Categories: HISTÓRIA

The Greek Theatre and Festivals. Documentary Studies | Peter Wilson

As ruínas permanecem em seus lugares. Alguns textos dos tragediógrafos e comediógrafos chegaram até nós, mas o entendimento da dinâmica do teatro grego permanece ainda um mistério. Para os pesquisadores do teatro antigo, principalmente aqueles que se dedicam a entender as relações entre o teatro, a política e a sociedade na Atenas do século V a.C., ou aqueles que investigam a problemática da performance no teatro antigo, nenhum evento é tão importante como os festivais em honra ao deus Dionísio nos quais eram encenadas as tragédias e as comédias.

Compartilhando deste interesse e partindo da necessidade de atualizar as abordagens historiográficas sobre o teatro em seu âmbito material, o helenista e historiador do teatro clássico Peter Wilson editou The Greek Theatre and Festivals. Documentary Studies. O livro é um esforço coletivo de treze pesquisadores do teatro e das festas em homenagem a Dionísio, os quais realizaram em 2003 em Oxford uma conferência para reflexão sobre o tema. Ao abordar este assunto, sempre é preciso retomar os seminais estudos de Sir Arthur Wallace Pickard-Cambridge (1873- 1952): o Dithyramb Tragedy and Comedy (1927) e o The Theatre of Dionysus in Athens (1946). Estas duas obras de Pickard-Cambridge inauguraram em seu tempo a problemática das bases arqueológicas do teatro grego, tendo se tornado durante décadas referências absolutas sobre o tema.

Assim, consciente da dívida em relação às obras de Pickard-Cambridge mas também percebendo a importância de novas descobertas e enfoques sobre o tema, já na introdução Peter Wilson postula o seu objetivo com esses textos: “Introduction: From the Ground Up”, ou seja, rever tudo, reatualizar as premissas, recolocar os problemas. Os textos editados por Wilson desejam abordar o teatro grego de forma renovada, a partir de novas inquietudes historiográficas e trazendo como documentos as coleções de epigramas muitas vezes esquecidas pelos historiadores do teatro. O livro divide-se então em três grandes partes: I. Festivals and Perfomers: Some New Perspecives, II. Festivals of Athens and Attica, III. Beyond Athens.

Os festivais em honra a Dionísio inseriam-se no calendário cívico da cidade, ocorrendo durante o ano ocorriam três festas sua homenagem : as Lenéias, que aconteciam no final de janeiro, para as quais se interrompiam os trabalhos do campo, do comércio e da navegação de forma que os cidadãos se dedicassem exclusivamente às festividades; as Grandes Dionisíacas, que aconteciam no final de março e traziam grande número de viajantes para Atenas; as Dionisíacas rurais, que aconteciam em dezembro em regiões da Ática (CUSSET, 1997, p.12-3). No edifício do teatro consagrado a Dionísio era reservado um lugar para um templo do deus contendo uma imagem sua, no centro da orkhestra havia um altar de pedra em sua homenagem e nas arquibancadas, um trono esculpido era reservado ao sacerdote de Dionísio (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 1999). Os festivais em honra ao deus Dionísio tornavam o teatro grego um espetáculo com dia, lugar e público específicos, o qual conciliava problemas internos, contribuindo para a coesão do corpo cívico.

A primeira parte do “The Greek Theatre and Festivals”, “Festivals and Perfomers: Some New Perspecives” (p. 21-84), a qual, nas palavras do próprio autor, “reconhece a necessidade de arriscar amplas inspeções de algumas questões gerais (p. 3)”, sendo formada por três artigos. O primeiro artigo “Deconstructing Festivals”, de William Slater (p. 21-47), ambiciona uma leitura do material epigráfico disponível para a compreensão do teatro grego e propõe que os festivais têm importantes ramificações para a compreensão de questões tradicionais como a política e o poder no Mediterrâneo. Slater adota uma postura crítica em relação aos historiadores do teatro grego que não exploram as possiblidades da numismática ou da epigrafia para a compreensão dos festivais. A “desconstrução dos festivais” revela o tom de desafio aos historiadores do teatro e a urgência de restabelecer bases teóricas e documentais para compreender o fenômeno do teatro grego.

O segundo texto da primeira parte, “Theatre Rituals” de Angelos Chaniotis (p. 48-66), começa a estabelecer a importância do teatro antigo para além da teatralidade e da performance artística, tentando resgatar uma série de atividades ritualísticas ou de caráter cívico que ocorriam ao redor do evento teatral. O espetáculo do teatro, principalmente em Roma, congregava outros eventos que ajudavam a dar uma maior dimensão ao evento, como o anúncio das honras, a coroação dos benfeitores, a entrada dos magistrados, além de concursos de canto e declamações. Para Chaniotis, o teatro antigo é composto por “rituais de comunicação”, os quais podem ser entre os mortais e os imortais, em um nível social entre o “sujeito” e o seu papel dentro da sociedade, ou entre cidadãos e estrangeiros (p. 65).

