Sacro Império Romano-Germânico / Brathair / 2005

O mundo medieval descortina-se ao estudioso pós-moderno de forma paradoxal. Alguns observam nele marcas embrionárias das tensões atuais, enquanto outros simplesmente relegam-no a um plano terciário. A Revista Brathair, neste seu primeiro número de 2006, resgata um pouco da contribuição daquela época através de seu Dossiê Sacro Império Romano-Germânico, bem como artigos presos ao mundo anglo-alemão, além da apresentação de resenhas de obras há pouco lançadas no mercado editorial.

Pensando na importância, não apenas geográfica, porém principalmente política do assim chamado SACRO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO e ainda procurando divulgar estudos acerca de sua origem e organização, preparou-se o Dossiê, com artigos variados, cuja linha mestra, porém, prende-se ao tema central.

No primeiro artigo, ‘Honor Imperii: a estruturação político-militar do Sacro Império no século XII’, Vinícius César Dreger de Araújo lega-nos informações sucintas, porém precisas acerca do surgimento, desenvolvimento e afirmação do poder imperial, tendo como ponto central a questão da organização militar e suas imbricações políticas. ‘“De Servo a Vigário de Cristo”. A Potestas Papal no Período de Gregório VII’, de Agemir de Carvalho Dias configura-se num estudo do poder de Gregório VII, um dos mais importantes e influentes pontífices da época medieva e traz alguns elementos sobre sua influência nas diretrizes políticas e espirituais do Sacro Império.

Na Seção de Artigos, Elton Oliveira Souza de Medeiros, em seu ensaio ‘O Conceito Germânico de Aristocracia em Beowulf’, analisa a concepção de aristocracia através de uma obra literária, a saber, Beowulf, talvez o mais significativo texto em Old English existente, fortalecendo a idéia de que um testemunho literário serve como base para investigações de ordem historiográfica. O pesquisador Johnni Langer trata em seu estudo ‘Religião e Magia entre os Vikings: uma sistematização historiográfica’ um alentado quadro evolutivo das principais correntes historiográficas que se debruçaram sobre o tema religião e magia viking, sistematização extremamente útil àqueles que trabalham com essa temática.

‘A centralização política promovida por Rotário, no século VII, por intermédio da codificação do direito penal dos longobardos’, de Alexandre Ribas de Paulo, focaliza o estabelecimento da tribo longobarda na Península Itálica e, no século VII, a utilização pelo rei Rotário de práticas do Direito Romano com vistas à legitimação e afirmação incontestável do poder régio centralizador.

‘Do motivo da falsa noiva ao tema da inveja: uma leitura comparada entre três contos dos Irmãos Grimm e o episódio de “A falsa Genevra”’ de Sylvia Trusen completa a Seção. A autora, ao focar a compilação de elementos dos assim denominados contos de fada pelos Irmãos Grimm, desenvolve seu ensaio baseando-se em uma análise de motivos literários, em que o universo germânico é sucintamente tratado.

Como Resenhas, Álvaro Alfredo Bragança Júnior discute a obra de Helmut Birkhan, Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte. Wien: Edition Praesens, 2004. 296 Seiten. Band 12, Teil V: Nachklassische Romane und höfische “Novellen”, cujo título em português seria Romances Pós-Clássicos e “Novelas” Corteses, obra que faz parte de oito volumes que versam sobre as origens de uma literatura em língua alemã até o século XVI.

Edgar Indalecio Smaniotto ao resenhar o texto de Roberto de Sousa Causo. Mitologias vikings e ameríndias encontram-se numa emocionante história de fantasia heróica em A Sombra dos Homens: A Saga de Tajarê: Livro I. São Paulo: Devir, 2004 discute cientificamente sobre a plausibilidade do tema em questão.

Pelo exposto, o presente número da Revista Brathair, cujo Dossiê Sacro Império Romano-Germânico, Artigos e Resenhas tratam do mundo germânico medieval, promete reunir dois fundamentos da pesquisa, em que acreditamos firmemente, prodesse et delectare, isto é, ser útil e deleitar!

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Professor Doutor

Moisés Romanazzi Tôrres – Professor Doutor

Organizadores


BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo; TÔRRES, Moisés Romanazzi. Editorial. Brathair, São Luís, v.5, n.2, 2005. Acessar publicação original [DR]

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Mittelhochdeutsche, vor – und frühhöfische Literatu | Helmut Birkhan

Atualmente, onde cada vez mais é incrementado o diálogo interdiscursivo, interdisciplinar e interepistemológico, percebe-se a necessidade de revitalização de estudos de base diacrônica, que procurem ajudar ao homem contemporâneo entender os processos e mecanismos de desenvolvimento social, no que a linguagem literária possui uma forte participação como repositório cultural. Consoante essa assertiva, pesquisadores de História, Literatura, Antropologia, Arqueologia, dentre outras ciências, devem procurar o estabelecimento de Grupos de Trabalho Integrados, os quais, com a utilização das metodologias específicas de pesquisa, contribuem para uma melhor apreensão do objeto comum em análise. Talvez, nesse momento, no campo dos estudos germânicos ligados a uma proposta de Germanística Intercultural, encontre-se na Medievística Germanística a episteme necessária que integralize uma junção de lingüistas, teóricos das literaturas germanófonas, historiadores – para apenas citar alguns profissionais – com o intuito de trazer ao homem do século XXI as riquezas do homem medieval expressas em seus textos. [1]

Um dos mais respeitados eruditos, professor catedrático da Universidade de Viena, germanista, celtólogo e medievalista, Helmut Birkhan lega-nos uma série de oito Studienbücher – livros de iniciação ao estudo universitário -, publicada pela Editora Praesens, a saber: parte I –Literatura em antigo-alto-alemão e em antigo-saxão; parte II – Literatura em médio-alto-alemão pré-palaciana e em seus primórdios corteses; parte III – Trovadorismo e poesia sentenciosa da época dos Staufer; parte IV – Literatura romanesca da época dos Staufer; parte V – Romances pós-clássicos e “novelas” corteses; parte VI – Épica heróica da época dos Staufer e no início dos Habsburgos; parte VII – Trovadorismo, poesia sentenciosa e contos versificados da última fase dos Staufer e dos primeiros Habsburgos.[2] Pelo exposto através dos títulos, Birkhan pretende fornecer aos estudantes de Germanística manuais de iniciação à literatura medieval em alemão, conjugando a isso em sua obra elementos de ordem histórica, em nosso ver indispensáveis para uma melhor compreensão da época estudada.

O texto é dividido em capítulos, que sempre são precedidos de uma contextualização histórica sobre as dinastias, de onde as obras são provenientes, i.e., os sálios (p.8-14) e os Staufer (p.130-135). Posteriormente têm-se comentários elementares sobre os principais textos, de ordem religiosa no tocante aos sálios (p.18-109) e acerca das duas obras consideradas como “literatura histórica”, (p.109). Ao apresentar a primeira delas, a Canção de Anno, Birkhan demonstra quão indispensável é a união entre discurso literário e contexto histórico no mundo medieval:

“A Canção de Anno é a primeira epopéia contemporânea em língua alemã. Ela reúne história da humanidade, história cristã da salvação e história mundial com uma apresentação tipológica da vida do bispo Anno de Colônia.”(p.109)

Ao tratar da segunda, a Crônica dos Imperadores, (p.117-129) o estudioso austríaco discorre sobre as características da obra, desde a transmissão do texto, com dados sobre o compilador ou autor da obra, tece comentários sobre a datação da mesma e sobre as fontes para a sua composição com alguns excertos textuais.

Se durante o período dos Sálios há a predominância de uma literatura religiosa, vêse, por outro lado, o início da afirmação de um tipo de escrita, que se centra nas práticas e costumes, no modus vivendi e modus cogitandi dos bellatores. Canções, Lieder, que descrevem heróis da Antigüidade e suas façanhas, Alexandre, Rolando, temas que lidam com o Oriente, Flôre e Blanscheflûr, assim como as épicas trovadorescas Duque Ernesto e Rei Rother e epopéias trovadorescas lendárias [3], Oswalt, Orendel e Salomão e Markolf, configuram esta nova arte da palavra, que tem na corte seu modelo.

Como por nós mencionado em resenha previamente feita [4], Birkhan não se preocupa com uma introdução ao seu texto, mas sim arrola a bibliografia por ele analisada. Já que os fragmentos textuais estão em médio-alto-alemão, estágio segundo do desenvolvimento do idioma alemão, não há a versão para o Neuhochdeutsch, o que demonstra a natureza da obra voltada para alunos e estudiosos nativos. Entretanto, por considerarmos o trabalho meritório, ficaria aqui uma sugestão para a preparação de um glossário com os principais termos do médio-alto-alemão em alemão moderno, à guisa de facilitação para o pesquisador estrangeiro.

No que diz respeito à organização do volume, nota-se a observância ao aspecto cronológico, que leva o leitor a relacionar mais seguramente o mundo das idéias e o mundo dos homens em mudança nos séculos XI e XII.

Preocupações com o conteúdo (p.42 et alii) e com a paráfrase de excertos originais (p.39-40 et alii) perpassam a obra, com o intuito de fornecer as informações lingüísticas, estilísticas e literárias básicas sobre os textos. No entanto, os Anexos merecem comentário à parte.

De significativa importância para a visualização das informações transmitidas, os Anexos colocam à disposição mapas lingüísticos, excertos de manuscritos, documentos e testemunhos em runas e língua alemã. Uma genealogia dos otônidas, sálios e Staufer, além de um gráfico sobre os romances alexandrinos medievais em alemão, latim e francês completam o quadro, que une Iconografia, Arqueologia, Língua e Literatura a partir do mundo germânico pagão até à época abarcada no volume.

Neste volume há uma presença ínfima de textos em língua latina, o que corroboraria o vernáculo como língua de prestígio dentro do fazer artístico no Sacro Império. Como o título da série prende-se à Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte, História da antiga literatura em alemão à luz de textos escolhidos, tal seleção nos induz à pergunta, não formulada na Parte I: quais os critérios para selecionar e indexar determinados textos em detrimento de outros? Cremos que o cânon, aliado à experiência docente do pesquisador, tenha sido os fatores decisivos para a escolha. Somos, outrossim, de opinião que o autor deveria discorrer a respeito em uma reedição da obra.

Por fim, Mittelhochdeutsche, vor- und frühhöfische Literatur, volume II da série supra citada, apesar da linguagem mais simples, é extremamente útil, organizada com precisão e muito bem fundamentada, prestando à Medievística Germanística uma valiosa ajuda para tornar contemporâneo o medievo germanófono, daí ser para nós indispensáveis as palavras anônimas

Quidquid homo nescit, vix discit, quando senescit.

O que o homem desconhece, dificilmente aprende quando envelhece!

Notas

1. Cf. BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo.Resenha de BIRKHAN, Helmut.Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte. Wien: Edition Praesens, 2002. 217 Seiten. Teil I: Althochdeutsche und altsächsische Literatur.. In: KESTLER, IZABELA (Org.) Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2005. Volume IX (no prelo).

2. A parte VIII ainda não foi publicada.

3. Epos, no original, equivalendo à epopéia clássica, ao narrar a história de um herói ou coletividade

4. Cf. nota ii.

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Departamento de Letras Anglo-Germânicas Faculdade de Letras Programa de Pós-Graduação em História Comparada UFRJ. E-mail: alvabrag@letras.ufrj.br


BIRKHAN, Helmut. Geschichte der altdeutschen Literatur im Licht ausgewählter Texte. Wien: Edition Praesens, 2002. 217 Seiten. Band 7, Teil II: Mittelhochdeutsche, vor – und frühhöfische Literatu. Resenha de: BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.5, n.1, p. 141-143, 2005. Acessar publicação original [DR]

Curso de literatura inglesa | Jorge Luís Borges

Originário de aulas ministradas na Universidade de Buenos Aires durante a década de 1960 [1], o livro ainda mantém um interesse vivo pelas valiosas conclusões que Borges sugere de seus conhecimentos em fontes manuscritas e impressas de línguas germânicas. Os sete primeiros capítulos – ou aulas – referem-se aos períodos da Antigüidade e Idade Média. Neles, o professor explicita sobre as técnicas poéticas, as características e os princípios da literatura dos antigos saxões e dos escandinavos. Também demonstra em suas aulas que o panorama político europeu, especialmente da Inglaterra, foi muito favorecido pelas invasões nórdicas. É justamente neste aspecto que Borges revela muito mais que uma simples admiração por estes povos, identificando as personagens com um passado glorioso e heróico: “Os Vikings talvez tenham sido a gente mais extraordinária entre os germanos da Idade Média. Foram os melhores navegantes da sua época (…) à maneira de muitos escandinavos cultos, não era apenas guerreiro mas, além disso, era poeta” (p. 22).

Simplificadores do moderno idioma inglês, os antigos escandinavos possibilitaram a consolidação do futuro império britânico, segundo as mesmas idéias de Borges (pp.100-102).[2] Essa visão heróica e gloriosa dos bárbaros pode ser percebida pelo espaço concedido à análise dos épicos anglo-saxões, como Beowulf e das sagas islandesas. Para o escritor, o período em que viveram estes aventureiros não era simplesmente uma época de desordem e caos, mas um momento extremamente propício para a formação de estruturas literárias complexas: “uma época bárbara mas que propendia à cultura, que gostava da cultura”(p.20). Assim, podemos incluir os estudos teóricos de Borges como a culminação de um processo de recuperação da imagem do bárbaro que teve início no século XVIII e que foi essencialmente centrada na literatura.

Ao contrário do Renascimento e sua revalorização da cultura clássica, o Setecentos foi marcado pelo ressurgimento dos estudos da literatura dos povos da Europa Setentrional, especialmente os de origem Celta e Germânica [3]. Manuscritos foram traduzidos e publicados nas línguas modernas, obras teóricas surgiram, novos poemas e narrativas foram criadas ao estilo das arcaicas. Esta adaptação e reinterpretação literária esteve atrelada à concepções de fundo nacionalista, tão em voga na época. Os intelectuais, na realidade, estavam preocupados em resgatar valores tais como identidade social e demarcar as origens do que eles então definiam como sendo suas nações. A literatura servia diretamente tanto como marco simbólico desta consciência nacional, como um instrumento de propaganda dos valores antigos que deveriam ser resgatados.

Um caso especialmente estudado por Borges diz respeito ao Ciclo Ossiânico [4]. Durante o século XVIII, a Escócia procurou criar uma identidade diferenciada da Inglaterra (de origem histórica anglo-saxônica), mas que o mesmo fosse alternativa ao passado Celta comum aos irlandeses. James Macpherson [5] foi incumbido de recolher lendas na Escócia, de origem irlandesa mas que foram alteradas e sintetizadas para que sua região tivesse uma identidade nacional própria. O resultado foi a obra Fingal: Ancient Epic Poem in Six Books (1762), que fez grande sucesso em toda a Europa pré romântica. [6] O Ciclo Ossiânico também conhecido como Ciclo de Finn apresenta narrativas supostamente ambientadas no século III d.C. O ciclo de narrativas traz longas composições muito populares entre as gentes simples da Irlanda durante a Idade Média. Essas narrativas de cunho popular em muito se assemelham as narrativas do Ciclo Arturiano ou Bretão [7] compostas a partir do século XII principalmente na França. Esses dois ciclos de narrativas mais se aproximam do que se distanciam pois, além do caráter popular e folclórico de suas narrativas têm em comum as aventuras de suas personagens. Os Fiannas são considerados uma espécie de guarda de elite do grande rei da Irlanda. Entre as suas tarefas estão o recolhimento de impostos e a proteção dos mais fracos. As incumbências dos Fiannas são praticamente as mesmas dos Cavaleiros do Távola Redonda, fiéis servidores do rei Artur. Muitas das aventuras narradas no Ciclo Ossiânico podem ser comparadas com as do Ciclo Arturiano. Acreditamos que a semelhança narrativa mais próxima seja uma aventura vivida pelo próprio Finn, na aventura amorosa intitulada Diarmaid e Grinné. Grinné é uma jovem que vai ser entregue como concubina para o rei Finn mas ela se apaixona por Diarmaid, jovem cavaleiro e fiel servidor de Finn. Sabendo da paixão dos jovens o rei Finn finge que desistiu de manter a jovem como concubina, mas durante uma caçada ele constrói uma armadilha para que Diarmaid morra. Ao perceber a trama de morte inevitável Grinné não consegue avisar seu amado e, ao vê-lo morto deixa-se morrer ao seu lado. Essa “aventura” é o arquétipo da mais conhecida narrativa do Ciclo Arturiano, Tristão e Isolda, onde os jovens incapazes de concretizarem seu amor em vida se deixam morrer para que o sentimento sobreviva após a morte e possa se consumar. O tema do amor que só é possível se concretizar após a morte sempre trágica ou violenta dos amantes é recorrente na literatura ocidental desde a Antigüidade e para os românticos foi um tema profícuo, não só pelo fascínio que ele exercia e que foi representado tanto na prosa como na poesia dos autores dessa escola literária, mas que inspirou também pintores e escultores que representaram com beleza as malezas arquitetadas por Eros e Tanatos.

