A monarquia no cinema brasileiro: Metodologia e análise de filmes históricos | Vitória Azevedo da Fonseca
A monarquia no cinema brasileiro: Metodologia e análise de filmes históricos. Jundiaí: Paco Editorial, 2017. A monarquia no cinema brasileiro: metodologia e análise de filmes históricos é um livro de autoria da historiadora brasileira Vitória Azevedo da Fonseca. Proveniente de sua dissertação de mestrado desenvolvida pela Universidade de Campinas, se propõe analisar dois filmes que tratam, sob diferentes perspectivas, o período monárquico brasileiro e o processo de independência do país. São eles: Independência ou Morte, de 1972, dirigido por Carlos Coimbra, e Carlota Joaquina, a princesa do Brasil, lançado em 1995, sob a direção de Carla Camurati.
A obra é dividida em quatro capítulos precedidos por uma apresentação assinada por Leandro Karnal, e encerrado com as considerações finais da autora e as referências. Inicialmente, Fonseca apresenta alguns métodos que devem ser levados em consideração ao propor uma análise de filmes históricos, destacando autores como Ismail Xavier, Jacques Aumont, Jean-Claude Bernadet, Marcel Martin, Marc Ferro e Marc Vernet, sem estabelecer um específico para seguir e optando pela mescla de metodologias. Seguindo a ideia proposta por Vanoye, a autora argumenta que a primeira medida a se fazer ao analisar uma película é descompô-la em partes, estabelecendo relações em seguida, para, dessa forma, compreender a estrutura narrativa construída (p. 10).
Sobre o discurso cinematográfico, a autora analisa, inicialmente, a construção narrativa dos filmes, argumentando que através do estilo do narrador, presente nas duas obras, pode-se observar que Independência possui uma posição de afirmação da história consolidada e oficialmente assumida como verdade enquanto Carlota Joaquina assume uma característica mais cômica, buscando satirizar as personagens apresentadas.
Assim como os enquadramentos de câmera, os cenários e figurinos também evidenciam tal aspecto: Em Independência buscam uma reconstituição (p.27) enquanto em Carlota Joaquina se dão de maneira propositalmente mais teatral, a fim de subverter a forma tradicional de se apresentar dos filmes históricos (p.29). A iluminação, extremamente clara em Independência, e com uso de sombras em Carlota Joaquina, os diálogos com pinturas e fotografias, em especial a de Independência com o conhecido quadro de Pedro Américo que representa o grito do Ipiranga, e os sons e trilha sonora, também são destacados como aspectos a contribuir para o discurso cinematográfico das obras.
O segundo capítulo é dedicado ao processo e produção dos filmes. Para tal, Fonseca utiliza diversos artigos de periódicos publicados durante a produção das películas que apresentam informações sobre a justificativa, a verba da produção, a confecção de cenários e figurinos, entre outras (p.49).
Independência foi produzido durante as comemorações dos sesquicentenário da independência do Brasil, sendo vendido como um retrato fiel do processo de independência do país. Indo de acordo com os anseios do estado, o filme se apresentou como uma superprodução seguindo a matriz hollywoodiana em termos estéticos e de produção (p. 53). A película prometia também assemelhar-se ao padrão esperado por filmes históricos, apresentando uma cenografia fiel aquilo tido como verdade dentro da História do Brasil. Embora seus idealizadores neguem a relação com o estado, argumentando inclusive que o apoio estatal não chegou a incluir aspectos financeiros ou influenciar a bilheteria, o filme foi duramente criticado por ser oficializado demais (p. 53).
Carlota Joaquina prometia ser antitradicional, indo na contramão das produções históricas tanto em termos técnicos, cenários e figurinos, como na proposta do enredo que, como Fonseca destaca, buscava mostrar uma face oculta da História do Brasil (p. 54). Não sendo realizado para nenhuma data especial, os principais argumentos para a justificativa da produção utilizados pela diretora foram o de que compreender a passagem da família real pode contribuir para o entendimento da conjuntura atual do Brasil, e de que os brasileiros conhecem muito pouco da história de seu país (p. 54). Camurati acabou sofrendo uma paralização durante a produção do filme devido à falta de verba, fato esse que foi encarado positivamente pela diretora, que argumenta ter tido mais tempo para amadurecer e aperfeiçoar a obra (p. 61).
A respeito da reconstituição histórica, os dois filmes, como destacado se diferenciam no discurso empregado, porém convergem em um aspecto: a utilização da pesquisa histórica para legitimar a representação apresentada.
Fonseca argumenta que embora Carlota Joaquina prometa ir pelo caminho contrário dos filmes históricos tradicionais, há uma clara contradição que reside no fato de existir uma predisposição em acreditar que as histórias mais conhecidas são como máscaras que acabam por encobrir a verdade. Nessa perspectiva, ao apresentar uma história desconhecida e grotesca baseada em fontes e bibliografia, estaria chegando mais próximo de uma fidelidade histórica. A própria diretora acredita que ao apresentar as personagens de uma forma nunca antes vista, estaria retratando uma versão mais próxima do real (p. 72). Dessa forma ambos os filmes tentam ganhar legitimidade na realização de pesquisas, o que não necessariamente é suficiente para garantir uma boa interpretação das obras (p. 74).
