Navegando com o sucesso: lições de liderança, trabalho em equipe e capacidade de superar desafios – SCHÜRMANN (MB-P)

 

SCHÜRMANN, Vilfredo. Navegando com o sucesso: lições de liderança, trabalho em equipe e capacidade de superar desafios. Rio de Janeiro: Sextante, 2009. 153p. Resenha de: ANGELATS, Thaís de Souza Carvalho. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

Vilfredo Schürmann, em seu livro Navegando com o Sucesso, traça um paralelo entre os desafios impostos pela navegação oceânica a bordo de um veleiro e os desafios encontrados na gestão de uma empresa. As semelhanças são traduzidas em metáforas com ensinamentos sobre o papel do capitão em relação à sua tripulação, a importância das relações interpessoais, a tranquilidade na tomada de decisões e no gerenciamento dos riscos, e o maior segredo para transformar sonhos em realidade: o planejamento.

Nos capítulos iniciais, Schürmann relata o início do sonho de ser a primeira família brasileira a dar a volta ao mundo, em um veleiro, com filhos pequenos a bordo. Para transformar a aventura em uma realidade, a família Schürmann planejou cada passo, desde a mudança para uma vila de pescadores para aprenderem sobre o mar, até a compra do primeiro veleiro e aulas de vela. Então, eles definiram que em dez anos suspenderiam para a primeira viagem de volta ao mundo.

Nos anos seguintes, compraram um veleiro maior, participaram de regatas no Brasil e no exterior, frequentaram aulas de navegação astronômica, leram livros sobre viagens transoceânicas e sobre os desafios das famílias que vivem em veleiros. Vilfredo Schürmann destaca que, durante todo o tempo, a gestão financeira foi fundamental, especialmente para uma viagem que, inicialmente estava prevista para durar três anos e terminou dez anos depois.

Em família, eles se tornaram empreendedores e, com as diversas atividades desempenhadas por todos, conseguiram equilibrar o orçamento e tornar a viagem autossustentável. Uma das melhores decisões foi começar a filmar as viagens, com o intuito de vender as imagens para canais de televisão interessados. Assim, a aventura deles ficou conhecida por todo o país.

Nos capítulos posteriores, o autor discorre sobre diversos aspectos relacionados à seleção da tripulação, relacionamento interpessoal, trabalho em equipe e liderança. Schürmann ressalta que, em um veleiro, os principais desafios não são as tempestades, mas sim o relacionamento entre as pessoas, em razão do espaço reduzido e do isolamento em travessias oceânicas. Destaca também que, em situações de conflito, cabe ao líder conduzir o diálogo para não afetar as relações interpessoais.

O autor segue fazendo o paralelo entre as tempestades enfrentadas em alto-mar e as turbulências de um mercado incerto, no qual as empresas estão inseridas. Só alcançarão o topo e permanecerão nele os que souberem se integrar à equipe e, assim, como em um veleiro em que o trabalho de um tripulante depende diretamente do trabalho do outro, nas equipes de sucesso não há lugar para egos inflados e atitudes que não sejam de colaboração. Para Schürmann, um líder precisa ter competência e capacidade de comunicação, além de ser ético e dinâmico. E, acima de tudo, um líder tem que saber trabalhar em equipe.

Nos capítulos finais, o autor destaca a importância das pessoas e departamentos se verem como parte do todo, não como células estanques, independentes. Em sua liderança, as inovações e iniciativas pessoais eram constantemente incentivadas para que cada um pudesse trabalhar explorando todo o seu potencial e o dos seus companheiros. O comprometimento com os objetivos do projeto sempre foi muito estimulado e recompensado por Vilfredo Schürmann, o líder da equipe.

Esse reconhecimento foi fundamental para motivar a tripulação, estimulando o crescimento individual e do grupo.

Em Navegando com o sucesso, portanto, Vilfredo Schürmann descreve que a bordo de um veleiro, o relacionamento entre as pessoas e os diferentes cenários são os principais desafios enfrentados. Para ter sucesso, um líder precisa se conhecer muito bem e aprender a entender o outro. Cabe ao capitão do barco, o comandante, a responsabilidade de conduzir os diálogos, analisar com a tripulação os meios para superarem as adversidades, mantendo-se sempre os objetivos alinhados e definidos. Por meio do sucesso de suas expedições, aprendeu que “não se pode mudar a direção dos ventos, mas se pode regular as velas para viver um sonho e realizar a felicidade”.

Thaís de Souza Carvalho Angelats – 1º. Tenente da Marinha do Brasil

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A viagem do Descobrimento: A verdadeira história da expedição de Cabral – BUENO (MB-P)

BUENO, Eduardo. A viagem do Descobrimento: A verdadeira história da expedição de Cabral. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1998 140p. Resenha de: SERAFIM, Márcia Pereira Franco. Um novo olhar sobre a História do Brasil. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

Escrito pelo jornalista Eduardo Bueno com a consultoria do professor Ronaldo Vainfas, o primeiro volume da Coleção Terra Brasilis apresenta linguagem objetiva e de fácil compreensão. Em 140 páginas, o autor apresenta a História Marítima vivenciada pelos portugueses nos séculos XV e XVI e detalha, entre outras, a expedição comandada por Pedro Álvares Cabral.

Inicialmente é apresentado – de forma rápida, porém minuciosa – um compêndio de como a esquadra de Cabral avistou, no dia 22 de abril de 1.500, nas horas de véspera, a terra que seria posteriormente chamada de Brasil. São descritos os preparativos para a expedição incumbida pelo rei D. Manoel I e detalhes da esquadra comandada por Cabral, composta por 10 naus e 3 caravelas, tida como “um pedaço flutuante de Portugal” (p.18), “muito poderosa em armas e em gente luzidia” (p.19), com fortes influências do Cristianismo e que visava à travessia para a Índia e ao comércio de especiarias, além de tentar demonstrar o poderio militar de Portugal ao Samorim de Calicute, que havia desprezado a expedição anterior comandada por Vasco da Gama Embora a missão de Cabral fosse clara, nada o impedia de investigar os indícios da existência de terras a oeste dos Açores e da Madeira, percebidos por Vasco da Gama e tidos como “provas” pelos defensores da teoria da intencionalidade da descoberta do Brasil (p. 9).

Os capítulos seguintes trazem detalhes da História Marítima Portuguesa. No primeiro – “De Lisboa a Vera Cruz” – são abordados os aspectos da escolha dos capitães das embarcações e breve biografia; seus salários e direitos; do custeio da expedição pela iniciativa privada; das divisões da frota; da composição e da alimentação da tripulação; das características das naus, além das motivações para a decisão e a preparação da expedição de Cabral rumo as Índias.

Sabia-se que, para chegar até a Índia, a esquadra deveria realizar a manobra chamada de “volta do mar”. Ao empreender essa volta, Cabral seguiu as orientações de Vasco da Gama e abriu seu rumo para o sudoeste. Os ventos que o conduziam até a Ásia, o levaram a descobrir o Brasil. Neste ponto, fica claro o posicionamento favorável do autor à teoria da intencionalidade, ao defender que a existência da nova terra era prevista em Portugal desde meados do século XV.

Para compreender essa viagem é necessário analisar o processo expansionista dos portugueses. Assim, o segundo capítulo – “Portugal Conquista o Mundo” – traz, de forma ora sucinta, ora enfadonha, os fatos históricos afetos às ações portuguesas e, principalmente, à descoberta da rota marítima para as Índias por Vasco da Gama.

No terceiro e último capítulo – “A semana de Vera Cruz” – o autor vasculha os principais documentos da época e apresenta relatos dos 10 dias nos quais a esquadra de Cabral ficou aportada no Brasil, como as diferenças culturais e sociológicas existentes entre os indígenas e os portugueses. Retrata ainda as dificuldades de Cabral para chegar a Calicute e os desdobramentos desta chegada, além de seu regresso a Lisboa e o relato de outras expedições portuguesas, como a que levou Américo Vespúcio a batizar o novo continente e a selar os destinos do Brasil.

O apêndice aborda a tese de que a descoberta do Brasil teria sido por acaso. Em contrapartida, apresenta argumentos da intencionalidade do “achamento” de Cabral, entretanto, conclui que ambas as teses não puderam, e talvez jamais possam, ser definitivamente comprovadas. Expõe ainda que no ano de 1.920 surgiu a polêmica de que outros navegantes chegaram ao Brasil antes de Cabral, porém afirma que as consequências práticas dessas viagens foram irrelevantes para o descobrimento sociológico da Terra de Santa Cruz.

Conclui-se que esta não é uma obra que busque a discussão, mas que apresenta uma nova perspectiva sobre a História do descobrimento, mantendo-se fiel à versão oficial que considera os portugueses como navegadores audazes e reveladores dos caminhos para novas conquistas.

Acrescentando muito pouco sobre o contexto europeu da época e até mesmo sobre o processo expansionista da Espanha, principal rival de Portugal na “corrida ultramarina”, Eduardo Bueno considera indiscutível, no decorrer de toda a obra, a intencionalidade dos portugueses no descobrimento do Brasil, entretanto traz importantes dados para que inúmeras conclusões possam ser tomadas pelo leitor, uma vez que o próprio autor cita que “essa é uma questão aberta, e por assim ser só aumenta o seu fascínio” (p. 132).

Márcia Pereira Franco Serafim – CT (T) Marinha do Brasil

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Experiência social e escrita da história: relações de poder na contemporaneidade / Tempos históricos / 2017

A construção do dossiê traz, nesse momento de inquietude histórica, um repertório de reflexões em que ganhou espaço questões tangenciadas por uma trama de mudanças e permanências na confrontação de valores, expressas no campo de forças da dinâmica social. Os artigos que compõem esse número não só reafirmam como determinadas problemáticas (significadas na experiência social) são pautadas na historiografia, mas indicam como os trabalhadores se colocaram, foram vistos nas relações em que se envolveram e avaliados na cena historiográfica.

As disputas recentes pela manutenção da reflexão histórica como um espaço legítimo de discussão das relações de poder se fizeram (e ainda se fazem) práticas necessárias, pois é nesse terreno de debate que nossas investigações ganham publicidade e tematizam os usos da história. Nele, podemos tratar aspectos das tensões e da visibilidade que a pulsão de determinados embates dinamiza socialmente.

Por tudo isso, consideramos que esse dossiê não aponta apenas um conjunto de pesquisas acadêmicas que tiveram em comum um elo temático ou teórico. As produções apontaram peculiaridades, preocupações e visões do universo social, que deixaremos o(a) leitor(a) analisar, para perceber a intensidade e a direção que a singularidade de cada produção cingiu.

Maciel Silva retoma em sua investigação a presença de trabalhadores domésticos nas cidades de Salvador- BA e Recife-PE, observando as tensões vivenciadas na passagem do séc. XIX para o XX, particularmente ligadas a alterações de costumes e relações de trabalho. O autor, para tratar tais questões, evidencia a sociedade escravocrata brasileira, apontando regulamentos e práticas do trabalho doméstico dessa historicidade.

No artigo de Santos, ao analisar a movimentação social de trabalhadores, ele discute as intenções e ponderações manifestas nas alternativas e relações produzidas pelos sujeitos indicados na pesquisa. O autor retoma debates sobre a construção de procedimentos da pesquisa histórica, inclusive na produção e uso da fonte oral, ao destacar a presença de trabalhadores no Oeste do Paraná e os caminhos traçados por eles frente a pressões e limites de classe.

Por sua vez, Silva Junior traz a cidade como foco de análise, elegendo o debate sobre a habitação popular no país, destacando a questão da moradia a partir de Uberlândia-MG. Ele investiga entre 1960 e início da década de 1990 para compreender certas confrontações que perpassam a luta pelo onde e como morar nas cidades brasileiras nessa temporalidade. O autor retoma ações da Administração Municipal, a visibilidade dessas proposições na imprensa, bem como as práticas de um conjunto de trabalhadores para discutir como valoraram e disputaram a cidade ao colocarem em questão a sua condição de moradia e seu modo de viver.

Speranza traz em seu artigo um debate sobre a tentativa de classificação racial de trabalhadores no Rio Grande do Sul no período do Estado Novo. A autora analisa formulários de identificação profissional e, ao mesmo tempo, sugere leituras das relações de poder, estabelecidas a partir dos usos desse suposto de distinção social e a criação da carteira profissional no país. Seu diálogo com os formulários permitem ao(a) leitor(a) avaliar as intenções e registros que demarcavam as relações de trabalho naquela historicidade.

Na produção de Fiorotti, encontramos a discussão sobre relações de trabalho, envolvendo práticas de transporte de mercadoria não regulamentada entre Brasil e Paraguai nas décadas de 1960 e 1970. A autora utiliza narrativas orais, legislação e autos criminais do acervo referente à Comarca de Toledo-PR para analisar a ocorrência e a relação desses atos com os trabalhadores envolvidos.

Maurício Santos retoma Teresina de 1950 para destacar a visão que a imprensa piauiense produzia sobre a “movimentação dos flagelados”. O autor faz um intenso debate sobre a leitura da fome e da pobreza no Piauí e traz para o (a) leitor(a) os incômodos e as narrativas sobre a presença desses sujeitos na capital, permitindo que os interesses e tensões sociais sejam avaliadas e redimensionadas a partir da confrontação experimentada na cidade.

Peres encerra o conjunto de produções trazendo à tona uma discussão sobre as disputas que envolvem a escrita da história. Para tanto, usa como repertório os sentidos de história que pautam a cidade de Araguari-MG, onde indica enredos variados, formulados em memórias distintas, delineando possibilidades analíticas que se vinculam a um universo tenso de visões de mundo e projetos de cidade.

Essas produções não encerram os debates, ao contrário, convidam os (as) leitores(as) a provocar o encontro analítico entre experiência social e escrita da história.

Heloisa Helena Pacheco Cardoso – Professora Titular dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pós- Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC / SP).

Sheille Soares de Freitas – Professora Adjunto C dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).


CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco; FREITAS, Sheille Soares de. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.21, n.1, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Revoluções, Insurreições e Resistências / Tempos históricos / 2017

O ano de 2017 foi um importante marco comemorativo da história mundial: a Revolução Soviética de 1917. Este fato foi relembrado mundo afora, acompanhado de lembranças sobre outros momentos importantes do movimento internacional dos trabalhadores. No caso brasileiro, a Greve de 1917, e vários outros momentos da luta da classe que se inspiraram de alguma forma na Revolução. Tivemos nesse ano uma profusão de publicações sobre aspectos distintos da Revolução: a experiência soviética; o papel das mulheres; a questão sexual; a produção revisionista, são apenas alguns deles. Noutros pontos do mundo, e especialmente na Europa, o discurso revisionista, que desde há décadas tem procurado, como se fizera já no período de entre guerras mundiais, demonizar a Revolução de Outubro e, por consequência, apresentar os processos revolucionários como “excrescências” da história, teve que se enfrentar com a renovação do interesse na investigação sobre os processos de participação política de massas e os novos movimentos sociais à luz das releituras empenhadas da revolução de 1917.

Embora durante muito tempo a revolução tenha sido tratada apenas pelo viés do Partido Bolchevique, as questões que foram mobilizadas por ela vão além do partido, e remetem a distintas questões da classe trabalhadora organizada. Se a revolução terá sido, como sublinhou Eric Hobsbawm no seu A era dos extremos, “o acontecimento central da história do séc. XX, da mesma forma como a Revolução francesa o foi do séc. XIX”, o conjunto do século foi marcado sem qualquer sombra de dúvidas pela experiência soviética, seja do ponto de vista da classe, como da burguesia que se organiza contra ela. “A Revolução de Outubro suscitou o maior, de longe, movimento revolucionário organizado da história moderna”, fazendo com que “ao fim de apenas 30 ou 40 anos da chegada de Lénine à Estação da Finlândia em Petrogrado”, em abril de 1917, um terço da humanidade vivesse sob regimes que decorriam diretamente dos ‘Dez das que abalaram o mundo'”, como lhes chamou John Reed. De uma forma ou doutra, todos os movimentos emancipatórios do séc. XX se inspiraram nos bolcheviques na sua luta contra o imperialismo como modelo de dominação no mundo industrial e pós-industrial. Em consequência, a partir de então, as estratégias de resistência e de recuperação do imperialismo ao longo do século XX estiveram diretamente vinculadas aos avanços concretos do anticomunismo, e após a II Guerra Mundial, pela Guerra Fria.

O final do século XX trouxe as ideologias do “fim do comunismo” e dos fins “da ideologia”, com a implantação da doutrina do “pensamento único”. Tudo isso nos fez imaginar que esse centenário passaria em branco e que o máximo que nos proporcionaria seriam discursos saudosistas ou textos revisionistas fragmentários. Felizmente, não foi isso que vimos. A Revolução foi retomada como problema histórico, novos personagens vieram à luz da pesquisa histórica, novos problemas foram colocados. Somente no Brasil foram dezenas de eventos alusivos à Revolução Russa. Os mesmos geraram e ainda vão gerar discussões, artigos e livros sobre distintos aspectos da revolução.

Ao mesmo tempo, experiências como nosso dossiê também se inserem nas distintas propostas que buscaram pautar os movimentos revolucionários do século XX, seus sujeitos, seus problemas, seus limites e possibilidades. O dossiê reúne um conjunto de oito artigos que tratam de distintos momentos de processos revolucionários, ou de discussões que se inseriam em posições, sejam anarquistas, socialistas ou comunistas sobre formas de combater o capitalismo ao longo do século XX. Essa história inconclusa chega ao século XXI, com as novas esquerdas e direitas e com os movimentos sendo retomados, e são esses os temas abordados no dossiê.

O movimento operário carioca em perspectiva nas páginas da Revista Gil Blas (1919-1920), de Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus é o primeiro artigo do dossiê. Revistas podiam ser porta-vozes de projetos, como neste caso, portadora de um projeto liberal, mas não podendo abrir mão de pautar as questões concernentes à classe operária, efervescente no período analisado. Mesmo com posição liberal, a revista não abriu mão completamente de dar voz aos próprios operários, conforme apresenta o autor, que busca contextualizar as posições do anarquista José Oititica na revista Gil Blas. Entretanto, outras posições operárias também eram trazidas, apontando para uma diversidade de posições apresentadas, pela revista no período analisado, endossando a tese da falta de clareza ideológica daquele período por parte da classe trabalhadora.

Socialismo e Revolução nas páginas do Clarté, de Michel Goulart da Silva também trata de um grupo que se organiza, a partir de uma perspectiva inspirada na Revolução Russa, por um viés socialista reformista. Um grupo sediado em Paris, passa a constituir no Brasil um grupo com o mesmo nome, publicando igualmente uma revista no Brasil, com contatos com outros grupos na Argentina. Divulgadores da Revolução Soviética, não eram totalmente identificados com o comunismo, não havendo identificação significativa com o PCB. Este é um dos temas explorados com detalhes pelo autor do artigo.

O artigo Bandeiras negras contra camisas verdes: anarquismo e antifascismo nos jornais A Plebe e A Lanterna (1932-1935), de André Rodrigues enfatiza a posição dos jornais anarquistas para um problema social concreto, a emergência do fascismo e as disputas acirradas entre as divergentes posições ideológicas. Os jornais fizeram parte da ampla militância antifascista de seus diretores, em um momento em que o movimento integralista tinha grande força mobilizadora junto a parcelas das camadas baixas da sociedade. Da mesma forma, destaca-se que o estudo busca o movimento anarquista não nos reconhecidos anos 1910 ou 20, mas mostra que nos anos 1930 o movimento também existiu, não tendo acabado quando a classe teria descoberto o comunismo como única alternativa. Ademais, a sua atuação pode ser vista no sentido amplo de uma imprensa que era parte organizativa de grupos que também faziam a luta de rua, lutando abertamente contra o fascismo daquela época.

Os movimentos feminista e comunista no Brasil: história, memória e política, de Iracélli da Cruz Alves contribui para desmistificar um tema recorrente, o tratamento dado ao feminismo pelos comunistas no Brasil. Mas essa posição era divergente no próprio âmbito comunista, em que parte das militantes preferiam ser chamadas de “militantes femininas” a “militantes feministas”. Há ainda uma discussão histórica acerca do problema, que tem desdobramentos na historiografia. Já que o tema passa a comparecer na historiografia a partir do período de redemocratização, há uma forte tendência a situar o feminismo apenas a partir da experiência das militantes exiladas durante a ditadura e que teriam vivenciado as experiências do maio francês. A autora mostra, a partir da pesquisa, os erros dessa posição.

Perspectivas teóricas, trajetória e o projeto político dos comunistas cubanos durante a década de 1940, de Ana Paula Cecon Calegari traz a questão do comunismo antes da Revolução Cubana, através do projeto político do Partido Socialista Popular (PSP). A Revolução não foi um “raio em céu azul”, embora não estivesse escrita nos anos 1940, foi a existência de movimentos políticos comunistas anteriores que ajuda a compreender o seu sucesso. Utilizando elementos de análise de discurso, a autora busca perceber elementos políticos os discursos presentes na imprensa dos comunistas.

“Rompendo com a natureza artesanal de nosso funcionamento”: ações armadas do PCBR na Bahia e seu pragmatismo revolucionário durante a década de 1980, de Lucas Porto Marchesini Torres traz uma experiência pouco conhecida do público leitor. Trata-se de um estudo sobre um grupo que realizava ações armadas de expropriação de bancos, já na década de 1980, e ligados ao Partido dos Trabalhadores. De forma problematizadora, o autor indaga a versões correntes sobre o fato e apresenta a complexidade dos elementos envolvidos, sobretudo no assalto malogrado na Bahia, em 1986. Mostra que a democratização do final dos anos 1980 foi muito mais conflituosa e complexa para a classe trabalhadora do que a história oficial até hoje busca demarcar sobre aquele período de “odes à democracia”.

Nuevas izquierdas y nuevas derechas: debates em torno a la conceptualización de los processos políticos latino-americanos recientes, de Hugo Daniel Ramos, traz o tema para o tempo presente e para as “novas esquerdas”, relacionadas com as “novas direitas” na América Latina. Faz um apanhado as características principais do material proposto para análise, um conjunto de textos do que chama de “nova esquerda” e uma pequena amostra de textos de direita. Em segundo momento, busca sintetizar a bibliografia sobre os governos considerados de “nova esquerda” na América Latina. Por fim estabelece conclusões provisórias, entre as quais, a ineficácia do par antitético esquerda x direita” para qualificar os grupos sociais da atualidade.

A esfinge da esquerda brasileira: decifrando junho a partir de Porto Alegre e de um novo ciclo de greves e lutas sociais, de Carlos Fernando de Quadros; Frederico Duarte Bartz; Guilherme Machado Nunes discute as Jornadas de Junho de 2013 no Brasil, estudando o caso de Porto Alegre. Mostra o efetivo aumento de manifestações de rua de caráter rebelde e não centralizado. Discute as leituras feitas pela esquerda hegemônica no Partido dos Trabalhadores que busca vincular o Golpe de 2016 à emergência dessas manifestações de 2013.

Manuel Loff – Professor Associado no Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais (área de História Contemporânea) da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal.

Carla Luciana Silva – Professora Associada da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Marechal Candido Rondon.


LOFF, Manuel; SILVA, Carla Luciana. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.21, n.2, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Revista de História | Salvador, v.6, n.1-2, 2017.


Revista de História. Salvador, v.6, n.1-2, 2017.

Expediente

  • Expediente | Editores RHUFBA | PDF

Editorial

  • Editorial | Alan Passos, Alex Ivo, Ana Aparecida Gonzaga da Silva, Cândido Eugenio Domingues de Souza | PDF

Artigos

Brasil: uma biografia | Lilia Moritz Schwarcz

Brasil: uma biografia [1], obra escrita em conjunto pela historiadora Heloísa M. Starling [2] e pela antropóloga e historiadora Lilia M. Schwarcz [3], traz em si, como toda boa síntese propõe-se a fazer, um sentido outro para a história desse personagem conhecido pelo nome que vingou entre tantos outros, Brasil.

Com o auxílio de extensa bibliografia e documentos-chave para a compreensão de determinados acontecimentos e períodos que marcaram o desenrolar da história brasileira, as autoras optaram por uma narrativa na qual o Brasil aparece na categoria de personagem, dotado de interesses, vontades e dilemas. Sua história se inicia às vésperas da chegada dos europeus ao então chamado Novo Mundo, habitado pelos povos indígenas e coberto por uma exuberância tropical, até os idos de 1995, apesar das autoras concluírem com referências diretas aos governos Lula e Dilma e aos ocorridos de 2013, ano marcado por manifestações públicas em prol de maior amplitude dos direitos sociais e de uma política menos íntima da corrupção. Leia Mais

Intelectualidade Latino-americana, Cultura e Política no Século XX / Cantareira / 2017

Ao longo do século XX, a figura do intelectual tanto no Brasil quanto na América Latina em geral, foi moldando-se através das décadas. O chamado intelectual circulava entre os meios políticos e culturais, produzindo, criando e recriando através do lugar onde considerava estar e suas relações com a sociedade. Entre as décadas de 1920 e 1940, ocorreu um determinado esforço dos meios intelectuais em construir e afirmar uma identidade nacional no nosso país e pela América. A ideia era definir o que seria a cultura nacional, noção que foi fortalecida após 1930, momento em que essa intelectualidade flertou com os movimentos autoritários, muitas vezes apoiando o fortalecimento das funções do Estado e rejeitando a noção de democracia representativa em todo continente, como vemos claramente no Brasil, Argentina, etc. Por mais que se falasse em nação e sociedade, as formas de ação vinham de “cima para baixo”, tendo a elite à frente dos processos e não as camadas mais baixas, a partir de uma visão hierárquica da ordem social.

Os anos de 1950 modificam essa noção, transformando a visão de mundo e as ideias dessa intelectualidade a partir de um processo de modernização iniciado em décadas anteriores e que ganhou maior impulso nesse período, abrangendo diversos países latino-americanos. Povo e nação tornaram-se indissociáveis, pois as massas populares eram a garantia da unidade nacional, tornando essas noções tanto panfletos da intelectualidade quanto de grupos políticos, principalmente os de cunho populista.

A intelectualidade de esquerda começa a ganhar força a partir das décadas de 1950 e 1960. Muitos desses intelectuais acreditavam ter como missão atuar como interpretes desse povo, ajudando-os na tomada de consciência de sua vocação revolucionária. Estava em curso um projeto que visava ao desenvolvimento econômico e à emancipação das classes populares, o que levaria à independência das noções que se envolvessem nesse plano. Os intelectuais de esquerda desse período, de modo geral, sofreram a influência do marxismo e de ideologias vinculadas aos partidos comunistas espalhados pela América Latina. No Brasil, o Partido Comunista Brasileiro auxiliou na construção de uma cultura política e a identidade do grupo. Havia a existência de um lugar que esses intelectuais atribuíram a si e uma necessidade de reconhecimento de seu lugar e importância dentro da sociedade presente neste processo.

Com o fim das ditaduras militares e governos autoritários, juntamente com o processo de redemocratização política em curso em diversas nações latino-americanas, houve uma transformação na posição dos intelectuais na sociedade. Nessa dança das cadeiras, a intelectualidade abandonava uma determina posição de superioridade em relação às demais categorias sociais. Se durante muitos anos as noções diferenciadas da realidade desses países e a heterogeneidade social desses grupos haviam sido deixadas de lado em prol de uma oposição aos regimes autoritários, o retorno a democracia escancarou os limites dessa, até então, união, abrindo as portas para conflitos de identidade.

Foi a partir de fins dos anos de 1970 e na década de 1980, no novo contexto político e social que se apresentou nesses países latino-americanos, que intelectuais renomados e atuantes foram gradativamente perdendo seus espaços na sociedade, dentro da política, dos meios culturais, onde quer que fossem seus meios de atuação. Aos intelectuais atuantes e engajados das décadas anteriores se propunha um novo dilema: a hora era de adaptação, sendo momento de reinventar-se ou sair de cena. As últimas duas décadas do século XX marcaram um período de transição política, econômica e social no Brasil e no mundo, além de mudanças e buscas por novos espaços pela intelectualidade. O colapso dos regimes comunistas na Europa, a crise do marxismo, o início do desgaste de modelos alternativos de esquerda como o caso da China, levaram a intelectualidade nos moldes que eram até então estabelecidos a diminuir sua influência e credibilidade na sociedade, levando a uma crise política no interior desse grupo.

Dentro desse processo de instabilidade ocorreu uma crise de caráter identitário, principalmente pelo surgimento de novos formadores de opinião, com quem essa intelectualidade característica do século XX veio a disputar lugar. Com a perda de espaço para personalidades midiáticas, paulatinamente, os intelectuais foram perdendo seu locus como porta-vozes das questões nacionais, o que os guiou e reforçou uma crise ideológica que pode ser percebida tanto na América Latina como em outros lugares do mundo. As novas vozes começaram a se levantar da mídia, sendo alçadas ao papel de formadores de opinião e tendo presença marcante nos meios de comunicação. Com isso, aquela intelectualidade identificada com os modelos que vinham desde a década de 1920 ia gradativamente perdendo seus espaços anteriormente conquistados.

As arenas que nas décadas do século XX foram ocupadas por uma determinada intelectualidade através dos livros, passando pelos palcos teatrais e chegando às telas de tevê durante a segunda metade do século XX com o fim do milênio e entrada no século XXI tiveram suas definições foram atualizadas. Hoje, onde a internet com seus canais de vídeos, blogs, vlogs e etc. – através de computadores, tablets e smartphones – ocupa um acentuado papel junto a outras mídias como televisão, cinema e rádio, houve uma ampliação dos ambientes para ver, ouvir e falar. Personagens ligadas à televisão, ao meio musical, à internet, e atividades intelectuais foram ganhando espaço dentro dessas diferentes mídias. Num mundo cada vez mais tecnológico, no qual os livros feitos de “papel e tinta” disputam atenção com os hipertextoscom gadgets, algumas personagens como os astros de futebol mantêm sua importância, juntamente com as novas personalidades. Ocorre também uma tendência de pessoas cada vez mais jovens exporem suas opiniões e ideias para um público igualmente jovem. Esses chamados influenciadores por vezes tornaram-se vozes das novas gerações, que estão cada vez mais conectadas e influenciadas pelas plataformas digitais. Dos ídolos adolescentes a filósofos reconhecidos, esses grupos foram ocupando locais de diálogo que décadas atrás eram vinculados a uma intelectualidade que tinha bases nas definições feitas ainda no século XX.

Esta edição teve como objetivo estimular uma reflexão e debate sobre a intelectualidade através das conexões entre história, política e cultura, essa vista como uma convergência de métodos e interesses diversos, relacionada às atividades culturais e as atividades sociais, estabelecendo uma conexão estreita entre cultura e política.

Esses intelectuais eram, em geral, ideólogos de um projeto que primava pelo desenvolvimento econômico, pela emancipação das classes populares e pela independência nacional. Havia a crença de serem conscientizadores do povo e uma ideia de que a proximidade da revolução, tanto social, política, ou socialista, era latente, movimento esse sentido em diversos países latino-americanos.

As relações entre cultura e política e as discussões sobre o papel da intelectualidade – seus ideais, transformações e permanências – foram os eixos centrais das discussões aqui apresentadas. Os debates sobre a noção de cultura e intelectualidade, oferecendo um panorama geral sobre a cultura latino-americana na primeira metade do século XX; a cultura em tempos de exceção, o papel dos intelectuais – tanto os de direita, quanto os de esquerda – e as formas de engajamento; argumentações acerca da cultura, do papel dos intelectuais e dos seus meios de atuação à partir da redemocratização no Brasil e em outros países da América Latina.

Três artigos articulam as questões levantadas seguindo a temática do dossiê. O primeiro – Literatura e(m) movimento (negro): debates e embates sobre cultura, política e organização entre a intelectualidade negra brasileira (1978-2000) –, de autoria de Bárbara Araújo Machado, analisa os debates e as estratégias políticas, culturais e de organização da intelectualidade – a partir da concepção de intelectuais orgânicos de Antonio Gramsci – dentro do movimento negro contemporâneo. Nele está apontado as mudanças ocorridas dos anos de 1970 até o início do século XXI. Rachel de Queiroz e seu engajamento político dentro de jornais e revistas durante a primeira metade dos anos de 1960, das eleições de Jânio Quadros ao início do governo militar, é o tema do segundo texto – “Jornalismo de combate” nas páginas da revista O Cruzeiro: o engajamento político de Rachel de Queiroz (1960-1964) –, de autoria de Fernanda Mendes. Amanda Bastos da Silva é a autora do terceiro artigo do dossiê – Euclides da Cunha, Manoel Bonfim e a complexidade do século XX. Seu trabalho está centrado nas relações entre intelectualidade, a partir das figuras de Euclides da Cunha e Manoel Bonfim, suas concepções e ideias de Brasil e suas influências na cultura nacional, com foco no cinema, mais especificamente nos filmes O Pagador de Promessas e Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Na seção livre, temos o artigo de Paula de Souza Valle Justen – A palavra escrita do rei: chancelaria e poder régio através de uma carta plomada –, que refere-se à análise de um diploma régio emitido por Afonso X, por seu caráter excepcional, além de suas condições e seu lugar de produção, pensando sobre a sua função dentro no contexto da segunda metade do século XIII. Bárbara Benevides, em seu texto Implantação e Normatização da Pena Última no Brasil Colonial (1530-1652), reflete sobre a normatização e estabelecimento da pena de morte no Brasil durante os anos de 1530 e 1652. Limites das Administrações Ibéricas: e Conflitos Sociais no Rio da Prata de Inícios do Século XVIII: Um Estudo de Caso, de Matheus de Oliveira Vieira, se debruça sobre questões concernentes à administração portuguesa e o escoamento de produtos em região de fronteira na Colônia de Sacramento.

Daniel Schneider Bastos trata das polêmicas dentro dos grupos liberais e conservadores em torno da utilização e exploração do trabalho infantil dentro das indústrias da Inglaterra, além da introdução de leis trabalhistas que também beneficiassem a burguesia industrial, durante as décadas de 1830 e 1840 no texto A Questão dos Pequenos Operários: Liberalismo, Conservadorismo e Trabalho Infantil Durante a Fase Final da Revolução Industrial na Inglaterra. O artigo de Fabiane Cristina de Freitas Assaf Bastos – A Crise do Capitalismo e o Mundo Imperialista (1870-1920) – estabelece um debate sobre as relações entre o Imperialismo e as modificações em relação a globalização do mundo a partir da crise do Capitalismo inglês a partir de 1870, além da transição de um antigo para um moderno capitalismo. Finalizando os artigos desta edição, temos o texto de Pedro Sousa da Silva – A Trajetória da Revista Municipal de Engenharia: Planejamento Urbano e Influência do Urbanismo Norte-Americano no Rio de Janeiro (1930-1945) –, que aborda as mudanças dentro dos debates sobre o planejamento urbanístico durante as décadas de 1930 e 1940 através da Revista Municipal de Engenharia, que foram analisados entre os anos de 1932 e 1945.

Fechando esta edição, temos uma entrevista com Paulo César Gomes Bezerra, doutor pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro e editor / criador do site História da Ditadura2 , que produz e divulga conteúdos sobre a história recente de nosso país. Nela, apresentam-se aspectos de suas pesquisas recentes, focadas nas relações diplomáticas entre Brasil e França durante as décadas de 1960 e 1970, além de reflexões sobre a produção de conteúdo historiográfico em mídias digitais e a chamada História Pública.

Boa Leitura!

Nota

1. http: / / historiadaditadura.com.br / sobre /

Aline Monteiro de C. Silva – Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: alinemsc@gmail.com


SILVA, Aline Monteiro de C. Apresentação. Revista Cantareira, Niterói- RJ, n.26, jan / jun, 2017. Acessar publicação original [DR]

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A águia e o Dragão – Portugueses e Espanhóis na globalização do século XVI | Serge Gruzinski

Velho conhecido dos estudiosos que se dedicam às investigações no campo das mentalidades, o historiador Serge Gruzinski, ratifica o seu interesse pelas sociedades coloniais da América e pelo intenso encontro de culturas que têm lugar neste cenário, e traz à público mais uma instigante análise na qual se debruça sobre as dinâmicas sociais e culturais que se engendraram no contexto da colonização ibérica na América com o seu novo livro, lançado no Brasil em 2015, intitulado A águia e o dragão – ambições europeias e mundialização no século XVI. O historiador francês, caudatário da Escola do Annales, tem alinhado suas pesquisas à uma perspectiva multidisciplinar da História, trabalhando em conjunto com outros campos das ciências humanas, como por exemplo a Antropologia, e incorporando à sua análise não só as fontes escritas, mas também as iconográficas, como podemos constatar em seus últimos volumes publicados, tais como: Les Quatre parties du monde. Histoire d’une mondialisation; Quelle heure est-il là-bas ? Amérique et islam à l’orée des temps modernes; L’Histoire, pour quoi faire ?.

Devemos ainda ressaltar que o seu trabalho critica a concepção eurocêntrica da historiografia tradicional e se ancora na perspectiva da Conected Histories [1], rechaçando qualquer tipo de comparação simplista que se apegue ao local em detrimento do total. Sua tentativa, portanto, seria a de demonstrar a convivência entre as múltiplas realidades sócio-culturais e suas mais variadas dinâmicas de interação, sem perder de vista a relação entre micro e macro. Diante disso, A águia e o dragão, se propõe a entender a inserção dos ibéricos no processo de mundialização, através da análise comparativa entre a atuação do embaixador de Portugal na China do imperador Zhengde e a atuação de Hernan Cortés no México-Tenochtitlan, junto à Montezuma e, portanto, pode ser considerada uma obra vinculada à perspectiva da História Global, já que tenta “juntar as peças do jogo mundial desmembradas pelas historiografias nacionais ou pulverizadas por uma micro-história mal dominada” (p.354).

O livro desvenda os caminhos de portugueses e espanhóis naquilo que o autor chama de “globalização do século XVI”, perscrutando as dinâmicas internas da China e do México no alvorecer do século e analisando como se deu o contato desses povos com os ibéricos. Com efeito, o autor defende que a maneira como os acontecimentos se desencadearam contribuiu, decisivamente, para que fosse fundado o “ocidente euroamericano”, e afirma que embora a presença dos ibéricos nos territórios referidos não tenha sido de fato programada, também não foi ao acaso e deve ser vista como fruto de uma dinâmica comum ao contexto da época, que inseria os reinos na lógica da expansão marítima com vistas na exploração das “molucas”, as conhecidas ilhas de especiarias. Além disso, o autor desmistifica a ideia de que os pioneiros no processo da expansão marítima europeia tenham se lançado rumo ao desconhecido e afirma que, embora houvesse grande confusão nas noções de Ocidente e Oriente, já havia, nessas sociedades, uma certa percepção do espaço marítimo, tanto devido à experiência acumulada com as navegações desde o final do século XV, quanto devido ao conhecimento dos escritos de Marco Polo.

Posto isto, podemos dizer que a tese do autor é a de que o comportamento e as atitudes políticas de Tomé Pires junto ao império de Zenghde, bem como de Hernan Cortés junto ao império de Montezuma, simultaneamente ao posicionamento e contexto das autoridades locais da China e do México, foram determinantes para que o primeiro empreendimento incorresse em fracasso e o segundo tivesse sucesso. Assim, essa conjuntura teria traçado o destino da China e, nesse caso, a falência do projeto colonizador português na área, bem como teria delineado a sorte do Méxicotenochtitlan, que seria dominado e colonizado pelos espanhóis. Portanto, o autor defende que a interação entre esses povos acabou sendo responsável pelo destino que lhes aguardava e que as condições locais que se engendraram a partir desse contato foram responsáveis pelo triunfo ou derrota dos objetivos dominantes, objetivos estes, vale ressaltar, amplamente voltados para o comércio de especiarias. Nesse sentido, para Gruzinski, essas teriam sido as circunstâncias fulcrais que levaram ao processo de interligação dessas partes do mundo – Ásia, América e Europa – através de circuitos comercias que as ligariam intensamente e que marcariam a viragem dos europeus para o Oeste e a fundação do que ele chama de “ocidente euroamericano”.

Nessa perspectiva, o livro em questão se trata de um profundo e estimulante estudo a respeito das características das sociedades chinesa e mexicana do século XVI e da interação do mundo ibério com estas populações. O autor consegue, à medida que vai demonstrando a sua tese, explorar a forma de organização e administração da China e do México, explicando como o contato inicial desses povos com portugueses e espanhóis, respectivamente, foi pacífico e logo descambou para o conflito e o que ele chama de “choque de civilizações”, resultando no domínio e colonização no caso dos mexicas e na resistência e expulsão, no caso dos chineses. Ao percorrer este caminho, o autor consegue esclarecer o processo de decodificação do outro nesse espaço de convivência, afirmando que enquanto os chineses não tinham nenhum interesse em identificar o intruso que para eles se tratava de mais um bando de piratas de nacionalidade desconhecida, os mexicas, por outro lado, tinham urgência em compreender o seu agressor, pois disso dependia, em certa medida, a sua capacidade de resistir.

Em contrapartida, os ibéricos tentavam distinguir o outro para melhor concretizar seus anseios de conquista e, segundo o autor, comprovaram que a falta de conhecimento inicial não se constituía como uma barreira intransponível e, nesse sentido, se esforçavam para se adaptar à língua, ao clima, à alimentação e etc, na tentativa de construir atalhos que facilitassem a compreensão da lógica social e cultural daquelas sociedades. Uma vez que esses aspectos foram mapeados e resultaram na consciência das fraturas políticas do adversário, os ibéricos se aproveitaram deles na tentativa de concretizar o domínio. No México, a identificação das intensas rivalidades entre as cidades devido à falta de unidade política foi decisiva para que o domínio e colonização tivesse sucesso, já na China, o diagnóstico do descontentamento local devido à rigidez do sistema imperial não foi suficiente para que a empreitada ibérica tivesse êxito.

Obviamente, este diagnóstico não se resumia às questões políticas, econômicas e sociais, havia também o espantoso encontro de culturas completamente distintas, que a partir dali iriam se misturar e se modificar simultaneamente. Esse encontro deu margem para que os estranhos mundos se representassem concomitantemente, daí uma série de conhecimentos serão difundidos na Europa acerca dessas civilizações, tanto a chinesa, quanto a mexicana. O autor, ressalta, porém, que enquanto as informações sobre o México são divulgadas desde o início do processo de colonização, aquelas referentes à China só irão se propagar pela Europa a partir de meados do século XVI. Segundo o autor, esse fenômeno poderia ser atribuído, entre outras coisas, ao fato de que a China não era completamente desconhecida por parte dos ibéricos, devido às relações comerciais existentes naquela região, já o México é um mundo completamente novo a se descortinar e causou grande reboliço ao ser descoberto, acabando por motivar imenso fascínio. Os documentos escritos que cumprem o papel de nos dar um retrato daquilo que seriam a China e o México no limiar do século XVI são: a Suma Oriental de Tomé Pires e as cartas de Hernan Cortés.

Segundo o autor, os ibéricos ficaram espantados ao perceberem que, tanto na China quanto no México, os povos contavam com a existência do livro, e isso teria sido determinante para que se moldasse uma imagem positiva na Europa sobre esses povos, já que o livro, para as culturas letradas, é um marcador de civilização. Do outro lado, porém, existe uma notável dificuldade para invocar representações da Europa feitas por estes povos, em primeiro lugar, no caso da China, devido à sua pouca abertura, pela falta de interesse em conhecer o seu inimigo, considerado apenas como um forasteiro. Já no caso do México, mesmo com o grande interesse e curiosidade pelos europeus, por não haver testemunhos escritos de uma visão pessoal do ameríndio, estes, se um dia existiram, não sobreviveram ao tempo.

Dessa maneira, se constituíram as imagens que se firmariam ao longo do tempo como fundadoras daquilo que viriam a ser as civilizações mexica e chinesa. As cartas de Cortés seriam amplamente divulgadas e, segundo o autor, familiarizariam a cristandade com os esplendores do México e com a representação das glórias da conquista, estas serão eternizadas no imaginário universal. Em contrapartida, embora não tenham sido alvo de larga divulgação, a descrição feita por Tomé Pires acerca da China, traz uma visão, de acordo com Gruzinski, mais assertiva a respeito das características dessa sociedade, pois seria um diagnóstico feito do interior dessa sociedade, enquanto que o relato de Cortés seria uma visão panorâmica e, portanto, superficial. Ainda assim, o fato é que mesmo diante de todas estas questões “a epopeia dos conquistadores e o destino fatal do império Asteca continuariam a fascinar, enquanto a descoberta da China dos Ming e o fracasso de Tomé Pires nunca interessaram muita gente” (p.106).

Acreditamos que a obra ultrapassa os limites de sua tese central e acaba por se transformar num manual de história do México e da China, ao qual se pode recorrer para sanar dúvidas pontuais a respeito da organização e administração política, social e cultural dessas sociedades. Nesse sentido, acreditamos que o livro não só cumpre com o seu objetivo precípuo, como também transborda erudição. Para aqueles leitores que não têm grande formação a respeito do Oriente, a quantidade de informações novas pode representar alguma dificuldade, mas com o desenrolar das páginas o leitor passa a se familiarizar com os nomes e os acontecimentos analisados no texto e, ao final da leitura, percebe-se o ganho de uma noção panorâmica acerca das civilizações em questão. O livro consegue ir além da temática do choque cultural entre portugueses/chineses e espanhóis/mexicas e nos leva por outros caminhos dessa história, pelos meandros da organização interna dessas sociedades.

Como não poderia deixar de ser, a obra traz uma discussão bem fundamentada, ancorada, como já afirmamos aqui, nas perspectivas da Connected Histories e da História Global e, assim sendo, rejeita a historiografia tradicional que concebe a Europa como centro do mundo, procurando demonstrar que esse papel protagonista no processo de globalização do século XVI – embora, paradoxalmente, não possa ser negado, visto que foram os ibéricos os atores principais – não se deu simplesmente devido à graça e talento destes homens, mas foi sim, em grande medida, impulsionado e delimitado pelos contextos e dinâmicas que se apresentavam na época. Diante disso ao autor afirma que “a imagem de um avanço inevitável dos europeus, quer se enalteça as suas virtudes heroicas e civilizadoras, quer o votemos ao desprezo, é uma ilusão que teima em persistir. Decorre de uma visão linear e teleológica da História, que continua associada à pena do historiador e ao olhar do seu leitor” (p.40).

Isto posto, vale salientar ainda que, o autor trava diálogo com a historiografia clássica e a mais atualizada, tradicionalmente competente e de referência na temática pertinente à Expansão Ultramarina europeia. Entre os autores com os quais dialoga estão Francisco Bethencourt, Sanjay Subrahmanyam e Charles Boxer. As fontes elencadas permitem demonstrar a sua tese. Ele recorre às cartas e aos relatos de viagem de homens como Cristovão Colombo, Pietro Martire d’Anghiera, Bernal Diaz del Castillo e, obviamente, Hernan Cortés e Tomé Pires, entre outros. Contudo, ao longo do texto, o próprio Gruzinski, deixa claro a deficiência de sua obra no que diz respeito às questões da representação europeia feita pelos indígenas e/ou chineses, afirmando que para tal estudo não existem fontes, pois estas, quando existem, são limitadas pela influência direta do domínio europeu e até da conversão ao cristianismo e, portanto, não exprimem uma visão pessoal a respeito dos ibéricos. Ou, nos demais casos, sequer existem, pois não resistiram ao tempo. Esse obstáculo não prejudica o trabalho, visto que o seu debate central não está circunscrito a esta temática especificamente.

Com efeito, uma outra característica que contribui efetivamente para o alcance dos objetivos do livro, é, sem dúvida a organização de sua estrutura. O autor, opta por uma estrutura que não separe as análises referentes à China, daquelas referentes ao México, pelo contrário, ele dispõe as discussões de maneira a fazer com que o leitor perceba que elas são complementares e a sua visão em separado acarretaria em prejuízo no entendimento total da obra. Os capítulos, por sua vez, são dispostos de modo a guiar o leitor através dos labirintos dessa história, dando-lhe, de maneira impecável, não só a nítida compreensão do argumento defendido pelo autor, mas também um excelente panorama sobre história das culturas chinesa e mexicana. Nesse sentido, não utiliza a conclusão de seu texto para expor sua tese – esta fica evidente ao longo das 373 páginas escritas – mas apenas para ratificar o seu argumento. Dessa maneira, facilita o trabalho do leitor e não abre margens para confusões.

Por último, cumpre dizer que a obra em discussão não está desconectada do tempo e do espaço e encontra lugar na produção historiográfica atual. Sua perspectiva de análise, já discutida aqui, tem notável eco na História que vem sendo desenvolvida desde finais do século passado. Nesse sentido, o autor demonstra sua capacidade de aclimatação e desenvolve um estudo que fortalece seu elo com a História da América Latina, numa análise comparada profunda e densa sobre os aspectos culturais, econômicos e sociais da China imperial e do México-Tenochtitlan, nos dando uma verdadeira lição de como se faz História em tempos de prateleiras abarrotadas de romances históricos acríticos e fantasiosos.

Nota

1. SUBRAHMANYAM, Sanjay. “Connected Histories: Notes towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia”, Modern Asian Studies, v. 31, n. 3, 1997, pp. 735-762.

Duarte Izabel Maria dos Santos – Mestre em História da Arte, Património e Turismo Cultural pela Universidade de Coimbra. Atualmente é doutoranda em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.


GRUZINSKI, Serge. A águia e o Dragão – Portugueses e Espanhóis na globalização do século XVI. Trad. Pedro Elói. Lisboa: Edições 70, 2015. Resenha de: SANTOS, Duarte Izabel Maria dos. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.35, n.1, p.296-301, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR]

 

A Trajetória Política de Francisco Heráclito do Rego | Márcio Ananias Ferreira Vilela

Fruto da pesquisa para alcançar o grau de mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco, orientado pelo professor Dr. Antônio Torres Montenegro, Márcio Vilela nos apresenta um interessante trabalho, em escrita leve, sem o pedantismo que quase caracteriza as produções acadêmicas, a respeito de um dos últimos coronéis que atuaram e marcaram, durante bastante tempo, a vida social e política do Brasil e, com maior longevidade no Nordeste. O livro nos entregue dividido em seis partes, sendo as duas últimas dedicadas à bibliografia e aos anexos. A primeira parte, formada por dois capítulos encarregados de nos atualizar sobre as bases teóricas utilizadas na análise dos documentos e depoimentos recolhidos, mas, principalmente para nos oferecer uma recensão crítica dos estudos clássicos sobre o coronelismo no Brasil como os de Victor Nunes Leal [1] , Raymundo Faoro [2] , Maria Isaura de Queiroz [3] , mas detendo-se com maior cuidado nos casos de Pernambuco, Sergipe e Ceará, estudos por Marcos Venicios Vilaça/ Roberto Cavalcanti [4] , Iberê Dantas [5] , Maria Auxiliadora Lamenhe [6] , além de um estudo mais acurado sobre o Mandonismo, seguindo as trilhas abertas por José Murilo Carvalho.[7]

A segunda parte, composta de cinco capítulos dedica-se a desvelar o Mecanismo de construção de um líder político. Mas, quando lemos o escrito, vemos que nosso autor nos leva também ao processo de manutenção dessa liderança, que veio a esbarrar no processo modernizador da modernidade da qual ela é parte.

Francisco Heráclito do Rego, referendado popularmente como Chico Heráclito, foi uma força política que se firmou após os anos de 1930 na região Agreste de Pernambuco, na senda do Partido Social Democrático, fundado após a ditadura do Estado Novo, encabeçada por Getúlio Vargas e, em Pernambuco, capitaneada pelo sertanejo Agamenon Magalhães. Analfabeto, Francisco Heráclito soube usar as nuances da literatura, manejando a mão de Antônio Vilaça, pai de Marcos Venicios Vilaça [8], para comunicar-se com os alfabetizados e os analfabetos que viviam nas cidades e povoados que cresceram sob a sua proteção e cuidado.

Cinco capítulos formam a segunda parte deste estudo e eles estão voltados para nos auxiliar a entender como se forjou e se construiu uma liderança política, ora apelando para o encontro direto e pessoal com os agentes social, ora usando indisfarçadamente a produção literária, nos jornais, em boletins, em cordéis lidos e proclamados nas feiras livres da região e nas praças do Recife, onde também tinha eleitores que voltavam a cada eleição para sufragar aqueles indicados pelo Senhor das Varjadas. Márcio Vilela nos apresenta aspectos interessantes como a utilização do patriarca, João Heráclito do Rego, morto em 1934, que evitou uma participação politica ostensiva, cabendo essa atividade ao seu filho, que teria sido ungido, ainda no seio materno, (p 109ss) para liderar a família e a região. Aqui uma observação. Márcio Vilela, que nos recorda que a escolha do nome, Francisco, homenagem ao Santo de Assis, celebrado um dia antes do nascimento, a cinco de outubro – que há uma indicação de que ele nasceu para servir aos pobres.

Mas ainda há outro estranhamento, de que nos dias seguintes ao nascimento de Francisco Heráclito, seu pai já está a postos, no roçado e não obedecendo ao ritual de dedicar os dias seguintes ao nascimento do herdeiro em comemorações, o que, na região denomina-se „cachimbo‟. …quebrava uma tradição muito comum e de algumas regiões do Brasil serem os primeiros cinco dias após o nascimento de uma criança reservado às comemorações do ao acontecido. Na nota 32, nosso autor lembra que o cachimbo é uma bebida composta de cachaça, água e mel. Lembra ainda que esta bebida é apreciada após o nascimento. Aqui, creio que uma visita à tradição europeia que enaltece São Francisco de Assis e o esforço para colocar esse coronel na sua tradição, uma tradição de civilização, educação e própria da formação tradicional e culturalmente dominante, há outra preocupação: a de afastar o nascituro, futuro líder político da organização e modernização da cidade do Limoeiro das tradições indígenas.

Sabemos da prática da couvade entre nossos antepassados indígenas e, nela o repouso pós-parto era próprio para o pai da criança que, dessa forma, anunciava socialmente a paternidade social da criança. A bebida com mel é ofertada, ainda hoje nos cultos da Jurema Sagrada, religião de cunho e raízes profundamente brasileiras, mas que à época era praticada por poucos, e nas matas, distante dos olhares dos civilizados. Esses acontecimentos – o pai trabalhando no dia seguinte ao nascimento do filho e não utilização do cachimbo, é o esforço de afastar aquela família dos “caboclos do mato”, dos índios que naquele período eram conceituados bem negativamente. Assim São muitos os cuidados no processo de criação de um mito ou liderança.

A terceira parte do livro nos remete às práticas deste e de outros coronéis que atuaram no período da chamada Democracia Liberal, entre os anos de 1945 e 1964. São cinco capítulos, dois deles dedicados a analisar a situação econômica, social e política de Limoeiro e o lugar que o líder ocupa naquele momento da vida local e nacional e dois capítulos dedicados a compreender como agia este líder para manter seu prestígio e respeito social, as suas práticas diárias, o seu comportamento no período eleitoral e sua reação àqueles que não seguiram as suas ordenações e ordenamentos. E essa era uma situação nova, a prática democrática começava a por em dívida o poder de mando. É um período de ruptura com outros agentes da cúpula do PSD, e por isso é o início de um novo tempo, que não está na preocupação de Márcio Vilela, mas que ele tangencia, sem chamar a atenção necessária, que o processo de formação de novos coronéis, novos senhores dos votos que assimilam algumas práticas e introduzirão novas.

Nas eleições de 1954, pensando em sentar-se na cadeira presidencial, Etelvino Lins faz emergir a candidatura do General Cordeiro de Farias, em uma aliança que envolve o PSD, o PL, PRT, PSP e dissidentes udenistas. Dizia Etelvino que era uma chapa para unir Pernambuco, como lembrado por Cordeiro de Farias, em depoimento ao CPDOC, e provocou a divisão do PSD que apoio Neto Campelo, com outros partidos, entre eles o PST. Neste partido estava Miguel Arraes de Alencar que, mais tarde veio a ser eleito governador de Pernambuco apoiado por essa dissidência do PSD, uma aliança com os coronéis. Embora não fosse esse o objetivo da dissertação de Marcio Vilela, teria sido interessante uma nota de pé de página no sentido de apontar como as relações políticas e pessoais orientam os caminhos dos homens na história.

Notas

1. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. Riod e Janeiro Nova Fronteira, 1997.

2. FAORO, Raymundo. Os donos do Poder. São Paulo: Globo, 2001.

3. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.

4. VILAÇA, Marcos Venicios; ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de.

5. DANTAS, Iberê. Coronelismo e dominação. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, PROEX/CECAC/ PROGRAMA EDITORAL,1987.

6. LEMENHE, Maria Auxiliadora. Família Tradição e Poder: o (caso) dos coronéis. São Paulo, ANNALUBE/Edições, 1995. Coronel, coronéis: apogeu e declínio dos coronéis no Nordeste. Riod e Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

7. CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998.

8. O poeta é hoje membro da Academia Brasileira de Letras.

Severino Vicente da Silva – Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professor associado do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: severino.vicente@gmail.com


VILELA, Márcio Ananias Ferreira. A Trajetória Política de Francisco Heráclito do Rego. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2014. Resenha de: SILVA, Severino Vicente da. Um Coronel em revista. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.35, n.1, p.302-305, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR]

Nosso amplo presente – o tempo e a cultura contemporânea | Hans Gumbrecht

Formado em Literatura, Hans Ulrich Gumbrecht vem, nos últimos anos, sendo cada vez mais estudado por pesquisadores interessados pelas linguagens e, especificamente na história, pela estética e pela história do tempo presente. Autor de inúmeros textos e obras, possui traduzidos e publicados no Brasil algumas grandes obras, entre estas Elogio da Beleza Atlética [1], Produção de Presença – o que o sentido não consegue transmitir [2] e Depois de 1945 [3]. No tocando a suas obras, a problemática da presença foi corriqueiramente debatido, sendo a obra do Elogio da Beleza Atlética o primeiro ensaio publicado no país onde o autor exprime algumas reflexões a respeito do conceito.

De acordo com o autor, esta presença, poderia ser pensada em uma dimensão especial, e não temporal. Na obra Produção de Presença – o que o sentido não consegue transmitir (2010), Gumbrecht busca conceituar presença enquanto algo que só é possível de se percebida através dos sentidos. Nas palavras do próprio – “por “presença” pretendi dizer – e ainda pretendo- que as coisas estão a uma distancia de ou em proximidade aos nossos corpos; quer nos “toquem” diretamente ou não, têm uma substância”[4] . Leia Mais

Revista Práticas de Linguagem. Juiz de Fora, v. 7, n. 1, jan./jun. 2017.

5 – Apresentação

Revista Práticas de Linguagem. Juiz de Fora, v.7, n. 3, especial 2017.

(10) Apresentação

Tema 1: TECNOLOGIAS E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E MULTILETRAMENTOS

Tema 2: ANÁLISE LINGUÍSTICA

Tema 3: ENSINO DE LITERATURA

Tema 4: ENSINO DE LEITURA

Tema 5: PRÁTICAS DE ORALIDADE

Tema 6: ALFABETIZAÇÃO

Tema 7: CURRÍCULO

Tema 8: TRABALHO DOCENTE

Tema 9: LETRAMENTOS, GÊNERO E SEXUALIDADE

Colégio Pedro II: A Trajetória de seus Uniformes Escolares na Memória coletiva da Cidade | Beatriz Boclin Marques Santos e Vera Lucia CAbana de Quiroz Andrade

O trabalho de pesquisa de Beatriz Boclin Marques dos Santos e Vera Lucia Cabana de Queiroz Andrade, ambas professoras doutoras e pesquisadoras do Colégio Pedro II, lotadas no Núcleo de Documentação e Memória do Centro de Documentação e Memória do CPII, órgão que abarca os acervos do colégio e que coordena as atividades de biblioteca histórica, museu, laboratório de digitalização do acervo e o Centro de Estudos Linguísticos e Biblioteca Antenor Veras Nascentes, o ex-aluno de 1902 e depois professor catedrático de Português e Espanhol, nos apresenta uma visão da evolução da sociedade carioca através do acompanhamento das variações dos uniformes dos alunos do colégio e dos respectivos itens dos regulamentos internos, ao longo de um tempo que se inicia em meados do século XVIII com o Colégio dos Órfãos de São Pedro (1739) e depois Seminário São Joaquim (1766), passando pelo Colégio Imperial em 1834 até a criação do Colégio Pedro II em 1837 e daí até os nossos dias, percorrendo a transição Império/República, o período da chamada “República Velha”(1889 – 1930), a era Vargas/Dutra/Vargas (1930 -1937 -1945 – 1951 -1954) e os períodos compreendidos entre os anos 1960 até o século XXI. Leia Mais

História e Patrimônio Industrial / Faces da História / 2017

A temática do Patrimônio vem ganhando cada vez mais espaço dentro das discussões do campo da História. Um esforço realizado não apenas por historiadores, mas por diversos pesquisadores de diversas áreas acadêmicas. Dentre as diversas possibilidades de compreensão dessa temática, temos as que se dedicam às estruturas provenientes da industrialização, que atualmente ganha destaque nas pesquisas nacionais.

