Mar del Plata: un sueño de los argentinos | Elisa Pastoriza e Juan Carlos Torre

El libro de Elisa Pastoriza y Juan Carlos Torre presenta desde la perspectiva de la historia social, el desarrollo de uno de los destinos turísticos más emblemáticos de la Argentina, la ciudad de Mar del Plata, como una expresión del itinerario de la sociedad argentina entre fines del siglo XIX y principios de los setenta. Mar del Plata condensa, conjeturan los autores, el espíritu igualitario y democrático que caracterizó a la Argentina. En esa línea, revelan como el progreso del balneario acompañó las transformaciones sociales operadas en el país. Desde esta perspectiva de abordaje, el libro realiza una importante contribución a la historia del turismo local, centrada en el tiempo vacacional y sus prácticas. Los autores se proponen hacer un recorrido desde sus orígenes como villa balnearia hasta los años sesenta, cuando se inicia el ocaso de la ciudad producto de la crisis del turismo masivo. Una crisis que estuvo acompañada de los cambios en las condiciones políticas, sociales y culturales en el país. Leia Mais

Las colonias penales de la Australia y la pena de deportación | Concepción Arenal

La obra Las colonias penales de la Australia y la pena de deportación de Concepción Arenal ha sido editada por el profesor Manuel Martínez Neira a principios del año 2020. Publicada en la editorial Dykinson, la aparición de este texto se produce con ocasión del bicentenario del nacimiento de la famosa autora gallega. Se trata de una contribución olvidada que tuvo dos ediciones (1877 y 1895) y que por fin ha recibido un merecido reconocimiento. En concreto esta edición reproduce la primera impresión de 1877 con plena fidelidad, subsanando ciertos ajustes ortotipográficos como las tildes. El editor ha tomado el manuscrito conservado en la Real Academia de Ciencias Morales y Políticas para su contraste, cotejo y exactitud. Es de agradecer, por tanto, el acceso al manuscrito al bibliotecario de la institución, D. Pablo Ramírez Jérez. La publicación está disponible en acceso abierto –en pdf e epub–, lo cual facilita su manejo y total disponibilidad. En este sentido, la persistente labor editorial y el continuo trabajo del área de Historia del Derecho y de las Instituciones de la Universidad Carlos III de Madrid y de Dykinson a lo largo de estos últimos años merecen un caluroso aplauso. Leia Mais

El pueblo contra la democracia: por qué nuestra libertad está em peligro y cómo salvarla | Yascha Mounk

A onda de recessão democrática global gerou outra onda: a de livros teóricos sobre o tema, que surgiram aos montes em tempos recentes. Um desses é El pubelo contra la democracia, de Yascha Mounk, professor de Harvard. Yascha, como grande parte dos pesquisadores do Norte, prefere trabalhar com o conceito de populismo, evitando outras noções também em voga como fascismo, democratura e afins. Independente do rótulo utilizado, Yascha prossegue com a discussão que se tornou em voga: por que a democracia liberal passou a dar sinais de decadência após décadas de estabilidade?

Enquanto autores como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (2018, p. 33-34) preferiram focar sua obra, na fragilização das instituições através de um processo de autoritarismo gradual, Mounk direciona o seu livro para uma visão menos institucional e mais “popular”. Isto é, busca compreender menos os líderes por trás desses movimentos anti- democráticos, e mais a base que os sustentam: o povo, conforme até mesmo o título deixa claro. Para isso, se propõe a debater os motivos que levaram parte da população mundial a rejeitar a democracia, que, outrora com apoio majoritário, atualmente encontra-se, na melhor das hipóteses, desacreditada (MOUNK, 2018, p. 64).

A surpreendente vitória de Donald Trump em 2016 serviu para evidenciar um tumor no âmago da democracia liberal (MOUNK, 2018, p. 10): se a suposta democracia mais estável e poderosa do planeta pode eleger um demagogo, o que será das outras? Previsível, portanto, que essa eleição tenha acabado por impulsionar também a eleição de outros demagogos ao redor do planeta (MOUNK, 2018, p. 10). Apesar de suas idiossincrasias variáveis de nação para nação, todos esses “homens fortes” (MOUNK, 2018, p. 13) possuem características interseccionais entre si: os ataques à mídia livre; a perseguição à oposição; a existência de inimigos invisíveis, dentro e fora de seus países; e, mais notável, a simplicidade com que tratam a democracia, interpretando a realidade como crianças mimadas, se propondo a solucionar todos os problemas possíveis (apenas para suas seitas), mas sem propostas reais de como fazê-lo (MOUNK, 2018, p. 12-16). Mas o que leva as pessoas desejarem isso, almejarem trocar a estabilidade da democracia liberal por um movimento populista autoritário, quando não fascista?

Para Mounk (2018, p. 159) o primeiro motivo é pragmático: estagnação econômica. Crises e estagnações historicamente sempre favoreceram o surgimento ou ascensão de regimes autoritários, principalmente quando aliadas a altos índices de corrupção. A crise de 2008 e as medidas de austeridade que se seguiram a ela, adicionaram ainda mais caldo ao ressentimento criado pela estagnação. Na impossibilidade de prover a família ou de desfrutar do mesmo conforto que outrora possuíra, as pessoas direcionam o seu ressentimento e frustração para a política e para bodes expiatórios conforme a necessidade: alguém precisa ser culpabilizado pelo fracasso. No caso europeu e estadunidense, os imigrantes; no caso brasileiro, a corrupção e o fantasma invisível e onipresente de um comunismo inexistente.

Segundo Mounk (2018, p. 172), a segunda razão, principalmente na Europa e na América do Norte, é a imigração. A presença do alien, do desconhecido, o contato com novas culturas, principalmente em momentos de crise, é um ingrediente importante para o bolo do nacionalismo populista. Como efeito, Mounk também constata que homens são mais suscetíveis a sucumbir à hipnose populista pela perda de autoridade masculina conforme, nas últimas décadas, a tradição de poder é progressivamente questionada. Da mesma forma, o Partido Republicano, nos EUA, é particularmente forte entre os homens brancos, o maior eleitorado de Donald Trump, dado que sentem um esvaziamento de seu poder e se colocam, eles próprios, como vítimas (STANLEY, 2018, p. 98, 104-105). Assim, surgem narrativas que apontam mulheres independentes, negros, judeus, árabes, homossexuais, ou qualquer desviante da tradição, como responsáveis por um suposto declínio da nação.

O terceiro motivo, o grande diferencial dos populismos contemporâneos, é a ascensão da internet e das redes sociais como ferramenta de comunicação em massa (MOUNK, 2018, p. 152-153). Ao passo que fenômenos como a tão em voga fake news pouco têm de novo, as redes sociais ajudaram na disseminação da mentira, bem como na organização de grupos de ódio e na padronização dos pensamentos através de algoritmos. Se na realidade somos constantemente expostos ao outro, a uma alteridade forçada, na internet podemos facilmente nos fechar em pequenos grupos, repetindo mentiras até que se tornem verdades. Como Orwell (2009, p. 338) já mostrava, 2 + 2 passa a ser 5 se assim for conveniente, e quem mostrar que é 4 é obviamente um (insira aqui o rótulo do inimigo objetivo do movimento).

Foucault (1979, p. 77) já dizia que “as massas, no momento do fascismo desejam que alguns exerçam o poder, alguns que, no entanto, não se confundem com elas, visto que o poder se exercerá sobre elas […]; e, no entanto, elas desejam este poder, desejam que esse poder seja exercido.” Embora Mounk evite trabalhar com a ideia de fascismo, conforme já foi aventado, o conceito de populismo que desenvolve lida com a mesma ideia: a necessidade das pessoas, em um momento de frustração e desilusão com o establishment político, desejarem avidamente por um “homem forte”, pouco importando seu preparo para o cargo. A capa da edição espanhola, edição que aqui está sendo resenhada, um rebanho de ovelhas, ilustra justamente a submissão do homem-massa ao messias, ao líder.

O modus operandi desses populistas autoritários é padrão e já foi bastante relatado nos últimos anos: a classificação maniqueísta do mundo em uma oposição binária. Consequentemente, todos aqueles que não apoiam esses grupos, são automaticamente classificados como “malignos”. Os meios de comunicação, a oposição e as universidades são alvos preferenciais, e inimigos invisíveis aparecem por todos os lugares. Se há uma característica em comum, a despeito de todas as diferenças, entre esses grupos, essa é o conspiracionismo paranoico.

Um dos exemplos mais mencionados por Mounk (2018, p. 17) é a Hungria de Orbán, sugerida por politólogos após a queda da União Soviética como um dos antigos satélites com mais chances de consolidar uma democracia liberal. Mounk (2018, p. 18) aponta alguns dos pontos que indicavam que a democracia iria se tornar resiliente na Hungria: experiência democrática no passado; legado autoritário mais frágil do que os demais ex- satélites soviéticos; país fronteiriço com outras democracias estáveis; crescimento econômico; mídia, ONGs e universidades fortes. Trinta anos depois, verifica-se justamente o contrário: após anos gradualmente dissolvendo as instituições do país, aparelhando a corte, perseguindo jornalistas e acadêmicos, Viktor Orbán conseguiu, no escopo da crise do coronavírus, enorme poderes (O GLOBO, 2020) e poucos discordariam que a Hungria é, hoje, autoritária.

Outra força importante da obra de Mounk é ressaltar a diferença entre liberalismo e democracia, discussão pouco levantada por outros autores sobre a temática. Com a queda do Muro de Berlim, e o suposto fim da história, o homem se acostumou à falácia de que democracia e liberalismo são sinônimos, de que não há democracia sem liberdade individual, e que não há liberdade individual sem democracia. Viktor Orbán classifica o seu regime como uma “democracia iliberal”, nome orwelliano que, em última análise, sintetiza o seu autoritarismo e o de tantos outros atuais: uma ditadura velada, com uma democracia de fachada, inexistente na prática, com restrição de liberdades individuais e do livre-pensamento (MOUNK, 2018, p. 18). Um método eficiente de “democratura” desenvolvida pela escola Putin de governar.

Mounk divide essas “democraturas” em dois tipos: liberalismo antidemocrático e democracia iliberal. Em outras palavras, uma cisão na noção de democracia liberal, que se parte em duas. A primeira é caracterizada por um sistema fechado, que exclui a população, através do representativismo, da participação política, concentrando o poder nas mãos de uma elite oligárquica. Ou, como Robert Dahl (2005, p. 31) já havia apontado quase 50 anos atrás em Poliarquia, uma hegemonia ou uma semi-poliarquia, considerando que, para Dahl, somente um regime inclusivo e igualitário poderia ser classificado como poliarquia, isto é, o mais próximo possível de uma democracia, esta um ideal utópico a ser perseguido mas nunca alcançado. Entrementes, o liberalismo antidemocrático de Mounk, assim como a hegemonia ou semi-poliarquia de Dahl, é marcado pela concentração de poder e limitação da liberdade apenas para a elite, enquanto o restante da população é progressivamente excluído. O segundo sistema, a democracia iliberal, é uma consequência do primeiro. A população politicamente invisível acaba por ser presa fácil de movimentos populistas anti-democráticos, que supostamente visam subjugar o primeiro sistema, embora, muitas vezes, como ocorreu no Brasil de 2018, sejam parte dessa própria elite. Conforme aponta Jason Stanley (2018, p. 82), “a democracia não pode florescer em terreno envenenado pela desigualdade”. O povo é, assim, capturado pelo discurso do “homem forte”, que retomará o país aos tempos de glória, não importando se a morte da democracia real é uma consequência inevitável desse processo. Soma-se a isso a diminuição da representatividade na democracia representativa. Embora, por sua própria definição, a democracia representativa implica em certo afastamento do povo em relação ao político, dado que o primeiro fica, em grande parte, impossibilitado de tomar decisões diretas, há uma ascensão no sentimento desse afastamento. Isto é, a democracia está supostamente cada vez menos representativa, e os políticos profissionais progressivamente mais afastados da opinião popular (MOUNK, 2018, p. 64).

Talvez o maior defeito da obra de Mounk – um defeito que não é exclusivo seu, mas sim de grande parte dos livros sobre movimentos anti-democráticos contemporâneos -, é vender suas ideias como se fossem novidades, quando Robert Dahl, meio século atrás, já apontava as mesmas questões com nomenclaturas distintas, ressaltando ainda a importância de perceber que a democracia plena é impossível e utópica. Tanto mais, a insistência de Mounk com o rótulo de populismo autoritário recusa, possivelmente para evitar utilizar um termo tão desgastado, a ideia de que parte desses movimentos anti-democráticos sejam de fato movimentos fascistas. Entretanto, se por um lado é realmente necessário evitar elasticizar o conceito de fascismo para não englobar tudo, por outro somente com malabarismo intelectual é possível classificar um Jair Bolsonaro, para usar um exemplo de nosso país, como apenas um “populista de extrema-direita, ultraconservador e nacionalista”. Mesmo porque um populista de extrema-direita, ultraconservador e nacionalista é justamente um fascista.

Referências

DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

O GLOBO. Parlamento da Hungria aprova lei de emergência que dá a Orbán poderes quase ilimitados. O Globo, Rio de Janeiro, 01 abr. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/parlamento-da-hungria-aprova-lei-de-emergencia-que-da-orban-poderes-quase-ilimitados-24338118 . Acesso em: 15 ago. 2020.

ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

MOUNK, Yascha. El pueblo contra la democracia: por qué nuestra libertad está em peligro y cómo salvarla. Espasa Libros: Barcelona, 2018.

STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles”. Porto Alegre: L&PM, 2018.

Sergio Schargel – Mestrando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio, mestrando em Ciência Política pela UNIRIO. Bolsista CNPq. E-mail: sergioschargel_maia@hotmail.com


MOUNK, Yascha. El pueblo contra la democracia: por qué nuestra libertad está em peligro y cómo salvarla. Barcelona: Espasa Libros, 2018. Resenha de: SCHARGEL, Sergio. Velhas ideias sob novas roupagens. Albuquerque – Revista de História. Campo Grande, v. 12, n. 24, p. 220-224, jul./dez., 2020.

Acessar publicação original [DR]

Rock cá/ rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa – 1970/1985 | Paulo Gustavo da Encarnação

Bichos escrotos saiam dos esgotos

Bichos escrotos venham enfeitar […]

Bichos, saiam dos lixos

Baratas me deixem ver suas patas

Ratos entrem nos sapatos

Do cidadão civilizado

(TITÃS, 1986).

Nas favelas, no Senado

Sujeira pra todo lado

Ninguém respeita a Constituição

Mas todos acreditam no futuro da Nação

(LEGIÃO URBANA, 1987)

O primeiro fragmento citado compõe a letra da música “Bichos escrotos”, do álbum Cabeça Dinossauro da banda Titãs. Ainda que apresentada em shows desde o começo da década de 1980, a música foi gravada apenas em 1986. O motivo: a censura imposta no regime militar. Já o segundo excerto compõe o disco Que país é este, da banda Legião Urbana. Lançado no álbum de 1987, a música, igualmente intitulada “Que país é este”, rapidamente se transformou num hit da banda e embalou gerações. Ambas foram oficialmente lançadas nos anos iniciais do processo de redemocratização do Brasil. Contêm críticas profundas ao período e aos fundamentos da Nova República, denominação cunhada para tratar do período iniciado com o fim da ditadura militar (FERREIRA; DELGADO, 2018).

Elas foram (e são) entoadas por jovens de diferentes gerações como canções de protesto e contestação à ordem política vigente e à estrutura social. Embora trintonas, são extremamente atuais para pensarmos o cenário político brasileiro, as relações entre Executivo e Legislativo e, principalmente, as práticas políticas adotadas. Afinal, atualmente ainda sobram “bichos escrotos” que desrespeitam a Constituição, mas, apesar da dura realidade enfrentada pelo cidadão brasileiro, entoam fábulas encantadoras sobre o “futuro da Nação”.

Não obstante, as canções também possibilitam aprofundar a discussão acerca das complexas relações entre história, rock, mídia e política. E suscitam outras importantes indagações, tais como: O que é rock? É um gênero nacional ou estrangeiro? É popular ou elitista? É música de caráter alienante ou música de protesto? É expressão de posturas progressistas ou conservadoras? Como é comumente classificado por agentes do campo midiático?

Esses são alguns dos problemas argutamente debatidos pelo trabalho recém-publicado por Paulo Gustavo da Encarnação, doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e com estágio pós-doutoral realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Fruto da sua tese de doutorado, sob a orientação do professor doutor Áureo Busetto, e com estágio de pesquisa em Portugal, o historiador publicou o livro intitulado Rock cá, rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa (1970-1985).

A obra apresentada se inscreve no horizonte da chamada “história política renovada”, que, como formulado por René Rémond (1996), concebe a amplitude dos objetos enfocados pela história política. Toma o rock como objeto com potencial para o conhecimento de práticas políticas diversas e múltiplas dimensões da identidade coletiva — perspectiva que possibilita adentramos “terrenos que, mesmo aparentemente apresentados como paisagens desérticas e estéreis, são searas para serem trilhadas pelo historiador do contemporâneo” (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 32). O autor do livro observa a “relação rock/política como resultado de um feixe de relações sociais, cujos subsídios principais podem ser percebidos em discursos, nos comportamentos e, inclusive, nas aparentes ausências de elementos e ingredientes da política” (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 32).

Com tais preocupações, Paulo Gustavo da Encarnação procura demonstrar as proximidades entre o rock brasileiro e o lusitano entre as décadas de 1970 e 1980. Aponta semelhanças entre os países; por exemplo, os períodos de ditadura. Mas também cuida das particularidades. Munido de uma perspectiva comparativa, afasta-se de visões totalizantes, hegemônicas e uniformes para pensar os agentes e expedientes dos universos roqueiros brasileiro e português. Como bem lembrou Marc Bloch sobre o trabalho do historiador (2001, p. 112), “no final das contas, a crítica do testemunho apóia- se numa instintiva metafísica do semelhante e do dessemelhante, do Uno e do Múltiplo”.

Assim, o livro busca refletir comparativamente acerca das características do rock lusitano e do brasileiro. Para tanto, leva em conta parâmetros linguístico-poéticos e musicais na análise de canções com críticas sociais e políticas. Procura demonstrar como o gênero foi classificado, respectivamente, por agentes brasileiros e portugueses, ocupando-se especialmente das definições e dos estereótipos formulados pelos integrantes do universo midiático, assim como da constituição e atuação da crítica musical veiculada em cadernos jornalísticos específicos e/ou em revistas especializadas. Portanto, historiciza o rock e o modo como o gênero foi tomado pela imprensa nos universos brasileiro e português.

Com relação à imprensa, concebe as diferentes e, por vezes, antagônicas facetas que conferem existência a uma empresa midiática. Compreende o estatuto das suas fontes e explica, detalhadamente, os passos trilhados para a realização do estudo. Apresenta, por exemplo, o modo como constituiu quadros temáticos para realização da pesquisa documental e para o trabalho com a bibliografia — expediente que possibilitou estruturar uma narrativa fluente e pouco afeita apenas à exposição cronológica e linear dos fatos.

Com base nos dados obtidos em pesquisa documental de fôlego e a partir da consulta crítica e assertiva à ampla e diversificada bibliografia, o pesquisador expõe consistente tese sobre o tema:

O rock produzido em língua portuguesa, no Brasil e em Portugal, desde os anos 1950 vinha num processo de nacionalização que culminaria, a partir da década de 1970 e, com especial destaque, para os anos 1980, no denominado rock nacional. […] defendemos a tese de que o rock produzido durante o período de 1970-1985 expressou e lançou mensagens musicais e críticas políticas. Ele se tornou, por conseguinte, um catalisador e um difusor de anseios e visões de mundo de uma parcela da juventude que não estava disposta a ver suas expectativas com relação à vida cultural e à política encerradas nas dicotomias: nacional/ estrangeiro, popular/elitista, capitalismo/socialismo (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 25).

Além de fértil e sólida tese, o leitor terá a oportunidade de conhecer o trabalho de um pesquisador incansável que minerou e lapidou dados e elementos históricos. Ademais, o livro de Paulo Gustavo da Encarnação é leitura obrigatória para pesquisadores que apreciam a constituição de séries no trabalho de pesquisa documental, a organização do material e sua exposição numa narrativa envolvente, sem, contudo, renunciar ao enfretamento de densas e qualificadas questões teórico-metodológicas. Ao longo dos quatro capítulos, o leitor terá a chance de conhecer a história do rock e, também, uma potente análise sobre as relações desse gênero musical com a mídia e a política no Brasil e em Portugal.

Se, por um lado, o trabalho de Paulo Gustavo nos ensina sobre um objeto específico e a operação do historiador num recorte temporal definido, comparando práticas em dois espaços distintos, por outro lado, chama atenção para a importância de entendermos o universo político para além das leituras simplistas sustentadas por visões duais e dicotômicas de mundo. Essa não seria, aliás, uma necessidade da nossa frágil democracia? Que a leitura de Rock cá, rock lá fomente a reflexão e o debate. E que os leitores experimentem mais do que visões binárias e esquemáticas de mundo. Afinal, como o autor colocou, o rock “é uma miscelânea de difícil definição”, mas como “posicionamentos que buscam criticar os pilares da sociedade”, expressando, “muitas vezes, elementos, mensagens e linguagem contestadoras” (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 267-8).

Referências

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

ENCARNAÇÃO, Paulo Gustavo da. Rock cá, rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa – 1970/1985. São Paulo: Intermeios; Fapesp, 2018.

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de Almeida Neves (Org.). O tempo da Nova República: da transição democrática à crise política de 2016 – Quinta República (1985-2016). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. v. 5.

LEGIÃO URBANA. Que país é este. In: LEGIÃO URBANA. Que país é este. Rio de Janeiro: EMI-Odeon Brasil, 1987. 1 áudio (2 min. 57).

RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996.

TITÃS. Bichos escrotos. In: TITÃS. Cabeça Dinossauro. Rio de Janeiro: Warner, 1986. 1 áudio (3 min. 17).

Edvaldo Correa Sotana – Mestre e doutor em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/Assis). Professor da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: edsotana11@gmail.com


ENCARNAÇÃO, Paulo Gustavo da. Rock cá, rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa – 1970/1985. São Paulo: Intermeios/Fapesp, 2018. Resenha de: SOTANA, Edvaldo Correa. Rock, mídia e política: história numa perspectiva comparada. Albuquerque – Revista de História. Campo Grande, v. 12, n. 24, p. 225-228, jul./dez., 2020.

Acessar publicação original [DR]

As ruínas da tradição: a Casa da Torre de Garcia d’Ávila/ família e propriedade no nordeste colonial | Ângelo Emílio da Silva Pessoa

O livro que ora se resenha em sua segunda edição é fruto da tese de doutoramento de Ângelo Emílio da Silva Pessoa defendida junto ao departamento de história da USP. Graduado em licenciatura Plena em história pela Universidade Federal da Paraíba (1988) e doutorado em história social pela Universidade de São Paulo (2003). Foi professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Nova Andradina entre (2006 e 2008). Atualmente é professor Associado I do Departamento de História do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, estando vinculado ao quadro permanente do PPGHUFPB.

O trabalho está didaticamente bem dividido em três partes que o compõe e o interligam num diálogo dinâmico; tradição é o primeiro capítulo e nele explora a historicidade da Casa da Torre, “Propriedade” é o título que ilustra o segundo capítulo e estuda aspectos da geo-história ao delimitar a extensão da propriedade ou da sesmaria que, via de regra, era de “perder de vista” e, muitas vezes, incomensurável, sobretudo, porque os limites eram, em muitos casos, imaginários e ou simplesmente abstratos. Ainda neste capítulo ao se estudar a noção de propriedade o autor revela sua enorme capacidade de intelectual decolonial para analisar a situação e a relação do senhor de terras Garcia d’Ávila com os índios, ora de amizades, mas na maior parte das vezes de conflito chegando a revelar massacres cometidos pelo grande fazendeiro expansionista em busca de novos pastos para a sua boiada, que foi o grosso dos seus negócios. O terceiro e último capítulo fecha o livro e dá o desfecho no que foi estudado intitulando-se “família”, busca analisar questões de economia ao longo das gerações que carregam o sobrenome, especificamente a pecuária, carro chefe da Casa da Torre, mas também pequenos engenhos, exploração de salitre, prata, produção de couro, e demais artífices. Leia Mais

Trabalhadores e trabalhadoras rurais boias frias: exclusão/ imprensa e poder | Antonio Alvez Bezerra

Antonio Alves Bezerra é graduado em História pela UNESP, mestrado pela PUC/SP e doutorado em História pela mesma universidade. É professor do curso de graduação e pós-graduação em História pela UFAL, como também, coordenador do laboratório de Ensino de História e líder do Grupo de Estudos: História, Ensino de História e Docência.

A obra intitulada Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Boias Frias: exclusão, imprensa e poder é um estudo sobre o avanço do processo de modernização do setor sucroalcooleiro com o resultante aumento da exclusão social e econômica dos trabalhadores rurais. O prof. Rodrigo Costa escreve um breve prefácio sobre a obra e observa que ela “oferece uma visão sob um grupo social cuja presença se faz notar e sentir no cotidiano das grandes áreas rurais do país, os trabalhadores rurais boias-frias”, que também, estão presentes no agreste alagoano e no sertão pernambucano. Existência historicamente negada nos discursos do poder público, da mídia e do poder econômico. Leia Mais

Estratégias de uma esquerda armada: militância, assaltos e finanças do PCBR na década de 1980 | Lucas Porto Marchesini Torres

Lançado pela EDUFBA, em 2017, o livro estratégias de uma esquerda armada: militância, assaltos e finanças do PCBR na década de 1980 é resultado de dissertação de mestrado defendida em 2013 no Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (UFBA), por Lucas Porto Marchesini Torres. Este é bacharel e licenciado em História por esta mesma instituição e atualmente cursa o doutorado em História Social na Unicamp, se empenhando-se no estudo sobre comunismo e movimentos sociais na Bahia entre os anos de 1945 e 1964.

O livro apresenta uma pesquisa histórica e inédita sobre a tentativa frustrada de assalto ao Banco do Brasil, no Bairro do Canela, na capital baiana, Salvador, por cinco militantes do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), em 1986 (TORRES, 2017. p. 21). Após serem presos os cinco homens, com medo de ser confundidos e tratados como bandidos comuns, assumiram que eram petistas e que desejavam com o assalto levantar fundos em ajuda à Nicarágua Sandista (p. 21). Leia Mais

1819 y la construcción del Estado-Nación en Colombia | Eduard Moreno, Joaquín Viloria, Édgar Rey, Carlos Manrique, Leonor Hernández e Jesús Flórez || Hace doscientos años. Una historia de la campaña libertadora | Andrés Castillo-Brieva || Del grito a la victoria. Independencia de Colombia 1810-1819 | Gonzalo España || 1819. Campaña de la Nueva Granada | Daniel Gutiérrez-Ardila

En el momento de escribir esta reseña, estamos a poco más de un mes de la fecha emblemática del 7 de agosto. La polémica sobre si el bicentenario de la independencia colombiana se debía celebrar en 2010 o 2019 parece lejana y “bizantina”. Sin embargo, lo que sí puede afirmarse es que bibliográficamente la conmemoración bicentenaria de este 2019 es bastante pobre en producción bibliográfica dirigida a un público general, lo que crea una extraña lectura en paralelo con los clamores por restaurar la enseñanza de la historia en los ciclos de educación básicos.

El aniversario de 2010, con un logotipo de identificación, una programación de iniciativa estatal, de instituciones y universidades y la publicación de una bibliografía mucho más visible y abundante mostró una iniciativa editorial amplia en la que pueden enumerarse los siguientes títulos y actividades: El gran libro del bicentenario1 —donde participaron “pesos pesados” de la disciplina, entre los que estuvieron Anthony Mcfarlane, Víctor Manuel Uribe Urán, Rodolfo Segovia Salas, Georges Lomné, Pablo Rodríguez, Malcolm Deas, Juan Marchena y Gustavo Bell—; la serie Bicentenario de Colombia 1810-2010 —su primer tomo “El descubrimiento, la conquista y la colonización de la América Hispánica”, se publicó en noviembre de 2009—; un proyecto de la Universidad Simón Bolívar; La independencia en el arte y el arte en la independencia2; Colombia 1810-2010 3; la recopilación de conferencias Bicentenario de la Independencia 1810-2010 4; Educación en la Independencia5; las actividades lideradas por el Banco de la República, como la “Exposición: palabras que nos cambiaron”, el blog de noticias bicentenarias; biografías de los héroes para niños (Antonio Nariño, Francisco José de Caldas, Policarpa), la Exposición “Ensamblando una nación”; y la colección de Credencial historia entre octubre de 2009 y septiembre de 2010. Leia Mais

La otra esclavitud. Historia oculta del esclavismo indígena | Andrés Reséndez

El volumen escrito por Andrés Reséndez mira de frente la violencia que definió la esclavitud de indígenas. Sin eufemismos, este autor acompaña el martirio documentado demillones de personas amerindias (entre 2.5 y 5 000) que entre el siglo XVI e inicios del siglo XX fueron esclavizadas o sometidas a lo que el autor denomina “la otraesclavitud”. Leia Mais

L’Armeé imaginaire. Les soldats prolétaires dans les légions romaines au dernier siècle de la République | François Cadiou

La presente obra del Profesor François Cadiou —en continuidad con sus investigaciones sobre la guerra romana y su libro Hibera in terra miles de 20081 — es el resultado de su memoria de habilitación para dirigir investigaciones (HDR), defendida en diciembre del año 2013. El jurado evaluador, compuesto por las autoridades Jean-Michel David, Patrick Le Roux, John Rich, Jean-Michel Roddaz y Catherine Wolff, han asegurado una investigación rigurosa en cada dimensión de la Historia romana en general y la militar en particular2. Leia Mais

Handbook of Research on Citizenship and Heritage Education | Emilio José Delgado-Algarra, José María Cuenca-López

Es interesante iniciar este comentario recuperando algunas de las afirmaciones que realizan Ainoa Escribano-Miralles, Pedro Miralles Martínez y Francisca-José Serrano-Pastor al promediar la primera sección de esta obra (ver nota 1). Según los autores la educación patrimonial ha adquirido en España, en las últimas décadas, el estatus de disciplina científica por derecho propio, y ello sucede porque se ha demostrado que contribuye al desarrollo de la ciudadanía activa y crítica. La presente compilación, que se inscribe en la tradición angloamericana del handbook (manual) como especie de estado del arte de un ámbito de investigación, claramente da cuenta del vigor de los estudios sobre la temática en España (catorce artículos) y las redes académicas establecidas con colegas de Alemania, Canadá, Chile, China, Singapur (uno por cada país), Italia (dos), más colaboraciones entre investigadores de instituciones de Reino Unido/ EEUU y Singapur/ China (uno y uno respectivamente). Leia Mais

Global Citizenship Education and Teacher Education. Theoretical and practical issues | Daniel Schugurensky, Charl Wolhunter

El concepto de educación para la ciudadanía es tremendamente complejo, más si le añadimos el término ‘global’. Por este motivo, hablar de educación para la ciudadanía global (ECG) no basta para para situar al lector -ya sea estudiante, docente o académico- puesto que hay múltiples ideas e interpretaciones de lo que EGC significa. Las personas y los estados lo interpretan o lo enfocan de formas diferentes, ya sea por motivos epistemológicos, históricos, culturales, ideológicos o económicos. El libro reseñado aborda esta complejidad desde la perspectiva de la formación del profesorado, un debate que se hace necesario en los procesos de transformación educativa y social, puesto que sabemos que los cambios suelen darse a través de la formación inicial, en un proceso lento pero que puede conseguir resultados que realmente supongan un avance cultural y educativo significativo. Leia Mais

Endeudar y fugar. Un análisis de la historia económica argentina de Martínez de Hoz a Macri | Eduardo Basualdo || Historia de la deuda externa argentina. De Martínez de Hoz a Macri | Noemí Brenta || Salir del fondo. La economía argentina en estado de emergencia y las alternativas ante la crisis | Esteban Mercante

Los libros que aquí comentamos abordan la política económica reciente de la Argentina y sus principales transformaciones. Endeudar y fugar. Un análisis de la historia económica argentina de Martínez de Hoz a Macri. Buenos Aires: Siglo XXI, 2018, de Eduardo Basualdo; Historia de la deuda externa argentina. De Martínez de Hoz a Macri. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2019, de Noemí Brenta; y Salir del Fondo. La economía argentina en estado de emergencia y las alternativas ante la crisis. Buenos Aires: Ediciones IPS, 2020, de Esteban Mercante. Aunque desde disímiles perspectivas, estos trabajos comparten el objetivo de analizar los problemas en torno al endeudamiento en nuestro país y especialmente la inflexión que significó para la política económica la victoria de la Coalición Cambiemos desde 2015. En los tres casos se recupera el pasado reciente con diversos argumentos, lo que nos permite observar varias ópticas en torno a ese pasado. De esta forma, proponemos comentar los principales razonamientos que los autores exponen acerca de las sucesivas etapas históricas analizadas y finalizar con un balance recuperando las diferentes miradas sobre los temas examinados. Leia Mais

O que pode a biografia | Alexandre de Sá Avelar e Benito Bisso Schmidt

Benito Bisso Schmidt é professor no Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nessa instituição, graduou-se e realizou o Mestrado e concluiu o Doutorado em 2002, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Durante a sua formação, Schmidt estudou temas referentes à Biografia e à História Social do Trabalho, como também passou a se debruçar sobre os Estudos Queer. Alexandre de Sá Avelar é docente no Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Graduou-se e tornou-se, em 2001, mestre pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e, posteriormente, cursou o Doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF). Avelar trabalhou com temas ligados aos campos da História Política, da Biografia, da Teoria da História e da Historiografia.

Organizada por esses historiadores, a coletânea intitulada O que pode a biografia apresenta a narrativa como eixo principal de análise e os capítulos divididos em duas sessões. A primeira, Horizontes Teórico-Metodológicos, está relacionada aos processos constitutivos da biografia (indivíduo, tempo, narrativa e escalas) e a sua inserção no debate público. A segunda, Experiências de Pesquisa e Leitura, apresenta as trajetórias de pesquisadores, que contribuíram para a coletânea da obra, e os parâmetros usados na elaboração de suas pesquisas. Leia Mais

Victoria Ocampo. Escritura/poder y representaciones | María Soledad González

La sonoridad del nombre de Victoria Ocampo sigue haciendo eco no sólo en el mundo de las letras y la alta cultura, sino también en el ámbito académico-científico. Si bien, los impulsos renovados del campo historiográfico -en dialogo interdisciplinar con otras ciencias sociales- han permitido reivindicar a las mujeres como sujetos históricos; el abordaje de las intelectuales argentinas del siglo XIX y XX aún es un terreno poco explotado. Desde esta preocupación, María Soledad Gonzáles nos ofrece Victoria Ocampo. Escritura, poder y representaciones, como producto de una tesis de maestría en Ciencias Sociales con mención en Problemas Políticos, defendida en la Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires. Así mismo, la presente obra abreva en el estudio de las configuraciones y trayectorias intelectuales en la Argentina metropolitana y periférica durante el siglo XX que, la autora, está realizando en el marco de su tesis doctoral. Leia Mais

Makers of Democracy. A Transnational History of the Middle Classes in Colombia | Abel R. Lopez Pedreros

LÓPEZ PEDREROS Ricardo www youtube com Makers of Democracy
Retrato de Abel Ricardo / www.youtube.com

LÓPEZ PEDREROS Ricardo A Makers of democracy Makers of DemocracyEl libro de Abel Ricardo Lopez Pedreros, egresado de la carrera de Historia de la Universidad Nacional de Colombia, sede Bogota, y ahora profesor de la Western Washington University en Estados Unidos, busca reflexionar criticamente sobre la comun asociacion entre clases medias y democracia, pensando en los sectores medios de Bogota en las decadas de 1970 y 1980. Dicha asociacion es algo que hace tanto el pensamiento de derecha como el de izquierda, ambos exigiendole el deber ser de ponerse al servicio de la democracia, bien sea la liberal o la revolucionaria. Por clase media, Lopez Pedreros entiende no necesariamente un hecho social, mas bien, es el cruce entre condiciones existentes, racionalidades de poder —en terminos de clase y genero—, y la formacion subjetiva, a traves de las practicas y discursos. Desde esta propuesta, el autor construye en dos partes y 8 capitulos su reflexion critica. En la primera parte se centra en los discursos que delimitan y crean —hasta cierto punto— a las clases medias bogotanas de mitad del siglo pasado. En la segunda seccion mira las decisiones de actores concretos para conformar la identidad de esas clases.

Asi, el autor va mostrandonos las particularidades de nuestra democracia y por ende de nuestras capas medias, para verlas distintas, cuando no “bastardas”, de las europeas y norteamericanas. Esas capas, supuestamente, son simbolo de la lucha contra las oligarquias criollas y exigen una lectura de la sociedad no en terminos binarios de dos clases opuestas, pues hay una mas en la mitad. Las clases medias alimentan y son alimentadas por las pequenas y medianas industrias que reciben credito del Estado y de las agencias norteamericanas vinculadas a la Alianza para el Progreso, el famoso programa anticomunista lanzado en la presidencia de John F. Kennedy (1961-1963). Finalmente, en esa primera parte, las capas medias tambien estan vinculadas al sector de servicios o terciario, en el que se dan procesos de seleccion, segun estereotipos comunes de clase y genero. Leia Mais

Cuando la copa se rebosa. Luchas sociales en Colombia, 1975-2015 | Archila Mauricio Neira

En la introduccion de esta obra, Martha Cecilia Garcia da cuenta de la biografia intelectual que hizo y hace posible la existencia de la base de datos del cinep. Inicialmente, situa, con nombres propios, a sus directores e investigadores, a su personal y al equipo de movimientos sociales como lugar academico y moral abierto a la investigacion accion participativa. Los pone en el filo de la navaja de los conflictos sociales, escuchando y acompanando a los protagonistas de las luchas que se estudian. El correlato etico viene a ser un compromiso con los derechos humanos y la busqueda de la paz.

Martha Cecilia enfatiza la labor reflexiva del seminario permanente del equipo, donde analizan teorias y balances para lograr articular herramientas conceptuales y operativas en permanente desarrollo y construir los lenguajes adecuados para sus propositos comunes. En esta biografia intelectual, su autora hace memoria de las lineas de evolucion de la base de datos, condicionada por los afanes de dar cuenta de protagonistas sin reconocimiento necesario —como los movimientos civicos, barriales y urbanos que llamaron la atencion de Javier Giraldo (1987)— y, en simultaneo, de movimientos campesinos, especialmente de la Asociacion Nacional de Usuarios Campesinos (anuc), y la lucha por desalambrar en los anos setenta que dio como resultado la importante investigacion de Leon Zamocs, Los usuarios Campesinos y la lucha por la tierra en los años 70 (1982). Luego se viviria una ampliacion de la cobertura hasta acunar // once actores: asalariados, campesinos, pobladores urbanos, estudiantes, grupos etnicos —indigenas, negros o afrocolombianos y raizales— victimas del conflicto interno, mujeres, poblacion lgbti, trabajadores independientes, gremios —entre los que se destacan comerciantes y transportadores— que, sin constituir movimientos sociales, en ocasiones recurren a la protesta, y reclusos (p. 45). Leia Mais

De brava a dura. Policía de la provincia de Buenos Aires. Una Historia (1930-1973) | Osvaldo Barreneche

Esta obra condensa la investigación de Osvaldo Barreneche en, por lo menos, los últimos diez años de su trabajo. Tal y como él lo manifiesta en la introducción, el libro fue de a poco anticipado en artículos publicados a lo largo de esta década. Sin embargo, la intención y objetivos del autor sólo se revelan en la reunión de los capítulos que conforman este libro. Efectivamente, el esfuerzo de la obra está orientado a entender lo que su título nos propone: una transición entre diferentes formas de concebir la policía bonaerense. Este énfasis en el proceso busca historizar, a contrapelo tanto del sentido común como de algunas reflexiones académicas, una institución que se percibe “siempre igual?, a la vez que apunta al rol ausente y en deuda de la disciplina histórica respecto de otras ciencias sociales y humanas que desde los años ochentas han venido estudiando a las fuerzas de seguridad. Leia Mais

Battista Venturello. Las huellas de un largo peregrinaje por territorios indígenas | Augusto Javier Gómez López

Este libro revela una cautivadora coleccion fotografica que se encontraba hasta hace poco resguardada en un pesado y viejo baul de la familia Venturello.

El libro, coeditado por la Universidad Nacional de Colombia y la Universidad de los Andes, hace parte de la coleccion especial Sublimis, la cual, tal y como su nombre lo indica, tiene como objetivo la publicacion de obras eminentemente extraordinarias. Al abrir y pasar sus paginas, el lector atraviesa una galeria etnografica y al internarse en la lectura de los textos, poco a poco encuentra y comprende el trasfondo historico en el que Battista Venturello obtuvo estos registros. Venturello nacio en el canton de Piamonte italiano en 1900 y a sus 22 anos salio de Turin en busqueda de las selvas africanas, pero un cambio de rumbo lo llevo a America. Alli, recorrio varias regiones colombianas durante la primera mitad del siglo xx y, finalmente, se radico en la ciudad de Cali. En la decada de 1960 fue el fundador, de la mano de sus hijos, de la primera industria de antenas de television en el pais. Leia Mais

A short history of European law: the last two and a half millennia | Tamar Herzog

Dentre os gêneros da literatura jurídica, manuais e textos introdutórios ocupam uma posição bastante singular: por se tratar de uma primeira leitura sobre determinado tema, eles não devem adotar uma complexidade que assuste o leitor iniciante, ao mesmo tempo que precisam se afastar de lugares comuns, de visões metodologicamente ultrapassadas e mesmo de conteúdo materialmente pouco aprofundado. Não é incomum se deparar com o argumento de que, como os manuais são uma leitura inicial, podem deixar pontos abertos (ou mesmo sem uma precisão integral em tudo o que se pretenda abordar) a serem preenchidos por estudos mais específicos, os quais só seriam feitos por quem necessitasse ou optasse pelo aprofundamento do conhecimento na área.

Ao adotarem essas estratégias, muitos autores de manuais apresentam textos deficientes que frequentemente refletem um déficit também na sua formação, o que se torna facilmente perceptível ao leitor mais atento. O resultado acaba materializando um ciclo vicioso, pois manuais fracos dificilmente inspirarão alunos a se tornarem pesquisadores na área. Por outro lado, manuais publicados por autores com uma formação sólida tendem a ter a qualidade necessária para o duplo objetivo de qualquer obra com essa natureza: servir como ponte para o aprofundamento da minoria que decidir se especializar e, para a maioria, fornecer subsídios mínimos para uma compreensão ampla e adequada das principais discussões da área específica. Leia Mais

La justicia criminal ordinaria en tiempos de transición. La construcción de unnuevo orden judicial (Ciudad de México, 1824-1871) – FORES (ACHSC)

FORES, Graciela. La justicia criminal ordinaria en tiempos de transición. La construcción de unnuevo orden judicial (Ciudad de México, 1824-1871). México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2019. 413 p. Resenha de MUÑOZ C. Andrés David. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura [Bogotá], v. 47 n. 2, jul. – dic. 2020.

La base de los problemas historiograficos que constituyen el nodulo del presente libro es la tesis doctoral de Graciela Flores Flores, defendida en la Universidad Nacional Autonoma de Mexico bajo la direccion de Elisa Speckman.

A la historiografia de las instituciones judiciales en la Hispanoamerica republicana —mas alla de ciertas contribuciones importantes enmarcadas en la apertura disciplinar de las ultimas decadas—, le urgen estudios de esta indole que permitan analizar las continuidades y rupturas en ese complejo transito entre un orden jurisdiccional y uno propio del Estado de Derecho, tal como actualmente es concebido. La obra que nos ocupa es rica en matices y detalles, asi que procurare esbozar las lineas argumentativas mas sobresalientes a mi modo ver.

La complejidad del abigarrado orden juridico novohispano, caracterizado por su pluralismo y por la preminencia del arbitrio judicial, nos dice la autora, necesariamente habria de convivir durante un par de decadas con las fragiles intentonas de instaurar una justicia entendida por Jaime del Arenal Fenochio como “absolutismo legalista” o “absolutismo juridico”. Ello es clara muestra de que la “continuidad juridica”, en palabras de Carlos Garriga, era un hecho connatural al diseno del Estado surgido de la independencia, cuyo sistema judicial habria de exhibir algunas remoras propias de la tradicion hispanica que la Republica no podia barrer de un plumazo.

El libro esta dividido en tres partes, acordes con la periodizacion de la autora, quien se ha cenido a ciertos hitos propios de la historia juridica y judicial mexicana y no estrictamente a acontecimientos de orden puramente politico.

Esto es asi porque la Constitucion de 1824, fundadora del Estado mexicano y de sus instituciones, se nos muestra no solo como un hito politico sino sobre todo juridico; mas aun el decreto de 1841, que pretendia la fundamentacion de las sentencias judiciales (y con ello un quiebre definitivo con la vieja justicia arbitrista); el articulo 14 de la Constitucion de 1857, que buscaba la exacta aplicacion de la ley; y por ultimo, la promulgacion del primer Codigo Penal para el Distrito Federal en 1871, culmen de lo que Flores denomina “el triunfo codificador”. Esta denominacion que da la autora al periodo iniciado en la segunda mitad del siglo xix no debe ser interpretada necesariamente como el triunfo de la civilizacion y el imperio absoluto de la ley, pero al menos si como la definitiva preponderancia del nuevo orden juridico legalista sobre el viejo, el cual tardaria algunos anos mas en extinguirse de manera definitiva.

Con aparente dejo de ironia, Graciela Flores dice que el estudio de la practica judicial tal vez no sea la parte mas entretenida de su trabajo, pero a mi modo de ver, el confrontar la norma con las realidades efectivas de la administracion de justicia y de sus actores es lo que marca una diferencia, muchas veces notable, con la historiografia de viejo cuno, cuyo interes central era mas el Derecho que la Historia, tal como en su momento afirmaron Maria del Refugio Gonzalez y otros investigadores que abrieron el campo disciplinar en el que se inscribe este libro. Lo que constituye el nervio de modernas investigaciones como esta es la apelacion a fuentes primarias que revelan los entramados de la actuacion de agentes sociales como los fiscales, jueces, defensores y acusados.

Superar las limitaciones de las fuentes puramente normativas, como los cuerpos de leyes y la obra de los juristas, ambas muy validas, implica entonces explorar fondos documentales que han sido muy poco trabajados, y que incluso se hallan sin catalogar o sin ser descritos sus contenidos. Es el caso del Fondo del Tribunal Superior de Justicia del Distrito Federal – siglo xix, ampliamente trabajado por la autora para examinar las sentencias proferidas en las distintas salas de la Corte contra los condenados por robos, rinas y/o heridas, portacion de arma, homicidios y otros delitos. De este modo logra, mas alla de ver el funcionamiento de las instituciones judiciales —objetivo prioritario de la investigacion—, dar presencia y nombre a individuos secularmente marginados por la historia politica y economica mas tradicional.

El analisis de la praxis penal, por otra parte, se ve enriquecido por la evaluacion de las asi llamadas sentencias de tipo ascendente y descendente, pues Flores nos muestra que las condenas en segunda instancia podian variar de acuerdo a las reconsideraciones de los jueces, surgidas tras los pedimentos de los fiscales, funcionarios que en la vida republicana fueron cobrando un protagonismo creciente en el entramado judicial mexicano.

La narracion de Graciela Flores va llevando al lector de la mano para mostrarle el ritmo del cambio juridico en las primeras decadas republicanas, no exento de multiples dificultades para la implementacion de la correcta administracion de justicia basada en leyes claras y precisas. Ello fue asi pese a que, como afirma la autora, su objeto de estudio, la Ciudad de Mexico, era un lugar privilegiado para poner en marcha un nuevo sistema judicial que reemplazara el propio del Antiguo Regimen. Si cotejamos el caso de la ciudad capital con el de otras capitales estatales, en el Distrito Federal se pudo solventar con mayor suficiencia la carencia de jueces letrados, aunque hubo algunos importantes proyectos que tuvieron que esperar hasta la Primera Republica Centralista para verse concretados, tal es el caso de la instauracion y puesta en funcionamiento del Tribunal Superior. Y aunque Ciudad de Mexico tambien fue privilegiada en tanto matriz de la legislacion republicana local y federal, asi como de una nueva jurisprudencia, tambien es cierto que la relegacion de las leyes novohispanas fue bastante lenta y pausada: una mirada sobre las causas judiciales asi lo pone en evidencia. Ni que decir de la tardia implementacion del Codigo Penal del Distrito Federal, muy posterior al de estados como Oaxaca, Jalisco y Zacatecas o al de republicas centralistas como Colombia, conformado en 1837.

Mas alla de tales avatares, en el libro se ponen de relieve avances como los de los centralistas en materia judicial, al haber comenzado a exigir la fundamentacion de las sentencias, lo que segun la autora fue el primer golpe de gracia dado a una justicia apoyada en el buen criterio del juez, a quien se le empezo a exigir una praxis juridica garantista, solo basada en las leyes vigentes. La autora recoge otras disposiciones que sirvieron como preambulo a la epoca codificadora, como la Ley Juarez de 1855, que buscaba la exacta aplicacion de la ley, o la del 5 de enero de 1857, que consagro a la prision como una pena mas. Por otra parte, aunque la instauracion del Segundo Imperio Mexicano, presidido por Maximiliano de Habsburgo, fue un fenomeno claramente disruptivo en terminos politicos, en materia judicial y legislativa dio continuidad tanto a la administracion de justicia cimentada durante los anos previos, asi como al uso de su legislacion.

Resulta interesante observar como regimenes politicos de corte “conservador”, y asumidos regularmente como retrogrados, en materia de justicia criminal fueron tanto o mas vanguardistas que los federales, homologados de forma erronea como liberales strictu sensu Para terminar, quiero resaltar un aporte sugerente para quienes estudian esta epoca transicional. Y es que durante la epoca virreinal y buena parte del siglo xix, no solo existio un pluralismo normativo, sino tambien un pluralismo punitivo, donde los trabajos penados en sus multiples modalidades —como el trabajo en obras publicas, el presidio en cualquiera de sus variantes o los servicios de carcel— eran los mas frecuentemente recetados a los condenados por una muy amplia gama de delitos. Graciela Flores afirma con agudeza que el paso del pluralismo al monismo no se dio solo en el terreno de las leyes, sino tambien en el de las penas, puesto que la prision paso a ocupar el lugar privilegiado dentro de estas ultimas. Tal fenomeno estuvo ligado a la puesta en practica de una justicia garantista que, si bien no resulta sencillo calificarla como plenamente moderna, al menos constituyo el puntal de un nuevo orden en materia judicial.

Andrés David Muñoz C. – Universidad Autónoma Metropolitana – Unidad Iztapalapa. E-mail: andamuco@gmail.com.

La circulación de las ideas. Bibliotecas particulares en una época revolucionaria. Nueva España, 1750-1819 – ÁLVAREZ (ACHSC)

ÁLVAREZ, Cristina Gómez. La circulación de las ideas. Bibliotecas particulares en una época revolucionaria. Nueva España, 1750-1819. Madrid: Trama Editorial / Universidad Nacional Autónoma de México, 2019. 192 p. Resenha de ARDILA, Javier Ricardo. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura [Bogotá], v. 47 n. 2, jul. – dic. 2020.

La importancia del libro —como fermento en las mentalidades que produjeron grandes revoluciones— ha sido sostenida por historiadores de la talla de Lucien Febvre, Henri Jean Martin, Roger Chartier, Michel de Certeau, Robert Darnton, Peter Burke, entre otros. Una larga lista de nombres que se ha convertido en un lugar comun entre los estudiosos contemporaneos del tema. En el ambito latinoamericano, hoy en dia los trabajos clasicos de Teodoro Hampe y Bernardo Subercaseaux entran en dialogo con las investigaciones de Javier Planas, Idalia Garcia o Alfonso Rubio. Sin embargo, son pocos los estudios sistematicos que, por medio de las herramientas de la historia cuantitativa y serial, pueden dar cuenta de tendencias generales en periodos de mediana duracion y del impacto real de los libros como una fuerza de consideracion en la historia.

Entre estos ultimos se puede situar el que ha sido adelantado por la profesora Cristina Gomez Alvarez, de la Universidad Nacional Autonoma de Mexico.

En La circulación de las ideas, la profesora Gomez Alvarez demuestra que el aumento de la circulacion de libros fue sintoma y factor del crecimiento y consolidacion de una comunidad lectora en el area del virreinato de la Nueva Espana durante las decadas inmediatamente anteriores a la revolucion de independencia (1750-1819). En simultaneo a este proceso de arraigo letrado, el libro seglar gano preminencia sobre el libro religioso. Para corroborar su aserto, divide el libro en dos grandes partes, ademas de los respectivos apartados introductorios y conclusivos.

En la primera parte, titulada “Bibliotecas golondrinas, Cadiz – Veracruz, 1750-1778”, se remite a los registros de navios y equipajes que partieron del puerto de Cadiz con rumbo a Veracruz —conservados en el Archivo General de Indias, Sevilla— para rastrear el libro y las bibliotecas personales en las relaciones de equipaje declaradas por los provistos nombrados para el gobierno novohispano.

A partir de esta fuente, la autora categoriza las bibliotecas de los funcionarios entre eclesiasticos, civiles y militares. Cada una de estas bibliotecas se analiza en funcion de la distribucion geografica en el area virreinal, el tamano de las colecciones y la composicion de las lecturas a partir de la division tematica. El estudio permite concluir que la circulacion de obras modernas de reciente impresion en Europa, especialmente de factura espanola, fue comun entre los representantes del gobierno de Carlos III. Este poder bibliografico les permitio trabajar en favor de la administracion colonial y fortalecer el poder absoluto de la monarquia en los territorios de ultramar.

En la segunda parte, titulada “Bibliotecas en la Audiencia de Mexico, 1750- 1819”, la autora centra su atencion en los inventarios por fallecimiento —conservados en el Archivo General de la Nacion de Mexico—. Por medio de esta fuente caracteriza la distribucion geografica, el tamano de las colecciones y la composicion tematica de las bibliotecas personales. En virtud de la variedad y riqueza de los inventarios por fallecimiento, Gomez Alvarez decide clasificar las bibliotecas en relacion con la extraccion socio-profesional de los propietarios, los cuales divide entre eclesiasticos, comerciantes, funcionarios, profesionistas, dependientes, militares, artesanos y labradores. Vale la pena senalar el lugar diferenciado que da a las bibliotecas femeninas: su estudio permite afirmar que las mujeres fueron miembros activos en la comunidad de lectores. Lo anterior aplica tanto para mujeres que procedian de la elite comerciante, como antiguas esclavizadas, confirmando el profundo arraigo del libro en la sociedad mexicana durante el periodo de estudio. Asi mismo, la busqueda atenta a la presencia del libro frances demuestra que su extension y recurrencia pueden considerarse sintomaticas de un alto grado de familiaridad de la comunidad de lectores novohispanos con las ideas ilustradas. Finalmente, por medio de informacion obtenida de remates de libros en los registros de almoneda publica, la autora demuestra que la circulacion de los libros favorecio la conquista de nuevos lectores a partir de libros viejos.

La configuracion formal de los capitulos merece una alusion especial. Cada uno de ellos inicia con la presentacion pormenorizada de las fuentes: al hacer explicito su corpus documental, la autora expone tanto la pertinencia como los limites de su seleccion para responder las preguntas planteadas. En este sentido, cada capitulo devela un entramado metodologico complejo, en el que la fuente primaria adquiere protagonismo por encima de la interpretacion derivada de la lectura historiografica, sin carecer de ella. Una vez realizada la critica profunda de las fuentes, la profesora Gomez Alvarez articula la argumentacion inductiva desde el nivel macroanalitico —donde presenta el contexto historico en relacion con el problema, menciona los puntos fundamentales de la administracion virreinal y expone las tendencias generales derivadas del analisis de las series— hasta lo microanalitico —donde expone casos particulares, a escala biografica, que permiten ver matices cualitativos en relacion con las tendencias generales de orden cuantitativo—. Entre ambos polos se halla un punto intermedio donde analiza casos excepcionales que, por su anormalidad, pueden considerarse rarezas en medio de tendencias generales.

Vale la pena mencionar que el volumen de La circulación de las ideas esta acompanado de un cd-rom que pone a disposicion del lector algunas de las fuentes primarias utilizadas por la investigadora. En esta ocasion, la profesora Gomez Alvarez presenta 68 catalogos de bibliotecas —tomados de archivos mexicanos y espanoles— transcritos, reconstruidos y modernizados. Junto a estos se encuentran diez registros transcritos de venta de libros en almoneda publica, datados entre 1750 y 1819. En la ultima parte del libro aparecen nueve apendices documentales que presentan informacion construida a partir de la reorganizacion de las fuentes utilizadas.

