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Lo sindical en su multiplicidad. Trabajo/profesiones y afectos en el hospital | Anabel Angélica Beliera
En Argentina, en las ùltimas décadas, hubo una reactivación de la conflictividad social en ámbitos laborales con un destacado y renovado protagonismo de las organizaciones sindicales. En ese entramado se inscribe el libro de la Socióloga y Doctora en Ciencias Sociales Anabel Beliera, Lo sindical en su multiplicidad. Trabajo, profesiones y afectos en el hospital, donde la autora indaga críticamente acerca de las mùltiples modalidades en que se construye la experiencia sindical en un ámbito laboral estatal, en este caso el Hospital Provincial Neuquén Dr. Castro Rendón (en adelante, HPN). Leia Mais
O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo – SAFATLE (RFMC)
SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. São Paulo: CosacNaify,2015. Resenha de: PINTO, Thiago Ferrare. Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.5, p. 381-387, n.2, dez, 2017.
Em seu Circuito dos afetos, Vladimir Safatle se propõe a elaborar uma teoria política que pense os “caminhos da afirmação do desemparo” (SAFATLE, 2015, p. 72) e a “insegurança ontológica” que ele produz (SAFATLE, 2015, p. 73). A referência ao caminho implica a relação do desamparo com a história enquanto espaço de conflito em torno de pretensões opostas de validade moral. Mas há mais: a referência ao caminho de afirmação do desamparo envolve também a compreensão da história enquanto espaço de disputa em torno dos padrões a partir dos quais discursamos quando da tentativa de tornar produtivos os conflitos entre pretensões opostas de validade. Aqui está o sentido da insegurança ontológica que o desamparo produz: sua afirmação implica um desafio à suposição das teorias críticas hegemônicas segundo a qual a estrutura deliberativa do Estado democrático de direito espelharia a formadas demandas históricas por realização da liberdade. A insegurança, portanto, vem do reconhecimento da possibilidade de que a realidade histórica e sua materialidade surpreendam as formas hegemônicas de mediação da liberdade.
Segundo o autor, a teoria crítica contemporânea tende a reconhecer a produtividade dos conflitos entre pretensões materiais opostas que convivem no interior de uma comunidade política. Assim, demandas por reconhecimento ganham espaço na arena pública enquanto conflitos materiais voltados à efetivação dos princípios constitucionais que seriam objeto de consenso sobre o modo de resolução desses conflitos. A política caminharia sem pôr em xeque a forma de resolução dos conflitos, uma vez que se definiria pelo desdobramento daqueles conflitos passíveis de tematização nos marcos pré-estabelecidos para a vivência da liberdade. De modo geral, as abordagens críticas reconhecem a produtividade dos antagonismos materiais, embora ao preço da ocultação da possibilidade dos antagonismos formais (SAFATLE, 2015, p. 27).
Desenvolvendo esse ponto, Safatle define política a partir de uma crítica à teoria discursiva do Estado democrático de direito de Jürgen Habermas e à idealidade da razão como horizonte formal do discurso sobre a realização da liberdade. Nos marcos da teoria habermasiana – que nesse ponto influenciou personalidades como Axel Honneth e Nancy Fraser -, pode-se dizer que há devir, há história a ser ressignificada: a dor dos ofendidos nos impele à revisão das estruturas de nossa forma de vida (HABERMAS, 2007, p. 66). O problema é que a história só é revelada naquelas dimensões que podem ser expressas nos marcos racionais – marcos da razoabilidade, diria John Rawls (2006, p. 32-33) – do horizonte consensual que define o corpo político:
[…] argumentar a partir da razão significa introduzir a política em um campo tendencial de concórdia, afastar-se da instabilidade das paixões para aproximar-se da perenidade de determinações normativas encarnadas na estabilidade de instituições capazes de garantir a procura comum pelo melhor argumento a partir de ideias claras e distintas (SAFATLE, 2015, p. 149)
O que daí se segue é uma tentativa de ressignificar o conceito de política. Nos marcos da teoria discursiva do Estado democrático de Direito, política é a efetivação de demandas por liberdade no interior das estruturas normativas do projeto constitucional. Política é, portanto, a atividade de constante revisão dos nossos padrões de coordenação de ação a partir das estruturas que delimitam o que pode vir à luz enquanto demanda por reconhecimento. A abordagem de Safatle se sustenta na tese segundo a qual a teoria discursiva do Estado democrático de direito anula a política à medida que retira dela sua espontaneidade e sua possibilidade de fazer da contingência o impulso para a reinvenção das estruturas fundantes de uma comunidade.
A compreensão da função do direito na constituição do espaço público é fundamental no caminho argumentativo do autor. O direito não só reproduz determinada percepção daquilo que a crítica social pode ser, mas também a constitui, à medida que estrutura os espaços sociais de crítica e delimita formalmente o politicamente possível. O ponto do autor se comunica com a abordagem de Butler naquilo que diz respeito à estruturação jurídica do regime de gênero nas democracias ocidentais contemporâneas (BUTLER, 2017, p. 23). A orientar o autor e a autora, encontra-se a ideia segundo a qual a estrutura jurídica de uma sociedade institui um regime de validade que tem a pretensão de sustentar juízos sobre o real. Nesses termos, a vida política que caminha sem a tematização de antagonismos formais produz a já referida segurança ontológica, no sentido de que as possibilidades de recuperação histórica de narrativas sobre a liberdade – narrativas silenciadas pelo teor universalizante da forma de vida hegemônica – se encontram pré-determinadas e, portanto, delimitadas em seu potencial transformador. O diagnóstico de Safatle tem o seguinte teor: “[…] a estrutura do direito determina as formas possíveis que a vida pode assumir, os arranjos que as singularidades podem criar. Elas fazem das formas de vida aquilo que previamente tem o molde da previsão legal” (SAFATLE, 2015, p. 360).
A estrutura jurídica constitui, portanto, o padrão hegemônico de realização da liberdade. A gramática constitucional estabelece critérios de dizibilidade, formas que são condições de possibilidade para o falar sobre política e emancipação. É assim que a pretensão de reconstruir a história de determinada comunidade política se perde na delimitação prévia daquilo que pode ser uma pauta a ser debatida no espaço público estruturado constitucionalmente.
A ideia central aqui é a desincronização. A partir dela se percebe a anulação da materialidade da vida política como um desdobramento da suposição da existência de um modelo único de realização da liberdade: a liberdade realizada no espaço institucional do Estado democrático de direito. Nos marcos da teoria discursiva de Habermas, a materialidade que dá ensejo aos processos de aprendizado social é demarcada e limitada em seu potencial produtivo: a contradição que o sofrimento instaura não põe em xeque os pressupostos do discurso prático, as bases do Estado constitucional. Nesse sentido, a descentralização das perspectivas hegemônicas é sempre parcial, no sentido de que nunca dará conta daquelas vivências cuja concretude não se deixa traduzir nos pressupostos comunicativos embutidos nos processos constitucionais de crítica social.
A teoria crítica hegemônica – a teoria discursiva do Estado democrático de direito, em especial–naturaliza os marcos da crítica, determinando abstratamente os sentidos possíveis da liberdade. Safatle assim resume o argumento em torno dos desdobramentos deletérios da sincronização da história enquanto dimensão necessária dessas perspectivas teóricas:
Através da história, ser e tempo se reconciliariam no interior de uma memória social que deveria ser assumida reflexivamente por todo sujeito em suas ações. Memória que seria a essência orgânica do corpo político, condição para que ele existisse nas ações de cada indivíduo, como se tal corpo fosse sobretudo um modo de apropriação do tempo, de construção de relações de remissão no interior de um campo temporal contínuo, capaz de colocar momentos dispersos em sincronia a partir das pressões do presente (SAFATLE, 2015, p. 137)
Ainda a respeito da dimensão jurídica da sincronização, o autor se debruça sobre a ideia de cidadania. A defesa da cidadania nos marcos de uma democracia deliberativa envolveria a pressuposição do caráter jurídico das condições de formação da subjetividade, o que implica uma limitação do sentido da política a partir de sua submissão aos princípios constitucionais que fazem a mediação da crítica social. A potência transformadora da política– sua capacidade para produzir antagonismos formais a partir da experiência do desamparo – é domesticada pela obrigatoriedade de uma forma para o exercício da autoconsciência. Ainda que não se resuma ao voto – como parece ser o caso nos modelos liberais de democracia -, a cidadania advogada pela teoria discursiva do Estado democrático de direito compreende a formação da memória e da identidade de uma comunidade como um exercício discursivo que se realiza nos limites da gramática constitucional. A dimensão política da vida social, portanto, está colonizada pela rigidez de princípios jurídicos, de onde se segue que o desamparo não encontra rotas de fuga por meio das quais possa afirmar-se.