De modo geral, as primeiras iniciativas que destacaram os vestígios industriais e sua importância, ocorreram na Inglaterra, por volta dos anos de 1950. Passado mais de uma década de discussões, em 1965, seria promovido um inventário do patrimônio industrial britânico e, a partir dai, a discussão ganharia mais espaço em diferentes países, surgindo nos anos seguintes, espaços de preservação de estruturas e vestígios industriais. Congressos e Convenções para discutir a temática, também se tornaram mais frequentes. Já em finais dos anos de 1970 e início de 1980, após a criação do Comitê Internacional para Conservação do Patrimônio Industrial – TICCHI, durante o Terceiro Congresso Internacional para a Conservação dos Monumentos Industriais, na Suécia (1978), a temática do patrimônio industrial é reconhecida institucionalmente e ganha destaque e força nas discussões acadêmicas em diversos países.

No Brasil, o tema e preocupação com estruturas e vestígios da industrialização ganhou destaque na academia a partir de finais dos anos de 1980 e início de 1990. Contudo, a preservação de bens, que hoje são caracterizados como patrimônios industriais, remetem os anos de 1950, quando foi considerado e preservado como patrimônio nacional o trecho da ferrovia Mauá-Fragoso e a locomotiva a vapor “Baronesa” (1954), e as estruturas remanescentes da Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema, em Iperó (1964). Dentre os diferentes tipos de Patrimônio Industrial, o Ferroviário se destaca, principalmente, a partir da promulgação da lei 11.483 de 31 de maio de 2007, em que as estruturas e complexos ferroviários foram reconhecidos como patrimônio e necessários à preservação da memória e história nacional, devendo ser preservadas pelo IPHAN.

Assim, o dossiê que se segue é pautado pelo objetivo de apresentar resultados de pesquisas que tenham em foco a análise do Patrimônio Industrial e de seus conteúdos, buscando demonstrar seu caráter amplo e, dentro do possível, multidisciplinar, e suas relações com o universo social, político e cultural.

Nossa proposta foi sistematizada e composta por uma entrevista e 7 artigos, de especialistas de diferentes áreas acadêmicas, o que engrandece ainda mais a temática, trazendo diferentes perspectivas e olhares que contribuem para o enriquecimento da História. A entrevista foi feita com o historiador português José Lopes Cordeiro, pesquisador de grande importância mundial para a temática do Patrimônio e um dos responsáveis por chamar a atenção para a importância do Patrimônio Industrial e suas possibilidades.

Na seção de artigos, o primeiro texto é Reflexões acerca do Conceito de Patrimônio Cultural sob a Ótica do Patrimônio Industrial e da Arqueologia Industrial, de autoria de Ronaldo André Rodrigues da Silva e José Manuel Lopes Cordeiro. Os autores dissertam sobre a evolução histórica da ideia de patrimônio, problematizando o surgimento do conceito / ideia de Patrimônio Industrial, demonstrando sua importância para a compreensão socioeconômica e cultural da sociedade brasileira.

Por sua vez, o texto de Daniela Pistorello, Uma usina hidrelétrica ao sul do Brasil: tombar para preservar?, problematiza a ideia de preservação de estruturas industriais no país. Ao contextualizar o processo de tombamento e inscrição de seu objeto, a Usina Hidrelétrica Gustavo Richard (Santa Catarina), demonstra que a preservação gera diversos conflitos de interesses entre órgãos e secretarias, o que, por sua vez, acabou deixando a estrutura em questão sem qualquer uso, ou melhorias, sendo então o tombamento ineficaz ao propósito do Patrimônio.

Outras autoras também se debruçaram sobre um objeto em Santa Catariana, Michele Gonçalves Cardoso e Elaine Rodrigues, em Indústria Carbonífera em Siderópolis: Reflexões e disputas em torno dos patrimônios da Companhia de Siderurgia Nacional. Não obstante à Daniela Pistorello, relatam as disputas em torno do uso e preservação das estruturas da CSN, após o término de suas atividades no município em questão. Por meio de fontes orais, as pesquisadoras demonstram as diferentes tentativas de preservação e memória dos diferentes grupos e agentes, problematizando seus interesses e o processo de tombamento e preservação pelo poder público.

Em Biscoitos históricos: a musealização da Fábrica Leal Santos – Rio Grande / RS, Oliva Silva Nery discute a ideia de Patrimônio, com foco no Industrial, buscando compreender as possibilidades na reutilização de bens patrimoniais para compreender a história local. Em seu estudo, dedica-se às propostas de musealização de objetos de uma fábrica de biscoitos, parte do acervo de um museu local, a fim de problematizar a real abrangência e eficiência desse modelo de preservação patrimonial e se realmente contribui para preservação da história e memória.

Por fim, contamos com três manuscritos que se dedicam à compreensão de estruturas industriais similares e que, atualmente, é a mais discutida: as estruturas e complexos ferroviários. O primeiro texto a tratar dessa temática é o de Taís Schiavon, Patrimônio da Mobilidade no Brasil e o processo de identificação e valorização do território. Ferrovias e as paisagens industriais da região Oeste do Estado de São Paulo. Partindo da compreensão das estruturas ferroviárias enquanto estruturas da industrialização, essa autora faz um retrospecto histórico das ferrovias paulistas e sua função estruturante, como impulsionadora do surgimento de centros urbanos. Problematiza a relação das ferrovias com o crescimento e desenvolvimento, não apenas de cidades, mas de espaços industriais. Para atingir esses objetivos, faz uso de algo ainda pouco trabalhado pelos historiadores, ferramentas de georreferenciamento, resultando em diversos e importantes mapas. Por fim, ressalta a importância da preservação dessas estruturas e complexos industriais para a compreensão da memória e história de todo território paulista.

Já com objetivo de compreender como estão sendo realizados os processos de preservação do patrimônio ferroviário, Alice Bemvenuti, em Aspectos Históricos da musealização do Patrimônio Ferroviário brasileiro, busca problematizar a ação dos grupos que atuam em prol da conservação das estruturas das ferrovias no Brasil, mais especificamente da PRESERVE / PRESERFE. Essa pesquisadora, valendo-se de fontes orais, demonstra os conflitos e as memórias que esses grupos buscam preservar sobre as estradas de ferro no país.

Como último texto do dossiê, A História e o Patrimônio Industrial a partir de outro olhar: o que dizem os pisos do Complexo FEPASA (Jundiaí / SP, Brasil)?, de autoria de Juan Manuel Cano Sanchiz, procura agregar ao campo dos historiadores, a visão e compreensão da temática do Patrimônio Industrial Ferroviário brasileiro, a partir da ótica da Arqueologia Industrial, que ainda é pouco estudada. Valendo-se das metodologias da Arqueologia esse pesquisador demonstra como a arqueologia de vestígios materiais recentes, contribui de modo significativo para o campo da História. Dedicando-se ao estudo dos diferentes pisos do Complexo de Oficinas FEPASA, na cidade de Jundiaí, Sanchiz disserta que as estruturas industriais ferroviárias, principalmente as Oficinas, são locais de trocas de tecnologias e técnicas do Brasil, com outros países, demonstrando que o que era utilizado naquele espaço, era aplicado após o estudo e visitas em espaços industriais de outros países, como Inglaterra e Estados Unidos. Por fim, demonstra a importância da multidisciplinaridade e cruzamento de diversas fontes (orais, escritas, materiais), para compreender e preservar esses importantes espaços.

Por fim, esperamos cumprir com nosso objetivo de propor essa temática e que, com a leitura dos artigos e entrevista, possamos contribuir com a discussão e promoção da importância do Patrimônio Industrial, enriquecendo ainda mais suas relações com as pesquisas da área da História.

Eduardo Romero de Oliveira

Lucas Mariani Corrêa


OLIVEIRA, Eduardo Romero de; CORRÊA, Lucas Mariani. Apresentação. Faces da História, Assis, v.4, n.1, jan / jun, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História Antiga: passado em conexão com o presente e diversidade nas abordagens / Faces da História / 2017

A proposta de publicação do Dossiê “História Antiga: passado em conexão com o presente e diversidade nas abordagens” está intrinsecamente relacionada com aspectos que permeiam o estudo da Antiguidade no Brasil e, tem como principais objetivos ressaltar a relevância dos estudos de História Antiga no país e evidenciar as contribuições promovidas por essas pesquisas nas pautas e questões da contemporaneidade.

Em tempos de intensos debates e indícios de que retrocessos sociais são cada vez mais possíveis – tanto em âmbito nacional, quanto internacional – o Dossiê enfrenta a tarefa de problematizar e desnaturalizar tópicos contemporâneos, a partir de objetos do passado. Tratam-se assim, notadamente, das discussões de gênero, dos direitos homossexuais e do sempre presente debate sobre a relação entre religião e política.

As pesquisas apresentadas no Dossiê estão em consonância com os principais expoentes teóricos de temas relacionados a questões de gênero e sexualidade, assim como destacam a voz de diferentes identidades através de perspectivas como a dos estudos pós-coloniais. Também possibilitam o debate sobre a complexa relação entre religião e política em um momento em que o princípio do Estado Laico tem sido ignorado.

Os artigos do dossiê foram organizados espacial e cronologicamente em quatro partes: I – Oriente / África; II – Grécia; III – Roma; IV – Usos do Passado. Dessa forma, os artigos integrantes desse dossiê congregam diversidades temáticas e de abordagem, contemplando assim, a força simbólica dos estudos desenvolvidos por autores de diferentes instituições universitárias do país.

Na parte I – Oriente / África, o foco está nos debates historiográficos relacionados aos estudos sobre a África Antiga. O artigo Miradas afrocêntricas em torno da africanização do Egito Antigo: entre racialização e identidades, de Raisa Barbosa Wentelemn Sagredo apresenta uma importante discussão da historiografia relacionada à África Antiga que considera corrente do afrocentrismo e os debate sobre as perspectivas de identidades e racialização. Em Antiguidade, afrocentrismo e crítica: invenção e mito na História Antiga, Gustavo de Andrade Durão evidencia o debate sobre a influência dos conceitos afrocentrismo e eurocentrismo nas análises da História Antiga.

A Parte II – Grécia é composta por artigos que atentam para aspectos como a etnicidade, sexualidade e política e, evidenciam diferentes formas de abordagens. No artigo A democracia ateniense e o ideal de liberdade na obra Os Heráclidas, de Eurípides, de Bruna Moraes da Silva, observa-se através da análise discursiva da tragédia elementos relevantes para a compreensão da sociedade ateniense. Por sua vez, o texto O relacionamento homoerótico na Grécia Antiga: uma prática pedagógica, de Tiago de Souza Monteiro de Andrade, discorre a respeito do homoerotismo e a construção social da sexualidade. Já Relações étnicas na obra de Eurípides (século V a.C.): uma análise de Alceste, Héracles e Andrômaca, de Renata Cardoso de Sousa, estabelece uma interessante análise sobre etnicidade e sua presença nos discursos, dos quais as tragédias faziam parte.

A parte III – Roma, os artigos trazem discussões sobre as perspectivas política, social e da historiografia romana. Adriele Andrade Ceola e Renata Lopes Biazotto Venturini, no artigo A interação entre o passado e o presente na construção da imagem imperial de Galba em Tácito, tratam da perspectiva da narrativa histórica taciteana e sua visão específica da figura imperial de Galba. Em A construção dos comportamentos cívicos: uma análise dos exempla no livro I de ab vrbe condita, Suiany Bueno Silva analisa o papel da historiografia antiga na manutenção da comunidade cívica. No artigo Eleições e boatos: O presente (de Trump) em conexão com o passado (de César), Ana Lucia Santos Coelho e Ygor Klain Belchior destacam, de acordo com a perspectiva dos Usos do Passado, uma discussão muito pertinente para a reflexão do atual cenário político. Nelson de Paiva Bondioli, no artigo Panegírico de Trajano: Da Antiguidade ao Presente, apresenta uma importante discussão sobre o trabalho com as fontes da Antiguidade e analisa a perspectiva das traduções do Latim para língua vernácula, aspecto de extrema importância no estudo da História Antiga.

Na parte IV – Recepção e Usos do Passado, o artigo O campo da História Antiga na Pós-Modernidade: do produtivismo ao consumo hipermidiático, de Rafael Virgilio de Carvalho e Daniela Dias Gomide, problematiza o lugar da cultura clássica na sociedade contemporânea, resultado das mudanças no campo científico.

Finalmente, os textos selecionados demonstram a diversidade de olhares e abordagens dos estudos desenvolvidos no contexto acadêmico atual. Dessa forma, pretendeu-se, com esse dossiê, evidenciar as temáticas sobre a Antiguidade e contribuir para os debates presentes.

Boa Leitura!

Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi – Doutora (UNESP / Assis)

Amanda Giacon Parra – Doutora (UNESP / Assis)

Isadora Buono de Oliveira – Doutoranda (UNESP / Assis)

Organizadoras


ROSSI, Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho; PARRA, Amanda Giacon; OLIVEIRA, Isadora Buono de. Apresentação. Faces da História, Assis, v.4, n.2, jul / dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Mar sem fim – KLINK (MB-P)

KLINK, Amyr. Mar sem fim. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.  271p. Resenha de: SANTOS, Caroline Bezerra. Um mar que não tem fim. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

“Navegar é preciso, viver não é preciso”.  A frase, muito utilizada por antigos navegadores, traz consigo uma confusão semântica entre precisão e necessidade. Em “Mar sem fim”, livro em que o navegador Amyr Klink descreve a experiência de circunavegar sozinho, ao longo de cinco meses, o continente Antártico, essa confusão se desfaz diante da narrativa doautor: a obra faz com que o leitor acompanhe com curiosidadea precisão de Amyr na arte de navegar, ao utlizar com destreza instrumentos e técnicas de navegação, e com atençãoa sua necessidade em viver desafios e se aperfeiçoarna arte de superá-los.

No primeiro capítulo, o autor descreve toda a preparação, tanto prática como emocional, para iniciar sua “volta ao mundo”. A bordo do Paratii, veleiro escolhido para conduzi-lo na aventura, Amyr se mostra consciente do desafio que está prestes a iniciar, dos contratempos que podem surgir e dos impactos psíquicos que a solidão pode desencadear. Contudo, oineditismo da experiência, a possibilidade de ser pioneiroe de saborear o estado de espírito que estar a  bordo lhe proporciona se transformam emmotores para se lançar com confiança e ousadia em sua expedição.

Ao longo da obra, o autor passa a descrever o dia-a-dia de sua viagem. Em sua primeira parada, na Ilha da Geórgia do Sul, Amyr relatacom deslumbramento a Terra que se anunciava no horizonte: “Mil vezes mais linda que qualquer foto que já havia visto da Ilha”, diz. Esse encantamento marca vários outros trechos do livro: quando se depara com o que chama de “Ilha Morta”, uma baleia que morreu naturalmente e flutuava no oceano, paradoxalmente sendo fonte de vida para vários outros seres daquela fauna; quando tenta traduzir as formas de cada geleira que se apresenta em seu percurso; quando se surpreende, mesmo sendo um navegador experiente, em aindase admirar com cada espelho d’água porporcionado pela beleza da noite no mar.

Em seu percurso de 360º em torno do continente Antártico, o mais curto e também o mais perigoso ao redor do planeta, Amyr se confronta com diversas situações que poderiam interromper precocemente seu projeto. Chuvas torrenciais, ventos cortantes conduzindo o veleiro em penosos ziguezagues, frio úmido, turnos de sono interrompidos a cada 30 minutos e a certeza de que, naquela empreitada, era o único operador de cada manobra e ação. Afinal, só podia contar com ele mesmo. E a cada superação, a certeza de que havia feito a melhor escolha: “um homem precisa viajar” -afirma.

O autor não deixa de mencionar a importância dos vínculos. A relação com a família, com os amigos da terra, ou com os amigos do mar, se mostram como um dos combustíveis que fazem seguir o Paratii. Amyr narra, no capítulo 14, sua passagem pela Estação Antártica Comandante Ferraz. Diante de uma série de percalços, inclusive de um incêndio enquanto o Paratii encontrava-se ancorado na Baía do Almirantado, a solidariedade e a presteza dos militares da Estaçãofaz com que o leitor entenda que, por mais que a viagem do navegador seja solitária, em momento algum o mesmo glorifica a solidão: o autor se entusiasma ao falar de hospitalidade, empatia e gratidão, e toma isso como valores importantes para vencer o que chama de “individualismo egocêtrico” dos tempos atuais.

Por fim, Amyrdescreve a volta para casa. Trata a saudade como um prêmio, e não como sofrimento após seu ato de bravura em realizar algo com que sempre sonhou. E é categórico emafirmar que tanto mar, ao invés de trazer separação, trouxe ainda mais união. Compartilhar sua experiência com a família e os amigos, constatandoque a Terra é mesmo redonda, é o que a fez ganhar um sentido especial: ‘De nada servem dias especiais ou conquistas se não for para serem compartilhados em casa”, diz.

Aleitura deste livro permite  repensar todas as amarras que impedem o homem de ir além em sua história pessoal, seja por medo ou por comodismo. Amyr tem uma postura empreendedora e determinada, sem deixar para trás valores que são fundamentais na empreitada que assume, inspirando o leitor a conduzir da melhor forma o rumo de sua viagem pela vida, com inteligência emocional para superar cada desafio que se impõe e com coragem para se lançar no desconhecido, a fim de se aprofundar no que move cada alma humana: suas aspirações.

Caroline Bezerra Santos – 1º. Tenente da Marinha do Brasil

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A Lei da Guerra: Direito Internacional e Conflito Armado – BAYERS (MB-P)

BAYERS, Michael. A Lei da Guerra: Direito Internacional e Conflito Armado. Rio de Janeiro: Record, 2007, 263 p. Resenha de: PINTO, Jairo Francisco. A Carta das Nações Unidas e a soberania dos Estados nacionais. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

A Lei da Guerra – Direito Internacional e Conflito Armado é uma obra que trata do nível de comprometimento legal exercido pelas nações envolvidas em conflito armado, menciona as fontes das leis do direito internacional e resgata conflitos pretéritos, a fim de demonstrar o funcionamento efetivo dessas leis.

Nesse contexto, a fim de garanti r a paz no mundo por meio do bom relacionamento entre os países; em outubro de 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU). Naquele momento, após a segunda guerra mundial, com um saldo de milhões de mortos, representantes de cinquenta países reuniram-se em São Francisco, na Califórnia — EUA, e criaram uma nova Organização Internacional para, em suas palavras, “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra”. (BAYERS, 2007, p.197) Essa obra, embora apresente um conteúdo bastante técnico e específico, apresenta linguagem completamente didática e de fácil entendimento tanto para os leigos .quanto para os profissionais do mundo jurídico. Assim, viabiliza aos seus leitores uma compreensão das leis que governam o uso da força nas questões internacionais, a partir de análises de acontecimentos históricos recentes no contexto da política e do direito globais.

Em uma abordagem com foco em estudos de caso citações de fatos inerentes à lei da guerra desde o século XIX até os dia atuais, BAYERS posiciona o leitor de modo a refletir e entender os motivos promotores da fragilidade experimentada pelo Conselho de Segurança (CS) da ONU, no que tange ao cumprimento de seu propósito maior: o dispositivo central da carta da ONU no artigo 2, parágrafo 4:

Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas”. (BAYERS, 2007, p.198 e 199)

Ao analisar vários conflitos armados ocorridos pós-criação da ONU, como Intervenções no Kosovo e no Afeganistão em 1999/2001 e a guerra no Iraque em 2003, envolvendo diretamente os Estados Unidos da América (EUA) e outras potências aliadas, verificam-se momentos recorrentes de violação da principal atribuição do CS: a autorização do emprego da força contra qualquer nação.

Diante disso, o mundo teve conhecimento de um festival de abusos que vão desde desrespeitos aos direitos de civis e de prisioneiros de guerra, até arranjos políticos para viabilizar a concretização dos objetivos da nação mais poderosa envolvida no conflito. Desse modo, chega-se à conclusão inequívoca de que o direito relativo ao uso da força é realmente politizado, como formulou muito bem o filósofo militar Cari. von Clausewitz, segundo o qual “a guerra é a continuação da política por o ut r os me io s ” . (BAYERS, 2007, p.12) Ainda nesse sentido, o autor sinaliza para a constante criação de doutrinas, por parte das grandes potências, versando sobre legítima defesa, intervenção humanitária, intervenção em defesa da democracia e legítima defesa preventiva, a fim de tentar justificar suas ações sem a autorização do CS.

Em síntese, o autor, com muita propriedade, argumenta acerca da inobservância do cumprimento às leis da guerra estabelecidas pela Carta da ONU. Isso demonstra que potências econômicas e militares intitulam-se JUÍZES DO MUNDO (grifo meu). Tudo para atender aos seus próprios interesses, principalmente os EUA que, com suas Forças militares estacionadas em mais de 140 países estão envolvidos, direta ou indiretamente, em praticamente todos os conflitos existentes no mundo.

Infere-se, então, que tais atitudes devem servir como subsídios a serem utilizados em qualquer estudo sobre Estratégia Nacional de Defesa , já que a prática da diplomacia é ignorada em muitos casos.

Jairo Francisco Pinto

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Uma breve história do século XX – BLAINEY (MB-P)

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. 2 ed. São Paulo: Editora Fundamento Educacional, 2010. Resenha de: [Autoria não identificada]. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

Em Uma breve história do século XX, o autor descreve de forma empolgante um período que ficou para a história. A primeira vista, a separação entre história mundial e a história do século XX, pode causar uma sensação desconfortável, mas esse foi o século com maior material humano e que exerce maior influência direta na vida cotidiana, tendo em vista que nele ocorreram duas guerras mundiais, a ascensão e queda dos países comunistas, a maior crise econômica mundial, o ressurgimento do Fundamentalismo Islâmico, a bipolarização do mundo, a luta pelos direitos femininos e o uso do petróleo como matriz energética predominante no mundo. Com toda a certeza, o século XX é um período fundamental para entender o mundo que nos cerca hoje. Para isso, o autor divide o livro em três partes para descrever todos estes eventos.

Na primeira parte ele conta sobre como foi o início do século, período em que havia um clima de otimismo na civilização ocidental em relação ao seu futuro. Esperava-se mais desse período do que jamais se havia esperado de outros. Tanto havia sido conquistado no século anterior, que parecia sensato acreditar que dali em diante os êxitos do mundo em muito superariam os desastres. A vida da população melhorava, a fome diminuía e a expectativa de vida começava a aumentar. Entretanto, os impérios europeus pareciam poderosos e continuavam ávidos por expansão.

Na segunda parte, o autor registra diversos acontecimentos importantes ocorridos durante o século XX. Como o aparecimento de inventores experientes, principalmente quando envolviam questões materiais, como armas e remédios, além das duas guerras mundiais que assolaram o mundo e a crise de 1929. Vários problemas atingiam as principais nações europeias no início do século XX. Alguns países estavam extremamente descontentes com a partilha da Ásia e da África, ocorrida no final do século XIX. Alemanha e Itália, por exemplo, haviam ficado de fora no processo neocolonial. Enquanto isso, França e Inglaterra podiam explorar diversas colónias, ricas em matérias-primas e com um grande mercado consumidor. A insatisfação da Itália e da Alemanha, neste contexto, pode ser considerada uma das causas das Grandes Guerras.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a economia norte-americana estava em pleno desenvolvimento. As indústrias dos EUA produziam e exportavam em grandes quantidades, principalmente, para os países europeus. O resultado da Primeira Guerra Mundial foi consequência da produtividade industrial dos países envolvidos. Após a guerra o quadro não mudou, pois os países europeus estavam voltados para a reconstrução das indústrias e cidades, necessitando manter suas importações, principalmente dos EUA. A situação começou a mudar no final da década de 1920. Reconstruídas, as nações europeias diminuíram drasticamente a importação de produtos industrializados e agrícolas dos Estados Unidos, o mundo passou pelo momento mais negro do capitalismo mundial, a quebra da bolsa de Nova Iorque (1929).

A segunda parte do livro encerra com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), conflito que envolveu diretamente a quase totalidade dos países. Pode-se dizer que vários fatores influenciaram o início deste conflito que se iniciou na Europa e, rapidamente, espalhou-se pela África e Ásia. Entretanto, ressalta-se como fator mais importante o surgimento de governos totalitários com fortes objetivos militaristas e expansionistas. Na Alemanha surgiu o nazismo, liderado por Hitler e que pretendia expandir o território Alemão, desrespeitando o Tratado de Versalhes, inclusive reconquistando territórios perdidos na Primeira Guerra. Na Itália estava crescendo o Partido Fascista, liderado por Benito Mussolini com poderes sem limites. Na Ásia, o Japão também possuía fortes desejos de expandir seus domínios para territórios vizinhos e ilhas da região. Estes três países, com objetivos expansionistas, uniram-se e formaram o Eixo. Um acordo com fortes características militares e com planos de conquistas elaborados em comum acordo.

2 A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, inicia-se a última parte do livro, aonde o autor descreve o início da nova ordem mundial, o mundo bipolarizado. As divisões das áreas geográficas de influência do bloco soviético e do bloco estadunidense. A bipolaridade regeu as relações internacionais e o mundo conheceu uma verdadeira revolução científica e tecnológica, fomentada pela competição entre as economias comunista e capitalista.

Além disso, o autor ainda apresenta na terceira parte do livro um panorama de alguns países de maneira mais isolada, como o caso da China que passou por sua Revolução sob o comando de Mao Tsé-Tung, tomando-se uma nova potência comunista. Conta sobre a Guerra Fria, a ordem bipolar permaneceu até a queda do bloco soviético, incapaz de manter sua economia com os altos gastos provenientes da corrida armamentista. Os momentos finais da ordem bipolar foram simbolizados pela queda do muro de Berlim (1989) e o fim da União Soviética (1991). A hegemonia capitalista passa a dominar o mundo de fins de século XX. Além de contar sobre alguns fatos de cunho mais cultural, como a popularização do cinema, da televisão, do computador e das competições esportivas internacionais.

Autoria não identificada

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Amazônia Azul, o mar que nos pertence – VIDIGAL (MB-P)

VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. Amazônia Azul, o mar que nos pertence. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006. 305 p. Resenha de: VIEIRA, André Luis A. Recursos ilimitados, captação e uso complexos. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

O autor, na presente obra, tenta reunir o máximo de informações sobre o mar, para proporcionar ao leitor uma visão geral de como o Brasil o administra. Percebe-se que o objetivo principal do livro é fazer com que o leitor pense no mar não só como uma porção d’água, cujas paisagens aguçam a imaginação romântica dos casais, mas como um recurso que pode ser aproveitado, sustentavelmente explorado e, acima de tudo, respeitado.

O livro traz esclarecimentos sobre a importância da “Amazônia Azul” e seu relevante teor estratégico para o Brasil. Ao longo de seus capítulos, aborda aspectos sociais, políticos e técnicos e, por fim, apresenta uma visão bastante apurada sobre a necessidade de melhor uso da área marítima que, quando internacionalmente contar com os seus novos limites aceitos, pode pôr o Brasil em evidência positiva no cenário mundial.

O autor, nos primeiros capítulos do livro, faz questão de abordar conteúdo social e político, não obstante apresente informações técnicas. A beleza da obra reflete-se na capacidade que seus argumentos possuem em chamar a atenção para um amadurecimento da mentalidade marítima do leitor. Isto fica patente no primeiro capítulo, uma vez que retorna à antiguidade marítima e mostra como as civilizações desenvolveram-se com o uso do mar. Além disso, faz um apelo forçado, com vistas a criar reflexões sobre aquela mentalidade, que hoje é micro, mas que deveria ser macro. No segundo capítulo, apresenta aspectos políticos, no que se refere à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que estão em pauta e são de relevante interesse dos países costeiros.

Apresenta também as divisões geopolíticas da Amazônia Azul e importantes complementos e definições acerca dos parâmetros usados para tal. O Almirante Vidigal apresentou, de forma sucinta, alguns dos mecanismos usados para persuadir a aprovação do pleito de aumento da área marítima sob jurisdição brasileira, dentre eles, pode-se citar o Levantamento da Plataforma Continental (LEPLAC). A leitura atenta desses capítulos traz à tona a percepção de que o mar é nosso e devemos lutar por ele.

O conhecimento, o uso e a exploração do mar, abordados nos três capítulos seguintes, resumem seu complexo funcionamento, e seu obrigatório entendimento pelos países que dele dependem. Além disso, abordam também a importância das comunicações marítimas, vias pelas quais passam todas as riquezas não só do Brasil, como também de todo o mundo, os meios utilizados para transporte e as vertentes pouco exploradas economicamente, como turismo e lazer.

Ressalta-se o potencial econômico à disposição do Brasil em forma de recursos para a produção de energia, de sal, de água potável e de minerais, seguidos por uma infinita quantidade de alimentos e fármacos.

Toda essa riqueza precisa ser protegida, e isso fica claro nos argumentos apresentados nos capítulos 6, 7 e 8. A ação do homem, tanto local quanto global, põe em risco tudo o que a natureza criou e o mar não é exceção. O autor mostra como a degradação dos ecossistemas é agravada com tais ações. Em contrapartida, discorre sobre a evolução dos instrumentos utilizados para minimizar os efeitos nocivos causados pelo progresso e pela falta de respeito com o meio ambiente, como por exemplo a Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil por Danos Causados pela Poluição de Óleo (CLC/69), além de outras Convenções, Tratados e Planos. Em certa parte, a obra sintetiza rapidamente a paulatina evolução da navegação, com o consequente aumento da segurança dos navegadores, e a Marinha como órgão gerenciador dos estabelecidos nas legislações diversas.

Especificamente, o capítulo 8 trata da defesa contra posições antagônicas aos interesses brasileiros na “Amazônia Azul”, evidencia o papel do poder naval do país, seus desafios e a manutenção da garantia dos direitos adquiridos. Este capítulo também contextualiza a Marinha como ator principal nos propósitos voltados para as atividades militares e para a diplomacia naval.

Em sua derradeira parte, são apresentadas propostas consistentes, baseadas no contido nos capítulos anteriores, de gerenciamento do citado ambiente marinho. Além disso, o autor deixa clara uma discordância, em certo grau, com as responsabilidades atribuídas à Marinha pelas Leis Complementares 97/1999 e 117/2004 e, com efeito, sugere uma reorganização dessas responsabilidades, por conta, entre outras, da situação orçamentária. A ideia central dessa passagem é a promoção de uma mobilização de todos os setores da sociedade, com vistas a consolidar o uso da “Amazônia Azul” de forma legal, integrada e garantida.

O futuro do país depende, em parte, de uma sólida e consistente gestão dos recursos marinhos. Ao escrever este livro, o autor tinha sempre essa afirmação implícita em sua mente. Seu posicionamento acerca do assunto denuncia sua paixão pelo mar e sua preocupação com os desdobramentos decorrentes das ações hoje adotadas. Talvez, essas páginas, consigam cumprir o objetivo tácito do Almirante Vidigal: aumentar o entendimento da sociedade no que se refere à importância do mar.

André Luis A. Vieira – 1º. Tenente da Marinha do Brasil

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Cem Dias Entre Céu e Mar – KLINK (MB-P)

KLINK, Amyr. Cem Dias Entre Céu e Mar. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 264 p. Resenha de: PINTO, Marcela Martins da Serra Vilela. Uma travessia incomum: Da África ao litoral baiano. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

Cem dias entre céu e mar é uma aventura instigante e curiosa, na qual Amyr Klink, personagem principal do livro, morador da cidade de Paraty e fascinado por navegação, conta em detalhes sobre a sua travessia num barco a remo pelo Atlântico Sul. E no porto de Luderitz, na Namíbia inicia a tão esperada viagem com destino ao litoral baiano.

Foi autorizado a deixar o porto de Luderitz em 10 de junho de 1984, porém a saga começou bem antes dessa data, com planejamento e estudo sobre o barco, preparação de alimentos, metodologia de trabalho e a busca sobre relatos anteriores de travessias semelhantes.

O mesmo conversou também com parceiros e amigos de longa data a respeito da melhor rota, dos detalhes técnicos do seu barco e do porto mais aconselhável, tanto na África como no Brasil. Além disso, aconteceram inúmeras coincidências positivas que proporcionam ainda mais confiança. E assim, munido de muitas informações e com a certeza de que estava pronto para o começo dessa missão, Amyr partiu No inicio, o mesmo passava incontáveis horas remando, até que não aguentasse mais, então pensou em estipular um número de horas fixas para remar e descansar, para que o dia pudesse render mais. Assim foi feito e constatado que os resultados alcançados eram melhores.

O mesmo remava por 8 horas, com intervalos, geralmente para beber água, fazer as refeições e descansar, mas nesse tempo ele também observava e conversava com os novos amigos mais próximos, as baleias, peixes, tartarugas e aves. Ainda tinham os tubarões, que não podiam ser considerados amigos, mas a presença era normalmente discreta e respeitosa.

Nem todos os dias eram apenas de tranquilidade e trabalho, mas em nenhum momento Amyr pensou em desistir. Mesmo com as tempestades, algumas falhas na comunicação e cálculos sem precisões, o mesmo foi forte para seguir até o seu objetivo. Dessa forma, ele conseguiu chegar bem e com o barco em boas condições até o litoral baiano, na “Praia da Espera’, onde encontrou com os pescadores e assim encerrou, de forma magnífica a sua missão.

De um modo geral, o livro conta sobre uma aventura, porém muito mais que isso, trata sobre a determinação, crescimento pessoal e profissional e mostra que é possível realizar um sonho mesmo quando quase todos ao seu redor dizem que você não vai conseguir. Com isso, o leitor sente-se parte da históna, disposto a enfrentar seus medos e com vontade de realizar os seus sonhos, por mais que pareçam impossíveis.

Marcela Martins da Serra Vilela Pinto – 1º Tenente da Marinha do Brasil

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Fatos da história naval – ALBUQUERQUE; FONSECA e SILVA (MB-P)

ALBUQUERQUE, Antônio Luiz Porto; FONSECA e SILVA, Léo Fonseca. Fatos da história naval. 2.ed. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2006. 184p. Resenha de: [Autoria não identificada]. A importância do poder naval no curso da história. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

A importância do poder naval no curso da história Em Fatos da História Naval, os autores afirmam que “(…) no passado o uso correto do mar – incluindo o emprego eficaz do poder naval – determinou a prosperidade de nações”; permitindo, assim, um estudo mais profundo das atividades marítimas no curso da história, demonstrando a importância dessas atividades no desenvolvimento e na manutenção da soberania das civilizações.

Nos três primeiros capítulos é traçada uma narrativa da utilização dos mares e rios pelos povos da antiguidade, fosse para o comércio ou para o ataque e logística durante os combates. Passa pela utilização do mar Mediterrâneo pelos povos ocidentais, até a navegação pelo oceano Atlântico, iniciando as grandes navegações; demonstrando o processo de evolução das embarcações, a busca por novas fontes de riquezas, e a alternância no domínio dos mares, pois, o fato de Portugal ter sido o precursor nas grandes navegações, não garantiu a sua hegemonia permanente nas novas rotas comerciais e colônias conquistadas, apontando, assim, a importância do poder naval, que é parte do poder marítimo, na consecução e manutenção dos objetivos e da soberania dos estados.

Nos quatro últimos capítulos, verifica-se que países, com poder militar tradicionalmente terrestre, pode alcançar um excelente poderio naval. A França, por exemplo, combateu, embora sem sucesso, com a Inglaterra, potência tradicionalmente marítima, na “(…) Batalha de Trafalgar, em 1805, a mais célebre batalha naval da marinha de velas, quando a Inglaterra derrotou, no mar, as pretensões de Napoleão I”. Aborda a Revolução Industrial, mencionando a utilização de máquinas a vapor na propulsão dos navios, a criação de encouraçados com canhões cada vez mais potentes, o “(…) advento do submarino. Surgido já na Guerra da Revolução Americana (1776-1783)”, e usado nas duas Grandes Guerras Mundiais; evidenciando, assim, a constante busca por inovações e suas aplicações nos meios navais, como posteriormente, o surgimento do porta aviões, do submarino nuclear, posicionando as nações em patamares diferentes. Cita o Brasil, com seu extenso litoral, apontando o surgimento da sua esquadra, a fim de consolidar a proclamação da independência por D. Pedro I, em 1822, comandada por oficiais ingleses, como “(…) Cochrane, assistido por outros oficiais oriundos da Royal Navy, como Taylor e Grenfell.” Destaca a utilização de navios a vapor e encouraçados na Guerra do Paraguai, a participação nas duas Guerras Mundiais, o teatro de operações navais; demonstrando a necessidade de adequação dos meios para cada momento dos conflitos, a importância do poder naval no desenrolar dos fatos, a renovação dos meios navais no pós-guerra e o incentivo ao desenvolvimento da indústria naval.

A obra busca transmitir ao leitor a importância do poder naval nos conflitos ao longo da história da humanidade; que se faz necessário um desenvolvimento constante do país, e em especial, dos meios navais; que o fato de o Brasil possuir um litoral com cerca de 7.000 km, há de possuir os meios navais necessários para dissuadir qualquer intento contra a sua soberania. Sendo assim, Fatos da História Naval cumpre um papel, não apenas informativo, mas esclarecedor e incentivador do desenvolvimento e manutenção do poder naval, disponibilizando as informações necessárias para forjar uma consciência marítima nos cidadãos desta nação, com grande potencial, que é o Brasil.

Sem autoria identificada.

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Este barco lambem é seu: Práticas inovadoras de gestão que levaram o USS Benfold a ser o melhor navio de guerra da Marinha americana – ABRASHOFF (MB-P)

ABRASHOFF, D. Michael. Este barco lambem é seu: Práticas inovadoras de gestão que levaram o USS Benfold a ser o melhor navio de guerra da Marinha americana. Tradução de Henrique A. R. Monteiro. São Paulo: Editora Cultrix, 2006. 200p. Resenha de: CORDEIRO, Vinícius Matheus de Oliveira. A liderança como ferramenta para a vitória. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

A obra de D. Michael Abrashoff, oficial da Marinha Americana que comandou o contratorpedeiro USS “Benfold” de 1997 a 1999, mostra como aspectos de liderança e gestão são fundamentais para o sucesso da missão de uma organização e das pessoas que a compõem. Estando em um dos ambientes organizacionais mais complexos existentes, como um Navio de guerra pronto para ser utilizado em combate, o autor explica através de exemplos reais como foi possível vencer tal complexidade através da sua influência e liderança sobre os militares do navio, e como transformou cada pessoa de bordo em um profissional eficaz, comprometido e satisfeito.

O livro é organizado em doze capítulos, mais o prefácio, introdução, epílogo e agradecimentos. Bem didáticos, os capítulos se sucedem com um padrão cronológico muito ordenado de quando um profissional assume um cargo de chefia ou comando de um grupo de pessoas. Ele apresenta os aspectos da liderança desde o primeiro contato com os liderados e o seu desenvolvimento perante a organização e ao pessoal, mostrando um caminho o qual afirma ser uma receita para o sucesso do conjunto.

O primeiro aspecto que o leitor precisa se situar ao iniciar a leitura da obra é a sua opinião quanto ao conceito do que é ser líder em uma organização. O livro logo no início coloca seu leitor em um papel de “servidor”, em vez de “servido”, característica essa muito comum em organizações seja militar ou civil, no ordenamento da relação “lider-liderados” A primeira característica de liderança descrita na obra é a de que o papel do chefe não é somente se preocupar com o resultado do trabalho das pessoas, e sim se preocupar de como estão as pessoas perante o trabalho. O desafio de tomar cada pessoa da organização o mais comprometida possível com os objetivos da instituição é o verdadeiro papel do comandante ou chefe de uma partição de trabalho. Agindo desta forma e obtendo êxito ele torna-se um líder, e o sucesso e a vitória da organização nada mais é do que uma consequência Este comprometimento é descrito no livro através da frase: “Este barco também é seu”.

O exemplo e a preocupação constantes com os subordinados são as maiores características de um líder, segundo o autor. Conseguir enxergar a organização através dos olhos do funcionário do último nível hierárquico permite uma visão total dos cantos e arestas as quais são invisíveis por uma visão superior, gerando um amplo conhecimento dos problemas existentes e ações corretivas imediatas, tendo um efeito moral positivo sobre os liderados de maneira exponencial. A confiança nas pessoas, aliada a responsabilidade delegada e ao incremento da qualidade de vida e satisfação no trabalho são os ingredientes que geram uma felicidade coletiva. A aposta do autor, correta, visto os resultados alcançados durante o seu comando daquele Navio, e a de que se cada subordinado estiver feliz, entusiasmado, satisfeito, qualificado e confiante no seu comandante, o navio automaticamente não somente cumprirá a sua missão pura e simples, mas a cumprirá de forma excepcional e acima de todas as expectativas, gerando satisfações próprias do Navio e dos seus superiores hierárquicos. Isso ele conseguiu preocupando-se desde o nível de adestramento do marinheiro mais moderno do seu navio ao padrão dos gêneros alimentícios que eram comprados.

A liderança não visa o sucesso individual do líder. Ela é o meio pelo qual o líder influencia seus subordinados para que estes se comprometam ao máximo no cumprimento da missão organizacional, seja de um navio de guerra ou de uma empresa civil. A liderança preocupa-se com a realização individual de cada pessoa do sistema, sendo o auge deste processo a satisfação plena dos subordinados em trabalharem naquele local. Tendo-se atingido este estágio, através de ações de liderança e devida justiça, a vitória e o sucesso são certos e tangíveis. Assim, esta obra é recomendada para todos que exerçam cargos de comando militar ou chefias de repartições civis. A liderança não é o fim, e sim o meio para o cumprimento de qualquer missão.

Vinícius Matheus de Oliveira Cordeiro – Capitão Tenente da Marinha do Brasil

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História das Guerras – MAGNOLI (MB-P)

MAGNOLI, Demétrio. História das Guerras. São Paulo: Contexto. 2009, 478 p. Resenha de: NUNES, Renata dos Santos. A História das Guerras e Seu Reflexo nos Dias Atuais. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

Esta obra coordenada por Demétrio Magnoli apresenta a história de várias guerras em ordem cronológica, sob a perspectiva de diversos autores convidados. De acordo com o autor, países e fronteiras não estiveram sempre onde estão e nem sempre existiram. São portanto, reflexos da história humana, reflexos de seus atos e decisões.

O livro apresenta uma linguagem acessível ao abordar quinze dos mais importantes conflitos da história, cada um abordado por um diferente autor, apresentando mapas com as estratégias dos combates, como as guerras napoleônicas, a guerra civil americana, as invasões bárbaras, dentre outras.

Pode-se depreender que ao comparar as guerras da antiguidade com as mais atuais, as estratégias não apresentaram grandes mudanças. É bem verdade que os recursos tecnológicos são outros, porém, a tecnologia não alterou significativamente as estratégias de campo.

A obra porém, não trata apenas dos conflitos. Para trazer um melhor entendimento para o contexto do conflito, há também a análise do contexto histórico, cultural e social da época em questão. Ela traz também com riqueza o perfil dos personagens envolvidos. Ao ler o livro é possível perceber que, ao passar dos anos, o estudo e conclusões sobre um conflito é usado para justificar novas estratégias de guerras, evitando-se cometer os mesmos erros de outrora, embora isso não fosse garantia de vitória.

Após conhecer os quinze capítulos narrados pelos autores, é possível afirmar que a guerra está ligada a história da humanidade, segundo o próprio autor: “Eis o reconhecimento da guerra como componente intrínseco da política, ou seja, como fenômeno normalna vida das sociedades e dos Estados e, portanto, suscetível à análise racional ”.

O livro mostra que os conflitos não implicaram apenas em mortes e sacrifícios. É bem verdade que eles foram responsáveis pelo avanço tecnológico, científico e da própria humanidade. Sendo importante lembrar, ainda, a mistura cultural a que algumas nações viramse obrigadas a vivenciar, como exemplo entre Grécia e Roma, quando os romanos entram em contato com os povos de origem grega, os quais marcaram profundamente sua cultura.

Magnoli sintetiza que a essência do homem não mudou, ao concluir que “é apenas realista reconhecer que não somos muito diferentes dos gregos de 25 séculos atrás ”. A despeito de cada guerra ser um fenômeno singular, elas dialogam umas com as outras e segundo Magnoli “é sempre uma expressão de cultura, uma expressão condensada das formas de pensar, produzir e consumir das sociedades”. Heródoto já disse: “A guerra é o pai de todas as coisas”. Essa afirmativa que antecede a Guerra do Peloponeso é coerente com a atual situação mundial que nos faz desacreditar em paz mundial.

Renata dos Santos Nunes – 1º. Tenente da Marinha do Brasil

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A estranha derrota – BLOCH (MB-P)

BLOCH, Marc. A estranha derrota. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. Resenha de: [Autoria não identificada]. O desmoronamento francês frente ao inimigo alemão no século XX. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

O autor desta obra, Marc Léopold Benjamin Bloch nasceu no dia 6 de julho de 1886 em Lyon, França. Estudou na Sorbonne, onde formou-se em História. Participou das duas grandes guerras do século XX. A frente dessas duas batalhas reuniu, com sua visão de historiador, memórias de guerra, transformadas em livro e publicadas após a sua morte. As obras de Marc Bloch desencadearam uma verdadeira “Revolução da historiografia francesa”, influenciando gerações de historiadores. Na obra em análise (A estranha derrota), mesmo em condições desfavoráveis, utilizou da experiência particular das duas guerras para observar e debruçar-se sobre a derrota francesa. Longe de abordar uma história política e nacionalista, Bloch analisa a história em sua totalidade, não permitindo que os males do momento contaminassem sua capacidade de reflexão.

Marc Bloch participou dos acontecimentos que culminaram na ocupação da França pela Alemanha de Hitler, em maio de 1940. Com olhar totalmente crítico e reflexivo, peculiar a todo historiador, este autor analisa os aspectos da derrota francesa e sua rendição. O principal argumento desenvolvido por Bloch para explicar a derrota é que as classes dirigentes, Estado- Maior do Exército, sociedade morosa e forças políticas, não se preparam adequadamente para fazer frente à Blitzkrieg (guerra relâmpago alemã). Os generais franceses ainda se pegavam a táticas e ao compasso de 1918, enquanto Hittler ao contrário, utilizava seus tanques Panzer como ponta de lança na guerra, além de intensa utilização do poderio aéreo. Os franceses negligenciarem, também, a tecnologia alemã e sua tática de guerra, depositaram confiança demais na linha Maginot, linha de fortificações e de defesa construída pela França.

Uma das principais teses desenvolvidas pelo autor é a critica à ortodoxia militar francesa, presente em 1940. A forma como as ações de guerra eram traçadas sofria de certa letargia intelectual na execução, não permitindo uma eficiente organização das forças em campo de batalha, sendo frequente às tropas serem surpreendidas pelos avanços das forças inimigas. Além disso, observava os estados-maiores mal organizados com seus serviços de informação, e constituído por militares longevos. Outro ponto de vista do autor para explicar a derrota encontrava-se na política econômica permeada pela burguesia que se via ameaçada pela ofensiva das novas camadas sociais que, de certa forma, ameaçava esse grupo político e econômico acostumado a comandar. Logo, Marc Bloch denuncia a derrota intelectual como um mal presente, não só no alto-comando militar, mas que permeou toda civilização francesa e que levou à derrota frente ao poder de Hitler. As ações dos chefes militares ou os que agiam sob seus nomes, não pensaram a guerra, em outros termos: o triunfo dos alemães foi, essencialmente, uma vitória intelectual e talvez este seja o motivo mais grave desta derrota.

2 Cumpre registrar como o autor fez valer sua experiência no campo de batalha para registrar os fatos, mostrando que a história é filha de seu tempo. Para ele, não haveria descontinuidade entre passado e presente, mas um tempo contínuo, em que o passado ajudava a compreender o presente e o presente, por sua vez, ajudava a compreender o passado. E aí está o ponto fulcral que deixou de ser observado pela sociedade francesa frente ao inimigo. Era preciso problematizar esta nova guerra e aprender com o passado, como por exemplo, concepções de novas estratégias militares para suplantar o inimigo alemão. Duas guerras jamais serão iguais! Faz-se apenas uma crítica a esta obra, no qual o historiador dá ênfase à morosidade militar, sendo, também, as estruturas políticas e econômicas responsáveis por regular o uso da força na defesa dos interesses de um país. A História e os fatos são múltiplos em suas estruturas, em suas causas e sem determinismos, ou seja, multifacetadas.

Portanto, o autor faz um apanhado de toda sua experiência militar e de maior historiador do século XX para analisar a capitulação francesa frente ao poderio de guerra alemão.

Testemunha ocular, tratou do caótico cotidiano do conflito e da responsabilidade da sociedade francesa na vitória do nazismo. Lições do passado coadunadas com ações contemporâneas poderiam ditar um destino diferente daquele que foi registrado durante a Segunda Guerra Mundial para o povo francês, comprovando a frase do filósofo grego Heráclito de Efeso: “Ninguém se banha duas vezes na água do mesmo rio.”

Autoria não identificada

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1989: O ano que mudou o mundo. A verdadeira história da queda do muro de Berlim – MEYER (MB-P)

MEYER, Michael. 1989: O ano que mudou o mundo. A verdadeira história da queda do muro de Berlim. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. 247 p. Resenha de: MARTINS, Mônica de Azevedo. A queda do muro de Berlim: mitos e verdades. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

Michael Meyer, escritor e jornalista, foi chefe da sucursal da revista Newsweek, na Alemanha Oriental, Europa Central e Balcãs, entre 1988 e 1992. Trabalhou no corpo diplomático da ONU, em Kosovo, entre 1999 e 2001. Foi porta-voz do atual secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon. Em sua obra, “1989 – O ano que mudou o mundo”, o autor desmitifica a visão simplista sobre a queda do Muro de Berlim, desvendando, por meio de uma linguagem simples e fluente, a realidade dos fatos que culminaram na instauração de uma Nova Ordem Mundial que perdura até os dias de hoje. Sob a óptica de quem vivenciou pessoalmente esse evento histórico, e teve a oportunidade de conhecer e entrevistar diversos dos seus principais personagens, o autor narra os fatos de forma leve e agradável, convidando o leitor a um verdadeiro mergulho no tempo e no espaço.

De acordo com o escritor, as economias dos países do bloco oriental estavam em pleno desmoronamento nos anos anteriores à queda. Embora fosse grande a pressão do governo de Ronald Reagan para que o muro fosse derrubado, o processo de derrocada do status quo vigente foi alavancado pelas próprias Nações comunistas, e não pela vitória do capitalismo sobre o comunismo ou dos Estados Unidos sobre a Rússia, como muitos acreditaram. Pobreza, miséria e privação de bens essenciais eram a realidade das populações da Polônia, Hungria e Alemanha Oriental, entre outras. As reformas nos campos económico e político orquestradas por Mikhail Gorbachev – a Glasnost e a Perestroika – foram um sinal de que a União Soviética não mais interviria nas mudanças que viessem a ocorrer em outros países integrantes do bloco socialista.

Nesse contexto, os húngaros foram os primeiros a abrir, literalmente, um buraco na Cortina de Ferro, ao permitir o rompimento da parte do muro que ficava em sua fronteira. Na Alemanha Oriental, a população encontrava-se confusa e dividida mas, aos poucos, ia transpondo os limites que os impedia, não somente de adquirir bens de consumo, mas de rever parentes e amigos. Nos conta o autor que a total abertura do muro, permitindo o livre acesso dos alemães orientais ao ocidente, deu-se de forma inusitada, quase como um susto, em decorrência de um pronunciamento do governo que deixou confusos tanto os guardas quanto a população que, logo que pôde, correu em direção ao sonho de liberdade.

Em todo o Leste Europeu, em maior ou menor escala, ressurgiram líderes e partidos, antes perseguidos ou extintos, associados, em alguns casos, a integrantes das próprias cúpulas comunistas, que perceberam a insustentabilidade de seus governos ou, simplesmente, precisavam de alguém em quem pôr a culpa pelo seu fracasso. Assim, o partido Solidariedade foi reconhecido na Polónia, a fim de assumir o país economicamente falido, e Václav Havei, após inúmeras e sucessivas prisões, retoma sua força política na Checoslováquia, que passará pela Revolução de Veludo, uma das mais belas e pacíficas resistências da história.

Finalmente, o autor enfatiza as repercussões do fim da Guerra Fria, principalmente quanto ao seu efeito, quase que de cunho psicológico, para os governantes Norte Americanos. Diante da pseudovitória do capitalismo, os Estados Unidos assumiram o papel de superpotência hegemónica, capaz de intervir e solucionar quaisquer problemas mundiais, enfraquecendo-se tanto economicamente, ao financiar guerras como a do Iraque, como politicamente, ao interferir sistematicamente em questões além de suas fronteiras.

Em linhas gerais, nesta obra o autor narra os fatos que precederam a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, sob o ângulo de quem teve o privilégio de presenciá-los, podendo assim perceber o que realmente foi crucial para o seu desenlace. Ao partilhar sua experiência com o leitor, Michael Meyer, além de fornecer um registro histórico franco e o mais próximo possível da verdade, convida-o a uma reflexão sobre um passado histórico recente que foi essencial para a configuração da realidade atual, bem como, para construção de um futuro no qual há cada vez menos espaço para bipolaridades ou unipolaridades, na medida em que diversas outras potências vêm conquistando seu espaço político e econômico.

Mônica de Azevedo Martins Cardoso –  1º Tenente da Marinha do Brasil

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1808 – Como Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil – GOMES (MB-P)

GOMES, Laurentino. 1808 – Como Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. 2 ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. 408p. Resenha de: NASCIMENTO, Aline Botelho do. A vinda da Família Real para o Brasil e a Independência. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

O livro conta à história de D. João VI, que sendo ameaçado pelas invasões de Napoleão Bonaparte, por não ter cumprido o Bloqueio Continental com a Inglaterra, foge para a sua maior colônia na época, o Brasil, para onde a Família Real transferiu a sede do governo Português, fato nunca antes visto na história conforme afirma autor.

Em 1807, Napoleão Bonaparte era o senhor absoluto da Europa. Seus exércitos tinham destronado reis e rainhas do continente europeu, numa sucessão de vitórias brilhantes e surpreendentes. Só não haviam conseguido dominar a Inglaterra. Napoleão resolveu tentar a Guerra Econômica, decretando o bloqueio continental, uma medida que previa o fechamento dos portos dos Estados Europeus aos produtos britânicos. Suas ordens foram obedecidas por todos os países exceto Portugal.

  1. João VI rei de Portugal tinha duas opções a escolher: a primeira era ceder às pressões de Napoleão e aderir ao bloqueio continental; a segunda, aceitar a oferta dos ingleses e embarcar juntamente com sua corte para o Brasil. Caso o Príncipe Regente aderisse a proposta de Napoleão, os ingleses não somente bombardeariam e sequestrariam a frota portuguesa como muito provavelmente tomariam suas colônias ultramarinas.

Ainda que o plano de fuga para o Brasil fosse antigo, a viagem foi decidida às pressas. Além disso, fatores naturais atrapalharam bastante a viagem, que não foi fácil. No plano de viagem havia um ponto de encontro onde navios poderiam ser reparados. Esse ponto era a ilha de Cabo-Verde, no qual as embarcações danificadas atracariam; após o retorno, deveriam seguir viagem rumo ao Rio de Janeiro, mas aportaram em Salvador, na Bahia, de onde partiram enfim para o Rio de Janeiro.

Com a chegada ao Rio de Janeiro, a primeira providência tomada pela Família Real Portuguesa foi a abertura dos Portos às “nações amigas”, especificamente a Inglaterra. Houve, também, a criação de uma escola superior de Medicina, outra de técnicas agrícolas, um laboratório de estudos e análises químicas e a Academia Real Militar.

A Família Real estabeleceu ainda algumas instituições no país, tais como: Gazeta do Rio de Janeiro, o Supremo Conselho Militar e de Justiça, a Intendência Geral de Polícia da Corte, o Conselho de Fazendo e o Corpo da Guarda Real, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional e o Jardim Botânico.

Porém, Houve também, períodos conturbados, tais como revoltas de cunhos separatistas, abolicionistas, entre outras, que exigiram o tratamento por parte da Família Real, o que devidamente debeladas, ajudaram a manter a unidade nacional central mais forte, delineando o Brasil próximo da forma como conhecemos.

Com revoltas acontecendo também em Portugal, na cidade do Porto, em 1820, D. João foi obrigado a retornar a Portugal, deixando a administração do Brasil a cargo de seu filho D. Pedro. Entretanto, para desespero de D. Pedro, quando D. João partiu para Portugal, raspou os cofres do Banco do Brasil e levou embora o que ainda restava do tesouro real que havia trazido com a “fuga” para a colônia em 1808.

A D. Pedro coube a tarefa de unificar o país, e torná-lo independente de Portugal, já que seu próprio pai, acatando deliberações da Corte portuguesa, tornava as exigências à colônia muito mais duras.

O Jornalista Laurentino Gomes, neste livro, retrata, de forma bem amigável ao leitor, a vinda e a permanência da Família Real portuguesa, e sua Corte, em 1808, e como influenciaram a vida no Brasil, culminando com a Independência em 1822. É certo que graças aos fatos que ocasionaram a mudança da corte para as terras tupiniquins o futuro do país foi mudado significativamente.

Aline Botelho do Nascimento –  Primeiro-Tenente da Marinha do Brasil

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A EaD e os processos de formação na área da saúde | EmRede – Revista de Educação a Distância | 2017

O contexto educacional da Saúde no Brasil, apoiado numa reflexão sobre a filosofia, a estrutura, o conteúdo e a metodologia do processo educativo, deve buscar explorar a introdução de novas alternativas, incorporando avanços tecnológicos e fundamentos científicos de diferentes campos do saber, de forma a promover uma apropriação crítica da tecnologia aos seus processos pedagógicos, assim como buscar a reflexão crítica sobre as influências da denominada cultura digital sobre as concepções epistemológicas e práticas pedagógicas dos docentes desse campo.

O tema central deste número da Revista – A EaD e os processos de formação na área da saúde visa lançar luz nesse debate, considerando ainda a importância de se planejar processos formativos com base nas necessidades de saúde das pessoas e das populações. Vale destacar o contexto de ampliação de demandas na modalidade a distância, de formação e qualificação profissional na área da saúde, observadas nos últimos anos no Brasil, como decorrentes da prioridade que assumem, na política pública na área da Saúde, conforme define a Constituição Brasileira. Porém, é importante avançar na discussão sobre a qualidade dessas formações e a avaliação das mesmas como um processo crítico e reconstrutivo das práticas em saúde. Evidencia-se, portanto a necessidade de espaços para o compartilhamento de reflexões e experiências que ampliem a compreensão e superem a visão instrumental ainda vigente, centrada apenas no uso de recursos tecnológicos desprovidos de consistência pedagógica. Leia Mais

Polo de Apoio Presencial: que espaço é esse? | EmRede – Revista de Educação a Distância | 2017

A modalidade a distância (EaD) no Brasil passou, nos últimos anos, por várias mudanças e tem provocado candentes debates em nosso País, tanto na comunidade científica quanto na sociedade. Está presente na grande mídia e chega ao ambiente doméstico com uma aceitação crescente enquanto modalidade de ensino. Entretanto, existem resistências que são amplificadas quando o que está em jogo é a formação de pessoas, comumente adjetivada de aligeirada e certificadora. Essa modalidade é capaz de aumentar significativamente o acesso ao ensino superior, mas incapaz de revelar a qualidade da formação provida pelas instituições brasileiras de Ensino Superior.

Esta edição da Revista EmRede condensa uma série de debates em relação a um dos pilares sobre o qual a modalidade a distância se sustenta: o polo de apoio presencial. Aqui, os leitores encontrarão uma pluralidade de enfoques teórico-metodológicos e estilos de escrita que consideramos fundamentais para retratar o estado do conhecimento desse polêmico campo de saberes e práticas. Esse número temático foi organizado em três sessões: Artigos Convidados, Artigos Científicos e Relatos de Experiência. Leia Mais

Arquivo Público | RAPEES | 2017

Arquivo Minas Gerais Arquivo Público

A Revista do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Vitória, 2017-) tem por objetivo fomentar a pesquisa em História, Arquivologia, Ciências Sociais, Geografia, Biblioteconomia, como áreas prioritárias da nossa linha editorial. Para isso, buscamos estabelecer parcerias com o meio acadêmico, no sentido de modernizar nossas atividades enquanto órgão do Governo do Estado do Espírito Santo, vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, no que diz respeito às responsabilidades legais no âmbito da Gestão Documental. Além disso, visamos incentivar a utilização do nosso acervo como importante fonte para os estudos sobre a História do nosso Estado, bem como difundir e compartilhar o conhecimento produzido.

A RAPEES tem como principal contribuir para a construção do conhecimento, saber histórico e arquivístico, dentre outros, do e no Estado do Espírito Santo, priorizando pesquisas que tenham o acervo do APEES como fonte documental, visando, dessa forma, demonstrar a riqueza de informações existentes e disponíveis nesta instituição arquivística. Além de divulgar pesquisas de significativa contribuição e importância às áreas do conhecimento acima citadas, visando aproximar e estreitar os laços entre arquivistas, historiadores, bibliotecários, geógrafos e cientistas sociais, dentre outros, com a população capixaba.

Para o desenvolvimento deste projeto contamos com a parceria da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), por meio do Laboratório de Estudos em Teoria da História e História da Historiografia (LETHIS), do Departamento de História, e do Grupo de Pesquisa Cine Memória: salas de cinema do estado do Espírito Santo, do Departamento de Arquivologia, sendo seus respectivos representantes os professores, doutores, Julio Bentivoglio e André Malverdes, os quais são os Coordenadores Editoriais da nossa revista.

[Periodicidade semestral].

Aceso livre.

