A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica | Mariana Muaze e Ricardo H Salles (R)
Mariana Muaze e Ricardo Salles | Foto: Divulgação
O desembarque do conceito de segunda escravidão na historiografia brasileira encontra importante expressão com a publicação do estudo crítico que, além da apresentação do historiador norte-americano Dale Tomich, reuniu quinze historiadores para o exame da relação entre capitalismo e escravidão no século XIX.
Denominada A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica, a coletânea é resultado dos trabalhos de pesquisas e discussões do grupo interinstitucional “O Império do Brasil e a segunda escravidão”, formado por pesquisadores da Unirio, Mast, UFF, USP, Unifesp, UFJF e UFSC e pelos integrantes do Laboratório de Estudos sobre o Brasil e o Sistema Mundial (Lab-Mundi/USP).
Se o propósito era pensar a porosidade do conceito de segunda escravidão, ele se configura na breve apresentação de Dale Tomich, que nos indica que “segunda escravidão é um conceito aberto que tem o objetivo de repensar a relação entre capitalismo e escravidão e as causas desta última no Oitocentos” (Tomich, 2020, p. 13). Pretendendo sublinhar que a abordagem da segunda escravidão trata “as relações escravistas históricas reais [que] são constituídas […] pela forma das relações senhor-escravo […] por processos de produção materiais específicos (açúcar, café, algodão) […] por sua posição relativa na divisão internacional do trabalho e no mercado mundial […]” (p. 14), realça que a origem do conceito é fruto da “insatisfação com histórias lineares da escravidão que a veem como incompatível com o capitalismo industrial e as ideias liberais de propriedade e liberdade” (p. 13).
É nesse quadro de “escravidão em interação com a construção dos Estados nacionais e com a expansão internacional do mercado escravista” (Muaze, Salles, 2020, p. 19) que se deve colocar o livro organizado por Mariana Muaze e Ricardo Salles. O que primeiro chama a atenção é que a coletânea tem como pilar central “o problema histórico de como a escravidão moldou o capitalismo brasileiro no século XIX e na atualidade” (p. 20). De fato, esse eixo central, colocando problemas, proporciona análises, revisões e novidades que enriquecem o conhecimento que se tem da escravidão.
A obra é dividida em quatro partes. Na primeira, aborda-se a constituição da “Segunda escravidão e o capitalismo histórico em perspectiva atlântica”. Seu mérito reside na estimulante e bem arejada exposição de Leonardo Marques sobre o percurso historiográfico das ideias que compõem o espectro analítico do conceito de segunda escravidão e sobre os desafios de integrar o mundo político e cultural nas narrativas de emergência e destruição da segunda escravidão. Além de contar com o “ensaio de historiografia” de Ricardo Salles, no qual direciona especial atenção para o debate sobre as relações entre capitalismo e escravidão, partindo da consideração de que nos Estados Unidos “o problema dessas relações se apresentou de forma mais aguda” (Salles, 2020, p. 27). Já no último capítulo da primeira seção, Rafael Marquese tece comentários críticos.
A segunda parte, “Segunda escravidão e diversidade econômica e regional”, reúne quatro trabalhos. No primeiro, Luiz Fernando Saraiva e Rita Almico, com o intuito de investigarem a associação entre escravidão e a modernização da economia brasileira no século XIX, identificam as relações entre as economias mercantis escravistas regionais e a segunda escravidão. Em seguida, Walter Pereira direciona especial atenção para o dinamismo econômico do município de Campos dos Goytacases, ao longo da segunda metade do século XIX. As reflexões críticas desses artigos condensam os comentários de Renato Leite Marcondes e Gabriel Aladrén.
Já a terceira parte confere centralidade à relação entre segunda escravidão e o período Colonial Tardio. Valendo-se dos artigos de Carlos Gabriel Guimarães e Carlos Leonardo Kelmer Martins e comentários de Rodrigo Goyena Soares, essa seção combina reflexões epistemológicas e resultados preliminares de pesquisa.
A última seção do livro apresenta discussões metodológicas. O debate gira em torno das possíveis articulações entre o micro e o macro. Em outras palavras, do entrelaçar das propostas advindas da segunda escravidão e da micro-história. Três historiadores, Mariana Muaze, Thiago Campos Pessoa e Waldomiro Silva Junior, se dedicam a esse esforço. No último capítulo, a historiadora Mônica Ribeiro de Oliveira elabora os comentários críticos sobre as proposições metodológicas.
Ricardo Salles, no primeiro capítulo, faz uma longa travessia historiográfica desde Graham, Genovese, Fogel e Engerman aos recentes estudos de Sven Beckert e Seth Rockman. Retoma tradições de pensamento sobre escravidão e capitalismo: os esforços comparativos entre o “Velho Sul” e o Brasil; o problema das mentalidades ditas “mais racionais” diante dos comportamentos patriarcais de status e poder; a lucratividade, racionalidade e caráter capitalista da escravidão propostas pela New Economic History; os riscos dos excessos de empirismo ou de abstração teórico-metodológica no ofício do historiador; o capitalismo da escravidão de Rockman e Beckert; a centralidade da economia sulista norte-americana no desenvolvimento capitalista; a escravidão nos Estados Unidos face ao pacto político da estrutura de poder federativa; e, no caso brasileiro, o Império do Brasil e sua estrutura de poder unitária, assentada na difusão da escravidão por todo território, alicerçada na hegemonia política e social da fração da classe senhorial da bacia do Paraíba do Sul. E, por fim, a validade instrumental do conceito de segunda escravidão como uma estrutura histórica específica.
Salles aponta que o conceito de segunda escravidão “hibernou” entre 1988 e até fins da década de 1990. Em 1999, de maneira “pioneira e isoladamente” Christhopher Schmidt-Nowara valeu-se do conceito para analisar a escravidão cubana e porto-riquenha no Novo Império Colonial Espanhol do século XIX. Em 2004, o conceito desembarcou no Brasil. Rafael Marquese o empregou em Feitores do corpo, missionários da mente.
No plano da historiografia brasileira, subjacente a essa escolha conceitual, Salles indica que a apropriação do conceito de segunda escravidão relaciona-se diretamente ao “abandono do conceito de capitalismo” pelas correntes historiográficas do “sentido arcaico da escravidão brasileira e a historiografia com ênfase na agência escrava” (Salles, 2020, p. 36). O novo aporte não apenas conduz a análise para o dimensionamento do processo de longa duração e os quadros globais do capitalismo histórico como também para “a discussão da relação entre escravidão e desenvolvimento do capitalismo dependente, periférico e excludente no país” (p. 36).
No capítulo seguinte, cujo objetivo é aprofundar o debate historiográfico sobre escravidão e capitalismo, Leonardo Marques aponta limites e potencialidades do conceito de segunda escravidão. Valendo-se de amplo espectro historiográfico, perpassa o marxismo, a noção de sistema-mundo, Global History e a New History of Capitalism. A exposição reconhece como mérito da segunda escravidão, além de recolocar em cena o tema escravidão e capitalismo, o questionamento que ela oferece contra “o nacionalismo metodológico que ainda informa uma parcela importante da produção historiográfica mundial […]”. (Marques, 2020, p. 55). Para Marques, a contribuição historiográfica essencial é a visão integrada dos mútuos condicionamentos das três principais sociedades escravistas das Américas (Cuba, Brasil e Estados Unidos), pois permite reconstituir o lugar dessas sociedades no capitalismo global do século XIX. Tomando por base essa perspectiva, indica que, diante desse enquadramento analítico, ultrapassa-se o conceito de segunda escravidão, pois, nesse caso, “o procedimento sugerido por Tomich é mais importante do que o próprio conceito […]” (Marques, 2020, p. 68).
Como resultado dos dois capítulos iniciais, Rafael de Bivar Marquese propõe reflexões historiográficas sobre a escravidão histórica e o capitalismo histórico. Nesse debate, ganham contornos as divergências entre as interpretações de Ricardo Salles e Leonardo Marques. O dissenso centra-se na tensão entre o lugar dos Estados nacionais na especificidade das trajetórias dos espaços escravistas das Américas e a perspectiva de que o capitalismo como sistema transpõe fronteiras políticas e combina múltiplas formas de trabalho compulsório. Marquese sublinha, de um lado, a importância da profunda descontinuidade das trajetórias dos espaços escravistas na virada do século XVIII para o XIX, a “segunda escravidão” e, de outro, a integração da economia-mundo, novos espaços escravistas e as relações de produção, distribuição e consumo. Essa afirmativa desloca o olhar para as totalidades como interdependências mútuas, tais como as relações entre mercado mundial, divisão internacional do trabalho e o fenômeno do “ciclo britânico de acumulação”.
É nesse quadro do pensamento econômico que a coletânea avança para a segunda parte “Segunda escravidão e diversidade econômica e regional”. Os capítulos representam não apenas esforços analíticos que visam examinar de maneira integrada economias mercantis escravistas regionais, inovações tecnológicas, indústrias e segunda escravidão mas também nos revelam uma agenda de pesquisa, como nota Renato Marcondes. O texto “Raízes escravas da indústria brasileira” procura mapear a persistência da escravidão, diversidade regional e modernização da economia brasileira nos séculos XIX e XX. Com enfoque regional, o capítulo seguinte, de autoria de Walter Pereira, analisa a dinâmica econômica e da escravidão na bacia do rio Paraíba do Sul, suas atividades agrícolas e bancárias, inovações tecnológicas, ferrovias, embarcações a vapor e bondes.
Ao longo da terceira parte, no primeiro artigo de Carlos Gabriel Guimarães, o que se verifica é uma grande riqueza de análise que, apesar da advertência do autor que “as pesquisas nos arquivos ainda estejam no início”, revela a especificidade da inserção dos negociantes ingleses Joseph e Ralph Gulston e suas conexões globais financeiras e comerciais, em especial, com a comunidade mercantil lisboeta, carioca e africana.
Numa outra proposta, intitulada “O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob a égide mercantilista”, o historiador Carlos Kelmer Martins enfatiza, do ponto de vista teórico e metodológico, as interseções e diálogos entre as premissas do conceito de segunda escravidão, do mercantilismo e da complexidade política, social, cultural e econômica do sistema mundial setecentista. Rodrigo Soares, responsável pelos comentários críticos, considera que o mérito de Kelmer Martins “está na percepção da desigualdade entre as sociedades ou no seio de cada uma, como decorrência de uma forma combinada integrada” (Soares, 2020, p. 226).
Na quarta e última parte, intitulada “Segunda escravidão, micro-história e agência”, o que está em jogo no par macro e micro é um redimensionamento dos objetos e questões. Em todos os capítulos a abordagem é convergente. Reafirma-se o ofício do historiador como possibilidade de articulação da dimensão macroestrutural aos elementos da micro-história, assim como se procura sofisticar as pesquisas a partir do conceito de segunda escravidão. Mariana Muaze aponta caminhos para superar a incompatibilidade fundante entre a micro-história e a segunda escravidão. Em outra chave, Thiago Pessoa conjuga análise empírica, decorrente dos resultados de pesquisa no Arquivo Nacional, a abordagem metodológica da micro-história e as contribuições do conceito de segunda escravidão. Nesse movimento, valoriza as contribuições da redução de escala e as potencialidades da perspectiva global a fim de examinar a classe senhorial do Império do Brasil, as redes de negócios e sociabilidade, o complexo cafeeiro, o tráfico e a escravidão.
Por essas razões, Waldomiro Lourenço da Silva Júnior afirma que a segunda escravidão, como conceito analítico que abrange zonas de plantação mais dinâmicas e capitalizadas da economia global, em especial, no Brasil, o complexo cafeeiro, não estaria invalidada por não contemplar a escravidão urbana e portuária, a produção com pequenas escravarias voltadas para o abastecimento em Minas Gerais ou a indústria baleeira catarinense. Para o autor, a validade da noção de segunda escravidão configura uma “questão elementar de epistemologia” em que “a validade cognitiva de uma categoria de análise não se limita necessariamente às constatações empíricas que respaldaram a sua formulação” (Silva Júnior, 2020, p. 282). Portanto, as evidências da escravidão em economias como Minas Gerais, Santa Catarina ou de regiões portuárias ou urbanas seriam decorrência direta da dinâmica da segunda escravidão: “as outras formatações da escravidão só persistiram a longo prazo no Brasil porque existiu uma base material nuclear suficientemente sólida (a base da segunda escravidão), que garantiu, no campo político, as condições para sua perpetuação” (p. 282).
Como bem lembra Monica Ribeiro de Oliveira, apesar das contribuições de Muaze, Silva Júnior e Pessoa, os desafios postos pela articulação da micro-história à perspectiva macro permanecem em aberto.
De modo geral, o conceito de segunda escravidão, subjacente a todos os trabalhos do livro, nem sempre alcança o objetivo de dotar a obra de relativa unidade e também da porosidade conceitual desejada por Dale Tomich na apresentação. No entanto, certamente, alguns trabalhos ganharão espaço na historiografia, mais pelo valor do debate apresentado do que pelas conclusões.
É importante compreender que a obra reflete, ao mesmo tempo, o esvanecimento da história econômica, hegemônica por décadas na academia brasileira e em seus cursos de graduação e pós-graduação em história, e também sintetiza uma retomada.
Apesar dos novos horizontes metodológicos, a formulação do conceito de segunda escravidão (1988) é oriunda, em parte, no caso da interpretação sobre a economia brasileira, das ideias encontradas em Formação econômica do Brasil (1959) de Celso Furtado, um dos autores citados por Tomich no capítulo fundador do conceito de segunda escravidão. É no mínimo curioso que nenhum dos capítulos de A segunda escravidão e o império do Brasil em perspectiva histórica mencione o livro de Celso Furtado em suas referências bibliográficas, nem o possível impacto da interpretação de Furtado na gestação conceitual de segunda escravidão, ou associe o fato de que concepções furtadianas ganharam nova roupagem historiográfica.
Referências
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil [1959]. 15a ed. São Paulo: Editora Nacional, 1977.
MARQUES, Leonardo. Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 53-74.
MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
SALLES, Ricardo H . A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão: ensaio de historiografia. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 27-52.
SILVA J JÚNIOR, Waldomiro Lourenço da. A segunda escravidão: o retorno de Quetzalcoatl? In: MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 279-285.
SOARES, Rodrigo Goyena. Comentário: benefícios e limites da segunda escravidão como método para uma razão dialética. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria , 2020, p. 223-238.
TOMICH, Dale. The “second slavery”. In: TOMICH, Dale. Through the prism of slavery Lanham: Rowman & Littlefield, 2004, p. 56-71.
Télio Cravo – Pós-doutorando em História pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). São Paulo(SP), Brasil. teliocravo@gmail.com.
MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo H. . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica.São Leopoldo: Casa Leiria, 2020. 298p. Resenha de: CRAVO, Télio. Desembarque da segunda escravidão na historiografia brasileira. Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF]
Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil | Yuko Miki
Yuko Miki | Foto: Fordham News |
A especialização no campo das pesquisas históricas trouxe inegáveis avanços para o nosso conhecimento a respeito das indagações que fazemos sobre o passado. Ao lado desses avanços há armadilhas, quase que inevitáveis, especialmente para os historiadores em formação. É na definição dos recortes – seja ele espacial, cronológico, bibliográfico ou de grupos sociais – que se antevê o tamanho do cabresto que cerceia a visão do autor e retroalimenta interpretações de escolas clássicas. São recortes que não nascem livremente de perguntas – o único meio de dar unidade coerente à pesquisa, como ensinava Marc Bloch – e, sim, estão naturalizados pelos campos ou pelas instituições. No Brasil, uma das especializações mais curiosas é a que separa de forma extremamente rígida a história dos povos indígenas e dos escravizados afro-brasileiros. De modo geral, persiste a crença de que o avanço territorial da escravização afro-brasileira tinha como sua consequência o desaparecimento ou perda de importância dos povos indígenas. Os estudos sobre o século XIX vem sistematicamente negando essa perspectiva, mas muitas vezes também criando uma história dos povos indígenas no Império do Brasil quase autônoma à da escravização dos afro-brasileiros. [3]
Frontiers of Citizenship, de Yuko Miki, já mereceria ser saudado por explorar essa primeira “fronteira”: a que separa a história de afro-brasileiros e de indígenas no Império do Brasil. Mais uma vez, o olhar estrangeiro nos ajuda a questionar os cânones da história nacional. Miki nascida em Tóquio, mas há muitos anos radicada nos Estados Unidos, onde é professora da Fordham University (NY), conta ao longo do livro o seu estranhamento em ver a história desses dois grupos tão apartada. Por outro lado, o livro – e especialmente seus comentários de contracapa – lhe atribuem muitas vezes uma originalidade que não é verdadeira. Muitos pontos – sobretudo em relação à história dos povos indígenas – podem ser pouco conhecidos do público estrangeiro, mas são absolutamente sabidos entre os historiadores brasileiros. A despeito disso, o esforço em buscar uma única interpretação, ou mesmo pontos de encontros, para a história de indígenas e afro-brasileiros escravizados é um ganho real.
Desde o início o livro chama a atenção por essa fusão que não está apenas na capa – uma bela arte de sobreposição de imagens de indígenas e afro-brasileiros – mas por se tratar de um volume da “Afro-Latin America” da Cambridge que tem como recorte espacial o vasto território conhecido na historiografia por ser aquele que foi alvo de D. João, em 1808, para se fazer guerra aos indígenas botocudos. Poucos territórios têm tão marcadamente um tema e uma cronologia: a guerra justa contra os botocudos e o período de 1808 a 1831, quando esta prática é extinta pelo Parlamento. Quase que exclusivamente tratado pela historiografia sobre os povos indígenas, é centro de discussão para as políticas indigenistas e as modalidades de trabalho imposta a estes povos. [4]
Miki implode esses parâmetros. Em primeiro lugar, avança a análise até o final do Império, permitindo revelar um quadro de mudanças muito mais complexo do que aquilo que se vê apenas até 1831, passando inclusive pelo Regulamento das Missões (1845) [5], o movimento abolicionista e a própria abolição. Ainda mais importante, Miki tenta enxergar essa região – que ela chama de “Fronteira Atlântica”, algo que problematizaremos adiante – como uma espécie de síntese, de um laboratório do Império. Afinal, foi ali que se abriu no começo do século XIX uma política generalizada de extermínio indígena. É verdade que isto jamais foi suprimido no Império português, mas especialmente depois de Pombal as políticas que tentavam transformar os indígenas em portugueses tornaram-se centro da estratégia do Império na disputa por territórios com Madri.
Ao mesmo tempo, o espaço colonial é o símbolo de uma mudança política com a vinda da Corte, Corte que não valorizava mais “zonas tampão” – papel que o território e os botocudos tinham ocupado até 1808 para impedir o desvio de pedras preciosas. Ao invés disso, o que se precisava era expandir-se “para dentro”, feliz expressão de Ilmar Mattos que fará ainda mais sentido já no Império do Brasil. [6] A expansão agrícola na “Fronteira Atlântica” é acompanhada de tentativas de implementação de novas alternativas de propriedade e trabalho. A mais famosa dessas iniciativas é a Colônia Leopoldina, incentivada pela própria Coroa através da vinda imigrantes e a distribuição de pequenas propriedades. A rápida transformação dessa experiência em apenas mais uma grande monocultura tocada com braços de escravizados afro-brasileiros, somada ao fato de ter se tornado um dos símbolos da resistência escravista, é extremamente destacado pela autora. Em alguma medida, o tom pessimista de toda a obra é sintetizado no “fracasso” da Colônia Leopoldina em manter-se com o trabalho livre.
Ainda que não dito explicitamente, Miki parece descrever um processo de mudança que nunca ocorre totalmente, como se o peso do passado fosse intransponível. A polissemia da palavra fronteira é habilmente explorada pela autora. A “Fronteira Atlântica” é a região que estuda. Os indígenas e afro-brasileiros estão fisicamente nesta fronteira, mas a sua cidadania também está em uma fronteira mais intangível, em uma área difícil de saber com clareza quem está dentro e quem está fora. Ainda que se valendo de análises já bastante conhecidas – sobretudo, de Sposito e Slemian [7] – Miki faz uma problematização dessa questão, lembrando que a constituição brasileira não era racializada. Ou seja, não era a cor da pele que determinava os direitos políticos. Por outro lado, condições jurídicas intrinsicamente ligadas à condição de homens e mulheres não brancos – como ser escravo ou considerado “selvagem” no caso dos indígenas – excluíam essas pessoas do “pacto político”. É apenas no final do livro – já discutindo o abolicionismo e o final do Império – que Miki deixa explícito que a negativa de direitos políticos para indígenas e negros era um projeto e não uma deficiência do sistema. Nesse ponto, há uma perfeita sintonia entre os projetos que analisa para indígenas e para os escravos após a abolição: em todos esses casos jamais se pensa em entregar terras e autonomia a esses povos. Ao contrário, a condição de subordinados, tutelados por fazendeiros ou religiosos é vendida como a única forma para impedir que ex-escravizados ou indígenas se entregassem ao ócio. Um discurso que se sustentou por décadas – e no caso dos indígenas, por séculos – e que ela registrou ecoar até mesmo entre os mais radicais abolicionistas da “Fronteira Atlântica”.
Se ao discutir a extensão da condição de cidadãos para indígenas e afro-brasileiros, Miki consegue uma análise mais integrada, o mesmo não acontece a respeito de outros aspectos. O exemplo mais evidente nesse sentido é o uso desses homens como mão de obra. Há, evidentemente, a demonstração de que em todo esse território havia o emprego significativo de indígenas e afro-brasileiros. No entanto, este são universos que estavam no mesmo território, mas que a narrativa organiza em sistemas produtivos bastante distintos. Ou seja, o enfoque para os indígenas está, de modo geral, nas missões e os escravizados afro-brasileiros nas fazendas. A pureza dessas separações tão estanques é difícil de acreditar em um território como esse. Bezerra Neto já mostrou que as fazendas monocultoras do Pará, por exemplo, sempre foram tidas como tocadas por mão de obra exclusivamente escravizada afro-brasileira, mas na verdade dividia os campos com indígenas. [8]
Antes que se diga que se trata das “excentricidades” do Cabo Norte, Marco Morel, em belíssimo e recente trabalho sobre os botocudos, justamente mostra como a sua mão de obra era frequentemente requisitada para os mais diferentes tipos de trabalho, ocupando frentes inclusive no entorno da Corte. Além do trabalho em obras públicas, Morel dá vários exemplos de como eram recorrentes as denúncias do emprego de indígenas em fazendas em toda essa região, muitas vezes desviados de instituições públicas sob a alegação de que era um método de civilização mais barato. [9] Para além disso, Miki passa ao largo da discussão mais interessante da historiografia recente: aquela que implode a visão dicotômica que separava todo o trabalho no Brasil do século XIX nas categorias de trabalho livre ou trabalho escravo. Em vez disso, há uma gigantesca zona cinzenta – não só no Brasil, mas em todo o mundo – em que homens livres são obrigados a trabalhar sob as mais diferentes formas de coerção, inclusive físicas. [10] Indígenas e afro-brasileiros eram especialmente alvo dessas ações que Miki totalmente ignora no livro.
Por fim, há ainda uma última consideração geral: a ideia de classificar esta região de ataque aos botocudos como “Fronteira Atlântica”. Miki insiste muito na ideia da fronteira, certamente influenciada pela tradição americana e critica o pouco uso desse termo na historiografia brasileira. No entanto, esta designação parece ter muitas fragilidades: no Império do Brasil, no processo de “expansão para dentro”, a fronteira é o recorrente e não a exceção. Nesse sentido, a região estudada por Miki parece estar longe de ser algo particularmente singular.
Mais especificamente sobre a distribuição dos capítulos é importante salientar que as suas divisões são temáticas, ainda que de modo geral a evolução dos capítulos também siga em alguma medida um avanço cronológico. Assim, o primeiro capítulo explora as “fronteiras da cidadania”, enquanto o segundo busca dar uma interpretação ao que ela chama de “política popular” (em tradução livre). Nos capítulos seguintes, outros temas giram em torno de tópicos como a mestiçagem, a violência, os “campos negros” e o abolicionismo. Os capítulos podem ser lidos separadamente, quase sem prejuízo do seu entendimento, o que por sua vez revela um problema de coesão da obra no seu conjunto. Também é peculiar a mistura de abordagens mais “estruturais” – como as discussões da cidadania a partir de documentos do centro político do Império – com narrativas totalmente focadas na “agência”. Especialmente nesse último ponto a obra encontra mais dificuldades. Há alguns insights maravilhosos, mas custa enxergar que alguns eventos possam ser usados para generalizações reiteradamente feitas.
Apesar das críticas, Frontiers of Citizenship é um livro que provoca muitas reflexões e incomoda ao buscar análises de ângulos inusuais. Isso por si só já basta para merecer a sua leitura.
Notas
3. Entre outras novas evidências, percebe-se o uso da mão de obra indígena mesmo em regiões irrigadas com escravizados afro-brasileiros, como São Paulo ou mesmo a região do Vale do Paraíba, pelo menos até um determinado período. Entre outros, veja LEMOS, Marcelo Sant’ana. O índio virou pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016; DORNELLES, Soraia Sales. Trabalho compulsório e escravidão indígena no Brasil imperial: reflexões a partir da província paulista. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 38, nº 79, 2018.
4. Para uma síntese, SPOSITO, Fernanda. As guerras justas na crise do Antigo Regime português. Análise da política indigenista de D. João VI. Revista de História (USP), v. 161, p. 85-112, 2010.
5. Trata-se da primeira lei para os povos indígenas como validade em todo o território do Império.
6. MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e herdeiros: a trama dos interesses na construção da unidade política. Almanack Braziliense, n. 01, maio de 2005.
7. SPOSITO, Fernanda. Nem cidadãos, nem brasileiros. Indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-45). São Paulo: Alameda, 2012; SLEMIAN, Andrea. “Seriam todos cidadãos? Os impasses na construção da cidadania nos primórdios do constitucionalismo no Brasil (1823 – 1824)”. In: JANCSÓ, István (org.). Independência: História e historiografia. São Paulo: Editora HUCITEC; FAPESP, 2005.
8. BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão Negra no Grão Pará (séculos XVIII-XIX). Belém: Paka-tatu, 2012.
9. MOREL, Marco. A Saga dos Botocudos: guerra, imagens e resistência indígena. São Paulo: Hucitec, 2018.
10. Entre outros, MACHADO, André Roberto de A. O trabalho indígena no Brasil durante a primeira metade do século XIX: um labirinto para os historiadores. In: Henrique Antonio Ré, Laurent Azevedo Marques de Saes e Gustavo Velloso. (Org.). História e Historiografia do Trabalho Escravo no Brasil: novas perspectivas. 1ed.São Paulo: Publicações BBM / Alameda, 2020; Mamigonian, Beatriz G. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017; LINDEN, Marcel van der. Trabalhadores do Mundo: ensaios para uma história global do trabalho. Campinas: UNICAMP, 2013; STEINFELD, Robert J. The invention of free labor: the employment relation in English & American Law and Culture, 1350-1870. EUA, The University of North Carolina Press, 1991.
Referências
BEZERRA NETO, Jose Maia. Escravidao Negra no Grao Para (seculos XVIII-XIX). Belem: Paka-tatu, 2012.
DORNELLES, Soraia Sales. Trabalho compulsorio e escravidao indigena no Brasil imperial: reflexoes a partir da provincia paulista. Revista Brasileira de Historia. Sao Paulo, v. 38, nº 79, 2018.
LEMOS, Marcelo Sant’ana. O indio virou po de Cafe? Resistencia indigena frente a expansao cafeeira no Vale do Paraiba. Jundiai: Paco Editorial, 2016.
LINDEN, Marcel van der. Trabalhadores do Mundo: ensaios para uma historia global do trabalho. Campinas: UNICAMP, 2013.
MACHADO, Andre Roberto de A. O trabalho indigena no Brasil durante a primeira metade do seculo XIX: um labirinto para os historiadores. In: Henrique Antonio Re, Laurent Azevedo Marques de Saes e Gustavo Velloso. (Org.). Historia e Historiografia do Trabalho Escravo no Brasil: novas perspectivas. 1ed.Sao Paulo: Publicacoes BBM / Alameda, 2020.
MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e herdeiros: a trama dos interesses na construcao da unidade politica. Almanack Braziliense, n. 01, maio de 2005.
MOREL, Marco. A Saga dos Botocudos: guerra, imagens e resistencia indigena. Sao Paulo: Hucitec, 2018.
Resenha de MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. New York: Cambridge University Press, 2018.
SLEMIAN, Andrea. “Seriam todos cidadaos? Os impasses na construcao da cidadania nos primordios do constitucionalismo no Brasil (1823 – 1824)”. In: JANCSO, Istvan (org.). Independencia: Historia e historiografia. Sao Paulo: Editora HUCITEC; FAPESP, 2005.
SPOSITO, Fernanda. As guerras justas na crise do Antigo Regime portugues. Analise da politica indigenista de D. Joao VI. Revista de Historia (USP), v. 161, p. 85-112, 2010.
SPOSITO, Fernanda. Nem cidadaos, nem brasileiros. Indigenas na formacao do Estado nacional brasileiro e conflitos na provincia de Sao Paulo (1822-45). Sao Paulo: Alameda, 2012.
STEINFELD, Robert J. The invention of free labor: the employment relation in English & American Law and Culture, 1350-1870. EUA, The University of North Carolina Press, 1991
André Roberto de A. Machado – Universidade Federal de São Paulo, Departamento de História. Guarulhos – São Paulo – Brasil. Professor do Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. É graduado e doutor em História pela Universidade de São Paulo e realizou pós-doutorados no CEBRAP e nas universidades de Brown e Harvard. E-mail: andre. machado@unifesp.br
MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. New York: Cambridge University Press, 2018. Resenha de: MACHADO, André Roberto de A. Construindo fronteiras dentro das fronteiras do Império do Brasil. Almanack, Guarulhos, n.27, 2021.
The Sacred Cause: The Abolitionist Movement – Afro-Brazilian Mobilization and Imperial Politics in Rio de Janeiro | Jeffrey Needell
Jeffrey Needell | Foto: University of Florida |
Devido às contradições que os formam, problemas históricos como a abolição da escravatura no Brasil são forçosamente de difícil resolução. Largo e plástico, o cativeiro moldou nossas relações econômicas, nossas tramas políticas e nossas regras de convivência. O escravo tornou-se ao longo do tempo, mas finalmente a um só tempo, mão de obra, mercadoria, insumo e derivativo financeiro. No campo político, fez das classes latifundiárias uma barreira intransponível para as dirigentes, quando não as forjou em simbiose. Delimitou por extensão o padrão de inserção internacional do país e regeu a vida social a ponto de definir quem era quem, aliviando apenas superficialmente os menos prósperos das misérias hierárquicas próprias a uma sociedade, igualmente por causa do cativeiro, formada a partir de desigualdades.
Jeffrey D. Needell , professor na Universidade da Flórida e também autor de A Tropical Belle Epoque (1987) e The Party of Order (2006), reorientou em The Sacred Cause sua já costumeira análise a partir das elites políticas, de modo a avaliar o Treze de Maio na perspectiva das inter-relações entre o movimento abolicionista, pelo baixo, e a vida parlamentar, pelo alto. Na complexidade multidimensional da escravidão, Needell autonomizou três variáveis e as aplicou a um espaço apenas, a Corte, porque julgada berço e cova do abolicionismo. O recorte temático e espacial atravessa o texto por inteiro e dá o tom dos porquês do Treze de Maio. À pergunta como foi possível a abolição quando o Estado era dominado por escravocratas? Needell responde: por obra de duas forças congraçadas – a saber, a solidariedade afro-brasileira e o movimento abolicionista – contra um reduto parlamentar, pelo resto, também pressionado pela Coroa.
Com o estilo ríspido que por vezes lhe é característico, Needell põe em xeque boa parte da historiografia que tratou do movimento abolicionista. Emília Viotti da Costa (1966), Robert Conrad (1972) e Robert Toplin (1972) não teriam logrado integrar o abolicionismo às urdiduras da alta política. Com os olhos voltados para os oprimidos e respaldados por interpretações materialistas, o que nem sempre foi o caso, não teriam compreendido, o que talvez não seja de todo justo, como o regime verdadeiramente funcionava. Seria esse o mesmo – e suposto – defeito de Angela Alonso (2015), malgrado o mérito de procurar entender o movimento abolicionista em escala nacional. A historiografia mais recente que se albergou na ideia de agência escrava, quer Needell, tampouco teria feito melhor, porque, calcada nos indivíduos, não teria assimilado o movimento em seu conjunto – mas foi essa a vocação dos agenciais?
Desejoso do inédito, Needell dividiu seu texto em sete capítulos, que, à exceção do quadro de socialização afro-brasileira composto no primeiro, seguem a ordem cronológica dos acontecimentos. O segundo traça o advento do movimento abolicionista, logo após a edição da Lei do Ventre Livre em 1871, até sua primeira derrota em 1881. Vislumbrando fases rápidas e movediças, Needell propõe no terceiro capítulo o soerguimento do movimento entre 1882 e 1883, particularmente em suas feições populares e suas solidariedades racialmente amplas. No quarto, discute o governo de Sousa Dantas, a posição agora mais contida, porque atenta à radicalização, de um monarca de claras tendências emancipacionistas e a saída paliativa da Lei dos Sexagenários, editada em 1885, com o retorno dos conservadores ao poder.
Daí em diante Needell presta-se à análise da resposta abolicionista à lei de 1885, procurando seu objeto – como nos outros capítulos – na imprensa, nos diários, nas memórias, nos relatórios oficiais e na troca de correspondências. Conclui o quinto capítulo com a implosão do bloco conservador e a decorrente intervenção abolicionista do Imperador, articulada de maneira a preservar o país de uma desestabilização final. Diferentemente dos Estados Unidos, onde a abolição ocorreu após severa guerra civil, Needell sugere uma saída relativamente pacífica para o trabalho livre no Brasil- implicitamente também por obra de um poder pessoal do monarca. Discutida a abolição propriamente dita no sexto capítulo, Needell argumenta no sétimo o resultante colapso da monarquia e, sobremaneira, o fracasso do movimento em lidar com a inserção do negro na sociedade de classes, malgrado ter sido transversalmente afro-brasileiro.
Porque permanentes no relato, são as três variáveis de Needell que interessam a esta resenha, e começaremos pela que talvez seja a mais polêmica: a solidariedade afro-brasileira na formação, na radicalização e nos estertores do movimento abolicionista.
Desde cedo, propõe Needell, escravos de diferentes nações encontraram meios para fazer suas próprias comunidades. Angolas, benguelas, cabindas, congos ou moçambiques importaram divisões étnicas que somente se desfizeram com o tempo, mas especialmente após o término do tráfico transatlântico em 1850. Socializados em irmandades religiosas e em confrarias políticas, os cativos moldaram progressivamente uma identidade afro-brasileira, em primeira instância, por oposição a outrem e, em segunda, pela partilha de experiências comuns – conceito que Needell, sem levá-lo até suas últimas consequências, parece tomar emprestado de E. P. Thompson. Transitando por uma Corte que não formou guetos, pelo menos para o autor, os escravos relacionavam-se com o operariado em constituição, também de origem negra. A troca teria amadurecido após a Lei Eusébio de Queirós (1850), não apenas em razão da diversificação da malha societária, mas sobretudo em consequência do aumento no preço do escravo. Sem recursos para diferenciar-se pela posse cativa, a classe popular encontrou-se tão desamparada quanto a igualmente afrodescendente classe média em suas expectativas de ascensão social, o que, sugere Needell, teria apenas redobrado a solidariedade racial.
Nesse enredo e à contracorrente do usualmente acreditado, o movimento abolicionista teria surgido afro-brasileiro desde o começo. A historiografia não teria suficientemente percebido – sequer Rebecca Bergstresser, cuja tese sobre a participação da classe média no movimento Needell apadrinha – um protocolo relacional do Império moldado para acobertar origens raciais, quando necessário. As plateias abolicionistas eram afro-brasileiras, argumenta o brasilianista norte-americano, e a inclemência das fontes quanto a isso apenas ratifica uma etiqueta que impunha mudez sobre a descendência negra de homens e mulheres de maior envergadura social – ou de potenciais lideranças abolicionistas, ainda que populares. É desses silêncios que emergem na análise de Needell novas figuras abolicionistas, pouco ou nada conhecidas do público especializado. Para além dos famigerados André Rebouças, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, tratados com rigor e à exaustão no texto, Vicente Ferreira de Souza e Miguel Antônio Dias teriam sido lideranças de proa, porque orgânicas – para retomar um conceito de Antonio Gramsci, ao qual Needell não recorre. Entre a novidade historiográfica e o embasamento material, o equilíbrio é por momentos imperfeito, visto que, especialmente no caso de Miguel Antônio Dias, as fontes parecem não ser satisfatórias o bastante para lhe dar o mérito que parece ter. O problema, no entanto, é pó de traque perto da imaginação que o bom historiador conduz entre as frestas dos documentos.
Mais quebradiço é o imediato pós-abolição de um autor que viu tanta solidariedade racial entre afro-brasileiros. Em parte, o movimento abolicionista teria fracassado em promover uma sociedade menos segregada após o Treze de Maio, porque, contrariamente à percepção corrente, o racismo não era vislumbrado pelos abolicionistas como barreira à mobilidade social ou como tema relevante em seu tempo. Se consentirmos com a interpretação, como pôde então a raça, na avaliação do próprio Needell, ser tão matricial na formação do movimento abolicionista? A incoerência, nos parece, poderia eventualmente ser melhor resolvida pela perspectiva de classes, que o autor realça e embaça, a depender do instante argumentativo. Por todas as evidências dadas no próprio texto, numa sociedade em que a imbricação das relações sociais nas econômicas, para recuperar um conceito de Karl Polanyi, expressava os pródromos da formação capitalista brasileira, raça e classe, assim como geração e gênero, combinaram-se nas hierarquias coletivas daquele tempo – muito largamente constituídas pela renda. Sintomaticamente, o negro que enriquecia embranquecia, o jovem que fazia fortuna amadurecia e a mulher que trabalhava empobrecia. Se afro-brasileiros como Rebouças, Vicente de Sousa e Patrocínio, na recomendação de Needell, agitaram-se contra a pobreza e a opressão, urbana e rural, no lugar de se apegarem ao racismo, foi porque os silêncios sobre a raça estavam encastelados na renda – que, antes de ser um critério, é um reflexo de um determinado lugar nas relações sociais que mercadorias produzidas e consumidas materialmente expõem.
Disso sucederia a necessidade de reposicionar as classes imperiais, melhor revisitando suas respectivas instâncias de integração e interação social. Caberia também avaliar seus espaços organizativos, como as entidades mutualistas que fundaram e as sociedades políticas que compuseram. Assim a identidade racial expressaria sobremodo uma condição material que serviu de fundamento para uma coligação abolicionista socialmente larga. Parece-nos, pois, que a solidariedade do movimento não foi racial, mas antes socioeconômica e, efêmera como se mostrou, autorizada apenas pela associação popularmente ressentida entre os que possuíam escravos e os que dirigiam a economia política do Império. Nesses termos, a proposta conceitual de identidade afro-brasileira, para o Oitocentos, guarda menos relevância do que a equivalente norte-americana, mais rigorosa para uma sociedade amplamente menos miscigenada e juridicamente, naquele então, mais obstrutiva.
Se o fracasso do movimento, após o Treze de Maio, não se deveu ao suposto não-tema racial, consideramos mais oportuna a hipótese de Needell que enxerga os tolhimentos ao reformismo do pós-abolição no advento de um regime de ambição política e composição social, malgrado os ajustes, semelhantes às do derrocado. Ocorre que, e assim passamos às variáveis parlamentar e real, Needell tendeu a omitir as forças que – também abolicionistas, não obstante agendas e intensidades diferentes – remodelaram o país. Atento à atividade parlamentar e aos impactos determinantes de movimento no desfecho da abolição, traçando paulatina e seguramente as pressões abolicionistas sobre o gabinete de Paranaguá, as alianças com o de Sousa Dantas e a radicalização posterior à Lei dos Sexagenários, Needell inclinou-se a ver nos debates legislativos a vida de todo o Império. Emascaradas em fontes oficiais que não as delatam por inteiro, as movimentações dos cafeicultores paulistas, o calor da caserna e as apostas financeiras dos principais bancos do Império empalideceram frente a um decisivo movimento abolicionista. Quiçá excesso historiográfico de nosso tempo, a análise das estruturas produtivas e financeiras, assim como as alianças esporádicas e arrivistas do grande capital com a tropa, costumam cheirar a naftalina. Ganham toda a atenção em consequência os movimentos subalternos, quando em última instância não são variáveis relativamente autônomas, mas exteriorizações das contradições políticas, sociais e econômicas que os constituem.
Um pouco pelas mesmas razões, a Coroa como variável emerge com suas volições independentes na obra de Needell. Já havia sido o caso em The Party of Order, quando o autor se amparou na retórica dos conservadores, nomeadamente dos ortodoxos, para sugerir que eles teriam hostilizado o Ventre Livre devido a sua suposta inconstitucionalidade. Seria a lei, nessa leitura, obra da ingerência imperial. Needell estendeu a proposta de um poder pessoal do Imperador à década de 1880, matizando-o com as agitações abolicionistas, porém ao fim sem tirar-lhe o brilho. Na raiz da fórmula estão talvez as principais inspirações do autor: em linhas superpostas de influência, Roderick J. Barman (1999), Sérgio Buarque de Holanda (1972), Heitor Lyra (1938) e Joaquim Nabuco (1897), cuja história do pai, não à toa uma biografia, se presta em boa medida à ideia da força pessoal do monarca. Teria tido tanta influência emancipacionista o Imperador, sem as contradições que caracterizam o mundo escravista posterior à Guerra de Secessão (1861-1865) ou, ainda, sem àquelas que remodelaram os eixos econômicos nacionais, produtivo e financeiro, subsequentes à Guerra do Paraguai (1864-1870)? Quais os termos do poder imperial, se Needell viu o monarca avançar e recuar, tanto em função do movimento abolicionista quanto em razão, num exame provavelmente mais próximo de Ilmar Rohloff de Mattos (1987), da constante representação latifundiária na Assembleia Geral do Império?
Seja como for, o caso é que certamente, para o endosso ou a crítica, será custoso de agora em diante produzir relato qualquer sobre a abolição sem recorrer ao último livro de Jeffrey D. Needell – e a todos os outros que lhe serviram de fundamento ou ponto de partida. É uma obra de méritos, que, também voltada para o público norte-americano ou simplesmente estrangeiro, deverá encontrar no Brasil boa tradução.
Referências
ALONSO, Angela. Flores, votos, balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-1888). Sao Paulo: Companhia das Letras, 2015.
BARMAN, Roderick J. Imperador cidadao. Sao Paulo: Editora UNESP, 2012.
CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2016.
CONRAD, Robert. The Destruction of Brazilian Slavery, 1850-1888. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1972.
COSTA, Emilia Viotti da. Da senzala a colonia. Sao Paulo: Editora UNESP, 2012.
GOYENA SOARES, Rodrigo. “Estratificacao profissional, desigualdade economica e classes sociais na crise do Imperio. Notas preliminares sobre as classes imperiais”. Topoi, Rio de Janeiro, vol. 20, n. 41, pp. 446-489, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/2237-101×02004108
GOYENA SOARES, Rodrigo. Racionalidade economica, transicao para o trabalho livre e economia politica da abolicao. A estrategia campineira (1870-1889). Historia (Sao Paulo), Sao Paulo, vol. 39, 2020. http://dx.doi.org/10.1590/1980-4369e2020032
HOLANDA, Sergio Buarque de (org.). Historia Geral da Civilizacao Brasileira. Tomo II: O Brasil monarquico. Vol. 5: Do Imperio a Republica. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.
LYRA, Heitor. Dom Pedro II. Belo Horizonte: Editora Garnier – Itatiaia, 2020.
MARQUESE, Rafael e SALLES, Ricardo(orgs.). Escravidao e capitalismo historico no seculo XIX. Cuba, Brasil, Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira, 2016.
NABUCO, Joaquim. Um estadista do Imperio. Nabuco de Araujo: sua vida, suas opinioes, sua epoca. Paris, Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1898.
TOPLIN, Robert. The Abolition of Slavery in Brazil. New York: Atheneum, 1972.
YOUSSEF, Alain El. O Imperio do Brasil na segunda era da abolicao, 1861-1880. Tese (Doutorado em Historia Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas, Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, 2019
Rodrigo Goyena Soares – Universidade de São Paulo (USP). São Paulo – São Paulo – Brasil. Professor colaborador no Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), onde também realiza estágio pós-doutoral com apoio da FAPESP (processo n. 2017/12748-0), instituição à qual o autor agradece. Doutor e mestre em História pela UNIRIO, formou-se em Ciências Políticas na Sciences Po Paris, onde igualmente obteve mestrado em Relações Internacionais. Pesquisa atualmente a Proclamação da República no âmbito do pós-doutorado na USP.
NEEDELL, Jeffrey D. The Sacred Cause: The Abolitionist Movement, Afro-Brazilian Mobilization, and Imperial Politics in Rio de Janeiro. Stanford: Stanford University Press, 2020. Resenha de: SOARES, Rodrigo Goyena. Um solidário treze de maio os afro-brasileiros e o término da escravidão. Almanack, Guarulhos, n.27, 2021. Acessar publicação original [DR]
Escrevendo a história do futuro: a leitura do passado no processo de independência do Brasil | Cristiane A. C. dos Santos
Cristiane Alves Camacho dos Santos | Foto: LabMundi-USP |
O livro de Cristiane Camacho dos Santos, adaptação de sua dissertação de mestrado (SANTOS, 2010), se propõe a identificar e analisar a utilização política de leituras sobre o passado da colonização portuguesa da América mobilizadas nos debates travados na imprensa luso-americana, entre 1821 e 1822. A autora argumenta que dentre os diversos sentidos atribuídos à colonização portuguesa da América, seu entendimento como empresa “exploradora” e “opressiva” balizou algumas das alternativas disponíveis aos agentes políticos durante o esfacelamento da unidade da monarquia portuguesa. E, em sendo assim, delineou os limites daquilo que era percebido como possível para alguns dos projetos políticos voltados ao futuro da América portuguesa, dentre os quais a ruptura política com Portugal e a independência do Brasil. Essa experiência do tempo, prossegue a autora, ocorreu concomitantemente à politização da identidade coletiva daqueles entendidos, gradualmente, como “brasileiros”. Em suma, trata-se da conversão do passado da colonização portuguesa da América em instrumento político de sustentação de projetos que inseriram a independência do Brasil no horizonte do possível, dando os contornos para a politização de uma nova identidade coletiva.
O livro é estruturado em três capítulos balizados por uma introdução e um epílogo. O primeiro capítulo versa sobre a experiência do tempo durante a crise do Antigo Regime em Portugal vivenciada por diferentes identidades políticas da América portuguesa. Nesse capítulo, ressalta a constituição da história luso-americana como uma parte específica e complementar da monarquia lusa, entre os séculos XVI e XVIII, a nova dignidade adquirida pelo território português da América com a transferência da Coroa em 1808 e sua correspondente inauguração de novas expectativas. No bojo dos acontecimentos ensejados pelo início da dissolução dos impérios ibéricos, constitui-se uma oposição semântica entre “colônia” e “nação” que encontrava respaldo concreto nas experiências engendradas a partir de 1808 e que delineavam a percepção de um “novo tempo” (SANTOS, 2017, 151-152). O capítulo dois debruça-se sobre as disputas semânticas acerca da presença portuguesa na América, cuja lógica de complementariedade, vigente no reformismo ilustrado, perde sua estabilidade na percepção contemporânea da valorização dos territórios americanos no início do século XIX. Neste capítulo analisa, a partir de cotejamento historiográfico, a importância da imprensa periódica na delimitação dos espaços públicos em 1821, seu potencial para investigações sobre identidades políticas em período de profunda transformação e, por fim, como a colonização portuguesa da América subsidiou a representação de certa unidade desses territórios, embora fosse cenário para disputas semânticas ambíguas. O terceiro e último capítulo, baseado em sólida análise documental, fornece respaldo à hipótese do uso político do passado durante o esfacelamento das condições de reciprocidade e compatibilidade entre Portugal e a América portuguesa, sobretudo a partir da conjuntura ensejada pelos decretos das Cortes de Lisboa de setembro de 1821. Aponta que o mês de dezembro daquele ano demarcou, nos periódicos analisados, a conversão do topos dos “trezentos anos de opressão” em leitura difundida do passado da colonização portuguesa da América como denúncia das arbitrariedades associadas à condição colonial (SANTOS, 2017, 199). Essa significação da experiência, exprimida nos jornais, tensionava identidades coletivas divididas entre “metropolitanos” e “colonos”, desdobradas, posteriormente, na oposição entre “portugueses” e “brasileiros”. Essa forma discursiva, portanto, sintetizava trezentos anos de história – sinal de encurtamento da experiência – sobre o denominador comum da “opressão” vinculada à condição colonial, cuja manutenção era, paulatinamente, associada aos interesses de portugueses peninsulares.
Em termos de método, Santos procede a uma análise de evocações do passado mobilizadas por diferentes impressos das províncias do Rio de Janeiro, Pará, Bahia e Pernambuco – com ênfase na primeira – que deram os contornos a diferentes características e aspectos dos usos políticos do passado pelos periodistas. A intenção da autora é inferir uma experiência do tempo a partir de elaborações e interpretações do passado que, exprimidas em jornais, integraram o debate político de múltiplos grupos e indivíduos da América portuguesa. Do ponto de vista teórico, Santos qualifica essas formulações sobre o passado como fontes capazes de indicar a tensão entre a experiência e a expectativa dos atores políticos, ou seja, permitem diagnosticar um certo passado e futuro presentes que desempenharam a função de guias parciais das atuações políticas. Além disso, concebe que a organização da tensão entre um conjunto de sentidos atribuídos a um passado e às perspectivas abertas de um futuro parcialmente novo contribuíram para a definição e politização de uma nova identidade coletiva, a “brasileira”, e a recomposição de outras preexistentes.
Por essas razões, Santos articula-se a diferentes campos historiográficos reunidos, principalmente, sob o escopo de uma teoria do tempo histórico e das identidades políticas coletivas. A principal teoria a subsidiar atualmente pesquisas sobre a experiência do tempo histórico é, direta ou indiretamente, tributária dos escritos do historiador alemão Reinhart Koselleck. De acordo com Koselleck, o tempo histórico é o produto da tensão, estabelecida na modernidade, entre experiência e expectativa, tensão que permite interpretar o entrelaçamento interno entre o passado e o futuro cuja dinâmica baliza as histórias vislumbradas pelos agentes sociais como sendo possíveis (KOSELLECK, 2006, 305-327). Em segundo lugar, outra tradição historiográfica à qual a autora se vincula refere-se à consolidada utilização de periódicos, ou jornais, como fontes históricas capazes de traduzir e produzir fenômenos políticos no passado (MOREL; BARROS, 2003, 11-50). Em terceiro lugar, Santos parte de premissas acerca da criação e transformação de diferentes identidades políticas elaboradas por autores como Tulio Halperín Donghi (DONGHI, 2015), José Carlos Chiaramonte (CHIARAMONTE, 1997), István Jancsó (JANCSÓ; PIMENTA, 2000) e João Paulo G. Pimenta (PIMENTA, 2015). Por fim, no relativo ao debate sobre as diferenças entre o Estado e a nação, adere às perspectivas adotadas por Anthony Smith (SMITH, 1997), em oposição à Eric J. Hobsbawm (HOBSBAWM, 1990), ao definir que o Estado não teria sido um demiurgo da nação, esta última seria o resultado da recombinação de elementos preexistentes – recordações históricas partilhadas, mitos de origem comuns, elementos culturais diversos, associação a um determinado território e etc. – que, em determinado momento histórico, teriam sido “outorgados” como sinais diferenciadores de uma nacionalidade (SANTOS, 2017, 210-213).
Essa arquitetura teórica e metodológica, informada por ampla historiografia, permitiu que os periódicos fossem considerados como vetores simbólicos das disputas políticas, portadores de discursos sobre o passado que, ao organizar seus significados, delimitaram o futuro possível da ação política, então conduzida por agentes cuja identidade coletiva era simultaneamente reposicionada mediante a sua experiência temporal. Esse complexo processo correspondia às dialéticas conflituosas da formação do Estado e da nação concomitantes à modificação do estatuto e da qualidade da História, doravante entendida como capaz de legitimar projetos políticos. Observando-se a sua trajetória de pesquisa, Santos associa-se diretamente ao ambiente intelectual ensejado pelo projeto coletivo denominado Formação do Estado e da nação, organizado no início dos anos 2000 e coordenado pelo Prof. Dr. István Jancsó, no Departamento de História da Universidade de São Paulo.
Embora o resultado atingido pela autora seja louvável, sobretudo em função de seu rigor teórico e analítico, algumas questões permaneceram irresolutas. A primeira delas refere-se a um aspecto cronológico relativo à dialética entre Estado e nação. De acordo com Santos, a independência do Brasil inaugurou o período de construção do Estado nacional, o qual, segundo afirma, prolongou-se de modo conflituoso até a década de 1850 (SANTOS, 2017, 208). Qual teria sido, então, o marco histórico a delimitar o fim do caráter “conflituoso” da relação entre o Estado e a nação? A importante demonstração de que a história colonial não foi o desenvolvimento natural da nação – ou de que a independência não foi seu resultado obrigatório -, mas sim parcialmente produto do manejo político do tempo, uma construção simbólica durante o acirramento das incompatibilidades de grupos da monarquia portuguesa, deixa em aberto a questão do corpo social. Noutros termos, os contornos iniciais da identidade política coletiva nacional “brasileira”, delineada nas trepidações políticas dos anos de 1821 e 1822, não buscou integrar a totalidade da população e, desse modo, aponta para uma das condições de compatibilidade entre a formação dos “brasileiros” e a manutenção reinventada da escravidão após a independência. Seria pertinente especificar os conjuntos sociais abarcados por esse uso político do tempo para, assim, diagnosticar os excluídos de uma identidade seletiva emergente que provavelmente condicionaria diversos conflitos entre o Estado e a nação. Por fim, observo que a ausência da incorporação da dissertação de mestrado de Rafael Fanni (FANNI, 2015), elaborada após a dissertação de Santos e antes de sua readaptação em livro – e que é abertamente tributária da interpretação de Cristiane Camacho dos Santos -, prejudicou a possibilidade de aprofundar o rigor e expandir a envergadura das constatações da autora.
Teórica e metodologicamente bem estruturado, o livro de Cristiane Camacho dos Santos representa uma contribuição historiográfica importante aos estudiosos da história social do tempo e da formação do Estado e da nação do Brasil. Um estudo acadêmico que, embora concentrado em cronologia curta, é capaz de demonstrar a espessura temporal subjacente aos discursos políticos veiculados em jornais durante o processo de independência do Brasil. Em suma, e utilizando o vocabulário de Koselleck, trata-se de uma boa demonstração acadêmica da interrelação entre a temporalização da política e politização do tempo devidamente mediadas por identidades políticas coletivas, cuja investigação é plenamente realizável através de periódicos contemporâneos.[1]
Nota
1. Esta resenha foi concebida durante os debates do núcleo de pesquisa “História do Tempo: teoria e metodologia”. <http://labmundi.fflch.usp.br/historia-do-tempo> Agradeço a Edú T. Levati pela correspondência das citações.
