Africanidades e Interculturalidade / Tempo Amazônico / 2020

Esta edição da Revista Tempo Amazônico é composta pelo dossiê Africanidades e Interculturalidade, organizado pelos professores Marcos Vinicius de Freitas Reis, Sérgio Junqueira e David Junior de Souza SidfccA proposta deste dossiê foi reunir trabalhos que examinassem as relações interculturais que envolvem as culturas afro-brasileiras, especialmente relacionadas aos sistemas de representação social e cultural instituídos na esfera pública, como instituições jornalísticas e educacionais.

Assim, foram convocados trabalhos da ordem de etnografias de processos culturais, identitários e territoriais de comunidades quilombolas e de comunidades de terreiros. As religiosidades, festividades e fronteiras culturais foram estabelecidas como eixos para estas pesquisas etnográficas.

Complementariamente, foram convocados trabalhos que contribuíssem para um mapeamento das relações entre culturas tradicionais afro-brasileiras e os sistemas culturais da mídia e da esfera pública e dos sistemas de ensino escolar e universitário. Os temas da intolerância religiosa, da educação para as relações etnicorraciais, da implementação da lei 10639 / 2003 e da educação intercultural quilombola estruturam as referências conceituais básicas para este eixo do dossiê.

O dossiê é aberto pelo artigo Festa de São Sebastião de Carmo do Macacoari: na ótica de mulheres negras mais velhas de Maria das Dores do Rosário Almeida, Descendente da Vila do Carmo do Macacoari. Mestra em Desenvolvimento Sustentável junto aos Povos e Terras Tradicionais pela Universidade de Brasília (UnB). Este artigo é uma reflexão sobre relações conflituosas que eventualmente ocorrem na Festa de São Sebastião e sobre as transformações sofridas ao longo dos anos, a partir das experiências de mulheres negras mais velhas do lugar. O texto utiliza a interessante e original metodologia do Resgate das Canoas, uma pesquisa e cunho etnográfico e de história oral. A pesquisa desenvolve importantes reflexões sobre as relações entre as dimensões religiosas e profanas da festa e recupera elementos do passado da comunidade de grande importância para a identidade coletiva e individual dos moradores.

O segundo texto intitula-se Uma etnografia da festa de São Benedito na comunidade Quilombola do Barranco em Manaus-AM, de autoria de Vinícius Alves da Rosa, professor da Rede municipal de Educação de Manaus e Mestre em Ciências Humanas (UEA). Trata-se de uma festa tradicional entre a comunidade, realizada com vínculo forte com a memória da ex-escrava alforriada Maria Severo Nascimento Fonseca, fundadora da comunidade. A pesquisa enfoca a dimensão cultural da comunidade presente nas narrativas orais, na memória dos idosos, nas celebrações que atravessam o tempo, bem como os rituais de afirmação, as crenças, e a religiosidade, que têm um significado especial para os devotos e para a identidade étnica da comunidade.

Em seguida temos o texto Fronteiras fluidas, religiosidade e os desafios contemporâneos da professora Georgia Pereira Lima, da Universidade Federal do Acre. Este texto trata, na tríplice fronteira Brasil–Peru–Bolívia, da chamada “comunidade brasiviana”, nome pelo qual são as conhecidas as famílias brasileiras moradoras em território boliviano. A vivência destas famílias neste contexto transfronteiriço, para o qual levam sua religiosidade, de religião protestante, engendra um fenômeno religioso bastante complexo, no qual a igreja atravessa os limites territoriais oficiais dos países.

O terceiro texto, Intolerância a religiões de matriz africana: abordagem de casos na mídia brasileira, de Alessandro Ricardo Pinheiro Brandão, Mestrando em História, e de Raquel Schorn de Oliveira, Mestre em Extensão Rural, investiga práticas de intolerância religiosa realizados por atores da mídia brasileira. Os autores analisam dois casos empiricamente em que a forma com que a mídia noticiou eventos denotam intolerância religiosa, pelo uso das palavras e pelo viés dado às reportagens.

Três textos neste dossiê tratam de temas relacionados à lei 10639 / 2003. O texto “A caixa sagrada” e a formação continuada de professores dos anos iniciais: um debate entre o uso da cultura material e o ensino de africanidades, de Júlio Santos da Silva, doutorando em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), aborda o problema da criação de metodologias e ações pedagógicas para a concretização do ensino de cultura Afro-Brasileira e Africana. O autor reflete então sobre experiências pedagógicas realizadas com professores da rede municipal de formação continuada de professores para a concretização deste ensino.

