Paradis du Nouveau Monde | Nathan Wachtel

As associações interdisciplinares entre os campos historiográficos e antropológicos parecem render grandes contribuições para o entendimento da História, como é possível de se perceber, por exemplo, pela abordagem histórico-cultural da Arqueologia, segundo a apresentação de Bruce Trigger (2004). É, pois, a partir dessa rica relação com a Antropologia que Wachtel, historiador nomeado à Cátedra de História e Antropologia das sociedades meso e sul-americanas do Collège de France em 1992 e grande expoente em seus “estudos marranos”, elabora os capítulos de seu livro2. Sendo dividida em duas grandes partes, separadas em um total de cinco seções, ademais de introdução e conclusão, a obra congrega suas considerações sobre algumas das concepções paradisíacas colocadas sobre a América. Desse modo, em sua Avant-propos, o pesquisador, tratando das principais questões historiográficas da atualidade, situa este livro como parte de suas análises marranas, apoiando-se em uma bibliografia embasada nas discussões sobre os pensamentos ocidentais e sobre a aculturação, bem como em documentos de trabalhos teóricos e de campo, históricos e antropológicos. Portanto, conclui que sua denominação de “Paraíso”, como resposta a eventos traumáticos, surge mais enquanto vocábulo contraditório, ao passo que recupera, pelas comparações paradisíacas, os terrores infernais vivenciados pelo continente americano.

Diante dessas primeiras considerações, o autor dá início à primeira parte de seu texto, denominada “Fables D’Occident”, nela assinalando os impactos do encontro do novo continente sobre o mundo ocidental. Assim sendo, ao inaugurar o primeiro capítulo de sua produção, intitulado “Le paradis en Amérique”, remete à extensa bibliografia dedicada à localização dos paraísos terrestres, um debate renovado com as descobertas de Cristóvão Colombo. Inserindo nesse cenário a obra de Antonio de León Pinelo, erudito e cristão-novo, o percebe alinhado cronologicamente à narrativa barroca, atribuindo a suas observações sobre o continente americano os preceitos e reafirmações de sua fé cristã e mariana. Nelas, coloca, em termos geográficos, e não metafóricos, o paraíso terrestre nas porções de terra centrais americanas, pensando, ainda, sobre questões como as origens do mundo, a presença e a chegada das populações das Américas, a remota existência de gigantes, a presença da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e dos rios paradisíacos no recém conhecido continente. Por esse modo, teria ele principiado um pensamento racional e, tal qual outros cristãos-novos, o advento da Modernidade Ocidental. Para além do literato espanhol, Wachtel atenta-se para o jesuíta português Simão de Vasconcelos, sobretudo por sua colocação metafórica do Paraíso em solo brasileiro. Dessa maneira, assevera a concretização do comum trato narrativo das maravilhas americanas, igualmente que as constatações comparativas entre o Novo Mundo e as qualidades paradisíacas. Leia Mais

Arte e conhecimento em Leonardo da Vinci | Alfredo Bosi || Leonardo da Vince | Walter Isaacson

A tarefa do historiador

Historiadores visam compreender eventos passados. Restos de colunas sugerem um templo que eles tentam imaginar utilizando elementos preservados. Entretanto, às vezes, nem restos existem. Em sua Institutio oratoria, Quintiliano discute Virgílio e Ovídio, comenta que Macer e Lucrécio valem a leitura e, então, menciona Varrão Atacino, Cornélio Severo, Saleio Basso, Gaio Rabírio, Albinovano Pedo, Marco Fúrio Bibáculo, Lúcio Ácio, Marco Pacúvio e outros poetas que admirava. Desses autores, hoje só existem obras de Virgílio, Ovídio e Lucrécio (GREENBLATT, 2011, p. 59). Historiadores não podem imaginar autores que sequer sobreviveram enquanto nomes. Então, ao escrever, eles tentam encaixar peças fragmentadas de um quebra-cabeças cujo amplo desenho conhecem vagamente, e desconhecem suas dimensões.