Aunado a su valor intrinseco, La circulación de las ideas concluye una trilogia iniciada por la autora diez anos atras y que comprende los titulos Censura y Revolución. Libros prohibidos por la Inquisición de México. 1790-1819, (2009); y Navegar con libros. El comercio de libros entre España y la Nueva España, 1750- 1820, (2011). Esta serie, editada y publicada por la editorial matritense Trama, cuestiona el lugar del libro como mercancia y artefacto cultural —siguiendo el elocuente llamado hecho por Febvre y Martin en 1958, en el clasico L’Apparition du livre (Paris: Gallimard, 1958)— durante la segunda mitad del siglo xviii y las primeras decadas del siglo xix. Navegar con libros mostro la tendencia a la secularizacion de las lecturas por medio del analisis de la circulacion de titulos en el comercio transatlantico, durante el periodo colonial tardio. Censura y revolución presento el entramado legal de la adquisicion y posesion de los libros que desembarcaron en los puertos novohispanos, enfrentando la diseminacion y proliferacion de las lecturas condenadas. Frente a estos antecedentes, La circulación de las ideas se sumerge en la comunidad de lectores a traves de las bibliotecas personales.

Al extender una mirada a mediano plazo sobre la obra de la profesora Gomez Alvarez, La circulación de las ideas se inscribe en un periodo de reflexion intelectual sobre el libro que supera las dos ultimas decadas. Se puede marcar el inicio de este derrotero investigativo a finales del siglo pasado, cuando en 1997 la autora publico el estudio pionero de las bibliotecas de Antonio Bergosa y Jordan (1748-1819) y de Manuel Ignacio Gonzales del Campillo (1740-1813), prominentes obispos novohispanos. Con mas de veinte anos de trayectoria, La circulación de las ideas es una obra que adquiere la importancia de una obra intelectual madura.

Es evidente que La circulación de las ideas se circunscribe al lugar del libro y de las bibliotecas personales en el escenario mexicano durante la colonia tardia. Sin embargo, tanto por su acercamiento metodologico, como por la construccion y analisis de series cualitativas que revelan tendencias a escala atlantica, el estudio de la profesora Gomez Alvarez es una obra referencial. Las consideraciones para el caso novohispano deben incitar a investigadores en otras latitudes a acometer empresas similares; a fundamentar los analisis cualitativos de la circulacion y apropiacion del libro en evidencia empirica de orden cuantitativo. Por este motivo, La circulación de las ideas es una obra que sobrepasa los limites de la Nueva Espana en las ultimas decadas de la dominacion colonial y debe tener eco entre los interesados por la historia del libro, las bibliotecas y la lectura en America Latina.

Javier Ricardo Ardila – Universidad Nacional de Colombia. E-mail: jrardilag@hotmail.com.

Erased. The Untold Story of the Panama Canal – LASSO (ACHSC)

LASSO, Marixa. Erased. The Untold Story of the Panama Canal. Cambridge-Londres: Harvard University Press, 2019. 344 p. Resenha de: MAURI, Mônica Martinez. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura [Bogotá], v. 47 N. 2, jul. – dic. 2020.

Erased, la ultima obra de Marixa Lasso —historiadora panamena y profesora en la Universidad Nacional de Colombia—, nos invita a repensar la historia del canal de Panama. Con un relato minuciosamente construido a partir de fuentes documentales y orales, este volumen nos permite entender como los antiguos y prosperos pueblos que existieron en la zona central de Panama antes de la construccion del canal fueron borrados del mapa, tanto material como simbolicamente.

El principal argumento es que, al borrar de la memoria nacional una de las zonas urbanas mas potentes de la economia istmena del siglo xix, no solo se aseguro el domino estadounidense sobre el canal, sino que se busco olvidar la modernidad que habian construido republicas latinoamericanas como Panama en el siglo xix. Una modernidad que, en las jovenes republicas latinoamericanas, se concreto en una apuesta por la innovacion tecnologica y las formas de gobierno inspiradas por la revolucion francesa y la Constitucion norteamericana. Esta vision de la politica permitio dar poder local a sectores marginados en otras naciones del norte, como los indigenas o los afrodescendientes.

entre 1913 y 1916— de pueblos que concentraron una poblacion de 62.810 personas (el 14 % del total del pais). A diferencia de lo que muchas personas todavia creen, se trato de un desplazamiento que tuvo motivos politicos y no razones tecnicas. Los pueblos no desaparecieron bajo las aguas del canal o del lago Gatun, sino que fueron desmantelados para no dejar poblacion panamena dentro del espacio limitrofe al canal. Con ello, los norteamericanos ampliaron su area de influencia en el istmo y convirtieron una zona urbana en selvatica.

Lasso nos ofrece una nueva perspectiva sobre un hecho historico: la construccion del canal de Panama —estudiado de forma bastante exhaustiva por los historiadores—.

Y es que hasta el momento se habia prestado poca atencion a los primeros tres anos de construccion del canal norteamericano, un momento crucial para entender como los pueblos de la zona pasan de una jurisdiccion panamena a una norteamericana. Fue en este proceso cuando la poblacion panamena de la zona fue conceptualizada como native y la zona fue percibida como un lugar salvaje y tropical.

El primer capitulo muestra el proceso mediante el cual los Estados Unidos, tras la firma del tratado Hay-Bunau-Varilla (1903), fue ampliando su control sobre las zonas adyacentes al canal. Este tratado especificaba que Panama habia cedido a perpetuidad una zona de cinco millas a cada lado del canal, con la excepcion de las ciudades y puertos de Panama y Colon. Sin embargo, los Estados Unidos, utilizando el pensamiento higienista, se apropiaron de los puertos y las tierras aledanas al canal. En pocos anos, el servicio postal, las aduanas y la sanidad —controlados por la administracion estadounidense— convirtieron el puerto de Ancon y Panama en un solo puerto. Panama solo conservo el control sobre un pequeno embarcadero al que arrimaban pescadores y pequenos comerciantes.

En el segundo capitulo, a partir de los relatos de viajeros, se presenta una detallada descripcion de la vida en Chagres, Gorgona, Emperador y Cruces antes de 1904. Segun los testimonios, la zona contaba con muchos pueblos en los que la poblacion afrodescendiente era muy significativa. Era un lugar bien comunicado por tren, bien adaptado al trafico global, que se servia de las tecnologias modernas para hacer posible el transito de personas y mercaderias a traves del istmo.

Tambien era una zona dinamica en el plano industrial y agricola. Pero a pesar de todo esto, fueron pueblos concebidos como un obstaculo al progreso que los Estados Unidos queria traer al istmo.

El tercer capitulo aborda las consecuencias, para los antiguos pueblos de la zona, del nuevo regimen instaurado por los norteamericanos entre 1904 y 1912. El analisis de Lasso contempla tres etapas: de 1904 a 1907 las autoridades de la zona conservaron las estructuras municipales en uso; los pueblos pasaron a tener dos alcaldes, uno panameno y otro americano, al mismo tiempo que se empezaron a aplicar politicas de segregacion racial que dividieron los pueblos en nativos y americanos. De 1907 a 1912 la Isthman Canal Comission (icc) elimino los municipios de la zona y los convirtio en distritos administrativos, pero la mayoria continuo en el mismo lugar. Entre 1912 y 1915 la icc despoblo la zona, sustituyendo los antiguos pueblos por una geografia urbana.

El siguiente capitulo se centra en analizar el momento en el que se creo el debate sobre que hacer con los pueblos panamenos de la zona: .conservarlos en la zona, pero siendo gobernados y civilizados por los norteamericanos o desmantelarlos y enviar sus pobladores a otros lugares? Este dilema se resolvio en 1912, cuando las autoridades de la zona determinaron que la selva era la mejor proteccion militar para el canal y dictaron la orden de despoblamiento.

El quinto capitulo arranca con la creacion del lago Gatun, el lago artificial mas grande del mundo, y los primeros movimientos forzados de poblacion. Gorgona, en julio de 1913 fue el primer pueblo que conocio el confuso y caotico proceso de relocalizacion hacia Nueva Gorgona y Ciudad de Panama. Lasso analiza los multiples sistemas de tenencia de tierras que existian en la zona y las dificultades de la Joint Land Comission, un organismo panameno-americano, para crear politicas de compensacion que respondieran a las necesidades de los desplazados. Muchos de los habitantes, al no ser propietarios y al no contar con un contrato de alquiler anterior a 1907, no recibieron ninguna compensacion, solo tuvieron derecho a transporte gratuito para llevar los materiales que conformaban sus viviendas a otro lugar. Con todo, el despoblamiento de la zona creo un gran desconcierto entre sus antiguos pobladores y provoco un cambio de percepcion hacia los americanos.

Hasta entonces, los panamenos de la zona creian que, aunque el canal pertenecia a los americanos, la zona era una tierra en la que podian continuar viviendo. Con el traslado entendieron que la gente que habia dado vida a los pueblos del territorio durante siglos ya no tenia derechos sobre este.

“Pueblos perdidos” es el titulo del siguiente capitulo. En el se continua explicando el despoblamiento a partir del ejemplo de Nuevo Gatun —un pueblo de 8.000 personas que desaparecio entre 1914 y 1916—. Las ultimas paginas estan dedicadas al abandono que creo mas conmocion en la opinion publica panamena: el del Chagres. Este pueblo, situado al lado del fuerte San Lorenzo, fue un enclave historico del atlantico panameno comparable a Portobelo. Estos y otros despoblamientos fueron posibles gracias a un decreto, aprobado en 1912, y un acuerdo entre Estados Unidos y Panama de 1914 que ampliaba las fronteras de la zona bajo jurisdiccion norteamericana, otorgandole control sobre las tierras de los margenes del lago Gatun hasta una altura de 100 pies sobre el nivel del mar.

Tras la publicacion, en 1962, de la novela Pueblos perdidos de Gil Blas Tejeira, se instalo en el imaginario nacional panameno la idea de que los antiguos pueblos de la zona habian desaparecido bajo las aguas del lago Gatun. Una de las principales aportaciones de Lasso es poner fin a esta ilusion. Como muestra en el capitulo siete, los centros urbanos mas grandes (Emperador y Nuevo Gatun) no fueron inundados, sino despoblados, e incluso Gorgona, la supuesta ciudad que yace bajo el lago, solo fue parcialmente inundada. Este mito de la inundacion sirvio para naturalizar la desaparicion de los pueblos, pero tambien para justificar el cambio de trazado de la linea del ferrocarril hacia el Este del canal, donde fueron construidos los centros urbanos americanos. Este ultimo cambio tambien estuvo muy relacionado con el despoblamiento de los pueblos panamenos, con la necesidad de convertir una zona urbana en una zona selvatica, transformando el centro en periferia. Con todo, los americanos construyeron una nueva zona del canal con pequenos pueblos racialmente segregados, en la que no existia la propiedad privada, la agricultura ni el vicio (alcohol, juego y cabares).

En el epilogo, Lasso nos explica su recorrido por los actuales Nuevo Chagres y Nuevo Emperador, los pueblos fundados tras la despoblacion que absorbieron parte de los desplazados. A partir de los relatos de los mas ancianos, muestra como, a pesar de las politicas de olvido, los descendientes de los antiguos pueblos de la zona recuerdan su lugar de origen, se sienten parte de la historia del canal y todavia hoy sufren las consecuencias de haber sido expulsados hacia la periferia.

En el plano disciplinar, la obra de Lasso podria ser reivindicada desde la antropologia historica. Las razones son varias. La primera, porque aborda la construccion politica de la memoria y lo hace partiendo de la documentacion historica, la version etic; pero tambien teniendo en cuenta las narrativas de los descendientes de aquellos que fueron desplazados, la version emic. La segunda, porque cuestiona la naturalizacion de las explicaciones que sirvieron para despoblar de panamenos y poblar con norteamericanos la zona del canal, deconstruyendo los argumentos que utilizaron las autoridades de la epoca. Y lo hace teniendo en cuenta que las categorias —tropical, salvaje, nativo— son fruto de voluntades diferenciadoras, no de diferencias objetivas que buscan imponer un orden concreto. La tercera, porque centra su analisis en aquellos que fueron excluidos de la historia. Tal como hizo Nathan Wachtel en los Andes,1 Lasso narra el devenir de los vencidos, de aquellos que no importaron a nadie, que fueron borrados. Y por ultimo, porque incorpora una perspectiva personal que podriamos situar proxima a la autoetnografia.

Antes de la publicacion de Erased, en Panama otros trabajos ya habian mostrado las consecuencias sociopoliticas de la construccion de nuevas geografias.

La antropologa Julia Velasquez2 mostro hasta que punto a lo largo del siglo xx imaginar el Darien como un lugar salvaje fomento la especulacion sobre la tierra, a partir de iniciativas forestales, turisticas, agroindustriales y provoco el auge del narcotrafico. En este contexto, pensar el Darien como un lugar peligroso legitimo su domesticacion por parte de agentes forasteros y justifico el uso de la violencia en el proceso.

Tambien en Panama se habian escrito algunas lineas para denunciar los efectos del articulo II del tratado Hay-Bunau Varilla, en relacion con la desembocadura y areas aledanas al rio Chagres. Bonifacio Pereira (1964), miembro de la Academia Panamena de la Historia, relato el proceso de despoblacion del Chagres con bastante detalle. Explico como sus habitantes fueron despojados de sus tierras y casas sin recibir ningun tipo de indemnizacion. Incluso afirmo que se trato de un expolio que se hizo con la complicidad de las clases dominantes panamenas. Como el mismo manifesto: fueron hechos que permanecieron ocultos “tal vez para que sigamos siendo mansos, dociles, entreguistas”.3 Erased se suma a los trabajos de Velasquez y Pereira, convirtiendose en un libro que es y sera fundamental para entender la historia del istmo de Panama.

Lo es porque esta escrito por una mujer panamena desde Harvard —un centro intelectual del norte—, por lo que no pasara desapercibido. Tambien lo sera porque nos permite entender que hay muchas maneras de hacer historia, que hay episodios y personas que los poderosos quieren borrar de la historia nacional, pero que por mucho que lo intenten, la gente no olvida. Ahora solo falta encontrar un titulo que en espanol tenga la misma fuerza que Erased, y esperar que la publicacion de su traduccion abra el foco, poniendo atencion en otros episodios de la historia de Panama que tambien han sido borrados. Pienso en la invasion de Panama del 20 de diciembre de 1989, un momento que, a pesar de estar en el recuerdo de todos los panamenos, ni siquiera es mencionado en el recien inaugurado Museo de los Derechos Humanos de la Ciudad de Panama.

1. Nathan Wachtel, La Vision des vaincus. Les Indiens du Pérou devant la Conquête espagnole1530-1570 (Paris: Gallimard, 1971).

2. Julie Velasquez Runk, “Creating Wild Darien: Centuries of Darien’s Imaginative Geographyand its Lasting Effects”, Journal of Latin American Geography 14.3 (2015): 127-156.

3. Bonifacio Pereira Jimenez, Biografía del río Chagres (Panama: Imprenta Nacional, 1964) 124.

Mònica Martínez Mauri – Universitat de Barcelona. E-mail: martinezmauri@ub.edu.

As últimas testemunhas: crianças na Segunda Guerra Mundial | Svetlana Aleksiévitch

Introdução

A obra intitulada “As Últimas Testemunhas: crianças na Segunda Guerra Mundial” trata-se de um livro traduzido do russo em sua 1° edição no ano de 2018, pela editora Schwarcz S.A, São Paulo e publicado pela Companhia das Letras. A autora, Svetla Aleksivitch, jornalista, nasceu em 1948, na Ucrânia, dedicando a sua vida literária/profissional de forma única à observação, escuta e transcrição de relatos a respeito de momentos factuais da história. Momentos dos quais teve forte vínculo afetivo: após a desmobilização de seu pai do exército, a família retornou à sua cidade natal, na Bielorrússia. Aleksievich, estudou na Universidade de Minsk, entre 1967 e 1972. Por causa de sua crítica ao regime, viveu periodicamente no exterior. Em 2015, recebeu o prêmio Nobel de literatura, mesmo escrevendo originalmente em língua russa. Desde então, algumas de suas obras emblemáticas: “Vozes de Tchernóbil (2016)”, “A Guerra Não Tem Rosto de Mulher (2016)”, “Fim do Homem Soviético (2016)” e o mais atual “Meninos de Zinco (2020)” passaram a ser traduzidas para diversas línguas, dentre elas o português (THE NOBEL PRIZE, 2015).

A obra em questão é o resultado de um trabalho com cerca de cem entrevistas realizadas entre os anos de 1978 e 2004. O que esses adultos tinham em comum? Sobreviventes, com memórias do horror da Segunda Guerra Mundial, afinal, eram “apenas crianças”. Particularmente, crianças são afetadas de maneiras diferentes na Guerra. Fisicamente: quando há falta de comida ou água. Psicologicamente: quando expostas a grandes cenas de horror da guerra, como bombardeios, brigas e deixar suas próprias casas. Emocionalmente: quando pode estar diretamente na guerra, como membro servindo, ou tendo outra ocupação nas forças (MOCHMANN, 2008). Leia Mais

Encontros e desencontros de lá e de cá do Atlântico: mulheres Africanas e Afro-brasileiras em perspectiva de gênero / Patrícia G. Gomes e Claudio A. Furtado

GOMES Patricia Godinho Makers of Democracy
Patrícia Godinho Gomes / Foto: Elaine Schmitt – UFSC Notícias /

GOMES P e FURTADO C Encontros e desencontros de la e de ca do Atlantico Makers of DemocracyEm um breve ensaio na introdução é apresentada a ideia de modernidade, acentuada no desenvolvimento do capitalismo e na industrialização. Esta faz com que transformações socioculturais e de categorias como as de gênero e raça derivem de fundamentos sociais euro-peus, influenciando em desigualdades e estratificações sociais. Destaca-se uma cronologia dos estudos e temas publicados sobre mulheres e relações de gênero, representando seus impasses, como a predominância de textos escritos por homens e a partir de seus olhares, mas também o crescimento significativo da produção literária sobre mulheres africanas e a partir de suas perspectivas. Quanto ao Brasil, mostra-se dados em relação ao período da escravidão e o peso da visão machista e eurocêntrica sobre eles, como o ideal do colonizador sobre o colonizado. Por isso, a importância de uma literatura produzida sobre as lutas das mulheres negras no Bra-sil, fazendo com que conceitos de raça e gênero sejam considerados intrínsecos, “insepará-veis”.

No primeiro capítulo, “De emancipadas a invisíveis: as mulheres guineenses na produ-ção intelectual do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas”, a autora Patrícia Godinho Go-mes apresenta um breve excursus teórico de Houtondji e Oyèwùmi e a questão dos estudos sobre mulheres e gênero, no qual destaca a origem da produção deste conhecimento e seus principais destinatários. No processo de independência de Guiné-Bissau, em 1973, a partici-pação das mulheres constituiu-se em um elemento-chave para seu desenvolvimento do pro-cesso, tanto externo como interno. Porém, a importância das mesmas é inviabilizada nos dis-cursos, como discutido no diálogo apresentado entre dois intelectuais guineenses- Carlos Lo-pes e Diana Lima Handem, que debatem temas como patriarcado, subalternização e relações de gênero e mercado de trabalho. É abordada a ausência de mulheres na produção intelectual do INEP, juntamente com a de temas sobre as mesmas, dando destaque às atitudes de alguns órgãos como A União Democrática das Mulheres Guineenses (Udemu) em relação a isto. Leia Mais

No centro da etnia: etnias, tribalismo e Estado na África | Jean-Loup Amselle e Elikia M’Bokolo

O livro No centro da etnia: etnias, tribalismo e Estado na África, organizado pelo antropólogo francês Jean-Loup Amselle e pelo historiador congolês Elikia M’Bokolo, foi publicado originalmente em 1985. Trata-se de uma referência para os interessados nos estudos sobre populações africanas e, especialmente, nos estudos relativos às identidades étnicas e às identidades nacionais em contextos africanos. Está entre os estudos desenvolvidos por historiadores da África, nos anos de 1980, sobre a “invenção da tradição na África colonial” (Ranger, 1997 [1983]) e sobre a “invenção da etnicidade” e a “criação do tribalismo” (Vail, 1989). Com relação aos autores, J.-L. Amselle não possui livros ou artigos publicados em português, talvez seu livro mais conhecido seja Mestizo Logics (Amselle, 1998); já E. M’Bokolo é conhecido pelos dois volumes do livro África negra: história e civilizações (M’Bokolo, 2009; 2011) que foram publicados no Brasil.

No primeiro capítulo, intitulado Etnias e espaços: por uma antropologia topológica (pp. 29-73), J.-L. Amselle busca desconstruir a própria noção de etnia presente em diversos estudos antropológicos. Segundo ele, o pensamento antropológico seria marcado por doutrinas essencialmente a-históricas; somente com a contribuição da corrente dinamista ligada aos nomes de G. Balandier (1976; 2014), M. Gluckman e P. Mercier, entre outros, é que a antropologia teria dado primazia à história, algo que possibilitou a reflexão sobre os contextos políticos e o início das críticas ou desconstruções das definições de etnia. Leia Mais

Efectos del reformismo borbónico en el Virreinato del Nuevo Reino de Granada | Margarita Restrepo Olano

Las Reformas Borbónicas han recibido una notoria atención por parte de la historiografía colombiana, en donde se ha reflexionado desde diferentes perspectivas como lo son la economía, la sociedad, la justicia, la administración local y virreinal, la cultura visual, material y popular; la religiosidad y el gobierno espiritual, la fuerza militar, la ciencia y demás1. Estas investigaciones históricas han advertido la bastedad de aristas que presenta el período histórico colonial comprendido entre 1717 y 1810 2; no obstante, es importante resaltar que la mayoría de los trabajos se han concentrado en estudiar la segunda mitad del siglo XVIII, a razón del auge de las reformas llevadas a cabo por Fernando VI y Carlos III, especialmente. Leia Mais

Los nombres de lo indecible. Populismo y Violencia(s) como objetos en disputa – MAGRINI (ACHSC)

MAGRINI, Ana Lucia. Los nombres de lo indecible. Populismo y Violencia(s) como objetos en disputa. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2018. 346 p. Resenha de: FRANCO, Adriana Rodríguez. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura [Bogotá], v. 47 n. 2, jul. – dic. 2020.

En la historiografia de America Latina es comun observar trabajos que dicen desarrollar una perspectiva “comparada”. No obstante, la mayoria de esas publicaciones articulan su contenido alrededor de un tema o periodo historico, pero su analisis se mantiene en la orbita de las historias nacionales. Los fenomenos que se consideran comunes a la experiencia historica del subcontinente son estudiados a partir de casos: por ejemplo, el populismo en Argentina, en Brasil o en Mexico; la violencia en Colombia, Chile o Bolivia. Algunos de estos casos se erigen al estatus de tipos ideales, a partir de los que se comparan las demas experiencias —como ocurre con el peronismo—, mientras que otros adquieren la condicion de “casos excepcionales”, como la perenne violencia colombiana.

El estudio de Magrini no sigue esta linea tradicional para abordar la tan necesaria —pero al mismo tiempo tan elusiva— comparacion; de hecho, su proposito no es plantear un contraste entre los eventos asociados al desarrollo del populismo en Colombia y Argentina, o establecer, en terminos de verdad historica, cuales serian las razones que explican el “triunfo” o el “fracaso” de la experiencia populista en los dos paises. La obra no se constituye entonces como un estudio que trate de explicar por que el populismo si tuvo arraigo en la Argentina del auge industrial de la decada de 1940, a diferencia de Colombia, pais que vio fracasados sus precarios ensayos populistas y se embarco en un conflicto politico que aun no ha encontrado solucion.

En sintesis, el planteamiento del problema de investigacion de Los nombres de lo indecible surge de comparar sistematicamente como fueron construidos dos de los significantes mas importantes de la historiografia argentina y colombiana durante casi toda la mitad del siglo xx —el peronismo y el gaitanismo, respectivamente—, y cuales fueron los conceptos que se utilizaron para llenarlos de contenido: el populismo, para el caso argentino, y la(s) Violencia(s) para el colombiano. La construccion de esas categorias es observada en sus dimensiones sincronicas y diacronicas, para lo que se propone una periodizacion de ese proceso, el cual esta determinado por la relacion entre los autores responsables de la formulacion de dichos significantes —reiterativos y a la vez disputados en el escenario intelectual y politico de los dos paises— y las condiciones sociopoliticas e intelectuales en las cuales ellos se desenvolvian. Replantear la conexion texto/contexto le permitio a la autora detectar como se gesto la resignificacion de los objetos en las narrativas sobre el peronismo y el gaitanismo durante cada periodo y su transformacion con el paso de los anos. Es en el presente, en el momento en que se conciben las narrativas, cuando “se configura, el pasado, el presente y el futuro” (p. 16).

Magrini aclara que fueron varios los conceptos que en algun momento se esgrimieron para configurar como objetos historicos, tanto al peronismo como al gaitanismo; para el primero se pueden citar “fascismo”, “autoritarismo”, “dictadura”, “bonapartismo”, entre otros, y para el segundo “terrorismo”, “revolucion”, “bandolerismo”, “conflicto interno”; entre otros mas con los que se intento no solo caracterizarlo sino tambien investirlo de significado. No obstante, fueron “populismo” y “la(s) Violencia(s)” los que demostraron tener mas arraigo en las narrativas del peronismo y del gaitanismo, y a los que se les pudo realizar tanto un seguimiento como una comparacion sistematica, toda vez que su implantacion como significantes fue resultado de multiples debates y confrontaciones, debido especialmente a su estrecha conexion con las problematicas del contexto en que eran formulados. Los dos conceptos no solo fueron consolidandose, transformandose y asimilandose; la cuestion que detecta la autora es que ambos fueron excedidos en cuanto a su significado, adquiriendo sentidos diversos y multiples representaciones, en tanto servian como instrumentos para “decir lo indecible” en el presente.

El Dia de la Lealtad (17 de octubre de 1945) en Argentina y el Bogotazo (9 de abril de 1948) en Colombia fueron fechas revestidas con un caracter simbolico en la historia politica de los dos paises, no solo por la magnitud de las movilizaciones sociales que se produjeron —con un acento dramaticamente violento en el caso colombiano— alrededor de las figuras de Juan Domingo Peron y Jorge Eliecer Gaitan, respectivamente, sino porque fueron acontecimientos continuamente revisitados, releidos y resignificados, incluso antes de que los significantes “peronismo” y “gaitanismo” fueran esgrimidos en el proceso de construccion de sus narrativas. En relacion con estos eventos, Magrini devela como las formas en que fue interpretada la irrupcion de lo popular en la movilizacion politica y social del peronismo y del gaitanismo —especialmente visible en esas dos fechas— cumplieron un papel fundamental en el desarrollo de los debates politicos contemporaneos. En este punto, la autora puede sentar otro elemento de comparacion: entretanto, en la Argentina, las controversias se desarrollaban con el peronismo como una “presencia ausente”, un legado que mantenia con vigencia su impronta pese a la ausencia fisica de Peron; en Colombia el gaitanismo tenia la condicion de “ausencia presente”, en el que la violenta desaparicion de su lider represento tambien la eliminacion de su proyecto politico, aunque sin perder totalmente su actualidad al ser anorado por algunos o evocado con preocupacion por otros. Por esta razon, se habla en la obra de ambos como “objetos parciales”, nunca concluidos, ya que su contenido en las narrativas ha estado sujeto (y podemos inferir que lo seguira estando) a los “limites de decibilidad en determinados contextos” (p. 25) o a las condiciones de posibilidad de representacion de otros objetos con los que guardan cierta continuidad o relacion.

La estructura de la obra responde al planteamiento de un marco teorico diverso y nutrido de diferentes fuentes —que se halla detalladamente expuesto en la introduccion—, y cuya formulacion se orienta a demostrar que el pasado debe ser considerado fundamentalmente como una “reconstruccion discursiva” (p. 39). Asi, la autora reconoce que sus principales referentes se encuentran en el marco de la teoria politica del discurso, la historia politica e intelectual, y la historia y la politica como significacion, convocando a autores como Elias Palti, Ernesto Laclau, Slavoj Žižek, entre otros, y a partir de los cuales espera poder estudiar las disputas por la produccion de significados sobre lo politico y sus contextos de debate, asi como explicar por que unas narrativas lograron posicionarse como hegemonicas mientras que otras pasaron a ser marginales.

Tambien se destacan las categorias de “condensacion” —vinculada al analisis sincronico en la construccion del objeto historico—, de “desplazamiento” —que en una perspectiva diacronica revela la “flotacion” de los significados y las interpretaciones— y la de “la paralaje” —que, tomada desde la astronomia y enriquecida por Žižek, remite a como la posicion de un objeto cambia de acuerdo a la posicion del observador, sin que necesariamente se este ante la tradicional relacion sujeto/objeto, en la que el segundo es exterior al primero, quien simplemente lo observa—.

Desde esta propuesta teorica, Magrini comprueba la existencia de tres tipos de narrativas sobre el peronismo y el gaitanismo, y partiendo de ellas organiza los tres capitulos sincronicos del libro; en tanto, los dos restantes tienen una perspectiva diacronica. El primer capitulo analiza dos narrativas subjetivistas, producidas por dos cercanos participes de la movilizacion peronista (Cipriano Reyes) y gaitanista (Jose Antonio Osorio Lizarazo); ambos comparten lugares de enunciacion, al haber acompanado de cerca a los dos lideres en los primeros momentos de su actividad politica, para distanciarse posteriormente al denunciar la existencia de contradicciones en el movimiento o la usurpacion de liderazgos legitimos por actores oportunistas. El capitulo analiza la contribucion de los autores a la construccion del peronismo y gaitanismo como objetos historicos, el primero falseado y el segundo no reconocido, pero en ambos casos con base en una concepcion heroica del pueblo.

En el segundo capitulo emergen las narrativas polifonicas: durante la decada de 1960, Carlos Fayt contribuyo a consolidar la ruptura entre peronismo y antiperonismo, en la que lo popular aparece vinculado a la violencia y el pueblo (masa) maleable ante la influencia de lideres negativos como Peron; en cambio, en la narrativa de multiples perspectivas propuesta por Arturo Alape sobre el gaitanismo, el pueblo (multitud), tras la ausencia de Gaitan, quedara desprovisto de orientacion populista y sera susceptible de caer en la violencia en forma de venganza.

En este punto ya se hace evidente como se vincula la estructura de las narraciones subjetivas y polifonicas con la configuracion de las relaciones conceptuales del populismo y la(s) Violencia(s).

El tercer capitulo muestra como “hacia los anos ochenta el subjetivismo y la polifonia se fundieron con las narrativas objetivistas mas relativizadas” (p.

142), siendo muestra de ello las investigaciones doctorales de Juan Carlos Torre y Herbert Braun. Los argumentos de ambos autores, aunque matizados, no superaron las visiones ya construidas desde las opticas subjetivistas y polifonicas: el peronismo como obstaculo para el desarrollo de una democracia real en Argentina y el gaitanismo como proyecto truncado de inclusion politica de las mayorias.

del gaitanismo como objetos historicos vinculados al desarrollo del populismo y la(s) Violencia(s) como conceptos polisemicos en las ciencias sociales; y tambien de los cambios en el escenario politico de los dos paises. En dicho apartado se amplia considerablemente la cantidad de autores estudiados —no es claro porque el limite temporal para la muestra bibliografica es la mitad de la decada de 1980— y se explicita la articulacion y superposicion entre los momentos en que se produjeron las tipologias narrativas desarrolladas en los tres capitulos iniciales. Aqui se hacen mas evidentes las referencias cruzadas entre las interpretaciones argentinas y colombianas del populismo y la violencia, y que, en circulos academicos y en la opinion publica, giraron alrededor de planteamientos contrafactuales sobre “que hubiera pasado si”, por ejemplo, el peronismo no hubiera sido como fue o si Gaitan hubiera efectivamente gobernado.

Para concluir, es pertinente subrayar que Magrini no busco modelar otra definicion sociologica del populismo en Argentina, ni replantear los alcances de la violencia como categoria en la historiografia colombiana. Su obra se concentro en identificar como se llego a la formulacion de esos conceptos, que significado se les otorgo y como la interaccion entre los autores y su contexto politico e intelectual las hizo vacuas, flotantes y polisemicas; pero, lo mas importante, como contribuyeron a la significacion y resignificacion de los dos fenomenos sociopoliticos mas importantes de la historia del siglo xx en los dos paises. El peronismo y el gaitanismo han convocado el interes de una inmensa cantidad de autores, con diferentes trayectorias e intereses, pero son practicamente inexistentes para el caso latinoamericano las reflexiones que conduzcan a abrir nuevas perspectivas sobre la importante relacion entre la forma en que son revestidos de historicidad los eventos del pasado y las circunstancias en que ese proceso tiene lugar.

1. Nicholas Mirzoeff, Una introducción a la cultura visual (Barcelona: Paidós, 2003) 34.

Adriana Rodríguez Franco – Universidad del Tolima. E-mail: arodriguezfr@ut.edu.co.

History in Times of Unprecedented Change: A Theory for the 21st Century | Zoltán Boldizsár Simon

Não são poucos os intérpretes que tendem a enxergar a assim chamada filosofia da história a partir de uma divisão entre aqueles que seriam, por um lado, os interesses dedutivo-especulativos desse campo e por outro, as suas preocupações analíticas. Se a primeira dessas linhas de interesse se debruça sobre os sentidos e propostas da história vista como um processo, a segunda trata dos fundamentos da história entendida enquanto um saber (Tucker 2009, 3-4; Doran 2013, 6-7; Paul 2015, 3-5). É mais ou menos consensual, de igual modo, que essa divisão entre especulação e análise acentuou-se a partir da segunda metade do século XX, com o esgotamento dos grandes modelos filosóficos que visavam dotar de sentido o processo histórico, analisando-o sob a otimista ótica moderna do decurso do tempo. Incapaz de especular sobre “a história em si” (fragmentada pelos traumas da primeira metade do século passado), a filosofia da história passou a se preocupar cada vez mais com os contornos do próprio conhecimento histórico1. Nas últimas cinco décadas, essa divisão não apenas se intensificou como a filosofia da história viu o seu escopo ser reduzido drasticamente em duas linhas gerais de interesse: a análise das experiências temporais e o estudo das narrativas. Se no primeiro caso predominaram teses sobre as limitações das formas modernas de trato com o tempo (como a famosa discussão a respeito do “presentismo”), no segundo, prevaleceram estudos preocupados em desnudar o caráter incontornável da linguagem na produção de conhecimento e nas formas de relação com o passado. Por maiores que sejam os esforços em apartar essas duas tendências, elas apontam para uma característica comum tanto à experiência quanto ao conhecimento histórico nesse início de século XXI: para o imobilismo engendrado pelas consequências presentistas e narrativistas derivadas da filosofia da história contemporânea. Leia Mais

O lugar central da teoria-metodologia na cultura histórica | José Carlos Reis

O lugar central da teoria-metodologia na cultura histórica, de José Carlos Reis, é uma reunião de artigos, resenhas, prefácios, aulas, conferências e entrevistas publicados por Reis em coletâneas e periódicos brasileiros ao longo de seu compromisso como professor e pesquisador no Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Lançada pela Editora Autêntica, na seção História & Historiografia, em maio de 2019, justamente por ocasião de sua aposentadoria, a última obra de Reis pode ser definida como uma obra-memória de sua notável atuação acadêmica.

O sentido da obra-memória de Reis está na passagem entre dois modos de praticar história: partindo de um dado reflexivo e existencial, chega a fazer com que entendamos a história como conhecimento e necessidade quase vital. Um modo de pensar e de viver, podemos dizer assim. Como modo de pensar, isso significa que a história é teoria, é trabalho com os conceitos, é escolha de métodos e emprego de linguagens, para conseguir elaborar, mediante o exame das fontes, imagens que sejam representações do passado, representações do passado em vários níveis. Como modo de viver, isso implica buscar entre essas imagens da história, de representações do passado, de formas como esses passados se apresentam para nós, algo que nos ensine a viver. Em síntese: uma experiência. Experiência não diz respeito só a uma história prática, mas também teórica, como uma forma anterior de escolha das coordenadas fundamentais para nos ajudar na relação com o mundo. Mesclar esses dois modos de praticar história foi a tarefa a que José Carlos Reis se propôs em toda a sua vida profissional, como vemos nessa e em outras de suas obras, como História & Teoria: historicismo, modernidade, temporalidade, verdade (FGV, 2003), História: a ciência dos homens no tempo (EDUEL, 2009), A história entre a filosofia e a ciência (Ática, 2006), História da consciência histórica ocidental contemporânea: Hegel, Nietzsche, Ricoeur (Autêntica, 2011), pois comum a todas elas é a reflexão, o pensamento, enfim, o aprofundamento de questões sobre o passado. Leia Mais

Viandante nel Novecento. Thomas Mann e la storia | Domenico Conte

Já definido como “monumental”, “rico”, “policromático” e “diverso”, o recente e imponente livro de Domenico Conte, intitulado Viandante nel Novecento. Thomas Mann e la storia, reúne, dividido em quatro partes (“História e mito”, “Política e primitivismo”, “Natureza e espírito”, “Benedetto Croce e Thomas Mann”), vinte e dois ensaios publicados pelo autor no período entre 2009 e 2018.

E precisamente o tempo, protagonista destas páginas juntamente com Mann, faz com que o tom do historiador da cultura napolitano em direção ao escritor de Lübeck, seja, sim, cheio de admiração, mas nunca subserviente ou temeroso, tornando-se cada vez mais familiar, tanto que se dirige a ele não apenas com o nome de batismo, Thomas, mas com o diminutivo Tommy. O que, como é evidente, representa uma marca de proximidade, uma intimidade cujas raízes devem ser procuradas no passado ou, aqui talvez seja mais adequado dizer: mais para lá, mais abaixo. De fato, o vínculo que une Conte a Mann é, como ele próprio confessa, “uma espécie de fidelidade”. Leia Mais

Sulla vocazione per la politica. Max Weber e le “Politische Stimmungen” di Karl Jaspers | Edoardo Massimilla

Publicado em 2019, o ensaio de Edoardo Massimilla, Sulla vocazione per la politica. Max Weber e le “Politische Stimmungen” di Karl Jaspers, inaugura, retomando uma ideia originária de Pietro Piovani, a nova série dos “Quaderni di storia della cultura” da antiga e prestigiosa “Accademia di Scienze morali e politiche” de Nápoles.

Nele, partindo da “ampla” introdução à “excelente” antologia dedicada a Weber como pensador político de Francesco Tuccari, Massimilla propõe uma comparação crítica, articulada e minuciosa, entre as reflexões de Max Weber sobre a ação política e as de Karl Jaspers, que nunca deixou de observar as reflexões de Weber. E, para tanto, depois de ter percorrido facilmente os “três níveis de articulação da reflexão política weberiana” apontados por Tuccari – o relativo à sociologia do poder; o outro dedicado à política alemã da época, e o terceiro, relativo à elaboração de uma teoria geral da política moderna” (5-6) – o autor identifica no último destes aquele em que, mais do que nos outros, são presentes elementos que permitem uma comparação fecunda, na esfera política, entre os dois pensadores (16). Leia Mais

Capital et idéologie | Thomas Piketty

PIKETTY, Thomas. Capital et idéologie. Paris: Seuil, 2019. Resenha de: MARTINS, Flávio Dantas. A perspectiva histórica das ideologias das desigualdades no recente livro de Thomas Piketty. Revista de Teoria da História, v.23, n.2, p.349-357, 2020.

Flávio Dantas Martins – Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. Email: flaviusdantas@gmail.com.

Acesso apenas pelo link original

[IF]

Famiglia Novecento. Vita familiare, rivoluzione e dittature 1900-1950 – GINSBORG (BC)

GINSBORG, Paul. Famiglia Novecento. Vita familiare, rivoluzione e dittature 1900-1950. Torino: Einaudi, 2013. 678p. Resenha de: PERILLO, Ernesto. Il Bollettino di Clio, n.13, p.120-123, lug., 2020.

La famiglia esiste? La ricerca storica (e non solo) aiuta a dare una risposta: si incarica di dirci se la famiglia sia sempre esistita, come si sia formata, come si sia trasformata nel tempo e nelle diverse società.

Nei libri di storia generale, e non parlo solo dei manuali scolastici, la famiglia non c’è. Un po’ come, se è lecito il paragone, le donne e il genere (con cui peraltro la famiglia condivide ampi legami). Solo qualche rapida descrizio ne in alcuni momenti e periodi, senza che sia possibile per studentesse e studenti comprendere la dimensione storica della famiglia, le connessioni e le interdipend enze con i contesti sociali, economici, culturali, le trasformazioni nel tempo, le cesure essenziali, le lunghe durate di ruoli, relazioni, funzioni. La famiglia è un presupposto, si dà per scontata.

Ma nulla è più importante, lo sappiamo, che mettere in discussione i presupposti implic iti che reggono le nostre idee e i nostri pensieri. Le nostre visioni del mondo e della sua storia. Il libro di Paul Ginsborg aiuta a colmare questo vuoto.

Il progetto originario era quello di analizzare il tema della famiglia lungo tutto il Novecento, con uno spartiacque collocato dopo la fine del secondo conflitto mondia le, quando la sconfitta delle dittature e dei fascismi inaugurò anche per la famiglia una nuova epoca. La quantità di materia le accumulato e la ricchezza dei temi hanno orientato l’autore a prendere un’altra decisione: la pubblicazione di un volume relativo alla prima metà del secolo scorso. Un secondo libro avrebbe poi raccontato il seguito della storia fino agli ultimi anni del Novecento.

Un progetto ambizioso, dunque, importante e innovativo: tematizzare la famiglia non solo come oggetto dell’indagine storica ma come soggetto di questo racconto, scritto assumendo quel punto di vista.

La scelta nasce da lontano. Nel 1993, facendo un bilancio della storia della famiglia in età contemporanea (cfr. Famiglia, società civile e stato nella storia contemporanea: alcune considerazioni metodologiche, in “Meridiana”, 1997, n.17, pp. 179-208), Ginsborg denunciava già il sostanziale silenzio della storiografia sulla connessione tra famiglia e politica.

«C’è il rischio, dunque, che la storia della famiglia venga rinchiusa in un ghetto metodologico, in parte per sua stessa colpa, che rimanga uno «studio di area» invece di una parte essenziale di ogni ragionamento storiografico che tenti di legare le istituzio ni sociali, tra le quali la famiglia deve essere considerata la più importante, alle istituzio ni dello stato. La marginalizzazione della dimensione politica nella storia della famiglia comporta la marginalizzazione della famiglia dalla grande storia.» (p.180).

E nel suo libro L’Italia del tempo presente (Einaudi, 1998) il sottotitolo Famiglia, società civile, Stato evidenzia la volontà di assicurare alla famiglia un’attenzione specifica. In questo volume la connessione tra famiglia e storia politica è al centro, occupa tutta la scena.

La necessità è quella di non separare la storia della famiglia dalla storia politica, o la storia sociale da entrambe, ma di cercare come priorità metodologica la relazione tra di esse. E di raccontare, dunque, la storia del Novecento attraverso la lente della vita familiare per rileggere quel periodo.

Da qui, l’attenzione non solo alla politica per la famiglia (le diverse iniziative degli Stati in questo ambito), ma soprattutto alla politica della famiglia, tramite le molteplici e variegate interconnessioni tra individui, famiglia, società civile, Stato. Un rovesciamento di prospettiva che non solo mette in evidenza l’istituzio ne famiglia, ma modifica, arricchendolo, il significato di storia politica.

Il tempo, lo abbiamo detto, è quello della prima metà del Novecento. Sullo sfondo la grande guerra, le rivoluzioni, il primo dopoguerra e l’affermazione dei regimi dittatoriali. Anni di profonde trasformazio ni che l’autore attraversa esaminando in chiave comparativa la storia della famiglia in vari Stati-Nazione: la Russia, prima e dopo la rivoluzione sovietica; la Turchia, dall’Impe ro Ottomano alla Repubblica kemalista; l’Italia fascista; la Spagna prima e durante il regime franchista; la Germania, dalla Repubblica di Weimar al nazionalsocialismo; l’Unio ne sovietica staliniana. A ciascuno di questi stati è dedicato un capitolo (un centinaio di pagine circa) del libro.

Tre sono gli elementi metodologicame nte interessanti del volume di Ginsborg. Il primo è dato dalla pluralità dei temi messi in campo, delle angolature e delle tessere utilizzate per ricostruire il mosaico della famiglia: l’uso originale delle biografie di personaggi esemplari (Alexandra Kollontaj per la Russia rivoluzionaria, la scrittrice nazionalista Halide Edib per la Turchia del primo Novecento, Il futurista Filippo Marinetti per l’Italia fascista, la femminista Margarita Nelken per la Spagna e per la Germania Joseph Goebbels come modello archetipico della famiglia nazista); la ricostruzione della vita delle famiglie comuni, con particolare attenzione a quelle contadine e operaie; la focalizzazione sulle diseguaglianze di genere e le lotte delle femministe; il controllo spesso violento e repressivo della grandi dittature verso le famiglie e allo stesso tempo i sogni e le proposte rivoluzionarie e utopiche maturate in quegli anni; la legislazione e i codici che ne hanno definito ruoli, regole, diritti e doveri e le teorie politic he che ne hanno tentato letture e interpretazio ni complessive.

Con questa tavolozza l’autore disegna il suo racconto che procede ricostruendo ampi quadri descrittivi degli Stati esaminati, all’interno dei quali si possono cogliere la ricchezza e la complessità dell’universo familiare e il ruolo della famiglia come istituzione politica e civile, non riducibile alla sola dimensio ne privata.

La chiave comparativa è l’altra importante ossatura del libro: la prima metà del Novecento è un’epoca di grandi e radicali trasformazio ni che sconvolgono l’assetto geopolitico dell’Europa, le strutture economiche, le società e anche le mentalità collettive. Rivoluzioni e dittature sono messe a confronto con la vita familiare.

Si scoprono analogie: ad esempio il predominio della struttura patriarcale, tratto largamente dominante e trasversale ai differenti contesti; il sostegno, la difesa e la regolamentazione della famiglia riconosciuta dai diversi regimi assieme alla repressione di massa di determinate categorie di famiglie, su base etnica, razziale, nazionale, di classe, religiosa o politica, al là dei contenuti ideologici differenti che li caratterizzano; il ruolo della società civile che fu sostanzialmente soffocata dall’oppressione dei diversi regimi che eliminarono qualsiasi forma di pluralismo, dall’Impero ottomano, alla Russia rivoluzionaria, alla stessa esperienza degli anarchici spagnoli.

E anche significative differenze: per esempio comparando l’effettivo potere sulle famiglie è possibile allineare i diversi regimi lungo un continuum che va dal relativo lassismo di Mussolini in Italia al più alto controllo del nazisti che adottano una politica eugenetica contro i membri più deboli della loro stessa comunità nazionale. O relativamente ai rapporti di genere e al ripensamento stesso della vita familia re, particolarmente significativa è stata l’esperienza rivoluzionaria russa che si distingue per la lotta al patriarcato e i diversi tentativi di emancipazione femminile. Le proposte di Alexandra Kollontaj, unica donna a far parte del Consiglio dei commissari del popolo guidato da Lenin, di una grande società famiglia nella quale si superasse definitivamente il modello della famiglia, fallirono ma decisive e importanti furono le ricadute di quella riflessione sui codici di famiglia che ne derivarono così come fu essenziale l’aver affermato il ruolo centrale dei rapporti sessuali e sentimentali nella lotta per la liberazione.

Ma, mentre in Russia dopo la rivoluzione la famiglia borghese era da superare e abbattere, nella Turchia di Mustafa Kemal rappresentava una prospettiva rivoluzionaria: “applicare nel 1926 il Codice civile svizzero a una società prevalentemente rurale e musulmana fu un atto straordinario di rivoluzione dall’alto” (p. 614) Un ruolo particolare fu quello della Chiesa cattolica che di fronte alle dittature “non difese la vita familiare in sé, ma piuttosto la civiltà cattolica” (p.620). L’integralismo di Pio XI e Pio XII era più preoccupato di affermare il primato dell’ ecclesia che i valori del pluralismo, della libertà e della democrazia.

C’è inoltre un altro aspetto che qualifica questo libro di storia: i documenti iconogra fic i e la rappresentazione visuale della famiglia. Le complessive 135 illustrazioni ne sono parte integrante, fornendo ulteriori chiavi di lettura del tema assieme ai dipinti di alcuni grandi artisti della prima metà del Novecento – Archile Gorky, Pablo Picasso, Mario Sironi, Max Beckman, Kazimir Malevic e altri ancora – le cui opere sono presentate in 18 tavole fuori testo.

L’appendice statistica sugli aspetti demografici della storia della famiglia in chiave comparativa, curata dall’autore insieme a Giambattista Salinari, tematizza tre aspetti: la transizione demografica, le catastrofi demografiche e le politiche eugenetiche.

Nelle considerazioni finali, P. Ginsborg tirando le fila del suo lungo percorso di analisi mette in discussione la categoria di totalitarismo con cui tradizionalmente si legge la prima metà del secolo scorso: la storia delle famiglie mostra anche zone di antagonismo, certamente minoritarie e marginali, che però sono tracce di un ruolo che l’istituzio ne famiglia seppe agire pur di fronte a un potere dittatoriale e “totalitario”. Lo spazio privato della casa è stato anche il luogo di reti di solidarietà, di comportamenti e codici di opposizione e di resistenza. È la storia di Victor Klemperer, uno dei 198 ebrei rimasti a Dresda nel febbraio del 1945 (erano 1265 alla fine del 1941), il quale, grazie all’aiuto della moglie Eva Schlemmer, sopravvisse anche ai bombardamenti alleati della città: si strappa la stella gialla di David dal cappotto e con documenti falsi fugge verso la Baviera e la salvezza. O di Pepa López « madre cattolica e borghese che riuscì a salvare la sua famiglia dalle “orde rosse” a Malaga nel luglio 1936, travestendosi da venditrice di frutta e verdura (…)». (p. 612).

Non c’è solo una relazione diretta tra individui atomizzati e stato totalitario, in grado di controllare comportamenti, pensieri e azioni: se prendiamo in considerazione anche la famiglia e le storie delle famiglie il quadro si modifica e obbliga a valutazioni più articolate e complesse.

Il ruolo interpretato dalle famiglie nel nuovo contesto democratico che si affermerà dopo il 1945 sarà poi del tutto diverso. Ma questa, come si dice, è un’altra storia. Ancora da raccontare.

Ernesto Perillo Acessar publicação original

[IF]

La mamma, Collana L’identità italiana – D’AMELIA (BC)

D’AMELIA, Marina. La mamma, Collana L’identità italiana. Bologna: Il Mulino, 2005. 311p. Resenha de: TIAZZOLDI, Livia. Il Bollettino di Clio, n.13, p.124-127, lug., 2020.

Marina d’Amelia, docente di storia moderna all’Università “La Sapienza ” di Roma e appartenente alla Società Italiana delle Storiche, si propone con questo libro di rispondere a un interrogativo ben preciso: quando nasce in Italia lo stereotipo della mamma responsabile della mancanza di senso civico da parte di cittadini educati al protagonismo individuale più che al senso del bene comune? Un rapporto madre-figlio per descrivere il quale, negli anni ’50, Corrado Alvaro introduce il termine mammismo.

L’autrice si propone di dimostrare che questa immagine materna nasce col nuovo stato italiano, poco più di due secoli fa. Non vi è traccia infatti di madri iperprotettive nella civiltà romana, caratterizzata dalla centralità del padre, dove le donne delle famiglie più ricche si facevano sostituire dalle balie nella cura dei figli e ne affidavano l’educazione a istitutori e maestri. La tradizione giurid ica romana della patria potestà si è tramandata per un lunghissimo periodo informando di sé i codici di comportamento delle strutture familiari medievali e moderne.

Solo a partire dal tardo Settecento la mentalità collettiva comincia a guardare in modo nuovo alla relazione madre-figlio. Si fa strada una nuova visione del matrimonio, della famiglia e la consapevolezza dell’importanza del legame materno soprattutto con il figlio maschio.

Nel corso dell’Ottocento la cultura romantica, centrata sulla rivalutazione del sentimento e degli affetti privati, riscopre il femminile, attribuendo alla madre un ruolo privilegiato nella formazione sentimentale dei figli e anche un importante ruolo pubblico.

Nel volume, corredato da un’amp ia bibliografia illustrata e commentata, l’autrice delinea i tratti dell’immagine della madre italiana ripercorrendo i momenti fondamenta li del suo definirsi dal Risorgimento alla II guerra mondiale, rievocando molte figure femminili, molte testimonianze, scritture pubbliche e private.

Le madri risorgimentali

L’identità della madre italiana nasce nel Risorgimento ed è caratterizzata da un rapporto quasi simbiotico con il figlio, dall’ammirazione per tutto ciò che fa, da un eccesso di protezione nei suoi confronti e dall’intromissione nella sua vita privata.

È importante ricordare come il matrimo nio per le donne di quell’epoca non fosse frutto di una libera scelta, ma dell’obbedienza a una decisione paterna. La maternità invece era vista come vocazione e missione legata alla “rigenerazione della patria” attraverso l’educazione dei figli agli ideali di libertà, dedizione e senso del sacrificio, valori che saranno alla base della nuova Italia.

La figura della madre del patriota risorgimentale, dedita a sostenerlo durante l’esilio o nelle guerre di indipendenza, nasce negli ambienti patriottici mazziniani.

Dopo il 1848 si registra un maggio re coinvolgimento delle madri a favore dell’indipendenza italiana: organizzano campagne di propaganda con giornali e manifesti volti a mobilitare l’opinio ne pubblica.

Maria Drago, madre di Giuseppe Mazzini, e Adelaide Cairoli e i suoi numerosi figli si affermano come l’asse portante del mito di un Risorgimento che ne riconosce l’importanza pubblica in quanto capaci di mettere in moto grandi emozioni collettive.

Dopo l’Unità d’Italia, nel momento in cui si tratta di riscrivere la storia, l’icona della madre sacrificale viene posta alla base di un nuovo sentimento nazionale: diviene mito fondativo, emblema di una comune madre patria che unisce tutti i suoi figli in un comune vincolo di fratellanza.

La madre angelo del focolare nell’età liberale

In un momento storico in cui la maggioranza della popolazione italiana viveva in precarie condizioni di vita il pensiero positivista assegna alle madri il compito di rigenerare il patrimonio fisico e razziale della nazione, facendosi promotric i dell’allenamento ginnico sia dei figli che delle figlie e garantendo l’igiene dell’ambiente in cui li crescono. Si tratta di abbassare il tasso di mortalità infantile e di innalzare quello di alfabetizzazione.

Il nuovo modello è dunque quello della madre totalmente dedita alla casa, al benessere familiare, disponibile ad accogliere le indicazioni degli esperti sull’allevamento e sull’educazione dei bambini.

Le materie di igiene ed economia domestica entrano a far parte del currico lo scolastico dal 1899; proliferano inoltre manuali, riviste dedicate al pubblico femminile che insegnano alle donne come fare le madri.

In tal modo, osserva giustamente l’autrice, la presenza e l’ingerenza della madre nella vita del figlio diventa ancor più indiscutibile, fondata com’è su basi scientifiche.

Lo Stato si premura comunque di ribadire la preminenza della volontà paterna nella vita dei figli, ma questo non impedisce di perpetuare in altra forma l’idea di una relazione materna appagante di per se stessa, all’interno della quale le donne possono sublimare una vita fatta di subalternità e insoddisfazione coniugale.

L’amore materno è insomma un sentimento esclusivo, molto diverso da quello paterno, che non lascia spazio ad altro. Deriva da un compito preciso assegnato dalla Natura alla donna in quanto conservatrice della specie e somiglia ad una lava sempre rovente che ribolle continua nel vulcano del cuore. Solo dopo Freud, aggiunge l’autrice, ci si interrogherà su quali ambivalenze si nascondano dietro tanta dedizione materna.

Ben radicata rimane la centralità della maternità nel primo decennio del Novecento e se ne trovano molte testimonianze nelle riviste femminili che, pur riconoscendo il diritto all’emancipazione femminile , insistono sulla specificità della donna latina , contenta di essere donna grazie alla missio ne ricevuta dalla Natura di mettere al mondo un figlio.

La maternità si impone dunque come elemento fondante e irrinunciab ile dell’identità femminile, contrappo sto all’egomania che connota l’unive rso mentale maschile.

La madre cattolica

La Chiesa cattolica non si sottrae al compito di indicare le caratteristiche della madre ideale, incaricata dell’educazione religiosa dei figli, chiamata a difendere il suo sacerdozio d’amore, così lo definisce Beppe Fenoglio nel libro La vera madre di famiglia, dalle richieste di uguaglianza e parità, dalla pericolosa concorrenza di dottrine laiche , dalla tentazione di seguire le mode straniere del tempo.

