Corpo, gênero e sexualidade | Outras Fronteiras | 2017

Neste dossiê nossa proposta foi estabelecer uma ampla reflexão acerca do diálogo da história e as demais ciências, buscando dar visibilidade a uma temática que por muitas vezes foi negligenciada dos estudos acadêmicos: o corpo, a sexualidade e gênero. Busca-se, nesse sentido, uma discussão problematizadora das múltiplas relações que em nossa sociedade estabelecemos com o corpo, com a sexualidade e com o gênero, ora libertadora, ora excludente, às vezes anunciadoras de outras formas de existência e por muitas vezes assujeitadas a formas inauditas de violência física e simbólica.

Em, História do corpo2 , obra coletiva organizada por Georges Vigarelo, Alain Corbin e de Jean Jacques Courtine já vislumbrava estudos sobre a historicidade de problemas referentes às formas de controle e domesticação do corpo, às relações dissimétricas de poder que constrói assujeitamentos, às formas de sensibilidade para as quais o corpo é educado, para a percepção de que normas e preceitos sexuais são culturalmente construídos, o que, por fim, lançava luz questões políticas sobre as formas de coações e de luta pela conquista da posse do corpo, dos desejos, dos prazeres etc., o que curiosamente nos lança a olhar atentamente para nós mesmos, para uma relação de si consigo mesmo, pois a parte mais material de nossa existência que é o corpo, é a menos percebida. Leia Mais

Políticas de memoria y usos de la historia en espacios regionales y locales / Ponta de Lança/2017

Políticas de memoria – Usos de la Historia en Espacios Regionales y Locales / Ponta de Lança/2017

Los estudios sobre la construcción de memorias en Argentina han estado centrados preferentemente en las memorias nacionales, con escasa atención a los espacios regionales y locales, en los cuales se advierte la existencia de diversos grupos que construyen sus propias identidades y memorias colectivas, con distintas formas de vinculación con la nacional. Para ello, elaboran representaciones que se materializan en festividades, conmemoraciones, obras literarias y artísticas y otros “lugares de memoria” que recientemente han comenzado a analizarse. Leia Mais

Os indígenas sob o olhar de novas investigações / Ponta de Lança/2017

Esta edição traz um dossiê com recentes estudos sobre os povos indígenas do Brasil escritos por pesquisadores oriundos de diversos Programas de Pós-Graduação, que podemos enquadrar como Nova História Indígena.

A sessão de dossiê é aberta pelas reflexões sobre a etnografia visual como instrumento de representatividade das mulheres indígenas xinguanas. O texto escrito a quatro mãos pelo doutorando Gustavo Batista Gregio e pela professora doutora Sandra de Cássia Araujo Pelegrini, ambos da Universidade Estadual de Maringá, estabelece uma perspectiva interdisciplinar de diálogo entre história e antropologia para analisar como as imagens das mulheres indígenas possibilitaram torn´-las interlocutoras de suas comunidades e guardiãs de suas memórias e práticas culturais. Leia Mais

Feminismos, gênero e relações internacionais | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2017

Nosso feminismo é vivencial.

A cada onze minutos uma mulher é estuprada no Brasil (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2016). Muitas sofrem “estupro corretivo” por sentirem desejo sexual por outras mulheres. A cada dia, acontecem sete feminicídios (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015). Dois terços deles tiram a vida de mulheres negras. O número de homicídios de mulheres brancas diminuiu quase 10% entre 2003 e 2013 (idem).

Valdecir Nascimento. Sônia Guajajara. Nilce de Souza Magalhães. Carolina Maria de Jesus. Clarice Lispector. Ochy Curiel. Angela Davis. Sampat Pal Devi. Amelia Mary Earhart. Shahla Sherkat. Simone de Beauvoir. Maria Galindo. Betty Davis. Chimamanda Ngozi Adichie. Virginia Wolf. Leila Khaled. Dandara dos Santos1. O feminismo é nossa resposta aos constantes massacres, abusos e distorções que acometem nossas sociedades. Mas, o que posso eu2 – mulher branca, trabalhadora, acadêmica, de classe média, bissexual, com filhx, falante da língua do colonizador – escrever sobre uma realidade de opressões da qual percebo apenas os fragmentos? Leia Mais

Elas dizem não! Mulheres camponesas e a resistência aos cultivos transgênicos no Brasil e Argentina – LIMA (SS)

LIMA, Márcia Maria Tait.  Elas dizem não! Mulheres camponesas e a resistência aos cultivos transgênicos no Brasil e Argentina. Campinas: Editora Librum, 2015. E-book.  Resenha de: SANCHEZ, Beatriz Rodrigues. As mulheres camponesas e as epistemologias feministas. Scientiæ Studia, São Paulo, v.15, n. 1, p. 187-95, 2017.

O livro Elas dizem não! Mulheres camponesas e resistências aos cultivos transgênicos no Brasil e Argentina é resultado da tese de doutorado de Márcia Tait Lima, defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2014. Essa pesquisa pode ser vista como uma continuação das investigações anteriores da autora sobre as relações entre tecnociência e sociedade, tal como em sua dissertação de mestrado, publicada em 2011 com o título Tecnociência e cientistas: cientificismo e controvérsias na política de biossegurança brasileira. Naquele momento, já era possível verificar a existência de uma postura crítica e engajada da autora em relação a concepções mais tradicionais de ciência, aspecto que se tornou central no livro que será analisado a seguir.

Em seu livro mais recente, Márcia Tait Lima traz contribuições fundamentais não somente para a teoria política feminista, mas para todas as áreas do conhecimento que dialogam com o pensamento feminista. Ao apresentar as epistemologias feministas e do sul, a autora aponta para os limites da perspectiva científica racionalista e argumenta em prol de outras formas de olhar para o mundo. Essa oposição entre feminismo e positivismo é expressa em termos empíricos a partir da distinção entre os modos de produção das camponesas, que têm na metáfora da semente a sua base, e o agronegócio, que tem a mercantilização da vida como eixo central.

O livro recupera e homenageia a trajetória de luta das mulheres camponesas do Brasil e da Argentina que historicamente têm combatido o agronegócio e a mercantilização da vida. Márcia Tait faz com que seja possível ouvirmos as vozes dessas mulheres tantas vezes silenciadas não somente pela academia, mas também pela “história oficial” do feminismo, entendida aqui como a narrativa consagrada das feministas “veteranas”, “históricas” ou “fundadoras”, como elas próprias se autodenominam (cf. Alvarez, 2014). Considerando isso, desenvolver toda a riqueza do trabalho de Márcia Tait em algumas poucas páginas é uma tarefa árdua. Entretanto, será feito um esforço de sistematização das principais questões abordadas pela autora. Em primeiro lugar, cada capítulo do livro e os seus principais temas serão apresentados. Em seguida, as contribuições do trabalho para a teoria política feminista serão discutidas. Por fi m, algumas sugestões relacionadas à possibilidade de interlocução com determinadas perspectivas teóricas serão desenvolvidas.

No primeiro capítulo, a autora apresenta seu problema de pesquisa e a perspectiva teórica que será utilizada para analisá-lo. A abordagem situada e a parcialidade como pressupostos epistemológicos são os caminhos escolhidos para a realização da análise. A interdisciplinaridade é uma das características principais do trabalho, que trafega por áreas como os estudos sociais da ciência e da tecnologia, a sociologia e algumas vertentes do pensamento feminista. As epistemologias engajadas ou socialmente comprometidas e, mais especificamente, as epistemologias feministas e do sul fornecem os recursos teórico-conceituais necessários para a análise que virá a seguir.

No segundo capítulo, a metodologia utilizada nas pesquisas de campo realizadas na Argentina e no Brasil é apresentada. As mulheres que atuavam nos movimentos camponeses ou participavam de coletivos voltados à produção agrícola foram entrevistadas pela autora que também utilizou o método da observação participante. A escolha metodológica reflete a coerência da autora com relação aos pressupostos das epistemologias feministas, uma vez que a separação entre a pesquisadora e o “objeto” de estudo nem sempre é evidente. Toda pesquisa, inclusive aquelas que são exclusivamente empíricas, possuem pressupostos ontológicos e epistemológicos e cabe ao autor explicitá-los. Nesse caso, é justamente essa parcialidade da autora explicitada desde o início que confere maior riqueza e profundidade ao trabalho.

No capítulo três, o modelo de desenvolvimento agrícola industrial e seus impactos sobre a agricultura familiar são caracterizados. O crescimento dos oligopólios agrícolas, das áreas ocupadas por cultivos transgênicos e a privatização dos sistemas agroalimentares são apresentados criticamente pela autora. Em oposição a esse modo de produção, a autora demonstra como as lutas camponesas historicamente têm apontado para outras formas de cultivo como, por exemplo, a agroecologia. No entanto, em um contexto em que o agronegócio é o modo de produção hegemônico, essas formas de resistência encontram diversas barreiras para que possam continuar existindo.

No quarto capítulo, a discussão teórico-conceitual sobre os movimentos sociais e as diversas formas de ação coletiva são apresentadas. A partir de interpretações tanto sociológicas quanto da ciência política, a autora centra a análise na vertente da teoria dos novos movimentos sociais, que surgiu no início da década de 1970, deixando de fora da análise teorias contemporâneas sobre os movimentos sociais. A invisibilidade do trabalho das mulheres e a divisão sexual do trabalho na produção familiar camponesas são apresentadas como elementos constitutivos da identidade da mulher do campo, que é composta por diversos marcadores sociais de diferença.

No capítulo cinco, são estabelecidas algumas distinções entre os movimentos de mulheres e os movimentos feministas. Para isso, uma breve trajetória das mobilizações camponesas é traçada a partir da defesa da necessidade de formação de movimentos exclusivos de mulheres. De acordo com a autora, o feminismo camponês é distinto de outros tipos de feminismo, pois ele entende que elementos como a maternidade e a religião podem trazer benefícios para o cultivo da terra. Tendo esse fato em mente, a autora critica posições colonizadoras e tendentes à universalização de alguns feminismos que consideram as mulheres brancas das zonas urbanas como parâmetro para todas as outras mulheres.

No sexto capítulo, a resistência das mulheres camponesas é inserida em um contexto mais amplo de crítica à agricultura industrial. Do ponto de vista de Marcia Tait, a preservação das sementes crioulas em detrimento das sementes transgênicas é uma forma de crítica radical ao reducionismo biológico,1  ao antropocentrismo, ao androcentrismo e à mercantilização da vida. Dessa forma, as sementes são elevadas ao status de metáfora sobre os diversos modos de produção, já que cada uma delas representa posições políticas distintas. Em defesa da cultura camponesa, a autora apresenta argumentos convincentes contra o modelo do agronegócio.

No sétimo capítulo, uma ética baseada em uma ontologia feminista constituída a partir do ecofeminismo e das epistemologias das mulheres camponesas está no centro de uma abordagem não reducionista da vida e do meio ambiente. Após ter apresentado as epistemologias feministas no primeiro capítulo, a autora defende a possibilidade de definição de uma epistemologia feminista e camponesa que traz uma nova visão de mundo. Da perspectiva da autora, a ética contida nessa epistemologia é a alternativa necessária para o enfrentamento das crises ambiental, social e alimentar contemporâneas.

No último capítulo, a autora afirma que as ações protagonizadas por mulheres camponesas são capazes de ampliar as formas de resistência ao poder do agronegócio. Os estudos de caso do Brasil e da Argentina apresentam alternativas à matriz de pensamento hegemônica nas ciências, que é patriarcal, androcêntrica e antropocêntrica. Os oligopólios empresariais que lucram com a mercantilização dos alimentos são desafiados pelas mulheres do campo. O protagonismo das mulheres camponesas é uma das principais causas da mudança no paradigma de produção rural: suas vivências fazem com que a forma como cuidam da terra seja diferente tanto das formas “masculinas” do campo quanto das formas do agronegócio.

Partindo para uma apreciação crítica do livro, à primeira vista pode parecer que a maneira “feminina” de cuidar da terra contribui para a naturalização do papel das mulheres no campo, como se o fato biológico de ser mulher, por si só, fosse a explicação para essa visão diferenciada. No entanto, uma leitura aprofundada do trabalho revela que o modo feminino de cuidar da terra representa o contrário disso. Os movimentos de mulheres camponesas negam o essencialismo, mas de uma forma muito particular. Isso porque não rompem totalmente com algumas aproximações entre a natureza e alguns comportamentos reconhecidos como femininos. Alguns grupos, por exemplo, ressaltam o significado da maternidade para a mulher e defendem uma maior capacidade de empatia e solidariedade das mulheres em relação aos outros seres, sejam eles humanos ou não humanos. Mas isso não quer dizer que as mulheres camponesas reforcem estereótipos de gênero calcados na desigualdade entre homens e mulheres. O que elas fazem, na verdade, é, a partir de suas vivências, recuperar um modo de produção que se opõe ao agronegócio, já que envolve dimensões que não são racionais.  As camponesas apresentam uma nova forma de olhar para o mundo, ou seja, uma nova epistemologia que desafia concepções positivistas de ciência, uma vez que incluem aspectos do âmbito privado na maneira de lidar com a produção de sementes. Ao trazer para o espaço público aspectos que antes eram considerados restritos ao espaço doméstico, as camponesas questionam a tradicional divisão entre público e privado, característica de visões positivistas da ciência que historicamente têm produzido diversas formas de exclusão de grupos marginalizados.

Teóricas feministas têm enfatizado a importância da desnaturalização das categorias sociais identitárias. Donna Haraway, por exemplo, afirma que,

com o reconhecimento, tão arduamente conquistado, da sua constituição histórica e social, o gênero, a raça e a classe não podem constituir a base para a crença na unidade “essencial”. Não existe nada no fato de ser “fêmea” que vincule naturalmente as mulheres. Não existe sequer o estado de “ser” fêmea, uma categoria em si mesma altamente complexa, construída em contestados discursos científico-sexuais e outras práticas sociais (Haraway, 1991 [1985], p. 232).

Dessa forma, não é a natureza feminina que fornece um olhar diferenciado para as mulheres camponesas, mas a sua localização na estrutura social. Por ocuparem uma posição específica, essas mulheres compartilham perspectivas sociais que se opõem àquelas pregadas pelo racionalismo científico. A teórica feminista que pela primeira vez formulou com maior profundidade o conceito de perspectiva social foi Iris Marion Young. Ela afirma que o posicionamento social e as relações sociais condicionam as “oportunidades e expectativas para a vida” (Young, 2000, p. 97) dos indivíduos. Isso quer dizer que entre aquelas que compartilham uma mesma perspectiva social, nesse caso entre as mulheres camponesas, emerge uma visão de mundo semelhante.

Nesse sentido, a ideia de conhecimentos situados é a chave fundamental para entendermos a dimensão epistemológica do trabalho manual das camponesas. De acordo com as epistemologias feministas, o olhar é sempre contextualizado, o que contraria os falsos universalismos da ciência positiva. Além disso, a parcialidade do próprio sujeito que conhece, e não a separação entre sujeito e objeto, é a característica fundamental do processo de produção do conhecimento. Isso quer dizer que a objetividade, desse ponto de vista, reside na própria contextualização do conhecimento. Nas palavras de Haraway,

a objetividade feminista trata da localização limitada e do conhecimento localizado, não da transcendência e da divisão entre sujeito e objeto. Desse modo, podemos tornar-nos responsáveis pelo que aprendemos a ver (Haraway, 1995, p. 21).

Outra contribuição fundamental que o livro de Márcia Tait traz para as ciências de modo geral e para o pensamento feminista especificamente é a conexão entre teoria e prática. O pensamento feminista, como demonstra a autora, é caracterizado por uma dualidade fundamental. É constituído, ao mesmo tempo, pela teoria e pela prática política. Militância e reflexão aliam-se em uma discussão teórica-acadêmica articulada à ação dos movimentos sociais. Assim, mais uma vez, a separação positivista entre sujeito e objeto é posta em xeque.

A divisão sexual do trabalho é outro conceito chave do livro que traz novos elementos para a teoria política feminista. Para entendermos as experiências compartilhadas pelas mulheres camponesas, é preciso recorrer ao fato de que historicamente as mulheres têm sido destinadas ao âmbito privado e os homens ao espaço público. Mesmo com todas as transformações ocorridas nas últimas décadas, as mulheres continuam a dedicar mais tempo às tarefas domésticas e, por outro lado, a ter rendimentos médios menores do que os homens pelo trabalho desempenhado fora de casa (cf. Biroli, 2015). O trabalho familiar é realizado pelas mulheres de forma gratuita, mesmo sendo uma parte essencial do funcionamento da estrutura produtiva do capitalismo. No caso das mulheres camponesas, o trabalho realizado por elas está relacionado também à produção para subsistência e ao cultivo de hortas, pomares e criação de pequenos animais (cf. Jalil, 2009). Como o objetivo primordial dessas atividades não é o comércio, elas não aparecem como trabalho, mas como uma mera “ajuda”, mesmo sendo condição fundamental para a existência da agricultura familiar. A divisão sexual do trabalho no campo possui, portanto, características específicas que precisam ser levadas

Outra contribuição fundamental do livro de Marcia Tait é a discussão que ela apresenta sobre a construção das identidades sociais. É interessante notar que as mulheres camponesas compartilham alguns marcadores sociais da diferença, entre eles gênero, classe e localidade. Na constituição de uma identidade coletiva “mulher camponesa”, essas diversas formas de opressão atuam conjuntamente. Para melhor compreender como esses marcadores operam na produção de exclusões, o conceito de interseccionalidade fornece um quadro analítico extremamente útil. Apesar de afirmar, no capítulo 4, que dialogar com as diferentes dimensões que constituem a identidade coletiva “mulher camponesa” é mais importante para pensar as possibilidades de transformação e emancipação social, do que chegar a definições sobre essa identidade, Marcia Tait não aponta como promover esse diálogo. Isso poderia ter sido feito a partir da perspectiva do feminismo interseccional.

A noção de interseccionalidade é fundamental porque, assim como as epistemologias feministas, desafia concepções tradicionais ou positivistas de ciência que defendem a neutralidade, a objetividade, a racionalidade e a universalidade do conhecimento. A ideia de um ponto de vista próprio à experiência dos indivíduos, fruto da conjunção das relações de poder de gênero, de classe e de raça é poderosa. Ela revela que a visão de mundo dos responsáveis por grande parte da produção de conhecimento ocidental tem origem em um espaço determinado: aquele ocupado por homens, brancos, ocidentais, membros das classes dominantes.

A definição de interseccionalidade postulada por Crenshaw (1994) lançou as bases para a teorização da noção de que diversas formas de opressão operam sobre o mesmo indivíduo. A interseccionalidade, de acordo com ela, é uma proposta para “levar em conta as múltiplas fontes de identidade”, embora não tenha a pretensão de “propor uma nova teoria globalizante da identidade” (Crenshaw, 1994, p. 54). O ponto central nesse conceito é o entendimento de que as formas de opressão não atingem os sujeitos isoladamente, mas de forma inter-relacionada. A “subordinação interseccional estrutural” representa “uma gama complexa de circunstâncias em que as políticas se intersectam com as estruturas básicas de desigualdade” (Crenshaw, 2002, p. 179).

As teóricas do feminismo negro entendem que nenhum marcador social da diferença sobrepõe-se a outros e que todos eles estão interligados. Hooks (1981) apresenta sua contribuição acerca da problemática da estabilidade homogeneizante da categoria “mulher” e a necessidade de atentar-se igualmente às formas combinadas de diferenciações e desigualdades como raça e classe social, entrecortando as experiências de mulheres. A partir da crítica às exclusões produzidas pela afirmação da existência de um sujeito coletivo e indiferenciado expresso na ideia “nós, mulheres”, elas produziram reflexões que hoje são incontornáveis tanto para as lutas quanto para as teorias feministas. O movimento do final dos anos 1970 conhecido como “black feminism” voltou sua crítica de maneira radical contra o feminismo branco, de classe média e heteronormativo. Para essas autoras, a complexidade das hierarquias que não se esgotam no gênero expõe limites e contradições do feminismo como projeto transformador. De acordo com Hooks (1984), para a maior parte das mulheres, a possibilidade de superar as condições atuais de exploração, dominação e opressão não está em igualar-se aos homens, mas em transformar as estruturas políticas e sociais.

Collins (2015) também traz contribuições importantes ao debate ao defender que o amplo conjunto de estudos sobre interseccionalidade seja analisado como mais do que uma proposta metodológica. Esses estudos deveriam ser vistos como um projeto de conhecimento que se organiza como um guarda-chuva teórico em que estão presentes três preocupações centrais: (1) a interseccionalidade como campo de estudos, com foco nos conteúdos e temas que caracterizam esse campo; (2) a interseccionalidade como estratégia analítica, com maior atenção aos “enquadramentos interseccionais” e a sua capacidade de produzir novas formas de conhecimento sobre o mundo social; (3) a interseccionalidade como uma forma de práxis social, com ênfase nas conexões entre conhecimento e justiça social.

Dessa forma, o horizonte de transformação projetado pelas teóricas feministas negras é ampliado, pois elas propõem que haja mudanças epistemológicas nas formas tradicionais de produção do conhecimento e, ao mesmo tempo, transformação das estruturas de dominação racial, patriarcal e de classe. Um ponto de convergência entre as teóricas políticas negras é a proposta de não hierarquização entre as diversas formas de opressão, o que tem implicações teóricas e políticas significativas. Nesse sentido, as formulações teóricas sobre o conceito de interseccionalidade aqui apresentadas oferecem dispositivos analíticos úteis para analisar a exclusão das mulheres camponesas, uma vez que elas, assim como as mulheres negras, questionam o feminismo branco de classe média a partir da especificidade de suas vivências.

Marcia Tait opta por dialogar com as teorias dos novos movimentos sociais que tiveram origem na década de 1970. Entretanto, teorias feministas dos movimentos sociais mais contemporâneas poderiam fornecer distinções analíticas capazes de incluir o movimento de mulheres camponesas em um contexto mais amplo de pluralização do “campo feminista” (Alvarez, 2014, p. 4). Atualmente, novas formas de mobilização feminista têm surgido como, por exemplo, as jovens que protagonizaram as ocupações das escolas públicas e as blogueiras feministas que enxergam na internet um dos espaços possíveis de militância. Essas novas formas de atuação convivem com movimentos feministas mais tradicionais, ou seja, diversas gerações do movimento passam a coexistir. Isso faz com que repertórios de ação de natureza distinta convivam no mesmo espaço, nem sempre de maneira pacífica. A noção de “campo feminista” formulada por Sonia Alvarez (2014) surge para dar conta dessa pluralidade.

Um fator gerador de conflitos recentes dentro do campo feminista está relacionado à constituição de identidades sociais. Influenciadas pelo pensamento de Butler (2010), parte das feministas contemporâneas criticam a defesa de identidades fixas e defendem que a mobilização política deve ocorrer em torno de pautas específicas e não de categorias identitárias. Por outro lado, outras correntes mais próximas ao pensamento marxista e ao feminismo negro afirmam que a luta feminista deve levar em conta as condições estruturais de exclusão que se relacionam não somente ao gênero, mas também às discriminações raciais e de classe. Outra questão recente que é fonte de embates entre feministas diz respeito ao lugar das mulheres transexuais dentro do movimento. Feministas autodenominadas radicais entendem que o fato de ter órgãos sexuais femininos é determinante para a participação no movimento e, por isso, recebem críticas que as caracterizam como essencialistas. Outras feministas acreditam que o que determina o “ser mulher” não é a biologia, mas sim a sociabilização dos indivíduos e sua identidade de gênero, legitimando a participação de mulheres trans no movimento.

Como é possível perceber, o campo feminista contemporâneo é permeado de conflitos e disputas e, portanto, não pode ser representado de forma homogênea, o que traz desafios para as pesquisas que pretendem analisar os movimentos feministas contemporâneos. Como foi possível perceber a partir desta breve análise, o livro Elas dizem não! Mulheres camponesas e a resistência aos cultivos transgênicos traz contribuições fundamentais para as teóricas e militantes feministas preocupadas em entender o protagonismo das mulheres no campo. É também uma obra importante para as epistemologias feministas, uma vez que apresenta uma nova forma específica de olhar para o mundo e de produzir conhecimento, originada das vivências das mulheres camponesas. O grito, Elas dizem não!, faz jus à trajetória dos movimentos de mulheres camponesas que historicamente têm resistido aos transgênicos e ao agronegócio e apresentado uma alternativa produtiva como forma de emancipação social.

Notas

1 De acordo com o site do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), as sementes crioulas são variedades desenvolvidas, adaptadas ou produzidas por agricultores familiares, assentados da reforma agrária, quilombolas ou indígenas, com características bem determinadas e reconhecidas pelas respectivas comunidades. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/voc%C3%AA-sabe-qual-import%C3%A2ncia-das-sementes-crioulas>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Referências

ALVAREZ, S. Para além da sociedade civil: reflexões sobre o campo feminista. Cadernos Pagu, 43, p. 13-56, 2014.

BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução R. Aguiar. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

BIROLI, F. Divisão sexual do trabalho e democracia. Trabalho apresentado no 39o Encontro Anual da Anpocs, 2015.

COLLINS, P. Intersectionality’s defi nitional dilemas. Annual Review of Sociology, 41, p. 1-20, 2015.

CRENSHAW, K. Mapping the margins: intersectionality, identity politics and violence against women of color. In: Fineman, M. & Mykitiuk, R. (Ed.). The public nature of private violence. New York: Routledge, 1994. p. 93-118.

_____. Documento para o Encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, 10, 1, p. 171-87, 2002.

FINEMAN, M. & Mykitiuk, R. (Ed.). The public nature of private violence. New York: Routledge, 1994.

HARAWAY, D. A cyborg manifesto: science, technology and social feminism in the late twentieth century. In: Haraway, D. (Ed.). Symians, cyborgs and women: the reinvention of nature. New York: Routledge, 1991 [1985]. p. 149-82.

_____. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, 5, p. 7-42, 1995.

HOOKS, B. Ain’t I a woman? Black women and feminism. Cambridge: South End, 1981.

_____. Feminist theory: from margin to center. Boston: South End Press, 1984.

JALIL, L. Mulheres e soberania alimentar: a luta para a transformação do meio rural brasileiro. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

LIMA, M. M. T. Tecnociência e cientistas: cientificismo e controvérsias na política de biossegurança brasileira. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2011.

_____. Elas dizem não! Mulheres camponesas e a resistência aos cultivos transgênicos. Campinas, SP: Librum, 2015. E-book. Disponível em: <http://www.librum.com.br/elasdizemnao/info/> Acesso em: 10 jan. 2017.

YOUNG, I. Inclusion and democracy. Oxford: Oxford University Press, 2000.

Beatriz Rodrigues Sanchez – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, Brasil. E-mail: beatriz.rodrigues.sanchez@gmail.com

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[DR]

 

Objectivity & diversity: another logic of scientific research – HARDING (SS)

HARDING, Sandra. Objectivity & diversity: another logic of scientific research. Chicago/London: The University of Chicago Press, 2015. Resenha de: AYMORÉ, Débora. Objetividade forte como alternativa à ciência livre de valores. Scientiæ Studia, São Paulo, v.15, n. 1, p. 175-86, 2017.

A obra Objectivity & diversity: another logic of scientific research (2015), de Sandra Harding, aponta para um modo alternativo de fazer ciência, baseando-se na premissa de que os compromissos sociopolíticos favoráveis à diversidade e os compromissos epistêmico-científicos com a objetividade não precisam ser necessariamente conflitantes. Colocados em uma gradação, os capítulos culminam no último, que resume os seis principais argumentos acerca da objetividade desenvolvidos pela autora, tornando-se um ponto de partida possível para o contato com o conteúdo da obra. Os argumentos desenvolvidos na sequência dos capítulos são:

Capítulo 1. Argumento de que as consequências das pesquisas do ocidente desbordam seus limites territoriais: as consequências distribuem-se globalmente, como no caso das políticas de modernização realizadas a partir do final da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria.

Capítulo 2. Argumento da homogeneidade valorativa dos pesquisadores como desvantajosa para a pesquisa: pesquisadores com características homogêneas tendem a apresentar menor capacidade de reconhecimento dos valores e dos interesses que estruturam suas próprias pressuposições, políticas e práticas.

Capítulo 3. Argumento da objetividade forte: a crítica de pressupostos sexistas e androcêntricos resultou na proposta de pesquisa exercida a partir de baixo e, consequentemente, da objetividade forte, pois nela a diversidade das situações sociais é levada em consideração.

Capítulo 4. Argumento de confiabilidade do conhecimento tradicional: derivado dos estudos pós-coloniais da ciência e da tecnologia, parte do reconhecimento da influência recíproca entre a ciência e a sociedade em que ela está situada e na qual ela é produzida.

Capítulo 5. Argumento da escolha política e historicamente situada da perspectiva da ciência livre de valores: as políticas de desenvolvimento e a pesquisa científica nos moldes ocidentais impuseram-se de modo quase exclusivo, sugerindo a ideia de unidade. No entanto, tal imposição é concebida por posturas críticas como corroborando a formação do caráter triunfal e excepcional da ciência do ocidente. Embora a ideia da unidade da ciência esteja relacionada aos primórdos do Círculo de Viena, houve um esvaziamento do significado político de tal proposta.

Capítulo 6. Argumento do secularismo ocidental: o secularismo moderno ocidental, cristão e protestante em alguns aspectos, impacta na produção de conhecimento. Ademais, o conhecimento tradicional avança, mesmo que imerso em crenças religiosas.

Além disso, o argumento de que a ciência e as sociedades são coproduzidas e constituem-se mutuamente é trabalhado especialmente no capítulo 7 e também nos capítulos 1, 2, 3 e 6. Derivado dos estudos sociais da ciência e da tecnologia e desenvolvido a partir dos movimentos feministas e de contestação da discriminação racial e de classe; este é o argumento principal da autora, já que prepara a defesa mais direta da objetividade forte e da proposta de uma ciência com consequências intelectuais e políticas em consonância com a diversidade (cf. p. 18-22, 24, 27, 53, 71, 148).

1 A QUESTÃO DA OBJETIVIDADE

Harding afirma que a objetividade trata do papel dos valores e dos interesses envolvidos na atividade científica, que pode variar desde o não reconhecimento desse papel até o seu pleno reconhecimento, que é a proposta que defende (cf. p. 35-6). O tema da objetividade torna-se relevante desde Galileu Galilei (1564-1642), perpassando o movimento iluminista (séc. XVIII) e, em nossos dias, estaria especialmente associado à produção científica. Atualmente, no entanto, apresenta-se como dominante a perspectiva da ciência livre de valores e, desse modo, nega-se a influência dos valores e dos interesses na atividade científica.

A partir do final da Segunda Guerra Mundial os países vencedores multiplicaram as políticas de desenvolvimento em relação aos países menos desenvolvidos (ou do sul global) (cf. p. 1-2). O propósito era o de expandir a ciência e a tecnologia, para impedir o avanço da ideologia comunista. Acreditava-se que, supridas as necessidades humanas, não haveria lugar para o desenvolvimento do ímpeto revolucionário.

As ciências sociais demostraram a manutenção e mesmo o agravamento da situação dos grupos vulneráveis em termos econômicos, políticos e sociais, ao explicitarem o baixo benefício social obtido por essas políticas. Elas revelaram-se especialmente nocivas às mulheres e às crianças do sul global, ou dos países em desenvolvimento, que passaram por processo de gradativa pauperização concomitantemente aos investimentos em desenvolvimento econômico, cujos benefícios foram, por sua vez, absorvidos em grande parte por elites locais. Além disso, a crise financeira dos anos 1980 mudou as exigências do Banco Mundial, que impôs a suspensão dos investimentos em serviços sociais, forçando os países devedores a pagarem os empréstimos.

Especificamente o debate relativo à mulher, ao gênero e ao desenvolvimento iniciou-se com a publicação do livro Woman’s role in economic development, de Ester Boserup (1970). Ela atribui o empobrecimento das mulheres ao fato de elas não terem recebido a mesma educação técnica dos homens. Segundo Harding, com exceção do trabalho de Amartya Sen (1990), ainda existe pouca influência das críticas levantadas por Boserup no contexto das investigações sobre desenvolvimento (cf. p. 56).

Contemporaneamente, em virtude da baixa distribuição dos benefícios sociais, os movimentos de justiça social defendem a transformação da produção de conhecimento, pois isso permitiria a visualização das injustiças provocadas pelas políticas de desenvolvimento. Harding questiona, assim, se não seria mais benéfico socialmente, ao invés de negarmos a presença dos valores e dos interesses na produção de conhecimento (perspectiva da ciência livre de valores), escolhermos conscientemente os valores e os interesses que derivem das necessidades locais dos grupos em situação de vulnerabilidade.

A partir desse questionamento tornam-se claras as opções quanto à objetividade científica: por um lado, a objetividade fraca, aquela já praticada predominantemente pela ciência, contribuindo para a invisibilidade de populações histórica e socialmente oprimidas, devido ao não reconhecimento dos valores e interesses envolvidos; por outro lado, a proposta de Harding de objetividade forte requer dar visibilidade aos grupos oprimidos, tomando-os como participantes da pesquisa e não apenas como objetos de investigação ou como consumidores dos seus resultados. Doravante, então, o benefício social ganharia o seu real significado, dada a atenção às necessidades apontadas por tais sujeitos, especialmente naquelas pesquisas que impactam diretamente em suas vidas.

É justamente nesse ponto que a diversidade ganha importância central e corrobora o sentido da promoção da objetividade forte, devido à necessidade de inclusão dos grupos social, política e economicamente excluídos no processo de decisão. Assim, incluir a diversidade exige o reconhecimento de valores e de interesses além dos dominantes, promovendo uma “ciência participativa” (p. xi). Para o cientista, social ou natural, o reconhecimento de interesses e valores diversos aos seus requer não apenas uma sensibilização quanto à opressão a que são submetidas parcelas significativas do contingente populacional, mas também o reconhecimento dos sujeitos como efetivamente participantes da pesquisa. As populações vulneráveis teriam algo a dizer, por exemplo, sobre suas próprias necessidades e ainda sobre o modo de supri-las.

Desse modo, Harding concentra sua análise na objetividade da pesquisa em termos dos métodos e das metodologias empregadas, embora reconheça, assim como Alan Megill (1991), que existem outras três dimensões da objetividade, a saber: a que considera determinados grupos como presumivelmente mais objetivos (centrada recorrentemente no homem branco ocidental), a que se concentra nos resultados da pesquisa e, finalmente, a centrada nos ideais, padrões e práticas necessárias ao reconhecimento de determinadas comunidades como científicas.

Através da abordagem que privilegia os métodos e metodologias utilizadas na produção do conhecimento, Harding visa promover a objetividade forte que, segundo a autora, decorre dos movimentos de justiça social e, ao mesmo tempo, proclama a necessidade de desenvolvimento da “ciência a partir de baixo” (cf. p. 36, 119). Mesmo sensível aos valores e interesses de grupos vulneráveis, a objetividade forte não requer o descarte dos padrões de conhecimento confiável apresentados pela filosofia da ciência contemporânea, dado que eles permanecem como requisitos epistemológicos.

2 A OBJETIVIDADE FORTE

A partir das discussões desenvolvidas pelas feministas nas décadas de 1970 e 1980 emergiu uma nova forma de maximização da objetividade, exigindo critérios mais fortes que os anteriores, pois estes permitiram a instalação de pressupostos e práticas sexistas e androcêntricas nas pesquisas, por exemplo, da biologia e das ciências sociais.

A etnografia é exemplar desses esforços críticos, tendo, na década de 1970, procurado demonstrar a confiabilidade das pesquisas qualitativas, em um contexto que considerava a pesquisa quantitativa como promotora da ciência livre de valores e, portanto, da objetividade fraca.

Além disso, os pressupostos androcêntricos prejudicaram o desenvolvimento da objetividade forte. Na biologia, na pesquisa médica e na saúde, por exemplo, o corpo feminino foi concebido como distinto do masculino devido aos sistemas hormonal e reprodutivo, bem como pelo tamanho menor do cérebro e aparente limitação das funções cerebrais femininas. A menstruação, a gravidez, o parto e a menopausa foram tratados como problemas cuja solução é provida pelas indústrias médica e farmacêutica. Outro caso advém das ciências sociais, em que a atividade e os comportamentos femininos sequer foram tratados, ou foram mal representados, insinuando que apenas as relações de gênero importavam na representação da condição das mulheres.

Finalmente, na epistemologia, na filosofia da ciência, na sociologia do conhecimento e na teoria política, começaram a emergir as teorias do ponto de vista (standpoint theories). Precedidas pela análise do proletariado realizada pelo marxismo, as feministas procuraram demostrar que as sociedades baseadas em estruturas desiguais tendem a expressar o conhecimento e as crenças dos grupos dominantes.

Resumidamente, o que se considerava maximizar a objetividade nas investigações sociais e naturais eram, na verdade, estereótipos sexistas e androcêntricos, que, segundo as feministas, restringiam o processo de pesquisa. Assim, a teoria do ponto de vista propôs iniciar a pesquisa fora do quadro conceitual dominante, tal como no caso da vida cotidiana dos grupos oprimidos, entre os quais se situam as mulheres. O reconhecimento da multiplicidade de valores e de interesses envolvidos, bem como a abordagem localmente específica dos mesmos, reforça a objetividade forte, visibilizando grupos vulneráveis.

A objetividade forte derivada das teorias do ponto de vista promove o reconhecimento de que a ciência é praticada em um mundo real, descartando a abstração de uma ciência totalmente controlada pela razão. Desse modo, considera prejudicial à pesquisa a homogeneidade dos pesquisadores, que muitas vezes refletem práticas convencionais da ciência livre de valores. Harding explicita, assim, que as críticas feministas e a promoção da objetividade forte estão alinhadas aos pressupostos dos estudos sociais da ciência e da tecnologia (social studies of science and technology).

Embora a objetividade esteja sujeita a diferentes abordagens (a metodológica, as que presumem certos grupos como mais objetivos, a concentrada nos resultados da pesquisa, e a centrada em ideais, padrões e práticas necessárias ao reconhecimento das comunidades científicas), ela é utilizada em certos contextos para caracterizar a capacidade ou a incapacidade de determinados indivíduos e grupos para realizá-la. O que, não por acaso, exclui mulheres, afro-americanos e o conhecimento tradicional não ocidental, por afirmá-los como condicionados pelo autointeresse e pela subjetividade (cf. p. 32).

Diversamente, o método apropriado de produção de conhecimento é aquele capaz de dar visibilidade aos valores sociais, aos interesses e aos pressupostos que os pesquisadores agregam à pesquisa. Porém, nas situações em que esses mesmos valores, interesses e pressupostos parecem ser compartilhados por praticamente todos os pesquisadores, como é o caso da supremacia masculina e do eurocentrismo, a tendência é a formação da objetividade fraca, por promoverem, aparentemente, o que a filosofia tradicional chamou de “visão a partir de lugar nenhum” (p. 34, 36).

3 A FUNÇÃO DA DIVERSIDADE NA NOVA LÓGICA DA PESQUISA

A nova lógica da pesquisa proposta por Harding requer, então, uma inversão de prioridades. Ao invés de as pesquisas reforçarem valores (ocidentais, brancos e masculinos) e interesses (políticos e econômicos relacionados ao desenvolvimento), priorizam-se nos métodos empregados os valores e interesses daqueles para os quais a pesquisa em ciência e tecnologia é dirigida. Segundo Harding, um modo de realização da objetividade forte é, justamente, a reintrodução da diversidade valorativa nas comunidades de pesquisa.

Porém, é preciso deixar claro que nem toda perspectiva diversa interessa. Não existe interesse, por exemplo, na perspectiva neonazista ou da supremacia branca. Promove-se, assim, de modo especial a perspectiva

(…) das pessoas pobres, de “minorias” étnicas e raciais, de pessoas de outras culturas, de mulheres, de minorias sexuais e de pessoas com deficiências (…), perspectivas de diversidade mais amplamente utilizadas a partir das quais as reivindicações de conhecimento dominantes em todas as disciplinas começaram a ser reavaliadas (p. 36).

 

Além da identificação dos pressupostos dominantes na pesquisa, é preciso fazê-la avançar no conhecimento do que as comunidades particulares desejam e do que muitas vezes necessitam. A partir dessa perspectiva, Harding apresenta uma nova lógica da investigação, apoiada na epistemologia e na metodologia do ponto de vista. Embora a expressão “lógica da investigação” esteja especialmente associada aos positivistas lógicos, a autora a utiliza em sentido comum, entendendo-a como procedimento razoável de aquisição de conhecimento, capaz de incluir, por exemplo, o conhecimento tradicional no rol das pesquisas científicas.

Torna-se elucidativo retomar a questão do empobrecimento das mulheres e de seus dependentes que, segundo Harding, ocorre também nos países do norte industrializado. A teoria do ponto de vista permite o reconhecimento da atribuição dos encargos domésticos às mulheres, levando em conta as políticas de modernização desenvolvidas depois da Segunda Guerra Mundial e mantidas por quase quatro décadas depois, o que cria obstáculos para que elas invistam seu tempo em trabalhos assalariados realizados fora do ambiente doméstico.

Outro exemplo advém da demografia, que durante décadas correlacionou a pobreza a altos índices de natalidade, atribuindo a culpa do aumento da população à ignorância e à irresponsabilidade reprodutiva feminina. Além disso, dado que o trabalhador modelo das teorias de desenvolvimento são homens adultos empregados na indústria –, portanto, fora do ambiente doméstico – e sem filhos, torna-se invisível o trabalho doméstico feminino, bem como seu trabalho de meio-período ou sazonal, realizado fora do ambiente familiar. É o que levou Alison Jaggar (2009) a afirmar que a vulnerabilidade do trabalho assalariado feminino produz o recrudescimento de sua vulnerabilidade doméstica (cf. p. 66).

Nesse sentido, a perspectiva do ponto de vista aplicada ao contexto do trabalho permite o reconhecimento dos pressupostos androcêntricos de desvalorização do trabalho doméstico, bem como a identificação do modelo de trabalhador-padrão (homem, empregado na indústria e sem filhos), que é claramente excludente das mulheres. Dessa forma, critica-se a forma tradicional de compreender a economia doméstica a partir da adoção de ponto de vista oposto, sendo preciso incorporar à abordagem os outros agentes sociais (mulher, esfera doméstica e filhos), ausentes na visão promovida pelo predomínio da perspectiva androcêntrica.

4 O CONHECIMENTO TRADICIONAL É CONfiÁVEL

Além das questões de gênero, outro embate da perspectiva do ponto de vista é com o eurocentrismo. Embora não reconhecido como ciência pelos cientistas e pela maioria dos filósofos, o conhecimento tradicional de povos nativos, tal como as observações que fazem do meio ambiente, são utilizados pela ciência ocidental ao menos desde 1492 até o presente.

O baixo reconhecimento reforça a visão excepcional e triunfalista da ciência moderna ocidental, ainda mais se consideramos sua afirmação de que o conhecimento tradicional é apenas mito, magia ou superstição. Contudo, antes do contato com os colonizadores, as sociedades primitivas já existiam e produziam conhecimento, mesmo que posteriormente tenham angariado benefícios científicos e a expertise técnica pelo contato com os colonizadores.

De modo a reconhecer o caráter epistemologicamente confiável do conhecimento tradicional, Harding trata do exemplo de navegação dos Micronésios, que é trabalhado por Ward Goodenough (1996), e do exemplo dos caçadores de gansos canadenses, analisado por Colin Scott (1996).

Quanto aos navegadores das ilhas Micronésias do Pacífico, é notório que conseguem não apenas navegar em canoas abertas, como também efetivamente retornar para casa, o que demonstra conhecimento de navegação relacionado à astronomia, à climatologia, à oceanografia e à cartografia.

Já os caçadores de gansos Cree, procedentes da Bahia de James, Canadá, desenvolveram técnicas de caça não predatórias, mantendo o abastecimento com base em uma compreensão igualitária entre gansos e humanos, segundo a qual a caça só se entrega aos caçadores quando neles identifica o respeito de suas necessidades, por exemplo, ambientais.

Assim, o reconhecimento do modo como os caçadores Cree se relacionam com a caça e com o mundo como uma prática científica depende de se identificamos a ciência como universal ou culturalmente específica. Caso seja sufi ciente como critério de cientificidade a realização de atividade que extrai inferências dedutivas de premissas e que as verifica deliberada e sistematicamente na experiência, levando a ajustes dos modelos de mundo conforme as regularidades observadas, então, sim, eles realizariam ciência.

Mesmo o ponto de vista religioso, sobre o qual muitas vezes o conhecimento tradicional se assenta, não é considerado impeditivo para o avanço da ciência ocidental. Pois, ainda que buscando diferenciar as duas formas de produção de conhecimento, “(…) resulta que esses dois legados culturais, incluindo, por exemplo, os compromissos especificamente cristãos e mesmo protestantes do ocidente, são frequentemente produtores do avanço do conhecimento científico” (p. 89), o que pode ser exemplificado pela física, pela química e pela genética.

Em suma, o conhecimento tradicional representa o mundo natural, que é administrado pela cultura tradicional, de modo correspondente aos anseios e necessidades locais. Inclui elementos de antropomorfismo, religiosos e espirituais, sem que se tornem radicalmente distintos do conhecimento científico ocidental, conclusão essa reforçada pela ideia de que a ciência ocidental moderna desenvolve um secularismo resultante da hibridização do cristianismo e do protestantismo.

5 O SECULARISMO E A FALTA DE UNIDADE DA CIÊNCIA

A tese do secularismo está associada à proposta de unidade da ciência do Círculo de Viena, devido à busca de critério de demarcação entre ciência e não ciência. Reforçouse também um posicionamento desencantado da ciência ocidental moderna, admitindo o homem como responsável pela melhoria das suas condições de vida e a ciência como instrumento central nesse processo.

Desse modo, o secularismo levou à rejeição de sistemas de conhecimento não ocidentais. Mas críticas posteriores de intelectuais do sul global explicitaram que, na verdade, o secularismo do norte global deriva da influência cristã e protestante, que secularizou práticas cristãs ao tornar individuais os compromissos e as práticas religiosas, ao desfazer a relação entre os compromissos religiosos e as cerimônias coletivas, bem como ao transferir as experiências religiosas ao âmbito privado.

Além disso, o secularismo híbrido da ciência ocidental provoca duas consequências políticas indesejáveis: o racismo e a violência colonial. Por exemplo, Sullivan (2010) afirma que questões relevantes para a filosofia da religião não são signifi cativas para populações negras que associaram a religião ocidental à supremacia branca, o que acaba por criar um clima hostil para essas populações não brancas (cf. p. 135). Quanto à violência colonial, Jakobsen e Pellegrini (2008) afirmam que os que resistem ao secularismo dominante (híbrido cristão e protestante) são vistos como ameaça à moralidade cristã, o que transforma os não resistentes em agentes reforçadores da proposta civilizatória ocidental. Nesse sentido, a falta de unidade da ciência pode ser reconhecida, inclusive, como benéfica à objetividade forte, já que implica, em termos políticos, a inclusão de diferentes grupos sociais, tais como os judeus, os homossexuais, os ciganos e os socialistas, grupos estes diretamente perseguidos ou mesmo gradualmente silenciados na Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria (cf. p. 118).

Ecos da discussão sobre a falta de unidade da ciência estiveram presentes na “guerra das ciências” no final da década de 1990. Nela os posicionamentos das feministas e dos pós-modernos foram considerados como encorajamento ao irracionalismo e desrespeitosos em relação ao benefício público obtido a partir da pesquisa científica, o que poderia levar à diminuição dos investimentos.

Na filosofia, Paul Feyerabend (1975) apresenta a primeira crítica antiautoritária na filosofia da ciência, paralelamente às considerações de Thomas Kuhn (1970) que reconhecem as várias linguagens e representações de mundo disponibilizadas pelas mudanças de paradigma. Porém, Harding considera com especial atenção a obra de Georg Reisch (2005), por sua elucidação das conexões políticas do argumento da unidade da ciência.

A concepção da unidade da ciência prevalescente nos anos de 1950 não era a pretendida pelo Círculo de Viena. Formado originalmente por participantes alinhados ao socialismo e por judeus, sua discussão sobre a unidade da ciência apresentava implicações políticas claras, que foram posteriormente esvaziadas, contribuindo para o estabelecimento da tese da ciência livre de valores (cf. p. 114). Disso resulta a aproximação da discussão sobre a falta de unidade da ciência e das críticas pós-coloniais à ciência (cf. p. 115), já que tais críticas admitem a multiplicidade política inclusive nos contextos de produção de conhecimento.

Por esses e outros motivos o caráter excepcional e triunfalista da postura secular ocidental precisa ser repensado, tendo em vista a promoção de uma filosofia da ciência com consequências intelectuais e políticas melhores, tal como prefigurado pelos defensores da falta de unidade da ciência. Desse modo, a falta de unidade da ciência alinha-se também aos objetivos democráticos do multiculturalismo.

QUESTÃO FINAL

O leitor encontra na obra Objectivity and diversity a defesa e a visibilidade de situações de gênero ricamente exemplificadas por pesquisas científicas, como no caso da situação do trabalho feminino frente às políticas de modernização; e também a defesa racional da objetividade forte, distanciando-se, assim, de um ativismo feminista passional. A obra é crítica e propositiva, dirigindo-se para uma nova concepção de ciência, o que requer, evidentemente, tanto o escrutínio dos pares (filósofos, cientistas sociais, sociólogos etc.) quanto dos cientistas que busquem aplicar em suas pesquisas a epistemologia e a metodologia do ponto de vista.

Cabe ressaltar que Harding pressupõe que a ciência e as sociedades se coproduzem-se e constituem-se mutuamente, fazendo com que a produção do conhecimento torne-se cada vez menos baseada em uma estrutura hierarquizada, afastando-se de pretensões universalistas nos seus resultados. Para atingir esse resultado é preciso adotar a nova lógica da pesquisa: a perspectiva do ponto de vista, pois nela o investigador e o investigado são colocados em condição de igualdade, apontando para graus de participação na pesquisa, que se volta aos valores e interesses dos grupos vulneráveis e localmente considerados.

Desse modo, a proposta de Harding apresenta-se como alternativa às pesquisas centradas na universalidade abstrata, que é imposta aos contextos investigados, tornando invisíveis o gênero, a raça e outros fatores socialmente relevantes. Ela requer pesquisas alternativas que considerem particularidades concretas e, assim, atribui função para populações vulneráveis na produção do conhecimento, integrando suas necessidades como relevantes ao método de investigação e promovendo uma ciência participativa a partir de baixo.

No entanto, mesmo as pesquisas que aplicam a epistemologia e a metodologia do ponto de vista, visibilizando grupos vulneráveis, dirigem-se à realização de objetivos tão particulares quanto as pesquisas com pressupostos androcêntricos. Assim, estaríamos diante da situação em que tanto uma quanto outra pesquisa são relevantes? E, nesse sentido, seria possível substituir a objetividade fraca pela forte, ou a objetividade forte, para ser identificada como tal, precisa estar sob o pano de fundo de sua adversária?

Tais perguntas apontam para um aspecto pouco explorado pela obra, a saber, o da diversidade da pesquisa que não é atingida por uma pesquisa em particular, mas por várias pesquisas científicas, por vezes imersas em compromissos epistêmicos, políticos e valorativos conflitantes entre si. Talvez a ideia que melhor expresse a proposta de Harding quanto à inclusão da diversidade seja, então, a de estratégia de pesquisa, defendida por Hugh Lacey (cf. 1999, 2005, 2008, 2010) e os desenvolvimentos do modelo da interação entre a atividade científi ca e os valores explicitados por Lacey e Mariconda (2014).

Tal como Lacey, Harding peleja diretamente contra a perspectiva da ciência “livre de valores”, defendendo o reconhecimento da influência dos valores na atividade científica; contudo a autora não explicita, como Lacey o faz, que tipo de valores (cognitivos e não cognitivos) influenciam e devem influenciar a pesquisa e em qual etapa da investigação tal influência é legítima para a produção de conhecimento científico confiável.

Reforce-se ainda a ideia de que a estratégia de pesquisa – na expressão de Lacey – identificada por Harding é a da diversidade, adotada a partir das teorias do ponto de vista. Desse modo, ela privilegia em sua proposta valores concernentes a populações histórica e politicamente vulneráveis, tais como as mulheres, os negros, as populações tradicionas, bem como as pertencentes ao sul global. Estas expressam, cada uma a sua maneira, valores e necessidades próprios, que apresentam dificuldades para serem todos incluídos em uma única pesquisa.

Portanto, a homogeneidade dos pesquisadores não seria nociva apenas ao reconhecimento da tendenciosidade a que tais pesquisas estão sujeitas, mas igualmente para o alcance de um conhecimento mais abrangente produzido a partir de várias pesquisas científicas engajadas na mesma estratégia que, para Harding, é a de sensibilização do pesquisador em relação à diversidade valorativa e política das populações vulneráveis.

Referências

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Débora Aymoré – Núcleo de Estudos da Cultura Técnica e Científica, Departamento de Filosofia. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. E-mail: deboraaymore@gmail.com

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[DR]

 

Philosophy of experimental Biology – WEBER (SS)

WEBER, Marcel. Philosophy of experimental Biology. Cambridge: University Press Cambridge, 2005. Resenha de: ESPOSITO, Maurizio. Marcel Weber y la filosofía de la biología experimental: la cultura material de las ciencias entre pasado y futuro. Scientiæ Studia, São Paulo, v.15, n. 2, p. 489-498, 2017.

En principio no era la palabra, sino la acción, sostenía el Fausto en la famosa obra de Goethe. No hay mejor referencia para introducir este nuevo enfoque que, a partir de los años 1980, caracteriza la historia y filosofía de las ciencias (cf. Knorr-Cetina, 1981; Pickering, 1992). Es decir, la idea que la actividad experimental no se sigue simplemente de la necesidad de poner a prueba hipótesis bien formuladas, sino tiene una vida autónoma e independiente de la especulación teórica. Hacer experimentos no significa solo acertar teorías, sino también aprender a contener errores en la intervención sobre artefactos y entidades naturales y, al mismo tiempo, generar protocolos aptos a producir y controlar nuevos fenómenos. Además, la introducción de nuevas tecnologías, nuevas técnicas experimentales y nuevas herramientas, hacen posible el desarrollo de nuevos conceptos, teorías e hipótesis. En este sentido, la actividad experimental toma una importancia primordial en la generación y modificación del conocimiento científico. Si la acción puede ser anterior a la palabra, a la teoría o al razonamiento formal, la reflexión filosófica sobre la actividad experimental debe desprenderse de muchos de los análisis clásicos en filosofía de la ciencia, los cuales se han concentrado en los aspectos lógicos o conceptuales de la empresa científica.

El libro de Weber se debe situar en esta tradición que, durante más de tres décadas, produce trabajos que analizan las relaciones entre manos y mentes, técnicas e ideas, materias y formas. El autor decide juntar dos temas raramente relacionados por los filósofos de la ciencia: el experimentalismo y la filosofía de la biología. Si la última, como sub-disciplina de la filosofía de la ciencia, ha sido ampliamente dominada por temas conceptuales (principalmente ligados a la teoría evolutiva), el autor extiende considerablemente su alcance. En lugar de enfocarse en discusiones sobre niveles de selección, leyes evolutivas, genes egoístas o cooperativos, el autor se mueve entre el análisis del descubrimiento del ciclo de Krebs a la teoría de la fosforilación oxidativa y otros casos relativos a la genética molecular, neurobiología y biología del desarrollo. El análisis detallado de casos específicos, sostiene Weber, consiste en explorar diferentes dimensiones pragmáticas de la formulación de conceptos y teorías y, al mismo tiempo, permite mostrar cómo enfocarse en la cultura experimental puede tener un impacto relevante sobre algunos temas tradicionales de la filosofía de la ciencia (desde el reduccionismo a la naturaleza de la explicación).

Ahora, más que una reseña crítica del libro, el presente texto tiene también otra ambición; al reflexionar sobre algunos temas que Weber introduce en el libro, se pretende presentar algunas tareas pendientes, que, en mi opinión, son importante para el desarrollo de una nueva filosofía de la cultura experimental. De hecho, para entender una ciencia como la biología, cada vez más dependiente de las tecnologías, y estrechamente relacionada con artefactos de laboratorio, es necesario revisar detenidamente muchos de los asuntos inherentes a la filosofía de la ciencia tradicional. Más allá de la crítica convencional, ahora rutinaria y en mi opinión largamente descarriada, del empirismo lógico y racionalismo crítico, se requiere una reflexión seria sobre qué significa generar y justificar conocimiento derivado directamente de la actividad experimental y el trabajo de Weber nos lleva en esta dirección. En general, podemos dividir el libro en dos partes. Una parte más tradicional y una parte que enfrenta temas que solo recientemente han generado un cierto interés en la comunidad de los filósofos de la ciencia. Por un tema de espacio e interés me concentraré principalmente en la segunda parte, aunque mencionaré brevemente, por razones de claridad, el contenido de la primera.

Weber empieza su discusión analizando algunos temas clásicos en filosofía de la ciencia: reduccionismo, la naturaleza de la explicación, y la relación entre teoría y evidencia. La discusión toma sus primeros cinco capítulos, los cuales mezclan descripciones de casos históricos en las ciencias biológicas con sofisticados análisis filosóficos. Me parece que hay por lo menos tres conclusiones muy relevantes que mencionar: primero que en las ciencias experimentales en biología, el enfoque reduccionista es preponderante. Sin embargo, el reduccionismo de los experimentalistas no tiene mucho que ver con la teoría nageliana de la reducción inter-teórica, sino con la aplicación de teorías y leyes físico-químicas a sistemas muy específicos y bien delimitados. La tarea del científico experimental no es, por lo tanto, reducir una teoría de nivel superior a una teoría de un nivel más básico, sino entender las relaciones causales en un sistema a través de un análisis manipulativo de sus elementos básicos (p. 49). Otra conclusión que me parece notable es la idea que la justificación de una hipótesis en el contexto de la biología experimental no toma la forma inductiva clásica de añadir evidencia relevante a través de modelos bayesianos (o no bayesianos), sino de controlar posibles errores adentro de un mismo sistema experimental, a saber, eliminar ambigüedades y posibles artefactos, así como reducir las explicaciones posibles respecto a un fenómeno dado (p. 122-3). Finalmente, la tercera conclusión que quiero señalar es la idea que no existe una lógica única para la generación de nuevas teorías en biología experimental. No hay un algoritmo racional que pueda guiar al investigador en la formulación de hipótesis fundamentadas, sino que cada disciplina provee sus propias reglas y sus propios procedimientos experimentales y conceptuales de validación. Esto, por supuesto, reduce las ambiciones racionalistas de ciertas filosofías, sin embargo, no excluye la posibilidad que haya racionalidades intrínsecas a cada disciplina que busquen obtener resultados rigurosamente probados. No hay racionalidad universal pero tampoco arbitrariedad general. La primera y segunda conclusiones me parecen originales y heurísticamente abiertas a nuevas discusiones. La tercera conclusión concuerda perfectamente con lo que han mostrado los historiadores de la ciencia en las últimas décadas.

A partir del capítulo 5 del libro, Weber introduce algunos de los temas principales del llamado “nuevo experimentalismo”. Aquí entramos en el terreno de los estudios más recientes en historia y filosofía de las ciencias. Aunque algunos lectores pueden encontrar ciertas dificultades para conectar la primera parte con la segunda, la idea general del autor, me parece, es que la nueva filosofía de la ciencia, más historicista y menos interesada a los procesos lógicos de justificación teórica, se pueda complementar con la visión anterior, más tradicional. En otras palabras, no hay una contradicción necesaria entre un enfoque analítico e historicista, sino una relación virtuosa. Los mayores interlocutores que Weber elige en su discusión son Ian Hacking, Robert Kohler y Hans-Jorg Rheinberger. La crítica que Weber instaura en contra de estos autores me parece muy instructiva y útil para entender algunos de las implicancias de una nueva filosofía experimental de las ciencias naturales. Es decir, el estatus de las entidades teóricas involucradas en la actividad experimental (Hacking), las metáforas empleadas para describir la misma actividad experimental y sus objetos de investigación (Kohler) y la contingencia, presumida o real, de los sistemas experimentales y, por lo tanto, de los conocimientos teóricos ligados a esos últimos (Rheinberger). Por un motivo de orden argumentativo, empezaré con Kohler y terminaré con Hacking, aun cuando este no sea el orden de Weber.

En su libro clásico, Lord of the fly, Drosophila genetics and the experimental life (1994), Kohler propone una interpretación sociológica de la actividad experimental en biología. Si hay un paradigma ideal de la biología experimental moderna, ese es el laboratorio de Thomas Hunt Morgan y su organismo modelo: la Drosophila. Kohler usa conceptos económicos y tecnológicos no solo para describir las acciones experimentales, sino para definir la misma Drosophila, la cual se ve como una herramienta ideal capaz de producir miles de secuencias genéticas. El “organismo-herramienta”, para cumplir su función de manera eficiente, es meticulosamente moldeado y producido a través de múltiples cruces. Ahora, precisamente porque la Drosophila de Morgan no se encuentra en su estado natural, sino que es un producto artificial de laboratorio (un artefacto), el organismo puede ser definido como una tecnología productiva de conocimiento. Sin embargo, Weber encuentra que las metáforas económicas y tecnológicas kohlerianas tienen límites importantes. Los organismos no se pueden ver o definir como herramientas porque, (a) no son construcciones propiamente humanas, sino el resultado de su intervención y, (b) a diferencia de un instrumento de medición, son ellos mismo los objetos de investigación (p. 170). Por lo tanto, las metáforas de Kohler no nos pueden iluminar realmente sobre el papel epistémico de los organismos experimentales. Mejor hablar, Weber sugiere, de “experimentación preparativa”; es decir, la preparación del material de investigación (lo cual puede incluir células, organismos, proteínas) y los conocimientos para manipular estos objetos (p. 174). En otras palabras, el conjunto de técnicas, entidades y herramientas, las cuales prevén un tiempo de aprendizaje y elaboración, se puede definir como “experimentación preparativa”. Estos recursos o acciones son la condición para que la investigación propiamente tal (producción de teorías y justificación de nuevas hipótesis) pueda desplegarse. En este sentido, la generación de Drosophilas aptas a exigencias experimentales específicas no se debe ver en términos de producción de herramientas de investigación, sino como un momento dentro de un proceso de “experimentación preparativa”.

Lo que encuentro problemático en la propuesta de Weber es, primero, su a-historicidad y, segundo, su definición muy estricta de “herramienta”, vista simplemente como un objeto inorgánico creado por los seres humanos con funciones muy específicas (sextantes, detectores de ondas gravitacionales, microscopios o computadores). Sin embargo, ¿Por qué no considerar que la Drosophila es, al mismo tiempo, un objeto y una herramienta de investigación? Es un objeto que, como organismo, conserva un cierto grado de autonomía. Pero también una herramienta, visto el alto grado de intervención humana que esta entidad contiene y su lugar estratégico y pragmático adentro de un sistema productivo de conocimiento. Esta no es simplemente una discusión escolástica sobre el estatus ontológico de un objeto de laboratorio. La discusión cruza un tema tremendamente relevante para la cultura experimental moderna; a saber, la relación co-productiva entre artefacto y objeto natural y, más en general, entre naturaleza y artificio. Si Abraham Trembley o Lazzaro Spallanzani hacían experimentos sobre organismos que no eran seleccionados previamente, los organismos modelos del siglo xx son entidades altamente intervenidas. Debido a lo anterior, pienso que las metáforas de Kohler son heurísticamente interesantes, dado que evidencian una novedad histórica sustancial. Es decir, el objeto de experimentación en el siglo xx es, él mismo, un artificio (o casi). De aquí se origina una tarea de investigación novedosa y relevante: ¿Cuál es y cómo cambia la frontera entre artefacto y hecho natural en el contexto del experimentalismo? ¿Cómo y en qué medida los científicos establecen y negocian estos límites? ¿En qué sentido un lugar extremadamente artificial como un laboratorio, puede producir hechos naturales? En relación a esto, creo que hay una pregunta filosófica más difícil y profunda: ¿Cómo podemos creer en la independencia de los hechos naturales cuando estos últimos solo emergen a partir del uso interactivo y continuado de herramientas artificiales? En suma, me parece que mientras la solución de Weber es una descripción a-histórica de la actividad experimental que no permite apreciar las novedades de las prácticas experimentales del siglo xx, la propuesta de Kohler abre una serie de preguntas relevantes sobre la unicidad del experimentalismo contemporáneo.

Muchas de estas preguntas atraviesan directamente el trabajo de Rheinberger sobre los sistemas experimentales del siglo xx. Sin embargo, el foco de interés de Rheinberger no es el famoso laboratorio de Morgan, sino el laboratorio de Paul Zamecnik al Massachusetts General Hospital en Boston (ver Toward a history of epistemic things de 1997). El análisis detenido de la investigación sobre la síntesis in vitro de las proteínas lleva a Rheinberger a considerar la distinción entre teoría y práctica como una abstracción innecesaria. En realidad, cuando observamos el trabajo de uno o más científicos en un laboratorio, la práctica y teoría se compenetran y confunden constantemente en un movimiento dialéctico constante. La actividad experimental no está necesariamente guiada por hipótesis formuladas de antemano, sino de un conjunto de ideas y acciones que, en interacción con las tecnologías disponibles, producen resultados inesperados. La investigación científica, en este sentido, no se ve simplemente como un conjunto de preguntas bien formuladas que un sistema experimental permitiría contestar. Investigar científicamente significa explorar un espacio abierto de manipulaciones posibles dentro de un sistema experimental dado. En otras palabras, resultados, ideas, y teorías están directamente relacionadas con las posibilidades abiertas por los sistemas experimentales. Estos últimos, por lo tanto, permiten el surgir de determinados conocimientos. Nuevas prácticas, nuevas tecnologías, herramientas e incluso nuevos organismos modelos, producen las condiciones históricas y cognitivas para que se puedan formular nuevas preguntas, representaciones y modelos. Una de las consecuencias poco digerible para muchos epistemólogos en búsqueda de fundamentaciones más sólidas, es la relación directa entre la contingencia de los sistemas experimentales y los conocimientos que derivan de aquellos. Si miramos o interactuamos con el mundo solo a través de un sistema experimental, lo cual es el producto de un conjunto de contingencias históricas ¿Cómo podemos saber que estamos interactuando con las mismas entidades al cambiar sistemas experimentales? Después de todo, se podría sostener que por cada sistema experimental haya diferentes entidades detectadas o producidas. Entonces ¿Cómo podemos salvaguardar la objetividad científica? Antes de explorar esta última pregunta, revisaré algunos otros problemas que Weber encuentra en la propuesta de Rheinberger.

Weber identifica 4 defectos generales: (1) el análisis de Rheinberger no nos permite entender cómo las controversias se cierran; (2) no nos indica en qué sentido podemos decir que un sistema experimental es un buen sistema (eficiente y fiable); (3) no especifica cómo se establece la existencia de las entidades teóricas y (4) y no aclara cómo se originan realmente los conceptos y teorías (p. 148). Para obviar estas dificultades, Weber propone integrar la propuesta de Rheinberger apelando a una discusión metodológica que revise las normas epistémicas que están detrás de muchas decisiones prácticas y conceptuales de los científicos. Sin embargo, el origen de las normas epistémicas – las cuales deberían guiar y establecer cuándo y cómo un sistema experimental sea fiable, cuándo y cómo un resultado sea válido y definitivo, y bajo cuáles criterios se puede atribuir existencia a una entidad teórica – no es algo que los filósofos puedan decidir de antemano (a priori), sino que requiere de un trabajo empírico parecido a la misma metodología científica. Es decir, en línea con una tradición filosófica consolidada que va desde Neurath y Quine hasta nuestros días, Weber propone naturalizar las normas epistémicas. La pregunta que surge a partir de la propuesta de Weber es si un trabajo de “naturalización” de las diversas normas epistémicas permitiría realmente solucionar los 4 problemas mencionados anteriormente. De hecho, creo que aquí surge una tensión relevante entre un enfoque (o ambición) historicista-descriptivo y un enfoque normativo-analítico (aunque con tendencias naturalistas). Una tensión que a mi parecer no encuentra una solución en el texto de Weber.

Ahora, para Rheinberger no existe ciencia sin lugar y el conjunto de elementos (históricos, materiales, sociales etc.) que constituyen este lugar están directamente conectados con el tipo de conocimiento que se produce. Esta perspectiva historicista tiene sus consecuencias: no hay leyes sobre el origen de las teorías científicas, así como no hay leyes sobre el origen de los estados-nación o sobre la producción de novelas biográficas. No hay manera de saber, de antemano, cómo una controversia se cierra, así como no hay reglas a priori que nos hubieran permitido saber, de antemano, si Federico el grande iba a ganar la batalla de Leuthen en contra del más poderoso ejército austriaco. No hay meta-reglas que nos puedan indicar, de manera inequívoca, cuando un sistema experimental es fiable o eficiente porque esto depende de las expectativas contextuales de lo que se debe entender con fiabilidad, eficiencia y precisión (el reloj marítimo H4 de John Harrison, alguna vez considerado muy eficiente y preciso, sería considerado poco fiable en los tiempos del GPS). No hay reglas generales para establecer, de manera incontrovertible, cuándo tenemos buenas razones para creer que una entidad teórica realmente existe, porque esto depende de las técnicas y tecnologías disponibles para detectar esas entidades. Empero, si los científicos no poseen meta-reglas incontrovertibles, sí poseen un conjunto de heurísticas falibles y revisables que los guíen en la producción de conocimiento fundamentado. Sin embargo, estas heurísticas, son históricamente determinadas y formuladas (explícita o implícitamente) para solucionar los desafíos experimentales contingentes, y considerados relevantes en un dado momento. Ahora, aunque no podamos formular meta-reglas generales, esto tampoco implica la convicción que todo vale, según una abusada máxima relativista. Los sistemas experimentales, así como los instrumentos tecnológicos, son “máquinas” tremendamente sofisticadas que nos permiten interactuar de manera muy exitosa con el mundo. Y estas “máquinas” funcionan solo en circunstancias dadas y según los objetivos (logrados en mayor o menor medida) de una determinada comunidad científica. No todo vale para construir un interferómetro, así como no todo vale para desarrollar las herramientas y capacidades para sintetizar proteínas en vitro. La contingencia histórica, entonces, no es ni sinónimo de irracionalidad ni de relativismo. La contingencia se debe relacionar al conjunto de circunstancias no necesarias (pero suficientes) que hacen posible la emergencia de determinados tipos de conocimientos. El trabajo filosófico e histórico consiste entonces en señalar cómo y cuándo estas circunstancias se generan y sus conexiones con las creencias y prácticas científicas de una época. Esta no es una novedad ni un límite de las propuestas historicistas. Es el punto central de la tradición francesa de la epistemología histórica así como varias de las versiones de sociologías del conocimiento, las cuales, en cierto sentido, tienen mucha afinidad con una perspectiva naturalista: es decir, observar cómo los seres humanos producen y justifican conocimiento (aunque, por supuesto, con un enfoque más cercano a las ciencias humanas que a las ciencias naturales).

