A questão feminina em nossos meios | Lucía Sánchez Saornil
“A questão feminina em nossos meios”, é um livro de e sobre Lucía Sánchez Saornil. Lucía, foi uma anarquista espanhola que viveu e militou de forma ativa durante a Guerra Civil/Revolução Social Espanhola. Esse livro lançado em sua homenagem é uma apresentação histórica sobre sua vida e militância em um período marcante da história da Espanha e do anarcossindicalismo espanhol, com ênfase na organização feminina Mujeres Libres, que durou de 1936 a 1939. A obra apresenta a historicidade das mulheres anarquistas que se dedicaram à revolução e à emancipação feminina, elucidando os problemas estruturais enfrentados pelas mesmas dentro do movimento anarcossindicalista espanhol.
A autora, diferente de outras militantes anarquistas e feministas, é pouco conhecida no Brasil, e por isso o livro inicia com uma introdução feita por três outros autores que apresentam, de forma breve sua vida e obra. Em seguida inicia-se os escritos de Lucía. Esses escritos baseiam-se em artigos que a autora escreveu para mídias libertárias espanholas como o “Solidariedad Obrera” entre outros, onde trata da “questão feminina” nos meios anarquistas. A maior parte de seus artigos apresentados nesse livro possuem o mesmo nome que o título do livro aqui trabalhado.
A introdução – escrita por Miguel, Rostichelli e Silva (2015) -, inicia contando sobre a vida de Lucía. Ela e sua família eram de origem humilde e de poucos recursos, e moravam na cidade de Madrid. Lucía possuia um irmão e uma irmã mais nova e eles moravam com seu pai e sua mãe. Apesar dos poucos recursos, Lucía, estudou e conseguiu se formar no segundo grau, chegando a iniciar em 1914, seu estudo em pintura na Academia de Belas Artes de San Fernando, de Madrid. Em 1914 também foi o ano que publicou seu primeiro poema intitulado “Nieve”, aos 18 anos, no semanário Avante.
A partir de então passou a publicar em diversas revistas literárias próximas ao modernismo, em especial, Don Quijote e Cádiz-San Fernando. Escreveu sob o pseudônimo masculino de Luciano San Saor. Sua produção poética “refuta o ideial feminino que representa a mulher enquanto objeto amado de simples veneração, como uma estátua branca e pálida e constrói uma nova feminilidade, ativa, felina e moderna” (MIGUEL, ROSTICHELLI e SILVA, 2015, p. 16).
Com as mortes de sua mãe e irmão, Lucía passou a ajudar seu pai a cuidar de sua irmã mais nova e também a contribuir com o sustento da família. Assim como seu pai, começou a trabalhar como operadora na Companhia Telefônica de Madrid em 1916. Ao que se sabe foi dentro da Telefônica que Lucía iniciou seu contato com o anarquismo, pois a Confederación Nacional del Trabajo (CNT) e a Federación Anarquista Ibérica (FAI) já atuavam lá dentro, desde 1910. A partir daí começou sua militância.
A autora passou a publicar na imprensa anarquista como El libertário, La tierra, Campo Libre e CNT, na CNT ocupara o cargo de secretária de redação em 1933. De suas publicações destaca-se sua forte crítica à dominação masculina e inferiorização feminina dentro da CNT. Pois o trabalho doméstico continuava sendo atribuídos às mulheres e a maioria dos postos de liderança continuava sendo ocupada por homens, não havendo forte interesse por parte dos companheiros masculinos na equidade entre homens e mulheres. O foco do anarcossindicalismo era a questão econômica entre classes, colocando a questão social das mulheres em segundo plano.
Para trabalhar a questão das mulheres, Lucía junto de suas companheiras Mercedes Comaposada e Amparo Poch y Gáscon, passaram a ser:
[…]mais ativas na luta dentro do movimento anarquista e anarcossindicalista, escrevendo artigos sobre a situação das mulheres espanholas na sociedade, formando grupos locais para discutir tais questões, construindo ações em conjunto, até o momento da união destas mulheres em torno da Revista Mujeres Libres, lançada em maio de 1936. (MIGUEL, ROSTICHELLI e SILVA, 2015, p. 20).
A partir de 19 de julho de 1936, quando inicara a Guerra Civil/Revolução Social Espanhola, Saornil participou de forma ativa e efetiva da luta revolucionária espanhola, foi quando também que em pouco tempo Mujeres Libres se tornaria uma federação de âmbito nacional.
