, a repressão não se limitou apenas ao campo político, mas também aos costumes que contestavam os padrões da “moral e dos bons costumes”, a partir da forte interferência do moralismo. Setemy discute esses temas, tendo como fonte de investigação duas revistas Manchete e Realidade durante o intervalo entre 1964 e 1968, onde, nos anos 60 desempenharam a capacidade de abordar temas polêmicos, ganhando lucro nas vendas, sem colocar-se em risco pelo viés político da censura ou da recusa dos conservadores. Entre a revolução dos costumes e a ditadura militar é um livro, que foi lançado pela editora Letra e Voz no ano de 2019, que nos permite refletir como foi possível durante os conturbados anos ditatórias a impressa, com destaque para as revistas citadas, tratarem sobre as mudanças comportamentais que se fizeram nesse contexto. Leia Mais

1989: história da primeira eleição presidencial pós-ditadura | Cássio Augusto Guilherme

O livro intitulado “1989 história da primeira eleição presidencial pós-ditadura”, de Cássio Augusto Guilherme narra os acontecimentos políticos ocorridos no ano de 1989. Inicialmente a obra busca mostrar alguns episódios que a Europa enfrentava, especificamente, a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, o que representava uma nova reconfiguração geopolítica entre os países do Leste europeu e uma reorganização deles, gradualmente em nações capitalistas “livre agora, do perigo comunista” os Estados Unidos passam a ter as Américas central e do Sul como área de influência mais direta impondo o seu modelo neoliberal de política econômica. Isso é o que veremos no livro ora resenhado que apresenta pelas páginas do jornal O Estado de S. Paulo (OESP) a defesa desse tipo político e econômico para o Brasil.

A obra estuda como foi possível um presidente civil, José Sarney, permitir que a abertura política brasileira tenha sido tutelada pelos militares; intelectuais, trabalhadores, artistas, mas também à classe política. Revela que o ex-presidente José Sarney “ganha” a presidência da República dos militares para aos poucos implementar algo como uma democracia, mas sempre vigiada e coercitiva com os tanques às portas dos quartéis e os generais ameaçando a nova ordem. Sarney cumpre seu papel histórico de passar a faixa presidencial a Fernando Collor de Mello, o candidato do jornal OESP. Leia Mais

Noites Festivas de Junho: História e Representações do São João no Recife (1910-1970) | Mário Ribeiro Santos

Noites Festivas de Junho: História e Representações do São João no Recife (1910- 1970) é fruto da tese de doutorado apresentada em 2015, na Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) do Doutor Mário Ribeiro dos Santos. Em 2018, com apoio do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (FUNCULTURA) foi publicado em formato de livro pela Editora da UFPE.

Ao realizar sua pesquisa voltada as festas das agremiações carnavalescas nas ruas de Recife durante sua dissertação, o autor identificou como o Estado atuava organizando tais festividades sobretudo ao instituir medidas normatizantes e punições. Entretanto, o mesmo não acontecia quando se observava as festividades juninas no mesmo período. Além dessa observação, dois outros detalhes ajudaram na construção do problema do livro. O primeiro foi a sua coordenação no projeto “Nos Arraiais da Memória: as quadrilhas juninas escrevem diferentes histórias” que foi financiada pela Fundação de Cultura da cidade de Recife e que tinha como premissa o registro das expressões culturais da quadrilha junina vivenciado na cidade, ao se utilizar da história oral e de documentação do Diário Oficial do Município (1970- 1980). A busca seria para encontrar registros e memórias que expressassem as relações sociais daquele período, e é neste momento que o autor descobre um contraste que coloca em pauta o silencio intelectual acerca da temática. O segundo detalhe foi um comercial veiculado pela Globo Nordeste em junho de 2013 que representavam os festejos de São João em diversos estados nordestinos. Leia Mais

Os pensadores do Espírito Santo: de Anchieta a José Marcelino Pereira de Vasconcellos | Bruno César Nascimento e Ueber José de Oliveira

A coletânea Os pensadores do Espírito Santo é fruto do trabalho dos historiadores Bruno César Nascimento e Uéber José de Oliveira, sendo constituída em três volumes. Os artigos compilados ilustram o pensamento político de personalidades que influenciaram os caminhos do Espírito Santo. Nota-se uma problematização acerca da trajetória de indivíduos que projetaram e empenharam-se em compreender a dinâmica capixaba.

Neste sentido, a obra evidencia a profusão de trabalhos relativos à História do Espírito Santo e constitui-se como importante ferramenta para aqueles que pretendem explorar a historiografia capixaba. A contribuição dos autores também reside em trazer luz à realidade regional, contrapondo uma direção comumente assumida pela historiografia nacional, a de enfocar narrativa geral do Brasil, com epicentro no Rio de Janeiro. Leia Mais

Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos (R)

 

Publicado pela editora Companhia das Letras, em 2018, o Dicionário da Escravidão e Liberdade conseguiu a façanha de reunir uma grande quantidade de especialistas para discutir um dos temas mais caros ao pensamento brasileiro: a escravidão. Embora o tema seja discutido em congressos e seminários, estes eventos nem sempre contam com esse quantitativo de especialistas. A reunião em torno do dicionário resultou em 50 textos críticos, escritos por 45 pesquisadores ligados a diversas instituições de ensino e pesquisa, que puderam conceituar a partir do assunto principal: a escravidão.

Os textos compõem um mosaico heterogêneo que apresenta o estado da arte produzido sobre a escravidão. O interessante é que o leitor pode apenas consultar os verbetes, como dicionário que é, ou poderá também relacionar os verbetes entre si, construindo pontes entre um assunto e outro, complementando-os. São possíveis algumas ligações. Logo de início, temos o verbete sobre o continente africano, que pode ser lido em conjunto com os verbetes sobre o tráfico e o transporte dos escravizados, temas que foram contemplados na escrita de Roquinaldo Ferreira, Luiz Felipe de Alencastro, Carlos Eduardo Moreira e Jaime Rodrigues. A caracterização dos africanos, contrariando a ideia de homogeneidade, teve atenção de Robert Slenes, Beatriz Mamigonian, Luiz Nicolau Parés, Eduard Alpers e Luciano Brito.

Lugares e espaços foram pensados por Marcus Carvalho, Flávio dos Santos Gomes e Carlos Eugênio Líbano Soares. A família escrava, o mundo materno, estão entre as temáticas discutidas por Isabel Cristina Reis, Lorena Féres da Silva, Maria Helena Pereira e Mariza Ariza. As leis que permearam a escravidão foram discutidas por Keila Grinberg, Hebe Mattos e Joseli Maria Nunes Mendonça. As teorias raciais, o associativismo negro e a imprensa negra foram o foco das informações de Petrônio Domingues e Lilia Moritz. Revoltas e movimentos foram verbetes escritos por João José Reis, Wlamyra Albuquerque e Angela Alonso, Jonas Moreira e Paulo Roberto. Amazônia e a escravização indígena, foram pensados por Flavio Gomes e Stuart Schwartz.

O trabalho escravo/livre e o pós-abolição foram verbetes escritos por Robson Luiz Machado, Walter Fraga, Marcelo Mac Macord e Robério Souza. Os aspectos da religiosidade foram destacados por Nicolau Parés e Lucilene Reginaldo. O processo educacional, as nuances culturais e a relação História e Literatura, foram escritas por Sidney Chaloub, Marta Abreu e Maria Cristina Cortez Wissenbach. Há ainda os ritos fúnebres que aqui foram escritos por Cláudia Rodrigues. São possibilidades que a leitura vai sugerindo. É um dicionário, não nos preocupemos com as teorias ou metodologias dos autores, essas se revelam nos verbetes.

Não é o primeiro dicionário a enfocar a escravidão. Em 2004, Clovis Moura, consagrado pesquisador e importante referência desse tema, publicou o Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, com 800 verbetes. Foi, na verdade, a última contribuição do historiador e sociólogo que dedicou boa parte de sua vida a discutir a saga heroica do escravo em inúmeros trabalhos. Em 2018, catorze anos depois, o público passa a contar com um novo instrumento para estudos nesta mesma temática. A escravidão e os seus desdobramentos mantêm a vitalidade das discussões como caminho fundamental para entender as diferenças sociais que atingem milhões de afrodescendentes no país.

O período da escravidão no país fez com que esse tema passasse a se desenrolar em toda História do Brasil. Em qualquer assunto que possamos pensar o Brasil, em algum momento, a temática irá perpassar atravessando como uma flecha. O período Colonial e Império viram de perto esses desdobramentos, e na República as consequências continuam sendo brutais para milhões de brasileiros. “Esse sistema que pressupunha a posse de um homem por outro só podia construir um mundo de rotina que se misturava com muita violência e explosão social. ” (Pg. 28).

Há diferenças circunstanciais entre os dois dicionários, e essas diferenças marcam a trajetória dos estudos da escravidão no Brasil. Clovis Moura construiu sua vasta obra fora dos quadros acadêmicos, embora sempre estivesse em constante diálogo com a academia, e como já vimos, sua bibliografia está presente na estante dos pesquisadores do tema. É bem provável que o autor tenha sido o último grande baluarte de uma safra de intelectuais que construíram seus conceitos sem necessariamente estarem ligados a uma Universidade.

O Dicionário da Escravidão e Liberdade já traz no título um indicativo de que mudanças profundas entre uma publicação e outra ocorreram. A partir dos anos 1970, o Brasil irá contar com um crescimento dos programas de pós-graduação, ganhando mais intensidade nos anos finais da década, que ainda estava sob uma brutal Ditadura Militar.

A presença destes programas propondo novas pesquisas, revisando outras e colocando em xeque saberes há muito cristalizados, teve como base a mudança metodológica, que propunha uma História problema a partir de novas abordagens e novos objetos, consistindo de análises apuradas em rica documentação depositadas em diversos arquivos. O trabalho sistemático de inúmeros pesquisadores que em muitos casos enfrentaram as diversas dificuldades, como falta de incentivo às pesquisas, arquivos desorganizados, documentos comprometidos e a insistente incapacidade de uma sociedade dar o devido valor ao profissional da História, forjaram uma gama de trabalhos que passaram a ser fundamentais para discutir, entre outros problemas, a desigualdade social com a grande diferença para os afrodescendentes.

O resultado dessa reviravolta vem logo nos anos 1980, com a chamada Nova História da Escravidão, em que passa a ser valorizada a ação protagonista do negro escravizado que a todo instante passa a ser também responsável pela construção de sua liberdade, atento às dinâmicas da sociedade que estava inserido, contrariando a imagem do escravo heroico e coisificado. Essa nova historiografia é, portanto, a linha que une os autores dos textos coordenados por Lília M. Schwarcz e Flávio Gomes.

São vários os desdobramentos que a escravidão apresenta para o estudioso e, neste sentido, nada mais importante que esse instrumento de estudo, porque embora seja uma obra recentemente lançada, ela já se configura como fundamental tanto para o público leigo, como os acadêmicos de história e de outras ciências. Os textos críticos do livro abordam os momentos iniciais no continente africano; a travessia atlântica; o convívio social na América Portuguesa; a religião e seus rituais; a cultura; as formas de trabalho; a formação dos laços parentais e o nascer, viver e morrer de homens e mulheres que vieram do lado de lá da África mãe, uma verdadeira viagem a tempos e espaços de um Brasil que teima em não se enxergar. Um dos pontos mais interessantes desta obra é enxergar como homens e mulheres escravizados contribuíram de forma decisiva com saberes que influenciaram na formação do cotidiano brasileiro nos mais diversos aspetos.

Revoltas e resistências estão presentes para sepultar de vez os argumentos da historiografia tradicional que viam o negro como passivo durante toda escravidão. Neste sentido, para além da fórmula popularizada pelos livros didáticos que consagraram o ciclo do açúcar, o Dicionário propõe conceituar a escravidão em outras regiões, como o Rio Grande do Sul, Goiás e Amazonas; ampliando o entendimento da relação entre indígenas, imigrantes europeus e escravos, enfatizando que, “os manuais didáticos insistiram numa escravidão africana que começava com o açúcar, passava pelo ouro e terminava no café. Talvez por isso as áreas de plantation de algodão, arroz e fumo, foram pouco estudadas no Brasil. ” (p.25-26)

Ricamente ilustrado, o conjunto das imagens foi organizado em dois cadernos distintos e Lília Moritz, observa que “é importante, pois, que o leitor atente não apenas para os títulos deixados originalmente por seus autores e que aparecem como legenda técnica juntos das gravuras, telas e fotografias, mas também para os comentários que elaboramos, buscando “ler as imagens”” (Pg. 44). O que é bastante positivo pois didaticamente funciona bastante no auxílio aos professores, por exemplo.

São ao todo 154 imagens divididas em dois cadernos: o primeiro caderno está logo depois da página 192, e o segundo inicia na página 352. Colocados logo após o início do texto crítico, fica desconfortante, porque nos leva de certa forma a suspender a leitura e a divagar nas imagens. É possível que fique melhor ao final do verbete, cremos assim que contribuiria para a fluidez da leitura. A opção de organizar em cadernos ficou interessante, imagens distribuídas ao longo dos textos críticos criaria a sensação de livro didático ou dicionário ilustrado, o que nos parece não foi intenção dos autores aqui.

O Dicionário da Escravidão e Liberdade terá um papel fundamental para acadêmicos em todos os níveis e cursos. Durante a graduação por exemplo, período em que paira uma dúvida sobre o que pesquisar, entre outras informações encontrará o graduando, conceitos sobre família escrava, formas de resistência ou as doenças que acometiam os negros escravizados, além de tantos outros temas. Também será um referencial, um ponto de partida para novas investigações.

Cito como exemplo instigador para novas pesquisas, o texto Associativismo Negro (Pág. 113) e Frente Negra (pg. 237). Nos dois, o autor discorre sobre como os negros no Pós-Abolição intensificaram frentes intelectuais sendo protagonistas em diversos momentos da sociedade republicana, seja em São Paulo ou Santa Catarina. Instiga no momento em que nos perguntamos, o que sabemos desses movimentos nas outras cidades? Quais foram os protagonistas? Como os jornais de Pernambuco, ou Alagoas, por exemplo, noticiaram estas frentes negras?

Quando a Lei Áurea completou cem anos, o quantitativo de publicações chamou atenção, fato que não mais se repetiu. No entanto, agora já podemos contar com editoras que se dedicam à causa negra no país, e paralelo a isto, há diversos núcleos de Pós-Graduações que desenvolvem as mais diferentes pesquisas e estudos. Desta relação surge por exemplo, este Dicionário elegantemente com prefácio de Alberto da Costa e Silva e capa desenhada por Jaime Lauriano, nos convida ao prazer da leitura.

Referências

Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos/Organização: Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (Orgs.) – 1ªed. São Paulo: Companhia das Letras. 2018.

MOURA, Clóvis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004.

SECRETO, María Verónica. Novas perspectivas na história da escravidão. Tempo, Niterói, v. 22, n. 41, p. 442-450, dezembro de 2016. Acesso em 23 de julho de 2020. https://doi.org/10.20509/tem1980-542x2016v224104

Vladimir Jose Dantas – Mestre em Geografia/Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe. Atualmente é Doutorando em História pela Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: professorvladimir2017@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0510-248X.


Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (Orgs.). São Paulo: Companhia das Letras. 2018. Resenha de: DANTAS, Vladimir Jose. Lendo o Dicionário da Escravidão e da Liberdade. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.38, n.1, p.554-559, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]

O sabá do sertão: feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial (1750-1758) | Carolina Rocha Silva

A obra, de autoria da historiadora Carolina Rocha Silva, sob o título de “O sabá do sertão: feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial (1750-1758)” tem por eixo central confissões da prática de magia, por duas escravas, no sertão do Piauí entre os anos 1750 e 1758, ou seja, na época em que o Brasil era colônia de Portugal, a América Portuguesa. A obra foi escrita como dissertação de mestrado da autora e, posteriormente, foi transformada em livro. É dividido em quatro capítulos que tratam, principalmente, do relacionamento da religião frente à magia – e da Santa Inquisição, em diferentes âmbitos e períodos, na seguinte ordem de abordagem: mundial/europeu; do reino de Portugal; da América Portuguesa; e do Piauí colonial.

O capítulo I, Religião, magia e demonologia, aborda, em especial a dicotomia existente na Europa do fim da Idade Média e início da Idade Moderna. Período este marcado por doenças, revoltas, guerras religiosas e políticas, em que era preciso encontrar um responsável por tantas mazelas. A Igreja Católica e os governos europeus visualizaram o Diabo, figura antônima e complementar de Deus, como o grande inimigo da sociedade, capaz de alterar a ordem natural e causar danos à população, como a impotência da medicina da época, por meio de seus agentes. Os grupos divergentes da igreja, os não-católicos, seriam esses agentes do Príncipe das Trevas; e os fiéis e eclesiásticos, os representantes de Deus. A Igreja, intérprete oficial dos atos divinos, passou, entre os séculos XIV e XVII, a espalhar a ideia de que as mazelas eram castigos de Deus pelos pecados das pessoas (como as práticas pagãs por católicos batizados) e que, por isso, o Diabo havia ganhado mais força e poder para quase tudo.

A Reforma Protestante (século XVI) atacou toda a magia, tanto popular como eclesiástica (milagres por Santos e beatos, e a utilização de elementos sagrados) e apontou um novo caminho: o da autoajuda com orações a Deus e foco no trabalho humano e na descoberta de novas tecnologias. O mundo moderno se tornou o mundo encantado, onde o sobrenatural era comum, havia magos curandeiros, videntes, adivinhos, feiticeiros.

O Diabo católico inspirou teses de teólogos, juízes, filósofos, advogados e religiosos. A primeira obra de Demonologia, o Malleus Malleficarum, de 1486, abriu espaço para esta “ciência” na Europa, que foi usada como base para legislações e a teologia na caça às bruxas. O livro, que era uma verdadeira enciclopédia de bruxas, depreciou o sexo feminino e apontou-o como mais suscetível ao controle do demônio, como também o fez médicos e juristas, estes embasados em leis do direito romano. O Cristianismo, apesar de não ter originado o medo em relação às mulheres, o alimentou desde sempre – como fez com Eva, imperfeita, irracional e fraca, que introduziu o mal na terra ao comer o fruto, sendo a responsável por todas as desgraças desde então. Foram escritos, inclusive, manuais ensinando os padres a fugirem das tentações femininas.

A bruxaria, um crime inatingível/mental, impossível de ser provada era tida como deslealdade a Deus, já que as almas (propriedades de Deus) eram objeto de pactos diabólicos em troca de poderes, o que deveria ser revertido para que Ele não se vingasse da coletividade.

Os processos da Inquisição visavam a essa reversão. Os processos, seja em tribunais civis ou eclesiásticos (Estado e igreja unidos), eram escritos, secretos e arbitrários, os processados (iletrados e pobres, na maioria dos casos) não sabiam o motivo do julgamento, tampouco quem os havia denunciado. O processo era aberto especialmente quando da confissão, sendo que falta desta podia gerar penas ainda mais severas, caso o juiz considerasse o acusado uma pessoa falsa e dissimulada.

O crescimento numérico das obras de demonologia era proporcional a crença e, subsequente temor do povo, o que os impulsionava a denunciar. O conteúdo dos livros chegava ao público iletrado quando da leitura pública das sentenças condenatórias.

Além dos pactos, o mito do sabá (sabat), assembleia de feiticeiros, reuniões noturnas dos agentes do Diabo para a prática de infanticídio, canibalismo, metamorfose, orgias, blasfemação, voo das bruxas e abjuração dos sacramentos cristãos, tudo na presença de Lúcifer, também foi largamente difundido pela Europa.

Com o tempo, céticos apontaram a falta de provas e o medo da população diminuiu; as leis foram revogadas e a prática mágica deixou de ser delito. Historiadores, na tentativa de explicar o fenômeno da caça às bruxas, acreditam que tudo foi invenção da igreja; ou, como a própria autora, que foi resultado do encontro da cultura folclórica com a cultura erudita dos doutores. Independente disso, admitem que os processos inquisitoriais são importantes fontes para se entender a mentalidade da época.

O capítulo II, A “feitiçaria” em Portugal: prática e repressão, tem um título autoexplicativo. As feiticeiras lusitanas manipulavam atos e desejos, principalmente amorosos, além de executarem curas. Com a expansão ultramarina da Coroa, famílias frequentemente recorriam aos feiticeiros para encontrar parentes desaparecidos. A magia tinha regras, todo um sistema simbólico de tempo, espaço, dos próprios elementos utilizados e de números.

O sincretismo mágico-relogioso dos portugueses impediu uma forte tradição editorial centrada na bruxaria, o que não barrou o embasamento de legislações, tratados de teologia e medicina (existiam obras médicas dedicadas só à cura de doenças causadas por feitiços), manuais de confessores e afins, em literatura alheia.

Em Portugal, os poderes do Diabo eram limitados pela autoridade divina, aquele tinha apenas poderes de enganação e provocações sensoriais, que atingiam somente os pecadores; pensamentos influenciados por São Tomás de Aquino e Santo Agostinho. Havia um certo ceticismo quanto ao sabá europeu, à metamorfose. As confissões e denúncias costumavam seguir um mesmo padrão estrutural, sempre envolvendo um pacto com o Diabo.

Em 1492 os judeus, expulsos da Espanha, escolheram Portugal para viver. O rei, em 1497, emitiu um decreto régio convertendo todos os judeus e mouros e batizando-os involuntária e coletivamente, surgia, então, a figura do cristão-novo. O rei tentou protegê-los por vinte anos, porém o Tribunal do Santo Ofício fez cessar os privilégios: os cristãos-novos deveriam seguir somente a doutrina católica.

O Tribunal do Santo Ofício de Portugal concentrava suas forças nos ditos cristãos-novos (tradição antijudaica), este foi outro motivo pelo qual muitas das denúncias, inclusive as de colônias, por feitiçaria não se tornaram processos. Os processos eram caros e demorados, então os bens dos acusados por prática de magia eram confiscados para que cobrissem duas despesas na prisão.

A partir da segunda metade do século XVIII, com o Novo Regimento da Inquisição (1774) a descriminalização da bruxaria, as bruxas passaram a habitar somente a imaginação de pessoas rudes.

Além do mais, as testemunhas eram avaliadas e juramentadas. Caso fossem inimigas do acusado, a denúncia não era considerada verossímil; os réus podiam se defender, mesmo que minimamente; e a confissão espontânea poderia livrar da pena de morte, uma vez que o objetivo era o resgate das almas, e não assassinatos em série.

O capítulo III, As crenças mágico-religiosas na América Portuguesa: entre práticas e condenações, explana a história do Brasil colônia. Para os colonizadores, o demônio havia sido expulso da Europa para terras distantes, como a América. A igreja precisava enfrentá-lo com missões catequéticas, visando a cristianização e a ordenação das populações segundo padrões culturais e religiosos europeus.

As idolatrias dos índios significavam, pelo pensamento dicotômico europeu, a aliança daqueles com o Diabo, de forma que, para salvar as almas dos ameríndios, seus ídolos precisariam ser expulsos pelos missionários. O mesmo pensamento recaia sobre os escravos africanos. Ao mesmo tempo, entretanto, a natureza das terras americanas era vista como paraíso.

As culturas se adaptaram na América Portuguesa, os feiticeiros degradados do Reino e os demais portugueses, os negros trazidos da África, os ameríndios, todos compartilharam naturalmente seus elementos religiosos e acabaram contribuindo uns com os outros na criação de uma religiosidade híbrida. De sorte que, no Brasil, o Cristianismo tomou contornos ainda mais afetivos com a esfera divina. Um Deus frio e inacessível não seria útil para quem precisava sobreviver à escravidão ou ao trabalho numa terra distante e desconhecida – o mesmo passava com os Santos e a Virgem Maria, que foram amplamente cultuados desde então; existiam poucas igrejas e sacerdotes, o que, somado à interiorização da vida religiosa nas casas e fazendas, tornou a fiscalização pela igreja ainda mais difícil e favoreceu desvios e heterodoxias. A afetividade e familiaridade propiciavam maior devoção e detração dos símbolos de fé. Os feitiços na colônia foram formas sutis de resistir e compensavam a sobrevivência dos escravos, sejam africanos ou índios.

O capítulo IV, O sabá do sertão: contextos e personagens, traz, especialmente, experiências dos missionários jesuítas no sertão. Os índios do litoral, os tupis, foram de mais fácil aldeamento, dada a sua homogeneidade cultural; enquanto os tapuias, índios do sertão, constituíram verdadeiro desafio aos missionários, graças à diversidade.

No século XVII, intensificaram-se as missões desbravatórias pelos sertões em busca de índios para apresar, visto que sua mão de obra era muito requisitada no norte; e para expandir a ocupação e aumentar a produção de gado e açúcar principalmente. Neste cenário, vários jesuítas se posicionaram contra os desbravadores, protegendo os índios, que, inclusive, foram usados no combate a outros nativos no século XVIII. A Coroa não gostou da proteção dada pelos jesuítas ou do poder econômico que haviam conseguido no norte por doações de terras, escravos, engenhos, gado. Em 1760 os jesuítas foram expulsos das terras Portuguesas, presos e remetidos para Lisboa.