A narrativa de Tristão e Isolda que tem a sua matriz em Diamaid e Grinné teve desde o século XII muitas versões. No século XII Béroul e Thomás de Inglaterra compuseram duas das mais conhecidas e estudadas versões, Gottfried de Estrasburgo no século XIII compôs uma versão mesclando elementos da cultura celta com a cultura germânica e que no século XIX serviu de inspiração para Richard Wagner compor a sua versão da tragédia dos amantes. E, por fim no século XIX, Joseph Bédier, filólogo francês estabeleceu uma versão onde mescla elementos das três narrativas medievais mas que se iguala em beleza e elementos fundamentais para se estudar a força do mito do amor eterno que sobrevive após a morte.

O amor dos jovens Diarmaid e Grinné e Tristão e Isolda é um sentimento puro, que se encontra em seu estado “natural”, ele ainda não foi corrompido por convenções sociais, podemos dizer que, grosso modo, esse sentimento é algo sentido apenas por bárbaros, pessoas que não receberam o refinamento social devido e é por essa mesma razão que os românticos – tanto escritores como pintores – tão avessos às convenções vão eleger o “amor bárbarico” como um dos principais temas de suas obras, representando assim toda a sua rebeldia e insatisfação com as leis, padrões e moldes sócio- culturais vigentes. [8]

Além deste caráter puramente estético, no século XIX a imagem do bárbaro foi reforçada como incentivo nacionalista, mas desta vez com cada região tendo os seus próprios mitos literários. Os países da Escandinávia utilizaram seu patrimônio cultural dentro de especificidades regionais, onde os sentimentos patrióticos incorporaram elementos da literatura, história e mitologia dos tempos pagãos. Especialmente o historiador e poeta Erik Geijer no livro Svenka folkets historia (História dos povos suecos, 1836) utilizou a sociedade dos antigos nórdicos como um modelo social perfeito, onde a harmonia do povo e de seus líderes foi quebrada pela chegado do cristianismo e do feudalismo.[9] O “espírito” dos tempos passados era refletido na arte decorativa, no interior das casas e dos edifícios, nos jornais, na vida cotidiana e nas idéias políticas, sempre em consonância com o progresso tecnológico e social dos tempos modernos.[10] A poesia e a literatura romântica da Escandinávia refletiam diretamente os mitos nórdicos com ideologias políticas do presente. Obras literárias como a famosa Frithiofs Saga (1825) de Esaias Tegner, apesar de conter heróis medievais, possuem comportamentos e valores condizentes com a realidade histórica vivida pela Suécia do Oitocentos.

Concedendo especificidade ao contexto inglês, Borges examinou em suas aulas um conjunto de artistas que resgataram a imagem bárbara durante o final do século XIX, a Irmandade Pré-Rafaelita. [11 ]Os temas preferidos do grupo eram a mitologia arturiana, temas medievais e escandinavos. Os principais escritores pré-rafaelitas que Borges analisou foram Dante Gabriel Rosseti [12] e William Morris [13]. Rosseti foi um dos fundadores do movimento e peça fundamental para entender a principal ideologia artística reinante na época vitoriana. Segundo Borges, a valorização de temas medievais visava essencialmente a busca da nobreza no passado. Em uma época onde a tecnologia, o urbanismo e a industrialização tomavam grande vulto na Inglaterra, os artistas voltam-se para a busca do belo – idealizada nas figuras femininas de Isolda, Guinevere e Morgana – e no herói, principalmente no rei Artur, Tristão e Lancelot. Tanto estas figuras femininas quanto masculinas pertencem ao ciclo arturiano, um conjunto de narrativas de origem Celta, que foram mescladas aos princípios cristãos do comportamento cavalheiresco da Idade Média, como já vimos. Com isto, temos duas formas básicas da imagem do bárbaro realizada pelos artistas pré-rafaelitas: de um lado, o bárbaro (herói pagão), que é resgatado em sua forma pura, de um ponto de vista estético e histórico.[14] De outro lado, o herói pagão que foi cristianizado e moldado pelo cavalheirismo medieval, principalmente na forma dos personagens arturianos.

Um dos principais idealizadores do herói pagão foi o poeta William Morris. Além de tradutor de várias Sagas e epopéias escandinavas, o artista escreveu poemas narrativos resgatando o que Borges denomina de “consciência do germânico” dentro da História e arte inglesa.[15] Em um deles, The Earthly Paradise (1870), a mitologia nórdica é apontada diretamente como elemento nostálgico e nobiliárquico da sociedade inglesa: “Oh Breton, and thou Northman, by this horn/Remember me, who am of Odin’s blood”.[16] Ou seja, aqui o narrador apresenta o rei inglês como descendente direto do deus Odin, o principal do panteão germânico. Um resgate literário dos valores simbólicos das antigas sociedades, em plena Inglaterra vitoriana. Em outra obra, Sigurd the Volsung (1876), a importância do herói pagão de origem escandinava foi ainda mais acentuada. Baseado em manuscrito islandês homônimo, este poema épico enfatizava a tragédia, a derradeira morte do principal personagem. Esta característica essencialmente romântica, também seria muito comum ao movimento pré-rafaelita com a predileção iconográfica dos artistas pelas narrativas trágicas de Tristão e Isolda [17] e da morte de Artur.[18] Mas não podemos nos esquecer que os próprios deuses germânicos também eram essencialmente trágicos, pois ao contrário da mitologia clássica (onde todas as divindades são imortais), eles teriam um final, durante a batalha de Ragnarök. Explicando a existência de telas como Odin (1870) e Freyr (1870), por Edward BurneJones,[19] onde as duas divindades apresentam um olhar melancólico, ambas olhando para baixo e numa atmosfera de extrema tristeza. Outro momento trágico resgatado por este movimento artístico é o funeral, que surge ao final do poema Sigurd, de Morris (com a morte do herói e o suicídio de Brunhilde na pira funerária) e na famosa tela de Francis Dicksee, Funeral of a Viking (1893).

A imagem literária do homem e também da mulher bárbara que foi construída durante os séculos seja na literatura como nas artes plásticas, em muitos momentos não foi uma imagem negativa, mas procurou exaltar determinadas virtudes que para os jovens idealistas românticos estavam um tanto esquecidas. Ao nos expor com maestria e bom humor aspectos tanto da literatura inglesa como da efervescência cultural que foram os séculos XVIII e XIX na Inglaterra, Borges nos oferece também novas perspectivas de análises de fontes importantes não só para uma maior compreensão das letras, mas das representações de figuras que ainda hoje povoam nosso imaginário e nos encantam!

Ao apresentar suas aulas durante um período conturbado da história latino-americana, Borges não ensinou apenas nomes, autores e características literárias, ele concedeu aos seus alunos uma aproximação com a literatura germânica – e repete o feito com os seus leitores de hoje – de se encantarem com a beleza das letras compostas em um momento especial, onde resgatar a imagem e o espírito dos bárbaros não era somente uma fonte de inspiração e um modelo estético mas sim uma admiração pelo espírito de liberdade e de criatividade.

Notas

1 O livro foi organizado por Martín Arias e Martín Hadis, através de transcrições das aulas ministradas por Borges na Universidade de Buenos Aires.

2 Muito da imagem que o teórico transmite em suas aulas na década de 1960 provinha do cinema: “E eles, enquanto isso, vêem como os vikings vão desembarcando. Podemos imaginar os vikings com seus elmos ornamentados com chifres, ver chegar aquela gente toda” (p. 60). Essa representação dos guerreiros nórdicos portando chifres com ornamentos córneos surgiu durante o início do Oitocentos, produto de uma arte romântica e nacionalista, promovendo o resgate viril e poderoso dos Vikings. Posteriormente, essa fantasia popularizou-se nas histórias em quadrinhos, literatura e cinema. Conf. LANGER, Johnni. The origins of the imaginary Viking. Viking Heritage Magazine, University of Gotland/Centre for Baltic Studies, Visby (Sweden), n. 4, 2002. Borges deve ter estruturado este estereótipo em filmes como Príncipe Valente (1954) e romances populares, dos quais cita The Long Ships (do original Röde Orm, 1945, versão inglesa da década de 1950).

3 Designamos literatura de origem Celta toda produção literária originada do folclore ou tradição oral e transcrita após o século VIII em países como a Irlanda (Celtas irlandeses), Escócia (Pictos e Escotos), País de Gales, Bretanha inglesa e francesa (Bretões) e França (Gauleses). A de origem germânica refere-se aos países escandinavos e Islândia (Vikings), Alemanha (Germanos antigos) e Inglaterra (Anglosaxões). Borges realizou um estudo clássico sobre literatura germânica: BORGES, Jorge Luís & VAZQUES, Maria E. Literaturas germanicas medievales. Buenos Aires: Falbo Librero, 1965.

4 “Le Cycle de Finn, ou Cycle Ossianique, est le cycle consacré à la province du Leinster. Mais il déborde de loin les frontières de ce petit état et se retrouve, très florissant, dans l’Écosse tout entière. C’est le Cycle de Finn, transmis par la tradition orale depuis de siècles, que Mac Pherson a connu et quíl a répandu dans toute l’Europe. Car Fingal n’est autre que le nom romantique de Finn et Ossian celui de Oisin (= le Faon). Finn est le roi. Mais à la différence de Conchobar, il n’exerce pas une autorité légale sur l’Irlande ou sur une troupe de véritables nomades, de guerriers errants, qui sont passés à la posterité sous le non de Fianna (Fenians). Ces Fianna ont vraisemblament eu une existence historique, au temps du roi suprême Cormac Mac Airt, c’est-à-dire à la fin du IIe. Siècle de notre ère. Ils constituaient une sorte d’État dans l’État, et ils furent souvent en froid, nom seulement avec le roi suprême mais aussi avec les différents rois de provinces ou de tribus sur le territoire desquels ils exerçaient leurs talents”. MARKALE, Jean. L’épopée celtique d’Irlande. Paris: Payot, 1993, p. 159.

5 “James Macpherson nasceu nas Highlands da Escócia, nas Terras Altas da Escócia, nas serras da Escócia, no ano de 1736, e morre em 1796. (…) Macpherson nasce e se cria num lugar agreste ao norte da Escócia, onde ainda se falava um idioma gaélico, isto é, um idioma celta, afim, naturalmente, ao galês, ao irlandês e à língua bretã levada à Bretanha – antes chamada Armórica – pelos bretões que se refugiaram das invasões saxãs do século V” (Borges, 2002: 157-8).

6 “Como Macpherson não queria que os personagens fossem irlandeses, fez de Fingal, pai de Ossian, rei de Morgen, que era a costa setentrional e ocidental da Escócia (…) Macpherson foi acusado de falsário (…) Atualmente, não nos interessa se o poema é ou não é apócrifo, mas o fato de que nele já está prefigurado o movimento romântico” (Borges, 2002: 166). Uma das pinturas mais famosas inspiradas na obra de Macpherson é Ossian na margem do Lora invocando os deuses ao som de uma harpa, de Grançois Gérard (sem data). Nesta composição, temos os elementos chaves do romantismo europeu: atmosfera de mistério e horror, elementos ruinísticos, atmosfera onírica, e é claro, os elementos advindos da mitologia Celta. Conforme: WOLF, Norbert. A pintura da era romântica. Lisboa: Taschen, 1999.

7 “O Ciclo Bretão, no qual se destacam os feitos do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda, as aventuras de Galvain, Lancelot, Tristão e Isolda, Parcifal e a Demanda do Santo Graal, tem origem céltica. Na História Britonum, de Nennius, obscuro historiador latino do século VIII, Artur aparece como herói dos celtas britânicos contra os invasores anglo-saxões. As versões autenticamente célticas da lenda estão no Mabinogion, coleção de narrações na língua do País de Gales; aqui a figura de Artur e dos Cavaleiros já perdeu todo o caráter histórico, achando-se inteiramente transformados pela vivíssima imaginação céltica, nutrida de lendas de feiticeiros, fadas, florestas encantadas, castelos misteriosos, espectros. O Mabinogion na sua forma atual, foi redigido só no século XIV; os seus heróis célticos já têm a feição de cavaleiros franco-normandos. Para o mundo não céltico, a mesma transformação foi operada pelo ‘historiador’ Geoffrey of Mommouth, cuja fantástica História Regum Britanniae que foi escrita entre 1135 e1138; parece que Geoffrey pretendeu criar, intencionalmente, um pendant inglês da geste francesa. O último retoque, enfim, foi de natureza religiosa. Deu-se sentido cristão a certos episódios do ciclo, e como episódio final apareceu, em vez da viagem do rei Artur para a ilha de Avalon, paraíso dos celtas, a Demanda do Santo Graal e a transformação da Távola Redonda de grupo de cavaleiros aventurosos em irmandade de cavaleiros místicos”. CARPEUAUX, Otto Maria. História da Literatura Ocidental. Volume I Rio de Janeiro: Alhambra, 1978, 2ª edição, p. 140.

8 LE BRIS, Michel. Barbares romantiques, Norsemen et Saxons. In: GLOT, Claudine & LE BRIS, Michel (orgs.). L’Europe des Vikings. Paris: Éditions Hoëbeke, 2004, p. 162-165. Na literatura francesa do século XIX, o Viking torna-se o herói romântico perfeito: aventureiro, sem nenhum temor, feroz, galante e essencialmente, livre. “Un personnage, dont le nom est déjà intervenu plusieurs fois, rassemble ce que le XIXe siècle a voulu mettre, en ce sens, sous le mot viking: c’est celui du roi de mer. L’expression seule suffisait déjà à déchaîner imaginations et passions: iéal aristocratique mêlé à tous les parfums de l’aventure, lois de l’héroïsme et de la brutalité (…) Le Viking, c’est l’homme libre”. BOYER, Régis. Le mythe Viking dans les lettres françaises. Paris: Editions du Porte-Glaive, 1986, p. 83-103.

9 LÖNNROTH, Lars. The Vikings in History and legend. In: SAWYER, Peter. The Oxford illustrated history of the Vikings. London: Oxford University Press, 1999, p. 238.

10 Além disso, cada país escandinavo resgatou a memória dos tempos Vikings dentro de um referencial próprio, condizente com a realidade política então vigente (p.ex., a Suécia de 1814 a 1905 foi unida com a Noruega, ao mesmo tempo em que mantinha uma grande rivalidade com a Dinamarca).

11 Em inglês Pre-Raphaelite Brotherhood, grupo de artistas britânicos fundado em 1848 e dissolvido cerca do ano 1853. Movimento de reação ao convencionalismo da arte vitoriana, que buscava através da inspiração literária e simbólica, mitológica ou bíblica, restituir à pintura a pureza alcançada antes de Rafael, ou seja, no século XV. Seus representantes mais famosos foram Dante Gabriel Rosseti, W. H. Hunt, J. E. Millais, F. Brown, E. Burne-Jones e William Morris. O pintor brasileiro Eliseu Visconti chegou a ser influenciado pelo movimento. Conf. Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998, vol. 19, p. 4772. A Irmandade Pré-Rafaelita fundou uma revista chamada The Germ (O Germe) para divulgar suas idéias, pinturas e poesias. BORGES, op. cit., p. 284. Para uma crítica estética deste movimento artístico ver: GOMBRICH, Ernest H. A história da arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 404. Para o teórico Arnold Hauser, os pressupostos do pré-rafaelismo residiam em seu caráter poético/literário, espiritualista, histórico e simbólico: “(…) são idealistas, moralistas e eróticos envergonhados, como a grande maioria dos vitorianos (…) une um realismo que encontra expressão num deleite em ínfimos detalhes, na reprodução prazenteira de cada folha de grama e de cada prega de saia (…) exageram os sinais de perícia técnica, talento imitativo e perfeito acabamento”. HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 840-842.