Resumiremos o argumento. A teoria discursiva do Estado democrático de Direito encontra sua materialidade no fato de que “a objetividade da exigência de um novo espírito vem da dor dos ofendidos” (HABERMAS, 2007, p. 52). O problema, porém, é que a pressão do presente impele a construção da memória social a partir da sincronização da história. Ou seja, a tematização da dor só se dá à medida do possível, sendo o possível o espaço pré-determinado pelas estruturas do Estado constitucional(SAFATLE, 2015, p. 137). Toda dor é concebida como indício de antagonismo material, nunca como a materialidade fundante de um antagonismo formal. Em última instância, não se põe em xeque “o horizonte formal consensual de legitimidade dos enunciados” (SAFATLE, 2015, p. 149), de modo que a vida política se resumiria ao debate sobre as discordâncias que se travam num espaço delimitado de antemão.
Seria o caso de dizer, portanto, que Habermas ainda opera nos quadros naturalizantes do liberalismo político de Rawls. Embora tenha afastado a ideia do fato do pluralismo razoável através da historicização da formação das diferenças, Habermas supõe o caráter universal do projeto constitucional enquanto instância mediadora da liberdade. Nesses moldes, o universal não é mediado pelos momentos particulares de sua crítica; o universal, portanto, permanece intocável. Precisamente neste ponto a teoria discursiva do Estado democrático de Direito não sustenta a sua pretensão de materialidade: o atrito produtor de antagonismos formais – na terminologia de Safatle, a capacidade do desamparo de pôr em xeque a universalidade das estruturas que medeiam a liberdade jurídica – é ocultado pelo não reconhecimento da legitimidade de demandas que não se deixem traduzir na gramática uniformizante do direito constitucional.
A gramática constitucional ampara as demandas por justiça, uma vez que demarca os limites daquilo que é antecipado como politicamente possível. Pensar a política a partir do desamparo envolve a centralização daquelas demandas que colocam em xeque os limites do possível, ou seja, demandas que questionam a rigidez das estruturas que, à medida que delimitam o espaço formal da crítica social, acabam por dizer o que a crítica pode ser: “[…] estar desamparado é estar sem ajuda, sem recursos diante de um acontecimento que não é a atualização de meus possíveis”(SAFATLE, 2015, p. 71). A produção política de antagonismos formais é o caminho de afirmação do desamparo no sentido de tornar politicamente possível aquilo que até então não o era.
A força política do desamparo reside no desejo de transformação da base supostamente consensual por meio da qual uma comunidade dialoga racionalmente sobre a sua história. A abstração do consenso racional é revelada pela materialidade do desamparo, pela asseveração da necessidade de se dar voz àqueles e àquelas que não encontram voz nos marcos pré-estabelecidos pelo Estado democrático de direito para a crítica social:
[…] a política pode ser pensada enquanto prática que permite ao desamparo aparecer como fundamento de produtividade de novas formais sociais, na medida em que impede sua conversão em medo social e que nos abre para acontecimentos que não sabemos ainda como experimentar (SAFATLE, 2015, p. 67)
A teoria crítica do autor tem como objetivo, portanto, a desconstrução do modelo de realização da liberdade pressuposto pela teoria discursiva. A pretensão de materialidade é levada aqui às últimas consequências, o que implica dizer que os antagonismos políticos transcendem a divergências entre orientações axiológicas, as divergências entre concepções de bem igualmente razoáveis. Os antagonismos políticos põem em xeque, portanto, o próprio consenso constitucional. A materialidade da história vivida de modo não sincrônico produz atrito com as estruturas formais do Estado constitucional – os procedimentos constitucionais formalmente instituídos são insuficientes enquanto meio de trazer à luz experiências contra- hegemônicas de liberdade. Daí se segue o desafio em torno da revisão das pretensões de universalidade da gramática moral da comunidade e o reconhecimento da impossibilidade de antecipação das estruturas a partir das quais a crítica será exercida, a história será reconstruída e a memória/identidade de uma comunidade será ressignificada.
Referências
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. São Paulo: Civilização Brasileira, 2017.
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.
RAWLS, John. O liberalismo político. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 2000.
Thiago Ferrare Pinto – Professor substituto do Departamento de Teoria do Direito da Faculdade Nacional de Direito – UFRJ.
“Tempo bom, tempo ruim: identidades, políticas e afetos” | Jean Wyllys
Não é novidade iniciar esse texto falando do momento assombroso pelo qual atravessamos, no Brasil e no mundo, onde a democracia representativa aparece em plena derrocada e as noções de Direitos Humanos, universais e fundamentais, presenciam uma verdadeira guerra de narrativas. Época onde a humanidade parece mais uma locomotiva desgovernada que se dirige rapidamente a um futuro que, de tão incerto, amedronta qualquer um que se proponha a pensar nas lições advindas da própria história, presenciamos o florescimento de espaços fugindo à regra. O mandato de Jean Wyllys, Deputado Federal pelo Psol do Rio de Janeiro, é um destes espaços.
Autor de “Tempo bom, tempo ruim: Identidades, políticas e afetos”, publicado em 2014 pela editora Paralela, Jean Wyllys de Matos Santos parece um sujeito que teima em nadar contra a correnteza. Seu livro é um relato da sua trajetória, construída sobre pilares sólidos, fincados no sertão da Bahia, onde a fome foi uma experiência real de inúmeras famílias, incluindo-se a sua. Composto de quarenta e dois textos, a obra se divide em “tempos de vida” e “tempos de luta”, não para marcar espaços distintos, mas sim para apresentar os entrecruzamentos de ambos. Logo no início, Jean afirma que sua vida foi uma luta cuja primeira batalha foi travada com a desnutrição. Leia Mais
Tempo bom, tempo ruim: identidades, políticas e afetos | Jean Wyllys
Em entrevista a Antônio Abujamra em 2013, o Deputado Federal pelo PSOL – Partido Solcialismo e Liberdade – do Rio de Janeiro, Jean Wyllys, afirmou que sua ida para o programa Big Brother Brasil, da Rede Globo em 2005 foi resultado das leituras que fez sobre as ideias do italiano Antonio Gramsci, acerca do posicionamento estratégico dentro do sistema: “mudar de dentro”. Importa afirmar que Gramsci foi um combatente contra o avanço do fascismo na Europa da primeira metade do século XX e elaborou uma espécie de manual sobre como o enfrentamento das questões e contradições da sociedade capitalista podem ser encaradas. Ao sujeito que se coloca na luta (ou na militância) dentro de um partido político ou outra instituição de cunho engajado, deu o nome de intelectual orgânico. Mal poderia imaginar o grande filósofo que, décadas depois de tombar na batalha, o fascismo ainda seria o inimigo a ser vencido. Leia Mais
Circuito dos Afetos: Corpos políticos, Desamparo, Fim do Indivíduo – SAFATLE (RFMC)
SAFATLE, Vladimir. Circuito dos Afetos: Corpos políticos, Desamparo, Fim do Indivíduo. São Paulo: Cosac Naify, 2015. Resenha de: PACHECO, Mariana Pimentel Fischer. Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.3, p 190-193, n.1, 2015.
Em Circuito dos Afetos, Vladimir Safatle investiga desdobramentos de suas ideias acerca de uma ontologia do negativo, as quais sustentou em sua tese de doutorado 1 por meio de uma engenhosa articulação entre Hegel, Lacan e Adorno. Seu novo livro aborda especificamente a dimensão dos afetos. Nosso autor já havia apontado para essa direção em dois de seus trabalhos, Cinismo e Falência da Crítica e Grande Hotel Abismo. O primeiro mostra que cínico é aquele que aprendeu a rir das normas: não importa se estas se realizam de maneira invertida, para o cínico o que realmente interessa é a promessa de gozo imediato do neoliberalismo. Posteriormente, Grande Hotel Abismo aprofunda a investigação sobre uma ontologia capaz de exercer uma pressão subtrativa e insiste no potencial produtivo de experiências de indeterminação.
Que afetos estão ligados à produtividade do trabalho do negativo? Que afetos permitem a insurgência de uma violência destruidora daquilo que nos faz estagnar em um circuito de repetições intermináveis? Que afetos criam sujeitos? Estas são as perguntas centrais de Circuito dos Afetos. Para pensa-las, Safatle retorna a Freud, particularmente ao desamparo [Hilflosigkeit] freudiano. Este é, de fato, um retorno, pois somente após incorporar sua tríade (Hegel, Lacan e Adorno) nosso autor poderia ler Freud tal como, agora, propõe.
Diferentemente do medo ou da esperança, o desamparo não está ligado a projeções de determinados acontecimentos futuros. O desamparo se conecta a situações às quais não somos capazes de atribuir um sentido (ou, como prefere Safatle, atribuir um predicado) ou a experiências que não sabemos como lidar. No desamparo agimos sem saber em que lugar chegaremos. Mas, mesmo desamparados, agimos. Movemonos, pois de algum modo devemos ter sido capazes de perceber que estávamos presos a um circuito de repetições. Estranhamos isso – o desamparo é, nestes termos, articulado ao estranhamento (Das Unheimlich) freudiano. Nosso autor escreve sobre uma política do impossível, isto é, sobre uma política ligada a um ato que não está mais fundado nas possibilidades que nos são disponibilizadas por uma ordem simbólica. Trata-se de um ato que só poderá adquirir sentido retroativamente.