Si los problemas o límites que Weber examina en la propuesta de Rheinberger son, en realidad, consecuencias de la misma epistemología histórica, el problema filosófico del realismo científico es de un orden diferente. Quiero abordar el problema a través de la pregunta anteriormente mencionada: ¿cómo salvaguardar la objetividad en la investigación científica? Después de todo, detrás de los sistemas experimentales, de las actividades prácticas y teóricas, detrás de las herramientas y de las creencias, detrás de las normas epistémicas hay algo que se resiste a nuestras solicitudes. Algo que emerge a través de nuestras pruebas y manipulaciones. En otras palabras, hay cosas. Objetos con características específicas (genes, moléculas, electrones etc.) que dejan huellas, señales, datos. Este es el tema que se relaciona directamente con la propuesta de Hacking. En los años 80, en un texto ahora clásico titulado Representar e intervenir (1983), Hacking observó que la cultura experimental tiene vida autónoma de la actividad teórica. Sin embargo, las entidades teóricas que los experimentalistas emplean adquieren realidad en virtud de su uso exitoso dentro de un sistema experimental: “si puedes rociar electrones, entonces ellos son reales” es el refrán condensado que expresa bien la idea de Hacking, quien defiende una postura anti-realista hacia las teorías, aunque se profese realista en relación a las entidades teóricas (como un electrón). La propuesta de Hacking ha sido ampliamente criticada y Weber se sitúa exitosamente en esta corriente escéptica. Como justamente él hace notar, si analizamos bien el argumento de Hacking, es difícil no llegar a la conclusión que el argumento experimentalista es una nueva versión del bien conocido argumento realista del “no-milagro”. Es decir, sería un milagro si teorías exitosas que proveen predicciones extremadamente precisas no tuvieron alguna correspondencia efectiva con la realidad. Entonces, reformulando el argumento de Hacking, se puede sostener que sería un milagro que, si podemos usar los electrones exitosamente en diferentes contextos experimentales, estos no existieran. Sin embargo, el argumento del no-milagro ha sido ampliamente rechazado, puesto que la historia de la ciencia está llena de ejemplos de teorías predictivas que han sido sucesivamente refutadas.

Hay, por supuesto, otros matices problemáticos del argumento de Hacking que no voy a mencionar detenidamente por razones de espacio. Weber, por ejemplo, nota que usar exitosamente los electrones en contextos experimentales requiere más manejo teórico de lo que Hacking estaría dispuesto a conceder. Pero, más allá de la lista de las fallas argumentativas del argumento hackiano, quiero llamar la atención sobre un punto que me parece muy importante para el experimentalismo en general, es decir, una filosofía de las ciencias experimentales es intrínsecamente realista y materialista, pero en un sentido muy específico. De hecho, la falla principal del argumento hackiano es pretender fundamentar el realismo científico respecto a las entidades manipuladas cuando, en realidad, el ejercicio experimental ya presupone la convicción que las entidades involucradas en nuestras intervenciones existan. Me parece que deducir una postura realista del experimentalismo es equivalente a la pretensión de inferir el principio de uniformidad de la naturaleza de la práctica inductiva. Así como la inducción presupone la creencia que la naturaleza es, en cierto sentido, uniforme, el experimentalismo supone la existencia de las entidades que se manejan, aunque se ignore los detalles de lo que se está manejando. Ni la inducción ni el experimentalismo pueden probar que hay un mundo externo uniforme y equivalente a nuestras descripciones. El ejercicio de la inducción y el experimento solo pueden justificar el asentimiento epistémico para creer que fumar produce cáncer al pulmón o que los electrones existen. En suma, para que haya manipulación en un sentido literal (manipulus del latín se puede entender como “lo que uno puede abarcar con la mano”) se debe presuponer la existencia de un objeto intervenido, aun cuando este objeto no esté exhaustivamente definido. Un experimentalista anti-realista, respecto a las entidades que manipula, se aproxima peligrosamente a un oxímoron. ¿Qué significa dudar de la existencia de las ondas electromagnéticas mientras estamos construyendo un interferómetro?

Volviendo al tema de la objetividad en relación a los sistemas experimentales, ¿Cómo podemos saber que estas entidades teóricas que manejamos tan exitosamente no son, en realidad, artefactos producidos por los mismos instrumentos de detección? La respuesta es que nunca podemos estar seguros. Sin embargo, una de las características principales de los sistemas experimentales es de poseer protocolos o estrategias aptas a contener errores y detectar, en la medida de lo posible, artefactos. No hay nada de mejor y, probablemente, nuestra inquietud a buscar una mejor fundamentación se debe a una excesiva expectativa filosófica. Pienso que si nos deshacemos de la idea inconsistente de epistemología sin sujeto y, al mismo tiempo, si eliminamos de nuestro vocabulario filosófico nociones teológicas como la de “Verdad”, podemos aceptar la idea que los resultados experimentales son consecuencia de acciones y decisiones que responden, antes de todo, a criterios de funcionalidad y eficiencia. De hecho, la ventaja que nos ofrece una filosofía de la ciencia experimental es la posibilidad de pensar en un realismo de tipo pragmático que evita fácilmente lo que Sellars llamaba el mito de lo dado y, al mismo tiempo, prescinde de la obsesión filosófica tradicional según la cual la actitud científica principal es representar, de manera real o aproximada, un mundo independiente. Una filosofía atenta a las actividades experimentales puede mostrar que conocer “científicamente” no significa simplemente representar un mundo autónomo de nuestras actividades cognitivas, sino transformar o producir el objeto bajo investigación y, por lo tanto, dominarlo y sujetarlo. Conocer experimentalmente significa teorizar a través de la práctica y actuar a través de la especulación. Entonces, una filosofía que observe detenidamente los movimientos de un técnico en su laboratorio puede mostrar que la epistemología no es simplemente una disciplina que justifica determinadas creencias o actos cognitivos, sino un conjunto de reflexiones filosóficas que pertenecen a la historia de la labor humana; al ensamble de interacciones, esfuerzos y trabajos que han llevado a la domesticación progresiva de largas porciones del mundo natural. Como observaba Bacon, la ciencia no pertenece ni a las hormigas ni a las arañas (empiristas y racionalistas), sino a las abejas, las cuales transforman y destilan los materiales que recogen de las flores. Conocer, para Bacon, así como para los experimentalistas, implica un momento esencial de transformación material del mundo. En consecuencia, el anti-realismo no es algo que pueda inquietar mucho a los experimentalistas. Esto es un tema que solo puede agitar a los filósofos que piensan que el papel único de la ciencia es entregar representaciones “verdaderas” de la realidad. Los experimentalistas son realistas por defecto.

Entonces, a través de un análisis detenido de lo que significa conocer manipulando, podemos desarrollar una epistemología que al mismo tiempo sea realista, materialista, instrumental, falibilista y sensible a los contextos de producción de conocimiento. Conocemos el mundo a través de nuestras manipulaciones e intervenciones, potenciadas con herramientas tecnológicas relacionadas con nuestros intereses y objetivos contingentes. Por supuesto, no podemos excluir del todo que nuestras actividades experimentales produzcan artefactos. Sin embargo, podemos reducir el grado de escepticismo a través de múltiples ciclos experimentales que involucran sistemas experimentales distintos, como Weber mismo reconoce. En suma, el libro de Weber, como uno de los pocos trabajos que recientemente han tomado en serio la actividad experimental, abre la reflexión a una serie de preguntas filosóficas y epistemológicas muy relevantes que se enfocan sobre la conexión entre hacer y conocer, y no entre conjeturar y refutar.

Referências

HACKING, I. Representing and intervening. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.

KNORR-CETINA, K. The manufacture of knowledge. New York: Pergamon, 1981.

KOHLER, R. The lord of the fly, Drosophila genetics and the experimental life. Chicago: Chicago University Press, 1994.

PICKERING A. (Ed.). Science as practice and culture. Chicago: Chicago University Press, 1992.

RHEINBERGER H. Toward a history of epistemic things. Stanford: Stanford University Press, 1977.

WEBER, M. Philosophy of experimental Biology. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.

Maurizio Esposito – Departamento de Filosofía, Universidad de Santiago de Chile. E-mail: maurizio.esposito@usach.cl

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[DR]

Produção de conhecimentos, difusão e ensino na (e da) História da Educação / Cadernos de História da Educação / 2017

Sob a designação geral “Produção de conhecimentos, difusão e ensino na (e da) História da Educação”, este dossiê tem o propósito de compreender processos de produção e de ensino do conhecimento histórico-educacional mediante o exame de casos específicos, do recurso a fontes e métodos diversos, bem como da experiência do ensino.

Os seis artigos reunidos retomam e analisam, entre outros aspectos, em especial, a utilização da legislação e dos manuais de ensino situando a discussão a partir de estudos desenvolvidos acerca de situações determinadas como a educação no Maranhão na Primeira República e a elaboração de manuais escolares e os sentidos por eles assumidos no campo educacional, em São Paulo, no período entre as décadas de 1940 e 1950. Características dos processos de autoria e legitimação dos manuais são objeto de atenção.

Também se confere lugar de destaque para as potencialidades da legislação (e de diversas outras fontes) no confronto entre as proposições oficiais e a concretização de práticas na vida escolar, a partir da análise da situação do ensino de História da Educação em Minas Gerais constatando o baixo nível de correspondência entre prescrições e realizações no ensino.

Questões ligadas à produção do conhecimento histórico educacional e suas configurações em países (como Portugal, França e Espanha), cujas relações com o Brasil têm sido marcantes, são o ponto de partida para a discussão sobre o trânsito de modos de interpretação, escolhas teóricas e recurso a fontes que predominaram entre nós desde a década de 1970.

Os textos em seu conjunto evidenciam a preocupação com as possibilidades de concorrer para a história do ensino, da produção de conhecimentos, das escolas e da profissão docente. As potencialidades e limites dos diferentes materiais são problematizados em cada um dos trabalhos bem como o são as questões relativas às experiências de identificação, sistematização, disponibilização e ensino.

Desse modo, é possível afirmar que os artigos reunidos nesse dossiê se caracterizam de forma convergente ao se ancorar, cada um deles, em uma investigação específica de objeto e periodização autônomos e realizar, simultaneamente, incursões metodológicas que explicitam e debatem o potencial de fontes e métodos exemplificando marcas teóricas e enquadramentos diversos que mostram modalidades de construção de interpretações em História da Educação.

O artigo que abre o dossiê, intitula-se “A escrita da História da Educação: distâncias e proximidades na apropriação de fontes e métodos no caso das produções de Portugal, França, Espanha e Brasil”. Ele foi redigido por Denice Barbara Catani, da Universidade de São Paulo, como uma retomada de alguns resultados obtidos em investigação realizada sobre a produção de conhecimentos na área dos estudos educacionais e, em especial, sobre a produção dos estudos da História da Educação no Brasil. Para tanto, a autora recorreu à pesquisa dos processos que permitiram a construção e renovação de matrizes interpretativas a partir do exame da produção da área em países que sabidamente estabeleceram, nas últimas décadas, importantes relações acadêmicas com o nosso país, isto é França, Espanha e Portugal. Indicam-se, assim, as relações entre as transformações da escrita histórico educacional no Brasil e nos países citados atentando especialmente para as apropriações decorrentes de intercâmbios, deslocamentos e viagens dos conhecimentos em perspectiva comparada.

Em seguida, Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, da Universidade Federal de Sergipe, no texto intitulado “Fontes para a difusão da didática moderna no ensino da Língua Portuguesa: os manuais do Ensino Ginasial e a autoria docente nas décadas de 1940 e 1950”, relatou resultados de investigação que mobilizou como fontes prioritárias os manuais de língua portuguesa para as séries ginasiais, editados nas décadas de 1940 e 1950, de autoria de professores paulistas, que pregava o aprendizado da gramática a partir de textos literários. A coleção “Páginas Floridas”, de Francisco Silveira Bueno, editada pela Livraria Acadêmica, Saraiva e Cia e a “Coleção Didática do Brasil – Série Ginasial- Português”, assinada por Aída Costa foram selecionadas como exemplares representativos de compreensão da circulação de novos padrões didáticos por professores-autores que ocuparam posições relevantes no campo educacional paulista e mobilizaram diferentes estratégias. A pretensão do estudo foi contribuir com a História da Profissão Docente, e com a História das Disciplinas Escolares ao desvendar a trajetória dos referidos autores, que difundiram o ensino de português e literatura, a partir de coleções, que tiveram circulação nacional.

Cesar Augusto Castro, da Universidade Federal do Maranhão, redigiu o artigo intitulado “A legislação como fonte para a História da Instrução Primária maranhense”, no qual defendeu que a legislação educacional é uma importante ferramenta de investigação do campo da História da Educação por possibilitar uma ampla e fértil compreensão do movimento educativo em determinado tempo e lugar. O autor buscou entender o uso dessa fonte como recurso para a pesquisa sobre a instrução primária maranhense nas últimas décadas do período imperial e no início do período republicano, por meio da discussão dos processos econômicos, políticos, sociais que contribuíram para a criação e expansão das instituições escolares e as várias reformas educativas que objetivaram o desenvolvimento do Maranhão por meio da instrução.

Em seguida, Joaquim Pintassilgo e Carlos Beato, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, redigiram o artigo que intitularam “Balanço da produção recente no campo da História das Disciplinas Escolares: o exemplo das teses de doutoramento (Portugal, 2005-2015)”, no qual realizaram um balanço da produção portuguesa recente em História da Educação, tomando como exemplo as teses de doutoramento passíveis de inserção no campo específico da História das Disciplinas Escolares, para o que, selecionaram o período delimitado pelos anos de 2005 e 2015. Afirmam que a História das Disciplinas Escolares é um campo consolidado no interior da investigação histórico-educativa que possui uma fundamentação teórica sólida, um conjunto diversificado de fontes e uma certa tradição de pesquisa, no que se refere aos procedimentos metodológicos e aos fundamentos teóricos e conceituais. Em um campo que atingiu uma certa estabilidade, e que podia correr algum risco de estagnação, os autores procuraram identificar os desafios que lhe estão a ser lançados, as abordagens que procuram renovar e as tendências que se abrem à investigação futura, assumindo a especificidade, mas, também, a exemplaridade de que se reveste este campo particular no conjunto da pesquisa em História da Educação.

Em “O Ensino de História da Educação no Brasil: fontes e métodos de pesquisa”, Décio Gatti Júnior, da Universidade Federal de Uberlândia, apresenta os avanços na pesquisa sobre o ensino de História da Educação em Minas Gerais, particularmente, com a apresentação de aspectos de uma trajetória coletiva e pessoal de busca de entendimento do “pré-curso” e dos percursos da disciplina História da Educação no Brasil, particularmente, em Minas Gerais, mas, também, como poderá ser percebido no texto do artigo, em São Paulo. No texto abordam-se os aspectos biográficos da entrada do pesquisador nesta temática da História Disciplinar da História da Educação. Depois, apresenta-se uma breve reflexão teórico-metodológica e, por fim, há uma exposição sucinta dos resultados alcançados em investigações sob os cuidados do autor, diretamente, a partir dos projetos de pesquisa que têm desenvolvido e, indiretamente, especialmente nas orientações de iniciação científica, de mestrado e de doutorado que foram levadas a cabo nos últimos anos.

O dossiê termina com o texto intitulado “O exercicio docente universitario na materia ‘Historia da educación’ ”, escrito por Antón Costa Rico, da Universidade de Santiago de Compostela, com abordagem direta da questão do ensino da disciplina História da Educação. Parte de uma pergunta central: — Com qual História da Educação formar o nosso aluno universitário na atualidade? Para o autor, a resposta envolve a formação de um habitus histórico-educativo e os cenários específicos de formação pedagógica.

Denice Barbara Catani – Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp). Professora Titular Aposentada da Feusp. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq (Nível 1B). E-mail: dbcat@usp.br

Décio Gatti Júnior – Doutor em Educação: História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com estágio de pós-doutorado concluído na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Professor Titular de História da Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq (Nível 1C). Beneficiário do Programa Pesquisador Mineiro da Fapemig. E-mail: degatti@ufu.br


CATANI, Denice Barbara; GATTI JÚNIOR, Décio. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 16, n.1, jan. / abr., 2017. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Revista de Economia Política e História Econômica. São Paulo, n.37, jan. 2017.

  • O Estado na crise estrutural do Capital
  • Ivan Lucon Jacob
  • Adilson Marques Gennari
  • Racionalidade e Economia Solidária: apontamentos teóricos e metodológicos
  • Henrique Pavan Beiro de Souza
  • O círculo vicioso da pobreza sob a perspectiva do trabalho infanto-juvenil: análise e aplicação de um modelo próbit para o Brasil
  • Janete Leige Lopes
  • Luciana Aparecida Bastos
  • Rodrigo Monteiro da Silva
  • Ely Mitie Massuda
  • Indicadores econômicos de Alfenas durante a Primeira República
  • Alisson Eugênio
  • A intencionalidade da industrialização do Primeiro Governo Vargas: uma evidência por meio do equilíbrio de Nash perfeito em subjogos
  • Diogo Del Fiori
  • O desenvolvimento endógeno a partir da operacionalização do PAA e do PNAE: o caso do município de Itapecuru Mirim – Maranhão
  • Lenardo Maciel de Carvalho
  • Cesar Augustus Labre Lemos de Freitas
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  • Glauber Lopes Xavier
  • Bancos públicos e desenvolvimento econômico: a experiência de Brasil e Coréia do Sul
  • José Carlos Martines Beliero Junior
  • Bernardo Schimmer Muratt
  • A diplomacia econômica brasileira e as relações interamericanas no imediato pós-guerra: ocaso do panamericanismo
  • Danilo José Dálio
  • Política econômica social-democrata e a Agenda 2010 na Alemanha, 1998- 2005
  • Tallyta Gusmão
  • Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli

RESENHA: FAPEAL: Alagoas Comtemporânea; Economia e Políticas Públicas em Perspectiva. Maceió, 2014.

LaborHistórico. Rio de Janeiro, v.3, n. 2, 2017.

Galego e Português Brasileiro: história, variação e mudança

Nota Editorial

Apresentação

  • Xoán Carlos Lagares, Leonardo Lennertz Marcotulio
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Artigos – Dossiê Temático

Artigos – Varia

LaborHistórico. Rio de Janeiro, v.3, n. 1, 2017.

Lingüística Galega. A contribución do Instituto da Lingua Galega

Nota Editorial

Limiar

  • Henrique Monteagudo, Rosario Álvarez
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Artigos – Dossiê Temático

Golpes e formas de resistências na Antiguidade / Hélade / 2017

Golpes de estado: a perspectiva da história e a história em perspectiva

No famoso lógos epitáphios de Péricles, entusiasticamente codificado por Tucídides, há um amálgama de elogio aos mortos e celebração da democracia. Na verdade, uma relação de intensa solidariedade ampara essa dupla disposição: nos discursos que fez a respeito de si, a pólis dos atenienses justificava reconhecer o valor dos mortos por ser democrática, e só era democrática por ter cidadãos tão valorosos como aqueles que primeiro tombaram na Guerra do Peloponeso. Em certo sentido, vigorava a certeza de que a cidade deveria ser objeto do cuidado coletivo. Foi para expressar esse cuidado que, no inverno de 431 a.C., Péricles foi convidado a falar e avançou em direção a uma plataforma alta, assim construída para que a multidão pudesse ouvi-lo. Dentre outras coisas, afirmou:

Temos uma forma de governo que em nada se sente inferior às leis dos nossos vizinhos, mas que, pelo contrário, é digna de ser imitada por eles. E chama-se democracia, não só porque é gerida segundo os interesses não de poucos, mas da maioria, e também porque, segundo as leis, no que respeita a disputas individuais, todos os cidadãos são iguais” (TUCÍDIDES, História da Guerra do Peloponeso, II, 37).

Afora a miríade de possíveis distinções entre a democracia ateniense e as democracias modernas, há algo de fundamental – posto que fundante – que precisa ser observado com rigor: se o que caracteriza os governos democráticos é o caráter coletivo das decisões, o respeito à soberania das decisões coletivas deve ser assegurado de modo intransigente. Fora isso, qualquer ruptura, quando conduzida por um pequeno grupo à revelia da maioria, denuncia uma forma de traição ao princípio vigente. A esse movimento de ruptura, instaurado de forma violenta ou não, por grupos que já detém parte do poder e que dele se utilizam para ampliá-lo, dá-se comumente o nome de Golpe.

A ideia de golpe passou a ser amplamente discutida no Brasil, dentro das muralhas das universidades e fora delas, a partir dos primeiros movimentos que conduziram à deposição de Dilma Rousseff. A presidenta, reeleita em 2014 pelo Partido dos Trabalhadores, foi afastada de seu cargo em 12 de maio de 2016 devido à instauração de um processo de impeachment. Seu mandato foi definitivamente cassado em 31 de agosto de 2016. A justificativa jurídicopolítica para o processo foram as chamadas “pedaladas fiscais”. Diversas dúvidas, contudo, sobrepairam o processo por improbidade administrativa, inclusive em função de uma perícia realizada pelo Senado Federal e entregue à comissão do impeachment em 27 de junho de 2016, posto que o documento isentava a então presidenta afastada de participação nas “pedaladas fiscais”.

Mas não apenas as dúvidas acerca das questões fiscais entram na equação. A despeito das possíveis divergências técnicas que estariam na base do processo, as flagrantes questões políticas envolvidas no impeachment reforçaram em muitos a convicção de que vivemos um golpe de Estado. As tensões estavam há tempos colocadas, mas o estopim do fato político foi claramente motivado pela forma com que o partido de Dilma Rousseff se posicionou a respeito da investigação, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, em um processo por quebra de decoro parlamentar movido contra Eduardo Cunha (PMDB), então presidente da Câmara. Essa história foi corroborada pelo atual presidente em exercício, Michel Temer, em entrevista à TV Bandeirantes em maio deste ano: segundo ele, “se o PT tivesse votado nele naquela comissão de ética, é muito provável que a senhora presidente continuasse”.

Mas se o processo foi alavancado por Eduardo Cunha, a participação ativa do então vice-presidente e de seu partido reforça a hipótese de golpe. Em dezembro de 2015, torna-se pública uma missiva que Michel Temer teria enviado à presidenta Dilma Rousseff fazendo críticas à forma com que era supostamente deslocado das decisões do governo, autoproclamando-se “vice decorativo”. Adiante, também veio a público, na tarde de 11 de abril de 2016, um áudio em que o presidente ensaiava um discurso de posse. Temer alegou que, assim como a carta, se tratava de uma questão privada que se tornou conhecida a despeito de sua vontade; outrossim, e apesar da veracidade ou não dessa afirmação, o conteúdo é bastante sugestivo e indica o desejo do então vice-presidente de ver-se como chefe do Executivo. Esse princípio de publicidade acidental não se aplica, contudo, ao projeto Uma Ponte para o Futuro [2], lançado pelo partido do então vice-presidente da República em 29 de outubro de 2015. Após fazer um diagnóstico da crise econômica e uma série de críticas à condução de um governo do qual faziam parte de modo formal e efetivo, o programa do PMDB convida a nação [sic] para participar desse projeto formulado no interior do partido e que não contava com o aval das urnas:

Faremos esse programa em nome da paz, da harmonia e da esperança, que ainda resta entre nós. Obedecendo as instituições do Estado democrático, seguindo estritamente as leis e resguardando a ordem, sem a qual o progresso é impossível. O país precisa de todos os brasileiros. Nossa promessa é reconstituir um estado moderno, próspero, democrático e justo. Convidamos a nação a integrar-se a esse sonho de unidade (UMA PONTE PARA O FUTURO, 2015, p. 19)

Poderíamos também recordar a sessão deliberativa da Câmara dos Deputados do dia 17 de abril de 2016, onde os parlamentares presentes se dirigiam ao microfone para declarar o voto favorável ou contrário ao impeachment. Presidida pelo próprio Eduardo Cunha, que já era réu em um processo que veio a culminar com sua prisão, as declarações de voto raramente colocavam em questão o mérito do processo.

A todas essas questões, poderiam ser adidas outras tantas que, desde então, vem tornando a ideia de golpe francamente presente em nosso cotidiano político, além de despertar o interesse intelectual de muitos que investigam esse e outros processos de ruptura, de tentativa de ruptura e de formas de resistência a ações que parecem contradizer, em prol dos interesses de poucos, o poder decisório da maioria. Os debates sobre a deposição de Dilma Rousseff continuarão por longos anos e serão objeto de acurada investigação por parte da historiografia. Em alguma medida, a historiografia não apenas tornará esses fatos objeto de rigorosa análise, mas também buscará entender esse momento sui generis da História do Brasil, seus efeitos já visíveis e tudo aquilo que ainda iremos experimentar ao longo dos anos. Vivemos uma inconteste crise política que revela o quanto a democracia é frágil e exige nossa atenta observação.

É precisamente por isso que a Hélade publica nessa edição o dossiê Golpes e formas de resistência na Antiguidade. Os artigos dialogam com o tema e mostram o quanto a experiência dos povos antigos é um locus importante não apenas para a reflexão a respeito de nossos conflitos contemporâneos, mas também como espaço em que podemos contrapor experiências e identificar questões que nos escapam na ausência de medidas de comparação. A quantidade significativa de artigos submetidos, encaminhados e aprovados pelos pareceristas ad hoc sinalizam o quanto os historiadores da Antiguidade estão sensíveis ao problema e mobilizados para torná-lo, no marco de nosso livre exercício de reflexão, uma questão a ser analisada por força das demandas do presente da vida social.

Notas

2. Disponível em http: / / pmdb.org.br / wp-content / uploads / 2015 / 10 / RELEASE-TEMER_A4- 28.10.15-Online.pdf. Acesso em 02 de agosto de 2017.

Alexandre Santos de Morae– Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História (PPGH) da Universidade Federal Fluminense. Membro do Núcleo de Estudos de Representações e de Imagens da Antiguidade (NEREIDA / UFF) e colaborador do Laboratório de História Antiga (LHIA / UFRJ).


MORAES, Alexandre Santos de. Editorial. Hélade. Rio de Janeiro, v.,3, n.1, 2017. Acessar publicação original [DR]

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As crenças e suas articulações com a política e a sociedade / Revista Brasileira de História das Religiões / 2017

Caro (a) leitor (a)!

“As crenças e suas articulações com a política e a sociedade” é tema da edição inaugural da Revista Brasileira de História das Religiões em 2017. Será possível desconsiderar a articulação entre estes três conceitos, sem que isto se apresente de forma danosa à história escrita e a história vivida?

Os artigos que compõe este número nos apontam alguns caminhos para iniciarmos esta reflexão! Renata A. Siuda-Ambroziak, em “Religião e liderança política no Brasil na virada do século XIX e XX – o caso do Padre Cícero”, nos apresenta um exemplo do político notável e de um santo popular, com o lugar de sua atividade religiosa e política transformado há muito tempo em destino de peregrinações e santuário popular importante.

O segundo artigo, escrito por Nadia Maria Guariza, “Modelos para leigas e religiosas: os livros do padre Júlio Maria De Lombaerde (1878-1944)”, artigo analisa alguns livros do padre Júlio Maria De Lombaerde, missionário belga que veio ao Brasil em 1902 e desenvolveu parte dos seus trabalhos na cidade de Manhumirim (MG), até a sua morte em 1944.

Anaxsuell Fernando Silva, em “Da teologia da Libertação à libertação da teologia: a biografia de um intelectual protestante”, discute o percurso intelectual de Rubem Alves no que tange à sua singularidade – de teólogo da libertação a cronista do cotidiano e escritor de contosinfantis.

“Entre o sacerdócio e a pesquisa histórica: a trajetória de Padre Luiz Sponchiado na Quarta Colônia de imigração italiana-RS” de autoria de Juliana Maria Manfio e Vitor Otávio Fernandes Biasoli, objetiva compreender como Padre Luiz Sponchiado atuou e articulou suas ações nos campos político e cultural em prol da construção de uma “identidade italiana na Quarta Colônia”.

Ana Rosa Cloclet da Silva e Marcelo Leandro de Campos, no artigo “Entre contextos e discursos: a biografia de Samael Aun Weor e o gnosticismo colombiano” examinam alguns episódios da trajetória do esoterista colombiano Samael Aun Weor como estudo de caso, relacionando o caráter apocalíptico e radical de sua doutrina espiritualista com o quadro de violência política e desesperança produzidos pelos anos de guerra civil na Colômbia na metade do século XX e seus impactos no campo espiritualista, a nível de representações e imaginário.

O sexto artigo, “O Caboclo Eduardo e a Festa do 7 de Janeiro em Itaparica, Bahia” de Milton Moura busca reconstituir o perfil histórico do Caboclo Eduardo, fundador do grupo Os Guaranys, que desde 1939 vem participando da Festa de Independência de Itaparica, na Baía de Todos os Santos, aí desempenhando um papel singular.

Em “A estatuária funerária no Brasil: um olhar indagador sobre as imagens de Jesus Cristo nos cemitérios brasileiros”, Maria Elizia Borges e Maristela Carneiro analisam as representações artísticas de Jesus Cristo encontradas em um conjunto de cemitérios de cidades brasileiras de pequeno e médio porte, discutindo seu papel como uma iconografia devocional.

Joana Bahia e Caroline Vieira, por meio do artigo “Performances artísticas e circularidades das simbologias afro religiosas” pensam as performances artísticas ligadas à música e à dança como manifestações culturais capazes de irradiar símbolos dos cultos afro-brasileiros, evidenciando como sua circularidade nos permite compreender esse espaço e tempo de trocas de experiências sobre negritude.

A penúltima contribuição, “Abençoada cura: poéticas da voz e saberes de benzedeira” de Lidiane Alves da Cunha e Luiz Carvalho Assunção adentra no aspecto mágico / religioso dos saberes das benzedeiras e o papel da palavra enquanto elemento de cura, que se faz presente e se performatiza nas palavras das benzedeiras, que não podem ser ensinadas à esmo sob pena de perder sua “força”.

Por fim, “A busca espiritual de viajantes à Índia: filosofia e prática de um estilo de vida” de Cecilia dos Guimarães Bastos ao pesquisar um tipo de peregrino que viaja à Índia, apresenta suas vivências segundo a noção de projeto, uma tentativa consciente de dar sentido à experiência e que é elaborada com base na memória como visão retrospectiva e organizada de uma trajetória e biografia.

Contamos, ainda, com a resenha de duas obras. Santo de cemitério: a devoção ao Menino da Tábua (1978-1994), feita por Carolina Cleópatra da Silva Imediato; e História, ciência e medicina no Brasil e América Latina (séculos XIX e XX), realizada por Mateus Tatsch de Mello.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Vanda Serafim

Editora RBHR


SERAFIM, Vanda. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.9, n.27, jan. / abril, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História Social do Trabalho na Amazônia / Manduarisawa / 2017

História Social do Trabalho na Amazônia / Manduarisawa / 2017

A Manduarisawa – Revista Discente do Curso de História da Universidade Federal do Amazonas tem por objetivo ser um periódico anual, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal do Amazonas (PPGH / UFAM), que conta com a participação, no seu corpo editorial, dos alunos da graduação do Curso de Licenciatura Plena em História (UFAM) e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (PPGH / UFAM).

A Manduarisawa nasceu da inquietação de jovens acadêmicos que almejavam contribuir e incentivar a produção do conhecimento científico na Amazônia. Dessa forma, desejamos que a Revista Discente seja um canal de divulgação das pesquisas acadêmicas e um meio no qual possibilita a troca de experiências e saberes. Esperamos que o periódico possa também colaborar de forma significativa para o desenvolvimento intelectual de cada autor (a), parecerista e leitor (a). E por fim, que esse seja um espaço de debate, crítica e reflexão sobre a nossa pratica de pesquisa e escrita no campo da História.

Nesse seu primeiro volume, o corpo editorial decidiu estimular o debate sobre a História Social do Trabalho na Amazônia, por isso, lança-se com onze artigos, dividindo-se entre: Dossiê temático, Artigos Livres, Resenhas e Pesquisa em Experiência em Docência.

Considerando a constante necessidade de discutir as experiências e práticas sociais que englobam as categorias do trabalho na região amazônica, este dossiê visa fomentar o debate do campo da História do Trabalho que tem articulado discussões bastante amplas e diversificadas, como os estudos de gênero, etnicidade, relações e interações entre trabalho livre e escravo, pós-abolição, identidade e migrações. Revisita também temas clássicos, como as múltiplas relações que se estabelecem entre os trabalhadores e suas organizações representativas; entre eles e o patronato, assim também como com o Estado. No interior destes Mundos do Trabalho, para usar a feliz e rica expressão consagrada por Eric Hobsbawm, os temas são os mais variados, indo desde a discussão de paradigmas interpretativos e debate historiográfico em torno da temática, até a análise das relações entre categorias distintas de trabalhadores, passando pelo tenso diálogo estabelecido pelas associações operárias com as mais diversas organizações da sociedade e instituições do Estado; pelos conflitos trabalhistas; as relações e distinções entre campo e cidade e entre trabalhadores urbanos e rurais, os mecanismos de controle e resistência, o trabalho feminino e infantil, etc.

Iniciamos o Dossiê “História Social do Trabalho na Amazônia” com o artigo “Novas incursões da Pesquisa Histórica: o uso do processo judicial trabalhista como fonte”, de Francisca Deusa Costa, que discute o uso do processo judicial trabalhista como fonte histórica na Amazônia, apresentando um estudo de caso com base numa reclamatória em Itacoatiara no ano de 1974. A autora também apresenta quadro atual do acervo do Centro de Memória da Justiça do Trabalho da 11ª Região – CEMEJ11, disponível para consulta e pesquisa.

Em “Imigração, propaganda e legislação: a marginalização do trabalhador nacional nos programas de colonização no Pará (1880 – 1900)”, os autores Francisnaldo Sousa dos Santos e Francivaldo Alves Nunes abordam sobre a imigração ao analisar a todo o favorecimento dado pelas iniciativas estatais no Pará aos trabalhadores estrangeiros em detrimento dos trabalhadores nacionais quanto aos programas de colonização onde esses agentes públicos buscavam por meio da criação de núcleos coloniais e o consequente povoamento desses espaços agrícolas fomentar a produção agrícola nas áreas próximas à capital Belém.

No artigo “Operariado feminino: uma conjuntura plural em uma capital da Amazônia (Belém, 1930–1935)”, de José Ivanilson Rodrigues e Lais Luane Veras, discute-se as questões de gênero, operariado feminino e associativismo na capital paraense. Os autores se empenharam em demonstrar os espaços diversos de atuação das operárias: fabricas, serviços autônomos, oficinas, companheiras de labuta, entre outros, além de aspectos cotidianos, como: os salários auferidos, a aflição do desemprego, o compartilhamento do oficio entre operários e operárias no trabalho autônomo, a busca por recolocação mercado de trabalho, inclusive suscitando a migração entre ofícios.

Luciano Everton Teles em “Acerca do Jornal Confederação do Trabalho: Mundos do Trabalho, Elite Extrativista / Comercial e “Bloco de interesses do Trabalho” – Amazonas 1909 / 1910” analisa o movimento operário e os interesses de segmentos da elite local em produzir uma fala direcionada ao operariado cujo conteúdo continha uma proposta política de formação de um “bloco de interesses do trabalho”, explicitando o contexto social e político que contribuíram para esse processo.

“Entre restos: memórias e história de mulheres garis em Manaus (1985-2015)”, de Ramily Frota Panjota, busca investigar, através de fontes orais, as histórias e memórias das mulheres que trabalham como garis na cidade de Manaus, refletindo acerca da constituição das relações sociais na cidade através das questões de gênero e trabalho no interstício de 1985 a 2015.

Fechando o Dossiê Temático, Richard Kennedy Candido em “Primeiro de maio em tempos de repressão: o “Grande Dia” do operariado mundial na ditadura civil-militar brasileira através do Jornal do Comércio do Amazonas (1964-1968)” expõe como as celebrações do Primeiro de Maio foram realizadas em Manaus nos anos de 1964-1968 dentro do período da ditadura civil-militar brasileira. Utiliza como fonte o Jornal do Comércio para mostrar toda a amplitude da maior data do operariado mundial na cidade.

Os autores Daniel Rodrigues Palheta e Alexandre da S. Santos abrem a sessão Artigos Livres com o trabalho “As motivações econômicas do Estado Português que levaram à diáspora de populações africanas para Amazônia, nos séculos XVII e XVIII” e realizam uma discussão histórica e historiográfica sobre a escravidão de negros na Amazônia Colonial.

No artigo “A metáfora da fronteira no Poema Uiara, de Octávio Sarmento”, Alexandre da Silva Santos discute sobre a alteridade constituinte na identidade do imigrante nordestino, por meio do personagem Militão, no período áureo da borracha na Amazônia, através do poema “Uiara”, de Octávio Sarmento, poeta amazonense recém descoberto pela crítica local.

Apresentam-se nesse volume duas resenhas: “Informação, repressão e memória: a construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985)” de Rafael Leite Ferreira e “Representações utópicas no Ensino de História” de Michele Pires Lima.

Na sessão Pesquisa em Experiência em Docência, o trabalho de Nadinny Alves de Souza, “Entre o real e o ideal: Reflexões sobre o saber histórico a partir da experiência do PIBID” apresenta os problemas presentes na relação estabelecida entre o debate acadêmico e atuação docente dos profissionais de História e busca constituir uma discussão o mais próximo possível da realidade encontrada nas salas de aula do ensino básico.

Enaltecemos a contribuição dos autores com seus respectivos trabalhos, a colaboração generosa e qualificada dos pesquisadores (as) e professores (as) que avaliam os trabalhos enviados à revista, aos nossos incentivadores e apoiadores nessa jornada. Fazemos menção à colaboração da equipe fundadora da Revista que promoveram a criação do periódico, ao Departamento de História e Programa de Pós-graduação em História da UFAM, nosso agradecimento.

Com isso, a Manduarisawa espera continuar cumprindo a sua missão de origem que é estimular, por meio do debate e divulgação, os trabalhos de pesquisa na área da História, Ciências Humanas e Sociais.

Kívia Mirrana Pereira

Davi Monteiro Abreu

Evelyn Ramos

Isabela Albuquerque

Raoni Lopes

Rômulo de Sousa

Thaieny Gama

Equipe Editorial


PEREIRA, Kívia Mirrana et. al. Apresentação. Manduarisawa, Manaus, v.1, n.1, 2017. Acessar publicação original. [DR].

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Representações Utópicas no Ensino de História | Antônio Simplício de Almeida Neto

O que pensar sobre o ensino na ditadura militar brasileira? O que modificou na estrutura do ensino com o término deste período? Em que o ensino de História contribuiu para a formação intelectual, social e política dos alunos? Refletir a partir destas indagações, motiva-nos à busca pela apreensão através do conhecimento das experiências de professoras que lecionaram entre as décadas 1960 a 1990, em pleno regime militar. Porém, o que se vislumbra nessa obra são as representações que fazem do passado, presente, até mesmo do futuro, onde suas utopias por um país melhor e uma educação de qualidade, recaem em desejos de conscientização dos alunos sobre o mundo que os rodeiam, tornando-se essencial em seus trabalhos com o ensino de História, embora há os desconfortos, as decepções, as angústias, as incertezas que trazem ao leitor uma perspectiva dualista no ensino durante o período totalitário.

A princípio, Antônio Simplício faz uma discussão sobre a concepção de história e seu utópico ensino nas escolas básicas. Refletindo sobre as interpretações de Walter Benjamin e Sevcenko da pintura intitulada Angelus Novus, tendo em vista suas perspectivas acerca do rumo que a história teria com a “falência e fim da modernidade” e o tão estimado advento da pós-modernidade.

Com isso, constatam-se os anseios e as irrealizações dos professores diante das novas perspectivas do ensino, havendo o intuito de conscientizar e educar os alunos para que compreendam a sociedade em sua totalidade, e busquem soluções para os problemas políticos, econômicos e sociais. Essa “pretensão redentora da história” traz aos livros didáticos uma carga de desejos utópicos, implicando um diferenciado modo de ver e reconhecer o ensino de História, como também sua importância no amadurecimento intelectual, crítico e participativo de professores e alunos na contemporaneidade.

De acordo com a construção da obra, é importante ressaltar a composição a partir dos fragmentos de introduções de livros, artigos, textos em geral sobre a expectativa atual dos professores para o ensino de História, na verdade, seus desejos por uma História politizadora. Pois, como numa das partes da introdução da coleção História Nova “Resta esperar, de professores e alunos, que de uma nova reflexão sobre os dados componentes de nossa história se passe de imediato àquela ação capaz de dar ao povo brasileiro o Brasil pelo qual ele realmente anseia” (ALMEIDA NETO, 2011, p.25)

. Esse desejo e sonho de ter um país emancipado no que tange aos problemas socioeconômicos, parte do pressuposto da educação como libertadora dos males da sociedade, tendo em vista o ensino de História uma arma capaz de mudar as estruturas sociais pela inteligibilidade dos alunos de que “a análise de situações passadas cria o hábito da análise de situações contemporâneas. ” (ALMEIDA NETO, 2011, p.26)

Além disso, a crise das utopias, como um dos tópicos de análise do autor, refere-se ao “declínio da modernidade” e o efeito que houve na educação, como também a oposição da pós-modernidade contundente às bases estruturais das sociedades modernas desde o período renascentista. Para isso, discute-se sobre a visão prospectiva utópica, idealizadora de transformações significativas na realidade, e como essa prospecção inclinou-se diante dos anseios e desejos dentro da sala de aula.

Diante dessas bases de discussão, ressaltar referenciais que possibilitaram o desenrolar das questões inerentes ao ensino de História durante o regime civil-militar, torna-se imprescindível à compreensão do objetivo do autor ao propor essa temática.

Antônio Simplício de Almeida Neto é graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui mestrado e doutorado em educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Tem como ênfase de trabalho Ensino de História e História da Educação. Membro da linha de pesquisa em Ensino de História; Educação: Memória e Representações; Livro didático: história e memória. Concebe-se, portanto, as características que elucidam os aportes teóricos, metodológicos e historiográficos utilizados na problematização do tema em questão.

Além disso, a trajetória em relação ao estudo de memórias e ensino durante o regime militar advém desde sua dissertação de mestrado, ou mesmo antes, pois busca elucidar nos trabalhos, tanto do mestrado quanto do doutorado, aspectos relativos ao professor como sujeito histórico das experiências escolares; ao seu silenciamento e hierarquização dentro do âmbito escolar; e seus conhecimentos e práticas de ensino de História que transformam-se em desejos, anseios, irrealizações e decepções.

A obra divide-se em quatro capítulos, possuindo suas especificidades em relação às concepções, relatos e explanação dos problemas propostos. No primeiro capítulo, intitulado “Utopias, Representações e Memória”, abre-se discussões e conflitos de ideias acerca da utopia, partindo do ponto de situar e refletir sobre o objetivo da dimensão utópica na realidade, pois, como pensam Ricouer e Falcon, que a sociedade e o ser humano não podem se desvincular das utopias por dar significado a tudo que os rodeia, sobretudo a vida.

Perspectivas de autores que também constituíram a problematização, como Boaventura Santos e Antônio Moreira, contribuintes para construção de um ensino com bases pedagógicas fixas, de acordo com ideais educacionais modernos para a renovação das escolas, o revigoramento da democracia e “dar voz aos oprimidos”, restituindo a dimensão utópica. Contudo, esse desejo de transformação e realização é inerente ao ofício do professor, tendo uma finalidade ao lecionar e explicitar conteúdos, havendo projeções e intuitos a serem alcançados com a elucidação dos temas propostos.

O autor também aborda concepções sobre Representação, melhor dizendo, Teoria crítica das representações. Uma teoria de Henri Lefebvre que trata do que de fato é a representação e como ela é formada, veiculada e seu uso em diversos momentos históricos como forma de legitimar discursos falsos ou verdadeiros – refiro-me ao mundo publicitário e as campanhas políticas. Mas também sua manifestação nas entrevistas das professoras, imbuída de desejos, realizações, projeções, limites, na sua prática de ensino, como também dentro e fora do âmbito escolar, até mesmo nos conteúdos selecionados.

Logo no segundo capítulo intitulado “Representações de História: Conhecimento e ensino”, começou-se com relatos dos professores sobre suas concepções do ensino de História, e suas representações surgidas ao longo do tempo no magistério e fora dele. Ademais, compreender a lógica da memória na busca da rememoração de conjunturas inerentes ao trabalho dos docentes, torna-se fundamental na análise dos relatos, além de que as representações presentes na rememoração motiva o autor a analisar minuciosamente as concepções de história que envolvem as práticas de ensino, os conflitos dentro e fora da sala de aula, as dificuldades em lecionar, nas referências que contribuíram para escolha de graduação, no crescimento intelectual e pessoal e na busca por ser progressista no que tange ao tradicionalismo vigente em muitos professores de História. Portanto, suas representações acerca do ensino de História, recaem em conceitos que dão luz ao que fizeram, ou fazem ao longo das suas trajetórias na educação.

Em “Representações sobre a Prática: Intenção e Gesto”, Antônio Simplício analisa as representações das professoras entrevistadas sobre suas práticas, abarcando questões que vão além de conteúdos e exposição. Através da óptica do presente sobre o passado, as professoras visualizam suas práticas, oscilando entre sentimentos de desprezo e angústia, orgulho e felicidade acerca de suas atividades realizadas durante o tempo de magistério, ou para aquelas que ainda continuam lecionando. Além disso, problematiza-se as utopias presentes nas lembranças sobre o objetivo em lecionar História, através de “noções de cidadania e cidadão crítico apresentam-se como incertos, é sobre ele que certa dimensão utópica se erigiu, disparando ações e freando impulsos, ensejando práticas criadoras ou meramente reprodutivas.” (ALMEIDA NETO, 2011, p.170)

No entanto, “abre-se os olhos” para uma nova perspectiva que é o desvelo e carinho no trato com as metodologias e conteúdos preparados aos alunos. Essa noção modifica as formas didáticas-pedagógicas da História, como as experiências das professoras Vera e Inês que “parecem ter descoberto, entre o vivido e o concebido, que outros aspectos estão envolvidos no ensino de História, além dos conteúdos e da intenção crítica”. (ALMEIDA NETO, 2011, p.171)

Por fim em “Representações sobre o ensino de História: Conservação e busca”, procura-se compreender a totalidade da prática de ensinar História, levando em conta a dimensão utópica que envolve suas representações acerca da rememoração do passado não tão distante. Além de que se discute sobre o objetivo do ensino dessa disciplina, levando em conta a visão prospectiva do presente sobre o passado, com o desejo de retorno e permanência daquele momento de “bons alunos, boas escolas e bom ensino e sociabilidade”, e a construção da consciência histórica nas alunas e alunos através da exposição em sala de aula, como também os trabalhos extraclasse – promover festa junina, lavar banheiro, pintar escola, militância – enfim, todas essas lembranças envolvem as falas das professoras como “momentos de glória”.

No entanto, contrapondo esses grandes momentos, existem seus desvios em relação à ineficácia e precariedade do ensino em geral, alegando como fatores da decadência da educação, a grande leva de alunos semianalfabetos, o choque de valores, o desinteresse dos alunos e professores, até à falta de recursos em promover uma boa aula.

Por conseguinte, a contribuição do livro de Antonio Simplício na formação de professores de História é relevante para compreendermos o processo histórico da educação no Brasil, a partir das perspectivas de professoras que atuaram num dado momento “divisor de águas” na história brasileira, e, por isso, nos instiga a refletir sobre o que buscamos com o ensino de História, e sua utilidade na formação do cidadão “racional, autônomo e democrático” (ALMEIDA NETO, 2011, p.216).

Ademais, torna-se desejável ao leitor (a) o método utilizado na busca dos relatos orais, sendo a História Oral revolucionária no campo da História, trazendo consigo diretrizes a ser seguidas para captação de tão rico material histórico: a memória. Assim, conduzindo ao cerne da história, trajetórias antes silenciadas pela historiografia tradicional, no caso as memórias de professoras do ensino básico, e que agora possibilita outra perspectiva para o tema em questão.

Michele Pires Lima – Graduanda em História pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Bolsista de IC pela mesma Instituição e CNPq.

ALMEIDA NETO, Antônio Simplício de. Representações Utópicas no Ensino de História. São Paulo: Editora Unifesp, 2011. Resenha de: LIMA, Michele Pires. Mandurarisawa – Revista Discente do Curso de História da UFAM, Manaus, v.1, n.1, p.157-161, 2017. Acessar publicação original

Informação, repressão e memória / Marcília Gama Silva

Entre os anos de 2012 e 2014, com a criação de diversas comissões da verdade no Brasil e próximo à passagem dos cinquenta anos do golpe civil-militar de abril de 1964, as discussões a respeito da derrubada do presidente João Goulart e do regime autoritário que se seguiu cresceram de maneira considerável, fomentando a realização de audiências públicas, reportagens especiais, seminários, documentários, filmes e, principalmente, novas e ricas produções bibliográficas. Uma destas produções, por exemplo, foi o livro da historiadora Marcília Gama da Silva, Informação, repressão e memória: a construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985), de 2014.

Fruto de sua tese de doutorado, defendida, em 2007, no Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal de Pernambuco, o livro, que tem uma agradabilíssima escrita, teve como foco estudar a “rede de informações” instalada, em Pernambuco, durante o regime militar (1964-1985), tomando como base o intercâmbio informacional criado entre o Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco (DOPS-PE) e os demais órgãos de informação em nível regional e nacional.

Ao se dedicar à questão da “espionagem/monitoramento/vigilância”, Marcília Gama se associou a um tema que, dentro da historiografia brasileira, tem crescido, qualitativa e quantitativamente, durante os últimos anos. O interesse por essa temática remonta à metade da década de 1980, quando importantes jornalistas lançaram sólidas obras, desnudando a face vil da comunidade de informações. Na década de 1990, uma nova contribuição ao tema foi dada com o lançamento de uma trilogia pela CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (FGV), na qual os próprios militares expunham diretamente opiniões, pontos de vista, críticas ou elogios acerca de sua atuação no exercício do poder. Nos anos 2000, o tema teve uma nova alavancada com a publicação de centenas de artigos em revistas especializadas e a produção de riquíssimos trabalhos acadêmicos.

O estudo de Marcília Gama, portanto, ao tratar da questão do monitoramento feito pela ditadura, não apenas complementa as obras clássicas sobre o tema, mas, principalmente, por seu recorte espacial local e pela vasta documentação apresentada, avança no cerne da questão, trazendo à tona as nefastas atividades de informações produzidas pela ditadura em Pernambuco. Atividades que, além de levianas e fincadas no preconceito e na ignorância, eram conduzidas pela suspeição universalizada, ou seja, sob o lema da “inculpação”, já que partia da pressuposição de que todos poderiam ser subversivos, até que provassem o contrário.

O livro de Marcília é composto por três capítulos, ao longo dos quais se buscou refutar a tese de que as atividades de informação no Brasil eram precárias ou amadoras. Marcília procurou mostrar que longe de um amaradorismo, as atividades de informações faziam parte de uma complexa rede de especialistas que tudo buscava anotar, captar, ouvir, enxergar e arquivar. O grande desejo da comunidade de informações sempre foi, na verdade, o de ser onipresente. Para conseguir a tão sonhada vigilância total da população, a ditadura, por exemplo, contratou e/ou deslocou de outros órgãos centenas de agentes e peritos, utilizou centenas de agentes infiltrados nas organizações clandestinas e nos movimentos sociais, além de instigar, cotidianamente, considerável parcela da população a colaborar com as atrocidades cometidas pelo regime.

Uma das primeiras preocupações de Marcília foi mostrar como a questão das informações passou a ocupar um lugar estratégico dentro da ditadura, ou seja, como a extensa e dinâmica rede de informações serviu de base para a manutenção do próprio regime e de seu aparato repressivo. No primeiro capítulo da obra, ao analisar a conjuntura do pré-golpe de 1964, Marcília demonstrou que não é afeita a modismos historiográficos e ao recente “revisionismo historiográfico” que vem sendo denunciado nos últimos tempos, entre outros, pelos professores Caio Navarro de Toledo e Renato Lemos. E isto é um ponto digno de ser ressaltado, especialmente no atual momento historiográfico que apresenta uma notável relativização de certos eventos e agentes históricos.

Retomando análises clássicas de autores como René Dreifuss, Maria Helena Moreira Alves, José Comblin e Caio Navarro de Toledo (hoje, esquecidas ou descartadas por vários acadêmicos), Marcília apontou a atuação do “complexo IPES-IBAD” na desestabilização do governo João Goulart e, principalmente, o importante papel que a ESG desempenhou, durante os anos 60, como núcleo formador de opiniões, de visão de sociedade e de comportamento, através dos discursos proferidos, das palestras e cursos ministrados por civis e militares sobre a Doutrina de Segurança Nacional.

É de suma importância ressaltar que embora o livro de Marcília possa ajudar a entender a lógica e o modus operandi dos órgãos de segurança em Pernambuco, o foco da autora não foi o estudo da estrutura da repressão tout court, mas sim o desenvolvimento da complexa “rede de informações” montada pela ditadura nesse estado. A sua ideia foi enfatizar as rotinas policiais de investigação, mostrar as estratégias de vigilância e identificar os discursos policiais produzidos a respeito de alguns grupos, tais como os camponeses, estudantes e grupos de luta armada, que eram taxados de “comunistas”, “subversivos” e “perigosos” à ordem política e social do país. E tal escolha se deu justamente porque a autora entendeu que os conceitos “informação” e “repressão”, embora conexos, tinham objetivos e atuações diferentes dentro do regime.

Em outras palavras, apesar de absolutamente relacionadas, as atividades de informações (espionagem) e as de segurança (repressão) eram normatizadas, coordenadas e executadas em esferas próprias. Os órgãos de informação trabalhavam na busca, coleta, análise e “pescagem” da informação para alimentar os Inquéritos Policiais Militares, enquanto os órgãos de segurança atuavam diretamente no “estouro” de aparelhos, na prisão, nos interrogatórios, no combate direto ao inimigo.

A discussão sobre o “auxílio” do governo norte-americano para a montagem, robustecimento, atualização e modernização da polícia política e técnico-científica, em Pernambuco, no início da década de 1960, foi outro grande trunfo trazido por Marcília Gama para o conhecimento da nossa recente história política. Ela mostrou que Pernambuco – visto como um dos principais focos de comunismo e subversão do país – recebeu altas somas de dinheiro, recursos (transportes, equipamentos de escuta e telefonia etc.) e inúmeros cursos, no país e no exterior, destinados ao aperfeiçoamento de agentes públicos às atividades de informação e repressão. Para a autora, esse apoio financeiro e técnico foi completamente minado com a posse do governador Miguel Arraes, em janeiro de 1963, que desmontou o poderoso “programa de auxílio americano” chamado Ponto IV, gerando forte descontentamento por parte dos policiais estaduais e dos EUA. Com a deposição de Arraes em abril de 64, os acordos foram retomados, tendo a USAID fornecido, já no início de 1965, despesas de viagens e estadias para que técnicos americanos ministrassem “cursos de aperfeiçoamento” a policiais e gestores estaduais.

Em diversas passagens da obra, Marcília analisou com riqueza de detalhes, sobretudo por intermédio de excelentes diagramas, tabelas e organogramas, a superestrutura da polícia política em Pernambuco. Convém aqui ressaltar que a polícia política pernambucana não foi montada com o advento do golpe de 1964. Embora aperfeiçoada durante o regime militar, tal polícia foi montada ainda na década de 1930, através da Lei nº 71, de 23 de dezembro de 1935, com a clara finalidade de coibir o avanço do comunismo, cuja atuação era vista como grande ameaça à ordem, sobretudo após o levante comunista de novembro do mesmo ano, ocorrido em Natal, no Recife e no Rio de Janeiro. Seis segmentos passaram então a ser vigiados de perto pela recém-criada Delegacia de Ordem Política e Social de Pernambuco (DOPS): a imprensa, as entidades de assistência social (incluindo os sindicatos), determinadas lideranças; os partidos políticos e associações; a zona urbana (indústria, comércio e empresas) e a zona rural (os camponeses).

Em 1961, a Delegacia foi transformada em “Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)”, aumentando a vigilância e a repressão aos trabalhadores urbanos e rurais durante o governo Cid Sampaio (1959-1962). Essa “modernização” da estrutura policial atendeu à necessidade de aperfeiçoar a máquina estatal para o combate das ações consideradas “subversivas” (manifestações, protestos, greves, passeatas, pichações etc). Os corriqueiros abusos cometidos pela polícia estadual só foram contidos, de fato, com a posse de Miguel Arraes no início de 1963.

Contudo, com o advento do golpe de 64, os abusos foram retomados e intensificados pelo DOPS. Com a deflagração do golpe iniciou-se uma fase de puro ódio, uma verdadeira caça às bruxas. Somente nos primeiros dias de abril de 1964, quase duas mil pessoas foram presas em Pernambuco. Em milhares de casos, as prisões políticas não tinham formalidade legal. Entre as prisões, havia centenas de detenções por desavenças pessoais. Naquele contexto, nas águas da perseguição política, tudo era válido.

Nos limites desta resenha, importa valorizar a riqueza do trabalho de Marcília Gama e a sua contribuição para o conhecimento da polícia política pernambucana e das ações (legais e ilegais) da comunidade de informações, suas formas de atuação, a cadeia de comando, sua organização e funcionamento. No entanto, não poderia aqui de deixar de mencionar alguns problemas que permaneceram na obra. O primeiro, a meu ver, é a utilização da expressão “regime civil-militar”. A autora faz uso desse conceito sem problematizá-lo. É importante destacar que há, atualmente, uma rica discussão historiográfica sobre o caráter civil ou não do regime.

O segundo problema é a interpretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) como um “golpe dentro do golpe”. Na verdade, quando usamos essa expressão, muitas vezes, estamos refletindo a própria leitura feita pela “linha dura” a respeito do regime. Entre os anos de 1964 e 1968, o que grande parte dos meios de comunicação e do oficialato então denominava de “linha dura” ou de “força autônoma dentro das Forças Armadas” (autodeclarada a verdadeira guardiã dos princípios da “revolução”) foi se constituindo como um grupo de pressão muito eficaz e conquistando, paulatinamente, consideráveis espaços de poder no interior do governo. A caminhada e a evolução da presença desse grupo são essenciais para entender diversos episódios do regime, pois evidencia que o projeto repressivo baseado numa dura “operação limpeza” estava presente desde os primeiros momentos do golpe de 64. Neste sentido, o AI-5 deve ser entendido como o amadurecimento de um processo que se iniciara muito antes, e não uma decorrência dos episódios de 1968, diferentemente da tese que sustenta a metáfora do “golpe dentro do golpe”, segundo a qual o AI-5 iniciou uma fase completamente distinta da anterior.

O terceiro problema identificado na obra de Marcília é a larga utilização de expressões como “populismo”, “democracia populista”, “colapso do estado populista implantado por Vargas”, sem as devidas ponderações e críticas que esses conceitos certamente requisitam. Não vou aqui entrar no mérito da discussão sobre a utilização ou não do conceito de “populismo”, mas considero que Marcília deveria indicar ao seu leitor o aporte teórico-metodológico que estaria orientando os seus estudos.

Outra crítica que lanço ao trabalho da autora é a falta de discussão sobre a relativa diminuição de poder dos DOPSs após a criação e fortalecimento, no final da década de 1960 e início de 1970, de outros órgãos de informações no país (a exemplo do CIE, CISA e CENIMAR). Apesar da alta complexificação da estrutura do DOPS, o órgão passou a perder espaços de poder, ao longo dos anos 70, nas atividades de investigação e repressão política. A Doutrina de Segurança Nacional estabeleceu como seus órgãos centrais o recém-criado SNI e os órgãos de inteligência militares. Elaborando estratégias, produzindo informações e centralizando os informes estes órgãos eram, indubitavelmente, os agentes mais categorizados da repressão. O processamento e a elaboração das estratégias e “informações” estavam confiados aos órgãos centrais (SNI e agências militares); cabia ao DOPS, na maioria dos casos, municiá-los de “informes”.

Por fim – e talvez seja o mais problema sério da obra –, há o argumento de Marcília de que a ditadura encerrou-se no ano de 1979. Esta concepção, que tem os historiadores Daniel Aarão Reis e Marco Antonio Villa como os seus principais expoentes, é política e historicamente complicada. Já não bastasse a afirmação de que a ditadura brasileira foi uma “ditabranda” – pois teria sido “mais branda” e “menos violenta” do que outras ditaduras latino-americanas –, busca-se difundir nos últimos anos a falácia da “ditacurta”, segundo a qual a ditadura brasileira teria se encerrado em 1979, com a aprovação da anistia e a revogação dos Atos Institucionais draconianos lançados pelos militares.

Rafael Leite FerreiraDoutorando em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Bolsista CAPES. E-mail: rafaleferr@hotmail.com

 


SILVA, Marcília Gama da. Informação, repressão e memória: a construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). Recife: Editora UFPE, 2014. Resenha de: FERREIRA, Rafael Leite. Manduarisawa – Revista Discente do Curso de História da UFAM, Manaus, v.1, n.1, p.151-156, 2017. Acessar publicação original. [IF]

“Tempo bom, tempo ruim: identidades, políticas e afetos” | Jean Wyllys

Não é novidade iniciar esse texto falando do momento assombroso pelo qual atravessamos, no Brasil e no mundo, onde a democracia representativa aparece em plena derrocada e as noções de Direitos Humanos, universais e fundamentais, presenciam uma verdadeira guerra de narrativas. Época onde a humanidade parece mais uma locomotiva desgovernada que se dirige rapidamente a um futuro que, de tão incerto, amedronta qualquer um que se proponha a pensar nas lições advindas da própria história, presenciamos o florescimento de espaços fugindo à regra. O mandato de Jean Wyllys, Deputado Federal pelo Psol do Rio de Janeiro, é um destes espaços.

Autor de “Tempo bom, tempo ruim: Identidades, políticas e afetos”, publicado em 2014 pela editora Paralela, Jean Wyllys de Matos Santos parece um sujeito que teima em nadar contra a correnteza. Seu livro é um relato da sua trajetória, construída sobre pilares sólidos, fincados no sertão da Bahia, onde a fome foi uma experiência real de inúmeras famílias, incluindo-se a sua. Composto de quarenta e dois textos, a obra se divide em “tempos de vida” e “tempos de luta”, não para marcar espaços distintos, mas sim para apresentar os entrecruzamentos de ambos. Logo no início, Jean afirma que sua vida foi uma luta cuja primeira batalha foi travada com a desnutrição. Leia Mais

Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda – NICODEMO (Topoi)

NICODEMO, Thiago Lima. Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: FAP-Unifesp, 2014. Resenha de: GAIO, Henrique Pinheiro Costa. A crítica como missão: formação e modernização na obra de Sérgio Buarque de Holanda; Topoi v.18 n.35 Rio de Janeiro July/Dec. 2017.

Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) tem uma obra volumosa e que transitou entre a crítica literária, o ensaísmo e a escrita histórica monográfica. Talvez não seja equivocado dizer que sua trajetória intelectual, sobretudo entre os anos 1920 e 1950, pode funcionar como uma espécie de metonímia do processo de profissionalização do historiador ou de autonomização do campo, tendo como referência importante a consolidação de instituições universitárias no Brasil. Sua obra mostra-se encorajadora de imensa fortuna crítica: variadas abordagens demonstram não somente a juventude perene de um pensador clássico como também ilumina certas nuances da reflexão buarquiana. É justamente neste contexto de ampliação e sedimentação da fortuna crítica do autor – que tanto serve como estorvo para leituras ingênuas como também instiga novos caminhos de pesquisa – que Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda (2014), de Thiago Lima Nicodemo, deve ser inserido.

A trajetória da pesquisa de Thiago Nicodemo parece traçar um movimento contrário ao do processo de profissionalização do historiador, uma espécie de leitura a contrapelo ou teleologia às avessas. Nicodemo, em seu livro anterior, fruto de sua dissertação de mestrado, Urdidura do vivido: Visão do paraíso e a obra de Sérgio Buarque de Holanda nos anos de 1950 (2008), lidou com um momento basilar no trabalho de Sérgio Buarque: o processo de especialização que culmina com a feitura de Visão do paraíso (1958) e sua inserção universitária. Em sua nova publicação, Nicodemo recua cronologicamente com o intuito de perscrutar o processo de formação do historiador acadêmico, abarcando desde a década de 1920 até a de 1950, ou seja, a passagem do jovem crítico modernista, atento ao debate dos dilemas da modernização nacional, para o historiador maduro que opta por cortes mais circunscritos em detrimento de generalizações e que, sobretudo, mescla com peculiar maestria erudição e imaginação. O arco cronológico abarcado pela pesquisa permite uma compreensão abrangente da formação do intelectual; por meio do cruzamento entre crítico literário, ensaísta e historiador, é possível mapear interesses recorrentes e constantemente burilados. Tal esforço de cruzamento já demonstra a relevância da pesquisa que temos em mãos.

Ao retornar para a década de 1920, Thiago Nicodemo aponta para os interesses compartilhados com aquela geração e a influência duradoura de temas tipicamente modernistas ao longo da vida intelectual de Sérgio Buarque de Holanda. Para além da definição estanque do jovem modernista ou do historiador maduro, almeja demonstrar certa continuidade, ou seja, a importância do resgate de sua produção de crítica literária como forma de compreender sua formação intelectual e o desenvolvimento intermitente de temas fulcrais na sua reflexão. Nicodemo realiza um bem-sucedido esforço de lastrear o caráter de missão que orienta a trajetória de Sérgio Buarque de Holanda, pois ao definir precursores e ao reconhecer a manutenção de assuntos do jovem modernista na pena do historiador maduro demonstra a unidade do pensamento e certo sentido da escrita.

Sérgio Buarque molda sua crítica por meio de uma metodologia fugidia e diversificada, todavia, esforça-se para estabelecer um diálogo entre obra e tradição, autor e ambiente de escrita. Segundo Antonio Candido, para se ter dimensão da fortuna da contribuição do jovem crítico, às vezes é preciso compreender que ela se articula “com todo um ciclo da civilização a que pertence, como no caso da extraordinária análise de Cláudio Manuel da Costa”, quando o crítico, de acordo com Candido, “circula no tempo, vai até Petrarca, vem até Lope de Vega, vai até Dante Alighieri, vem a Metastasio, volta para Cláudio Manuel da Costa, a constelação vai se formando e você sente que para explicar aquele texto curto de catorze versos ele mobiliza a civilização do Ocidente.”1 Tal comentário mostra-se importante para indicar não só a conhecida erudição do crítico, mas também a dimensão histórica que se revela no diálogo da obra literária com uma tradição ocidental.

Nicodemo, evitando o risco e o reducionismo da influência, explora o impacto da viagem de Sérgio Buarque aos Estados Unidos, em 1941, momento em que entrou em contato com os pressupostos teóricos do new criticism, que reivindicava a autonomia do texto literário em relação à biografia do autor e o ambiente de sua produção. A técnica do close reading, no entanto, não provocou no crítico o descarte da historicização da estrutura linguística e estética. A experiência norte-americana, mesmo com seu valor na institucionalização disciplinar, trazia como corolário um formalismo radical que soava como conservadorismo. Além disso, o “senso das coalescências”, indicado por Candido na crítica literária de Sérgio Buarque, apontava para o jogo de semelhanças e diferenças, rupturas e permanências. Portanto, o crítico, ao temporalizar a experiência estética, recusava deliberadamente fazer da historiografia literária um mero catálogo de escolas. Desse modo, a historicidade literária, segundo a crítica buarquiana, implica não ignorar que a obra de ficção seria fruto de certa inserção no tempo, condicionada por determinado horizonte histórico, donde o autor não pode mais ser visto como um gênio romântico que prescinde do mundo para criar. Assim, o que parece estar em jogo são as condições de possibilidade de criação literária ou a “pesquisa da constituição do texto”. Dito em outras palavras, sem denegar a autonomia da linguagem da ficção, o crítico busca combinar sua análise aos estratos históricos que possibilitam a feitura do artefato literário.

A chave de leitura de Candido, também seguida por Antonio Arnoni Prado, parece funcionar como um fio condutor de Alegoria moderna. Não somente porque existe um deliberado esforço de continuação de certa tradição interpretativa, algo demarcado claramente ao longo do trabalho, mas também porque a missão modernista parece conferir sentido ao processo de profissionalização das letras nacionais. Seguindo os passos de Mário de Andrade, inclusive o substituindo no Diário de Notícias em 1941, Sérgio Buarque, desde sua militância modernista, assume o compromisso da especialização e da superação de uma cultura de superfície, pautada por bacharéis e medalhões, críticos impressionistas e historiadores diletantes. Tais personagens funcionariam como arautos de uma palavra vazia, palavra feito ornamento, ou ainda, como um passado que ainda se faz presente, algo que depõe contra o esforço de modernização das letras nacionais. Thiago Nicodemo, ao alargar a crítica literária de Sérgio Buarque num horizonte mais amplo de exortação de mudanças na intelectualidade brasileira, identifica sua dimensão cultural e sua inserção no processo de autonomização do campo intelectual, tal como pensado por Pierre Bourdieu.

Se a costura do trabalho de Thiago Nicodemo é o reconhecimento de certa missão crítica de superação de traços coloniais, conferindo unidade à reflexão, faz-se necessário dizer que isso não implica carência de contradições ou o descarte de rasuras significativas na obra de Sérgio Buarque. Os planos de historicidade que se manifestam em modificações nas três primeiras edições de Raízes do Brasil, as intersecções entre Visão do paraíso (1958) e Capítulos de literatura colonial (1991), assim como a recorrência dos temas, revelam a presença de diversas temporalidades na orientação e reorientação da escrita buarquiana.2 Como em um palimpsesto, onde horizontes históricos se cruzam na constante atividade de reescrita que não apaga de todo o passado, a escrita ficcional e o próprio ato crítico são marcados pela passagem do tempo e por uma consciência histórica que desempenha um papel estruturante. A abordagem hermenêutica mobilizada por Nicodemo, valendo-se de autores como Hans-Georg Gadamer e Jörn Rüsen, numa espécie de duplicação da abordagem buarquiana, permite compreender a dimensão estética no interior de estruturas históricas, sem, contudo, subsumir uma na outra. Desse modo, segundo alerta Thiago Nicodemo, “não é possível afirmar que Sérgio Buarque de Holanda possuía uma ‘concepção’ de crítica literária, já que sua ideia era justamente buscar um ‘ajuste’ entre o horizonte criativo e o horizonte crítico”.3 Além do reconhecimento do caráter movediço da reflexão, o sentido de missão de Sérgio Buarque parece ter sido captado em seu momento de engendra mento, evitando-se certa teleologia que descrevesse sem tensões a transição do crítico diletante para o historiador profissional.

Thiago Nicodemo movimenta-se entre texto e contexto esquivando-se das dicotomias e do equívoco das influências reguladoras. Tal cuidado teórico fica patente ao demonstrar o impacto da experiência italiana na feitura do estudo inacabado que dá origem a Capítulos de literatura colonial – título concebido por Antonio Candido aos rascunhos encontrados postumamente e publicados em 1991. Detalhando a vivência italiana por meio de ampla documentação (cartas, documentos do Itamaraty, ementas de disciplina etc.), Nicodemo, seguindo a sugestão de Candido sobre uma “fase italiana” (1952-1954), descreve as condições que possibilitam a redação de Capítulos de literatura colonial e Visão do paraíso, ou seja, articula um momento fundamental da trajetória tanto do crítico quanto do historiador.4 A influência de pensadores como Mario Praz e Benedetto Croce, assim como a familiaridade com autores italianos do Renascimento, Barroco e Arcadismo, permitiu a ampliação do aparato erudito do crítico e o distanciamento de um nacionalismo literário típico do século XIX – mas que se estendeu, não sem alterações, até a década de 1950 como “nacionalismo estratégico”, na definição de Antonio Candido.

Admitindo-se a concomitância da pesquisa e escrita de Capítulos de literatura colonial e Visão do paraíso na década de 1950, mostra-se relevante o distanciamento de uma historiografia literária que se amparava na reconstituição de origens e no esforço de identificação de nativismos pretéritos, buscando retrospectivamente eventos que permitissem elaborar uma narrativa redentora da formação, numa espécie de anunciação da presença. Evitando a orientação interessada do nacionalismo que pautava a historiografia literária tradicional, Sérgio Buarque procurou a articulação do passado literário nacional por meio dos topoi. Nesse sentido, o trabalho de Ernest Robert Curtius, Literatura europeia e Idade Média latina (1948), torna-se central para compreender o papel que as permanências literárias que atravessam fronteiras e remetem a uma herança retórica antiga adquirem na reflexão buarquiana da década de 1950.

