21 lições para o século 21 | Yuval Noah Harari

Yuval Noah Harari é um historiador pop. Pop no sentido de estar nas grandes mídias, fazer TED1 , professor acadêmico, militante em causas no movimento LBTQIA+ ele é autor dos best sellers (mais vendidos) ‘Sapiens, uma breve história da humanidade’ (2011), ‘Homo Deus’ (2015) e do objeto desta resenha 21 lições para o século 21 publicada em 2018 e agora em 2020, um livro sobre pandemia, entre outros livros. Professor acadêmico de história da Universidade Hebraica de Jerusalém, com Doutorado em Oxford e milhões de livros vendidos no Brasil, pela editora Companhia das Letras.

Em ‘Homo Sapiens’ ele estabelece uma análise onde a relação história e biologia e mostra o desenvolvimento de como nos tornamos a espécie dominante. Ele narra e interpreta a história do homem a partir de três grandes revoluções: a cognitiva; enquanto uma mudança no processamento mental do Homo Sapiens, abandonando a determinação biológica criando ficções, culminando no seu deslocamento geográfico. Ela acontece em vários aspectos, que estão ligados a ficcionalização e através dela se cria jeitos de cooperação e cria-se realidades imaginadas, como se estabelecem relações de hierarquia, organizações civilizacionais e institucional. A segunda é da agricultura: para o Harari tem-se um aumento de disputas por poder, espaço, território e acúmulos de comidas. A última é a cientifica: quanto mais nós conhecemos e descobrimos, mais sabemos que somos insignificantes diante do universo. Leia Mais

Miradas góticas. Del miedo al horror en la narrativa argentina actual | Adriana Goicochea

ACECHAR LO GÓTICO. UNA APROXIMACIÓN CORAL A LA NARRATIVA ARGENTINA ACTUAL

En Fantasy. Literatura y subversión, Jackson recurre al concepto óptico de paraxis (de par-axis: junto al eje) para presentar la tesis central de su libro: “es un área en la que los rayos de luz parecen unirse en un punto detrás de la refracción. En esta área el objeto y la imagen parecen chocar, pero en realidad ni el objeto ni la imagen reconstituida residen ahí verdaderamente: ahí no hay nada” (Jackson, p. 17). Lo fantástico constituye así una mirada a lo real que lo ensombrece y amenaza: “Toma lo real y lo quiebra” (Ib. p. 18). Esta característica subversiva y problematizadora de la percepción constituye una de las marcas centrales de las Miradas góticas que, compiladas por Adriana Goicochea, se disponen a acechar las modulaciones de “lo gótico” en la narrativa argentina reciente. Leia Mais

As narrativas dos mestres e uma história social da capoeira em Teresina/PI: do pé do berimbau aos espaços escolares | Robson Carlos da Silva

Se você é leigo nos estudos da capoeira e está buscando aprimorar seus estudos sobre esse esporte considerado “genuinamente nacional”, você deve antes de tudo entender que a capoeira não é simplesmente baiana em sua constituição. A capoeira institucionalizada com Mestre Bimba e Mestre Pastinha na Bahia nos anos de 1920, era só uma parcela da prática que já havia sido registrada em outros estados, principalmente no Rio de Janeiro, como as pesquisas de (SOARES, 1999; 2002) nos mostram.

Entretanto desde o início do século XXI, inúmeras pesquisas surgiram e ampliaram nossos encontros com a história da capoeira em outros estados. Foram ampliados os estudos de capoeira na Bahia com a dissertação de (OLIVEIRA, 2004) e a historiografia da capoeira passa a construir uma lógica de prática regional, consolidada sobretudo nos estudos do século XX, presente nos trabalhos de (LEAL,2002) com a história da capoeira no Pará republicano, recentemente com a história da capoeira no Maranhão por (PEREIRA, 2019) e com as dissertações de (CUNHA, 2012) e (AMADO, 2019) traçando a prática da capoeira no estado de São Paulo, desde a monarquia até a república. E ainda pouco divulgado temos a história da capoeira no Piauí, escrita pelo Mestre Bobby2 e objeto de reflexões dessa resenha. Leia Mais

Entre o impossível e o necessário: esperança e rebeldia nos trajetos de mulheres sem-terra no Ceará | Paula Godinho, Adeaide Gonçalves e Lourdes Vicente

Como mensurar o interesse e a utilidade de um livro? Não somente de um texto, de um relato ou de uma história, mas do todo que constitui o objeto? Um caminho certamente é pensar naquilo que tal encontro desperta nos sentidos e traz como potencial de transformação ou elaboração. No quanto está em sincronia com as questões do próprio tempo, mas vai além e, por vezes intuitivamente, destila o que permanece, oferece o que não se esvai. Ou mesmo se traz mais do que seria suposto, não apenas porque se renova a cada leitura, mas pelo intangível que não controla, nem prevê, mas no qual seu todo participa. Seja por que caminho for, essas são balizas que podem guiar a leitura de Entre o impossível e o necessário: esperança e rebeldia nos trajetos de mulheres sem-terra no Ceará, lançado pela editora Expressão Popular no denso e tenso ano de 2020.

Composto por estudos e relatos correlacionados, mas que mantém independência entre si, tem a qualidade de que cada parte é mais do que se propõe a ser. Isto é, não seria incorreto dizer que o livro se centra em 15 relatos vida de 16 mulheres sem terra do Estado do Ceará, Nordeste do Brasil, a partir de entrevistas realizadas pela antropóloga portuguesa Paula Godinho, autora da introdução e do epílogo. É também organizado pela historiadora brasileira Adelaide Gonçalves e a pedagoga Lourdes Vicente, ambas professoras e militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que também assinam o estudo “Essencial é a travessia”, como em Guimarães Rosa, à guisa de prefácio. Mas, depois de lido, dizer isso torna-se insuficiente ou inexato. Leia Mais

A vida e o mundo: meio ambiente patrimônio e museus | Paulo H. Martinez

MARTINEZ Paulo Henrique1 meio ambiente patrimônio e museu
 MARTINEZ P A vida e o mundo1 meio ambiente patrimônio e museuEstela Okabayaski Fuzii, Angelita Marques Visalli, Paulo HenriqueMartinez e Chico Guariba | Foto: Agência UEL |

Estabelecer conexões concretas entre as potencialidades de ação educativa dos patrimônios e museus com o meio ambiente foi o desafio do historiador Paulo Henrique Martinez em seu mais recente trabalho A vida e o mundo: meio ambiente, patrimônio e museus. Publicado em 2020 pela editora Humanitas, o livro reúne textos de diferentes naturezas escritos pelo autor em sua extensa trajetória de pesquisa e ensino voltada a cooperação técnica, cuja atuação permeou universidades, Câmara dos Deputados, conselhos municipais, organizações não-governamentais, entre muitos outros.

A reunião das produções entre os anos de 2003 e 2017, demonstra a atuação deste historiador diante os acontecimentos que atravessaram as áreas de meio ambiente, patrimônio e museus.

A variedade do material, entre capítulos de livros, artigos de revista científica, resenhas de obras publicadas, artigos em revista universitária e jornais locais, evidencia um trabalho atento às transformações do presente e da vida cotidiana, além da preocupação em ampliar o acesso aos conhecimentos produzidos na universidade e nas instituições culturais ao público geral.

Nesses moldes, a primeira parte do livro denominada Museus e mudança social procura delinear um diagnóstico da situação dos museus no Brasil, no momento da escrita dos textos. Partindo de questões do presente e da esfera local, Martinez articula os acontecimentos com documentos, instituições e agendas nacionais e internacionais tal como a Política Nacional de Museus (2003), o Conselho Internacional de Museus (1946) e a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS, 2005-2014).

A sensível tarefa de repensar o processo de desenvolvimento, sobretudo mediante as significativas transformações no meio ambiente, analisando e promovendo a distribuição de seus benefícios ao conjunto da sociedade global, exige tratar as especificidades culturais, de gênero, classe social e raça. O desenvolvimento sustentável, conceito orientador no século XXI, contempla com atenção este último aspecto do desenvolvimento humano, emergindo as demandas de formação de cidadãos, geração de emprego, combate à pobreza, igualdade de gênero e acesso à educação e saúde de qualidade.

Qual o potencial dos museus na educação para o desenvolvimento sustentável? As diretrizes estabelecidas em documentos internacionais tal como a Agenda 21, elaborada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, documento gerador da já mencionada DEDS e, atualmente, da Agenda 2030 com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015-2030) encontram um fértil terreno nos patrimônios ambiental e cultural presente nos museus.

A cultura, protagonista nas atividades museológicas, é uma das bases do desenvolvimento sustentável pois concentra os mecanismos e finalidades do desenvolvimento.

Vida humana e não humana se encontram em um mundo diversificado, identificado por valores, crenças, saberes, técnicas, instrumentos de produção e consumo que se estabelecem em meio as harmonias e conflitos entre estes dois universos profundamente conectados. A reordenação das atividades humanas e o meio ambiente, o “pensar ecológico” é, para Martinez, parte do trabalho de profissionais das ciências sociais, em geral, e dos historiadores, em particular, que atuam em instituições museológicas.

Atento às transformações do tempo presente, o caráter de experimentação proporcionado pelos museus em exposições e acervos apresentam um novo plano de realidade com o aprimoramento dos usos dos recursos naturais e do capital humano. Parece ser esta a participação institucional de parques e museus no desenvolvimento sustentável, a preservação, valorização, pesquisa e comunicação da cultura material e imaterial e dos patrimônios ambientais. Articulados, garantem a cidadania, inclusão social e vida digna a toda população.

Estas características ganham maior expressão quando vinculados à cultura indígena no Brasil.

A Lei n°11.645 de 2008 institucionaliza a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígena nos currículos escolares da educação básica e superior. O patrimônio indígena, fundamental para a constituição e conhecimento da história do Brasil, encontra debates fecundos e atuais na segunda parte do livro Patrimônio indígena no Brasil. A localização dos elementos indígenas na sociedade brasileira constitui um dos primeiros passos para o conhecimento da história nacional.

A rivalidade dos discursos hoje predominantes, como aquele vivido pela Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, nos auspícios da Copa do Mundo, corresponde aos conflitos de narrativas de dominação enraizadas no cotidiano brasileiro. As diferentes simbologias presentes nessa experiência narrada na obra, o futebol, a hostilidade com os indígenas, o desenvolvimento econômico no qual os grupos tradicionais são vistos como obstáculos naturais e o autoritarismo da política nacional, são explicativas para compreensão da realidade O sincretismo no uso da palavra “Maracanã” e a luta pela permanência da aldeia indígena naquela região do Rio de Janeiro complementa aquilo que já havia observado o historiador Caio Prado Jr sobre o passado vivo no cotidiano dos brasileiros. Os aspectos coloniais dessa experiência no Brasil, faz aquele “lugar de memória” converter o passado sua forma de resistência e respeito ao compreender os processos no qual deram origem a esta sociedade tão diversificada.

Em todas as situações discutidas, seja nos museus municipais, exposições itinerantes, centros culturais ou universidades, Martinez conduz a educação como inerente às transformações para o século XXI. Em consonância com documentos legislativos e acordos institucionais como as citadas Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI) e a Convenção sobre Diversidade Biológica, a afirmação e o reconhecimento da cultura e dos direitos dos povos indígenas, a inclusão na vida social, a garantia de participação nos planos de gestão é diretamente dependente de um processo educativo que valoriza a cultura, a natureza, as mulheres, a cooperação e a democracia.

O Parque do Xingu e o Museu do Índio no Rio de Janeiro são alguns exemplos concretos desses anseios que relembram a trajetória violenta da colonização e preservam a cultura e a memória dos grupos indígenas. Para além destas instituições, as universidades também desempenham função importante com o desenvolvimento de disciplinas que abordem os temas, no gerenciamento de museus universitários, na formação de profissionais qualificados e na inserção destes grupos no ambiente universitário.

Apresentando a “Universidade da Selva” como ficou proclamada a Universidade Federal do Mato Grosso através de uma resenha da obra Museu Rondon: Antropologia e indigenismo na Universidade da Selva da antropóloga Maria Fátima Roberto Machado, Martinez testemunha os aspectos institucionais da identificação e preservação da cultura material e imaterial na universidade. Estas instituições acompanham os processos de formação intelectual e produção de conhecimentos em conjunto com os museus, embora os últimos tenham sua data de nascimento anterior às primeiras, no Brasil. Este fato, no entanto, reforça as complementaridades entre ambas e os benefícios do trabalho conjunto, adicionando, ainda, a escola de educação básica.

As perspectivas de trabalho nos museus para a abertura de temas relacionados ao meio ambiente, principalmente para a constituição da história dos municípios, destacam o valor do patrimônio indígena. Os processos de formação nacional em seus aspectos econômicos, sociais e políticos esbarram com a trajetória desses povos cujos reflexos ainda permeiam no século XXI. A PGNATI foi um material analisado para demarcar os complexos desafios de preservação e recuperação dos recursos naturais e o reconhecimento da propriedade intelectual e do patrimônio genético. A educação ambiental e indigenista é definida como a principal estratégia destes objetivos, beneficiando não apenas a população indígena, mas todos os cidadãos.

A partir dos exemplos observados, o volume encerra com um caráter pedagógico de demonstração prática das potencialidades da educação patrimonial e ambiental na formação da cidadania.

Uma organização documental para auxiliar historiadores, em especial aqueles dedicados à História Ambiental, aos profissionais da área de museus e professores de educação básica e superior, que permite visualizar as narrativas presentes nos objetos e paisagens como fontes de observação e pesquisa histórica.

O significado cultural da alta produção de carrancas, marcante na paisagem do São Francisco, os processos de utilização deste rio para transporte e comércio, a formação da cidade e da cultura material, dos valores, saberes e comportamentos da população da região são demonstrativos da promoção do patrimônio na construção do conhecimento histórico. Os objetos cotidianos, como o automóvel e os elementos da cultura afro-brasileira também são destacados como mecanismos para compreender a organização da vida social, os processos de industrialização e seus efeitos, principalmente nos centros urbanos.

A pandemia de COVID-19 colocou em evidência as consequências do modelo industrial globalizado na vida humana e não humana. O surgimento de novas doenças, a perda de ecossistemas e da biodiversidade desloca a atenção para fora das cidades e marca os estreitos vínculos entre seres humanos e natureza. Esta experiência demonstra os sintomas de um planeta cujos padrões da vida atual não consegue sustentar e no qual deve-se estar atento. Como observou Donald Worster, todas as epidemias ao longo da história tiveram origem onde o equilíbrio com a natureza estava abalado.

Em sua argumentação sobre o patrimônio indígena, Martinez reforça o utilitarismo como obstáculo para a proteção desses povos e do meio ambiente. Percebe-se que esta perspectiva atravessa diferentes dimensões da vida humana, atribuindo valores distintos, muitas vezes alimentados pelo objetivo do crescimento econômico. Assim, os recursos naturais são destruídos, os objetos musealizados perdem a importância em sua função prática e se fortalece a narrativa dos museus “viverem do passado”. São para estes critérios que a pandemia exige observação, pois escancarou as desigualdades sociais e a crise ambiental da atualidade.

Ao mesmo tempo o isolamento social, para impedir a propagação da doença, fortaleceu os meios de comunicação e incentivou as instituições culturais a se renovarem para acompanhar as novas demandas. As redes sociais se tornaram ferramentas apropriadas pelos museus. A 14° dos Primavera dos Museus, em 2020, trouxe como tema Mundo Digital: museus em transformação e convidou os profissionais a pensar a inserção destas instituições nos novos mecanismos de comunicação.

Martinez nos mostra que as possibilidades de atuação são muitas e trazem consigo resultados positivos à sociedade.

Ao demonstrar os frutíferos e os frustrantes trabalhos que presenciou ao longo de sua carreira, transmite um apelo para a expansão das instituições que já existem e para a valorização e o investimento daquelas que ainda não tem usufruído de seu potencial. Demonstra com clareza os benefícios da cooperação nas dimensões individuais, institucionais e sociais do trabalho. A leitura da obra é direcionada aos profissionais da educação e museus, em etapas de formação inicial ou continuada, para vislumbrarem os contextos no qual fazem parte, integrar e valorizar os conhecimentos locais e aplicar essas ações em todas as oportunidades que vierem à frente.

Os desafios emergentes já visíveis neste século e aqueles que ainda estão por vir convergem na ação educativa como ferramenta fundamental. O trabalho educativo dos museus na promoção da cidadania e da preservação do patrimônio cultural e ambiental convergem com as diretrizes de ação internacional, fortalecendo, ainda, a cooperação para o desenvolvimento sustentável.

Referências

MARTINEZ, Paulo Henrique. A vida e o mundo: meio ambiente, patrimônio e museus. São Paulo: Humanitas, 2020.

NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1984.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1961.

WORSTER, Donald. Otra primavera silenciosa. Historia Ambiental Latioamericana y Caribeña, 10, ed. sup. 1, p. 128-138, 2020. Disponível em: https://www.halacsolcha.org/index.php/halac/ issue/view/40 Acesso em: 26 fev. 2021.

Cíntia Verza Amarante – Mestranda em História pela Universidade Estadual Paulista, UNESP, câmpus de Assis. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8845494592325213. E-mail: cintia.amarante@unesp.br.


MARTINEZ, Paulo Henrique. A vida e o mundo: meio ambiente, patrimônio e museus. São Paulo: Humanitas, 2020. Resenha de: AMARANTE, Cíntia Verza. Educação Ambiental em Museus. Albuquerque. Campo Grande, v.13, n.25, p.189-193, jan./jun.2021. Acessar publicação original [IF].

Antonio Fagundes no palco da história: um ator | Rosangela Patriota

PATRIOTA R Antonio Fagundes meio ambiente patrimônio e museu
 PATRIOTA R Antonio Fagundes2 meio ambiente patrimônio e museuAntônio Fagundes e Rosângela Patriota | Foto: Agenda |

Professora aposentada da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Rosangela Patriota é doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), coordenadora do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura (NEHAC/UFU), e coordenadora do GT Nacional de História Cultural da ANPUH e da Rede Internacional de Pesquisa em História e Cultura no Mundo Contemporâneo. Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Artes e História da Cultura (PPGEAHC) da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Com uma trajetória sólida nos debates que se endereçam a pensar as relações e imbricamentos entre História e Teatro, sobretudo no que se refere à produção da História Cultural, a historiadora Rosangela Patriota se desafia a inserir o ator no centro desses debates de maneira crítica, na contramão de grande parte das pesquisas acadêmicas que estão voltadas para a História do Teatro Brasileiro que, de certa maneira, tendem a privilegiar dramaturgos, críticos e companhias teatrais.

Assim, a autora busca suprir uma lacuna, na área de História, acerca da inserção histórica de atores e atrizes em “termos de periodização da história do teatro no Brasil” (PATRIOTA, 2018, p. 401).

Essa obliteração, ou, a secundarização do ‘trabalho atorial’ que, segundo Rabetti (2012), consiste em interpretação, atuação e presença cênica que corporifica de maneira mediada anseios múltiplos, inclusive os seus, diante deste circuito que configura o funcionamento da arte teatral no Brasil. Assim como Rabetti (2012), Patriota (2008) aponta para as dificuldades de lidar com a figura do ator por dois pontos específicos: a efemeridade da cena no acontecimento do fenômeno teatral e pela hierarquia da crítica cultural, ou mesmo, a tirania do texto escrito, como bem salientado por Roger Chartier (2010), evocando as formas de corporeidade, representação, apropriação e vocalização desses textos.

Dessa feita, o ator seria um ponto fulcral na circulação e personificação de textos e ideias. Porém, mesmo sendo um elemento e figura tão primordial para a construção cênica, o trabalho do ator acontece no espectro temporal do efêmero, que é construído na delicadeza de expressões e gestos e, talvez, por esse motivo seja mais dificultoso lidar com ele no campo da pesquisa, mas não impossível, pois o teatro não se restringe apenas a zona do espetacular ou as características específicas do trabalho de performance atorial que, inclusive, é parcialmente capturada em registros audiovisuais, fotográficos e por índices de recepção fragmentados, como grande parte dos documentos utilizados em História. Sobre isso, Patriota afirma que o fenômeno teatral faz com que o teatro possua inúmeras linguagens (PATRIOTA, 2018, p. 400).

No coração de seu tempo Para o enfrentamento de tal empreitada de contar a história do teatro sob o ponto de vista de uma historiadora de ofício, Rosangela Patriota escolheu Antonio Fagundes como sujeito no palco da História, especialmente, para não dizer que não falou dos atores por causa da efemeridade da ação teatral. Esse desafio está estampado nas páginas de Antonio Fagundes no palco da História: um ator, lançado em 2018, pela Editora Perspectiva. Sempre com um diálogo em primeira pessoa com os leitores, Patriota é franca ao afirmar como será difícil essa jornada, porém em vários momentos reafirma com argumentos muito bem sustentados que a biografia intelectual traz questões impres cindíveis, mesmo dispondo de poucos documentos que façam referência específica a performance do ator. Mas, nem por isso, o cotejamento com outros fragmentos documentais é menos eficaz em responder as perguntas dela enquanto historiadora. Assim, ela insiste que a fabricação de tais documentos está carregada de intenções e, por isso, a ajudam na construção histórica da trajetória e carreira de Antonio Fagundes, pois:

Todavia, uma trajetória é muito mais que a mera exposição de vontades e realizações. Pelo contrário, ela, de acordo com meu entendimento, deve ser vista, interpretada e compreendida à luz das circunstâncias históricas e sociais que a acolheram.

Sob essa óptica, Fagundes é uma personagem fascinante, na medida em que construiu suas experiências em meio a debates e tensões possíveis de serem analisadas, sob o horizontes de expectativas diferentes, ou, em outras palavras: é sabido que o tempo não é apreendido da mesma forma por sujeitos e esferas sociais distintos, isto é, as rupturas vistas e sentidas, por exemplo, no campo da política não se apresentam necessariamente nos mesmos termos na esfera cultural, assim como os ditames e os ritmos da ordem econômica muitas vezes são sentidos e definidos sob regimes e expectativas próprias. (PATRIOTA, 2018, p. 52)

O aporte teórico está afetuosa e devidamente baseado na obra A Teia do Fato (1997), de Carlos Alberto Vesentini, que se acerca da compreensão da construção, disseminação e cristalização do fato histórico, inclusive, de seu poder hipnótico de condução das narrativas que em volta dele gravitam, seja pelo aspecto dos temas, marcos temporais, personagens e acontecimentos, conduzindo e produzindo o sentido e seus respectivos ordenamentos periodizadores. No teatro, por exemplo, a ideia e o desejo de modernização enquanto bandeira, especialmente calcada em referenciais eurocentrados, fez com que o ‘teatro do ator’ fosse relegado como aspecto menor a ser superado, chamado inclusive de ‘teatro velho’ em prol da estetização resumida à atmosfera da cena, especificamente, na passagem do ensaiador para o encenador. Tal procedimento, por exemplo, fez de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, peça encenada pelo polonês Zbgniev Ziembinski, em 1943, um marco convencionado moderno e tido como um referencial na história do teatro brasileiro, por sua renovação cênica, cristalizando assim uma memória histórica carregada de hierarquias da consagração especialmente constituídas pela crítica, como consta no Dicionário do Teatro Brasileiro.

[…] consolidam-se no âmbito profissional vários projetos de renovação cênica que contestam o protagonismo do ator na concepção do espetáculo. O deslocamento do foco do ator para o encenador é explicitado pelo crítico Décio de Almeida PRADO aos seus leitores em uma crítica publicada em 1947: ‘Presenciamos então, já no nosso século, esse fato inacreditável: a fama e o prestígio dos metteurs em scéne obscurecem a dos atores, e mesmo a dos autores. (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 43).

Afirmamos aqui que a historiadora Rosangela Patriota se propôs o desafio de tratar sobre o ator, sobretudo, por ela já possuir uma trajetória frutífera nos debates do campo da historiografia do teatro brasileiro. Ao fazê-lo se coloca diante de um salto frente às suas próprias produções anteriores que se dedicaram a pensar sujeitos históricos que transitaram no circuito teatral, especialmente na qualidade de dramaturgos, críticos, grupos e companhias teatrais; agora foi chegada a hora de pensar a presença do ator em meio a esse emaranhado de questões. Nesses termos, suas contri buições nos estudos sobre teatro já se apresentam em sua primeira obra, Vianinha: um dramaturgo no coração de seu tempo (1999) e Crítica de um Teatro Crítico (2007). Não podemos deixar de mencionar a frutífera parceria entre a historiadora com o saudoso professor Jacó Guinsburg, que está registrada em livros, como J. Guinsburg, a cena em aula: Itinerários de um professor em devir (2009) que reúne a transcrição de fitas da disciplina Estética Teatral, ministrada pelo professor Jacó Guinsburg, e também em Teatro Brasileiro: Ideias de uma História (2012).

Dessa feita, sob a posse desse debate e aporte teórico-metodológico bem definido, a autora faz com que, a partir da experiência profissional de Antonio Fagundes, surja a figura do ator diante desses e de outros acontecimentos históricos. A biografia se dedica a pensar a vida artística de Fagundes desde o início, com a peça A Ceia dos Cardeais (Julio Dantas, 1902), encenada em 1963, nos tempos que o protagonista ainda era estudante colegial, até a peça Tribos (Nina Raine, 2013). Respaldada pela micro-história italiana de Giovani Levi, Patriota torna Antonio Fagundes protagonista de uma narrativa histórica que o considera como eixo norteador da relação entre sujeito e sociedade e, neste interstício, apresenta-se o processo histórico no qual ele se inseriu e continua inserido.

Por conseguinte, a autora faz com que o texto biográfico suscite a abertura de ângulos interpretativos em relação à história do teatro brasileiro, tendo a vida e obra desse ator como eixo condutor. Deste modo, essa biografia não se apresenta como convencional, mas como uma biografia intelectual que ganha forma a partir de temas e problematizações que em outras oportunidades ficaram restritas aos dramaturgos, críticos e companhias.

Entrementes, a narrativa biográfica produzida por Patriota, sobre Fagundes, enfrenta com profundidade a construção e a cristalização de marcos na história do teatro brasileiro. Assim posto, fica claro que Rosangela Patriota tem fôlego para tal discussão que está por vir, a trajetória do ator Antonio Fagundes, conhecido nacionalmente e internacionalmente, por seus trabalhos no teatro, televisão e cinema. Sobretudo, a autora inverte a consagração do galã dessas últimas linguagens, especialmente por sua profícua e longeva atuação em telenovelas, e privilegia o ator e produtor de teatro. Assim, a autora demonstra como os trabalhos de Fagundes na TV e no cinema, de certa forma (não sem restrições e limites), constituíram capital financeiro e de público que sustentaram a sua consolidação no campo teatral, inclusive angariando público para suas produções no Teatro (locus onde ele iniciou sua carreira), proporcionando-lhe este espaço como formativo.

Como bem apontamos, o livro Antonio Fagundes no palco da História: um ator é uma biografia crítica que nos apresenta momentos marcantes, de um ator que iniciou suas atividades e paixão pelo teatro ainda como estudante do Colégio Rio Branco. Fagundes atuou em alguns espetáculos infantis dirigido por Afonso Gentil, que também trabalhava na seção de teatro infantil do Teatro de Arena de São Paulo, e assim aconteceu o convite para Antonio Fagundes participar do núcleo de teatro infantil do grupo de teatro paulista. Ou seja, Rosangela Patriota produz ‘poeira da estrela’[3], porém sem glamourização, pois demonstra que Antonio da Silva Fagundes Filho não esteve predestinado a ser o ator/galã Antonio Fagundes, ou, até mesmo ter uma carreira de sucesso especialmente cristalizada por sua presença em telenovelas.

A autora trata de uma construção artística balizada em processos de formação e atuação teatral, trabalho e uma rede de sociabilidade construída pari passu com a constituição de Antonio Fagundes enquanto ator. A referida rede foi formada por Afonso Gentil, Carlos Augustos Strazzer, Myriam Muniz, Gianfrancesco Guarnieri, José Renato, Augusto Boal, Ademar Guerra, Marta Oberbeck, Armando Bógus, Oswaldo Campozana, Sylvio Zilber, Othon Bastos, Consuelo de Castro, Fernando Peixoto, Antônio Bivar, etc.Antonio Fagundes meio ambiente patrimônio e museu

No palco das palavras.

O primeiro capítulo intitulado Antonio Fagundes ou Estratégias para a composição de uma narrativa biográfica, trata-se de um balanço crítico que perpassa discussões teórico-metodológicas que esbarram na carreira do ator. Patriota consegue englobar discussões que são caras, não só a nós, historiadores, mas a todos que trabalham com objetos artísticos em geral, pois essas questões se apresentam como um quiasma na trajetória de Fagundes.

Uma das perguntas que move a autora a pensar esse trabalho, como um todo, é: por que Antonio Fagundes passa despercebido perante a historiografia do Teatro Brasileiro até então? Mesmo com sua participação no Teatro de Arena, que foi a sua primeira escola formativa e trabalho atoral profissional. A pergunta é respondida com uma digressão importante sobre as construções que foram feitas ao longo da escrita da História do Teatro, que não foi feita apenas por historiadores, mas também por críticos que estabeleceram certos marcos e fatos, incluindo assim certos grupos teatrais.

Nessa concepção foi estabelecida uma diferença entre teatro empresarial e teatro de grupo. O primeiro foi denominado como um teatro comercial, que visa lucros com a bilheteria, teoricamente sem se importar com o público ou a qualidade do espetáculo, o segundo foi denominado como um teatro sério, que busca o diálogo com os dramaturgos e é composto por grupos teatrais que possuem uma proposta de diálogo entre arte e sociedade.

Antonio Fagundes, por seu sucesso como galã de telenovelas, foi sumariamente engessado como pertencente a categoria de teatro empresarial, como uma espécie de distinção hierárquica estabelecida no circuito teatral, o espoliando de um capital cultural formado no teatro anteriormente ao seu ingresso nas produções televisivas. Diante dessas reflexões, o segundo capítulo intitulado O Teatro de Arena, os espetáculos da resistência democrática e a formação de um ator e de um cidadão, Patriota se debruça na formação intelectual e profissional de Fagundes nos primeiros anos de carreira, focando principalmente na sua frutífera estadia no Teatro de Arena.

No final da década de 1970, Fagundes assinou o contrato com a Rede Globo de Televisão e aceita integrar o elenco da novela Dancin’ Days (Gilberto Braga; direção de Daniel Filho, Gonzaga Blota, Marcos Paulo e Dennis Carvalho; codireção: José Carlos Pieri, 1978). Patriota explica aos leitores a historicidade da palavra galã e, assim, nos demostra como seu protagonista começa a ser reconhecido como galã ao interpretar o papel do ‘mocinho’ Carlos Eduardo Amaral Cardoso, o Cacá, par romântico da personagem Júlia Matos interpretada por Sônia Braga, que já havia estado em cena com Fagundes em Hair (direção de Ademar Guerra, 1969). Em um breve intervalo de tempo, ele estreia, também na televisão, a série composta por cinquenta e quatro episódios, Carga Pesada, na qual toda a sensibilidade de Cacá é posta de lado para dar vida ao viril Pedro, um caminhoneiro que percorre as estradas do país, na companhia de Bino (Stênio Garcia).

A Companhia Estável de Repertório (CER) é objeto do terceiro capítulo, no qual Rosangela Patriota consta a consolidação do homem de teatro e de cultura que passa a colocar em prática de maneira sistematizada todos os seus aprendizados e formação no circuito e no mercado teatral, inclusive, como alguém que se dispõe a debater publicamente as políticas culturais do país ou a falta delas. A referida companhia surge em um contexto de horizontes de expectativas marcado pelo campo da experiência de uma ditadura militar em processo de abertura e redemocratização, momento no qual setores da cultura começam a discutir suas posições na constituição de uma memória histórica sobre a resistência democrática e pensando novos rumos e maneiras diversas de lidar com a linguagem teatral. Como aponta Patriota (2018, p. 198), o telos que antes unira distintos grupos no compromisso com a luta democrática já não atendida mais os anseios de alguns segmentos, inclusive dos mais jovens.

Nesse contexto, em 1981, a CER inicia suas atividades que estiveram em cartaz até 1991, com peças dentre as quais destacamos: O Homem Elefante (de Bernard Pomerance, com direção de Paulo Autran, em 1981); Morte Acidental de um Anarquista (de Dario FO, 1982, direção de Antônio Abujanra); Xandu Quaresma (de Chico de Assis, 1984, sob a direção de Adriano Stuart); Cyrano de Bergerac (de Edmond Rostand, 1985, direção de Flávio Rangel); Carmem Com Filtro (de Daniela e Gerald Thomas, 1986, sob a direção de Gerald Thomas) e Fragmentos de um Discurso Amoroso (de Roland Barthes, 1988, com direção de Ulysses Cruz).