A partir de textos freudianos, Safatle formula, ainda, um diagnóstico acerca da hegemonia de certos afetos em nosso modo de vida: sua leitura de Totem e tabu expõe a força atual de um circuito repetitivo de medo e culpa, conexo a um laço social de base melancólica.
Em Totem e tabu, Freud conta a história de um pai primevo que possuía todas as mulheres e tinha acesso a um gozo ilimitado. Os filhos se unem, matam o pai e, depois disso, comem a sua carne. Ocorre que, desde o início, a relação com o pai era ambivalente: os filhos não só o odiavam, também o amavam. Foram, por isso, após o parricídio, tomados por sentimentos de medo e de culpa. O banquete totêmico mostra que, com o assassinato, o pai não fica para trás, ele é introjetado. É desse modo que o supereu freudiano se forma.
Poderíamos concluir, como fazem alguns, que o parricídio é um marco para a constituição de um laço horizontal entre irmãos. Há quem diga que estaria aí a base de uma sociedade democrática e igualitária. Safatle mostra, todavia, que não é esta a história narrada em Totem e tabu: a morte do pai e sua introjeção melancólica produz um fantasma. Nosso autor escreve que as democracias neoliberais são sociedades de irmãos assombrados pelo fantasma do pai. Vivemos em tempos de neoliberalismo e de injunção ao gozo, em vez do supereu repressivo da época de Freud, o supereu, hoje, ordena: goze agora! Satisfaça-se imediatamente! Os irmãos se tornaram indivíduos que competem entre si e buscam afirmar sua potência (querem ser como o pai); são, hoje, empresários de si mesmos.
Para pensar a política no tempo presente, devemos, então, compreender que o laço entre indivíduos no neoliberalismo se constitui melancolicamente. A centralidade desta ideia fica clara na afirmação “a gênese do supereu em Freud está alicerçada em uma analítica da melancolia” (SAFATLE, 2015: 82) e na passagem que a segue:
É possível dizer que o poder nos melancoliza e é dessa forma que ele nos submete. Essa é sua verdadeira violência, muito mais do que os mecanismos clássicos de coerção e dominação pela força, pois trata-se aqui de violência de uma regulação social que leva o Eu a acusar a si mesmo em sua própria vulnerabilidade e a paralisar sua capacidade de ação (SAFATLE, 2015: 83).
Tanto o luto como a melancolia são processos ligados à perda de um objeto de forte investimento libidinal. Na melancolia, entretanto, o trabalho de elaboração não se realiza por completo. O objeto não é deixado para trás, ele permanece de um modo bastante peculiar: é introjetado, ou seja, é ligado ao eu. Dessa maneira, afetos como raiva e ressentimento por ter sido abandonado pelo objeto amado se voltam contra o próprio sujeito. Na melancolia há um movimento pendular entre, de um lado, autoacusações e sentimento de impotência e, de outro, afirmações obstinadas da potência. Não é por acaso que indivíduos, empresários de si, oscilam, hoje, entre uma profunda sensação de impotência (o aumento dos diagnósticos de depressão não aconteceu sem motivo) e procura por maximização da performance. Os indivíduos não cessam de tentar alcançar a potencia plena ou gozo ilimitado (como o do pai primevo) que o neoliberalismo promete.
O luto conforma outro modo de lidar com a perda. O trabalho de luto apenas pode se realizar, contudo, se formos capazes de agir sem medo de perder um objeto que já, desde sempre, estava perdido. Em outras palavras, o luto está ligado um ato que acontece sem o amparo de fantasias como a de um pai primevo e sem a promessa de um gozo ilimitado. Safatle se refere ao luto da ideia de indivíduo e da promessa neoliberal de gozo; este é, para ele, um luto do impossível.
Nosso autor realiza, assim, uma crítica que convoca a performatividade adorniana: falar sobre o esgotamento de um modo de vida é também uma maneira de fazer alguma coisa, é um modo de realizar uma intervenção interpretativa. É como se tivéssemos que fazer ressoar, afirmar, uma vez e de novo, que um modelo se esgotou e que não há saída possível, apenas para que, em um segundo momento, possamos dizer: “há, agora, novas possibilidades, há sim uma saída”. Trata-se de tornar o impossível possível: “conseguiremos mais uma vez explodir os limites da experiência e fazer o que até então apareceu como impossível tornar-se possível” (SAFATLE, 2015: 185). Este é um projeto crítico que busca mobilizar “a força performativa da rememoração” (SAFATLE, 2015: 176). Safatle insiste que instituir outros modos de narrar a história pode ser um maneira de realizar um trabalho de luto.
Propomos, por fim, avançar um pouco mais na discussão sobre o luto e possibilidades para crítica. Em diversos trechos do livro, Safatle se refere a Judith Butler. Isso de nenhum modo surpreende, pois a filósofa norte-americana também pensa a política a partir de ideias freudianas sobre luto e melancolia2. Nosso autor não se aprofunda, entretanto, no exame das diferenças entre o seu ponto de vista e o de Butler.
Não é o luto do indivíduo ou de uma promessa de gozo que interessam a Butler, ela investiga o luto que experimentamos em nosso cotidiano, aquele que vivenciamos ao perdermos pessoas importantes como um parceiro ou parceira, nossos pais, filhos, um grande amigo. O trabalho de luto pode, nesses casos, mostrar que não somos proprietários de nós mesmos. Butler não cuida, então, de um luto referente à morte do individuo-proprietário; para ela, é o próprio luto que mata o individuo-proprietário que imaginávamos ser.
Para compreendermos esta ideia, basta nos lembrarmos de perdas que vivenciamos. Ao perdermos pessoas importantes comumente imaginamos que a dor que sentimos é temporária e que, posteriormente, retornaremos à situação anterior. Mas certas perdas não permitem que esse retorno ocorra. São justamente estas que podem revelar algo realmente significativo sobre nós mesmos. Após tais perdas irreversíveis, o que antes sabíamos sobre nós mesmos se desfaz. É como se o “eu” não perdesse simplesmente um “tu” do qual se separaria, é como se perdesse o que conhecia sobre si mesmo: perdemos alguém para descobrir que nos perdemos daquilo que imaginávamos ser. Somente conseguiremos deixar que o trabalho de luto ocorra se aceitarmos essa falta de sentido, isto é, se aceitarmos que não mais sabemos o que fazer, que estamos desamparados. Parece, então, que, para nossa autora, o luto produz desamparo.
Apenas poderemos atravessar o luto se nos deixarmos submeter a uma transformação cujos resultados não podemos prever. Há algo em jogo no luto que é mais forte do que previsões, do que conhecimento, do que escolha. Algo toma conta de nós e, assim, o luto nos mostra que não somos proprietários de nós mesmos. Não seria equivocado falarmos, então, sobre “estranhamento” no sentido que Freud atribui à palavra: no trabalho de luto, o sujeito se percebe como outro.
A nossa autora escreve que, hoje, certas vidas, quando perdidas, não produzem luto (a expressão que usa é “ungrieveble lives”). Ela associa esta ideia à luta de movimentos sociais e pergunta: como os movimentos sociais, formados por pessoas que passaram por perdas irreversíveis, podem realizar o luto? Talvez a elaboração de suas perdas possa mobilizar uma autocrítica e impulsionar o avanço desses movimentos. Ainda, tendo em conta as políticas de guerra nos EUA, nossa autora indaga: o que aconteceria com os EUA se pronunciássemos, uma vez e de novo, o nome de afegãos e iraquianos mortos em virtude da ação de norte-americanos? E se pronunciássemos, uma vez e de novo, os nomes dos prisioneiros de Guantánamo, que não estão ainda mortos, mas também não estão exatamente vivos (BUTLER. 2004).
Parece-nos que há, aqui, dois caminhos para a crítica. De um lado, a crítica adorniana de Safatle e, de outro, a crítica de Butler, que busca uma conexão direta com a ação de movimentos sociais. Os dois projetos têm algo em comum: os nossos autores indicam que crítica deve nos permitir deixar algo para trás e, desse modo, limpar o terreno para que novas possibilidades possam emergir. Estas duas propostas poderiam ser articuladas? Como tal articulação poderia ser feita? Estas são questões que gostaríamos de investigar em futuros trabalhos.
