Resultado de tese de doutoramento defendida em 1997 na Universidade Federal Fluminense – UFF, o livro Os Eurobrasileiros e o Espaço Colonial é um estudo de fôlego a respeito da história social do Oeste Paranaense. Trata-se de uma abordagem que prioriza a experiência de comerciantes, caixeiros viajantes, colonos e colonas que por simples aventura, sonhos ou necessidades, migraram em busca de um novo espaço: a região Oeste do Paraná entre os anos 40 e 70 do século XX.
O argumento central de Valdir Gregory é de que os eurobrasileiros ligados à lide na terra moldaram o espaço colonial do Brasil Meridional ao mesmo tempo em que foram se moldando por ele. Resistindo às mudanças, se adaptando a elas, migraram para novas fronteiras agrícolas, onde preservaram e inovaram seus hábitos culturais. À época das inovações tecnológicas, estando sob a ameaça de deixarem de ser colonos, tiveram de reestruturar o modo-de-ser do colono.
Para sustentar essa tese, o autor apoiou-se em um considerável arcabouço documental e bibliográfico: relatórios e planos de ação de empresas colonizadoras, documentos oficiais (IBGE, INCRA e SUDESUL), documentos cartoriais, fontes jornalísticas (jornais e revistas), textos de época e depoimentos orais. A natureza variada das fontes, demonstra por si mesma, mérito do autor em conseguir “amarrá-las”, extraindo delas semelhanças e contradições, principalmente no que se refere à (re) organização espacial e social da região Oeste do Paraná em meados do século XX.
Para construir seu objeto de análise, Valdir Gregory começa o texto discorrendo sobre a colonização da região Sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) por imigrantes europeus (alemães, italianos, ucranianos e poloneses), iniciada no décimo nono século. O contexto europeu da época, as migrações para a América e a dinâmica colonial implantada pelos imigrantes também são trabalhados, utilizando-se dos estudos de Leo Waibel, Emílio Wilhems, Maria Tereza Schörer Petrone, Lúcio Kreutz, Ruy Christovam Wachowicz, José Vicente Tavares dos Santos, entre outros. “Os eurobrasileiros puderam constituir uma sociedade colonial na qual a herança cultural, no seu sentido amplo, européia, mesclou-se com a realidade encontrada e constituída pelos colonos para formar o espaço colonial dinâmico e instável”. (p.53) Instável porque a estrutura fundiária das regiões coloniais gaúchas e catarinenses, em princípios do século XX, não mais suportava o crescente aumento populacional e a limitada disponibilidade de terras cultiváveis, fazendo com que os eurobrasileiros se deslocassem para as cidades ou para novas fronteiras agrícolas. “O Paraná foi o estado receptor por excelência”. (p.55)
A partir dos discursos dos governadores Moysés Lupion (1948/52; 1957/61) e Bento Munhoz da Rocha Neto (1953/57) sobre a colonização do território paranaense, bem como de relatórios e planos de ação de algumas empresas colonizadoras e madeireiras que atuaram no Oeste do Paraná entre as décadas de 1940 a 60, o autor percebe uma série de interesses comuns em torno da colonização das terras situadas próximas à fronteira internacional com outros países (Argentina e Paraguay). “A visão geopolítica federal via na colonização a consolidação territorial brasileria assegurada por colonos pequenos proprietários. Os empreendedores de empresas colonizadoras e madeireiras vislumbravam novas possibilidades de investimentos em negócios madeireiros e de mercantilização de terras. Os colonos se dispunham a migrar para reconstruírem espaços coloniais” (p. 70). Controle, direcionamento e presença constante e efetivas dos homens do Estado e das estratégias de atuação das colonizadoras fizeram com que se estabelecesse um novo espaço colonial aos moldes do antigo espaço colonial, isto é, uma estrutura baseada na pequena propriedade rural (em média 25 hectares) ocupada por colonos gaúchos ou catarinenses acostumados à lide na policultura.