Antonio Fagundes no palco da História: um ator aponta para a confirmação da tese de que a importância do ator para o teatro no Brasil foi de certa maneira suprimida, especialmente, entre a década de 1940 e 1950, devido ao adensamento e a propagação de ideias-força (nacionalismo, modernidades, modernização, politização, estetização) que secundarizaram a figura do ator em meio aos anseios por um moderno teatro brasileiro. Isso, inclusive fez com que o ‘teatro de ator’[4] tão latente na primeira metade do século XX, especialmente, caracterizado por figuras que aproximaram o trabalho atoral com o empresarial na área teatral, como João Caetano, Armando Gonzaga, Dulcina de Moraes, Leopoldo Fróes, etc., fosse considerado como ‘velho teatro’ e visto de certa forma como um entrave para uma pretensa linha evolutiva do teatro brasileiro que deveria ter como destino o signo do novo, o encenador estrangeiro, para se constituir enquanto moderno. Parte desse debate é expressado por Patriota, especialmente, no quinto e último capítulo que recebe o título O ator no centro da narrativa: contribuições à escrita da história do teatro brasileiro, no qual afirma:

De posse desse repertório teórico-metodológico, acredito que comecei a refinar meu olhar interpretativo sobre as histórias do teatro brasileiro, tanto que, em 2012 tive o privilégio de escrever, em parceria com J. Guinsburg, o livro Teatro Brasileiro: ideias de uma História. Nele, foi possível aprofundar questões referentes à urdidura da narrativa histórica e evidenciar como os embates e os anseios dos contemporâneos orientam as ideias-forças que organizam e alicerçam os marcos identificados como a história do teatro brasileiro. […] conseguimos, eu e J. Guinsburg, expor a maneira pela qual as bandeiras artísticas, defendidas por críticos teatrais, em sintonia com grupos e/ou companhias, tornaram-se o leitmotiv da escrita da história de inúmeras histórias do teatro brasileiro. (PATRIOTA, 2018, p. 383)

Em suma, recomenda-se a leitura de Antonio Fagundes, no palco da História: Um Ator, pois através da narrativa biográfica balizada em um robusto trato da documentação (críticas, fotografias, gravações audiovisuais, programas de peças, entrevistas, cartas), Rosangela Patriota nos convida conhecer os ângulos interpretativos de enfrentamentos historiográficos e embarcar na imersão em 50 anos de história cultural brasileira, especificamente, com foco na história do teatro. O grande mérito dessa obra está na sua capacidade intelectual de perspectivar debates e problemáticas es pecíficas da História e Historiografia do Teatro em atravessamentos transversais da vida e obra do ator/produtor teatral Antonio Fagundes, assim desconstruindo a sua atuação do engessamento da cristalizada imagem de galã televisivo, o conduzindo junto com o seu público das telas e palcos às páginas, ou seja, o livro trata da singularidade e o percurso de um ator no meandro de um debate político e cultural do teatro brasileiro.

Referências

BRANDÃO, T. Ora, direis ouvir estrelas: historiografia e história do teatro brasileiro. Sala Preta, v.1, p. 199-217, 28 set. 2001.

CHARTIER, Roger. Escutar os mortos com os olhos. Estudos avançados, v. 24, n. 69, p. 6-30, 2010.

GUINSBURG, Jacó; FARIA, João Roberto; LIMA, Mariângela Alves de (orgs). Dicionário do

Teatro Brasileiro: temas, formas e conceitos. [S.l: s.n.], 2006.

PATRIOTA, Rosangela. O teatro e historiador: interlocuções entre linguagem artística e pesquisa histórica. In: RAMOS, Alcides Freire; PEIXOTO, Fernando; PATRIOTA, Rosangela. A história

invade a cena. São Paulo: Editora Hucitec, 2008.

PATRIOTA, Rosangela. Vianinha: um dramaturgo no coração de seu tempo. São Paulo: Hucitec, 1999.

PATRIOTA, Rosangela. A crítica de um teatro crítico. São Paulo: Perspectiva, 2007.

PATRIOTA, Rosangela; GUINSBURG, J. (org.). J. Guinsburg, a cena em aula – itinerários de um professor em devir. São Paulo: EDUSP, 2009.

PATRIOTA, Rosangela; GUINSBURG, Jacó. Teatro Brasileiro: ideias de uma história. São Paulo: Perspectiva, 2012.

PATRIOTA, Rosangela. Antonio Fagundes no palco da história: um ator. São Paulo: Perspectiva, 2018.

RABETTI, Maria de Lourdes. Subsídios para a história do ator no Brasil: pontuações em torno do lugar ocupado pelo modo de interpretar de Dulcina de Morais entre tradição popular e projeto moderno. ILINX-Revista do LUME, v. 1, n. 1, 2012.

VESENTINI, Carlos Alberto. A teia do fato: uma proposta de estudo sobre a Memória Histórica.

São Paulo: Hucitec; História Social da USP, 1997.

Notas

3. Como bem salienta Tania Brandão (2001, p. 199): “Escrever história do teatro é, em mais de um sentido, produzir poeira de estrelas, escrever a história das estrelas.”

4. Sobre o teatro do ator conferir: (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 44-45).

Robson Pereira da Silva – Doutor em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Goiás (Mestrado). Licenciado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso. Membro do Laboratório de Estudos em Diferenças & Linguagens – LEDLin/ UFMS e do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura (NEHAC/UFU). Membro associado da Rede Internacional de Pesquisa em História e Culturas no Mundo Contemporâneo. Tendo experiência na área de História, com ênfase em História Cultural e Ensino de História. Autor do livro Ney Matogrosso…para além do bustiê: performances da contraviolência na obra Bandido (1976-1977). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.  br/5608673598392485. E-mail: robson_madonna@hotmail.com.

Lays da Cruz Capelozi – Doutoranda em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pela mesma instituição, estudado o Mestrado em História e o Curso de Graduação em História – Bacharelado e Licenciatura -. É membro do NEHAC – Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura. Membro associada da Rede Internacional de Pesquisa em História e Culturas no Mundo Contemporâneo. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8785972568211269. E-mail: syalcc@gmail.com.


PATRIOTA, Rosangela. Antonio Fagundes no palco da história: um ator. São Paulo: Perspectiva, 2018. Resenha de: SILVA, Robson Pereira da; CAPELOZI, Lays da Cruz. Antonio Fagundes: o ator do palco às páginas. Albuquerque. Campo Grande, v.13, n.25, p.176-183, jan./jun.2021. Acessar publicação original [IF].

Disputas monumentales. Escultura y política en el Centenario de la Independencia (Bogotá/1910) | Carolina Venegas

En el 2019 se conmemoró el bicentenario de la batalla de Boyacá (7 de agosto de 1819). El mismo año el Instituto Distrital de Patrimonio Cultural (IDPC) publicó un libro en el cual se examina, precisamente, el fenómeno social de las conmemoraciones. La obra de Carolina Vanegas1 aborda las disputas políticas y estéticas en torno a la representación del pasado durante el primer Centenario del grito de Independencia (1910), a través de un juicioso análisis de los monumentos emplazados en el espacio público bogotano con motivo de dicho festejo. De acuerdo con Mauricio Uribe2 , director del IDPC, la aparición del libro va de la mano con

Las acciones que la entidad adelanta a favor de la adopción, recuperación y conservación de las esculturas de Bogotá, pero especialmente de su entendimiento y apropiación por parte de la ciudadanía, todo esto en el marco de las celebraciones del bicentenario en la ciudad (p. 11). Leia Mais

Ensino de História e Tempo Presente | Tempo e Argumento | 2021

História e Memória estão no centro de muitos debates atuais. O interesse pelo passado, expresso em mídias, na teledramaturgia, em temas e títulos de séries e filmes oferecidos pelas plataformas de streaming e em revistas especializadas no trato com o passado, alcança as discussões políticas. Os debates sobre o currículo de História, na Educação Básica e no Ensino Superior, convivem com as disputas por memória1 e com as demandas por outras perspectivas nas abordagens históricas. A rede mundial de computadores tem sido um espaço pródigo em formulações revisionistas que recusam os parâmetros e os procedimentos da pesquisa histórica2.

A História Ensinada ocupa o centro desse debate político, pois, é considerada um espaço poderoso na transmissão de uma compreensão da vida social e de uma narrativa sobre os fatos sociais. Não por acaso, este debate e aquelas disputas e sugestões revisionistas coexistem com os questionamentos sobre a liberdade de ensinar e a defesa de uma Escola livre de ideologias e com manifestações de estranhamento a abordagens relativas à cultura afro-brasileira, às questões de gênero, ao trato da Ditadura Civil-Militar e suas violências e, sobretudo, à crítica abalizada pela crítica histórica. Leia Mais

The Hundred Year´s War on Palestine: A History of Settler Colonial Conquest and Resistance | Rashid Khalidi

A potente introdução de Rashid Khalidi neste livro, intitulado The Hundred Year´s War on Palestine: A History of Settler Colonial Conquest and Resistance, em tradução livre, A Guerra de Cem Anos na Palestina: Uma História de Conquista Colonial e Resistência, demonstra elementos relevantes para a compreensão histórica da Palestina, ao mesmo tempo em que fundamenta questões historiográficas para o estudo da temática. Rashid Ismail Khalidi, palestino nascido em Nova Iorque em 1948, consolida-se como um dos maiores especialistas da área, atualmente ocupante da cadeira de Edward Said, professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, na área de Estudos Árabes. Autor de diversos livros e artigos que tratam da construção nacional palestina, Khalidi inova ao propor, como enfatiza, uma produção de pesquisa acadêmica junto às reflexões em primeira pessoa, ao incorporar lembranças de eventos que presenciou, bem como registros materiais, como fotografias e documentos, pertencentes a ele e a sua família. Ao abandonar a impessoalidade da escrita acadêmica, o historiador palestino aproxima o/a leitora/a à compreensão de momentos decisivos da história palestina contemporânea, traçando a importância testemunhal de sua família em diversas situações – como, por exemplo, a troca de correspondências entre seu tio Yusuf Diya al-Din Pasha alKhalidi e Theodore Herzl, fundador do Sionismo. Ao delinear essas relações, no entanto, o autor ressalta que a sua história não é única, mas compartilhada por milhares de palestinos/as.

Do ponto de vista historiográfico, o livro traz novas dimensões ao propor, para cada um dos seis capítulos, o que denomina de pontos de inflexão (turning points), ou eventos, analisando os elementos que considera centrais para a conformação desta temporalidade de acontecimentos nos últimos cem anos da história da Palestina. Seguindo a sua proposta, Khalidi inicia a periodização a partir da Declaração de Balfour, de 1917, situando que este documento marca a delineação, de fato, do futuro Estado de Israel, com apoio da Inglaterra. Nesse sentido, no primeiro capítulo, intitulado The First Declaration of War, 1917-1939, ou A Primeira Declaração de Guerra, 1917-1939, o autor ressalta que na Declaração não há qualquer menção aos termos ‘árabes’ e ‘palestinos’ para se referir à comunidade existente, ainda que esta, naquele momento, fosse de aproximadamente 94% da população total do território (p. 24). Em suma, a Declaração solidificou um discurso que reconhecia apenas a comunidade judaica, concluindo que o não reconhecimento da população nativa esteve na base da política e da ‘questão’ da Palestina, além de concebê-la como amorfa e a-histórica. Leia Mais

El MPN y los otros. Partidos y elecciones en Neuquén/ 1983 a 2019 | Gabriel Rafart

En la provincia de Neuquén, el Movimiento Popular Neuquino (MPN) ganó todas las elecciones ejecutivas durante las últimas cuatro décadas. Diez triunfos electorales consecutivos que le otorgan una doble singularidad: no hubo alternancia en el poder y que se trate de un partido provincial el que protagonizó este largo ciclo hasta la actualidad. Singularidad que distingue a este distrito electoral en relación al concierto nacional. Por dicha razón, la provincia, pero en particular, el partido en el poder, han sido objeto de interés de numerosos investigadores regionales y nacionales, tanto desde la Historia como desde la Sociología o la Ciencia Política, entre otras disciplinas. En revistas, capítulos de libros y congresos, sobre todo durante el siglo XXI, se pueden encontrar estudios que desde diferentes perspectivas e intereses analizan algún segmento de dicha excepcionalidad.

Hace ya varios años, un reconocido politólogo se ufanaba en señalar lo que consideraba, en el marco de la crisis de la democracia de partidos, la pervivencia en el país de solo cuatro organizaciones que aún seguían sosteniendo como tales las características de esos partidos sólidos. Además del Partido Justicialista, la Unión Cívica Radical y el Partido Socialista, el cuarto componente de este selecto lote era el MPN. Dato que adquiere más relevancia aún si tenemos en cuenta que tras la feroz crisis de 2001, la política argentina se ha ido estructurando en la polarización de dos grandes opciones coalicionales: una liderada por lo que conocemos como kirchnerismo y la otra que se consolidó en torno a Propuesta Republicana (PRO). Leia Mais

Migrações Contemporâneas: Reflexões e práticas profissionais | José Sterza Justo e Mary Yoko Okamoto

Movimentos coletivos e deslocamentos individuais voluntários e forçados fazem parte da constituição da humanidade, entretanto, a intensificação do ir e vir no mundo atual tem se ampliado dado as condições sociais possibilitadas pela globalização e pelo avanço tecnológico dos meios de transporte e comunicação. Compreender essas dinâmicas, assim como os fluxos e refluxos, além das mobilidades geográficas e psicossociais, os trânsitos e as formações identitárias, são os objetivos centrais da obra Migrações contemporâneas: reflexões e práticas profissionais organizada pelos psicólogos José Justo e Mary Okamoto. O caráter interdisciplinar desse empreendimento, entretanto, justifica-se pela variedade de temas, enfoques, métodos e profissionais que fazem desta obra que veio à baila em 2019.

O primeiro capítulo, batizado Migrações, multiculturalismo e identidades: revisitando conceitos, produzido pelos psicólogos Marcelo Naputano e José Justo busca a partir de uma abordagem conceitual explicar as transformações e abrangências das concepções de cultura, fronteira e identidade. Leia Mais

Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória | Enzo Traverso

Na história oficial do marxismo, tornou-se comum a celebração dos triunfos conquistados das revoluções socialistas. Ressaltar a dimensão redentora dos seus êxitos, seja de personagens “heroicos” e ou de movimentos “gloriosos”, parecia assegurar a concretização de uma “etapa” previsível, objetiva e petrificada na locomotiva linear do “progresso”.

Uma contrapartida dessa odisseia de vitórias repousa justamente no outro lado da moeda: o prisma das derrotas e seus efeitos políticos e epistemológicos na história do socialismo e do marxismo. Eis aqui a proposta da coletânea de ensaios Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória, de Enzo Traverso (2018), originalmente publicado em francês, em 2016, com edições em inglês, alemão, espanhol e, finalmente, uma cuidadosa edição em português, organizada pela editora ítalo-brasileira Âyiné. Embora seja seu primeiro livro traduzido no Brasil, o autor construiu uma sólida agenda de pesquisa nas últimas três décadas e é considerado um dos maiores especialistas em história política e intelectual contemporânea. Leia Mais

Una herencia que perdura. Petróleo, cultura y sociedad en Venezuela | Miguel Tinker Salas

El autor Miguel Tinker Salas es un venezolano nacido en Caripito, estado Monagas. Su niñez, adolescencia y parte de su juventud transcurrió en un campo petrolero residencial, dado que sus padres trabajaban para una empresa de este ramo, por lo que llegó a conocer de primera mano cómo se vivía en un campo petrolero residencial, qué valores culturales existían y qué conductas eran promovidas y ejecutadas allí. Actualmente es Profesor Titular del Departamento de Historia y Estudios Latinoamericanos del Pomona College, en Claremont (California). Doctor en Historia por la Universidad de California en San Diego, es especialista en temas sobre Venezuela, México y la diáspora latinoamericana en Estados Unidos. Ha publicado libros, ensayos y artículos diversos de su especialidad. Es también analista político y conferencista en temas nacionales e internacionales.

Su obra que reseñamos fue motivada en su investigación y escritura por los sucesos socio-políticos acaecidos en Venezuela entre los años 2002 y 2004: es decir, por las masivas movilizaciones a favor o en contra del gobierno del entonces presidente de la república, comandante Hugo Rafael Chávez Frías (1999-2013); un fallido golpe de Estado en abril de 2002; actos esporádicos de violencia socio-política, cuyo fin era promover la ingobernabilidad; un cierre patronal y una huelga general promovida por los gerentes de la empresa estatal de hidrocarburos (Petróleos de Venezuela Sociedad Anónima., mejor conocida por sus siglas PDVSA) y las fuerzas sociales y políticas de oposición entre diciembre de 2002 y febrero de 2003; un referéndum revocatorio del mandato presidencial en 2004 y el clima de incertidumbre y polarización que promovieron varios sectores de la sociedad. Todo lo cual puso al descubierto las profundas divisiones que existen al interior de la sociedad venezolana. Leia Mais

Intelectuais e resistências ao autoritarismo na América Latina  | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2021

Em junho de 2009, a América Latina foi palco da deposição do presidente de Honduras Manuel Zelaya, fruto de uma decisão do Parlamento apoiada pelo Judiciário de seu país. O episódio foi considerado por muitos como um golpe de Estado pelo fato de Zelaya ter sido retirado sem direito à defesa, numa decisão sumária. Três anos depois, foi a vez do presidente paraguaio, Fernando Lugo, passar por um rápido processo de impeachment, levado a cabo pelo Senado, em um julgamento no qual não pôde se defender. Em 2016, um novo impeachment abalou a democracia no continente: Dilma Rousseff foi destituída do cargo de presidente pelo Parlamento após ser acusada de cometer as chamadas “pedaladas fiscais”. Durante a simbólica votação ocorrida em 17 de abril na Câmara dos Deputados, que abriu o caminho para o impeachment, o então deputado Jair Bolsonaro evocou o torturador Carlos Brilhante Ustra em seu voto pela deposição, com a intenção de exaltar a ditadura da qual Russeff havia sido vítima. Em 2018, o mesmo Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil, alcançando um resultado considerado improvável há poucos anos. Um ano depois, na Bolívia, Evo Morales renunciou ao cargo de presidente, que ocupava há treze anos, diante da violência e convulsão social derivadas da denúncia de fraude eleitoral. Sua sucessora, Jeanini Áñez, assumiu numa sessão legislativa sem quórum e, recentemente, foi presa acusada de tramar um golpe de Estado. Todos esses eventos, ao que pesem suas particularidades, podem ser  apontados como exemplos de tensões nas democracias latino-americanas, mostrando que certas conquistas consideradas consolidadas após as transições democráticas das últimas décadas do século XX seguiam frágeis. Leia Mais

El aire de cada día. Política y medición de la contaminación atmosférica en la Ciudad de México (1960-2015) | Natalia Ver´nica Soto Coloballes

El aire urbano contaminado causa distintas afecciones a la salud humana. Se estima que anualmente cerca de 9 millones de personas mueren por distintas enfermedades respiratorias, cardiovasculares, del sistema nervioso, cáncer y otras, asociadas con la contaminación atmosférica (Manisalidis et al., 2020). Desde el siglo pasado se ha venido construyendo la noción general y abstracta de que el aire puede ser un portador universal de sustancias generadas artificialmente que son potencialmente mortales (Medalia, 1964; De Groot, 1967).

Históricamente la relación entre las sociedades humanas y el aire ha tenido un carácter local. Inclusive la contaminación atmosférica a causa de la producción industrial se consideró durante décadas como un asunto propio de ciertas urbes. Así ocurrió, por ejemplo, en Inglaterra hasta el trágico invierno de 1952 (Brimblecombe, 2011; Thorsheim, 2017). Fue en la década de 1960 cuando los efectos ambientales continentales de sustancias lanzadas a la atmósfera por la producción industrial pusieron en alerta a los países económicamente desarrollados del Norte global y les impulsó a buscar acuerdos para regular la cantidad de contaminantes en el aire (Oppenheimer et al., 2019, p. 23). A pesar de todo, la construcción social del concepto de contaminación atmosférica, pensada como un fenómeno global y omnipresente en la segunda mitad del siglo XX, no fue una simple agregación de afirmaciones científicas que se obtuviera simultáneamente en todo el mundo (Howe, 2014, pp. 55-92). Cada país y cada ciudad tienen su propia historia en relación con la calidad de su atmósfera. Leia Mais

Elementos de una transición integral e incluyente en Venezuela: una visión desde lo local | Instituto para las Transiciones Integrales

Al tratar de comprender la aguda crisis sistémica en Venezuela, los investigadores se encuentran con el problema de la información insuficiente y con la ausencia del enfoque objetivo sobre los procesos sociales en este contradictorio país. En este sentido, el libro que es el fruto del esfuerzo del Grupo de Experto para Venezuela del Instituto de Transiciones Integrales (IFIT, por sus siglas en inglés) constituye una valiosa fuente de conocimiento y es un acontecimiento científico de gran envergadura, ya que los autores han proporcionado claves para transitar hacia la paz, la convivencia y la reconstrucción nacional. Al mismo tiempo, el problema de la “transición democrática” parece la idea más controvertida del trabajo. Caracterizando el régimen de Nicolás Maduro como autocrático, los investigadores inevitablemente ceden terreno para sus críticos que puedan acusarlos de falta de imparcialidad e incluso de predisposición. No es casual que los expertos a todo costo se esfuerzan por mantener a medida de lo posible la rigurosidad académica de la narrativa y de las conclusiones. Leia Mais

(Des) movilización de la sociedad civil chilena. Post-trauma/ gobernabilidad y neoliberalismo (1990-2010) | Camila Jara Ibarra

Desde 2019 -y a pesar de la pandemia mundial- Chile vive momentos álgidos de discusión política y movilización social. Entre otros, estos procesos han implicado una reestructuración de los clivajes políticos, la gestación de una nueva constitución y la transformación de las matrices culturales y valóricas del país, elementos que generarán, sin lugar a dudas, una transformación de las bases sociales del país para las próximas décadas. En este contexto, el libro “(Des) movilización de la sociedad civil chilena. Post-trauma, gobernabilidad y neoliberalismo (1990-2010)” de Camila Jara Ibarra aporta antecedentes relevantes para entender este proceso. A diferencia de los escritos de Carlos Ruiz, Alberto Mayol o Carlos Peña (por nombrar algunos) el libro de Jara se focaliza en una de las fases del proceso social y político menos exploradas hasta la fecha: el periodo de desmovilización social. Así, y utilizando la lógica dialéctica, el texto busca entender el periodo de movilización actual estudiando su opuesto, a saber, los años de desmovilización de la sociedad civil chilena. La tesis central del texto es clara e intenta demostrar que el periodo de desmovilización social o desactivación política que habría tenido lugar en Chile se podría explicar por tres factores convergentes: i) el post-trauma respecto del periodo dictatorial, que implicó la instalación de una serie de dispositivos colectivos orientados que construyeron una memoria frágil, que buscaron el olvido de la dictadura y que produjeron una sumisión social -casi subconsciente- a las estructuras sociales y económicas establecidas (Cap. 2); ii) el paradigma de la gobernabilidad democrática impuesto en el país, que puso énfasis en el consenso como forma de gobernanza y la estabilidad social como objetivo principal, constriñendo los debates políticos y disminuyendo el rol de la sociedad civil (Cap. 3) y; iii) las características que adoptó el modelo de desarrollo, cristalizadas bajo la idea de la implantación de un neoliberalismo que fomentó el éxito individual como horizonte de sentido y generó en el mercado y al consumo los principales referentes societales (Cap. 4). De esta forma, el libro tiene la virtud de construir un relato interesante y atractivo relato social sobre qué factores propiciaron el proceso de desmovilización de la sociedad civil chilena, con tres principales fortalezas. Por una parte, Jara Ibarra construye su relato a través de una integración de factores y fuentes provenientes de distintas vertientes de las Ciencias Sociales, como la psicología política, la ciencia política, la sociología y la economía. Por ello, el libro se presenta como un estudio multidisciplinar, que busca consolidar y aglutinar los análisis sobre las fases de desactivación de la sociedad civil. En segundo término, el libro discute el proceso de desactivación en un momento de activación social, lo que permite discusiones que tuvieron sus momentos más álgidos durante los años noventa y principios del milenio y promover debates relativamente olvidados por la sociedad chilena. De esta forma, el libro utiliza un método histórico-crítico, que busca relevar el pasado para entender el presente, promoviendo una lectura nueva de discusiones antiguas. Finalmente, el libro tiene el mérito de integrar abundante bibliografía y material empírico secundario, promoviendo una lectura que combina discusiones conceptuales, datos, referencias y levantamientos de información propios en un formato interesante y fácilmente digerible para el lector. A pesar de estas virtudes, el libro también plantea algunas dudas o levanta preguntas que vale la pena profundizar, pudiendo destacarse especialmente dos. Por una parte -y quizás lo más importante- el libro da por sentado (a mi gusto, muy rápidamente) que las décadas de 1990 y 2000 pueden caracterizarse como un periodo de desmovilización y desactivación social, sin distinguir mayormente en ámbitos, formas o magnitudes Esto genera, entre otras cosas, que procesos relevantes de movilización -como el movimiento de estudiantes universitarios, las protestas de trabajadores de la salud durante mediados de los noventa o las manifestaciones de los trabajadores del carbón- parezcan invisibilizadas. Asimismo, generara la sensación de que el proceso de desmovilización fue relativamente automático y generalizado, imagen que es debatible. En segundo lugar, y aunque el texto utiliza mucha información secundaria y genera un relato utilizando múltiples evidencias, en general se genera una confusión entre presentación de la información (y de las tesis), discusión conceptual y discusión bibliográfica, que confunde al lector sobre cuando se está entregando evidencia y cuando se está presentando un debate. Esto no es simplemente un tema de forma, sino que abre, a mi parecer, un espacio para el cuestionamiento de las tesis mismas desarrolladas en el libro. Leia Mais

Las izquierdas latino-americanas y europeas: Ideários/práxis y sus circulaciones transregionales en la larga década del sessenta | Peter Biler, Enrique Fernández Darraz, Clara Ruvituso

Nos últimos tempos, há um movimento de análise crítica dentro das Ciências Sociais sobre a narrativa eurocêntrica de que eventos e marcos históricos ocorridos no mundo foram consequências diretas e única daqueles ocorridos na Europa, como uma via de mão única. É nesse movimento atual que podemos inserir a obra “Las izquierdas latino-americanas y europeas: Ideários, práxis y sus circulaciones transregionales en la larga década del sesenta” (2021), organizado por Peter Biler, Enrique Fernández Darraz e Clara Ruvituso. Este deriva do encontro “Contribuciones del Sur a la Transformación del Norte: América Latina y el movimiento del 68 en perspectiva global”, de maio de 2018, na Fundação Friedrich Ebert, em Berlim, em que debateu-se sobre o exílio e “presença latinoamericana nas esquerdas europeias e, em particular, no caso das Alemanhas” (BILER, DARRAZ, RUVITUSO, 2021, p. 9. Tradução nossa). Ao longo de doze artigos, divididos em duas seções, a proposta dos autores é explorar e trazer à luz não apenas um fluxo inverso de influência, como também um intercâmbio intenso de ideias, como já anuncia o título. Dessa maneira, objetiva-se “pensar a contribuição da América Latina na transformação política, social e cultural do sul e do norte global, e seus olhares sobre o Terceiro Mundo” (p. 11. Tradução nossa), pontuando que a região também foi um agente de influência política e epistemológica para a Europa, especialmente para a esquerda. Para localizar temporalmente essa “descoberta” da América Latina, o livro trabalha a partir da década de 1960, época em que o mundo viveu efervescências políticas e culturais, com Maio de 68 sendo considerado como “gatilho” para muitas mudanças da geração, tanto comportamentais quanto políticas. No entanto, em que lugar os eventos históricos latino-americanos, como a Revolução Cubana e a eleição de Salvador Allende e o golpe sofrido por ele, se colocam? E as teorias pensadas desde essa região? Na esteira da localização da América Latina no centro da política por ser, como Hobsbawm afirmava e Carolina Galindo (2021) traz em seu artigo, um “laboratório de mudança histórica”, a Alemanha teve como política o “desenvolvimento dos saberes sobre a América Latina como região e como objeto de estudo e de prospecções políticas” (BILER, DARRAZ, RUVITUSO, 2021, p. 9. Tradução nossa), tentando superar a assimetria ou a realidade distante entre as localidades, dando agência a vozes da periferia global, que carregavam experiências da região. Logo, houve um intercâmbio de ideias e teorizações sobre o mundo, tal como apontado pelos autores, com abertura e presença nos espaços acadêmicos das então Alemanhas Ocidental e Oriental, na literatura e nas editoras desses países. Ao conhecer uma América Latina sem a lente eurocêntrica, os movimentos da esquerda alemães puderam absorver ações e visões de mundo desta região periférica. Na primeira seção intitulada como “Literatura y Política Intelectuales de izquierda entre revolución y represión”, os autores Matías Fuente, Jasper Vervaeke, Isabel Grillet e Cristian Cipó refletem sobre a cultura e sua posição mediante as novidades políticas, teóricas e sentimentais trazidas a partir da Revolução Cubana de 1959 e de eventos marcantes para e promovida pela esquerda latino-americana, assim como suas repercussões. Com Fuentes em “Encuentros caribeños de la izquierda: el Congreso Cultural de la Habana y la movilidad intelectual en los años sesenta”, a proposta é refletir sobre as mudanças no campo cultural de acordo com o momento e como a comunidade transnacional foi afetada pela política e debates ideológicos. Estabelece como marco Congresso Cultural de Havana (CCH), realizado em 1968, pois considera esse como um ponto de convergência que permite avaliar a “circulações políticas-intelectuais” (p. 19. Tradução nossa), potencializado pela oportunidade de se reunirem em lugar que inspirou não somente um novo momento da América Latina, como também a concretização de uma sociedade socialista, além de considerar a importância do campo editorial para o intercâmbio de ideais, especialmente a Casa de las Américas e Pensamiento Crítico com os demais círculos da esquerda. Da mesma maneira, os círculos eram visíveis na literatura. Vervaeke em “Entre compromiso, crítica y cautela: Kundera, Fuentes, García Marquez y Cortázar en 1968” apresenta como a literatura é um ponto que permite a observação de como a rede intelectual entre latino-americanos e europeus, motivada por acontecimentos latino-americanos, refletia em páginas e contos para a Europa, da mesma forma que Maio de 1968 atingiu a intelectualidade latino-americana. Para isso, traz o encontro promovido pela União de Escritores Tchecos entre Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez e Julio Cortazar com o tcheco Milan Kundera, em uma Tchecoslováquia recém invadida pela URSS, e como reagiram aos acontecimentos de 1968. Nessa época, a literatura latino-americana estava em alta, observada pelo cenário internacional, alinhada não somente aos belos escritos, como também pelos acontecimentos políticos a partir da Revolução Cubana, que permitiram uma curiosidade sobre nossa região. Já com Grillet, em “Engrenajes de la cultura protestataria: la izquierda cultural venezoelana a la luz del proyecto interamericano de Nueva Solidariedad y em diálogo com la generación beat”, há uma restituição da história intelectual que conecta as Américas, analisando editoriais e revistas enquanto “espaços de sociabilidade na medida que são redes que definem ou permitem resgatar os fluxos do saber […] através de cartas e poemas” (p. 52. Tradução nossa.). Houve atores (contra)culturais venezuelanos na década de 60, que exprimiam raízes da contracultura latino-americana, e não importadas dos beats dos EUA. Para isso, apresenta o Primer Encuentro de Poetas e a Nueva Solidariedad que permitiram a construção de uma solidariedade interamericana que aparece nessas redes de revistas, demonstrando que também tivemos “maios” traduzidos na representação do Homem Novo pelos poetas, como chance deles mudarem o âmbito social e se emanciparem por meio das ideias, permitindo influenciar também os movimentos da contracultura do Norte. Ao final dessa seção, Capó apresenta em “La narrativa chilena en tiempos de la Unidad Popular: literatura y sociedad” como a literatura chilena explorava eventos entre 1960 e 1970, influenciada pelas mudanças sob o governo de Salvador Allende, além de eventos externos como a Revolução Cubana e Maio de 68. Intelectuais e artistas chilenos entendiam que era necessário apoiar o governo de Allende, o que permitiu aos escritores entenderem a importância do momento de “assimilar, iluminar e interpretar os acontecimentos históricos que operam como referente ficcional” (p. 72. Tradução nossa), tendo duas linhas narrativas: a de valorização da juventude e o que acontecia na política nacional. O autor traz livros importantes que tem como temática a juventude, mesmo com focos de abordagem distintos. Nessas obras, a juventude não é mais romantizada; ela está inserida nas questões políticas e nas mudanças comportamentais da época; nas incertezas pessoais e nas nacionais. Na segunda seção, “América Latina y los tercermundismos alemanes: mitos, proteciones y circulación transregional de idearios políticos y pensamiento crítico”, expõe, ao longo de oito artigos, como as ideias e a personificação do guerrilheiro, a imagem de homens como Che Guevara, Fidel Castro e Camilo Torres Restrepo assumiu uma imediata identificação do homem revolucionário, atravessando as fronteiras dos países latinoamericanos, chegando aos países europeus, especialmente a Alemanha, além da circulação de teorias autóctones e a tentativa de conter o marxismo através de programas educacionais. Carolina Galindo (“El guerrillero como el nuevo sujeto histórico latinoamericano: la experiencia colombiana en los años sesenta”), Dorothee Weitbrecht (“Exploración de un mito. Las estadías de alemanes occidentales del movimiento del 68 en América Latina y el nacimiento de una red transnacional”) e Monika Wehrheim (El debate sobre la lucha armada: la trayectoria de los Tupamaros hacia Alemania”) trabalham em seus respectivos artigos com a imagem e construção do guerrilheiro e da guerrilha, autóctones da América Latina. Galindo parte da análise da figura mítica do guerrilheiro latino-americano e, consequentemente do “homem novo” de Che Guevara e Régis Debray, dentro de suas particularidades, sem deixar de lado as discussões iniciais da Teoria del Partisiano (1962) de Carl Schmitt, para assim compreender e destrinchar como essa figura influenciou o colombiano Ejército de Liberación Nacional (ELN) em seu ideal. Com seu expoente, padre Camilo Torres Restrepo, “el cura Restrepo”, e outros religiosos que se juntaram ao ELN, a vida e participação na luta armada corroboraram para a imagem do guerrilheiro latino-americano remetidos a Che e Fidel. Já Weitbrecht expõe as relações transnacionais entre Europa e Terceiro Mundo, desde intercâmbios de estudantes e trabalhadores latino-americanos para disseminar o anticomunismo através de programas de mobilidade, aeuropeus que buscavam compreender a periferia, especialmente a América Latina, após o “Novo Internacionalismo” e abertura cultural. Essas viagens de jovens europeus para a América Latina tinham o receio das Instituições alemães, buscando um maior controle sobre esses estudantes, para evitar uma “contaminação” comunista. Mas também refletem o romantismo da época, em que não apenas o mundo deveria ser um lugar melhor, como também uma imagem irreal da América Latina carregada na dualidade na nobreza heroica e na inocência do homem rural e do indígena que não teriam sido alienados pelo capitalismo. Suas estadias permitiram uma solidariedade para agendas periféricas e novas epistemologias sobre pesquisas relacionadas à América Latina, ainda considerando que a guerrilha era um meio justificável diante da violência estatal. Com Wehrheim há análise da “translação do conceito de guerrilha urbana desde a América Latina à República Federal Alemã” e “como e por que os Tupamaros adquiriram neste novo contexto tanta importância” (p. 119. Tradução nossa) para a militância na República Federal da Alemanha se inspirar na guerrilha urbana na América Latina. Para isso, a autora perpassa a história dos Tupamaros, guerrilha urbana criada em 1960 no Uruguai, que se diferenciava das propostas e Che e se concentrava em “roubos, assaltos e libertação de companheiros presos” (p. 120. Tradução nossa.), doando o dinheiro roubado, mas sem considerar uma teoria por detrás das ações. A identificação foi facilitada porque os Tupamaros pertenciam à cidade, não às matas fechadas como as que Che Guevara lutou, mas a legitimidade da luta armada nunca foi questionada e sim em qual momento usá-la. Dois artigos trabalham com editoras, dessa vez europeias, para analisar como as ideias e teorias latino-americanas eram recebidas e publicadas. Felipe Lacerda em “Os três encontros da América Latina com o catálogo da Trikont Editorial”, inicia pontuando que Maio de 68 é reconhecido, mas o que levou a ele ainda não recebeu tanta atenção, como agendas caras à periferia exemplificadas pelas lutas descoloniais. Assim, intrigam o autor os “aspectos das mediações culturais que se estabeleceram na recepção das ideias e construção de um imaginário da América Latina pela Nova Esquerda europeia” (p. 139). Para compreender, analisa o caso da editora Trikont Verlag, apresentando os três encontros que esta teve com a América Latina, desde o fim da década de 1960, com publicação de obras escritas pelos líderes das revoluções do Terceiro Mundo até 1975 a 1979, em que voltou-se para os ensinamentos dos povos originários. Nota-se, portanto, que o catálogo de Trikont é um exemplo de como eventos do Terceiro Mundo foram recepcionados na Europa, corroborando que Maio de 1968 foi também um receptor de “um período de transição para todo o sistema de pensamento crítico e ação revolucionária” (p. 154. Tradução nossa). Já o artigo de Clara Ruvituso, “El “outro” boom: la traducción de teoría social latinoamericana en Suhrkamp”, o intercâmbio e circulação intelectual se fazem presentes ao “analisar a mediações que influenciaram na tradução de autores latino-americanos” (p. 161) na coleção da Suhrkamp, entre 1963 a 1980, que permitiu a entrada de textos que traziam a Teoria da Dependência e a Teologia da Libertação. A autora parte da circulação de idiomas da Semi-Periferia para o Centro, em outras palavras da circulação de ideias escritas e pensadas em português e espanhol para o alemão, dando agência à teoria periférica, exponenciando a importância das percepções latino-americanas sobre os princípios e demandas marxistas, que romperam epistemologicamente com a ideia acerca da mesma. Ao trazer uma imagem distinta da anterior acerca da América Latina, pôde-se “repensar toda a história colonial e pós-colonial” (p. 160. Tradução nossa), ao mesmo tempo em que um maior interesse e estudos financiados sobre a região e comparações com as demais partes da periferia aconteciam na Europa e na América do Norte. O trabalho nas universidades também é exposto com os artigos de Klaus Meschkat (“De cómo la Fundación Ford trajo a estudiantes latinoamericanos a Berlin Occidental”) e Jorge Locane (“Adalbert Dessau, la invención estratégica de un continente). Enquanto o primeiro expõe uma tentativa — fracassada, diga-se — de gerar academicamente um sentimento anticomunista em estudantes latino-americanos que foram para Universidade Livre de Berlim (Freie Universität) através do programa de bolsas financiado secretamente pela Fundação Ford; o segundo trabalha com a superação de um ensino com olhar eurocentrista e distópico por Adalbert Dessau, através da criação da Lateinamerika-Institut de Rostock, em 1965, e de sua gerência na Cátedra de Filosofia e Literatura Latino-Americana. Se, conforme exposto por Meschkat, a exigência do domínio da língua alemã permitiram o encontro e identificação com Marx e a Escola de Frankfurt, Locane retrata como a falta de conhecimento ou de iniciativa de conhecer a produção literária da América Latina foi rompida por Dessau, que ao voltar seus estudos para a região inventou uma estratégia para compreender o momento que o mundo vivia, dentro de um imaginário político de libertação, partindo dos acontecimentos marcantes como Revolução Cubana, movimento de maior de 1968 e a queda de Salvador Allende. Ou seja, o desafio da ordem de 1960 permitiu a “expansão do horizonte de pensamento e uma ruptura tanto crítica como estratégica na tradição romanística alemã” (p. 182). Finalizando, Schulz em “La recepción Alemana de la teología de la liberación”, apresenta através do documento produzido pelo Sínodo de Bispos Latino-americanos em Medellín, em 1968, marco temporal do surgimento da Teologia da Libertação. Busca demonstrar que apesar de parecer condizente apenas com essa região, na Europa e especialmente na Alemanha sua percepção foi importante para o Evangelho e suas interpretações para todas as vertentes cristãs, especialmente de religiosos alemães. Pois, com a Teologia da Libertação, o Reino de Deus deixou de ser encarado apenas pertencente ao plano espiritual, mas também como terreno, considerando as dimensões “corporal, temporal, econômica e sociopolítica” (p. 196. Tradução nossa) e voltando-se aos pobres. Os crentes então não apenas deveriam praticar o perdão, como também buscar um mundo mais justo, livre de escravidões. Ao levar a Teologia para a Europa, permite-se a pensar não somente nas questões da periferia e de suas mazelas, como também dos problemas que o neoliberalismo e as barreiras que imigrantes enfrentam em países europeus, procurando superar o Eurocentrismo teológico existente ao dar agência ao marginalizado. Logo, a Teologia da Libertação não acabou quando a ordem mundial se alterou na década de 1990; como o autor nos propôs a refletir, ela está viva em um mundo desigual. Logo, cada artigo que compõe esta obra, apresenta a importância e originalidade da percepção das décadas de 1960 a 1970, em que a América Latina esteve “no centro do debate mundial do século XX”, sendo referência aos “movimentos políticos e expressões culturais no norte global” (p. 9. Tradução nossa). É curioso que os organizadores e alguns autores também vivenciam esse fluxo de ideias, por terem parte de suas carreiras em universidades alemãs e temáticas latino-americanas e seus relacionamentos com a Europa, demonstrando que permanece vivo o debate. Ao longo dos artigos, dois eventos estão como pano de fundo: a Revolução Cubana, de 1959, e Maio de 1968, ocorrido em Paris, França. Podemos, assim, compreender como e quais meios as ideias e ideais latino-americanos ultrapassaram as fronteiras e influenciaram não apenas a esquerda europeia, como também a resposta a isso; o que prova que os eventos ocorridos aqui também assumem o papel influenciador e não apenas um receptor de comportamentos e ideias. Intelectuais puderam realizar redes que permitiram um “descobrimento” da América Latina, não apenas dentro das universidades, como também no dia-a-dia entre livros e editoriais. Uma descoberta que não só foi feita pelos europeus, como também dentro dessa periferia global. Leia Mais