Notas
1 SAFATLE, Vladimir. A Paixão do Negativo: Lacan e Dialética. São Paulo: UNESP, 2006.
2 Esta discussão está presente em diversos trabalhos de Butler. A ligação entre luto e lutas de movimentos sociais é formulada de uma maneira especialmente clara em Precarious Life. BUTLER, Judith. Precarious Life: The Powers of Mourning and Violence. London & New York: Verso, 2004
Referências
SAFATLE, Vladimir. A Paixão do Negativo: Lacan e Dialética. São Paulo: UNESP, 2006.
____. Cinismo e Falência da Crítica. São Paulo: Boitempo, 2008.
____ .Grande Hotel Abismo: Por uma Reconstrução da Teoria do Reconhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
____. Circuito dos Afetos: Corpos políticos, Desamparo, Fim do Indivíduo. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
BUTLER, Judith. Precarious Life: The Powers of Mourning and Violence. London & New York: Verso, 2004.
Mariana Pimentel Fischer Pacheco – Pós-doutoranda – USP.
A unidade do corpo e da mente: afetos, ações e paixões em Espinosa – JAQUET (CE)
JAQUET, Chantal. A unidade do corpo e da mente: afetos, ações e paixões em Espinosa. Tradução Marcos Ferreira de Paula e Luís César Guimarães Oliva. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. Resenha de: D ’AMBROS, Bruno. Cadernos Espinosanos, São Paulo, n 26, 2012.
Lançado na França em 2004, o livro de Chantal Jaquet chega ao Brasil em 2011, publicado pela editora Autêntica. A tese da união entre mente e corpo de Espinosa tem despertado o interesse de neurobiologistas e psicomotricistas pelo filósofo holandês. Porém, como toda popularização implica quase sempre numa simplificação, surge o receio de que possa haver tal simplificação de Espinosa. É neste intuito que surge o livro de Chantal Jaquet, como precaução de eventuais abusos e simplificações extremas da filosofia de Espinosa e também como um estudo aprofundado das relações entre a mente e o corpo “sob o prisma dos afetos.” (JAQUET 1, p.17)
O livro se divide em cinco capítulos, cujos títulos são: “A natureza da união do corpo e da mente”, “A ruptura de Espinosa com Descartes a respeito dos afetos na Ética III”, “A gênese diferencial dos afetos no prefácio do Tratado teológico-político e na Ética”, “A definição do afeto na Ética III”, “As variações do discurso misto.”
“A natureza da união do corpo e da mente”
Há muito tempo, desde Leibniz, os comentaristas de Espinosa sempre falaram na união psicofísica em termos de paralelismo entre o corpo e a mente. No entanto Chantal Jaquet sustenta que a doutrina do paralelismo não é adequada para compreender Espinosa.
A doutrina do paralelismo é nociva à compreensão da unidade psicofísica e não conduz à uma compreensão adequada do monismo de Espinosa porque “conduz a pensar a realidade com o modelo de uma série de linhas similares e concordantes que, por definição, não se encontram.” (JAQUET 1, p.25). A doutrina do paralelismo, ainda, supõe “homologias e correspondências biunívocas entre as ideias e as coisas, a mente e o corpo”; supõe que a natureza está “condenada à uma ecolalia sem fim, a uma perpétua repetição do mesmo em cada atributo”; supõe que a unidade é uniformidade; supõe também “uma tradução sistemática dos estados corporais em estados mentais”; e, assim, que o paralelismo “mascára tanto a unidade quanto a diferença” da união psicofísica. (JAQUET 1, p.29 – 30).
Mais adequado do que a doutrina do paralelismo, para pensar Espinosa, é a doutrina da igualdade. O próprio Espinosa sustenta que há uma igualdade entre potência de pensar e de agir, tanto em Deus como no homem, usando o mesmo adjetivo latino æqualis, tanto para a potência de pensar e agir de Deus como para a do homem. Quando Espinosa diz ordo idearum ordo rerum ele quer dizer que a ideia de um sujeito é a expressão igual de alguma coisa externa, extensa, a este sujeito pensante. Portanto “a teoria da expressão em Espinosa é regida inteiramente pelo princípio da igualdade.” (JAQUET 1, p.32)
“A ruptura de Espinosa com Descartes a respeito dos afetos na Ética III”
Chantal Jaquet sustenta que Espinosa e Descartes não estariam tão distantes no que tange aos afetos, ambos têm alguns pontos de convergências. Podemos resumir as convergências entre Descartes e Espinosa em alguns pontos básicos, principalmente nas obras As paixões da alma e na Ética : em ambos há um esforço para superar o dualismo mente/ corpo, em ambos há uma abordagem física e mental dos afetos, ambos fazem uma abordagem dos afetos por um método físico-geométrico, em ambos há uma naturalização e racionalização dos afetos, para ambos as paixões são inerentes ao ser humano, para ambos há uma ordem causal por detrás da desordem das paixões, para os dois a mente tem poder sobre as ações e ambos fundam uma “ciência” dos afetos.
Mas, quanto às divergências sobre os afetos, elas se resumem a dois pontos: um concerne à causa das paixões; o outro, à “natureza do poder da mente sobre elas” (JAQUET 1, p.57). Descartes sustenta que a causa das paixões são as ações do corpo sobre a alma e da alma sobre o corpo, ou seja, para ele as paixões são movimentos ativos. Espinosa sustenta que a causa das paixões não está de forma alguma nas ações do corpo ou da alma, ou seja, para ele as paixões são movimentos passivos tanto do corpo quanto da alma, já que ambos são igualmente ativos ou passivos, conforme aquele “princípio de igualdade” das potências que nos fala Chantal. A proximidade entre Descartes e Espinosa, segundo Chantal, está em que ambos concebem corpo e mente em termos de relação psicofísica; mas a distância que os separa está em que Descartes, em última análise, atribui a causa das paixões a uma ação corpo (JAQUET 1, p.58), enquanto Espinosa a atribui à relação do corpo e da mente com a exterioridade, na qual as ideias na mente são determinados pelo exterior (ideias inadequadas). Mas, como lembra Chantal, esse diferente entre os dois filósofos acarreta uma outra, que concerne ao poder da alma sobre os afetos (JAQUET 1, p.60): Descartes acreditava num poder absoluto da alma sobre o corpo, já que ela era a detentora de uma vontade livre capaz de controlá-lo; Espinosa fala em moderação dos afetos a partir de seu conhecimento, isto é, a partir da formação de uma “ideia clara e distinta”, ou adequada, sobre o próprio afeto passivo que, então, deixa de ser passivo (JAQUET 1, p.63).
“A gênese diferencial dos afetos no prefácio do Tratado teológico- político e na Ética”
Chantal Jaquet trata de uma diferença significativa em duas obras de Espinosa, uma da juventude, o Breve Tratado (1660), e a Ética (1677) . No primeiro, a percepção do corpo pela mente é um efeito do corpo ainda; assim, há uma “ação recíproca da alma sobre o corpo” e vice- versa que configuraria um parentesco com Descartes. Na última, a percepção do corpo pela mente é um efeito das ideias das afecções do corpo; aqui ele “exclui toda causalidade recíproca e toma a forma de uma equivalência e de uma correspondência entre modos e atributos diferentes” estabelecendo uma ruptura completa com Descartes.
A questão, portanto, para Jaquet, é “saber se as diferenças são o índice de uma simples mudança de pontos de vista compatíveis entre si ou se elas revelam divergências que atestam uma mutação do pensamento de Espinosa.” (JAQUET 1, p.73).
Para compreender esta questão Chantal Jaquet vai para uma obra intermediária de Espinosa, que fica entre o Breve Tratado e a Ética, o Tratado teológico-político (1670), que, por sua localização intermediária entre as duas obras iniciais mostra a evolução do pensamento de Espinosa em direção à Ética.
O Tratado teológico-político tem muitas diferenças em relação à Ética; as principais tangem aos afetos, que são diferentes dos apresentados na Ética. Uma distinção importante é que no Tratado teológico-político não há, ainda, a distinção entre afetos ativos e passivos. Ali os afetos são vistos como passivos sempre. Aquilo que mais tarde a Ética vai chamar de afetos ativos estão agrupados sob a categoria de fortitudo, subdivididos em animositas e generositas.
Outro ponto que é ressaltado por Jaquet é que no Tratado teológico-político o apetite e o desejo são opostos à razão. O Tratado teológico-político não tem a intenção de fazer uma teoria dos afetos, seu objeto é outro, por isso ele não contém explicitamente uma teoria dos afetos e quando cita os afetos, cita-os sempre como paixões, não mencionando que há afetos ativos. Já na Ética há uma virada em Espinosa. Nela o afeto é definido como fruto de uma causalidade adequada ou como fruto de uma causalidade inadequada: no primeiro caso o afeto é ativo, no segundo é passivo; ou seja, os afetos ativos são ações e os afetos passivos são paixões. Os três afetos básicos – desejo, alegria e tristeza – são decorrentes desta definição. A distinção entre afetos ativos e passivos é uma inovação da Ética. Na Ética há uma “razão apetitiva e um apetite racional.” (JAQUET 1, p.93). A Ética oferece assim “uma visão mais unificada do homem, o qual não é dotado senão de uma única natureza apetitiva que se declina seja sob um modo passivo, seja sob um modo ativo.” (JAQUET 1, p.93). Na Ética “a razão torna-se essa potência ativa capaz de engendrar afetos que coíbem as paixões tristes.” (JAQUET 1, p.94).