Ao mesmo tempo que participara do início da Guerra Civil/Revolução Social da Espanha em 1936, Saornil, também manteve seu cargo de secretária local das primeiras agrupações de Mujeres Libres; em 1937, Lucía, tornou-se secretária nacional de todas as agrupações da organização feminina, que então já tinham se transformado em federação presente em todo o território espanhol que não estava sob a égide fascista. Ao longo de seus três anos Mujeres Libres teve cerca de vinte mil mulheres como companheiras de luta.
A organização Mujeres Libres possuia uma relação controvérsia com a CNT e a FAI, ao mesmo tempo em que estavam juntas pelo anarcossindicalismo, havia também alguns conflitos entre elas. Mujeres Libres optou por manter-se como orgão independente, devido à necessidade de tratar as questões específicas das mulheres, já que ainda havia diferenciações de gênero no meio anarquista. A CNT e a FAI, em âmbito local, possuiam uma relação igualitária, sendo que Mujeres Libres auxiliavam às duas outras organizações anarqusitas ministrando cursos para os companheiros homens, já em âmbito nacional a CNT e a FAI não reconheceram a importância da organização Mujeres Libres na luta revolucionária, enxergando-as, inclusive, como uma organização separatista, negando à ela o reconhecimento como organização independente em uma plenária nacional do movimento libertário, em 1938.
Após a introdução apresentada pelos três autores sobre Lucía. Inicia-se as partes que contém os artigos escritos pela autora em diversas mídias libertárias, inclusive na revista Mujeres Libres e também algumas cartas escritas por ela.
O início do livro com os escritos de Lucía é composto com artigos da autora para a coluna do jornal “Solidariedad Obrera”, os seus artigos são intitulados com o mesmo nome dado ao livro, “A questão feminina em nossos meios”. O primeiro artigo é uma resposta a um artigo de Mariano Vázquez, seu companheiro anarquista na Guerra Civil/Revolução Social Espanhola, no qual a autora fala sobre a pouca importância que os camaradas anarcossindicalistas dão ao apoio das mulheres e afirma que por isso não trabalham para propagar as ideias do movimento entre as mesmas, e defende a necessidade de levar as mulheres aos meios anarcossidicalistas. Acusa os homens de dentro do anarcossindicalismo de reproduzir a dominação masculina em seus comportamentos mantendo mulheres como inferiores a eles, exemplificou alguns casos como, os companheiros que limitavam suas esposas aos cuidados do lar e dos filhos, ou os que afirmavam que o lugar de mulher é fazendo tarefas domésticas como “esfregar o chão” (SAORNIL, 2015, p. 34).
Lucía alegava que era necessário realizar o trabalho educativo entre os próprios companheiros, desconstruindo a ideia de superioridade masculina, deixando claro que quando se falar que todos os seres humanos são iguais, estão se referindo também às mulheres e suas capacidades, que é necessário valorizar a inteligência das mulheres, que antes de transformar a sociedade, é necessário transformar os posicionamentos dos companheiros homens e sua relação com às mulheres, incluindo as mesmas no projeto de emancipação humana (SAORNIL, 2015).
No segundo artigo, Lucía continua sua reflexão sobre as mulheres e o papel que lhes foi imposto pela sociedade, papel esse que pode ser resumido em serem educadas para servir os homens, tendo como destino o “prostíbulo ou o matirmônio” (SAORNIL, 2015, p. 38). Defende ser necessário trabalhar a emancipação da mulher, para que as mesmas alcancem sua autonomia.
No terceiro artigo, Lucía, mantém a crítica à ideia que homens anarcossindicalistas cultivavam de determinar lugares para as mulheres, criticando abertamente o argumento que eles usavam para justificar suas ações: a ideia de que mulheres são inferiores e servem apenas para o lar.
Em seu quarto artigo, quando ela analisa e critica a ideia de que mulheres são inferiores intelectualmente em comparação aos homens, aborda o fato de darem à mulher o “importante” papel da maternidade, ao mesmo tempo em que homens controlam suas vidas com regras. Trabalha como o controle dos homens sobre a vida das mulheres encobriu seu caráter dominante e inferiorizante de mulheres com “douradas nuvens apoteóticas” (SAORNIL, 2015, p. 45). Fala sobre como o indivíduo mulher é esquecido perante a função de ser mãe, e como seu valor existe apenas dentro dessa função.
Saornil argumenta que o universo masculino durante a história humana tem agido em torno de “dois conceitos extremos: da prostituta à mãe, do objeto ao sublime, sem deter-se no estritamente humano: a mulher. A mulher como indivíduo racional, pensante e autônomo” (SAORNIL, 2015, p. 45). A autora afirma que essa realidade é prejudicial e que as mulheres devem ser mulheres antes de qualquer coisa, que os anarquistas precisam agir para auxiliar na sua emancipação, pois, segundo a autora: “para um anarquista, antes de tudo e acima de tudo está o indivídulo” (SAORNIL, 2015, p. 47).
