Diversos são os trabalhos que abordam a escravidão imposta aos africanos no Brasil. Tal temática tem sido objeto de estudo tanto dos historiadores como também dos profissionais vinculados a outras áreas como, por exemplo, Sociólogos, Antropólogos e estudiosos de disciplinas afins que, por sua vez, se debruçaram e estão debruçando-se sobre o referido assunto. Com o intuito de trazer uma nova contribuição para o estudo relacionado à escravidão africana no país tropical foi lançada, em 2011, pela editora contexto, a 21ª edição da obra, “A Escravidão no Brasil”, de Jaime Pinsky.
Doutor e livre-docente pela USP e professor titular da UNICAMP, Pinsky revisou a obra em análise e, após sucessivas edições e os mais de cinquenta mil exemplares vendidos, relançou-a incluindo os recentes resultados inerentes às pesquisas feitas sobre o assunto. Além do prefácio à nova edição, o livro é composto por quatro capítulos os quais recebem as seguintes denominações: Ser escravo; O escravo indígena; O escravo negro e Vida de escravo. Sendo que, ao final da obra, o autor oferece algumas sugestões de leituras inerentes ao tema.
No capítulo denominado “Ser escravo”, discute-se o possível “surgimento” da escravidão. Afirmando que esta não é algo recente na história da humanidade, Jaime utiliza os exemplos ocorridos no Egito, na Mesopotâmia, na Grécia e em Roma, para mostrar como o escravismo era eventual nas duas primeiras civilizações e alcançou sua culminância nas duas últimas. Entretanto, o autor lança um questionamento: se a experiência escravagista na Grécia e em Roma é um evento da antiguidade, por que ela existiu no Brasil a partir do século XVI? Mediante esta inquirição se é traçado os objetivos da obra, a saber: demonstrar as origens da escravidão no Brasil, suas características gerais, seu apogeu e declínio.
No que concerne às origens, o autor demonstra que a escravidão moderna aplicada no Brasil foi trazida ao território pelos “descobridores” portugueses, pois estes já a praticavam em suas expedições no século XV. Dessa forma, Pinsky, desconsidera a existência das relações escravistas (com o objetivo de lucro) entre os próprios nativos. O historiador alega que não há registros sobre esse tipo de relação objetivando uma maior produção. Segundo o autor, entre os indígenas existiam cativos resultantes das lutas entre as etnias, o que acabava não afetando a estrutura econômica nem as relações de produção do grupo vencedor.
Na parte da obra denominada, “O escravo indígena”, o autor aprofunda-se de forma mais específica nas particularidades inerentes a esse tipo de escravagismo. Uma das especificidades trazida à baila por Pinsky são as causas do escravismo indígena efetuado pelo europeu. Se os indígenas não haviam experimentado a escravidão (entendida como algo que afeta a estrutura econômica e as relações de produção), isso se alterou com a chegada do colonizador português.
Para o autor, após as primeiras relações de escambo, os nativos começaram a perder o interesse pelos produtos que os lusitanos ofereciam em troca de sua força de trabalho. Esta atitude, por parte dos indígenas, serviu como um álibi para o colonizador sistematizar a escravidão contra eles. Sem nos aprofundar nas explicações feitas pelo autor sobre como ocorriam às capturas e as regulamentações feitas pela coroa validando a atitude, é preciso considerar a explicação que Pinsky oferece sobre a derrocada da escravidão indígena e, consequentemente, a necessidade de trazer os africanos para serem utilizados como mão de obra.
Afastando-se das explicações que atribuem ao fim da escravidão indígena alguns motivos como, por exemplo, o fato das populações nativas serem fracas (demograficamente falando), além da proteção jesuíta em relação a elas, o autor traz outra justificativa. Para ele, o fim desse tipo de escravidão deu-se pelo fato da coroa e os traficantes se interessarem pelo comércio ultramarino. Em outras palavras, pelo motivo da captura indígena ser feita na própria colônia, a mesma não trazia lucros para a coroa e os comerciantes. Era necessário “movimentar os oceanos” para obter lucros. Sendo assim, o tráfico negreiro apresentou-se como um oportuno negócio
É curioso o fato do autor não se aprofundar tanto sobre a escravidão indígena, uma vez que essa perdurou por alguns anos, também é notável a maneira que ele explica o fim desta através do surgimento da outra (escravidão africana). Uma possível explicação para esse fato pode ser apreendida através do foco e da posição que Pinsky mantém em relação ao negro.