Referências
CHIARAMONTE, Jose Carlos. “La formacion de los Estados nacionales en Iberoamerica”. In: Boletin del Instituto de Historia Argentina y Americana Dr. Emilio Ravignani, 3ª serie, 1º semestre de 1997.
DONGHI, Tulio Halperin. Revolucao e guerra: formacao de uma elite dirigente na Argentina criolla. Sao Paulo: Hucitec, 2015.
FANNI, Rafael. Temporalizacao dos discursos politicos no processo de Independencia do Brasil (1820-1822). 164 p. 2015. Dissertacao (Mestrado em Historia Social) – FFLCH, USP, Sao Paulo.
HOBSBAWM, Eric J. Nacoes e nacionalismos desde 1780. Rio de Janeiro: Terra e Paz, 1990.
JANCSO, Istvan; PIMENTA, Joao Paulo G. “Pecas de um mosaico: ou apontamentos para o estudo da emergencia da identidade nacional brasileira”. In: Revista de Historia da Ideias. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, v. 21, 2000, p.389-440.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuicao a semântica dos tempos historicos. Rio de Janeiro: PUC-Rio, Contraponto, 2006.
MOREL, Marco; BARROS, Mariana Monteiro de. “O raiar da imprensa no horizonte do Brasil”. In: Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do seculo XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.11-50.
PIMENTA, Joao Paulo G. A independencia do Brasil e a experiencia hispano-americana (1808-1822). Sao Paulo: Hucitec , 2015.
SANTOS, Cristiane Alves Camacho dos. Escrevendo a historia do futuro: a leitura do passado no processo de independencia do Brasil. Sao Paulo: Alameda, 2017.
SANTOS, Cristiane Alves Camacho dos. Escrevendo a historia do futuro: a leitura do passado no processo de independencia do Brasil. 186 p. 2010. Dissertacao (Mestrado em Historia Social) – FFLCH, USP, Sao Paulo.
SMITH, Anthony. A identidade nacional. Lisboa: Gradiva, 1997.
Thomáz Fortunato – Departamento de História da Universidade de São Paulo – São Paulo, SP, Brasil. Mestrando em História Social pela Universidade de São Paulo. Membro do Laboratório de Estudos sobre o Brasil e o Sistema Mundial e do grupo Temporalidad (Iberconceptos). Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. E-mail: thomaz.fortunato@usp.br
SANTOS, Cristiane Alves Camacho dos. Escrevendo a história do futuro: a leitura do passado no processo de independência do Brasil. São Paulo: Alameda, 2017. Resenha de: FORTUNATO, Thomáz. A politização do tempo histórico na Independência do Brasil1. Almanack, Guarulhos, n.27, 2021. Acessar publicação original [DR]
Becoming Free – Becoming Black: Race Freedom and Law in Cuba – Virginia and Louisiana | Alejandro de la Fuente e Ariela J. Gross
Ariela J. Gross e Alejandro de la Fuente | Foto: Medium |
Em tempos que reascendem os debates sobre o racismo institucional nas Américas, a publicação de Becoming Free, Becoming Black responde tanto às demandas do presente quanto aos dilemas que moveram as ciências humanas ao longo do século XX. Após décadas de pesquisas que revelaram as desventuras de sujeitos escravizados, pelo cotidiano do cativeiro e pelos labirintos jurídicos, Ariela Gross e Alejandro de la Fuente dão um passo à frente, assim como uma mirada atrás. Reivindicando teórica e metodologicamente uma história “de baixo para cima”, os autores revisitam os debates clássicos sobre a relação entre a escravidão, o direito e a constituição de diferentes regimes raciais no continente, ao empreender um ambicioso estudo comparativo sobre Cuba, Virgínia e Louisiana entre os séculos XVI e XIX. [3]
De partida, Gross e de la Fuente fazem de Frank Tannenbaum seu antagonista e, também, em menor grau, uma inspiração. Assim como em artigos publicados anteriormente, eles reforçam as críticas a Slave and Citizen, em especial às premissas teóricas, que atribuíram às normas escritas nas metrópoles um papel determinante dos rumos das sociedades coloniais. Igualmente contestada foi a projeção das diferenças raciais entre os Estados Unidos e a América Latina ao passado, como se decorressem de um devir inevitável, fundado pelos regimes jurídicos anglo-saxão e ibéricos. Por outro lado, tanto a historiografia revisionista (que preteriu o direito e a religião pela economia e a demografia) quanto os estudos recentes no campo da cultura legal, se limitaram a demolir o modelo de Tannenbaum, sem oferecer uma interpretação definitiva sobre as origens das diferenças raciais nas Américas. Assumindo o desafio, Gross e de la Fuente resumiram ainda na introdução seu postulado: não foi o direito da escravidão, mas o direito da liberdade o elemento crucial para a constituição dos regimes raciais no continente.[4]
Embora a maioria dos homens e mulheres escravizados jamais tenha rompido as correntes do cativeiro, a minoria que conquistou a alforria, constituindo comunidades negras livres, teria sido a chave para a construção da raça nas Américas. Gross e de la Fuente convidam o leitor a embarcar em uma longa jornada, que se inicia na travessia atlântica e na colonização de Cuba, Louisiana e Virgínia, perpassa as águas turbulentas da Era das revoluções, para enfim desembarcar nos regimes raciais do século XIX, cujos legados se estendem até hoje. Antecipando suas conclusões, os autores sustentam que as diferenças entre as três regiões não decorreram do reconhecimento da humanidade dos escravizados e tampouco da fluidez racial. O fator determinante teria sido o grau de sucesso das elites escravistas na imposição da relação entre branquitude e liberdade, e entre negritude e escravidão. O enunciado contém um dos principais manifestos políticos do livro, mas deixa uma questão em aberto-que será retomada adiante.
Os dois capítulos iniciais transitam pelas sociedades coloniais de Cuba, Virgínia e Louisiana, partindo do regime jurídico e da experiência espanhola das Américas. Embora as Siete Partidas reconhecessem a humanidade das pessoas escravizadas, o efeito prático do precedente social e legal dos ibéricos foi a definição prévia das distinções raciais por lei. A inversão do pressuposto de Tannenbaum é radical. A escravidão em Portugal e o princípio da limpeza de sangre na Espanha ofereceram aos ibéricos as pré-condições para o pioneirismo na criação de regimes legais racializados na América. Nesse ponto, os autores cederam em parte a Tannenbaum, identificando, na raiz romanista do direito ibérico, a alforria como instituição sólida. Mas incorporando as contribuições da historiografia recente, eles avançaram ao demonstrar como, em solo americano, foram os escravizados-no caso, os da ilha de Cuba-que fizeram da norma uma tradição e, por conseguinte, um direito.
Em paralelo, o colonialismo francês constituiu seu próprio regime no Caribe por meio das diferentes versões do Code Noir, que progressivamente restringiram tanto a alforria e os direitos das comunidades negras livres. À época da ocupação da Louisiana, a experiência e os precedentes normativos serviram à constituição do regime mais excludente do Império francês, mas que ainda assim não cerceou em absoluto a liberdade e o direito de negros livres, especialmente em Nova Orleans. A Virgínia, por sua vez não contou com precedentes legais ou experiências coloniais prévias. Sem incorporar os precedentes de Barbados e da Carolina do Sul, a colônia inglesa se converteu em uma espécie de laboratório, onde as diferenças raciais não estavam pré-determinadas jurídica ou socialmente. Invertendo mais uma vez as premissas de Tannenbaum, Gross e de la Fuente desvelam uma Virgínia relativamente aberta à prática da alforria e à formação de comunidades de negros livres no início do século XVII.
Privilegiando as fontes jurídicas, com destaque para as ações de liberdade, os autores esbanjam rigor metodológico sem comprometer a fluidez da narrativa de pessoas escravizadas que recorriam à justiça. Embora esse procedimento fosse comum nas três regiões no século XVII, ela se manteve constante em Cuba, enquanto rareou na Virgínia e na Louisiana no século XVIII, onde também aumentaram as restrições aos casamentos inter-raciais. De acordo com Gross e de la Fuente, essa progressiva distinção na trajetória das sociedades escravistas em questão não foi o resultado da pretensa benevolência ibérica, mas de razões econômicas, demográficas e de gênero. Eram principalmente as mulheres que conquistavam a alforria, predominantemente de forma onerosa, e consequentemente serviam à reprodução das comunidades negras livres. Os franceses precocemente haviam fechado o cerco às manumissões, embora incapazes de pôr fim à presença de negros livres em Nova Orleans. Enquanto isso, a Virgínia transitou gradualmente de uma sociedade desregulada para a mais restritiva das três, especialmente após a Rebelião de Bacon, em 1676.
Recuperando a interpretação de Edmund Morgan, segundo o qual as restrições visavam à solidariedade branca contra a aliança entre servos brancos, indígenas e negros, os autores acrescentam argumentos econômicos e políticos. A conversão da Virgínia em uma sociedade escravista começara antes mesmo da revolta, por conta do barateamento do preço de africanos em relação ao custo da servidão. Fortalecida, a elite virginiana conseguiu a um só tempo restringir as alforrias e solidificar a solidariedade branca na colônia, diferentemente de seus pares de Louisiana e de Cuba, que foram incapazes de abolir um precedente jurídico estabelecido. A consequência foi a formação de comunidades negras livres e miscigenadas de diferentes tamanhos nas três regiões, e não favorecidas pelas elites, mas maiores ou menores de acordo com sua capacidade de resistir aos esforços para evitá-las. No final do segundo capítulo, Gross e de la Fuente retomam sua hipótese, insistindo que as elites de Cuba, Virgínia e Louisiana tentaram igualar a raça negra à escravidão, pois enxergavam nos negros livres uma ameaça à ordem. As diferenças, contudo, não decorreram do precedente legal, mas das diferentes realidades sociais e demográficas que permitiram o maior sucesso na Virgínia e na Louisiana, e o menor em Cuba.[5]
Tema do terceiro capítulo, a Era das Revoluções consistiu no período de maior aproximação entre as três regiões, onde tanto as alforrias quanto as comunidades negras livres cresceram. Ao mesmo tempo, a escravidão avançou nos territórios, respondendo aos estímulos do mercado mundial. Em Cuba e na Louisiana, o paradoxo era apenas aparente, pois a alforria era uma tradição jurídica e socialmente vinculada ao cativeiro. Já na Virgínia a libertação de escravizados se associou ao ideário da independência. Enquanto as comunidades negras livres de Havana e de Nova Orleans eram fruto do Antigo Regime, a de Richmond respirava os ares da revolução. Consequentemente, as elites virginianas reagiram ao horizonte que se abria, seguidos por seus pares do Vale do Mississippi, recentemente integrados aos Estados Unidos e movidos pelos interesses açucareiros e algodoeiros. Entre 1806 e 1807, a promulgação do Black Code da Louisiana e de uma série de leis na Virgínia restringiram a alforria e os direitos dos negros livres, dando o tom de um regime racial que chegaria à maturidade em meados do século XIX, apartando em definitivo o modelo estadunidense do cubano.
O movimento esboçado nos Estados Unidos se agravou entre as décadas de 1830 e de 1860, das quais tratam os capítulos finais do livro. Neles, Gross e de la Fuente esboçam uma guinada metodológica, organizando-os a partir de eixos temáticos, em vez de compararem pormenorizadamente as ações de liberdade em cada um dos espaços. Nas páginas que seguem, os autores descrevem o recrudescimento das forças e discursos escravistas nos Estados Unidos, como reação ao avanço do abolicionismo e de revoltas como a de Nat Turner. A elite cubana enfrentou seus próprios inimigos, pressionada pela campanha da Inglaterra contra o tráfico de africanos e ameaçada frontalmente por um ciclo de resistência dos escravizados, que se estendeu da revolta de Aponte, em 1812, à de la Escalera, em 1844. As três elites compartilharam do temor de que se formassem alianças entre negros livres e escravizados, como ensaiado mais propriamente em Cuba. Por meio de leis restritivas à alforria, além de políticas de remoção das populações negras livres, para fora dos estados ou do país, as elites da Virgínia e da Louisiana deram passos largos no sentido da construção de um regime racial pleno, em que a negritude fosse sinônimo não apenas de degradação, mas do cativeiro. De acordo com os autores, houve esforços similares em Cuba, assim como ataques às comunidades negras livres, mas estes não foram sistêmicos ou capazes de cindir as mesmas linhas raciais dos Estados Unidos.
Na década de 1850, Cuba, Virgínia e Louisiana eram sociedades escravistas maduras, nas quais os negros eram tidos como social e legalmente inferiores. No entanto, o processo de destituição de direitos foi muito além nos Estados Unidos, dando forma a um regime racial particular, que destoava daqueles desenvolvidos na América Latina. Retomando o debate com Tannenbaum na conclusão do livro, Gross e de la Fuente, arrolaram as variáveis que incidiram sobre a diferenciação dos regimes nos três territórios. As tradições legais teriam tido o seu peso, embora não nos termos propostos em Slave and Citizen. Os ibéricos teriam sido pioneiros na criação de legislações raciais, mas o reconhecimento jurídico da alforria cindiu a brecha por onde mulheres e homens escravizados encontraram seus tortuosos caminhos para a liberdade. A agência dessas pessoas e a mobilização do direito “de baixo para cima”, portanto, teria cumprido um papel central, tão ou mais importante que o precedente normativo. Consequentemente, os negros livres de Cuba fizeram da tradição um direito e de suas comunidades uma realidade incontornável para a elite da ilha.
Nesse sentido, o fator determinante na formação dos diferentes regimes raciais, segundo os autores, foi o tamanho das comunidades negras livres, que pressionavam pelo reconhecimento de direitos e dificultavam o cerceamento das alforrias. Um segundo ponto levantado pelos autores foram os diferentes regimes políticos. A constituição de uma democracia liberal nos Estados Unidos entrelaçou os princípios da liberdade, da igualdade e da cidadania, tendo por contrapartida os esforços reacionários que negaram seu acesso à população negra. Enquanto a democracia branca se consolidava ao Norte, Cuba preservou sua condição colonial, assim como as hierarquias políticas locais. A liberdade de uma parcela minoritária de negros respondia antes a uma tradição do Antigo Regime do que à extensão da cidadania. Não havia necessidade de uma ideologia supremacista racial onde sequer vigia o pressuposto da igualdade.
Na conclusão, Gross e de la Fuente reforçam o postulado de abertura, segundo o qual as elites de Cuba, da Virgínia, da Louisiana buscaram constituir a dicotomia perfeita entre raça e escravidão. Frente à resistência das comunidades negras livres, nenhuma delas obteve o êxito pleno, mas as estadunidenses foram mais bem sucedidas. Não há dúvidas de que na Virgínia, na Louisiana e em grande parte do sul dos Estados Unidos, prevaleceram esforços nesse sentido. Mas a despeito de discursos e medidas legais apresentados pelos autores, não se depreende da narrativa e das fontes que a elite cubana tenha se dedicado à questão com o mesmo afinco. Em mais de uma passagem, Gross de la Fuente relativizam seu próprio enunciado, reconhecendo que as autoridades de Cuba preferiram não se contrapor à tradição legal e aos direitos de comunidades estabelecidas. Seguindo os passos dos próprios autores, é possível levar a questão além.
Se como dizem Gross e de la Fuente, os ibéricos foram pioneiros da constituição de regimes raciais legalizados, eles também foram os primeiros a conhecer os efeitos da alforria na escravidão negra nas Américas. A formação de comunidades negras livres não foi resultado de um projeto, mas das condições demográficas e da ação dos próprios escravizados. Por conseguinte, os ibéricos foram também os primeiros a usufruir desse arranjo social e racial que, na maior parte do tempo, contribuiu para a preservação do cativeiro. A proximidade entre negros livres e escravizados era um risco real, mas a experiência histórica revela que na maior parte das vezes, a aliança entre os livres de diferentes cores prevaleceu sobre a solidariedade racial, ainda mais em sociedades marcadas por um alto grau de miscigenação. O sucesso das elites estadunidenses em cindir as raças também conteve em si a chave de seu fracasso, reforçando a identidade e a solidariedade negra, que se voltaram contra a supremacia branca durante a Guerra Civil e tantas vezes após a abolição. Em contrapartida, o suposto fracasso da elite cubana, nos termos dos autores, conteve o segredo de seu sucesso. Afinal, o escravismo experimentado pelos ibéricos não foi apenas pioneiro nas Américas, mas o mais longevo, tendo perdurado em Cuba e no Brasil até o último quartel do século XIX. Não à toa, as elites desses países tantas vezes se valeram dos Estados Unidos como contraponto, para preservar suas próprias hierarquias sob o mito das “democracias raciais”.[6]
São os próprios autores que fornecem os dados e argumentos para esse breve contraponto. Em mais de uma passagem, eles descrevem a alforria como instituição escravista em Cuba, assim como reconhecem a hesitação das elites em cerceá-la. Ao enunciarem na introdução e na conclusão que as três elites escravistas compartilharam de um mesmo horizonte racial, Gross e de la Fuente miraram dois alvos. A crítica se voltou tanto às elites do passado, quanto aos discursos mais recentes que, na política e na historiografia, ainda se valem da escravidão e do racismo explícito nos Estados Unidos como um contraexemplo, a fim de sustentar a suposta benevolência do cativeiro e a pretensa harmonia das relações raciais na América Latina. A posição dos autores no debate público é mais do que bem-vinda, e contribui para a desmistificação do tema. De todo modo, o próprio livro revela como Cuba antecedeu e sucedeu o cativeiro na América do Norte, e como sua elite constituiu o seu próprio regime racial. Sem cindir a ilha entre o branco e o negro, ela preservou por mais tempo a escravidão valendo-se de um racismo velado, tão eficaz e talvez mais perverso que o estadunidense.
Nas derradeiras páginas do livro, Gross e de la Fuente alçam voo sobre os anos que se seguiram à abolição, contrastando os Black Codes e as Leis Jim Crow no Sul dos Estados Unidos com o relativo reconhecimento dos direitos dos negros em Cuba. Em seus termos, a transição da escravidão à cidadania resultou das lutas políticas dos negros de cada região. Nas entrelinhas, os historiadores convidam seus pares a desbravar o campo das relações raciais nas sociedades do pós-abolição, à luz de suas importantes contribuições. Trazendo mais uma vez Tannenbaum ao debate, Gross e de la Fuente concluem que o tecido de conexão entre o negro escravizado e o cidadão negro, no pós-abolição, não decorreu da relação entre “slave and citizen” mas de “black to black”. Como enunciado no título e na introdução, não teria sido o direito da escravidão, mas a mobilização do direito à liberdade pelos próprios sujeitos escravizados que selou o caminho para a construção, não só dos regimes, mas das identidades raciais. É possível questionar se o direito à liberdade existiria senão como contradição interna do direito da escravidão, em uma relação dialética. No entanto, foi por meio dessa inversão do prisma que Gross e de la Fuente miraram um velho debate sob um ângulo novo, trazendo à luz outros sujeitos e respostas.
Becoming Free, Becoming Black coroa os resultados de uma tradição historiográfica que trouxe à luz a complexidade da escravidão e das disputas sobre os sentidos da liberdade e da justiça nas Américas. Reivindicando os ganhos metodológicos e políticos da história “de baixo para cima”, e preservando no centro da narrativa os sujeitos escravizados e sua agência, Gross e de la Fuente deram um passo além. Instigados pelos debates postos no presente, ousaram revisitar os clássicos para oferecer respostas e questionamentos originais. Em tempos de crise das representações e de revisionismos históricos, Becoming Free, Becoming Black nos reabre uma janela ao passado, exibindo as raízes pérfidas de mazelas que ainda nos assolam. No entrepasso do caminhar de tantos homens e mulheres, os autores nos lembram das lutas pretéritas, e quiçá nos apontam possíveis caminhos para os embates que se anunciam no horizonte.
Notas
1. Universidade de São Paulo. São Paulo – São Paulo – Brasil.
2. Marcelo Ferraro é doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo e estuda a relação entre direito, violência e escravidão no Vale do Paraíba e no Vale do Mississippi no longo século XIX.
3. Apenas para citar a principal referência dos autores, ver Rebecca J. Scott, Degrees of Freedom: Louisiana and Cuba After Slavery. Cambridge, MA, 2005; e mais recentemente Scott, R., & Hébrard, J. Freedom Papers: An Atlantic Odyssey in the Age of Emancipation. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2012.
4. Frank Tannenbaum, Slave and Citizen. Boston, 1992). Sobre as publicações anteriores de Gross e de la Fuente, ver De la Fuente, Alejandro, & Gross, Ariela. (2010). Comparative Studies of Law, Slavery, and Race in the Americas. Annual Review of Law and Social Science, 6(1), 469-485. Gross, Ariela, & De la Fuente, Alejandro. (2013). Slaves, free blacks, and race in the legal regimes of Cuba, Louisiana, and Virginia: A comparison. North Carolina Law Review, 91(5), 1699. De la Fuente, A. (2010). From Slaves to Citizens? Tannenbaum and the Debates on Slavery, Emancipation, and Race Relations in Latin America. International Labor and Working Class History, 77(1), 154-173. De la Fuente, A. (2004). Slave Law and Claims-Making in Cuba: The Tannenbaum Debate Revisited. Law and History Review, 22(2), 339-369.
5. Morgan, Edmund. American slavery, American freedom: The ordeal of colonial Virginia. New York: W.W. Norton &, 2003.
6. A título de exemplo, ver os discursos de representantes de Cuba e do Brasil sobre a questão dos negros livres, assim como suas divergências, em Berbel, Marcia., Marquese, Rafael, & Parron, Tamis. Escravidão e política: Brasil e Cuba, c. 1790-1850. São Paulo: Editora Hucitec: FAPESP, 2010. Sobre o racismo em Cuba no século XX, é o próprio Alejandro de la Fuente que sustenta a interpretação aqui esboçada. Ver Fuente, Alejandro de la. A Nation for All: Envisioning Cuba. The University of North Carolina Press, 2011.
Referências
DE LA FUENTE, A. (2010). From Slaves to Citizens? Tannenbaum and the Debates on Slavery, Emancipation, and Race Relations in Latin America. International Labor and Working Class History, 77(1), 154-173.
DE LA FUENTE, A. (2004). Slave Law and Claims-Making in Cuba: The Tannenbaum Debate Revisited. Law and History Review, 22(2), 339-369
DE LA FUENTE, Alejandro, & GROSS, Ariela. (2010). Comparative Studies of Law, Slavery, and Race in the Americas. Annual Review of Law and Social Science, 6(1), 469-485.
GROSS, Ariela, & DE LA FUENTE, Alejandro. (2013). Slaves, free blacks, and race in the legal regimes of Cuba, Louisiana, and Virginia: A comparison. North Carolina Law Review, 91(5), 1699.
SCOTT, Rebecca. Degrees of Freedom: Louisiana and Cuba After Slavery. Cambridge, MA, 2005;
SCOTT, R., & HÉBRARD, J. Freedom Papers: An Atlantic Odyssey in the Age of Emancipation. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2012.
TANNENBAUM, Frank. Slave and Citizen. Boston, 1992).
Marcelo Rosanova Ferraro – Universidade de São Paulo. São Paulo – São Paulo – Brasil. Marcelo Ferraro é doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo e estuda a relação entre direito, violência e escravidão no Vale do Paraíba e no Vale do Mississippi no longo século XIX.
DE LA FUENTE, Alejandro; GROSS, Ariela J. Becoming Free, Becoming Black: Race, Freedom, and Law in Cuba, Virginia and Louisiana. Cambridge: Cambridge University Press, 2020. Resenha de: FERRARO, Marcelo Rosanova. O direito à liberdade e a dialética das raças nas Américas. Almanack, Guarulhos, n.27, 2021. Acessar publicação original [DR]
A verdade sobre a tragédia dos Romanov | Marc Ferro
O livro de Marc Ferro, A verdade sobre a tragédia dos Romanov2, já é provocativo pelo título. Em História, nos anos iniciais de formação, se aprende que a “verdade” não existe em estado puro, ou seja, ela é fruto de uma série de condicionantes que podem variar conforme a “lente” do pesquisador é manejada. A “verdade”, na pesquisa histórica, é sempre um juízo de algo a partir de um conjunto de fontes. No caso da obra de Marc Ferro, o termo ganha mais destaque se levarmos em conta que durante décadas se acreditou ou se divulgou, que toda a família do tzar Nicolau II, teria sido executada pelos bolcheviques e, de repente, surge a possibilidade de alguns de seus membros terem sido poupados. As filhas do tzar russo, Olga (22 anos), Tatiana (21 anos), Maria (19 anos) e Anastasia (17 anos), teriam sido poupadas do fuzilamento em julho de 1918.
As controvérsias a respeito do destino dos Romanov nos Urais começaram imediatamente após a divulgação da execução de Nicolau II. Em 23 de julho de 1918, os próprios bolcheviques, parte deles ao menos, noticiaram a morte do tzar no jornal Ouralski Rabotchi, no referido periódico o texto era claro ao dizer que o ex-soberano foi morto, sendo a esposa e os filhos levados para local seguro.3 Porém, em um documento atribuído a Trotski, Comissário da Guerra, este teria questionado Iankel Sverdlov4 sobre a família Romanov e foi informado de que todos estavam mortos. Leia Mais
Global History | Jürgen Osterhammel e Pierre-Yves Saunier
É de comum acordo entre os historiadores e as historiadoras que nossa disciplina tem sua história e que nossas perguntas para as fontes variam com o contexto, as sociedades e suas culturas. Desde a institucionalização da disciplina, com as escolas metódicas do século XIX, até as várias renovações historiográficas dos anos 70 a 90, cada epistemologia trouxe contribuições que enriquecem nosso campo. A partir disso, buscamos analisar o artigo Global History, de Jürgen Osterhammel junto ao comentário de Pierre-Yves Saunier, publicados no livro Debating New Approches to History. Leia Mais
A política da fé e a política do ceticismo | Michael Oakeshott
Em meio ao turbulento cenário político que o Brasil tem vivido nos últimos anos, com a polarização do debate entre grupos de “direita” e de “esquerda”, é visível em muitos lugares o empobrecimento do repertório político e a baixa qualidade das discussões. Nesse sentido, a obra póstuma do historiador britânico Michael Oakeshott (1901-1990), produzida na década de 19502 e publicada pela primeira vez em 1996 pela editora Yale University Press, intitulada The Politics of Faith and The Politics of Scepticism, e publicada no Brasil, no ano de 2018 pela editora É Realizações, vem em boa hora para auxiliar na reflexão de acadêmicos e pesquisadores que discutem temas políticos e sociais.
Sobre Michael Oakeshott, ele nasceu no ano de 1901 na Inglaterra e estudou História na Universidade de Cambridge. Tendo sido professor por um curto período de tempo na Universidade de Oxford, Oakeshott se tornou professor catedrático de Ciência Política na London School of Economics e foi o responsável pela criação do curso de mestrado em História do Pensamento Político na instituição. Como pensador e escritor, podemos localizar as ideias e as obras do autor na chamada “tradição conservadora britânica”, que tem como principal herança ideias e conceitos provenientes da tradição filosófica “cética” e “empírica”. Leia Mais
Migrações: identidades, culturas e trajetórias / Aedos / 2021
Migrações | Imagem: Fundação FHC |
Há pouco mais de um ano, nossos editores finalizavam o volume onze, número vinte e cinco, da Revista Aedos, já sob as recomendações sanitárias de isolamento social, fundamentais para o enfrentamento da pandemia de Covid-19. Este é o volume doze, vigésimo sétimo número desse periódico, e a terceira publicação finalizada, integralmente, sob tais circunstâncias. A crise sanitária persiste, acompanhada por uma dolorosa paisagem de mortes e destruição econômica e social. No Brasil, passado um ano dos primeiros alertas da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a disseminação em massa do novo coronavírus, ainda há uma assombrosa carência de políticas efetivas e coordenadas pelo governo federal para mitigar esses efeitos – o que nos lançou tragicamente ao epicentro da crise mundial nas últimas semanas. Enquanto estas palavras são escritas, o país beira as três mil mortes diárias, sem contar subnotificações, de um total de mais de trezentas mil vidas perdidas. Os profissionais da saúde encontram-se exaustos; por toda parte, faltam leitos e medicamentos essenciais para o tratamento dos pacientes.
Embora o vírus não descrimine ninguém, demonstrando como a comunidade humana é igualmente frágil, a desigualdade, segundo Judith Butler (2020, p. 60-62), que inclui “o nacionalismo, a supremacia branca, a violência contra as mulheres, as pessoas queer e trans, e a exploração capitalista”, atribui-lhe esse componente de modo cada vez mais “radical”. Ora, pois não seria ao menos emblemático que a primeira vítima notificada no Brasil tenha sido uma empregada doméstica de 63 anos? E, já que falamos disso, como não recordar, conforme Achille Mbembe (2020, p. 4), de “todas as epidemias imagináveis e inimagináveis que, durante séculos, devastaram povos sem nome em terras remotas”? Como esquecer das guerras e ocupações predatórias que mutilam e lançam milhares de pessoas a uma vida errante?1 Ou ainda, que tem a saúde e a expectativa de vida comprometidas pela “ação de empresas poluidoras e destruidoras da biodiversidade.” A propósito, na medida em que o vírus quebrava as barreiras do espaço e dos alvéolos pulmonares, as florestas brasileiras (os pulmões da Terra), juntamente com a sua fauna, arderam em chamas, tal qual qualquer imagem arquetípica do juízo final. A fumaça liberada daquele “inferno” transformou dia em noite.
Ainda que muitas vezes queiramos nos livrar do fato, é no mínimo lamentável tamanha destruição para “olharmos para a história humana como parte da história da vida nesse planeta”, como tanto insistiu Dipesh Chakrabarty (2013, p. 15). Nessa perspectiva, nos voltamos ao “corpo”, com seus medos, desejos e sensibilidades – e, agora, isolado; nos voltamos à experiência do “frágil e minúsculo corpo humano”, a que Walter Benjamin (1987, p. 114) tanto se esforçou para evidenciar no século passado. Diante de tamanha catástrofe, esperamos que os trabalhos reunidos em mais uma edição “pandêmica”, com um dossiê temático dedicado às migrações, identidades, culturas e trajetórias, possa talvez servir como um “sopro”. Não como aquele que vem da “tempestade do paraíso”, impedindo o “anjo da história” de Benjamin (1987, p. 226) de “acordar os mortos e juntar os fragmentos”; mas como o “(co)movedor”, no “jogo de palavras” de Alistair Thomson (2002, p. 359), toque da cítara dos aedos
Notas
1. Com a pandemia, segundo o último relatório de Tendências Globais (2020) do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “o número de pedidos de asilo registrados na União Europeia em março de 2020 caiu 43% em comparação com fevereiro, à medida que os sistemas de asilo diminuíram ou pararam com países fechando fronteiras”.
Referências
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987. v. 1.
BUTLER, Judith. El capitalismo tiene sus limites. In: AGAMBEN, Giorgio et. al. Sopa de Wuhan. Pensamiento contemporáneo en tiempos de Pandemias. [S.l.]: ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020.
CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da História: quatro teses. Sopro, São Paulo, n. 91, jul. 2013.
MBEMBE, Achille. O direito universal à respiração. N-1 Edições, São Paulo, 2020.
THOMSON, Alistair. Histórias (co)movedoras: História Oral e estudos de migração. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 44, p. 341-364, 2002.
UNCHR. Global Trends. Forced Displacement in 2019. The UN Refugee Agency, Genebra, 18 jun. 2020
Lúcio Geller Junior – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). E-mail: lucio.geller@gmail.com
GELLER JUNIOR, Lúcio. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v. 12, n. 27, março, 2021. Acessar publicação original [DR]
The Sexual Question: A History of Prostitution in Peru, 1850s-1950s | Paulo Drinot
A few years ago, while reviewing archival material on Valparaíso, Chile, I ran across reports of women engaging in sex work in temporary housing after the 1906 earthquake. The authorities quickly made it clear that sex work itself was not the main issue; much more important was where it was happening. I thought there was a much larger story to be told, but since I was researching a rather different topic, I took a picture and made a note of it. Paulo Drinot, in his new book The Sexual Question: A History of Prostitution in Peru, 1850s-1950s, takes on the subject of sex work in Peru and does so by drawing on an enormously wide range of sources, care for geography, and an attention to historical change from various angles. Leia Mais
Migrações Contemporâneas: Reflexões e práticas profissionais | José Sterza Justo e Mary Yoko Okamoto
Movimentos coletivos e deslocamentos individuais voluntários e forçados fazem parte da constituição da humanidade, entretanto, a intensificação do ir e vir no mundo atual tem se ampliado dado as condições sociais possibilitadas pela globalização e pelo avanço tecnológico dos meios de transporte e comunicação. Compreender essas dinâmicas, assim como os fluxos e refluxos, além das mobilidades geográficas e psicossociais, os trânsitos e as formações identitárias, são os objetivos centrais da obra Migrações contemporâneas: reflexões e práticas profissionais organizada pelos psicólogos José Justo e Mary Okamoto. O caráter interdisciplinar desse empreendimento, entretanto, justifica-se pela variedade de temas, enfoques, métodos e profissionais que fazem desta obra que veio à baila em 2019.
O primeiro capítulo, batizado Migrações, multiculturalismo e identidades: revisitando conceitos, produzido pelos psicólogos Marcelo Naputano e José Justo busca a partir de uma abordagem conceitual explicar as transformações e abrangências das concepções de cultura, fronteira e identidade. Leia Mais
Educação a distância e tecnologia digital: interação, atitude e aprendizagem | Agnaldo Oliveira
O autor, Agnaldo de Oliveira, é brasileiro, com doutorado em Matemática pela Unesp (Rio Claro – SP), docente da rede municipal de ensino de Campo Grande – MS, pesquisador nas áreas de Formação Continuada de Professores e de Tecnologias de Informação e Comunicação.
O presente livro é fruto da pesquisa de mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Nele, Oliveira analisa os estudos realizados sobre o uso de tecnologias digitais no ensino e aprendizagem de funções do primeiro e segundo grau na exploração de propriedades de triângulos e quadriláteros. Para este efeito, além de introdução e conclusão, dividiu a obra em três capítulos, a saber: 1. Formação de Professores e Tecnologias Digitais: interação, atitudes e aprendizagem, que corresponde ao referencial teórico, tendo optado pelos estudos sobre “estar junto virtual” e a atitude de “habitante”, e é partir deles que foi possível analisar as possibilidades de aprendizagens dos sujeitos com o uso do computador em ações na modalidade EaD; 2. Caminho Metodológico da Pesquisa, no qual delineia o caminho percorrido na investigação e a constituição do grupo de estudo, nomeadamente os participantes da ação formativa. Neste capítulo são também apresentados o ambiente virtual de aprendizagem (AVA), espaço em que ocorre o desenvolvimento da ação de formação, e a proposta de ação de formação; 3. Uma Experiência com Formação de Professores de Matemática em EaD: possibilidades de aprendizagem em AVA, no qual apresenta a análise de dados a partir de três categorias: aprendizagem do conceito matemático, aprendizagem na interação entre sujeitos e atitude do formador. Leia Mais
Manual de Arqueologia Pré-histórica | Nuno Ferreira Bicho
Introdução
Antes mesmo de ser considerada e nomeada como ciência efetiva, em meados do século XIX, a Arqueologia já intrigava e despertava a curiosidade e o fascínio de colecionadores e estudiosos. E isso teria se dado não pela sua teoria em si, mas pelo seu objeto de estudo: a cultura material, com objetos e documentos preciosos de um tempo passado. Sua construção como ramo do conhecimento perpassa, desta forma, as fronteiras do acatamento em uma única disciplina.
Em outras palavras, é uma matéria interdisciplinar tanto em sua prática2 quanto em sua própria concepção3. Entretanto, além de interdisciplinar, dialoga tanto com o ambiente acadêmico/intelectual, quanto com o ambiente leigo, pois seu acesso é majoritariamente visual, palpável, fazendo-se entender pelo grande público (e despertando a curiosidade deste mesmo por ser um contato com o passado, tão “remoto” e “desconhecido”). Leia Mais
Histórias da pobreza no Brasil | Fabiano Quadros Rückert, Jonathan Fachini da Silva, José Carlos da Silva Cardoso e Tiago da Silva Cesar
A deflagração do estado de calamidade pública causado pela pandemia do Covid-19 trouxe à tona a reflexão sobre o complexo e multidimensional fenômeno da pobreza em países como o Brasil. A pandemia emergiu a necessidade de o Estado brasileiro intervir com um programa de assistência social provisório (medida contrariada e segurada até a último fôlego pelo presente Governo) de modo a conter o impacto do desemprego e da retração econômica gerada pela quarentena. Fato curioso é que este cenário instável forçosamente gerou um efeito colateral positivo, embora efêmero: a redução da taxa de extrema pobreza com a distribuição das parcelas do auxílio emergencial, a mais relevante diminuição ocorrida em quatro décadas conforme dados recentes da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2020). Por outro lado, o término deste auxílio emergencial, previsto para o final deste ano, já indica um retorno absurdo do fenômeno: cerca de 15 milhões de brasileiros serão devolvidos para a miséria, consequentemente devolvendo ao Brasil a trágica alcunha de “epicentro emergente da fome extrema”.
Neste cenário distópico, a leitura do livro “Histórias da Pobreza no Brasil” (Ed. FURG, 2019), volume 6 da Coleção Direito e Justiça Social, se torna praticamente obrigatória. Organizado pelos professores e pesquisadores Fabiano Quadros Rückert, Jonathan Fachini da Silva, José Carlos da Silva Cardozo e Tiago da Silva Cesar, a proposta da publicação foi compor uma obra que contemplasse diferentes escalas de análise sobre a pobreza associadas as particularidades históricas e socioeconômicas desde o Norte ao Sul do Brasil. Leia Mais
Caminhos que levam à cidade. O protagonismo do IAB na politica urbana | Vera França e Leite
Recém-lançado em janeiro de 2021, por ocasião das Comemorações do Centenário do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), o livro Caminhos que levam à cidade – o protagonismo do IAB na política urbana brasileira, de autoria da arquiteta urbanista Vera França e Leite, examina com profundidade a trajetória e o empenho do Instituto, dirigido a proporcionar um ambiente urbano seguro, equilibrado, saudável e receptivo aos seus cidadãos e cidadãs.
Baseado originalmente em sua tese de doutoramento, os cinco capítulos e subcapítulos que compõem o livro permitem ao leitor percorrer um largo período da história do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, de 1953 a 1988, mediante uma linguagem de fácil assimilação e compreensão, visivelmente com o propósito de atingir um público que não se limita unicamente à categoria profissional de arquitetos e urbanistas. Com o mesmo objetivo, Vera desenvolve sua narrativa por um fio condutor, comprovando-a em documentos originais do acervo de IAB e outras fontes, onde destaca particularidades e, evidencia a continua persistência do Instituto em se fazer ouvir. Se em alguns momentos, particularmente após o golpe de 1964, essa persistência, pautada por uma atitude permanentemente crítica, porém propositiva, conviveu com difíceis e intrincadas negociações, mais das vezes improdutivas, por outro lado, o ideário construído pelo Instituto, notadamente a partir do III Congresso Brasileiro de Arquitetos – Belo Horizonte, 1953 –, possibilitou que os conceitos e os novos paradigmas formulados, alcançassem o êxito pretendido, no médio e longo prazo. Leia Mais
Leon Battista Alberti, humanismo e racionalidades modernas | Mário Henrique S. D’Agostino
O primeiro lanço de olhar sobre o título e o índice deste livro que o leitor possui à frente é provável que tenha suscitado em muitos uma tácita inquietação. De um pai florentino, Leon Battista Alberti nasceu em Gênova, no ano de 1404, e veio a falecer na caput mundi, em 1472. O que tem-nos ainda a dizer, sobretudo a nós, americanos do sul do equador, um autor vivido na Itália do século 15 – então constituída por uma miríade de senhorios em não menos numerosas variações dialetais –, notabilizado por verter i primi lumi aos alvores da Idade Moderna, porém logo obnubilado, como o fulgor de um átimo, por tantos cujos nomes mantemos mais acesos em nossa memória? No campo da política, seu princeps cedo perde posto para o maquiavélico; nas artes, sucessivos tratados há pouco ainda habitavam pranchetas e armários dos ateliês – os de Andrea Palladio e Jacopo Barozzi da Vignola na primeira fila, para atermo-nos aos mais “globais”. E não obstante podermos estender tal arrolamento a muitos outros domínios, é notório o exponencial incremento de interesse por nosso autor e sua obra. Prova disso se verifica na quantidade e na qualidade dos congressos e publicações a ele consagrados, particularmente nas duas últimas décadas – e não falamos só da Europa. No panorama brasileiro ou latino-americano, embora se advirta um pequeno aumento no número de títulos e eventos a ele dedicados, é inconteste o rumo dos ventos. Leia Mais
História pública e ensino de história | Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira
O estranhamento de todo dia para aqueles e aquelas que experimentam, seja na formação inicial ou continuada, seja no trabalho escolar ou na pesquisa acadêmica, o ensino de história como um campo de conhecimento, mas também de práticas profissionais, talvez seja muito semelhante à experiência de um estrangeiro olhando as suas fontes e os seus materiais, interagindo com os sujeitos do campo, buscando sempre autorizar a superação da dolorosa sensação de alheamento e exterioridade com a sua prática e a experiência que dela decorre. Quem sabe, eles não encontrem nesse belo trabalho organizado por Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira, com a contribuição de especialistas sempre (ou quase sempre) compartilhando a autoridade com professores de ofício da educação básica – via de regra experimentando percursos de formação continuada –, uma aliança generosa e solidária?
Que esta resenha possa somar-se a essa aliança potente, em uma perspectiva de compreensão narrativa e empatia (RITIVOI, 2018), assumindo um lugar de professor entre professores de História. Leia Mais
En el espejo haitiano. Los indios del Bajío y el colapso del orden colonial en América Latin | Luis Fernando Granados
Resenhista
Tony Wood – Princeton University.
Referências desta Resenha
GRANADOS, Luis Fernando. En el espejo haitiano. Los indios del Bajío y el colapso del orden colonial en América Latina. México City: Ediciones Eras, 2016. Resenha de: WOOD, Tony. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 197-200, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]
Mercado/ganado y territorio. Haciendas y hacendados en el Oriente y el Magdalena Medio antioqueños (1920-1960) | José Roberto Álvarez Múnera
Resenhista
Bebiana Rendón – Universidad Mayor y Universidad de Santiago de Chile (USACh).
Referências desta Resenha
MÚNERA, José Roberto Álvarez. Mercado, ganado y territorio. Haciendas y hacendados en el Oriente y el Magdalena Medio antioqueños (1920-1960). Medellín: Universidad de Antioquia/ Faculdad de Ciencias Sociales y Humanas; Fondo Editorial FCSH; Editorial Universidad Pontificia Bolivariana, 2016. Resenha de: RENDÓN, Bebiana. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 205-208, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]
Seeds of Empire: Cotton, Slavery, and the Transformation of the Texas Borderlands, 1800-1850 | Andrew Torget
Resenhista
Amie Campos – University of California. San Diego.
Referências desta Resenha
TORGET, Andrew J. Seeds of Empire: Cotton, Slavery, and the Transformation of the Texas Borderlands, 1800-1850. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2015. Resenha de: CAMPOS, Amie. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 201-204, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]
El río deja de ser. Introducción al estudio de la historia y la cultura contemporánea de la Amazonía peruana. | Ana Molina Campodónico, Ana VArela TAfur e Jorge Lossio Chávez
Resenhista
Adrián Lerner – Princeton University.
Referências desta Resenha
CAMPODÓNICO, Ana Molina; TAFUR, Ana Varela; CHÁVEZ, Jorge Lossio. El río deja de ser. Introducción al estudio de la historia y la cultura contemporánea de la Amazonía peruana. Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú; Instituto Riva Agüero, 2019. Resenha de: LERNER, Adrián. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 209-212, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]
Cowards Don’t Make History. Orlando Fals Borda and the Origins of Participatory Action Research | Joanne Rappaport
Resenhista
Margarita Martínez-Osorio – Indiana University. Bloomington.
Referências desta Resenha
RAPPAPORT, Joanne. Cowards Don’t Make History. Orlando Fals Borda and the Origins of Participatory Action Research. Durham: Duke University Press, 2020. Resenha de: MARTÍNEZ-OSORIO, Margarita. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 213-216, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]
Zika no Brasil: história recente de uma epidemia | Ilana Löwy
O livro de Ilana Löwy, lançado em 2019 pela coleção Temas em Saúde da Editora Fiocruz, faz um balanço das principais questões de saúde pública envolvendo a epidemia de zika no Brasil a partir de 2015 e a sua relação com os casos de microcefalia. Historiadora das ciências biomédicas e atualmente pesquisadora do Instituto Nacional Científico e de Pesquisa Médica da França (Inserm), Löwy apresenta diferentes ângulos científico-políticos dessa epidemia de forma didática, articulando uma questão fundamental: o que de fato conhecemos sobre a trajetória do vírus da zika no Brasil?
A autora articula as diferentes dimensões em um campo temático com o qual já possui bastante familiaridade. Exemplo disso são seus trabalhos anteriores sobre as práticas científicas e de saúde pública em relação à febre amarela – doença que também é transmitida pelo Aedes aegypti –, (in)visibilidades dos objetos das ciências biomédicas, diagnósticos e direito reprodutivo. Essas abordagens são mobilizadas com naturalidade e fluidez na sua proposta de uma história “recente”, como está no título, ou “do presente” e seus desafios ( Löwy, 2019 , p.13). Leia Mais
El dinero no es todo: compra y venta de sexo en la Argentina del siglo XX | Patricio Simonetto
Los arreglos por los cuales una o varias mujeres accedían a tener sexo con un varón o un grupo de varones a cambio de dinero o bienes variaron en el tiempo y el espacio. Las mujeres, mayormente jóvenes o menores de edad, podían complementar esta actividad, que podía ser ocasional, con otras vías para conseguir ingresos. Podían realizar los actos en sus domicilios, en los de los varones, en bares, sitios laborales o burdeles próximos a destacamentos militares. Con frecuencia hubo intermediación de otros varones – maridos, concubinos, rufianes, taxistas –, que se quedaban con parte del dinero, o a veces con todo. Los grados de coacción y violencia implicados en la actividad variaron. Su relación con policías, jueces y el servicio penitenciario parece haber sido frecuente. Catalogadas por los jueces como prostitutas, pocas veces y solo avanzado el siglo se nominaron a sí mismas ante la ley con dicho mote, definiéndose a partir de otras actividades ligadas a lo doméstico.
Como se desprende de este recuento, Patricio Simonetto (2019) ofrece una mirada de la compra y venta de sexo en la Argentina que no se pretende totalizante, exhaustiva ni oclusiva, sino que se presenta ante el lector o lectora como la unión de una serie de historias dispersas y en ocasiones inconexas, que el autor urde en una trama que sin pretensión de completitud, logra dislocar las miradas habituales con las que se ha pensado a dicha actividad y a quienes participaron en ella. Leia Mais
José Reis: caixeiro-viajante da ciência | Luisa Massarani, Mariana Burlamaqui e Juliana Passos
Tratar sobre a história da ciência e divulgação científica no Brasil perpassa por importantes colaboradores, entre eles, sem dúvida, José Reis (1907-2002). Com uma atuação ampla e longeva no cenário científico brasileiro, aposentou-se como bacteriologista do Instituo Biológico, foi fundador e secretário-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), integrante do Instituto Brasileiro de Educação, Cultura e Ciências (Ibecc), criador e editor do suplemento “No Mundo da Ciência” e diretor de redação da Folha de S.Paulo , divulgador da ciência em diversos veículos, como nas revistas Chácaras e Quintais, Ciência e Cultura e Anhembi , e no programa “Marcha da Ciência”, da Rádio Excelsior, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), além de um incansável ativista e incentivador pela melhoria do ensino de ciência nas escolas e da formação de futuros cientistas, promovendo o concurso “Cientistas de Amanhã” e feiras e clubes de ciências pelo país. É sobre essa trajetória que os livros José Reis: reflexões sobre a divulgação científica , de Luisa Massarani e Eliane Monteiro de Santana Dias, e José Reis: caixeiro-viajante da ciência , de Luisa Massarani, Mariana Burlamaqui e Juliana Passos, são dedicados.
Em comum, as duas obras são frutos do projeto Acervo José Reis da Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz), criado para promover a recuperação e preservação de todo acervo pessoal doado pela família Reis à Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz, em 2018, e para fomentar estudos sobre a história da ciência brasileira e da divulgação científica no país. As diferenças em cada obra encontram-se, sobretudo, pelo olhar direcionado pelas autoras ao conteúdo do acervo. Leia Mais
Ditadura/ anistia e transição política no Brasil (1964-1979) | Renato Lemos
Em tempos em que proliferam disputas narrativas e versões negacionistas a respeito da ditadura militar brasileira, a publicação do livro Ditadura, anistia e transição política no Brasil (1964-1979), do historiador Renato Lemos, chega em boa hora. Enquanto parte da população brasileira e políticos têm feito apologia do regime ditatorial, o autor expõe no livro o projeto daqueles que não agem assim por desconhecimento, mas sim por comprometimento com a face mais brutal da dominação burguesa no Brasil, como diz o professor Marcelo Badaró (UFF) no prefácio do livro.
Renato Lemos é professor titular de História do Brasil na Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordena o Laboratório de Estudos sobre os Militares na Política (LEMP/UFRJ)1. O historiador marxista defende o uso da nomenclatura “ditadura empresarial-militar” para designar o regime de 1964-1985, no lugar de “ditadura militar”, por entender que esta generaliza os militares, ao mesmo tempo em que oculta os vínculos de classe das lideranças civis beneficiadas pelo golpe. Leia Mais
Atas do Seminário Nacional de Arquivos Universitários | Unicamp
A contribuição de Vicenta Cortés Alonso para a área da arquivística internacional é inestimável. A arquivista espanhola começou sua carreira em Sevilha, mas sua atuação na área ganhou grande projeção internacional devido ao trabalho desenvolvido nas ‘missões arquivisticas’ promovidas pela Comissão Internacional de Arquivos, da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Pela OEA, atuou também na formação e capacitação de diversos profissionais da arquivística, não só na Europa, mas especialmente no continente americano, já que coordenou por mais de uma década, os Cursos de Especialização em Organização e Administração de Arquivos Históricos, realizados em vários lugares do mundo, como Espanha (Madrid), Estados Unidos e Brasil. Leia Mais
Antropología/problemáticas y debates. Para una sociedad en transformación | María Marta Mainetti
¿Hay espacio para aquello que ralentiza la comunicación, la tensión, la pregunta, el descontento? Algo de esto se pregunta Byung-Chul Han en una reciente entrevista (2020) para Zeit Wissen, revista bimensual alemana de divulgación científica. El filósofo asume la postura de que lo agrietado, las roturas, las lesiones, incluso las costuras quedan canceladas porque, en palabras del filósofo, hoy todo parece redondeado, pulido o suavizado. Se detiene a pensar que, en el mundo del Big Data, nos encontramos entre el ruido y el silencio, silencio-otro, puesto que no refiere a ese silencio elocuente que, al igual que la quietud, también produce lenguaje. En este sentido, Han enfatiza que la actual existencia resulta ser un tanto ruidosa, aunque sin palabras. Habrá información, sostiene, pero no conocimiento, puesto que el saber tiene una estructura temporal que abarca el pasado y el futuro, no sólo el presente. Este problema nos conduciría a la mudez y al desamparo. La crudeza del filósofo será apenas un disparador para reflexionar sobre el deseo y la posterior materialización de este libro, tanto o de igual modo que la escritura y la reflexión que ofrecen las y los autores al modo de actos contra-hegemónicos. Leia Mais
Um oceano, dois mares, três continentes | Wilfried N’Sondé
Sem fôlego! É assim que ficamos quando lemos, analisamos e refletimos sobre uma obra tão intensa e cativante como Um oceano, dois mares, três continentes, um romance histórico que nos transporta numa viagem ao século XVII, para o epicentro da maior catástrofe da humanidade: o comércio transatlântico. Ao narrar, embora de forma romanceada, a viagem do primeiro “embaixador do Reino do Kongo no vaticano” (p. 44), Wilfried Nsondé mostra, uma vez mais, que muito ainda está por descortinar não só em relação a essa figura emblemática da história do Kongo, mas sobretudo, em relação ao tráfico de escravos. A obra resulta da imaginação do autor para tecer as malhas do romance (histórico, porém romance), bem como do seu domínio histórico-científico na contextualização dos diferentes acontecimentos que, acreditamos, está assente num extenso e profundo trabalho de pesquisa em arquivos e literatura especializada.
Numa análise sócio-histórica completa, Nsondé apresenta o padre Nsaku ne Vunda, bacongo2, nascido na aldeia de Boko, batizado António Manuel que, seduzido pelo catolicismo alimentado pelos missionários, envereda pela vida religiosa. É nessa condição, e enquanto pároco na sua aldeia natal, que é mandado chamar por sua majestade “Manzou a Nimi, rei dos Bakongo de ontem, hoje e amanhã, chamado também Álvaro II3 pelos seus irmãos cristãos desde o batismo” (p. 39), dando assim início à ação que se desenrola ao longo de toda a obra, numa concatenação perfeita de acontecimentos históricos devidamente referenciados e explorados. É esse descortinar de acontecimentos que nos permite dividir a obra em duas partes: a primeira, corresponde ao início da viagem de Nsaku ne Vunda do Kongo para o Novo Mundo (continente americano) e, a segunda, do Novo Mundo para o continente europeu. Leia Mais
A arquitetura fractal de Antonio Gramsci: história e política nos Cadernos do cárcere | Marcus Vinícios F. S. Oliveira (R)
Antonio Gramsci, indubitavelmente, é considerado, por muitos, um dos teóricos mais importantes da tradição marxista do pós-Segunda Guerra Mundial. Milhares são as obras e dezenas são as teorias que procuram ver nos trabalhos gramscianos a chave interpretativa que auxilia na compreensão da dinâmica sociopolítica contemporânea. Por meio das mais diferentes linhas de pensamento, Gramsci está associado ao modo como o fazer e o pensar políticos estão relacionados a todo um arcabouço cultural, que envolve as sociedades atuais. Desse modo, seus escritos encontram-se muito mais associados aos estudos marxistas ligados à filosofia da práxis. Como exercício comparativo, podemos perceber uma clara diferença com relação às linhas de pensamento marxistas ligadas à teoria crítica. Generalizadamente, embora ambas deem uma importância significativa ao elemento cultural das sociedades modernas, os estudos gramscianos encontram na esfera da política e do universo do político, o lugar de confrontos e consensos para suas análises. No caso da Escola de Frankfurt, Adorno, Horkheimer, Marcuse, Benjamin, entre outros, o universo do político espraia-se em outras dimensões da contemporaneidade, como os meios de comunicação e o mundo da arte. Leia Mais
Inmigración pensamiento y nación: 1880- 1930 | Aquiles Castro e Ana Félix (R)
De acuerdo con Maria Ligia Coelho Prado, la idea de unidad regional nace con la propia emancipación. Pugna por borrar las diferencias y rechazar los conflictos en pro de una identidad homogénea favorable al dominio político. La pregunta por quiénes somos estaba presente en la Carta de Jamaica (1815), la respuesta originales y autónomos. Este horizonte modeló las tradiciones nacionales e inspiró a políticos, intelectuales y artistas que se manifestaron sobre el futuro ideal y la legitimidad de la nación emergente (PRADO, 2008, p. 597).