Portanto, há uma evolução do pensamento de Espinosa, em direção à Ética, que “confirma essa orientação do sistema rumo a uma concepção mais e mais dinâmica do potência de agir.” (JAQUET 1, p.96).
“A definição do afeto na Ética III”
Uma primeira questão que aparece na Ética é referente à palavra affectus. Chantal Jaquet aponta que, dentre as várias palavras latinas à disposição – emotio, passio, commotio – Espinosa utiliza a palavra affectus e que dentre as várias traduções – emoção, paixão ou sentimento – a mais adequada é afeto.
Quanto à definição de afeto, na parte III da Ética há duas definições, uma no início (SPINOZA 2, III, def.3) e outra no final (SPINOZA 2, III, def. geral). Na primeira o afeto é ativo e passivo. Na segunda o afeto é somente passivo. Esta segunda definição é a mais problemática, porque ela é uma definição geral dos afetos e, no entanto, restringe o afeto ao seu aspecto de passividade e mental.
O problema da segunda definição do afeto é que ela é uma definição geral (generalis) e está no final da parte III, o que induz a pensar que ela é uma definição genérica que tenta abranger todos os afetos. Porém ela foca só o aspecto mental e passivo dos afetos, excluindo os ativos. Chantal Jaquet diz que ela é uma definição generalis no sentido de gênero e não de genérico, por isso ela enfatiza o aspecto passivo e mental do afeto porque desta forma, prestando atenção às características genéricas das paixões, pode-se determinar sua força, sua utilidade, sua nocividade e a potência da mente para contrariá-las: “ela é dita geral pois remete todas as paixões a um só gênero, a ideia confusa, e permite em seguida compará-las em função de sua aptidão a aumentar ou diminuir a potência de agir do homem.” (JAQUET 1, p.115)
Espinosa diz que os afetos são afecções corporais que aumentam e ajudam ou diminuem e contrariam a potência de ação deste corpo e também que os afetos são as ideias destas afecções do corpo (SPINOZA 2, III, Def.3, p.98). Nesta definição, o afeto é definido primeiro em relação ao corpo e depois em relação à mente.
A primeira questão que o aspecto corporal do afeto implica é sobre a distinção entre afeto e afecção. Todo afeto é uma afecção corporal mas nem toda afeção corporal é um afeto, portanto, o que distingue afetos de afecções? O critério de diferenciação é a potentia agendi do corpo, ou seja, “uma afecção é um afeto se e somente se tem um impacto sobre a potência de agir do corpo.” (JAQUET 1, p.129). Desta forma os afetos se diferenciam das afecções porque eles tem a capacidade de fazer variar a potentia agendi.
Tudo tem uma potentia agendi porque a potentia agendi é uma vis existendi. Portanto, devemos entender a potência de agir como força de existir e a verdadeira potência de agir é a que tem a ver com as ações, pois repousa sobre um conhecimento adequado, porque aumenta a potência como força de existência. As ações, isto é, aquilo que um sujeito ativo faz, é causa adequada dos efeitos corporais, aumentando a potentia agendi como vis existendi.
Há quatro tipos de afetos que impactam a potentia agendi : os que aumentam ou diminuem e os que ajudam ou coíbem. Chantal Jaquet sustenta que há uma diferença entre os que aumentam/diminuem e os que ajudam/coíbem, dizendo que o segundo grupo não é somente um recurso de insistência, mas que há uma diferença de grau e natureza entre eles. O segundo grupo, que ajuda/coíbe a potência, são afecções que não aumentam nem diminuem a potência de agir do corpo, mas que “só fazem neutralizar as forças contrárias ou favoráveis.” (JAQUET 1, p.142).
Então, Chantal Jaquet elenca cinco tipos de afecções que ajudam ou coíbem a potentia agendi: 1) ajuda ou coíbe o que se opõe à destruição do que se ama ou à conservação do que se execra; 2) ajuda ou coíbe que a imagem da alegria do que se ama seja vista como causada por nós; 3) ajuda ou coíbe sentimentos que mudam de hostis à amigáveis ou de amigáveis a hostis; 4) ajuda ou coíbe alguém que faz o bem ao outro ou não; 5) ajuda ou coíbe a concepção adequada ou inadequada da impotência humana.
O afeto também é definido em relação ao atributo pensamento, à mente. Os afetos são as afecções corporais, mas também são ao mesmo tempo (et simul) as ideias destas afecções corporais, e estas ideias são modos certos e determinados da atividade eterna e infinita do atributo pensamento.
Chantal Jaquet diz que há três maneiras de compreender o advérbio et simul, que se refere à simultaneidade das afecções corporais e mentais. Primeiro, et simul significa que os afetos são psicofísicos. Segundo, et simul significa que os afetos são psíquicos. Terceiro, que eles são físicos. Desta forma há três categorias de afetos, os psíquicos, os físicos e os psicofísicos.
“As variações do discurso misto”
Espinosa faz três divisões concernentes aos afetos: ações e paixões, primitivos e compostos e bons e maus. Desta forma ele não visa uma enumeração exaustiva dos afetos porque os afetos, de um modo geral, se reduzem à três, o desejo, a alegria e a tristeza. Os outros afetos compostos são decorrentes destes afetos primitivos.
Mas Chantal Jaquet estabelece três categorias de afetos, segundo a referência seja mais o corpo, a mente ou ambos, embora todo afeto conserve uma natureza psicofísica. Primeiro há os afetos que se referem ao corpo e à mente, simultaneamente: são os propriamente psicofísicos, que têm “uma realidade psicofísica, sendo objeto de um discurso misto exprimindo a mente e o corpo em paridade.” (JAQUET 1, p.168). Dentro dos psicofísicos, estão os três afetos originários – desejo, tristeza e alegria – e alguns derivados, como o orgulho, a humildade e o amor a Deus. Depois, há os afetos propriamente corporais e Espinosa põe a carícia, a hilaridade, a dor e melancolia como afetos corporais também porque eles “têm um impacto sobre a potência de agir e a fazem variar” (JAQUET 1, p.172). Além destes há também o fastio e o tédio. Por fim, há os afetos mentais. Chantal Jaquet elenca o amor intelectual de Deus, a glória, o arrependimento e a saudade como afetos propriamente mentais.
Diz Espinosa que “Se uma coisa aumenta ou diminui, estimula ou refreia a potência de agir do nosso corpo, a ideia dessa coisa aumenta ou diminui, estimula ou refreia a potência de pensar de nossa mente.” (SPINOZA 2, III, prop.11). Desta forma, todo discurso sobre os afetos, sejam eles mentais ou corporais, é “de essência psicofísica.” (JAQUET 1, p.176). Apesar de a ordem das ideias ser a mesma que a ordem das coisas, nem todo afeto concerne à mente e ao corpo da mesma maneira. Isso remete à tese de Chantal Jaquet de que o monismo espinosano deve ser concebido como igualdade de potência e não paralelismo. “O corpo e a mente são apreendidos ao mesmo tempo sem ter necessariamente o mesmo tempo” (JAQUET 1, p.181, grifo da autora). Por isso o discurso sobre os afetos é sempre misto, nunca é só corporal nem só mental.
Desta forma Espinosa “convida a romper com uma concepção simplista da igualdade entre a potência de pensar e de agir que faria dela a resultante de uma atividade análoga no corpo e na mente ou o reflexo idêntico do que se passa em cada um dos objetos.” (JAQUET 1, p.183). Isto quer dizer, a título de conclusão, que a doutrina da expressão de Espinosa não supõe paralelismo nem causalidade recíprocas, mas, sim, igualdade, que é antes de tudo uma igualdade de potência; e esta é a tese central de Chantal Jaquet. A mente tenta sempre ver paralelismo e causalidade recíproca entre o corpo e a mente, mas, na verdade, eles não existem, a não ser como pensamentos. A igualdade da potência de pensar e de agir não elimina, contudo, as desigualdades de expressão da mente e do corpo, porque eles exprimem atributos que são diferentes (pensamento e extensão, donde a desigualdade expressiva), mas que constituem a essência de uma mesma Substância (donde a igualdade de potência).
“Conclusão”
É importante ressaltar que o livro da filósofa francesa Chantal Jacquet está em diálogo com o livro do neurocientista português António Damásio Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos . Nesta sua obra, o neurocientista resgata o filósofo holandês para justificar a atualidade de seu monismo sobre o dualismo cartesiano dentro da neurociência contemporânea.
