A Evolução do Capitalismo | Maurice Dobb

O presente texto tem por objetivo construir uma análise da obra de Maurice Dobb, A Evolução do Capitalismo. Buscaremos, para isto, destrinchar os capítulos que compõe o livro afim de apresentar ao leitor a tese principal do autor. Para isso, pretendemos aqui equacionar o mais erudito da obra com o mais popular, para que este não se torne apenas um material a mais na elucidação do processo de desenvolvimento científico.

Como veremos em seu prefácio, o autor critica sua obra de forma a mostrar que um especialista, se for o caso chamarmos assim, como um historiador pode passar despercebidos alguns informes sobre a Economia; e isso se estende como réplica, pois ao olhar somente do economista pode passar a ideia de amadorismo historiográfico.

Cresce a crença de que um estudo aprofundado do desenvolvimento econômico, e em particular o do Capitalismo, sempre foi desprezado pelos economistas de orientação clássica liberal, isso possivelmente porque a visão conservadora da Economia Capitalista não acredita ser possível a História ajudar a fazer certas previsões sobre o futuro da economia (até porque eles acreditam que o sistema como ele é está pressupostamente acabado, e não terá substituto), pois esta seara pertence aos estudiosos de Economia como ciência. A prática de previsões baseadas no passado pode ser alimentador de paixões que na prática não exerceriam uma verdade.

Ignoram então os economistas, segundo Dobb, que a luz do conhecimento leva a suposições práticas do presente, através da ótica do passado. Nada acontece da noite para o dia sem antes ter passado por fases de transformação, de maturação. Ou seja, é necessário saber sim como se fez tal processo acontecer para não se cair na armadilha de se dizer que o acaso é o responsável pelas ações sociais no seu presente.

À época que a obra foi escrita, a grande pergunta era se o capitalismo era um sistema que havia se exaurido em seu próprio desenvolvimento, ou se ele era capaz de se revitalizar e consequentemente ter uma sobrevivência. Sabemos que hoje, depois de mais de cinquenta anos de sua reedição, e consequentemente passado pela desestruturação do regime soviético nos anos 1990, fica evidente que sabemos a resposta de que o capitalismo, e na sua forma mais clássica, venceu e consequentemente revitalizou-se.

A compreensão do tempo presente se torna assim imprescindível para se entender o momento vivido, pelo prisma do tempo passado. A releitura do clássico de Maurice Dobb, escrito primeiramente a luz do fim da II Guerra Mundial, e reeditado em outubro de 1962, nos mostra como é importante à busca pelo que já foi produzido no passado no campo da teoria econômica e histórica, e como ele, enquanto mais uma ferramenta, ajudará a se entender as circunstâncias econômicas vividas hoje no século XXI.

O autor estrutura a palavra capitalismo como sendo de diversas variantes interpretativas. Não se pode ter uma definição completa desse Modo de Produção, por ele por se só ter diversas etapas e também por ter se apresentado em outras épocas com forma semelhante. Desde a antiguidade, passando pela Idade Média teremos uma quantidade expressiva de formas semelhantes de trocas e comércio com acumulação de capital.

O autor relata o período (antecessor ao Modo de Produção Capitalista), como fundamental para o entendimento da gênese do comércio europeu e do surgimento da Burguesia enquanto classe social, das cidades como centros urbanos e com sua própria identidade e consequentemente da estrutura capitalista.

A questão da posse da terra, como bem de capital para a implantação das riquezas; a questão da passagem dessa economia feudal (agrícola), para uma economia de mercado, pré-capitalista. A questão do empobrecimento humano e da servidão, como fatores para as futuras fugas em direção dos burgos recém-criados. A posse dos meios de produção por parte dos senhores feudais, e consequentemente a manutenção do trabalho servil, este endividado com a terra.

O autor retrata a questão do acúmulo primitivo de capital por parte da burguesia nascente (século XVI), retrata também a hostilidade destes grupos de pessoas com os estrangeiros em geral (guerra pelo comércio e mercado), principalmente por parte dos ingleses. Daí poderá enxergar a gênese de um xenofobismo característico das elites burguesas, e em particular a europeia nos próximos séculos.

É mostrado o surgimento das primeiras oficinas já em tempos primitivos da Idade Média, como o século XIII (Holanda e Inglaterra), das quais surgirão os mestres de ofício, futuros produtores diretos do capital; pois esse capital será produzido em lugares (terras) os quais antes eram utilizados para o plantio. Agora essa produção será utilizada para uma acumulação pré-capitalista.

Os donos dessas terras criarão suas próprias oficinas (novas formas de capital), prejudicando os arrendatários que ficarão à mercê de vender sua força de trabalho barato às oficinas; e também os seus filhos que serão aprendizes, ficando até melhor para o proprietário da oficina, pois serão mais alienados para o trabalho do que seus pais.