El nacionalismo de finales del siglo XIX, presente en la historiografía, el periodismo, la literatura y el arte, procuró la adhesión social a un proyecto común de nación mediante símbolos e imágenes nacionales. La élite intelectual, blanca y letrada, consideraba que “los negros, los indios, los mestizos, los pobres, las mujeres, los no propietarios, los campesinos” eran incapaces de entender la dimensión del proyecto político (PRADO, 2008, p. 600). Lo no blanco era considerado inferior, y la pigmentación de la epidermis, sinónimo de barbarie. Leia Mais
Qualcosa di meglio. Biografia partigiana di Otello Palmieri | Alfredo Miginini (R)
Otello Palmieri | Detalhe de capa |
Leggendo un lavoro di ricerca spesso ci si trova davanti ai risultati di un processo lungo e complesso in cui la soggettività del ricercatore solo di rado viene messa in risalto. L’impiego di fonti orali all’interno della ricerca storica ha contribuito a far emergere la consapevolezza di dover esplicitare la posizione di chi conduce la ricerca stessa, visto che è proprio l’incontro fra soggettività diverse a produrre le fonti che poi vengono usate [1]. Enrico Pontieri e Alfredo Mignini avevano ben chiaro questo impianto metodologico al momento di iniziare il lavoro che si sarebbe poi tradotto nel libro oggetto di questa recensione. In occasione di una precedente pubblicazione Mignini aveva già avuto modo di riflettere sulle modalità di raccolta e di uso delle fonti orali [2]. Più recentemente, come Pontieri, ha pubblicato un saggio all’interno di un volume sulla storia del Partito comunista italiano a Bologna [3]. Mignini fa parte da anni dell’associazione Storie in Movimento – che, fra le altre cose, pubblica «Zapruder. Rivista di storia della conflittualità sociale» – e in particolare della Redazione Web, di cui è co-coordinatore. Enrico Pontieri collabora con la Fondazione Gramsci-Emilia Romagna per la quale il 24 aprile del 2020 ha curato un appuntamento sulla storia della Resistenza.
Proprio la Resistenza è uno dei temi centrali del libro dei due giovani ricercatori, incentrato sulla storia di Otello Palmieri. Gli autori iniziano il racconto in ordine cronologico, partendo però dal loro punto di vista: dal primo incontro a Bologna con un conoscente di Palmieri, quando l’idea di realizzare un’intervista era già nell’aria ma non aveva ancora assunto un carattere definito, alla scoperta di nuove notizie sulla sua vita. Dopo le prime pagine sappiamo già che Otello Palmieri ha fatto per alcuni mesi il partigiano e che, a guerra finita da alcuni anni, è stato accusato di aver partecipato all’uccisione di un oste nel suo paese in provincia di Bologna, Oliveto. Proprio nel momento in cui la denuncia stava per trasformarsi in un mandato di cattura Palmieri lasciò l’Italia insieme a due suoi compagni per ritornare solo dopo aver ottenuto la sentenza di assoluzione. È proprio la sentenza il primo documento con cui gli autori si misurano: mettono in evidenza i tanti punti ancora poco chiari e iniziano a formulare alcune domande a cui però si può cercare di rispondere solo usando altre fonti, come le interviste allo stesso Palmieri. A questo punto gli autori portano il lettore a Oliveto e poi all’interno della casa di Palmieri a Crespellano, sempre in provincia di Bologna.
Si arriva così all’incontro e alla prima intervista: superata l’iniziale titubanza Palmieri inizia a raccontare, diventando in breve un fiume in piena, con i due autori che faticano a stargli dietro. Spuntano fuori anche due vecchie valigie riportate da Palmieri in Italia dalla Cecoslovacchia e piene di quaderni e di materiali utili. Arrivati a pagina 26 del libro sono già stati toccati i temi più importanti: la Resistenza e l’iscrizione al Partito comunista italiano, l’uccisione dell’oste di Oliveto, l’esilio in Cecoslovacchia, l’assoluzione, il ritorno in Emilia, il nuovo trasferimento in Svizzera. Tante cose, tutte insieme. Gli autori denunciano un certo smarrimento e forse per il lettore è lo stesso.
Decidono quindi di ricominciare da capo, dal 1927, anno della nascita di Otello Palmieri. Si arriva quasi subito a uno dei momenti chiave: il 17 agosto 1944 Palmieri, appena diciassettenne, venne catturato da un gruppo di repubblichini insieme ad altre persone e riuscì a sfuggire grazie all’aiuto di un medico e della sorella infermiera. Una volta tornato in paese si unì alla Resistenza. Gli autori però fanno notare come in alcuni documenti ufficiali Palmieri risulti partigiano già da prima del rastrellamento. È uno dei punti in cui Mignini e Pontieri tirano fuori le discrepanze fra ciò che ascoltano durante le interviste e ciò che risulta da altre fonti come il contenuto delle valigie conservate da Palmieri, documenti giudiziari e pubblicistica. Il pregio del metodo usato è di non arrivare a conclusioni affrettate o nette, mettendo però in evidenza i dubbi e cercando un modo per provare a scioglierli. Gli autori mettono quindi il luce la collaborazione che esisteva fra i partigiani della zona e i giovani del paese già prima del rastrellamento del 1944, soprattutto nel fornire informazioni sulla presenza di soldati tedeschi o repubblichini in zona [4]. La conoscenza reciproca facilitò l’ingresso di Palmieri fra i partigiani dove ottenne anche un nuovo nome, Battagliero (nome di un valzer emiliano e titolo del primo capitolo del volume). Palmieri a quel punto si trovò inserito in un gruppo in cui ci sono anche persone molto più grandi di lui e dei suoi amici: una di queste era Antenore Lanzarini, ucciso il 19 novembre 1944. Alla ricostruzione delle circostanze della morte di Lanzarini e alle due versioni proposte da Palmieri gli autori dedicano alcune delle pagine più interessanti del libro. Palmieri racconta poi dell’inverno del 1944 e dell’ordine del generale statunitense Harold Alexander di sospendere le operazioni belliche su larga scala durante i mesi più freddi dell’anno. Gli autori però non si accontentano e ottengono informazioni sugli spostamenti delle colonne partigiane e su delle azioni volte a recuperare delle armi o del cibo a Oliveto e nelle zone limitrofe. Si arriva quindi al momento che fin dalle prime pagine è sembrato essere una svolta nella vita di Palmieri: i giorni dell’attentato al segretario del Partito comunista italiano Togliatti (14 luglio 1948). Palmieri racconta dell’occupazione del municipio con le armi della Resistenza e il conseguente intervento del Pci di zona che riportò la calma a Oliveto e generò una certa frustrazione fra i militanti: la Rivoluzione non era all’ordine del giorno. Arrivati a questo punto l’oste del paese era già stato ucciso (4 dicembre 1945) ma sarà solo nell’estate del 1949 che Palmieri e altri due suoi compagni finirono per essere vicini all’arresto. La fuga avvenne appena in tempo e, grazie all’aiuto del Partito comunista, Palmieri e gli altri riuscirono a raggiungere la Cecoslovacchia. Una volta arrivato a Praga, Palmieri, come tutti i suoi compagni, dovette cambiare (di nuovo) nome e su indicazione del Partito comunista iniziò a chiamarsi Enrico Grassi, titolo del secondo capitolo del libro.
Qui gli autori ricostruiscono la vita di Palmieri e degli altri italiani costretti a rifugiarsi al di là della Cortina di ferro: l’apprendimento della lingua ceca e la scuola di formazione politica predisposta dal Partito con la conseguente delusione di Palmieri una volta capito che il Partito non li stava facendo studiare per fare la Rivoluzione in Italia, i rapporti con degli emigrati ideologicamente più convinti, la nascita della redazione della trasmissione radiofonica Oggi in Italia, lo stupore di fronte all’epurazione del segretario generale del Partito comunista ceco, Rudolf Slánský [5]. Finita la scuola Palmieri, in controtendenza rispetto alle scelte dei suoi compagni, scelse di iniziare un percorso di formazione professionale e venne impiegato in un’industria meccanica. Nel giro di due anni si trasferì in un’altra città e qui incrociò alcuni ex membri della Volante rossa, ex partigiani di area lombarda fatti scappare dal Pci in Cecoslovacchia per metterli al riparo da accuse di omicidi e di altri reati. Il soggiorno all’estero era però ormai prossimo alla fine: nel settembre del 1953, arrivata la notizia dell’assoluzione, Palmieri tornò in Italia, in apparenza senza esitazioni. Una volta arrivato in Emilia si sposò con Giovanna, la sua fidanzata storica. Sembrava il preludio a una nuova fase di stabilità e invece nel giro di pochi mesi la coppia si spostò di nuovo, questa volta per raggiungere la Svizzera. Gli autori dedicano alla ricostruzione del ritorno in Italia e della scelta di tornare a emigrare un “Intermezzo” in cui cercano di andare oltre la prima risposta data da Palmieri, ossia la necessità di guadagnare una somma per ripagare un debito contratto in occasione del matrimonio. Tramite un gioco di ipotesi e frasi prese dalle interviste i due autori ci restituiscono l’insoddisfazione di Palmieri per l’ipotesi di un «posto» fisso in Italia proposto dal Partito comunista emiliano contrapposto a un «lavoro» da cercare, forse da inventare e poi da praticare in Svizzera [6]. Si arriva così al terzo capitolo, intitolato Otti, diminutivo di Otello in tedesco. Qui la storia di Palmieri si lega a quella dell’emigrazione italiana in Svizzera: Palmieri trova lavoro, è apprezzato anche grazie alla formazione ricevuta in Cecoslovacchia e nel tempo rafforza la sua posizione, anche se nel paese elvetico non tutti vedevano di buon occhio l’arrivo di tanti lavoratori dall’Italia. Finisce per ammirare il paese in cui si è stabilito e nel quale però non rimarrà una volta raggiunta la pensione [7], momento di un nuovo ritorno in Emilia.
Il libro termina con il racconto di una passeggiata degli autori insieme a Palmieri a Oliveto, sui luoghi che sono stati lo scenario di una parte dei fatti descritti nelle pagine precedenti. Proprio nelle ultime righe Mignini e Pontieri riconoscono che diversi punti della storia non sono stati chiariti del tutto, ci sono ancora dei dubbi e non è stato possibile fugarli. Non si è riusciti a chiarire del tutto la vicenda dell’uccisione dell’oste e il ritrovamento di un faldone all’interno dell’archivio del Tribunale di Bologna con le carte del processo proprio nelle settimane di chiusura del lavoro si è scontrato con la quasi indifferenza di Palmieri che ha smorzato l’entusiasmo dei due ricercatori. Rimane il dubbio che in un archivio di Praga ci sia ancora l’autobiografia che al momento dell’arrivo in Cecoslovacchia il Partito comunista chiedeva agli emigrati di scrivere. Resta soprattutto il rammarico per un diario smarrito da Palmieri al ritorno dalla Cecoslovacchia. Rimangono poi altri punti non chiariti, altre strade non prese, altre domande non fatte o delle risposte non approfondite. Questo però è ciò che accade in ogni ricerca storica, anche se non sempre viene esplicitato e il lettore quindi può non accorgersene. Pontieri e Mignini si sono messi invece in gioco fin dalla prime pagine e, condividendo con il lettore la storia della ricerca e mettendo in mostra i limiti della stessa, hanno finito per scrivere un ottimo libro di metodo, godibile anche dal punto di vista narrativo.
Notas
1 PORTELLI, Alessandro, Problemi di metodo. Sulla diversità della storia orale, in BERMANI, Cesare (a cura di), Introduzione alla storia orale, vol. I, Storia, conservazione delle fonti e problemi di metodo, Roma, Odradek, 1999, pp. 149-166 (in particolare, pp. 160-161). Il contributo è stato originariamente pubblicato in Primo maggio, Saggi e documenti per una storia di classe, 13, 1979, pp. 54-60.
2 MIGNINI, Alfredo, Un lavoro da non sfruttare nessuno. Storie di vita dalla periferia di Bologna, Roma, Aracne, 2016. Si veda in particolare la parte introduttiva in cui l’autore riflette sull’uso delle fonti orali.
3 CAPUZZO, Paolo (a cura di), Il Pci davanti alla sua storia: dal massimo consenso all’inizio del declino. Bologna 1976, Roma, Viella, 2019.
4 MIGNINI, Alfredo, PONTIERI, Enrico, Qualcosa di meglio. Biografia partigiana di Otello Palmieri, Bologna, Pendragon, 2019, p. 43.
5 Ibidem, p. 102.
6 Ibidem, p. 138.
7 Ibidem, p. 166.
Alessandro Stoppoloni (Roma, 1989) è un archivista libero professionista. Si è laureato in scienze storiche nel 2015 nell’ambito del corso integrato italo-tedesco organizzato dall’Università di Bologna e da quella di Bielefeld con una tesi dal titolo Fra teoria e pratica: la psicologia politica di Peter Brückner (1966-1978). Per «Diacronie» si occupa di recensioni e cura saltuariamente le traduzioni dalla lingua tedesca.
MIGININI, Alfredo; PONTIERI, Enrico. Qualcosa di meglio. Biografia partigiana di Otello Palmieri. Bologna: Pendragon, 2019, 222p. Resenha de: STOPPOLONI, Alessandro. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, v.45, n1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].
#ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole | Federico Faloppa (R)
Federico Falopa | Foto: Piano P |
Il tema dei discorsi d’odio ha oramai una consolidata tradizione di studi, in particolare in campo sociale e giuridico [1]. Quel che appare realmente nuovo nel panorama degli hate speech è la pervasività e la rapidissima diffusione di questi stessi per effetto della diffusione che viene oggi consentita ai messaggi d’odio dai social network. È in questo contesto che si inserisce il libro del linguista Federico Faloppa [2], professore di Italian Studies and Linguistics all’Università di Reading, dedicato proprio al tema dei discorsi d’odio e alla loro proliferazione sul web. L’autore ci offre una prima, parziale, risposta agli interrogativi “Perché questo è avvenuto e perché si è verificato in questi termini”:
Usiamo in modo interconnesso i social media come strumento di supporto alle nostre reti sociali, di espressione della nostra identità e di analisi dell’identità altrui. Nel giro di pochi anni è decisamente cambiato il nostro approccio al mezzo, il senso della nostra comunicazione, il modo in cui produciamo i nostri messaggi. E questo – va da sé – vale anche per i messaggi che veicolano odio[3].
Il manuale, come viene definito il volume dall’autore nel sottotitolo, è diviso in cinque sezioni. La prima di esse (capp. 1 e 2) è dedicata a cercare di tratteggiare il significato di hate speech: una definizione che, sottolinea Faloppa, rimane problematica. Quella fornita dal Consiglio d’Europa può tuttavia costituire una base di partenza:
l’istigazione, la promozione o l’incitamento alla denigrazione all’odio o alla diffamazione nei confronti di una persona o di un gruppo di persone, o il fatto di sottoporre a soprusi, molestie, insulti, stereotipi negativi, stigmatizzazione o minacce tale persona o gruppo, e comprende la giustificazione di queste varie forme di espressione, fondata su una serie di motivi, quali la “razza”, il colore, la lingua, la religione o le convinzioni, la nazionalità o l’origine nazionale o etnica, nonché l’ascendenza, l’età, la disabilità, il sesso, l’identità di genere, l’orientamento sessuale e ogni altra caratteristica o situazione personale [4].
Per un ulteriore schema interpretativo utile a classificare i discorsi d’odio, Faloppa ci invita a guardare alla Pyramid of Hatred proposta dalla Anti-Defamation League e dallo Shoah Foundation Institute della California all’inizio del XXI secolo: in questa rappresentazione l’espressione di sentimenti negativi può giungere sino, al vertice della piramide, alla volontà di sterminio deliberata e sistematica, ultimo stadio prima della traduzione in realtà e pratiche concrete dell’hate speech. Dal punto di vista storico il secondo capitolo, “Genealogie”, ci aiuta a comprendere come ci troviamo di fronte a un fenomeno di lungo periodo: se è nella seconda metà dell’Ottocento che prende avvio lo studio sistematico delle espressioni offensive e discriminanti nei confronti di altri popoli, è di un secolo più tardi l’istituzione di strumenti volti a limitare il razzismo linguistico.
La seconda sezione (capp. 3 e 4) si sofferma invece sul quadro normativo e offre al lettore una vista d’insieme. Uno dei meriti principali del volume è infatti quello di analizzare in prospettiva comparata la situazione di diversi paesi, argomentando le ragioni per cui i legislatori hanno preferito muoversi in un senso estremamente permissivo – ad esempio, negli Stati Uniti, dove questo atteggiamento ha originato un vasto dibattito [5] – o ponendo maggiori limiti, come è avvenuto in Europa [6]. Si ha così l’opportunità di contestualizzare la situazione italiana confrontandola, ad esempio, con quella britannica, tedesca o francese. Quel che emerge è una pluralità di risposte, in cui molto spesso il risultato finale in termini normativi è frutto di una mediazione fra l’esigenza di intervenire e la tradizione culturale del singolo paesi in termini di libertà di espressione. L’equilibrio è sempre sottile perché, almeno nel caso italiano: «Quando […] l’espressione è discriminante, insultante, diffamante o quando sfocia in un’azione delittuosa può – deve – conoscere restrizioni, previste dalla legge» [7].
La terza sezione (capp. 5, 6 e 7) “Hate speech 2.0” ritorna sulla questione degli interventi normativi nel campo del discorso d’odio, in particolare sul web. È qui che troviamo il nucleo dell’analisi di Faloppa. Per comprendere il fenomeno l’autore si sofferma su due caratteristiche: da una parte la “virtualità” dell’hate speech, dall’altra la sua viralità. La mancanza di un rapporto diretto fra chi offende e chi viene offeso impedisce di prendere atto degli effetti innescati dall’espressione di odio: un meccanismo che genera un processo di progressiva deresponsabilizzazione. Deresponsabilizzazione che è anche alla base dell’atteggiamento di una parte della politica, che cavalca le espressioni d’odio per costruire il suo consenso e assicurarsi un tornaconto elettorale, come Faloppa evidenzia a più riprese [8]. Inoltre la viralità del messaggio – e la sua permanenza – creano effetti perniciosi, in grado di dar luogo a effetti duraturi e difficilmente reversibili perché replicabili e moltiplicabili quasi all’infinito, in un effetto “camera dell’eco”. L’odio, inoltre, sottolinea Faloppa, si dissemina in forma individuale e con maggior facilità, quasi per effetto di un riflesso condizionato, secondo la logica del re-post.
La quarta sezione (capp. 8, 9) è quella in cui emerge la forza dell’analisi di Faloppa, che tratteggia un’analisi quantitativa, ma soprattutto qualitativa del discorso d’odio sul web in Italia. Lo sguardo viene così spostato anche sui sotterfugi impiegati per veicolare messaggi d’odio: i grafismi, l’utilizzo di scritte apparentemente non offensive o persino l’impiego di alcuni font. Un tema che rappresenta un filone assai prolifico, come dimostrano recenti analisi, ad esempio, sui meme [9].
Gli ultimi capitoli del manuale (10, 11 e 12) sono invece dedicati al contrasto degli hate speech, alle strategie da impiegare. Faloppa, da linguista, osserva come sarebbe necessario guardare.
[…] proprio alle modalità – che passano attraverso il linguaggio e la sua dimensione pragmatica – si dovrebbe forse guardare con più attenzione. Non tanto lo studio dei possibili profili quanto l’analisi dei comportamenti e delle modalità in cui i messaggi d’odio vengono prodotti e diffusi mi sembra infatti offrire un approccio più funzionale e aderente alla realtà […] [10]
L’autore suggerisce di distinguere fra troll e odiatori seriali, odiatori occasionali e semplici follower: discriminare il profilo di chi sta esprimendo un sentimento negativo è utile perché sulle ultime categorie di haters è possibile agire, sostiene Faloppa, nell’intento di interrompere la spirale dell’odio.
Una considerazione non dissimile da quella sviluppata da Littler e Kondor riguardo all’islamofobia.
We also highlight the role that can be played by civil society organisations, in particular identifying the potential for social and economic pressure to be exerted against mainstream media forums promoting islamophobia, and for micro-targeting to be employed on social media to reach and challenge those who are most at risk of engaging in Islamophobic hate crime [11].
Il volume – come specifica l’autore – è largamente ispirato dalla riflessione collettiva sorta intorno al Tavolo per il contrasto ai discorsi d’odio: si può in qualche modo considerare come un manuale engagé, come dimostra proprio la quinta parte, più espressamente dedicata alle strategie da mettere in campo per contrastare i discorsi d’odio. Una parte dell’analisi che viene sviluppata è però un utile strumento anche per gli storici. Di fronte al fenomeno dell’hate speech diventa essenziale dotarsi degli strumenti cognitivi e interpretativi giusti per potersi orientare: se da una parte il tema del quantitativo si innesta su quello di lungo periodo dei discorsi d’odio [12], dall’altra per ogni studioso di scienze sociali diviene una necessità confrontarsi e gestire grandi quantità di dati [13].
Faloppa rimarca infine la labilità del confine fra discorso e crimine d’odio:
Spesso si sente dire – da chi vuole minimizzarne la portata – che il discorso d’odio è molto diverso dal crimine d’odio per il fatto che in un caso si tratta solo di parole (‘ma che cosa vuoi che sia’, ‘stavo scherzando’, ‘e che sarà mai, sono solo parole’), nell’altro di un atto di discriminazione vera e propria, o di un’aggressione fisica, che sarebbe cosa ben più grave al punto da condurre alla probabile istruttoria di un procedimento penale. Ma la differenza tra hate speech e hate crime, come sappiamo, è prevalentemente giuridica. […] Non si tratta tanto di ribadire – con John L. Austin e la sua «teoria degli atti linguistici» – che con le parole non solo si dice, ma si fa qualcosa. Si tratta piuttosto di considerare quale peso abbia l’hate speech tanto a livello individuale quanto a livello collettivo, colpendo indirettamente tutto il gruppo di cui fa o potrebbe far parte la persona aggredita. Si tratta di capire quali sono le sue conseguenze reali: nel breve, medio e lungo periodo [14].
Gestire questa mole di informazioni e saper individuare le linee di faglia su cui si muovono i sentimenti – grazie ai social media – è un’opportunità che si offre agli storici di oggi: sarà fondamentale, negli anni a venire costruire competenze e metodologie in grado di riuscire a raffinare l’indagine sociale. In questo senso libri come #Odio potranno rivelarsi non solo manuali per la resistenza, ma anche per la costruzione di una consapevolezza condivisa.
Notas
1. Cfr., tra gli altri: MATSUDA, Mari et al. (eds.), Words That Wound: Critical Race Theory, Assaultive Speech, and the First Amendment, Boulder (CO), Westview Press, 1993; HERZ, Michael, MOLNAR, Peter (eds.), The Content and Context of Hate Speech. Rethinking Regulation and Responses, New York, Cambridge University Press, 2012. In ambito storico gli studi si sono sinora concentrati sul tema del negazionismo, intimamente legato al tema del discorso d’odio.
2. Tra le pubblicazioni dell’autore sul tema del razzismo e dei discorsi d’odio: FALOPPA, Federico, : f mu z n d “d v ”, Alessandria, Edizioni dell’Orso, 2000; ID., Parole contro: la rappresentazione d “d v ” n ngu n n d , Milano, Garzanti, 2004; ID., Razzisti a parole (per tacer dei fatti), Roma-Bari, Laterza, 2011; ID., n un : ng n d un n , Roma, Aracne, 2013.
3. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole, Torino, UTET, 2020, cap. 6 “Tutta colpa della rete?”, par. “Odio onlife”.
4. Ibidem, cap. 1 “Definire il discorso d’odio”, par. “Una definizione di partenza”.
5. Cfr. fra gli altri: DELGADO, Richard, STEFANCIC, Jean, Must We Defend Nazis? Why The First Amendment Should Not Protect Hate Speech And White Supremacy, New York, New York University Press, 2018.
6. Si veda ad esempio la vicenda di Geert Wilders: HOWARD, Erica, Freedom of Expression and Religious Hate Speech in Europe, London – New York, Routledge, 2018, pp. 138-165.
7. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 4 “Il caso italiano”, par. “Alcune certezze e molti dubbi”.
8. Cfr. Le analisi sui tweet e i post di Matteo Salvini: ibidem, cap. 9 “Oltre il lessico”, par. “Noi, loro”.
9. TUTEN, Marc, HAGEN, Sal, «(((They))) rule: Memetic antagonism and nebulous othering on 4chan», in new media & society, 22, 12/2020, pp. 2218-2237.
10. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 11 “L’incognita delle emozioni”, par. “Haters and Co.”.
11. LITTLER, Mark, KONDOR, Kathy, Terrorism, h h nd ‘ umu v x m m’ n F k: udy, in ZEMPI, Irene, AWAN, Imran (eds.), The Routledge International Handbook of Islamophobia, London – New York, Routledge, 2019, pp. 374-384, p. 382.
12. Cfr. ad esempio: FINKELSTEIN, Joel, ZANNETTOU, Savvas, BRADLYN, Barry, BLACKBURN, Jeremy, «A Quantitative Approach to Understanding Online Antisemitism», in Arxiv.org, 5 settembre 2018, URL: < arXiv:1809.01644v1 > [consultato il 27 febbraio 2021].
13. SALGANIK, Matthew J., Bit by bit. L n ’ d g , Bologna, Il Mulino, 2020.
14. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 12 “Il bisogno di reagire”, par. “Dalla parte delle vittime”.
Jacopo Bassi ha conseguito la Laurea Triennale in «Storia del mondo contemporaneo» presso l’Università di Bologna sostenendo una tesi in Storia e istituzioni della Chiesa ortodossa dal titolo Tra Costantinopoli e Atene: Il passaggio delle d d ’E ’ mm n z n d Ch d G ‘P x ’ d 1928; presso lo stesso ateneo, nel 2008, ha discusso la tesi specialistica in Storia della Chiesa dal titolo Epiro crocifisso o liberato? La Chiesa ortodossa in Epiro e in Albania meridionale nel XX secolo (1912-1967). Attualmente collabora con le case editrici Il Mulino e Zanichelli. URL: < http://www.studistorici.com/progett/autori/#Bassi >
FALOPPA, Federico FALOPPA. #ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole. Torino: UTET, 2020, 291p. Resenha de: BASSI, Jacopo. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, n.45, v.1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].
US public diplomacy in socialist Yugoslavia 1950-70. Soft culture cold partners | Carla Konta (R)
Carla Konta | Foto: Narod HR |
Dalla fine degli anni Novanta del secolo scorso, un numero crescente di studi ha affrontato il tema delle relazioni internazionali da una prospettiva diversa, non limitata alla dimensione della diplomazia tradizionale, ma diretta ad esaminare aspetti in precedenza trascurati, relativi ad esempio all’uso della cultura come strumento per promuovere l’immagine di un paese all’estero e quindi come risorsa essenziale nell’ambito della politica internazionale. La public diplomacy, insieme al soft power di cui questa rappresenta una delle principali espressioni, è così diventata la protagonista di un ricco filone di ricerche, animato in gran parte dalla storiografia anglosassone. Facendo spesso riferimento ai noti lavori di Joseph Nye, numerosi ricercatori hanno sviluppato su diversi versanti geografici e cronologici il tema del soft power, declinandolo principalmente attraverso la prospettiva della diplomazia culturale o, appunto, della public diplomacy, il cui rapporto con la cultural diplomacy è stato interpretato in modo non sempre univoco [1]. Una parte importante degli studi prodotti si è occupata, prevedibilmente, anche se non in modo esclusivo, del caso statunitense nel periodo della Guerra fredda: a tale proposito, il soft power, la diplomazia culturale e la public diplomacy erano visti come indispensabili risorse a disposizione della superpotenza americana per aumentare la propria influenza all’estero soprattutto in funzione di contenimento e contrasto dell’Unione Sovietica [2].
È in questa cornice che si colloca il volume di Carla Konta, ricercatrice formatasi alle Università di Fiume (Croazia) e Trieste, che ha già dedicato diversi studi in particolare alle relazioni fra Stati Uniti e Jugoslavia socialista, da una prospettiva spesso metapolitica, interessata in special modo alla dimensione culturale e all’interazione di idee e ideologie nella proiezione di una determinata immagine degli USA in Europa [3]. Il filo conduttore del volume, che analizza i rapporti fra Stati Uniti e Jugoslavia dal 1950 al 1970, è il soft power esplicato dalla public diplomacy statunitense nelle sue diverse articolazioni, ma in modo particolare l’azione esercitata dalle due agenzie protagoniste della propaganda culturale americana in Jugoslavia, l’USIA (United States Information Agency), che elaborava le linee strategiche da Washington, e l’USIS (United States Information Service), che operava sul territorio jugoslavo. Il volume fa in parte riferimento al filone di studi, ben rappresentato dalla storica serba Radina Vučetić, relativo al «Coca-Cola Socialism», ovvero alle modalità dell’adozione di alcuni aspetti del consumismo occidentale e in particolare americano nel contesto della Jugoslavia socialista, soprattutto negli anni Sessanta [4].
Il terminus a quo temporale da cui muove l’indagine è l’espulsione della Jugoslavia di Tito dal Cominform nel giugno del 1948 e il conseguente avvicinamento agli Stati Uniti, il cui obiettivo sarà, specialmente nella fase più acuta della Guerra fredda, durante le amministrazioni Truman e Eisenhower, di sostenere la Jugoslavia in funzione antisovietica [5]. Gli Stati Uniti però non si limitarono a supportare il regime di Belgrado dal punto di vista finanziario e militare, ma avviarono un’articolata politica di public diplomacy nel paese socialista, allo scopo di trasmettere una certa immagine dell’occidente filtrato attraverso il prisma dell’american way of life. Non si trattava di un compito semplice, perché la macchina del soft power doveva dimostrare la superiorità del modello americano, rappresentato sostanzialmente dal connubio fra libertà politiche e libertà economiche, senza tuttavia criticare direttamente il modello opposto, quello del socialismo pianificato. Condivisibile è l’impostazione del volume, per cui le attività di public diplomacy, che avevano effettivamente finalità di carattere propagandistico – portate avanti in modo spesso indiretto e allusivo – non possono essere sbrigativamente e superficialmente ridotte ad una manifestazione dell’imperialismo americano. Si trattava piuttosto di un delicato gioco delle parti fondato su un complesso equilibrio, per cui gli Stati Uniti tentavano di fare leva sulla diversità jugoslava e sulla sua peculiare collocazione internazionale per attirare a sé, per mezzo degli strumenti della cultura, la società e parti dell’intelligencija e della classe politica più giovane e aperta alle novità che giungevano d’oltreoceano. D’altra parte, la Jugoslavia accettava le attività americane in quanto aveva bisogno dell’appoggio di Washington e poiché teneva a dimostrare all’occidente le proprie peculiarità – l’autogestione, il «socialismo dal volto umano» –, che la distinguevano dal conformismo filosovietico dei paesi del «socialismo reale».
Tramite un approfondito lavoro di ricerca condotto principalmente negli archivi americani, serbi e croati e basato inoltre su un’ingente mole di documenti diplomatici editi, su una serie di interviste e sulla consultazione di periodici e letteratura specialistica, Carla Konta ricostruisce in modo puntuale e dettagliato l’evoluzione della public diplomacy americana in Jugoslavia, attraverso sei capitoli, più l’introduzione e la conclusione, in cui vengono analizzati tutti gli strumenti impiegati dalla propaganda culturale americana. Fra questi strumenti, gestiti dagli uffici dell’USIS attivi in Jugoslavia, vi erano le biblioteche americane, la distribuzione di riviste quali «Life», «Time», «Newsweek», oltre a riviste di moda – si scopre fra l’altro che degli abbonati alla stampa americana vivevano anche nei piccoli centri di campagna –; inoltre, la diffusione di musica americana (la sound diplomacy), attraverso le trasmissioni radio di Voice of America. L’atteggiamento delle autorità jugoslave era mutevole, per cui pur permettendo l’esplicarsi delle attività culturali americane, a volte si tendeva a stringere le maglie, ad esempio nei momenti di maggiore tensione internazionale, quando più forti erano le pulsioni antioccidentali alimentate dalla propaganda governativa: nel 1953-54 per la questione di Trieste o, successivamente, durante la guerra del Vietnam [6].
Uno dei maggiori pregi del volume di Carla Konta è proprio quello di evidenziare l’ambivalenza del rapporto fra Stati Uniti e Jugoslavia sul piano delle relazioni culturali: se da un lato ad esempio i film e le canzoni americane ebbero un grande successo – Tito stesso amava i film western e apprezzava la musica jazz e rock [7] –, dall’altro le autorità diffidavano di quel crescente successo in ampli strati della popolazione e in modo particolare fra gli studenti e gli intellettuali. L’appeal esercitato dagli Stati Uniti interessava gruppi sociali variegati: ad esempio, le donne che alla fiera americana di Zagabria potevano ammirare gli elettrodomestici di ultima generazione e i supermercati american style o gli studenti che grazie alle borse Fulbright o della Ford Foundation potevano entrare in contatto con gli ambienti più dinamici del mondo culturale e universitario statunitense.
Proprio il fatto che la Jugoslavia fosse una realtà socialista diversa e più aperta rispetto ai regimi comunisti dell’Europa orientale implicava quindi una maggiore possibilità di penetrazione dell’influenza americana – in particolare dal punto di vista culturale –, ma questo fatto a sua volta portava ad alimentare la diffidenza di una parte dei funzionari di partito per un’attività che minacciava di influenzare in senso filo-occidentale e anticomunista particolarmente le giovani generazioni. Tuttavia – sottolinea a ragione l’autrice – nonostante i dibattiti di carattere ideologico che caratterizzavano la parte più ortodossa del partito sull’incompatibilità fra marxismo e consumismo occidentale, era pur vero che proprio il consumismo, cui guardava l’economia di mercato socialista varata in Jugoslavia alla metà degli anni Sessanta, rendeva il modello americano particolarmente interessante agli occhi del regime di Tito. Non a caso, i primi supermarket aperti in Jugoslavia fra la fine degli anni Cinquanta e gli anni Sessanta – la «supermarket revolution» di cui parlava Dennison Rusinow [8] – si ispiravano precisamente a quel modello. Dopotutto, probabilmente fu in gran parte l’adozione dei paradigmi consumisti occidentali e quindi il raggiungimento di un relativo benessere, specialmente se paragonato agli standard di vita medi del «socialismo reale», ad aver consentito alla Jugoslavia di vantare, fra gli anni Sessanta e Settanta, una coesione interetnica che la crisi degli anni Ottanta avrebbe compromesso, dando il via alla dinamica che avrebbe successivamente portato all’implosione degli anni Novanta, lungo le linee di frattura dei contrapposti nazionalismi [9].
I rischi insiti nell’uso della categoria euristica del soft power, fra cui quello di sopravvalutare gli effetti della public diplomacy o della diplomazia culturale sulle realtà cui si rivolgono, sono evidenti [10]; d’altra parte, è necessario tener presente l’osservazione di Joseph Nye, secondo il quale lo scopo del soft power è di creare determinate condizioni che possono essere poi sfruttate sul piano politico, benché i concreti risultati politici delle attività culturali non siano agevolmente quantificabili [11]. Ad esempio, nel volume si evidenzia come molti importanti esponenti della dissidenza jugoslava, riunitisi fra gli anni Sessanta e Settanta intorno alla rivista «Praxis», avessero trascorso soggiorni di studio negli Stati Uniti, entrando così in contatto con pensatori marxisti quali Herbert Marcuse e Howard Parsons, che fra l’altro avevano a loro volta partecipato a un’edizione della scuola estiva organizzata dalla rivista sull’isola dalmata di Curzola [12]. Ma in quale misura questi e altri contatti fra intellettuali jugoslavi ed esponenti della cultura americana possano aver contribuito ad orientare i primi verso il dissenso politico non è dato appurare. Carla Konta dimostra di essere ben consapevole delle cautele epistemologiche indispensabili nel momento in cui ci si accosta a categorie concettuali quali il soft power e la public diplomacy, rendendo anche per questo motivo convincente l’impianto metodologico del suo lavoro, che contribuisce decisamente ad arricchire le nostre conoscenze sulla “diplomazia informale” statunitense nella Jugoslavia socialista.
Notas
1. SCHNEIDER, Cynthia P., «Cultural Diplomacy: Hard to Define, but You’d Know It If You Saw It», in The Brown Journal of World Affairs, XIII, 1/2006, pp. 191-203; GOFF, Patricia M., Cultural Diplomacy, in COOPER, Andrew F., HEINE, Jorge, THAKUR, Ramesh (edited by), The Oxford Handbook of Modern Diplomacy, Oxford, Oxford University Press, 2013, pp. 419-435; MELISSEN, Jan, Public Diplomacy, cit., pp. 436-452.
2. NYE, Joseph S., Soft Power. The Means to Success in World Politics, New York, Public Affairs, 2004; MELISSEN, Jan, The New Public Diplomacy. Soft Power in International Relations, London, Palgrave Macmillan, 2005; GRAHAM, Sarah Ellen, Culture and Propaganda. The Progressive Origins of American Public Diplomacy, 1936-1953, London-New York, Routledge, 2016; HART, Justin, Empire of Ideas. The Origins of Public Diplomacy and the Transformation of US Foreign Policy, Oxford-New York, Oxford University Press, 2013; GIENOW-HECHT, Jessica C.E., DONFRIED, Mark C. (edited by), Searching for a Cultural Diplomacy, New York-Oxford, Berghahn Books, 2010; CUMMINGS, Milton C., Cultural Diplomacy and the United States Government. A Survey, Washington D.C., Centre for Artists and Culture, 2003.
3. Ad esempio: KONTA, Carla, Eleanor Roosevelt in Yugoslavia Between Wedge Strategy and Cold War Internationalism, in FAZZI, Dario, LUSCOMBE, Anya (edited by), Eleanor Roosevelt’s Views on Diplomacy and Democracy. The Global Citizen, London, Palgrave Macmillan, 2020, pp. 65-82; ID., Nice to Meet You, President Tito… Senator Fulbright and the Yugoslav Lesson for Vietnam, in SNYDER, David J., BROGI, Alessandro, SCOTT-SMITH, Giles (edited by), The Legacy of J. William Fulbright: Policy, Power, and Ideology, Lexington, University Press of Kentucky, 2019, pp. 241-260.
4. VUČETIĆ, Radina, Coca-Cola Socialism. Americanization of Yugoslav Culture in the Sixties, Budapest-New York, Central European University Press, 2017 [ed. or.: 2012].
5. LEES, Lorraine M., Keeping Tito Afloat. The United States, Yugoslavia, and the Cold War, University Park (PA), Pennsylvania State University Press, 2005.
6. SLUGA, Glenda, The Problem of Trieste and the Italo-Yugoslav Border. Difference, Identity, and Sovereignty in Twentieth-Century Europe, New York, SUNY Press, 2001; MARK, James, APOR, Péter, VUČETIĆ, Radina, OSEKA, Piotr, «‘We Are with You, Vietnam’: Transnational Solidarities in Socialist Hungary, Poland and Yugoslavia», in Journal of Contemporary History, L, 3/2015, pp. 439-464; VUČETIĆ, Radina, «Yugoslavia, Vietnam War and Antiwar Activism», in Tokovi istorije, 2/2013, pp. 165-180.
7. KONTA, Carla, US public diplomacy in socialist Yugoslavia, 1950-70. Soft culture, cold partners, Manchester, Manchester University Press, 2020, pp. 64, 95.
8. RUSINOW, Dennison, Yugoslavia. Oblique Insights and Observations, essays selected and edited by Gale STOKES, Pittsburgh (PA), University of Pittsburgh Press, 2008, pp. 26-41.
9. LUTHAR, Breda, PUŠNIK, Maruša (edited by), Remembering Utopia: The Culture of Everyday Life in Socialist Yugoslavia, Washington, New Academia Publishing, 2010; PATTERSON, Patrick Hyder, Bought and Sold: Living and Losing the Good Life in Socialist Yugoslavia, Ithaca, Cornell University Press, 2011.
10. Ad esempio si veda KEARN, David W., «The hard truths about soft power», in Journal of Political Power, IV, 1/2011, pp. 65-85.
11. Cit. in KONTA, Carla, US public diplomacy in socialist Yugoslavia, 1950-70, cit., p. 171.
12. Ibidem, pp. 157-158.
Stefano Santoro è ricercatore (RTDb) in Storia dell’Europa Orientale al Dipartimento di Studi Umanistici dell’Università di Trieste, con abilitazione scientifica nazionale come professore associato. Fra le sue pubblicazioni: L’Italia e l’Europa orientale. Diplomazia culturale e propaganda 1918-1943 (Milano, FrancoAngeli, 2005), Dall’Impero asburgico alla Grande Romania. Il nazionalismo romeno di Transilvania fra Ottocento e Novecento (Milano, FrancoAngeli, 2014); a curato, con F. Zavatti, Clio nei socialismi reali. Il mestiere di storico nei regimi comunisti dell’Europa orientale (Milano, Unicopli, 2020).
KONTA, Carla. US public diplomacy in socialist Yugoslavia, 1950-70. Soft culture, cold partners. Manchester: Manchester University Press, 2020, 193p. Resenha de: SANTORO, Stefano. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, v.45, n.1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].
Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale | Maria Luisa di Felice (R)
Maria Luisa di Felice | Foto: FG |
Maria Luisa Di Felice, ricercatrice universitaria in Storia contemporanea presso la Facoltà di Studi umanistici dell’Università di Cagliari, oltre ad avere all’attivo una vastissima produzione scientifica e un percorso formativo e professionale in lettere e archivistica, dal 2009 è responsabile scientifico del progetto di ricerca su «Renzo Laconi, il politico e l’intellettuale. Studio e valorizzazione del pensiero e dell’opera». Un progetto di ricerca che ha realizzato l’obiettivo di recuperare, riordinare e inventariare l’archivio privato di Laconi, portando alla luce la rilevanza nazionale del suo contributo intellettuale e politico negli anni di attività all’Assemblea Costituente e alla Camera dei Deputati. Nel corso di tali ricerche, Di Felice ha pubblicato alcune prime monografie: Renzo Laconi. Per la Costituzione. Scritti e discorsi (2010) e Renzo Laconi, la formazione intellettuale e politica. Dagli anni giovanili alla nascita della Repubblica (2011) [1]. Il volume edito nel 2019 da Carocci – articolato in quindici capitoli e 685 pagine – «ha assorbito in sé anche i due precedenti» [2] e rappresenta l’ultima tappa di un lavoro biografico monumentale, corredato da fotografie e disegni realizzati dallo stesso Laconi, a coronamento di una esaustiva biografia intellettuale e politica sull’esponente comunista sardo. La messa a disposizione dell’archivio privato di Laconi e della sua biblioteca[3] ha contribuito in maniera determinante alla realizzazione dello studio. In particolare, il suo archivio personale – conservato presso la Fondazione Gramsci di Roma – rappresenta un’eredità politica e culturale ricchissima, con i suoi oltre cento Quaderni, definiti come un autentico «archivio nell’archivio». Laconi infatti aveva l’abitudine di annotare le proprie riflessioni, organizzandone in maniera sistematica la conservazione. Tra le fonti complementari si annoverano i fondi non ancora sufficientemente esplorati, come quelli del Gruppo parlamentare del Pci e del Consiglio regionale della Sardegna, accanto ad altri più noti (ad esempio: le carte della Direzione del Pci e dell’Archivio storico della Camera dei deputati). Il volume concretizza l’obiettivo di integrare le diverse opere parziali pubblicate nel corso degli anni [4], fornendo un quadro d’insieme, una visione organica di una biografia intellettuale e politica. I primi capitoli sono dedicati all’infanzia di Laconi a Sant’Antioco (CA), agli anni giovanili e universitari vissuti a Cagliari, dove si laurea in filosofia; al periodo in cui è insegnante a Firenze, all’adesione al Pci nel 1942 e all’esperienza come caporale nell’esercito dal 1943. Il libro si sofferma sul periodo di intenso impegno politico per la ricostruzione del Partito comunista nell’isola, all’indomani della caduta del fascismo: sul ruolo di segretario di federazione a Sassari e sulla partecipazione ai lavori della Consulta regionale sarda. L’opera sottolinea con precisione come il percorso di Laconi sia marcato al contempo dalla scelta di Gramsci come maestro, come guida intellettuale e umana [5], e dalla spiccata sintonia politica con la linea togliattiana. Eletto appena trentunenne all’Assemblea costituente (incarico per cui, nonostante la sua attenzione e sensibilità al movimento dei minatori del Sulcis-Iglesiente [6], lascia la fascia di Sindaco di Carbonia a Renato Mistroni), Laconi partecipa alla Commissione dei 75 nonché ai lavori del comitato di redazione, detto «dei 18», che materialmente ha il compito di tradurre le discussioni, svolte nell’Assemblea e nelle tre sottocommissioni, in puntuali enunciati normativi. Tale esperienza – sottolinea a giusto titolo Di Felice – rappresenta «la chiave di volta del suo percorso politico e intellettuale» [7]. Laconi contribuisce in maniera significativa e originale all’elaborazione della Costituzione italiana, facendosi portatore di idee innovative sul regionalismo e sulle tematiche autonomistiche, rivelatesi anticipatrici anche rispetto alla cultura politica del proprio partito. Dopo l’invito rivolto nell’aprile 1945 da Palmiro Togliatti ai «compagni sardi […] a comprendere che non devono avere nessuna paura di essere loro gli autonomisti, perché l’autonomia è una rivendicazione democratica rispondente agli interessi del popolo sardo» [8], Laconi è tra i pochi comunisti insulari a raccogliere l’esortazione del segretario nazionale, nonostante la posizione ferma e indifferente del Pci isolano. La linea autonomista del Pci diventa netta in seguito all’estromissione dei comunisti dalla coalizione di governo nazionale: nel 1947, sostiene Sircana, il partito diventa «paladino del decentramento regionale, considerandolo un fattore di equilibrio democratico perché avrebbe assicurato all’opposizione la possibilità di accesso alla direzione politica di ampie zone dell’Italia» [9]. La svolta in Sardegna è sancita dal II Convegno regionale dei quadri, tenutosi a Cagliari il 25 e 26 aprile 1947, in presenza del segretario Togliatti. È in questa fase che all’Assemblea costituente Laconi sostiene l’«apertura verso l’ordinamento regionale, purché non di tipo federale né omogeneo su tutto il territorio nazionale; differenziazioni tra le regioni; ostilità verso la frammentazione della potestà legislativa; ampia autonomia a Sardegna, Sicilia e regioni di confine con potestà legislativa primaria su alcune materie, escludendo in primo luogo quelle che avrebbero potuto essere oggetto di riforme strutturali; potestà legislativa più circoscritta alle altre regioni; assemblee regionali costituite nel rispetto della piena sovranità popolare […] contributo dello Stato allo sviluppo del Mezzogiorno attraverso la pianificazione economica» [1]0. Su quest’ultimo punto, a partire dal «Congresso del popolo sardo» nel maggio 1950, Laconi e i comunisti insulari si batteranno costantemente al fine di ottenere l’approvazione del «Piano di Rinascita economica e sociale della Sardegna», previsto dall’articolo 13 dello Statuto regionale, che avverrà soltanto nel 1962.
Per comprendere la rilevanza innovatrice del contributo di Togliatti e di Laconi al regionalismo e all’autonomismo sardo del Partito comunista – problematica alla quale l’opera di Maria Luisa Di Felice fornisce un contributo essenziale – può risultare utile la comparazione con la federazione còrsa del Partito comunista francese [11]. Nell’isola, situata a pochi chilometri a nord della Gallura, la distanza sul tema dell’autonomia è notevole (d’altronde, mentre lo statuto della Regione autonoma della Sardegna viene approvato nel 1948, bisognerà attendere il 1982 per il primo Statut particulier della Corsica). All’epoca della svolta autonomista del Pci sardo, la federazione comunista còrsa è manifestamente centralista e giacobina. L’organizzazione partitica ha raggiunto il suo apice, dopo essersi rafforzata esponenzialmente proprio negli anni della clandestinità e della resistenza, combattendo le pretese irredentiste e l’occupazione fascista dal novembre 1942 al settembre 1943. Tuttavia il Pcf còrso, rispetto alle federazioni del continente, presenta dei caratteri di originalità: l’isola viene definita una «piccola patria» all’interno della «grande patria» francese e, secondo la lettura storica dei comunisti insulari, il popolo còrso – mai sottomesso né all’invasione pisana, né a quella genovese e nemmeno alla Francia monarchica – con la rivoluzione del 1789 ha scelto di propria iniziativa di diventare repubblicano e francese.
Chiusa la breve parentesi comparativa, occorre ricordare che, in seguito all’approvazione della Costituzione italiana, Renzo Laconi si divide tra l’impegno di deputato (carica che ricopre senza interruzioni dalla I alla IV legislatura) e gli incarichi regionali. La sua attività politica è intensa e allo stesso tempo tormentata, segnata dall’aspra dialettica con Velio Spano, rivoluzionario di professione durante la clandestinità e segretario regionale del Pci nel decennio 1947-1957 [12]. Nel mese di dicembre del 1957 Laconi gli succede alla carica di segretario e resterà alla guida del Comitato regionale sardo fino al novembre 1963, periodo ampiamente documentato e descritto nei capitoli conclusivi della biografia. Laconi scompare prematuramente a Catania all’età di 51 anni, nel 1967.
Con un lavoro imponente, curato e approfondito, Maria Luisa Di Felice mette a disposizione degli studiosi quest’opera che rappresenta il «degno traguardo di numerosi anni di studio»13. La lettura non sempre è agevole, il testo a tratti risulta fin troppo scrupoloso, con dettagli e precisazioni talvolta evitabili. Ma complessivamente si tratta di un libro indispensabile non solo per la conoscenza biografica di Laconi, ma anche per approfondire la storia politica della Sardegna e del Pci sardo, nonché la questione del regionalismo e dell’autonomismo che ha profondamente marcato la storia insulare e nazionale.
Notas
1. LACONI, Renzo, Per la Costituzione. Scritti e discorsi, a cura di Maria Luisa DI FELICE, Roma, Carocci, 2010; DI FELICE, Maria Luisa, Renzo Laconi, la formazione intellettuale e politica. Dagli anni giovanili alla nascita della Repubblica, Roma, Carocci, 2011.
2. DI FELICE, Maria Luisa, Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale, Roma, Carocci, 2019, p. 17.
3. LAI, Gianna (a cura di), La biblioteca di Renzo Laconi, Cagliari, Cuec, 2020.
4. LACONI, Renzo, Parlamento e Costituzione, a cura di Enrico BERLINGUER, Gerardo CHIAROMONTE, Roma, Ed. Riuniti, 1969; LACONI, Renzo, La Sardegna di ieri e di oggi. Scritti e discorsi sulla Sardegna, 1945-1967, a cura e con introduzione di Umberto CARDIA, Cagliari, Edes, 1988; SCANO, Pier Sandro, PODDA, Giuseppe (a cura di), Renzo Laconi, Un’idea di Sardegna, Cagliari, Aipsa, 1998.
5. DI FELICE, Maria Luisa, «Il Gramsci di Renzo Laconi», in Studi e ricerche, I, 2008, pp. 213-228.
6. DI FELICE, Maria Luisa, «Fare politica: Renzo Laconi, i minatori e la lezione di Gramsci», in Le Carte e la Storia, 1/2015, pp. 99-116.
7. DI FELICE, Maria Luisa, Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale, cit., p. 15.
8. Ibidem, p. 97.
9. SIRCANA, Giuseppe, s.v. «Renzo Laconi», in Dizionario biografico degli italiani, vol. 63, Roma, Istituto della Enciclopedia italiana 2004.
10. DI FELICE, Maria Luisa, Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale, cit., p. 159.
11. Sul tema: DI STEFANO, Lorenzo, Le Pcf en Corse et le Pci en Sardaigne, 1920-1991: implantation militante, histoire électorale, identité insulaire, tesi di dottorato (in corso di redazione dal settembre 2018), UMR CNRS 6240 LISA, Università di Corsica.
12. Sul confronto fra Spano e Laconi: MATTEI, Sebastian, «Autonomia e rinascita. Velio Spano e Renzo Laconi nella Sardegna del secondo dopoguerra», in Studi storici, LIX, 2/2018, pp. 493-523. Su Spano: MATTONE, Antonello, Velio Spano. Vita di un rivoluzionario di professione, Cagliari, Della Torre, 1978; HÖBEL, Alexander, «Velio Spano», in Dizionario biografico degli italiani, Vol. 93, Roma, Istituto della Enciclopedia italiana, 2018; nonché il libro di memorie: GALLICO SPANO, Nadia, Mabrùk: ricordi di un’inguaribile ottimista, Cagliari, AM&D, 2005.
13. MINNUCCI, Virginia, «Recensione a DI FELICE, Maria Luisa, Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale», in Archivio storico italiano, 2020, pp. 666-667.
Lorenzo DI STEFANO (1989) È dottorando in Storia contemporanea presso l’Università di Corsica “Pasquale Paoli” con una tesi intitolata Le Pcf en Corse et le Pci en Sardaigne, 1920-1991: implantation militante, histoire électorale, identité insulaire. È stato operatore di servizio civile presso la Fondazione Gramsci di Roma, dove si è occupato della catalogazione del fondo librario di Paolo Spriano. Nel 2016 ha conseguito con lode la laurea magistrale in Scienze politiche presso l’Università degli studi di Teramo.
DI FELICE, Maria Luisa. Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale. Roma: Carocci, 2019, 685p. Resenha de: DI STEFANO, Lorenzo. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, v.45, n.1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].
O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940) | Gabriel Lopes (R)
Gabriel Lopes | Foto: Academia.edu |
Em 1930, Raymond Shannon, entomólogo da Divisão de Saúde Internacional (DSI) da Fundação Rockefeller, verificou a presença, em Natal, do mosquito Anopheles gambiae, o mais letal vetor da malária na África. Nos anos seguintes, a espécie se alastrou por Rio Grande do Norte e Ceará, adaptando-se às condições geográficas e climáticas da região sem, no entanto, causar novos surtos de malária. Preocupadas com outras questões políticas e sanitárias, em particular a febre amarela, as autoridades brasileiras relegaram o combate ao “invasor africano” a segundo plano. As consequências não tardariam. Em 1938, o Nordeste foi palco da maior epidemia de malária já ocorrida nas Américas.