No entanto, ao ver de Chantal Jaquet, o neurocientista português “não está sempre à altura de seu modelo e carece às vezes de rigor, porque continua a falar de emergência da mente a partir do corpo, de passagem do neural ao mental.” (JAQUET 1, p.188). Esta crítica da filósofa francesa se confirma no trecho onde o próprio Damásio diz que “é preciso compreender que a mente emerge de um cérebro ou de um cérebro situado no corpo propriamente dito com o qual ela interage; que, devido à mediação do cérebro, a mente tem por fundamento o corpo propriamente dito.” (DAMÁSIO 3, p.91). Para Jaquet, Damásio tende a pensar a mente em termos de emergência a partir do corpo, quer dizer, do cérebro. Para Damásio o cérebro causaria a mente – a alma, a consciência, o pensamento – porque ele pensa a relação psicofísica em termos de paralelismo. António Damásio erra ao apresentar a unidade do corpo e da mente “sob a forma de um paralelismo.” (JAQUET 1, p.189). Do estudo dos afetos em Espinosa, Chantal Jaquet extrai duas lições. A primeira lição é “banir toda busca de interação, de influência ou de causalidade recíproca entre a mente e o corpo para pensar unicamente em termos de correspondência e de correlação.” (JAQUET 1, p.187). A segunda lição é que “o modelo espinosista da união psicofísica não repousa sobre um paralelismo, mas sobre uma igualdade.” (JAQUET 1, p.188). Dessas duas lições sobre o estudo dos afetos conclui-se que há uma identidade entre a ordem e a conexão das ideias e das coisas; mas que tal identidade não “deve mascarar a diferença de expressão própria aos modos de cada atributo.” (JAQUET 1, p.190).
Referências
- JAQUET, Chantal. A unidade do corpo e da mente: afetos, ações e paixões em Espinosa. Tradução Marcos Ferreira de Paula e Luís César Guimarães Oliva. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
- SPINOZA, Benedictus de. Ética . Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
- DAMÁSIO, António. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo: Companhia das letras, 2004.
Bruno D ’Ambros – Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina.
The Politics of Survival: Peirce, Affectivity, and Social Criticism – TROUT (C-RF)
TROUT, Lara. The Politics of Survival: Peirce, Affectivity, and Social Criticism. New York: Fordham University Press, 2010. 362 p. Cognitio – Revista de Filosofia, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 157-165, jan/jun. 2011.
Several years ago, at a meeting of the Society for the Advancement of American Philosophy, Guatemalan philosopher Moris Polanco told me that even though he was interested in the thought of all the American pragmatists, he found most interesting the work of John Dewey because of its direct relevance to the sociopolitical questions that are most pressing in Latin America. Though I agreed with the importance of Dewey’s thought to such questions, it seemed to me that Peirce’s thought should not be underestimated in this regard. Even if Peirce did not write much explicitly about sociopolitical issues, and even if Peirce scholarship tended to neglect the potential sociopolitical relevance of his thought, it appeared to me that Peirce’s systematic thought could be fruitfully developed in that direction. Lara Trout’s The Politics of Survival is an outstanding work that develops Peirce’s thought precisely by showing its cogency to philosophical questions of social justice. In this sense, Trout’s seminal contribution should prove important to pragmatist scholars interested in social and political philosophy in Latin America and elsewhere.
Trout interprets and deploys Peirce’s philosophy, first, to explain how it can help us to understand the origins and workings of various forms of social oppression and discrimination and, second, to suggest ways in which such oppression and discrimination may be individually and socially overcome. In terms of social justice, Trout is specifically concerned with showing how nonconscious racism and, to a lesser extent, sexism arise and operate in the United States of America (USA). In other words, she is interested in studying how persons belonging to hegemonic groups, especially white people, in the U.S.A. may act on the basis of discriminatory beliefs to cause social injustice, even in cases when they are well-meaning and unaware of their own biases and prejudices. In the course of studying racism and sexism as specific forms of social injustice, Trout develops a general interpretation of Peirce’s philosophy that, I suggest, may be applied fruitfully to the analysis of other forms of sociopolitical injustice in diverse cultural contexts.
Trout introduces her argument by specifying the main premise of her work, namely, the compatibility between the affective dimensions of Peirce’s philosophy and social criticism. By “social criticism” she means “any type of critique, such as feminism and race theory […], that acknowledges the reality of oppression, as well as the theoretical and practical mechanisms by which oppression can be perpetuated.
I understand social justice to be the ultimate goal of social criticism.” (p. 2). Trout begins to show the compatibility between Peirce’s philosophy and social criticism by emphasizing that social justice – in the form of inclusivity of all reasonable inquirers and their perspectives in the community – is a necessary condition for the Peircean practice of science and that such justice is promoted by agapism and Critical Common-sensism: Taking as its ideal an infinitely inclusive community of inquiry, Peircean science requires social justice. As ideally practiced, it also demonstrates agapic love, whereby it embraces new ideas as sources for on-going growth and self-critique, even and especially when these ideas challenge existing beliefs. It follows, therefore, that the Peircean community of inquiry eschews exclusionary prejudice.
Moreover, Peirce’s epistemological doctrine of Critical Common-sensism (CCS) calls humans to expand self-control over their common-sense beliefs and provides conceptual tools to address gaps that exist between his communal ideal and the concrete realities of heterosexism, racism, sexism, etc., which undermine actual inquiry and growth in flesh-and-blood communities. (p. 3).
Expounding this intricate and mutually supportive relationship between science, agapic love, and Critical Common-sensism in Peirce’s philosophy and developing its implications for social justice becomes the focus of Trout’s analysis throughout the book.
The starting point of her argument is the recognition that human beings begin life as children – uniquely embodied beings immersed in a social, cultural, political, and natural environing reality – and that they can internalize habits and beliefs nonconsciously – that is, without conscious awareness – before they are able to criticize them. This is how nonconscious racism may arise among members of hegemonic groups such as whites, males, or heterosexuals for example. Without criticism of their own habits and their sources, these people tend to understand their own privileges as social norms (p. 4-6). In order to substantiate this view, Trout will offer a proactive reading of Peirce’s texts that foregrounds post-Darwinian embodiment themes and compatibilities with social criticism in his work.
Her definition of “affectivity” in fact highlights the post-Darwinian aspects of Peirce’s philosophy: By “affectivity” I mean the on-going body-minded communication between the human organism and its individual, social, and external environments, for the promotion of survival and growth. This communication is shaped by biological, individual, semiotic, social, and other factors. My treatment of Peircean affectivity includes feelings, emotion, instinct, interest, sympathy, and agapic love, as well as belief, doubt, and habit. (p. 9).
This definition involves Peirce’s understanding of the human person as an animal organism and the corresponding view of cognition and habit-taking as embodied and therefore affective.
Trout introduces five contributions of Peirce’s philosophy to social criticism.
First, Peirce’s phenomenology provides us with conceptual tools to understand how sociopolitical factors are constitutive of a person’s experience (p. 12). Second, his account of human cognition supports the social-critical position that no one can achieve a detached, disembodied, “god’s eye” view of the world (p. 12-13). Third, Peirce articulates the nonconscious influence that our habits can have on our reasoning processes (p. 13). Fourth, Peirce’s arguments to propose that all human beings have the reasoning and intellectual capacities required to grasp regularities in their environments and to form their own aims for conduct goes against the prevalent racist and sexist biases in the Western philosophical cannon regarding who is rational, intelligent, or objective (p. 14). Fifth, Peirce’s evolutionary conception of reason propounds that our belief-habits grow in complexity, and this growth can be steered towards a better understanding of social critical issues (p. 14). In turn, Trout points out that social criticism can make a significant contribution to Peirce’s work by identifying sociopolitical blind spots – nonconscious exclusionary habits through which non-hegemonic groups are oppressed – and by extending its scope: “Social criticism helps Peirce’s philosophy extend its reach by extending its inclusive ideals beyond the borders of an imagination limited by hegemonic viewpoints that are circumscribed by whiteness, maleness, economical security, heterosexuality, and so on” (p. 15).
Throughout the five chapters that follow this introduction, Trout develops these themes thoughtfully and convincingly. She is always careful to ground her assertions in Peirce’s own texts, sometimes by highlighting what Peirce argued explicitly and sometimes by developing his views in ways suggested by and compatible with his own writings.
In chapter one, entitled “Peircean Affectivity,” Trout lays the theoretical groundwork for her analysis of the sources and ways of functioning of nonconscious racism in the U.S.A. She begins by stating Peirce’s view of the human individual: “Peirce viewed the individual human organism as a body-minded, social animal who interacts semiotically with the world outside of her. He had little patience for the Cartesian portrayal of the individual as a disembodied, solipsistic knower with immediate epistemic access to truth.” (p. 25). She restates the definition of affectivity quoted above, and then she proceeds to describe the process of habit-taking, which is one of the processes that promotes organic survival and growth, in affective terms: “Human habit-taking is an affective venture, whereby individuals and groups communicate with their various environments in order to successfully cope and grow, without undue interruptions from environmental factors outside their control.” (p. 27).