No quinto artigo, a autora inicia dizendo que com seu último artigo, esperava ter esclarecido aos seus camaradas anarquistas o enfoque libertário que deve-se dar a propaganda relativa à mulher e ressalta que trabalhará para incorporar as mulheres no movimento anarquistas ao qual faz parte. E ainda, nesse artigo, inicia suas reflexões sobre a questão sexual em relação às mulheres, alega que “sem o problema sexual não haveria problema feminino nas sociedades” (SAORNIL, 2015, p. 48), e especifica que não irá abordar o problema sexual em si, mas “no que sua formulação por parte dos jovens camaradas pode tocar, bem ou mal, na tarefa de atrair a mulher” (SAORNIL, 2015, p. 48). Critica o fato de as campanhas sobre liberdade sexual às vezes não foram compreendidas de forma adequada pelos seus companheiros, pois não foi levado em consideração a questão social, sendo que os companheiros procuraram apenas experiências íntimas, mantendo sobre às mulheres a visão de que as mesmas são objetos que servem para o prazer masculino.
Sobre isso Lucía afirma que:
Em nossos centros, parcamente frequentados pela juventude feminina, observei que as conversas entre ambos os sexos raramente giram em torno da questão social, ou, simplesmente um assunto profissional. Basta um jovem enfrentar com alguém do sexo contrário que a questão sexual surge como que por encanto e a liberdade de amar torna-se o único tema da conversa. Vi dois modos de reação feminina ante esta atitude. Uma, a de render-se imediatamente à sugestão; caminho pelo qual a mulher não demora muito em ser reduzida a um joguete dos caprichos masculinos, distanciando-se por completo das inquietações sociais. Outra, a de desencantamento; no qual a mulher trazia inquietações superiores e aspirações mais altas, se retrai decepcionada e acaba saindo de nossos meios. Somente conseguem se salvar algumas poucas, que possuem personalidade forte e aprenderam a mensurar o valor das coisas por si próprias. (SAORNIL, 2015, p. 49-50).
É necessário preparar os jovens para o campo da liberdade amorosa, de forma racional e consciente, desconstruindo os preconceitos relacionados à liberdade sexual que a sociedade introduziu neles. Lucía finaliza este artigo afirmando que considera “que o problema sexual da mulher está apenas na própria solução do problema econômico. Na revolução. Nada mais” (SAORNIL, 2015, p. 51).
Em seguida começa a apresentação de cartas abertas à suas companheiras e aos seus companheiros. Como em seus artigos, a autora trata sobre a questão feminina nos meios anarquistas, e as medidas que devem ser tomadas para promover mudanças estruturais. Pede em sua carta à sua companheira Pedragosa, paciência em relação aos avanços de consciência das outras mulheres, que às levarão à sua própria emancipação. Em sua carta ao seu companheiro Vázquez, Saornil, ressalta a ele que sua intenção com os artigos que ela escrevera sobre a questão feminina era de:
[…] abrir para a mulher as perspectivas de nossa revolução, oferecendo-lhes elementos para que se forme uma mentalidade livre, capaz de discernir por si própria o falso do verdadeiro, o político do social. Porque eu creio que mais urgente que organizá-las nos sindicatos – sem que desdenhe esse trabalho – é colocá-las em condições de compreender esta organização. (SAORNIL, 2015, p. 53).
Reforça para seu companheiro Vázquez sobre a necessidade da mulher ser livre, de compartilhar com os homens a luta pela humanidade, pela emancipação. E lhe deixa claro que pretende criar um orgão independete para mulheres na luta anarquista. Esse orgão independente seria “Mujeres Libres”. Nessa parte finaliza-se os artigos e cartas publicados no editorial “Solidariedad Obrera”.
É apresentado a seguir sua carta pessoal à sua camarada Kyralina. Nessa carta, a autora, conta sobre a revista, Mujeres Libres, que viria editar com suas outras companheiras, voltada exclusivamente às mulheres. Afirma que será para preparar as mulheres “para a compreensão de nossas ideias e por hora afastá-las da atuação político-partidária antes que percam, nessas andanças, a inteligência e o coração” (SAORNIL, 2015, p. 59-60). Aqui, a autora apresenta sua crítica e explicita seu posicionamento contrário ao modo de atuação dos comunistas e, principalmente, adianta o posicionamento que adotaria em relação à organização de Mulheres Antifascistas, que será trabalhado mais adiante.