Um documento com confissões de duas escravas inspirou a elaboração de um artigo por Luiz Mott. Este artigo orientou o livro de Carolina Rocha Silva. As confissões são de um sabá, característico da Europa, mas com informações do sincretismo luso-afro-brasileiro, no Piauí colonial. Elas confessaram participar de reuniões noturnas com o Diabo, com direito a orgias sexuais e metamorfoses, conforme ensinadas por Mestre Cecília, esposa do anterior senhor/dono de Joana (esta era uma das escravas confitentes). Certamente o documento sofreu alterações e adições pelo padre Manuel da Silva, responsável pela oitiva das escravas e pelo envio das confissões à Inquisição de Portugal. As mulheres se mostraram arrependidas e atribuíram o acontecido à rusticidade e à falta de igrejas e sacerdotes para orientá-las no caminho de Deus. O caso foi arquivado nos cadernos do promotor.

Por fim, a autora admite que sua pretensão era permitir a reflexão acerca das formas híbridas e diversificadas de tratar o “mundo” sobrenatural no Brasil colônia, representante das tensões sociais suportadas na época.

A historiadora consegue prender o leitor até a conclusão da leitura do livro. A obra é uma verdadeira aula de história e apresenta a importância de micro-histórias para se entender o pensamento do povo em geral, pois a história, tal como é maiormente conhecida, foi contada por uma minoria letrada; e aos demais restaram apenas documentos, como as confissões e denúncias, que sequer são somente suas. Isto demonstra, sobretudo, o poder da alfabetização.

O direito evoluiu e consigo trouxe garantias, mas as pessoas, em especial as mais pobres e iletradas, seguem sendo vítimas do Estado, que agora não é ligado [formalmente] à igrejas. O livro traz a reflexão, também, sobre a formação cultural do Brasil e a desigualdade social desde que era colônia, como bem pretendia a autora.

Entre a Alta Idade Média e o início da Idade Moderna, como apontado texto, os Estados ainda eram confessionais, ou seja, declaradamente vinculados à uma religião, qual seja a cristã católica. A Justiça Eclesiástica, isto é, a justiça da igreja atuava por seus Tribunais do Santo Ofício, conhecidos como Inquisição, no combate à heresias, que iam da não crença em Lúcifer à troca da alma por poderes mágicos, passando pela blasfemação, um “delito da palavra”, comum na América Portuguesa.

Com a Reforma Protestante e o início da Idade Moderna a caça às bruxas se intensificou, pois todo e qualquer tipo de magia passou a ser condenado. Milhares de mulheres morreram e até hoje os historiadores não sabem se as tais mágicas de fato aconteceram ou se foram apenas invenções da igreja, que estava com medo de perder fiéis e, consequentemente, força e poder.

O direito à liberdade religiosa se mostrava necessário desde a época colonial, principalmente em países como o Brasil, de proporções continentais e de formação, inclusive na seara da religiosidade, híbrida. Certamente inúmeras perseguições e mortes teriam sido evitadas. Porém, o ideal da separação entre religião e Estado é mais recente. Este Estado é conseguido através da laicidade, método de ruptura entre Estado e Igreja e, mais profundamente, entre política e religião. Tal ruptura torna o Estado autônomo frente à Igreja Católica ou qualquer outra, possibilitando uma liberdade religiosa aos cidadãos, como defendido atualmente.

Carolina Soares Hissa – Doutoranda em Direitos Humanos na Universidade Federal de Goiás- UFG. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (2012). Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (2002). Professora universitária onde leciona as disciplinas de Direito Constitucional, Administrativo, Internacional Público e privado. Pesquisadora Cnpq no grupo de pesquisa Relações Econômicas, Políticas e Jurídicas na América Latina da Universidade de Fortaleza. E-mail: carolshissaacademico@gmail.com

Veronica Trindade Costa Póvoa – Graduanda em Direito na Escola Superior Associada de Goiânia – ESUP. E-mail: vevepovoa10@gmail.com


SILVA, Carolina Rocha. O sabá do sertão: feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial (1750-1758). Jundiaí – SP: Paco Editora, 2015.Resenha de: HISSA, Carolina Soares; PÓVOA, Veronica Trindade Costa. O sabá do sertão: feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial (1750-1758). Contraponto. Teresina, v.9, n.1, p.810-815, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]

 

História Econômica e Social do Estado de São Paulo 1850-1950 | Francisco Vidal Lun e Herbert S. Klein

Em 1950, São Paulo era o mais importante centro econômico populacional do país. No século XXI, o estado de São Paulo poderia ser classificado como a 36a maior economia do mundo em termos do PIB gerado (450 bilhões de dólares, em 2010) e a 31a nação do mundo, em termos da população (41,2 milhões, em 2010).

Essas constatações, trazidas por Luna e Klein nas primeiras páginas do livro, tornam-se mais surpreendentes e contrastantes, quando os autores destacam que, um século antes, em 1850, São Paulo não tinha qualquer relevância econômica, populacional e política no Império ou na nação brasileira. Em menos de um século, São Paulo ascendeu à principal estado do país, posição consolidada com a República. Leia Mais

Colonos do Café | Maria Sílvia Beozzo Bassanezi

A leitura do livro Colonos do Café é fluida e agradável. De imediato, é como se o leitor entrasse num túnel do tempo e espiasse a vida de trabalhadores e trabalhadoras na faina do café em uma fazenda paulista no tempo de dantes, parafraseando Maria Paes de Barros (1998).

O trabalho em uma propriedade rural modelo, a fazenda Santa Gertrudes, é o eixo central da obra. Os números e valores referentes ao montante de trabalhadores e à produção cafeeira da fazenda são significativos e justificam, por si só, uma análise pormenorizada. No entanto, o que nos deparamos é com uma pesquisa acurada e meticulosa dos trabalhadores que formaram o complexo e diverso universo da fazenda. À dura labuta de sol a sol de muitos homens e mulheres envolvidos na produção cafeeira, é possível vislumbrar, ademais, a história e as particularidades da fazenda, informações sobre a produção cafeeira e as múltiplas experiências cotidianas de seus colonos. Leia Mais

Educação Moral e cívica: uma estratégia psicossocial de legitimação de poder (1969-1985) | Cristiano Alexandre Santos e Eduardo Gusmão de Quadros

O livro escrito pelos professores Cristiano Alexandre dos Santos e Eduardo Gusmão de Quadros busca analisar a implantação e o desenvolvimento da disciplina Educação Moral e Cívica durante o regime militar. Esta disciplina já existia como parte da formação escolar dos estudantes brasileiros desde o Segundo império (1840-1889), mas só se tornou uma disciplina do currículo escolar oficial a partir do decreto-lei nº 869, assinado em 1969, no período da ditadura civil-militar.

A partir da implantação da Educação Moral e Cívica como disciplina escolar, o que se observou foi uma tentativa de legitimação do regime Militar através da defesa do nacionalismo e da ênfase no anticomunismo, o que é visível na organização do currículo dessa disciplina. Nesse sentido os autores trabalham para demonstrar como a criação dessa disciplina buscou inculcar os valores caros aos militares e seus apoiadores como os valores únicos e verdadeiros a juventude brasileira. Para esses autores os conceitos chaves de análise são poder e legitimação: Leia Mais

Kalunga: os donos da terra | Thais Alves Marinho

O livro de Thais Alves Marinho, intitulado Kalunga: os donos da terra resulta de um trabalho excepcional de pesquisa realizado durante sua busca pelo título de mestra em sociologia pela Universidade Federal de Goiás. A trajetória de construção dessa pesquisa/livro perpassou por diversas obras no que tange o tema pesquisado, porém, teve como marco norteador a pesquisa de campo, e uma leitura minuciosa das obras de Mari de Nazaré Baiocchi, autora de referência e a primeira pesquisadora a publicar sobre os quilombos Kalunga. Mesmo tendo como tema a relação de territorialidade Kalunga com a identidade, a obra nos proporciona uma visão panorâmica sobre a escravidão negra no Brasil, a formação dos quilombos, a construção dos conceitos que permeiam as palavras quilombo e quilombolas, apontando as visões das ciências sociais e a visão política construída pelos movimentos sócio-políticos de resistência. Ainda é possível perceber nesta obra conceitos e pré-conceitos que permeiam as palavras negros fugidos e quilombolas perpassando por suas relações com o mundo. De fato, nas páginas iniciais desta obra a autora nos chama ao universo histórico e social de sua pesquisa, ao seu objeto em si e dos diversos mundos do período escravocrata e pós escravidão. Leia Mais

olítica, Razão e Desrazão: dimensões políticas e históricas do polo mínero-químico industrial de Catalão/Ouvidor (1962-1992) | Maria Cristina Nunes Ferreira Neto

Numa proposta de História Política, que transcende as questões político partidárias, a professora Maria Cristina Nunes Ferreira Neto, em Política, Razão e Desrazão, dimensões políticas e históricas do polo mínero-químico de Catalão/Ouvidor (1962-1992), busca elucidar o contexto social, econômico, cultural e até mesmo religioso que marcou as eleições municipais em Catalão, Goiás, em 1992. Esta cidade é um perfeito microcosmos, onde vários elementos históricos se tensionam: a guerra fria, o medo do desemprego, sentimentos religiosos, a ciência, a emergente organização partidária da esquerda, os clânicos grupos políticos locais, o irracional medo de comunistas e o caldo fervente que envolve todos estes elementos: o prenúncio da privatização da empresa Goiasfértil que desperta sentimentos contraditórios na população local. Leia Mais

Corpo em Dança: transformações, ritmos e lugares | Hawò | 2020

Este dossiê reúne dez artigos e uma entrevista de autores brasileiros e estrangeiros que discorrem sobre diversos aspectos da dança em contextos afro e indígena no Brasil, na Argentina, no Peru e no Cabo Verde. Enquanto as danças afro têm sido objeto de estudo há muito tempo na antropologia, as danças indígenas aparecem como foco de interesse de pesquisa bem mais recentemente no caso do Brasil, à semelhança do que já aconteceu na Argentina e no Peru – neste caso, aliás, as danças andinas são protagonistas mais antigas nos repertórios de pesquisa do que as danças das terras baixas. Interessante notar, ainda, que várias das danças afro no nordeste brasileiro trabalham a figura do caboclo, uma imagem que torna visível, em alguma medida, o(s) indígena(s).

Assim, o artigo que abre este dossiê tem como título “O Caboclinho como afeto: a presença indígena nas danças populares e tradicionais brasileiras”, de autoria de Maria Acselrad, e questiona a ausência da influência indígena nos estudos sobre a cultura popular do nordeste brasileiro, sugerindo abordar as danças nordestinas como arquivos vivos da memória dos povos originários da região. A autora percorre uma série de documentos históricos a partir de século XVI, analisando relatos, imagens, objetos e práticas rituais em torno dos povos indígenas de outrora que foram objetivados pelo olhar do colonizador; e apontando para as suas transformações nas figuras dos caboclos das danças populares atuais. Ela enfoca as agremiações carnavalescas do Caboclinho, em Goiana, para mostrar que, além da presentificação dos caboclos nas fantasias, os passos e as coreografias acionam uma dinâmica relacional que revela uma intensidade guerreira indígena de resistência ao desaparecimento. A presença indígena, ela argumenta, perpassa os aspectos visíveis e invisíveis da dança nas habilidades dos dançarinos que, por um lado, acionam relações de amizade e ajuda mútua dentro da unidade músico-coreográfica, mas por outro lado, enaltecem relações de inimizade e rivalidade. Leia Mais

Palanque e Patíbulo: o patrimônio cultural na Assembleia Nacional Constituinte (1987- 1988) | Yussef Daibert Salomão de Campos

Os desafios de elaborar resenhas de bons livros são muitos, e por vezes se dão pela complexidade de avaliar densos trabalhos de pesquisa e análise. É nessa perspectiva que a leitura do livro Palanque e Patíbulo: o patrimônio cultural na Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988), de autoria de Yussef D. S. Campos, nos conduz a uma empreitada instigante, tecida a partir de meticulosas articulações entre os campos das Ciências Jurídicas, da História e da Antropologia.

Cabe destacar que o autor vem se projetando como um pesquisador que realiza com maestria uma conversa interdisciplinar, nos proporcionando imersões em diferentes temas relacionados à preservação, tais como a dicotomia política e jurídica entre patrimônio tangível e intangível, a respeito das facetas perversas das dinâmicas jurídico-burocráticas de patrimonialização, sobre os conceitos de lugar e território na composição do patrimônio cultural oficial, e, com delicadeza e sensibilidade, tem abordado o protagonismo indígena na construção dos principais mecanismos jurídicos de preservação atualmente vigentes no Estado brasileiro. Leia Mais

Grande Otelo: um intérprete do cinema e do racismo no Brasil (1917-1993) | Luís Felipe Kojima Hirano

Para a pensadora Lélia González (1984), o racismo é “a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira” (González, 1984, p.224) e “negro” o significante-mestre, aquele que “inaugura a ordem significante de nossa cultura” (González, 1984, p. 237). O livro que ora comento nos brinda com uma excelente análise da trajetória de um personagem emblemático para pensar as relações raciais ao longo do século XX no Brasil. Em especial, para verificar que se o sujeito neurótico sempre oculta o sintoma por meio de sua negação, então há muito a ser descortinado na rede de significantes dessa neurose cultural de que nos fala González (1984).

O movimento metodológico de Hirano (2019) para a análise do seu conjunto de dados, baseado em fontes históricas sobre o cinema, é digno de nota. O autor propõe lançar um olhar com enfoque antropológico a esses dados, baseando-se no descentramento do olhar (Hirano, 2019, p. 71), um dos pilares dessa disciplina. É feito, então, um triplo descentramento, quais sejam: 1) descentrar a interpretação usual do cinema brasileiro pelos cineastas, em sua maioria brancos; 2) analisar os filmes enfocando a performance de seus intérpretes, ainda que não obliterando a trama e a montagem; e 3) discutir as relações raciais no Brasil, em um campo profundamente marcado, conforme fica evidente a partir da leitura, pela presença estadunidense, que toma o branco como norma. Leia Mais

Os estudos de Ásia e do Oriente no Brasil: objetos, problemáticas e desafios | Faces da História | 2019

A proposta desse dossiê partiu de um desafio e da busca de respostas a uma pergunta complexa: existem estudos de História da Ásia e do Oriente no Brasil? Se a resposta a essa pergunta fosse positiva, outras perguntas desafiadoras surgiriam: quais seriam os objetos, problemáticas e desafios enfrentados pelos pesquisadores de nossas universidades que se aventuram em um campo de estudos que, à primeira vista, carece de interlocutores, acesso às fontes, definição de temas e metodologias adequadas? Quais seriam as concepções de Ásia e de Oriente dos possíveis pesquisadores dessas temáticas? Em quais períodos essas pesquisas estariam centradas?

A repercussão positiva dessas perguntas desafiadoras veio com o grande número de propostas para a composição desse dossiê, bem como a diversidade temática, espacial e temporal das pesquisas realizadas por jovens pesquisadores de diferentes instituições brasileiras. Ao mesmo tempo, outro desafio seria compreender como temas tão diferentes dialogariam nesse dossiê, pois não poderiam ser agrupadas simplesmente pelo componente geográfico (as subdivisões asiáticas) ou pelo componente cultural (o Oriente e o orientalismo), nem simplesmente pelo recorte temporal (dos séculos XVI aos temas contemporâneos). Leia Mais

Bolsonaro. La democracia de Brasil en peligro | Ariel Goldstein

Ariel Goldstein é um professor e pesquisador argentino que dedica sua vida acadêmica ao estudo da política e da sociedade brasileira. No início de 2019, poucos meses após Jair Bolsonaro ser eleito presidente do Brasil, Goldstein publicou o livro Bolsonaro. La democracia de Brasil en peligro2. De forma astuciosa, o autor soube aproveitar uma circunstância política que para muitos era inesperada e produziu aquela que foi a primeira análise consistente sobre o novo presidente brasileiro publicada em alguma língua que não a portuguesa. Nas próximas linhas, apresentaremos o referido livro e os principais argumentos nele desenvolvidos.

Um argentino lançando um livro sobre um novo presidente brasileiro, meses após este ter sido eleito, poderia ser um empreitada extremamente artificial e de resultados superficiais, mas não é o caso aqui interpelado. A primeira qualidade perceptível no trabalho de Goldstein é a sua intimidade com a política, a história e as dinâmicas sociais do país analisado. Ao olhar para os artigos, livros e reportagens citados no livro, é fácil reparar que o autor há muito está em contato com os eventos políticos brasileiros, dos mais ordinários aos mais excepcionais. Ademais, nota-se que Goldstein mantem uma relação de proximidade não só com o dia-a-dia da política brasileira, mas também com os mais destacados debates acadêmicos que abordam tal temática. Leia Mais

A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016 | Rubens Ricupero

Embora, tradicionalmente, a política externa não seja assunto de debate amplo no Brasil, as relações internacionais do país estão cada vez mais na pauta do dia da imprensa, academia e da população. Peculiaridade ainda maior é o fato de diplomatas – de carreira ou não – terem se tornado o centro das atenções. Não era habitual ver discussões sobre quem seria o embaixador em Washington tomando tanto tempo e espaço nas páginas dos jornais impressos ou digitais, nas redes sociais e nas emissoras de rádio e TV. Mesmo o ocupante da cadeira de Rio Branco – salvo as exceções do próprio Paranhos Júnior e de Osvaldo Aranha – não recebia mais holofotes do que os demais ministros de Estado e, em geral, estava mais distante do debate político público do que seus colegas das pastas de Fazenda, Casa Civil ou Educação. Leia Mais

Cultura e poder entre o Império e a República: estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930) | Ana Beatriz Demarchi Barel e Wilma Peres Costa

Os estudos em torno da Nova História Cultural têm proposto interessantes abordagens sob a perspectiva da mediação e circulação de ideias entre espaços culturais, simbólicos e nacionais, ao longo do século XIX. A partir desta ótica, as complexas transformações socioculturais, que ocorreram devido ao intenso desenvolvimento técnico, têm sido alvo de revisão historiográfica, sobretudo com grupos temáticos de pesquisa que visam responder às grandes questões em torno dos eventos ocorridos ao longo desta extensa centúria. Este é o exemplo do Seminário Internacional Estado, Cultura e Elites (1822-1930) realizado na Fundação Casa de Rui Barbosa em 2014 e que resultou na obra Cultura e Poder entre o Império e a República – Estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930) organizada por Ana Beatriz Demarchi Barel (Universidade Estadual de Goiás) e por Wilma Peres Costa (Universidade Federal de São Paulo) e lançada em 2018 sob o selo da editora Alameda. Leia Mais

Juízes de paz: um projeto de justiça cidadã nos primórdios do Brasil Império | CAMPOS Adriana Pereira Campos, Andréa Slemian e Kátia Sausen da Motta

Em 2017 foi publicado o livro juízes de paz: um projeto de justiça cidadã nos primórdios do Brasil Império escrito por Adriana Pereira Campos, Andréa Slemian e Kátia Sausen da Motta. Trata-se de um trabalho sobre a institucionalização da figura do Juiz de Paz e a estratégia de treinamento lançada por parte das autoridades imperiais brasileiras. Este livro faz parte da Coleção de Filosofia, Sociologia e Teoria do Direito que é coordenada por Fernando Rister de Sousa Lima. Nesta coleção temos títulos de diversas áreas, mas todas em diálogo com o Direito e, mais precisamente, com a pesquisa jurídica. A perspectiva interdisciplinar da coleção lançou o livro que aqui é resenhado numa concepção de aproximação dos debates entre História e Direito.

Adriana Pereira Campos é historiadora formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com a tese intitulada Nas barras dos tribunais: direito e escravidão no Espírito Santo do século XIX. Atualmente é professora da UFES. Andréa Slemian, também docente da UFES, é historiadora formada na Universidade de São Paulo (USP) onde também fez o mestrado e doutorado em História. Sua tese foi intitulada Sob o império das leis: constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1822 – 1834). Kátia Sausen Motta é historiadora formada na UFES onde também fez o mestrado e doutorado sob orientação de Adriana Pereira Campos. Sua tese foi defendida em 2018 com o título Eleições no Brasil do oitocentos: entre a inclusão e a exclusão da patuleia na cidadela política (1822 – 1881). 1 Leia Mais

Coleção Arquitetura Moderna na Bahia | Nivaldo Vieira de Andrade

O arquiteto Nivaldo Vieira de Andrade Júnior enriquece a fortuna crítica da história da arquitetura brasileira com os cinco volumes da Coleção Arquitetura Moderna na Bahia (1947-1951), os quais devem ser apreciados com vigoroso reconhecimento. Os principais personagens e processos de configuração da arquitetura na cena mítica do Movimento Moderno são os focos desse exemplar estudo de Andrade Junior, o jovem presidente nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil que é, também, professor da Universidade Federal da Bahia. Representante da nova geração de “arquitetos de projeto” que são, ao mesmo tempo, teóricos e historiadores da arquitetura, o autor aborda a complexidade do Modernismo em primorosa coletânea autoral.

A Coleção recorta e desdobra uma história da nossa arquitetura modernista que, idealizada, corria sem amarras, ou seja, “deitava o cabelo”. Particular interesse tem o reconhecimento e o diálogo transformador que Andrade Júnior impõe ao que define de “obras canônicas”. Ao denominar alguns dos roteiros sacralizados que tratam do Movimento Moderno brasileiro, ele utiliza estratégia sutil, pois a Coleção anuncia o propósito de romper com as regras que foram estabelecidas “a contrapelo” das realidades regionais. Portanto, na Coleção de Andrade Júnior, Objeto e Sujeito fundem História e Memória para trazer à cena elementos inéditos. Leia Mais

O tecido do tempo: o patrimônio cultural no Brasil e a academia Sphan. A relação entre o modernismo e o barroco | Mariza Veloso

A contribuição de Mariza Veloso em seu livro O tecido do tempo – o patrimônio cultural no Brasil e a academia Sphan. A relação entre o modernismo e o barroco é relevante principalmente no entendimento de uma visão acerca do surgimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, instituição federal responsável pelo tombamento em nível nacional, com foco nas relações pessoais entre seus idealizadores que tiveram como resultado práticas de preservação no Brasil. A autora é cientista social com doutorado em antropologia, além de docente na Universidade de Brasília. A expressão Academia Sphan cunhada pela autora, de acordo com Maria Cecília Londres Fonseca (1), é adequada para caracterizar a função que o Sphan também exerceu no campo da produção do conhecimento sobre história do Brasil.

A pesquisa é resultado de sua tese de doutorado de 1992 e foi publicado em 2018 como livro. O livro é caracterizado por uma visão antropológica da criação do Sphan, pois leva em consideração, além da conjuntura política e social da época – década de 1930 –, o grupo de intelectuais que se envolveu efetivamente no projeto, especificamente sua visão sobre o que deveria ser reconhecido como patrimônio e por quais motivos. Leia Mais

Trabalho e trabalhadores no Nordeste – Análises e perspectivas de Pesquisas Históricas em Alagoas, Pernambuco e Paraíba | Tiago Bernardon de Oliveira

A noção de “experiência” concebida por Edward Thompson na sua célebre obra A Formação da classe operária inglesa, publicada pela primeira vez em 1963, foi cara para o desenvolvimento da História do Trabalho no mundo e no Brasil [1]. No país, desde sua ascensão no departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nas últimas décadas do século XX, pesquisadores tentam deslocar temas e objetos historiográficos que ligam a história de trabalhadores com, apenas e necessariamente, seus órgãos organizadores – partidos, sindicatos e líderes políticos –, mas juntando estes com suas próprias tradições, culturas, ideias, pensamentos, ideologias e construções sociais.