Tecnologías y modernidad. Artefactos tecnológicos, apropiaciones y relaciones sociales, siglos XIX-XXI | Historia y sociedad | 2021

La razón moderna explora lo desconocido para hurgar en sus misterios y acoplarlo a los muros de lo conocido, a la identidad y a la vida donde transcurre: espejo del discurso científico moderno, en un simulacro secularizado del mundo de las utopías y que ha impactado de manera significativa la cultura de Occidente. La modernidad es la celebración del orden y de lo objetivo, tomada por el dominio de la rigurosidad de la razón, de sus premisas lógicas y causales, así como de la ciencia, sobre todo la tecnología, su albor orientador. La modernidad aún no cesa es —como diría Jürgen Habermas— un proyecto inacabado. Así nuestra intención es la de producir el desplazamiento de la perspectiva de un relato del progreso a otro que pone en evidencia sus límites en una cierta precipitación de combinaciones, inversiones y rupturas donde tratamos de poner en juego el ejercicio de la crítica y la refutación.

Tecnología es una palabra de origen griego: τεχνολογία, téchnē —τέχνη, arte, técnica y destreza— y logía —λογία, el estudio de algo—. Su historia es el decurso de la invención de artefactos, por lo tanto se inserta en el campo de la producción social de la cultura material. La Revolución Industrial es considerada como el mayor cambio tecnológico, socioeconómico y cultural de la historia, iniciándose en el Reino Unido a finales del siglo XVIII para expandirse de manera asimétrica por todo el planeta desde principios del siglo XIX, el cual fue, sin duda, el siglo de los avances tecnológicos más significativos. Avances encadenados en debates y controversias que constituyeron uno de los registros fundamentales del tejido tecnológico. Y allí un conspirador liminar, Julio Verne y su procédé cientificista. Leia Mais

Las militancias desde la historia reciente argentina. Abordajes y experiencias | Cuadernos de Historia – Serie economía y sociedad | 2021

Las militancias constituyen un objeto de indagación multidisciplinario que integra trabajos más centrados en la dimensión organizacional, otros en las biografías e itinerarios personales o en su incidencia en procesos de cambio social y político, entre las dimensiones y perspectivas más difundidas. Desde la disciplina histórica, el interés por las militancias es de larga data y ha sido principalmente tematizado en relación a los estudios y diálogos al interior de la historia política o la historia social, en correspondencia con el análisis de los diferentes ámbitos de su actuación y devenir. Sin embargo, desde preocupaciones más cercanas, el abordaje de éste y otros objetos propone repensar una serie de preocupaciones de orden teórico-metodológico que asisten al propio proceso de investigación de experiencias, sin que ambas dimensiones resulten separadas. Compartiendo estas expectativas y modos de hacer historia, este dossier reúne un conjunto de trabajos que se interrogan por las militancias desde algunas de las claves con que se indaga y modula la historia reciente argentina. La propuesta es poner en diálogo enfoques y estrategias metodológicas diversas para dar cuenta de objetos que tienen a las militancias en el centro de su preocupación, sea que se pesquise desde experiencias recortadas localmente o que se las ubique intersectando escalas variadas. De igual modo, el dossier integra trabajos preocupados por anclar en las relaciones existentes entre las militancias y otros escenarios /actores/ formas de la política y temporalidades, buscando reflexionar en simultáneo sobre los efectos de sentido de las decisiones del quehacer historiográfico, al conjugar referencias teóricas, estrategias metodológicas y recorte de objetos diversos.

Los tres primeros trabajos que componen el dossier se mueven en una temporalidad relativamente amplia en tanto abordan trayectorias e itinerarios colectivos o reflexiones teóricas sobre fenómenos que, aunque remiten centralmente a experiencias militantes de los años sesenta y setenta, se desplazan en el análisis hacia épocas anteriores. Más allá de las diferencias que sus objetos, sus perspectivas teóricas y/o metodológicas presentan, los tres coinciden en una misma actitud: poner en tensión, matizar o incluso cuestionar conceptos, generalizaciones y formas de concebir y periodizar ciertas militancias que se desarrollaron en esos años de experimentación, búsquedas y apuestas radicales. Leia Mais

Los populismos de América Latina – debates, perspectivas /PolHis/2021

El populismo -sus líderes, discursos, partidos-movimiento, gobiernos, políticas- ha sido parte del escenario político de América Latina desde al menos mediados del siglo XX (Lázaro Cárdenas en México, Getulio Vargas en Brasil, Eva y Juan D. Perón en Argentina, Víctor Raúl Haya de la Torre en Perú, para mencionar a los más conocidos). En los años noventa emergieron los así llamados populismos neoliberales o neopopulismos (el Fujimorismo en Perú, Fernando Collor de Mello en Brasil, Carlos Menem en Argentina) y, en las primeras décadas del siglo XXI, los llamados populismos radicales (los de izquierda: Hugo Chávez en Venezuela, Evo Morales en Bolivia, Rafael Correa en Ecuador; de derecha: Jair Bolsonaro en Brasil). La novedad es que, en tiempos recientes, el populismo también ha emergido en países con democracias consolidadas en Europa y Estados Unidos,[1] y crecen los análisis de casos en Asia y África (de la Torre, 2015, 2019; Rovira Kaltwasser, Taggart, Ochoa Espejo y Ostiguy, 2017).[2] En consecuencia, la relevancia política y académica del populismo ha ido en ascenso. Surge un interés renovado por los rasgos, la naturaleza, las causas y los efectos de este fenómeno que se ha convertido en uno de los ítems principales de la agenda política global y una cuestión central para el análisis político comparado. Es, al mismo tiempo, como se ha repetido hasta el cansancio pero sigue siendo verdad, uno de los conceptos más debatidos y polémicos de las ciencias sociales. No existe hoy una definición ni una teoría consensuada de populismo (de la Torre y Anselmi, 2019, p. 467). De allí que merezca ser estudiado, discutido, dilucidado. Tal es el propósito de los trabajos reunidos en este dossier, resultado de dos reuniones académicas llevadas a cabo, la primera en Buenos Aires en 2018[3] y la siguiente en New Orleans en 2019.[4] Leia Mais

Izquierdas, feminismos y movimiento de mujeres del Cono Sur | Archivos de Historia del Movimiento Obrero y la Izquierda | 2021

Resulta imposible comenzar a presentar este dossier sin hacer referencia al contexto de producción en el cual se enmarca y sus efectos sobre las relaciones de género. A escala mundial y como nunca antes en la historia del capitalismo, la pandemia de covid-19 ha puesto de relieve el rol sistémico del trabajo de cuidado sostenido mayoritariamente por mujeres. Y no nos referimos solamente al intensificado trabajo dentro de las casas y el agotamiento que conlleva la feroz reconversión productiva al teletrabajo, presentado en forma edulcorada como “trabajo en pantuflas”, sino también al trabajo en los comedores sociales y en los barrios donde el hambre y la desocupación golpea con fuerza y donde son las mujeres las que continúan poniendo el cuerpo (redobladamente), como las cientos de Ramonas Medina.1 Justamente cuando la marea verde parece extenderse por América Latina, cuando el feminismo se ha transformado en un movimiento social de masas internacional, el tándem capitalismo/pandemia configura el escenario para un nuevo agigantamiento de las brechas de género y las desigualdades de clase históricamente constituidas.

Interpeladas y a la vez atravesadas por el contexto de características distópicas y la incertidumbre por el futuro, buscamos recuperar en la historia del pasado reciente conosureño experiencias que contribuyan a pensar el presente. Este dossier, entonces, es resultado de la convicción de que el encuentro entre marxismo y feminismo constituye un marco inescindible para la transformación social en clave emancipatoria. Leia Mais

Foucault e a teoria queer: seguido de Ágape e êxtase: orientações pós-seculares | Tamsin Spargo

[…] tanto investimento na crença de que a sexualidade é natural não significa que ela seja.

Spargo, 2017, p. 15.

Nos últimos anos, os estudos queer no Brasil ganharam destaque para além do que se costumava ver diante dos estudos da área de Educação, Psicologia e das Ciências Sociais. Ganhou força na História, desenvolvendo-se em seus processos autocríticos, de forma a jogar luz em recortes que atravessam gênero, raça, sexualidade e classe social. A construção do campo dos estudos das relações de gênero tomou novas cores e sabores com as percepções das teorias de gênero, as quais se convencionaram chamar de queer, adentrando áreas do conhecimento ainda conservadoras. Leia Mais

História & Teoria Queer | Miguel Rodrigues Sousa Neto

História & Teoria Queer, publicado em 2018 pela editora Devires, é uma das primeiras obras publicadas no Brasil que busca apresentar a potencialidade, os usos e as apropriações da Teoria Queer (PÉREZ NAVARRO, 2019) pelo saber histórico. Com prefácio da socióloga Berenice Bento1 e posfácio de Alessandra Ramos2, a coletânea soma 13 capítulos, divididos em duas partes.

Na primeira, intitulada “Teoria queer e historiografia: contribuições ao debate”, focaliza-se os jogos de (in)visibilidade de temas como as homossexualidades, as transgeneridades e a relação da alteridade na escrita da história. Genealogicamente, a Teoria Queer chegou ao âmbito acadêmico brasileiro no início dos anos 2000 por caminhos diversos como a Educação (LOURO, 2001), a Linguística (LUGARINHO, 2001) e as Ciências Sociais (BENTO, 2006). Todavia, ainda tem uma presença tímida no campo historiográfico (SOUZA e BENETTI, 2012; REA e AMANCIO, 2018). Leia Mais

Como será o passado? História, historiadores e a Comissão Nacional da Verdade

A obra Como será o passado? História, historiadores e a Comissão Nacional da Verdade é o resultado de um projeto de pesquisa da autora, Caroline Silveira Bauer, “Um estudo sobre os usos políticos do passado através dos debates em torno da Comissão Nacional da Verdade (Brasil, 2008-2014)”, sendo este apenas um dos muitos projetos envolvendo a ditadura civil-militar, os direitos humanos e a Comissão Nacional da Verdade nos quais a autora se envolveu. Antes da publicação deste livro, Bauer havia analisado comparativamente políticas de memória no Brasil e na Argentina, e mais recentemente integra um projeto de pesquisa sobre os usos políticos do passado. Além disso, entre 2011 e 2013 foi consultora na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Portanto, dado o domínio da autora sobre o tema e sua familiaridade com tantas questões que o tangenciam, não é de surpreender que se trate de uma leitura tão interessante e instigante.

Segundo afirmado pela historiadora na introdução do livro, seu objetivo era o de “fomentar o debate sobre fazeres e práticas dos historiadores comprometidos com uma escrita da história que fundamenta suas análises no pensaras possibilidades de intervenção no mundo”1 , que considero ser seguro afirmar, a obra cumpre com maestria, trazendo à luz questionamentos sobre o papel de organizações como a CNV no estudo de história, bem como o papel de historiadores e historiadoras no que diz respeito à estes órgãos. A autora admite, contudo, que o livro pode ser considerado “inoportuno, insistente ou rancoroso”2 por quem critica o anacronismo da Comissão da Verdade, que deveria ter existido em outro momento, mas é justamente este um dos pontos da obra: compreender se esta comissão foi capaz de apaziguar os ânimos no que diz respeito a memória da ditadura civil-militar. Leia Mais

Peronismo: como explicar lo inexplicable | Santiago Farrell

Nesse livro, mais do que teorizações acadêmicas, a ideia é pensar, a partir de memórias e histórias, um fenômeno localizado e complexo: o peronismo. Já na introdução da coletânea, o organizador afirma que “o peronismo é fácil de entender, mas impossível de se explicar”. “Les he preguntado sobre el peronismo a varios argentinos a los que conosco y ningun me respondió lo mismo”, diz o organizador, continuando, “aunque todos tenían una opinión formada, a veces parecía que hablaban de cosas diferentes” (SANTIAGO, 2016, p. 11). E é nesse sentido que o livro se constrói, juntando interpretações e “variações” de Peronismo, inclusive em relação aos pontos de partida. O norte-americano Joe Horowitz, estudioso da história argentina, é o autor do primeiro capítulo, “Un fenómeno cultural más que una ideologia”. Para ele o fenômeno cultural se sobrepõe, até porque o Peronismo, mesmo que alguns digam o contrário, nunca teve uma cara muito definida em termos ideológicos. Isso mesmo enquanto Juan Perón, o fundador esteve no poder na Argentina: sua postura e suas ações sempre foram muito mais pragmáticas, inclusive nos momentos em que ele teve que negociar ou angariar aliados para suas “causas”. Leia Mais

Lésbicas e Professoras. O Gênero na Docência | Patrícia Daniela Maciel

Um livro traz reflexão e novas compreensões sobre uma temática. Diante da necessidade de dar voz e visibilidade para a questão da lesbianidade na escola, Patricia Maciel escreveu o livro intitulado como “Lésbicas e Professoras. O Gênero na Docência” por ora resenhado.

A 1ª edição foi lançada em Curitiba, no ano de 2017 pela editora Appris. Suas 197 páginas destacam as questões que fogem a norma com o intuito de compreender as relações dos sistemas discursivos hegemônicos dentro da escola. O interesse da autora é romper com sistemas de controle e de assujeitamento dos corpos diante das questões que envolvem a sexualidade, assim, têm como ponto de análise as falas do ser docente lésbico e como rompem com o discurso heteronormativo em sua vida pessoal e profissional, e como confrontam e avaliam essas experiências em torno dos padrões de gênero ao longo da sua carreira profissional.

A forma de subjetivação e de enfrentamento dos padrões patriarcais na atuação profissional das lésbicas é o foco central do livro. Nesse aspecto, os cinco capítulos discorrem sobre atitudes de resistência contra os processos de subordinação heteronormativos e para embasamento, é utilizado Tereza de Lauretis, Judith Butler, Monique Wittig e Margareth Rago visando refletir sobre a representação social do corpo feminino lésbico no ambiente escolar e sua multiplicidade de atuação contra a heteronormatividade.

Para delimitar o objeto da pesquisa, a autora realizou a busca por docentes que se encaixavam no perfil da temática via email por um período de duas semanas. Nove docentes demonstram interesse em participar, contudo, a investigação ocorreu somente com sete que aceitaram realizar as entrevistas. Assim, o ponto inicial do livro visa a autocompreensão subjetiva das docentes lésbicas em torno da relação da escola e gênero. Para isso, destaca a multiplicidade de definições acerca da diversidade e o autorreconhecimento da sexualidade que foi encontrado, entendendo que, ser docente e lésbica não homogeneíza a visão das entrevistadas. Ao conceituar os resultados concomitante as ideias de Jorge Larossa, a autora do texto ora resenhado, discorre que a prática de conhecimento é uma condição de ascese para a experiência de existência.

Como resultado, é destacado três grupos de análise: O primeiro, as docentes podiam falar de si como lésbicas nas escolas. O segundo tem como foco a evidencia das lutas e os enfrentamentos contra os processos de condutas patriarcais no ambiente escolar e a valorização de suas experiências como lésbicas. Por fim, o último grupo de análise destaca como docentes reconstroem a feminilidade fora do padrão heteronormativo no ambiente escolar.

Para reconhecer a heterogeneidade das entrevistadas, a pesquisadora destaca no primeiro capítulo o perfil de cada através da autodescrição. O segundo capítulo descreve o efeito dos discursos de gênero na construção docente. Vale ressaltar que a autora ao se basear nos estudos de Michel Foucault, Judith Butler, Tereza de Lauretis, Linda Nickolson, Paul Beatriz Preciado e Guacira Lopes Louro, os conceitos de sexo/gênero utilizados ultrapassam os conceitos binários e tem como ideia central o dispositivo da sexualidade para descrever os discursos, enfatizando assim, as singularidades dos relatos e experiências sobre gênero de cada docente lésbica.

Tendo como referência as ideias de Foucault, o livro destaca o entendimento sobre o sexo como um poder que ganha legitimidade pela linguagem e práticas e leva o indivíduo a pensar de acordo com determinados domínios do saber. Entender o sexo/gênero como uma tecnologia discursiva que controla o campo das significações sociais e que produzem no sujeito algumas significações é destacado no decorrer da obra a ideia que, a partir das tecnologias dos discursos, se forma uma ideia do “eu” que se conhece e se controla através da sexualidade.

Cabe salientar que a autora respaldada em Louro (2008), descreve a forma que as professoras falam de si mesmas como uma forma de atravessar limites e fazer seu próprio obstáculo para penetrá-los, superá-los e transpô-los e assim, pensar fora da lógica imposta e viverem a sexualidade. Nesse aspecto, incita uma reflexão sobre a instabilidade profissional e pessoal causada pela escola por utilizar a heterossexualidade compulsória como normalizador das condutas sociais do ambiente escolar que reprime as professoras lésbicas para exercerem sua profissão.

Outra singularidade observada é sobre o significado que a escola atribui ao gênero e a forma que influi na relação das professoras com seus alunos. O tom e o sentido que as entrevistadas dão às suas trajetórias como professoras interferem no seu reconhecimento como lésbica. Mesmo que as entrevistadas não falem de forma explicita na escola sobre sua sexualidade elas garantem através do enfrentamento das normas sexistas, a defesa dos alunos gays e das alunas lésbicas, mas isto não garante que a escola fale de forma aberta sobre gênero.

Através dos relatos das professoras é notório que a hegemonia patriarcal no ambiente escolar ainda vigora de forma impositiva e normalizadora. Fugir à regra hegemônica é resistência, desafiar as regras de controle dos corpos é dar voz aos sujeitos em formação que são inferiorizados e marginalizados pelas estruturas sexistas dominantes tão enraizadas e que podem acarretar em danos irreversíveis na vida dos estudantes LGBTQIA+.

Nesse sentido, o cap. 3 descreve sobre os efeitos das experiências de si e do ser docente dentro da perspectiva da multiplicidade do discurso de gênero que dá forma ao sujeito. É destacado que as professoras pesquisadas ressignificam a docência e produzem uma ética de si para ser usada no campo educativo, assim, a forma que conduzem suas experiências como mulheres e a forma que vivem a sua sexualidade são vista como um ascese, uma episteme para pensar a partir da singularização e no modo como elas se relacionam com o mundo e com os seus alunos. Através dessas experiências elas tentaram introduzir novos espaços e novos modos de mudanças na cultura e na sociedade.

O penúltimo capítulo descreve sobre a produção dos femininos na escola mediante os discursos performativos e como as entrevistadas se auto afirmam individualmente como mulheres, professoras e lésbicas. A reflexão baseia-se nas relações de poder em torno dos discursos entre o ideal de mulher e os discursos flexibilizadores das suas escolhas.

Ao descrever como são produzidos os femininos e corrobar com os estudos de Hall (2000), o livro mostra que as identidades não são iguais, nem mesmo em meio a uma cultura histórica do povo. Assim, ao mostrar como se produz os femininos nas falas das professoras, a autora destacou os processos políticos universais que visam construir os discursos com o intuito de criar as desigualdades. Dessa forma, é observado nas entrevistas como funcionam os discursos de gênero e como estes constroem a si por meio da diferença. As falas das docentes demonstram que muitas vezes as estruturas de poder não dão às professoras lésbicas um essencialismo identitário aceitável, pois estas estruturas estão sempre em alerta em relação ao gênero da mulher e o que é visto como aceitável em relação à prática da feminilidade no mundo heteronormativo, mas mesmo diante de tantos obstáculos, elas assumiram uma forma de desconstruir os discursos binários baseados na lesbianidade.

Cabe salientar que apesar das professoras problematizarem sobre gênero na escola a partir das suas experiências como seres engendrados, algumas apresentaram receio e insegurança no tratamento dos alunos na escola. Um exemplo é o discurso da professora Ana que relata a mudança no seu jeito de tratar os alunos da educação infantil dos alunos dos anos iniciais e fundamental por receio de ser mal interpretada, ou seja, ela deixa que o padrão heteronormativo influencie na sua relação interpessoal onde a homossexualidade não é aceita, pois a escola nega tais relações como um de seus rígidos referentes culturais. “Em relação a isso, posso afirmar que: 1) os alunos têm dificuldades para significar as estéticas, os comportamentos e as posturas das professoras pesquisadas; 2) a escola não lhes proporciona condições para que eles possam pensar em outros tipos de feminilidades” (p. 178).

No último capítulo a autora termina suas considerações sobre a pesquisa destacando o redimensionamento da sua experiência como pesquisadora que as narrativas das docentes lhe oportunizaram. Ao relembrar como as professoras são envoltas diariamente por relações de poder através do dispositivo de gênero e como elas precisam interpretar, negar, afirmar e transformar esses discursos em sua vida para continuar sua vida pessoal por serem corpos sociais, é o ponto de destaque do livro e que norteia toda a reflexão do livro.

Ao realizar a leitura, percebi que caminhar para um processo de normalização do gênero nas escolas é uma busca que ainda necessita de longos caminhos, principalmente nas escolas públicas onde os sujeitos são invisibilizados e envoltos por questões políticas e de controle tradicional dos corpos. Mas a potência dos discursos das professoras tem dado voz para a desconstrução dos padrões sexistas que envolve o ambiente de atuação profissional.

Através da utilização de seus corpos como impulso para subverter a ordem binária instituída no ambiente escolar, as docentes lésbicas veem em seu trabalho uma forma de reestruturar as percepções sociais, mesmo sendo muitas vezes oprimidas pela heteronormatividade. Desta forma é notória a emergência no apoio e multiplicação das lutas contra determinismos falocêntricos para um maior reconhecimento dos sujeitos LGBTQIA+, bem como a necessidade de pesquisas que envolvam a temática da lesbianidade no ambiente escolar, pois desta forma, conseguiremos voz e um novo olhar para debates sobre gênero e sexualidade que ainda é invisibilizados e vista como um tabu científico no meio social, mas principalmente, nas escolas.

Mayana Morbeck Coelho –  Pedagoga. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade – PPFREC/UESB/Jequié. https://orcid.org/0000-0003-2720-5930 Email: mmorbeckcoelho@gmail.com. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)


MACIEL, Patricia Daniela. Lésbicas e Professoras. O Gênero na Docência. Ed. Appris. 2018, p. 197. Resenha de: COELHO, Mayana Morbeck. Subvertendo padrões de gênero na docência. Abatirá. Eunápolis, v.1, n.2, p.150-154, jul./dez., 2020. Acessar publicação original [IF]

Processos de privatização da educação em países latino-americanos | Educar em Revista | 2020

O presente dossiê pretende trazer elementos para o debate acerca da relação entre o público e o privado na educação em países latino-americanos, entendendo que essa relação, caracterizada por tênues linhas divisórias, tem se apresentado de diferentes formas com importantes implicações para a recente democratização da educação na região.

As organizadoras do dossiê atuaram na fundação e integram a Rede Latino-Americana e Africana de Pesquisadores em Privatização da Educação (RELAAPPE)1 e participam de dois grupos de pesquisa: Grupo de Pesquisa Relações entre o Público e o Privado em Educação (GPRPPE)2 e Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (GREPPE)3. Os grupos desenvolvem estudos sobre a privatização da educação com pautas e métodos específicos, todavia em permanente diálogo. Leia Mais

Corpos em Aliança: Diálogos Interdisciplinares sobre gênero, raça e sexualidade | Ana Claudia Martins e Elias Ferreira Veras

Nas últimas décadas, temos testemunhados constantes transformações sociais, históricas, políticas e culturais, que abalaram as estruturas cishetonormativas dos antigos padrões de gênero, raça e sexualidade. As lutas feministas, as conquistas LGBTQIA+, os movimentos trabalhistas e a descolonização dos países africanos, por exemplo, que perpassaram o século passado, desdobrando-se até os dias atuais, culminam em novas formas contemporâneas de fazer política e ciência.

A obra Corpos em Aliança: Diálogos Interdisciplinares sobre gênero, raça e sexualidade, organizada por Elias Ferreira Veras e Ana Claudia Aymoré Martins, professor/a da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), aparece nesse contexto teórico-metodológico-político de transformações, sendo oriundo dos debates realizados durante o II Colóquio diálogos interdisciplinares sobre gênero, raça e sexualidade: corpos em aliança, organizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Gênero e Sexualidade (GEPHGS/CNPq), do Curso de História da UFAL – com apoio do CNPq -, em Maceió (AL), no mês de maio de 2019. Leia Mais

The Identitarians: The Movement Against Globalism and Islam in Europe | José Pedro Zúquete

Em 2010, às vésperas da avalanche de protestos provocada pela crise econômica de dois anos antes, José Pedro Zúquete, pesquisador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, publicou Struggle for the World: Liberation Movements for the 21th Century (Zúquete e Lindholm 2010). Escrito em parceria com o antropólogo norte americano Charles Lindholm, o livro traça um grande panorama dos principais movimentos sociais e organizações políticas que se opunham ao que os autores chamam de globalização capitalista. Fossem de esquerda, como os zapatistas no México, ou de extrema direita, como o Front National francês, a publicação destaca como esses grupos operavam a partir de uma forte crítica ao estrangulamento dos modos de vida e de identidades locais.

