Este livro reúne, sob a coordenação de Javier Fernández Serbastián, dezesseis textos dedicados a problemas teóricos, metodológicos e historiográficos relacionados à prática da chamada “História dos Conceitos” (principalmente, mas não exclusivamente, a sistematizada por Reinhart Koselleck) e enfoques afins, elaborados por autores de vários países e de vários campos das Ciências Humanas. Trata-se de uma coletânea dotada de considerável unidade – aspecto louvável, nem sempre encontrado atualmente em obras acadêmicas coletivas – cujas contribuições, não obstante, possuem autonomia. A esta primeira edição em inglês, seriam acrescidos três outros capítulos a comporem uma edição em espanhol, publicada dois anos depois (Javier Fernández Sebastián & Gonzalo Capellán [eds.]. Conceptos políticos, tiempo e historia: nuevos enfoques en historia conceptual, Santander: McGraw Hill – Ediciones Universidad de Cantabria, 2013). O livro é dedicado a tema geral bastante explorado nas últimas duas décadas por uma historiografia pujante e de escala mundial, mas que mostra ainda um amplo campo de possibilidades a serem exploradas, como bem se vê ao longo dos capítulos aqui apresentados.
A obra é aberta por uma introdução, na qual seu editor empreende uma bem-fundamentada justificativa da atualidade do enfoque histórico-conceitual em um mundo como o nosso, “babélico”, marcado por uma “plurality of languages, cultures and conceptual systems (…) with its irremediable entourage of misunderstandings”, a potencializar uma abordagem semântica histórico-comparativa das civilizações (p.1) e sua correlata temporalização não só de conceitos, mas do próprio tempo como matéria histórica. Está dada então a base para a abertura disciplinar tratada na primeira parte do livro, intitulada “Conceptual History and Neighbouring Disciplines”. Aqui, o capítulo de Hans Erich Bödeker (“Begriffsgeschichte as the History of Theory. The History of Theory as Begriffsgeschichte. An Essay”) formula a sugestiva hipótese de uma correlação entre a História dos Conceitos de filiação alemã e uma “problem-oriented history of theory informed by social structures” (p.19). De imediato, Bödeker trata de reconciliar essa Begriffsgeschichte com modalidades – com frequência vistas como incompatíveis com ela – de história política, intelectual e das ideias, na medida em que, segundo ele, uma história de conceitos não deveria jamais ser apenas de conceitos, mas também da relação destes com palavras e objetos, isto é, de sinais linguísticos com o mundo material (trata-se, bem entendido seja, de uma defesa de uma perspectiva, não de um suposto diagnóstico de sua prática). O capítulo seguinte, de Elías José Palti (“From Ideas to Concepts to Metaphors: The German Tradition of Intellectual History and the Complex Fabrico of Language”), empreende um recorrido analítico do que o autor chama de “tradição germânica de História Intelectual”, incluindo aí desde Wilhelm Dilthey e Ernst Cassirer até Koselleck e Hans Blumenberg. Palti retoma seus outrora já bem fundamentados ataques a uma história das ideias convencional, considerando a tradição aqui analisada como responsável por uma perspectiva de compreensão histórica “that placed intelectual history on a completely new terrain, definitively beyond that characteristics of the tradition of Ideengeschichte” (p.66). Em seguida, Michael Freeden (“Ideology and Conceptual History: The Interrelationship between Method and Meaning”) desloca parcialmente a discussão, submetendo, simultaneamente, conceitos e categorias de ideologia a um escrutínio histórico que, em seus muitos meandros e sutilezas, oferece ao leitor amplas sugestões de problemas teóricos e metodológicos, como os dois com os quais encerra seu texto: “conceptual history needs to offer a diachronically complex account of how a given concept is located at a node through which many intersecting and complementary concepts travel”; e “some concepts traverse parallel paths and are consequently located in diferent semantic fields that, at most, overlap but also indicate that they can lead multiple lives synchronically” (p.97). O encerramento desta primeira parte do livro traz uma panorâmica de estudos acerca daquilo que seu autor, Peter Burke, chama de “Cultural History of Intellectual Practices”. Trata-se de um apanhado que a muitos leitores poderá resultar de utilidade, sobretudo por seu esforço em contemplar contribuições historiográficas para além daquelas produzidas no âmbito anglo-saxão, mas que representa um desvio temático muito grande em relação aos demais capítulos da obra, com os quais dificilmente algum diálogo direto pode ser estabelecido.