Não obstante, uma tendência ainda forte parece perdurar no país, embora com embates significativos e pesquisas já consolidadas em sua contramão – a narrativa de uma História do Trabalho e de trabalhadores centrada no eixo Rio-São Paulo ou, quando não, tomando exemplos destes estados e suas experiências como centros de referências e moldes a serem seguidos pelos agentes, organismos e instituições de outras regiões. A historiadora Silvia Petersen, em meados dos anos 1990, já havia alertado que “a história operária brasileira poderia alcançar outro patamar político se houvesse a articulação dos resultados das pesquisas regionais”[2], mas o fato é que o “Rio de Janeiro e São Paulo foram constituídos como centros definidores de sentido para a história operária do Brasil”[3] e que, no caso de seu objeto de estudo,

[…] as pesquisas acadêmicas sobre o movimento operário no Rio Grande do Sul, que aparecem nos anos 70, também tiveram por horizonte o que aconteceu no centro do país, tomado como padrão. Há uma preocupação correta em buscar referências nas regiões política e economicamente hegemônicas, mas estes trabalhos tiveram via de regra o viés de fazer aproximações na ausência de investigações mais precisas, de transferir explicações para suprir lacunas na investigação local.[4]

O símbolo do anarquista italiano de São Paulo ou do trabalhismo carioca, assim como a industrialização dessas cidades, não parecia encaixar-se em uma população marcada pela perduração do coronelismo, uma industrialização incipiente, uma menor onda de imigração e a permanência de trabalhos análogos à escravidão, como no Nordeste e Norte. Só cabia ao examinador dessas regiões tratar qualquer manifestação política ou social como exógena ao movimento operário brasileiro do período. Focos de estudos das relações de trabalho como no Ceará e na Bahia, a partir da Universidade Federal do Ceará (UFC), por exemplo, estão descentralizando tal visão. As reflexões de Marcel Van der Linden sobre a História Global do Trabalho e a ideia de que as considerações e experiências do hemisfério sul apresentam diferentes performances, igualmente sintomáticas para entendermos o capitalismo mundial e suas resistências, também tiveram papel fundamental neste processo[5].

É nesse ínterim, que o livro Trabalho e trabalhadores no Nordeste – Análises e perspectivas de Pesquisas Históricas em Alagoas, Pernambuco e Paraíba, organizado por Tiago Bernardon de Oliveira, e que conta com a colaboração de diversos especialistas e estudiosos de tais regiões, está alocado. Ele é resultado do I Ciclo de Debates sobre História do Trabalho, realizado no Centro de Humanidades da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), entre os dias 12 e 14 de agosto de 2013, onde, de acordo com seu organizador,

[…] cerca de 300 estudantes e professores dos cursos de Licenciatura em História, Geografia, Pedagogia, Letras e Direito debateram perspectivas de análise histórica sobre o trabalho e os trabalhadores do Nordeste com painelistas vindos da Paraíba, de Pernambuco e de Alagoas, que se dirigiram ao Brejo paraibano com recursos praticamente inexistentes e desprendida generosidade, baseada no compromisso de fazer expandir o conhecimento histórico como forma de ação política.[6]

Percebe-se, tanto nessa intenção bem como na escolha dos capítulos do livro, a ação política e social que seus autores e idealizadores estavam buscando, incluindo aí desde o escrever sobre o tema nestas regiões, quando divulgar tais pesquisas, ainda mais em universidades e centros educacionais sem tantos recursos, quanto no sudeste do país. Nisso, é perpassado também a relação dos estudos do trabalho com a questão racial. Muitas pesquisas da temática desconsideram o peso da escravidão e da diferença de cor de trabalhadoras e trabalhadores que ocupavam os mesmos postos de trabalho, assim como a relevância de discutir o tema da escravidão como fator considerável para a constituição das relações trabalhistas no Brasil. O livro traz importantes contribuições nesse sentido, ainda mais no Nordeste, onde a tese do “imigrante branco do trabalho livre” substituindo o negro no período republicano cai por terra.

É necessário citar que esse projeto tem relação com a construção do Núcleo de Documentação Histórica do Centro de Humanidades (NDH-CH) da UEPB, “cujo início remonta a meados de 2010, quando começaram as negociações que resultaram em um convênio firmado entre a UEPB e o Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (TRT-13)”[7] , no qual está se tentado o impedimento “às ordens de descarte dos autos findos arquivados por mais de cinco anos pelas instâncias superiores daquele tribunal”[8] , o que revela a dificuldade em conseguir documentos para tais pesquisas. Mesmo diante disso, Tiago Bernardon de Oliveira, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em História do Trabalho, atuante principalmente no tema da construção do anarquismo e do sindicalismo revolucionário no Brasil, para além dos eixos comuns, mas também interessado na história do reformismo sindical e do socialismo e ultimamente na História do Trabalho no Nordeste, encabeçou a organização da obra, que foi publicada também no SciELO books, mostrando a preocupação com a divulgação e leitura democráticas de tal livro.

Na realidade, numa duração um pouco maior, também podemos alocar o livro dentro dos esforços do GT Mundos do Trabalho, projeto no interior da Associação Nacional de História (ANPUH), organizado durante o XX Simpósio Nacional de História (Florianópolis, 1999), onde um grupo de historiadores resolveu encabeçar um espaço de debate particular dentro dos encontros e congressos propostos pelo organismo, que tem as renovações da história do trabalho em âmbito global e brasileiro como eixo norteador. Desde aí, este GT contribui para reunir pesquisadores de todo o Brasil, além de favorecer iniciativas que descentralizem a história do trabalho e dos trabalhadores além de seus polos mais estudados.

O livro em questão foi dividido em 14 capítulos, além de uma apresentação, que envolvem diversos temas correlatos ao fenômeno do trabalho em Alagoas, Pernambuco e Paraíba, como as relações escravistas, o pós-abolição e suas características nestas regiões, o movimento operário e suas performances, cotidiano, cultura e repressão, além da reflexão sobre as fontes utilizadas – fato que evidencia seu lugar nos recentes debates da História do Trabalho. O primeiro capítulo, O mundo do trabalho na sociedade escravocrata brasileira: um panorama sobre a Paraíba escravista, escrito por Solange Pereira da Rocha e Matheus Silveira Guimarães, versa sobre a escravidão indígena e a africana nos princípios da colonização do Brasil, que embora seja alocada aos séculos XVI e XVII, nos dá indícios sobre as relações estruturais trabalhistas na longa duração que foi construída no Brasil. O segundo capítulo, O homem livre e pobre no Brasil oitocentista, de Cristiano Luís Christillino, continua, nesse sentido, num período depois, no século XIX, analisando os pobres numa sociedade escravocrata e as conexões entre este processo no Rio Grande do Sul e na Paraíba.

O terceiro capítulo, Para o estudo das origens da organização dos trabalhadores em Alagoas: periodizando o mutualismo, de Osvaldo Batista Acioly Maciel, abre no livro as pesquisas sobre as relações trabalhistas de caráter livre, no período republicano brasileiro, embora nas regiões estudadas, e em boa parte do país, a linha entre o trabalho escravo e livre era bem tênue como ressaltada na obra. O autor faz uma análise atenciosa do mutualismo de Alagoas e suas transformações particulares, marcadas pelas relações clientelistas, e sua transição para o sindicalismo. Já em Reformistas e revolucionários: as lutas internas do movimento operário pernambucano e a formação do Grupo Comunista de Recife (1917-1922), de Frederico Duarte Bartz, é mostrada a dinâmica do movimento operário num momento tido como ápice na historiografia, que teve, nas regiões estudadas, influência do reformismo, embora com tensionamento do anarquismo e, com a Revolução Russa, a construção do comunismo. Nesse período, nem sempre houve resistências explícitas e somente políticas, mas culturais e versadas no cotidiano, fato estudado por Waldeci Ferreira Chagas em Cotidiano de trabalhadores urbanos na Parahyba moderna.

Avançando para além da fase da Primeira República, em Vigilância e ações de furto: estratégias de resistência operária na Companhia de Tecidos Rio Tinto (Paraíba-1959), de Eltern Campina Vale, é analisado o processo de repressão e resistências de trabalhadores com características próprias da região estudada, que, mesmo na fase convencionada como “redemocratização”, usava, por parte da classe dominante, uma linguagem e atitudes bastante repressivas e de controle social, a fim de controlar o trabalho e os trabalhadores na Paraíba. Em Golpe civil-militar e repressão ao movimento sindical no imediato pós-golpe no estado da Paraíba, Paulo Giovani Antonio Nunes aborda também o tema da repressão, neste caso, sobre os trabalhadores, a partir do Golpe de 1964. Neste estudo, utilizam-se a legitimação da violência e a repressão enquanto métodos que viriam a ser seguidos para conter a organização e a resistência à disciplina do trabalho na região estudada.

Debruçando-se em reflexões sobre fontes, personagens e temas atuais, Ana Beatriz Ribeiro Barros Silva, em Acidentes, adoecimento e morte no trabalho como tema de estudo da História, também trata sobre a exploração da força de trabalho no capitalismo, e, em particular, nestas regiões que têm acidentes de trabalho, e nas doenças ocupacionais desenvolvidas nas atividades produtivas como forma de controle social e disciplina. Com essa mesma linha, n’A indústria dos corpos exauridos na plantation açucareira no Nordeste do Brasil, de José Marcelo Marques Ferreira Filho, é analisada a relação entre as doenças ocupacionais e os acidentes de trabalho, provenientes da exploração nas plantations canavieiras da Zona da Mata de Pernambuco, entre 1963 e 1973.

Mariângela de Vasconcelos Nunes, em Uma cultura da esperteza: histórias de ócios, táticas e astúcias no ofício do agave, revela algumas formas de resistência dos trabalhadores – longe de serem passivos a estes processos – da manufatura do agave, na região dos Velhos Cariris, no sertão da Paraíba. Fundindo a análise de resistências culturais e políticas, baseada, substancialmente, em depoimentos orais, emergem táticas desenvolvidas pelos trabalhadores da região como o ócio e outros mecanismos, que agiam como uma verdadeira forma de trabalho “moral”, construída pelos seus agentes. No capítulo seguinte, Maria do Socorro de Abreu e Lima, em Trabalhadores rurais diante da violência, defende que, apesar do uso de uma brutal violência dos latifundiários e do Estado diante das mobilizações e movimentos de Pernambuco, entre a década de 1960 e fins da de 1980, os trabalhadores rurais conseguiram forjar formas de organização, e de bastante complexidade, inclusive com disputas na construção do sindicalismo rural pernambucano. Essa tradição construiu e também se chocou com o período da redemocratização abordado por Marcela Heráclio Bezerra, intitulado “Com muita vara é que se levanta uma casa e com muita lenha é que se levanta o fogo”: greves e conquistas trabalhistas da classe canavieira em Pernambuco durante os anos 1980, no qual é investigado o processo de construção das lutas dos trabalhadores canavieiros do Estado de Pernambuco, na fase de abertura política – inclusive debatendo essa conjuntura e adicionando temas relevantes como os da violência de gênero entre trabalhadores.

No penúltimo capítulo, Christine Rufino Dabat n’A rica história dos trabalhadores segundo os arquivos da Justiça do Trabalho: incitação à pesquisa apresenta alguns trabalhos acadêmicos realizados ao longo da última década, feitos pelo Grupo de Estudos “Trabalho e Ambiente na História das Sociedades Açucareiras – UFPE”, coordenado pela autora, juntamente com Maria Socorro de Abreu e Lima, no qual se reflete sobre o uso de fontes, a partir de um debate historiográfico internacional sobre o tema. No último capítulo, Francisco Fagundes de Paiva Neto utiliza-se de um estudo micro-histórico n’A biografia de Monsenhor Luigi Pescarmona e as lutas sociais na Diocese de Guarabira-PB para revelar as conexões entre imigração, religião, e a construção da consciência de classe, a partir de elementos culturais e formas de resistência diversas, tal como encontrada na trajetória do personagem.

A diversidade dos temas, embora buscando uma unidade – a construção da consciência de classe, a operação do capitalismo e do Estado Nacional brasileiro e suas formas de controle – na Paraíba, Pernambuco e Alagoas, mostra que, longe de ser um assunto sem nada para garimpar da História do Trabalho no Brasil, tem muito a ser feito, inclusive se levarmos em conta a proporção continental do nosso país, que está além das áreas tipicamente estudadas. Olhar além das fronteiras usualmente definidas – não deixando de ignorar aspectos fundantes e estruturais, já que, de fato, a questão da imigração em massa e das relações de trabalho, em áreas tipicamente mais industrializadas, são importantes para compreendermos muito dos processos e construções das relações de trabalho no Brasil – pode nos dar respostas sobre a experiência particular da nossa classe trabalhadora se juntarmos todos esses casos, o regional, o nacional e o global, ou seja, uma história que precisa ser alocada na história dos trabalhadores do mundo. Ademais, esses trabalhadores contidos no livro, ao estarem mais próximos aos trópicos, também podiam estar –mesmo com seus projetos e sonhos perdidos e esmagados – com respostas mais próximas ao sol, da redenção.

Notas

1. Ver MATTOS, Marcelo Badaró. E. P. Thompson no Brasil. Outubro, São Paulo, v. 14, n. 6, p. 81-110, 2006. Disponível em: http://outubrorevista.com.br/e-p-thompson-no-brasil/. Acesso em: 27 ago. 2019.

2. PETERSEN, Silvia. Cruzando fronteiras: as pesquisas regionais e a história operária brasileira. Anos 90, Porto Alegre, v. 3, n. 3, p. 129-153, 1995. p. 132. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/6150/3644. Acesso em: 26 ago. 2019.

3. Idem.

4. Idem.

5. Ver LINDEN, Marcel Van der. Trabalhadores do Mundo: ensaios para uma história global do trabalho. São Paulo: Editora Unicamp, 2013.

6. OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Trabalho e trabalhadores no Nordeste – Análises e perspectivas de Pesquisas Históricas em Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Campina Grande: Eduespb, 2015. p. 10.

7. Idem.

8. Idem.

Kauan Willian dos Santos –  Doutorando em História pela Universidade de São Paulo (USP) São Paulo, SP, Brasil. E-mail: kauanwillian09@gmail.com  Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3677-9397

OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Trabalho e trabalhadores no Nordeste – Análises e perspectivas de Pesquisas Históricas em Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Campina Grande: Eduespb, 2015. Resenha de: SANTOS, Kauan Willian dos. Trabalho e trabalhadores mais próximos ao sol. Revista Nordestina de História do Brasil. Cachoeira, v.2, n.3, p.158-164, jul./dez. 2019. Acessar publicação original [DR]

De Atauhalpa a Guevara: nossos ilustres desconhecidos | Marcos Antônio Caixeta Rassi

O professor Marcos Antônio Caixeta Rassi é graduado em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Patos de Minas (1982), graduado em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Patos de Minas (1991) e mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (2006).

Em “De Atahualpa a Guevara: nossos ilustres desconhecidos”, o Prof. Me. Marcos Antônio Caixeta Rassi problematiza o ensino da História da América no Brasil, partindo do pressuposto de que a América (“rico, múltiplo e complexo mosaico cultural” segundo suas próprias palavras) é um lugar onde nós ainda não produzimos uma cultura de pertencimento, sendo importante romper com o silêncio e o desconhecimento da História da América em nosso país, olhando para o passado latino-americano como um meio de nos encontrarmos. Leia Mais

História da saúde no Brasil: uma breve história | Luiz Antonio Teixeira, Tânia Salgado Pimenta e Gilberto Hochman

A obra História da saúde no Brasil: uma breve história , organizada por Luiz Antonio Teixeira, Tânia Salgado Pimenta e Gilberto Hochman (2018) chega em momento marcante do país, em meio às ameaças que cercam, de forma profunda e decisiva, a democracia brasileira. Como um espelhamento de si, aprendemos pelas análises tratadas que, se os poetas podem ver na escuridão, os estudiosos da história da saúde podem ver através da neblina dos sofrimentos humanos e dos diversos modos de se tentar aplacar essas aflições, indicando o entrelaçamento de saberes, tecnologias, políticas e práticas que moldam o Brasil e o brasileiro.

O livro aqui examinado possui valores distintos, exatamente por deixar registrado o empreendimento de décadas, fundamentalmente, dos pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), em sua conjunção de esforços desde 1986. Isso pode ser acompanhado pelo leitor que reconhecerá, por meio das notas biográficas dos autores, desde os que participam da criação da Casa até os mais recentes, numa comprovação evidente da consolidação do trabalho desse grupo nesses mais de 30 anos da COC, considerada referência na produção de conhecimento e formação em história da saúde e medicina do país. A obra está dividida em 11 capítulos com dois eixos fundamentais – temporal e temático –, abarcando perspectivas que envolvem a própria trajetória profissional desses pesquisadores. Leia Mais

The scramble for the Amazon and the lost paradise of Euclides da Cunha | Susanna Hecht

Essa obra merece uma crítica inicial: trata-se de “vários livros” encadernados sob título e capa únicos. Além da descontinuidade entre seus componentes, a obra é um conjunto de livros enorme e heterogêneo, difícil de ler. Ainda assim, o conteúdo é valioso para quem se interesse por Euclides da Cunha e/ou pelo prolífico trabalho de Hecht sobre a Amazônia; no entanto, a obra não é para iniciantes.

Hecht é doutora em geografia pela University of California (Berkeley) e professora da University of California (Los Angeles). É veterana estudiosa do Brasil e da América Latina, sobre os quais publicou livros e artigos, especialmente a respeito de questões socioambientais, como The fate of the forest: developers, destroyers, and defenders of the Amazon (com Alexander Cockburn; edição atualizada em 2011) e Soy, globalization, and environmental politics in South America (com Gustavo L.T. Oliveira, 2017 ). Leia Mais

…como se fosse um deles: Almirante Aragão. Memórias, silêncios e ressentimentos em tempos de ditadura e democracia | Anderson da Silva Almeida

En el año de 1996 Ánderson da Silva Almeida ingresó en régimen de internado al Cuerpo de Fusileros Navales de Brasil, donde posteriormente pasaría a componer el cuadro de músicos en la misma institución como intérprete de Bombardino.

Paralelo a su carrera como marinero y músico, Ánderson da Silva Almeida hizo su graduación en Historia con la Universidad Católica de Salvador, Bahía; y posteriormente adelantó su especialización, maestría y doctorado en Historia en la Universidad Federal Fluminense UFF donde se destacó en el año 2012, con el premio Memorias Reveladas del Archivo Nacional por su disertación de maestría que daría origen al libro “Todo o leme a bombordo: marinheiros e ditadura civil – militar no Brasil: da rebelião de 1964 à anistia” [1] . Leia Mais

Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975 | Leandro Pereira Gonçalves

Desde os trabalhos pioneiros de Hélgio Trindade (19742007) na década de 1970 a respeito do Integralismo brasileiro, diversos outros estudos procuraram apresentar novas abordagens sobre o tema (CHASIN, 1999CHAUÍ, 1985VASCONCELOS, 1979). Também a produção acadêmica comparativa dos autoritarismos português e brasileiro, iniciada no trabalho organizado por José Luiz Werneck da Silva (1991), prosperou em análises diversas, fortalecendo aos poucos este campo de investigação (PINTO; MARTINHO, 2007).

O trabalho de Leandro Pereira Gonçalves, Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975), vem, portanto, contribuir com uma tradição importante e já consolidada de pesquisas a respeito do integralismo e das direitas radicais. O livro tem, como objeto de análise, o pensamento e a produção intelectual do mais importante político do movimento integralista brasileiro: Plínio Salgado. Ao mesmo tempo, o autor lança luz sobre as possibilidades de investigações acadêmicas comparativas acerca de Portugal e do Brasil. Longe, entretanto, da mera repetição, seu estudo acrescenta novidades ao complexo universo das direitas no século XX, não só no Brasil como também na Europa. Leia Mais

Unidos perderemos: a construção do federalismo republicano brasileiro | Cláudia Maria Ribeiro Viscardi

Dizer que “Não há na História do Brasil nada mais velho que a ‘República Velha’” (VISCARDI, 2017, p. 18) é uma feliz escolha para propor a revisitação da política de transição entre a Monarquia e a República e discutir os impactos do federalismo na organização política nacional. Este é um dos enfoques de Cláudia Maria Ribeiro Viscardi, professora titular do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Autora de Teatro das Oligarquias (VISCARDI, 2001), obra enraizada na historiografia para oferecer uma leitura concisa sobre a participação dos estados-atores na política da primeira fase republicana, Viscardi apresenta uma nova proposta a respeito das consequências do federalismo na conjuntura do início da República e particularmente do governo Campos Sales. Unidos perderemos, como reconhece a autora, é uma continuação de discussões específicas sobre a descentralização política à época dos debates republicano-federativos. Leia Mais

Pequenos acasos cotidianos. Presentes e desastres da vida cotidiana | Juliana Russo

Toda vez que abro um livro da Juliana Russo recebo de cara um convite. Nesse Pequenos acasos cotidianos não seria diferente (ela também é autora do livro São Paulo infinita). Mas este convite não é formal nem explícito. É um convite velado, sutil, sensível, subterrâneo, palavra tornada desenho. É um convite imediato, mas que precisa ser composto, combinado e descoberto pelo leitor ao virar página por página. Nesse passo a passo das folhas o convite emerge… um caminhar convidando o leitor a caminhar! Um caminhar pelo livro, um caminhar pela cidade.

Juliana nos apresenta esses desenhos, belos e às vezes desengonçados e imprecisos traços, como um convite a acompanhá-la numa caminhada qualquer de um dia qualquer por uma cidade que poderia ser qualquer. Calhou de ser São Paulo (Perdizes ao Centro e de volta), calhou de ser dia 9 de agosto de 2017. O que vemos nesse livro é um relato de viagem, um “mapa de percurso” como queria Michel de Certeau – o cara da Invenção do cotidiano (1), um mapa mentalizado de um caminhar pela cidade observando e lembrando, recordando, recortando, resgatando rastros de um tempo que passa, de um cotidiano que continua. Juliana segue os rastros do cotidiano, anota-os, resgatando-os e colecionando-os. Os presentes (tanto o adjetivo quanto o substantivo) e os desastres desenhados pelo simples desejo de torná-los presente, fixos e eternos. “Os lugares têm uma lembrança própria” sussurra Juliana em algum momento do relato, do mapa, da caminhada. Leia Mais

Gênero e consumo no espaço doméstico: representações na mídia durante o século XX na Argentina e no Brasil | Inés Pérez Marinês Ribeiro dos Santos

Gênero e consumo no espaço doméstico: representações na mídia durante o século XX na Argentina e no Brasil é o título do livro organizado por Inés Pérez e Marinês Ribeiro dos Santos a partir de artigos apresentados no 10º Seminário Internacional Fazendo Gênero (2013). A publicação tem como objetivo analisar, por meio dos artefatos, práticas e difusão do consumo, a construção de noções de feminilidades e masculinidades que incidem sobre a divisão sexuada do trabalho, a organização, a concepção e a ocupação do espaço habitado.

Temas afins foram pesquisados pelas organizadoras em suas teses de doutorado a partir dos campos da história da família e do design e da perspectiva de gênero. Enquanto Pérez (2012) analisou as transformações nas estruturas familiares na Argentina dos anos 1940 e 1970 em relação às dinâmicas de gênero e ao processo de industrialização da vida doméstica, Santos (2015) investigou as relações entre as transformações de gênero no Brasil dos anos 1960 e 1970 e a assimilação da linguagem pop no design de produtos. No desenvolvimento das pesquisas foi ficando clara a centralidade do consumo para a compreensão da modernidade, uma vez que a estruturação de um mercado diversificado de artefatos produzidos em massa foi acompanhada por discursos que contribuíram para a estratificação das vendas e a desigualdade de aquisição por gênero, classe e raça, incidindo nos ambientes urbano e doméstico, este último alvo privilegiado da produção industrial no período. Leia Mais

Gênero e Desigualdades: os limites da democracia no Brasil | Flávia Biroli

Como garantir a maior participação política (nas diferentes esferas) das minorias? De que maneira é possível superar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres (como limitação temporal, causada pelo acúmulo de responsabilidades do trabalho doméstico, cuidado e maternidade) para um maior envolvimento político? Que direitos ainda são negados às mulheres e às pessoas LGBTQI+ pela democracia 1 brasileira? Como os feminismos têm contribuído para uma sociedade mais igualitária no que tange aos direitos e à participação política? Quais foram os avanços, os limites e as desigualdades ao longo das últimas décadas no Brasil? Essas e muitas outras questões foram respondidas por Flávia Biroli no livro Gênero e Desigualdades: os limites da democracia no Brasil, publicado no ano de 2018, no qual enfatiza, como anunciado no título, as limitações, as desigualdades e as relações de gênero presentes na democracia brasileira, a partir de uma análise que entrelaça local/global e as diferentes teorias feministas.

Flávia Milena Biroli Tokarski é formada em Comunicação Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (UNESP), e possui mestrado e doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Ao longo de seus anos de pesquisadora e professora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), tem se dedicado às temáticas da democracia, política, estudos de gênero e teoria feminista, sobretudo, com enfoque nas áreas de mídia e política. Suas principais publicações, além do livro resenhado aqui, são: Caleidoscópio convexo: mulheres, política e mídia (2011, publicado com Luis Felipe Miguel), Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática (2013), Família: novos conceitos (2014) e Feminismo e Política (2014, também com Luis Felipe Miguel). Leia Mais

Virginia Artigas. Histórias de arte e política | Rosa Artigas

Quando brumas caem sobre a cena pública e a polarização político-ideológica persiste, animada por grosserias, agressões e arroubos retóricos vindos de cima, é hora de valorizar a cultura e resistir aos que tentam criminalizá-la.