Se ele dedica uma atenção mais aperfeiçoada a escravidão destinada aos africanos do que aos indígenas é porque o seu objetivo é claro e explícito, como observamos nas declarações feitas pelo próprio autor no prefácio da obra: “Não me preocupei com nenhum tipo de neutralidade científica: ao escrever ou revisar este livro, me envolvi profundamente com o personagem e me tornei negro e escravo”. (PINSKY, 2011, p. 7)
Nesse sentido, o que se pode observar no terceiro capítulo do livro nomeado de “O escravo negro” é um autor extremamente engajado com a “causa negra”. Nota-se isso, logo de início, quando ele trata da forma como os africanos eram trazidos para o Brasil. Ao tratar sobre esse aspecto, temos um Pinsky que se revolta de forma categórica contra as condições sub-humanas que os negros eram transportados nos navios negreiros, diferentemente de outros autores que apenas relatam como se deu tal ocorrido e não tomam uma posição clara sobre o mesmo.
A parcialidade é sem dúvida uma das marcas registradas da obra, contudo isso não significa dizer que o autor expõe sua opinião de forma aleatória ou infundada. Pelo contrário, quando vai tratar, por exemplo, dos números relativos aos negros que eram capturados na África e quantos chegavam com vida no Brasil, o historiador utiliza dados relacionados às estatísticas históricas do IBGE, demonstrando, assim, que as suas assertivas são baseadas em fontes oficiais e não em suas próprias convicções.
Além dos dados estatísticos provenientes do IBGE, outros tipos de fontes são usadas na obra em questão. Para demonstrar seu comprometimento com a pesquisa histórica, Jaime Pinsky, apoia-se em uma consistente documentação que, apesar de ser prioritariamente produzida pelo “homem branco”, nos mostra algumas particularidades inerentes ao tema. Dessa forma, é notório o uso, por parte do autor, de documentos cartoriais, de crônicas, de notícias veiculadas nos jornais da época, como também de uma vasta iconografia produzida naquela altura (século XIX).
No tocante à sexualidade e a vida cotidiana dos escravos, o autor oferece ao público-leitor um capítulo específico que trata desses e outros temas inerentes aos africanos escravizados. Em “Vida de escravo”, Jaime, remete algumas críticas direcionadas às abordagens que tendem a abrandar as formas de convivência entre senhores e escravos. A ideia de que havia uma relativa “boa convivência” entre os primeiros e os segundos (pelo fato de ter existido casos de envolvimento sexual entre eles), ideia esta presente em autores clássicos como Gilberto Freyre, é refutada por Pinsky.
Mesmo não citando em seu livro o autor de Casa Grande e Senzala, é nítido o esforço do historiador em desmistificar a noção de cordialidade entre o senhor e o escravo. Para Pinsky, o negro escravizado não era nem visto como ser humano perante os seus opressores, ao contrário, ele não passava de uma mercadoria. Como haver cordialidade se não tinha um sentimento humanitário em relação ao africano?
Para comprovar que a ideia de uma suposta amabilidade entre senhores e escravos não se sustenta, o autor utiliza dois exemplos básicos que contestam essa noção. O primeiro se refere às formas de repressão exercida sobre os cativos, já o segundo é concernente aos tipos de resistência que estes desenvolveram frente às brutalidades que eram submetidos.
Alguns exemplos de repressão física e, ao mesmo tempo moral, eram os trabalhos forçados, a imposição religiosa, entre outras formas de reprimendas as quais os negros estavam sujeitos. Estas, por sua vez, foram personificadas através de alguns símbolos, a saber: a máscara de flandres, o chicote, o calabouço e a pena de morte.
A reação frente a estas situações eram as formas de resistência. Nesse ponto, Pinsky encontra margem para desmistificar mais uma noção equivocada. Trata-se da ideia do negro visto como “submisso e passivo”. Utilizando uma documentação produzida na época ése demonstrado que o negro escravizado resistiu de diversas maneiras. Quer seja através de fugas, de assassinatos contra os senhores ou, até mesmo, através dos suicídios.
Mediante o que foi exposto até aqui, podemos perceber quanto o autor preocupou-se em desmistificar algumas noções relativas à escravidão no Brasil. Mesmo não escondendo a sua parcialidade em referência a “causa negra” ele não produziu um trabalho baseado em suas próprias especulações. Por esse motivo, a leitura do livro em análise torna-se indispensável para aqueles interessados em conhecer como ocorreu a escravidão no Brasil por um ponto de vista de um intelectual, que embora engajado com determinada causa, não perde de vista a objetividade em relação ao tema.
Ailton Rodrigues Rocha Santos – Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe. Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET/MEC/FNDE). E-mail: ailton.historia@outlook.com
PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. 21. ed. São Paulo: Contexto, 2011. Resenha de: SANTOS, Ailton Rodrigues Rocha. Escravidão nua e crua. Revista de História Bilros: História(s), Sociedade(s) e Cultura(s). Fortaleza, v.4, n.6, p. 244-248, jan./ jun., 2016. Acessar publicação original [DR]
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