As duas décadas que se seguiram ao fim da Guerra Fria foram marcadas pela integração do mundo em blocos regionais e pela criação de instituições supranacionais para administrá-los. Até que a expansão progressiva e desenfreada sofreu inesperadamente um grande choque. As fissuras na ordem estabelecida já existiam, é verdade, mas elas nunca ficaram tão claras quanto nos anos que se seguiram à crise de 2008. E foi seguindo personagens que viviam nessas fissuras que Zúquete passou a acompanhar a atuação de grupos políticos radicais contemporâneos. Em artigos e livros dedicados a grupos tão diversos como os praticantes da tática black block e skinheads portugueses, o sociólogo português construiu uma obra robusta sobre alguns dos principais movimentos de contestação no mundo hoje. Leia Mais

Memória ferroviária e cultura do trabalho: Balanços teóricos e metodológicos de registros de bens ferroviários numa perspectiva multidisciplinar | Eduardo Romero Oliveira

A obra aqui analisada é fruto de um trabalho coletivo na qual encontramos uma pluralidade de temas, profissionais, enquadramentos metodológicos e pesquisas concluídas e em curso. Seu organizador é Doutor em Filosofia pela USP (2003). Atualmente é Professor Assistente da Universidade Estadual Júlio Mesquita Filho, onde nos últimos anos tem se dedicado ao estudo do patrimônio, da história e da cultura dos transportes, especialmente do ferroviário. Vale ressaltar de antemão que esse é um livro multidisciplinar, especialmente pelas filiações de seus colaboradores; bem como um trabalho genuinamente interdisciplinar pelos diversos enquadramentos adotados ao longo de suas exposições.

Como salientado pelo Dr. José Manuel Lopes Cordeiro, autor do prefácio, esse empreendimento é o resultado da segunda edição do projeto PMF (Projeto Memória Ferroviária) cuja primeira obra foi publicada em 2017 (Balanço 2012-2015). O novo livro reúne resultados referentes ao triênio 2017-2019, beneficiado pelo apoio da FAPESP, CAPES e CNPq. Ainda de acordo com o investigador “[…] estamos perante um livro que amplia substancialmente a produção científica e, consequentemente, o conhecimento sobre os sistemas de transporte ferroviário do Estado de São Paulo, nas suas múltiplas vertentes” (Oliveira 2019, 19). Na apresentação, intitulada Memória Ferroviária: Esforço de revisão crítica da memória histórica sobre ferrovia e seu valor patrimonial, o organizador da obra reafirma a importância do empreendimento e atesta a longevidade desse projeto iniciado oficialmente em 2009, mas que remonta suas primeiras atividades ao ano de 2007. Leia Mais

A nova direita anti-sistema: o caso do Chega | Riccardo Marchi

O livro A nova direita anti-sistema: o caso Chega, de autoria de Riccardo Marchi é um estudo do partido que retirou Portugal da pequena lista de países europeus que não tinham representação parlamentar de partidos enquadrados como de extrema direita. Isto se deu com a eleição do deputado único do Chega, André Ventura, para a Assembleia da República nas eleições legislativas de 2019. Ventura se desponta não apenas como deputado único, mas também como principal liderança de seu partido, passando a ocupar importante parcela do debate público português, assim como da grande mídia de seu país.

Riccardo Marchi parte da história de vida de Ventura, iniciando o livro ao falar de sua infância e adolescência em Algueirão, no concelho de Sintra, uma freguesia de classe média baixa, marcada por construções decadentes, uma grande população de origem imigrante, e como tal cenário influenciou seu futuro posicionamento político. A criação católica e sua vivência na Faculdade de Direito também são elementos de destaque na parte inicial do livro. Ainda na adolescência, André Ventura deu início a suas atividades políticas, fazendo parte da seção juvenil do Partido Social Democrático (PSD), quando era aluno do Liceu. Leia Mais

Las guerras de la agricultura colombiana: 1980- 2010 | Darío Fajardo

Si existiera reforma agraria en Colombia, la hacienda [El Ubérrimo]

podría repartirse y albergar sin problemas a 300 familias campesinas,

cada una con un lote de cinco hectáreas.

Salomón Kalmanovitz, “La riqueza de Álvaro Uribe”

En agosto de 2013, el expresidente Juan Manuel Santos afirmó que “el tal paro nacional agrario no existe” y que, por el contrario, se trataba de una protesta de ciertos sectores del campesinado colombiano en la que se habían infiltrado vándalos y criminales1. Lo que empezó como bloqueos, marchas y asesinatos tanto a líderes campesinos como a miembros de la fuerza pública, se convirtió en una verdadera crisis del sector agrario, que puso en evidencia, no sólo su capacidad de agencia, sino la debilidad y la ineficacia del Estado y sus aparatos institucionales para llevar a cabo reformas agrarias, aún en deuda hoy.

Este es el marco político y social en el que se desarrolla Las guerras de la agricultura colombiana 1980-2010, del antropólogo e investigador colombiano Darío Fajardo, uno de los primeros gestores de la política denominada zonas de reserva campesina que el gobierno central, a finales de la década de los noventa, trató de impulsar con la Ley 160 de 1994. ¿Cuál es, en efecto, el tema principal del libro? Podría decirse que se divide en dos partes: en primer lugar, se trata de “las transformaciones ocurridas en la agricultura colombiana durante el periodo comprendido entre finales de la década de 1980 y 2012”2 , que ponen en escena la fallida serie de intentos por implementar reformas agrarias en el contexto de una elevada concentración monopólica de la propiedad rural, la carencia de una infraestructura sólida en materia de transporte, comercio y tecnificación de la producción agrícola y la exacerbación del conflicto armado a raíz de las medidas neoliberales asumidas por el Estado a finales del siglo pasado. En segundo lugar, se analizan “las políticas públicas dirigidas hacia el agro y sus efectos en el abastecimiento alimentario, los conflictos que han rodeado a estas transformaciones agrícolas y las expresiones de resistencia de las poblaciones rurales a estas políticas”3 . Leia Mais

The World Health Organization: a history | Marcos Cueto e Theodore M. Brown

La obra es el resultado de la colaboración estrecha, a través de casi dos décadas, de tres historiadores importantes, de dilatada y fecunda trayectoria, que han confluido felizmente para realizar un trabajo de alta calidad y envergadura, hasta tal punto que constituye una referencia obligada no solo para el estudio del organismo sanitario stricto sensu sino, a lo largo de todo el periodo histórico que abarca de la salud internacional todas sus facetas y, aún más, de la historia, los cambios en las políticas de carácter global, como señala Randall Packard en la contraportada. Y una ausencia dolorosa: la de Elizabeth Fee, fallecida cuando la obra ya estaba completa, pero que ha dejado su impronta en la misma.

Políticos, gestores, diplomáticos, sanitarios, son actores privilegiados de esta historia. Una historia que los autores se encargan bien pronto de decir que no se trata de una historia oficial o semioficial, como las que abarcando los diferentes decenios de la Organización Mundial de la Salud se han ido publicando. El estudio se apoya en muy abundantes y muy bien escogidas fuentes primarias – muchas archivísticas e inéditas (una relación de las cuales se encuentra en p.341-351), incluyendo testimonios orales de personalidades tan emblemáticas cono Halfdan Mahler o Ilona Kickbusch. Leia Mais

Empoderamento | Joice Berth

Para meu amigo Beto,

o Robert Santos Dias,

negro, de periferia,

consciente de si e do mundo,

empoderando-se a si e à sua comunidade.

Sob a coordenação de Djamila Ribeiro, a coleção “Feminismos Plurais” lançou em 2019, seu terceiro livro: “Empoderamento” de Joice Berth, arquiteta e urbanista, pós-graduada em Direito Urbanístico, Feminista Interseccional Negra e integrante do Coletivo Imprensa Feminista. Assessora parlamentar, dedica-se a pesquisas sobre gênero, raça e cidades. É colunista do site “Justificando”, especializado em Direitos Humanos e Política em geral, e da revista “Carta Capital”.

Ao longo dos cinco capítulos de “Empoderamento”, Berth traça um panorama histórico da palavra em tela, relaciona-a às opressões estruturais, aos mecanismos de participação social, discute sua ressignificação pelo Feminismo Negro e a insere no debate sobre estética e afetividade.

Sua análise sofisticada, contraria o capitalismo e as hierarquias do patriarcado, estimula o pensamento agudo e sério sobre o conceito “empoderamento”, no intuito de demover o status quo, a lógica racial segregacionista brasileira e a necropolítica em curso, haja vista que compreende “empoderamento” como instrumento de emancipação e erradicação das estruturas que oprimem.

Em seu livro a urbanista problematiza a utilização do neologismo “empoderamento” pelo senso comum, qual seja aquele que o entende como o ato de acumular dinheiro e angariar prestígio individual. Critica o processo de colonização das estruturas sociais de poder, dos corpos e da subjetividade, passando em revista a sanha branco-europeia sempre disposta a encobrir suas intencionalidades econômicas e políticas, as quais geram desigualdades para uns e patrocinam privilégios para outros.

É possível depreender do escrito por Berth que para além do empoderamento-show de “anittas” e a exposição de corpos supostamente senhores de suas regras, ser “malandra” não é sinônimo de ser empoderamento. Pois, ora, supostos ícones midiáticos podem não se empenhar contra as violências sofridas pela população negra, muito menos exercerem em sua arte e realidade concreta, uma práxis para a libertação sua e de grupos oprimidos. Logo, empoderamento será materializado na escrita de Berth como a condução articulada de indivíduos e grupos marcados por gênero, raça, sexualidade e outras categorias, ou seja, sujeitos reais, de carne e osso, que sofrem, que vivem e gozam, historicamente subalternizados para a autoafirmação, que pode ser financeira, estética, afetiva.

Não à toa, denuncia a autora que a inferiorizarão da aparência e da estética negra em detrimento da branca é um dos dispositivos que sustentam e justificam o sistema de opressão e exploração vigentes em nossa sociedade, e que a agressão aos corpos e subjetividades negras dificulta o desenvolvimento do amor, de parceiras e vínculos inclusive, entre si.

O estudo teórico de Barth nos faz refletir sobre representações sociais baseadas na articulação raça/gênero no cotidiano das pessoas, especialmente de mulheres negras, as quais estariam desde logo “fora do ‘mercado afetivo’ e naturalizadas no ‘mercado do sexo’, da erotização, do trabalho doméstico”, o que contrasta com a figura das mulheres brancas, “pertencentes ‘à cultura do afeto’, do casamento, da união estável” (BERTH, 2019, p. 146).

Como empoderamento não pode ser pensado ao largo das relações de poder que estruturam a sociedade, a autora feminista discutirá termos-chave como autovalorização, autorreconhecimento, autoconhecimento de si mesmo, afetividade e, especialmente, a necessidade de as sujeitas e os sujeitos desenvolverem uma conscientização quanto a sua posição social e política.

Apoiada em Paulo Freire, como se sabe, leitor de Guerreiro Ramos, bell hooks, Nelly Stromquist, Angela Davis, a autora é taxativa: mesmo que determinados sujeitos ascendam economicamente e contrariem as estáticas e o lócus reservado para sua coletividade, enquanto a comunidade marginalizada da qual faz parte não se empoderar, eles continuarão em constante fragilidade social, expostos às violências que atingem sua coletividade.

Aprende-se com a leitura de Berth que, a ideia clichê acerca do que seja empoderamento não colabora para a reversão de um histórico de legislações e artimanhas racistas cínicas que sustentam, desde o período colonial, o privilégio da classe dominante, leia-se branca. O rebaixamento discursivo em torno do empoderamento nubla o fato de que a emancipação representa um movimento dos subalternizados – todes2 – à erradicação de seus mais profundos problemas. Essa reflexão é uma das teses desenvolvidas por Berth e nos dá dimensão da importância do livro.

A “malandragem” do empoderamento na obra de Berth se aparta do stablishment, a saber, comprometida que está com a retificação de processos escravocratas impostos por meio da violência física, genocídio, memoricídio, epistemicído e alienação mental, capaz de estancar a opressão e as desigualdades, porque amplia a ideia de democracia e participação cidadã.

E como isso se produz na prática? Segundo o texto ora resenhado, por meio do auto empoderamento em quatro perspectivas distintas, mas não antitéticas ou hierárquicas: dimensão cognitiva, ou seja, desenvolver visão crítica da realidade; psicológica, fortalecendo o sentimento de autoestima; política, com vistas à problematizar a desigualdade de poder, aprender a se organizar e se mobilizar; e a econômica, capacidade de gerar renda independente.

A compreensão proposta sobre o que seja “empoderamento” é, portanto, ampla. Trata-se de uma Teoria do Empoderamento com vistas à decolonização política. Teoria que interpela à ação (e não o constante lamentar e arrastar de dores) de sujeitos não alinhados com os fetiches do liberalismo individualista, egocentrado, patriarcal e meritocrático.

Distantes desses pressupostos liberais, iluministas, assentados no patriarcado e no sexismo – formas de docilização dos sujeitos e subjugação –, coadunados com um autodirecionamento e ajuda mútua, responsabilizando-se por enfrentar as estruturas opressoras, sujeitas e sujeito empoderados devem promover métodos de cura e fortalecimento entre a população negra. Isso implica fortalecer a subjetividade de pessoas negras, descontruir imagens estereotipadas como a do homem negro perigoso, da mãe preta, da mulata fogosa, do malandro, as quais implicam um sentimento constante de distorção e não pertencimento, porque enfraquecem “sistematicamente suas possibilidades de desenvolver o amor por si mesmos e o reconhecimento de seus pontos positivos e até de sua humanidade” (BERTH, 2019, p.143). Em suas palavras,

Seria estimular, em algum nível, a autoaceitação de características culturais e estéticas herdadas pela ancestralidade que lhe é inerente para que possa, devidamente munido de informações e novas percepções críticas sobre si mesmo e sobre o mundo em volta, e, ainda, de suas habilidades e características próprias, criar ou descobrir em si mesmo ferramentas ou poderes de atuação no meio em que vive e em prol da coletividade (BERTH, 2019. p.21).

Nas considerações finais, Berth retoma as/os teóricas/os por ela estudadas/os, lista que vai de Paulo Freire à Frantz Fanon, de Djamila Ribeiro à Grada Kilomba, de Sueli Carneiro à Jota Mombaça, defendendo a posição de que “os oprimidos devem empoderar-se entre si e o que muitos e muitas podem fazer para contribuir para isso é semear o terreno para tornar o empoderamento fértil” (BERTH, 2019, p.143).

O/a leitor/a atento deverá terminar a obra compreendendo que se empoderar é trabalho essencialmente político e que envolve a coletividade. Se ninguém ensina nada a ninguém, se aprendemos mediatizados pelo mundo, do mesmo modo, quando o modelo de poder vigente é questionado, devemos apreender que não é possível empoderar alguém, senão uma ação que se faz em conjunto, bem distante do “empoderamento pasteurizado, de fachada, paternalista, mais interessado em manter o estado atual das coisas” (BERTH, 2019, p. 154).

“Empoderamento” de Joice Berth estimula a ebulição de sujeites empoderados, cujas demandas ampliam o conceito de humanidade. Favorece o potencial transformador negro (e por que não branco-antirracista como eu), acolhedor da diferença; promove contatos com redes de empoderamento para a afirmação, a valorização e o reconhecimento do poder intrínseco a todes.

Deve ser lido por todes, simples assim, de qual área de conhecimento for, crianças e adultos, idosas e donas de casa (idosas ou não), moradores do Capão Redondo e do Morumbi, do Alto do Mundaí ou da Vila Valdete, até porque, na sociedade capitalista, panóptica e agressiva em que vivemos, quem estará sempre potencializado e completamente ileso, protegido, resguardado?

Empoderar-se implica na poética construção de outra sociedade e não no opaco mundinho de egos, prestígio, views, likes e biscoitos do Instagram. Há pandemia, pandemônios, poços profundos abertos em tempos de crises globais e capitalistas. Apenas sujeitas e sujeitos empoderadas/os poderão nos tirar do abismo no qual nos metemos e do distanciamento afetivo, ecológico, social.

Alexandre Osaniiyi (Alexandre de Oliveira Fernandes) – Doutor em Ciência da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Professor do Instituto Federal de Educação da Bahia – IFBA / Porto Seguro. Professor permanente no Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade – PPGREC/UESB/Jequié. Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em Ensino e Educação das Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB. Líder do Grupo de Pesquisas em Linguagens, Poder e Contemporaneidade – GELPOC. http://orcid.org/0000-0002-1556-4373. Email: alexandre.pro@gmail.com. Endereço: Instituto Federal de Educação da Bahia. Br: 367, Km: 57, 5. Bairro: Fontana I. Porto Seguro – BA, CEP: 45810-000.  Instituto Federal de Educação da Bahia, IFBA / Porto Seguro.


BERTH, Joice. Empoderamento. São Paulo. Polém Livros. 2019, p.184. Resenha de: OSANIIYI, Alexandre. Empoderamento e relações de poder: tornar-se um/a sujeito/a. Abatirá. Eunápolis, v.1, n.1, p.456-460, jan./jun, 2020. Acessar publicação original [IF]

Traduções da cultura: perspectivas críticas feministas (1970-2010) | Izabel Brandão

O livro que será apresentado nas páginas seguintes é, antes de tudo, um abraço. Falo nesses termos porque, enquanto mulher e pesquisadora feminista, vejo reverberar, nesse monumental trabalho, um rompimento de fronteiras que me impedem de olhar unicamente através da lente acadêmica, pois ele também toca no ponto de minha própria experiência. É nesse sentido que o pessoal e o político convergem para se tornarem faces de um mesmo evento, permitindo-me dizer às mulheres que se fazem críticas das desigualdades sociais, assim como eu, que é sempre e cada vez mais necessário que leiamos sobre nós mesmas, que sejamos todas ouvidos e olhos e bocas em coletividade.

É por isso que brindo ao lançamento da antologia Traduções da cultura: perspectivas críticas feministas (1970-2010) (2017). Nesse abraço de mais de 800 páginas, reflete-se o trabalho coletivo de sete anos de grandes mulheres pesquisadoras dos vários cantos do Brasil. A partir do extenso e colaborativo processo de seleção, em que foram traduzidos para o português 21 ensaios – originalmente publicados em inglês, francês e espanhol, a maioria em traduções inéditas para o português –, evidencia-se o cuidado e a abrangência desse projeto que, além do trabalho de tradução, comporta um lado crítico em forma de comentário com as vozes de muitas pesquisadoras nacionais e internacionais. Tudo isso se faz presente desde a capa. A tradução gráfica da tela No jardim elétrico da artista plástica alagoana Marta Emília, que compõe sua exposição Acrilírika (2015), ilustra coerentemente a relação simbiótica entre natureza e artifício, tema bastante teorizado no contexto do pensamento feminista. Aliás, a proposta interdisciplinar que comunica arte e cultura não é pura casualidade, se considerarmos o fato de que suas organizadoras estão imersas nos terrenos dos Estudos literários e linguísticos, tecendo conexões teórico-críticas com as mais variadas esferas do conhecimento, dentre as quais, os muitos feminismos, os Estudos de gênero, os Estudos pós- e de- coloniais, os Estudos queer, entre outras variações. Leia Mais

Teatro y Memoria en Concepción: Prácticas Teatrales en Dictadura. Concepción | Marcia M. Carvajal, Nora F. Rivas e Pamela V. Neira

El libro Teatro y Memoria en Concepción: Prácticas Teatrales en Dictadura, escrito por las investigadoras Marcia Martínez Carvajal, Nora Fuentealba Rivas y Pamela Vergara Neira, fue publicado en octubre de 2019. Escribo esta reseña a partir de la presentación que hice en Valparaíso el 26 noviembre de 2019, a un mes y una semana de comenzado el levantamiento popular en Chile. Recordar ahora estas fechas alberga un sentido particular, pues conlleva el peso de aquel presente y la certeza de que a futuro se observará este periodo histórico en busca de la memoria de un país. Ese día la conversación sobre el libro nos remitió una y otra vez a reconocer el pasado en aquel presente. La realidad olía a lacrimógena y nos golpeaba la cara, la salida de la presentación debió ser por la puerta trasera del edificio que nos reunía, en carreras y postas de agua con bicarbonato.

En la introducción del libro las autoras plantean que el devenir de su trabajo fue “una metodología de la incertidumbre, que nos invitó a transitar por el rigor de lo académico, lo subjetivo de las experiencias y nuestras propias dudas, reflexiones, cambios de ruta y nuevos convencimientos” (10), creo que aquella incertidumbre se expandió más allá del proceso de investigación y escritura, pues dado el contexto, también estuvo en los envíos de copias, en las presentaciones, e imagino que seguirá presente en las preguntas que surjan de la lectura de esta obra. Leia Mais

Fascismos e novas direitas | Cantareira | 2020

Observamos, nos últimos anos, vitórias como a de Boris Johnson, no Reino Unido; a ascensão de Jean-Marie Le Pen, como grande figura na França; Viktor Orbán, porta-voz da anti-imigração na Hungria; a reeleição de Sebastián Piñera no Chile; o retorno de partidos neofascistas na Alemanha; Rodrigo Duterte, o fascista das Filipinas; e, entre muitos outros, as expressivas vitórias de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Essa guinada nos alerta para uma tendência na configuração da política mundial.

Em um contexto de crescimento de movimentos de extrema-direita pelo globo, as temáticas dos fascismos e das novas direitas vêm ganhando cada vez mais destaque e relevância nos debates acadêmicos. Seria o fascismo uma atitude desviante? Uma doença? Uma anomalia do sistema? Um retorno nostálgico a um passado “glorioso”? Além disso, seriam todas as direitas mais radicais, fascistas? Esta discussão foi objeto de grandes nomes dentro da historiografia e das ciências humanas e sociais, como Leandro Konder, Daniel Guerin, Ian Kershaw, William Reich, Antônio Gramsci, Umberto Eco, Hannah Arendt, Robert Paxtone e até mesmo, José Carlos Mariátegui. Cada um, a partir de diferentes abordagens –aproximadas ou discordantes –, elaboraram as suas perspectivas muitas vezes ancorados nas questões anteriormente apontadas.

A despeito das diferentes abordagens, bem como das análises de conjunturas, há um ponto em comum entre os autores: essas correntes, em geral, encontram terreno e se ampliam em cenários de crise, momento em que a classe dominada se sente atacada em todas as suas frações. Acreditamos que, diante da falta de horizonte, perda de status e déficit econômico, é comum que ideias salvacionistas sejam tentadoras. A percepção das causas de tantas perdas é deixada de lado em prol de uma luta contra seus efeitos.

Discursos que ressaltam problemas como: as crises econômicas e moral, a perda de status social e incompetência, a traição e fragilidade do governo etc., tornam-se demasiadamente atraentes para setores da sociedade que não se identificam com as transformações recentes. Assim, todos os medos sentidos são estereotipados na figura do “outro”, o qual, por muitas vezes, será compreendido como inimigo a ser combatido.

Ao analisar a ascensão tanto política, quanto eleitoral, de movimentos de extrema-direita, racistas, xenófobas ou, até mesmo, inteiramente fascistas na atualidade, Michael Löwy ressalta que a crescente emergência desses movimentos tem se dado principalmente em países inseridos no processo de internacionalização da economia e da tecnologia. No ápice do neoliberalismo e, portanto, da transnacionalização do grande capital, as tecnologias e os meios de comunicação também se desenvolveram de modo que abarcasse as novas dimensões das demandas impostas pelos interessados nesta transnacionalização e em suas novas dinâmicas funcionais. Antes, se por um lado, os meios de comunicação operavam de maneira verticalizada, partindo de um para muitos, e sendo unidirecional – como os grandes jornais impressos e os canais de radiodifusão. A internet, por outro, se conforma como uma enorme rede digital de troca de informação maciça, sendo menos centralizada, horizontal e multidirecional. É o que Manuel Castells denomina como “Mass Self-Communication”. Devido ao interesse dos movimentos de direita e extrema-direita contemporâneos em trazer a política para o cotidiano, esses grupos aplicam seus investimentos em canais populares de difusão da informação. Assim, expandem sua ação para a mídia digital, por ser moderna, de fácil acesso, de custo relativamente baixo de produção e ilimitada capacidade de difusão.

Ao considerar o papel das historiadoras e dos historiadores na análise destes fenômenos, o objetivo do dossiê é refletir, conceituar e problematizar a questão do fascismo e das novas direitas, reunindo pesquisas que os discutam e identifiquem suas particularidades, rupturas, continuidades etc. Agrupamos, desta maneira, uma coletânea de seis artigos – que perpassam desde as experiências do século XX até o tempo presente, em distintas partes do Globo –, diretamente associados aos temas centrais. Devido a sua pluralidade, estas produções estão ancoradas em distintas visões e tradições teóricas, com vista a ampliar um rico e diverso debate.

Contamos, no primeiro bloco de artigos, com fascículos acerca da experiência alemã, de essencial importância para a temática. Os autores, habilmente, levantaram questões de extrema relevância para qualquer discussão acerca do nazismo alemão e seus estudos, feito de maneira criteriosa. Karina Fonseca em Como a democracia em Weimar morreu: antirrepublicaníssimo e corrosão da democracia na Alemanha e a ascensão do Nazismo, relaciona a derrocada da República de Weimar aos discursos e práticas políticas antirrepublicanas e antidemocráticas que circulavam durante o período. Luiz P. Araújo Magalhães, em Intelectuais de extrema direita e a negação do Holocausto nos EUA dos anos 1960, analisa a formação de uma rede de intelectuais de extrema-direita estadunidense em torno da prática de negação do Holocausto. O texto defende a hipótese de que essa negação incorpora, informa e é informada por valores, visões do passado, esquemas de percepção e hábitos de pensamento desse campo político. Dessa forma, essa falsificação do passado nazista aparece como criadora ou reprodutora de comunidades de sentido e unidades potenciais de ação.

Breno César de Oliveira Góes oferece uma rica aproximação interdisciplinar entre história e a literatura no que concerne à experiência do Salazarismo em Portugal, fortalecendo o tema deste dossiê com o artigo Os fascistas que liam Eça de Queirós: estratégias da propaganda salazarista em torno de uma celebração literária. O texto analisa o plano original das celebrações oficiais do primeiro centenário de Eça de Queirós em 1945 e os motivos que causaram os descontentamentos da base de apoio do regime em relação a esse projeto. Dessa forma, o autor traz à luz o estudo de ditaduras fascistas na Península Ibérica, muitas vezes posposto pelas produções do nazismo alemão e do fascismo italiano de Mussolini.

O segundo e último bloco de texto se articula a partir da temática do avanço conservador e a articulação da direita no Brasil. Com o delicado e necessário debate sobre a educação em tempos de conservadorismo brasileiro, Eduardo Cristiano Hass da Silva e Gabbiana Clamer Fonseca Falavigna dos Reis, analisam em Avanço conservador na educação brasileira: uma proposta de governo pautada em polêmicas (2018) a superficialidade e apresentação polêmica das propostas educativas presentes no plano do atual governo brasileiro e retomam a importância do papel do intelectual no Brasil.

Na esteira das análises sobre a ascensão do conservadorismo brasileiro, os autores Giovane Matheus Camargo, Pedro Rodolfo Bodê de Moraes e Pablo Ornelas Rosa trazem à tona a importância que a Internet e o ciberespaço tomaram no campo político na contemporaneidade. A (des)construção da memória sobre a ditadura pós-1964 pelo governo de Jair Bolsonaro analisa as estratégias no meio digital para a difusão de uma determinada memória, ancorada no revisionismo histórico que as novas direitas brasileiras têm defendido para sustentar seus projetos de sociedade.

Finalmente, apresentamos duas entrevistas de conteúdo mais estritamente teórico. A primeira, apresenta o diálogo entre o entrevistador Sergio Schargel e o pesquisador multidisciplinar neerlandês e filósofo cultural Rob Riemen. As perguntas, levantadas por Schargel, esclarecem a abordagem do diretor do Nexus Institute, que através de uma tradição teórica consistente e calcada no liberalismo, recuperar a importância do conceito de fascismo e sua utilização na atualidade. A segunda, realizada pelas organizadoras do presente dossiê, foi realizada com docentes de países, vivências e perspectivas teóricas diferentes. A professora italiana Fulvia Zega (Università Ca’Foscari Venezia), e a professora brasileira Tatiana Poggi (IH / UFF), relataram suas posições sobre a ascensão conservadora no mundo, as possíveis particularidades no contexto da América Latina, a utilização do conceito fascismo e neofascismo, bem como de outros aprofundamentos.

O dossiê Fascismos e Novas direitas, nesta edição da Revista Cantareira, nasceu em meio à pandemia do coronavírus (COVID-19), uma crise sanitária internacional que, no contexto brasileiro, ganha o reforço de um Estado suicidário, para fazer menção às palavras de Vladimir Safatle. Como em outros governos – que vêm demonstrando uma preocupação desproporcional com a Economia –, o Brasil pretere a vida humana em nome de uma pretensa preocupação com os números. O intuito, portanto, é contribuir com a análise de acontecimentos recentes, discussões teóricas pertinentes e recuperação histórica das ciências humanas em geral, essenciais para a compreensão crítica do mundo em que vivemos. Através das ilações dos nossos autores, percebemos que não somente há um avanço fascista na política mundial, mas um intento de consolidar uma narrativa conservadora sobre a sociedade civil e a política, bem como das organizações alternativas mais conservadoras. Estes aspectos não são uma novidade do século XXI; tampouco, algo exclusivo ao século passado.

Boa Leitura!

Bárbara Aragon – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense.

Milene Moraes de Figueiredo – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.


ARAGON, Bárbara; FIGUEIREDO, Milene Moraes de. Apresentação. Revista Cantareira, Niterói- RJ, n.33, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]

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La integración regional en América Latina: Quo Vadis? El Mercosur desde una perspectiva sectorial y comparada | Mercedes Botto

Algunos libros son, de una forma más marcada y clara que otros, hijos legítimos de su tiempo porque reflejan el clima y el espíritu de la época en la que son gestados y nacen.

Tal es el rasgo distintivo del libro de Mercedes Botto.

Noviembre de 2015 presagió el inicio del giro neoliberal en la Argentina. Haciéndose este país eco de la nueva sintonía de Brasil, el otro ‘grande’ de la región, delineada a partir del impeachment a Dilma Roussef, su posterior destitución y ascenso de Michel Temer al gobierno y, finalmente, la asunción de Jair Bolsonaro. Ambos cambios de rumbo en dos de los ‘pesos pesados’ del MERCOSUR, auguraron el inicio de un nuevo escenario regional cuyas reconfiguraciones y consecuencias para el bloque, aún están teniendo lugar, en función de los interrogantes que expresa la reciente victoria de Alberto Fernández en materia de integración regional. Leia Mais

La psiquiatría más allá de sus fronteras: instituciones y representaciones en el México contemporáneo | Andrés Ríos Molina

O livro La psiquiatría más allá de sus fronteras: instituciones y representaciones en el México contemporáneo, como o próprio título indica, tem como objetivo explorar as formas como a psiquiatria se relacionou com os campos sociais, políticos e culturais no México, ultrapassando as fronteiras da clínica. Coordenada por Andrés Ríos Molina (2017), a obra reúne autores que, a partir de metodologias e aportes teóricos diversos, procuram explorar as relações estabelecidas entre sociedade e psiquiatria sob o viés da história cultural. Para desenvolver esse tipo de análise, eles partem de um primoroso, variado e inovador conjunto de fontes, que envolve desde planos educativos, correspondência administrativa, cartografias, imagens publicitárias, fotografias, fotonovelas até comics.

Os cinco capítulos que compõem a obra se estruturam em torno de um duplo viés historiográfico, privilegiando, por um lado, o estudo das instituições educacionais, médicas e governamentais onde a psiquiatria desempenhou um papel relevante e, por outro, as representações culturais sobre a loucura, tanto no âmbito do discurso como da prática, disseminadas em múltiplos espaços da Cidade do México. Nesses capítulos são apresentados outros atores sociais, além dos médicos e psiquiatras, como pedagogos, administradores públicos, empresários e fotógrafos, entre outros, que também se preocuparam em alguma medida com questões relacionadas às enfermidades mentais. Leia Mais

Memorias, región, conflicto, lecturas posibles latinoamericanas desde la perspectiva de la actual Comisión de la Verdad en Colombia/Ciencia Nueva. Revista de Historia y Política/2020

La crisis global de los paradigmas democráticos encuentra en los escenarios transicionales complejidades adicionales. Al desencanto experimentado ante las fragilidades de los órdenes democráticos y sus espejismos de inclusión y participación social, se suman las promesas transicionales de superación de las violencias endémicas, sin comprometer los intereses político-económicos que perfilaron los motivos de las confrontaciones armadas. Este doble reto se instala en las arquitecturas institucionales construidas en los escenarios transicionales, dibujando promesas que de manera frágil se enfrentan a las estructuras sociales construidas en los tiempos de las violencias. Leia Mais

Endeudar y fugar. Un análisis de la historia económica argentina de Martínez de Hoz a Macri | Eduardo Basualdo || Historia de la deuda externa argentina. De Martínez de Hoz a Macri | Noemí Brenta || Salir del fondo. La economía argentina en estado de emergencia y las alternativas ante la crisis | Esteban Mercante

Los libros que aquí comentamos abordan la política económica reciente de la Argentina y sus principales transformaciones. Endeudar y fugar. Un análisis de la historia económica argentina de Martínez de Hoz a Macri. Buenos Aires: Siglo XXI, 2018, de Eduardo Basualdo; Historia de la deuda externa argentina. De Martínez de Hoz a Macri. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2019, de Noemí Brenta; y Salir del Fondo. La economía argentina en estado de emergencia y las alternativas ante la crisis. Buenos Aires: Ediciones IPS, 2020, de Esteban Mercante. Aunque desde disímiles perspectivas, estos trabajos comparten el objetivo de analizar los problemas en torno al endeudamiento en nuestro país y especialmente la inflexión que significó para la política económica la victoria de la Coalición Cambiemos desde 2015. En los tres casos se recupera el pasado reciente con diversos argumentos, lo que nos permite observar varias ópticas en torno a ese pasado. De esta forma, proponemos comentar los principales razonamientos que los autores exponen acerca de las sucesivas etapas históricas analizadas y finalizar con un balance recuperando las diferentes miradas sobre los temas examinados. Leia Mais

Historia mínima de Uruguay | Gerado Caetano

Hasta entrado el siglo XXI Uruguay había ocupado un lugar relativamente marginal en las colecciones generales sobre la historia de América Latina, salvo algunas referencias y capítulos específicos (como el trabajo de Juan Antonio Oddone en el tomo X de la Historia de América Latina coordinada por Leslie Bethell o las referencias de Tulio Halperin Donghi en la Historia Contemporánea de América Latina). Esta situación ha cambiado en las últimas dos décadas, probablemente resultado, por un lado, de la inserción de los historiadores uruguayos en redes académicas internacionales y, por otro, de la formación de investigadores que han realizado estudios de posgrados en el exterior, a lo que se podría agregar la ruptura con algunos de los paradigmas historiográficos más cercanos a posiciones nacionalistas. Ejemplo podrían ser los tres tomos dedicados a Uruguay que se incluyeron en la colección América Latina en la Historia Contemporánea financiada por la Fundación Mapfre de España y editada por Planeta. La Historia mínima del Uruguay escrita por Gerardo Caetano se podría insertar en esa línea de cambio historiográfico que ha permitido incorporar al Uruguay a relatos globales y perspectivas que buscan analizar los fenómenos locales en una escala latinoamericana y global. Leia Mais

História do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária no Brasil: novas perspectivas | Kauan William dos Santos e Rafael Viana da Silva

Não raro o anarquismo fora apresentado como uma planta exótica importada para o Brasil; como um movimento pré-político fadado ao fracasso, caótico, essencialmente individualista e pequeno burguês; e de modo mais pejorativo, seus adeptos foram descritos como terroristas e assassinos insanos. De alguma maneira esses pontos, somados a diversos outros, foram compartilhados entre a academia e o senso comum forjando um conhecimento sobre o anarquismo, tomando como verdade narrativas que confirmam visões depreciativas, fazendo vista grossa às evidências empíricas, e contribuindo para mantê-lo no limbo da história, enclausurando a possibilidade de um conhecimento histórico construído sobre bases sólidas.