É a história da chegada, do “alastramento silencioso” e do extermínio do Anopheles gambiae do Brasil, nos anos 1930, que nos conta o historiador Gabriel Lopes (2020) em seu livro O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940), lançado pela Editora Fiocruz. Fruto de sua tese de doutorado, vencedora do Prêmio Oswaldo Cruz de Teses 2017, na categoria Ciências Humanas e Sociais, o livro articula com sucesso os aspectos políticos e científicos, bem como os condicionantes históricos e sanitários, que contribuíram para transformar a questão em um importante projeto de cooperação sanitária internacional entre o governo brasileiro e a Fundação Rockefeller, materializada na criação, em 1939, do Serviço de Malária do Nordeste (SMNE). Leia Mais
La solución del enigma botánico de las quinas. ¿Incompetencia o fraude? | Joaquín Fernández (R)
Cinchona calisaya. Ilustração do botânico alemão Hermann Adolf Köhler (séc XIX) e sua casca (à dir.) | Foto: QNI – SBQ |
En historia de la ciencia, es difícil hacer aportes originales sobre temas muy analizados. Es el caso de la historia de las quinas, Cinchona spp., plantas medicinales sobre las cuales se han escrito miles de documentos. Si se hace una búsqueda en Google Scholar usando los términos “historia + Cinchona”, aparecen cerca de cinco mil documentos. En inglés son más de treinta mil, y, en francés, más de dos mil referencias.
Una consecuencia de tal profusión de trabajos ha sido una enorme cantidad de confusiones, malas interpretaciones, rectificaciones, entre otros. Por eso, puede ser difícil hilar la historia de las exploraciones, de las prácticas médicas, de actores, de cuestiones comerciales, y otros temas de la historia de esas plantas. Cuando nos aventuramos en el tema, tras leer algunos artículos y libros, creemos estar en conocimiento de los asuntos más importantes, pero pronto encontramos nuevas fuentes, primarias y secundarias, que refutan las interpretaciones y explicaciones previas. Un clásico en esa línea es el trabajo de Haggis (1941), que contribuyó con análisis decisivos para cuestionar definitivamente el mito de la Condesa de Chinchón, asociado con la planta. De ese modo, la historia de las quinas puede suscitar desesperados sentimientos de extravío entre los historiadores, casi tantos como los que enfrentan los taxónomos por el alto grado de hibridación de esas plantas. Leia Mais
A miscarriage of justice: women’s reproductive lives and the law in early twentieth-century Brazil | Cassia Roth (R)
Cassia Roth | Foto: UCLA |
De autoria da professora doutora Cassia Roth, vinculada à Universidade da Georgia, nos Estados Unidos, a obra A miscarriage of justice: women’s reproductive lives and the law in early twentieth-century Brazil, publicada em 2020, aborda a tutela reprodutiva de mulheres pelo Estado, na primeira metade do século XX, na então capital federal, Rio de Janeiro. Ao longo de sete capítulos, Roth contribui para os estudos da história da saúde reprodutiva no Brasil e, a partir de uma produção multifacetada, oferece um diálogo interdisciplinar entre medicina, justiça, polícia e sociedade na prescrição de um modelo do exercício maternal.
Sustentada por uma análise criteriosa dos Códigos Penais e Civil, a obra inicia o argumento de que, durante a Primeira República e o período Vargas, a cidadania feminina só poderia ser exercida pela maternidade. A utilidade da mulher das classes pobres e urbanas seria a de reproduzir a mão de obra para o futuro da pátria. O funcionamento desse modelo se pautava em médicos, formados no bojo de instituições organizadas, que concediam explicações técnicas para o reforço do papel maternal, e juristas, que por meio das leis afirmavam a criminalização de práticas de controle de fertilidade e deram base para ações policiais atentas aos usos da sexualidade. Leia Mais
Nuestro viaje a la Luna: la idea de la transformación de la naturaleza en Cuba durante la Guerra Fria | Reinaldo Funes Monzote (R)
Reinaldo Funes Monzote | Foto: YU |
Os processos de transformação da natureza no século XX, sobretudo relacionado à revolução agrícola nesse período, continuam a instigar pesquisadores em diferentes disciplinas, e vêm ganhando destaque no campo da história da ciência, ou mesmo da história da agricultura. Ultimamente, a história ambiental tem procurado analisar essas transformações, sublinhando o papel governamental, de instituições, pesquisadores, políticos e ativistas. A própria natureza aparece como agente histórico em muitas dessas análises. Donald Worster (2020), mais recentemente, tem analisado a transformação da natureza como o avanço científico sobre o mundo pós-fronteira, que envolve tanto o desenvolvimento como as críticas à nova revolução na agricultura.
O tema da transformação da natureza é ainda urgente, pertinente e cheio de possibilidades. E o texto de Monzonte (2019) reforça essa assertiva, na medida em que se apropria das análises da geotransformação na construção do seu argumento, um desafio compartilhado com outros historiadores e cientistas sociais no estudo das transformações de paisagens e ecossistemas negligenciados e ameaçados, como o Cerrado brasileiro, por exemplo (Dutra e Silva, 2020). Apesar de os estudos agronômicos destacarem os avanços científicos na produção de grãos e commodities, essa realidade aponta para uma crise ambiental sem precedentes. Nesse sentido, a obra cumpre o importante papel de procurar evidenciar a instabilidade entre a busca pelo desenvolvimento econômico e a conservação dos recursos naturais. A despeito dos enredos político e geográfico de Cuba, o contexto da transformação da natureza não é visto apenas do ponto de vista regional, mas dialoga com contextos históricos globais, sem negar o valor histórico dos enredos regionais, detalhadamente apresentado por meio de ricas fontes documentais. E isso é muito bem orquestrado por Monzote, que transita confortavelmente na descrição da política local com as teorias do desenvolvimento na América Latina e os modelos de planificação do bloco socialista. Leia Mais
História Pública e divulgação da história / Bruno L. P. de Carvalho e Ana Paula T. Teixeira
Bruno Leal Pastor de Carvalho e Ana Paula Tavares Teixeira / Fotos: Comunicação Ages e Café História /
Este livro tem como proposta apresentar as experiências e as reflexões sobre as formas de divulgar o conhecimento histórico acumulado, demonstrando a ampliação dos suportes de circulação da produção historiográfica.
A obra é uma coletânea composta de seis capítulos e três entrevistas produzidas por historiadores, jornalistas e por gente que transita nesses dois campos. São profissionais com perspectivas históricas variadas, com diferentes experiências e inserções distintas como produtores/mediadores de representações da História. O conjunto dos textos deste livro compreende diferentes linguagens e suportes da História Pública, com discussões sobre como ampliar o acesso do conhecimento histórico pesquisado em revistas acadêmicas, livros, vídeos do Youtube, sites, museus e espaços públicos da cidade.
Os coordenadores Bruno Leal Pastor de Carvalho e Ana Paula Tavares Teixeira são investigadores da História Pública no Brasil e contribuíram neste volume para o desenvolvimento da temática ao colocar juntos colegas que trabalham a dimensão pública do conhecimento histórico. Leia Mais
The Common Wind: Afro-American Currents in the Age of the Haitian Revolution | Julius S. Scott (R)
Julius Sherrard Scott / Foto: Scholars and Publics /
Professor emérito do Departamento de Estudos Afro-Americanos e Africanos da University of Michigan, nos Estados Unidos, Julius Sherrard Scott III doutorou- -se em 1986 na Duke University, em Ann Arbor, com a tese intitulada The Common Wind: Currents of Afro-American Communication in the Era of the Haitian Revolution. Com uma ligeira mudança no subtítulo, a tese ganhou o formato de livro em 2018: The Common Wind: Afro-American Currents in the Age of the Haitian Revolution. Os mesmos cinco capítulos da tese compõem o livro, acrescido de um prefácio escrito por Marcus Rediker, [1] professor da University of Pittsburgh, já bem conhecido do leitor brasileiro, com quem o diálogo e a perspectiva teórica da história vista de baixo são evidentes.
É difícil entender o intervalo de mais de trinta anos entre a defesa da tese e a impressão do livro, sobretudo porque o conteúdo manteve-se praticamente inalterado, porque o assunto é relevante e a narrativa é bem construída. Desinteresse editorial, desejo do autor em rever sua obra ou espera por um momento oportuno para reavivar a lembrança coletiva de que o Haiti ainda existe, como o terremoto de 2010, talvez possam ser elencados como hipóteses possíveis para essa longa espera. A bibliografia sobre o Haiti e, de forma mais ampla, o Grande Caribe, como Scott aborda no livro, não é extensa em inglês e é praticamente inexistente em português. [2] Por isso, talvez o primeiro ponto a ser destacado nesta resenha seja a necessária iniciativa de traduzir esse livro no Brasil, sem esperar a passagem de outras três décadas para que os leitores possam acessar uma experiência tão próxima à história colonial e imperial do país e tão inspiradora para os estudos históricos sobre a formação cultural brasileira e a história marítima ainda pouco praticada por aqui.
Chama a atenção a profusão e diversidade de materiais de que Scott se valeu para a escrita de sua história da circulação de ideias revolucionárias no Caribe setecentista: manuscritos oficiais de agentes da Coroa em arquivos espanhóis e cubanos, o mesmo tipo de fontes para a administração britânica em Londres e nas Índias Ocidentais, documentos de fundos privados em coleções estadunidenses, baladas cantadas por marinheiros negros e brancos em circulação por aquelas águas, narrativas de viajantes, propaganda abolicionista e jornais editados na América do Norte, nas Antilhas, no Reino Unido e na França. Exceto por periódicos que circularam em Portau-Prince e Cap Français, as fontes haitianas são praticamente ausentes do estudo, sinal de seu desaparecimento ou inacessibilidade ao longo da conturbada história humana e natural do país desde o século XVIII. “Pandora’s Box: The Masterless Caribbean at The End of the 18th Century”, o capítulo inicial, anuncia o contexto da ação revolucionária no Caribe. A perspectiva não é exatamente comparativa, mas leva em conta a diversidade de experiências coloniais e a grande expansão econômica baseada no boom da produção de açúcar na região. Aqui são consideradas também as formas de dominação oriundas de diferentes autoridades europeias a partir da vitória contra os piratas, bucaneiros e renegados que ocupavam aquelas ilhas e se organizavam por meio de regras próprias. Foi ao longo do século XVIII que a presença de escravizados africanos passou a se dar no Caribe de forma massiva – o que, se veio a transformar substantivamente a região, ao mesmo tempo manteve a imagem daquelas ilhas como lugares atrativos para desertores, escravos fugidos e toda a multidão de gente espoliada que pretendia viver sem obedecer às ordens de senhores.
O capítulo 2, “Negroes in Foreign Bottoms’: Sailors, Slaves, and Communication”, remete à visão de mundo de escravizados e seus senhores. Ambos reconheciam o potencial transformador do conhecimento das técnicas e formas de navegação. Tratava-se de algo perigoso e que criava homens insolentes, na visão senhorial, e que tendia para a construção de uma igualdade, no entendimento dos escravos. Olaudah Equiano, escravo marinheiro em meados do século XVIII e autor de uma celebrada autobiografia que parece guiar o capítulo, percebeu claramente que a mobilidade advinda dessa ocupação permitia certa igualdade com seus senhores, e não hesitou em “dizê-lo para sua mente”. Desgraçadamente para os senhores, muitos escravos com dificuldades de aceitar a disciplina que se lhes queria impor se engajaram no mundo do trabalho marítimo, inclusive porque seus senhores queriam se ver livres deles justamente por serem indisciplinados.
O terceiro capítulo, “The Suspense Is Dangerous in a Thousand Shapes’: News, Rumor, and Politics on the Eve of the Haitian Revolution”, pretende dar um aporte maior ao entendimento da revolucionária década de 1790 considerando seus antecedentes. O foco está dirigido à mobilidade de escravos, homens livres de cor e desertores militares e da marinha mercante que circulavam entre uma propriedade e outra, entre o campo e as cidades e entre as diversas ilhas, colocando em questão o controle social e a autoridade imperial. Ao fazer isso, alimentaram uma tradição de “resistência móvel” construída ao longo do Setecentos e que se radicalizaria nas décadas finais daquele século e no início do Oitocentos. As reações e tentativas de controle social mais severo por parte de autoridades metropolitanas e coloniais inglesas, espanholas e francesas são apresentadas nesse capítulo.
O capítulo 4, “Ideas of Liberty Have Sunk So Deep’: Communication and Revolution, 1789-93”, lança novas luzes sobre a repercussão da Revolução no Haiti nas demais ilhas. Ideias revolucionárias circularam não apenas em busca de adeptos, mas também como estratégia das autoridades imperiais em interação repressiva. Além de informações, oficiais baseados em uma ilha trocavam, com seus homólogos de outras Coroas, ajuda de todo tipo, militar inclusive. Os da Martinica pediram tropas ao governador de Cuba em 1790, diante das desordens que enfrentavam naquela colônia e da confusão revolucionária em que a própria metrópole francesa mergulhara em 1789, inviabilizando o envio de qualquer apoio. A causa da manutenção do controle social ultrapassava fronteiras linguísticas, imperiais e senhoriais. Mas os acontecimentos de 1789 e 1790 no Caribe, como afirma Scott, também ativaram as redes de comunicação afro-americanas. Se autoridades e proprietários ingleses, espanhóis e franceses construíram diálogos e articularam ações para se autopreservarem no Caribe ao longo do tempo, os escravos e homens livres de cor fizeram o mesmo.
O quinto capítulo, “Knows Your Interests’: Saint-Domingue and the Americas, 1793-1800”, concentra-se no impacto pós- -revolucionário nos impérios coloniais remanescentes e nos Estados Unidos. Porém, a amplitude geográfica do capítulo é menor do que o título promete. Houve mobilização militar nas colônias, num esforço para manter a ordem. Os escravos, por sua vez, mobilizaram- se e articularam ações que não foram apenas respostas ao aumento da severidade e da vigilância, mas que diziam respeito às suas próprias tradições organizativas. Esse processo foi intenso em Cuba [3], na porção oriental de Hispaniola, na Venezuela, em Curaçao e na Luisiana, apenas para mencionar algumas colônias em que a escravidão era a base da exploração dos trabalhadores. Desafortunadamente, a América portuguesa, maior colônia escravista do continente, ficou fora do quadro comparativo, decerto pela falta de domínio da língua portuguesa por parte do autor e pela reduzida bibliografia sobre a repercussão da Revolução Haitiana produzida no Brasil e em Portugal.
A circulação ou mobilidade espacial é o grande tema do livro. Negros africanos ou nascidos no Caribe e mestiços iam de uma colônia às outras, navegando distâncias que, embora relativamente curtas, lhes davam acesso a comunidades estrangeiras, com diferentes línguas e experiências de escravização e resistência. As oportunidades de disseminar conhecimentos e ideias e trocar informações objetivas não foram perdidas por aqueles escravos que se ganharam o mar e o mundo além do horizonte. O movimento dos navios e dos marinheiros oferecia não só oportunidades de desenvolver habilidades ou viabilizar fugas, mas criava formas de comunicação de longa distância e permitia que os afro-americanos transportassem, física e simbolicamente, seus modos de enfrentar as adversidades do cativeiro a outras partes, construindo resistências e concepções de liberdade globais.
A cultura marítima no Caribe era multirracial e multinacional. Escravos africanos ou nascidos nas colônias americanas eram partes importantes do contingente de trabalhadores do mar, mas o “submundo dos marinheiros” na região ao fim do século XVIII era formado também por milhares de britânicos e franceses. Tratava-se de uma população instável e que, por vezes, em razão de questões de mercado de trabalho ou de saúde, se estabelecia em alguma ilha à espera de melhores condições, enraizando- -se na cultura local de transitoriedade e de exposição às informações que circulavam rapidamente para os padrões daqueles tempos. No Caribe sabia-se dos acontecimentos das ilhas vizinhas, da Europa e da América do Norte: ali era a encruzilhada do mundo Ocidental, mais especificamente do hemisfério Norte, graças às correntes de comunicação estimuladas pela relativa proximidade, pelas facilidades da navegação e pelo aumento da atividade agroexportadora caribenha ao longo do século XVIII.
O axioma segundo o qual marinheiros eram desordeiros em terra encontrava plena comprovação no Caribe. Milhares de homens em trânsito representavam um problema para as autoridades locais responsáveis pela manutenção da ordem. Inúmeras leis foram postas em vigor para discipliná-los, do mesmo modo como se fazia para tentar regular a conduta dos escravos. Em tempos mais explicitamente conflituosos, como na Guerra dos Dez Anos (1780-1790), chegou-se a proibir que marujos britânicos nas Índias Ocidentais servissem a príncipes ou Estados estrangeiros. A proibição mostrou-se ineficaz.
A comparação entre escravos e marinheiros não é aleatória no trabalho de Scott. Ele nos deixa ver como ambos tiveram experiências em comum e causas pelas quais militavam juntos: o engajamento compulsório independentemente da condição, a submissão a punições arbitrárias, a pressão para embarcarem em navios mercantes contra sua vontade e a visão sobre ambos como perturbadores da ordem pública. Bom exemplo foi um ato policial de 1789, em Granada, prevendo penalizar escravos, mestiços livres e marinheiros que atentassem contra a própria saúde e a moral, porque seus comportamentos, vistos como dissolutos, eventualmente seduziam pessoas de outras condições.
Escravos e marinheiros conviviam a bordo, como tripulantes dos mesmos navios, mas a experiência também replicava em terra. Marinheiros eram os consumidores naturais das roças escravas caribenhas e, apesar do empenho policial, era difícil impedir que escravos lavradores ou em fuga fizessem comércio com marinheiros famintos e fragilizados depois de uma longa viagem, ávidos sobretudo por frutas e outros alimentos frescos. O contato e o convívio entre marinheiros e negros naquelas ilhas não tiveram apenas consequências econômicas, mas também forjaram elementos da cultura: muitas canções de trabalho populares no mar, disseminadas por marujos britânicos pelo mundo afora no século XIX, têm extraordinária semelhança com as canções escravas do Caribe. Scott afirma haver evidências consideráveis de que muitas canções podem ter se originado da interação de marinheiros e negros nas docas das Índias Ocidentais e que a teoria da origem e desenvolvimento das línguas crioulas no Caribe enfatiza o contato entre marinheiros europeus e escravos africanos e africano-americanos.
O ponto de intersecção de toda essa gente trabalhando em trânsito era Saint-Domingue, lugar de extraordinária diversidade de grupos de marinheiros europeus, a julgar pelos relatos do próprio ministério da Marinha francês na década de 1790. Mesmo com os monopólios coloniais e suas diferentes nomenclaturas (a flota espanhola, o exclusif francês, o British Navigation Act inglês), o contrabando grassava por ali, pondo em contato colonos europeus, marinheiros de diferentes metrópoles e escravos caribenhos e de variadas origens africanas. A razão dessa diversidade também entre os escravos, para além do tráfico direto com a África, era a sede por mão de obra em Saint-Domingue, o que fazia daquela colônia francesa um repositório de escravos fugidos a partir de 1770, vindos de Jamaica, Curaçao e, a julgar pela língua de alguns deles, também do Brasil. Muitos desses escravos em fuga se engajaram ativamente em rebeliões antes mesmo de 1789 e desempenharam papéis relevantes nos anos revolucionários – por exemplo Henry Christophe, segundo presidente do Haiti independente, nascido em St. Kitts, nas Índias Ocidentais britânicas.
O comércio e a circulação de marinheiros por aquelas bandas não só traziam notícias de fora como transmitiam ao resto do mundo o que se passava em Saint-Domingue. Scott reconhece que as revoltas de negros no Caribe em fins do século XVIII inspiraram os escravos nos Estados Unidos e em muitas das Antilhas. Em termos materiais, a afirmação encontra base no volume comercial entre Estados Unidos e Saint-Domingue em 1790: o montante das trocas, nessa altura, excedia aquelas feitas com todo o restante do continente americano, e era superado apenas pelo comércio com a Grã-Bretanha.
Scott foi um dos primeiros historiadores a identificar na mobilidade espacial advinda da navegação um importante indicador de autonomia e, eventualmente, liberdade para os cativos que conseguissem trilhar esse caminho. Os navios carregados de açúcar e rum circulando pelo Caribe possibilitavam escapar do rigoroso controle social existente nas sociedades escravistas e principalmente os navios menores eram vistos como instrumentos de fuga. Problemas diplomáticos e policiais decorriam dessa mobilidade não autorizada, mas o foco do autor se firma nos marinheiros e escravos desertores que elegeram as ilhas caribenhas como seus locais preferidos.
No Atlântico, mais do que em outros oceanos, e no Caribe, de forma concentrada, o comércio marítimo de longa distância e de cabotagem envolvia homens escravos e livres de cor. No caso dos escravos, envolvia também perspectivas de autonomia e liberdade dadas não só pela mobilidade como também pelas chances de se diluir em meio à multidão reunida nos portos, formada por indivíduos que, ao serem observados, não podiam ser definidos como livres ou cativos apenas pela cor de suas peles. Os mesmos jornais jamaicanos que publicavam anúncios de senhores vendendo negros especializados em trabalhos marítimos também publicavam anúncios de fuga de gente que certamente usara o mar como rota para desaparecer das vistas de seus senhores. Scott interpreta a “mística do mar” nas sociedades escravistas insulares do Caribe, ao salientar a vida a bordo de um pequeno navio de cabotagem ou do comércio intercolonial como uma alternativa atrativa à vida marcada pela hierarquia severa nas lavouras açucareiras. Mesmo escravos sem experiência marítima podiam conhecer alguns termos náuticos graças aos versos das canções populares e fingirem serem marinheiros livres. Ávidos por força de trabalho, os capitães dos navios quase nunca inquiriam cuidadosamente cada marinheiro engajado. Durante a década de 1790, antes e depois da Revolução de Saint-Domingue, sujeitos envolvidos no mundo do trabalho marítimo – marinheiros da navegação de longa distância, de pequenos navios de cabotagem no comércio intercolonial, escravos fugidos, marujos desertores brancos e negros – assumiram o centro do palco. No mar ou em terra, homens e mulheres sem senhores desempenharam um papel vital, espalhando rumores, reportando notícias e atuando como correia de transmissão de movimentos antiescravistas e, finalmente, da revolução republicana em curso na Europa.
A Revolução do Haiti tornou-se lendária não só porque foi a primeira experiência de liberdade coletiva e de construção de uma nação por ex-escravizados que retiraram à força seus senhores de cena, mas também pelo que representou como possibilidade na imaginação de escravos e senhores espalhados pelo mundo ocidental onde a escravidão era a base da acumulação de riquezas. A crença na determinação histórica, fruto da autocondescendência pela suposta descoberta de modelos explicativos eficazes, encontra nesta encruzilhada do Ocidente um incômodo para os historiadores mais seguros de suas opções teóricas. O passado torna-se sempre mais complexo quando é considerado da perspectiva de seus agentes.
Referências
ANDRADE, Everaldo de Oliveira. Haiti, dois séculos de história. São Paulo: Alameda, 2019.
FERRER, Ada. A sociedade escravista cubana e a Revolução Haitiana. Almanack, n. 3, p.37-53, jun. 2012.
FERRER, Ada. A sociedade escravista cubana na época da Revolução Haitiana. In: CUNHA, Olívia Maria Gomes da.
Outras ilhas: espaços, temporalidades e transformações em Cuba. Rio de Janeiro: Aeropolano/FAPERJ, 2010. p. 37-64.
GRONDIN, Marcelo. Haiti. Col. Tudo é História. São Paulo: Brasiliense, 1985.
JAMES, Cyril Lionel Robert [1938]. Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. São Paulo: Boitempo, 2000.
REDIKER, Marcus. O navio negreiro: uma história humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
REDIKER, Marcus; LINEBAUGH, Peter. A hidra de muitas cabeças: marinheiros, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
SCOTT, Julius S. The Common Wind: Afro- American Currents in the Age of the Haitian Revolution. Londres; Nova York: Verso, 2018.
Notas
- Autor de A hidra de muitas cabeças: marinheiros, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário (em parceria com Peter Linebaugh) (2008) e O navio negreiro: uma história humana (2011).
- Exceções são os livros de Grondin (1985); de Andrade (2019) e, é claro, a tradução muito tardia de James (2000), editada pela primeira vez em 1938.
- O impacto da Revolução do Haiti em Cuba pode ser conhecido pelo leitor brasileiro com mais detalhes pelos trabalhos já traduzidos de Ada Ferrer (2010 e 2012).
Jaime Rodrigues – Professor da Universidade Federal de São Paulo / Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas / Departamento de História, Guarulhos/SP – Brasil. E-mail: rodriguesjaime@gmail.com.
SCOTT, Julius S. The Common Wind: Afro-American Currents in the Age of the Haitian Revolution. Londres; Nova York: Verso, 2018. 246p. Resenha de: RODRIGUES, Jaime. Uma encruzilhada do Ocidente: o Caribe setecentista como espaço histórico Topoi. Rio de Janeiro, v.22, n.46, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF].
Gênero Neoconservadorismo e Democracia: Disputas e Retrocessos na América Latina | Flavia Biroli, Juan M. Vaggione e Maria das Dores C. Machado
O livro Gênero, Neoconservadorismo e Democracia: Disputas e Retrocessos na América Latina, organizado e escrito por Flávia Biroli, Juan Marco Vaggione e Maria das Dores Campos de Machado, publicado no ano de 2020 pela Editora Boitempo, analisa o crescimento do neoconservadorismo no que tange aos direitos sexuais e reprodutivos, à educação voltada ao gênero e sexualidade, aos estudos de gênero e aos direitos humanos. Sobretudo, o objetivo do livro, como identificado nas primeiras páginas, é de entender o avanço neoconservador em relação ao gênero a partir de uma perspectiva interdisciplinar, transnacional e comparativa ao relacioná-lo com os debates que envolvem religião, direitos e democracia (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020). O livro traz um debate significativo ao mobilizar as disputas e discussões políticas atreladas à “ideologia de gênero”, à “cultura da morte” e à igualdade de gênero que tomou corpo nas últimas duas décadas do século XXI na América Latina.
Já faz algumas décadas que as autoras e o autor do livro têm se dedicado às pesquisas que envolvem gênero, política e religião. Como poder ser visto, Flávia Biroli é professora e pesquisadora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), onde tem realizado inúmeras publicações, e tem se dedicado às temáticas da democracia, política, estudos de gênero e teoria feminista no Brasil contemporâneo. Já, Juan Marco Vaggione é doutor em direito pela Universidade Nacional de Córdoba (UNC), na Argentina, e em sociologia pela New School for Social Research, nos Estados Unidos. Atualmente, é professor titular de sociologia da Faculdade de Direito da UNC e pesquisador do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Tecnicas (Conicet) da Argentina; também dirige o Programa de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Faculdade de Direito da UNC. Por sua vez, Maria das Dores Campos de Machado é doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e tem se dedicado aos estudos das religiões, neoconservadorismo e à política brasileira. Atualmente, é professora aposentada e voluntária na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A soma das diferentes trajetórias de pesquisas e análises acaba dando destaque à obra resenhada aqui. A análise está centrada na emergência do neoconservadorismo e no avanço sobre a democracia ao inter-relacionar os ataques ao gênero no contexto atual; aspecto, este, considerado muitas vezes menor nas principais produções que hoje se voltam a pensar a democracia na América Latina. Para analisar o fenômeno, Flávia Biroli, Juan Marco Vaggione e Maria das Dores Campos de Machado (2020) propõem cinco dimensões, a fim de identificar as características contemporâneas do neoconservadorismo: 1º) “o conceito de neoconservadorismos permite jogar luz sobre as alianças e afinidades entre diferentes setores” (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020, p. 28); 2º) a expressiva utilização da juridificação da moralidade; 3°) o fato de que o neoconservadorismo opera em contexto democrático, ao mesmo tempo em que o fere; 4°) o caráter global e transnacional (adicionado aqui por mim) do neoconservadorismo do século XXI; 5°) a relação entre neoconservadorismo e a agenda neoliberal no que tange aos direitos das mulheres e dos sujeitos LGBTQI.
O livro foi dividido em três capítulos, em que foram abordadas as seguintes temáticas: as reações dos atores religiosos (católicos ou evangélicos), as tentativas de restrição das agendas ligadas à igualdade de gênero, as disputas entre os movimentos feministas e LGBTQI e os movimentos conservadores; o transnacionalismo dos avanços das agendas conservadoras na América Latina, os ataques políticos em diferentes esferas institucionais (jurídicos, parlamentar, etc.) aos poucos avanços nas últimas décadas que envolveram a igualdade de gênero; a interconexão entre o avanço conservador com as políticas neoliberais, a mobilização dos direitos humanos como argumento para participação e defesa dos projetos conservadores, a centralidade da família como uma tendência transnacional no projeto político neoconservador, os padrões do neoconservadorismo religioso, o caráter novo do conservadorismo que emerge no século XXI e a aliança entre distintos setores nas agendas antigênero (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020).
No primeiro capítulo, intitulado A restauração legal: o neoconservadorismo e o direito na América Latina, escrito por Juan Marco Vaggione, o objetivo foi compreender como “o neoconservadorismo se instalou como um problema complexo para a reflexão analítica e normativa” (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020, p. 42). Mais precisamente, por meio do conceito de “juridificação reativa” [1], o autor se dedicou a entender como se deu (por meio de quais sujeitos e de que maneira) o crescente “movimento de restauração moral por meio do direito” (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020, p. 42). Em outras palavras, foi pensado como o direito vem sendo instrumentalizado para a defesa dos princípios morais neoconservadores na ofensiva contra o gênero. O capítulo é denso, cheio de exemplos e discussões que envolvem os direitos sexuais e reprodutivos das últimas décadas na América Latina e esteve pautado na ideia de que a juridificação reativa seria tanto uma arena quando uma estratégia para o avanço neoconservador (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020).
Já, no capítulo de Maria das Dores Campos Machado, com o título O neoconservadorismo cristão no Brasil e na Colômbia, o aspecto central foi a comparação entre os dois países que compõem o título no que diz respeito à emergência neoconservadora dos grupos cristãos. O capítulo traça um panorama ao abordar questões ligadas ao ensino, religião, projetos de leis, crescimento de percentuais religiosos, avanço do conservadorismo entre os anos de 2014 até 2018, o papel das ONG’s religiosas para a interversão no debate público, entre outros aspectos. Também sublinhou, graças à circulação dos líderes religiosos, sobre a propagação dos valores e da agenda antigênero, a construção de redes e eventos transnacionais e como as novas tecnologias facilitaram na promoção de agendas que desafiam a democracia (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020). O grande destaque do capítulo refere-se à autora ter chamado a atenção para a atuação das mulheres conservadoras (seja como deputadas, pastoras ou ministras) na agenda antigênero, contra os debates sobre os direitos sexuais e reprodutivos, na desqualificação do feminismo e em defesa da moral cristã.
Na tentativa de entender a relação entre gênero e democracia, Flávia Biroli, no capítulo Gênero, “valores familiares” e democracia, analisou “os processos de transformação das democracias no mesmo contexto em que as disputas em torno do gênero ganham novos padrões” (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020, p. 136). A autora foca na discussão dos estudos que vêm se indagando sobre a desdemocratização e como o gênero vem sendo considerado nas análises; a relação entre as evidências empíricas no combate ao gênero, principalmente, os valores democráticos e a maneira como se dá a contestação dos estudos de gênero na qualidade de área científica e acadêmica (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020).
Os aspectos mais interessantes do capítulo tratam de demarcar as ideias que constituem os argumentos dos grupos neoconservadores, de que os lobbies feministas e LGBTQI ameaçam as crianças e a família, que as organizações internacionais têm como objetivo subjugar a nação por meio do enfraquecimento da família, que as crianças precisam ser protegidas dentro das autoridades reconhecidas, a família, e que os movimentos de minorias ameaçam as maiorias agindo contra a democracia (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020). Por isso, o sentido de democracia está em disputa no tempo presente e precisa ser debatido.
As discussões propostas no livro tiveram como base dois grandes marcos conceituais (apresentados na introdução): o neoconservadorismo e a temporalidade. Foi com o segundo eixo que tive certo incômodo, uma vez que sua construção se deu ao tentar verificar as políticas antigênero. As autoras e o autor falam em “uma nova temporalidade” a partir das ameaças ao gênero, pautadas em termos como “ideologia de gênero”. No entanto, o tempo parece compacto em um grande bloco único, o que me faz questionar: não seriam múltiplas (no plural) temporalidades na América Latina? Em todos os países da América Latina, as ameaças se deram da mesma maneira e nos mesmos marcos temporais? Conforme foi sendo demostrado ao longo dos capítulos, ocorreram trânsitos, projetos, avanços e derrotas que não foram lineares e homogêneos em todos os países. Sem falar que o avanço neoconservador não tomou corpo em todos os países e já vendo sofrendo limitações. Em outras palavras, as temporalidades foram muito diversas e ainda precisam ser mais bem exploradas. Por último aqui, os avanços neoconservadores estão alinhados ao negacionismo enfrentado, de uma maneira geral, em diferentes âmbitos, como, aqueles ligados às ciências e às universidades; pouco citado em suas multiplicidades no livro.
O livro Gênero, Neoconservadorismo e Democracia é uma leitura precisa ao dar historicidade aos embates políticos presentes na América Latina do século XXI. Mobiliza diferentes disciplinas para a análise dos segmentos sociais, culturais e econômicos, que fizeram com que disputas e conservadorismo tomassem corpo e significado durante o período. O tema é extremamente atual, pertinente e importante, tanto para pesquisadores quanto para quem busca entender como se manifestou o avanço neoconservador nas últimas duas décadas. Por isso, o livro é importante a fim de entendermos mais sobre a história do tempo presente no que tange ao neoconservadorismo, às ameaças à igualdade de gênero e às democracias na América Latina. Também significa uma análise do quão complexo e novo são esses movimentos e os desafios que têm sido enfrentados pelos diferentes movimentos sociais, ativistas e pesquisadores, com os avanços das agendas antigênero. Como sinalizou Flávia Biroli, “há mais em jogo do que visões de mundo conflituosas” (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020, p. 185); entender, historicizar e analisar o que acontece (como foi feito neste livro) é valoroso para quem se interessa pela história do tempo presente.
Nota
1. Juridificaçãoreativa é o termo utilizado para designar o uso do direito por parte dos atores neoconservadores para a defesa dos seus princípios morais e para avançar na disputa contra o gênero (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020).
Eloisa Rosalen – Doutoranda em História na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, SC – BRASIL. lattes.cnpq.br/3857428948780807 . E-mail: rosaleneloisa@gmail.com.
BIROLI, Flavia; VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos Machado. Gênero, Neoconservadorismo e Democracia: Disputas e Retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Resenha de: ROSALEN, Eloisa. O avanço neoconservador antigênero na América Latina durante o século XXI. Revista Tempo e Argumento. Florianópolis, v.13, n.32, p.1-6, 2021. Acessar publicação original [IF].
La niñez desviada: La tutela estatal de niños pobres huérfanos y delincuentes. Buenos Aires 1890-1919 | Claudia Freidenraij
La niñez desviada: La tutela estatal de niños pobres, huérfanos y delincuentes. Buenos Aires 1890-1919 es una investigación minuciosa y profunda realizada por la historiadora argentina Claudia Freidenraij sobre una época en la que “las calles [de tierra] de Buenos Aires estaban salpicadas de niños” (p.13). Enmarcado en el periodo que va desde 1890 a 1919 este libro analiza los intersticios de las intervenciones públicas que recayeron en la capital argentina sobre los niños pobres, huérfanos, infractores, delincuentes pero especialmente de los sectores trabajadores, en un momento clave de transformaciones urbanas.
Aquí no sólo reconstruye y analiza el complejo articulado de politicas de castigo y represión de actividades y hábitos de los niños de las clases trabajadoras urbanas previo a lo que se consideraría una “justicia para menores,” sino también las formas en que se estereotiparon esas prácticas construyendo categorías jerarquizadoras y segregacionistas sobre estos sectores etarios y poblacionales. Bajo la etiqueta criminalizante y clasista de “minoridad”, las élites morales, constituidas en parte por una constelación de especialistas, colocaron sobre los niños de las clases trabajadoras un conjunto de etiquetas que no sólo inventarían categorías infantiles sino que asociarían prácticas de la infancia pobre con la desviación, la inmoralidad, el abandono y la delincuencia.
A partir de un enfoque que se nutre y forma parte de la historia social, de la historia del delito y la justicia, así como de la historia de las infancias, la autora consigue el relevamiento y análisis de un amplio corpus documental, fotografías, diarios y revistas, memorias de justicia, legislación, fuentes policiales, autobiografías, crónicas urbanas, cuentos, informes médico-legales. Con estas fuentes Freidenraij va desagregando cada uno de los adjetivos, cada una de las prácticas, para estudiarlos separadamente y mostrar cómo la construcción discursiva de la minoridad, el abandono o la delincuencia, vista en espejo, devuelve una imagen que permite ver las ideologías clasistas y los prejuicios de las “elites morales” hacia las infancias pobres urbanas.
La presencia de niños de los sectores populares en el espacio urbano, como muestra con detalle Freidenraj, causó alarma e incomodidad en quienes pretendían un ilusorio orden urbano. Para contener y minimizar las imágenes de niños efectuando todo tipo de labores o transgrediendo constantemente las múltiples normativas, se construyó, para usar las palabras de la autora, un archipiélago penal y asistencial de establecimientos, agencias estatales e instituciones particulares, cuyos engranajes operaron en conjunto, en un concierto de voces e intervenciones que oscilaron más en discordancia que en armonía, más hacia la represión que hacia el amparo.
El libro se concentra en niños mayoritariamente varones, porque hacia ellos se orientaron las políticas criminológicas del periodo de estudio y porque constituían el 82 por ciento de los aprehendidos (p. 108). A través de una lúcida escritura y análisis, la autora acompaña a esos centenares de niños en sus trayectos y circulaciones. Su intención es no dejarlos solos en algún momento. De tal forma, frente al histórico emplazamiento como “niños abandonados” que han sufrido, ella se decide por tomar una postura vinculante de cuidado, de atención, de conexión con sus situaciones y de búsqueda de entendimiento sobre cómo ha sido que han llegado a las puertas de las instituciones de control social. Así, advierte su vida en los conventillos, sus intermitencias escolares, los sigue a sus andanzas en calles, veredas y plazas, presencia sus juegos, escucha sus malas palabras y sus risas, los ve subirse colgados a los tranvías. En las líneas de este texto es posible escuchar la sonoridad que producían los niños en la calle. Pero el libro muestra, cómo al terminar el día no todos aquellos niños y muchachitos podían volver a sus casas o a sus andanzas. En tanto caía sobre ellos un amplio abanico de disposiciones de corte jurídico y se consideraban parte de un “problema social” que había que combatir, sus actividades estuvieron siempre al borde de ser delictivas, irregulares o “predelictivas” en tanto pertenecían a un sector social sobre el cual el Estado buscaba intervenir (p. 285). La institucionalización, por lo tanto, aparece siempre acechante al otro lado de la esquina; esto no hace que la autora los pierda de vista: los sigue a sus comparecencias ante la justicia, hasta los interiores de las instituciones, como si de un estudio etnográfico se tratara, escucha lo que los agentes del estado piensan sobre ellos, lo que escriben los jueces de menores, advierte el tratamiento que se les da a los cuerpos infantiles y luego articula todas estas observaciones en un estudio puntilloso de las estructuras de control y de construcción del “peligro infantil”.
El libro disecciona la anatomía de las prácticas de los agentes encargados o interesados en la “corrección” de esa infancia: jueces, intelectuales, defensores de menores, médicos, abogados. La policía aparece especialmente protagónica, preocupada por lo que considera una ocupación anárquica de la ciudad por los niños: no le gusta como juegan, cómo se relacionan, cómo se comportan (p.115), considera sus actividades siempre sospechosas, elabora catálogos de cada vez más crecientes normativas, porque los niños en el espacio público, si lo ocupan autónomamente, incomodan, en cualquier sitio, en Argentina, en México, en Brasil, en América Latina.
Los vaivenes que sufre la justicia para menores en los primeros años de su implementación en Buenos Aires son una respuesta, explica la autora, a la alarma social frente a las condiciones antihigiénicas y de hacinamiento que sufrían los niños en las cárceles con adultos delincuentes o detenidos. Consideraciones de orden moral e higiénico fueron las que impulsaron a las autoridades a construir instituciones de castigo infantil diferenciadas del mundo adulto, que en un inicio serían de corte religioso y luego laboral. El texto subraya cómo las violencias físicas contra los niños y adolescentes se implementaron también como terapéuticas correccionales por los encargados del orden carcelario. Pero, como la sociología, la antropología y la historia de la infancia ya han apuntado, los niños son actores sociales y siempre tienen respuestas imprevistas a los intentos de control que caen sobre ellos. Por eso, en este libro, aparecen también las resistencias infantiles a ese sistema lacerante de cuerpos y emociones. Aparecen entonces los niños como sujetos capaces de burlarse de las autoridades carcelarias, de ejercer su sexualidad dentro de los límites marcados por la prisión, por el encierro, por el género, organizando sociabilidades estructuradas a partir del lenguaje, de la risa, del juego.
El periodo que se trabaja en este libro se inscribe en un momento de despunte de la transnacionalización de las ideas de infancia. En 1916 se reúnen los “especialistas”, esas élites morales, especialmente de los saberes médico-pedagógicos, en la ciudad de Buenos Aires, en lo que sería el I Congreso Panamericano del Niño, para discutir las acciones necesarias para higienizar, moralizar y escolarizar a la población infantil del continente. Los discursos estigmatizantes, las políticas sancionadoras y la persecución de las prácticas de los hijos de las clases trabajadoras se posicionan como uno de los nodos en las iniciativas en favor de la infancia de los países de la región.
Por todo lo anterior, este libro, si bien se dedica al caso argentino, también puede leerse en clave latinoamericana para vislumbrar los puntos en común con experiencias acaecidas en otras latitudes: las sociabilidades infantiles en conventillos, vecindades o inquilinatos y sus porosas fronteras con la calle, fabricada como espacio peligroso, la construcción de la figura del incorregible, las colocaciones de los niños en hogares y talleres, la criminalización constante de las prácticas cotidianas, la construcción de un andamiaje de leyes y normas para el control de la infancia en sus tránsitos por los rumbos de la ciudad, o la laborterapia como método de regeneración de los llamados menores delincuentes. Los niños argentinos no son los niños indígenas del México del porfiriato y de la revolución, tampoco los que venden diarios en Bogotá al iniciar el siglo, o los niños negros que trabajan en las calles de Sao Paulo. Sin embargo, coinciden con ellos temporalmente y sufren políticas que han cruzado las fronteras nacionales en forma de ponencias en congresos, de publicaciones en revistas médicas o criminológicas, en editoriales y noticias en la prensa. Así, terminan siendo depositarios de formas hegemónicas de concebir a las infancias populares acusadas de peligrosas, inmorales y antihigiénicas, discursos que justifican la obligatoriedad de que el Estado controle sus prácticas.
Los seis capítulos de este libro recuperan largos años de avances en la historia de las infancias en América Latina y proponen caminos novedosos para interpretar la minoridad, la categoría etaria, la historia de la criminalidad y el delito, y su vínculo con la historia social de la infancia. Es un libro propositivo e inteligente que da cuenta de la madurez y la plenitud en la que se encuentra este campo historiográfico en Latinoamérica.
Susana Sosenski – Doctora en Historia, Investigadora del Instituto de Investigaciones Históricas de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Ciudad de México – MÉXICO. investigadores/sosenski.html. E-mail: sosenski@gmail.com.
FREIDENRAIJ, Claudia. La niñez desviada: La tutela estatal de niños pobres, huérfanos y delincuentes. Buenos Aires 1890-1919. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2020, 302p. Resenha de: SOSENSKI, Susana. Un archipiélago estatal para las infancias populares argentinas (1890-1919). Revista Tempo e Argumento. Florianópolis, v.13, n.32, p.1-6, 2021. Acessar publicação original [IF].
Trabalho escravo contemporâneo: tempo presente e usos do passado | Angela de Castro Gomes e Regina Beatriz Guimaraes Neto
El trabajo, al igual que muchos, si no es que la mayoría, de los temas que tienen que ver con la actividad humana, no es un “hecho de la naturaleza” sino que se trata de un fenómeno que se ha visto modificado, tanto en su forma como en su contenido, a lo largo de las civilizaciones. En La condición humana (España, Paidós, 1993) dice la filósofa Hannah Arendt: “La Edad Moderna trajo consigo la glorificación teórica del trabajo, cuya consecuencia ha sido la transformación de toda la sociedad en una sociedad de trabajo” y, desde este mirador es que el libro Trabalho eslavo contemporaneo: tempo presente e usos do passados de Angela Castro Gomes y Regina Guimaraes Neto, nos ayuda a mirar mejor cómo una de las características del trabajo en la era moderna sigue siendo la superexplotación, concepto acuñado por Ruy Mauro Marini que refiere a una forma particular de operaración del sistema productivo.
El texto es un recorrido útil, bien documentado, de la historia de las actividades agrarias en la región norte de Brasil, entre cuyas características resalta precisamente el esclavismo, fenómeno que por cierto, al amparo de las formas de producción globalizadas, ha vuelto a ocupar “puestos” importantes bajo las firmas – y formas – de capital maquilador. Leia Mais
Histórias e conversas de mulher | Mary Del Priore
A historiografia contemporânea tem focado cada vez mais nos estudos acerca da história das mulheres, principalmente pondo-as como sujeito histórico, consciente ou não de sua condição de submissão e passividade ao longo da história, e que hoje já se percebe transitando espaços antes ocupados pelos homens. Nesta seara, a historiadora Mary Del Priore tem se debruçado em arquivos diversos, traçando assim a história do Brasil desde o período colonial aos nossos dias, com foco em questões tidas como tabu, como é a questão da sexualidade e do erotismo; as mulheres na sociedade; enfatizando os acontecimentos com riqueza de detalhes, prendendo assim seu leitor até o final.
A autora é referência em história das mulheres, tendo publicado os clássicos: História das Mulheres no Brasil, Ao Sul do Corpo, Corpo a Corpo com a Mulher, Histórias Íntimas, Histórias e Conversas de Mulher e contribuiu na organização de outras obras sobre a História do Brasil. Leia Mais
Celso Furtado e os 60 anos de “Formação Econômica do Brasil” | Alexandre Macchione
A pandemia que assolou o mundo em 2020 suscitou reflexões acerca dos rumos tomados pela humanidade no último século e das perspectivas de futuro. O ano também foi marcado pelo centenário do nascimento de Celso Furtado, efeméride que flamejou debates sobre desenvolvimento, desigualdade e outras problemáticas socioeconômicas. Foi nesse contexto que Alexandre Macchione Saes e Alexandre de Freitas Barbosa organizaram o livro Celso Furtado e os 60 anos de “Formação Econômica do Brasil”, com relevantes revisitações à magnum opus publicada em 1959, “uma obra que ainda produz preciosas sugestões sobre um projeto social e econômico de Brasil”, segundo os organizadores.
A bem da verdade, o livro em destaque é fruto do evento realizado em 2019 por ocasião dos 60 anos de Formação Econômica do Brasil – organizado pela Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) e pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), ambos da Universidade de São Paulo (USP) –, que foi sediado pelo Centro de Pesquisa e Formação do Serviço Social do Comércio (SESC). Seus capítulos reúnem parte significativa daquilo que se discutiu com 22 especialistas em nove mesas temáticas, cujos eixos orbitaram na importância histórica da obra consagrada e na persistência de sua proposta inovadora e única para a análise dos problemas brasileiros. Leia Mais
A casaca do Arlequim | Heliana Angotti-Salgueiro
É uma honra e um prazer ter sido convidado para falar hoje por ocasião da publicação da edição brasileira do grande livro de Heliana Angotti-Salgueiro, A casaca do Arlequim. É difícil acreditar que já se passaram quase vinte e quatro anos desde que o livro de Heliana foi publicado na sua versão francesa (1). Vinte e quatro anos é o tempo de uma geração. É obviamente um desafio formidável para uma obra histórica, que tem necessariamente a marca das teorias, obras e debates da época em que foi escrita, reaparecer em um contexto completamente diferente. No longo prefácio que escreveu para a edição brasileira do seu livro, Heliana Angotti-Salgueiro recorda com maestria e profundidade o contexto em que o livro A casaca do Arlequim foi elaborado. Este contexto é antes de tudo o de uma instituição, a École des Hautes Études en Sciences Sociales, onde brilhantes e diversas personalidades – de Hubert Damisch a Louis Marin e de Marcel Roncayolo a Bernard Lepetit – se cruzavam. Leia Mais
Metropolis: A History of the City. Humankind’s Greatest Invention | Bem Wilson
Como contar a história das cidades? Por que contar a história das cidades? O fato de ser considerada por muitos a “maior invenção do homem” parece ser razão suficiente para que se torne objeto de análises. O fato de morarmos majoritariamente em cidades também. Mas há mais que isso, a história das cidades é um ponto de vista para entender a história do mundo e o nosso lugar nesse mundo. Se for contada de uma maneira agradável e interessante por quem as ama, mais ainda. É o caso de Metropolis.
O novo livro do historiador inglês Ben Wilson, Metropolis – A history of the city, humankind´s greatest invention, lançado em 2020, (ainda sem data de lançamento no Brasil) é um desafio para qualquer autor, pelo longo arco temporal que começa com a primeira grande cidade do mundo, Uruk, na Mesopotâmia de 4 mil a. C e chega até a megacidade de Lagos, na Nigéria contemporânea. Leia Mais
Portugueses no Rio de Janeiro: negócios/trajetórias e cenografias urbanas | Lená Medeiros de Menezes
É certo que a história da imigração no Brasil passa pelo porto do Rio de Janeiro. Tanto na época da Grande Imigração quanto do Pós-Segunda Guerra Mundial. Assim, o Rio de Janeiro foi o palco da chegada de milhares de imigrantes de várias partes do mundo a partir da segunda metade do século XIX e ao longo do século XX. Esse processo mudou o cotidiano carioca e definiu uma época da cidade, em que o Rio de Janeiro se caracterizou como território de convivência de múltiplas identidades nacionais e étnicas. Em grande medida, pode-se dizer, que essa presença dos imigrantes reforçou a vocação cosmopolita da cidade. Para os habitantes mais velhos do Rio de Janeiro, certamente, a lembrança a presença dos imigrantes na vida urbana deve ser bem viva.
A história do Rio de Janeiro dos imigrantes encontrou agora uma obra de referência obrigatória no livro Portugueses no Rio de Janeiro: negócios, trajetórias e cenografias urbanas, de Lená Medeiros de Menezes. Professora emérita da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e atual presidente do Instituto Histórico do Rio de Janeiro (IHGRJ), a autora é conhecida especialista no campo da história da imigração e dos imigrantes no Brasil com vários trabalhos publicados. Seu livro Os indesejáveis: desclassificados da modernidade há muito marca os estudos da história da imigração no Brasil, contornando de modo original e provocativo o mito de que a sociedade brasileira foi sempre receptiva aos estrangeiros. O novo livro oferece um panorama abrangente da presença da comunidade de origem portuguesa na cidade do Rio de Janeiro. A relevância da pesquisa empreendida reside no fato de abordar a mais importante das comunidades de imigrantes do Rio de Janeiro e com influência decisiva na história da cidade. A pesquisa tem como marca a dedicação à pesquisa documental para valorizar a descrição de trajetórias de indivíduos, explorando vivências pessoais. Ao acompanhar os itinerários de vida de vários imigrantes, que passam a ser tratados pelo nome, o argumento geral aproxima muito de perto o conhecimento do processo social da experiência histórica, oferecendo ao leitor um quadro vivo e sensível da história. Leia Mais
Atrapados por la Imagen. Arte y política en la cultura impresa argentina | Laura Malosetti Costa
Los siglos XIX y XX han presenciado, como nunca antes en nuestra historia, coyunturas y continuidades, cambios tecnológicos, científicos y políticos. Nuestro país no fue la excepción. Laura Malosetti Costa y Marcela Gené, a través de la compilación de numerosos artículos de divulgación científica sobre arte, comunicación, diseño y política, nos invitan a un diálogo histórico a través de la cultura visual impresa en Argentina.
En palabras de las autoras “hay una línea de reflexión en común que reúne a estos textos, articulando arte, tecnología y política en relación con los artefactos impresos. Qué lugares ocuparon las imágenes en la vida política a partir de su presencia en publicaciones partidarias tanto como humorísticas o de formato magazine, cómo operaron en las transformaciones sociales, de qué modos las manifestaciones artísticas se vieron transformadas, impulsadas y multiplicadas por las revistas para llegar a un público cada vez más amplio”. Leia Mais
Alegoria do património | Françoise Choay
As argumentações desenvolvidas por Françoise Choay em Alegoria do património se ancoram, reiteradamente, em demonstrações etimológicas cujo pressuposto fundamental é assinalar as transfigurações das relações estabelecidas entre os seres humanos e as suas edificações ocorridas nos últimos séculos no Ocidente e em países como o Japão e a China. Deste modo, à designação “patrimônio”, cujo abarcamento restringia-se originalmente às propriedades hereditárias, foram acrescentadas categorias mais abrangentes, tal como o complemento “histórico” (CHOAY, 2014, p. 11). Enquanto o monumento é uma obra espontânea, seja auxiliar da rememoração ou da magnificência das localidades, o monumento histórico é produto de uma distinção artificial (CHOAY, 2014, p. 17-25). A destruição de um monumento pode se dar por diversos fatores, humanos ou naturais, mas ao monumento histórico é pressuposta uma irrestrita proteção (CHOAY, 2014, p. 25-26).
O acondicionamento destas construções como projeto nacional provém de um lugar específico e de um tempo também específico: o Ocidente oitocentista (CHOAY, 2014, p. 25-26). Pontualmente, o delineamento de um tal empreendimento é evidente em França ainda no século XVIII, marcado pela circunstância revolucionária, mesmo que propalado somente no XIX (CHOAY, 2014, p. 26-27). Por detrás destas constatações está a introdução do monumento histórico ao repertório linguístico francês, cuja autoria poderia ser atribuída precipitadamente a Guizot, porém trata-se de uma realização de Millin (CHOAY, 2014, p. 26-27). Neste sentido, é notória a relevância das ações de Françoise Choay pertinentes ao exame pormenorizado do referido léxico, visto que conduzem a oportunas reflexões acerca do delineamento da conservação patrimonial e de seus princípios. Leia Mais
Memórias e narrativas: história oral aplicada | José Carlos S. B. Meihy e Leandro Seawright
O livro “Memórias e narrativas” dos historiadores José Carlos Meihy e Leandro Seawright é por um lado uma introdução ao campo da história oral, escrito para pesquisadores iniciantes – acadêmicos ou não – que se veem envolvidos nos desafios de estudar e trabalhar com a memória de expressão oral; mas por outro lado, ele é também uma sistematização dos conceitos, reflexões e teorias desenvolvidos pelos autores ao longo de suas trajetórias acadêmicas e de atuação, sobretudo como integrantes do Núcleo de Estudos em História Oral da Universidade de São Paulo (NEHOUSP). A generosidade do livro está justamente aí: ao apresentar a complexidade do campo da história oral, os autores explicitam seus posicionamentos frente a esse cipoal, desembaraçando os caminhos a serem percorridos pelos neófitos pesquisadores que se debruçam sobre a memória e a história.
