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A questão do sentido em psicoterapia – FRANKL (ARF)
FRANKL, Victor. A questão do sentido em psicoterapia. Campinas: Papirus, 1990. Resenha de: CARVALHO, José Maurício de. Argumentos – Revista de Filosofia, Fortaleza, n.5, 2011.
O livro de Victor Frankl foi publicado há muitos anos, mas conserva atualidade pelo diálogo que obriga entre a Filosofia e a Psicologia. Ele possui introdução, três conferências e um esboço autobiográfico. Nestes textos enfrenta uma questão fundamental que ocupou parte significativa dos filósofos no século XX: possui a vida humana um sentido? Esta questão se mistura a outras de caráter existencial que ajudam a clareá-la.
Eis algumas: será que a finitude da existência aniquila seu sentido? O sofrimento físico e mental contribui para a elaboração do sen tido ou o destrói? Como pensar o sentido diante daquilo que nos acontece? Exemplo do que nos ocorre é uma doença incurável ou ser levado para o campo de extermínio.
É para enfrentar estas questões que Frankl escreveu este livro. A pergunta é essencial- mente filosófica e ela será tratada assim. No entanto, o autor estende as conseqüências da meditação para o campo da Psicologia ao colocar a questão do sentido como eixo orientador de uma abordagem psicológica que ele desenvolve. Entender o modo como filosoficamente Frankl pensa o problema do sentido e depois perceber os resultados que daí deriva para a Psicologia é o que confere nexo ao livro.
Victor Frankl começa sua obra retomando a questão que Albert Camus consagrou como a única digna de ser efetivamente meditada: como é o sentido da vida humana? A vida vale a pena ou o suicídio é o que se nos oferece como alternativa mais plausível? O filósofo francês trata a questão do sentido nos romances A Peste e O Estrangeiro, bem como nas peças de teatro Calígula e Os Justos . Ao optar pelo sentido construído pelo existente coloca em evidência o problema da liberdade humana, pois nela reside o sentido e não numa construção lingüística rebuscada ou erudita. Este sentido da vida como expressão de liberdade é assunto fundamental dos existencialistas observa outro filósofo francês Roger Garaudy. A vida não tem um sentido prévio ou pronto, ele diz, “como se tem uma casa ou uma conta no banco. Seria (se assim fosse) um cenário já escrito, fora de nós e sem nós; teríamos apenas que representar aparentando crer em nossa liberdade.” ( Palavra de homem , p. 52).
A questão do sentido para Frankl vai além da meditação filosófica porque o problema expresso pelo sentimento de vazio de sentido obrigou as pessoas hoje em dia a procurar o psicólogo e o psiquiatra. O vazio existencial e a depressão são as doenças do século XXI e isto aumenta o interesse pelo livro de Frankl. O homem não sabe o que quer e esta ignorância não apenas serve para ele meditar melhor sobre a vida, “a sensação de falta de sentido é patogênica, isto é, leva a doenças, a neuroses específicas.” (p. 20). Este A rgumentos , Ano 3, N°. 5 – 2011 181 sentimento se manifesta de muitos modos como: na chamada crise de meia idade ou no medo do domingo tão comum em nosso tempo. Em ambos os fenômenos o que verdadeiramente aparece é a falta de sentido.
Esta falta de sentido coloca em evidência o problema de ir além de si, trata-se da auto – transcendência sem a qual a vida parece ficar sem sentido. Afirma o autor: O homem não é apenas um ser que reage e abreage, mas também que se autotranscende. E a existência humana aponta para além de si mesma, mostra sempre algo que não é de novo ela mesma – a algo ou alguém, a um sentido, ou a um ser companheiro. (p. 29).
O que há de singular nesta posição de Frankl é que ele coloca a questão do sentido como sendo de interesse primário do homem e não como meditação que lhe confere algo a mais, algo que lhe adensa o sentido, mas sem o qual é possível viver. O sentido para Frankl é questão fundamental. Ao referir- se ao comportamento dos prisioneiros nos campos de concentração fica claro o que ele quer dizer: “não foi menos importante a lição que eu pude levar para casa de Auschwitz e Dachau: que os mais capazes, inclusive de sobreviver a tais situações-limite, eram os direcionados para o futuro, para algo ou alguém que os esperava.” (p. 34). Esta questão filosófica fundamental foi deixada de lado pelos psicólogos, comenta o autor. Os psicanalistas a consideram parte dos processos psicodinâmicos e os comportamentalistas um tipo de aprendizagem que precisa ser removido para que o sujeito fique “espontaneamente curado.” (p. 37). Ora o problema não pode ser resolvido deste modo, a falta de sentido é um tipo de sofrimento, mas não uma doença no sentido médico ou uma ignorância a ser suprimida. Também não se confunde falta de sentido com desespero, pois este último só ocorre quando a pessoa não enxerga sentido para o sofrimento. E aqui surgem questões fundamentais: A vida tem sentido e se tem podemos nós comunicá-lo? Frankl considera que a vida tem sentido e que podemos percebê-lo. Com isto não invalida o trabalho dos psicanalistas, pois muita coisa tida como sentido deve ser desmascarada, mas tentar desmascarar o problema do sentido produz uma deshumanização, porque estamos diante de “um fenômeno que não se deixa desmascarar porque é autêntico” (p.41). A conclusão de Frankl é que “o homem é um ser à procura de sentido” (p. 45). E considera que esta questão fundamental da filosofia existencial seja o centro de sua uma orientação psicológica. A raiz desta linha psicológica é a intencionalidade no sentido de Bren- tano, Husserl e Scheler, que produz a relação com os sujeitos intencionais, ou seja, entre os atos intencionais que deles provém e os objetos intencionais. Tão logo deixemos de contemplar o ser sujeito do sujeito, nós perdemos de vista que ele tem objetos próprios. (p. 35).
Trata-se, portanto, de uma psicologia fenomenológica como as de Karl Jaspers, Ludwig Binswanger, o representante da Es- cola gestáltica de Berlim Wolfgang Köhler, além do que escreveu o existencialista e personalista Gabriel Marcel, filósofos e psi- cólogos cujos nomes Frankl cita textualmente em sua autobiografia, o último dos textos do livro (p. 112).
As questões associadas ao sentido fo – ram desenvolvidas em três conferências que Frankl pronunciou sobre o sentido e valor da vida na Universidade para o povo em Viena- Ottaring. Ele entende que o pensamento europeu reconheceu a dignidade humana com a formulação ética de Immanuel Kant, mas depois vieram as guerras e em especial a Segunda Guerra Mundial onde o homem foi colocado a serviço da morte. Nos campos de refugiados os presos não valiam o prato de sopa e a vida humana foi exterminada em massa, a sociedade européia desonerou- se da dignidade. Esta atitude não foi uma decisão coletiva, o reconhecimento do valor da vida é singular. Isto se demonstra pela atitude do chefe nazista que gastava o próprio dinheiro para comprar remédio para os doentes do campo. No mesmo Campo havia prisioneiros mais antigos que maltratavam os companheiros recém-chegados. A direção fundamental assumida por Frankl remonta a Kant, viver é um dever. Há alegria na vida, mas ela não é um fim, apenas o resultado.
José Mauricio de Carvalho – Doutor em Filosofia e Professor da UFSJ-MG.