ISSN 2527-2136

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Mártires, confessores e virgens. O culto aos santos no Ocidente Medieval | Andréia Silva, C. L. Frazão da

Diferentes perspectivas, abordagens e aspectos da santidade na Idade Média

O livro é uma iniciativa de vários professores doutores ligados ao Programa de Estudos Medievais da UFRJ, organizado por Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva e Leila Rodrigues da Silva. Após o prefácio que apresenta a obra, escrito pelo Prof. Dr. Ronaldo Amaral da UFMS, seguem cinco capítulos, cada um com de cerca de 30 páginas, que abordam por diferentes perspectivas e recortes espaço-temporais a temática da santidade na Idade Média. Ainda estão inclusas as Referências, informações sobre a Documentação consultada, Sugestões de Leitura e dados sobre a trajetória intelectual dos Autores do livro.

O capítulo inicial do livro, “Mártires na Antiguidade e na Idade Média”, escrito por Valtair Afonso Miranda, tem como questão central o fenômeno histórico do martírio, pensando para quem os relatos foram produzidos e a que interesses atendiam com essas representações do sofrimento e da morte. Para dar conta desse questionamento, o autor analisou a tradição cristã do martírio em suas diferentes manifestações nas comunidades cristãs antigas e medievais.

Desde sua origem etimológica, afirmou Miranda, o “mártir” era tanto aquele que deveria ser lembrado quanto quem possuía o conhecimento de algo e poderia apresentar seu testemunho. Nesse sentido, um dos primeiros documentos do cristianismo a descrever a morte de um cristão foi o “Martírio de Policarpo”. Segundo o autor, o texto já apresentava o “mártir” como a própria testemunha que morria em grande sofrimento. Para o segundo século, o termo já indicava sofrimento e/ou a morte de alguém que era, especificamente, seguidor do movimento de Jesus.

Miranda retomou diversas referências anteriores ao martírio cristão para demonstrar que, tanto no judaísmo quanto no Império Romano, a imagem de morte por um ideal já estava bem consolidada. Associada a isso, a própria morte de Jesus foi uma referência essencial para a construção do conceito de martírio, motivado pelas expectativas messiânicas, que atrelavam o perdão da humanidade a uma morte dolorosa e violenta do salvador. Uma terceira referência foi construída pelo Apocalipse de João, que promoveu a ideia de martírio como etapa necessária para o Juízo Final. Dessa forma, um dos modos dos fieis participarem da instauração do reino messiânico era por meio da morte violenta. “As mortes cristãs, quando ritualizadas segundo o modelo do mártir, eram eficientes instrumentos de propaganda para o cristianismo numa sociedade que aprendera a respeitar quem sabia morrer” (p. 42).

Após o fim das perseguições aos cristãos, não eram mais encontradas essas formas de morrer em nome da crença. O autor ressaltou, então, os aspectos principais do martírio espiritual, que assumiu o lugar do sofrimento pela tortura e a morte violenta dos períodos anteriores. Esse martírio poderia ser qualquer situação de desconforto, inclusive físico, praticado de forma voluntária e que não levava a morte. Poderiam ser realizados em casas religiosas, dentro do matrimônio, em solidão ou no exílio. Os monges comumente passaram a ser vistos como os “novos heróis” do cristianismo. De modo geral, o “martírio espiritual” era um conceito fluído, que se adaptou para explicar situações diferentes de sofrimento.

Contudo, durante a Idade Média Central, por conta de uma nova onda de propagação de heresias, martírios – no sentido inicial da concepção cristã – voltam a ocorrer e novos mártires – como Tomás Becket e os cinco franciscanos mortos no Marrocos – rapidamente passam a ser cultuados com fervor. Em vista disso, Miranda afirmou, nas suas conclusões, que era de suma importância para a construção das novas comunidades religiosas definir quem era o seu herói. Isto era “um exercício de poder, poder esse que define limites identitários, esclarece alteridade, reforças práticas e crenças religiosas, gera papéis sociais, legitima governos, socializa visões de mundo” (p. 54).

No segundo capítulo “Monges e literatura hagiográfica no Início da Idade Média”, Leila Rodrigues da Silva desenvolveu sua análise com dois objetivos principais. No primeiro, tratou da História do monacato desde suas origens orientais até os seus desdobramentos nos reinos romano-germânicos, ou seja, a partir do século IV e com especial atenção aos séculos VI e VII. No segundo, a autora associou a apresentação da tipologia documental das hagiografias com a análise dos estudos de caso de monges de três regiões, a saber: Bento de Núrsia da Península Itálica, Frutuoso de Braga da Península Hispânica e Amando de Maastricht das Gálias. Os relatos hagiográficos dos três monges expressavam o anseio geral de cristianização dos seus períodos e manifestavam a importância da construção e multiplicação de comunidades monásticas para a efetivação destas ambições.

A respeito do monacato, Rodrigues da Silva apresentou as principais hipóteses produzidas sobre a motivação inicial para tal movimento ascético no contexto do Império Romano do Oriente. Essas proposições se resumiam na ideia de que para entender a complexidade do fenômeno era necessário considerar tanto o anacoretismo como uma atitude de protesto – seja em relação ao aspecto religioso ou político – quanto uma decisão pessoal e moral do asceta. As duas formas principais de monacato que se originaram nesse contexto, o eremitismo e o cenobitismo, chegaram ao Ocidente sem que houvesse descontinuidade em relação à sua motivação original. Além disso, se associaram às formas ascéticas já praticadas localmente. Entre os séculos IV e VII, o movimento monástico foi vinculado ao episcopado, que se preocupou com a produção de regras comunitárias, normativas conciliares e a expansão da cristianização com atuação de monges nas áreas rurais.

A segunda preocupação de Rodrigues da Silva estava pautada em como a experiência monástica se expressava nos textos hagiográficos, buscando comparativamente as semelhanças e as especificidades nos três contextos eleitos. O primeiro monge analisado, Bento de Núrsia, ficou conhecido pela perspectiva de seu hagiógrafo, Gregório Magno. Segundo a narrativa, Bento teria origem em família abastada, com acesso à educação em Roma. Sua experiência religiosa incluiu um período de isolamento, disputas com os demônios, destruição de ídolos, construção de doze mosteiros, produção de uma regra e preparação de outros monges – destacando nessas obras o papel das virtudes da obediência e da humildade. O segundo hagiografado, Frutuoso de Braga, foi apresentado por um anônimo. Seu narrador indicou uma intensa participação eclesiástica e política: ele teria produzido duas regras monásticas, participado de concílios, trocado correspondências com reis e bispos e assumido duas dioceses. O monge-bispo seria totalmente dedicado à vida monástica, valorizando suas características ascéticas orientais – como o desejo pela peregrinação e a necessidade de isolamento -, fundando novas casas e promovendo o monacato de modo geral. O terceiro e último monge anunciado por uma hagiografia, Amando de Maastricht, foi relatado anonimamente. Além dessa narrativa, esteve referenciado em cartas trocadas com Martinho I, bispo de Roma. Após um período de isolamento ascético de quinze anos, sua característica monástica mais marcante foi a atividade missionária desempenhada em diversas regiões dos reinos merovíngios. Também foi sagrado bispo por sua associação com a monarquia e o episcopado local.

A autora concluiu que, comparativamente, o monacato ocidental visto a partir das narrativas hagiográficas dos reinos romano-germânicos não configurou uma contestação veemente à instituição eclesiástica. A perspectiva eremítica marcou a trajetória inicial dos monges destacados da hierarquia eclesiástica, se concretizando como um “ideal desejado”.

Passando ao terceiro capítulo “Santos e episcopado na Península Ibérica”, Paulo Duarte Silva partiu das proposições historiográficas de Peter Brown, que superou a dicotomia estabelecida sobre as documentações hagiográficas – reforçando ou rejeitando a santidade dos protagonistas – e permitiu o estudo do contato dos “eclesiásticos seculares” com outros grupos religiosos. Segundo Duarte Silva, estudiosos recentes contestaram as fronteiras entre os cuidados episcopais e o pretenso isolamento monástico. O episcopado se desenvolveu como função eclesiástica, desde o século I até as mudanças na organização e na estrutura promovidas pela aproximação do Império Romano e a ecclesia. Do ponto de vista Ocidental, o autor chamou atenção de que gradualmente as aspirações aristocráticas aos cargos eclesiásticos se aprofundaram, sendo acompanhadas pelo interesse de adesão ao monasticismo. Na Alta Idade Média, predominava o monacato beneditino. Como consequência, a partir dos séculos X e XII, consolidaram-se as ordens beneditinas de Cluny e Cister. Para a Idade Média Central surgiram novas demandas de religiosidade, que deram grande destaque às ordens mendicantes – de franciscanos e dominicanos.

Duarte Silva teve por objetivo analisar as relações entre o cursus episcopal e as ordens religiosas de bispos-santos cristãos. Partindo do recorte temporal da Alta Idade Média até a Idade Média Central, dedicou-se a análise de bispos e cônegos, especificamente que tivessem atuado na Península Ibérica. Para viabilizar a comparação, o especialista estabeleceu eixos de análise como: a trajetória institucional na fundação de mosteiros e conventos, a participação de concílios e as relações assumidas com as autoridades monárquicas. Para tanto, elegeu oito figuras de bispos considerados santos e dentro dessas especificações: Martinho de Braga (520-580); Isidoro de Sevilha (560-636); Rosendo de Celanova (907-977); Ato de Oda/Valpuesta (m. 1044); Olegário de Tarragona (1060-1137); Bernardo Calvo (1180-1243); Agno de Saragoça (1190-1260), e; Berengário de Peralta (1200-1256).

O terceiro capítulo apresentou como conclusão que, desde a Alta Idade Média, a grandiosidade dedicada à memória dos clérigos oriundos do monacato demonstrou o interesse eclesiástico em organizar, adequar e submeter a vida monástica às decisões episcopais e conciliares. Nesse sentido, surgiram novas possibilidades de consagração pública, promovendo e organizando a santidade ibérica. Com o passar dos séculos foi possível observar um processo de expansão do modelo monástico beneditino, a partir do Norte da Península Ibérica em detrimento da tradição visigótica. Gradativamente, a santidade também foi atribuída a bispos relacionados aos cônegos e aos mendicantes. Em suma, Duarte Silva afirmou que as trajetórias dos bispos santos peninsulares possuíam diversos eixos de continuidade – origem nobiliárquica, estadia em mosteiros ou em conventos, apoio das monarquias e participação dos personagens em concílios – enquanto simultaneamente era permeado por características de ruptura. Ou seja, “a santidade é histórica, e por isso, embora admita elementos comuns, deve der associada a diferentes contextos políticos e religiosos” (p. 113).

Em “As ordens mendicantes e a santidade na Idade Média”, o quarto capítulo do livro, a autora Carolina Coelho Fortes traça a relação entre os fenômenos da santidade e do surgimento das ordens mendicantes, surgidas a partir do século XIII. Para isso, o capítulo foi dividido em cinco partes: a santidade no Medievo, surgimento e formação das ordens mendicantes, a santidade mendicante, Francisco de Assis e Domingo de Gusmão.

Na primeira parte, de maneira muito densa e completa, foi apontado o que era necessário para ser considerado santo na Idade Média e quais os perfis de pessoas cultuadas conforme o Medievo avançava. Assim, embora as hagiografias apontassem que seria impossível tornar-se santo – porque a santidade começava a se manifestar desde a mais tenra idade e continuamente ao longo da vida e após a morte – a autora demonstrou o contrário. Ela destacou que é possível considerar as múltiplas dimensões da temática e abordá-la nas perspectivas espiritual, teológica, religiosa, social, institucional e política. A visibilidade, a materialidade, a corporeidade, o serviço prestado à comunidade, os sacríficos, dores e renúncias, o combate ao mal, os milagres e a esperança de redenção trazida para a comunidade, tudo isso está na lista de topoi hagiográficos que ao mesmo tempo promovia a difusão e o reconhecimento (eclesiástico ou não) da santidade, segundo Fortes. E por isso, a santidade deveria ser entendida como “uma construção social, um ideal que se desenvolveu historicamente” porque “tipos diferentes de pessoas eram percebidos como santos pelas comunidades cristãs durante períodos distintos” (p. 102).

Ainda na Antiguidade, o primeiro tipo teria sido composto por mártires e, sem que seu culto fosse eclipsado pelos modelos posteriores, durante a Idade Média juntaram-se a eles: os bispos, os ascetas, os nobres que conseguiam altos cargos na hierarquia eclesiástica, os leigos nas cidades, os mendicantes, os penitentes, a Virgem Maria e, finalmente, os leigos. A autora fez considerações que relacionam os elementos da tipologia já descrita com os diferentes contextos históricos – da Antiguidade Tardia até a fins do Medievo, passando pela Alta Idade Média e Idade Média Central – ou seja, uma duração de aproximadamente 1000 anos. Neste interim, Fortes destacou o impacto da criação dos processos de canonização, no século XIII, no controle da santidade pelo papado, bem como isto contribuiu para a “humanização” ou “popularização” da santidade. Este último fator fez das personagens santas cada vez mais conhecidas, familiares e inspiradoras de uma devoção mais afetuosa do que referencial (p. 125).

Ao tratar das ordens mendicantes, a autora fez uma síntese de como as transformações ocorridas no Ocidente, desde o século XI, possibilitaram o seu surgimento. E então, o texto abordou alguns pontos entrecruzados a este respeito principalmente da Ordem dos Frades Menores – franciscanos – e da Ordem dos Pregadores – dominicanos, a saber: como normatizar as ordens mendicantes foi útil para a consolidação da cúria papal; como franciscanos e dominicanos lidaram com o delicado e controverso voto de pobreza; como a produção hagiográfica sobre Francisco de Assis e Domingos de Gusmão promoveu ao mesmo tempo o culto destes fundadores, a institucionalização de ambas as ordens e estabilizou as relações das mesmas com Roma, além de criar modelos de frades e freiras a serem seguidos. As diferenças entre as duas ordens também ficam claras porque a autora as apresentou comparativamente. Embora a pobreza, a pregação, a obediência, os estudos, a presença de leigos e de clérigos nos quadros das ordens e o combate aos inimigos da fé fossem questões importantes para ambas, a ênfase dada a cada uma destas temáticas foi bem distinta e pautada pelos objetivos dos fundadores – e dos seus sucessores – e os ambientes onde cada uma delas atuava.

Nas partes que se seguem do capítulo, Fortes analisou e demonstrou, mais uma vez por meio das comparações entre as ordens e seus fundadores, como os processos de canonização estavam intrinsecamente conectados com a santidade mendicante e, portanto, com o culto a Francisco de Assis e a Domingos de Gusmão. Foram levantados argumentos quantitativos e relações com o contexto histórico, bem como exemplificações constantes de como funcionava uma canonização no século XIII, e como os casos de Francisco e Domingos são excepcionais, principalmente por causa da sua celeridade e impulso papal direto. Contudo, nas considerações finais, Fortes fez questão de frisar que a compreensão do fenômeno da santidade encontra-se situada em algum lugar entre as aspirações centralizadoras papais e as demandas da religiosidade leiga do período, que seguiam a efervescência filosófica, educacional, econômica e social do século XIII.

No quinto e último capítulo, “Mulheres e santidade na Idade Média”, Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva estabeleceu como objetivo “destacar, a partir das singularidades da biografia e culto das personagens, a sobrevivência e a complexidade do fenômeno da santidade feminina por todo o Medievo” (p. 150). Deste modo, as personagens referidas são mulheres que viveram entre os séculos V e XIII e que receberam variadas formas de reconhecimento público de santidade.

As motivações da autora para tal empresa foram duas ressalvas e dois pressupostos. A primeira ressalva inicia o capítulo, pois segundo Sofia Boesch Gajano, em um verbete do Dicionário Temático do Ocidente Medieval, o número de mulheres consideradas santas teria aumentado no século XIII. Porém, Frazão da Silva apontou que é necessário não superestimar este crescimento. A autora citou como base de sustentação os dados das pesquisas clássicas de André Vauchez sobre o tema e ainda os resultados do projeto coletivo de pesquisa Hagiografia e História: um estudo comparativo da santidade, desenvolvido no âmbito do Programa de Estudos Medievais da UFRJ. A segunda ressalva é que o fenômeno da santidade feminina se tornou mais diversificado e expressivo na Idade Média Central. Porém não foi uma inovação do período, já que uma quantidade significativa de santas cultuadas pelos medievais já eram veneradas desde a Antiguidade.

Os pressupostos da autora são de caráter historiográfico. A autora adverte que a sua concepção de santidade não é essencialista e que ela leva em conta também as expectativas e interesses daqueles que promovem os cultos. Mais importante para o entendimento do capítulo é a conceituação de biografia que ela apresenta: “um exercício que busca compreender os laços, nem sempre diretos ou simples, que ligam uma pessoa ao momento histórico em que viveu” (p. 150).

Assim, após as observações introdutórias, segue uma lista, em ordem cronológica, de pequenas biografias de mulheres consideradas santas – com ou sem reconhecimento de Roma. Em cada uma delas, a autora faz questão de mencionar como o culto de uma santa foi retomado na Idade Média, no caso das santas da Antiguidade, ou como o culto perdurou para além do Medievo, no caso das devoções iniciadas neste período. E ainda, quais são as fontes escritas que nos informam sobre as personagens, tendo elas sendo produzidas pelas próprias ou por terceiros. A lista é longa e fica evidente que o intuito da autora é apresentar personagens as mais diversas possíveis entre si, apesar das muitas semelhanças entre elas.

Santa Escolástica, monja exemplar da Península Itálica, que teria vivido entre os séculos V e VI, e irmã de São Bento, o criador da regra de vida beneditina para os monges. Santa Radegunda, uma rainha piedosa de ascendência germânica da Alta Idade Média, que se recolheu a um mosteiro. Santa Valpurga, outra dama da nobreza e abadessa que viveu nas Ilhas Britânicas, no século VIII. Santa Oria, jovem que tinha sonhos e visões e foi “emparedada” (modalidade de religiosa totalmente reclusa), em Castela, no século XI. A próxima da lista é mais famosa ainda pelas suas visões, pela sua trajetória institucional eclesiástica e pelos seus escritos. Considerada doutora da Igreja, viveu na região da atual Alemanha, no século XI, trata-se de Santa Hildegarda de Bingen. Santa Clara de Assis, filha de nobres da cidade de Úmbria, na Itália, do século XIII, a primeira franciscana e fundadora do ramo feminino da Ordem dos Frades Menores. E, por fim, Santa Guglielma, nascida na Boêmia, no século XIII, possivelmente também uma princesa, que faleceu na Itália próxima a abadia de Chiaravalle. O caso de Guglielma é um dos mais singulares, porque inicialmente ela foi cultuada por um grupo local de seguidores, mas posteriormente foi condenada pela Inquisição.

Nas considerações finais do capítulo, a autora nos apresenta uma lista muito maior de nomes que poderiam ter sido citados, o que nos permite ter uma dimensão da sua primeira conclusão: mesmo que a mulher fosse vista como débil em vários sentidos no pensamento hegemônico medieval, isto não impediu que houvesse um grande número de personagens femininas consideradas dignas de devoção pelos medievais. Também não seria possível traçar um perfil único para a santidade feminina medieval. Novos tipos de personagens vão sendo incorporadas ao rol das veneradas e, apesar da constância da vida religiosa na biografia de todas, cada uma delas seguiu passos bem diferentes nestes caminhos. Sendo assim, mais uma vez fica claro como o fenômeno da santidade não é estático, é histórico e profundamente conectado com as conjunturas, anseios sociais e relações de poder (p. 181).

Destacam-se a clareza da redação ao longo de todo o livro e a preocupação em explicitar os objetivos e metodologias das pesquisas realizadas – bem como a coerência de se manter fiel ao que foi proposto. Os capítulos dialogam entre si e evitam repetições, porém sem deixar de mencionar o que for importante para o entendimento das questões analisadas. Desta forma, o livro cumpre duas funções. Apresentar um trabalho amplo e atualizado para aqueles que desejam iniciar o estudo do culto aos santos no Ocidente Medieval, podendo assim fazer bom uso da leitura completa do livro. Ou ainda, para aqueles que já se estão se aprofundando em alguma das temáticas específicas, ler um dos capítulos possibilita o conhecimento de abordagens novas, variadas e críticas.

Juliana Salgado Raffaeli – Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em História Comparada, UFRJ. E-mail: julianaraffaeli@hotmail.com

Thalles Braga Rezende Lins da Silva – Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em História Comparada, UFRJ. E-mail: thalles1107@gmail.com


SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da; SILVA, Leila Rodrigues da Silva. Mártires, confessores e virgens. O culto aos santos no Ocidente Medieval. Petrópolis: Vozes, 2016. Resenha de: RAFFAELI, Juliana Salgado; SILVA, Thalles Braga Rezende Lins da. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.17, n.1, p. 255- 261, 2017. Acessar publicação original [DR]

História e Culturas. Fortaleza, v.5, n.9, 2017.

MUNDOS DO TRABALHO

SUMÁRIO

ARTIGOS

The age of empathy: nature’s lessons for a kinder society – DE WAAL (SY)

DE WAAL, Frans. The age of empathy: nature’s lessons for a kinder society. London: Souvenir Press, 2011. Resenha de: TRINDAD, Gabriel Garmendia da; MARIN, Ana Paula Foletto. Synesis, Petrópolis, v.9, n.1, p.180-195, jan./jul., 2017.

De produções cinematográficas1 a discursos políticos2, ‘empatia’ está se tornando um termo cada vez mais comum no vocabulário popular. O termo em questão tem sido igualmente empregado e discutido em uma miríade de estudos filosóficos e do campo da psicologia. Porém, a despeito de seu uso contínuo e popularização, tanto por acadêmicos quanto por profissionais de outras áreas, ainda não existe um acordo acerca de como, precisamente, a noção de ‘empatia’ deveria ser entendida e definida – o que tem resultado em um número ainda maior de publicações. Em sua obra The Age of Empathy: Nature’s Lessons for a Kinder Society, o primatólogo e antropólogo holandês Frans de Waal3 convida os leitores a refletirem sobre a ideia de ‘empatia’, bem como o seu papel e importância nas vidas de humanos e não-humanos.

No primeiro capítulo de The Age of Empathy, de Waal articula uma ideia que será constante até o final do livro, a de que é preciso perceber e compreender as relações sociais, enquanto alvo de problematização da biologia, de modo diferente do habitual. Há de se abandonar as costumeiras suposições de caráter negativista sobre a biologia e adotar uma visão mais positiva quanto aos seres humanos. Por exemplo, um pensamento ainda bastante comum no campo das ciências humanas é o conhecido Homo homini lupus (“O homem é o lobo do homem”). Para de Waal, tal máxima hobbesiana não poderia estar mais longe da verdade. Isso porque ela não passa de uma afirmação enganosa sobre os seres humanos a qual se fundamenta em falsas suposições acerca de outra espécie. Em realidade, lobos são seres que mantêm profundos laços sociais. A sua sobrevivência não depende da eliminação de competidores ou do ato de manter os alimentos obtidos individualmente para si mesmos, mas sim de cooperação e partilha. Tais comportamentos são próprios de diversas espécies predadoras que caçam em bando, o que inclui primatas e, por consequência, seres humanos.

Humanos são animais de grupo. Por um lado, revelam-se como altamente cooperativos, sensíveis a ações injustas e, na maioria das vezes, amantes da paz. Por outro lado, agem por incentivo, de maneira a atentar, por exemplo, para o status pessoal, limites do território e a segurança de suas fontes de alimento. Ou seja, há tanto um aspecto social quanto um aspecto egoísta na espécie humana. Uma sociedade que ignora essas tendências, assevera de Waal, não pode ser tomada como ideal. Assim, se “o homem é o lobo do homem”, ele o é em todos os sentidos, e não apenas no negativo. A humanidade não teria sobrevivido até os dias de hoje se os seus ancestrais fossem seres socialmente indiferentes e distantes.

Ainda no capítulo inicial, de Waal propõe-se a discutir e refutar três mitos referentes aos seres humanos e suas relações sociais em geral. O primeiro deles é o de que os ancestrais dos atuais seres humanos governavam abertamente a savana africana. Conforme esclarece de Waal, embora os antepassados da espécie humana se encontrassem em uma posição bem mais elevada do que a maioria dos outros primatas na cadeia alimentar, eles estavam muito longe do topo. Eles provavelmente deveriam ter vivido em contínuo terror de outros animais predadores, como hienas gigantes ou tigres-dente-de-sabre. Em decorrência disso, os ancestrais humanos tinham de se contentar com horários de caça secundários.

O segundo mito debatido por de Waal está intimamente ligado à questão da segurança – a primeira e principal razão para a vida social. O mito em pauta concerne à ideia de que a sociedade humana foi erigida voluntariamente por seres humanos autônomos. Em outros termos, os seres humanos são animais inteligentes que decidiram abrir mão de algumas de suas liberdades individuais para adotar uma vida em comunidade. De acordo com essa perspectiva, os ancestrais humanos levavam vidas descompromissadas de modo a não precisar uns dos outros. Porém, por serem criaturas altamente competitivas, o custo dos sucessivos conflitos entre si se tornou insustentável. Assim, a vida em sociedade se revelou como uma solução sensata.

Para de Waal, essa forma de perceber as relações sociais entre seres humanos é um mero resquício de um pensamento pré-darwiniano, o qual está assentado sobre uma visão completamente equivocada da espécie humana. Do mesmo modo que ocorre para muitos outros mamíferos, os diferentes ciclos da vida humana abrangem estágios nos quais os seres humanos dependem uns dos outros. A espécie humana descende de uma longa linhagem de primatas que viviam em grupos e que apresentavam um elevado grau de interdependência. A necessidade de segurança moldou tanto a vida social de humanos quanto a dos demais primatas. A predação, por exemplo, é um fenômeno que força os indivíduos a se unirem. Deveras, pode-se dizer que quanto mais vulnerável é uma espécie, maiores são as agregações entre seus integrantes. Esse, segundo de Waal, é o real ponto de partida para problematizações acerca da sociedade humana; e não abordagens fundamentalmente desvinculadas da realidade biológica e evolutiva, as quais retratam os seres humanos como criaturas exageradamente livres e destituídas de quaisquer obrigações sociais.

O terceiro mito a ser explorado é o de que a espécie humana tem travado guerras desde os seus primórdios. Ou seja, a agressão é compreendida como a marca registrada da humanidade – a belicosidade estaria escrita no DNA humano. Como expõe de Waal, essa perspectiva se tornou bastante popular após as devastações resultantes da Segunda Guerra Mundial. Os seres humanos passaram a ser tomados como “símios assassinos” quando comparados a outros primatas – que eram vistos como “pacifistas”. O estadista britânico Winston Churchill (1874 – 1965), por exemplo, acreditava que, salvo alguns breves momentos de paz, a guerra é ininterrupta nesse mundo. Segundo de Waal, essa é outra visão que se afasta enormemente da realidade humana.

Embora existam evidências arqueológicas de que os primeiros assassinatos individuais entre membros da espécie humana tenham sucedido há centenas de milhares de anos, o mesmo não é válido para quaisquer possíveis morticínios em larga escala ocorridos antes da revolução agrícola. Como argumenta de Waal, em decorrência das interdependências entre grupos, os ancestrais da espécie humana provavelmente nunca entrariam em uma guerra de grandes proporções até terem acumulado uma considerável soma de valores por meio da agricultura. Tal estratégia resultaria em mais espólios após ofensivas a grupos rivais. Em última instância, de Waal sugere que, para os ancestrais humanos, a guerra sempre se apresentou como uma opção. Muito possivelmente, eles seguiam um modelo similar aos das atuais tribos caçador-coletoras, i.e., intercalar longos períodos de paz com breves momentos de disputa violenta – uma abordagem que visivelmente contradiz o pensamento churchilliano.

No segundo capítulo, de Waal concentra seus esforços na construção de uma crítica ao darwinismo social. Este se caracteriza por ser uma tentativa de aplicar certos conceitos e princípios de ordem biológica para explicar e justificar a superioridade de determinados indivíduos em contextos sociais ou políticos. A vida é descrita como uma contínua batalha. Aqueles que podem perseverar não deveriam ser obstruídos por outros que não possuem o que é necessário para sobreviver. A gênese de tal posicionamento pode ser traçada, mais notavelmente, aos escritos do filósofo inglês Herbert Spencer (1820 – 1903). Ele foi o formulador original da ideia de “sobrevivência do mais apto”, a qual ainda hoje permanece sendo erroneamente referida a Charles Darwin (1809 – 1882).

No tocante ao darwinismo social, sentimentos como a compaixão, ou outras demonstrações empáticas não são bem vistos. Isso porque comportamentos altruístas supostamente impedem que a natureza siga o seu curso. A caridade, bem como qualquer tentativa de buscar a igualdade social, por exemplo, são tidos como atos despropositados e/ou contraprodutivos. Nesse sentido, a pobreza é tomada como uma prova da preguiça daqueles que são afligidos por ela, e a justiça nada mais é do que uma marca da fraqueza de outrem. Assim, no entender de Spencer, o real intuito da natureza é extinguir aqueles que são percebidos como retardatários ou socialmente ineficientes e dar lugar a algo ou alguém melhor.

Para de Waal, no entanto, o darwinismo social é fundamentalmente problemático, pois é inviável deduzir os objetivos da sociedade a partir dos objetivos da natureza. Em outras palavras, o darwinismo social incorre na chamada falácia naturalista, a qual denuncia a impossibilidade de extrair do atual estado das coisas como elas deveriam ser. Por exemplo, animais não-humanos comumente eliminam uns aos outros em larga escala, porém não é possível extrair disso a conclusão de que os seres humanos também devem fazê-lo. Da mesma forma, se os membros de outras espécies vivessem em plena harmonia, disso também não se seguiria que os seres humanos teriam uma obrigação de agir de modo igual. A natureza, afirma de Waal, pode oferecer informação, assim como inspiração, porém não prescrição.

Ainda no segundo capítulo, e seguindo na esteira de objeções ao darwinismo social, de Waal passa a criticar a teoria do “gene egoísta”. Esta foi popularizada pelo etólogo e biólogo evolutivo Richard Dawkins. De acordo com a visão da evolução centrada nos genes pleiteada por Dawkins, os organismos devem ser entendidos como “veículos”, ao passo que os “condutores” seriam os genes. Em outras palavras, uma vez que a evolução adaptativa ocorre através da competição e propagação dos genes, estes constroem organismos que agem como “máquinas de sobrevivência”, cuja função é possibilitar a perpetuação dos genes nas futuras gerações. Dawkins cunhou a metáfora do “gene egoísta” para explicar a ideia de que os genes que serão replicados nas gerações seguintes são aqueles cujos efeitos concernem aos seus interesses implícitos – i.e., serem replicados e permanecerem no pool gênico. Isso significa que a evolução não estaria centrada em indivíduos específicos ou grupos, mas sim nos genes. Todavia, na opinião de de Waal, a metáfora criada por Dawkins para explicar a teoria da seleção genética acabou gerando mais mal do que bem para o campo da biologia.

Como de Waal faz questão de esclarecer, genes são simplesmente pedaços de DNA que não podem ser mais “egoístas” do que um rio pode ser “furioso”. É preciso ficar entendido que quando os genes são descritos como “egoístas”, isso não diz absolutamente nada acerca das reais motivações de humanos ou não-humanos. Há uma separação entre aquilo que guia a evolução e aquilo que norteia o verdadeiro comportamento dos indivíduos. Deveras, alguns comportamentos – os quais incluem a realização de ações notavelmente compassivas ou altruístas – podem ser produzidos por genes selecionados para salvaguardar os seus portadores (vulgo “veículos”). Ademais, é necessário salientar que a contínua discussão de biólogos sobre a temática da competição não implica que esses pesquisadores advoguem em prol dela como um norteador aceitável do comportamento em sociedade. Similarmente, quando esses mesmos biólogos descrevem os genes como “egoístas”, isso não significa que eles, de fato, o sejam. Nesse sentido, a metáfora elaborada por Dawkins mostrase bastante problemática. Isso porque ao adicionar um termo de ordem psicológica a uma discussão sobre evolução genética, dois níveis distintos que os biólogos constantemente lutam para manter separados acabam chocando-se. Tal colisão forçada resulta no obscurecimento da distinção entre genes e motivação, o que leva a posturas cínicas acerca dos comportamentos de humanos e não-humanos.

Como sugere de Waal, mesmo que uma dada característica biológica tenha evoluído por determinada razão, isso não significa que ela não possa ser utilizada diariamente para outras finalidades. Por exemplo, o ato de oferecer ajuda a outros evoluiu para satisfazer interesses pessoais – o que, de fato, é realizado quando o alvo do auxílio é um familiar ou um membro do grupo que possa reciprocar o favor futuramente. Todavia, isso não quer dizer que humanos e não-humanos somente prestam ajuda por motivos egoístas. As razões para a evolução desse modo de agir não restringem, necessariamente, as ações do agente. Embora esse indivíduo siga dada tendência, certas vezes ele pode fazê-lo sem receber nada em troca. Alguns exemplos disso são o comportamento sexual humano que, em incontáveis situações, não tem como objetivo a reprodução; o mesmo pode ser dito da adoção de outros indivíduos que não fazem parte da própria prole – algo observado em diversas espécies.

No terceiro capítulo, de Waal trata do surgimento da empatia. Segundo ele, esta primeiramente se apresenta na forma de sincronização de corpos. Por ‘sincronia’ entende-se a imitação de certos movimentos corporais como rir, chorar, bocejar, etc. O riso, por exemplo, é uma expressão humana universal e inata que frequentemente indica bem-estar. As primeiras risadas acontecem entre mãe e filho e simbolizam apreciação mútua. Em outros primatas, por sua vez, o riso ocorre como uma reação à surpresa ou incongruência – como quando a mãe cutuca a barriga de seu filhote com seus dedos compridos. O riso, por ser contagiante, reflete a sensibilidade do indivíduo aos demais. De acordo com de Waal, sincronia é a forma mais antiga de ajustamento aos outros. Sincronizar-se implica ser capaz de reconhecer o próprio corpo no corpo do outro e fazer dos movimentos deste os seus movimentos. Isso explica o fato de que o riso ou o bocejo de alguém é capaz de fazer outros rirem ou bocejar. Além disso, ser capaz de se conectar aos demais e se ajustar aos seus movimentos é vantajoso em termos de sobrevivência – e.g., um pássaro que foge de um possível perigo ao levantar voo quando outros pássaros voam em disparada.

Reconhecer o próprio corpo no corpo do outro (body-mapping) é algo que inicia bastante cedo e continua se mostrando como um fenômeno profundamente enigmático. Quando um adulto mostra a língua para um bebê, por exemplo, este tende a responder fazendo o mesmo. O enigma é: como o bebê sabe que sua língua, a qual ele nem consegue ver, corresponde ao músculo carnudo que se encontra entre os lábios do adulto? Mais misteriosos ainda são os casos de body-mapping entre diferentes espécies. Em um estudo, golfinhos sem nenhum tipo de treinamento imitavam pessoas perto de uma piscina: quando um homem abanava os braços, o golfinho respondia abanando suas nadadeiras; quando o homem levantava uma perna, o golfinho levantava a calda acima da água. A questão de como o cérebro corretamente reconhece as partes do corpo de outra pessoa como partes do seu próprio corpo é conhecido como o ‘problema da correspondência’. Segundo de Waal, identificação é o que atrai um indivíduo e o faz adotar as emoções e comportamentos daqueles que se encontram próximos. Em outras palavras, quando há identificação entre um corpo e outro, há empatia e, consequentemente, imitação. Essa, por sua vez, possui um papel fundamental no fortalecimento de vínculos. Estudos indicam que, em situações românticas, imitar os movimentos do parceiro, como cruzar as pernas quando o outro cruza ou segurar o copo quando o outro o faz, gera conexão, o que aumenta as chances de o encontro prosperar. Além disso, pesquisas mostram que garçons que repetem o pedido do cliente recebem duas vezes mais gorjetas do que aqueles que apenas exclamam “É pra já!”

Como relembra de Waal, humanos adoram o som do seu próprio eco. Ainda assim, o modo como o corpo de um indivíduo – seja sua voz, seu humor, sua postura, etc. – é influenciado por aqueles corpos que o cercam permanece um mistério. Interessantemente, tal enigma é justamente o que mantém sociedades inteiras conectadas. O psicólogo alemão Theodor Lipps (1851 – 1914) foi o primeiro a reconhecer que há algo como um canal que conecta as pessoas entre si. As experiências de um indivíduo podem ecoar dentro de outra pessoa de modo que essa as sinta como se fossem suas. Como quando ela observa em suspense um acrobata caminhando sobre um cabo de aço e reage com apreensão a cada deslize. Tal conexão involuntária de emoções começou a ser pesquisada em 1990 pelo psicólogo sueco Ulf Dimberg. A fim de registrar os movimentos musculares mais sutis, Dimberg colocou eletrodos na face de seus voluntários e exibiu fotos de rostos raivosos e felizes na tela de um computador. Os participantes franziam as sobrancelhas em resposta às imagens de rostos raivosos e esticavam o canto da boca em resposta a rostos felizes. Um resultado similar foi obtido em outro teste, onde as mesmas fotos foram apresentadas em alta velocidade, de modo que os participantes não pudessem percebê-las conscientemente. Aqueles que foram expostos a rostos felizes relataram ter se sentido melhor do que aqueles que observaram rostos raivosos. Como a pesquisa de Dimberg sugere, humanos não decidem, necessariamente, ser empáticos; eles simplesmente o são.

A descoberta dos neurônios-espelho, em 1992, impulsionou a perspectiva acima mencionada. Um experimento realizado em macacos revelou que esses possuem células cerebrais especiais, as quais disparam quando o macaco agarra um objeto e também quando ele vê outro fazendo o mesmo. Em outras palavras, tais neurônios não diferenciam o ato “macaco faz” do ato “macaco vê”. Por conseguinte, também não fazem distinção entre ‘si mesmo’ e o ‘outro’. Como destaca de Waal, tal descoberta fornece um primeiro indício do papel do cérebro no reconhecimento das emoções e do comportamento alheio. Ademais, ela igualmente fragiliza as afirmações de que a empatia concerne unicamente aos seres humanos. De acordo com de Waal, ‘empatia’, entendida como o ato de projetar-se no outro, pode ser regulada através de atenção seletiva e identificação. Ou seja, um indivíduo pode optar por ignorar o que lhe causa desconforto e se identificar apenas com aqueles que lhe são semelhantes – familiares, amigos, pessoas do mesmo sexo, da mesma religião, etc. de Waal salienta que identificação é tão fundamental para que haja empatia que até mesmo ratos de laboratório compartilham a dor de seus companheiros de jaula. Em termos gerais, enquanto a presença de identificação abre a porta para a empatia, sua ausência a fecha.

Ainda no terceiro capítulo, de Waal apresenta as duas principais respostas ao problema de como as emoções alheias afetam um indivíduo. Uma primeira sugestão é a de que o corpo afeta as emoções. Estudos revelam que o humor de um indivíduo pode ser melhorado pelo simples ato de esticar os cantos da boca. Em contraste, pessoas que assistem a desenhos animados com as sobrancelhas franzidas, por exemplo, tendem a julgá-los menos engraçados do que aquelas que assistem forçando um sorriso (mordendo um lápis horizontalmente sem encostar nos lábios). Outra sugestão é a de que o corpo é afetado pelas emoções. Ao observar a linguagem corporal de uma pessoa, um indivíduo é capaz de deduzir o estado emocional dela, o que, por seu turno, acaba por afetar as suas próprias emoções. Apesar da linguagem corporal ser um fator crucial para que haja contágio emocional, é o rosto que possibilita a conexão mais rápida com o outro. Pesquisas revelam que pessoas tendem a se afastar de indivíduos que apresentam paralisia facial, ao passo que esses, muitas vezes, se sentem profundamente sozinhos e depressivos, podendo chegar a beira do suicídio. Como de Waal faz questão de enfatizar, a empatia precisa de um rosto. Pode-se dizer, então, que expressões faciais pobres geram um entendimento empático pobre.

No quarto capítulo, de Waal fornece uma distinção entre ‘empatia’ e ‘simpatia’. Segundo ele, ‘empatia’ é um processo através do qual um indivíduo é capaz de apreender informações a respeito do estado emocional de outros seres. ‘Simpatia’, por sua vez, envolve preocupação com o outro, geralmente acompanhada do desejo de melhorar a sua situação. de Waal ressalta que ‘simpatia’ é comum não apenas a humanos, mas também a não-humanos. Outros primatas, em especial, são muito sensíveis ao sofrimento alheio e tendem a oferecer ajuda àqueles que precisam. Uma demonstração de simpatia comum em grupos de chimpanzés se dá na forma de consolo. Após brigas entre chimpanzés, é comum que a vítima de uma agressão receba a visita de algum amigo ou familiar que irá oferecer abraços, inspecionar cuidadosamente os seus ferimentos ou praticar catação (social grooming) – i.e., o ato de remover piolhos e outros parasitas do pelo. De acordo com de Waal, oferecer conforto através de contato físico faz parte da biologia dos mamíferos. No entanto, a motivação por trás de tal ato não está inteiramente clara. Uma hipótese é a de que ao consolar outros busca-se, em realidade, o próprio conforto. Por exemplo, uma pessoa que, por sentir-se aflita com o choro de alguém, oferece consolo para tranquilizar a si mesma. Crianças pequenas e alguns não-humanos também são frequentemente atraídos a indivíduos cuja a agonia os afeta – de Waal chama essa atração cega de ‘preconcern’. Outras demonstrações de simpatia ocorrem na forma de “ajuda direcionada” (targeted helping) – i.e., quando a ajuda é voltada à situação específica de outros. de Waal oferece o exemplo da bonobo Kuni que, ao encontrar um pássaro preso em sua jaula no zoológico, levou-o ao ponto mais alto de uma árvore, abriu suas asas e o soltou no ar. de Waal também distingue empatia e simpatia do que ele chama de perspective-taking: tomar a perspectiva de alguém, o que envolve buscar saber e entender o que o outro pensa, acredita ou sente. Tal capacidade é altamente desenvolvida em animais com cérebros grandes, mas também pode ser encontrada em animais com cérebros menores.

Ainda no quarto capítulo, de Waal trata da questão do altruísmo, comportamento esse que, segundo ele, não existiria sem a capacidade de empatia.  Embora haja incontáveis histórias e casos de sacrifício humano, o heroísmo, por exemplo, não é uma característica exclusivamente humana. Há numerosas evidências acerca dessa forma de altruísmo em outras espécies de primatas. Casos comuns são os de chimpanzés que, apesar de hidrófobos, arriscam a própria vida ao tentar socorrer companheiros se afogando. Como explica de Waal, altruísmo, em geral, exige esforço. Porém, há também o chamado ‘altruísmo de baixo custo’ – i.e., quando é possível ajudar outros sem muito esforço (e.g., dar carona ou segurar a porta aberta para alguém). Ser atencioso com outros indivíduos implica entender como o próprio comportamento afeta os dos demais, o que, por sua vez, requer empatia e perspective-taking. Tal assistência de baixo custo pode ser igualmente observada em distintas espécies de primatas e se dá na forma de catação e social scratching – i.e., o ato de coçar vigorosamente as costas de outros indivíduos.

No quinto capítulo, de Waal aborda a relação entre empatia e a capacidade de um indivíduo de se reconhecer no espelho. Segundo de Waal, não se pode conceber a ideia de empatia em sua forma mais avançada sem uma noção de ‘si mesmo’. Sem essa noção em particular não seria possível distinguir o próprio sofrimento do sofrimento dos demais. Uma maneira de testar se um indivíduo possui uma noção de si mesmo é observar o seu comportamento diante de um espelho. Tal teste consiste em marcar um lado da face do participante com tinta ou maquiagem colorida e observar as suas reações. Crianças a partir de dois anos de idade, outros primatas, elefantes e golfinhos respondem ao teste inspecionando cuidadosamente a marca em seus corpos e tentando removê-la quando possível. O teste do espelho é relevante, pois expõe como um indivíduo se posiciona no mundo, o seu jeito de se relacionar com os outros, e sua capacidade para tratar situações alheias como distintas da sua. A hipótese de que há uma relação entre se reconhecer no espelho e ser capaz de empatia e ajuda direcionada é chamada por de Waal de ‘hipótese da co-emergência’.

Para de Waal, indivíduos que se identificam no espelho apresentam a tendência em ajudar tanto aqueles que pertencem a sua própria espécie quanto a membros de outras. Há inúmeros casos de assistência interespécie. Um exemplo bastante popular é o de nadadores humanos salvos por golfinhos ou baleias. Interessantemente, embora entendam e utilizem espelhos para encontrar comida, macacos tendem a reprovar no teste do espelho. A partir disso, de Waal sugere a existência de diferentes níveis de entendimento de um espelho. O fato de macacos nunca confundirem o seu próprio reflexo com o reflexo de outros macacos sugere que a imagem deles mesmos no espelho não lhes é estranha. Além disso, embora macacos pareçam não serem capazes de tomar a perspectiva de outros indivíduos e identificar as suas necessidades, eles compartilham da aflição alheia e, em raras ocasiões, ajudam uns aos outros.

O ato de apontar para objetos como forma de compartilhar informação é outra temática discutida por de Waal no quinto capítulo. Tal gesto depende da capacidade de tomar a perspectiva alheia e reconhecer que o outro não possui a mesma perspectiva nem a informação que se está querendo passar. Humanos não são os únicos animais que esticam o braço e apontam com o dedo para objetos aos quais se quer chamar a atenção. Outros primatas também são especialistas em suscitar a atenção alheia, muitas vezes sem nem precisar apontar – de Waal conta como o chimpanzé Nikkie mantendo apenas contato visual e movimentando a cabeça comunicou que ele queria os frutos que se encontravam atrás de de Waal. Tal exemplo contraria a ideia de que apenas indivíduos dotados de uma linguagem sofisticada são capazes de compartilhar informação e expressar as suas necessidades.

No sexto capítulo, de Waal investiga as origens e principais características do senso de justiça (fairness) comum aos seres humanos. Ele nota um aspecto bastante curioso da espécie humana como um todo; embora erijam e tomem parte de complexas estruturas sociais, humanos tendem a renegá-las sempre que seus interesses e bem-estar próprios estão em risco. Diferenças de status e hierarquias sociais são toleradas apenas até certo ponto. Quando determinado limite é cruzado, humanos frequentemente abdicam de tais construtos e se rebelam contra aqueles que os prejudicam sem uma boa causa. Segundo de Waal, esse senso de justiça – de receber o que lhe é devido – está fortemente arraigado num igualitarismo que perpassa a história da espécie humana inteira. Estudos antropológicos conduzidos pelo pesquisador norte-americano Christopher Boehm revelam como comunidades tribais regulam os seus níveis de hierarquia internos. Perda de respeito e apoio são as principais reações comunais a líderes que optam por não cumprir as suas funções adequadamente – e.g., ao engradecerem a si mesmos em detrimento dos integrantes de seus grupos, distribuírem bens materiais de forma inapropriada, governarem por meio de intimidação e medo, etc. O apreço e anseio dos seres humanos por um tratamento justo pode ser observado em todos os tipos de sociedades. Porém, a despeito do que tem sido tradicionalmente tomado como fato entre intelectuais, humanos não são os únicos animais que demonstram um senso de justiça. Em realidade, esse traço social possui profundas raízes evolutivas, as quais são partilhadas com uma variedade de outras espécies. No intuito de construir uma defesa convincente dessa visão, de Waal passa a examinar o tema da confiança entre indivíduos – o que ele entende como sendo um dos elementos fundamentais do senso de justiça comum a humanos e não-humanos.

Confiança é um fator-chave para relações sociais. Como descreve de Waal, confiar em alguém implica, primeiramente, em contar com a sua fidelidade ou cooperação e, num sentido ainda mais básico, na simples expectativa de que esse indivíduo não irá agir de má-fé e lhe passar a perna ou deixar na mão. O cultivo e estabelecimento de confiança ajuda a expandir o círculo de atuação dos indivíduos, o que, por sua vez, os prepara para múltiplos tipos de colaboração. Para que isso possa ocorrer, no entanto, experiências passadas são comumente empregadas em considerações acerca de quem é confiável ou não – experiências essas que podem ser generalizadas dependendo do alvo da reflexão. Isso não significa, necessariamente, que todo e qualquer indivíduo deva ser testado antes de uma ação conjunta. Se assim fosse, conjectura de Waal, jamais alguém seria capaz de alcançar qualquer coisa. Confiança é o elemento que mantém diferentes sociedades unidas – sejam essas altamente complexas ou rústicas. Aborígenes, por exemplo, constantemente espalham veneno em suas flechas e as escondem nas árvores mais altas, longe do alcance de crianças. As suas armas são tratadas com bastante seriedade. Uma comunidade na qual os seus integrantes estão sempre dispostos a utilizá-las dificilmente encontraria qualquer coesão social duradoura. A importância da confiança para a construção e manutenção de vínculos cooperativos não está restrita a relações humanas. O ato de confiar no outro é fundamental para inúmeras espécies sociais.

Há uma profusão de cenários retratando relações de confiança entre não-humanos, sejam esses de uma mesma espécie ou de espécies distintas. Um dos exemplos mais conhecidos na literatura científica é o dos “peixes limpadores” que mantêm uma relação de perfeito mutualismo com outros não-humanos. Peixes limpadores mordiscam ectoparasitas e tecidos mortos da superfície do corpo e, algumas vezes, do interior da cavidade bucal de peixes maiores. Eles confiam que os indivíduos para os quais prestam esse serviço não irão devorá-los vivos. Por sua vez, os “peixes clientes” igualmente confiam que a criatura nadando dentro de sua boca não irá abocanhar mais do que o devido e se alimentar de tecidos saudáveis. Quando isso ocorre, todavia, alguns peixes limpadores tentam restaurar a confiança de seus clientes fazendo cócegas ao massageá-los com suas barbatanas dorsais. Isso geralmente tranquiliza os peixes maiores, o que permite a continuidade e conclusão da limpeza. Certos peixes limpadores acabam se ocupando tanto com os seus clientes que esses chegam a formar filas para serem atendidos.

Outro componente basilar do senso de justiça comum a humanos e não-humanos é reciprocidade. Retornar favores e demonstrar gratidão são engrenagens cuja atuação silenciosa torna possível diversos aspectos da vida em comunidade. Quem exibe uma tendência a não retribuir a gentileza ou não reconhecer a ajuda de outrem acaba sendo mal visto em agregados sociais. Em situações nas quais é possível escolher entre colaborar com uma pessoa que apresenta um histórico de correspondência ou alguém que tem o costume de tirar vantagem da generosidade alheia, o último é frequentemente rejeitado. Quando se trata de cooperação, penalizações sociais sérias raramente são aplicadas àqueles que ficam aquém do desejado. Entretanto, esses indivíduos tendem a ser “punidos” por seus pares em estudos psicológicos conduzidos em laboratório. Tal apreço pelo ato de reciprocar é igualmente partilhado com outras espécies de animais. Morcegos-vampiros, por exemplo, adotam um sistema de companheirismo centrado em parcerias mutualmente vantajosas. Uma vez que não podem ficar nem um único dia sem se alimentar, morcegos-vampiros dividem o risco trabalhando em pares. Se por alguma razão um dos membros do par não conseguir encontrar uma presa, o outro irá lhe regurgitar um pouco de sangue na boca ao final da noite. Sempre que o cenário inverte, o gesto é reciprocado. Chimpanzés, por sua vez, demostram comportamentos ainda mais conscientes e propositados acerca de atos recíprocos. Por exemplo, chimpanzés machos geralmente não gostam de lidar com filhotes. Porém, eles irão acariciá-los e coçá-los caso isso os ajude a conquistar o apoio de um maior número de fêmeas e manter e/ou adquirir poder em sua comunidade. de Waal compara esse comportamento com a prática de candidatos políticos que, no intuito de angariar votos, levantam bebês acima da cabeça em frente de seus pais e outros possíveis eleitores.

Quando alguém se revela indigno de confiança e apresenta uma tendência a não retornar favores ou demonstrar gratidão, ele passa a ser alvo do ressentimento alheio. Porém, esse indivíduo também é mal visto quando recebe mais do que lhe é devido no que seria considerada uma divisão justa; essa “aversão à iniquidade” tem sido tradicionalmente tomada como outro comportamento exclusivo dos seres humanos. Para de Waal, entretanto, ela é igualmente comum a múltiplas espécies não-humanas. Chimpanzés novamente, por exemplo. Após uma caçada bem-sucedida, membros de um grupo de chimpanzés garantem o seu quinhão a partir de seu papel na empreitada. Aqueles que não tiveram grande participação ganham apenas porções pequenas. Nem mesmo os machos mais dominantes fogem à regra. Caso não tenham ajudado ativamente, eles receberão o mínimo, ou sequer coisa alguma. Embolsar mais do que o merecido é sempre uma manobra arriscada, pois pode resultar em agressões – especialmente se o ato for realizado em frente aos demais. de Waal relata o caso de uma bonobo fêmea que, ao ser testada em um laboratório de cognição, recebeu uma recompensa muito maior de leite e passas de uva do que os seus companheiros. Após perceber os olhares dos outros bonobos à distância, ela recusou a comida e gesticulou em direção aos demais até que boa parte dos petiscos fosse dividida com eles. Somente após isso ela consumiu a sua porção. Caso tivesse agido de outra maneira e mantido todos os alimentos para si, a bonobo certamente iria correr um grande perigo quando retornasse ao seu grupo mais tarde.

Confiança, reciprocidade, igualdade; são os principais elementos do senso de justiça comum a humanos e não-humanos. Naturalmente, seres humanos tratam questões de justiça de uma forma muito mais sofisticada e ampla que os outros animais. Reflexões acerca daquilo que é justo em sociedades humanas quase sempre vão além de meros interesses pessoais e ressentimento. Interesses alheios também são levados em consideração. de Waal está ciente disso. Porém, como ele faz questão de enfatizar, o senso de justiça humano não se origina em pretensões de imparcialidade ou numa preocupação com o outro, a qual transcende interesses pessoais. As suas reais raízes são partilhadas, em maior ou menor grau, com inúmeras outras espécies animais – o que tem ficado cada vez mais claro a partir das contínuas descobertas dos atuais estudos etológicos.

No sétimo e último capítulo, de Waal oferece uma abordagem da empatia. Segundo ele, empatia é uma capacidade inata que se manifesta em áreas do cérebro as quais possuem centenas de milhões de anos. de Waal propõe que a empatia pode ser melhor entendida como uma boneca russa, i.e., formada por diferentes camadas. No núcleo encontram-se processos automáticos, como a tendência de imitar a linguagem corporal e o estado emocional dos outros. Ao redor desse núcleo, a evolução foi adicionando camadas cada vez mais sofisticadas, tal como a capacidade de se preocupar com os demais, tomar a sua perspectiva e entender o que buscam e/ou precisam. As reações emocionais humanas mais complexas partilham dos mesmos processos básicos que as reações presentes em uma grande variedade de espécies. Ao tomar ‘empatia’ como uma capacidade antiga, inata e composta de diferentes níveis de complexidade, de Waal reconhece que animais não-humanos também são capazes de empatizar. Porém, ainda há uma grande resistência por parte de cientistas em aceitar que a empatia não é uma característica exclusivamente humana. Tal relutância, de Waal acredita, está mais relacionada a crenças religiosas do que com dogmatismo científico per se –  sobretudo religiões que surgiram em comunidades sem qualquer contato com outras espécies de primatas. de Waal nota ainda que mesmo aqueles que reconhecem seres humanos como simples produtos da evolução persistem em procurar por alguma anormalidade, i.e., uma característica especial que vá diferenciar humanos dos demais animais. Quando se trata de apontar para características humanas indesejáveis, todavia, continuidade nunca é um problema; os genes humanos são logo culpados e a espécie inteira é rapidamente comparada a outras que demonstram traços similares.

Embora a empatia seja uma capacidade inata, de Waal observa que é possível escolher não empatizar. Empatia ocorre facilmente quando há identificação, i.e., quando se trata de indivíduos que fazem parte do mesmo círculo, sejam eles familiares, amigos, parceiros, ou quaisquer outros que partilhem dos mesmos gostos, crenças, etc. Fora desse círculo, a empatia é opcional. Como explica de Waal, tal fenômeno ocorre da seguinte maneira. Primeiramente, suprime-se a identificação com grupos de indivíduos desconhecidos ou inimigos ao desconsiderar a individualidade dos participantes do grupo. Após isso, esses indivíduos são classificados como “inferiores” – e.g., nazistas referiam-se a judeus como “ratos” ou “pestes”. Ademais, enquanto não empatizar com aqueles que são considerados inimigos ou competidores possa resultar em diferentes formas de discriminação, manipulação e agressão, a capacidade de tomar a perspectiva alheia também pode ter fins destrutivos. O ato de torturar alguém, por exemplo, requer saber em certa medida o que os outros pensam e sentem. Psicopatas são particularmente hábeis em apreender as intenções e interesses alheios – ainda que sejam incapazes de compartilhar do sofrimento de outrem.

A investigação de de Waal sobre a empatia é enriquecida com comentários sobre Mencius (372 a.C. – 289 a. C.), o sábio chinês que há mais de dois milênios refletiu sobre a origem do ato de empatizar. Mencius foi o primeiro a notar que a empatia depende de conexões corporais. Em uma de suas histórias, um rei observou um boi com aparência amedrontada passar por seu palácio. Ao descobrir que o boi estava a caminho de ser morto em uma cerimônia, o rei ordena que ele seja poupado e uma ovelha seja sacrificada em seu lugar. Mais precisamente, o rei partilhou do sofrimento do boi que estava em sua frente e, por essa razão, optou que outro ser, com o qual ele jamais teve qualquer contato, fosse abatido e ofertado. Essas conexões corporais que pressupõem contágio emocional explicam a dificuldade de empatizar com desconhecidos ou aqueles que estão ausentes. Como de Waal explica, a empatia é uma capacidade construída sobre proximidade, similaridade e familiaridade, uma vez que evoluiu para promover a cooperação entre indivíduos do mesmo grupo.

Por último, de Waal faz questão de pontuar que embora a maioria dos seres humanos viva em grandes sociedades, onde é difícil manter igualdade e solidariedade, eles ainda assim possuem uma psicologia que os motiva a buscar tais princípios. de Waal alude à noção de “mão invisível do mercado” de Adam Smith (1723 – 1790) para defender que uma sociedade puramente baseada em motivos egoístas e forças do mercado não é capaz de produzir unidade e confiança entre seus cidadãos. A sociedade igualmente depende de uma “segunda mão invisível”, i.e., uma que aproxime os indivíduos. Para de Waal, o sentimento de que humanos não deveriam ser indiferentes uns aos outros (caso realmente queiram construir uma comunidade verdadeira) é a força que subjaz a sua conduta para com os demais. Ele acredita que é preciso confiar no intelecto humano para descobrir novas maneiras de equilibrar interesses coletivos e individuais. Além disso, há de se fazer uso de uma ferramenta adicional para enriquecer e engrandecer a forma como humanos pensam e agem. Tal instrumento foi selecionado pela evolução ao longo dos anos e testado repetidas vezes no que diz respeito ao seu valor de sobrevivência. Trata-se da empatia: a capacidade de se conectar e entender os outros e fazer da situação deles a sua própria. A partir disso tudo, de Waal reitera, conclusivamente, que recorrer a essa capacidade inata seria vantajoso a qualquer sociedade.

Para encerrar, algumas considerações estilísticas acerca de The Age of Empathy como um todo. Os leitores com uma formação analítica tradicional podem achar, ao menos por vezes, a escrita de de Waal incômoda. Embora de Waal consiga expor cenários e ocorrências de maneira detalhada e vívida, ele frequentemente passa de um assunto a outro sem finalizar argumentos e racionalizações prévias. Isso acaba por forçar os leitores a ponderar sobre o real propósito de alguns dos casos introduzidos, o que interrompe o fluxo da leitura desnecessariamente. Em contrapartida, de Waal oferece uma ferramenta interpretativa adicional. No decorrer dos sete capítulos do livro, é possível encontrar diversas ilustrações que remetem às múltiplas situações e temáticas discutidas. Todas as ilustrações foram feitas pelo próprio de Waal, o que torna a experiência de percorrer o texto muito mais íntima e agradável. Em certa medida, por meio desses desenhos, os leitores acabam por experienciar as impressões de de Waal sobre os tópicos tratados de uma maneira bastante peculiar – i.e., através dos olhos do autor. Por razões óbvias, essa é uma abordagem muito oportuna para uma obra que considera o tema ‘empatia’.

Notas

1 O tópico ‘empatia’ vem sendo tão abordado (seja direta ou indiretamente) em grandes filmes internacionais que alguns críticos de cinema têm se referido a 2016 como “um ano de empatia”: <http://www.craveonline.com/entertainment/1178765-year-empathy-16-best-movies-2016>. Acesso em: 04/05/2017. Tal tema também é analisado de maneira ainda mais aprofundada em Empatía: Una historia sobre el respecto animal contada por un escéptico, documentário recém-lançado do diretor e escritor espanhol Ed Antoja: <http://documentalempatia.com/>. Acesso em: 04/05/2017.

2 O ex-presidente norte-americano Barack Obama, por exemplo, continuamente reforçou em suas falas a importância e necessidade de ações empáticas para a construção de um mundo mais tolerante e compassivo. Uma compilação de discursos e entrevistas em que Obama aborda a questão da empatia pode ser encontrada em: <http://cultureofempathy.com/Obama/VideoClips.htm>. Acesso em: 04/05/2017.