Existem inúmeras abordagens para estudar fragmentos de épocas passadas. No caso de documentos escritos, a História Conceitual talvez seja uma das abordagens mais importantes, pois conceitos estruturam questões de época e permitem relacionar momentos distintos. Matteo Palmieri, humanista e embaixador florentino, escreveu entre 1431 e 1438 o Libro della vita civile [Livro da vida civil], no qual fala a respeito da formação para viver dignamente em uma “ótima república”: Leia Mais

O Rio de Janeiro entre conquistadores e comerciantes: Manoel Nascentes Pinto (1672-1731) e a fundação da freguesia de Santa Rita | João Carlos Nara Júnior

O novo livro escrito pelo historiador, arqueólogo, arquiteto e urbanista João Carlos Nara Júnior é o resultado de uma brilhante e inédita investigação, que traz à luz uma história do Rio de Janeiro setecentista ainda esquecida: a da fundação da freguesia de Santa Rita. Sobre essa lacuna na historiografia do Rio de Janeiro colonial, o também historiador Carlos Eugênio Líbano Soares adverte, em texto de sua autoria publicado na quarta capa da obra, que “a academia preguiçosamente reluta em iluminar”. Entretanto, ao contrário do recorrente esquecimento acadêmico, o pesquisador e especialista nos estudos sobre a igreja de Santa Rita, João Carlos Nara Jr., com a competência que lhe é característica, reluta para que a história dessa freguesia não siga silenciada nas gavetas dos arquivos. O mérito do autor é incontestável. Essa publicação, portanto, representa um avanço para que essa grave falha historiográfica seja, finalmente, compensada.

Em vista disso, o autor dotado da perspicácia do bom historiador, da sensibilidade do arquiteto, da habilidade do urbanista e da intuição do arqueólogo, reabilita uma história fascinante, que percorre desde os primórdios históricos da criação do antigo bairro da Vila Verde, ainda nas primeiras décadas do século XVII, até alcançar a fundação da freguesia de Santa Rita em meados do século XVIII. A fim de realizar essa investigação de fôlego, João Carlos Nara Jr. constrói sua pesquisa a partir de um surpreendente conjunto de fontes, que permite recuperar os traços biográficos da família Nascentes Pinto e do seu fundador, o patriarca, fidalgo português e oficial alfandegário Manoel Nascentes Pinto (1672-1731). Dessa forma, respaldado por expressivo corpus documental, alude sobre outros aspectos que foram igualmente relevantes no contexto histórico daquele século. Leia Mais

La Vocazione: Storie di gesuiti tra Cinquecento e Seicento | Adriano Prosperi

“Esperemos que Prosperi nos obsequie algún día el libro sobre jesuitas que sólo él es capaz de escribir”,1 decía Carlo Ginzburg en su reseña sobre la obra cumbre de este autor, Tribunali della coscienza: Inquisitori, confessori, missionari. 2 Este deseo se cumplió casi veinte años después, con la publicación de La Vocazione: Storie di gesuiti tra Cinquecento e Seicento (La vocación: historias de jesuitas entre los siglos XVI y XVII), cuyo título es sugestivo, pues al hablar de “historias de jesuitas”, así, en plural, da la impresión de querer mostrar a estos hombres dentro de su diversidad. Y en efecto, con el objetivo de indagar quiénes eran los miembros de la Compañía de Jesús y escribir este libro, Prosperi rescata las memorias individuales que ellos mismos escribieron acerca de su vocación, para analizar las diversas maneras en que contribuyeron a la construcción de una memoria colectiva de la Compañía de Jesús. A partir del estudio de lo que él denomina “autobiografías”,3 el autor explicita que no busca anular a los jesuitas dentro de la historia oficial de la Orden, sino darle valor a cada uno de ellos como parte de una comunidad, vinculados de modo estrecho a la institución de la que formaban parte. Leia Mais