O perfil didático do livro – reafirmado pelos boxes que destacam partes do texto ao longo de todos os capítulos – incorre por diversas vezes em um esquematismo que, embora evite simplificações, no mínimo atalha os debates e as contradições das abordagens sobre história oral. Considerando que não são objetivos dos autores desenvolver essas reflexões nem se aprofundar no estado da questão da história oral, eles apresentam os contrapontos apenas à medida que chamam atenção para riscos e erros a que o historiador oral está sujeito. É o que se verifica, por exemplo, na Leitura Complementar do primeiro capítulo, denominada “Memória de expressão oral: em busca de um estatuto”, sobre a famigerada querela entre os que “professam a manutenção da história oral como complemento e outros [que] propugnam a sua independência e autonomia” (MEIHY; SEAWRIGHT, 2020, p. 52). Os autores demarcam sua defesa por esta última definição como característica do campo da história oral e a caracterizam, para além disso, como uma metodologia que possui “procedimento procedente organizado de investigação, de comprometimento doutrinário e filosófico, orientado para a obtenção de resultados a partir de um núcleo documental específico” (MEIHY; SEAWRIGHT, 2020, p.56). Leia Mais
Giambattista Vico and the new Psychological Science | Luca Tateo
Luca Tateo | Foto: TPGC |
Although scholarship on Giambattista Vico’s New Science includes a wide range of approaches, it has never experienced a paradigm shift so radical that it cannot be understood within the epistemic assumptions of the Western intellectual tradition. The publication of Giambattista Vico and the New Psychological Science, edited by Luca Tateo, promises to do just that. The volume is a collection of seven essays, and it belongs to the History and Theory of Psychology series, which is edited by Jaan Valsiner. The ambitious aims of this book are elaborated in Valsiner’s fore- word, Waldomiro Silva Filho’s introduction, and Tateo’s preface and conclusion. For Valsiner, the series responds to the question, “how is psychology a science?” (vii). According to Silva Filho, this question is problematized by contemporary conflicts between “radical physicalist reductionism and the most liberal cultural relativism”—the former is the “tendency to reduce psychological processes to . . . the biochemistry of the brain” and the latter is postmodern criticism (xviii). The book’s contributors look to Vico to counter these dangers.
Tateo became interested in Vico as an ancestor of cultural psychology and as the first to challenge the dominant Cartesian epistemology. According to Tateo, Vico provided an “alternate epistemology,” one that was “anthropocentric in the sense that we know human nature as we share it and through the historical genesis of its products” (xii). Indeed, Vico replaced the “myth of the given” in “psychological epistemology” with poiesis, an imaginative activity that creates human meaning (211). Tateo says that Vico’s emphasis on the imagination pro- vided “a way to intersubjectively access the mental and emotional processes that are behind the products of human activity,” representing a shift in focus, episte- mology, and methodology in psychological science (xiii). Imaginative universals gave Vico a qualitative methodology through which to understand the sensuous construction of meaning; indeed, they “embody” meaning and start with the “uni- versality of human body” and the “universality of imaginative construction[s]” of cultural forms (viii). But do imaginative universals allow us to “intersubjectively access mental and emotional processes” (xiii) or, as Valsinor says in the fore- word, is “the sensuality of the body—relating with environment—the guarantee of generalization” (viii)? Does the “‘hermetically constructed unity’ (as John Shotter points out in this book) transcend our usual classificatory tendencies of contrasting ‘verbal’ and ‘nonverbal’ meaning-making means” (viii-ix)?
The contributors to this volume are correct about Vico’s emphasis on imagina- tion, poiesis, and the “sensuality of the body.” However, the incongruities inher- ent in their contributions are troubling, particularly insofar as they concern these authors’ understandings of the radical nature of what Vico meant by imagination, imaginative universals, poiesis, and embodiment. These incongruities ultimately undermine this book’s potentially transformative reinterpretation of Vico’s writings and psychology. Although Tateo says that “adopting the ‘principle of poesis’ in the study of the psyche leads to a shift in the focus, epistemology, and methodology of psychological sciences,” this volume has not yet completed that shift (214). To do so, it must ask more fundamental questions that go beyond humanism’s idealist conception of knowledge—indeed, beyond modernity’s epistemological perspective. Any reinterpretation of Vico’s New Science that retains the subjectivism that grounds all humanist epistemologies brings with it metaphysical assumptions that, since Plato, have been used to justify belief in an epistemic knowledge of reality—that is, the beliefs that reality is inherently intel- ligible, yielding universal and eternally true knowledge, the paradigm of which is mathematics, and that humans can know reality only insofar as they possess a rational subjectivity that is ontologically like reality, which is the claim of dualis- tic anthropology. Though Descartes’s critique undermined belief in the inherent rationality of reality and the ontological identity of subject and object, dualism was retained and science provided the methodological grounds for belief in the likeness of subject and object, which is the assumption that Vico’s master key and verum factum principle implicitly reject.
Since Vico called his work a “new science,” scholars engaging with that claim must consider what kind of new science a psychological science is when it is called “poetic.” Are imaginative universals that have been made with a poetic language “subjective” at all, or are they the result of a different meaning-making process, one that is embedded in the social and physical world? What is the dif- ference between an anthropology that supports traditional subjectivist assump- tions and one that supports the knowing of products of an imaginative linguistic social activity? Failure to raise such meta-level questions as these risks repeating the same misinterpretations that have kept the radical nature of Vico’s work from being appreciated.
Tateo suggests a new direction in saying that Vico provided a way of thinking that was anthropocentric and that identified our ability to know human nature because we share it and because it is the genesis of human making. Indeed, Vico raised an anthropological question that philosophy had never asked. Those who believe that the quest for knowledge is essential to humans accept the dualistic metaphysical assumptions of philosophical humanism that were formalized by Plato. Since Vico first published New Science, readers have displayed an inability to comprehend the embodied anthropology he developed against that dualism.[1] Such readers are the moderns whom Vico characterized as fixated on Descartes’s subjectivist justification of certain knowledge of natural science.
When Vico rejected Descartes’s turn to subjectivist anthropology, he rejected the possibility of epistemology at all as understood by humanism and raised a more significant anthropological question: what if what we call “knowledge” is limited to what humans make as wholly embodied beings—that is, the languages, gods, religions, customs, laws, institutions, sciences, artifactual things (cosi) of our ontologically real, meaningful historical world? What if making was due to the power of embodied poetic language, which was the very language that phi- losophers, in their conflict with rhetoricians and poets, devalued as opinion and fantasy? [2]
Vico posed these questions with his insight into what he called his “master key”: the “fathers” of the human world were embodied prehuman beings who, “by a demonstrated necessity of nature, were poets”; they were creators who spoke the poetic language of preconscious peoples.[3] That such primitive beings created human existence was an idea so strange that Vico claimed it “cost us the persistent research of almost all our literary life, because with our civilized natures we [moderns] cannot at all imagine and can understand only by great toil the poetic nature of these first men.” [4] The radical nature of Vico’s verum factum principle cannot be appreciated unless we understand that the giganti were not human. Scholars traditionally consider Vico’s poets primitives or sinners, but this does not do justice to the strangeness of Vico’s master key or the twenty years it took him to understand it. The giganti were not only devoid of minds or the abil- ity to form abstractions; they were not even social beings in any existential sense. They existed solely as solitary beasts who possessed no relation to one another except instinctually. Without the capacity to feel a need for relations with other beings, they were incapable of human existence. Only with an originary potency that was ontologically creative of that existence could they be so.
That poets made meaning not with consciousness but with poetic language was a strange enough claim. Even stranger was Vico’s genetic principle that “the nature of institutions is nothing but their coming into being (nascimento) at cer- tain times and in certain guises,” and “things do not settle or endure out of their natural state.” [5] That principle condemns knowers, even of the third age, to remain embodied poets throughout human history, constructing what humans know with a language that is forever figural. Such knowers must give up the “conceit of scholars, who will have it that whatever they know is as old as the world,” or the notion that abstract ideas correspond to reality.[6] Given Vico’s embodied anthropology, the verum factum principle can no longer be considered epistemic. Elsewhere I have interpreted the unity of making and knowing as an ontological assertion that humans are makers of what they know, an alternative appropriate to Vico’s humanistic concern with knowing not the objective world of modern science but the historical world made by languages, literatures, religions, institu- tions, customs, and artifacts. These are the very cosi (things) that Descartes’s delimitation of knowing to the natural world made knowledge about obsolete.[7] Given that latter radical alternative, poetic knowing becomes the self-reflexive hermeneutic understanding that humans are the creators of what they know.
If the key to the anthropology of Vico’s embodied humanism lies in his claim that poetic beings create human existence ontologically, then we must go beyond the limits of Hellenism’s metaphysical frame to understand it. Other than the biblical world, which similarly identified creativity with originary language, the ancient world offered no way to conceive of a radical creative process that brought what did not exist into the world. In Ancient Wisdom, Vico raised ques- tions about divine causal agency that suggested a way to attribute creativity to humans.[8] Those questions culminated in the myth of origins that Vico developed in The New Science to support his insights about his master key.
Making his myth compatible with scripture, Vico distinguished between the offspring of Noah’s chosen and accursed sons. He identified the latter as the progenitors of the gentiles: fleeing into the forests, copulating with and living as animals, they lost language, their social world, the ability to think—their very human existence.[9] Those grossi bestioni created the human world, and they did so with imagination. In traditional humanism, the imagination is subjective, whereas those impoverished beings literally had no conceptual space. The ability to imagine occurred only when terror of the unknown forced them to make sense of what terrified them, and they could do so only with the physical skills of their bodies, the most rudimentary of which was perception.
According to Vico, the terror that animated these early humans’ creative imag- ination was first roused by the thunder that occurred when the earth dried after the flood. The sensations bombarding these beastly bodies—sounds of thunder, sight of stormy skies, terror shaking their bodies—were meaningless until they were brought together and forcibly projected onto the sky, leading these poets to see the image of “a great animated body.” [10] The guttural sound Pa forced from their lips named that image. As a metaphor, Pa had no literal meaning, but it called into existence a being in the sky who was angry with their behavior. With that poetic word, which named a metaphoric image, the poets created the human meaning that in turn transformed their animal behavior. Running to caves for protection, they created social practices—marriage, burial, language, their very social existence—and thus established the beginnings of humanity’s ontologi- cally real historical world.
Pa was the first certum made: imagination was not subjective but was instead comprised of solely contingent perceptions that were bought together into images of what did not exist before being reified with a name.[11] “Jove,” Vico claimed, “was born naturally in poetry as a divine character or imaginative universal.” [12] The linguistic creation of Jove was the first experience that was common to soli- tary beasts and elicited common responses, including flights to caves, abandon- ment of a solitary existence for a social one, and shared understandings of the need to do so in order to avoid that fearsome being. Pa had no epistemological significance, but daily experience now had meaning: behavior was governed by social practices that established bonds, in turn creating a sensus communis. Jove was a topos, a place of memory, not as a subjective fantasia but as an immanent part of the lived historical experience of social beings.
When the need to form linguistic generalizations that established laws arose, abstract language was created from the poetic, and with it emerged the silent dialogue that we call thinking.[13] Vico even related the emergence of “subjectiv- ity” to the ontological potency of bodily skills; indeed, after describing the events that elicited Pa, he argued that “Jove” was “the first human thought in the gentile world.” [14] Made by metaphors and images that were generated by bodily skills, language was not only imaginative but also immanent and temporal, a lived pro- cess of concrete making.
Vico was quite explicit about his analogy between divine and human ontologi- cal creativity. “Our Science,” he said, “create[s] for itself the world of nations” but does so “with a reality greater by just so much as the institutions having to do with human affairs are more real than points, lines, surfaces, and figures. And this very fact is an argument, O reader, that these proofs are of a kind divine and should give thee a divine pleasure, since in God knowledge and creation are one and the same thing.” [15] Vico was equally explicit about the differences between them, adding that philosophers and philologists should have gone back to the “senses and imaginations” of first fathers in order to study the origins of poetic wisdom.[16] He claimed that
the first men of gentile nations . . . created things according to their own ideas. But this cre- ation was infinitely different from that of God. For God, in his purest intelligence, knows things, and, by knowing them, creates them; but they, in their robust ignorance, did it by virtue of wholly corporeal imagination. And because it was quite corporeal, they did it with a marvelous sublimity; a sublimity such and so great that it excessively perturbed the very persons for who by imagining did the creating, for which they were called “poets,” which is Greek for “creators.” [17]
The poets created an artifactual reality that, like the natural world created with divine poiesis, was no less real for being so. Just as the embodied anthropology presupposed by verum factum deprives philosophy of epistemology’s subjective grounding, it also provides a conception of humans that is more appropriate for the humanist psychology that Tateo’s authors hope to achieve. The topos made from a sound generated by fear was inseparable from real social practices and physical labor producing the certa, and eventually the vera, of the concrete his- torical world.[18] Knowing can only be the self-referential truth identifying humans as ontological makers of their true things. That would seem to run counter to Vico’s insistence on the role of providence, but Vico’s providence was never a transcendent force but only a functional one, ensuring that choices made for private interests achieved social goals.
Philo Judaeus had given philosophic expression to the unity of the Hebraic god’s knowing and creating with the principle verum et factum convertuntur— that is, the notion that only the creator could know what he created, though he could grant knowledge to those acknowledging him as creator. Fortuitously, the verum factum principle had become commonplace by Vico’s writings. First for- mulated as an epistemological principle in Ancient Wisdom, it was only Vico’s insight into his master key that brought out the ontological significance of his claim that humans are genetically poets—that is, creators rather than subjective knowers.[19]
That knowledge of objects is limited to their makers reveals the skeptical aspect of Vico’s verum factum. [20] The made is known only by its maker because it is not inherently intelligible, and knowing is only the makers’ reflexive under- standing that they are makers. Vico’s delimitation of human knowing to what humans make strengthened his claim that humans could not know God’s creation; that humans can know their own creations is what, with Vico’s help, the authors of Giambattista Vico and the New Psychological Science claim for their new poetic humanistic psychology.
Although all of the essays in this volume are valuable additions to scholar- ship on Vico, few contribute specifically to an embodied poetic interpretation of Vico’s new science. The volume does not contain a discussion of language that adequately captures Vico’s claim of originary creativity, for example, and few of the contributions stress human agency. Moreover, most of the authors inter- pret Vico within modernity’s dualistic frame, as revealed by their pervasive use of subjectivist language. They have not yet realized how radical the shift from Cartesian humanism to Vico’s embodied anthropology is. Perhaps the starkest question they need to answer is, in what way is psychology possible without the metaphysical belief in a psyche?
Sven Hroar Klempe’s and Gordana Jovanovic’s contributions to this volume are responsible for placing Vico in particular histotheoretical contexts. Klempe situates Vico’s work in the history of psychology that emerged from metaphysics; meanwhile, Jovanovic traces Vico’s reception beginning in the eighteenth cen- tury. Both authors question whether Vico is an Enlightenment figure or a critic of the Enlightenment. Klempe distinguishes psychology from metaphysics by emphasizing its increasing concern with perception and sensation. He claims that the relation of sensation to intellect distinguishes divine language, a unity of mak- ing and knowing, from the ideality/generality of human language deriving from abstractions. Thus, there is a “mismatch and a tension . . . between our thinking of the world and the world as it appears to us” (54). “In our efforts to mitigate the tension and the gap between our abstract conceptions and the world,” he notes, “we try to unite those two extremes by means of thinking” (55): man “creates abstractions . . . and abstractions are given through language, and this is the real- ity man is able to grasp. This is the core of the verum factum principle” (60). He explains: “For human beings, truth is provided by language” (68).
Whereas Klempe discusses themes that are relevant to Vico’s turn to the role of sensation in language and thinking in creating knowledge and truth, he distin- guishes thinking, abstract language, and “inner life” from sensation and the body. It is “the spirit that represents the connection between the mind and the body,” Klempe says, though for Vico it is embodied poetic language, not thinking, that creates abstract language (56). For Klempe, Vico is a modernist not only because “we recognize the contours of a psychology by the role he gives the aspects of sensation and subjectivity, which form the basis for how language and meaning making are to be understood” (62), but also because he “is definitely . . . pointing forward by emphasizing the role of the human mind in the verum factum prin- ciple” (50). Vico, Klempe claims, “did not belong to the protestant church, but he adopted the focus on subjectivity” (67).
Jovanovic’s essay examines diverse interpretations of Vico from the eigh- teenth century. On the basis of Vico’s critique of reason and his emphasis on verum factum as epistemological, she explains, his readers consider him to be a modernist rather than an Enlightenment figure. Quoting Benedetto Croce, she explains: “with the new form of his theory of knowledge Vico himself joined the ranks of modern subjectivism, initiated by Descartes” (93). Yet Croce “left out many important aspects of Vico’s thought,” Jovanovic notes: “Thus, it was necessary to overcome Croce’s idealist perspectivism in order to open new vistas for reading Vico” (82).
Jovanovic elaborates on the possibility of “open[ing] new vistas for reading Vico” by proposing that the “perspectives of doing and knowing are hermeneuti- cally united” and that “it is within this conceptual framework that Vico’s human- istic agenda is formulated” (79). She does not specify the nature of those herme- neutic relations but stresses the importance of language in shaping communities. She also emphasizes Vico’s privileging of topics over critique, so it is striking, given the volume’s emphasis on poiesis, that she does not mention the creativity of language, especially since poetic metaphors create a social world before they create the semiological views that emerge in the third age.
Despite her limited discussion of language, Jovanovic clearly understands the significance of its embodied nature and relation to human activity. For instance, she notes that “Vico’s anthropology is naturalistically founded, as it starts with capabilities of corporeal individuals, but it is not reductionist as it includes trans- formation and cultivation of corporeal capabilities and existing physical condi- tions, as well as symbolic products and social practice and institutions” (105).
Her strong emphasis on agency is also promising. Because of the importance of rhetoric, “Vico was a reflective theorist of human activity, but an activity of humans as social beings” rather than “of mechanical, subjectless, and communi- cationless processes” (95). She continues:
Given . . . the importance of . . . verum idem factum, and that not only as an epistemo- logical principle but as a principle constitutive of human history, . . . [it] is justified to see Vico as a modern thinker. . . . I would claim . . . this principle supersedes Vico’s critique of rationality on which most interpretations of Vico as an antimodern or counter- Enlightenment thinker rely. (97)
Jovanovic asserts strongly that Vico “should have been protected from pitfalls of subjectivism and idealism of the raising new epoch” (98, emphasis added). Though stressing the importance of the verum factum principle as “constitutive of human history,” Jovanovic does not appreciate the nature of that constitutive power and instead associates it with modernism’s Homo Faber (97). The activ- ity of the latter is, however, the technological application of knowledge that has been derived from science’s mastery of nature, the very knowledge that the verum factum principle prevents humans from possessing. Vico’s conception of human activity is empowered by the originary nature of poiesis that creates the human world.
Despite the richness of Jovanovic’s and Klempe’s contributions to this volume, and though they move away from identifying humans with the primacy of mental activity, it is striking that neither steps enough outside of the Cartesian frame to recognize the incompatibility between their insights and Cartesian modernism. Despite Klempe’s emphasis on the roles of sensation and language and Jovanovic’s verum factum as epistemological, she explains, his readers consider him to be a modernist rather than an Enlightenment figure. Quoting Benedetto Croce, she explains: “with the new form of his theory of knowledge Vico himself joined the ranks of modern subjectivism, initiated by Descartes” (93). Yet Croce “left out many important aspects of Vico’s thought,” Jovanovic notes: “Thus, it was necessary to overcome Croce’s idealist perspectivism in order to open new vistas for reading Vico” (82).
The contributions to this volume that are most focused on the role of poetic language and sense-making in Vico’s anthropology are by Marcel Danesi, Augusto Ponzio, and John Shotter. Danesi’s contribution offers the most in-depth discussion of Vico’s philosophy out of all the pieces in the volume, yet Shotter, by stepping outside the tradition’s metaphysical frame, does the best job of transcending subjectivism and grasping Vico’s embodied creative humanism. Still, Danesi displays a strong understanding of Vico’s philosophy, saying: “The idea that cognition is an extension of bodily experience, a kind of abstracted sensoriality . . . is, as a matter of fact, the unifying principle that Vico utilized to tie together all the thematic strands that he interlaced throughout the NS [New Science]” (27). “For Vico,” Danesi explains,
the appearance of the metaphorical capacity on the evolutionary timetable of humanity made possible the passage from instinctual responses to the flux of events, where images literally floated around randomly in mental space, to a more abstract and organized form of thinking that helped to guide the mind’s primordial efforts to transform the world of sensorial inputs into cognitively usable models of experience. (44)According to Danesi, “the nature of the connections between things, universal and particular, is not available to discursive cognition. But they are neither merely fanciful nor principally subjective. They are real connections made in imaginative form” (34).
Despite this, Danesi ultimately encloses Vico’s poetic insights within modernity’s dualism and obscures Vico’s master key. Though emphasizing fantasia’s relation to sense and perception, Danesi accepts Edward Sapir and Benjamin Lee Whorf’s claim that “language classifies, not ‘creates,’ experience” (15) and reduces language to “mind-space” (18). Danesi notes: “language and thought are interdependent features of human consciousness—that is, we use language to carry the main load of our everyday thinking. It is only when we need to create new thoughts that we must resort to our fantasia to help us out and start the concept-formation process anew” (15). Fantasia is a “mental faculty that generated consciousness, language, and, ultimately, culture.” “The most important feature of the poetic mind is that it seeks expression into models of the world in terms of metaphor and myth,” as Danesi explains: “From this ‘poetic’ state of mind the first human cultures took shape, developing the first institutions.” According to Danesi, “the fantasia can thus ‘create’ new realities totally within confines of mental space—hence the meaning of imagination as a creative faculty” (16).
Danesi identifies the ingegno as “the faculty that organizes poetic forms produced by the fantasia into stable structures.” Accordingly, “‘making sense’ is a product of ingegno as it imposes pattern onto the images that the fantasia creates in mind-space,” which explains how the first myths were made. Arguing that “agency is governed by ingenuity, not by some biological schema or imprint,” Danesi protects Vico from being reduced to neuroscience but keeps him in metaphysic’s “mind-space” (18). He associates Vico’s conception of language with Thomas Sebeok’s semiotics: “Language, for Sebeok, is an effective cognitive means for modeling the world. . . . ‘Speech,’ or articulated language, is a deriva- tive of this modeling capacity” (33). He argues that Vico can be studied in the context of semiotics since “his concept of metaphor as imprinting human experi- ence in the form of language… is the basis of modern cognitive linguistics” (24). Danesi explains: “The crucial lesson that cognitive science has come to learn is that the imagination and metaphor are the essence of mind” (29).
Even though he identifies the fantasia as “the fundamental feature of mind that allows us to transform and make bodily experience meaningful” (46), Danesi obscures that centrality by saying that “rhetorical figures, which abound in ancient fables, did not emerge to increase the imaginative enjoyment of myths” (44); they “make it possible for humans not only to represent immediate reality, but also to frame an indefinite number of possible worlds” (43). Yet Vico’s poetic language does not represent human reality; rather, it creates an artifactual one. Mind, though an artifact of the fantasia and the ingegno, is continually referred to by Danesi as a subjective agent of making that “operat[es] totally within mental space as it configures and creates models of world events” (18). Most strikingly, Danesi argues that metaphor is the “product of the fantasia—. . . a feature of the mind, not just of language” (19). “Metaphor is a ‘tool’ that the mind con- stantly enlists,” Danesi explains (35): “it expresses the reality in the mind of the speaker” (19). “The human mind is ‘programmed’ to think metaphorically most of the time,” which Danesi claims thus makes metaphor an object of conceptual thought (34).
Ultimately, Danesi’s appeal to cognitive science cannot explain the poetic capacity of the fantasia. Imaginative universals are not cognitive: Vico’s master key emphasizes randomness, the contingency of perceptions, and the insight that perceptions do not represent reality but are brought together to alleviate terror filling beastly bodies. And when brought together, it is language that fixes that image with a name. As noted above, Danesi draws on Sapir and Whorf’s claim that “language classifies, not ‘creates,’ experience.” Yet language produced by cognitive processes cannot explain the fantasia’s poetic ability since cognition does not include emotional interactions between bodily processes and the experi- ences in which they are embedded.
Ponzio similarly discusses Vico in the context of the emergence of semiotics and cognitive linguistics. Much in his explication of semiotics is relevant only to the rational minds of Vico’s third age. However, Ponzio concludes his contribu- tion by articulating a valuable reservation: when discussing Vico’s contribution “to the theoretical framework of current research in cognitive linguistics,” Ponzio asks whether or not “we may speak of a ‘Vichian linguistics,’ as Danesi would seem to be suggesting” (169). Acknowledging that there may be Vichian influ- ences on semiotics and other sign sciences, Ponzio expresses doubts: “Vico’s critique of Descartes is formulated in a context entirely different from Pierce’s” (170). Ponzio notes “that there is a great historical-contextual and motivational gap between Vichian inquiry . . . and current philosophical-linguistic research . . . to the extent that it cannot be classified as ‘Vichian linguistics’” (171). Ponzio’s doubts represent an effective critique of semiotic interpretations of Vico’s conception of language. Indeed, what is clear from Danesi’s and Ponzio’s essays is that focusing on semiotics and cognitive linguistics in an attempt to account for Vico’s poetic conception of language obscures more meaningful explorations of the embodied poetic understandings of language that are suggested by Vico’s anthropology.
Vico was writing before developments in biological science, but even if he had understood how necessary biological processes were to human existence, he would not have considered them adequate for creating human meaning. Identifying the body with neuroscientific activities has obscured a more funda-mental kind of embodied experience, one focused on the necessary interaction of bodily skills with the physical/social world and in turn emphasizing conditions that philosophers would consider sufficient—that is, experiences in the external world to which bodily skills respond not only to satisfy needs and utilities but also to produce imagistic language and social practices that create meaning, thus accounting for human agency. Those experiences in the external world, rather than either neuroscientific or cognitive activity, add sensory and emotional interaction between bodily and experiential processes, thus allowing for the poetic ability that Vico refers to as fantasia.
Shotter’s essay best captures the immediacy of that relation: the embodied, embedded, and emotional nature of making and knowing and its appropriateness for a poetic science of psychology. Shotter begins by discussing the issue that is central to Vico’s writing and cultural psychology: the meaning of human meaning. Meanings made in temporal developmental processes begin in mute times, bodily feelings, fearful responses to unknowns, bodily shaking, guttural sounds, and gestures before becoming images projected onto the sky, metaphoric language, and more complex linguistic and social activities that satisfy needs and utilities necessary for survival. Shotter characterizes those processes as “shared expressions, spontaneously occurring in shared circumstances, to which people spontaneously attribute a shared significance” (121). In elaborating on beginnings, Shotter provides what has been missing in existing Vichian scholarship: an experiential account of the transformative processes that lead from bodily feelings to creative linguistic and social activities. He omits purely necessary biological processes, since by themselves they do not capture interactions with the phenomena that stimulate them or the social activities to which they lead. He similarly omits linguistic theories that do not acknowledge bodily feelings, which are the immediate sources of metaphoric relations. For Shotter, only bodily feelings, external phenomena, and social responses to them—what he calls “shared significance[s]” in the external world—create poetic language and human existence.
Shotter elaborates on Vico’s account of the transition from bodily feelings to imagistic language that makes meaning from sensations like thunder: “the development of social processes is based, he claims, not upon anything preestablished either in people or in their surroundings, but in socially shared identities of feeling [they] themselves create in the flow of activity between them,” or what Shotter says Vico “calls ‘sensory topics,’ . . . because they give rise to ‘commonplaces,’ that is, to shared moments of common reference in a continuous flow of social activity” (124). A sensory topic leads to “an ‘imaginative universal,’ the image of a particular something, a real presence . . . , that is first expressed by everyone acting, bodily, in the same way in the same circumstance, but which is expressed later, metaphorically, in the fable of Jove” (133). Thus, according to Shotter, meanings are created “before the emergence of consciousness or awareness . . . occurs” (122). One implication of this is the fact that “language begins, not with people speaking, but with them listening, not with a performative speech act, but with a hermeneutical invention” (132). Shotter explains: “This suggests a quite different account of consciousness—of con-scientia, of witnessable knowing along with others—than that bequeathed to us currently from within our Cartesian heritage” (121-22). This is because “their meaning [that is, the meanings that emerge from socially shared identities of feeling] is in how bodily we are ‘moved’ to respond to them, in how precisely we are going to incorporate them into our yet-to-be-achieved activities” (122). Shotter makes clearer than others in this volume that what Vico means by “mind” is not only prior to rational content but other than subjective or cognitive processes.
Shotter, in explaining his indifference to biological conditions, says that Vico turned him from a “search for ideal realities (forms or shapes) ‘hidden behind appearance’” (120) that was bequeathed to social science by philosophy and psychology’s concern with “inner workings of . . . subjectivities.” Like Vico, Shotter desires a “direct focus on the unique concrete details of our living, bodily . . . participations . . . in the world around us” (142). He explains:
we have become concerned both with what goes on within the different “inner worlds of meaning” we create in our different meetings with the others and othernesses around us, along with paying more and more attention to our embedding within the ever present, larger background flow of spontaneously unfolding, reciprocally responsive inter-activity between us and our surroundings. It is as “participant parts” within this flow, considered as a dynamically developing complex whole, that we all have our being as members of a common culture, as members of a social group with a shared history of development between us. (142)
In focusing on “inter-activit[ies]” between bodily skills, external stimuli, and the linguistic and social activities to which they lead, Shotter reveals sensory and emotional responses to experiences and links biological conditions that neuro- scientists consider determinate to external physical linguistic and social activities that biologists ignore, enabling us to avoid the reductionisms that are inherent in focusing on biological, mental, or external sociolinguistic activities alone. With Vico’s understanding of wholly corporeal imagination, Shotter argues,
meanings are already present in people’s bodily activities long before awareness or con- sciousness of meaning emergences. For, although such bodily thought lacks an abstract or intellectual content, it does not lack a meaning. If nothing more its function is merely a figurative or metaphorical one: that of linking, or “carrying across” a shared feeling to a shared circumstance, thus to create a sense of “we,” of us all being in this together, a sense of solidarity. (134)
This “flow of social activity” similarly touches on what Vico means when he talks about providence. Rather than being “something external,” Shotter explains, providence is the “natural provision of the resources required for their own fur- ther evolution or transformation (or dissolution). . . . [P]eople construct in their own past activities an organized setting that makes provision for their current activities” (136). “What the ‘inner mechanisms’ might be which make such a realization possible are not Vico’s concern here,” Shotter says: “his concern is a poetic concern with what the ‘outer’ social conditions giving rise to a shared bodily experience in a shared circumstance might be like” (122).
Shotter enables us to move outside of traditional cultural frames. He credits his move to developments in psychology that turned the field away from tradi- tional scientific perspectives; he then found in Vico the emergent embodiment of humans, of which, he says, Vico himself may not have been aware. He claims that Vico must have acquired the ability to be “responsive at every moment to one’s changing circumstances . . . to a distinctive, imaginative sense of what it is like to experience and to make sense of events occurring” bodily (130). Thus, he claims, “the agent of inquiry” becomes prominent (119); or as Shotter says when he describes agency, humans develop a skill of “coming to feel ‘at home’ within a particular sphere of activity” (145). Shotter calls that skill “ontological,” for in knowing “how to be, say, a musician, painter, mathematician, company director, or regional developer, one must acquire certain sensibilities and attunements” and “come to know one’s ‘way about’ . . . inside the requisite, conversationally sustained ‘reality’ or ‘inner world’” (146).
This volume’s sharpest response to challenges from biology, and particularly what Tateo calls its “tendency to reduce psychological processes to the most basic events that can be explained through the biochemistry of the brain,” come in the form of Shotter’s focus on concrete details of embodied participation in the world (xviii). Biochemical events and evolutionary processes are necessary for human existence, but they cannot account for it without also addressing social, historical, and cultural activities. Those conditions, which are similarly necessary and, more importantly, sufficient, are the very activities that Vico highlighted and that have not been given sufficient weight by neuroscientists. Failure to appreci- ate the linguistic, social, and physical activities that do the actual creative labor of bodies leads to reductionism.
Whereas Shotter’s account of the way meaning inheres in bodily feelings and allows for “a sense of ‘we’” accounts for sensus communis, Ivana Markova’s essay provides context for that notion before and after Vico (134). The basis of Vico’s sensus communis is ingenium and imagination. “Diverse things,” accord- ing to Markova, “are brought together on the basis of immediate and momentary vision, that is, on the basis of the logic that enables creating images,” particularly imaginative universals that are rooted in common sense (179). Markova empha- sizes the relation of common sense to sensation and, because of the role of “needs or utilities,” to action (178). She stresses metaphoric language’s primary role in this creative process.
The final essay, which is by Carlos Cornejo, compares Vico and Nicholas of Cusa, whom Cornejo claims both adopted a “knowing by not-knowing” approach that Cusa calls “docta ignorantia” (197). Cornjeo claims that Vico’s fantasia continues that tendency of nonrational certainty, though he notes that Vico’s rejection of Cartesian rationalism and the constraints of the body “lies on a dif- fering anthropology.” According to Cornejo, “Vico’s proposal for ascribing more epistemic power to the human sciences than to natural sciences is based on a deep reconsideration of the nonrational capacities in the knowing process” (192). Vico’s relation to the medieval tradition “embodies both novelty and continuity” (196).
If the field of psychology hopes to use Vico’s new science to move from sci- entism toward a more embodied and culturally embedded psychology, it must accept his belief in a closer relationship between rhetoric’s conception of linguis- tic agency and philosophy, thus producing not epistemic knowledge but poetic meaning. Giambattista Vico and the New Psychological Science does not con- tain a conception of language that captures its connectedness to the body rather than to cognitive processes and to the hermeneutic ways it makes sense of and establishes relations with the experiential physical and social worlds. This is an originary power that creates meanings that are not given in nature. The volume’s authors also have not transcended the traditional belief in a dualism between body and some version of intentional cognitive agency. These inadequacies make it difficult to grasp a conception of human agency that interacts with and transforms the physical world, creating a concrete, real, and meaningful human world. Only Shotter appreciates the ontological importance of embodied skills, or the agency that he describes as shared happenings in the external world, “socially shared identities of feeling [beings] themselves create in the flow of activity between them,” “shared moments of common reference in a continuous flow of social activity” (124). This is the way human meanings emerge providentially before consciousness of meaning emerges. Shotter makes clear that what Vico referred to when he talked about the “mind” was something that not only existed prior to cognition but also contained dimensions that were not subjective processes. The developmental processes derived from the common social processes that Vico traced in the historical world do not constitute modernity’s progressive course. Rather, they constitute a cyclical course that produces a regularity that is more supportive of a humanistic (rather than a scientific) new poetic psychology.
It is my hope that the authors of this volume are open to nontraditional readings of Vico that are as strange to contemporary audiences as Vico’s poetic insights were to his original readers, who were embedded in Cartesianism. Only such a reading can free the imaginative and poetic nature of the New Science from mis- understandings that have plagued modern readers since the book’s publication.
Notes
- Giambattista Vico, The Autobiography of Giambattista Vico, transl. Max Harold Fisch and Thomas Goddard Bergin (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1944), 128-32.
- Bergin and Fisch translate cose as “institution.” Elsewhere I translate cose as “thing” to cap- ture the concreteness of the world humans create, and I adopt that usage here. For more on this, see Sandra Rudnick Luft, Vico’s Uncanny Humanism: Reading the New Science between Modern and Postmodern (Ithaca, NY: Cornell University Press, 2003), 130n37.
- Giambattista Vico, The New Science, transl. Thomas Goddard Bergin and Max Harold Fisch (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1948), para. 34.
- Ibid. 5. Ibid., para. 147, 134.
- Ibid., para. 59.
- Luft, Vico’s Uncanny Humanism, 24-26.
- Giambattista Vico, On the Most Ancient Wisdom of the Italians: Unearthed from the Origins of the Latin Language, transl. L. M. Palmer (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1988), 105-7.
- Vico, The New Science, para. 172, 192-95, 369, 377.
- Ibid., para. 377.
- The word certum (certain) refers to the first things created. 12. Ibid., para. 381.
- Ibid., para. 1040.
- Ibid., para. 447.
- Ibid., para. 349.
- Ibid., para. 375.
- Ibid., para. 376.
- Certa become vera (the true) for the knowers. 19. Vico, On the Most Ancient Wisdom, 45-47.
- When secularized, the principle’s status as epistemological or ontological depends on the divinity whose creativity humans appropriate. It either reproduces ideal rational truths or the volun- tarist power of an omnipotent deity. In the context of Cartesianism, the principle understood by the moderns has remained resolutely epistemological.
Sandra Rudnick Luft – San Francisco State University, Emerita.
TATEO, Luca (ed.). Giambattista Vico and the new Psychological Science. New Brunswick and London: Transaction Publishers, 2017. 242.p. Resenha de: LUFT, Sandra Rudnick. Vico’s new science and new poetic Psychological Science. History and Theory, v.60, n.1, p.163-176, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].
History and collective memory in South Asia, 1200-2000 | Sumit Guha
Sumit Guha | Foto: UW |
Historians always work in evolving political contexts that influence their knowl- edge and narratives. This cultural reality provides a framework for Sumit Guha’s imaginative analysis of how the collective memories that shape human societies are contingent and fragile because they are embedded within the changing insti- tutional systems of social and political life. In History and Collective Memory in South Asia, 1200–2000, Guha analyzes the processes of remembering and forget- ting in South Asian cultures, but similar sociocultural patterns have also appeared in almost every other human society. Historical knowledge serves numerous public needs, including the need for governments and social elites to justify their power and the need for cultural communities to sustain shared collective identi- ties. Historians therefore have an essential public role for which they have often been supported in schools, religious orders, government libraries, and universi- ties, which Guha describes as the “cloistered” institutions that produce and teach historical knowledge (4). This link to institutions, however, makes historical knowledge vulnerable to changing political regimes and to popular upheavals in the social world that always surrounds the cloisters in which experts construct their historical narratives.
I. CONTEMPORARY CHALLENGES TO SCHOLARLY HISTORICAL KNOWLEDGE
Although modern professional historians continue a long tradition of working in privileged cloisters, Guha argues that such experts have created only one of the cultural streams that carry historical knowledge across the generations of social life. The expertise of historical specialists has long been challenged or displaced by oral and popular histories that circulate informally in the public and private spheres of all human communities, creating alternative stories that have wide cultural influences and also affect the ideas of those who write history within even the best-supported institutional cloisters. Historical knowledge is thus inex- tricably connected to public life because it grows out of the collective identities and cultural memories that historical narratives both reflect and help to shape. The public interactions with cloistered historical knowledge, as Guha emphasizes with specific references to both India and the United States, have grown all the more visible in recent decades as diverse social groups have claimed their own historical knowledge and publicly derided the experts for writing false history. Professional historians are thus increasingly marginalized by the “knowledge” that emerges in the popular media or flows among the contemporary religious and political activists who wage transnational culture wars on websites and social media apps. Militant crowds in South Asia, Europe, and the US have been destroying monuments that represent discredited historical figures, but activists with radically diverging ideologies are also constructing new historical narra- tives that assert collective identities and political goals. These politically charged narratives have become part of wider cultural struggles to control historical memories, and they often challenge evidence-based historical accounts that were written in scholarly institutions. Guha wrote his book from a position within one of the cloistered institutions (the University of Texas) where professional experts have traditionally developed and evaluated valid historical knowledge. He therefore notes the context for his own historical project by explaining that recent public claims for the validity of nonexpert historical narratives “made me more keenly aware of how the academy exists only as part of a society” and how “public knowledge of the past” has long “been enfolded in political and economic systems” (x). Guha launches his narrative of South Asian historical knowledge with an explicit recognition that neither the political leaders nor social protest movements in our “post-truth” era are inclined to respect the carefully compiled, evidence- based research of professional historians (ix). Late twentieth-century academic historians such as Peter Novick described a declining faith in historical objectivity among scholars who worked in academic history departments, but the debates of that time were viewed mainly as internal philosophical arguments about the opposing epistemological perspectives of relativism and positivism.[1]
The cultural stakes of these arguments have now become part of a much broader political cul- ture because the cultural-political context has changed. Scientific experts have lost public influence as people outside of the traditional, knowledge-producing clois- ters have gained access to new media and communication networks. Professional historians, like other experts in both the natural sciences and the social sciences, now have to defend the value of evidence-based knowledge in a public sphere that often disdains the whole enterprise of careful documentary research. Guha’s account of collective memories and historical narratives in South Asia over the last eight centuries thus suggests that our (noncloistered) public culture may be returning to conceptions of historical knowledge that long shaped the use and abuse of history in earlier social eras. As Guha explains with persuasive examples, historical knowledge in premodern South Asia and Europe was viewed mainly as a tool to support the political claims of governing elites or to defend the sociocultural status of social groups whose identities were affirmed through semimythical narratives about past struggles and heroism. Human beings have always defined themselves, in part, by describing their historical antecedents, so historians inside and outside of institutional cloisters have provided the requisite collective memories in their written texts and oral histories. Yet Guha repeatedly notes the fragility of collective memories, which can quickly dissipate when social, political, and cultural regimes change or collapse. Most of the once-known information about past people and events has completely disappeared because the cloisters that produced or protected this knowledge were destroyed (for example, the religious communities that protected historical memories in ancient Egypt and Mesopotamia), or because later governing powers had no use for historical nar- ratives that had justified the power of previous rulers, or simply because nobody believed that the activities of common people needed to be recorded in historical narratives.
Guha thus provides humbling reminders that historical knowledge is for- ever changing or vanishing amid the constant public upheavals that transform and demolish the work of historians as well as the past achievements of every other sociocultural community. Guha’s reflections on the contingencies of now- vanished historical knowledge may remind readers of the melancholy themes in Percy Bysshe Shelley’s poem “Ozymandias” (1818), which famously described a traveler’s encounter with the ruins of an ancient king’s shattered statue on a lonely sandscape: “My name is OZYMANDIAS, King of Kings; Look on my works, ye Mighty, and despair!” No thing beside remains. Round the deca Of that Colossal Wreck, boundless and bare, The lone and level sands stretch far away.[2]
One of Guha’s themes in this book conveys a similar story about the fragility of historical knowledge and memories, which means that “the preservation of a frac- tion of the immense world of human experience in the historical record depends on choices and resources, or else it perishes irretrievably” (116). Every genera- tion, in short, must reconstruct historical memories to prevent their otherwise inevitable decay and disappearance in later human cultures.
II. EUROPE ON THE PROVINCIAL FRONTIER OF GLOBAL INTELLECTUAL HISTORY
The fragility of historical knowledge is one example of how Guha views the entanglement of collective memory, political power, and public struggles for social status. History and Collective Memory in South Asia focuses mainly on the development and loss of historical memory in India, but there are also descriptions of similar memory-producing practices in premodern Europe. These comparative perspectives contribute to a historical decentering of European cultural and political institutions that draws on Dipesh Chakrabarty’s influential proposals for “provincializing Europe.” 3 Guha challenges Western narratives that portray a unique European historiographical pathway from the classical Greek works of Herodotus and Thucydides to the nineteenth-century, evidence-based archival methods of Leopold von Ranke. The uniqueness of early European historical writing mostly disappears in Guha’s comparative framework as he shows how medieval European memories and identities were constructed through genealogical research and chronological summaries that South Asian historians also developed during these same centuries. In both of these premodern cultural spheres, most historical narratives focused on local events or people; and the useful knowledge came from genealogists and court heralds who confirmed the esteemed lineage of people who held privileged social status and political power (or wanted to claim new power for themselves). Religious writers in both Europe and South Asia also offered popular narra- tives to explain why particular churches and religious shrines should be visited and why they should be supported with generous gifts. European historical writ- ing thus evolved as an unexceptional local example of the historical research that was also developing widely across Persia and India during this same era. Placed within this wider framework, European genealogists were (like their Indian coun- terparts) “bearers of socially vital histories . . . who kept records and sent out pursuivants across their jurisdictions to record and verify” (35).
Guha thus provides carefully researched examples of how historians can “pro- vincialize Europe” when they move beyond traditional Western assumptions abou European exceptionalism. At the same time, however, he adds to the expanding work in “global intellectual history” by using two important methods for analyzing the history of ideas in different cultures and for tracing transnational intellectual exchanges.[4]
Guha first describes cross-cultural similarities in the labor of heralds and genealogists who served sociopolitical elites in England, France, and Spain, but he also shows how historical workers provided the same services for social elites in India. The social contexts differed, but historians served similar premodern public needs in both cultures. The genealogical arguments for social status, political power, and property ownership were developed with an assiduous attention to past generations and with often-needed adjustments to complex social histories; this careful work everywhere provided essential historical justifications for noble and royal claims to power. After summarizing similar cultural practices that developed independently within Europe and South Asia, Guha uses a second methodology of global intel- lectual history to analyze how ideas about historical knowledge later moved across cultural boundaries and influenced people on both sides of the colonizer/ colonized social hierarchy. The themes in Guha’s narrative thus shift from a description of cultural similarities to a description of cross-cultural exchanges and the mediation of cultural differences. During the nineteenth century, British colonial officials and educators arrived in India with new ideas about how his- torical knowledge should be based on documentary evidence, so the institutions they developed for cross-cultural instruction (including schools and universities) became sites for new cultural translations of materials they encountered in India. British educators developed a tripartite narrative that portrayed Indian history as an evolution from eras of Hindu and Muslim rule into the era of Britain’s Christian Imperial rule, which British officials portrayed as superior to the earlier Mughal Empire. Equally important, a new English-educated, South Asian intelli- gentsia gradually adopted some of the new European methods and ideas for their own anticolonial purposes. Ideas and research methods traveled across cultural boundaries, but they also changed as Indian historians used them to pursue goals that differed from the purposes and expectations of British officials. The Indian scholar Vishwanath Kashinath Rajwade (1864–1926), for example, worked in this hybrid sphere of cross-cultural exchanges during the colonial era, when he joined with other intellectuals in western India to develop a Marathi perspective on British imperialism. Rajwade believed that the “latest methods of source criticism would enable India to recapture its own history” (142), so his work made creative use of some European cultural practices that helped to advance the goals of an emerging Indian nationalism. According to Guha’s account of this hybrid cultural process, “Leopold von Ranke’s doctrines may have reached him [Rajwade] by indirect routes, but he was certain that their application would vindicate both Maratha and Indian nationalism. This was the atmosphere in which the early venture for a public and documented history was launched in the Marathi-speaking world” (143). These two methodological European exceptionalism. At the same time, however, he adds to the expanding work in “global intellectual history” by using two important methods for analyzing the history of ideas in different cultures and for tracing transnational intellectual exchanges.[5]
Guha first describes cross-cultural similarities in the labor of heralds and genealogists who served sociopolitical elites in England, France, and Spain, but he also shows how historical workers provided the same services for social elites in India. The social contexts differed, but historians served similar premodern public needs in both cultures. The genealogical arguments for social status, political power, and property ownership were developed with an assiduous attention to past generations and with often-needed adjustments to complex social histories; this careful work everywhere provided essential historical justifications for noble and royal claims to power. After summarizing similar cultural practices that developed independently within Europe and South Asia, Guha uses a second methodology of global intel- lectual history to analyze how ideas about historical knowledge later moved across cultural boundaries and influenced people on both sides of the colonizer/ colonized social hierarchy. The themes in Guha’s narrative thus shift from a description of cultural similarities to a description of cross-cultural exchanges and the mediation of cultural differences. During the nineteenth century, British colonial officials and educators arrived in India with new ideas about how his- torical knowledge should be based on documentary evidence, so the institutions they developed for cross-cultural instruction (including schools and universities) became sites for new cultural translations of materials they encountered in India. British educators developed a tripartite narrative that portrayed Indian history as an evolution from eras of Hindu and Muslim rule into the era of Britain’s Christian Imperial rule, which British officials portrayed as superior to the earlier Mughal Empire. Equally important, a new English-educated, South Asian intelli- gentsia gradually adopted some of the new European methods and ideas for their own anticolonial purposes. Ideas and research methods traveled across cultural boundaries, but they also changed as Indian historians used them to pursue goals that differed from the purposes and expectations of British officials. The Indian scholar Vishwanath Kashinath Rajwade (1864–1926), for example, worked in this hybrid sphere of cross-cultural exchanges during the colonial era, when he joined with other intellectuals in western India to develop a Marathi perspective on British imperialism. Rajwade believed that the “latest methods of source criticism would enable India to recapture its own history” (142), so his work made creative use of some European cultural practices that helped to advance the goals of an emerging Indian nationalism. According to Guha’s account of this hybrid cultural process, “Leopold von Ranke’s doctrines may have reached him [Rajwade] by indirect routes, but he was certain that their application would vindicate both Maratha and Indian nationalism. This was the atmosphere in which the early venture for a public and documented history was launched in the Marathi-speaking world” (143). These two methodological realms. Oral traditions shaped the identities of local communities, asserted the significance of local religious shrines, or justified the social positions of local elites who continued to challenge the centralizing power of imperial states. All of these narratives could coexist with the historical narratives of large empires because “outside the early temple-cities and imperial capitals, . . . local and folk traditions propagated mutually contradictory but noncompetitive narratives of the past” (27). There was never just one historical narrative, and the local folk nar- ratives sometimes became more powerful and widely accepted than the official narratives that historical experts produced in the cloistered institutions of imperial capitals. In every historical period, diverging narratives claimed to provide the best accounts of recent or remote historical events.
Guha introduces early Indian historical writing by focusing on Muslim histo- rians whose Persian monotheism asserted the existence of a “universal history” that transcended the fragmented local histories of earlier South Asian states (45). Muslim historians believed that a single God oversaw every human activity because all actions took place in a “universal time” (51). This temporal perspec- tive suggested that every great or small event contributed to an overarching historical process, yet the conflicts over political power inevitably occurred in specific places and local settings that required historical attention. Genealogists and court historians thus wrote historical accounts to show the ancient lineage of newly arrived Persian rulers in the era of the Delhi Sultanate (which spanned the thirteenth through the sixteenth centuries), and Persian-language narratives told official stories about heroic past achievements to justify the recent, regional expansion of Muslim power. Politicized historical narratives continued to appear during the later Mughal Empire, whose famous Emperor Akbar (r. 1556–1605) bolstered his centralizing aspirations by supporting new historical narratives (in Persian) and building new monuments that stressed the importance of imperial unity. Other strands of social memory nevertheless flourished outside of the official court-centered narratives that Mughal emperors promoted. Both before and during Akbar’s reign, Guha notes, “many forms of collective memory coex- isted, with the new Persian political and military histories as simply an additional branch of memory” (61). Local memories were often associated with local reli- gious shrines, and long after the Mughal conquests extended into eastern India there were still Bengali legends, lineage stories, and Hindu religious centers that defied or ignored the court-supported Mughal histories. These unofficial narra- tives sustained Bengali cultural memories, though local Buddhist memories were often lost in the competing Muslim and Hindu histories of the era.
As Mughal power declined in the late seventeenth century, the rising Marathi state in western India became a new center of historical knowledge and collective memory. Guha explains that the “Marathi-speaking gentry had long written or dictated narrative histories” for the region, but their expanding political aspirations soon generated new “macronarratives” that helped to justify the political claims and collective identity of the ambitious Marathi (Hindu) regime (107). Historical writing therefore celebrated the achievements of a Marathi elite that governed a mostly Hindu population and eventually displaced the Mughal empire in north- central India, but the Marathi historians ignored the historical achievements of their Hindu predecessors in southern India (the Vijayanagara Empire). The eighteenth-century Marathi elite thus used a narrowly defined collective memory to create an “enmeshing of history and identity [that] was unique in South Asia at the time” (109). Other social groups continued to shape collective historical memories, however, through narratives that circulated outside the Marathi literati. Workers and servants, for example, spoke in court cases that Guha cites to show how nonelite people could provide important historical information about family events and property holdings. Challenging Gayatri Spivak’s famous claim that the voices of subaltern people could never be heard or recovered, Guha refers to late seventeenth-century court testimonies in Maharashtra to argue that lower class women and men in western India “could speak and were sometimes unique sourc- es of evidence” (99).[6]
Craftsmen, barbers, and even gardeners offered their per- spectives on past events or conflicts. Most were illiterate, yet “ordinary villagers . . . passed on key elements of local history from generation to generation” (100). Both the elite Marathi writers and subaltern speakers narrated local history in texts and court testimonies that Guha describes as more factual than the histori- cal narratives that appeared in other parts of India. The west Indian Hindu literati nevertheless resembled historians throughout South Asia in supporting their own government’s political interests and in mostly ignoring the history of previous rulers. Like other elite writers, they also faced the challenge of unofficial historical narratives that conveyed the perspectives of other social groups, including the obscure subalterns who testified (historically) in legal proceedings and family disputes. The struggle to consolidate political power was always linked to cul- tural struggles over the control of stories about the past.
III. HISTORICAL KNOWLEDGE IN THE ERA OF IMPERIALISM AND POSTCOLONIAL TRANSITIONS
Historical writing in both the Marathi-speaking west and the Bengali-speaking east gradually changed after British colonial institutions became new centers of education and historical memory during the nineteenth century. Extending the cultural practices of their political predecessors, British imperialists introduced new historical narratives to increase their own prestige and stature. Guha shows that the power-enhancing uses of historical knowledge remained as prominent in the British colonial era as in the earlier periods of Indian history, but the British brought new European methods for source citations and historical writing. Their sources and narratives conveyed unexamined cultural assumptions about the superiority of Christian traditions, and they often portrayed British rule as a more enlightened imperial successor to the earlier Mughal Empire.
Although Guha explains how the British ascendancy decisively altered the political and cultural context for historical writing, he also argues that the Indian literati always found new ways to narrate their own history—in part by drawing on unofficial, popular histories that still circulated outside of British institutions.Indian writers increasingly accepted new standards of historical evidence, how- ever, which “tended to converge on demanding authentic contemporary sources” (118). The prestige of document-based historical narratives forced Indian histo- rians to recognize that “the power of Western narrative could not be denied, but chinks in it could be sought so as to turn it against the colonizer” (119). Counter- narratives thus challenged the official historical voice, which now spread a European, Christian message within and beyond the cloisters of British schools and universities. Guha gives particular attention to the hybrid historical work of western Indian writers such as the previously noted Vishwanath Kashinath Rajwade and the documentary specialist Ganesh Hari Khare (1901–1985), both of whom wrote texts that differed from the colonial historical narratives and used more factual evidence than could be found in the genealogical stories and “historical romance” of Bengali historians such as Bankim Chandra Chatterjee (1838–1894) (134). Despite Guha’s recognition of the cultural value in all kinds of historical narratives—popular oral histories, genealogies, religious stories, and even fictional works—he repeatedly affirms the superiority of historical research that uses verifiable documentary sources. Adhering to the modern research meth- ods of cloistered professional historians, Guha argues that the most reliable his- torical truths appeared in evidence-based narratives that explained what actually happened rather than what later generations wanted to believe could or should have happened.