Esses são alguns itens explorados por Valdir Gregory na documentação, por exemplo, da Industrial Madeireira e Colonizadora Rio Paraná – MARIPÁ, organizada em Porto Alegre no ano de 1946: “Na medida em que a colonização avançava, os administradores adotavam novas formas de atuação e de investimentos em atividades industriais, comerciais e de serviços, criando novas empresas e participando da estruturação das infra-estruturas necessárias para o desenvolvimento das atividades religiosas, educacionais, recreativas e outras” (pp.151-152).
Uma ênfase especial é dada pelo autor no que se refere às estratégias adotadas pelas empresas colonizadoras na seleção do colono “ideal”: divulgação restrita a grupos específicos de colonos, cuja preferência era dada àqueles descendentes de imigrantes alemães e italianos; a localidade de origem, a língua e a religião tiveram grande influência na escolha dos locais tanto para a escolha dos colonos como para o estabelecimento das famílias no novo espaço colonial: “Os teuto-brasileiros, os ítalo-brasileiros, os eurobrasileiros, enfim, já tinham, pois, acumulado experiências agrícola e de vida rural nas colônias do Sul do Brasil durante mais de um século. Estavam acostumados ao trabalho árduo em pequenos lotes de terra. Tinham a fama de serem econômicos, evitando gastos para alimentar seus espíritos de poupança e de provedores do futuro próprio, dos filhos e dos netos. Nessas colônias, os empreendedores buscaram o modelo de sua estruturação espacial e dessas colônias atraíram os colonos ideais para atingirem seus intentos” (p. 176).
Para os colonos, a mudança do antigo espaço colonial para a construção de um novo espaço se constituiu numa situação de crise, de incertezas, manifestando-se de formas variadas no cotidiano e na memória dos eurobrasileiros, afetando seu estilo de viver e de ser. A riqueza de detalhes apresentado por Valdir Gregory impressiona mesmo aqueles que pouco sabem ou leram sobre a relação homem-terra. Aliada à modernização das técnicas agrícolas, iniciada em fins da década de 1960, os eurobrasileiros foram obrigados a assumir novos papéis, se adaptar e resistir às mudanças.
Para analisar esse processo de mudança e resistência a ela, o autor fez uso de depoimentos orais, do relatório final de um projeto denominado PERSAGRI II, desenvolvido pelo Ministério da Agricultura e pela Fundação Getúlio Vargas e, de uma extensa bibliografia sobre a temática. Nesta documentação foi possível perceber o conflito entre a pressão pela mudança, provocada pela modernização, e a resistência para a manutenção da situação de colonos. “A migração continuou sendo uma forma de resistir à inovação […] Querer ter terra, querer reconstruir um espaço colonial conflitava com as exigências de um programa, de uma política de modernização do campo que potencializavam desejos de ascensão social, desejos de competição, enfim, desejos anti-coloniais” (p. 235).
Creio que Valdir Gregory poderia ter apresentado mais detalhes a respeito da atuação dos órgãos criados pelo Governo Paranaense para realizar e coordenar a colonização “oficial” ou “pública” de parte considerável do território paranaense. Os conflitos de terra, ocorridos de forma intensa na região Oeste do Paraná durante a colonização, é outro ponto que também merecia mais atenção. No mais, apreciei muito a maneira como Valdir Gregory escreve: sem floreios, rodeios e divagação teórica. A argumentação teórica quase passa despercebida, mas está lá, de forma coesa. As informações a respeito das fontes documentais e a forma como foram exploradas revelam, ainda mais, o faro deste historiador. Enfim, os méritos são diversos.
Antonio Marcos Myskiw – Professor de História do Paraná na UNIOESTE. Mestre em História Social pela UFF. E-mail: antoniocdf@bol.com.br
GREGORY, Valdir. Os Eurobrasileiros e o Espaço Colonial: migrações no Oeste do Paraná (1940/70). Cascavel: EDUNIOESTE, 2002. Resenha de: MYSKIW, Antonio Marcos. Cantareira. Niterói, n.2, 2002. Acessar publicação original [DR]
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