O Professor de Português e a Literatura originalmente foi a dissertação de mestrado em educação de Gabriela Rodella de Oliveira, bacharel em Letras Português/ Alemão, mestre e doutora em Educação pela USP e professora na Universidade Federal do Sul da Bahia. A obra em questão procura entender o porquê da crônica precariedade do ensino de literatura nas escolas públicas paulistanas e a incapacidade do mesmo em formar leitores assíduos, ou nos termos da autora “leitores literários”. Para tanto, Oliveira analisa o trabalho docente nas disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura e sua capacidade em transformar os discentes em admiradores da arte literária.
A obra inicia-se com um levantamento histórico do ensino de Literatura no Brasil (dos jesuístas até os PCN´s, criados em 1996) e apontando os principais “vícios” no ensino da citada matéria no país. A autora, apoiada em outras pesquisas realizadas desde a década de 1970 até a década de 1990 [1], defende que a disciplina citada é reduzida ao ensino de história literária, biografia dos autores clássicos, a leitura de trechos de algumas obras clássicas da literatura brasileira e a apresentação das diferentes escolas literárias, tudo feito de forma resumida e superficial baseado nas explicações presentes nos livros didáticos. A principal consequência desse quadro é a incapacidade dos professores em apresentar aos alunos as diferentes obras literárias, despertar neles a paixão pelos livros e torná-los bons leitores.
O livro se destina a entender o porquê dessa calamitosa situação. A resposta para tal questionamento perpassa as práticas dos docentes paulistanos, que por sua vez são determinadas por sua realidade de vida e formação, na visão da autora. Para identificá-las, Oliveira realizou uma pesquisa com 87 professores para, segundo a própria, levantar o “perfil médio” do professor de Língua Portuguesa da rede estadual de São Paulo. O levantamento realizado contou com uma parte “quantitativa” e outra “qualitativa”; a primeira parte da pesquisa contou com a elaboração e distribuição de um questionário [2] para os 87 professores citados e a segunda contou com a confecção de uma entrevista feita pela própria autora com quatro professores, que segundo Oliveira se destacaram por sua capacidade intelectual. Embora a mesma reconheça que a pesquisa não tenha um caráter estatístico e que o universo pesquisado seja pequeno, ela procurar traçar o retrato do docente da citada disciplina.
Apoiada em Pierre Bourdieu, e sua noção de habitus, e baseada nos resultados obtidos, Oliveira concebe o “perfil médio” dos docentes de Língua Portuguesa que, com raras exceções, são profissionais originários da camada pobre da população, com pouco ou nenhum acesso à leitura na infância, estudante de escolas públicas e, posteriormente, de cursos noturnos de faculdades particulares, com hábitos literários pobres, que variam entre livros didáticos, leituras de alguns clássicos exigidos em programas/currículos escolares e Best Sellers. Esse docente, por uma mistura de incapacidade e conservadorismo pedagógico, não consegue fugir dos antigos esquemas de ensino de Literatura (recorrência a história literária, biografia dos autores, apresentação das escolas e resumos de livros didáticos) e não é capaz de despertar o gosto pela leitura e formar “leitores literários”, por ele próprio não possuir esse capital cultural. Diante de seu fracasso, o citado docente recorre a culpabilização dos alunos, a quem acusa de “falta de interesse nos estudos”, “pouca capacidade de leitura” e “falta de bons modos”, entre outros problemas.
O conceito da autora de “leitores literários” traz em si a ideia de um leitor que consome a leitura por sua qualidade estética e o caráter artístico da obra, em contraposição a uma “literatura funcional”, que seriam leituras obrigatórias ou profissionais sem valor artístico. Apesar de formada em Letras, Oliveira, em nenhum momento, se apoia em algum conceito da Literatura ou da crítica literária para explicar quais são suas noções de “arte” ou de “estética” literária, assim como não conceitua o que seria uma boa ou uma má Literatura. Aparentemente, sua visão sobre os hábitos de leituras dos professores está carregada de um juízo de valor da autora, que qualifica hábitos e leitores por critérios pessoais e pouco claros.
A obra citada apresenta outro problema quando ignora que os hábitos de leitura dos indivíduos são formados por outras variantes, além das aulas de literatura nas escolas. A autora, nem em sua dissertação, nem em seus questionários e entrevistas com os professores, se preocupou em pesquisar sobre a possibilidade de acesso a livros nas escolas que trabalham ou nos bairros onde ficam as tais escolas. Faltam levantamentos, aparentemente óbvios em uma pesquisa sobre o tema, sobre a existência e funcionamento de bibliotecas, livrarias ou sebos nas regiões do município de São Paulo estudadas ou da existência de outros funcionários, como bibliotecários ou agentes de leitura, nas escolas para fomentar o acesso dos jovens aos livros.
O trabalho em nenhum momento procura questionar ou entender o porquê os cursos de graduação, mesmo alguns cursos reconhecidos, como o de Letras da USP [3], não conseguem formar professores preparados para a educação básica ou mesmo consegue trazer as novas ideias que circulam no meio acadêmico. Aparentemente, os problemas da educação são causados quase que exclusivamente pelo ethos do “professor médio” e não por deficiências em seus diversos estágios de formação inicial e continuada. Assim como não há qualquer discussão sobre o papel das políticas públicas da Secretaria Estadual de Educação (SEE-SP), com seus currículos e suas avaliações, no trabalho docente.
Oliveira, em seu trabalho, busca responder uma questão complexa, com diversos nuances, recorrendo a uma solução simples: a criação de uma imagem resumida e com um embasamento científico frágil [4] do professor da rede pública, que, segundo a autora, perpetua um sistema falido por incompetência, incapacidade e conservadorismo. Mais do que uma imagem ou um perfil, a autora perpetuou um estereótipo do docente público atualmente presente em diversos textos acadêmicos e na imprensa, e que em nada contribui para uma melhora real das escolas e do trabalho docente.
Notas
1. Rodella apoia-se nas pesquisas de Marisa Lajolo, Maria Thereza Fraga Rocco, Alice Vieira, Cyana Leahy-Dios e Willian Roberto Cereja para apontar os citados “vícios”.
2. Onde os professores responderam questões sobre sua origem familiar (renda e escolaridade dos pais), sua formação escolar e acadêmica (se estudaram em escolas públicas ou particulares e quais faculdades frequentaram), suas práticas pedagógicas, sua renda, sua carga horária e sua relação com os alunos.
3. Em seu levantamento, Oliveira calculou que por volta de 40% dos professores entrevistados se formaram em universidades públicas de São Paulo, como a USP ou a Unesp.
4. Embora a autora reconheça a inexistência de pretensões estatísticas ou de criar um perfil exato da docência, uma pesquisa com pretenções a traçar uma imagem de uma categoria com mais de 212.146 profissionais, segundo o Censo Escolar paulista de 2012, a partir de 87 questionários e 4 entrevistas pessoais se mostra frágil e reduzida em termos científicos.
Luís Emílio Gomes – Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense e professor de História da Secretaria Estadual de Educação/RJ. E-mail: luisemiliogomes@gmail.com
OLIVEIRA, Gabriela Rodella de. O Professor de Português e a Literatura. São Paulo: Alameda Editorial, 2013. Resenha de: GOMES, Luís Emílio. O professor e seu papel na formação de novos leitores. Cantareira. Niterói, n.24, p. 275- 277, jan./jun., 2016. Acessar publicação original [DR]
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