Comissões da verdade e os arquivos dos porões à luz do acesso / Revista do Arquivo / 2016
É destas dores que trata este livro. É desta triste história que nos falam estas páginas marcadas de sangue e dor.
Paulo Evaristo Arns
Arquivos para quê?
O arquivista francês Bruno Delmas publicou instigante livro com esse título, onde ele cita fato ocorrido em 1976, quando a Secretária de Estado da Cultura da França reuniu seus diretores para apresentações rotineiras e indaga ao diretor geral do Arquivo da França: “Senhor diretor geral, arquivos servem para quê?”.
O livro de Delmas, aqui recomendado à leitura, é todo ele uma resposta contundente e convincente à questão levantada no título deste editorial. Não obstante, a inexistência e invisibilidade dos arquivos é fato ainda muito longe de ser superado, o que nos força a nunca parar de elaborar respostas, em todo tempo, em todo lugar.
Este número 2 da Revista do Arquivo vem aumentar o repertório de respostas à questão “arquivos para quê?”. E a resposta se inicia com outra questão: o que seria das comissões da verdade sem os arquivos? Sim, porque a disputa pela verdade, justiça e reparação no Brasil ganhou novo capítulo com a instalação da Comissão Nacional da Verdade em maio de 2012 e a publicação de vários relatórios conclusivos (mas provisórios) entre 2014 e 2015. Durante esse período, vários arquivos no Brasil foram (re)visitados por um novo perfil de pesquisadores, muitos dos quais nunca haviam experimentado a pesquisa numa instituição de custódia.
O arquivo do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), que compõe o acervo do APESP, foi consultado como nunca. O movimento de pesquisa nele triplicou em decorrência da instalação das Comissões da Verdade. Essa demanda não ocorreu apenas no arquivo do DEOPS, mas também no de processos administrativos da esfera estadual, no de livros do Instituto Médico Legal e no de jornais.
Nos dois últimos anos, o Arquivo Público do Estado de São Paulo se notabilizou pela recepção e atendimento especial a operários, estudantes, professores e trabalhadores em geral que buscaram documentos, seja respondendo a demandas das comissões, seja para atender aos casos específicos de cidadãos que foram vítimas do Estado no período de ditadura militar.
Aliás, essa ditadura que está sempre a gerar debates controversos e que não podem ser considerados ultrapassados, pois se trata de um passado que teima em não passar. Lamentavelmente, a ditadura não é assunto encerrado.
Além do mais, arquivo não guarda apenas “documentos do passado”. O arquivo do DEOPS, por exemplo, guarda documentos que os arquivistas chamam de correntes, pois esses documentos ainda mantêm a sua função primária, que é a função de prova. Portanto, documentos do passado podem ser “históricos” e correntes, a um só tempo.
Por esse motivo, os editores da Revista do Arquivo optaram por dedicar a sua primeira publicação de 2016 ao tema dos arquivos na busca pela revelação da verdade. Não poderia ser diferente, afinal, este mesmo Arquivo teve seu papel reconhecido como protagonista, há 22 anos, quando recolheu e abriu o arquivo do DEOPS para toda sociedade, demonstrando gesto pioneiro, de coragem e compromisso com a nossa democracia.
A pequena equipe de Editoria do APESP realizou enorme esforço para produzir uma revista de qualidade, prezando pelo aprofundamento em torno dos sensíveis temas abordados. Agradecemos à inestimável colaboração dos profissionais do Arquivo, mas, principalmente àqueles que nos ajudaram a produzir esta revista com seus artigos e entrevistas.
Marcelo Antônio Chaves
CHAVES, Marcelo Antônio. Apresentação. Revista do Arquivo, São Paulo, Ano I, n.2, abril, 2016. Acessar publicação original [DR]