12 Dante Gabriel Rosseti: pintor, desenhista e poeta inglês (Londres, 1828 – Kent, 1882). Filho do escritor napolitano Gabriele Rossetti, exilado por suas opiniões políticas. Foi um dos fundadores da confraria prérafaelita. Seus quadros (Ecce ancilla Domini, 1850; O sonho de Dante, 1871) e poesias (A moça eleita, 1850) inspiram-se em lendas medievais e temas da poesia primitiva inglesa e italiana. Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998, vol. 21, p. 5137.

13 William Morris: poeta, artista e ativista político inglês (Essex, 1834 – Hammersmith, 1896). Inovador da estamparia e xilogravura. Escreveu poesias narrativas como The Life and Death of Jason (1867) e The Earthly Paradise (1868), poemas pós-românticos, medievalistas. Traduziu a Eneida (1876) e a Odisséia (1887) e interessou-se pelas literaturas escandinavas. Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998, vol. 17, p. 4090.

14 O herói pagão sobreviveu na literatura arturiana sob a forma do mago Merlin, um druida (sacerdote dos Celtas) que ainda mantinha seus poderes sob o surgimento do cristianismo. Este personagem arturiano também recebeu diversas representações pelos pré-rafaelitas durante o Oitocentos: O engodo de Merlin (1874), de Edward Burne-Jones; Merlin e Nimue (1870), de Gabriel Rossetti. Também as representações de feiticeiras, fadas e druidas fizeram sucesso na arte vitoriana: Morgan Le Fay (1864), de A. Sandys; Os druidas trazendo o azevinho (1890), de George Henry e A. Horned.

15 Segundo Borges, a literatura inglesa havia esquecido suas raízes germânicas. Foi com o romantismo que essa vertente foi redescoberta, algo impensável com Shakespeare e totalmente consciente no caso de William Morris e os pré-rafaelitas. BORGES, op. cit., p. 356-357.

16 “Ó bretão, e tu Normando, por este chifre/Lembre-se de mim, que sou do sangue de Odin”. Texto original retirado de BORGES, 2002: 359.

17 A personagem Isolda foi muito representada pelos pré-rafaelitas, especialmente Burne-Jones, Rosseti, Morris e Francis Dicksee. A imagem de Isolda resgata muitos dos valores da mulher pagã, em meio à sociedade cristã das primeiras versões literárias. O seu amor impossível com Tristão inspirou o romance de Shakespeare, Romeu e Julieta. Contemplação, redenção e tragédia tornaram-se as características essenciais do movimento pré-rafaelita. Sobre o tema ver: CAMPOS, Luciana de. Uma leitura de Tristão e Isolda à luz da crítica feminina. Brathair 1 (2), 2001: 11-18 (www.brathair.cjb.net); CAMPOS, Luciana de. Em busca da bela dos cabelos de ouro: um estudo da representação da mulher/rainha Celta em Tristão e Isolda de Béroul. Tese de doutorado em Teoria Literária (Linha de pesquisa: História, Cultura e Literatura). Unesp/São José do Rio Preto, 2005.

18 Praticamente em todo o movimento pré-rafaelita, o rei Artur é quase sempre representado morrendo ou já morto na ilha de Avalon: L’morte d’Artur (1860) de James Archer – as rainhas choram ao lado de seu corpo próximo à praia; O rei Artur em Avalon (1894) de Edward Burne-Jones – o corpo do trágico rei repousa sobre uma ilha da costa da Bretanha, velado por nove rainhas. Para uma discussão historiográfica acerca de fontes literárias arturianas, consultar: ZIERER, Adriana. Artur: de guerreiro a rei cristão nas fontes medievais latinas e célticas. Brathair 2 (1), 2002: 45-61 (www.brathair.cjb.net).

19 Sir Edward Burne-Jones: pintor e desenhista inglês (Birmighan 1833 – Londres 1898). Aluno de Rosseti, uma das figuras marcantes do pré-rafaelismo; sua obra mistura mitologia antiga, lendas medievais e a religião cristã. Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998, vol. 5, p. 996.

Referências

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BOYER, Régis. Le mythe Viking dans les lettres françaises. Paris: Editions du Porte-Glaive, 1986.

CAMPOS, Luciana. Uma leitura de Tristão e Isolda à luz da crítica feminina. Brathair 1 (2), 2001: 11-18 (www.brathair.cjb.net).

_____ Em busca da bela dos cabelos de ouro: um estudo da representação da mulher/rainha Celta em Tristão e Isolda de Béroul. Tese de doutorado em Teoria Literária (Linha de pesquisa: História, Cultura e Literatura). Unesp/São José do Rio Preto, 2005.

CARPEAUX, Otto Maria. História da Literatura Ocidental. Volume I. Rio de Janeiro: Alhambra, 1978, 2 ª edição.

DABEZIES, André. Mitos primitivos a mitos literários. In: BRUNNEL, Pierre (org.). Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

GOMBRICH, Ernest H. A história da arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

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LANGER, Johnni. The origins of the imaginary Viking. Viking Heritage Magazine, University of Gotland/Centre for Baltic Studies, Visby (Sweden), n. 4, 2002.

_____ Rêver son passé. In: GLOT, Claudine & LE BRIS, Michel (orgs.). L’Europe des Vikings. Paris: Éditions Hoëbeke, 2004.

LE BRIS, Michel. Barbares romantiques, Norsemen et Saxons. In: GLOT, Claudine & LE BRIS, Michel (orgs.). L’Europe des Vikings. Paris: Éditions Hoëbeke, 2004.

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MARKALE, Jean. L’époppé celtique d’Irlande. Paris: Payot, 1993.

WAWN, Andrew. The Vikings and the victorians: inventing the Old North in 19Th-Century Britain. London: D.S. Brewer, 2002.

WOLF, Norbert. A pintura da era romântica. Lisboa: Taschen, 1999.

ZIERER, Adriana. Artur: de guerreiro a rei cristão nas fontes medievais latinas e célticas. Brathair 2 (1), 2002: 45-61. (www.brathair.cjb.net)

Johnni Langer – Professor da UNICS, PR. E-mail: Johnnilanger@yahoo.com.br

Luciana de Campos – Professora Mestre. Doutoranda em Letras/UNESP. E-mail: fadacelta@yahoo.com.br


BORGES, Jorge Luís. Curso de literatura inglesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Resenha de: LANGER, Johnni; CAMPOS, Luciana de. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.5, n.1, p. 144-150, 2005. Acessar publicação original [DR]

L’Europe des Vikings | Claudine Glot e Michel Le Bris

Para o imaginário ocidental, os Vikings sempre foram vistos como bárbaros cruéis, assolando e destruindo as costas européias durante a Idade Média. Apesar de estudos acadêmicos escandinavos desde o século XIX demonstrarem outras facetas desta cultura, foi somente a partir dos anos 1960 que a historiografia contemporânea iniciou uma nova concepção sobre os nórdicos. O historiador britânico Peter Sawyer (The Age of the Vikings, 1962) e o francês Lucien Musset (Les invasiones: le second assault contre l’Europe chrétienne, 1965) reabilitaram os guerreiros Vikings, especialmente para o contexto social e político dos tempos medievais. Desde então, diversos estudos demonstraram a complexidade da arte, da estrutura social, as concepções mitológicas e religiosas dos antigos escandinavos, e como eles interferiram nos rumos políticos do Ocidente, deixando diversas marcas perceptíveis até hoje.

A recente publicação L’Europe des Vikings comprova esse interesse renovado pelos audaciosos aventureiros da Escandinávia. Lançado simultaneamente com uma megaexposição na Abadia de Daoulas (França) [1], o livro reuniu alguns dos maiores especialistas do mundo na área da Vikingologia, desde mitólogos, arqueólogos, historiadores, epigrafistas até museólogos. A direção da obra foi de Claudine Glot (Centro do Imaginário Arturiano) e Michel Le Bris (Centro Cultural Abbaye de Daoulas) [2].

O pesquisador com maior quantidade de trabalhos é Régis Boyer (professor emérito da Universidade de Paris-IV-Sorbonne). No artigo Les dieux, les hommes, le destin, faz uma sistematização sobre a religiosidade nórdica pré-cristã, cuja principal característica era a ausência de centralizações tanto a nível teológico quanto a nível organizacional. Não possuíam dogmas, sacerdotes no sentido moderno do termo (sem castas ou iniciações), sem “fé” e ritos [3]. Ao contrário de outros sistemas religiosos, os escandinavos não privilegiavam a força bruta ou os valores essencialmente marciais em seus cultos, mas sim, as noções de fertilidade-fecundidade pelo viés da magia. A reverência às forças da natureza e os cultos aos ancestrais foram preponderantes, tanto na forma de padrões mitológicos quanto no cotidiano social. Se para os mitos enquanto narrativas simbólicas, Boyer ainda conserva uma influência direta de Georges Dumézil, ao continuar dividindo-os em três níveis (variantes líquidos, telúricos e solares-aéreos), percebemos que a importância concedida para as artes mágicas vem progressivamente tendo importância em seus estudos. Em seu clássico de 1981 (Yggdrasil: la religion des anciens scandinaves), Boyer já denotava a relevância dos rituais de magia na sociedade nórdica, neste artigo percebemos que esta perspectiva tornou-se mais acentuada, especialmente para os ritos de Nið (infames e dessacralizadores), Seiðr (divinatórios sagrados) e Blót (sacrifícios propiciatórios). Preocupados essencialmente com seu destino, os Vikings procuravam o conhecimento deste através de todos os meios possíveis. Segundo a perspectiva de Boyer, a religião para os Vikings era baseada profundamente na ação, em valores de reciprocidade, uma “prodigieuse leçon d’énergie et de confiance en la vie” (p. 29).

Em outro trabalho, De la hache à la croix, Boyer concede sua interpretação para o processo de cristianização da Escandinávia, um tema que vem ganhando cada vez mais importância no medievalismo. O historiador mantém duas posições básicas e interdependentes. A primeira enfatiza a transferência de um modelo religioso do continente para as terras do norte. Os pagões Vikings possuíam um contato prévio com o cristianismo, tanto pelas viagens exploratórias e comerciais, conhecendo seus ritos, crenças e hábitos (especialmente pelos intercâmbios com Constantinopla). Isto foi uma das razões que, ao contrário da lenda, não houveram conversões feitas de sangue e mártires. Já na literatura islandesa, sua redação utilizou os textos hagiográficos em latim, o modelo clássico de um rei convertido ou a vida de um santo local. É o que Boyer denomina de aggiornamento, muito mais que uma mudança de mentalidade, uma adaptação das novas tendências com o antigo. Isso pode ser exemplificado com o fato da Igreja tolerar e mesmo incentivar a utilização de inscrições rúnicas – consideradas mágicas pelo paganismo – ou pelo fato dos templos cristãos serem erigidos em áreas de antigos cultos pagãos [4]. O segundo aspecto enfatizado por Régis Boyer é o político. Durante a Era Viking, os reis possuíam um carisma sagrado, mas por outro lado não tinham autoridade suprema. O cristianismo trouxe novas possibilidades para o aumento da centralização do poder real, além de possuir um sistema hierárquico extremamente piramidal. A religião nórdica antiga não tinha dogmas, rituais precisos e definidos, templos, iniciação sacerdotal, enquanto o cristianismo fornecia além de tudo isso, também a possibilidade de contatos mais freqüentes com a Europa, como a própria manutenção simbólica dos reinos. Mas com isso, o Viking não pode ser mais livre e independente. Ele simplesmente desaparece: “le christianisme aura été l’un des grands facteurs d’extinction du Viking” (p. 147).

Mais um estudo integrante do livro é La longue histoire des runes, de Alain Marez (Universidade de Bordeaux-3). Uma das fontes mais prestigiadas nos atuais estudos de Escandinávia, a runologia ou epigrafia rúnica possui a vantagem de reconstituir a história através dos próprios povos nórdicos e não em documentos escritos posteriormente. Em 1999 foram calculados cerca de 3.200 inscrições rúnicas na Suécia, 900 na Noruega e 700 na Dinamarca. Um grande potencial para novas pesquisas e interpretações da sociedade escandinava. Marez é partidário da opinião de que as runas surgiram no século II d.C., influenciadas pelos alfabetos da região norte da Itália, o Piemonte subalpino, especialmente pela migração entre os povos do norte e sul da Europa. Durante o século III, a Dinamarca predominava na produção de inscrições, mas no período de migrações até a Era Viking, a Suécia tornou-se preponderante.

No primeiro período de produção rúnica, o principal suporte das inscrições foi o metal, mas com os escandinavos houve a posterior preponderância das gravações em rocha. A maioria do conteúdo é bem curto, sendo muitas sequências do futhark [5] de caráter mágico ou de nomes próprios, bens familiares, conjurações e malefícios. As vezes as inscrições funerárias traziam o nome do defunto ou do gravador. Em sua origem, a prática de gravar nomes era feita por uma elite social, membros da aristocracia. E a partir do século V, apareceram as estelas rúnicas sobre pedras para honrar o morto. As estelas com serpente rúnica (runslangen) apareceram na Suécia central do século XI. A fórmula dos textos é bem simples: “X elevou esta pedra (em memória de) Y (seu parente, amigo)”. Caso as circunstâncias da morte sejam excepcionais, o texto exaltava o bom caráter do defunto. O “centro de gravidade” da tradição rúnica situava-se na província de Uppland, norte do lago Mälar (Suécia). Concentrada na sede da monarquia dos Svear, uma rica aristocracia de famílias muito influentes favorecia o surgimento de uma literatura rúnica. Atualmente as estelas escandinavas, especialmente da Suécia, estão sendo tema de inúmeros estudos que procuram relacionar o texto com aspectos sociais, religiosos e econômicos, permitindo uma visão muito mais ampla das potencialidades desta fonte [6].

Segundo Marez, após a cristianização a Igreja não encarou as runas como vetores do paganismo e acabou adotando-as em suas cruzes e objetos de culto. Com o triunfo da escrita alfabética latina, o futhark escandinavo começou a decair, mas no século XIII ocorreu uma nova variação para tentar rivalizar com o latim – o futhark medieval do século XIV, utilizado nos funerais cristãos, epitáfios, marcas de propriedade, nas assinaturas de artistas, carpinteiros e escultores. Os bastões rúnicos (runakefli) foram calendários muito populares, uma das últimas formas do futhark, utilizados em 1300. Para o desfecho do artigo, Marez cita uma frase do epigrafista francês Lucien Musset: “l’emploi vivant des runes cesait, la runologie naissait…” (p. 39). Com o surgimento dos movimentos esotéricos a partir do Oitocentos, as runas tornaram-se muito populares, especialmente como oráculos divinatórios. Mais do que nunca, estudos acadêmicos sobre o alfabeto rúnico e seu verdadeiro significado na Antigüidade são necessários. Neste sentido, o artigo de Marez além de uma ótima introdução, esclarece vários procedimentos metodológicos sobre epigrafia, evitando que as runas continuem apenas a serem imaginadas como algo misterioso e transcendental.

Michel Le Bris (Centro Cultural Abbaye de Daoulas) assina o interessante artigo Barbares romantiques, Norsemen et Saxons. Neste trabalho, o autor recupera alguns aspectos do imaginário moderno sobre os bárbaros. Não podemos pensar os Vikings, Saxões e outros grupos sem levar em consideração as representações literárias e artísticas realizadas pelos europeus a partir dos séculos XVIII e XIX [7]. Le Bris enfatiza principalmente como os artistas desta época utilizaram a imagem do bárbaro como um reflexo de suas próprias inquietudes, de seus medos e de suas aspirações políticas ou ideológicas. Poetas como Chateaubriand e Thierry enfatizaram a figura do bárbaro com um significado de liberdade, o selvagem liberto na natureza. Já para Burgh, Hulme e a escola escocesa, houve a pretensão em demonstrar a origem gótica da liberdade inglesa e as idéias democráticas de seus antecessores ingleses. O grande mito bárbaro da época foi reinventar a explosão, a liberdade e a terra, em uma figura que fascina ou é temida, o homem nãogrego, do tumulto, da tempestade, da desordem, da desgraça. Bárbaros podiam ser os homens da Convenção ou Napoleão, convertido em Átila: após Waterloo, os bárbaros do Norte salvam a democracia e livraram a Europa dos bárbaros do sul. Os jovens românticos franceses se proclamavam bárbaros para se opor à Academia. Ainda para Le Bris, os novos bárbaros nasceram no interior da própria sociedade européia depois de 1831, as hordas obscuras que se levantaram na sociedade, os proletários. Enfim, a representação barbárica foi extremamente polimórfica, variando conforme o contexto político e social, ou ainda, dependendo do referencial artístico.