Na cultura repousa o que identifica uma nação e faz uma população se reconhecer como parte de uma coletividade. De norte a sul, de leste a oeste, nas grandes cidades e nas mais recônditas localidades do Brasil profundo, é a posse de uma mesma língua, de hábitos enraizados, de símbolos, de maneiras de pensar, sentir e fazer que dá ao brasileiro a percepção de que, na vida, há algo além da sua pessoa e do lugar geográfico. Por brotar da experiência, a cultura não pode ser capturada pelo Estado, muito menos pelos governos de plantão. Continua a pulsar, sempre. Leia Mais

Pas de Politique Mariô!: Mário Pedrosa e a política | Dainis Karepovs

Em artigo publicado na década passada, Dainis Karepovs ofereceu uma imagem para a historiografia dos instrumentos de luta da classe operária no Brasil. Segundo ele, a escrita da história dos organismos políticos de esquerda construiu um edifício, bem estruturado em alguns pontos e com lacunas a preencher em outros. A história do trotskismo no Brasil seria um “cômodo” da construção.1 Seguindo a imagem proposta por Karepovs, podemos dizer que o prédio e o cômodo destinado à história do trotskismo – que não é encerrado em si mesmo, estando interligado com os demais espaços da edificação – ganharam mais um ajuste com a publicação de Pas de Politique Mariô!: Mário Pedrosa e a política, obra que aborda a trajetória de atuação daquele que estava presente em Paris, em 1938, na conferência que fundou a IV Internacional, mas que também percorreu outros caminhos de elaboração e atuação política.

Dainis Karepovs já se encontrou antes com a figura de Mário Pedrosa. É dele – e de Fulvio Abramo – a organização do livro Na Contracorrente da História: Documentos da Liga Comunista Internacionalista (1930-1933), obra fundamental para os estudos posteriores acerca dos grupamentos de oposição de esquerda no Brasil, por publicar documentos que dão acesso às formulações políticas de sujeitos e organizações ligados ao pensamento dissidente. É lá que se encontra o clássico texto “Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil”, produção que deu as bases teóricas e conceituais da Oposição de Esquerda no Brasil. A autoria é de Mário Pedrosa e Lívio Xavier, com os pseudônimos de M. Camboa e L. Lyon.2

Em Pas de Politique Mariô!, a escolha teórico-metodológica é a abordagem biográfica, na tentativa de compor uma “biografia política” de Mário Pedrosa. Desse modo, o período tratado no livro vai da década de 1920, com destaque para o ano de 1925, quando Pedrosa ingressa no Partido Comunista do Brasil (PCB), até 1980, ano de sua morte e de seu último ato de militância política, com a filiação ao Partido dos Trabalhadores em seu encontro fundacional.

Mário Pedrosa, nascido em 1900, era um estudante de Direito no Rio de Janeiro quando se aproximou dos comunistas. Leitor de publicações estrangeiras, sobretudo a revista francesa Clarté, Pedrosa adere às ideias de Leon Trotski e constrói uma Oposição de Esquerda no Brasil, junto de outros militantes comunistas como Lívio Xavier. Sua vinculação direta com o trotskismo vai até 1940, quando rompe com a IV Internacional diante da divergência acerca da caracterização da União Soviética como Estado Operário a ser defendido na Segunda Guerra Mundial. Naquele momento, Pedrosa alinha-se aos norte-americanos na posição de considerar a URSS como Estado imperialista, tal qual as potências ocidentais sobreviventes ao conflito. As fontes utilizadas por Karepovs para apresentar a militância de Pedrosa na Oposição de Esquerda são de vários tipos. O autor utiliza a correspondência entre Pedrosa e Lívio Xavier, as publicações dos diversos organismos políticos trotskistas da década de 1930 e material da imprensa carioca.

O autor procura não tornar os momentos posteriores à militância de Pedrosa junto aos trotskistas como desdobramentos sucessivos de uma identidade política. Da mesma forma, a ruptura não é a extinção de qualquer relação com os sujeitos e as ideias que compunham a sua experiência nos anos 1930.

Após a ruptura com o trotskismo, Pedrosa engaja-se na construção da União Socialista Popular (USP), grupamento que levantava a bandeira da superação da ditadura de Vargas e visava a construção de um partido político socialista no país. Em 1945, a USP apoiou Eduardo Gomes para a presidência da República. No entanto, a tarefa principal de sua militância na década de 1940 foi a publicação de Vanguarda Socialista, jornal que apresentava-se como um órgão não submetido a nenhuma disciplina partidária, embora fosse construído por um grupo de pessoas com base intelectual comum. Karepovs destaca o papel do periódico como difusor de textos de autores marxistas de épocas e posições políticas distintas como Rosa Luxemburgo, Bukharin, Kautsky, Trotski, Karl Korsch e Julius Martov.

O autor chama a atenção para algo que se apresenta relevante: o trabalho intelectual como característica de um programa político. Mário Pedrosa, nos anos 1930, esteve à frente de um projeto editorial, capitaneado pela Editora Unitas, para pôr em circulação obras de autores marxistas. Nos grupamentos trotskistas dos quais fez parte, a educação política dos trabalhadores também possuía centralidade na atuação dos militantes. Isso leva a uma reflexão sobre a crença no poder da palavra, do estudo e da erudição como característica comum a um determinado grupo de militantes que se forjaram na Oposição de Esquerda na mesma década que Pedrosa, como Lívio Xavier e Edmundo Moniz.

O momento em que Pedrosa busca integrar Vanguarda Socialista à construção do Partido Socialista Brasileiro, ao lado da Esquerda Democrática, se apresenta como uma das contribuições mais inovadoras do livro. Filiado ao PSB a partir da segunda metade da década de 1940, Pedrosa desenvolve intensa oposição ao que considerava ser o varguismo e suas ramificações. Diante do suicídio de Vargas, reage com frieza, vendo aquele momento como oportunidade de libertação das massas frente às lideranças populistas. Tal oposição ao getulismo leva ao ponto alto de sua crítica, quando, após a vitória de Juscelino Kubitschek sobre Juarez Távora, Pedrosa questiona a legitimidade da votação do candidato vencedor. Tal posição o aproximava do udenismo, mas a retórica e as preocupações de Pedrosa mantém-se no campo da defesa do que imaginava ser os interesses do operariado brasileiro. As críticas ao presidente JK seriam amenizadas no fim da década, em um gesto de deslocamento de posições.

Outras elaborações relevantes são acompanhadas de perto pelo autor. Pedrosa, diante do golpe que depôs João Goulart, procura interpretar os motivos e os percursos do desenvolvimento da economia brasileira. Um militante, Pedrosa vai para o MDB e chega a se aproximar da Frente Ampla, mas sem participação efetiva. Busca reforçar as suas concepções ligadas à análise do “terceiro mundo” e se tornava cada vez mais próximo das ideias de Rosa Luxemburgo acerca do caráter da revolução e das organizações de trabalhadores. A “biografia política” se encerra com a morte de Pedrosa em um momento no qual ainda houve tempo de participar da construção do Partido dos Trabalhadores.

Karepovs destina uma segunda parte do livro à publicação de textos de excompanheiros de militância e atividade intelectual, publicados na imprensa partidária e comercial. O autor também apresenta anexos à obra. Lista os livros que compunham o programa editorial Biblioteca Socialista, a ser lançado pela Editora Unitas; relação dos artigos publicados em Vanguarda Socialista; inventário de textos, apresentações, prefácios e livros escritos por Mário Pedrosa. O autor oferece uma obra que realiza uma análise menos fragmentada da trajetória do biografado, demonstra como a identidade destinada à Mário Pedrosa como um trotskista se associou a um conjunto de elaborações muito distintas e conflitantes. Ao mesmo tempo, Karepovs realiza também um trabalho para o futuro, indicando fontes e contribuindo com pesquisas que virão.

Destaca-se o material presente no Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa – CEMAP, acervo que hoje encontra-se sob guarda do Centro de Documentação e Memória – CEDEM, da Universidade Estadual Paulista. Por fim, gostaria de citar uma lembrança curiosa. Ao visitar o arquivo em questão – no qual Karepovs teve papel destacado em sua criação – acessei um documento no qual estava uma relação de projetos de pesquisa a serem desenvolvidos pelos membros do CEMAP durante a segunda metade da década de 1980. Um dos projetos listados é a construção de um “Dicionário Biográfico” de militantes do movimento operário. No rol dos biografados, estão Mário Pedrosa, Lívio Xavier, Hílcar Leite, Edmundo Moniz, entre outros. Aparentemente, o projeto vai se realizando, por outras formas, caminhos e ritmos.

Notas

1. KAREPOVS, Dainis. O Arquivo Edgard Leuenroth e a pesquisa sobre o trotskismo no Brasil. Cadernos AEL, v. 12, n. 22/23, p. 267-280, 2005.

2. ABRAMO, Fulvio; KAREPOVS, Dainis (orgs.). Na Contracorrente da História: Documentos da Liga Comunista Internacionalista (1930-1933). São Paulo: Brasiliense, 1987.

Victor Emmanuel Farias Gomes – Doutorando no Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil. Mestre em História pela Universidade Federal do Ceará; graduado em História pela Universidade Regional do Cariri. E-mail: victor.emmanuelfarias@gmail.com  ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-1654-673X CV   Lattes: http://lattes.cnpq.br/5047979239664818


KAREPOVS, Dainis. Pas de Politique Mariô!: Mário Pedrosa e a política. Cotia, SP; São Paulo: Ateliê Editorial; Fundação Perseu Abramo, 2017. Resenha de: GOMES, Victor Emmanuel Farias. A opção intelectual: Mário Pedrosa e a política. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, n. 22, p. 235-238, set./dez. 2019. Acessar publicação original [DR]

 

Octavio, o civil entre os 18 do Forte de Copacabana | Afonso Licks

A presente obra foi escrita por Roberto Licks, nascido em Montenegro, Rio Grande do Sul, em 1953. O autor é advogado, jornalista, com atuação em rádio, jornal, TV, revista e agência de notícias. O escritor traz a público um trabalho inédito, contribuindo para a história do Brasil República, a respeito de Octavio Augusto da Cunha Corrêa, apelidado de Moreno Corrêa, o único civil morto entre os Dezoito do Forte de Copacabana, em 1922, no Rio de Janeiro.

Licks, mesmo não sendo historiador, realiza um trabalho com farta investigação em documentos escassos, livros, jornais e em depoimentos, com a intenção de desvendar a vida daquele que foi o único civil a participar da última marcha para a morte em 1922, vindo a falecer aos 36 anos e que até então não havia despertado interesse pela historiografia brasileira. Cabe ressaltarmos que a imagem dos Dezoito do Forte de Copacabana, após o episódio, foi elevada a exemplo patriótico, seus participantes foram vistos como heróis, tendo seus nomes atribuídos a praças e ruas pelo país.

Para Licks, Corrêa, nascido em Quaraí, Rio Grande do Sul, sequer tem o nome grafado de forma correta nas placas que o homenageiam. Sua imagem acabou desaparecendo, os registros comuns se referem a ele como um engenheiro, advogado, um capitalista, um maluco que surgiu do nada para ir morrer num combate que não era seu.

Em 1922, a Revolta tenentista, ocorrida na tarde de 6 de julho, reuniu um grupo de jovens tenentes que não tinham um plano político claro, diferente, por exemplo, do movimento tenentista posterior, que ocorreu em 1924, em São Paulo. Com duração de apenas um dia, o movimento tenentista de 1922 tinha o intuito de modernizar o Brasil, lutar pelo fim da corrupção governista, combater as desigualdades sociais e enfrentar a concentração de poder em prejuízo das imensas maiorias do povo.

Um dos principais motivos que fizeram a Revolta ocorrer foi o episódio das cartas falsas que acabou cumprindo o seu papel de lançar as Forças Armadas contra a candidatura à Presidência da República do mineiro Artur Bernardes, representante das mazelas da política do café com leite. Neste conflito, antes de Bernardes assumir, o presidente Epitácio Pessoa saiu vitorioso, foi decretado o mais longo período de estado de sítio que o país foi submetido, encobrindo perseguições políticas a qualquer indivíduo que simpatizasse com os revolucionários.

No que diz respeito ao personagem principal desta história, o autor nos revela alguns fatos muito interessantes de Côrrea, como por exemplo, seu envolvimento com líderes tenentistas, bem antes do confronto final.

Em meio a organização do movimento revolucionário, no dia 4 de julho de 1922, os revolucionários perceberam que alguns conspiradores foram identificados após contato pelo telefone com o Forte de Copacabana. Assim, o comandante Euclydes Hermes, suspeitando de que a linha estava sob escuta da Polícia Política, foi convencido pelo tenente Siqueira Campos a aceitar a sugestão de Corrêa, de puxar diretamente um par de fios como extensão do telefone do cabaré Mère Louise, que ficava próximo ao Forte de Copacabana, até a sala de comando do mesmo, sendo que a linha do Forte sob escuta deveria ser evitada.

Por meio da obra, percebemos que o personagem se sentia à vontade no Rio de Janeiro, gostando muito de frequentar o Mère Louise, sentando sempre em uma mesa na varanda do cabaré, de frente para o mar de Copacabana. Era uma pessoa muita generosa, insistindo sempre em pagar a parte maior da conta. Corrêa também era muito querido pelos oficiais que frequentavam a boate, pois tinha bom humor, conhecimento de música e contava muitas histórias de aventura, apesar das provocações políticas. Devido a tais provocações, Euclydes Hermes da Fonseca havia proibido seus homens das discussões políticas no cabaré.

Um fato curioso, é que de todos os militares, o comandante do Forte de Copacabana era o que conhecia Corrêa há mais tempo e foi quem o apresentou aos oficiais, ressaltando sobre sua lealdade. Eles não se conheceram no Mère Louise e sim bem antes, devido ao relacionamento entre seus pais, o marechal Hermes e Carlos Alberto Corrêa, que conviveram como amigos gaúchos do senador Pinheiro Machado.

Corrêa era um homem muito rico, gostava de contar histórias sobre sua família e de como havia conquistado sua fortuna. Tinha decidido não se casar para não acabar cedendo à pressão do pai que o queria no campo, trabalhando como cabanheiro. Buscava diversão e mulheres, gastando e aproveitando o conforto.

Sua mãe se chamava Leopoldina, apelidada de Dona Pudica, sempre educando seus filhos de forma muito rígida. Côrrea também tinha quatro irmãos, o mais velho era chamado de Joca, tinha estudado em Pelotas com os jesuítas da escola São Luís Gonzaga. Gregório, outro irmão, foi para o Colégio Anchieta, na capital.

Com relação ao personagem, aos dez anos de idade foi enviado para a fronteiriça Quaraí à cidade de São Leopoldo, para estudar como interno no Colégio de Nossa Senhora da Conceição, onde acabou pegando gosto por Francês, Matemática e Música. Habilitou-se em Francês no terceiro ano da Escola Brasileira, na Rua Duque de Caxias, número 229, em Porto Alegre. Também estudavam nessa escola, os seus irmãos Adalberto e Carlos Zaccharias, além do amigo Getúlio Vargas.

Com relação aos principais acontecimentos da sublevação de 1922, Côrrea, no dia 6 de julho, por volta das 11 horas, do telefone do cabaré ligou para o Forte para saber o que estava acontecendo. Do outro lado da linha, o tenente Mário Carpenter atendeu e informou que havia uma trégua, tendo o comandante saído para negociar as condições de armistício com o ministro da Guerra. Carpenter pediu a Corrêa que o telefone ficasse livre, pois estavam aguardando as notícias que o capitão mandaria do Catete.

No final da manhã, Corrêa foi até o Forte de Copacabana, o tenente Newton Prado deixou o civil entrar, após os cumprimentos pela coragem, Siqueira Campos chamou Corrêa para ficar ao seu lado. Antes de sair do Forte, foi feita a contagem dos revolucionários, totalizando 28, contando com o civil.

Com o objetivo de aliviar a tensão, o tenente Carpenter riscou as paredes internas do Forte com pregos e baionetas para registrar os nomes dos que permaneceram. Havia no Forte de Copacabana uma bandeira do Brasil que foi cortada em 28 pedaços e entregue a cada membro que lá haviam ficado. Ao mesmo tempo, Corrêa recebeu de Siqueira Campos o pedaço da bandeira do Brasil destinado ao capitão Euclydes, que a esta altura já se encontrava preso. Ao sair do Forte, os 28 combatentes se reduziram para 18, depois, ao marcharem na altura da Praça Serzedelo, reduziram-se para 12.

Ao marchar junto com os tenentes pela calçada ondulada de Copacabana, Corrêa vestia um paletó e levava um fuzil Mauser na mão. Durante a troca de tiros, conseguiu acertar alguns adversários das tropas do governo, entre eles o sargento Narciso Baptista, até que um projétil de fuzil lhe atingiu o peito, levando-o a cair no mesmo instante. Segundo Licks o civil foi conduzido vivo ao hospital militar, resistindo até às 19 horas, quando veio a falecer de hemorragia.

Analisando a obra em si, observamos que ela apresenta um conteúdo inédito sobre a vida de Corrêa. Contudo, Licks tenta construir uma biografia heroica do personagem, destacando que desde criança já era uma pessoa diferenciada, como se seu destino já tivesse predestinado. Outra crítica que pode ser feito a obra é que o autor mescla um pouco de fato histórico e ficção, o que às vezes deixa a obra a desejar. Todavia, o livro é importante pelo fato de revelar outras facetas da insurreição tenentista de 1922, pois o que sabíamos até então, era que Corrêa foi apenas um civil que aceitou participar de última hora da marcha para a morte na calçada de Copacabana. Assim, a obra revela mais do que isso e nos mostra que o personagem já tinha uma relação com os principais tenentes e inclusive os auxiliaram nos preparativos para a Revolta. Além do mais, o livro é um atrativo para os historiadores que desejam realizar um futuro trabalho sobre a trajetória do personagem.

Lucas Godoy Stringuett – Doutorando em História e Sociedade, com bolsa da CAPES, Pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual Paulista, Campus Assis (UNESP/Assis). Mestre em História e Sociedade pela UNESP/Assis; graduado em História pela UNESP/Assis. ORDCID iD: https://orcid.org/0000-0001-9683-7873  CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/4402566368145163 . O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Ele configura-se, igualmente, como complemento aos requisitos necessários à escrita da Tese de Doutorado em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis.


LICKS, Afonso. Octavio, o civil entre os 18 do Forte de Copacabana. Porto Alegre: Quattro Projetos, 2016. Resenha de: STRINGUETT, Lucas Godoy. A participação de Octavio Corrêa na Revolta dos 18 do Forte de Copacabana.  Revista Maracanan. Rio de Janeiro, n. 22, p. 239-242, set./dez. 2019. Acessar publicação original [DR]

O Brasil Republicano (vol.5). O tempo da Nova República: da transição democrática à crise política de 2016: Quinta República (1985-2016) | Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves

É inegável que a História do Tempo Presente desponta como um dos campos que mais cresce na historiografia brasileira desde a última década. Ao contar com objetos de pesquisa até então poucos explorados e ao propor instigantes debates em torno da função social do historiador, esse campo vive um momento de intensa produção intelectual. Na sua busca por encontrar um espaço particular dentro de um campo historiográfico nacional já demarcado por correntes consolidadas, como a História Política, a História Cultural e a História Social, a História do Tempo Presente aparenta estar conquistando grande receptividade, tanto entre historiadores e historiadoras de gerações mais recentes, como entre nomes já consagrados da área que buscam tecer diálogos com essa vertente. Leia Mais

Os manuscritos medievais da Universidade de Brasília | História, histórias | 2019

Era uma vez três belos códices, certamente produzidos em algum mosteiro português entre os séculos XIV ou XV, que muitos anos depois, por volta de 1925, foram adquiridos na Vila do Conde, em Portugal, pelo Dr. Jorge de Faria. Nessa época, já não eram mais “códices”. Eram folhas de pergaminho soltas, pouco mais de 200, oriundas certamente de algum mosteiro ou casa religiosa de que saíram, ou por causa da extinção das ordens em 1834, ou por causa de atos violentos que se seguiram relacionados aos movimentos que levaram à proclamação da República em Portugal, em 05 de outubro de 1910.

Por volta de 1925 estavam emprestados à Biblioteca Nacional de Lisboa, onde foram lidos e copiados por Pedro de Azevedo.

Quem nos conta essa história é Serafim da Silva Neto (1956), ilustre filólogo brasileiro, no seu livro Textos medievais e seus problemas. Leia Mais

São Paulo restaurada: Administração/Economia e Sociedade numa capitania colonial (1765-1802) | Oller Mont Serrath

O livro de Pablo Oller Mont Serrath (2017), São Paulo restaurada: administração, economia e sociedade numa capitania colonial (1765-1802), com 316 páginas, publicado pela Editora Alameda, resulta da dissertação de mestrado do pesquisador, defendida em 2007 no Programa de Pós-Graduação em História Econômica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).

Dividido em três partes, cada uma tratando dos aspectos indicados no subtítulo do livro, ou seja, administração, economia e sociedade, o autor discorre sobre esses temas com vistas a compreender os fundamentos da São Paulo Colonial da segunda metade do século XVIII. O recorte temporal vai do ano em que São Paulo retomou sua autonomia administrativa (1765), após 17 anos subordinada à Capitania do Rio de Janeiro, até o ano em que as reformas definidas pela Coroa Portuguesa para a capitania paulista foram finalizadas (1802). Leia Mais

O jardineiro de Napoleão. Alexander von Humboldt e as imagens de um Brasil, América (sécs. XVIII e XIX) | Thiago Costa e Adriadne Marinho

Não resta dúvida de que o naturalista alemão Alexander von Humboldt representa um marco fundamental na história das ciências no século XIX. Lido e adorado por quase todos os homens cultos de sua época, Humboldt serviu de inspiração intelectual para ninguém mais ninguém menos que Charles Darwin e despertou os ciúmes de um megalômano Napoleão Bonaparte. Foi comparado à Aristóteles, Arquimedes, Copérnico e Newton, e considerado um “segundo Colombo”, o “redescobridor da América”. De acordo com Laura Dassow Walls, a popularidade do pesquisador alemão era tão generalizada no interior dos Estados Unidos em meados do oitocentos que acabou por consolidar o que a pesquisadora chamou de “fenômeno Humboldt”. Leia Mais

Vazou. Crônicas do urbanismo carioca | Carlos Fernando Andrade

A ficção, em livros ou no cinema, nos brinda com imagens ora de caos, ora de extrema beleza estética e poética. Em meio à desordem urbana das cidades brasileiras, que se agrava tanto pelo inchaço desordenado da migração rural quanto pela crise de desemprego causada por uma economia disfuncional e incapaz de absorver mão de obra despreparada, pelo descaso das elites para com a Educação de qualidade, a palavra de urbanistas nos traz uma sensação de esperança.

Além da leveza poética, os textos de Carlos Fernando Andrade, alguns dos quais foram publicados na volta do Jornal do Brasil às bancas, em 2018, têm o dom de oferecer, junto com o olhar arguto de quem escreve flanando pelas ruas da cidade, uma luz de esperança. Leia Mais

Projeto Político de um Território Negro: memória, cultura e identidade quilombola em Retiro, Santa Leopoldina – ES | Osvaldo M. Oliveira

A historiografia brasileira há algum tempo entende a formação do Brasil e a diáspora africana, entre os séculos XVI e XVII, como um mesmo processo histórico que uniu os dois lados do Atlântico Sul em um único sistema de exploração colonial. A colonização portuguesa na América, alicerçada no escravismo, integrou uma zona de produção escravista no litoral brasileiro a uma zona de reprodução de escravos situada em Angola. A especificidade desse processo de formação ainda impacta profundamente o Brasil.

A despeito da importância do negro na formação nacional, a realidade dos afrodescendentes continua marcada por resistência e luta pelo acesso à cidadania. Foram necessários cem anos após a abolição da escravidão, para que a Constituição Federal de 1988 introduzisse o direito de acesso aos bens materiais e imateriais dos remanescentes das comunidades de quilombos, entre os quais, o título definitivo da propriedade de suas terras, fruto da participação ativa das organizações do movimento negro. Leia Mais

As “novas” políticas sociais brasileiras na saúde e na assistência: uma produção local do serviço e das relações de gênero | Isabel Georges e Yumi Garcia dos Santos

O livro apresenta uma análise teórica, histórica e social sobre o lugar central ocupado pelas mulheres nas políticas públicas voltadas para o controle dos pobres em regimes liberais ou progressistas. Baseia-se em extenso material coletado pelas autoras em suas pesquisas individuais e em conjunto, realizadas na zona leste da cidade de São Paulo ao longo das primeiras décadas do século XXI. O trabalho envolve observação em organizações sociais (OS) e nos serviços por elas oferecidos em parceria com o Estado, e entrevistas com gestoras, agentes de saúde e usuárias dos programas.