Caratteristica peculiare della madre cattolica è quella di dover essere una presenza silenziosa, capace di controllare le proprie emozioni. Le parole che non siano preghiere sono giudicate superflue e immodeste. Va coltivata anche la virtù del non rivendicare mai le proprie ragioni, pur sapendo di averle, ma di soffocare gli scontri in un sospiro, di nascondere e dissimulare le pene. Il Papa Pio X nel 1906 dichiara che la donna non deve votare, ma deve votarsi a un’alta idealità di bene umano.

Degli ideali di emancipazione femmin ile si fanno carico nel frattempo associazioni e movimenti di ispirazione socialista che si battono per l’istruzione, la parità salaria le fra uomo e donna e il suo diritto al voto.

I primi anni del Novecento vedono un importante cambiamento nelle direttive cattoliche che incoraggiano sia l’istruz io ne che la partecipazione femminile alla vita pubblica. Si riconosce alle donne il ruolo missionario di difesa dei valori cristia ni nella società.

Madri e Grande guerra

In piena continuità con il modello sacrificale proposto in età risorgimentale, la guerra chiede alle madri italiane di appellarsi al proprio senso del dovere e di sostenere i figli impegnati nello sforzo bellico, sintonizzandosi con il loro vissuto emotivo soprattutto attraverso lo scambio epistolare che raggiunge quasi i quattro miliardi di lettere e cartoline, con una media di circa tre milioni al giorno. Ne risulta un’immagine di madre disposta a penare silenziosamente, centrata sul desiderio di rispecchiare le aspirazioni dei figli e percepita come un talismano, come presenza salvifica, ultimo rifugio dallo smarrimento.

La guerra attiva inoltre molti organismi di solidarietà e di mobilitazione civile che riconoscono un ruolo centrale alle madri, ruolo ribadito alla fine del conflitto quando lo Stato italiano decide di celebrarne l’eroismo e il sacrificio con un monume nto , La Pietà di Libero Andreotti, collocato nella Chiesa di Santa Croce a Firenze e idealmente collegato con quello del Milite Ignoto a Roma.

L’enfatizzazione di questo specifico ruolo della donna lascia troppo nell’omb ra , secondo l’autrice, alcuni elementi chiave della vita femminile di questi anni come le manifestazioni contro la guerra, la diffusione del lavoro femminile, la crescente fatica di sopravvivere di molte donne diventate capifamiglia e l’impossibilità di dare voce a sentimenti e angosce repressi in nome della coerenza.

La figura della madre in epoca fascista

Alla celebrazione della maternità il fascismo dedica una festa particolare: la Giornata della madre e del fanciullo, grande “rito di amore e orgoglio nazionale” avente lo scopo di sollecitare l’incremento della popolazione.

Vi si celebra l’immagine della donna sposa e madre prolifica esemplare, tenace custode della morale sessuale tradiziona le , soprattutto nei confronti delle figlie femmine, anche se i confini di ciò che è lecito vengono definiti dal padre. Il comportamento autoritario della famiglia ha come conseguenza quella di reprimere il desiderio di affermazione e indipendenza delle figlie.

Il partito fascista cerca in ogni modo di evitare qualunque possibile commistione fra maschi e femmine sia in ambito scolastico che durante le manifestazioni pubblic he riservate ai giovani.

Comunque, grazie alle adunanze, alla divisa, alle decorazioni, le ragazze scoprono la possibilità di una sia pur piccola liberazione dal controllo familia re , alimentando in se stesse il desiderio di un’emancipazione futura.

Il modello ideale proposto dal regime fascista è quello di Rosa Maltoni, la madre del Duce, donna semplice ma ricca di spiritualità , trasformata nel mito celebrativo della donna capace di sostenere l’ascesa sociale dei figli, opponendo un fermo rifiuto a tutti i mali che possono disgregare la famiglia. Predappio, luogo natale di Mussolini diviene meta di pellegrinaggi per onorare in lei tutte le madri della Nuova Italia.

La figura della madre nella seconda guerra mondiale e nella Resistenza

Mentre il Risorgimento e la Grande guerra avevano fatto leva sull’ero ismo silenzioso delle madri comuni disposte al sacrificio pur di sostenere la causa patriottica, la seconda guerra mondiale ne esalta questa caratteristica soltanto fino all’ 8 settembre 1943 che vede il disgregarsi improvviso dell’esercito.

Le madri non vengono risparmiate dall’orrore di quanto accade successivamente ed è difficile per loro superare la barriera delle opposte appartenenze dei propri figli.

Alcune si ritrovano ad essere madri di partigiani o partigiane esse stesse pronte ad impegnarsi e lottare nella Resistenza, altre si schierano con il fronte dei Repubblichini di Salò arruolandosi nel servizio ausilia rio femminile.

Il pensiero della madre percepita come rifugio rassicurante accomuna invece il sentire dei due schieramenti, a conferma di una fratellanza che la logica di guerra nega, ma anche di uno stretto collegamento fra istinto di sopravvivenza e bisogno di protezione.

Livia Tiazzoldi

Acessar publicação original

[IF]

Storia della famiglia in Europa – BARBAGLI; KERTZER (BC)

BARBAGLI, Marzio; KERTZER, David I. (a cura di). Storia della famiglia in Europa. Roma: Il Novecento; Bari: Laterza, 2005. Resenha de: RABUITI, Saura. Il Bollettino di Clio, n.13, p.127-130, lug., 2020.

Questo volume sul Novecento, è l’ultimo dei tre volumi della Storia della famiglia in Europa, la fortunata opera curata da Marzio Barbagli e David I. Kertzer. Nel 2002 e nel 2003 erano usciti i due precedenti volumi: Dal Cinquecento alla Rivoluzione francese e Il lungo Ottocento.

Ogni volume è aperto da una corposa introduzione dei curatori e raccoglie dieci saggi, articolati in quattro sezioni (economia e organizzazione della famiglia; lo Stato, la religione, il diritto e la famiglia; forze demografiche; relazioni familiari) che individuano gli ambiti considerati dalla ricerca, da quelli economici a quelli demografici, culturali, giuridici e sociali.

In questo terzo volume sul Novecento è particolarmente approfondita l’analisi delle politiche familiari, sia nei regimi dittatoria li (Le politiche sulla famiglia dei grandi dittatori di Paul Ginsborg e Famiglie socialiste? di Alain Blum) che democratici (Politiche sociali e famiglie di Chiara Saraceno) che in tempo di guerra (La famiglia in Europa e le due guerre mondiali di Jay Winter). Forte è anche l’attenzione al ruolo delle donne in rapporto all’economia, al lavoro, alle politic he governative e ai legami intergenerazio na li (Trasformazione economica, lavoro delle donne e vita familiare di Angélique Janssens; I legami di parentela nella famiglia europea di Martine Segalen).

Il volume si chiude fotografando il passaggio, soprattutto nell’ultima parte del secolo, dalla famiglia alle famiglie, alla varietà delle forme di famiglia (La famiglia contemporanea: riproduzione sociale e realizzazione dell’individuo di François de Singly e Vincenzo Cicchelli; Angéliq ue Janssens; I legami di parentela nella famiglia europea di Martine Segalen).

Nel suo complesso l’opera indaga le trasformazioni della famiglia nel lungo arco temporale di cinquecento anni e nel vasto spazio di tutta l’Europa, “intesa come continente di circa 10 milioni di chilometri quadrati, delimitato a ovest dall’oceano Atlantico, a est dalla dorsale degli Urali e dal fiume Ural, a nord dal mare Artico e a sud dal mare Mediterraneo, il mar Nero e il mar Caspio. Un continente che all’inizio del Cinquecento aveva circa 81 milioni di abitanti e oggi ne ha 730 milioni” (p. V) L’intento dichiarato dai curatori non è solo quello di esaminare in una prospettiva comparata “i modi in cui le famiglie si formano, si trasformano, si dividono, la frequenza dei matrimoni e l’età a cui li si celebra, le regole di residenza dopo le nozze, le relazioni fra mariti e mogli, genitori e figli, la fecondità, la frequenza delle separazioni legali e dei divorzi.” È anche quello di cercare i nessi tra i cambiamenti nella sfera domestica e le trasformazioni economiche, sociali, politiche e soprattutto di arrivare a individuare “se, e in che misura, le società europee siano diventate più simili o più dissimili riguardo alle caratteristiche della vita domestica” (pp. V-VI) nell’arco dei cinque secoli considerati.

A questo interrogativo i curatori offrono una risposta conclusiva nelle quaranta pagine dell’Introduzione ai saggi che compongono questo terzo volume, là dove individ uano processi di convergenza e di divergenza fra le società europee. A conclusione del percorso di ricerca e in estrema sintesi, Barbagli e Kertzer ritengono infatti di poter affermare che “nei primi tre secoli [considerati] siano prevalse le tendenze alla divergenza” (p. 32), ovvero che siano cresciute, alla fine del Settecento, le differenze tra i vari paesi e regioni d’Europa (volume 1); che nell’Ottocento invece si siano registrate tendenze sia divergenti che convergenti e che siano continuate ad esistere, fra le diverse aree, differenze enormi (volume 2); che Il Novecento sia da considerarsi infine “il secolo della convergenza”, un secolo che ha visto “il mondo domestico dei vari paesi europei sempre più simile” (p. 38) Forti convergenze fra i paesi europei si sono avute per tutto il Novecento per quel che riguarda le strutture degli aggregati familiari.

Da questo punto di vista infatti nel corso del secolo si è affermata la famiglia nucleare e coniugale: è diminuito ovunque e continuativamente il numero medio di persone per famiglia e il numero di persone che dopo le nozze andava ad abitare con i genitori del marito o con parenti ed è cresciuto ovunque, soprattutto nella seconda metà del secolo, il numero di quelle che vivono sole, in conseguenza del più alto livello sia del reddito che della speranza di vita.

Ancora più forte, seppur assai discontinua, è stata poi la convergenza sul declino della fecondità, un processo che ha investito, con forti oscillazioni nei periodi bellici e postbellici, la popolazione europea di tutti gli strati sociali e fedi religiose, sia delle città che delle campagne. Altrettanto forte e discontinua è stata la tendenza all’aumento delle separazioni legali e dei divorzi, che nel corso del Novecento sono diventati un fenomeno di massa, mentre nei secoli precedenti avevano riguardato un numero molto limitato di coppie.

Meno netta e ancor meno lineare è stata la convergenza su altri aspetti quali ad esempio la nuzialità (rispetto alla quale l’Europa occidentale si differenzia ancora da quella orientale) o il divorzio o la convivenza more uxorio. In questo caso è l’Europa nord occidentale che si differenzia da quella mediterranea (vedi il saggio Una transizione prolungata: aspetti demografici della famiglia europea di Theo Engelen).

Nel corso del secolo, le somiglianze sono cresciute anche per quel che riguarda la divisione del lavoro e la distribuzione del potere all’interno delle famiglie (fra mariti e mogli, genitori e figli), il diritto di famiglia, le norme sul matrimonio, i rapporti patrimonia li fra i coniugi, le successioni, il divorzio, lo stato dei figli un tempo “illegittimi”.

La riduzione (e non certo l’azzeramento ) delle differenze tra aree geografiche e sociali dell’Europa non è il risultato di un processo lineare. Solo alcune delle trasformazioni che sottendono le convergenze sono state continue e lineari (ad esempio la semplificazione delle strutture familiari). Altre invece (come ad esempio il declino della fecondità) hanno oscillato fra accelerazioni, rallentamenti e anche inversioni di tendenza.

Le profonde trasformazioni della vita familiare che il Novecento ha conosciuto sono state a volte precedute mentre altre volte hanno fatto seguito a cambiamenti del diritto che (vedi Il diritto di famiglia in Europa di Paola Ronfani), all’inizio del secolo, in tutti i paesi, attribuiva in ambito domestico particolari poteri al marito (capofamiglia, con potestà maritale e patria potestà, col diritto di controllare e gestire il patrimonio familia re …). Queste trasformazioni hanno intaccato ma non eliminato diseguaglianze di genere e si sono accompagnate e intrecciate con due tendenze di convergenza generalizzabili in tutta Europa: l’aumento delle donne occupate in attività extradomestica retribuita e l’invecchiamento della popolazione.

Infine va ricordato che la riduzione delle differenze fra aree geografiche e sociali non ha riguardato tutti i molteplici aspetti del mondo familiare, neppure tutti quelli indagati nei saggi che compongono il terzo volume. La fine del secolo registra insomma ancora importanti differenze nella vita familiare dei vari paesi, alcune di antichissima origine altre più recenti.

Per quel che riguarda le prime, basti ricordare ad esempio che risalgono alla seconda metà del Cinquecento i diversi atteggiamenti, basati sul credo religioso, rispetto al divorzio, ancora meno frequente nei paesi mediterranei. (Alla fine del ‘900, il numero dei divorzi/separazio ni legali andava da 10 a 20 su ogni 100 matrimo ni in Italia, Spagna, Grecia, Portogallo mentre era superiore a 40 in molti paesi dell’Europa settentrionale e orientale).

Fra le differenze di origine più recente, basti ricordare ad esempio quelle riconducibili alle nettamente diverse politiche sociali e familiari perseguite dai paesi nord occidentali e da quelli del Mediterraneo. Italia, Spagna, Grecia, Portogallo poco sostengono il costo dei figli o la cura degli anziani e poco aiutano a concilia re lavoro e famiglia, scaricando i compiti di cura e di riproduzione sociale quasi esclusivamente sulla famiglia o per essere più precisi sul lavoro domestico non pagato delle donne. Non a caso, alla fine del secolo, la quota di donne con un lavoro retribuito era nei paesi mediterranei assai più bassa che nei paesi nord occidentali.

Dalla pubblicazione del volume sul Novecento sono trascorsi quindici anni, durante i quali la ricerca sulla famiglia ha continuato a rinnovarsi. I meriti dell’inte ra opera comunque rimangono tutti e stanno innanzitutto nella ricca e chiara sintesi che offre sul tema, in una prospettiva comparata, su un lungo arco temporale e un vasto spazio territoriale. Stanno anche nell’ approccio multidisciplinare che ha visto all’opera studiosi di storia, sociologia, antropologia, demografia, economia, diritto, ambiti tutti necessari per delineare il complesso e variegato quadro delle famiglie, oggi come ieri. Stanno infine – e penso ovviamente ad un suo possibile utilizzo a scuola- nel mostrare il ‘900 non solo come il secolo delle guerre mondiali, delle crisi economiche, delle dittature, dei totalitarismi, dei genocidi, ma anche come il secolo dei diritti civili e sociali, dell’avvento dello Stato di welfare, delle profonde trasformazioni della vita familia re che hanno modificato in particolare la condizione delle donne, i loro diritti e quelli del lavoro.

Saura Rabuiti

Acessar publicação original

[IF]

Leituras canônicas e tradição pátria – o pensamento hispano-americano oitocentista em Bilbao, Sarmiento e Sierra | Libertad Borges Bittencourt

O livro de Libertad Borges Bittencourt, Leituras canônicas e tradição pátria, é uma excelente leitura para aqueles interessados em história da América Latina, mas também uma contribuição para as discussões de história do pensamento histórico e teoria pós-colonial ou teorias da colonialidade do poder. A autora aborda, numa perspectiva de história conectada (p. 12), a forma como três ensaístas latino-americanos pensaram o desafio da superação da condição colonial (p. 20). Os três autores em enfoque foram o chileno Francisco Bilbao, o argentino Domingos Faustino Sarmiento e o mexicano Justo Sierra. O livro nasce da pesquisa de pós-doutorado da professora da Universidade Federal de Goiás. Após pesquisar amplamente sobre organizações indígenas na América Latina, a autora se volta para a história do pensamento social no continente no pós-independência e seleciona três países para conferir como seus mais destacados ensaístas do século XIX pensaram a realidade da construção do Estado nacional: México e Argentina, nos extremos da América Hispânica, países com dificuldade para atingir uma unidade interna; e Chile, contrastando com ambos por atingir estabilidade política que foi divulgada como uma espécie de consenso modelar em relação a um continente marcado pela fragmentação e pela guerra civil. Leia Mais

Memórias de Plantação: episódios de racismo cotidiano – KILOMBA (S-RH)

KILOMBA, Grada. Memórias de Plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. Resenha de: NICHNIG, Claudia Regina. “Escrevo da periferia, não do centro”: mulheres negras e experiências de racismo cotidiano”. SÆCULUM – Revista de História, João Pessoa, v.25, n.43, p.398-405, jul./dez. 2020.

O livro de Grada Kilomba é resultado de sua tese de doutorado defendida e publicada na Alemanha em 2008 somente dez anos mais tarde publicado no Brasil, em 2019. A pesquisadora, escritora e artista, nascida em Lisboa, na apresentação da edição de seu livro ao público brasileiro, aponta que sua experiência de estudante negra em Lisboa-Portugal, mas também em Berlim-Alemanha, fez com que se sentisse em um não lugar destinado à pesquisadora negra, jamais reconhecida nesta posição, muitas vezes confundida com a pessoa da limpeza. Ao discutir a história colonial destes dois países, Grada Kilomba vai mostrar como o racismo se faz presente nas práticas diárias e que, mesmo que estes países não tenham mais colônias na atualidade, a herança deste período ainda persiste nas marcas coloniais. Foi na Alemanha que encontrou “uma forte corrente de intelectuais negras que haviam transformado radicalmente o pensamento e o vocabulário contemporâneo global durante várias décadas” (KILOMBA, 2019, p. 12) e, portanto, a sua escrita dialoga com as mais importantes autoras e autores da diáspora africana e do feminismo negro, como Gayatri Spivak, Patricia Hill Colins, bell hooks, Philomena Essed, Frantz Fanon, Stuart Hall, Paul Gilroy, destacando autoras que abordam as questões de gênero entrelaçadas com o debate de raça. Leia Mais

Paganas patagônias | Oscar Barrientos Bradasic

La literatura de Oscar Barrientos Bradasic -escritor de origen croata y oriundo de Punta Arenas- se vincula estrechamente al territorio y paisaje magallánico, cuenta de ello da su producción narrativa asociada a las historias y aventuras de navegantes en los mares meridionales. En este sentido, Paganas patagonias (2018) no es la excepción, pues en la obra habitan lo fantástico, el humor y los imaginarios territoriales, añadiendo elementos que hablan de una modernidad austral, alejada cada vez más de la imagen romántica y parsimónica de antaño.

Oscar Barrientos posee un vasto recorrido en la literatura desde que publicó su primer poemario Espadas y tabernas en 1988 hasta la actualidad, es así que ha transitado la poesía, el teatro, la novela, la crónica, el cómic y el cuento, como sucede en el caso específico de Paganas patagonias. Asimismo, parte de su obra ha sido traducida al croata, en conjunto con la de otros escritores magallánicos como Ramón Díaz Eterovic (2010), Juan Mihovilovich (2007) y Eugenio Mimica Barassi (2006). Leia Mais

La salud en Chile. Una historia de movimentos, organización y participación social | Carmen Muñoz Muñoz

El libro La salud en Chile. Una historia de movimientos, organización y participación social fue escrito por la Dra. Carmen Muñoz y publicado por Ediciones UACh. El texto se presenta de manera muy atractiva, no sólo para profesionales del ámbito de la salud, sino también para otras disciplinas, como Trabajo Social, Historia, Ciencias Políticas o cualquier otra interesada en conocer la injerencia, desde una óptica sociohistórica, de los movimientos sociales en las políticas de salud.

La Dra. Muñoz busca construir un relato historiográfico del movimiento social relacionado con la salud en Chile, lo que pone en tensión y contexto el estado actual de la salud en el país. Para lo anterior, recurre a la perspectiva de la Salud Colectiva, posicionamiento declarado por la autora para realizar un análisis diacrónico que reconstruye diversos episodios de forma cronológica, lo que permite interpretar la relación entre los movimientos sociales y la salud. Así, la obra emplea diversas voces para construir una panorámica de la participación social en salud, empleando entrevistas a expertos/as, análisis documental en prensa escrita y revistas, revisión de textos históricos, entre otros. Leia Mais

A nova obscuridade – Jurgen Habermas / Rodrigo Perez / 30 jun 2020

Coluna “Livros que merecem uma sentada” dessa semana, com o livro “A nova obscuridade”, de Jurgen Habermas.

O texto de Habermas é estratégico para a compreensão da crise democrática brasileira porque mostra pra nós a matriz ideológica dos conservadores que chegaram ao poder com a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018. O conservadorismo brasileiro contemporâneo, portanto, não deita suas raízes na tradição conservadora nacional, mas sim no neoconservadorismo que se forma nos EUA no pós-segunda guerra mundial. Especialmente a crítica cultural neoconservadora ao Estado de Bem-estar social inspira o Bolsonarismo, que é conservador nos costumes e ultra liberal na economia.

No vídeo, explico o significado político da máxima bolsonarista “acabou a mamata”.

Rodrigo Perez Oliveira- Professor do departamento de história da Universidade Federal da Bahia e colunista da Revista Fórum e dos Jornalistas Livres.

Acessar publicação original

 

Lima Barreto: triste visionário | Lilia Moritz Schwarcz

Creio ser desnecessário apresentar a renomada escritora Lilia Moritz Schwarcz, autora de muitas obras no campo das ciências humanas. Iremos nos limitar a dizer que é uma pesquisadora com formação em História e Antropologia que, ao longo de suas pesquisas, tem contribuído sobremaneira com o debate acerca das relações raciais no Brasil. O livro O Espetáculo das Raças é um exemplo cabal do que estamos falando.

O objeto de nossa resenha, o livro Lima Barreto: Triste Visionário, publicado pela conceituada Editora Companhia das Letras, no ano de 2017, discorre sobre o escritor negro Afonso Henriques de Lima Barreto, mais conhecido como Lima Barreto. Leia Mais

O que pode a biografia | Alexandre de Sá Avelar e Benito Bisso Schmidt

Em algum momento, Fernando Pessoa afirmou que se um dia escrevessem sua biografia seria algo simples, com somente duas datas, de nascimento e de morte, pois todo o resto era algo só seu. Os biógrafos e os leitores de biografias discordam deste monopólio do indivíduo sobre sua trajetória e enquanto os primeiros exercitam seu ofício na construção de narrativas diversas sobre seus personagens, os segundos satisfazem suas curiosidades através da leitura de obras com diversificado conteúdo e em distintos formatos.

Personagens, biógrafos e biografias têm sido objetos de reflexão em diversos campos das ciências humanas, de modo que a História, ao mesmo tempo em que busca o diálogo com as ciências sociais, a teoria literária, a análise de discurso, a psicologia, entre outras áreas e especialidades, também tem se dedicado de forma ampla, constante e vigorosa sobre os temas derivados de tais objetos. Leia Mais

Sobre o autoritarismo brasileiro – Lilia Schwarcz / Rodrigo Perez / 23 jun 2020

Coluna “Livros que merecem uma sentada” dessa semana. Apresento o belíssimo “Sobre o autoritarismo brasileiro”, de Lilia Schwarcz.

Mostro como a autora combina teses consagradas no “pensamento social brasileiro” com fartos dados estatísticos para produzir uma interpretação da realidade nacional que denuncia as forças do atraso que ao longo da história do Brasil travaram qualquer qualquer projeto de desenvolvimento sustentável, inclusivo e de longo prazo.

Acessar publicação original

O que é empoderamento? / Joice Berth*

Parte da coleção Feminismos Plurais, organizada por Djamila Ribeiro e agora editada pela Pólen, O Que é Empoderamento foi escrito pela arquiteta e urbanista Joice Berth e lançado em 2018. No total, a coleção possui sete títulos que abordam conceitos ou temáticas relevantes para a discussão sobre racismo e feminismo no Brasil e no mundo. A proposta é apresentar essas discussões que já devem ter aparecido no mínimo nas nossas redes sociais aos leitores e leitoras brasileiras (mas não só, uma vez que Lugar de Fala de Djamila Ribeiro (2017) já foi traduzido para o francês e publicado).

Em O que é Empoderamento, Berth cumpre bem a função de apresentar a discussão sobre o conceito Empoderamento. São quatro capítulos: “O Que É Empoderamento?, Opressões Estruturais e Empoderamento: um ajuste necessário; Ressignificação pelo Feminismo Negro; Estética e Afetividade: noções de empoderamento; Considerações Finais.” Neles, Berth faz um apanhado sobre o uso do termo empoderamento, que remontaria aos trabalhos da assistente social estadunidense Barbara Solomon na década de 1970. O uso do termo, ou ao menos seu propósito, também é remetido às obras do nosso conhecido Paulo Freire, que propunha que não existe ação crítica que não seja oriunda do próprio sujeito e seu domínio sobre sua realidade.

Esse pode ser considerado o mote para a explicação que a autora faz no capítulo seguinte para esclarecer os usos que têm sido feitos do termo, especialmente em tempos de redes sociais, memes, viralizações e hashtags. Alertando para a apropriação desse termo por governos e corporações que na verdade não transpõe o limite do indivíduo, Berth insiste que empoderamento não pode ser pensando se não for para a emancipação dos indivíduos e indivíduas em coletividade. Para isso, ela usa exemplos de projetos de políticas públicas que tanto contribuem para isso quanto de projetos que usam o termo apenas como um chamariz. Não se trata apenas de afirmar nossa autoaceitação, mas de trabalhar para que as ferramentas de emancipação e autoaceitação estejam disponíveis para todos e todas.

E essa é uma das principais contribuições que o feminismo negro deu ao uso do termo. Lembrando que “se uma mulher negra se levanta, toda a estrutura se levanta com ela” [1], o feminismo negro veio para nos lembrar exatamente que não adianta apenas as mulheres se libertarem das imagens de controle que a sociedade patriarcal lhes impõe, o que muitas vezes implica em mulheres postando fotos de autoaceitação de seus corpos em redes sociais, por exemplo. Isso precisa vir acompanhado de políticas que efetivamente promovam a emancipação financeira e psicológica de todas as mulheres. Representatividade importa, mas ela precisa vir acompanhada de real inclusão de grupos. Não adianta apenas a Maju Coutinho na bancada do Jornal Hoje – isso não evitou as mortes de Ágata Félix, de João Pedro e João Vitor em ações de agentes de “segurança pública” em comunidades. E é disso que se trata empoderamento. De que comunidades, grupos de minorias sociais possam 1. Se amar; 2. Construir políticas que sejam genuinamente representativas de si; 3. Reivindicar que as oportunidades sejam para todos e todas, e não apenas para alguns poucos que consigam furar a bolha.

A edição que li foi a ainda publicada pela “Ed. Letramento” em 2018 e possui alguns erros de revisão. Não sei se nos relançamentos essas questões foram corrigidas. Todavia, isso de forma alguma diminui o mérito da obra, que serve como introdução ao debate, assim como realiza um importante levantamento bibliográfico para quem quiser continuar. Além de nos ajudar a nos organizarmos para ações efetivas nesse 2020 tão desgovernado.

Notas

1. Essa afirmação é recorrente na obra e entrevistas da filósofa Angela Davis e tornou-se premissa básica não só no feminismo negro, mas também naqueles movimentos que optam por reconhecer uma necessária interseccionalidade para combater opressões contemporâneas.

(*) Texto originalmente publicado na página Feminismos em Debate, projeto desenvolvido no Instagram pelas professoras Aryana Costa, Lívia Barbosa e Maiara Juliana Gonçalves da Silva.

Aryana Costa – Professora no DHI / UERN, campus Mossoró, trabalha com ensino de História e História da Historiografia.


BERTH, Joice. O que é empoderamento? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2018. O que é empoderamento? São Paulo: Pólen, 2019. Resenha de: COSTA, Aryana. O que é o empoderamento? Humanas – Pesquisadoras em Rede. 18 jun. 2020. Acessar publicação original [IF].

 

Do Fake ao Fato: desatualizando Bolsonaro / Bruna Stutz, Mateus Pereira e Valdei Araújo / 18 jun 2020

Nesse vídeo, apresento o livro ” Do Fake ao Fato: desatualizando Bolsonaro”, organizado por Bruna Stutz, Mateus Pereira e Valdei Araújo. Colaboro com o artigo “O negacionismo científico olavista: a radicalização de um certo regime epistemológico”. O livro pode ser encontrado, em ebook e impresso, na Amazon. Espero que gostem.

Acessar publicação original

Entre as províncias e a nação: os diversos significados da política no Brasil do oitocentos | Adriana Pereira Campos, Kátia Sausen da Motta, Geisa Lourenço Ribeiro e Karullyny Silverol Siqueira

Organizado por Adriana Pereira Campos, Geisa Lourenço Ribeiro, Karulliny Silverol Siqueira e Kátia Sausen da Motta, a obra “Entre as províncias e a nação: os diversos significados da política no Brasil do oitocentos”1 traz consigo um relevante debate acerca da multiplicidade de relações existentes no Brasil oitocentista. A contribuição de dez autores para a realização do livro, objetivou diversificar a história política do Império, por meio da inclusão de províncias e atores políticos variados. Assim, trazendo novo sentido ao contexto imperial. O livro é resultado de debates entre pesquisadores que participaram do III Simpósio Internacional da Sociedade Brasileira de Estudos do Oitocentos (SEO), ocorrido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 2018.

Ao nos debruçarmos sobre a obra, percebemos a multiplicidade de relações políticas contidas no Brasil Império que formavam um todo na trajetória contextual. Retirar a lupa somente dos denominados “grandes acontecimentos” e dos principais atores políticos comumente ressaltados na historiografia é também traçar uma história política diversa em estrutura e significados. Neste sentido, a obra analisada percorre entre províncias distintas e personagens políticos ressignificados, promovendo assim, diversas participações para os acontecimentos do período, para além da Corte ou dos “grandes homens”. Leia Mais

Histoire de la fête des Mères. Non, Pétain ne l’a pas inventée ! – JAQUEMOND (APHG)

JAQUEMOND, Louis-Pascal. Histoire de la fête des Mères. Non, Pétain ne l’a pas inventée !. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2019, 240p. Resenha de: CARNEIRO, François da Rocha. Association des Professeurs d’Histoire et de Géographie (APHG). 7 jun. 2020. Disponível em: < https://www.aphg.fr/Histoire-de-la-fete-des-Meres-Non-Petain-ne-l-a-pas-inventee>Consultado em 11 jan. 2021.

Dans un ouvrage qui assume la très longue durée, Louis-Pascal Jacquemond en éminent spécialiste de l’histoire des femmes qu’il est, étudie cette journée si particulière qu’est la fête des Mères.

Remontant aux déesses-mères antiques, il souligne la double-assignation initiale attribuée à la divinité, caractérisée à la fois par la naturalité et le maternalisme. Envisagé par l’auteur comme étant « la plus ancienne religion du monde » (p.22), le culte de la Déesse-mère connaît de multiples visages dans toutes les civilisations anciennes. Dans les panthéons nordiques et germaniques, ce sont Freyja, chez les Vanes, et Frigg, chez les Ases, qui jouent ce rôle de divinité à la fois de l’amour et de la maternité, tandis que Dana chez les Celtes est « la mère primordiale des anciens elfes », célébrée elle aussi par une « fête de la nuit des Mères » (p.24). L’auteur voit dans l’identification de Marie à une Déesse-mère chez les premiers chrétiens comme le résultat d’un glissement homothétique, peut-être dans l’héritage du culte rendu à Cybèle, qui était pour les Romains la Mater magna. De fait, le culte marial s’impose dans le christianisme au point que s’installe, autour du XIIe siècle, l’appellation « Notre-Dame », à qui sont dédicacées de nombreuses églises de pèlerinage.

À l’époque moderne, en Angleterre et dans les colonies américaines, apparaît la tradition du Christian Mothering Sunday. Ce rituel oblige le fidèle à servir un dimanche de Carême dans sa paroisse de naissance. Une fois par an, l’église-mère réunit ainsi tous ses enfants et, par analogie, permet à la mère biologique d’être au centre des attention de sa progéniture qui doit alors lui offrir des fleurs et un gâteau. Cette tradition protestante s’implante jusqu’aux colonies américaines avant d’y tomber en désuétude. Il faut la mobilisation des féministes Julia Ward Howe (1819-1910), Juliet Calhoun Blakeley (1818-1920), Mary Towes Sasseen (1860-1906) et surtout Anna Jarvis (1864-1948) pour qu’une journée rendant hommage aux mères soit de nouveau instituée. Voté en 1913, le Mother’s Day fait immédiatement du deuxième dimanche de mai une fête nationale aux États-Unis.

Étrangère à cette culture protestante du monde anglophone, la France connaît sa propre voie. Le Code civil impose la vision familialiste, assignant à la femme les seules fonctions conjugale et maternelle. À l’autre bout du XIXe siècle, les hommes de la IIIe République défendent la cause démographique au non de la défense de la Nation. Parmi d’autres, l’Alliance nationale, que fonde Jacques Bertillon en 1896, défend ardemment cette ambition nataliste. Si les mouvements féministes qui apparaissent alors ne sont que rarement antinatalistes, ils n’en placent pas moins la maternité « au cœur de leur définition de la différence des sexes » (p.59). Quant aux anarcho-syndicalistes, beaucoup invitent au néo-malthusianisme « pour ne pas entretenir un capitalisme avide de bras bon marché » (p.60).

C’est dans le contexte nataliste de la IIIe République que prend place l’expérience d’Artas, où l’instituteur Prosper Roche, lui-même père de sept enfants, lance en 1906 la première fête des Mères de famille nombreuse, organisée par la très masculine Union fraternelle des pères de famille méritants qu’il a fondé en 1904. Le dimanche 10 juin 1906 donc, deux mères de famille artasiennes de neuf enfants sont mises à l’honneur. Les festivités empruntent au cérémonial républicain, avec défilé, réception à la Mairie, banquet de plus de 200 convives et remise de la somme de 25 francs à chacune des deux récompensées.

La Première guerre mondiale et les secours des Américains sont l’occasion de transférer sur le Vieux continent, dans les régions occupées du Nord de la France et en Belgique, la jeune tradition du Mother’s Day. L’arrivée des soldats américains diffuse encore plus largement ce rituel qui inspire jusqu’au nom la Journée des Mères donnée à Lyon du 14 au 16 juin 1918. Le dernier jour permet de féliciter douze femmes enceintes déjà mères d’au moins cinq enfants. En 1920, peu après la création du Conseil supérieur de la natalité, Theodore Steeg, ministre de l’Intérieur, autorise la « Journée nationale des mères de famille nombreuse ». Malgré la tenue de cette fête le 19 décembre 1920, « la fête des Mères n’a pas encore pris sa place dans le calendrier annuel » (p.82) et aucune journée nationale n’a lieu dans les années qui suivent, l’organisation relevant de l’échelon local.

Avec l’introduction de la démographie dans les programmes scolaires à partir de la fin des années 1920, une politique familiale se met en place, fondée sur le modèle traditionnel, autour de la Mère au foyer et de l’autorité du père qui ramène l’argent à la maison. Comme l’écrit l’auteur, « la petite musique du « Travail, Famille, Patrie » est déjà à l’œuvre » (p.84). La fête des Mères du régime de Vichy n’est donc que l’aboutissement d’un long processus. Dans cette liturgie pétainiste, la Mère mise à l’honneur devient l’icône de la Révolution nationale. Pourtant, comme le montre Louis-Pascal Jacquemond, les mouvements de Résistants, communistes en tête, se saisissent du décalage entre le discours du pouvoir en place et les souffrances du quotidien pour faire de cette fête un outil de mobilisation. Les tracts sont alors nombreux appelant les mères à rejoindre « l’armée des ombres ».

Après la Seconde guerre mondiale, la fête des Mères s’installe dans le cadre républicain et particulièrement à l’école. Néanmoins, cette pratique scolaire est de plus en plus remise en cause, tant elle implique de se calquer sur un idéal familial et maternel contesté. Cette fête connaît par ailleurs une marchandisation en même temps que la société goûte de plus en plus à une consommation effrénée. L’auteur distingue quatre temps de la « récupération mercantile » (p.136) de cette fête. Le premier XXe siècle voit la commercialisation massive des fleurs et des cartes de vœux, la mère se voyant au centre d’un intérêt qui n’est pas sans rappeler le désir amoureux masculin. À partir des années 1930, la promotion de l’électroménager domestique attribue à la mère une image de modernité technique. Les dernières décennies du XXe siècle et les cadeaux comme les parfums ou la lingerie érotisent sensiblement l’image de la mère. Enfin, au début du millénaire, cette fête semble s’appuyer sur les modes de communication actuels et « met en scène des femmes substituts » (p.143).

Critiquée dès l’entre-deux-guerres, la fête des Mères se retrouve dans la ligne de mire des féminismes des années 1970 comme des années 2000, ce qui pousse l’auteur à poser la question de son « obsolescence programmée » (p.167). Cependant, sa popularité n’est guère remise en cause et la Journée internationale des Femmes du 8 mars ne parvient guère à l’effacer du paysage.

L’auteur achève son étude par un rapide tour du monde des fêtes équivalentes, « chrétienne et nationale » en Amérique Latine, importée en Afrique et au Proche-Orient, acculturée dans les mondes asiatiques. Il conclut ainsi une réflexion riche et stimulante qui permet de déconstruire autant les stéréotypes genrés que les légendes urbaines.

François da Rocha Carneiro – Professeur d’histoire-géographie à Roubaix, Docteur en histoire contemporaine et chargé de cours à l’Université d’Artois, Vice-Président de l’APHG.

Consultar publicação original

[IF]

Maria I: as perdas e as glórias da rainha que entrou para a história como “a louca” | Mary Del Priore

Quem nunca ouviu falar e/ou leu sobre Maria I, a rainha louca? A memória e a historiografia de modo geral tenderam, durante muitos anos, a classificar a rainha portuguesa como louca e dotada de um fanatismo religioso sem limites. Diversos escritos, muitas vezes como forma de atrair público leitor e/ou inseridos em contextos historiográficos comprometidos em construir uma legenda negativa da monarquia portuguesa, encobriram uma multiplicidade de elementos históricos sobre uma mulher que vivenciou, entre os séculos XVIII e XIX, um dos momentos mais turbulentos da história moderna: a ruína do absolutismo monárquico.

Diante de tais aspectos, a obra Maria I: as perdas e as glórias da rainha que entrou para a história como “a louca”, da historiadora Mary Del Priore, autora de outras obras sobre a história das mulheres, demonstra que era preciso se debruçar para além de uma simples assertiva de loucura dada à Maria I pela memória e pela historiografia. Dividido em nove capítulos, o livro procura apresentar a trajetória de rainha, desde seu nascimento em 1734, momento em que, segundo a autora, “[…] Portugal vivia uma época esplendorosa” (DEL PRIORE, 2019, p. 13), aos seus últimos dias na cidade do Rio de Janeiro, em 1816, quando a corte portuguesa se encontrava no exílio. O objetivo de Del Priore (2019) é, ao percorrer a trajetória de D. Maria, buscar respostas para uma mudança comportamental na rainha a partir da década de 1780, sem incorrer em explicações automáticas e/ou simplistas. Leia Mais

Critique et architecture. Un état des lieux contemporain | Hélène Jannière || La Matérialité de l’architecture | Antoine Picon

Em tempo de confinamento, podendo sentir satisfação ao menos de viver entre livros e de exercer um “métier de inteligência” (1), volto-me para obras publicadas recentemente enviadas por colegas amigos, que se acumulam sobre a mesa de trabalho, e seleciono duas em que os autores procuram pensar a arquitetura, ainda que por caminhos de reflexão diversos. Refiro-me aos livros de: Antoine Picon, La matérialité de l’architecture, publicado em 2018, que em breve sairá em versão ampliada em inglês pela University of Minnesotta Press, e ao de Hélène Jannière, Critique et architecture. Un état des lieux contemporain, publicado no final de 2019. Uma leitura mais atenta evidencia que a erudição da narrativa é comum a ambos, o que me permite juntá-los nessa resenha, levantando alguns pontos da novidade e complexidade histórico-teórica do primeiro, e da densidade historiográfica e crítica do segundo. Leia Mais

Marcos Konder Netto. Caderno de projetos, reflexões e realizações do arquiteto

O título desta resenha procura adensar a essência do livro e do filme Konder – o protagonismo da simplicidade, documentos de cultura criados pelo arquiteto e estreante cineasta Igor de Vetyemy que, com palavras e imagens em movimento, capturou os principais fatos da vida e da obra de Marcos Konder Netto. Arquiteto graduado em 1950, Konder nasceu no ano de 1927, em Blumenau, Santa Catarina, é habitante da cidade do Rio de Janeiro desde 1938, foi colega de Antônio Carlos Jobim no início do curso e, ainda estudante, realizou para o compositor a sua primeira obra de arquitetura de interiores.

Igor de Vetyemy, à semelhança de Marcos Konder Netto, é também professor e presidente do Departamento do Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil. No livro e no filme-documentário (1), Vetyemy fundamenta-se nas temporalidades estéticas e políticas em que se desenvolveram as realizações profissionais e pessoais do protagonista, acentuando que a obra de Konder reproduz a modernidade do século vinte. Evidencia-se, dessa maneira, que texto e imagens, organizados com métodos e ferramentas racionalmente ordenados, narram a sintaxe e a arte de (in)certo modernismo, o qual, gerado na vertente das arquiteturas ativistas, traduziu o desejo de compensar enorme e insuperável dívida social. Leia Mais

Arroz, tráfico e escravidão: repensando a importância da contribuição africana no mundo Atlântico | Judith Carney

Os grandes historiadores franceses Lucien Febvre e Marc Bloch, em diversos momentos, na primeira metade do século XX, já tinham postulado a importância da interdisciplinaridade e diálogos entre as diversas ciências com a História. Já é deveras conhecida a recomendação de Febvre de que para ser historiador era preciso ser geógrafo, sociólogo e assim por diante. Bloch, por sua vez, não discordaria, pelo contrário. A geógrafa Judith Carney, vindo ao encontro da História, da Sociologia, da Agronomia, da Linguística, da Arqueologia, da Biologia e da Botânica, fazendo de certa forma o caminho inverso ao proposto pelos já citados fundadores da Escola dos Annales, publicou um excelente e instigante livro, resultado de um trabalho minucioso e competente de pesquisas documentais e bibliográficas: Black Rice. The African Origins of Rice Cultivation in the Americas (Massachussets: Havard University Press, 2001).

Black Rice, posteriormente, foi traduzido para o português por José Filipe Fonseca, com a colaboração de Gaston Fonseca, Ernesto Fonseca e Nivaldina Fonseca, sendo publicado em Bissau, na Guiné Bissau, pelo Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas/IBAP, com patrocínio do banco da África Ocidental/BAO. Publicado em 2018, assim suponho, com prefácio à edição portuguesa datado de novembro/dezembro de 2017, escrito pelo historiador Leopoldo Amado, manteve em português o título traduzido do inglês: Arroz Negro. As origens africanas do cultivo do arroz nas Américas. Neste momento cabe dizer que, sendo o livro escrito com afetividade, não menos apaixonada e comprometida com a história do protagonismo africano, apesar do tráfico e da escravidão, foi a edição guineense. Gosto de livros com marcas de afetividade, sem a aridez impessoal de alguns trabalhos acadêmicos ainda que competentes. Leia Mais

O Brasil na Guerra Fria Cultural – CANCELLI (H-Unesp)

Marvel comics falauniversidade com br Makers of Democracy
Quadrinhos e Guerra Fria/falauniversidade.com.br

CANCELLI E O Brasil na Guerra Fria cultural Makers of DemocracyCANCELLI, Elizabeth. O Brasil na Guerra Fria Cultural: o pós-guerra em releitura. São Paulo: Intermeios, 2018. 182p. Resenha de: CATTAI, Júlio Barnez Pignata; CHAVES, Wanderson da Silva; Brasil de exotismo, minoridade e alinhamento: por uma contra-proposta historiográfica. História v.39  Assis/Franca,  2020.

Brasil na Guerra Fria Cultural: o pós-guerra em releitura, da historiadora do Departamento de História da Universidade de São Paulo, Elizabeth Cancelli, é realização de uma década de sólida pesquisa de documentos inéditos em arquivos do Brasil e dos Estados Unidos. Esforço que já resultou, entre trabalhos publicados no país e no exterior, no livro O Brasil e os outros: o poder das ideias (CANCELLI, 2012).

Neste novo lançamento, a autora aprofunda um tópico de investigação persistente na sua obra recente. Mais amiúde, as finalidades e o percurso de construção, durante a Guerra Fria, de três lugares-comuns da historiografia sobre o Brasil República, que são, além disso, também temas duradouros de nossa tradição de pensamento político: primeiramente, o exotismo brasileiro no interior da modernidade ocidental, tema através do qual vem sendo preenchidas de conteúdos as noções de “falta”, de “atraso” e de “subdesenvolvimento” nacional; em segundo, a defesa, para sanar essa condição de “minoridade” internacional do Brasil, de um ideal de missão intelectual cuja tarefa seja a adequação do país e do brasileiro a padrões hegemônicos de vida social e econômica; em terceiro, o destaque, nessas propostas de alinhamento, à acelerada transformação do Homem, equilibrada através da estabilidade da vida política e das esferas de poder.

Segundo Elizabeth Cancelli, o advento da Guerra Fria trouxe consigo um novo e sofisticado sistema de agendamento da vida pública, alimentando e sendo alimentado por estes três lugares-comuns, base de um eloquente sentimento de privação civilizatória. A formação desse sistema, em suas características de inovação e propostas de mudança, vistas em O Brasil na Guerra Fria Cultural, especialmente através do seu desenvolvimento na frente norte-americana, seria um tema negado e ausente da historiografia brasileira, para Cancelli, porque o debate temático se estrutura, de certa forma, de ponta-a-cabeça. As memórias individuais formam a principal base do arquivo material de época e a aposta teórica, na fluidez entre História e memória, operam conjuntamente uma típica inversão do processo analítico: a História protege a memória de revelar-se além de seus sintomas e, com esse suporte, que traz atributos de legitimidade, temos a propriedade de certas memórias recordadas sendo transformadas em “verdade”. Ela diz, especialmente na “Introdução” e nas “Considerações Finais” do livro, que são casos exemplares dessa inversão a Era Vargas e a ditadura instaurada com o golpe de 1964: o primeiro período é recordado na literatura privilegiando o projeto nacional de Getúlio, obliterando-se, no elogio a esse projeto, a violência que era a premissa do seu regime de modernização totalitário; em relação à ditadura de 1964, é justamente na violência que se funda, de forma quase exclusiva, a reflexão intelectual, de modo que a vida institucional do regime, do qual floresceu nossa “Nova República”, acaba soterrada em sua diversidade de problemáticas por aquilo que Cancelli chama de “a exaltação da memória espetáculo”. Para a historiadora, trata-se da tendência de a escrita da história sobre o período, encapsulada por uma rememoração “ressentida” de imagens de horror, tortura e desaparecimento, prender-se a uma dimensão sentimental e normativa de fala, transmissão e investigação, produzindo limites de compreensão, assim como de superação de problemas. Naturalmente, há no “ressentir” uma fragilidade de elaboração psíquica e política que resulta, à título de realização da justiça, na exortação e nomeação de certos heróis e vilões. O trabalho historiográfico deve, inclusive para fazer justiça à memória própria ao ressentimento, investir contra seus mecanismos de obliteração.

Para a autora, as idiossincrasias do eu testemunhal tendem a aprisionar a História no interior de dogmas e de fantasias pessoais – conforme a análise, inspirada em Jacques Derrida, de Elisabeth Roudinesco (2006), em A análise e o Arquivo – quanto maior for a escassez documental. A solução, portanto, viria da formação de um arquivo que indique, a contrapelo, no interior de instituições e projetos, justamente as formas e avatares de constituição desse sujeito, narrador da História. As fontes desse arquivo de pesquisa foram formadas, grosso modo, do material do Escritório de Assuntos Culturais do Departamento de Estado Norte-Americano, do National Achives and Records Administration (NARA); da documentação do Congresso pela Liberdade da Cultura (CCF) e do Instituto Latino Americano de Relações Internacionais (ILARI), duas frentes da Agência Central de Inteligência (CIA), arquivada na Biblioteca da Universidade de Chicago; dos documentos dos programas de patrocínio da Fundação Ford às Ciências Sociais, do Rockefeller Archive Center (RAC); e dos fundos relativos ao Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), think tank que se tornou fundamental para o golpe de 1964 e para o projeto do seu regime, guardadas no Arquivo Nacional. O Brasil na Guerra Fria Cultural beneficiou-se tanto da busca por novo material nesses arquivos quanto da opção por uma noção ampliada de fonte, na qual buscou-se abordar toda a produção bibliográfica temática também como documento. Assim, Cancelli mergulhou, no que concerne à produção intelectual, na releitura de trabalhos fundamentais do pensamento social, considerando, via desconstrução, os argumentos, lugar e posição de onde falam cientistas políticos como Samuel Huntington e Zbgniew Brzezinski, o pensador protestante Reinhold Niebuhr, os cientistas sociais Fernando Henrique Cardoso, Guilherme O’Donnell e Seymour Martin Lipset, dentre outros autores decisivos.

Atravessam o livro duas premissas de trabalho: é transnacional a dimensão de produção da história do Brasil e trata-se, a Guerra Fria, de um confronto entre distintos princípios ideológicos e de modelos de mudança. Estas premissas são tratadas mais detidamente nos capítulos 1 e 2, respectivamente, “A Guerra Fria Cultural no Brasil, a CIA e uma agenda antitotalitária” e “O ILARI, o Congresso pela Liberdade da Cultura e a construção de uma agenda para as Ciências Sociais”. Ali, a historiadora aborda a consolidação, sob a liderança norte-americana, de um consenso entre seus aliados sobre como o sucesso de pressões militares, diplomáticas e econômicas da Guerra Fria deveria ser obtido, antes e sempre, na arena das ideias do combate por “corações e mentes”. Isso orientou, na colaboração entre políticas oficiais de Estado e de organizações norte-americanas, para a sustentação de agendas de longa duração, centradas na formação e arregimentação de elites políticas, técnicas e intelectuais, das quais foram exemplares, justamente, o CCF e o ILARI. Eram realizados nestes órgãos, de forma modelar, investimentos, geralmente secretos, na promoção das ideias de desenvolvimento, modernização, democracia, liberdade e justiça social do “centro liberal”, a tendência política que se tornara um importante proponente da ofensiva que se convencionou chamar de cultural cold war.

Para esses proponentes, como o historiador da Universidade de Harvard, Arthur M. Schlesinger Jr, intelectual importante na administração de John F. Kennedy, países como o Brasil vivenciariam, no desenvolvimento econômico, industrial e urbano, uma via única rumo à consolidação gradual e pacífica da democracia. CCF e ILARI, neste sentido, eram parte de uma estratégia global na qual buscara se instituir, em lugares como o Brasil, uma agenda de trabalho focado na estruturação das Ciências Sociais como tecnologias de reforma social. Assim, através de uma ampla programação de pesquisas empíricas, as Ciências Sociais pretendiam projetar a criação de alternativas às teorias marxistas, apostando na formação de modernas “classes sociais” e na aceitação, em nome da estabilidade, das premissas de um Estado de Bem-Estar Social. O debate de questões raciais e, no Brasil, do “lugar do negro na sociedade de classes”, viria a ser, por exemplo, profundamente influenciado pela preocupação dessas políticas com o potencial explosivo do racismo para a administração das democracias modernas.

Grupos “conservadores”, como o representado pelo cientista político de Harvard, Samuel Huntington, também apostavam nessa intervenção política global e de apoio às Ciências Sociais, mas sustentando, diferentemente do “centro liberal”, que a modernização preconizada por eles geraria instabilidade política e pressão sobre as instituições, na medida em que produziria maior complexidade social e, por isso, pressão sobre a partilha do poder e da participação no governo. As propostas da orientação “conservadora”, tratadas principalmente nos capítulos 3 e 4, respectivamente, “O golpe de 1964 e sua construção antitotalitária: âncoras teóricas e redes intelectuais” e “Modernização, democracia e totalitarismo: teses de transição democrática”, estavam alicerçadas, para Cancelli, no preceito de que toda mudança, especialmente em nações consideradas “sem tradição democrática”, como o Brasil, corriam o risco de enveredarem pelo totalitarismo sempre que houvesse ameaça de ruptura institucional.

Segundo a historiadora, o golpe de 1964 e seu regime partiram de uma premissa “antitotalitária”, da qual o “centro liberal” também partilhava, que significava um acordo sobre o perigo da politização das “massas”, representada especialmente pelo “totalitarismo não derrotado”, o comunismo, e na contraposição que este, como qualquer proposta totalitária, representaria para as proposições ocidentais de democracia liberal, cristianismo, direitos humanos e justiça social. Mas, para pensadores como Huntington, o caminho para a democratização seria, em países como o Brasil, no máximo, elíptico, pois dependeria de um regime de “transição” que alternaria, necessariamente, para gerar estabilidade e acomodação de forças sociais emergentes, momentos de “compressão” e de “descompressão” política.

O “antitotalitarismo” ofereceria um guarda-chuva de estratégias de mudança, em particular, para o mundo pós-colonial africano e asiático e para os países “subdesenvolvidos” da América Latina, contornando, assim, quaisquer propostas de ruptura da ordem, combatidas como sendo “totalitárias”. Se as “teorias de modernização”, na frente antitotalitária, preconizavam o desenvolvimento econômico, na elevação das condições materiais de vida, como requisito de formação das instituições da democracia, tal como na proposição da Aliança para o Progresso, de que houvesse, ainda que anticomunista, a formação de uma liderança latino-americana progressista e moderada para a pacificação de conflitos sociais, nesta mesma frente, as teorias de “desenvolvimento político” preconizavam quase o inverso: o “fortalecimento das instituições” como princípio indutor de um ambiente “democrático” e de desenvolvimento econômico. A historiadora, na linha do que transmitira René A. Dreifuss (1987), demonstra como o IPES, além do trabalho conspiratório contra a administração de João Goulart, atuava, articulado às premissas antitotalitárias, como verdadeira agência de inteligência da ditadura. O IPES dava orientação a uma proposta de modernização que se constituía em diálogo com premissas huntingtonianas de segurança e estabilidade, isto é, a mudança, para eles, deveria se dar contra o desequilíbrio entre governo e governados, para que quaisquer transformações assumissem, via contínua aglutinação de forças políticas, uma sedimentação institucional que produzisse formas próprias de “transição”.

Samuel Huntington veio diversas vezes ao Brasil para o aconselhamento de lideranças fundamentais do regime, como Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, e divulgava suas proposições do “desenvolvimento político” junto a um novíssimo campo disciplinar de Ciência Política no país que a Fundação Ford vinha patrocinando. O cientista político de Harvard trazia, assim, ao debate acadêmico e à aplicação, pelas políticas de Estado, a importância de instrumentos de “compressão” e “descompressão”, que logo viriam a ter um uso específico na aplicação dos Atos Institucionais (AIs) da ditadura. A promulgação da Emenda Constitucional n.º 1, de 1969, que devolvera “a ordem legal ao domínio da Constituição”, marcaria o fim da estratégia de “compressão” pretendida com os AIs, para dar início a um debate sobre a tomada de medidas de “descompressão”. Ou seja, acerca de propostas de “abertura” na qual a assimilação de novos atores políticos, que a própria modernização da sociedade criara ou pusera em movimento, se desse no cálculo do equilíbrio entre as liberdades e as restrições a elas, tendo-se em vista, por princípio, a segurança e a estabilidade. Cancelli revela, nessa análise, que a leitura que capturou o discurso historiográfico, da disputa entre “duros” e “moderados” como sendo estruturante do governo realizado pela ditadura, trata-se, antes, de uma tipologia oriunda do trabalho de Huntington, com a qual pretendera-se criar, ora uma justificativa para a “compressão”, ora para a “descompressão”, fazendo emergir ou submergir grupos e projetos de poder, de acordo com a análise do que, em cada momento, configurava melhor a governabilidade e o que, dentro e fora do regime, representava o risco de rompimento da ordem.

O livro, em um diálogo da historiadora com uma nova produção de especialistas norte-americanos e europeus, vai de encontro às visões, não exclusivas de teorias das relações internacionais, nas quais se naturaliza a existência de práticas de “soft power” e de “hard power”, isto é, de separação entre o exercício do poder político-militar do ideológico e cultural, pois, segundo Elizabeth Cancelli, essa distinção, falha factualmente, é contraproducente analiticamente em relação ao fenômeno da “Guerra Fria Cultural” e de suas estratégias de persuasão, penetração política e dominação, objeto de suas pesquisas. O livro, se convida à um aprofundamento analítico além do sintoma, obriga o leitor e a leitora a considerar, por isso mesmo, como a nova configuração política dos anos 1970 pode ter sido orientada, no Brasil, na sua guinada para uma defesa dos direitos humanos e retorno à legalidade do Estado de Direito, menos por uma esquerda, que buscava reinventar-se frente ao esmagamento da luta armada, e mais por uma proposta dos EUA para a Guerra Fria, com a qual se pretendeu novas formas de engajamento político, em propostas de modernização que vinham renovar e substituir uma perspectiva tecnocrática e “amoral” de desenvolvimento das sociedades que tanto naufragara no Vietnã quanto quase implodira a própria sociedade norte-americana.