Em Les mille trésors de l’île de Gotland, Malin Lindquist (Museu Regional de Visby, Gotland) perfaz um panorama dos atuais estudos sobre a ilha de Gotland, uma das mais importantes regiões da Era Viking. O local serviu para manter a independência política dos chefes em relação a Suécia: ainda no período Vendel, os Götar já possuíam um dialeto e uma cultura diferenciada do resto da Escandinávia. A ilha foi centro do comércio LesteOeste, concentrando as influências vindas do Oriente e por isso mesmo um grande alvo para piratarias desde tempos remotos. O grande diferencial cultural da região foram as maravilhosas estelas funerárias. Com uma elegância refinada, decoradas com símbolos de glória, de morte e ressurreição, cenas dramáticas e dragões entrelaçados. As mais antigas serviam como pedras de túmulo (séc. V) e as mais recentes (séc. XII) como memoriais de propriedade. A decoração das pedras consiste em motivos espiralais, representações estilizadas de animais e outras de simbologias religiosas dos Vikings. As imagens ilustram os acontecimentos que marcaram a vida de um defunto enquanto era vivo. Foram erigidas não muito longe das rotas, pontes e locais de passagem: constituíram essencialmente monumentos para serem vistos e recordados – um importante elemento legitimador da ordem política (a classe dos Jarl) e da ordem religiosa (os cultos odínicos) [8]. As pedras rúnicas do século XII testemunham a ruptura do paganismo e do cristianismo, um dos grandes temas de investigação nos atuais estudos de epigrafia nórdica.

A obra ainda contém outros estudos importantes, como La Finlande et les Vikings, de Leena Söyrinki-Harmo (Museu de Helsinki, Finlândia), concedendo algumas perspectivas entre o contato dos escandinavos com as populações finno-ungricas. James GrahamCampbell (Universidade de Londres), traça um panorama das invasões nórdicas no extremo da Grã-Bretanha (Jarls des îles d’Écosse), enquanto Neil Price (Universidade de Uppsala), reconstitui as invasões e a formação das colônias escandinavas na Inglaterra (Angleterre: de la violence à la royauté). A descoberta e colonização do Atlântico Norte foi enfatizada por Jean-Yves Marin (Museu da Normandia) em seu artigo Les Vikings ont-ils découvert l’Amérique?, enquanto os raids pelo Mediterrâneo foram contemplados por Claudine Glot (L’Espagne et la Méditerranée).

O livro conta com uma estrutura gráfica espetacular, reproduzindo além de fotografias de diversos artefatos arqueológicos, ilustrações e pinturas de museus europeus e coleções particulares. Algumas destas obras de arte são muito pouco reproduzidas em publicações, como Pirates normands au IX siécle, de Évariste Luminais (1894); Le reliquaire, de Henri-Georges Charrier (1881); Gissur défiant les Huns, de Peter Arbo (1886); Les Rois des mers, de Alfred Didier (século XIX). Enfim, um lançamento imprescindível para os vikingólogos e muito útil também para os medievalistas em geral, pesquisadores e amantes dos fascinantes escandinavos.

Notas

1. A exposição L’Europe des Vikings foi realizada na Abadia de Daoulas, França, de 14 de maio a 14 de novembro de 2004. Dirigida por Michel Le Bris, teve como principal consultor técnico/curador o historiador Régis Boyer. A exposição contou com mais de 600 peças provenientes de 40 museus da Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Inglaterra, Russia, França e coleções particulares.

2. O Centre Culturel Abbaye de Daoulas situa-se na Bretanha Francesa é um órgão dedicado exclusivamente aos estudos de imaginário e mitologia (http://www.abbaye-daoulas.com.fr). O Centre de l’Imaginaire Arthurien também sediado na Bretanha Francesa, sendo um importante centro de referência sobre mitologia arturiana. (http://perso.wanadoo.fr/merlin77/cia.htm).

3. Boyer chama a atenção para o fato da Edda Poética não ter uma única prece verdadeira: “Au demeurant, le corpus impressionnant des textes ‘religieux’ que nous propose l’Edda poétique ne nous offre pas une seule véritable prière!” (p. 146).

4. O reaproveitamento de áreas sagradas foi uma tendência em grande parte das áreas evangelizadas pelo cristianismo: ocorreu no Peru (Igrejas construídas acima das bases de templos incas), México, Irlanda e Escandinávia. Na Inglaterra, região de Glastonbury, foi construído um mosteiro – a primeira Igreja do país – em um tradicional local de cultos pagãos, local sagrado do druidismo (ENGER, Michael (dir.). Fata morgana. Michael Enger Film Production for ZDF/Arte, 2001. VHS, documentário, 45 min.). Na Escandinávia muitas paróquias foram erigidas em locais tradicionais do paganismo nórdico (as áreas das antigas reuniões – things – foram as escolhidas para a edificação de Igrejas, como em Uppsala, Suécia). A continuidade da ostentação de estelas rúnicas em locais públicos ainda demonstrava a riqueza familiar, mas passava agora a ser um ato encorajado pela Igreja. Muitos temas pagãos presentes nas estelas foram reinterpretados pela nova fé. Heróis como Sigurðr combatendo o dragão Fafnir transformaram-se no Cristo triunfante destruindo a besta; a representação do deus Þórr pescando a serpente do mundo foi reencenada como sendo Cristo capturando o leviatã. Apesar de não ser fácil traçar a mudança de mentalidade no período de conversão, as inscrições rúnicas são uma excelente fonte para a investigação dos historiadores. As possibilidades de novas análises ainda são muito grandes. Conf. SAWYER, Birgit. The Viking-Age Rune-Stones: custom and comemmoration in early Medieval Scandinavia. London: Oxford University Press, 2003.

5. O futhark é o nome que se emprega para o alfabeto rúnico, derivado dos seis primeiros nomes dos sinais em Old Norse, na escrita Rama Longa e Rama Curta (PAGE, Raymond Ian. Runes. London: British Museum Press, 2000, p. 9).

6. Muitos runologistas revelam o quanto é promissora a investigação sistemática da epigrafia rúnica e dos monumentos Vikings. Pesquisas sobre genealogias, aspectos administrativos e eclesiásticos, dados estruturais do paganismo, o período inicial de evangelização na Escandinávia, autorias e estilos de confecção rúnica, todos estes aspectos ainda dependem de maiores esclarecimentos. As pesquisas futuras devem estabelecer uma relação entre o conteúdo, design e a ornamentação das estelas rúnicas.

7. Também participamos no livro em questão com um artigo sobre a formação do imaginário a respeito dos escandinavos, Rêver son passé, p. 166-169. Outros estudos que tratam do imaginário contemporâneo sobre os Vikings: LANGER, Johnni. The origins of the imaginary Viking. Viking Heritage Magazine, University of Gotland/Centre for Baltic Studies. Visby (Sweden), n. 4, 2002; BOYER, Régis. Le mythe Viking dans les lettres françaises. Paris: Editions du Porte-Glaive, 1986; WAWN, Andrew. The Vikings and the victorians: inventing the Old North in 19Th -Century Britain. London: D.S. Brewer, 2002; LÖNNROTH, Lars. The Vikings in History and legend. In: SAWYER, Peter. The Oxford illustrated history of the Vikings. London: Oxford University Press, 1999.

8. Sobre estes aspectos das estelas de Gotland, ver o estudo: LANGER, Johnni. Morte, sacrifício e renascimento: uma interpretação iconográfica da estela Viking de Hammar I. Revista Mirabilia n. 3, 2003. www.revistamirabilia.com

Johnni Langer – Universidade do Contestado, SC. E-mail: Johnnilanger@yahoo.com.br


GLOT, Claudine; LE BRIS, Michel (Orgs.). L’Europe des Vikings. Paris: Éditions Hoëbeke, 2004. Resenha de: LANGER, Johnni. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.4, n.2, p. 159-163, 2004. Acessar publicação original [DR]

Os Druidas. Os Deuses Celtas com Formas de Animais | D’arbois de Jubainville

Escritos entre os anos de 1904 e 1905 quando uma doença prendia-o ao leito e mais tarde se constituiu do material por ele usado em suas aulas, Jubainville oferece ao leitor/estudioso brasileiro uma rica fonte de estudos acerca da religião celta.

Jubainville com um texto simples e preciso faz um percurso histórico acerca da classe sacerdotal dos Druidas, apontando a suas funções dentro da sociedade celta, sua importância para o aprendizado tanto da alta magia como também da arte da composição e da narrativa e da história do povo celta e o próprio aprendizado druídico. Esse conhecimento era transmitido oralmente o que obrigava tantos os “alunos” como os “professores” a exercitarem constantemente sua memória. Ao descrever o ensinamento tanto dos druidas como dos bardos, que freqüentavam por mais de vinte anos as escolas mantidas pelos Druidas, Jubainville nos mostra como estas funcionavam e a importância da manutenção da oralidade:

Os Judeus e os Cristãos têm um livro, a Bíblia; os Maometanos têm um livro, o Alcorão; os Druidas também tinham um livro, mas ele não estava escrito. Era uma compilação de versos e essa compilação era tão desenvolvida que, para conseguir sabe-la bem, ou mesmo para compreende-la mais ou menos, foram necessários vinte anos de estudos a um certo número de alunos. (JUBAINVILLE, 2003: 57).

Mas, infelizmente toda essa “estrutura” das “colégios” mantidos pelos druidas e todo o conhecimento oriundo da oralidade com a conquista romana foi quase que totalmente extinto. Alguns pequenos focos de resistência foram mantidos e poucos druidas tanto na Gália como nas Ilhas Britânicas mantiveram seus alunos e desta forma, conseguiram preservar um pouco do seu conhecimento e história mantidos pela oralidade.

As conquistas romanas empreendidas nas povoações celtas da Gália e das Ilhas Britanicas não foram capazes de destruir completamente todo o poder que dos druidas. Durante a romanização dos celtas os druidas perderam muito de seus alunos que, por imposição, recebiam uma educação romana, aprendendo o latim e os costumes do conquistador, numa tentativa desses de exercer maior influência sobre os conquistados mas, havia aqueles que se recusaram a isso e deixavam seus filhos sob a guarda dos antigos sábios:

A grande epopéia que conta a criação das vacas de Cooley mostra-nos o Druida Cathu rodeado de alunos aos quais dá suas lições. Na redação mais antiga, os alunos são em número de cem. O escriba cristão ao qual devemos esse texto teve trabalho para constatar esse número: são, escreveu, “cem estouvados que estudam perto de Cathu a ciência druídica” (JUBAINVILLE, 2003: 80-81).

Todos os registros que sobreviveram – e os utilizados por Jubainville – são relatos dos conquistadores entre eles, De Bello Gallico, escrito por Julio César e Anais, de Tácito. Essas fontes apresentam uma visão do conquistador já impingindo certos juízos de valores às práticas sociais do povo conquistado. Jubainville, ao utilizar as fontes romanas para as suas pesquisas vai nos apresentando outros aspectos da sociedade celta que ficaram encobertos sob o véu da conquista.

A segunda parte do livro traz um estudo sobre os deuses celtas e as suas formas de animais. Analisando o mais famoso épico irlandês A razia das vacas de Cooley (Tain Bô Cualngé) e o percurso do herói Cûchulainn a serviço da rainha Medb, o autor vai nos apresentando o panteão celta e as formas de animais que os deuses tomavam fosse para proteger e guiar o herói ou para punir alguém que infringia alguma lei ou tabu.

A deusa da guerra Morrigan aparece para Cûchulainn em vários momentos da narrativa para provocá-lo. Ela aparece ora, como uma loba cinzenta, ora como uma vaca branca de orelhas vermelhas ou um corvo. Este último é o arauto das batalhas mais sangrentas e da morte. Analisando as formas de animais assumidas pelos deuses Jubainville nos mostra as metamorfoses sofridas pelos deuses para poderem exercer seu poder e, medirem forças com os mortais que, como Cûchulainn, ao longo da epopéia assemelha-se aos deuses. Ao analisar as formas de animais o autor mostra a profunda ligação dos celtas com a natureza e a sua obediência aos ciclos sazonais aos quais estava ligada a sua sobrevivência:

“Os pagãos, a princípio, adoraram a natureza tal qual ela se apresentava a eles: em primeiro lugar, o céu de onde vêm o dia, o calor e a tempestade; em segundo lugar, O mar, tão propício e freqüentemente tão perigoso para os navegantes; e em terceiro lugar a terra que habitamos”. (JUBAINVIILE, 2003: 107).

Esta análise realizada por Jubainvelle dos druidas e das formas animais dos deuses oriundas do seu material didático foi e ainda é de grande importância para o entendimento do funcionamento da sociedade celta e da sua religião. Esta obra vem preencher uma lacuna nas traduções dos estudos acadêmicos a respeito dos celtas no Brasil. Uma pesquisa de grande importância juntamente com as suas outras obras que, ainda carecem de tradução e, apesar de já contarem com mais de um século de existência ainda são fundamentais.

Luciana de Campos – Doutoranda em Letras/Unesp Docente da FAFI-UV. E-mail: fadacelta@yahoo.com.br


JUBAINVILLE, H. D’arbois de. Os Druidas. Os Deuses Celtas com Formas de Animais. São Paulo: Madras, 2003. Resenha de: CAMPOS, Luciana de. Sacerdotes e divindades Celtas. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.4, n.1, p. 96-97, 2004. Acessar publicação original [DR]

Mitologia e Religião Celta e Germânica / Brathair / 2004

“Em geral, o mito é oral e recusa a palavra escrita, e isso ocorreu muito mais nos mitos celtas que nos mitos cristãos; mas sua permanência no espírito da sociedade tornou necessário que os cristãos os utilizassem e transformassem a seu proveito. Essa transformação teve de ser a menor possível para que os povos celtas continuassem a reencontrar-se em uma tradição viva”. Paul Verdier, Mitos celtas, 1997.

“(…) o ‘teutão’ cristaliza as hostilidades em larvas dirigidas instintivamente contra o inimigo hereditário que não podemos dispensar, pois ele também se acha à altura de nossos terrores secretamente cultivados, de nossas carências: nele queremos ver a ordem cega, a disciplina de ferro, toda essa profundeza obscura, semi-solar, semi-sexual, masculinista que sem sombra de dúvida e com a maior soberba despreza as taras evidentes de que sofre, com graus diversos de lucidez, nosso inconsciente coletivo, e que sentimos por trás da suástica”. Régis Boyer, Mitos germânicos, 1997.

No dia 9 de julho de 1999 durante o encontro da ABREM na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, alguns medievalistas conversaram sobre criação de um grupo de estudos celtas. Havia carência de estudos acadêmicos em nosso país sobre a temática das culturas da Europa pré-cristã, apesar de vasta bibliografia esotérica traduzida para o português. O grupo acabou sendo formado e além disso, começou também a estudar os povos germanos. Nestes 5 anos de existência, o grupo Brathair criou uma revista virtual, formou pesquisadores especializados e prepara-se para realizar o seu primeiro simpósio nacional. Ainda é algo modesto, comparado com a estrutura que estes estudos possuem na Europa, mas com certeza é um trabalho honesto no sentido de qualificar o campo de um saber que cada vez mais torna-se extremamente importante em nosso país.

Nesta segunda edição especial da revista Brathair, apresentamos algumas pesquisas envolvendo questões relacionadas com a mitologia e a religiosidade nas sociedades pré-cristãs.