3 Frans de Waal ocupa os cargos de Charles Howard Candler Professor of Primate Behavior no Departamento de Psicologia de Emory University e Diretor do Living Links Center – Center for the Advanced Study of Ape and Human Evolution. Além de ter publicado inúmeros artigos em periódicos científicos, de Waal é autor/editor de mais de uma dúzia de livros. Maiores informações sobre de Waal e suas publicações podem ser encontradas em: <http://www.yerkes.emory.edu/research/divisions/developmental_cognitive_neuroscience/dewaal_frans.ht ml>. Acesso em: 04/05/2017.

Gabriel Garmendia da Trindad – University of BIrmingha, Grã-Bretanha.  Doutorando em Global Ethics no Centre for the Study of Global Ethics, Department of Philosophy, University of Birmingham. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6770358458457650.  E-mail: garmendia_gabriel@hotmail.com

Ana Paula Foletto Marin – Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Mestre em Philosophy of Health and Happiness pelo Department of Philosophy, University of Birmingham. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8155173813323590.  E-mail: apfmarin@gmail.com

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[DR]

 

História da assistência / História – Questões & Debates / 2017

Este dossiê reúne pesquisadores do Brasil, da Argentina, de Portugal e da Espanha. Coloca em pauta um assunto relevante, que carece de maior discussão na historiografia brasileira, ainda que muito se tenha produzido sobre isso nas Ciências Humanas e Sociais – a História da Assistência. Entende-se por assistência o ato de apoiar, socorrer, ajudar, auxiliar os necessitados. Desde tempos remotos, as adversidades e vicissitudes da vida mobilizaram indivíduos e grupos sociais a prestar assistência aos que se encontravam em situação de risco e vulnerabilidade.

No Ocidente, a assistência aos desvalidos, fruto da caridade, passou a ser uma questão central do cristianismo. As novas formas de espiritualidade e devoção estimulavam os cristãos a imitarem a pobreza e humildade de Cristo e a vivenciarem a sua fé através da prática da caridade. Segundo Maria Antónia Lopes, entende-se por caridade o bem que se faz aos filhos de Deus por amor ao Seu nome – “é, pois, porque se ama Deus que se faz o bem àqueles que Ele ama”. [1] O pobre era então o pobre de Deus, revestido de um manto santificado, e atribuía-se às ações benemerentes o mesmo caráter sacro.

Na Europa medieval a Igreja pregava o desapego aos bens terrenos como via de salvação da alma, condenando a usura, o lucro e o comércio. A pobreza voluntária era então uma condição desejável, mas na impossibilidade de se contrapor e condenar totalmente os ricos, a Igreja lhes oferecia um caminho para a salvação após a morte: a prática da caridade para com os pobres. A caridade poderia ser praticada em espaços públicos, através da distribuição de esmolas, da visitação aos pobres em seus domicílios ou em espaços institucionais, em grande parte, multifuncionais. [2] Além da promessa de salvação, os favores e o cuidado prestados aos pobres conferiam prestígio social aos mais abastados. Conforme destaca Castel, a economia da salvação estabelecia situação vantajosa tanto para os pobres quanto para os ricos.[3]

Entre os séculos XIII e XV, todavia, observou-se uma crescente pauperização da população europeia, decorrente de guerras, epidemias, crises econômicas e migrações internas. A pobreza tornou-se então ameaçadora e incômoda. O pobre passou a ser visto como uma ameaça à ordem e à higiene urbana, à integridade dos ricos e da propriedade privada. A partir de então a caridade deixou de ser indiscriminada, passando a ser dispensada apenas aos que fossem considerados merecedores.

Com a expansão do capitalismo, aprofundou-se o debate sobre os pobres merecedores e não merecedores de auxílio. A pobreza passou a ser encarada como uma condição daqueles que nada faziam para superá-la. Havia mecanismos de repressão para os que viviam no ócio, na vadiagem, cujo comportamento afrontava a lei e os bons costumes. Eram tolerados, todavia, os que por alguma incapacidade física ou de saúde não podiam trabalhar, os que estavam temporariamente desempregados ou que, mesmo trabalhando, careciam de recursos pecuniários suficientes para prover a própria subsistência.

Como bem assinala Geremek, “em épocas diferentes, muda a função principal da imagem do pobre, altera-se a ordem dos valores em que ele está inscrito, modifica-se a avaliação ética e estética dessa personagem”.[4] As divergentes percepções do pobre e da pobreza informaram as distintas atitudes em relação a estes. Ao traçar o perfil do “pobre merecedor” em contraste com aqueles que não são dignos da caridade ou assistência, no Portugal moderno, Laurinda Abreu argumenta que a delimitação do conceito foi “um elemento estruturante das políticas sociais da Europa moderna”.5 Durante o século das Luzes, no entanto, buscou-se compreender as causas da pobreza estabelecendo-se uma relação desta com a organização socioeconômica, atribuindo-se ao Estado o dever público de prover a assistência na perspectiva da beneficência, não da caridade. Conforme explica Lopes, “beneficência que procedia da filantropia”, ou seja, do “amor aos homens, e não da caridade, o amor a Deus”.6

Historicamente, os pobres, os peregrinos, os enfermos, os prisioneiros, as viúvas, as mães e recém-nascidos, os enjeitados, os órfãos, os velhos, os loucos, dentre outros considerados incapazes, foram os alvos preferenciais das ações assistencialistas. Contudo, assim como os conceitos de pobre e pobreza são complexos e dinâmicos, os alvos da assistência assumiram maior ou menor importância, conforme o contexto em que estavam inseridos os sujeitos ou grupos envolvidos no processo de prestar e receber assistência. Idealizadas e dirigidas por indivíduos, grupos ou entidades, as ações e instituições benemerentes ou filantrópicas surgiam e / ou se extinguiam conforme a conjuntura política, econômica e sociocultural e os valores vigentes em diferentes espaços e temporalidades.

O texto de escrito por Cristina de Cássia Pereira Moraes, Lara Alexandra Tavares e Rildo Bento de Souza, intitulado Três tempos de caridade, assistência e filantropia em Goiás (séculos XVIII ao XX), apresenta uma discussão sobre pobreza, caridade, assistencialismo e filantropia calcada nas distintas realidades da antiga capital Vila Boa e da moderna e atual Goiânia. Para o período colonial, os autores destacam o papel assistencialista exercido pelas confrarias e irmandades, na medida em que seus membros se associavam para fazer alguma obra de piedade ou caridade e / ou assumiam o dever de oferecer algum tipo de amparo e auxílio mútuo aos seus integrantes e familiares. Já no período que se estende do Império à República, os autores se dedicam a analisar o papel caritativo exercido pela Sociedade São Vicente de Paulo. Os Vicentinos chegaram à Goiás em 29 de abril de 1885. Em contexto de romanização da Igreja Católica no Brasil, a Sociedade constituiu dezenas de conferências, que cuidavam, cada uma, de certo número de pobres, mendigos e indigentes, desde que fossem católicos. Para conseguir doações dos mais abastados, lançavam mão da economia da salvação ao afirmarem que “o pobre é nossa riqueza”, lembrando também que a prática da caridade para com os pobres era uma garantia de bom lugar no céu, visto que “quem dá aos pobres, empresta a Deus”. Para caracterizar a ação da filantropia em Goiás, em contraste com a ação caritativa exercida pelos Vicentinos, os autores trazem à luz o médico José Netto de Campos Carneiro, conhecido como o “pai dos pobres” na antiga capital goiana. Único cirurgião em exercício, na época, na cidade de Goiás, a visibilidade adquirida no exercício da medicina e da filantropia conferiu prestígio à personagem, que assumiu cargos administrativos e políticos importantes como os de inspetor de higiene e intendente municipal. A morte do benemérito em 1921 não encerra o seu protagonismo na filantropia vilaboense e revela, segundo os autores, uma preocupação com a sua memória. O médico deixa em testamento bens destinados à fundação de um orfanato para acolher meninas pobres. Os autores demonstram que o Orfanato São José, ao acolher e educar meninas pobres, órfãs e saudáveis, se tornou mais que uma instituição beneficente, mas também um fornecedor de empregadas domésticas disciplinadas para os lares das elites de Goiás.

Já no artigo Entre a caridade e a assistência: a criação e o funcionamento do hospital da caridade em Viana do Castelo (séculos XVIII-XIX), Alexandra Esteves debruça-se sobre a assistência a velhice em Portugal, campo pouco debatido no âmbito historiográfico. Ao discorrer sobre os estudos da pobreza e da velhice a autora demonstra como este recorte geracional vai gradativamente tornar-se uma problemática assistencial / caritativa para os mais bem aquinhoados que viam no auxílio a este pobre merecedor um dos possíveis caminhos para salvação de sua alma. Centrada na experiência do Hospital de Viana do Castelo e sua irmandade mantenedora, a autora demonstra como este aparato assistencial torna-se um dos locus privilegiado dos cuidados com a velhice, que ao longo do século vai se transformando e expandindo suas atribuições com o intuito de se adaptar as novas demandas socioeconômicas e políticas urgidas do período analisado. Esteves ainda destaca a importância desta instituição hospitalar na economia da salvação local, pois financiar e manter as atividades da entidade encurtava o caminho para o céu e capitalizava em prestígio social, tornando sua irmandade uma importante ferramenta de poder e alvo de disputas. Calcada em um rigoroso trabalho empírico a autora demonstra o alargamento das funções hospitalares por meio do atendimento a um conjunto multifacetado de indivíduos, deixando de preparar para a boa morte para centrar-se no prolongamento da vida.

De outro lado, o texto de Alcileide Cabral do Nascimento, intitulado Entre a caridade e o saber médico: os embates em torno da assistência às crianças abandonadas no Recife (1840-1860), traz uma acurada análise acerca da assistência à infância considerada desvalida na cidade de Recife em meados do século XIX. Entendida como um espaço urbano caótico e de difícil controle salutar, no qual os problemas sociais se avolumavam ano após ano, a cidade materializava em sua estrutura social e edificada os contrastes da modernidade, medo das epidemias, dos amontoados, dos esgotos, do ar nauseabundo e dos indivíduos considerados desviantes, que por sua vez, poderiam colocar em xeque a ordem social vigente. Dentre os personagens lôbregos presentes no imaginário burguês, a autora centra suas análises no problema das crianças abandonadas e sua relação com a roda dos expostos. Erigida para salvaguardar a vida das crianças – bem como a moral familiar – impedindo-as de se transformarem em futuros transgressores, a roda dos expostos foi paulatinamente se transformando em um problema de salubridade que exigia a intervenção médica. O embate entre caridade e ciência, representada pela medicina-higienista, se deu não sem percalços, como bem analisa a autora, culminando no Regulamento dos Estabelecimentos de Caridade de 1847 que instituía a regulação dos mesmos pela corporação médica que vigiava, ordenava e purgava sua esfera de atuação. Controlando e normatizando a vida das crianças, das mulheres, das amas de leites e das famílias pobres, que faziam usos da Roda dos Expostos, o saber médico tornou-se hegemônico, responsabilizando-se pelo porvir da população pueril. Como relata a autora, este processo, contudo, não foi automático e tampouco passivo, mas sim, permeado por disputas e resistências que movimentam as relações sociais.

Em “Por un beso de tu boca”: assistência à saúde bucal infantil na revista Salud y Sanidad da Colômbia (década de 1930) Iranilson Buriti analisa os discursos médico-higienistas de profissionais dentistas veiculados em um periódico especializado intitulado Salud y Sanidad pertencente ao Departamento Nacional de Higiene de Bogotá. Tendo como alvo principal a família e a infância estes profissionais da saúde buscaram cercar a população de discursos normatizadores que visavam criar um corpo social hígido capaz de contribuir com o desenvolvimento nacional. Criar indivíduos saudáveis, disciplinados e produtivos era indispensável para uma nação que se queria construir como moderna, por isso cada parte do corpo, desde a mais tenra idade, deveria ser escrutinada com a finalidade de impor sobre ele um saber / poder que promoveria a ordem e afastaria todas as possibilidades de fragilização da vida, do biológico. Neste contexto, de acordo com as análises do autor, a saúde bucal das crianças fazia parte de um projeto civilizador do qual a mãe e a escola eram peças fundamentais, pois presentes em diferentes momentos da infância, ambas construiriam um ambiente bucal saudável envolvendo a língua, os lábios, o hálito, a manducação e o prazer em consonância com os modelos emergentes de civilidade.

Em Infância e morte na Região Carbonífera: os discursos médicos sanitários sobre a mortalidade infantil no sul de Santa Catarina, Ismael Gonçalves Alves apresenta os discursos sobre a mortalidade infantil, produzidos pela corporação médica da Região Carbonífera Catarinense. Partindo do crescimento populacional gerado pelas atividades mineradoras e das problemáticas ocasionadas pela falta de salubridade das vilas operárias, que geravam baixas do trabalho e uma série de problemas sanitários, o autor analisa a atuação dos médicos locais no processo de higienização da região. Escolhendo como alvo principal de suas ações a criança – futuros trabalhadores – os médicos locais instituíram uma série de práticas normativas e racionais que deveriam ser aplicadas no ambiente familiar. Condenando as tradicionais práticas de cuidados infantis executadas pelas mulheres, e não a pauperização provocada pelo processo de industrialização, os médicos instituíram uma série de discursos que culpabilizavam as mães pelos altos índices de mortalidade infantil, requerendo, desta forma, uma drástica mudança de hábitos pautada nos mais modernos comezinhos da medicina. Para o autor, consideradas ignorantes e apegadas na tradição, as mães foram alvo de um indicioso processo de aculturação que visava medicalizar a maternidade, transformando as mulheres em aliadas dos médicos e únicas responsáveis pelo bem estar de sua prole.

Já o artigo dedicado a atuação associações femininas da província de Buenos Aires La organización normativa de la Comisión Central de Señoras Cooperadoras Salesianas: género y sociabilidad. Argentina, 1900-1926, de Lucía Bracamonte, analisa as relações e atividades institucionais das cooperadoras Salesianas na assistência aos necessitados na Capital Federal. Por meio de um atencioso trabalho empírico com a documentação produzida pela Pia União, Bracamonte desvela os limites de gênero impostos às práticas assistências desenvolvidas pelas mulheres. Através das relações instituídas entre sacerdotes e cooperadoras o artigo desvela as tensões, conflitos e consensos estabelecidos em torno da construção de seus regulamentos e sua efetivação no campo prático, estabelecido por um processo contínuo de negociação entre associadas e representantes eclesiásticos. Ademais, as normas e os regulamentos analisados descortinam, em partes, as práticas e sociabilidades desenvolvidas entre mulheres de classe média, que no âmbito associativo reproduziam normas e valores burgueses que deveriam reger sua atuação na esfera pública. Centrada nessas relações, a autora demonstra como a participação destas mulheres no âmbito assistencial deu-se por meio de um recorte de classe e gênero, mas que apesar das restrições e das fortes amarras que delimitavam seu espaço de atuação dentro da estrutura caritativa, utilizaram-se das normas e regulamentos para expandir sua ação social. Assim, manuseando elementos jurídicos, contábeis e políticos, atinentes a agremiação, estas mulheres extrapolaram os limites estabelecidos transformando a prática assistencial num gatilho de protagonismo social.

Segue por caminhos semelhantes o artigo proposto por Amalia Morales Villena e Soledad Vieitez Cerdeño intitulado Intervención femenina en el mundo rural franquista (España, 1939- 1975). Las cátedras ambulantes de la Sección Femenina de la Falange Española y su labor de divulgación sanitaria y social. Em seu texto, as autoras analisam a participação das mulheres no trabalho assistencial durante o período ditatorial espanhol. Para isso, elencaram como foco principal de sua investigação a Sección Feminina de la Falange (SF), agremiação política de extrema direita que buscava reunir em torno de ideais nacionalistas e conservadores o maior número mulheres possível na construção de uma nova Espanha – moldada pelo discurso franquista. Enredada por um discurso de gênero conservador a SF foi responsável por difundir a ideologia nacional-sindicalista junto às mulheres e suas famílias e, para tal utilizou-se do trabalho assistencial como instrumento de persuasão. Levando a assistência aos mais recônditos cantões da Espanha a SF tornou-se responsável por reordenar e moralizar as relações familiares, adequando-as as necessidades do novo regime vigente. Por meio de cursos populares, noções de puericultura, dietética, trabalhos manuais, entre outros, as falangistas criaram um espaço propício e legítimo de intervenção, alinhando, formando e instrumentalizando outras mulheres a cumprir a função de anjo do lar e responsável unidade moral de seu grupo familiar. No entanto, como ressaltam as autoras, apesar de ser um espaço de gênero controlado a SF possibilitou a suas afiliadas participar da esfera pública, utilizando-se do trabalho assistencial como uma ferramenta de inserção social, que por sua vez, criava um espaço autorizado de poder.

Como se pode perceber, tanto na América Latina como nos países ibéricos a assistência era ofertada por diversas entidades caritativas e / ou filantrópicas, como as confrarias e irmandades, as sociedades civis e religiosas, associações de classe ou étnicas, as fundações assistenciais e outros grupos comunitários. No Brasil, as instituições privadas, especialmente no campo da assistência à saúde, tinham uma função pública, mesmo porque recebiam subvenção do Estado para prestar assistência gratuita às camadas mais pobres da população. No Estado liberal, tanto no Império quanto na Primeira República, a ação dos poderes públicos era muito pontual – se incumbiam de prestar assistência aos indigentes em épocas de calamidades como as de epidemias, em casos de acidentes, encarregando-se também assistência psiquiátrica. A crise do capitalismo em 1929, entretanto, colocará em pauta a questão social, demandando maior intervenção do Estado, que passará a incorporar e desenvolver políticas sociais e de assistência, a fim de minimizar os danos e tensões próprios do processo de acumulação de capital.

No artigo A província do Espírito Santo versus “epidemias reinantes”: ações de Estado e mobilização popular na passagem da febre amarela e do cólera (1850-1856) escrito por Sebastião Pimentel Franco e André Nogueira busca discutir as práticas de assistência e contenção – públicas e privadas – erigidas em torno das epidemias de febre amarela e cólera que assolaram a província do Espirito Santo em meados do século XIX, mobilizando diversos segmentos sociais em ações que visavam minorar e extirpar seus impactos sobre o conjunto da população. O artigo ainda demonstra como a passagem de um evento epidêmico pode mudar as relações, práticas e sociabilidades, tornando-se, em muitos casos, uma espécie “lição” que exige reflexões e respostas múltiplas para interromper seu ciclo de dor e mortes. Baseados nestas premissas, os autores analisam as diversas iniciativas públicas – arquitetadas pelo Estado – e privadas, fruto da mobilização popular – que de diferentes formas buscaram interpor os reflexos negativos da febre amarela e do cólera sobre o cotidiano e a vida das pessoas. Franco e Nogueira buscam também desvelar as práticas sociais e os laços de solidariedade que movimentaram as populações locais no combate as epidemias, pois frente à ineficiência ou total ausência do Estado restavam-lhes construírem alternativas assistências com vistas a interromper o rastro de morte deixado pelas doenças, desvelando a importância das iniciativas populares na complementariedade ou suplantação dos empreendimentos estatais.

O artigo A quem recorrer? – o serviço de pronto socorro do hospital das clínicas de São Paulo, 1930-1950, proposto por André Mota, nos apresenta outra faceta da assistência médico-hospitalar. A partir do crescimento populacional da cidade de São Paulo – inflada pelos movimentos migratórios da década de 1930 – o autor adentra nos problemas da gerência da população em seus detalhes: ocupações desordenadas, aglomerados populacionais, falta de infraestrutura e problemas endêmicos, que exigiam por parte da administração pública um posicionamento com relação à assistência às camadas populares urbanas. É neste turbilhão de precariedades ocasionado pela inobservância dos administradores públicos das necessidades populacionais que sistema hospitalar da cidade, representando especialmente pela Santa Casa de Misericórdia, é repensado a fim de minimizar os impactos da pobreza sobre o conjunto da população. Assim, em 1944, foi instituído Serviço de Pronto Socorro do Hospital das Clínicas de São Paulo ligado à Faculdade de Medicina da USP, que ofereceria um leque considerável de serviços médico-hospitalares destinados aos paulistanos, desafogando assim a já colapsada Santa Casa. Imbuído dos mais modernos procedimentos médicos o pronto socorro buscaria unir a assistência à população ao treinamento de seus alunos que a partir daquele momento teriam um locus privilegiado para unir teoria e prática. No entanto, como demonstra o autor, o funcionamento do Hospital de Clinicas (HC) enfrentou frequentes problemas que dificultavam seu pleno funcionamento impossibilitando a execução de inúmeras demandas para as quais foi pensado. De acordo com a narrativa do autor, fosse pela complexidade de sua gestão, inoperância burocrática ou pela falta de articulação entre diversos os setores da administração pública, o Pronto Socorro do HC foi levado rapidamente à exaustão afastando-se de seus objetivos iniciais que eram os cuidados emergenciais, esta situação, por sua vez, desvelou toda a complexidade que existe na gestão hospitalar de uma grande cidade como São Paulo.

No texto intitulado Sociedade, política e saúde na Bahia (1930-1950) Christiane Maria Cruz de Souza discute o projeto de ampliação dos serviços de assistência e previdência social desenvolvido durante os governos de Eurico Gaspar Dutra e Getúlio Vargas. A autora pretende demonstrar que a política social implantada nesse período tinha por objetivo amenizar as tensões entre governo, empresários e trabalhadores em uma Bahia abalada por dissenções políticas e conflitos motivados pelo desemprego, pela carestia e pela crise habitacional. Em período em que a saúde se tornava um “bem público”, a escassez de recursos e a necessidade de construir equipamentos de saúde favoreceram arranjos entre instâncias da administração pública e entidades privadas, dentre estas os Institutos de Aposentadoria e Pensões. Para discutir o processo de conformação do sistema previdenciário no país e na Bahia e a constituição de uma rede de assistência médico-hospitalar voltada para assistência do trabalhador urbano, a autora toma como caso exemplar a construção do Hospital do IAPETC (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas), atual Hospital Ana Nery, em Salvador, Bahia. A trajetória desta instituição de saúde é representativa das vitórias e derrotas, das fragilidades, tensões, conflitos e negociações no âmbito de diferentes projetos políticos e de modelos de assistência à saúde no Brasil e na Bahia no período estudado.

Trabalhando com o patrimônio da assistência e lugares de memória Viviane Trindade Borges em Patrimônio carcerário: a patrimonilialização de espaços prisionais no Brasil debruça-se sobre um tema que é pouco discutido nos estudos sobre a assistência: as prisões. Ao elencar como objeto de análise o espaço prisional, a autora demonstra que devido suas múltiplas dinâmicas sociais, estes lugares tornam-se de difícil interpretação e aceitação pelo tecido social. Por se tratarem de espaços marginais e altamente estigmatizados, as prisões, enquanto patrimônio cultural, foram e são deixadas a margem das políticas públicas patrimonialização, contudo, de acordo com a autora, este cenário vem se reconfigurando nos últimos anos devido as mobilizações sociais relacionadas às políticas de memória concernentes ao regime militar, que pressionam pela preservação destas memórias marginais. Neste escopo, Borges centra sua discussão na ausência de tombamentos em nível federal e o rápido processo de destruição de edificações carcerárias que datam do século XX, fruto da forte pressão imobiliária presente nos centros urbanos. Por outro lado, a autora chama atenção para a amplitude da categoria patrimônio carcerário, que não se restringe apenas à sua dimensão edificada, mas que também engloba aspectos imateriais e materiais dos sujeitos envolvidos no cotidiano prisional. Debruçada sobre estas questões, a autora aponta para toda a complexidade que envolve este campo desvelando embates e desafios que emergem das relações de patrimonialização entre a sociedade e a administração pública.

Ao reunir diferentes temáticas e pesquisadores de diversos lugares do país, assim como da América Latina e da Península Ibérica, esse dossiê pretende contribuir para ampliar a reflexão sobre as diferentes vertentes da assistência – a caridade, a filantropia, bem como o processo formação e instituição do Estado de Bem-estar. Busca, igualmente, fomentar o debate em torno do discurso subjacente às práticas caritativas e assistenciais, relacionando-o ao contexto político, sociocultural e econômico, bem como do papel representado e interesses dos protagonistas das ações assistencialistas. Espera-se que o leitor possa usá-los como referência para identificar e comparar os modelos, conhecer e analisar a organização e o funcionamento de associações benemerentes e filantrópicas, refletir sobre a ‘questão social’, o papel e a intervenção do Estado na oferta de assistência aos desvalidos e trabalhadores.

Acompanhado este conjunto de textos temos o artigo de Thiago Tremonte de Lemos intitulado Mémoire oublieuse: possível contribuição “involuntária” de Patrick Modiano à narrativa do passado que disserta sobre as potencialidades da memória como fonte de construção do passado. No artigo Os ícones e seus signos: a aplicabilidade das imagens nas pesquisas e estudo da História do Império Bizantino de Paulo Augusto Tamanini aborda os ícones bizantinos em sua historicidade, em sua feitura estética e diálogo com a Teologia da Igreja Ortodoxa Oriental, afastando-se das interpretações exclusivamente teológicas. Na continuidade apresentase o texto Mulheres e a pintura paranaense: relação entre arte e gênero (Fim do século XIX e começo do século XX) de autoria de Claudia Priori que aborda a presença e atuação de mulheres no campo da arte paranaense, entre os séculos XIX e XX, debruçando-se sobre os espaços ocupados por elas no cenário artístico e suas trajetórias, analisando como eram vistas e representadas pela sociedade. Em O livreiro que prefaciava (e os livros roubados); os prefácios de Francisco Rolland e a circulação de livros no Império Português ao fim do século XVIII de Claudio Denipoti apresenta a trajetória do livreiro e impressor francês radicado em Lisboa, Francisco Rolland, que bem inserido nos círculos de letrados escrevia paratextos para suas edições, nos quais elabora padrões discursivos relativos às questões fundamentais do mercado de livros português do fim do século XVIII, como a utilidade, a necessidade, a instrução e o serviço ao império. De Amilcar Torrão Filho o artigo Melancolia e alteridade nos Tristes Trópicos brasileiros: Claude Lévi-Strauss leitor de Jean de Léry, aborda a influência de Léry sobre Lévi-Strauss, de quem este último herda a visão melancólica do encontro entre culturas, sendo considerado pelo antropólogo como o primeiro, senão também o último etnógrafo, que viu a um Paraíso em seus últimos momentos antes da destruição.

Boa leitura!

Notas

1. LOPES, Maria Antónia. Protecção social em Portugal na idade moderna. Coimbra, PT: Imprensa da Universidade de Coimbra / Coimbra University Press, 1 de dez de 2010, p.29-33.

2. Os hospitais, por exemplo, tanto serviam de refúgio para peregrinos e viajantes e de asilo para os incapazes e indesejados como espaço para tratar os doentes. cf. WOOLF, Stuart. Ideologias e práticas de caridade na Europa ocidental do Antigo Regime (Prefácio) In: SÁ, Isabel dos Guimarães. Quando o rico se faz pobre: Misericórdias, caridade e poder no império português (1500-1800). Lisboa: CNCDP, 1997, p. 07-13.

3. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução de Iraci D. Poleti. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

4. GEREMEK, Bronislaw. Os filhos de Caim: vagabundos e miseráveis na literatura européia: 1400-1700. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 07.

5. ABREU, Laurinda. O poder e os pobres. As dinâmicas políticas e sociais da pobreza e da assistência em Portugal (séculos XVI-XVIII). Lisboa, PT: Gradiva Publicações, 2014, p. 22.

6. LOPES, op. cit., p.36-37.

Christiane Maria Cruz de Souza

Ismael Gonçalves Alves


SOUZA, Christiane Maria Cruz de; ALVES, Ismael Gonçalves. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.65, n.1, jan. / jun., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Olhares sobre Brasil / Em Tempo de Histórias / 2017

Apresentação

Com grande satisfação e alegria o corpo editorial de “Em Tempo de Histórias” publica mais um número de nossa revista eletrônica, o número 31. Essa edição contém 6 artigos e uma nota de pesquisa. Quatro desses artigos compõe o dossiê intitulado Olhares sobre o Brasil com temas bem variados, assim como o nosso Brasil profundo. Além do dossiê, apresentamos dois artigos de temática livre e uma nota de pesquisa com provocações teóricas e metodológicas para a História.

O objetivo desse dossiê, Olhares sobre o Brasil, foi abordar as múltiplas e interdisciplinares interpretações sobre a realidade brasileira mediante diversas abordagens e perspectivas, bem como temas diversos como: saúde, música, direito e ocupação do espaço brasileiro.

Iniciando esses olhares sobre a história do nosso país, Vanessa de Jesus Queiroz, em “Saúde Pública em mau estado: a carne para consumo nos debates sobre higiene pública na Gazeta Médica da Bahia na década de 1860” aborda higiene pública como o conjunto de normas sanitárias que devem ser seguidas em nome da manutenção do bem comum, mensurado pela ausência de doenças e problemas causados por fugas a tais normas. Nesse sentido, tal tema aparece como campo necessário e direto da saúde pública. A autora demonstra como a elaboração, bem como a execução e a manutenção das regras da higiene, ensejam um campo ora conflituoso, ora pactual, de debates que envolvem diversas parcelas sociais, das quais destaca imprensa médica e classe médica na Bahia, bem como as diversas relações envolvendo órgãos fiscalizadores, governo e população geral, numa complexa rede relacional que conseguimos identificar nas entrelinhas do jornal médico em questão.

Na sequência, em “Fotografando a geringonça sem freio: breve investigação sobre as transformações da música em Brasília desde os anos 80”, André Luiz Fernandes Cunha, inspirado na imagem de uma carroça futurista, criada pela banda Feijão de Bandido em 2001, nos apresenta a cena musical em Brasília dos anos 80 até a atualidade considerando sua natureza arcaica e moderna, global e local simultaneamente. Para isso, o autor se utilizou de alguns conceitos desenvolvidos por Stuart Hall no livro A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, como hibridismo, nomadismo e multiculturalismo.

Em seguida, para provocar mais debates no campo da História do Direito, Alberto de Moraes Papaléo Paes, em “Uma historiografia crítica do jusnaturalismo no Brasil- um ensaio preliminar”, reacende o debate sobre o Direito Natural no Brasil a partir de uma revisão crítica das fontes históricas do Direito. Para tanto, o autor retrocede à análise daquilo que Antônio Paim denomina de segunda escolástica portuguesa e suas influências: a) na cultura filosófica brasileira e; b) na concepção jurídica de Direito. Além disso, Papaléo Paes contextualiza a obra de Tomás Antônio Gonzaga intitulada de Tratado de Direito Natural a fim de construir um desenho teórico do naturalismo no Brasil. Assim, busca demonstrar o cenário em que se travou a discussão inicial que pressupõe a afirmação do Direito Natural no Brasil.

Para fechar o dossiê, mas iniciar mais debates acerca da ocupação do espaço em nosso país, Andressa Batista Farias em “Contexto sócio-histórico e econômico no Norte de Mato Grosso-caso de Sinop: a expansão da fronteira agrícola” busca compreender a percepção de sujeitos em relação ao processo de colonização e ocupação das terras na região norte mato-grossense, mais especificamente na cidade de Sinop, em Mato Grosso, inserida na Amazônia Legal, e, assim, apreender as relações de poder e dominância, ambientais e econômicas, históricas e sociais, sobre o processo de colonização ocorrido na região a partir da década de 1970. Para isso, a autora baseou-se nos construtos teóricos pautados nas discussões pertinentes aos contextos econômicos, sociais, ambientais e histórico de ocupação do município de Sinop. Utilizando-se de análise crítica da realidade social e de pesquisa de campo, como entrevistas semiestruturadas, Batista Farias apresenta uma reflexão sobre a influência da expansão da fronteira agrícola, sobre o contexto sócio-histórico e econômico no espaço local. Para tal, foram entrevistados 02 sujeitos, dentre eles um agricultor e um morador antigo da cidade, que estiveram presentes desde o início do processo de colonização. Dessa forma, a autora apresenta as contradições e ambiguidades trazidas pela produção da cultura da soja na região.

Por sua vez, com temática livre, mas com provocações teóricas e metodológicas ao ofício do historiador, apresentamos dois artigos de jovens historiadores. Em “Simpatia, alteridade e compreensão no ofício do historiador”, Rodrigo Nunes do Nascimento, a partir da análise do uso do conceito de epokhé e simpatia (sympathie) por Henri-Irénée Marrou em “De la connaissance historique” (Do conhecimento histórico), busca entender a necessidade da simpatia e da alteridade na abordagem das fontes e do passado pelo historiador como um dos requisitos fundamentais para o alcance da compreensão (Verstehen) e do conhecimento históricos.

Por sua vez, João Francisco Schramm, em “Por uma teoria da História pela História: sobre o fetiche do distanciamento”, nos apresenta um debate intenso e repleto de polêmicas da nossa disciplina História com as demais ciências. O autor demonstra como o surgimento e abandono de modas e de modelos teóricos alienígenas à História são tratados muitas vezes pela historiografia como algo trivial, havendo na maior parte das pesquisas apenas exposição dos debates da época, ao expor as correntes teóricas anteriores e as que mais tarde vieram se firmar no novo cenário epistemológico. Para João Francisco Schramm, tais modelos teóricos, tão logo configurados como a moda de uma época, revelam problemas maiores, ainda não assumidos pela História, que demonstram o estado de experimentalismo, sujeição e dependência a que a disciplina esteve sujeita durante o século XX. Ao fazer se submeter às modas teóricas e às repentinas mudanças de outras disciplinas, a História durante o século XX (especialmente na França e em consequência no Brasil), acabou por assumir questões epistemológicas que estão na raiz do próprio surgimento das ciências sociais, quando esta defendia a criação de um método semelhante ao das ciências da natureza, a que pudesse desvelar leis gerais que regem o comportamento humano. Nesse sentido, o autor oferece uma crítica à ideia corrente de “distanciamento”, que poderia trazer às ciências sociais modelos teóricos e sistemas de interpretações que tornariam supérfluos a singularidade do conhecimento histórico ou mesmo a empiria. Para isso, o artigo discute o lugar não somente da História, mas das ciências humanas, quanto a seu objeto específico de estudo em relação às ciências naturais, ao destacar diferenças relevantes entre objetos culturais e objetos naturais.

Por fim, publicamos como nota de pesquisa o texto “O uso de imagens na história: transformações do espaço urbano de Tefé a partir de sua iconografia (1960-1980) de Fabielle Ribeiro Esperança, resultado de pesquisas realizadas na seção de documentação da Rádio Educação Rural de Tefé. A historiadora tem como objeto central analisar as transformações do espaço urbano na cidade de Tefé, em Amazonas, entre as décadas de 1960 a 1980, pautando-se no uso de ferramentas analíticas oferecidas pela História Social em suas múltiplas formas. A pesquisadora demonstra como o uso de imagens, bem como a tentativa de ampliação de pesquisas sobre as modificações do tecido urbano nas cidades do interior da Amazônia, vem ampliando as possibilidades de pesquisas, bem como a utilização de novas fontes. Nesse contexto, a questão que se coloca é: como à luz da História Social e dos estudos sobre cidade podemos compreender as transformações do espaço urbano no interior do Amazonas a partir do uso de imagens?

Por fim, nós, da equipe editorial, agradecemos a colaboração de nossos colegas historiadores e desejamos a todos uma boa leitura, reflexiva, crítica e prazerosa. Afinal de contas, são tempos de histórias.

Rafael Nascimento Gomes

Conselho Editorial

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História e Imagem / Ofícios de Clio / 2017

Em virtude do alargamento do campo documental e a partir da compreensão de que os vestígios históricos são representações do passado, as imagens, em suas variadas configurações, se consolidaram, nos últimos decênios, como uma fonte de pesquisa e objeto de análise dos pesquisadores. Historicamente, elas faziam parte do cotidiano dos indivíduos e das sociedades desde os tempos mais remotos – arte rupestre, pintura, escultura, ilustrações, fotografias, cinema, charges, gravuras, televisão, grafite, caricaturas, histórias em quadrinhos, entre outras – contudo, os historiadores negligenciaram o seu uso por muito tempo, uma vez que acreditava-se apenas no conhecimento obtido a partir do documento escrito – uma herança positivista e da escola metódica. Nesse contexto, as imagens eram utilizadas como meras ilustrações do texto, ou seja, o seu potencial não era explorado pelos estudiosos.

No entanto, a partir da Nova História, essa perspectiva foi gradativamente alterada e, com isso, o corpus documental dos historiadores foi expandido abarcando uma infinidade de fontes. Como afirmou Marc Bloch em seu livro Apologia da História, a diversidade dos testemunhos históricos é praticamente imensurável, na medida em que tudo que o indivíduo diz, escreve ou fabrica pode e, principalmente, deve informar sobre ele. Constatou-se que tudo tem uma história, logo o passado pode ser (re)escrito por intermédio de novos olhares e vestígios. Diante disso, o segundo número da Revista Discente Ofícios de Clio – ligado ao Programa de Pós-graduação em História e ao Laboratório de Ensino de História da Universidade Federal de Pelotas – propõe o Dossiê “História e Imagem” com o objetivo de reunir estudos que dialogam sobre a relação entre iconografia e a escrita da história. Dessa forma, os artigos reunidos nesse dossiê apresentam uma variedade de fontes imagéticas: cinema, fotografia, charge e história em quadrinho.

O doutorando do Programa de Pós-graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Cesar de Lima Veras propõe em seu texto uma análise do filme “O Gabinete do Dr. Caligari”, lançado mundialmente em 1920, a fim de compreender a consolidação da República de Weimar na Alemanha pré-nazista e a sua relação com o expressionismo cinematográfico. O autor se debruça nas tensões existentes na política alemã a partir da “imagem-objeto” representada pelo filme. Além disso, o pesquisador apresenta uma discussão importante sobre a utilização do cinema como fonte histórica.

Em certa medida, o texto de Veras corrobora com o artigo de Thiago Soares Arcanjo que versa sobre a Alemanha, porém focaliza no período após a consolidação de Hitler no poder e os seus desdobramentos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Para isso, o mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos utiliza como fonte a história em quadrinhos “Maus, a história de um sobrevivente”, publicada em 1986, por Art Spiegelman. O autor propõe uma análise mais aprofundada sobre a obra, além de problematizar – a partir dos conceitos de Tática e Estratégias extraídos de Michel de Certeau – o extermínio de indivíduos durante o regime totalitário.

O artigo de Mariana Couto Gonçalves propõe um debate acerca do uso da fotografia na história por intermédio da análise de uma série imagética extraída do Álbum de Pelotas (1922). A doutoranda do Programa de Pós-graduação em História da História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos examina a particularidade da obra, além de discutir sobre o discurso de modernidade que permeia o referido vestígio. Por fim, fechando o dossiê, Fábio Donato Ferreira realiza uma abordagem a respeito das charges políticas impressas na Folha de São Paulo durante o mês de maio de 1978. A proposta do autor, mestre em história pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Pelotas, pauta-se em traçar a posição do periódico com relação a organização do movimento grevista do ABC e sobre a ditadura civilmilitar que ainda estava vigente no território nacional.

É com extrema satisfação que a Revista Ofícios de Clio apresenta o Dossiê História e Imagem, que visa oferecer ao leitor um debate acerca da multiplicidade de fontes imagéticas, ampliando a possibilidade de diálogo e a compreensão acerca do passado.

Boa Leitura!

Mariana Couto Gonçalves – Doutoranda UNISINOS


GONÇALVES, Mariana Couto. Apresentação. Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas -RS, v. 2, n. 2, jan./jul., 2017. Acessar publicação original [DR]

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The Ark before Noah: decoding the story of the flood | Irving Finkel

Segundo informa o site oficial do British Museum, o filólogo e assiriólogo Irving Finkel é o atual responsável assistente (Assistent Keeper), curador encarregado das tabuinhas com inscrições cuneiformes provenientes da Mesopotâmia, no Departamento de Oriente Médio do British Museum, encargo que envolve leitura e tradução de toda sorte de inscrições, algumas vezes trabalhando em antigos arquivos para identificar manuscritos que possuem relação entre si, ou até pertençam ao mesmo texto.

Este pesquisador experiente, com diversas publicações especializadas em seu currículo, em 2014 lançou um livro mais voltado ao grande público: The Ark before Noah: decoding the story of the flood. Este texto se encontra dividido em quatorze capítulos: About this Book (pp. 1-11); The Wedge between Us (pp. 12-29); Words and People (pp. 30-83); Recounting the Flood (pp. 84-104); The Ark Tablet (pp. 105-110); Flood Warning (pp. 111-122); The Question of Shape (pp. 123-156); Building the Arks (pp. 157-183); Life on Board (pp. 184-211); Babylon and Bible Floods (pp. 212-223); The Judaean Experience (pp. 224- 260); What Happened to the Ark? (pp. 261-297); What is the Ark Tablet? (pp. 298-309); Conclusions: Stories and Shapes (pp. 310-315).

Além destes capítulos, o livro traz mais quatro apêndices: Ghosts, the Soul and Reincarnation (pp. 316-326); Investigating the Texto of Gilgamesh XI (pp. 327332); Building the Ark – Technical Report (pp. 333-356); Reading the Ark Tablet (pp. 357- 366).

The Ark before Noah se desdobra em dois focos complementares: a tradução da Tabuinha da Arca, na qual se encontra a primeira referência conhecida aos animais entrando “de dois em dois” (p. 189), e a descrição das medidas e da forma inusitada da embarcação: não a tradicional imagem do barco fino de proa arrebitada, mas antes uma arredondada, como uma gigantesca cesta trançada. Para chegar a tais detalhes, contudo, Finkel esboçou uma longa genealogia das histórias do dilúvio, de suas representações mais primitivas, sumerianas, até sua chegada à Bíblia e sua difusão pelo mundo todo. Este segundo foco, bem mais extenso, confere àquele primeiro, mais central, a relevância historiográfica do seu achado, um cenário que cruza milênios de recontagem da narrativa do dilúvio.

A erudição do autor se mostra quando ele encontra no objeto de sua pesquisa um significado que transcende o material, o relato de uma determinada realidade. Sem deixar de combater aqueles que propugnam a veracidade histórica do dilúvio, antes narra o significado cultural dessa história, cuja “preocupação central é a fragilidade da condição humana e a incerteza a respeito dos planos divinos”, que tem inspirado “pensadores, escritores e pintores” e se deslocou “para além dos limites da escritura e do sagrado, tornando-se uma inspiração para ópera moderna e cinema” (p. 84). Em diversos momentos, sua obra soa ecos, inconfessos, de vários modelos historiográficos em voga nas últimas décadas do século XX, nomeadamente a História Cultural – uma leitura de seu livro à luz, por exemplo, de Roger Chartier, é uma experiência extremamente válida.

Um fator que merece destaque é a escrita de Finkel: não obstante boa parte de sua produção acadêmica ser voltada para textos científicos, desde há muito ele trabalha pela popularização do conhecimento, inclusive participando de programas no British Museum que, no Brasil, chamaríamos de extensão. Assim sendo, ele redigiu um livro extremamente agradável; erudito e referenciado, mas nem por isso menos deleitável. Interessante salientar que, ao tratar deste assunto, ele optou por um modelo bem conhecido do grande público, o da “busca pela arca” e subverteu-o, pois enquanto os escritores religiosos, os “caçadores”, perambulavam pelas montanhas turcas atrás artefatos materiais ou provas indiscutíveis da veracidade do texto bíblico, Finkel elaborou uma busca imaterial, cultural, da memória do dilúvio, que joga luz sobre o seu próprio achado cuneiforme.

Desde a primeira parte do livro, o autor teve a precaução de apresentar a disciplina na qual milita aos leitores menos afeitos a ela, e com o humor que é sua característica, inicia seu texto no ano de 1872 (p. 1), quando George Smith, então assistente do British Museum, conseguiu ler um trecho referente ao dilúvio numa tabuinha, fato que causoulhe tamanha emoção que gerou ataque nervoso, sofrido por julgar ter encontrado o que acreditava ser então a prova definitiva de que a gigantesca inundação realmente acontecera; não se tratava mais de uma referência tão-somente bíblica, mas apoiada em outra fonte antiga. No capítulo seguinte, Finkel segue, didaticamente, explicando a escrita cuneiforme, a razão desse termo, as formas de escrita e o processo de composição dos símbolos. Em seguida, relaciona as palavras escritas às diversas populações que as escreveram, situando a literatura mesopotâmica no contexto histórico em que se desenvolveu.

Sua busca pela arca propriamente dita a situa entre os grandes mitos da história humana, que extrapolou seus limites originais e tem influenciado solidamente nossa cultura desde então, a tal ponto que “certamente figuraria como um instigante verbete em qualquer Enciclopédia Marciana do Mundo Humano” (p. 84). Enquanto algumas narrativas antigas “reduzem tudo a um par de sentenças; outras desabrocham em literatura poderosa e dramática. Examiná-las reforça a impressão de que qualquer cultura que não reúna alguma forma de estória sobre o dilúvio deve estar em minoria” (p. 85). Finkel refaz os caminhos que levaram à canonização do mito: a natureza da região entre rios, cercada pelas águas fluviais do Tigre e do Eufrates, convidou à elaboração dos efeitos das cheias, fenômenos ecológicos que, amiúde, arrasavam campos e cidades, tornando em tábula rasa o trabalho de comunidades inteiras. Tais fatos devem ter feito parte da cultura oral desde tempos imemoriais, mas a partir do II milênio a.C. entraram no cânone literário, não mais como eventos corriqueiros, e sim como divisor de águas da história humana, um Dilúvio Primordial que agregava as angústias de múltiplas gerações de homens e mulheres, conscientes, todos, de que “se os deuses assim o quisessem, eles estariam condenados” (p. 88), e diferente dos seus congêneres anteriores por suas inigualáveis manifestações literárias, mitológicas e historiográficas.

A tradição mesopotâmica desabrochou em três avatares literários que chegaram até nós, de tal maneira que o autor propõe ser apenas “parcialmente correto” referir-se a uma única “História Mesopotâmica do Dilúvio”, pois conquanto compartilhem uma essência mesma, há diferenças não pequenas entre si. A tríade é composta pela História Sumeriana da Criação e por dois clássicos acadianos, as epopeias de Atrahasis e Gilgamesh, cada qual com seu próprio herói: o rei da antiga cidade de Shurrupak, Ziusudra (O-de-Longa-Vida); Atrahasis (Extremamente-Sábio), personagem-título de sua história; e o velho Utnapishtim, alcunhado O Longínquo, eixo de uma das narrativas do Épico de Gilgamesh. A esta frota de barqueiros salvadores de animais se juntou, muito tempo depois, Noé, cuja história permaneceu reverberando, gerando frutos dos mais diversos.

Um dos objetivos do livro é alcançar o formato que a hipotética arca teria tido, segundo as tradições escritas mesopotâmicas, e para tanto o autor historiciza o modo como a documentação mesopotâmica a representa, bem como as várias interpretações que particularmente a tradução ocidental deu à arca, ora como um barco de popa e proa, ora uma gigantesca caixa retangular. A Tabuinha da Arca que traduziu permitiu a Finkel divisar uma proposta completamente diversa de embarcação, pois trazia instruções para uma nave circular semelhante às ghuffas (barcos produzidos com canas trançadas e selados com betume, ainda utilizados no Iraque atual), só que infinitamente maior (p. 143). O texto explora a construção das casas dos pântanos iraquianos, chamadas mudhif, feitas com tecnologia e materiais semelhantes aos destas embarcações, que poderiam ter sido adaptados à produção da arca original. Finkel lê as instruções para construção da arca à luz da tecnologia mesopotâmica antiga e das modernas populações dos pântanos iraquianos, encontrando, assim, um sentido para aquele tipo específico de tecnologia descrito na tabuinha, e segue compreendendo como as milenares mudanças ocorridas na Terra Entre Rios foi transformando essa concepção original – um trajeto que acaba trazendo-o à Bíblia.

Uma questão fundamental para a análise da história da arca são os seus passageiros. A partir da Idade Média, as representações da embarcação de Noé foram incorporando mais e mais espécies, à medida que o contato entre europeus e outras áreas do globo se estabelecia; para certas visões fundamentalistas, tão em voga atualmente, a história bíblica é o relato de um fato verdadeiramente ocorrido: por exemplo, grupos cristãos nos EUA (bem como no Brasil) explicam como exemplares de todas as espécies (este termo é debatido) poderiam ter cabido no barco. Num momento de intenso debate entre laicos e religiosos fundamentalistas, a obra de Finkel vem bem a calhar: ele nos mostra como nas tradições literárias mais antigas, o rol de criaturas embarcadas modificou-se; o Atrahasis Babilônico Antigo referia-se ao gado, aos pássaros, animais domésticos e selvagens; a versão médio-babilônica de Nippur, apenas aos animais selvagens e aos pássaros; por fim, a versão assíria traduzida por George Smith fala das bestas domesticadas e das selvagens não carnívoras (192).

Estas diferenciações estão igualmente presentes na Bíblia: Gênesis 6:19-21 (da tradição Javista, mais antiga) fala dos pares de animais, enquanto Gênesis 7:2-3, (da tradição P, sacerdotal), acrescenta: “de todo animal puro, tomarás para ti 7 de cada, macho e fêmea, e de todo animal que não for puro, 2 – macho e fêmea. Também da ave dos céus, 7 de cada, macho e fêmea (…)”. As duas variantes diferem significativamente, um eco, segundo Finkel, das variações da literatura que a precedeu: o Atrahasis preocupou-se em tipificar as criaturas que embarcara, indicando ser esta uma preocupação primordial para si. Já Utnapishtim, na Epopeia de Gilgamesh, pensou em termos de propriedade, carregando tudo o que era seu (ouro, animais, família) mais os artífices – como se no texto babilônico a tônica principal residisse na preservação da vida, e no posterior na preservação da civilização (p. 191). Como se vê, o tropo bíblico mais primitivo ecoa a tradição mesopotâmica de preservação da vida, vista no Épico de Atrahasis; o mais recente, privilegia as obrigações litúrgicas, compartimentando os animais em termos utilitaristas: “puros” (aptos às oferendas e ao consumo humano) e “impuros”.

Ou seja, a visão de uma embarcação que abrigasse todas as espécies existentes no planeta é nossa contemporânea, não do mito sumeriano; o mundo descrito nos textos é outro, e o objetivo da narrativa, idem. O Dilúvio Primordial foi o marco da dissonância temporal para os antigos mesopotâmicos, pois em termos quantitativos era profundamente remoto, um quarto de milhão de anos segundo a contabilidade sumeriana. Deixamos, portanto, o terreno da crônica factual, e adentramos o da manifestação terrenal do mito e seu relato: são Idades Ancestrais, cuja contabilidade (e função) é distinta da crônica histórica, contagens diferentes que não podem ser absolutamente sincronizadas – não o eram na Antiguidade, e assim deveriam ser entendidos hoje.

O autor elabora uma arqueologia da história do Dilúvio, menciona sua remota origem mitológica e a acompanha nas transformações enquanto obra literária, trabalhada e retrabalhada ao longo de milênios, especialmente em Babilônia, de onde verteu para a Bíblia Hebraica – “vimos, também, que estórias das crianças Moisés e Sargão em seus respectivos barquinhos-cestos refletem um empréstimo similar, e que existem outros elementos, em especial no livro do Gênesis (as Grandes Idades do Homem), que sugerem este mesmo processo” (p. 224).

No capítulo “The Judaean Experience”, Finkel discute como a presença dos judeus exilados durante o conhecido “Cativeiro da Babilônia” contribuiu para a elaboração do seu livro sagrado, e mesmo da sua concepção de monoteísmo que desenvolveram: inseridos numa sociedade marcada por uma alta cultura literária, os expatriados deixaram-se influenciar e constituíram seu próprio conjunto de histórias, algo inaudito até então, “um corpus textual finito, com começo, meio e fim, no qual uma identidade religiosa se afirmou. Um padrão fora estabelecido, e perdurou através do Cristianismo e do Islã” (p. 256).

Finkel arremata seu livro com uma descrição da Tabuinha da Arca, uma peça que não contém qualquer narrativa (p. 298), apenas uma planta da construção, o tamanho e a forma que deveria possuir. Sua importância, afirma o autor, está precisamente nessa relação de materiais: quando contado para as populações ribeirinhas, tal descrição era desnecessária, pois estavam acostumados a trançar as canas dos rios e construir casas e barcos, mas à medida que a história precisou ser recontada para cidadãos urbanos, o inventário tornou-se necessário, e os padrões de grandeza refletiram a visão do novo público a quem se destinava.

Essencialmente, Finkel salienta o poder literário da história do Dilúvio: “O narrador de nossa história está recontando a História de Atrahasis, com a Arca e o Dilúvio. Provavelmente, todos a conheciam em seus rudimentos, mas em mãos de um talentoso contador de histórias seu poder e magia desconheceriam limites. Pois ele lida com o mais amplo de todos os temas: vida e morte da espécie humana, a mais restrita das escapatórias, como todos os ovos foram colocados numa única grande cesta esbofeteada por águas arremessadas das alturas, todos os seres vivos clamando em terror (por estarem enjoados ou sendo esmagados). A narrativa podia ser reforçada com adereços: uma pequena rede de caniços para Era sussurrar através, um chapéu com chifres representando o deus a falar, um barquinho-cesto para Atrahasis, uma vara para desenhar na areia. Um contador popular poderia utilizar um simples baterista, um flautista, um menino assistente. Com estas ferramentas ele poderia transportar sua audiência, contando uma história que era sempre a mesma, mas sempre diferente; algumas vezes aterrorizante com a inaceitável crueldade dos deuses e a arremetida das águas mortíferas, outras vezes calmante com tudo terminando bem, e até mesmo engraçada algumas vezes, quando um sonhador que jamais havia sujado suas mãos é informado por um deus que teria de atingir o impossível neste exato momento, mesmo sem querer. Por que eu?” (p. 302)

Sumarizando suas conclusões, Finkel afirma que a nossa versão do dilúvio, recebida via Bíblia, deita suas raízes na Mesopotâmia, e trata essencialmente da vida, “sempre à mercê dos deuses, sobrevivendo contra todas as possibilidades graças a uma única nave cuja tripulação, humana e animal suportou o cataclismo para repovoar o mundo” (p. 310). Noutras palavras, é a metáfora de esperança que foi e permanece sendo recontada por milênios, que encontra nesse nicho seu fator universal.

No decorrer da longa história mesopotâmica, públicos diferentes imaginaram arcas diferentes, e da forma cúbica original, passou-se à oblonga, depois redonda, e finalmente a retangular que a Bíblia recriou, uma linha que, na compreensão do autor, é uma “linhagem linear do cuneiforme ao hebraico, cujo traçado representa o cerne” (p. 315) do trabalho.

Nos tempos nos quais vivemos, a história do Dilúvio vem sendo disputada por grupos fundamentalistas religiosos, defensores de uma leitura factual, estrita, seguidora das instruções tais como apontadas na Bíblia. O conhecimento acadêmico, por sua vez, simplesmente rejeita a narrativa, salienta suas contradições e a impossibilidade física de sua ocorrência. Irving Finkel e seu livro abrem um outro caminho, que vai tão longe quanto possível e encontra nas populações ribeirinhas da Mesopotâmia as realidades que deram origem à semente do mito; acompanha milênios de apropriações literárias, realizadas nos mais importantes centros de conhecimento, como Nínive e, principalmente, Babilônia; e por fim refaz os caminhos que levaram os judeus exilados a incorporá-la em seus escritos sagrados, de onde permanece influenciando a Humanidade. Mais do que discutir sua veracidade, do ponto de vista científico um debate encerrado, Finkel explora seus significados, e ao fazê-lo construiu um dos livros de historiografia mais relevantes da década.

José Maria Gomes de Souza Neto – Professor adjunto da Universidade de Pernambuco – Campus Mata Norte. E-mail: zemariat@uol.com.br


FINKEL, Irving. The Ark before Noah: decoding the story of the flood. New York: Doubleday, 2014. Resenha de: SOUZA NETO, José Maria Gomes de. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.17, n.1, p. 249- 254, 2017. Acessar publicação original [DR]

SILVA, Andréia. C. L. Frazão da; SILVA, Leila Rodrigues da. Mártires, confessores e virgens. O culto aos santos no Ocidente Medieval. Petrópolis: Vozes, 2016. Resenha de: RAFFAELI Juliana Salgado (Res), SILVA Thalles Braga Rezende Lins da (Res),  Brathair (Btr), Mártires, Confessores, Virgens, Culto aos Santos, Ocidente Medieval

Diferentes perspectivas, abordagens e aspectos da santidade na Idade Média

O livro é uma iniciativa de vários professores doutores ligados ao Programa de Estudos Medievais da UFRJ, organizado por Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva e Leila Rodrigues da Silva. Após o prefácio que apresenta a obra, escrito pelo Prof. Dr. Ronaldo Amaral da UFMS, seguem cinco capítulos, cada um com de cerca de 30 páginas, que abordam por diferentes perspectivas e recortes espaço-temporais a temática da santidade na Idade Média. Ainda estão inclusas as Referências, informações sobre a Documentação consultada, Sugestões de Leitura e dados sobre a trajetória intelectual dos Autores do livro.

O capítulo inicial do livro, “Mártires na Antiguidade e na Idade Média”, escrito por Valtair Afonso Miranda, tem como questão central o fenômeno histórico do martírio, pensando para quem os relatos foram produzidos e a que interesses atendiam com essas representações do sofrimento e da morte. Para dar conta desse questionamento, o autor analisou a tradição cristã do martírio em suas diferentes manifestações nas comunidades cristãs antigas e medievais.

Desde sua origem etimológica, afirmou Miranda, o “mártir” era tanto aquele que deveria ser lembrado quanto quem possuía o conhecimento de algo e poderia apresentar seu testemunho. Nesse sentido, um dos primeiros documentos do cristianismo a descrever a morte de um cristão foi o “Martírio de Policarpo”. Segundo o autor, o texto já apresentava o “mártir” como a própria testemunha que morria em grande sofrimento. Para o segundo século, o termo já indicava sofrimento e/ou a morte de alguém que era, especificamente, seguidor do movimento de Jesus.

Miranda retomou diversas referências anteriores ao martírio cristão para demonstrar que, tanto no judaísmo quanto no Império Romano, a imagem de morte por um ideal já estava bem consolidada. Associada a isso, a própria morte de Jesus foi uma referência essencial para a construção do conceito de martírio, motivado pelas expectativas messiânicas, que atrelavam o perdão da humanidade a uma morte dolorosa e violenta do salvador. Uma terceira referência foi construída pelo Apocalipse de João, que promoveu a ideia de martírio como etapa necessária para o Juízo Final. Dessa forma, um dos modos dos fieis participarem da instauração do reino messiânico era por meio da morte violenta. “As mortes cristãs, quando ritualizadas segundo o modelo do mártir, eram eficientes instrumentos de propaganda para o cristianismo numa sociedade que aprendera a respeitar quem sabia morrer” (p. 42).

Após o fim das perseguições aos cristãos, não eram mais encontradas essas formas de morrer em nome da crença. O autor ressaltou, então, os aspectos principais do martírio espiritual, que assumiu o lugar do sofrimento pela tortura e a morte violenta dos períodos anteriores. Esse martírio poderia ser qualquer situação de desconforto, inclusive físico, praticado de forma voluntária e que não levava a morte. Poderiam ser realizados em casas religiosas, dentro do matrimônio, em solidão ou no exílio. Os monges comumente passaram a ser vistos como os “novos heróis” do cristianismo. De modo geral, o “martírio espiritual” era um conceito fluído, que se adaptou para explicar situações diferentes de sofrimento.

Contudo, durante a Idade Média Central, por conta de uma nova onda de propagação de heresias, martírios – no sentido inicial da concepção cristã – voltam a ocorrer e novos mártires – como Tomás Becket e os cinco franciscanos mortos no Marrocos – rapidamente passam a ser cultuados com fervor. Em vista disso, Miranda afirmou, nas suas conclusões, que era de suma importância para a construção das novas comunidades religiosas definir quem era o seu herói. Isto era “um exercício de poder, poder esse que define limites identitários, esclarece alteridade, reforças práticas e crenças religiosas, gera papéis sociais, legitima governos, socializa visões de mundo” (p. 54).

No segundo capítulo “Monges e literatura hagiográfica no Início da Idade Média”, Leila Rodrigues da Silva desenvolveu sua análise com dois objetivos principais. No primeiro, tratou da História do monacato desde suas origens orientais até os seus desdobramentos nos reinos romano-germânicos, ou seja, a partir do século IV e com especial atenção aos séculos VI e VII. No segundo, a autora associou a apresentação da tipologia documental das hagiografias com a análise dos estudos de caso de monges de três regiões, a saber: Bento de Núrsia da Península Itálica, Frutuoso de Braga da Península Hispânica e Amando de Maastricht das Gálias. Os relatos hagiográficos dos três monges expressavam o anseio geral de cristianização dos seus períodos e manifestavam a importância da construção e multiplicação de comunidades monásticas para a efetivação destas ambições.

A respeito do monacato, Rodrigues da Silva apresentou as principais hipóteses produzidas sobre a motivação inicial para tal movimento ascético no contexto do Império Romano do Oriente. Essas proposições se resumiam na ideia de que para entender a complexidade do fenômeno era necessário considerar tanto o anacoretismo como uma atitude de protesto – seja em relação ao aspecto religioso ou político – quanto uma decisão pessoal e moral do asceta. As duas formas principais de monacato que se originaram nesse contexto, o eremitismo e o cenobitismo, chegaram ao Ocidente sem que houvesse descontinuidade em relação à sua motivação original. Além disso, se associaram às formas ascéticas já praticadas localmente. Entre os séculos IV e VII, o movimento monástico foi vinculado ao episcopado, que se preocupou com a produção de regras comunitárias, normativas conciliares e a expansão da cristianização com atuação de monges nas áreas rurais.