Brasil na Guerra Fria Cultural encaminha ainda duas questões sobre a transmissão e os usos da história do Brasil, sublinhando, nas justificativas colocadas à guisa de legitimidade dos discursos políticos: a) a persistente submissão dos meios aos fins, em propostas que, em nome de desenvolvimento e melhoria das condições sociais, soterram ou rebaixam a expansão das liberdades e da esfera pública; e b) a sustentação, nas agendas de “transição ”, de certa inaptidão democrática do país, indefinidamente colocado como incapaz de realizar-se senão como uma demanda feita ao futuro.

Para Elizabeth Cancelli, trata-se de uma captura pela máxima tocquevilleana, na qual se perguntava: “poderia a América do Sul (e o Brasil, por suposto) suportar a democracia?” Como O Brasil na Guerra Fria Cultural o demonstra, esta dúvida, uma velha novidade, é hoje nosso principal projeto de país.

REFERÊNCIAS

CANCELLI, Elizabeth. O Brasil e os outros: o poder das ideias. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. [ Links ]

DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. 5a. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. [ Links ]

ROUDINESCO, Elisabeth. Análise e o arquivo. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. [ Links ]

Júlio Barnez Pignata CATTAI. Historiador, possui doutorado em História Social (2018) pela Universidade de São Paulo (2018). É autor de Guerra Fria e Propaganda: a U.S. Information Agency na mídia impressa brasileira, 1953-1964 (Prismas, 2017; Appris, 2018). Responsável pela coordenação do Núcleo de Pesquisa e Extensão e, na condição de Editor-Chefe, pela Revista Diálogos Acadêmicos – IESCAMP, do Instituto de Educação e Ensino Superior de Campinas. Membro no Brasil do Grupo de Estudos sobre a Guerra Fria, sediado na Universidade de São Paulo (USP/CNPq), dedica-se a pesquisas em História das Ideias, com foco em pensamento político, direito, intelectuais, organismos internacionais e liberalismo. E-mail: juliocattai@gmail.com 

Wanderson da Silva CHAVES. Historiador, possui graduação (2003) em Ciências Sociais, com habilitação em Antropologia e mestrado (2007) em Ciências Sociais, com especialização em Estudos Americanos, pela Universidade de Brasília; e doutorado em História Social (2012), pela Universidade de São Paulo (USP). Membro no Brasil do Grupo de estudos sobre a Guerra Fria e pesquisador colaborador do Departamento de História da USP, dedica-se atualmente a pesquisas na área de História Contemporânea, com foco em Guerra Fria, intelectuais, direitos humanos, organismos internacionais e racismo. E-mail: wanderson_schaves@yahoo.com.br

Os antigos habitantes do Brasil | Pedro Paulo Abreu Funari

FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Os antigos habitantes do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2019. Resenha de: SILVA, Filipe Noe da. Arqueologia para uma outra história do Brasil. Revista Nordestina de História do Brasil. Cachoeira, v. 2, n. 4, p. 243-247, jan./jun. 2020.

Mesmo se considerarmos o abismo provocado pela desigualdade social, ainda nos parece possível afirmar que o vastíssimo (e diverso) universo escolar brasileiro, nos dias atuais, funciona a partir de metodologias e ferramentas de ensino bastante variadas. Apesar da paulatina informatização do ensino, com o uso cada vez mais frequente de videoaulas, canais e redes sociais, as apostilas e livros didáticos de todas as disciplinas ainda constituem suportes informativos de ampla difusão no quotidiano das escolas brasileiras1. Em muitos casos, pode-se mesmo conjecturar que o material didático é o primeiro livro da vida de muitos de nossos estudantes, e permanece como “[…] o principal instrumento do qual se podem valer os professores” 2.

No ensino de História, em particular, os livros didáticos e paradidáticos coexistem com documentos que, a priori, não foram elaborados com finalidades pedagógicas, mas que são empregados na sala de aula para tal fim: filmes, músicas, imagens, fotografias, documentários, obras de arte, poemas e artefatos arqueológicos, com frequência, são convertidos em documentos de grande valia para o estudo da História3. Do mesmo modo, narrativas pessoais e memórias orais, igualmente convertidas em fontes históricas, têm revelado aos(às) jovens estudantes as percepções daqueles e daquelas que, em muitos casos, testemunharam as inúmeras transformações, invenções e rupturas que atingiram suas sociedades no último século4.

São muitas as investigações sobre os discursos históricos apresentados pelos livros didáticos do presente e do passado: além das tradicionais memórias nacionais, temas referentes às questões étnico-raciais, às relações de gênero e ao silenciamento das populações subalternas, em geral, têm colocado em evidência os propósitos políticos e identitários das publicações didáticas mundo afora5.

Como no caso do estudo da Antiguidade, cujos livros didáticos apresentam “[…] anacronismos, erros, simplificações, juízos de valor e, principalmente, falta de atualização dos assuntos tratados” 6, não é raro encontrarmos, em muitos materiais voltados ao ensino da História, narrativas eurocêntricas, elitistas e baseadas em uma perspectiva “civilizadora” dos colonizadores. Dentro dessa perspectiva histórica, como constatou Francisco Silva Noelli7, a experiência dos povos indígenas do Brasil, por vezes, figura de maneira apenas preambular nos livros escolares: “[…] se compararmos o status desses temas com os demais conteúdos do currículo básico de História do Brasil e das Histórias Regionais, facilmente constataremos que eles são irrisórios em termos quantitativos”8.

Apesar de não ser um livro didático stricto sensu9, a segunda edição d’Os antigos habitantes do Brasil, de Pedro Paulo Funari, docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), oferece uma alternativa valiosa para o atual ensino da História das populações indígenas do território brasileiro. Em consonância com as teorias sociais pós-colonialistas, sua narrativa constitui uma ferramenta pedagógica fundamental para a superação do senso comum e dos muitos estereótipos racistas e etnocêntricos associados a esses povos. Ao demonstrar, por exemplo, que a ocupação humana no Brasil extrapola os 10 mil anos, a referida publicação coloca em xeque a hipótese, ainda vigente em âmbito escolar, de que não existe História onde inexiste a escrita. Frente à escassez de documentos escritos, por sua vez, o autor recorre à Arqueologia, ao estudo da cultura material produzida de maneira espontânea e quotidiana pelos próprios indígenas.

Reconhecida no Brasil e em âmbito internacional, a trajetória acadêmica do professor Funari promove uma profícua (e original) amalgamação de estudos sobre História Antiga (com ênfase nas camadas populares sob uma perspectiva da História Cultural), Antropologia e Arqueologia: reflexo de uma formação híbrida e da abertura, por parte do autor, ao diálogo e à interdisciplinaridade. Ao converter tal erudição em uma linguagem acessível e agradável aos estudantes de nível Fundamental e Médio, Funari, em seu livro sobre Os antigos habitantes do Brasil, aproxima seus leitores e leitoras de temas particularmente complexos à História e à Arqueologia contemporâneas, tais como a origem das populações ameríndias e as transformações (territoriais, sociais e faunísticas) decorrentes das mudanças climáticas.

A relação entre os seres humanos e o meio-ambiente, fonte fundamental de sobrevivência às populações indígenas, não é apresentada de maneira determinista, como se as populações nativas fossem apenas submissas e passivas frente às imposições da natureza hostil. Ao contrário, com o intuito de evidenciar o protagonismo e a originalidade desses povos, o autor demonstra, de maneira sutil e didática, que atividades como a caça, a coleta e a pesca teriam coexistido com a agricultura no território brasileiro desde antes da chegada dos portugueses.

Devido às escolhas curriculares, é bastante usual nas escolas brasileiras que a agricultura seja apresentada enquanto um apanágio restrito às civilizações localizadas no Crescente Fértil mesopotâmico, e que dali teria se difundido a outros povos e lugares. Nas escolas do estado de São Paulo, por exemplo, o desenvolvimento da agricultura, outrora denominado por Vere Gordon Childe como “Revolução Neolítica”, ou simplesmente a “[…] progressiva utilização de técnicas para a produção de alimento (agricultura e criação de gado) em substituição das técnicas da simples exploração (caça e coleta) de tudo quanto já estava presente na natureza”10 tem integrado, ainda que de maneira subordinada ao tema do “Oriente Próximo”, o grupo de habilidades e competências previstas para o 4º e 6º anos do Ensino Fundamental e à 1ª série do Ensino Médio. Em nenhum dos currículos11 (2010 ou 2019), no entanto, há qualquer referência aos processos de desenvolvimento agrícola ocorridos de maneira independente no continente americano em períodos pré-coloniais, ou noutras localidades do planeta12.

Sobre a chegada dos primeiros seres humanos à América, em particular, o autor apresenta duas hipóteses principais: por um lado, os ameríndios seriam descendentes de asiáticos que teriam atravessado os noventa quilômetros do chamado Estreito de Bering em uma época em que o nível das águas teria sido mais baixo. Por outro lado, devido à presença de restos mortais de indivíduos oriundos da Oceania, outras possibilidades de povoamento, seus limites e incertezas, também são apresentadas de maneira didática e elucidativa. O uso de mapas e ilustrações na explicação das duas hipóteses também constitui uma boa opção pedagógica acerca do tema.

Por meio da cultura material produzida pelos indígenas, Funari demonstra toda a diversidade, autonomia e criatividade das etnias espalhadas pelo Brasil. Entre tupis e marajoaras, a cerâmica, as habitações, os sambaquis, os artefatos líticos e as pinturas, todos ilustrados pelos belíssimos traços de Isabel Voegeli Stever, aproximam alunos e alunas de civilizações complexas e cuja produção material, segundo o próprio autor, nada deixaria a desejar se comparada àquela dos gregos e egípcios da Antiguidade, por exemplo. Sem prescindir do rigor necessário às investigações sobre o passado, os inúmeros artefatos arqueológicos são apresentados em fotografias de alta resolução e suas descrições convidam os(as) estudantes a tecerem suas próprias interpretações sobre esses objetos.

Para além do eventual diálogo com as teorias pós-processualistas da Arqueologia13 e sua respectiva ênfase na subjetividade do conhecimento arqueológico, também julgamos pertinente uma aproximação às considerações do educador Paulo Freire sobre o respeito às formas de conhecimento trazidas pelos(as) discentes como forma de respeito e estímulo à autonomia intelectual:

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária (…). Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm dos indivíduos?14

Temas contemporâneos, como a divisão social do trabalho e o protagonismo das mulheres nas sociedades indígenas, ajudam a compor um livro que, embora verse preponderantemente sobre o passado, fá-lo a partir das demandas e reivindicações sociais do tempo presente. Conforme consta na recente Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a compreensão sobre “Os povos indígenas originários do atual território brasileiro e seus hábitos culturais e sociais”15 constitui um objeto de estudo a ser explorado nas aulas de História do 6º Ano do Ensino Fundamental. Se for este, de fato, o documento fundamental que norteará os rumos da educação básica no Brasil durante os próximos anos, o livro Os antigos habitantes do Brasil, uma vez inserido nos currículos estaduais e municipais, parece-nos profundamente necessário e atual, principalmente porque apresenta uma perspectiva democrática e inclusiva sobre a História dos indígenas a todos os estudantes brasileiros.

Notas

1. CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 3, p. 549-566, set./dez. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n3/a12v30n3.pdf  Acesso em: 12 abr. 2020; BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História. Fundamentos e Métodos. São Paulo: Editora Cortez, 2005.

2. SILVA, Glaydson José. Os avanços da História Antiga no Brasil. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais eletrônicos […]. São Paulo: ANPUH, 2011.

3. BITTENCOURT, op. cit.

4. Sobre este tema, em particular, vide: BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 1979.

5. CHOPPIN, op. cit., p. 554.

6. SILVA, Semíramis Corsi. Aspectos do Ensino de História Antiga no Brasil: algumas observações. Alétheia: Revista de estudos sobre Antiguidade e Medievo, São Paulo, v. 1, p. 145-155, jan./jul. 2010. Disponível em: https://periodicos.unipampa.edu.br/index.php/Aletheia/article/view/73/62. Acesso em: 12 abr. 2020.

7. NOELLI, Francisco Silva. Resenha: Os antigos habitantes do Brasil. Educ. Soc, Campinas, v. 24, n. 82, p. 341-342, abr. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302003000100027.  Acesso em: 12 abr. 2020.

8. Ibidem, p. 341.

9. De acordo com Circe Bittencourt, os livros didáticos convencionais estariam sujeitos a interesses editoriais e de mercado: “[…] Como produto cultural fabricado por técnicos que determinam seus aspectos materiais, o livro didático caracteriza-se, nessa dimensão material, por ser uma mercadoria ligada ao mundo editorial e à lógica da indústria cultural do sistema capitalista”. Ver: BITTENCOURT, op. cit., p. 301.

10. LIVERANI, Mario. Antigo Oriente. História, Sociedade e Economia. São Paulo: EDUSP, 2016. p. 71.

11. No antigo currículo (2010), o tema do “Oriente Próximo” integrava os estudos de História do 6º Ano do Ensino Fundamental e 1ª Série do Ensino Médio. Conferir: SÃO PAULO. Currículo do Estado de São Paulo. Ciências Humanas e suas tecnologias. São Paulo: Secretaria da Educação, 2010. Já o novo Currículo Paulista aborda o tema da Agricultura de maneira genérica por meio do objeto de conhecimento: “A ação das pessoas, grupos sociais e comunidades no tempo e no espaço: nomadismo, agricultura, escrita, navegações, indústrias, entre outras”. Cf.: SÃO PAULO. Currículo Paulista. São Paulo, 2019. p. 466.

12. Para uma síntese desses processos, vide: MAZOYER, Marcel; ROUDART, Laurence. História das agriculturas no mundo. Do neolítico à crise contemporânea. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. p. 66-67.

13. HODDER, Ian. Interpretación en Arqueología. Barcelona: Crítica, 1994. p. 195; TRIGGER, Bruce Graham. História do Pensamento Arqueológico. São Paulo: Editora Odysseus, 2004. p. 373.

14. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Editora Paz & Terra, 2011. p. 21-22.

15. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ensino Fundamental. Brasília: MEC, 2018.

Filipe Noe da Silva –  Doutorando em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Professor das Faculdades Integradas Maria Imaculada (FIMI) Mogi Guaçu, SP, Brasil. E-mail: filipe.hadrian@gmail.com  Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5075-0131

Acessar publicação original [DR]

 

A Escrita da História. Lisboa: Temas e Debates | José Mattoso

A escrita da História é um livro que compila conferências e palestras várias do historiador português José Mattoso, proferidas entre 1986 e 2000, em diversos lugares do globo. Como o próprio afirma, com elas não procura “o sentido da História” (p.8), antes aí encontra uma forma de “juntar-[se] à sinfonia da História” (p.11).

Esses textos reunidos no exemplar em análise abordam temáticas que o autor deseja particularmente úteis para quem lê, nomeadamente, a construção crítica do texto historiográfico, o ensino da História, os arquivos e a sua ligação à construção histórica e temas outros, vastos, como o nacionalismo ou as iluminuras. Principiando pelo capítulo um – A escrita, contam-se cinco textos sobre, na perspetiva daquele estudioso, as especificidades da História e da Historiografia (e seus rumos). Leia Mais

Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness

Some might have expected Hans Ruin’s book to begin with a line from T. S. Eliot’s “The Burial of the Dead,” itself on loan from Dante: “I had not thought death had undone so many.” Eliot’s reference to London Bridge—“Unreal City”—refers with metonymic obliquity to a children’s rhyme: “London Bridge is falling down, falling down.” This song includes the unmistakable conclusion, usually sung to general hilarity: “ashes, ashes, we all fall down.”Other readers might rightly attend to the subtitle, Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness, and they will be richly rewarded. Ruin’s study offers a subtle yet by no means recondite project, broad and interdisciplinary in scope and more ethnographic than specifically hermeneutic in its concern, not unlike Thomas Laqueur’s The Work of the Dead.1 Ruin cites Laqueur, who, having told us about masturbation (before the internet stole his thunder), recounts, as Laqueur’s subtitle tells us, A Cultural History of Mortal Remains.

Laqueur covers the “work” of death, as Hannah Arendt defines “work” in The Human Condition, more oblique than the costly “work” of the undertaker as this redounds to the unsparing insights of Jessica Mitford’s The American Way of Death,2 or the many resuscitations of such treatments including Susan Jacoby, Never Say Die.3 Such texts are serious treatments in contrast to more salacious treatments of death‐as‐entertainment, such as the American television series dedicated to serial murder, featuring the manufacture of corpses on a seemingly industrial scale, which the coroner‐hero of Dexter (2006–2013) manages to produce by night and process by day. Like the friendly vampire and fairy series True Blood (2006–2014), the Florida‐based Dexter is a humanizing take on dark themes, echoing the more northerly funeral home sitcom, Six Feet Under (2001–2005).

In the genre of popular reading, there is also anatomy and medical science in F. Gonzalez‐Crussi’s The Day of the Dead4 or else in Sherwin Nuland’s How We Die: Reflections on Life’s Final Chapter,5 a medical insider’s take on the matter of dying. This last is not altogether unlike Ivan Illich’s Medical Nemesis,6 as Nuland argues that, although modern medicine can hardly stave off death, it can prolong its eventuation, fixing it to the day and the hour (useful for harvesting organs). Nuland’s book inspired a genre of “truth to death” reports from the hospital front, including Seamus O’Mahony’s recent update, The Way We Die Now.7

Ruin tells us about bones—their excavation, curation, memorialization as cemeteries and in museums, archaeological gravesites, “roots” of historical consciousness—in a chapter dedicated to “Ossuary Hermeneutics.” Alphonso Lingis’s musings on archaeology8 differ from Ruin’s “The Necropolitical Sites of Archaeology.” Yet there is a convergence, and Lingis invokes the same “modern academic discipline of archaeology” (115) Ruin engages as he reads practical illustrations from archaeology together with physical anthropology. For the current reader, originally trained in the life sciences, such tacks involve analogies with quite contemporaneous living beings, an always unremarked detail that engenders conceptual solecism—as in the case of chimpanzees who are not antecedent beings from the past but quite as evolved as any other being on this earth—in Ruin’s discussion of the Japanese primatologist Tetsuro Matsuzawa (122f.).

The interlocutor for Ruin in his discussion is Lewis Binford’s “New Archaeology” (128f.).9 The “new” includes the New World, the Americas, North and South, and to be sure the aggressions against American Indians with their own cast of archaeological claimants. Thus Ruin cites the 1906 Antiquities Act that transformed “the skeletons of Native Americans … into ‘historical artifacts’” (137). A parallel might have been made with John Gray’s discussion of Tasmanian cultural appropriation and genocide in his Straw Dogs,10 but Ruin foregrounds the 1989 World Archaeological Congress in South Dakota on “Archaeological Ethics and the Treatment of the Dead” (138).

From “unreal city” to the uncanny

“Studious and charitable, tender as I am for the dead of the world … thus I roamed, from age to age, always young and never tired, for thousands of years.”

— Michelet, in Certeau11

Ruin’s Being with the Dead is uncanny and cannot but be so. This is not simply a result of the theme, nor of Ruin’s beautiful writing style. As ethnography, it is directed to others as to ourselves, crossing several disciplines. Not all ethnography is like this, and most ethnography, as Bruno Latour has told us,12 is not: we Western scholars tend either to count ourselves out of the picture by attending to obscure folk group practices (first communion rites, say) or by retracing collective myths of past consciousness to do our self‐ethnography.

Ruin’s book is more than a phenomenology of death/the dead. It has seven chapters, an introduction, and a coda. The first chapter, “Thinking after Life: Historicity and Having‐Been,” is the most Heideggerian, and perhaps, given that Ruin has already published a great deal on Heidegger, this is a light chapter. At the same time, this lightness softens Ruin’s focus, shared as it is with most of today’s approaches to phenomenological questions, as the phenomenologist of the chapter is Hegel, fitting Ruin’s discussion of Heidegger on Antigone and Hölderlin.

Hegel continues as spirit guide in the next chapter, “Thanatologies: On the Social Meaning of Burial.” In addition to Garland and Ariès—and Laqueur—Ruin takes note of the sociolinguist Robert Hertz, who died in the First World War—yet another London Bridge event—along with many others. Ruin is particularly interested in the sociology of burial, of double burial, and the strange claims of ritual, which are—and this is Ruin’s overarching theme—the presence of and encounter with community. Hertz’s focus is the well‐studied Dayaks of Borneo, who, far more than most European communities, “live” with the dead, exhuming them, washing them, dressing them, sitting with them at table, all part of a complex ancestor cult involving the dead within the fabric of everyday life, and then, when “only the bones remain,” reburying them.13

Ruin draws upon Hertz’s research for comparisons and distinctions between the related practices of the followers of the Zend Avesta, as well as other traditions, including “Australian tribes” and Choctaw and Huron American Indians. The chapter includes a discussion of Marcel Mauss and Émile Durkheim and the reflection, important for the book, drawn from Mauss’s necrology for Durkheim: “Together with them beyond death.” This Ruin interprets as celebrating “the possibility of collective life over and beyond individual loss and a rebirth on the barren soil of death” (88).

A focus on ancestors leads in the next chapter to the primitive engagement with burial: “Ancestrality: Ghosts, Forefathers, and Other Dead.” Here, too, an Anglophone Hegel appears as spirit guide, permitting Ruin to catalogue the Western contribution of the triad array of ghosts, souls, and spirits (Gespenst, Seele, Geister) to the Hegelian language of Geist. In the grand scheme that is Hegel’s own imaginary, the “dark continent,” Africa, is the ghost world. In this locus, although Ruin does not cite this, Nietzsche’s quip, Ohne Hegel, kein Darwin, might have rewarded further reflection as would a parallel with Günther Anders and Theodor Adorno on race and the technologies of genocide.14

It is the putative or presumed primitive character of Africa for Hegel that enables Ruin’s reading of Hegel’s account of forbearance, whereby he can quote Hegel as suggesting that slavery should be gently eased away from Africa; Africans are not yet “evolved” enough for abrupt liberation.15 As Ruin goes on to say: “From the viewpoint of our question it is significant to note that Hegel’s depiction of Africa as the ‘dark’ and unconscious continent specifically involves his understanding of ancestor worship” (105). To this, Robert Bernasconi’s reminder of what is occluded here is recommended, elegantly argued in his “Hegel at the Court of the Ashanti.”16 This is the continually suppressed oppression inherent in Western philosophy, not simply of the other qua other, but via slavery. All this advertence is difficult; think of what remains unthought despite reflections on the logic of misogyny, as recently explored in Kate Manne’s Down Girl, itself revisiting without engaging Beauvoir’s The Second Sex. There is what we tend not to quite notice in the space, the wake, the aftermath of what we do notice.

 

Blood for the ghosts

A truly “historical” rendition would be ghostly speech before ghosts.—Nietzsche17

Ruin’s book approaches the past as other and as locus, as in his title: Being with the Dead. Reading Michel de Certeau’s The Writing of History, itself with an homage to Jules Michelet, Ruin cites Certeau’s observation that “the other is the phantasm of historiography, the object that it seeks, honors and buries” (161). Ruin reads this in terms of his own crucial recollection of the Homeric accounting of the rites of sacrifice in relation to the dead. The reference draws on a metaphor—blood—key for nineteenth‐century classical philology. Thus Ruin cites Erwin Rohde, author of two volumes on the soul in antiquity, Psyche, who characterized the ancient Greek dead as “being in need of sacrifices and rites” (see 111).

This is to the point of the crucial text Ruin invokes relating the rites performed by Odysseus in book XI of the Odyssey. Here we read Ruin himself glossing Homer:

On the spot indicated by Circe he digs a hole in the ground and performs the ordained sacrificial rites, the culmination of which is pouring of blood from slaughtered lambs into a pit. It is the blood that calls forth the demons, ghosts, or souls, the psychai of the dead, who when they drink it are permitted to leave their shadowy existence for a moment to see, sense, and speak to the living. As the souls of the dead, attracted by the blood, come forth in great numbers, Odysseus is first gripped by fear, and he draws his sword to keep them away from the pit and to hear them one by one … (224).

For his part, Ruin tracks the “Homer question” beginning with Erich Bethe’s 1935 study.18 Yet Ruin does not discuss the history of this question any more than he mentions the classicist Friedrich Nietzsche in this specific context, quite as if Nietzsche had never written on Homer, although Ruin does note Nietzsche’s distinction between the Apollonian and the Dionysian along with a brief discussion of Heidegger’s engagement with Nietzsche. Ruin thus overlooks both Nietzsche’s inaugural lecture in Basel (1869) on the relation between the Homer “question” and philology as such and the question of the role of the dead in Nietzsche. However, death is prominent in Nietzsche’s work beginning with The Birth of Tragedy and, most popularly, in Thus Spoke Zarathustra, starting with the death of god, the sudden fall of a tightrope dancer during Zarathustra’s speech in the marketplace, including the performer’s last words to Zarathustra, and Zarathustra carrying the resultant corpse long enough to “bury” him—good Parsi style, good Greek style—in the hollow of a tree, just to limit ourselves to Zarathustra’s “Prelude.”

Excluding Nietzsche from his original disciplinary field, Ruin does what others do. But in his first Basel lecture, Nietzsche sought to raise the question of the person of Homer, historiographically, historiologically, indeed: hermeneutically. This is the locus classicus, as Nietzsche concludes with the text Ruin glosses above, quoting Homer’s Nykia.19 Apostrophizing his own colleagues, Nietzsche parallels the “Homer question” with the fortunes of classical philology:

You indeed honour the immortal masterpieces of the Hellenic Spirit in word and image, and imagine yourselves that much richer and happier than the generations that lacked them: now, do not forget that this entire magical world once lay buried, overlain by mountain‐high prejudices, do not forget the blood and sweat and the most arduous intellectual work of countless devotees of our science were necessary to permit that world to rise up from its oblivion [Versenkung].20

Apart from the sunken past and risen voices, the blood reference may be tracked through Nietzsche, as Zarathustra tells us in a section entitled “Vom Lesen und Schreiben”: “Of all that is written, I only love what one has written with his own blood. Write with blood: and you will learn that blood is spirit.”21

As Ruin reminds us, we are told the tale of Odysseus’s “journey to the underworld,” to “the land of the dead” (222–223). Conversation with the dead is the sign of the hero and the mark of the seer in Homer. To bring the dead to life is the divine sign of a healer, characteristic of the philosopher in antiquity, an achievement associated with both Pythagoras and Empedocles. With respect to Empedocles, Diogenes Laërtius attributes a host of powers: controlling the winds and the rains, citing Empedocles’s promise to his acolytes: “And you shall bring [back] from Hades the strength of a dead man.”22

Such is an earmark of Orphism. Metonymically, too, quite as Saint Severus of Naples was said to have had the power to recall a man from death, J. K. Rowling seems to echo Empedocles in Professor Severus Snape’s promise: “I can tell you how to bottle fame, brew glory, and even put a stopper in death.”23

The task of what Michelet names “resurrectionism” (160) is accomplished, so we read Homer, if (and only so long as) there is blood. This is the promise of the mystery tradition and philosophy and classical philology, to cite the title of Hugh Lloyd‐Jones, Blood for the Ghosts: Classical Influences in the Nineteenth and Twentieth Centuries.24

As Nietzsche’s closing allusion in his first lecture as a professor of classics emphasizes, this is a metaphor for historical hermeneutics. In the same spirit, William J. Richardson prefaces his Heidegger book, “encouraging” his readers by pointing to his own struggles, “blood on the rocks,”25 as inspiration.

Homer’s Odysseus makes an animal sacrifice (some say lambs, though Nietzsche speaks of rams), pouring out blood so that the souls of the dead may be able to speak, with tragic—and fading—results. The dissonance of this constellation, part of the ancient Greek rites specified for such a sacrifice, inheres in its terrible logical coherence. The Greek death cult, the mystery rites, work as they do because the Greeks presupposed no more than an afterlife of shadows: lacking spirit or consciousness unless primed with blood or otherwise prepared for.

In what follows, I supplement the engaging discussions offered in Ruin’s book on “being with the dead” by adding a reference to death and to blood in Nietzsche, who frequently presses such references. Thus Nietzsche begins his 1878 Human, All Too Human, with a reference to death in the section entitled “Von den ersten und letzten Dingen”—On First and Last Things—as well as in the second volume, Assorted Opinions and Maxims (1879), before he turns to converse with his shadow in The Wanderer and His Shadow (1880), where he emphasizes the reanimating importance of blood sacrifices, as “active endeavours to help them to come repeatedly to life as it were.”26

The language of ghosts and shadows refers to the underworld and death, adumbrated by the title of Nietzsche’s aphorism §408, and recently translated as “The Trip to Hades,”27 but better rendered by R. J. Hollingdale as “Descent into Hades.”28

This Hadesfahrt, or Journey to Hell, echoes Lucian’s own Downward Journey, or Journey into Port, Κατάπλους ἢ Τύϱαννος (in German as Die Überfahrt oder der Tyrann), a dialogue set at the moment of death. This is the downward‐going cross‐over, or passage from death to the afterlife, with Hermes in attendance, a parodic illustration of the ancient cliché that is the Greek Stoic ideal of the best way to die (as we may recall Epictetus encouraging that one be quite ready to drop everything). Here, the cliché personified by the laughing shoemaker, Mycillus, who does come running, embarrassingly over‐eager to depart. Nietzsche borrows the image of his Übermensch, the Overhuman, from this dialogue.29

Lucian’s dialogue was also, as we know, David Hume’s death‐bed reading,30 and Nietzsche’s final section of his second volume of Human, All Too Human, concludes with a reflection on authorly life “after death.”31 We also encounter a series of death‐bound sections in Nietzsche’s The Gay Science: §278 On the Thought of Death (significant for Susan Sontag32), in addition to §281 Knowing How to End, §285 Excelsior, §315 On the Last Hour, and finally §340 The Dying Socrates and §341 The Greatest Heavy‐Weight.

In Human, All Too Human, §408, Nietzsche offers us an et in Arcadia variation: “I too have been in the underworld, like Odysseus, and will often be there again; and I have not sacrificed only rams to be able to talk with the dead but have not spared my own blood as well. There have been four pairs who did not refuse themselves to me, the sacrificer.”33 The rebuke of the historian implies that, by contrast with scholarly engagement with “those who seem so alive,” the living seem lifeless in their turn. Thus Nietzsche highlights “paying” with blood, for the sake of the kind of knowledge and style of writing to be learned by heart.

We noted above that the bloodlessness of the dead has, for the Greeks, a logical corollary. The insight yielded a cult of note‐taking as guide for what to do when your memory, your mind, your awareness of self no longer serves. By necropolitical contrast, Ruin’s concern is not with individual life, despite Heidegger and despite the Greeks themselves, but is instead and as Ruin explains, a concern with Alfred Schütz’s sociologically minded “world of predecessors,” providing the dead, historiologically speaking, with “a space in history” (106), for the sake of “an expanded theory of history as a space of life with the dead, as a life with those having‐been” (107). The “new” ethnography—“postprimitivistic” as Ruin writes, paralleling this with “posthumanism and the new materialism”—can now ascribe “‘agency’ to non‐living artifacts as well as to the dead” (108). The result is, as Ruin points out, not a little problematic, calling for care and sensitivity.

The fragmentary hints of the life of birds as one may read in the Derveni Papyrus may be less salient here than the broader Orphic tradition as such. In the same way, the Petelia golden tablets preserve a script to guide the mindless soul away from immediate disaster. If thirsty, the soul is told to avoid the first spring, where everyone else may be seen drinking their fill—a caution one can fear might never be read: will the soul remember to read or still be able to read?34 The souls of the dead given voice in the words of ghosts cannot be understood. In the Iliad, Homer relates the wailing ululation of Patroclus, an incoherent lament that does more to move Achilles than rational discourse. This is the destiny of heroes like Odysseus as Ruin glosses the rites that enable his encounter, his being‐with the thus‐summoned or risen dead. Things are different for the wise—note the difference from Oedipus, whose death and its sacrality Nietzsche details in his first book. Crucially, philosophy begins with Orphism. Thus for those mindful enough, philosophical enough to have practiced these Orphic rites, the next words are key: “I am parched with thirst and am dying; but quickly grant me cold water from the Lake of Memory to drink.”35

The focus here is Vergegenwärtigung, re‐presentation, reconstitution. This effects the work of sacrifice in Homer’s uncanny sense. Nietzsche tells us that if we mean to hear from the silent ghosts, we must give them blood. Odysseus, mantic as he was, sacrificed animal blood. By contrast, Empedocles cautions that this, given the unity of all with all, leads to what he calls “dining on oneself,” “Sichselbstverspeisen.”36 The blood we must give, Nietzsche says, is our own.

Zombie scholarship: on being “scientifically dead” – between usener and Nietzsche

… it is only if we bestow upon them our soul that they can continue to live: it is only our blood that constrains them to speak to us.—Nietzsche37

What I call “zombie scholarship” is commonplace. Books are written, but they are not read. A scholar stakes out a pathbreaking insight and others simply ignore it; they do not read it, or if they do, they are careful to avoid mentioning it. Thus I began this essay with a reflection on the sheer abundance of books on death and dying and on filmic allusions to the undead, or vampires, or to catastrophic futures, haunted by zombies. These are not necessarily the ghosts summoned by blood sacrifice, as Ruin writes, but films dedicated to ghosts, including the gently comic variation on “love stronger than death,” in the case of Alan Rickman’s dead cellist haunting his grieving lover in Truly, Madly, Deeply (1991), or Ghost (1990), featuring the frustrations of the ghosts as Patrick Swayze “saves” his living wife from his erstwhile murderer.38 To date, zombies themselves continue to thrive in the television series The Walking Dead (2010–).39

I note zombie scholarship via such pop references because Nietzsche is the zombie scholar of the Homer question as also of early Greek philosophy. Thus Heidegger begins his own reading of the Anaximander fragment by discounting, dead‐silencing, Nietzsche’s contribution. In his recently published Black Notebooks, Heidegger goes further: denouncing what he names the “fabulosity” of Nietzsche’s “supposed” rediscovery of the pre‐Platonic philosophers.40 Heidegger uses Nietzsche’s pre‐Platonics in place of Hermann Diels’s pre‐Socratics. It is no accident that Heidegger offers his own parallel rubric: pre‐Aristotelians. What Heidegger omits is any reference to Nietzsche’s extensive lecture courses on the topic.

To say that a scholar is scientifically “dead” is to say that the scholar is not cited and not that he never existed, not that his work was irrelevant. Normal science works, as Thomas Kuhn argues, by excluding certain paradigms, including entire traditions. If Nietzsche’s work on Diogenes Laërtius was indisputably foundational for his own field, this has not secured Nietzsche’s scholarly authority in that same field. Part of the reason for this overshadowing would be the general assessment of Diogenes Laërtius himself, declared “trivial” by Kirk, Raven, and Schofield while being “from our point of view important.”41 Thus Diogenes Laërtius is named “night‐porter to the history of Greek philosophy,” quoting Jonathan Barnes, who himself quotes Nietzsche: “no‐one can enter unless Diogenes has given him the key.”42 The distinction between Kirk, Raven, and Schofield’s “trivial” and Nietzsche’s “night porter” is a fine one. For today’s specialists in ancient history, including classics and ancient philosophy, Nietzsche is as dead to scholarship as Hermann Usener underlined the fact for his own students: anyone who writes in this way is “scientifically dead”—“wissenschaftlich todt.”43 The assertion holds to this day: scholars of ancient history, of ancient philosophy, of classical philology do not cite Nietzsche. There are rare exceptions, and even the exceptions carefully highlight academic reservations.

But how does one get to be “scientifically dead”? How does an accomplished scholar, called at an early age to an important professorial chair, whose work was recognized as being, as it would continue to be, influential for an entire discipline, nonetheless manage to become irrelevant in and to the working history of that same discipline? What happened? If few ask this question, answers are not lacking. Thus it is typically assumed that Nietzsche first missed his “true” calling as a famous philosopher and, in the course of a relatively short adult life, some three decades of productivity, simply whiled away two‐thirds of it on classical studies: ten years destroying his eyes to establish source scholarship as such (Thomas Brobjer’s work would provide support for this claim in its specificity),44 followed by a decade of teaching and writing as professor of classics in Basel. In this vision of Nietzsche’s personal becoming‐Nietzsche, Nietzsche’s twenty years of classical philology—Christian Benne counts twenty‐one years total in his monograph on this question45—was just a ‘wrong’ turn. Not only that, but experts will tell us that Nietzsche was lamentably bad at it—a junior classmate, Ulrich von Wilamowitz‐Möllendorff tells us so, and specialist scholars repeat the judgment—whereby, so the standard story goes, Nietzsche eventually came to his senses and proceeded to write Zarathustra and the Genealogy of Morals and so on.

All of this is myth.

What is not myth is personal attestation, as Nietzsche himself reports it, that Hermann Usener proposed a joint‐project with Nietzsche to prepare a scholarly source book of ancient Greek philosophers. Thus in a long letter written on June 16, 1869, from Nietzsche in Basel to Erwin Rohde in Rome, embedded in a paragraph musing on the likelihood of being “doch noch der futurus editor Laerti,” Nietzsche reports “in strictest confidence” that “Usener and I are planning a historical philosophical edition in which I participate with Laertius, he with Stobaeus, Pseudoplutarch etc. This sub sigillo.”46

On this account, what would ultimately come to be published as Diels’s Die Vorsokratiker was, at least at one stage, conceived jointly between Usener and Nietzsche. Nietzsche’s claim antedates while also according with Diels’s later report that Usener transferred his original role in this project to Diels, and Diels tells us that the project was one that was to have been shared between Nietzsche and Diels. Today’s established scholars cite Diels’s later report47 without noting Nietzsche’s report of his planned collaboration with Usener.

Apart from all this, Nietzsche’s contribution to modern “source scholarship” had already been established with his publications on Diogenes Laërtius in the Rheinisches Museum für Philologie, a leading classical journal.48 Thus Diels drew on Nietzsche’s research as a matter of course (he would not need to acknowledge this) for both his Doxographi Graeci (1879) and Fragmente der Vorsokratiker (1903).49

Death as History: personalities and succession theory

Who has ever put more water in their wine than the Greeks?—Nietzsche50

In his lectures on the pre‐Platonic philosophers, Nietzsche foregrounds philosophy as it appears in history.51 The first point is the sheer otherness of the Greek project.52 Framing his question in this historically hermeneutic fashion, Nietzsche underlines what Certeau emphasizes as a certain pathos, a “living solidarity with what has gone,” as Ruin cites The Writing of History (161). For Nietzsche, “What do we learn for the Greeks, we wish to ask, out of the history of their philosophy? Not, what do we learn for philosophy. We want to explain the fact that the Greeks practiced philosophy, something that is, given the ruling perspective on the Greeks, hardly self‐explanatory.”53 The question is hermeneutically minded (indebted to the concerns of his teacher Friedrich Ritschl), asking, first, how the Greeks moved “within themselves” toward philosophy, and, second, how the “philosopher” was present in and among the Greeks as such—this is for Nietzsche the question of the “person”—rather than merely how philosophy was specified—this is the question of philosophical doxa.54

The sole methodological access to such questions, so Nietzsche tells his students repeatedly, is and can only be the texts alone. Nietzsche reads his “pre‐Platonic philosophers” by foregrounding the initial need to first ascertain historical “facts,” for the sake of “doing” history as such, tracing alternate genealogies. The first lectures begin by emphasizing the importance of determining chronology, an emphasis that continues throughout. Herodotus reported Thales’s prediction of a datable solar eclipse, and Nietzsche cites then newly current astronomical research as decisive. There are, then, “fixed points” in Thales’s case.“55 For Anaximander, by contrast, the first datable event could only be “the conception and completion of his book πεϱὶ φύσεως.”56 The key for history is Anaximander qua author of the very first philosophical text, by contrast with Thales, who did not write. Nietzsche emphasizes the same point for Pythagoras and Socrates.57 In his Anaximenes lecture, Nietzsche details Apollodorus’s account of Anaximenes’s dates, foregrounding his “putative studentship” in received succession accounts: the Διαδοχαί.58

Teacher–student succession is a traditional means of asserting legitimacy whereby, as Nietzsche underlines, the motivation to establish it can lead to the suppression of contradictory chronologies. If one wants to argue succession, one will find it, just as Nietzsche will later tease that the Tübingen theologians go off into the bushes in search of, in their case: “faculties” [“Vermögen”].59 In this way, Plato argues on behalf of Socrates in his dialogues (thus Nietzsche includes Socrates as a pre‐Platonic philosopher), complete with various claims to studentship, including Parmenides and Anaxagoras. Conflicting claims for different teachers for the same thinker yield alternative genealogies of philosophy. The disparity between the views of teacher and student is as useless for clarifying matters in antiquity as it is for resolving disputes between thinkers today (think of Straussians but also Wittgensteinians and Cavellians, or Heideggerians, Derrideans, and such like).

Explicating both the givenness of authoritative dating and authoritative contradiction, skepticism will be required on rigorous historical grounds.60 Anaximenes cannot have been Anaximander’s student, by some two decades.61 Ancient accounts repeat an array of details already treated as idle at the time thus qua details “no one believes.” To this extent, “an sich,” Nietzsche argued, such accounts of teacherly succession would be “utterly unmethodical.”62 Tacking between such readings, Nietzsche foregrounds another account in Diogenes Laërtius whereby the twenty‐year‐old Anaximenes is claimed to have been Parmenides’s student (once again: two decades). Turning to the source for this testimony in Theophrastus, which sets Parmenides as a student of Anaximander, Nietzsche notes the dates of their flourishing for Anaximander at sixty‐four, giving Parmenides the studentship at twenty, such that forty‐four years later, likewise at the age of twenty, Anaximenes may be installed in the same lineage. The picture‐book chronology seems trustworthy yet by intercalating Parmenides on this “oldest” account, “thereby dies the διαδοχή Anaximander–Anaximenes.”63

Later chronologies shift the dates. Indeed, anyone who holds to the authoritative διαδοχή) is compelled, so Nietzsche writes, to date “retroactively,”64 following Simplicius, shifting both Anaxagoras and Anaximenes for the sake of the Ionian διαδοχή). Consequently Anaximander–Anaximenes become friends and contemporaries. Nietzsche encourages the student of ancient philology/ancient history to compare sources, by hermeneutic contrast. Here, we note Nietzsche’s thirteenth lecture on Anaxagoras, a lengthy lecture foregrounding chronology and “killed” by Nietzsche’s editors as reduplicative.65 Omitted from published versions of Nietzsche’s lecture courses for eighty‐two years, beginning with the 1913 Kroner edition,66 the editors, Otto Crusius and Wilhelm Nestle, refer the reader instead to Nietzsche’s thematization of Anaxagoras in his Philosophy in the Tragic Age of the Greeks. Obviously: Nietzsche speaks differently to his own students of philology than he does to a general public. The style and voice (and sometimes even the language of publication, not only German but also Latin) of Nietzsche’s source work (Diogenes Laërtius, Homer, Hesiod) differs from his more popular texts, such as his first book, The Birth of Tragedy out of the Spirit of Music. For the same reason, I noted pop culture examples above, as scholarly audiences differ from popular audiences while at the same time being included among them. And thus Nietzsche’s Philosophy in the Tragic Age of the Greeks omits the historical focus on chronology characteristic of the lecture courses.67

Nietzsche’s Anaxagoras lecture includes chronology and succession, emphasizing Anaxagoras’s primacy by contrast with doctrinal transmission, teacher to student, highlighting the personal account of Anaxagoras’s arrival in Athens. Not motivated in terms of studentship (given that there were no thinkers with whom Anaxagoras might have sought to study), there was, however, immediate bodily reason to flee Clazomenae in advance of the Persians.68 The Anaxagoras lecture remained unpublished until 1995, with inevitable losses for scholarship.69 Ruin’s book engages neither Nietzsche’s Homer nor Nietzsche’s pre‐Platonics nor Nietzsche’s repeated recourse to the metaphor of blood. Yet there is the working effect of what Ruin recalls for us as Michelet’s resurrectionism. On Nietzsche’s hermeneutic terms, we can only summon the voices of the dead past to limited life: we may call them to speak to us only on our terms and according to our taste. Thus Nietzsche reminds us of the danger of assuming that what we call the soul [die Seele—this would be Rohde’s Psyche] remains the same through all time. Per contra, the soul of the ancient master is ever and “yet another.” This otherness may perhaps be “greater,” Nietzsche argues, but it is at the same time “colder and distant from the allure of what is alive.”70 Here, I infuse the blood of current scholarship not simply for Nietzsche’s sake but in order to encourage others to bring the silent past to voice, as Heidegger wrote: re‐presenting it once again, “resurrected” in this Homeric sense, as Ruin reminds us via Certeau and Michelet—as there are so many ways of being with the dead.

Thomas W. Laqueur, The Work of the Dead: A Cultural History of Mortal Remains (Princeton: Princeton University Press, 2018). Cf., Hikaru Suzuki, The Price of Death: The Funeral Industry in Contemporary Japan (Stanford: Stanford University Press, 2002), and Sue Black, All That Remains: A Life in Death (London: Black Swan, 2019).

See the first chapter, “Not Selling,” in Jessica Mitford’s The American Way of Death Revisited [1963, 1998] (New York: Knopf, 2011).

Susan Jacoby, Never Say Die: The Myth and Marketing of the New Old Age (New York: Pantheon, 2011).

F. Gonzalez‐Crussi, The Day of the Dead and Other Mortal Reflections (New York: Harcourt, Brace, Jovanovich, 1993).

Sherwin B. Nuland, How We Die: Reflections on Life’s Final Chapter (New York: Penguin Random House, 1995).

See Ivan Illich, Limits to Medicine. Medical Nemesis: The Expropriation of Health [1995] (London: Marion Boyars, 2010). See further, Babette Babich, “Ivan Illich’s Medical Nemesis and the ‘Age of the Show’: On the Expropriation of Death,” Nursing Philosophy 19, no. 1 (2018), 1–14.

Seamus O’Mahony, The Way We Die Now (London: Head of Zeus, 2016). See also O’Mahony’s retrospective account: “Medical Nemesis Forty Years On: The Enduring Legacy of Ivan Illich,” Journal of the Royal College of Physicians of Edinburgh 46, no. 2 (2016), 134–139.

Alphonso Lingis, “The Return of Extinct Religions,” New Nietzsche Studies 4, nos. 3 and 4 (2000–2001), 15–28.

Lewis Binford, “New Perspectives in Archaeology,” ed. James Brown, in Memoirs of the Society for American Archaeology 25 (1971), 6–29.

10 John Gray, Straw Dogs: Thoughts on Humans and Other Animals (London: Granta, 2002).

11 This citation forms the first line of the introduction to Michel de Certeau, The Writing of History, transl. Tom Conley [1975] (New York: Columbia University Press, 1988), 1, citing Jules Michelet, “L’heroïsme de l’esprit.”

12 Ethnographers are not always happy with their own—this is a common characteristic across the disciplines—but Bruno Latour has long been critically, reflectively engaged with his own discipline, not unlike Nietzsche, who wrote Wir Philologen as an indictment of his own field. More on Nietzsche below, but see here, and note the subtitle, Latour’s An Inquiry into Modes of Existence: An Anthropology of the Moderns, transl. Catherine Porter (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013).

13 I am enlightened here by discussions with Annette Hornbacher over a number of years; see Hornbacher, “Contested Moksa in Balinese Agama Hindu: Balinese Death Rituals between Ancestor Worship and Modern Hinduism,” in Dynamics of Religion in Southeast Asia, ed. Volker Gottowik, (Amsterdam: Amsterdam University Press, 2014), 237–260.

14 See Babich, “‘The Answer is False’: Archaeologies of Genocide,” in Adorno and the Concept of Genocide, ed. Ryan Crawford and Erik M. Vogt (Amsterdam: Brill, 2016), 1–17, as well as Babich, “Nietzsche and/or/vs. Darwin,” Common Knowledge 20, no. 3 (2014), 404–411.

15 As Ruin writes: “The last lines of this infamous passage read: ‘The gradual abolition of slavery is therefore wiser and more equitable than its sudden removal. At this point we leave Africa, not to mention it again’” (105).

16 Robert Bernasconi, “Hegel at the Court of the Ashanti,” in Hegel after Derrida, ed. Stuart Barnett (London: Routledge, 1998), 41–63.

17 Der wirklich ‘historische’ Vortrag würde gespenstisch zu Gespenstern reden.” Nietzsche, Vermischte Meinungen und Sprüche. Menschliches, Allzumenschliches II, §126, in Kritische Studienausgabe, ed. Giorgio Colli and Mazzino Montinari, (Berlin: de Gruyter, 1980), 431. Hereafter KSA.

18 Erich Bethe, “Homerphilologie Heute und Künftig,” Hermes 70 (1935), 46–58.

19 Nietzsche, “Homer und die klassische Philologie. Ein Vortrag. Basel 1869,” in Frühe Schriften, ed. Carl Koch and Karl Schlechta (Munich: Beck, 1994), 283–306.

20 Ibid., 304.

21 Nietzsche, Also Sprach Zarathustra I, in KSA, 4, 48. Along with Hölderlin’s language of “Die Blume des Mundes,” I use Nietzsche’s language of both blood and flowers in Babich, Words in Blood, Like Flowers: Philosophy and Poetry, Music and Eros in Hölderlin, Nietzsche, and Heidegger (Albany: State University of New York Press, 2006).

22 I cite Diogenes Laërtius, Lives of Famous Philosophers, VIII, 59, after G. S. Kirk, J. E. Raven and M. Schofield, The Presocratic Philosophers [1983] (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1993), 286.

23 J. K. Rowling, Harry Potter and the Philosopher’s Stone (London: Bloomsbury), 137.

24 Hugh Lloyd‐Jones, Blood for the Ghosts: Classical Influences in the Nineteenth and Twentieth Centuries (London: Gerald Duckworth, 1982).

25 William J. Richardson, S. J., Heidegger from Phenomenology to Thought [1963] (The Hague: Nijhoff, 1974), xxviii.

26 Nietzsche, Menschliches, Allzumenschliches, II §126; KSA 2.

27 Nietzsche, Human, All Too Human II, transl. Gary Handwerk (Stanford: Stanford University Press, 2013), 144.

28 Nietzsche, Human, All Too Human: A Book for Free Spirits, transl. R. J. Hollingdale (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1986), 299. [Assorted Opinions and Maxims].

29 I discuss this in several essays; for one example, see Babich, “Nietzsche’s Zarathustra and Parodic Style: On Lucian’s Hyperanthropos and Nietzsche’s Übermensch,” Diogenes 58, no. 4 (2013), 58–74.

30 See my introduction, “Signatures and Taste: Hume’s Mortal Leavings and Lucian,” in Reading David Hume’s “Of the Standard of Taste,” ed. Babette Babich (Berlin: de Gruyter, 2019), 3–22.

31 Nietzsche, Assorted Opinions and Maxims, §408.

32 See David Rieff, Swimming in a Sea of Death: A Son’s Memoir (New York: Simon & Schuster, 2008).

33 Nietzsche, Assorted Opinions and Maxims, §400.

34 Cf. Alberto Bernabé and Ana Isabel Jiménez San Cristóbal, “Arrival in the Subterranean World,” in Bernabé and Cristóbal, Instructions for the Netherworld: The Orphic Gold Tablets (Leiden: Brill, 2008), 9–59.

35 Ibid., 9. See, with reference to Nietzsche, Benjamin Biebuyck et al., “Cults and Migrations: Nietzsche’s Meditations on Orphism, Pythagoreanism and the Greek Mysteries,” Philologos: Zeitschrift für Antike Literatur und Ihre Rezeption 149 (2005), 53–77ff.

36 See Nietzsche’s discussion in his fourteenth lecture (on Empedocles), Vorlesungs Aufzeichnungnen (WS 1871/72–WS 1874/75), Zweiter Abteilung, Vierter Band, ed. Fritz Bornmann and Mario Carpitella (Berlin: de Gruyter, 1995), here 317. Hereafter KGW.

37 “Denn nur dadurch, dass wir ihnen unser Seele geben, vermögen sie fortzuleben: erst unser Blut bringt sie dazu, zu uns zu reden.” Nietzsche, Menschliches, Allzumenschliches I, §126, “Aeltere Kunst und die Seele der Gegenwart,” KSA 2, 431.

38 Ghost is visually valuable for its hellish ghouls, in a Homeric‐Dantesque context, rising from steaming night‐time vapors, illuminated black and red, ascending to seize their victim in the dark arches beneath an elevated subway in New York City’s outer boroughs.

39 To this one may add reference to The Game of Thrones columbarium of faces dedicated to the God of Death, or, on another level, the Harry Potter film series based on Rowling’s popular novels, including Death Eaters and the dead‐named Lord Voldemort, complete with a redemptive death by Rickman’s Professor Snape, a salvation afforded by bodily fluids, in this case: tears, in Harry Potter and the Deathly Hallows 2 (2011). We can add Neil Gaiman’s purpose‐written American Gods (2001, cable broadcast 2017), including its references to the Egyptian Book of the Dead and a hastily constructed allusion to the death of the old gods in the world of the new. If American Indian deities are inevitably underrepresented, perhaps it is to leave room for Kali, the Hindu goddess of death.

40 Thereby Heidegger indicates a then‐current claim. See, for a discussion with specific reference to history, Babich, “Machenschaft and Seynsgeschichte in the Black Notebooks: Heidegger on Nietzsche’s ‘Rediscovery’ of the Greeks,” Journal of the British Society for Phenomenology 51, no. 2 (2020), 110–123.

41 The Presocratic Philosophers, ed. G. S. Kirk, J. Raven, and Malcolm Schofield (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1983), 2.

42 Ibid., 118. Here, Jonathan Barnes cites Nietzsche, Historisch‐Kritische Gesamtausgabe: Werke, 5 vols., ed. Joachim Mette (Munich: Beck, 1933–1943), V, 126.

43 James Porter reviews of Nietzsche’s contributions to the discipline of classics, with bleak results, noting that “any Nietzsche may have had in the field of Presocratic philosophy will have consisted in a misprision and a reduction of the views variously on offer in his published and unpublished writings.” Porter, Nietzsche and the Philology of the Future (Stanford: Stanford University Press, 2000), 391. Porter observes that Nietzsche’s work on his pre‐Platonics would not have been influential for Diels’s pre‐Socratics. This last is not in dispute as I argue that Nietzsche’s contribution would be his original source scholarship on Diogenes Laërtius: Nietzsche, “De Laertii Diogenis fontibus,” Rheinisches Museum für Philologie. Neue Folge, vols. 23 and 24 (Frankfurt am Main: Johann David Sauerländer, 1868–1869), 632–653; 181–228 [in Latin]; Nietzsche, “Analecta Laertiana,” Rheinisches Museum für Philologie. Neue Folge, vol. 25 (Frankfurt am Main: Sauerländer, 1870), 217–231 [in Latin] (and see note 45 below). This source scholarship was as useful for Diels’s work as it was similarly valuable for Usener’s Epicurea.

44 See Thomas Brobjer’s many publications and see, too, Christian Benne, cited below.

45 Christian Benne, Nietzsche und die historisch‐kritische Philologie (Berlin: de Gruyter, 2005), 1.

46 “Usener nämlich und ich beabsichtigen ein philosophie‐historisches corpus, an dem ich mit Laertius, er mit Stobaeus, Pseudoplutarch usw. Participire. Dies sub sigillo.” Nietzsche, Sämtliche Briefe. Kritische Studienausgabe (Berlin: de Gruyter, 1986), III, 18.

47 Cf. the beginning pages of Jaap Mansfeld and David Runia, Aetiana: The Method and Intellectual Context of a Doxographer: The Sources (Philosophia Antiqua 73) (Leiden: E. J. Brill, 1997). Mansfeld and Runia do not cite Nietzsche’s 1869 letter to Rohde, and Glenn Most surprisingly, as editor of Nietzsche’s philological writings, omits any reference to this complicated historical context in his “Friedrich Nietzsche: Between Philology and Philosophy,” New Nietzsche Studies 4, no. 1/2 (2000), 163–170, originally published in German in 1994.

48 See, too, Nietzsche, “Beiträge zur Kritik der griechischen Lyriker,” Rheinisches Museum für Philologie. Neue Folge, vol. 23 (Frankfurt am Main: Sauerländer, 1868), 480–489 as well as Nietzsche, “Der Florentinische Tractat über Homer und Hesiod, ihr Geschlecht und ihren Wettkampf,” Rhenisches Museum für Philologie. Neue Folge, vols. 25 and 28 (Frankfurt am Main: Verlag von Johann David Sauerländer, 1870–1873), 528–540; 211–249.