A tópica enquanto “celeiro de provisões” literárias, tal como anunciada por Curtius, foi fundamental na feitura de Visão do pa raíso.5 Os motivos edênicos que impulsionam o ideal aventureiro dos descobrimentos e organizam os primeiros contatos com o Novo Mundo não somente criavam uma tensão entre experiência e fantasia, mas também imputavam ao estilo condicionamentos históricos, podendo inclusive expor novas disposições subjetivas. Nicodemo, que, seguindo a sugestão de Luiz Costa Lima, estudou com densidade o uso da tópica na costura de Visão do paraíso, estendeu sua análise para Capítulos de literatura colonial. Esse movimento mostra-se extremamente profícuo para a compreensão do esboço de historiografia literária de Sérgio Buarque.

Segundo Nicodemo, o autor aponta para uma “longa permanência da épica como padrão figurativo da literatura na América portuguesa”, o que significou o afastamento da influência romântica na avaliação do passado literário colonial. Desse modo, o gênero tornou-se, para o crítico e historiador, “ponto de partida para compreender os textos como parte de um tecido social e, por isso, em constante interação com um público dotado de horizonte específico”.6 Dito de outra forma, como consequência desse ponto de partida, a demonstração da extensão do gênero épico, que perpassa o século XVII e estende-se até o XIX, indica a força da convenção em detrimento de uma originalidade de traço romântico, donde a emulação e a engenhosidade possuem uma ocorrência técnica. Assim, segundo a leitura proposta por Nicodemo, “a literatura na América portuguesa busca conferir dignidade épica a temas figurados no território ultramarino”,7 ou seja, a história da literatura colonial parece ser o relato da gradativa adaptação de códigos literários europeus ao ambiente americano. O intuito de inserir a América no quadro imagético europeu faz com que Capítulos de literatura colonial tenha como estrutura narrativa a formação da tópica do “mito americano” ou “tópica do sentimento nacional”. Portanto, figura como uma espécie de continuação de Visão do paraíso.

No âmbito de uma história cultural, o que emerge do uso da tópica é uma consciência histórica que se molda por meio da tensão entre um modelo figurativo associado ao corpo místico, fundamentação do Estado Absoluto, e o gosto arcádico que se vincula ao modelo figurativo da modernidade. Nesse jogo entre o antigo e o novo, compreender a permanência de barroquismos, de uma hiperbólica e retorcida linguagem, significa ater-se à dificuldade de sedimentação da clareza e sobriedade árcade, significa problematizar os estorvos impostos à modernização da cultura, investir no descompasso entre os influxos do iluminismo e o desenvolvimento do “gosto árcade”. Segundo Nicodemo, investir em tal tensão pressupõe que “a cultura cumpre, enfim, um papel fundamental e oferece para Sérgio Buarque de Holanda a chave da compreensão do processo histórico de formação (…)”. 8

O descompasso ou o impasse da modernização remete à questão do Barroco. Em Capítulos de literatura colonial, o Barroco aparece não somente como parte das demandas crítico-literárias da década de 1950, condicionada pelo resgate de procedimentos poéticos herméticos, mas como possibilidade de se pensar a formação nacional – tema caro aos modernistas. Nicodemo demonstra como a preocupação com o papel do “longo barroco” na colônia não aparece de maneira fortuita na obra de Sérgio Buarque. Este, além de anunciar na terceira edição de Raízes do Brasil, de 1956, A Era do Barroco no Brasil (Cultura e vida espiritual nos séculos XVII e XVIII) como obra em preparo e indicando a realização de três volumes – trabalho nunca realizado -, parecia querer articular uma mentalidade barroca com seu diagnóstico dos problemas da formação nacional.

Assim, o que está em jogo para Nicodemo, em sua proposta de relacionar a história literária buarquiana com a formação nacional, não é somente o caráter convencional da literatura colonial que se pautava em preceptivas retórico-poéticas rígidas, mas a dimensão histórica do processo de acomodação dessas preceptivas, justamente a possibilidade de amolecimento ou de misturas de gêneros. A tradição ibérica, desse modo, pressupõe a força da figuração barroca que se prolonga até o início do século XIX, marcando a manutenção de uma linguagem alambicada e de uma mentalidade formatada pela aversão às hierarquias e à hegemonia dos laços familiares e patriarcais. Nesse ponto, o tema central de Raízes do Brasil, a preocupação com a superação do passado ibérico que teima em impor-se diante da vontade de modernização, parece prolongar-se na reflexão buarquiana.

Fruto de tese de doutoramento, Alegoria moderna tem como mérito investir, com resultados profícuos, em veredas sugeridas pela fortuna crítica do autor analisado, mas ainda não percorridas. Thiago Nicodemo acrescenta mais um traço firme no quadro interpretativo-analítico da obra buarquiana, como também de sua própria trajetória acadêmica, que vem se caracterizando por pesquisa consistente e esforço contínuo de compreensão da escrita de Sérgio Buarque de Holanda.

1CANDIDO, Antonio. Apud PRADO, Antonio Arnoni. Introdução. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. O espírito e a letra: estudos e crítica literária. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 32. Ver também: CANDIDO, Antonio. Inéditos sobre literatura colonial. In: Sérgio Buarque de Holanda: 3. Colóquio Uerj — Rio de Janeiro: Imago, 1992.

2NICODEMO, Thiago Lima. Planos de historicidade. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 14, p. 44-61, abr. 2014. Disponível em: <www.historiadahistoriografia.com.br>. Acesso em: 4 ago. 2016.

3NICODEMO, Thiago Lima. Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: FAP-Unifesp, 2014, p. 125.

4CANDIDO, Antonio. Introdução. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de literatura colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000.

5CURTIUS, Ernest Robert. Literatura europeia e Idade Média latina. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1957. Ver também: LIMA, Luiz Costa. Sérgio Buarque de Holanda: Visão do paraíso. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 42-53, mar./maio 2002. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br>. Acesso em: 4 ag. 2016; NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do vivido. Visão do paraíso e a obra de Sérgio Buarque de Holanda nos anos de 1950. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

6NICODEMO, Thiago Lima, Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda, op. cit., p. 216.

7Ibidem, p. 221.

8Ibidem, p. 236.

Recebido: 16 de Agosto de 2016; Aceito: 24 de Setembro de 2016

Henrique Pinheiro Costa Gaio – Doutor em História pela PUC-Rio e pós-doutorando no Departamento de História da Univesidade Federal de Ouro Preto-UFOP. Ouro Preto – MG, Brasil. E-mail: henriquecgaio@gmail.com.

História e gênero / Oficina do Historiador / 2017

Gênero como campo de pesquisa histórica

O estudo de gênero como categoria analítica oferece aos estudos históricos novas perspectivas de análise. A emergência de novos objetos e fontes da História Social da Cultura possibilitou a incorporação dos debates acerca das questões de gênero no interior do campo historiográfico. Soma-se a isso, a própria mobilização de grupos socialmente marginalizados na busca de seus direitos civis e do reconhecimento diante de suas diferenças de gênero. A explosão de movimentos sociais no final dos anos de 1980 para além da rígida categoria de “classe” favoreceu o aparecimento de múltiplas identidades e a construção de novas bandeiras de luta no interior das sociedades pós-modernas. A categoria gênero é entendida aqui a partir de uma perspectiva interdisciplinar, que caracteriza a História-Ciência desde o surgimento da escola dos Annales, mas também incorporando a multiplicidade de sujeitos coletivos que integram o debate. Como diria uma das mais importantes historiadoras sobre o assunto, Joan Scott, o gênero tem dois significados inter-relacionados “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos” (SCOTT, 1986, p. 86) [1], assim como, também é definido pela historiadora como “uma forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1986, p. 86). O gênero, neste sentido, é estritamente ligado as relações de poder e as relações sociais dispostas em sociedade.

As lacunas da representação da diversidade nos espaços de disputa de poder em regimes democráticos, por exemplo, indicam um perfil próprio de indivíduos que ocupam esses espaços. Dentro das democracias liberais, em sua maioria, esse papel é reservado para indivíduos masculinos. A dificuldade enfrentada no campo político por pessoas à margem desse processo é fundamental para a compreensão de sua baixa presença nos cargos do governo. A desigualdade de gênero revela a impossibilidade de concretização de políticas públicas realmente democráticas e com forte característica de pluralidade.

Deste modo, a produção do dossiê está vinculada com a apreensão quanto aos rumos da política brasileira, marcada pelo afastamento da primeira mulher eleita presidenta do país e pelos inúmeros retrocessos de conquistas obtidas pelos movimentos sociais, sobretudo a recente retirada pelo Ministério da Educação (MEC) do documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) dos termos como “gênero” e “orientação sexual”.

Em síntese, o gênero na história proporciona a incorporação da crítica de sujeitos históricos marginalizados nas dinâmicas sociais, culturais e políticas dentro da produção historiográfica. Este é justamente a razão de ser do dossiê História e Gênero organizado pela Equipe Editorial da Revista Oficina do Historiador. Reunindo diversos artigos sobre a temática, com o intuito da ampliação do campo da história utilizando o gênero como um dispositivo de análise nas pesquisas históricas contemporâneas.

Em “Sobre penteados e cabelos africanos: visões eurocêntricas nas páginas da Eu sei tudo (1917-1929)”, Ana Carolina Carvalho Guimarães foca a sua pesquisa na análise de textos e imagens relativa às mulheres africanas, publicadas na Revista Eu Sei Tudo entre os anos de 1971 e 1929. Buscando analisar a partir dos periódicos da revista sua difusão de representações e estereótipos da cultura e das mulheres africanas.

Por sua vez, Antonio Alves Bezerra em “Reflexões acerca do cotidiano de mulheres trabalhadoras rurais “boias frias” na cultura canavieira do interior paulista”, apresenta um artigo fundado em história oral sobre as experiências de lutas vivenciadas por mulheres trabalhadoras rurais que atuaram na cultura canavieira no Oeste paulista no início do século XXI.

No artigo “Antônio, Bento e Domingos: paternidade na elite farroupilha (1835-1845)”, Carla Adriana da Silva Barbosa situa a figura paterna como representante da segurança corporal e simbólica das famílias da elite farroupilha no contexto histórico, de 1835 a 1845, período marcado por guerras e pela soberania da figura masculina.

Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik, no artigo “História de vida e profissional da historiadora brasileira Laura de Melo e Souza: intersecções entre memória e biografia”, analisa a vida da historiadora Laura de Melo e Souza revelando detalhes de sua trajetória de vida e profissional.

Em “Mulheres, investigação de paternidade e justiça: cotidiano e provas (Belém, 1920- 1940)”, Ipojucan Dias Campos analisa mulheres e seus filhos adultos no início do século XX, na cidade de Belém, e seus esforços jurídicos para provar a paternidade de seus filhos. Seu cotidiano marcado por lutas de mulheres e suas famílias percebidas como “espúrias” pela sociedade.

Kety Carla De March, no artigo “Corpos subjugados: estupro como problemática histórica” discorre sua pesquisa na análise de processos criminais de estupro instaurados na comarca de Curitiba, Estado do Paraná, ao longo da década de 1950, analisando os discursos sobre a violência sexual e sua relação sobre os padrões de masculinidade e feminilidade no contexto histórico estabelecido.

A entrevista concedida pela Professora Doutora Claudia Schemes à Revista Oficina do Historiador, publicada nessa edição, é fundamental para a proposta do dossiê História e Gênero. Seus trabalhos são marcados pelas temáticas de gênero, envelhecimento, identidade e moda. Suas reflexões compreendem a importância dos estudos de gênero no campo historiográfico a partir da importância de uma visão mais ampla para as análises históricas atuais.

Desejamos que esse dossiê permita ampliar o horizonte de produções em torno da temática de gênero dentro do campo da história. Área com vasto campo para o desenvolvimento, o dossiê contribui para novos debates e novas reflexões abrindo espaço para a reunião de novas pesquisas sobre o assunto.

Nota

1. Ver texto completo em SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul. / dez. 1995, pp. 71-99.

Cristiano Enrique de Brum – Doutorando em História do Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS.

Julia Tainá Monticeli Rocha – Mestranda em História do Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS.

Henrique Perin – Mestrando em História do Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS.

Tatyana de Amaral Maia – Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, Pós-Doutorado em História na Universidade do Porto, Doutora em História / UERJ.


BRUM, Cristiano Enrique de; ROCHA, Julia Tainá Monticeli; PERIN, Henrique; MAIA, Tatyana de Amaral. Apresentação. Oficina do Historiador. Porto Alegre, v. 10, n. 1, jan. / jun., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Entre textos e contextos: caminhos do ensino de História – MOLINA; FERREIRA (RHH)

O campo de estudos e pesquisas sobre Ensino de História vive um momento singular. Por vias tortas, encontra-se no bojo das discussões sobre os rumos da disciplina na Educação Básica e no Ensino Superior. As polêmicas em torno da proposição de um currículo comum para a Educação Básica e as propostas de reformulação do Ensino Médio suscitaram uma discussão sobre a História Ensinada, por meio do debate acerca da história que a Escola vai contar.

As vias, então, não são aquelas projetadas pelo campo. As discussões sobre o Ensino de História envolvem muito mais que a definição de conteúdos ou sua tradução para a Educação Básica. Os horizontes do campo vão além das reflexões sobre estratégias didáticas ou o potencial de recursos para o ensino da História e não se confundem técnicas destinadas à operacionalização do saber histórico em situação escolar. Leia Mais

Males do Sertão: Alimentação, saúde e doenças em Goiás no século XIX | Sônia Maria Magalhães

A relevância do papel da alimentação no surgimento de doenças na província de Goiás no século XIX é o principal objetivo de Sônia Maria de Magalhães [1] em Males do Sertão: Alimentação, saúde e doenças em Goiás no século XIX, cujo livro é resultado de sua tese de doutorado defendida na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Franca, em 2004.

A autora busca evidenciar que o cotidiano da população goiana não passou por mudanças significativas na passagem do século XVIII para o XIX. Em uma narrativa convidativa à leitura, surge um panorama social, econômico e epidemiológico de Goiás durante o século XIX. O livro se compõe em três partes: “O problema alimentar e as doenças reinantes no Brasil”, “Alimentação e enfermidades em Goiás” e “Assistentes, saúde e agentes a serviço da cura”. Leia Mais

Igualitária. Belo Horizonte, n.1, 2017.

HISTÓRIA: TRANSVERSALIDADES

ARTIGOS

  • Capital Inicial e Legião Urbana: A música Punk e sua influência na formação da identidade dos jovens brasilienses nos anos 80
  • RESUMO PDF
  • Daniela Garcia Machado, Eder Jesus de Assis Sales, Renata Campos Duarte Garcia
  • A Abolição Da Escravidão No Brasil: Um Debate Historiográfico
  • RESUMO PDF
  • Gisele Caroline Raimundo, Jadson Luiz da Cruz Leonato, Cristiany Miranda Rocha
  • Design de Ambientes: uma abordagem do ensino pela conjectura funcionalista
  • RESUMO PDF
  • Isabella Pontello Bahia
  • A concessão de Títulos de Nobreza no Alvorecer do Período Joanino (1808)
  • RESUMO PDF
  • Rodolfo Pereira Guedes, Roger Alves Vieira
  • Espaço Cênico como Cultura Material e sua Transformação no Decorrer da História
  • RESUMO PDF

Regionalismo, Liberalismo y Rebelión. Copiapó en la Guerra Civil de 1859 – FERNANDEZ ABARA (RHYG)

FERNANDEZ ABARA, Joaquín. Regionalismo, Liberalismo y Rebelión. Copiapó en la Guerra Civil de 1859. Santiago de Chile: Escuela de Historia Universidad Finis Terrae, RIL Editores, 2016. 317p. Resenha de: MOLINA JARA, Jorge. Revista de Historia y Geografía, Santiago, n.37, p.219-222, 2017.

Chile, desde que se constituye como una República independiente y tras las primeras luchas en torno a la forma que debía tener el Estado, se caracte­rizó por un fuerte presidencialismo y el predominio de la ciudad de Santiago sobre otras localidades del país. A pesar de que en algunos periodos históricos el eje del poder institucional y territorial pretendió moverse, esta situación se ha mantenido hasta nuestros días. En el año 2016, se inició en nuestro país un proceso de discusión sobre el cambio constitucional, reflotando con fuerza entre los participantes, la idea de una asamblea constituyente, la necesidad de descentralizar y avanzar en una regionalización auténtica.1 Esta mirada evidenció una latente percepción de postergación de las regiones, por una institucionalidad que favorecería a la zona central, particularmente a Santiago.

Ese mismo año, el historiador Joaquín Fernández Abara publica el libro que comentamos, donde analiza un momento de inflexión del Chile deci­monónico y que la historiografía no ha abordado en profundidad: el reclamo regionalista contra el Ejecutivo (asentado en Santiago), que se expresó en el levantamiento copiapino de 1859. El texto, de 317 páginas, secuenciadas en una introducción, cuatro capítulos, más las conclusiones, bibliografía y un anexo documental, recoge las investigaciones de Fernández desarrolladas en la última década en torno a esta problemática y amparadas en su tesis de magíster en la Universidad Católica. Leia Mais

Atlas histórico de las divisiones político-administrativas de Chile, 1810-1940 – SAGREDO BAEZA et al (RHYG)

SAGREDO BAEZA, Rafael; GONZÁLEZ LEIVA, José Ignacio; COMPAN RODRÍGUEZ, José. Atlas histórico de las divisiones político-administrativas de Chile, 1810-1940. Santiago de Chile: Instituto Geográfico Militar, Pontificia Universidad Católica de Chile, Dirección de Bibliotecas, Archivos y Museos, 2016. 334p. Resenha de: ARAYA, Mariel Rubio. Revista de Historia y Geografía, Santiago, n.36, p.197-199, 2017.

Se da por hecho que historia, geografía y cartografía van de la mano pero pocas veces dialogan con tanta claridad como en el libro que hoy co­mentamos. Es más, nos aventuramos a decir que esta es la primera ocasión en que lo hacen en la magnitud de esta obra.

En este atlas, producto del trabajo de Rafael Sagredo, José Ignacio Gon­zález y José Compan, se recorre la historia de Chile republicano a través de una nueva óptica, dando luces sobre el proceso de construcción del Estado y la nación, desde el ocaso de la Colonia hasta mediados del siglo XX. A través de los 197 mapas podemos ver no solo la expansión o contracción territorial de Chile desde el punto de vista geográfico, sino que nos da las herramientas para analizar las motivaciones políticas que hubo tras cada límite trazado en el papel y que más de una vez nos obligaron a dialogar o enfrentar a nuestros países vecinos. Leia Mais

A cavalaria medieval ibérica | Signum – Revista da ABREM | 2017

Planejamos esse dossiê temático pretendendo reunir estudos sobre as cavalarias ibéricas, em suas múltiplas formas de interação social e política, sem esquecer das Ordens de cavalaria que apareceram em solo peninsular ou que a ela se referiam. Ao pensarmos em cavalaria na Península Ibérica, entre tantas fontes, chamam a nossa atenção as informações que podemos extrair da obra de Alfonso X, o sábio (1252-1284), dentre elas, aquela que ficou conhecida como Las Siete Partidas 2.

O Título XXI da Segunda Partida trata da cavalaria, especificando, na primeira lei, que ser cavaleiro não é uma condição de nascimento e sim, o reconhecimento de uma série de características que fazem com que seu portador possa ser escolhido para pertencer a esse estamento. Leia Mais

500 anos do Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente | Signum – Revista da ABREM | 2017

Como já nos ensinou Ítalo Calvino, “clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”1. Por isso, novos leitores e leituras de um texto dito clássico estão sempre em demanda daquilo que ainda não foi dito, numa busca intensa e renovada por atualizações e ressignificações. Como comprova este Dossiê, o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, é uma obra clássica da dramaturgia em língua portuguesa, e, somando-se ao que já foi dito por sua longa fortuna crítica, vários foram os colegas que aceitaram nosso chamado em demanda do ainda não dito ou de renovação do já dito sobre Inferno. Alinhado à tradição do teatro produzido na Idade Média europeia, constituindo-se como Moralidade, gênero dos mais frutíferos da dramaturgia medieval, renovando e ressignificando a representação do momento de passagem da vida para a morte, a partir da cristianização do tema proveniente da Antiguidade da travessia do Lette, rio do Esquecimento, e encenando um assunto caro a sua época, o julgamento final a que toda alma terrestre deve se submeter no pós-morte, Inferno é um clássico extremamente atual. As inquietações que movem suas personagens são ainda nossas, pois como nos lembram, ao final do auto, os Cavaleiros de Cristo, “na vida perdida/ se perde a barca da vida”. Leia Mais

História oral como arte da escuta

PORTELLI, Alessandro. História oral como arte da escuta. Trad. Ricardo Santhiago. São Paulo: Letra e Voz, 2016. 196 p. Resenha de: MENIN, Assis Felipe. Por uma escuta sensível na história oral. História Oral, v. 20, n. 1, p. 241-244, jan./jun. 2017.

O mais recente livro de Alessandro Portelli, professor de literatura e historiador oral, traz ao leitor uma coletânea de artigos publicados em diferentes épocas de sua longa carreira de professor e pesquisador. O livro se divide em três partes, com três artigos cada. A escrita de História oral como arte da escuta é rica em detalhes históricos e memórias carregadas de sentimentos.

O livro não se destina apenas aos interessados na metodologia da história oral – historiadores e acadêmicos em geral –, mas certamente também aos interessados em histórias de homens e mulheres e em suas diferentes versões e impressões da história.

A primeira parte do livro é metodológica, diz respeito a como fazer e pensar a história oral. O autor ensina a trabalhar a oralidade, mostrando a importância de se manter uma relação “dialogal” entre historiador e narrador.

No dizer de Portelli, as fontes orais são cocriadas a partir da relação entre entrevistador e entrevistado. Por isso, as fontes orais carregam o inesperado, o inusitado e até mesmo o contraditório. Para exemplificar, ele fala sobre o momento em que, supostamente terminada a entrevista, o gravador é desligado: são frequentes os casos em que se escutam histórias tão interessantes quanto as do registro gravado ou ainda mais surpreendentes. Apesar de consciente do compromisso do entrevistador de proteção à sua privacidade, o entrevistado, mais relaxado nessa “informalidade”, se permite confidências inesperadas. O autor faz referência a episódios relativos à Segunda Guerra Mundial, a casos de assédio sexual, a histórias de mulheres durante a guerra e a práticas homoeróticas.

A história oral, além de ser dialógica, é performática, afirma o autor, já que ela não pode ser separada da linguagem e das expressões empregadas na narração. Esses aspectos exigem da história oral a arte da escuta, que ajudará o historiador a aprender mais e a ter diferentes visões do fazer história oral.

No segundo texto, Autoetnografia da prática de pesquisa, Portelli debate uma questão de metodologia a ser pensada pelo historiador: não é somente na performatividade do outro que a narração pode esconder significados, mas na do próprio historiador. A entre-vista se caracteriza pelo ato de duas pessoas olharem uma à outra. O entrevistador, portanto, não pode se manter neutro.

Portelli percebeu, em sua longa carreira de pesquisador de história oral, que o silêncio do entrevistador provoca no narrador desconfiança e, com isso, cria nele estereótipos sobre o seu próprio relato e sobre a pessoa do pesquisador.

No terceiro artigo, Portelli alerta para as especificidades e usos da memória: a memória involuntária, a memória perturbadora e a memória- -monumento. Para o autor, a memória não pode ser caracterizada como “boa” ou “má”, pois ela simplesmente é. O esquecimento faz parte da memória: esquecemos o que não nos afeta ou não possui significados. Existe, porém, um esquecimento que é caracterizado pelo “excesso de significados”. Para melhor explicar tal esquecimento, seriam necessárias memórias repletas de fantasmas que perturbam o presente. São as chamadas memórias involuntárias, que surgem de diferentes maneiras e em variadas circunstâncias. Portelli cita o caso de uma mulher ex-escravizada que, ao caminhar por verdes e floridos jardins e sentir o odor de lavanda das flores, se recorda dos momentos dramáticos e dos abusos sofridos naqueles campos. A memória perturbadora, por sua vez, é como um fantasma, insiste em aparecer mesmo quando não é querida por perto; é o que ocorre com os traumas, por exemplo. Por fim, a memória-monumento é aquela celebrada pelas instituições, que recorda de um passado considerado laudatório, mas que pode trazer dor e ressentimentos a algumas pessoas. Os três tipos de memórias estão interligados.

Na segunda parte do livro, As formas da memória pública, Portelli trabalha com um tema muito caro aos historiadores, que criticam, por um lado, a disputa e o mau uso das memórias e, por outro, incentivam uma visão interdisciplinar do fazer histórico e de múltiplos saberes, que todos podem ajudar a construir. É o que o autor defende no artigo sobre a Casa da Memória e da História de Roma, um local construído por diferentes setores da sociedade – acadêmicos, políticos, representantes da comunidade e pessoas que participaram ativamente dos acontecimentos – para lembrar o massacre das Fossas Ardeatinas1 e o fascismo, bem como suas consequências para o governo progressista de Roma na época. O espaço se transformou em local de disputas por memória, história e, consequentemente, por políticas diferentes: de um lado, o anticomunismo; de outro, os direitos humanos.

No artigo sobre imigrantes na Itália, a sensibilidade de Portelli com os entrevistados, provenientes de países asiáticos e africanos, assim como sua persistência para encontrá-los, mostra como contornar as adversidades de um projeto. Os imigrantes são vistos como mera força de trabalho na sociedade capitalista; por isso, são indivíduos em trânsito, que não conseguirão evitar a condição de provisoriedade, conforme afirma Sayad (1998), ou de outsider, de Elias e Scotson (2000), e ser reconhecidos como cidadãos na sociedade que os recebe. Ao reconectar as canções dos imigrantes e suas memórias, Portelli consegue trazer à tona as emoções e as saudades dos que deixam a própria terra e os seus para tentar a vida em outro país, onde nem sempre são bem recebidos – como é o caso dos imigrantes atualmente na União Europeia.

Com esse propósito, o autor apresenta três entrevistas, nas quais também mostra que os imaginários sobre a Itália (ou qualquer país de destino) são compostos de representações sociais, econômicas e culturais. Ao relatar a saudade, os imigrantes se encontram em um entre-lugar: estão aqui, longe dos seus, deslocados de seu país, e, ao mesmo tempo, não fazem parte deste lugar, estão permeados por um sentimento de não lugar.

No terceiro artigo da segunda parte, Portelli trabalha a adaptação da história oral para o teatro. Não há preocupações quanto à sequência da narrativa teatral e de sua performance, pois a narrativa oral é diferente a cada vez que é contada – basta lembrar a performance da tradição oral nas sociedades africanas. É a partir desse termo (performance – pela liberdade de interpretar) que a história adquire novas conotações: quando sai do escrito e volta para a performatividade da fala, ela retorna ao seu status, e isso envolve o performer, o ator e a audiência. As adaptações teatrais reativam silêncios e traumas que em alguns casos são esquecidos ou silenciados pelas instituições; democratizam, assim, a experiência da memória, levando a mensagem a plateias que possivelmente não teriam acesso ao seu conteúdo por outro meio.

Na terceira e última parte, Portelli desenvolve questões referentes à guerra e à memória. Além das violências e traumas que a guerra causa, ela produz em quem a vive imaginários de “como seria se...”, misturados aos sentimentos de mágoa. No primeiro artigo, Portelli se debruça sobre os imaginários dos partigiani, sobre as violências e violações que sofreram das tropas fascistas na guerra de Poggio Bustone.

No segundo artigo, sobre genocídio, o autor entrevista sobreviventes da guerra sobre seus medos, fantasmas e fantasias: ao invés de descartá-los por suas incongruências e contradições, ele trabalha com essas imaginações e relatos.

Não importa o que os narradores realmente tenham feito ou vivido, mas o que eles sentiram e sentem a respeito de determinado episódio. Sentimentos de violações e injustiças se misturam e são recriados, segundo o autor. Essas histórias podem ser interpretadas pelo apagamento e pelo silenciamento dessas memórias pelo discurso oficial.

Por fim, Portelli apresenta a memória em meio a uma guerra de narrativas que envolve imaginários, emoções, racismo, fascismo, disputas. O autor desenvolve a narrativa dos fatos através das entrevistas com as pessoas que viveram na catástrofe da ocupação alemã de Hitler. Geralmente em uma guerra se avaliam as perdas materiais e humanas, quantitativamente. Portelli, com suas entrevistas, busca mostrar que há outras vítimas, certamente inocentes.

O livro de Alessandro Portelli é um aprendizado para quem trabalha com a metodologia da história oral. Como ele próprio afirma: “A história não termina quando o gravador é desligado, quando o documento é depositado, quando o livro é escrito; ela começa a viver naquele dia” (p. 43).

Referências

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Edusp, 1998.

1 Massacre que ocorreu na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944, quando nazistas fuzilaram 335 civis italianos.

Assis Felipe Menin – Mestre em História do Tempo Presente pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). E-mail: a.f.menin@gmail.com.

História oral e práticas educacionais – RODEGHERO (HO)

RODEGHERO, Carla Simone; GRINBERG, Lúcia; FROTSCHER, Méri (Org.). História oral e práticas educacionais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016. 226 p. Resenha de: SANTHIAGO, Ricardo. A história oral e suas possibilidades educacionais. História Oral, v. 20, n. 1, p. 237-240, jan./jun. 2017.

O livro História oral e práticas educacionais, organizado por Carla Simone Rodeghero, Lúcia Grinberg e Méri Frotscher, consolida e amplia discussões motivadas pelo 13º Encontro Nacional de História Oral, realizado em 2016 na cidade de Porto Alegre, em torno do mesmo tema. A diversidade dos artigos que compõem a obra mostra-se não a despeito do tema unificador do evento, mas, ao menos em parte, em função dele. No Brasil, afinal, a história oral desenvolveu-se predominantemente enquanto uma especialidade acadêmica, perseguida no seio da universidade e favorecida pela expansão do sistema de pós-graduação.

Diferentemente do que ocorreu em contextos onde a história oral floresceu em arquivos, bibliotecas e institutos eminentemente investigativos, aqui a pujança do campo esteve atrelada às universidades; deve-se ao entusiasmo de estudantes que, com inúmeras teses, dissertações e trabalhos de graduação, tiveram e têm um papel fundamental em dimensionar a prática da história oral e garantir que ela seja considerada como um recurso de pesquisa valioso e como um empreendimento coletivo capaz de oferecer interpretações sólidas e muitas vezes desafiadoras sobre o passado e o presente.

A principal novidade da coletânea reside no esforço de sistematização de reflexões e experiências sobre o uso da história oral no ensino – em universidades, escolas e espaços de educação não formal –, aliando-se a outras publicações recentes que tratam do assunto. A busca por essa sistematização dá o tom da primeira parte da obra, História oral e práticas educacionais.

O capítulo De volta ao futuro: o poder político da história oral na educação, da canadense Kristina R. Llewellyn, provém de um contexto que tem a história oral como recurso frequente na escola básica, em variadas disciplinas e em projetos interdisciplinares. Llewellyn argumenta que a história oral “proporciona aos jovens a capacidade de transformar narrativas históricas sobre suas nações e empoderaos para moldar seu futuro político” (p. 17), mas defende que isso passa por uma reorientação da “cultura do testemunho” em que os jovens estão inseridos e das ferramentas tecnológicas em que essa cultura está encarnada. A autora entende o uso do método na escola como um caminho para a democratização e para a consciência crítica, e oferece exemplos de como isso tem sido perseguido, inclusive no projeto que integra, que combina história oral, realidade virtual e realidade aumentada.

Os dois textos seguintes harmonizam o entusiasmo de Llewellyn com reflexões que descortinam a complexidade do uso pedagógico da história oral.

Em Dois temas sensíveis no ensino de história e as possibilidades da história oral: a questão racial e a ditadura no Brasil, Verena Alberti vai além das dimensões sinalizadas por seu título e evidencia como “a própria História já pode ser vista como uma matéria sensível e controversa” (p. 38). Com exemplos instrutivos e propostas pedagógicas práticas, Alberti demonstra de que formas as histórias pessoais podem ser utilizadas como aliadas para desafiar noções do senso comum e estimular o pensamento crítico. Em História oral e história recente do Brasil: desafios para a pesquisa e para o ensino, Carla Simone Rodeghero reforça a ideia de que as histórias orais servem não somente para sensibilizar, mas também para favorecer a compreensão crítica: recuperando dois de seus temas de estudo, o anticomunismo e a anistia, a autora evidencia a capacidade que os relatos orais têm de tensionar leituras e interpretações estabelecidas sobre o passado.

A segunda parte do livro, História oral: experiências e possibilidades na educação formal e não formal, é aberta por Isabel Cristina Martins Guillen, que em História oral e ensino de história: experiências e debates nutre-se de várias experiências de uso da história oral no âmbito da graduação em História para dissertar acerca do valor pedagógico da história oral e da história local enquanto abordagens capazes de enfrentar questões globais nos estudos sobre o presente. Suas ideias encontram ressonância no ensaio História do tempo presente, história oral e ensino de história, em que Marieta de Moraes Ferreira entrelaça as dimensões de seu título, objetos de reflexão persistentes em sua trajetória, reconhecendo que “as novas metas do ofício de historiador” são balizadas pela “tensão entre seu papel social e seu compromisso com a produção científica” (p. 132) e sugerindo que a história oral é um caminho possível para que o profissional persiga essas metas.

Os outros artigos relatam percursos nos quais os procedimentos estabelecidos encontram-se com a criatividade e integram-se a dinâmicas interdisciplinares e práticas multiprofissionais. Em História, memória e performance em narrativas orais de crianças, Luciana Hartmann recapitula três experiências de investigação distintas em termos de tema e abordagem; da perspectiva de uma antropóloga que estuda performance e as múltiplas manifestações da oralidade, ela chama atenção para esses narradores raramente convocados a relatar suas experiências, valorizando o aproveitamento pedagógico do impulso narrativo das crianças. Em Memória, cultura e educação não formal: experiências de pesquisa, a socióloga Olga Rodrigues de Moraes von Simson revisita seu próprio itinerário, demonstrando como, a partir de seu estudo pioneiro sobre o carnaval paulista, outros territórios temáticos e geográficos puderam ser explorados, em uma perspectiva que configura o diálogo entre estudiosos e sujeitos de pesquisa como propulsor do desenvolvimento de uma consciência identitária e de um senso de pertencimento cultural. Em O amor entre a voz e a coisa: a construção de uma exposição sobre o amor a partir do depoimento dos doadores de objetos, Kênia Sousa Rios relata como, partindo do inventivo deslocamento semântico da expressão “prova de amor”, ela propôs aos seus alunos uma reflexão histórica sobre o amor romântico e os temas que ele vivifica, como as relações familiares e os papéis de gênero; essa discussão culminou na criação de uma exposição que, valendo-se de histórias orais, retratos e objetos, encarnou as expectativas, os sonhos, os delírios e as frustrações que enlaçam histórias de amor.

A parte final da obra, intitulada História oral, pesquisa, ensino e acervos, é aberta por Luciane Sgarbi S. Grazziottin, que em História da educação e história oral: possibilidades de pesquisa em acervos de memória reflete sobre os problemas envolvidos nas pesquisas que se valem de entrevistas arquivadas, mencionando três acervos utilizados em seus próprios estudos. Em História oral e educação matemática: perspectivas e um projeto coletivo, Antonio Vicente Marafioti Garnica e Maria Ednéia Martins Salandim relatam a trajetória do Grupo História Oral e Educação Matemática (GHOEM), no qual a história oral acopla duas funções de igual importância: estabelecer novas fontes para o estudo da formação e do ensino de matemática e dinamizar, junto com os educadores, um processo de reflexão que constitui e revela uma identidade profissional específica. Em Garimpando memórias: esporte, lazer e educação física, Silvana Vilodre Goellner recupera a trajetória do Centro de Memória do Esporte (CEME) da UFGRS, dedicado à guarda e à investigação de acervos esportivos e também à produção cultural, já que os depoimentos são base para exposições, programas educativos e para um acervo digital. O artigo explicita o compromisso em oferecer visibilidade pública às histórias colhidas, em coerência com o impulso de reconhecer o papel das experiências de outros sujeitos que não os vencedores (em se tratando de esportes competitivos, no sentido literal).

O último capítulo da obra, Memórias em movimento: a experiência com fontes orais e visuais do Laboratório de História Oral e Imagem da UFF, de Ana Maria Mauad, ultrapassa a proposta da autora e pode ser interpretado como um encapsulamento de questões que permeiam todo o livro, cujo enfrentamento é crucial na abordagem da história oral como prática educacional.

Em primeiro lugar, é crucial por chamar atenção para os desafios de tomar a memória como um objeto de estudo a ser inquirido criticamente, para além de seu papel celebrativo e reiterativo ou de sua capacidade de sensibilização.

Em segundo, por fazer notar a intertextualidade constitutiva dos textos culturais, cuja leitura é condicionada pelos textos (escritos, orais, imagéticos etc.) que os precedem e sucedem, numa trama histórica complexa. Por fim, não menos importante, por acionar as noções de “prática historiadora” e “prática social”. A justaposição de ambas – “na produção de um conhecimento intersubjetivo e reconhecido como válido pelos sujeitos históricos” (p. 210) – é uma característica que explica, ao menos em parte, a disposição de um número crescente de educadores em incorporar a história oral como ferramenta pedagógica em espaços variados de educação formal e não formal.

Ricardo Santhiago – Doutor em História Social pela Universidade São Paulo (USP), com pós-doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do Departamento de Desenvolvimento Humano e Reabilitação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pesquisador do Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI-UFF), do Grupo de Estudo e Pesquisa em História Oral e Memória (GEPHOM/EACH-USP) e do Centro de Estudos em Música e Mídia (MusiMid). E-mail: rsanthiagoc@ gmail.com.

O golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus | Cristiane Lopes da Mota

Nos últimos anos o Brasil vem passando por uma série de mudanças políticas e manifestações públicas pedindo o retorno da ditadura ou de governos militares. Ainda que estarrecido com tais ações, estes acontecimentos nos permitem refletir e produzir novos estudos sobre o tema e pensar como estes estão chegando ao dito grande público.

Nessa perspectiva, lançado em 2016, resultante de sua dissertação defendida em 2013 na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), o estudo da historiadora Cristiane Mota, O golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus, traz significativas contribuições para se pensar o quanto o período influenciou diretamente na conjuntura política e social do município baiano referido, além de uma reflexão sobre nosso atual momento político. Leia Mais

Manduarisawa | UFAM | 2017

MANDUARISAWA 2 Manduarisawa

A Manduarisawa – Revista Discente do Curso de História da UFAM (Manaus, 2017-) nasceu da inquietação de jovens acadêmicos que almejavam contribuir e incentivar a produção do conhecimento científico na Amazônia tendo por objetivo ser um periódico anual, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que conta com a participação, no seu corpo editorial, dos alunos da graduação do Curso de Licenciatura Plena em História (UFAM) e do Programa de Pós-graduação em História (PPGH/UFAM).

Dessa forma, desejamos que a Revista Discente seja um canal de divulgação das pesquisas acadêmicas e um meio no qual possibilita a troca de experiências e saberes.

Esperamos que o periódico possa também colaborar de forma significativa para o desenvolvimento intelectual de cada autor (a), parecerista e leitor (a). E por fim, que esse seja um espaço de debate, crítica e reflexão sobre a nossa prática de pesquisa e escrita no campo da História.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2527-2640

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Gênese e estrutura da antropologia de Kant – FOUCAULT (Ph)

FOUCAULT, Michel. Gênese e estrutura da antropologia de Kant. São Paulo: Edições Loyola, 2011.Resenha de: SOLER, Rodrigo Diaz de Vivar y. Foucault e antropologia Kantiana: morte do homem e analítica da finitude. Philósophos, Goiânia, v. 22, n. 1, p.265-273, jan./jun., 2017.

A construção de um ensaio intitulado Gênese e Estrutura da Antropologia de Kant (FOUCAULT, 2011) seguido da tradução de Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático (KANT, 2006) constitui a tese complementar escrita por Foucault em paralelo com a sua consagrada leitura sobre a história da loucura. Texto menor, sem sombra de dúvida, porém de extrema relevância já que é nele que podemos encontrar todo um conjunto de problematizações que se farão presentes em outros momentos de sua trajetória intelectual.1 Em linhas gerais, pode-se afirmar que o projeto longitudinal dessa interpretação, por parte de Foucault (2011) consiste em demarcar como todo pensamento moderno, desde o século XVIII, encontra-se assombrado pelo espectro da antropologia, uma vez que, para Foucault (2011) a emergência da crítica como categoria fundamental do pensamento opera como uma espécie de emblema de passagem do sujeito do cogito em Descartes para a complexa maquinaria do duplo empírico-transcendental.

Entretanto, antes que se prossiga é necessário nos perguntarmos: quais seriam as condições de possibilidade responsáveis por fazer da antropologia o grande sistema epistemológico de nossa modernidade? Inicialmente é necessário afirmar que a antropologia corresponde a toda categoria de pensamento que procura responder a infame pergunta: o que é o homem? Questionamento este que recebera um tratamento crítico desde a publicação de As Palavras e as Coisas até A Arqueologia do Saber (FOUCAULT, 2006, 2007) no que se refere a uma problematização sobre o homem como categoria fundamental dos saberes modernos. Mas, é necessário ressaltar que, correlativo a esse projeto, encontra-se a tese de Foucault (2011) de que no horizonte prescrito pela antropologia kantiana vislumbra-se a analítica da finitude como ferramenta para se pensar o tempo presente.

Logo nas primeiras páginas de Gênese e Estrutura da Antropologia de Kant Foucault (2011) constrói duas problematizações imprescindíveis a esse respeito. A primeira consiste na denúncia de que toda racionalidade ocidental encontra-se atrelada aos problemas desenvolvidos por Kant. A segunda refere-se a imagem concreta do homem como categoria inventada. Habituamo-nos a compreender que foram os homens que criaram o pensamento científico.

A leitura foucaultiana acaba por indicar que foi a ciência quem criou o homem baseada nas contribuições elaboradas por Kant, lançando em torno dessa figura uma série de discursividades que remontam à emergência da modernidade. Para Foucault (2011, p.36)

A Antropologia é pragmática no sentido de que não vê o homem enquanto pertencente à cidade moral dos espíritos (ela seria chamada de prática), nem à sociedade civil dos sujeitos de direito (ela seria então jurídica); considera-o “cidadão do mundo”, isto é, pertencente ao domínio universal concreto, no qual o sujeito de direito, determinado pelas regras jurídicas e submetidos a elas, é ao mesmo tempo uma pessoa humana que traz, em sua liberdade, a lei moral universal (Foucault 2011, p.36).

Ou seja, a importância da antropologia consiste no fato de que ela consiste em ser um livro prescritivo sobre as bases do problema do agir. Ela não está, portanto, interessada em fixar os limites da experiência ética ou descrever as condições de possibilidade de uma doutrina jurídica e política, mas sim demonstrar quais seriam, precisamente, os motivos pelos quais o homem, na modernidade, age em sua liberdade a partir da aplicabilidade de uma lei universal.

Nesse contexto, é a liberdade do ponto de vista pragmático isto é, as razões que nos levam a agir de acordo com aquilo que a sociedade espera de nós sem perder, contudo, a capacidade de exercer o argumento crítico em relação as nossas ações públicas e privadas. Na realidade, o objetivo de Kant seria o de propor um valor universal mediado pela experiência do pensamento e, o que as convenções sociais compreender como correto a partir da constatação, ou melhor, da formulação do problema de que o homem faz, pode e deve fazer constituir-se como ser livre da ação.

Justamente por conta desses aspectos que Kant (2006) desenvolverá ao longo de toda sua antropologia um conjunto de prescrições práticas sobre as ações humanas como as recomendações elencadas em torno da saúde. Uma saúde que se produz no bom uso da liberdade. Observa-se nesse caso como Kant (2006) enfatiza nesse ensaio não a categorização dos grandes sistemas metafísicos, mas as questões concretas que contribuem para tornar a vida humana possível a partir do exercício de uma ética voltada para as possibilidades manifestadas de maneira empírica. A verdadeira antropologia é aquela responsável por fundamentar um conhecimento prático sobre o homem característica fundamental de toda a modernidade. Na realidade, Foucault (2011) parece se interessar muito em apresentar a antropologia de Kant como uma espécie de correlação entre a ciência da época e sua própria experiência filosófica para fazer emergir uma espécie de estética cotidiana do agir. Não por acaso que Kant (2006) irá considerar o prolongamento da existência como uma arte. Contudo, mesmo a minúcia desse prolongamento não é capaz de garantir a vitória do homem contra a morte sendo necessário ao homem gerir as relações entre a ética do agir e as adversidades experimentadas ao longo da existência.

O que ilustra a antropologia como texto prescritivo e daí a riqueza do pensamento kantiano é que ela inaugura um novo estatuto ontológico baseando sua analítica em torno de uma questão que circula sobre as condições de uma época a qual parece emergir uma compreensão prática sobre o homem e sua finitude através da dimensão técnica do trabalho de compreensão em torno da objetivação do sujeito. Em suma, o problema a ser colocado consiste em pensar: o homem é sujeito de liberdade da ação, mas como se pode defini-lo? Esse problema coloca a antropologia diante de alguns desafios. O primeiro consiste em perceber o conhecimento como algo pragmático já que se faz uso dele de um modo generalizado na nossa sociedade. Embora, isso não significa que ele seja algo utilitário convertido em um universal.

Foucault (2011) designa que esse aspecto responsável pela correlação entre antropologia e conhecimento é a junção do que Kant compreende como Können poder e Sollen – dever a partir do desdobramento das práticas sociais cotidianas.

Mas, isso não significa que Kant (2006) pretenda constituir uma espécie de psicologia. A primeira vista Foucault (2011) trata de deixar claro que os projetos que consolidaram a psicologia como ciência referem-se a um projeto radicalmente diferente do formulado por Kant (2006) na sua antropologia, pois para o filósofo alemão os motivos pelos quais o homem apresenta determinados modelos de conduta aceitáveis seriam aqueles pensados sob o ângulo de certo contexto social. A questão seria a explorar o Gemüt natureza2isto é, a maneira pela qual o homem, por meio de suas experiências, constitui-se a partir de sua relação com o mundo e com as coisas. Percebe-se, portanto, como a antropologia acaba por fixar as bases de que é o labor das ideias que se manifestam no campo da experiência, princípio pelo qual deve-se perceber a analítica kantiana não somente como um pressuposto epistemológico mas sim como uma dialética desdialetizada uma vez que ela destina-se a compreender a experiência no próprio jogo dos fenômenos. Nesse sentido Foucault (2011) inclina-se a pensar Kant deslocando seu campo da filosofia da ciência para relacioná-lo dentro de um contexto mais amplo, no caso, os jogos provenientes dos enunciados e da ordem do discurso.

O fato emblemático é que Foucault (2011) considera a antropologia como superação do próprio empirismo científico uma vez que ela sinaliza o conhecimento como um princípio vivificante. Crítica empreendia por parte de Kant dos próprios limites do empirismo compreendido como uma mera fisiologia. De fato, um dos maiores problemas elencados por Kant (2006) foi o de tentar estabelecer todo um esforço para pensar os contornos de sua antropologia a partir de uma nova relação do conhecimento com o problema da experiência.

Uma vez que a antropologia não deve ser lida como uma mera continuidade das teses presentes na teoria do conhecimento, o que está em questão seria a necessidade de um deslocamento que se manifesta na categoria do homem como objeto de estudo a partir da constatação de que a antropologia do Gemüt dedica-se a pensar a condição de possibilidade da experiência no campo da finitude humana.

Não que o Gemüt não esteja presente no contexto da filosofia crítica, mas especificamente na antropologia essa ideia surge como um desafio a ser superado pelo empírico-transcendental.

Se a antropologia inaugura a questão moderna sobre o que é homem já não se trata mais de uma questão que deve ser sustentada somente pela perspectiva do ceticismo filosófico dirigido pelo tribunal orquestrado pela filosofia crítica, mas pelos contornos os quais toda forma de conhecer está inegavelmente sujeita desde a metafísica, até a moral, desde a própria política até a religião. Em torno dessa questão que todo o pensamento moderno encontra-se delimitado.

Foucault (2011) parece interessado em nos mostrar como toda episteme está imersa na antropologia kantiana não conseguindo desvencilhar-se dessa conjetura, por mais radical que posam parecer suas argumentações. Ao propor os limites e as possibilidades do que é o homem, a antropologia acaba constatando que essa figura pode apenas conhecer o fenômeno, ou seja, aquilo que se apresenta sem apreender a coisa em si. Esse modo de pensar se traduz na possibilidade de se perceber quão problemática se torna a analise sobre a questão da conduta humana. Ao tentar solucionar tal problema, a episteme moderna limita-se a descrever características limitadoras mediadas pelos fenômenos aparentes de suas ações e predicados. Por isso, jamais poder-se-á afirmar algo sobre a natureza humana descontextualizada das práticas culturais, históricas e sociais. Contudo, isso não quer dizer que não se possa caracterizar as ações do homem.

Existe nesse conjunto de constatações lançado pela antropologia a estreita relação entre verdade e liberdade. Tal problema é trabalhado por Kant, segundo Foucault (2011), no Opus Postumum: a tripartição entre Deus, o mundo e o homem. Foucault (2011) nos lembra que, para Kant, Deus configura-se como persönlichkeit a personalidade responsável por representar a liberdade em relação ao homem e ao mundo, a própria fonte absoluta. Já o mundo seria o todo, a potência da experiência que se apresenta como extensão do inoperável enquanto que, o homem apresenta-se como síntese dupla, ao mesmo tempo que se configura como aquilo que se unifica em Deus e no mundo, não sendo mais do que um de seus habitantes e um ser limitado em relação a Deus. Abre-se nessa perspectiva o fundamento da ação antropológica cujo efeito seria o de perceber a relação entre verdade e liberdade como um processo de finitude.

Nesse sentido, a interpretação foucaultiana de Kant está inscrita na tentativa de se desdobrar os limites dessa finitude a partir da problematização sobre a modernidade como idade do homem. Conforme aponta Foucault (2011), a maioria dos sistemas de pensamento que julgavam ter ultrapassado a sabedoria do grande chinês de Konninsberg não souberam, delimitar com acuidade o fato de que não se encontravam as voltas com novos problemas, mas simplesmente lidavam com as questões de filiação e de fidedignidade ao pensamento kantiano. Resta, compreender o olhar sobre a filosofia pelos critérios da intempestividade de Nietzsche. Uma empresa de coragem que ousa associar o filosofar a golpes de martelo em torno de problemas delicados sobre os quais nossa modernidade foi fundada. Se ao homem não lhe é facultado o direito de conhecer sobre sua natureza, a filosofia de Nietzsche nos mostrará, segundo argumenta Foucault (2011) que o homem não passa de uma invenção risível dentro do contexto dos grandes sistemas de enunciado, uma invenção que encontra- se em vias de desaparecimento como um rosto desenhado na orla do mar.

Referências

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

____. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

____. Gênese e Estrutura da Antropologia de Kant. São Paulo: Edições Loyola, 2011.

____. Foucault. In: FOUCAULT, M. Ditos e Escritos V: ética sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, pp. 228-233.

KANT, Immanuel. Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático. São Paulo: Iluminuras, 2006.

Notas

1 Em muitas análises do pensamento foucaultiano são reconhecidas as influências de Kant em temas relacionados à morte do homem, a ontologia histórica de nós mesmos e a problemática sobre o apriori histórico. O próprio Foucault reconheceu, sob o pseudônimo de Maurice Florence a, é certamente na tradição crítica de Kant, e seria possível nomear sua obra História Crítica do Pensamento. Ver mais detalhes em: FOUCAULT (2014, p.228).

2 Embora tenhamos traduzido a palavra Gemüt como natureza cumpre ressaltar que podemos encontrar na língua alemã outros significados igualmente relevantes como alma, mente e até mesmo sensibilidade.

Rodrigo Diaz de Vivar y Soler – Doutorando em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, RS, Brasil. Professor do Centro Universitário Estácio Santa Catarina e do UNIBAVE. E-mail: diazsoler@gmail.com

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O socialismo utópico – BUBER (Ph)

BUBER, Martin. O socialismo utópico. São Paulo: perspectiva, 2007.Resenha de: CARVALHO, José Mauricio de. Philósophos, Goiânia, v. 22, n.1, p.249-264, jan./jun., 2017.

O livro, elaborado em doze capítulos, começa examinando o legado intelectual daqueles pensadores que os marxistas chamavam de socialistas utópicos. Seguem-se as análises das propostas de Gustav Landauer, Karl Marx e Vladimir Ilitch Lênin para a reforma da sociedade. Nos antepenúltimo e penúltimo capítulos Buber comentou a criação do Estado de Israel e as dificuldades do seu tempo. No último capítulo o autor exporá sistematicamente as próprias ideias sobre os mecanismos de mudança na sociedade e a forma de socialismo que lhe parece mais adequada. Então criticará os rumos históricos do socialismo marxista, contrapondo a experiência soviética à que estava se realizando na terra de Israel.

No capítulo inicial, o autor considera as razões pelas quais os marxistas denominaram seus predecessores de utópicos. A razão fundamental, esclarece, é que eles queriam a reorganização da sociedade mantendo a mesma sociedade, mesmo sem saber exatamente que sociedade surgiria com a expansão do proletariado. Buber esclarece o essencial da análise marxista (p. 10): “Foi a impossibilidade de compreender e dominar o problema do proletariado que deu azo ao aparecimento desses sistemas, que só poderiam ser imaginários, fantásticos e utópicos e que, no fundo, propunham a abolição de uma diferença de classes que estava apenas começando a processar-se e que, um dia, iria provocar a transformação geral da sociedade”. A crítica a esses socialistas foi desenvolvida especialmente no Manifesto Comunista. Seu autor, o filósofo e sociólogo Karl Marx (1818-1883), pretendia dar tratamento científico à reorganização da sociedade, pois os precursores do socialismo não lhe pareciam conscientes do desenvolvimento e dos problemas da sociedade industrial.

Segue-se o estudo dos chamados socialistas utópicos. O socialismo como proposta teórica, Buber sintetiza, é o anseio pelo justo, (p. 18): “anseio que se experimenta na visão religiosa ou filosófica, como revelação ou ideia e que, por sua essência, não pode se realizar no indivíduo, mas somente na comunidade humana”. E o justo tanto na ordem religiosa – a escatologia teológica ou filosófica, possui um sentido realista, realiza-se na sociedade. Há duas formas de escatologia, explica Buber (p. 21): “uma profética, que faz depender a preparação da redenção […] da força da resolução de todo homem a que se dirija; uma apocalíptica, para a qual o processo de redenção foi fixado desde a eternidade com todos os pormenores, com suas datas e prazos, e para cuja realização os homens servem apenas de instrumento”.

O pensamento escatológico se tornou, depois da Revolução Francesa, uma utopia. Por força da laicidade do pensamento iluminista, a crença ou redenção do homem ficou restrita à construção de uma sociedade justa nascida do esforço humano. Encontrando-se nessa perspectiva moderna e próxima do iluminismo, Marx e seu parceiro Friedrich Engels (1820-1895) explicam que os socialistas utópicos pretendem reorganizar a sociedade valendo-se da razão e dos esforços do homem. Para Buber, enquanto os socialistas chamados utópicos assumiam a escatologia profética, o pensamento de Marx e Engels, tornou-se prevalentemente, mesmo que não exclusivamente, articulador de uma escatologia apocalíptica. Além disso, o marxismo incorporou, mesmo negando que o fizesse, uma fé secreta na utopia, que os marxistas apenas enxergam nos socialistas que os antecederam. Na revisão do sentido dessas formas primeiras de socialismo denominadas utópicas, Buber identifica um esforço de renovação da sociedade pela superação da solidão na alma e pelo máximo de autonomia comunitária.

Essa solidão é própria, ele aponta, de uma sociedade de massas em sentido próximo ao indicado pelo filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955) (p. 25): “a sociedade é amorfa, invertebrada, pobre de estrutura”.

O terceiro capítulo retoma a questão do socialismo utópico e aprofunda as teorias de Claude Henry de Rouvroy, filósofo e Conde de Saint-Simon (1760-1825), François Marie Charles Fourier (1772-1837), filósofo e economista francês e de Robert Owen (1771-1858), reformista social e considerado um dos fundadores do socialismo.

Esses homens esperam ver surgir uma sociedade socialista não no futuro, mas no seu tempo. Os socialistas utópicos, para Buber, poderiam ser agrupados em dois grupos, um que antecede a geração e ao trabalho de Marx e Engels e outro contemporâneo. No primeiro grupo, Buber destaca a contribuição desses três socialistas começando pelo Conde de Saint Simon, defensor de uma sociedade dirigida por industriais e trabalhadores. Saint Simon sabia que uma sociedade que não caminhasse para a unidade, mas permanecesse dividida em duas classes teria sempre uma dirigente e outra dirigida. Por sua vez, Fourier julgava haver descoberto o segredo da associação social e de uma sociedade constituída com base nela, contra a herança da Revolução Francesa que era contrária tanto a associação como ao sindicato. Para Fourier, somente a associação entre as pessoas resolveria os problemas do Estado, pois representa a união dos interesses. Com a organização, os trabalhadores assalariados se transformariam em associados, alcançando um novo patamar de evolução social. Esse pensamento influencia a formação de cooperativas, mas devido à suas limitações, o socialismo utópico somente pode incorporá-lo, superando-o. Uma terceira formulação foi a de Robert Owen para quem uma autêntica comunidade não viria da propriedade comum, (p. 33): “mas de uma igualdade de direitos e facilidades”. Ele pretendia modificar as relações entre governantes e governados. Essa dicotomia permanecerá enquanto o homem estiver separado numa organização social que não favorece relações autênticas. As relações verdadeiras, assim lhe parece, viriam de dentro das comunidades e renovariam as formas de organização social existentes. Temos em síntese, Saint Simon que espera construir uma sociedade unitária para superar a dualidade; Fourier para quem isso somente seria possível em pequenas comunidades que busquem o próprio sustento e Owen que pensa que a mudança deveria ocorrer tanto nas pequenas células como nas grandes, sendo que a justiça na sociedade total somente ocorreria se começasse em suas células menores. Temos assim três formas complementares de socialismo utópico.

Segue-se o capítulo dedicado ao filósofo e economista francês Pierre Joseph Proudhon (1809-1865) para quem o socialismo, avalia Buber, promoveria o desenvolvimento da sociedade no cumprimento do seu destino. Proudhon retomou os princípios essenciais das teorias anteriores e as reconstruiu.

Não assumiu o determinismo hegeliano, mas entendeu que a razão orienta a História para a liberdade, devendo o homem apenas respeitar as leis da História. Ao contrário de Hegel, que concebeu uma dialética triádica da negação da negação ou da síntese dos opostos, Proudhon espera realizar uma síntese de todas as contradições. O problema que enfrenta é que nenhum princípio que pudesse nascer dessa síntese consegue abarcar e explicar toda uma época. No espaço político, Proudhon desconfia de toda centralização, manifestando sua preferência pelos costumes comunais. Como os grupos que formam as nações não são geralmente ouvidos tenta-se escutar os indivíduos, mas é necessário, para fazê-lo, criar um princípio de organização.

O futuro da sociedade depende de se entender o trabalho como financiador da empresa e da sua coletivização.

Desse entendimento depende o futuro dos trabalhadores, trabalharem todos uns para os outros e não todos para o proprietário. Quanto a centralização, política esta devia ser evitada, pois ele não a diferencia do centralismo absolutista.

Então pode-se dizer que Proudhon desejava, como Saint Simon, a reestruturação da sociedade, mas não queria que ela viesse de cima. O problema de suas teses é que elas não explicam se as novas unidades sociais conservariam os princípios geradores das unidades antigas e se seriam suficientes para promover a nova sociedade que ele espera ver surgir.

Depois de Proudhon, Buber examina as teses centrais do geógrafo russo Piotr Kropotkin (1842-1921) que pretende renovar o legado desse último. Kropotkin substitui as antinomias sociais do seu antecessor por uma luta pela existência e colaboração mútua. Quanto a sua ideia de Estado, ele a identifica com a tese centralista e seu enfoque não é a proteção contra o terror generalizado, ou a luta de todos contra todos (Hobbes), mas a proteção que oferece às comunidades que o integram. Sua crítica não é propriamente contra o Estado, mas contra a máquina do Estado centralista moderno. O problema da tese de Kropotkin é que ela não diferencia o Estado prepotente que nasce da máquina centralizadora e o Estado legítimo e necessário, protetor das comunidades que o formam. O certo é que o Estado legítimo tanto convive com a liberdade dos indivíduos como jamais chega a constituir-se definitivamente. De Proudhon, Kropotkin recupera a tese de que a transformação da sociedade somente viria com a Revolução e considera que a Revolução produziu o fenômeno político da centralização, mas não se deu conta que, no âmbito social, a Revolução é um fator desagregador e não de união. E então Buber comenta o que considera o ponto frágil de seu pensamento. Ele tem consciência de que seu projeto não se realizaria dentro de um Estado como o que existia em seu tempo, mas espera promover uma reforma na sociedade que começasse naqueles dias e não num futuro distante.

O capítulo 6 é dedicado ao exame das teses de seu amigo Gustav Landauer (1870-1919). Landauer percebeu que o Estado não é uma instituição que possa ser destruído pela revolução social, pois é (p. 63) “uma situação, uma relação entre os homens, um modo dos homens se conduzirem uns aos outros”. Para destruí-lo seria necessário criar novas formas de relação social que Landauer supõe possa estar no povo. Não se trata de uma categoria nova, mas da reformulação de comunidades que já existem nos Estados. Eis o essencial do seu pensamento (p. 67): “aqui se põe a descoberto a verdadeira relação entre nação e socialismo: a semelhança dos conacionais quanto à maneira de ser, linguagem, patrimônio de tradições, memória de um destino comum, constante predisposição para uma existência comunitária e, tão somente edificando essa existência, é que os povos podem ser reconstituídos”. O grande risco de pretender que as revoluções sociais modifiquem fundamentalmente os Estados é que eles não favorecerão sua própria destruição e as forças revolucionárias serão cooptadas pelas correntes políticas nele presentes. Acompanhando Proudhon e Kropotkin, Landauer entende que os ideais socialistas não podem se limitar ao que foi pensado numa geração.

Comenta Buber (p. 75): “o socialismo é uma criação contínua da comunidade dentro do gênero humano, na medida e na forma em que as condições momentâneas permitam que ele seja desejado e realizado”.

O capítulo seguinte é dedicado ao estudo das propostas cooperativistas. O método marxista que denominou de utópicos aos socialistas que o precederam, classificou as propostas cooperativistas de românticas, ou fora da realidade.

William King (1787-1865) médico inglês espera transformar as instituições sociais, valendo-se dos princípios do cristianismo. Para King, o trabalho é a base da organização social e ele está nas mãos dos trabalhadores. Ao se unirem os trabalhadores poderão adquirir os instrumentos de que necessitam para trabalhar, bem como a terra que necessitam para produzir. E as relações entre os homens nessa nova organização social nasceriam nessas cooperativas que, para King, traduzem a forma autêntica das relações humanas. Essas cooperativas são a base de uma realidade socialista que teria origem (p. 84): “com a criação de pequenas realidades socialistas em constante fusão e expansão”.

Embora essa trajetória não tenha se verificado, as cooperativas, especialmente as de consumo, se espalharam pela Europa. Outro defensor desse modelo de produção foi o francês Benjamin Buchez (1776-1860) que pensou, no seu país, a criação e expansão de cooperativas de produção.

Ele percebeu os riscos inerentes ao modelo cooperativista na medida em que os sócios fundadores podiam contratar empregados e funcionarem como capitalistas. É difícil superar a tentação de contratar pessoas para trabalhar para si. Para evitar esse encaminhamento na organização Buchez sugere medidas corretivas nas cooperativas como a incorporação dos empregados como novos cooperados e a necessidade de anualmente abrir a entidade a novos sócios.

Segue-se a proposta de Karl Marx de renovação social, tema do oitavo capítulo. Buber recorda que o socialismo utópico trabalha com a hipótese de que (p. 104): “uma sociedade profundamente estruturada poderá substituir ao Estado”. Essa seria a sociedade autêntica, formada em parte pelas comunidades já existentes e dentro de uma perspectiva temporal na qual as mudanças seriam as possíveis já naqueles dias. Buber considera que Marx pretende algo próximo aos socialistas utópicos, eliminar o Estado em geral, não apenas o Estado das classes. Se esse propósito era semelhante ao dos socialistas utópicos, Marx, diversamente, espera fazer isso (p. 107): “através de meios políticos, mediante um puro suicídio, por assim dizer, do princípio político”.

Ao propor que o proletariado vencedor do processo revolucionário tomasse conta do espaço político, fica-nos a dúvida de se não surgiria nesse grupo vencedor uma nova divisão social. Sem traçar uma linha clara sobre os limites do poder, o risco desse processo é gerar não uma disputa entre classes, mas entre indivíduos ou grupos. A partir de 1858, Marx começa a duvidar de que uma revolução socialista pudesse ser realizada numa escala mundial e mesmo se triunfaria na Europa. Nesse contexto, aproxima-se da ideia de uma reestruturação da sociedade, ainda que não aderisse a ela completamente. Considera a possibilidade de as cooperativas crescerem superando a ordem capitalista.

Porém, nos revela, no Manifesto Comunista, que essas pequenas experiências socialistas estavam fadadas ao fracasso.

E surge então um problema: como seria possível eliminar imediatamente o poder do Estado, antes mesmo de concluída a revolução se o processo revolucionário é ele mesmo autoritário? Parece a Buber, considerando o que escreve Engels em 1866, que a valorização das cooperativas era um pretexto. As cooperativas teriam, no marxismo, apenas função auxiliar no processo revolucionário. Portanto, o marxismo, conclui Buber, (p. 124): “não se empenhou em dar forma à nova existência social do homem”.

O capítulo nove é dedicado à herança soviética das ideias de Marx e Engels, pela análise das teses de Vladimir Ilitch Lênin (1870-1924). O caráter utópico dos socialistas antecessores a Marx parece estar em tentarem pensar os rumos do processo revolucionário. Marx nada diz disso. A contradição entre afirmar o princípio político ao invés do social, numa realidade que mantém o sistema político, foi disfarçada, por Lênin, com a tese de que o processo ainda estava em curso. E Lênin admite não saber o que surgiria com a extinção do Estado. Engels defendera a tese de (p.128): “que o Estado desaparecerá em consequência da futura revolução social, porque as funções públicas não serão mais políticas, mas administrativas”. E Lênin passou a falar do fim do Estado, mas ele, como Marx, não sabia como estruturar a sociedade depois da Revolução. Se destruir o Estado era o objetivo, ele não sabia contudo, como e nem quando isso seria possível. Ele explica que se refere aos resíduos burgueses presentes no Estado porque (p. 130): “o Estado, como poder especial de repressão, é indispensável”.

Lênin adota, então, posição oposta à pretendida por Marx e Engels. A partir dessa tese, Lênin e os bolchevistas, consideraram os soviets não órgãos de controle do governo, mas o próprio governo. A evolução do processo revolucionário mostra que Lênin irá apostar na crescente centralização do poder (p. 152): “de centros de produção governamentais e repartições governamentais um mecanismo de instituições de produção e consumo burocraticamente dirigidas e engatadas a uma engrenagem”. De um lado, admitia Lênin, a descentralização das cooperativas e de outro defendia a centralização das decisões, o que é uma incongruência traduzida pela avaliação crítica (p. 153): “quadratura do círculo”.

O capítulo X traz a experiência socialista em Israel. Essa experiência teve sucesso porque a união no novo país se baseou na construção de uma vida comunitária. Isso não se fez sem dificuldades, mas parecia alternativa mais bem sucedida que a experiência soviética. Ele explica (p. 162): “é a colônia cooperativa hebraica da Terra de Israel, com suas diferentes formas”. Apesar das dificuldades seu sucesso se explica: primeiro pela ausência de uma doutrina que a organizasse, sua evolução foi resposta aos problemas da vida real e da necessidade de trabalho dos produtores rurais.

Quando muito houve uma razão espiritual que os aproximou, mas que não afetou o caráter maleável da organização (p. 163): “as doutrinas bíblicas da justiça social”. Segundo: essas associações se formaram no espírito estabelecido no novo país, onde a elite dos precursores (halutzim) pensou o país como uma colônia comunitária. Assim os grupos comunitários não se fechavam em si mesmos, mas eram partes de uma comunidade nacional. Terceiro: a necessidade desses grupos comunitários (p. 164): “não só educasse para a autêntica vida comunitária aqueles que se incorporavam, mas que, também, exercesse uma influência construtiva e estruturadora sobre a periferia da sociedade”.

Embora colônia comunitária exercesse forte poder de atração, suas organizações eram ainda insuficientes para unificar a grande quantidade de pessoas que afluíam para a Terra de Israel. E a chegada desses novos moradores chamou atenção da elite de precursores que os aproximavam do destino comum. Aí se explicita a noção de comunidade autêntica para Buber. Ela (p. 166): “não precisa ser composta de homens que se façam constantemente companhia, deve ser constituída de homens, justamente como companheiros, sejam mutuamente receptivos e bem dispostos. Comunidade autêntica é aquela que, todos os aspectos de sua existência, possui potencialmente, o caráter de comunidade”.

Além do mais, essas pequenas comunidades de produtores possuíam força para resistir às tendências centralizadoras que pretendiam encerrá-las ou dividi-las. O problema foi que com o passar do tempo foi-se perdendo o sentido comunitário e apesar de colônias mais ricas ajudarem as mais pobres, a solidariedade diminuiu. Apesar dessas dificuldades, concluiu Buber, ao lado de Moscou, que é um dos polos do socialismo contemporâneo (p. 171): “atrevo- me a denominar o outro polo de Jerusalém”.

O penúltimo capítulo examina a crise que se estabeleceu depois da Primeira Grande Guerra. Não era a crise de um sistema da vida social, mas de todos e com sérias consequências. Buber escreveu (p. 173): “E, nessa crise, o que está em jogo é a própria existência do homem sobre a terra”.

Sobre o progresso humano, diz que não é uma avenida plana, mas uma marcha entre crises que se sucedem. Em seguida, Buber esclarece que a construção da vida social é a grande marca da presença humana no planeta e que ela, na modernidade, se acomodou ao Estado. O social ficou, pois, na dependência do político. O que fazer para enfrentar essa situação? Para Buber, o perigo a ser enfrentado era (p.177): “um centralismo planetário ilimitado que devore toda comunidade livre. Tudo depende de que o trabalho de cultivo da terra não seja entregue a um princípio político.” Perigo porque, para ele, o propósito da vida humana é a construção de uma comunidade autêntica o que equivale a uma organização (p. 178): “de conteúdo absolutamente comunitário”. Esse projeto não atende a um plano pré-concebido, mas à capacidade de responder aos problemas que a vida trouxer. E aqui se chega ao ponto central de sua tese, mesmo sem haver uma teoria definitiva que contemple o grande projeto de criação de uma comunidade autêntica, ela somente se forma em torno a um núcleo aglutinador. Ele explica a importância desse núcleo (p.180): “A gênese da comunidade só pode ser compreendida, quando se considera que seus membros têm uma relação comum com o centro e que essa relação é superior a todas as demais; o círculo é traçado pelos raios, não pelos pontos periféricos”. Esse centro, para o filósofo, é uma transparência para o divino. Há quem diga que a vida moderna não mais se organizará em torno desse centro, como era no passado. Contudo, contrapõe Buber, consiste nessa articulação entorno ao núcleo aglutinador e nas relações comunitárias menores inseridas em maiores, a melhor estratégia para enfrentar a crise. Ele concluiu (p. 183): “o ponto essencial é que o processo de formação de comunidades persista nas relações das comunidades entre si. Somente uma comunidade de comunidades poderá ser qualificada como ente comunitário”.