No entanto, esforços contrários (o qual o livro que apresento aqui é um exemplo) veem contribuindo para romper esse cerco, fazendo, a partir de novas perspectivas, a sua história e de suas estratégias, ou vetores sociais, como o sindicalismo de intenção revolucionária. O livro, uma coletânea, foi organizado pelos historiadores Rafael Viana da Silva, doutor pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Kauan Willian dos Santos, doutorando pela Universidade de São Paulo (USP), membros do Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA) [1]. Além do prefácio, a obra conta com quinze capítulos de pesquisadores e pesquisadoras de diferentes lugares e universidades do país. Os artigos, em sua maioria, são parte de resultados de teses e dissertações recentes, “pesquisas que abordam a história do anarquismo e do sindicalismo revolucionário no país e suas conexões com outras regiões” (SANTOS; SILVA, prefácio, p. 9) e abarca um largo período histórico. Para além de uma contribuição acadêmica, a obra é também um esforço político de responsabilidade com o que representa o anarquismo. Leia Mais

¿Reconocimiento o redistribución? Un debate entre marxismo y feminismo | Judith Butler e Nancy Fraser

Introducción

La presente reseña tiene como objetivo problematizar el debate Fraser-Butler, no a través del análisis de los dos postulados principales, sino a través de la crítica de los mismos y de las posibilidades que en ellos se encierran. Este ejercicio lo que pretende problematizar es la relación entre genitalia-sexo-género, con el capitalismo y la disolución de las certezas ontológicas con la pérdida de vigencia de lo denominado como moderno.

Tanto el debate Fraser-Butler, surgido en la New Left Review en el año 2000 y convertido en libro en 2017, como el debate filosófico en torno a la modernidad, aparecido en las primeras décadas del siglo XX, no son nuevos. Sin embargo, las problemáticas que abordan siguen estando vigentes, sobre todo, ahora, que los feminismos autodenominados radicales están en plena ofensiva reaccionaria poniendo en riesgo las vidas de las personas trans y lanzándose a una aventura colonizadora sobre aquellos cuerpos que consideran abyectos. Esto hace necesario señalar cómo determinadas articulaciones feministas pueden constituirse como represivas, donde una interpretación falaz de la relación entre género y sexo puede llegar a funcionar como vehículos de la dominación. Esto permitiría a grupos feministas enrocarse en el biologicismo y el etnocentrismo para instrumentalizar la lucha por la liberación y convertirla en su monopolio. De este modo, garantizarían, a través de la defensa de una feminidad cis y blanca, la invisibilización, persecución y represión de los colectivos más desfavorecidos. Es esta labor represiva de determinadas articulaciones feministas con vocación universalista y eurocéntrica, que se amparan en interpretaciones falaces de la realidad, la que constituye el objetivo de crítica de esta reseña. El texto de Fraser nos serán muy útiles para comprender este tipo de posiciones reaccionarias, sin que esto suponga que acusemos a Fraser en el presente por las afirmaciones teóricas mantenidas hace veinte años. Leia Mais

Paulinho da Viola e o elogio do amor | Eliete Eça Negreiros

Paulinho da Viola e o elogio do amor (1) é uma reflexão sobre a lírica amorosa das composições de Paulinho, cujo eixo é a separação dos amantes. Neste livro, Eliete Negreiros reavê o mito fundador do amor romântico, formulado pela primeira vez no Banquete de Platão. De início, cada um era um ser por inteiro que, por uma punição divina, é dividido em duas partes. A nostalgia da fusão originária e a busca da unidade perdida constituem uma inquietação permanente, a procurar no Outro o que completa e dá vida.

Conhecido nos tratados médicos antigos como “mal de amor”, a poética de Paulinho, mostra Eliete, revela seus sintomas, suas causas, seus efeitos e remédios. Ou não: “meu mal é um mal de amor / não há remédio que cure a minha dor”. Se paixão é desejo e falta, ele é “intratável”. Tal como no amor proustiano, o amor é uma doença irremediável. Diferem o intratável e o incurável, pois se este é um mal de que ainda não se encontrou remédio e tratamento, o intratável é um mal sem medicação eficaz ou cura vislumbrada, invulnerável a tratamentos ou às luzes da razão. Leia Mais

Mulheres, direito à cidade e estigmas de gênero. A segregação urbana da prostituição em Campinas | Diana Helene

O livro Mulheres, direito à cidade e estigmas de gênero: a segregação urbana da prostituição em Campinas, de Diana Helene Ramos (1), é o primeiro livro escrito por uma arquiteta e urbanista brasileira discutindo a relação entre prostituição e cidade. Publicado em 2019 pela editora Annablume, esse livro é resultado de tese de doutorado da autora em Planejamento Urbano e Regional, desenvolvida no Ippur UFRJ, pela qual recebeu o Prêmio Capes de Tese 2016 da área de Planejamento Regional/Demografia (2). O livro está dividido em três partes, com um total de seis capítulos que, em linhas gerais, discutem a presença das prostitutas na cidade de Campinas e sua participação enquanto agente na produção do espaço urbano, seu cotidiano e os deslocamentos ocorridos no contexto urbano e laboral dessas trabalhadoras. Leia Mais

Not all dead white men: classics and misogyny in the digital age | Donna Zuckerberg

A presença de referências ao mundo clássico em discussões realizadas nas redes sociais vem despertando a atenção de diversos estudiosos. Ainda que a tradição clássica tenha sido amplamente utilizada para justificar e legitimar posições ideológicas e regimes políticos ao longo da história, e, embora o estudo destas apropriações seja recorrente, a amplitude do universo on-line e a forma como esses discursos são criados e apropriados em plataformas virtuais trazem novas nuances para a situação, ou como é apontado por Donna Zuckerberg, as redes sociais amplificaram estes movimentos. A estudiosa, doutora em estudos clássicos pela Universidade de Princeton, é também fundadora e editora do site Eidolon, dedicado a apresentar os estudos clássicos para além dos meios acadêmicos tradicionais, considerando os aspectos políticos envolvidos e a partir de uma perspectiva feminista2.

Assim, em Not all dead white man, Zuckerberg se propõe a apresentar uma análise detalhada sobre como comunidades presentes na internet vêm se apropriando de símbolos, referências e personagens do mundo greco-romano com a finalidade de justificar posturas misóginas na contemporaneidade. Nesse sentido, dedicou-se ao mapeamento dos diferentes grupos que compartilham essas opiniões e apresenta um quadro minucioso dos mesmos, suas especificidades e diferenças, bem como de que forma eles se relacionam entre si. Leia Mais

A classe trabalhadora: de Marx ao nosso tempo | Marcelo Badaró Mattos

Marx não dedicou um escrito exclusivo sobre classes sociais. Sobre o tema tratado explicitamente, restou apenas um fragmento de um texto inacabado. Já no Livro I de O Capital o termo “classe operária” aparece dezenas de vezes, porém sem uma conceituação precisa que a defina. Contudo, a despeito de apenas referir-se a elas de forma marginal ou indireta (por vezes proletariado, movimento operário, produtores), por certo constituem um fio condutor que atravessa toda sua obra. Mais que isso, possivelmente, e de forma contraditória, constituam-se de sua categoria mesma de maior alcance, sua “ultima thule2” (MARX, 2011, p. 306-307) um precepto heurístico capaz de transcender as bordas do mundo que ele próprio conheceu. É seguramente ancorado nessa percepção que o professor de História do Trabalho e Sindicalismo, Marcelo Badaró Mattos, da Universidade Federal Fluminense, nos entrega o texto A classe trabalhadora: de Marx ao nosso tempo. Uma sofisticada análise que põe em tela a estrutura e a dinâmica da classe trabalhadora desde sua gênese até sua expressão contemporânea. Leia Mais

Patrimônio em transformação. Atualidades e permanências na preservação de bens culturais em Brasília | Sandra Bernardes Ribeiro e Thiago Perpétuo

Efemérides são boas ocasiões para se olhar algo novamente e refletir. É nesse sentido que vem o livro Patrimônio em transformação – atualidades e permanências na preservação de bens culturais em Brasília. Lançado pelo Iphan em 2017, o exemplar aparece em momento de tripla comemoração: sessenta anos do projeto vencedor de Lúcio Costa para a nova capital; trinta anos da inscrição do Plano Piloto de Brasília na lista de patrimônio cultural da humanidade da Unesco; oitenta anos da criação do órgão destinado à proteção patrimonial. Como o nome prenuncia, trata-se de uma obra sobre patrimônio, dedicada a olhar Brasília e a trazer para reflexão discussões sobre a cidade que vem se modificando e consolidando. A publicação mostra-se como boa forma de celebrar, uma vez que se insere de forma atual e propositiva no debate. E, o olhar que se lança sobre a cidade-patrimônio, nesta ótima coletânea de artigos, traz contribuições significativas para pensá-la.

A tônica da obra é dissociar-se da ideia de que o respeito ao patrimônio implica fixidez. Compreende-se a mudança como algo imanente à condição de cidade dinâmica, e a necessidade de revisitar Brasília é lida como um exercício fundamental para sua própria proteção. O assunto da preservação patrimonial de – e em – Brasília não é novo, mas muito do que se aborda, e como, coloca-se como leitura enriquecedora para quem lida com o tema ou se interessa por ele. Encaram-se transformações por que passam a cidade dinâmica, e não mais projeto, trazendo reflexões e deixando claro quais são as questões que estão na ordem do dia para o órgão do patrimônio e que, não por coincidência, guardam relação com as datas que festejam. Leia Mais

Estado, democracia e movimentos sociais na América Latina contemporânea | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2020

Desde princípios do século XX, os países da América Latina se veem diante do desafio de construir alternativas para a modernização do Estado e o desenvolvimento nacional, frente à crise e ao colapso dos regimes de dominação oligárquica, fundamentados no modelo primário-exportador. Liberais em aspectos econômicos, na política, o Estado oligárquico era bastante interventor, especialmente na garantia da exclusividade do poder para os grupos primário-exportadores por meio de intensa repressão contra os demais setores da sociedade. Nas primeiras décadas do século, alguns países vivenciaram rupturas com o modelo oligárquico, como a Revolução Mexicana, iniciada em 1910, e a eleição de Hipólito Yrigoyen para presidente da Argentina, em 1916. Porém, é somente a partir dos anos de 1930, que a maioria dos países da América Latina se depara com o desafio de superação da dominação oligárquica, frente ao colapso do modelo primário-exportador no contexto da depressão mundial. Intensificam-se as mobilizações em prol da democratização da sociedade e de novos modelos de desenvolvimento econômico. Esse cenário foi marcado pela exacerbação do nacionalismo, do autoritarismo, dos movimentos sociais e das polarizações ideológicas. As propostas para superação do modelo oligárquico das sociedades latino-americanas não foram adotadas sem conflitos e convulsões. Leia Mais

Usos do passado recente na América Latina | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2020

Se o passado sempre é uma construção, a partir das demandas do presente, esta relação é ainda mais evidente no caso de um passado recente, cujas consequências diretas têm fortes efeitos sobre o presente e cujos sentidos permanecem em disputa. Frente às violências e crimes de Estado que marcaram o século XX, a academia, impulsionada pelos coletivos afetados, assistiu a um crescimento exponencial das pesquisas que se comprometem com este passado. Tais estudos se circunscrevem na chamada história do tempo presente, imediata ou do presente, segundo as variáveis denominações nacionais. Trata-se de um campo que se consolidou na historiografia neste novo século, mas que já vinha se desenvolvendo e sendo problematizado desde a década de 1970, especialmente na ciência política e na sociologia (FRANCO, 2018).

A especificidade da história recente reside em um “regime de historicidade” (HARTOG, 2014) em que os fatos e processos do passado interpelam as sociedades contemporâneas na construção de identidades individuais e coletivas. Trata-se de um passado presente, de um “passado que não passa”. Aqui as análises perdem o “ponto fixo” e fechado de um passado do qual seria possível aproximar-se com alguma “distância”, “objetividade” e “perspectiva”, para se constituírem “em um diálogo e uma escuta atenta às demandas e interpelações que este passado formula ao presente, razão pela qual deixa de concebê-lo como fechado, finalizado” (PITTALUGA, 2010, p. 31). Este regime é relacional na medida em que confluem passado, presente e futuro (p. 31). Leia Mais

História e memória da EJA nas universidades brasileiras e portuguesas – séculos XX e XXI / Cadernos de História da Educação / 2020

A história da Educação de Jovens e Adultos (EJA) se consolidou como um campo de pesquisa que vem ganhando espaço na Academia, devido ao diálogo que faz com diferentes temáticas da historiografia. Esse campo, portanto, provoca práticas e reflexões que não estão inscritas, especificamente, no âmbito escolar, pois vão muito além. É uma história contada a partir das relações de gênero, do trabalho, da política, do corpo, entre muitas outras perspectivas que revelam facetas múltiplas de um mesmo objeto. Entretanto, embora reconheçamos que exista um aumento vertiginoso das pesquisas sobre a História da EJA nos últimos 20 anos, ainda há uma tímida produção, se a compararmos, por exemplo, com a história da educação primária. Dessa maneira, este Dossiê tem por objetivo promover um diálogo entre pesquisadores sobre a história da educação de jovens e adultos em universidades brasileiras e portuguesas, nos séculos XX e XXI.

O dossiê é composto de seis artigos; três deles foram escritos por pesquisadores brasileiros e portugueses, e nessa coautoria analisam duas realidades tão distantes e ao mesmo tempo com muitas proximidades. Nos outros três artigos, os autores, pesquisadores brasileiros, abordam, especificamente, a realidade da EJA no Brasil.

Este dossiê traz olhares que se aproximam sobre as relações entre as universidades e a EJA, a partir da década de 70 do século XX à atualidade. É uma história do tempo presente que precisa ser contada, pois os dados atualizados apontam que a taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais de idade no Brasil caiu de 7,2% em 2016 para 7,0% em 2017, mas não alcançou o índice de 6,5% estipulado, ainda para 2015, pelo Plano Nacional de Educação (PNE). A realidade brasileira aponta-nos que temos cerca de 11,5 milhões de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever, e apenas 118 mil analfabetos frequentaram cursos de alfabetização no ano de 2017 [1]. Partindo desses dados, é mais triste saber que a maioria dos analfabetos brasileiros continuam fora do espaço escolar e privados de seus direitos. Não incluímos, nesse somatório, os dados da pesquisa Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) em 2018, que elevaria ainda mais esse percentual, uma vez que a pesquisa mede os níveis de alfabetismo [2] da população brasileira com idade acima de 15 anos [3].

Diante desses dados alarmantes e, infelizmente, históricos na educação brasileira, este dossiê traz à tona os debates, os impasses, os lugares e não lugares da Educação de Jovens e Adultos, principalmente nos estudos e nas pesquisas sobre a alfabetização de jovens e adultos no contexto brasileiro e português. Ao mesmo tempo, os estudos aqui reunidos mostram o que temos feito, produzido e pesquisado para uma melhor compreensão desse fenômeno que impera no Brasil.

Abrimos o dossiê com o artigo de Rocha e Goulart, em que os autores buscam contemplar uma área pouco explorada, ou seja, a EJA nas pesquisas acadêmicas, com o enfoque na produção voltada especificamente sobre a alfabetização. O artigo objetivou analisar e compreender a história da alfabetização de jovens e adultos no Brasil, a partir dos discursos acadêmicos produzidos no período de 1978 a 2000. Os autores realizaram um levantamento bibliográfico de teses e dissertações publicizadas no país no decurso do século XX, considerando como as pesquisas oriundas das universidades brasileiras abordaram o tema da alfabetização de jovens e adultos.

Ainda que, em termos quantitativos, essa produção não seja tão expressiva, foram identificadas 65 produções, e dentro da análise da categoria “temáticas priorizadas”, destacaram-se: ‘Programas, projetos, iniciativas governamentais e não governamentais’, seguidos de ‘Vivências de alfabetização de jovens e adultos” e ‘Representações sobre a alfabetização de jovens e adultos’. Essa análise dos autores dialoga com os artigos subsequentes deste dossiê.

O segundo e o terceiro artigo têm em comum o diálogo entre instituições e projetos de extensão em que articulam a pesquisa, a docência, a formação e a especialização de professores da EJA. Outra afinidade nos artigos de Maciel e Santos e o de Porcaro está nos diálogos entre três universidades mineiras: Universidade Federal de Uberlândia (UFU), de Minas Gerais (UFMG) e de Viçosa (UFV). Todas as autoras atuam como professoras formadoras e pesquisadoras da EJA, com destaque para o campo da alfabetização de jovens e adultos. As semelhanças estão nas atuações e coordenações de projetos de extensão voltados para o campo da EJA, nos embates que esses projetos encontram dentro da Academia e na perseverança das autoras em levar adiante projetos considerados longevos, quando o mais comum é a terminalidade após dois ou quatro anos de execução. Perseverança como uma opção política de acreditar que a alfabetização de jovens e adultos é um direito e, dessa forma, continuar defendendo os princípios freireanos de propiciar um aprendizado que faça sentido na vida das pessoas.

Insta destacar que esses três artigos buscam evidenciar a articulação entre a extensão, a pesquisa e a especificidade da formação do educador da EJA na universidade. Essa articulação, problematizada nos textos das autoras, tem sido um dos objetivos perseguidos pelas pesquisadoras nas suas trajetórias acadêmicas e, em parte, com retorno bem sucedido ao longo de três décadas. A formação do professor alfabetizador de EJA e a especificidade necessária a essa formação, ainda pouco valorizada também nas pesquisas acadêmicas, como aponta o artigo de Rocha e Goulart, tem sido uma defesa para a continuidade desses projetos de extensão.

Neste dossiê, são, ainda, tematizadas e discutidas as políticas públicas, as histórias de vida e identidade da EJA sob o ponto de vista de pesquisadores de dois países: Brasil e Portugal. No primeiro deles, Oliveira e Amaral partem da legislação portuguesa e brasileira para analisar a história das políticas de democratização da Educação de Adultos nos dois países, história essa analisada sob o ponto de vista da inserção desse público no ensino superior. Atualmente, de acordo com os estudos e as investigações no campo da EJA, torna-se imprescindível inserir o segmento da EJA no Ensino Superior, não só por ser o aluno um trabalhador, e sim pelas suas histórias marcadas por rupturas e descontinuidades no processo de escolarização. Oliveira e Amaral também rememoram as histórias de vidas desses alunos e trazem pontos comuns entre os dois países. A distância geográfica entre Brasil e Portugal torna-se inexpressiva com as semelhanças entre os alunos da EJA de lá e de cá do Atlântico.

As autoras Vieira, Moio e Lima também trazem suas reflexões a respeito da entrada tardia dos alunos de EJA no ensino superior. Sob o título Histórias de ingresso de jovens maiores de 23 anos no ensino superior em Portugal, as autoras apresentam a história da educação de adultos em Portugal, do século XVI à educação de jovens e adultos durante e após a Revolução de 1974. Na sequência, as autoras refletem sobre a inserção dos adultos no ensino superior, tema que já vem sendo debatido no meio acadêmico português. Diferentemente do que ocorre entre nós, brasileiros, esse é um tema ainda pouco explorado, ou mais adequado dizer, não enfrentado por nós, pesquisadores e acadêmicos.

São muitas as perguntas que carecem de respostas e pesquisas. Esses alunos oriundos da EJA, quem são eles? Quais os cursos escolhidos por eles? Ou serão os cursos que escolhem seus alunos? Essas são temáticas que ainda precisam ser investigadas. O acesso democrático desse público à universidade tem garantido a esses alunos o desejo de cursar o que realmente querem? Esses artigos nos incitam a entrar nessa vereda.

No último artigo do dossiê, de autoria de Machado e Barros, cujo título é Aspectos da construção histórica da identidade da EJA no Brasil e em Portugal: enfoque na agenda política e suas práticas discursivas, as autoras tematizam os três campos da EJA: o campo das práticas educativas, o das práticas de investigação e o das práticas discursivas, priorizando a análise deste último. Apresentam-nos a história da EJA em Portugal e no Brasil, a partir da análise da legislação, focalizando nas práticas discursivas inerentes à agenda política. Analisam, a partir dos discursos legais, o processo de democratização da EJA nos dois países, apontando as semelhanças e as diferenças.

Há que ressaltar que esses artigos foram produzidos em um contexto brasileiro diferente do que estamos vivenciando hoje, após a posse do presidente Jair Bolsonaro. Foram produzidos antes da extinção da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), secretaria responsável pelas ações da EJA. E no dia 11 de abril de 2019, foi lançado, em um documento de 56 páginas, a “Política Nacional de Alfabetização (PNA)”, instituída pelo Decreto nº 9.765. Nesse documento, a parte que diz especificamente sobre a alfabetização de jovens e adultos fica restrita a seis parágrafos.

Portanto, os artigos deste dossiê refletem uma análise em que apontamos os desafios, ao lado dos avanços, da longevidade dos projetos de extensão, da articulação entre ensino, pesquisa e extensão e, mais do que isso, da esperança que nos leva a acreditar que a história da Educação de Jovens e Adultos não pode ter um retrocesso, tal como vivenciado em 1964 e, posteriormente, com o fracasso do Mobral.

Aos leitores, este dossiê é um convite para pensarmos e analisarmos a história da Educação de Jovens e Adultos, em interface com a história da Universidade – do ensino, da extensão e da pesquisa –, e sabermos onde poderemos fazer a diferença frente aos próximos anos. Continuemos firmes com Paulo Freire, acreditando que precisamos esperançar. Façamos desse verbo o nosso lema para a EJA.

Notas

1 Cf. Calçade, 2018.

2 Definição do INAF para alfabetismo: “é a capacidade de compreender e utilizar a informação escrita e refletir sobre ela, um contínuo que abrange desde o simples reconhecimento de elementos da linguagem escrita e dos números até operações cognitivas mais complexas, que envolvem a integração de informações textuais e dessas com os conhecimentos e as visões de mundo.” (AÇÃO EDUCATIVA; INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2018, p. 4).

3 Cf. Ação Educativa; Instituto Paulo Montenegro, 2018.

Referências

AÇÃO EDUCATIVA; INSTITUTO PAULO MONTENEGRO. Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) Brasil 2018: resultados preliminares. São Paulo: Ação Educativa; IPM, 2018. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2019. https: / / doi.org / 10.31368 / 1980-6221r00382018

CALÇADE, Paula. As taxas de analfabetismo ainda são altas no Brasil? 2018. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2019. https: / / doi.org / 10.17771 / pucrio.acad.11041

Sônia Maria dos Santos – Universidade Federal de Uberlândia (Brasil) https: / / orcid.org / 0000-0002-7217-1576 http: / / lattes.cnpq.br / 9281057859793276 E-mail: soniaufu@gmail.com

Francisca Izabel Pereira Maciel – Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil) https: / / orcid.org / 0000-0003-4751-2890 http: / / lattes.cnpq.br / 0925119698225692 E-mail: emaildafrancisca@gmail.com


SANTOS, Sônia Maria dos; MACIEL, Francisca Izabel Pereira. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 19, n.1, jan. / abr., 2020. Acessar publicação original [DR]

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História do Direito | UFPR/IBHD | 2020

HISTORIA DO DIREITO meio ambiente patrimônio e museu

A Revista História do Direito – Revista do Instituto Brasileiro de História do Direito (Curitiba, 2020), publicada pela Universidade Federal do Paraná em conjunto com o Instituto Brasileiro de História do Direito, é um periódico científico semestral destinado à publicação de textos de excelência na área de História do Direito e ao aprofundamento do diálogo com áreas afins.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2675-9284

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Quem governa o mundo? | Noam Chomsky

Noam Chomsky, nascido em 1928, na Filadélfia, é linguista, filósofo, cientista, comentador e ativista político. Doutor pela Universidade de Harvard e professor emérito em Linguística pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, se destaca pelo ativismo contra a guerra do Vietnã, como se pode constatar em uma outra obra chamada “O poder americano e os novos mandarins”, publicada no ano de 1969, a qual avalia a intervenção norte americana na Ásia.

Conhecido desde a década de 1960 por frequentar o debate acadêmico sobre temas políticos, possui forte teor crítico em relação às políticas dos Estados Unidos da América, país dito como principal impositor no discurso global. Autor da Teoria Central da Linguística que diz que os humanos possuem uma capacidade inata de linguagem embutida no cérebro, o autor mostra apreço pela comunicação. Também se destaca como “o maior intelectual da esfera pública” segundo a Observer e de acordo com o New Statesman “quem quer conhecer melhor nosso mundo tem de ler Noam Chomsky”. Leia Mais

Educación para el siglo XXI. El desafío latinoamericano | Mario Waissbluth

Mario Waissbluth escoge un texto de Andrés Bello, escrito en 1836, para abrir su ensayo. Este epígrafe es interesante, ya que evidencia la coexistencia de dos modelos educativos: uno pensado para instruir a las clases menesterosas, y otro diseñado para educar a los sectores acomodados. Según la dialéctica que expone Bello, las escuelas que instruyen a las clases trabajadoras no debiesen ofrecer mayores proyecciones a sus estudiantes, pues una mejor preparación podría alejar a estos muchachos del trabajo productivo; a su vez, las clases acomodadas, cuyas profesiones requieren una instrucción más exigente, habrán de educarse en colegios que fueron diseñados para formar a las elites (Waissbluth, p.11).

El texto de Andrés Bello contextualiza la problemática que aborda Mario Waissbluth en Educación para el siglo XXI. El desafío latinoamericano [1] (2018). Este ensayo, de lectura amena y sencilla, analiza los niveles de exclusión y segregación educativa existentes en América latina, dificultades que impiden a los sistemas educativos de estos países enfrentar los desafíos del mundo globalizado. Leia Mais

El seguro social: evolución histórica, crisis y perspectivas de reforma | Miguel Ángel González Block

El libro de Miguel Ángel González Block (2018) es un estudio crítico y propositivo, con un sólido sustento teórico e histórico, que analiza con detenimiento las múltiples causas de las problemáticas, rezagos, desigualdad y desafíos a los que se enfrenta la seguridad social en México. Para realizar lo anterior, el libro está organizado a partir de una serie de preguntas clave, entre las que destacan las siguientes: el seguro social ¿fue una conquista de los trabajadores? ¿Se trató de una respuesta a las necesidades de desarrollo? ¿Se puede realmente hablar de seguridad social? ¿Proporciona protección de la cuna a la tumba? ¿Tiene un gasto eficiente? ¿Finanzas sanas? ¿Es equitativo? Las respuestas a esas y a otras interrogantes son en todos los casos negativas y se sustentan en un detallado y riguroso análisis de los orígenes, retos, desafíos y problemas políticos, económicos e institucionales que formaron y que forman parte de la seguridad social en el país. Además, González Block enuncia una serie de posibles reformas para evitar que la seguridad social continúe perpetuando una protección social crecientemente estratificada, fragmentada e ineficaz. Leia Mais

Didática reconstrutivista da história | Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt

O livro Didática Reconstrutivista da História da professora e historiadora Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, publicado em 2020 pela Editora CRV, sediada em Curitiba, é o que existe de mais recente como reflexão teórica e metodológica para o campo da Didática da História no país. A autora percorre o caminho realizado pela influência do pensamento intelectual alemão, da mesma maneira que ressalta o influxo das reflexões realizadas no contexto da linha de investigação da Educação Histórica ibérica (portuguesa) e anglo-saxônica, da qual faz parte, sendo a principal referência dessa área em solo brasileiro.

Maria Auxiliadora Schmidt, carinhosamente conhecida como “Dolinha” por seus pares, possui uma longa trajetória na educação brasileira, que começou no final dos anos de 1970. Foi professora da educação básica por vários anos na cidade de Curitiba, apropriadamente do Ensino Fundamental II, o que a possibilitou conhecer a realidade do ensino na escola pública no Brasil. Como docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR), atuou na formação de professores e pesquisadores das áreas de História e Educação e colaborou, e até o momento colabora, com instituições acadêmicas brasileiras, europeias e ibero-americanas. Atualmente, a pesquisadora é professora titular aposentada e está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e ao Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH) da UFPR, tendo sido a fundadora deste. Leia Mais

Sur y Tiempo | UV | 2020

Sur y Tiempo meio ambiente patrimônio e museu

Sur y Tiempo. Revista de Historia de América  (Valparaíso, 2020-) una publicación del Instituto de Historia y Ciencias Sociales de la Universidad de Valparaíso que tiene como objetivo impulsar corrientes disciplinarias innovadoras y de calidad en permanente diálogo con el campo historiográfico nacional e internacional.

Sur y Tiempo es una revista dedicada a la historia, en cualquiera de sus áreas, y a todas las investigaciones que impliquen una perspectiva histórico-temporal. Por lo mismo, se abre al diálogo interdisciplinario y a contribuciones provenientes de las ciencias sociales. Aunque brinda espacio a todas las épocas y las regiones geográficas, privilegia aquellos artículos abocados a problemáticas latinoamericanas. Pretende divulgar también el conocimiento del patrimonio histórico de Valparaíso. Está dirigida a la comunidad científica nacional e internacional y a todo público interesado.

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¡Cuotas No! El movimiento estudiantil de 1999-2000 en la UNAM | Marcela Meneses Reyes

Los libros a veces comienzan por sus epígrafes y el trabajo de Marcela Meneses Reyes sobre la huelga estudiantil mexicana de 1999-2000, la más extensa en la historia de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), no es la excepción. La necesidad de caminar hacia atrás para escapar al olvido que exalta el poeta maya-guatemalteco Humberto Ak’abal en el comienzo del estudio manifiesta muy bien sus intenciones. Aunque el objetivo de Meneses no sólo es recordar un movimiento del que fue protagonista en sus tiempos de estudiante, sino entender las razones de un conflicto que convulsionó por casi diez meses a la UNAM y al país entero. Desde abril de 1999 cuando el Consejo General de Huelga (CGH) tomó las instalaciones de la universidad en protesta por el aumento de las cuotas de inscripción; hasta febrero del año siguiente con la violación de la autonomía universitaria por la Policía Federal Preventiva y el encarcelamiento de cientos de manifestantes. La hoy académica de la UNAM elige eludir la versión testimonial y desde herramientas teóricas del marxismo y la sociología histórica brinda un análisis profundo de la huelga y de los diversos actores involucrados. De esta manera, escapa a las miradas condenatorias de un movimiento que sigue generando incomodidades, como lo atestigua su exclusión de los actos conmemorativos por los 100 años de la UNAM que organizó la rectoría en 2010. Leia Mais

Educación para el Siglo XXI. El desafío latino-american | Mario Waissbluth

El libro Educación para el Siglo XXI. El desafío latinoamericano fue escrito por Mario Waissbluth y publicado a mediados de 2018 por el Fondo de Cultura Económica. Debido a que desde la creación de Fundación 2020 el autor se ha posicionado como una de las voces más influyentes en la discusión sobre políticas educativas en Chile, la lectura de este texto resulta imprescindible para quienes estén interesados en aportar al debate educativo y contribuir a mejorar la calidad y la equidad de la educación en Latinoamérica.