49 Hermann Diels, Die Fragmente der Vorsokratiker (Berlin: Weidmann, 1903). That there are elements of a certain Wirkungsgeschichte may be evidenced by the publication of Diels, Doxographi Graeci (Berlin: Wiedemann, 1879). See Heidegger on this constellation—it is not the subject of his discussion but a prelude to his reading of Anaximander first published in 1950. Cf. Heidegger, Der Spruch des Anaximander, ed. Ingeborg Schüssler (Frankfurt am Main: Klostermann, 2010).

50 “Wer hat mehr Wasser in den Wein gegossen als die Griechen?” Nietzsche, Der Wanderer und sein Schatten, §336, KSA 2, 698.

51 Nietzsche, Vorlesung I in Nietzsche Werke. Kritische Gesammtausgabe, Vorlesungsaufzeichnungen, II, 2–5, ed. Fritz Bornmann and Mario Carpitella (Berlin: de Gruyter, 1995) [KGW] II4, 211. Nietzsche’s contrasting reference is to Hegel’s 1823 reflections on ancient philosophy from Thales to Aristotle. See G. W. F. Hegel, Einleitung in die Geschichte der Philosophie Hegel, ed. Johannes Hoffmeister (Leipzig: Felix Meiner, 1966).

52 Nietzsche, Vorlesung I. KGW II4, 211.

53 Thus Nietzsche continues, “Wer sie als klare, nüchterne harmonische Praktiker auffaßt, wird nicht erklären können, woher ihnen die Philosophie kam. Und wer sie wiederum nur als ästhetische, in Kunstschwärmereien aller Art schwelgende Menschen versteht, wird sich auch durch ihre Philosophie befremdet fühlen.” Nietzsche, KGW II4, 211.

54 Ibid., 212.

55 Ibid., 231.

56 Ibid., 239–240.

57 Historically methodological, Nietzsche proceeds to discuss Pythagoras, relaying his friend Rhodes’s epithet for Pythagoras as “grandmaster of superstition,” that is, ancient or primitive belief, noting that like Thales, Pythagoras left no writings (whereby to be sure “Pythagorean philosophy” is a different, later tradition linked with names other than Pythagoras and key to Greek mathematics and Greek music theory). Nietzsche, GW 4, 288; cf. KGW II4, 252.

58 See, again, Nietzsche, Die Διαδοχαί der vorplatonische Philosophen [1868–1869] (Philologische Niederschriften und Notizen aus der Leipziger Zeit), KGW II4. The editors date this lecture course as offered in 1874 and again in 1876.

59 Nietzsche, Jenseits von Gut und Böse, §11.

60 Nietzsche, KGW II4, 247.

61 The contradiction counters the theory of succession on ancient authority: “thus Apollodorus denies studentship, he denies the διαδοχή.” Nietzsche, KGW II4, 247.

62 Ibid.

63 Ibid., 248.

64 Ibid., 249.

65 Ibid., 302–313.

66 See Nietzesche’s Werke. Philologica. Unveröffentliehtes zur antiken Religion und Philosophie, ed. Otto Crusius und Wilhelm Nestle (Leipzig: Alfred Kroner Verlag, 1913), specifically, beginning with the course given in 1875–76: Der Gotterdienst der Griechen.

67 Indeed, one may also find this dating replicated as Die Διαδοχαί der vorplatonische Philosophen (1873–74) KGW II4, 613–632. The lecture on succession, although omitted from the English translation, may be found in the French translation, Les philosophes préplatoniciens suivi de les διαδοχαί des philosophes. Texte établi à partir des manuscrits, transl. Nathalie Ferrand (Paris: Éditions de l’éclat, 1994).

68 Here to quote Xenophanes: “In winter, sprawled upon soft cushions, replete and warm, munching on chick‐peas and drinking sweet wine by the fire, that is the time to ask each other: As if to Odysseus: ‘Who, and from where, and why art thou?’—or, with a wink, ‘And how many years are on your back, Bold‐Heart?’—or quietly, ‘Had you yet reached man’s estate when the Persians came?’”

69 The exclusion was fateful for the history of philosophy, historically speaking, noting the difference that had to have been made by the omission of the Anaxagoras lecture for Francis MacDonald Cornford’s reading between Plato and Pythagoras. To unpack that would take more than just another paper, and Nietzsche’s lectures remain to be tapped for philosophical, historical, and philological scholarship. Cf., however, Cornford, From Religion to Philosophy: A Study in the Origins of Western Speculation (London: Longmans, Green and Co., 1912) in addition to Cornford’s discussion of Plato and Parmenides as well of Plato’s Cosmology and his The Unwritten Philosophy and Other Essays [1950] (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1967).

70 Nietzsche, KSA 2, 431.

Babette Babich


RUIN, Hans. Being with the Dead: Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness. Stanford: Stanford University Press, 2019. 272p. Resenha de: BABICH, Babette. Blood for the ghosts: reading Ruin’s Being With the dead with Nietzsche. History and Theory. Middletown, v.59, n. 2, p.255-269, jun. 2020. Acessar publicação original [IF].

Todos estos años de gente: historia social, protesta y política en América Latina | Andrea Anújar e Ernesto Bohoslavsky

En distintos momentos, diversas generaciones de historiadores y de científicos sociales se vieron interpelados por las emergencias de su tiempo y los avatares de la política, y trascendieron su oficio para pensar y tomar postura respecto de los problemas sociales. Todos estos años de gente, editado por Andrea Andújar y Ernesto Bohoslavsky, se presenta como una contribución al establecimiento de «lazos sociales» entre el conocimiento académico, la política y sus actores en América Latina.

Esta obra nació en el marco del Segundo Congreso Internacional de la Asociación Latinoamericana e Ibérica de Historia Social (Buenos Aires, 2017). Allí, los editores propusieron a los participantes de la mesa de trabajo, «La historia y la protesta en América Latina», debatir, por un lado, sobre los posibles aportes de la historia social a la comprensión de los problemas sociales del presente latinoamericano; y, por otro lado, respecto a los vínculos existentes o posibles entre el ejercicio profesional de la historia y el accionar de los colectivos sociales y políticos que protestan. Recuperados y ampliados, estos interrogantes fueron el punto de partida de los trabajos que finalmente compusieron la obra. Leia Mais

Historia mínima de Uruguay | Gerado Caetano

Hasta entrado el siglo XXI Uruguay había ocupado un lugar relativamente marginal en las colecciones generales sobre la historia de América Latina, salvo algunas referencias y capítulos específicos (como el trabajo de Juan Antonio Oddone en el tomo X de la Historia de América Latina coordinada por Leslie Bethell o las referencias de Tulio Halperin Donghi en la Historia Contemporánea de América Latina). Esta situación ha cambiado en las últimas dos décadas, probablemente resultado, por un lado, de la inserción de los historiadores uruguayos en redes académicas internacionales y, por otro, de la formación de investigadores que han realizado estudios de posgrados en el exterior, a lo que se podría agregar la ruptura con algunos de los paradigmas historiográficos más cercanos a posiciones nacionalistas. Ejemplo podrían ser los tres tomos dedicados a Uruguay que se incluyeron en la colección América Latina en la Historia Contemporánea financiada por la Fundación Mapfre de España y editada por Planeta. La Historia mínima del Uruguay escrita por Gerardo Caetano se podría insertar en esa línea de cambio historiográfico que ha permitido incorporar al Uruguay a relatos globales y perspectivas que buscan analizar los fenómenos locales en una escala latinoamericana y global. Leia Mais

A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas – AGUIAR; DOURADO (EP)

AGUIAR, Márcia Angela da S.; DOURADO, Luiz Fernandes (Org.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. Recife: Anpae, 2018. Resenha de: FELIZARDO, Clayton Tôrres. Educação Pública, v. 20, n. 21, 9 de junho de 2020.

O livro A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas tem como organizadores Márcia Angela da Silva Aguiar e Luiz Fernandes Dourado; é dividido em oito capítulos.

No primeiro, intitulado “Relato da resistência à instituição da BNCC pelo Conselho Nacional de Educação mediante pedido de vista e declarações de votos”, a mesma Márcia Angela da Silva Aguiar contempla-nos com a perspectiva de como a Base Nacional Comum Curricular – BNCC foi proposta pelo Ministério da Educação, e votada em sessão pública do Conselho Nacional de Educação em 2017. Foi configurada como uma contrarreforma da Educação Básica, uma ação de desmonte das conquistas democráticas e populares até aí alcançadas. Uma frente minoritária se opôs e efetivou o pedido de vistas ao Parecer e à Resolução da BNCC para o registro histórico. A terceira versão da Base não teve discussão com a sociedade, o que já aponta uma ideia de como o processo democrático foi ferido nesse processo. Voltando em 2015, a primeira versão da BNCC foi elaborada por professores convidados da Educação Básica e do Ensino Superior. Também foi feita uma consulta pública e elaborada a partir dali a segunda versão, que foi colocada à disposição para consulta de educadores em seminários pelo país. A terceira versão foi elaborada por um comitê do MEC e abrangia a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, excluindo o Ensino Médio, o que também vai na contramão de outros documentos norteadores da Educação Básica.

O segundo capítulo do livro, “Apostando na produção contextual do currículo”, de Alice Casimiro Lopes, evidencia que a BNCC desde o seu início privilegia um conjunto de conteúdos e objetivos sem o fundamental suporte de referência, não deixando claro o projeto de educação desejado. Sua metodologia de construção é linear, vertical e centralizadora; não deixa espaço para diálogo com os diferentes atores que deveriam estar imersos nesse processo e não cumprindo uma das exigências legais, ao excluir o Ensino Médio.

A Base Nacional Comum estava prevista na Constituição Federal desde 1988 para o Ensino Fundamental e ampliada para o Ensino Médio com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014.

É necessário que pensemos a educação na sua totalidade. Os conteúdos não fazem sentido se desconectados desse contexto. As diversidades regionais, estaduais e locais devem ser contempladas dentro dessas perspectivas. Considerando a educação como direito de todos, para o pleno desenvolvimento da pessoa e sua cidadania e qualificação para o trabalho, visando a garantia de qualidade social da educação. A BNCC deveria se efetivar com proposta pedagógica que tenha por eixo as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN, contribuindo para superar assimetrias regionais e sociais.

Algumas críticas à normativa são feitas pela autora, como vínculo entre educação e desenvolvimento econômico, redução da educação somente a aprendizagem, todos os alunos terão aprendizados uniformes etc., são pertinentes. As disciplinas e suas comunidades são elementos sociais que orientam o currículo, além da própria formação inicial e continuada dos professores.

No terceiro capítulo, “A Base é a Base. E o currículo o que é?”, Elizabeth Macedo nota que há a presença de instituições internacionais e nacionais privadas nas políticas educacionais e seu modo de gestão, excluindo uma experiência de formação de professores e de pesquisa das universidades brasileiras. A BNCC aparece como um currículo prescrito e balizador da avaliação, em uma estrutura em torno de competências.

O Capítulo 4, “PNE e Base Nacional Comum Curricular (BNCC): impactos na gestão da Educação e da escola”, traz Erasto Fortes Mendonça pontuando que o debate acerca da implementação da Base não teve o mesmo nível de participação que outros documentos norteadores, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). A Base não foi construída em princípio de uma gestão democrática das escolas públicas. Além de não contemplar o Ensino Médio, não trata da Educação de Jovens e Adultos (EJA), nem da Educação do Campo.

No capítulo 5, “Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os impactos nas políticas de regulação e avaliação da Educação Superior”, os dois autores, Luiz Fernandes Dourado (também organizador do livro) e João Ferreira de Oliveira afirmam que, fruto de quatro anos de debates no congresso, o PNE foi promulgado sem vetos em 2014 e apresenta avanços, como a adoção de 10% do PIB para a Educação até 2024. Após o golpe que rompeu a legalidade democrática no Brasil, passamos a ter retrocessos nas políticas públicas, obedecendo a uma lógica de mercado da creche à pós-graduação. A visão político-pedagógica que estrutura a BNCC não assegura a identidade nacional e seus pluralismos: ela contribui para a padronização e o reducionismo curricular.

No capítulo 6, “PNE, Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os cotidianos das escolas: relações possíveis?”, a autora Nilda Alves chama a atenção para o fato de que a Educação Básica é responsabilidade dos estados e municípios. Há muitas normatizações curriculares, dentre as quais podemos citar: diretrizes, parâmetros, orientações de documentos municipais e estaduais. O currículo tem de ter sentido, construído contextualmente para uma demanda que não é homogênea, afinal os sujeitos que fazem parte desse processo de ensino-aprendizagem têm histórias e realidades distintas. A qualidade da Educação tende a ser reduzida à assimilação de conteúdos, o que nos remete a um caráter reducionista do que seja a Educação.  A Educação é cultura. Docentes têm de ser envolvidos na produção do currículo para uma Educação de qualidade.

No penúltimo capítulo, “A formação das novas gerações como campo para os negócios?”, Theresa Adrião e Vera Peroni apontam que instituições privadas vêm influenciando a educação pública brasileira, o que corrobora a visão de capítulos anteriores. As autoras trazem à luz críticas de como essas influências podem ter consequências negativas para uma gestão democrática, participativa, por vezes confundindo o limite entre o público e o privado. Abarca também todo o universo escolar, que deve ser plural e contemplar a Educação Indígena, a questão de gêneros e sexualidade, a luta contra o racismo e outros temas e políticas públicas que perpassam esse universo.

No 8º capítulo, “Políticas curriculares no contexto do golpe de 2016: debates atuais, embates e resistências”, Inês Barbosa de Oliveira convida a uma reflexão de que se faz necessário, de modo coletivo e propositivo, continuar lutando por uma agenda democrática e inclusiva na Educação. Pesquisas de anos mostram que processos curriculares não se repetem de uma escola para outra, ou seja, fórmulas prontas não dão conta da complexidade como é entendido esse organismo chamado de escola. Há sempre a criação do novo em ações que aparentam repetição. Inês Barbosa nos presenteia com uma frase que é um convite a uma reflexão: “Tratar igualmente os desiguais é aprofundar a desigualdade”.

Referências

AGUIAR, Márcia Angela da S.; DOURADO, Luiz Fernandes (Org.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. [Livro eletrônico]. Recife: Anpae, 2018.

Clayton Tôrres Felizardo

Acessar publicação original

 

A formação dos profissionais de arquivo | Marilena Leite Paes

Marilena Leite Paes, em seu texto intitulado “A formação dos profissionais de arquivo”, publicado em 1981, no Boletim Histórico e informativo do Arquivo do Estado de São Paulo, já apresentava seu olhar crítico e visionário da área da Arquivologia.

No referido texto, ela começa por apresentar o aumento, à época, do uso do conceito de memória nacional e outras derivações como memória da música, do teatro etc., por parte dos meios de comunicação e periódicos científicos, bem como sua aceitação por parte de pesquisadores e da sociedade como um todo. A partir daí, Marilena Leite Paes avança suas reflexões em torno dos arquivos e dos Profissionais de Arquivos. Leia Mais

História do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária no Brasil: novas perspectivas | Kauan William dos Santos e Rafael Viana da Silva

Não raro o anarquismo fora apresentado como uma planta exótica importada para o Brasil; como um movimento pré-político fadado ao fracasso, caótico, essencialmente individualista e pequeno burguês; e de modo mais pejorativo, seus adeptos foram descritos como terroristas e assassinos insanos. De alguma maneira esses pontos, somados a diversos outros, foram compartilhados entre a academia e o senso comum forjando um conhecimento sobre o anarquismo, tomando como verdade narrativas que confirmam visões depreciativas, fazendo vista grossa às evidências empíricas, e contribuindo para mantê-lo no limbo da história, enclausurando a possibilidade de um conhecimento histórico construído sobre bases sólidas.

No entanto, esforços contrários (o qual o livro que apresento aqui é um exemplo) veem contribuindo para romper esse cerco, fazendo, a partir de novas perspectivas, a sua história e de suas estratégias, ou vetores sociais, como o sindicalismo de intenção revolucionária. O livro, uma coletânea, foi organizado pelos historiadores Rafael Viana da Silva, doutor pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Kauan Willian dos Santos, doutorando pela Universidade de São Paulo (USP), membros do Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA) [1]. Além do prefácio, a obra conta com quinze capítulos de pesquisadores e pesquisadoras de diferentes lugares e universidades do país. Os artigos, em sua maioria, são parte de resultados de teses e dissertações recentes, “pesquisas que abordam a história do anarquismo e do sindicalismo revolucionário no país e suas conexões com outras regiões” (SANTOS; SILVA, prefácio, p. 9) e abarca um largo período histórico. Para além de uma contribuição acadêmica, a obra é também um esforço político de responsabilidade com o que representa o anarquismo. Leia Mais

História da solidão e dos solitários | Georges Minois

A partir da segunda década do século XXI, o “problema” da solidão se manifestou como uma pauta política em diferentes países. A historiadora cultural Fay Bond Alberti (2019), no recente A Biography of Loneliness, afirmou que, para a Inglaterra ter estabelecido um Ministério da Solidão em 2018, é porque esse sentimento, de fato, está cada vez mais associado a malefícios sociais como depressão, abandono e suicídios, um mal “epidêmico”. No Reino Unido e Japão – esse último, lar dos hikikomoris e do kodokushi, respectivamente jovens adultos isolados e a morte solitária de idosos –, a maioria dos questionados em uma pesquisa da Kaiser Family Foundation (2018) consideraram-na mesmo um problema de saúde pública. O próprio trabalho de um historiador exige, voluntariamente, uma incursão reflexiva quando se debruça em livros e documentos, em seus momentos de leitura e escrita. É – pode-se concluir – um ofício cujos períodos de solidão são inerentes e essenciais, sem o qual nada se realiza.

Nos domínios da história cultural e das mentalidades, o historiador francês Georges Minois, ele próprio animado por uma “paixão pela vida solitária”, como relata na introdução, tornou esse sentimento e comportamento seu principal objeto de estudo na obra História da solidão e dos solitários, publicada originalmente em 2013 pela editora francesa Fayard e traduzida para o Brasil em 2019, pela Unesp. A primeira tradução brasileira de uma obra do autor ocorreu em 2003, com História do riso e do escárnio e, desde 2011, seus demais livros dedicados à história das mentalidades, muitos dos quais escritos no final dos anos 1990, estão sendo disponibilizados ao público brasileiro pela mesma editora, como História do ateísmo, traduzido em 2014, e História do suicídio, já em 2018. Leia Mais

Espaços da Recordação: formas e transformações da memória cultural | Aleida Assmann

Tópico

Esta resenha versa sobre o livro Espaços da Recordação: formas e transformações da memória cultural, de Aleida Assmann. Lançado em 2011 pela Editora Unicamp, o livro é resultado do trabalho de um grupo de tradutores liderados por Paul Soethe, da Universidade Federal do Paraná, da versão original alemã Erinnerungsräume: formen und wandlungen des Kulturellen Gedächtnisses, publicada em 2006 pela editora Verlag em Munique. A autora e seu companheiro, Jan Assmann, figuram entre os autores mais influentes das últimas décadas nos estudos da memória. Será de grande utilidade, contudo, para o leitor, perceber que o surgimento da memória cultural enquanto conceito está alinhado a uma crescente corrente de estudos transdisciplinares sobre a memória. Ainda que possam haver origens ainda mais remotas, como Aristóteles (SANTOS, 2013) e Platão (A. ASSMANN, 2011), Maurice Halbwachs e Aby Warburg são frequentemente referenciados para definir o momento em que a compreensão da memória humana incorpora o aspecto social e coletivo (J. ASSMANN, 1995). O termo memória cultural, entretanto, foi cunhado por Aleida Assmann e Jan Assmann para designar a memória que permanece viva em uma sociedade a longo prazo e distingue-se da memória comunicativa, que abrange um intervalo de três gerações, e da memória política, perpetuada por meio de instituições (J. ASSMANN, 2010). Leia Mais

Entre márgenes/intersticios e intersecciones: diálogos posibles y desafíos pendientes entre género y migraciones | María José Magliano

La multiplicidad de aristas teóricas, trayectorias colectivas e individuales, apuestas metodológicas y desafíos epistemológicos que confluyen en este libro,se vuelven espacios intersticiales desde los cuales repensar la incorporación de la perspectiva de género al campo de los estudios migratorios en Argentina. Leia Mais

De rochedo a arquipélago: a emergência de São Pedro e São Paulo na pesquisa científica brasileira | Raimundo Arrais

Raimundo Arrais nos traz à tona um lado da história de uma das ilhas oceânicas brasileiras pouco conhecida da maioria. A sua obra retrata a importância de se analisar, do ponto de vista historiográfico, de como se deu a ocupação e permanência do Brasil neste ponto tão distante do continente.

A extensa área marítima brasileira de importância inquestionável para o desenvolvimento de uma nação já se tornou amplamente conhecida pelo conceito de Amazônia Azul, pois possui uma área equivalente a 52% do espaço terrestre, com dimensões e biodiversidades semelhantes à já tradicional Amazônia Verde. Ciente desta importância iniciou-se no País o despertar para as pesquisas científicas nas ilhas oceânicas, a saber: Ilha da Trindade e o Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Cada uma dessas ilhas possui mais de 1.000 km de distância do continente. No entanto, o desenvolvimento de pesquisas e atividades in loco nestas regiões tem sido propiciado pelo apoio logístico da Marinha do Brasil, proporcionando uma abordagem multidisciplinar dos diversos campos da ciência e, no caso desta obra, sobre a história, importância e ocupação do Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Leia Mais

O Pensamento de Pierre Lévy – comunicação e tecnologia | Guaracy Carlos da Silveira

Há algumas décadas, muito se tem refletido e discutido sobre a importância e as aplicabilidades da comunicação e sua simbiose com a tecnologia, principalmente em tempos de disseminação das redes de comunicação digital. Porém, o que vinha sendo debatido de forma parcimoniosa, numa tentativa de compreender de forma mais profunda, ganhou certa notoriedade nos últimos dias, visto a urgência de atender as demandas sociais.

Almejando reflexionar as reivindicações da sociedade sobre essa temática que se insere a obra: O Pensamento de Pierre Lévy – comunicação e tecnologia, de Guaracy Carlos da Silveira, publicada em 2019 pela Editora Appris. A presente composição, tem como escopo, apresentar a evolução das ideias de Pierre Lévy a uma recente geração de leitores que já nasceram imersos em um cenário de constantes mudanças tecnológicas, cotejando a pertinência do seu pensamento no contexto atual. Leia Mais

A construção da memória da Revolução Cubana: a legitimação do poder nas tribunas políticas e nos tribunais revolucionários | Giliard da Silva Prado

“Vá pra Cuba! Vá estudar História!”, assim que o Prof. Dr. Jaime de Almeida inicia seu Prefácio para a obra do historiador Giliard da Silva Prado, A construção da memória da Revolução Cubana: a legitimação do poder nas tribunas políticas e nos tribunais revolucionários. Tal comentário e o tema do trabalho de Prado são profundamente atuais no contexto político em que vivemos. Numa intensa e fixa polarização da esquerda e da direita políticas os brasileiros estão cada vez mais sujeitos a optarem por um desses parâmetros. Uma das funções da historiografia, nesse debate, é apresentar que necessitamos avaliar cuidadosamente os elementos históricos que estão a nossa frente, construindo nosso pensamento crítico. A Revolução Cubana é um caso emblemático nesse debate, primeiro por conta do que sugere o comentário de Almeida no início, muito utilizado pelos que se reconhecem à direita ao clamarem o imperativo a qualquer indivíduo identificado como de “esquerda”. Segundo, pelo fato de que alguns historiadores julgarem que não podemos olhar criticamente os feitos da Revolução e do regime socialista que se implementou posteriormente a 1961, defendendo a ferro e fogo o governo e fazendo vista grossa para seus erros e tensões. Leia Mais

Ney Matogrosso…para além do bustiê: performances da contraviolência na obra de Bandido (1976 – 1977) | Robson Pereira da Silva

As sensibilidades se apresentam, portanto, como operações imaginárias de sentido e de representação do mundo, que conseguem tornar presente uma ausência e produzir, pela força do pensamento, uma experiência sensível do acontecido. O sentimento faz perdurar a sensação e reproduz esta interação com a realidade. A força da imaginação, em sua capacidade tanto mimética como criativa, está presente no processo de tradução da experiência humana.

SANDRA JATAHY PESAVENTO.

Tão importante quanto analisar as letras dos compositores da Música Popular Brasileira (MPB) e contextualizá-las historicamente, se faz extremamente necessário não perder de vista o trabalho dos intérpretes que além de ressignificar as canções, ainda possuem um árduo trabalho criativo e corporal que corrobora para que essas canções ganhem sentidos que são intrínsecos as questões do seu próprio tempo. Leia Mais

Cultura e poder entre o Império e a República: estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930) | Ana Beatriz D. Barel e Wilma P. Costa

livro Cultura e poder entre o Império e a República: estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930), organizado pelas historiadoras Ana Beatriz Demarchi Barel e Wilma Peres Costa, é uma coletânea de trabalhos que pesquisadores de diferentes instituições do país apresentaram durante o “Seminário Internacional de Estado, cultura e elites (1822-1930)”, na Fundação Casa de Rui Barbosa, em 2014. A obra tem como recorte cronológico o chamado “longo século XIX” no Brasil, que, segundo as próprias organizadoras, foi marcado pela “intensidade das transformações que atravessaram a experiência humana no Velho e no Novo Mundo” (p. 7).

Através da análise de objetos variados e trajetórias individuais, o livro apresenta as disputas travadas no interior do processo de definição da identidade nacional brasileira, um itinerário complexo marcado pela construção do Estado e pela consolidação da nação. Para a elite letrada brasileira, o desafio consistia em estabelecer símbolos que fossem importantes para o público interno letrado do país e para os leitores do velho continente. Seu objetivo era integrar o Brasil no sistema cultural das nações europeias, ao mesmo tempo que era necessário distingui-lo das demais nações do Novo Mundo.

Os projetos nacionais para o Brasil, a fundação de instituições culturais, a composição da sociedade letrada, a relação entre Estado e cultura, tudo isso está presente ao longo dos doze capítulos que compõem as duas partes da obra. Os da primeira parte abordam especialmente a propagação da cultura escrita no país, destacando-se algumas figuras importantes que conduziram os debates sobre a nação através da produção de obras, organizações literárias e disputas dentro das próprias instituições do país. Na segunda parte do livro, observamos a importância e o impacto da difusão da imagem, em particular dos retratos e da fotografia nas décadas que compreendem a segunda metade do século oitocentista até o início da república brasileira. Em ambas as partes, as disputas pela construção de narrativas para o país, bem como a relação tensa entre cultura e poder, constituem o eixo de análise dos capítulos.

O primeiro capítulo da obra, “Espaço público, homens de letras e revolução da leitura”, do historiador Roger Chartier, fornece a chave para compreender as tensões entre o Estado, as elites e a constituição da cultura nacional exploradas em diferentes momentos do livro. Chartier desenvolve aí a genealogia de três noções, a de espaço público, a de circulação de impressos e a de constituição do conceito de intelectual. Desenvolvidas durante o movimento iluminista, essas noções apresentaram variações no desenrolar do mundo contemporâneo e influíram decisivamente nas nações a surgir nas Américas, entre elas o Brasil.

A construção de um imaginário para a nação a partir do olhar estrangeiro do viajante, tema clássico mas sempre atual nas discussões sobre o Novo Mundo, é apresentado no segundo capítulo do livro, de Luiz Barros Montez Barros. O texto analisa os objetivos da produção dos relatos do alemão Johann Natterer a respeito de sua viagem ao Brasil entre os anos de 1817 a 1835. Como sugere Barros, conhecer novas terras possibilitava a elaboração reflexiva sobre a cultura dos países de origem dos próprios viajantes. Essa produção, além de prezar pela objetividade científica das informações, resultava em avaliações eurocêntricas que ressaltavam a “afirmação da supremacia do modelo civilizacional e técnico” dos países capitalistas emergentes (p. 49).

O estudo de Wilma Peres Costa sobre a figura de um dos intelectuais mais importantes do século XIX brasileiro, Alfredo d’Escragnolle Taunay (1843-1899), também explora a temática da construção da identidade nacional brasileira em sua complexa relação com o Velho Mundo. A autora observa a complexidade de um personagem que pertencia à linhagem francesa e vivenciava o contexto desafiador de criação de um campo literário e artístico no Brasil oitocentista. Através da análise do processo de mudança do próprio nome do literato, aponta que Taunay, em oposição à maioria dos intelectuais brasileiros, buscava se distanciar das referências francesas e se aproximar das de Portugal e do nativismo brasileiro. Assumindo a condição de uma “dupla cidadania intelectual”, o letrado revelava em suas obras, com destaque para A Floresta da Tijuca, o projeto de construção de uma memória e história vinculadas ao poder do Imperador e da monarquia no Brasil.

O esforço pela construção do Estado e pela busca da estabilidade política monárquica no Brasil também se materializou na fundação das instituições literárias na primeira metade do século XIX, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838. Naquele momento, a elite letrada do Brasil se inspirava nas instituições francesas – o Instituto Histórico de Paris havia sido fundado alguns anos antes (1834) e contava com a presença de representantes do Império brasileiro em suas sessões iniciais. A preocupação do homem do século XIX, dos dois lados do Atlântico, era com o registro histórico para a composição e conformação da memória nacional.

Dois capítulos do livro se ocupam dos temas relacionados à composição social dos membros do IHGB e às escolhas de temas nas publicações de sua Revista, na primeira metade do século XIX. A historiadora Lucia Maria Paschoal Guimarães analisa como a seleção de acontecimentos históricos e suas respectivas narrativas, junto à composição social dos membros do IHGB desde a sua fundação até o ano de 1850, apontam para o esforço considerável de construir um passado nacional legitimador do Estado monárquico. A defesa da monarquia e da figura do Imperador era necessária diante das conturbações e pressões vividas naquele momento. “O passado acabaria então por converter-se em ferramenta para legitimar as ações do presente.” (p. 62).

Tamanho esforço também poderia ser observado na busca pelo estabelecimento dos cânones literários brasileiros na Revista do IHGB, dado que os escritores nacionais a figurar entre as referências literárias também foram definidos no interior do próprio Instituto. Conforme nos indica Ana Beatriz Demarchi Barel, a seção da revista intitulada “Biographia dos Brasileiros Distintos por Letras, Armas, Virtudes, &” tinha a finalidade de apresentar ao público os nomes de personalidades nacionais (escritores, advogados, diplomatas, navegadores, inquisidores) dignas de elogios, e dentre elas é possível observar a indicação de quais nomes deveriam pertencer ao panteão dos escritores da literatura nacional, em diálogo com as referências europeias. Assim, “a RIHGB conforma-se como instrumento de propaganda da política alavancada pelas elites e do poder de um monarca ilustrado nos trópicos” (p. 83).

O historiador Avelino Romero Pereira abordou a música no Império como um campo de prospecção e definição de um projeto cultural nacional. Propondo refletir sobre suas características “aproximando-a da literatura e das artes visuais” (p. 100), o autor destaca que, a exemplo dos gêneros literários, a produção, a circulação e o consumo musical estiveram permeados de tensões. O mecenato exercido pelo imperador nessa área não reduziu a música a um caráter meramente oficialista do Império, como se os artistas fossem “marionetes a serviço do poder pessoal do Imperador e da construção de um projeto exótico de Império nos trópicos”. (p. 93) Araújo Porto Alegre seria um dos representantes da multiplicidade de ideias contrapostas à visão de unicidade nacional.

As trajetórias individuais iluminam as contradições, oposições e alianças estabelecidas no processo de formação de campos discursivos culturais no Brasil, como se pode ver no capítulo de Letícia Squeff. A autora nos apresenta o caso do pintor Estevão Silva, negro, que se indignou ao receber a medalha de prata como artista das mãos do Imperador, em 1879, Academia Imperial de Belas Artes. Squeff aponta a tensão que esse episódio gerou, intensificando, inclusive, o momento de crise vivido dentro da instituição e, também, acentuando ainda mais o descrédito público da figura do Imperador. “Foi percebido como atitude potencialmente revolucionária, numa monarquia que já vinha sendo sacudida por debates e discursos republicanos” (p. 294).

Ricardo Souza de Carvalho também traz à tona uma importante trajetória individual ao analisar a atuação do abolicionista e monarquista Joaquim Nabuco em duas instituições de peso, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Academia Brasileira de Letras. Como dito, o IHGB se vinculou, durante todo o período do Império, à figura do Imperador e à Monarquia, enquanto a Academia Brasileira de Letras, fundada na última década do século XIX, marcou as necessidades relacionadas aos dilemas da construção do início da República no Brasil. Carvalho estuda a presença de Nabuco nessas instituições para mapear as relações tensas entre instituições culturais e política no fim do Império.

A relevância social das imagens na segunda metade do século XIX aparece no capítulo de Heloisa Barbuy, dedicado à organização de uma galeria de retratos na Faculdade de Direito de São Paulo no século XIX. O retrato ganhava ares de prestígio no momento em que a fotografia ainda não era tão glorificada. Retratar significava eternizar uma memória, dando início a uma “cultura de exposições” na segunda metade do século XIX que se ligava à construção de narrativas nacionais e, também, ao estabelecimento de personalidades como figuras de referência. Barbuy indica a relação entre a formação do Estado Nacional, em particular o seu sistema jurídico, e a escolha de determinadas trajetórias de “homens públicos-estadistas e governantes” para figurar uma sala de retratos. “Homenagear alguém com o seu retrato em pintura, em telas de grandes dimensões, era a expressão máxima da admiração reverencial que se desejava marcar.” (p. 223).

O capítulo de Ana Luiza Martins aborda a importância da iconografia para demarcar a preponderância do café na economia imperial brasileira. A ideia de que o “café dava para tudo” é problematizada através da análise de inventários e das obras literárias sobre os cafeicultores do Vale do Paraíba. As dificuldades encontradas com o declínio do tráfico negreiro e as oscilações do mercado ficaram, durante muito tempo, submersas na imagem do poder que a economia cafeeira proporcionava, imagem construída em grande medida pela iconografia. Os casarões dos proprietários das fazendas de café estavam retratados em telas pintadas por artistas de renomes da corte, o que representava o “poderio econômico e político” dos cafeicultores mesmo no momento em que a produção da região já não estava em seu auge.

Analisando a arquitetura do Vale do Paraíba, Carlos Lemos aponta para as transformações da cultura material nas residências da região. Lemos salienta que o material para construção das residências não variava e que o Estado não teve influência na constituição de suas características. As questões estéticas das casas, ao longo do Paraíba no século XIX, não eram primordiais. O tamanho das casas era o fator que diferenciava a classe social e econômica e é nesse aspecto que podemos perceber o esforço de diferenciação social que ocorreu através da monumentalidade dos casarões dos cafeicultores. “O que interessava aos ricaços era unicamente o tamanho de suas casas de dezenas de janelas” (p. 168).

O simbolismo de poder existente nas construções grandiosas, nas imagens e em suas exposições também ganharam aspectos novos com o advento e difusão da fotografia no Brasil. A chegada de fotógrafos europeus, a partir da segunda metade do século, possibilitou que aspectos da nossa sociedade fossem retratados com base em uma nova materialidade. Ao analisar a trajetória do fotógrafo alemão judeu Alberto Henschel, Cláudia Heynemann observa que, no momento em que o retrato a óleo ainda se restringia a uma minoria economicamente favorecida, a fotografia, através do desenvolvimento do formato carte de visite, possibilitou que outros setores da sociedade também tivessem acesso ao consumo de suas próprias imagens. O álbum privado, que trazia imagens de “famílias brasileiras, abastadas, das camadas médias em ascensão, de libertos, de escravizados, gente de todas as origens”, se tornou uma febre social (p. 258). A respeito de Alberto Henschel, a autora ainda destaca a diversidade de seus trabalhos, inclusive inúmeras fotografias que retratava os negros brasileiros, marcando um novo momento da história visual do Império e da sociedade escravista.

A diversidade de abordagens apresentada nos capítulos que compõe Cultura e poder entre o Império e a República nos permite compreender, com mais acuidade, o panorama múltiplo das relações entre as elites brasileiras e o Estado Nacional ao longo de mais de cem anos. A leitura de cada capítulo dá densidade a esse relevante tema de investigação. À medida que nos detemos em um determinado personagem ou em algum contexto mais específico, nos aproximamos das mais variadas formas de produção e circulação de ideias que fizeram parte da construção do imaginário nacional de um país monárquico cercado de repúblicas e profundamente marcado pela herança da escravidão.

Referência

BAREL, Ana Beatriz Demarchi; COSTA, Wilma Peres. (Orgs). Cultura e poder entre o Império e a República: estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930). São Paulo: Alameda, 2018.

Lilian M. Silva – Universidade Federal de São Paulo. São Paulo – São Paulo – Brasil.


BAREL, Ana Beatriz Demarchi; COSTA, Wilma Peres. (Orgs). Cultura e poder entre o Império e a República: estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930). São Paulo: Alameda, 2018. Resenha de: SILVA, Lilian M. Relações de poder na cultura escrita e visual no “longo século XIX” brasileiro. Almanack, Guarulhos, n.24, 2020. Acessar publicação original [DR]

O urucungo de Cassange: um ensaio sobre o arco musical no espaço atlântico (Angola e Brasil) | Josivaldo Pires de Oliveira

Ao escrever as palavras urucungo e Cassange no programa de edição de textos, o corretor ortográfico as sinaliza como grafadas de forma errada. O mesmo não ocorre quando escrevemos violoncelo ou Paris usando o mesmo editor de textos. O erro deve estar justamente aí, na programação dos computadores e na nossa formatação como historiadores. Palavras de origem africana soam estranhas no português no Brasil, no português dos intelectuais do Brasil, mas a outros estrangeirismos estamos acostumados e os naturalizamos.

O professor da Universidade do Estado da Bahia e mestre de capoeira Josivaldo Pires de Oliveira escreveu um ensaio intitulado O urucungo de Cassange. O livro decorre justamente de sua experiência como intelectual acadêmico e profundo conhecedor do corpo, da musicalidade e dos instrumentos como fontes para a historiografia e como objetos do interesse do historiador. Josivaldo tem clareza sobre como desempenhar uma das funções que poucas vezes cumprimos a contento neste ofício: dialogar com públicos mais amplos e oferecer materiais de qualidade para uso nas escolas por estudantes e professores atuantes na rede de ensino básico. Quando endereçamos publicações a esses leitores, nem por isso o rigor deve ser deixado de lado – e, neste caso, o rigor foi conjugado a uma linguagem apropriada. Esse é o primeiro ponto do livro que quero destacar.

Urucungo ou barimbau é o arco musical usado na capoeira. Josivaldo encontra evidências do uso desse instrumento antes da sua popularização, graças às rodas de capoeira. O último quartel do século XIX e a primeira metade do século XX são os marcos temporais da obra e o Cassange do título não é exatamente a região da Angola atual de onde vieram milhares de escravizados pelo Atlântico até o Brasil, mas sim um tocador de berimbau e personagem do folhetim oitocentista Ataliba, o vaqueiro, do diplomata e escritor piauiense Francisco Gil Castelo Branco. O formato em arco e a referência à África e ao Brasil funcionam como metáforas da diáspora africana em suas múltiplas expressões.

O ensaio divide-se em três capítulos. No primeiro, intitulado “Cassange e seu arco musical”, a epígrafe recupera a descrição da personagem do folhetim (mais tarde republicado em livro) e, em meio a uma fisionomia eivada dos preconceitos comuns no século XIX, informa-se que Cassange, homem nessa altura já encanecido, “fora importado da África ainda moleque e conservava o nome de sua terra natal”. A terra e o homem, unidos em um mesmo nome, já nos alertam para a tentativa de transformar seres humanos em simples elementos da natureza. Essa era uma leitura de sabor oitocentista que incluía, entre outras coisas, nomear os africanos escravizados conforme a região ou o porto de origem, inventando etnônimos que pouco definiam as origens e a cultura. Tendo por guia o homem chamado Cassange, Josivaldo vai em busca de uma história do arco musical no Brasil.

Para isso, ele percorre o interior e o litoral da África Centro-Ocidental, o Atlântico e a província do Piauí, tradicionalmente ocupada desde a colonização pela pecuária extensiva no sentido sertão-litoral. Vaqueiro inseparável do arco musical que carregou consigo desde os tempos de liberdade na terra natal até ter por volta de oitenta anos de idade, Cassange é o representante dos tocadores desse instrumento no Brasil. Imbangala, como outros em sua terra, o africano dominava o arco de uma corda só usado no pastoreio e que os viajantes que conheceram aquela região africana denominaram “violam”, por analogia, como faziam todos os viajantes para aproximar os lugares exóticos e as coisas estranhas aos leitores brancos e europeus que pretendiam alcançar. No Brasil e no Congo/Zaire dos séculos XIX e XX, outros literatos, estudiosos e folcloristas foram unânimes ao apontar a origem bantu do berimbau, que não deve ser confundido com marimbau, e a importância dele para a música e a dança brasileiras. Berimbauurucungohungorucumbo ou mbulumbumba são sinônimos encontrados por Josivaldo em fontes dos dois lados do oceano para designar esse instrumento feito de corda metálica, vara de madeira e cabaça. A circulação das palavras, do instrumento e das personagens literárias simbólicas pelas margens atlânticas leva a pensar que ficção e História têm vários pontos de intersecção. O nome disso é verossimilhança.

No capítulo 2, “Os parentes de Cassange ou os arcos musicais em Angola”, somos levados ao outro lado do oceano: estamos na Angola que nos civilizou, nas palavras recuperadas por Luiz Filipe de Alencastro. O ensaio de Josivaldo dá mais lastro à ideia de civilização, na medida em que, além da força de trabalho, agrega o saber musical ao rol dos inúmeros saberes que os brasileiros receberam como herança dos povos africanos trazidos compulsoriamente para a América portuguesa e o Brasil imperial. Mas ver no urucungo apenas um legado aos brasileiros seria uma apropriação simplista e incompleta: o instrumento tem uma história que antecede sua vinda ao Brasil na bagagem literal e cultural dos escravizados e que continuou a existir na Lunda, terra dos imbangala que mantiveram trajetórias históricas em seu próprio continente. A se fiar nas narrativas dos viajantes europeus do século XIX que por ali passaram, o uso do instrumento era recreativo – “tocam-no quando passeiam e também quando estão deitados nas cubatas”, afirmou Henrique Dias de Carvalho em 1890 – e suas formas eram idênticas às que já se conhecia no Brasil, ou seja, a cabaça como caixa de ressonância e o contato com a pele nua na criação da musicalidade. Todavia, nos relatos dos viajantes, o urucungo não aparecia compassar o movimento dos corpos. Pequenas variações e especificidades, como o berimbau de boca e o toque por mulheres, também foram registradas lá e cá, em Angola e no Brasil.

O arco musical espalhou-se por arcos territoriais amplos, em lugares de cultura bantu para além do nordeste de Angola. As fontes de Josivaldo, neste capítulo, são basicamente os registros de viagens e a etnografia feita por portugueses, no afã de construir conhecimentos acerca das regiões sobre as quais se pretendia legitimar a conquista, nos termos acordados na Conferência de Berlim. Não por acaso, são escritos do último quartel do século XIX – indício seguro de que o urucungo existia desde antes disso e que a ausência do registro não deve ser lida como inexistência do objeto descrito. Afinal, como Josivaldo revela, saiu da pena do padre Fernão Cardim, no século XVI, a primeira menção ao termo “berimbau”.

O capítulo 3 faz o percurso de volta. “Do outro lado do Atlântico: tocadores de urucungo no Brasil” é um exercício de boas práticas em História Social. Mesmo quando a fonte não é de próprio punho e não se pode nomear os sujeitos, como nas histórias de viés político mais tradicionais, o coletivo e os indivíduos ganham corpo e voz (som, no caso). Artes plásticas, jornais e outras fontes dos séculos XIX e XX são visitadas em busca da a(tua)ção dos tocadores. As confusões de significado em crônicas e anúncios de jornais desde fins do século XIX, que faziam a gaita ser definida como berimbau, são esclarecidas neste capítulo. Não por acaso, Edison Carneiro já anotava a expressão “berimbau não é gaita”, usada de norte a sul do país, com o sentido de alertar o ouvinte para uma situação absurda e, assim, satirizá-la.

O binômio “origem africana como atraso” e “origem europeia como civilidade” não é novo nos estudos sobre a cultura brasileira, especialmente no que se refere ao início do século XX e às pretensões modernizantes da recém-instaurada República. Soaria divertido, se não fosse um sintoma do preconceito, o esforço em europeizar o berimbau como corruptela do francês “berimbele”, ainda que se tratasse de instrumentos diferentes (o barimbau de corda e o de sopro).

Fazer desaparecer a Pequena África no Rio de Janeiro planejado como cartão postal era um ideal republicano. Nesse processo, o arco musical tinha seu lugar, manuseado como era por negros presentes na cena musical popular das ruas da capital federal. Mas o urucungo não estava só ali nem só naquele momento: José de Alencar em seus romances rurais, Luiz Gama em sua obra poética, Antônio Ferrigno em óleo sobre tela e as páginas de jornais de diferentes províncias do Império exemplificaram a dispersão territorial do instrumento, como que unificando o Brasil de matriz africana.

A partir da vasta gama de fontes compilada para a escrita do ensaio, Josivaldo Oliveira encerra o terceiro capítulo em coautoria com Gabriel Ferreira, artista plástico que transformou em dez desenhos as descrições contidas nas evidências históricas. O resultado são páginas com representações iconográficas contemporâneas e legendas-textos informativas, tudo composto com grande liberdade criativa. A Bahia, como é justo, dá o desfecho à história do urucungo/berimbau. Folcloristas de meados do século XX afirmavam que o instrumento era quase desconhecido fora daquele estado, dando corpo à hipótese de que foi o uso do berimbau na capoeira que garantiu sua permanência. O livro aqui resenhado deixado claro que a história é bem mais complexa.

Áfricas transplantadas, ressignificadas, perseguidas e persistentes. Áfricas que ainda são o nosso outro, mesmo que sejam tão fortemente parte de nós. É dessa história que trata Josivaldo, por meio de um indício da cultura material e imaterial, ao mesmo tempo um objeto de madeira biriba, corda e cabaça e um saber-fazer transmitido corporal e musicalmente ao longo de gerações.

O livro traz ainda dois anexos. O primeiro reproduz um texto de Edison Carneiro sobre o berimbau, originalmente publicado em 1968. O segundo cumpre, de forma competente, o que determina a legislação conquistada pelos movimentos negros e que se refere ao ensino de História da África e da Cultura africana e afro-brasileira. Ali, são sugeridas formas de trabalhar O urucungo de Cassange com estudantes do ensino básico.

Terminada a leitura deste ensaio, não será mais possível adotar a postura do assistente passivo de uma roda de capoeira apenas pelo fascínio do movimento dos corpos ou por contemplação desinteressada do conjunto de sons e gentes ali reunidos. Sem perder isso de vista, o assistente verá o arco vertical se horizontalizar, ligando os dois lados do Atlântico numa história única, secular, sul-sul e do tempo presente. A sugestão do berimbau como ponte entre dois continentes foi feita por Enrique Abranches e, mesmo não sendo original, funciona bem para exprimir a sensação de leigos diante de práticas que, embora admire, não deve praticar sem iniciação correta. Por isso, a condução pelo historiador e mestre Josivaldo Oliveira traz uma sensação de segurança na narrativa sobre o percurso de um instrumento tão emblemático.

Referência

OLIVEIRA, Josivaldo Pires de. O urucungo de Cassange: um ensaio sobre o arco musical no espaço atlântico (Angola e Brasil). Itabuna: Mondrongo, 2019.

Jaime Rodrigues – Universidade Federal de São Paulo. São Paulo – São Paulo – Brasil.


OLIVEIRA, Josivaldo Pires de. O urucungo de Cassange: um ensaio sobre o arco musical no espaço atlântico (Angola e Brasil). Itabuna: Mondrongo, 2019. Resenha de: RODRIGUES, Jaime. Ancestralidade na história e na música: o berimbau/urucungo nos séculos XIX e XX no Brasil e em Angola. Almanack, Guarulhos, n.24, 2020. Acessar publicação original [DR]

Reinventando a autonomia: Liberdade – propriedade – autogoverno e novas identidades na capitania do Espirito Santo 1535-1822 | Vania M. L. Moreira

A recopilação Legislação indigenista no século XIX, publicada por Manuela Carneiro da Cunha em 1992, ofereceu um importante quadro referencial de onde partir para estudar a problemática indígena durante o século de consolidação da independência política brasileira. A partir de então, os comentários da autora abriram duas importantes linhas de frente, e de crítica, para os estudos indigenistas relativos ao período. A primeira delas – a afirmação de que a política indigenista passou, durante o século XIX, de uma política de mão de obra para uma política de terras – vem sendo contestada por inúmeros autores que destacam a dimensão do trabalho compulsório e o apagamento da identidade indígena durante o período em questão. A segunda, por sua vez, refere-se ao escopo temporal, anotando que a revogação do Diretório pombalino em 1798 abriu um período de vazio legislativo durante o qual o Diretório teria sido aplicado, de maneira oficiosa, até a aprovação do Regulamento das Missões em 1845.

Sem gastar tempo refutando essas afirmações, Vânia Moreira aborda em Reinventado a Autonomia (2019) todos os temas centrais das observações de Carneiro da Cunha: a identidade indígena, as questões de terras e mão de obra, as particularidades do período pombalino e as mudanças ocorridas durante o século XIX, passando, ademais, por questões de gênero e família e conectando-as de forma convincente com as demais temáticas tratadas. Ainda que o foco geográfico seja o território específico do Espírito Santo, a autora trata de vincular as suas conclusões com as de outros autores que estudaram diferentes regiões brasileiras, oferecendo uma visão mais ampla do contexto no qual se inserem.

Apesar de enunciar uma temporalidade muito mais ampla (1535-1822), a maior riqueza documental do trabalho encontra-se precisamente no estudo do período pombalino em diante (capítulos 3 a 6), foco de pesquisa da autora durante os últimos anos. Quem está familiarizado com o trabalho de Vânia Moreira pode experimentar uma sensação de déjà vu ao ler o livro. De fato, a obra recolhe o conteúdo tratado nos seus principais artigos sobre os indígenas no território do atual Espírito Santo, organizados de forma mais temática que cronológica, voltando e avançando as datas para contextualizar devidamente cada um dos temas tratados. Porém, não se trata de mera coletânea de artigos publicados. A autora estabelece um diálogo entre seus próprios textos, devidamente referenciados para aqueles que queiram aprofundar em questões específicas, o que acaba convertendo o livro numa espécie de quadro geral de parte da sua produção acadêmica dos últimos quinze anos. Acrescente-se, finalmente, o cuidado em anexar fotografias, mapas e gráficos ao longo da obra, elementos normalmente mais limitados no espaço dos artigos científicos, e que contribuem para reforçar esse caráter estrutural da obra.

No primeiro capítulo, intitulado “Tupis, tapuias e índios”, a autora se vale de uma extensa bibliografia para abordar os caracteres da população que habitava a costa leste do continente antes da chegada dos europeus. Os vestígios das suas etnias, troncos linguísticos, organizações políticas, cultura material e demografia são abordados de forma probabilista, valendo-se de forma convincente dos trabalhos sobre as fontes disponíveis a respeito. No mesmo capítulo, a autora também reconstrói os impactos dos primeiros conflitos com os europeus, ressaltando que a escravização dos prisioneiros de guerra afetou significativamente os valores que presidiam a guerra ameríndia, dando lugar a uma perspectiva promissora para os colonos da região no final do século XVI. Não obstante, a autora enumera uma série de razões pelas quais em meados do século seguinte a escravidão de africanos teria substituído, na capitania, a aposta pelos “negros da terra”. Apesar da perda de protagonismo econômico da região a partir desse momento, a autora anota a sua importância geopolítica, dado que se configurava como fronteira tanto para o mar como para o interior do continente, especialmente a partir da descoberta do ouro na região das Minas. Essa importância se traduziu em diferentes tensões entre indígenas, moradores e jesuítas, relatadas com detalhe por Moreira. Finalmente, o capítulo encerra adentrando-se em questões jurídicas. A autora define a posição jurídica indígena, nomeadamente dos aldeados, como status específico no contexto do Antigo Regime, status que se traduzia na obrigação de prestar serviços, tendo como principal contraprestação a garantia de permanência em terras coletivas (p. 89). Para falar do status no Antigo Regime, não obstante, a autora referencia o conhecido livro de António Manuel Hespanha (2010) dedicado ao estatuto jurídico de coletivos atípicos no Antigo Regime. Nesse espaço, sente-se falta de uma citação direta ao trabalho de Bartolomé Clavero (autor citado, não obstante, ao falar da estrutura de poder do Antigo Regime ibérico, nas páginas 275-276), pois, pertencendo ambos a uma mesma corrente historiográfica, o trabalho do autor espanhol é muito mais incisivo que o de Hespanha no relativo à posição específica atribuída à humanidade indígena na cultura jurídica do Antigo Regime (CLAVERO, 1994, 11-19).

O capítulo seguinte trata sobre os processos históricos que pouco a pouco foram desembocando na consolidação territorial de certos grupos indígenas e sua conversão em aldeamentos. A autora repassa as guerras e migrações mais significativas, assim como dinâmicas particulares que surgiram nesse processo (por exemplo, o curioso fato de que grandes guerreiros aldeados recebessem nomes portugueses idênticos aos dos principais líderes portugueses da terra, fato que exige portanto uma especial atenção dos historiadores na análise das fontes). À continuação, são descritos os principais aldeamentos da capitania, as etnias que os compunham e a importância do trabalho jesuítico na fixação desses grupos ao território. Moreira define três tipos de aldeias administradas pelos jesuítas: (1) as aldeias de serviço do Colégio, (2) as aldeias do serviço Real e (3) as aldeias de repartição (130-131). Por outro lado, destaca-se a importância paramilitar dos indígenas aldeados, que protegiam o território dos ataques de outros povos guerreiros (europeus ou americanos). Os inacianos são descritos como destacados mediadores entre a Coroa e os povos indígenas, encarregando-se da evangelização como fase sucessiva e necessária da conquista mediante a guerra. Por outro lado, a autora destaca o trabalho dos religiosos em aprender as línguas locais e interpretar a cultura dos indígenas, dando a entender que, nesse processo de contato, “escolhiam determinados códigos em detrimento de outros e procuravam neutralizar o processo de conquista e subordinação” (113). Para a autora, isso caracterizaria a presença de uma verdadeira relação intercultural entre os indígenas e os inacianos das aldeias do Espírito Santo.

Do terceiro capítulo em diante, a autora entra definitivamente na cronologia pós-Pombal, tratando as diversas vicissitudes inauguradas com a legislação indigenista aprovada a partir de 1750. O capítulo terceiro trata de uma das principais consequências políticas do Diretório dos Índios – a capacidade de autonomia e autogoverno – ilustradas na conversão das duas maiores aldeias da capitania (Nossa Senhora da Assunção de Reritiba e Santo Inácio e Reis Magos) em Vilas (Nova Benevente e Nova Almeida). Vânia Moreira repassa os debates da Segunda Escolástica relativos à liberdade das pessoas e bens dos aborígenes e, analisando as leis pombalinas, considera que “o que a legislação efetivamente reconheceu e prometia garantir aos índios era a posse e o domínio das terras de seus aldeamentos” (144). A Lei de 6 de junho de 1755 teria especialmente assegurado sua liberdade, propriedade e autogoverno mediante sua equiparação aos demais vassalos da Coroa. Essas medidas foram limitadas pela restituição da tutela mediante o Diretório dos Índios, analisado pela autora neste capítulo (151-158). Em seguida, é explicado o processo de implantação do Diretório no território do Espírito Santo, destacando aspectos como a relação econômica das novas vilas indígenas com o resto de vilas da capitania, os processos eletivos que garantiam a preeminência indígena nas Câmaras, os atos de gestão local do patrimônio e as medidas de controle dos costumes levadas a cabo pelas autoridades – especialmente em relação com as mulheres indígenas.

O capítulo 4 recupera a Lei de 4 de abril de 1755, que incentivava o casamento entre indígenas e brancos como forma de assimilar aqueles à sociedade colonial. A autora destaca o assimilacionismo das políticas pombalinas, interpretando como eminentemente cultural a discriminação no período, e adotando, portanto, as posições que preferem reservar o termo “racismo” para os processos de racismo biologicamente fundamentado (210). Recuperando a argumentação dos inícios da colonização, que caracterizou os indígenas como sujeitos que viviam no “estado natural”, a autora percebe uma continuidade entre essa concepção e as ideias que presidem a abertura do século XIX, onde os indígenas eram acusados de carecer de “vida civil”, continuidade que só seria quebrada com a irrupção do racismo biologicista na segunda metade do século XIX. Para falar sobre políticas matrimoniais, a autora retorna uma vez mais aos relatos dos primeiros missionários no continente, tratando de reconstruir os costumes dos indígenas no relativo às práticas sexuais, alianças afetivas, vestimenta etc. A autora recorda o papel histórico da instituição do matrimônio para a consolidação do poder da Igreja desde as reformas gregorianas, destacando que também na América essa intervenção na organização familiar indígena foi uma política de longa duração (236). Na última seção do capítulo, a autora recupera os seus trabalhos sobre a interpretação que os indígenas da vila de Benevente fizeram das políticas matrimoniais e territoriais contidas no Diretório pombalino. Através de um estudo específico de caso, ela mostra que esses índios interpretaram que o aforamento de terras a moradores brancos, permitido no artigo 80 do Diretório, estava condicionado à sua união em matrimônio com alguma índia da aldeia.