A segunda parte, “Temporalizing Experiences and Concepts”, traz cinco capítulos cujos autores se empenham fortemente em dialogar com a História dos Conceitos koselleckiana. Em um notável estudo, Alexandre Escudier (“‘Temporalization’ and Political Modernity: A Tentative Systematization of Work of Reinhart Koselleck”) analisa a obra do historiador alemão como um sistema de pensamento complexo e prenhe de significados, no qual temas como tempo e temporalização convergem para uma proposta de estudo comparativo da semântica política europeia. Kari Palonen (“Contingency, Political Theory and Conceptual History”) desenvolve uma abordagem da obra conceitual de Koselleck tomando-a como fonte de contribuições a uma verdadeira teoria política, pontuando possibilidades de desenvolvimento da ideia em várias sugestivas direções, como a ideia de “fortuna”, conflitos entre presente e futuro, e aproximações entre Koselleck e Max Weber. Em seguida, Pim den Boer (“National Cultures, Transnational Concepts: Begriffsgeschichte Beyond Conceptual Nationalism”) e Jörn Leonhard (“Language, Experience and Translation: Towards a Comparative Dimension”) tomam a si a tarefa de abrir a História dos Conceitos a enfoques não-nacionais, cosmopolitas e comparativos que emergem a partir da avaliação de críticas recebidas pela obra de Koselleck, refletindo sobre objetos como as línguas e seus dicionários (no primeiro caso) e a categoria experiência (no segundo). Entre os dois, encontra-se o capítulo de João Feres Júnior (“With na Eye on Future Research: The Theoretical Layers of Conceptual History”), voltado ao que o autor considera usos e abusos da História dos Conceitos e que desembocam em uma crítica direta a ela. Aqui, penso que afirmações como “not enough evidence has been gathered so far to support Koselleck’s theorethical claims about modernity”, ou “temporalization, ideologization, democratization and politicization of concepts (…) should be treated at most as hypotheses” (p.238) poderiam ser revistas ou mesmo abandonadas, tendo-se por base muitos dos resultados do Projeto Iberconceptos, dirigido por Fernández Sebastián, e com participação ativa do próprio Feres Júnior.
Os estudos apresentados na terceira parte do livro, “On the Historical Semantics of Modern Times”, se distanciam da discussão direta da obra de Koselleck e da Begriffsgeschichte, preferindo abordagens históricas de problemas mais específicos, mas que se valem ostensiva, critica e ativamente, de ambos. Assim, Giuseppe Duso (“Begriffsgechichte and the Modern Concept of Power”) passeia por conceitos como igualdade, liberdade e soberania fazendo-os confluir para uma discussão em torno do conceito de poder. Já Faustino Oncina (“Memory, Iconology and Modernity: a Challenge for Conceptual History”), de modo assaz oportuno, aborda o pouquíssimo explorado problema dos conceitos imagéticos, articulando-o com os temas da memória e da modernidade, e dialogando com sua incidência não apenas na obra escrita de Koselleck, mas também em sua atuação pública e política mais ampla. Já Jacques Guilhaumou (“The Temporality of Historical Forms of Individualization in Modern Times”), propõe uma articulação profunda e perspicaz entre a Sattelzeit koselleckiana e o desenvolvimento histórico da noção moderna de indivíduo, apontando na direção de “one of the main existencial conditions for the ego between 1750 and 1850”, isto é, “the new perception of temporality due to the realization of the existence of a humanity which both suffers and acts” (p.347). Esta terceira parte se encerra com o capítulo do próprio editor, Javier Fernández Sebastián (“‘Riding the Devil’s Steed’: Politics and Historical Acceleration in na Age of Revolutions”), na qual vários preceitos e insights da teoria da modernidade, da temporalização da história e da História dos Conceitos koselleckianas são utilizados, matizados e reconfigurados com enorme proveito para iluminar dimensões da política espanhola e hispano-americana, sobretudo, da primeira metade do século XIX. O livro, como um todo, se encerra com dois apêndices: uma fala de homenagem a Koselleck da parte de Christian Meier, onde biografia, memória pessoal e avaliação intelectual resultam em um texto de valor duplamente documental e crítico; e a “Mission Statement” do European Conceptual History Project.
Political Concepts and Time confirma o quão proveitosas podem ser elaborações teóricas e práticas historiográficas derivadas da obra de Koselleck, da História dos Conceitos e de muitos temas e problemas delas derivados ou a elas correlatos. Se é costume – talvez mais entre os historiadores do que entre outros cientistas sociais – a afirmação de que o critério máximo de toda boa teoria é a própria realidade social (empírica e limitadamente representada), os autores desta obra, sem dogmas, esquemas rígidos ou excessos intelectualistas, nos mostram mais uma vez que uma boa teoria também pode ser, ela mesma, parte dessa realidade social.
João Paulo Pimenta – Universidade de São Paulo (USP)
FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (Org.). Political Concepts and Time. New Approaches to Conceptual History. Santander: Cantabria University Press/McGraw-Hill Interamericana de España, 2011. Resenha de: PIMENTA, João Paulo. Teoria, metodologia e historiografia da História dos Conceitos: uma avaliação necessária. Almanack, Guarulhos, n.11, p. 865-867, set./dez., 2015.
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