The historical resistance to British colonialism did not end when South Asians established independent nations after 1947. As Guha notes in his discussion of postcolonial cultural transitions, historians in both Pakistan and India set to work on nation-building tasks that required coherent national histories and emphasized the kind of long-term continuities that nationalists typically find or invent in their own national cultures. The enduring influence of certain colonial-era British nar- ratives helped to shape new “ethno-nationalist” accounts of Hindu history that condemned Mughal rule and the oppressive power of Muslim outsiders (132). Colonial legacies also influenced some later postcolonial historians who sup- ported an “indigenist” rejection of the evidence-based historical knowledge that British historians had advocated in English-language universities (160). To be sure, British educators had often violated their academic standards for evidence- based historical writing as they promoted their own faith-based assertions about Christian miracles, the superiority of European cultures, and the flaws of Indian religious traditions. Guha notes with dismay, however, that the postcolonial rejection of imperial institutions and ideas evolved into a growing nationalist suspicion or rejection of carefully compiled, evidence-based historical narratives. Historians who searched for indigenous alternatives to British culture drifted away from rigorous research and celebrated ancient Vedic learning in mythic narratives that no longer cited historical evidence or documentary sources.
Guha’s concluding critique of postcolonial changes in South Asian cultures therefore returns to his introductory arguments as he condemns the dangers in “post-truth” societies that reject the foundational research of reliable historical knowledge. The cloisters of professional historical work, where evidence-based research methods established the criteria for accurate (though culturally inflected) knowledge, have been threatened or displaced by the political-cultural influence of a surging Hindu nationalism that resembles similar nationalist critiques of “fake history” and “false” academic work in the US. Political groups and their affiliated media systems in India and America have launched a similar “external assault on the community of professional historians” (x), thereby forcing historical experts to defend the truth of their knowledge in a transformed public sphere. Guha sees familiar historical patterns in these recent challenges to historical knowledge because carefully constructed historical narratives were often overwhelmed and rejected in the sociopolitical upheavals of past transitional eras. Each historical era is different, of course, but Guha suggests that cloistered historians may not recognize how the scapegoating of inconvenient or unpopular knowledge never disappears. “History departments in the few but comparatively well-funded Indian universities controlled by the central government,” Guha writes in a discussion of South Asian historians who lost influence after the 1970s, “were confident, indeed complacent, in their authority. . . . The narrow circle of specialists could still, in principle, resolve disputes by reference to sources and documents, as in the standard model. This gave its members an undue sense of their own grip on the past” (173).
This cultural moment has now passed, however, and the once-cloistered historians find themselves under attack from radical Hindu nationalists, Bollywood historical movies, and so-called identity histories that dismiss or misrepresent the complexities of historical evidence. This situation is by no means unprecedented, as Guha demonstrates in his careful analysis of how collective memories changed under the influence of different governing systems over the last eight centuries. Yet the recurring political struggle for control of historical knowledge seems to be gaining renewed force in a twenty-first-century context of far-reaching social media, website communications, and highly politicized group identities.
IV. HISTORICAL KNOWLEDGE AND THE PUBLIC SPHERE IN A “POST-TRUTH” WORLD
Guha’s careful examination of South Asian historical knowledge contributes valuable perspectives for wider discussions of how collective memories help to shape political cultures and the public sphere. He explains the significance of historical narratives and monuments that sustain collective identities, but he also stresses that popular memories and oral histories have always expanded or challenged the historical perspectives of cloistered experts and state-supported narratives. Guha therefore provides a broad overview to help his readers understand how contemporary critiques of evidence-based academic scholarship may resemble disruptions that have occurred whenever political regimes have been overthrown or new social-cultural-religious groups have come to power. Historical knowledge, as Guha demonstrates throughout his book, has always been fragile and vulnerable to public upheavals.
There are nevertheless limitations in Guha’s work that raise questions for further critical analysis. His insistence on the value of evidence-based research is relevant for historical studies in every society, even though the specific modern arguments for such research emerged in European universities and then gained global influence through other institutions that governments, imperial regimes, and private groups established in other places around the world. Guha notes this complex process of cross-cultural exchange, yet he does not discuss how technological transitions are creating new challenges for document-based historical research and also transforming how historians might study cross- cultural interactions. The new technological challenges began to emerge with the computer revolution of the 1990s, and they became even more pervasive as mobile telephones replaced printed texts and older computers for many twenty- first-century communications. Documents stored on obsolete floppy disks may already be almost as inaccessible as illegible stone tablets in an ancient cave. What happens to evidence-based historical memory when most communications take place in easily deleted telephone text messages or on social media apps that are constantly evolving with the technological innovations of companies that sell mobile telephones?
Guha concludes his book with a commendable insistence on the value of carefully researched historical work and a plea “that we continue to strive for an evidence-based mode of writing it” (178). The instant communications of social media meanwhile pose a double challenge to evidence-based historical writing because sources are disappearing almost instantly, and highly motivated political or religious groups are quickly spreading false historical narratives via internet technologies that previous cloistered historical experts never had to confront. Addressing the implications of these cultural changes would take History and Collective Memory beyond its chronological limits, but historians need to address such issues as they confront the growing public influence of false history, which Guha rightly condemns in his preface, introduction, and conclusion.
Contemporary technological challenges could be explored in future studies of new social media, but a different historical problem appears in Guha’s complaint that cloistered historians have helped to undermine their own evidence-based expertise by embracing postmodern critiques of objectivity. Ironically, as Guha points out in his preface, the influential Foucauldian argument that power cre- ates knowledge seems to have been embraced by powerful governing elites who generally reject the ideas and writing styles of postmodern theorists. One of the American architects of the Iraq invasion in 2003, for example, assured a journalist that American policymakers were powerful enough to define and thereby create political realities in a distant Middle Eastern society. “Postmodern thought,” Guha notes, “had thus been captured by its inveterate critics in the power elite” (ix). This concern about public actors who now adapt theoretical critiques of empirical knowledge to justify their own claims for reality-shaping narratives leads to one of Guha’s specific warnings about the current threats to historical knowledge. Although he provincializes European claims for unique historiographical traditions and methods, he also defends the Rankean belief in the documentary foundation of fact-based historical knowledge. Guha thus views the commitment to evidence-based knowledge as an essential cultural value that should never be dismissed as simply a Eurocentric ideology. Documentary evi- dence, as he correctly insists, provides valid criteria for historical truth in South Asia and in every other society that seeks to establish reliable knowledge about its own past. This commitment to evidence-based historical knowledge, however, leads Guha to an unexpected critique of historians who draw radical relativist implications from the argument that narrative choices shape the construction of all historical knowledge.
Guha’s work carefully examines the words and narrative structures that shape human uses of the past, yet he seems to pull back from his own analytical themes at the end of his book. “We have entered a post-truth world through many paths,” he notes: “One of those brought us here by arguing that all narratives were constructed, and consequently all are equally valid” (176). This is a puz- zling statement because Guha’s book actually shows why the second clause in this sentence is not correct. It is certainly true that all narratives are constructed, but Guha skillfully shows (and almost all historians would agree) that some nar- ratives are far more truthful than others because the best historical accounts are based on documentary evidence and other verifiable sources. Guha’s analysis of South Asian historians thus uses evidence-based criteria to explain why some constructed narratives are more valid than others. His concluding lament about a misguided academic acceptance of the postmodern emphasis on the shaping power of narratives seems to be refuted by the critical assessments of different textual constructions in his own impressive book.
My questions about the impact of changing technologies and the ongoing evaluation of truth claims in historical narratives suggest some of the key issues that Guha’s book encourages readers to continue exploring in our “post-truth” historical era. Although he develops an insightful account of the ways in which historical knowledge evolved in specific South Asian cultures, Guha also shows how this long-developing cultural history challenges traditional narratives about European exceptionalism, confirms the influence of cross-cultural exchanges, demonstrates the complex hybridity of colonial and postcolonial ideologies, and exemplifies the continual intersection of historical knowledge and public conflicts. Guha’s emphasis on the contingency of historical knowledge and the vulnerability of experts also reminds professional historians that sociopolitical forces affect the narratives they write as well as the economic resources that support their privileged positions. Historians thus remain vulnerable to the revo- lutionary upheavals they like to study from the safety of their cloistered positions.
Perhaps the current vulnerability of professional historians results partly from a gradual twentieth-century scholarly withdrawal from intellectual engagements with public life and public history. Given the pressing need for historical narra- tives in public life and in the cultural defense of collective identities, there will always be (nonexpert) groups who want to fill the public historical vacuum that exists when historians argue only among themselves. The historians’ long-term retreat to university cloisters has become increasingly problematic amid the recent populist upheavals around the world, but these unsettling events may now be forcing historians to become more aware of their connections to the public sphere. This awareness could grow in all national cultures as university-based historians struggle to maintain student enrollments and financial resources—and as activist groups constantly develop self-supporting historical narratives in the popular media that flourish outside academic cloisters.
Sumit Guha’s well-argued, well-researched account of collective memory in the longue durée of South Asian history thus helps historians understand the enduring connections between historical knowledge and the struggle for power in public cultures. Cloistered historical experts who find themselves increasingly besieged by twenty-first-century culture wars and polarizing political conflicts might turn to Guha’s narrative for transcultural perspectives on their current chal- lenges. They may also draw on his perceptive analysis of South Asian historical narratives to understand more clearly why they must engage with public cultures beyond their cloisters and defend the evidence-based historical knowledge that others will denounce, distort, or ignore.
Notes
- Guha refers to key themes in Peter Novick, That Noble Dream: The “Objectivity Question” and the American Historical Profession (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1988).
- Percy Bysshe Shelley, “Ozymandias,” in The Complete Poetry of Percy Bysshe Shelley, vol. 3, ed. Donald H. Reiman, Neil Fraistat, and Nora Crook (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2012), 326. This reference reflects my own response to Guha’s themes; he does not mention Shelley or this poem in his book.
- Dipesh Chakrabarty, Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference (Princeton: Princeton University Press, 2000). Guha draws on Chakrabarty for his useful distinctions between “cloistered” and “public” history as well as his broader interest in displacing Europe from its “central, normative role in world history” (Guha 5).
- For a summary of notable research methods in this field, see Samuel Moyn and Andrew Sartori, “Approaches to Global Intellectual History,” in Global Intellectual History, ed. Samuel Moyn and Andrew Sartori (New York: Columbia University Press, 2014), 3-30.
- The key work for Guha is Maurice Halbwachs, On Collective Memory, ed. and transl. Lewis Coser (Chicago: University of Chicago Press, 1992).
- Guha challenges the influential argument that appears, among other places, in Gayatri C. Spivak, “Can the Subaltern Speak?” in Marxism and the Interpretation of Culture, ed. Cary Nelson and Lawrence Grossberg (Urbana: University of Illinois Press, 1998), 271-314.
Lloyd Kramer – University of North Carolina, Chapel Hill.
GUHA, Sumit. History and collective memory in South Asia, 1200-2000. Seattle: University of Washington Press, 2019. Pp. xiii, 240. Resenha de: KRAMER, Lloyd.The enduring public struggle to constructo, control, and challenge historical memories. History and Theory, v.60, n.1 p.150-162, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].
This life: secular faith and spiritual freedom | Martin Hägglund
Martin Hägglung | Foto: SSE |
“You realize the sun doesn’t go down It’s just an illusion caused by the world spinning ‘round” — The Flaming Lips, “Do You Realize??” [1]
Why aren’t there life expectancy protests? I asked myself this question often while reading Martin Hägglund’s This Life: Secular Faith and Spiritual Freedom, which begins with an atheistic confrontation with our mortality and builds toward a philosophical argument on behalf of democratic socialism. In some countries, and conspicuously in the United States, where I live, there are powerful correla- tions between wealth inequality and inequality of life expectancy. In some cases, the disparity in life expectancy stretches beyond a decade, equaling thousands of days of life. Writing in the New York Times in April 2020, David Leonhardt and Yaryna Serkez observed, “Rich and poor Americans used to have fairly similar lifespans. Now, however, Americans in the bottom fourth of the income distribu- tion die about 13 years younger on average than those in the top fourth.” [2] Why don’t we see organized political movements that target the link between wealth and longevity and protest the fact that without a strong system of socialized medicine, a healthy bank balance and secure employment are the only means to ensure not longevity—long life is never certain—but treatment for the injuries and diseases that cut life short? Why don’t we protest the fact that the wealthy tend, as a group, to live longer than the rest of us?
One plausible answer is that life expectancy simply lags after food and shelter, not to mention other basic necessities, in most people’s hierarchies of needs. But even when we are fed and housed, length of life might be too abstract a matter to motivate protests. We need a specific threat to our collective health if we are going to rise up. Exemplary threats might include a government failure to clean up environmental contaminants, the closure of a much-needed hospital, or the state cutting aid programs. Longevity itself often seems too inchoate a thing, and perhaps too personal a matter, to rally people around. I suspect that the idea of life expectancy protests just sounds silly. Still, I ask my questions: if this mortal life is so important, why do we not get more collectively animated about the measure of our years and advocate so that each of us can live as long as is healthfully possible? And why isn’t inequality of life expectancy across class differences an issue to march over? To be clear, these are my questions, not Hägglund’s. His interest in mortality is not exactly about lifespan; it is instead about the way our mortality gives us (in his view) a powerful reason to commit ourselves to worldly projects while abandoning religion’s promise of salvation. According to the reli- gious imagination, he argues, mortal life derives its dignity from its relationship with immortal life. Hägglund wants us to instead see the end of life as the only horizon against which our lives can mean anything at all—not despite the vulner- ability, interdependence, and finitude of our lives but because of them. Through a series of engagements with literary, philosophical, and political readings (among them Søren Kierkegaard and Karl Ove Knausgaard, Karl Marx and Martin Luther King Jr.), Hägglund argues that the value of mortality lies in its power to make us choose the specific commitments that will define our temporal lives. In par- ticular, we should commit ourselves to overcoming capitalism, which forces us to sell our time piecemeal and keeps us from achieving the truer democracy we might have if we could make decisions about our own time. Where Hägglund’s insistence on commitment seems strongly influenced by Martin Heidegger, his arguments that mortality ought to lead us to democratic socialism are strongly influenced by Hegel and Marx. This Life is a passionately argued skein woven out of two strands of originally European thought: Existenzphilosophie and Marxism. Hägglund does not detain himself with the matter of those strands’ past conflicts but charges ahead to demonstrate how they might cooperate in the liberation of our personal and collective time.
In this review essay, I want to simultaneously express empathy for Hägglund’s account of mortality, sympathy for his argument on behalf of democratic social- ism, and deep doubts about his presentation of religion as an effort to transcend this world, which I think is historically underinformed, perhaps on purpose. But first I want to note something curious about his idea of “secular faith.” In asking us to treat our mortality itself as the source of revelatory experiences that compel us to reorganize our lives, Hägglund may ask for too much. Certainly, reminders of one’s mortality are a constant feature of life. I write this review essay during the COVID-19 pandemic, which has killed about half a million people worldwide as of late June 2020. The news recalls to us each day our mortal fragility and our literal ability to kill one another by transmitting a lethal virus. Because so many COVID-19 carriers are nonsymptomatic, we may not even know we’re doing it. But the news is still full of reports of people taking stupid risks by socializing in public without wearing masks. Even during less fraught times, it seems surprising that human mortality doesn’t motivate us more than it does. Many people have difficulty getting much Du mußt dein Leben ändern out of everyday reminders of aging, like grey hairs, wrinkles, and the chorus of “Mother’s Little Helper” by The Rolling Stones (“What a drag it is getting old”).[3] This is why I became so intrigued by the idea of life expectancy protests, an entirely counterfactual notion that would involve people organizing collectively in hopes of living a little (or a lot) longer, thus making our mortality into a feature of our politics. Hägglund hopes that entirely secular accounts of mortality, such as the one he offers, can motivate us to make radical change. As Knox Peden points out in a review of This Life, in Hägglund’s view, the question underlying any normative determina- tion we make is, “what should I do with my time?” [4] Hägglund describes himself gazing out at the landscape of his ancestral home in northern Sweden, seagulls flapping against the horizon. “The horizon” is one of Hägglund’s terms for our mortality, too, and the visible horizon is readily recruited as a figure for a limit to life, encompassed by the human gaze in a way that the totality of an individual’s experiences cannot be (200). But horizons are tricky. I borrowed this essay’s epigraph from the song “Do You Realize??” by the band The Flaming Lips; the song is about mortality and the ineluctable passing of life. But as the song sug- gests, human perspectives have their limits. The horizon isn’t really the edge of the world. The sun doesn’t actually go down—“It’s just an illusion caused by the world spinning ‘round.” The fact that life ends may occasionally fill us with a sense of urgency, but mortality can’t tell us what to do. The book opens with an image of the Hägglund family’s house on the Baltic sea: “The dramatic landscape—with its sweeping forests, ragged mountains, and tall cliff formations looming over the sea—is carved out by the descent of the ice from the last glacial period, twelve thousand years ago.” “The rocks under my feet are a reminder of the geological time in which we are but a speck,” Hägglund explains (3). Anyone who is familiar with Heidegger’s interest in landscape and place may feel a certain resonance. From there, Hägglund introduces his book’s core argument on behalf of “secular faith”: “To have secular faith,” he writes, “is to be devoted to a life that will end, to be dedicated to projects that can fail or break down” (5-6). Secular faith is juxtaposed against religious faith because, according to all religions, our finitude is a lack or imperfection that heaven or nirvana will eventually fix. The proper objects of secular faith are the kinds of things that would disappear without our effort: “the object of devotion does not exist independently of those who believe in its importance and who keep it alive through their fidelity” (7). To put this a bit differently, the essence of secular faith is personal commitment to norms and activities that we define and embrace consciously because they serve our needs and purposes. One obvious example is a marriage bond, which is supported by the secular faith of those wedded; another is the current wave of support for democratic socialism in the US, which is mani- fest in the rise of the Democratic Socialists of America after the 2016 presiden- tial election. To our freedom to choose what we embrace through secular faith, Hägglund gives the label “spiritual freedom,” as opposed to the merely natural freedom of animals like seagulls. All we have is secular faith, spiritual freedom, and the time of our lives itself.
“Secular faith” may seem plausible enough as a model for personal commit- ment and a principle on which to lead a life of worldly purpose, but there is a twist: much depends on how much freedom we retain to do anything besides committing ourselves. If Hägglund’s secular faith means that we have a kind of obligation, in the face of our mortality, to the particular style of valuation and commitment that his secular faith implies, then we aren’t fully free at all. And here the tone of Hägglund’s book is worth mentioning. If given only one word to describe it, I would choose “insistent.” He seems to enjoin the reader to embrace his mode of valuation, but I couldn’t help but experience the constant injunctions to involvement, attachment, and engagement as limiting rather than enhancing my spiritual freedom. Drawing energy and interest from worldly pleasures and human connections, as I do, does not make me think that they can be the sum of my freedom. I can, for example, find value in the very ascetic and world-tran- scending projects Hägglund seems to abhor. Or I can find value in things without naming them as substantial commitments worthy of a lofty term like “secular faith.” If I enjoy listening to pop music or baking bread, the way that I enjoy them matters; I like to do them without thinking to myself, “life is too short for this, I ought to be reading Kant.” Not all of our preferences and desires have much to do with the motif of authentic commitment implied by “secular faith,” and it isn’t obvious that activities are better for us when authenticity motivates and organizes them. “In the prison of his days / Teach the free man how to praise,” W. H. Auden wrote in “In Memory of W. B. Yeats,” but we prisoners do more than praise.[5] This is not our failure to commit but rather a sign of our greater emotional range. In a response to This Life, Robert Pippin noted that Hägglund seems to be asking for “a massive transformation of the emotional economy of the human soul.” [6] This is exactly right.
The book is in two parts. The first, which is titled “Secular Faith,” meditates on the implications of the idea of secular faith, in part through close studies of Augustine and Kierkegaard. The second, titled “Spiritual Freedom,” is more primarily concerned with our freedom in the world we share, and it contains an extended reading of Marx, focusing on the idea of human time as the source of all value, and the claim that this idea can set us free. The book concludes with a Hegelian reading of Martin Luther King Jr.’s activism as a form of “secular faith,” surprisingly (and for some, I imagine, offensively) against the grain of King’s self-presentation as a man of God whose activism—indeed, whose social- ism—was an extension of his ministry rather than in conflict with it. It is not so much religion itself that seems to trouble Hägglund as religion as the promise of otherworldly salvation, which he thinks distracts us from worldly engage- ment. In the midst of all this, he seems to argue that even religious faith must, in essence, be secular faith, essentially because we are temporal beings who are incapable of caring for anything (including redemption) that unfolds outside of time.[7] Hägglund’s readings of texts are nuanced and scholarly, and they include stirring meditations on the experience of time, a topic Hägglund has treated in previous works.[8] Especially notable is his examination of Knausgaard’s My Struggle, which he establishes as a response both to Augustine’s Confessions and to Marcel Proust’s In Search of Lost Time. Hägglund’s meditations on the way the fragility of our lives seems to demand care are often quite moving; reading him, I was sometimes reminded of Emmanuel Levinas, a student of Heidegger who constructed an ethics out of the vulnerability of other people.
In the second half of the book, Hägglund—through a prolonged reading of Marx—argues that capitalism is the form of life in which we fail to understand what really matters, which is our time itself. A crisis of value results from this, and the idea of freedom “demands that we overcome the social form of wage labor” (237). However, socialism alone does not resolve the problem because merely changing the way the fruits of our labor are distributed among us cannot resolve that crisis of value; it is democratic socialism that allows us to state our values and work together to understand what norms we should collectively share. That’s the utopian hope beneath This Life. Socialism, for Hägglund, is the eman- cipation of our time, which capitalism forces us to sell off and which religion, as the opiate of the masses, once encouraged us to simply give away. Indeed, Hägglund’s argument could be understood as a logical extension of Marx’s view that all criticism begins with the criticism of religion. Fredric Jameson called Marxism “the collective struggle to wrest a realm of Freedom from a realm of Necessity.”[9] Hägglund seems to hope that we can accomplish something similar, understanding mortality as the ultimate substrate of “Necessity.” Democratic socialism, Hägglund thinks, is the kindest and wisest answer to the brevity of life.
It is over the problem of secular versus religious faith that Hägglund often sacrifices nuance. Hägglund reduces all religious thought and experience to the devaluation of this world in preference of the next one. “To have religious faith,” he writes, “is to disown our secular faith in a fragile form of life” (52). As Peter E. Gordon has pointed out in his own review of This Life, even traditions that seem fixated on overcoming death through the salvation of the soul, such as Christianity, have more complicated histories than this suggests.[10] Christianity incorporates not only God’s incarnation in a mortal body but also the Divine experiencing finitude through the suffering of Christ, Jesus. “Even the eternal,” Gordon writes, “cannot remain unscathed.” The resulting attunement to mortal suffering has inspired many Christians to aid the poor and even to conceive of Christianity as having a special option for the poor. The Vatican contains many treasures, but Latin American liberation theologians like Gustavo Guittiérez have led a movement that speaks of wealth inequality as a systematic sin and calls for the faithful to push against that sin—and all this without rejecting the notion of salvation. Other examples abound in other traditions Buddhism, Islam, and Judaism all have their engaged, worldly activists. That Hägglund ignores this fea- ture of religion cannot be a sign that he is ignorant of it—liberation theology, for example, is quite well known—but perhaps it is simply inconvenient for his argu- ment. Or maybe Hägglund wants something that the history of religion seldom provides: a consistency between philosophical intention and worldly practice, a kind of total authenticity—something Heidegger also praised. For Hägglund, the deeds of religious charities are actions taken in bad faith, especially in light of do-gooders’ failure to abjure the world to come. Did I call Hägglund’s book “insistent”? Another word to describe it would be “devout.”
As Gordon also argues, Hägglund often appears to have elevated death to the status of an ens realissimum in the place of God. This, in turn, suggests that he still operates within the metaphysical structures (if not the content) established by Christianity, just as his tone and his key term “secular faith” suggest. This sheds light on the way the idea of “secular faith” seems to secularize an originally religious style of value-claim. I think this is a line of thought worth developing. Gordon seems to imply that Hägglund, for all his avowed atheism and material- ism, still has a tacit metaphysics, one in which there is still something transcen- dental (death, rather than God) that we grant dominion over our lives. This yields a rather flat picture of our moral universe and of our moral options. Since Hägglund writes as though his truth-claims simply outflank those of the religious, this sim- ply makes his truth-claims the inverse of the claims that religious orthodoxies use against unbelievers. This is secularism as dogmatism, so we are entitled to ask questions. I understand that, in Hägglund’s terms, it is because of death that our time seems to have value. But why should our eventual death be the measure of our actions in this life? Does this mean that those actions are not praiseworthy in and of themselves but are so only because they allow us to pursue our desired ends? I don’t think that Hägglund wants to open the door for a consequentialist morality, in which the value of our actions registers in their effects (he is too attached to the idea of the value of our will for this to be the case), but I found myself alert to the possibility. It’s odd when a tacit metaphysical argument opens the way to a form of consequentialism, but the history of philosophy has contained stranger things.
Hägglund seems to turn an is (our mortality) into something with the force of an ought. Or to reason through it more slowly, our mortality gives us a power- ful incentive to turn our various worldly desires, and especially what Hägglund suggests is our spiritual freedom to pursue them, into oughts. All normative determination, he tells us, should stem from our mortality, from our sense that life is too short. But again, mortality doesn’t tell us what’s right any more than it tells that to the seagulls. Perhaps more importantly, it isn’t clear that we’re at our best when dealing with the vertiginous prospect of our mortality; some clas- sic midlife recommitments are the equivalent of a flashy motorcycle or a poorly chosen affair. And sometimes invocations of mortality are a rhetorical cudgel. Life may be too short for bad coffee, but “life is too short for bad coffee” is still an advertising slogan.
What would life look like under Hägglund’s version of democratic social- ism? Although This Life doesn’t spell this out, it is clear that we would reorga- nize our means of production, and social reproduction, in ways that yield more freedom. It’s thus appropriate that late in the book Hägglund engages in a criti- cal reading of Theodor W. Adorno’s essay “Free Time.” [11] In this essay, Adorno observes that in the developed West, our free time has increased and seems likely to continue increasing; industrialization and technological change are the unnamed but implied lever of change. But Adorno finds free time on its own quite inadequate. He calls it “vacuous.” [12] For Adorno, real freedom isn’t just free time; it’s free time plus the material and social resources to pursue activi- ties that are ends in and of themselves rather than forms of consumer behavior. Real freedom isn’t defined by hobbies, however much I enjoy my bread baking or pop music listening (the former may, in fact, be what Adorno calls a “pseu- do-activity,” a parody of productive behavior).[13] Instead, it involves activities in which we have something personally at stake because in their fulfillment we recognize something of ourselves. At the end of his essay, Adorno claims to detect, in people’s pleasure at free-time entertainments, an element of disbelief or reservation. He hopes that this might be a sign of maturity (Mündigkeit) and the ability to eventually move from free time to freedom. As Pippin puts it, “What we need is not mere free time. In Hegelese that would be mere negative freedom within an insufficiently determinate institutional structure. Rather, we need socially significant and productive (and respected) work, loving rela- tionships and genuine mutuality.” [14] We need time, yes, but it takes more than time and free will to learn to recognize ourselves in our activities and through reciprocal relationships with our activity partners. Indeed, our finitude isn’t jus our mortality but our other personal limitations, and out of those limitations comes our need for other people. Taken to its fullest extension, an account of our interdependence might produce a picture of the human as simply not fully human outside of the polis, a current in philosophy that runs from Aristotle to Hegel and beyond.
Was I right, earlier in this essay, to say that there’s no such thing as a life expectancy protest? Yes and no. As I write this review, one particular political slogan is very much in circulation: “Black Lives Matter.” Although it’s true that people don’t organize politically in order to live longer or make equality of life expectancy their central issue, a concern for life and its fragility have stood behind the protests that have swept the US following the police killing of a Black man named George Floyd on 25 May 2020. The slogan “Black Lives Matter” is explicitly particularist rather than universalist (the universalist version is “All Lives Matter”) for good reason. Black Americans suffer disproportionately from violence, including at the hands of the police; because of the correlations between race and income distribution, they often have shorter life expectancies too. All this demands recognition. Solidarity in support of the struggles of Black Americans isn’t about the length of life, of course; Black Lives Matter isn’t a life expectancy protest. But it certainly involves protesting the unequal degree to which many Black Americans are exposed to violence, and violence is one way to make life itself an unevenly distributed good. This is one of the most remarkable waves of political protest this country has seen in support of Black lives, even as the COVID-19 pandemic rages. One must imagine Hägglund happy.
Notes
- The Flaming Lips, “Do You Realize??” by Wayne Coyne, Steven Drozd, Michael Ivins, and Dave Fridmann, track 9 on Yoshimi Battles the Pink Robots, Warner Brothers, 2002.
- David Leonhardt and Yaryna Serkez, “America Will Struggle After Coronavirus,” New York Times, 10 April 2020.
- The Rolling Stones, “Mother’s Little Helper,” by Mick Jagger and Keith Richards, track 1 on Aftermath, Decca, 1966.
- Knox Peden, “Philosophy in Troublous Times,” Sydney Review of Books, 26 May 2020.
- W. H. Auden, “In Memory of W. B. Yeats,” in The Norton Anthology of English Literature, ed. M. H. Abrams, 6th ed. (New York: W. W. Norton and Company, 1993), 2:2269.
- Robert Pippin and Martin Hägglund, “Limited Time: Robert Pippin and Martin Hägglund on This Life,” The Point, 22 May 2019.
- See Peden, “Philosophy in Troublous Times,”
- See, for instance, Martin Hägglund, Dying for Time: Proust, Woolf, Nabokov (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2012).
- Fredric Jameson, The Political Unconscious: Narrative as a Socially Symbolic Act (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1981), 19.
- Peter E. Gordon, “Either This World or the Next,” The Nation, 23 September 2019.
- Theodor W. Adorno, “Free Time,” in The Culture Industry: Selected Essays on Mass Culture, ed. J. M. Bernstein (London: Routledge, 2001), 187-97.
- Ibid., 191.
- Ibid., 194.
- Pippin and Hägglund, “Limited Time.”
Benjamin Aldes Wurgaft – Cambridge, Massachusetts.
HÄGGLUND, Martin. This life: secular faith and spiritual freedom. New York: Pantheon, 2019. 464.p. Resenhado por: WURGAFT, Benjamin Aldes. Seagulls! On MartinHägglund’s This life: secular faith and spiritual freedom. History and Theory, v.60, n. 1, p.177-184, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].
Michael Young, Social Science & The British Left, 1945-1970 / Lise Butler
All historical actors ultimately defy our neat labels. Practically speaking however, some are more defiant than others. One such figure is the dynamo ‘social entrepreneur’, Michael Young. (1) It has become a cliché to rattle off the dizzying array of institutions, projects and ideas with which Young was involved in his long and energetic career. But then, it is difficult to resist a list as eye-catching as: the Labour Party’s 1945 manifesto; the foundational sociology text Family and Kinship in East London (1957); the concept of ‘meritocracy’; the Consumer Association and Which? Magazine; and the Open University. While Young’s professional life is tricky to pin down, its diversity–and his archive at Churchill College, Cambridge–offers a promising avenue through which to approach post-war Britain. In this rich, textured, and revelatory book, the historian Lise Butler has seized this opportunity with both hands. Leia Mais
2666 – Roberto Bolaño / Rodrigo Perez / 04 fev 2021
Hoje, trato do romance de formação “2666“, do escritor chileno Roberto Bolanõ, publicado pela Companhia das Letras, em 2010. Eu estudo fenômenos políticos, mas sou apaixonado pela prosa ficcional. E temos aqui um bom texto literário, que me faz lembrar a Poética de Aristóteles, um tratado filosófico dedicado à Arte. O que quero lembrar aqui é que a palavra “ficção” não é sinônimo de mentira.
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Passe Livre. As possibilidades da tarifa zero contra a distopia da uberização | Daniel Santini
Há algum tempo, ouvir o termo passe livre despertava, apesar do ceticismo inicial, certa inquietação, curiosidade e abertura para uma discussão com enorme potencial de abarcar questões fundamentais à vida nas cidades. Para as pessoas da nossa geração, que estiveram nas ruas em 2013 contra o aumento da tarifa de transporte, o passe livre surgia como ferramenta de democratização da sociedade. Na contramão dessa percepção otimista, após a aparente sedimentação das manifestações de 2013, tal debate passou a ser encarado com desconfiança, como questão encerrada e pauta esgotada. O que acontecia neste meio tempo para que algo potencialmente tão transformador fosse deixado de lado? Principalmente pelo campo progressista?
Não é sequer necessário recorrer aos liberais ou aos grupos conservadores que emergiram na esteira – ou no vácuo – dos protestos daquele ano para encontrarmos posições contrárias. Para estes o passe livre desde o início representava um modelo “estatista” e antiliberal de transportes. Antiliberal evidentemente que sim. A própria esquerda, que já se dividia sobre o tema antes de 2013, parece hoje relembrar o assunto como um episódio traumático, com enorme desconfiança, algo irreparável e um erro estratégico de grupos autonomistas que conduziram os protestos em torno do Movimento Passe Livre. Leia Mais
Setenta / Henrique Schneider
Henrique Schneider | Foto: Literatura RS |
Perverso e desumano foi aquele ano de 1970, e o que o antecedeu e os que o seguiram. É o que conta Henrique Schneider no seu livro Setenta. A ditadura militar tomou o poder em 31 de março de 1964, e, como se não lhe bastasse o clima de repressão que se instalara no país desde essa data, a partir de 13 de dezembro de 1968, intensificou seus métodos ditatoriais de detenção e tortura com a promulgação do Ato Institucional nº 5, o chamado AI 5, que marcou o início do período mais sombrio e obscuro da moderna política brasileira. A liberdade de imprensa e o direito de reunião e manifestação, dois itens incluídos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que deveriam ser reconhecidos e estar assegurados pelo próprio Estado, foram abolidos da vida civil através da censura, da repressão e da tortura, que se fez prática policial diária em qualquer delegacia do país e nos centros preparados e equipados especialmente para esse fim. O Congresso Nacional foi fechado, funcionários foram demitidos e políticos, cassados, como já vinha ocorrendo desde 1964. O autoritarismo do regime militar impregnou o dia a dia dos brasileiros. Direito civil, justiça e liberdade passaram a ser palavras proibidas do vocabulário nacional. Todo cidadão brasileiro podia ser suspeito de subversão, de pretender “terminar com a família, com o respeito, a religião, com tudo o que é bom” (73), como diz o carcereiro, uma personagem de Setenta. E é a partir desse “ser suspeito” que se põe em movimento o texto de H. Schneider. Um brasileiro qualquer que anda pela rua pode ser considerado um “comunista de merda” (30/31), que é preciso deter e torturar. Quem é? O que faz na vida? Isso pouco importa. Que dê nomes. Que fale dos seus propósitos revolucionários.
Schneider utiliza como eixo narrativo do seu livro um fato real: a tentativa frustrada de sequestro do cônsul americano, Curtis Carly Cutter, em Porto Alegre, a 4 de abril de 1970. E a partir daí constrói seu texto ficcional, de cerca de cento e cinquenta páginas, distribuindo-o em vinte e dois curtos capítulos. Ao início de cada um deles, em destaque, o narrador esclarece o tempo em que transcorre a ação ꟷdia do mês, da semana, horaꟷ e, quando crê necessário, o espaço ꟷora na delegacia de polícia, ora na redação do jornal, etc.ꟷ, o que lhe permitirá maior liberdade na organização alternada das sequências narrativas. O dinamismo que o narrador impõe ao seu relato o exige. Ao mesmo tempo, essa preocupação por situar a ação no tempo e no espaço, em destaque, e a cuidada diagramação do livro concordariam com a estética própria do roteiro de um filme, no caso, policial, ou de um roman noir.
O encadeamento dos vinte e dois capítulos, não cronologicamente, senão alternativamente, como já foi dito, sujeita-se ao potencial criativo do escritor, ao seu propósito literário de criar a necessária tensão dramática que, com certeza, despertará o interesse do leitor e o estimulará a que siga e siga a leitura do livro. A este caberá compor, na sua imaginação, a ordem sequencial dos acontecimentos. Provavelmente esse seja o primeiro e grande acerto de Schneider: saber dosar e administrar a informação, a narração, os diálogos e as descrições com o intuito de compor um texto literário de qualidade. E o faz com distinção.
Uma sexta-feira à noite Raul, bancário de profissão, sai de casa para ir ao cinema. Sem pressa, tranquilo, vai sozinho. Abandonado pela namorada havia três meses, tentava esquecer a desventura amorosa, naquele dia que deveria ser especial, segundo ele. Depois, “tomaria umas cervejas e encheria a cara em qualquer boteco” (18). Sai de casa, repito, tranquilo, com sua melhor camisa, “vermelho berrante” (19), a preferida da ex-namorada, que contrasta com o terno e gravata do “cotidiano sisudo” (19) no banco. Infeliz coincidência. Um rapaz, também de camisa vermelha, correndo da perseguição policial passa a seu lado. Uns policiais se cruzam no caminho de Raul, detêm-no, metem-no num carro e, encapuzado, levam-no para uma prisão, em algum lugar da cidade.
O que sabe sobre o sequestro do cônsul? Qual foi sua participação? Nomes dos implicados? É o que interessa à polícia. E para arrancar-lhe qualquer informação, aí estão os golpes, a humilhação, a vexação, a tortura. Levá-lo ao sofrimento absoluto através da dor mais violenta, do suplício, do padecimento mais brutal. O detido não tem nada a dizer, não sabe por que o detiveram, por que o fazem passar por tudo isso. Repete e repete inúmeras vezes: “eu não sei nada” (60/61), mas à tendenciosa ou simplesmente inexistente investigação policial isso não importa. É preciso mostrar serviço, prender alguém, algum bode expiatório que justifique seus atos policiais.
A partir daí Raul entra em desespero. O que é isso? O que estão fazendo comigo? Por que eu? Ele, bom cidadão, trabalhador honrado, que achava que com a ditadura tudo ia bem. “Que havia prisões, torturas, desaparecimentos, mortes, ꟷ mas por que se preocupar com esse assunto, se nada daquilo lhe dizia respeito?” (64) “Até uns dias atrás, Raul nem sabia que existiam razões para alguém querer derrubar o governo” (148). Pouco ou quase nada sabia do que estava acontecendo no país. E, inexplicavelmente, se vê metido numa situação que lhe causa medo, verdadeiro pavor. E esse medo e esse pavor vão acompanhá-lo durante a semana em que está privado de liberdade, impregnando seu corpo, provavelmente, para o resto da sua vida. Tudo é absurdo, ele não pode entender, e nem sabia que existia algo parecido, pensa Raul.
O romance começa pela sua libertação, depois de uma semana de detenção, ao encontrar a polícia o rapaz que buscavam, ou será outro “bode expiatório”? Com o corpo machucado, “paralisado pelo medo e pela impotência” (8), Raul se vê solto numa rua escura, com um capuz preto que lhe tapa a cara, numa cidade que de início ele nem identifica como a sua Porto Alegre. Domingo, 21 de junho de 1970, dia da final da Copa do Mundo: Brasil x Itália. Seis capítulos estão dedicados ao dia da libertação. Fechando o texto com a vitória do Brasil, a conquista do tricampeonato.
Ao mesmo tempo, vão se alternando, em um capítulo e outro, dados sobre a vida cotidiana de Raul e a detenção. Gritos, insultos, pistolas, um safanão, um empurrão, em plena rua, à caída da tarde. À sua volta, ninguém percebe o que se passa, e se o faz olha para outro lado. Logo, assim que o metem na cela, minúscula, suja, imunda, sem ventilação, Raul começa a perceber que não se trata de um sequestro. “Quem o prendera não eram os ferozes subversivos, os guerrilheiros, os inimigos da pátria e da família a quem a mãe tanto temia. Eram os homens da polícia” (28). Raul vivia com a mãe viúva.
Paralelamente a isso, sua mãe visita a delegacia, a redação de um jornal, a igreja e conversa com a vizinha sobre o desaparecimento do filho. Através de monólogos chorosos, assustados, angustiantes, ela pede ajuda, chegando inclusive a duvidar da inocência do filho. “Então eu tenho o medo de que o meu filho possa estar envolvido com algum desses grupos de comunistas, esses guerrilheiros, como chama?” (143)
Interrogatório, reflexões de Raul, diálogos com o carcereiro, uma aula magistral com demonstrações de técnicas contundentes de tortura (golpes com uma soqueira, espancamento, “porrada pura e simples” (99), pau-de-arara, choque elétrico, afogamento, gotejamento…) a cargo de um afamado torturador carioca, que utiliza Raul como “colaborador”, para um grupo de jovens policiais, aprendizes de torturadores.
E com uma habilidade narrativa surpreendente, Schneider “irradia” o jogo da final da Copa do Mundo, que Raul, a contragosto, assiste na televisão ao lado de quem foi seu carcereiro. Na lanchonete à qual ele se dirige para comer alguma coisa (a fome era grande) e passar o tempo (por imposição dos policiais, só poderia voltar para casa às nove da noite), com música de fundo ꟷEu te amo, meu Brasil, de Dom e Ravelꟷ, chega também o carcereiro ꟷ“… a gente vai estar te cuidando. De olho em ti, sempre.” (12)ꟷ, que se senta ao seu lado e o provoca, o espezinha, chegando a duvidar do seu patriotismo como brasileiro. Impossível vibrar, impossível se emocionar com a vitória do Brasil. De qual Brasil? “Não vibrou nenhuma vez, pensou ele [o carcereiro], então é comunista mesmo” (139/140).
Alfredo Buzaid, Ministro da Justiça de 1969 a 1974, disse em certa ocasião: “Não há tortura no Brasil”. H. Schneider nos recorda essa afirmação numa epígrafe que, graficamente, em letras grandes, ocupa uma página inteira antes do início do seu texto. Deparar-me com esta citação e ao mesmo tempo recordar o horror que a ditadura espalhou por toda a sociedade brasileira naqueles anos setentas, levou-me ao conjunto de gravuras de Goya sobre o horror e as crueldades cometidas durante a Guerra da Espanha contra a dominação francesa (1808-1814), Desastres de la guerra. Lembro-me, especialmente, da gravura número 44, intitulada “Yo lo vi”. Parafraseando o pintor espanhol, e desmentindo o Ministro da Justiça da Ditadura Brasileira, após a leitura de Setenta, afirmo: Eu vi, eu estava lá.
Mirian Lopes Moura – Graduada em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa. Professora de português e literatura brasileira. Tradutora (espanhol/português/espanhol), tendo traduzido para o espanhol obras de Moacir Scliar, Rubem Fonseca, Lygia Bojunga Nunes e Ana Maria Machado, entre outros. Revisora de textos em português para a Revista Ibero-Americana de Educação da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Coordenou o Curso de Português da Casa do Brasil em Madri, de 2000 a 2016. E-mail: mirianlmoura43@hotmail.com.
SCHNEIDER, Henrique. Setenta. Porto Alegre: Não Editora, 2019. 150p. Resenha de: MOURA, Mirian Lopes. Da ficção para recordar a ditadura Brasileira: Setenta, de H. Schneider. Passagens – Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Rio de Janeiro, v.13, n.1, p.168-173, jan. / abr., 2021. Acessar publicação original [IF].
Tormenta. O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos / Thaís Oyama
Thaís Oyama / Foto: João Henrique Moreira /
No início de 2020 foi lançado o livro Tormenta: o governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, no qual a jornalista Thaís Oyama analisa o primeiro ano do governo Bolsonaro. Dada a velocidade com que a política se movimenta no atual contexto e, principalmente, o impactante acontecimento da pandemia de Covid-19 que se alastrou pelo Brasil e no mundo ao longo de 2020 – e que continua a afetar drasticamente nosso cotidiano −, o livro de Oyama pode parecer, a princípio, um apanhado de notícias velhas, um acúmulo de fatos registrados que parecem perder seu sentido no tempo, ainda mais quando o protagonista da trama é um presidente que, sem competência suficiente para tratar dos assuntos de Estado, faz de sua boca uma metralhadora verborrágica, cuja munição são afirmações negacionistas em meio à maior crise da saúde desde o advento da Gripe Espanhola, no início do século passado.
Mas esse não é o caso do livro de Oyama. Após quase um ano de sua publicação, ele parece um importante registro das ações, dos bastidores e da personalidade do atual presidente, Jair Bolsonaro. Na verdade, o poder de um livro encontra-se mais nas suas possibilidades de leitura que nos eventos que ele relata. Sendo assim, proponho um ensaio a partir de Tormenta, pensando o texto como um ponto chave entre o passado que leva Bolsonaro ao poder e seu primeiro ano de governo, o nosso presente, marcado pela pandemia, e nossas possibilidades de futuro, que não parecem ser as melhores. Leia Mais
Burning the Books / Richard Ovenden, The lost library / Dan Rabinowitz
Richard Ovenden – Foto: Library of Congress /
The burning of books is a highly emotive subject. The Nazis’ bonfires of Jewish books and other ‘degenerate’ literature in 1933 horrify, and not only because they presaged the incinerators of the Holocaust. From the paradigmatic (and, we learn, probably apocryphal) conflagration of the ancient library of Alexandria, which consumed most of the corpus of Classical literature, to the torching of the Baghdad National Library following the invasion of Iraq in 2003, the destruction of books (and archives) seems to shock more than the loss of any other form of material culture. Why should this be? Although Richard Ovenden does not directly address the question in his excellent Burning the Books, the answer may lie both in the unparalleled capacity of books and archives to preserve the past—they constitute our collective memory—and in their limitless potential to generate new knowledge, Milton’s ‘potencie of life’. Perhaps, as Sappho’s enigmatic ‘you burn me’ fragment intimates, something of ourselves perishes in the destruction of books.
Burning the Books, which has justly garnered considerable critical and popular attention, eloquently and powerfully describes numerous attacks upon knowledge across four millennia, from the destruction of Ashurbanipal’s cuneiform library in 621 BCE to the ‘Windrush’ scandal of 2010 when Home Office officials were revealed to have destroyed records that would have proved migrants’ entitlement to British citizenship. While Burning the Books may not break new ground in the scholarship on libraries and book history—it largely draws upon existing literature—it is meticulously researched and referenced, compellingly argued, and likely to prove a landmark in the history of libraries and the preservation of knowledge.
Madness in Cold War America | Alexaner Dunst
Alexander Dunst é professor assistente de Estudos Americanos na Universidade de Paderborn, na Alemanha, atuando no Departamento de Inglês da referida instituição. Intitula-se “historiador cultural da América do século XX” com foco de pesquisa sobre o período da Guerra Fria, utilizando como fontes os discursos e as narrativas culturais presentes na literatura e cinema. Em 2010, Alexander Dunst concluiu seu doutorado em Teoria Crítica na Universidade de Nottingham, com a tese intitulada Politics of madness: Crisis as Psychosis in the United States 1950 – 2010, publicada em 2017, por meio da editora Routledge, com o título Madness in Cold War America. Essa obra, composta por 6 capítulos e 173 páginas, está resenhada no presente texto com criticidade a partir da minha leitura. Leia Mais
Diásporas imaginadas: Atlântico Negro e histórias afro-brasileiras | Kim D. Butler e Petrônio Domingues
Os temas relacionados ao período pós-abolição abarcam um campo de pesquisa que tem se consolidado vigorosamente na historiografia brasileira nas últimas décadas. Em trabalho publicado recentemente, o historiador Petrônio Domingues – um dos principais especialistas – apresentou um importante balanço acerca das novas abordagens, problemas, perspectivas teóricas e metodológicas abrangendo esse ascendente ramo da historiografia. Domingues evidenciou que – nesse amplo e diversificado campo temático – uma das principais tendências é composta pelos estudos das experiências da comunidade negra dentro de uma configuração transnacional. (DOMINGUES, 2019, p.119).
Desse modo, na esteira dessas pesquisas em desenvolvimento, a obra Diásporas imaginadas: Atlântico Negro e histórias afro-brasileiras oferece um valioso panorama das novas perspectivas analíticas. Petrônio Domingues e Kim D. Butler começaram a idealizar essa obra em conjunto, por volta de 2012, quando o historiador brasileiro realizou estágios de pós-doutoramento na Universidade de Rutgers, em Nova Jersey (Estados Unidos). A partir dos contatos no Departamento de Estudos Africanos, Domingues e a prestigiada historiadora estadunidense iniciaram uma fecunda interlocução intelectual, ensejando uma colaboração acadêmica que resultaria nessa obra recentemente publicada. Leia Mais
Uma história das leishmanioses no novo mundo: fins do século XIX aos anos 1960 | Jaime Larry Benchimol e Denis Guedes Jogas Junior
O livro Uma história das leishmanioses no novo mundo: fins do século XIX aos anos 1960, de Jayme Larry Benchimol e Denis Guedes Jogas Júnior, publicado em 2020 pelas editoras Fino Traço, de Minas Gerais, e Fiocruz, do Rio de Janeiro, não é bem um livro, mas uma enciclopédia especializada. Desde a apresentação, Jayme Benchimol nos informa que haverá um próximo volume sobre a história de uma doença que tem características desafiadoras, seja por sua amplitude e singularidades geográficas, seja pela sua epidemiologia ou pela epistemologia dos fatores que interferiram nas explicações sobre sua classificação nosológica.
A dimensão épica do presente livro não é surpresa, dada a tradição de grandes empreitadas a que Jayme Benchimol se dedica, sempre na seara da história da saúde pública e da biomedicina no Brasil, especialmente a partir do Rio de Janeiro. Em publicações anteriores já vimos pesquisas de grande fôlego, tais como a divulgação da obra de Adolpho Lutz – este em parceria com Magali Romero Sá, em vários volumes, publicados entre 2004 e 2006 – ou a coordenação de publicação sobre a história da febre amarela, de 2001. Leia Mais
Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória | Enzo Traverso
Na história oficial do marxismo, tornou-se comum a celebração dos triunfos conquistados das revoluções socialistas. Ressaltar a dimensão redentora dos seus êxitos, seja de personagens “heroicos” e ou de movimentos “gloriosos”, parecia assegurar a concretização de uma “etapa” previsível, objetiva e petrificada na locomotiva linear do “progresso”.
Uma contrapartida dessa odisseia de vitórias repousa justamente no outro lado da moeda: o prisma das derrotas e seus efeitos políticos e epistemológicos na história do socialismo e do marxismo. Eis aqui a proposta da coletânea de ensaios Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória, de Enzo Traverso (2018), originalmente publicado em francês, em 2016, com edições em inglês, alemão, espanhol e, finalmente, uma cuidadosa edição em português, organizada pela editora ítalo-brasileira Âyiné. Embora seja seu primeiro livro traduzido no Brasil, o autor construiu uma sólida agenda de pesquisa nas últimas três décadas e é considerado um dos maiores especialistas em história política e intelectual contemporânea. Leia Mais
From Revolution to Power in Brazil: How Radical Leftists Embraced Capitalism and Struggled with Leadership. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2019. Resenha de: SOARES, Dayane. Percursos e reflexões da esquerda armada de outrora. Revista de História. São Paulo, n. 180, 2021. Aces | Kenneth P. Serbin
Intensificadas as investidas repressivas do Estado, centenas de brasileiros, cuja maioria ainda na flor da juventude, optou pelas armas na luta contra a ditadura vigente no país (1964-1985). Como não nos é estranho, essa aposta, iniciada com uma série de ações guerrilheiras espaçadas, se seguiria de um punhado de sucessos, mas de uma subsequente onda repressiva e do inevitável desmantelamento dos agrupamentos de esquerda armada poucos anos após o pontapé inicial. Entre as resultantes negativas desse processo, sabe-se que a maior parte de seus quadros vivenciaria a experiência de prisão e o horror das torturas, e uma parcela seria posteriormente listada entre os nomes dos milhares de mortos e “desaparecidos” políticos sob a responsabilidade do Estado brasileiro. Os sobreviventes, porém, reconstituiriam suas vidas tomando cursos distintos. Passadas cinco décadas do massacre lançado à oposição de esquerda2 e mais de trinta anos desde o final do regime, mesmo com uma extensa literatura desenvolvida sobre o campo temático3, é certo que algumas questões ainda pairam no ar, inclusive a que indaga sobre o futuro daquela geração de revolucionários. É nesse sentido que se insere From Revolution to Power in Brazil, o mais recente livro de autoria do historiador Kenneth P. Serbin. Leia Mais
Latin America and the Global Cold War. The New Cold War history
Latin America and the Global Cold War foi publicado na coleção The new cold war history, dirigida por Odd Arne Westad, autor também do curto posfácio do texto. O objetivo dessa coletânea é publicar livros que proponham novas interpretações do período da Guerra Fria a partir de pesquisas em arquivos da China ou dos países da antiga URSS, entre outros. De forma mais geral, a new cold war history, é uma tentativa, formulada no final dos anos 90 do século passado, de repensar o paradigma que estava na base da maioria das pesquisas sobre o período que começa no pós-guerra e que o considera como caraterizado exclusivamente pelas principais tensões em termos militares e econômicos entre o bloco ocidental e soviético. Entre as várias implicações dessa perspectiva tem o fato de considerar tudo que aconteceu fora desses dois blocos, na “periferia” da Guerra Fria, como sendo sem importância para a compreensão histórica do período. Com relação a esse ponto, a perspectiva da Global Cold War mostra como, ao contrário, os países do Terceiro Mundo, ou mais recentemente, do Sul Global, foram os palcos de alguns dos principais conflitos do pós guerra, e como, ao mesmo tempo, é impossível entender as transformações políticas, econômicas, sociais e culturais nesses países sem levar em conta as intervenções internacionais das duas superpotências. Isso não significa, no entanto, considerar esses países como meras peças no tabuleiro da Guerra Fria. As políticas e iniciativas desses países eram, ao invés disso, fruto da articulação entre interesses nacionais, estratégias políticas dos governos locais e o contexto de tensão internacional. Nessa linha de pesquisa, o trabalho de Westad e seu livro, de 2005, The Global Cold War foram sem dúvida seminais (WESTAD, 2005). Leia Mais
A Campanha Abolicionista na Revista Ilustrada (1876-1888): Ângelo Agostini e a educação do povo | Mônica Vasconcelo
A obra é resultado da dissertação de mestrado defendida em 2017 no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. No livro, Mônica Vasconcelo analisa as caricaturas de Ângelo Agostini (1843-1910) publicadas na Revista Illustrada (1876-1888), na província do Rio de Janeiro, com a temática da defesa do fim da escravidão. O objetivo dessa obra é compreender a totalidade social e histórica bem como as contradições presentes no discurso da escravidão. A ação política e educativa inerente ao próprio discurso e aos interesses da classe dominante sombreava a participação de Ângelo Agostini nos embates sobre a abolição do regime escravocrata.