Por sua vez, o texto Contribuições e impactos na educação escolar por meio da Lei nº 10.639 / 2003, de Rosangela Siqueira da Silva, Doutora em Ciências da religião, e de Telma Heloísa de Alencar Félix, licenciada em Filosofia, reflete sobre as ações do Projeto de Formação Continuada para educadores da rede municipal da Cidade de Manaus / AM, e sobre o sentdo deste projeto como ação direicionada a reconstrução da identidade negra e afrodescendente, enfrentando o racismo e a discriminação.

O texto de autoria Eliane Quaresma da Silva, professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Amapá, intitulado A educação para as relações étnico-raciais na Escola Estadual Professora Risalva Freitas do Amaral, em Macapá-AP, investiga as ações pedagógicas e conteúdos curriculares trabalhados pela referida escola na implementação da Lei 10.639 / 03, sobre o Ensino de História e Cultura afro-brasileira. A conclusão é que a Escola realiza ações para a visibilidade da cultura negra e afrodescendente, porém a ausência de uma formação continuada e de um Projeto Político Pedagógico norteador dessas ações tendem a retardar o efeito positivo que se objetiva com implementação desta lei: o reconhecimento e valorização da cultura afrodescendente.

O texto de autoria de Maria da Penha Lima da Silva, mestra em Ciências da Religião, Daniel Marcos Gomes de Lelis, Doutorando em Ciências da Religião, e Maria José Torres Holmes, Doutoranda em Ciências da Religião, intitulado Expressões do sagrado: da teoria à práxis, para além da sala de aula, trata-se de um relato de experiência realizada com os educandos de quinto e sexo ano do Ensino Fundamental. A experiência pedagógica em pauta teve como objetivo de levar os educandos ao entendimento de como os lugares se tornam sagrados e qual a sua importância para as tradições religiosas e para o ser humano. Nas visitas realizadas a templos históricos de João pessoa foi buscado sensibilizar os estudantes também para a presença do fenômeno religioso na construção da cidade.

Encerra o dossiê o texto O Ensino de História e Educação Escolar Quilombola: entre santos, crenças e festividades, de autoria de Raimundo Erundino Santos Diniz. Este artigo realiza a reflexão sobre elementos culturais da visão de mundo das comunidades quilombolas, como rituais religiosos, práticas socioculturais, territorialidades, crenças, festividades e identidade, em sua relação com as exigências específicas para ensino de história na educação escolar quilombola, valorizando as diretrizes específicas da educação intercultural quilombola.

Iniciando a seção de artigos livres deste número o texto O evolucionismo social e a “integração dos refugiados à sociedade brasileira”, do advogado e mestre em antropologia Gabriel Dourado Rocha, realiza uma reflexão crítica sobre a Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados, e problematiza a questão se esta integração preza pela autodeterminação do refugiado ou se remonta ao caráter racista do Estado Brasileiro. Por fim, o texto defende que a integração seja realizada por um paradigma intercultural, que considere e respeite a alteridade.

O texto de Diego Darlisson dos Santos Sousa, Igreja do Evangelho Quadrangular em Santarém – Pará. Sistema de crenças, “batalha espiritual” e socioespacialidade no Baixo e Médio Amazonas, versa sobre a relação entre o sistema de crenças e o modelo de células da Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ), em Santarém, Pará. Na pesquisa o autor conclui que o uso da estratégia chamada “batalha espiritual” tem sido eficaz para expansão da igreja por espaços da cidade onde não tinha influência.

Em seguida o texto Elementos para a análise sociogeográfica dos Movimentos Indígenas, de David Junior de Souza Silva, constitui-se em uma proposta metodológica de intersecção entre o conceito sociológico de movimento social e o conceito geográfico de sentido de território para compreensão da realidade dos movimentos indígenas na Amazônia brasileira.

Encerrando este número o texto de Marcos Paulo Torres Pereira e Nilva Oliveira dos Santo, intitulado Eu sou um ser humano – uma leitura acerca da atualidade da obra de Hannah Arendt, faz uma reflexão sobre a obra da autora, especialmente as relações entre poder e estado e política se ser humano. A análise demonstra como preconceitos étnicos e raciais perpetuam o ódio e potencializam a negação das diversidades e alteridades.

Convidamos a todos para uma boa leitura.

David Junior de Souza Silva (UNIFAP)

Marcos Vinicius de Freitas Reis (UNIFAP)

Sérgio Junqueira (IPFER).


SILVA, David Junior de Souza; REIS, Marcos Vinicius de Freitas; JUNQUEIRA, Sérgio. Apresentação. Tempo Amazônico, Macapá, v.7, n.2, 2020. Acessar publicação original [DR]

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