A segunda preocupação de Rodrigues da Silva estava pautada em como a experiência monástica se expressava nos textos hagiográficos, buscando comparativamente as semelhanças e as especificidades nos três contextos eleitos. O primeiro monge analisado, Bento de Núrsia, ficou conhecido pela perspectiva de seu hagiógrafo, Gregório Magno. Segundo a narrativa, Bento teria origem em família abastada, com acesso à educação em Roma. Sua experiência religiosa incluiu um período de isolamento, disputas com os demônios, destruição de ídolos, construção de doze mosteiros, produção de uma regra e preparação de outros monges – destacando nessas obras o papel das virtudes da obediência e da humildade. O segundo hagiografado, Frutuoso de Braga, foi apresentado por um anônimo. Seu narrador indicou uma intensa participação eclesiástica e política: ele teria produzido duas regras monásticas, participado de concílios, trocado correspondências com reis e bispos e assumido duas dioceses. O monge-bispo seria totalmente dedicado à vida monástica, valorizando suas características ascéticas orientais – como o desejo pela peregrinação e a necessidade de isolamento -, fundando novas casas e promovendo o monacato de modo geral. O terceiro e último monge anunciado por uma hagiografia, Amando de Maastricht, foi relatado anonimamente. Além dessa narrativa, esteve referenciado em cartas trocadas com Martinho I, bispo de Roma. Após um período de isolamento ascético de quinze anos, sua característica monástica mais marcante foi a atividade missionária desempenhada em diversas regiões dos reinos merovíngios. Também foi sagrado bispo por sua associação com a monarquia e o episcopado local.

A autora concluiu que, comparativamente, o monacato ocidental visto a partir das narrativas hagiográficas dos reinos romano-germânicos não configurou uma contestação veemente à instituição eclesiástica. A perspectiva eremítica marcou a trajetória inicial dos monges destacados da hierarquia eclesiástica, se concretizando como um “ideal desejado”.

Passando ao terceiro capítulo “Santos e episcopado na Península Ibérica”, Paulo Duarte Silva partiu das proposições historiográficas de Peter Brown, que superou a dicotomia estabelecida sobre as documentações hagiográficas – reforçando ou rejeitando a santidade dos protagonistas – e permitiu o estudo do contato dos “eclesiásticos seculares” com outros grupos religiosos. Segundo Duarte Silva, estudiosos recentes contestaram as fronteiras entre os cuidados episcopais e o pretenso isolamento monástico. O episcopado se desenvolveu como função eclesiástica, desde o século I até as mudanças na organização e na estrutura promovidas pela aproximação do Império Romano e a ecclesia. Do ponto de vista Ocidental, o autor chamou atenção de que gradualmente as aspirações aristocráticas aos cargos eclesiásticos se aprofundaram, sendo acompanhadas pelo interesse de adesão ao monasticismo. Na Alta Idade Média, predominava o monacato beneditino. Como consequência, a partir dos séculos X e XII, consolidaram-se as ordens beneditinas de Cluny e Cister. Para a Idade Média Central surgiram novas demandas de religiosidade, que deram grande destaque às ordens mendicantes – de franciscanos e dominicanos.

Duarte Silva teve por objetivo analisar as relações entre o cursus episcopal e as ordens religiosas de bispos-santos cristãos. Partindo do recorte temporal da Alta Idade Média até a Idade Média Central, dedicou-se a análise de bispos e cônegos, especificamente que tivessem atuado na Península Ibérica. Para viabilizar a comparação, o especialista estabeleceu eixos de análise como: a trajetória institucional na fundação de mosteiros e conventos, a participação de concílios e as relações assumidas com as autoridades monárquicas. Para tanto, elegeu oito figuras de bispos considerados santos e dentro dessas especificações: Martinho de Braga (520-580); Isidoro de Sevilha (560-636); Rosendo de Celanova (907-977); Ato de Oda/Valpuesta (m. 1044); Olegário de Tarragona (1060-1137); Bernardo Calvo (1180-1243); Agno de Saragoça (1190-1260), e; Berengário de Peralta (1200-1256).

O terceiro capítulo apresentou como conclusão que, desde a Alta Idade Média, a grandiosidade dedicada à memória dos clérigos oriundos do monacato demonstrou o interesse eclesiástico em organizar, adequar e submeter a vida monástica às decisões episcopais e conciliares. Nesse sentido, surgiram novas possibilidades de consagração pública, promovendo e organizando a santidade ibérica. Com o passar dos séculos foi possível observar um processo de expansão do modelo monástico beneditino, a partir do Norte da Península Ibérica em detrimento da tradição visigótica. Gradativamente, a santidade também foi atribuída a bispos relacionados aos cônegos e aos mendicantes. Em suma, Duarte Silva afirmou que as trajetórias dos bispos santos peninsulares possuíam diversos eixos de continuidade – origem nobiliárquica, estadia em mosteiros ou em conventos, apoio das monarquias e participação dos personagens em concílios – enquanto simultaneamente era permeado por características de ruptura. Ou seja, “a santidade é histórica, e por isso, embora admita elementos comuns, deve der associada a diferentes contextos políticos e religiosos” (p. 113).

Em “As ordens mendicantes e a santidade na Idade Média”, o quarto capítulo do livro, a autora Carolina Coelho Fortes traça a relação entre os fenômenos da santidade e do surgimento das ordens mendicantes, surgidas a partir do século XIII. Para isso, o capítulo foi dividido em cinco partes: a santidade no Medievo, surgimento e formação das ordens mendicantes, a santidade mendicante, Francisco de Assis e Domingo de Gusmão.

Na primeira parte, de maneira muito densa e completa, foi apontado o que era necessário para ser considerado santo na Idade Média e quais os perfis de pessoas cultuadas conforme o Medievo avançava. Assim, embora as hagiografias apontassem que seria impossível tornar-se santo – porque a santidade começava a se manifestar desde a mais tenra idade e continuamente ao longo da vida e após a morte – a autora demonstrou o contrário. Ela destacou que é possível considerar as múltiplas dimensões da temática e abordá-la nas perspectivas espiritual, teológica, religiosa, social, institucional e política. A visibilidade, a materialidade, a corporeidade, o serviço prestado à comunidade, os sacríficos, dores e renúncias, o combate ao mal, os milagres e a esperança de redenção trazida para a comunidade, tudo isso está na lista de topoi hagiográficos que ao mesmo tempo promovia a difusão e o reconhecimento (eclesiástico ou não) da santidade, segundo Fortes. E por isso, a santidade deveria ser entendida como “uma construção social, um ideal que se desenvolveu historicamente” porque “tipos diferentes de pessoas eram percebidos como santos pelas comunidades cristãs durante períodos distintos” (p. 102).

Ainda na Antiguidade, o primeiro tipo teria sido composto por mártires e, sem que seu culto fosse eclipsado pelos modelos posteriores, durante a Idade Média juntaram-se a eles: os bispos, os ascetas, os nobres que conseguiam altos cargos na hierarquia eclesiástica, os leigos nas cidades, os mendicantes, os penitentes, a Virgem Maria e, finalmente, os leigos. A autora fez considerações que relacionam os elementos da tipologia já descrita com os diferentes contextos históricos – da Antiguidade Tardia até a fins do Medievo, passando pela Alta Idade Média e Idade Média Central – ou seja, uma duração de aproximadamente 1000 anos. Neste interim, Fortes destacou o impacto da criação dos processos de canonização, no século XIII, no controle da santidade pelo papado, bem como isto contribuiu para a “humanização” ou “popularização” da santidade. Este último fator fez das personagens santas cada vez mais conhecidas, familiares e inspiradoras de uma devoção mais afetuosa do que referencial (p. 125).

Ao tratar das ordens mendicantes, a autora fez uma síntese de como as transformações ocorridas no Ocidente, desde o século XI, possibilitaram o seu surgimento. E então, o texto abordou alguns pontos entrecruzados a este respeito principalmente da Ordem dos Frades Menores – franciscanos – e da Ordem dos Pregadores – dominicanos, a saber: como normatizar as ordens mendicantes foi útil para a consolidação da cúria papal; como franciscanos e dominicanos lidaram com o delicado e controverso voto de pobreza; como a produção hagiográfica sobre Francisco de Assis e Domingos de Gusmão promoveu ao mesmo tempo o culto destes fundadores, a institucionalização de ambas as ordens e estabilizou as relações das mesmas com Roma, além de criar modelos de frades e freiras a serem seguidos. As diferenças entre as duas ordens também ficam claras porque a autora as apresentou comparativamente. Embora a pobreza, a pregação, a obediência, os estudos, a presença de leigos e de clérigos nos quadros das ordens e o combate aos inimigos da fé fossem questões importantes para ambas, a ênfase dada a cada uma destas temáticas foi bem distinta e pautada pelos objetivos dos fundadores – e dos seus sucessores – e os ambientes onde cada uma delas atuava.

Nas partes que se seguem do capítulo, Fortes analisou e demonstrou, mais uma vez por meio das comparações entre as ordens e seus fundadores, como os processos de canonização estavam intrinsecamente conectados com a santidade mendicante e, portanto, com o culto a Francisco de Assis e a Domingos de Gusmão. Foram levantados argumentos quantitativos e relações com o contexto histórico, bem como exemplificações constantes de como funcionava uma canonização no século XIII, e como os casos de Francisco e Domingos são excepcionais, principalmente por causa da sua celeridade e impulso papal direto. Contudo, nas considerações finais, Fortes fez questão de frisar que a compreensão do fenômeno da santidade encontra-se situada em algum lugar entre as aspirações centralizadoras papais e as demandas da religiosidade leiga do período, que seguiam a efervescência filosófica, educacional, econômica e social do século XIII.

No quinto e último capítulo, “Mulheres e santidade na Idade Média”, Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva estabeleceu como objetivo “destacar, a partir das singularidades da biografia e culto das personagens, a sobrevivência e a complexidade do fenômeno da santidade feminina por todo o Medievo” (p. 150). Deste modo, as personagens referidas são mulheres que viveram entre os séculos V e XIII e que receberam variadas formas de reconhecimento público de santidade.

As motivações da autora para tal empresa foram duas ressalvas e dois pressupostos. A primeira ressalva inicia o capítulo, pois segundo Sofia Boesch Gajano, em um verbete do Dicionário Temático do Ocidente Medieval, o número de mulheres consideradas santas teria aumentado no século XIII. Porém, Frazão da Silva apontou que é necessário não superestimar este crescimento. A autora citou como base de sustentação os dados das pesquisas clássicas de André Vauchez sobre o tema e ainda os resultados do projeto coletivo de pesquisa Hagiografia e História: um estudo comparativo da santidade, desenvolvido no âmbito do Programa de Estudos Medievais da UFRJ. A segunda ressalva é que o fenômeno da santidade feminina se tornou mais diversificado e expressivo na Idade Média Central. Porém não foi uma inovação do período, já que uma quantidade significativa de santas cultuadas pelos medievais já eram veneradas desde a Antiguidade.

Os pressupostos da autora são de caráter historiográfico. A autora adverte que a sua concepção de santidade não é essencialista e que ela leva em conta também as expectativas e interesses daqueles que promovem os cultos. Mais importante para o entendimento do capítulo é a conceituação de biografia que ela apresenta: “um exercício que busca compreender os laços, nem sempre diretos ou simples, que ligam uma pessoa ao momento histórico em que viveu” (p. 150).

Assim, após as observações introdutórias, segue uma lista, em ordem cronológica, de pequenas biografias de mulheres consideradas santas – com ou sem reconhecimento de Roma. Em cada uma delas, a autora faz questão de mencionar como o culto de uma santa foi retomado na Idade Média, no caso das santas da Antiguidade, ou como o culto perdurou para além do Medievo, no caso das devoções iniciadas neste período. E ainda, quais são as fontes escritas que nos informam sobre as personagens, tendo elas sendo produzidas pelas próprias ou por terceiros. A lista é longa e fica evidente que o intuito da autora é apresentar personagens as mais diversas possíveis entre si, apesar das muitas semelhanças entre elas.

Santa Escolástica, monja exemplar da Península Itálica, que teria vivido entre os séculos V e VI, e irmã de São Bento, o criador da regra de vida beneditina para os monges. Santa Radegunda, uma rainha piedosa de ascendência germânica da Alta Idade Média, que se recolheu a um mosteiro. Santa Valpurga, outra dama da nobreza e abadessa que viveu nas Ilhas Britânicas, no século VIII. Santa Oria, jovem que tinha sonhos e visões e foi “emparedada” (modalidade de religiosa totalmente reclusa), em Castela, no século XI. A próxima da lista é mais famosa ainda pelas suas visões, pela sua trajetória institucional eclesiástica e pelos seus escritos. Considerada doutora da Igreja, viveu na região da atual Alemanha, no século XI, trata-se de Santa Hildegarda de Bingen. Santa Clara de Assis, filha de nobres da cidade de Úmbria, na Itália, do século XIII, a primeira franciscana e fundadora do ramo feminino da Ordem dos Frades Menores. E, por fim, Santa Guglielma, nascida na Boêmia, no século XIII, possivelmente também uma princesa, que faleceu na Itália próxima a abadia de Chiaravalle. O caso de Guglielma é um dos mais singulares, porque inicialmente ela foi cultuada por um grupo local de seguidores, mas posteriormente foi condenada pela Inquisição.

Nas considerações finais do capítulo, a autora nos apresenta uma lista muito maior de nomes que poderiam ter sido citados, o que nos permite ter uma dimensão da sua primeira conclusão: mesmo que a mulher fosse vista como débil em vários sentidos no pensamento hegemônico medieval, isto não impediu que houvesse um grande número de personagens femininas consideradas dignas de devoção pelos medievais. Também não seria possível traçar um perfil único para a santidade feminina medieval. Novos tipos de personagens vão sendo incorporadas ao rol das veneradas e, apesar da constância da vida religiosa na biografia de todas, cada uma delas seguiu passos bem diferentes nestes caminhos. Sendo assim, mais uma vez fica claro como o fenômeno da santidade não é estático, é histórico e profundamente conectado com as conjunturas, anseios sociais e relações de poder (p. 181).

Destacam-se a clareza da redação ao longo de todo o livro e a preocupação em explicitar os objetivos e metodologias das pesquisas realizadas – bem como a coerência de se manter fiel ao que foi proposto. Os capítulos dialogam entre si e evitam repetições, porém sem deixar de mencionar o que for importante para o entendimento das questões analisadas. Desta forma, o livro cumpre duas funções. Apresentar um trabalho amplo e atualizado para aqueles que desejam iniciar o estudo do culto aos santos no Ocidente Medieval, podendo assim fazer bom uso da leitura completa do livro. Ou ainda, para aqueles que já se estão se aprofundando em alguma das temáticas específicas, ler um dos capítulos possibilita o conhecimento de abordagens novas, variadas e críticas.

Juliana Salgado Raffaeli – Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em História Comparada, UFRJ. E-mail: julianaraffaeli@hotmail.com

Thalles Braga Rezende Lins da Silva – Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em História Comparada, UFRJ. E-mail: thalles1107@gmail.com

SILVA, Andréia. C. L. Frazão da; SILVA, Leila Rodrigues da. Mártires, confessores e virgens. O culto aos santos no Ocidente Medieval. Petrópolis: Vozes, 2016. Resenha de: RAFFAELI, Juliana Salgado; SILVA, Thalles Braga Rezende Lins da. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.17, n.1, p. 255- 261, 2017. Acessar publicação original [DR]

BAUNE Colette (Aut), Joana d’Arc: Uma Biografia (T), Globo (E), FLORES Paula dos Santos (Res),  Brathair (Btr), Joana d’Arc, Biografia, Europa – França (l), Séc. 15

Em 2016, a versão em português de Joana d’Arc: uma biografia completou dez anos. Lançada no Brasil pela Editora Globo em 2006, a obra de Colette Beaune é uma das leituras fundamentais para aqueles que se interessam pela história da heroína francesa.

Joana d’Arc é uma das personagens mais icônicas do Ocidente medieval. Em apenas dois anos, período entre seu aparecimento na corte de Carlos VII e sua morte, Joana conseguiu conquistar o coração e a imaginação de seus contemporâneos e se inscrever no panteão dos personagens que transcendem seu tempo e espaço.

Fazendo um breve levantamento é possível encontrar mais de setenta obras literárias nas quais Joana d’Arc é personagem, a lista se inicia no século XV e chega até o presente. Além da literatura, Joana foi retratada em cerca de treze produções cinematográficas, da emblemática atuação de Renée Falconetti, em “La passion de Jeanne d’Arc”, filmado em 1927 e dirigido por Carl Dreyer, até a superprodução dirigida por Luc Besson em 1999, “Jeanne d’Arc” a qual contou com a brilhante interpretação de Milla Jovovich que deu vida a uma Joana ingênua e perturbada por vozes. Afora o cinema e a literatura, a Donzela aparece em jogos de videogame e quadrinhos.

Joana foi uma jovem francesa cuja existência transita entre o mito e a realidade e cuja eternidade está garantida na memória e imaginação das pessoas. Não é de surpreender que tenha sido escolhida como objeto de pesquisa por Colette Beaune, uma especialista em História da França e em História das Mulheres.

Colette Beaune é professora emérita da Universidade de Paris X, especializada em história cultural, politica e social do final da Idade Média. Entre suas publicações estão Naissance de la nation France, 1985; a edição do texto do Journal d’un Bourgeois de Paris: de 1405 à 1449, 1989; e Jeanne d’Arc, 2004 (Joana d’Arc: uma biografia, Editora Globo, 2006). A obra foi caracterizada pelo Senado francês como própria para nutrir a reflexão cívica e rendeu à Colette Beaune o Prix du Sénat du Livre d’Histoire, em 2004. Joana d’Arc: uma biografia apresenta muito mais que a história de Joana, é, em referência aos termos utilizados por Beaune, “Joana além de Joana”.

Estamos acostumados com a Joana d’Arc do universo mítico, um personagem real que foi apropriado pela ficção e representado a partir do fantástico, do maravilhoso, do extraordinário. Colette Beaune retira Joana da névoa do fantástico e a insere em seu contexto. Assim, a heroína francesa é tratada como um personagem histórico e serve como fio condutor para discussões sobre guerra, política, cultura e sociedade na Idade Média.

Partindo dos processos de condenação, que sentenciou Joana à fogueira por heresia, em 1431, e de anulação, que a reabilitou em 1456, Beaune discute aspectos da vida de Joana. A investigação também utiliza outros documentos, tais como crônicas, cartas e demais informações relacionadas à Donzela.

O texto de Beaune apresenta Joana e problematiza as características de suas várias representações. Assim como qualquer indivíduo, Joana d’Arc é um personagem multifacetado e a escolha de quais elementos são evidenciados por aqueles que a retratam, nos informam tanto sobre Joana quanto sobre os que a representam.

Sua origem obscura, no vilarejo de Domrémy, por exemplo, pode ser entendida a partir da comparação com a vida de Cristo e, de forma mais genérica, com a trajetória dos heróis. O modelo de vida heroica é compartilhado por figuras como Cristo, Ulisses, Davi e serviu de base para a construção da imagem de Joana como heroína da França.

Sua juventude em Domrémy também é cheia de misticismo e fantasia, e colocam Joana como um ser único, mágico. Beaune, entretanto, apresenta as práticas de uma sociedade rural e as insere em um conjunto mais amplo. Bem como, expõe as formas como os processos de condenação e de reabilitação se utilizaram dos ritos e práticas populares para defender posições diametralmente opostas. Grande parte dos elementos que constituíram o argumento de sua condenação foram refutados e utilizados em sua defesa.

Não foram apenas os contemporâneos de Joana que disputaram sua imagem, historiadores do século XIX e XX apresentaram diferentes opiniões sobre Joana. Letrada ou iletrada? A heroína da França teria sido uma jovem iletrada, que recebia suas ordens através de vozes divinas ou teve acesso à educação em algum momento de sua curta vida?

As vozes de Joana não escapam da perscrutação de Beaune. Um dos elementos brilhantemente explorados pelo cinema e pela literatura, a questão da inspiração divina, é abordado por Colette a partir da tradição de profetisas que surgiam em tempos de crise, anunciando a palavra de Deus. A jovem donzela de Domrémy não foi a primeira nem a última, certamente, a levar revelações divinas aos homens.

Se por um lado, Joana foi mais uma das profetisas medievais, por outro lado, suas revelações e sua participação tiveram um caráter único e extraordinário: a capacidade de mobilizar e sensibilizar a população francesa, tão desgastada pela longa guerra contra a Inglaterra.

A participação de Joana no levante do cerco de Orléans juntamente com a sagração de Carlos VII em Reims foram os pontos máximos de sua participação no conflito. Mas que de forma se deu essa participação? Joana empunhou a espada, conduziu as tropas como chefe de guerra ou apenas levantou seu estandarte como símbolo e motivação aos combatentes? Colette Beaune não se limita a discutir o papel de Joana na Guerra dos Cem Anos, a questão enunciada é mais profunda e abrangente: a guerra pode ter um rosto de mulher?

E, essa mulher em específico, inserida em uma sociedade que estava agitada por complexas disputas políticas internas e externas, atuava de forma independente? Era motivada pelo testemunho dos sofrimentos dos franceses ao longo de uma guerra sem fim ou estava agindo de acordo com um alinhamento político forjado por relações familiares e alianças políticas?

Essas problematizações de Beaune tornam o livro, além de uma brilhante biografia, uma fonte de inspirações para a pesquisa sobre o período medieval. E, para além da Idade Média, instiga a curiosidade sobre as diversas apropriações que a imagem de Joana d’Arc sofreu ao longo do tempo.

Não é sem motivos que Joana se tornou um símbolo reivindicado por diversos grupos: a insuficiência de informações registradas nos impede de uma aproximação do personagem histórico, ao mesmo tempo permite que sua imagem seja montada e reconstruída das mais diversas formas.

Em Joana d’Arc: uma biografia Colette Beaune resgata essas múltiplas facetas da Donzela para apresentar a sociedade francesa, seus valores, seus anseios e preocupações; a guerra e a política que influenciaram e foram influenciadas por Joana; o martírio de uma jovem que coroou seu rei e foi reverenciada como heroína e, poucos anos depois, queimou na fogueira inglória, acusada de heresia.

O livro de Colette Beaune é uma obra fundamental para a compreensão de Joana d’Arc como personagem histórico e é extremamente relevante para o entendimento de vários aspectos da sociedade medieval. A linguagem de fácil compreensão é acompanhada por referências bibliográficas extremamente ricas, o que o torna uma aquisição fundamental para a biblioteca de pesquisadores e de não pesquisadores.

Paula dos Santos Flores – Mestranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: paulaflrs@gmail.com

BAUNE, Colette. Joana d’Arc: Uma Biografia. São Paulo: Globo, 2006. Resenha de: FLORES, Paula dos Santos Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.17, n.2, p. 159- 162, 2017. Acessar publicação original [DR]

SCHURSTER Karl (Org); SOUZA NETO José Maria Gomes de (Org), SILVA Kalina Vanderlei (Org), Pequeno dicionário de grandes personagens históricos (T), Alta Books (E), MOERBECK Guilherme Gomes (Res),  Brathair (Btr), Personagens Históricos, Dicionário

Embora a datação convencional do Iluminismo se inicie com o final da Revolução Gloriosa e o início da Revolução Francesa, esta periodização não deve ser tomada de maneira rígida. O eixo é sempre um pouco antes e um pouco depois de 1750, estando, certamente, articulado em suas origens, à Revolução Científica do século XVII. Já o seu final pode ser visto entre a crise revolucionária e o fortalecimento do pensamento romântico (FONTANA, 1998; FALCON, 1997). Talvez fosse mais prudente se preferir falar em iluminismos no plural, ao invés de tê-lo como um movimento unificado. Segundo Kant, em seu ensaio: O que é o iluminismo, este seria “a libertação do homem de sua auto-imposta custódia”. Custódia para Kant era: “a inabilidade do homem para fazer uso de seu entendimento sem a direção de outrem” (CHENG, 2012, p.30). Kant se opunha, nesse sentido, à tutela estabelecida pela tradição por um lado e pela religião por outro. Em suma, a definição de Kant para a ilustração é a saída da minoridade, o caminho para servir-se de sua própria razão. (FONTANA, 1998)

Um dos mais importantes historiadores do iluminismo, Robert Darton, menciona que o antigo regime é posto contra a parede no século XVIII. Mas, antes mesmo de termos a Revolução Francesa – já se carregava muito de suas reflexões teóricas e de seus desdobramentos políticos. Assim sendo, palavras como razão, natureza, liberdade, felicidade e progresso davam sentido a um novo movimento intelectual, o das Luzes (DARTON, 2001). Influenciados pela revolução científica, os pensadores Iluministas, similarmente ao que aconteceu entre os filósofos pré-socráticos, os socráticos e sofistas, direcionaram a razão como elemento de compreensão do homem em sociedade. A própria noção de filósofo sofre uma mudança semântica, na qual os do iluminismo se põem numa posição de críticos e reformadores de sua sociedade. Embora a religião não seja de todo abandonada, os filósofos do iluminismo assumem uma posição mais secular, na qual o universo religioso desempenha papel secundário (CHENG, 2012).

Havia a concepção de uma natureza humana universal. Uma das preocupações dos historiadores iluministas era explicar os eventos históricos em termos da ação humana e não divina; conferir o verbete Voltaire, p.303-310. O iluminismo deu origem a uma forma de investigação histórica: desenvolveu a noção de que o presente era um momento de peso excepcional na História Mundial. A noção de que aquela época havia transcendido a período greco-romano, tão importante para os renascentistas. A História Clássica ainda era venerada, mas agora, a Europa moderna requeria graus de autonomia cultural. A História possuía uma função social para os iluministas e, geralmente, suas abordagens do passado serviam para condenar e para reafirmar a sua crença no progresso da humanidade. Assim, a abordagem era centrada no homem, padrões e crenças de sua própria época. A leitura do passado tinha como intenção promover a virtude provendo exemplos morais que deveriam ser imitados ou evitados (BENTLEY, 1997).

A leitura de um dicionário e, pode-se imaginar, todo o processo de sua confecção acaba por inspirar a essa já longa digressão sobre algumas das bases epistemológicas nas quais reside nosso impulso sistematizador do conhecimento. As fronteiras da razão humana a partir de então pareciam ilimitadas, a partir das quais os limites do progresso humano seriam incalculáveis. É nesse clima que a publicação da Enciclopédia (Encyclopedie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, 1751-1771 – Diderot e D’Alembert) se tornava uma sinédoque daquilo que se configurava, num sentido mais amplo, o próprio movimento iluminista. Entre 1751 e 1771 dezessete volumes foram organizados, nos quais estavam compilados todos os conhecimentos modernos de A até Z (DARTON, 2001).

No Pequeno dicionário de grandes personagens históricos, organizado pelos professores da Universidade de Pernambuco (UPE): José Maria Gomes de Souza Neto, Kalina Vanderlei Silva e Karl Schurster, após mais de duzentos anos do iluminismo, revisita-se, em quase quinhentas páginas, o impulso de se dedicar à sistematização do conhecimento. Neste caso, dedicado às trajetórias histórico-biográficas de personagens que tiveram papel significativo no desenrolar dos acontecimentos de seus próprios tempos e, muitas vezes, muito além da efeméride de sua própria vida. Numa empreitada como essa, torna-se quase inevitável a avaliação da relação entre trajetória biográfica e vetores de transformação socioculturais, como Karl Schurster e Leandro Couto Carreira Rincon fizeram na introdução, p.XXI-XXIII.

Em que medida o tempo de uma vida é importante para deixar marcas, por vezes indeléveis, no tecido da história? Um dos mais representativos historiadores do século XIX, Jacob Burckhardt, cuja concepção de história contrastava profundamente com o mainstream da historiografia de sua época, concedia pouco relevo aos personagens como reais agentes da transformação sociocultural, para o historiador suíço, os atores históricos eram não muito mais do que elementos representativos de uma época. Ainda que fosse assim, Burckhardt considerava uma espécie de relação entre o indivíduo e a comunidade e que um grande homem pode romper as forças estáticas que mantém a coesão cultural. São estes homens que emprestam movimento à dinâmica da História contra formas antiquadas de existência. Qual a importância de Michelangelo e Rubens para a arte do Renascimento, qual a relevância de Péricles e Alcibíades para os desdobramentos políticos da segunda metade do século V a.C.? A reposta está mais nas bases epistêmicas do conhecimento produzido por Burckhardt, pois o ponto de inflexão não era a trajetória desses homens, tornados já discurso pela própria narrativa de um Tucídides ou de um Giorgio Vasari, mas sim dos nexos mais profundos entre a cultura, o estado e a religião (MURRAY, 1998).

Os jogos de escala e propostas metodológicas da Micro-História italiana de Edoardo Grendi, Carlo Ginzburg e Giovanni Levi e, em certo sentido, os estudos seminais de Edward P. Thompson, nos levam a outra forma de História Cultural que toma personagens pouco ou nada conhecidos e suas trajetórias como ponto de partida para descortinar elementos mais profundos das comunidades em que esses indivíduos estavam inseridos. Era a inversão qualitativa da história dos grandes processos e transformações para uma compreensão mais capilar das mudanças sociais que, talvez, a história de lentes mais abertas não conseguia capturar (LIMA, 2006). E como esse novo dicionário, esse ainda epíteto de uma idade da razão se coloca após pelo menos duzentos anos de crítica e reflexão dentro da Historiografia?

Do ponto de vista da organização, o Pequeno Dicionário está organizado em seis partes, a saber: Parte I – Exploradores do infinito; Parte II – Cometas e seu brilho: os líderes políticos; Parte III – Pontes com o divino; Parte IV – Os demiurgos; Parte V – Heróis da resistência; Parte VI – Senhores da guerra. Dentro de cada uma dessas partes foram inseridos os verbetes. No total, o Pequeno Dicionário conta com oitenta deles. Cada uma dessas entradas é acompanhada ainda de um subtítulo explicativo adscrito e um epíteto de cunho metafórico, por exemplo, Homero: Poeta grego século VIII a.C. – O educador da Hélade; Martinho Lutero: Teólogo alemão, 1483-1546 – O reformador; Átila: Chefe huno, c.400-454 – O flagelo de Deus, e assim por diante. Cada um dos verbetes, em suas respectivas páginas vem acompanhados de uma ilustração que faz menção a de cada uma das personagens, geralmente por meio de um busto. Este elemento reforça o caráter juvenil do Pequeno Dicionário, tornando-o mais leve para a leitura. Essa mesma função é feita pela janela curiosidades, que surge sempre ao final dos verbetes, com um fato pitoresco ou complementar sobre a trajetória ou sobre o contexto da época de cada personagem.

Como o seu próprio título indica, trata-se de um pequeno dicionário, e dizer que ao invés de Homero poderiam ter escolhido Heródoto, Jung ao invés de Freud ou ainda Ella Fitzgerald no lugar de Billie Holiday seria uma chateação indesculpável deste ou de qualquer outro leitor. O melhor a se fazer é deixar se levar na forma leve em que as linhas de vida são perfiladas no Pequeno Dicionário.

Já tendo me estendido em demasia sobre o iluminismo no início deste comentário não retornarei a essa temática dentro dos verbetes, mas sim, por meio de dois outros para tentar mostrar um pouco dos encaminhamentos dados pelos autores, seja quanto às suas formas ou conteúdos.

O verbete sobre o dramaturgo e cidadão ateniense Sófocles (p.228-234), um dos maiores nomes do teatro grego antigo, é iniciado com uma afirmação categórica de Aristóteles em sua Poética; a que punha Édipo Rei, tragédia encenada por volta de 427 a.C., como a mais perfeita obra deste gênero teatral. E é desta forma que os autores tentam explicar a obra de Sófocles, por meio da leitura de Aristóteles. O terror e a piedade, elementos da kathársis convergem numa estética da recepção característica dos helenos, que acentua o fenômeno de purificação, tida pelo filósofo como uma das funções da tragédia Ática. De uma leve guinada, estamos tomando conhecimento da vida não apenas de Sófocles, mas também de outros dramaturgos gregos e de seus próprios contextos criativos, suas lutas nas batalhas intermináveis da Guerra do Peloponeso e disputas simbólicas, no Teatro de Dioniso, na Atenas do século V a.C.

Mais adiante, é possível deter o seu tempo em muitos outros verbetes, mas por que não entender um pouco sobre uma das figuras mais celebradas, mal compreendidas e apropriadas pela cultura popular, o samurai lendário Miyamoto Musashi (p.431-435). Após brandirem suas espadas em uma enorme batalha, o clã Tokugawa iniciou um período de governo centralizador e rígido, que só seria encerrado com a transição e processo de ocidentalização do Japão na era Meiji. Entremeios, surgia a figura de Musashi, misto de ronin e filósofo de sua arte com a katana. De livro tornado célebre por Eiji Yoshikawa a releituras da figura do samurai feitas por cineastas japoneses como Akira Kurosawa, Takeshi Kitano, Yoji Iamada, Hiroshi Inagaki e Takashi Miike, podese ter um lampejo de como a figura do samurai se tornou não apenas um elemento cultural japonês. Tornado ainda mais acessível na prática do Akidô, mas cultuado mundialmente, figura do imaginário, às vezes bastante romantizado, em torno desses homens da guerra e de seus códigos de conduta e honra absolutamente inflexíveis.

Uma das poucas ressalvas que se pode fazer ao Pequeno Dicionário são atinentes à forma. Em se tratando de uma obra de projeto gráfico-editorial bastante moderno, poder-se-ia investir em indicações bibliográficas dentro de cada um dos verbetes, ainda que apenas uma ou duas referências fundamentais, isto faria a pesquisa mais dinâmica e intuitiva. Outro elemento que pode ser mencionado é quanto à taxonomia utilizada para traçar uma divisão entre as personagens do dicionário. Creio que há um nível significativo de interseção entre os líderes políticos e os senhores da guerra, por exemplo. É claro que sempre há algo de arbitrário nas escolhas e as classificações, que quase nunca são perfeitas. No limite, é apenas uma ênfase na abordagem que poderia alocar Adolf Hitler em líderes políticos e não em senhores da guerra. Na verdade, a notória e nefasta personagem do século XX faria justiça a essa “dupla-inserção”.

O interesse pela obra, pelo ser humano, pelo tempo. Qual o significado de uma vida? Qual o padrão de julgamento que os historiadores podem utilizar para fazer esse tipo de avaliação? Quiçá, chegue-se à conclusão transitória de que vida é compreendida de sentidos, geralmente expressos por uma narrativa mais ou menos coerente e orientada em torno da qual reside um projeto. Se no relato autobiográfico, como disse Pierre Bourdieu, há a busca de se “tornar razoável, de extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva”, há o risco de se mergulhar numa espécie de ilusão retórica. Se na análise do historiador as ilusões de um percurso autobiográfico podem ser desfeitas, desveladas, então qual a natureza da narrativa que se poderia criar para as grandes personagens? Em que nível a memória, a análise histórica, o viés metodológico e as orientações teóricas desaguam num texto inteligível em relação à constância nominal, ao indivíduo cujo nome próprio assegura a existência dessa personalidade no devir temporal? (BOURDIEU, 1996 p. 183-191).

Essas são perguntas muito caras aos historiadores e qualquer resposta demandaria muito mais espaço do que se poderia dispor nesse trabalho cujas pretensões são declaradamente limitadas. Uma das melhores respostas, no entanto, foi dada por um sociólogo. Ao tratar da vida de Wolfgang Amadeus Mozart, Norbert Elias em nenhum momento mostra desprezo ou pormenoriza os fatos casuísticos da atribulada vida desse notável músico. Entretanto e, sem dúvida alguma, a sinfonia de Elias começa a ganhar corpo aos ouvidos dos historiadores quando se mostra interessado em como “Mozart só emerge claramente como um ser humano quando seus desejos são considerados no contexto de seu tempo” (ELIAS, 1994, p. 15). Porque, segundo o sociólogo, as realizações e os fracassos de Mozart surgem em um contexto em que a dinâmica entre os conflitos de padrões de classe são cruciais para o entendimento da vida do músico, em talvez entendê-lo como um “burguês outsider a serviço da corte” (ELIAS, 1994, p. 16). Assim, Elias afirma que: “É preciso ser capaz de traçar um quadro claro das pressões sociais que agem sobre o indivíduo [… e do] modelo das estruturas sociais da época, especialmente quando levam a diferenças de poder” (ELIAS, 1994, p. 18-19).

Por fim, creio que o leitor terá em mãos, no Pequeno dicionário de grandes personagens históricos um notável exemplo desse esforço, a saber: de não se perder na ilusão e nos gracejos vazios do pitoresco e do riso fácil, como em uma deliciosa comédia de costumes de Martins Penna, e de tentar dar conta dessas mudanças das estruturas sociais, do habitus, que condicionam as ações e reações dessas personagens nos mais diferentes contextos sociais em que viveram (BOURDIEU, 2009).

A obra em questão que atenderá a um amplo público, especialmente alunos de ensino médio, dos primeiros períodos de graduação e ao público leitor em geral. Representa esse esforço iluminista e convida a todos a mergulhar nas trajetórias e em tempos pretéritos. Assim, se pode ir muito além de ler o verbete como um fim em si, mas utilizá-lo como a possibilidade de ser uma janela para novas pesquisas, para a possibilidade de deixar a história orientar a vida, de se ampliar como ser humano e, a cada vez que se cruzar esse rio ter a sensação da renovação, de viver em um mundo mais consciente da sua existência pela do outro. (RÜSEN, 2001)

Referências

BENTLEY, Michael. Introduction: Approaches to modernity: Western historiography since the enlightenment. In: __________. (Ed.) A Companion to Historiography. London: Routledge, 1997.

BOURDIEU, Pierre. O senso prático. Petrópolis: Vozes, 2009. (O original é de 1980).

__________. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M. M. e AMADO, J. (orgs.). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, FGV, 1998.

CHENG, Eileen Ka-May. Historiography: An introductory Guide. London: Continuum, 2012, p.29-

DARTON, Robert. A eclosão das Luzes. In: __________ e DUHAMEL, Olivier. (Orgs.) Democracia. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001, p. 21-36.

FALCON, Francisco. História e Poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 61-89.

FONTANA, Josep. História: Análise do passado e projeto social. Bauru: EDUSC, 1998.

LIMA, Henrique Espada. A micro-história italiana: escala, indícios e singularidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica – Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UNB, 2001. Vol. I

Guilherme Gomes Moerbeck – Professor adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da ESDI/UERJ Pós-doutorando do LABECA/MAE-USP. E-mail: gmoerbeck@yahoo.com.br

SCHURSTER, Karl; SOUZA NETO, José Maria Gomes de; SILVA, Kalina Vanderlei (Orgs.). Pequeno dicionário de grandes personagens históricos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016. Resenha de: MOERBECK, Guilherme Gomes. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.17, n.2, p. 163- 170, 2017. Acessar publicação original [DR]

BOUREAU Alain (Aut), Satã Herético: O nascimento da demonologia na Europa medieval (1280-1330) (T), Editora da UNICAMP (E), FLECK Luiz Otávio Carneiro (Res),  Brathair (Btr), Demonologia, Europa Medieval, Séc. 13-14, Europa (l)

Conspirações, redes de heréticos ameaçando a cristandade, demônios dotados de poder e prontos a se fundir com os humanos. Esse é o pano de fundo no qual se desenrola a construção de uma ciência dos demônios, a demonologia, entre o fim do século XIII e início do XIV. O argumento é que essa construção ocorreu no âmbito escolástico. Em síntese é assim que se pode resumir o livro Satã Herético: O nascimento da demonologia na Europa medieval (1280-1330), de Alain Boureau.1 O livro foi publicado originalmente em 2004, na França, sob o título Satan héretique: Naissance de la démonologie dans l’Occident médiéval (1280-1330). A tradução, no entanto, é recente: em 2016, por Igor Salomão Teixeira2, na coleção Estudos Medievais, da Editora da UNICAMP. Esse é primeiro livro de Alain Boureau publicado no Brasil.

Partindo de pressupostos da história intelectual, na relação texto/contexto, Boureau desenvolve o argumento que o nascimento da demonologia ganhou força a partir do final do século XIII e nas primeiras décadas do século XIV junto aos debates escolásticos nas universidades. Demonologia essa que o autor defende ser “(…) a gênese da obsessão demoníaca (…) plenamente provida de procedimentos e de certezas por volta de 1430-1450 (…)” (BOUREAU, 2016: 19) que dá início à “caça às bruxas”. Ao longo dos sete capítulos do livro é discutido como o demônio emergiu fortalecido e capaz de ameaçar a Cristandade. O diabo, e seus poderes sobre os homens, estava cada vez mais presente nas discussões de teólogos e canonistas naquele período. Nessas considerações é possível perceber o que o autor chama de “antropologia escolástica”. A antropologia escolástica seria o entendimento de novas formas para se pensar os homens (sua natureza, sua origem) e que tem este nome de “escolástica” por ser marcadamente oriunda do âmbito universitário europeu entre 1150-1350. O “homem” teria passado a ser, segundo Boureau, o objeto privilegiado nos debates intelectuais universitários (TEIXEIRA, 2014: 3)3.

Essa “antropologia” atuou de forma decisiva na emergência de uma obsessão pelo demônio no cristianismo medieval, entre 1280 e 1330, ao se preocupar com a relação do humano com o sobrenatural e com o mundo natural. Influenciada por reflexões naturalistas e escolásticas, essa antropologia trouxe à tona um sujeito multifacetado mais propenso às ações do sobrenatural (tanto em relação às investidas de deus e suas criaturas benéficas quanto às dos demônios):

A antropologia escolástica, explorando os limites da ação e da consciência, tinha descrito as zonas de vazio e de fragilidade da personalidade humana. Ora, a sobrenatureza, longe de ter horror ao vazio humano, parecia encontrar acolhida exatamente aí. (BOUREAU, 2016: 201)

Na gênese dessa demonologia, estava presente o embate entre duas “antropologias” no âmbito escolástico. De um lado havia uma “antropologia tomista”, oriunda dos escritos de Tomás de Aquino, teólogo da Ordem dos Pregadores (OP). De outro, uma “antropologia neoagostiniana”, oriunda principalmente dos escritos de Pedro de João Olívio, teólogo da Ordem dos Frades Menores (OFM). Segundo Boureau, para Tomás de Aquino os poderes de Satã estavam confinados à manipulação do mundo natural e não tinham efeitos sobrenaturais em relação aos homens. Diferentemente, na concepção de Pedro de João Olívio, Satã era dotado de poderes sobrenaturais, sendo capaz de atuar sobre os homens.

Tomás de Aquino desenvolve sua “antropologia” na relação entre o humano e o sobrenatural em diversos tratados teológicos. O principal desses é De malo (“Sobre o mal”), redigido por volta de 1272, durante a segunda regência de Tomás em Paris. No De malo o teólogo discute a natureza dos demônios e as circunstâncias de sua queda. Além disso, Tomás se preocupa com as capacidades dos demônios após sua queda e os seus poderes sobre os homens. Nisso, os demônios são descritos como seres sem muita vivacidade, limitados na sua ação ao mundo natural. Sua incapacidade de atuar sobre os humanos de forma sobrenatural deve-se ao uso, por Tomás, de uma psicologia aristotélica. Nessa, é defendida a unidade do sujeito, com o humano composto de uma forma, dada pela alma intelectiva, e uma matéria, isto é um corpo. Portanto, para Boureau, na concepção tomista, a pessoa é vista como substância individualizada da natureza racional. Esta forma de “antropologia” é definida por Boreau como um “‘individualismo substancial’” (BOREAU, 2016: 223). O homem, então teria uma personalidade una, selada por Deus, fazendo com que possuísse uma forma substancial única. Por isso, a alienação de alguma faculdade diminui o poder espiritual e cognitivo do homem. Ou seja, a possessão anularia qualquer possibilidade de ação do sujeito.

Oposta a essa “antropologia tomista” há uma “antropologia neoagostiniana”. Nessa, Pedro de João Olívio apresenta em sua Suma sobre as Sentenças, de Pedro Lombardo, os demônios dotados de possibilidades de atuar sobrenaturalmente em relação aos homens. Neste texto Pedro Olívio ataca os pressupostos lançados por Tomás no De malo. Para o frade Menor o demônio possuía uma capacidade real de ameaçar o homem pelas suas capacidades sobrenaturais. A capacidade que o demônio tem de atuar sobre os humanos deve-se ao uso, pelo franciscano, de uma psicologia agostiniana. Essa é marcada por uma teoria pluralista na qual o sujeito possui uma estrutura federativa ou confederativa, sendo composto de diversos estratos. Além disso, a alma é concebida com certa autonomia sobre o corpo, tendo lugar no interior do indivíduo o confronto entre o divino e o mal. Nisso o homem possuiria, portanto, uma forma substancial múltipla na qual convivem diversas personalidades. O que gesta uma “antropologia” marcada pela ideia de “‘individualismo acidental’” (BOREAU, 2016: 223). Boureau complementa: Com o homem dotado de passividade e descontinuidade na sua pessoa é possível inferir que a sua alma coabitasse tanto com o divino quanto com os decaídos. O demônio, portanto, figura como uma extensão da personalidade de alguns homens. É esse limite cognitivo e espiritual que abre a possibilidade da possessão.

Segundo Boureau esses embates teológicos gestaram a demonologia no âmbito escolástico. Sendo que “(…) a oposição entre Tomás de Aquino e Pedro Olívio nos mostra os contornos da nova cartografia demonológica.” (BOREAU, 2016: 118). É, portanto, principalmente, a partir das considerações desses dois teólogos que se desenvolvem os argumentos de uma demonologia escolástica.

Para pensar como essas considerações, do final do século XIII, são recebidas nas duas primeiras décadas do século XIV, o autor parte das atas de processos de canonização para “(…) encontrar um eco das novas preocupações demonológicas que dominam o início do século XIV e (…) marcam a ação dos papas Clemente V e João XXII.” (BOREAU, 2016: 146). Nesses processos o autor identifica uma relação próxima entre o louco e o possesso. De um pontificado ao outro, casos semelhantes, que antes eram tratados como cura da loucura, passam a ser cada vez mais considerados como exorcismo de demônios.

Nos processos iniciados pelo pontífice Clemente V, como o de Tomás de Cantilupe (1307-1320) e de Luís de Anjou (1308-1317), Boureau identifica a presença de cura de casos de loucura. Porém, nenhum de possessão demoníaca. Essa situação muda durante o pontificado de João XXII com relatos de combate contra o demônio em inquéritos de canonização de santos como Tomás de Aquino (1319-1323). Outro caso, desse mesmo pontificado é o de Nicolau de Tolentino (1325-1446), com diversos casos de possessão e exorcismo, além de fraca presença de casos de loucura nas atas do inquérito, é descrita a luta do santo contra demônios.

Esse último caso, o de Nicolau, é interessante já que leva 121 anos para a finalização do processo. Boureau argumenta que isso se deve, principalmente, à prudência da cúria quanto às canonizações de santos muito envolvidos no combate aos demônios. Além disso, argumenta que, apesar das virtudes eclesiológicas de um santo, naquele período no qual ainda estava se consolidando uma demonologia, poderia levar os leigos a perigosos diálogos. Para o autor, essa mudança ocorrida entre os dois pontificados estava relacionada aos problemas que João XXII enfrentou nas décadas de 1310, 1320 e 1330:as contendas em relação ao espirituais franciscanos, defensores ferrenhos da pobreza evangélica de Cristo e grandes críticos do papado de Avignon. De ambos os lados, tanto dos frades quanto do papado, partem acusações de envolvimento com o Satã. João XXII era considerado o Anticristo místico, proposto no comentário de Pedro de João Olívio. Segundo o franciscano, o anticristo estaria disfarçado de papa e desvirtuaria a Igreja, preocupado apenas com enriquecimento desta. Uma vez que João XXII foi um dos papas que mais enriqueceu a Igreja, durante o século XIV4, os espirituais acusavam-no de ser a encarnação e Satã. Por outro lado, estes frades eram acusados de envolvimento com o demônio, por armarem conspirações e eram considerados hereges que voltavam junto ao diabo para assombrar os fiéis. Sobre os espirituais choveram condenações de heresia, sendo seis deles queimados em 1318, e ordenada a destruição da obra de Olivi em 1326.

Portanto, essa demonologia, desenvolvida no âmbito escolástico, esteve muito associada às tentativas de deslegitimar adversários políticos e ao ataque aos poderes estabelecidos. É isso o que discute Alain Boureau no capítulo um do livro, quando demonstra como o desenvolvimento teológico de uma demonologia durante as últimas décadas do século XIII foi utilizado para dar base à associação entre magia, demônio e heresia. Segundo o autor, é principalmente durante o pontificado de João XXII, no início do século XIV, que se tem “(…) um novo desenvolvimento judiciário (…)” (BOUREAU, 2016: 24).

Nesse período, o conteúdo doutrinal acerca do pacto com o diabo recebeu uma nova abordagem, na qual foi valorizada a ação universal dos demônios. Ou seja, o diabo perdia a limitação de seu poder ao mundo natural, para ganhar novos poderes, capaz de agir sobrenaturalmente, ameaçando a cristandade. Nesse desenvolvimento judiciário, Boureau demonstra a importância da bula Super illius specula e da comissão sobre a magia, reunida pelo papa João XXII, em Avignon, em 1320. A bula, promulgada entre 1326 e 1327, foi, para o autor, o texto fundador da obsessão demonológica e do interesse do papa pela magia. Nela, João XXII incrimina práticas mágicas, como o uso de imagens e utensílios, que derivavam da adoração aos demônios por meio da associação entre a invocação destes com as aquelas práticas, sendo ambos referidos como dogma. Porém, a grande novidade da Super está no desenvolvimento de um novo conceito relacionado a construção processual deste pontificado. É nessa bula que o papa traz a noção de “feito herético” (factum hereticale), a partir do qual a heresia deixava de ser apenas matéria de opinião, passando a estar relacionada também à ação. Apesar da originalidade da bula ser passível de discussão, a questão do fato herético já figurava na consulta de 1320 sobre a magia. Nessa, a noção de fato herético estava presente nas questões propostas à comissão. Na consulta o papa perguntou a teólogos e canonistas se era possível associar práticas como o batismo de imagens e outras práticas mágicas à heresia, que, poderia ser considerada crime de lesa-majestade divina, punida com o máximo de rigor pela purificação por meio das chamas. Apesar dessa associação encontrar resistência nas respostas da maior parte dos teólogos chamados para a consulta, resoluções, como a do franciscano Henrique de Carretto, deram crédito à tese do fato herético.

A essa tese estavam associadas outras práticas jurídicas de João XXII. O uso da fama para determinar a qualidade das ações dos que estavam sendo acusados de heresia, a utilização do processo sumário nos casos de julgamento relacionados à invocação de demônios e o recurso a tribunais especiais do papado, para cuidar destes casos. Segundo Boureau, essas práticas demonstram não só a desconfiança de João XXII quanto a Inquisição, mas também que frente a ameaça dos demônios era necessário uma ação rápida e eficaz. Assim, o autor propõe que a forma de agir do papa demonstrava que “(…) em matéria de sortilégios, antes de reprimir, importava (…) reunir opiniões em relatórios complexos unindo a magia, a invocação de demônios e a heresia.” (BOUREAU, 2016: 53).

O livro Satã Herético não é uma leitura simples, fazendo-se difícil para iniciantes que ainda não tiveram contato com tema das ordens mendicantes e sua relação com as universidades. Boureau traz como subentendido que seu leitor deve ter alguma noção sobre o contexto do papado de Avignon, do âmbito universitário dos séculos XIII e XIV e do método escolástico. Apesar desses pontos, que podem dificultar a leitura, a forma como autor relaciona as discussões escolásticas com o fazer político dos jogos de poder no período é interessante, e importante em termos metodológicos. Pois, permite ao historiador, que deseja se debruçar sobre as questões políticas do período, montar o contexto linguístico, do qual parte o conteúdo dos vestígios aos quais se dedica.

Notas

1Alain Boreau atualmente é diretor do Groupe d’Anthropologie Scolastique (GAS) da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Também, atua como co-diretor das coleções Histoire e Bibliothèque scolastique da editora Les Belles-Lettres. Além de ser membro do comitê de redação da revista Penser/rever. Informações obtidas em: http://gas.ehess.fr/document.php?id=122

2 Igor Salomão Teixeira é professor de História Medieval no departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

3 TEIXEIRA, I. S. “Antropologia histórica e antropologia escolástica na obra de Alain Boureau”. In: Bulletin du Centre d’Études Médiévales d’Auxerre. Auxerre, França. Vol. 18, n. 1, 2014. pp. 1-13. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/103476 Último acesso em: 27 de abril de 2017.

4 Cf. LE GOFF, J.A Idade Média e o dinheiro: Ensaio de antropologia histórica. RJ: Civilização Brasileira, 2014. Para mais sobre o contexto do papado de João XXII e as disputas com os espirituais ver: AGAMBEN, G. Altíssima pobreza. SP: Boitempo, 2014; BÓRMIDA, J. (OFM Cap.). A não propriedade: uma proposta dos franciscanos do século XIV. Porto Alegre: Edições EST, 1997; BURR, D. “The Correctorium Controversy and the Origins of the Usus Pauper Controversy” In: Speculum. EUA: Medieval Academy of America, 1985, n. 60 (2). pp. 331-342; DE BONI, L. A. De Abelardo a Lutero: estudos sobre filosofia prática na Idade Média. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003; FLOOD, D. (OFM). “Poverty as Virtue, Poverty as Warning, and Peter of John Olivi” In: BOUREAU, A. e PIRON, S. (dirs.). Pierre de Jean Olivi (1248-1298): Pensée scolastique, dissidence spirituelle et société. France: Librairie Philosophique J. VRIN, 1999. pp. 157-173; NOLD, P. Pope John XXII and his Franciscan Cardinal: Bertrand de la Tour and the Apostolic Poverty Controversy. Oxford: Oxford University Press, 2003; e TEIXEIRA, I. S. Como se constrói um santo: A canonização de Tomás de Aquino. 1. ed. Curitiba: Prismas, 2014.

Luiz Otávio Carneiro Fleck – Mestrando pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: lotaviocf@gmail.com

BOUREAU, Alain. Satã Herético: O nascimento da demonologia na Europa medieval (1280-1330). Campinas: Editora da UNICAMP, 2016. Resenha de: FLECK, Luiz Otávio Carneiro. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.17, n.2, p. 171- 177, 2017. Acessar publicação original [DR]

 

A cartografia no ensino de geografia: a aprendizagem mediada | Mafalda Nesi Francischett

1   INTRODUÇÃO

Este texto apresenta a síntese da obra intitulada “A cartografia no ensino de Geografia”, resultado da tese de doutoramento da Professora Mafalda Nesi Francischett. A tese foi defendida em 2004, no Programa de Doutorado em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente. A temática pesquisada foi o ensino de Cartografia por meio de maquetes no curso de Geografia. Desenvolveu a pesquisa por meio da pesquisa-ação, que permitiu à pesquisadora envolver-se com o trabalho, analisar, avaliar e refletir enquanto os caminhos da pesquisa se delineavam. O é de obra grande importância pelo método de pesquisa – pesquisa-ação – que evidencia o comprometimento da autora com o processo formativo de professores para a educação básica e também porque aborda a importância da Cartografia como ciência que, aliada à Geografia, tem grande potencial para o ensino da espacialidade.

O objetivo central da pesquisa foi evidenciar como, por meio da maquete, se pode ensinar os conceitos fundamentais da Cartografia, de tal modo que o processo de aprendizagem se torne significativo e se reverta em apropriações conceituais para os estudantes. Leia Mais

Política de Saúde Pública na América Latina e no Caribe / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2017

Neste último número de 2017 temos a satisfação de entregar-lhes um cardápio variado de artigos de diferentes áreas do conhecimento, campos temáticos, abordagens, temporalidades e geografias, sempre procurando privilegiar a perspectiva histórica, que confere identidade a este veículo transdisciplinar que é História, Ciências, Saúde – Manguinhos. A diversidade, que não é exclusividade desta edição, teve reconhecimento na recente avaliação quadrienal de periódicos pela Capes. A revista manteve-se como A1 nas áreas de História; Interdisciplinar; Sociologia; e Educação. Foi classificada como A2 em Arquitetura; Urbanismo e Design; Ciência Política e Relações Internacionais; Ensino; Planejamento Urbano e Regional / Demografia; e Serviço Social. Nosso periódico passou a ser classificado também em novas áreas: Artes (A2); Comunicação e Informação (A2); e Direito (B2).

Certamente isso é motivo de particular satisfação, pois a capacidade de dialogar com campos disciplinares tão variados representa uma virtude, mas também impõe desafios em termos de política editorial, os quais implicam lidar com o paradoxo de manter essa interface com diversas áreas do conhecimento sem comprometer a identidade do periódico, que, em certa medida, obedece a parâmetros disciplinares. As escolhas nesse sentido são estratégicas, pois apontam para a revista que queremos ter no complexo cenário de início de século e para o potencial de manter-se longeva. Por ora, parece-nos que o enfrentamento da complexidade envolvida nos diversos dilemas contemporâneos requer exatamente a articulação de conhecimentos para superar barreiras disciplinares. Sem respostas ainda claras, temos agido pragmaticamente no intuito de favorecer a qualidade, que não é um parâmetro claramente delimitado, porque envolve subjetividades, mas é a bússola que nos orienta, assim como o amparo de nosso conselho de editores, e, acima de tudo, dos avaliadores. Não podemos deixar de prestar a estes últimos, no derradeiro número de 2017, um profundo e sincero agradecimento, por encontrarem tempo, em meio a rotinas acadêmicas cada vez mais atribuladas e burocratizadas, para examinar com cuidado os manuscritos que nos chegam em números crescentes e com variedade temática cada vez mais ampla.

O julgamento final deste complexo critério chamado “qualidade” é sempre conferido por vocês, leitores, a quem também expressamos gratidão por terem se mantido fiéis este ano, seja pela leitura de nossas edições impressas e digitais, seja pelo acompanhamento de nossos blogs e mídias sociais. Tal agradecimento é extensível aos autores, publicados ou não, que vislumbraram em nossas páginas um veículo atraente para divulgação de pesquisas, comentários e pontos de vista.

A perspectiva latino-americana, bastante presente nos artigos desta edição, é reforçada e ganha nuances caribenhas com o dossiê “Política de Saúde Pública na América Latina e no Caribe”, coordenado pela historiadora Henrice Altink, da Universidade de York (Inglaterra), pela pesquisadora Magali Romero Sá, da Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz (Brasil), e pela professora Debbie McCollin, da University of the West Indies (Trinidad e Tobago). Os artigos resultam das apresentações de três encontros promovidos por cooperação entre a Casa de Oswaldo Cruz e a Universidade de York financiada pela British Academy. Os encontros ocorreram em 2014, 2015 e 2016 em York, Rio de Janeiro e Port of Spain, respectivamente. Os cinco trabalhos que compõem o dossiê trazem um rico panorama das dinâmicas envolvendo saúde pública, política e cultura em países como Haiti, Cuba, Jamaica, Brasil, Peru e Bolívia, e as redes de circulação de saberes com Europa e EUA.

Este número traz também debate sobre a epidemia de zika, travado quando a doença suscitou uma série de anseios, em virtude dos enigmas que ainda pairavam em torno de sua transmissão, patofisiologia e correlação com a microcefalia que acometia bebês de mulheres infectadas pelo vírus na gravidez. Apesar da virose de certa forma ter retrocedido do debate público, permanece uma ameaça concreta, ainda mais às vésperas do verão, quando seu vetor, o Aedes aegypti, alastra-se pelos centros urbanos, instaurando verdadeiro caos sanitário. O debate representa excelente registro das percepções de especialistas dedicados a pensar a doença em seus condicionantes sociais, econômicos e culturais.

Não podemos deixar de registrar nestas linhas que já se estendem nossa inquietude com os recentes ataques à liberdade e à autonomia do pensamento acadêmico no Brasil. Ataques revestidos de nebuloso autoritarismo querem censurar aquilo que destoa da agenda proposta para o país por segmentos fundamentalistas. Já assistimos ao cerceamento da expressão na arte, com argumentos de ordem pseudomoralista, mobilizados para defender a família – sempre este ente abstrato e flexível, que junto com Deus e a liberdade pôs nas ruas milhares de pessoas clamando por intervenção autoritária na véspera do golpe de 1964. No campo da educação, há algum tempo ganha vulto o movimento “Escola sem Partido”. Não tem faltado ataques a professores e alunos atinados com o debate contemporâneo de gênero e sexualidade e outras temáticas de cariz progressista. Na Universidade Federal da Bahia, professores e estudantes que pesquisam questões relacionadas a gênero foram ameaçados de morte. Notícia bastante recente (22 de novembro de 2017) veiculada na Folha de S.Paulo dá conta que artigo da área de educação, avaliado por pares, foi retirado da página do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, a contragosto da editora responsável, abrindo uma crise entre pesquisadores do campo. Aos colegas e instituições, nossa solidariedade.

O fascismo, de definição ampla e heterogênea, mas de percepção bastante clara quando diante de nossas faces, avança a passos largos. Mantenhamo-nos atentos, na esperança de que, no próximo ano, a sociedade brasileira possa manifestar nas urnas suas aspirações em eleições plenamente democráticas.