No terceiro e último texto da primeira parte, com o título bastante descritivo de “The Organization of Music Contests in the Hellenistic Period and Artists’ Participation: An Attempt at Classification” (p. 67-84), Sophia Aneziri procura mostrar como os artistas ligados à música ou “Dionysiac Artists” ajudavam a organizar concursos musicais em homenagem ao deus no período helenístico. A autora classifica os concursos musicais em três categorias em relação à sua organização: (1) concursos organizados pelas associações, (2) concursos co-organizados por elas e (3) concursos dos quais elas apenas participavam. Essa espécie de “guilda” ou associação de músicos mostra uma certa cooperação entre profissionais ligados à arte e a importância desses eventos no contexto helenístico.

A segunda parte do livro, chamada de “Festivals of Athens and Attica” (p. 87-182), pode interessar mais a quem pesquisa relações entre o teatro grego, tanto a tragédia como a comédia, em relação a contextos políticos e sociais. Nas palavras do próprio Wilson, essa parte pode ser definida como “um chamado a revigorar o estudo do material familiar da metropolis do teatro através de novas perguntas, da recombinação dos seus elementos de formas produtivas e inusitadas, e da integração de evidências menos conhecidas na corrente principal da discussão” (p. 3).

O primeiro artigo, “The Men Who Built the Theatres: Theotropolai, Theatronai, and Arkhitektones” (p. 87-121) de Eric Csapo, é um dos principais artigos do livro. Csapo trabalha com epigrafia assim como Slatter, e com os indícios anuais dos festivais. Suas perguntas são dirigidas à administração do teatro em sua monumentalidade, mostrando que havia uma economia que girava em torno dessas apresentações, como os aluguéis de tendas. Assim ele demonstra como termos que aparecem apenas em fontes literárias e que foram sempre tratados como de pouca importância, como “theatrones” (Theatron-buyer) ou “theatropoles” (Theatron-seller), aparecem em relação a outros termos como o “arkhitekton” e podem dar indícios da dinâmica espacial que se desenvolvia nos festivais a Dionísio. As descobertas de Csapo levam a pensar dinâmicas econômicas e certas condições de existência material para o evento em homenagem a Dionísio. Além das fontes literárias citadas pelo autor há no final do capítulo um pequeno apêndice arqueológico escrito por Hans Rupprecht Goette, que mostra uma evolução material do espaço físico do teatro.

O segundo texto, “Choregic Monuments and The Athenian Democracy” (p. 122-49) de Hans Rupprecht Goette, debruça-se sobre os monumentos existentes perto do teatro de Dionísio e a sua representação de poder. Tais monumentos fazem contraste com algumas ideias da democracia grega. Já o último artigo da segunda parte e sexto do livro é escrito pelo editor Peter Wilson, “Performance in the Pythion: Athenian Thargelia” (p. 150-182). O artigo de Wilson desvia o foco do festival de Dionísio para o festival de Apolo, a Targélia. O festival da Targélia durava apenas dois dias e levava esse nome por ser celebrado no período chamado “Thargelion” que corresponde ao final de maio. Para o autor, o festival representava a criação da ordem civil, claramente oposto ao festival a Dionísio. A Targélia era celebrada com coros masculinos semelhantes em certos aspectos ao coro das tragédias. Peter Wilson discute as questões de performance nesse festival, pensando as relações com a música. A importância do artigo reside em trazer à discussão um festival que é pouco lembrado pelos estudantes da performance no mundo antigo, além de mostrar aspectos que circundam a ritualística que envolve o deus Apolo.

A terceira e ultima parte do livro, “Beyond Athens” (p. 184-377), é a maior em contribuições, com sete artigos. Estes artigos exploram um rico material ligado ao teatro e aos festivais menos estudados para além de Atenas. O primeiro artigo, “Dithyramb, Tragedy and Cyrene” (p. 185- 214), escrito por Paola Ceccarelli and Silvia Milanezi, analisa por meio da epigrafia evidências sobre a tragédia na cidade de Cirene (antiga colônia grega na atual Líbia) no século IV a.C. O texto das pesquisadoras trata da dinâmica organizacional em Cirene das apresentações trágicas e dos coros ditirâmbicos, tentando traçar um quadro de como era encenada uma tragédia fora de Atenas.