A partir daqui o livro passa a apresentar artigos da revista Mujeres Libres, o conteúdo é sobre sua agrupação. Suas publicações são sobre as intenções e obras de mulheres anarquistas, para mulheres, para auxiliá-las em sua conscientização. Inicia a apresentação de “Mujeres Libres”, afirmando que a pretensão seria de ouvir as vozes das mulheres e buscar novas formas de luta com a participação das mesmas. A revista Mujeres Libres, tornou-se uma agrupação de mulheres que lutaram na Revolução Social Espanhola. Em maio de 1936, nascera a revista “Mujeres Libres”, Saornil, afirma que a revista “despertou um vivo interesse no mundo feminino e nossas ideias foram acolhidas como a única esperança de salvação por milhares de mulheres” (SAORNIL, 2015, p. 67).
A agrupação Mujeres Libres surgira da necessidade de auxiliar mulheres durante o levante militar que promovera na Espanha a Guerra Civil. Em um mês adquiriram três mil afiliadas em suas seções de trabalho. Elas foram agrupadas da seguinte forma: “foram sete seções, tendo em conta aquelas mais ligadas à guerra, ou mais necessárias para o desenvolvimento normal para a vida na retaguarda que são: Transporte, saúde, metalurgia, comércio, oficinas, vestuário, serviços públicos e brigada móvel [1] ” (SAORNIL, 2015, p. 69).
A agrupação Mujeres Libres como suas seções de trabalho foram organzidas com o respaldo da CNT de Madrid. A única condição existente para o ingresso de mulheres às seções de trabalho da agrupação era ser antifascista. E a principal forma de arrecadação de verbas da agrupação era com a “Comissão de Solidariedade” que se encarregava de administrar, junto aos sindicatos, ateneus e outras entidades, donativos ou subvenções que permitiram o desenvolvimento da agrupação (SAORNIL, 2015, p. 73).
Entre os escritos de Lucía apresentados pelo livro, encontra-se um artigo que, contém sua crítica às cerimônias realizadas pelos órgãos sindicais anarquistas. A autora era uma grande defensora da união livre, como parte da transformação revolucionária que rompe de forma completa e efetiva com as antigas práticas que controlavam a vida social dos indivíduos como o casamento civil e religioso.
E sobre as mulheres que foram à guerra, e deram suas vidas na luta pela Revolução Social, Lucía apresenta um lindo artigo, ressaltando a força dessas mulheres, e falando da coragem que elas tiveram na luta armada, e ainda enaltece o fato de que elas chegaram a dar suas vidas pela revolução. Ressalta que essas mulheres são verdadeiras guerreiras que superaram todos os conceitos relativos à mulher e mostraram a coragem e força que possuíam.
Saornil (2015), também escrevera sobre os lares infantis, que foram idealizados por sua camarada Frederica Montseny, e realizado por sua outra camarada Amparo Poch y Gáscon. Os lares infantis eram alegres e abrigavam vinte e cinco crianças em cada um, em seu regulamento era vetada toda forma de repressão e autoritarismo, possuía todo o zelo com o amplo desenvolvimento e alegria das crianças. Lucía, assim como Amparo, chega a defender que os lares infantis foram a obra mais revolucionária da revolução, e que fora idealizada e realizada por mulheres.
Saornil (2015), em seus escritos, também ressaltava que Mujeres Libres conseguiu ir mais longe que todos os demais movimentos femininos da época na Espanha. Alegava que isso se deve ao fato que sua organização trabalhava pela liberdade das mulheres e também pela emancipação de toda a humanidade, atuando ativamente na revolução. Lucía, afirmava que Mujeres Libres buscava construir uma nova sociedade, uma sociedade emancipada e humana, onde homens e mulheres pudessem convergir em seus interesses e ideais.
Sobre a “Federação Nacional de Mujeres Libres”, a autora defende, de forma específica, que “é o expoente mais pleno que já se deu da capacidade feminina (SAORNIL, 2015, p. 99). Prossegue afirmando que Mujeres Libres “organizaram trabalhos, editaram publicações, montaram centros de cultura, e tudo isso interpretando o espírito de renovação de 19 de julho” (SAORNIL, 2015, p. 100). A federação chegou alcançar, como dito anteriormente, cerca de vinte mil mulheres afiliadas, isso foi um marco para uma organização feminina à época.