Em primeiro lugar, apresentamos o estudo Óðinn: guia iconográfico, do professor Dr. Régis Boyer (Universidade de Paris-XI-Sorbonne), um dos maiores especialistas em Escandinávia Medieval. Neste estudo, Boyer trata da estrutura morfológica da mais importante deidade da mitologia germânica, além de apresentar análises sobre a sua representação iconográfica da Idade Média até os tempos atuais. Compreender o significado do deus Óðinn é entender a própria religiosidade e o modo de vida dos guerreiros germânicos da Antigüidade até o período medieval.

Em seguida, apresentamos o artigo Breves observações sobre a Edda em prosa, da historiadora Dra. Patricia Pires Boulhosa. Em um denso artigo, Boulhosa analisa uma das mais importantes fontes para o estudo da mitologia germânica, o livro Edda em prosa do islandês Snorri Sturluson. Partindo dos pressupostos paleográficos, a autora discute as duas vertentes básicas tanto nas traduções quantos nas interpretações modernas do manuscrito original: a do grupo que pretende ver nele padrões míticos originais dos povos germânicos pré-cristãos e a do grupo que pretende discernir as interferências cristãs e clássicas na elaboração da obra. O artigo de Boulhosa tem um interesse especial não somente para os iniciantes nos estudos germânicos, mas também para todos aqueles que procuram atualizar-se com as mais recentes teorizações envolvendo manuscritos medievais.

O terceiro trabalho da revista é o artigo O paganismo anglo-saxão: uma síntese crítica, de autoria do professor Dr. Ciro Flamarion Cardoso (UFF). Com ampla experiência nos estudos teóricos em História das religiões, Cardoso apresenta sua postura metodológica para o exame das fontes germânicas, especialmente as anglo-saxônicas. Partindo do entendimento das religiões como “ideologias historicamente orgânicas”, criadas por Antonio Gramsci, o professor Ciro Cardoso apresenta um bem atualizado quadro das investigações acadêmicas britânicas sobre paganismo, utilizando dados toponímicos, arqueológicos, etimológicos e fontes literárias como os escritos de Beda. Além de ser um instrumento extremamente importante para os futuros estudos, o artigo de Ciro Cardoso permite reflexões profundas sobre a relação entre a ideologia política com as formas simbólico-míticas das sociedades, especialmente das pré-cristãs, onde as religiosidades não constituíam um sistema social à parte das instituições (como no do mundo moderno).

O historiador Eduardo Fabbro é autor do quarto artigo, Sonhos e visões: a cultura popular germânica pela luz dos Nibelungos. Utilizando como fontes as narrativas literárias do Nibelungenlied e da Völsunga Saga, Fabbro examina a interação entre as práticas da cultura popular e a erudita, abordando o tema do fantástico visionário e alguns simbolismos relacionados ao futuro. Desta maneira, algumas práticas religiosas dos germanos são recuperadas neste estudo, demonstrando a potencialidade no estudo das fontes literárias medievais.

O quinto trabalho é de autoria do professor Dr. Johnni Langer (UNC), intitulado Guerreiras de Óðinn: as valquyrjor na mitologia Viking. O artigo examina as origens, morfologias e significados de um dos mitos germânicos mais populares de todos os tempos. O autor observa a relação intrínseca existente entre os símbolos religiosos e a ideologia social, refletindo padrões de legitimação da ordem política da sociedade escandinava durante a Idade Média.

O prof. Dr. João Lupi (UFSC) participa com um artigo sobre os druidas. Grande parte do que foi escrito sobre os sacerdotes da cultura Celta desde o século XVI foi fantasioso. A proposta de Lupi é uma revisão dos textos clássicos, contrapondo-os com estudos acadêmicos recentes para estabelecer ao menos dois elementos iniciais de interpretação: a organização dos druidas e sua sabedoria no que toca ao conhecimento da natureza. Sem dúvida, uma grande contribuição teórica para um tema praticamente sem estudos traduzidos no Brasil.

O último artigo é de autoria do prof. Dr. Moisés Romanazzi (UFSJ), que estuda a transformação das ideologias germânicas acerca do poder e sua integração nas doutrinas e vivências latinas e cristãs. Analisando as idéias orientais sobre o poder divino dos reis e imperadores mostra como elas se padronizaram no Ocidente e de que modo configuram o Sacro Império Romano Germânico.

Na seção de resenhas, o número contou com três participações, uma tradução para o português e dois lançamentos, um em língua inglesa e outro em francês.

A primeira resenha é uma análise da clássica obra de D’Arbois Jubainville, Os Druidas. Os Deuses Celtas com Formas de Animais, resenhada pela profa. Ms. Luciana de Campos (UNESP / FAFI). Numa obra imprescindível para o entendimento do funcionamento da sociedade celta e da sua religião, Jubainville faz um percurso histórico acerca da classe sacerdotal dos Druidas, apontando a suas funções e sua importância para o aprendizado da magia, arte, composição e da história do povo celta.

A próxima resenha é o livro Nine worlds of Seid-Magic: ecstasy and neoshamanism in North European paganism, da antropóloga norte-americana Jenny Blain, resenhado pelo prof. Dr. Johnni Langer (UNC). Blain publicou uma obra fundamental para o estudo da mais importante prática mágica na Escandinávia da Era Viking, o Seiðr. Estudando esta magia, além dos aspectos religiosos e míticos, podemos conhecer melhor as disputas ideológicas existentes nas diversas classes sociais dos nórdicos e suas relações com aspectos relacionados a gênero e papéis sexuais.

Por último, uma resenha da pesquisadora Ms. Adriene Baron Tacla sobre o livro Territoires Celtiques – Espaces ethniques des agglomérations protohistoriques d’Europe occidentale, organizado por D. Garcia e F. Verdin. A obra discute a questão da interação humana com o ambiente geográfico nas sociedades pré-históricas da Europa ocidental, reunindo especialistas de várias nacionalidade européias. O livro além do estudo temático dos povos de origem céltica, também evidencia algumas das abordagens teóricas da arqueologia, como o tradicional estruturalismo, o processualismo e os métodos pós-processuais. O confronto entre os tradicionais métodos explicativos e a sedução das novas possibilidades de análise.

Temos convicção que o público apreciará os trabalhos desta edição especial da revista Brathair. É o resultado do esforço de uma geração de pesquisadores e de novos temas de pesquisa, que certamente criarão muitas possibilidades de expansão para o estudo das culturas célticas e germânicas em nosso país.

Céad mille failté! (Gaélico irlandês: Cem mil felicidades!).

Vestu Heilar Óðinn ok ginn-heilog goð! (Nórdico antigo: Salve Odin e todos os mais sagrados deuses!).

João Lupi – Professor Doutor. Departamento de Filosofia / UFSC. E-mail: lupi@cfh.ufsc.br

Johnni Langer – Professor Doutor. Departamento de História / UNC. E-mail: johnnilanger@yahoo.com.br


LUPI, João; LANGER, Johnni. Editorial. Brathair, São Luís v.4, n.1, 2004. Acessar publicação original [DR]

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Nine worlds of Seid-Magic: ecstasy and neo-shamanism in North European paganism | Jenny Blain

Em 1854 um dos primeiros estudos acadêmicos sobre religião nórdica foi publicado. Realizado pelo historiador norueguês Rudolph Keyser, o livro The religion of northmen concedia muito pouco espaço para a prática mágica do Seiðr, estrategicamente discutida num capítulo intitulado “feitiçaria”. Segundo este pesquisador, o Seiðr teria um caráter secreto e muito misterioso (KEYSER, 1854). Mesmo a tradução exata da palavra sempre foi muito debatida. Em 1935 D. Strömbäck publicou um estudo clássico sobre o tema, Sejd: Textstudier I nordisk religionhistoria, o primeiro a propor a conexão entre práticas xamanistas lapônico-finlandesas e os cultos Vikings (1), retomada parcialmente por Eliade em 1951 (Le chamanisme) e plenamente por Thomas DuBois em 1999 (Nordic religions in the Viking Age).

Dentro do contexto desse debate, a antropóloga norte-americana Jenny Blain apresenta sua mais recente contribuição: o livro Nine worlds of Seid-Magic. A principal proposta da autora não é realizar um estudo historiográfico ou literário, mas sim entender o desenvolvimento do Seiðr dentro da sociedade moderna, seus valores e sua relação com a prática original da Idade Média. Para entender essa conexão, ela utiliza a metodologia dos estudos de gênero, principalmente as teorias de J. Butler; análise de fontes literárias do século 12 à 14 e observação participante de vários meses com praticantes de neo-xamanismo europeu e indígenas da América do Norte.

Afinal, o que é Seiðr? Para Boyer (1981, p. 144) a palavra significaria tanto “canto” como “união”, ao contrário da maioria das traduções, que entendem a mesma como “feitiçaria” (WARD, 2001). Por sua vez, Jenny Blain prefere utilizar vários conceitos ao longo do livro, testando todos conforme o contexto analítico. O que todos concordam é que o Seiðr teria sido uma prática mágica realizada essencialmente por mulheres (seiðkonas) durante a Era Viking, algumas vezes utilizando cantos, outras vezes utilizando técnicas de adivinhação.

Os primeiros quatro capítulos do livro são dedicados a contextualizar as práticas do Seiðr moderno, questões conceituais e introdutórias, além de descrições de narrativas xamanísticas. É a partir do capítulo 4 (Approaching the spirits), que a obra se torna mais interessante aos estudos historiográficos. Blain retoma o conceito de Mircea Eliade para explicar o fenômeno do xamanismo, isso é, seria toda técnica de êxtase para alcançar experiências em outro mundo. Logo de início a autora tem uma constatação muito interessante: não há nas sagas elementos primordiais ao xamanismo – a supremacia de homens nos cultos, a ocorrência de tambores ritualísticos e a existência do xamanismo como um prática central na comunidade (toda ela aceitando o ritual). Sabemos que no Seiðr Viking as mulheres eram preponderantes, mas era a religião sob a forma de sacerdotes masculinos que prevalecia socialmente (com variações de culto). As seiðkonas eram marginalizadas ou mesmo estrangeiras atuando momentaneamente nas comunidades. E tambores nunca foram encontrados pela arqueologia e são mencionados raramente nas fontes.

A questão social do Seiðr é fundamental para Blain: quando as relações com as praticantes são negativas na comunidade, elas eram denominadas de fordæða (ou mesmo seiðkonas), mas ao contrário, quando estas relações eram positivas, elas eram chamadas de spákona. Outra técnica mágica conhecida na Era Viking, o Spá (profetizar), várias vezes confunde-se nas fontes com o Seiðr. Muitas das situações positivas das mulheres que realizavam magia registradas pelas sagas, refere-se ao papel profético ou de cantos mágicos realizados para benefício de alguns membros ou de toda a comunidade envolvida. Sempre associados com algum caráter de fertilidade e prosperidade. Como na situação em que uma mulher é chamada para resolver o problema da fome de um vilarejo (por meio de cantos obteve peixes…), ou na Groelândia, quando uma spákona foi solicitada para predizer o progresso da comunidade, algo que ela fez por meio da invocação de espíritos (varðlokur).

A situação mais complexa para análise são os momentos em que a magia feminina foi considerada maléfica, não importando a classe social da praticante. O caso mais famoso é a rainha Gunnhildr da Noruega, uma seiðkona, acusada de feitiçaria e atos malévolos. Para Blain, essa rainha encarnaria o protótipo do mal e da mulher vingadora no mundo nórdico, manifestado pela misoginia das fontes. Gunnhildr foi inimiga do célebre Viking Egil Sakalla-Grímsson.

O capítulo 7 (Ergi seiðmen, queer transformations?) analisa a polêmica relação entre homens e a magia Seiðr. A maior parte das fontes tratou os praticantes masculinos como Ergi, passivos sexuais ou efeminados. O problema é que nos dias atuais existem muitos homens que se envolvem com esse tipo de ritual nórdico e contestam esta visão (2). As fontes que tratam dessa circunstância são de dois tipos: as que se referem aos deuses e as que citam situações históricas. No primeiro tipo, temos as famosas passagens do Lokasenna 23, 24 e Ynglingasaga 7, onde o deus Óðinn foi acusado de ser Ergi, justamente por ter se envolvido com o Seiðr. Lembramos que esse tipo de magia era associada aos deuses Vanires, especialmente à deusa Freyja e existem registros de cultos ligados a sacerdotes efeminados (3).

No contexto histórico, existem dois episódios muito populares. Rögnvald, filho do rei norueguês Haraldr Finehair, com mais 80 homens acusados de praticar Seiðr, foram queimados – um ato totalmente aprovado pela comunidade (Haralds saga hárfagra 36). Outro rei, Óláfr Tryggvason, também mandou executar 80 seiðmaðrs (BLAIN, 2002: 112). Para analisar esses e outros episódios violentos, Blain recorre à teoria do chamado “terceiro gênero”, homens que encarnariam papéis tanto masculinos quanto femininos na sociedade nórdica. A principal sustentação para esse ponto de vista pela autora, é uma passagem do poema Hyndluljóð 32, que cita os três principais tipos de praticantes de magia nórdica: völvas (videntes, outro termo para spákonas e seiðkonas), vitkis (homens que praticavam a magia rúnica, Galldr, também chamados de galdramaður) e Seiðberender. Neste último, teríamos um exemplo de terceiro gênero – homens efeminados com papéis as vezes tolerados, as vezes reprimidos pela sociedade escandinava. Baseada na teórica inglesa J. Butler, a autora realiza uma interessante discussão sobre gênero, que não reside apenas no sexo biológico e nem confinado na oposição binária dos papéis coletivos, mas sim numa noção de performance: a atividade dos homens efeminados na comunidade e os limites de sua transgressão nas fronteiras fixas dos códigos e leis sociais sobre comportamento sexual.

Ainda nesse mesmo capítulo, influenciada pelas novas perspectivas da antropologia (como a obra de A. Salmond), Blain trabalha o conceito de religião como algo sempre mutável nas sociedades, recebendo influências externas, ao mesmo tempo que se modifica internamente no decorrer da História. O momento mais interessante é a discussão dos termos Ergi e Nið, dentro do contexto das fontes. Deixando sempre claro o uso dessas palavras como insultos, e seguindo reflexões do historiador sueco Meulengracht Sørensen, a autora envereda para o conceito de Nið com conotações políticas e sociais. Ela consegue vislumbrar (p. 131), que a acusação de Óðinn por Loki e os conflitos históricos mencionados, não se baseavam apenas nas categorias de gênero, mas faziam parte de uma oposição interna entre “os guerreiros de Óðinn” e os “praticantes de Seiðr”. E é justamente nesse instante que percebemos a maior deficiência do livro: poderia ter analisado muito mais a fundo essa perspectiva. Talvez se tivesse consultado o clássico Du mythe au roman, 1970, de Georges Dumézil, a autora teria elementos analíticos muito mais eficientes. Em um trecho rápido, mas extremamente denso, o famoso mitólogo explora o insulto a Óðinn e a queima histórica dos seiðmaðrs como reflexo de uma rivalidade religiosa interna ao mundo Viking, uma “magia nobre” – identificada ao deus caolho, e outra “menos nobre ou baixa”, vinculada à deusa Freyja e aos vanires (DUMÉZIL, 1992: 79-96).

Em nosso ponto de vista, o que estava em jogo na antiga sociedade escandinava não eram apenas relações de gênero e padrões de comportamento sexual, mas tensões entre diferentes formas de culto (4). A elite (Jarls), maiores cultuadores de Óðinn – onde presenciamos os casos de execução pública de homens praticantes de Seiðr; e ao contrário, as menções às mulheres do Seiðr nas fontes, nem sempre bem vistas, mas quase sempre necessárias nas comunidades de fazendeiros (bóndis) – justamente, a classe dos Karls, a exemplo do caso mencionado dos fazendeiros da Groelândia. Existiria um conflito direto entre formas religiosas públicas da elite (dominadas pelo referencial masculino/odinista) e a magia privada dominada por mulheres (cultuadoras de vanires)? Enquanto que nas comunidades de fazendeiros essas tensões seriam suplantadas pelas necessidades cotidianas, atendidas pelo Seiðr? E a misoginia das fontes é apenas influência do período cristão ou reflexo direto do pensamento Viking?

