Academic capitalism and the new economy: markets, state and higher education | Sheila Slaughter e Gary Rhoades

A discussão sobre como a Educação Superior se transformou nas últimas décadas, acompanhando o processo de globalização econômica e financeira, e sobre como ela tem adquirido uma orientação cada vez mais próxima ao “mercado” não é recente. Também não o são os trabalhos acadêmicos que têm retratado o processo de mercantilização da educação superior observado ao longo das últimas décadas.

Apesar disso, a motivação e a justificativa para a elaboração desta resenha, além da relevância do tema e da qualidade do livro, remetem a três elementos. O primeiro diz respeito ao diferencial da abordagem teórico-metodológica utilizada, que pode ser entendida como um conjunto de fundamentos para uma “teoria do capitalismo acadêmico”. Essa abordagem centra sua análise na linha nebulosa que separa mercado, Estado e educação superior, assim como nas instituições e nos atores que rodeiam essa fronteira. O segundo elemento se refere ao fato do livro analisar as instituições de ensino superior norte-americanas. As críticas realizadas por estudiosos do tema nos EUA em relação ao modelo de educação superior são pouco absorvidas, intencionalmente ou não, pelos seus pares latino-americanos. O último elemento, que vai ao encontro do segundo, refere-se ao fato de o modelo norte-americano de produção de ciência e tecnologia ser assumido pelos países latino-americanos.

A tese que o livro apresenta é a de que o engajamento das instituições de ensino superior (IES) em atividades associadas ao mercado está se aprofundando. As IES, em particular as faculdades públicas e as universidades que perderam significativamente o suporte do Estado nos últimas décadas, agora desenvolvem, introduzem e comercializam produtos em grande escala no setor privado como uma fonte básica de renda. Atualmente, essas IES estão procurando gerar rendimentos a partir de e para seus núcleos educacionais, de pesquisas e de funções de serviço, abarcando desde a produção de conhecimento (tal como a pesquisa que conduz às patentes) até os currículos dos cursos e ao ensino (por exemplo, por meio dos materiais de ensino introduzidos no mercado).

Assim, o objetivo do livro é detalhar esse agressivo engajamento das IES norte-americanas na economia baseada no conhecimento e analisar os esforços delas em desenvolver, mercantilizar e vender produtos de pesquisa, serviços educacionais e bens de consumo no mercado privado. Para facilitar a visualização e o diferencial deste livro, apresentaremos brevemente o encadeamento dos 12 capítulos que compõem esse trabalho.

O primeiro capítulo, The Theory of Academic Capitalism, apresenta a abordagem teórico-metodológica que está por trás deste trabalho e que explica o processo pelo qual as universidades passaram a assumir nova economia.A base dessa abordagem está nos trabalhos de Foucault (1977, 1980), Mann (1986) e Castells (1996, 2000).

Este capítulo busca dar continuidade e fornecer contribuições ao conceito de capitalismo acadêmico desenvolvido por Slaughter e Leslie no livro Academic Capitalism: Politics, Policies and the Entrepreneurial University, que precede o livro aqui resenhado. Dando seguimento ao que foi analisado por esses autores, que buscaram olhar a invasão do lucro na academia, Slaughter e Rhoades analisam a incorporação de atividades orientadas ao lucro como um ponto-chave na reorganização (e novo investimento) das instituições de educação superior, que permitiu o desenvolvimento de suas próprias capacidades ao contratar novos tipos de profissionais, ao comercializar produtos e ao criar novos canais de comercialização com o mercado.

Sucintamente, a denominação de capitalismo acadêmico na nova economia se refere a um regime que engloba o engajamento de faculdades e universidades no mercado e seu papel na conformação do discurso e do comportamento pró-mercado no âmbito acadêmico. Os autores relacionam essa discussão com os temas sobre o estado neoliberal e a nova economia global estabelecendo, assim, uma intrínseca relação entre organização (IES) e ambiente. Ou seja, o impacto do neoliberalismo nas organizações.