O capítulo final aprofunda o problema da subordinação da sociedade ao Estado. A formação de uma sociedade depende (p. 186): “dos homens encontrarem um estado de intervinculação ou que se unam entre si e, assim formando uma união já existente ou a ser fundada, criem uma sociedade”.

Ao olhar a evolução dos grupos humanos, Buber comenta a confusão entre os princípios social e político na antiguidade. No mundo grego, por exemplo, (p. 188): “ainda que nos seja dito, expressamente, que o homem foi criado não apenas para a comunidade política, mas também para a doméstica, ainda assim a polis é a consumação da koinonia (companherismo, participação, compartilhamento).

O mundo romano não ultrapassa essa deficiência de entendimento (p. 189): “para Cícero, não só o Estado é uma sociedade, mas simplesmente, uma societas vivium.” A Idade Média também não melhorou tal compreensão, pois entendeu a comunidade humana inserida numa unidade: Igreja ou Estado universal. O mundo moderno, com a formação do Estado Nacional, principia com a anulação da sociedade. Na formulação de Hobbes (p. 192): “o Estado que alcançou a perfeição eliminará também o último resquício de sociedade. Tal Estado perfeito chegou bem próximo daquele que atualmente denominamos de totalitário”.

A construção de uma ideia de sociedade, à parte do Estado, emerge da Revolução Francesa, mas a sociedade que surge é a burguesa. As tentativas de aprofundar a distinção entre os sistemas social e político podem ser encontradas em Saint Simon e Hegel. Esse último entende faltar, no Estado do seu tempo, o que é necessário para a formação de uma autêntica comunidade (p. 195): “legítima cooperação, solidariedade, auxílio mútuo, camaradagem fiel e entusiasmo ativo”. Essas teorias estiveram no limiar da construção da Sociologia, que somente surgiria com Marx e Lorenz von Stein, mas ambos ao considerarem a nova realidade social, a sociedade burguesa, afastaram-se dos esforços dos seus antecessores. Em Marx, o Estado é um instrumento da classe burguesa em defesa de seus interesses.

Por isso, ele espera substituí-lo por um outro Estado que faça surgir uma sociedade sem classes e depois se dissolva nela. Portanto, o grande problema da Sociologia é encontrar formas de relação entre os princípios social e político.

O que Buber entende necessário para dar efetividade ao propósito humano de construir uma comunidade autêntica é o estabelecimento (p. 197): “de uma sociedade de uma comunidade de povo, que não é composta de indivíduos, mas de sociedades e não, como achava Comte, apenas de famílias”. Esse projeto enfrenta obstáculo no medo que cada povo tem de seus vizinhos. O resultado é que (p. 199): “o princípio político em relação ao social é sempre mais forte”.

Daí que o enfrentamento da crise contemporânea passa pela construção de uma sociedade com relativa autonomia das comunidades locais e regionais. Assim, a maior força da comunidade economicamente e culturalmente produtiva, passa pelo fortalecimento das organizações sociais face ao poder político. Essa é a proposta de Buber para o enfrentamento da crise humana que o socialismo tentou resolver. Este livro esclarece as posições de Buber sobre o socialismo.

Explica porque as soluções socialistas, que foram desqualificadas pelos marxistas como utópicas e românticas, contêm uma melhor compreensão da dicotomia entre o social e o político. Tais propostas também lhe parecem melhor concebidas do que as de Marx e Engels, isto é, propõem a afirmação da Sociedade ante o Estado. Buber rejeita a visão apocalíptica da história, que Marx laicizou em sua teoria da História. Ele ainda procurou dissociar essa visão apocalíptica que enxerga no socialismo marxista da tradição judaica. Para ele, o essencial da tradição judaica é que os caminhos da história, dependem da ação dos homens que, com liberdade, contribuem para os planos de Deus. Nos socialismos denominados utópicos, além do respeito ao empenho pessoal, estão os melhores elementos para tratar a questão social que emerge da sociedade burguesa. Autores como Saint Simon e Fourier não projetam a solução do problema social no futuro, mas o enfrentam no seu tempo, na concretitude do aqui e agora, encaminhamento da questão que lhe parece mais adequada que as propostas do socialismo marxista.

A perspectiva buberiana de existência humana, bastante próxima das posições da fenomenologia existencial explica o essencial da crítica ao marxismo. Suas teses filosóficas estão descritas na sua filosofia do diálogo e especialmente no clássico Eu e Tu. São essas ideias que formam o pano de fundo das reflexões propostas nesse livro. O livro nos coloca também diante do fato de que a construção da Terra de Israel representa uma alternativa de efetivação do socialismo com maiores chances de sucesso do que o socialismo soviético. Assim ele avalia porque esse socialismo encontra- se sustentado na visão de sociedade e fé ensinada pelos profetas judeus. O socialismo, tal como o filósofo vê surgir em Israel, parece-lhe expressar o projeto humano de construir uma comunidade autêntica. As razões que elenca são coerentes a visão de existência da fenomenologia existencial.

Uma tal comunidade tem um centro irradiador que a unifica e é formada de comunidades livres, de pessoas livres, responsáveis pelo destino de suas vidas, que se associam em comunidades maiores igualmente livres. A construção de uma comunidade autêntica é o lado exterior da aspiração ao divino que ultrapassa a existência temporal e são sua forma de reconhecer a transcendência. Ela expressa o propósito de se aproximar de Deus e realizar tal projeto pautado no código mosaico e no reino de justiça anunciado pelos profetas que é a base dos modelos éticos prevalentes no ocidente.

Referências

BUBER, Martin. O socialismo utópico. São Paulo: Perspectiva, 2007.

José Mauricio de Carvalho – Professor do Instituto Presidente Tancredo de Almeida Neves (IPTAN), São João Del Rei, MG, Brasil. E-mail: semauriciodecarvalho@gmail.com

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Protagonismo indígena e ensino de História: identidades, ação política e território | Revista Historiar | 2017

O presente dossiê da Historiar tem como tema o protagonismo indígena e o ensino de História, trazendo ao público trabalhos inovadores e relevantes realizados por pesquisadoras e pesquisadores em diferentes locais institucionais e momentos de sua formação. O conjunto de artigos que agora publicamos representa a vitalidade e a complexidade da temática indígena no campo da História, que vem se renovando desde o início dos anos 2000 com o aumento de pesquisas de excelência desenvolvidas em diversas universidades do país. Esses trabalhos mais recentes têm apresentado o foco em debates interdisciplinares, prezando pelo diálogo com a Antropologia histórica e construindo análises sobre identidades coletivas, ações políticas dos indígenas motivados por necessidades e interesses próprios e reelaboração de territórios das antigas aldeias coloniais. Os artigos deste dossiê apontam para períodos e objetos que vêm ganhando visibilidade na área, tais como o ensino de História voltado para a temática indígena, a prática de governos provinciais a partir da legislação indigenista do início do século XIX e a participação política dos índios nos debates políticos do Oitocentos e na defesa de suas terras. Leia Mais

Ofícios de Clio | UFPEL | 2017

OFICIOS DE CLIO UFPEL Manduarisawa

A Revista Discente Ofícios de Clio (Pelotas, 2017-) é um projeto ligado ao Laboratório de Ensino de História (LEH), e ao Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), ambos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

A Revista objetiva proporcionar aos nossos graduandos e pós graduandos, bem como aos alunos de áreas afins e/ou de outras Instituições, um espaço qualificado de debate e de incentivo ao incremento da pesquisa.

Como se sabe, um grande número de revistas acadêmicas não aceitam artigos de alunos não formados e, em alguns casos, apenas de portadores de título de Mestrado. A Ofícios de Clio almeja oportunizar aos discentes o incremento de seus currículos, visando seu futuro desenvolvimento acadêmico e profissional.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2527-0524

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Revista do Arquivo Público do Espírito Santo. Vitória, v.1, n.2, 2017.

Editorial

Entrevista

Artigos

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Resenhas

Reportagens

Recursos Educacionais Abertos (REA) | EaD em Foco | 2017

Este número da revista EaD em Foco acentua o potencial da multidisciplinaridade internacional na produção e do compartilhamento aberto de conhecimentos científicos, tecnológicos, socioculturais e educacionais. São oito artigos escritos a muitas mãos mobilizados pela autoria e coautoria em rede que explicita atos éticos e estéticos congruentes com o movimento internacional alicerçado nos recursos educacionais abertos (REA), nas práticas e na educação aberta.

Cada um dos artigos enfatiza aspectos relevantes que marcam um espaço-tempo contemporâneo mediado pela interatividade e pela interação em redes. São autores e coautores, professores-pesquisadores, atentos às problematizações necessárias e recorrentes sobre o papel das tecnologias, dos recursos educacionais, do tripé ensino, pesquisa e extensão, da cibercultura e da mediação pedagógica tanto no ensino superior quanto na educação básica. Leia Mais

Reconstructing Reality: Models, Mathematics/ and Simulations | Margaret Morrison

The plans which are formed, the principles which man projects as guides of reconstructive action, are not dogmas. They are hypotheses to be worked out in practice, and to be rejected, corrected and expanded as they fail or succeed in giving our present experience the guidance it requires.

John Dewey

Reconstruction in Philosophy

Margaret Morrison ha estado a la vanguardia de la nueva ola sobre epistemología de los modelos científicos, especialmente desde que editó Models as Mediators junto con Mary Morgan allá por 1999. En su último libro, Reconstructing Reality: Models, Mathematics, and Simulations, podemos encontrar las versiones más refinadas de sus reflexiones acerca del rol de los modelos en la práctica científica y los desafíos que éstos presentan tanto a los filósofos de la ciencia como a los mismos científicos. El libro consta de tres partes, que cambian apenas el orden señalado en el subtítulo de la obra, en tanto van del caso más general de la matemática hacia el más específico de las simulaciones computacionales, con los modelos como intermediarios, como era de esperarse. De hecho el concepto de modelo es el que le permite articular la noción de prácticas reconstructivas que motiva el título. Leia Mais

Siendo continuación de un estudio anterior (A Tale of Seven Elements), encontramos en este trabajo un libro ameno y de ágil lectura. En él se reflejan no solo la genuina humildad que caracteriza al erudito, sino la curiosidad, que es el germen de la indagación filosófica.

Apto tanto para el lector diletante o desprevenido como para el estudioso experto, este texto posee múltiples niveles de complejidad que lo convierten en una lectura grata y edificante a la vez. Leia Mais

La Historiografia de Latino America en la Primera Mitad del Siglo XX / Expedições / 2017

Durante la primera mitad del siglo XX se configuraron en América Latina los campos historiográficos nacionales [2]. Los criterios decimonónicos de la “literatura histórica” fueron sustituidos por paradigmas teórico-metodológicos que normalizaron la indagatoria del pretérito y consolidaron la autonomía disciplinaria. Este proceso ha sido escasamente estudiado. Intentaré glosar brevemente, y sin pretensiones de inventario, algunas de las contribuciones más significativas con el propósito de calibrar el estado de los conocimientos sobre el tema [3].

Uno de los aportes más recientes los realizó Felipe Soza. En el capítulo X del libro Comprender el pasado. Una historia de la escritura y el pensamiento histórico (AURELL; BALMACEDA; BURKE; SOZA, 2013), el investigador chileno brinda un panorama sobre “La historiografía latinoamericana”, desde los tiempos precolombinos hasta nuestros días. Es un interesante estudio de carácter descriptivo, acorde a la naturaleza didáctica de la obra en la que está inserto.

En el opúsculo Las grandes corrientes de la historiografía latinoamericana, Sergio Guerra Vilaboy (GUERRA VILABOY, 2003) revisa con solvencia – en un estilo panorámico similar al del Soza – la evolución del conocimiento histórico en el subcontinente. Lo hace siguiendo el itinerario de autores, temas y tendencias hegemónicas.

El tomo IX de la Historia general de América Latina, dedicado a la Teoría y metodología de la Historia de América Latina (REZENDE MARTINS; PÉREZ BRIGNOLI, 2006), incluye ensayos sobre la epistemología de la disciplina y sus vinculaciones con otras ciencias sociales. No contiene aportes sustanciales sobre las condiciones de producción, corrientes, tendencias, articulación y transformación diacrónica de los relatos.

Además de los estudios panorámicos reseñados, existe una abundante producción sobre historiografías nacionales o regionales. La consideración de la misma trasciende los objetivos de esta presentación. Destaco, como aportes más significativos, los artículos del volumen IV de The Oxford History of Historical Writing (MACINTYRE; MAIGUASHCA; PÓK, 2011), en especial los de D. A. Brading (“Historical Writing in Mexico: Three Cycles”), Ciro Flamarion Cardoso (“Brazilian Historical Writing and the Building of a Nation”) y Juan Maiguashca (“Spanish South American Historians: Centre and Periphery, 1840s-1940s”).

Las funciones de los historiadores latinoamericanos cambiaron a comienzos del siglo XX. Debieron responder, en su calidad de miembros de las oligarquías dirigentes y de funcionarios de Estados en transformación, a nuevos requerimientos sociales y gubernamentales. A su rol primigenio de productores de “ficciones orientadoras” de cuño nacionalista, adicionaron la tarea de creación de relatos pretéritos legitimadores de nuevas realidades políticas, como la República (1889) y el Estado Novo (1937) en Brasil; o de movimientos con pretensiones de implementar trasformaciones estructurales, al estilo de la Revolución Mexicana (1910).

Las mutaciones socioeconómicas, políticas y culturales plantearon problemas e interrogantes sobre la esencia de las identidades locales, regionales y nacionales. Surgieron sendos movimientos intelectuales en procura de respuestas, uno de los más representativos fue el de los “intérpretes de Brasil”, en la década de 1930. Fue necesario incluir en los relatos a actores sociales que hasta entonces habían sido relativizados, demonizados o invisibilizados (campesinos, indígenas, afrodescendientes, mestizos).

A las élites dirigentes se les planteó el desafío de reconfigurar los imaginarios nacionalistas con el propósito de cohesionar a las masas de inmigrantes con las poblaciones criollas. Para “disciplinar” comportamientos y prácticas potencialmente dispersivas se debió operar sobre los sistemas educativos. La enseñanza de la historia se transformó en un instrumento privilegiado para “nacionalizar” a naturales y extranjeros. Planes, programas y manuales de “historia patria” se utilizaron en las escuelas para convertir conductas atávicas en hábitos “civilizados”. Historiadores y maestros fueron, respectivamente, los encargados de elaborar y transmitir los “valores” de laboriosidad, honradez e higiene. Apelaron para ello, entre otros recursos, a la “ejemplaridad” de los grandes hombres, los “héroes”.

El labor de los investigadores comenzó a especializarse. Surgieron condiciones favorables para una relativa autonomización epistemológica. Mojones fundamentales de ese itinerario fueron: la fundación o consolidación de corporaciones intelectuales de perfil asociativo consagradas al cultivo de la Historia, como los Institutos Históricos y Geográficos y las Academias Nacionales; la creación de centros superiores de estudio dedicados a la formación de investigadores profesionales; la renovación técnica motivada por la divulgación de manuales metodológicos elaborados en Europa. Estos factores contribuyeron a transformar las estructuras de funcionamiento de las antiguas redes intelectuales y dinamizaron el proceso de configuración de los campos historiográficos nacionales.

Durante el siglo XIX surgieron, en distintas partes de América, corporaciones letradas organizadas por los estudiosos del pasado. Tenían el propósito de generar condiciones favorables para la investigación y divulgación de conocimientos. Una de las más prestigiosas fue el Instituto Histórico y Geográfico Brasileño (en adelante IHGB), fundado en 1838.

El IHGB perduró en el siglo XX y sirvió de modelo para el establecimiento de centros regionales en Pernambuco, Ceará y Bahía. Lo mismo sucedió con la Academia Nacional de la Historia de Venezuela (1888) y con la Junta de Historia y Numismática Americana (Buenos Aires, 1893), base de la Academia Nacional de la Historia de la República Argentina (1938). Además, se crearon nuevas asociaciones como la Academia Colombiana de la Historia (1902), la Academia de Historia de México (1919) y el Instituto Paraguayo de Investigaciones Históricas (1937) (que se transformaría en 1965 en Academia Paraguaya de la Historia).

Eran instituciones privadas o semioficiales que estaban al servicio de los respectivos Estados y desempeñaban la función de reguladoras de la administración del pasado. Asesoraban a los gobiernos en cuestiones relacionadas con nomenclatura, efemérides y enseñanza de la Historia. Detentaron el monopolio de la gestión del pretérito hasta que surgieron otras instituciones que disputaron esa hegemonía.

A partir de la década de 1890 nacieron en distintos países [4], centros universitarios destinados a la formación de los aprendices de Clío. Ofrecían cursos panorámicos, seminarios sobre temas concretos e instrucción teórico-metodológica. Algunos de los más importantes fueron la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires (1896) y la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de La Plata (1920), en Argentina; la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad Nacional Autónoma de México (1924); la Facultad de Filosofía, Letras y Ciencias Humanas de la Universidad de San Pablo (1934), en Brasil; la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Universidad de la República (1945) en Uruguay; la Facultad de Humanidades de la Universidad de San Carlos (1945) en Guatemala; la Facultad de Filosofía de la Universidad Nacional de Asunción (1948) en Paraguay. La institucionalidad universitaria, generalmente munida de un estatuto autónomo que facilitaba el libre tránsito de ideas y de corrientes intelectuales, contribuyó a superar los enfoques estrechamente nacionalistas imperantes hasta entonces.

Los nuevos centros se nutrieron del aporte de intelectuales extranjeros (europeos o de países vecinos) que por razones diversas recalaban en ellos. Impartieron un fecundo magisterio que aggiornó las prácticas y las tendencias historiográficas.

Hubo varios humanistas europeos refugiados en América por motivos políticos, que realizaron contribuciones significativas. Los ejemplos más notorios fueron los de los españoles Rafael Altamira, Pedro Bosch-Gimpera y José Gaos emigrados a México en la década de 1930, y el de su compatriota Claudio Sánchez-Albornoz que lo hizo a Argentina en la década de 1940 (SOZA, 2013, pp. 418-419). También existió la concurrencia de investigadores contratados por universidades americanas, las experiencias más importantes fueron las de Rafael Altamira (que entre 1909 y 1910 realizó un periplo por diversos centros de estudios en Uruguay, Chile, Perú, México, Cuba y fundamentalmente Argentina [5] ) y la de Fernand Braudel (en la Universidad de San Pablo, Brasil, entre 1935 y 1937).

Asimismo, debe consignarse el tránsito de historiadores americanos contratados con similares propósitos. Algunas experiencias interesantes en este sentido fueron las del brasileño Guy de Hollanda (desde 1948) en la Facultad de Filosofía de la Universidad Nacional de Asunción y la de los argentinos Emilio Ravignani (1947 a 1954) y José Luis Romero (a partir de 1949) en la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Universidad de la República en Montevideo.

El aporte de los centros universitarios fue decisivo para transformar las prácticas. Se impuso la reflexión crítica y autocrítica, tanto sobre las técnicas del oficio como sobre sus fundamentos epistemológicos. Se superó la mera narración de acontecimientos en pro de relatos sujetos a normas metodológicas rigurosas. La titulación se convirtió en requisito sine qua non de legitimación profesional y sustituyó la tradición decimonónica basada en la inclusión en asociaciones letradas por el mero – y en ocasiones caprichoso- reconocimiento de los pares (“conciudadanos” de una etérea “república de las letras”).

El período de transición entre la práctica amateur y el ejercicio profesional de la labor historiográfica no puede fecharse de manera unívoca. Varió de acuerdo a los ritmos de cada país. El proceso estuvo mediado por un elemento esencial que tendría, a su vez, un influjo decisivo en la formación de los historiadores profesionales: la circulación y rápida recepción, a comienzos del siglo XX, de una serie de manuales metodológicos, elaborados por investigadores europeos, que reglaron y normalizaron la práctica investigativa. Me refiero a las obras de Ernst Bernheim (Introducción al estudio de la Historia, 1889), Rafael Altamira (La enseñanza de la Historia, 1891), Charles Victor Langlois – Charles Seignobos (Introduction aux études historiques, 18 98) y Alexandru Xenopol (Los principios fundamentales de la historia, 1899, y La teoría de la historia, 1908). Estos tratados se utilizaron en los cursos superiores de formación. Contribuyeron a establecer cánones técnicos y de rigurosidad heurística como requisitos para acceder a la titulación universitaria.

Los cambios referidos ut supra influyeron en el funcionamiento de las redes intelectuales latinoamericanas. Estas mantuvieron las pautas de comunicación interpersonal privada, pero adicionaron otras de tipo oficial, público e interinstitucional. Se reconfiguraron los circuitos de circulación bibliográfica y documental, así como las estrategias de difusión e internacionalización de las producciones de sus miembros. Surgieron tramas vinculares convalidadas no sólo por el “prestigio” de los intelectuales involucrados, sino por la pertenencia a instituciones referenciales, universitarias o de otro tenor.

Las nuevas promociones de historiadores profesionales latinoamericanos estaban integradas, en su mayoría, por egresados universitarios. Tenían una sólida preparación metodológica y eran proclives a implementar enfoques interdisciplinarios. Necesariamente entraron en competencia con los cultores amateurs de la disciplina. Las disputas fueron por reconocimiento funcional, acceso a cargos docentes, financiamiento de proyectos, obtención de espacios editoriales.

Los “agentes profesionales” establecieron nuevas “reglas de juego”, acordes al habitus compartido. Regularon la “competencia” por hegemonía epistemológica, en función del “capital” y del “peso funcional” detentado. Impusieron una dinámica que transformó las estructuras de producción de conocimiento histórico y que coadyuvó a la definición de los campos historiográficos nacionales. La consolidación de los mismos evolucionó a diversos ritmos en función de los recursos y posibilidades de cada país.

La dinámica general del proceso estuvo animada, entre otros factores, por la interacción de diversas tendencias o escuelas historiográficas en las que estaban adscriptos los historiadores.

En el tránsito del siglo XIX al XX, surgió una vertiente “positivista” que continuó la obra de los autores “romántico-nacionalistas” [6] del siglo XIX. Sus principales exponentes fueron Joao Capistrano de Abreu en Brasil, Alfonso Toro en México, Gustavo Arboleda en Colombia, Domingo Amunátegui en Chile, Paul Groussac en Argentina, Clemente L. Fregeiro (Uruguay) (GUERRA VILABOY, 2003, p. 156-159).

A partir de la década de 1920, se perfila una nueva generación de historiadores de orientación “neopositivisa”, que rechazaban la idea de “seguir haciendo la historia como una simple recolección de datos y [estaban] decididos a entenderla como un proceso de carácter objetivo, regido por ciertas leyes generales y no por la casualidad”. Pusieron énfasis en “la importancia de los hechos económicos o sociales en el desarrollo histórico, superando el estrecho prisma de muchos de sus contemporáneos, dedicados exclusivamente a la historia institucional y política” (GUERRA VILABOY, 2003, p. 165-166). Su ubican en este grupo: Ramiro Guerra (Cuba), Jesús Silva Herzog y Luis González y González (México), Juan Friede (Colombia), Jorge Basadre (Perú), Eduardo Acevedo (Uruguay), Sérgio Buarque Holanda y Nelson Werneck Sodré (Brasil) (GUERRA VILABOY, 2003, p. 165).

Paralelamente, surgió el “revisionismo histórico”, movimiento historiográfico de matices ideológicos diversos, que cuestionaba las historias oficiales, proponía interpretaciones alternativas, reivindicaba personajes y acontecimientos tabuizados. Tuvo un importante desarrollo en Argentina (Ernesto Quesada, Adolfo Saldías, Carlos Ibarguren, Ernesto Palacio, Julio Irazusta, Juan Alvarez) y se proyectó a otros países como Uruguay (Luis Alberto de Herrera, Alberto Methol Ferré), Colombia (Indalecio Liévano Aguirre), Chile (Luis Vitale) y México (Adolfo Gilly) (GUERRA VILABOY, 2003, p. 168-174).

Los aportes de la historiografía marxista fueron muy importantes para relativizar la “historia del gran personaje” e imponer nuevas categorías interpretativas (modos de producción, lucha de clases…). Fueron pioneros de esta tendencia: Caio Prado Júnior (Evolución política del Brasil, 1933) y Rafael Ramos Pedrueza (La lucha de clases a través de la Historia de México, 1934). Entre sus cultores más importantes se ubican los mexicanos Luis Chávez Orozco, Agustín Cué Cánovas; el cubano Sergio Aguirre, los argentinos Rodolfo Puiggrós y Sergio Bagú; los venezolanos Salvador de la Plaza, Miguel Acosta Saignés y Federico Brito Figueroa; el chileno Julio César Jobet y el uruguayo Francisco Pintos (GUERRA VILABOY, 2003, p. 175-177).

A mediados del siglo XX se manifestó una “Nueva Historia”, tributaria de los aportes del revisionismo, el marxismo, la Escuela de los Annales y de la New Economic History (GUERRA VILABOY, 2003, pp. 177). Tuvo como principales agentes a los investigadores profesionales. Emergió como resultado de cinco décadas de acumulación de masa crítica, renovación de las prácticas y transformación de paradigmas.

El dossier que presentamos intenta dar cuenta del proceso de transformaciones que hemos reseñado de forma sucinta. Los trabajos que lo integran abordan aspectos particulares, en algunos casos de escala nacional y en otros de alcance regional, del proceso historiográfico latinoamericano.

La serie se inicia con un estudio de Alexander Betancourt Mendieta sobre La escritura de la Historia en el cambio de siglo: de la revista letrada a la revista especializada. El autor explora los pormenores del proceso de transformación de la escritura de la historia en América Latina, en el tránsito del siglo XIX al XX, a partir de algunas publicaciones seriadas, en las que se reflejan los cambios generados por los nuevos contextos de producción. Son particularmente interesantes sus comprobaciones sobre el rol desempeñado por las instituciones universitarias en la creación y divulgación de nuevos saberes. Demuestra que “la creación de instituciones ha estado ligada al surgimiento de las publicaciones especializadas, independiente de los alcances de la circulación o del reconocimiento social que tales esfuerzos tuvieron”. Se trata, fundamentalmente, de revistas académicas que contribuyeron a difundir los resultados de investigaciones realizadas de acuerdo a los nuevos paradigmas.

A continuación, Inés Quintero analiza los Propósitos, límites y contenidos del conocimiento histórico: La Academia Nacional de la Historia (Venezuela 1888-1958). Es un estudio sobre el rol desempeñado por la Academia como gestora oficial del conocimiento histórico en Venezuela, entre su fundación en 1888 y la creación de las primeras escuelas universitarias en 1958. La autora elabora un relato sugerente, de carácter dialéctico, en el que desmenuza tanto la función patriótica de la corporación en cuanto custodia y transmisora del culto a Simón Bolívar, como su dimensión de ámbito privilegiado para generar investigaciones y debates. Este contrapunto entre la conservación y la innovación le permite identificar las dinámicas (teórico-metodológicas) y los condicionamientos (políticoideológicos) que coadyuvarían a la configuración del campo historiográfico venezolano.

María Silvia Leoni y María Gabriela Quiñonez examinan las Articulaciones y tensiones en torno a la conformación del campo historiográfico argentino en la primera mitad del siglo XX. Exploran la labor de Emilio Ravignani y de Ricardo Levene en favor de un modelo de historia erudita que “buscó integrar, con distintas perspectivas y resultados, las historias provinciales”. Repasan las estrategias institucionales y las redes entretejidas por ambos autores para concretar sus objetivos. Hacen un estudio particular de la Provincia de Corrientes con el propósito de identificar los factores que inciden y explica los ritmos y características de los procesos de profesionalización y de institucionalización del conocimiento histórico en los espacios provinciales.

María Gabriela Micheletti profundiza en el problema de Las tensiones nación / provincias en la configuración de la historiografía argentina. La escritura de la historia en Santa Fe (1850-1950). La autora plantea una interesante revisión de la evolución de la historiografía santafesina. Lo hace desde una perspectiva de larga duración en la que explicita los elementos estructurales – ubicación geográfica, factores económicos, caudillismo, autonomismo político y coyunturales – generaciones intelectuales, historiadores referenciales, ciclos del mercado editorial que pautaron la consolidación del espacio historiográfico provincial y su paulatina inserción en el nacional.

El historiador Herib Caballero Campos examina la trayectoria bio-bibliográfica de uno de los miembros menos estudiados del novecentismo paraguayo. En el artículo Escritor idealista y patriota, los aportes historiográficos de Silvano Mosqueira, contextualiza la acción del letrado en el seno de una generación de intelectuales de posguerra que contribuyeron de manera significativa al despegue de la cultura nacional. Caballero desmenuza la producción de Mosqueira, reconstruye la red epistolar que estableció con intelectuales paraguayos y de la región y brinda pistas para conocer la proyección y recepción de su obra en el país y en el exterior.

José Cal Montoya realiza un aporte muy interesante sobre los derroteros del conocimiento histórico en Centroamérica en el artículo La indagatoria del pasado de Virgilio Rodríguez Beteta (1885-1967): un acercamiento a su contribución en la historiografía guatemalteca de inicios del siglo XX. Se trata de un análisis erudito de la producción de un historiador referencial. Brinda abundante información para comprender la evolución de la indagatoria del pretérito en Guatemala y para relacionarla con el ecosistema historiográfico regional.

Sabrina Alvarez y Francis Santana realizan un estudio de historiografía comparada en el opúsculo Enseñanza de la Historia a principios del siglo XX en Uruguay y Argentina. La visión de dos autoridades educativas. Abel J. Pérez y Joaquín B. González. Plantean una revisión de las políticas de la historia y de la administración de la memoria, implementadas en los sistemas educativos de Uruguay y Argentina, a comienzos del siglo XX. Examinan la acción y pensamiento Abel J. Pérez y Joaquín V. González, destacados funcionarios e intelectuales que fungieron como operadores de las oligarquías locales en la delicada tarea de organizar planes, programas y textos de historia. A partir de la producción de estos agentes reflexionan y especulan en torno a los recursos pedagógicos, los sustentos epistemológicos y los fundamentos ideológicos que viabilizaron la trasposición didáctica de la historia investigada en historia enseñada.

La cuestión de la enseñanza de la historia también es considerara por Fábio Franzini y Elaine Lourenço en el artículo Quando historiadores foram a escola: a “História do Brasil” de Octavio Taquínio de Sousa e Sérgio Buarque de Holanda (1944) e os ecos da nova historiografía brasileira. Los autores estudian la História do Brasil (1944) en sus aspectos intrínsecos (temas, estructura) y como expresión del proceso de renovación historiográfica iniciada en la década de 1930. Examinan el texto y su contexto a efectos de identificar enfoques disruptivos con la tradición manualística nacional. La estructura narrativa del trabajo articula de manera cadenciosa – a modo de breves pinceladas – los perfiles bio-bibliográficos de los autores, con el examen de una obra consistente pero que tuvo una tímida recepción en el medio escolar.

Félix Raúl Martínez Cleves propone, de manera original y sugestiva, una Aproximación a los vínculos entre las historias de ciudades en Colombia y la visión agustiniana. Se trata de un interesante análisis que pone en diálogo la Filosofía de la Historia con la Historia de la Historiografía. Bucea en los sustentos epistemológicos de las “biografías de ciudad” producidas en Colombia en las primeras décadas del siglo XX, con el propósito de demostrar la relación existente entre esos relatos con las ideas agustinianas de historia, tiempo y ciudad. Contextualiza esos textos en la actividad motorizada por la Academia Colombiana de Historia, tendiente a fomentar la “civilización del país”. Tal operación implicaba la puesta en relato del origen y evolución de los conglomerados urbanos con la intención de atribuir identidad y sentido a cada uno en el marco nacional.

El dossier se cierra con otro artículo dedicado al estudio de una publicación seriada. En Notas para uma análise da Revista de História e a historiografia veiculada em suas páginas na década de 1950, Patrícia Helena Gomes da Silva realiza un examen morfológico y analítico de esa prestigiosa publicación de la Universidad de San Pablo, dirigida por Eurípedes Simões de Paula. La autora propone una discusión sobre las condiciones de producción, circulación y recepción de la historiografía brasileña, en una década clave de su evolución, a partir de la revisión del corpus textual de la revista citada. Caracteriza la formación y estrategias editoriales de su director, explora la generación y consolidación de redes académicas. Cuantifica temáticamente los trabajos publicados y clarifica las tendencias de investigación predominantes. Se trata de una contribución relevante que permite entender el “movimento de estruturação da disciplina História no campo das universidades no Brasil, criadas nos anos 1930 e em processo de consolidação na segunda metade do século XX”.

Notas

2. La categoría “campo historiográfico” lo utilizo tomando por base los conceptos de Pierre Bourdieu relacionados con el funcionamiento de los campos científicos. El interior del “campo historiográfico” se estructura en base a relaciones de competencia y complementariedad entre sus agentes (los historiadores). Estos actúan en función del “capital” que poseen (económico, social, cultural y / o simbólico) para conquistar, legitimar o conservar posiciones hegemónicas. Bourdieu utiliza la metáfora del juego para explicar las competencias. El acceso, acción, permanencia y exclusión del campo están normalizados según reglas definidas por los propios agentes, de acuerdo a su posición (dominadores o dominados) y “peso funcional” (autoridad, poder) (BOURDIEU, 2002).

3. Advertimos que no se trata de un estado del arte sobre obras del estilo de Historiografía latinoamericana contemporánea, coordinado por Ignacio Sosa y Brian Connaughton (SOSA; CONNAUGHTON, 1999), referidas a temas, problemas, espacios geográficos o períodos específicos. Pretendo comentar los opúsculos que brinden visiones generales relacionadas con la evolución de la producción y el conocimiento histórico de la historiografía latinoamericana.

4. Con excepción de Chile, donde en 1842 se había fundado, en el seno de la Universidad de Chile, una Facultad de Filosofía y Humanidades en la que se promovieron los estudios históricos.

5. Arribó a Argentina en 3 julio de 1909 y permaneció hasta el 27 octubre, fue la primera escala de un largo viaje que culminaría en marzo de 1910 y le permitió visitar los países citados. Desarrolló una intensa actividad académica que tuvo como epicentro la Sección de Filosofía, Historia y Letras de la UNLP. También dictó conferencias y cursos sobre temas diversos en las facultades de Filosofía y Letras y de Derecho de la Universidad de Buenos Aires y en centros académicos de Santa Fe, Córdoba y Rosario. Realizó, además, una fugaz visita a Montevideo entre el 4 y el 12 de octubre. La acción de Altamira tuvo, según Gustavo Prado, importantes repercusiones en la opinión pública y en las élites letradas y dirigentes. Resultó además, muy oportuna en el marco de una sociedad en transformación que se aprestaba a celebrar el centenario de los hechos de mayo de 1810 (PRADO, 2013, p. 140-142). Uno de sus aportes más fecundos en la universidad platense los realizó en un curso dedicado específicamente a la Metodología de la Historia.

6. Lorenzo de Zavala y Lucas Alamán en México, José Gabriel García en Santo Domingo Thomas Madiou y Beaubrun Ardouin en Haití, Alejandro Marure en Centroamérica, Rafael María Baralt en Venezuela, José Manuel Restrepo en Nueva Granada, Pedro Fermín Ceballos en Ecuador, Mariano Felipe Paz-Soldán en Perú, Miguel Luis Amunátegui en Chile, Francisco Bauzá en Uruguay, Bartolomé Mitre y Vicente Fidel López en Argentina y Francisco Adolfo Varhagen en Brasil (GUERRA VILABOY, 2003, p. 156-159).

Referências

AURELL, Jaume; BALMACEDA, Catalina; BURKE, Peter; SOZA, Felipe. Comprender el pasado. Una historia de la escritura y el pensamiento histórico. Madrid: Akal, 2013.

BETANCOURT MENDIETA, Alexander. Espacios de la memoria: dos Academias de Historia Regionales. In: BETANCOURT MENDIETA, Alexander y RAMÍREZ BACCA, Renzo (Coordinadores). Miradas de contraste. Estudios comparados sobre Colombia y México. México: Universidad Autónoma de San Luis Potosí, Universidad Nacional de Colombia, 2009, p. 9-53.

BOURDIEU, Pierre. Campo de poder, campo intelectual. Itinerario de un concepto. Buenos Aires: Montressor, 2002.

GUERRA VILABOY, Sergio. Las grandes corrientes de la historiografía latinoamericana. In: Clío, 166, 2003, p. 145-182.

MACINTYRE, Stuart; MAIGUASHCA, Juan; PÓK, Attila. The Oxford History of Historical Writing. Volume 4: 1800-1945. New York & Oxford: Oxford University Press, 2011.

PRADO, Gustavo. Rafael Altamira en el Río de la Plata: claves ideológicas e historiográficas de su éxito en la Argentina del Centenario. In: ALTAMIRA, Pilar (Coord.). La Huella de Rafael Altamira. Madrid: Universidad Complutense, 2013, p. 137-153.

REZENDE MARTINS, Estevão de (Director); PÉREZ BRIGNOLI, Héctor (Codirector). Historia general de América Latina. Teoría y metodología de la Historia de América Latina. Vol. IX. Madrid: UNESCO, 2006.

SOSA Ignacio; CONNAUGHTON Brian (Coordinadores). Historiografía latinoamericana contemporánea. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1999.

Tomás Sansón Corbo1 – Doctor en Historia por la Universidad Nacional de La Plata (Argentina). Profesor e investigador de la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad de la República (FHCE-UDELAR, Uruguay). Integrante del Sistema nacional de Investigadores de la Agencia Nacional de Investigación e Innovación (SNIANII, Uruguay).


CORBO, Tomàs David Sansón. La Historiografia de Latino America en la Primera Mitad del Siglo XX. Revista Expedições, Morrinhos, v.8, n.1, 2017. Acessar publicação original. [DR]

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A bola rolou: o velódromo paulista e os espetáculos de futebol – GAMBETA (RH-USP)

GAMBETA, Wilson. A bola rolou: o velódromo paulista e os espetáculos de futebol. São Paulo: SESI-Editora, 2015. Resenha de: JEUKEN, Bruno. Esporte na Primeira República: a história do espetáculo. Revista de História (São Paulo) n.176 São Paulo  2017.

Os estudos acadêmicos sobre o esporte no Brasil tardaram a começar, mas desde as duas últimas décadas já não é mais possível acompanhar a quantidade de trabalhos. Por vários motivos, como aconteceu também com outros temas, os recortes temporais se concentram na Era Vargas ou em períodos imediatamente posteriores. A Bola Rolou é uma importante contribuição a uma tendência recente de estudo do início da República brasileira, um trabalho que dá sua contribuição junto a outros bons artigos, revistas e livros que versam sobre o período, além, é claro, de se tratar de uma referência nos estudos sobre esporte.

Seja falando do Brasil ou da Europa, de educação ou de urbanismo, das alianças da elite ou da classe trabalhadora, da população negra ou dos imigrantes, do turfe, do ciclismo ou do futebol, o texto segue um fio condutor bem determinado e explicita de forma completa o processo histórico formador dos espetáculos esportivos na cidade de São Paulo, cujo palco principal foi, durante o recorte do livro, o Velódromo da Consolação. Tentarei dissecar o trabalho para expor as razões que fazem deste livro uma leitura obrigatória.

O primeiro e principal mérito do autor é explicar o futebol sem essencializá-lo. Não há nenhum argumento tautológico, autorreferente, que explique o futebol por meio dele mesmo. O que o historiador faz é descrever um processo de décadas, herdeiro de outros esportes de espetáculo. Gambeta passa ileso por inúmeras armadilhas e não comete o pecado do anacronismo. É comum encontrar análises (dentro e fora da academia) que encaram o gosto pelo futebol de forma anacrônica, como se o esporte tivesse criado, ele mesmo, suas sociabilidades e identidades, como se o espetáculo futebolístico e seu entorno tivessem nascido prontos. O objeto central do livro – O Velódromo Paulista e os espetáculos de futebol – aparece aqui como resultado de um processo relativamente longo e cuidadosamente descrito. Gambeta mostra que não há nada instrínseco ao esporte que o tenha feito ser o fenômeno social amplo e poderoso que é hoje; ao contrário, o autor nos apresenta as condições, as relações de causa e consequência, as permanências e rupturas, que fizeram do futebol o fenômeno social que é.

Para tanto, alguns conceitos utilizados pelo autor merecem destaque por sua importância: o espetáculo, a parentela, e o binômio futebol informal/futebol de espetáculos.

O espetáculo, conforme Debord1, é um conjunto de relações sociais mediadas pelas imagens. O poder do espetáculo está pulverizado pela vida social, com imagens produzidas para justificar, reafirmar, reforçar o poder da classe dirigente. No caso da capital paulista, como descrito por Gambeta, o espetáculo serve como mediação entre as famílias da elite paulistana e as classes subalternas, logo ampliadas pela chegada de imigrantes. Essa elite paulistana é descrita com o conceito de parentela, como definido pela professora Maria Isaura Pereira de Queiroz, qual seja: grupos de famílias ligadas entre si, através das gerações, por relações de sangue, tradição, compadrio, religiosidade, honrarias, negociações políticas e negócios em comum. De forma certeira, esse conceito nos ajuda a pensar o grupo social que protagoniza a formação dos espetáculos: as famílias da elite paulistana.

Destaco também o binômio futebol informal/futebol de espetáculos. A divisão consagrada pelos jornalistas Thomaz Mazzoni e Mário Filho, futebol de várzea/futebol oficial, é muito utilizada dentro e fora da academia, apesar de ignorar uma variedade enorme de práticas e reforçar oposições que, por serem forçadas, distorcem as análises (casa e rua, pobre e rico, negro e branco). A divisão proposta por Wilson Gambeta é de extrema importância neste campo de estudo porque leva em conta a constituição da prática esportiva, não os agentes, o local ou alguma credencial. Os conceitos utilizados pelo autor operam uma diferenciação entre a prática esportiva como jogo atlético, forma de lazer, ocupação do chamado tempo livre, e a prática esportiva como espetáculo, organizada em campeonatos que reúnem os times de várias agremiações, exposta como espetáculo para grupos com os quais cria relações de identidade. Não há nesses conceitos nenhum reforço a qualquer oposição engessada Por tratar-se da constituição das práticas esportivas, o conceito consegue ao mesmo tempo ser mais preciso e mais maleável, por contraditório que pareça.

É oportuno propor uma divisão de três momentos concatenados neste livro: o início dos espetáculos esportivos no final do século XIX; os espetáculos de futebol na primeira década do século XX; e o momento de crise e ruptura no futebol de espetáculos, no qual a elite gradualmente sai de cena para praticar outros esportes enquanto o futebol (de espetáculos) começa um longo caminho até a profissionalização.

O início do livro, aparentemente desconectado dos esportes, nos mostra a relação da elite paulistana com a Europa, lugar onde esses agentes tinham contato com uma vida em transformação, no processo que foi chamado de modernização: o crescimento das cidades, o mundo industrial, os espetáculos… Uma vez de volta, essas famílias paulistanas se reuniam para emular aquilo que entendiam como uma referência ideal de vida urbana. Desse processo vem o turfe, o ciclismo e o futebol.

No início, era o turfe. Segundo o autor, havia corridas em São Paulo desde 1860, mas foi apenas em 1875 que Antonio Prado, Martinico Prado, Eleuterio Silva Prado, Elias Pacheco Chaves e Elias Fausto Pacheco Jordão uniram-se a Paes de Barros para fundar o Club Paulistano de Corridas. Pelos sobrenomes dos agentes fica clara a ação direta das parentelas na constituição dos espetáculos esportivos. Um tipo de empreendimento em grupo já antigo – se lembrarmos dos negócios dessas famílias – e que ainda se repetiria por décadas – se pensarmos no Velódromo e nas Ligas de futebol.

A organização desse clube marca, como explica o autor, a transição entre disputas esporádicas e um esporte moderno integrado ao lazer urbano. O importante aqui é notar que nas corridas de cavalo, além do prazer individual, os criadores ofereciam diversão para espectadores pagantes. Como um bom trabalho de história, o texto extrapola o esporte e evidencia um retrato do último quarto do século XIX em São Paulo, o que nos faz refletir mesmo a respeito do tempo presente, como quando diz que as desigualdades eram reproduzidas entre assistentes (populares das arquibancadas e gerais) e os sportsmen e seus familiares (das tribunas reservadas), um espaço social controlado (p. 47).

O turfe paulistano, bastante instável, viveu momentos de apogeu e crise de acordo com o desempenho econômico da exportação de café. Segundo Wilson Gambeta, em determinado momento, além das crises recorrentes, as corridas se misturaram a jogos populares e ao dinheiro das apostas, cuja emoção se sobrepôs à excitação com os galopes e “empanou os espetáculos” que, antes, eram preparados para o brilho dos sportsmen da elite paulistana. (p. 63)

O historiador narra um processo histórico contínuo e explica os momentos de apogeu e crise dos esportes. Com a queda de popularidade do turfe, o ciclismo ganha espaço mas, no limite, eles são parte do mesmo processo. Temos então que a decadência do turfe foi simultânea à difusão de um outro modismo, dessa vez entre os rapazes da geração mais nova: o ciclismo.

Acerca deste momento, o autor extrapola o esporte e trata da “redefinição dos usos considerados aceitáveis para as ruas” (p. 85). Contemporâneo ao desenvolvimento do ciclismo, desenvolve-se uma forma moderna de se relacionar, criam-se espaços de convivência externa, as camadas subalternas começam a circular entre os membros das parentelas em determinados espaços – claro, desde que seguissem um certo padrão de comportamento, de trajes, conseguissem pagar o valor dos ingressos e ocupassem seus lugares bem determinados. Esse elemento não é trivial. O historiador mostra com clareza que essa convivência entre classes não foi inventada pelos espetáculos de futebol, como alguns podem concluir apressadamente, mas é algo anterior e que aparece como uma das causas, não como consequência, da sociabilidade nos estádios. O afrouxamento dos laços de sangue e a adaptação a novas formas de sociabilidade são um fenômeno observado pelo autor que é externo aos esportes mas a eles se relaciona diretamente.

Partícipe de uma nova sociabilidade, a nova moda da elite também foi acompanhada por uma plateia atenta, como no turfe antes dela. Com a popularização das corridas de bicicleta, o Velódromo foi inaugurado em 1895 pelos Silva Prado. Foram erguidas arquibancadas para mil pessoas, e era costume que a maior parte ficasse de pé, como acontecia no turfe. Continuando as comparações, notamos que o turfe e o ciclismo guardavam semelhanças, mas que as diferenças são mais importantes para o entedimento do processo histórico que se desenrola: o turfe remetia à vida no campo, aos criadores de animais; o ciclismo aparecia como símbolo da tecnologia industrial, da vida no meio urbano; no turfe, o protagonista era o animal e o cavaleiro era contratado para representar o criador de cavalos que se sentava confortavelmente na tribuna; no ciclismo, o protagonista era aquele que pedalava, o veloceman, considerado então como um atleta.

Era uma novidade que membros da elite realizassem um esforço físico que, no limite, servia como divertimento das classes subalternas. Nas palavras de Gambeta:

Eles, que na infância assistiram de perto aos rigores da escravidão nas fazendas de suas famílias, que vinham da velha cultura senhorial onde o trabalho era desvalorizado e se evitara fazer tarefas mecânicas em público, agora davam demonstrações de máximo esforço físico diante de plateias. (p. 101)

O que me parece, mas não foi apontado por Wilson, é que essa nova geração das parentelas estava mais preocupada com as rivalidades entre si do que com o espetáculo para o público; uma versão individual das rivalidades dramatizadas pelos clubes nos campeonatos de futebol, que dramatizariam, depois, rivalidades entre grupos diferentes da elite (italianos, ingleses, paulistanos, alemães). Se havia as rivalidades horizontais, verticalmente ainda havia, como no turfe, a necessidade de se dinstinguir. Os rapazes costumavam doar a arrecadação das bilheterias do clube de ciclismo, algo que “até fazia parte do ar esnobe”. (p. 101)

Sobre a decadência do ciclismo, Gambeta aponta algo semelhante ao que é descrito no caso do turfe. O ciclismo foi dominado, aos poucos, por corredores profissionais, com origens subalternas, especialmente imigrantes com algum capital. O esporte deixou, portanto, de servir como forma de distinção, e por isso foi abandonado pelos rapazes ricos. No turfe, quando as apostas da população trabalhadora se sobrepuseram às dos criadores de animais, houve também um progressivo abandono da prática. A essa altura é importante ressaltar: os esportes de espetáculo são apenas uma das tantas práticas que a elite paulistana importou. O contato com a vida europeia era um privilégio e, portanto, essas atividades eram essencialmente uma forma de distinção. Pensando nisso, conseguimos entender melhor porque o turfe, e depois o ciclismo, foram progressivamente abandonados após uma certa popularização.

Temos, a essa altura, três fatores centrais: o turfe inaugurou um hábito de plateia, que continuou no ciclismo. Este último, além de construir a imagem do atleta, permitiu que os filhos da elite se distinguissem ainda que realizando esforço físico para divertimento das classes subalternas.

O historiador mantém seu fio condutor e, enquanto narra as crises do ciclismo, explica o crescimento do futebol. Para tanto, novamente são utilizados elementos externos ao esporte, numa narrativa própria da história social. O momento era de adesão apressada a novos hábitos, as novidades eram incorporadas ao cotidiano com frequência. Gambeta cita “o relógio de pulso, a máquina de escrever, o telefone, a bicicleta, o patim, o elevador (…)” (p. 170) e, mais importante, a bola e os jogos atléticos. Com a decadência do turfe, conhecemos o crescimento e o aurge do ciclismo. Quando a elite abandona este último, chegamos, enfim, ao futebol.

Wilson Gambeta não é o primeiro autor a desconstruir o mito de fundação que coloca Charles Miller como pai fundador do futebol no Brasil (um discurso cuidadosamente construído pelas elites), mas, ao operar o conceito de parentela e tratar desse processo de modernização da vida urbana, o historiador nos mostra com mais clareza o desenrolar desta história. O esporte foi incluído aos poucos no Velódromo, aproveitando o espaço central, praticado em meio a espetáculos de variedades e apresentações de maravilhas da ciência e tecnologia – o que reforça a ideia de um período voltado às novidades e inovações. Nesse afã de contraposição a uma tradição rural, o futebol foi mais uma novidade entre tantas, e logo seria a mais nova forma de dinstição social dos filhos homens das famílias ricas.

Indo na contramação de explicações anacrônicas que colocam o futebol como intrinsecamente interessante, espetáculo único e imbatível, Gambeta explica que o futebol parecia frustrante para a cultura esportiva da época, familiarizada com “disputas segmentadas, com o ritmo veloz e duração curta dos páreos”, típicas do ciclismo e das corridas de cavalo, nas quais o “êxtase acontecia nas chegadas sequenciais, com resultados imediatos, sem empates”, expectativas e tensões aguçadas pelas apostas. (p. 125)

O autor historiciza o esporte, narra o crescimento do futebol como fruto de relação sociais e processos históricos. Experiências “que circulam de um esporte para outro”, do turfe ao ciclismo, do ciclismo ao futebol. Nas palavras de Gambeta:

Uma atividade cultural importada só se incorpora quando a sociedade receptora decodifica os valores nela contidos e atribui sentido social à sua simbologia, ainda que através de ressignificações (…). As plateias se empolgam quando estabelecem identidades com os contendores e desenvolvem sensibilidades para os momentos de tensão vividos na disputa. São experiências emotivas que circulam de um esporte para outro e ganham novos significados entre as gerações. (pp. 127-128)

No turfe não havia uma constituição de relações de solidariedade permanentes entre expectadores e participantes, uma vez que os páreos mudavam frequentemente. No ciclismo, a identificação se dava individualmente com cada corredor, não com o veloclube. O “sentimento egoísta das apostas singularizava as paixões nesses esportes” (p. 136), mas isso não me parece tão relevante quanto a descontinuidade, impeditiva a uma construção identitária. Há apostas no futebol, o mesmo acontece no rugby (na Inglaterra, França e Argentina, por exemplo), mas ainda assim as identidades são construídas. Portanto, discordo do autor quanto ao impacto das apostas nesse processo. De toda forma, porém, a explicação construída no livro não depende deste elemento.

Segundo o historiador, a “transição das competições individuais em velocidade para os embates coletivos entre equipes colaborou para desencadear a devoção aos clubes” (p. 136). Surgem e crescem os “partidos”, chamados mais tarde de torcidas. Construíam-se rivalidades competitivas que teatralizavam a vida urbana em confrontos entre equipes. Sucediam-se campeonatos anuais, encontros repetidos até o cobiçado desfecho. “Os campeonatos por pontos corridos (…) equivaliam às tramas dos romances folhetins”. (p. 179)

A comparação não é trivial. Trata-se de uma leitura precisa que nos mostra características do esporte e de suas formas de organização não como razões intrínsecas à sua difusão, mas sim como elementos da história social do período – neste caso, a cultura dos folhetins – que, sendo equivalentes a certos elementos do esporte, facilitaram e ampliaram a boa recepção do futebol. A partir daí, observamos dois processos distintos e relacionados: a descentralização da prática do futebol pelo futebol informal e a constituição do futebol de espetáculos por meio de clubes, ligas e federações.

No jogo informal da elite, muitas vezes participavam pobres, os filhos dos criados, e mulheres. Já no jogo do “team de verdade”, não, já que “(…) nos espetáculos o breve congraçamento entre classes servia para distinguir os atores principais, os que usavam o símbolo do clube” (p. 220). Essa distinção servia para reafirmar, ao mesmo tempo, o passado e a modernidade, a tradição e o dinamismo, no que Wilson Gambeta chama de “identidade de dupla face” (p. 170). No que diz respeito ao futebol de espetáculos, duas relações sociais podem ser observadas a essa altura: a relação vertical que distanciava os protagonistas em campo dos assistentes comuns e a rivalidade horizontal, entre clubes.

Se o espetáculo – conforme Debord – é uma relação social mediada por imagens, e se há o futebol de espetáculos como imagem – conforme Gambeta – o palco principal dessa mediação era o Velódromo da Consolação, onde o grupo dominante – a elite paulistana – comunicava seu domínio, e o destinatário dessa informação – a classe trabalhadora – aparecia como assistente deste espetáculo, como torcida. Assim se dava a relação vertical. Ainda que jogasse, informalmente, o mesmo jogo, a classe trabalhadora não participava do espetáculo, pelo menos não atleticamente. Essa cultura esportiva na qual o futebol se desenvolveu tinha formas e significados diferentes para classes diferentes, uma diferenciação pincelada pelo autor, mas que acrescentaria muito à análise caso fosse aprofundada. Explico: para as parentelas, o esporte, além de uma forma de distinção, era parte do que Gambeta chama de cultura dos prazeres. Os herdeiros da elite jogavam futebol como sportsmen, entendiam-se modernos e distintos ao emular práticas observadas na Europa. Os trabalhadores – os subalternos, os ex-escravizados, os imigrantes pobres -, por outro lado, praticavam esportes naquilo que Adorno chama de tempo livre2, aquele tempo que não é dedicado ao trabalho mas que existe em função dele, algo como uma recarga de energia (física e mental) essencial para a boa performance no tempo de serviço.

Situação diferente é observada quando isolamos apenas os privilegiados. Nesse caso, a análise identifica as rivalidades horizontais a que já me referi, cujos protagonistas, no recorte temporal de Gambeta, eram: o Clube Atlético Paulistano, formado por jovens de famílias cafeicultoras ligadas entre si e aos Silva Prado por laços de parentesco, negócios e política; o SPAC, fundado pelos filhos dos ingleses que chegavam ao Brasil por empresas como a Light e a São Paulo Railway Company; a A.A. Mackenzie College, organizada pelos estadunidenses da instituição presbiteriana; o Sport Club Germania, fundado pela colônia alemã; e, em meio ao teatro das nacionalidades, havia ainda o Sport Club Internacional, que se pretendia aberto a todas origens (de nacionalidade, não de classe).

O clube aparece como entidade de livre associação, uma extensão da parentela. Por isso, entendo que as rivalidades criadas neste esporte eram também rivalidades familiares. Uma disputa dramatizada que passava de team para team dentro da mesma agremiação, do mesmo clube. O perdedor de um ano ficava ansioso pelo campeonato seguinte, quando poderia reverter o resultado, ou, caso saísse vitorioso, voltaria para defender sua supremacia no próximo ano. Essa dinâmica demoraria algum tempo para ser ressignificada, com a entrada de outros agentes e outras identidades nessa teatralização da vida urbana.

Reforçando essa ideia de teatro das rivalidades familiares, os espetáculos da Liga Paulista de Football (LPF) eram uma oportunidade para a oligarquia paulista recuperar as atenções que vinha perdendo para as associações atléticas de imigrantes. Os craques da bola, filhos da elite, eram apresentados como a nova geração de líderes. Não por acaso, como aponta o autor, nesse momento a imagem esportiva das insituições de ensino era fator determinante na escolha da escola dos filhos.

Esse teatro que dramatizava as tensões sociais dentro de São Paulo teve desdobramentos mais amplos. O texto alcança a nacionalização do futebol e as relações diplomáticas (p. 282). Incorporado aos poucos à diplomacia, o esporte sinalizava uma relação cordial e amistosa, propunha relacionamentos pacíficos e representava uma posição de igualdade. Logo, São Paulo começa a receber visitas de times estrangeiros (p. 286), que geralmente davam verdadeiras aulas de futebol aos times paulistanos.

A rivalidade com os cariocas – um par antitético, segundo o autor – causava cada vez mais atritos e instabilidade política. O futebol passava por um período de desorganização e conflitos em São Paulo – falamos aqui da virada dos anos 10 do século XX. Esse momento de crise institucional se refletia nos espetáculos, já que somente os confrontos contra estrangeiros e cariocas mobilizavam grandes plateias. São momentos de encontro do campo político com o campo esportivo, já bem consolidado a essa altura.

A elite paulistana se incomodava com a suposta violência do esporte, trazida – na visão elitista – pela entrada das classes subalternas. Não houve, nessa visão elitista, a diversão moralizadora que fora idealizada. Os membros das parentelas, portanto, bradavam pela restauração da ordem, enquanto o futebol rebelde escapava da pedagogia social dos conservadores (p. 306). O processo, como descrito no livro, parecia ser irreversível. Quanto maior a difusão do futebol por todas as camadas sociais, menor a importância dele como meio de distinção da elite, que, por essa razão, distribuía-se em outros esportes: o remo, o tênis, o automobilismo, o hipismo e a aviação esportiva.

Depois de termos passado pela constituição dos espetáculos esportivos e pelos espetáculos de futebol, chegamos ao terceiro momento: a transformação do campo esportivo, o início de mais um longo processo, que escapa ao recorte deste livro e alcança a década de 1930. O futebol com novas regras, jogadores convidados, remunerações, a ascensão de novos clubes. A pedadogia social pretendida pela elite falhou, as parentelas controlavam cada vez menos a política e, portanto, a função social dos espetáculos futebolísticos. A distinção social neste esporte já era algo do passado. Há, como forma de resistência, uma cisão institucional com a criação da “liga conservadora” (p. 345), uma reação contra o profissionalismo que acaba sendo apenas mais um insucesso.

Como símbolo dessa fase decadente, que encerra o estudo de Gambeta e abre a porta para tantos outros, temos o despejo do Clube Altético Paulistano, retirado do Velódromo para que o terreno fosse loteado. Os clubes que protagonizaram esse livro começam, então, a se reorganizar, voltando suas forças para outras atividades, outros jogos, e aos poucos saindo do cenário do futebol, que a essa altura já começa a se nacionalizar e a trilhar o difícil caminho da profissionalização (p. 395). Com maior duração e maior influência se comparado ao turfe e ao ciclismo, o futebol finalmente tem o mesmo destino (para a elite) dos esportes anteriores. Deixa de ser uma forma de distinção e, na sua forma de espetáculo, deixa de comunicar e reforçar uma dominação social.

Em A Bola Rolou, conhecemos a história do turfe, do ciclismo e do futebol, o processo de modernização da vida urbana no qual os esportes têm papel central. Entendemos melhor a mediação entre a vida privada e a vida político-partidária exercida pelos clubes esportivos de elite, assim como a ação política das ligas e federações do início do século XX. Com a história do Velódromo, passamos a entender melhor o processo pelo qual o estádio se torna uma arena de espetáculos e espaço de uma nova sociabilidade. Ainda, temos contato com uma análise do futebol de espetáculos como comunicador de valores morais, uma pedagogia social de cunho conservador comandada pelas parentelas paulistanas. A narrativa é completa no que se propôs a fazer mas, como toda grande obra, abre diversos caminhos de pesquisa. Wilson Gambeta nos revela temporalidades de três gerações, uma janela no espaço-tempo que, de forma deliciosa e rica, nos mostra as diversas faces de São Paulo na virada do século XIX para o XX, tornando mais completo o nosso conhecimento a respeito deste período que ainda merece mais estudos.

Referências

ADORNO, Theodor. Tempo livre. In: ______. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002. [ Links ]

DEBORD, Guy. The Society of the Spectacle. New York: Zone Books, 1995. [ Links ]

GAMBETA, Wilson. A bola rolou: o velódromo paulista e os espetáculos de futebol. São Paulo: SESI-Editora, 2015. [ Links ]

1 DEBORD, GuyThe Society of the Spectacle. New York: Zone Books, 1995.

2 ADORNO, Theodor. Tempo livre. In: Idem. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

Recebido: 27 de Setembro de 2016; Aceito: 25 de Novembro de 2016

Bruno Jeuken – Bacharel em História pelo Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Mestrando em História Social pela mesma instituição. Pesquisador do NAP-LUDENS – FFLCH/USP. E-mail: brunojeukensouza@gmail.com.

 

Narrativas, arte e contemporaneidade | Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica | 2017

As narrativas estão presentes em todos os tempos, lugares e sociedades. Pessoas e grupos criam suas narrativas e, frequentemente, compartilham-nas com sujeitos de diferentes culturas. Histórias são contadas de muitas formas, através de diversas mídias, ganhando sentido como representações que emergem e transitam por mitos, rituais, repertórios orais, visuais, musicais e cênicos, sendo emolduradas por práticas subjetivas e culturais que as transformam/qualificam como narrativas.

Temos assistido ao desenvolvimento, sem precedentes, de inúmeras modalidades de narrativas – orais, filosóficas, científicas, literárias, fotográficas, antropológicas, artísticas, educacionais, cinematográficas, videográficas, digitais, de publicidade, gestão, informação etc. A velocidade e o volume de narrativas que nos invadem e interpelam, cotidianamente, constituem uma avalanche, que nos encharca e consome, sem que tenhamos tempo suficiente para refletir, analisar, saber quem são os agentes da sua produção e as figuras da sua construção simbólica, ou, quais mecanismos de poder elas produzem e reproduzem. Além disso, as narrativas não obedecem a um formato, não se submetem à uma perspectiva ou crítica e tampouco se acomodam a modelos estabelecidos, situação que, muitas vezes, incomoda e intriga. Leia Mais

Ensino (d)e História Indígena – WITTMANN (RHH)

A implementação da Lei 11.645/08 tornou obrigatório o ensino de história e cultura indígena, assim como o da afro-brasileira. No entanto, ainda há descompasso entre as necessidades da realidade escolar e a licenciatura de história nas universidades brasileiras no que se refere a essas áreas, pois nem sempre foram oferecidas disciplinas basilares aos jovens universitários. Publicações como a organizada pela historiadora Luisa Tombini Wittmann ajudam a sanar possíveis faltas, além de serem importantes dispositivos para o auxílio na formação continuada de nossos professores.

A intenção principal da obra é fornecer subsídios sobre história indígena aos professores da educação básica. Para tal, a organizadora reuniu resultados de recentes pesquisas que cobrem do século XVI ao XX, do Norte ao Sul do país. Essa amplitude, à primeira vista, parece fragilizar o tratamento da temática. Leia Mais

Os desafinados: sambas e bambas no “Estado Novo” – PARANHOS (RHH)

Dei um pulo na cidade.

Iaiá, minha preta, se eu sei não iria.

Só vi sacanagem, só vi covardia.

Não sei como pode alguém lá viver.

Quando vi o salário Que o pobre operário Sustenta a família Fiquei assustado, Iaiá, minha filha, Montei no cavalo e voltei pra você.

Quando eu contar, Iaiá Serginho Meriti/Beto Sem Braço A prática docente e a de pesquisa acadêmica encontram, entre muitas proximidades, a comum dificuldade em agregar elementos, documentos e fontes que permitam oferecer uma leitura do passado capaz de estimular interpretações de experiências e expectativas de sujeitos geralmente esquecidos, silenciados na memória oficial e no relato historiográfico predominante. O objetivo de narrar uma “história de baixo para cima”, embora estimule o fazer historiográfico desde a primeira metade do século XX, ainda exige muito esforço, criatividade e perspicácia para que se identifique o eco de vozes então abafadas pelo discurso hegemônico. O esforço em captar a repercussão das palavras de grupos dissonantes em um contexto autoritário e comumente identificado como onipotente, o Estado Novo Varguista, é o que move o historiador Adalberto Paranhos nesta nova obra, produção cara a iniciados nos estudos do período e, por sua linguagem acessível, também a demais interessados. Leia Mais

L’Époque romaine ou la Mediterranée au nord des Alpes | Flutsch

No final do século V a.C. os celtas ocuparam o território da atual Suíça, sobrepondo-se às antigas populações lacustres, agrícolas e de pastores. Nova invasão ocorreu no final do séc. II a.C., quando os helvécios – também celtas – liderados por Divico, avançaram do sul da Germânia em direção à Gália. Em 61, então já estabelecidos no território alpino, que os romanos englobavam no nome genérico de gaulês, prepararam-se para nova migração em direção ao oeste, comandados por Orgétorix, migração fracassada pelo assassinato do líder. Entretanto os romanos já haviam dominado parcialmente esse território, isto é, todo o sul da Gália, e o conflito foi inevitável, terminando com a vitória dos romanos sobre os helvécios em 58 a.C.. Tomando partido desse fato Júlio César obriga os helvécios a permanecer na região alpina e dá início à conquista completa da Gália. Estas e outras circunstâncias, afirma Flutsch, têm impedido os suíços contemporâneos de reconhecer Divico ou Orgétorix como heróis nacionais, e leva o autor a falar da cultura ou do legado da romanização mais em termos de galo-romanos (mais abrangente) do que helveto-romanos – mais restrito e discutível, já que os helvécios não defenderam uma “pátria” contra os romanos, mas foram por eles impedidos de sair de onde se tinham estabelecido. Após a vitória sobre os helvécios os romanos iniciaram o estabelecimento de colônias e legiões: por volta de 44 a.C. foi criada a Colonia Julia Equestris (atual Nyon, próximo a Genebra, na margem do lago), e por volta de 20 a. C. começaram as construções na Colonia Raurica, em território dos rauraques, outra população celta – é a atual Augst, próxima a Basiléia, cujos vestígios estão hoje em muito bom estado de recuperação. Portanto no I século a.C. a presença romana embora marcante deixava quase total independência às populações alpinas. Com a chegada do Império as terras da atual Suíça foram ocupadas pelas legiões e pelas instituições políticas e administrativas romanas, que, contudo, não eliminaram as estruturas sociais e a organização dos vários grupos celtas. Nessa fase o território estava dividido por cinco distintas províncias romanas: o norte pertencia à Germânia Superior, o oeste à Narbonense, o sul aos Alpes e à Itália, e o leste à Récia. Ao destacar este fato Flutsch faz notar que a romanização, embora não tenha contribuído para criar uma consciência de unidade no que veio a ser o povo suíço, definiu a “cantonização” que hoje constitui a Confederação Helvética (em que pese a dubiedade deste termo, que ele evitou). De fato, na confederação o norte e centro é de língua alemã, o oeste de língua francesa, o sul de língua italiana, e o sudeste romanche. Depois do seu apogeu no século II d.C. o Império Romano entrou em decadência e em meados do séc. III a crise econômica da Itália atingiu as províncias: as guerras e a anarquia, aliadas aos impostos escorchantes fizeram os agricultores desistir da lavoura, e engrossar as turbas de ociosos e bandidos. Fome e peste provocaram a baixa demográfica, e os germanos, aproveitando-se da fraqueza imperial, começaram a atacar as fronteiras e fazer suas primeiras incursões em território alpino. Apesar da recuperação sob Diocleciano, e depois sob Constantino, os romanos continuaram a sofrer os embates com os invasores, e repetidas vezes os alamanos (354, 365, 375) atacaram as legiões e penetraram no território rauraque. Mas o território dito gaulês, ou helvécio, da posterior Suíça não recebeu, antes do séc.VI, invasões maciças germânicas, mesmo quando as legiões abandonaram o território em 401. Quando os Borguinhões, em 443, se instalaram na região de Genebra, rapidamente se incorporaram à cultura galo-romana. Já os alamanos, que ocuparam o norte no século seguinte, impuseram seu idioma germânico, que se mantém até hoje. Depois dessa revisão histórica do período romano (I a.C. a V d.C.) que ocupa metade do livro, o autor dedica um capítulo à “globalização econômica”, ou seja, às marcas deixadas pela romanização no modo de vida material. A incorporação das regiões alpinas gaulesas e helvéticas à economia do Império trouxe estruturas administrativas eficientes; todos os tipos de produção usual da época floresceram, novas profissões surgiram, estradas foram construídas – definindo em seus cruzamentos e passagens quase todas as principais cidades suíças da atualidade. A ligação dos Alpes com o Mediterrâneo (razão do subtítulo da obra) não só exportava os produtos locais, mas propiciava à população das montanhas consumir produtos até então desconhecidos ou reservados à elite celta: vinho, azeite, frutas e conservas de peixe passaram a estar ao alcance de grande parte da população alpina. Percorrendo diversos aspectos da vida comum, desde a tecnologia de construção à produção agrícola, Flutsch vai mostrando como o período romano lançou as bases da sociedade suíça; contudo adverte: a romanização operou-se principalmente nos centros urbanos, enquanto nas regiões rurais a cultura celta permaneceu; por outro lado, após o desmoronamento do Império muitas de suas características desapareceram, como certos tipos de bens de consumo e de conforto, que só voltaram à Suíça no séc. XX. Se ao falar de economia Flutsch mostra sua formação e pendor de arqueólogo, apoiando-se freqüentemente nos vestígios materiais da romanização, o último capítulo – “o casamento das culturas” – é ainda mais objetivo e concreto na apresentação de elementos materiais: para comprovar a importância das construções civis e da urbanização como modeladoras e ao mesmo tempo indicadores da vida social; ao trazer inscrições latinas que denotam peculiaridades da continuidade da cultura celta, inclusive familiar, sob capa romana, ou a presença das mulheres nas atividades da elite; receitas médicas evidenciando a introdução da medicina greco-romana; mosaicos e esculturas caseiras mostrando a aceitação da mitologia e da religião romanas; a completa alteração dos hábitos de alimentação pela importação de muitos produtos e dos modos de cozinhar mais sofisticados. Os exemplos que aduz são muitos bastando completá-los com os traços referentes ao que é menos material: as crenças. Uma cabeça de touro tricórnio celta esculpida em estilo romano; as inúmeras estatuetas de Lug disfarçado de Mercúrio; Caturix, deus protetor dos helvécios, que surge como Marte Caturix; Taranis empunhando o raio de Júpiter; o culto às novas divindades orientais que tinham entrado no Império, inclusive o cristianismo, cuja presença em território suíço é atestada desde o final do séc. IV, ou ainda os costumes celtas de velório e sepultamento modificados pelos romanos. Na conclusão, intitulada “um parêntese que não se fechou” o autor retoma e resume as principais aportações da romanização à Helvécia galo-romana desde o latim e a telha ao gato doméstico e ao alho, para defender as suas teses, entre as quais destacamos: 1. a arqueologia é uma ciência bem fundamentada em técnicas de interpretação de vestígios materiais, mas não está imune a influências doutrinais e ideológicas, nem à percepção do antigo pelos olhos da atualidade; é assim que discretamente alude à integração alpina na cultura mediterrânica e na globalização imperial para sugerir (129) que essa antiga abertura conduz a Suíça à integração na União Européia; 2. a romanização lançou os fundamentos do modo de vida suíço da atualidade, mas não construiu uma consciência de nacionalidade unificada, que é muito recente; daí as suas críticas às alusões do passado como criador dessa identidade de povo, que ele considera um erro de interpretação que falseia a própria visão da Suíça – aliás o autor continuamente se dirige a seus patrícios, pois usa muito o termo “nós” e “nosso” para falar da região. Deste modo, um pequeno volume de introdução a um período histórico é de fato, como toda a coleção Savoir Suisse, um chamado à revisão da percepção que os suíços têm de si mesmos e do seu papel na atualidade. De alguma forma a arqueologia de Laurent Flutsch, diretor de escavações, de exposições e do Museu romano de Lausanne-Vidy, é uma ciência de intervenção política.

