Ideias para adiar o fim do mundo / Ailton Krenak

KRENAK Ailton Fim do mundo
KRENAK A Ideias para adiar o fim do Mundo Fim do mundoAilton Krenak / Foto: Fondation Cartier  /

O livro de Ailton Krenak, estruturado em três capítulos referente a palestras e adaptação de uma entrevista realizada em Lisboa – Portugal, configura-se enquanto uma excelente ferramenta de auxílio para o questionamento do desenvolvimento moderno e a sua humanidade. O autor indígena, oriundo do povo Krenak que se territorializou na região do Vale do Rio Doce, além de produtor gráfico e jornalista dedicou-se ao ativismo do movimento socioambiental e dos direitos dos povos indígenas, sendo lembrado muitas vezes pelo seu discurso proferido na Assembleia Constituinte de 1987, aonde, protestando pintou seu rosto com tinta de jenipapo como expressão do luto ao massacre dos povos indígenas legitimado pelo retrocesso dos direitos das comunidades tradicionais.

Seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo” objetiva realizar uma discussão sobre os impactos das ações que imprimimos no planeta terra orientados pela cosmovisão de que somos seres separados da natureza, retroalimentando uma autodestruição, que não é compreendida pela ideia de humanidade construída pela modernidade eurocêntrica. Sendo assim, os povos tradicionais, compreendidos como sub-humanos pela modernidade, são compreendidos pelo autor como uma alternativa a lógica de autodestruição e exploração excessiva da natureza.

O autor realça em seu texto constantemente a necessidade de questionarmos a ideia de humanidade construída ao longo de 2 mil ou 3 mil anos em nossa civilização, ponderando que utilizando da característica humanidade, alinhada a civilização é que grandes atrocidades, como a colonização, foram constituídas e perpetuadas. “As ideias de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível” (KRENAK, 2019, p. 11)

O convite para a reflexão sobre se realmente somos humanos e as bases de sustentação moderna da humanidade é desenvolvida através de uma reflexão fenomenológica das nossas relações com ancestralidade, natureza e a própria terra, argumentando que o projeto civilizacional de humanidade nos proporciona um intenso descolamento com a mãe natureza, que estrutura a cosmovisão das comunidades tradicionais que tem sido massacradas pela constituição da ideia de humanidade moderna. Ao longo do texto percebemos uma disputa de cosmovisões e epistemologias que balizam e estruturam a sociedade, Ailton Krenak faz uma exposição da necessidade de preservação das comunidades tradicionais de suas narrativas e perspectivas, e da sua ancestralidade com a natureza, por outro lado, a construção de humanidade moderna legitima a dominação da natureza e do que ela intitula de recursos naturais.

Ailton Krenak defende que a estruturação da humanidade moderna basilada na ideia de dominação e exploração insustentável da natureza, tem colocado em risco a pluralidade de culturas de comunidades tradicionais que compreendem a sua existência atrelada a sobrevivência da natureza. Desta forma, o autor se pergunta: “Como os povos originários do Brasil lidaram com a colonização, que queria acabar com seu mundo?

Para o autor o fim do mundo é configurado de diversas formas e possibilidades. Para comunidades tradicionais o fim do mundo é vivenciado diariamente pelo epistemiscidio e o massacre das suas populações e cosmovisões, sinais de “fim do mundo” podem ser compreendidos na Guerra Fria, na segregação da humanidade e na recorrente prática de ‘apertado do gatilho’; ou simplesmente, na “breve interrupção de um estado de prazer extasiante que a gente não quer perder”.

Entretanto, o autor nos convida para que possamos reinventar a sociedade sendo resilientes e adiarmos o fim de nossos mundos, de nossas culturas e cosmovisões fortificando-as e preservando-as. Adiar o fim do mundo portanto, configura-se em resistir “expandindo as nossas subjetividades, não aceitando essa ideia de que somos todos iguais”, é necessário portanto a modificação da nossa relação com os demais integrantes da natureza para que possamos adiar o fim do mundo.

A discussão realizada por Ailton Krenak contribui para discussões já realizadas por autores da História Cultural e Ciências Sociais, como Stuart Hall, Boaventura de Souza Santos e Aníbal Quijano, questionando a modernidade e seus sustentáculos. Desta forma, as reflexões contidas no livro podem auxiliar em discussões acadêmicas que tratem sobre História, Antropologia, Ciências Sociais, Sustentabilidade, Geografia, Epistemologia das Ciências e demais áreas que tratem de refletir sobre a modernidade e seus paradigmas. As exposições apresentadas pelo autor, vem ao encontro do que tem sido produzido por autores decoloniais e movimentos sociais na perspectiva de construção de uma sociedade diversa e em busca de “adiar o fim do mundo”.


Resenhista

Felipe Silva de Freitas – Mestrando em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás; mestrando e graduando em Geografia pela Universidade Federal de Goiás; Graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás; é coordenador do Grupo de Estudos em História dos Movimentos Sociais (GEHMS).


Referências desta resenha

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 46 p. Resenha de: FREITAS, Felipe de. Que humanidade é esta? Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak e a reflexão do mundo “moderno”. Boletim do Tempo Presente, Recife, v.9 n.1, jan-jun., 2020. Acessar publicação original. [IF].

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