Guayrá | Marco Aurélio Cremasco

Marco Aurélio Cremasco é um escritor paranaense, engenheiro químico de formação e professor da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Como escritor de literatura já publicou cinco livros de poesia: Vampisales (1984), Viola caipira (1985), A criação (1997), Fromlndiana e as coisas de João Flores (2000); um livro de contos: Histórias prováveis (2004); e um romance: Santo Reis da luz divina (2007), com o qual foi Prêmio Sesc de Literatura e finalista do Prêmio Jabuti. Leia Mais

A história deve ser dividida em pedaços? | Jacques Le Goff

A história deve ser dividida em pedaços? é o último livro escrito pelo medievalista francês Jacques le Goff, postumamente publicado na França em 2014 e de recente tradução para o português por Nícia Adan Bonatti. O comentador responsável pelo texto introdutório que se lê nas badanas do volume responde à pergunta sobre o que esperar do último escrito do erudito francês com uma palavra: coerência. Nisto nos reinscrevemos plenamente à visão do comentador não-identificado, pois neste ensaio le Goff retoma sua reflexão, já presente em Uma longa Idade Média (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008) sobre as possibilidades várias de periodização da história, argumentando principalmente pela não-pertinência ou pertinência atenuada e meramente parcial do termo “Renascimento” enquanto categoria analítica para dar conta de suposta viragem cultural ocorrida ao longo dos séculos XV e XVI. Leia Mais

O Brasil Colonial – Volume 1, 1443-1580 | João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa

A apresentação da coleção O Brasil Colonial, organizada pelos professores João Fragoso (professor titular da UFRJ) e Maria de Fátima Gouvêa (professora da UFF, falecida precocemente em 2009) tem como título La guerre est finie. Provocante expressão para designar os últimos 20 anos de um debate historiográfico, às vezes acirrados, no qual os estudiosos sobre o Brasil no período colonial têm travado, a partir da crítica feita à concepção de um Antigo Sistema Colonial, consagrada por Fernando Novais, Professor da USP e do Instituto de economia/UNICAMP, por um grupo de professores do Rio de Janeiro, professores da UFRJ, UFF e UFRRJ, bem como de colegas portugueses, como o Prof. António Manuel Hespanha. A expressão também sugere uma ideia de que os organizadores têm sobre o atual estágio da historiografia brasileira, ou seja, os conceitos utilizados e a discussão trazida por ambos fossem a vitoriosa no meio acadêmico nacional.

Não se tem dúvidas que desde a publicação, no ano 2001, do livro O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa: (séculos XVI-XVIII), organizados pelos mesmos autores mais a Maria Fernanda Bicalho, Professora da UFF, juntamente com o acesso aos milhares de documentos da coleção Resgate, que contém a documentação riquíssima do Arquivo Histórico Ultramarino, houve um boom dos estudos sobre a colônia portuguesa na América. O grupo do ART, Antigo Regime nos Trópicos, como é conhecido no meio universitário especializado, de fato trouxe novas abordagens, a luz de conceitos discutidos em Portugal, Espanha e Estados Unidos, trazendo para o Brasil e para a história do Brasil novas possibilidades de análise. O grupo lançou outras coletâneas, no qual os participantes não necessariamente compactuam piamente com as ideias dos nomes mais conhecidos, e mesmo após 15 anos do marco inicial, algumas noções foram modificadas ou aprofundadas, felizmente, visto que a história é dinâmica. Leia Mais

Heaven Upon Earth: Joseph Mede (1586-1638) and the Legacy of the Millenarianism | Jeffrey Jue

O livro Heaven Upon Earth: Joseph Mede (1586-1638) and the Legacy of the Millenarianism de Jeffrey Jue, publicado em 2006, é um estudo acerca dos trabalhos de Mede, em especial aqueles voltados para o milenarismo, e de seu legado no pensamento profético. Esta pesquisa de Jue sobre Mede iniciou, segundo o autor, com sua dissertação de doutorado em Teologia desenvolvida na University of Aberdeen, na Escócia (JUE, 2006), posteriormente, sua tese foi publicada como o livro Heaven Upon Earth. Atualmente, Jeffrey Jue é professor de História da Igreja no Westminster Theological Seminary, na Filadélfia (EUA), sendo assim, sua análise, no livro, partiu da Teologia, mas é interessante notar que, além disso, o autor também se preocupou com as perspectivas historiográficas sobre o século XVII na Inglaterra.