João Lupi – Departamento de Filosofia UFSC. E-mail: lupi@cfh.ufsc.br


FLUTSCH, Laurent. L’Époque romaine ou la Mediterranée au nord des Alpes. Lausana: Presses polytechniques; Universitaires romandes, col. Le Savoir Suisse, 2005. Resenha de: LUPI, João. A Suíça e o Mediterrâneo. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.7, n.1, p. 101-103, 2007. Acessar publicação original [DR]

História e Ensino de História: produção de saberes na formação e prática docente / História, Histórias / 2017

Apresentação

O dossiê intitulado Ensino de História, representa uma contribuição ao campo da formação de professores de História. As discussões acerca do Ensino de História têm se ampliando substantivamente o que, sem dúvida, aponta para a importância cada vez mais crescente de uma área que se consolida, pondo em relevo o trabalho daqueles que se dedicam ao fazer docente.

Nesse sentido, trazemos um conjunto de artigos com discussões devidamente contextualizadas que potencializam o debate da formação de professores de História, bem como renovam o nosso fazer e nos fortalece no contexto social a partir de práticas políticas, educativas e sociais muito amplas. São, portanto, produções que dotam de sentido o papel docente.

O presente dossiê aborda desde a prática docente ao uso de linguagens, e, por certo, contribuirá para/com o cotidiano escolar. Isto se constituiu efetivamente em uma das motivações da sua elaboração, ou seja, termos uma produção que também tem a aspiração de chegar aos Professores de Educação básica. Isto certamente, possibilitará que as investigações acadêmicas dialoguem com este universo, favorecendo o processo de atualização dos docentes, nos aspectos teóricos, metodológicos e historiográficos.

Com a proposição da temática, queremos que a edição seja mais um meio de discussões sobre os processos de ensino e aprendizagem de história, onde se analisem os aportes mais recentes e sua contribuição para a formação dos profissionais de história. Notadamente, quando chegamos a segunda década do século XXI assistindo os mais variados acontecimentos no contexto educacional e social, não só pelo número aterrador de conflitos, políticos, sociais e econômicos, como também a imensa quantidade de informações que nos chegam, quer sejam pelos meios de comunicação, quer sejam pelas chamadas redes sociais. Informações rápidas e superficiais.

Dessa maneira, o ensino de História exerce um papel muito importante e fundamental para poder compreender esse cenário e a sociedade da qual fazemos parte. Em vista disso, é evidente que a história, hoje, mais que nunca, requer compreensões minuciosas acerca do contexto em que vivemos.

Em sendo assim, a Revista História, Histórias do programa de pós-graduação em História da Universidade de Brasília – UnB, coloca o atual número à disposição do público, em particular aos leitores especializados, um conjunto de textos que está construído para apoiar a reflexão e a renovação no contexto escolar e na formação docente na perspectiva de um ensino de História atualizado e útil que a sociedade está a exigir.

Astrogildo Fernandes Silva Junior e José Josberto Montenegro de Sousa, em seu texto EXPERIÊNCIAS AUSENTES NO ENSINO DE HISTÓRIA: INQUIETANTES PRESSUPOSTOS PARA UMA REORIENTAÇÃO DA VIDA PRÁTICA, nos convidam a compreender como o ensino de história pode contribuir na formação dos jovens estudantes. Os autores apresentam resultados de um projeto que teve como objetivo analisar o potencial das diferentes fontes e das diferentes linguagens da cultura contemporânea no processo de ensino e aprendizagem em história. Para eles, o ensino de história na educação básica necessita reorientar suas práticas, abrangendo outras perspectivas epistemológicas, que possibilitem discutir a diversidade de experiências histórico-culturais negligenciadas e silenciadas.

André Luiz da Silva Cazula e Ana Heloísa Molina em ORIENTAÇÃO TEMPORAL E ENSINO DE HISTÓRIA: PERSPECTIVAS E PRÁTICAS DE PROFESSORES DE HISTÓRIA DA REDE ESTADUAL DE ENSINO. JACAREZINHO-PR. 2015, convidam-nos a pensar sobre as diretrizes para o ensino de História, publicadas pelo estadodo Paraná em 2008, e que possuem como principal referência norteadora a teoria da História engendrada por Jörn Rüsen. Com reflexões acerca das perspectivas e práticas docentes em relação às orientações curriculares, o texto é resultado da pesquisa, realizada com dois professores da rede estadual no Ensino Médio, na cidade de Jacarezinho-PR, no ano letivo de 2015, apresentando as apropriações e as estratégias utilizadas na mediação do conhecimento em sala de aula a partir das discussões propostas por MichelDe Certeau.

Edson Hely Silva analisa OS ÍNDIOS NA HISTÓRIA E O ENSINO DE HISTÓRIA: AVANÇOS E DESAFIOS. Para ele os povos indígenas no Brasil nos últimos anos conquistaram e ocuparam espaços sociopolíticos, questionando visões eurocêntricas, colonialistas e evolucionistas tratando os povos indígenas como primitivos, desaparecidos ou vítimas impotentes em extinção. O que além de exigir reformulações das teorias explicativas sobre a história e o destino desses povos, vem também exigindo discussões, formulações e efetivação de políticas públicas respondendo as demandas de direitos indígenas sociais específicos.

Jezulino Lúcio Mendes Braga nos apresenta em seu artigo SUJEITOS DE EXPERIÊNCIA: PROFESSORES DE HISTÓRIA NO USO PEDAGÓGICO DO MUSEU DE ARTES E OFÍCIOS,parte de sua pesquisa de doutorado na qual investiga a relação dos professores de história com a exposição do Museu de Artes e Ofícios em Belo Horizonte. Apresentando as experiências sensíveis dos docentes no museu o autor discute as escolhas que fazem para ensinar história, nos afirmando que a potencialidade dos museus para o ensino de história está na forma que dispõe os objetos, imagens e legendas e analiso dados sobre as mediações oferecidas pelo museu aos docentes.

Leonardo Nascimento Bourguignon, analisa, em seu artigo REPRESENTAÇÕES DOS NEGROS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA DO ESPÍRITO SANTO (1964-1997), o papel do livro didático enquanto instrumento de propagação e consolidação de representações, mais especificamente das representações acerca do negro nos livros de história regional. O texto traz como constatação da pesquisa, que, apesar da permanência de uma escrita eurocêntrica, os livros produzidos por autores capixabas apresentaram, em diversos momentos, o negro como agente ativo na história local, mesmo antes da existência de uma legislação que assim os exigisse, e a frente inclusive de uma tendência nacional.

Magno Francisco de Jesus Santos em ENSINO DE HISTÓRIA, ESPAÇOS E CULTURA POLÍTICA BANDEIRANTE: JOSÉ SCARAMELI E A ESCRITA DE LIVROS ESCOLARES DE HISTÓRIA PARA CRIANÇAS, nos traz a discussão sobre a escrita da história para crianças no Brasil, a partir da experiência de Scarameli. Intelectual defensor dos ideais do movimento escolanovista, entre 1926 e 1934, Scarameli produziu um número significativo de livros escolares de História e de Moral e Cívica. Trata-se, pois, de  uma discussão como estes livros expressaram as estratégias de difusão de uma cultura política bandeirante e a construção de representações acerca dos estados brasileiros com um protagonismo paulista.

Marcella Albaine Farias da Costa O QUE NARRAM LICENCIANDOS DE HISTÓRIA SOBRE O IMPACTO DA TECNOLOGIA EM SUA FORMAÇÃO INICIAL?. A autora nos revela de que forma professores de História em formação inicial –alunos das turmas de Didática Especial de História e Prática de Ensino de História da UFRJ e participantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) –significam sua trajetória profissional no que tange à temática da tecnologia. A experiência, foi pautada no olhar (auto) biográfico e utilizou-se da plataforma do Museu da Pessoa enquanto possibilidade metodológica.

Talia Meschiany e Verónica Hendel enveredam pelos caminhos do ENSINAR E APRENDER HISTÓRIA: REFLEXÕES EM TORNO DE EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DOCENTE CONTÍNUA EM MEIOS VIRTUAIS NA PROVÍNCIA DE BUENOS AIRES. As autoras nos apresentam reflexões preliminares sobre um conjunto de práticas e representações do fazer de professores sobre o ensino da história, parte do Departamento de Educação Continuada(DFC) da Direcção-Geral da Educação e Cultura da província de Buenos Aires (DGCyE) durante os anos de 2015 e 2016. No texto analisam como a formação de professores em exercício através de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (EVA) promovem e fortalecem as boas práticas de ensino.

Vitória Azevedo Fonseca, em CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA ENTRE DEBATES E PRÁTICAS, apresenta a partir de um rico debate sobre como usar filmes em salas de aula, especificamente no ensino de história, a experiência de exibição do mesmo filme (Sonhos Tropicais, André Sturn, 2002) para diferentes turmas do 9º ano do Ensino Fundamental, adotando procedimentos preparatórios diferenciados a fim de discutir e defender a importância de, além da alfabetização da linguagem cinematográfica refletir também sobre o desenvolvimento da compreensão dos estudantes dos debates e diálogos “historiográficos” estabelecidos pela narrativa audiovisual para compreensão das intertextualidades presentes nos filmes.

Por fim, Wilian Junior Bonete, em seu texto ALUNOS DA EJA FALAM SOBRE A HISTÓRIA ENSINADA: RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E VIDA PRÁTICA, busca identificar e analisar o pensamento de um grupo de 66 alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), de uma escola Estadual no Paraná, sobre o conhecimento histórico e suas relações com a vida prática. Para tanto, estabelece diálogos com a concepção de consciência histórica, tal como proposto por Jörn Rüsen, bem como os pressupostos que embasam o campo investigativo da Didática da História.

Este dossiê discute, a partir de diversos olhares, as dimensões políticas e didáticas que atravessam nossas concepções de pensar a formação de professores. A qualidade dos textos resulta da soma de esforços de docentes de várias localidades do Brasil para produzirem um primeiro número da História, Históriadedicado ao Ensino de História, permitindo que, pela primeira vez, professores pesquisadores da área possam intercambiar textos, experiências e estratégias de ensino e aprendizagem de História. Uma ótima leitura!

Prof. Dr. Carlos Augusto Lima Ferreira. Brasil -Universidade Estadual de Feira de Santana –UEFS. e-mail: calfferreira@gmail.com

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Campo da História | FAFICA | 2017-2020

Campo da Historia Manduarisawa

A Revista Campo da História (Caruaru, 2017-), [da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Caruaru – FAFICA], surge com a finalidade de ser mais um importante veículo de acolhimento e de divulgação da produção historiográfica, realizada tanto por pesquisadores nacionais como estrangeiros. Contudo, seu foco direciona-se aos trabalhos voltados para o que se convencionou chamar de História do Tempo Presente e de História Imediata.

Trata-se, pois, de privilegiar a análise e a discussão em torno de acontecimentos, processos e experiências individuais e coletivas, forjadas – historicamente – pelos mais variados atores e segmentos sociais, entidades, empresas e instituições, entre o Pós Segunda Guerra Mundial e os tempos atuais.

A Revista Campo da História caracteriza-se como um espaço de diálogo amplo e interdisciplinar, uma vez que acredita que a produção do conhecimento histórico torna-se mais rica e consistente mediante a contribuição de outros olhares e saberes. As questões do Tempo Presente atravessam, moldam e interpelam indistintamente os pensamentos e as ações dos pesquisadores, a despeito das suas filiações teóricas ou políticas.

Nela, tanto historiadores como sociólogos, educadores, antropólogos, filósofos, jornalistas, geógrafos, economistas poderão usar da mediação histórica para interpretar e tecer narrativas sobre diversas nuances das sociedades contemporâneas. Portanto, tais aberturas e possibilidades de diálogos levam Campo da História a ocupar um lugar importante na produção e na promoção do conhecimento cientifico e cultural.


Observação

Esta revista deixou a destinação de História do Tempo Presente e adotando “História das ciências de todas as áreas do conhecimento“.

[Periodicidade semestral]

Acesso livre

ISSN 25263943

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Matar e morrer na Idade Média / Brathair / 2017

Nesse dossiê da revista Brathair – Matar e Morrer na Idade Média – abordamos esses temas como o cruzamento de duas esferas, a cultural e a natural, a partir da sua instância mais básica: o corpo. Embora seja um “objeto natural”, o corpo humano também é produto cultural, tanto que a educação, disciplina e mesmo valores comuns nos levam muitas vezes a contrariar nossos instintos mais básicos, como quando partimos para a guerra, para matar ou morrer. Discutir a forma de apresentação, narração e problematização dessa temática em seus estereótipos associadas a conceitos como honra-desonra, coragem-covardia, masculino-feminino é uma questão a ser problematizada em um amplo recorte espaço-temporal e nas relações – e valores – atribuídos às populações germânicas e seus vizinhos, amigos e inimigos no medievo.

Mas os textos aqui reunidos não se restringem apenas ao contexto de batalhas, com o qual a temática do matar e morrer (e desertar, fugir etc) medieval é amplamente identificada e que há bastante tempo, e ainda hoje, é campo privilegiado para as pesquisas nessa área []1. Igualmente importante é a discussão sobre a questão da morte e das reações frente a ela: buscar ou fugir da morte? Embora durante a Idade Média o suicídio seja considerado um pecado, a morte voluntária a serviço de uma causa ou testemunho – como o martírio – era considerada um ato de virtude, equiparado mesmo à categoria de imitatio christi [2]. Esse paradoxo, do ponto de vista secular e ocidental moderno, pode ser compreendido se pensarmos no medievo como um momento dominado pela violência – uma civilização da agressão, como define Duby. E embora a violência não seja, de modo algum, exclusiva do período medieval, a apologia da violência e seu uso amplo e quase irrestrito, a banalização da violência – parafraseando Hannah Arendt – é uma das características distintivas desse período. Não por acaso a palavra em alemão para violência – Gewalt – serve também para designar o poder. Por exemplo a expressão “unter jemandes Gewalt zu sein” pode ser traduzida como “estar sob o poder (ou autoridade) de alguém”, o que nos coloca diretamente em contato com a Idade Média quando indivíduos que exerciam poder – senhores, pais, esposos etc – podiam frequentemente agir de forma violenta, inclusive ao matar aqueles sob seu domínio, em alguns casos sem qualquer tipo de punição [3].

O que nos leva à pergunta: O que temos em comum com os homens e mulheres do passado? O que pode ser dito da experiência essencial do ser humano? Há muitas respostas para essas perguntas, mas certamente uma delas está relacionada com a questão da morte. Matar e morrer é algo comum aos humanos e animais, assim como as atitudes – passivas e ativas, em grande parte instintivas como correr e fugir ou ficar e lutar – frente a essa questão. Mas o refletir sobre a morte, sobre o matar e morrer é algo tipicamente humano, em todas as épocas. Nos testamentos da cidade de Colônia do século XV encontramos muitas vezes variações em torno da fórmula “dat nemand dem doede untghain noch entflien mach” (“porque ninguém pode escapar nem fugir da morte” [4] ), assim como disposições sobre onde deveriam ser depositados os restos mortais e a realização das missas ad aeternum, esse último um tema abordado, entre outros, por Chiffoleau [5] .

A preocupação com a morte e a preparação adequada – e os auxílios – para esse evento crucial na vida humana em geral, e cristã em particular, são abordados nesse dossiê por Klaus Militzer em seu artigo sobre a criação – e significados – atribuídos à santa Úrsula de Colônia “intercessora por uma morte suave” e por Dominique Santos e Alisson Sonaglio no texto que analisa a obra Ars moriendi do século XV, um manual para uma “boa morte”, com suas implicações e desdobramentos. O professor Militzer discute não só a construção da lenda de Úrsula e o seu significado para a cidade de Colônia, mas também a sua ampla divulgação em diferentes reinos medievais. Demonstra também as transformações sutis na imagem de Úrsula em vários campos – como as fraternidades medievais – e períodos, que culminam com a construção “definitiva” de Úrsula como a santa indicada para garantir uma boa morte, tema abordado juntamente com as questões sobre as percepções – e medo – da morte e a necessidade de intercessão dos santos

O medo da morte, a presença da morte e a “comunicação e […] aproximação entre os vivos e os mortos” é discutida no texto de Amanda Basílio Santos, que tem como fonte as tumbas-cadáveres e a escultura funerária medieval inglesa, exemplos muito nítidos da realidade que todos vamos morrer. O uso do medo da morte (por exemplo a partir da prática da execução exemplar) e o direito a matar, aplicar a pena de morte é discutido no texto de Marta de Carvalho Silveira, “Um olhar jurídico sobre a morte: uma análise comparativa do Fuero Juzgo e do Fuero Real”, que, abordando essas fontes de direito, analisa o “uso legal da morte” na Península Ibérica sob o domínio visigodo e na Castela do século XIII.

Mas se a morte era uma penalidade, cumprindo uma função punitiva, ela também poderia ser uma arma de propaganda: esse uso propagandístico da morte – da morte violenta em nome de uma causa santa, o martírio [6] – é analisado no texto de Dionathas Moreno Boenavides que discute a questão do martírio no século XIII dentro do contexto das disputas em torno das ordens mendicantes. A atuação e figura de religiosos – bispos em especial – é tratada nos artigos de Bruno Álvaro e Mathias Weber. Bruno discute – a partir da figura literária de Don Jerónimo, modelo de bispo guerreiro no Poema de Mio Cid – a questão da atuação militar do clero em uma realidade ibérica marcada pelas guerras. Mathias Weber discute o problema da má e da boa morte nas descrições de mortes de bispos nos Decem Libri Historiarum de Gregório de Tours, com destaque para o “bem morrer” como um morrer pacífico, na cama, cercado pela sua congregação, o que deixa claro os diferentes parâmetros para a atuação e interpretações do clero ao longo da Idade Média.

A discussão sobre os diferentes significados – e possibilidades – do matar e morrer são habilmente exploradas no texto de Gabriel Castanho que questiona o “Morrer pelo quê? Fugir de quê?” bem como a visão tradicional dos monges como aqueles que “fogem do mundo” demonstrando que, “longe de ser uma fuga”, o abandono do mundo pelos monges-eremitas Cartuxos pode ser pensado como forma de combate, uma luta pela alma, considerada o bem maior. Neste sentido religioso, o texto de Renata Cristina e Sousa Nascimento apresenta uma discussão acerca dos mártires e guerreiros, concluindo que “[o] modelo de mártir almejado faz parte de um longo processo de criação de memórias, relativas à busca de um grau elevado de santidade, atingido através de elaborações discursivas especiais”.

O texto de Mario Jorge da Mota Bastos e Eduardo Cardoso Daflon discute o problema da violência senhorial durante a Idade Média como parte das relações de poder e dominação entre senhores e camponeses e traça paralelos com a situação destes no Brasil atual, no qual as lutas pela terra continuam ocasionando mortes e devastação. E por fim, o texto de Chiara Benati explora magistralmente fontes primárias, em parte ainda não editadas, que demonstram a continuidade de elementos pagãos da tradição germânica das fórmulas de bênçãos e encantos de proteção contra armas e inimigos em situações de guerra, de perigo e mesmo em confrontações na disputa por direitos. Os ideais de coragem e bravura, tão arraigados tanto nas sociedades germânicas quanto tradição épica medieval, convivem, dessa forma, com a preocupação com a morte, o morrer e mesmo a prisão em situações de batalha, considerada por vezes tão temível quanto a própria morte. Dessa forma evidencia que coragem e bravura não significam necessariamente a ausência – ou supressão – do medo, mas sim o enfrentamento do medo de morrer – as diferentes formas de morte que são abordadas nos textos desse dossiê – e, enfim, a disposição para o sacrifício, se necessário, em nome de um bem maior que a própria vida.

Notas

1. Como o livro organizado por Jörg Rogge: ROGGE, J. (Ed.). Killing and Being Killed: Bodies in Battle, Perspectives on Fighters in the Middle Ages, Bielefeld, Transcript Verlag, 2017.

2. Vide, por exemplo, TAVEIRNE, Maarten. Das Martyrium als imitatio Christi: Die literarische Gestaltung der spätantiken Märtyrerakten und -passionen nach der Passion Christi. In: Zeitschrift für Antikes Christentum, 18 (2014), p. 167–203; VAUCHEZ, André. La Sainteté en Occident aux derniers siècles du Moyen Âge: d’après les procès de canonisation et les documents hagiographiques. Rome: École française de Rome, 1988, p. 179; FEISTNER, Edith. Historische Typologie der deutschen Heiligenlegende des Mittelalters von der Mitte des 12. Jahrhunderts bis zur Reformation. Wiesbaden: Dr. Ludwig Reichert Verlag, 1995, p. 119s.

3. Vide, por exemplo, MORIN, Alejandro. Matar a la adúltera: el homicidio legítimo en la legislación castellana medieval. In: Cahiers de linguistique et de civilisation hispaniques médiévales, Vol. 24 Nr. 1, 2001, p. 353-377. O texto de Mario Jorge e Eduardo Daflon nos remetem à essa questão também na realidade brasileira, uma forma triste de pensar em possíveis desdobramentos do conceito da longa Idade Média.

4. Como no testamento de Johann VI. von Hirtze, de 21 de abril de 1475, Test. H 3 / 695. In: HAStK (Historisches Archiv der Stadt Köln).

5. CHIFFOLEAU, Jacques. Sur l’usage obsessionnel de la messe pour les morts à la fin du Moyen Âge, In: VAUCHEZ, André. (Org.). Faire croire: Modalités de la diffusion et de la réception des messages religieux du XIIe au XVe siècles. Table Ronde organisé par l’ École française de Rome, 1981, Paris, p. 235-256.

6. Um tema já longamente explorado por André Vauchez em La Sainteté en Occident aux derniers siècles du Moyen Âge: d’après les procès de canonisation et les documents hagiographiques. Rome: École française de Rome, 1988.

Cybele Crossetti de Almeida – Professora Adjunta UFRGS. E-mail: ccrosset@terra.com.br

Daniele Gallindo Gonçalves Silva – Professora Adjunta UFPel. E-mail: danigallindo@yahoo.de


ALMEIDA, Cybele Crossetti de; SILVA, Daniele Gallindo Gonçalves. Editorial. Brathair, São Luís, v.17, n.1, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Celtas e Germanos – encontros e desencontros / Brathair / 2017

A construção da Europa foi o resultado de um complexo processo de entrechoques e intercâmbios, étnicos, culturais, religiosos e políticos, muitos deles conflituosos, outros de colaboração guerreira e intelectual, e de fusão étnica, outros de empréstimos e adoções. Esse conjunto, que começou a se fazer durante o Império Romano, e se estabilizou por volta do ano mil, quando grande parte dos escandinavos e eslavos aderiu ao cristianismo como religião, ao direito romano como base política e ao latim como língua franca. Nesse momento, formava-se a Cristandade, e criada a Europa, o “adolescente” da civilização ocidental. Dentre todos esses inúmeros embates de e pelo poder, além de permutas culturais, avultam as relações entre os povos germânicos e os celtas. De fato, quando os germanos começaram a se infiltrar no mundo greco-romano, já os celtas estavam em sua maioria romanizados (com exceção de alguns, como os irlandeses e escoceses, e os celtas balcânicos). Entre as muitas confluências e miscigenações podemos lembrar a dos suevos com os galegos, a dos francos com os gauleses, e a dos boios com os germanos, origem dos bávaros. Quando o Grupo de Estudos Celtas e Germânicos Brathair nasceu em 1999 a nossa intenção, ainda pouco explícita, mas em fase de definição, era aprofundar essas relações entre celtas e germanos. O presente número temático da revista obedece a esta intenção histórica de dezoito anos atrás, mas os colaboradores passaram além das pretensões dos editores. Três artigos tratam de questões medievais das Ilhas Britânicas: o de Isabela Albuquerque sobre a Era Viking, o de Maria Nazareth C.A. Lobato sobre as florestas reais, e o de João P. Charrone sobre a missão de Agostinho de Cantuária. Neles descreve-se e interpreta-se o encontro de três povos: anglo-saxões, bretões e escandinavos, e em todos eles descortinamos os procedimentos legais, religiosos e guerreiros pelos quais uns dominaram os outros. O artigo de Edmar C. de Freitas e Tomás A. Pessoa sobre a realeza merovíngia, e o de Ana Paula T. Magalhães sobre a ciência do século XIII permanecem no âmbito medieval, mas enquanto um discute a realeza germânica, o outro trata dos intelectuais franciscanos, dois tipos de poder, político e científico, que, para além de questões étnicas, demonstram a existência de uma cultura medieval de âmbito europeu. O artigo de Margarida G. Ventura sobre o Velho do Restelo, o de Andréia Cristina L. F. da Silva sobre o filme do Conclave, e o de Maria Izabel B.M. Oliveira sobre Bossuet prolongam a cultura medieval para além dos seus limites cronológicos. O filme O Conclave, refere-se a 1458, data da eleição do sucessor de Calixto III (Afonso Borgia), e coloca as questões do poder civil dentro da Igreja hierárquica; o episódio d´Os Lusíadas sobre o Velho do Restelo discute as várias interpretações sobre o sentido das viagens e comércio de Portugal com a Índia depois de 1498; e o de Oliveira mostra como Bossuet (1691) aborda a História Universal: uma Teologia da história, ao modo agostiniano, em que a Providência é o motor das ações coletivas, das monarquias e das nações. Nestes três últimos artigos já estamos plenamente numa Europa definida e construída, em que os povos formadores já se fundiram, e criaram novos problemas de conflitos de poder: a Europa projeta-se sobre o mundo, sua História confundindo-se com a História Universal, e a religião que aglutinou os povos formadores é motivo de discórdia, e necessita de discursos justificativos. Já não se distinguem mais celtas, germanos e eslavos… ou será que eles estão apenas recobertos por um véu ideológico, e vão reaparecer? Tais questões e possíveis respostas, suscitadas pelos artigos ora arrolados, ficam a cargo dos pesquisadores, a fim de que novas reflexões sobre celtas e germanos continuem a demonstrar a perenidade dos estudos acadêmicos da Brathair!

João Eduardo P. B. Lupi – Professor adjunto de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: lupi@cfh.ufsc.br

Álvaro A. Bragança Júnior – Professor Associado III da Universidade Federal do Rio de Janeiro do Setor de Alemão e professor permanente do Programa de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de História, UFRJ. E-mail: alvabrag@uol.com.br

Os Editores


LUPI, João Eduardo P. B.; BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro A. Editorial. Brathair, São Luís, v.17, n.2, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Guerra Cibernética: a próxima ameaça à segurança e o que fazer a respeito – CLARKE (MB-P)

CLARKE, Richard A. Guerra Cibernética: a próxima ameaça à segurança e o que fazer a respeito. Rio de Janeiro: Brasport, 2015. Resenha de ALVES, Igor da Silva. A Guerra Cibernética e seus desdobramentos no meio civil. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

O aumento exponencial da conectividade e dos sistemas de automação observado na última década ocasionou, principalmente, um substancial incremento na exploração de vulnerabilidades desses sistemas. Neste contexto, o autor do livro, que possui vasta experiência nas área de espionagem e estratégia nuclear, enumera diversas ações que utilizaram o espaço cibernético como ambiente para ações ofensivas, discorre sobre as brechas dos EUA no campo cibernético e propõe, em seu epílogo, medidas para se estabelecer uma estratégia de defesa contra tais ações.

Os diversos relatos de ações ofensivas desenvolvidas no ciberespaço expostas ao longo do livro demonstram como o termo “Guerra Cibernética” deixou de ser exclusivamente militar e passou a ser cada vez mais pervasivo no meio civil. Nesse contexto o autor destaca, de forma bastante apropriada, os múltiplos ataques cibernéticos russos contra a Estônia desencadeados após o desentendimento gerado pela remoção de um símbolo patriótico russo de uma praça na cidade de Talim. Tal episódio demonstrou como ataques cibernéticos podem afetar à população civil de maneira bastante profunda.

No que concerne à defesa cibernética, são apresentadas críticas bastante contundentes em relação ao atual modelo de defesa cibernética dos EUA, no qual as Forças Armadas Norte Americanas são responsáveis pela defesa das redes militares enquanto a defesa do ciberespaço civil é atribuição das grandes empresas de comunicação que fornecem, aos provedores de internet, acesso à rede mundial. No entanto, é oportuno ressaltar que tal concepção, mesmo nos dias de hoje, certamente encontraria diversas limitações tecnológicas e altíssimo custo. Tal proposta compreenderia a análise de todo o tráfego da rede, com diminuição da privacidade online e esperada resistência da sociedade civil, tal qual foi observada nas denúncias de vigilância do tráfego da WEB, por parte do governo dos EUA, reveladas por Edward Snowden, ex-administrador de sistemas da CIA.

Ao propor uma estratégia defensiva cibernética, o autor se posiciona de maneira contrária à adoção de sistemas digitais de controle da geração de energia e transporte ferroviário. Tal alegação, segundo o autor, se deve ao fato que o dano colateral ocasionado por uma ofensiva cibernética a essas estruturas afetaria, profundamente, a capacidade de se contrapor aos ataques originários. Ao assumir uma posição antagonista à adoção de tais sistemas, o autor deixa de reconhecer os inegáveis avanços proporcionados pela modernização dos sistemas de energia e ferroviário e a atual eficácia da defesa de tais sistemas que, s.m.j., ainda não apresentaram falhas graves a ponto da sua adoção ser discutida. Também cabe ressaltar que não há relatos de atentados terroristas executados nessas infraestruturas.

Por fim, em que pese o fato do autor se posicionar, em alguns momentos, de maneira oposta à diversos especialistas no assunto – presumivelmente por ter vivenciado situações delicadas, quando ocupou o cargo de Assessor Especial do Presidente dos EUA para Segurança Cibernética – é inegável que tal obra constitui um marco no debate da questão da segurança do ciberespaço e as terríveis consequências as quais os alvos de tais ataques estão submetidos. Em tempo, é imprescindível ressaltar que, passados cerca de quatro anos da publicação do livro, armas cibernéticas com maior poder destrutivo não abordadas pelo autor já tenham sido utilizadas ou encontram-se inertes até a próxima ofensiva cibernética.

Igor da Silva Alves – Capitão Tenente da Maria do Brasil

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O Monge e o Executivo: Uma História sobre a Essência da Liderança – HUNTER (MB-P)

HUNTER, James C. O Monge e o Executivo: Uma História sobre a Essência da Liderança. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2004. Resenha de:  ALMEIDA, Carlos Roberto Heckert de. A Arte de Liderar Pessoas. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

Um dos maiores desafios do convívio em grupo, em lidar com pessoas, consubstancia-se na Arte de Liderar. Nesse contexto, o autor James C. Hunter, em sua obra “O Monge e o Executivo: Uma História sobre a Essência da Liderança” aborda, de maneira didática e ilustrativa, as várias maneiras de melhorar a capacidade de se exercer a liderança, destacando nuances que contribuem, inclusive, para o aprimoramento do convívio dos indivíduos uns com os outros.

O Autor narra a história de John Daily, homem bem sucedido na vida pessoal e nos negócios, mas que, com o decorrer do tempo, se torna nervoso, preocupado e egocêntrico, o que passa a gerar problemas no âmbito do seu trabalho e da sua família, com sua esposa e filhos. Após solicitação do pastor da sua igreja, e da própria esposa, decide frequentar um retiro espiritual de sete dias, cujo tema seria a essência da liderança e onde, inclusive, poderia encontrar Leonardo Hoffman, um renomado executivo, de grande sucesso no passado mas que há muito tinha optado pela reclusão.

Nessa jornada, John passa a cumprir horários, acordar cedo e a ter aulas todos os dias com mais cinco pessoas, de diversos setores da sociedade: Um pregador; um sargento do exército; uma diretora de escola pública; uma treinadora de time de basquete; e uma enfermeira. Nos encontros, as aulas são ministradas pelo irmão Simeão – nome dado a Leonardo Hoffman no mosteiro – que incentiva a discussão e compartilha seus conhecimentos e experiências adquiridas ao longo da sua vida profissional e de retiro.

A didática utilizada pelo autor se mostra muito dinâmica, à medida que atribuiu aos personagens, muito diferentes entre si, frases de efeito que facilitam a compreensão e o aprendizado. Logo na primeira reunião, são suscitadas pelos personagens as qualidades de um bom líder, sendo a liderança conceituada como “habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente visando atingir os objetivos identificados como sendo para o bem comum”. Outro importante assunto abordado, que muito contribui para a compreensão da influência na liderança, é a diferença entre poder e autoridade, sendo o primeiro “a faculdade de forçar alguém a fazer sua vontade, por causa de sua posição ou força”, e o segundo a “habilidade de levar as pessoas a fazerem de boa vontade o que você quer por causa da sua influência pessoal”, sendo esta a mais ideal e duradoura, pois não pode ser comprada e diz respeito a quem se é como pessoa, ao respeito que se adquire.

Em seguida, os participantes do encontro são influenciados a repensar a maneira como tratam as pessoas, uma vez que os sentimentos de respeito devem ser demonstrados por meio de ações, tanto no trabalho, quanto na vida pessoal, até porque se deve ter em mente a importância de se tratar as outras pessoas da mesma maneira como se gostaria de ser tratado.

O Autor suscita, ainda, a necessidade de se identificar e mudar paradigmas, de repensar “verdades”, pois o progresso contínuo se mostra fundamental, tanto para pessoas como as organizações, uma vez que ficar preso a paradigmas ultrapassados pode nos deixar paralisados. Apesar de reconhecer a dificuldade das pessoas em aceitarem as mudanças, de citar velhos e novos paradigmas, o Autor não menciona mecanismos eficazes para a condução de tais alterações de comportamento, mas tão somente exemplos.

Em outro tópico, os participantes do retiro, mais uma vez sob a condução do irmão Simeão, são compelidos a refletir sobre a importância dos sentimentos nos relacionamentos e na liderança. Inicialmente, foi ventilado entre os personagens que, eventualmente, não se pode controlar o sentimento em relação a determinadas pessoas mas, mesmo assim, esses sentimentos não podem ter o condão de induzir a um tratamento desumano, descortês ou injusto. O amor, segundo o Autor, numa ligação direta com a liderança, manifesta-se por meio da paciência, bondade, humildade, respeito, generosidade, perdão, honestidade e confiança.

Assim, apesar de toda a magnitude e complexidade que permeia a relação entre as pessoas, o Autor, ao trazer à baila o tema liderança por meio de uma história, onde os personagens em seus diálogos utilizam, amplamente, citações de outros estudiosos, exemplos e parábolas, faz com que o tema seja abordado de forma clara e inteligível. O incentivo a se pensar as próprias verdades, a estar aberto a novos rumos, a introduzir bons sentimentos nas relações e se policiar com relação aos maus, faz com que a leitura se torne prazerosa e estimulante, com ensinamentos que fazem com que o leitor reflita sobre suas ações e comportamentos, tanto no trabalho como no convívio no lar e na sociedade.

Carlos Roberto Heckert de Almeida – CT (AA) Marinha do Brasil

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Intellèctus. Rio de Janeiro, v.16, n.1, 2017.

Apresentação

Dossiê

Artigos Livres

Intellèctus. Rio de Janeiro, v.16, n.2, 2017.

Apresentação

Intelectuais e a relação entre a Ibero-América e a Europa

  • Maria Emilia Prado, Maria Manuela Tavares Ribeiro
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Dossiê

Artigos Livres

Resenhas

  • Desvendando os Males do Sertão Goiano por Meio da História da Saúde e das Doenças
  • Fernanda Soares Rezende, Henrique Martins da Silva
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Teoria da Religião. Seguida de Esquema de uma história das religiões | Georges Bataille

Georges Bataille (1897-1962), autor de textos filosóficos, históricos e de violentas ficções eróticas, como História do Olho (1928), tem seu livro póstumo Teoria da Religião, redigido em 1948, novamente publicado no Brasil. A edição anterior, lançada pela Editora Ática em 1993, contou com tradução de Sergio Gois de Paula e Viviane de Lamare, e revisão de Eliane Robert Moraes. Desde então, a obra se encontrava esgotada. A nova e excelente versão, publicada pela Editora Autêntica em 2015, é seguida da conferência Esquema de uma história das religiões, que esclarece e complementa o texto principal.

A tradução foi realizada por Fernando Scheibe, autor de uma importante tese de doutorado sobre Bataille com o título de Coisa Nenhuma: ensaio sobre literatura e soberania (na obra de Georges Bataille). Scheibe também assina as recentes traduções de O Erotismo, A Literatura e o Mal, A Experiência Interior e da revista Achéphale (1936-1939), fundada por Bataille e onde se encontram alguns de seus textos seminais. Tal esforço tem contribuído para colocar definitivamente a radical obra batailleana no horizonte dos debates no Brasil na filosofia e no campo das ciências humanas. Leia Mais

Um Só Corpo, Uma Só Carne: Casamento, Cotidiano e Mestiçagem no Recife Colonial (1790-1800). | Gian Carlo de Melo Silva

“Um só corpo, uma só carne: Casamento, cotidiano e mestiçagem no Recife colonial (1790-1800)”, escrito pelo historiador Gian Carlo de Melo Silva, formado pela Universidade Federal Rural do Pernambuco (UFRPE), é professor adjunto dos cursos de História da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) onde desenvolve pesquisas na área de História Social e Cultural com ênfase em História do Brasil Colônia, atuando principalmente nos temas de: Escravidão, Família, Mestiçagem, Cotidiano, Batismo, Casamento, Igreja Católica, População, Sociedade e Cultura. Estudou os vários casos de casamento na região do Recife colonial, escrevendo essas análises na obra citada acima. Assim, esse tema foi amplamente trabalho em sua dissertação de mestrado defendida em 2008, cujo resultado foi recentemente publicado.

Dessa forma, ao pesquisar os tramites que envolviam na ação de casar, ele propõe compreender a função social do matrimônio na sociedade colonial do Recife e como a população conseguiu se apropriar desse sacramento para alcançar seus desejos e suprir necessidades. O autor dividiu o livro em três capítulos, com o intuito de construir uma ordem que possibilite o entendimento sobre as regras matrimoniais e seus sentidos durante o período do século XVIII. Leia Mais

Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.49, ano 2017.

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Editorial 5

  • Apresentação do Dossiê Mídias
  • Christiano Britto Monteiro / Wagner Pinheiro Pereira 6
  • Dossiê Mídias
  • Meridional Filmes: trajetórias desconhecidas do cinema pernambucano durante o Estado Novo (1937-1945)
  • Arthur Gustavo Lira do Nascimento 13
  • A poética cinematográfica latino-americana de Glauber Rocha: uma análise do filme A idade da Terra (1980)
  • Quezia Brandão 31
  • Controle e Espetáculo: imagens cinematográficas da televisão dos anos 1990
  • Thiago Henrique Felício 63
  • O espaço virtual da reconstituição histórica em Assassin’s Creed III
  • Robson Scarassati Bello 83
  • Civilizados, incivilizados e primitivos no jogo Victoria II: uma análise dos diários de desenvolvimento publicados no fórum da Paradox
  • Diogo Trindade Alves de Carvalho 97
  • Um salão de belas novidades: um olho no cinematógrafo, outro no museu!
  • Geyzon Bezerra Dantas 115
  • Museu, objeto e o digital no ensino de História
  • Marta Cristina Soares Dile Robalinho 129
  • Produção de museu virtual na escola: uma experiência didático-pedagógica para estudos africanos
  • Larissa de Souza Reis / Alfredo Eurico Rodrigues Matta / Francisca de Paula Santos da Silva 149
  • Experiências sensoriais: o museu do Festival de Cinema de Gramado na perspectiva das novas tecnologias
  • Daniel Luciano Gevehr / Franciele Berti / Roger Pierre Vidal 165
  • O século XXI e a educação histórica: patrimônio cultural, museus e jogos eletrônicos
  • Paulo Sérgio Micali Junior 187

Artigos

  • Caiena 1809: fontes inéditas da primeira medalha militar comemorativa do Brasil
  • António Miguel Trigueiros 205
  • Patrimônio cultural de ciência e tecnologia e a atuação de museus brasileiros e portugueses para sua preservação
  • Marcus Granato / Victor Emmanuel Teixeira Mendes Abalada 239

História e Migrações /Monções/2017

O Dossiê História e Migrações propõe contribuir para a compreensão da sociedade contemporânea e do ato de migrar.

Segundo Jorge Larrosa (2001-145) o texto dado a ler é um presente. Aqui, é um presente escrito a muitas mãos, dado a ler na amizade e na liberdade, pois a “A amizade da leitura não está em olhar um para outro, mas em olhar todos na mesma direção. E em ver coisas diferentes. A liberdade da leitura está em ver o que não foi visto nem previsto. E em dizê-lo”.

Nessa proposta, refletir sobre o migrante é pensar não somente seus percursos individuais, mas também pensar os intercâmbios sociais e culturais advindos do fenômeno migratório, seja no país/região de onde se partiu tais sujeitos sociais, seja no país/região que os recebeu. Na gama possível de significados para o ato de migrar, vislumbramos, portanto, outros sentidos. Migrar torna-se, entre outras possibilidades de leitura, um fato histórico.

Ouvir as vozes migrantes é como mergulhar em um mundo de trajetórias onde os sentidos de tempo e espaço se desdobram e se multiplicam. Em suas narrativas, falam do espaço onde vivem, referendando espaços anteriormente vividos; falam de um hoje, permeado por um ontem que ainda se faz presente em rostos e imagens como que amarelados pelo tempo, mas não olvidados. Falam, entre outras coisas, do que é sentir-se migrante.

Estas vozes narram experiências que se querem partilhadas e que falam de uma travessia que não se concluiu na chegada ao destino, mas que se perdurou no enfrentamento do novo. Encontrar uma nova cultura, novos códigos e condutas, uma nova língua. Reinventar-se sempre: lidar com a saudade dos que ficaram; superar as dificuldades de adaptação e o preconceito quase intrínseco à condição migrante; conviver com o medo de permanecer, amalgamado ao medo do retorno.

Nesta perspectiva, se “Entrar num texto é morar e demorar-se no dito do dito. […] é trazer o dito à proximidade do que fica por dizer, trazer o pensado à proximidade do que fica por pensar, trazer o respondido à proximidade do que fica por perguntar” (LARROSA, 143), só podemos desejar uma leitura prazerosa e instigante!

Eliene Dias de Oliveira – Professora Adjunta do Curso de História da UFMS/Campus Coxim. Bacharel e Licenciadoa em História pela Universidade Federal de Uberlândia; mestre em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia; doutora pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFGD. Bolsista CAPES PDSE, com realização de estágio doutoral na Università degli Studi di Genova, Itália. Pesquisadora do Grupo de Estudos Trilhas: migrações, fronteiras e gênero e membro da Associazione lnternazionale AREIA – audioarchivio delle migrazioni tra Europa e America Latina, com sede na Itália.

Jiani Fernando Langaro – Professor adjunto da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás. Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, mestre em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU e doutor nesta mesma área pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Referência

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.


OLIVEIRA, Eliene Dias de; LANGARO, Jiani Fernando. Prefácio. Monções. Coxim, v.4, n.6, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Maiêutica – História. Indaial, v.5, n.1, 2017.

Maiêutica – História

Esta quinta edição da Revista Maiêutica de História apresenta os melhores artigos e/ou papers dos projetos de iniciação científica, desenvolvidos durante o ano de 2017. Tenham todos uma boa leitura!!

Artigos

Escola Sem Partido e formação humana | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2017

O projeto de lei 867/2015 foi apresentado à Câmara dos Deputados pelo deputado Izalci Lucas, do PSDB/DF, em 26/03/2015. Foi recebido pela Comissão de Educação do Congresso em 06/04/2015 e pela Comissão de Seguridade Social e Família em 09/05/2016, e atualmente aguarda parecer de Comissão Especial. Esse projeto de lei inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o chamado “Programa Escola Sem Partido.”1

No Senado Federal também tramita outro projeto de lei de mesmo teor: trata-se do projeto de lei 193/2016, apresentado ao Senado em 03/05/2016 pelo senador e pastor Magno Malta, do PR/ES. Esse projeto foi entregue em 03/06/2016 à Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, onde aguarda a relatoria do senador Cristovam Buarque. Com o mesmo objetivo do projeto da Câmara, ele altera as diretrizes e bases da educação nacional incluindo o chamado “Programa Escola Sem Partido.”2 Leia Mais

Escravidão, Abolição e Pós-Abolição | Revista Historiar | 2017

“Art. 3.º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural ou agroindustrial, sob a dependência e subordinação deste e mediante salário ou remuneração de qualquer espécie”.

Projeto de Lei N. 6442/2016 de autoria do deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT)

Aproximando-se do marco de 130 anos da abolição da escravatura no Brasil, a se realizar em 2018, o tema que nunca deixou de figurar entre as principais problemáticas do universo acadêmico, volta à baila do modo mais cruel possível, o da permanência que se veste de trajes de retrocesso não só social, mas também político e institucional. A proposta de lei que busca reordenar as relações de trabalho no espaço rural, prevendo a possibilidade de remuneração em forma não salarial, abrindo espaço para converter fornecimento de alimentos e moradia enquanto contrapartida ao trabalho, assustadoramente remonta ao inglório tempo da escravatura no Brasil, o que nos leva à observação do quanto nosso pacto social ainda precisa ser fortalecido para que se atinja padrões mínimos de civilidade. Leia Mais

Cartografias da História da Historiografia Portuguesa / Revista de Teoria da História / 2017

Apresentamos nesse número o dossiê Cartografias da História da Historiografia Portuguesa, no qual divulgamos a produção historiográfica lusitana recente em autores de diversas universidades portuguesas (Universidade de Coimbra, Universidade Nova de Lisboa e Universidade do Porto). O objetivo principal desse dossiê coaduna com a proposta geral dessa revista: o esforço continuo de historicizar o sujeito objetivante, afim de pensar o que “fazem os historiadores quando fazem historia”. No entanto, há dentro desse campo especializado na “auto-análise” disciplinar especificidades próprias em seus “sub-campos”, como é o caso especifico da História da Historiografia. A HH não pode ser confundida com as demais disciplinas fronteiriças, como a história intelectual, teoria da história, metodologia ou mesmo a escrita da história. O esforço de separar a HH enquanto campo autônomo vem levando uma série de historiadores a afirmar, no Brasil, a emergência de uma “comunidade acadêmica” cada vez mais preocupada com a “analítica da historicidade1”. Leia Mais

Historiografia e História das Artes (I) : teorias das artes, interartes, intermídias e atravessamentos afectuais no campo da história / Revista de Teoria da História / 2017

O Dossiê Historiografia, História e Teoria das Artes e Interartes está organizado em dois conjuntos de textos – dois volumes da Revista Teoria da História (UFG), sob minha organização e apresentação.

I

No Primeiro Volume temos uma tradução de um texto de 1832 do livro Letters on Dancing de Théleur, e, um conjunto de artigos atravessados pela reconcepção do campo teórico conceitual da e na pesquisa histórica, atravessados por pensamentos que se referem à produção poética e performática.

O livro de Edward Théleur é traduzido aqui a partir do texto de 1832 (2ª. Edição, a primeira é indicada como sendo de 1831) e inclui o conjunto de textos raros no campo da pesquisa documental na História da Dança (Danças do Mundo). A obra completa, além das Letras ou Cartas sobre a Dança inclui diagramas e notações de diferentes tipos de danças. Se trata de um texto de Manual Técnico com Instruções para a Dança, aproximando os sistemas de notação dos estudos dos sistemas musicais, conforme era comum nos séculos XVIII e XIX. Leia Mais

Ditaduras e revolução. Democracia e políticas da memória | Manuel Loff, Filipe Piedade e Luciana Castro Soutelo

O presente trabalho constitui em uma resenha do livro Ditaduras e Revolução. Democracia e Políticas da Memória, publicado pela Edições Almedina em 2015, organizado por Manuel Loff1, Filipe Piedade2 e Luciana Castro Soutelo3 (LOFF, et al., 2015). Ler e refletir sobre o tema dessa obra é de fundamental importância dada a conjuntura em que vivemos. Tanto no Brasil como em diferentes países da Europa, os últimos anos marcam um momento em que revisões históricas sobre o passado de regimes ditatoriais e fascistas ganham espaço e discursos políticos incorporam apologias e mesmo pedidos pela volta de alguns desses regimes. Com o objetivo de lançar um olhar atento a esse tipo de retorno, de lutas e conflitos em torno da memória desses estados de exceção em diferentes países do ocidente, o livro em questão é uma leitura obrigatória.

Halbwachs (2006, p.72) alerta sobre a importância de marcos sociais para memória coletiva, pois, partindo de suas considerações, só conhecemos a história de nosso grupo nacional por meio de outros testemunhos de acontecimentos importantes. Sua concepção de história, baseada na analogia do “cemitério” com os fatos passados imóveis e sepultados, induziu a uma separação radical entre história e memória. Catroga (2001) observa alguns pontos em comum sobre essas duas formas de estabelecer filiações com o passado, bem como a possibilidade de mudanças, revisões e novas interpretações sobre os “fatos”, ou seja, tal como a memória, a história também está sujeita às dinâmicas e aos interesses do presente. Leia Mais

História Questões & Debates, v.65, n.1, 2017.

HISTÓRIA DA ASSISTÊNCIA

DOSSIÊ: HISTÓRIA DA ASSISTÊNCIA

RESENHAS

Medicina e saúde pública na América Latina | Marcos Cueto e Steven Palmer

CUETO Marcos Manduarisawa
Marcos Cueto | Foto: José Jesus Oscar

CUETO M Medicina e saaúde pública na AL ManduarisawaA doença pertence não só à história superficial dos progressos científicos e tecnológicos como também à história profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, às instituições, às representações, às mentalidades.

Jacques Le Goff

A necessidade de se pautarem estudos do campo da saúde numa perspectiva histórica originou, nas últimas décadas, novos horizontes analíticos para as condições de emergência de saberes voltados à explicação do social na determinação de processos patológicos, bem como de práticas médicas e de saúde. Nesse quadro, a história estaria apta a compreender contextual e temporalmente as políticas de saúde e suas práticas confrontando novos temas, metodologias, problemas e alternativas que requalifiquem suas interpretações. Partindo, então, dessa necessidade da documentação mais ampla possível de vários tipos e origens (documentos institucionais, didático-pedagógicos ou iconográficos, registros de viajantes, religiosos, naturalistas e cronistas etc.) -, essa concepção de história da medicina e da saúde implicou a ampliação de métodos e quadros de análise, repercutindo os saberes e as práticas no campo da medicina e da saúde pública, assim como seus espaços institucionais de ensino, pesquisa e trabalho. Com a mesma força, ampliou as práticas e representações do homem comum e os espaços de associações profissionais, sociedades científicas e periódicos, sem perder de vista o universo popular, suas formas de organização e sua leitura do mundo que o cerca. Leia Mais

Em um Rabo de Foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar – OLIVEIRA (FH)

OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. Em um Rabo de Foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira (FAP), 2016b. 178 p. Resenha de: DIANA, Elvis de Almeida. Faces da História, Assis, v.4, n.1, p.277-282, jan./jun., 2017.

No mesmo ano em que o poeta brasileiro Ferreira Gullar faleceu, em 2016, o historiador Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira publicou seu livro intitulado Em um rabo de foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar, no qual realiza uma análise da atuação intelectual e política daquele autor durante a segunda metade do século XX, mais especificamente a partir da década de 1960, no período da ditadura militar no Brasil.

Assim como a historiadora Fabiana de Souza Fredrigo1 (UFG) bem pontuou ao prefaciar o livro de Oliveira, “[…] os homens descobrem que a perda não é ausência, mas chave para o desvendamento da sociedade que a engendrou” (FREDRIGO In: OLIVEIRA, 2016b, p. 11, grifos da autora), ponderação que elucida de forma considerável o que o autor buscou realizar em seu livro. Ao se debruçar sobre o envolvimento de Gullar com o Centro Popular de Cultura (CPC), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as práticas políticas empreendidas pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Oliveira volta a sua atenção para o trauma que Gullar teria sofrido após a instauração da ditadura não somente no Brasil, mas também no país vizinho, Argentina, e no Chile, pouco depois. Estes eventos, segundo Oliveira, contribuíram para o distanciamento daquele poeta brasileiro em relação às ideias pecebistas que ditavam sobre a possibilidade de uma revolução (OLIVEIRA, 2016b).

Nessa direção, conforme a análise de Oliveira sobre os poemas e ensaios de Gullar, o trauma promovido pelas ditaduras militares latino-americanas foi responsável por proporcionar uma reflexão acerca de sua formação política engendrada ao longo da década de 1960, quando atuava movido pelos ideais do PCB e, consequentemente, a visualização de um futuro que possibilitasse e contribuísse para uma nova atuação das esquerdas do Brasil e da América Latina após os golpes militares (OLIVEIRA, 2016b).

Para estes objetivos, a escolha das fontes não se dá de forma aleatória, mas sim, cuidadosamente, e respeita a ordem cronológica de produção e publicação das mesmas (entre os anos de 1963 e 1998). Esta preocupação de Oliveira se mostra pertinente, pois consiste em uma forma de demonstrar como teriam ocorrido as mudanças políticoideológicas de Gullar no decorrer deste intervalo de tempo. Dentre tais fontes, Oliveira direcionou maior atenção aos ensaios: Cultura posta em questão (1963), produzido no momento em que era membro ativo do CPC; Vanguarda e Subdesenvolvimento (1965- 1969), cuja escrita se iniciou no ano seguinte à instauração da ditadura militar no Brasil e em uma conjuntura, segundo o autor, caracterizada por novos engajamentos políticos e estéticos; Sobre arte e sobre poesia (1978-1982), textos nos quais Oliveira identificou as concepções de caráter tanto político quanto artístico de Gullar após ter voltado do exílio no Chile; Indagações de hoje (1971-1987) que, pelo fato de terem sido produzidas antes e depois do exílio, segundo Marcus Vinícius Oliveira, possibilita que percebamos os pontos em que o autor passa, aos poucos, a desviar-se das concepções políticas que possuía quando do momento em que esteve no Chile; Rabo de foguete: os anos de exílio (1998), livro no qual registrou suas memórias do período em que esteve no já citado país andino (apud OLIVEIRA, 2016b).

É a partir da análise das supracitadas fontes, e com os objetivos já apresentados anteriormente por nós, que Oliveira procurará apresentar os questionamentos realizados por Gullar acerca da cultura política comunista e como tais contestações teriam sido geradas por motivos de caráter irracional, devido ao trauma causado pela instauração das ditaduras, e não tanto por questões racionais e/ou teóricas propriamente ditas (OLIVEIRA, 2016b, p. 22). Nesse sentido, as noções de “cultura política” e “trauma”, enfatizados por Oliveira, constituirão o eixo central para sua análise dos ensaios de Ferreira Gullar. Estes dois conceitos “costuram” todo o livro de Oliveira, proporcionando a sustentação necessária para discutir as mudanças e transformações do pensamento e da postura de Gullar frente suas concepções políticas e intelectuais ao longo do período estudado. A ponderação anterior permite que nos dediquemos, a partir de agora, ao aprofundamento em torno dos já referidos conceitos trabalhados por Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira e, assim, apresentemos a estruturação e o desenvolvimento dos capítulos do livro daquele autor.

A obra de Oliveira é composta por três capítulos. No primeiro capítulo, Marcus Vinícius Oliveira volta sua atenção para as discussões teóricas que norteiam a análise do objeto ao qual é dado o enfoque e inicia tal debate com as mais variadas concepções acerca da noção de “cultura política”, mobilizadas por autores tais como Rodrigo Patto Sá Motta, Gabriel Almond, Sidney Verba, Giacomo Sani, Karina Kushnir, Leandro Piquet Carneiro, Richard Inglehart (apud OLIVEIRA, 2016b). No entanto, Oliveira dá ênfase às ponderações que o historiador francês Serge Berstein2 realiza de forma crítica às maneiras de se utilizar este conceito de modo a considerar o caráter “dinâmico”, “plural” e histórico desta noção e, a partir dessa nova visão sobre esta ideia, superar o viés exclusivamente nacional (defendido por autores como Almond e Verba, por exemplo), assim como o caráter “estático” daquele conceito que, por sua vez, é colocado por Inglehart (apud OLIVEIRA, 2016b).

Nessa direção dada por Berstein ao conceito de “cultura política”, Oliveira se aprofunda, procurando ir além, de forma muito pertinente e feliz, na tentativa de avançar na reformulação da já referida apreciação, acreditando que o termo em questão também poderia ser pensado “[…] enquanto uma concepção de mundo, capaz de orientar vontades políticas, que é profundamente radicada em uma determinada experiência do tempo histórico” (OLIVEIRA, 2016b, p. 30).

Para concretizar seu objetivo de aprofundamento deste conceito, Oliveira recorre aos postulados de Antonio Gramsci3 e de Reinhart Koselleck4. No que tange às contribuições do pensador italiano, Oliveira o cita para argumentar sobre a indissociabilidade das relações entre a cultura, a política e os intelectuais dentro de uma construção de variadas concepções de mundo. Por sua vez, no que diz respeito aos postulados do historiador alemão, a intenção de Marcus Oliveira se centra em argumentar que os atos decorrentes das visões filosóficas e políticas acerca da realidade dependeriam da relação entre o “campo de experiência” e o “horizonte de expectativa”5 (apud OLIVEIRA, 2016b, p. 36).

Estas ideias, já muito bem explicadas no primeiro capítulo, darão alicerce às argumentações que Oliveira realiza no capítulo 2 (o mais extenso do livro) intitulado “A cultura política em Ferreira Gullar (1960-1970)”, ao analisar a trajetória intelectual e política daquele poeta desde seu nascimento em São Luís, no Maranhão, sua mudança para a então capital federal, Rio de Janeiro, e todas as transformações de caráter estético e formal que permearam a atuação artística de Gullar ocorridas por lá. Além disso, Oliveira destaca, ainda no início deste capítulo 2, que o seu principal objetivo é entender como Gullar pode ser visto, durante a década de 1960, como uma “amálgama” ou “mistura” de variadas culturas políticas das esquerdas daquele momento (OLIVEIRA, 2016b, p. 46).

Dessa forma, Oliveira obtém sucesso no mapeamento das manifestações de elementos presentes nos textos de Gullar, tais como: o mito da redenção presente na revolução; a influência das ideias de intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) referentes ao papel que a arte teria ao criar uma consciência política para o povo brasileiro, ideal este que foi manifestado pelo Centro Popular de Cultura (CPC), do qual Gullar foi membro; a presença dos ideais do PCB, que também encontrou lugar no CPC e focou sua atenção na questão da contradição entre imperialismo e os interesses nacionais propriamente ditos, elementos estes que, para Oliveira, foram os que predominaram no pensamento de Gullar. Nesse sentido, Oliveira demonstra como o contato do CPC com os elementos ideológicos supracitados faz com que, em Gullar, haja uma relação de dominação completa por parte das expectativas em relação às experiências, sendo que aquelas seriam pautadas por uma ideia de tempo possuidor de um caráter linear, teleológico e, consequentemente, dialético, que seria típica das esquerdas defensoras da revolução. Nesse sentido, para Oliveira, essa ideia teria uma finalidade revolucionária e que suprimiria o tempo histórico (OLIVEIRA, 2016b, p. 84).

No entanto, Oliveira argumenta que essa visão de mundo de Gullar começa a mudar após o golpe de 1964, no Brasil, o que fez com que o autor se exilasse em alguns países como Chile, Argentina, Peru e União Soviética entre os anos de 1971 e 1977. É sobre este momento de exílio de Gullar e as rememorações do poeta maranhense que Oliveira centra sua atenção no terceiro e último capítulo do seu livro, ao analisar algumas obras como Indagações de hoje, que foi publicada em 1989, mas que abrange escritos que Gullar produziu entre 1971 e 1985; Sobre Arte e sobre poesia (1978 e 1982); e a narrativa de caráter memorialístico intitulada Rabo de foguete: os anos de exílio, que foi publicada já no final da década de 1990, especificamente em 1998, mas que contém a compilação dos relatos de Gullar referentes ao período em que ficou exilado nos países anteriormente citados. Não é por acaso que esta última obra dá nome à parte do livro de Oliveira, uma vez que este autor procura, ao dar ênfase no livro de memórias de exílio de Gullar, discutir até que ponto o contato que este poeta teve com as ditaduras militares instauradas na Argentina e no Chile teria contribuído diretamente para o desenvolvimento de um trauma responsável pelo desmantelamento gradual de tal “amálgama” (OLIVEIRA, 2016b, p. 106).

E é essa direção que Marcus Vinícius Oliveira toma para argumentar sobre tal reorganização das concepções de mundo de Gullar ao final do exílio vivido por ele naqueles países e sua crítica às esquerdas. A partir do livro de memórias do exílio de Gullar, Oliveira procura discutir, de forma densa e pertinente, as questões referentes ao conceito de “memória” e da possibilidade de narrar o trauma sofrido pelos grupos humanos em determinado momento da história. Neste sentido, Oliveira faz isso dialogando com autores como Michael Pollak, Jacy Alves Seixas, Marcio Seligmann- Silva, Sigmund Freud, Walter Benjamin, Fabiana Fredrigo e Libertad Borges Bittencourt (apud OLIVEIRA, 2016b).

Estas duas últimas autoras realizam uma análise dos ensaios produzidos pelos intelectuais latino-americanos entre os séculos XIX e XX, buscando compreender o desencantamento produzido por uma experiência de caráter traumático, que teria sido provocada pelas independências na América Latina e as relações existentes entre narrativa, temporalidade e trauma (FREDRIGO; BITTENCOURT, 2012 apud OLIVEIRA, 2016b). Nessa direção, Oliveira busca, em diálogo com as autoras, discutir como os intelectuais latino-americanos, por meio das várias narrativas produzidas por eles, preocuparam-se em reelaborar de forma recorrente tais experiências traumáticas, o que fez com que o subcontinente latino-americano sempre ficasse evidenciado como a região das utopias (OLIVEIRA, 2016b).

Nesse sentido, acreditamos ser cabível destacar que, no livro Em um rabo de foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar, não é a primeira vez que a ideia de trauma é operacionalizada com sucesso por Oliveira para compreender os problemas que ecoam ao longo da história dos países latino-americanos. Em outro trabalho, também datado de 2016 e intitulado Agonia peruana no século XX: Mariátegui e Flores Galindo, Marcus Vinicius Oliveira busca analisar como os ensaios elaborados pelos intelectuais peruanos José Carlos Mariátegui e Alberto Flores Galindo, no decorrer do século XX, podem representar as formas que estes autores encontraram de lidar com os traumas advindos daqueles eventos da história latino-americana, especificamente a do Peru (OLIVEIRA, 2016a).

Retornando ao diálogo que Oliveira realiza com Fredrigo e Bittencourt ao objetivar, ainda no terceiro e último capítulo, desenvolver seu argumento central Em um rabo de foguete, o autor busca compreender o exercício de rememoração como fator que proporcionaria a manifestação de várias temporalidades, as quais teriam a capacidade de reestruturar a realidade, processo no qual o trauma teria papel essencial.

Neste sentido, segundo Oliveira, o trauma poderia ser concebido como um passado que persiste em fazer-se notável no presente, fenômeno este que condicionaria a memória pelo fato de que esta última estaria muito ligada à recorrência irracional aos traumas provocados pela ditadura militar (OLIVEIRA, 2016b, p. 115-116).

No entanto, segundo Oliveira, o caso de Gullar possui uma particularidade que o diferencia dos exemplos trabalhados por Fredrigo e Bittencourt, pois, nas concepções do poeta maranhense, o trauma contribui não para reelaborar as possibilidades utópicas apontadas pelas autoras, mas, ao contrário, serviria para nulificá-las completamente.

Este fato, segundo Oliveira, pode ser visto com mais precisão nos escritos produzidos por Gullar no período em que o poeta brasileiro ficou exilado no Chile, pois estes registros explicitariam como a concepção acerca do passado teria destaque em detrimento da noção relacionada ao futuro. Neste sentido, as “expectativas” seriam invalidadas por causa da “experiência” vivida por Gullar e isso evidenciaria, na ótica de Oliveira, o desencanto de Gullar pela ideia de revolução e dos ideias pecebistas comungados por aquele poeta no decorrer da década de 1960 (OLIVEIRA, 2016, p. 116).

Neste sentido, podemos afirmar que Em um rabo de foguete, Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira nos oferece bases que possibilitam pensarmos sobre o papel dos intelectuais diante dos diversos caminhos que a sociedade possui a sua frente ao longo dos tempos, assim como a participação e importância dos mesmos no eterno exercício de se ponderar sobre seu passado e seu futuro a partir das inquietações e dúvidas que o seu presente proporciona. Sobre este ponto, estamos de acordo com Fabiana Fredrigo, ainda no prefácio do livro de OIliveira, quando a historiadora, mais um vez, pontua de forma precisa que “entre a revolução e o cancelamento da utopia, há o reformismo” (FREDRIGO In: OLIVEIRA, 2016b, p. 17, grifos da autora). Além disso, acreditamos que o livro de Oliveira também pode ser considerado uma contribuição relevante para os estudos realizados na área da História Intelectual e da História Política, ao relacionar as discussões sobre os intelectuais, processos políticos, psicologia, filosofia, literatura e poesia.

Notas

1. De forma mais específica, ao trabalhar com o conceito de “cultura política” elaborado por Serge Berstein, Marcus Vinícius Oliveira privilegia a leitura do capítulo intitulado “A cultura política”, de autoria daquele historiador francês e que compõe a obra Para uma história cultural (1998, p. 349-363), organizada pelos também historiadores franceses Jean-François Sirinelli e Jean-Pierre Rioux. Nesse sentido, a linha seguida por tais historiadores franceses como, por exemplo, Berstein, Sirinelli entre vários outros se centra, assim como Rioux argumenta na introdução do referido livro, na análise da relação considerável entre os processos políticos e as manifestações culturais ligados a fatores de caráter social, religioso, artístico e intelectual (1998, p. 14).

2. Para sua leitura acerca das ideias de Antonio Gramsci, Marcus Vinícius Oliveira se embasa nos Cadernos do Cárcere (2011; 2014; 2014b; 2014c; 2014d apud OLIVEIRA, 2016) escritos pelo pensador italiano.

3. No que tange às contribuições de Koselleck, Oliveira dedica especial atenção às obras Crítica e Crise (1999 apud OLIVEIRA, 2016) e Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos (2006 apud OLIVEIRA, 2016) daquele historiador alemão.

4. A fim de explicar melhor estes dois conceitos que auxiliam Oliveira em sua análise sobre os textos de Gullar, acreditamos ser pertinente e válido apresentar, de forma breve, o que o próprio Koselleck compreende por “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”. Segundo o historiador alemão, esses conceitos formam um par indissolúvel, sendo que a “experiência” representaria o “passado atual”, enquanto a “expectativa” poderia ser concebida como o futuro que ainda não foi vivido, mas que já faz notar-se presente (KOSELLECK, 2006, p. 310).

Referências

FREDRIGO, Fabiana de Souza. Guerras e escritas: a correspondência de Simón Bolívar (1799-1830). 1. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

______. Prefácio. In. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. Em um Rabo de Foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira (FAP), 2016b.

KOSELLECK, Reinhard. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução: Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira; revisão da tradução: César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2006.

OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. Agonia peruana no século XX: Mariátegui e Flores Galindo. Espaço Acadêmico, n. 178, março/2016, p. 8-18. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/28357/16202.

Acesso em: 21/03/2017.

OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. Em um Rabo de Foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira (FAP), 2016b.

RIOUX, Jean-Pierre. Introdução. Um domínio e um olhar. In. RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Para uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1998.

Elvis de Almeida Diana – Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, campus de Franca.

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Poesia e polícia: redes de comunicação na Paris do século XVIII – DARNTON (FH)

DARNTON, Robert. Poesia e polícia: redes de comunicação na Paris do século XVIII. Tradução de Rubens Figueiredo. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, 228p. Resenha de: PAIVA, Thayenne Roberta Nascimento. Música e oralidade na queda do Antigo Regime. Faces da História, Assis, v.4, n.2, p.249-255, jun./dez., 2017.

Em 2014, a Companhia das Letras publicou o mais recente livro do historiador norte-americano Robert Darnton, intitulado Poesia e polícia: redes de comunicação na Paris do século XVIII, que teve publicação original em inglês, pela Cambridge, nos EUA, em 2010. Em linhas gerais, o livro destina-se a percorrer circuitos difusos de comunicação e intrigas políticas, que culminaram em uma série de poemas e canções populares sediciosas, e, portanto, de protesto e de cunho difamatório, na Paris de meados do século XVIII.

Robert Darnton é formado pela Universidade de Harvard e com Doutorado pela Universidade de Oxford. Assumiu a chefia da Biblioteca de Harvard em 2007, sendo responsável pela autorização e disponibilização na Internet de considerável produção intelectual da Universidade. Especialista em História do Livro e sobre a França do século XVIII, produziu obras renomadas, tais como O Iluminismo como negócio (1996), Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária (1998), A questão dos livros: passado, presente e futuro (2010), O beijo de Lamourette – Mídia, cultura e revolução (1990) e O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa (1984) ̶ sendo sua obra mais difundida ̶ , Os dentes falsos de George Washington (2003) e O diabo na água benta, ou a arte da calúnia e da difamação de Luís XIV a Napoleão (2012), dentre outras.

O livro é estruturado em introdução, quinze capítulos curtos, conclusão. Além disso, possui um apêndice, aonde estão presentes as letras, em francês, dos seis poemas sediciosos que foram produzidos, contendo, inclusive, as referências bibliográficas de sua localização (anexo intitulado As canções e os poemas distribuídos pelos Catorze); a respeito do poema “Qu’une bâtarde de catin” (que inclusive intitula o capítulo desta seção), expõe-se como o texto sofreu modificações ao longo de sua difusão; relatos sobre a circulação do poema sedicioso, que gerou a queda do ministro francês Maurepas e de que modo o poema foi apresentado em algumas referências bibliográficas; no capítulo seguinte, intitulado O rastro dos Catorze, adquirimos conhecimento de um resumo geral da investigação; acerca de A popularidade das melodias, tem-se uma noção estatística sobre as chansonniers mais populares na década de 1740; e, o último capítulo deste apêndice, sob o título Um cabaré eletrônico: canções de rua de Paris, 1748-50. Cantadas por Hélène Delavault, apresenta um site de Harvard2 disponibilizando as melodias mais comuns na Paris do século XVIII e sobre as quais foram usadas para introduzir os versos sediciosos produzidos. Neste capítulo, ainda temos as letras em francês, e sua tradução, dos poemas musicados e outras, sobre a queda de Maurepas, Luis XV, dentre outras.

A respeito do conteúdo propriamente dito da obra, Poesia e polícia parte da observação e investigação de uma complexa rede de comunicação, a partir do estudo de caso sobre o episódio conhecido como “O caso dos Catorze” (L’Affaire des Quatorze), iniciado com a prisão do estudante de medicina, François Bonis, em 1749. O motivo foi ter recitado um poema não autorizado contra Luís XV, já que “Difamar o rei num poema que circulava abertamente era uma questão de Estado, um crime de lèse-majesté” (DARNTON, 2014, p. 13). À sua prisão seguiram-se outras, relacionadas ao poema, contabilizando, ao final, catorze prisões de homens pertencentes “às camadas médias da provinciana sociedade parisiense” (Idem, 2014, p. 22).