A todos uma boa leitura e um 2018 mais auspicioso!

André Felipe Cândido da Silva – Editor científico

Marcos Cueto – Editor científico


CUETO, Marcos; SILVA, André Felipe Cândido da. Carta dos editores. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.24, n.4, out. / Dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Intelectuais, Imprensa e Poder (I) / História.com / 2017

É com muita satisfação que apresentamos ao leitor e leitora, o Dossiê Temático “Intelectuais, Imprensa e Poder” [1] (v. 4, n. 7, 2017) da Revista Eletrônica Discente História.com. No entanto, antes de qualquer coisa, queremos tornar público nosso pedido de desculpas pelos atrasos involuntários que ocorreram para finalizarmos a primeira edição de 2017.

É difícil fazer funcionar adequadamente uma revista no Brasil, mesmo online, pois existem vários imprevistos e problemas que podem acontecer, especialmente no caso dos integrantes do Conselho Editorial deste periódico. Quando criamos a revista em 2012, ainda éramos todos estudantes do curso de graduação em História do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Hoje, a maioria dos editores já cursou ou está cursando o mestrado e doutorado em Instituições de Ensino Superior (IES) do país. Infelizmente, não conseguimos voluntários para continuar a empreitada, por isso tivemos que continuar o trabalho, nós mesmos, sem acréscimos no corpo funcional estruturante ou suporte pessoal adicional, o que sobrecarrega demasiadamente o grupo fundador de idealizadores deste projeto. Mas, como dar conta das diversas demandas de uma revista acadêmica, sendo estudante de pós-graduação? Como cuidar da revista e ter que, ao mesmo tempo, cursar disciplinas, pesquisar e escrever a dissertação, desenvolver relatórios de pesquisa e qualificação? Estes foram alguns dos dilemas que tivemos que enfrentar entre 2014 e 2018.

O mais importante é que não deixamos o projeto esmorecer. Continuamos um projeto que foi idealizado por cinco estudantes da graduação (Adalton Barbosa, Antonio Cleber Lemos, Elias Santos, Geferson Santana e João Paulo do Carmo), chegamos a alcançar a nota B3 no Qualis Capes, mas obtivemos a nota máxima B4 (Interdisciplinar) na última avaliação (2013-2016) conforme demonstra a plataforma Sucupira. Queremos que a revista continue sendo um espaço de publicação dos artigos e resenhas de estudantes de graduação, graduados, mestres e doutores de todas as instituições do país. Num cenário cada vez mais hierarquizado entre as revistas, onde estudantes de pós-graduação (mestrando e doutorandos) não podem publicar nas seções principais (Artigo Livre e Dossiê Temático), mas apenas nas chamadas “Notas de Pesquisa”. Então, queremos que a Revista Eletrônica Discente História.com continue sendo um espaço de tratamento isonômico entre todos os pesquisadores e pesquisadoras que busquem um espaço democrático de divulgação de suas pesquisas.

Aproveitamos ainda para informar que estamos dando uma cara nova para a diagramação das capas, apresentações, artigos e resenhas. Queremos adequar nosso periódico o máximo possível aos critérios estabelecidos pela área de História do Qualis CAPES. No entanto, não vamos abrir mão de alguns elementos como a não exigência de “resumo” em uma segunda língua, entendemos que nem todas as universidades oferecem cursos de línguas estrangeiras, e que nem todos os estudantes, especialmente os de graduação, ingressam dentro das mesmas condições. Não queremos dizer que o estudante não possa aprender uma língua estrangeira de maneira autodidata, mas também entendemos que nem todos conseguem, devido à desigualdade que impera no sistema de ensino brasileiro, desencadeado pelo fosso socioeconômico imposto e vigente nesse país…

Mas, voltando à proposta de apresentação do Dossiê Temático intitulado “Intelectuais, Imprensa e Poder”, contamos com a colaboração do autor Lucas Bento Pugliesi denominada de “A categoria „índio‟ nos periódicos oitocentistas da Faculdade de Direito de São Paulo”, onde o autor faz uma análise dos discursos dos intelectuais da Faculdade de Direito de São Paulo entorno dos corpos e da categoria “índio”, conforme está expresso no título do artigo. É também interessante notar, as diversas fontes usadas por Pugliesi, demonstrando que aqueles discursos “espera-se refletir como pensamento desses atores sociais que no momento ulterior assumiriam as mais variadas posições na burocracia do Império veio a impactar e responder a questões políticas coevas no que tange a legislação sobre o aldeamento indígena”, diz Pugliesi.

O artigo de autoria de Paulo Alves Pereira Júnior, intitulado de “A cobertura do caso Castro Malta pelo jornal O Paiz e a difusão do ideário republicano no Segundo Império”, vem apresentar e refletir sobre o cenário de crescimento dos periódicos que faziam circular, no país, o ideário republicano. Neste artigo, o leitor encontrará uma excelente análise histórica sobre o desaparecimento de Castro Malta, que foi reportado nas páginas do periódico O Paiz, sem perder de vistas o objetivo de entender as estratégias usadas pelo II Império para fazer circular suas ideias.

Em “Defendendo os interesses pátrios contra os inimigos do Brasil: nacionalismo e educação através do jornal Correio de São Leopoldo (São Leopoldo / RS, 1938-1943)” de autoria do professor Rodrigo Luis dos Santos, tem-se o objetivo de “analisar a interação entre os campos político e intelectual através da imprensa, a partir de um estudo de caso que tem como local o município sul-rio-grandense de São Leopoldo, durante o período mais intenso do regime do Estado Novo, durante os anos de 1938 e 1943”. A proposta da investigação é analisar a atuação intelectual de Carlos de Souza Moraes, no jornal Correio de São Leopoldo, dando especial atenção às suas ideias nacionalistas e aos discursos sobre determinadas raças e grupos étnico-raciais.

Elegemos o artigo “„Opção pelos pobres ou neoconstantinismo às avessas?‟: A imprensa que desvela os desencontros político-eclesiais entre intelectuais da igreja católica no Nordeste brasileiro (1965-1979)” de Osnar Gomes dos Santos para fechar o dossiê. Conforme Santos, a pesquisa “tem por objetivo tratar das disposições político-eclesiais da Igreja Católica, no Nordeste brasileiro, que emergiram na discussão acerca da „opção preferencial pelos pobres‟, encetada em fins dos anos 1960”. O autor faz uso de diversas fontes para entender como os religiosos exerciam suas funções intelectuais no referido recorte temporal da pesquisa, e como seus discursos influenciaram a sociedade – e o próprio Estado – sobre determinadas questões.

Também queremos convidá-los a visitar as seções Artigo Livre, História na Sala de Aula e Resenha. Apesar de todos os problemas que enfrentamos ao longo de 2017 e início de 2018, fizemos um esforço, junto aos pareceristas que nos auxiliaram durante a edição, para selecionar bons artigos e resenhas de pesquisadores graduados, graduandos, mestres, mestrandos, doutores e doutorandos de diversas IES do país.

Vida longa à Revista Eletrônica Discente História.com!

Boa leitura!

Nota

1. A caricatura do escritor baiano Jorge Amado que consta na capa da presente edição é de autoria de Tiago. Disponível em: https: / / br.pinterest.com / pin / 333759022358129191 . Acesso em: 23 mar. 2018.

Geferson Santana – Editor Gerente. Mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP / FAPESP). Correio eletrônico: santanageferson@gmail.com.


SANTANA, Geferson. Apresentação. História.com. Cachoeira, v.4, n.7, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Los primeiros andinos, Tecnología lítica de los habitantes de Chile trece mil años atrás – MÉNDEZ (EA)

MÉNDEZ, César. Los primeiros andinos, Tecnología lítica de los habitantes de Chile trece mil años atrás. [Lima]: Fondo Editorial de La Pontificia Universidad Católica del Perú, 20q15. Resenha de: ATENCIO, Lautaro Núñez. Estudios Atacameños, San Pedro de Atacama, n.54, 2017.

El colega César Méndez Melgar fue el primer Doctor graduado del Programa acreditado de Antropología de la alianza UCN-UTA con una defensa sobresaliente efectuada en el año 2010 y que hoy se difunde a raíz de un impecable aporte del Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú (Colección Estudios Andinos 2015). A través de 251 páginas, 35 figuras, 36 tablas y 387 referencias bibliográficas, el autor nos conduce desde una visión sudamericana a un análisis original sustentado en componentes líticos contextualizados, derivados de excavaciones cronoestratigráficas extendidas y confiables, llevadas a cabo en el centro-norte del país.

En sus propias palabras: “En este libro nos preguntamos cómo se configuró la organización socio-tecnológica de los grupos que poblaron el centro de Chile durante el Pleistoceno terminal (en adelante 11.100 a 10.000 años 14CAP. o ~ 13.000 a 11.500 años cal. AP). Se propone realizar una evaluación crítica de la tecnología lítica de los conjuntos asignados con fechados radiocarbónicos de este lapso temporal. Pensamos que uno de los aportes principales ha sido desarrollar un proyecto metodológico capaz de generar y contestar preguntas relativas a cómo los humanos organizaron su espacio habitado, mediado por decisiones relativas a cómo implementar su tecnología” (p. 23).

Se observará como se reconstituyen los paisajes líticos en la costa de Los Vilos, Caimanes-Tilama en el Chile se-miárido, Taguatagua-Estero Zamorano en la región mediterránea del centro, muy apoyado de la data faunística, geológica y petrográfica, previas intensas exploraciones y largos terrenos, siempre rodeados de alumnos, en sitios que no se abandonan de un día para otro. Una vez centrada su hipótesis a lo largo del valle longitudinal, se concentra en los ambientes paleolacustres, canteras y campamentos, con el fin de identificar ritmos sociales en la gestión de las materias primas, cadenas operativas, gestos tecnológicos, productivos, huellas de uso y descarte lítico. Estos indicadores los advierte derivados de la interacción entre los espacios de ocupación, el paisaje lítico y los patrones de movilidad, sin dejar de entrever los efectos paleoclimáticos y cómo la sociedad del fin del Pleistoceno se adaptó a los dramáticos cambios paleoambientales en el tránsito al Holoceno Temprano.

En general, se nota un tratamiento muy cuidadoso en términos de vincular sus evidencias duras con propuestas interpretativas bien acotadas, de modo que desde las rocas humanizadas logra con seguridad construir el mapa de los paisajes ocupados y los patrones de movilidad que articulan la funcionalidad de sitios y el abastecimiento de recursos líticos. En este sentido, la presentación horizontal de los pisos de ocupación con la locación de las evidencias culturales y faunísticas se contrasta con las columnas estratigráficas verticales y sus respectivos miembros sedimentológicos que permiten sellar las evidencias in situ. De esta manera logra revelar cómo se inició la habitabilidad en las tierras bajas de la depresión intermedia, en un escenario distinto al actual que nos ayuda a localizar dónde y cuándo los recursos bióticos estaban asociados al manejo de los humanos.

Así la tecnología y las cadenas operativas le señalan los atributos particulares y los ritmos de interacción social y espacial, logros poco comunes en las publicaciones sobre los tempranos poblamientos sudamericanos. En efecto, logró caracterizar los contextos líticos, su gestión tecnológica, la variabilidad y funcionalidad de los instrumentos y como corolario: la naturaleza de las cadenas operativas representadas en sitios diferenciados.

Al final ya está en condiciones de reconstituir la gestión de los recursos, los patrones comunes que definen conductas tecnológicas, la función diferenciada de los sitios y el control de espacios específicos. De modo que desde el utillaje lítico logra entender cómo se organizaron los espacios de subsistencia y aprovisionamiento, hasta destacar dos “pulsos” ocupacionales diferenciados cronológicamente que permiten postular distintos conocimientos del paisaje ocupado.

El Prof. Dr. Méndez Melgar ha logrado integrar y estimular a los colectivos científicos donde operan estas experiencias en torno a los primeros poblamientos, portando y optimizando los análisis interdisciplinarios que compartiera con su querido compañero Donald Jackson.

Ambos herederos de esa forma de encarar los yacimientos finipleistocénicos a través de excavaciones con escalas amplias, como las pioneras de Quereo y Taguatagua.

Ahora se desplaza desde el centro-norte a la Patagonia con un manejo documental lúcido, colocando el protagonismo en aquéllos que investiga: los primeros andinos. Él está consciente de que las tecnologías subyacen en las epopeyas que implicaron estas primeras colonizaciones a lo largo de este extraño territorio que los recibiera por los desiertos del norte hasta las frías y húmedas tierras del fin del mundo. Definitivamente, es una obra indispensable para quienes abordan los primeros poblamientos del Cono Sur de América.

No es extraño que hoy sea director de investigaciones y publicaciones de la Facultad de Ciencias Sociales y un genuino académico del Departamento de Antropología de la Universidad de Chile, su Alma Mater por excelencia. Representa a ese ideario científico que crea conocimientos sólidos y perdurables desde proyectos en trayectoria, asociados a revistas de estándares internacionales, pero que profesa a su vez este afecto irresistible por los libros.

Lautaro Núñez A. – Instituto de Investigaciones Arqueológicas y Museo, Universidad Católica del Norte, San Pedro de Atacama. Chile

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[IF]

Dimensões do Regime Vargas (I) / Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade / 2017

A Revista Cordis, publicação do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade (NEHSC) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o qual é vinculado ao Departamento de História e ao Programa de Estudos de Pós-Graduação em História da mesma instituição, traz à baila o volume Dimensões do Regime Vargas. Nele, autores de diversas instituições de reconhecido prestígio debruçam-se sobre as mais variadas problemáticas, abordagens e metodologias de pesquisas.

Se, por um lado, as publicações aqui reunidas demonstram, de certa maneira, a relevância do Momento Vargas para compreendermos o Brasil moderno, por outro lado, apontam, também, as inúmeras possibilidades de pesquisas bem como as mais atuais tendências historiográficas que têm sido desenvolvidas nas universidades brasileiras.

Dado ao grande número de artigos submetidos à Revista Cordis, decidimos dividir a publicação em dois volumes. Assim, temos a grata satisfação de trazer a seu público leitor os diversos olhares de pesquisadores direcionados à dimensão histórica do vivido em seus mais variados campos.

Mais do que esperar, almejamos que o presente volume inspire seus leitores a novos trabalhos, contribuindo para a historiografia do Momento Vargas, período este fundamental para a compreensão do Brasil. A todos e todas, excelentes leituras!

São Paulo, Junho de 2017.

Pedro Paulo Lima Barbosa – Professor Doutor

Organizador deste número da Revista Cordis


BARBOSA, Pedro Paulo Lima. Apresentação. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade, São Paulo, n. 18, p. 1-2, jan. / jun., 2017. Acessar publicação original [DR]

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História do mundo rural e movimentos sociais / História – Debates e Tendências / 2017

Compor um dossiê tendo por objeto a história do mundo rural e movimentos sociais é oportunizar um espaço de reflexão, discussão e divulgação de problemáticas da história pretérita e atual. O referido dossiê centra a investigação em três eixos temáticos: o mundo rural, a propriedade da terra e os movimentos sociais. Eles possibilitam discutir as temáticas, as metodologias e as teorias de estudos e pesquisas por meio da relação entre história agrária, história da agricultura, ocupação e apropriação da terra, conflitos fundiários, movimentos sociais, fronteiras agrárias e políticas, relações socioculturais e grupos sociais rurais. A perspectiva que aproxima e aglutina esses estudos é a do mundo rural e dos movimentos sociais latino-americanos e brasileiros, em interação com os demais territórios. Busca-se interface entre história, antropologia, geografia, sociologia rural e direito, procurando discutir as várias realidades rurais, na perspectiva do regional, em seus múltiplos desdobramentos. Leia Mais

Ensino de Ciências Sociais | ABECS | 2017

enino de ciencias sociais Arquivo Público

Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais: revista da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS) apresenta uma linha editorial clara sobre ensino de Ciências Sociais, ressaltando os seguintes temas:

  • história do ensino de Ciências Sociais e de seus cursos;
  • a prática de ensino de Ciências Sociais e a formação de professores de Ciências Sociais;
  • as Ciências Sociais no ambiente escolar;
  • legislação, conteúdos e currículos de Ciências Sociais;
  • recursos e materiais didáticos no ensino de Ciências Sociais (inovações metodológicas) e;
  • estudos comparados em experiências internacionais no campo do ensino de Ciências Sociais.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 2594-3707

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Arqueologia e cultura material / História – Debates e Tendências / 2017

Este dossiê se circunscreve na importância que a arqueologia e a cultura material adquiriram na última década, potencializadas pela complexa legislação de defesa do patrimônio, criadas e em vigência nos países da América do Sul. Em consequência, multiplicaram-se as demandas de profissionais para as diversas áreas de estudo e preservação dos patrimônios materiais e imateriais. Como resultado dessa nova realidade, a Universidade de Passo Fundo passou a ofertar um curso de Especialização em Cultura Material e Arqueologia, abriu vagas para pós-graduandos para mestrado e doutorado nesses temas, constituiu o seu Laboratório de Cultura Material e Arqueologia (Lacuma), vinculado ao Núcleo de Pré-História e Arqueologia (NuPHA), do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), além de desenvolver diversos programas educativos e de formação.

Esta publicação refere as legislações específicas, analisa as mudanças na definição da Unesco em termos de contextos temporais, sociopolíticos, filosóficos e culturais. No geral, quando se trata de políticas públicas, os profissionais estão sempre diante do dilema de que, socialmente, a construção e a geração de necessidades para criação de patrimônios culturais vêm de grupos hegemônicos, portanto, seu uso é imposto para a sociedade, quase sempre com a intenção de afirmar uma memória confortável. Leia Mais

História sociopolítica da língua portuguesa – FARACO (B-RED)

FARACO, Carlos Alberto. História sociopolítica da língua portuguesa. São Paulo: Parábola Editorial, 2016, 400 p. Resenha de: FIORIN, José Luiz. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.12 n.1 São Paulo Jan./Apr. 2017.

Carlos Alberto Faraco, professor da Universidade Federal do Paraná, é um respeitado especialista em linguística histórica. É autor de um dos mais usados manuais dessa disciplina, Linguística histórica: introdução ao estudo da história das línguas, publicado inicialmente pela Editora Ática e atualmente pela Parábola Editorial. É também um dos maiores especialistas brasileiros na obra de Mikhail Bakhtin. Vem agora a lume sua alentada História sociopolítica do português.

Tradicionalmente a linguística histórica divide-se em linguística interna e linguística externa. Saussure, por exemplo, consagra, em seu Curso de linguística geral, um capítulo, intitulado Elementos internos e elementos externos da língua, a essa distinção. A linguística interna dedica-se unicamente a mudanças na estrutura de uma língua; ela faz dessas mudanças seu estudo exclusivo, observando o funcionamento do sistema linguístico, seu “mecanismo”. Na linguística externa a língua é examinada em sua relação com fenômenos sociais, geográficos, econômicos, políticos, culturais, etc. A linguística histórica, considerando, como dizia Saussure, que “a língua é um sistema que conhece somente sua própria ordem” (2006, p.31)1, sempre deu prioridade à linguística interna, tida como a linguística por excelência, relegando a linguística externa a um papel secundário. Na maioria das vezes, enquanto a linguística interna era objeto de minuciosas e aprofundadas análises, a linguística externa não passava de uma coleção de dados anedóticos. No entanto, o aparecimento de outras concepções de língua, como a utilizada pela sociolinguística, dá um papel de relevo ao que era chamado história externa da língua.

Faraco filia-se a essa nova corrente, partindo do ponto de vista de que “as línguas estão intimamente atadas às dinâmicas histórico-políticas e às construções imaginário-ideológicas das sociedades em que são faladas. Em outros termos, as línguas não existem em si e por si; elas não são entidades autônomas – as línguas são elas e seus falantes; elas e as sociedades que as falam” (p.9). Por isso, ele deixa claro que não pretende descrever as mudanças nos diversos subsistemas (fonológico, mórfico, sintático, lexical) que compõem a organização estrutural do português, isto é, não pretende ocupar-se do que foi chamado linguística interna, mas deseja estudar a intrincada rede de fenômenos sociais, econômicos, políticos, culturais que conformou o idioma chamado português, falado por diferentes povos em diversos continentes (p.9-10).

Poder-se-ia imaginar que se trata de mais uma história da formação e da difusão do português. Entretanto, a obra que Faraco nos apresenta não é mais uma história do português, mas é uma história apresentada sob perspectivas novas, porque recusa interpretações anacrônicas, abdica do “tópos do orgulho” (p.10), submete ao crivo impiedoso da documentação certas ideias longamente aceitas, destrói mitos sobre a expansão do português, desvenda ideologemas que estão na base do que é apresentado como natural ou científico.

O livro é dividido em dois longos capítulos, que concentram a exposição da matéria, e um breve terceiro capítulo, cujo conteúdo poderia ser considerado as conclusões. No primeiro, intitulado História, o autor fala da formação e da difusão do que viria, mais tarde, a ser denominado português. A língua que hoje chamamos português desenvolve-se a partir dos falares românicos que se constituíram após a dissolução do Império Romano do Ocidente na região abrangida pela Galícia, região autônoma da Espanha, e pelo norte de Portugal, isto é, na Gallaecia Magna dos romanos. Primeiramente, o autor vai mostrar os eventos sócio-históricos que levaram à expansão desses falares do noroeste ibérico até o Algarve, fazendo com que a faixa ocidental se destacasse claramente do restante da Península Ibérica.

Quando discute a expansão do português, o autor começa a recusar anacronismos (“a interpretação do passado pelo presente”) e o triunfalismo (“a interpretação […] que se pauta pela celebração do sucesso”). Começa por refutar a afirmação de historiadores da história de Portugal e do português de que D. Dinis transformou, em 1296, a língua “portuguesa” em língua “oficial” do reino (p.23). Na verdade, “o que aconteceu no reinado de D. Dinis foi que o uso da língua românica vernácula na documentação produzida pela Chancelaria Real se tornou sistemático e suplantou o uso do latim” (p.23). A interpretação da oficialização da língua é rejeitada, porque não se pode confundir a produção de documentos na Chancelaria Real com oficialização da língua, pois, no seu sentido moderno, língua oficial quer dizer “língua de uso obrigatório em todas as instâncias públicas” (p.24). Basta lembrar que o ensino “continuou a ser feito primordialmente em latim até o século XVIII” e os médicos prosseguiram receitando em latim pelo menos até o século XVII (p.24). Da mesma forma, não se pode falar em língua nacional nesse período, uma vez que o processo de construção nacional, no sentido moderno do termo, ocorre somente a partir do século XVIII.

O autor faz uma alentada discussão do nome da língua, já que “o recorte e a nominação de uma língua histórica (ou seja, o recorte de determinado conjunto de variedades linguísticas agrupadas sob um nome singular – português, galego, inglês, chinês, etc.) são fenômenos fundamentalmente socioculturais e políticos” (p.47), o que significa que uma língua histórica é muito mais uma instituição sociocultural do que uma entidade puramente linguística. Durante boa parte da Idade Média, a referência às variedades românicas não era feita por nomes específicos que as individualizassem. Nos textos dessa época, ocorrem apenas designações genéricas como vulgar, romanço/romance, linguagem, nossa linguagem. “A nominação da língua românica de Portugal como português ou linguagem/língua portuguesa teve de esperar, ao que tudo indica, o século XV, tornando-se definitivamente corrente a partir do século XVI” (p.48).

Em seguida, o autor vai estudar a expansão do português pelo mundo, a partir do século XV, na esteira do que foi denominado as grandes navegações, bem como suas consequências linguísticas, como, por exemplo, o surgimento de um pidgin de base portuguesa, e o aparecimento de línguas crioulas.

Ao apresentar a situação linguística em Goa, o autor vai discutir as razões do estímulo aos casamentos mistos, demolindo mais um dos mitos criados pelos ideólogos do colonialismo português de que a colonização portuguesa era tolerante e aberta à miscigenação com os nativos (p.73). Ao mostrar que, em 1974, só uma ínfima parcela da população dos territórios colonizados era alfabetizada e tivera acesso à educação básica, desvela a falácia do discurso da “missão civilizadora” com que o colonialismo europeu justificava suas ações em África e em Ásia (p.80).

A política linguística pombalina consubstanciada no Diretório de 1757 merece uma análise minuciosa. Refutando o lugar comum de que essa política foi um sucesso, pois foi ela que levou à expansão do português por todo o território nacional, o autor mostra que, na verdade, ela foi um fracasso (p.114). O português expandiu-se, no território em que se falava a língua geral amazônica, devido a profundas mudanças demográficas e econômicas que ocorreram na região (p.103). Mostra-se, assim, que a disseminação de uma língua não acontece por medidas voluntaristas, mas por uma intrincada teia de fatores econômicos e sociais.

As línguas gerais são analisadas como efeito da colonização (p.120). “A intervenção colonial europeia no Brasil, como na América em geral, redundou na desestruturação econômica, social e cultural das populações autóctones, em especial das que viviam no litoral ou em sua proximidade, submetendo-as à lógica da exploração colonial” (p.121). Isso ocasionou um novo quadro de relações sociointeracionais que afetou profundamente as línguas nela envolvidas, “fazendo, de um lado, emergir as chamadas línguas gerais (paulista e amazônica) e, de outro, traçando as primeiras grandes linhas que resultaram no modo polarizado pela qual se deu a disseminação da língua portuguesa no Brasil” (p.121).

A língua portuguesa torna-se hegemônica no Brasil, vindo a ser L1 da maioria absoluta da população, por uma complexa trama de acontecimentos ocorridos, no século XVIII, com a progressiva unificação territorial ocasionada pela descoberta do ouro em Minas Gerais: “o deslocamento de grandes contingentes populacionais para a região aurífera; a vinda maciça de portugueses metropolitanos”; a criação de redes comerciais para o abastecimento das Minas Gerais, “unindo o Centro, o Nordeste, o Sul, São Paulo e o Rio de Janeiro e, assim, favorecendo o trânsito inter-regional da língua portuguesa”; “o estabelecimento de uma sociedade urbana em grau até então nunca visto, nos espaços coloniais (o que fez surgir e crescer um segmento socioeconômico médio e letrado praticamente inexistente nos séculos anteriores)” (p.148). Assim, é somente no século XVIII que o português vai tornar-se língua de uso geral no Brasil.

Ao expor todo o processo de longa duração, determinado por fatores socioeconômicos, que faz o português suplantar as línguas gerais amazônica e paulista, o autor demole mais um dos ideologemas presentes nas histórias sociais das línguas, aquele que afirma que a vitória de uma língua sobre outra se deve à superioridade da língua vencedora. Entre nós, por exemplo, Serafim da Silva Neto é um dos difusores dessa ideia. Ele afirma: “A vitória do português não se deveu à imposição violenta da classe dominante. Ela explica-se pelo seu prestígio superior, que forçava os indivíduos ao uso da língua que exprimia a melhor forma de civilização” (p.142).

O autor debruça-se sobre a clivagem sociolinguística do português, para explicar sua gênese. Depois de estudar o que ocorreu com as línguas africanas no Brasil, conclui que a polarização sociolinguística do Brasil resulta do contato entre línguas e da adoção do português como L2 de aloglotas escravizados, bem como da posterior nativização desse modelo defectivo e da recusa dessas variedades pela elite (p.148). Ao mesmo tempo, sucedeu uma “‘lusofonização por cima’ da sociedade brasileira, garantindo, por seu turno, a relativa uniformidade do português brasileiro culto” (p.148). Assim, “não se pode falar de uma história sociopolítica única da língua portuguesa no Brasil. Numa sociedade socioeconomicamente polarizada desde o início da colonização, a língua caminhou, de fato, por duas grandes trilhas paralelas, cada qual com sua própria dinâmica” (p.150). Explanam-se, em seguida, as mudanças socioeconômicas ocorridas em especial durante o século XX que produzem uma dialética de interpenetração dessas duas trilhas, com o consequente redesenho do perfil sociolinguístico do Brasil. “Esse processo dialético é lento e complexo, mas constante e irreversível” (p.150). Embora a polarização sociolinguística e as atitudes discriminatórias continuem presentes, “são perceptíveis os muitos efeitos sobre a realidade sociolinguística do país”, “que apontam para a emergência de um certo nivelamento linguístico da sociedade brasileira” (p.150). A questão da língua dos imigrantes é analisada, mostrando que “não temos ainda muitos estudos sistemáticos das eventuais influências das línguas dos imigrantes sobre o português do Brasil” (p.159). Como se vê, o autor estuda, em toda a sua complexidade, a questão da implantação do português no Brasil e de sua heterogênea configuração.

O problema do nome da língua no Brasil merece especial atenção, pois, em nosso país, sempre se teve clara a ideia de que não se falava o português tal qual era falado na Europa, algumas vezes para exaltar essa variedade distinta da variedade europeia, muitas vezes para condená-la.

As variedades não nativas, ou seja, aquelas que emergiram “em sociedades coloniais quando a língua europeia foi apropriada basicamente como língua segunda por populações originárias do território ou para ele transpostas”, merecem análise, para mostrar que, se Portugal foi esquecido como o lugar da língua “verdadeira”, “certa”, “legítima”, “pura”, continua presente o imaginário de que essa língua mora no “território etéreo”, que “atende pelo nome” de Gramática ou de Norma Culta (p.174). Por isso, Faraco estuda detidamente o processo de construção da língua imaginária, “aquela idealização uniformizadora que paira sobre a diversidade concreta e fluida” (p.176-177). Começa analisando os “elogios” à língua portuguesa, como os escritos por João de Barros e Pero Magalhães de Gândavo, que buscavam demonstrar a “excelência” da língua portuguesa, por ser ela a mais próxima do latim, como já afirmara Camões em Os Lusíadas (I, 33), e mostrar sua superioridade em relação ao castelhano (p.178). Examina a dicionarização do português; estuda a questão da ortografia considerando desde os tratados sobre a matéria, cuja produção nos séculos XVII e XVIII foi relativamente copiosa, e as vicissitudes das reformas ortográficas em Portugal e no Brasil até o Acordo Ortográfico de 1990, em vigor apesar de todos os percalços. Finalmente, apresenta uma história da gramatização do português em Portugal e no Brasil, apontando que “o discurso gramatical se constituiu historicamente […] justamente para estatuir, em meio à variação e à mudança (que são inerentes a qualquer língua), a língua ‘verdadeira’, ‘legítima’, ‘certa’, ‘pura'” (p.200), adotando para isso ora critérios retórico-literários, ora critérios lógicos, ora critérios sociais (p.200-201). O autor termina esse capítulo perguntando “se não é chegada a hora de elaborar, na senda programática do trabalho de Celso Cunha & Lindley Cintra (1985), uma gramática ecumênica da língua portuguesa, tendo em conta a realidade do português como língua internacional e pluricêntrica” (p.225).

No segundo capítulo, denominado Rumo à lusofonia, examina-se essa entidade denominada lusofonia. A ideia de um Portugal maior que Portugal circula de diferentes maneiras desde que os portugueses saíram das fronteiras europeias ao conquistar Ceuta em 1415 (p.228). Se nos momentos de grandeza de Portugal, havia uma cultura imperial, no momento de crise e de decadência, elaboram-se ideias de grandezas futuras.

Momento fértil para o profetismo desabrido; tempo próprio para se fabular um maravilhoso Quinto Império: […] os tempos de provação estarão encerrados e o grande Império de Cristo e dos cristãos estará implantado, sob a liderança dos portugueses, cumprindo-se o destino manifesto do país, anunciado já no ‘milagre’ de Ourique (quando, antes da vitoriosa batalha contra os mouros em 1139, o próprio Cristo teria aparecido a Afonso Henriques) (p.230).

O grande ideólogo do Quinto Império foi o Padre Vieira. Fernando Pessoa formula a tese de que o Quinto Império será “um império encarnado na língua, porque não há de ser um Império material, mas cultural” (p.235). Como não há império sem imperador, Pessoa vai erigir Vieira em “Imperador da língua portuguesa”. O tópos do orgulho perpassa as formulações pessoanas, pois ele considera o português a mais rica e complexa das línguas românicas (p.239). O poeta chega a uma afirmação que virou lugar comum: “Minha pátria é a língua portuguesa”. O intelectual português Agostinho da Silva dará nova expressão a esse ideologema imperial. Foi ele o grande inspirador intelectual da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).

O pensamento de Agostinho da Silva aliava, de certa forma, a nostalgia (certa imagem idealizada do passado medieval de Portugal) e a esperança mística (de um futuro de paz, fraternidade, liberdade e abundância para toda a humanidade a ser alcançado pela liderança dos povos de língua portuguesa na concretização da Era do Espírito Santo) (p.244).

Isso não seria, no entanto, tarefa do Portugal europeu, mas do Portugal maior do que Portugal, o dos cinco continentes. Reatualiza-se a ideia do Quinto Império, um Império da língua portuguesa que “só poderá surgir quando Portugal, sacrificando-se como Nação, apenas for um dos elementos de uma comunidade de língua portuguesa” (p.246). A língua portuguesa é, na obra de Agostinho da Silva, “portadora exclusiva de uma determinada cosmovisão redentora da humanidade enraizada na experiência medieval da sociedade portuguesa” (p.248). A CPLP “pode, então, ser entendida como o ponto de confluência dos dois grandes ideologemas imperiais que atravessaram a história de Portugal desde o século XVI: o político-econômico e o linguístico-cultural” (p.249).

Analisa-se a “teoria” de Gilberto Freyre sobre o lusotropicalismo. Embora reconheça que Freyre, com a perspectiva culturalista de sua obra, leva-nos a reconhecer a contribuição dos negros e dos índios para a formação da sociedade e da cultura brasileira e a repensar positivamente a questão da mestiçagem, o autor demonstra a fragilidade das teses lusotropicalistas. Na verdade, não passa de mito a ideia de que o colonialismo português foi diferente dos demais colonialismos europeus, por ter sido benigno e até amoroso, porque ele praticava uma “doce assimilação”. Para o sociólogo pernambucano,

[…] o colonialismo português criou uma grande ‘unidade de sentimento e cultura’, um grande complexo lusotropical que nasceu da miscigenação racial e cultural, um todo transnacional ou supranacional compreendendo Portugal e todas as áreas colonizadas pelos portugueses na América, África e Ásia (p.254).

Freyre, sem nenhum fundamento empírico, glamouriza o colonialismo português e mesmo a escravidão. De fato, o colonialismo português, como os outros colonialismos, funda-se na

[…] dominação das terras e povos para a espoliação de suas riquezas naturais e agrícolas com base na exploração da força de trabalho da população dominada – autóctone ou transposta, o que pressupõe necessariamente uma inferiorização (de base racial) dessas populações, seja no plano ideológico (a justificar, pelo discurso, a exploração), seja no plano das ações concretas (as próprias práticas de discriminação e exploração) (p.251).

Essa ideia de que os povos lusotropicais constituem uma grande comunidade é o germe do discurso da lusofonia e das justificativas para a criação da CPLP.

Já no que diz respeito à língua portuguesa, Gilberto Freyre “antecipa questões hoje presentes nos debates políticos sobre a língua, no plano nacional e internacional” (p.262), ao afirmar que o português é uma língua policêntrica. Por isso, opunha-se a qualquer purismo linguístico, defendendo a existência de uma pluralidade de normas, não dando a Portugal o privilégio de detentor da língua “verdadeira”.

Analisam-se, detidamente, as políticas (em geral, frustradas) que buscam aproximar, desde 1822, Portugal e o Brasil e que desaguam na criação da CPLP. Os oito países de língua oficial portuguesa, “apelando aos aspectos históricos, culturais e linguísticos, decidem congregar-se numa organização internacional voltada para o cumprimento de três grandes objetivos: a concertação político-diplomática, a cooperação em todos os domínios e a promoção e difusão da língua portuguesa” (p.303). A CPLP foi um projeto estratégico eminentemente português, nunca foi prioridade da política externa brasileira nem foi vista com entusiasmo pelos demais países de língua oficial portuguesa. Por isso, “não são muito alentadoras as possibilidades de a CPLP se firmar como um organismo internacional para além da retórica sentimental” (p.308). A CPLP, em quase 20 anos de existência, não passou de “uma rêverie geopolítica ou político-cultural de duvidoso sucesso” (p.311).

Chega-se então à questão da lusofonia, conceito que serviria de base, para congregar Portugal e suas ex-colônias. Esse projeto interessa primordialmente à antiga metrópole. “Seria um projeto político pós-colonial/neocolonial, uma tentativa de instauração de um poder ‘soft’, uma estratégia de continuidade de redes de dominação com outra roupagem, um espaço imaginário da nostalgia imperial” (p.327). Ele é visto com indiferença no Brasil e com suspeita nos outros países de língua oficial portuguesa. Há, no discurso da lusofonia, “uma ênfase ao papel que a língua exerce, em tese, como elemento aglutinador dos povos que a falam e daquilo que haveria de chão comum, dado pelo colonizador português, em suas respectivas culturas” (p.316). Analisam-se os diferentes conceitos, projetos e interesses a que essa palavra remete. Mostra-se que a lusofonia, ao contrário da francofonia, não se materializou como projeto político-econômico e, por isso, pretende-se um projeto linguístico-cultural. No entanto, mesmo a concepção de unidade cultural apresenta dificuldades, porque supõe uma homogeneidade dificilmente encontrável. Fala-se em traços culturais comuns, que nunca são especificados, mas são dados como evidência. O que se exalta são valores abstratos. Talvez o único ponto em que se pudesse falar de uma ação conjunta da CPLP seria a promoção da língua portuguesa. No entanto, essa promoção é totalmente divergente. Ademais, “por lhe faltar uma visão estratégica da língua e da cultura, o Brasil não assumiu até agora papel de maior protagonismo na gestão e promoção da língua, optando antes por certo imobilismo” (p.347).

Entretanto, o autor não é totalmente pessimista em relação à cooperação entre os países de língua oficial portuguesa. No breve terceiro capítulo, intitulado Alguma esperança para o mundo da língua portuguesa?, Faraco, depois de expor a situação do português no mundo e os problemas que os países de língua portuguesa têm no que se refere à questão do idioma, esboça um “programa” para a ação conjunta dos países de língua oficial portuguesa na implementação de uma política mais aguerrida de difusão do português. O livro termina com o seguinte parágrafo:

O efetivo destaque internacional futuro da língua portuguesa na galáxia das línguas dependerá de as sociedades que a falam melhorarem substancialmente seus índices socioeconômicos e culturais; sofisticarem suas economias; desenvolverem seus recursos de “reserva gráfica” (no sentido de Houaiss, 1985: 149-150 – um grande dicionário comum, os glossários científicos e técnicos, um vocabulário ortográfico comum, a literatura estética e a bibliografia geral); e, por fim, se projetarem como referência política internacional de um conjunto de valores fundamentais da Humanidade tais como a paz, a democracia, a justiça, a distribuição equitativa da riqueza e o equilíbrio ambiental. Afinal, uma língua não adquire peso e prestígio no vazio (p.367).

Como se nota por essa exposição dos conteúdos tratados na História sociopolítica da língua portuguesa, trata-se de uma obra fundamental não só para os que se dedicam aos estudos da língua portuguesa ou se interessam pelas questões da linguagem, mas também para todos os estudiosos das ciências humanas, pois ela não examina apenas questões relativas à constituição e difusão da língua, mas aborda também o problema da colonização portuguesa, as relações entre a ex-metrópole e as ex-colônias, o papel das línguas nas relações internacionais de poder e assim sucessivamente. O autor mobiliza uma vasta bibliografia para tratar de todos esses temas de uma maneira bastante singular, pois se propõe desconstruir mitos e ideologemas, corrigir interpretações errôneas, demolir lugares-comuns, desfazer conclusões ufanistas, retificar explicações anacrônicas. E cumpre o que promete. Por isso, essa obra vai ocupar um lugar especial na bibliografia das ciências humanas do Brasil em geral e dos estudos linguísticos em particular. Cabe destacar ainda que seu alcance vai muito além da matéria tratada, pois a obra de Faraco tem uma dimensão teórica não negligenciável para o tratamento da história das línguas. Por tudo isso, é uma obra indispensável e imperdível.

1SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Org. Charles Bally, Albert Secheyaye; com a colaboração de Albert Riedlinger. Trad. Antônio Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2006.

José Luiz Fiorin – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, São Paulo, Brasil; jolufi@uol.com.br.

A rejeição ao outro: espaços de não-reconhecimento nas relações de alteridade / Revista Espacialidades / 2017

Somos todos iguais. A afirmação é comum nas culturas de tradição liberal, e se repete com muita frequência em diversas circunstâncias e ambientes (desde as conversas de bar até o debate acadêmico). Entretanto, a retórica da igualdade não apresenta correspondência imediata na realidade empírica. Somos todos iguais? Talvez a postura interrogativa seja a mais adequada à narrativa histórica. Afinal, há sempre pontos de distensão nas relações de alteridade. Historicamente, os encontros humanos foram profundamente marcados por disputas em torno da ideia do que é o humano, de tal maneira que o outro (enquanto categoria sociológica) foi não raras vezes qualificado pelos grupos dominantes como inferior, tendo, no limite, a sua humanidade absolutamente negada. Essa classificação que estabelece níveis variados de dignidade entre sujeitos ou grupos diferentes (do ponto de vista físico, social ou cultural), justificou práticas diversas de dominação e violência.

Hoje, no senso comum, tendemos a pensar que as práticas de preconceito, exclusão e violência são expressões restritas ao passado. Ou do passado remoto – coisa de gregos e romanos, que viam como bárbaros todos que não partilhavam da chamada cultura clássica –, ou do passado recente – prática de nazistas que teria desaparecido sob os escombros da Segunda Grande Guerra. Mas as tensões no reconhecimento mútuo entre grupos humanos se manifestam na história do tempo presente e no mundo autodenominado liberal: na xenofobia; nas fronteiras de reprodução do grande capital (com a destruição moralmente injustificada dos grupos indígenas); na negação do reconhecimento de cidadania efetiva a mulheres, negros e homossexuais; nas violentas disputas religiosas; no terrorismo e, igualmente, na guerra ao terrorismo; na segregação dos pobres, tangidos pelas classes hegemônicas para as periferias das cidades.

Nós, da Revista Espacialidades, apresentamos, por meio do volume que agora vai a público, a nossa contribuição para a reflexão histórica sobre o problema do não-reconhecimento nas relações de alteridade. Num mundo onde a intolerância domina os espaços de maneira terrificante, o pensamento crítico é um imperativo ao qual a comunidade acadêmica não pode se furtar. Assim, entregamos aqui o resultado do trabalho e da colaboração de pesquisadores ligados a instituições acadêmicas de todo o país que decidiram submeter seus trabalhos na Revista Espacialidades, somando esforços para a formação do conjunto de artigos do nosso 11º volume. O nosso agradecimento a cada articulista.

Agradecemos imensamente aos membros do Conselho Consultivo que com muita generosidade e, acima de tudo, competência, contribuíram com pareceres sérios e consistentes que garantiram a qualidade do dossiê A rejeição ao outro: espaços de não-reconhecimento nas relações de alteridade, o qual passamos agora a apresentar.

Para abrir o dossiê temático A rejeição ao outro: espaços de não reconhecimento nas relações de alteridade apresentamos o artigo O fechamento do horizonte índico da igreja ortodoxa copta: o caso do sacerdote do povo das índias na corte do Papa Simão de Alexandria (689-701), escrito pelo doutorando Alfredo Bronzato da Costa Cruz (PPGH – UERJ). A partir de um episódio particular – a solicitação de um sacerdote “do povo das Índias” para que o Patriarca Simão de Alexandria ordenasse um bispo para a comunidade de origem daquele sacerdote – o autor do artigo discute uma série de questões envolvendo o conceito espacial historicamente produzido de Índias e as tensões nas relações entre muçulmanos e cristãos, notadamente no mundo oriental do século VIII A.D.

Em seguida, apresentamos o artigo intitulado Narrar e pensar o outro, narrar e pensar a si: a escrita da história da África entre e etnocentrismo e a epistemologia das diferenças onde as mestras em História Regional e Local Kátia Luzia Soares Oliveira e Ana Paula Moreira Magalhães(IFBA) analisam a escrita da História da África por meio de uma perspectiva marcada pelos pressupostos da longa duração de Fernand Braudel, buscando dialogar com a obra de Achile Mbembe, observando as relações de alteridade, complexidade e diversidade que compõe os dizeres e a escrita sobre a História do continente africano.

Das representações sobre a África, passamos às representações sobre a América, com o artigo Relações inter-humanas e espaços de alteridade negada no novo mundo: Os escritos de Colombo e a visão primeira sobre a terra e sobre o outro, de autoria do mestrando em História & Espaços, Erick Matheus Bezerra Mendonça Rodrigues (UFRN). O artigo discute as primeiras percepções sobre o Novo Mundo, especialmente no âmbito da visão espacial sobre as novas terras e da caracterização do seu elemento humano, tendo como base o conceito de alteridade negada. Para tanto, a fonte utilizada são os relatos de Cristóvão Colombo acerca das novas terras descobertas e dos povos que ali habitavam no final do século XV.

O quarto artigo se intitula “Este delito tem pena de morte por direito”: André de Freitas Lessa, um sodomita na teia da Inquisição (Olinda, 1593-1595). Escrito pelo mestrando Ronaldo Manoel Silva (UFRPE), o texto trata do processo inquisitorial do sapateiro André de Freitas Lessa, sentenciado na primeira visitação do Santo Ofício à capitania de Pernambuco, no século XVI (1593-1595), por crime de sodomia perfeita, a atual prática de sexo anal homossexual, e de como a rede formada pelo sapateiro e seus clientes desafiava e rejeitava os valores morais impostos no período.

Também compõe o dossiê o artigo “Outro olhar: as práticas sociais da região do Baixo Centro (BH / MG)”, proposto pela mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial Fernanda Mingote Colares Luz(PUC-Minas), que aborda a disposição da dinâmica de ocupação do espaço público, frisando a influência do Estado neoliberal na organização das cidades. Dando ênfase na região chamada Baixo Centro, em Belo Horizonte, Luz busca analisar como tais práticas se apresentam nessa região.

E, fechando nosso dossiê temático, temos a mestranda Daiane Santana Santos (UFCG), que apresenta seu artigo A busca por uma “cidade certa”: processos reguladores e homogeneizantes na cidade do Salvador (1940-1950), onde procura mostrar as estratégias de normatização e mobilidade dos corpos, principalmente daqueles “sujeitos infames”, na capital baiana no final da primeira metade do século XX. A autora constrói sua narrativa problematizando o discurso higienista, comportamental e disciplinador, notadamente representado pelo Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador (EPUCS) e os Códigos de Postura, confrontando-o com as fotografias do álbum Retratos da Bahia (1990), do fotógrafo franco-brasileiro Pierre Verger, buscando perceber o lugar (es) do(s) corpo(s) e de que maneira ele(s) se reinventa(m) e se move(m). O trabalho dialoga com Michel Foucault, Michel de Certeau e Georges Bataille, e traz uma importante reflexão sobre as práticas urbanas e as estratégias de (re)invenção cotidiana dos chamados “sujeitos ordinários”, além de flutuar em questões sobre o Urbanismo, e as tentativas de organização racional dos espaços da cidade.

Na Seção Livre, apresentamos O imaginário urbano e a fotografia: a modernidade e a ruína do bairro da Ribeira, artigo produzido conjuntamente pela professora Dra. Maria Inês Sucupira Stamatto (UFRN) e pela doutoranda em Educação (UFRN) Anna Gabriella de Souza Cordeiro. O texto traz uma análise comparativa do imaginário urbano do bairro da Ribeira (Natal, RN) no início dos séculos XX e XXI. As autoras selecionaram fotografias de quatro edifícios do referido bairro nos dois momentos recortados para a comparação a que se propuseram desenvolver. A partir das análises, fundamentadas em um instrumental teórico da história cultural, elas identificaram um deslocamento do imaginário urbano que vai da Ribeira como expressão da modernidade, no início do século XX, ao bairro como ruínas, no início do XXI. Para as articulistas, tal deslocamento reflete as dinâmicas processadas historicamente no meio urbano.

Fechando a nossa publicação, apresentamos a entrevista concedida pelo professor Dr. Rafael Chambouleyron (UFPA), historiador que tem se destacado pelas suas pesquisas sobre a atuação da Coroa portuguesa para a região Amazônica, enfocando a ocupação do espaço e a economia colonial. Na entrevista, o professor Chambouleyron tece considerações sobre a importância das categorias espaciais para a produção historiográfica, além de apresentar debates próprios do recorte temático sobre o qual vem atuando que se articulam diretamente com o tema desse dossiê, A rejeição ao outro: espaços de não-reconhecimento nas relações de alteridade.

Equipe editorial:

Arthur Fernandes da Costa Duarte

Cid Morais Silveira

Francisco Leandro Duarte Pinheiro

Giovanni Roberto Protásio Bentes Filho

Lucicleide da Silva Araújo

Maria Luiza Rocha Barbalho

Matheus Breno Pinto da Câmara

Thaís da Silva Tenório


DUARTE, Arthur Fernandes da Costa et al. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.11, n. 01, 2017. Acessar publicação original [DR]

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10 Lições sobre Gadamer – KAHLMEYER­-MERTENS (ARF)

KAHLMEYER­-MERTENS, Roberto S. 10 Lições sobre Gadamer. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2017. Resenha de: SILVA, Claudinei Aparecido de Freitas da. Aufklärung – Revista de Filosofia, João Pessoa, v.4, n.1, p.187-­192, jan./jun. 2017.

Não é tarefa simples rastrear um percurso filosófico, sobretudo, quando suas sendas, uma vez abertas, conduzem o leitor floresta adentro no intuito contingente de enredar­-se em seus mistérios. Tal é a experiência de pensamento que uma obra do porte da de Hans­- Georg Gadamer (1900­-2002) lega a seu intérprete. É, pois, assumindo, um peculiar exercício hermenêutico que10 Lições sobre Gadamerbrinda o público de língua portuguesa na já consagrada Coleção 10 Lições da Vozes. O autor, Roberto S. Kahlmeyer-­Mertens, que assinara pela mesma série,10 Lições sobre Heidegger (2015), novamente leva a bom termo tal projeto. Afinal, quais seriam, em seu quadro geral, as Lições perseguidas por esse pioneiro e notável estudo introdutório sobre Gadamer?

Na Primeira Lição, “Quem é Gadamer?”, Mertens sumariza a gênese do pensamento gadameriano, destacando suas influências de formação, bem como sua fecundidade intelectual. Gadamer é revivido desde a juventude quando, acercado por Paul Natorp, travaria contato, já no início dos anos 1920, com Heidegger. Malgrado os encontros e desencontros com o autor de Ser e Tempo 1927), fato é que Gadamer jamais deixará de reconhecer a força inspiradora desse projeto acalentado na segunda década. Quer dizer: o magnetismo da fenomenologia e, particularmente, a estreita verve hermenêutica do programa heideggeriano exercerá, de maneira intrépida, uma atração distintiva no itinerário gadameriano. Como avalia Mertens (p. 28), “a vocação hermenêutica de Gadamer, inicialmente, cultivada por Heidegger é algo que se reaviva”. Outro aspecto, porém, não se perde de vista no curso dessa primeira lição: a posição política do jovem filósofo. É o que se pode avaliar por conta da ascensão do partido social nacionalista, nos anos 1930, na Alemanha. É certo que Gadamer buscou resguardar-­se em relação a isso, adotando uma postura mais prudencial, tanto no sentido de não colaborar com o regime quanto em não resistir como um “intelectual engajado”. Ele, antes, preferiu recolher­se, dedicando­-se, exclusivamente, ao magistério, em que pese, à época, os ossos do ofício. Vale, contudo, observar, mostra Mertens (p. 32), que, “em Leipzig, Gadamer desenvolveu até seminários sobre Husserl (desobedecendo à proibição oficial de estudar autores de origem semita), sem que fosse incomodado pelo patrulhamento ideológico do partido”. De todo modo, o que chama atenção é o fato de que, malgrado tais tempos bicudos, Gadamer se envolve em inúmeros projetos acadêmicos: em 1953, funda, com Helmuth Kuhn, a Revista Philosophische Rundschau. Ele também presidirá a Sociedade Alemã de Filosofia além de tornar­se, membro da Academia de Ciências de Heidelberg. Nos anos cinquenta e sessenta, o filósofo edita sua magnum opus:Verdade e Método (I e II)na qual advoga a tese de que “a hermenêutica nasce da práxisdialógica” (Gadamer apud Mertens, p. 39).

A fim de melhor situar esse princípio nuclear faz-­se necessário que passemos às lições seguintes. Na Segunda Lição,“Hermenêutica como a ‘coisa de Gadamer’”, Mertens restitui o estatuto proeminentemente hermenêutico da obra gadameriana. Para tanto, lembra que existem vários modelos hermenêuticos como o da escola de Schleiermacher, passando por Dilthey até chegar Heidegger. É notável que o movimento hermenêutico iniciado no século XIX é regido sob o signo da filologia como um instrumento de exegese que atraíra, inclusive, historiadores, juristas e teólogos. Dilthey, p.ex., encontrara nesse expediente metódico, uma ocasião oportuna para pensar o projeto de fundamentação das ciências do homem então emergentes. Mais que um simples filólogo, ele se via como um “teórico do método” como bem repara Gadamer; método esse fundado na distinção entre “explicar” (específico das ciências naturais) e “compreender” (próprio das ciências do espírito”). Não obstante, essa “arte da compreensão” permanece restrita, ainda, a um tradicional ofício filológico. Por isso, o salto vigorosamente filosófico tem ­se início com a fenomenologia. A figura de Heidegger, sob esse prisma, se torna, de fato, programática, à medida que, como diz Mertens (p. 48): “O autor de Ser e Tempo está circunspectamente comprometido com a questão do sentido do ser; não seria, portanto, em outro âmbito que a hermenêutica compareceria […]Com a hermenêutica da facticidade, nosso fenomenólogo se apropria da ideia de compreensão, enraizando-­a na vida fática enquanto contraposição a uma atividade abstrata e teórica”. Apesar de a compreensão exprimir, em termos heideggerianos, um existencial revestindo­-se de um caráter ontológico radicado na pergunta pelo sentido, o que temos é uma “filosofia hermenêutica, uma hermenêutica fenomenológica, mas que ainda não preenche a qualificação de uma hermenêutica filosófica propriamente dita” (p. 50). Esse alcance só sedará, efetivamente, com Gadamer que “tem em vista o acontecimento da compreensão e o horizonte de possibilidade da interpretação que apenas é possível a partir de tal acontecer” (p. 53). Ora, é precisamente tal aspecto agora visado que diferencia a hermenêutica de Gadamer como uma “coisa” peculiarmente sua, conforme a expressão de Heidegger. Com isso, é possível, enfim, compreender o elemento dialógico da hermenêutica. Com a palavra, Mertens (p. 53­54): “Uma hermenêutica filosófica, assim é distinta das outras, pois, tendo descoberto a linguagem como o terreno da experiência ontológica fundamental, se lastreia nessa experiência linguística ­viva desde a qual o ser­ no ­mundo compreende a si mesmo”. Como observaria Heidegger, a propósito: “esse traço filosófico se tornou um bom contrapeso à filosofia analítica e à linguística” (Heidegger, apud Mertens, p. 43). A visada de Gadamer se projeta, precisamente, aí: ele reconhece no fenômeno da linguagem (e, portanto, do diálogo) uma dinâmica onde reside a dimensão ontológica mais profunda de todo compreender.

É assim que a Terceira Lição reorienta o debate. Intitulando-­se,“Método, compreensão e acontecimento”, Mertens ressalta que essa nova “hermenêutica” é bem mais que uma simples metodologia aplicável; ela,rigorosamente,seinstituicomouma“doutrina­do­compreender”,transfigurando, por meio da linguagem, sua fundação ontológica originária. É preciso ver que Gadamer não desconsidera jamais a importância do método. Tanto é que ele próprio situa sua hermenêutica como uma teoria, uma doutrina, fazendo notar que “a verdade (que sustenta o fenômeno da compreensão e aideia das ciências humanas) não é apenas questão de método” (p. 61). A ideia de método difere, substancialmente, da acepção naturalista, clássica, por definição desvelando que o “acontecer é operante em toda compreensão”. Um dos melhores exemplos disso vem à luz na Quarta Lição.

Nessa, intitulada “Jogo da arte, jogo da compreensão”, Mertens discute um ponto de pauta na nova agenda hermenêutica: o fenômeno da arte e do jogo (Spiel). Com qual intenção Gadamer recorre à arte? “Para evidenciar o caráter de acontecimento da verdade do compreender” (p. 67). É que a arte não se dobra à racionalidade científicatout courttal como Merleau-­Ponty precisara em O Olho e o Espírito. Diferentemente do cientista que “manipula”, nota o fenomenólogo francês, o artista “habita” o mundo, se lançando num “lençol desentido bruto”, num “há prévio”, sem nenhum dever de apreciação. Ele vive, habita o acontecimento! Gadamer parece não só estar cônscio disso, mas, sem qualquer pretensão de elaborar uma teoria estética, quer pensar, em sua estrutura íntima, a experiência da obra de arte como uma dimensão sui generis. É nesse sentido que o jogo passa a exercer um papel especial. O hermeneuta alemão compreende que entre arte e jogo há uma relação recíproca. Há todo um movimento de vaivém, ou se, quiser, dialético no fenômeno lúdico, desconstruindo, pois, toda relação de conhecimento do tipo clássico: sujeito/objeto. A compreensão da verdade nesse acontecimento único “só se cumpre quando o jogador se abandona completamente ao jogar” já que “todo jogar é um jogado” (p. 72). É essa dinâmica, aquém e além de todo subjetivismo ou objetivismo que torna o jogo uma forma especial de arte, imprimindo o ritmo de uma significação sempre aberta, dado o seu caráter imprevisível. Sob esse espectro, impossível não ver, em tais formulações, presenças impactantes não só de Huizinga em seu Homo Ludens, mas tambémde F. J. J. Buytendijk, em Essência e sentido do Jogo, Wittgenstein em Investigações Filosófica se Eugen Fink, em O Jogo como Símbolo do Mundo. Este último considera, portanto, que o “homem que joga não pensa e o homem que pensa não joga” (p. 73).

A Quinta Lição, “Preconceitos, autoridade, tradição”, situa outra temática cara ao pensador alemão. Ele pretende melhor delinear o movimento hermenêutico resguardando a autoridade da tradição e o recurso prévio dos pressupostos ou preconceitos que a funda. Eliminando qualquer depreciação de cunho moral, tais preconceitos são inerentes a um contexto específico no qual toda compreensão se anuncia. O que significa que dependemos sempre de uma “pré­compreensão” quando se trata de se situar “num terreno aberto pelo projeto do ser que somos ao ‘aí’ do mundo” (p. 78). É nesse “espaço de jogo” que se transfigura o horizonte hermenêutico propriamente dito. Observa Gadamer (ApudMertens, p. 85): “sempre intervém, em nossa compreensão, pressupostos que não podem ser eliminados […]. A compreensão é algo mais que a aplicação artificial de uma capacidade. É sempre também o atingimento de uma autocompreensão mais ampla e profunda. Isso, porém, significa que a hermenêutica é filosófica e, enquanto filosofia, filosofia prática”. Ademais, Gadamer se reporta à noção de autoridade removendo nela toda conotação, à primeira vista, moralmente impositiva ou conservadora. Trata­-se de reconhecera autoridade de saberes e de tradições (como a retórica, filosofia prática, hermenêuticas jurídica e teológica) que se engendram a partir desses preconceitos na contramão, p. ex., do racionalismo esclarecido do séc. XVIII.

Uma vez postos esses elementos estruturantes, Mertens revisita outra categoria- chave para pensar, em termos gadamerianos, o projeto hermenêutico. É o que aborda aSexta Lição,“A história das repercussões e sua consciência”. Trata­-se da assim denominada Wirkungsgeschichte, isto é, a história das repercussões. Do uso desse conceito, Gadamer entende que, em regra, “as compreensões, ao serem transmitidas, contam com preconceitos fáticos que (por serem também históricos) exercem seus influxos sobre novas compreensões e interpretações” (p. 94). Afinal, que “história” seria essa? “Uma história das posições e dos caminhos que as compreensões assumem no horizonte da tradição e da maneira como elas, uma vez interpretadas, logram sua posteridade” (p. 94). Não há, fundamentalmente, como ignorar a história e seu trabalho tácito no seio da tradição: a história é, a um só tempo, um horizonte aberto. Por isso, a verdadeira consciência histórica como exigência hermenêutica, inscreve Gadamer (Apud Mertens, p. 98), “é algo distinto da investigação da história”. O que mostra que inexiste imparcialidade nesse processo uma vez que “toda e qualquer compreensão sempre acontece embebida na história” (p. 100). O fato último é o de que nossa consciência histórica é, desde sempre, circunstanciada, lançada na finitude como acontecimento.

A Sétima Lição, “Circularidade, fusionalidade e dialogicidade” reúne três outros aspectos fundantes desse projeto filosófico. O primeiro é a noção de “círculo hermenêutico” que, como esboça Gadamer, consiste num “movimento de compreensão que se dá no conjunto para a parte e, novamente, para o conjunto” (Gadamer Apud Mertens, p. 106). O que se revela aí é um processo global de sentido; processo esse que leva em conta a experiência existencial do tempo. Tal como em Heidegger, o tempo é o que funda todo acontecimento descortinando uma “fusão de horizontes”. Este é o segundo aspecto. Como explicita Mertens (p. 111): “horizonte é a estrutura de base que, consolidada na chave de posições, visadas e conceptualidades prévias, se alarga e se refina significativamente em cada novo projeto compreensivo”. Em razão disso, “todo compreender se dá como fusão de horizontes” (p. 112). O terceiro aspecto é o diálogo. Gadamer reconhece na dialética do perguntar e do responder o caráter essencial da linguagem compreendida via a dinâmica peculiar do jogo como arte. É essa espécie de um “logos compartilhado” que se anuncia como componente ontológico e, portanto, originário do experimento hermenêutico.

