III Simpósio Nacional e II Internacional de Estudos Celtas e Germânicos | Moisés R. Tôrres e Adriene B. Tacla

De 8 a 11 de julho de 2008, na Universidade Federal de São João Del Rei, Minas Gerais, realizou-se o III Simpósio Nacional (2ºinternacional) de Estudos Celtas e Germânicos, subordinado ao tema “Saber e poder entre celtas e germanos: formação, representação e transformação” que figura como subtítulo deste Livro de Atas. O Promotor do evento foi o grupo Brathair de Estudos Celtas e Germânicos, que, iniciado em 9 de julho de 1999 numa Reunião Nacional da Associação Brasileira de Estudos Medievais (ABREM) cumpria então nove anos de criação, mas que, embora recente, mantinha uma linha de atuação que começava a se constituir em tradição. Não sendo uma associação, mas um grupo de pesquisa, o GECG tem primado pela seriedade e cientificidade não só dos trabalhos do grupo, mas também dos convidados a participar na revista Brathair e nos simpósios e colóquios. É o que transparece neste volume de atas, onde o nível e qualidade dos textos dos contribuintes de outros países – Klaus Millitzer, Ramón Sainero, e Helmut Birkhan (ausente do simpósio por doença) – valoriza e ressalta os trabalhos dos convidados nacionais – Norma M. Mendes, Elisa Abrantes, Mônica Amim, e Rita C. M. Pereira – bem como dos membros do próprio grupo organizador.

Um livro de atas, porém, não reflete toda a amplitude do seu evento; neste caso há, além de conferencistas que por motivos alheios à sua e à nossa vontade não incluíram seu trabalho nas atas, mas sobretudo as dezenas de contribuições de estudantes que representaram um dos maiores objetivos e resultados do grupo Brathair: o estímulo aos jovens acadêmicos brasileiros para que se interessem pelos estudos celtas e germânicos e os incluam em seus projetos de vida intelectual, ao menos como parte de objetivos mais amplos, como os estudos medievais, e as influências da pré-história na cultura atual. Neste aspecto o Livro de Atas reflete bem o simpósio: são duas seções – Saber, poder e religiosidade (8 textos) e Literatura e preservação do saber (5 textos) abrangendo quatro momentos bem definidos ao longo da história cultural européia. No primeiro vemos a formação das tribos germânicas (Millitzer) e a organização do poder celta na Idade do Ferro (Tacla); no segundo sente-se o impacto do Império Romano (Mendes) e a proto-história romano-celta (Olivieri); no terceiro vemos a permanência forte dos celtas e germanos na formação da Europa medieval, quer na política (Lupi), quer na literatura (Amim, Pereira, Zierer) e na filosofia (Tôrres) com temáticas que se definem na cultura medieval a partir de fontes pré-históricas, indo até às raízes sânscritas (Sainero); e finalmente no período contemporâneo ressaltando a presença das tradições quer na imaginação de elfos e fadas (Birkhan) quer no romance (Abrantes).

Vejamos alguns traços gerais, ou mais marcantes, das duas áreas nas quais se distribuíram as pesquisas/palestras: política, e literatura. A formação da Europa a partir da desintegração do Império teve como um de seus fatores constantes e determinantes a consolidação de nações a partir da aglutinação de grupos, ou etnias (etnogênese); os elementos, ou focos aglutinadores foram diversos: na Idade do Ferro destacaram-se as chefias, embora a concepção sobre seu domínio seja contestada, mas que em diversas formas permaneceu ao longo dos séculos; no caso da Escócia as chefias foram importantes, mas a ação dos monges irlandeses (ou seus discípulos) foi preponderante para reforçá-las ideologicamente; entre as tribos germânicas pode destacar-se a importância da nobreza guerreira, enquanto na Lusitânia o sistema de economia imperial romano redefiniu a comunidade nativa.

Por outro lado, as forças que atuaram na formação das nacionalidades, e consequentemente da Europa como um todo, não foram apenas as lideranças mais evidentes, como os chefes, os monges, os nobres, e os comerciantes/empresários, mas também forças mais discretas, quase ocultas, que mantiveram identidades tradicionais, como as druidesas (ou o que a elas pode equivaler). Assim decorreu a Alta Idade Média, quando as tradições celtas e germânicas convergiram para a constituição das nacionalidades e reinos; posteriormente a consolidação destes reinos deu lugar a uma convivência, em que, no seio do cristianismo, na Baixa Idade Média, as lendas e contos antigos foram refeitos e recompostos em literatura escrita com abrangência mais ampla. É o caso do Mabinogion, coletânea de narrativas originárias do País de Gales, e da literatura em torno da demanda do Graal, esta de muito mais ampla circulação na Europa; nela se reflete e configura um conjunto de fontes – bíblica, heróica, cavalheiresca, cortês – que constitui uma das obras pedagógicas da cultura européia e ocidental.

Outro aspecto importante da contribuição celta e germânica para a formação da identidade européia está na Filosofia, já que, em questões antigas, como a existência de conceitos universais (que de fato respondem à pergunta: como pensamos?) problema que já vinha desde os filósofos de Atenas, a contribuição de teólogos de diversas origens étnicas, convergindo para uma discussão comum, mostrou como na Baixa Idade Média os celtas e germanos já eram, junto com italianos e outros povos, plenamente europeus, e parte integrante e atuante da civilização ocidental. Uma questão destacada em diversos trabalhos é a peculiar e forte presença da mulher nas sociedades celtas, revelada por diversos tipos de literatura e personagens: rainhas irlandesas e seus triângulos amorosos, adivinhas e videntes que deram continuidade à memória dos druidas, fadas e ondinas que ainda povoam a imaginação de crianças e adultos – “dominam o universo”, no dizer do Professor Birkhan – e estão presentes na literatura irlandesa contemporânea personificando a identidade celta.

Este Livro de Atas tem muitos méritos, e certamente um deles é o fato de ser a primeira publicação brasileira, em livro, com textos de pesquisadores brasileiros, sobre temas celtas e germânicos, antecipando-se assim às publicações de outros simpósios e colóquios do grupo Brathair que o precederam. Além disso, apresenta um panorama deste estudos, como se viu, tanto em amplitude histórica quanto temática, que, apesar do exíguo número (13) de títulos consegue ser uma introdução geral para quem se interessar pelo assunto. Finalmente as metodologias, pacientes e cautelosas, fundamentadas em extensas bibliografias e notas (num total de 33 páginas, 13% do texto, e 380 obras citadas) são o plano aval e garantia da seriedade e espírito científico com que se deve trabalhar, e se trabalha no Brasil, os estudos das culturas celtas e germânicas.

João Lupi – UFSC. E-mail: lupi@cfh.ufsc.br


TÔRRES, Moisés Romanazzi; TACLA, Adriene B., e outros (coordenadores). Livro de Atas. III Simpósio Nacional e II Internacional de Estudos Celtas e Germânicos. São João Del Rei: UFSJ e Brathair, 2008. Resenha de: LUPI, João. Saber e Poder entre Celtas e Germanos. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.9, n.2, p. 46-47, 2009. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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