O historiador igualmente averigua a criação de cinco outros poemas populares seguidos a este e, especialmente, a introdução destes em chansonnieres, canções populares que disseminavam a opinião pública sobre a corte de Luís XV. Esses dois mecanismos de disseminação do descontentamento popular expõem sob quais modos circulavam a informação na sociedade francesa setentecista. Assim, a meta de Darnton é descobrir porque tais poemas se revelaram do interesse das autoridades de Paris e de Versailles, além do interesse pela rede de comunicação existente sobre os poemas.

Para tanto, Robert Darnton recria, por meio de uma metodologia de policial investigativo, algo da cultura oral que geralmente é difícil de ser apreendida pelo historiador, dada a ausência de suportes textuais que garantam sua preservação. Em outras palavras, debruça-se sobre as trocas de informação por meio da oralidade. Este é o ponto central deste livro, resgatando-o em investigações policiais, nos dossiês da época. O objetivo é “(…) seguir a trilha de seis poemas por Paris em 1749, à medida que eram declamados, memorizados, retrabalhados, cantados e rabiscados em papel (…) durante um período de crise política” (Idem, 2014, p. 8). Dada a empreitada, discute a ilusão de se supor que as sociedades pretéritas não se preocupavam ou não possuíam uma rede de comunicação. É anacrônico pensar em uma “sociedade da informação” somente pelo avanço tecnológico − o que Darnton critica, chamando de espécie de “falsa consciência acerca do passado” (Idem, 2014, p. 7).

Embora a composição do grupo dos Catorze fosse principalmente de escrivães e abades, grupo social letrado, muitas vezes a transmissão dos poemas acontecia pela memorização. Como aponta o historiador, o Caso dos Catorze pode ser visto como manifestação da opinião pública, mas de uma maneira mais prática, no recurso mnemônico e na circulação dos poemas, tomando-a como força motora da história.

Destes poemas, dois foram transmitidos pela música, na forma de melodias populares, as chansonniers – que funcionavam como uma espécie de troca oral. A composição destas melodias se exprimia com letras novas em melodias antigas.

Outro aspecto salientado foi a gama de informações produzidas pelo inspetor geral de polícia, Joseph d’Hémery3, que era profícuo e meticuloso em seus detalhamentos sobre as prisões. Destarte, Darnton destaca que todas as prisões efetuadas produziam dossiês com informações abundantes sobre os comentários políticos que apareciam nestes circuitos de comunicação.

Não obstante, tais informações jamais apontaram o autor dos poemas. Para o historiador dificilmente possa ter existido um autor principal, dado os acréscimos e modificações que as estrofes sofriam, sustentando a ideia de uma autoria coletiva, a partir da memorização daqueles que faziam, considerando-os igualmente autores dos poemas. Além disso, ainda que os poemas pudessem ser percorridos, pois muitos deles foram encontrados rabiscados em pedaços de papel no bolso daqueles que foram presos, a transmissão deles era incerta. Estes poemas desapareciam de modo aleatório e ressurgiam já modificados.

Não apenas as linhas de transmissão, mas também os próprios versos das canções eram substituídos por outros – criando uma espécie de “interferência subjetiva” (Idem, 2014, p. 73). Isto expunha um fácil sistema de improvisação com fins de entretenimento, dada sua ocorrência em “tavernas, bulevares e desembarcadores”, o que implica em uma circulação muito maior do que se imaginaria, pois, qualquer pessoa, nobre ou plebeu, poderia modifica-los dada uma “versificação que era tão simples”. Percebe-se, assim, que as melodias funcionavam como recurso mnemônico e os poemas eram multivocais.

Portanto, se não possui autoria precisa, também não existia uma direção ideológica específica, afirma Robert Darnton. Nos dossiês analisados não se encontra movimentos iniciais de revolução, no máximo “Um sopro de Iluminismo, sim; uma suspeita de hostilidade ideológica, seguramente; mas nada parecido com uma ameaça ao Estado” (Idem, 2014, p. 31). Tanto que, na exposição do interrogatório de um dos presos, Alexis Düjast, o interesse residia pelos aspectos poéticos e políticos dos poemas, isto é, “(…) nada semelhante a uma conjuração política” (Idem, 2014, p. 25). Então, Darnton, em boa parte dos capítulos iniciais, levanta a questão: “(…) Por que a polícia reagiu de forma tão enérgica?” (Idem, 2014, p. 28).

O historiador Robert Darnton admite, momentaneamente, a impossibilidade de resposta ao interesse tão forte da polícia sobre este caso, mais ainda por dois pontos por ele sublinhados: esta rede não teceu comunicação nem com a alta burguesia e nem com o povo. Mas o que Darnton ressalta e, que talvez ajude a clarear sobre a autoria dos poemas é que eles circulavam também na Corte, ou mesmo que tenham sido criados, inicialmente, em Versailles. Qual fato justificaria isso, então? Quando ocorreu a mudança no equilíbrio de poder, com a destituição de Jean-Frédéric Phélypeaux, o conde de Maurepas4 do cargo de ministro de Luís XV, sendo exilado em 24 de abril de 1749.

A causa principal foi a coleção de poemas sediciosos, além de canções de mesma natureza, que ele colecionava. Continham os mexericos e intrigas acerca da vida na corte. O próprio Maurepas encomendava os poemas para difamar as amantes do rei (além do próprio rei), como foi com Jeanne-Antoinette Poisson, a Madame Pompadour5.

O intuito do ministro era enfraquecer a influência dela sobre o rei. Não obteve sorte, pois Mme Pompadour influenciou Luís XV para demitir Maurepas, assim sendo feito.

A quantidade de canções e poemas circulantes pós esse exílio revelam possivelmente uma tentativa desesperada de Maurepas e seus seguidores de retornar ao poder.

A influência de Pompadour era emblemática, ascendendo ao mesmo cargo o seu “braço direito” Marc-Pierre de Voyer de Paulmy, conde d’Argenson6. Este, em sua busca frenética pela autoria dos poemas desejava “consolidar sua posição na corte durante um período em que os ministros estavam sendo redistribuídos e o poder, repentinamente parecia instável”, podendo, desta forma, “controlar o novo governo” (Idem, 2014, p. 41).

Desse modo, Darnton expõe o coração pulsante no caso dos Catorze: por trás de meras declamações de poemas, representava, em seu interior, “uma luta pelo poder situada no coração de um sistema político” (Idem, 2014, p. 41). Em relação aos catorze envolvidos no caso tiveram suas vidas arruinadas, corroborado pelo exílio que sofreram. Significa afirmar, segundo o próprio historiador, que os catorze envolvidos não possuíam consciência de seus atos, ainda mais na qualidade de crime, como foram classificados.

Em termos metodológicos, Darnton se propõe a uma longa exposição descritiva do Caso dos Catorze, sob interpretação cultural, não direcionando uma linha teórica clara, apenas adotando a postura de um historiador investigativo, procurando pistas e fios condutores. A ausência de um condutor teórico em sua obra, embora com uma linguagem acessível e para um público tanto acadêmico quanto não-acadêmico, seja um dos aspectos negativos. Outro ponto negativo é que não há delimitações conceituais sobre o que ele considera opinião pública. Além disso, o historiador torna o texto confuso quando em alguns momentos afirma não poder dar respostas ao interesse tão forte da polícia sobre O Caso dos Catorze, o que é sempre desmontado no capítulo seguinte, o que talvez exponha a fraca habilidade de Darnton de tentar fazer deste livro um encadeamento paulatino de mistérios e possíveis soluções.

Entretanto, outrossim, possui aspectos positivos, tais como a circulação destes poemas, que embora tenham começado com um grupo de letrados, expandiu-se para as camadas mais populares da França do século XVIII, que se entretinham com a mudança de versos, para zombar ou difamar o rei Luís XV, suas amantes e a Corte. Para o historiador Robert Darnton, os poemas são apenas uma das formas de “literatura de protesto” (Idem, 2014, p. 125) contra o Antigo Regime e que mesmo descoberto alguns de seus atuantes, revela a participação crítica e de insatisfação de quase todas as camadas da sociedade parisiense.

Também válido foi a apresentação do projeto eletrônico da Universidade de Harvard, possibilitando as pessoas a se transporem para aquela época, com a musicalização destes poemas – como fontes de época −, no sítio eletrônico <www.

hup.harvard.edu/features/dapoe>, sob interpretação de Hélène Delavault. Igualmente acertado a mobilização de imagens que ilustram cantores itinerantes, os manuscritos dos poemas, as partituras de algumas das músicas originais que serviam como base para a troca dos versos e uma lista rabiscada em um papel com os nomes daqueles que foram presos.

Notas

2 O site www.hup.harvard.edu/features/darpoe é indicado pelo autor, como forma de os leitores tomarem conhecimento de como as letras e melodias foram produzidas durante o período de colapso do Antigo Regime. O endereço eletrônico é fornecido por Darnton e se encontra na p.177.

Para maiores informações a respeito dos procedimentos e estruturação dos dossiês gerados por d’Hémery em outros casos investigativos, ver, especialmente, DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Tradução de Sonia Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

4 Para maiores informações sobre o conde de Maurepas, consultar: RULE, John C. Jean-Frederic Phelypeaux, comte de Pontchartrain et Maurepas: Reflections on His Life and His Papers. The Journal of the Louisiana Historical Association, vol. 6, 1965, p. 365-377 e RULE, John C. The Maurepas Papers: Portrait of a Minister. French Historical Studies, vol. 4, Duke University Press, 1965, p. 103-107.

5 Sobre Madame Pompadour, ver, por exemplo: ABBOTT, Elizabeth. Mistresses: A History of the Other Woman. London: Penguin Books, 2011 e MITFORD, Nancy. Madame De Pompadour. London: Hamish Hamilton, 1st edition, 1954.

6 Esclarecimentos sobre esta figura histórica podem ser obtidos em: COMBEAU, Yves. Le comte d’Argenson (1696-1764): Ministre de Louis XV. Paris: École des Chartes, 1999.

Referências

ABBOTT, Elizabeth. Mistresses: A History of the Other Woman. London: Penguin Books, 2011.

COMBEAU, Yves. Le comte d’Argenson (1696-1764): Ministre de Louis XV. Paris: École des Chartes, 1999.

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Tradução de Sonia Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

________________. Poesia e polícia: redes de comunicação na Paris do século XVIII. Tradução de Rubens Figueiredo. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

MITFORD, Nancy. Madame De Pompadour. London: Hamish Hamilton, 1st edition, 1954.

RULE, John C. Jean-Frederic Phelypeaux, comte de Pontchartrain et Maurepas: Reflections on His Life and His Papers. The Journal of the Louisiana Historical Association, vol. 6, 1965.

___________. The Maurepas Papers: Portrait of a Minister. French Historical Studies, vol. 4, Duke University Press, 1965.

Sítio eletrônico citado na obra www.hup.harvard.edu/features/darpoe. Acesso em: 21 de março de 2017.

Thayenne Roberta Nascimento Paiva – Graduada em Bacharelado e Licenciatura, respectivamente, pelo Instituto de História e a Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, é mestranda em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Email: thayenne-intelectus@hotmail.com.

Acessar publicação original

[IF]

Aedos. Porto Alegre, v. 9, n. 20, 2017.

História e Crime |

Expediente | Michele de Oliveira Casali, Thais Fleck Olegario | |

Apresentação | Michele de Oliveira Casali, Thais Fleck Olegario | | 4-8 |

Dossiê Temático

Artigos

Resenhas

Teses, Dissertações e Trabalhos de Conclusão de Curso defendidos na Graduação e Pós-Graduação em História da UFRGS 2017/1 | Israel Aquino |

Ditaduras militares: Brasil, Argentina, Chile e Uruguai | Rodrigo Patto Sá Motta

Rodrigo Patto Sá Motta possui doutorado em História pela Universidade de São Paulo (2000) e atualmente é professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Suas pesquisas relacionam-se ao golpe de 1964 e ao regime militar, envolvendo temas como repressão política (DOPS, ASI), anticomunismo, política universitária, memória e atuação da esquerda [2]. O contexto de publicação da obra é bastante especial para o Brasil: no ano de 2014 tem-se a efeméride dos 50 anos do golpe civil-militar e em 2015 os 30 anos da redemocratização. Esses dois acontecimentos contribuíram de maneira a promover uma reflexão sobre o caráter e o legado da ditadura civil-militar frente à sociedade brasileira. Além disso, também contribuíram no sentido da profusão de livros e na organização de eventos sobre o tema “ditaduras”.

A obra é composta de uma série de textos que abordam temas específicos das ditaduras militares no Cone Sul, expondo suas vicissitudes e semelhanças. O livro é estruturado em quinze artigos, escritos por autoras e autores do Brasil, Chile, Argentina e Uruguai que enfatizam principalmente as políticas públicas nos âmbitos social, cultural, educativo e a repressão. Abordam também assuntos que concernem à memória e o ensino nas escolas no período das ditaduras nos países do Cone Sul. A publicação da obra é resultado das atividades do Seminário Internacional “Ditaduras Militares em Enfoque Comparado” ocorrido em 2012, evento organizado pelo Grupo de Pesquisa História Política – Culturas Políticas na História, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais. Leia Mais

Aedos. Porto Alegre, v. 9, n. 21, 2017

Política na América Latina Contemporânea |

Expediente | Michele de Oliveira Casali, Thais Fleck Olegario |

Apresentação | Michele de Oliveira Casali, Thais Fleck Olegario, Fernanda Feltes | | 4-7 |

Dossiê Temático

Artigos

Entrevista Professor Bruno Groppo | Revista Aedos | | 532-543 | Comunicações |

Teses, Dissertações e Trabalhos de Conclusão de Curso defendidos na Graduação e Pós-Graduação em História da UFRGS 2017/2 | Israel Aquino | | 544-548 |

Gênero e Diversidade / Vozes Pretérito & Devir / 2017

A chamada feita a investigadores interessados em compor o Dossiê História, Gênero e Diversidade – integrante da sétima edição da Revista de História da Universidade Estadual do Piauí, “Vozes, Pretérito e Devir” – resultou no trabalho que ora apresentamos. Diante de uma abrangente gama de possiblidades analíticas, pudemos fazer a seleção aqui apresentada e conseguimos cobrir regiões diferentes, momentos sócio históricos plurais e elaborações diversas e academicamente sofisticadas.

Hodiernamente, as discussões sobre gênero e diversidade assim como a intersecção entre estas duas categorias ainda se constituem numa miríade de possibilidades no campo da história. Advogamos que os estudos sobre gênero devem incluir o pensar de mulheres e homens nas mais diversas interações, relações matrizes e etnias, bem como em suas masculinidades e feminilidades, assim também nas instâncias intervalares da homossexualidade, transsexualidade, dentre outros lugares e orientações possíveis de serem ocupados.

Os estudos sobre as relações de gênero na imprensa escrita e a representação de suas imagens e apropriações estão analisados nos textos: Lindas, bonitas, gentis e graciosas nos divertimentos, práticas corporais e esportivas (Uberlândia e Uberaba – MG, 1918-1943) de Igor Maciel da Silva; Lugar Santo: A mulher, a sacerdotisa do lar sob ótica do Jornal Cruzeiro em Caxias Maranhão (1950) de Jakson dos Santos Ribeiro e Representações sociais de homens provedores nas páginas da revista veja (década de 1970) de Douglas Josiel Voks. Reunidos, estes trabalhos cobrem mais de meio século de alegorias simbólicas sobre tais imagens.

O discurso de propriedade sobre o corpo seja pela ótica religiosa, seja como objetificação que a torna vulnerável e vítima de várias violências pode ser cotejado nos textos O discurso religioso católico sobre o aborto e a biologização da vida social de Luiz Augusto Mugnai Vieira Júnior e Violência contra a mulher: questionamentos frente ao silenciamento em cidades de pequeno porte, de Érika Oliveira Amorim e Maria Beatriz Nader, ao lado da Educação no / do Corpo: Negro e Feminino de Joanna de Ângelis Lima Robert e Eliane Almeida de Souza e Cruz.

A construção dos conhecimentos realizados por mulheres negras ativistas voltadas para a Educação e a sociedade podem ser academicamente apreciados no textos. Memória histórica da pedagogia multirracial no Rio de Janeiro na década de 1980: O protagonismo de Maria José Lopes da Silva de Ivan Costa Lima e o outro intitulado Interseccionalidade e Desigualdades Raciais e de Gênero na Produção de Conhecimento entre as Mulheres Negras, de Sônia Beatriz dos Santos.

Já o trabalho de Lívia Maria Silva Alves e Manoel Ricardo Arraes Filho: A representação política feminina na Assembleia Legislativa Piauiense (1998-2014) nos brinda com um reflexivo questionando sobre a efetividade da Lei de Cotas, sobretudo no quer tange a participação feminina na política piauiense após a Lei de Cotas. Suas reflexões têm como ponto de partida a luta sufragista na sua intensidade e continuidade, na busca por igualdade em todas as esferas da sociedade, inclusive no espaço público.

Por fim as Professoras Joselina da Silva e Maria Simone Euclides com o texto: Histórias de vida e superação: semelhanças e ambiguidades nos caminhos profissionais de docentes negras, nos agracia com a análise reflexiva das histórias de vida de professoras negras e os processos de superação e rupturas que estas passam ao ingressarem no ensino superior e suas nuances. Elas realizaram um total de nove entrevistas com professoras negras das instituições de ensino superior: Universidade Federal do Ceará, Universidade Estadual do Ceará, Universidade Regional do Cariri e Universidade da Integração Internacional e da Lusofonia Afro-Brasileira, e o resultado desse trabalho, aqui está para o nosso aprendizado.

Além das produções que compõem o atual dossiê temático, também contamos com produções de notáveis relevâncias, presentes na seção de artigos livres, como é o caso dos artigos Parnaíba Historiografada, de Antonia Valtéria Melo Alvarenga, e Os “guardiões da História Oficial”, de Ana Priscila de Sousa Sá, estudos que consequentemente analisam parte da historiografia local e nacional. Os estudos relacionados ao espaço citadino, suas transformações, os elementos de pertencimento e ressignificações se encontram presentes nos textos História, cidade e memória, Pauliana Maria de Jesus, e Lápides do século XIX, Jéssica Gadelha Morais. A seção é encerrada com o texto sobre o “Estudo sobre o bemestar / mal-estar docente na perspectiva dos professores de História da educação básica”, de Gabriela Alves Monteiro.

Por fim, ainda cotamos, nesta edição, com a publicação do resumo expandido da monografia de Elizeide Miranda de Oliveira, intitulada: Saberes Culturais: um olhar sobre as mudanças e permanências da cultura imaterial de São Raimundo Nonato – Piauí (2004-2014) e na seção de publicação de fontes temos “O testamento de Dona Maria Gonsalvez de Novoa, Capitania do Rio Grande do Norte, 1788”, uma exposição textual do historiador Thiago do Nascimento Torres de Paula.

Agradecemos penhoradamente os envios de relevantes trabalhos, bem como a leitura atenta e analítica de todos(as).

Iraneide Soares da Silva – Professora Doutora (UESPI).

Joselina da Silva – Professora Doutora (UFRRJ).


SILVA, Iraneide Soares da; SILVA, Joselina da. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.7, n.1, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Dar nome aos documentos: da teoria à prática | Danielle Ardaillon

Como nomear adequadamente documentos de arquivo dotados de diferentes linguagens, suportes, técnicas de registro e formatos e que, muitas vezes, resultaram de atividades que não correspondem a atos de caráter jurídico e administrativo familiares aos arquivistas? Eis a complexa e fulcral questão discutida durante o seminário Dar nome aos documentos: da teoria à prática, promovido, em 2013, pela Associação dos Arquivistas de São Paulo (ARQ-SP) e pela Fundação Fernando Henrique Cardoso (FHC). Após pouco mais de dois anos, desde a realização deste evento que reuniu renomados pesquisadores do Brasil e do exterior, seus organizadores disponibilizaram gratuitamente, em formato de e-book, os textos apresentados pelos palestrantes, bem como os comentários da plateia presente na ocasião. Leia Mais

A invenção da paz – REZA (RH-USP)

REZA, Germán A. de la. A invenção da paz: da República cristã do duque de Sully à Federação das Nações de Simón Bolívar. Tradução de Jorge Adelqui Cáceres Fernández e André Figueiredo Rodrigues., São Paulo: Humanitas, 2015. 178p. Resenha de: PEREIRA JÚNIOR, Paulo Alves. Dos projetos integracionistas europeus ao Congresso Anfictiônico do Panamá. Revista de História (São Paulo) n.176 São Paulo  2017.

Ganhadora do prêmio Pensamiento de América (2008-2010), La invención de la paz foi publicada em 2009 pela editora mexicana Siglo XIX. Escrita por Germán A. de la Reza, doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Paris I e em Filosofia e História pela Universidade Toulose Le Mirail, a obra ganhou edições em diferentes idiomas. Em 2015, foi lançada pela editora brasileira Humanitas, traduzida por André Figueiredo Rodrigues – professor do curso de História da Universidade Estadual Paulista – e Jorge Adelqui Cáceres Fernández.

Fracionado em onze capítulos, o livro tem como escopo a análise das relações intelectuais e das circulações de ideais relacionadas aos projetos confederativos na Europa e na América Latina. Para isso, avança em duas direções que se entrecruzam: a identificação dos elementos que permeiam as propostas de República cristã e as origens do empreendimento unionista idealizado por Simón Bolívar. A partir de tais objetivos, o estudo estabelece uma linha que conecta o ideário anfictiônico greco-romano ao europeu e, posteriormente, ao latino-americano.

Procurando entender as convicções confederativas, Germán A. de la Reza analisa o projeto de transmissão-recepção – diferenciando o contexto histórico de cada um – de cinco pensadores: Felipe II da Macedônia, Maximilien de Béthune (duque de Sully), Charles-Irénée Castel (abade de Saint Pierre), Jean- Jacques Rousseau e Simón Bolívar. Apesar de privilegiar tais autores, Germán também destaca certas ideias de Émeric Crucé, Hugo Grocio, Emmanuel Kant, Claude-Henri de Rouvroy (conde de Saint-Simon), Cecílio del Valle, Silvestre Pinheiro Ferreira e Lucas Alamán.

Entre os séculos VI a. C. e II d. C., a civilização grega realizou as primeiras ligas de povos, com o propósito de normatizar as relações existentes entre as tribos das nações unificadas. Os delegados eram eleitos pelo voto popular e tais federações possuíam funções políticas e/ou religiosas, dependendo de cada comunidade. Inspirado por esse modelo, o rei Felipe II da Macedônia organizou, no ano de 388 a. C., a Liga Helênica, com sede em Corinto. Existindo até 280 a. C., tal federação tinha como objetivo a discussão sobre assuntos relacionados à paz geral, à união pan-helênica e à manutenção da unidade interna. Cada representante era eleito pela entidade e os delegados podiam tomar decisões vinculantes. A longevidade e as estruturas organizacionais das tentativas de unificação da Grécia influenciaram o pensamento político e jurídico da Europa e da América Latina em distintos momentos históricos.

No atual território francês, entre 1639 e 1640, foram publicadas – no Castelo Loire – as primeiras edições de Memórias das sábias e reais economias do estado, domésticas, políticas e militares de Henrique, o Grande. Escrita pelo conde de Sully, essa amálgama de história nacional com crônica palaciana propunha a criação de uma estrutura comum de República cristã formada por todos os senhorios, Estados e reinos cristãos da Europa. Sully também recomendava a elaboração de uma arbitrariedade internacional que garantisse a paz entre os membros associados, administrada por um congresso de delegados renovado a cada três anos. Apesar de ser um esquema que pretendia resolver os problemas envolvendo as nações europeias a curto, médio e longo prazo, a obra de Sully contribuiu para a criação de uma corrente do pensamento jurídico e político que inspirou os projetos anfictiônicos vindouros.

Em Paris, entre 1712 e 1717, foram publicados os três volumes do Projeto para fazer a paz perpétua na Europa, escritos pelo abade de Saint Pierre. Discutiu-se, nesse projeto, a criação de uma comunidade perpétua entre as nações europeias que debatesse a elaboração de um sistema de paz inalterável, o amparo do status quo territorial, a abdicação do acúmulo de poder e a criação de um “Senado da Europa”, composto por delegados do continente. Tal projeto foi o mais popular da corrente anfictiônica e influenciou outros pensadores na Europa e na América.

Devido ao sucesso editorial da obra de Saint Pierre, Jean-Jacques Rousseau elaborou um trabalho que consistia na simbiose entre os pensamentos do abade e seus comentários sobre tais teses. Lançado em 1761 com o título Extrato do projeto de paz perpétua do senhor abade de Saint Pierre, Rousseau idealizou a confederação dos povos como uma assembleia formada por representantes preocupados com o “sentimento comum”. Além disso, discorreu sobre as vantagens na criação de um tribunal supranacional, como a certeza de que os litígios seriam resolvidos sem a necessidade de conflitos bélicos, a redução ou o fim das despesas militares, o progresso da agricultura, o bem-estar da população e o aumento das riquezas dos governantes. Ao resumir e comentar as ideias de Saint Pierre, Rousseau promoveu ambas as obras e fez com que fossem relevantes para a filosofia política no período de transição do século XVIII para a centúria seguinte.

Inspirado nas ideias de Saint Pierre – difundidas por Rousseau -, Simón Bolívar convocou, em 1824, a Grande Colômbia, a Federação Centro-Americana, o México, o Peru, os Estados Unidos, a Bolívia, a Inglaterra e os Países Baixos para participarem do Congresso Anfictiônico do Panamá. De 22 de junho a 15 de julho de 1826, os representantes dos países que lograram chegar a tempo discutiram assuntos referentes à publicação de um documento que denunciasse as atitudes da Espanha, a assinatura de um tratado de livre comércio e de navegação e o processo de abolição da escravidão no território confederado.

Após o término do evento, uma parte do congresso transladou-se ao México para prosseguir com as negociações, enquanto a outra partiu para suas respectivas nações com o propósito de ratificar os tratados. Com exceção da Grande Colômbia, nenhum outro Estado aprovou tais medidas. Dessa forma, o primeiro ensaio de integração entre as nações latino-americanas malogrou. A experiência dessa tentativa e os ideais bolivarianos dispersados na região possibilitaram a realização de três congressos entre 1847 e 1865. Após o fracasso de tais iniciativas, o ideário unionista encerrou-se no continente e os países latino-americanos concentraram-se em promover questões relacionadas à arbitragem internacional.

Com a finalidade de discutir sobre o estabelecimento dos limites fronteiriços entre as nações e os direitos da navegação, por exemplo, foi criada a Primeira Conferência Internacional de Washington em 1889. Assim como suas antecessoras, nenhum Estado aprovou os pontos deliberados no evento. A primeira organização confederativa que pretendia estabelecer as relações entre os países para garantir uma convivência pacífica e um tribunal de arbitragem que obteve êxito foi a Primeira Conferência Internacional de Haia, realizada na Holanda em 1889 e composta por representantes de vinte e quatro países.

Posteriormente, houve uma outra conferência em 1907. O terceiro evento, que ocorreria em 1915, foi cancelado por conta da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A criação da Sociedade das Nações (1919), das Nações Unidas (1945), do Tratado de Roma (1958) e dos acordos integracionistas latino-americanos, a partir da década de 1960, pautou-se na experiência dos tratados pan-europeus e do pensamento unionista bolivariano.

Os diferentes projetos anfictiônicos tiveram como princípios a elaboração de uma assembleia de representantes, o respeito à independência dos Estados participantes, o desenlace dos litígios internacionais por meio da arbitragem, a renúncia aos processos de conquista, a manutenção dos espaços territoriais e a aceitação do preceito de não intervenção nos assuntos internos de cada membro. Apesar das similaridades dessas iniciativas, elas não foram idênticas. A relação entre o global e o regional é uma dessas variações. Grande parte dos pensadores aspirou a uma integração continental, já Crucé, Kant e Bolívar ressaltaram a necessidade de combinar os projetos regionais com as propostas mundiais.

O autor finda seu estudo com três conclusões gerais: a) os projetos anfictiônicos não devem ser vistos como utópicos, tampouco como projeções pacíficas; b) a proposta confederativa de Bolívar, no contexto do Congresso de Panamá de 1826, foi original frente às discussões filosófico-políticas do período; c) o ideário anfictiônico contribuiu para os processos integracionistas europeus e latino-americanos.

Germán A. de la Reza apresenta uma pesquisa original que contou com diversas fontes e uma vasta bibliografia em inglês, espanhol, latim e francês. Tais materiais foram encontrados em fundos reservados e patrimoniais das seguintes bibliotecas: Nacional da França, Nacional do México, José Ma. Lafragua da Secretaria de Relações Exteriores do México e do Congresso dos Estados Unidos. Para compreender as ideias políticas sobre os projetos confederativos na Europa e na América Latina, o autor utilizou-se do método analítico-sintético. A técnica analítica corresponde à heurística e a de síntese associa-se à hermenêutica. O primeiro método consiste em produzir uma problemática e selecionar documentos para solucioná-la. Já o segundo tem como finalidade evidenciar o sentido de um texto a fim de buscar as intenções de quem o produziu para responder as questões elaboradas.

O livro destina-se ao público interessado nas origens dos processos integracionistas na Europa e na América Latina, na proveniência filosófico-política do projeto unionista de Bolívar e na genealogia das discussões intelectuais referentes à pacificação entre Estados, à soberania nacional e à integração internacional. Apesar dos méritos, o trabalho carece de uma discussão mais aprofundada sobre os projetos anfictiônicos. Ademais, o autor deveria privilegiar em suas análises os aspectos culturais nas propostas integracionistas europeias e latino-americanas. Tais hiatos podem ser sanados em estudos mais amplos sobre o tema em questão.

Paulo Alves Pereira Júnior – Mestrando em História pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Assis. E-mail: paulopereira_pf@hotmail.com.

Pensadores negros – pensadoras negras: Brasil séculos XIX e XX | Sidney Chalhoub, Ana Flávia Magalhães Pinto

Resenhista

Joaze Bernardino Costa – Universidade de Brasília. E-mail: joazebernardino@gmail.com Leia Mais

Resistência – Memória da ocupação nazista – ROLLEMBERG (Tempo)

ROLLEMBERG, Denise. Resistência – Memória da ocupação nazista na França e na Itália.. São Paulo: Alameda Editorial, 2016. 374p. Resenha de CARVALHO, Bruno Leal Pastor. Resistência – memória e historiografia em panorama. Tempo v.23 no.1 Niterói jan./abr. 2017.

O nome da historiadora Denise Rollemberg, professora de história contemporânea do Instituto de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF), sempre esteve muito associado aos estudos sobre ditadura militar brasileira, tema para o qual contribuiu de maneira original com as pesquisas que realizou no mestrado e no doutorado. Nos últimos anos, Rollemberg vem se dedicando a outros regimes de exceção do século XX, igualmente marcados pelo elevado grau de violência. Essa expansão de domínios já tinha dado as caras com as coleções “História e memória das ditaduras do século XX” e “A construção social dos regimes autoritários”, publicados em 2010 e 2015, respectivamente, ambas coordenadas em parceria com a historiadora Samantha Viz Quadrat (UFF). Em 2016, esse caminho se consolida com a publicação do livro Resistência – memória da ocupação nazista na França e na Itália (Rio de Janeiro: Alameda, 2016).

“Resistência” é o resultado direto da pesquisa que Rollemberg vem desenvolvendo, nos últimos anos, sobre diversos museus e memoriais da resistência ao nazismo em França, Itália, Alemanha, Países Baixos e Polônia, pesquisa essa que contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No livro, a autora propõe um exame crítico do conceito de resistência, recorrendo, para tal, aos esforços da historiografia do pós-guerra e a estudos de memória, analisando narrativas presentes em museus e memoriais localizados na Itália e na França, países onde estes são mais numerosos. Segundo Rollemberg, a Itália, ocupada entre 1940 e 1945, conta com cerca de 60 museus dedicados ao tema, ao passo que a França, ocupada entre 1943 e 1945, tem aproximadamente 15. O livro é dividido em cinco capítulos, quatro dos quais distribuídos em duas partes, além de uma apresentação.

No primeiro capítulo, o leitor encontra uma breve, porém consistente, discussão historiográfica sobre o conceito de resistência. E esse não é um debate simples de se fazer. Durante a Segunda Guerra Mundial, parte significativa da Europa foi ocupada pelas forças alemãs. Os nazistas derrubaram democracias e ditaduras, regimes parlamentaristas e monarquistas, de países pequenos e grandes do ponto de vista territorial. Enquanto alguns governos caídos reerguiam-se no exterior, parte da população desses países, organizada ou não, militarmente ou não, resistiu ao invasor e aos colaboracionistas usando os mais diferentes expedientes. Como abordar, então, um debate tão amplo? Em vez de propor respostas generalistas, Rollemberg faz aquilo que se espera de um bom historiador: um recorte. A historiadora volta seu olhar para o debate historiográfico surgido na França, na Itália e na Alemanha no pós-guerra.

Ao falar do caso francês, Rollemberg dá destaque para trabalhos como o de Henri Michel, autor da primeira tese acadêmica sobre a França ocupada, defendida em 1962, e de Robert O. Paxton, que, nos anos 1970, segundo a autora, deu uma “guinada” na historiografia francesa sobre o tema, até ali ainda muito tributária do mito da resistência. Outros autores, mais contemporâneos, também são bem lembrados, tais como François Bédarida, François Marcot, Henry Rousso e Denis Peschanski. Todos esses autores, de forma bastante pioneira, enfrentaram problemas de definição bastante sensíveis que foram se colocando ao longo do tempo: seriam resistentes apenas aqueles que pegaram em armas ou aqueles que também protegeram judeus ou desobedeceram a ordens do governo? Resistência é uma ação coletiva ou também é possível concebê-la individualmente? Resistir é uma luta de oposição interna ou contra um inimigo estrangeiro? Podem-se incluir dentro do “guarda-chuva” resistência ações das igrejas católicas e protestantes que intercederam em favor dos perseguidos pelo nazismo e pelo fascismo?

No caso italiano, há diferenças expressivas. Rollemberg explica que a historiografia tem nos chamado a atenção para a existência tanto de uma oposição ao fascismo (1920-1922 e 1943) quanto de uma resistência a este (1943-1945). Aqui, a autora perpassa os trabalhos de historiadores como Gianni Perona, Zeev Sternhell e Claude Pavone, este último autor de uma tese publicada em 1991 que sustenta a ideia de que a Resistência italiana abrigou três guerras simultâneas: a patriótica, a civil e a de classe. Por fim, há o debate sobre a historiografia alemã, bastante especial, uma vez que a Alemanha não esteve ocupada por um inimigo externo durante os anos de guerra. Rollemberg, nesse ponto, dá ênfase aos trabalhos de Martin Broszat, fundador e diretor do Instituto de História Contemporânea de Munique, que, na década de 1970, desenvolveu o conceito de resistenza, originário da biologia, para se referir a uma “atitude refratária” dos alemães diferente, em essência, do conceito de resistência – pelo menos como este tem sido normalmente em outros países. Empregando mecanismos e estratégias da história social, Broszat recuperou e esmiuçou aspectos da vida cotidiana da população bávara sob o Terceiro Reich, procurando avaliar “pequenas formas de coragem do cidadão” perdidas no meio do cotidiano do alemão anônimo. Além de Broszat, a autora também se apoia no trabalho de nomes como (Sir) Ian Kershaw e Klaus-Jünger Müller, igualmente decisivos para uma melhor compreensão do tema da resistência na Alemanha.

O debate sobre a historiografia italiana é mais breve que o sobre a francesa e a alemã. Mas isso não enfraquece a importância do primeiro capítulo, mais do que fundamental em um país como o Brasil, cuja tradição editorial, mesmo a universitária, não parece nem um pouco sensível ao tema da resistência ao nazismo, ocupando-se muito pouco com a tradução de livros clássicos nessa área. Isso tem deixado incontáveis gerações de estudantes de história desamparados. Aliás, embora nazismo e fascismo sejam uma pauta recorrente em mídia de massa, a universidade ainda enfrenta bem pouco suas problemáticas. Na maior parte das universidades, o portfólio de disciplinas que abordam esses temas ainda é bastante tímido, talvez, pelo menos em parte, pela ainda mais tímida disponibilidade de material bibliográfico sobre eles no país. Nesse sentido, o debate conceitual-historiográfico nesse capítulo do livro é um plano de voo valiosíssimo para quem deseja alçar voo nesses campos historiográficos.

Os Capítulos 2 e 3 compõem a Parte I do livro, dedicada aos museus e memoriais franceses. No Capítulo 2, a autora faz uma análise dos vários “lugares de memória” que visitou na França. Foram 16 no total, distribuídos por todo o país. Em vez de preocupar-se apenas com os tipos de objetos exibidos em cada museu, Rollemberg faz uma leitura ampla e interdisciplinar da museografia dessas instituições, o que inclui olhar para elementos como textos, localização, contextos, iluminação, som, meios digitais e outros elementos museográficos, que, uma vez pensados juntos, nos levam a perceber o discurso museográfico. Isso nos permite pensar museus e memoriais como um projeto muito maior, integrado à sociedade e que tem por base determinados projetos político-pedagógicos. A tese que Rollemberg defende no decorrer dessa análise é bastante clara. De acordo com a autora, durante muito tempo os memoriais e museus franceses elaboraram um discurso laudatório e mitológico da resistência. As instituições, por exemplo, pouco mencionavam o colaboracionismo e produziam narrativas apaziguadoras dos anos de ocupação. No caso francês, o modelo gaullista de memória foi predominante e pouco admitia concorrência. Na década de 1970, aponta Rollemberg, isso começou a mudar, haja vista que a própria sociedade mudava. Passou-se a discutir mais abertamente Vichy, tal como as contradições e as complexidades das resistências, assim mesmo – vistas a partir de agora no plural. Rollemberg acredita que os museus desde então vêm mudando de discurso. “Hoje,{…} os museus e memoriais não são mais simplesmente a celebração de um mito. Procuram rever antigas interpretações, posicionando-se diante de revisões presentes na historiografia e no debate político” (p. 85). A autora cita, por exemplo, como prova desse ponto de injunção, a incorporação ao plano da curadoria histórias do colaboracionismo, das múltiplas das formas resistência e de narrativas dos judeus.

Por outro lado, e aí chegamos à segunda grande questão desse capítulo, a autora acredita que essa transformação não foi completa. Muitas instituições, conforme pontua, ainda estão apegadas ao modelo memória-homenagem, o que implica, quase sempre, a elaboração de personagens unidimensionais, sem opções em suas épocas históricas, sujeitos que ou são vítimas, ou são algozes. Uma de suas críticas nesse capítulo é destinada ao Museu de Grenoble, cuja curadoria é extremamente preocupada com o público infantil e juvenil. Em uma exposição, por exemplo, há o holograma de um jovem, filho de um resistente, que dá um depoimento bastante assustador e sombrio dos tempos da resistência. Em seguida, a projeção aproxima-se dos jovens visitantes do museu e pergunta se as memórias que eles acabaram de ouvir estariam apenas ligadas ao passado ou se têm ligação também com o presente. Um cronômetro é disparado e, depois, conhecem-se as estatísticas registradas até aquele momento pelo sistema. Para Rollemberg, a evocação da resistência por meio da chave familiar e de uma teatralização da vida pode ser problemática. O museu abriria mão da vocação histórica e assumiria a vocação de memória. “Além da construção da memória em favor de certos valores éticos e políticos, esse e os demais recursos pedagógicos vistos aqui são também discursos moralizantes, segundo certa concepção de história que lhe atribui a função de, através do conhecimento do passado, evitar erros futuros” (p. 131).

No Capítulo 3, Rollemberg examina cartas de resistentes e reféns executados na França durante o período de ocupação, tanto nas mãos dos nazistas quanto nas mãos dos próprios franceses de Vichy. O capítulo, explica a própria autora, é uma forma de verticalizar o estudo de temáticas presentes nos museus e memoriais citados no capítulo anterior. A autora está preocupada, agora, em discutir como esses documentos remetem a experiências individuais da resistência. Cerca de 4.020 homens foram fuzilados no país. Muitos deixaram cartas e outros documentos para suas famílias, escritos pouco antes de suas mortes. Esse material começou a ser recolhido antes mesmo da Libertação (1944) e, em seguida, passou para os arquivos do Comitê de História da Segunda Guerra Mundial, instituição criada em 1951 pelo historiador Henri Michel. Mais ou menos 500 cartas de 350 desses fuzilados encontram-se hoje dispersas por diversos museus franceses e arquivos, além de em posse de particulares, material que representa um riquíssimo acervo para museus e historiadores.

As possibilidades de análise são vastíssimas. Da micro-história à história das mentalidades. Da história vista de baixo à história da morte e do medo. Rollemberg extrai leituras bastante reveladoras desse universo memorialístico de quase morte. A autora nota, por exemplo, que os condenados raramente usaram nas cartas as palavras resistentesresistênciaResistência e resistir para se referirem a si mesmos e a suas ações. Isso porque, como salienta, essa “morfologia da despedida” destaca-se muito mais pelo foro íntimo. E é justamente esse o caminho que, acertadamente, Rollemberg toma como fundamental para compreender tal experiência histórica. “Importa aqui verticalizar a análise das motivações, sentimentos, da subjetividade, enfim, dos condenados” (p. 179). São ainda, como diz, “retratos íntimos da derrota”. Rollemberg mostra, curiosamente, que, apesar das várias diferenças entre os condenados – níveis de escolaridade, idade, engajamento político etc. -, há certas homogeneidades nas cartas. Nelas, seus autores buscam a absolvição de pecados antigos. Eles se dirigem quase sempre aos familiares. Evocam a família, a religião (exceto os judeus, majoritariamente) e a tradição como grandes lemas em seu momento de despedida. Em geral, os condenados não demonstram ódio nem ressentimento, Rollemberg pontua. Ela cita a carta que o conde Honoré d’Estienne d’Orves escreve à sua irmã antes da execução: “Que ninguém pense em me vingar. Desejo apenas a paz na grandeza reencontrada pela França” (p. 209). Tudo isso nos ajuda a compreender como esses resistentes viam a si mesmos nessas situações-limite e, mais do que isso, a forma como esse comportamento assentou-se na memória coletiva francesa.

Ao ler tais cartas, podemos evocar as velhas histórias de santidade e heroísmo cristão que há muito tempo fazem parte da tradição cristã. Esse ponto é importante, pois, como assinala Rollemberg, as execuções caracterizadas como martírios estão vivas ainda hoje na memória coletiva graças à ritualização de que são objetos nos mencionados museus e memoriais. Para a historiadora, a ideia de martírio e vitimização eclipsou os diversos embates políticos e ideológicos que abundavam no interior da(s) resistência(s). A autora afirma:

Se é compreensível que as associações de familiares, desde o pós-guerra, elaborem a memória desses homens como mártires, comprometidas que estão com o dever de memória, é bom refletir sobre o papel que os museus, mais até do que os memoriais, desempenham nessa tensão entre história e memória, sobretudo entre aqueles que se propõem produtores do conhecimento. (p. 192)

A crítica à memória que vemos aqui é bastante pertinente, especialmente no contexto do pós-guerra francês, quando a resistência se tornou base de certa identidade francesa e também, ao mesmo tempo, uma espécie de patrimônio histórico francês, pouco afeito a críticas e revisões. Por outro lado, é preciso estar atento a alguns riscos da oposição entre história e memória. Certamente, estamos diante de duas narrativas com características e missões completamente diferentes. Contudo, como leituras do passado que são, elas podem por vezes comportar-se de forma parecida, além de produzir resultados semelhantes. Essa ponderação é necessária porque os próprios historiadores franceses apenas muito lentamente foram se debruçando sobre a questão da resistência. A autora lembra isso na apresentação do livro: “no pós-guerra, a historiografia sobre o assunto seguiu a forte tendência presente nos países outrora ocupados de lembrar aqueles anos celebrando os feitos heroicos da Resistência, contornando as colaborações e, sobretudo, evitando as zonas cinzentas entre os dois extremos” (p. 10). A autora também destaca em outra passagem que apenas em 1988 surgiu o primeiro manual escolar de história a relativizar a importância da Resistência francesa na liberação do país. A França, como não podemos ignorar, a exemplo de diversos outros países, também soube cultivar narrativas historiográficas de cunho nacionalista, que contribuíram, à sua maneira, para a produção de mitos sobre a resistência.

Chegamos à Parte II, que engloba os Capítulos 4 e 5, dedicados aos memoriais e museus da resistência na Itália. Aqui, vamos encontrar uma estrutura muito parecida com a que vimos na Parte I. Se, ao falar do caso francês, vimos um capítulo dedicado ao estudo das instituições de memória e, depois, um capítulo dedicado a um estudo mais verticalizado, agora vamos encontrar a mesma divisão. No Capítulo 4, Rollemberg esquadrinha os museus e memoriais que visitou na Itália. À medida que vamos avançando na leitura, vamos nos convencendo de que Itália e França têm mais semelhanças do que diferenças no que diz respeito aos usos e abusos da memória da resistência e dos resistentes. Rollemberg analisa oito instituições naquele país. Nessa análise, a autora identifica o mesmo fenômeno de memória visto na França: a forma como a museografia escolheu, organizou e significou suas exposições contribuiu para a minimização de contradições no interior da resistência, para a criação de heróis e vilões, para o escamoteamento de tensões, de complexidades políticas e para a variedade de matizes ideológicos que fizeram da resistência italiana um fenômeno extremamente complexo. Nas palavras da própria autora, “o museu é lido como documento, embora seja concebido como monumento” (p. 238). Segundo Rollemberg, embora os museus italianos, tal qual na França, tenham passado, nas últimas décadas, por transformações profundas, a dimensão do mito persiste em suas narrativas. É importante sublinhar que as narrativas dos museus e memoriais italianos não formam um bloco homogêneo. Alguns enfatizam mais, por exemplo, a luta antifascista no período anterior à queda de Mussolini, caso do Museu de Bologna, enquanto outros, como é o caso do Museu Audiovisual da Resistência de Massa Carrara e La Spezia, especializaram-se nos partigiani. Porém, a maioria continua assumindo um papel pedagógico bastante moralizante e desprezando complexidades.

Ainda no caso do Museu de Bologna, vale mencionar uma dessas contradições entre memória e história que ilustram o livro. Em uma exposição do museu, há várias fotos de italianos capturados pelos alemães na Itália, nos Bálcãs e na Grécia, nos campos de concentração, todos submetidos à “duríssima reclusão”. Muitos tinham recusado o recrutamento fascista que se deu após a queda de Mussolini. Como pontua Rollemberg, a narrativa do museu, sem dizê-lo, apresenta esses militares, em sua grande maioria, como vítimas da Alemanha e da República Social Italiana, livrando-os das responsabilidades das guerras travadas em nome do fascismo em anos anteriores. Da mesma forma, diz a autora, que houve mobilização popular contra o nazifascismo, houve também mobilização em sentido contrário.

No Capítulo 5, Rollemberg faz do caso dos “Sete Fratelli” seu estudo vertical em âmbito italiano. No dia 28 de dezembro de 1943, sete irmãos de uma única família, a família Cervi, moradora da província de Reggio Emilia, região da Emlia-Romagna, foram fuzilados pelos fascistas locais por esconderem prisioneiros estrangeiros desmobilizados ou fugidos de prisões, bem como desertores italianos e alemães. A situação dos “Sette Fratelli” transformou-se, como aponta a autora, em um caso bastante emblemático da memória coletiva da Resistência italiana no pós-guerra. O caso inspirou diversos autores, entre eles Ítalo Calvino, e diversas correntes políticas a produzirem suas próprias interpretações, tanto da esquerda quanto da direita italiana. Aqui vamos ver mais uma vez a construção memorialista que opta pelo enredo do herói e do sacrifício, pela leitura moralizante que esconde não só tramas do passado como também os usos políticos do próprio presente. Rollemberg chama a atenção principalmente para a narrativa do Partido Comunista italiano (PCI), que se apropriou do caso, o que surge como uma questão moral relevante, haja vista que, segundo estudos de alguns historiadores, o PCI poderia ter protegido os irmãos Cervi (comunistas, mas não membros do PCI), mas não o fez. Rollemberg mais uma vez destaca a necessidade de uma abordagem historiográfica que seja capaz de problematizar o passado:

A história é muito mais complexa do que a memória, construída do presente para o passado, invertendo a direção da própria história, aparando arestas indesejáveis, possibilidades incômodas, buscando legitimar a realidade presente e os projetos para o futuro. A memória inventa o passado.{…} A ideologia impede, ainda hoje, o esclarecimento dos fatos. (p. 343)

Concluindo, Resistência – memória da ocupação nazista na França e na Itália, de Denise Rollemberg, é um estudo de fundamental relevância e que vem diminuir uma lacuna importante no mercado editorial brasileiro, lacuna essa que, como mencionei antes, tem reflexos diretos na maneira como o tema é abordado nos cursos de história. Rollemberg reconhece a legitimidade dos museus e memoriais franceses e italianos, bem como todo o esforço engendrado nas últimas décadas para não só honrar aqueles que tombaram na luta contra o nazismo e o fascismo, como para também para produzir conhecimento a partir desse passado. Porém, as narrativas que são produzidas hoje são tributárias de uma visão ainda muito mitologizada. Rollemberg justifica a escolha pela memória como centro propulsor dessa narrativa: tal modelo serviu para reerguer, do ponto de vista moral, os países que tinham, então, colaborado com o nazismo e o fascismo. Na década de 1970, os historiadores começaram a desconstruir o mito. O que não significa que problemas não tenham aparecido. O conceito de resistência, por exemplo, ou foi muito alargado, ou muito restringido, o que lhe fez perder o sentido ou excluir experiências históricas fundantes. Museus e memoriais seguiram essa tendência, enfrentaram esses desafios, chegaram a questionar mitos e a problematizar pontos que até então passavam ao largo, caso do colaboracionismo. Porém, a despeito desses avanços, pontua Rollemberg, encontram-se ainda muito tributários daquele modelo de memória. A autora, por vezes, expõe a memória como um trabalho com resultados potenciais completamente diferentes da história, o que podemos (e devemos relativizar). Porém, seu olhar para os abusos da memória nos museus italianos e franceses é preciso e extremamente necessário para que percebamos como essas instituições, apesar da intenção nobre de produzir conhecimento, ainda precisam se livrar das amarras negativas da memória. E isso, como alerta Rollemberg, não é um problema. O desafio desses lugares de memória, defende a autora, é eternizar homens e mulheres que lutaram contra a ocupação nazista e seus colaboradores na história – porém, ela pondera: “Não como mitos intocáveis, senão como seres humanos em sua complexidade, quer individual, quer na sua dimensão coletiva. Essa é a maior homenagem, divergências à parte, que lhes podemos prestar” (p. 14).

Bruno Leal Pastor de Carvalho – Doutor em História Social (PPGHIS/UFRJ). Mestre em Memória Social (PPGMS/Unirio). Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos e Árabes da UFRJ (Niej). Fundador da rede social Café História.(www.cafehistoria.com.br). Membro da Rede Brasileira de História Pública (RBHP) e da Associação de Humanidades Digitais (AHDig).

Sobre Coisas e Trajetórias / Revista Mosaico / 2017

O dossiê Sobre Coisas e Trajetórias tem como ambição trazer ao centro da cena aquilo que tomamos como as miudezas de nossa vida: o mundo dos objetos, enquanto constituintes dos tramados do nosso cotidiano e, portanto, assumidos aqui como coisas de importância, mesmo na possível e, a rigor, falsa banalidade de seus usos. Resultado da história humana em suas diferentes ordens de relações, das amigáveis às conflituosas, os objetos são expressivos, mas, para além disso, ao ganharem corpo e comporem o mundo da vida ajudam a acionar sentidos e modos de conduta. Uma dialética se faz operar na relação com essas coisas, enquanto modos de objetivação, pelos agentes que lhe conferem vida e significados cambiáveis. Tais figuras-síntese funcionam como uma espécie de atalho que permite que uma história se presentifique e contribua, como elo de continuidade, a que ela se perpetue. No entanto, seria simplista tomar os objetos enquanto este elemento de memória apenas pelo seu potencial de rastro e arquivo. A partir do manejo das coisas no mundo prático, atualizamos, mudamos, acrescentamos significados aos objetos, fazendo com que seu potencial de síntese se estabeleça não apenas no momento de sua produção (da produção do objeto), mas ao longo da dinâmica de seus usos, a despeito da possível fixidez de sua forma. Assim, à figura, somos obrigados a correlacionar a figuração dos significados dos objetos, enquanto estrutura que remete ao processo incessante de articulação de significados (no plural) que são conformados na prática, isto é, na própria relação com as coisas, não carecendo, portanto, de um momento reflexivo de atribuição de significados a elas. A dialética se dá, portanto, no processo hermenêutico de significação das coisas através e a partir de seu manejo em diferentes contextos, e não apenas quando tomamos as coisas como objeto para racionalizações. É, pois, na produção, no uso e nas trocas que os objetos ganham vida, e isso diz respeito às diferentes épocas e lugares.

A consolidação do capitalismo e sua expansão planetária fez com que os objetos se tornassem alvo de preconceito enquanto coisas “boas para pensar”, sendo relegados quase exclusivamente à condição de mercadorias fetichizadas, produtos sem alma da desalmada produção capitalista e que ainda seriam alçados à condição de gatilhos à alienação. Ora, mesmo tal temática nos evoca a importância de problematizar as coisas, em seu caráter de mercadoria, no lugar que assumem enquanto objeto de desejo, expressão de estilos de vida, depositários da felicidade humana, moeda nas negociações de significados, fetiche. O conjunto de artigos que compõe este dossiê expõem inelutavelmente a centralidade do debate das coisas como mercadorias, mas, ao mesmo tempo, articulam esta dimensão a uma série de outras que remetem aos complexos processos sócio- históricos de atribuição de significados a elas, isto é, às coisas enquanto produtos simbólicos. Ciência, magia / religião, higiene, beleza, modos de comercialização e publicização das coisas, modernização são acionados a fim de evidenciar a importância sócio-histórica das coisas e, para tanto, diferentes objetos são tomados: desde remédio, cerveja, absorvente feminino, roupa (na forma da moda e da indumentária religiosa) ao próprio corpo tornado objeto. O mote por excelência é posto na circulação das coisas e de seus significados, enfim, na trajetória dos objetos em sua articulação com as trajetórias humanas ao longo da história.

O artigo “O que não tem remédio midiatizado está: beleza e poder na publicidade de medicamentos do início do século XX” traz interessante discussão a respeito da publicidade de medicamentos, pensada para além de mera estratégia de divulgação de certa ordem de produtos. O autor, Moacir Carvalho, busca compreender o modo como tais peças publicitárias fazem dialogar o científico e o mágico-religioso no contexto brasileiro de início do XX, na medida em que o profissional médico necessitava angariar espaço ocupado ainda no período pelos diferentes profissionais populares de cura, a exemplo de curandeiros, que detinham o reconhecimento enquanto prática de cura legítima. Assim, ciência e magia se interpenetram, é o argumento do autor, na constituição de um mercado consumidor de medicamentos que teriam caráter quase mágico pelo alívio dos sofrimentos que conseguiam proporcionar. É por esta seara que o autor envereda ao fazer avançar a leitura na percepção de que se trata de um novo modo de vida em construção, ligado ao moderno, ao técnico e ao civilizado, e a que se liga o consumo do produto em questão, cuja função, pois, ultrapassa a possibilidade de cura. Consumir medicamentos em lugar de ervas serviria como indicador de um novo modo de vida, o civilizado, que se deseja construir, como projeto político nacional, em contraposição ao chamado mundo atrasado do campo e das curas rituais. No entanto, ao fazer isso, criam-se, via publicidade, novas ritualizações que fazem do medicamento um elemento simbólico a ser narrativamente articulado nas peças publicitárias através dos textos e das imagens. A base do argumento sustentado pelo autor converge para a polêmica afirmação da agência dos objetos, no caso do medicamento, a um só turno resultado de sínteses complexas e conformador de condutas.

Thiago Rodrigues, no artigo “Identidades Sociais em Dias de Modess”, por sua vez, também busca compreender a relação entre um bem de consumo e modernização do Brasil a partir da análise de material publicitário. Para tanto, toma como ponto de partida o ingresso dos absorventes higiênicos no mercado brasileiro e o desenvolvimento de seu uso a partir das transformações nacionais, na direção de uma desejada modernização, e das mudanças no modo de vida feminino. Assim, articulam-se três planos de interpretação acionados simultaneamente e sintetizados nas mensagens publicitárias de Modess na revista carioca Querida, dirigida ao público feminino de classe média, e tomadas pelo autor como eixo de sua problematização. Assim, à imagem de Modess referem-se a imagem desejada de nação e sua inserção no mercado capitalista das coisas modernas, bem como a autoimagem dessas mulheres, potenciais consumidoras, cujo modo de vida estava se transformando e ganhava expressão em comportamentos, anseios e aparências.

O artigo “Trajetória e sentidos da cerveja: das origens europeias à formação do Brasil moderno” traz à baila a questão de como uma bebida ancorada em forte tradição na Europa se torna símbolo nacional no Brasil. O autor, Matheus Lavinscky, segue o percurso histórico do produto para, a partir de seu processo de comercialização e consumo, compreender o modo de inserção da bebida no Brasil e sua rápida associação a uma concepção de moderno e modernas práticas de lazer vinculadas em especial ao segmento popular. Assim, assume como tese e conclusão que a cerveja não institui novos comportamentos e sim, em termos weberianos, se afina àquilo que são as aberturas do presente, potencializando-as e sendo potencializada por elas, mesmo no modo como o consumo de cerveja sobrepuja a posição da cachaça como referência de gosto, algo compreensível apenas à luz da interpretação das relações estabelecidas entre diferentes povos na concorrência pela conformação de um mercado consumidor de cerveja, por um lado, mas igualmente pelo percurso vivido pelo Brasil neste concerto internacional.

Tomando o contexto de século XIX, “Caminhos do objeto: a afirmação do leilão e os primeiros capítulos de uma história do comércio no Brasil oitocentista” busca problematizar e descrever o desenvolvimento de um dos modos de circulação / comercialização de mercadorias no Brasil do período: o leilão. Não apenas isso, a autora Carolina Fernandes aponta que os leilões se apresentaram como mecanismo recorrente à efetivação da circulação das mercadorias no Brasil, em especial aquelas advindas de importação, o que levou a que determinados modelos de organização e exercício da atividade ganhassem relevo por estas terras. Assim, não havia um único modelo, mas o que imperou no Brasil se apresenta como expressão e consequência das relações especialmente estabelecidas com a Inglaterra no quesito trocas comerciais. E, neste sentido, diferentes objetos eram leiloados, desde utensílios e alimentos até escravos, entendidos como objetos. A disposição das “coisas”, do leiloeiro e dos potenciais compradores foram analisados pela autora a partir de diferentes ordens de gravuras feitas sobre o Brasil e outros países, como Espanha. Assim, Carolina Fernandes apresenta um interessante quadro da atividade de leilões no Brasil oitocentista em seus produtos comercializados, gravuras, anúncios, bem como no modo (predominante inglês) de exercício da atividade.

Por sua vez, ”Beleza Pura: uma abordagem histórica e socioantropológica das representações do corpo e beleza no Brasil” parte da concepção de que o corpo foi tornado objeto e capital no percurso das interações, o que potencializou não apenas o trabalho (controle) sobre o corpo enquanto decorrência do processo civilizador ocidental, como a mercantilização de produtos e serviços ligados a esse controle / trabalho em contexto capitalista. Assim se justificaria a valorização da aparência física como um gosto sócio-historicamente construído, mas naturalizado, a fazer com que esses consumidores entendam tal trabalho como necessidade e prazer. Os autores Silvio Benevides e Vanessa Rodrigues, contudo, enfatizam as dinâmicas de poder envolvidas em tal processo, e não apenas suas variações históricas na definição do belo / feio e do corpo. Isto é feito ao pensar e discutir o corpo negro e a perspectiva decolonial, uma vez que, se retoma processos históricos, o faz à luz da tentativa de responder a uma questão do hoje que envolve jovens de maioria negra.

Já o texto “Vestir-se à Boa Morte: apontamentos sobre o vestuário em irmandades negras religiosas na região recôncava da Bahia” traz aquilo que cobre o corpo como mote de discussão. Trata-se da indumentária religiosa usada pela Irmandade da Boa Morte em Cachoeira e São Gonçalo dos Campos, ambas cidades da Bahia. Wilson Penteado Júnior e Vanhise Ribeiro tomam a indumentária enquanto expressão de significados, no caso sagrados e históricos, associados aos modos de vida de suas usuárias e às próprias transformações no contexto religioso-social. Isto é, apesar de se tratar de indumentária entendida como tradicional, a roupa da irmandade da Boa Morte permanece na medida em atualiza seus significados, quando não seus modos de cuidado, seus apetrechos e mesmo seus usos. O seu forte cariz expressivo ganha plena evidência na assunção de se tratar da roupa de Nossa Senhora, o que de acordo com os autores pode ter sido aspecto acionado apenas recentemente na defesa da indumentária contra ataques externos, bem como em sua relação com as Negras de Partido Alto. Mais do que isso, a dificuldade do cuidado, que poderia ser entendido como momento de sacrifício, em forte associação com o sofrimento de Cristo, de sua mãe Maria e dos negros escravizados trazidos ao Brasil, transmuta-se na emoção da redenção do sofrimento no uso de roupa de pompa em momento solene numa inversão simbólica que faz do escravo senhor. No caso, que faz da escrava uma senhora que bravamente resiste às inúmeras adversidades.

Por fim, em “As mãos que fazem o trançado – identidade e memória na produção de moda em Salvador-BA na virada para os anos 2000” Salete Nery toma não a roupa religiosa, e sim aquelas produções vinculadas à dinâmica capitalista de conformação dos objetos ligados à composição da aparência pessoal: a moda. O objetivo é, na contramão da concepção da singularidade do fazer criativo, buscar compreender como o tema da identidade (baiana) foi se tornando e foi tornado elemento de articulação de diferentes produções de moda na Bahia na passagem para o XXI como resultado da atuação de diversos agentes em contexto que, inclusive internacionalmente, parecia favorável à valorização das expressões locais-tradicionais-afro, mesmo em suas reelaborações contemporâneas na forma de produtos voltados ao mercado.

Assim, os diversos textos que conformam o dossiê apresentam diferentes facetas a partir das quais o mundo das coisas / as coisas no mundo podem ser tomadas como objeto de rica problematização.

Maria Salete Nery – UFRB

Organizadora do dossiê Sobre Coisas e Trajetórias


NERY, Maria Salete. Apresentação. Revista Mosaico. Goiânia, v.10, n.1, jan. / jun., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Mutirão em Novo Sol – XAVIER; BOAL (RH-USP)

XAVIER, Nelson; BOAL, Augusto. Mutirão em Novo Sol. São Paulo: Expressão Popular, 2015. Resenha de: BATISTA, Natália. Multirão da História: Teatro, memória e apropriações no presente. Revista de História (São Paulo) n.176 São Paulo  2017.

A disciplina histórica tem observado o campo teatral com relativo distanciamento. Nos últimos anos as pesquisas têm aumentado gradativamente, mas ainda é possível perceber um olhar desconfiado para a temática. Entre as motivações para esta opção, constata-se a dificuldade de apreender a efemeridade do ato teatral, a carência de acervos e a necessidade de construir uma metodologia que contemple este novo objeto da história, mas velho na experiência humana. Entende-se que as problemáticas supracitadas não deveriam ser impeditivas para a análise do ato teatral em perspectiva histórica. Deveriam servir antes como estímulo para a construção de novos olhares para a produção teatral.

A noção do “aqui e agora” do espetáculo, bem como a sua incapacidade de reprodução, poderiam justificar o afastamento dos historiadores dessa abordagem. No entanto é importante questionar: quais objetos da história podem ser reproduzíveis? A inserção de qualquer tema histórico no presente se dá a partir do trabalho do pesquisador que escolhe o tema, delimita o objeto, seleciona fontes e constrói uma metodologia útil para a sua pesquisa. Evidentemente, o estudo do teatro possui peculiaridades, mas sua matéria humana é a mesma de qualquer processo histórico. Ao pesquisar o teatro é preciso agir como o ogro da lenda descrito por Marc Bloch: “Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça”1, mesmo quando o odor humano lhe parece distante.

O ato teatral enquanto encenação se esvai no momento dos aplausos finais. No entanto, de acordo com Batista, o teatro “continua existindo na memória coletiva dos que o fizeram, o assistiram e da sociedade que o cercava. Ele persiste no tempo através de rastros, sinais, documentos e fragmentos de memória”2. Tomando por base essa perspectiva, o resultado obtido com a publicação Mutirão em Novo Sol é consistente, pois articula o texto da peça, escrito por Nelson Xavier, o contexto histórico de sua produção, a pesquisa teórica, a análise das diferentes encenações, a documentação de época, depoimentos dos participantes da montagem, além de suas apropriações no presente. A articulação das diferentes perspectivas contribui para fazer do teatro um objeto plenamente histórico, a partir do momento em que reconstrói aspectos do contexto que o produziu e insere a cultura como elemento facilitador da compreensão de aspectos político-sociais do Brasil dos anos 1960.

O livro Mutirão em Novo Sol foi publicado no ano de 2015, fruto da parceria entre a editora Expressão Popular e do LITS [Laboratório de Investigação em Teatro e Sociedade]. O LITS é um grupo de pesquisa vinculado ao Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Seu objetivo é “conectar trabalhos de pesquisa acadêmica e artística e, assim, gerar reflexões críticas sobre as interações entre formas teatrais, projetos de modernização e situações produtivas da vida cultural3”.

A publicação da obra analisada dialoga efetivamente com os pressupostos sugeridos pelo coletivo.

Trata-se de um trabalho posicionado politicamente e que percebe a importância de desvelar uma obra desconhecida do grande público, contextualizar sua produção e interpretá-la a partir do contexto atual. De acordo com Iná Camargo, autora da orelha do livro, trata-se de um “resgate do outro lado da história” a partir do momento em que coloca em cena um texto que destaca a temática da reforma agrária, fazendo uma adaptação da rebelião conhecida como Arranca Capim, que ocorreu no interior de São Paulo.

A peça se passa na fictícia cidade de Novo Sol e o eixo na narrativa é o julgamento de Roque, um líder camponês. É possível observar um ir e vir no tempo, que perpassa a ação presente [o julgamento] e a reconstrução histórica [passado] da luta dos camponeses desde a sua chegada à Fazenda Cova das Antas e o acordo com Porfírio, dono da fazenda. Ele definia que após arar as terras os camponeses poderiam semeá-las. No entanto, no momento do plantio o latifundiário desfaz o acordo e tenta expulsar os trabalhadores para plantar capim e alimentar o gado. Diante da morosidade do poder judiciário para resolver a questão, os camponeses saqueiam o barracão da fazenda, além de arrancarem o capim plantado. Como forma de vingança, Porfírio manda matar Honório, um farmacêutico que tenta ajudar os camponeses na busca por justiça. Durante a peça vários personagens fingem prestar “solidariedade” aos trabalhadores, mas fica evidente o medo que possuem do latifundiário, uma espécie de coronel da região que controla a justiça, a igreja e a polícia, dentre outras instituições. Tentando encontrar alternativas, os camponeses se organizam para fundar a União [uma espécie de associação], motivação para que Roque seja acusado de subversão e agitação. No final da peça, ocorre um enfrentamento onde o líder camponês é condenado, mas pode ser liberado desde que convença os camponeses a parar o “arranca capim”. Ele não aceita o acordo e explicita que a luta dos trabalhadores é mais forte que a individual e eles continuarão na luta mesmo sem a sua presença.

O texto da peça foi escrito por Nelson Xavier em 1961. Contou ainda com a participação de Augusto Boal, principalmente na elaboração das falas do Coronel Porfírio. Ele foi produzido após uma conversa com Jôfre Corrêa Neto, inspiração para o personagem Roque. O líder camponês havia acabado de ser liberado da prisão e concedeu uma entrevista no Teatro de Arena de São Paulo, contando como se deu a resistência na Fazenda Santa Fé do Sul e os pormenores do que ficou conhecido como o Arranca Capim. A partir desta experiência real e da narrativa de Jôfre, a dramaturgia foi sendo construída. Ela não teve como objetivo fazer uma adaptação do fato histórico, mas se apropriar dele para construir um texto que dialogasse com o contexto político nacional, já que a luta pela terra perpassou e ainda perpassa todos os estados brasileiros.

De acordo com a Nota Introdutória de Sérgio Carvalho o texto tem grande importância na dramaturgia brasileira, tendo em vista que “inaugura uma sequência de peças de temática camponesa produzidas antes do golpe de 1964, influenciando o cinema novo do período; assume o ponto de vista dos explorados de modo radical, utiliza-se de elementos épicos como poucas vezes no teatro político no Brasil”4. Sua circulação enquanto obra teatral encenada permitiu que as perspectivas apresentadas no texto pudessem chegar ao público formal, mas também ao público que inspirou sua dramaturgia: os camponeses. Talvez pela necessidade de compreender o texto a partir da experiência teatral concreta é que o livro buscou analisar estas diferentes perspectivas.

A publicação é composta por alguns eixos centrais: o texto da peça e sua avaliação crítica, além das diferentes propostas de encenação. No primeiro eixo, o texto, é possível perceber a intervenção do coletivo que compara as suas duas edições e o recria a partir de seu cotejamento. São utilizadas muitas notas de rodapé para orientar o leitor sobre as escolhas dos editores do texto. Nesse sentido, trata-se de um trabalho que deixa claro as suas intervenções e propostas de interpretação do texto enquanto documento. Assume-se, nesta reflexão, o texto como documento histórico, pois se considera que sua análise pode descortinar aspectos da sociedade brasileira no que tange à compreensão do teatro [enquanto produto cultural] e da política [enquanto prática social].

No que diz respeito aos artigos complementares da publicação é possível perceber que eles descortinam aspectos que vão do texto à encenação. Alguns são teórico-analíticos e outros memorialísticos, o que lhes confere singularidade ao articular a teoria e a memória. É uma escolha interessante mostrar tanto a produção intelectual em torno do texto quanto as interpretações dos sujeitos sobre eles próprios e a encenação.

A publicação contou com muitas entrevistas. Elas foram utilizadas tanto nos textos de análise, produzidos por pesquisadores, quanto na compreensão da memória dos sujeitos que participaram de alguma etapa do texto ou da montagem de Mutirão do Novo Sol. Por vezes, percebem-se diferentes narrativas para o mesmo evento vindas de sujeitos diversos, o que dá à publicação um caráter polifônico, além da dimensão ambígua de qualquer experiência histórica.

O livro é dividido em três partes: Soma-se a “Depoimentos” e “Imagens e Canções” [blocos que fecham o livro] uma primeira parte não nominada, que contempla o texto teatral e uma de análise teórico-histórica mais densa. Nela está contida a Nota Introdutória de Sérgio Carvalho, que faz uma breve apresentação da história da escrita da peça, assim como sua importância na dramaturgia nacional. A Apresentação, assinada pelo autor Nelson Xavier, narra o processo de construção da peça e a importância do testemunho de Jôfre, que permitiu alcançar minimamente o ideal de um teatro que dialogasse de forma mais efetiva com o povo, como desejava alguns integrantes do Teatro de Arena. Ela é seguida do texto dramatúrgico completo e de uma Avaliação, escrita também por Nelson Xavier quando assistiu a adaptação da peça feita em 2012, no Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e Florestas. O autor faz um paralelo sobre a sociedade brasileira no contexto da escrita e quando foi reencenada, em 2012. Para ele, a peça expressa a sua geração, ou a forma como ele viveu e pensou as emoções de sua geração.