En el capítulo I, el autor advierte que las decisiones que se tomen hoy en materia de política pública educativa impactarán a lo largo del siglo XXII, lo cual requiere enfrentar con urgencia los deficientes desempeños educativos que presentan los niños, jóvenes y adultos de la Región. En reiteradas oportunidades el relato recuerda que, pese a los avances en cobertura, los estudiantes y adultos no comprenden lo que leen ni pueden realizar operaciones aritméticas sencillas. Leia Mais

O tecido do tempo: o patrimônio cultural no Brasil e a academia Sphan. A relação entre o modernismo e o barroco | Mariza Veloso

A contribuição de Mariza Veloso em seu livro O tecido do tempo – o patrimônio cultural no Brasil e a academia Sphan. A relação entre o modernismo e o barroco é relevante principalmente no entendimento de uma visão acerca do surgimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, instituição federal responsável pelo tombamento em nível nacional, com foco nas relações pessoais entre seus idealizadores que tiveram como resultado práticas de preservação no Brasil. A autora é cientista social com doutorado em antropologia, além de docente na Universidade de Brasília. A expressão Academia Sphan cunhada pela autora, de acordo com Maria Cecília Londres Fonseca (1), é adequada para caracterizar a função que o Sphan também exerceu no campo da produção do conhecimento sobre história do Brasil.

A pesquisa é resultado de sua tese de doutorado de 1992 e foi publicado em 2018 como livro. O livro é caracterizado por uma visão antropológica da criação do Sphan, pois leva em consideração, além da conjuntura política e social da época – década de 1930 –, o grupo de intelectuais que se envolveu efetivamente no projeto, especificamente sua visão sobre o que deveria ser reconhecido como patrimônio e por quais motivos. Leia Mais

De Atauhalpa a Guevara: nossos ilustres desconhecidos | Marcos Antônio Caixeta Rassi

O professor Marcos Antônio Caixeta Rassi é graduado em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Patos de Minas (1982), graduado em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Patos de Minas (1991) e mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (2006).

Em “De Atahualpa a Guevara: nossos ilustres desconhecidos”, o Prof. Me. Marcos Antônio Caixeta Rassi problematiza o ensino da História da América no Brasil, partindo do pressuposto de que a América (“rico, múltiplo e complexo mosaico cultural” segundo suas próprias palavras) é um lugar onde nós ainda não produzimos uma cultura de pertencimento, sendo importante romper com o silêncio e o desconhecimento da História da América em nosso país, olhando para o passado latino-americano como um meio de nos encontrarmos. Leia Mais

Moçambique na globalização: oportunidades, riscos e desafios | AbeÁfrica – Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos | 2019

O dossiê intitulado Moçambique na globalização: oportunidades, riscos e desafios, publicado neste número da Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos, é fruto de uma cooperação internacional e interinstitucional que vem sendo construída entre o Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Escola Doutoral em Geografia da Universidade Pedagógica (UP) de Maputo no âmbito do Grupo de Estudos Espaços e Sociedades na África SubsaarianaGeoÁfrica.

Propomos aos leitores da revista uma série de artigos assinados por pesquisadores moçambicanos e brasileiros que analisam mutações experimentadas pela sociedade, pela economia e pelo território de Moçambique nas últimas três décadas. O recorte espacial corresponde grosso modo ao período iniciando-se com o fim da guerra civil (1992) que deu o pontapé à reconstrução do país e a reinserção da economia nacional nos circuitos da globalização. Se, por um lado, a “emergência” moçambicana, definida com base num crescimento sustentado do P.I.B., significou novas oportunidades para alguns setores econômicos, grupos sociais e regiões do país, a natureza do modelo de desenvolvimento arquitetado pelas autoridades em colaboração com agências internacionais, assistimos, por outro lado, a um acirramento das contradições estruturais próprias aos regimes rentistas e a um aumento do grau de vulnerabilidade frente à crises conjunturais. Essas dinâmicas conflitantes levantam, portanto, desafios econômicos, sociais, ambientais e políticos extremamente complexos para a sociedade moçambicana. Leia Mais

Gênero e Desigualdades: os limites da democracia no Brasil | Flávia Biroli

Como garantir a maior participação política (nas diferentes esferas) das minorias? De que maneira é possível superar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres (como limitação temporal, causada pelo acúmulo de responsabilidades do trabalho doméstico, cuidado e maternidade) para um maior envolvimento político? Que direitos ainda são negados às mulheres e às pessoas LGBTQI+ pela democracia 1 brasileira? Como os feminismos têm contribuído para uma sociedade mais igualitária no que tange aos direitos e à participação política? Quais foram os avanços, os limites e as desigualdades ao longo das últimas décadas no Brasil? Essas e muitas outras questões foram respondidas por Flávia Biroli no livro Gênero e Desigualdades: os limites da democracia no Brasil, publicado no ano de 2018, no qual enfatiza, como anunciado no título, as limitações, as desigualdades e as relações de gênero presentes na democracia brasileira, a partir de uma análise que entrelaça local/global e as diferentes teorias feministas.

Flávia Milena Biroli Tokarski é formada em Comunicação Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (UNESP), e possui mestrado e doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Ao longo de seus anos de pesquisadora e professora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), tem se dedicado às temáticas da democracia, política, estudos de gênero e teoria feminista, sobretudo, com enfoque nas áreas de mídia e política. Suas principais publicações, além do livro resenhado aqui, são: Caleidoscópio convexo: mulheres, política e mídia (2011, publicado com Luis Felipe Miguel), Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática (2013), Família: novos conceitos (2014) e Feminismo e Política (2014, também com Luis Felipe Miguel). Leia Mais

As “novas” políticas sociais brasileiras na saúde e na assistência: uma produção local do serviço e das relações de gênero | Isabel Georges e Yumi Garcia dos Santos

O livro apresenta uma análise teórica, histórica e social sobre o lugar central ocupado pelas mulheres nas políticas públicas voltadas para o controle dos pobres em regimes liberais ou progressistas. Baseia-se em extenso material coletado pelas autoras em suas pesquisas individuais e em conjunto, realizadas na zona leste da cidade de São Paulo ao longo das primeiras décadas do século XXI. O trabalho envolve observação em organizações sociais (OS) e nos serviços por elas oferecidos em parceria com o Estado, e entrevistas com gestoras, agentes de saúde e usuárias dos programas.

A primeira parte da obra recupera o histórico de desenvolvimento, em níveis internacional, nacional e local, de uma “gestão sexuada” da pobreza que orienta a elaboração de políticas públicas para determinada parcela da sociedade. As autoras se debruçaram sobre a construção da ideia de proteção social desde o século XVIII e seu trânsito entre a caridade, a filantropia e o mercado. A figura feminina emerge como a mediadora na concretização dos objetivos do Estado, na gestão da população pobre. A partir da figura moral da mãe-mulher com cuidadora “natural”, responsável pelo bem-estar da família, as políticas de proteção social familistas do século XX mostram-se herdeiras dessa caracterização. Seja em contextos liberais, neoliberais “humanizados” ou progressistas, a família constitui-se como categoria consensual, e a mulher como responsável por sua saúde. Leia Mais

Cuando la enfermedad se silencia: sida y toxicidad en el oriente boliviano | Susana Ramirez Hita

Este nuevo estudio de Ramírez Hita (2016) presenta un doble interés para la antropología médica. Por un lado, el valor académico del trabajo con material de campo y fuentes secundarias. Por el otro, el interés de salud pública de problematizar la toxicidad y la relación con el padecimiento del sida.

El estudio, producto de dos consultorías que Ramírez Hita realizó sobre el sida en Bolivia entre 2009 a 2011 y del 2013 al 2015, fue editado en el 2016 y consta de dos partes. La primera sobre la construcción del concepto del sida y la segunda, sobre las condiciones de los servicios de salud y de las personas viviendo con sida. Leia Mais

Magnífica e Miserável: Angola desde a guerra civil | Ricardo Soares Oliveira

Magnifica e Miserável: Angola desde a guerra civil é um livro de autoria do investigador português Ricardo Soares de Oliveira, publicado originalmente em língua inglesa (Magnificent and Beggar Land: Angola since the civil war) e seis meses mais tarde dado à estampa pela editora portuguesa Tinta-da-China. A publicação desse livro provocou em certo entusiasmo incontido em alguns meios jornalísticos e acadêmicos em Portugal e o Reino Unido, que se manifestaram nos comentários qualificativos sobre o autor e a obra constantes na contracapa da versão inglesa, assim como da versão portuguesa tais como: “lúcido, brilhante” e “fascinante, provocativo”, por um lado, “profundo conhecedor da política do petróleo em Angola” e “melhor estudo sobre Angola em inglês”, por outro. Salvo engano, o livro mereceu algumas de resenhas críticas à versão inglesa1 que ampliam e levantaram a discussão sem que a mesma fosse sentida no meio acadêmico angolano e de língua portuguesa.

Magnífica e Miserável apresenta-nos uma capa que ilustra o pôr do sol da costa de Luanda e os escombros do mausoléu, obra quase abandonada, infraestrutura imponente à soviética onde repousa os restos mortais do primeiro presidente de Angola independente, António Agostinho Neto. Esta ilustração sinaliza o que entendemos ser o início da representação caricatural, – da magnificência – que se pode encontrar reforçada no texto. Leia Mais

Crítica da razão negra | Achille Mbembe

Tomemos de empréstimo ao texto de Achille Mbembe uma passagem que nos servirá de ponto de partida para este comentário sobre sua obra Crítica da razão negra, recém-publicada no Brasil:

Há nomes que carregamos como um insulto permanente e outros que carregamos por hábito. O nome “negro” deriva de ambos. Por fim, mesmo que determinados nomes possam ser lisonjeiros, o nome “negro” foi, desde sempre, uma forma de coisificação e de degradação. Seu poder era extraído da capacidade de sufocar e estrangular, de amputar e de castrar. Aconteceu com esse nome o mesmo que com a morte. Uma íntima relação sempre vinculou o nome “negro” à morte, ao assassinato e ao sepultamento.1 Leia Mais

Tempos conservadores. Estudos críticos sobre as direitas. Volume 2: Direitas no Cone Sul. | Rodrigo Jurecê Mattos Gonçalves

El libro es la segunda entrega del equipo de trabajo también denominado Tiempos conservadores, conformado principalmente por investigadores brasileños.1 Los integrantes comparten una militancia marxista lo que los llevó a emprender un trabajo conjunto a partir de los años 2015 y 2016 para analizar críticamente el ascenso de las derechas brasileñas y latinoamericanas. Los compiladores identifican un auge de lo que denominan “ola conservadora”, con acontecimientos como la destitución de Dilma Rousseff, el encarcelamiento de “Lula” Da Silva y el aumento de la popularidad y aceptación entre los electores de Jair Bolsonaro, quien finalmente llegaría a la presidencia en el año 2018.

Enmarcado en el crecimiento del campo historiográfico sobre las derechas en América Latina, el segundo volumen de Tempos conservadores nace en buena medida de la preocupación por emprender un estudio crítico de las derechas, sus instituciones, proyectos, intelectuales y conexiones que permitieron su ascenso y, según declaran los compiladores, del peligro que representan como destructoras de los derechos de los trabajadores. En este tomo, se sumó la participación de investigadores de Argentina y Uruguay, cuyos aportes resultan fundamentales para mirar el fenómeno a escala regional. Si bien, el libro propone recorrer el siglo XX y la primera década del XXI para identificar a sujetos o grupos vinculados a las derechas, las investigaciones presentadas se concentran en la segunda mitad del siglo pasado. El libro se compone de ocho artículos, los cuales propongo leer a partir de tres ejes temáticos que pueden brindar al lector una guía sobre qué o quiénes son las derechas para los editores. Leia Mais

El estado de la ciencia: principales indicadores de ciencia y tecnología iberoamericanas/ interamericanas 2017 | Red de Indicadores de Ciencia y Tecnología – Iberoamericana e Interamericana

No ano em que completou 22 anos de trabalho, a Red de Indicadores de Ciencia y Tecnología – Iberoamericana e Interamericana (Ricyt) publicou a edição de 2017 de El estado de la ciencia . Editado em espanhol, o relatório é publicado anualmente desde 2000 e representa o esforço conjunto dos países em compilar e sistematizar os dados da ciência e tecnologia (C&T) da região. Inclui indicadores comparativos de investimentos, recursos humanos, publicações e patentes, além de estudos sobre a ciência regional. Publicado em formato eletrônico, está disponível para acesso livre em: <www.ricyt.org/publicaciones>.

A edição de 2017 reúne informações estatísticas de 2006 a 2015 e estudos sobre a situação atual e tendências da ciência, tecnologia e inovação na Ibero-América. Os indicadores são apresentados no primeiro capítulo, “O estado da ciência em imagens”, já tradicional no relatório. Elaborados com base em dados de organismos nacionais, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Instituto de Estatísticas da Unesco, os indicadores revelam as dinâmicas da C&T na região em relação ao contexto global. Compreendem dados econômicos, de investimentos e recursos humanos, além de contagens da produção científica dos países. Leia Mais

Visões e discursos sobre o “estar doente”: os papéis sociais estabelecidos pelas instituições de saúde, no século XX e início do XXI / Albuquerque: Revista de História / 2019

A alteridade como patologia: os discursos médicos e seus usos políticos

O dossiê Visões e discursos sobre o “estar doente”: os papéis sociais estabelecidos pelas instituições de saúde, no século XX e início do XXI chega aos leitores, num momento em que vivemos uma pandemia que já causou milhares de mortes e que tem agravado, não só uma crise econômica mundial, mas também, a desigualdade social em diversos países, inclusive no Brasil. O isolamento social, medida preventiva adotada, traz consigo uma série de questões sobre a desigualdade social que, há muito, vem sendo silenciadas e negligenciadas. Ações simples, que são verbalizadas e repetidas (quase) como palavras de ordem nos diversos veículos de comunicação e redes sociais, #LaveAsMãos e #FiqueEmCasa, revelam que aspectos básicos, como a moradia e o acesso à rede de saneamento básico, ainda são um privilégio a que muitos não têm acesso. Em que pese a relevância das discussões que podem surgir desse evento e seus desdobramentos, é importante salientar sua importância para compreender melhor a sociedade em que vivemos e os debates aqui propostos.

Ao investigar histórica e historiograficamente as relações de poder que perpassam o adoecer e o curar, não se pode deixar de pensar qual é o papel social da Medicina, seja no início do século passado ou deste, com suas transformações e permanências. De outra parte, cabe também a pergunta: como o Estado lidou (e tem lidado) com as diversas demandas da área da saúde pública? Embora a comunidade médica tenha feito parte de um projeto civilizador para o Brasil – tornando patológicos comportamentos socialmente “indesejáveis” – baseado em mecanismos de normatização e disciplinarização dos indivíduos, nem sempre houve as condições necessárias para combater e debelar as epidemias. Quanto às instituições responsáveis por implementar as medidas profiláticas, o improviso foi, muitas vezes, o único recurso disponível para lidar com o despreparo das equipes auxiliares, a escassez de recursos, mas também com os “alienados”, os doentes e os mais pobres. O que não quer dizer, que a população não protestasse contra as medidas implementadas, muitas vezes, de forma impositiva e violenta, como no caso (emblemático) da Revolta da Vacina, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1904.

Nota-se, então, como o discurso médico e das instituições sanitárias e de saúde foi empregado em diversas ocasiões (e epidemias), pelo Estado, para justificar o controle sobre os indivíduos. Roberto Machado, ao publicar A Danação da Norma, constrói uma trajetória das políticas de saúde no Brasil e pontua que é no século XIX que o saber médico investiu sobre as cidades e as dinâmicas sociais ali presentes. O século XX representa, por sua vez, o momento em que o saber médico institucionalizado, com o aval do Estado, passa a alcançar diversos espaços sociais, dialogando com discursos provenientes de outras áreas do conhecimento, tais como a Educação, a Engenharia, a Arquitetura, o campo do Direito, por exemplo. Com isso, os discursos sobre o estar doente ganharam sentidos políticos que auxiliaram na elaboração e execução desses projetos. Também ajudaram a transformar o saber médico e consolidar sua relevância em diversos grupos sociais.

Nas primeiras décadas do século XX, por exemplo, o Estado autoritário brasileiro, alicerçado em uma política coronelística, utilizou a medicina para estabelecer uma divisão social entre os que, teoricamente, conseguiam compreender as políticas de saúde e os que não teriam condições para isso. Os elementos que sustentaram esse discurso médico-político, que culminou em projetos sanitaristas violentos, foram baseados na Antropologia Criminal de Cesare Lombroso, que auxiliou na consolidação dos discursos racistas durante a primeira metade do século. Com base em suas teorias, foi possível judicializar uma série de grupos que, não por acaso, eram formados por negros e mestiços, justificando assim, um projeto de branqueamento da população (muito mais mestiça e negra do que com traços europeus) que estava em curso desde o final do século XIX. Houve, também, uma brutal medicalização dos indivíduos fora dos padrões de normalidade pretendidos, bem como dos espaços frequentados por eles.

Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, as relações entre as ciências e o discurso político se estreitam, ganhando uma nova dimensão com a Marcha para o Oeste. O projeto político de “civilizar” o sertão teve como intuito a mudança cultural de diversos indivíduos, legitimado por discursos excludentes por parte do Estado. No entanto, havia outras ações previstas dentro dessa agenda política. É neste contexto que se inserem as discussões apresentadas por Diego Moraes, no artigo O discurso eugenista como instrumento político na transição das Repúblicas: a institucionalização do “Perigo Amarelo” no âmbito da Constituinte de 1934. O autor discute como, naquele momento, houve não somente a medicalização da diferença, mas também o uso do discurso médico e científico como argumento jurídico para desqualificar imigrantes asiáticos. Alcir Lenharo, em A Sacralização da Política, reforça a existência dessa mentalidade ao afirmar que medicina, engenharia e educação foram as bases do processo político varguista. Ao longo de quinze anos de um governo autoritário, foi possível trazer à luz projetos de sanitarização que funcionaram muito mais como controle do que benefício para as populações.

Nos anos 50, tendo em vista o segundo governo de Getúlio Vargas e seu projeto de modernidade para o país, houve a continuidade do discurso baseado na necessidade de uma pátria saudável para alcançar o progresso tão desejado. Para tanto, era preciso unir a nação por meio de uma sociedade com saúde, disciplinada ou medicalizada. Parte desse debate está presente no artigo O desenvolvimento das Instituições Psiquiátricas no Rio Grande do Sul até 1950 – O que sabemos pelas pesquisas historiográficas, no qual Lisiane Ribas Cruz situa o estado da arte sobre o tema naquele período. Trata-se de uma contribuição relevante, uma vez que articula esse projeto nacional e seus mecanismos, ao contexto regional.

Na década de 1960, durante o regime militar, surgiram novas discussões sobre o papel dos profissionais de saúde, sinalizando algumas mudanças. No entanto, a invisibilidade social que algumas doenças provocavam, como no caso da tuberculose ou da lepra (cujo nome fora mudado para hanseníase, na década de 1960, por causa do estigma ligado a ela) e, mais recentemente, da AIDS, indicam algumas permanências. Um exemplo disso são as discussões em torno do isolamento de soropositivos, nos anos 80; os inúmeros hospitais psiquiátricos que recolheram milhares de pessoas, mesmo que em graus menos severos, escondendo-os da sociedade. Neste grupo, também se enquadram as relações entre crime, violência e loucura, em uma sociedade violenta e que precisa lidar com sujeitos duplamente marginalizados: são infratores e loucos. Essas reflexões estão presentes no artigo Condenados da Margem: Luta Antimanicomial e o Louco Infrator em Goiás, de Éder Mendes de Paula.

Em Os povos alto-xinguanos e o modelo assistencial em saúde operacionalizado em contextos de intermedicalidade: encontros de saberes, negociações e conflitos, Reginaldo Silva de Araújo apresenta novos elementos, ampliando essa discussão, do ponto de vista temático. Ao mesmo tempo, atualiza sua temporalidade: os anos 2000. Do ponto de vista metodológico, o artigo evidencia as aproximações entre as ciências humanas e o fazer historiográfico, de modo a contribuir para o enriquecimento das reflexões propostas neste dossiê. Além das questões ligadas à posse de terras, que tem resultado em conflitos violentos e genocidas, as comunidades indígenas sofrem com a falta de médicos, recursos físicos e de equipamentos para assistência médica. Principalmente, com a falta de preparo das equipes para lidar com as especificidades culturais dessas comunidades.

Mais recentemente, também tem sido discutida a eficácia do isolamento compulsório para usuários de drogas ilícitas, mas também de pessoas cujos comportamentos são socialmente “indesejáveis” e que, por isso, também são considerados patológicos. Assim, ainda hoje, buscase homogeneizar (por meio de um mecanismo que é perpassado pelo discurso médico, jurídico, geopolítico, entre outros), uma população que é, por princípio, constituída por comunidades tão diversas em suas características, sociabilidades, sistema de crenças e práticas. Em tempos de pandemia, de divulgação em massa de informações falsas e da reiterada desvalorização do conhecimento científico, inclusive das recomendações da Organização Mundial de Saúde, corre-se o risco de pensar que a história se repete, o que, sabemos, é uma armadilha. No entanto, cabe a nós observar como esse mecanismo discursivo se manifesta hoje, e qual seu papel dentro do projeto político neste início de século. Boa leitura!

Referências

LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986.

MACHADO, Roberto. A Danação da Norma. Medicina Social e Constituição da Psiquiatria no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1978.

Carla Lisboa Porto (Centro Universitário Sagrado Coração)

Éder Mendes de Paula (Universidade Federal de Jataí)

Organizadores


PORTO, Carla Lisboa; PAULA, Éder Mendes de. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.11, n.22, 2019. Acessar publicação original [DR]

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What Is Sexual History? | J. Weeks

In 1974, when I announced to my faculty adviser that I intended to do a dissertation on some aspect of the history of homosexuality, the decision represented an act of faith on my part. At that point, there was no “gay history,” the phrase I would have then used among my peers. The year before, I had met Jonathan Ned Katz, who, together with me and a few others in New York, founded the Gay Academic Union as an effort to bring researchers of various sorts together to explore how our skills could be used to support the gay liberation movement. Katz had already written a play, Coming Out!, whose script was drawn entirely from documents he had discovered related to the history of homosexuality in the United States. He was continuing to pursue that research, and it would culminate in the massive documentary collection, Gay American History, that he published in 1976.1 Gay American History was a groundbreaking—indeed, revolutionary—piece of work. But, to me, still in the early stages of dissertation research, documents that stretched across 350 years of history on a broad range of topics— law, culture, science, social life, and more—did not necessarily demonstrate the feasibility of writing the kind of tightly knit, focused monograph that a history department expected from a graduate student. Leia Mais

História comparada e sistemas sociais: repensando as ciências sociais no século 21 / Revista de História Comparada / 2019

Há um chiste que diz que a vista mais bonita de Niterói é o Rio de Janeiro. Tem-se aí uma óbvia provocação que enfurece os niteroienses: subentende-se que a cidade, separada do Rio pela Baía de Guanabara, não teria belezas naturais, restando a seus moradores admirar os contornos da cidade vizinha. Os niteroienses respondem ao gracejo dizendo que têm do Rio de Janeiro o que há de melhor, a visão panorâmica, dando a entender que de perto a capital do Estado deixa a desejar. Não é tarefa difícil desmentir a falta de belas paisagens em Niterói e de pormenores bonitos no Rio de Janeiro. Regionalismos à parte, o que ressalta na troca de gentilezas entre cariocas e niteroienses é o ponto de referência adotado na observação. Diante de uma tela monumental, o observador pode aproximar a vista e reconhecer o talento do artista pelos detalhes da pincelada, mas teria dificuldade de ver o conjunto da pintura; de modo contrário, poderia se afastar e ver a tela inteira, mas perderia os detalhes que só a proximidade torna visíveis. Em ambos os casos, há limites para o bom senso: com o nariz quase tocando o quadro, a vista embaçaria e nada seria apreciado, assim como não teria nada a admirar caso estivesse demasiado distante e o quadro monumental se tornasse um ponto perdido no horizonte. Leia Mais

Working the System. A Political Etnography of the New Angola | Jon Schubert

A relação das pessoas comuns, seja um feirante usando transporte público, seja um professor universitário do alto de seu gabinete, com a estrutura de um Estado autoritário – esse é o tema do recente estudo de Jon Schubert “Working the System. A political etnography of the New Angola” sobre a Angola do pós-guerra civil. Procurando mapear a partir de uma pluralidade de sujeitos de diferentes estratos sociais da sociedade luandense a relação com o Estado, corporificado materialmente e simbolicamente no que os informantes chamam de “o sistema”, Schubert procurou tocar em várias questões sensíveis da história recente de Angola para ir além de análises mais generalizantes que se detém aos grandes movimentos da política e da economia da reconstrução do país: a estabilização autoritária da política interna, o crescimento econômico vertiginoso do país por causa do petróleo, a concentração de poder nas mãos do maior partido político, o lado vitorioso da guerra civil, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

Seus questionamentos são em torno de como esse “sistema” funciona no cotidiano das relações sociais, retomando reflexões gramscinianas de como pessoas que estariam excluídas da participação do processo decisório – que estariam às margens do sistema – acionam essa estrutura política de forma criativa e até subversiva, negociando espaços e tencionando o sistema vigente. Como sugere o título em inglês, o termo “working” no gerúndio sugere o estudo do funcionamento cotidiano do sistema assim como do que faz o sistema funcionar, seja estudando os grupos políticos que se consolidam no poder material e discursivamente após o fim da guerra, seja entendendo os termos de negociação da sociedade civil frente a esse regime e suas características. Leia Mais

“Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz”. A Trajetória Esportiva de Duda | Suellen dos Santos Ramos

Ao falar sobre biografias são escassas as obras que abordam as mulheres no meio esportivo, mais raras ainda são aquelas que abordam o futebol de mulheres. No país do futebol as histórias das mulheres futebolistas passam a margem dos grandes salários, dos espaços midiáticos e do grande número de competições disponíveis. No entanto, a grandeza de suas trajetórias é o que fizeram e fazem a construção histórica do futebol de mulheres no Brasil.

A obra de Suellen do Santos Ramos e Silvana Vilodre Goellner intitulada “Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz”. A trajetória esportiva de Duda” focaliza a história da ex-atleta de futebol Eduarda Maranghello Luizelli, um nome de referência do futebol de mulheres no Rio Grande do Sul. Ao narrar a trajetória de Duda a obra contribui para reconstruir a história do futebol praticado pelas mulheres no Sul do Brasil. Leia Mais

A televisão em tempos de convergência | Soraya Ferreira

O livro “A televisão em tempos de convergência”, escrito pela professora Dra. Soraya Ferreira, lançado em 2014, pela editora UFJF, apresenta uma reflexão sobre como a televisão é influenciada pela constante renovação tecnológica em sua dinâmica produtiva. Traz também uma análise da introdução das novas tecnologias e dos processos de comunicação nas emissoras mineiras TV Alterosa, TV Assembleia, TV Integração, e Rede Minas.

O livro é subdividido em capítulos denominados ”A expansão da TV Panorama e as mudanças na linguagem para enfrentar a convergência”; “A convergência nas TVs públicas e comerciais da Zona da Mata Mineira e de Belo Horizonte”; “Mudanças no conteúdo dos portais das TVs nacionais, dos canais abertos e fechados” e “Repetição e reconfigurações estéticas”. Leia Mais

Rap e política. Percepções da vida social brasileira | Roberto Camargos

Originalmente escrita como dissertação de mestrado na Universidade Federal de Uberlândia, Rap e política é resultado de intensa pesquisa, que mereceu mais de um prêmio antes mesmo de ser publicado. Seu autor, Roberto Camargos, é, atualmente, doutorando na Universidade Federal de Uberlândia, a mesma universidade em que fez a graduação e o mestrado. Para a pesquisa que resultou nesta publicação, pesquisou centenas de músicas daquele gênero, gravadas entre 1990 e 2005, num trabalho que demandou muita pesquisa e apuro crítico.

O autor começa discordando das posições críticas que desautorizam o rap como arte, expressão cultural, comportamento etc., afirmando que é necessário Leia Mais

Não é só a torcida organizada: o que os torcedores organizados têm a dizer sobre a violência no futebol? | Marcelo Fadori Soares Palhares e Gisele Maria Schwartz

Introdução

A violência no futebol tem sido um dos principais temas de pesquisas acadêmicas nas áreas das ciências humanas e sociais dos últimos vinte anos no Brasil, sobretudo no que se refere aos confrontos envolvendo torcedores organizados. 5 Alguns trabalhos e autores se tornaram referência nesse tema, por exemplo, a produção de Maurício Murad e Luiz Henrique de Toledo. Na esteira de um tema com grande potencial, Marcelo Palhares e Gisele Schwartz apresentam o livro Não é só a torcida organizada: o que os torcedores organizados têm a dizer sobre a violência no futebol?

Nesta pesquisa, os autores apresentam novas perspectivas acerca do estudo desta relação tensa entre o torcer e a violência, a fim de destacar as motivações destes agentes para tal ocorrência 6. Para isso, Palhares e Schwartz descarregam grande esforço na coleta de informações referentes aos episódios envolvendo violência nos estádios, aplicando uma metodologia embasada em depoimentos retirados de entrevistas envolvendo membros de algumas torcidas organizadas do São Paulo Futebol Clube7 que visa detectar aspectos linguísticos regulares que tipificam a definição de “violência no futebol brasileiro”8. Com efeito, o intuito das entrevistas e das demais ferramentas apresentadas para interpretação das falas dos entrevistados (ricamente aplicada no decorrer do livro) é identificar quais embasamentos e táticas argumentativas estão presentes nas falas dos torcedores para poder, enfim, compreender o que é violência para determinado grupo. Leia Mais

Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos | Ludmila Costhek Abílio

O Brasil é, hoje, o terceiro maior mercado mundial de produtos de higiene pessoal, perfumes e cosméticos. Segundo dados do setor, no ano de 2013, o país ficou atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão e à frente de gigantes como a China. A previsão é que o Brasil ocuparia, até o primeiro semestre de 2016, o segundo lugar no ranking. No Brasil, a campeã de vendas nesse setor é a Natura. A enorme quantidade de pessoas vendendo produtos cosméticos revela o crescimento exponencial desse setor. No mundo são cerca de 95 milhões de vendedoras. O Brasil tem, atualmente, 4,5 milhões. Somente a Natura tinha, em 2007, 400 mil pessoas revendendo seus produtos. Em 2014, já tinha chegado à marca de 1,3 milhões. O sucesso da Natura adveio, principalmente, da adoção, desde 1974, do “Sistema de Vendas Diretas” (SVD). As vendas nesse formato não exigem postos físicos de trabalho; elas ocorrem através de relações interpessoais, com “consultoras” que vão de porta em porta apresentar os catálogos aos clientes. Esse sistema é antigo no Brasil, mas, no último decênio cresceu de modo avassalador. O Brasil ocupa hoje a quarta posição nessa área, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Japão e China. O volume de negócios do setor movimentou mundialmente o montante de US$ 169 bilhões em 2013; no Brasil chegou à marca de R$ 41,6 bilhões. Leia Mais

Euro: e se a Alemanha sair primeiro? | António Goucha Soares

Em sua mais recente obra, António Goucha Soares1, ao longo de seis capítulos, discorre – com linguagem de fácil acesso mesmo aos não iniciados nas discussões de política econômica ou relações do direito internacional – a respeito de temas que tangenciam a História, a Economia e o Direito. Dessa forma torna a narrativa objetiva em seu conteúdo e rica pelas estratégias argumentativas que são empregadas. Com emprego da metodologia da História Social que visa rastrear os agentes e dar nome aos atores protagonistas dos eventos aqui desenrolados, e com o intuito de dar um sentindo humano às ações, não naturalizando os processos, Soares apresenta-se enquanto um fiel defensor da crítica às versões “oficiais” dos acontecimentos históricos. É nesse sentido que se projeta a sua argumentação, visando um deslocamento ou minimamente uma exposição acerca do protagonismo atribuído à Alemanha nos processos de condução à união econômica e monetária à qual os países da Europa Ocidental se submeteram a partir do tratado de Maastricht em 1992. Leia Mais

Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010) | Patrícia R. Silva

Com alguma frequência, ainda em nossos dias, através das mídias: sites, jornais televisionados ou impressos, há menções em torno das disputas sobre o uso do espaço conhecido Manaus Moderna, um local que abrange porto, feiras, lojas das mais diversos artigos, barracas improvisadas de vendedores ambulantes às margens do Rio Negro e suas proximidades, no Centro da cidade de Manaus. O trabalho da professora Patrícia Rodrigues da Silva recentemente publicado, “Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010) [1] ” traz grande contribuição ao desvelar as disputas em torno dos projetos para Manaus desde a década de 1960 até o ano de 2010.

A autora perscrutou o desenvolvimento do “Projeto Manaus Moderna”, que tinha o objetivo de modificar a capital do Amazonas, a partir da efetivação da Zona Franca de Manaus. Silva explica que dentro desse grande projeto de modificação da capital, houve atenção para a adequação do espaço às margens do Rio Negro, com a construção de Avenida Beira Rio – hoje denominada Avenida Lourenço da Silva Braga –, a construção da Feira Coronel Jorge Teixeira conhecida popularmente como a Feira da Manaus Moderna, e passagens de acesso entre a praia e a Avenida. Chama a atenção, pois o Projeto Manaus Moderna se estabelece a partir do caráter higienizador da Prefeitura de Manaus e do Governo do Estado do Amazonas, estes empenhados em dinamizar o transporte de material utilizado no Distrito Industrial que são descarregados na área portuária, e o desenvolvimento do comércio na área central da cidade.

Dentro das projeções do Governo do Estado do Amazonas para a área, as formas como estas adequações vão ganhando expressivas notas – às vezes de maneira ambígua – nos jornais diários da cidade, e nas denúncias e manifestações dos trabalhadores da Manaus Moderna é onde Silva vai delineando os contextos das disputas pelo espaço.