A primeira parte da obra recupera o histórico de desenvolvimento, em níveis internacional, nacional e local, de uma “gestão sexuada” da pobreza que orienta a elaboração de políticas públicas para determinada parcela da sociedade. As autoras se debruçaram sobre a construção da ideia de proteção social desde o século XVIII e seu trânsito entre a caridade, a filantropia e o mercado. A figura feminina emerge como a mediadora na concretização dos objetivos do Estado, na gestão da população pobre. A partir da figura moral da mãe-mulher com cuidadora “natural”, responsável pelo bem-estar da família, as políticas de proteção social familistas do século XX mostram-se herdeiras dessa caracterização. Seja em contextos liberais, neoliberais “humanizados” ou progressistas, a família constitui-se como categoria consensual, e a mulher como responsável por sua saúde. Leia Mais

Política Exterior Brasileña: oportunidades y obstáculos para el Paraguay | D. A. Brun

O Brasil e o Paraguai possuem grandes assimetrias. Em termos demográficos, toda a população paraguaia, estimada em torno de 7 milhões de habitantes, equivale à metade da população do estado do Paraná, com o qual o país faz fronteira. Em termos econômicos, os números do comércio praticado em Cidade do Leste (produtos de reexportação, que ingressam majoritariamente na forma de descaminho no Brasil), representaram 12% do PIB do Paraguai e a 0,2% do PIB do Brasil em 2016 (OBEI, 2018).

A Usina Hidrelétrica de Itaipu foi um divisor de águas nas relações bilaterais e, para a história política recente do Paraguai, se pode falar em antes e depois da Binacional (ROLON, 2011). Para o Brasil, Itaipu é uma das empresas estatais importantes, mas que não tem poder para influenciar o resultado da política nacional, por exemplo. Neste sentido, o tema não foi pauta das campanhas presidenciais no Brasil em 2018, algo impensável no contexto paraguaio. Leia Mais

A casa e o homem | José Lins do Rego

Expoente da literatura regionalista, o escritor paraibano José Lins do Rego (1901-57) é muito lembrado por seus romances, sobretudo por aqueles que integram o chamado Ciclo da Cana-de-Açúcar, no qual há uma obra prima inquestionável que é Fogo Morto (1943). Porém parte importante de sua obra – e parte muito menos conhecida – é aquela que reúne textos escritos para a imprensa, discursos, ensaios, e que não foram publicados pela José Olympio – editora oficial do autor – e nem incluídos nas Obras Completas. É o caso de A casa e o homem, obra publicada pela editora da Organização Simões, do Rio, em 1954.

O primeiro texto da coletânea é o pequeno ensaio que lhe dá o nome e que saíra antes, em agosto de 1952, com o nome “L’homme et le paysage”, na prestigiosa revista L’Architecture d’aujourd’hui. Foi o texto publicado nesta revista – traduzido ao português por Ana Teresa Jardim Reynaud – que apareceu, em 1987 (ano do centenário de nascimento de Le Corbusier), na obra coletiva organizada por Alberto Xavier chamada Arquitetura moderna brasileira: depoimento de uma geração, que é um balanço do pensamento crítico a respeito de parte da arquitetura brasileira. Haverá algumas diferenças significativas entre a tradução e o original do autor, que parece desnecessário destacar. Leia Mais

Salvador e os descaminhos do plano diretor de desenvolvimento urbano. Construindo novas possibilidades | Hortênsia Gomes, Ordep Serra e Débora Nunes

Aprovado em 2016, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU de Salvador (1) é, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade (2), o dispositivo legal e de planejamento urbano que balizará o ordenamento e a produção do espaço urbano soteropolitano pelos próximos anos. Este plano é parte do Plano Salvador 500, plano estratégico que buscaria “materializar uma visão transformadora do futuro da cidade até o horizonte de 2049, quando a cidade completará 500 anos de sua fundação” (3). Fez parte desse processo também a revisão da Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo do Município de Salvador – Louos (4), ou seja, esse plano estratégico englobou a revisão de dois fundamentais instrumentos de política urbana para o desenvolvimento urbano da cidade.

Dada a importância do Pddu e das questões que o atravessam, é fundamental que nos debrucemos sobre ele para entendermos o que está em jogo, não apenas em sua redação final, mas também com relação às disputas travadas no processo de sua elaboração, às conquistas, aos impasses e aos potenciais prejuízos à coletividade. A isto se propõe o livro Salvador e os descaminhos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano: construindo novas possibilidades, organizado por Hortênsia Gomes Pinho, Ordep Serra e Débora Nunes e publicado pela Edufba. Os organizadores são importantes figuras no debate acerca da questão urbana na cidade. Hortênsia Pinho é Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo do Ministério Público da Bahia, Ordep Serra é cientista social e professor da pós-graduação em Antropologia da UFBA e Débora Nunes é arquiteta e urbanista, professora do curso de Urbanismo da Uneb. Leia Mais

Darwinismo, raça e gênero: projetos modernizadores da nação em conferências e cursos públicos (Rio de Janeiro, 1870-1889) | Karoline Carula

A década de 1870 assinala o momento da chegada ao Brasil das “ideias novas”, como destacou Silvio Romero. Entre estas ideias, uma, o darwinismo, logrou grande sucesso entre os pensadores que buscavam fazer do Brasil um país moderno e civilizado. O darwinismo sofreu diversas apropriações e direções discursivas, sendo isto perceptível nas discussões que ocorriam nos jornais e revistas da Corte. Como exemplo dessa ampla difusão do darwinismo, temos o encontro do cientista francês Louis Couty com um fazendeiro de nome Tibiriçá. Dizia Couty (1988, p.98): “Estava eu percorrendo os títulos dos livros que via sobre a mesa de meu anfitrião, [Charles] Darwin, [Herbert] Spencer” e admitia “sem surpresa que os via ali, e que os via trazerem as marcas de uma leitura prolongada”.

O leitor que abrisse os jornais, como a Gazeta de Notícias ou o Jornal do Commercio , entre as décadas de 1870 e 1880, encontraria várias chamadas para conferências e cursos públicos na Corte que tratavam dos mais diversos assuntos discutidos pela ciência na época, quase todos perpassados pela perspectiva do darwinismo. O homem de letras desse período tinha uma ampla programação de ciência para realizar nos espaços públicos da capital do Império. Decorriam disso discussões e sociabilidades novas, permeadas pelas várias interpretações da teoria de Charles Darwin. Esse assunto é objeto de exame do livro Darwinismo, raça e gênero , escrito por Karoline Carula e publicado pela Editora Unicamp. O livro é resultado de sua pesquisa de doutoramento em história social defendida na Universidade de São Paulo. Atualmente, Carula é professora de história na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Leia Mais

Pois temos touros: touradas no Brasil do século XIX | Victor Andrade de Melo

O livro “Pois temos touros: touradas no Brasil do século XIX”, publicado em 2017 pela editora 7 Letras, foi organizado pelo professor Doutor Victor Andrade de Melo – docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, atuando nos Programas de Pós-Graduação em Educação e História Comparada; coordenador do Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer; e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Reconhecido por suas pesquisas sobre as práticas físicas de cunho historiográfico, Victor Andrade de Melo junto de mais cinco pesquisadores publicaram a referida obra, dedicando-se exclusivamente às dinâmicas tauromáquicas. Constituído por oito capítulos, o livro analisado tem a intenção de auxiliar os leitores a entender as atividades realizadas com touros em algumas cidades brasileiras, na Península Ibérica e em Moçambique, focando em revelar apontamentos sobre as origens históricas e antropológicas das dinâmicas tauromáquicas em cada contexto investigado. Leia Mais

História e mundos do trabalho no Brasil: desenvolvimento, paradoxos e desafios | Ars Historica | 2019

“O século XX foi a era da classe trabalhadora”, lembrou recentemente o sociólogo sueco e professor da Universidade de Cambridge, Goran Therborn. Para ele, foi nesse período que, em escala global, “pela primeira vez, as pessoas que trabalham e que não têm propriedade tornaram-se uma força política fundamental”.1 Também foi assim no Brasil. Se os legados seculares da escravidão e os impactos das imensas assimetrias econômicas e exclusão política marcaram a “questão social”, também é possível dizer que os embates contra essas desigualdades foram decisivos para a construção de uma linguagem de classe e de valorização do mundo do trabalho que colocaria os setores populares no centro da arena política ao longo daquele século.

É verdade que os sindicatos e as movimentações coletivas dos trabalhadores e das trabalhadoras têm sido, desde há muito, objeto de escrutínio e análise acadêmica. Embalada pelas ideias de modernização — entendida como urbanização e industrialização —, a pioneira sociologia paulista dos anos 1950 e 1960, por exemplo, teve no sindicalismo e na formação social da classe operária alguns dos seus principais objetos de estudo.2 O impacto do golpe de 1964, articulado segundo muitos de seus perpetradores, contra uma suposta “República Sindicalista” que dominaria o país, estimulou uma série de avaliações de estudiosos, em particular cientistas políticos, interessados nos potenciais limites e deficiências dos chamados sindicatos “populistas” instaurados na “Era Vargas”.3 Por sua vez, a eclosão de uma onda grevista e do chamado “novo sindicalismo” que marcaria a redemocratização do país no final dos anos 1970 geraria uma enorme onda de interesse e estudos sobre os trabalhadores e movimentos sociais, onda essa bastante influente nas ciências sociais brasileiras ao longo dos anos 1980.4 Leia Mais

A visão em deslocamento: uma história de palavras, figuras e paisagens do São Francisco (1930/1970) | Elson Assis Rabelo (R)

O livro de Elson de Assis Rabelo, Visões em deslocamento, é um estudo sobre a produção de imagens, narrativas e espaços do rio São Francisco em contextos autoritários do Brasil do século XX. Produto de uma tese de doutoramento na Universidade Federal de Pernambuco, o livro analisa um conjunto de vestígios, reportagens, fotografias, periódicos, livros, revistas científicas, relatos de viagens, documentos oficiais, dialogando com teorias pós-estruturalistas, abordagens que investigam a história do campo científico da geografia, historicizam a tipificação das populações, a produção dos espaços, a construção de temporalidades arcaicas para esses tipos construídos e problematiza os interesses e conflitos envolvidos nessa realidade produzida. O objetivo dessa resenha é apresentar a obra e pensar, à partir de temas introduzidos pelo autor, sobre novas possibilidades de reflexão em torno do lugar-comum do rio da integração.

O livro se divide em duas partes, com dois capítulos cada, a primeira trata das paisagens e a segunda dos agentes sociais do espaço. No primeiro capítulo sobre a emergência de um novo espaço na geopolítica da integração, Rabelo reconstituiu a invenção do espaço regional são-franciscano desde a topografia dos engenheiros topógrafos nos anos 1930 até os geógrafos de influência estadunidense do final dos anos 1940, passando por importantes autores sobre o assunto como Geraldo Rocha, Jorge Zarur, Agenor Miranda, Orlando Carvalho, entre outros. O segundo capítulo investiga, partindo da análise de uma longa reportagem da revista Realidade, já nos anos 1960, as imagens de progresso e decadência da navegação, bem como a disputa de memórias da mesma, no contexto de desenvolvimento autoritário nacional. No terceiro capítulo, o autor investiga os processos de tipificação das populações do vale pela geografia e pela sociologia das comunidades, passando pela análise de fotografias. Essa área de imagem e história, na qual o autor se especializa desde então, domina o quarto e último capítulo, onde há uma análise de fotografias que contribuem para deslocar esses tipos e humanizá-los, desclassificá-los de uma taxonomia fixadora de caracteres folclorizantes.

Rabelo consegue muito bem analisar a produção espacial do Vale do São Francisco pelos saberes técnicos e pela imprensa. Sua análise das fotografias é perspicaz. Não é preocupação do autor, entretanto, lidar com a heterogeneidade dos discursos. Nesse sentido, o livro é muito útil para novos pesquisadores, pois estabelece um panorama de grandes linhas gerais da escrita sobre o São Francisco. Novas pesquisas permitirão preencher as lacunas deixadas pelo autor, tanto cronológicas, como o interregno entre o Estado Novo e a ditadura militar-empresarial iniciada em 1964, quanto bibliográficas, já que outros escritores se detiveram sobre a questão são-franciscana nesse período, não analisados pelo autor. Na ficção, especialmente, surgiram narrativas que, quando não contestavam diretamente as espacializações e tipificações descritas por Rabelo, desestabilizavam seus pressupostos. Os poucos trabalhos acadêmicos nessa linha são caracterizados ainda por um saudosismo romântico, que costuma reificar narrativas, tipificações e construir novas espacializações e memórias, sem problematizar a sua produção ou a artificialidade das mesmas. Rabelo consegue problematizar as tipificações e espacializações sem construir novas em seu lugar. Ele não disputa a definição do São Francisco e do sertanejo, não o romantiza ou o idealiza. Em algumas passagens, chega-se a duvidar que ele seja mesmo o objeto do trabalho do autor. A análise se concentra no discurso de tal modo que não há dúvida de que o autor trata dos vestígios, do arquivo e não da realidade dada a ver por eles.

A única lacuna que poderia ser destacada na análise é uma questão cara à história intelectual. Quanto Rabelo trata da espacialização do São Francisco pelos engenheiros e topógrafos dos anos 1930 e 1940, temos a impressão de que não há apropriação, reconfiguração e subversão interpretativa dos mesmos em relação às teses de João Ribeiro, Euclides da Cunha e Vicente Licínio Cardoso, mas uma continuidade e aplicação regional. A ideia de rio da unidade nacional e caminho da civilização, de João Ribeiro em seu livro História do Brasil no final do século XIX, retomada por Euclides da Cunha em Os Sertões no início do século XX, foi aprofundada e reformulada por Vicente Licínio Cardoso em conferências dos anos 1920, publicadas nos anos 1930 em edição póstuma, que serviram de referência básica para todos os escritores que lidaram com a questão são-franciscana até pelo menos os anos 1950, quando há um salto qualitativo em termos especializados e institucionalizados da produção do saber sobre o rio – muito bem documentado por Rabelo ao tratar do desenvolvimento de pesquisas de geografia regional científica e profissional sobre o Vale. Ocorre que aquilo que é apenas mencionado por João Ribeiro e citado em Cunha é aprofundado em Cardoso, transformado à luz de uma visão sobre o país e o papel da terra como sujeito, bastantes distintas daqueles dois autores. Por sua vez, Geraldo Rocha, Agenor Miranda e outros que se baseiam em Cardoso o fazem com uma reconfiguração ou mesmo o usam como recurso de autoridade para desenvolverem explicações outras, distintas das do engenheiro carioca. Rabelo destaca bastante a homogeneidade dos discursos sobre o rio São Francisco, sem se concentrar na heterogeneidade e nos conflitos e descontinuidades.

A força do livro está na análise da tipificação das populações e da espacialização das paisagens, mas também aponta a produção das temporalidades nesses texto. Trata-se da parte menos desenvolvida no campo de estudos sobre o assunto. Rabelo faz apenas alguns comentários breves sobre o tempo lento das populações rurais do Vale, característica das narrativas tanto dos topográfos, quanto da sociologia de comunidade de Pierson. Chega a tratar mesmo da falta dela, a tese de Licínio Cardoso do rio São Francisco ser um “rio sem história” escrita. Suas considerações limitam-se a apontar as narrativas como anacrônicas, naturalizadoras da história ou deterministas geográficas, sem entrar nos meandros das narrativas construídas e da intertextualidade dos autores com matrizes ou com outros textos dos próprios investigados. Além disso, há pouca ou nenhuma diversidade das temporalidades construídas pelos escritores investigados, dos aspectos híbridos entre técnica e memória na construção de narrativas e dos textos como produções identitárias. Alguns dos documentos analisados por Rabelo são verdadeiros discursos fundadores de regionalismos onde a abordagem técnica e produtora de espaços e tipos se mistura a relatos biográficos, narrativas épicas, memórias familiares e exaltação de personagens. A abordagem dada por alguns trabalhos acadêmicos que, como foi dito acima, reificam noções romantizadoras do rio e se não são capazes de artificializar essa produção discursiva, ao contrário, reforçam uma tradição que contribuem para produzir, é a continuação dessa produção de mitos. Rabelo trata bem dessa produção mítica em espaço e tipos, mas pouco trata do enredo. Isso se deve, possivelmente, pela sua busca por padrões discursivos, que podem ser construídos com espacializações e personagens comuns, mas é mais difícil de ser encontrada em um conjunto muito mais amplo de narrativas. É possível, aliás, que o único caminho viável seja uma taxonomia das temporalidades produzidas pelos mitos engendrados pelos escritores do São Francisco, especialmente em virtude de suas motivações ideológicas e dos projetos sociais aos quais se vinculam.

Sem dúvida, A visão em deslocamento é uma importante contribuição para um campo de estudos interdisciplinar muito vasto que tem o rio São Francisco como tema, cenário ou objeto. Ao contrário de outros trabalhos que buscam validar, quando na verdade instituem, uma tradição narrativa são-franciscana, o livro de Rabelo permite perceber a produção discursiva sobre esse tema, historiciza essa escrita e bagunça a tradição. Ironicamente, é possível que o livro venha a compô-la, ao refazê-la, abrindo novas possibilidades de estudos e desenvolvendo, verticalmente, discussões tratadas de forma panorâmica com fôlego. Bons estudos correlatos tem sido publicados, mas geralmente monográficos e bastante especializados. A vantagem do livro de Rabelo é que realiza uma síntese do campo, uma espécie de balanço da produção escrita, ainda que seja o livro tenha recorte de vestígios e cronologia muito bem definidos.

Numa época em que se matam rios que foram reificados discursivamente como espaços de progresso latente, uma obra que conta uma história desse “rio sem história” é muito bem-vinda.

Flávio Dantas Martins – Mestre em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Atualmente é doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás. Professor do Centro das Humanidades da Universidade Federal do Oeste da Bahia. E-mail: flaviusdantas@gmail.com  ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5275-5761


RABELO, Elson Assis. A visão em deslocamento: uma história de palavras, figuras e paisagens do São Francisco (1930/1970). Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2016. Resenha de: MARTINS, Flávio Dantas. A invenção do Rio São Francisco: configurações do espaço e dos tipos em contextos autoritários. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.37, n.2, p.462-465, jul./dez. 2019. Acessar publicação original [DR]

Volta ao mundo em 13 escolas: sinais do futuro no presente | André Gravatá

Volta ao mundo em 13 escolas é um projeto do coletivo Educ-Ação sonho de Eduardo Shimahara (Shima), juntamente com André Gravatá, Camila Piza e Carla Mayumi, em compreender a educação contemporânea ao redor do mundo. Ao todo, foram visitadas 13 escolas distribuídas por nove países sendo eles por sua vez em Cinco continentes diferentes.

A ideia surge com Shima, que se pergunta se é possível existir um método de ensino além do conhecido tradicional. Essa ideia é incorporada por seus amigos que se juntam nessa empreitada de visitar várias escolas espalhadas pelo mundo a fim de compreender o método educacional vigente. Para isso o critério utilizado para seleção das escolas foi a diversidade. Passam cinco dias em cada escola para entender seu funcionamento e ações sejam de professores, estudantes ou até mesmo dos pais. Leia Mais

História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual | Faces da História | 2019

Este número de Faces da História traz o dossiê História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual que se propõe refletir sobre assuntos que estejam amparados nessas representações memoriais resultantes da produção direta, a partir do diálogo entre entrevistador e entrevistado e de fontes que contemplam outros suportes. Em decorrência da natureza dessas fontes, as pesquisas baseadas em tais registros são inseridas no campo da história do tempo presente e estruturam-se em dimensões transnacionais (TREBITSCH, 1994; MORAES, 2002; ALBERTI, 2005), tornando-se sustentáculos do debate especializado do ponto de vista teórico e historiográfico e de definição dos protocolos de pesquisa e reflexões desse campo (JOUTARD, 2000).

Certamente, qualquer fonte traz suas peculiaridades e dificuldades que sinalizam desafios ao processo de execução para se chegar ao conhecimento sobre o passado, mesmo que esteja subordinado às visões de mundo do pesquisador do presente. As narrativas orais, entretanto, foram e são percebidas prenhe de significados e paixões decorrentes dos envolvimentos dos protagonistas nas querelas, compromissos e inserções dos embates conjunturais que modulam suas vivências. Nesse sentido, foram e continuam sendo recorrentemente arguidas por evidenciarem subjetividades que inicialmente estiveram definidas como empecilho para chegar ao conhecimento sobre os fenômenos submetidos, unicamente, aos relatos desses narradores. Segundo os seus arguidores, por serem fontes inscritas em passado recente, não permitem aos atores envolvidos (entrevistador/entrevistado) certo distanciamento para lidar com esses registros de testemunhas oculares que trazem as marcas de suas implicações nas querelas de seu tempo. Leia Mais

A forma indelével. Um estudo sobre a persistência morfológica em Maruípe | Flávia Botechia

Num plano rosa claro (muito afetivo) corre um veio rubro. Este veio tem um nome: A forma indelével. Eu diria a Rua Indelével. O projeto gráfico deste livro de Flávia Botechia antecipa o quão afetuoso é o seu trabalho, o seu olhar para este veio rubro – a Avenida Maruípe, imerso na paisagem rosa, que, por licença poética, eu digo que é a cidade de Vitória.

Assim o vi, assim o li, pois, desde a capa, este livro antecipa a conclusão da atilada pesquisa da autora capixaba que já dedicou outros estudos à cidade de Vitória, Espírito Santo. Desta vez, Flávia nos apresenta as conclusões de sua tese de doutorado na forma de livro, o que também poderia ter acontecido com seu trabalho de graduação e sua dissertação de mestrado – queremos mais! Leia Mais

Travestis: carne, tinta e papel | Elias Ferreira Veras

Em sua segunda edição, o livro “Travestis: carne, tinta e papel” de Elias Ferreira Veras, nos aproxima do “universo trans” sob a ótica do pesquisador/ator/sujeito. Essa aproximação é feita por meio das narrativas das travestis entrevistadas, das revistas Manchete e Playboy e de periódicos cearenses. O objetivo de Veras é problematizar as condições de emergência do sujeito travesti na capital do Ceará, Fortaleza. De forma admirável, o autor cita a passagem do tempo das perucas para o tempo dos hormônios-farmacopornográficos (evocando Paul B. Preciado), o que demanda um processo de subjetivação, quando ser travesti passa a significar ser um novo sujeito, e não apenas uma prática clandestina e privada.

Para chegar a esse resultado, há uma travessia: o autor inicia sua jornada no curso de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), torna-se mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É a tese de doutoramento de Elias que faz esse retorno às origens, temporal e geograficamente, saindo do Sul para voltar ao Nordeste e incidindo sobre a temática para então culminar no livro. Leia Mais

Do hábito à resistência: freiras em tempos de ditadura militar no Brasil | Caroline Jaques Cubas

Caroline Jaques Cubas é Doutora em História, pela Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, com estágio sanduíche na Université de Rennes II, e Mestre em História, também pela UFSC. É Especialista em História Social do Ensino Fundamental e Médio, pela Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC, e graduada em História, pela Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI.

A autora é Docente Adjunta no Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC, onde também leciona no Programa de Pós-graduação em História e no Mestrado Profissional em Ensino de História. É pesquisadora nos grupos: “Memória e Identidade” e “ Ensino, Memória e Cultura”, nesta mesma instituição. Leia Mais

O poder na aldeia. Redes sociais, honra familiar e práticas de justiça entre os camponeses italianos (Brasil-Itália) | Maíra Ines Vendrame

René Gertz, um dos maiores estudiosos da imigração e da colonização alemã no Rio Grande do Sul, recentemente elaborou uma catalogação e, com isso, tornou disponível on line a bibliografia científica editada no Brasil sobre seu principal objeto de pesquisa. Foram catalogados sobre o tema da imigração e colonização alemã em torno de 3750 publicações. iii

É muito provável que, se alguém se esforçasse para compilar uma bibliografia sobre a imigração e colonização italiana no estado do Brasil Meridional, o resultado seria análogo, ou o elenco de produções, quem sabe, ainda mais extenso. Frente a uma produção que poderíamos, sem dúvida, definir como “inacabada”, como fez alguns anos atrás Matteo Sanfilippo, referindo-se àquela relativa à emigração italiana tout court num único biênio iv, é justificável portanto perguntarmo-nos o que mais possa existir de um livro, como esse de Maíra Ines Vendrame, aprofundando un caso singular de estudo – o da Colônia Silveira Martins – num campo já amplamente discutido da historiografia, ou o que se pode dizer ainda da história da imigração italiana no Rio Grande do Sul? Leia Mais

Imprensa estrangeira publicada no Brasil: primeiras incursões | Tania Regina de Luca e Valéria Guimarães

A internet proporciona a interessante experiência de romper as barreiras espaciais e estar, mesmo que de maneira virtual, em mais de um lugar ao mesmo tempo. Portanto, permite o rápido acesso a notícias de países estrangeiros tanto no seu idioma original quanto na quase imediata tradução compartilhada por outros sites. Essa é uma conjuntura diferente daquela experimentada pelas comunidades imigrantes dos séculos XIX e XX, que, antes da agilidade e do alto alcance dos meios digitais, tinham na imprensa periódica uma importante ferramenta de comunicação e integração com seu país de origem, sem estar indiferentes às vivências numa nova comunidade. Assim, jornais e revistas publicados em língua estrangeira no país imigrante atuavam como um “entre-lugar” de povos em movimento entre experiências e culturas (LUCA; GUIMARÃES, 2017, p. 9).