O artigo Jôfre, Roque e a Guerra do Capim, de Clifford Andrew Welch, apresenta dados históricos oriundos de documentação e entrevistas realizadas a partir da metodologia da história oral. O autor contextualiza a vida de Jôfre, narra a sua trajetória e tece comparações entre a história dita oficial e a narrativa construída na peça. Ele compara o nome dos personagens reais e fictícios, à ascensão de Jôfre e à força devastadora do Estado na mediação da questão. O texto permite compreender a peça e as opções estéticas de seus autores, assim como apontar as possibilidades do estudo do teatro no campo da disciplina histórica. Ao final ele menciona que apesar das diferenças com o caso real, a peça iluminava aspectos da luta pela terra no Brasil, tais como a miséria dos camponeses, o poder latifundiário, a corrupção das instituições do Estado e a única alternativa do campesinato, a auto-organização.

Nos textos que seguem são apresentados três diferentes encenações da peça ainda no período anterior ao golpe civil-militar. São eles Mutirão no CPC Paulista, de Sara Mello Neiva, que analisa a montagem realizada com a direção de Gianfrancesco Guarnieri; Julgamento no MCP do Recife, de Paula Autran, que investiga a inovação instituída pela peça no que tange à imediata recepção pelos camponeses; e Rebelião do CPC da Bahia, de Mariana Soutto Mayor, que narra a relação dos artistas de teatro, cinema e música na produção da montagem baiana.

Além da peça em si e de sua análise, o livro contribui também para descortinar outro aspecto importante da cultura brasileira deste período: a produção do CPC [Centro Popular de Cultura] em pelo menos dois estados: São Paulo e Bahia. Ao se investigar as montagens do CPC fora do Rio de Janeiro é possível observar a força dos CPCs e o seu importante papel na discussão das questões nacionais através da cultura. O mesmo ocorreu com o MCP [Movimento de Cultura Popular], de Recife, que começa a se articular com outros movimentos de base inseridos nesse contexto. A publicação segue o percurso da peça por diferentes estados e permite visualizar as singularidades das encenações. O último tópico da primeira parte é a Cronologia, que faz uma articulação entre a história e a memória, já que foi inserida exatamente entre os textos de análise teórico-histórica e os depoimentos.

A segunda parte, intitulada Depoimentos, consistiu na apresentação de entrevistas editadas, que foram realizadas para o livro ou produzidas em contextos anteriores. Para cada depoimento foi selecionado um título que enunciasse a temática central das narrativas e orientasse o leitor em seu percurso literário. São eles: Peripécias da Montagem, de Chico de Assis; Aprendizado no Arena, de Ricardo Ohtake; Público Camponês, de Juca de Oliveira; Ligas Camponesas e MCP; de Moema Cavalcanti; Trabalho de Cultura Popular, de Luiz Mendonça; Dramaturgia no MCP, de Ilva Niño; e Rebelião em Salvador, de Orlando Senna.

Alguns depoimentos foram coletados especificamente para a publicação e outros produzidos em diferentes contextos. Um ponto alto da utilização dos depoimentos é localizar o leitor, explicitando quando as entrevistas foram produzidas, por quem e com quais objetivos. Tais informações são fundamentais para entender as construções dos sujeitos no tempo e o caráter transitório da própria memória. Para Ulpiano “a memória é uma construção social, é formação de imagem necessária para os processos de constituição e reforço da identidade individual, coletiva e nacional. Não se confunde com a História, que é forma intelectual de conhecimento, operação cognitiva5”. Nesse sentido, a memória, quando não é problematizada, cria tensões com a História e isso é perceptível em alguns momentos do livro. Seria interessante que os depoimentos fossem acompanhados de uma análise histórica ou de uma breve discussão sobre o papel da memória na composição do livro. Em determinados momentos História e memória se confundem e podem causar inquietações em um leitor que desconhece a temática. De qualquer modo, não tira o mérito da iniciativa de colocar na mesmo publicação diferentes pontos de vista sobre a mesma experiência histórica, a peça.

Outra informação perceptível nos textos acadêmicos e depoimentos é a modificação do horizonte de expectativa dos sujeitos após o golpe civilmilitar. Para além dos artistas envolvidos com as manifestações de cunho engajado, foram perseguidos também os camponeses que tinham qualquer tipo de atuação política. Sendo a peça uma tentativa de elo entre artistas e camponeses, quase todos os envolvidos tiveram seus rumos modificados não só na perspectiva artística, mas também na política.

Na terceira parte, intitulada Imagens e Canções, discutiu-se a questão musical em Partituras das Canções, de Paulinho Tó; a análise da documentação de época a partir do texto Imagens de um processo, de Érika Rocha e Paulo Fávari; e o Posfácio, de Rafael Villas Bôas, que descreve o processo de “redescoberta” do texto, o contexto em que as edições foram cedidas pelo autor e sua eficácia simbólica ao ser trabalhado com os integrantes do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra].

O livro pode ser entendido como um alentado esforço de pesquisa, edição, publicação e divulgação de uma importante obra dramatúrgica. Ele pode ser pensado no sentido de um grande mutirão da história, onde pesquisadores, historiadores, atores e sujeitos se unem para a realização de uma obra coletiva, preocupada em discutir as experiências do passado com vistas a transformar o presente. Se a história caminha com parcimônia na análise do campo teatral, a publicação Mutirão em Novo Sol apresenta interessantes desdobramentos que podem inspirar os historiadores e fomentar novas possibilidades de estudo do teatro no campo da disciplina histórica.

Referências

BATISTA, Natália. Nos palcos da História: “Liberdade, Liberdade”. São Paulo: Editora Letra & Voz, 2017. [ Links ]

BLOCH, Marc. Apologia da história ou O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. [ Links ]

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória: para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. In: Rev. Inst. Est. Bras, São Paulo, n. 34, 1992, p. 09-24. [ Links ]

XAVIER, Nelson & BOAL, Augusto. Mutirão em Novo Sol. São Paulo: Expressão Popular, 2015. [ Links ]

1BLOCH, Marc. Apologia da história ou O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p.54.

2BATISTA, Natália. Nos palcos da História: “Liberdade, Liberdade”. São Paulo: Editora Letra & Voz, 2017, p.77.

3XAVIER, Nelson & BOAL, Augusto. Mutirão em Novo Sol. São Paulo: Expressão Popular, 2015, p.191.

4XAVIER, Nelson & BOAL, Augusto. Mutirão em Novo Sol. São Paulo: Expressão Popular, 2015, p.7.

5MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória: para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. In: Rev. Inst. Est. Bras, São Paulo, n. 34, 1992, p.22.

Natália Batista – Doutoranda pelo Programa de pós-graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Mestre em História e Culturas Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Núcleo de História Oral da mesma instituição. Autora do livro Nos palcos da História: “Liberdade, Liberdade”. São Paulo: Editora Letra & Voz, 2017. E-mail: nataliabatista@usp.br.

Escravos e rebeldes nos tribunais do Império: uma história social da lei de 10 de junho de 1835 | Ricardo Pirola

Resenhista

Douglas Guimarães Leite – Universidade Federal Fluminense. E-mail: douglas.leite@gmail.com Leia Mais

Alagoas Contemporânea: Economia e Políticas Públicas em Perspectiva | FAPEAL

Os últimos anos do século passado, e as primeiras décadas do presente, viram um recrudescimento dos estudos regionais, em especial do Nordeste brasileiro. Tais estudos intentaram retomar a problemática do desenvolvimento e da superação de barreiras formadas ao longo da história da região, fossem essas provenientes de razões econômicas, sociais, políticas ou mesmo uma junção de todas. Portanto, o assunto do livro assinado pela FAPEAL, agência que teria como seu propósito fomentar a pesquisa em Alagoas a partir do dinheiro do contribuinte, pode ser considerado de significância, por visar expor os elementos da economia do Estado que mostram-se hoje como permanentes, para além de mudanças conjunturais. Alagoas é um dos estados mais subdesenvolvidos do país, em que aspectos como a posse concentrada de terra, ou do poder público por oligarquias que vem se perpetuando desde o tempo das capitanias hereditárias mostram sua olorosidade mais acre. Um livro – ainda que fosse mais um – deveria ser mais do que bem vindo pela comunidade científica interessada no problema do subdesenvolvimento e sua superação. Ainda mais quando assinada por estudiosos do Estado, os quais deveriam estar comprometidos com o problema. Leia Mais

Paideia – Revista de Educación. Concepción, n. 60, 2017.

El número 61 de la revista Paideia comienza con una reflexión pedagógica importante que viene del viejo mundo y que está instalada en el discurso contemporáneo actual en educación, esto es, el empoderamiento como herramienta para afrontar la vulnerabilidad social, sin la visión paternalista o asistencialista que sostienen algunas
clases políticas.

Artículos

Paideia – Revista de Educación. Concepción, n. 61, 2017.

El presente número de Paideia comienza con un estudio metodológico para validar un instrumento sobre la resistencia del profesorado a los procesos de innovación en la escuela.

Editorial

Piquiri o vale esquecido: História e memória da luta pelas terras do “grilo Santa Cruz” na colonização de Nova Aurora, oeste do Paraná | Maurilio Rompatto

Obra originária de pesquisa para obtenção do título de mestre em história-social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP, o livro “Piquiri o vale esquecido: História e memória da luta pelas terras do “grilo Santa Cruz” na colonização de Nova Aurora, oeste do Paraná, tem temática que vira em torno das histórias da violência que ocorreram durante as décadas de 1950 até 1970 e conta as histórias de vidas de pessoas camponesas na luta pela posse das suas terras conquistadas como pioneiros na região do vale do Piquiri e mais especificamente em Nova Aurora/PR. O que Rompatto faz em sua pesquisa é dar voz a trinta trabalhadores do campo, captando as narrativas com grande sensibilidade e rigor metodológico que exige a postura da história oral.

Assim, história e memória vão se entrecruzando na trama dos acontecimentos fazendo emergir um tipo de história vista de baixo como pede a historiografia renovada, à lá Annales. Assim como dialoga diretamente com E.P. Thompson para ali encontrar os conceitos de economia moral, cultura camponesa, valores camponeses e classe camponesa. Este último conceito muito bem apropriado e operacionalizado na obra, na qual o leitor irá se deparar com essa categoria, por vezes, muito bem organizada na luta por seus direitos. Pode-se aferir que Rompatto chega a sugerir certa ideia de classe em si para os camponeses aqui narrado. Fazendo, dessa forma, implodir o sentido de trabalho e os valores dados à terra por esses camponeses pioneiros que vão travar uma epopeia agrária nos confins do oeste paranaense contra os grileiros sendo eles o Estado, a União e também empresas privadas como a Colonizadora Norte do Paraná S.A do paulista Oscar Martines.

Outro grande mérito da pesquisa é fazer da chamada história regional, do Norte do Paraná, Vale do Piquiri, uma história total, em que para explicar o micro cosmo de uma região “esquecida” nos dizeres do autor, este recorte a história estrutural para ali buscar o entendimento da questão agrária no Brasil, voltando á época do Brasil Imperial ao ano de 1850, quando é publicada a primeira lei agrária brasileira, a Lei de terras que passa a dar valor imobiliário a esse bem, que até então a terra era distribuída pela União via sesmarias. Depois a pesquisa ainda explica que com a Proclamação da República a terra passa a ter outros valores, bem como os Estados que agora substituem as províncias imperiais passam a ter a posse e o direito às terras e ao seu comércio. Por fim, Rompatto ainda nos revela outro aspecto da história do Brasil relacionada à questão agrária e seus complicadores em relação à posse dessa durante a fase politica do Estado Novo ditatorial implantado no Brasil pelo Presidente Getúlio Vargas que durou de 1939 até 1945. Este regime faz com que as terras de fronteiras sejam devolvidos para a União em razão da ideia de proteção das fronteiras. Vale dizer que o objeto de estudo aqui narrado é interdisciplinar num diálogo muito profícuo entre a história e geografia, a geo-história. Nesse quesito a obra é rica em mapas detalhados acerca da região do Vale do Piquiri, sua riqueza hidrográfica, com rios e fluentes que margeiam o Rio Piquiri. São num total de treze mapas, todos eles bem inseridos ao longo da narrativa e com caráter e função de melhor explicar o acontecimento dentro de uma regionalidade, assim como levar o leitor a viazualizar o lugar da história. Cabe também, nesse contexto do uso de imagens, ressaltar a sensibilidade do autor ao estampar fotos de algumas famílias pioneiras mostrando parte do seu cotidiano rural, perfazendo um total de quinze fotos de pessoas e residências. Dentre elas, a contra capa estampada a família Ballico cercada pelo arame farpado em delimitação das suas terras por empresa particular grileira.

Entender a história das lutas camponeses no Brasil é um processo muito complexo e angustiante em que o próprio historiador se depara com momentos de injustiça. Complexa porque as próprias fontes são escamoteadas ou se encontram em lugares de difícil acesso, e angustiante uma vez que os depoimentos trazem á toma memorias e relatos de camponeses sendo injustiçados, quer pelo poder público, quer pelas empresas privadas que tem interesse nas terras ditas devolutas que são também conceitos vazios meramente politico, haja vista que nunca houve terra devoluta, pois a princípio estas eram dos índios ou dos quilombolas que nela habitavam e produziam.

Como disse Peter Burke “ a função da história é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer”. Rompatto cumpre nessa sensível e competente obra essa função de historiador profissional e comprometido com a história política e social vista de baixo. Dando voz aos camponeses para eles expressarem suas experiências e vivências. Numa trajetória de história local dialogando com a história total para o construto de uma narrativa coerente e explicativa. Temos aqui um livro de história do Brasil do período varguista e seus desdobramentos da politica nacionalista nos confins do oeste paranaense, um livro onde o local e o total se permeiam, dialogando com a escrita da história.

Depois de tudo que foi analisado acima cabe ainda uma última referência a outra imagem; a da capa que foi escolhida com grande sensibilidade e rigor teórico-metodológico ao se optar pela foto do Rio Piquiri, margeando o Vale e passando a impressão de calmaria e tranquilidade o que não se encontrará ao abrir o livro, longe disso, a narrativa que se lerá está muito mais próxima de uma história de faroeste, no sentido mesmo de velho oeste, o velho Oeste paranaense e suas disputas desleais entre homens grileiros fortemente armados contra camponeses com suas famílias ali estabelecidas há tempos.

Por fim o livro é recomendado a todos os amantes de uma boa narrativa e trama histórica, mas sobretudo para dois públicos específicos os historiadores e aos moradores do Vale do Piquiri em especial da cidade de Nova Aurora/PR.

Eduardo Martins –  Doutor em História pela UNESP/ Assis e Docente do Curso de História do Campus de Nova Andradina, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).


ROMPATTO, Maurilio. Piquiri o vale esquecido: História e memória da luta pelas terras do “grilo Santa Cruz” na colonização de Nova Aurora, oeste do Paraná. Curitiba: CRV, 2016. Resenha de: MARTINS, Eduardo. Albuquerque – Revista de História. Campo Grande, v. 9, n. 17, p. 286-288, jan./jul., 2017.

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História e Crime / Aedos / 2017

A Casa de detenção de São Paulo, também conhecida como Carandiru, foi fundada no início do século XX, tendo sido um dos maiores presídios da América Latina. Há 25 anos, em 02 de outubro de 1992, o Carandiru foi palco de um dos maiores massacres do país resultando em um saldo de 111 presidiários mortos e 87 feridos. Importante ressaltar que essas imagens não imprimem a totalidade de temas do dossiê “História e crime”, contudo, pode-se entrelaçar questões pertinentes tais como: crime e justiça; sistema prisional, disciplina e violência estatal; limites da justiça e direitos humanos.

Dito isso, a visualização dessas imagens nos permitem pensar variadas interpretações, nesse momento, escolhemos a primeira imagem como a perspectiva do Estado, homens uniformizados e disciplinados em prontidão para a realização de suas atribuições policiais. Foto no momento anterior a sua entrada no Carandiru. A segunda imagem, por sua vez, encaramos como ponto de vista dos detentos e, mais, dos grupos marginalizados e excluídos da sociedade.

Nesta edição, o leitor não encontrará unicamente textos que versam especificamente sobre “História e crime” e isso se deve, em grande medida, nos desdobramentos e nas potencialidades de uma reflexão mais profunda, na última década, sobre os referenciais teóricos-metodológicos acerca da documentação. Alinhando-se a esse pensamento, a escolha por entrevistar os Professores Marcos Bretas e Ivan Vellasco teve como finalidade, com base em suas largas e consolidadas experiências em pesquisas empíricas, nas quais suas falas situaram o contexto da produção historiográfica atual e o alargamento de documentos na produção do conhecimento histórico.

Foram selecionados 16 artigos para compor o dossiê “História e crime”. De início, abrimos os trabalhos com o artigo “Circulación trasandina de saberes de identificación. Dactiloscopia en Chile, 1893-1909” que, com uma proposta de análise para entender a ação de instituições policiais para a investigação de crimes, os autores buscaram entender de que forma a datiloscopia influenciou na circulação de técnicas e saberes na Argentina e Chile em fins do século XIX e início do XX. Isso nos remete ao constante esforço e processo de racionalização por parte do Estado no estabelecimento de padrões de conduta social, na qual a atuação da polícia têm destaque na ação punitiva.

Nesse sentido, o artigo “A força pública e o policiamento do estado republicano em Minas Gerais” traz à tona a atuação dos indivíduos responsáveis pela ordem pública, comandantes e chefes de polícia em Minas Gerais, exibindo uma documentação rica em detalhes, como conjunto de relatórios de gestão da Secretaria de Polícia entre outros. Contudo, o projeto de policiamento e controle da população sob disciplina não partia apenas do Estado, as elites participaram ativamente e, inevitavelmente, partilhavam seus interesses. Assim, “Controlar e reprimir: a criminalidade em Bragança-PA no início do século XX” demonstra como a marginalidade e a transitoriedade de indivíduos de classes populares eram preocupações para a elite, do mesmo modo, as estratégias de sobrevivência de um grupo de criminosos em Bragança / PA e sua margem de atuação num espaço onde sua margem de ação era limitada uma vez que sua condição social determinava suas escolhas.

Já o artigo “Um legítimo homicídio emocional”: a Justiça e o crime “passional” no Brasil dos anos 1950” apresenta outros elementos não racionais envoltos na aplicação da justiça. A motivação dos crimes podem ser justificadas a partir do ciúme e atos de honra, valores presentes quando adentramos nas questões de gênero e na construção da masculinidade. Se, nesse texto, se analisou crimes passionais cometidos por homens acusados pela morte de suas companheiras; em “Occultar a deshonra: práticas de infanticídio em Castro – Paraná (1884-1899)” consiste em identificar e revelar as mulheres que cometeram o crime de infanticídio e, assim quebraram a ordem da lei. “Processos crimes de infanticídio e saberes científicos: a busca pela verdade inscrita nos corpos (Rio Grande do Sul 1891- 1919)” explora a questão dos procedimentos de corpo de delitos nos corpos das mulheres que cometiam o infanticídio, englobando, também a relação da medicina e o judiciário.

Esses casos, por sua vez, ganhavam, muitas vezes, uma versão distorcida e assumiam uma caráter de julgamento quando publicados em periódicos. É, igualmente desse modo que o artigo “O samba da morte”. O assassinato de um soldado da Força Policial no Morro da Favela (Rio de Janeiro, 1909)” confronta, através de processos criminais o assassinato de um soldado, revelando as falas de testemunhas e acusados, o que ocasiona, finalmente, em diferenças gritantes entre o que foi repercutido na imprensa e o que, de fato, se escreveu nos processos policiais. Por seu turno, o texto “Longe de pacíficos e ordeiros”: Os crimes e os criminosos na Antiga Colônia Alemã de São Leopoldo” constata, pela investigação de processos crimes, que os alemães e seus descendentes foram, com frequência, réus ou vítimas, desmitificando um discurso que os representava como passivos e cumpridores das leis.

Os artigos “Impressões sobre a Cadeia Velha (1750-1808)” , “Dimensões e facetas do trabalho prisional: as fugas da Casa de Detenção do Recife nos tempos do administrador Rufino Augusto de Almeida (1861-1875)”, “Anatomia do crime: o perfil dos delitos cometidos por cativos no contexto de intensificação do tráfico interno (Pelotas, 1850-1884)” e “Um crime de cor, do sistema penal racista ao tribunal racial: reflexões sobre a condenação de Preto Amaral em 1927” embora com temas distintos, operam seus trabalhos seguindo o objetivo, em linhas gerais, de exibir o perfil, comportamentos e mecanismos de sobrevivência de vítimas dos delitos e de escravos. Torna-se, claro, com a leitura de seus trabalhos que as leis não eram justas, a pobreza e a origem social delineava uma situação de vulnerabilidade e racismo, nos quais descortina questões de má administração da justiça.

Desde o século XVI, com a instalação gradual de um aparato administrativo e jurídico no Brasil, agentes em nome das leis desempenharam atribuições múltiplas e concisas para regular a ordem pública. O texto “Para punir os culpados e evitar malfeitorias: a inserção do juiz de fora na estrutura judiciária brasileira no final do século XVII” e “O degredo como punição: a pena de degredo para o Brasil no Livro V das Ordenações Filipinas”, demonstram, o papel desses cargos na configuração judiciária e também as formas de punições prescritas pela lei àqueles que se desviavam da obediência.

Não obstante, recorrer à justiça nem sempre prevaleceu como primeira alternativa, é o que os leitores encontrarão na leitura dos textos como “Crimes do Oeste: os ladrões de gado em meio às transformações sociais no início do século XX no município fronteiriço de Uruguaiana”, “Honra, litigiosidade e justiça: os crimes de honra na região de Formiga – Minas Gerais (1807-1875)” e Noções de honra e justiça entre as classes populares da fronteira no Brasil meridional na segunda metade do século XIX – estudo de casos”.

Ainda nessa edição trazemos ao leitor onze artigos livres e duas resenhas de temas e recortes variados. O primeiro artigo da seção livre é “A dimensão da ideia de civilização no contexto da reforma urbana de Pereira Passos”, que aborda a ideia de civilização no início do século XX, ou seja, no contexto das reformas do prefeito do Rio de Janeiro Francisco Pereira Passos, o autor realiza sua análise através da abordagem dos discursos propagados à época pelo referido prefeito.

Em seguida temos “Guerra e Infância: um olhar poético infantil sobre os cenários brutais da Segunda Guerra Mundial”, artigo no qual se busca conectar a produção cinematográfica aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, são destacadas pelo autor questões como momento em que determinado filme foi produzido e a presença de imagens instantâneas que não demandam a mobilização de uma imaginação maior por parte do espectador. Desse modo, são analisados os filmes A menina que roubava livros (2013) e o Menino do Pijama Listrado (2012), ambos adaptações de livros de literatura.

Assim, seguindo um recorte cronológico segue-se o artigo “Configurações políticas, articulações e estratégias de imigrantes e descendentes diante das mudanças decorrentes do Estado Novo no Rio Grande do Sul (1937 – 1945)” que explora questões como imigração, religião e vínculos de imigrantes com a política local e regional, centrados no município de Novo Hamburgo no Rio Grande do Sul.

Em “Transição democrática na Argentina e no Brasil: continuidades e rupturas” são discutidos os conceitos de transição e consolidação, bem como as diferenças e semelhanças entre os processos de abertura política nos países Brasil e Argentina. Por sua vez, “Castigos, Revoltas e Fugas: A fundação do bem-estar do menor retratada nas páginas da Folha de São Paulo 1980-1990” realiza, através de fontes periódicas e jurídicas, a análise da construção de uma imagem negativa a respeito da população infanto-juvenil pobre e / ou infratora, com uma percepção histórica são abordadas questões como transformação ao longo do tempo do discurso propagado sobre jovens infratores diante de mudanças ocorridas na legislação a respeito da criança e do adolescente.

Na segunda parte, estão “Banco de dados e acervos digitais: o uso das TCI’s na pesquisa em História” e “Transi Tombs: pesquisa com fontes medievais através do acesso virtual”. O primeiro investiga a utilização de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s) por pesquisadores da área de história do interior do estado do Ceará. Destacam-se questões pertinentes como a dificuldade de acesso a arquivos, seja por inexistência ou má conservação de documentos, encontradas por pesquisadores que não estão nas grandes cidades e a importância do acesso às fontes de maneira digital. Além disso, o artigo destaca também a relevância do recurso virtual frente à ausência de fontes físicas em áreas como História Antiga e Medieval. Por conseguinte, temos “Transi Tombs: pesquisa com fontes medievais através do acesso virtual” que apresenta possibilidades de pesquisa de História Medieval através da análise de fontes primárias disponíveis em acervos digitais. As Transi Tombs ou tumbas cadáveres inglesas do século XV são analisadas pela autora com base no aspecto iconográfico.

Já “Os símbolos da Brigada de Infantaria Paraquedista: influências, permanências e rupturas” destacando a importância de estudos sobre a tradição, neste caso a militar, faz a análise das origens, continuidades e rupturas dos símbolos da Brigada de Infantaria Paraquedista.

Por fim, o artigo “Hermenêutica e historiografia” e “Perspectivas em História da Ciência: A Revolução Científica e sua relação com o cristianismo” desenvolvem-se ao redor dos temas: história, ciência e modernidade. Portanto, perpassam questões como a escrita e a teoria da história.

Ao longo do processo de recepção e tratamento dos artigos que compõe esse número, felizmente, contamos com a participação de pesquisadores vinculados ou formados por importantes instituições, como: Universidade Federal de Santa Maria, Universidad Nacional de General Sarmiento, Museo Nacional de Odontología, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Instituto Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Pará, Universidade Estadual do Centro-Oeste, Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade de Santo Amaro, Universidade Estadual Paulista, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidade Federal de São João del Rei, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Universidade de São Paulo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade do Estado de Santa Catarina, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal do Cariri, Universidade Federal de Pelotas, Universidade Federal de Santa Catarina, Instituto Meira Mattos e Universidade Estadual de Campinas.

Michele de Oliveira Casali (Editora-Chefe)

Thaís Olegário Fleck (Editora-Gerente)


CASALI, Michele de Oliveira; FLECK, Thaís Olegário. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 9, n. 20, Ago, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Política na América Latina Contemporânea / Aedos / 2017

As múltiplas abordagens e interfaces com o presente propiciadas pelo estudo da História contemporânea movimentam muitos debates entre os profissionais das Ciências Humanas. O interesse por esta temática no Brasil também é reflexo da conjuntura política e econômica da atualidade. Estudos tem se debruçado em buscar, oferecer e reforçar a aplicabilidade de modelos explicativos que ofereçam contribuições para se compreender a gênese de problemas como as desigualdades sociais e o aumento substancial da violência e da repressão no cenário político. Estes esforços científicos permitem, por exemplo, ampliar a análise das consequências que medidas repressivas de alta intensidade, como o decreto de intervenção militar no estado do Rio de Janeiro neste ano de 2018, aportam à degeneração das relações democráticas e ao distanciamento em relação a políticas de direitos humanos.

Na história do século XX brasileiro, podemos encontrar duas ditaduras: a do Estado Novo, entre 1937 e 1945, e a Ditadura Civil-Militar, que persistiu entre os anos de 1964 e 1985. Os períodos intermitentes não guardam menos complexidade, sendo objeto de inúmeras abordagens acadêmicas. Na América Latina como um todo, em que pesem as diferenças, processos análogos reforçam a potencialidade de estudos comparativos e demonstram a validade histórica e política dos objetos de análise. Neste sentido, o dossiê Política na América Latina Contemporânea, trazido neste número, conta com oito artigos com temas variados que podem ser enquadrados nas seguintes categorias: pensamento autoritário e práticas repressivas, relações internacionais e ditadura civil-militar brasileira (1964-1985).

O primeiro artigo apresentado é Leis que atuam no tempo e no espaço: um diálogo entre o pensamento de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e família (1937-1945), no qual o autor, Fábio Wilke, analisa as construções teóricas de Oliveira Vianna e de Azevedo de Amaral e sua relevância para a sustentação política e econômica do Estado Novo.

Já os artigos Reformas Neoliberais na América Latina: um balanço geral, A Ingerência estadunidense na Venezuela chavista e Um estudo das relações entre a Argentina e Paraguai em torno do impasse sobre a navegação do Rio Paraná por meio de documentos diplomáticos brasileiros e as negociações para construção de Yacyretá (1965-1973), inserem-se na linha temática das relações internacionais, tanto entre países latino-americanos e os Estados Unidos da América (EUA), quanto entre países componentes da América Latina. O primeiro texto, de Rafael Brandão, aborda as políticas econômicas neoliberais aplicadas na América Latina por meio das diretrizes do Consenso de Washington. Brandão cede destaque ao Chile, mas analisa também os casos boliviano, mexicano, venezuelano, peruano e argentino.

Tiago Salgado, por sua vez, trata do caso da Venezuela e das relações de interferência realizadas pelos EUA neste país. A abordagem é ainda mais significativa em um momento em que se discute amplamente a situação venezuelana na mídia e no qual se demanda o aprofundamento das análises sobre as relações de dominação e dependência existentes na América Latina, bem como sobre seus impactos políticos.

No texto de Luiz Barros, o leitor encontrará uma investigação acerca das disputas relativas ao aproveitamento dos rios internacionais componentes da Bacia do Rio da Prata por intermédio da observação das relações diplomáticas entre a Argentina e o Paraguai.

Na linha temática da ditadura brasileira, Jocyane Barretta, em seu artigo A importância da materialidade dos Centros Clandestinos de Detenção e Tortura para contar histórias da Ditadura no Brasil, explora as discussões sobre a dinâmica repressiva e a materialidade dos espaços. A autora realiza um levantamento dos Centros Clandestinos de Detenção e Tortura (CCDT) em todo o país e se detém na análise de um desses centros, o Dopinha, de Porto AlegreRS. A linha temática abrange também o artigo Lágrimas que vertem do solo: lutos e supressões nas disputas da memória em torno de mais uma vala sul-americana (Bairro de Perus, São Paulo, 1990 – 1993), de Roger Barrero Junior. O autor aborda questões relacionadas às disputas de memória sobre o período ditatorial brasileiro, explorando questões como a ausência de uma discussão mais profunda a respeito das violações de direitos humanos e do desaparecimento de pessoas.

Em Carreiras políticas de sucesso: o apoio ao Golpe Civil-Militar de 1964 e o recrutamento da elite política gaúcha, Guilherme Catto qualifica os parlamentares da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul por meio de uma análise prosopográfica, dividindo-os em duas categorias de análise: aqueles que aderiram ao golpe de 1964 e os que se opuseram.

O último artigo a compor o dossiê é Liberais e a Intervenção Estatal: Controvérsias Econômicas em “Quem é quem na Economia” de Fernando Coelho, que a partir da dimensão econômica discute os embates ideológicos sobre os projetos liberal e desenvolvimentista, concebidos pelo empresariado para o Brasil durante a ditadura.

Ainda nessa edição trazemos ao leitor dezesseis artigos livres de temas e recortes variados. A reflexão sobre o ensino foi o assunto que perpassou os artigos Movimento Negro, educação e os princípios da Lei 10.639 / 03; Combater as desigualdades sociais pelo ritmo escolar? O caso do Brasil e da França; Leitura e literatura: o letramento literário como processo de intelectualização e O ofício do historiador como pesquisador dos videogames: teorias e métodos. Nestes artigos, são abordadas as relações étnico-raciais e a Cultura Afro Brasileira e Africana no ensino brasileiro; as profundas desigualdades sociais e seu reflexo na educação de crianças e jovens brasileiras; e o repertório teórico e metodológico que permite ao historiador analisar os jogos como fontes.

O artigo Dentre fronteiras: a coca, o crime e a História na Bolívia traz importantes considerações sobre a representação da coca e seu lugar no cenário político e cultural atual. A análise historiográfica de práticas de crime e justiça também está presente nos artigos “Praça de exemplar comportamento e estimado por seus superiores”: Notas de pesquisa sobre o cotidiano policial através de um processo crime (Porto Alegre / fins do século XIX) e O aipim e a espingarda: juventude, criminalidade e pensamento criminológico no século XIX a partir de um caso concreto. Nestes textos, os focos de abordagem são o cotidiano dos indivíduos e o envolvimento e impacto das autoridades policiais em suas vidas. Relevante destacar a correspondência entre a pobreza e o crime, as motivações particulares e como essas práticas afetam o funcionamento da ordem pública.

A violência e suas imbricações sociais e culturais foi tema dos artigos Violência e Imprensa no Oeste Paulista: um estudo de caso e Cultura e violência na República Velha Rio-Grandense: os processos-crime de homicídio e lesão corporal da Comarca de Soledade. Enquanto o primeiro analisa um caso de assassinato e sua repercussão em dois periódicos do período também relata as omissões e os discursos abordados por tais jornais. O segundo discute as muitas transformações ocorridas no período da República Velha e a análise dos processos-crimes revelam a violência como alternativa constante para a resolução de litígios cotidianos.

As possibilidades de aplicação de fontes não-escritas são respaldadas pelo texto Fotografias Judiciárias, História e Processos criminais: notas de pesquisa (Irati-PR; 1948 e 1951), que enfatiza a potencialidade metodológica desse tipo de registro para a reconstituição de um delito. Por outro lado, o artigo Experiências do tempo e laços identitários nos periódicos mineiros Abelha do Itaculumy e O Universal (1824-1827), o trabalho busca compreender nas fontes escritas a concepção de tempo e as relações entre escrita da história e temporalidade no Império Brasileiro diante da independência e a nova configuração jurídica.

O artigo O ideal nobiliárquico e a busca por distinção Social no Antigo Regime Português: em Busca de uma definição para o conceito de Nobreza da Terra destoa dos artigos que apresentamos até aqui. Circunscrito ao período da Colônia, o texto propõe uma revisão historiográfica que dê conta das origens e do percurso do conceito de “Nobreza da Terra” e do seu entendimento para a designação de um grupo específico desse tempo.

André Leme, em A biografia de Júlio Cesar e os riscos do poder absoluto: Suetônio e a política romana em tempos de Adriano (século II d.C.), analisa a obra escrita por Suetônio e lançada no século II d.C., abordando especialmente a biografia escrita pelo autor sobre Júlio César.

Em relação à análise da historiografia brasileira apresenta-se Histórias gerais, histórias particulares: Pedro Calmon e a prática historiográfica na década de 1960, de Nayara do Vale. No artigo, a autora aborda as discussões entre a história enquanto produção institucionalizada e história extra acadêmica. Para tanto, utiliza conferências de Pedro Calmon e discute os projetos em disputa na década de 1960.

Por fim, inseridos na temática de gênero e relações de poder estão: Mujeres libres e a emancipação feminina: apontamentos sobre anarquismo, revolução e feminismo libertário na Espanha dos anos trinta e Sangue menstrual e magia amatória: concepções e práticas históricas, de Talita Sobrinho e Andressa Ferreira, respectivamente. Mujeres libres explora uma organização de mulheres trabalhadoras anarquistas na Espanha durante a Guerra Civil e Revolução espanholas, e tem como enfoque “o feminino dentro da Revolução”. O artigo de Andressa Ferreira compõe um panorama sobre como ao longo do tempo o sangue menstrual foi concebido, analisando as diversas interpretações e representações desse fluido e discutindo permanências e imaginários entre a mágica e a medicina moderna.

Michele de Oliveira Casali (Editora-Chefe)

Thaís Fleck Olegário (Editora- Gerente)

Fernanda Feltes (Editora de seção)


CASALI, Michele de Oliveira; OLEGÁRIO, Thaís Fleck; FELTES, Fernanda. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 9, n. 21, Dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História do Tempo Presente: perspectivas / Tempo e Argumento / 2017

História do Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2017

O Programa de Pós‐Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina, comemora dez anos de existência em 2017 com uma ótima notícia. No último ano, este periódico do curso, a revista Tempo & Argumento, obteve posicionamento no estrato A2 no sistema de avaliação Qualis / Capes. Esta conquista é fruto do trabalho árduo de editores, docentes, discentes, técnicos universitários e gestores públicos. Agradecemos a todas as pessoas envolvidas nos esforços de dar consistência à revista desde 2009 e, em especial, aos editores anteriores Rogério Rosa Rodrigues e Márcia Ramos de Oliveira.

Aproveitamos para informar também que nos próximos números de Tempo & Argumento apresentaremos uma nova seção, denominada Debates, bem como contaremos com editores assistentes internacionais. Essas inovações têm o objetivo de fazer com que o periódico seja cada vez mais uma referência nacional e internacional nos estudos da História do tempo presente.

Este primeiro número de 2017 conta com as seções Dossiê, Artigos, Resenha, Entrevista e Tradução. O dossiê História do Tempo Presente: perspectivas é composto por cinco artigos que debatem rumos desse domínio historiográfico em construção no Brasil, seja do ponto de vista da teoria ou sob o viés metodológico.

“Ditaduras brasileiras: aproximações teóricas e historiográficas”, de autoria de Carlos Fico, discute visões presentes na historiografia brasileira e estrangeira sobre o tema da ditadura militar, bem como os embates acerca das temporalidades que configuram esse período histórico. A historiadora Maria Conceição Francisca Pires, no artigo “Bob Cuspe: resistências microscópicas, contra condutas e a potência do ‘não’ nos quadrinhos underground de Angeli”, analisa as novas formas de expressão do campo do político que emergiram nos anos de 1980 através dos quadrinhos do cartunista Angeli. Daniel Pinha Silva, por sua vez, no artigo “O lugar do tempo presente na aula de história: limites e possibilidades”, apresenta uma reflexão sobre os usos pedagógicos da epistemologia que norteia os estudos sobre o tempo presente. O discurso jornalístico e suas intersecções com o campo disciplinar da História no que tange ao teórico e ao metodológico é o tema do artigo de Rodrigo Bragio Bonaldo, intitulado “Quando a Odebrecht construiu Salvador: a narrativa jornalística da história na coleção Terra Brasilis, de Eduardo Bueno (1998‐2006)”. As historiadoras Luciana Rossato e Maria Teresa Santos Cunha apresentam uma cartografia das pesquisas realizadas pelos discentes do Programa de Pós‐Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina, entre 2007 e 2017. O artigo é alusivo às comemorações de dez anos de criação do curso.

A seção Artigos também é composta por cinco trabalhos de investigação. O historiador Alberto Gawryszewski, em um estudo de caráter comparativo entre a revista “Careta” e a imprensa comunista, esboça um panorama sobre caricaturas de Getúlio Vargas produzidas entre 1945‐1954. A antropóloga social Miriam de Oliveira Santos discute os pressupostos que balizaram a produção de identificações entre grupos sociais – italianos, alemães e portugueses – que habitavam o Sul do Brasil nos séculos XIX e XX. Jorge Pagliariani Junior, por sua vez, em um estudo acerca da História Pública, reflete sobre os processos de produção dos conteúdos históricos de sites de municípios do Estado do Paraná. O historiador Marcelo Hansen Schachta, em artigo que tematiza os testemunhos na Comissão Nacional da Verdade do Paraná, problematiza um conjunto de questões presente na Justiça Restaurativa no Brasil. Por fim, Mario Marcelo Netto discute a produção historiográfica do historiador estadunidense Robert James Maddox, tendo em vista o problema posto na relação temporal presente‐futuro‐passado.

A seção Resenha traz a análise de duas obras. O historiador Dilton Cândido Santos Maynard comenta de forma crítica a obra do historiador francês Henry Rousso, membro do Institut de Histoire du Temps Présent (IHTP), intitulada “La dernière catastrofe: l´histoire, le présent, le contemporain”, traduzida para o português em 2016. A tradução dessa obra de grande importância para o estudo da História do tempo presente ocorreu a partir de uma parceria entre o Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina e a Fundação Getúlio Vargas. Dilton Cândido Santos Maynard, além de descrever o conteúdo do livro, aponta para o / a leitor / a os principais debates de cunho teórico metodológicos propostos por Henry Rousso. Em seguida, o historiador Carlos Gregório dos Santos Gianelli apresenta comentários críticos sobre o livro “As estórias a favor da História: as efemérides mineiras de José Pedro Xavier da Veiga”. Na resenha são ressaltadas as interfaces entre o discurso literário e o da História.

Esse número da revista Tempo e Argumento inaugura um conjunto de entrevistas que serão realizadas ao longo de 2017 com historiadores / as da América Latina com o intuito de traçar um cenário sobre esse campo historiográfico no continente. O primeiro pesquisador, entrevistado por Elisangela da Silva Machieski, foi Hugo Antonio Fanzio Vengoa. O historiador, autor de vários estudos sobre História Global e História do Tempo Presente, descreve seu itinerário nesse campo do saber, bem como a situação em que se encontra a História do tempo presente em seu país, a Colômbia.

A seção Tradução apresenta o capítulo 4 da obra do historiador inglês Quentin Skinner intitulada, “Visions of Politics” inédita no Brasil, vertido para o português por Marcus Vinícius Barbosa. O referido capítulo do livro constitui‐se em referência para os estudos sobre a relação entre Filosofia Política e a História.

Silvia Maria Fávero Arend

Luiz Felipe Falcão 

Editores


AREND, Silvia Maria Fávero; FALCÃO, Luiz Felipe. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.20, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Memória e Mídia / Tempo e Argumento / 2017

A explosão dos acontecimentos de maio de 1968, na França, colocou em questão a relação entre a narrativa midiática dos “fatos históricos” e o trabalho acadêmico dos historiadores que consideravam esse tipo de concepção superficial e ultrapassada. Em O Renascimento do acontecimento, François Dosse reinterpreta o clássico artigo de Pierre Nora, que encara “O retorno do fato” com surpresa e desconforto, já que para os herdeiros de Braudel o que importava eram as permanências. Com a irrupção de acontecimentos espetaculares, que já poderiam ser considerados “históricos” no próprio momento em que repercutiam, Pierre Nora compreende que a imaginação histórica das massas difere muito do modo como os historiadores haviam aprendido a lidar com o passado. Preocupado com isso, ele define os limites do historiador no âmbito dos arquivos e debates acadêmicos, deixando o trabalho memorialístico para artistas e jornalistas, sendo que esta produção memorialística poderia servir, ela mesma para ser analisada por historiadores como documentos de época. Mas o que ocorre quando elas são documentos de nossa época? Não há um passado que reverbera no presente? Ou só o presente reverbera no passado, e este não passa de uma imagem caricata que nós produzimos segundo os nossos próprios desejos?

Na trama dos três tempos – o acontecimento, a sua formulação narrativa e a reação que ela desencadeia –, se estabelece uma relação fundamental para compreender a História do Tempo Presente, com novas camadas narrativas produzidas segundo os interesses do momento. Mas como observa Paul Ricoeur, mesmo a primeira narrativa produzida sobre um acontecimento, ainda que realizada imediatamente depois dele, já se constitui como memória. Tanto as notícias de jornais quanto os livros de memórias elaboram narrativas de presumida identidade com seus leitores. Visam convencer e, assim, corresponder a uma certa cumplicidade de expectativas sociais. O material impresso possui um poder de artefato de memória em registro físico, que pode ser guardado e catalogado, o que lhe dá uma perenidade. Aquilo que foi impresso possui significado social marcante, por ter sido publicado, o que envolve relativo reconhecimento e que, portanto, merece ser lembrado posteriormente, como “algo que vai ficar para a História”.

Certamente outras mídias, como a televisão, talvez tenham mais influência na reação do público diante dos acontecimentos narrados imediatamente. Por outro lado, ao longo do tempo, elas tendem a provocar mais esquecimento do que memória, segundo ponderou Frederic Jameson, já que o televisor, como aparelho de fluxo contínuo de imagens, está sempre nos desviando a atenção de uma coisa para a outra, nos distraindo de forma irreversível. Esse aspecto aleatório, em que o telespectador não sabe qual é a imagem, o programa ou o comercial que virá a seguir, bem como aquele que passa em outro canal, também é um complicador para a pesquisa histórica. Isso porque as emissoras são muitas vezes produtoras dos programas veiculados e proprietárias exclusivas do conteúdo que é difundido por elas, ainda que esta seja uma concessão pública. Por essa razão, sempre houve pouca disponibilidade de consulta à programação televisiva para fins de pesquisa histórica. A existência de alguns acervos físicos particulares, como observou Áureo Busetto, permitiu sua transferência para plataformas digitais, o que hoje amplia em muito os limites da pesquisa histórica nesse âmbito, fundamental para compreender a dinâmica do imaginário social a partir dos anos 1970.

Por outro lado, há produtos culturais que preservam sua autonomia no sentido de serem veiculados e vendidos como obras, como foi o caso dos livros, da música gravada em disco e posteriormente do cinema quando os filmes passaram a ser comercializados em fitas para serem vistos em casa. No cinema de ficção clássico, vemos nos chamados “filmes de época” personagens do presente que vestem roupas do passado, e dos seus conflitos pode ser tirada uma lição – tal como analisa Fábio Nigra quando trata da história dos Estados Unidos produzida em Hollywood. Considerado como arte, o cinema se torna também parte da monumentalização do passado, promovida pela memória, pelo desejo de colocar na tela os personagens que já não se encontram ao nosso redor. Ou, então, relembrar as ações daqueles que ainda se encontram ativos, mas que foram marginalizados e esquecidos ao longo do tempo, ou que ainda continuam publicamente em evidência. No cinema documentário, o tratamento dado ao passado é outro. Ao propor que trata diretamente de lugares, acontecimentos e personagens reais, observamos que não é raro que esses elementos dos quais ele trata estejam hoje soterrados, apagados ou desaparecidos, e precisem ser resgatados. Em ambos os casos, o cinema visa lançar uma luz sobre o passado, mas seu objetivo é fazer com que o espectador se identifique de alguma maneira com alguém que aparece na tela ou fala sobre aquilo que se vê.

Como obra, o cinema cria imagens que se cristalizam na memória, que se tornam referências do imaginário coletivo, sobre o qual desejam deliberadamente intervir. E intervir na memória através da mídia é uma preocupação recorrente dos movimentos sociais. Criar táticas de repercussão na mídia é um de seus métodos, embora também contem com suas próprias estratégias de divulgação militante, disputando um espaço no imaginário social. Ao mesmo tempo, lutam por manter o espaço já conquistado, reivindicando‐se como herdeiros das lutas do passado. Mas também esse legado é alvo de disputa na memória coletiva, sendo constantemente ressignificado por diversos grupos em função de seus próprios interesses. Em geral, reivindicam causas que aqueles personagens não poderiam ter concebido, atribuindo a suas ações um sentido muito distante daquele que era formulado. Por essa razão, sempre que propomos analisar as relações entre a memória e a mídia, emerge o problema da história militante, que busca denunciar manipulações da mídia, combater esquecimentos para assim reparar a memória social dos seus erros e omissões.

Essas são as reflexões a que está dedicado este número da Revista Tempo & Argumento, que reúne contribuições de pesquisadores do Brasil e da Argentina. Agradeço à colaboração de Javier Campo, professor da Faculdade de Artes da Universidad del Centro de la Província de Buenos Aires (UNCPBA), que dividiu comigo a organização do presente dossiê. Esperamos com isso ter dado nossa contribuição para pensar as relações entre Memória e Mídia, algo de inegável valor para qualquer pesquisa feita no âmbito da História do Tempo Presente.

Rafael Rosa Hagemeyer – Professor do Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).


HAGEMEYER, Rafael Rosa. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.21, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Redes de produção e circulação da música popular nas Américas do Século XX / Tempo e Argumento / 2017

O Dossiê Redes de produção e circulação da música popular nas Américas no século XX: apresentação O dossiê intitulado “Redes de produção e circulação da música popular nas Américas no século XX” tem em si uma provocação acerca da importância desta forma de manifestação artística e cultural no desenvolvimento histórico do continente e seus reflexos em outras regiões planetárias no ambiente de interação.

A ideia da circulação de pessoas e música não surgiu, obviamente, no século XX e XXI, porém teve como diferencial, neste período, o surgimento dos meios massivos de captação, divulgação e comercialização dos sons, definindo modelos de formação nacional associados ao desenvolvimento da indústria cultural no capitalismo vigente.

A noção de rede – estruturas de sociabilidade – esteve presente na elaboração de diferentes circuitos e cenas musicais que, muitas vezes, extrapolaram os lugares de origem, atravessando limites regionais, nacionais e oceanos, a exemplo do Atlântico.

Difícil conter dentro das fronteiras os modelos e representações fragilmente construídos pelos perfis nacionalistas, especialmente a partir do embate de tradições de distintos grupos humanos que buscavam sua identificação e pertencimento nos mesmos espaços ocupados. O ideal romântico do popular, que inspirou boa parte desta definição por diferentes países nas primeiras décadas do século XX, principalmente embalados pelas canções gravadas da nascente indústria fonográfica, foi pouco a pouco se diluindo. Diante do contínuo movimento identificado nas diásporas, multiplicavam-se também os bens culturais comercializados como efeito e fenômeno decorrente da falência e construção dos modelos de representação que não mais atendiam às necessidades do capitalismo em expansão. A modernidade líquida já instalada em suas dimensões.

“Acordes d’Álem Mar – Memórias das Bandas Filarmônicas Portuguesas nas Américas”, como o título já evoca, aponta para a diáspora lusitana e a disseminação, nas Américas, das bandas filarmônicas dentro dos moldes existentes em Portugal e sua importância como elo agregador, constructo identitário para os imigrantes . Sob oposto viés investigativo, “Xô, fado! Nacionalismo e antilusitanismo na terra do samba” aborda a hostilidade à presença portuguesa em território brasileiro, associada à propagação do fado em contraposição ao samba, como indicativo de portugalidade e brasilidade, respectivamente.

As disputas envolvendo o samba como identidade nacional ganham novo fôlego em “Afinidades eletivas: a Funarte e o samba carioca como patrimônio da cultura nacional”. O artigo inventaria e analisa a vasta rede de sociabilidade composta por jornalistas, músicos e produtores culturais que, ocupando lugares de poder nos meios de comunicação e em instituições públicas, negociam com política cultural do regime militar, nos anos de 1970 e 1980, a monumentalização de artistas e repertórios do universo musical do Rio de Janeiro como patrimônio da cultura nacional. O embate acerca dos repertórios eleitos como representação de brasilidade evidencia-se em “Nas asas da Varig e da Panair: o Conjunto Farroupilha e o espalhamento da música popular brasileira e gaúcha nos anos 50 e 60 do século XX”, ao analisar as tensões que permeiam a inserção nacional e a projeção internacional da música dita regional.

A configuração local na construção histórica da identidade também é o cerne do artigo “Música, metáforas e lugar: Os sons do Rio da Prata”, especialmente destacando os trânsitos entre países como Uruguai e Argentina, no período pós-ditadura militar, definindo formas poéticas e musicais específicas. Finalizando o dossiê, no rastro da articulação dos grupos que incluem e excluem repertórios, legitimando ideologias hegemônicas e contra-hegemônicas, “Ayudar a aquellos artistas que transformaron la canción en un arma de lucha”: o papel das Juventudes Comunistas na difusão da Nova Canção Chilena (1968-1973)”, enfoca as políticas culturais partidárias voltadas ao movimento, explicitando seu papel na construção de redes de sociabilidade dentro e fora do país.

Acrescentando-se ao conjunto de textos reunidos, vale também destacar a realização da entrevista feita pela etnomusicóloga Susana Sardo ao Colecionador José Moças, tematizada pela formação da Coleção de discos 78 rpm (1900-1950), sediada no Acervo que leva seu nome e encontra-se sob a guarda da Universidade de Aveiro / Portugal.

Aos autores, entrevistadora e entrevistado, agradecemos a contribuição que ora divulgamos. Aos leitores, desejamos que desfrutem dos escritos que provocam uma estendida compreensão sobre a produção e circulação da música e os efeitos que suscita, considerando sua historicidade e espaço de enunciação.

Márcia Ramos de Oliveira

Tânia Costa Garcia

(Organizadoras)


OLIVEIRA, Márcia Ramos de; GARCIA, Tânia Costa. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.22, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Paulo Freire. Santiago, n.17, 2017.

EDITORIAL

Paulo Freire. Santiago, n.18, 2017.

Artículos de Investigación

Schopenhauer, niilismo e redenção – RODRIGUES (V-RIF)

RODRIGUES, Eli Vagner Francisco. Schopenhauer, niilismo e redenção. Campinas: Editora Phi, 2017. Resenha de: SOUZA, Cláudia Franco. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 8, n.1, p.211-214, 2017.

A partir do século XIX o niilismo se torna um tema central da historia da filosofia. Nietzsche ocupa certamente um lugar de destaque no panorama desta tema tica, principalmente devido ao aforismo 125 da Gaia Ciência, em que o filosofo anuncia que Deus está morto. O livro Schopenhauer, niilismo e redenção apresenta uma nova perspectiva de leitura da questão do niilismo na obra de Schopenhauer, mostrando a profundidade deste tema no pensamento filosófico do pensador em questão, que dialoga proximamente com a crise da razão.

Ao mesmo tempo em que o autor Eli Vagner Francisco Rodrigues utiliza as interpretações do pensamento de Schopenhauer realizadas tanto por Nietzsche quanto por Heidegger, o pesquisador mostra também os limites destas interpretações, como fica claro na seguinte passagem do seu livro:

A tentativa de identificar aspectos da filosofia de Schopenhauer com algumas características apontadas por Nietzsche e Heidegger em suas análises do niilismo se mostra, ao meu ver, produtiva para a compreensão da natureza do pensamento schopenhaueriano. Muitas vezes, porém, as análises de Nietzsche e Heidegger levam a ambiguidades que podem comprometer este trabalho (p. 105).

Salientar os limites da interpretação da filosofia schopenhaueriana que e feita tanto por Nietzsche quanto por Heidegger e de suma importância porque acentua a independência e a relevância da potencia do pensamento filosófico de Schopenhauer, que ocupa um lugar de especial importância na Historia da Filosofia no que toca a questão do niilismo, como esclarece o pesquisador Eli Rodrigues.

Um outro aspecto metodológico importante presente no livro em questão e a utilização do trabalho da Professora Maria Lu cia Cacciola para esclarecer pontos centrais da filosofia de Schopenhauer, como a questão do nada (p. 97). A perspectiva de leitura de Maria Lu cia Cacciola aparece em outros trechos do livro, revelando a importância e a profundidade da pesquisa sobre Schopenhauer que e realizada no Brasil.

Ao longo dos quatro capítulos que compõem o livro Schopenhauer, niilismo e redenção, o Professor Eli Rodrigues vai mostrando como a questão do niilismo encontra-se presente na filosofia de Schopenhauer ainda que este termo na o apareça na obra do filosofo, como esclarece a seguinte passagem, logo no início do primeiro capítulo:

Antes de ocupar-se das considerações sobre a origem do termo “niilismo” ou da derivação “niilista” é necessário esclarecer que os mesmos não aparecem em nenhum momento na obra de Schopenhauer. As considerações metafísicas, estéticas e éticas do filósofo enceram sem dúvida, posições niilistas em relação ao mundo, como aqui é defendido (p. 45).

Ao tratar das origens do niilismo, Eli Rodrigues destaca o aparecimento deste termo tanto na literatura, como aponta Franco Volpi, ao ressaltar a utilização do termo no romance Pais e Filhos de autoria de Turgueniev, quanto na filosofia ao comentar a carta escrita por Jacobi endereçada a Fichte, onde aparece o problema filosófico da “desvalorização dos valores supremos” (p. 47).

O autor de Schopenhauer, niilismo e redenção mostra que no livro Niilismo, de Franco Volpi, a obra filosófica de Schopenhauer na o ocupa o devido lugar:

O aspecto que se mostra pouco explorado na obra de Volpi é o da influência da filosofia de Schopenhauer no contexto da efervescência das ideias niilistas. O autor aponta a importância da reflexão schopenhaueriana como inspiração do enfoque nietzschiano sobre o tema, porém dá maior importância ao desenvolvimento efetuado por Nietzsche do que propriamente à análise da influência (p. 54).

Neste sentido, o livro de Eli Rodrigues acaba por preencher esse espaço vazio deixado por Volpi no que toca a importância da filosofia de Schopenhauer em relação ao tema do niilismo, tornando-se uma leitura imprescindível para todos os estudiosos que pretendem se debruçar sobre esse tema.

Ao tratar da metafísica da vontade e do niilismo no segundo capítulo, o pesquisador Eli Rodrigues mostra como a questão do nada ocupa um lugar de destaque na filosofia de Schopenhauer, como podemos ler neste trecho:

histórica para a humanidade contraria radicalmente a concepção que Schopenhauer tem do mundo. O mundo para o filósofo, não oculta uma ordenação originária de uma inteligência e nem encontra na razão um ponto de partida ou um fundamento para uma possível ordenação que possa estabelecer um sentido de “justificação” para a existência da natureza e dos seres vivos, racionais ou não. A teologia, as teodiceias e as filosofias tributárias de uma justificação da totalidade se opõem radicalmente à concepção de Schopenhauer (p. 88).

Eli Rodrigues mostra que a filosofia pessimista, e ate irracionalista e sombria para alguns interpretes mais radicais do pensamento de Schopenhauer, se constitui como um polo essencial na historia da filosofia no que tange a problema tica do niilismo. E através de suas reflexo es, o autor brasileiro revela quão debitaria e a filosofia de Nietzsche do seu mestre da juventude que foi Schopenhauer.

Ainda no segundo capítulo, ha a discussão sobre a metafísica da vontade e a e tica da compaixão. A e tica, ao ocupar um lugar de destaque na filosofia de Schopenhauer, e a ascese como caminho para a libertação, representaria o desprendimento da vontade (pp. 96-97). E o homem liberto da vontade e um homem de frente para o nada. A posição niilista seria, neste sentido, um caminho para a redenção (p. 97).

Nos dois últimos capítulos do livro, o autor Eli Rodrigues mostra as relações de Nietzsche com o niilismo schopenhaueriano. Todas as reflexo es desenvolvidas ao longo destas paginas são relevantes se considerarmos que o maior discípulo de Schopenhauer foi Nietzsche, e, frente a grandiosidade de Nietzsche, ha o risco de se interpretar a filosofia de Schopenhauer sob a perspectiva nietzschiana. Nestes dois capítulos, fica clara a diferença entre a filosofia, de certo modo niilista de Schopenhauer, e a interpretação nietzschiana do pensamento schopenhaueriano.

Para além destes aspectos, no terceiro capítulo Eli Rodrigues estabelece a relação entre a e tica e a teoria da arte schopenhaueriana, como podemos ler na seguinte passagem:

A ética de Schopenhauer está ligada à sua teoria da arte. Para o filósofo, a contemplação estética tem dois elementos inseparáveis: o conhecimento do objeto considerado, – não como coisa particular, mas como exemplar da ideia platônica, isto é, como forma permanente de uma espécie -, e a consciência do puro sujeito do conhecimento, sem a vontade (p. 113).

O pesquisador brasileiro desenvolve toda uma reflexa o entre sujeito do conhecimento e abandono do princípio da razão, revelando que o artista, de acordo com a visa o de Schopenhauer, se ocuparia da essência do mundo, desconectado do princípio da razão (p. 114).

No ultimo capítulo encontra-se uma importante discussão sobre a questão do suicídio a partir da filosofia de Schopenhauer. O suicida ainda estaria preso a s teias da vontade, segundo o filosofo em questão (p. 138) e, então, o suicídio na o se relacionaria de modo algum com a redenção, que só poderia ser alcançada por meio da ascese, que por sua vez, como sabemos, ocupa um lugar muito próprio nessa filosofia.

O livro Schopenhauer, niilismo e redenção e uma leitura incontornável para todos aqueles que desejam conhecer mais sobre a filosofia schopenhaueriana, mas também para os pesquisadores inclinados ao aprofundamento dos debates em torno da questão do niilismo. Trata-se de uma obra solida, bem estruturada e uma importante referencia para os estudos sobre Schopenhauer e o niilismo.

Cláudia Franco Souza – Pós-doutoranda em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Bolsista FAPESP. E-mail: claudiasouzzza@hotmail.com

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[DR]

En présence de Schopenhauer – HOUELLEBECQ (V-RIF)

HOUELLEBECQ, Michel. En présence de Schopenhauer. Paris: Editions de L’Herne, 2017. Resenha de: RODRIGUES, Eli Vagner Francisco. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.8, n.2, p, 140-149, 2017.

O Enfant terrible da literatura francesa contemporânea, Michel Houellebecq, premio Goncourtem 2010 (Prix Goncourt du premier roman1) por La Carte et le Territoire (O Mapa e o Território), lançou, em 2017, pela editora francesa “Editions de LHerne”, seu livro sobre a filosofia de Schopenhauer. Houellebecq e autor da recente e pole mica obra “Submissa o”, uma espécie de distopia na qual uma França, enfraquecida em suas lideranças progressistas pelas disputas políticas contemporâneas, pautadas pela tolerância e pelo multiculturalismo, seve , depois de um rápido processo de transição política, totalmente inesperado pela maioria dos analistas políticos, dirigida por um líder islâmico. A derrota do pensamento explicitamente descrita em “Submissa o” e a resistência em defender certos ideais do iluminismo, como a ideia de progresso, por exemplo, apontam, nesta e em outras obras, para uma aproximação de Houellebecq com pontos de vista muito próximos da perspectiva schopenhaueriana. Entre suas obras mais conhecidas figuram “Partículas Elementares”, de 1998, sucesso editorial que praticamente lançou Houellebecq no mundo literário (e da pole mica) e que gerou um filme do diretor alemão Oskar Roehler. A obra e considerada um clássico do niilismo literário contemporâneo, título que, por si só , aponta para diversas contradiço es, mas que também revela que alguns traços da atmosfera filosófica do final do seculo XIX constituem uma influencia perene na cultura ocidental. O romance recebeu o Premio Décembre de melhor livro do ano em 1998. Em 2001, Houellebecq publicou “Plataforma”, e, quatro anos depois, “La Possibilité d’une île” (A possibilidade de uma ilha), que ganhou o Premio Interallié. Em 2015, no mesmo dia em que Houellebecq retornou a s livrarias com “Submission” (Submissa o – a palavra/tradução- ocidental para Isla ), a equipe editorial de Charlie Hebdo foi dizimada por dois terroristas islâmicos. Com prefacio de Agathe Novak-Lechevalier, docente sênior

da Universidade de Paris X – Nanterre, e editora do “Cahier” dedicado a Michel Houellebecq da mesma editora, (L’Herne), a obra sobre Schopenhauer e um apanhado de comenta rios a trechos dos dois volumes de O mundo como vontade e representação e dos Aforismos sobre a sabedoria de vida.

Houellebecq tem em Schopenhauer, segundo ele próprio, um dos autores centrais para o desenvolvimento, tanto das características de seus personagens, quanto da visa o geral sobre a cultura e a civilização atuais. Suas obras representam o que já foi definido pela crítica como um exemplo de uma escrita niilista efetivamente marcada pelas contradição es da chamada modernidade tardia (pós-modernidade), na contramão do politicamente correto, sobretudo na caracterização do comportamento das personagens, invariavelmente envolvidas em uma atmosfera de miséria afetiva, nas contradições da sexualidade pós 68 e no tratamento de questões políticas e culturais. Mas como seria possível tal influencia se na o se trata de um filosofo pós-moderno? A resposta para tal vínculo estaria na inspiração pessimista em relação aos ideais civilizatórios, uma concepção muito próxima da concepção e do papel do artista em relação a verdade metafísica e moral e, por assim dizer, nenhum entusiasmo em relação ao islamismo, entre outros aspectos. A obra Em Présence de Schopenhauer (Editions de L’Herne, Paris, 2017, 91 paginas), ainda sem previsão de tradução para o português, pretende, segundo o próprio autor, em linhas gerais, sustentar a tese segundo a qual a atitude intelectual de Schopenhauer deve ser uma referencia para aqueles que se ocupam da filosofia nos dias atuais. Sua estratégia de escrita foi a de analisar longos trechos do “Mundo como Vontade e como Representação”, dos suplementos ao “Mundo” e dos “Aforismos sobre a sabedoria de vida”, passagens pelas quais declara ter um apreço especial, e comenta -las de maneira livre, ensaística. O resultado evidencia que Houellebecq e um leitor, como se esperava, experimentado em questões este ticas e que apresenta uma interpretação atenta e penetrante de passagens cruciais da obra do filosofo de Frankfurt. Por outro lado, a obra pode ser considerada um “pequeno livro”, pela extensa o e pelo formato (livro de bolso).

Houellebecq, como indico acima, optando pela abordagem ensaística, nao nos entrega uma obra em padrão acadêmico, pautada e orientada pelo rigor metodológico das analises e interpretações, mas, ao mesmo tempo, demonstra um conhecimento “técnico” incomum entre escritores e ensaístas e tece comenta rios, na maioria das vezes, oportunos, seguros e estimulantes. Sua abordagem evidencia um conhecimento de problemas relacionados a política, epistemologia e, sobretudo a este tica e historia da filosofia. Sobre um problema crucial da teoria do conhecimento, Houellebecq afirma:

Há algo de reconfortante sobre imaginar o próprio corpo como um objeto imediato; e preocupante em considerar a pluralidade, uma fonte inesgotável de infortúnio na prática, como consequência das condições formais do conhecimento; especialmente quando sabemos (e será o mérito do século XX ter estabelecido) que eles não têm a segurança de posse que Kant emprestou a eles. (p. 29, tradução nossa)2.

No capítulo introdutório, intitulado “Sors de L’enfance, Ami, Reveille-toi”, epígrafe de “O Mundo como Vontade e como Representação”, Houellebecq narra seu encontro com a obra de Schopenhauer. “Quando peguei emprestados os Aforismos sobre a sabedoria na vida na biblioteca municipal do VII distrito, eu poderia ter vinte e seis ou vinte e sete anos. Em qualquer caso, e muito tarde, para uma descoberta tão considerável”. (p. 22). Nessa apresentação o traço crítico e sarcástico, que alia s se nota em toda sua obra, transparece no texto do autor de “Partículas Elementares” em relação a filosofia nietzschiana:

Depois de duas semanas de pesquisa, consegui obter “O Mundo como Vontade e Representação”, numa prateleira da livraria de Presses Universitaires de France, boulevard Saint-Michel; na época, o livro só estava disponível naquela ocasião (durante meses eu estava surpreso, em voz alta, tive que expressar meu espanto para dezenas de pessoas: estávamos em Paris, uma das principais capitais europeias, e o livro mais importante do mundo nem sequer foi republicado! Na filosofia eu estava quase em Nietzsche; em uma constatação de falha, na verdade. Achei sua filosofia imoral e repulsiva, mas seu poder intelectual se me impôs. Gostaria de destruir o nietzscheanismo, espalhar seus fundamentos, mas não sabia como fazê-lo; intelectualmente, fui espancado. Escusado será dizer que a leitura de Schopenhauer, novamente, mudou tudo. Eu nem o culpo pelo pobre Nietzsche; Ele teve a infelicidade de vir depois de Schopenhauer, assim como ele teve o infortúnio, na música, de atravessar o caminho de Wagner. (p. 23).

Apesar da declarada aversão a filosofia moral de Nietzsche, Houellebecq, concorda com o jovem filo logo da Terceira Extemporanea e determina assim o proposito específico de sua obra sobre Schopenhauer. Houellebecq destaca que, na obra

supracitada, escrita pouco antes da guinada crítica, Nietzsche elogia a profunda honestidade de Schopenhauer, sua probidade, seu senso de justiça como pensador. Nietzsche destaca magnificamente seu estilo, um tipo de bonomia mal-humorada que lhe da certo desgosto elegante característico dos grandes estilistas em literatura. “Tal e o objeto ampliado deste volume: proponho mostrar, através de algumas das minhas passagens favoritas, por que a atitude intelectual de Schopenhauer continua a ser um modelo para qualquer futuro filosofo” (p. 25).

Houellebecq destaca que na primeira parte de sua obra capital, na qual Schopenhauer determina o mundo dos objetos como um todo, na primeira perspectiva como representação, permanece-se sempre condicionado pelo sujeito. Nesta fase de seu trabalho, “ele na o tem trinta anos”, nota um Houellebecq admirado: Schopenhauer, apo s duas obras (“Da quadrupla raiz do princípio de razão suficiente” e “Sobre a visa o e as cores”), chegou a um uma posição perfeitamente clara: ele assimilou a crítica kantiana, da qual teria dado uma visa o mais franca e mais exata. “O mundo e minha representação”. Segundo Houellebecq, o primeiro Wittgenstein, em seu Tractatus Logico Philosophicus, não dirá nada ale m disso: “O mundo e o que acontece”3. As primeiras paginas do “Mundo” seriam, segundo Huellebecq, apenas uma síntese, particularmente clara, desses primeiros trabalhos. As afirmações do autor podem causar algum incomodo no publico especializado, mas, apesar de Houellebecq na o pretender ficar meramente na para frase do texto schopenhaueriano, ele também na o tem a intenção, como ja constatamos, de aprofundar temas com rigor acadêmico. Ao contra rio de Wittgenstein – retoma Houellebecq – que emite a famosa conclusa o ao final de seu Tractatus “sobre o que na o se pode falar devemos nos calar”, Schopenhauer vai nos falar exatamente sobre o que na o se pode falar: sobre o amor, a morte, a piedade, a tragédia e a dor. Assim, segundo Houellebecq, ele alcançou uma gloria imperecível penetrando no domínio mais comum aos romancistas, aos músicos e aos escultores (romanciers, musiciens, sculpteurs). Sua introdução neste mundo se da , nota Houellebecq, de maneira segura e serena, pois ele leva consigo na o uma obra esotérica e subjetiva, mas a estrutura de um verdadeiro sistema filosófico. O traço destacado com entusiasmo por Houellebecq e que essa introdução ao universo das “questões proibidas” se da magistralmente e com uma ênfase e predileção pela estética.

Houellbecq inicia o segundo capítulo convidando o leitor da mesma forma que Schopenhauer: a olhar para as coisas (Porte un regardattentifsur les choses). O convite e provocativo e inicia tico. Houellebecq explica com clareza exemplar o conceito de Ideia platônica a partir desse convite alvissareiro. Quando, animados pelo poder da mente, afirma, abandonamos o modo habitual de considerar as coisas, deixamos de desvendar, a luz do princípio de razão em suas diferentes formas, suas relações entre elas. Quando, pela contemplação, ja na o se considera o lugar, o onde, o quando, e o porque e o proposito das coisas, mas simplesmente e apenas a natureza delas; quando também na o se deixa o pensamento abstrato, os princípios da razão ocuparem a consciência; quando, ao invés de tudo isso, se depara com a intuição de todo o poder da mente, que recai no próprio eu e a consciência inteira esta cheia da contemplação pacífica de um objeto natural diretamente presente – seja uma paisagem, uma arvore, uma rocha, um edifício ou qualquer outro objeto, nesse momento o sujeito se esquece de si próprio. O sujeito puro, como um espelho claro do objeto, de tal maneira que e como se o objeto estivesse sozinho, sem que ninguém o percebesse, e que na o podemos mais distinguir a intuição de quem a experimenta. Na medida em que a consciência e inteiramente preenchida e absorvida por uma imagem intuitiva e u nica; quando finalmente o objeto se libertou de toda relação com outra coisa, e o sujeito de toda relação com a vontade: então o que se sabe na o e mais o particular, mas a Ideia, a forma eterna. Ora, a apresentação de Houellebecq, ale m de ser clara e didática, introduz o leitor em um aspecto fundamental para a compreensão da obra de Schopenhauer, a saber, a transição da este tica para a e tica. O objeto imediato da vontade, continua Houellebecq, nesse estado de contemplação, deixa de ser um objeto para a vontade, porque o indivíduo desapareceu no momento da contemplação: tornou-se o puro sujeito do conhecimento, liberado da vontade, da dor e do tempo.