O segundo artigo, “A Horse from Teos: Epigraphical Notes on the Ionian Hellespontine Association of Dionysiac Artists” (p. 215-45) de John Ma, parte também da epigrafia para demonstrar a singularidade do ditirâmbico na Anatólia no século II a.C. Ma levanta a hipótese de que nesse período helenístico o ditirâmbico era apresentado por um “pseudo-coral” e envolvia também solos virtuosos de instrumentos como a cítara.

O terceiro artigo, “Kraton, Son of Zotichos: Artists Associations and Monarchic Power in the Hellenistic Period” (p. 246-278) de Brigitte Le Guen, analisa a vida de Kraton, um tocador de aulos, uma espécie de flauta também conhecida por tíbia, sobre o qual existem várias referências nos epigramas. A autora analisa o seu percurso tentando desvelar os possíveis caminhos para uma “carreira” de músico no período helenístico.

O quarto artigo, “Theoria and Theatre at Samothrace: The Dardanos by Dymas of Iasos” (p.279- 293) de Ian Rutherford, explica as bases do teatro na Samotrácia no século II, mostrando as relações entre um culto a Dardanos e um poema da série “Poeti Vaganti”.

O quinto artigo, “The Dionysia at Iasos: Its Artists, Patrons, and Audience” (p. 294- 334) de Charles Crowther, também trabalhando com epigrafia, mostra como era o teatro na cidade de Iasos, mostrando pelos documentos que a arte de Dionísio era bem recebida na cidade, tendo uma série de peças sido encenadas. Crowter mostra as listas das inscrições existentes sobre as peças e os possíveis valores pagos ou doados aos artistas de Dionísio.

No sexto artigo, “An Opisthographic Lead Tablet from Sicily with a Financial Document and a Curse Concerning Choregoi” (p. 335-350), David Jordan investiga uma tablete de chumbo de característica opistográfica, ou seja, escrito dos dois lados. O documento traz uma espécie de maldição e uma referência a uma disputa de ordem teatral. O texto de Jordan é principalmente uma apresentação deste raro documento que pode ajudar a traçar algumas ideias sobre a Sicília e as relações entre os Choregoi.

O último capítulo do livro, escrito por Peter Wilson e intitulado “Sicilian Choruses” (p. 351-77), é também dedicado à Sicília no século V. a.C. Wilson tenta mostrar as singularidades desse teatro ligado a cultos locais, em que diferentemente da Grécia as mulheres participavam do coro, e discute novamente questões de performance.

Assim, “The Greek Theatre and Festivals. Documentary Studies” é um livro que ousa em sua proposta e deseja revisar certezas para lançar novos desafios aos pesquisadores do teatro antigo. A leitura do livro é desafiadora e convida o leitor a pensar o teatro antigo por outro ângulo. Tal qualidade não é diferente e nem rara se olharmos para as outras contribuições de Peter Wilson, cujas obras se destacam sempre pelo enriquecimento aos estudos do teatro antigo em relação a dinâmicas de performance e a elementos cênicos na tragédia ou comédia. Entre os seus livros mais importantes está The Athenian Institution of the ‘Khoregia’: the Chorus, the City and the Stage (2000), além do trabalho de sociologia da música na pólis clássica, “Music and the Muses: the Culture of ‘Mousike’ in the Classical Athenian City”, editado conjuntamente com P. Murray . Mais recentemente, em 2008, Wilson editou com Martin Revermann o “Performance, Reception, Iconography: Studies in Honour of Oliver Taplin”. Os livros de Peter Wilson tornaram-se caminho obrigatório para quem deseja reatualizar as abordagens do teatro grego trabalhando com antiguidade e história cultural e atentando para evidências documentais utilizadas com menor frequência.

Referências

CUSSET, Christophe. La tragédie grecque. Paris: Éd. du Seuil, 1997.

VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 1999.

Mateus Dagios – Mestre em História pela UFRGS com a dissertação “Neoptólemo entre a cicatriz e a chaga: lógos sofístico, peithó e areté na tragédia Filoctetes de Sófocles”. E-mail: mateusdagios@yahoo.com.br.


WILSON, Peter (Ed.). The Greek Theatre and Festivals. Documentary Studies. Oxford Studies in Ancient Documents. Oxford: Oxford University Press, 2007. Resenha de: DAGIOS, Mateus. Redescobrindo o Teatro de Dionísio: novas possibilidades para o teatro antigo. Aedos. Porto Alegre, v.5, n.12, p.279-283, jan. / jul., 2013. Acessar publicação original [DR]

 

Itamar Freitas

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