Tendo como foco as particularidades dessa imprensa que se comunica em outro idioma, exceto o português, o livro Imprensa Estrangeira Publicada no Brasil, sob organização das historiadoras Tania Regina de Luca e Valéria Guimarães, contribui para a composição de um quadro da história da imigração no Brasil por meio da análise de impressos em língua estrangeira que circularam no país e, ao mesmo tempo, proporciona um avanço nos estudos sobre o espaço da cultura midiática em perspectiva transnacional – debates proporcionados pela abordagem da história cultural que pensa conceitos de transferências culturais, agentes e mediadores. Leia Mais

Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo | Anita Leocadia Prestes

Publicado em abril de 2017, quando completam 75 anos da morte de Olga Benário, o livro Olga Benário Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo não é o primeiro trabalho em que a historiadora Anita Leocadia Prestes se dedica ao reconhecimento da história de luta que é herdeira, possuindo sólida bibliografia publicada sobre o trabalho e a vida política de Luiz Carlos Prestes, com quem dividiu por décadas, para além dos laços de sangue, a trajetória de luta pela causa comunista.

Nesse novo trabalho a autora se dedica à história de sua mãe, Olga Benário, militante comunista assassinada pelo governo nazista, após sofrer anos de prisão e trabalho forçado em campos de concentração. Anita Prestes nos apresenta a história de luta e resistência da jovem Olga, acessível por meio da documentação organizada em oito dossiês da Gestapo, que somam cerca de duas mil páginas sobre a prisioneira Olga Benario (Processo Benario). O dossiê em questão abarca o período de cerca de seis anos em que Olga esteve sob custódia da Polícia Secreta Alemã. A obra de Anita Prestes é resultado da pesquisa a essa documentação, digitalizada e disponibilizada para consulta pública desde 2015 por meio do Projeto Russo-Alemão para digitalização de documentos alemães nos arquivos da Federação Russa. Leia Mais

Excepcionalidade do modernismo brasileiro | Fernando Luiz Lara

Eisenman em seu livro Ten canonical buildings 1950-2000, de 2008, subverteu o significado do termo canônico com o objetivo de explicar um conjunto de edifícios exemplares. Para o arquiteto e crítico estadunidense os dez edifícios canônicos analisados são aqueles que antecederam, pelo caráter experimental e antecipatório, outros que se transformaram em cânones.

A estratégia de Fernando Lara se aproxima da utilizada por Eisenman ao inverter o significado comumente atribuído ao termo excepcional quando usado como adjetivo da arquitetura moderna produzida no Brasil. Para Lara o excepcional não é a graça das formas concebidas por Oscar Niemeyer, a sofisticação dos elementos de proteção climática desenhados pelos irmãos Roberto ou o domínio e controle da estrutura portante projetada por Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha. Tampouco o termo é explicado pela natureza inusitada da obra de arquitetos como Sergio Bernardes e Lina Bo Bardi. Para Lara a excepcionalidade da arquitetura no Brasil é sua disseminação: rápida, certeira, eficaz e eficiente. Talvez, como em nenhum outro lugar do planeta, certa corrente da arquitetura moderna tenha se tornado corriqueira, comum, cotidiana, portanto um feito excepcional. A excepcionalidade, neste caso, tem relação com velocidade e territorialidade; com a formação de uma cultura arquitetônica como aponta Carlos Martins (1). Leia Mais

Tempos conservadores. Estudos críticos sobre as direitas. Volume 2: Direitas no Cone Sul. | Rodrigo Jurecê Mattos Gonçalves

El libro es la segunda entrega del equipo de trabajo también denominado Tiempos conservadores, conformado principalmente por investigadores brasileños.1 Los integrantes comparten una militancia marxista lo que los llevó a emprender un trabajo conjunto a partir de los años 2015 y 2016 para analizar críticamente el ascenso de las derechas brasileñas y latinoamericanas. Los compiladores identifican un auge de lo que denominan “ola conservadora”, con acontecimientos como la destitución de Dilma Rousseff, el encarcelamiento de “Lula” Da Silva y el aumento de la popularidad y aceptación entre los electores de Jair Bolsonaro, quien finalmente llegaría a la presidencia en el año 2018.

Enmarcado en el crecimiento del campo historiográfico sobre las derechas en América Latina, el segundo volumen de Tempos conservadores nace en buena medida de la preocupación por emprender un estudio crítico de las derechas, sus instituciones, proyectos, intelectuales y conexiones que permitieron su ascenso y, según declaran los compiladores, del peligro que representan como destructoras de los derechos de los trabajadores. En este tomo, se sumó la participación de investigadores de Argentina y Uruguay, cuyos aportes resultan fundamentales para mirar el fenómeno a escala regional. Si bien, el libro propone recorrer el siglo XX y la primera década del XXI para identificar a sujetos o grupos vinculados a las derechas, las investigaciones presentadas se concentran en la segunda mitad del siglo pasado. El libro se compone de ocho artículos, los cuales propongo leer a partir de tres ejes temáticos que pueden brindar al lector una guía sobre qué o quiénes son las derechas para los editores. Leia Mais

Dimensão turística no Brasil e Região Sul Oportunidades e desafios para a gestão patrimonial/Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional | 2019

Trazer à luz o tema do turismo na perspectiva do patrimônio foi um interessante desafio. O objetivo central desta edição é abordar essa relação, favorecendo uma leitura instigante tanto para aqueles que se debruçam sobre a gestão patrimonial quanto para profissionais do turismo.

No Brasil, diante das incipientes iniciativas de promoção do turismo cultural a partir do nosso acervo patrimonial, ainda se vê a necessidade de estabelecer uma aliança efetiva entre os campos da preservação e da atividade turística, de entendimentos distintos. Busca-se, assim, construir parâmetros comuns que orientem o setor, potencializando dinâmicas que articulem aspectos econômicos, sociais, territoriais e culturais, de modo a resultar em uma experiência agradável, prazerosa e enriquecedora para o visitante, sem provocar danos no bem preservado. Leia Mais

O reino do encruzo: história e memória das práticas de pajelança no Maranhão (1946-1988) | Raimundo Inácio Souza Araújo

O livro de autoria de Raimundo Inácio Souza Araújo, professor do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Maranhão, apresenta-nos, de uma maneira sensível e respeitosa, as práticas culturais associadas à pajelança no Maranhão, dando visibilidade às transformações ocorridas com a intensificação do êxodo rural e com a pluralização do campo religioso, principalmente com a chegada da prelazia católica e dos evangélicos de viés neopentecostal no município de Pinheiro e em outros municípios maranhenses, avessos aos entrecruzamentos e trânsitos culturais que marcavam as religiosidades locais. Com uma narrativa rica de significados, o livro é um convite à reflexão sobre (in)tolerância religiosa no contexto contemporâneo e ao ato de narrar o outro a partir da negatividade, a exemplo do catolicismo e do (neo)pentecostalismo, interpretações cristãs que viam nas práticas de pajelança crenças e costumes que deveriam ser abandonados.

A pajelança emerge nas 288 páginas do livro como uma manifestação cultural que integra o complexo religioso afro-maranhense, marcado por um regime de entrecruzamentos que dialoga com o tambor de mina, o catolicismo popular, o espiritismo e as práticas curativas. O pajé insurge textualmente como uma autoridade no plano dos cuidados terapêuticos, incluindo a realização de partos no meio rural, num período histórico marcado pela ausência de médicos na cidade e no campo, territórios pontilhados pela presença de curandeiros e seus unguentos, permeando as sensibilidades e sociabilidades do tecido rural-urbano e sua interface com os ritos lúdico-religiosos. A gramática musical está por toda parte, desde os sons dos tambores, as ladainhas, as cantigas e as doutrinas que convocam os encantados, incorporando-se inicialmente no pajé e, depois, nos demais filhos do terreiro. O estado de transe, a voz alterada e a performance desenham o corpo dos incorporados e contribuem para a construção da teatralidade da festa. Leia Mais

Efemérides Cariocas | Neusa Fernandes e Olínio Gomes Coelho

Os Editores

A resenha do livro Efemérides Cariocas, de autoria de Neusa Fernandes e Olínio Gomes P. Coelho (Rio de Janeiro: Edição dos Autores, 2016), publicada por Adelto Gonçalves em seu blogue, a 7 de fevereiro de 2019, sob o título “Para se conhecer a história do Rio de Janeiro”, é reproduzida a seguir com autorização do autor dada a Neusa Fernandes, por e-mail, em 7 de março de 2019.

Efemérides Cariocas, dos historiadores Neusa Fernandes e Olinio Gomes P. Coelho, reúne principais fatos que ocorreram ao longo dos 451 anos da Cidade Maravilhosa e que merecem ser conhecidos. Leia Mais

História do Rio de Janeiro em 45 objetos | Paul Knauss, Isabel Lenzi e Mariz Malta

Com o advento do universo digital, a história dos objetos materiais, também metaforicamente designada como história tangível, é uma das muitas áreas, entre tantas, cada vez mais desprezadas das Humanidades. Como fonte de conhecimento, a história tangível apresenta vantagens e desvantagens. A principal virtude dos artefatos do passado é a relativa ausência de preconceito intencional e o seu maior grau de autenticidade. Por outro lado, o passado que se descortina nos objetos e fragmentos é de âmbito restrito e não têm vida própria, eles precisam dos relatos, das reminiscências e principalmente, das narrativas dos historiadores. Relíquias e artefatos materiais do passado também sofrem maior desgaste do que fontes impressas. Impressos podem disseminar- -se de modo irrestrito, mas artefatos físicos sofrem desgaste constante, logo se tornam irreconhecíveis nos tempos presentes e, não raro – reforçando aquela nossa crescente vocação pelo descarte – acabam no limbo dos refugos da história. Leia Mais

O Rio de Janeiro entre conquistadores e comerciantes: Manoel Nascentes Pinto (1672-1731) e a fundação da freguesia de Santa Rita | João Carlos Nara Júnior

O novo livro escrito pelo historiador, arqueólogo, arquiteto e urbanista João Carlos Nara Júnior é o resultado de uma brilhante e inédita investigação, que traz à luz uma história do Rio de Janeiro setecentista ainda esquecida: a da fundação da freguesia de Santa Rita. Sobre essa lacuna na historiografia do Rio de Janeiro colonial, o também historiador Carlos Eugênio Líbano Soares adverte, em texto de sua autoria publicado na quarta capa da obra, que “a academia preguiçosamente reluta em iluminar”. Entretanto, ao contrário do recorrente esquecimento acadêmico, o pesquisador e especialista nos estudos sobre a igreja de Santa Rita, João Carlos Nara Jr., com a competência que lhe é característica, reluta para que a história dessa freguesia não siga silenciada nas gavetas dos arquivos. O mérito do autor é incontestável. Essa publicação, portanto, representa um avanço para que essa grave falha historiográfica seja, finalmente, compensada.

Em vista disso, o autor dotado da perspicácia do bom historiador, da sensibilidade do arquiteto, da habilidade do urbanista e da intuição do arqueólogo, reabilita uma história fascinante, que percorre desde os primórdios históricos da criação do antigo bairro da Vila Verde, ainda nas primeiras décadas do século XVII, até alcançar a fundação da freguesia de Santa Rita em meados do século XVIII. A fim de realizar essa investigação de fôlego, João Carlos Nara Jr. constrói sua pesquisa a partir de um surpreendente conjunto de fontes, que permite recuperar os traços biográficos da família Nascentes Pinto e do seu fundador, o patriarca, fidalgo português e oficial alfandegário Manoel Nascentes Pinto (1672-1731). Dessa forma, respaldado por expressivo corpus documental, alude sobre outros aspectos que foram igualmente relevantes no contexto histórico daquele século. Leia Mais

O Reino/ a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788- 1797 | Adelto Gonçalves

I

O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797, recente livro de Adelto Gonçalves – editado em 2019, pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo –, já nasceu como importante marco da historiografia colonial brasileira e, especialmente, da paulista.

Adelto, como bom paulista e bandeirante intelectual, fincou seu marco de puro cristalino no território histórico colonial de São Paulo. O autor exibe sua peculiar habilidade de escrever com clareza um texto profundamente rico de conteúdo, baseado em vasta pesquisa documental e de leitura de textos consagrados de outros autores que trataram do tema desse livro. Leia Mais

Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial | Flávia de Sá Pedreira

Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial, obra organizada pela historiadora Flávia de Sá Pedreira, é escrita por diversos pesquisadores-autores que se organizaram em torno de um eixo de debate, voltado para pensar o Nordeste do Brasil e suas variadas relações com diferentes eventos e acontecimentos oriundos da Segunda Guerra Mundial. A organizadora, na Apresentação da obra, como quem convida para tomar um café na sala de estar ou no escritório, explica um pouco da trajetória da construção do livro, quando decidiu convidar outros historiadores para o debate/reflexão sobre o tema. Em suas palavras, “Um período tão rico da nossa história, que muitas vezes é negligenciado por se pensar que a guerra foi bem longe daqui…Ledo engano, pois se o front ocorreu do outro lado do Oceano, aqui também se fez presente, atingindo as mentes e os corações tupiniquins, especialmente os que habitam esta região do país” (p. 09). Movida por esse desejo de ampliar, unir e socializar pesquisas, foi que a presente coletânea teve sua origem.

O livro Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial, além da sincera e pertinente Apresentação assinada pela organizadora, é composto por quatorze capítulos, todos debatendo sobre o conflito mundial e suas vinculações com alguma cidade ou capital do Nordeste. São dois capítulos ambientados em Sergipe, dois em Pernambuco, dois na Bahia, três no Rio Grande do Norte, um no Piauí, um na Paraíba, um no Ceará, um no Maranhão, um em Alagoas. A disposição dos capítulos não segue uma “lógica” específica, nem de recorte temporal e nem de agrupamento dos estados, tendo o tema da Segunda Guerra como único elemento aglutinador. Isso, ao contrário do que se possa pensar inicialmente, atribui mais leveza e fluidez à leitura, pois promove dinâmica na exposição dos objetos selecionados. Ao final, somos apresentados aos autores dos capítulos, com um breve resumo biográfico, com suas titulações e filiações acadêmicas.

Mais que uma coletânea de artigos produzidos eximiamente por estudiosos e especialistas na temática. É um referencial para e na historiografia, sobretudo no que tange ao capricho teórico-metodológico. Não se trata de um esforço de “encaixar” o Nordeste brasileiro em um episódio ou em acontecimentos, ou ainda, de “fazer” o Nordeste parte daquele momento beligerante da História mundial. Os estudos que integram a coletânea transitam, conscientemente, entre os limites e possibilidades das questões plurais de fronteira. São autores estão compromissados em “fazer” História, que, por sua vez, está imersa em temporalidades e espacialidades que ora se cruzam, ora se distanciam. Essa alternância se justifica, em grande medida, em decorrência das escolhas e recortes que os pesquisadores fazem. Isso é inerente ao campo científico da História. A percepção desse contraditório limite/expansão do termo “fronteira” é, também, uma tentativa de desnaturalizar o regional, o nacional ou o global como conceitos essenciais, prontos e imutáveis.

O esmero da obra, de fato, já se apresenta no excelente projeto gráfico da capa, que não faz o papel unicamente de adornar o livro. A capa em si já é o compromisso com o despertar e o refletir sobre o que, de forma direta e concisa, aponta o próprio título da obra. Imagens de espaços, sujeitos, momentos e ações diferentes, agrupadas como recortes que compõem uma colagem, isso tudo leva o leitor a pensar no caráter lacunar da história e na posição indelével do historiador, sobretudo no levantamento, na interpretação e na síntese que faz com e sobre as fontes. Fontes escritas, orais e audiovisuais, somadas a mapas, dados numéricos e gráficos, são exemplos da diversificação de olhares sobre os quais os autores se debruçaram para imprimirem suas análises, na presente obra coletiva. As fontes são lidas, problematizadas e interpretadas cuidadosamente à luz da teoria e da historiografia sobre a História da Guerra, a História nacional e das particularidades locais e regionais. Por essa razão, é que, de certa forma, os capítulos travam diálogos com múltiplas especialidades da História, como a história econômica, a história política, a história urbana, a história do cotidiano, a história cultural. No tocante à História Oral, Luiz Gustavo Costa sintetiza bem o seu uso nesta coletânea, ao afirmar que “não se buscou construir ou reconstruir conceitos historiográficos, mas abordagens que permitissem contornar caminhos alternativos embasados em critérios na busca constante em pesquisar determinadas entrelinhas” (p. 272). Cada capítulo aborda entrelinhas que, até então, ainda eram carentes de pesquisa e de conhecimento de um público mais amplo.

São artigos que transitam por variadas possibilidades de interconexões do fazer historiográfico. Por se tratar de um conjunto de pesquisas sobre uma das mais impactantes desventuras do mundo moderno, a Segunda Guerra Mundial, os textos podem ser lidos e interpretados a partir de alguns vieses de entendimento, como a História Política, no esteio daquilo que René Remónd (1997), e seus colaboradores, propunham pensar o mundo da vida política em seus muitos horizontes. Nesse sentido, os artigos que compõem o Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial apontam para como, em diferentes configurações culturais, econômicas, sociais e culturais, as políticas de atuação naquele episódio beligerante eram encaminhadas. Quando se fala de atuação, aqui, fala-se em convocação, participação, resistência, apoio, negação, medo, expectativa, imaginário, representações e demais alcances da Guerra no cenário nordestino.

O espaço e as suas subjetividades, corroborando a ideia de que os limites e fronteiras devem ser percebidos e problematizados em diferentes configurações, são, também, uma perspectiva potencial com a qual o leitor vai se deparar. As inúmeras bifurcações, ou melhor, os múltiplos veios entre o global, o nacional e o regional ganham ainda mais complexidade e viabilidade quando, em meio a tantos artigos, é possível se deparar com estudos que abordam o tema tomando um bairro como recorte espacial e se constitui como objeto.

Os gatilhos para a construção de um objeto de estudo são praticamente ilimitados. O leitor vai se surpreender como os autores aqui reunidos buscaram, em diferentes fontes e matrizes teóricas, a maneira particular de analisar e de apresentar seus olhares sobre a Guerra. O cotidiano, em variadas expressões foi tomado por alguns dos autores, como o fio que os levassem à problematização e construção de suas narrativas.

O desconhecido, o conflito, o medo, a força, a violência, o sonho, a esperança são alguns dos sentimentos que, em boa medida, podem ser percebidos nos textos agrupados. Ataques por mar e terra, espionagem, censura, representações, imprensa, discursos, morte, pobreza e precarização das condições de vida são tópicos e temas analisados ao longo da coletânea, como pode ser notado nos capítulos de autoria de Luana Carvalho, de Juliana Campos Leite, de Armando Siqueira. Episódios sangrentos e violentos, como aqueles do “Pearl Harbor brasileiro”, em Sergipe, discutido por Dilton Cândido Maynard, são revisitados para compreender os alcances simbólicos, imaginários, diplomáticos e políticos e políticos daquele conflito bélico de escala mundial. O mesmo terror é analisado no capítulo assinado em coautoria por Luiz Pinto Cruz e Lina de Aras, ao abordar os ataques empreendidos dos submarinos alemães no litoral sergipano. As relações diretas e indiretas entre os norte-americanos e alguns políticos e lideranças brasileiros são discutidas em diferentes abordagens, como é abordado pelos capítulos de autoria de Anna Cordeiro e de Raquel Silva. Os impactos sociais e urbanos também são analisados nos textos de Osias Santos Filho e de Sérgio Lima Conceição.

Nesse entremeio de textos e análises, é possível historicizar a Segunda Guerra Mundial a partir das críticas e sátiras que blocos de carnaval faziam, após a Guerra, sobre como a sociedade se comportava e representava aquele momento. O carnaval pós-guerra é tomado, então, como um sinalizador para as ranhuras, relações e sociabilidades que o contato, direto ou indireto com a Guerra, causou. Esse é o caso de Fortaleza, com o bloco dos CocaColas. Tal bloco, como discute o historiador Antônio Luiz Macêdo e Silva Filho. Diversão, irreverência e crítica, como têm sido as maiores marcas do carnaval ao longo dos tempos, se encontram para pensar sobre aquele período e sobre a sociedade. O Carnaval é também mencionado por Flávia de Sá Pedreira, em capítulo de sua autoria, quando a autora sobre os discursos acerca da produção artístico-cultural da cidade de Natal, sobretudo a partir do posicionamento de intelectuais, como Luís da Câmara Cascudo. A Segunda Guerra foi uma experiência com proporções quase imensuráveis e, como afirma Antônio Luiz Silva Filho, “as marcas dessa experiência seguem convidando a novas investigações” (p. 60).

A interseção entre cotidiano e guerra é ampliada em artigos como o de Daviana Granjeiro da Silva, que aborda aspectos da identidade para pensar o cotidiano em João Pessoa no período de guerra. Assim como as noções de fronteira devem ser desnaturalizadas, a historiadora apresenta, consciente e sutil, a discussão de que as identidades são importantes para as manifestações, mobilizações, acordos e resistências. Além disso, de que, lembrando aqui das identidades plurais propostas por Stuart Hall (2006), os sentidos ou sentimentos de pertencimento perpassam pelas construções e disputas de identidades. Por esse diapasão, Daviana da Silva conclui que “os desdobramentos de um conflito como foi a Segunda Guerra Mundial trazem efeitos para além dos campos de batalhas e do tempo cronológico de duração oficial do confronto, pois alteram modos de vida e visões de mundo de milhares de pessoas, mesmo em lugares tão distantes do front, o que ratifica a relevância de continuarmos estudando e refletindo sobre este momento peculiar de nossa história” (p. 184).

Da mesma maneira que as identidades, as memórias estão afloradas e debatidas ao longo dos textos da presente coletânea. Em alguns, de forma mais evidente e direta, em outros, de maneira mais diluída em subtemas ou na maneira com o trato com as fontes. Em relação a essas, é indispensável mencionar que todos os capítulos lidam com um leque amplo, desde documentos oficiais ligados à Força Expedicionária Brasileira (FEB), bem como depoimentos escritos de intelectuais e literatos, em sua fricção com depoimentos orais. É assim que, por exemplo, a historiadora Clarice Helena Santiago Lira constrói sua narrativa, promovendo o confronto entre diferentes fontes escritas e orais, para falar sobre o processo de mobilização de guerra na sociedade piauiense, utilizando a noção de front interno como mote de reflexão. A autora concluiu seu texto, afirmando que “a memória social sobre o processo de mobilização de guerra na cidade de Teresina não se faz presente, o que também é constatado por pesquisadores que estudam outras cidades brasileiras nessa configuração” (p. 133).

O repertório e manancial teórico e historiográfico são plurais e utilizados com maestria pelos autores da coletânea. A maioria não fugiu do contato inicial com os ensinamentos de referência de Roney Cytrynowicz (2000) e de Marlene de Fáveri (2002), sobretudo no que se refere ao trabalho de mobilização de guerra no Brasil. Além desses, estudiosos como Gerson Moura (1980; 19930), Silvana Goulart (1990), Vágner Alves (2002), Luiz Muniz Bandeira (2007) e Maria Capelato (2009) foram constantemente revisitados pelos historiadores que colaboraram com a presente coletânea. O diálogo empreendido é fluente, fazendo com que historiografia, teoria e empiria sejam colocadas de forma conexa.

No campo estritamente teórico, os capítulos estão ligados pelos meandros da memória, pois, em certa escala, abordam comunidades de memória ou grupos de memória. Essa concepção de memória, no lastro do que sugere Paul Connerton (1993), em que grupo assume tanto dimensões mais particulares de pequenas sociedades, quanto as dimensões mais complexas e, territorialmente falando, mais extensas. Nesse sentido, os grupos de pessoas de um bairro, de uma cidade, de um agrupamento militar, de lideranças políticas e intelectuais estão imersos nesse deslizamento entre o particular e geral do grupo, constituindo memórias singulares e plurais sobre a Guerra, seus agentes, sobre os espaços e temporalidades. De forma mais abrangente, ainda é viável ler toda a coletânea a partir dos conceitos de sistemas denominados de finalidade e causalidade, como propostos por Jean Baptiste Duroselle (2000), pois desde a movimentação política dos Estados até as reverberações sociais e cotidianas da população, tais sistemas estão manifestados.