Habit-taking is thus an embodied process – it is a way in which body-minded human organisms transact with their environments. Habits are embodied. In particular, habits as body-minded patterns of behavior are embodied as “patterns of nerve-firings” or as “nervous associations” as Peirce sometimes calls them (p. 27).
With this general background laid out, Trout then announces her own topic for inquiry: “The subtle and often unnoticed influences on human belief-habits that stem from two interrelated sources, the unique embodiment of each person and socialshaping.” (p. 29). Trout develops carefully the post-Darwinian theme of embodiment in Peirce’s philosophy and, notably, brings it into dialogue with the contemporary work of neuroscientist Antonio Damasio. For the sake of brevity, however, I will emphasize her treatment of how our habits may be shaped socially. In particular, I will discuss two concepts introduced by Trout, namely, “socio-political secondness” (p. 57-60) and “socialized instinctive beliefs” (p. 63-68).
Regarding the first concept, Trout presents two interrelated definitions. First she defines “social secondness” as “socially dictated environmental resistance” (p. 58).
This is environmental resistance due to “social conventions that are largely outside of one’s control” (p. 58). This definition is based on the category of experience that involves reaction and resistance, and that is usually associated with physical or biological environmental resistance but need not be circumscribed that way, even for Peirce. Second, she defines “socio-political secondness” as “social secondness that is not encountered equally by all members of society […] [but rather] involves constraint that is directed at non-hegemonic groups. It includes prejudice and discrimination based on factors such as economic class, race, sex, sexuality, and so on.” (p. 58).
Trout deploys this concept to explain how Euro-American whites may develop habits of “false universalization” that lead them to deny the reality of racism in the United States. The example is illuminating: People who are Euro American, born and raised in mainstream United States, are often not familiar with the socio-political secondness based on race. This is because mainstream U.S. society remains socio-politically structured to support and promote whiteness. Thus whites often experience an absence of socio-political secondness. This absence promotes habits of false universalization, whereby a Euro American experience – where race is not an obstacle – is conceptualized as the norm, both in mainstream U.S. society and in the belief-habits of white people.
False universalization occurs when a person or group assumes their experience is representative for all of humanity. When false universalization of a Euro American experience occurs, it can be difficult for whites to take seriously the testimony of people of color who report on the socio-political secondness they experience based on their race. Yet to deny the latter’s input regarding racism perpetuates a hegemonic norm that blocks inquiry and obstructs societal growth. (p. 59-60).
I suggest that this concept of “socio-political secondness” is key to be able to extend the range of application of Peirce’s philosophy to social and political problems related to systematic, societal prejudice based on race, sex, sexual orientation, economic class, and so on. It in fact provides a germane way to make Peircean analysis evidently and explicitly relevant to such problems in Latin America, for example.
When people of a specific ethnic or economic background are denied opportunities for education or employment due to social norms or even systematic policies they are experiencing “socio-political secondness”. Peirce’s philosophy provides the conceptual architectonics to be able to analyze in detail how such resistances arise and operate. In turn, understanding those ways of operating is necessary in order to be able to eliminate such resistances with the help of effective, conscious self-control and Critical Common-sensism.
The importance of self-control and Critical Common-sensism to constrain and guide the operation of socially generated habits is evident from Trout’s treatment of the second theme mentioned above, namely, “socialized instinctive beliefs”. She expounds Peirce’s use of the term “instinct” which “can be broadly construed to reflect both in-born habits, as well as socialized ones” (p. 63). Instincts are belief-habits that may be either naturally in-born or socially acquired, especially in childhood.
Trout then shows how a discussion of socialized belief-habits is implicit in Peirce’s discussion of the method of authority in “The Fixation of Belief”. Taking her cue directly from Peirce, Trout proposes the following: “Extrapolating socio-politically, I include in the category of ‘socialized instinctive beliefs’ ideas about race, sex, and other socio-political classifications. Socialized instinctive beliefs are included in one’s common-sense or background beliefs.” (p. 65). As a result, Instinctive beliefs not only take on common-sense certainty, they also often function non-consciously, that is, without one’s conscious awareness […] [I]instinctive beliefs promoting racism, sexism, and other social ills can function without the conscious awareness of those acting on them. At the same time, instinctive beliefs – at least in some cases – can be raised to conscious attention and scrutiny, which is an exercise of self-control undertaken by Critical Common-sensists. (p. 65-66).
This is why Critical Common-sensism, which brings logical self-control to bear on background instinctive beliefs, is crucial for the detection and elimination of pernicious social habits of prejudice and exclusion. This conclusion presupposes Trout’s discussion of “self-control” (p. 36-37) and the conditions of sympathy and agapic love for the detection of prejudice and elimination of habit to be possible through self-control (p. 37-38). Trout’s key insight is that self-control is both purposeful and inhibitory. Self-control enables people to have loving purposes that promote social justice. Sympathy and agape aid the inhibitory function of self-control by keeping us from rejecting testimony and remaining open to conversation concerning prejudice and oppression out of agapic regard for others.
Having laid out this groundwork on Peircean affectivity, in chapter two on “The Affectivity of Cognition”, Trout focuses on the embodied, affective nature of cognition as developed by Peirce in his Journal of Speculative Philosophy “Cognition Series” of the 1860s. Trout focuses on showing how, according to Peirce, human cognition is shaped at once by individual and social factors. Taking account of the epistemological relationship between the individual and the community is crucial to understanding human cognition. On the one hand, the individual must rely on the wider epistemological perspective that her community affords her in order to foster her own survival and growth. On the other hand, the individual can be a source of insight and discovery when the community holds false beliefs or when communal inquiry is mired and growth in knowledge is threatened. While most of the emphasis in the “Cognition Series” is on the former relationship of individual dependence, Peirce does hint at the latter relationship of “maverick” individuality that will be developed later, in the series of “Illustrations of the Logic of Science” (p. 69-70).
Trout’s central thesis in this chapter is that feelings, as cognitions, result from both individual and social influences – such as unique embodiment and communal education – and may become habits that function nonconsciously at the level of instinct or common-sense, sometimes in the form of prejudicial beliefs (p. 72). Throughout the chapter she develops a detailed, carefully argued elaboration of this thesis – both individual and social factors shape the belief-habits that become part of a human organism’s instinctive common-sense. Our individual embodiment, and the affective dimension of cognition that it involves, is crucial to our cognitive, epistemic development.
And we are especially vulnerable to the influence of social factors during child-development because we are dependent on our caretakers, their authority and trustworthy testimony, for survival. Both of these dimensions of development shape the politics of child development and habit-taking then.
Trout’s discussion of socialized affectivity and habit formation in relation to the politics of child development is noteworthy (p. 103-127). She argues that, for Peirce, to be logical, an individual must adopt a social perspective. Fixing beliefs and forming habits on the basis of strictly individual experience and perspective most likely leads to false beliefs and ineffective habits. Thus, logicality – the drive for adopting true, probable, or plausible belief – requires adopting a social/communal perspective, based on the wealth of collective experience and evidence. In the case of human organisms, survival itself requires adopting a social perspective. Children, in particular, depend on the guidance and testimony of caretakers for survival. Thus they must accept that guidance as they begin to adopt beliefs and form habits. The problem is that communal influence can shape both habits that foster and habits that inhibit growth. And children are too vulnerable to adopt a critical stance. This is how socialized, growth-inhibiting habits can arise and be incorporated at the level of instinct and common-sense so as to operate non-consciously and without criticism later in life. Racist and prejudicial habits can arise in this way. This creates a “coercive survival dilemma”, namely, that children must trust the testimony of their adult caretakers to survive, but this testimony may instill in them growth-inhibiting beliefs such as prejudices based on race, ethnicity, and gender.
However, Trout finds a “Seed of Hope” or rather, two seeds, in Peirce’s thought (p. 124-127). The first is that insightful, resilient individuals can develop critical perspectives on their own habits and the habits of the community. The second is that the method of science for the fixation of belief can prevent the communal formation of growth-inhibiting habits in the first place.
Thus in chapter three, “The Affectivity of Inquiry,” she moves to discuss the method of science as presented by Peirce in his “Illustrations of the Logic of Science Series” published in the Popular Science Monthly in 1877-78. She begins by emphasizing two aspects of Peirce’s method of science. First, Peirce presents a robust individual inquirer who is able to challenge her authoritative, hegemonic community’s beliefs. Second, Peirce presents the method of science as the preferred method for the fixation of communal beliefs (p. 128). A balanced relationship between the insightful, creative individual inquirer who challenges communal opinion and the community’s commitment to settle belief publicly is necessary for the successful application of the method of science.