Essa é a perspectiva que acreditamos que sejam necessárias novas investigações, um caminho multi-disciplinar: o estudo entre as variações das formas de cultos + classes sociais + gênero + sexualidade, que geraram tanto as tensões sociais quanto os referenciais sobre homem e mulher na Era Viking. E também novos estudos linguísticos e historiográficos para entender com mais profundidade as noções de Seiðr, Nið e Ergi nas sociedades escandinavas cristãs dos séculos 12 a 14 (a época em que foram redigidas as fontes).

Sem ter a densidade analítica de autores acadêmicos como Boyer (1981), Davidson (1993) e DuBois (1999), o livro de Jenny Blain ainda assim será uma referência muito importante para todos aqueles que querem entender melhor o papel da magia e da religião no mundo nórdico medieval.

Agradecimentos: à historiadora Luciana de Campos, pelas informações sobre teoria de gênero e história das mulheres.

Notas

1. Infelizmente esse livro de D. Strömbäck permanece inédito em inglês, francês e espanhol.

2. Um exemplo é o artigo esotérico de Ed Richardson, Seiðr Magic, publicado na internet. Segundo esse autor, os rituais dos guerreiros Berserkers e Ulfhednar utilizariam a magia Seiðr. Mas isso não é corroborado por nenhuma fonte literáriohistórica nem referencial bibliográfico acadêmico. Na realidade, Richardson utilizou outros autores esotéricos (como Jan Fries e Nigel Pennick) para referenciar essa informação. Como os Berserkers são identificados com elementos extremamente viris dentro da cultura Viking, não seria uma forma de alguns neo-paganistas tentarem legitimar a prática do Seiðr para homens em nossos dias? Esse artigo também possui outros erros: o uso do Seiðr para guerras e batalhas; a descrição dos deuses Vanires como sendo um antigo povo escandinavo (algo nunca confirmado pela arqueologia ou historiografia). Os melhores e mais documentados textos na Web sobre Seiðr são os de Paxson (1997), Blain & Wallis (2000), Berlet (2000) e Ward (2001). Segundo o excelente estudo de Berlet (2000), homens viris na Era Viking seriam adeptos da prática do Galldr (magia rúnica, a exemplo do herói Sigurðr da Völsunga Saga e do poetaguerreiro Egil Sakalla-Grímsson, este último filho de um Berserker).

3. Saxo Grammaticus (Gesta Danorum VI, v, 10), cita que o herói varonil Starkatherus ficou horrorizado quando presenciou cultos para o deus Freyr realizados na Suécia Viking: os homens realizariam danças efeminadas (effeminatos corporum motus) e teriam “trejeitos mimosos” (DUMÉZIL, 1992: 140). Os Lapões realizavam cultos onde os homens se travestiam de mulheres (idem, p. 141). Tácito citou a tribo germânica dos Naharvalos, onde existia um sacerdote que presidia os cultos vestidos de mulher (Germânia 44). Segundo Heródoto (História), entre os Citas ocorria uma casta de sacerdotes efeminados chamados de Enarees (homem-mulher). O antropólogo Timothy Taylor cita vários casos de sacerdotes xamanistas que mutilavam ritualísticamente a região genital, na Europa, Ásia e Índia. O mesmo pesquisador apresenta uma análise de certas figuras do caldeirão de Gundestrup (originário da Dinamarca do século II a.C.), apresentando androginia ritualística, onde as figuras andróginas portam espadas, com pelos nos ombros e seios (TAYLOR, 1997: 203-211). Mircea Eliade menciona sacerdotes xamanistas que se vestem de mulheres entre os tchuktche asiáticos, esquimós, índios da América do Sul e Norte (berdaches: homens-mulheres). A explicação do mitólogo para esse fenômeno universal é clássica: “A transformação simbólica e ritual explica-se provavelmente por uma ideologia derivada do matriarcado arcaico”. (ELIADE, 1998: 286). A respeito do homossexualismo na cultura Viking, o trabalho mais documentado é o da historiadora Christie Ward (2002).

4. Em seu excelente artigo Galldr and Seiðr, Robert Berlet apresenta uma perspectiva muito próxima de nossas problemáticas. Para ele, existiria a prática do Seiðr – dominada por mulheres e com técnicas muitas vezes agressivas/malévolas, quebrando as convenções sociais; e a magia rúnica (Galldr) – totalmente dominado por homens viris, especialmente voltada para proteção e com caráter nobre. Odinistas míticos (Sigurðr) e históricos (Egil Skallagrimssom) foram treinados nessa última arte mágica. Assim, para Berlet, Seiðr e Galldr seriam essencialmente diferentes em seus resultados (Berlet 2000).

Referências

BLAIN, Jenny & WALLIS, Robert. Seiðr, Gender and Transformation, 2000. http://www.thetroth.org/resources/jenny/nfldpaper.html

BERLET, Robert. Galldr and Seiðr: Two Sides of the Same Coin. Gender & Identity in Viking Magic, 2000. http://www.publiceye.org/racism/Nordic/viking-magic.htm

BOYER, Régis. Yggdrasill: la religion des anciens scandinaves. Paris: Payot, 1981.

DAVIDSON, Hild Roderick Ellis. The lost beliefs of Northern Europe. New York: Paperback, 1993.

DUBOIS, Thomas A. The intercultural dimensions of the Seiðr ritual. In: _____ Nordic religions in the Viking Age. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1999.

DUMÉZIL, Georges. A magia má dos Vanes. In: _____ Do mito ao romance. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

ELIADE, Mircea. Técnicas de êxtase entre os antigos germânicos. In: _____ O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

KEYSER, Rudolph. Sorcery. In: _____ The religion of the northmen. New York, 1854. http://www.northvegr.org/lore/northmen/016.php

MONTEIRO, Paula. Magia e pensamento mágico. São Paulo: Ática, 1986.

PAXSON, Diana L. Sex, Status and Seidh: homosexuality and Germanic Religion. Idunna n. 31, 1997. http://www.hrafnar.org/seidh/Sex-status-seidh.html

RICHARDSON, Ed. Seiðr Magic, 1998. http://www.phhine.ndirect.co.uk/archives/ess_seidr.hytm

TAYLOR, Timothy. Xamãs travestidos/Sexo tântrico na Dinamarca da Idade do Ferro. In: _____ A pré-história do sexo. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

WARD, Christie L. Women and magic in the Sagas, 2001. http://www.vikinganswerlady.com

_____ Homosexuality in the Viking Age, 2002. http://www.vikinganswerlady.com

Johnni Langer – Departamento de História/ UNC. E-mail: Johnnilanger@yahoo.com.br


BLAIN, Jenny. Nine worlds of Seid-Magic: ecstasy and neo-shamanism in North European paganism. London/New York: Routledge, 2002. Resenha de: LANGER, Johnni. Poder feminino, poder mágico. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.4, n.1, p. 98-102, 2004. Acessar publicação original [DR]

Territoires Celtiques – Espaces ethniques des agglomérations protohistoriques d’Europe occidentale | D. Garcia e F. Verdin

Desde a década de 70, a partir das transformações na geografia, do diálogo com a história e a antropologia, bem como do surgimento de novas formas e técnicas de análise com o uso de SGI (Sistema Geográfico de Informação), o estudo do espaço e da paisagem despontou como área de interesse para a arqueologia. Encontrando fértil terreno, sobretudo nos países de língua anglo-saxã, veio ele a se consolidar nos anos 90 como área de debate e especialização sob a forma de ‘arqueologia da paisagem’. Tendo por base a relação homem-ambiente, o estudo das formas de apropriação da paisagem tem contribuído largamente para o desenvolvimento da análise das sociedades ditas “pré-históricas”, apontando novas perspectivas para a compreensão da dinâmica dos assentamentos e das práticas sociais e religiosas de tais populações.

O livro ‘Territoires celtiques. Espaces ethniques et territoires des agglomérations protohistoriques d’Europe occidentale’, organizado por Dominique Garcia e Florence Verdin, vem no bojo dessa transformação reunir pela primeira vez especialistas que não de língua inglesa para discutir a questão da interação humana com o ambiente e o espaço sob a forma de ordenação do território e, portanto, da paisagem nas sociedades pré-históricas da Europa ocidental. Consiste esta obra, em verdade, no resultado do ‘XXIV e colloque international de l’AFEAF. Martigues, 1-4 juin 2000’, onde ‘territórios dos assentamentos e dos povos proto-históricos da Europa ocidental’ constituiu o tema geral de debate com apresentação de vinte e dois artigos em contraposição a oito trabalhos em torno do tema regional ‘territórios étnicos e territórios cívicos no sudeste da Gália: permanência e mutação (sécs. II a.C. – II d.C.)’. Reúne ele, pois, especialistas franceses, espanhóis, suíços, alemães e belgas a tratar do estado atual da pesquisa arqueológica acerca da construção do território em diversas regiões da Europa ocidental a partir de diferentes metodologias de análise e teorias interpretativas.

Abrindo o volume, Philippe Leveau apresenta um balanço das linhas de estudo e abordagem do território, traçando a trajetória do termo e, tendo por base o contraponto com as sociedades greco-romanas, suas implicações políticas, étnicas ou cívicas. Porém, ao contrário do que se poderia supor, não está ele a propor a definição de fronteiras políticas estáveis de Estados tradicionais na Antigüidade, mas sim compreender a dinâmica dos territórios, apontando diferentes formas de uso do espaço e da paisagem. Conforme aponta o autor, mais do que um debate, apresenta-se aos pesquisadores o desenvolvimento do conhecimento arqueológico não só dos assentamentos, mas, sobretudo, da zona rural, que só recentemente, ainda que de forma restrita, começou a ser explorada.

Em verdade, esta obra procura pontuar os avanços do conhecimento e da prática arqueológica para a compreensão dos sítios e artefatos em relação aos locais onde foram encontrados. Assim é que a maior parte dos artigos concentra-se em estudos de caso ou estudos regionais, analisando a construção e a dinâmica territorial em regiões da Península Ibérica, França, Suíça, Alemanha e Bélgica, abrangendo desde o período do Bronze final até o período romano. Fazendo uso de diferentes métodos de análise – desde os polígonos de Thiessen até SGI, procuram os autores contribuir com estudos que combinam as mais diversas formas de documentos (assentamentos, enterramentos, cerâmica, numismática, epigrafia, depósitos votivos, santuários, textos clássicos e toponímia), dando uma noção de conjunto e complementaridade dos sítios e achados.

No entanto, não se pode dizer que haja um caráter uníssono nas contribuições (neste sentido, muito se lamenta a ausência das discussões na publicação). Por exemplo, os trabalhos de R. Plana Mallart e A. M. Ortega, de J. Sanmartí, e de C. Belarte e J. Noguera abordam a questão do território de sítios ibéricos segundo uma abordagem de cunho mais tradicional, que supõe a estruturação deste a partir da criação de lugares centrais (segundo a teoria de Christaller) que dominam vastas regiões (modelo/método dos polígonos de Thiessen), controlando vias de comunicação, a produção e toda uma hierarquia de assentamentos.

Dentre os numerosos artigos acerca das sociedades gaulesas, há igualmente uma predominância desta sorte de interpretação. Patrice Brun, em sua análise do território dos Suessiones, também emprega o método dos polígonos de Thiessen e o modelo de lugares centrais a fim de identificar a dinâmica do território dos Suessiones durante os séculos II e I a.C. Entende ele que os oppida constituiriam o centro de estruturação do território, constituindo um “… nó de redes econômicas, políticas, ideológicas que asseguram a coesão territorial” (p.313).

De forma um tanto diferente, Dominique Garcia faz um balanço das transformações do território no sul da Gália desde o Bronze final até fins da Idade do Ferro, traçando uma evolução do território, inicialmente ‘… pouco hierarquizado (…), descontínuo e temporário’ (p.91), sendo depois, durante a primeira Idade do Ferro, transformado em vastos territórios étnicos que sofreram profundas mudanças com a fundação de Massalía. Para a autora, o interesse massaliota no controle tanto da costa quanto da rota rodaniana altera a ordenação do território das populações indígenas da Gália meridional, ocasionando a criação de assentamentos ao longo dos rios e instigando, no seu entender, uma “urbanização” (pp.95-96). Em verdade, defende ela que tal fenômeno se deveria “… a uma evolução da organização social das populações indígenas (…), bem como da participação dos gauleses do sul na rede comercial mediterrânea” (p.100).

Já autores como Büchsenschütz, através do caso dos Bituriges, e Gruat e IzacImbert, com a análise do território dos Rutênios, procuram fazer uso de novos recursos e vertentes, aproximando-se da produção de linha anglo-saxã. Todavia, mesmo esses trabalhos não se desvencilham totalmente do modelo de lugares centrais a dominar e estruturar o território. Isso se deve em parte a uma limitação da documentação arqueológica, e parte ao uso de uma hierarquização tipológica das formas de assentamento.

Uma interessante contribuição para questionar os modelos generalizantes, em particular o monolitismo dos ‘lugares centrais’, é apresentada no artigo de P. Jud e G. Kaenel. Trabalhando com o caso das populações do Platô Suíço e sul do Reno na segunda Idade do Ferro ao início do império romano, eles demonstram a existência de três formas de ordenação do território, duas delas em regiões atribuídas aos Helvetes – na parte ocidental do Platô Suíço uma ocupação mais complexa, fortemente estruturada por meio da criação de pontes e rotas, santuários e numerosos oppida, enquanto no leste do Platô Suíço, ao contrário, não se verifica tão forte organização do território. Por outro lado, na região sul do Reno, atribuída aos Rauraci, revela-se uma ordenação do território com habitats fortificados localizados na periferia do território, assegurando suas fronteiras e o controle de vias de passagem essenciais para o eixo renaniano (p.304).

Vale, aqui, igualmente contrapor dois trabalhos que enfocam a relação entre território e enterramentos. Thierry Janin empreende uma análise das necrópoles e do espaço geográfico no Languedoc ocidental na primeira Idade do Ferro segundo uma ‘economia de bens de prestígio’, onde o processo de hierarquização promove a criação de centros ‘proto-urbanos’, que, por sua vez, vêm a estruturar o território dessas populações. Por outro lado, Laurent Olivier, Bruno Wirtz e Bertrand Triboulot, ao analisar os ‘Conjuntos funerários e territórios do domínio hallstattiano ocidental’, questionam as formas de análise espacial tradicionalmente empregadas na arqueologia, propondo, em seu lugar, o uso do conceito de informação espacial, obtido a partir do cálculo da combinação de atributos dos contextos funerários em estudo. Este método, que vai além dos métodos estatísticos geralmente empregados, permite traçar a posição e extensão dos grupos culturais e a agregação de suas necrópoles. Donde por meio de uma análise espacial aprofundada, propõem eles um estudo da distribuição e projeção territorial das populações da Idade do Ferro na Europa centro-ocidental.

Fechando a obra, Alain Daubigney articula um balanço das interpretações teóricas acerca da organização territorial e política aplicadas ao estudo do Bronze final e início da Idade do Ferro (até Hallstatt C) na França e na Europa ocidental, demonstrando a existência de elites locais emergentes controlando os territórios tribais.

Em verdade, evidencia-se, nesta obra, o conflito de paradigmas que hoje marca o estudo das sociedades “pré-históricas” européias. De um lado, as tradicionais abordagens estruturalistas, os modelos e métodos homogeneizantes amplamente empregados pela arqueologia processual, que mascaram as singularidades locais. De outro, temos as abordagens pós-processuais, chamando nossa atenção para estudos não generalizantes e uso de métodos que nos permitam analisar essas sociedades de forma mais aprofundada, enveredando pela dinâmica local.

Aqui, esse embate aparece de forma um tanto restrita, pois que a grande maioria dos autores se encontra parte ainda fortemente presa aos grandes modelos explicativos, e parte seduzida pelas possibilidades abertas por novas tecnologias e meios de análise da documentação. Trata-se, portanto, de um debate em aberto, e nem por isso menos fascinante.