Vânia Moreira volta a tratado desse tema no capítulo seguinte, dedicado às questões de luta pela terra coletiva. A autora destaca que durante a vigência do Diretório os ouvidores de comarca se encarregavam da administração dos bens dos índios, enquanto os diretores eram os responsáveis pela administração das suas pessoas. Para Moreira, as críticas da historiografia à figura dos diretores devem ser tomadas com cautela, pois ela observa que nas duas vilas de índios do Espírito Santo os conflitos entre índios e diretores eram habituais, e que na prática estes acabavam tendo um poder de mando relativo (271). Ela destaca, além do mais, que durante esse período os indígenas foram efetivamente preferidos para os cargos de governo municipal, o que inclusive propiciou a consolidação de uma elite indígena muito ativa na cena política local. Essa situação começou a mudar no fim do século XVIII, com o aumento das intrusões de brancos e pardos nas terras indígenas, garantidas pelo aval das autoridades chamadas, em princípio, a proteger os interesses indígenas (neste caso, os ouvidores de comarca). Assim, ao mesmo tempo que os indígenas eram cada vez menos preferidos para os cargos municipais, as terras eram cada vez mais aforadas a brancos e pardos pelos mesmos poderes municipais. Segundo a autora, essa situação se manteve até o século XIX, pois ela documenta um conflito ocorrido na vila de Nova Almeida em 1847, no qual a Câmara municipal argumentara que levava ao menos 79 anos aforando as terras indígenas a brancos. Em alguns momentos, essas incursões em períodos muito anteriores ou muito posteriores aos fatos narrados podem conduzir a interpretações por vezes anacrônicas, que não tomam em conta o contexto do momento de produção do documento. Em relação ao documento de 1847, por exemplo, Moreira critica a afirmação da Câmara de que os índios eram somente usufrutuários das terras, e não os seus donos. Para a autora, a afirmação é criticável porque as terras não pertenciam ao município, mas sim aos índios, e deveriam ser protegidas segundo as leis específicas que regulavam o patrimônio indígena. Não obstante, segundo o Regulamento das Missões, aprovado dois anos antes do conflito, os índios aldeados eram somente usufrutuários das terras que ocupavam, ainda que contassem com a garantia de não ser expulsos e com a possibilidade de converter-se em proprietários após 12 anos de cultivo ininterrupto (BRASIL, 1845, art. 1.15º). O capítulo conclui, em qualquer caso, retornando ao final do século XVIII e sugerindo que esses episódios de traição por parte das autoridades chamadas a protegê-los permaneceram na memória coletiva dos moradores indígenas. Mais de vinte anos depois dos episódios, os nativos continuavam narrando aos viajantes a pouca confiança que depositavam na justiça institucional.

O último capítulo adentra no processo de subalternização dos indígenas que se abriu com o século XIX e a chegada da família real ao Brasil. Para a autora, um dos fatores que contribuiu para a progressiva exclusão dos índios dos cargos municipais foi a revogação do Diretório em 1798, porque implicou a eliminação dos privilégios dos índios e a sua equiparação jurídica ao status dos brancos. A autora conta que, ao mesmo tempo, essa equiparação só foi efetiva naqueles pontos prejudiciais à autonomia indígena, pois na prática o cargo de Diretor foi recriado, por exemplo, na vila de Nova Almeida em 1806, com o adendo de que esses novos Diretores exerciam funções mais restritas e coercitivas do que os antigos escrivães-diretores, e respondiam a uma configuração diversa do poder. Moreira conta como o sistema de trabalho compulsório foi se tornando muito mais pesado, marcado pela violência e validado pela “escola severa” do período joanino. Nesse sentido, a autora sugere que as Cartas Régias de 1808 que voltavam a permitir a “guerra justa” tinham também como objetivo reencenar a potência da monarquia, que se encontrava num contexto de crise após a fuga da Casa Real sob a ameaça de invasão napoleônica (318). No processo, reforça-se a noção de menoridade jurídica do indígena, e a subsequente submissão à tutela. Moreira conta que no Espírito Santo essa tutela foi exercida especialmente por particulares que eram encarregados de educá-los, cristianizá-los e civilizá-los. Outra faceta da menoridade jurídica era a tutela pública, que se traduzia em uma série de mecanismos que em última instância visavam ao controle social e ao trabalho coercitivo. Assim, muitos indígenas foram recrutados para o serviço militar, especialmente quando mantinham meios de vida diferenciados da cultura do trabalho nos termos europeus. Destarte, os índios que viviam da caça, pesca, roça e atividade madeireira eram os mais vulneráveis a recrutamentos forçados. Este caráter forçoso do recrutamento foi especialmente evidente porque a prestação de serviços militares à Coroa deixou de ter como contraprestação as tradicionais garantias de direito à terra, proteção e direitos específicos. O resultado, segundo Moreira, foi um significativo movimento diaspórico de indígenas aos sertões cada vez mais distantes do controle institucional, muitas vezes com as trágicas consequências de perda de laços com as suas antigas comunidades de origem, além da perda dos privilégios jurídicos reconhecidos aos índios aldeados.

Ao narrar os acontecimentos ao longo do livro, Vânia Moreira se esforça por destacar as estratégias dos indígenas para conseguir manter suas posições no contexto da conquista, esforço que se inserta numa agenda indigenista que vem buscando identificar o seu agenciamento e protagonismo como sujeitos da história. É uma tarefa que durante os últimos vinte anos vem rendendo prolíficos resultados, ainda que sejam insuficientes para situar os indígenas como agentes nos relatos não-indigenistas da história brasileira, como destacou a própria autora alguns anos atrás (MOREIRA, 2012). Por outro lado, talvez seja necessária certa cautela ao referir-se à relação entre indígenas e missionários como uma relação intercultural. Especialmente porque dentro dos estudos culturalistas a noção de diálogo intercultural vem sendo criticada por partir de um pressuposto de igualdade entre as partes que não leva em consideração a problemática da violência intrínseca à noção de universal que a cristandade e a modernidade europeia carregam, o que torna essa noção, portanto, inaplicável nos casos de identidades culturais ou reivindicações particularistas que desafiam os pressupostos do liberalismo econômico e do capitalismo mundializado – como ocorre, atualmente, com as demandas territoriais dos diferentes povos indígenas brasileiros (ÁLVAREZ, 2010).

Por momentos fica a sensação de que os jesuítas eram um mal menor no contexto da colonização, já que com eles era possível o diálogo, enquanto que com os poderes locais só imperava a força. A mesma autora, porém, frisa que a evangelização era um braço necessário da conquista violenta, que serviu para legitimá-la num momento no qual a Coroa não exercia nenhum tipo de controle efetivo sobre o território. Também é perigoso, nesse sentido, afirmar que a expulsão jesuítica acarreou uma política laica de civilização (88), já que no Diretório dos Índios o Reino reclamava para si a jurisdição temporal sobre os aldeados, mas continuava a encarregar a tarefa de evangelização e jurisdição espiritual aos representantes da igreja católica.

Tudo indica, portanto, que se existiu algum nível de diálogo prolífico entre jesuítas e indígenas, esse só foi possível pela existência de uma conjuntura em que também havia outros interesses em disputa, como os dos moradores e representantes do poder régio. Como a própria autora mostra em seu trabalho, a expulsão dos jesuítas abriu um período em que os indígenas conseguiram conservar e inclusive reforçar uma efetiva dimensão de autogoverno, que começou a desmoronar definitivamente com a mudança drástica de conjuntura aberta pelas revoluções liberais na Europa e a necessidade de reafirmação e consolidação do poder por parte das Coroas portuguesa e, posteriormente, brasileira.

Referências

ALVAREZ, Luciana. Mas alla del multiculturalismo: Critica de la universalidad (concreta) abstracta. Filosofia Unisinos n. 11, v. 2, p. 176-95, setembro 2010.

BRASIL. Decreto n. 426 – de 24 de julho de 1845 que contem o Regulamento acerca das Missoes de catechese, e civilisacao dos Indios. In Colleccao das leis do Imperio do Brasil de 1845. Tomo VIII, parte II, p. 86-96. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1846.

CLAVERO, Bartolome. Derecho indigena y cultura constitucional en America. Mexico: Siglo Veintiuno Editores, 1994.

CUNHA, Manuela Carneiro da. Legislacao Indigenista no Seculo XIX. Sao Paulo: Edusp, 1992.

HESPANHA, Antonio Manuel. Imbecillitas. As bem-aventurancas da inferioridade nas sociedades do Antigo Regime. Sao Paulo: Annablume, 2010.

MOREIRA, Vania Maria Losada. Reinventando a autonomia: Liberdade, propriedade, autogoverno e novas identidades na capitania do Espirito Santo, 1535-1822. São Paulo: Humanitas, 2019.

MOREIRA, Vania Maria Losada. Os indios na historia politica do Imperio: avancos, resistencias e tropecos. Revista Historia Hoje n. 1, v. 2, p. 269-74, 2012.

Camilla de Freitas Macedo – Universidad del País Vasco. Bilbao – País Vasco – España.


MOREIRA, Vania Maria Losada. Reinventando a autonomia: Liberdade, propriedade, autogoverno e novas identidades na capitania do Espirito Santo, 1535-1822. São Paulo: Humanitas, 2019. Resenha de: MACEDO, Camilla de Freitas. Autonomia como agência: o caráter polifacetado da história de luta indígena no Espírito Santo. Almanack, Guarulhos, n.24, 2020. Acessar publicação original [DR]

La educación superior entre el reclamo localista y la ofensiva derechista. El movimiento pro-Universidad del Norte de Salto (1968-1973) | María Eugenia Jung GAribaldi

Los trabajos académicos son productivos cuando se apartan de los lugares comunes. En este aspecto, la investigación de María Eugenia Jung Garibaldi no es la excepción. El libro aborda el itinerario del Movimiento pro-Universidad del Norte (MUN), entre fines de los 60 y principios de los 70, e indaga su proyecto de instalar en el interior de Uruguay una casa de estudio que acabara con el monopolio de la Universidad de la República (Udelar). El objetivo es sintomático, dado que prescinde de dos perspectivas recurrentes en la bibliografía sobre la historia reciente de las universidades, los movimientos estudiantiles y los intelectuales en América Latina. La primera es la que asocia generalmente estas experiencias con vertientes políticas de izquierda. A lo que se suma el tradicional sesgo de los estudios de caso que muchas veces quedan anclados en las ciudades capitales y en las universidades más grandes de cada nación. De esta manera, frente al reduccionismo político y geográfico, Jung propone un relato historiográfico de un movimiento complejo que surge a fines de 1968 en la ciudad de Salto, lejos de Montevideo, y que termina asumiendo posiciones de las derechas más radicalizadas en el transcurso del período. Leia Mais

¿Reconocimiento o redistribución? Un debate entre marxismo y feminismo | Judith Butler e Nancy Fraser

Introducción

La presente reseña tiene como objetivo problematizar el debate Fraser-Butler, no a través del análisis de los dos postulados principales, sino a través de la crítica de los mismos y de las posibilidades que en ellos se encierran. Este ejercicio lo que pretende problematizar es la relación entre genitalia-sexo-género, con el capitalismo y la disolución de las certezas ontológicas con la pérdida de vigencia de lo denominado como moderno.

Tanto el debate Fraser-Butler, surgido en la New Left Review en el año 2000 y convertido en libro en 2017, como el debate filosófico en torno a la modernidad, aparecido en las primeras décadas del siglo XX, no son nuevos. Sin embargo, las problemáticas que abordan siguen estando vigentes, sobre todo, ahora, que los feminismos autodenominados radicales están en plena ofensiva reaccionaria poniendo en riesgo las vidas de las personas trans y lanzándose a una aventura colonizadora sobre aquellos cuerpos que consideran abyectos. Esto hace necesario señalar cómo determinadas articulaciones feministas pueden constituirse como represivas, donde una interpretación falaz de la relación entre género y sexo puede llegar a funcionar como vehículos de la dominación. Esto permitiría a grupos feministas enrocarse en el biologicismo y el etnocentrismo para instrumentalizar la lucha por la liberación y convertirla en su monopolio. De este modo, garantizarían, a través de la defensa de una feminidad cis y blanca, la invisibilización, persecución y represión de los colectivos más desfavorecidos. Es esta labor represiva de determinadas articulaciones feministas con vocación universalista y eurocéntrica, que se amparan en interpretaciones falaces de la realidad, la que constituye el objetivo de crítica de esta reseña. El texto de Fraser nos serán muy útiles para comprender este tipo de posiciones reaccionarias, sin que esto suponga que acusemos a Fraser en el presente por las afirmaciones teóricas mantenidas hace veinte años. Leia Mais

Devastación. Violencia civilizada contra los indios de las llanuras del Plata y del Sur de Chile (Siglos XVI a XIX) | Sebastián Alioto e Juan Francisco Jiménez

La historiografía argentina sobre los estudios indígenas y fronterizos puede datar su completa renovación con respecto a las miradas tradicionales a inicios de la década de 1980. Varios trabajos se han referido a las temáticas y aportes que fueron surgiendo a lo largo de las décadas siguientes, por lo tanto me limitaré aquí a señalar solo algunos datos que considero pueden contribuir a una mejor contextualización del libro que se reseña. En esos primeros momentos, las investigaciones históricas y antropológicas siguieron muy de cerca los avances que se producían en Chile y confluyeron en revisar el carácter esencialmente violento de la relación interétnica y, de manera paralela, a redefinir la frontera como un lugar de encuentro de diversos grupos sociales. En la década siguiente, las investigaciones comenzaron a tomar como referencia a otros espacios fronterizos y a incorporar nuevos conceptos y modelos historiográficos, fundamentalmente los desarrollados en torno a la expansión fronteriza del oeste norteamericano, del norte de México y la expansión imperialista en África. Sin duda, este período que se prolonga aproximadamente hasta inicios del siglo XXI, fue el más fructífero en cuanto a la diversidad de temáticas y de metodologías innovadores utilizadas en la investigación y, asimismo, en la aparición de revistas centradas casi exclusivamente en la historia indígena y en la proliferación de espacios de discusión y de mesas temáticas en las jornadas más relevantes de la disciplina histórica. Destaco como puntos principales de esta etapa, el predominio de una perspectiva microanalítica en los estudios y los esfuerzos por integrar la historia indígena a la historia nacional. Ambos puntos se aplicaron fundamentalmente al estudio de ejes que se complementan: la conformación de liderazgos étnicos mediante el análisis de las trayectorias de los caciques como experiencias políticas localizadas, y los estudios puntuales sobre algunos espacios fronterizos que ahondaban en la variedad de relaciones que se anudaban en ellos. Los compiladores de este libro fueron protagonistas, con distinta intensidad, de este momento de auge e innovación.

Lo que puede observarse desde hace casi una década es una escasa renovación en los temas trabajados, primando profundizaciones de enfoques ya conocidos. Lo que puede señalarse como novedad en esta “meseta” historiográfica es el debate en torno a la pertinencia de utilizar el concepto de genocidio/prácticas genocidas para los procesos de ocupación del espacio indígena a finales del siglo XIX, restableciéndose de algún modo la centralidad de la violencia fronteriza para explicar procesos pasados. En general, estos enfoques se encuentran muy vinculados y son interpelados por los movimientos indigenistas que están cobrado más visibilidad en la esfera política. La creación en 2004 de la Red de Investigadores sobre Genocidio y Política Indígena en Argentina en la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires es un reflejo de esta posición y en ella se nuclean gran parte de los investigadores que sostienen esta postura. El uso académico del concepto de genocidio está apoyado en una extensa bibliografía producida por historiadores y sociólogos nucleados en el grupo de Genocide Studies. Recientemente, dos publicaciones en revistas de amplia circulación reflejan la vitalidad de esta problemática: un debate en Corpus (2011) y un dossier en Memoria Americana (2019). Leia Mais

Democracia, federalismo e centralização no Brasil – ARRETCHE (TES)

ARRETCHE, Marta. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV/Editora Fiocruz, 2012, 232 p. Resenha de: LOBO NETO, Francisco José da Silveira. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.12, n.2, maio/ago. 2014.

O livro de Marta Arretche trata da democracia, do federalismo e da centralização. Temas fundamentais na sociedade radicada neste país continental que, desde 15 de novembro de 1889 se constituiu, pelo decreto n. 1 do Governo Provisório, como Federação.

A autora, ao trabalhar seu objeto, prioriza o aprofundamento da ordem constitucional atual, no qual revela sua trajetória de cientista social e cientista política, recorrendo às referências que lhe oferecem a História e o Direito, na elucidação dos fatos e na construção de sua análise interpretativa.

Importante mencionar, desde já, o rigor metodológico da organização da obra composta de cinco capítulos, cada um deles com sua especificidade e todos se integrando para conformar a unidade do livro, “apresentado originalmente como tese de livredocência defendida no Departamento de Ciência Política na Universidade de São Paulo” (p. 24), em 2007. A própria autora nos diz, na Introdução, que “embora cada capítulo possa ser lido separadamente, o livro tem uma unidade teórica e analítica” (p. 13), no “objetivo de examinar ‘se’ e ‘como’ Estados federativos produzem efeitos centrífugos sobre a produção de políticas públicas, tomando o caso brasileiro como objeto empírico” (p. 13).

Peça importante na interpretação do seu livro é, além da Introdução (p. 1131), o artigo de 2001 “Federalismo e democracia no Brasil: a visão da ciência política norteamericana” (Arretche, 2001, p. 30). Nele, ela analisa os estudos da ciência política nos Estados Unidos, revelando-nos rumos novos de pesquisa. Sua preocupação foi “destacar a necessidade de ampliação da agenda de pesquisas sobre a natureza das relações intergovernamentais no Brasil”, sugerindo dois caminhos: “exame dos processos decisórios em que o governo federal foi bem sucedido em implementar sua agenda de reformas” e “análise do processo decisório de políticas que envolvam relações diretas entre o Poder Executivo dos diversos níveis e/ou nas quais o Poder Judiciário funcione como árbitro dos conflitos intergovernamentais” (Arretche, 2001, p. 30).

A importância deste livro, portanto, está justamente na concretização dessa ampliação de agenda na própria produção da pesquisadora, a partir de 2001. As análises contidas nos cinco capítulos respondem a muitas questões, mas abrem, sobretudo, outras tantas indagações.

De fato, a autora menciona duas dimensões centrais no seu foco de análise: “o poder de veto das unidades constituintes nas arenas decisórias centrais (sharedrule) e a autonomia dos governos subnacionais para decidir suas próprias políticas (selfrule)” (p. 13). Assim, a estrutura do livro tem os três primeiros capítulos voltados para a primeira dimensão e os dois últimos abordando a segunda dimensão.

No primeiro capítulo, a pesquisadora examina 59 iniciativas de interesse federativo, que foram aprovadas na Câmara dos Deputados entre 1989 e 2006. Tratam de diferentes matérias que afetam interesses dos governos subnacionais, relacionadas às receitas de estados e municípios; à autonomia dos governos subnacionais na decisão sobre a arrecadação de seus impostos, o exercício de suas competências e a alocação de suas receitas. E ela o faz sempre trazendo o texto da Constituição de 1988, onde claramente é atribuída à União autoridade para legislar “sobre todas as matérias que dizem respeito às ações de Estados e municípios” (p. 70). A autora também demonstra que os constituintes de 1988 “não criaram muitas oportunidades institucionais de veto” e “não previram fortes proteções institucionais para evitar que a União tomasse iniciativas para expropriar suas receitas ou mesmo sua autoridade sobre os impostos e as políticas sob sua competência” (p. 70). Assim, com argumentação solidamente fundamentada, aborda os seguintes aspectos: a partir do federalismo comparado, analisa hipóteses do processo centralizador vivido na década de 1990; estuda amplamente as leis federais afetando interesses dos governos subnacionais, fundamentando-se na distinção entre execução de políticas e autoridade decisória; analisa – como determinantes federativos desse processo – as mudanças nas agendas da Presidência da República e o comportamento das bancadas estaduais; finalmente, identifica a influência das instituições federativas em relação aos processos decisórios. Em sua conclusão “de como 1988 facilitou 1995”, que aparece como título deste primeiro capítulo do livro, Marta nos diz que “há mais continuidade entre as mudanças na estrutura federativa da segunda metade da década de 1990 e o contrato original de 1988 do que a noção de uma ampla reestruturação das relações intergovernamentais autorizaria supor” (p. 72).

Já o segundo capítulo se volta para uma análise do comportamento das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados em relação às matérias de interesse federativo, especificamente aquelas em que a União e os “governos territoriais” tinham interesses opostos. Foram identificadas 69 iniciativas – propostas de emenda constitucional (PECs), projetos de lei complementar (PLPs) e projetos de lei (PLs) – representando 24% de votações no período de 1989 a 2009. Este capítulo se ocupa da agenda federativa após a Constituição de 1988 cuja temática principal é a criação de impostos e contribuições não sujeitos à repartição com os estados e municípios, da análise da correlação entre a “centralização decisória nas arenas federais” e a limitação das “oportunidades institucionais de veto dos governos territoriais”. A conclusão da pesquisadora é exposta em um duplo aspecto. Primeiramente a “centralização regulatória combinada à ausência de arenas decisórias adicionais de veto” limita as oportunidades de veto dos governos subnacionais. Em segundo lugar, o comportamento das bancadas estaduais sem coesão em torno das questões estaduais, cedendo mais aos acordos partidários do que aos interesses regionais que representam (p. 112113).

No capítulo terceiro, a investigação se volta para uma análise comparada da relação entre federalismo e bicameralismo, como fundamentação argumentativa do estudo sobre o comportamento do Senado Federal brasileiro. Sobretudo estudando a tramitação de 28 emendas constitucionais, a autora constata que nossos senadores não se deixam afetar pelas pressões dos governadores, das elites econômicas ou da opinião pública dos estados ou regiões que representam. O poder de veto no Senado Federal, de fato, pertence aos partidos políticos e não aos interesses regionais. Unindo o caso brasileiro às teorias que embasam o relacionamento do federalismo ao bicameralismo, a pesquisadora assim se expressa em sua conclusão: “mesmo sob o bicameralismo simétrico em que a Câmara Alta constitua uma arena adicional de veto, o efeito inibidor de vocalização dos interesses regionais sobre a mudança institucional pode ser substancialmente reduzido se a segunda casa legislativa também for uma casa partidária, isto é, se a disciplina partidária prevalecer sobre a coesão da representação regional” (p. 141).

Se até aqui Arretche privilegiou a análise da centralização e o poder de veto das instâncias subnacionais, nos capítulos quarto e quinto seu foco será a descentralização e autonomia nas relações verticais da federação e a questão da igualdade regional.

O capítulo quarto examina as bases teóricas para a análise dos “mecanismos institucionais que permitem aos governos centrais obter a cooperação dos governos subnacionais para realizar políticas de interesse comum” (p. 27). A análise comparada permitiu minimizar uma correlação direta entre a criação destes mecanismos e a forma federalista ou unitária de organização do Estado. A distinção conceitual entre execução e autoridade decisória é mais útil do que a distinção entre estados federativos e unitários “para predizer os efeitos centrífugos da relação central-local, isto é, dos arranjos verticais dos estados nacionais” (p. 170). Isto significa, no caso brasileiro, que a “convergência em torno das regras federais é alavancada quando a) a Constituição obriga comportamentos dos governos subnacionais ou a União controla recursos fiscais e os emprega como instrumento de indução de escolhas dos governos subnacionais.” (…) “Neste sentido, efeitos centrífugos não são diretamente derivados da fórmula federativa, mas mediados pelo modo como execução local e instrumentos de regulação federal estão combinados em cada política particular” (p. 171).

O capítulo final enfrenta – inovando – a questão crucial do pseudo-confronto entre a proposta federalista e a igualdade territorial como forma de manter a unidade da União. Neste sentido, argumenta contra as interpretações de que a Constituição de 1988 criou instituições federativas comprometedoras da eficiência do Estado brasileiro, lembrando que não podem ser ignorados nem o papel das desigualdades regionais, nem as relações da União com os governos subnacionais sobre o seu funcionamento. A divisão entre unidades pobres e ricas é que está “na origem da escolha por um desenho de Estado que permita ‘manter a União’ e evitar os riscos associados à fórmula majoritária” (p. 175). Resgatando as discussões dos capítulos anteriores, Marta Arretche sintetiza: “Distinguir quem formula de quem executa permite inferir que, no caso brasileiro, embora os governos subnacionais tenham um papel importante (…) no gasto público e na provisão de serviços públicos, suas decisões de arrecadação tributária, alocação de gasto e execução de políticas públicas são largamente afetadas pela regulação federal”. Após debruçar-se sobre dados de um panorama das políticas nacionais de redução das desigualdades e seus efeitos sobre a desigualdade territorial de receita, das políticas nacionais de regulamentação e supervisão do gasto e seus efeitos, a autora afirma em sua conclusão: “A parte mais expressiva das transferências federais no Brasil tem sua origem no objetivo de reduzir desigualdades territoriais de capacidade de gasto. Essas foram (historicamente) um elemento central de construção do Estado brasileiro, similarmente a outras federações, em que a ideia de uma comunidade nacional única prevaleceu sobre as demandas por autonomia regional” (p. 201).

Como afirma a apresentadora, o livro traz “uma interpretação inovadora sobre o nosso sistema federativo”. É uma obra fundamental para os cientistas políticos e apoio à autoanálise dos políticos em seu comportamento. Sobretudo, porém, indicado para fortalecer análises de pesquisadores e profissionais da saúde e da educação, já que estes campos manifestam fundamental correlação entre os poderes central e locais.

Referências

ARRETCHE, Marta. Federalismo e democracia no Brasil: a visão da ciência política norteamericana. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 4, p. 23-31, 2001. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/spp/v15n4/10369.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2014. [ Links ]

Francisco José da Silveira Lobo Neto – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: lobo@fiocruz.br

Acessar publicação original

[MLPDB]

Dicionário de trabalho e tecnologia – CATTANI; HOLZMANN (TES)

CATTANI, David; HOLZMANN, Lorena (Org.). Dicionário de trabalho e tecnologia. Porto Alegre, Zouk, 2011, 494 p. Resenha de: LIMA, Raphael Jonathas da Costa. Revista Trabalho, Educação e Saúde, v.12, n.2, Rio de Janeiro, maio/ago. 2014.

Organizado por Antonio David Cattani e Lorena Holzmann, o Dicionário de trabalho e tecnologia, publicado em 2011, já em sua segunda edição, tem como propósito capturar e reunir inúmeros aspectos que vêm configurando o mundo do trabalho e orientando um conjunto de mudanças cuja maior profusão passou a ser verificada na fase que se estende das últimas décadas do século XX ao início de século XXI. Obra de caráter coletivo e multidisciplinar, o dicionário contou com a contribuição de 62 especialistas de diferentes áreas, os quais se desdobraram na composição de 107 verbetes dedicados a sumarizar aspectos referentes à implementação da tecnologia ao trabalho. Trata-se da evolução editorial de uma obra originalmente publicada em 1997 com apenas cinquenta verbetes e sob o título Trabalho e tecnologia: dicionário crítico, renomeada em 2002 para Dicionário crítico de trabalho e tecnologia e, finalmente, em 2006, quando ganhou o título atual, reunindo 96 verbetes e incorporando outros autores.

Conforme a caracterização feita na apresentação, os organizadores do dicionário têm como finalidade principal oferecer uma obra capaz de dimensionar as grandes transformações no mundo do trabalho (resultantes de inovações tecnológicas, gerenciais e institucionais), o aumento do não trabalho/desemprego e seus efeitos danosos, segundo eles preocupações já bastante disseminadas entre acadêmicos, trabalhadores e suas organizações. Nesse sentido é que procuram apresentar um panorama o mais completo possível acerca de conceitos específicos unificados sob a alça das macrocategorias trabalho e tecnologia. Outrossim, em sua quase totalidade, o dicionário oferece ao leitor um material com extrema coesão, podendo-se mesmo perceber uma enorme uniformidade nos argumentos e também nas avaliações feitas pelos autores acerca dos efeitos identificados nos processos tratados por cada verbete. Ponto que pesa a favor do dicionário. Em outros termos, prevalece o argumento segundo o qual da conjugação entre (novos) processos de trabalho e formas inovadoras de tecnologia decorre, o mais das vezes, a precarização que de alguma forma atinge os indivíduos em seu espaço profissional com reflexos sentidos nas demais esferas do seu cotidiano, notadamente na familiar.

A constatação acima apontada, afinal, condiz com a argumentação (trivial, é verdade, mas fundamental) segundo a qual a precarização foi o efeito negativo mais percebido e discutido pelas análises que margearam o panorama que envolveu as modificações no mundo do trabalho, sobretudo, no último quarto do século XX, potencializadas por avanços produtivos e organizacionais configurados, dentre outras formas, pela constituição de clusters e distritos industriais espalhados por Europa, Estados Unidos e, finalmente, Brasil. Isso porque, historicamente, a implantação (e manipulação) de práticas inovadoras de organização da produção industrial tem sido associada à intensificação do controle, da vigilância e da exploração do trabalho, sucedidos estes pelo enfraquecimento da ação sindical, fenômeno por sua vez acompanhado da sistemática ameaça aos direitos e às conquistas dos trabalhadores, preocupações frequentemente presentes nesse debate.

Inovações emblemáticas, como a introdução por Henry Ford da linha de montagem movida a volante magnético, em sua fábrica de Highland Park, Michigan, nos Estados Unidos, em 1913 – entendida como um avanço sem precedentes na indústria automobilística, a despeito de ter se apropriado de princípios mecânicos já conhecidos – tornaram-se emblemáticas pelo que passaram a significar em termos de ordenamento social, organização e controle das forças sociais do trabalho pelo empreendimento capitalista em expansão (Beynon, 1995). Nessa época, origina-se o conjunto de processos reunidos sob o nome de fordismo, praticamente consensuais nas práticas empresariais subsequentes, até a sua crise, nos anos 1970. O dicionário contempla o fordismo com uma caracterização extremamente fiel ao que de fato veio a representar para a indústria: uma inovação simultânea no chão de fábrica e nas dimensões macroeconômicas e institucionais. Em consonância com um conjunto de práticas (racionalização, separação entre concepção e execução do trabalho e a individualização na prescrição e execução de tarefas) reunidas sob a nomenclatura de taylorismo (concebidas por Frederick Taylor), o fordismo avançou em sua finalidade de estabelecer um novo princípio de disciplinamento fabril e um novo mecanismo de extração de maisvalor via intensificação do trabalho.

O aparato de procedimentos técnicogerenciais aglutinados a partir da combinação fordismotaylorismo aparece de forma bem sistematizada no dicionário, assim como processos como o toyotismo, o just in time eo kanban, os quais constituem a fase posterior de desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo. Essa etapa está mais relacionada à segunda metade do século XX, quando se instaura um regime de acumulação (flexível) caracterizado pelo fim do compromisso fordista e composto pelo amplo quadro de reestruturação produtiva que incluiu, além de alterações tecnológicas e na organização do trabalho, a reorganização de firmas, o estabelecimento do fluxo financeiro em rede e o deslocamento regional incessante de empresas, confirmando assim o princípio básico do capitalismo de buscar novos espaços para reinvestir seu capital excedente e reequilibrar sua taxa de lucros (Harvey, 2005).

O dicionário também caracteriza aqueles instrumentos concebidos como estratégias de resistência frente ao avanço avassalador das mudanças tecnológicas dentro das empresas. O verbete ‘ação sindical em face da automação’ mostra como o aperfeiçoamento técnico da produção visa fragilizar os trabalhadores, seja pelo seu ajuste ao princípio da polivalência, seja pela prática da redução de postos de trabalho. Em contrapartida, a ‘ação sindical em face da automação’ e a ‘greve’ se colocam como os dispositivos capazes de promover modificações nas relações de produção e, sobretudo, na estrutura de poder, usando a rigor os sindicatos como a forma institucional mais expressiva de ação coletiva com essa finalidade. E a processos particularmente problemáticos e polêmicos, como ‘degradação do trabalho’ e ‘divisão sexual do trabalho’, somam-se outros fenômenos, como ‘informalidade’, ‘tecnociência’, ‘teletrabalho’, ‘autogestão’ e ‘economia solidária’, que ajudariam a reduzir o fosso de poder que historicamente vem separando empresários e trabalhadores no seio da economia capitalista. Essas novas formulações conferem um caráter mais diversificado ao dicionário ao passo que são fortes provas de que os estudos sobre trabalho sempre se renovam pela incorporação dessas inovações gerenciais, organizacionais e tecnológicas inauguradas ano após ano.

Vale ressaltar que, logo na apresentação, os organizadores da obra destacam a centralidade da inovação tecnológica ao recordarem ser ela uma componente inquestionável do trabalho, uma vez que “produz artefatos e processos que, cada vez mais, passam a mediar o liame entre o homem e a natureza” (p. 12), não se entendendo essa relação exatamente como saudável, pois implica um progressivo sufocamento das forças sociais do trabalho. De fato, é inquestionável que, no decorrer do seu desenvolvimento histórico, o capitalismo vem procurando beneficiar o processo de trabalho (e não o trabalhador), almejando alcançar um maior grau de eficiência e de produtividade, sobretudo em detrimento do poder das organizações trabalhistas.

Portanto, cabe aqui superar a perspectiva histórica de enxergar unicamente a ruptura entre o par ciência/tecnologia e o conjunto de forças sociais e econômicas do qual faz parte. Esse entendimento de renovação na relação entre tecnologia e sociedade se manifesta no tratamento conferido pelos autores às sociologias da ciência, da tecnologia e, naturalmente, do trabalho, convergindo com a afirmação de Braverman (1987) de não se instituir um cenário de hostilidade à ciência e, por consequência, à tecnologia. Deve-se apenas questionar os seus empregos como instrumentos de criação, perpetuação e aprofundamento do fosso que separa classes sociais. Implica afirmar que a tecnologia não pode ser acusada de produzir relações sociais, em geral conflituosas e de subordinação, porque em sua essência ela é o resultado e não a causa dessas relações representadas pelo capital e que favorecem o processo de acumulação no seio da engrenagem capitalista. Pois bem, como ciência e tecnologia estão intimamente ligadas, o dicionário não poderia desconsiderar este fato e, como resultado, confere certa relevância a processos tais como ‘inovação’, ‘biopoder’ e ‘nanotecnologia’, enfatizando ainda a relação entre ‘tecnociência e trabalho’, ‘tecnologia e desenvolvimento’, de forma a evitar o determinismo tecnológico que caracteriza, em especial, a sociologia (do trabalho). Não obstante, ao lançar luz sobre a tecnologia e sua relação com processos científicos e inovadores, o dicionário não abdica de assinalar os fenômenos que, quase obrigatoriamente, surgem imbricados a essa dinâmica, a exemplo daqueles relacionados à saúde do trabalhador (‘ergonomia’, ‘ergologia’, ‘lesões por esforços repetitivos’ e ‘qualidade de vida no trabalho’).

Cabe aqui suscitar que, possivelmente, o único porém desse dicionário com cerca de 470 páginas é o fato de, em hipótese alguma, se tratar de uma obra orientada a iniciantes no assunto. Por outro lado, revela-se uma preciosíssima fonte de consulta para pesquisadores com relativa experiência e algum aprofundamento nos diversos debates colocados, o que justifica a aparente falta de didatismo que o material deixa transparecer em diversos momentos. Essa dificuldade é ligeiramente amenizada através da inclusão, ao final do manuscrito, de um índice por assuntos e verbetes, ferramenta extremamente útil à medida que permite fazer correlações entre os tópicos elencados e, comparativamente, atestar a maior ou menor ocorrência de cada um no seio do debate.

Não obstante tal constatação, esse dicionário temático, indiscutivelmente, é uma obra de grande utilidade para os estudiosos e interessados no tema e, desde já, ocupa a condição de item de consulta obrigatória em língua portuguesa. Ele permite não só compreender de forma sistematizada o percurso da degradação do trabalho no século XX como identificar os mais significativos instrumentos elaborados para mitigar seus efeitos. Igualmente, conforme salientam Cattani e Holzmann na apresentação a esta edição, almeja-se aqui oferecer uma obra capaz de transpor o caráter tradicionalista dos dicionários, satisfeitos apenas em disponibilizar ao leitor a gênese e o desenvolvimento histórico de conceitos. Conforme entendem, o que orientou a publicação foi a possibilidade de subsidiar o seu público alvo com os instrumentos capazes de qualificar as investigações que porventura estejam em curso. Nesse sentido, não se trata de um glossário repleto de definições desassociadas, mas de um preciso mapeamento a respeito das questões abordadas pelas mais renomadas publicações e evidenciadas durante os principais eventos científicos nacionais e internacionais.

Referências

BEYNON, Huw. Trabalhando para a Ford: trabalhadores e sindicalistas na indústria automobilística. 2. ed. Paz e Terra: São Paulo, 1995. [ Links ]

BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3. ed. LTC Editora: Rio de Janeiro, 1987. [ Links ]

HARVEY. David. A produção capitalista do espaço. 2. ed. Editora Annablume: São Paulo, 2005. [ Links ]

Raphael Jonathas da Costa Lima – Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro. E-mail: raphaeljonathas@gmail.com

Acessar publicação original

[MLPDB]

Sceller et gouverner: Pratiques et représentations du pouvoir des comtesses de Flandre et de Hainaut (XIIIe-XVe Siècles) – JARDOT (APHG)

JARDOT, Lucie. Sceller et gouverner: Pratiques et représentations du pouvoir des comtesses de Flandre et de Hainaut (XIIIe-XVe Siècles). Resenha de: PROVOU, Anne-Frédérique. Association des Professeurs d’Histoire et de Géographie (APHG) 5 mai. 2020. Disponível em:.<https://www.aphg.fr/Sceller-et-gouverner-pratiques-et-representations-du-pouvoir-des-comtesses-de>Consultado em 11 jan. 2021.

L’objectif de cette riche étude, à la croisée entre histoire des pouvoirs, des genres et des représentations, est de saisir à travers leurs sceaux le pouvoir et le discours des princesses de Flandre et de Hainaut entre le XIIIe et le XVe siècle, soit en tout vingt-et-une princesses, de Marguerite de Constantinople à Marie de Bourgogne (1244-1482). Lucie Jardot a entrepris ce lourd travail, révélant les aspirations et les ambitions de ces femmes, leurs objectifs politiques et le « discours par l’image » (p. 287) qu’elles déployèrent sur leurs sceaux, l’enjeu étant de comprendre comment ces femmes se représentaient elles-mêmes et voyaient leur propre pouvoir, mais aussi qu’elle fut leur pouvoir réel, l’analyse sigillaire venant ici se coupler à une analyse diplomatique pointue, celle des actes et des chartes produits par ces femmes et auxquelles leurs sceaux furent apposés. Il s’agissait aussi de comprendre en quoi l’insertion de ces femmes dans une parentèle, dans une Maison, fut constitutive de leur identité et de leur pouvoir, une identité fluctuante et « plastique » (p. 285) comme le démontre Lucie Jardot, les princesses devenant successivement fille, épouse, mère et veuve et acquérant de facto un pouvoir et un rôle politique différents.

Une telle étude s’inscrit dans plusieurs décennies déjà de travaux sur l’histoire des genres et des femmes, le monde anglo-américain ayant inauguré la recherche en ce domaine, suivi plus tard par les historiens français [2]. Les questions sont multiples : les femmes eurent-elles un pouvoir au Moyen Âge et peut-on parler de pouvoir au féminin au Bas Moyen Âge ? Ces questions, Lucie Jardot entend y répondre en étudiant le cas précis des principautés hainuyère et flamande, où des héritières puissantes et ambitieuses comme Marguerite de Constantinople ou Jacqueline de Bavière revendiquèrent leur pouvoir, ainsi que leur droit à hériter et à gouverner, deux notions profondément liées au Moyen Âge. Un tel sujet s’inscrit donc dans le sillage des recherches sur le queenship et sur l’histoire des femmes de pouvoir, mais aussi du pouvoir des femmes, qui exprimèrent leurs revendications politiques et leur autorité à travers leurs sceaux, objets de métal chargés « d’identifier leur détenteur et de le distinguer », d’être « le support de leur personnalité juridique » (p. 25-26), ainsi que le support d’une mémoire lignagère, le pouvoir de ces femmes ne pouvant être distingué de la Maison (et même des Maisons) auxquelles elles appartenaient. En cela, l’étude proposée ici est également une étude sur l’aristocratie et la noblesse médiévale.

Si l’auteure de ce livre n’est certes pas la première à étudier le pouvoir féminin, elle est l’une des premières à l’étudier à travers les sceaux et les actes que produisirent ces femmes. Si l’histoire des femmes et des genres connaît un renouveau certain depuis une vingtaine d’années en histoire médiévale, la sigillographie elle – et plus largement l’étude des représentations iconographiques – en sont restés les parents pauvres, peu d’études mettant en parallèle ces deux champs de recherche [3]. Ce livre entend remettre à l’honneur un domaine d’étude délaissé, qui a largement souffert de son statut de « science auxiliaire », en étudiant pas moins de 62 types de sceaux et 750 empreintes différentes. Lucie Jardot insiste d’ailleurs sur la nécessité de confronter ces sceaux avec les chartes et les actes auxquels ils furent accolés, si l’on ne veut pas les couper de leur contexte historique et de leurs objectifs politiques réels. Ces sceaux et ces empreintes, dont l’auteure répertoria minutieusement la forme, la couleur et tant d’autres éléments essentiels pour comprendre les codes et les normes qui présidaient à leur création, – ce qui nous révèlent bien des choses sur les pratiques de chancellerie, en pleine évolution au Bas Moyen Âge –, furent comparés également avec leurs homologues masculins, soit les sceaux des pères et époux des princesses hainuyères et flamandes. Les sceaux féminins ne sont compréhensibles en effet que si on les étudie à travers les différents groupes dans lesquels s’insérait l’individu féminin au Moyen Âge : la famille, la « Maison » à laquelle appartenait la princesse, mais aussi le lignage de son époux, le genre féminin enfin, par opposition au genre masculin. Ces comparaisons mettent en avant des normes sigillaires qui s’appliquèrent autant aux hommes qu’aux femmes, de même que des normes plus masculines, dont certaines princesses surent user avec intelligence pour renforcer leur position et leur pouvoir politique et parler d’égal à égal avec les hommes de leur entourage. Ce fut le cas entre autres de Marie de Bourgogne, héritière de la Grande Principauté de Bourgogne qui adopta sur son premier Grand Sceau (1477) un type équestre qui était passé de mode pour les femmes depuis le XIIIe siècle et qui n’était plus guère utilisé que par les hommes. Un tel choix en faisait l’égale de son époux, Maximilien de Habsbourg, petit prince autrichien, mais aussi et surtout du roi de France Louis XI, désireux de s’emparer du large héritage de sa filleule ; il lui permettait aussi de s’affirmer comme la digne héritière des ducs de Bourgogne, en reprenant les pratiques de chancellerie et les pratiques sigillaires de ses ancêtres masculins, s’opposant là encore aux ambitions du roi de France. Les princesses hainuyères et flamandes usèrent ainsi des types et des normes sigillaires pour s’inscrire dans un groupe, tout en se réappropriant ces normes, ainsi que les emblèmes de leurs ancêtres féminins et masculins, pour affirmer un message politique propre et s’inscrire dans une lignée qui n’était pas toujours celle de l’époux, mais parfois aussi celle du père (chapitres IV et VI).

L’auteure insiste d’ailleurs sur la nécessité de ne pas distinguer trop frontalement les pratiques gouvernementales masculines et féminines, afin de cesser d’envisager le pouvoir féminin comme une « anomalie », erreur dont ont déjà trop souffert les travaux des chercheurs. Le pouvoir de ces princesses n’était certes pas la solution rêvée pour des lignées qui préféraient trouver, pour assurer leur survie, un héritier masculin, mais leur capacité à hériter et leur insertion dans une lignée assuraient à ces femmes un droit à gouverner qui restait une solution parfaitement concevable et envisageable au Moyen Âge, dans le cas où aucune autre voie n’était possible. C’était en somme, dans un monde patriarcal, une solution de dernier recours, mais une solution tout de même, d’autant plus que les mères pouvaient être amenées à jouer le rôle de médiatrices entre le père décédé et le fils, trop jeune encore pour gouverner, constat qui amène Lucie Jardot à souligner le « caractère temporaire » de ces « règnes féminins » (p. 285). Les princesses de Hainaut et de Flandre ne gouvernèrent pas uniquement donc dans l’ombre de leur époux et sous leur tutelle, l’auteure insistant sur le pouvoir effectif de ces femmes qui, en ce qu’elles surent « manipuler un certain nombre de signes » en inventant des sceaux, des gisants et d’autres outils iconographiques censés les représenter elles et leur pouvoir, ont assurément gouverné. Si les femmes d’ailleurs sont aptes à gouverner au Moyen Âge, c’est parce qu’elles sont avant tout des héritières et les princesses surent mettre en avant ce statut dans leurs sceaux, réemployant des normes sigillaires mais sachant aussi les détourner à leur avantage pour transmettre un message politique précis, comme le fit Marie de Bourgogne en 1477. Pensons aussi à Jacqueline de Bavière qui, pour revendiquer des principautés menacées par son cousin Philippe le Bon, prit soin de faire figurer sur plusieurs de ses sceaux des symboles rappelant la puissance de la lignée dont elle était issue, la famille des Wittelsbach (chapitre VI). Le caractère et la personnalité de ces femmes, ainsi que le contexte politique et dynastique dans lequel elles s’inscrivirent, permettent d’expliquer des comportements sigillaires et diplomatiques originaux, révélateurs de leurs ambitions et de leur pouvoir réel.

Quelles sont les conclusions donc de cet ouvrage ? Sans gâter le plaisir du futur lecteur, retraçons-en les grandes lignes : le passage du sceau en navette (aussi appelé sceau en pied) au sceau armorial est très révélateur selon Lucie Jardot de l’évolution du pouvoir des princesses hainuyères et flamandes, mais aussi de l’évolution de leur statut (statut d’héritière, de femme mariée, de mère ou encore de veuve). Ce passage se fit dans le courant du XIVe siècle, le décor architectural, caractéristique des sceaux en navette, se muant en un support héraldique, un constat valable pour les princesses françaises en général, mais particulièrement parlant dans le cas des princesses flamandes. Pensons notamment à Marguerite de Flandre, épouse de Louis de Male et fille de Philippe V de France : le choix des sceaux armoriaux n’était pas anodin, puisqu’ils permettaient de mettre en avant les terres et héritages des princesses flamandes, à une époque où leurs possessions ne cessèrent d’augmenter – Marguerite de Flandre acquit notamment en 1461 le comté d’Artois et le comté de Bourgogne, ainsi que la seigneurie de Salins –. Les princesses ont ainsi mis en avant, à travers cette nouvelle mode sigillaire, leur statut d’héritières, au détriment de leurs autres statuts. Les sceaux donnaient à voir l’alliance par le mariage entre deux familles, facteur de pacification, en même temps que les terres que l’union permettait de regrouper, ce qui est tout à fait révélateur dans un monde où posséder des terres, c’est être puissant. Pour Lucie Jardot, le passage au sceau armorial traduit ainsi « une essentialisation de la place des femmes considérées […] comme des vecteurs de paix », des femmes qui devaient garantir, en se mariant, la survie d’une lignée, que ce soit sur le plan dynastique ou mémoriel, les sceaux mettant en avant la memoria de la Maison et le rôle essentiel des femmes dans ce domaine.

Lucie Jardot insiste aussi, on l’a vu, sur le fait que le pouvoir féminin ne constituait pas une anomalie au Moyen Âge : désireuse de l’envisager sous un jour plus positif, l’auteure rappelle que ces femmes ont bien été des femmes de pouvoir, leurs sceaux et leurs actes le démontrant, même si ce fut souvent dans un cadre et pour un temps limité. Il ne faut pas en effet se méprendre : si certaines princesses à la personnalité forte surent s’affirmer, profitant d’un contexte politique et dynastique favorable, la plupart des princesses hainuyères et flamandes n’exercent un pouvoir que par procuration de leur époux, profitant comme dans le cas de la Grande Principauté de Bourgogne de l’immensité d’un territoire difficile à administrer pour un seul homme, le duc requérant ainsi l’aide de son épouse pour le seconder (chapitre VI). Au XVe siècle, la position des princesses hainuyères et flamandes sur l’échiquier politique devint plus complexe encore : il semble de moins en moins évident de leur confier le pouvoir, les mœurs politiques ayant changé et entrainant une forte masculinisation du pouvoir, dont témoigne l’élaboration à la même époque de la loi salique. Les sceaux, dans ce contexte particulier, ont pu se révéler une arme précieuse dont Jacqueline de Bavière et Marie de Bourgogne surent user, même si elle ne leur permit pas de remporter la bataille finale. Le caractère de plus en plus « affirmatif » des sceaux féminins laisse d’ailleurs deviner une perte de pouvoir des princesses hainuyères et flamandes. Paradoxalement donc, Jacqueline de Bavière et Marie de Bourgogne sont à la fois le témoignage de l’ambition politique que pouvaient avoir ces femmes, autant que le témoignage de leur faiblesse nouvelle, sur un échiquier politique dont les règles étaient en train de changer.

L’étude présentée ici reste encore à achever selon Lucie Jardot, l’ensemble des objets représentatifs du pouvoir féminin en Hainaut et en Flandre n’ayant pu être étudiés dans ce seul livre. Il resterait encore notamment à analyser les représentations produites par le mécénat artistique et littéraire de ces femmes, des œuvres révélatrices elles aussi de leur pouvoir, symbolique et réel.

Un lien vers le podcast Passion médiévistes

Notes

[2] Nous revenons ici sur les travaux français, même si cette liste n’a pas pour objectif d’être exhaustive. Georges Duby et Régine Le Jan figurent parmi les premiers à s’être penchés sur le sujet en France : voir G. DUBY, Mâle Moyen Âge. De l’amour et autres essais, Paris, Flammarion, 1988 et R. LE JAN, « L’épouse du comte du IXe au XIe siècle : transformation d’un modèle et idéologie du pouvoir », dans Femmes, pouvoir et société dans le Haut Moyen Âge, S. Lebecq, R. Le Jan, A. Dierkens et J. M. Sansterre (dir.), Paris, Picard, 2001, p. 65-74. Depuis ces premiers travaux, plusieurs chercheurs ont insisté sur le fait qu’on ne pouvait plus concevoir le pouvoir au Moyen Âge sans étudier celui des femmes. Voir plus particulièrement A. NAYT-DUBOIS et E. SANTINELLI (dir.), Femmes de pouvoir et pouvoir des femmes dans l’Occident médiéval et moderne, Valenciennes, Presses Universitaires de Valenciennes, 2009 et E. BOUSMAR, J. DUMONT et A. MARCHANDISSE (dir.), Femmes de pouvoir, femmes politiques durant les derniers siècles du Moyen Âge et au cours de la première Renaissance, Bruxelles, De Boeck, 2012. Nous renvoyons à l’introduction de l’ouvrage de Lucie Jardot, p. 19-23, pour un développement historiographique plus complet sur ce sujet.

[3] Brigitte Bedos-Rezak et Jean-Luc Chassel ont étudié la sigillographie féminine, mais leurs entreprises restent isolées. Voir à ce sujet B. BEDOS-REZAK, « Women, seals and power in medieval France (1150-1350) », dans Women and Power in the Middle Ages, M. Erler et M. Kovaleski (dir.), Athènes-Londres, University of Georgia Press, 1988, p. 61-82 et J. L. CHASSEL, « Le nom et les armes : la matrilinéarité dans la parenté aristocratique du second Moyen Âge », Droit et cultures, n° 64, 2012.
Disponible en ligne : https://journals.openedition.org/dr…

Anne-Frédérique Provou – Etudiante en master d’histoire du Moyen Age, Université de Lille.

Consultar publicação original

[IF]

Brasília, leitores e leituras. Arquitetura, história e política 1957-1973 | Luiz Gustavo Sobral Fernandes

Este livro sobre Brasília traz uma ampla visão da cidade, apresentando manifestações, relatos e materiais relativos à difusão de seu projeto, de sua construção e das narrativas de 1957 a 1973.

Todos os capítulos repousam sobre o fenômeno Brasília, apoiados em uma extensa investigação bibliográfica do citado recorte temporal. Embora na época e desde então muito se tenha publicado sobre a nova capital, várias manifestações e publicações acabaram não sendo organizadas – ou até foram esquecidas –, e este texto se propõe retomá-las. Leia Mais

No fim da infância | Arrigo Barnabé

Cinzeiros arrancados dos braços das poltronas, voando pelo teatro até o palco, objetos diversos arremessados nas vocalistas, vaias, muitas vaias mesmo. E então Itamar Assumpção, o baixista, pergunta no microfone: “Sabor de quê?”. Só para ouvir a resposta segura da plateia que exclama nervosa: “Mer-da!”.

Se o fim da infância tem a ver com frustrar as expectativas dos outros, se a juventude é marcada pela afirmação de algo particular e genuíno, distante dos projetos concebidos por aqueles que podem conduzir a vida alheia, então podemos dizer que esse episódio dos cinzeiros arremessados foi um dos que assinalaram o fim da infância de Arrigo Barnabé. A recepção agressiva no Festival da MPB da TV Tupi, em 1979, o fez conhecido por uma audiência maior e tornou pública uma escolha sem volta: a de ser uma figura dissonante, destoante, um criador avesso às expectativas. “Estava destinando a ser um novo Chico Buarque de Holanda – um compositor querido das famílias. Mas algo nele fracassa” (1). Leia Mais

Paulinho da Viola e o elogio do amor | Eliete Eça Negreiros

Paulinho da Viola e o elogio do amor (1) é uma reflexão sobre a lírica amorosa das composições de Paulinho, cujo eixo é a separação dos amantes. Neste livro, Eliete Negreiros reavê o mito fundador do amor romântico, formulado pela primeira vez no Banquete de Platão. De início, cada um era um ser por inteiro que, por uma punição divina, é dividido em duas partes. A nostalgia da fusão originária e a busca da unidade perdida constituem uma inquietação permanente, a procurar no Outro o que completa e dá vida.

Conhecido nos tratados médicos antigos como “mal de amor”, a poética de Paulinho, mostra Eliete, revela seus sintomas, suas causas, seus efeitos e remédios. Ou não: “meu mal é um mal de amor / não há remédio que cure a minha dor”. Se paixão é desejo e falta, ele é “intratável”. Tal como no amor proustiano, o amor é uma doença irremediável. Diferem o intratável e o incurável, pois se este é um mal de que ainda não se encontrou remédio e tratamento, o intratável é um mal sem medicação eficaz ou cura vislumbrada, invulnerável a tratamentos ou às luzes da razão. Leia Mais

Mulheres, direito à cidade e estigmas de gênero. A segregação urbana da prostituição em Campinas | Diana Helene

O livro Mulheres, direito à cidade e estigmas de gênero: a segregação urbana da prostituição em Campinas, de Diana Helene Ramos (1), é o primeiro livro escrito por uma arquiteta e urbanista brasileira discutindo a relação entre prostituição e cidade. Publicado em 2019 pela editora Annablume, esse livro é resultado de tese de doutorado da autora em Planejamento Urbano e Regional, desenvolvida no Ippur UFRJ, pela qual recebeu o Prêmio Capes de Tese 2016 da área de Planejamento Regional/Demografia (2). O livro está dividido em três partes, com um total de seis capítulos que, em linhas gerais, discutem a presença das prostitutas na cidade de Campinas e sua participação enquanto agente na produção do espaço urbano, seu cotidiano e os deslocamentos ocorridos no contexto urbano e laboral dessas trabalhadoras. Leia Mais

Aporías de la Democracia – LOLAS; RIBA (RFA)

LOLAS, R. E.; RIBA, J. (Coords). Aporías de la Democracia. Barcelona: Terra Ignota Ediciones, 2018. Resenha de: MONTOYA, Angélica Montes. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.32, n.56, p.597-606, maio/ago., 2020.