A Oitava Lição, “Hermenêutica e ontologia da linguagem” se destina a aprofundar o sentido e alcance desse logos. Para tanto, Mertens reconstitui, a partir de Verdade e Método, duas teses capilares: a primeira, de que “não há compreensão fora da linguagem” (p. 126). Para além, pois, de todo nominalismo, essencialismo ou positivismo lógico, a obra de Gadamer acentua o caráter originário da linguagem como inseparável de uma experiência hermenêutica. A alusão à metáfora de que vivemos na linguagem assim como o peixe na água em muito lembra a experiência sentida pelo escritor, seja ele romancista ou poeta. É por meio desse gesto que Clarice Lispector pressentira o caráter contingencial ou indigente da linguagem visto por certa tradição canônica como algo desprovido de qualquer brio ontológico. A segunda tese, complementar à anterior, é a de que “o próprio objeto da compreensão é linguístico” (p. 129). Compreensão e linguagem se mesclam numa só experiência. Ao postular esse princípio parece claro que Gadamer se afasta, consideravelmente, de uma crítica que se tornou lugar comum, qual seja, a de advogar um idealismo linguístico, já que “não é o ser da totalidade que interessa a Gadamer, mas o ser do que pode ser compreendido na linguagem”(p. 132).

Em “Filosofia prática e hermenêutica”, o leitor é conduzido à Nona Lição. Neste instrutivo estudo, percebemos o interesse gadameriano com a filosofia prática tendo, em Aristóteles, uma fonte digna de interpretação. A prioridade da práxis, tão bem acentuada por Gadamer, sugere um passo a mais que o estágio de uma consciência ético ­política, situando-­se, na verdade, num nível decididamente hermenêutico. Como corrobora o pensador alemão, trata-­se “de uma atitude teórica frente a práxis da interpretação, da interpretação de textos; porém, também das experiências interpretadas neles e nas orientações domundo” (Gadamer, Apud Mertens, p. 147).

Na Décima Lição, “Em campo contra Gadamer”, Mertens contextualiza algumas críticas de que fora alvo nosso pensador alemão. Uma das mais conhecidas é a provinda de Habermas que teria diagnosticado em Verdade e Método certo “conservadorismo” ou, ainda, uma boa dose de “relativismo”. O ponto nevrálgico da hermenêutica gadameriana residiria no reconhecimento da tradição e no argumento da autoridade como sinais incontestes de uma forma de filosofia que permanece arraigada ao racionalismo oitocentista. Trata-­se de um dogmatismo canônico em que Gadamer não teria inteiramente se libertado. Ao mesmo tempo, em sua réplica, Gadamer jamai sabre mão da atividade crítica, tão fortemente cobrada por Habermas. A hermenêutica não faz apologia à tradição em favor de preconceitos ilegítimos. Ela apenas parte do pressuposto de que não há subjetivismo e que toda compreensão não existe sem preconceitos, desde que estes sejam, é claro, legitimáveis.

Enfim, o livro encerra com um oportuno balanço não só sobre as lições precedentes, mas acerca de um espectro mais amplo em torno desse insigne mestre que é Gadamer, cuja obra impacta, indelevelmente, o cenário contemporâneo das ideias. Aqui, o leitor menos familiarizado terá, especialmente, em primeira mão, um retrato vivo e pujante de um dos projetos filosóficos mais densos e fecundos que tem justo na figura de Hermes uma fonte da mais alta inspiração helênica.

Claudinei Aparecido de Freitas da Silva – Professor dos Cursos de Graduação e de Pós­Graduação (Stricto Sensu) em Filosofia da UNIOESTE – Campus Toledo com Estágio Pós­Doutoral pela Université Paris 1 – Panthéon­Sorbonne (2011/2012). Escreveu “A carnalidade da reflexão: ipseidade e alteridade em Merleau­Ponty” (São Leopoldo, RS, Nova Harmonia, 2009) e “A natureza primordial: Merleau­Ponty e o ‘logos do mundo estético’” (Cascavel, PR, Edunioeste, 2010). Organizou “Encarnação e transcendência: Gabriel Marcel, 40 anos depois” (Cascavel, PR, Edunioeste, 2013), “Merleau­Ponty em Florianópolis” (Porto Alegre, FI, 2015), “Kurt Goldstein: psiquiatria e fenomenologia” (Cascavel, PR, Edunioeste, 2015) e Festschrift aos 20 anos do Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da UNIOESTE (Cascavel, PR, Edunioeste, 2016). E-mail: cafsilva@uol.com.br

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[DR]

A dominação e a arte da resistência: discursos ocultos / James Scott

Com o recente lançamento de A dominação e a arte da resistência pela livraria Letra Livre de Portugal (especializada em escritos libertários) podemos enfim dispor em língua portuguesa de uma das principais obras de James C. Scott. Até então os interessados nas ideias deste autor no Brasil tivemos de nos contentar com as traduções de uns poucos artigos publicados em periódicos acadêmicos.[3]

Há cinco décadas James C. Scott, professor de Ciência Política e Antropologia da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, vem produzindo uma extensa obra que abrange diferentes campos de estudos, como economia política, relações agrárias, hegemonia e formas de resistência, política camponesa e, mais recentemente, anarquismo. Entre os seus livros mais importantes estão: The moral economy of the peasant (1979), Weapons of the weak (1985), Seeing like a state (1998) e The art of not being governed (2009).

A dominação e a arte da resistência não está entre suas publicações mais recentes; a primeira edição nos Estados Unidos remonta a 1990. Mesmo assim este livro tem uma importância particular na trajetória de James C. Scott. Enquanto a maior parte de seus trabalhos baseia-se em estudos de caso, através de pesquisas participantes junto a comunidades camponesas da Malásia, A dominação e a arte da resistência é uma tentativa de generalização de suas reflexões a respeito das relações de classe e das formas de resistência, estendendo o argumento para outras interações de poder, em que figuram experiências de escravos, castas subalternas, mulheres, povos indígenas e – evidentemente – trabalhadores rurais de outras regiões do mundo.

Uma das principais teses de James C. Scott é a de que se as camadas subalternas da sociedade – apesar de se verem cotidianamente sujeitas a diversas modalidades de exploração e usurpações – não demonstram, na maior parte do tempo, uma revolta aberta e declarada contra seus opressores isso não implica numa simples ausência de resistência entre os dominados.

Em contato com comunidades rurais sul-asiáticas Scott pôde observar que, sob o manto da passividade, se oculta uma robusta resistência que se apresenta sob formas pouco visíveis, como roubos noturnos de cereais, escapadas sutis a ações de recrutamento, o cumprimento de serviços mal executados a despeito de um comportamento aparentemente subserviente demonstrado pelo trabalhador, enfim daquilo tudo que uma vez esse autor nomeou como “formas brechtianas de resistência” porque – como nos apresentam as personagens criadas pelo escritor da Ópera dos três vinténs – a esperteza da dissimulação pode ser um modo consistente da cultura popular e rebelde enfrentar figurões poderosos. Não se contentando com a classificação sociológica de “resistência passiva” para esse tipo de atitude tão difundida entre os subalternos, James C. Scott concentrou sua atenção nessas formas prosaicas dos embates de classe e chegou a conclusões de grande interesse para historiadores sociais e pesquisadores de campos afins.

A dominação e a arte da resistência é uma obra dedicada a entender as variadas dimensões do discurso oculto que a gente simples assume nas relações cotidianas e conflituosas. Nessa resenha faço referência somente a algumas teses apresentadas por Scott a respeito do discurso oculto dos subalternos; mas que fique claro: a muitas outras conclusões instigantes poderão chegar os leitores atentos e interessados.

Os primeiros capítulos do livro são dedicados a explicitar as características da ordem dominante quando as relações de classes transcorrem sob as regras da obediência. Nos contatos travados entre sujeitos desiguais prevalece um diálogo de aparente consenso, quando o indivíduo usa da deferência para “transmitir uma imagem exterior de conformidade com as normas de conduta defendidas pelos superiores” (p. 55).

São os casos, por exemplo, em que um subalterno faz uso de uma reverência para saudar um superior ou emprega uma forma de tratamento honorífica. Tais atitudes podem representar um desejo sincero e conformista de honrar um superior respeitado, mas também é possível que os rituais públicos de homenagem não passem de gestos altamente mecanizados e vazios por parte de quem visa acima de tudo salvaguardar sua segurança. Scott oferece o exemplo das mães dos escravos que, para protegerem seus filhos, os educam no sentido de procurarem sempre agradar, “ou pelo menos não hostilizar seus senhores” (p. 56), nisso que é uma atitude mais realista que sincera.

Dada a existência de um constante exercício de poder permeando as relações de classes, raciais, de gêneros ou de quaisquer outras formas de hierarquia social, o contato entre sujeitos desiguais origina uma ordem de linguagem cindida, onde, por um lado, apresenta-se um discurso público, em geral caracterizado por manifestações de conformidade e aceitação, e, por outro lado, um discurso oculto, onde o dissenso e a revolta se revelam apenas naqueles pequenos círculos de confiança como a família ou grupos de amigos.

A principal característica do discurso oculto é o encontrar-se “fora do raio de audição dos detentores de poder” (p. 57). Por se anunciar apenas em circunstâncias específicas, em geral quando os subalternos sentem suficiente confiança em seus interlocutores para desabafar seus ressentimentos em relação aos superiores, o discurso oculto permite mesmo aos que não enxerguem meios exequíveis de reagir contra as injustiças criar fantasias de vingança e, dessa forma, constituir às costas dos poderosos certo consenso relativamente à reprovação dos atos opressivos.

Uma humilhação pública de um soldado raso ou de um camponês pobre poderá não ser seguida por qualquer reação declarada de indignação ou revolta, mas muito provavelmente o desabafo revelará um pensamento muito pouco domesticado tão logo o oficial ou o rico proprietário rural deem as costas. Nestas circunstâncias, é usual que surjam apelidos depreciativos, xingamentos, promessas de revide, referências a fábulas cujo efeito alegórico seja a expressão da revolta dos de baixo contra seus opressores.

Se usarmos os termos de Freud em Interpretação dos sonhos pode-se dizer que a atenção dedicada apenas ao conteúdo manifesto do discurso público pode transmitir uma ideia bastante enganosa a respeito da disposição de resistência dos subalternos, pois não enxerga aquele conteúdo latente, identificável apenas em sua dimensão oculta. Para o patronato e as instituições de poder, o discurso oculto apresenta-se opaco, preservado seu conteúdo em cuidadoso segredo.

Tudo isso pode não significar muito para o desencadeamento de revoltas camponesas de dimensões nacionais ou dramáticas revoluções sociais, mas são aspectos decisivos para a conformação de formas cotidianas de resistência, que não figuram nas notícias da imprensa, mas são um dado com o qual todo e qualquer chefe, policial ou cobrador de impostos terá de lidar.

O reconhecimento da existência e da abrangência do discurso oculto no cotidiano de sujeitos socialmente destituídos de poder leva James C. Scott a rever as explicações de teóricos de diferentes campos das ciências sociais quanto à natureza da hegemonia de classe. No mais das vezes, os teóricos da hegemonia supõem que a incorporação ideológica dos grupos subalternos a uma ordem dominante resulta num embotamento da consciência de classe, desarmando as pessoas comuns de seu senso crítico através de alguma espécie de “falsa consciência”.

Em algumas teses marxistas – que Scott situa entre as teorias fortes sobre a hegemonia – as suposições a respeito do poder ideológico das classes dominantes em mascarar e, mesmo, ocultar as formas mais explícitas de opressão social desafiam a própria tese de que “a mudança alguma vez poderia ter origem a partir de baixo”. “Se as elites controlam a base material da produção, obtendo por essa via uma obediência prática, e se controlam também os meios de produção simbólica, que lhes asseguram a legitimação de seu poder e de seu controlo, então ter-se-ia atingido um poder capaz de se autoperpetuar e que só um choque a partir do exterior poderia perturbar” (p. 122).

Scott, no entanto, contesta se a incorporação ideológica dos grupos subordinados reduz necessariamente o conflito social. Toda a ideologia que se pretenda ser hegemônica tem, efetivamente, de fazer promessas aos grupos subordinados, procurando convencer-lhes de que uma dada ordem social também é de seu interesse.

Ocorre, no entanto, que essas promessas são em geral cobradas, abrindo caminho para o conflito social. Scott remete-se às infindáveis listas de queixas vindas de toda a França, registradas nos cahiers de doléances antes da Revolução. Nelas não se declarava desejo de abolir a servidão ou a monarquia. Havia antes uma intenção bastante difundida de reformar o feudalismo através da retificação dos “abusos” da aristocracia e seus funcionários. “Mas a relativa modéstia das demandas”, diz Scott, “não impediu – dir-se-ia até que terá ajudado a estimular – as ações violentas dos camponeses e dos sans-coulottes que constituíram a base social da revolução” (p. 121).

As reações dos socialmente destituídos de poder às experiências de opressão estão, para James C. Scott, longe de qualquer ideia de uma negação simplória ou instintiva às atitudes de usurpação de que a vida da gente comum é preenchida. Quando o autor aponta para a existência de um discurso oculto dos grupos subordinados isso implica na pressuposição de que existe um “público” entre o qual esse discurso circula; existe então comunicação, na exata definição do termo.

A noção de um discurso oculto está, dessa forma, atrelada às práticas dos subordinados em desbravar espaços sociais próprios, resguardados da vigilância e controle dos superiores. São exemplos desses espaços resguardados os matagais, os bosques escondidos, os descampados e os barrancos que os escravos norte-americanos recorriam para se encontrarem e falarem em segurança. São também as capelas, tabernas e lares que se constituíram em centros de desenvolvimento da cultura popular europeia, como mostrou Peter Burke [4]; “espaço para uma vida intelectual livre e para experiências democráticas com ‘número ilimitado de membros’”, como entendeu E. P. Thompson [5]. “Espaços sociais” que poderiam não ter a acepção exclusiva de um local físico isolado, mas que também eram cortinas fechadas, sussurros, dialetos nativos incompreensíveis aos ouvidos imperialistas.

Por entender a imprescindível necessidade desses espaços dissidentes para o surgimento do discurso oculto que James C. Scott conclui que a revolta, humilhação ou fantasia em bruto sequer existem: “A revolta, a humilhação e as fantasias são experiências que têm sempre um enquadramento cultural que é parcialmente criado pela comunicação exclusiva entre os subordinados” (p. 172-173).

Todas essas considerações sobre o discurso oculto nas artes da resistência dizem muito mais sobre as formas cotidianas de reação dos subordinados, à sua “resistência normal” (no interior ainda de uma dada ordem social) que aos processos de ruptura aberta contra essa ordem. Ainda assim as teses de James C. Scott não se restringem a considerações sobre os tipos mais sutis de embates sociais.

Por um lado, as formas cotidianas de resistência dos camponeses (e do conjunto dos grupos subordinados das sociedades) não são algo com o que as autoridades mantenedoras do status quo possam se descuidar. Apesar de não provocarem grandes impactos ou mobilizarem imediatamente a opinião pública da nação essas pequenas ações cotidianas da resistência dos de baixo formam, na sua totalidade, uma força social nada desprezível e o pragmatismo político das elites só muito arriscadamente poderia delas se negligenciar. Um trecho retirado de outro texto de Scott, no qual a autora nomeia de infrapolítica a essa “dimensão discreta da luta política” (p. 253), é particularmente esclarecedor:

As formas cotidianas de resistência camponesa não produzem matérias de jornais. Assim como milhões de pólipos de antozoários criam um arrecife de corais, milhões e milhões de atos individuais de insubordinação e de evasão criam barreiras econômicas e políticas por si próprios. Há raramente alguma confrontação dramática, eventualmente digna de ser noticiada. E, sempre que o barco do estado esbarra numa dessas barreiras, a atenção é centrada no acidente e não na vasta agregação de micro-atos que resultaram na barreira.[6]

Por outro lado, no entanto – observando a partir do ponto de vista dos próprios subalternos – o domínio do discurso oculto é, por excelência, o espaço preparatório das manifestações públicas, dos protestos e mesmo das rebeliões e levantes multitudinários. Os últimos capítulos de A dominação e a arte da resistência dedicam-se a discorrer sobre como o discurso oculto forma disfarces, testa limites… até que um dia a resistência revela-se em alto e bom som nos espaços públicos da sociedade. O discurso oculto dos subalternos então sai de cena para dar lugar à entrada do discurso público.

Por tudo o que foi mostrado – e pelo tanto mais que não fui capaz de mostrar – o livro de James C. Scott apresenta-se como um importante instrumento de análise para os estudos sobre as formas de resistência plebeias (sejam elas camponesa, operária, nativa, feminina, de castas subjugadas, indígena, negra, homo, bi ou transexual). Para os historiadores sociais, em particular, A dominação e a arte da resistência revela-se também como uma criativa fonte de inspiração. E não somente porque o autor lança mão a todo o momento a inúmeros exemplos históricos para ilustrar e articular seus argumentos. Também porque a obra dialoga constantemente com a produção de historiadores de referência, como Natalie Davis, Eugene Genovese, E. P. Thompson, Eric Hobsbawm, Marc Bloch, Richard Cobb, Dipesh Chakrabarty, Christopher Hill, Moses Finley, George Rudé, Ranajit Guha, Emanuel Le Roy Ladurie, Georges Lefebvre dentre outros.

Conhecer a obra de James C. Scott nos instiga a percorrer novos caminhos no vasto território das experiências dos sujeitos subalternos da história. Afinal de contas, a agenda por uma história radical é um projeto aberto a novas trajetórias.

Notas

3. SCOTT, James C. Formas cotidianas de resistência camponesa. Raízes, vol. 21, n. 1, janeiro a junho de 2002, p. 10-31. ______. Exploração normal, resistência normal. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 5, janeiro a julho de 2011, p. 217-243.

4. BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia de Bolso, 2010.

5. THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Vol. 1: A árvore da liberdade. 3ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

6. SCOTT, James C. Formas cotidianas de resistência camponesa. Raízes, vol. 21, n. 1, janeiro a junho de 2002, p. 13.

Referências

BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia de Bolso, 2010.

SCOTT, James C. Formas cotidianas de resistência camponesa. Raízes, vol. 21, n. 1, janeiro a junho de 2002, p. 10-31.

______. Exploração normal, resistência normal. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 5, janeiro a julho de 2011, p. 217-243.

THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Vol. 1: A árvore da liberdade. 3ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

Tyrone Apollo Pontes Cândido – Curso de História e Mestrado Interdisciplinar de História e Letras – MIHL da Universidade Estadual do Ceará, campus de Quixadá.


SCOTT, James C. A dominação e a arte da resistência: discursos ocultos. Tradução de Pedro Serras Pereira. Lisboa/Fortaleza: Livraria Letra Livre/Plebeu Gabinete de Leitura, 2013, 340p. Resenha de: CÂNDIDO, Tyrone Apollo Pontes. O discurso oculto das artes da resistência. Em Perspectiva. Fortaleza, v.3, n.1, p.274-280, 2017. Acessar publicação original [IF].

Amazônica. Belém, v.9, n. 2, 2017.

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Música folclórica: entre o campo e a cidade | ArtCultura | 2017

A temática deste dossiê, Música folclórica: entre o campo e a cidade, foi inspirada em uma das mesas do III Colóquio História e Música – Tem – pos de música e seus fazeres, realizado na Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Franca, em 2016, que congregou pesquisadores das áreas de História, Sociologia e Musicologia, brasileiros e argentinos que, em comum, possuem como campo de investigação a música popular de diferentes países do continente americano.

Os usos e apropriações do termo “música folclórica” constituem o eixo comum dos artigos aqui reunidos. Tal denominação remonta aos estudos folclóricos que, desde o século X IX, incumbiram-se da tarefa de selecionar e organizar um repertório da música popular tido como repre – sentativo da identidade da nação. Preocupados em preservar a cultura autóctone vista como ameaçada pelos modismos e estrangeirismos do – minantes no ambiente urbano, homens letrados identificaram o campo como o lugar-abrigo das tradições. Para se “tradicionalizar” o popular foi necessário primeiro atribuí-lo ao passado – lugar onde supostamente era encontrado em estado puro – e, em seguida, fixá-lo, “museificá-lo” , a partir de critérios ideologicamente constituídos no presente. Leia Mais

História no teatro & teatro na história | ArtCultura | 2017

Impulsionada pelo esforço permanente de buscar focos e enfoques diversificados ao explorar temas que entrecruzam os campos da História, das Artes e da Cultura em geral, a ArtCultura 34 oferece aos seus leitores, uma vez mais, um cardápio de opções variadas, que incluem a estreia de uma seção, Primeira mão, que, esperamos, venha a render bons frutos.

Logo de cara, este número apresenta o dossiê “Música folclórica: entre o campo e a cidade”, que se propõe a investigar um veio ainda intocado nas páginas da revista. Nele se procura interrogar leituras cristalizadas, na tentativa de escavar múltiplos estratos de sentido sobre uma temática que, aqui, é vista e revista sob diferentes prismas. Para organizá-lo convocamos a historiadora Tânia da Costa Garcia, que tem considerável lastro de pesquisa na área da música popular. Livre-docente em História pela UnespFranca, onde atua nos cursos de graduação e pós-graduação em História, com pós-doutorado no King’s College London, na USP e na PUC de Chile, ela marca, assim, em grande estilo, sua entrada no conselho editorial de ArtCultura, para a qual, de há muito, presta colaboração, seja como autora de artigos, seja como parecerista. Para conferir densidade internacional ao dossiê, recrutaram-se contribuições de pesquisadores da Argentina, Chile/ México, Colômbia, Estados Unidos e, claro, do Brasil, cujos trabalhos abarcam gêneros musicais diferenciados e se espraiam por geografias sonoras que percorrem o continente americano. Elas vão do samba carioca à cueca urbana chilena, passando pelo folk estadunidense, pela música popular argentina e pela música caipira em terras brasileiras. Leia Mais

História & Literatura | ArtCultura | 2017

A constituição disciplinar da história foi marcada, ao longo do século XIX, pelo distanciamento de certos campos intelectuais, vistos como outros em relação aos quais era mister demarcar fronteiras. A veracidade dos relatos dos historiadores enunciava uma interdição, o da sedução da ficção literária, e as novas gerações deveriam inverter a máxima aristotélica que, lembremos, postulava a superioridade da poesia sobre a história, considerada o reino do particular, enquanto a primeira poderia se gabar de aceder ao universal. Sob a modernidade, impregnada de progresso e de futurismo, o século XIX era o da história. Reconhecida como uma especialização, a prática historiadora poderia até valer-se da literatura como fonte para o conhecimento do mundo real, mas sem confundir-se com ela. A história-ciência, com sua temporalidade homogênea e irreversível, tinha pouco a aprender com os modos literários de figuração do tempo, caracterizados, sobretudo, pela convivência entre passado e presente sob a forma da memória ou dos “passados que não passam”.

Do outro lado da trincheira, os literatos reagiam ao que viam como uma ciência pouco atenta ao presente e cheia de insignificâncias. Uma das maneiras de expressão dessa reação era a representação nada honrosa dos historiadores em diversos romances. Nestes textos, eles eram mostrados como indivíduos desprovidos de vida, alheios ao que se passava ao seu redor. A história também era acusada de ferir a universalidade da literatura, uma vez que, para os historiadores, um objeto só poderia ser corretamente explicado se localizado no tempo. O diálogo se reduzia e apenas as apropriações instrumentais eram aceitas: aos ficcionistas interessavam as observações particulares dos historiadores; para estes, os romances poderiam ser registros de representações dos passados que desejavam compreender. Leia Mais

Cultura luso-brasileira | ArtCultura | 2017

O dossiê que ora se apresenta ao leitor tem como temática a cultura luso-brasileira. Os artigos nele enfeixados, apesar das diferenças de abordagens, podem ser agrupados em torno das questões inerentes à escrita e às imagens no universo cultural do Brasil e de Portugal.

As obras de caráter literário, histórico, científico, bem como aquelas que transitavam entre diversos gêneros, como os pasquins e folhetos, constituem fonte de distintas pesquisas na historiografia. Estas pressupõem distintas abordagens, que contemplam tanto os aspectos formais relativos aos textos, quanto os usos e apropriações nos contextos onde se inserem. Nesse sentido, estão em discussão tanto o estudo dos gêneros textuais, as tópicas e o campo da retórica, como as apropriações e usos possibilitados pelas múltiplas leituras que os impressos e imagens encerram.1 Leia Mais

A invenção da paz: da República Cristã do duque de Sully à Federação das Nações de Simón Bolivar | Germán A. de la Reza

A invenção da paz: da República Cristã do duque de Sully à Federação das Nações de Simón Bolívar é um estudo historiográfico cujo escopo é a investigação da tradição intelectual abarcada pelos diferentes projetos concebidos para a criação de confederações interestatais. De modo sumário, pode-se definir o livro como um estudo de História das Ideias, cujo enfoque se atém à recuperação do fio condutor existente entre os diversos pensadores que deram atenção à questão da criação de ligas confederadas na história do ocidente e sua penetração e difusão no âmbito da América Latina. O autor do livro, o pesquisador mexicano Germán A. de la Reza, é doutor em Filosofia e História pela Universidade Toulouse Le Mirail e figura como referência quando o assunto em pauta são ideias confederativas no contexto latino-americano, o que é notável pelo título de seus principais trabalhos, dentre os quais é possível destacar Les nouveaux défis de l’intégration en Amérique Latine, El Congreso de Panamá y otros ensayos de integración latinoamericana en el siglo XIX e El ciclo confederativo: historia de la integración latinoamericana en el siglo XIX.

Publicado originalmente pela editora Siglo XXI, A invenção da paz é o primeiro livro de Reza editado no Brasil e tem a virtude de apresentar ao público um eficiente panorama do processo de transmissão e recepção do pensamento confederativo nos mais diversos contextos históricos, desde Filipe II da Macedônia até Simón Bolívar, passando por diferentes nomes ligados ao pensamento anfictiônico, tanto aqueles de maior circulação, como Jean-Jacques Rousseau e Emmanuel Kant, como outros mais desconhecidos, como Émeric Crucé e Cecílio del Valle. Leia Mais

Entre o Doce e o Amargo: Memórias de exilados cubanos, Carlos Franqui e Guillermo Cabrera Infante | Barthon Favatto Júnior

Lançado em 2014 pela editora Alameda, Entre o Doce e o Amargo, de autoria do historiador Barthon Favatto Júnior2 , tem por meta apresentar uma leitura historicizada dos livros de memórias do jornalista Carlos Franqui (1921-2010) e do escritor e crítico cinematográfico Guillermo Cabrera Infante (1929-2005).

Neste livro, o leitor é convidado a acompanhar as trajetórias desses dois intelectuais cubanos que protagonizaram, por meio de suas ações e projetos, papéis relevantes para o enriquecimento do universo cultural de seu país. Ganha voz neste trabalho, temas que, na historiografia cubana oficial, são sumariamente abordados como, por exemplo, o exílio do intelectual cubano de esquerda e o estreitamento da política cultural na Ilha após 1959. Leia Mais

El Oriente desplazado: Los intelectuales y los orígenes del tercermundismo en la Argentina | Martín Bergel

El presente trabajo es fruto de la tesis de doctorado del historiador argentino Martín Bergel, defendida en el año 2010 y publicada bajo el formato de libro en el año 2015 por la editorial de la Universidad de Quilmes. En este libro el autor reconstruye el surgimiento y la difusión de una imagen positiva de Oriente, consolidada en la década de 1920, que invierte la visión clásica, dominante durante el siglo XIX y principios del siglo XX, según la cual el Oriente representa una serie de valores negativos como la barbarie, el atraso y la violencia. Bergel sitúa a este fenómeno intelectual y cultural, al que denomina “orientalismo invertido”, como un antecedente de lo que durante la década de 1950 se difundirá en Argentina como tercermundismo.

La particularidad del libro reside en que el autor propone una categoría histórica que supone una valoración diferente de aquel conjunto de imágenes y generalizaciones referidas al Oriente que el intelectual palestino Edward Said englobó bajo el término “orientalismo”. Este concepto supone, para Said, una proyección occidental sobre Oriente que se plasma en una serie de significados, asociaciones y connotaciones orientadas a ejercer una dominación sobre el mismo. A través del “orientalismo invertido”, Bergel logra articular un minucioso e interesante trabajo de investigación que alterna enfoques más descriptivos con otros más argumentativos y que confiere un papel fundamental a la dimensión material -libros, crónicas de viajes, revistas, correspondencias, intercambios epistolares, traducciones, fotografías, entre otras- que asiste a la circulación de ideas e imágenes sobre el Oriente generada por intelectuales de diversos lugares del campo cultural y político. Leia Mais

Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. 

O OFÍCIO DA MÚSICA NA ESCRAVIDÃO | João Batista Correa | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

O objetivo deste artigo é analisar as práticas musicais dos escravos músicos pertencentes a Imperial Fazenda de Santa Cruz. Temos como intuito ainda, compreender como esta relação escravo e música se davam na fazenda. Tentaremos encontrar indícios de como estes escravos aprendiam a música, e qual era a função social desta pratica artística no interior da fazenda no decorrer do século XIX.
Palavras Chaves: Escravidão; Fazenda de Santa Cruz; Música.

| O NEGRO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS BRASILEIROS: REPRESENTAÇÕES VALORATIVAS E DE AUTOESTIMA ÀS CRIANÇAS NEGRAS | Bruno Sergio Scarpa Monteiro Guedes | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Neste artigo pretende-se colocar em discussão a representatividade de negros(as) nas histórias em quadrinhos brasileiros. No entanto buscou-se recontar as histórias em que houvessem a valorização das matrizes e origens da cultura afro-brasileira, dos povos africanos e dos fatos históricos brasileiros, colocando o(a) negro(a) como protagonista destas histórias.
Palavras-chave: história em quadrinhos; autoestima; representação; cultura afro-brasileira.

| KARL VON LUSTIG PREAN: EXÍLIO E ANTINAZISMO NO BRASIL | Wanilton Dudek | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Com a ascensão de Hitler, intelectuais e políticos de fala alemã, opositores ao nazismo, buscaram exílio nos Estados Unidos, México e América do Sul. Nos lugares onde se estabeleceram, grande parte desses exilados atuaram em movimentos políticos antinazistas com a finalidade de fortalecer a oposição ao Terceiro Reich. Um dos líderes desses movimentos no Brasil foi o austríaco Karl Von Lustig Prean, que fundou o Movimento dos Alemães Livres, na cidade de São Paulo. N

O presente artigo examinaremos parte da trajetória de Lustig Prean no Brasil e suas atividades políticas na luta antinazista.
Palavras-Chave: Exílio – Brasil – Antinazismo

| ENSINAR A NAÇÃO PELA REGIÃO: REPRESENTAÇÕES DA INFÂNCIA EM CARTÕES-POSTAIS FRANCESES PRODUZIDOS DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918) | Audrey Franciny Barbosa | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

A presente pesquisa teve por objetivo analisar cartões-postais franceses produzidos as vésperas e durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a fim de problematizar a forma como as editoras francesas representaram a imagem de crianças em seus anversos e assim promoveram um discurso em relação a guerra. Para tal, compreende-se que na produção historiográfica contemporânea, inúmeras são as possibilidades de campo de pesquisa e fontes de análise disponíveis ao historiador para a construção do discurso historiográfico. Nesse caso, os cartões-postais apresentam-se como documentos potenciais para a análise historiográfica, uma vez que, são objetos que suscitam aspectos sociais e culturais do período em que foram produzidos, por meio de suas representações, usos e funções. Em relação à metodologia adotada, destacam-se os trabalhos realizados por Stancik (2009; 2012; 2013; 2014; 2015) no que se refere à abordagem dos cartões-postais como documentos para a historiografia e o método iconográfico/iconológico proposto por Panofsky (2011), ressaltando, porém, algumas revisões e adaptações necessárias. Quanto às fontes, todos os postais fazem parte do acervo particular do professor Dr. Marco A. Stancik e foram disponibilizadas pelo mesmo.
Palavras-chave: Cartões-postais; Infância; Representações.

PERSPECTIVAS DE ABORDAGENS ÉTNICAS SOBRE O CONTESTADO | Eloi Giovane Muchalovski | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017.

O movimento sertanejo do Contestado, ocorrido no planalto catarinense entre 1912 e 1916, e seus desdobramentos, tem sido matéria de inúmeras pesquisas de história nos últimos anos, especialmente pela passagem do seu centenário (2012-2016). Contudo, os estudos acerca do tema ainda não trataram com efeito sobre a etnicidade do conflito, ou seja, não se efetivou um aprofundamento nas possíveis ramificações étnicas dos revoltosos, os quais, na maioria das pesquisas, são denominados apenas de caboclos, “fanáticos”, “jagunços” ou sertanejos. Os próprios indígenas, que ainda mantinham presença efetiva em boa parte do Brasil Meridional no final do século XIX e início do XX, até o presente momento, não foram devidamente inseridos na problemática do Contestado, haja vista que as fontes jornalísticas da época, por inúmeras vezes, mencionam a existência destes em todo território em litígio. Sendo assim, este trabalho procura analisar a historiografia da Guerra do Contestado identificando as lacunas existentes com relação à questão étnica, apontando possíveis encaminhamentos de pesquisa histórica na referida problemática. – PALAVRAS-CHAVE: Contestado; Etnicidade; Historiografia.

A LEI 10.639/2003 NO PERÍODO ATUAL: MESA REDONDA: “DEZ ANOS DA LEI 10.639/03 – BALANÇOS E PERSPECTIVAS “ | Bruno Sergio Scarpa Monteiro Guedes | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Neste artigo busca-se analisar discursivamente um evento que ocorreu no dia 19 de abril de 2013 no auditório da Geografia da USP, intitulado como: “Mesa Redonda: “Dez Anos da Lei 10.639/2003 – Balanços e Perspectivas”. Neste encontro, foram discutidos os dez anos de obrigatoriedade da lei 10.639/2003 nos estabelecimentos oficiais de ensino do Brasil com a participação das educadoras Nilma Lino Gomes e Petronilha Gonçalves.
Palavras-chave: racismo; cultura afro-brasileira; currículos escolares, instituições educacionais.

PONTA GROSSA: O IMAGINÁRIO DA CIDADE NO INÍCIO DO SÉCULO XX | Isaias Holowate | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017.

No início do século XX, a cidade de Ponta Grossa passou por um período de aumento populacional e intensa urbanização, decorrentes da chegada dos imigrantes e da transformação de uma sociedade baseada na economia rural tropeira para uma economia mais diversificada, onde a atividade urbana passou a ter uma importância crescente. Essa modificação estrutural na sociedade ponta-grossense também se caracterizou pela ascensão dos discursos modernizantes e a chegada de símbolos do progresso, como a instalação da ferrovia e a fundação do periódico O Progresso/Diário dos Campos. No presente estudo, busca-se fazer uma análise dos discursos sobre a cidade de Ponta Grossa presentes no periódico entre 1910 e 1921, tomando por base o conceito de representação presente na obra do historiador Roger Chartier, com o objetivo de refletir a respeito da Ponta Grossa construída nas páginas do jornal, buscando revelar assim as construções, as presenças e as ausências nos discursos sobre a Ponta Grossa do início do século XX. | Palavras–Chave: Cidade. Diário dos Campos. Ponta Grossa. Representações.

PERSPECTIVAS DE CONSERVAÇÃO DE FONTES PARA PESQUISA HISTÓRICA: O PROJETO E IMPORTÂNCIA DO PIBEX NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO DOS ALUNOS BOLSISTAS | Neidi Natalia Skakum e Everton Carlos Crema | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

O projeto desenvolvido dentro do Arquivo Histórico da UNESPAR de União da Vitoria trabalhou com a digitalização de processos trabalhistas, cobranças, entre outros, para que os mesmos pudessem ser mais bem preservados e tornar mais acessível esse material para o pesquisador utiliza-lo como fonte para pesquisas de âmbito regional.
Palavras-chaves: Arquivo Histórico, processos, digitalização.

MEMÓRIAS, LUGARES DE MEMÓRIA E HISTÓRIA: O CASO DO MUSEU CAMPOS GERAIS | Matheus Mendanha Cruz | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Este artigo visa discutir como a memória influi no cotidiano e como os lugares de memória são fundamentais para a permanência destas, além de dialogarmos como estas servem de base para a formação de sentido histórico. Conversaremos os conceitos aqui discutidos com algumas exposições do Museu Campos Gerais, localizado em Ponta Grossa e administrado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), construindo assim, de maneira mais contundente e prática, a discussão acerca do papel do lugar de memória dentro da sociedade.
Palavras-Chave: Memória; Lugar de Memória; Museu Campos Gerais.

EDUCAÇÃO, DISCIPLINA E COMPORTAMENTO NAS ESCOLAS CRISTÃS DE JOÃO BATISTA DE LA SALLE | Lidiane Maria Fávero e Emerson Benedito Ferreira | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

O presente artigo tem como finalidade apresentar alguns conceitos basilares sobre a vida e obra de João Batista de La Salle. Para isso, o trabalho foi subdividido em duas partes: a primeira, trazendo uma breve narrativa da vida e da criação das escolas lassalistas, instituições de ensino que tomaram conta da França no final do século XVII e início do século XVIII; e a segunda, tentar entender a maneira como estas escolas foram organizadas e administradas, sobretudo com algumas reflexões sobre as regras de comportamento criadas por La Salle.
Palavras-Chave: História da educação; Religiosidade; Séculos XVII e XVIII; La Salle.

ENSINO E APRENDIZAGEM DA HISTÓRIA: ASPECTOS COGNITIVOS E CULTURAIS | Adriano José Dias Rodrigues | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017.

A finalidade principal do presente trabalho é uma análise acerca do ensino e aprendizagem da História: aspectos cognitivos e culturais. Desta forma, justifica-se a atualidade do assunto e introduz os conteúdos sobre este assunto organizados em torno de duas importantes dimensões do ensino da História: a cognitiva e a cultural. No que diz respeito à dimensão cognitiva, esboça-se um panorâmico sobre as capacidades e os recursos didáticos implicados em aprender a pensar historicamente. No que diz respeito à dimensão cultural, apresentam-se as razões pelas quais o ensino formal da história continua intimamente ligado à construção da identidade e a transmissão da memória coletiva. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de caráter bibliográfico com exame de uma investigação teórica acerca das duas dimensões do ensino de História. – PALAVRAS-CHAVE: Ensino de História. Pensar historicamente. Memória coletiva.

A CONSTRUÇÃO DO MUSEU JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA COMO PARTE DA IDENTIDADE CAMPO-GRANDENSE | Elaine Cristine Luz Santos de Moura | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017.

O presente trabalho resulta-se de estudos realizados durante a disciplina “Mobilidade, Globalização e Cultura Regional” ofertada pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul em 2016. Pretende-se socializar as pesquisas realizadas sobre a construção da identidade de campo-grandense sob a imagem de José Antônio Pereira, tendo como recorte a construção do Museu José Antônio Pereira, localizado em Campo Grande, MS. Partindo-se do pressuposto de que a sociedade padece de uma “miopia cultural”, conforme Schwarcz (1994), entende-se que as identidades são construções realizadas por interesses ideológicos como instrumento de unificação social. Verifica-se o patrimônio como representação da família Pereira, configurando assim o imaginário e o simbólico dos pioneiros da cidade.
Palavras-chave: identidade; patrimônio; cultura regional.

O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES | Alexandre Claro Mendes | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

O artigo tem como objetivo fornecer elementos ao professor para que ele possa introduzir em suas aulas de História Antiga o uso de documentos escritos ou iconográficos tendo como objeto uma discussão sobre o papel paradoxal da Mulher grega.
Palavras-Chaves: História, História Antiga e Ensino de História.

A UMBANDA SOB A LEI: A RELIGIOSIDADE E AFASTAMENTO DAS ORIGENS PARA O RECONHECIMENTO RELIGIOSO | Jorge Luiz Zaluski e Elenice de Paula | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Este texto visa apresentar uma reflexão sobre a religião umbanda e sua construção ao longo do século XX. Junto ao arcabouço de autores/as que investigam o tema, buscamos refletir como o Estado interferiu nas práticas religiosas no que se refere a religiões elaboradas através de matrizes africanas. Procuramos ainda, ao longo deste debate, perceber a sincronia entre intolerância religiosa e racismo, tendo em vista que ambos norteiam práticas discriminatórias e excludentes por tratar de uma religião marcada por traços afro-brasileiros.
Palavras chave: Legislação, Religião, Umbanda.

DA TABATINGA AO TECIDO: A IDENTIDADE ÉTNICA DA MÁSCARA ZAMBIAPUNGA (NILO PEÇANHA/BA) | Jamile Santos de Sena, Edson Dias Ferreira e Marise de Santana | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Esse texto é resultado de uma pesquisa sobre a identidade étnica enunciada por meio das máscaras do grupo Zambiapunga de Nilo Peçanha-Ba. Realizamos uma análise sobre as transformações plásticas ocorridas na confecção tradicional da máscara do referido Grupo, antes elaborada com um tipo de argila denominada tabatinga, sendo feita nos dias atuais com tecido de cetim. Foi identificado que mesmo perante as modificações conferidas na sua forma de elaboração, as funções ancestral e simbólica continuam a evidenciar o pertencimento identitário por parte do grupo. Argumentamos que o sentido ancestral remete ao imaterial e sentido simbólico remete à materialidade da máscara que recobre a face dos integrantes. Outro aspecto relevante a ser mencionado é que a máscara do grupo em foco, enquanto herança do legado africano, evidencia a presença de diferentes elementos que figuram grupos étnicos, seja africano, europeu ou indígena.
Palavras chave: Zambiapunga, máscara, identidade étnica.

O EXERCER DA DOCÊNCIA: OS DESAFIOS DOS CURSOS DE LICENCIATURA DA UNESPAR, CAMPUS DE UNIÃO DA VITÓRIA | Gabriel I.Covalchuk e Cristiane Brand de Paula Gouveia Pasini | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Utilizando os resultados obtidos a partir do questionário aplicado nas turmas dos cursos de licenciatura da Universidade Estadual do Paraná, Campus de União da Vitória, relativos ao ano de 2016, buscamos abordar o perfil dos(as) estudantes universitários(as), visando refletir sobre alguns dos possíveis motivos da evasão dos(as) alunos(as)deste ambiente acadêmico e também compreender por que muitos(as) estudantes estão cursando uma licenciatura sem ter o desejo de exercê-la.
Palavras-Chave: Docência; Evasão; Questionários; Levantamento de dados.

ENTRE A CRUZ E O TACAPE: | A ação da Igreja no cotidiano indígena dos Xucuru-Kariri  | Lucas Emanoel Soares Gueiros e José Adelson Lopes Peixoto | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

A partir do momento em que o europeu chegou a ‘Nova Terra’ em 1500, e estabeleceu contato com os povos nativos iniciou-se um lento processo de trocas culturais e conflitos ideológicos que resultaram em profundas transformações para os envolvidos no processo. Este acontecimento apresentado como ‘O Descobrimento do Brasil’ passa a ser visto como fundante do processo de construção identitária do indígena brasileiro. Partindo dessa premissa, o objetivo deste artigo é descrever as imposições e conflitos religiosos que se deu a partir do contato de nativos e colonizadores com o intuito de entender e discutir a identidade imposta ou forjada para os grupos indígenas localizados na capitania de Alagoas, em especial para os Xucuru-Kariri habitantes da zona Rural de Palmeira dos Índios. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica ancorada nos pressupostos teóricos de Darcy Ribeiro, João Pacheco, Roque Laraia, além dos estudos contemporâneos de Adelson Lopes, Christiano Marinho, Dirceu Lindoso, Ivan Barros, Júlio Melatti, e Marcondes Secundino. Os estudos bibliográficos instrumentalizaram a posterior pesquisa de campo na aldeia indígena Mata da Cafurna, do povo Xucuru-Kariri, em Palmeira dos Índios, interior de Alagoas.
Palavras-Chave: Colonização. Conflitos. História. Índios. Religião

O “CIENTÍFICO” E O “TARIMBEIRO”: DISCURSO MILITAR SOBRE A REVOLUÇÃO DE 30 | Ariella da Silva de Albuquerque | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Este artigo tem por objetivo tratar das relações entre o discurso de dois militares e a formação profissional militar no período da revolução de 1930. A problemática central é entender como a formação profissional de dois militares do exército brasileiro construiu historicamente categorias do que é ser militar. A trajetória profissional dos militares revela distinções nos perfis dos dois militares, um militar que segue a vida nas tropas do exército e outro que busca especializar-se nos cursos das escolas militares. Essa diferenciação que segue no vocabulário militar representando uma dualidade: representando de um lado os “bacharéis de farda” como eram chamados os oficiais que tinham formação nas escolas militares, e de outro lado os “tarimbeiros”, denominação dado ao grupo que não frequentava a escola militar. Essa dualidade revela semelhanças e diferenças dentro de uma mesma unidade, a esfera militar.
Palavras-chave: Formação profissional; militares; revolução de 30.

ESTIGMA E CONDENAÇÃO: A PRESENÇA DA FEITIÇARIA NO BRASIL E A TERCEIRA VISITAÇÃO DO SANTO OFÍCIO NO GRÃO-PARÁ (1763-1769)  | Jessica Caroline de Oliveira | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

O Brasil colonial, assim como outros lugares ocupados pela ação da fé católica, foi palco de perseguições de cunho religioso, no qual, sujeitos ligados às práticas que não fossem aceitas ou conhecidas pela doutrina cristã eram rejeitadas, (re) educadas – por vezes, através da tortura. Nesta acepção, o objetivo deste projeto de pesquisa é investigar a presença da feitiçaria no período colonial brasileiro, fazendo uso dos processos inquisitoriais da Terceira Visitação do Santo Ofício no Grão-Pará no período de 1763-1769. Este tema possibilita analisar a estigmatização das práticas mágicas, da figura do feiticeiro e sua associação à heresia e/ou ao demônio, afinal, os indivíduos que não estivessem sob o molde católico tinham de se ajustar, e em última instância, eram condenados. Para tecer algumas reflexões iniciais, o debate historiográfico estruturou-se a partir de um levantamento bibliográfico tendo como foco a feitiçaria no Grão-Pará, fazendo o uso de autores como Souza (1986), Assis (2008), Caldas (2006), entre outros.
Palavras-chave: Brasil colônia, Feitiçaria, Santo Ofício.

EXTRA! EXTRA! NA GAZETA DE NOTÍCIAS: SERÃO OS CHINS NECESSÁRIOS? | Kamila Czepula | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Nesse breve texto, pretendemos identificar e analisar como o debate referente à imigração chinesa figura em um dos jornais de maior importância e circulação no período, a Gazeta de Notícias, e quem foram os personagens que entraram nesse debate por meio do periódico, assim como os expedientes por eles utilizados, suas interpretações e a difusão dessas ideias no restante da sociedade.
Palavras-chave: Imigração chinesa, Brasil, Gazeta de Notícias.

ETNOHISTÓRIA E CLASSIFICAÇÕES INDÍGENAS: ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS | Jessica Caroline de Oliveira | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Buscando pensar sobre a História Indígena, este artigo tem por objetivo refletir brevemente sobre os conceitos que podem contribuir para a pesquisa vinculada ao Mestrado de História, Cultura e Identidades, da Universidade Estadual do Paraná, a qual tem por eixo norteador as práticas de mediação cultural durante o contexto indigenistas no século XIX. Dada a impossibilidade de apresentar ‘detalhes’ específicos deste trabalho (que está em andamento), optou-se por refletir sobre as ferramentas conceituais que podem contribuir e delinear a pesquisa, sobretudo, aquelas ligadas à Etnohistória, como também, procurar perceber como as populações indígenas são classificadas e significadas conforme as necessidades de cada momento histórico. Para atender as premissas teóricas, utilizou-se autores como Dulce Elena Canieli (2001), Fredrik Barth (1998), Isadora Lunardi Diehl (2015), entre outros.
Palavras-chave: Políticas Indigenistas; Classificações Indígenas; Etnohistória.

ELITE CAFEEIRA OITOCENTISTA: | TRANSFORMAÇÕES NAS RELAÇÕES SENHORIAIS NO VALE DO PARAÍBA | Carlos Eduardo Nicolette e Douglas Romero Vitorino de Souza | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

As pesquisas em história que abordam a zona cafeeira do Vale do Paraíba Fluminense do século XIX têm crescido substancialmente. Este artigo visa especificamente essa região e período, buscando compreender as transformações ocorridas no meio identitário e social da classe senhorial carioca à luz da cultura europeia. Para alcançar tal finalidade, tratar-se-á de dois pontos especialmente, sendo o primeiro algumas mudanças dentro do espaço da casa senhorial e as relações sociais a ela atreladas; e o segundo, compreender os aspectos relativos às transformações no campo da representação visual, à luz das cartes de visite que essa elite produziu.
Palavras-chave
Classe senhorial oitocentista; Vale do Paraíba Fluminense; Mise-en-scène europeia

O MUNDO UNIPOLAR E A GESTÃO GLOBAL: REFLEXÕES SOBRE A SOCIEDADE INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEA | Zeferino Cariço André Pintinho | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017.

O fim da Guerra Fria alterou o quadro geopolítico mundial. O sistema internacional de até então possuía dois polos de poder bem definidos, que detinham uma grande margem de distanciamento com relação aos demais países do globo. Estados Unidos e União Soviética lideraram, desde o fim da II Guerra Mundial, os rumores e a agenda da política internacional. A disputa ideológica, que colocava de um lado os capitalistas e de outro, os comunistas, moldava as Relações Internacionais do período. Esse sistema bipolar encontrou o seu ponto final com o esgotamento de um dos contendores. Diversos factores podem explicar a derrocada soviética, tais como pontos de estrangulamento internos e pressões vindas de fora. Mas o que importava efetivamente era o simbolismo da situação: a derrota da ideologia comunista e do pensamento de esquerda, cujas falhas haviam produzido Estados autoritários, sem progresso e sem crescimento. Como consequência, o novo panorama internacional indicava a vitória ideológica dos EUA que viria a assumir o contorno do mundo com a sua hegemonia unipolar (Pecequilo, 2004, p.172-173). O presente trabalho procura explorar o debate gerado em torno do Mundo Unipolar e a Gestão Global: Reflexões sobre a História Actual.
Palavras Chave: Mundo Bipolar, Mundo Unipolar, Mundo Multipolar

UM OLHAR SOCIAL SOBRE ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO E A INSERÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA DO FIM DO SÉCULO XIX | Fernando Tadeu Germinatti e Alessandra de Melo | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

O texto investiga o processo abolicionista no Brasil, sublinhando o papel das leis emancipacionistas, que de forma gradual conduziram o país ao fim do regime de trabalho escravo, mantendo no entanto, a exclusão social do negro. A proposta preliminar deste trabalho é avaliar o modo como se desenhou o processo da abolição da escravidão, examinando as propostas das leis paliativas. Deste modo, ao expor por meio deste estudo as ambiguidades e falhas da abolição, questiona-se o direcionamento e o propósito das leis abolicionistas, bem como seus reais efeitos para com os escravos.
Palavras-chave: Abolição ,Escravidão, Exclusão social, Leis abolicionistas. |

HISTÓRIA E PODER: AS ELITES NO CONFLITO TERRITORIAL EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS – AL (1979-2015) | Luan Moraes dos Santos | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

O objetivo desse artigo se situa na análise da atuação e inserção das elites nas disputas de poder, no processo de demarcação de terras, entre índios e fazendeiros, no município de Palmeira dos Índios – AL, entre os anos 1979 e 2015. As grandes retomadas territoriais e o acirramento das tensões políticas compõem o contexto de tais embates, tendo em vista a organização de movimentos indígenas desde a segunda metade do século XX, em oposição à coalizão de posseiros e grileiros dos territórios atualmente visados no moroso processo de demarcação. Assim, para entender as elites como uma forma de poder, partimos dos pressupostos teóricos de Boaventura de Souza Santos (1999) e com o intuito de analisar fontes escritas numa tentativa de reconstituição do passado, utilizamos as indagações de Francisco C. Falcon (1998). Portanto, em nossa tentativa de dar sentido histórico as transformações dos índios do Nordeste em sua (re)modelagem cultural, partimos da premissa dos índios misturados defendida por João P. de Oliveira (1998) e nas discussões de território elencadas por José Maurício Arruti (1999).
Palavras-chave: Demarcação. Disputa. Índios.

O CURRÍCULO DE HISTÓRIA E A LEI 10.639/2003: CO-CONSTRUINDO VERSÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA E AS QUESTÕES ÉTNICO – RACIAIS | Bruno Sergio Scarpa Monteiro Guedes | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

Neste artigo buscou-se analisar discursivamente o posicionamento de uma professora de História sobre a aplicabilidade da lei 10.639/2003 no município de Nilópolis. Dentre os tópicos abordados na entrevista, busquei abordar especificamente a percepção da professora sobre o currículo de História, o posicionamento da direção escolar e dos outros docentes da instituição de ensino e de sua formação para as questões étnico-raciais.
Palavras-chave: relato docente; lei 10.639/2003; análise discursiva.

BRASÕES E ARMARIAS: DE TRECOS A TESTEMUNHOS DOS HOMENS NO TEMPO | Daniel da Silva Miranda | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017.

Considerando as alterações teórico-metodológicas como um continuum na historiografia, e que estas mudanças representam construções e desconstruções do que se considerou e considera-se entre os historiadores como fontes para a pesquisa do homem no tempo. O presente artigo pretende indicar possibilidades e discussões de autores para a produção historiográfica, com o enfoque da utilização de brasões e armarias como fontes tangíveis ao ofício do historiador. – PALAVRAS-CHAVE: Heráldica; Iconografias; Identidade visual.

GÊNERO, MEMÓRIA E EDUCAÇÃO: CIVILIDADE E ETIQUETA NO “EDUCAÇÃO FAMILIAR” | José Roberto Corrêa Such | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

O objetivo é propor uma reflexão sobre a educação na Escola Normal a partir de duas perspectivas: materiais guardados – no caso, manuais de civilidade – e em testemunhos de ex-alunas e professoras para pensar a memória feminina. Assim, pretendo pensar um elemento presente na educação feminina na Escola Normal – aulas de civilidade e etiqueta – e como isto está presente na memória de ex-alunas do Colégio de Educação Familiar de Curitiba/PR. A partir das categorias de gênero e memória, pretendo analisar relatos de ex-alunas desta escola para pensar a maneira como as construções sociais de civilidade e boas maneiras estão presentes na memória das alunas e que significados elas dão a esse tipo de educação em suas lembranças. Ao mesmo tempo em que as lutas contra a desigualdade de gênero anseiam por um acesso igualitário à educação para homens e mulheres, percebe-se nesses relatos um evidente saudosismo por parte de algumas ex-alunas por um antigo modelo de educação voltada para formar esposas, mães e donas de casa. Em um momento onde a “bela, recatada e do lar” assume uma posição de destaque no debate publico, essa discussão permite estabelecer uma relação com a atualidade e entre visões progressistas e conservadoras de educação.
PALAVRAS-CHAVE: Gênero, Memória, Educação, Civilidade, Boas Maneiras

LUIZ GAMA: IDENTIDADE ÉTNICA, ABOLIÇÃO E LITERATURA | Gessica Santos Seles e Itamar Pereira de Aguiar | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, 2017. |

O presente artigo, intitulado Luiz Gama: identidade étnica, abolição e literatura, objetiva abordar a construção da identidade do poeta, filho de Luiza Mahin, através dos dados sobre suas origens étnicas, evidenciando os elementos que fortaleceram os seus ideais e impulsionaram a resistência. Para tanto, foram utilizadas obras cujos autores desenvolveram os conceitos: Identidade, Etnia e Etnicidade. O texto foi organizado em três seções, abordando as categorias e conceitos específicos, relacionando-as com as atividades de jornalista, poeta, advogado e militante abolicionista, na defesa dos direitos de africanos e afro-brasileiros no século XIX, em um império de escravocratas e racistas.
PALAVRAS-CHAVE: Luiz Gama; Identidade; Etnicidade; Abolição; Literatura.

RITOS DO TROVÃO (LEIFA雷法): UMA VISÃO GERAL DAS PRINCIPAIS LINHAGENS E ESCRITURAS BASEADA EM ESTUDOS RECENTES | Bony Schachter [Convidado Especial]

Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

CANÇÕES, DOCUMENTOS E JOGOS EM TORNO DO ENSINO SOBRE A DITADURA MILITAR | Andréia Sznicer | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017. |

O presente trabalho tem por objetivo demonstrar os resultados obtidos durante o estágio, que foi aplicado no Colégio Estadual do Campo Professor Francisco Gawlouski, na disciplina de História, no qual foi utilizado diversas metodologias de ensino, visando uma aprendizagem mais igualitária, assim como a participação d@s alun@s no decorrer das aulas, aproximando desta forma professor@ e alun@, para que assim a turma se sentisse mais à vontade para se expressar com indagações e colocações, buscando um entendimento do assunto.

O ENSINO DE HISTÓRIA SOBRE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL DIÁLOGOS INTERTEXTUAIS | Dulce Casagrande | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

A finalidade do Trabalho Final de Estágio Supervisionado do curso de Licenciatura em História é relatar a experiência de estágio realizado no colégio Dr. Lauro Müller Soares, localizado na cidade de União da Vitória, estado do Paraná. O tema proposto para o estágio foi a Segunda Guerra Mundial, tendo como objetivo trabalhar de uma forma que pudesse abordar o tema sob diversos pontos de vista, não somente apresentando as grandes batalhas e os importantes fatos que ocorrem no conflito, mas também ressaltando a necessidade de frisar a experiência do indivíduo comum que esteve inserido no contexto refletindo com os estudantes sobre qual foi a herança deixada pela guerra para o mundo contemporâneo, concluindo que desta maneira o conflito possa ter algum sentido na vida dos (as) alunos (as) e passando ser compreendido de maneira mais fácil para os (as) mesmos (as).

MINERAÇÃO NO BRASIL COLONIAL: COMO TRABALHAR O TEMA EM ‘DUAS TURMAS IGUAIS’, MAS OBTER RESULTADOS DIFERENTES? | Luana Pires de Lima | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

O intuito deste trabalho foi descrever a experiência da docência em sala de aula, realizada no Colégio Estadual Túlio de França. O tema proposto para as aulas do estágio foi “Mineração no Brasil colonial: o ciclo do ouro”. Procurei levar aos alunos diferentes metodologias de ensino, para que os mesmos pudessem compreender o conteúdo de forma mais significativa. O referencial teórico está pautado nos seguintes autores: Paulo Freire, Jörn Rüsen, Isabel Barca e Antonia Osima Lopes. Utilizo-os não só para refletir a nossa educação e o ensino de história atualmente, mas também, pensar as melhorias que podemos realizar no nosso dia a dia, principalmente no ambiente escolar. |

O ENSINO DE HISTÓRIA E A PROBLEMÁTICA DO CURRÍCULO | Nadine Nogara | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017. | O objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão entre a teoria e a prática do ensino de história através da experiência dos estágios supervisionados requisitados no último ano do curso de licenciatura em história da UNESPAR – Campus de União da Vitória, estabelecendo ligação com as propostas para o ensino desta disciplina nas escolas com as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná, tendo como embasamento teórico as ideias de Jörn Rüsen e Isabel Barca, para pensar sobre a importância de se trabalhar o uso de diferentes metodologias durante as aulas de História, para que se tenha uma aprendizagem eficaz durante o processo de construção do saber histórico de nossos alunos e alunas, bem como sobre a questão do desenvolvimento da consciência histórica.

A LEI COMO DEFESA? ANÁLISE SOBRE A LEI 10.639/2003 EM SALA DE AULA | Solange Fragoso | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

O presente trabalho tem por objetivo demonstrar os resultados obtidos durante o estágio, que foi aplicado no Colégio Estadual Túlio de França, na disciplina de História, na turma do 1º ano do Ensino Médio no período matutino, com o professor regente Aristides Leo Pardo. Foram utilizadas algumas metodologias de ensino, assim proporcionando um ensino diferenciado e que visou o desenvolvimento da consciência histórica. Desta forma os (as) alunos (as) participaram e interagiram de uma forma mais acentuada, através das atividades desenvolvidas.

DESENVOLVENDO CONCEITOS ATRAVÉS DO ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL COLÔNIA: MEDICINA NO PERÍODO COLONIAL | Vivaldino Gonçalves Junior | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

O presente trabalho tem como intuito analisar a teoria e prática no ensino de história, sobre olhares das aulas de estágio, das quais relato as experiências que apliquei no CEEBJA, Centro Estudantil de Educação Básica para Jovens e Adultos. A perspectiva teórica e metodológica no campo da História e os métodos de ensino foram pautados em autores como Paulo Freire, Fernando Seffner, Maria Auxiliadora Schmidt que oferecerem um pressuposto teórico para a busca da excelência na prática. As aulas tiveram como tema a medicina no Brasil Colonial, mais precisamente nos anos da publicação do Erário Mineral, do cirurgião Luiz Gomes Ferreira, que em sua passagem ao Brasil, retrata o dia a dia dos tratamentos médicos, principalmente da população pobre e escrava, na Minas Gerais, nos anos (1735-1770). Como metodologia, foi utilizado o método de aula expositiva dialógica, buscando a interação entre professor e aluno, utilizando das opiniões e posicionamentos deles para direcionar as aulas a partir do conhecimento prévio que possuíam, tornando as aulas mais agradáveis e motivadoras para o estudante. Os relatos são fundamentados em doze aulas de regência e nove de coparticipação, na cidade de União da Vitória, Estado do Paraná. Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.