Adriene Baron Tacla – Doutoranda em arqueologia Institute of Archaeology, University of Oxford. E-mail: adriene_tacla@yahoo.co.uk


GARCIA, D.; VERDIN, F. (eds.) Territoires Celtiques – Espaces ethniques des agglomérations protohistoriques d’Europe occidentale. Paris: Editions Errance, 2002. Resenha de: TACLA, Adriene Baron. Territórios celtas. Um debate acerca da relação entre paisagem, poder e religião. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.4, n.1, p. 103-105, 2004. Acessar publicação original [DR]

Aventuras da Távola Redonda: estórias medievais do Rei Artur e seus cavaleiros | Antonio L. Furtado

Com o convidativo título de Aventuras da Távola Redonda: estórias medievais do Rei Artur e seus cavaleiros, mais uma vez, Antonio Furtado apresenta ao público brasileiro outra tradução [1] das narrativas da “Matéria da Bretanha”. As estórias do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda que, nos séculos XII e XIII encantaram tanto a nobreza, pois naquelas narrativas estavam presentes os ideais mais elevados e os modos e maneiras que esta mesma nobreza vivenciava e, também enchia os ouvidos e o imaginário dos menos abastados que, talvez, almejassem serem súditos de um rei justo como Artur e protegidos por cavaleiros como Lancelot e Gawaine.

Essas “aventuras” empreendidas tanto próprio Artur como pelos seus cavaleiros estão impregnadas pelo maravilhoso que, não são estranhos às personagens, pois fazem parte do cotidiano, como nos explica Todorov no livro As Estruturas Narrativas, os elementos sobrenaturais não provocam qualquer reação particular nem nas personagens nem no leitor implícito” (TODOROV, 1979: 160). Muitas personagens das narrativas são conduzidas para situações onde se deparam com seres sobrenaturais, como gigantes, tema da primeira “aventura”, onde o próprio rei Artur enfrenta um gigante monstruosos na narrativa “O gigante do Monte Saint Michel”:

– Irei à frente, disse Artur, para combater o gigante. Vireis atrás de mim, e atentai para que nenhum de vós interfira enquanto eu mesmo puder valer, já que de outra ajuda não necessito. Pareceria covardia vir outro, além de mim, a combatê-lo. Socorrei-me, porém se perceberdes minha necessidade. (FURTADO, 2003: 70).

Artur parte sozinho para enfrentar o gigante e deixa claro os seus companheiros, que devem socorrê-lo só em caso de necessidade. Vemos aqui a representação do rei que está sempre à frente dos seus nas batalhas e faz questão de que a lei seja também aplicada a ele, como nos mostra John Boorman no seu filme Excalibur, de 1980, na cena em que a rainha Guinevere é acusada de adultério por um cavaleiro e implora ao seu marido e rei para que não seja julgada, mas Artur, responde que a lei deve ser aplicada também ao rei, caso isso não ocorra, não há justiça. Artur deve marchar à frente de seus cavaleiros na caça das aventuras.

Em “O juramento ambíguo de Isolda”, Artur e mais alguns cavaleiros, como seu sobrinho Gawaine (que nos apresentado como Galvão), “o mais cortês de todos os homens”, são chamados para julgarem Isolda esposa do rei Marcos, Duque da Cornualha e tio de Tristão, que foi acusada de adultério por três barões da Corte da Cornualha.

O rei Artur é convocado por Isolda por ser conhecido como o mais justo e nobre dos reis e por repudiar todo e qualquer ato de vilania. E, como Artur e seus cavaleiros representam os ideais da cortesia e da honra, vemos nas palavras de Galvão todo o asco que o ato dos barões contra Isolda lhe causa:

– Tio, se tenho permissão, a justificação que está combinada terminará mal para os três felões. O mais dissimulado é Ganelon: conheço-o bem e ele a mim. Já o derrubei em um lamaçal, durante uma justa forte e encarniçada. Se pego de novo, por São Richier, Tristão não precisará mais vir. Se puder agarrá-lo com as mãos, farei nele bastante estrago e o enforcarei no alto de um morro. (FURTADO, 2003: 160).

Os cavaleiros não hesitam em atender o apelo de uma donzela ou mesmo de uma rainha que esteja em perigo, pois são estas as oportunidades que esses homens de armas e de cortesia têm para fazerem valer seu juramento de defenderem as mulheres e os mais fracos, partirem em busca de aventuras e, talvez, conseguirem o amor da mulher que necessita de socorro.

As narrativas que têm como personagem principal Artur ou outro cavaleiro, fluem de maneira a cativar o leitor, com se este estivesse envolvido pela voz dos trovadores que, habilmente “encantavam” os homens e mulheres dos séculos XII e XIII quando apresentavam as aventuras e, mais ainda, os ideais que essas aventuras e as personagens representavam.

A leitura de Aventuras proporciona o resgate da ambientação, das falas das personagens e, principalmente, das suas atitudes, sejam elas de indignação perante a injustiça – como a de Galvão – ou de bravura e até de desolamento. As personagens arturianas estão vivas e, nas páginas do livro de Furtado é possível “viajar” ao lado de Galvão, Lancelot e Percival; seja na busca do Santo Graal ou no salvamento de uma donzela.

A tradução primorosa do francês antigo onde o estilo, a linguagem e o conteúdo mantiveram-se fiéis aos originais como o próprio autor afirma na Introdução da obra é um convite a mais – tanto aos estudiosos e pesquisadores da Idade Média, como aos leitores em geral – para que se descubra o mundo arturiano e da Matéria da Bretanha.

Aventurar-se pelas páginas dessa obra é como um mergulho no universo mágico do mito arturiano e um eterno encantar-se com as estórias do “rei que não morreu, apenas dorme e, em breve, retornará…”

Nota

1. Em 2001 foi publicada pela Editora Vozes a tradução dos Lais de Maria de França. Tradução de Antonio Furtado e prefácio de Marina Colassanti.

Luciana de Campos – Doutoranda em Letras UNESP/São José do Rio Preto. E-mail: fadacelta@yahoo.com.br


FURTADO, Antonio L. (Organização e tradução). Aventuras da Távola Redonda: estórias medievais do Rei Artur e seus cavaleiros. Prefácio de Gilberto Mendonça Teles. Petrópolis- Rio de Janeiro: Vozes, 2003. Resenha de: CAMPOS, Luciana de. Cavaleiros da Aventura. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.3, n.2, p. 62-63, 2003. Acessar publicação original [DR]

Matéria de Bretanha em Portugal | Leonor Curado Neves

Uma iniciativa como esta das organizadoras é sempre bem-vinda: informa-se na Introdução que estas Atas representam a recolha de um Colóquio e, por sua vez, de vários seminários realizados por e em favor de alunos do mestrado em Literatura Portuguesa Medieval, não só do Departamento de Literaturas Românicas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, como de outras universidades portuguesas, os quais, ao longo de 1999-2001, tiveram por tema de estudos a “matéria de Bretanha”. É, de fato, louvável oferecer tal oportunidade a futuros pesquisadores que, sob a orientação de nomes conhecidos como Irene Freire Nunes, Ivo Castro, José Carlos Ribeiro Miranda, Ana Sofia Laranjinha e outros, além de um convidado “estrangeiro”, Michelle Szkilnik, têm a chance de prosseguir na carreira tomando por base modelos de investigação rigorosos e cientificamente respeitados. Cumprimentos às organizadoras pela abertura, nem sempre usual nos meios acadêmicos.

Contudo, por isto mesmo, por seu caráter de sumário heterogêneo, a obra é qualitativamente desigual – risco, ao que parece, conscientemente abraçado, pois também referido na Introdução. Nem se poderia esperar o contrário: dificilmente um mestrando teria a experiência crítica de Irene Freire Nunes, a quem se deve a edição de A Demanda do Santo Graal (cópia portuguesa), de 1995, trabalho que, embora não substitua o de Magne, a ele se acrescenta como consulta obrigatória; ou de Ivo Castro, que há anos vem preparando a edição do José de Arimatéia, igualmente destinada a somar-se à de H. H. Carter, a mais conhecida; ou, ainda, de José Carlos Ribeiro Miranda, cujas teses, aliciantes e revolucionárias, acerca da organização cíclica da Vulgata e da Pós-Vulgata, em diálogo cerrado com as propostas até então indiscutíveis de Fanni Bogdanow, têm suscitado tanta polêmica. Por enquanto, pelo que se deduz da maioria das comunicações recolhidas, seus autores estão antes para aprender com eles que para ombreá-los em perspectivas analíticas. O que não desmerece, reitere-se, a participação do grupo, disposto a enfrentar as teias extremamente complexas da matière – para cujas profundezas míticas Ana Paiva Morais chamou a atenção (p.125).

Compreensíveis as discrepâncias, mas nem por isso livres de reparos, a começar pelos lugares-comuns, espécie de estigma do assunto desde que dele se apossou a mídia, o cinema americano e uma certa imaginação popular aficcionada por fadas, duendes e dragões. Aqui, nas Atas, não se extrapola, é evidente, para a banalização; porém, elas não se isentaram de retornar à repisada idéia de que o Amadis de Gaula propõe uma cavalaria humanizada, cortesã, em consonância com a “revolução” provençal do século XII e como contraponto à elevada espiritualização da Demanda e ao paradigma ascético representado por Galaaz (p. 105); ou também à desgastada constatação de que a carnalidade de Lancelote, plena de erotismo e de sensualidade, espelho às avessas do grandioso filho bastardo, está atrelada a sentimentos cristãos de culpa, castigo, remorsos, reincidências, contrição – empecilhos em muito responsáveis, no plano simbólico, pela decadência de Artur e pela destruição do reino de Logres (p. 267); ou, ainda, à intrigante concepção da figura feminina, ora vítima de um discurso misógino, tendo Eva como respaldo emblemático, ora heroína de um discurso enaltecedor, abrindo espaço para a Virgem Maria e para uma série de reformas por que passava a Igreja na Idade Média Central (p. 69). Conclusões como estas não podem mais ser pontos de chegada, mas de partida, são pertença daquela já extensa bibliografia de fundo que deve assessorar qualquer projeto de trabalhos na área. Conhecê-la bem evita não só a repetição indesejável, como as comparações esdrúxulas do tipo de “um artigo de jornal, Tristão e Isolda, duas novelas camilianas e sociologia de Luhmann” (p. 277) – único texto da obra que realmente não precisaria estar ali.

O longo artigo de Irene Freire Nunes (20 páginas), “Merlin, o elo ausente” (p. 29), não traz grandes novidades enquanto “tese” – sabe-se, hoje, que o mito de Merlin veio se constituindo por etapas, das tradições orais às recriações literárias, e que a figura é “elo” indispensável na lógica estrutural de todo o ciclo – mas é utilíssimo, porque repassa várias vertentes que concorreram para a edificação do poderoso mago no imaginário coletivo, bem como resenha os principais estudos que foram, a pouco e pouco, montando o quebra-cabeças. O mesmo se pode dizer do ensaio de Ivo Castro, “Sobre a edição do Livro de José de Arimatéia” (p. 59) – uma defesa contundente, e justa, do minucioso labor filológico que exige a preparação de qualquer desses textos, a exigir não só o domínio de um vasto instrumental técnico, de teor comparativo, mas também boa dose de ousadia, de sensibilidade perceptiva e de criatividade. Embora bem provido das duas condições, como demonstra sua dissertação de doutorado apresentada à Universidade de Lisboa em 1984, o autor confessa dúvidas que, ao final do artigo, desnudam o quanto ainda se tem por avançar, por responder, por “demandar”: que lugar ocupa no estema da Estoire o manuscrito francês [do José de Arimatéia] que serviu de exemplar à tradição peninsular? Quem trouxe para Portugal os manuscritos da Estoire, da Queste e da Mort Artu, e possivelmente do Merlin, terá trazido outros (Lancelot, Tristan)? A “coesão” da “matéria de Bretanha”, cada vez mais documentada, será “retrato” da realidade ou “miragem”? (p. 68). Neste sentido – o das indagações que estimulam – José Carlos Roberto Miranda tem uma bela proposta sobre o papel de Elaim, o Branco, filho de Boorz, muito menos “estrela” que seu casto pai, na continuação da linhagem de Lancelote, depois que seu “duplo” Galaaz (nas palavras de Miranda) assume de vez a condição angélica. A pujante formulação, se suscitar interesses mais amplos, pode ser encontrada em Galaaz e a ideologia da linhagem (Lisboa: Granito, 1998), onde José Carlos relaciona a organicidade do universo arturiano e a questão sociológica linhagística própria de uma estrutura feudal como a da Baixa Idade Média. E para encerrar o rol de colaborações que movem à verticalização dos diálogos, continuam fundamentais as análises genológicas (p. 125, em que pese à opção por hermetismos de linguagem), as devassas do plano simbólico (p. 81, p. 145, p. 241) ou, como fez Michelle Szkilnik, de modo original, as localizações das chamadas “personagens secundárias”, cujo papel vai muito além de simples “mediadoras” na narrativa.

Como se percebe, comutados “prós” e “contras”, as Atas sobre A matéria de Bretanha em Portugal prestam à causa serviço de mérito. Quando menos por recolocar, no centro da arena, tema tão mais polissêmico quanto mais cindido entre a visão ligeira, incompatível com a realidade histórica de curta e longa duração em que todo o ciclo se insere, e a visão acadêmica, que muitas vezes peca por excesso oposto, em seu anseio de “precisão”, ao subestimar as diversas e quase sempre obscuras camadas culturais compactadas na matière. As coordenadoras estiveram atentas ao equilíbrio de linhas, o que já de si recomenda a obra.

Lênia Márcia Mongelli – Universidade de São Paulo / ABREM. E-mail: mongelli@dialdata.com.br


NEVES, Leonor Curado; MADUREIRA Margarida e AMADO, Teresa. (Coordenadoras). Matéria de Bretanha em Portugal. Lisboa: Colibri, 2001. Resenha de: MONGELLI, Lênia Márcia. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.3, n.2, p. 64-65, 2003. Acessar publicação original [DR]

Contos-de-fadas celtas

As narrativas selecionadas e apresentadas por Joseph Jacobs em Contos-de-fadas celtas são um convite para penetrarmos no fascinante mundo da mitologia celta. Os pequenos contos escritos ao estilo dos contos populares recolhidos pelos irmãos Grimm apresentam os elementos fantásticos comuns a esse tipo de narrativa: seres de outro mundo vem buscar os humanos para compartilhar as delícias da eterna juventude ou então, as personagens principais são grandes heróis capazes de toda e qualquer façanha para alcançar os seus objetivos. Alguns desses heróis são os protagonistas de determinadas histórias que fazem parte dos grandes ciclos das narrativas celtas, como por exemplo, o Ciclo Histórico ou o Ciclo de Finn. A maioria das narrativas foram reescritas e adaptadas durante a Idade Média e sofreram uma forte influência do cristianismo o que modificou um pouco algumas de suas características mas conservaram a essência da mitologia celta. As narrativas aqui selecionadas faziam parte da tradição oral do povo celta habitante das terras da Irlanda, Escócia e País de Gales e ainda hoje mantém vivos todos esses “contos-de-fada” como manifestação folclórica.

A primeira narrativa, “Connla e a donzela encantada” apresenta o herói Connla do Cabelo de Fogo, filho do rei Conn das Cem Lutas. Connla deixa-se seduzir por uma bela moça vinda do outro mundo. Ela o convida a seguí-la para juntos viverem em um lugar paradisíaco, onde ninguém sofre com doenças, a velhice ou morte. Conn, o pai tenta impedir o filho de partir nessa viagem sem volta mas, Connla parte com a jovem rumo ao pôr-do-sol e nunca mais são vistos. No desenrolar da trama elementos importantes da cultura celta vão sendo apresentados: a donzela aparece em uma curragh, barca de cristal mágica, utilizada para chegar ao Reino dos Mortos ou à Ilha de Avalon, ela oferece a Connla uma maçã, fruto sagrado e, por mais que esse fosse devorado, era sempre reconstituído.

Com uma narrativa ágil que prende o leitor ao texto os contos vão sendo apresentados de maneira a não só entreter, mas também, a apresentar a riqueza da cultura e mitologia celta.

Outra narrativa bastante interessante é “O’Shee Na Gannon e o Gruagach”. Esse conto vai apresentar o nascimento mágico da personagem título, O’Shee:

“O’Shee na Gannon nasceu de manhã, recebeu seu nome ao meio dia, e à noitinha foi pedir a mão da filha do rei de Erin em casamento”. (p.139)

Além demostrar como a personagem nasce, cresce e decide se casar no mesmo dia, ela escolhe como noiva a filha do rei de Erin, nome mitológico da Irlanda, clara referência ao passado mítico do país e a sua importância para o presente.