Ângelo Agostini nasceu na província de Alessandria, na Itália, em 1843. Viveu sua infância e adolescência em Paris, onde aprendeu a arte do desenho litográfico. Em 1859, Agostini chega ao Brasil e, anos mais tarde, insere-se no debate político abolicionista. Fundou a Revista Illustrada em 1876 com o ideal de que o periódico servisse como uma publicação política, abolicionista e republicana, temas tratados de forma satírica e irônica. Leia Mais
Patricio Cariola Barroilhet: Jesuíta Innovador en Educación y Creador de Consensos | Josefina Rossetti, Francisco Álvarez e Cecilia Cardemil
El texto en comento es una obra que ha surgido por la unión de dos esfuerzos académicos: (i) La investigación sobre la vida y obra del sacerdote jesuita -Premio Nacional de Educación 1999-, iniciada hace algunos años por el Dr. Jaime Caiceo Escudero quien “ha escrito sobre todos los Premios Nacionales de Educación y recibió del propio padre Patricio, poco antes de su muerte, el encargo de escribir su biografía; ya en 2005 había plasmado una investigación científica sobre la vida y la obra del jesuita” (ROSSETTI ET AL., 2019, contratapa). (ii) Un grupo de académicos que trabajaron con el fundador del Centro de Investigación y Desarrollo de la Educación -CIDE- en la misma institución en diversas labores de investigación y publicación; ellos son Francisco Álvarez Martín, Cecilia Cardemil Oliva, Leonor Cariola Huerta, Josefina Rossetti Gallardo, Rosa Saavedra Díaz, quienes deseaban dejar por escrito el significado y la importancia en favor de la educación por el sacerdote de la Compañía de Jesús, “un innovador en la educación chilena” (IBIDEM). Ellos, a su vez, invitaron al académico de la Universidad Alberto Hurtado, Pablo Andrés Toro Blanco, a fin de que escribiera el “marco sociocultural y político de la época en que vivió el padre Patricio” (IBIDEM).
Esta obra consta tres capítulos. El primero, denominado “El Chile que le tocó vivir”, escrito por el Dr. Toro, quien describe y analiza con bastante propiedad histórico-cultural-educacional el período que abarca 73 años del acontecer chileno (1928-2001) en 22 páginas; una síntesis de sus reflexiones apuntan a que “Cariola acompañó con su trayecto vital el tránsito desde un Estado que buscó garantizar la educación como un derecho y como un insumo central para la transformación de la sociedad, de acuerdo a proyectos colectivos de profundas raíces históricas y utópicos propósitos (el desarrollo, el socialismo), hacia una revolución capitalista que frustró esos proyectos para depositar la soberanía de las decisiones educacionales en el mercado” (IBID, pp. 33-34). Leia Mais
Sujeitos e Artefatos: territórios de uma história transnacional da educação | Diana Gonçalves Vidal
Nos últimos anos, é crescente o interesse por abordagens transnacionais no campo historiográfico. Diante da frequência com que o termo tem aparecido em títulos de livros, artigos e palavras-chave, Struck, Ferris e Revel (2011) levantam a possibilidade de a história transnacional representar uma mudança metodológica significativa na historiografia, tal como aconteceu com a história social, a partir dos anos de 1950, e com a micro-história, nos anos de 1970 e 1980. Não surpreende, portanto, que venha recebendo atenção de pesquisadoras e pesquisadores do campo da História da Educação, que, pelo menos desde os anos oitenta, têm buscado o alinhamento e o diálogo com a historiografia.
Demonstrando o potencial das abordagens transnacionais para investigações que tomam como tema a educação e a escola, em suas múltiplas perspectivas e interfaces, foi recentemente publicado, em formato E-book, pela Fino Traço Editora, o livro Sujeitos e Artefatos: territórios de uma história transnacional da educação, organizado por Diana Vidal. A obra é parte da Coleção Estudos Brasileiros, do Instituto de Estudos Brasileiros, e resultado de um conjunto de pesquisas que, desenvolvidas no âmbito do projeto temático Saberes e práticas em fronteiras: por uma história transnacional da educação (1810-…), privilegiam os movimentos, a circulação, os intercâmbios de sujeitos e objetos elucidativos de experiências e processos educacionais, ao longo dos séculos XIX e XX [1]. Leia Mais
Inky Fingers: The Making of Books in Early Modern Europe – Antony Grafton
Anthony Grafton / Foto: Princeton University /
If it is hard to write a book review, then it is much harder to make a book. Anthony Grafton’s latest monograph, Inky Fingers, puts the difficulties of labour at the centre of this engaging study of book production in early modern Europe and North America (the latter included despite the expected limitations of the subtitle). He directs our attention to a cast of players more usually relegated to the wings of humanistic scholarship: printers, copyeditors, translators, compilers and other ‘native-born son[s] of the new city of books that printing created’ (p. 38).(1) In so doing, he reminds us that the life of scholarship ‘could cramp the hands and buckle the back’ (p. 4), to say nothing of the strain of texts and handwriting on the eyes. Building on the work of scholars including Anne Goldgar and William Sherman, and on Grafton’s own extensive contributions to the intellectual and textual history of humanistic scholarship, Inky Fingers provides a stimulating account of the back-and-forth of making books, and how this process shapes texts’ meanings and reception. Leia Mais
Le travail en Europe occidentale 1830-1939 / Marion Fontaine, François Jarrige e Nicolas Patin
Marion Fontaine /
La nouvelle question d’histoire contemporaine au CAPES et aux agrégations porte pour 2021 sur « Le travail en Europe occidentale des années 1830 aux années 1930. Mains-d’œuvre artisanales et industrielles, pratiques et questions sociales ». Les éditions Atlande, indispensables compagnons des candidats depuis plus de vingt ans, consacrent deux volumes au sujet, l’un faisant office de manuel et l’autre proposant de multiples documents. Sous la direction de Marion Fontaine, François Jarrige et Nicolas Patin, ce ne sont pas moins de vingt plumes différentes qui participent au premier ouvrage. Après une présentation sémantique, l’introduction revient rapidement sur une « histoire du travail [qui] est fondamentalement une histoire située » et explique les contours thématiques et chronologiques du sujet.
Son architecture complexe de ce livre en fait aisément le recueil de trois ouvrages différents et complémentaires. Comme les directeurs l’expliquent en introduction, la première partie vise à mettre en place les principaux éléments « dessinant les trajectoires globales de l’évolution du travail des années 1830 aux années 1930 ». En une quarantaine de pages, François Jarrige dresse d’abord un tableau des « mondes du travail et de l’industrie dans l’Europe des années 1830 ». Alors que l’industrialisation se fait à des rythmes décalés, précoce en Grande-Bretagne, plus tardif en Europe du Sud, les contours du monde ouvrier restent flous en 1830 et les statistiques incertaines tant « domine le foisonnement des formes intermédiaires entre l’atelier artisanal et l’entreprise industrielle » (p.37). Le travail à domicile et les « nombreuses nébuleuses proto-industrielles » (p.43) jouent un rôle majeur dans le tissu productif des années 1830, y compris en Angleterre, et, si de nouveaux bâtiments industriels apparaissent, il s’agit surtout de lieux permettant « l’empilement de métiers regroupés sous un même toit, sans division profonde du travail ni mécanisation » (p.49). Le statut et la rémunération des ouvriers sont alors envisagés dans un monde du travail qui voit les corporations remises en cause sans disparaître partout immédiatement. Dans ce moment 1830, la question sociale tend de plus en plus à rencontrer « les enjeux politiques » (p.69), participant à « la prise de conscience des intérêts collectifs des travailleurs » (p.73).
Toujours sous la plume de François Jarrige, un deuxième chapitre s’intéresse à un long milieu du XIXe siècle, période d’accélération de l’industrialisation autant que de l’« irruption dans l’arène publique » (p.79) des travailleurs. Si on excepte l’Europe du Sud, 1848, que l’auteur qualifie de « révolution européenne du travail », s’apparente à l’épicentre de cette « politisation des mondes ouvriers » (p.83). La mécanisation et la concentration des activités de production s’affirment davantage à partir du milieu du siècle, à des rythmes variés selon les pays, l’Angleterre et la Belgique faisant figure d’« ateliers du monde » (p.89), quand l’Italie et l’Espagne sont à classer parmi les « pays « retardataires » et « archaïques » » (p.91). La période est caractérisée par l’ « émergence très lente de la grande industrie » (p.95), à l’origine d’un tissu ouvrier complexe, dont ne sauraient être exclus les femmes et les enfants, comme de paysages d’autant plus marqués par des pollutions atmosphériques majeures que l’utilisation du charbon y est souvent massive. Enfin, à la suite de Charles Tilly, l’auteur souligne que les années 1850 sont celles du « basculement d’un régime d’action ancien, essentiellement local et patronné, consistant en destructions et soulèvements populaires, vers un répertoire « moderne » de plus en plus national et autonome, composé de grèves, de réunions politiques et de meetings, encadré par des organisations et associations en cours d’institutionnalisation. » (p.101)
En s’intéressant aux années 1880 à 1914, Marion Fontaine dessine la perspective d’un « nouveau monde ouvrier » (p.109), que les mineurs et surtout les « métallos » symbolisent désormais davantage que les ouvrier.e.s du textile. La période voit « une véritable recomposition du système technique, autour de l’électricité et du moteur à explosion à base de pétrole » (p.112), qui étend considérablement l’industrialisation et modifie sensiblement l’organisation du travail. Désormais, et malgré le maintien de formes de production plus traditionnelles, le modèle de la grande usine se développe, surtout dans certains types d’industrie, et a, pour de nombreux ouvriers, « l’allure d’un carcan, voire d’un bagne » (p.118). Dès lors se met en place un nouveau prolétariat qui, derrière l’apparente homogénéisation que permettrait la concentration de l’usine moderne, n’est pas sans hiérarchie. C’est dans ce cadre que s’organise le mouvement ouvrier, dont le rôle croissant, dans un contexte de « relative dynamique de démocratisation » (p.135) poussent les gouvernements des différents États à prendre davantage en compte les conditions de vie des travailleurs.
La Première Guerre mondiale constitue « un tournant pour la main d’œuvre et les relations de travail » et « change le monde du travail en profondeur » (p.139). L’État tient une place essentielle dans les économies de guerre qui se mettent en place à partir de l’été 1914, autant dans le financement industriel que dans l’organisation de la production. Les États se montrent aussi, selon les cas et selon les périodes, tantôt « arbitres et négociateurs », tantôt « régulateurs » dans les relations de travail (p.147). Le conflit est aussi l’occasion d’un emploi massif des femmes dans l’industrie, mais « leur place demeure subordonnée » (p.149), comme l’est celle de la main d’œuvre coloniale utilisée par la France et le Royaume-Uni. Dans un contexte industriel de développement de « nouvelles formes d’organisation du travail », la recherche d’une production croissante s’appuie « sur la dérégulation et la contrainte » (p.160), ce qui n’est pas sans expliquer, en partie, le « retour des conflits » du travail en 1917.
Le dernier chapitre de cette première partie s’intéresse à l’entre-deux-guerres, « période frappée du sceau de l’ambiguïté, entre avancées sociales massives […] et répression du mouvement ouvrier » (p.165). Dans un climat révolutionnaire qui voit naître un État communiste, les années de sortie de guerre sont l’occasion de conquêtes sociales importantes, telle la journée de huit heures (sauf au Royaume-Uni). La « grande vague de rationalisation » (p.171) déferle alors sur le monde du travail, au risque de « l’aliénation des ouvriers face à la machine » (p.175). La crise de 1929 voit émerger un chômage de masse inédit, mais aussi de grands conflits sociaux. La question du monde du travail dans l’Italie fasciste et dans l’Allemagne nazie est évidemment posée.
Le sujet est ensuite envisagé sous des angles thématiques. Dans « les mécanismes de l’industrialisation européenne », François Jarrige revient sur l’expression « révolution industrielle » pour lui préférer « industrialisation », qui dit mieux « sa lenteur, son caractère inégal et progressif » (p.196). Marco Saraceno et François Vatin abordent « les savoirs du travail » et montrent le passage de la machinerie du début du XIXe siècle à la quête de « rationalisation psychologique, technique et économique ». Alain Chatriot pose rapidement la question du commandement et s’intéresse aux patrons et aux ingénieurs, avant que Thomas Le Roux n’envisage « les corps ouvriers », entre soumission d’une part, et reconnaissance des risques et des maladies professionnelles d’autre part. Michelle Zancarini-Fournel conclut sa stimulante partie consacrée au « genre au travail » par trois éclairages successifs, sur la proto-industrialisation, sur la Première Guerre mondiale et sur la question de la protection sociale et des organisations syndicales. « Les migrations de travail », présentées par Fabrice Bensimon, sont l’occasion de multiplier les échelles, de temps (des migrations saisonnières aux déracinements définitifs) comme d’espace (des bassins démographiques régionaux aux mouvements transnationaux, voire transcontinentaux). Marion Fontaine étudie les cultures ouvrières, tant celle des métiers et de l’usine, que celles qui voient le jour « hors-travail » et qui ne sont nullement « des entités isolées » (p.338). Dominique Pinsolle s’intéresse aux conflictualités ouvrières et propose une indispensable mise au point sur des militantismes multiples. Ceux-ci sont indissociables de la mobilisation politique du travail, abordée par Emmanuel Jousse, qui donne naissance aux partis ouvriers. Laure Machu précise le rôle de l’État comme protecteur et régulateur des rapports de travail, soumis finalement, avec la dépression des années 1930, à une forte déstabilisation. Enfin, du Champathieu des Misérables de Victor Hugo à Tonine Gaucher de La ville noire de George Sand, de La Forge d’Adolph von Menzel au Débardeur de Constantin Meunier, de La Belle équipe de Julien Duvivier au lambeth walk, Gilles Candar évoque la représentation du « travail et travailleurs en littérature et dans les arts ».
La troisième partie entend mettre à disposition des outils, qu’il s’agisse de cartes, d’une chronologie ou d’une série de monographies collectives. Les notices biographiques, pourtant fréquentes dans les manuels de cet éditeur, sont écartées, les auteurs invitant à juste titre à se référer au richissime Maitron. Ils leur préfèrent de courts portraits de groupes consacrés aux métiers, les couturières, les tisserands, les dockers ou les ouvriers du livre ou de la chaussure. Chaque métier s’inscrit dans des temporalités et des problématiques qui traversent l’ensemble du thème du travail. Les cinq pages consacrées aux mineurs permettent ainsi de comprendre comment les « gueules noires », deviennent des « icônes du prolétariat », alors que le travail au fond de la mine s’industrialise très lentement et que l’extraction du charbon « se fait longtemps par la seule force physique, le mineur arrachant avec son pic le charbon de la veine » (p.450).
Un recueil de documents, introduits et présentés par Florent Le Bot et Audrey Millet, constitue le deuxième volume de l’ensemble. L’ouvrage ne vise évidemment pas l’exhaustivité mais ambitionne « la variété de documents (de textes et d’iconographie […]), inscrits dans la pluralité des séquences chronologiques et des espaces considérés » (p.19). Si certains documents appartiennent à « la sphère des représentations » (p.20), d’autres, tels les témoignages et les enquêtes, permettent en revanche d’entrer davantage « dans le cœur de l’espace du travail, dans l’atelier, dans le domicile, dans l’usine même » (p.21).
Ce sont au total plus de cent-quatre-vingt documents ou ensembles de documents qui sont proposés, répartis en cinq parties : « paysages du travail », « travailler pour vivre, travailler à en mourir ? », « encadrer des main d’œuvre », « sociabilités, engagements et conflits » et « représentations du travail ». Chacune est divisée en chapitres qui répondent, pour certains, aux chapitres du premier volume. Ainsi, les six documents de « mobilités et immigrations » répondent au point sur « les migrations de travail » ou les dix-sept documents et ensembles documentaires sur « les corps ouvriers au risque du travail » permettent de nourrir la lecture du court chapitre sur le même sujet.
Chaque document ou ensemble documentaire est présenté de façon plus ou moins complète par un texte permettant de le replacer dans un contexte plus large et complété non seulement des indications précises de la source mais aussi d’une utile (et courte) orientation bibliographique permettant d’approfondir le sujet. Ainsi, en croisant le manuel et des documents, ce sont de véritables dossiers que peut se constituer la lectrice ou le lecteur.
Dans le premier volume, on regrettera néanmoins la pauvreté du cahier cartographique, dont plusieurs cartes reproduisent celles publiées dans le volume Industrialisation et sociétés. Europe occidentale 1880-1970, paru en 1998, faisant fi de l’apport des représentations territoriales dans le processus d’explication et de mémorisation d’un phénomène, comme d’une « histoire du travail [qui] s’est donc réinventée dans les dernières décennies » (p.28).
Malgré la grande variété du deuxième volume, il est dommage que les reproductions photographiques du document ne soient pas toujours d’une qualité permettant leur exploitation (par exemple, le complexe du Grand-Hornu, p.259, ou les grévistes des Aciéries de Sambre et Meuse, p. 534). On pourra également regretter que, lorsque le document et son introduction n’occupent que deux pages, ils ne soient pas systématiquement placés face à face, même si on comprendra les nécessités techniques qui poussent à les mettre dos à dos. Enfin, de très rares choix sont peu compréhensibles : la photographie de l’équipe de football du Havre Athletic Club (p.271) dit assez peu du travail ou de la place de ce sport dans les cultures ouvrières. D’autres documents auraient été à cet égard bien plus parlants et auraient éventuellement permis de sortir des exemples français, qui dominent légitimement dans ce recueil.
Ce ne sont évidemment là que des réserves minimes tant les deux ouvrages sont riches. Bien sûr très utiles aux candidat.e.s des concours d’enseignement devant travailler des questions pour lesquelles ces volumes sont spécialement conçus, ils le seront également aux professeur.e.s pour renouveler leurs connaissances et leurs approches d’un sujet malheureusement trop peu présent dans les programmes actuels du secondaire. De fait, ce « Travail » en deux volets en est un très beau !
François da Rocha Carneiro – Professeur d’histoire-géographie à Roubaix, Docteur en histoire contemporaine et chargé de cours à l’Université d’Artois, Vice-Président de l’APHG.
FONTAINE, Marion; JARRIGE, François; PATIN, Nicolas (dir.). Le travail en Europe occidentale 1830-1939. Paris: Atlande, 2020. LE BOT, Florent; MILLET, Audrey (dir.). Le travail en Europe occidentale 1830-1939 – documents. Paris: Atlande, 2020. Resenha de: CARNEIRO, François da Rocha. Association des Professeurs d’Histoire et de Géographie (APHG). 10 jan. 2021. Consultar publicação original
Utopian Universities / Jill Pellew e Miles Taylor
Milles Taylor. Foto: Telegraph India /
The most remarkable feature of the mould-breaking expansion of higher education that took place across the world in the 1960s was the foundation of some 200 entirely new universities. In most countries, growth had previously been confined largely to existing institutions or to lesser colleges of various kinds which were required to undergo a long period of tutelage and development before they could be considered for university status. But, in the 1960s, campuses were started from scratch, nearly always funded by the state, usually promising new institutional structures and innovative curriculum design, often boasting eye-catching new buildings by star architects. Examples of this phenomenon can be found across the world, especially in the countries of the former British empire, but, both at the time and since, developments in the UK attracted most attention, providing the models for what was to follow elsewhere. In the space of four years, seven new universities were opened in England: Sussex (1961), East Anglia [UEA], York (both 1963), Lancaster (1964), Essex, Kent, and Warwick (all 1965). Belatedly, and without either the brio or the funding of ‘the magnificent seven’, they were joined by the University of Stirling (1967) and the New University of Ulster (1968); the latter remains the last entirely new publicly-funded university to be established in the UK. Utopian Universities brings together twenty contributions on aspects of the new universities of the 1960s; two thirds of them concentrate on developments in the UK, with the rest addressing selected examples elsewhere, both in the former British dominions and in Europe. Leia Mais
Le Connessioni Mondiali e l’Atlantico 1450-1850 | Marcello Carmagnani
As conexões mundiais e o Atlântico: título sugestivo para um livro que se propõe a tratar de tema tão amplo. Como fazê-lo, contudo, é questão proeminente. O percurso escolhido nos é explicitado na introdução:
Será necessária uma profunda revisão dos instrumentos analíticos, elaborando os dados históricos até então utilizados apenas descritivamente, para traçar os modelos, os esquemas e as constantes do processo histórico. Fernand Braudel dizia que a história é a representante de todas as ciências sociais no passado: a ampliação da visão de história atlântica aqui proposta depende também da capacidade de elaborar conceitos analíticos que considerem os processos históricos em âmbito econômico, sociológico, político e cultural, sem os quais a história não pode ser nada além de uma mera coleção de conhecimentos [3].
Portanto, como ambicionado, a abordagem das esferas de existência histórica do mundo atlântico depende de uma elaboração conceitual e de uma revisão dos instrumentos analíticos que dê conta das constantes de seu processo formativo. O que, dentro da produção italiana sobre o tema, é de grande significado. Como em países europeus e americanos, os estudos atlânticos ganharam relevo nos últimos anos dentro dos cursos de graduação e pós-graduação. A publicação deste livro, por exemplo, vem cinco anos depois do ótimo Il Mondo Atlantico: una storia senza confini (secoli XV-XIX), de Federica Morelli. Porém, em muitos casos, o Atlântico acaba sendo fortemente concebido como um prolongamento temporal da ordem geopolítica norte-atlântica pós-1945, sendo representado pelos países membros da OTAN (deixando pouco ou nenhum espaço para o Leste Europeu e a Península Ibérica), e excluindo em grande medida o Atlântico Sul, concebendo o ocidente a partir de um interesse que projeta uma interpretação de escopo reduzido.
Portanto, a tarefa assumida requer não apenas amplo conhecimento bibliográfico e documental, como também uma perspectiva metodológica que seja totalizante, por adição ou por relação. Neste campo historiográfico, Bernard Bailyn afirmara que fazer uma história atlântica implica a agregação do conhecimento de histórias locais e suas extensões ultramarinas, bem como as relações desse agregado, operando no campo da descrição de suas dinâmicas e elementos fundamentais e processuais [4]. Apresentando estes aspectos, o presente livro, além de vir em boa hora, é também fruto de uma carreira construída a partir de pesquisas de fôlego sobre a Europa e as Américas. Nos últimos anos, os estudos de Marcello Carmagnani vão da relação intrínseca entre o consumo de produtos extra-europeus e as transformações materiais e imateriais em suas sociedades [5] à formação e plena inserção da América Latina nas sendas do mundo ocidental [6]. E neste livro, como bem descrito, o enquadramento atlântico dos processos históricos e suas relações são delineados plenamente.
Dividindo a obra em cinco capítulos, Carmagnani inicia explorando seus pontos de partida. Pontos que não necessariamente levaram desde o princípio à sua formação, mas que foram determinantes para a estruturação de suas dinâmicas. Neste quesito, as técnicas de navegação e o delineamento das primeiras ocupações atlânticas merecem destaque. Encontramo-nos diante de um processo definido pela experiência e apresentado do seguinte modo: a adoção de técnicas originárias de contatos anteriores, em especial com a Ásia, são, junto com as técnicas locais, adaptadas para a uma realidade que posteriormente se transforma a partir da experiência prática adquirida. No que se refere à busca e ocupação de pontos intermédios no oceano Atlântico, verdadeiras pontes oceânicas, seus papéis são salientados pelas potencialidades como locais de troca e abastecimento/restauração de embarcações, e como primeira experiência de povoamento no além-mar. Com a instalação de estruturas produtivas baseadas no uso do trabalho escravo africano que engendrariam posteriormente o comércio e produção das colônias europeias na América, é ressaltado o desenvolvimento de uma rede mercantil europeia em torno do comércio açucareiro. Juntando estes dois fatores ressaltados, o desafio representado pelo Atlântico vê um número reduzido de agentes envolvidos e possui como seus mecanismos de propulsão a busca de ouro africano e o início do tráfico negreiro em direção às ilhas produtoras de açúcar, que acenavam à conexão entre comércio, técnica e experiência que simbolizam um círculo vicioso.
No segundo capítulo, os efeitos da conquista e o processo de territorialização de espaços americanos são centrais. A catástrofe demográfica americana, o consequente repovoamento e a transposição integral do tráfico negreiro ao mundo atlântico são ressaltadas por duas razões. A primeira diz respeito ao nascimento da articulação entre a costa, o interior e a fronteira aberta, ligando o comércio, as estruturas produtivas e político-jurídicas instaladas na América, tendo a prata e o açúcar como eixos indissociáveis. A segunda é a formação de sociedades específicas, que apesar das divergências locais, eram marcadas por conflitos e violências que visavam a dominação e subordinação da mão de obra. Deste modo, o repovoamento e a instalação produtiva nas Américas representa o nascimento de conflitualidades que levam os poderes coloniais a criarem mecanismos de limitação de contestações e perda de controle sobre o tecido social e produtivos cujas estruturas ainda reverberam.
O terceiro e quarto capítulos devem ser abordados em conjunto, pois enquanto dedica o primeiro à consolidação deste mundo, no outro descreve minuciosamente as plantações, a “originalidade atlântica”. Taxativamente, Carmagnani nos diz que o período entre 1650-1850 é o da afirmação atlântica como principal ator das conexões mundiais. O que era delineado anteriormente passa à concretude: não mais momentos fundamentais e de processos socioeconômicos formativos, mas de ação e projeção dos agentes históricos dentro e a partir deste mundo. Assim ocorre a mudança nos padrões de consumo dentro da Europa, com a oferta maciça de produtos extra-europeus, como café, tabaco, cacau e açúcar. Igualmente, a renda e acumulação de capital dos países europeus norte-atlânticos neste período atingiu índices de crescimento inimagináveis, levando-o, em referência à Eric Williams, a afirmar que o fluxo de capitais ingleses derivantes do comércio mundial, gerado no mundo atlântico e posteriormente na Ásia, permitiu em boa medida os investimentos à Revolução Industrial. Na África, o vínculo entre os mercadores locais e a ampla rede atlântica impulsiona a monetização das regiões costeiras. No Daomé, o equilíbrio entre sociedade, mercados locais e a administração monárquica nos ajuda a compreender por que o comércio atlântico em determinadas localidades africanas podia coexistir com as vicissitudes locais sem criar um mercado único, mas sim uma forte vinculação. No caso da Senegâmbia, o poder local foi ainda mais fortalecido por meio do comércio negreiro.
Tema que merece maior atenção, pois Carmagnani afirma que a expansão do trato transatlântico de escravos é conectada com as mudanças ocorridas não apenas na Europa, mas também na África, e com as estruturas produtivas americanas. Com isso, em um período de queda na oferta europeia de mão de obra, concomitante com a expansão produtiva nas Américas, o comércio de escravos, responsável por uma catástrofe demográfica na África, adquire amplas proporções e desencadeia um fenômeno de grandes dimensões. Diversas redes de comércio se aderiam aos portos de trato que leva ao incremento na demanda africana de tecidos, tabaco, e cachaça, ligando as economias ao ponto de, em determinados períodos do século XVIII, 40% dos produtos ingleses desembarcados na África serem usado para este comércio, enquanto no mundo português foi a sua quase totalidade, inclusive mudando profundamente seu circuito atlântico responsável por 41,8% do escravos desembarcados na América, quando o controle passa de mercadores não mais estabelecidos na Europa, mas sim no Rio de Janeiro e Bahia. Concomitante a essas redes de comércio, o incremento da produção de açúcar após a entrada em cena dos impérios do noroeste europeu aumenta a concorrência produtiva, levando áreas até então açucareiras a diversificarem suas produções.
Por fim, no que se refere ao trabalho e à produção, à parte as importantes considerações sobre as técnicas que favorecem o incremento produtivo, como o sistema de irrigação adotado em meados do século XVIII em Saint-Domingue e investimentos em vias de comunicação e meios de produção que permitiram o aumento da produtividade na Baía de Chesapeake, há um aspecto contraditório originado por uma questão semântica. Em uma passagem, o autor nos diz que escravos africanos, uma vez nas plantações, tinham um duro período de adaptação ao trabalho e de ambientação, aliado às parcas condições materiais, em sociedades que se formavam a partir de pressupostos raciais, dando vida a um sistema produtivo dividido entre um horizonte hierárquico e outro orientado ao lucro. Essa organização do trabalho apresentava tensões latentes, devido ao ritmo e ao controle produtivo. A formação de quilombos e comunidades maroons são exemplos de que esta adaptação não ocorria de fato. A busca de regulamentações e de controle por parte das sociedades coloniais nos leva a pontuar um fator que, em um leitor desatento, pode induzir a um erro de compreensão.
No último capítulo, dedicado às revoluções, a abordagem se baseia principalmente na recente produção historiográfica, dividindo-a em fases ascendente e descendente: a primeira compreende o período entre 1763 e 1815, e a segunda, até 1848. Analisemos as linhas gerais. Sobre a Revolução Americana, Carmagnani reitera que, diferentemente do que afirmam outros autores no cotejo dos eventos revolucionários nos Estados Unidos e na França, sugerindo certo disciplinamento e moderação na história norte-americana, ocorreram sim conflitos civis de monta e também se intensificou o massacre indígena. Ao mesmo tempo, parte significativa dos escravos participou diretamente no conflito, fato que influenciou aspirações de liberdade alhures, formando parte do processo que desembocou na grande rebelião escrava de 1791 na colônia francesa de Saint-Domingue (atual Haiti).
Na Revolução Francesa, se ressaltam suas idas e vindas bem como a leitura da situação política norte-americana. As relações com Saint-Domingue e o papel dos representantes caribenhos na abolição da escravidão em 1794 são cruciais pois sua inserção dentro da política revolucionária demonstra que, diferentemente da Jamaica, a contestação alcançou outra dimensão: não houve apenas uma influência advinda do processo francês, mas esta foi uma experiência que contribuiu ativamente na liberdade dos escravos e na superação, com a declaração de independência de 1804, do restabelecimento escravista decidido pelo governo imperial.
O êxito haitiano, contudo, é em parte responsável pelo caráter mais contido de diversas revoluções liberais posteriores. A moderação se deveu aos temores da classe proprietária e às revoltas eclodidas nas áreas escravistas atlânticas, sem abrir mão, contudo, dos ideais de cidadania e de governo representativo, como se vê na América ibérica, onde as classes dirigentes eram favoráveis à ampliação das reformas que ampliassem a participação política da elite colonial. Como exemplo, a independência brasileira deu luz à uma constituição liberal que centrou mais na organização do Estado que nos direitos dos cidadãos, reiterando o máximo possível a dinâmica da organização social advinda da ordem colonial. Portanto, Carmagnani é cético em afirmar que dessas revoluções nasce a democracia moderna: a representação não dependia da vontade direta da maioria dos cidadãos, e o peso dos interesses das elites foi preservado.
À guisa de conclusão, a obra faz um apanhado bibliográfico geral suficiente e amplo, apresentando os leitores a produção dos últimos 40 anos e instigando um campo de pesquisa promissor em âmbito italiano – os minúsculos erros de digitação na bibliografia não impedem a compreensão da citação, como A Costruçao do Orden. Em Connessioni Mondiali, Marcello Carmagnani, estudioso de projeção internacional, dá um passo importante em direção à “atlantização” da historiografia europeia em geral e italiana em particular.
Notas
1. Università degli studi di Torino. Turim – Itália.
2. Mestrando em Scienze Storiche na Università degli studi di Torino, Torino (TO), Italia. E-mail para contato: joao.covolansilva@edu.unito.it.
3. CARMAGNANI, Marcello. Le Connessioni Mondiali e l’Atlantico, 1450-1850. Torino: Einaudi, 2018, p.5.
4. BAILYN, Bernard. Atlantic History: concepts and contours. Cambridge: Harvard University Press, 2005, pp.60-61.
5. CARMAGNANI, Marcello. Le Isole del Lusso: prodotti esotici, nuovi consumi e cultura economica europea, 1650-1800. Torino: Utet, 2010.
6. CARMAGNANI, Marcello. L’Altro Occidente: l’America Latina dall’invasione europea al nuovo millennio. Torino: Einaudi, 2003.
Referências
BAILYN, Bernard. Atlantic History: concepts and contours. Cambridge: Harvard University Press, 2005.
CARMAGNANI, Marcello. L’Altro Occidente: l’America Latina dall’invasione europea al nuovo millennio. Torino: Einaudi, 2003.
_____. Le Isole del Lusso: prodotti esotici, nuovi consumi e cultura economica europea, 1650-1800. Torino: Utet, 2010.
_____. Le Connessioni Mondiali e l’Atlantico, 1450-1850. Torino: Einaudi, 2018.
MORELLI, Federica. Il Mondo Atlantico: una storia senza confini (secoli XV- -XIX). Roma: Carocci, 2013.
João Gabriel Covolan Silva1;2 – Università degli studi di Torino. Turim – Itália. Mestrando em Scienze Storiche na Università degli studi di Torino, Torino (TO), Italia. E-mail para contato: joao.covolansilva@edu.unito.it
CARMAGNANI, Marcello. Le Connessioni Mondiali e l’Atlantico, 1450-1850. Torino: Einaudi, 2018. Resenha de: SILVA, João Gabriel Covolan. A afirmação do Atlântico na historiografia italiana. Almanack, Guarulhos, n.26, 2020. Acessar publicação original [DR]
História de Roma | Mikhail Ivanovich Rostovtzeff
História de Roma – cujo título original é Rome – foi publicado pela primeira em 1927 e, desde então, passou por cinco revisões. A obra foi escrita pelo historiador russo Mikhail Ivanovich Rostovtzeff, o qual, em 1918 – à luz da Revolução de Outubro de 1917 -, fugiu da Rússia a fim de evitar ser perseguido pelos bolcheviques. Essa informação é de extrema valia para a possível compreensão do livro, uma vez que, indubitavelmente, o autor foi influenciado pela Revolução Russa, de modo a transportar os efeitos dela para sua análise sobre as causas da queda de Roma.
Contudo, antes de partir para as razões da queda, o escritor busca trabalhar os motivos da ascensão. Ele estabelece isso logo na página 11: “como foi possível em solo italiano […] criar um poder único […] enquanto Atenas e Esparta não conseguiram?”. Em outras palavras, por que Roma, uma cidade-Estado assim como outras, tornou-se uma potência tão formidável, e as poleis gregas não? Diante desse questionamento, ele utiliza o primeiro capítulo para fazer uma história comparativa entre Roma e Grécia. Disso, pode-se destacar o fato de Rostovtzeff expor o problema das fontes usadas para se estudar Roma. Isso porque boa parte das informações sobre o passado romano ou é escassa ou sofreu influências políticas. Portanto, a forma mais adequada de se alcançar o conhecimento a respeito da sociedade que floresceu no Lácio seria por meio da arqueologia, a qual o autor faz amplo uso. Leia Mais
Tendências Historiográficas na Revista Brasileira de História: 1981-2000 | Ricardo Marques de Mello
Os anos 1980 e 1990 são usualmente considerados momento de inflexão da historiografia em nosso país, com a falência das metanarrativas iluminista e marxista e das teses de longa duração. Ao promover diálogo interdisciplinar com a antropologia e a teoria literária, os historiadores brasileiros teriam propiciado a ascensão da micro história e da história cultural. Muitos se valeriam de novas fontes para meditar sobre representações, e privilegiariam recortes temporais recentes e recortes espaciais em território nacional, regionais ou locais. A mudança de bases teóricas, com inspiração na Nova História e em autores como Michel Foucault, Edward Thompson, Walter Benjamin e Clifford Geertz, alavancaria o enfoque de temas, objetos e sujeitos históricos até então apagados. Todavia, a apropriação superficial desses pensadores, somada à presença tímida, no Brasil, da produção e do conhecimento de obras de teoria, teria favorecido uma prática empirista da escrita da história.
À vista disso, seria possível determinar a validade destes pressupostos nas fontes da história da historiografia do período referido? Se sim, como? Se não, por quê? Poderiam os historiadores empregar estas formulações para definir tendências historiográficas estaticamente? Leia Mais
Estado, sociedade e educação profissional no Brasil: desafios e perspectivas para o século XXI | Eraldo L. Batista, Isaura M. Zanardinie e João C. da Silva
O livro tem por objetivo, segundo seus organizadores, apresentar “resultados de pesquisa focalizando questões teóricas e metodológicas e empíricas, trazendo ainda aspectos histórico-conceituais da Educação Básica, particularmente do ensino profissional” de nível médio (Batista, Zanardini e Silva, 2018, p. 13). Trata-se de coletânea de 13 capítulos, escritos por 19 pesquisadores.
Maria Ciavatta, no Prefácio, já nos indica que “o conjunto de textos, sobre vários aspectos do Estado, sociedade e educação no Brasil, é exemplar sobre a questão educacional da população nos cinco séculos de existência conhecida pelo mundo europeu, a terra brasilis, e na atualidade desta segunda década do século XXI” (p. 9). Leia Mais
La niñez desviada. La tutela estatal de niños pobres, huérfanos y delincuentes | Claudia Freidenraij
En su trabajo La niñez desviada, editado por Biblos, Claudia Freidenraij presenta la investigación que tiene origen en su tesis de doctorado. Avanzando en una línea tradicional de la autora, el texto aborda un grupo particular de la infancia porteña durante la última década del siglo XIX y las dos primeras del XX. Para ello apela a la idea de niñez desviada para identificar a un núcleo proveniente de los sectores populares: niños pobres, sin hogar o con un control paterno alejado del ideal establecido, con un vínculo frágil con la escuela y una permanencia en la calle rotulada como inconveniente. A partir del estudio de un conjunto de prácticas vitales, en la cambiante realidad de la capital argentina, se detiene en el proceso que llevó a una asociación con el mundo del delito que provocó que estas conductas recibieran un tratamiento propio de la infracción penal. Una suerte de estado peligroso, diría el criminólogo Adolfo Prins, que los ponía en la pendiente del crimen legitimando así la intervención desde el Estado. En este sentido, el trabajo elude las tentaciones homogeneizadoras, considerando el tema en su complejidad, tanto en lo que hace a la niñez como a las tensiones en torno a la participación de un conjunto de actores estatales que es leída en su diversidad. Freidenraij se propone como objetivo central reconstruir la transformación de un sujeto preocupante y punible que es identificado como infancia abandonada y delincuente, rastreando las intervenciones de una serie de operadores (policía, defensores públicos, autoridades). Leia Mais
O triunfo da persuasão: Brasil/ Estados Unidos e o Cinema da Política de Boa-Vizinhança durante a II Guerra Mundial / Alexandre B. Valim
Bandeiras – Brasil x EUA
Na obra “O triunfo da persuasão: Brasil, Estados Unidos e o Cinema da Política de Boa- Vizinhança durante a II Guerra Mundial”, o autor Alexandre Busko Valim nos apresenta uma discussão sobre o uso do cinema na política de aproximação entre Brasil e Estados Unidos no contexto da Segunda Guerra Mundial. Buscando estabelecer influência tanto no Brasil quanto em outras repúblicas da América Latina, os Estados Unidos desenvolveram a Política da Boa- Vizinhança, que foi aprofundada e inovou nos métodos de controle e dominação durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse novo quadro essa política era relevante pois visava garantir aos Estados Unidos: o potencial mercado latino-americano, o apoio do Brasil que possuía posição estratégica no cone sul durante o conflito bélico e por último – e importante – garantir o acesso a matérias primas essenciais para o esforço bélico dos Aliados.
O objetivo de Valim, possuindo como base teórico-metodológica a História Social do Cinema, é analisar os usos do cinema que objetivava o estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos no contexto da Segunda Guerra Mundial. Uma das originalidades do livro é a abordagem escolhida pelo autor para tratar do tema; ele não busca fazer uma análise dos filmes produzidos, ou seja, reconhecer seus significados e representações, que é o comum dentro da bibliografia que trata do cinema na Política de Boa-Vizinhança. Indo além, busca se explicitar como se deu a estruturação da OCIAA (Office of the Coordinator of Interamerican Affairs) e a implantação das regionais no Brasil, e mais a frente à fundação da Brazilian Division (a sessão brasileira do Office). Abrangendo a parte burocrática da ação, analisando também o papel do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) no período. Focando sua discussão em apresentar como se deu a criação e o planejamento das atividades do Office no Brasil, analisando como os grupos dirigentes se decidiam, quais eram seus objetivos e suas ações, mais que isso, quais foram os entraves burocráticos encontrados no Brasil e quais foram as soluções realizadas. Chama atenção para a necessidade de se conhecer os processos de concretização do Office para dessa forma não colocarmos o período como uma mera consequência do imperialismo onipotente norte-americano.
Outro ponto original da obra se remete as fontes utilizadas pelo autor, sendo elas documentos depositados na National Archives em College Park, nos Estados Unidos (NARA II).
Essas fontes são um conjunto de memorandos, relatórios, cartas que circulavam entre as instituições (regionais, Brazilian Division, Office). O conteúdo delas variavam, desde aviso sobre decisões tomadas, relatórios qualitativos e quantitativos, preocupações compartilhadas pelos grupos, demandas, interesses, impasses e etc. Sendo assim, essas fontes são cruciais para se entender como se deu a idealização, organização e ação das atividades do Office no Brasil.
Utilizando o conceito de “zona de contato”, Valim também contribui originalmente ao propor uma análise onde observa os conflitos culturais existentes nos espaços sociais conjuntos construídos durante o contexto estudado. Dirigindo atenção a atores sociais que não possuíam destaque dentro das instituições oficiais, atores esses que foram peças chaves dentro da estruturação do Office e realização de suas atividades. Dessa forma, ele coloca sob o holofote estes que por muito foram ignorados pela historiografia do tema, mas que tiveram papel essencial no período.
Partindo para a estruturação da obra, tirando a introdução e as considerações finais, o livro apresenta seis capítulos no total, e em cada um deles os argumentos são articulados para com sua ideia principal. Na introdução são apresentados os objetivos gerais do livro, como também é explicitada qual metodologia será utilizada e qual documentação foi acessada para construção da obra. Em linhas gerais é abordado o contexto da Política da Boa-Vizinhança, suas bases e seus ideais, e também é apresentado um breve debate historiográfico sobre as produções que abordam esse período. Um breve histórico da criação do Office e da Motion Picture Division é exposto, além de apontar o porquê do interesse dos Estados Unidos na América Latina, em específico o Brasil. O autor segue e explicita os conceitos de persuasão e propaganda, e argumenta do porquê da escolha do cinema como instrumento de aproximação entre os países. Outro ponto importante abordado é sobre os entraves causados pelo governo brasileiro, no âmbito do DIP, que serão mais bem analisados nos capítulos seguintes.
No primeiro capítulo, intitulado “The Brazilian Division: a chegada do Office no Brasil”, o autor foca em apresentar como se deu a estruturação do Office no Brasil e a criação da Brazilian Division. Aponta as limitações legais encontradas no país e as ações tomadas para burlar o governo varguista que era lido possuindo um teor “muito nacionalista”, que não agradava o Office. Seguindo, é apresentado dados sobre quem seriam os responsáveis do Office, da Brazilian Division e das regionais instaladas. O capitulo é uma extensa explicação sobre a estrutura política do Office, suas divisões, cargos e tarefas; é a apresentação da parte técnica e burocrática do mesmo. O segundo capítulo, “Aliados precisam ter atitudes amigáveis: propaganda, oportunidade e lucro”, é desenvolvido a parte do embate entre a legislação brasileira e os desejos do Office, nesse caso, em relação à taxação dos filmes estrangeiros. São elencados quais eram as obrigatoriedades da Brazilian Division em relação à produção e divulgação dos filmes. Discorre-se sobre os esforços de se extinguir os filmes do Eixo. Por fim, ele pincela um pouco sobre a tentativa de se conseguir ajuda da Motion Picture Division para produzir filmes nacionais, e também sobre os esforços da Brazilian Division em treinar com eficácia os técnicos para produção e divulgação dos filmes.
Já o terceiro capítulo, intitulado “O show precisa continuar: o cinema da boa-vizinhança adentra o país” é focado em discutir sobre as dificuldades de expansão das exibições para o interior do Brasil. É explicada as dificuldades técnicas que envolviam disponibilidade de material, equipe treinada e transporte, por exemplo. Para, além disso, o capítulo aborda a recepção dos filmes no interior a partir de relatórios das equipes envolvidas. Aponta algumas situações onde ocorreram impasses com as autoridades locais no que tange permissão para as exibições, e debate sobre como esses embates eram retirados dos relatórios que eram enviados ao Offiice, numa tentativa de não manchar a atuação do mesmo no país o que poderia pôr em risco a continuação das suas atividades.
A argumentação sobre a recepção dos filmes pelo interior segue no quarto capítulo, “Acenando as cabeças para filmes extraordinários: os maiores hits do cinema da boavizinhança”.
É abordada a preocupação no quesito mensagem do filme vs. receptor, ou seja, a atenção dispendida em relação aos efeitos que as histórias dos filmes causavam no público, onde houve casos que não eram agradáveis porque não se identificavam com a realidade apresentada nas obras. Ainda nesse capitulo, é discutido sobre alguns requisitos relacionados a filmagens realizadas no Brasil, como por exemplo, o ponto de evitar pobres e negros nas cenas gravadas. Um pouco mais a frente, é abordado um pouco sobre a relação de Disney e a política da boa-vizinhança, abordando alguns filmes que o mesmo realizou no período diretamente relacionado a política de aproximação. Por fim, discute também a censura realizada pelo DIP aos filmes que seriam exibidos no país, as diretrizes para o cinema no Brasil, e elenca filmes proibidos que eram considerados simpáticos aos alemães e a URSS.
O quinto capítulo, “Caçando com os melhores cães: os projetos de cinema do Office”, a partir de três projetos chamados: William Murray Project, John Ford Project e o Production of 16mm in Brazil, o autor aborda as ideias do Office no que tange exibição e produção cinematográfica em âmbito nacional. Analisa toda a parte burocrática, que seria o orçamento, equipe técnica, parcerias privadas e públicas que permeavam essa empreitada de se investir na produção cinematográfica brasileira. Aponta também os argumentos daqueles que foram a favor e contra ao investimento estadunidense na indústria cinematográfica local e quais foram os desfechos. O sexto e último capítulo, chamado “Mais dramático que qualquer ficção as múltiplas fronteiras exploradas pelo cinema da boa-vizinhança”, analisa as ações para incentivar a produção da borracha para os esforços de guerra a partir da relação entre cinema e a “batalha da borracha”, além disso, também discute os estereótipos que associavam o Brasil a um local exótico e selvagem, e por último aborda novamente a discussão sobre a construção de uma indústria cinematográfica nacional a partir de investimentos norte-americanos.
Como é possível ver a partir das sínteses dos capítulos, o autor desenvolveu sua ideia principal de acordo com a evolução da obra. Utilizando as fontes da NARA II, Valim destrincha uma parte que até então não recebia muita atenção da bibliografia, que é a idealização e estabelecimento do Office no Brasil. As questões burocráticas que se desenrolaram, os impasses entre governo estadunidense e brasileiro. Salienta o embate entre ideais do governo varguista e os ideais propagados do ‘american way of life’, de liberdade e democracia pelos estadunidenses.
Para, além disso, destrincha a imagem estereotipada e até mesmo idealizada produzida sobre o Brasil, ressaltando inclusive o interesse do governo nacional nessa retratação que ignorava as desigualdades e mazelas sociais. Um fator interessante levantado na obra é sobre como em alguns casos funcionários estadunidenses se compadeceram mais pela causa brasileira e passaram então defendê-las, como por exemplo, dentro do projeto John Ford, onde os funcionários possuíam interesse de produzir filmes sobre a cultura do Brasil, sobre as músicas, o samba, mas foram inibidos porque isso ia de encontro com os interesses do Office.
A obra de Valim, lançada em 2017, se posiciona em um momento onde se faz muito necessário reconhecer a força e influência que os canais de comunicação possuem sobre a formulação da opinião pública. Como dito anteriormente, a obra não foca em analisar os signos representados nos filmes da época, mas se propõe a um estudo mais aprofundado sobre a natureza das atividades do Office e da sua relação com os grupos dirigentes do país. A partir de sua argumentação, é possível perceber como a Política da Boa-Vizinhança aprimorou os métodos de controle e dominação. “O Triunfo da Persuasão” não se mostra original apenas nos documentos que utiliza como fontes primárias, mas na abordagem que busca observar a relação entre dois países com poderes assimétricos, conseguindo, dessa forma, demonstrar as limitações da suposta onipotência norte-americana no contexto. Este livro se coloca enquanto leitura essencial para aqueles interessados em História Social do Cinema, sobre uso do cinema no contexto da aproximação do Brasil e dos Estados Unidos durante a Política da Boa- Vizinhança, além de abrir inúmeras possibilidades de pesquisas dentro da temática que aborda.
Carolina Machado dos Santos – Graduanda pela Universidade Federal Fluminense no curso de História (Licenciatura).
VALIM, Alexandre Busko. “O triunfo da persuasão: Brasil, Estados Unidos e o Cinema da Política de Boa-Vizinhança durante a II Guerra Mundial”. 1. Ed. São Paulo: Alameda, 2017.Resenha de: SANTOS, Carolina Machado dos. Cinema e política da boa-vizinhança. Cantareira. [Niterói], v.34, p.675-678, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [IF].
Sítio Roberto Burle Marx | Cláudia Storino e Vera Beatriz Siqueira
Maria do Carmo Nabuco, amiga e membro do primeiro Conselho Consultivo instituído por Roberto Burle Marx como corpo auxiliar da gestão de seu Sítio na Barra de Guaratiba, Rio de Janeiro, resumiu numa frase o significado da doação daquele acervo ao Governo Federal do Brasil: “Roberto, você não tem consciência do tamanho da sua generosidade!”
O então Sítio Santo Antônio da Bica, agora Sítio Roberto Burle Marx, foi doado em 1985 ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, à época vinculado ao Ministério da Cultura (1), com tudo que nele se continha! E é aí que cresce de importância a publicação da qual faremos, nas linhas seguintes, uma breve descrição. Leia Mais
A grande cidade. Um retrato de Paris no começo do Século XIX | Paul de Kock
Esta deliciosa crônica chamada “Os passeios das ruas” (“Les trottoirs”) – publicada abaixo na íntegra – é um documento histórico que demonstra a novidade dos passeios ou calçadas na cidade de Paris. Ela foi publicada em 1842 no livro La Grande Ville Nouveau. Tableau de Paris – comique, critique et philosphique (1) do esquecido escritor francês Paul de Kock (1793-1871), que era muito popular no século 19 (2). Como Sue, como Dumas, ele se alinha a autores que escreviam para o novo leitor que se formou em razão do crescimento da educação, procurando narrativas simples. Escritor prolífico, que publicava em folhetins, naquela obra ele observa e descreve o quotidiano pequeno burguês de Paris, cidade que já se transformava rapidamente durante a primeira metade do século 19. Leia Mais
Lelé: diálogos com Neutra e Prouvé | André Marques
Ô Abilio Guerra!
Você me pede o impossível. Confesso que não consigo resenhar o livro de André Marques com a isenção e objetividade apreciadas pelos leitores do portal Vitruvius. Digo isso porque fui abduzido pelo talento e dedicação desse jovem pesquisador que, findo o mestrado sobre a obra de Lelé (1), sentiu necessidade de estudar, em sua tese de doutorado, a obra do arquiteto Aldary Toledo (2), meu pai, a quem Lelé chamava de mestre.
Lendo o livro voltei à 1963, ano em que, guiado por Lelé, conheci Brasília. Em sua companhia, me emocionei ao entrar na Catedral, obra prima de Oscar Niemeyer, seu amigo e mentor. Nesse mesmo dia visitei os prédios da Superquadra Sul 109, projetados por papai para o Instituto de Aposentados e Pensionista Bancários – IAPB, e o Conjunto Colina, o maior projeto de Lelé na UnB. Encantado com a articulação e acabamento dos componentes pré-fabricados, aplicados sem revestimento, e a perfeição de cada detalhe, deixei de ver em Lelé apenas o discípulo que tocava acordeom lá em casa, antes das aulas semanais que ele e alguns colegas de faculdade tinham com papai, varando a noite falando sobre arquitetura, artes plásticas, música e literatura. Depois da ida ao Colina, vi nele o grande arquiteto que viria a ser, talvez o maior de sua geração. Leia Mais
What is Global History? | Sebastian Conrad
El historiador alemán Sebastian Conrad (1966) a lo largo de su carrera ha trabajado en los campos de la historia transnacional y de la historia global. Ello tanto desde la refl exión teórica como mediante la aplicación de sus metodologías en el análisis de casos de estudio concretos. Actualmente detenta la cátedra de historia moderna en la Freie Universität de Berlín, donde también dirige la maestría en Historia Global. En 2018, su trayectoria académica fue reconocida al nombrársele miembro de la Academia Europaea y de la Academia de ciencias de Berlín-Brandemburgo1. En su libro, What is Global History, Conrad se propuso realizar una discusión de alcance teórico sobre este tipo de historia y su práctica, discutiendo, por ejemplo, la política implícita en su ejercicio y los efectos del enfoque global en las categorías utilizadas por los historiadores, como las nociones de espacio y tiempo2.
En su texto, Conrad plantea una defi nición heurística de esta práctica historiográfi ca, concibiéndola como un enfoque diferenciado que exploraría “alternative spatialities, is fundamentally relational, and is self-refl ective on the issue of Eurocentrism”3. Leia Mais
La restauración en la Nueva Granada (1815- 1819) | Daniel Gutérrez
La llegada de Pablo Morillo, acontecimiento nombrado tradicionalmente como la Reconquista, cuenta con unas particularidades que permite ver, más que una acción de reconquista, las implicaciones que este término contiene: una experiencia de intento y fracaso por aplicar castigos y absoluciones con fines de restaurar el poder monárquico. Los levantamientos y dificultades que los Borbones habían vivido no son comparables con la revolución que estaba teniendo lugar en Hispanoamérica después de la abdicación de Bayona y el interregno, razón por la cual la realidad comprendida entre 1815 y 1819, a partir de la vuelta del rey, va más allá de una simple reconquista, habiendo no solo “justicia” y represalias por la deslealtad a la Corona, sino también acciones de perdón y reconciliación que deberían ser entendidas en el proceso de las restauraciones, iniciado en 1815. El fin de la temporalidad sugerida por el autor, que sí dista del sugerido para las restauraciones europeas, responde a que ese año, 1819, fue el año en que se derrotó defi nitivamente al régimen español en la Nueva Granada.
El anterior es el argumento central de La restauración en la Nueva Granada, texto escrito por Daniel Gutiérrez como resultado de su estancia en Francia. El libro invita a reinterpretar renovando la conceptualización y, con ello, a renovar también la perspectiva de la restauración, para así entender que el proceso que se dio en la Nueva Granada no fue simplemente una pugna entre pacificadores y revolucionarios. En otros términos, la invitación del texto es a ver en los hechos las formas de perdón y castigo, junto con las formas de representación que se desarrollaron en torno a ellas, para así dilucidar las resistencias a la restauración y las contradicciones en el accionar del gobierno de Fernando VII para restablecerse en la Nueva Granada. Alejarse de la perspectiva que castiga a unos, los pacificadores, y glorifica a otros, los revolucionarios, es uno de los logros de esta investigación. Leia Mais
La paz olvidada. Políticos, letrados, campesinos y el surgimiento de las FARC en la formación de la Colombia contemporánea | Robert Karl
Robert A. Karl es historiador del Darmouth College. Por medio de su tesis titulada “State Formation, Violence, and Cold War in Colombia, 1957-1966”, obtuvo su doctorado en Historia por la Universidad de Harvard. Además de la obra aquí reseñada, Karl ha publicado artículos tales como “From ‘Showcase’ to ‘Failure’: Democracy and the Colombian Developmental State in the 1960s”1, “Century of the Exile: Colombia’s Displacement and Land Restitution in Historical Perspective, 1940s-1960s”2 y “Reading the Cuban Revolution from Bogotá, 1957-62”3 . Karlha sido maestro de historia moderna de América Latina en las universidades de Princeton, Harvard y Dartmouth.
