História e Educação / Revista de História Bilros: História(s), Sociedade(s) e Cultura(s) / 2016
Em muito nos honra o convite feito pelos editores da Revista Bilros para que pudéssemos contribuir com a organização de um dossiê que traz a temática História e Educação, na 7ª edição de tão importante periódico para a divulgação de produções de discentes e professores de História. Digno de menção é a grata surpresa de constatar que a Revista conta, hoje, com o reconhecimento que extrapola os limites dos torrões cearenses, haja vista a constatação de várias submissões de pesquisadores de outros estados do Brasil.
O Dossiê ora apresentado traz a lume temáticas que nos são caras como historiadores da Educação e do Ensino. As discussões sobre o ensino de História, as teorias e métodos que embasam suas práticas educativas tem sido objeto de estudos e pesquisas dos profissionais não só da História, mas também do campo da Pedagogia. A tradição do ensino de História na perspectiva dos aportes teóricos do positivismo, que por muito tempo influenciaram as práticas pedagógicas de nossas escolas, os currículos, os livros didáticos e outros materiais de ensino / aprendizagem de História, legou influencia decisiva e incisiva no perfil da história ensina no Brasil desde a sua constituição enquanto disciplina do currículo das escolas brasileiras, a partir do século XIX.
No frenesi das mudanças que se operavam nos paradigmas de explicação histórica, a Escola dos Annales se consagrou pela forte reação ao positivismo. O grupo dos Annales, opondo-se à história tradicional positivista e ao determinismo econômico marxista, propusera uma nova história. Por isso criam uma nova concepção de tempo histórico, apresentando uma nova concepção de história que, sob a influência circundante das Ciências Sociais, sofre modificações no seu campo da análise.
Dessa forma, as transformações ocorridas nas pesquisas historiográficas têm como marco a Escola de Annales que, em finais dos anos de 1920, representou o surgimento de uma nova visão do homem e da história, pois, “sustentada pela sua inovadora reconstrução do tempo histórico, um “outro homem” aparece na pesquisa histórica (REIS, 2001, p.36)1. Na trilha desta “revolução” historiográfica2, novos problemas tentam preencher as lacunas deixadas pela escrita positivista, trazendo à tona as experiências de homens e mulheres, vivendo em seu cotidiano. Novos objetos são evidenciados e novas abordagens se impõem na definição dos caminhos metodológicos rumo à compreensão dos meandros de histórias particulares, que se configuram em contextos temporais múltiplos. Essa transformação profunda em seu campo de análise; resultou em renovação da história quanto às técnicas, métodos e fontes. A partir da Escola dos Annales ocorre uma verdadeira revolução na concepção de documento histórico.
Neste sentido, há um alargamento da noção de documento, conduzindo o pesquisador à busca de tais fontes em todos os lugares onde se configure os indícios de história, por meio deles é possível desvendar cada um dos lugares, maneiras e gestos historicamente construídos e expressos no pensar e no fazer histórico.
Ao contemplar essa nova perspectiva historiográfica, o olhar do pesquisador / professor de História se direciona para as experiências dos homens concretos em sua cotidianidade. Nesse contexto, a história social ocupa lugar de destaque, trazendo à pesquisa histórica, inusitados quadros conceituais, novos e variados enfoques. É uma proposta que tenta entender o processo histórico por meio da ótica dos vencidos e da integração da análise da cultura e da ação humana. As profundas reformulações conceituais e epistemológicas ocorridas na historiografia brasileira nos leva a refletir sobre as mudanças relativas aos conteúdos, ao processo de aprendizagem e aos procedimentos de caráter epistemológico, ou seja, de que forma a renovação operada no nível da História acadêmica tem influenciado efetivas transformações na prática da história enquanto disciplina escolar.
Em seu mister, o Ensino de História é um campo de conhecimento que extrapola o saber histórico. Neste sentido: “O saber histórico escolar envereda por um campo epistemológico bem mais complexo, no qual entrecruzam culturas, sujeitos, instituições, tradições, relações, poderes, saberes, aprendizagens, fracassos e sucessos. (MIRANDA, 2007, p. 38)3.