No segundo capítulo, The Policy Climate for Academic Capitalism, os autores analisam de que forma as legislações nacional e internacional (os tratados e os acordos comerciais, por exemplo) contribuem para o desenvolvimento do capitalismo acadêmico na educação superior norte-americana. As legislações analisadas se referem a duas áreas aparentemente distintas, porém intrinsecamente relacionadas: auxílio financeiro aos estudantes e pesquisa. Os autores demonstram muito bem como essas duas áreas se influenciam mutuamente e como isso levou a um direcionamento da educação superior no sentido prómercado.

O terceiro capítulo – Patent Policies: Legislative Change and Comercial Expansion – busca responder como o Estado, o sistema estatal e as políticas institucionais de patentes criam oportunidades e propulsionam o capitalismo acadêmico.Ao analisar o sistema federal e as políticas institucionais de patentes de seis estados norte-americanos, os autores descrevem e explicam a influência poderosa do Estado e de seu sistema e das políticas de patentes na emergência de organizações que tentam aproximar a nova economia das IES.

A política de patentes revela uma mudança da percepção do conhecimento como bem público para um regime capitalizado. A mudança mais aparente, argumentam os autores, pode ser percebida naquelas IES que expandiram sua capacidade de gestão, permitindo, assim, o engajamento delas na nova economia.

Ao contrário do terceiro capítulo, que busca demonstrar como a policy e a politics influenciam na capitalização do conhecimento, o quarto capítulo Patent Policies Play Out: Student and Faculty Life analisa a prática, focando nos estudantes e nos funcionários das IES. Assim, explora o papel das políticas de patentes no desempenho acadêmico desses atores. Apresenta, ainda, como as regras e regulamentos implantados pelas políticas institucionais de patentes e pelo sistema universitário têm codificado e modificado valores e práticas. Membros da comunidade acadêmica têm sido contratados para identificar e descobrir invenções com potencial gerador de receita que podem ser patenteados. A capacidade gerencial das instituições, fundamental para seu engajamento no capitalismo acadêmico, tem aumentado consideravelmente, conforme mostram Slaughter e Rhoades. Além da interação entre segmentos das universidades e mercado, esses segmentos têm incorporado funções de mercado.

No quinto capítulo, Copyright: Institutional Policies and Practices, é apresentado como as políticas de copyright criam oportunidades para o capitalismo acadêmico. Os autores constataram que essas políticas permitiram que o conhecimento fosse concebido como um material que pode ser legalmente protegido e “empacotado” como se fosse um produto vendido em um mercado convencional.

O sexto capítulo Copyrights Paly Out: Commodifying the Core Academic Function analisa como as questões referentes à propriedade intelectual (artigos, materiais, conhecimentos, etc.) estão aparecendo nos contratos com as associações de classe e como as tecnologias da informação têm impactado a cultura acadêmica. Em relação à propriedade intelectual, os autores constataram que os professores procuram serem detentores dos copyrights tanto para benefícios do mercado quanto para controle de qualidade. No que se refere às tecnologias da informação, a constatação é de que as IES que empregam profissionais da área de administração dessas tecnologias facilitam o uso de tecnologias no desenvolvimento de produtos, mas o uso de recursos do campus aumenta a possibilidade da apropriação dos benefícios da inovação mais pela universidade que pelos professores.

No sétimo capítulo, intitulado Academic Capitalism at the Department Level, os autores analisam as práticas de 135 departamentos – de ciências duras, engenharias e ciências sociais – em onze universidades públicas norteamericanas. O objetivo deste capítulo é demonstrar o grau de penetração do regime de conhecimento baseado no capitalismo acadêmico no nível departamental. De forma geral, os autores verificaram que os departamentos possuem tanto atividades educacionais empreendedoras como de pesquisa. Ainda que o conjunto da academia rejeite a direção gerencial, individualmente os professores e pesquisadores possuem suas próprias atividades empreendedoras.

