Atualmente, onde cada vez mais é incrementado o diálogo interdiscursivo, interdisciplinar e interepistemológico, percebe-se a necessidade de revitalização de estudos de base diacrônica, que procurem ajudar ao homem contemporâneo entender os processos e mecanismos de desenvolvimento social, no que a linguagem literária possui uma forte participação como repositório cultural. Consoante essa assertiva, pesquisadores de História, Literatura, Antropologia, Arqueologia, dentre outras ciências, devem procurar o estabelecimento de Grupos de Trabalho Integrados, os quais, com a utilização das metodologias específicas de pesquisa, contribuem para uma melhor apreensão do objeto comum em análise. Talvez, nesse momento, no campo dos estudos germânicos ligados a uma proposta de Germanística Intercultural, encontre-se na Medievística Germanística a episteme necessária que integralize uma junção de lingüistas, teóricos das literaturas germanófonas, historiadores – para apenas citar alguns profissionais – com o intuito de trazer ao homem do século XXI as riquezas do homem medieval expressas em seus textos. [1]
Um dos mais respeitados eruditos, professor catedrático da Universidade de Viena, germanista, celtólogo e medievalista, Helmut Birkhan lega-nos uma série de oito Studienbücher – livros de iniciação ao estudo universitário -, publicada pela Editora Praesens, a saber: parte I –Literatura em antigo-alto-alemão e em antigo-saxão; parte II – Literatura em médio-alto-alemão pré-palaciana e em seus primórdios corteses; parte III – Trovadorismo e poesia sentenciosa da época dos Staufer; parte IV – Literatura romanesca da época dos Staufer; parte V – Romances pós-clássicos e “novelas” corteses; parte VI – Épica heróica da época dos Staufer e no início dos Habsburgos; parte VII – Trovadorismo, poesia sentenciosa e contos versificados da última fase dos Staufer e dos primeiros Habsburgos.[2] Pelo exposto através dos títulos, Birkhan pretende fornecer aos estudantes de Germanística manuais de iniciação à literatura medieval em alemão, conjugando a isso em sua obra elementos de ordem histórica, em nosso ver indispensáveis para uma melhor compreensão da época estudada.
O texto é dividido em capítulos, que sempre são precedidos de uma contextualização histórica sobre as dinastias, de onde as obras são provenientes, i.e., os sálios (p.8-14) e os Staufer (p.130-135). Posteriormente têm-se comentários elementares sobre os principais textos, de ordem religiosa no tocante aos sálios (p.18-109) e acerca das duas obras consideradas como “literatura histórica”, (p.109). Ao apresentar a primeira delas, a Canção de Anno, Birkhan demonstra quão indispensável é a união entre discurso literário e contexto histórico no mundo medieval:
“A Canção de Anno é a primeira epopéia contemporânea em língua alemã. Ela reúne história da humanidade, história cristã da salvação e história mundial com uma apresentação tipológica da vida do bispo Anno de Colônia.”(p.109)
Ao tratar da segunda, a Crônica dos Imperadores, (p.117-129) o estudioso austríaco discorre sobre as características da obra, desde a transmissão do texto, com dados sobre o compilador ou autor da obra, tece comentários sobre a datação da mesma e sobre as fontes para a sua composição com alguns excertos textuais.
Se durante o período dos Sálios há a predominância de uma literatura religiosa, vêse, por outro lado, o início da afirmação de um tipo de escrita, que se centra nas práticas e costumes, no modus vivendi e modus cogitandi dos bellatores. Canções, Lieder, que descrevem heróis da Antigüidade e suas façanhas, Alexandre, Rolando, temas que lidam com o Oriente, Flôre e Blanscheflûr, assim como as épicas trovadorescas Duque Ernesto e Rei Rother e epopéias trovadorescas lendárias [3], Oswalt, Orendel e Salomão e Markolf, configuram esta nova arte da palavra, que tem na corte seu modelo.
Como por nós mencionado em resenha previamente feita [4], Birkhan não se preocupa com uma introdução ao seu texto, mas sim arrola a bibliografia por ele analisada. Já que os fragmentos textuais estão em médio-alto-alemão, estágio segundo do desenvolvimento do idioma alemão, não há a versão para o Neuhochdeutsch, o que demonstra a natureza da obra voltada para alunos e estudiosos nativos. Entretanto, por considerarmos o trabalho meritório, ficaria aqui uma sugestão para a preparação de um glossário com os principais termos do médio-alto-alemão em alemão moderno, à guisa de facilitação para o pesquisador estrangeiro.
No que diz respeito à organização do volume, nota-se a observância ao aspecto cronológico, que leva o leitor a relacionar mais seguramente o mundo das idéias e o mundo dos homens em mudança nos séculos XI e XII.
Preocupações com o conteúdo (p.42 et alii) e com a paráfrase de excertos originais (p.39-40 et alii) perpassam a obra, com o intuito de fornecer as informações lingüísticas, estilísticas e literárias básicas sobre os textos. No entanto, os Anexos merecem comentário à parte.
De significativa importância para a visualização das informações transmitidas, os Anexos colocam à disposição mapas lingüísticos, excertos de manuscritos, documentos e testemunhos em runas e língua alemã. Uma genealogia dos otônidas, sálios e Staufer, além de um gráfico sobre os romances alexandrinos medievais em alemão, latim e francês completam o quadro, que une Iconografia, Arqueologia, Língua e Literatura a partir do mundo germânico pagão até à época abarcada no volume.
Neste volume há uma presença ínfima de textos em língua latina, o que corroboraria o vernáculo como língua de prestígio dentro do fazer artístico no Sacro Império. Como o título da série prende-se à Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte, História da antiga literatura em alemão à luz de textos escolhidos, tal seleção nos induz à pergunta, não formulada na Parte I: quais os critérios para selecionar e indexar determinados textos em detrimento de outros? Cremos que o cânon, aliado à experiência docente do pesquisador, tenha sido os fatores decisivos para a escolha. Somos, outrossim, de opinião que o autor deveria discorrer a respeito em uma reedição da obra.
Por fim, Mittelhochdeutsche, vor- und frühhöfische Literatur, volume II da série supra citada, apesar da linguagem mais simples, é extremamente útil, organizada com precisão e muito bem fundamentada, prestando à Medievística Germanística uma valiosa ajuda para tornar contemporâneo o medievo germanófono, daí ser para nós indispensáveis as palavras anônimas
Quidquid homo nescit, vix discit, quando senescit.
O que o homem desconhece, dificilmente aprende quando envelhece!
Notas
1. Cf. BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo.Resenha de BIRKHAN, Helmut.Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte. Wien: Edition Praesens, 2002. 217 Seiten. Teil I: Althochdeutsche und altsächsische Literatur.. In: KESTLER, IZABELA (Org.) Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2005. Volume IX (no prelo).
2. A parte VIII ainda não foi publicada.
3. Epos, no original, equivalendo à epopéia clássica, ao narrar a história de um herói ou coletividade
4. Cf. nota ii.
Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Departamento de Letras Anglo-Germânicas Faculdade de Letras Programa de Pós-Graduação em História Comparada UFRJ. E-mail: alvabrag@letras.ufrj.br
BIRKHAN, Helmut. Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte. Wien: Edition Praesens, 2002. 217 Seiten. Band 7, Teil II: Mittelhochdeutsche, vor – und frühhöfische Literatu. Resenha de: BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.5, n.1, p. 141-143, 2005. Acessar publicação original [DR]
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