A obra de Silva se insere na concepção da História que, “procura entender o fazer-se dos homens, mulheres, crianças etc., e sua cultura, entendida como todo um modo de vida, ou seja, seus valores, tradições, esperanças, conflitos, perspectivas e práticas sociais [2] ”, como propõe a autora, concepção esta que é inspirada em autores difundidos amplamente durante a década de 1980 nas Universidades brasileiras, como os ingleses Edward Palmer Thompson e Eric Hobsbawm preocupados em uma análise mais profícua em tornos dos sentidos e ações constituídos pelos trabalhadores, ampliando os diálogos das experiências dos sujeitos.

Patrícia Rodrigues da Silva com sensibilidade vai tecendo as análises a partir das narrativas dos trabalhadores da Manaus Moderna, aproximando do administrador da Feira Coronel Jorge Teixeira, professor (ex-camelô), carregadores, lojista, e moradores da região, aí encontra-se uma grande contribuição da autora para a historiografia regional que utiliza as fontes orais como ponto norteador para observar os conflitos, resistências dos trabalhadores mediante a imposição do Projeto Manaus Moderna sem nenhuma consulta pública, impactando a dinâmica do cotidiano de trabalhadores e moradores. A autora por meio das narrativas dos trabalhadores que lhes cederam entrevistas busca compreender os significados desses sujeitos a partir das experiências e memórias, apontando que a busca de significados não se refere a um caráter homogêneo das memórias e experiências construídas pelos sujeitos: “Assim, o sujeito se mostra, ao mesmo tempo, um ser individual e social [3] ”. Dentro dessa compreensão em torno dos significados e experiências dos indivíduos, Silva dialoga com referências importantíssimas das fontes orais e memória como, Alessandro Portelli [4], Michael Pollak [5], Alistair Thomson [6], que carregam em suas obras aspectos de como se forjam as memórias, e como elas estão carregadas de subjetividades, elemento de grande importância para a análise dos historiadores.

As disputas pelas memórias estavam também dentro das Instituições, onde Silva identifica um dos embates entre a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico (SPHAN) que aponta uma série de problemas para a construção da Avenida Beira Rio (Avenida Lourenço da Silva Braga), observando que a mesma traria impactos prejudiciais ao prédio do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, e aos trabalhadores e moradores das proximidades, ponto que o Governo do Estado, como executor do Projeto e a Prefeitura de Manaus elaborador do Projeto não consideraram, pois para estes, as adequações feitas estavam alinhadas com o desenvolvimento urbano e econômico previstos no Projeto. Silva vai mais afundo quando analisa que mesmo que a SPHAN tenha suas justificativas nos embargos feitos à obra, esta deixa a desejar ao buscar o entendimento genérico de Patrimônio, idealizando o histórico a partir das “edificações, o meio físico”, e não inserindo preocupação ao que tange “aos anseios e demandas de moradores e usuários do espaço”. O entendimento de “patrimônio esvaziado” destacada no livro para a SPHAN advém das reflexões que a autora tem a partir da concepção de Nestor García Canclini, no que este chama de tradicionalismo substancialista, onde Canclini critica esta noção de que “patrimônio está constituído por um modo de formas excepcionais, onde não contam as condições de vida e trabalho de quem os produziu [7] ”.

O papel dos jornais no período do Projeto Zona Franca de Manaus é constantemente na obra uma ponta de lança para análise do quanto os jornais como o A Crítica, apoiador do Projeto Zona Franca de Manaus, e de vários projetos que vão se desenvolvendo paralelo às normativas do capitalismo, se atrelando ao discurso do Estado e da elite quanto às modificações da área da Manaus Moderna reforçando o caráter saneador e de desenvolvimento econômico, mesmo que por vezes, aponte os problemas que o projeto vai causando para os trabalhadores e moradores. O Jornal A Crítica em várias notas corrobora os aspectos higienizadores, como atenta Silva para a legenda de uma das fotos do A Crítica, 13 de Agosto de 1980, “consumada a limpeza da escadaria”, em referência a retirada dos comerciantes. O jornal “A Notícia” de circulação diária inaugurado no período da Ditadura Militar expunham em suas páginas a retirada dos moradores da cidade Flutuante, na Escadaria dos Remédios com a seguinte notícia no dia 11 de Agosto de 1980: “Capitania e prefeitura acabam hoje com a “vergonha” da escadaria dos Remédios”.

Destacam-se como referências metodológicas para análises das matérias jornalísticas, as obras da historiadora Heloísa de Faria Cruz, que se direciona a abordar a cultura letrada e o viver urbano, no sentido de que a imprensa é uma “prática social e momento de constituição /instituição dos modos de viver e pensar [8] ” em São Paulo nos fins do século XIX e início do XX. A historiadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro, também é uma grande contribuição para Silva, pois Ugarte coloca a imprensa como possibilidade de aprender “múltiplas dimensões do viver social [9] ”, no Amazonas nos fins do século XIX e início do XX.

Com muito esmero a autora se debruça em analisar as fotografias a partir de referências como Boris Kossoy [10] e Pilippe Dubois [11]. Silva menciona que a fotografia, “sendo uma produção cultural, carrega elementos da subjetividade e requer um trato específico, uma reflexão sobre a natureza e a forma como deve ser tratada dentro do trabalho, como quaisquer fontes que possamos utilizar”. Neste sentido, a obra segue destacando a atenção para as fotografias expostas nos jornais, publicadas na internet, revistas e acervo pessoal de alguns feirantes, e algumas publicadas em livros de memorialistas. Silva denota que as fotografias oriundas da imprensa devem ser “compreendidas como força atuante na configuração e difusão da notícia [12]”, e inspirada em Gisèle Freund [13] – autora que metodologicamente sobre o uso das fotografias dispostas em jornais – aponta que o fotojornalismo funciona a partir de interesses, se convertendo em meio de propaganda e manipulação.

Silva sinaliza que os usos de termos como “limpar” significava o “esvaziamento dos modos de viver e morar naquela espacialidade [14]”. Esses termos eram percebidos pelos entrevistados que apontavam os momentos que foram expulsos os camelôs e feirantes, e as maneiras como eram identificados pelos jornais, autoridades e parte da sociedade manauara como “responsáveis pelas falta de estrutura da feira”, “foco de doenças como a cólera”, articulando um sentido pejorativo para a favela, e “a favela como lugar de não trabalho”. A polícia muitas vezes, como mostra a obra de Silva, vai participar das retiradas de trabalhadores e moradores da área, e novamente, atentos aos modos que são pensados pelas autoridades, tanto os camelôs quanto os feirantes apanhavam da polícia, eram perseguidos e reprimidos com a apreensão de mercadorias – violência que se agravou com a chegada de Arthur Virgílio Neto à Prefeitura de Manaus, em 1989. Em alguns momentos, a “guerra do lugar”, como Silva chama a disputa pela espacialidade se relacionava às demandas dos atacadistas que eram defendidos pelos jornais como grupos importantes ao abastecimento da cidade, sendo defendidos, também, pela Secretaria Municipal de Abastecimentos, Marcados e Feiras – SEMAF [15], que disponibilizava para os atacadistas boxes da feira, quando na verdade, eram destinados aos permissionários, “Lei Municipal n°123, de 25 de novembro de 2004”. As possibilidades encontradas das narrativas dos trabalhadores e moradores da área da Escadaria dos Remédios e da Cidade Flutuante constituíram significados para suas experiências individuais e aquelas que foram compartilhadas socialmente, interpretando as práticas e sentidos que fiscais da feira adotavam com os empresários, compactuando se não com a retirada de uma só vez dos trabalhadores e moradores, aos menos, tinham aprendido a fazer de outras maneiras, como ceder o espaço que daria para três ou quatro permissionários para um empresário. Alessandro Portelli nos direciona à reflexão da importância da subjetividade, da reflexão, e da trajetória que segue a memória do entrevistado,

Pois, não só a filosofia vai implícita nos fatos, mas a motivação para narrar consiste precisamente em expressar o significado da experiência através dos fatos: recordar e contar já é interpretar. A subjetividade, o trabalho através do qual as pessoas constroem e atribuem o significado à própria experiência e à própria identidade, constitui por si mesmo o argumento, o fim mesmo do discurso. Excluir ou exorcizar a subjetividade como se fosse somente uma fastidiosa interferência na objetividade factual do testemunho quer dizer, em última instância, torcer o significado próprio dos fatos narrados [16].

A memória de muitos trabalhadores ficou marcada pela exclusão, pela a perda total ou quase total de suas mercadorias e de seus rendimentos, mesmo depois de deslocados para outras feiras que ficavam em áreas distantes do Centro dificultando que os trabalhadores tivessem contato com os clientes antigos e tivessem vigor em suas vendas. Quando podiam comprar suas mercadorias, e quando podiam contar com outros trabalhadores, os feirantes articulavam o retorno à Manaus Moderna, reivindicando direitos e denunciando as manobras das Secretarias ligadas à Prefeitura para atender as demandas de empresários. Os sujeitos que vivenciaram os momentos de lutas, e tiveram suas barracas/casas destruídas pelo poder público, e depois por um incêndio ocorrido em 1991, nas entrevistas contidas no livro revelam memórias sobre a violência que viveram com a perda do espaço de trabalho, da sobrevivência, e o surgimento de necessidades que começam ou pioram ao enfrentarem o fim de seus modos de vida.

A continuidade do Projeto Manaus Moderna ficou sob responsabilidade, em 1993, do prefeito Amazonino Mendes, que Silva vai identificar como político que desperta admiração de vários trabalhadores, pois oferece boxes da feira Coronel Jorge Teixeira aos feirantes, mas não abrange a todos que foram retirados anteriormente. Ao tempo que alguns dos entrevistados de Silva guardam fotos de Amazonino, ou atribuem ao ato dele chamar os feirantes aos boxes da Manaus Moderna como um ato de solidariedade aos trabalhadores, outros atribuem a ele outro significado, como um político que usa as necessidades alheias para conseguir votos.

As tensões sobre a espacialidade da Manaus Moderna ganham novos contornos, novos sujeitos se estabelecem enquanto trabalhadores, a espacialidade vai entre alguns anos sendo modificada. A obra de Patrícia Rodrigues da Silva nos leva aos mundos de possibilidades de projetos permeados de disputas, e os trabalhadores estão inseridos enquanto construtores de projetos para a área portuária, afinal, suas resistências como permanecerem, voltarem, reivindicarem marcam também o quanto os trabalhadores e moradores não estavam dispostos a serem engolidos por planos alheios às suas expectativas, às suas experiências, as redes de sociabilidades e principalmente às suas memórias.

Notas

1. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010). Manaus: EDUA, 2016.

2. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010), p. 16-17.

3. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010), p. 42.

4. PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Dossiê Tempo, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p. 59-72, 1996. ___________________Forma e significado na história oral: a pesquisa como um experimento de igualdade. Projeto História, São Paulo, Departamento de História da PUC/SP, n. 14, p. 07-24, fev. 1997.

___________________ O momento em minha vida: funções do tempo na história oral. In: KHOURY, Yara Aun et al. Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho D’Água, 2004.

5. POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.

6.  THOMSON, Alistair. Quando a memória é um campo de batalha: envolvimentos pessoais e políticos com o Exército Nacional. Projeto História, São Paulo, Departamento de História da PUC/SP, n 16, 1998.

7. CANCLINI, Nestor García. O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, IPHAN, n.23, p. 95-115, 1994.

8. CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1980-1915. São Paulo: Edusc, 2000.

9. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no Amazonas (1890-1920). 2001. Tese (Doutorado em História) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001.

10. KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia, SP: Ateliê, 2007.

11. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas, SP: Papirus, 1993. (Série Ofício de Arte e Forma).

12. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010), p. 37.

13. FREUND, Gisèle. La fotografia como documento social. Barcelona: Gustavo Gilli, 2008.

14. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010), p. 238.

15. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010), p.277. Esse aspecto, é mencionado por um entrevistado de Silva, no sentido de que o entrevistado ciente da Lei existente não se conforma com as práticas da SEMAF.

16. PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Dossiê Tempo, Rio de Janeiro, v.1, n.2, 1996, p. 60

Rafaela Bastos de Oliveira – Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail: rafaelabastos.lds@hotmail.com


SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010). Manaus: EDUA, 2016. Resenha de: OLIVEIRA, Rafaela Bastos de. Sobrevivendo à Manaus moderna. Canoa do Tempo. Manaus, V. 9, n. 1, p. 166-171, dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

Ensino de História | Kátia Abud, André Silva e Ronaldo Alves

Este livro faz parte de uma coleção intitulada “Ideias em Ação”, cuja coordenadora é autora de uma de suas obras, esta, intitulada Formação Continuada de Professores. Logo, sequências didáticas pormenorizadas são uma das coisas que se encontra a cada um de seus capítulos (dez no total). Fundado, portanto, num princípio organizacional de metodologia aplicada, seu leitor pode tanto aproveitá-las na íntegra, aplicando-as com seus educandos, quanto tomá-las como referencial para elaboração de suas próprias. Sendo aplicada, indica-se como meio de aprimoramento do senso didático de docência em História, haja vista que, tendo cada sequência um objeto diferente, cada uma delas é precedida por uma breve exposição teórica acerca de sua construção como documento e fonte de problematização. Destarte, nele, algo como a literatura ficcional tem seus níveis discursivos, enquanto obra, expostos, assim como suas estruturas estruturantes, enquanto mananciais de visões de mundo, operacionalizadas; procedimento análogo feito também para o uso de fotografias, mapas, músicas, filmes, jornais, artefatos museológicos e objetos de cultura material. Por conseguinte, cada introdução teórica é acompanhada da sequência didática de que é objeto, expostas esquematicamente como se parte de um plano de aula fossem. Alicerçado numa proposta prática de exercício de contextualização, se tivermos como finalidade um ensino pelo qual o sujeito possa aprender a problematizar os objetos do mundo, ao mesmo tempo em que torne-se capaz de os situar no interior de temporalidades distintas, seu leitor, caso docente, pode aprimorar-se como sujeito que reflete sua prática por ser instado, por ele, a especular sobre como problematizar sua ação didática tanto quanto como aprimorar sua intervenção pedagógica. Leia Mais

Negros no Espirito Santo | Cleber Maciel

A Segunda edição da obra de Cleber Maciel, organizada por Osvaldo Martins e Oliveira publicada no ano de 2016, com apoio do Governo do Estado do Espírito Santo por intermédio da Secretaria de Estado da Cultura e Arquivo Público do Estado, traz uma organização diferenciada da primeira, aparentando ter como objetivo apresentar o desenrolar da influência do historiador nas pesquisas e na formação sociopolítica no Estado. Dividido em “Prefácio” e “Posfácio”, nela encontraremos não somente a obra do Professor Cleber como também, em seu posfácio, estão localizados trabalhos de seus intitulados seguidores que por meio do mundo acadêmico aprimoram suas pesquisas e (re)visitam objetos por ele estudados com um olhar contemporâneo sobre o negro.

O Professor Cleber Maciel, como era conhecido dentro do movimento negro, desde a sua graduação na UFES sempre esteve envolvido em movimentos que lutavam pela afirmação da identidade negra, conforme fez questão de ressaltar Sandro José da Silva [1] , e obteve grau de Mestre pela Universidade de Campinas com a dissertação “Discriminações Raciais: negros em Campinas” (1988), sendo esta publicada pela editora da referida Universidade; é autor também da obra “Candomblé e umbanda no Espírito Santo” (1992) obra de referência para pesquisas direcionadas as questões quanto as religiões afrodescendentes. Leia Mais

Outrora | UFRJ | 2017

Revista Outrora UFRJ meio ambiente patrimônio e museu

A Revista Outrora (Rio de Janeiro, 2017-), criada pelos estudantes de História da UFRJ, é um periódico científico com publicação semestral em formato eletrônico, que inclui artigos, resenhas e entrevistas.

Autônoma e independente, a Revista Outrora mantém sobretudo a irreverência estudantil, constituindo-se em um espaço de formação voltado aos estudantes de graduação de História e suas áreas correlatas, objetivando estender a esse segmento a possibilidade de publicação e divulgação de trabalhos acadêmicos entre nós graduandos.

Periodicidade anual.

Acesso livre.

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Experiência social e escrita da história: relações de poder na contemporaneidade/Tempos Históricos/2017

A construção do dossiê traz, nesse momento de inquietude histórica, um repertório de reflexões em que ganhou espaço questões tangenciadas por uma trama de mudanças e permanências na confrontação de valores, expressas no campo de forças da dinâmica social. Os artigos que compõem esse número não só reafirmam como determinadas problemáticas (significadas na experiência social) são pautadas na historiografia, mas indicam como os trabalhadores se colocaram, foram vistos nas relações em que se envolveram e avaliados na cena historiográfica. Leia Mais

História Pública no Brasil: Sentidos e itinerários | Ana Maria Mauad, Juniele Rabêlo de Almeida, Ricardo Santhiago

A tentativa de compreensão e a elaboração da noção de “História Pública” são dois movimentos recentes dentro do campo historiográfico brasileiro, o que, no entanto, não significa que tal debate esteja ausente de outras iniciativas que tangenciam a construção do conhecimento histórico ao longo do tempo produzido no país – inclusive aquelas encabeçadas por sujeitos que não são institucionalmente reconhecidos como historiadores. O livro História Pública no Brasil: Sentidos e itinerários lançado recentemente, no ano de 2016, segue este percurso que busca trazer à cena a reflexão da história e seus inúmeros públicos – considerando também a multiplicidade de significados desse último termo. Já na apresentação da obra é evidente o desejo de fugir de uma simplificação do que seria a História Pública, buscando assim constituir um campo de estudos que permita desenvolver esta concepção, inclusive, assumindo a sua multi e interdisciplinaridade. Leia Mais

Monumentalidade e sombra: o centro cívico de Brasília por Marcel Gautherot | Eloisa Espada

Como já registrei inúmeras outras vezes, a fotografia brasileira ainda se parece com um imenso iceberg, em permanente movimento, que vai emergindo aos poucos trazendo novos dados e novas conexões, geralmente surpreendentes para os pesquisadores. Nas últimas décadas tivemos acesso a inúmeras pesquisas advindas principalmente da academia que se tornaram relevantes informações para a construção de uma história da fotografia brasileira mais consistente.

De modo geral, o saber panorâmico sempre esteve registrado e propagado. O que vem crescendo agora são as pesquisas mais aprofundadas sobre determinados períodos e autores. Especificamente, vemos um crescente interesse pelo período circunscrito entre as décadas de 1940 e 1970, onde a nossa boa fotografia circulou tanto nos salões do movimento fotoclubista, quanto na imprensa, renovada que foi pelas iniciativas de algumas revistas segmentadas (revistas SenhorMódulo, entre outras) e de grupos editoriais – Diários Associados (revista O Cruzeiro) e editora Abril (revistas RealidadeVeja, entre outras). Leia Mais

A Alma do MST? A prática da mística e a luta pela terra | Fabiano Celho

Ao pensar na problemática da luta pela terra no Brasil, bem como no surgimento dos movimentos sociais na segunda metade do século XX, evocamos uma serie de discussões acerca da construção do sujeito Sem Terra, a mística e o símbolos utilizados nos momentos de luta pelo pedaço de chão. Essas discussões podem ser notadas no livro “A Alma do MST? A prática da mística e a luta pela terra”, resultado da Dissertação de Mestrado do professor Fabiano Coelho, defendida no Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH/UFGD).

O livro dividido em cinco capítulos traz discussões pertinentes sobre identidade sem terra, origem do MST, a participação da igreja na luta pela terra, e a importância da mística na construção de memórias e identidades de trabalhadores rurais que se encontravam na condição de acampados ou assentados. Leia Mais

Colonialismo, território e territorialidade: a luta pela terra dos Guarani e Kaiowa em Mato Grosso do Sul | Thiago Leandro Cavalcante

Sem deixar de dialogar com outros campos do saber, Thiago Leandro Vieira Cavalcante construiu sua formação acadêmica essencialmente dentro da disciplina de História. Paranaense radicado em Dourados (MS) desde o início de seu mestrado em 2006, seus estudos abarcam as áreas de História e Antropologia, com ênfase em História Indígena e Etnologia Indígena. Atualmente é professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e pesquisador da Cátedra UNESCO “Diversidade Cultural” na mesma instituição.

Cavalcante faz parte de um rol de novos pesquisadores que, com o auxílio da perspectiva metodológica da etno-história, têm produzido trabalhos que se somam na composição da historiografia Guarani e Kaiowa2 de Mato Grosso do Sul. O seu engajamento fica visível em seu texto. Contudo, os argumentos que apresenta estão fundamentados em uma vasta documentação e na pesquisa etnográfica, o que permite perceber que engajamento e a pesquisa acadêmica não são excludentes per si. Algo particularmente importante no contexto sul-mato-grossense, estado onde as tensões entre as populações guarani e kaiowa e os grupos ligados ao agronegócio tem se intensificado nos últimos anos. Leia Mais

Catolicismo e Política nos séculos XX e XXI / Revista Brasileira de História das Religiões / 2016

Este dossiê é fruto dos esforços reunidos na Rede de Pesquisa História e Catolicismo no Mundo Contemporâneo (RHC), criada por Renato Amado Peixoto, Gizele Zanotto, Cândido Rodrigues e Rodrigo Coppe Caldeira em meados de 2015. Procuramos juntar aqui vários historiadores ligados à RHC que apresentam o resultado de suas pesquisas, levadas a cabo em instituições de diferentes regiões do Brasil, do Chile, da Argentina e da França.

Esta amostra revela não apenas uma riqueza de objetos de estudo, mas também de diferentes aproximações históricas no fazer teórico-metodológico dos artigos. Noutras palavras, pensamos que o presente dossiê traz contribuições interessantes ao campo de estudos do catolicismo no século XX ao mesmo tempo em que se constitui em mais um passo importante rumo à consolidação da RHC, na medida em que se integra ao esforço de produção das coletâneas “Catolicismos e sociabilidade intelectual no Brasil e na Argentina”, lançado em 2014 e “Manifestações do pensamento católico na América do Sul”, de 2015.

Os variados objetos de pesquisa aqui presentes, estudados em temporalidades e espacialidades históricas diversas, expressam a atualidade e a proficuidade das abordagens que se voltam para pensar as relações entre as formas de manifestação do catolicismo com a política e o político. Da leitura do conjunto dos textos o leitor poderá dialogar com temas, objetivos, fontes e abordagens as mais singulares, mas que guardam entre si os liames do pensar essa interface nos séculos XX e XXI.

Poder-se-á notar que as preocupações dos diferentes autores e objetos aqui tratados se voltam, em termos gerais, a pensar as relações entre a História das Religiões e a História Política, importante e controverso problema que interessa não apenas aos seus pesquisadores, mas também a todo o campo da História, uma vez que nos permite aventar aproximações, conceitos e métodos para a compreensão e explicação do tempo presente,

Nesse sentido, os integrantes do dossiê “Catolicismo e Política nos séculos XX e XXI” privilegiaram certos aspectos dessas interações, tais como o estudo das atuações de agentes importantes à hierarquia ou ao laicato da Igreja Católica no Brasil. Este é o foco do artigo de Milton Carlos Costa sobre Dom Antônio Macedo Costa e a sua “teologia do poder”; do estudo de Carlos André Silva de Moura a respeito de Dom Sebastião Leme e o seu projeto de “politização do clero”; das reflexões de Rogério Luiz de Souza e Edison Lucas Fabrício sobre Leonel Franca e as relações entre modernidade e totalitarismo; do artigo de Leandro Garcia Rodrigues acerca das trocas de missivas entre Frei Betto, Leonardo Boff e Alceu Amoroso Lima em tempos de ditadura e repressão política.

Um segundo conjunto de textos volta o seu olhar analítico para pensar as manifestações das relações entre catolicismo e política expressas em jornais, revistas e movimentos. Este é o caso do estudo de Rodrigo Coppe Caldeira e Albert Drummond acerca da questão da imoralidade nas páginas de O Diário Católico; da análise de Ianko Bett sobre a Revista Catolicismo e o anticomunismo; do artigo teórico-metodológico de Renato Amado Peixoto sobre o conceito de colusão e a sua aplicação no exame da relação entre o catolicismo e a extrema direita, no caso da criação da Ação Integralista norte-rio-grandense; do artigo de Omar Acha revelando as atividades da Ação Católica Argentina por meio da política associativa nas décadas de 1930-1970;

O último conjunto de artigos trabalha com as relações objetivas entre catolicismo e a política partidária. Isabelle Clavel aborda, a democracia-cristã na França através do exame do Movimento Republicano Popular (MRP) e das suas metamorfoses frente à realpolitik, à cultura política republicana e à laicidade. Por sua vez, Marcos Fernández Labbé analisa a democracia cristã chilena dando especial atenção ao desenvolvimento histórico do pensamento católico em torno da ação política e laica na década de 1960.

Desse conjunto de autores, textos e abordagens o leitor poderá extrair as linhas de contato, as singularidades, as rupturas e também as permanências entre as diversas expressões do catolicismo em suas relações com a política e o político.

Vale ressaltar que se aponta que o campo ainda se ressente da falta de novos investimentos, mesmo que a ‘Nova História Política’ já tenha sinalizado, há várias décadas, a abertura de possibilidades e sinalizado outros métodos, aproximações teóricas e enfoques, e que, mais recentemente, a ‘Critical Religion’ e, especialmente, a ‘virada pós-secularismo’ tenham apontado novas perspectivas para se ressituar as relações entre o religioso e o político. Finalizando a edição temos os artigos livres e uma resenha que tematizam relações entre as crenças e os discursos religiosos.

Maio de 2016

Cândido Rodrigues, Renato Amado Peixoto e Rodrigo Coppe Caldeira.


RODRIGUES, Cândido; PEIXOTO, Renato Amado; CALDEIRA, Rodrigo Coppe. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.9, n.25, maio / ago., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Economía Y Política em la Argentina Kirchnerista | Adrián Piva

Adrián Piva é sociólogo, docente na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (UBA), e docente e pesquisador nos Departamentos de Economia, Administração e Ciências Sociais da Universidade Nacional de Quilmes. O livro tem como questionamento central o chamado período da pós-convertibilidade na Argentina (pós-2001), sob a óptica de como se procedeu à reestruturação da acumulação de capital dentro das novas configurações de blocos de poder, tendo o papel do Estado como agente reagrupador de forças, pelas mãos do kirchnerismo. Leia Mais

Enciclopédia da Floresta – O Alto Juruá: práticas e conhecimentos das populações | Manuela Carneiro da Cunha e Mauro Barbosa de Almeida

“a perda da diversidade genética e específica pela destruição dos ambientes naturais é a estupidez pela qual os nossos descendentes estarão menos dispostos a nos perdoar”

Edward O. Wilson

“Suba!”, lhe diz o seringueiro. A casa é firme graças à maçaranduba, acariquara, murmuru, tarumâ e paracuba, madeiras boas para o barrote, espécie de pilotis sobre o qual se ergue o assoalho de paxiubão. Mas antes de ir entrando, tire os sapatos e lave os pés. Para a parede, paxiubinha, gitó, cumaru e cedro têm preferência. O teto sobre a sua cabeça talvez seja feito de palha de aricuri, que dura até 12 anos se for cortada “no escuro da lua” (lua nova). Admire o asseio e perceba o brilho das panelas areadas pela dona da casa no igarapé mais próximo. Mas só as mulheres serão convidadas a entrar na cozinha antes da hora da refeição. Esta hipotética visita e muito mais é o que nos permite um livro admirável sobre um cantinho de Brasil tão desconhecido quanto fantástico chamado Alto Juruá.

Fica no sudoeste do Acre, em uma região tão isolada que a cidade mais próxima, Marechal Thaumaturgo, até o ano de 2000 não tinha nem correio nem banco, tampouco juiz ou padre e apenas um telefone público. Por outro lado, neste vasto território de 10 mil km2 e apenas 8 mil habitantes, já foram registradas 1620 espécies de borboletas (estima-se que sejam 2000), 616 espécies de pássaros, 113 espécies de anfíbios e 16 espécies de primatas, sem falar em mais de 100 mil espécies de insetos. Estudos realizados por geólogos, ecólogos e botânicos chegaram à conclusão de que a bacia do Alto Juruá “possui uma notável diversidade de sistemas naturais”. Trata-se daquilo que os especialistas chamam de fronteira biológica. Aqui a floresta ainda predomina, embora sejam encontrados mais de dez tipos diferentes de formações florestais, onde se vêem samambaias de até 5 metros de altura. Estes recursos têm sido utilizados – até agora – sem causar impacto destrutivo, de tal modo que os sistemas naturais se encontram em uma situação de “equilíbrio dinâmico”. A baixa densidade demográfica e o estilo de vida extrativista causam alterações de uma ordem que ainda permite à natureza recuperar-se. Um roçado abandonado, volta a ser floresta em 60 anos.

A esta riquíssima biodiversidade, corresponde uma história igualmente complexa e rica, que nos últimos 130 tem tido o seu ritmo ditado pela borracha. Até 1912, a época “de ouro”, marcada pela vinda maciça de nordestinos, logo enredados pelos patrões em dívidas contraídas no nefando sistema do barracão. Tempo das “correrias”, matança organizada e sistemática de índios, assim descrita por um padre francês ainda em 1925:

“Reúnem-se trinta a cinqüenta homens, armados de carabinas de repetição e munidos cada um de uma centena de balas; e, à noite, cerca-se a única cabana, forma de colméia de abelhas, onde todo o clã dorme em paz. À aurora, à hora em que os índios se levantam para fazer sua primeira refeição e seus preparativos de caça, um grito combinado dá o sinal, e os assaltantes fazem fogo todos juntos e à vontade”

O governo brasileiro ainda tentou reviver o auge da borracha durante a 2ª Guerra Mundial, pois o Japão havia cortado aos aliados o suprimento de borracha vindo da Malásia (cujo sistema de produção havia derrubado os preços e causado a falência da região da borracha por décadas). Criou-se a “Batalha da Borracha” e milhares de nordestinos foram atraídos por uma mentirosa campanha de propaganda que lhes prometia prosperidade. Após a 2ª Guerra Mundial a região foi novamente abandonada. Com isto, os seringueiros e os três povos indígenas que habitam estas terras (kaxinawás, ashaninka e katunika), embora tenham mantido costumes e identidades culturais próprias, acabaram por forjar um conjunto de conhecimentos e práticas relativos à floresta que desaguou na “Aliança dos Povos da Floresta”. Acabava-se o “tempo do cativeiro dos patrões” e chegava finalmente o “tempo dos direitos” (kaxinawá) ou “das cooperativas” (seringueiros). O processo culminou com o reconhecimento dos direitos dos indígenas às suas terras na década de 80 e com a criação da Reserva Extrativista do Alto Juruá em janeiro de 1990, depois de inúmeros conflitos com os patrões para por fim ao monopólio comercial e à cobrança de uma renda anual de 33 kg de borracha por ano, referente ao uso de uma terra que jamais havia sido legalmente deles e de fato sempre havia sido trabalhada pelos seringueiros.

É até difícil explicar em poucas palavras a relevância da Enciclopédia da Floresta. Seu grau de detalhamento é impressionante e nada lhe escapa: os solos, a vegetação, a fauna, os costumes de cada um dos povos, o calendário agrícola, uma descrição passo a passo das atividades (construção de casas, estradas de seringa, alimentação, caça), as formas de classificação do mundo pelos seringueiros, pelos Kaxinawá, pelos Katukina e pelos Ashaninka. Há centenas de fotos e ilustrações, diagramas, mapas, desenhos e dicionários de bichos e plantas. Nem mesmo a mitologia ficou de lado, para o prazer do leitor. Fruto de um trabalho de pesquisa que vem se realizando há mais de uma década, contando com dezenas de especialistas de universidades públicas brasileiras e com uma equipe de pesquisadores “nativos” igualmente importante (todos são devidamente biografados ao final), é uma obra de valor inestimável.

Um dos pontos mais importantes a destacar é a parceria entre o saber científico e aquele proveniente da prática cotidiana, fazendo cair por terra uma perniciosa dicotomia já atacada por Lévi-Strauss em O Pensamento Selvagem. Por último, é preciso lembrar que todo o sistema de entrelaçamento entre os homens e a natureza descrito pela obra repousa sobre um equilíbrio tão frágil quanto ameaçado:

“Não há bolsa de futuros para essa biodiversidade; não há títulos para florestas de máxima diversidade a serem entregues daqui a cem anos. Todas essas árvores e borboletas parecem supérfluas do ponto de vista do mercado.”

Marcos Alvito – Professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Autor de As cores de Acari.


CUNHA, Manuela Carneiro da; ALMEIDA, Mauro Barbosa de (Orgs.). Enciclopédia da Floresta – O Alto Juruá: práticas e conhecimentos das populações. São Paulo: Companhia das Letras,2002. Resenha de: ALVITO, Marcos. Cantareira. Niterói, n.2, 2002. Acessar publicação original [DR]

A tolice da inteligência brasileira – ou como os países se deixam manipular pela elite | Jessé de Souza

Jésse de Souza é um dos principais cientistas sociais brasileiros da atualidade. Graduado em direito, mestre em sociologia pela UNB e doutor pela Universidade de Heidelberg. Possui pós-doutorado em psicanálise e filosofia na New School for Social Reasearch em Nova Iorque e uma trajetória acadêmica de pesquisas sobre classes e desigualdades sociais no Brasil. É professor titular de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e foi presidente do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA).