Seu trabalho se insere em um debate acerca do milenarismo inglês. Admitindo uma postura revisionista, Jue tentou desvincular os discursos religiosos sobre o Milênio e o Apocalipse do contexto revolucionário na Inglaterra, bem como tentou dissociar as perspectivas escatológicas de uma suposta motivação para o processo colonizador da América do Norte. Assim, para Jue, o milenarismo não deve ser identificado com uma postura política radical de alguns de seus adeptos. Com o caso de Mede, o autor mostrou que o Apocalipse era um tema de discussão intelectual e acadêmico e que, mesmo depois do período das Guerras Civis inglesas, este continuou a ser uma questão sobre a qual muitos pensadores se debruçaram até meados do século XVIII.

Neste sentido, o autor indica que o estudo sobre o pensamento de Mede pode auxiliar na compreensão do milenarismo britânico. Para tornar compreensível seu objeto de estudo, Jue fez uma breve biografia de Joseph Mede, situando-o no período em que viveu. A contextualização oferecida pelo pesquisador, ainda, apresentou os debates e estudos sobre o Apocalipse na Época Moderna. A seguir, Jue procurou identificar o legado de Joseph Mede, isto é, a repercussão de seus escritos no pensamento escatológico na Inglaterra, na América do Norte e na Europa.

Como dito anteriormente, para abordar o assunto, Jeffrey Jue voltou-se em certa medida para a historiografia, desta forma na introdução de Heaven Upon Earth, ele expôs um balanço historiográfico acerca da Grande Rebelião e do milenarismo inglês no século XVII.

O milenarismo no século XVII – conforme o teólogo – era a concepção escatológica mais popular, ainda que fosse considerada como uma posição herética pelos ortodoxos. Esta corrente de pensamento foi reforçada com a publicação de Diatribe de Mille Annos de Johann Heinrich Alsted e de Clavis Apocalyptica de Joseph Mede, ambos em 1627. A partir da análise dos textos de Mede que tratavam ou não sobre o Apocalipse; de suas correspondências; e da sua biografia, intitulada Works, feita, provavelmente, por John Worthing e John Alsop, o autor identificou o período compreendido entre 1625 e 1632 como uma fase de conversão do pensamento de Mede ao milenarismo. De acordo com a perspectiva de Jue no livro, o milenarismo pode ser compreendido como uma análise sobre as profecias bíblicas que identifica no futuro o início de um reino de Cristo, o qual seria marcado por mil anos de felicidade, antes da derradeira vitória de Jesus sobre o Demônio.

Jeffrey Jue demonstrou no capítulo seis, “The Origins of the Clavis Apocalyptica: A Millenarian Conversion”, as reflexões de Mede acerca do Apocalipse. Seu pensamento foi bastante influenciado pelo puritanismo, ainda que de uma corrente bastante conservadora e favorável ao arcebispo William Laud. Inicialmente, Mede partia de uma “more symbolic or spiritualized interpretation of the duration and the nature of the millennium” (JUE, 2006, p.93). Sua percepção do milenarismo começou a se alterar em 1625 e, mais tarde, com a segunda edição de Clavis Apocalyptica em 1632, pode-se perceber uma conversão completa a esta corrente de pensamento.

A partir disso, Joseph Mede trabalhou em uma cronologia das monarquias do Livro de Daniel. Além disso, ele sincronizou as profecias de I Timóteo, Daniel e Apocalipse, seguindo o princípio protestante da analogia fidei. Foi este sincronismo – que concebeu as três profecias como ideias sobre um mesmo evento – que o aproximou do milenarismo. Neste sentido, Jue concluiu que Mede não se tornou um milenarista devido ao contexto europeu e inglês do século XVII, como se costumava pensar, mas sim por conta de seus estudos bíblicos.