Intitulado “Transcriações da Monarquia” o terceiro capítulo traz uma analise aprofundada dos dois filmes, decompondo-os cena a cena e as comparando com as diversas fontes e bibliografias apresentadas como utilizadas pelos diretores para embasar as obras. Fonseca argumenta que o objetivo de tal analise não é avaliar qual representação é mais verdadeira, mas sim examinar como são utilizados e apropriados os conhecimentos escritos, muitas vezes considerados “verdadeiros”, para a construção, por parte dos filmes, de seus próprios discursos. (p. 78).
A autora destaca também que é interessante comparar os códigos narrativos utilizados nos filmes para perceber que, além de retratar personagens reais, eles se remetem a histórias contadas sobre esses (p. 79).
Ao longo da análise é constatado o caráter positivista do discurso de Independência, sempre tentando exaltar a figura de Dom Pedro I, e a tentativa de subversão em Carlota Joaquina, a todo o momento depravadora para com a imagem dos portugueses, representando-os como covardes e sempre submissos a Inglaterra, sobretudo de Dom João VI, apresentado como um personagem quase infantil, o que é potencializado pela excelente atuação de Marco Nanini.
A respeito da recepção do público e da crítica, tratadas no quarto capítulo, ambas as produções tiveram êxito em bilheteria, chegando a ultrapassar grandes produções norte americanas em seus períodos de lançamento, como por exemplo, Independência ou Morte alcançou uma bilheteria maior que O Poderoso Chefão (1972)[1], e Carlota Joaquina que ultrapassou Forrest Gump (1994)[2] (p. 176). Os críticos por outro lado tiveram opiniões controversas a respeito dos filmes, enquanto Independência é criticado por ter uma história escolar demais, com o enredo muito simplificado e sem propor muitas reflexões acerca do que é mostrado, Carlota Joaquina recebe críticas justamente por não ter nenhum compromisso com essa história, devido ao roteiro e narrativa confusos e ao excesso de sátiras vazias e sem propósito que, segundo José Castello, um dos críticos citados por Fonseca, acabam por gerar estereótipos em vez da proposta inicial de destruí-los (p. 193).
Em A Monarquia no Cinema Brasileiro: Metodologia e analise de filmes históricos, Fonseca propõe uma reflexão interessante acerca do período de independência do Brasil, bem como desenvolve uma metodologia de analise fílmica eficaz que pode se fazer uma ótima ferramenta para pesquisadores da relação entre cinema e história, sobretudo no que diz respeito a analise de filmes que retratam algum período histórico.
A obra possui uma linguagem de fácil entendimento e clareza ao apresentar as fontes e bibliografias consultadas, sendo indicada a todos que se interessam tanto pela estadia da família real portuguesa e o processo de independência do Brasil, como pela produção cinematográfica nacional. Trazendo uma metodologia inovadora para analise de filmes históricos, a análise contempla diversos aspectos da produção de ambas as películas, como produção, distribuição, montagem, fotografia, cenário e figurinos, e recepção de público e crítica, articulando-os com a história passada e as representações dadas a figura de Carlota Joaquina. A discussão a respeito das representações da figura feminina no cinema nacional está presente ao analisar os estereótipos utilizados para a construção da personagem de Carlota.
A autora também destaca de maneira eficaz a maneira que os conteúdos históricos são apresentados, evidenciando diversos erros e anacronismos presentes em ambas as obras, e destacando o cuidado que os historiadores e professores de História devem ter ao tomar filmes históricos como fontes de análise e de uso em salas de aula.
Notas
1. Dirigido por Francis Ford Coppola e baseado no romance escrito por Mario Puzzo, conta a história da família de mafiosos Corleone, que, comandada por Don Vito Corleone (Marlon Brando), e posteriormente seu filho Michael Corleone (Al Pacino) busca hegemonia no controle do crime em Nova York.
2. Dirigido por Robert Zameckis e com Tom Hanks no papel principal, baseado no livro de mesmo nome, escrito por Wiston Groom publicado em 1986. A obra acompanha varias décadas da vida do personagem Forrest Gump, que decide viajar o mundo, encontrando diversas figuras importantes e precenciando eventos históricos do séc XX nos Estados Unidos.
Rodrigo Galo Quintino – Graduando em História pela Universidade do Sagrado Coração (USC – Bauru/SP). E-mail: rodrigogquintino@outlook.com
FONSECA, Vitória Azevedo da. A monarquia no cinema brasileiro: Metodologia e análise de filmes históricos. Jundiaí: Paco Editorial, 2017. Resenha de: QUINTINO, Rodrigo Galo. Carlota Joaquina vai ao cinema: A monarquia e a independência representadas nas telonas. Revista de História Bilros: História(s), Sociedade(s) e Cultura(s). Fortaleza, v.7, n.14, p. 302-308, jan./ abr., 2019. Acessar publicação original [DR]