The most insightful aspect of Trout’s discussion of Peirce’s method of science, however, consists in her pointing out some potential problems for the application of the method that Peirce leaves unaddressed in the “Illustrations” series. Trout conjoins the concept of “socio-political secondness” with that of “false universalization” to demonstrate that “hegemonically exclusionary accounts of reality result in societal-level exclusionary habits, which can be internalized conceptually by individual community members, such that the very concepts by which individuals think about their world can reflect hegemonic, exclusionary habits” (p. 129). This leads to a description of “socio-politically biased conceptualization” as follows: Socio-politically biased conceptualization occurs, for example, when the experience of a hegemonic group or groups (such as whites, men, the economically secure, etc.) becomes internalized as the falsely universalized concept of “human experience.” A byproduct of this exclusionary conceptual internalization, which can function non-consciously or instinctively, is the perception that non-hegemonic perspectives (voiced by people of color, women, the poor, etc.) are problematic conceptually, that is, crazy, over-reactive, off-base, or simply irrelevant. This can lead to the dismissal of non-hegemonic perspectives. (p. 129).
For example, a member of a racial minority who denounces prejudiced treatment may be dismis,sed as over-reactive or resentful by white people who sincerely believe that racism is over in the USA. Trout then explains how in the “Illustrations” Peirce leaves unaddressed the problem of how background “common-sensical” beliefs can operate nonconsciously to influence and bias the application of the method of science for settling communal belief (p. 129).
This leads to what Trout calls the “application problem” of the method of science (p. 146-149). When exclusionary, prejudicial, growth-inhibiting belief-habits are internalized nonconsciously by members of the community in positions of power, such beliefs become part of their internalized common-sense. As a result, even when people consciously pursue the method of science, they may discount or disregard, for the articulation of reality, the testimony or experience of oppressed people in the community. These prejudicial belief-habits, therefore, may thwart the application of the method of science, since crucial data –testimonies and experiences – are ignored.
Trout discusses the example of “craniology,” a pseudo-science that purported to demonstrate the superiority of the white race (p. 147-149).
In the “Illustrations” Peirce only hints at, but does not develop, the solution to the application problem. The solution is two-fold. First, it involves the model of agapic evolution, and especially, the agapic sympathy that individual community members offer to each other, in order to validate and respond to the testimony and unjust experiences of oppressed people. Accordingly, in chapter four, Trout discusses the Monist “Cosmology Series” and association writings of the 1890s. Second, the solution involves the active work of Critical Common-sensism to detect, criticize, and transform growth-inhibiting and exclusionary habits. Accordingly, in chapter five, Trout discusses Peirce’s doctrine of Critical Common-sensism of the 1900s.
In “The Law of Mind, Association, and Sympathy” (chapter four), Trout develops the idea that individual experience – via association by contiguity – and creativity – via association by resemblance – are a potential source of insight, novelty, and growth for the community; therefore, agapic love is the ideal that the community should seek in its relationship to its individual members, especially to insightful, creative ones who may resist communal habits and who may belong to non-hegemonic groups.
However, applying the agapic ideal in actual communities can be undermined by the functioning of nonconscious exclusionary background beliefs.
Trout defines sympathy as “the term Peirce uses to describe the law of mind as it functions in human communities” (p. 195). She distinguishes between two forms of sympathy, agapic and non-agapic. Regarding agapic sympathy she writes, “In its ideal agapic form, sympathy embraces as sources of growth the creative bursts of spontaneity that arise within the existing habit systems of a community.” (p. 195).
However, “Sympathy can also play out non-agapically, excluding opportunities for growth by rejecting new elements that arise from existing habits.” (p. 195). An example of exclusionary sympathy may be patriotism – patriotic citizens may love their country in a way that rejects any fair criticism of it and ostracizes the critics.
The resulting thesis is that nonconscious exclusionary sympathy can curtail the possibility of communal growth through agapic sympathy by undermining the perspectives of non-hegemonic groups or individuals who deviate from or challenge communal norms (p. 195-196). To substantiate her thesis, Trout describes the “motion of agape” as circular, involving two movements: “First, a creative projection of newness, and second, an embracing and stabilizing of this spontaneous novelty. When human sympathy is agapic, it completes the circle by allowing for both movements.” (p. 203). The creative projection can consist in the experiential feedback of creative or insightful individuals to the community about its habits. The embracing would then consist in evaluating this feedback with an attitude of care and concern for the individual, and revising or transforming communal habits or norms if necessary.
The second motion, however, is thwarted by exclusionary sympathy (p. 206-207).
This dynamic leads to a problem regarding the agapic ideal that is analogous to the application problem regarding the scientific method, namely, that nonconscious exclusionary belief-habits can curtail growth through the agapic ideal. This can happen even to individuals who think themselves to embrace the agapic ideal and to be anti-racist or anti-sexist (p. 222).
The critical evaluation of common-sense, therefore, is crucial to overcome the threat of nonconscious exclusionary beliefs. Thus, in “Critical Common-sensism, 1900s” (chapter five), Trout defends the following thesis: Critical Common-sensism (CCS) is an epistemological doctrine that calls for a critical examination of the common-sense beliefs that underwrite human cognition.
It is thus uniquely suited to address social critical concerns about discriminatory beliefs that can become ingrained within one’s background beliefs without her or his awareness. The self-controlled scrutiny of background/common-sense beliefs called for by Critical Common-sensism provides the missing piece in terms of the application problem faced by both the scientific method and the agapic ideal. (p. 229).
Trout is indeed preparing the ground for the ultimate upshot of her entire analysis, which is worth quoting at length: [W]hen Critical Common-sensism is ideally applied, it does not leave scientific and agapic ideals behind. Rather the strands of science, agape, and Critical Commonsensism weave into a tapestry of loving reasonableness, where the embrace of diverse perspectives promotes growth in knowledge and self-control. Thus Critical Common-sensism provides those in hegemonic groups with consciousness-raising tools that can help them address their blind spots towards discrimination faced by those in non-hegemonic groups. Scientific method and agape provide the epistemological and loving motivation to put this awareness into practice by resisting exclusionary instinctive beliefs despite how strong their influence can be. (p. 229-230).
The core of the argument is the following. Critical common-sensism, when working in unison with the method of science for the fixation of beliefs and with agapic love in human transaction, promotes the growth of the summum bonum, namely, loving reasonableness. In particular, the rigorous application of critical common-sensism for the identification and eradication of discriminatory, prejudicial instinctive beliefs solves the application problem that threatens both science as the guide to knowledge and truth and agapic sympathy as the guide to human transaction.
Recall that the problem consists in the threat that nonconscious discriminatory, prejudicial beliefs pose to the application of the method of science and the functioning of agapic sympathy in human communities. Critical common-sensism – through its tools of logical analysis, experience, experimentation in imagination, and testimony – addresses the problem by identifying and eradicating such threatening discriminatory biases. In order to do its work, Critical Common-sensism requires the cultivation of legitimate, critical doubt. This doubt is to be distinguished from Cartesian paper-doubt by the fact that it not only identifies dubitable belief-habits but also works consciously to transform or eliminate them as embodied, affective habits. That is, while paper-doubting is to act as if beliefs were merely contents of a mind separated from the body and is therefore to delude oneself by thinking that merely to doubt a belief-habit is enough to eliminate its effective influence over one’s actions, critical common-sensist doubting acknowledges that belief-habits are embodied and affective and that therefore especial critical effort is necessary to change or eliminate them.
In the kinds of sociopolitical contexts that Trout analyzes, critical commonsensist doubt takes the form of the “non-hegemonic hypothesis” to the effect that (a) when an oppressed individual or group claims that they are experiencing discrimination, their testimony and experiences ought to be a matter of agapic concern and (b) their claims deserve investigation by the communal application of the method of science. The cultivation of this form of doubt requires self-control. The cultivation of this “non-hegemonic hypothesis,” as supported by Peirce’s entire system of philosophy, is our main starting point for redressing some prevalent, though often nonconscious, forms of social injustice.
In her “Conclusion,” Trout first summarizes her central argument and, second, proposes a way to promote awareness and to address discriminatory belief-habits in contemporary US society, specifically in the context of elementary school education.
Trout closes her book in fallibilistic spirit, acknowledging further work to be done and reaffirming her deliberate choice of developmental telos, namely, Peirce’s ideal of “giving a hand toward rendering the world more reasonable” (p. 283).
Overall, the upshot of Trout’s analysis is that the coordinated, mutually supportive relationship between the method of science, agapic love, and Critical Commonsensism provides the way to overcome forms of social injustice that are brought about by nonconscious, hegemonic, prejudicial belief-habits in a community. She discusses some specific forms of social injustice in the USA, but her analysis provides a model to extend the application of Peirce’s philosophy to understand other forms in social injustice in a variety of cultural and historical contexts, including Latin American ones.
Daniel G. Campos – Department of Philosophy Brooklyn College — City University of New York/ USA. E-mail: DCampos@brooklyn.cuny.edu