Baseando-se nos escritos dos primórdios do cristianismo, Mede caracterizou o Milênio como uma profecia a ser interpretada literalmente e não mais espiritualmente. Assim, para ele, a ressurreição prevista na Bíblia seria corporal. Além disso, Joseph Mede também se apoiou em estudos do judaísmo. Desta maneira, concentrando diversas influências, Mede entendia que o retorno de Cristo representava a queda do Anticristo e um milhão de anos de perfeição e felicidade, até o Dia do Julgamento, quando ocorreria uma batalha contra os exércitos demoníacos (Mag e Magog) e, posteriormente, se daria a ressurreição universal.

Depois de situar o leitor sobre as origens do pensamento milenarista de Mede e de seus estudos sobre o tema, Jue traçou um panorama do seu legado, indicando que o milenarismo não estava atrelado a um contexto revolucionário, sendo assim, não acabou em 1660 com o fim da Rebelião, mantendo-se um tema de debate até o século XVIII.

Na Inglaterra, o Jue citou uma série de autores, incluindo Hugo Grotius, Henry Hammond, Richard Baxter, Henry Moroe, Drue Cressner, Isaac Newton e William Whiston, que discutiram o assunto. Influenciados pela produção de Mede, pensadores como estes alimentaram o debate até o século XVIII na Inglaterra, concordando ou discordando das propostas de Joseph Mede. O principal aspecto de embate ocorreu entre os favoráveis a Mede e os adeptos do New Way, iniciado por Grotius, o qual concebia o Milênio como um evento do passado e não do futuro.

Neste sentido, o autor demonstrou que o interesse dos letrados no milenarismo permaneceu. Este interesse, ainda, estendeu-se para a América do Norte, com os escritos de Thomas Goodwin, John Cotton, John Davenport, Cotton Mather, Samuel Sawell, Nicholas Neyes e John Elliot. Alguns autores viam a América como uma terra do Satã, habitada por homens e mulheres que não tinham conhecimento de Deus e que não usufruiriam dos benefícios do Milênio; enquanto outros concebiam a América como um local tão abençoado quando o Velho Mundo, o qual também estaria incluído no Milênio. Ainda que muitos puritanos tenham chegado ao Novo Mundo com concepções milenaristas, Jue não partilha da visão de pesquisadores como Perry Miller, os quais compreendem na colonização o anseio da construção de uma Nova Jerusalém. Segundo o autor, Mede influenciou outras regiões da Europa. Sabe-se, por exemplo, que Clavis Apocalyptica chegou à Dinamarca, a cidades italianas e germânicas e à Holanda.

Depois de tratar sobre todas estas questões, Jeffrey Jue estabeleceu algumas conclusões. Primeiramente, para ele, o milenarismo não está necessariamente associado ao radicalismo político e social. Também, o interesse no Apocalipse, enquanto um tema de estudo e reflexão, não se resumiu às décadas de 1640 e 1660. O milenarismo não foi um fenômeno exclusivamente inglês, este deve também ser pensado em relação à Europa e à América do Norte. O milenarismo na Inglaterra, na Europa e na América Inglesa foi influenciado por Mede. Por fim, o autor apontou que são necessárias mais pesquisas sobre Joseph Mede e seu legado, o qual perdurou por muito tempo.

A obra de Jeffrey Jue revela aspectos interessantes dos estudos sobre o milenarismo. É fundamental que se perceba que este é um fenômeno independente dos contextos revolucionários, entretanto, não é possível deixar de considerar que momentos de crise, tais como a Grande Rebelião ocorrida na Inglaterra entre 1640-1660, indiquem especificidades no pensamento milenarista. As ideias não podem ser desvinculadas de seus próprios contextos e, neste sentido, o período revolucionário e a subsequente restauração do governo foram apropriados pelos milenaristas. Como observou Bernard Capp, em 1971, para o caso do pentamonarquistas, as crises e guerras na Inglaterra eram vistas pelos Homens da Quinta Monarquia como esforços de Deus contra o Demônio para acabar com os reinos terrenos (CAPP, 2008).