Grande parte da riqueza e da importância desta coletânea está no fato de que, conforme a organizadora da obra, a historiadora Flávia de Sá Pedreira, “a indiscutível posição geográfica desta região do país muito contribuiu para o desfecho vitorioso dos países Aliados. A discussão a sobre a necessidade de se construir bases aéreas norte-americanas aqui demorou cerca de três anos, com intensas negociações entre os governos brasileiro e estadunidense. Com a instalação das bases, a partir de dezembro de 1941, o contato entre a população local e os estrangeiros fez-se de forma nem sempre harmoniosa, passando de uma convivência inicialmente cordial à confrontação explícita, principalmente na fase de racionamento em prol do ‘esforço da guerra’” (p. 08). A presente coletânea é um convite ao leitor, para que histórias antes silenciadas ou pouco conhecidas sejam retiradas das trincheiras do esquecimento. É um esforço coletivo em levar para o front da historiografia sujeitos e histórias responsáveis por inúmeras experiências urbanas da Guerra do outro lado do Oceano, do lado brasileiro, do lado nordestino. É importante frisar que, mesmo que cada autor presente nesta obra já tenha publicado inúmeros artigos em periódicos especializados e ter os apresentado em muitos eventos acadêmico-científicos, este livro se materializa como um símbolo e um norte para que novos pesquisadores e estudiosos sintam-se cada vez mais impelidos ao combate, no sentido amplo defendido por Lucien Febvre (1989). Mais que uma obra cujo público seria formado exclusivamente os especialistas e estudiosos das e nas universidades. A obra tem um alcance além, pois as narrativas, mesmo atendendo ao rigor científico e metodológico, não se distanciam da facilidade de compreensão por parte de qualquer público leitor interessado. Movidos pelo dever e pela responsabilidade de (re)escrever a História, em seus múltiplos vieses e horizontes.

Referências

PEDREIRA, Flávia de Sá (Org.). Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial. São Paulo: LCTE, 2019, 340p.

CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. São Paulo: EDUNESP, 2009.

CONNERTON, Paul. Como as sociedades recordam. Portugal: Celta, 1993.

DUROSELLE, Jean Baptiste. Todo império perecerá. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 2. ed. Lisboa: Editora Presença, 1989.

GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. CNPq/Marco Zero, 1990.

HALL, Stuart. O Global, o local e o retorno da etnia. In: HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

MOURA, Gerson. Autonomia na dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

______. Neutralidade dependente: o caso do Brasil, 1939-1942. Estudos Históricos, v. 6, n. 12, Rio de Janeiro, 1993.

MUNIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Fundação Getúlio Vargas, 1997.

Pedro Pio Fontineles Filho –  Doutor em História Social (UFC). Mestre e Especialista em História do Brasil (UFPI). Graduado em História (UESPI). Graduado em Letras-Inglês (UFPI). Professor do Programa de Pós-Graduação em História (UFPI). Professor do Mestrado Profissional – PROFHISTÓRIA (UESPI). Professor do Curso de História (UESPI/CCM). E-mail: ppio26@hotmail.com


PEDREIRA, Flávia de Sá (Org.). Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial. São Paulo: LCTE, 2019. Resenha de: FONTINELES FILHO, Pedro Pio. Além das Trincheiras e do Front: escritas sobre o Nordeste brasileiro e a Segunda Guerra Mundial. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.10, n.1, p. 269- 275, 2019. Acessar publicação original [DR]

A Introdução dos Estudos Africanos no Brasil (1959 – 1987) | Mariana Schlickmann

SCHLICKMANN Mariana (Aut), A Introdução dos Estudos Africanos no Brasil (1959 – 1987) (T), CRV (E), COSTA Rosivania de Jesus (Res), Fronteiras (Ftr), Estudos Africanos, América – Brasil, Séc. 20

Na obra aqui resenhada, a autora dedica-se a fazer um levantamento da literatura produzida no Brasil, entre 1959 e 1987, a respeito dos estudos africanos. O foco do livro é no modo como o continente africano figura nos trabalhos realizados por pesquisadores brasileiros.

Schlickmann apresenta dados desde o primeiro estudo acadêmico por ela identificado e cujo foco foram os estudos africanos no Brasil, realizado em 1987 por Luís Beltrán, intitulado O Africanismo Brasileiro, até pesquisas mais recentes acerca da temática, como a tese de doutoramento de Márcia Guerra Pereira, datada de 2012, História da África: uma disciplina em construção. Leia Mais

Teoria das Relações Internacionais no Brasil | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2019

Teoria, Prática

Ao longo do processo de formulação desse Dossiê, fomos inúmeras vezes convocados por uma pergunta: “mas, afinal, teoria importa?” Talvez, a você que nos lê, possa soar estranho abrirmos essa publicação interrogando por aquilo que a justifica. Ou ainda, você poderia questionar se, em um contexto de tantos ataques à ciência, em especial às ciências ditas sociais e humanas, seria profícuo problematizar a importância mesma da teorização. No entanto, de mãos dadas a pensadoras(es) como Paulo Freire e bell hooks, aderimos à relevância desse exercício que nasce mais como potência crítica do que dúvida cética. Como um e outra nos ensinam, antes das respostas, é preciso deslocar as estruturas que subscrevem nossas perguntas.

Sob esse horizonte, vale ainda pontuar que não se trata de uma pergunta banal, ainda que bastante comum. Como sabemos, para pesquisadoras(es) da área de Teoria das Relações Internacionais no Brasil, a interrogação sobre a validade de seus estudos está bastante presente, explícita ou implicitamente, em grande parte dos diálogos acadêmicos. Por isso, encaramos o engajamento produtivo com a questão “teoria importa?” enquanto tarefa imprescindível nessa introdução. Para tanto, propomos aqui uma reflexão sobre aquilo que habita as entrelinhas dessa indagação, ou seja, suas “condições de possibilidade”. Afinal, por que se faz necessário provar o valor da teoria? Quais são, e quem define, os critérios de autorização do conhecimento? Ou ainda, no limite, o que é teoria? Leia Mais

A diplomacia na construção do Brasil (1750-2016) | Rubens Ricupero

O livro “A diplomacia na construção do Brasil: 1750 – 2016”, do diplomata Rubens Ricupero, publicado pela Versal Editores em 2017 contribui para a ampliação da bibliografia disponível em relação à história da diplomacia no Brasil, englobando desde 1750, período colonial no qual a diplomacia é ditada por Portugal, até o ano de 2016, no período imediatamente anterior ao impeachment de Dilma Rousseff.

Segundo o autor, baseado em suas anotações e registros quando de sua atuação como professor da disciplina de História das Relações Diplomáticas do Brasil, a obra foi concebida para ampliar fonte de estudo sobre a evolução da política externa, agregada aos demais fatores políticos e econômicos ocorridos nos períodos analisados. Segundo o autor, as obras disponíveis sobre a história do Brasil tendem a dedicar sua atenção nos eventos internos do país, com relativo menor destaque aos eventos internacionais e da política externa, “como se a história de um país constituísse um todo suficiente e fechado em si mesmo…” (pg. 21). Em tais obras, a estrutura geral seria comprometida em sua coerência interna, pois a dispersão dos temas nacionais entre os elementos internos e externos geraria certa fragilidade para o conjunto do texto. Leia Mais

A elite do atraso: da escravidão à lava jato | Jessé Souza

Jessé de Souza constrói seu livro: A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato, da Editora Leya, como resposta crítica ao clássico de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, publicado em 1936. Não obstante, analisa vários outros autores, como Roberto DaMatta, Gilberto Freyre, dentre outros, para formar sua convicção e justificar sua teoria. Leia Mais

Beatriz Ana Loner: mundos do trabalho e pós-abolição | Mundos do Trabalho | 2019

A análise das associações negras mereceu um estudo à parte. Isso porque, em razão do forte preconceito e discriminação que enfrentavam na sociedade, os negros foram obrigados a desenvolver uma rede associativa completa e diferenciada das demais. Eles formaram desde entidades recreativas até entidades de classe, para organizarem-se na luta pelos seus direitos como trabalhadores e de resistência contra o preconceito e a dominação branca. Nesse processo, provaram possuir um alto grau de criatividade e determinação que a simples enunciação de suas entidades deixa entrever.1

Embora o fragmento disposto acima evoque uma epígrafe, damos início à apresentação explicitando que ele é bem mais que isso. Aquilo que entendemos como a síntese da unidade entre o campo de estudos dos Mundos do Trabalho e aquele que viria a se constituir como campo de estudos sobre as Emancipações e o Pós- -Abolição, foi escrito pela pesquisadora e professora que dá nome ao dossiê, Beatriz Ana Loner. O excerto foi retirado de seu livro, “Construção de Classe: operários de Pelotas e Rio Grande, 1888-1930”, de 2001, com segunda edição em 2016. O livro é oriundo de sua tese de doutorado, defendida em 1999, junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Leia Mais

Sobre política capixaba na primeira República | Nara Saletto

O Arquivo Público do Estado do Espírito Santo lançou, na coleção Canaã, relevante contribuição da historiadora Nara Saletto sobre a Primeira República no Espírito Santo. A pesquisadora possui destacada produção historiográfica a respeito da história regional, especialmente sua dissertação de mestrado, intitulada “Transição para o trabalho livre e pequena propriedade no Espírito Santo”, e tese de doutorado, “Trabalhadores nacionais e imigrantes no mercado de trabalho do Espírito Santo (1888-1930)”.

Nas duas últimas décadas, a historiografia colocou as investigações de Nara Saletto entre os estudos clássicos sobre o Espírito Santo. No livro publicado pela coleção Canaã em 2018, a pesquisadora oferece ao leitor novos subsídios para a compreensão da história capixaba na Primeira República. E, uma vez mais, ela apresenta estudo seminal sobre nossa história regional. Leia Mais

Manuais disciplinares, discursos pedagógicos e formação de professores (Séculos XIX e XX) | História da Educação | 2019

Neste dossiê estão reunidos artigos em que os autores envidaram esforços para compreender os aspectos instituintes presentes nos diferentes discursos pedagógicos que fundamentaram a ideia de renovação educacional desde o final do Século XIX e durante o Século XX. Para tanto, tomam como fonte privilegiada diferentes manuais disciplinares que foram muito utilizados nos processos de formação de professores internacionalmente, ainda que a análise recaia particularmente naqueles em circulação no Brasil e em Portugal, o que ocorreu, destacadamente em Escolas Normais, mas, também, em cursos superiores de formação de professores. Nessa direção, os manuais disciplinares elencados como fonte nos diferentes artigos propostos para integrar o presente dossiê incluem os de História da Educação, Psicologia Educacional, Didática, Pedagogia e Metodologias e Práticas de Ensino.

Assim, pode-se perceber que parte considerável dos manuais disciplinares publicados em uma primeira fase, que se estende até meados do Século XX comportava um ideário cientificista, evolucionista e higienista que estava acompanhado do estabelecimento e da disseminação de um código moral laico eminentemente cívico, considerado fundamental para o progresso das diferentes nações e para o alcance dos fins gerais da Humanidade. Em um segundo momento, a ênfase recaiu na dimensão científica e crítica, o que se estende até os tempos atuais. Com certeza este esforço discursivo e formativo contido nos manuais disciplinares encontrou forte ressonância, mas também resistência, o que se espera deixar evidenciado com o presente dossiê. Leia Mais

A Introdução dos Estudos Africanos no Brasil (1959 – 1987) | Mariana Schlickmann

Na obra aqui resenhada, a autora dedica-se a fazer um levantamento da literatura produzida no Brasil, entre 1959 e 1987, a respeito dos estudos africanos. O foco do livro é no modo como o continente africano figura nos trabalhos realizados por pesquisadores brasileiros.

Schlickmann apresenta dados desde o primeiro estudo acadêmico por ela identificado e cujo foco foram os estudos africanos no Brasil, realizado em 1987 por Luís Beltrán, intitulado O Africanismo Brasileiro, até pesquisas mais recentes acerca da temática, como a tese de doutoramento de Márcia Guerra Pereira, datada de 2012, História da África: uma disciplina em construção. Leia Mais

Regras de bem viver para todos: a “Bibliotheca Popular de Hygiene” do Dr. Sebastião Barroso | Heloísa Helena Pimenta Rocha

Resenhar o livro Regras de Bem Viver para todos: a Bibliotheca Popular de Hygiene do Dr. Sebastião Barroso consiste em um grande desafio. Trata-se de pesquisa realizada para a escrita da Tese de Livre-Docência da Profa. Dra. Heloísa Helena Pimenta Rocha, apresentada à Faculdade de Educação da Unicamp, e publicado em 2017 pela editora Mercado de Letras.

Heloísa Rocha possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão (1985), Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1995), Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2001), com estágios de Pós-Doutorado na PUC/SP (2017) e na Universidad de Buenos Aires (2008). Atualmente, é Livre-Docente na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Leia Mais

Escolarização, culturas e instituições: escolas étnicas em terras brasileiras | Terciane Ângela Luchese

A organizadora da obra é professora da graduação e da pós-graduação, nos Programas de Pós-graduação em História e em Educação da Universidade de Caxias do Sul. Além disso, ela é líder do grupo de pesquisa História, Educação, Imigração e Memória (Grupheim2), no qual os integrantes têm especial interesse no campo da História da Educação e a marca da presença de diferentes grupos étnicos, seus processos de escolarização e as culturas escolares. A presente obra apresenta resultados de pesquisa tanto de integrantes do Grupheim quanto de pesquisadores convidados, estabelecendo assim uma profícua interlocução com múltiplas perspectivas acerca do tema proposto para trabalho: as escolas étnicas instituídas no Brasil, com ênfase na escolarização, culturas e instituições escolares. Os capítulos apresentados têm como marco inicial o momento de intensificação das massas imigratórias italianas no Brasil, fim do século XIX e marco final a década de 1940 quando do fechamento das últimas escolas étnicas em decorrência do acirramento da nacionalização de ensino.

A obra é composta por nove capítulos, antecedidos pelo prefácio escrito pelo reconhecido pesquisador Angelo Trento, publicado na íntegra em duas línguas: português e italiano. A apresentação ficou sob a responsabilidade da organizadora da obra Terciane Ângela Luchese. Ao final do livro encontram-se ainda as informações sobre os autores, situando o leitor sobre os contextos em que se inserem cada pesquisador. Leia Mais

Instrucção Primaria Municipal: “50 lições ruraes” | Manoel Serafim Gomes de Freitas

A obra que ora apresentamos destacou-se no município de Pelotas em plena década de 1920 não só pela sua circulação, mas também pela sua temática, que representou uma preocupação iminente à época: a educação rural. Seu conteúdo retrata o título que lhe foi conferido uma vez que trata de ensinar cinquenta lições aos alunos das escolas rurais. Ocupou-se, predominantemente, de orientar sobre o que foi considerado, à época, a maneira mais correta de produzir alimentos e criar animais no cunho doméstico e sobre o cuidado com as plantas, dedicando 46 lições relativas a essas questões. Desse conteúdo, a obra, que possuí 122 páginas, dispôs outras 4 lições que se relacionam ao comportamento adequado dos alunos, abordando ensinamentos sobre higiene, economia rural, organização da casa no campo e sobre o hábito ideal para um “bom menino”.

Justifica-se a importância desta obra na História da Educação devido a sua circulação junto às escolas, pois, no Relatório apresentado pelo intendente municipal, relativo ao ano de 1929, podemos conferir que houve a encomenda da impressão de 1000 exemplares junto à livraria do Globo. Conforme ali constava, “foi confiada a Livraria do Globo, desta cidade, a impressão de 1000 exemplares do livro “50 lições de Agricultura e economia rural”, trabalho organizado pelo Sr. Dr. Manoel Serafim Gomes de Freitas, destinado as escolas municipais ruraes (sic)” (RELATÓRIO DE PELOTAS, 1929, p. 134). Desse modo, podemos perceber que a “obra didactiva (sic)” foi considerada um tipo de manual amplamente difundido nas escolas haja vista a grande quantidade de cópias encomendadas para a época. Leia Mais

História da saúde no Brasil | Luiz Teixeira, Tânia Pimenta e Gilberto Hochman

Quais questões, abordagens e conceitos mobilizam o campo da história da saúde no Brasil? Quais temas já foram abordados e quais as possibilidades de expansão nesse campo de pesquisas? O que pode ser considerada uma historiografia da saúde? Como diferenciar história da medicina, história da saúde, história das doenças e história das ciências? Esses questionamentos estão na essência da coletânea “História da Saúde no Brasil”, organizada pelos pesquisadores Luiz Teixeira, Tânia Pimenta e Gilberto Hochman, todos da Fundação Oswaldo Cruz. O livro, que reúne uma visão geral sobre os diferentes trabalhos desenvolvidos na instituição em termos de pesquisa histórica, a um só tempo materializa uma visão sobre o passado da saúde no país e uma rede de pesquisadores que têm se dedicado a temas nesse espectro nos últimos trinta anos. Compreender e discutir não somente o conteúdo do livro, mas também o projeto institucional que representa, é fundamental. Leia Mais

Entre a espada, a cruz e a enxada: a Colônia Militar de Caseros no norte do Rio Grande do Sul (1858-1878) | J. C. Tedesco e A. A. Vanin

Na obra Entre a espada, a cruz e a enxada: a Colônia Militar de Caseros no norte do Rio Grande do Sul (1858-1878), João Carlos Tedesco e Alex Vanin remontam, a partir de leves vestígios, a curta existência da Colônia Militar de Caseros, situada, em parte, no atual município de Lagoa Vermelha, e no município de Caseros – que leva ainda o nome do núcleo colonial e militar –, no estado do Rio Grande do Sul.

Trata-se de um estudo inédito sobre o tema, minucioso e detalhado, pautado em documentação primária, que busca localizar e situar a Colônia Militar de Caseros na formação histórica da região, articulando a presença indígena à formação de uma colônia. Nota-se que há um silenciamento sobre essa experiência, tanto na historiografia quanto na memória regional, entretanto, nas recentes disputas pela posse da terra envolvendo diferentes sujeitos, há indícios de ocupação remota, que remontam ao período da Colônia Militar, embora descontextualizados e jogando a favor de interesses específicos. Leia Mais

Infâncias e juventudes no século XX: histórias latino-americanas | Silvia Maria F. Arend, Esmeralda B. B. de Moura e Susana Sosenski

O livro Infâncias e juventudes no século XX: histórias latino-americanas apresenta os resultados de investigações realizadas por integrantes do Grupo de Trabalho História da Infância e da Juventude, filiado à Associação Nacional de História – ANPUH-Nacional, e por historiadores membros da Red de Estudios de Historia de las Infâncias en América Latina – REHIAL (https://www.aacademica.org/rehial), criada em 2018. A obra é produto de reflexões que demonstram como os processos sociais relativos à infância, adolescência e juventude (para além do âmbito da escola) têm adquirido uma maior importância na historiografia da América Latina. Essa importância está certamente associada ao fato de que problemas de diferentes ordens relativos a essa parte da população latina ainda são grandes desafios a governos e sociedades que compõem o continente. É importante observar ainda que o livro é composto por capítulos redigidos nos idiomas português e espanhol.

As três organizadoras da obra – Silvia Maria Fávero Arend, docente da Universidade do Estado de Santa Catarina, Esmeralda B. B. de Moura, da Universidade de São Paulo (USP), e Susana Sosenski, que atua na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) – têm produzido vários estudos na área das Ciências Humanas, especialmente no campo da História da Infância e da Juventude. Leia Mais

O Brasil e a questão agrária | Manuel Correia de Andrade

A obra “O Brasil e a questão agrária” está dividida em sete capítulos, o primeiro é a introdução e traz um breve resumo do que vai ser tratado na obra como um todo. Os demais apresentam os seguintes títulos: “Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções; novas formas, velhas funções”; “A experiência de colonização: Portugal Brasil e África”; “Nordeste Semi-Árido: Limitações e possibilidades”; “Espaço e tempo na agroindústria canavieira de Pernambuco; “O movimento dos Sem-Terra e sua significação”; “O movimento dos Sem Terra e sua significação”; e “Atualidade da questão agrária”.

Apesar de ser composto por artigos distintos, escritos entre os anos de 2000 e 2001, o livro apresenta uma coerência temática e teórico-metodológica. A preocupação central é a de contextualizar as transformações socioeconômicas do espaço agrário, através dos movimentos da história e tendo como base a abordagem regional. Há também uma análise dialética marxista que fica mais evidente nos capítulos: “Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções; novas formas, velhas funções” e “O movimento dos sem terra e a sua significação”, mas sem suplantar a abordagem regional. Leia Mais

Roundtable Review do livro “Juca Paranhos: o Barão do Rio Branco”, de Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos | Meridiano 47 | 2019

O periódico Meridiano 47 (Journal of Global Studies) foi um dos primeiros periódicos científicos completamente digitais na área de humanas no Brasil. Criada em 2000 pelo Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI, Meridiano 47 complementava a missão editorial da sua irmã mais velha, a consolidada Revista Brasileira de Política Internacional, estabelecida em 1958. Nos seus anos iniciais, a publicação funcionou como um boletim para a divulgação de peças de opinião, publicando também resenhas de livros e artigos de resenhas.

A revista fez parte de uma geração de experimentos editoriais digitais que floresceram no projeto RelNet (Rede Brasileira de Relações Internacionais), um grande projeto de divulgação científica estabelecido na Universidade de Brasília em 1998, nos primórdios da internet no Brasil. Meridiano 47 é a sobrevivente de uma geração de experimentos de publicação científica auspiciosa, pensada para veiculação exclusivamente on line e em RelNet, lançada anos antes da multiplicação de revista que foi facilitada e impulsionada pelo modelo de publicação do acesso aberto. Faziam parte desse conjunto de experimentos editoriais nascidos no contexto do RelNet a Revista Cena Internacional e o Boletim Via Mundi, ambas editadas no então Departamento de Relações Internacionais da UnB, e já extintas. Leia Mais

Terras da Annoni: entre a propriedade e a função social | Simone Lopes Dickel

Simone Lopes Dickel é doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo (PPGH/UPF), é mestre em História, também, pelo PPGH/UPF. Sua graduação foi em História – Licenciatura Plena, pela UPF no ano de 2009 e atualmente é professora de História da Rede Pública Estadual do Rio Grande do Sul, na Escola Estadual de Ensino Médio Zumbi dos Palmares e Escola Estadual de Ensino Fundamental 29 de Outubro, ambas localizadas no município de Pontão/RS, berço da desapropriação da Fazenda Annoni. Leia Mais

“Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz”. A Trajetória Esportiva de Duda | Suellen dos Santos Ramos

Ao falar sobre biografias são escassas as obras que abordam as mulheres no meio esportivo, mais raras ainda são aquelas que abordam o futebol de mulheres. No país do futebol as histórias das mulheres futebolistas passam a margem dos grandes salários, dos espaços midiáticos e do grande número de competições disponíveis. No entanto, a grandeza de suas trajetórias é o que fizeram e fazem a construção histórica do futebol de mulheres no Brasil.

A obra de Suellen do Santos Ramos e Silvana Vilodre Goellner intitulada “Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz”. A trajetória esportiva de Duda” focaliza a história da ex-atleta de futebol Eduarda Maranghello Luizelli, um nome de referência do futebol de mulheres no Rio Grande do Sul. Ao narrar a trajetória de Duda a obra contribui para reconstruir a história do futebol praticado pelas mulheres no Sul do Brasil. Leia Mais

O Negro no Livro Paradidático | Fernando Santos de Jesus

Antes da aplicação e sistematização da Lei 10.639/03 – a qual visa instituir a obrigatoriedade dos conteúdos de História e Culturas Afro-Brasileira e Africana nos currículos de todos os níveis de ensino do país – ainda no século XX, muitos intelectuais negros já questionavam as maneiras pelas quais a população negra era representada na literatura, nas artes e sobretudo, midiaticamente. Levava-se em consideração o histórico recente das teorias racialistas que perpassaram desde o fim da abolição, os debates políticos e intelectuais que, de modo direto, subalternizaram e desumanizaram os africanos e seus descendentes no país.

Tais pressupostos científicos foram elaborados a partir de instituições e políticos renomados que tinham ligações diretas com a aplicação de políticas públicas, tendo como uma das principais consequências a consolidação de estereótipos sobre os negros. Tal como, nas escolas de medicina do Rio de Janeiro, os estudiosos concentravam-se em temas como degenerescência e doenças tropicais associados às pessoas negras (SCHWARCZ, 1993). Leia Mais

A televisão em tempos de convergência | Soraya Ferreira

O livro “A televisão em tempos de convergência”, escrito pela professora Dra. Soraya Ferreira, lançado em 2014, pela editora UFJF, apresenta uma reflexão sobre como a televisão é influenciada pela constante renovação tecnológica em sua dinâmica produtiva. Traz também uma análise da introdução das novas tecnologias e dos processos de comunicação nas emissoras mineiras TV Alterosa, TV Assembleia, TV Integração, e Rede Minas.