No oitavo capítulo Administrative Academic Capitalism, os autores exploram de que forma os reitores das IES contribuem para o regime de capitalismo acadêmico. Para explorar essa questão, eles analisaram o caso da Internet 2, uma organização de reitores das universidades norte-americanas. A partir da análise dos documentos do sítio eletrônico dessa organização, os autores constataram que os reitores trabalham de forma semelhante a presidentes de corporações e líderes de várias agências governamentais na construção de infra-estrutura de tele-comunicações para a nova economia. As universidades e as corporações seguem uma estrutura de propriedade intelectual que permite que cada um lucre com os produtos e os processos derivados da pesquisa publicamente financiada ao construir a infra-estrutura da Internet.

No capítulo nove, Networks of Power: Boards of Trustees and Presidents, os autores analisam como as redes universitárias estão conectadas e como essas redes de trabalho contribuem para o argumento do livro. Para tanto, estudaram as características e procedimentos adotados pelos comitês encarregados da administração universitária das dez melhores universidades privadas e das dez melhores universidades públicas que recebem a maior parte dos fundos da National Science Foundation (NSF). Além disso, analisaram a interlocução entre os comitês que participam da NSF Research 500 e as 30 primeiras corporações públicas capitalizadas nos Estados Unidos. O resultado dessa análise mostra que os comitês privados estão intrinsecamente conectados, permitindo uma maior vinculação das redes universitárias com as necessidades da nova economia, na forma de uma rede semi-formal.

O capítulo Sports ´R´Us: Contracts, Trademarks and Logos, escrito por Samantha King e Sheila Slaughter, suscita debate sobre estudantes como mercados cativos. Apoiadas em estudos sobre marcas e imagens, as autoras examinam contratos relativos às marcas de esportes como Nike, Adidas e Reebok. Também analisam as licenças de marcas registradas quanto aos nomes, logos e mascotes das instituições. Aconclusão é de que as empresas de calçados esportivos procuram universidades para introduzir suas marcas no mercado. Por outro lado, essas empresas encontram universidades ansiosas para vender seus programas de esportes como um ambiente de anúncio. A partir da década de 90, as universidades passaram a desenvolver produtos com nome, logo e mascote da instituição para os estudantes, quase tão agressivamente como as empresas fizeram. Frequentemente, universidades e empresas oferecem produtos com licença compartilhada (por exemplo, agasalhos esportivos com o logo da universidade).

O penúltimo capítulo, intitulado Undergraduate Students and Educational Marketing, explora o relacionamento das instituições e os estudantes no contexto de mercantilização das IES. Baseados em fontes secundárias, os autores exploram três temas conectados. O primeiro se refere ao crescente marketing institucional das IES, em particular, aquele que visa capturar um segmento maior de estudantes com maior poder aquisitivo. O segundo está relacionado à elitização da educação superior, noção de que as instituições atendem a um segmento cada vez mais restrito da sociedade. E o último tema refere-se à ênfase no consumo. Este tem a ver com a comoditização da educação superior que passa a ser vista como uma mercadoria que pode ser adquirida e consumida como qualquer outra.

No último capítulo – The Academic Capitalism Knowledge/Learning Regime -, os autores revisitam a abordagem teórico-metodológica, assim como, examinam alguns capítulos em um contexto mais amplo. Buscam, também, explorar as contradições, as ironias e as inconsistências do regime de conhecimento baseado no capitalismo acadêmico.

As principais contribuições deste livro estão no desenvolvimento de fundamentos para uma teoria do capitalismo acadêmico na nova economia e na centralização da academia como ator do processo de mercantilização da educação superior. O livro proporciona uma leitura muito interessante no sentido de desmistificar a academia como “vítima” dos interesses econômicos e de destacar o papel desta como ator dinamizador do processo de mercantilização do conhecimento.

Milena Pavan Serafim – Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail:milena@ige.unicamp.br. 


SLAUGHTER, Sheila; RHOADES, Gary. Academic capitalism and the new economy: markets, state and higher education. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2004. Resenha de: SERAFIM, Milena Pavan. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior v.15, n.1 Sorocaba 2010

Itamar Freitas

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