Joseph Mede não escreveu Clavis Apocalyptica ou outros de seus textos pensando em uma revolução, entretanto – como o próprio pesquisador notou – muitos puritanos apropriaram-se das teorias de Mede, as interpretaram e utilizaram a partir de um viés radical. A tentativa de Jeffrey Jue de isentar Mede de qualquer relação com a Rebelião, caracterizando-o a todo o momento como um homem reservado e cauteloso em suas afirmações acerca de assuntos polêmicos, acaba por colocar em segundo plano outro aspecto fundamental de seu legado: a sua influência sobre os milenaristas radicais e a apropriação de suas leituras das profecias bíblicas durante a Grande Rebelião.

Depois, ao indicar a extensão do legado de Mede no restante da Europa e na América, Jue restringiu-se a alguns poucos puritanos que fizeram parte das primeiras gerações de colonos na América Inglesa e também se fixou apenas nos debates holandeses acerca do Apocalipse e do Milênio.

Em relação à sua apreciação da influência de Mede na América do Norte, Jue descartou totalmente a hipótese de que muitos colonos pensassem na configuração de uma Nova Jerusalém no Novo Mundo. Aparentemente, as novas tendências historiográficas, sobretudo, norte-americanas vêm criticando as concepções de autores como Perry Miller de que a ocupação das treze colônias foi motivada e permeada por perspectivas escatológicas. Este é um tema de grande debate na historiografia atual, visto que outras análises permanecem destacando o papel fundamental do milenarismo e das ideias de Apocalipse no processo de colonização da América. Inclusive os debates seiscentistas em relação à conformação do governo civil na Nova Inglaterra estavam imbricados nestas profecias. Em colônias como Massachusetts Bay e Rhode Island, houve centralidade na atuação de protestantes.

Tanto no caso dos comentários sobre a Inglaterra, a América como sobre a Holanda, Jue apenas apresentou um recorte do pensamento dos letrados, o que deixou de lado aspectos sociais e culturais que poderiam relevar outras questões interessantes para a compreensão do milenarismo.

Todavia, Jue apresentou grande esforço em mostrar que o milenarismo britânico foi de ampla circulação e provocou reflexões que não se limitavam ao espaço da Grã-Bretanha. É necessário estabelecer relações e articulações com outros espaços, tais como a Europa e a América. Também, a concepção de que as interpretações acerca do Milênio não se concentraram em um período único da história da Inglaterra são interessantes para entender o milenarismo como algo mais amplo do que um fenômeno passageiro, o qual só pode ser percebido em momentos críticos.

Neste sentido, o autor apresentou grandes interpretações sobre o Milênio ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, que foram fundamentais para localizar as ideias de Mede em uma tradição mais longa do pensamento apocalíptico inglês. Da mesma forma, os debates travados entre Mede e outros pensadores demonstraram um ambiente de profundas reflexões sobre o milenarismo que perpassavam diversas esferas do universo intelectual do século XVII. Desta forma, o estudo de Jue não deixa de ser uma grande contribuição para os estudos do milenarismo ao longo da Idade Moderna.

Referências

CAPP, Bernard. The Fifth Monarchy Men: a study in a Seventeenth Century Revolution. Georgia: Mercer University Press, 2008.

JUE, Jeffrey K. Heaven Upon Earth: Joseph Mede (1586-1638) and the Legacy of the Millenarianism. Netherlands: Springer, 2006.

Verônica Calsoni Lima – Estudante do 8º termo da graduação em História da Universidade Federal de São Paulo, bolsista de Iniciação Científica do CNPq. Curriculum Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=S1732559 . Orientador: Prof. Dr. Luís Filipe Silvério Lima.