O livro é subdividido em capítulos denominados ”A expansão da TV Panorama e as mudanças na linguagem para enfrentar a convergência”; “A convergência nas TVs públicas e comerciais da Zona da Mata Mineira e de Belo Horizonte”; “Mudanças no conteúdo dos portais das TVs nacionais, dos canais abertos e fechados” e “Repetição e reconfigurações estéticas”. Leia Mais

Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira | Gaudêncio Frigotto

A polarização ideológica que atingiu o Brasil nos últimos anos alcançou a educação, levando-a para um campo de batalha ideológico temerário, segundo educadores. O projeto Escola sem Partido sintetiza essa bipolaridade no campus requisitado. Desenvolvido no ano de 2004 pelo advogado Miguel Nagib, com a premissa de eliminar a “doutrinação ideológica” em sala de aula, o projeto ganhou destaque nos últimos anos por conter uma agenda conservadora, atacando pautas progressistas e pensadores de esquerda relacionados à sala de aula. Paralelo a esse histórico, grupos de professores e intelectuais começaram a se mobilizar de forma contrária ao projeto, citando o exemplo do coletivo virtual “Professores contra a Escola sem Partido” 1.

O Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro também se mobilizou contra o Escola sem Partido. A obra Escola “Sem” Partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira foi o segundo livro lançado pelo LPP, sendo organizado pelo doutor em educação Gaudêncio Frigotto. O objetivo é esmiuçar e criticar as ideias do Escola sem Partido, por considerá-lo um erro na teoria educacional, inconstitucional do ponto de vista jurídico e uma forma de censurar professores em sala de aula. A obra contém uma apresentação realizada pela filósofa Maria Ciavatta e nove artigos (ou capítulos) independentes, compilados por Frigotto. Leia Mais

Como era fabuloso o meu francês! Imagens e imaginários da França no Brasil (séculos XIX-XXI) | Anaïs Fléchet, Olivier Compagnon, Silvia Capanema P. Almeida

O Ano da França no Brasil, comemorado em 2009, para além de extensa programação no campo cultural, também inspirou a realização de uma série de eventos acadêmicos, que continuam a dar frutos. Sob a chancela da Editora 7 Letras e da Fundação Casa de Rui Barbosa veio a público em 2017 obra coletiva resultante de colóquio organizado naquele profícuo ano, que reuniu um rol diversificado de especialistas em torno das relações franco-brasileiras.

Abre o volume alentada introdução dos organizadores, que coloca em questão as visões eurocêntricas que fazem do Brasil um receptor, a um tempo passivo e fascinado, de valores e hábitos franceses, tomados como modelo de civilização. Os autores evidenciam que, pelo menos desde meados do século passado, não faltam exemplos de trabalhos a matizar essa leitura, a exemplo dos escritos de Roger Bastide, que já insistia nas trocas bilaterais. Em sintonia com a historiografia contemporânea, que tem evidenciado a força heurística das noções de transferências culturais, histórias conectadas, mestiçagem e história global, o que se propõe é ir além do comparatismo tradicional, que elege um padrão ideal para avaliar o outro, e das noções de centro e periferia, tarefa desafiadora e que se coloca na contra mão de visões cristalizadas e arraigadas no imaginário social e também na produção acadêmica, razão pela qual ainda continuam a se insinuar mesmo entre especialistas.

Seguem-se quinze capítulos, divididos em quatro partes. A primeira delas, “Civilização e barbárie”, traz contribuições de Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves, Ingrid Hötte Ambrogi, Silvia Capanema P. de Almeida e Olivier Compagnon, que problematizam o dualismo enunciado no título a partir de diferentes situações históricas. Assim contemplam-se, respectivamente, as representações – bastante negativas, é bom sublinhar, – difundidas no início do oitocentos no Império português a respeito de Napoleão Bonaparte, quando a Família Real estava instalada no Rio de Janeiro; o ideal perseguido pelos estabelecimentos escolares da Primeira República, claramente calcados em modelos vigentes na França; as caricaturas publicadas a respeito da 1ª Guerra Mundial na Careta, com particular destaque para as que tematizavam a França e, ainda, o posicionamento, nem sempre uníssono, das nossas elites em relação aos contendores, bem como o impacto do conflito e seus desdobramentos nas relações entre os dois países. Trata-se, portanto, de diferentes momentos e contextos a atestar a diversidade de percepções em relação à imagem da França no Brasil, cuja centralidade, tão marcada no decorrer do século XIX, sofreu abalos significativos com a Grande Guerra, aspecto evidenciado por Almeida e Compagnon.

Questões de ordem estética e artística são contempladas nos quatro textos que compõem a segunda parte, “França, mãe das artes”. A produção de Nicolas-Antoine Taunay e Jean Baptiste Debret, que integraram a chamada “missão” francesa de 1816, denominação já relativizada pela rigorosa contextualização das circunstancias que trouxeram ao Rio de Janeiro um grupo de artistas comprometidos com a recém deposta ordem napoleônica, foram abordadas por Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Pires Lima. As contingências políticas, que fizeram da corte lusitana um refúgio seguro que oferecia, pelo menos em tese, várias oportunidades de trabalho, não significou o abandono das relações com a pátria distante, sobretudo em vista das dificuldades enfrentadas no Rio de Janeiro. Se a conjuntura no Hexágono era cuidadosamente acompanhada, tendo em vista o retorno ao solo europeu, a passagem pelos trópicos deixou marcas profundas na produção pictórica, como bem exemplifica a análise dos quadros de Taunay e sua recepção pela crítica francesa, pouco sensível às cores e aos tons da natureza brasileira, o que acaba por colocá-lo num entre lugar – francês no Brasil, estrangeiro em sua terra natal. Já a análise do pano de boca confeccionado por Debret para a coroação de D. Pedro I, que expressava uma certa concepção da jovem nação, sua composição social e futuro projetado, em sintonia com as necessidades e expectativas do poder, adquire outros sentidos quando remetido à posição que ocupou no interior da Viagem pitoresca e histórica no Brasil, às circunstâncias que possibilitaram a publicação da obra entre 1834 e 1839 e às condições reinantes no cenário político francês. Em ambos os casos, trata-se de vias de mão dupla, que problematizam a apreensão ancorada nas ideias de influência e recepção passiva.

Os dilemas em torno das relações nacional e estrangeiro estão presentes nas contribuições de Marize Malta e Maria Luiza Luz Távora. A primeira diz respeito à decoração das residências nos anos 1920, discutida a partir da publicidade estampada na Revista da Semana e A Casa. Em debate os estilos de mobiliário: art-déco, neocolonial e modernismo, com suas linhas simples. Mais do que a opção por um modelo, o que Malta evidencia é o processo de hibridismo, a mistura entre estilos e a apropriação criativa, com a utilização de motivos nacionais, entre eles os marajoaras. Já a discussão suscitada pela presença do artista franco-alemão Johnny Friedlaender no curso inaugural do ateliê de gravura do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1959 torna patente as resistências frente às experimentações e propostas estéticas diversas das imperantes no cenário artístico nacional, o que atesta, ainda uma vez, a tensa e complexa relação com as inovações que aqui aportavam, sobretudo numa conjuntura marcada por exacerbado nacionalismo.

A terceira parte, “Grandeza e decadência da mulher francesa”, é composta por três textos que tratam da imagem e do imaginário sobre o feminino, num arco temporal que vai de meados do século XIX às décadas iniciais do século XX, quando a presença da mulher no espaço público começava a alterar e mesmo suberventer a ordem estabelecida e papéis sociais consagrados. As pesquisas de Monica Pimenta Velloso e Lená Medeiros de Menzes privilegiam a figura da cocotte que, a exemplo da modista do início do Império, desfrutava de reputação duvidosa, o que não impedia que fosse objeto de irresistível curiosidade e atração, como bem demonstram as autoras. Velloso explora as ambiguidades do olhar francês sobre o Brasil, a partir de refinada análise do humor “debochado, caricato e anarquiante”, para retomar os seus termos, da revista Ba-ta-clan, que afrontava a sensibilidade e o orgulho locais. Contudo, esse material também permite desvelar valores, desejos e expectativas dos franceses radicados no Rio de Janeiro, num entrecruzamento ambiguo e nem sempre fácil de ser apreendido. Lená Medeiros, por seu turno, exemplifica o périplo transatlântico cumprido por algumas francesas que, contrariamente às suas expectativas e esperanças, enfrentaram uma realidade bem pouco glamourosa. A natureza calidoscópica da questão, diligentemente pontuada no texto, evidencia-se pelo recurso às colunas da Ba-ta-clan, que permitem avaliar o impacto do comportamento transgressor dessas mulheres, que alimentavam a percepção acerca dessas francesas atrevidas, duramente combatidas pelso guardiões da ordem. Fecha o conjunto a contribuição de Cláudia Oliveira, que retoma as representações de Salomé, tematizada na pintura, no teatro, nas revistas ilustradas, com fortes doses de sensualidade. Novamente o que se destaca é a ambivalência diante das mudanças provocadas pela modernidade, num ambiente marcado por significativas transformações na sociabilidade e cotidiano urbanos. Merece particular destaque a análise sensível da Salomé de J. Carlos, publicada em 1927 na revista Para Todos.

Sob a rubrica “O espelho do outro” estão reunidos outros quatro textos que retomam as relações interculturais franco-brasileiras, o primeiro deles a partir da temática da religiosidade e seu surpreendente sincretismo e interconexões, que remetem tanto para a presença de São Luís e outros personagens do ciclo de Carlos Magno nos nossos terreiros quanto à conversão de Pierre Verger, como revela Monique Augras ao explorar as trajetórias e transfigurações desses seres “encantados”. Intercâmbios que também se expressam em periódicos, livros e bibliotecas e na presença de tipógrafos, editores, livreiros, gravadores e litógrafos franceses, que desempenharam papel relevante na difusão da cultura letrada e na ampliação do espaço público, como bem pontua Tania Bessone, que não deixa de assinalar, em sintonia com outras colaborações, o esmaecer dessa presença a partir das primeiras décadas do século XX.

A importância estratégica, para as elites imperiais, de contar com uma percepção positiva a respeito do Brasil na França é discutida por Sébastien Rozeaux. Se, graças à intervenção de Ferdinand Denis e Saint Hilaire, esta expectativa pode ser atendida, a situação alterou-se frente aos relatos bastante ácidos publicados nos anos 1830 na prestigiosa Revue des Deux Mondes. O estudo da reação de indivíduos do calibre de Araújo Porto-Alegre e outras figuras de proa do nosso cenário intelectual permite evidenciar quais eram os anseios da geração romântica, que tomou a si a tarefa de construir uma nação civilizada nos trópicos e de elaborar um discurso autônomo sobre a mesma. O autor explora a sensação de traição e o choque ocasionado pela difusão de percepções pouco confortáveis, fosse a respeito dos vícios sociais, da mestiçagem ou da incomoda questão da escravidão, que maculavam uma imagem pacientemente urdida. Daí o empenho para, se não reparar, pelo menos atenuar as apreensões pouco abonadoras a partir de estratégias discursivas bem diversas: a agressividade e a ironia para o público interno, o tom bem mais conciliador e cauteloso quando o destinatário era o leitor francês. Os estereótipos nacionais figuram em outro registro na colaboração de Anaïs Fléchet, que investiga a maneira como as cidades de Paris e do Rio de Janeiro foram figuradas nas canções populares ao longo do século XX. Mais do que distanciamento, predominam os paralelismo, uma vez que ambas são referidas como lugares distantes, que ativam a imaginação e remetem às aventuras amorosas, compondo uma “geografia musical do imaginário”, na bela definição da autora. Não faltaram referências às mulheres de ambos os lados do Atlântico, descritas em consonância com modelos de há muito em circulação: refinamento/sedução/prostituição, do lado francês, jovem/disponível/ despudorada, no que concerne à brasileira, num quadro de imagens cruzadas – e não raro sobrepostas – que convida a refletir sobre a circularidade das trocas.

A título de conclusão, conta-se com o texto de Robert Frank, que assume o desafio de abordar as relações internacionais em suas dimensões culturais. Para tanto, o autor passa em revista as contribuições de Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle a respeito do significado das mentalidades para a elaboração e difusão de nacionalismos e na relação entre países. À detalhada reconstrução do arsenal analítico proposto, segue-se sua relativização à luz das mudanças introduzidas pelo cultural turn dos anos 1980, que consagrou interpretações ancoradas nas noções de representação, imaginário e identidade.

O rápido deambular por entre os vários capítulos, se não contempla todas as questões abordadas em cada uma das contribuições, é suficiente para evidenciar a importância das mesmas para a temática, que tem recebido atenção significativa nos últimos anos. Cabe ressaltar que as partes acima referidas não devem ser tomadas como conjuntos estanques. De fato, os textos convidam a imaginar outros arranjos e articulações possíveis. Assim, a título de exemplo, Napoleão e os imigrados que deixaram a França após a queda do Imperador são personagens retomados em vários capítulos, tanto quanto o declínio da presença francesa, as referências ao imaginário sobre as mulheres, a oposição (ou a adesão) aos ventos que sopravam da França, os esforços para estabelecer trocas de mão dupla, em lugar das rotas com sentido único. Por certo o leitor será capaz de propor outras possibilidades diante de um rol de contribuições que se revelam tão densas e complexas quanto o objeto a ser desvendado.

Tania Regina de Luca –  Professora Livre Docente em História do Brasil Republicano pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Possui doutorado e mestrado em História Social pela Universidade de São Paulo e graduação em História pela mesma instituição. Responsável, junto ao CNPq, pelo financiamento do projeto “Estudos de jornais em língua estrangeira” (Transfopress Brasil). E-mail: tania.luca@pq.cnpq.br


FLÉCHET, Anaïs; COMPAGNON, Olivier; ALMEIDA, Silvia Capanema P. de. Como era fabuloso o meu francês! Imagens e imaginários da França no Brasil (séculos XIX-XXI). Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7 Letras, 2017. Resenha de: LUCA, Tania Regina de. Sob o signo da complexidade: trocas interculturais entre França e Brasil.  Revista Maracanan. Rio de Janeiro, n. 19, p. 216-220, jul./dez. 2018. Acessar publicação original [DR]

 

“Tem que partir daqui, é da gente”: a construção de uma escola “outra” no Quilombo Campinho da Independência, Paraty-RJ | Ediléia Carvalho

No próximo ano se completarão trinta anos da inserção do artigo art. 68 na Constituição (designação que prevê “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”). Nesse interim, um “campesinato negro” acossado por uma série de atores hegemônicos ligados ao capital se apropriou dessa “benesse” jurídica e a agenciou para defender seus territórios. Se antes de 1888, onde alcançou o sistema escravista no Brasil, formaram-se quilombos e mocambos em contraparte. Nos dias atuais, onde o voraz agronegócio – e seus congêneres: mineração, especulação imobiliária, grilagem, barragens hidrelétricas etc. – chegam, (re)nascem quilombos. Camponeses negros resistem e protagonizam ações contra esses grupos que  tentam usurpar seus territórios. Não por acaso, em praticamente todas as partes do Brasil existem quilombos, algo que chega a cifra de cinco mil comunidades espalhados por todas as regiões. Estes grupos, mediante os princípios jurídicos do art. 68, “ressemantizam” a seu favor o sentido de quilombo na atualidade. E se existe algo que marca a luta dessas comunidades desde a vigência do referido artigo de lei, é a diversidade de estratégias de enfrentamento, efeito dos inúmeros contextos de interpelação territorial com os quais se deparam. Leia Mais

Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal | Gilberto Freyre

Gilberto Freyre, autor da obra a qual é objeto de análise do presente trabalho, era graduado em Ciências Sociais e Artes nos Estados Unidos. Ficou muito conhecido, no Brasil e no mundo, após escrever Casa Grande & Senzala, publicado em 1933, razão de algumas inovações que a obra trouxe para campos das ciências humanas como a antropologia, sociologia e a história1. A pesquisa que originou a obra Casa Grande & Senzala iniciou em Lisboa, no ano de 1930. Depois de o autor estabelecer-se por um tempo na Bahia, conhecer parte do continente africano (Dacar e Senegal), e rumar para Lisboa.

O caráter inovador que Casa Grande & Senzala detinha dentro do campo historiográfico resultou da análise de alguns tipos de fonte que Freyre utilizou para compor sua obra. Tais fontes não eram utilizadas anteriormente por historiadores no Brasil. Algumas fontes empregadas por Freyre em sua obra são: manuscritos; documentos oficiais (guias e almanaques regionais, diários oficiais, publicações de prefeituras); e pessoais (diários de senhores de engenho, álbuns de famílias); litogravuras; fotografias; mapas; plantas de casas e engenhos; – entre outros documentos oficiais que teve acesso em arquivos nacionais lusos e brasileiros. O conhecimento adquirido através de entrevistas e conversas sobre o cotidiano dos brasileiros durante o período pesquisado auxiliou o autor durante a escrita de sua obra. Explorou muito bem os materiais os quais teve acesso, e modificou a historiografia brasileira ao utilizar a oralidade como fonte histórica. Leia Mais

Africanos e seus descendentes no Brasil | Laboratórios de História | 2018

É com imensa alegria que apresentamos a nossa segunda edição da Revista Laboratórios de História, com o dossiê “Africanos e seus descendentes no Brasil”. Nessa nova edição abrimos espaço para publicação de trabalhos acadêmicos elaborados por graduandos do curso de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e demais instituições de ensino superior, a fim de dar maior visibilidade à produção discente sobre o tema.

Para o segundo número da Revista, convidamos a Professora Maria Regina Candido, Doutora em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA-UERJ) e docente da cadeira de História da Antiguidade Ocidental da mesma instituição, para uma entrevista sobre o tema da África Antiga e o Ensino de História. Nela, buscamos conhecer os caminhos trilhados pela docente na articulação do ensino de história antiga ocidental às sociedades africanas do mesmo período. Também buscamos saber sua opinião sobre a iniciação em pesquisas sobre história da África antiga, especialmente no Brasil, onde a disseminação de trabalhos acadêmicos e materiais didáticos sobre o continente africano é recente numa sociedade fortemente vinculada a perspectivas historiográficas ocidentais. Leia Mais

Os caminhos para a Liberdade de Escravizadas e Africanas livres em Maceió (1849-1888) | Danilo Luiz Marques

Danilo Luiz Marques é graduado em História pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), e doutor em História Social (PUC/SP), com período sanduíche na Michigan State University, nos Estados Unidos. Professor da rede pública estadual de São Paulo, com experiência na área de Arquivologia e História, e tem se dedicado a pesquisas, a saber: História do Brasil no século XIX, Resistência Escrava, Gênero e Escravidão, História e Historiografia Alagoana.

O livro do autor é produzido originalmente como dissertação de mestrado em História Social, pela PUC/SP, com o título de “Sobreviver e Resistir: os caminhos para liberdade de africanas livres e escravas em Maceió (1849-1888)”, defendida no ano de 2013. A obra do jovem historiador apresenta um caprichado mergulho na realidade das experiências de vida de mulheres africanas livres e escravizadas na cidade de Maceió, Alagoas, Brasil, na metade do século XIX, bem como descreve acertadamente a luta destas mulheres por sobrevivência e resistência no período de escravidão no país. O resultado é uma leitura aprazível e um texto que contribui para o debate sobre gênero e escravidão no Brasil do século XIX. Leia Mais

A Família Chermont. Memória histórica e genealógica | Victorino Coutinho Chermont de Miranda

Trinta e quatro anos passados, em revisão revisada e ampliada, pelo autor, Victorino Coutinho Chermont de Miranda, em magnífico livro sobre a família Chermont torna a nos encantar com os estudos genealógicos.

O livro possui XIII capítulos, três Anexos, índice onomástico da família Chermont e índice onomástico de litógrafos, pintores, fotógrafos e ateliês fotográficos. São 355 páginas em bela impressão. Leia Mais

Por mãos alheias: usos da escrita na sociedade colonial | Silvia Rachi

Um ponto interessante de se refletir é que todos os indivíduos saudáveis expostos à linguagem falam, mas apenas uma parcela da população global escreve. Vivemos em uma cultura altamente grafocêntrica; dominar a técnica da escrita gera um prestígio e licencia algumas pessoas a participarem de certas atividades e as registrem. Se assim o é atualmente, muito mais o era em períodos pretéritos.

O livro Por mão alheias: uso da escrita na sociedade colonial, de Silvia Rachi, professora do curso de história da PUC-MG, revela expressivas questões sobre a prática da escrita no período setecentista. Essa obra, fruto das pesquisas realizadas pela autora durante a sua carreira, sobretudo, em seu doutorado, vem contribuir diretamente para história da escrita, bem como para a historiografia mineira. Para dar conta de tanta informação, o texto foi dividido em quatro capítulos de conteúdo. Leia Mais

Escritas de viagem, escritas da história: estratégias de legitimação de Rocha Pombo no campo intelectual, 2018 | Alexandra Lima da Silva

A obra Escritas de viagem, escritas da história: estratégias de legitimação de Rocha Pombo no Campo intelectual é escrita por Alexandra Lima da Silva. Nela, a autora problematiza as estratégias de legitimação a partir da viagem realizada pelo educador Rocha Pombo ao norte do Brasil, em 1917. Vislumbra, dentre as diversas facetas de Rocha Pombo – intelectual, historiador, professor de história, escritor de livros de história –, interpretar sua face de viajante. Na introdução do livro, narra seu encontro com este sujeito ainda enquanto estudante de graduação. Destaca sua busca por pistas, seguindo as pegadas desse homem, realizando uma vasta pesquisa em arquivos e instituições de guarda da cidade do Rio de Janeiro e em outras cidades.

José Francisco da Rocha Pombo nasceu em Morretes, cidade localizada no Paraná, em 4 de dezembro de 1857. Na pequena cidade onde nasceu, teve acesso apenas à educação primária, por não haver na região escolas secundárias. Em 1897, viaja para o Rio de Janeiro onde se estabelece como um prestigiado professor de história. Na cidade, tece suas redes de sociabilidades junto a Silvio Romero, Manoel Bomfim e José Veríssimo. Mesmo com o tempo ocupado nas tarefas do ensino, o intelectual dedica-se à escrita de poesias, à política e à produção de compêndios de história. Sua obra mais conhecida, alvo de críticas pelos literatos da época é o livro de história, de título: História do Brasil. Leia Mais

A crista é a parte mais superficial da onda: mediações culturais na MPB (1968-1982) | Luísa Quarti Lamarão

Em dezembro de 2015, Chico Buarque foi insultado por um grupo de jovens que questionavam seu apoio ao governo de Dilma Rousseff. Rapidamente as redes sociais repercutiram o caso e a divisão ideológica do país passou a envolver a esfera musical por meio de um dos seus maiores ícones. Também rapidamente surgiu a associação do “gênio da música brasileira” com o Comunismo. Chico de herói passou a ser um bolivariano. Inclusive reavivou-se um texto já esquecido do colunista de O Globo, Rodrigo Constantino, que apontava o equívoco das políticas de inclusão social que exaltavam as minorias e indicavam criminosos como vítimas de um sistema injusto:

Compare isso às letras de Chico Buarque, ícone dessa esquerda festiva, sempre enaltecendo os “humildes”: o pivete, a prostituta, os sem-terra. A retórica sensacionalista, a preocupação com a imagem perante o grande público, a sensação de pertencer ao seleto grupo da “Beautiful People” são mais importantes, para essas pessoas, do que os resultados concretos de suas ideias (CONSTANTINO, 2003). Leia Mais

Lima Barreto: triste visionário | Lilia Moritz Schwarcz

A escolha de Lima Barreto como autor homenageado pela 15ª edição da Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP), ocorrida em 2017, ensejou uma série de publicações que o tomaram como tema central. Nascido em 1881, ainda sob a vigência da escravidão e do regime monárquico, o negro carioca que ousou tornar-se escritor viveu numa época de transições cruciais para a história do Brasil e produziu, com sua literatura, um testemunho precioso que se oferece como um rico acervo documental para todos aqueles que desejam compreender melhor os significados de nossas primeiras décadas republicanas. Leia Mais

Health Equity in Brazil: Intersections of Gender/Race/and Policy | Kia Lilly Caldwell

No livro Health Equity in Brazil: Intersections of Gender, Race, and Policy (Equidade em saúde no Brasil: intersecções de gênero, raça, e política Pública), Kia Caldwell, professora da Universidade da Carolina do Norte, procura analisar como fatores estruturais e institucionais contribuíram e continuam a contribuir para a precarização da saúde de milhares de mulheres e homens negros. Caldwell chama a atenção para o insucesso do Brasil em desenvolver políticas que resolvam as questões de saúde que impactam desproporcionalmente a população negra até o início do século XXI. Ela enfatiza, ainda, o fato de o país não apresentar longa tradição de pesquisas ou de políticas em saúde focadas nas desigualdades raciais ou étnicas. Discorre, por um lado, sobre os esforços do Brasil no que se refere ao enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS, e, por outro, sobre os desafios para assegurar equidade em saúde para a população afrodescendente. No que se refere à questão da garantia de saúde de qualidade para seus cidadãos, em particular para negras e negros, Caldwell examina o fato de o país ter sido bem-sucedido em certos desafios, mas ter falhado em confrontar outros. Leia Mais