Em 2015 publicou A tolice da inteligência brasileira – ou como os países se deixam manipular pela elite, pela editora LeYa de São Paulo. Este livro polêmico pode ser considerado uma espécie de análise de conjuntura do que iria se concretizar em 2016. A obra de Jessé de Souza, quando lançada, não apresentava o impeachment como foco central de análise, mas uma tentativa de interpretação das chamadas “Jornadas de Junho” de 2013. Com intuito de articular o fenômeno das jornadas com a suposta (re) organização do pensamento conservador brasileiro, Souza dividiu sua obra em quatro partes constituintes, perfazendo a discussão clássica da teoria política e sociológica, para entender a estrutura do embasamento ideológico das elites. Leia Mais

Negritude e pós-africanidade: crítica das relações raciais contemporâneas | Carlos Gadea

A temática de relações raciais, no Brasil e em outros contextos, como nos Estados Unidos, está, há muito tempo, na ordem do dia. As situações de conflito permeadas pelo racismo – tal como os casos de violência policial contra os negros – fazem emergir, nesses países, um sem número de discussões sobre a questão racial em suas diversas manifestações, sejam elas sociais, políticas, econômicas ou culturais.

A consciência do conflito e da discriminação por diversos atores sociais, tal como os ativistas dos movimentos negros e parte expressiva da Academia, tem ensejado, também, no Brasil e alhures, reflexões sobre o enfrentamento político do racismo em suas dimensões de identidade social e pertencimento cultural, expressas em noções como “raça”, “negritude” e “africanidade”. Negritude e pós-africanidade: crítica das relações raciais contemporâneas, do uruguaio Carlos Gadea, sociólogo e professor da UNISINOS, tem como proposta precípua justamente analisar as configurações e os vínculos entre identidades étnicas e sociais traduzidos nas vivências contemporâneas das relações raciais, no Brasil e nos Estados Unidos.

A hipótese central é a de que, nesses países, o “espaço da negritude”, que para o autor consiste em uma espécie de lugar social atravessado por identificações raciais, performances subjetivas e interesses práticos dos grupos implicados em relações raciais, estaria passando por sensíveis modificações nas últimas décadas.

Gadea parte de uma indagação geral inquietante: na atualidade, o “espaço da negritude” apenas teria sentido no âmbito de uma negritude ancorada na africanidade, através da ideia de ancestralidade, de memória histórica ou de um marcador como a cor da pele? A percepção da heterogeneidade crescente dos espaços da negritude, em contextos urbanos de diferenciação social e individualização se desdobra em perguntas adicionais: só se pode compreender o que representa o “negro”, ou as identidades raciais, a partir do racismo? Quais são as características das relações raciais na contemporaneidade, em diferentes contextos?

O livro é fruto de uma pesquisa de pós-doutorado realizada pelo sociólogo na Universidade de Miami, em 2012. Nessa experiência em solo norte-americano foram levadas a cabo as pesquisas e observações que serão o mote inicial para a percepção atualizada e comparativa sobre as relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos, presentes no Capítulo 1, intitulado “Contextos e situações do espaço da negritude”. Miami, uma cidade profundamente multicultural, encerra, em sua complexidade própria, diversos espaços da negritude, formados por populações negras oriundas do Alabama, Geórgia, Jamaica, República Dominicana, Haiti. A cidade é o local onde, em 2012, ocorreu o controverso assassinato do jovem afroamericano Travyon Martin por George Zimmerman, um policial branco e “latino”. A reação de protesto da população negra de Miami, ainda que tenha mobilizado uma memória de violência e discriminação e justaposto os negros de forma geral contra um inimigo institucional comum, parecia não estabelecer como evidente em si mesma uma ligação entre os signos da negritude e uma percepção racializada dos conflitos e da sociedade. Esse aparente paradoxo entre ideias de cor/raça e identidade étnica é explorado pelo autor através da análise das contradições e ambiguidades envolvendo a inserção das comunidades haitianas e dominicanas da capital da Flórida na relação mais genérica com a comunidade negra – ou afro-americana – da cidade.

Uma sexta-feira por mês os haitianos de Miami realizam um encontro cultural no chamado “Little Haiti Cultural Center”, no bairro homônimo. As frequentes idas do sociólogo a esse evento resultaram na impressão de que o Haiti culturalmente representado era contemporâneo, diaspórico e imprevisível. Os haitianos não formam, evidentemente, uma comunidade homogênea; rejeitam, ademais, uma identificação automática com os “afroamericanos”, criando e atualizando sua identidade em termos de uma comunidade nacional imaginada. Nesse sentido, o espaço da negritude entre os haitianos não afirmaria a evidência de uma pertença ao discurso da memória coletiva ou da africanidade; o “pertencimento”, na realidade, reveste-se de ambiguidades para essa comunidade: por um lado, são “negros” no sistema de classificação racial dos EUA, e por essa razão são discriminados também; por outro, essas pessoas “falam” politicamente como membros da diáspora haitiana, tal como se materializou no decorrer dos protestos pela morte de Travyon Martin.

Entre os dominicanos da mesma cidade há ainda outras problemáticas identitárias. Eles seriam particularmente “indecisos”, ambíguos, frente às categorias raciais hegemônicas – “brancos”, “negros”, “latinos”. De um ponto de vista social e do fenótipo eles são “negros”, mas culturalmente se identificam como “hispânicos” – ou “latinos”. Uma característica dos dominicanos seria o fato de se constituírem socialmente como “individualidades”, e não propriamente como uma “comunidade” lastreada em uma experiência cultural comum. Não apenas não residem em um mesmo bairro quanto também não consideram terem sido deslocados compulsoriamente para os EUA – fosse por escravidão (como os afro-americanos) ou problemas econômicos em seu país de origem (latinos de forma geral). Deste modo, não vivenciam os mesmos laços de solidariedade “racial” com os negros norte-americanos nem ativam a memória de um passado escravista para construir sua identidade étnica.

Há, além disso, um traço a diferenciá-los e singularizá-los: o uso da língua espanhola. Tais particularidades servem de mote para o autor fazer uma crítica contundente ao Atlântico Negro (2001), de Paul Gilroy, livro que praticamente ignorou as histórias negras de língua espanhola e portuguesa – o Brasil, nesse caso. Gilroy parece pensar o Atlântico Negro tendo como matriz empírica e epistemológica a realidade das relações raciais nos Estados Unidos. Ora, a vivência cotidiana dos dominicanos negros, idiossincrática pela linguagem/idioma, é encenada também a partir de uma espécie de cultura nacional imaginada, “latina”, questionando assim os pressupostos sociológicos, culturais e empíricos que são mobilizados para pensar a experiência negra nos Estados Unidos como uma matriz homogeneizada em princípios como “consciência racial”, “memória da escravidão” ou “africanidade”.

Na sequência, ao final da primeira parte do livro, Gadea se debruça sobre um contexto brasileiro específico: o dos jovens negros de Porto Alegre (RS). O autor foi ao Parque da Redenção, lugar de grande movimentação cultural e de pessoas na capital gaúcha. O parque também é ocupado por jovens negros, que são em sua maioria oriundos dos bairros periféricos da cidade. Aí eles perfazem uma saída de seu contexto – estigmatizado – de origem, estabelecendo uma existência dual nos diversos espaços em que sua negritude é tornada visível. Essa “saída” seria expressão de processos de individualização e diferenciação social – próprios de culturas urbanas – vivenciados por esses jovens, que engendram assim “jogos de reversão” de adscrições socioraciais, desconstruindo essas identificações em nome de atitudes de autodeterminação. Tal experiência encontra o que é afirmado – e questionado – ao longo do livro: a negritude desses jovens não parece ter na “pertença racial” um lastro empírico evidente, nem na “ancestralidade” ou “africanidade” um eixo automático de identificação. O espaço da negritude, para esses sujeitos sociais, é produto de negociações e disputas simbólicas e semânticas, posto que sua presença no Parque da Redenção problematizaria os nexos entre o “corpo negro” e os processos de subalternidade.

Em uma tarde de domingo o dito sociólogo foi conversar com os jovens. Ao questioná-los sobre sua negritude, notou que esta era percebida – e constituída – menos por uma ligação com um “mundo afro-brasileiro” imaginado do que pela consciência da diferença que emerge do racismo em situações de tensão e conflito no cotidiano citadino – como ser barrado em uma festa, colocado na parede pela polícia, etc. Esse espaço na negritude é, portanto, relacional, ou seja, não existe uma negritude preexistente ao jogo das relações sociais/raciais. Não se trata de negar que esses jovens não tenham uma “consciência de si” enquanto negros, mas que os signos sociais da negritude existem “entre parênteses”, em “estado de suspensão”, vindo à tona nas situações de crise e conflito.

O segundo – e último – capítulo, “O reverso da negritude e o avesso da africanidade”, consiste em uma ampla reflexão teórica, ancorada nas percepções mais empíricas e situacionais do capítulo anterior. Prosseguindo em seu exame acerca das mudanças no espaço da negritude na contemporaneidade, o autor busca fortalecer o argumento de que, do ponto de vista da etnicidade, as lógicas das relações sociais, na atualidade, pari passu à racialização, colocam em jogo determinados processos de individualização e diferenciação social, problematizando nexos política e sociologicamente consagrados entre negritude e africanidade. Uma fina matriz sociológica simmeliana aqui está presente, na medida em que se afirma que o alargamento e a diversificação do campo de experiência e das interações sociais dos indivíduos negros reforçaria, paradoxalmente, sua vivência e identificação propriamente individual. Isso implicaria em repensar, por exemplo, a ideia de “gueto”, do ponto de vista dos supostos elos entre ideais comunitários e de pertença racial – tal como visto pela Escola de Chicago para o caso norteamericano. Se o gueto é espaço e metáfora de determinadas relações raciais e formas de negritude – ao menos nos Estados Unidos –, ele, todavia, não representaria as novas dinâmicas individuais e sociais pelas quais se constroem e se atualizam os espaços da negritude, material e simbolicamente falando. As experiências dos negros haitianos e dominicanos de Miami e dos jovens negros porto-alegrenses seriam testemunho dessas novas configurações.

Os sentidos da negritude são questionados: se ela representou, política e intelectualmente – para o Movimento Negro brasileiro, nos anos 1970 –, uma “tomada de consciência de ser negro”, como pode ser entendida na atualidade? De que forma coloca em xeque as estruturas epistemológicas que o Ocidente moderno criou para definir a humanidade em termos de hierarquia racial? O autor então investe sobre a noção-chave de “africanidade”:

A africanidade é um espaço de elaboração discursiva e política que pretende sintetizar a pertença coletiva de um grupo humano a uma comunidade presumivelmente fundamentada em determinadas especificidades históricas e culturais referenciadas no continente africano (p. 87; grifo do autor).

A africanidade, nessa definição, tem uma dimensão tanto pedagógica quanto de uma técnica de subjetivação, para a população negra, visando ao reconhecimento enquanto etnicidade particular e cultura comum, lastreada na ideia de uma ancestralidade. A consciência sobre essa africanidade seria condição para o autorreconhecimento enquanto “sujeito negro”. A perspectiva “afrocêntrica” presente nessa noção de africanidade é criticada pelo autor, pois esse “lugar” epistemológico não comportaria a compreensão das atitudes e comportamentos, por exemplo, dos jovens negros urbanos, não abarcando, necessariamente, as dinâmicas da vida social dos negros brasileiros em sua complexidade e multiplicidade.

A esposada leitura de autores como Stuart Hall e Michel Foucault impossibilita pensar o sujeito como dado a priori, anterior às relações sociais e discursivas que o produzem e o atualizam constantemente. Gadea diz ser necessário pensar em outras variáveis dos conflitos racismo e do antirracismo. Uma dessas variáveis estaria presente na ideia de “códigos de urbanidade”, o que implica em analisar as relações entre as cidades e as etnicidades que as habitam, nos espaços simbólicos e de sociabilidade nos quais a negritude é permanentemente dispersada e reconfigurada. A vivência dessa urbanidade diversificaria as experiências e as possibilidades de afiliação grupal dos jovens negros – o principal grupo social a que o autor se refere, no contexto brasileiro. A negritude, e aqui está uma reflexão importante, estaria para além da ideia de africanidade, e também da própria noção de comunidade. Desta forma, as referidas mudanças no “espaço da negritude” seriam atravessadas por uma marcante dualidade: “[…] por um lado, o que se pode entender como uma aproximação crescente de múltiplos contextos sociais de referência e, pelo outro, uma diferenciação social geradora de uma experiência da individualidade e da negritude muito particular.” (p. 112).

As pertenças aos grupos estão se diversificando e transformando também as experiências individuais dos “jovens negros”, na medida em que a individualização e a diferenciação social – Simmel (1977 [1908]) – levariam ao enfraquecimento dos laços entre os indivíduos mais imediatos e possibilitariam a construção de outros [laços] com indivíduos socialmente mais distantes. Tal processo é visto aqui de forma positiva, pois essa diversificação tenderia a enriquecer o caldo sociocultural no qual se dão as relações raciais – e no qual se criam novas formas de combater o racismo e pensar o antirracismo.

O livro de Carlos Gadea trabalha com um amplo espectro de questões, eixos temáticos e perspectivas teóricas. Percorre vários campos do conhecimento, especialmente a sociologia dedicada às relações raciais. Com esta sociologia se estabelece um bom diálogo, especialmente com autores da vertente pós-colonial, como Paul Gilroy (2001), Stuart Hall (2000; 2003), Sérgio Costa (2006) e Lívio Sansone (2004). Da obra de Costa pode-se dizer que se compartilha de uma perspectiva comparativa e transnacional de entender a questão racial no Brasil contemporâneo; com Sansone há uma tentativa de compreensão da negritude brasileira em um leque analítico mais plural e multifacetado, para além de discursos calcados exclusivamente na ideia de etnicidade.

Uma das contribuições mais relevantes da obra está em analisar a maneira como os ditos processos de individualização e diferenciação social no Brasil atual, próprios de contextos urbanos, dão novas configurações a discursos sobre identidade, modificando a morfologia das relações raciais e os entendimentos e desafios em torno do racismo e antirracismo em “espaços da negritude” constantemente transformados. As reflexões de Gadea sobre as ligações entre urbanidade e negritude fornecem interessantes possibilidades teóricas e campos de estudo para os cientistas sociais, seja no Brasil ou em outras sociedades.

É preciso dizer, contudo, que o trabalho poderia ser mais bem fundamentado empiricamente, especialmente em relação aos “jovens negros urbanos” da periferia de Porto Alegre. Não fica clara a opção em se ater apenas a esse grupo. Na realidade, pouco se fica sabendo sobre eles: os “jovens negros”, que fundamentam uma série de percepções sobre relações raciais no Brasil, são em número de seis. Quem são eles? De que periferia portoalegrense eles provém? Ainda que as percepções sociológicas se mostrem de fato muito pertinentes, uma “amostragem” tão reduzida é própria para se falar sobre uma complexidade que está na base dos argumentos centrais do livro? Tal ponto, ainda que fragilize, não desqualifica a abordagem teórica mais geral de Negritude e pós-africanidade, que traz um conjunto de questionamentos fundamentais para se refletir sobre os “espaços da negritude”, no Brasil e em outros contextos, a partir de olhares complexos e plurais.

Referências

COSTA, Sérgio. Dois atlânticos: teoria social, anti-racismo, cosmopolitismo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006.

GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Ed. 34, 2001.

HALL, Suart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade. Salvador/Rio de Janeiro: Edufba/Pallas, 2007.

SIMMEL, Georg. Sociología. Madrid: Ed. Revista de Occidente, 1977 [1908].

Rafael Petry Trapp – Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense. Bolsista Faperj. E-mail: rafaelpetrytrapp@gmail.com


GADEA, Carlos. Negritude e pós-africanidade: crítica das relações raciais contemporâneas. Porto Alegre: Sulina, 2013. Resenha de: TRAPP, Rafael Petry. Espaço(s) da negritude. Aedos. Porto Alegre, v.7, n.17, p.539-545, dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária | Rodrigo Patto Sá Mota

Entendidas, fundamentalmente, como instâncias de grande potencial para o proselitismo e a formação de quadros destinados às esquerdas, de imediato as universidades entraram na mira de grupos civis e militares deflagradores do golpe de 1964. Vindo logo depois das organizações sindicais e dos trabalhadores do campo na ordem das prioridades do regime que se instalava, os aparatos censores e repressivos mobilizados à época também se estenderam ao espaço acadêmico. Naquele momento, ante o virtual perigo vermelho, tão evidenciado pela retórica do autoritarismo, os usurpadores da legalidade democrática trouxeram à baila o tema da corrupção para atacar seus inimigos junto às instituições de ensino superior.

Frente à falta de credibilidade na temática e de consenso quanto à real necessidade de ênfase nessa questão, mais do que o corpo docente em si, eram os alunos e, em especial, sua representação mor, a União Nacional dos Estudantes (UNE), que se encontrava na linha de fogo do novo governo. Mesmo porque, se os primeiros eram, em sua maior parte, inclinados aos valores conservadores – circunstância esta atingida por grandes alterações ao longo da ditadura -, outro tanto não se poderia dizer sobre os acadêmicos. Afinal de contas, o cenário da representação discente vinha sendo ­marcado por traços de radicalização desde meados do século, participação nos debates sobre as chamadas reformas de base e paulatino acolhimento de suas reivindicações pelo presidente João Goulart. Leia Mais

Pensamento Comunicacional Brasileiro: o legado das Ciências Humanas | José Marques de Melo e Guilherme Fernandes Moreira

Quem conhece o professor José Marques de Melo sabe de sua preocupação com o resgate da memória em torno do que foi produzido no âmbito das Ciências da Comunicação. Desde seu primeiro livro – “Comunicação Social: teoria e pesquisa” (Vozes, 1970) já podemos perceber sua preocupação em traçar amplas referências bibliográficas que podem ser utilizadas para aprofundar determinado assunto. Outra característica do professor, assumida já na década de 1960, é o compartilhamento de sua experiência com alunos. Neste livro de estreia, o professor apresenta resultados de pesquisas que foram desenvolvidos por alunos no âmbito do curso de Jornalismo da Cásper Líbero. E, nota-se, são temas ousados para a época. Como a importância da História em Quadrinhos e a recepção da telenovela. Os anos se passaram e essas características permaneceram. Não é difícil de encontrar obras do professor com grandes indicações bibliográficas e, uma análise mais atenta, revela que autores não oriundos do campo comunicacional também fazem parte desta lista. Leia Mais

Le “nouveau” Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours de Marine Le Pen | Elodie Trojanowski

O livro “A nova Frente Nacional: Estudo da nova linha do partido através dos discursos de Marine Le Pen”, da autora francesa Elodie Trojanowski, nos oferece uma análise sobre as mudanças dos discursos do partido de direita radical francês Frente Nacional, após a sucessão da presidência do partido por Marine Le Pen. Para tanto a autora também analisa a mudança da linha política desenvolvida por Marine Le Pen. A obra é fruto da sua dissertação de mestrado em jornalismo, porém sua pesquisa se enquadra dentro do âmbito das ciências políticas. Seu mestrado foi desenvolvido na Universidade Católica da Lovaina2, localizada no interior da Bélgica. Seu livro, composto de 118 páginas, foi publicado pela Editora Universitária Europeia3 em abril de 2014.

Para tanto, a autora estabeleceu um método rigoroso de estudo quando escreveu sua obra, a partir da crítica aos discursos oficiais do partido, como também a seleção de diversas entrevistas concedidas por Marine Le Pen, de vídeos postados no site da Frente Nacional e discursos de Marine Le Pen durante a as eleições presidenciais francesas em 2012. Elodie Trojanowski buscou em sua pesquisa analisar individualmente cada um dos discursos proferidos por Marine Le Pen e separa-los pelas novas temáticas escolhidas pela líder da FN, procurando traçar um paralelo com a antiga linha discursiva do partido, liderado por seu pai Jean-Marie Le Pen.

Tal investigação mostra-se relevante e pertinente para os estudiosos das ciências políticas, como também de extrema importância para os historiadores especializados na direita radical europeia, uma vez que, como a própria autora salienta na Introdução da obra, por se tratar de um fenômeno recente, em pleno acontecimento – enquadrado por nós historiadores como pertencente a história do tempo presente – ainda há poucos estudos que procuram investigar a mudança ideológica e discursiva da atual direita radical no século XXI.

O recorte de pesquisa escolhido pela autora, se enquadra no período em que a presidente do FN, Marine Le Pen ascendeu a presidência do partido em 2011, quando venceu seu adversário Bruno Gollnisch no Congresso Nacional do partido. Após vencer as eleições Marine Le Pen colocou em prática um projeto de desdiabolização da FN. Esse método consiste em um processo de transformação da imagem do partido, que outrora – durante quatro décadas da existência da agremiação política – esteve intrinsicamente ligado às práticas xenófobas, racistas e antissemitas. Nesse sentido Elodie Trojanowski trabalha para analisar se esse âmbito de mudanças da FN na figura de Marine Le Pen, acontece apenas no nível discursivo, se ele é inventado para definir uma nova identidade ou se existe uma ruptura real com as antigas concepções radicais, se elas são concretas.

A obra nesse percurso de investigação se coloca na posição de estudar comparativamente a ideologia desenvolvida pelo FN. Através de uma análise de discursos políticos da Presidente da Frente Nacional, o estudo é feito de forma detalhada, buscando nos discursos as palavras de ordem, como elas são colocadas, como as novas temáticas adotadas pelo partido são apresentadas e manipuladas para terem efeito positivo e atraírem votos para a FN. E como a partir dessa nova leitura da conjuntura e a nova linha discursiva da Frente Nacional se destaca o abandono de determinados temas e sua substituição por novos bodes expiatórios, como a União Europeia e a imigração muçulmana, por exemplo. A autora relativiza como a Marine Le Pen utiliza o contexto de crise econômica, social e política da França, para aumentar sua base eleitoral e como o partido tem diminuído seu tom agressivo e extremista, se diluindo em uma posição próxima a direita nacionalista. Desta forma a autora se dedica a fazer um levantamento do novo vocabulário desenvolvido por Marine Le Pen e cria um banco de dados contabilizando o uso dessas palavras e o quanto elas aparecem e permeiam grande parte dos seus discursos.

A criação do partido Frente Nacional foi inspirada no sucesso eleitoral do partido neofascista italiano Movimento Sociale Italiano (MSI). O início do partido começou com grupos distintos, incluindo membros do governo de Vichy, opositores do general de Gaulle, membros do movimento Poujadista, neofascistas, militantes da Federação dos Estudantes Nacionalistas, militantes do Jovem Nação e ativistas que não possuíam vinculo partidário mas simpatizavam com a ideia de organizar um partido de extrema direita. O início da FN começou sob liderança de Jean-Marie Le Pen e François Duprat.

No processo de construção do projeto político do FN, podemos perceber também que além da questão militar para reforçar o nacionalismo, o partido procurou construir outros símbolos, principalmente buscar heróis na história da França, personalidades históricas que pudessem reforçar, simbolizar o novo nacionalismo desenvolvido pelo FN. Nesse processo de busca para encontrar heróis, vemos o fortalecimento do catolicismo dentro do partido. Para representar o FN, foi escolhida a figura de Joana D’arc, como símbolo que representasse o nacionalismo do FN, uma heroína francesa, nacionalista, católica, devota à nação, que sacrificou sua vida em prol da liberdade do país, sem ter qualquer ação individualista, a nação acima de qualquer desejo individual. A escolha de Joana D’arc também passa pela questão da busca pela tradição histórica do país, demonstração de orgulho com o passado histórico. A escolha do símbolo do partido é também uma forma de procurar unir todas as células dentro do partido, colocando um novo foco a ser seguido, supondo que essa nova escolha conseguisse superar antigas figuras como Napoleão Bonaparte, Marechal Pétain, General Boulanger, Charles Maurras e Pierre Laval.

No sentido do nacionalismo do FN, o partido procurou se posicionar em defesa dos cidadãos naturais franceses. Podemos aqui pontuar que tal sujeito defendido pelo FN seria: o cidadão francês que provenha de uma longa geração de franceses (podemos indicar aqui que isso seria o francês branco caucasiano), católico, nacionalista, identificado com sua terra, um cidadão orgulhoso de suas raízes e identificado com a História da França, valoriza o desenvolvimento da nação acima da vontade individual4.

Para Jean-Yves Camus a questão da nação é algo central no FN, o nacionalismo para a FN é o principal ponto de referência ideológico, podemos afirmar que a ideia da nação é o ponto vital, é a fonte principal de luta e é fundamental para o discurso do partido5. Dar ênfase à nação é a questão chave para ocupar os espaços deixados pelos outros partidos. A defesa da nação como pauta da agenda política do FN tem dois objetivos: o primeiro é para legitimar a ideia do nacionalismo pertencer à FN, e quando outro partido utiliza dessa tática o FN sai em defesa da sua ideia acusando a oposição de apropriação política. O segundo objetivo é obrigar outros partidos a também fazerem um discurso que saia em defesa da soberania nacional6.

A FN tem como principal ideológica, a defesa da identidade nacional, no qual segundo ela estaria ameaçada pela imigração, internacionalização do comércio, a globalização, enesse sentido defende o retorno do “glorioso” nacionalismo francês. Em seu alegado plano de defender a França, lançavam-se contra seus inimigos internos (anteriormente judeus, maçons e protestantes, agora imigrantes, principalmente árabes e muçulmanos) e os inimigos externos (expeculação internacional e as forças das multinacionais e do corporativismo). A FN defende valores tradicionais e instituições as quais, segundo ela, devem se basear a identidade francesa nos principios de família exército, autoridade e catolicismo.7

O livro de Elodie Trojanowski é dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo a autora faz uma sistematização da história da Frente Nacional, citando os principais sujeitos que constituiu o partido durante sua criação na década de 1970. Talvez uma abordagem com maior capricho no que diz respeito aos mais de 40 anos da história da Frente Nacional pela autora seria necessária, para que o leitor que desconhece a história da Frente Nacional conseguisse visualizar de forma mais abrangente a história institucional do partido. Mesmo o primeiro capítulo necessitando de maior atenção, a autora utiliza a bibliografia correta e obrigatória para qualquer pesquisador que pretende estudar a Frente Nacional, utilizando autores como Nonna Mayer, Pascal Perrineau, Michel Winock e Pierre Taguieff para apresentar as principais características da direita radical francesa e suas raízes históricas.

Ainda no primeiro capítulo Elodie Trojanowski procura apresentar o debate sobre a direita radical na França, abordando as diferentes formas como ela se apresentou no país. Ela aponta os diferentes grupos que existiram, como o movimento monarquista Ação Francesa e também faz menções a Revolução Nacional, durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial. Ela também procura descrever o conceito de populismo que é utilizado na Europa para caracterizar alguns partidos de direita radical. E para finalizar ela discute as características de Jean-Marie Le Pen.

No segundo capítulo a autora francesa demonstra seu método de análise dos discursos da Marine Le Pen. A metodologia escolhida pela autora para a análise discursiva da presidente da Frente Nacional se divide em várias etapas. Elodie Trojanowski separa os discursos em duas categorias, os discursos para a mídia e que foram divulgados pela internet, que ao todo são os 12 maiores discursos de Marine Le Pen e o segundo grupo são 4 discursos feitos por Marine Le Pen aos militantes do partido.

A autora trabalhou comparando os discursos e elencou as principais temáticas que aparecem na fala da líder da Frente Nacional e que são amplamente exploradas durante a a campanha presidencial. Os principais temas apresentados pela autora são; Violência Social, Globalização, Economia, Justiça, Nação, Vida em Sociedade, Imigração, Família, Liberdade, História da França, Cultura, Valores, Hierarquia e Democracia. Com essa definição e recorte do que investigar a autora do livro monta uma tabela onde enumera a quantidade de vezes em que cada temática aparece na fala de Marine Le Pen e também avalia a forma como ele é apresentado, se aparece de forma positiva ou se o tom do discurso é negativo, buscando induzir os eleitores a acreditar em suas alegações.

Nesse formato de investigação a autora contribui para os pesquisadores pois apresenta como algumas temáticas são manipuladas de acordo com o público presente, ou seja, de acordo com o setor político ou social em que se encontra o público da Frente Nacional, o discurso de Marine Le Pen pode ser mais apelativo para o lado sentimental ou pode reforçar a temática para reforçar a posição assumida por um setor. Um exemplo dessa distorção do discurso pode ser evidenciado nos discursos da Frente Nacional aos trabalhadores, quando Marine Le Pen defende a ampliação dos direitos trabalhistas e da garantia dos investimentos do Estado em políticas públicas. E quando a presidente da Frente Nacional fala para os empresários e comerciantes ela defende a redução dos tributos e a proteção do Estado para o crescimento da economia.

No terceiro capítulo a autora apresenta individualmente os resultados das análises quantitativas das temáticas recortadas por ela, demonstrando estatisticamente de que forma cada temática aparece, quantas vezes ela foi utilizada ou apareceu com maior ou menor incidência nos discursos políticos de Marine Le Pen. Além disso ao apresentar as temáticas, a autora também demonstra uma interpretação da conjuntura política e coloca como são construídos os discursos e as formas como eles se desenvolvem na medida que Marine Le Pen acerta a forma de abordagem e como ela modifica a estratégia quando não alcança os resultados esperados.

Notas

1 Doutorando em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, na linha de pesquisa Sociedade, Urbanização e Imigração, orientado por Leandro Pereira Gonçalves. Bolsista CNPq. E-mail guilherme_andrade@hotmail.com

2 Université Catholique de Louvain.

3 EUE- Édition Universitaire Européenes.

4 FRONT NATIONAL, Défendre les Français, C’est le programme du Front National. Front National, no. 3, 1973.

5 CAMUS, Jean-Yves. Origine et formation du Front National…op.cit. pg.17

6 Idem, pg.18.

7 HAINSWORTH, Paul. The extreme right in France: The rise and rise of Jean-Marie Le Pen’s Front National. Representation, 40. 2004, p.44.

Referências

BIRENBAUM, Guy. Le Front National em Politique. Paris, Balland, 1992.

BOURSEILLER, Christophe. Extrême Droite: l’enquête. Paris, Editions François Bourin, 1991.

CAMUS, Jean-Yves. Origine et formation du Front National (1972 – 1981) in MAYER, N;

PERRINEAU, P. Le Front National à découvert. Paris, Presses de la FNSP, 1989.

FRONT NATIONAL, Défendre les Français, C’est le programme du Front National. Front National, no. 3, 1973.

HAINSWORTH, Paul. The extreme right in France: The rise and rise of Jean-Marie Le Pen’s Front National. Representation, 40. 2004.

TROJANOWSKI, Elodie. Le “nouveau” Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours de Marine Le Pen. Saarbrucken, Editions Universitaires Européennes, 2014.

Guilherme Ignácio Franco de Andrade – Doutorando em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, na linha de pesquisa Sociedade, Urbanização e Imigração, orientado por Leandro Pereira Gonçalves. Bolsista CNPq. E-mail guilherme_andrade@hotmail.com


TROJANOWSKI, Elodie. Le “nouveau” Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours de Marine Le Pen. Saarbrucken: Editions Universitaires Européennes, 2014. Resenha de: ANDRADE, Guilherme Ignácio Franco de. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.4, n.1, p. 158- 163, 2015. Acessar publicação original [DR]

 

A África que incomoda: sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro | Carlos Moore

A África que incomoda: sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro (2010) é um livro sobre uma diversidade de temas da contemporaneidade, não só brasileira, mas da totalidade dos países que se beneficiaram do tráfico de africanos escravizados e seus descendentes. Trata-se de uma obra de intervenção política que alia uma ampla fundação teórica à experiência de aproximadamente quatro décadas de observação de Carlos Moore em uma multiplicidade de ambientes sociais e no combate ao racismo, nas mais diversas partes do mundo. É um livro de fundamental importância, por trazer a contribuição do autor à compreensão da influência africana na cultura e no quotidiano sociocultural brasileiro.

O livro está dividido em três partes, sendo a primeira “África no cotidiano político: que tipo de cooperação”, a segunda, “A África no cotidiano educativo: bases práticas para o ensino da História da África”, e a terceira, “A África no cotidiano internacional: ou um governo federal continental, ou o caos”, composta por três entrevistas. Leia Mais

A cultura no mundo líquido moderno | Zygmunt Bauman

Com seu livro intitulado A Cultura no Mundo Líquido Moderno, no original Culture in a Liquid Modern World, Zygmunt Bauman prossegue em 2013 suas análises sobre a modernidade, fazendo uma síntese das características que tomou a cultura desde a era “sólida” até a era “líquida”, bem como sua relação com o “multiculturalismo” e “globalização”.

No primeiro capítulo Bauman procura demonstrar que na atualidade não se firmam mais as antigas distinções entre a elite cultural e o chamado “grande público”, essa hierarquia cultural deu lugar a uma elite diversificada que aprecia tanto a “grande arte” quanto os programas populares de televisão e, “onivoramente”, consome diversas formas de arte, tanto populares quanto intelectualizadas, porém preocupada demais em celebrar o sucesso e outras formas festejadas ligadas a cultura. Descreve também “as peregrinações históricas do conceito de cultura”, desde o Renascimento, passando pela reviravolta causada por Pierre Bourdieu no século XX, chegando até os dias atuais, quando adentra a era “líquida”. Bauman mostra que o conceito de “cultura”, surgido no âmbito rural para incitar a ação agrícola, o arado e a semeadura, também esteve relacionado ao cultivo de almas (cultura animi), a interação entre protetores e protegidos, educadores e educados, e ainda esteve relacionado aos ideais iluministas e a construção de uma nação, de um Estado e de um Estado-nação, e ainda a aproximação entre as classes altas e o “povo”, ou seja, entre os que estão na base da sociedade e os que estão no topo. A perda de posição do conceito de “cultura” é resultado de uma série de processos de caracterizam a transformação da modernidade de seu estado “sólido” para seu estado “líquido”, o que Bauman denomina de “modernidade líquida”. Leia Mais