JUE, Jeffrey K. Heaven Upon Earth: Joseph Mede (1586-1638) and the Legacy of the Millenarianism. Netherlands: Springer, 2006. Resenha de: LIMA, Verônica Calsoni. O Milenarismo de Joseph Mede. Cadernos de Clio. Curitiba, v.3, p.333-342, 2012. Acessar publicação original [DR]

Arte e beleza na estética medieval | Umberto Eco

A Idade Média foi um momento de constante tensão entre opostos, de contradições entre as escrituras sagradas e suas interpretações, entre a teoria e a prática da instituição e dos fiéis. Por certo, o ordenamento do mundo levava a certo controle das contradições. A escolástica chegou a propor um método para o entendimento do mundo, ocultando suas contradições. Mas, as contradições não eram totalmente ocultadas, nem tão pouco controladas; porque ao pensar o tudo e o nada, o belo e o feio, o céu e o inferno, o homem e a mulher, a estética medieval, em especial, a exposta nas Catedrais não deixava de indicar as contradições, visto que o belo além de ser compreendido como algo dinâmico, também não deixava de ser múltiplo, diverso, fugaz, assim como suas formas de representação já o eram. Assim sendo, como devemos entender a arte medieval? De que maneira a beleza foi representada? Qual sua função na sociedade? Esses foram alguns dos questionamentos que Umberto Eco2 se propôs, ao pensar a arte e a beleza na estética medieval.

Publicado nos anos de 1960, e revisto na década de 1980, o livro só recentemente traduzido para o português (por Mario Sabino3 e publicado pela Editora Record em 2010), pretendia fornecer um painel do período, na forma de um manual acadêmico, detalhando a sensibilidade na estética medieval, como foi pensada a proporção, a luz, o símbolo e a alegoria, a forma e a substância, as teorias da arte, o lugar do artista na sociedade, e as relações, aproximações e distanciamentos entre a Escolástica e o Renascimento dos séculos XV e XVI. Para isso, toma como base a “história das teorias estéticas, elaboradas pela cultura da Idade Média latina” (2010, p. 9), e de que maneira foram sistematizadas por autores como Tomás de Aquino. Leia Mais

Etno-historias del Isoso: Chane y chiriguanos em el Chaco Boliviano (Siglos XVI a XX) | Isabelle Combes

A pesquisadora Isabelle Combés, filiada ao Instituto Francés de Estudios Andinos (IFEA), procura, nesta obra, traçar uma linha histórica de um grupo indígena que ocupa a região do Isoso, na Bolívia. O trabalho de Combés, que ora apresentamos, representa um importante instrumento para o estudo dos povos Guarani, de modo geral, e dos Isoseño de modo particular. A autora, que vive na Bolívia desde 1988, possui uma vasta trajetória de pesquisa acadêmica e de militância em prol dos povos indígenas do oriente boliviano.

Inicialmente a autora se propõe fazer um panorama do processo histórico da ocupação das regiões bolivianas pelos Guarani que, por volta dos séculos XV e XVI, ocuparam o pé da Cordilheira dos Andes e se miscigenaram com os Chané, grupo esse que já habitava aquela região. Ao longo do período colonial esses Guarani/Chané foram genericamente identificados como Chiriguano. Leia Mais

O Renascimento italiano – cultura e sociedade na Itália | Peter Burke

Este livro observa as artes: pintura, escultura, arquitetura, música, literatura e conhecimento acadêmico da Itália, além de salientar aspectos gerais da cultura, dando denso embasamento teórico sobre o fenômeno para sua melhor compreensão. Dos aspectos culturais da época, ele se detém na economia; política; visões de mundo, do homem e da organização religiosa. Depois o autor faz uma breve comparação entre a Itália e os Países Baixos e Japão.

AS ARTES

O autor mostra que o Renascimento italiano tem como características básicas o realismo, o secularismo e o individualismo, além de um entusiasmo pela Antiguidade clássica. Os gêneros mais propagados na pintura eram os retratos, seguidos das paisagens e da natureza morta. Leia Mais