Aporías de la democracia es la primera obra colectiva de la red NosOtros y que surge del encuentro de un grupo de académicas y académicos de distintas instituciones y países de América latina y Europa. Esta red inicio el proceso de compartir y producir en colectivo con el 1er Coloquio Euro-Latinoamericano consagrado al tema que da su título a la obra. Para sus editores, esta obra propende “no solamente que con su lectura cobren sentido las dificultades que las democracias actuales poseen, sino también que se haga evidente que, para mantener un sistema democrático, aquello que se ha entendido por ‘representación’ debe ser actualizado, porque en lo esencial ya no representa a la misma ciudadanía, sino a los que ostentan el poder” (R. Espinoza Lolas & Jordi Riba).

Tras la lectura atenta de los textos podemos decir que en Aporías de la democracia se trata, entonces, de poner en común el trabajo de reflexión teórica adelantado por cada uno de los miembros de la red NosOtros, teniendo como hilos conductores unos conceptos entorno a los cuales cada autor/a desarrolla su análisis. En 2017 se trabajó entorno a los conceptos de “democracia” y “aporías”; en el 2018 “migración”, “exilio”, “refugio” y en el 2019 se trabajarán “Estado”, “nación”, “frontera”. Cada encuentro permite un cuestionamiento de dichos conceptos y la puesta en marcha de colaboraciones académicas y de escritura tendientes a pensar y cuestionar el conjunto de temas y discursos que imperan — como si fueran evidencias- en la vida política y social de nuestras sociedades contemporáneas.

Estructura de Aporías de la democracia

El libro de 263 páginas, está estructurado en cuatro partes, cada una contienen artículos cortos en los cuales se analizan los abismos, contradicciones, aciertos y desaciertos del modelo de “democracia representativa” en América Latina y en Europa. Veamos en detalle de que hablan los autores.

La primera parte titulada D e m o c r a c i a y B r e x it , contiene dos artículos que centran su estudio en lo que, política y teóricamente, ha representado el que el Reino Unido decidiera salir de la Unión Europea. Así, el primer artículo, examina el proceso de salida de Gran Bretaña de la Unión Europea (UE). Su autor pone su interés en las posturas teóricas que los filósofos Negri, Zizk y Badiou sostienen frente a este hecho histórico, para luego ponerlos frente a sus propias contradicciones, ya que, al tiempo que aquellos reclaman por el respeto de la verdadera democracia (la que se construye desde abajo), cuestionan abiertamente la decisión tomada, por una mayoría del pueblo Británico, de salir de la UE expresada en el referendo de 2016 (Timothy Appleton). A lo anterior se sigue un segundo artículo consagrado al análisis de lo que el autor llama “una democracia capturada por el capitalismo”. De la mano de Zizek se muestra en que forma “la empresa se devora al Estado y, a la vez, el “Estado es quien mantienen viable la empresa”. Ante esta situación, solo desde la Amistad y desde la cooperación en red es posible imaginar, construir y aplicar posibles cambios que nos ayuden a romper ese cinturón de dependencia (Empresa=> Estado => Empresa) que destruye toda alternativa de democracia posible (Ricardo Espinosa Lola).

La segunda parte el libro, Democracia y ciudadanía , recoge análisis situados en Chile. Aquí se exponen dos artículos, en los que se muestran algunas experiencias de la expresión del desencanto de la ciudadanía chilena y las respuestas que (frente a una tradición política de derecha, que representan las élites) se vienen gestando desde las bases de las movilizaciones sociales. El primer artículo presenta una experiencia de construcción de lo que su autora califica de “Alcaldía ciudadana como propuesta política de gobernanza” en la ciudad de Valparaíso. Esta experiencia es liderada desde el Movimiento Autonomista de Valparaíso que gana la Alcaldía de esta ciudad en 2016; y está respaldada en una coalición política autodenominada “ciudadana”. A lo largo de su análisis, se explica la existencia de una “democracia tutelar heredada de la postdictadura chilena” la cual ha de ser superada desde una concepción de la democracia como ejercicio participativo de la ciudadanía. Precisamente, la “Alcaldía ciudadana” responde a esto último, ya que desde la autoorganización política un grupo de ciudadanos de Valparaíso han puesto en marcha proyecto político como expresión y garantía de una democracia afirmativa, que cuestiona el proceso de transición democrática de los años 90’s, al tiempo que ofrece: primero, pensar lo colectivo (comune) desde la participación activa y, segundo, potenciar el vínculo entre las categorías políticas y ciudad (Pamela Soto Garcia).

En dialogo con el anterior análisis, se ofrece un segundo artículo que interroga la noción de ciudadanía en el marco del Chile contemporáneo. Se trata de un trabajo de coescritura que centra su interés en comprender por qué surgen y que aportan a la ciudadanía los más recientes movimientos sociales (movilizaciones estudiantiles de 2006; la revolución “pinguina” de 2011, las resistencias indígenas y ambientalistas de los últimos años) ocurridos en el país austral. Como lo expresan los autores “Nos interesa señalar que estos movimientos, junto con sacar a la luz pública unas demandas particulares de la ciudadanía, lograron unir a la población más allá de las formas de organización tradicionales, mostrando que otra democracia era posible y, sobre todo, necesaria”. A lo largo del artículo, de la mano de trabajos teóricos entorno a la geografía, el urbanismo y la filosofía de D. Harvey, G. Debord y F. Guatarri, los autores del articulo construyen una reflexión acerca de la ciudad, la ciudadanía y la construcción de lazos territoriales, como elemento importante para pensar y construir la existencia social colectiva del NosOtros en dialogo, también, con el arte (Patricio Landaeta &Ana Cristi C.).

La tercera parte de la obra colectiva, Democracia y política , cuenta con cinco artículos en los que sus autoras/es ofrecen al lector un zoom sobre el estado de la democracia y sus aporias, desde unas miradas situadas (territorializadas). Aquí viajaremos de Colombia a España, pasando por Brasil y Uruguay. El primero articulo brinda una lectura filosófico-histórica de la construcción de la nación en Colombia. La autora se pregunta por los dispositivos (en sentido de Foucault y Agamben) utilizados para establecer el carácter de unidad étnica-racial, territorial y cultural requerida para el “éxito” de ese proyecto de Estado-nación en el siglo XIX. De esta forma, situándose en el Colombia, la autora explica lo que ella denomina los “tres dispositivos” discursivos y legales empleados para construir la imagen de la Nación mestiza y democrática, que absorbió las otredades (minorías étnico-raciales indígenas y particularmente negras) en Colombia. Dichos dispositivos son: la ciudadanía (dispositivo jurídico), la democracia racial (dispositivo antropológico y sociohistórico) y la invisibilización (dispositivo cultural y educativo).

In fine la intención de la autora es la de mostrar que, si bien es cierto que el cambio de constitución política en Colombia -en el año 1991 (CPC 1991)- ha significado una transformación significativa en la inversión de los “tres dispositivos”, antes señalados. Generándose, así, una mayor visibilización de las minorías étnicas y raciales, gracias 1) al reconocimiento de políticas de acción afirmativa y/o la implementación de una etnoeducación, 2) a la fuerza que ganan los discursos acerca de la ciudadanía diferenciada y de la democracia inclusiva. No obstante, la Nación en Colombia (probablemente también en otros lugares de las Américas latinas) sigue pareciéndose a Macondo, la fábula del realismo mágico de García Márquez. En efecto, para la autora, la Nación (con N) se acerca en su complejidad a la metáfora de Macondo, en la que se designar y expresa, no la realidad de un lugar, sino la existencia de un âme o un soufflé (un alma o una bocanada de aire de vida). Macondo fue “el lugar de lo imposible, el lugar de todas las cosas, de los santos y de los demonios, de la condena y de la resurrección, del amor y del desamor, de la espera y de la locura”, en este sentido es tiempo de ver en la CPC de 1991la nación, no ya como un lugar sino como un âme. Explicar la nación como un conjunto de solidaridades, de convergencias complejas de identidades (en movimiento y tensión constante) que debe su existencia al plebiscito cotidiano, sin el cual ese soufflé se agota y cesa de existir (Angélica Montes Montoya).

El segundo artículo, inicia recordando que el conflicto está a la base de la sociedad democrática (Laclau y Mouuffe), por ello cualquier forma de hegemonía se opone a la «formación de buenas políticas» y a la democracia ella misma. A partir de esta premisa, los dos autores se libran a un diagnóstico de la calidad de la democracia en Brasil, cuya historia republicana -desde su independencia (1889) hasta hoy- oscila entre “breves momentos de respeto por el orden democrático y la usurpación por parte de fuerzas militares o civiles, totalitarias y hegemónicas”. El último ejemplo de esta oscilación se encuentra en la destitución de Dilma Roussef, la primera mujer presidente y la primera en ser objeto de un nuevo tipo golpe de Estado, orquestado desde el poder legislativo y judicial, con el respaldo de un sector de la clase política, las iglesias evangélicas, los medios de comunicación, el capital financiero y agrario. Ante la pregunta ¿Cómo ha sido esto posible?, los autores responden que ello es debido: primero, al presidencialismo de coalición, que se origina dado que el Brasil funciona un gobierno presidencial en medio de un sistema de fundaciones parlamentarias, esto hace que para gobernar el presidente/a brasilero debe contar con una mayoria absoluta en el Congreso y ello empuja a una necesaria búsqueda de coaliciones, cuando ello no se logra acontece el impeachment. La segunda razón, es la judicialización de la política, esta consiste “en la tendencia de los tribunales a juzgar casos que, en principio, estarían reservados al poder legislativo o ejecutivo” (Ericson Falabretti & Francisco Verardi Bocca).

El tercer artculo, aborda los efectos negativos que tienen para la democracia la perspectiva política liberal y neoliberal, la cual se ha instalado en América Latina. Apoyándose en el estudio de las obras de Friedrich A. Von Hayek, el autor mostrara que “la democracia basada en la búsqueda de la igualdad de derechos está lejos del horizonte del gobierno neoliberal”. De esta forma, afirma que, “No se puede pensar al principio de la igualdad solamente en términos de igualdad de oportunidades. Lo que la forma neoliberal echa de lado son las condiciones necesarias para alcanzar esa igualdad” (Cesar Candiotto).

En el cuarto artículo, dedicado al Uruguay, su autora adelanta un estudio de lo que ella denomina la “ciudadanía diaspórica”, entendida como “una ciudadanía extraterritorial nutrida de actos, discursos, representaciones y vivencias de exexiliada/o, emigrantes, expatriada/os” que se puede observar como un proceso de construcción de una comunidad política. Se trata de un proceso de militancia y organización que los migrantes uruguayos han construido a través de una larga lucha en “defensa de los derechos y políticos de los inmigrantes, expresada…en torno al reclamo de habilitación del voto extraterritorial” y sostenido por un movimiento social que la autora califica de no convencional. Este carácter no convencional se reflejaría (de acuerdo al trabajo de búsqueda y sistematización de datos recolectados) en una autoorganización organización, a través de sitios web, boletines electrónicos y página Facebook. Las condiciones en las cuales se organiza esta “ciudadanía diaspórica” la acerca a lo que se denomina e-diaspórica (descrito por la socióloga Dana Diminescu), es decir, “…un colectivo disperso, una identidad heterogénea cuya existencia reposa sobre la elaboración de una dirección común, una dirección…renegociada según la evolución colectiva”. Para la autora del artículo, los procesos de la “ciudadanía diaspórica” que ponen a prueba al Estado-nación tradicional, pueden verse como una aporía a la democracia y a su institucionalización, que la circunscribe a una territorialidad definida (Fernanda Mora-Canzani).

Cierra este tercer apartado del libro un quinto artículo dedicado a estudiar las experiencias de “participación ciudadana” que se inicia en España a partir del año 2011, cuando tienen lugar la ocupación de las plazas. Durante este episodio se hicieron virales muchos slogans dirigidos a cuestionar el sistema democrático representativo: “no nos representan”, “democracia real”. Desde entonces en España se han venido organizando nuevas experiencias y formas de relación entre la institución y la sociedad. Las reflexiones has sido particularmente interesantes e intensas entorno a los gobiernos municipales (municipalismo), desde donde se habla de “ayuntamientos del cambio” en ciudades como Barcelona y Madrid. La autora nos explica como han sido estas experiencias, a través de las cuales se ha “buscado un desplazamiento que permita hacer bascular las democracias representativas hacia mecanismos de democracia directa ampliando la incidencia de la ciudadanía en las políticas públicas”, esto es calificado -por la autora- de una “democracia expandida”. Esta última debe entenderse más allá del debate de la representación y la participación: basándose en los trabajos de Foucault (sobre la política como politeia y lo político como dynasteia) la “democracia expandida” debe verse más allá de los mecanismos de participación ciudadana y ser observada como la “integración de esos saberes y practicas que emergen de la experiencia como marco a partir de los que configurar y decidir las formas de enseñanza y aprendizaje, la organización de las infraestructuras …en tanto que dimensiones que vehiculan nuestros modos de relación social”. En suma, la “democracia expandida” sería una democracia que -retomando el texto de Foucault “La verdad y las formas jurídicas” de 1973- propende por una perspectiva de la democracia en la que hay una inversión de la soberanía, una reapropiación de ese principio por aquellos que, siendo gobernados a través de ella, se declararán ahora soberanos de si mismos (Ester Jordana Lluch).

Cierra la obra colectiva, una última parte Democracia y filosofía , constituida de cuatro artículos que vuelven sobre la noción misma de democracia. El primer artículo, el autor analiza las aporías de la democracia partiendo de las declaraciones (hechas en un Twitter) del ciber-militante Julian Assange quien afirma que “actualmente se está modificando la relación de la gente con el poder” y de Pierre Rosanvallon, para quién, “la democracia es la historia de un desencanto y la historia de una indeterminación y de una obstinación”. La idea central del texto es la de mostrar como las declaraciones actuales de Assange se articulan con las cautelas manifestadas por el teórico Rosanvallon. Así, las denuncias que se escuchan, primero, entorno al hecho de que el poder institucional “no nos representa” y, segundo, las exigencias de una mayor participación de los ciudadanos (democracia directa), dialogan con la forma democrática que Rosanvallon señala como formas indeterminadas y, por ello, abiertas que debe tener la democracia. Ya hace mucho tiempo Rosanvallon ha puesto el ojo en esa forma paradójica que la democracia contiene, por ello el autor del artículo declara que “Viejo pues es lo nuevo en forma de deseo y de indeterminación”.

Para ahondar en este carácter de lo “viejo nuevo” de la crítica de la democracia, el autor recurre a los trabajos de Miguel Abensour, quien en su obra “La democracia contra el Estado”, había planteado aquella como un momento emancipatorio, ya que ella (la democracia) se muestra indomable, salvaje y turbadora de los órdenes establecidos. La democracia “encuentra la fuente de su fuerza indomable, en el elemento humano, en ese foco de complicaciones, de agitaciones que entraña la articulación de vínculos múltiples”. De esta manera -de la mano de Levinas y de Abensour- en el artículo se nos recuerda que la democracia no es concebible sin el recurso a la utopía, por ello se hace indispensable indagar los vínculos entre el nuevo espíritu de la utopía (no sustancialista ni mitológicamente relacionada a la armonía) y la revolución de la democracia, entendiendo “que ninguna comunidad humana puede prescindir de la ley, que se concibe, antes que nada, como relación. Y donde el legislador sólo puede ser colectivo, plural”. In fine, se trata de una apuesta por remplazar el “sustancialismo utópico” por la intersubjetividad política, en la cual se pone como centro la humanidad indeterminada y no ya el hombre. Esto quizá ayude a salir de la doble aporía frecuentemente encontrada, a saber, la identificación de la política con el Estado (propia del hegelianismo) o la de hacer jugar (desde un anarquismo torpe) lo social contra lo político. (Jordi Riba).

El segundo artículo, ofrece un análisis que parte del binomio crisis/critica, partiendo de las raíces etimológicas de los dos temimos, la autora busca responder la pregunta ¿esta la democracia está en crisis porque subjetivamente se ha perdido la pregunta de como juzgar democráticamente? O ¿es la crisis de la democracia un síntoma causado, precisamente, por la incapacidad de criticar? La autora del articulo recuerda, primero, que etimológicamente la categoria “critica provienen del griego krion (juicio, decisión) y del verbo krino (yo decido, yo juzgo), del mismo modo la noción crisis vienen del griego Krisis (apela a la decisión) y, de igual forma, del verbo krino, designando, en este caso, el momento en que se produce un cambio. Segundo, que a partir de esta etimología se puede inferir que “el juicio crítico tiene que ver, a la base, con las condiciones ontológicas de la formación subjetiva en lo que tienen ella de “consciencia-de-si” ligada, en cierta manera, a un estatuto comprensivo en el cual la interpretación de dicha posición subjetiva se cumple en el ejercicio del juicio crítico”. Así, para salir de la “inconsciencia-de-si” -cuando hay una crisis- presupone interrogarse, juzgar y cuestionar las Verdades inscritas en el pensamiento. La propuesta, entonces, es la de observar lo que la autora del artículo llama “las metonimias” inscritas en el concepto de democracia; interrogarlas con el propósito de hacer surgir orientaciones que sean el resultado de un juicio colectivo, solo así se podría llegar -en sus propios términos- a una “economía del pensamiento distinta, cuyo movimiento racional de la misma representación de lo que se ha comprendido como democracia” creando un nuevo concepto (otro) que pueda ser revelador del uso reflexivo de la capacidad de juzgar, y en este sentido representaría, también, un acto critico (Lorena Souyris).

En cuanto al tercer artículo, de esta cuarta parte de la obra, continua en el tratamiento de las aporías de la democracia, en esta ocasión volviendo a las nociones de libertad e igualdad. Las preguntas que articulan la reflexión son dos: ¿Cómo conceptualizar la libertad en el marco político? y ¿Cómo conceptualizar la igualdad en vistas a una mayor emancipación? Para los dos autores, la primera gran tensión se revela en el término mismo democracia que engloba significaciones varias y contrarias: demos (pueblo) y kratos (potencia, fuerza, poder e incluso gobierno). El problema estriva en que entre los griegos demos podría significar, tanto la totalidad de los ciudadanos como la parte popular excluida. “Así, democracia puede significar el poder de los anteriores excluidos, pero debe ser también el poder de la totalidad”. Una situación similar ocurre con la categoría kratos, como potencia y poder, debe ser mantenida entre la totalidad del pueblo y no ser exclusiva de una cabeza o grupo. El desarrollo del concepto poder ha sufrido cambios importantes, imponiéndose la lectura moderna y liberal, que afecto las nociones políticas de libertad e igualdad.

Las dos autoras -de la mano de Rancière y Badiou- pasan revista a las teorías y explicaciones de la evolución de la noción de democracia, desde Aristotele y Platon hasta la modernidad, para señalar que el principal problema al que nos enfrentamos hoy es a la “inconmensurabilidad entre lo que la palabra democracia significa y la noción de democracia neoliberal” imperante. Para responder a este desafío las autoras proponen: primero, una crítica a la noción de política, entendida como administración del Estado, ya que así entendida la política se aleja de su componente principal, que es el conflicto. Segundo, cuestionar los axiomas de libertad e igualdad dentro de la democracia liberal.

En el desarrollo de sus análisis las autoras responderán que: 1) la principal contradicción de la democracia liberal es la de “intentar establecer una democracia apoyada en la idea del consenso y de la representatividad”. 2) el gran error ha sido el que la libertad ha sido absorbida por la concepción liberal como “espacio individual…como propiedad privada…capitalizante”. De la misma manera, la igualdad ha sido asociada a esta lectura liberal hasta verse asociada a la libertad capitalizante. Ahora bien, no debe perderse de vista nunca que la libertad no es un estatus del individuo, ella debe ser pensada como emancipación, de modo a do hacer de ella una libertad de consumidores (Teresa Montealegre Bara & Gisele Amaya Dal Bó).

Finalmente da cierre, a esta parte del libro, un cuarto artículo consagrado al estudio de la noción de autoridad. Advierte su autor que se trata de un concepto mal comprendido y poco trabajado. A menudo se le confunde con otros conceptos como poder, fuerza y totalitarismo. Además, con frecuencia la autoridad es criticada desde la izquierda acusándole de enemiga de la democracia y de la sociedad (Negri, Hardt). Entre los filósofos hay quienes no la consideran un problema filosófico, pues les resulta obvio de que se trata; mientras que otros la juzgan un tema de psicología social (Foucault). Para lograr su lectura distinta y heurística, el autor del artículo hace un recorrido por algunas de las obras de filosofas y filósofos del siglo XX (H. Arendt, M. Bakunin, P-J. Prroudhon, M. Horkheimer, J. Dewey, E. Fromm, L. Muraro, L. Cigarini, M. Reévault d’Allonnes, M. Mead y P. Friere). Con ello busca demostrar el “espejismo de la autoridad” que acompaña la ficción de una tradición que hace una lectura autoritaria de la noción de autoridad. Al final de la lectura queda al descubierto lo que sería el mayor desafío político contemporáneo que “ya no consiste tanto en suprimir la autoridad como en intentar pensarla y articularla de otro modo”. Si bien el autor no espera que el lector se reconcilie de forma definitiva con la autoridad, espera que por lo menos se pueda comprender su complejidad para así evitar las lecturas unidimensionales e ideologizadas de la misma (Edgar Straehle).

El libro Aporías de la democracia , concluye con las palabras del poeta francochileno Luis Mizon quien expresa el desgarro de ser Otro/diferente en tiempos de crisis de las democracias. Por ello declara que, al igual que la insolencia política, la insolencia poética es una forma de oponerse al exceso, a la desmesura del poder. En suma, es una forma de resistir y de construir un NosOtros en medio de sus complejidades; enriqueciéndola por la diversidad de las expresiones del ser y de sus variadas formas de resistencia.

Angélica Montes Montoya – Catedrática, Universidad Paris 13, Villetaneuse, France. Directora del Think Tank GRECOL-ALC. Doctora en Filosofía política. E-mail: angelica.angmon11@gmail.com

Acessar publicação original

[DR]

Hegel and Spinoza: Substance and Negativity – MODER (RFA)

MODER, G. Hegel and Spinoza: Substance and Negativity. Illinois: Northwestern University Press, 2017. Resenha de: CRAIA, Eladio; KELLER, Arion. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.32, n.56, p.591-596, maio/ago., 2020.

Poderíamos caracterizar a obra de Gregor Moder, Hegel and Spinoza: Substance and Negativity, como uma obra não ortodoxa dos estudos tanto hegelianos quanto spinozistas, como uma tentativa quase heroica de recepcionar de forma nova e original a tão problemática relação existente entre hegelianismo e spinozismo e, também, como uma tentativa de “fazer justiça” a ambos os lados da discussão.

Tal problemática, no entanto, é tão antiga quanto o próprio texto hegeliano. Sabemos da ambiguidade de Hegel com relação a Spinoza, que oscila desde uma série de elogios e reverências ao holandês, como nas famosas passagens das Lições sobre a história da filosofia, onde afirma que quem não for spinozista não pode sequer ser filósofo, ou que além do spinozismo não há nenhuma filosofia, até o desenvolvimento de ácidas críticas com inspirações semelhantes às direcionadas a Parmênides e ao Oriente, sendo o que está em jogo é o papel desempenhado pela negatividade.

A motivação não ortodoxa que mencionamos, é a tentativa do autor de situar um “ponto pacífico” entre as duas tradições aparentemente incompatíveis. Tradicionalmente, Hegel é colocado como o fundador de um projeto ontológico que privilegia a negatividade, ou melhor, que tenta pensar uma negatividade produtiva no nível da substância, do absoluto. Por outro lado, Spinoza é lido como um autor da afirmação pura, atuando muitas vezes como o “antípoda” dos projetos ditos negativistas. Gregor Moder (2017, p.104) demarca muito bem esse panorama conflitivo no que ele chama de materialismo francês do século XX. Pelo lado hegeliano o autor menciona a psicanálise de Lacan, em que há um primado claro da negatividade, pois a categoria de Sujeito, nuclear à psicanálise lacaniana, é atravessada pela categoria de Falta. Já pelo lado spinozista, é a presença da filosofia de Deleuze que marca o “afirmacionismo” contemporâneo, em que o grande esforço é o de se pensar os processos de diferenciação ontológica sem o apelo à categoria de Negação. Entretanto, e surpreendentemente, o autor situa a filosofia de Althusser como a “própria encarnação do problema Hegel e Spinoza” (MODER, 2017, p.120), como o meio termo dessa tensão. Para Gregor Moder, é a teoria da ideologia althusseriana aquela capaz de trabalhar com os dois modelos ontológicos simultaneamente, onde ambas concepções de negatividade trabalham juntas. No entanto, vejamos como o autor chega a este ponto.

A introdução da obra é intitulada A Questão de Leitura. No decorrer deste texto, Moder situa a recepção de Spinoza na Alemanha em geral, e a recepção de Hegel em particular. Hegel, apesar dos elogios que comentamos acima, combate o spinozismo por uma razão teórica muito específica: Spinoza teria ficado preso ao início, sua substância seria rígida e imóvel, isto é, ela não teria a capacidade de transformar a si mesma, seria apenas uma afirmação pura e abstrata; o spinozismo seria um eleatismo em sua face moderna. Althusserianos, por outro lado, acusam Hegel de uma inversão do modelo neoplatônico de produção do Ser. O problema de Hegel por excelência e também o de Gregor Moder neste caso, será de pensar uma possibilidade de contradição ou movimento no nível substancial que fuja de ambas as acusações. Tudo se passa como uma questão de movimento interno no próprio absoluto.

Além disso, Moder situa em traços gerais várias das objeções da leitura hegeliana de Spinoza. O problema do autor não é, portanto, defender a leitura hegeliana de Spinoza, nem mesmo contra-atacar Hegel como um spinozista, trabalho este já feito pelos estudos de Deleuze, Gueroult, Macherey, etc., mas de pensar ambas as filosofias com o seguinte projeto: distanciar-se dos modelos emanativos de inspiração aristotélica e neoplatônica, caracterizados por sua unilateralidade e hierarquia causais. O autor defenderá que tanto Hegel quanto Spinoza, cada um à sua maneira e com aparatos conceituais muito distintos, tentarão valer-se de uma categoria de causalidade livre de hierarquias, que seja suficiente para se pensar o autodesenvolvimento interno do próprio absoluto. Eis a hipótese não ortodoxa da obra: não será a clássica oposição Hegel versus Spinoza, mas Hegel e Spinoza versus aristotelismo e neoplatonismo (MODER, 2017, p.14-15).

Os três primeiros capítulos da obra são voltados à filosofia de Hegel, com o intuito de desvinculá-la das críticas de inversão do neoplatonismo feitas por Althusser e Deleuze; no entanto, e fazendo certa justiça a Spinoza, o autor sempre desvincula o holandês das críticas equivocadas de Hegel, tirando-o também dessa linhagem aristotélica e neoplatônica. No primeiro capítulo, intitulado A Lógica Hegeliana do Puro Ser e Spinoza, o autor desenvolve a concepção hegeliana de Ser. Em linhas gerais, a problemática hegeliana diz respeito ao clássico debate grego incorporado por Parmênides e Heráclito. Pelo lado de Parmênides, temos o Ser idêntico a si mesmo, carente de negatividade e animado pelo princípio de ex nihilo nihil fit (do nada, nada provém), e por outro lado o princípio de devir puro heraclitiano, aparentemente incompatíveis. A grande virada hegeliana é de estabelecer o devir como a própria verdade/telos dos sistemas de identidade, negando o princípio de ex nihilo nihil fit e estabelecendo o motor da dialética por excelência: a identidade da identidade e da diferença. Essa descoberta de Hegel é o princípio de movimento no Ser imóvel parmenidiano. Com isso, Hegel remove a ideia de um “Ser puro” no sentido aristotélico e neoplatônico (o motor imóvel nada mais é que um princípio de causalidade unilateral, pois move sem ser movido), isto é, já estamos sempre no campo da mediação, estabelecida por uma negatividade produtiva; a igualdade de Ser e Nada propostas no início da Lógica são a própria condição necessária de movimento no absoluto. Moder assim resume esse movimento inovador de Hegel: “na medida em que a lógica do puro ser fala, ela já fala na linguagem da lógica da reflexão” (MODER, 2017, p.30).

O segundo capítulo, intitulado História é Lógica, segue o desenvolvimento do primeiro. No entanto, neste capítulo o autor enfatiza a relação de Hegel com a história da filosofia. Abordando o problema do imediatismo do puro Ser das filosofias orientais e de Parmênides, passando pela resposta de Aristóteles ao problema do movimento no nível substancial, o primeiro motor imóvel, e enfim chegando à teoria da produção de Plotino. Hegel critica todos esses modelos, pois são caracterizados por uma causalidade hierárquica, são um modelo emanativo de produção do Ser. A negatividade produtiva de Hegel, elaborada pela via do princípio de omnis determinatio est negatio, é caracterizada como a determinação do próprio Ser, visto que não há possibilidade de falar do Ser enquanto Puro e indeterminado (pois nesse nível Ser e Nada se equivalem), aparece como uma dupla negativa, instaurando o movimento próprio da Lógica, e consequentemente da História. Esse princípio é chamado pelo autor de “perda da própria perda”, a “morte da morte” (MODER, 2017, p.55 e p. 88). Por fim, o autor novamente retira Spinoza desta linhagem, retomando a leitura deleuziana da causalidade imanente de Spinoza, animada pela teoria da univocidade do Ser.

O terceiro capítulo, Telos, Teleologia e Teleiosis, talvez seja o mais inovador no que diz respeito aos estudos hegelianos. Retomando a problemática da doutrina aristotélica das quatro causas, o autor explica como deve-se entender a ideia de telos em Hegel. Longe de ser uma mera finalidade externa do processo, como por exemplo o Juízo Final da metafísica cristã, Hegel se aproximaria da postura heideggeriana com respeito à doutrina das causas, exposta nas conferências sobre a Habitação e sobre a Técnica. A causa final não pode ser compreendida fora do conjunto total das causas. Ela deve, pelo contrário, ser entendida como o desenvolvimento dinâmico do processo todo, como um telos interno (MODER, 2017, p.71). Cunhando um termo de Franz Brentano para explicar este modo de compreender a causalidade e a finalidade, Moder nomeia este telos imanente ao próprio processo causal de teleiosis. Esse paradoxal movimento em que o telos atua como fim e início ao mesmo tempo é o próprio “motor da história” (MODER, 2017, p.76). A história é teleológica, portanto, enquanto uma teleologia interna ao próprio desenvolvimento do pensar.

O quarto capítulo é intitulado Morte e Finalidade, e nele é desenvolvida uma original leitura sobre uma espécie de negatividade em Spinoza. Como o próprio autor lembra (MODER, 2017, p.123-124), e isto é central para a hipótese da obra, a negatividade não pode ser compreendida em apenas um sentido. A filosofia contemporânea tem inúmeros conceitos que desempenham este papel, tais como falta, vazio, lacuna, torção, ruptura etc. Justamente com essa busca por um princípio motor (negatividade) o autor desenvolve sua leitura de Spinoza como autor fecundo para os debates contemporâneos. E ela é surpreendente. O autor defende, contrariamente à leitura hegeliana, que a substância de Spinoza é ativa, móvel e com capacidade de autodesenvolvimento. Para Moder, a substância de Spinoza não produz sem ser afetada por sua produção (como o motor imóvel de Aristóteles ou o Uno plotiniano), ao contrário, e essa é uma grande descoberta de Spinoza, a substância é causa de si no mesmo sentido que é causa de todas as coisas. A substância não é indiferente em sua produção, ela permanece no efeito (modos finitos) tanto quando os modos permanecem nela. O que parecia, portanto, ser uma continuação da tradição neoplatônica, se mostra como uma radical teoria imanente. A substância nunca está em um estado imediato, mas sempre já modificada. A existência dos modos é a existência da própria substância (MODER, 2017, p.100). O conceito de causa de si, portanto, atua como uma curvatura (negatividade, movimento) na própria substância. É este o princípio de movimento do sistema spinozista. É o próprio Ser em sua modificação original. Por outro lado, o autor se filia a Vinciguerra e Deleuze sobre a teoria da imaginação como constituinte da experiência dos modos finitos. Nesse processo, longe de distorcer a realidade, a imaginação é constitutiva da própria realidade modal, uma aliada da razão na busca do conhecimento de terceiro gênero. Nesse sentido, a outra espécie de “negativo” em Spinoza é a capacidade do imaginário de distorcer a própria realidade (MODER, 2017, p.99).

Esta última consequência é importantíssima para o último capítulo, intitulado Ideologia e a Originalidade do Desvio, em que a filosofia de Althusser aparecerá como aquela que trabalha com ambas as concepções de negatividade, isto é, tanto com a torção spinozista, quanto com a lacuna hegeliana. Surpreendente e nada ortodoxa a postura do autor, visto que Althusser foi um crítico ferrenho da dialética hegeliana. Por um lado, Althusser assume a noção de crença, retirada da filosofia de Spinoza, como o local onde o imaginário constitui a própria existência material da ideologia; na crença religiosa a ideologia devém material. Por outro lado, a superfície material da ideologia não é o suficiente. Há sempre uma ordem real negativa que constitui a base positiva material. E nesse ponto de vista, o autor defende que Althusser tem uma forte influência hegelianalacaniana. Em Althusser, portanto, a ordem real não é a ordem material, ela é a diferença entre o real e o material (um arranjo dialético muito similar à concepção da identidade como identidade da identidade e da diferença). Por conta dessas duas posições althusserianas, Moder pode dizer que ele é a própria encarnação do problema Hegel e Spinoza.

A conclusão da obra, Substância e Negatividade: A Primazia da Negatividade, estabelece, portanto, um primado da negatividade na filosofia contemporânea. Negligenciada pela tradição desde Parmênides, passando por Aristóteles e os neoplatônicos, a negatividade ganha dignidade ontológica a partir de Hegel e se estende por toda a filosofia contemporânea. Curiosamente, mesmo Deleuze, o maior representante do “afirmacionismo”, não fica de fora desta primazia. Ora, a negatividade para Gregor Moder é tudo aquilo que funciona como um princípio motor não hierárquico ou unilateral no nível substancial ou ontológico. Seja esta chamada de negação da negação, teleiosis, diferença, modificação, torção, sujeito, curvatura etc. A originalidade do autor reside, para além de tirar Hegel desta tradição do “imediatismo ingênuo”, o que é evidente por si só, em fazer o mesmo com Spinoza! Para o autor, a única possibilidade de o spinozismo ser relevante na contemporaneidade é através dessa virada da negatividade e, no caso do spinozismo, entendida como torção, como essa autocausação da substância. Isto que o autor chama de “leitura heideggeriana de Spinoza”, ou seja, onde não há transição de substância para modos, não há transição do infinito para o finito, a única maneira de a substância se diferenciar é como suas próprias modificações, garante a continuidade recíproca de ambos. Em Spinoza, Ser só pode ser entendido dessa forma. Para Moder (2017, p.145), portanto, “a substância só pode ser sua própria torção”.

Eladio Craia – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUCPR, Curitiba, PR, Brasil. Doutor. E-mail: eladiocraia@hotmail.com

Arion Keller – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUCPR, Curitiba, PR, Brasil. Graduado em Filosofia. E-mail: arionkeller@hotmail.com

Acessar publicação original

[DR]

Laughter in Ancient Rome. On Joking, Tickling and Cracking up | Mary Beard

Estudiar la risa ha sido preocupación de diversos historiadores especialistas en diferentes periodos: Le Goff 1, para la Edad Media; Keith2 , para la Inglaterra de los Tudor; Halliwell3 , para los griegos; Clarke4, para el caso romano; entre otros. Así pues, aunque desde perspectivas y problemas diversos, hay una búsqueda historiográfica por preguntarse acerca de la historia cultural y social a través de la risa. Será precisamente en diálogo con los autores mencionados con los que Beard entabla una investigación histórica de la risa.

En este marco se encuadra este libro, que es, a su vez, fruto de las estancias de Beard como conferencista en Berkley en el año 2008. La importancia de esta investigación está dada, según palabras de la autora, en tanto que de los romanos hemos aprendido a reírnos y sobre qué reírnos. El libro busca establecer puntos de encuentro con lo que ella, tomando al poeta Khlebnivok, llama laughterhood de Roma, pero no pretende ser una exhaustiva búsqueda por la risa romana. El libro tampoco entra con el tema judío y el cristianismo temprano, pero le es imposible separarse de Grecia, por lo que estará en constante diálogo con el mundo helénico. Cabe añadir que la misma autora ha retomado el tema de la risa romana en otra publicación posterior5 , con el objetivo de ampliar y difundir su investigación. Leia Mais

Verdugos impunes. El franquismo y la violación sistemática de los derechos humanos | José Babiano, Gutmaro Gómez, Antonio Míguez e Javier Tébar

En España el debate académico sobre los derechos humanos y libertades ciudadanas no se produjo de forma real hasta finales de la década de 1970, el “decalaje” entre las instituciones españolas y su entorno europeo era más que evidente. La creación de un marco de investigación histórica sobre la vulneración de derechos humanos surgió en el contexto del debate de la aprobación de la (ominosa) Ley de Amnistía (46/1977, 15 de octubre). Ley por la cual se exoneraban toda la responsabilidad judicial a los crímenes de lesa humanidad cometidos durante la dictadura del general Franco. Esta publicación es una de las plataformas de lanzamiento de las corrientes de investigación comprometidas con las víctimas de la represión franquista. Verdugos impunes es una obra clave para comprender la naturaleza orgánica de la dictadura, los fundamentos ideológicos de las políticas de odio y la emanación de la jurisprudencia vulneradora de los derechos humanos más básicos.

La obra colectiva (Barcelona: Ediciones Pasado y Presente) alberga un compromiso claro con los valores del movimiento español de la Memoria Histórica. Los autores son especialistas en el campo de la historia política del siglo XX: José Babiano Mora (director del Archivo y Biblioteca de la Fundación 1º de Mayo), Gutmaro Gómez Bravo (Departamento de Historia Moderna y Contemporánea de la Universidad Complutense de Madrid), Antonio Mínguez Macho (Departamento de Historia de la Universidade de Santiago de Compostela) y Javier Tébar Hurtado (departamentos de Historia de la Universitat de Barcelona y la Universitat Autónoma de Barcelona). El cuerpo de la publicación se compone de cinco bloques temáticos y un apartado de conclusiones generales. En los epígrafes finales, destaca el índice alfabético, ya que es muy extenso y facilita mucho el rastreo de conceptos históricos, personalidades, siglas y referencias jurídico-legislativas. Leia Mais

A cruel pedagogia do vírus | Boaventura de Sousa Santos

Diante das incertezas, avanços e recuos no enfrentamento ao novo coronavírus no mundo, Boaventura de Sousa Santos elabora o livro publicado em 2020, intitulado “A cruel pedagogia do vírus”. Trata-se de um livro com poucas páginas para ler, com uma escrita simples e de fácil compreensão, onde o autor, em 32 páginas, apresenta suas opiniões sobre os ensinamentos que decorrem da pandemia do coronavírus, assim como da adaptação da sociedade diante da doença e de quem está em melhores condições para seguir as medidas de prevenção e recomendações da OMS perante a pandemia. No final da obra, o autor se permite, igualmente, a pensar o “futuro” que se apresenta vestido de uma utopia que ele chama “normalidade”.

No trabalho em questão, Boaventura de Sousa Santos não se esgota, uma vez que apresenta as entrelinhas, faz questionamentos e permite ao leitor a desenhar possíveis cenários diante da realidade que se vive atualmente. Partindo dessa premissa e da experiência vivida desde a declaração da pandemia e das distintas experiências da quarentena, “A cruel pedagogia do vírus” é uma proposta realista e hostil, uma vez que o vírus diante de vicissitudes cruéis e até fatais vai permitindo aos sobreviventes a compreender o mundo em que vivem e a pensar no tipo de sociedade que pretendem. Leia Mais

Contra o juízo: Deleuze e os herdeiros de Spinoza – HEUSER (ARF)

HEUSER, E. M. D. (Org.). Contra o juízo: Deleuze e os herdeiros de Spinoza. Curitiba: Appris, 2019, 207p. Resenha de: MENEGHATTI, Douglas. Aufklärung – Revista de Filosofia, João Pessoa, v.7, n.2., p.131­-136, mai./­ago., 2020.

O livro é uma coletânea de textos escritos por 17 autores, organizados pela Prof. Ester Heuser, que se apresenta como um movimento de insurreição à doutrina do juízo. Para contrapor-se ao juízo são chamados à cena os filósofos que Deleuze nominou de “herdeiros de Spinoza”: Nietzsche, D. H. Lawrence, Kafka e Artaud. Conforme sugere o subtítulo presente na Apresentação, esses “herdeiros” podem ser considerados “cavaleiros do apocalipse ao revés”, cujo empreendimento é vencer o juízo, através de uma batalha libertadora que visa restabelecer o devir criativo, contrapondo o sistema transcendente do juízo à existência. Muitos são os tremores e temores daqueles que se opõem aos ‘castigos’ oriundos dos julgamentos sacralizados pela própria história, entretanto, como contrapartida, o livro deixa bem claro que o único caminho é resistir e lutar.

A menção ao apocalipse nos remete ao último livro do Novo Testamento da Bíblia cristã, mais especificamente a um texto de João de Patmos no qual é consumada a escatologia do juízo final da doutrina de salvação da cristandade. A profecia teleológica presente no apocalipse transforma o Cristo amoroso dos evangelhos em um Cristo vingativo, onde a justiça divina se torna preponderante sobre a misericórdia, por meio de um julgamento definitivo em que prevalece o ressentimento contra o pecado e todos os deleites de uma ‘vida profana’1. Para contrapor a visão determinista do apocalipse são apresentadas contundentes reflexões dos “cavaleiros do apocalipse ao revés”, numa perspectiva que leva o leitor desde a compreensão do livro de João de Patmos até a crítica ao mesmo, com uma visão de Deleuze-Lawrence.

Lawrence chega a duvidar que o evangelho de João e o Apocalipse tenham sido escritos pela mesma pessoa. Pois no Evangelho se encontra um Cristo afável e amoroso, enquanto no Apocalipse um Cristo rancoroso e vingativo (LAWRENCE, 1990, p. 2022).

Essa dicotomia levou Anna Lorenzoni et al, autores do capítulo: “Lawrence e Deleuze entre apocalipses: o julgamento final e o final do juízo”, a acentuar a conclusão de Lawrence: “João, o apocalíptico, trabalha imerso no terror e na destruição, fundamentando sua profecia em uma mescla infesta de ameaça e pânico; enquanto João, o evangelista, seguia de perto Jesus, trabalhando o amor humano e espiritual” (p. 117).

Teria então João de Patmos distorcido a doutrina de seu grande mestre Jesus de Nazaré? Para Lawrence, essa parece ser uma conclusão inevitável, uma vez que o “patmismo” se aproxima muito mais do antigo Judaísmo e do Paganismo do que dos Evangelhos.

Contra o juízo é um livro primoroso para quem deseja se iniciar na leitura da filosofia da imanência, haja vista que traz a tona, de forma original, uma perspectiva acerca dos herdeiros de Spinoza, numa conotação de combate ao transcendente e busca pela imanência que se revela nos encontros trazidos pelos autores do livro. No que tange a questão do juízo, ou “juízo de Deus”, como prefere Deleuze, o livro é relevante àqueles que desejam um estudo pormenorizado da questão, ou mesmo, adentrar na temática. Organizado em 4 partes, o trabalho começa com uma reflexão sobre a herança de Spinoza e uma análise da doutrina do julgamento na tragédia grega (Parte um: Juízo e Tragédia), passando por uma análise dos herdeiros de Spinoza e suas lutas contra o juízo nas partes dois e três (Os herdeiros de Spinoza e Contra o Juízo: a luta de Nietzsche, Lawrence, Kafka e Artaud, respectivamente) e finaliza com a apresentação de formas de contrapor a existência ao juízo (Parte quatro: Existências contra o Juízo) .

Presente na história desde a tragédia grega, o juízo se impõe como fundamento sagrado da praxis humana, uma vez que subjaz ontologicamente a qualquer ato. Para Deleuze, a doutrina do juízo: “nos condena a uma escravidão sem fim e anula qualquer processo liberatório” (DELEUZE, 1997, p. 195). A consciência de dívida como alerta constante que antecede a ação coloca todos os viventes sob a égide da doutrina de julgamento, ceifando o “processo liberatório” ao qual se refere Deleuze, os indivíduos se tornam prisioneiros de suas consciências, num processo em que a dívida é selada ontologicamente numa consciência pré-reflexiva.

Nesse processo, cuja ação é seguida pelo julgamento, transparece um estado constante de vigilância e culpa, que pode ser sintetizado pelas próprias palavras do Apocalipse: “Se não vigiares, virei a ti como um ladrão, e não saberás a que horas te surpreenderei”. (BÍBLIA, Ap, 3, 3).

A inspiração que fez germinar o livro Contra o juízo está no capítulo “Para dar um fim do juízo”, presente na obra Crítica e Clínica de Deleuze (1997). Nele o autor apresenta diligentemente os herdeiros de Spinoza que, justamente por terem padecido do juízo, conseguiram transpor o fardo do julgamento por meio de um combate altivo e corajoso que resultou na grandiosidade das obras destes pensadores. Ocorre que a oposição ao juízo é uma tarefa complexa, uma vez que está arraigada à psicologia do sacerdote: “a lógica do juízo se confunde com a psicologia do sacerdote como inventor da mais sombria organização: quero julgar, preciso julgar” (DELEUZE, 1997, p.144). O veredito do juízo atua como parâmetro subjacente a ação, proliferando uma realidade em que ser vítima, culpado, constrangido e pecador passa a fazer parte da “natureza” humana. A lógica do juízo, que estratifica a todos numa posição de submissão e expectativa por um polo transcende que possa servir de recompensa àqueles que se submetem a uma existência ignominiosa, não perfaz apenas o meio religioso e político em grande medida. Os próprios grandes sábios e pensadores, vulgo filósofos, se alimentaram um após o outro do socratismo e suas ramificações cristãs que ascenderam num polo transcendente em que conceitos petrificados serviram de âncora para a construção de ideais norteadores da existência. Situação que levou Nietzsche a conclusão de que “Em todos os tempos, os homens sábios fizeram o mesmo julgamento da vida: ela não vale nada” (GD/CI “O problema de Sócrates” § 1).

Vejamos, se contrapor ao juízo implica nada menos que se opor a uma ordem milenar que se arrasta desde o famoso julgamento de Orestes na antiga Grécia. Para Leandro Nunes, autor do capítulo “Spinoza: o mais feroz combatente às ordens transcendentes e ao juízo”, “O julgamento está intrincado nos modos de vida produzidos pelo homem ocidental, ao menos desde 458 a.C., quando Ésquilo apresenta sua tragédia Eumênides, em que monta o primeiro tribunal, tal como o conhecemos hoje” (p. 25). Na tragédia, Orestes é acusado de matricídio, no entanto, teria realizado este ato funesto para vingar a morte de seu pai, assassinado pela sua mãe. Como o julgamento termina empatado, a própria juíza Atena vota em prol do sentenciado, absolvendo-o.

No enredo, pesam a dor e a vingança de Orestes, a dor da perda do pai e a vingança reparativa contra a mãe, situação que constitui o que Deleuze (2005, p. 118) chamou de “processo de restituição de equilíbrio ou de compensação” renovado a cada desfecho que desencadeia novas reações de causa e efeito que tendem ao infinito.

O juízo de valor arraigado numa concepção moral da realidade nem sempre esteve presente nas tragédias gregas, porém com a construção de uma tirania da razão contra os instintos, protagonizada pela razão socrática apolínea, a espontaneidade e a embriaguez dionisíaca se esfacelaram frente a um novo poder esclarecedor da razão, que aos poucos se tornou a luz que ilumina e orienta o Olimpo – fazendo com que cada indivíduo se encolha frente ao comum, àquilo que a todos orienta e conduz ao caminho do ‘bem’2. Aliás, é praticamente inconcebível a construção de uma ética teleológica com vistas à felicidade, como pretendeu Sócrates e seus disseminadores, sem que o desregramento e a indeterminação dionisíaca sejam postas a prova. Para tanto, ascendeu a necessidade da individuação, para que cada qual possa ser julgado em seus próprios méritos e deméritos.

Associado às belas formas, Apolo é considerado o deus criador do Olimpo, através dele a existência torna-se suportável frente aos poderes titânicos da natureza.

Simbolizando as singularidades por meio do estado do sonho, Apolo traz a ordem ao caos. No entanto, no Nascimento da tragédia, Nietzsche apresentará o impulso apolínio como ilusório, uma vez que nega a multiplicidade da natureza por meio da afirmação do Principium individuationis, ou seja, transparece um estado de ofuscamento em que a realidade é representada a fim de se tornar suportável. Daí decorre a necessidade de emparelhamento dos impulsos antagônicos, de modo que o exagero e a fruição dionisíaca se descarregam sobre o equilíbrio e a moderação apolínea. Acerca desta relação, Heuser (p. 197), ao tratar da “Embriaguez e insônia” sintetiza: “[…] é a conjugação entre lucidez e a embriaguez, a união entre o apolíneo e o dionisíaco, a própria condição para que, no sentido deleuziano, o pensamento seja forçado a pensar – o que é sinônimo de criar, preocupação central da filosofia de Deleuze”.

Em Deleuze, toda a filosofia, arte e ciência se justificam na criação, que emerge da múltipla fluidez do devir. Nesse viés, não há espaço para o predomínio apolíneo ou para a exacerbação do espírito teórico em detrimento do dinamismo dionisíaco. Deleuze faz do filosofar uma atividade criativa ad infinitum, sem espaço para o SER oriundo da tradição platônica. Em sua construção filosófica, os universais não passam de criações que se escondem numa atemporalidade criada e, portanto, apolínea (ilusória). Seu pensamento rizomático é uma contundente negação do juízo: Oposto a uma estrutura, que se define por um conjunto de pontos e posições, por correlações binárias entre estes pontos e relações biunívocas entre estas posições, o rizoma é feito de linhas: linhas de segmentaridade, de estratificação, como dimensões, mas também linha de fuga ou de desterritorialização como dimensão máxima segundo a qual, em seguindoa, a multiplicidade se metamorfoseia, mudando de natureza (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 43).

A partir desta conotação de esfacelamento dos polos opostos que se sustentam dialeticamente na metafísica, a filosofia deleuzeguattariana rompe as raízes do juízo e seus efeitos não são mais capazes de produzir causalidade no mundo da praxis, isto é, a negação do juízo implica no resgate da embriaguez dionisíaca que afasta o dever moral e abre margens para a inocência. Para Nietzsche: O fato de que ninguém mais é feito responsável, de que o modo de ser não possa ser remontado a uma causa prima, de que o mundo não é uma unidade nem como sensorium nem como “espírito”, apenas isto é a grande libertação (grosse Befreiung) – somente com isso é restabelecida a inocência do viraser (Unschuld des Werdens) (GD/CI, Os quatro grandes erros, § 8).

Não havendo mais necessidade de ‘fazer culpados’ se apagam as relações de credor e devedor e, consequentemente, não faz mais sentido emitir julgamentos. Para Stefano Busellato, autor do Capítulo “Nietzsche além do limite de Deleuze: Das Gericht”: “Nietzsche desmascara e, com isso, põe fim ao juízo” (p. 67). Embora presente no mundo da vida em suas mais diversas manifestações, o juízo também é uma construção e, como tal, pode ser desterritorializado e reterritorializado. Disso depende o que Nietzsche mencionou como “grande libertação”, como caminho para o übermensch. Uma construção da realidade aquém do juízo, eis o que propõem os autores do livro em análise, obviamente não se trata da construção de um novo mundo e nem de uma utopia, talvez o seja, mas a efetividade da existência é tamanha que não caberia no espaço de um sonho.

Unificar as cores, os tamanhos, os sentimentos, as virtudes, enfim, igualar as diferenças é um dos fundamentos pelos quais o julgamento se mantém ativo entre os povos. Em prol de seres unívocos e orquestrados pelo dever operam muitas escolas, igrejas, tribunais e tantas outras espécies de instituições mantenedoras dos valores tradicionais que perpetuam o passado indiscriminadamente, como se a certeza do futuro dependesse da reprodução e vivacidade de um passado longínquo, mas ‘glamoroso e glorioso’. Hoje camuflado sobre a falácia da família tradicional, os juízos imperam e se alastram destruindo a diversidade e o poder criativo de novos indivíduos que insistem em resistir em meio a ‘ordem preestabelecida’. Impossível não lembrar a canção de Belchior (1976), que fez sucesso no mesmo ano com a contundente voz de Elis Regina, “Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmo e vivemos como nossos pais”. Nosso passado por vezes nos condena a repetir e a se sujeitar aos antigos juízos, a vivermos como nossos pais, a repetir e novamente repetir os jargões que nos foram repassados, como se os constantes sonhos do passado nos impedissem de viver. O que, também Belchior, numa contunde crítica ao juízo, imortalizou na canção a premissa “Viver é melhor que sonhar”. Viver versus sonhar: um combate travado pela vida contra o juízo, onde se encontram em relação de tensão o impulso apolíneo em seu estado do sonho e o impulso dionisíaco em seu estado de embriaguez.

Ester Heuser, no Capítulo “Elogio a insônia contra o juízo” (p. 196197), expõe: Se o deus solar comanda o sonho e o tribunal, se ele nos encerra na forma orgânica e limitada, em nome da qual julgamos, Deleuze precisa do notívago Dioniso para dar um fim ao juízo. Mais propriamente da embriaguez dionisíaca que só pode se manifestar por meio do ‘sono sem sonho onde, no entanto, não se dorme, essa insônia que, todavia, arrasta o sonho até os confins da insônia’ (DELEUZE, 1997, p. 148).

O sono sem sonhos ao qual Deleuze se refere possibilita o afastamento dos tribunais, afinal o sonho continua a produzir reflexos do dia que insiste em governar e imperar imagens de domínio sobre a mente, então, mesmo durante a noite o efeito onírico não me afasta de meu ego, me tornando subserviente. A psicanálise ao dar significação aos sonhos, nos torna “outro”, um alguém passível de ser vislumbrado, decodificado e, porque não, aprisionado. Para Heuser (p. 195): “Se durmo e sonho, me aproximo da noite, Reterritorializo o sono e também a mim mesma, já não posso mais dizer ‘eu durmo’, nem mesmo dizer ‘eu’. Não sou eu nem outro, sou uma sonhante que não pode ‘verdadeiramente’ ser”. Romper o efeito onírico do sonho é ser capaz de um “autoesquecimento” derivado de uma negação do sujeito em sua individuação, esse esfacelamento do “eu” é o que Nietzsche chamou de efeito ditirâmbico oriundo da embriaguez extasiante de Dionísio. Para Gonzalo Aguirre, autor do capítulo: “Rumino, ergo cogito: para recuperar cada vez el juicio” (p. 110): “El Organismo passional proprio del Juicio nunca puede alcanzar satisfacción, y lo toma todo com esa insatisfacción persistente que, organizada por uma Gramática de la vigilia, avanza incluso sobre las potencias oníricas”.

Criar mecanismos contra o juízo, que se encontra arraigado até no subterrâneo dos sonhos é tarefa que mobilizou escritores como Kafka. Adriana Dias e Paulo Schneider, autores do capítulo: “Kafka: uma escrivida ‘para dar fim ao juízo’”, assim descrevem o estilo do escritor: “A sua escrita é, de certo modo, como um caco de vidro virado contra si, está virado contra qualquer vontade divina, contra a sua condição judaica, contra o caráter social e familiar, a profissão, a justiça, o casamento” (p. 83).

Este domínio que vai até as zonas mais remotas do universo também encontrou solo fértil no inconsciente, fato percebido por Deleuze e Guattari, que encontraram relações de poder e dominação na relação entre analista e paciente. Assim, o juízo opera soberano exercendo violência física e simbólica contra os corpos, corpos vislumbrados em sua estrutura orgânica, como um todo onde cada parte cumpre uma função em vista de uma finalidade maior. Para opor-se a esta estrutura consciente que visa solapar os limites do inusitado, Deleuze lançará mão, alavancado por Artaud, do conceito de Corpo sem Órgãos, noção explorada por Evânio Guerrezi no capítulo “O caso Artaud: o corpo sem órgãos para acabar com o julgamento de Deus”. Para Artaud, apresentado na segunda parte do livro por Cristiano Bedin da Costa, em “Ainda Artaud”, o corpo sem órgãos é condição para a superação do juízo: “Quando tiverem conseguido um corpo sem órgãos, então o terão libertado dos seus automatismos e devolvido sua verdadeira liberdade” (ARTAUD, 1983, p. 161162).