O autor mostra, neste capítulo, o crescimento das riquezas burguesas. Através dos seus contatos comerciais e produtivos, a burguesia passa a se tornar a dona dos meios de produção. O autor mostra a necessidade de escassear os mercados produtores de matéria-prima para aumentar o poder dos capitalistas e mercantilistas em suas ofertas, com isso acumular capital.

O autor apresenta também o surgimento do proletariado como classe oriunda da perda de suas fontes de produção (principalmente a terra e seus instrumentos) e também através do endividamento por parte dos burgueses e seus monopólios. Fica claro que isso era necessário para a formação de um exército de reserva e consequentemente a manutenção de salários baixos e nenhuma perspectiva de aumento.

É explicitada a mudança ocorrida no modo de produção capitalista que passa de um trabalho manufatureiro para um trabalho industrial. A mudança radical que há na troca de criação do produto pelas mãos do trabalhador para a troca dirigida pelas máquinas (o que será bem avaliado por Karl Marx). O autor também coloca as dificuldades vividas pela classe pré-operária na época das oficinas artesanais e também nos primórdios das indústrias, onde havia uma superexploração por parte dos donos do capital.

O século XIX é colocado como sendo período de transição e formação por parte do processo capitalista. Transição no sentido da transformação do capitalismo interno para o capitalismo externo ou imperialismo (com aplicações ou empréstimos a países mais atrasados, de onde se tiraria altas taxas de juros), mas sabendo-se que esses investimentos acelerados gerarão a partir de 1873 a primeira grande crise do capitalismo. Também será verificado como um país que foi antiga colônia britânica, no caso os Estados Unidos, transforma-se em um futuro país capitalista a ponto de fazer os seus próprios empréstimos e utilizar um novo mecanismo de controle capitalista, os trustes (uniões de capitais comandando o estado).

No capítulo oitavo, é vista a mudança que há entre o capitalismo como modo de produção e o estado como governo; esse estado passa a ser controlado pelas fábricas, pelas indústrias, ou seja, pelos trustes, formando verdadeiros cartéis, que têm total influência dentro do cenário político. A burguesia passa a fazer parte da formação do pensamento humano (capitalismo de estado), onde há autores que colocam (de forma acertada) que a sociedade caminha não para um estado proletário (onde as massas burguesas se proletarizariam), mas, sim, para um estado burguês (onde a alienação ideológica leva o proletariado a cada dia tentar se aburguesar). São profetizadas aí, pela visão do autor, as primeiras falhas na sociedade socialista.

Também vemos no capítulo a intenção nacionalista utilizada pelo nazi-fascismo em termos econômicos para a Europa e o resto do mundo, nas décadas de 1930 e 1940. A ordem hitlerista seria de desindustrialização das nações europeias em longo prazo (passando essas indústrias para a Alemanha), formando-se em seu lugar produções monopolizadas para enriquecimento alemão, ficando para essas nações uma economia de subsistência.

Para os países não industrializados, a proposta nazifascista era um tipo de imperialismo, onde se misturaria o capitalismo (externo) e a plantation (interno), de onde se extrairia o máximo. Com isso, conclui-se que tal forma de modo de produção capitalista seria cheia de falhas e consequentemente mais incompetentes para o desenvolvimento humano.

No último capítulo do livro é apresentada a estruturação do mundo pós-guerra, em que o estado capitalista gasta muito de sua produção com armamentos militares, e isso se tornará constante. Há também uma esperada queda do capitalismo, como em 1929, entre os anos 1950 e 1960, porém isso não ocorre devido à formação de novos conflitos, principalmente com a chamada Guerra Fria e com a segurança na demanda de tais produtos.

Ainda nesse capítulo, o autor termina explicando que, para os países subdesenvolvidos, seria consequência a estruturação do neocolonialismo – eternos mantedores da riqueza desse novo capitalismo – como a síntese desse modo de produção para o planeta.

Depois de mais de cinquenta anos a obra de Dobb continua com muita valia para os estudantes e estudiosos do assunto, porém sem desmerecer o público leigo que irá se aventurar por esses caminhos da ciência econômica e histórica. Mesmo com o advento de tantas transformações na História durante o período citado, como a queda do socialismo no Leste Europeu e o surgimento da internet e da globalização dos mercados e das informações, o livro ainda sim é demasiadamente importante para se começar a estudar os processos de transformações econômicas que formaram o mundo contemporâneo e consequentemente o nosso presente.


Resenhista

Thales Bentzen –Mestrando em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável da Universidade de Pernambuco. E-mail: thalesbentzen@yahoo.com.br .


Referências desta resenha

DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987. Resenha de: BENTZEN, Thales. Boletim do Tempo Presente, Rio de Janeiro, n.11, p.1-5, 2016. Acessar publicação original. [IF].

Itamar Freitas

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