O saber histórico escolar dialoga com a cultura escolar, com a memória e com outros campos do conhecimento que compõem o currículo escolar. Há tempos pesquisadores do Ensino de História tem se dedicado a militar nesse e por esse campo do saber. Em decorrência dos esforços de pesquisadoras como as Professoras Elza Nadai, Selva Guimarães Fonseca, Ernesta Zamboni, dentre outras e outros, foram criados eventos nacionais que hoje constituem importantes veículos de divulgação das pesquisas na área do Ensino de História e da Educação, dentre eles, citamos os mais conhecidos e consolidados em nosso meio acadêmico: “Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História” e o “Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História”.
O “Perspectivas do Ensino de História” foi criado em 1988, na Faculdade de Educação da USP, por um grupo de professores dos cursos de licenciatura em História, sob a liderança da Professora Elza Nadai. Esta modalidade de seminário tem como meta estabelecer diálogos permanentes com os professores da Educação Básica e visa uma aproximação mais efetiva da Universidade com as Escolas de Educação Básica e do Ensino Médio. O Encontro de Pesquisadores no Ensino de História – ENPEH foi criado em 1993, na Universidade Federal de Uberlândia por iniciativa da Professora Selva Guimarães. Esta modalidade de seminário se diferencia do anterior por ter como meta ampliar o campo de investigação do Ensino de História, definindo e analisando os referenciais teóricos e metodológicos que norteiam e fundamentam as pesquisas e a atuação dos professores nos cursos de pós-graduação.
Os artigos que compõem este Dossiê abordam temáticas diversas e de inconteste importância para a Educação e o Ensino de História brasileiros e que trazem em realce problemáticas atuais que condizem com as mudanças que se operaram nas pesquisas historiografias e nas concepções de ensino e educação delas decorrentes. Aqui somos presenteados com análises que fazem reflexões acerca de questões prementes ao metier do professor de História, além de balanços sobre legislações que compõem o corpo das atuais políticas educacionais de nosso País. Apresentamos os títulos dos artigos que compõem o Dossiê, o que já denota a importância tas temáticas em destaque: “Ditos e escritos sobre os estudos amazônicos, no ensino básico do estado do Pará; “ História e memória escolar de jovens encarcerados em um município do Marajó – Pará”; “A representação do negro nos livros didáticos do componente curricular- história- fundamental I”; “Educação patrimonial: um destaque para as salas de aula na preservação cultural” e “Entre o ver e o sentir: uma análise da percepção da turma de 1º ano a respeito das mulheres do século XIX por meio de iconografias”.
Como ressonância dos bons ventos soprados pelos esforços pioneiros dos pesquisadores de nossa área de investigação, eis que, pouco a pouco, engrossamos as fileiras daqueles que direcionam suas preocupações às problemáticas concernentes à Educação e ao Ensino de História. Jovens aprendentes na seara da pesquisa histórica e da profissão professor passam a ocupar o quadro de pesquisadores dessa área, até então pouco priorizada pela pesquisa acadêmica.
Que louvável passa a ser este momento de desbravamento de solos ainda estéreis, mas nos quais deverão vingar frutos que em muito contribuirão com o fortalecimento da pesquisa e, por extensão, para mudanças efetivas nos processos de ensino-aprendizagem da História escolar.
Boa leitura!
Notas
1. REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a inovação em história. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2000.
2. Na apresentação da obra de Peter Burke, A Revolução Francesa da Historiografia: A Escola dos Annales (1929-1989), Nilo Odália afirma que “a necessidade de uma história mais abrangente e totalizante nascia do fato de que o homem se sentia como um ser cuja complexidade em sua maneira de sentir, pensar e agir, não podia reduzir-se a um pálido reflexo de jogos de poder, ou de maneiras de sentir, pensar e agir dos poderosos do momento[…]. Abre-se, em conseqüência um leque de possibilidades do fazer historiográfico, da mesma maneira que se impõe a esse fazer a necessidade de ir buscar junto a outras ciências do homem os conceitos e instrumentos que permitiriam ao historiador ampliar sua visão do homem (p. 9)
3. MIRANDA, Sonia Regina e. Sob o signo da memória: Cultura escolar, saberes docentes, história ensinada. São Paulo: UNESP, 2007.
Fátima Maria Leitão Araújo – Professora Associada da UECE Doutora em Educação.
ARAÚJO, Fátima Maria Leitão. Apresentação. Revista de História Bilros: História(s), Sociedade(s) e Cultura(s). Fortaleza, v. 4, n. 7, jul. / dez., 2016. Acessar publicação original [DR]