A questão do juízo psicanalítico é abordada, essencialmente, no capítulo “No teatro do capital o juízo psicanalítico encena um espetáculo trágico”, escrito por Ronaldo dos Santos. O objetivo apontado é situar a psicanálise como “um produto social e historicamente datado, que nasce, desenvolve-se e é posto a serviço do capital como uma das instâncias de elaboração do juízo” (p. 50). Nesse viés, Freud encontrou no elemento trágico de Édipo uma forma de perpetuação da culpa que faz com o que o indivíduo ressentido se curve mediante seu próprio inconsciente, numa sina onde a divida permanece viva e se alimenta da debilidade de um ser incapaz de sanar seus próprios limites: “O paciente deve deixar de culpar os outros pelos seus sofrimentos e imputar a si mesmo a responsabilidade por aquilo que se passa, o ressentimento tornase culpa” (p. 52).

O mea culpa, mea maxima culpa3 faz com que o indivíduo esteja numa condição de vulnerabilidade, a qual só pode ser superada mediante o arrependimento, seguido da penitência e, por fim, do perdão de Deus. A psicanálise segue um rito muito similar: “Em sua interpretação da realidade, a psicanálise aprisiona os indivíduos nos seus dilemas edípicos, distanciando-os dos determinantes históricos e sociais aos quais estão submetidos” (p. 53). Essa situação levará Deleuze à conclusão de que se trata de um sistema alimentado por uma dívida infinita, impedindo o aparecimento de qualquer novo modelo de existência, uma vez que se crê que a natureza humana dispõe de uma universalidade lógica que a rege em padrões e estereótipos que se repetem.

A transcendência dos valores encontra seu modus operandi no juízo, afinal para manter um sistema vertical em funcionamento é necessário algum tipo de pudor que leve os indivíduos a respeitar e manter a engrenagem do sistema. Para sustentar a falácia do juízo é comum a instituição de um telos que fornece sentido aos atos humanos, assim, aparecem o deleite da felicidade, do bem comum, da pátria, do paraíso e de tantos outros universais inventados e que ganham um caráter ontológico de atemporalidade. Enfim, Contra juízo é uma insurreição de resistência contra a transcendência.

Embora o livro não trace um paralelo filosófico direto entre pensadores que defendem uma filosofia transcendente e os herdeiros de Spinoza, o mesmo traz uma grande variedade de discussões sobre a questão da imanência num viés deleuziano. Dada a diversidade de autores e temáticas abordadas, o livro não traz uma reflexão aprofundada de algum autor em específico, fator que dificulta uma análise mais específica do livro.

No entanto, se apresenta como uma excelente ferramenta introdutória a alguns dos principais escritores do pensamento da imanência, além de instigar e resgatar uma contundente discussão sobre a nefasta influência do juízo à existência. Conforme salienta Ester Heuser no final da apresentação da obra: “Com resistência se responde ao que nega a existência”.

Referências

ARTAUD, Antonin. Escritos de Antonin Artaud. Tradução Cláudio Willer. Porto Alegre: LP&M, 1983.

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução do Centro Bíblico Católico. São Paulo: Ave Maria, 1996.

DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Trad.: P. Pal Pelbart. São Paulo: 34, 1997.

DELEUZE, Gilles. Sobre Nietzsche e a Imagem de Pensamento. In: A ilha deserta e outros textos. Trad.: T. Tadeu e S. Corazza. São Paulo: Editora Iluminuras, 2005.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, v. 1. Trad.: Ana L. de Oliveira, A. G. Neto e C. P. Costa. São Paulo: 34, 2011.

NIETZSCHE, Friedrich W. Crepúsculo dos ídolos – ou, como se filosofa com o martelo. Trad.: P. C. de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Notas

1 ‘Para Luiz Palauro, autor do capítulo “Malditos mestres subversivos: vinde estragar nossos sonhos”: “O Cristo terreno era doce e aristocrata (de alma). O ‘filho do homem’ é expressão do mais alto grau de ressentimento das ralés, tudo nele é vingança, destruição e impotência remoída, o ódio fermentado” (p. 184).

2 A respeito da questão dos impulsos apolíneo e dionisíaco, bem como acerca da questão do elemento trágico em Nietzsche e Deleuze, Contra o Juízo dispõe do capítulo: “Tragédia grega e a doutrina do julgamento”. Escrito por Ana Acom.

3 Na tradição do catolicismo o “ato de contrição” é professado durante as celebrações da missa e é o simbolismo máximo da admissão dos pecados e da abertura do pecador para o perdão divino. Na íntegra: “Confiteor Deo omnipotenti, beatae Mariae semper Virgini, beato Michaeli Archangelo, beato Joanni Baptistae, sanctis Apostolis Petro et Paulo, omnibus Sanctis, et tibi pater: quia peccavi nimis cogitatione verbo, et opere: mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa.”  * Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Toledo. Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico EBTT, do Instituto Federal do Paraná. Email: douglas.meneghatti@ifpr.edu.br

Douglas Meneghatti – Instituto Federal do Paraná, Brasil

Acessar publicação original

[IF]

Cozinha do Extremo Norte – Pará / Amazonas | Bruno de Menezes

O texto Cozinha do Extremo Norte – Pará / Amazonas, de Bruno de Menezes, é um dos estudos clássicos sobre a cozinha paraense. Ao lado do Panorama da Alimentação Indígena, de Nunes Pereira, e da Cozinha Amazônica, de Osvaldo Orico, é marco referencial na abordagem da temática da alimentação, no século XX.

Foi feito sob encomenda de Câmara Cascudo, para compor a Antologia da Alimentação Brasileira. Finalizado em fevereiro de 1963, foi um dos últimos trabalhos realizados pelo poeta, autor de Batuque, que morreu em Manaus, em 2 de julho desse mesmo ano. Leia Mais

Voces de la ausencia. Las cartas privadas de los emigrantes asturianos a América (1856-1936) | Laura Martínez Martín

As cartas privadas e, em particular, as escritas pelos emigrantes de longas distâncias, receberam atenção de numerosos historiadores, linguistas e cientistas sociais de várias gerações. Desde a publicação, em 1918, de The Polish Peasant in Europe and America, dos sociólogos William Thomas e Florian Znaniecki, para citar a obra mais importante no seu gênero, publicaram-se inúmeras recompilações e estudos de documentos pessoais relacionados aos grandes movimentos migratórios, especialmente do velho ao novo continente. Os historiadores atuais das épocas moderna e contemporânea sabem muito bem que a correspondência epistolar não é uma fonte que se possa desprezar inadvertidamente, e não são poucos os que lhe concedem uma importância central para descrever e explicar processos históricos complexos, como os conflitos bélicos e as migrações em massa, por exemplo. Nesse contexto epistemológico, vale a pena conhecer o livro Voces de la ausencia, com o qual Laura Martínez coroa vários projetos de pesquisa coordenados pelo professor Antonio Castillo Gómez na Universidad de Alcalá1. Leia Mais

Explosão feminista: arte/cultura/política e universidade | Heloisa Buarque de Hollanda

Sou uma feminista da terceira onda. Minha militância foi feita na academia, a partir de um desejo enorme de mudar a universidade, de descolonizar a universidade, de usar, ainda que de forma marginal, o enorme capital que a universidade tem. Leia Mais

Los “indios de la Pampa” a través de la mirada misionera: un relato fotográfico del “dilatado yermo pampeano” | Ana María Teresa Rodríguez

La presente obra acerca a sus lectores un álbum fotográfico inédito hasta el momento. El mismo se encuentra en el Archivo Histórico Salesiano Argentina Sur (AHS-ARS) sede CABA, bajo el título de “La Pampa indios”/ Misiones de La Pampa” y cuenta con 402 imágenes exhibidas en 99 páginas. Sus compiladoras, Ana María T. Rodríguez y Rocío Guadalupe Sánchez, son docentes e investigadoras del Instituto de Estudios Socio-Históricos – Facultad de Ciencias Humanas, Universidad Nacional de La Pampa (UNLPam) y del Instituto de Estudios Históricos Sociales de La Pampa -CONICETUNLPam. A través de este trabajo, buscan recuperar y socializar fuentes que aportan al estudio de la historia regional.

El libro cuenta con una introducción realizada por las compiladoras, cuatro capítulos que contextualizan el material fotográfico y, por último, el álbum completo. En la introducción, las autoras exponen sus sospechas de que aquellas imágenes probablemente fueron tomadas en 1924, durante una excursión a las márgenes del río Salado realizada por los salesianos Juan Farinati, José Durando y Enrique Pozzoli -quien además habría sido el fotógrafo. La hipótesis está basada en el estudio de fuentes bibliográficas realizadas por miembros de la congregación, en las que se alude a dicho viaje relacionado a los 50 años de la Congregación Salesiana en la Argentina. Éste se orientó a misionar, recolectar información y sacar fotografías para ser enviadas a la Exposición Misionera de Turín. Leia Mais

O discurso de ódio nas redes sociais – SANTOS (REi)

SANTOS Marcos Aurelio Moutra dos e1608594580139 Makers of Democracy
Marco Aurélio Moura dos Santos. www.usp.br/gepim/pesquisadores.

SANTOS M A M O discurso de odio nas redes sociais Makers of DemocracySANTOS, Marco Aurélio Moura dos. O discurso de ódio nas redes sociais. São Paulo: Lura Editorial, 2016. Resenha de: BRANDÃO, Clyton. Revista Entreideias, Salvador, v. 9, n. 2, p. 6-68, maio/ago 2020.

A datar de sua popularização no Brasil, no meado dos anos 2000, a internet vem contribuindo, substancialmente, nos comportamentos dos sujeitos que compõem a alcunhada sociedade da informação. Esta, têm desencadeado significativas alterações na produção da economia, da cultura e nos modos de interação social. Esse indicativo reflete na vida contemporânea, na qual as mudanças, desde a modernidade até a contemporaneidade, anunciam transformações no comportamento.

O advento das Redes Sociais Digitais possibilitou a transposição de inúmeras formas de interações interpessoais decorrentes da vida offline para vida on-line. Indivíduos reelaboraram constantemente suas formas de se relacionar com o tempo e o espaço, criando novas maneiras de socialização em rede. A interação permitida pelo uso de dispositivos e as potencialidades das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) tem contribuído para repensar as dinâmicas sociais, de modo que, “[…] pensar a tecnologia, nesta era do pós-digital, significa implicá-la nas táticas e estratégias do poder.” (SANTAELLA, 2016, p. 11)
Assim, a criminalidade não é um fenômeno alheio a essas transformações. Como a rede é um espaço de socialização como qualquer outro, mediado por ações de indivíduos que fazem parte dela, a violação dos direitos humanos também ocorre neste espaço, agora com características sofisticadas por meio das tecnologias.

Por oferecer a ilusão do suposto anonimato e por tornar-se um ambiente de rápida veiculação de mensagens com um grande alcance de público, crimes que já eram executados na vida off-line foram transferidos para a vida on-line. Discursos de ódio e discriminatórios relacionados ao gênero, sexualidade, classe social, posicionamento político e religioso, cor e etnia são uma realidade na rede; estes, são caracterizados por “[…] qualquer expressão que desvalorize, menospreze, desqualifique e inferiorize os indivíduos. Trata-se de uma situação de desrespeito social, uma vez que reduz o ser humano à condição de objeto”. (SILVEIRA, 2008, p. 80)

Nessa contextura, temos o livro O discurso de ódio em redes sociais (2016), fruto de uma dissertação de mestrado defendida no Programa de Mestrado em Direito da Sociedade da Informação das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU/SP). Trata-se de uma obra importante para entender o presente cenário da disseminação do ódio na rede online, assim como suas raízes, conceitos e questões jurídicas.

O livro é composto por cinco capítulos, incluindo introdução e conclusão, no qual o autor retrata os conceitos e elementos acerca do tema, os núcleos do discurso de ódio, o direito a diferença e a identidade e o discurso de ódio, e conclui fazendo uma análise no que concerne a legislação brasileira para crimes de ódio on-line.

Na introdução, Santos faz uma análise entre o ciberespaço e o discurso de ódio. Ele prossegue afirmando que as TICs, apesar de não ter utilizado esta denominação, possibilitou inúmeras maneiras de disseminação de informações entre sujeitos de lugares e culturas diferentes, formando, assim, uma “cultura participativa”. (JENKINS, 2009, p. 30) Contudo, mesmo a rede online sendo fomentadora no que tange a projeção de conhecimento dos indivíduos, também é um ambiente

“[…] fértil para a ampliação de aspectos conflituosos de realidade palpável e do relacionamento social, como o ódio e todas suas manifestações”. (SANTOS, 2016, p. 8)
No capítulo um, Santos discute os conceitos e elementos do discurso de ódio nas redes sociais na sociedade da informação. Ele faz um levantamento histórico e do pensamento filosófico para mostrar que “o ódio não é uma questão nova na sociedade”. (SANTOS, 2016, p. 23)

Continua a afirmar que para o entendimento desses discursos presentemente, é fundamental trazer àtona a discussão a respeito da natureza do mal. Para tal, apresenta definições de Freud (século XX), Arendt (1999), Glucksmann (2007) e Brugger (2007), no que tange o ódio e o mal desde a idade média até os dias atuais.

Para fundamentar o ódio, o autor traz André Gluscksmann citado por Santos (2016, p. 20) que declara:

[…] o ódio existe, todos nós já nos deparamos com ele, tanto na escala microscópica dos indivíduos como no cerne de coletividades gigantescas. A paixão por agredir e aniquilar não se deixa iludir pelas magias da palavra. As razões atribuídas ao ódio nada mais são do que circunstâncias favoráveis, simples ocasiões, raramente ausentes, de liberar a vontade de simplesmente destruir.

Através da definição de Gluscksmann, Santos relata que caracterizar o discurso de ódio é uma tarefa difícil, pois este pode aparecer de forma implícita ou explícita; isto é, a intenção do agressor pode aparecer de maneira clara e objetiva ou subliminar.

Ao refletir sobre o mal, mas precisamente sobre a “banalidade do mal” (ARENDT apud SANTOS, 2016); o autor chega a conclusão de que o mal na atualidade se tornaria algo cotidiano, como um ato qualquer, ou seja, algo banal e disponível a todos, “[…] uma vez que o processo tecnológico atual denominado ‘sociedade da informação’, não parece a priori, ser capaz de romper com a in¬tolerância enraizada nas relações humanas, muito pelo contrário, parece apontar para a ‘banalidade do mal’”. (SANTOS, 2016, p. 26)

Ainda no capítulo um, Santos apresenta outros três conceitos: identidade e diferença – através dos estudos de Lévi-Strauss (2010) e Hall (2011); análise do discurso, trazendo as contribuições de Foucault; e redes sociais a partir das definições de Castells (2005) e Recuero (2012).

O conceito de redes sociais aparece sob a ótica de Recuero (apud SANTOS, ano, p. 114) que define como: “[…] agrupamentos humanos, constituídas pelas interações, que constroem os grupos sociais. Nessas ferramentas, essas redes são modificadas, transformadas pela mediação das tecnologias e, principalmente, pela apropriação delas para a comunicação”.

Nesse sentido, entende-se que as redes sociais são interações interpessoais que já existiam antes do surgimento e popularização da internet e, após o advento das TICs, foram reformuladas e modificadas, transformando-se em redes sociais digitais.

No capítulo dois, o autor traz os conceitos de intolerância, preconceito e violência, além de trazer uma abordagem jurídica acerca do discurso de ódio, perpassando pelos estudos em relação a dignidade da pessoa humana.

O conceito de intolerância vem frequentemente associado ao preconceito, tornando-os, assim, “conceitos vizinhos”, que podem ser definidos como atitudes de hostilidade nas relações pessoais, destinada contra um grupo inteiro ou contra indivíduos pertencentes a ele, e que preenche uma função irracional definida dentro da personalidade. Apresenta-se também a concepção de “intolerância selvagem”, de Umberto Eco (apud SANTOS, 2016, p. 131), que é caracterizada com raivosa, descontrolada, inexplicável e impulsiva, ficando nivelada a irracionalidade.

Tratando-se da definição de violência, ele traz o texto da Lei nº 11.340/2006, em seu Art. 7, que define as formas de violência:

A violência física, ou seja, a que ofenda a integridade ou saúde corporal; a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto estima ou que causa prejuízo e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; a violência sexual; a violência patrimonial, e ao final a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL apud SANTOS, 2016, p. 243).

Desse modo, compreende-se que a violência pode ser expressada e sofrida em diversas esferas internas e externas aos sujeitos, podendo ser um produto da natureza, no sentido de que é intrínseca à humanidade; e, para outros, um produto da história, que não é, portanto, natural ao homem.

No capítulo três, Santos aborda a diversidade cultural humana. Para ele, o debate acerca da diferença cultural entre as sociedades que compõem o mundo, a partir das concepções de (STRAUSS apud SANTOS, 2016), demonstra a impossibilidade de avaliar e julgar sociedades com base em instrumentos utilizados em outras sociedades, de forma que somente a própria sociedade poderia refletir sobre si mesma, julgando-se e avaliando-se. Ainda segundo o autor nenhuma cultura possuiria critérios absolutos que permitissem a realização de distinções entre os conhecimentos, crenças, artes, moral, direito, costumes, aptidões ou hábitos dos seres humanos de outras culturas, podendo e devendo fazer tais distinções, contudo, quando se tratasse de suas próprias manifestações culturais.

Nas conclusões, Santos ratifica que os crimes relacionados ao ódio, na esfera off-line e on-line, se transformaram numa questão estatal e sua repreensão reflete a preocupação quanto a influência deste fenômeno na vida social das coletividades.

Assim, não há como considerar os indivíduos como totalmente iguais e situados num espaço tempo fixo, uma vez que o respeito à condição humana aponta para a diversidade da própria condição humana. Ademais, o discurso do ódio se volta contra a diversidade humana, fere a atual Constituição Federal e, sobretudo, esgarçam a segurança na internet.

Referências
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.

SANTAELLA, Lucia. Temas e dilemas do pós-digital: a voz da política. 1. ed. São Paulo: Paulus, 2016. v. 1.

SANTOS, Marco Aurélio Moura dos. O discurso de ódio nas redes sociais. São Paulo: Lura Editorial, 2016.

SILVEIRA, Sérgio Amadeu; PRETTO, Nelson de Luca. (org.). Além das redes de colaboração: internet, diversidade cultural e tecnologias do poder. Salvador: Edufba, 2008.

Clyton Brandão – Universidade Federal da Bahia. E-mail: cleytonya26@gmail.com

Acessar publicação original

Freedom’s Price: Serfdom, subjection and reform in Prussia, 1648-1848 | Sean Eddie

Poucos momentos na história do Ocidente foram tão profundos quanto as reformas agrárias dos séculos XVIII e XIX. Surgidas no contexto europeu pré-revolucionário e parte dos processos de modernização da sociedade e quebra dos estamentos tradicionais, as reformas agrárias ultrapassaram fronteiras e se tornaram elementos de construção dos estados nacionais e de novas configurações sociais em diferentes partes do globo. Mesmo sociedades como a brasileira, que se estruturava em torno do escravismo e latifúndio exportador, ou seja, detentora de realidades agrárias e sociais muito distintas daquelas da Europa central, não escaparam de tal desenvolvimento (Carvalho, 2003, p. 350-351) iii. O distante Japão, a “Prússia da Ásia”, a partir do fim do Xogunato e ascensão Meiji Tenno igualmente elaborou suas reformas agrárias a partir do modelo do reino dos Hohenzollern (Chung, 2018, p. 78) iv. No século XX, reformas no campo recebem o impulso das revoluções socialistas; alterações no status quo das estruturas do mundo agrícola foram, geralmente, prioridade para governos revolucionários no sentido de mudanças sociais profundas (Filippi, 2005, p. 27) v. De fato, o fenômeno descrito pelo historiador britânico Sean Eddie, embora confinado em sua análise na via prussiana das reformas agrárias, insere-se numa perspectiva temática de possibilidades globais, que extrapolam o século por ele descrito. Leia Mais

O asilo e a cidade: histórias da Colônia Juliano Moreira – VENANCIO; POTENGY (HU)

VENANCIO, A.T.A.; POTENGY, G.F. (org.). O asilo e a cidade: histórias da Colônia Juliano Moreira. Rio de Janeiro: Garamond, 2015. 336 p. Resenha de: PETRINI, Abigail Duarte. Colônia Juliano Moreira: seus sujeitos e lugares na história da psiquiatria e da loucura. História Unisinos 22(2):317-319, Maio/Agosto 2018.

O livro O asilo e a cidade: histórias da Colônia Juliano Moreira, composto por nove capítulos, é apresentado e introduzido pelo texto de suas organizadoras Ana Teresa Acatauassú Venancio – pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz – e Gisélia Franco Potengy – pesquisadora sênior do Programa CNPq/Fiocruz. As organizadoras desse livro reuniram um florilégio de pesquisas que versaram sobre a Colônia Juliano Moreira e sua imersão na vida urbana e no imaginário social da cidade do Rio de Janeiro. Essa composição de textos está, em grande medida, comprometida com o rompimento de noções estagnantes ou simplificadoras da compreensão das relações sociais decorrentes do cotidiano e das experiências entre os diversos atores, individuais e coletivos, dessa instituição de assistência psiquiátrica. Contudo, as reflexões propostas ultrapassam os propósitos de suas organizadoras, colaborando para aprofundar questões sobre a operacionalização estatal das instituições psiquiátricas, sob a inserção de prismas nos quais os sujeitos da equação ganham espaço, independentemente de sua localização na teia traçada.

São trazidas para o centro das discussões as complexidades dos cuidados formais para com pessoas em sofrimento mental por vieses como a estruturação psiquiátrica e seu vínculo ao Estado, expressados pelas ações de diversos atores sociais; a situação daqueles sujeitos que lá foram reunidos pela premissa do cuidado, mas também do rompimento de suas vidas pregressas; a de todos aqueles que assistiram cotidianamente à presença desse singular espaço de sociabilidades em que claramente as relações de poder eram hierárquicas e desiguais; o albergamento de moradores naquele espaço, mantendo suas trajetórias individuais vinculadas ao passado vivido naquela instituição, e os conflitos gerados posteriormente à sua desativação e à ressignificação daquele lugar.

Com olhares que partiram de áreas diversas, incluindo Planejamento Urbano e Regional, Sociologia Rural, Antropologia Social, Ciências Sociais, Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural, História e História das Ciências, os/as pesquisadores/as devotaram suas investigações à Colônia Juliano Moreira na busca da formação social dessa instituição e de sua participação na história da cidade do Rio de Janeiro.  No artigo que inicia a coletânea, intitulado “Memória e história da ocupação e dos conflitos de terra do Sertão Carioca”, Renato de Souza Dória objetivou fazer um levantamento das imagens constituídas sobre o lugar onde foi instalada a Colônia Juliano Moreira – a região de Jacarepaguá, então pertencente à zona rural do Distrito Federal, nas primeiras décadas do século XX.

Buscou também situá-las em seus contextos histórico e social, para através delas perceber transformações daquela região quanto à sua estrutura fundiária, com atenção aos atores e grupos sociais que se inseriram nesse processo de resistência. Segundo o autor, a historiografia sobre a zona oeste do Rio de Janeiro procedeu a “[…] um silenciamento que obscureceu as experiências de organização e luta de trabalhadores que contestaram e desafiaram as relações de dominação e exploração […]” (p. 57), no conflito gerado pelas ofensivas de despejo engendradas por banqueiros, advogados, juízes, policiais, agentes da administração estatal e empresários, de um lado, e a oposição das famílias de pequenos lavradores e pescadores que habitavam a região, de outro.

O artigo subsequente, de Renato Gama-Rosa e Ana Paula Casassola Gonçalves, intitula-se “Evolução urbana da Colônia Juliano Moreira”. Os autores partem da identificação de momentos-chave da ocupação do espaço para refletir sobre o exame da arquitetura hospitalar no âmbito das políticas de saúde engendradas na Colônia Juliano Moreira, mesmo antes desta ser conhecida como tal. São foco da discussão os anos de 1750, 1912, 1941 e 1980, num trabalho analítico que parte dos mapas da área da Colônia nos séculos XVIII e XIX, e nos anos de 1922, 1936, 1941, 1945, 1953, 1964, 1975, 1984 e 2000. Estes mapas embasam a percepção de questões de maior complexidade sobre a ocupação daquele espaço, como a implantação do modelo pavilhonar europeu e do monobloco nas edificações da instituição, bem como a concretização do caráter urbano na área da instituição frente ao modelo heterofamiliar inicialmente adotado na ocupação do sítio da Colônia.

O terceiro artigo do livro, “‘E eu sei doutor?’: experiências de doença e falas sobre o Estado Novo em internos da Colônia Juliano Moreira (1941-1942)”, de Janis Alessandra Pereira Cassília, investiga as narrativas dos próprios internos sobre suas experiências de doença através de documentos clínicos, citando 19 casos e 52 Fichas de Observação de internos. Atentando para o filtro da transcrição médica que essas narrativas muitas vezes sofreram no processo de sua documentação, a autora explora a circularidade de ideias produzidas pelos internos enquanto excluídos e marginalizados tanto da história oficial quanto da própria sociedade. Quanto a seus sofrimentos e perturbações mentais, os internos expressaram seu cotidiano enquanto doentes por noções mais generalizantes e leigas do que as noções médicas sobre doença mental. Junto com esses relatos, eles também se manifestaram sobre temas como o Estado populista, as políticas trabalhistas e a cultura em que estavam inseridos, tornando Getúlio Vargas, a quinta-coluna, o comunismo e o integralismo participantes de suas narrativas de vida: “São histórias de vida e interpretações sobre o mundo que os cercava que apontam tanto para as tensões políticas do Estado Novo, quanto para as novidades culturais da época” (p. 123), esclarece a autora.

“Memórias coletivas e identidades sociais na história do Pavilhão Nossa Senhora dos Remédios (Colônia Juliano Moreira, RJ)” é o capítulo de autoria de Ana Teresa Acatauassú Venancio, Laurinda Rosa Maciel, Anna Beatriz de Sá Almeida, Bruno Dallacort Zilli e Silvia Monnerat. Destinado inicialmente a tratar a loucura e a tuberculose de suas internas, o Pavilhão Nossa Senhora dos Remédios é abordado desde sua criação em 1940 até seu declínio e desativação enquanto unidade hospitalar, transformando-se em lugar de moradia para outras pessoas que não as internas, na década de 1970, e enfim seu desligamento final enquanto lugar de moradia em 2006, momento em que a área da Colônia Juliano Moreira já fazia parte da Fundação Osvaldo Cruz. “Mesmo antes de morar no Pavilhão, muitas daquelas famílias já viviam na Colônia e lá se enraizaram, fazendo daquele local um espaço físico e simbólico que dava sentido à sua existência” (p. 158). As relações tanto de internos e trabalhadores quanto de posteriores moradores do Pavilhão foram atravessadas por problemas como a falta de profissionais na fase em que foi devotado aos internamentos e a carência de infraestrutura básica durante todo o período em que foi ocupado, questões essas presentes nas discussões abordadas pelos pesquisadores.

No quinto capítulo, “Doença mental e tuberculose nas mulheres internas do Pavilhão Nossa Senhora dos Remédios da Colônia Juliano Moreira, 1940-1973”, escrito por Anna Beatriz de Sá Almeida, Ana Carolina de Azevedo Guedes e Pedro Henrique Rodrigues Torres, os autores seguem o rastro de internas da Colônia Juliano Moreira que foram possivelmente internas do Pavilhão Nossa Senhora dos Remédios, para construir entendimentos sobre os motivos de suas internações e a forma que suas vidas tomaram enquanto estiveram internadas na Colônia.

Ao explorar essas vidas e as relações históricas em que o gênero feminino se vinculava às perturbações mentais, as pesquisadoras e o pesquisador investigaram os parâmetros que foram preenchidos nas fichas de internamento (cor, idade, estado civil, profissão, diagnóstico) e as trajetórias de algumas internas. Perscrutaram, assim, “[…] não apenas as concepções médico-científicas a respeito, mas o imaginário social mais amplo que se fazia presente nas falas transcritas dos diferentes atores sociais envolvidos” (p. 192).

De autoria de Sigrid Hoppe, o capítulo “Práticas católicas na Colônia Juliano Moreira: a igreja da instituição e a festa de São Cristóvão” parte de fontes como entrevistas e conversas com moradores da Colônia Juliano Moreira, do Livro de Ocorrências da Capela Nossa Senhora dos Remédios e da observação de rituais para analisar as relações entre catolicismo, vida social e cuidados psiquiátricos. Conduzida pela narrativa deixada pelo Padre Joaquim del Rodrigues entre as décadas de 1950 e 1990, e pela presença e registro dos rituais entre 2011 e 2012, a autora analisa a atuação da igreja católica sobre os funcionários residentes na Colônia e em relação aos internos, bem como as disputas em torno de diferentes formas de professar a fé.

Na sequência, “‘O filho do povo’ de Jacarepaguá: o médico da Colônia e as lutas sociais no Sertão Carioca (1945-1962)”, capítulo de Renato de Souza Dória e Leonardo Soares dos Santos, acompanha a trajetória de vida do médico Jacinto Luciano Moreira, que, filiado ao Partido Comunista Brasileiro, militou pelo reconhecimento dos trabalhadores da saúde pública em sua atuação nas lutas sociais vivenciadas por lavradores, pescadores e demais categorias de trabalhadores no sertão carioca na primeira metade do século XX. Acompanhar a vida de Jacinto colabora para perceber as dinâmicas em jogo em diversos planos sociais, considerando tratar-se de um homem negro que de auxiliar de lavoura e guarda de sanatório passou a atendente da instituição e, posteriormente, a médico da Colônia Juliano Moreira. Da mesma forma interveio enquanto militante em diferentes esferas de atuação, tanto no comitê do bairro quanto como candidato a vereador ou no movimento de médicos do Distrito Federal.

O oitavo capítulo, “A assistência psiquiátrica da Colônia Juliano Moreira no governo JK”, de André Luiz de Carvalho Braga, explora o período entre 1956 e 1960 e a atuação do Serviço Nacional de Doenças Mentais no Distrito Federal, focando especialmente a Colônia Juliano Moreira, mas atentando também para as demais instituições psiquiátricas federais localizadas na cidade do Rio de Janeiro, como o Centro Psiquiátrico Nacional e o Ambulatório de Higiene Mental de Jacarepaguá. As políticas assistenciais do governo Kubitschek são exploradas em relação à potencialização dos investimentos, tais como o aparato de ambulatórios, o incentivo à terapia ocupacional e os procedimentos terapêuticos (como o eletrochoque e as injeções), mas também em relação às dificuldades encontradas pela direção da Colônia Juliano Moreira.

Encerrando o livro, o capítulo de Gisélia Franco Potengy e Sigrid Hoppe, “Identidade e apropriações do espaço no bairro Colônia”, seguiu o rastro das lembranças na recuperação de vivências dos moradores da Colônia Juliano Moreira, escutando outras versões das histórias sobre o bairro e a Colônia, sem prender-se às narrativas oficiais, na valorização de conhecimentos e práticas esquecidos.

“A convivência entre as famílias de funcionários e os pacientes era compulsória, no cotidiano da vida, devido à própria concepção terapêutica do hospital […]” (p. 284).

Além destes, também ocorreram ocupações do lugar por parte de outras pessoas, o que pode ser percebido no conflito entre os antigos moradores e os novos, enunciados como os “de dentro” e os “de fora”. Essas manifestações revelam conflitos surgidos em decorrência das mudanças das pautas do Estado para com os doentes mentais e as instituições psiquiátricas – a reforma antimanicomial e antipsiquiátrica – e também para com o funcionalismo público, integrando o lugar da então Colônia Juliano Moreira à cidade, visando à democratização de direitos.

O conjunto dos textos que compõem o livro “O asilo e a cidade: histórias da Colônia Juliano Moreira” expôs as ramificações sociais em diversos contextos e períodos daqueles que passaram pela instituição, seja como internos, funcionários ou mesmo moradores daquele lugar, acompanhando os significados da Colônia Juliano Moreira em suas vidas, tal como um sujeito maior de suas histórias.

O livro aponta para novas perspectivas de compreensão das dinâmicas sociais engendradas pelos asilos manicomiais, seja em suas relações com as políticas públicas de saúde mental, seja quanto às práticas culturais que perpassam as vidas daqueles que são recebidos sob seus auspícios, seja do ponto de vista dos conflitos decorrentes da instalação, manutenção e desenvolvimento de suas estruturas. A obra ultrapassa, assim, concepções superficiais como a de que o asilo é meramente um depósito de loucos, separados do mundo por seus muros, expandindo com riqueza o entendimento sobre as instituições psiquiátricas.

Abigail Duarte Petrini – Doutoranda no Programa de Pós- -Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Rua Pernambuco, 1777, 85960-000, Marechal Cândido Rondon, PR, Brasil. E-mail: abigail_petrini@hotmail.com.

Resistência: memória da ocupação nazista na França e na Itália – ROLLEMBERG (HU)

ROLLEMBERG, D. Resistência: memória da ocupação nazista na França e na Itália. São Paulo: Alameda Editorial, 2016. 376 p. Resenha de: CODARIN, Higor. “Resistencialismo” e resistência: as tensões entre história e memória. História Unisinos 24(2):334-337, Maio/Agosto 2020.

A trajetória intelectual da historiadora Denise Rollemberg, professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), é indissociável das temáticas, das tensões e dos dilemas envolvendo o passado recente, em específico relacionado às experiências autoritárias ao redor do globo, ao longo do século XX. Em um primeiro momento, sua produção acadêmica edificou-se através de análises consistentes a respeito dos caminhos e descaminhos das esquerdas brasileiras diante da ditadura civil-militar, seja a partir da construção analítica a respeito da perspectiva de revolução difundida por essas esquerdas, ou pela vigorosa análise a respeito do exílio experimentado por esses militantes ao longo da ditadura.2 Contudo, a partir de então, a historiadora, influenciada por parte da historiografia francesa empenhada em renovar as análises a respeito da resistência à ocupação nazista e/ou em relação à construção social do regime instaurado em Vichy, das quais falaremos adiante, passa a centrar seus esforços em outros aspectos dos regimes autoritários, buscando iluminar sua compreensão através de duas linhas centrais: por um lado, de que modo esses regimes foram construídos socialmente e se mantiveram por longos anos? Por outro, e de modo mais importante para o objetivo desta resenha, como se relacionam memória e história na construção do conhecimento a respeito dessas experiências? Mais especificamente: de que modo a construção da memória coletiva sobre esses regimes buscou criar oposições binárias entre Estado e Sociedade, sedimentando a perspectiva de sociedades oprimidas, manipuladas e, sobretudo, resistentes a esses regimes? Confirmação dessa nova vereda analítica são as obras organizadas em conjunto com a também historiadora da UFF Samantha Quadrat – A construção social dos regimes autoritários (2010); História e memória das ditaduras do século XX (2015) – e Resistência: memória da ocupação nazista na França e na Itália (2016).

Neste que é seu mais recente livro, Rollemberg busca, como objetivo central, analisar o movimento de constante construção e desconstrução dos discursos memoriais a respeito das experiências de resistência francesa e italiana às ocupações nazistas que ocorreram durante a II Guerra Mundial. Dividido em cinco capítulos, Resistência parte de um consistente balanço historiográfico indicativo dos esforços e das dificuldades em conceituar o termo “resistência” (capítulo 1), para, em seguida, passar ao exercício analítico de sua ampla gama de fontes: os museus e memoriais franceses (capítulo 2), as cartas de despedida dos resistentes e reféns fuzilados (capítulo 3), que constroem a primeira parte do livro, dedicada à França, e, por fim, os museus e memoriais italianos (capítulo 4), com especial destaque à construção da memória e historiografia a respeito da trajetória da família Cervi, e do fuzilamento dos sete irmãos – os Sette Fratelli – integrantes da Resistência3 italiana (capítulo 5).

De modo inicial, é importante ressaltar, Rollemberg indica que as populações dos países ocupados “experimentaram comportamentos que variaram de país para país, ao longo do tempo, num amplo campo de possibilidades desde a colaboração mais aguerrida com os vencedores até a resistência mais combativa” (Rollemberg, 2016, p. 17). Nessa perspectiva, a autora, como cerne da argumentação que permeia todo o livro, busca desconstruir não apenas a visão maniqueísta entre Estado e Sociedade, conforme citamos anteriormente, mas também a visão que opõe, drasticamente, resistentes e colaboradores, como se resistir ou colaborar fossem as únicas possibilidades de atuação dentro desses contextos históricos. Para isso, inspira-se, essencialmente, no historiador Pierre Laborie, mais especificamente em seus conceitos de zona cinzenta e pensar-duplo, que realçam o amplo espaço de atuação entre os dois polos, marcado por contradições e ambivalências.4 Enveredando pela discussão conceitual, a autora busca explicitar que as experiências variadas de país para país deram origem, também, a conceituações diferentes. Assim, distingue as discussões historiográficas realizadas na França, Itália e Alemanha.

Sobre a França, campo com que Rollemberg tem maior familiaridade, a discussão é robusta. Demonstra, como prelúdio, que logo após o fim da ocupação, 1944, o termo resistência iniciou um processo de naturalização no seio da sociedade francesa, por intermédio da memória oficial que ia sendo desenvolvida pelo governo surgido do processo de libertação, comandado por Charles de Gaulle.

Criava-se, então, o mito da resistência, ou “resistencialismo”, no neologismo de Henry Rousso (2012). Ou seja, o mito de que a sociedade francesa havia, em sua totalidade, resistido aos alemães e ao governo instaurado em Vichy, sob o comando de Philippe Petain. Por muitos anos, o termo ficou sob o domínio dessa memória, estando fora dos objetivos e anseios dos historiadores. Realizando uma genealogia do conceito, a historiadora demonstra que a historiografia francesa se voltou à “resistência” apenas em 1962, com a tese de Henri Michel, que abre os debates acadêmicos a respeito do termo, ainda sob forte influência do processo de mitificação. Contudo, é com o livro de Robert Paxton, Vichy France (1972), que há uma guinada no debate. A revolução paxtoniana, como ficou conhecido o impacto da tese de Paxton, abriu novas temáticas e interpretações, pois deu início a uma corrente historiográfica indicativa de que o Estado de Vichy era produto da própria sociedade francesa e não uma marionete da Alemanha de Hitler. Iniciava-se, portanto, o processo historiográfico de problematização do mito da resistência.

Passeando com propriedade pelas contribuições de François Bédarida, Pierre Azéma, Pierre Laborie, Jacques Sémelin, François Marcot, Henry Rousso e Denis Peschanski, a historiadora apresenta, de forma nítida, reflexões a respeito da criação do mito de resistência como “necessidade social” (Rollemberg, 2016, p. 33) e, sobretudo, tentativas de conceituar o termo. Em uma diversidade de propostas de conceituação que, conforme diz a própria autora, engolfam-se, por vezes, em “excessivas filigranas e retórica” (Rollemberg, 2016, p. 37), vemos emergir a problemática fundamental do debate: resistência é apenas expressão coletiva, consciente, organizada e clandestina contra um invasor estrangeiro, como propõem alguns autores, ou também podem ser considerados resistentes as expressões individuais, cotidianas e anônimas, seja contra o regime alemão instaurado na zona ocupada ou contra o regime de Vichy? Cria-se, assim, um dilema, bem sintetizado por Jacques Sémelin: “ou bem se mergulha nas profundezas do social, mas sua especificidade [da resistência] tende a se diluir; ou bem se define exclusivamente através de suas [da resistência] estruturas e ações e ele se reduz à sua dimensão organizada” (Rollemberg, 2016, p. 32). Apesar de parecer intransponível, a historiadora apresenta um caminho possível para sua resolução, demonstrando a importância das propostas teóricas de Laborie para sua análise: A zona cinzenta, o pensar duplo, o homem duplo, segundo a perspectiva de Pierre Laborie que considera comportamentos ambivalentes nuançados entre resistir e colaborar, por outro lado, talvez seja a solução para o impasse levantado por Sémelin (Rollemberg, 2016, p. 148).

Seja como for, adotando-se ou não as posições de Laborie para resolver o impasse sintetizado por Sémelin, o exercício reflexivo que o desencadeou, segundo Rollemberg, demonstra, per se, a importância e a necessidade de reflexão a respeito do conceito de resistência, pois concei tuá-la “é mais lidar com as possibilidades e os limites das próprias definições, aproveitando as tensões e riquezas que são intrínsecas ao dilema observado por Sémelin, do que buscar resolvê-lo” (Rollemberg, 2016, p. 37).

Para o caso italiano, a discussão é menos densa. Segundo a autora, isso se deve ao fato de que para a historiografia italiana importa menos definir “o que foi e o que não foi resistir”, centrando os esforços, em contrapartida, no “papel de seus atores, principalmente das lideranças ou de militantes destacados” (Rollemberg, 2016, p. 47). Apesar da não importância da conceituação, a historiadora alerta que as contribuições historiográficas têm buscado desconstruir, também, o mito da resistência.

Por fim, finalizando o primeiro capítulo, está a reflexão a respeito do conceito de resistência proposto pela historiografia alemã. Rollemberg oferece destaque à definição proposta por Martin Broszat. Esta, ao contrário de utilizar o termo resistência (Widerstand), prefere utilizar Resistenz, cuja tradução é imunidade, termo devedor da biologia, que diz respeito a “reações espontâneas e naturais dos organismos vivos a micro-organismos como vírus e bactérias” (Rollemberg, 2016, p. 52). Assim, com essa nova definição, procurou-se jogar luz sobre a “resistência a partir de baixo”, como bem sintetizou Klaus-Jürgen Müller a respeito da definição proposta por Broszat.

Nos capítulos seguintes, sejam relacionados ao contexto francês ou italiano, notamos, com clareza, dois aspectos predominantes: por um lado, o esforço analítico da autora, buscando demonstrar e desenvolver as relações tensas e mutáveis entre história e memória, por intermédio, essencialmente, dos museus e memoriais como corpus documentais de análise. Por outro, o realce e a recorrência, ao longo de todo o texto, na importância de compreender as ações dos sujeitos que fizeram parte desse processo histórico a partir de suas ambivalências e contradições, buscando problematizar as visões romantizadas e heroicizadas construídas sobre esses indivíduos. Assim, a historiadora reforça a necessidade de compreendê-los sem operar distinções binárias e estéreis. Nas palavras da própria Rollemberg a respeito da criação de museus e homenagens aos resistentes:

A homenagem precisa incorporar a complexidade, as contradições, as ambivalências da realidade. A produção do conhecimento, resultado da incorporação das múltiplas dimensões dos acontecimentos e dos homens e mulheres neles envolvidos, submetidas à interpretação crítica, é a melhor homenagem que se possa fazer. A sacralização da memória afasta o herói de todos nós, condena-o ao desconhecimento, mesmo que inúmeros museus e memoriais sejam erguidos em seu nome (Rollemberg, 2016, p. 97).

Portanto, perseguindo essa trilha, Rollemberg empreende uma análise ampla acerca de 15 museus/memoriais ao redor da França, 130 cartas de resistentes ou reféns5 prestes a serem fuzilados e, por fim, analisa oito museus/memoriais italianos. É digno de nota demonstrar a metodologia empregada pela historiadora na construção dos museus/memoriais como corpus documentais para discussão das questões propostas na obra. Seguindo a senda proposta por Jacques Le Goff, a respeito do conceito documento/monumento6, a historiadora compreende a criação e, consequentemente, os próprios museus/memoriais através dessa dinâmica. Assim, a disposição dos museus/memoriais, os locais onde foram construídos, seus acervos, suas narrativas, dinâmicas e relações com o poder público são importantes ao olhar analítico da autora.

Todos os aspectos, constituintes da criação e perpetuação dos museus/memoriais, são vistos como esforços “das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si própria” (Rollemberg, 2016, p. 90). Outrossim, constatando que os museus/memoriais são criados com uma dupla-função, informativa e comemorativa, a historiadora compreende- os como espaços privilegiados de manifestação das tensões entre história e memória, analisando, assim, de que modo esses espaços incorporam ou recusam os avanços e novos temas propostos pela historiografia (Rollemberg, 2016, p. 90).

Sobre a França, vale ressaltar que a autora deslinda de que modo foi construído o “resistencialismo”. Apresenta a importância da memória nesse processo, a memória como construção social, como maneira de “lidar com a história, reconstruindo-a” (p. 84), formulada no período pós-ocupação, “comportando a lembrança, o esquecimento, o silêncio” (Rollemberg, 2016, p. 84), como aponta Beatriz Sarlo (2007), a memória como captura do passado pelo presente; o mito da resistência, o mito que explica a ausência, ao menos na grande maioria dos museus, de informações a respeito da colaboração dos franceses com os nazistas e com o regime de Vichy; o “resistencialismo” tornando ausente das narrativas dos museus “a zona cinzenta, o pensar duplo, a ambivalência” (Rollemberg, 2016, p. 142).

Com relação à Itália, deve-se atentar para a valiosa trilha percorrida pela historiadora ao confrontar a história e a memória do caso dos Sette Fratelli. Realizando uma genealogia da criação do mito, que remonta a dois textos de Italo Calvino publicados em 1953 (Rollemberg, 2016, p. 335), Rollemberg expõe as relações de legitimação dos mais diversos setores da sociedade italiana com a criação e manutenção de uma narrativa romantizada acerca dos sete irmãos fuzilados em 1943. Aponta não apenas para a necessidade do Partido Comunista Italiano (PCI) em vincular- se à história dos irmãos, mas, também, a necessidade do próprio governo italiano, simbolizado na recepção de Alcide Cervi, pai dos sete irmãos, pelo primeiro presidente eleito pós-ocupação, Luigi Enaudi, em 1954, no Palácio Quirinale, em Roma, além de diversas medalhas de honra que Alcide recebeu como representante dos filhos (Rollemberg, 2016, p. 318). A história dos irmãos resistentes e, consequentemente, da superação do sofrimento de um pai que teve a família devastada como símbolos da história italiana recriada pela memória, a Itália resistente, a exemplo dos sete irmãos, livre do nazifascismo, que buscava superar o sofrimento, como Aldo Cervi buscava superar a perda dos filhos.

Resistência, portanto, cumpre os objetivos a que se propõe, descortinando as relações problemáticas e, ao mesmo tempo, férteis entre história e memória em meio à construção da memória coletiva na França e na Itália a respeito das ocupações nazistas ao longo da II Guerra Mundial. Mais do que isso, o livro da historiadora é um interessante ponto de vista metodológico para os interessados em compreender as complicadas questões vinculadas à História do Tempo Presente.7 Se vivemos, como aponta o historiador François Hartog (2017), um regime de historicidade presentista, em que a Memória busca destronar a História de seu lugar privilegiado como intérprete hegemônica do passado, Resistência é uma contribuição fundamental à historiografia brasileira para aqueles que buscam fugir às armadilhas da Memória, que opera, na maioria das vezes, por intermédio de uma cultura binária de demonização ou sacralização de indivíduos e/ ou períodos históricos. Rollemberg, portanto, em seu novo caminho analítico, do qual Resistência é a reflexão mais profunda até o presente momento, apresenta os desafios dos historiadores que trilham as temáticas envolvendo experiências sociais traumáticas do passado recente. Ao buscar recolocar os personagens em seus respectivos contextos históricos, questionando as construções memoriais e realçando a importância de lançarmos luz às zonas cinzentas, contradições e ambivalências dos sujeitos históricos, a autora deixa-nos – aos historiadores – um sinal de alerta: o dever do historiador é compreender o passado, não o mitificar.

Referências

HARTOG, F. 2017. Crer em História. Belo Horizonte, Autêntica, 252 p.

LABORIE, P. 2010. 1940-1944: Os franceses do pensar-duplo. In: S.

QUADRAT; D. ROLLEMBERG (org.), A construção social dos regimes autoritários: vol. I, Europa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, p. 31-44.

LE GOFF, J. 2013. História e Memória. 7ª ed. Campinas, Editora da Unicamp, 504 p.

PAXTON, R. 1973. La France de Vichy. Paris, Seuil, 475 p.

QUADRAT, S.; ROLLEMBERG, D. (org.) 2010. A construção social dos regimes autoritários. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 3 vols.

QUADRAT, S.; ROLLEMBERG, D. (org.) 2015. História e memória das ditaduras do século XX. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2 vols.

ROLLEMBERG, D. 2000. Exílio: entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Record, 375 p.

ROLLEMBERG, D. 2016. Resistência: memória da ocupação nazista na França e na Itália. São Paulo, Alameda Editorial, 376 p.

ROUSSO, H. 2012. Le Régime de Vichy. 2ª ed. Paris, PUF, 128 p.

ROUSSO, H. 2016. A última catástrofe: a história, o presente, o contemporâneo. Rio de Janeiro, Editora FGV, 341 p.

SARLO. B. 2007. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo, Companhia das Letras / Belo Horizonte, Editora da UFMG, 129 p.

2 Referimo-nos aqui, respectivamente, à sua dissertação de mestrado (A ideia de revolução: da luta armada ao fim do exílio (1961-1979)) e à tese de doutorado (Exílio. Entre raízes e radares), esta última publicada pela Editora Record (1999).

3 O termo Resistência, com letra maiúscula, consolidou-se na historiografia como modo de referir-se a posições e ações ligadas a organizações, partidos e movimentos (p. 175).

4 Para maior aprofundamento a respeito dos conceitos, cf. Laborie (2010).

5 “Reféns” denominam-se os indivíduos presos, seja na França ocupada ou na França de Vichy, em represália às ações da Resistência.

6 Para maiores detalhes, cf. Le Goff (2013).

Higor Codarin – Universidade Federal Fluminense. Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n. 24210-201 Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Número do processo: E-26/201.860/2019. E-mail: higor.codarin@gmail.com.

Martín García Mérou. Vida intelectual y diplomática en las Américas | Paula Bruno

En 1878 el argentino Martín García Mérou obtuvo un reconocimiento en un concurso literario del colegio que le valió el apoyo y la protección, entre otros, de los intelectuales Miguel Cané y Manuel Estrada. Con tan sólo diecinueve años fue nombrado oficial secretario de Cané en Venezuela y Colombia abriéndose así una nueva etapa en su vida de donde surgió la obra Impresiones (1884). Desde entonces, y hasta su muerte en 1905, García Mérou vivirá la mayor parte de su vida fuera de Argentina para representarla y lo hará en un contexto muy específico, el cambio del siglo XIX al XX. Aprovechará sus estancias en los distintos países tanto para recopilar materiales como para escribir sus experiencias y análisis que le permitirán a su vez proponer sus propias reflexiones ante sucesos internacionales. Estas reflexiones propias, así como su distanciamiento de los temas predominantes de la época, hacen que el perfil de García Mérou deba ser estudiado desde otra perspectiva distinta a la de varios de sus contemporáneos que también realizaron labores en el exterior. Precisamente, Paula Bruno con esta obra nos presenta a un intelectual-diplomático, ya que en García Mérou la vida intelectual y diplomática se unen, y nos invita a volver a pensarlo y leerlo de manera integral a través de sus textos.

Este interés de Bruno por las “vidas intelectuales”, por la aproximación biográfica para estudiar una época, no es reciente. Fue promotora de la Red de Estudios Biográficos de América Latina –REBAL– y desde hace años esta historiadora ha publicado varias obras que se enfocan en esa cuestión, distanciándose del modelo de biografía intelectual e inscribiéndose en la historia social de los intelectuales. Para ello, combina en sus trabajos rasgos y circunstancias biográficas con ideas y tramas sociales culturales que le permiten reconstruir los distintos perfiles. Caben mencionar sus libros Paul Groussac. Un estratega intelectual (2005) o Pioneros culturales de la Argentina. Biografías de una época, 1860-1910 (2011). En este último propone un acercamiento a la vida cultural del país de la segunda mitad del siglo XIX e inicios del XX a través de distintas biografías, entre ellas las de Paul Groussac, José Manuel Estrada o Eduardo Wilde, hombres a los que también hará referencia en la obra reseñada y que muestran junto con García Mérou las singularidades de la vida cultural de la época. Por ejemplo, Wilde y García Mérou son dos casos de la conformación de nuevas interpretaciones optimistas acerca del ascenso de Estados Unidos desarrolladas a partir de una experiencia diplomática con el propio país. Leia Mais

El pensamiento conservador y derechista en América Latina, España y Portugal, siglos XIX y XX | Fabio Kolar e Ulrich Mücke

El pensamiento conservador y derechista en América Latina, España y Portugal, siglos XIX y XX, el libro compilado por Fabio Kolar y Ulrich Mücke, asume el desafío de analizar los conservadurismos y derechas en América Latina y la península Ibérica en el extenso período que abarca dos siglos, lo que implica estudiar procesos y actores muy diversos. Las dificultades del cometido están señaladas en la muy sugerente introducción que realizan los editores, quienes plantean que hasta las décadas finales del siglo XX las sociedades iberoamericanas eran consideradas comunidades atrasadas, estancadas en el pasado y ajenas a toda forma de revolución. Las transiciones democráticas y la renovación historiográfica que se produjo en torno a los cambios políticos, trajo una nueva perspectiva sobre los procesos históricos y se comenzó a atender la implantación del orden constitucional, los procesos electorales y la constitución de la ciudadanía. Hoy, existe un consenso en que las independencias introdujeron cambios políticos radicales e incluso revolucionarios. Sin embargo, se ha producido un desequilibrio entre los numerosos estudios acerca del liberalismo y los más escasos análisis sobre los conservadurismos y las derechas. Solo en las dos últimas décadas se empezó a consolidar un campo de estudios que aborde esos idearios y sus prácticas. Kolar y Mücke entienden que se trata de estudios todavía muy limitados a las fronteras nacionales. Si bien, en principio no deja de ser cierto, la afirmación debería matizarse, pues como se puede ver en el propio libro y en los encuentros, simposios y dossiers, cada vez son más los investigadores y las investigadoras que apuntan a trabajos comparativos y enfoques trasnacionales.

Por otro lado, los compiladores señalan las dificultades que generan la ambigüedad, el uso confuso y hasta arbitrario de los términos derecha y conservador. Como solución reclaman conceptos analíticos viables, que superen lo etimológico, las determinaciones clasistas y se enmarquen en su origen y en su propio contexto histórico. El término conservadurismo, tal como lo muestran los artículos del libro fue predominante en el siglo XIX, en tanto que en el siglo XX se impuso el concepto derecha (condicionado relacionalmente con el término izquierda). La derecha se definirá por su contrariedad con las formas igualitaristas, ya que conciben que la desigualdad es natural e inmutable. Conservadurismos y derechas se relacionan en el respeto a las tradiciones. No obstante, reconocen que resulta muy difícil, sino imposible, formular una definición universal para todas las variantes históricas y geográficas. Los editores entienden que las nuevas derechas fueron y son herederas del pensamiento conservador del siglo XIX, pero al mismo tiempo son creaciones del siglo XX, con sus propias características (pp. 7-36). Leia Mais

Que história pública queremos? Ana Mauad, Ricardo Santhiago e Viviane Trindade

Organizado por Ana Maria Mauad, Ricardo Santhiago e Viviane Trindade Borges, o livro “Que história pública queremos?” (What public history do we want?) convida os leitores a participarem de um debate que caracteriza o campo e os caminhos da história pública no Brasil. Como novidade, essa produção de 2018, escrita por historiadores brasileiros e brasilianistas, oferece a tradução dos seus vinte capítulos para o inglês, o que ressalta não só a relevância dos percursos reflexivos (Que história pública queremos?) e práticos (Que história pública fazemos?) estabelecidos em território nacional, mas suas perspectivas de alcance internacional, que não descartam, segundo os organizadores, influências e diálogos do Brasil com as tradições teóricas estrangeiras referentes à área.

Adicionam-se ao catálogo editado pela Letra e Voz1 esses textos em que os autores compartilham suas visões sobre história e história pública ao mesmo tempo que repensam seus próprios campos, temas, objetos, métodos e objetivos de pesquisa. Assim, o que caracteriza a contribuição do livro perante a pretendida história pública brasileira é exatamente a união entre uma espécie de autoavaliação das trajetórias e experiências teóricas e práticas do ofício do historiador e a redescoberta da “dimensão pública do conhecimento histórico” (MAUAD; SANTIAGO; BORGES, 2018, p. 11). Leia Mais

Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975) | Leandro Pereira Gonçalves

O filósofo da ciência Karl Popper (1980) costumava afirmar que o conhecimento científico é, acima de tudo, uma luta contra o marasmo e as supostas verdades preestabelecidas dentro do próprio campo científico. Podemos compreender esse “marasmo” e as “supostas verdades estabelecidas”, em parte, como os próprios estudos científicos que marcam época e criam um establishment em determinada área de pesquisa. Leia Mais

Infâncias e juventudes no século XX: histórias latino-americanas – AREND et al (RBH)

“Atenção! atenção! É uma nova era no Brasil, menino veste azul e menina veste rosa” (Pains, 2019). O ano de 2019 acabara de desabrochar quando a recém-empossada ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, proferiu tais palavras sob coro e aplausos calorosos. Carregada de significados e intenções, a declaração de Damares também dá voz, involuntariamente, ao questionamento: quais os atributos da infância na História do Tempo Presente? Se existem, quem os criou e com quais interesses? Leia Mais