Mujeres Libres também manifestou seu repúdio à organização “Agrupação de Mulheres Antifascistas (AMA)”. Isso se deve ao fato de essa agrupação pertencer ao partido comunista espanhol. A agrupação Mujeres Libres recusou se juntar à essa organização de mulheres, pois defendia que Mujeres Libres era libertária, mas alegou que considerava importante a unicidade que ocorrera entre os movimentos que resultou na “Frente Popular Antifascista”, que se baseava na unidade política e sindical contra o fascismo. Mujeres Libres alegou que a agrupação Mulheres Antifascistas era uma “organização sem matiz politico, com o programa imediato de ajudar na guerra, e na qual ingressaram grandes núcleos femininos sem outro objetivo que procurar certas vantagens que, algumas de índole política, outras vezes de índole econômica, costumava oferecer-lhes sua afiliação” (SAORNIL, 2015, p. 102-103). Ainda apresentaram a acusação de que “a agrupação Mulheres Antifacistas foi absorvendo as atividades femininas de cada tendência, até quase anulá-las dentro dos partidos, conseguindo que as mulheres, com a atenção nos objetivos imediatos, esquecessem a verdadeira finalidade de nossa luta” (SAORNIL, 2015, p. 103). Dessa forma, excluiu qualquer possibilidade de aproximação enquanto movimento de mulheres e pelas mulheres com outra organização, reafirmando-se como órgão independente e autossuficiente para sua causa.
É importante ressaltar que Mujeres Libres foi uma organização que sempre defendeu que dentro do anarquismo não poderia haver diferenciações em relação ao sexo, que foi uma organização que sempre considerou-se um ramo básico e autônomo dentro das organizações libertárias, defendeu sempre que sua atuação além de ser para ajudar mulheres a chegarem à sua emancipação, era um orgão que visava conscientizar os seus companheiros homens da CNT e da FAI sobre a importância da equidade entre eles e as mulheres, e sempre afirmaram que era necessária uma educação a parte para que as mulheres pudessem desenvolver sua consciência social e, dessa forma, se emancipar, livrando-se dos conceitos e preconceitos que foram introduzidos pela sociedade e afirmavam também que sua agrupação se constituíra para servir aos ideias libertários, sendo fieis a eles em toda sua existência.
De todo o contexto histórico apresentado sobre o posicionamento de Lucía e principalmente sobre a organização Mujeres Libres, pode-se dizer que é de grande importância o conhecimento sobre esse movimento e como sucedeu-se o crescimento social e de consciência das mulheres no meio do movimento anarcossindicalista do período revolucionário abordado. O livro é uma importante contribuição para a historiografia, e também para os debates sobre a história das mulheres, feminismos e relações de gênero.
Ressalta-se que com a análise, crítica e descrição dos problemas estruturais referentes à dominação masculina enfrentados pelas mulheres anarquistas na Revolução Social Espanhola dentro do movimento anarquista, ainda hoje, são presentes em nossa sociedade e também nos movimentos sociais e políticos, que ao lutar pela questão econômica de classes, menosprezam a situação de inferioridade que mulheres a qual também participam desses movimentos estão submetidas. É um trabalho de reflexão rico, que tende a auxiliar, com a ajuda do conhecimento histórico, como a desenvolver de forma efetiva a consciência da importância da pauta feminina nos movimentos sociais e políticos contemporâneos, para que, dessa forma, seja possível promover verdadeiras mudanças estruturais em torno da equidade social de gênero. É, sem dúvida, além de uma apresentação da história das mulheres do movimento anarquista espanhol da Revolução Social de 1936, um convite à reflexão sobre os diversos problemas enfrentados pelas mulheres nos mais diversos meios nos tempos atuais.
Nota
1. Brigada móvel, foi uma seção formada pelas companheiras que não souberam definir em que gostariam de trabalhar, então juntaram-se na seção com esta denominação, dispostas a se dedicar a qualquer atividade que se fizesse necessária.
Referência
MIGUEL, Giuliana; ROSTICHELLI, Michelle; SILVA, Thiago Lemos. LUCÍA SÁNCHEZ SAORNIL: Introdução à vida e obra de uma “Mujer Libre”. In: SAORNIL, Lucía Sánchez. A questão feminina em nossos meios. São Paulo/SP, Editorial Eleuterio/Biblioteca. Terra Livre, 2015.
Mariana Domingues – Graduação em Ciências Sociais, nas modalidades de Licenciatura Plena e Bacharelado com área de concentração em Sociologia, pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). E-mail: maridomingues@outlook.com
SAORNIL, Lucía Sánchez. A questão feminina em nossos meios. São Paulo/SP, Editorial Eleuterio/Biblioteca Terra Livre, 2015. Resenha de: DOMINGUES, Mariana. Mulheres anarquistas e a Revolução Social Espanhola de 1936. Revista de História Bilros: História(s), Sociedade(s) e Cultura(s). Fortaleza, v.5, n.9, p. 313-323, maio/ago., 2017. Acessar publicação original [DR]