Mas, não só referências aos lugares sagrados e a alguns heróis desconhecidos existem nas narrativas; há um conto, “O pretendente de Olwen” onde o rei Artur e alguns dos futuros cavaleiros da Távola Redonda são personagens. Esse conto apresentado aqui em versão resumida mas conservando o eixo narrativo é um dos contos integrantes d’O Mabinogion [1]. O conto está nos “Quatro Contos Nativos Independentes”, segunda parte da obra e vai narrar a busca de Culhwch por sua pretendente, Olwen. O rei Artur, a mais conhecida personagem das narrativas que evocam tanto a mitologia celta como o imaginário medieval, é o pivô central da disputa pela mão da bela Olwen, auxiliando o primo Culhwch a conseguir vencer as provas para conseguir casar-se com a donzela. Nessa narrativa há descrições das armas utilizadas por alguns dos componentes das tropas do rei e, essas breves descrições apresentam a grandiosidade desses instrumentos nos remetendo ao espírito guerreiro dos celtas, mostrando a necessidade desse povo estar sempre atento às guerras e invasões de outros povos, fato constante e, portanto, era preciso estar em sempre em estado de alerta.

As descrições, tantos das armas como dos lugares e das personagens são realizadas de maneira sucinta, não há riqueza de detalhes, o que é uma características das narrativas mais curtas que privilegiam os aspectos fantásticos e mágicos esses sim, descritos com mais detalhes pois são o centro da narrativa. Há ainda alguns contos onde a personagem é visitada por seres fantásticos, como duendes e fadas e esses os agraciam com bons ou maus presentes dependendo da atitude do ser humano para com os seres etéreos.

As vinte e seis narrativas constantes no volume são uma pequena amostra da riqueza e beleza da mitologia celta e apresentadas na forma de narrativas curtas mas bem construídas, são fonte de conhecimento da cultura e sociedade celta e oferecem ao leitor e ao estudioso, subsídios para uma maior compreensão da importância do povo celta para a cultura ocidental.

Os elementos da narrativa fantástica estão presentes em todas as narrativas apresentadas e são eles, os responsáveis por enfatizarem o caráter mítico de cada conto e, desta forma, oferecer ao leitor – seja ele conhecedor da mitologia celta ou não -, uma chave para abrir as portas do fascinante mundo do povo celta.

Nota

1. A edição utilizada d’O Mabinogion é a seguinte: MORAIS, José Domingos (tradução e introdução) O Mabinogion. Lisboa: Assírio e Alvim, 2000.

Luciana de Campos – Doutoranda em Letras/UNESP/S.J. Rio Preto. E-mail: fadacelta@yahoo.com.br


JACOBS, Joseph (seleção). Contos-de-fadas celtas. São Paulo: Landy Editora, 2001. Resenha de: CAMPOS, Luciana de. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.3, n.1, p.65-66, 2003. Acessar publicação original [DR]

Matéria da Bretanha / Brathair / 2003

As florestas, os castelos, os vestidos das damas e as armaduras sempre reluzentes dos cavaleiros vão compondo os cenários das narrativas que encerram a Matéria da Bretanha. Escritas entre os séculos XI e XIV, as aventuras ambientadas na corte do rei Artur e vividas pelos seus cavaleiros até hoje povoam o imaginário ocidental e são o objeto de estudo– e porque não dizer de paixão? – de historiadores, literatos, antropólogos, arqueólogos e demais pesquisadores, que se deixam encantar pelas narrativas arturianas.

Corroborando o nosso pensamento, J. Saraiva em Crepúsculo da Idade Média em Portugal (1988:60), afirma que a Matéria da Bretanha nos envolve num mundo encantado de mar, floresta, nevoeiro, fadas, filtros mágicos e metamorfoses.

Este primeiro número temático da Revista Eletrônica do Grupo de Estudos Celtas e Germânicos – BRATHAIR – traz aos seus leitores um conjunto de cinco artigos e duas resenhas, onde são analisados alguns textos que integram a Matéria da Bretanha. Os textos centram-se nas representações do ciclo arturiano nas literaturas européias da Idade Média, utilizando obras anônimas como, por exemplo, A Demanda do Santo Graal, ou de autores como Wolfram von Eschenbach (Parsifal) e de outras narrativas relacionadas às Ilhas Britânicas, como A Viagem de São Brandão.

O artigo de Antonio Furtado (PUC / RJ) traz um estudo de um conto intitulado La mule sans frein que se encontra em seu último livro, Aventuras na Távola Redonda (Vozes, 2003). Analisando o significado do freio que uma jovem e bela dama incumbe Sir Gawain de procurar, Furtado vai comparando a demanda do cavaleiro em busca do freio da mula com outros textos, onde também se empreende a busca por objetos mágicos e os desafios que esta emanda apresenta e como são superados. As aventuras de Gawain para auxiliar a dama são expostas de maneira a cativar o leitor e, mais ainda, fazê-lo viajar ao lado do cavaleiro. É um convite à aventura no mundo arturiano!

Ainda nas empreitadas de viagem, o texto de Paulo Roberto Soares de Deus (UNB) apresenta uma análise da narrativa da viagem de São Brandão. O texto, que foi apresentado na sua forma escrita pela primeira vez no século X, narra a viagem empreendida por São Brandão e seus companheiros na busca do Paraíso. O texto de Soares analisa as questões da cultura clerical e dos elementos folclóricos que estão presentes no texto de A Viagem de São Brandão, refletindo sobre como esses dois temas estão expostos na narrativa irlandesa. As questões de oralidade e escrita são debatidas no artigo e apresentam reflexões elucidativas acerca dessa questão que é constante, quando se analisam os textos da Matéria da Bretanha.

Relacionado também à questão da viagem é o tema do romance de cavalaria A Demanda do Santo Graal, estudado por Adriana Zierer (UEMA), mostrando Artur com características de rei ideal. A obra trata das aventuras dos cavaleiros de Artur em busca do Graal, cálice com o sangue de Cristo recolhido da Cruz, capaz de garantir plenitude material e espiritual. Segundo a autora, ainda que o rei Artur seja coadjuvante na trama do romance, possui elementos de rei- guerreiro e justo, que aparecem em obras arturianas anteriores, como, por exemplo, a Historia Regum Britanniae, de Geoffrey de Monmouth. Zierer apresenta a intertextualidade entre as duas obras e aponta Artur como um modelo régio utilizado pelo monarca português Afonso III para o seu fortalecimento político no século XIII.

Com relação ao tema do sangue no Ocidente Cristão, José Rivair Macedo (UFRGS) apresenta uma parte de seus estudos sobre o assunto, com um artigo sobre o papel do sangue nos romances arturianos. Segundo o autor, o sangue neste período poderia estar ligado à paixão e ao adultério (através de exemplos em Tristão e Isolda e O Cavaleiro da Charrete), à fertilidade (como o Graal), à vingança (o sangue jorraria na presença do causador da morte) e à impureza (sangue puro / impuro). Neste último caso, a impureza estava diretamente associada à lepra. Um exemplo pode ser dado no romance de cavalaria A Demanda do Santo Graal, no qual indivíduos puros como Galaaz e a irmã de Persival são capazes de curarem leprosos através de seu sangue.

Diretamente ligado à questão do sangue puro / impuro, é o estudo de Daniele Gallindo (UFRJ / PPGHC) acerca da mortificação da carne em Parsifal, de Wolfram von Eschenbach e em O Pobre Henrique de Hartman von Aue. Em ambas as obras, o pecado da luxúria teria sido a causa de uma doença incurável, como no caso da lepra que acometeu o cavaleiro pecador Henrique, ou a moléstia de Anfortas, o rei pescador. Tanto Henrique quanto Anfortas

são curados por intermediação de pessoas puras, uma donzela e o cavaleiro predestinado, Parsifal. Nos dois casos, Deus mandara a punição, para que o cristão pudesse se regenerar, o que une as idéias de sofrimento físico e salvação.

Com relação às resenhas, Lênia Márcia Mongelli (USP / ABREM) apresenta os dados sobre a publicação Matéria da Bretanha em Portugal, a qual contém os trabalhos do Colóquio sobre o tema realizado em Portugal na Universidade de Lisboa, coordenado por Margarida Madureira e Teresa Amado. O livro contém textos de autores consagrados sobre o assunto, como Irene Freire Nunes, responsável pela última edição de A Demanda do Santo Graal (1995), Ivo Castro, tradutor da versão portuguesa do Livro de José de Arimatéia, a ser publicada em breve e de José Carlos Miranda, autor de A Demanda do Santo Graal e o Ciclo Arturiano da Vulgata (1998).

A resenha do livro de Antonio Furtado Aventuras na Távola Redonda (Vozes: 2003) apresenta um “convite” tanto ao leitor quanto ao estudioso para mergulhar nas aventuras vividas pelos Cavaleiros da Távola Redonda nas mais diversas demandas e descobrir os encantos das narrativas arturianas. Luciana de Campos (UNESP) apresenta o livro de Furtado, estabelecendo analogias com filmes e também com outros textos, mostrando a importância dos estudos acerca da Matéria da Bretanha.

Com este número temático Matéria da Bretanha, a Revista BRATHAIR pretende contribuir para o aprofundamento dos estudos sobre as narrativas medievais de fundo céltico. Para o ano de 2004, além do próximo número temático do periódico, cujo tema é Religião e Mitologia Celta e Germânica, o Grupo de Estudos Celtas e Germânicos pretende ampliar as discussões e reflexões dos pesquisadores brasileiros através da realização de um Simpósio Nacional, cujos detalhes serão em breve anunciados ao público interessado.

Adriana Zierer – Professora Mestre.

Luciana de Campos – Professora Mestre.

Coordenadoras


CAMPOS, Luciana de; ZIERER, Adriana. Editorial. Brathair, São Luís v.3, n.2, 2003. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânico | São Luís, v.1, n.1, 2001 / v.20, n.2 2020. (S)


Brathair. São Luís, v.20, n.2 (2020)

As doenças têm História

Editorial

Homenagem a Maria do Amparo Tavares Maleval

Dossiê 2020.2 – As doênças têm História/The diseases have History

Artigos/Articles

Traduções/Translation

Resenhas/Review


Brathair. São Luís, v.20, n.2, 2020.

As doenças têm História

Rhetoric Turn and Medieval History

Organização: Dario Internullo e Marcus Baccega

Editorial

Artigos/Articles

Resenhas/Review


Brathair. São Luís, v.19, n.2, 2019): Gênero na Idade Média

Editorial

Editorial – Dossiê Gênero na Idade Média

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Brathair. São Luís, v.19, n. 1, 2019.

Paisagem e Memória entre Celtas e Germanos

Editorial

Dossiê 2019.1 |

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Traduções/Translation


Brathair. São Luís, v.18, n.2, 2018.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.18, n.1, 2018.

Editorial

Dossiê 2018.1 |

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Traduções/Translation

Resenhas/Review


Brathair. São Luís, v.17, n.2, 2017.

Editorial

Dossiê 2017.2 |

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Brathair. São Luís, v.17, n.1, 2017

Dossiê: Matar e morrer na Idade Média

Editorial

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Brathair. São Luís, v.16 n.2, 2016.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.16, n.1, 2016.

Editorial

EDITORIAL – HOMENAGEM A JACQUES LE GOFF, Brathair. São Luís, v.1

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Brathair. São Luís, v.15 n.2, 2015.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.15 n. 1, 2015.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.14, n.2, 2014.

Editorial

Dossiê v. 14, n.2 (2014) |

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Brathair. São Luís, v.14, n.1, 2014.

Editorial

Dossiê V. 14,, n.1 (2014)

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Brathair. São Luís, v.13, n.2, 2013.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.13, n.1, 2013.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.12, n.2, 2012.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.12 n.1, 2012.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.11, n.2, 2011.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.11, n.1, 2011.

Editorial

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As representações de juventude, de velhice e de morte na Edda Poética e na Edda em Prosa

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Traduções/Translation


Brathair. São Luís, v.10, n.2, 2010.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.10 n. 1, 2010.

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Entrevistas

Dossiê V. 10,, n.1 (2010)


Brathair. São Luís, v.9, n.2, 2009.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.9 n.1, 2009.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.8, n.2, 2008.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.8, n.1, 2008.

Editorial

Dossiê V. 8,, n.1 (2008)

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Brathair. São Luís, v.7, n.2, 2007.

Editorial

Dossiê V. 7,, n.2 (2007)

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Entrevistas


Brathair. São Luís, v.7, n.1, 2007.

Editorial

  • EDITORIAL
  • Adriene Baron Tacla, Álvaro Alfredo Bragança Júnior | PDF

Dossiê V. 7,, n.1 (2007)

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Traduções/Translation


Brathair. São Luís. Edição Especial (1), 2007.

ANAIS DO I COLÓQUIO DE ESTUDOS CELTAS E GERMÂNICOS: RELIGIOSIDADE E INTERPRETATIO 

Editorial

Dossiê Parte I: CELTAS


Brathair. São Luís, v.6, n.2, 2006.

Editorial

Dossiê No. 6 (2)/ 2006

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Brathair. São Luís, v.6, n.1, 2006.

Editorial

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Matéria da Bretanha e Medievalismo no Brasil

  • Lênia Márcia Mongelli | PDF

Brathair. São Luís, v.5, n.2, 2005.

Editorial

Dossiê No. 5 (2)/ 2005

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Brathair. São Luís, v.5, n.1, 2005.

Editorial

Dossiê No. 5 (1)/ 2005 | Entre a Deusa e a Bruxa: reflexões sobre o imaginário pagão em Agustina Bessa-Luís

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Entrevistas


Brathair. São Luís, v.4, n. 2, 2004.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.4, n.1, 2004.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.3, n.2, 2003.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.3, n.1, 2003.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.2, n.2, 2002.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.2, n.1, 2002.

Editorial

EDITORIAL

  • Álvaro Alfredo Bragança Júnior | PDF

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Brathair. São Luís, v.1, n.2, 2001.

Editorial

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Brathair. São Luís, v.1, n.1, 2001.

Editorial

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Brathair | UEMA | 2001

Brathair4 Brathair

A Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos (São Luís, 2001-) foi criada pelo Brathair – Grupo de Estudos Celtas e Germânicos, com o objetivo de fortalecimento dos estudos das culturas celta e germânica e é um periódico pioneiro acerca desses estudos no Brasil. O Grupo Brathair está cadastrado no diretório de pesquisa do CNPq e a revista está atualmente sediada na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), em São Luís. A revista é semestral e de acesso livre.

Em seus quase vinte anos de existência, tem publicado artigos de pesquisadores internacionais consagrados por exemplo, Ciro Cardoso (UFF), do Brasil, e também investigadores de outros países como Klaus Militzer (Universität Bochum) e Jean-Claude-Schmitt (EHESS). Assim, o período oferece ao público interessado e especializado material de qualidade e de livre acesso na temática dos celtas e germanos. A revista publica em português, inglês, alemão, italiano, espanhol e francês.

A revista BRATHAIR propõe-se a divulgar artigos e resenhas de livros sobre celtas e germanos em português, inglês, francês, alemão, espanhol e italiano – produzidos por profissionais de diversas áreas do conhecimento, a saber: história antiga e medieval, filosofia, filologia, antropologia, arqueologia, literaturas medievais e em línguas celtas, germânicas e latinas. Optamos por publicá-la na Internet, a fim de torná-la acessível a estudiosos e ao público interessado nas culturas celtas e germânicas, ampliando, sobretudo no Brasil, o debate e a produção acadêmicos em tais áreas de pesquisa.

Periodicidade semestral

Esta revista oferece acesso livre imediato ao seu conteúdo, seguindo o princípio de que disponibilizar gratuitamente o conhecimento científico ao público proporciona maior democratização mundial do conhecimento.

ISSN 1519-9053

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Alea | UFRJ | [2000]

Alea3 Brathair

Alea: Estudos Neolatinos – [2000-] Revista organizada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que compreende as seguintes áreas de concentração: Língua Espanhola e Literaturas Hispânicas; Língua Francesa e Literaturas de Língua Francesa; Língua e Literatura Italiana.

A publicação visa à divulgação de trabalhos de pesquisa originais provenientes das diversas áreas de produção de conhecimento relacionadas com a área de letras e que se articulem com as línguas e as literaturas neolatinas.

Periodicidade quadrimestral

Acesso livre

ISSN 1517-106X (Online)

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