E nesse ponto que Houellebecq da uma contribuição para o tema da este tica e para a cultura contemporânea. A proposito do papel do artista nesse processo e, considerando a inatualidade do conceito de gênio para a condição este tica de nosso século, Houellebecq afirma:

Esta descrição da contemplação límpida – na origem de toda a arte – é tão limpa que se esqueceria de seu caráter profundamente inovador. Antes de Schopenhauer, vimos todo o artista como alguém que fabricava coisas – certamente de uma fabricação difícil e de uma ordem especial… Mas o ponto original, o ponto gerador de toda a criação, é fundamentalmente diferente; consiste em uma disposição inata – e, consequentemente, não ensinável – na contemplação passiva e estupefata do mundo…Para o mundo de hoje, no qual a arte se tornou acessível para as massas e gera fluxos financeiros consideráveis, isso tem consequências cômicas…O artista, sozinho entre os homens, conserva uma faculdade de percepção pura, que normalmente é encontrada apenas na infância, na loucura ou no reino dos sonhos. O homem comum, este produto industrial da natureza, que fabrica milhares a cada dia, é, como dissemos, incapaz, pelo menos de maneira sustentada, dessa percepção puramente desinteressada que constitui a contemplação. (p. 40 e ss).

A analise de Houellebecq introduz um dos problemas mais relevantes da este tica, retomada por Nietzsche, e que se encontra na própria cisão de duas filosofias fundamentais para a historia do problema e que envolve a ética e a arte. Houellebecq vai ao ponto nevrálgico da discussão ao indicar a famosa frase de Stendahl, segundo a qual “A beleza e uma promessa de felicidade”. Esta frase pode ser considerada como o foco de uma grande disputa filosófica. Se tal proposição fosse transformada em uma pergunta, a resposta a questão determinaria, necessariamente, viso es radicalmente opostas sobre o papel da arte em relação a vida humana e a e tica. Houellebecq lança mão do curtíssimo para grafo 40 do Mundo, que trata do conceito de sublime e no qual Schopenhauer, a guisa de conclusa o de um raciocínio anterior, afirma que “o Excitante, portanto, e , em toda parte, para ser evitado na arte” (p. 47). Além da oposição entre as concepções de Schopenhauer e Nietzsche em relação a este tica apontada por Houellebecq, uma questão um tanto mais contemporânea na o deixa de ser notada pelo autor francês. Apos a arte do século XX, observa, o “espectador e quem põe a mesa”, os ReadyMade de Duchamp são objetos conceituais. Ora, nada poderia ser mais contra rio a concepção de Schopenhauer em relação a intuição artística, afirma Houellebecq. Para Schopenhauer, a beleza na o e uma propriedade pertencente a certos objetos do mundo, a exclusa o dos outros; na o e , portanto, uma habilidade técnica que possa produzir sua aparência. O que ele expressa, ainda mais brutalmente, pela frase: “Dizer que uma coisa e bela e expressar que e o objeto de nossa contemplação este tica”. Segundo Houellebecq, como a ideia é e continua a ser intuitiva, o artista não esta ciente em abstração da intenção e proposito de seu trabalho: não e um conceito, mas uma ideia que o guia: ele não pode dar nenhuma explicação sobre sua maneira de fazer as coisas: ele trabalha como que inconscientemente. Certamente esse destaque relativo a este tica distanciando conceito de ideia como fundamento da arte, ale m da questão da contemplação o desinteressada, mereceriam analises mais aprofundadas a partir da interpretação de Houellebecq. O autor, por sua vez, mesmo em um capítulo demasiado curto, apresenta um problema complexo com objetividade.

No terceiro capítulo, Houellebecq deixa sua veia polemista mais uma vez em evidencia. Intitulado “Ainsis’objective le vouloir-vivre”, “Assim, objetiva-se a vontade de vida”, expressa o extraí da diretamente do texto do “Mundo”, o capítulo apresenta trechos dos para grafos 23 e 24, bem como trechos do capítulo XXVIII do segundo volume (Suplementos), a fim de demonstrar, a partir dos textos schopenhauerianos, que sua própria concepção de natureza e sociedade encontra solida argumentação a partir das teses do “Mundo”. A vida animal na o e apenas absurda, e atroz, afirma. A visa o de mundo que Houellebecq desenvolve em obras como “Partículas elementares”, “O mapa e o território” e mesmo no recente “Submissa o” revelam traços inegáveis da influencia da filosofia da natureza de Schopenhauer.

Se é o mundo como um todo inaceitável, não é proibido experimentar, para a vida, um desprezo particular. Não para “vida humana”; por toda a vida. A vida animal não é apenas absurda, é atroz. Que coisa execrável é essa natureza da qual somos parte! Exclama Schopenhauer seguindo Aristóteles. A passagem citada, com sua imensa frase final, profunda como o abismo, a majestosa desolação e o horror, é uma daqueles que podem causar uma estupidez, uma consciência final, como uma cristalização do relâmpago dos sentimentos espalhados pela experiência da vida; é difícil imaginar que alguém, em qualquer momento da história, possa adicionar uma única palavra. Quero dedicar isso especialmente aos leitores ecologistas (p. 61).

A passagem a que se refere Houellebecq, do para grafo 29 do mundo, ultimo para grafo, do segundo livro do “Mundo”, trata do fluxo infinito dos desejos humanos intercalados pelo tedio.

No capítulo intitulado “Le the a tredu monde” (O teatro do mundo), Houellebecq destaca a importância da perspectiva trágica para a filosofia de Schopenhauer. Para tal empreende uma analise da tragédia enquanto forma artística privilegiada. Na esteira de Schopenhauer afirma que as formas de descrição de um grande infortúnio são elementos indispensáveis para a constituição da tragédia. As muitas maneiras diferentes pelas quais o poeta traz esta descrição, lembra Houellebecq, podem ser reduzidas a três espécies: através da malícia excepcional, ao lado dos limites do possível, de um personagem que será o arquiteto do infortúnio; através de um destino cego, isto e , por acaso e erro e finalmente pela simples situação dos personagens, um contra o outro, pelas circunstancias; na o ha necessidade de um erro monstruoso, de um destino extraordinário ou de um personagem atingir os limites da perversidade humana; pelo contra rio, personagens que são moralmente familiares para no s, colocados em circunstancias comuns, esta o em relação um ao outro em situações que os obrigam a se prepararem, em plena consciência e em plena consciência, os Infortúnios mais horríveis, sem que a culpa seja claramente atribuível a uma das partes. Esta e , no fundo, a maior das tragédias, pois tem seu fundamento na natureza volitiva corriqueira. Em suas manifestações cotidianas e natural e simples, por outro lado, determina, na soma total das ações, o fundo absurdo da discórdia natural.

Ao final de sua apresentação, Houellebecq questiona o papel dos “Aforismos para a sabedoria de vida”. Na interpretação do autor, paralelamente a sua missa o de apresentar uma representação do mundo consistente com o estado das ciências, acessível a intuição e que satisfaça a razão, a filosofia tem tradicionalmente uma outra função que seria a de fornecer conselhos aplicáveis a condução da vida. Houellebecq afirma que e difícil dizer porque Schopenhauer decide se lançar a tal empresa, mas que certamente lamentaríamos a inexistência desse livro tão brilhante e tão acessível (Aforismo para a sabedoria de vida). Assim, mesmo apresentando sua versa o trágica do mundo Schopenhauer nos apresenta a mensagem sempre u nica e radical do budismo. Mas, segundo Houellebecq, de um budismo, temperado, humanizado e adaptado a nossa cultura. Ao final de sua apresentação, o autor de “Submissa o” sugere uma filiação de sua obra com o pensamento do mestre alemão ao afirmar que a tragédia da banalidade, produzida por circunstancias comuns, tornada ainda mais inescapável, continua a ser escrita, sugerindo claramente sua adesão a esta visão estética.

No ultimo capítulo, denominado “La conduit da la vie: ce que lon a” (O caminho da vida: o que temos), o autor retoma a questão da validade, eficácia e valor dos “Aforismos” através de uma questão sobre a força de interferência do intelecto em relação a fortuna. Nesse sentido, Houellebecq coloca uma questão fundamental que seria a de saber se as forças intelectuais são favoráveis ou na o a felicidade humana. Com uma passagem do capítulo terceiro dos “Aforismos” (Daquilo que alguém tem), Houellebecq ilustra a posição de Schopenhauer favorável a conservação de riquezas que possam conferir ao indivíduo autonomia para se esquivar da “corveia geral”, isto e , dos regimes de trabalho aos quais a imensa maioria da humanidade e submetida a ponto de uma multidão esmagadora e esmagada pelo trabalho árduo na o poder afirmar “O dia me pertence”. Mas, e bom lembrar, a citação escolhida por Houellebecq para fechar o livro finaliza com uma depreciação em relação aqueles que, possuindo riqueza e condições, na o investem seu tempo no desenvolvimento da humanidade através do estudo da ciência e do investimento no desenvolvimento intelectual próprio. A passagem dos Aforismos nos faz lembrar, em vários aspectos, o famoso texto de Kant sobre o esclarecimento, no qual o filosofo de Konigsberg afirma que a preguiça e a covardia são causas da tutela e inimigas da autonomia do indivíduo.

Mas a fortuna herdada alcança o seu valor supremo quando cabe àquele que, dotado de forças espirituais superiores, persegue aspirações que não são de todo compatíveis com a atividade remunerada. Nesse caso, tal homem é duplamente dotado pelo destino e pode agora viver para o seu gênio, mas pagará multiplicada por cem a sua dívida para com a humanidade, realizando o que nenhum outro poderia e produzindo algo que contribui para o bem e a honra da coletividade humana. Outro, por sua vez, em tais condições tão favoráveis, merecerá o reconhecimento da humanidade pelas suas atividades filantrópicas. Quem, ao contrário, possuidor de fortuna herdada, nada realizar com ela, mesmo se de modo parcial ou por tentativa, ou sequer chegar a viabilizar para si mesmo, mediante o estudo profundo de uma ciência, a possibilidade de fomentála, é um mandrião desprezível. (p. 90).

Houellebecq parece querer destacar tanto a crítica feroz de Schopenhauer as condições brutais a s quais a massa humana esta submetida quanto dar voz ao moralista esclarecido que habitaria nos recônditos da alma schopenhaueriana.

De forma declaradamente ensaística e, por isso mesmo, na o referenciada pela fortuna crítica e por recursos exegéticos – esta nunca foi a intenção do autor -, a obra Em Présence de Schopenhauer na o pode ser considerada uma grande obra de um autor contemporâneo sobre a filosofia de Schopenhauer. No entanto, guardadas as proporções e as expectativas, pode ser apreciada com algum proveito pelo público especializado interessado em questões este ticas e pelo leitor comum interessado em uma introdução. De qualquer forma, aos estudiosos da obra de Schopenhauer e de sua influencia sobre a cultura contemporânea em geral, acrescenta-se mais um testemunho do alcance, profundidade e perenidade da obra do mestre de Frankfurt.

Notas

1 O prêmio Goncourt é considerado o maior prêmio literário da França. É atribuído a um romance para celebrar o melhor livro de ficção em prosa a cada ano.

2 Todas as traduções do texto de Houellebecq são de autoria do autor da resenha. Para os trechos nos quais o autor do livro cita a obra de Schopenhauer optei pela tradução do Prof. Jair Barboza, como no caso dos “Aforismos para a sabedoria de vida”.

3 No original “Die Weltistalles, was der Fall ist”. Na tradução de Luiz Henrique Lopes dos Santos, “O mundo é tudo o que é o caso”. Tractatus Lugicus-Philosophicus, Editora EDUSP.

Eli Vagner Francisco Rodrigues – Professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP). E-mail: elivagner@faac.unesp.br

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Mundos do Trabalho / Estudos Históricos / 2016

Chega a ser surpreendente que Estudos Históricos não tenha tido, até este momento, um número específico dedicado aos mundos do trabalho. Temática cara à tradição acadêmica do CPDOC / FGV, os estudos sobre o trabalho e os(as) trabalhadores(as) foram centrais para algumas das obras e pesquisas mais importantes da instituição. Por outro lado, no entanto, esta edição chega em um momento particularmente rico para os estudos dos mundos do trabalho no Brasil em uma perspectiva histórica e interdisciplinar. O campo da história social do trabalho no Brasil vive, já há alguns anos, um período de criatividade, renovação e diversificação. Gerações recentes de historiadores, historiadoras e cientistas sociais em geral têm expandido o escopo da área, incluindo novas e pouco exploradas temáticas, como gênero, etnicidade, trabalho informal, bem como as conexões entre trabalho escravo, forçado e o chamado “trabalho livre”. Mesmo temas considerados clássicos, como sindicalismo, conflitos sociais, participação política dos trabalhadores e a relação entre os mundos do trabalho e o Estado e empresários têm sido abordados de formas inovadoras e inventivas, ampliando em muito o entendimento sobre o papel dos setores subalternos nos processos de desenvolvimento econômico e social e na construção da cidadania e da democracia na história do país.

Além disso, a produção historiográfica nesta área teve uma evidente ampliação geográfica, ultrapassando em muito as análises antes bastante confinadas ao eixo Rio-São Paulo. A multiplicação de estudos sobre outras regiões, sobre o mundo urbano e rural e sobre os mundos do trabalho em pequenas, médias e grandes cidades permite hoje uma visão muito mais complexa, sofisticada e “nacional” dos processos de formação de classe e das relações sociais brasileiras. Por outro lado, a produção no campo tem se internacionalizado crescentemente. Ao lado de suas congêneres indiana e sul-africana, a historiografia do trabalho brasileira tem sido amplamente reconhecida como um dos polos de renovação e dinamismo da chamada “História Global do Trabalho”.

Este número de Estudos Históricos dialoga diretamente com esse momento de vitalidade da história social do trabalho no Brasil. De um lado, apresenta vários estudos de grande qualidade sobre os mundos do trabalho no país em diferentes períodos, regiões e situações. De outro, também aponta os limites e desafios colocados para este campo de estudos. É o caso dos dois artigos que abrem a revista. Alexandre Fortes, em O processo histórico de formação da classe trabalhadora: algumas considerações, revisita a obra de E. P. Thompson procurando demonstrar como ela, a partir dos desafios atuais e confrontada com outros autores mais contemporâneos, ainda pode inspirar uma necessária atualização conceitual sobre o processo de formação de classe no Brasil. Já Álvaro Pereira Nascimento, em seu provocativo artigo Trabalhadores negros e o “paradigma da ausência”: contribuições à história social do trabalho no Brasil, faz um balanço da (in)visibilidade dos sujeitos negros na produção historiográfica dos mundos do trabalho. O autor aponta os vários problemas trazidos pela ausência desses sujeitos históricos nos estudos da história social do trabalho e sugere alguns caminhos metodológicos para superá-los.

Exemplo da ampliação que vem ocorrendo com o conceito de trabalho e trabalhadores(as), o artigo de André Rosemberg, A pena como arma: trabalho, intimidade e rotina nas cartas dos policiais paulistas (1870-1915), surpreende ao abordar os policiais como trabalhadores, utilizando uma fonte pessoal e íntima como a correspondência trocada por esses personagens. Já Fabiane Popinigis, em “Todas as liberdades são irmãs”: os caixeiros e as lutas dos trabalhadores por direitos entre o Império e a República, retoma temas clássicos como o da “transição” do trabalho escravo para o trabalho livre e a construção da cidadania, a partir das experiências dos empregados do comércio carioca.

A regulação do trabalho feminino em um sistema político masculino, Brasil: 1932-1943, de Teresa Cristina Novaes Marques, inova ao abordar o polêmico processo de regulação do trabalho dos anos 1930 e 40 a partir de uma perspectiva de gênero, procurando compreender como a questão do trabalho feminino foi abordada por diferentes atores e movimentos políticos e sociais. Uma outra abordagem inédita sobre os mundos do trabalho durante a Era Vargas é feita por Adriano Duarte em Pedro Maneta e o concurso literário promovido pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1942. Nesse artigo, ao analisar o romance Pedro Maneta, premiado em concurso promovido pelo Ministério do Trabalho, o autor reflete sobre as intricadas relações entre história, literatura e sociedade. Assim, a partir de novas perspectivas, rediscute a centralidade adquirida pelos mundos do trabalho durante o Estado Novo.

Tanto o papel das biografias e trajetórias de ativistas quanto as relações entre o universo do trabalho e da moradia são abordados no texto de Mauro Amoroso e Rafael Soares Gonçalves. O advogado e os “trabalhadores favelados”: Antonie de Magarinos Torres e a prática política nas favelas cariocas dos anos 1950 e 1960 analisa a ação do famoso advogado Magarinos, em particular na favela do Borel, e seu papel de estímulo ao associativismo de seus moradores. Temas clássicos da história do trabalho, como o cotidiano fabril e os processos de dominação nos locais de trabalho são abordados por Cristiana Ferreira a partir das experiências de mulheres e jovens em Códigos de solidariedade na experiência de jovens e mulheres na indústria têxtil de Blumenau (1958-1968).

A mobilização dos trabalhadores rurais na crucial conjuntura do pré-1964 em um estado nordestino é o tema de Pablo Francisco de Andrade Porfírio em O tal de natal: reivindicação por direito trabalhista e assassinatos de camponeses. Pernambuco, 1963. O artigo analisa como, além do uso da violência, articulou-se uma narrativa visual e escrita para classificar, qualificar e construir significados para a ação reivindicatória dos camponeses. Por fim, O lobby dos trabalhadores no Processo Constituinte de 1987-88: um estudo sobre a atuação do DIAP, de Lucas Nascimento Ferraz Costa, mostra as diferentes estratégias e alianças políticas articuladas pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) para defender os interesses dos trabalhadores na Constituinte na segunda metade da década de 1980.

A seção Contribuição Especial apresenta o texto da palestra promovida pelo Laboratório de Estudos dos Mundos do Trabalho e Movimentos Sociais (LEMT) do CPDOC / FGV, proferida pelo historiador alemão Bernhard H. Bayerlein em julho de 2016. O artigo traça um panorama da situação e possibilidades de pesquisa nos arquivos mais importantes para os estudos históricos sobre o comunismo em diversas partes do globo. O arquivo da Internacional Comunista na Rússia e o projeto Comitern Online são analisados em particular. Por fim, o autor aborda o impacto que a abertura de novos acervos teve para a historiografia sobre comunismo, para as políticas de memória e para a história do século XX em geral.

Finalmente, este número traz uma rara entrevista com Michael Hall, um dos decanos da história do trabalho no Brasil. Professor do Departamento de História da Unicamp por mais de 30 anos, Michael Hall foi orientador de diversas gerações de historiadores. Foi um dos fundadores do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), o maior arquivo especializado em história do trabalho na América Latina. Nesta entrevista, concedida a Paulo Fontes e Francisco Macedo, Michael Hall fala sobre sua trajetória profissional e sua produção intelectual, analisa o desenvolvimento da historiografia do trabalho brasileira desde os anos 1960 e opina sobre os desafios contemporâneos desse campo de estudos.

Angela Moreira Domingues da Silva – Professora da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV).

Marco Aurélio Vannucchi Leme de Mattos – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV).

Paulo Fontes – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV).

Os editores.

SILVA, Angela Moreira Domingues da; MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi Leme de; FONTES, Paulo. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.29, n.59, set. / dez.2016. Acessar publicação original [DR]

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Perspectivas Globais e Transnacionais / Estudos Históricos / 2017


MORELI Alexandre (Org d), Perspectivas Globais – Transnacionais / Estudos Históricos / 2017, Global (d), Transnacional (d), Estudos Históricos (EHd) MORELI, Alexandre. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.30, n.60, jan. / abr. 2017. Acesso apenas pelo link original [DR]

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Terra Brasílis. [?], v.8, 2017 / v.14, 2020.

Terra Brasílis. [?], v.14, 2020.

  • História da cartografia amazônica
  • Sob a direcção de David Alejandro Ramírez Palacios e Rafael Gomes
  • https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.6666
  • Informações sobre esta imagem
  • Editorial
  • David Alejandro Ramírez Palacios
  • A história da cartografia amazônica [Texto integral]
  • Para além da crítica
  • Artigos
  • Junia Ferreira Furtado
  • O paraíso amazônico e seus mitos cartográficos [Texto integral]
  • El paraíso amazónico y sus mitos cartográficos
  • Paradise Amazon and its cartographic myths
  • Le paradis amazonien et ses mythes cartographiques
  • Carlos Gilberto Zárate Botía
  • La invención de la cartografía amazónica [Texto integral]
  • Entre la invisibilidad y el nacionalismo metodológico
  • A invenção da cartografia amazônica: Entre invisibilidade e nacionalismo metodológico
  • L’invention de la cartographie amazonienne : Entre invisibilité et nationalisme méthodologique
  • The invention of amazonian cartography: Between invisibility and methodological nationalism
  • Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno, Pedro Hungria Cabral e Marcio Rodrigo Côelho de Carvalho
  • Pensar con los ojos [Texto integral]
  • A Amazônia urbana no Século das Luzes, algumas pinceladas
  • Pensar con los ojos: La Amazonía urbana en el Siglo de las Luces, algunos apuntes
  • Penser avec les yeux : La Amazonie urbaine au Siècle des Lumières, quelques impressions
  • Thinking with the eyes: The urban Amazon in the Age of Enlightenment, some impressions
  • André Reyes Novaes
  • Histórias Escondidas nos Mapeamentos Fronteiriços [Texto integral]
  • Agências Indígenas nos Arquivos do Coronel Percy Harrison Fawcett
  • Hidden Histories in Border Mappings: Indigenous Agencies in the Archives of Colonel Percy Harrison Fawcett
  • Historias ocultas sobre el mapeo de fronteras: Agencias indígenas en los archivos del coronel Percy Harrison Fawcett
  • Histoires cachées dans les mappages de frontières: Agences autochtones dans les archives du colonel Percy Harrison Fawcett
  • Jorge Pimentel Cintra
  • Região amazônica [Texto integral]
  • Metodologia para o estudo da evolução cartográfica
  • Amazon región: Methodology for the study of cartographic evolution
  • Región Amazónica: Metodología para el estudio de la evolución cartográfica
  • Région amazonienne : Méthodologie pour l’étude de l’évolution cartographique
  • Roberto Chauca
  • Técnica, teoria e práxis na cartografia da Amazônia de Samuel Fritz [Texto integral]
  • Técnica, teoría y praxis en la cartografía de la Amazonía de Samuel Fritz
  • Technique, theory, and praxis in the cartography of Amazonia by Samuel Fritz
  • Technique, théorie et praxis dans la cartographie de l’Amazonie par Samuel Fritz
  • Lucas Montalvão Rabelo
  • A Invenção do Rio Amazonas na Cartografia (1540-1560) [Texto integral]
  • La Invención del Río Amazonas en la Cartografía (1540-1560)
  • The Invention of the Amazon River in Cartography (1540-1560)
  • L’invention du fleuve Amazone dans la cartographie (1540-1560)
  • David Alejandro Ramírez Palacios
  • El impulso cartográfico [Texto integral]
  • Apuntes sobre los mapas del río Putumayo o Içá de Rafael Reyes (1877) y Jules Crevaux (1883)
  • O impulso cartográfico: apontamentos sobre os mapas do rio Putmayo ou Içá de Rafael Reyes (1877) e Jules Crevaux (1883)
  • The cartographic impulse: notes on the maps of the Putmayo or Içá River by Rafael Reyes (1877) and Jules Crevaux (1883)
  • L’impulsion cartographique: notes sur les cartes de la rivière Putmayo ou Içá par Rafael Reyes (1877) et Jules Crevaux (1883)
  • Anthony Picón Rodríguez
  • Oficina de Longitudes [Texto integral]
  • Ingeniería y política cartográfica del Estado colombiano (1902-1905)
  • Office of Longitudes: Engineering and cartographic policy of the Colombian State (1902-1905)
  • Escritório de Longitudes: Engenharia e política de mapeamento do Estado colombiano (1902-1905)
  • Bureau des Longitudes : Ingénierie et politique cartographique de l’État colombien (1902 -1905)
  • Rachel de Almeida Moura
  • Geografia e patrimônio [Texto integral]
  • O sertão do IPHAN pelas viagens e fotografias de Edgard Jacintho
  • Geografía y patrimonio: El interior de IPHAN devido a los viajes y fotografias de Edgard Jacintho
  • Geography and heritage: The backlands of IPHAN due to the travels and photographs of Edgard Jacintho
  • Géographie et patrimoine : Les arrière-pays d´IPHAN grâce aux voyages et photographies d´Edgard Jacintho
  • Clássicos e textos de referência
  • Marcos Jiménez de la Espada
  • La planta del río Amazonas desde Quito hasta su desembocadura elaborada por Benito de Acosta y otros mapas [Texto integral]
  • Fragmentos seleccionados de los “Preliminares” de Marcos Jiménez de la Espada a su Viaje del capitán Pedro Texeira aguas arriba del río de las Amazonas (1638-1639) (1889)
  • Jaime Cortesão
  • A cartografia amazônica durante o século XVII [Texto integral]
  • Guilherme Ribeiro
  • Tradução e canonização na história da geografia [Texto integral]
  • Dois momentos da recepção de Vidal de la Blache no Brasil (1982 e 2020)
  • Translation and canonization in the history of geography: two moments of the Paul Vidal de la Blache’s Brazilian reception (1982 and 2020)
  • Traduction et canonisation dans l’histoire de la géographie : deux moments de la réception de Paul Vidal de la Blache au Brésil (1982 et 2020)
  • Traducción y canonización en la historia de la geografía: dos momentos de la recepción de Vidal de la Blache en Brasil (1982 y 2020)
  • Paul Vidal de la Blache
  • Caracteres distintivos da geografia [Texto integral]
  • Documentos, mapas e imagens
  • Carolina Martínez
  • Patagones en el mapa del Amazonas de Samuel Fritz (1707) [Texto integral]
  • Patagones no mapa do Amazonas de Samuel Fritz (1707)
  • Patagonians on Samuel Fritz’s map of the Amazon (1707)
  • Patagons dans la carte de l’Amazone de Samuel Fritz (1707)
  • Resenhas
  • Carlos Augusto Bastos
  • Conflitos e guerra em uma Amazônia transfronteiriça [Texto integral]
  • A criação da Tríplice Fronteira Colômbia-Peru-Brasil
  • Trajetórias de geógraf@s
  • Fernando José Coscioni
  • A Geografia Humana como estudo da civilização [Texto integral]
  • Um balanço da obra de Ellsworth Huntington
  • Human Geography as a study of civilization: an overview of Ellsworth Huntington’s work
  • La Géographie Humaine comme étude de la civilization : un bilan du travail d’Ellsworth Huntington
  • La Geografía Humana como estudio de la civilización: un balance de la obra de Ellsworth Huntington
  • Notas de pesquisa
  • Patrícia Gomes da Silveira
  • Notas sobre a constituição da rede de circulação de mercadorias entre o litoral do Rio de Janeiro e os sertões mineiros (1750-1820) [Texto integral]
  • Notes about the formation of the network for the circulation of goods between the coast of Rio de Janeiro and the hinterlands of Minas Gerais (1750-1820)
  • Notes sur la formation du réseau de circulation des marchandises entre le littoral du Rio de Janeiro et l’intérieur du Minas Gerais (1750-1820)
  • Apuntes a respecto de la constitución de la red de circulación de mercancías entre la costa de Río de Janeiro y el interior de Minas Gerais (1750-1820)
  • Notícias
  • Larissa Alves de Lira
  • Exposição virtual “Seguindo os passos de um geógrafo: os cadernos de Paul Vidal de la Blache” [Texto integral]

Terra Brasílis. [?], v.13, 2020.

  • Coleção de Areia
  • Sob a direcção de Breno Viotto Pedrosa e Rafael Gomes
  • https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.5736
  • Editorial
  • Rafael Augusto Andrade Gomes
  • Coleção de Areia [Texto integral]
  • Artigos
  • Paulo Cesar da Costa Gomes
  • Um edifício chamado A Noite [Texto integral]
  • Sobre a potência de alguns objetos espaciais
  • Un edificio llamado La Noche: Sobre el poder de algunos objetos espaciales
  • A building called A Noite: On the power of some space objects
  • Un bâtiment appelé A Noite : Sur la puissance de certains objets spatiaux
  • Rafael Gonçalves de Almeida
  • A política dos Parques Proletários Provisórios no Rio de Janeiro [Texto integral]
  • Espaço, disciplina e degeneração
  • The policy of the Provisional Proletarian Parks in Rio de Janeiro: space, discipline and degeneration
  • La política de los Parques Proletarios Provisionales en Río de Janeiro: Espacio, disciplina y degeneración
  • La politique des parcs prolétariens provisoires à Rio de Janeiro : Espace, discipline et dégénérescence
  • Thiago Silvestre da Silva
  • A geopolítica no dinheiro [Texto integral]
  • Evolução e modernização do território brasileiro em três notas do padrão-cruzeiro
  • La geopolítica en el dinero: Evolución y modernización del territorio brasileño en tres billetes de Cruzeiro
  • Geopolitics in money: Evolution and modernization of Brazil’s territory in three national banknotes
  • La géopolitique dans l’argent : Évolution et modernisation du territoire brésilien en trois billets de Cruzeiro
  • Alfredo Costa e Ralfo Edmundo da Silva Matos
  • Modernizações em Minas Gerais [Texto integral]
  • Elementos teórico-conceituais e clivagens geohistóricas
  • The modernization process in Minas Gerais: Theoretical and conceptual elements, and geohistorical cleavages
  • Modernizaciones en Minas Gerais: Elementos teóricos-conceptuales y esciciones geohistóricas
  • Modernisations dans Minas Gerais : Éléments théoriques et conceptuels, et clivages géohistoriques
  • Higor Mozart Geraldo Santos
  • Semânticas da espera [Texto integral]
  • Notas sobre a decadência mineira e seus nexos geográficos em fins do XIX
  • Semantics of waiting: Notes on the Minas Gerais decadence and its geographical connections at the end of the XIX century
  • Semánticas de la espera: Notas sobre la decadencia en Minas Gerais y sus enlaces geográficos a finales del siglo XIX
  • Semantiques de l’attente : Notes sur la decadence mineira et ses rapports geographiques a la fin du XIXème siecle
  • Carlo Eugênio Nogueira
  • Expedições geográficas e formação territorial no Espírito Santo (c. 1943) [Texto integral]
  • Expediciones geográficas y formación territorial en Espírito Santo (c. 1943)
  • Geographical expeditions and territorial formation in Espírito Santo (c. 1940)
  • Expéditions géographiques et formation territoriale dans Espírito Santo (c. 1940)
  • David Alejandro Ramírez Palacios
  • “Do Pacífico ao Atlântico pela parte mais larga do continente” [Texto integral]
  • Geopolítica, cartografia, diplomacia e detalhes desconhecidos das explorações no rio Putumayo/Içá e das viagens amazônicas de Rafael Reyes (1874-1884)
  • “Del Pacífico al Atlántico por la parte más ancha del continente”: Geopolítica, cartografía, diplomacia y detalles desconocidos de las exploraciones en el río Putumayo/Içá y de los viajes amazónicos de Rafael Reyes (1874-1884)
  • “From the Pacific to the Atlantic across the widest part of the continent”: Geopolitics, cartography, diplomacy and unknown details of Rafael Reyes’ explorations on the Putumayo/Içá River and travels in the Amazon region (1874-1884)
  • « Du Pacifique à l’Atlantique à travers la partie la plus large du continent» : Géopolitique, cartographie, diplomatie et détails inconnus des explorations de Rafael Reyes sur le fleuve Putumayo / Içá et ses voyages dans la région amazonienne (1874-1884)
  • Thomaz Menezes Leite
  • As críticas do estudo do passado na Geografia [Texto integral]
  • Les critiques de l’étude du passé en Géographie
  • The criticisms of past’s study in Geography
  • Las críticas al estudio del pasado en Geografía
  • Elisa Favaro Verdi
  • A Geografia ativa [Texto integral]
  • Um legado crítico para a Geografia brasileira
  • La Geografía activa: Un legado crítico para la Geografía brasileña
  • Active Geography: A critical legacy for Brazilian Geography
  • La Géographie active : Un héritage essentiel pour la Géographie brésilienne
  • Clássicos e textos de referência
  • Federico Ferretti
  • Entre ciência e anarquismo [Texto integral]
  • Metchnikoff e a revolução
  • Entre ciencia y anarquismo: Metchnikoff y la revolución
  • Between science and anarchism: Metchnikoff and the revolution
  • Entre science et anarchisme : Metchnikoff et la révolution
  • Léon Metchnikoff
  • Revolução e evolução [Texto integral]
  • Documentos, Mapas e Imagens
  • Antonio Gomes de Jesus Neto
  • Vivenciando o sonho e o pesadelo: Milton Santos e a Tanzânia [Texto integral]
  • Experimentando el sueño y la pesadilla: Milton Santos y Tanzania
  • Experiencing the dream and the nightmare: Milton Santos and Tanzania
  • Vivre le rêve et le cauchemar: Milton Santos et la Tanzanie
  • Milton Santos
  • Sonho e pesadelo [Texto integral]
  • Os problemas espaciais da transição ao socialismo no caso da Tanzânia
  • Chet Van Duzer
  • An addition to the corpus of maps by José Joaquim da Rocha (c. 1740-1807) [Texto integral]
  • Um acréscimo à coleção de mapas de José Joaquim da Rocha (c. 1740-1807)
  • Una adición al corpus de mapas de José Joaquim da Rocha (c. 1740-1807)
  • Un ajout au corpus de cartes par José Joaquim da Rocha (c. 1740-1807)
  • Chet Van Duzer
  • Um acréscimo à coleção de mapas de José Joaquim da Rocha (c. 1740-1807) [Texto integral]
  • An addition to the corpus of maps by José Joaquim da Rocha (c. 1740-1807)
  • Una adición al corpus de mapas de José Joaquim da Rocha (c. 1740-1807)
  • Un ajout au corpus de cartes par José Joaquim da Rocha (c. 1740-1807)
  • Resenhas
  • Gonzalo Ezequiel Lus Bietti
  • Otra(s) Geografía(s) [Texto integral]
  • Una mirada desde el Sur, para el Sur y otros mundos

Terra Brasílis. [?], v.12, 2019.

  • Geografia Histórica em questão
  • Sob a direcção de Marcelo Werner da Silva e Glauco Bruce Rodrigues
  • https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.4458
  • Editorial
  • Rafael Augusto Andrade Gomes
  • Modos de escrever histórias [Texto integral]
  • América Latina, Sul Global e outras tradições geográficas
  • Marcelo Werner da Silva e Glauco Bruce Rodrigues
  • A Geografia Histórica em questão [Texto integral]
  • Campo, teoria e método
  • Dossiê “Geografia Histórica em questão”
  • Paulo Godoy
  • Geografia Histórica [Texto integral]
  • Considerações metodológicas
  • Geografía Histórica: Consideraciones metodológicas
  • Historical Geography: Methodological considerations
  • Géographie Historique: Considérations méthodologiques
  • Glauco Bruce Rodrigues
  • Geografia Histórica [Texto integral]
  • Notas sobre a metodologia
  • Historical Geography: Methodological notes
  • Geografía Histórica: Notas metodológicas
  • Géographie historique : Notes méthodologiques
  • Marcelo Werner da Silva
  • A construção de uma geografia histórica brasileira [Texto integral]
  • Base teórica e estudos de caso
  • The construction of a Brazilian historical geography: Theoretical basis and case studies
  • La construcción de una geografía histórica brasileña: Bases teóricas y estudios de caso
  • La construction d’une géographie historique brésilienne : Bases théoriques et études de cas
  • Rodrigo Pereira Pinheiro da Silva e Elis de Araújo Miranda
  • Transformações na Paisagem da região Norte Fluminense [Texto integral]
  • As Ruínas da Usina de Cana de Açúcar e Álcool de Pureza em São Fidélis (RJ)
  • Landscape Transformations in Northern Rio de Janeiro State: The Ruins of the Sugarcane and Alcohol Mill in Pureza, São Fidélis (RJ)
  • Des changements dans le paysage de la région Nord d’État de Río de Janeiro : Les Ruines de l’Usine de Canne à Sucre et Alcool à Pureza en São Fidélis (RJ)
  • Las Transformaciones en el Paisaje de la Región Norte del Estado de Río de Janeiro: Las Ruinas del Molino de Caña de Azúcar y Alcohol en Pureza, en São Fidélis (RJ)
  • Carlo Eugênio Nogueira
  • A geografia histórica como ferramenta de análise nos estudos de história do pensamento geográfico [Texto integral]
  • La geografía histórica como herramienta de análisis en los estudios de historia de la geografía
  • Historical geography as an analitical tool in history of geography studies
  • La géographie historique comme outil d’analyse dans les études de l’histoire de la géographie
  • Doralice Sátyro Maia
  • Geografia Histórica Urbana [Texto integral]
  • Notas de pesquisa
  • Geografía Histórica Urbana: Apuntes de investigación
  • Urban Historical Geography: Research notes
  • Géographie Historique Urbaine : Notes de recherches
  • Manoel Fernandes de Sousa Neto
  • Linhas d’água na delimitação do território [Texto integral]
  • O Mapa dos Limites do Império do Brasil com o Paraguay de 1872
  • Líneas en Flotación en la Delimitación del Territorio: El Mapa del Imperio Brasileño con Paraguay, 1872
  • Waterlines in Territory Delimitation: The Map of the Brazilian Empire Limits with Paraguay (1872)
  • Lignes de Flottaison das la Delimitation du Territoire : La Carta des Limites de l’Empine Brésilien avec le Paraguay (1872)
  • Artigos
  • Nelsa Grimoldi
  • ¿Imaginarios Imaginados? [Texto integral]
  • América Latina: Identidad regional en afiches de propaganda de eventos académicos y políticos (2008-2013)
  • Imaginarios imaginados? América Latina: Identidade regional em cartazes de propaganda de eventos acadêmicos e políticos (2008-2013)
  • Imagined Imaginaries? Latin America: Regional identity in propaganda posters of academic and political events (2008-2013)
  • Imaginaires imaginés ? Amérique latine : Identités régionales dans les affiches de propagande d’événements universitaires et politiques (2008-2013)
  • Denise A. S. de Moura
  • Desenhos de itinerário [Texto integral]
  • Gênero cartográfico e cultura visual dos sertões do Brasil Meridional (1768-1774)
  • Dibujos itinerarios: Género cartográfico y cultura visual de los sertões del sur de Brasil (1768-1774)
  • Itinerary drawings: Cartographic genre and visual culture of the backlands of Southern Brazil (1768-1774)
  • Dessins itinérants: Genre cartographique et culture visuelle des sertões du sud du Brésil (1768-1774)
  • Rodrigo Dutra-Gomes e Antônio Carlos Vitte
  • A geografia americana no contexto das diferenciações de áreas de Richard Hartshorne [Texto integral]
  • Uma leitura histórico-epistemológica
  • American geography in the context of Richard Hartshorne’s areal differentiations: A historical-epistemological reading
  • Geografía estadounidense en el contexto de las diferenciaciones de areas de Richard Hartshorne: Una lectura histórico-epistemológica
  • La géographie américaine dans le contexte des différenciations de areas de Richard Hartshorne : Une lecture historico-épistémologique
  • Paula Bruno
  • De la ciencia al espectáculo [Texto integral]
  • Vistas urbanas en los salones de proyecciones ópticas durante la década de 1850 en Buenos Aires
  • From science to show: Urban views in the optical projection rooms during the 1850s in Buenos Aires
  • Da ciência ao espetáculo: Vistas urbanas nas salas de projeção óptica da década de 1850 em Buenos Aires
  • Du science au spectacle : Vues urbaines dans les salles de projection optique pendant les années 1850 à Buenos Aires
  • Cristina de Moraes
  • Indefinição limítrofe e estratégias territoriais nos confins da bacia Platina [Texto integral]
  • Uma leitura geográfica da Questão de Limites das Missões/Palmas
  • Neighbouring uncertainty and territorial strategies at the edge of Platina Basin: A geographical reading of Missões/Palmas Boundary Issue
  • Indefinición limítrofe y estrategias territoriales en los confines de la cuenca del Río de La Plata: Una lectura geográfica de la Cuestión de Limites de las Misiones/Palmas
  • Indéfinition frontalière et stratégies territoriales dans les confins du Bassin de la Plata : Une lecture géographique de la quéstion des Missions/Palmes
  • Luis Ignacio de Lasa e María Teresa Luiz
  • Representaciones del tercer mundo [Texto integral]
  • La territorialización de la Terra Australis en la cartografia del siglo XVI
  • Representações do terceiro mundo: A territorialização da Terra Australis na cartografia do século XVI
  • Representations of the third world: The territorialization of Terra Australis in the 16th century cartography
  • Representations du tiers-monde : La territorialisation de la Terra Australis dans la cartographie du XVIème siecle
  • Clássicos e textos de referência
  • Guilherme Ribeiro
  • De volta para o futuro [Texto integral]
  • Um método para a geografia humana segundo Paul Vidal de la Blache
  • Back to the future: A method for human geography according to Paul Vidal de la Blache
  • Retour vers le futur : Un méthode pour la géographie humaine selon Paul Vidal de la Blache
  • Volver al futuro: Un método para la geografía humana según Paul Vidal de la Blache
  • Paul Vidal de la Blache
  • Sobre o raciocínio geográfico [Texto integral]
  • Documentos, mapas e imagens
  • André Reyes Novaes
  • Do Campo de Batalha para as Ruas da Capital [Texto integral]
  • Uma Litografia do Capitão de Engenheiros Conrado Jacob de Niemeyer
  • Resenhas
  • Carla Sales
  • Uma história dos mapas da imprensa que fazem história [Texto integral]

Terra Brasílis. [?], v.11, 2019.

  • Mapas e mapeamentos: conhecer, apresentar e agir
  • Sob a direcção de Sergio Nunes e Rafael Gomes
  • https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.3456
  • Editorial
  • Rafael Augusto Andrade Gomes
  • Entre imagens, ações e imaginações geográficas [Texto integral]
  • Mudanças editoriais e temas do número
  • Dossiê: Mapas e mapeamentos: conhecer, apresentar e agir
  • Carla Lois
  • ¿Bromas cartográficas? [Texto integral]
  • Los mapas alegóricos y satíricos como un modus scribendi para la crítica social
  • Cartographic jokes? Allegorical and satirical maps as a modus scribendi for social criticism
  • Blagues cartographiques? Les cartes allégoriques et satiriques comme modus scribendi pour la critique sociale
  • Brincadeiras cartográficas? Os mapas alegóricos e satíricos como um modus scribendi da crítica social
  • Rildo Borges Duarte
  • A disputa de concepções de território, ciência e nação na elaboração do “Mappa Geral da República dos Estados Unidos do Brasil” de 1908 [Texto integral]
  • La disputa de concepciones de territorio, ciencia y nación en el “Mapa General de la República de los Estados Unidos de Brasil” de 1908
  • The dispute of territory, science and nation conceptions in the “General Map of the Republic of the United States of Brazil” of 1908
  • Le différend sur les conceptions du territoire, de la science et de la nation dans la « Carte Générale de la République des États-Unis du Brésil » de 1908
  • Bruno Capilé
  • Apagando a natureza [Texto integral]
  • O desaparecimento dos ecossistemas alagados nos mapas urbanos do Rio de Janeiro
  • Erasing Nature: The extinction of flooded ecosystems in Rio de Janeiro’s urban maps
  • Borrando la naturaleza: La desaparición de ecosistemas inundados en los mapas urbanos de Rio de Janeiro
  • Effacer la nature: L’extinction des écosystèmes inondés dans les cartes urbaines de Rio de Janeiro
  • Sabina Alexandre Luz
  • Quando o rio é o caminho [Texto integral]
  • O mapa da Comissão Mista de Limites entre o Brasil e o Peru (1874)
  • When the river is the path: the map by the Mixed Commission of Borders between Brazil and Peru (1874)
  • Cuando el río es el camino: el mapa de la Comisión Mixta de Límites entre Brasil y Perú (1874)
  • Quand la rivière est le chemin: la charte créée par la Commission mixte des Limites entre le Brésil et le Pérou (1874)
  • Daniel Dutra Coelho Braga
  • “Observações que merecem a maior confiança” [Texto integral]
  • Apontamentos sobre usos e produção de mapas em viagens e estações navais da Marinha francesa (1815–1840)
  • “The most trustworthy observations”: Remarks on uses of charts and map making in French Navy expeditions and naval stations (1815-1840)
  • “Des observations qui méritent la plus grande confiance”: Considérations sur l’usage et production de cartes dans les expéditions et stations navales de la Marine française (1815- 1840)
  • “Observaciones que merecen la mayor confianza”: apuntes sobre usos y producción de mapas en viajes y estaciones navales de la Marina francesa (1815-1840)
  • Artigos
  • Carmen Villoria Aparicio e José Ignacio Izquierdo Misiego
  • El manuscrito Egerton MS 1513 [Texto integral]
  • Una aproximación iconográfica
  • O manuscrito Egerton MS 1513: uma aproximação iconográfica
  • The manuscript Egerton MS 1513: an iconographic approach
  • Le manuscrit Egerton MS 1513: une approche iconographique
  • Claudia Alejandra Troncoso
  • Destinos en movimiento [Texto integral]
  • Reflexiones en torno al turismo y la movilidad en la Quebrada de Humahuaca (Argentina)
  • Destinos em movimento: Reflexões sobre o turismo e a mobilidade na Quebrada de Humahuaca (Argentina)
  • Destinations in motion: Considerations on tourism and mobility at Quebrada de Humahuaca (Argentina)
  • Destinations en mouvement : Réflexions à propos du tourisme et de la mobilité à la Quebrada de Humahuaca (Argentina)
  • Matheus Cavalcanti Bartholomeu
  • A cafeicultura e a Estrada União e Indústria: [Texto integral]
  • Transformações espaciais e desenvolvimento desigual em meados do século XIX
  • Coffee production and the União e Indústria Road: Spatial transformations and uneven development in the mid-19th century
  • La caficultura y la Carretera União e Indústria: Transformaciones espaciales y desarrollo desigual en mediados del siglo XIX
  • La caféiculture et la Route União e Indústria : Transformations spatiales et inégal développement à la mi-XIXe siècle
  • Gonzalo Ezequiel Lus Bietti
  • Camille Vallaux: [Texto integral]
  • Una contribución a la comprensión de la disputa epistemológico-institucional entre la Geografía Humana y la Morfología Social en el umbral del siglo XX
  • Camille Vallaux: Uma contribuição para a compreensão da disputa epistemológico-institucional entre a Geografia Humana e a Morfologia Social no limiar do século XX
  • Camille Vallaux: A contribution to understanding the epistemological-institutional dispute between Human Geography and Social Morphology at the verge of the 20th century
  • Camille Vallaux : Une contribution à la compréhension du conflit épistémologique-institutionnel entre la géographie humaine et la morphologie sociale au seuil du XXe siècle
  • Felipe Cavalcanti
  • A imaginação geográfica nos manifestos modernistas de Oswald de Andrade [Texto integral]
  • La imaginación geográfica en los manifestos modernistas de Oswald de Andrade
  • The geographical imagination in Oswald de Andrade’s modern manifests
  • L’imaginaire géographique dans les manifestes modernistes d’Oswald de Andrade
  • Documentos, Mapas e Imagens
  • Moema Vergara, Rundsthen Vasques de Nader e Claudio João Barreto dos Santos
  • A Carta do Brazil do Estado Maior do Exército (1901) [Texto integral]
  • O primeiro projeto para a Carta Geral do Brasil na República
  • Clássicos e textos de referência
  • Rafael Augusto Andrade Gomes
  • Apontamentos biobibliográficos sobre Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa [Texto integral]
  • Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa
  • Algumas questões metodológicas relativas à história de instituições científicas [Texto integral]
  • Guilherme Ribeiro
  • Geopolítica da língua francesa e colonialismo [Texto integral]
  • O caso de “L’éducation des indigènes” (1897), de Paul Vidal de la Blache
  • Geopolitics of French language and colonialism: The case of Paul Vidal de la Blache’ “L’éducation des indigènes” (1897)
  • Géopolitique de la langue française et colonialisme: Le cas de « L’éducation des indigènes » (1897) par Paul Vidal de la Blache
  • Geopolítica de la lengua francesa y colonialismo: el caso de “L’éducation des indigènes” (1897), de Paul Vidal de la Blache
  • Paul Vidal de la Blache
  • A educação dos nativos [Texto integral]
  • Resenhas
  • Andréa Doré
  • Uma visão global do Estreito de Magalhães [Texto integral]
  • Notas de pesquisa
  • Chet Van Duzer
  • Changing Ideas about the Oceans Reflected in the World Maps of Martin Waldseemüller [Texto integral]

Terra Brasílis. [?], v.10, 2018.

  • Dossiê Trajetórias de Geógraf@s 2
  • Sob a direcção de Sergio Nunes e Rafael Gomes
  • https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.2468
  • Editorial
  • Rafael Augusto Andrade Gomes
  • Cânones geográficos e fontes da história do pensamento geográfico e da geografia histórica [Texto integral]
  • A continuação de um dossiê e os temas do número
  • Dossiê Trajetórias de Geógraf@s 2
  • Guillermo Gustavo Cicalese
  • Elena Chiozza [Texto integral]
  • Un itinerario intelectual entre la docencia, la consultoría y las geografías populares
  • Elena Chiozza: Um itinerário intelectual entre a docência, a consultoria e as geografias populares
  • Elena Chiozza: An intellectual itinerary amidst teaching, consultancy and popular geographies
  • Elena Chiozza : Un itinéraire intellectuel entre l’enseignement, les sociétés de conseil et les géographies grand public
  • Héctor Mendoza Vargas
  • Graciela Uribe Ortega y la transición de la geografía mexicana [Texto integral]
  • Graciela Uribe Ortega e a transição da geografia mexicana
  • Graciela Uribe Ortega and the Transition of Mexican Geography
  • Graciela Uribe Ortega et la transition de la géographie mexicaine
  • Verónica Hollman
  • Derek Gregory [Texto integral]
  • La perfomatividad espacial de las geografías imaginarias
  • Derek Gregory: The spatial perfomability of imaginary geographies
  • Derek Gregory: A perfomatividade espacial das geografias imaginárias
  • Derek Gregory : La performance spatiale des géographies imaginaires
  • Rafael Augusto Andrade Gomes
  • Anne Buttimer, 1938-2017 [Texto integral]
  • Encontros entre vida, autobiografia, comunicação e história do pensamento geográfico
  • Anne Buttimer, 1938-2017: Encounters among life, autobiography, communication and history of geographical thought
  • Anne Buttimer, 1938-2017: Encuentros entre vida, autobiografía, comunicación y la historia del pensamiento geográfico
  • Anne Buttimer, 1938-2017: Rencontres entre la vie, l’autobiographie, la communication et l’histoire de la pensée géographique
  • Fernando José Coscioni
  • Ellen Semple [Texto integral]
  • Aspectos biográfico-intelectuais
  • Ellen Semple: Biographical-intellectual aspects
  • Ellen Semple: Aspectos biográficos-intelectuales
  • Ellen Semple : Aspects biographiques et intellectuels
  • Edir Augusto Dias Pereira
  • Traços da mundivivência geográfica de Eidorfe Moreira [Texto integral]
  • Traits de l’expérience du monde géographique d’Eidorfe Moreira
  • Eidorfe Moreira’s geographical living world traces
  • Trazos de la mundivivencia geográfica de Eidorfe Moreira
  • Gabriela Leles
  • Alcíde Jubé (1896-1961) e a geografia escolar em Goiás [Texto integral]
  • Alcide Jubé (1896-1961) and teaching of Geography in Goiás
  • Alcíde Jubé (1896-1961) y la geografía escolar en Goiás
  • Alcid Jubé (1896-1961) et la géographie de l’école à Goiás
  • Artigos
  • Carla Lois
  • ¿Geopolíticas de mundos efímeros? [Texto integral]
  • La performatividad de los mapas de las Exposiciones Universales y los órdenes mundiales que crearon (Chicago 1893, París 1900 y Nueva York 1939)
  • Geopolíticas de mundos efêmeros? A performatividade dos mapas das exposições universais e as ordens mundiais criadas por eles (Chicago 1893, Paris 1900 e Nova Iorque 1939)
  • Geopolitics of ephemeral worlds? The performativity of the maps of the universal exhibitions and the world orders they created (Chicago 1893, Paris 1900 and New York 1939)
  • Géopolitique des mondes éphémères? La performativité des cartes des expositions universelles et les ordres mondiaux ces cartes ont créés (Chicago 1893, Paris 1900 et New York 1939)
  • Guilhem Labinal
  • La visibilité des territoires dans Geo et dans National Geographic Magazine (des années 1980 à la fin des années 2000) [Texto integral]
  • Une ouverture sur le monde… et sur soi-même
  • The territorial visibility in Geo and National Geographic magazines (from the 1980’s to the late 2000’s): An opening to the world… and to oneself
  • A visibilidade dos territórios nas revistas Geo e National Geographic (da década de 1980 até o final da década de 2000): Uma abertura para o mundo… e para si mesmo
  • La visibilidad de los territorios en las revistas Geo y National Geographic (de la década de 1980 al final de la década de 2000): Una abertura al mundo… y a sí mismo
  • Guillermo Gustavo Cicalese
  • Geografías populares en la Argentina en la segunda mitad del siglo XX [Texto integral]
  • Un recorrido desde La Argentina Suma de Geografía hasta el Atlas Total de la República Argentina
  • Geografias populares na Argentina na segunda metade do século XX. Um percurso histórico de La Argentina-Suma de Geografía ao Atlas Total de la República Argentina
  • Popular geographies in Argentina in the second half of the 20th century. An historical journey from La Argentina-Suma de Geografía to Atlas Total de la República Argentina
  • Géographies populaires en Argentine à la seconde moitié du XXème siècle. Un parcours historique de La Argentina-Suma de Geografía au Atlas Total de la República Argentina
  • Mauro Pereira de Mello, Claudio João Barreto dos Santos e Marcelo Maranhão
  • Uma abordagem diacrônica sobre a influência da relação Brasil-Estados Unidos no mapeamento do território brasileiro nas escalas topográficas 1:50.000 e 1:100.000 [Texto integral]
  • A diachronic approach on the influence of the Brazil-United States relationship on the mapping of the Brazilian territory in the 1:50.000 and 1:100.000 topographic scales
  • Un enfoque diacrónico sobre la influencia de la relación entre Brasil y los Estados Unidos en el mapeo del territorio de Brasil en las escalas topográficas 1: 50.000 y 1: 100.000
  • Une approche diachronique de l’influence de la relation Brésil-États-Unis sur la cartographie du territoire brésilien à l’échelle topographique 1:50 000 et 1:100 000
  • Patrício Aureliano Silva Carneiro
  • Questões teóricas e metodológicas da Geografia Histórica [Texto integral]
  • Historical Geography’s theoretical and methodological questions
  • Cuestiones teóricas y metodológicas de la Geografía Histórica
  • Questions théoriques et méthodologiques de la géographie historique
  • Leonardo Civale
  • Um iluminista na aldeia dos Tupinambás [Texto integral]
  • A História da Cidade do Rio de Janeiro sob a ótica de Delgado de Carvalho
  • Un illuministe dans le village des Tupinambas: l`histoire de la ville de Rio de sous la perspective de Delgado de Carvalho
  • Un ilustrado en la aldea de los Tupinambás: la Historia de la Ciudad de Río de Janeiro según Delgado de Carvalho
  • An Enlightenment in the Tupinambás Village: History of the City of Rio de Janeiro from the perspective of Delgado de Carvalho
  • Documentos, mapas e imagens
  • Ivaldo Gonçalves de Lima
  • A cartografia geopolítica no rastro do geógrafo-general Karl Haushofer [Texto integral]
  • Resenha
  • Guilherme Ribeiro
  • Alexander von Humboldt no século XXI [Texto integral]

Terra Brasílis. [?], v.9, 2017.

  • Dossiê Trajetórias de Geógrafos 1
  • Sob a direcção de Sergio Nunes Pereira e Rita de Cássia Martins de Souza
  • https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.2233
  • Editorial
  • Sergio Nunes Pereira e Rita de Cássia Martins de Souza
  • Trajetórias de Geógrafos 1 [Texto integral]
  • Justificativa de um dossiê e apresentação das matérias
  • Dossiê Trajetórias de Geógrafos 1
  • Larissa Alves de Lira
  • Pierre Monbeig (1908-1987) [Texto integral]
  • Notas biográficas
  • Pierre Monbeig (1908-1987): biographical notes
  • Pierre Monbeig (1908-1987): notas biográficas
  • Pierre Monbeig (1908-1987) : notes biographiques
  • Carla Lois
  • Matthew Edney [Texto integral]
  • El reencuentro entre la historia de la cartografía y la geografía
  • Matthew Edney: O reencontro entre a historia da cartografia e a geografia
  • Matthew Edney: The reencounter between the history of cartography and geography
  • Matthew Edney : La rencontre entre l’histoire de la cartographie et la géographie
  • Paulo Roberto de Albuquerque Bomfim
  • Pierre Gourou, civilização e trópicos [Texto integral]
  • Pierre Gourou, civilization and tropics
  • Pierre Gourou, civilización y trópicos
  • Pierre Gourou, civilisation et tropiques
  • Héctor Mendoza Vargas
  • Ángel Bassols Batalla y la renovación de la geografía mexicana [Texto integral]
  • Ángel Bassols Batalla e a renovação da geografía mexicana
  • Ángel Bassols Batalla and the renewal of the Mexican Geography
  • Ángel Bassols Batalla et le renouvellement de la géographie mexicaine
  • Elisa Favaro Verdi
  • Yves Lacoste, a geografia do subdesenvolvimento e a reconstrução da geopolítica [Texto integral]
  • Yves Lacoste, the geography of underdevelopment and the rebuilding of geopolitics
  • Yves Lacoste, la geografía del subdesarrollo y la reconstrucción de la geopolítica
  • Yves Lacoste, la géographie du sous-développement et la reconstruction de la géopolitique
  • Verónica Hollman
  • Trevor Barnes [Texto integral]
  • Una geografía económica enraizada en su lugar, su historia y sus prácticas
  • Trevor Barnes: The construction of an economic geography in its place, history and practices
  • Trevor Barnes: Uma geografia econômica enraizada em seu lugar, sua história e suas práticas
  • Trevor Barnes : Une géographie économique enracinée dans son lieu, son histoire et ses pratiques
  • Fernando José Coscioni
  • Richard Hartshorne [Texto integral]
  • Trajetória e obra
  • Richard Hartshorne: trajectory and work
  • Richard Hartshorne: trayectoria y obra
  • Richard Hartshorne: trajectoire et travail
  • Artigos
  • Breno Viotto Pedrosa
  • A recepção da teoria dos polos de crescimento no Brasil [Texto integral]
  • The reception of growth poles theory in Brazil
  • La recepción de la teoría de los polos de crecimiento en Brasil
  • La réception de la théorie des pôles de croissance au Brésil
  • Carmem Marques Rodrigues
  • Os mapas de sertanistas das pedras brilhantes [Texto integral]
  • Entre o traço rústico dos sertanistas e o desenho exato da cartografia europeia
  • Los mapas de las piedras brillantes: entre el trazo rústico de los “sertanistas” y el diseño exacto de la cartografía europea
  • The sertanistas maps of diamonds: between the rustic trait of sertanistas and the exact design of European cartography
  • Les cartes des diamants : entre trace rustique d’explorateurs et de la conception exacte de la cartographie européenne
  • Malena Mazzitelli Mastricchio
  • ¿Cómo representar la topografía? [Texto integral]
  • Técnicas e instrucciones para dibujar diferentes propiedades del relieve
  • Como representar a topografia? Técnicas e instruções para desenhar diferentes propriedades do relevo
  • How to represent the topography? Techniques and instructions for drawing different relief properties
  • Comment représenter la topographie? Techniques et instructions pour dessiner différentes propriétés de relief
  • Daniel Mendes Gomes
  • Livros de Geografia na primeira biblioteca pública da Cidade de São Paulo [Texto integral]
  • Libros de Geografía en la primera biblioteca pública de la Ciudad de São Paulo
  • Geography books in the first public library of the City of São Paulo
  • Livres de géographie dans la première bibliothèque publique de la ville de São Paulo
  • Gustavo Soares Iorio
  • Alguns aspectos metodológicos em História da Geografia e Geografia Histórica [Texto integral]
  • Relato de pesquisa sobre o Ministério do Interior no Brasil
  • Algunos aspectos metodológicos en Historia de la Geografía y Geografía Histórica: informe sobre una investigación acerca del Ministerio do Interior de Brasil
  • Some methodological aspects in history of Geography and historical Geography: research report on the Ministério do Interior in Brazil
  • Quelques aspects méthodologiques dans l’histoire de la géographie et la géographie historique: rapport de recherche sur le Ministério do Interior au Brésil.
  • Paulo Vitor Siffert
  • Nord-Pas de Calais, Valônia e Flandres [Texto integral]
  • Origens de um espaço transfronteiriço comum do século XXI
  • Nord-Pas de Calais, Wallonia and Flanders: origins of a 21st Century common cross-border space
  • Nord-Pas de Calais, Valona y Flandres: orígenes de un espacio transfronterizo común del siglo XXI
  • Nord-Pas de Calais, Wallonie et Flandres: les origines d’un espace transfrontalier commun au XXIème siècle
  • Documentos, mapas e imagens
  • Carla Monteiro Sales
  • Os mapas artísticos de Horacio Zabala na ditadura militar argentina [Texto integral]
  • David Ramírez Palacios
  • Dos cartas de Pierre Denis a Francisco Javier Vergara y Velasco, 1910 [Texto integral]
  • Notas de Pesquisa
  • Maria Gabriela Bernardino
  • Notas sobre a trajetória do cartógrafo Francisco Jaguaribe de Mattos (1910-1952) [Texto integral]

Terra Brasílis. [?], v.8, 2017.

  • Dossiê “5º Congresso Brasileiro de Geografia – 100 anos”
  • Sob a direcção de Sergio Nunes Pereira e Rita de Cássia Martins de Souza
  • https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.1947
  • Sergio Nunes Pereira e Rita de Cássia Martins de Souza
  • Editorial [Texto integral]
  • “5º Congresso Brasileiro de Geografia – 100 anos”
  • Luciene Pereira Carris Cardoso
  • Meio século de Congressos Brasileiros de Geografia [Texto integral]
  • Impressões de uma releitura
  • Half century of the Brazilian Congresses of Geography: impressions of a re-reading
  • Medio siglo de Congresos Brasileños de Geografía: impresiones de una nueva lectura
  • Cinquente ans de congrès brésiliens de geographie: impressions à propòs d’une nouvelle lecture
  • André Nunes de Sousa
  • Bernardino de Souza e o desenvolvimento da Geografia no Brasil [Texto integral]
  • Passagens do 5º Congresso Brasileiro de Geografia
  • Bernardino de Souza and the development of Geography in Brazil: passages of the 5th Brazilian Congress of Geography
  • Bernardino de Souza y el desarrollo de la Geografía en Brasil: pasajes del 5º Congreso Brasileño de Geografía
  • Bernardino de Souza et le développement de la géographie au Brésil: passages du 5ème Congrès brésilien de géographie
  • Caroline Bulhões Nunes Vaz
  • Entre o sertão e a nação [Texto integral]
  • Memórias de Theodoro Sampaio no 5º Congresso Brasileiro de Geografia
  • Between the sertão and the nation: scientific proceedings of Theodoro Sampaio at the 5th Brazilian Congress of Geography
  • Entre el sertão y la nación: memorias de Theodoro Sampaio en el 5º Congreso Brasileño de Geografía
  • Entre le sertão et la nation: des rapports scientifiques de Theodoro Sampaio dans le 5ème Congrès Brésilien de Géographie.
  • Wendel Henrique Baumgartner
  • A Geografia das Cidades em Bernardino José de Souza [Texto integral]
  • Influência alemã e conhecimento local nas monografias descritivas do estado da Bahia
  • The Geography of Cities by Bernardino José de Souza: German influence and local knowledge in the descriptive monographs of the state of Bahia
  • La Géographie des villes Bernardino chez José de Souza: l’influence allemande et les connaissances locales dans les monographies descriptives de Bahia
  • La Geografía de las ciudades Bernardino en José de Souza: influencia alemana y conocimiento local en las monografías descriptivas de Bahía
  • Maria Inês Corrêa Marques
  • Recursos teórico-metodológicos no estudo da história das instituições de pesquisa [Texto integral]
  • Theoretical-methodological resources in the study of the history of research institutions
  • Recursos teóricos y metodológicos en el estudio de la historia de las instituciones de investigación
  • Ressources théoriques et méthodologiques dans l’étude de l’histoire des institutions de recherche
  • Artigos
  • Carla Lois
  • Los mapas y las geometrías del espacio [Texto integral]
  • La imagen cartográfica como praxis de la espacialización del pensamiento
  • Os mapas e as geometrias do espaço
  • Maps and geometries of space
  • Cartes et géométries spatiales
  • Pascal Clerc
  • La « géographie coloniale » en France [Texto integral]
  • Une catégorie à déconstruire
  • A “geografia colonial” na França: uma categoria a desconstruir
  • Deconstructing “Colonial Geography” in France
  • La “geografía colonial” en Francia: una categoría a deconstruir
  • Maria do Carmo Andrade Gomes
  • Relatos, esboços e cadernetas de campo [Texto integral]
  • Objetos cartográficos entre a materialidade e a invisibilidade
  • Narratives, sketches and field notebooks: cartographic objects between materiality and invisibility
  • Relatos, bosquejos y cuadernos de campo: objetos cartográficos entre la materialidad y la invisibilidad
  • Récits, croquis et carnets de terrain: les objects cartographique entre la matérialité et l’invisibilité
  • Rildo Borges Duarte
  • Projetos para um país em projeto [Texto integral]
  • O Clube de Engenharia e a Carta do Brasil ao Milionésimo
  • Projects for a country project: The Engineering Club and the Brazil’s Millionth Chart
  • Los proyectos para un proyecto de País: El Club de Ingeniería y la Carta de Brasil para lo Millonésimo
  • Projets pour un projet national: Le Club de l’Ingénierie et de la Carte du Brésil à Millionth
  • Rafael Gonçalves de Almeida
  • A emergência da favela como objeto da prática médica [Texto integral]
  • Do neo-hipocratismo à teoria dos germes
  • The emergence of the favela as an object of medical practice: from neohippocratism to germ theory
  • La emergencia de la favela como objeto de la práctica médica: del neo-hipocratismo a la teoría de los gérmenes
  • L’émergence de la favela comme objet de pratique médicale: du néohippocratisme à la théorie des germes
  • Eliano de Souza Martins Freitas
  • Cinema e história urbana: reflexões sobre a natureza e a urbanização contemporânea, a partir do filme A Vila [Texto integral]
  • Cinema and urban history: reflections on the nature and the contemporary urbanization, from the film A Vila
  • Cine e historia urbana: reflexiones sobre la naturaleza y la urbanización contemporánea a partir del film A Vila
  • Cinéma et histoire urbaine: réflexions sur la nature et l’urbanisation contemporaine d’es le filme A Vila
  • Lara D’Assunção dos Santos
  • Cultura da exploração e sobrevivência [Texto integral]
  • Diálogos a partir de Timothy O’Sullivan, Ansel Adams e Sebastião Salgado
  • Culture of exploration and afterlife: dialogues from Timothy O’Sullivan, Ansel Adams and Sebastião Salgado
  • La cultura de la exploración y la supervivencia: los diálogos desde Timothy O’Sullivan, Ansel Adams y Sebastião Salgado
  • La culture de l’exploration et de la survivance: dialogues de Timothy O’Sullivan, Ansel Adams et Sebastião Salgado
  • Gustavo Francisco Teixeira Prieto
  • Sob o império da grilagem [Texto integral]
  • Os fundamentos da absolutização da propriedade privada capitalista da terra no Brasil (1822-1850)
  • Under the land grabbing empire: the fundamentals of the absolutization of private capitalist property of land in Brazil (1822-1850)
  • Bajo el imperio de las inversiones privadas: los fundamentos del poder ilimitado de la propiedad privada capitalista de la tierra en Brasil (1822-1850)
  • L’Empire de l’accaparement de terre: les fondements de l’absolutisation de la propriété privée capitaliste des terres au Brésil (1822-1850)
  • Doralice Sátyro Maia
  • A ferrovia nas cidades bocas de sertão [Texto integral]
  • Alterações na morfologia e na estrutura urbana
  • “Bocas de sertão”: cities, railways and urban morphology
  • Los ferrocarriles en las “bocas de sertão”: ciudades, políticas ferroviarias y morfología urbana
  • Les chemins de fer dans les “bocas de sertão”: les villes, les politiques de chemin de fer et la morphologie urbaine
  • Rafael Augusto Andrade Gomes
  • A geografia de um livro nos caminhos de seu autor [Texto integral]
  • Uma análise a partir de Geography and Vision, de Denis Cosgrove
  • The geography of a book on the pathways of its author: an analysis from Geography and Vision, by Denis Cosgrove
  • La geografía del libro en los caminos de su autor: un análisis desde Geography and Vison, Denis Cosgrove
  • La géographie d’un livre par les chemins de son auteur: une analyse de la Geography and Vision, Denis Cosgrove
  • Clássicos e textos de referência
  • Sergio Nunes Pereira e André Nunes de Sousa
  • Bernardino de Souza, um inovador da geografia no Brasil [Texto integral]
  • Bernardino José de Souza
  • A sciencia geographica [Texto integral]
  • Seu conceito e suas divisões. Seriação logica dos estudos geographicos
  • Documentos, mapas e imagens
  • Ademir Pereira dos Santos e Rosa Matilde Pimpão Carlos
  • Theodoro Sampaio e a primeira base geodésica do Brasil [Texto integral]
  • Notas de Pesquisa
  • André Nunes de Sousa
  • História da Geografia na Bahia: do Período Regencial à República [Texto integral]

Revista Brasileira de Educação em Geografia. Campinas, v.7, n.14, 2017 / v. 11, n.21, 2021.

Revista Brasileira de Educação em Geografia. Campinas, v.12, n.22, 2022. 

Revista Brasileira de Educação em Geografia. Campinas, n.11, n.21, 2021.

Revista Brasileira de Educação em Geografia. Campinas, v.10, n.20, 2020.

Revista Brasileira de Educação em Geografia. Campinas, v.10, n.19, 2020.

Revista Brasileira de Educação em Geografia. Campinas, v.9, n.18, 2019.

Revista Brasileira de Educação em Geografia. Campinas, v.9, n.17, 2019.

Revista Brasileira de Educação em Geografia. Campinas, v.8, n.16, 2018.

Revista Brasileira de Educação em Geografia. Campinas, v.8, n.15, 2018.

Revista Brasileira de Educação em Geografia. Campinas, v.7, n.14, 2017.

Criatividade, Inovação e as TIC na Educação | Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais | 2017

Este número especial apresenta da Revista Edapeci, traz artigos apresentados no 7º Seminário Internacional Educação e Comunicação, realizado na Universidade Tiradentes, em setembro de 2016. Este evento oferecido a comunidade acadêmica desde 2010 pelo Grupo de Pesquisa Educação e Comunicação tem como objetivo reunir pesquisadores, professores, alunos de graduação e pós-graduação do Brasil e outros países, interessados nos estudos e discussões sobre a relação Educação e Comunicação e as consequências nos processos de aprendizagem dentro e fora do espaço escolar.

É um evento temático, com conferências, mesas redondas e GT, que tem procurado contribuir e fortalecer as discussões iniciadas no primeiro evento em 2010 com o tema a “Educação a Distância e as Tecnologias da Inteligência”. A sétima edição teve como desafio estabelecer uma interlocução entre “Criatividade, Inovação e as TIC na educação”, cujo objetivo foi trazer para o debate os seguintes eixos de discussão: Educação e Comunicação; Educação a Distância; Políticas Públicas de TIC; Educação Comunicação e Saúde; Avaliação sobre o uso das TIC na educação; Criatividade e inovação nas práticas docentes com uso das TIC. Leia Mais

História, Natureza e Espaço. Rio de Janeiro, v.6, n.1, 2017.

DÉCIMA EDIÇÃO

Nesta edição estaremos contemplando todos os resumos de trabalhos que foram apresentados na V Semana de Geografia da FEBF/UERJ

Resumo