Publicado inicialmente en 2017 bajo el título Forgotten Peace: Reform, Violence, and the Making of Contemporary Colombia, la presente edición es una traducción realizada al español por la escritora y filósofa Carolina Sanín Paz. Esta obra se compone de siete capítulos, un epílogo, un posfacio y un prólogo a la edición colombiana. Es un libro que intenta, de acuerdo con su autor, traer al debate público y académico el esfuerzo de pacificación que vivió el país una vez finalizó el régimen de Gustavo Rojas Pinilla (1953-1957) y se dio inicio al Frente Nacional en cabeza de Alberto Lleras Camargo. A la par, el autor establece que es de su interés reconstruir “la genealogía de la violencia a partir de los encuentros entre los colombianos de la ciudad y el campo”4 . El “país letrado”, como lo denomina, se constituye como otro actor principal en la construcción de la paz colombiana en un periodo donde el bandolerismo y las guerrillas se consolidaron. Leia Mais
Luisa de Venero, una encomendera de Santafé. Microhistoria de las mujeres encomenderas en el Nuevo Reino de Granada, siglo XVI | Camilo Alexander Zambrano Cardona
En el texto Luisa de Venero, una encomendera de Santafé. Microhistoria de las mujeres encomenderas en el Nuevo Reino de Granada, siglo XVI, el historiador Camilo Zambrano se centra en dar a conocer y entender la participación de las mujeres en la Colonia debido a que esta ha sido vista convencionalmente desde una perspectiva androcéntrica —como él mismo lo menciona—, condenando lo femenino a la invisibilidad. En el texto se expone la vida de una mujer encomendera en la sociedad colonial de la Nueva Granada, doña Luisa de Venero. El objetivo del escrito es mostrar a la mujer colonial en un rol activo en la sociedad partiendo de las mujeres encomenderas.
El texto tiene un enfoque microhistórico de la vida de la encomendera Luisa de Venero. A través del análisis de su vida, y en especial de un conflicto judicial que afrontó sobre su encomienda, se reconstruye el papel de la mujer en otros aspectos de la vida colonial que suelen dejarse de lado: “Las investigaciones históricas colombianas sobre las mujeres coloniales se dirigían a cuestiones acerca del género y la etnicidad, dejando por fuera la interacción de aquellas con las instituciones económicas, políticas y sociales”1 . El libro está dividido en tres capítulos. En el primero, Zambrano expone un estudio general de la ciudad de Santafé desde su fundación en 1538 y su posterior organización, para mencionar en dónde estaba ubicada la casa de la encomendera Luisa de Venero2, pues esta propiedad no era la única que poseía. Se presentan, además, las condiciones climáticas que había en la tierra de esta encomendera y, posteriormente, se dedica un apartado sobre el contexto político y económico, mencionando a la Real Audiencia y la Real Hacienda junto con su organización y funcionamiento, información que permite obtener una contextualización que, aunque se torna extensa, busca explicar por qué, según Zambrano, la mujer no tuvo cabida en el mundo de las instituciones coloniales. Leia Mais
Maria Graham: Uma inglesa na independência do Brasil | Denise Porto
Fazer uma resenha é um ato de amor. De crença, de prazer.
É ler um trabalho ou um livro e jogar seus sonhos para um monte de sentimentos, de imagens, boas e ruins.
É imaginar-se em um outro local.
E essa crença me acompanha no trabalho de Denise G. Porto quando nele descreve a inglesa que aqui viveu na cidade colonial, observando e sentindo as ruas com o cotidiano da cidade, conhecendo ricos e pobres, vivendo na floresta ou vivendo no palácio da Quinta da Boa Vista. Um prazer também quando tomamos conhecimento quanto aos documentos oficiais sobre a Guerra da independência no Nordeste, principalmente na Bahia e Maranhão. Leia Mais
O Brasil resiliente: estímulos criativos para sua reconstrução | Manoel José de Miranda Neto
Manoel José de Miranda Neto – membro do Instituto Histórico Brasileiro, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Academia Paraense de Letras e da Academia Paraense de Jornalismo, participante ativo de Congressos e Seminários sobre “Globalização, Cidadania e Qualidade de Vida” e autor de renomados livros de pesquisa histórica, como por exemplo, o conceituado A Utopia Possível: Missões Jesuíticas e seu suporte econômico-ecológico, publicado em Brasília, pela Funag, em 2012 – traz à luz neste ano de 2021 seu último trabalho de fôlego: O Brasil Resiliente. Estímulos criativos para sua reconstrução.
A obra em tela possui 332 páginas, dividida em três partes temáticas: I – Colonização Séculos XVI e XVII; II – Consolidação Séculos XVIII e XIX; III – Globalização Séculos XX e XXI. As seções temáticas são desenvolvidas em treze capítulos cronologicamente contextualizados e enriquecidos com notas explicativas que remetem às referências bibliográficas completas. O autor apresenta, também, os Créditos das Ilustrações e as instituições basilares da documentação pesquisada – Arquivos, Fundações, Institutos Históricos – abrindo caminho epistemológico para futuras pesquisas e orientações para outros pesquisadores. Leia Mais
Narrativas de la historia en el audiovisual colombiano. Controversias sobre el pasado en cuatro estudios de caso comparados | Isabel Restrepo Jaramillo
El libro Narrativas de la historia en el audiovisual colombiano parte de la idea de que ha existido una conexión entre la historia en cuanto disciplina y las representaciones del pasado que han sido vertidas en el audiovisual colombiano con enfoque retrospectivo. Con la intención de comprender la filigrana de lo anterior, la historiadora Isabel Restrepo Jaramillo ha optado por la comparación de cuatro casos: Garras de oro, los documentales de Marta Rodríguez y Jorge Silva; El profesor Super O histórico y los documentales que integran la Caja Viajera del Grupo de Memoria Histórica (GMH). La investigación adelantada por la autora le permite sostener que los audiovisuales con intencionalidad retrospectiva dialogan con argumentos desarrollados por la historiografía y los actualizan de acuerdo con las coyunturas del entorno de producción de las obras, al tiempo que transmiten una comprensión de la historia ligada tanto a corrientes historiográficas como a proyectos políticos o reivindicaciones sociales. En consecuencia, los productos audiovisuales emplean el pasado para hablar del tiempo en que vieron la luz. Leia Mais
Sins Against Nature. Sex and Archives in Colonial New Spain | Zeb Tortorici
Desde 1986, cuando Serge Gruzinski publicó su novedoso estudio “Las cenizas del deseo”, no se publicaba una investigación histórica tan desafiante sobre la homosexualidad durante el periodo colonial novohispano.1 Es cierto que habían aparecido distintas investigaciones que ampliaban y enriquecían nuestra comprensión del campo de la sexualidad durante el periodo, especialmente porque analizaban muchas transgresiones a la doctrina establecida por la Iglesia. Sin embargo, conviene admitirlo, estas transgresiones tenían relación, casi siempre, con el matrimonio católico. Es decir, se trataba de relaciones heterosexuales prematrimoniales o al margen del matrimonio. Sins Against Nature, es bueno decirlo, no es sobre homosexualidad, pero es indiscutible que es uno de sus principales focos de atención. Leia Mais
Todos estos años de gente. Historia social, protesta y política en América Latina | Andrea Andújar e Ernesto Bohoslavsky
La relación entre pasado y presente es inherente a la disciplina histórica desde sus inicios. En América Latina, y antes en Europa, el proceso de profesionalización e institucionalización de la historia fue, en gran medida, impulsado y modelado por las necesidades de su presente. Las aspiraciones de cientificidad fueron indisociables de los usos políticos, especialmente los vinculados a contribuir a la consolidación de los Estados y las identidades nacionales. A lo largo del tiempo esa tensión inherente a la disciplina se resignificó en múltiples sentidos y direcciones. Así, en el espacio latinoamericano, la privilegiada interlocución de la historia profesional con el Estado fue complejizándose al calor de las protestas y demandas de diversos actores colectivos, principalmente desde el último cuarto del siglo XX. Las reivindicaciones por derechos impulsadas por las luchas feministas, los pueblos originarios, los homosexuales o el movimiento negro interpelaron de diversa forma a la comunidad de historiadores. Los vasos comunicantes fueron complejos, fluctuantes y, a veces, esquivos. Este nudo de preocupaciones en el cual pasado y presente se atan, solapan y retroalimentan es el que articula los textos que Andrea Andújar y Ernesto Bohoslavsky reunieron en Todos esos años de gente. Leia Mais
Tendências Historiográficas na Revista Brasileira de História: 1981-2000
Ricardo Marques de Mello / Foto: Unespar-Campo Mourão /
Os anos 1980 e 1990 são usualmente considerados momento de inflexão da historiografia em nosso país, com a falência das metanarrativas iluminista e marxista e das teses de longa duração. Ao promover diálogo interdisciplinar com a antropologia e a teoria literária, os historiadores brasileiros teriam propiciado a ascensão da micro história e da história cultural. Muitos se valeriam de novas fontes para meditar sobre representações, e privilegiariam recortes temporais recentes e recortes espaciais em território nacional, regionais ou locais. A mudança de bases teóricas, com inspiração na Nova História e em autores como Michel Foucault, Edward Thompson, Walter Benjamin e Clifford Geertz, alavancaria o enfoque de temas, objetos e sujeitos históricos até então apagados. Todavia, a apropriação superficial desses pensadores, somada à presença tímida, no Brasil, da produção e do conhecimento de obras de teoria, teria favorecido uma prática empirista da escrita da história.
À vista disso, seria possível determinar a validade destes pressupostos nas fontes da história da historiografia do período referido? Se sim, como? Se não, por quê? Poderiam os historiadores empregar estas formulações para definir tendências historiográficas estaticamente?
É sobre aquele cenário e estas questões que Ricardo Marques de Mello se debruça no livro Tendências Historiográficas na Revista Brasileira de História: 1981-2000. Nas cento e oitenta e três páginas que o compõem, Mello almeja identificar tendências historiográficas existentes na historiografia brasileira das duas últimas décadas do século XX, por meio das publicações da Revista Brasileira de História (RBH). A obra é fruto de sua tese de doutorado (2012), que venceu, em 2014, o concurso de teses da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH). O livro conta com prefácio de Carlos Fico, um dos primeiros historiadores brasileiros interessados na identificação de inflexões deste tipo para composição de balanços.
É pertinente registrar que a RBH é vinculada à Associação Nacional de História (ANPUH) e surgiu em 1981, como produto da reformulação da entidade num contexto de expansão acadêmica e “necessidade de ampliar a troca de experiências entre os praticantes do ofício” (MELLO, 2016, p. 47). Logo, o periódico materializou os interesses e as orientações dos historiadores publicados e dos grupos envolvidos direta e indiretamente na instituição, atuando na divulgação dos propósitos desta e na construção do cenário historiográfico da época.
A seguir, resenharei os procedimentos e as soluções encontradas por Mello, buscando expor as contribuições de sua obra para as discussões sobre as particularidades da historiografia brasileira do final do século passado. Destarte, entendo que é preciso definir o conceito expresso no título do livro, assim como o autor o faz em seu primeiro capítulo.
Segundo Mello, tendências historiográficas devem ser entendidas como conjuntos resultantes da propensão ao emprego gradual e frequente de certas opções historiográficas. Estas, por sua vez, estão pautadas em elementos comuns a todos os artigos, de forma a viabilizar a interpretação das fontes mesmo em sua heterogeneidade. São eles: “área historiográfica, recorte temporal, delimitação espacial, orientação teórica, perspectiva predominante na interpretação e tipos de fontes” (p. 48). Deste modo, Mello pratica um estudo interno da revista, valendo-se, como instrumento metodológico de identificação e investigação das opções historiográficas, de uma Ficha de Análise por ele mesmo elaborada a partir das características dos artigos. Nesta primeira etapa, o emprego da ficha é importante para garantir que sejam aplicados os mesmos critérios de exame para todos os textos. Ela tem como categorias: “RBH”, “Autor(a)”, “Âmbito de interesse”, “Orientações Teóricas”, “Perspectiva predominante na interpretação”, “Fontes” e “Observações”.
Sinteticamente, “RBH” se refere aos dados técnicos do artigo; “Autor(a)” a informações sobre quem escreveu o texto, obtidas, sobretudo, por meio da Plataforma Lattes; e “Âmbito de interesse” insere o artigo em determinada área historiográfica, recorte espacial e temporal. Aqui, é imprescindível uma pausa para alguns esclarecimentos.
As classificações de áreas historiográficas foram feitas com base na preponderância de certo âmbito, mensurável mediante critérios de definição presentes nas fontes mesmas, bem como nas acepções fabricadas pelos pensadores e/ou pela comunidade acadêmica no momento de escrita dos artigos. Mello identificou cinco grandes áreas: História Social, História Cultural, História Política, História Econômica e História das Ideias; e três “especialidades de cunho metateórico”: Historiografia, Teoria/Filosofia/Metodologia da História e Ensino de História (p. 67-68). Da mesma forma, recortes espaciais e temporais seguiram as determinações dos próprios textos. O autor explica: “Se o recorte dizia respeito aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, preenchi o campo pertinente, precisamente, com os dados do artigo: São Paulo e Rio de Janeiro” (p. 78). Posteriormente, tais dados foram coligidos em divisões maiores, como regiões e continentes. Quanto ao recorte temporal, adotou-se a periodização em séculos: “se em um texto, por exemplo, o recorte cronológico abrangia as duas últimas décadas do século XIX e a primeira década do século XX, classifiquei-o como ‘século XIX e XX’” (p. 78).
Já em “Orientações Teóricas”, Mello não se ateve apenas a menções diretas para distinguir dispositivos analíticos, demonstrativos e explicativos que orientam de um modo especial a compreensão, construção, caracterização e explicação do objeto de análise da pesquisa. Elas podem ser de duas naturezas: abrangentes [generalizantes, como as filosofias da história] ou pontuais [pertencem a pesquisas específicas] (p. 78-79, grifos do autor).
“Perspectiva predominante na interpretação” divide-se entre perspectiva factual e representacional, e trata de concepções de compreensão e apropriação de objetos no que diz respeito aos modos de reconhecer a realidade e o trabalho do historiador. Em semelhança com o que ocorre com as áreas historiográficas, um artigo é rotulado como portador de uma ou outra perspectiva por critério de preeminência, já que o factual e o representacional estão vinculados e se mesclam nos textos. Neste tópico, as especialidades de cunho metateórico representam uma categoria a parte, denominada “discussão bibliográfica” (p. 87).
Por fim, “Fontes” permite a identificação do uso (ou desuso) de fontes oficiais nos estudos em questão, e “Observações” reúne aquilo que não se enquadra nos itens anteriores, como resumo do artigo, curiosidades e informações relevantes de caracteres diversos.
Apesar de encontrar dezenove tipos de textos na RBH e ler todo o conteúdo dos números elencados, Mello prefere usar exclusivamente os artigos, “tanto por questões quantitativas – maioria dos textos da RBH –, quanto qualitativas – uma vez que são espaços privilegiados nos quais é possível identificar mais facilmente as opções historiográficas adotadas por cada autor” (p. 57-58). Ao todo, eles perfazem o número de trezentos e quarenta e três.
Mello quantificou a presença e frequência das opções historiográficas tanto em perspectiva diacrônica quanto em números totais, calculando e comparando, ao fim, as porcentagens. Assim, obteve duas periodizações a partir dos próprios atributos da revista: a primeira se estende de 1981 a 1990, e a segunda, de 1991 a 2000. Isso porque a passagem entre as duas décadas é ponto de mudança de opções favoritas dos historiadores. Os resultados, reunidos e apresentados em tabelas no segundo capítulo, são surpreendentes; demonstram a preferência, na RBH dos anos 90, por recortes espaciais definidos como “Brasil” e pela ausência de orientação teórica. Assim,
[…] o artigo “típico” do primeiro período – 1981-1990 – seria, ao mesmo tempo, de história social, recortaria seu objeto cronologicamente entre o século dezenove e vinte, versaria sobre o Brasil ou especificamente sobre São Paulo, não teria orientação teórica, teria perspectiva predominante da interpretação factual e usaria algum tipo de documento oficial e bibliografia pertinente como fontes privilegiadas. Por seu turno, o artigo que melhor representaria o período seguinte – 1991-2000 – seria de história cultural, sem orientação teórica, sobre o século XX, o Brasil ou São Paulo, representacional e com bibliografia pertinente (p. 133).
Entretanto, Mello não considera possível, nem oportuno, construir um padrão hermético dos artigos veiculados pela RBH, porque a elaboração de um modelo omitiria a diversidade, as nuances e a riqueza das fontes. Isso quer dizer que estabelecer uma tendência historiográfica homogênea para cada um dos períodos trabalhados seria, na verdade, fabricar um retrato distorcido e despropositadamente dualista sobre a historiografia produzida a partir deste periódico. Aliás, as porcentagens dos artigos que corresponderiam perfeitamente aos arquétipos traçados são baixíssimas: pouco mais de 5% para o do primeiro período e 3,9% para o do segundo. O autor indica que seria viável apurar tendências apenas em sua singularidade, pois cada uma delas teria um tempo único de mudança e propagação, não ocorrendo, portanto, simultaneamente; e relata, inclusive, que existem diversos casos de “coexistência de opções em decadência com outras em ascensão em um mesmo artigo” (p. 134).
Por conseguinte, no terceiro capítulo, Mello interpreta as informações produzidas de forma a significar as transformações nas opções historiográficas individualmente. Abordaremos a seguir somente aquelas que diferiram do esperado.
O crescimento dos recortes espaciais definidos como “Brasil” (como um todo) e “Sem-identificação” foi tendência imprevista na RBH no segundo período pela ênfase que a história da historiografia brasileira dá ao predomínio dos recortes locais e regionais a partir dos anos 1980. Mello explica que fatores condicionantes deste quadro advêm do emprego de termos generalistas; do aumento de artigos de “Discussão Bibliográfica” (textos que, muitas vezes, dispensam delimitação espacial); de alusões imprecisas dos autores aos recortes balizados; e da multiplicação da perspectiva representacional. Este último elemento faz com que o espaço perca a importância atribuída a ele pela perspectiva factual, que dependia do físico como argumento de convencimento. Para o autor, a representação não necessariamente está fundamentada em um espaço concreto: o que tem maior relevância, nesses casos, é ela mesma e sua historicidade. Por isso, há margem para limites espaciais abstratos, ou mesmo ausentes, nas pesquisas publicadas no periódico entre 1991 e 2000.
Ainda falando de tendências inesperadas, temos que poucos artigos da RBH, de 1981 a 2000, apresentam orientação teórica. A apropriação de pensadores como Foucault, Benjamin, Thompson e Geertz foi baixíssima, perfazendo aporte de menos de 7% dos trezentos e quarenta e três artigos eleitos; especialmente na década de 1990, diminuíram sua participação na revista, representando apenas 2,6% das escolhas dos publicados. Também é significativo que
Entre aqueles artigos que utilizaram alguma orientação teórica, foi comum o uso de mais de um autor no mesmo trabalho, como combinações entre Marx/Foucault, Thompson/Ginzburg e Freud/Lacan/Arendt; e, dos últimos quatro números da RBH, apenas dois artigos, entre quarenta e dois, se valeram de orientação teórica (Bourdieu), sugerindo que o final do século XX se encerra com um sintomático desapego às teorias (p. 124-125, grifo do autor).
Sobre este assunto, o autor entende que tal decréscimo relaciona-se à descrença na similaridade como via de pesquisa dos fenômenos históricos. Encontrar correspondências entre presente e passado e fazer delas possibilidade de análise seria relativamente incompatível com o pensamento dos historiadores da RBH deste período; aplicar teorias surgidas em outros contextos e estudos aos seus próprios, menos ainda. Não obstante, Mello conclui que os autores dos textos em questão ponderam teoricamente sobre seus objetos, por meio de sua escrita e argumentação, bem como apoiando-se em uma “lógica interna” das fontes, por exemplo (p. 148). Com isso, compreendemos que a ausência de orientação teórica não se equivale a falta de reflexão teórica.
Ao final, Mello não nos dá uma imagem totalizante apaziguadora acerca da historiografia veiculada na RBH naquele momento. Outrossim, o autor não pôde mensurar a aplicabilidade das afirmações que iniciam esta resenha (acerca de um panorama historiográfico brasileiro das décadas de 1980 e 1990) em suas fontes. Sobretudo, porque o material empírico e as definições das opções historiográficas nas obras disponíveis para comparação eram “supostamente diferentes” das suas e também entre si (p. 166). Contudo, além das conclusões já apresentadas (algumas, podemos dizer, inusitadas), Tendências Historiográficas vem confirmar que, na década de 1990, houve uma “ênfase concedida às diferenças” (p. 157). Isso significa que, em comparação com o período anterior, os artigos publicados entre os anos de 1991 e 2000, em geral, contêm opções historiográficas que prezam pelo foco nas descontinuidades, trazendo à tona novos sujeitos históricos e negando hierarquias entre grupos, sociedades e culturas. Segundo Mello, este movimento sinaliza uma mudança nas formas de conceber a função do trabalho dos historiadores, e em como estes se veem; uma alteração nas maneiras que enxergam a história e captam a realidade, e nos modos como se relacionam com ambas, mudando sua escrita sobre elas. Em suas palavras, “parece-me que a ênfase nas diferenças é uma tendência do nosso tempo que se manifesta no nosso ofício[…]” (p. 159).
Ademais, os conceitos de opções e tendências historiográficas como colocados pelo autor, o esmiuçamento de seu percurso de investigação e o reconhecimento da inconstância das tendências vêm auxiliar os pesquisadores da história da historiografia. Este certamente é um estudo que pode servir de inspiração teórico-metodológica a muitos outros, desde que sejam levadas em conta, como o próprio Mello ressalta e sabiamente toma para si, as especificidades de cada fonte.
Carolina Maria Donegá Teodoro – Mestranda em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Franca – São Paulo – Brasil. E-mail: cteodoro73@gmail.com.
MELLO, Ricardo Marques de. Tendências Historiográficas na Revista Brasileira de História: 1981-2000. 1. ed. Curitiba: Prismas, 2016. 183p. Resenha de: TEORODO, Carolina Maria Donegá. Revista de História da UEG, v.10, n.1, p.1-6, 2021. Acessar publicação original [IF].
(Des)Arquivar: arquivos pessoais e ego-documentos no Tempo Presente / Maria Teresa S. Cunha
“O trabalho com esse material ao longo de minha trajetória e o encantamento pelos seguros indícios de vida ali presentes e nunca abandonados acabaram por fazer de mim uma historiadora dessas coisas ditas ordinárias” (CUNHA, 2019, p. 12). É assim que Maria Teresa Santos Cunha anuncia os propósitos do livro de sua autoria e declara suas afinidades historiográficas.
Essas palavras, que estão logo nas primeiras páginas de “(Des)Arquivar”, incitam à leitura da obra que reúne produções acadêmicas representativas dos percursos da autora.
Ao apreciar cada capítulo, como não se deixar comover pelas abordagens sensíveis e fecundas desenvolvidas por Maria Teresa? Como não se emocionar ao perceber os frutos de pesquisas de muitos anos em que guardou, garimpou, manuseou, leu e examinou papeis da ordem do comum, outrora desprezados pela historiografia? Leia Mais
A evolução improvável / William von Hippel
William von Hippel / Foto: UQ School Psychology /
Em seu primeiro livro publicado, o psicólogo social William von Hippel (1963-) consegue se inserir na recente e já tão marcante coleção de obras que articulam os resultados de inumeráveis experimentos de laboratório, pesquisas em psicologia social e teoria da evolução. Com a primeira publicação no final de 2018 e tradução para o português em 2019, “A evolução improvável”[2] (“The Social Leap”, no original) busca utilizar as recentes descobertas da ciência evolutiva e pesquisas relacionadas para compreender vários aspectos da vida cotidiana e da história do ser humano, passando por questões aparentemente banais como o arremesso de pedras e chegando à grandes perguntas sobre a felicidade e as contradições da existência humana.
Professor de psicologia e pesquisador da Universidade de Queensland, Austrália, von Hippel estruturou seu livro de modo didático, partindo de questões mais abrangentes nos primeiros capítulos, e, aos poucos, a obra irá filtrando temas e situações específicas da vida humana que demandam mais atenção e cuidado na análise. Tais construções tornam-se nítidas já no prólogo, quando o autor utiliza três estudos de caso para responder, de antemão, uma pergunta que ele mesmo se coloca (imaginando, acertadamente, que os leitores em algum instante perguntariam), “como sabemos o que sabemos?”.
Essa pergunta, que pode parecer trivial, dialoga com o estado em que se encontra a Psicologia evolutiva no cenário acadêmico. Criada recentemente, nas décadas de 1980-1990 (com pesquisas no Brasil a partir de 2004), a Psicologia Evolutiva [3] vem enfrentando desde seu nascimento muitas críticas relacionadas a seus limites explicativos e especulativos [4], além das questões de rigor científico e de suas problemáticas interpretações morais [5]. Algumas dessas dúvidas, porém, são logo retiradas de cena quando von Hippel demonstra como a “contagem de mutações no código genético” de piolhos de diferentes tipos pode sugerir quando começamos a usar roupas (há 70 mil anos); ou como fontes históricas de registros de casamentos e mortes feitas por igrejas luteranas servem de evidência para analisar o papel das avós na história evolutiva dos humanos; e por fim, como a utilização de análises da presença de diferentes composições de estrôncio em dentes fossilizados sugerem que as fêmeas dos Australopithecus africanus abandonavam seu grupo de origem em certa idade para evitar a reprodução entre parentes próximos (evitando a endogamia).
A partir dessa breve elucidação metodológica, o livro se divide em dez capítulos, que estão, por sua vez, organizados em três partes. A primeira parte [“como nos tornamos quem somos”], será um esforço de releitura da trajetória evolutiva do Australopithecus até o Homo sapiens, destacando situações marcantes que influenciaram nossa formação evolutiva.
A nossa descida das árvores para as savanas, causada pela mudança gradual da vegetação a partir do movimento de placas tectônicas que elevou as regiões do Quênia, Tanzânia e Etiópia, secando boa parte do Vale do Rift, é um evento em destaque, pois mudou completamente a forma como convivíamos uns com os outros e com a natureza ao nosso redor, tornando a cooperação e o fortalecimento de grupos as nossas principais armas evolutivas.
O arremesso de pedra, por exemplo, dos Australopithecus afarensis, possibilitou nossas primeiras experiências de cooperação e trabalho coletivo. A evolução da esclerótica branca dos nossos olhos possibilitando uma “atenção partilhada” mais forte entre membros de um grupo, e a criação da divisão de trabalho pelo Homo erectus na produção das pedras acheulianas (mais pontiagudas e com dois gumes) fortaleceu os laços cooperativos e colaborativos humanos. Com o Homo erectus também vemos o alvorecer da maturidade evolutiva dos humanos, porque é partir de então que o ‘amanhã’ importará mais que o ‘hoje’ em nossas vidas, fato que ainda hoje nos caracteriza com ansiedades e preocupações quase sempre associadas às incertezas do “amanhã”, mas que em suas origens correspondiam à planejamentos e a uma consciência de estocar e carregar coisas para um uso futuro.
Assim, a hipótese do cérebro social é um dos principais conceitos da primeira parte, e de todo o livro, pois sugere que a nossa evolução cognitiva se deve a nossa crescente sociabilidade adquirida depois que passamos a viver nas savanas, dando margem para desenvolvermos a Teoria da Mente, a compreensão de que o outro pensa diferente de mim. Isso possibilitou maior capacidade de ensinar e aprender, como também aprimorou nossa habilidade de abstração e imaginação.
Salta aos olhos a quantidade de experiências que o autor cita ao longo do livro, o que representa uma estratégia argumentativa de nunca levantar hipóteses explicativas sem ter em mãos algumas evidências concretas para corroborá-las. Desse modo, na segunda parte [“usando o passado para compreender o presente”] von Hippel torna inteligível as vantagens evolutivas do autocontrole, mas também do autoengano, destaca nossa capacidade inventiva (Homo innovatio), inerentes a todos nós, mas que em geral se dão em inovações sociais (resolver problemas a partir de relações sociais) e com menos frequência em inovações técnicas (resolver problemas com criação de técnicas/tecnologias); e isso se explica pela nossa história evolutiva de hipersociabilidade, que nos ensinou a valorizar tanto as interações sociais com membros de nosso grupo (Homo socialis), mas não com outros grupos.
William von Hippel analisa como os riscos da interação entre grupos há milhões de anos pode ter evoluído à uma tendência de evitarmos a interação entre grupos, mesmo que valorizássemos a coesão interna do nosso grupo. Isso possui, segundo o autor, origens patogênicas além das rivalidades territoriais. Nosso organismo se adapta aos patógenos com os quais toma contato ao longo da vida do indivíduo e da história de sua genealogia, dessa maneira, o contato com grupos isolados pode trazer sérias consequências [6]. O autor amplia a análise e sugere até mesmo que essa seria a possível explicação de existir nos trópicos uma quantidade tão grande de religiões e línguas distintas, pois nessas localidades a grande quantidade de doenças gera uma maior resistência relacionada ao contato entre grupos; e continua: “Dessa forma, é provável que ameaças de patógenos sejam a fonte subjacente do que é conhecido como preconceito simbólico, ou a animosidade com grupos com práticas e crenças diferentes das nossas” [7].
Ainda na segunda parte, von Hippel estuda as implicações políticas da nossa evolução, apresentando o elefante e o babuíno como metáforas dos “tipos” de políticos mais democráticos e abnegados, e aquelas mais autoritários e individualistas, respectivamente. Esses “tipos” políticos ganham significados mais definidos com a ruptura político-social e psicológica que foi a Revolução Agrícola (estudada na primeira parte do livro).
A Revolução Agrícola transformou nossa psicologia, dando ensejo a uma série de armadilhas constituintes da nossa realidade como a propriedade privada, a desigualdade de gênero e a “normalização” da desigualdade econômica, porque só com a agricultura tais mudanças e acúmulos possuíam algum sentido e vantagem evolutiva. Assim, tal como o historiador Yuval N. Harari [8], von Hippel enxerga a Revolução Agrícola como um engodo ou a “grande fraude da história humana”, que nos trouxe vários benefícios, mas também inúmeros problemas [9].
Apesar disso, von Hippel utiliza os estudos de Steven Pinker para afirmar que a violência humana diminui significativamente ao longo dos séculos, e hoje apresenta seu menor índice em termos mundiais, em função da acelerada industrialização das cidades e do poder crescente de intervenção do Estado nas relações sociais dos indivíduos e seus conflitos.
Na última parte, denominada “usando o conhecimento do passado para construir um futuro melhor”, o autor coloca a “felicidade” no centro da discussão, e arrisca refletir sobre como podemos usar todos os conhecimentos que foram apresentados ao longo do livro para vivermos melhor. E por alguns instantes o autor parece escrever um capítulo de autoajuda, dando algumas ‘dicas’ e sugerindo ‘passos’ para uma vida mais feliz. Esse caminho é apenas uma escolha de estilo, pois desde o início von Hippel propõe ser bastante acessível e didático em sua construção intelectual, e nos últimos capítulos ele se esforça em reunir tudo que já foi dito para sintetizar as descobertas científicas recentes em lições que podem de fato nos ajudar no cotidiano, alertando principalmente para o que chama de indulgências fenotípicas, que “embora prazerosos, são apenas substitutos para nossas preferências evoluídas” [10] (p. ex.: filmes, drogas, masturbação etc.).
Desse modo, o autor não faz uso de clichês ou caminhos fáceis, e logo afirma que a felicidade não pode ser permanente, além de que, em nossa história evolutiva, sua razão de ser corresponde a sua finitude; e não só isso: a conquista da felicidade é relativa a cada pessoa, grupo e sociedade, mas todos possuem certas características biológico-evolutivas que podem ser úteis para nos conhecermos mais e assim vivermos de forma mais proveitosa. E essas características constituintes de nossa espécie são reunidas pelo autor em “dez passos fáceis”, abordando em forma de “lições” os principais pontos trabalhados nos dez capítulos do livro: (1) Permaneça no presente; (2) Busque momentos doces; (3) Projeta sua felicidade para permanecer saudável; (4) Acumule experiências, não coisas; (5) Dê prioridade a comida, amigos e relações sexuais; (6) Coopere; (7) Entranhe-se na comunidade; (8) Aprenda coisas novas; (9) Use suas forças (suas habilidades específicas); e (10) Busque a fonte original (não se satisfaça apenas com as indulgências fenotípicas) [11].
Por fim, percebemos que von Hippel foi bem sucedido em seu objetivo de apresentar uma história evolutiva humana que fosse capaz de fornecer conceitos explicativos sobre nossas vidas na contemporaneidade, permitindo-nos acessar um conhecimento prático-reflexivo, demonstrando assim a grande aplicabilidade dos estudos da evolução e da genética nas ciências sociais e humanas12, proporcionando uma compreensão dos comportamentos e das culturas humanas sob a perspectiva biológica, mas sem deixar de lado as influências e determinações associadas ao ambiente em que vivem os indivíduos e as sociedades florescem.
Notas
2. Infelizmente, a tradução do título para o português não resgatou o sentido do original, que, numa tradução livre, poderia ser “O salto social”, mais próximo do ponto central da obra que é demonstrar a importância seminal da sociabilidade para a evolução da nossa espécie; e com “salto” poderíamos interpretar a descida das árvores para as planícies das savanas, que nos obrigou a sermos mais cooperativos e sociais, marcando a separação definitiva entre nós e os outros primatas.
3. Que tem sua origem mais distante nas obras de Darwin a partir de 1859, mas surgiu como campo de estudo definido a partir da matriz da Sociobiologia de meados do século XX.
4. Ver: VERNAL, Javier. As explicações da psicologia evolutiva. Investigação Filosófica: vol. E1, artigo digital 4, 2011.
5. HATTORI, Wellisen Tadashi; YAMAMOTO, Maria Emília. Evolução do comportamento humano: Psicologia evolutiva. Estud. Biol., Ambiente Divers. 2012 jul./dez., 34(82), p. 101-112.
6. O que para a história do continente americano não é nenhuma novidade, vide o genocídio dos autóctones pela invasão dos europeus ser principalmente causado pela transmissão de patógenos não existentes neste continente. (HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 16-19).
7. HIPPEL, William von. A evolução improvável. – Tradução de Alexandre Martins. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Haper Collins, 2019, p. 207.
8. HARARI, Yuval Noah. A Revolução Agrícola. In: _____. Sapiens: uma breve história da humanidade. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2018, p. 113-219.
9. “Quando comparamos os custos e benefícios, vemos que a agricultura permitiu a nossos ancestrais algumas garantias contra a fome, mas ao custo de diversas novas doenças, menos estatura e longevidade, uma halitose repulsiva e com frequência um dia de trabalho muito mais longo. O resultado final foi que os primeiros fazendeiros trabalhavam mais para ter uma vida pior que a de seus antepassados” (HIPPEL, op. cit., 73).
10. Ibidem, p. 265-268.
11. Ibidem., p. 238.
12. Um exemplo seria a recente obra de Francis Fukuyama, As origens da ordem política, que na primeira parte do livro utiliza os resultados de pesquisas em genética e teoria da evolução para explicar certos estágios e eventos fundamentais de nossas história política, usando também conceitos e raciocínios próprios da antropologia e da arqueologia socio-evolutiva. (FUKUYAMA, Francis. Antes do Estado. In:______. As origens da ordem política: dos tempos pré-históricos a Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Rocco, 2011, p. 17-115).
Agenor Manoel da Silva Filho – Graduando em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Correio eletrônico: manoel0agenor@gmail.com.
HIPPEL, William von. A evolução improvável. Tradução de Alexandre Martins. 1. Ed. Rio de Janeiro: Haper Collins, 2019. 304, p. Resenha de: SILVA FILHO, Agenor Manoel. A revolução diferenciada. História.Com. Cachoeira, v.7, n.13, p.125-129, 2020. Acessar publicação original [IF].
La destrucción de una república Bogotá / Francisco Gutiérrez Sanín
Francisco Gutiérrez Sanín / Foto: Marcela Becerra/Julián Mojica /
La República Liberal, concebida como un periodo de fuertes rupturas de los procesos políticos colombianos, ha sido un laboratorio de estudio, a diferentes intensidades, de la historiografía. Francisco Gutiérrez Sanín, un politólogo con lupa de historiador, realiza un valioso análisis interdisciplinar de este periodo de la historia caracterizado por el surgimiento de un régimen que pretendía modernizar el aparato estatal, amplió las formas de hacer política e intentó democratizar una tipología de representación censitaria heredada del siglo xix. Sin embargo, para hacerlo, Gutiérrez no acude a los textos de manual, y tampoco apela de manera determinante a otros estudios que han marcado paradigma en el tema como los de Tirado Mejía (1991), Melo (1991) o Pécaut (2001). Propone, en su lugar, una historia de los partidos políticos entendiendo sus mecanismos tecnológicos de acción, que estaban determinados por el choque de intereses, por la ruptura y surgimiento de poderes y por la aparición de tensiones que parecían medianamente resueltas durante las primeras décadas del siglo XX.
Para el profesor Gutiérrez, la Hegemonía del Partido Conservador iniciada en 1886, adquirió una mayor relevancia en 1910, y aunque gobernó con matices hasta 1930. en esta última etapa acudió a un tímido cogobierno. Por tanto, una latente pacificación del escenario político posibilitó unas cuotas mínimas, o según los liberales, un techo de votación a la oposición, para así mantener los poderes públicos bajo el partido azul, a cambio de aceptar la legitimidad del Gobierno y con ello, de las elecciones, el papel preponderante de la Iglesia, y la politización de las Fuerzas Armadas. Gutiérrez Sanín plantea una novedosa y fluida historia de los partidos políticos, no tanto desde el modelo cuantitativito norteamericano, tan de moda en las últimas décadas, sino que desde su perspectiva reinterpreta la propuesta de Maurice Duverger en la cual se analiza la ruptura del marco normativoestructural y la praxis cotidiana, así como la teoría de Schumpeter, donde claramente desentraña la democracia en cuanto una lucha por el poder entre líderes políticos, y no necesariamente una búsqueda del “bien común”. En conjunción, se crean estructuras de acción colectiva que una vez ligadas a lo consuetudinario, crean un modelo que permite, pero también aprisiona, el desarrollo del sistema democrático. El académico también presenta, de manera acertada, un debate historiográfico sobre las características comunes que llevarían a pensar en una convergencia tácita entre los dos partidos históricos en Colombia, esto es: su carácter multiclasista, oligárquico, y clientelar. Allí, Gutiérrez hábilmente argumenta la necesidad de tener en cuenta los mecanismos de tecnología política y espectro ideológico que los diferenciaba. Vistos desde sus bases, el Partido Conservador poseía un caudal electoral cuasi estático, angosto, que podría ser compartido, en su vertiente moderada, por el Partido Liberal. A su vez, este último, tenía un campo ideológico ancho, que englobaba desde la izquierda moderada, pasando por la socialdemocracia, hasta algunas posturas de derecha. Es decir, en la práctica, la mecánica electoral del liberalismo planteaba luchas faccionales amplias por su diversidad ideológica, que eran más fácilmente matizadas en el conservadurismo, aunque es de anotar que la vertiente laureanista de este último provocó verdaderas pugnas internas, por sus propuestas que invitaban a una postura antidemocrática.
En el desarrollo del libro, Gutiérrez analiza las fisuras de ambos modelos, pero hace hincapié en las consecuencias de las pugnas intra-partidistas del liberalismo como una de las claves para entender la destrucción de la república, además de la radicalización conservadora y la incapacidad de promover un candidato de consenso que continuara con el dominio del partido rojo.
Para entender la línea argumentativa, el autor analiza en un primer capítulo la Hegemonía conservadora, que, como señalamos anteriormente, presentó uma moderación en 1910, cuando la vertiente republicana domesticó la política, imprimiéndole mecanismos que brindaran una pacificación del país, necesaria después de la Guerra de los Mil Días. Esta pasaba por la modificación del régimen electoral y la incorporación del Partido Liberal al juego político, con garantías constitucionales, que fueron aceptadas por estos últimos. Sin embargo, la crisis económica de 1929, los eventos represivos como la masacre de las bananeras y las incapacidades para conseguir un candidato que no produjera escozores en alguno de los sectores del conservadurismo, abonó el terreno de la República Liberal, que llegó con la victoria de Enrique Olaya Herrera. Este contó además con la presencia de algunos conservadores, quienes veían en su nombre a una figura no necesariamente rival frente al Partido Conservador. El Partido Liberal, en cabeza de Alfonso López Pumarejo, comenzó a plantearse la candidatura de este último con la que en las elecciones de 1934 salió victorioso. López Pumarejo, un hombre reformista, despertó diversos enemigos al interior de su partido como también en las toldas conservadoras que veían en su política modernizadora y de ampliación de derechos sociales una amenaza frente a la autoridad que la Iglesia, el Partido y las Fuerzas Militares ejercían en sus bases electorales. Llegadas las elecciones de 1938, el liberalismo presentó el nombre de Eduardo Santos, candidato moderado, no continuista de la “Revolución en Marcha” de López y quien buscó una pacificación de los ánimos mediante tímidos acuerdos con los conservadores. A pesar del resquemor que despertaba López, tanto en las toldas opositoras como en las propias facciones liberales, y gracias a su cercanía con los movimientos de base obrera y sindical, retornó al poder, aunque sin mucho margen de maniobra, cosa que provocó su prematura salida del gobierno. Gutiérrez señala principalmente los siguientes ejes explicativos: primero, la recurrente abstención del Partido Conservador, que se complementaba con un alegato de falta de garantías electorales; segundo, la ampliación de derechos políticos, tales como el sufragio universal masculino, la expansión de libertades individuales a las mujeres, la incorporación de nuevos partidos sin mucha fuerza electoral y la legalización de los sindicatos; tercero, el fraude como un mecanismo vivo y practicado, por ejemplo en las elecciones de 1934; y cuarto, la incapacidad de un mandatario en ejercicio de darle continuidad a sus formulaciones en el periodo inmediatamente posterior.
Las elecciones y su efecto en los movimientos partidistas también son objeto de estudio del profesor Gutiérrez. Por ello, analiza la legitimidad del liberalismo, flanqueada gracias al desconocimiento de las elecciones, la negación del gobierno liberal, la incapacidad de utilizar los mecanismos de inclusión política planteados en 1910, y la nula aceptación del sistema electoral por parte del Partido Con servador. Seguidamente, utilizando el marco conceptual Duverger-Schumpeter, demuestra el idilio de llevar el campo de las normas a la realidad. La República Liberal, según analiza Gutiérrez, insertó algunas disposiciones para evitar el fraude como la cedulación, que resultaron siendo engorrosas e improductivas para un Estado como el colombiano. El fraude, no solo como la capacidad de manipular los números finales, sino como los mecanismos que impedían la llegada de los votantes a las urnas, así como la trashumancia electoral, empañaron los comicios tanto nacionales como regionales. Asimismo, la ampliación de las bases electorales ocasionó una transformación de la forma de hacer política. Gutiérrez muestra a través de algunas fuentes periodísticas y epistolares las correrías de los candidatos por las regiones del país, buscando llegar a las nuevas bases del partido, el uso de nuevos mecanismos tecnológicos, y la crítica que, desde sectores conservadores, acostumbrados a una política de notables, se emprendió contra los liberales.
Allí, Gutiérrez señala la necesidad de investigar con mayor detenimiento sobre el fraude en este periodo, hecho reconocido incluso por López Pumarejo.
Uno de los desarrollos analíticos más ricamente demostrados es el que plantea sobre los partidos y el clientelismo; explorando sistemáticamente este fenómeno como herramienta de engranaje de la burocracia estatal, lo somete a una profunda comprobación a partir de la correspondencia que fluía entre algunos actores de diferentes estratos en el país. Así, Gutiérrez plantea la capacidad limitada que la República Liberal tenía frente al control del pago de favores políticos, que, a pesar de no ser extraños en Colombia, ya que fueron heredados parcialmente de la Hegemonía conservadora, recobraron un poder especial en el contexto de la ampliación del universo de sufragantes. Gutiérrez argumenta que desde 1910 el Pacto de Pacificación garantizaba una cuota burocrática del partido opositor en el Gobierno.
Con la llegada de Olaya Herrera, parecía mantenerse así, dentro del eslogan de “concentración nacional”, que fue puesto en duda rápidamente después de la alianza con el conservador antioqueño Román Gómez, lo que desequilibró las cargas de los conservadores en el Congreso, fortaleciendo, aunque mínimamente, a los liberales. A partir de allí, los azules vieron la necesidad de modernizar un partido no acostumbrado en su historia próxima a ser oposición. Por el contrario, los liberales percibieron la incapacidad de dotar al Estado de una burocracia que cumpliera con dos parámetros mínimos: la defensa política del liberalismo y la capacidad tecnocrática de asumir la modernización deseada. Gutiérrez evidencia algunas cartas que mezclaban intereses personales difíciles de distinguir de las necesidades colectivas. Frente a ello, esgrime tres tipos de clientelismo: el primero, entre un círculo pequeño de amigos y conocidos, una especie de parentela que agrupaba a los sectores privilegiados. Un segundo clientelismo es descrito en el ámbito de los directorios, a partir de un mayor énfasis territorial, en su intento de ocupar la nómina del Estado regional y local, para mantener aceitado el aparato electoral. Y el tercer horizonte de clientelismo, denominado menesteroso, posiblemente cobijaba a un sector periférico de la población, es decir, permitía una especie de inclusión social que posibilitaba ganar adeptos a las bases liberales, lo cual se traduciría posteriormente en réditos electorales. Ahora, como esta máquina burocrática-clientelar requería una milimetría inalcanzable, produjo deterioros en la unidad del partido y aumentó las fracturas de las facciones. Además, sirvió de argumento estratégico del conservatismo laureanista para acusar a los liberales de clientelares y corruptos, bandera que valió para socavar la estructura de la República Liberal. Sin embargo, la descripción del clientelismo en el libro de Gutiérrez no plantea un orden sistemático de ese fenómeno ni señala a los actores que más se fortalecían llenando sus aparatos burocráticos; tampoco dice cuáles redes estaban mejor engrasadas, ni identifica el criterio del poder central fijado para destrabar la cantidad de solicitudes que llegaban, incluso, desde los rincones más recónditos del país. Asimismo, no contempla la estructura de las solicitudes, entendiéndolas como un capital social conseguido no solo desde la práctica política cotidiana, sino en razón del cúmulo de herencias parentales, económicas o sociales, en un país de élites.
La destrucción de una república invita a la reflexión de los métodos historiográficos, de tal manera que apostándole a las fuentes epistolares mantiene la riqueza de un tratamiento teórico, que en ocasiones pareciera esquivo a los trabajos de la disciplina de Clío. Este libro saca de los anaqueles las normas, para entenderlas bajo una especie de sociología partidista, que no desprende los azarosos caminos de la realidad que las confronta de los análisis históricos. Es claro en señalar la diferencia entre los modelos liberal y conservador, que ideológicamente competían en un país diferente. Es una historia que hace hincapié en la ruptura social que antecedió a La Violencia. Una convulsión que no se entiende sin las luchas faccionales, la pérdida de poder de algunos sectores, la incapacidad de construir modelos democráticos igualitarios y la fuerte presencia de tradiciones que no resistían el rompimiento del statu quo. Este no un libro más, sino un ejemplo más, de cómo ampliar las fronteras de la historia.
Juan David Restrepo-Zapata – Universidad Nacional de Colombia, sede Medellín. Correo electrónico: juandrestrepozapata@gmail.com.
GUTIÉRREZ SANÍN, Francisco. La destrucción de una república Bogotá. Universidad Externado de Colombia-Taurus, 2017. 650p. Resenha de: RESTREPO-ZAPATA, Juan David. Memorias – Revista Digital de Historia y Arqueología desde el Caribe. Barranquilla, n.43, p.175-179, ene./abr., 2021. Acessar publicação original [IF]
Globalists: the end of empire and the birth of neoliberalismo
Quinn Slobodian, professor na Wellesley College, é historiador com foco em história internacional, política norte-sul, movimentos sociais e história intelectual do neoliberalismo. É ligado a esse último tema que escreveu sua nova obra, “Globalists: the end of empire and the birth of neoliberalism”.
O objetivo inicial de Slobodian é quebrar com o senso comum de que os neoliberais acreditariam em um laissez-faire global, ou seja, em mercados que se autorregulem, em um Estado mínimo e na redução das motivações humanas ao interesse pessoal do homo economicus. Esses neoliberais imaginados confluiriam para um capitalismo de mercado livre conjugado com democracia e teriam fantasias de um mundo sem fronteiras. Leia Mais
Histórias(s) do presente. Os mundos que o passado nos deixou | Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro
Logo no início de Histórias(s) do Presente. Os mundos que o passado nos deixou, Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro, ambos investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, deixam claro que “o cepticismo é uma forma sã de viver cívico, não apenas um inabalável princípio científico”. Na introdução do livro, os autores interrogam o passado e procuram pistas para interpretar com rigor a atualidade, observando que “o conhecimento da história não é um elixir contra a maldade ou contra o desvario” (JERÓNIMO; MONTEIRO, 2020, p. 12). A dinâmica, observam, vai mesmo em sentido contrário, já que os usos da história serviram quase sempre “propósitos bem pouco edificantes”. A atestá-lo, está o facto de o conhecimento não impedir o ódio. Dessa forma, induzir dúvidas onde só parece haver certezas, como propõem na Introdução da obra, será já uma tarefa e tanto (JERÓNIMO; MONTEIRO, 2020, p. 12).
O livro agrupa, numa versão atualizada, a série de trabalhos dados à estampa no jornal diário português Público, em 2017 e 2018, (12 ensaios e 12 entrevistas a reputados especialistas internacionais) sobre eventos e processos históricos que marcaram o nosso passado, e sobre os legados que nos deixaram. Neste rol, encontram-se quase todos os assuntos que preenchem a atualidade informativa de há anos a esta parte: a crise dos refugiados, o racismo, a globalização, os nacionalismos, os usos dos véus, as fake news, os abusos da história. Através da exploração das histórias plurais saídas dos campos de concentração, da emergência de um discurso dos direitos humanos ou das políticas do medo e da histeria coletiva organizada, hoje tão presentes, convida-se o leitor a tentar perceber como se chegou até aqui, propondo-lhe um olhar do que aconteceu de forma a poder imaginar-se um futuro melhor. Leia Mais
Experiencias del ensayo. Intersecciones/figuraciones/prácticas | Marisa Muñoz
Si pensamos en «ensayo» en cuanto concepto, cierto impulso formativo puede llevarnos a conjugarlo casi mecánicamente con un presunto par, «error»: el binomio queda conformado y, con él, la praxis direccionada. Pareciera que, en el marco de una esfera homogénea, ensayar supone experimentar una y otra vez, errando hasta que aparece ¾se des-cubre¾ lo exento de error, o sea, la verdad. Ahora bien, la misma dupla ensayo-error habilita otro tipo de experiencia e, incluso, otro tipo de verdad. Ensayar puede ser abordada como la práctica que no rehúye el error, sino que lo subvierte. Ensayar puede sugerir errar en la medida en que abre el horizonte para experimentar sistemáticamente lo fallido. Y, quizás debido a eso, ensayar ha apuntado un tránsito errante de la escritura y la lectura: mientras las buenas costumbres de la Academia decimonónica han asociado el rigor y la potencia crítica a la configuración de un Sujeto impoluto, soporte de las Ideas y la Lengua; el ensayo se ha inmiscuido en el error, como si se tratara de una falla desestabilizante de semejante estructura. Experiencias del ensayo. Intersecciones, figuraciones, prácticas (Prometeo, 2019) se aventura de lleno ¾y sin red de protección¾ en este aspecto. Y lo hace de modo tal que busca expresar el temple huidizo del ensayo como experiencia del pensamiento. Más bien, lo rodea sin sitiarlo, sin capturarlo en los moldes acomodaticios de la discursividad teórica. Este movimiento de la reflexión, tan flexible como contundente, determina la potencia de la obra editada por Marisa Muñoz; pues constituye, al mismo tiempo, el fundamento de las experiencias anunciadas en su título. Leia Mais
Secretos fracturados. Estampas del catolicismo conspirativo en México | Fernando González
En septiembre de 2017 tuvieron lugar una serie de eventos en el Instittuto Tecnológico y de Estudios Superiores de Occidente (ITESO), la universidad jesuita de Guadalajara, que giraron alrededor de un foro sobre la despenalización del aborto, organizado por estudiantes de esa institución. De acuerdo con varios medios, la actividad estuvo a punto de cancelarse debido a la presión ejercida por grupos Pro-Vida. Gracias a la movilización de las organizadoras, quienes acusaron que se trataba de una forma de censura, el foro finalmente se llevó a cabo. En la carta de motivos para la suspensión del evento, las autoridades del ITESO argumentaron que “no existen las condiciones de respeto para dicho foro”. Esto fue corroborado por algunas participantes, quienes dijeron haber recibido amenazas. Incluso se rumoró que algunos de sus detractores se habrían organizado para ingresar al campus y “reventar el diálogo”.2 Para quien no esté familiarizado con la historia del catolicismo tapatío en el siglo XX, esta referencia puede parecer una nimiedad. Sin embargo, el clima de tensión y de amenazas desde cierta derecha católica hacia una universidad jesuita invocaba a un espectro que no ha dejado de rondar el presente mexicano. En este caso, las disputas parecían invocar al fantasma de los Tecos, aquella organización secreta que, en 1958, intentó tomar por asalto las instalaciones del ITESO. Leia Mais
Uma introdução à história da Historiografia brasileira 1870-1970 / Thiago Nicodemo, Pedro Santos e Mateus de Faria
Thiago Lima Nicodemo / Foto: Jornal da Unicamp /
O título é chamativo: Uma introdução à história da historiografia brasileira (1870-1970). O texto oscila entre o inventário das concepções de historiador ideal e a transmutação do objeto “historiografia” ou “história da historiografia”, na duração de um século: de reflexão dispersa em necrológios e artigos de jornal à disciplina curricular da formação universitária em História.
Thiago Lima Nicodemo (Unicamp), Pedro Afonso Cristovão dos Santos (UNILA) e Mateus Henrique de Faria Pereira (UFOP), os autores, são jovens pesquisadores da área de Teoria e História da Historiografia. Tentaram se livrar da história da historiografia brasileira como inventário de homens e livros em ordem cronológica, mas enfrentaram dificuldades comuns entre os que, em grupo, querem conciliar pensamentos e práticas historiográficas díspares na exposição de um discurso sobre a matéria. Leia Mais