CONSTRUINDO NOVOS SABERES A PARTIR DA INTERDISCIPLINARIDADE: O USO DO TEMA “VAMPIRISMO” EM SALA DE AULA
| Danieli Ramos dos Santos | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017. |

O presente trabalho visa demonstrar como se deu a prática de estágio supervisionado como requisito para conclusão do curso de licenciatura em História da Universidade Estadual do Paraná (Campus União da Vitória). Tem como principal objetivo demonstrar como se deu o aprendizado d@s alun@s ao decorrer das aulas referente à temática Primeira Guerra Mundial, foca-se especificamente no movimento artístico cultural intitulado como Expressionismo Alemão. Este nascido em meados de 1920 que demonstrava a partir de manifestações culturais o sentimentalismo alemão pós Primeira Guerra, movimento principalmente voltado ao cinema que no filme Nosferatu – Eine Symphonie des Grauens (1922) destaca a importância da representação e da simbologia do vampiro dentro do estudo da história. Também visado a importância da vinculação dessa temática com a vida pratica d@s estudantes, referenciando influências do Expressionismo ate nos dias de hoje e principalmente destacando a importância da estética do movimento gótico como permanência da representação do movimento.
Palavras Chaves : Vampiro; Expressionismo Alemão; Primeira Guerra Mundial.

| ESCRAVIDÃO: A IMPORTÂNCIA DE ENSINAR O ALUNO A PENSAR HISTORICAMENTE A PARTIR DO USO DA AULA EXPOSITIVA DIALÓGICA E DO CINEMA EM SALA DE AULA | Eliane Luczkiewicz da Silva | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017. |

Neste presente artigo escrevo sobre o universo das relações de ensino e os problemas presentes entre alunos e professores dentro do meio escolar, e o que podemos fazer para mudar essa realidade. Destaco ainda sobre a importância do uso do cinema em sala de aula. Além dos assuntos acima relato minha experiência de estágio e como essa prática maravilhosa influenciou em minha vida.
Palavras Chaves: Escola, Ensino e Aprendizado.

CONSTRUINDO SABERES EM SALA DE AULA: DEBATES SOBRE RACISMO A PARTIR DO MÉTODO DA AULA – OFICINA | Felipe Rosenthal Rabelo | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017. |

O objetivo deste TFES (Trabalho Final de Estágio Supervisionado) do curso de História é descrever a experiência de estágio realizado na Escola Estadual Neusa Domit localizada no munícipio de União da Vitória/PR. O racismo foi o tema escolhido para ser abordado no estágio sendo aplicado através do método da Aula Oficina de Isabel Barca, simultâneo a este processo, também levamos em consideração a ideia de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky que nos revelam a importância do estudante se perceber como sujeito histórico, bem como os princípios de aprendizagem do psicólogo Carl. R. Rogers.
Palavras Chave: Educação; racismo; teoria e metodologia da história.

ESCRAVIDÃO NO BRASIL: A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E O USO DE FONTES EM SALA DE AULA PARA UMA APRENDIZAGEM EFICAZ | Janaíne de Kássia Dias | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

A finalidade deste TFES (Trabalho Final de Estágio Supervisionado) do curso de História é descrever a experiência de estágio realizada na Escola de Educação Básica Professor Germano Wagenführ, localizada no município de Porto União /SC. O tema proposto para os estágios foi Escravidão no Brasil, tendo como objetivo levar os alunos a observarem e compreenderem as consequências tidas por conta da escravidão na vida dos indivíduos e na própria sociedade, bem como as modificações e as permanências ocorridas durante os anos. Fernando Seffner, Jörn Rusen, Isabel Barca, são os teóricos que utilizo como base para pensar tanto sobre a importância de se trabalhar com o uso de fontes durante as aulas de História para se ter uma aprendizagem eficaz durante o processo de construção do saber histórico de nossos alunos, como também sobre a questão do desenvolvimento da consciência histórica. – PALAVRAS-CHAVE: : Consciência Histórica; Escravidão; Ensino de História; Uso de Fontes.

POLÍTICA, GÊNERO E REVOLUÇÃO: PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO FRANCESA | Jean Marcos Bonatto | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

O objetivo desse artigo é fazer uma análise entre a teoria e a prática de ensino utilizando-se de três aspectos importantes da Revolução Francesa. Primeiramente a Política, pois, é inerente ao tema analisado. As perspectivas de gênero, que são recorrentes nos estudos, sobretudo da Revolução Francesa. E o conceito de Revolução, que se fazem necessários para que os alunos compreendam o cenário sócio-político da época. – PALAVRAS-CHAVE: Ensino de História, Revolução Francesa, Política, Gênero.

A REVOLUÇÃO HAITIANA EM SALA DE AULA: CONSTRUINDO O CONHECIMENTO HISTÓRICO ATRAVÉS DA HISTÓRIA ORAL E DA DIALÉTICA | Leanderson Cristiano Voznei | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

O Haiti possui uma belíssima história, porém, nem ele e tampouco sua história, recebem ainda a devida atenção por parte dos pesquisadores. Este fato traz legitimidade a sua investigação e promove a necessidade de abordar sua temática em sala de aula, tendo em vista não só sua contribuição histórica, mas, também a importância de conhecer os fatores culturais e/ou sociais que apresentam as discrepâncias ou semelhanças entre brasileiros e haitianos. Estes últimos encontram-se em processo migratório ao Brasil desde o ano de 2010 e, dada a particularidade deste público, bem como a escassez de fontes que possibilitem este trabalho, nos deparamos com a necessidade de conhecer e suscitar novas formas metodológicas para verificação ou captura destes fatos históricos. Desta premissa surge a história oral, nascida no berço dos “Annales” na primeira metade do século XX na França e desembarcada no Brasil na década de 1950, de lá para cá, esta metodologia vem servindo de amparo a pesquisas, que muitas vezes, por falta de fontes escritas não ganhavam atenção por parte dos pesquisadores. – PALAVRAS-CHAVE: Haiti, Revolução Francesa, História Oral.

GRÉCIA ANTIGA: A DIVERSIDADE DE INSTRUMENTOS AVALIATIVOS PARA O DESENVOLVIMENTO DAS COMPETÊNCIAS COGNITIVAS EM SALA DE AULA | Morgana Lourenço | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

Pensar em educação é sempre algo importante ainda mais quando estamos tratando de questões relacionadas ao modo como avaliamos nossos alunos, além disso é importante verificar o modo como esses alunos estão aprendendo. Portanto este trabalho tem como objetivo principal analisar a importância dos professores utilizarem em sala de aula diversos instrumentos avaliativos para que desenvolvam as competências cognitivas dos alunos e assim obtenham um aprendizado significativo. Do mesmo modo também discutimos algumas formas de tornar as aulas de História mais significativas para um melhor aprendizado em sala de aula. – PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem; Competências; Ensino de História; Instrumentos Avaliativos.

DESENVOLVENDO CONCEITOS ATRAVÉS DO ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA: PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES  | Neidi Natalia Skakum | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

Trabalho final de estágio supervisionado traz os resultados obtidos do estágio que apliquei na Escola de Educação Básica Antônio Gonzaga na disciplina de História, na qual propus visar as diferentes maneiras e aprendizado que os alunos possuem, valorizando principalmente o diálogo e debate entre professor e aluno, fazendo com que o aluno participe ativamente da aula, no qual possa trazer seus conhecimentos para a aula e assim tornar o aprendizado mais amplo. – PALAVRAS-CHAVEs: diálogo, aula expositiva, leitura, atividades diversificadas.

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA E O ESTUDO DO MEIO COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA | Taciane Fernanda Silva | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

O objetivo deste TFES (Trabalho Final de Estágio Supervisionado) do curso de História é descrever a experiência de estágio realizado no Colégio Estadual Novo Milênio localizado no munícipio de Bituruna/PR. Revolução Industrial e Revolução Francesa foram os temas propostos para serem abordados no estágio, tendo como objetivo contextualizar a realidade dos alunos e alunas com esses processos que determinaram mudanças nas estruturas do trabalho e da vida em sociedade. Paulo Freire, Fernando Seffner, Circe Maria Fernandes Bittencort, Selva Guimarães Fonseca, Antonia Osima Lopes e Isabel Barca, são os teóricos que serviram de base para minha reflexão sobre o ensino, teoria e metodologia na sala de aula superando o tradicional. Palavras Chave: Revolução; Ensino de História; Teoria e metodologia.

FORMANDO UMA CONSCIÊNCIA HUMANIZADA: A HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO E SUA RELAÇÃO COM O TEMPO PRESENTE | Tamires Nepomoceno Franco | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

O Trabalho Final de Estágio Supervisionado (TFES) tem como objetivo relatar a experiência de estágio realizado no Colégio Estadual São Mateus no segundo ano do ensino médio. Abordando a escravidão durante as aulas, o intuito central foi relacionar a situação da população negra atual do nosso país com a grande catástrofe histórica. O texto fundamenta-se em relatar o referencial teórico que proporcionou a base para o desenvolvimento das aulas, o relato de experiência e os resultados obtidos através da análise da narrativa dos estudantes. Palavras Chave: Ensino de História, Escravidão, Metodologia.

POR UMA DIDÁTICA HUMANISTA DA HISTÓRIA: O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A RESISTÊNCIA DA ESQUERDA NA DITADURA MILITAR BRASILEIRA 1964-1985 | Thays Bieberbach | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2017.

Vivemos um momento político muito conturbado no Brasil. Os direitos conquistados em décadas de lutas estão sendo retirados da população sob o discurso da democracia, justiça e melhorias. Este trabalho resgata a resistência que esquerda fez durante a ditadura militar brasileira e como foi trabalhar essa temática em sala de aula com estudantes do 9º ano do ensino fundamental e 1º ano do ensino médio. Compreender que resistir a regimes totalitários é importante e que essa resistência começa na sala de aula quando o estudante tem a possibilidade de questionar e refletir. Palavras Chaves: Ditadura; Esquerda, Política, Escola

A Cultura Escrita em Perspectiva / Revista Maracanan / 2017

Cultura escrita – conhecimento e poder: duas faces da mesma moeda?

Mesmo que não sejamos exclusivamente uma sociedade baseada na cultura escrita e embora tenha perdurado no Brasil uma forte tradição oral, resultante do persistente alto índice de analfabetismo – estimado em 82,3% da população no primeiro censo oficial realizado em 1872 e ainda parte do cenário nacional no ano 2000, registrando a marca de 16,7% [1] –, já foi extensivamente demonstrado pelos estudos historiográficos o papel crucial exercido pela escrita, seja ela manuscrita ou impressa, no processo de construção do Brasil. Ademais, sua produção, assim como o seu posterior arquivamento possibilitaram aos historiadores do século XX expandir suas indagações acerca de diversos objetos, acompanhando de perto a produção historiográfica mundial, principalmente a partir dos anos 1970, quando se iniciou a expansão dos programas de pós-graduação no país.

Assim, se por um lado os manuscritos, atualmente tomados como fontes históricas, têm sido crescentemente explorados e problematizados pelos historiadores dedicados ao período anterior à permissão oficial para a instalação de tipografias no Brasil (entre 1808 e 1820), também os impressos produzidos em território nacional, a partir do Oitocentos, têm sido alvo crescente de investigações. Ademais, foi ao longo do século XIX que a palavra (então impressa), no Brasil, conseguiu alçar uma mentalidade abstrata [2] que lhe conferiria legitimidade, permitindo-lhe ocupar um lugar estratégico nesta sociedade. Além do mais, a produção de conhecimento, enquanto base de uma cultura fortemente influenciada por uma mentalidade iluminista [3] − perpassada pela cultura escrita −, passou a ocupar um papel central também no Brasil a partir do XIX, com o efervescente processo de criação de instituições como museus, faculdades, bibliotecas e etc.

Tanto através de instituições forjadas pelo Estado, como por meio de iniciativas particulares de cunho comercial – a exemplo das casas tipográficas e livrarias – foi se construindo um ambiente crescentemente familiar a essa cultura escrita, conhecida pela população diretamente ou indiretamente, “por ler, ouvir ler ou ouvir falar”. Pois, como destaca Marialva Barbosa, mesmo aqueles indivíduos analfabetos faziam parte do mesmo universo comunicacional dos letrados, através de um imbricamento entre o oral e o escrito.

De forma geral, como asseveram autores dedicados à história do livro e da leitura, como Robert Darnton e Roger Chartier, foi “revolucionário” o impacto da invenção de Gutenberg para a cultura escrita nas sociedades ocidentais. A impressão, ao possibilitar a reprodução, cada vez mais eficiente e barata, de vários exemplares idênticos ao mesmo tempo, possibilitou uma aceleração do processo de circulação de ideias nacional e internacionalmente. Processo que se intensificou com a agilização dos transportes terrestres e marítimos no século XIX. As novas tecnologias tipográficas e de transportes possibilitaram, portanto, uma intensificação das trocas de informações e conhecimentos entre intelectuais e cientistas de diferentes países do hemisfério.

Ao mesmo tempo, a cultura escrita adquiria, paulatinamente, mais importância nas dinâmicas societárias de poder, associadas ao desenvolvimento científico, cultural, político e econômico. Cultura escrita, conhecimento e poder passaram a constituir “faces de uma mesma moeda”, faces em constante interação e sobreposição com diferentes resultantes de acordo com os variados atores e contextos em questão.

Tendo em vista as questões sumariamente apresentadas, vamos tratar dos artigos que compõem a Edição nº 16 da Revista Maracanan, cujo tema proposto para o dossiê foi Cultura escrita em perspectiva. Pretendíamos com esta chamada reunir trabalhos inéditos, resultantes de pesquisas que versassem sobre a cultura escrita em suas mais diversificadas manifestações, focando em manuscritos ou impressos, e com atenção para as correlações entre a cultura escrita e a política, a cultura, a economia e a ciência, sob diferentes enfoques teóricos e metodológicos.

Na atual edição conseguimos reunir, após rodadas de avaliações dos textos submetidos à pareceristas ad hoc, 14 artigos, sendo: 7 pertencentes ao Dossiê, 3 à seção de artigos livres, 2 notas de pesquisa e 2 resenhas.

Abrindo o dossiê, trazemos o artigo do historiador Ronaldo Vainfas que apresenta um balanço historiográfico de uma produção bibliográfica nacional sobre a colonização do Brasil, em especial sobre o período filipino (1580-1640), abarcando obras clássicas de autores como Francisco Adolfo de Varnhagen, Capistrano de Abreu, Pedro Calmon, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior (entre outros), até pesquisas universitárias mais recentes. Intentando “reforçar a importância do estudo da colonização no período filipino como problema de investigação relevante e não apenas como acidente de percurso cronológico”, argumenta se tratar de um período histórico crucial, devido à relevante inflexão produzida pela governação filipina na formação colonial do Brasil com a introdução do “exclusivo comercial”.

O artigo oferece panorama completo e atualizado para todos aqueles que intentam enveredar por essa temática, além de apresentar as premissas defendidas por um historiador bastante experiente e premiado, autor de livros e artigos sobre a história ibérica e ibero-americana na época moderna. O segundo artigo, de autoria de Maria Cristina Bohn Martins, intitulado Cultura escrita e projetos coloniais: “A Descrição da Patagônia” de Thomas Falkner, apresenta uma análise sobre um manuscrito produzido pelo jesuíta Thomas Falkner, acerca de um período de quase 40 anos em que morou na região do Rio da Prata, em especial nos territórios da Pampa-Patagônia da atual República Argentina. O livro analisado, publicado em 1774, a partir deste relato, apresentava um “quadro de informações inéditas ao público europeu, especialmente inglês, sobre territórios que mesmo os espanhóis pouco conheciam”. Martins destaca a singularidade deste texto em comparação aos produzidos contemporaneamente por religiosos jesuítas (interessados no trabalho de evangelização dos nativos). Falkner veio para a América comissionado pela Royal Society de Londres, como os viajantes naturalistas típicos de sua época e seu interesse era decodificar o mundo a partir da ciência, não rememorar o trabalho missionário dele e de seus colegas. A contribuição da autora vai, no entanto, além de uma análise dos aspectos que perfazem a obra, já que ele atenta para questões relacionadas à sua edição, publicação e recepção, se constituindo como um bom exercício de aplicação de uma metodologia bem embasada nos debates concernentes ao campo da história do livro e da leitura.

O artigo de Felipe Cittolin Abal, O Relato como vingança: as memórias de Stanislaw Szmajzner, consiste numa análise do livro Inferno em Sobidor: a tragédia de um adolescente judeu de Stanislaw Szmajzner, escrito por um ex-prisioneiro do campo de extermínio de Sobibor na Polônia que, posteriormente, passou a residir no Brasil onde publicou suas memórias. A escrita e a publicação desta obra autobiográfica, escrita por um sobrevivente sobre os horrores dos campos de concentração nazista, evidenciam, para Abal, o desejo do autor de imortalizar-se como um herói e vítima dos horrores nazistas. A publicação de suas memórias atenderia ao seu sentimento de vingança frente às humilhações e agressões sofridas, ao passo que pretendia servir como uma lição, um alerta para que os horrores não mais se repetissem. Ao que conclui que Szmajzner teria feito um bom uso dos abusos da memória, ao fazer de seu livro uma forma de buscar justiça ao genocídio cometido contra os judeus. Apesar de se tratar de um tema denso, o autor busca aporte em uma extensa discussão bibliográfica acerca da escrita autobiográfica para analisar a obra em questão, problematizando-a.

Saindo das fronteiras nacionais, trazemos a pesquisa de Madalina Elena Florescu. As autobiografias também são o seu tema no artigo “Autobiografias angolanas”: um gênero em questão. A autora desenvolve um interessante esforço de debate teórico e metodológico com foco nas potencialidades e problemáticas associadas à análise de memórias autobiográficas angolanas. O ponto fulcral de sua proposta consiste na utilização da metáfora do “palimpsesto” para pensar a textualidade como uma forma de memória. Tal metáfora, segundo Florecu, busca evitar os “guetos etnolinguísticos ou etnográficos” dos discursos nativista ou pós-colonial. Além de apresentar relevante contribuição concernente ao debate sobre a produção e análise de memórias históricas, memórias autobiográficas e biografias, a autora mergulha em um estudo de caso através da análise da obra intitulada Minhas origens e aprendizagem: uma autobiografia, do cardeal angolano Alexandre do Nascimento, publicada pela imprensa do governo de Angola em 2006.

Alexandre Guilherme da Cruz Alves Junior, em Memórias de um pornógrafo: a revista Hustler, liberdade de expressão e a política nos Estados Unidos (1970 – 1980), analisa as memórias do polêmico Larry Flint, fundador e editor-chefe da Hustler magazine, sobre o período de lançamento e consolidação da revista no mercado pornográfico norte-americano nos anos 1970-1980. Enfatiza, por outro lado, a sua atuação na revista como um meio de atuação política e cultural estadunidense, haja vista que Flint alcançou, nos anos 1990, o status de militante pela defesa da liberdade de expressão e imprensa nos Estados Unidos. Suas conturbadas memórias evidenciam como mesclou a luta pela liberdade de expressão e de imprensa com business, passando por diversas polêmicas, processos judiciais e até mesmo por um atentado à bala que o deixou numa cadeira de rodas.

Fernando Cezar Ripe e Giana Lange Do Amaral analisam um conjunto de obras publicadas em Portugal (de fins do XVII ao XVIII) que tratavam dos cuidados relativos à infância, no artigo intitulado O dispositivo da cultura escrita na constituição do sujeito infantil moderno: evidências em impressos portugueses do século XVIII. A partir do arcabouço teórico construído por Michel Foucault, defendem que “foi somente com a modernidade que a população se tornou objeto tanto de interesse de diferentes campos do saber como de gerenciamento do Estado”. Tal interesse se traduziria, pois, pela utilização de impressos como dispositivos estratégicos de busca de homogeneização dos comportamentos da sociedade portuguesa no que concernia às questões morais, religiosas e políticas. Tais dispositivos são legitimados, segundos os autores, por uma extensa lista de publicações que colocavam as crianças como alvos de cuidados, proteção e educação a serem implementados por uma sociedade paulatinamente pautada por códigos disciplinares.

Fechando o dossiê, trazemos o artigo de Antônio Sérgio Pontes Aguiar e Ruben Maciel Franklin, intitulado Romantismo nos trópicos: motivos literários no Brasil Oitocentista. O texto apresenta o resultado de reflexões acerca da emergência do romantismo no Brasil, a partir dos debates promovidos por romancistas e críticos ao longo do século XIX. Analisam, assim, as principais obras lançadas no Oitocentos, visando compreender o romantismo como um movimento literário e artístico que trouxe à tona uma série de questões concernentes à afirmação de uma identidade nacional, num contexto de afirmação da Nação recém-independente.

Iniciamos a seção de artigos livres com o texto de Carlos Augusto Bastos intitulado Demarcações e circulações nas fronteiras da Amazônia ibérica (c.1780-c.1790). Com ele, retornamos ao tema das disputas entre Portugal e Espanha, agora no tocante à demarcação das fronteiras ultramarinas, no século XVIII. Na América do Sul, conforme destaca Bastos, a Amazônia figurava como uma das áreas de conflitos fronteiriços entre as duas coroas ibéricas e as demarcações de limites realizadas na região pelas comissões demarcadoras, entre 1780- 1790, procuraram definir as soberanias territoriais hispano-portuguesas, assim como viabilizaram diferentes formas de circulação na região de fronteira. Neste âmbito, são exploradas pelo autor, as relações permeadas por tensões e auxílios, aproximações e desconfianças, alianças e competições entre as comissões demarcadoras de Portugal e Espanha que, ao mesmo tempo em que cumpriam seus trabalhos de demarcação (com vistas ao controle de áreas confinantes), alimentavam interações e circulações nessa região do continente.

Henrique Pinheiro Costa Gaio, em Entre passado e futuro: pessimismo e ruína em Retrato do Brasil de Paulo Prado, volta suas atenções para a obra de Paulo Prado, Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira (1928), em especial ao seu Post-Scriptum. O autor propõe um novo olhar sobre esse clássico, pois considera equivocada a leitura corrente que enfatiza somente o aspecto pessimista de sua interpretação do Brasil. Assim, considerando o seu Post-Scriptum argumenta que neste texto Paulo Prado muda a sua postura frente a um passado pouco edificante apresentado em Retrato do Brasil, revelando uma “disposição combativa que visa romper com o peso do passado e com o que acredita ser o equivocado desenrolar da história nacional”.

O trabalho de Gustavo Granado, A Ascenção da Extrema-direta na França, é o terceiro e último texto da seção de artigos livres. Nele, o autor analisa o fortalecimento da Frente Nacional (partido de extrema-direita francês), principalmente após a posse de François Hollande. Partindo de sua fundação em 1972, quando surgiu como um partido político “cuja ideologia era lutar contra a imigração, internalização da economia e a valorização constante do nacionalismo francês”, vai demonstrando como que, mesmo de forma tímida, o partido foi ganhando representatividade no cenário nacional a ponto de se tornar um partido político temido pelos partidos tradicionais a partir de 2014.

Entre as notas de pesquisa temos os artigos de Raphael Silva Fagundes e Mariana Albuquerque Gomes. Fagundes, em Uma nação fundada com lágrimas: uma análise da retórica nas cerimônias fúnebres do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1839-1848), analisa a estratégia retórica utilizada por membros do IHGB “para a promoção de um projeto político que visava à construção de uma identidade nacional una e indivisa”. Centrando-se na Revista do IHGB, distribuída em diversas províncias do Império do Brasil, analisa os discursos fúnebres, argumentando que eles se constituíam como um investimento numa retórica ligada às emoções. Assim, pretendiam construir um discurso unívoco, face à possibilidade de dispersão, enfatizando uma retórica da nacionalidade que procurava forjar a existência da nação com base na figura de “brasileiros” exemplares, ali alçados a representantes da nação.

Mariana Gomes, por outro lado, propõe compreender as experiências estéticas simbolistas que pensaram o corpo no final do século XIX, no Brasil. Em Pierrot, entre risos e zombarias: notas sobre a tendência coloquial-irônica das experiências estéticas simbolistas, a autora apresenta resultados parciais de uma análise centrada no hebdomadário literário e ilustrado Pierrot, publicado no Rio de Janeiro a partir de 1890. Pierrot, segundo a autora, “apresentava uma proposta de crítica irônica e irreverente, valendo-se dos temas do cotidiano, da oralidade e dos signos da cultura popular como motes de zombaria e sátira” o que fazia com que suas matérias reverberassem em outras publicações como A Tribuna, Cidade do Rio e Gazeta de Notícias. Destaca, assim, a importância da independência desta publicação que não contava com vínculos institucionais, anúncios ou formas de financiamento, para a atuação autônoma tão fundamental para os escritores simbolistas do período.

Encerram a edição as resenhas dos livros de Robert Darnton, Censores em ação: como os estados influenciaram a literatura (2016), e de Emília Salvado Borges, A Guerra da Restauração no Baixo-Alentejo (2015), respectivamente de autoria de Fabiano Cataldo de Azevedo e Luiz Felipe Vieira Ferrão.

Não poderíamos dar por encerrada esta apresentação sem antes nos manifestar sobre a grave crise pela qual passa a Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A Universidade é, sem dúvida, o corolário de uma sociedade pautada pela cultura escrita. Ela é a base de toda a produção e divulgação acadêmica. É através da escrita que trazemos à tona as pesquisas que desenvolvemos na Universidade, tornando-as públicas e por isso, passíveis de serem incorporadas pela sociedade. É também a cultura escrita a base do ensino e da extensão de toda Universidade. Portanto, tratar dessa cultura escrita em um momento de completo descaso com uma Universidade como a UERJ nos faz refletir sobre a importância, ou melhor, sobre a falta de importância conferida pela sociedade ao ensino e à pesquisa no nosso país, no atual contexto político e econômico. Esta é, com certeza, uma oportunidade de refletirmos sobre a importância desse conhecimento construído nas fronteiras universitárias e sobre a relação que o poder estabelece com esse conhecimento.

As condições em que essa edição vem ao ar são deploráveis. Salários e bolsas de professores e estudantes envolvidos atrasados, além de uma estrutura física completamente sucateada pela falta de interesse do poder público pela manutenção deste espaço de excelência em ensino, pesquisa e extensão.

A capa, com detalhes pretos, é a expressão do sentimento de luto compartilhado pela comunidade acadêmica neste triste momento. A publicação desta revista um ato de resistência. Mas até quando isso será possível?

Notas

  1. É importante destacar que somente no Censo de 1960 foi registrado um índice de analfabetismo inferior a 50%, perfazendo 46,7% da sociedade brasileira.
  2. BARBOSA, Marialva. A história cultural da imprensa: Brasil, 1800-1900. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010.
  3. PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. A imprensa como uma empresa educativa do século XIX. Caderno de Pesquisa, São Paulo, n.104, p.144-161, jul. 1998. Para uma visão mais geral sobre o conhecimento ver: BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

Monique de Siqueira Gonçalves – Doutora em História das Ciências pela Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz) e atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em História da UERJ, como bolsista Nota 10 FAPERJ.

Tânia Bessone – Doutora em História pela USP, professora Associada da UERJ / IFCH / Departamento de História, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História, Procientista, Pesquisadora Bolsista do CNPq, sócia Honorária do IHGB.


GONÇALVES, Monique de Siqueira; BESSONE, Tânia. Apresentação. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, n.16, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Galego e Português Brasileiro: história, variação e mudança | LaborHistórico | 2017

Dando continuidade ao trabalho iniciado no primeiro número de 2017, os artigos presentes neste dossiê da revista LaborHistórico (v. 3, n. 2, 2017) são resultado de um projeto de pesquisa amplo, desenvolvido em 2015 e 2016, por uma equipe brasileira (da Universidade Federal Fluminense, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de São Paulo) e uma equipe galega (da Universidade de Santiago de Compostela), sobre história, variação e mudança do galego e do português brasileiro: projeto “Galego e Português Brasileiro: história, variação e mudança”, financiado pelo Ministerio de Educación e Ciencia do Goberno de España (PHBP14/00049) e pela CAPES/DGPU do Ministério de Educação do Brasil (040/2014), coordenado por Xoán Carlos Lagares (Brasil) e Henrique Monteagudo (Galicia, España). O início desse trabalho se situa em 2010, quando foram realizados, com apoio da CAPES, seminários internacionais, na UFF e na USC, para delimitar um projeto conjunto que estudasse comparativamente essas duas variedades linguísticas do grupo portugalego, termo que define, precisamente, os (sub)sistemas linguísticos que mantêm uma relação de filiação genética com as falas galegas medievais. Como consequência desses seminários internacionais se formou também um grupo de pesquisa no CNPq: “Grupo de Pesquisa Galego e Português (PE e PB)”, constituído por professores e estudantes da rede de universidades galegas e brasileiras que participam do projeto. Leia Mais

Lingüística Galega a contribución do Instituto da Lingua Galega  | LaborHistórico | 2017

No curso da súa estadía como investigador no Instituto da Lingua Galega (ILG) da Universidade de Santiago de Compostela (USC), o profesor Leonardo Marcotulio propuxo ás persoas que asinan este limiar coordinar unha sección monográfica – un dossiê – da revista dixital LaborHistórico sobre a traxectoria do dito Instituto, enfocado cara á súa achega ao desenvolvemento da Lingüística Galega actual. O propósito era dar a coñecer o labor do ILG e os avances no coñecemento científico da lingua galega ao público académico brasileiro, e en xeral nos ámbitos de expresión portuguesa. Despois de deliberar entre nós e cos nosos colegas do Instituto, nomeadamente co seu director, Ernesto X. González Seoane, sobre a proposta do profesor Marcotulio, que unanimemente consideramos moi xenerosa e oportuna e merecente da nosa máis profunda gratitude, decidimos re-propoñerlle abrir o foco: parecíanos preferible presentar o contributo do ILG como parte dunha visión panorámica máis ampla dos avances da Lingüística Galega nas últimas décadas, salientando o papel que xogara o noso Instituto en cada un dos ámbitos considerados, e dedicando un artigo específico ao propio ILG. O Editor-Chefe de LaborHistórico acolleu positivamente a reorientación que propuñamos e puxémonos a elaborar un esquema de traballo.

A partir das liñas de pescuda que se contemplan no espazo web oficial do ILG (http://ilg.usc.gal/) e da nosa propia percepción, como investigadores, de cales foron os ámbitos da Lingüística que máis se desenvolveron en Galicia en relación co idioma galego, decidimos encargar traballos específicos sobre as seguintes áreas: Sociolingüística, Dialectoloxía e Xeografía Lingüística, Edición de Textos, Fonética e Fonoloxía, Gramática, Historia da Lingua e Lexicografía. A partir de aí, solicitamos a colaboración dos e das colegas do ILG especialistas en cada unha das áreas. A resposta que obtivemos foi inmediata e entusiasta, o que queremos agradecer encarecidamente desde estas páxinas. Algúns dos colegas que inicialmente manifestaron a súa intención de colaborar víronse imposibilitados para facelo, pero isto non impediu que completaramos o programa previsto. Como resultado, na nómina de autores do dossiê que presentamos figura unha nómina moi representativa do corpo principal de investigadores e investigadoras do ILG, mesmo que por unhas ou outras razóns quedaran fóra colegas igualmente acreditados. Por parte, temos a satisfacción de contar coas valiosas colaboracións no mesmo volume (próximo número) – que se publican fóra do dossiê por motivos estritamente editoriais – dos prezados colegas e colaboradores do ILG, Anik Nandi (Queen’s University / Belfast) e Xoán Lagares (Universidade Federal Fluminense/ Niterói), que completan magnificamente os seus contidos. Leia Mais

História e imprensa / Antíteses / 2017

A chamada inicial para esse dossiê temático teve por objetivo reunir artigos sobre História e Imprensa em distintas perspectivas de historiadores e estudiosos do Impresso e sua importância na construção de abordagens propostas pela historiografia contemporânea. Durante muito tempo a imprensa foi vista pelos historiadores apenas como fonte de informações. As transformações historiográficas contemporâneas têm, contudo, promovido a abordagem da Imprensa como fonte e objeto da pesquisa histórica. Como vários teóricos já observaram a imprensa cria fatos, interfere e produz realidades dotando o presente de sentidos diversos. Assim buscou-se selecionar textos de autores que contivessem a pluralidade das abordagens historiográficas do tempo presente acerca das relações entre História e Imprensa, envolvendo periódicos, revistas, projetos editoriais, formas de edição, toda uma gama de temas que ajudam a compor um universo de

Os textos que integram esse número da revista apontam para novos horizontes alcançados dentro da historiografia brasileira sobre o estudo dos impressos, com um universo temático bastante rico e multifacetado e que refletem o amadurecimento dos estudos do tema. Também indicam recortes temáticos e de periodização que contemplam os séculos XIX, XX e buscam iluminar novas perspectivas sobre História e Imprensa, suas interseções e margens. Isto significa novos olhares e reflexões sobre o tema, superando tradicionais interpretações e apontando novas direções de maneira multifacetada, inter-relacional e dinâmica. Nas últimas décadas, aliás, as tendências historiográficas têm questionado as explicações generalizantes e reducionistas. Hoje em dia, as pesquisas sobre História e Imprensa, e sobre os Impressos em geral, guardam uma riqueza ampla que está presente nos quatorze textos selecionados para compor esse dossiê

Seguindo a linha editorial da Revista Antíteses , os conteúdos dos artigos voltam-se para a questão da recepção dos impressos, nos mais diferentes registros que circularam na sociedade brasileira, considerando tais escritos não só enquanto instrumentos de poder – poder político, poder das elites, poder daqueles que detinham o privilégio do saber e da escrita – como também espaços de lutas, polêmicas, formas de consagração, debates, análises e vitrine para os autores inseridos nessas diversas conjunturas históricas.

O conjunto de textos pretende, assim, trazer à luz investigações, cujas abordagens teórico-metodológica encontram-se nas fronteiras da história dos periódicos, dos livros, do teatro, da música nas lutas e dos movimentos sociais e políticos registrados através dos impressos, tal como preconizam a historiografia francesa e anglo-saxônica, mas combinando com enfoques da nova história política e da história cultural.

O artigo de Aristeu Elisandro Machado Lopes analisa as ilustrações de três periódicos: A Vida Fluminense, O Mosquito e Semana Illustrada e o ambiente positivo criado pelos republicanos brasileiros para celebrar a República Espanhola. As notícias veiculadas e a iconografia utilizada pelos periódicos assinalavam para os leitores a mudança de regime político na Espanha e as festividades envolvidas com viés de humor e irreverência que caracterizava os jornais de ilustrações do período.

Silvia Cristina Martins de Souza nos insere no universo da cultura teatral do século XIX através dos diálogos estabelecidos entre os títulos de peças teatrais publicadas que se respondiam ou se parodiavam. Tais práticas criaram uma espécie de “sistema telefônico” baseado numa relação estreita entre palavra, intérprete, produtor e receptor, indo ao encontro das expectativas e interesses das plateias cada vez mais heterogêneas que assistiam às representações teatrais.

Camila Bueno Grejo tem como enfoque um periódico, a Revista de Derecho, Historia y Letras, fundada e dirigida por Estanislao Zeballos e na sua análise destaca a importância desse intelectual e de sua Revista, especialmente em relação à construção de uma identidade internacional argentina.

As pesquisas de Paulo Rodrigo Andrade Haiduke o levaram a abordar as relações que se estabeleceram entre literatura, imprensa e mercado editorial na França da Terceira República, mais especificamente em Paris nas décadas de 1910 e 1920. A ênfase do artigo está no papel do novo intermediário cultural que se configurou então através da imprensa e do mercado livresco, e que marcou de maneira fundamental a história do modernismo literário, enfocando Proust e o projeto editorial que o consagrou.

Leandro Antonio Guirro, aborda as relações conflituosas entre Portugal e Moçambique colonial e as narrativas presentes em alguns periódicos que fizeram do colonialismo o centro de discussões entre várias narrativas, em dupla perspectiva, isto é na imprensa portuguesa e moçambicana e levantaram a problemática da tradição imperialista portuguesa para seus leitores.

Nas polêmicas político-partidárias presentes na imprensa brasileira do século XX, Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos analisa um episódio, conhecido como carta Brandi, cuja polêmica se iniciou dias antes das eleições presidenciais de 1955. A principal fonte histórica do trabalho é o diário carioca Tribuna da Imprensa, de propriedade de Carlos Lacerda, então deputado federal pela UDN (União Democrática Nacional) e destaca sua atuação nos calorosos debates desse momento político convulsionado, marcado pelo forte imaginário antiperonista.

Ivania Skura, Cristina Satiê de Oliveira Pátaro e Frank Antonio Mezzomo dividem a autoria de um artigo que trata do jornal Folha do Norte do Paraná como fonte e objeto de pesquisa, analisando as representações de beleza de mulher presentes no periódico entre os anos de 1962 a 1964. Fundado pela Igreja Católica da diocese de Maringá / PR, o destaque pretendido é centrado nas perspectivas de um jornal regional e das representações socioculturais históricas da mulher na sociedade norte paranaense.

Marcelo Garson analisou, no período entre 1960 e 1965, como a imprensa foi fundamental para dar corpo e substância à ideia de música jovem no Brasil. As fontes que destaca para sua abordagem são A Revista do Rádio – em especial a sessão O mundo é dos Brotos, de Carlos Imperial – e também publicações especializadas, como A Revista do Rock, que segundo o autor ajudaram a definir os códigos sonoros, visuais e morais que nortearam um novo nicho profissional de música popular brasileira.

A personalidade de Adalgisa Nery e o papel polêmico de sua coluna no jornal Ultima Hora são apresentados por Isabela Candeloro Campoi em artigo que busca discutir a polarização política refletida na imprensa brasileira às vésperas do golpe civil-militar de 1964, a partir da análise dos artigos da coluna “Retrato sem retoque” assinada pela jornalista e escritora que lhe deram projeção no mundo político brasileiro.

Elisangela Silva Machieski e Silvia Maria Fávero Arend optam por enfocar a imprensa regional e o discurso presente nas reportagens do jornal Tribuna Criciumense, da cidade de Criciúma (SC), acerca da infância pobre na década de 1970, quando o chamado ciclo da marginalização do menor, enunciado pelas autoridades da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), ganhou as páginas dos periódicos brasileiros. As crianças, adolescentes e jovens pobres foram noticiadas no jornal Tribuna Criciumense, sobretudo, sob três enfoques jurídicos: menores abandonados, menores delinquentes e menores trabalhadores.

Alvaro de Oliveira Senra e Flávio Anício Andrade tem como fonte o Jornal da Baixada, publicado nos anos de 1979 e 1980, e discutem a emergência da luta por melhores condições de vida na periferia da cidade do Rio de Janeiro, no contexto de reaparecimento na cena política de movimentos sociais que reivindicavam o usufruto ao direito e à cidadania em suas variadas formas. Outro ponto de destaque desse texto é usar como fonte privilegiada um órgão da então chamada “imprensa alternativa” politicamente identificado com as lutas por direitos, nos anos finais do governo militar instalado em 1964.

O objetivo do artigo de Everton de Oliveira Moraes é compreender os modos de historicidade presentes no suplemento Anexo, caderno de cultura e artes publicado no jornal Diário do Paraná no final da década de 1970, com a intenção de ser um espaço gráfico de experimentação artística, uma tentativa de fazer arte no jornal.

O artigo de Fabiano Coelho analisa as representações do MST quanto à figura do presidente Fernando Collor de Mello, no Jornal Sem Terra, no período em que esse ocupou a presidência da República (1990-1992). O recorte escolhido centra-se nos editoriais do periódico, por serem espaços exclusivos da Direção Nacional, que dessa forma o utiliza para falar em nome do Movimento. A ideia de representação, a partir das contribuições do historiador Roger Chartier, foi significativa para as reflexões do artigo. Ao longo do texto, destaca que Collor foi representado como inimigo dos trabalhadores e da reforma agrária, assim como a figura de um presidente autoritário.

Por fim, Carla Luciana Souza da Silva procura problematizar algumas questões sobre as dificuldades encontradas pelos historiadores no uso da imprensa como fonte, destacando especificamente, as concepções de verdade e mentira veiculadas pela mídia. Essas noções criam imensas dificuldades para a leitura do texto midiático, já que as mentiras possuem um lugar social e político e misturam fatos e narrativas com nítidas intenções ideológicas.

Para a escolha de todos esses textos contamos com a participação de um número significativo de pareceristas, aos quais queremos agradecer pela disponibilidade e cuidado ao analisar e apontar aqueles que melhor se adequavam ao dossiê. Nós, os editores, temos a satisfação de apresentar um conjunto de textos que refletem a riqueza de narrativas e das pesquisas desenvolvidas no Brasil por estudiosos de História e Imprensa e História do Impresso tal como preconizam as mais recentes correntes historiográficas.

Tania Maria Bessone da Cruz Ferreira – UERJ

José Miguel Arias Neto – UEL

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Usos práticos do passado | Temporalidades | 2017

Em 1998, Carl Schorske editava pela Princeton University Press o livro que, na edição brasileira, publicada alguns anos depois, recebeu o nome de Pensando com a História. Indagações na passagem para o modernismo. O título do livro é bastante atraente e sugestivo, uma vez que Schorske não propõe pensar sobre a história. Diferentemente, a intenção dele era pensar com a história. Uma pequena mudança, mas que acaba nos conduzindo para outro tipo de reflexão. Convém, portanto, perguntar: o que vem a ser pensar com e de que maneira isto se difere de pensar sobre a história?

Ninguém melhor do que o próprio Schorske para tentar esclarecer a diferença. Segundo ele, pensar sobre a história significa um tipo de tarefa um tanto específica, realizada especialmente pelos filósofos e teóricos desta disciplina, interessados no que ele chama de “uma forma geral de produzir sentidos”.[1] Pensar com a história implica outra prática, cujo elemento central está na mobilização e emprego dos materiais do passado para nos orientarmos no presente. A palavra prática não aparece aqui por acaso. Na verdade, Schorske está se referindo, especificamente, a práticas culturais que configuram sentidos ao passado e formam imagens a partir das quais os homens se definem no presente. O universo abarcado pelos ensaios de Schorske perpassa a sociedade europeia na passagem do século XIX para o XX. Para ele, se no Oitocentos Clio esteve em ascensão, alimentando, pela reflexão histórica, as respostas dadas pelos homens daquele tempo ao processo de modernização pelo qual passavam os países europeus, no século seguinte, o modernismo propôs entender esse processo por ele mesmo, buscando-se, a partir de então, um afastamento e mesmo uma crítica ao historicismo.[2]

As reflexões trazidas por Schorske nesse livro, em especial a proposta de pensar com a história, nos remetem à compreensão do lugar da reflexão histórica numa dada cultura e às diversas maneiras pelas quais as sociedades se relacionam com o seu passado. Isso significa partir de um pressuposto que, embora possa parecer banal, é muitas vezes esquecido por nós, historiadores: o de que as representações que construímos do passado são apenas uma possibilidade dentre os variados usos e sentidos conferidos a ele numa dada sociedade. Isso significa dizer, em primeiro lugar, que o passado não é exclusivo do historiador. Sobre ele, se debruçam diversos agentes e instituições, como outros intelectuais, artistas, escritores e políticos que, de maneiras distintas, tomam o passado como referência para o presente e para a construção de projetos de futuro. Em segundo lugar, isso nos leva a problematizar a ideia de uma relação desinteressada com o passado (inclusive quando nos referimos ao passado dos historiadores), uma vez que esses usos nos apontam para interesses diversos e para o quê do passado é escolhido para ser significado pelos homens do presente.

O interesse por compreender as formas de dar sentido e utilidade ao passado certamente tem ocupado cada vez mais o universo de preocupações dos historiadores. Partindo de múltiplas referências teórico-historiográficas e mobilizando noções diversas – como “cultura histórica”, “usos do passado”, “passados práticos” –, os historiadores têm se debruçado, já há algumas décadas, não só sobre os produtos e procedimentos que caracterizam o seu próprio trabalho (isto é, o trato com a documentação, a narrativa, os pressupostos teóricos que conduzem as análises, o aparato conceitual mobilizado pelos historiadores profissionais quando “fabricam” história), como também têm se aberto para a compreensão das formas de divulgação, adaptação, mediação e vulgarização do passado produzidas por diversos agentes sociais e por meio de diferentes mídias. Tal movimento implicou também numa maior atenção por parte dos historiadores para os públicos que se interessam, consomem e se apropriam desses passados. Questão não menos importante, especialmente no momento atual, em que a maior facilidade de comunicação viabilizada pelas redes sociais faz com que diferentes discursos sobre o passado circulem de forma mais rápida. Discursos, em muitos casos, produzidos não por especialistas e com finalidades políticas muito claras. Tal movimento tem levado os historiadores a uma dupla interrogação: por um lado, acerca do lugar que a reflexão histórica ocupa hoje nas diversas sociedades e da capacidade que este discurso ainda tem de ensinar algo aos homens do presente. Uma velha e conhecida problemática que, a rigor, nos leva a toda a discussão acerca das transformações pelas quais passou o preceito da historia magistra vitae ao longo da Modernidade. A segunda questão pode ser sintetizada no interesse em compreender a relação (ou, talvez, as dificuldades existentes nesta relação) que os historiadores de profissão mantêm com uma audiência que extrapola o grupo dos pares universitários. [3] Como se vê, as duas interrogações se ligam, já que a constituição da história como conhecimento científico e especializado, produzido por um profissional, alterou também o público para o qual falava o historiador. Entretanto, é preciso considerar dois aspectos. Primeiramente, a constituição da história como conhecimento científico não anulou seu papel pedagógico, isto é, a ideia de que era possível aprender com a história. Além disso, o mesmo século XIX, que é reconhecido como o momento de disciplinarização do conhecimento histórico, foi também o período de emergência do historiador na “república das letras”, o que conferiu a ele um lugar de destaque na vida pública. Lugar este que certamente foi alterado e passou a ser ocupado por outros profissionais. Talvez seja por isso que essas questões estejam tão fortes hoje na agenda dos historiadores: qual a força e o impacto daquilo que produzimos para um público “geral”, de não especialistas? Como lidar com as diversas outras formas de dar sentido ao passado, existentes no vasto conjunto de uma cultura histórica, formas que, não raro, têm um alcance muito maior do que nossos trabalhos acadêmicos?

O dossiê temático Usos práticos do passado, que compõe a edição 23 da Revista Temporalidades, insere-se nesse universo de questões, reunindo artigos que debatem os usos e funções conferidos ao passado em momentos distintos e por diferentes sociedades. Como o leitor verá, este número da revista reúne análises bastante variadas, com enfoques e objetos instigantes. Subjacente a essa diversidade, há uma questão maior, que talvez sirva para alinhavar todos os trabalhos, e que diz respeito à mobilização do passado pelos múltiplos “presentes”.

O artigo de Luis Cláudio Palermo, Tempo e temporalidade: transformações semânticas modernas e alguns desdobramentos na produção do conhecimento histórico, abre o dossiê tratando de algumas noções centrais para o campo do conhecimento histórico. São elas: tempo, temporalidade e aceleração do tempo. Dividindo a análise em dois momentos, o autor pretende, inicialmente, fazer uma discussão conceitual, discutindo os novos sentidos dados a esses conceitos na Modernidade à luz das contribuições trazidas por escritores como Heidegger, Norbert Elias e Edward Thompson. Em seguida, aborda o impacto da transformação dessas noções na produção do conhecimento no campo da história.

Carmem Lúcia Druciak, no artigo A obra Songe du Vieux Pèlerin de Philippe de Mézières e sua proposta de reforma da cavalaria francesa na Baixa Idade Média, leva a discussão sobre as apropriações e sentidos dados ao passado para a Europa do século XIV. Tomando o espelho de príncipe que Philippe de Mézières, diplomata e conselheiro real, escreveu para o jovem monarca Carlos VI, a autora evidencia como aquele autor elaborou uma crítica ao estado da cavalaria de sua época e procurou entender uma sociedade em transformação, buscando nos valores do passado uma proposta de reforma para esta instituição.

O artigo La figura del Dr. Francia en la historiografía paraguaya posbélica: la batalla por los héroes, de Bárbara Natalia Gómez, nos conduz ao Paraguai de fins do século XIX para compreender o debate em torno de quais personagens deveriam ser escolhidos para compor o panteão dos heróis nacionais, uma discussão que envolveu os intelectuais, e que ocorreu em um momento central de reconstrução do país após a guerra contra a Tríplice Aliança. A batalha mencionada no título do artigo se deu entre dois historiadores, Manuel Dominguez e Blas Garay, e em torno da figura de Gaspar Rodrigues de Francia, ditador da República paraguaia entre 1814 e 1840 e um dos participantes do movimento que levou à independência do país em 1811. O artigo, além de tratar de algumas questões próprias ao processo de conformação da disciplina histórica no país latino-americano, aponta para as profundas disputas que envolvem a narrativa em torno da independência paraguaia e os valores que seus heróis deveriam representar. Além disso, o artigo de Bárbara Gómez evidencia as intricadas relações tecidas entre o trabalho do historiador e os interesses políticos subjacentes à construção das identidades nacionais.

As íntimas relações entre memória e história e as disputas em torno da memória nacional também constituem pontos centrais do artigo seguinte, Memórias conflituosas no Oeste estadunidense, de Lucas Henrique dos Reis. O espaço estudado desloca-se para o Oeste dos EUA, lugar de intensos conflitos territoriais. Dialogando com os trabalhos de Michel Pollak, o autor parte do memorial construído em uma das famosas montanhas das Black Hills, entendendo-o como representante por excelência de uma memória oficial enaltecedora da Revolução Americana e da Guerra Civil. Entretanto, como mostra Reis, essa memória oficial, alimentada pelas interpretações formuladas por intelectuais e políticos, não anula (e mesmo se choca com) as memórias ditas “periféricas”, ou subterrâneas, produzidas por outros grupos, que, nas palavras de Pollak, “teimam em venerar justamente aquilo que os enquadradores de uma memória coletiva em um nível mais global se esforçam por minimizar ou eliminar”.[4]

A dimensão da memória nacional também está presente no artigo de Thiago de Souza Júnior, Dimensões raciais e políticas educacionais: usos do passado na conformação dos valores estadonovistas. Entretanto, dessa vez o olhar se volta para a dimensão do ensino e para um objeto bastante especial, o livro didático, que ganha relevo na análise. Entendendo a escola como espaço central para a realização dos projetos políticos e culturais do Estado Novo, o autor circula pelos campos dos estudos da memória e do ensino de história, evidenciando o papel ocupado pela história como disciplina escolar na promoção de um discurso identitário, cujo principal veículo de divulgação eram livros didáticos como História do Brasil, de Basílio de Magalhães. Assim, o livro didático de história é tomado aqui como um suporte a partir do qual se difunde uma interpretação acerca do passado, bem como valores característicos de certos projetos políticos.

Em seguida, temos o artigo Repetir para inventar: A recepção dos clássicos na França Ocupada, de Rafael Guimarães Tavares Silva. Aqui, o autor se vale do conceito de falsificação, entendendo-o na sua multiplicidade de sentidos, para pensar como, em uma circunstância histórica específica, escritores franceses como Sartre, Camus, Simone de Beauvoir, Paul Valéry e Jean Anouilh retomaram textos e figuras da Antiguidade Clássica, apropriando-se deles. Isso em um período especialmente crítico, quando a França foi ocupada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

Encerramos o dossiê com o artigo Black Mirror e a cegueira moral da Modernidade, de Maria Visconti. Por meio dele, o leitor, seja conhecedor ou não da série televisiva que dá título ao texto, vai se deparar com uma análise do episódio “Engenharia reversa”, exibido na 3ª temporada da produção. Lançando mão das ideias apresentadas por Hannah Arendt e Zygmunt Bauman, a autora se interroga sobre as lições promovidas por episódios traumáticos do século XX, como o Holocausto, e até que ponto estaríamos, hoje, livres de outro acontecimento como esse. Mas o texto vai além, nos levando a pensar como uma série de grande sucesso, como é Black Mirror, apropria-se de elementos do passado para chamar a responsabilidade dos homens do presente para com o futuro.

Como é possível perceber, o leitor terá aqui a possibilidade de conhecer artigos (em muitos casos, frutos de pesquisas de mestrado e doutorado) que buscaram analisar as implicações políticas, sociais e identitárias de determinadas leituras do passado. Mas as contribuições trazidas pelos textos que compõem esse dossiê não me parecem ficar apenas nisso. Eles também apontam para uma questão central para os historiadores de hoje e que diz respeito a assumir que o profissional da história, ligado atualmente a uma universidade, não tem (e nunca teve) o monopólio sobre o passado, o que nos obriga a aguçar nosso olhar para outras formas de dar sentido ao passado, produzidas por agentes diversos, e que atingem a amplos públicos. Isto é, outras formas a partir das quais as sociedades pensam com a história. Certamente, há aí uma abertura interessante para análises que circulam por campos diversos, como o estudo das memórias, dos intelectuais, da história da historiografia, do ensino e da teoria de história. Os trabalhos publicados aqui são uma amostra desses caminhos.

Notas

1. SCHORSKE, Carl E. Pensando com a História. Indagações na passagem para o modernismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 13.

2. SCHORSKE, Carl E. Op. Cit. p. 13-28.

3. Duas reflexões interessantes nesse sentido foram propostas recentemente por Arthur Lima de Ávila e Jurandir Malerba. Cabe ressaltar que este último autor, ao tratar da questão da recepção para o caso da produção historiográfica, lança mão da noção de “audiência”, compreendendo que ela traria para o centro do debate o “leitor comum”, isto é, “qualquer leitor que não tenha a leitura como profissão”. MALERBA, Jurandir. Os historiadores e seus públicos: desafios ao conhecimento histórico na era digital. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.37, n. 74, 2017; ÁVILA, Arthur Lima de. (In)disciplinando a história: do passado histórico ao passado prático. Disponível em: https: | / www.academia.edu | 17902409 | _In_disciplinando_a_hist%C3%B3ria_do_passado_hist%C3%B3rico _ao_passado_pr%C3%A1tico; acessado em 28 de maio de 2017

4. POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 10.

Ana Paula Sampaio Caldeira – Departamento de História | UFMG.


CALDEIRA, Ana Paula Sampaio. Apresentação. Temporalidades. Belo Horizonte, v.9, n.1, Jan./abr. 2017. Acessar publicação original [DR]

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Autoctonía | UBO | 2017

Autoctonia Arquivo Público

Autoctonía. Revista de Ciencias Sociales e Historia (Santiago, 2017-) editada por el Centro de Estudios Históricos (CEH), dependiente de la Dirección de Investigación y Doctorados de la Universidad Bernardo O’Higgins, se orienta a la difusión de la investigación especializada e innovadora en el ámbito de las Ciencias Sociales y de la Historia, mediante estudios que renueven y profundicen el conocimiento recíproco de fenómenos sociales pasados y presentes, propendiendo al diálogo interdisciplinario y admitiendo aportes de otras áreas del conocimiento aplicadas al estudio de la realidad social e histórica. Partiendo de una inspiración pluralista, encarna una vocación latinoamericanista que quiere alcanzar una más profunda integración de los pueblos y naciones del continente.  

Autoctonía pretende ser un espacio académico y científico de reflexión y difusión de las ideas y los debates en torno a las condiciones sociales, históricas, políticas, culturales y económicas de nuestras sociedades latinoamericanas.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

 e-ISSN 0719-8213

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Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2017

Editorial | Editorial | PDF

Apresentação

Relato de Experiência

Artigos

Entrevista

Outrora | UFRJ | 2017

Revista Outrora UFRJ Arquivo Público

A Revista Outrora (Rio de Janeiro, 2017-), criada pelos estudantes de História da UFRJ, é um periódico científico com publicação semestral em formato eletrônico, que inclui artigos, resenhas e entrevistas.

Autônoma e independente, a Revista Outrora mantém sobretudo a irreverência estudantil, constituindo-se em um espaço de formação voltado aos estudantes de graduação de História e suas áreas correlatas, objetivando estender a esse segmento a possibilidade de publicação e divulgação de trabalhos acadêmicos entre nós graduandos.

Periodicidade anual.

Acesso livre.

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As questões socialmente vivas e a produção historiográfica / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2017

Nesta edição, a Revista Clio se voltará às questões socialmente vivas e sua relação com a produção historiográfica. Ao propor este Dossiê, pensamos em mobilizar historiadores do Brasil a partir do interesse em contribuir, enquanto área do conhecimento, para análise e problematização dos retrocessos políticos e sociais do nosso tempo.

Vivemos em um tempo marcado pela retomada de ideias fascizantes, propagadas por setores conservadores da grande imprensa nacional, e materializadas nas propostas políticas que defendem, por exemplo, a “lei da mordaça” (Escola sem Partido), a redução da maioridade penal e o Estatuto da Família. Muitas dessas ideias remetem a tempos pretéritos, como os do colonialismo patriarcal, da escravidão e dos governos autoritários, e se apresentam como questões socialmente vivas. Mas, o que são tais questões?

Esta pergunta nos inquietou deste o início e se tornou um desafio. Os trabalhos recebidos nos levaram a problematizar a nossa proposta, uma vez que, mesmo apresentando um tema sensível muitos dos artigos não traziam abordagens preocupadas em responder os problemas sociais do nosso tempo. A partir das discussões construídas, chegamos a considerar que nem sempre um tema sensível é abordado a partir de uma questão socialmente viva.

Acreditamos que ao abordar os temas sensíveis à luz das questões socialmente vivas, os historiadores e historiadoras devem estar atentos à complexidade dos problemas sociais construídos historicamente que ainda nos afetam enquanto sujeitos individuais e coletivos, que nos afligem enquanto sociedade e que nos indignam enquanto sujeitos. A partir desse prisma é possível produzir outros deslocamentos de análise, buscando colocar no centro do debate os problemas sociais produzidos no passado que ainda se encontram presentes na nossa sociedade.

Ao trabalhar com a temática da escravidão negra no Brasil, por exemplo, a depender da abordagem, podemos invisibilizar os problemas sociais gerados pela prática escravista ou até reproduzir a ideia construída pelo projeto político colonial. Como trabalhar com a questão da escravidão a partir de uma abordagem sensível?

Debruçar-se sobre as questões socialmente vivas é estar preocupado com os problemas sociais historicamente construídos que ainda provocam desigualdades, intolerâncias e as mais diferentes formas de violência que desafiam a dignidade humana. Não podemos estudar a história da escravidão sem pensar no racismo que ainda permanece vivo, no genocídio da juventude negra, nas desigualdades econômicas que afetam a população afrodescendente.

A produção historiográfica ainda se encontra fortemente marcada pela tradição disciplinar, que por sua vez tende a tornar os temas sensíveis em temas cartesianamente positivados, negando os sujeitos e a complexidade de suas vivencias, no sentido individual e coletivo. O desafio de tornar um tema sensível em uma questão socialmente viva é o de “descolonizar” o olhar sobre o tema, fissurar os discursos cristalizados, questionando a própria forma que o conhecimento vem sendo construído sobre a temática.

Ao prefaciarem a coletânea Epistemologias do Sul, Maria Paula Meneses e Boaventura de Souza Santos afirmam que “toda experiência social produz e reproduz conhecimento”, ou seja, as nossas experiências podem nos levar a reproduzir trabalhos historiográficos que reproduzem o projeto colonizador ainda vigente.

Para Meneses e Santos, “não há conhecimento sem prática e sem atores sociais”, logo, é importante o esforço intelectual de questionar a lógica disciplinar ainda muito presente nas nossas produções. A lógica disciplinar, que consigo traz o ideário colonizador, nega o sujeito da história, pois é linear e constituidora de um cientificismo que não abarca a complexidade humana, muitas vezes o reduzindo a meras definições e conceitos vazios.

Desse modo, é fundamental desafiar a forma convencional de produzir a escrita da História, o que nos exige uma abordagem para além da perspectiva disciplinar. Os artigos que compõem este Dossiê abordam diferentes espaços e tempo históricos. São temas trabalhados a partir de historiadores e historiadoras de diferentes regiões do país, que trouxeram textos inéditos voltados para os temas sensíveis.

Apresentamos o artigo, Mulheres pedindo Justiça: processos criminais no Vice-Reinado do Rio da Prata (Século XVIII), do historiador Rafael Ruiz, que objetiva debater a questão da violência doméstica no período oitocentista, tendo processos civis e criminais como fontes de pesquisa. O texto permite construir uma reflexão sobre a relação entre a administração da justiça e as relações de gênero no América Espanhola.

O artigo História, legislação e ato infracional: privação de liberdade e medidas socioeducativas voltadas aos infantojuvenis no século XX, da autora Camila Serafim Daminelli, contemplará a história das legislações voltadas para adolescentes em situação de conflito com a Lei. Uma questão socialmente viva, fortemente marcada pelas contradições do “sistema de justiça” que não apresenta perspectivas de ressocialização para meninos e meninas que se envolvem em diferentes atos infracionais.

O historiador Helder Remigio de Amorim, em seu artigo Em tempos de guerra: Josué de Castro e as políticas públicas de alimentação no Estado Novo, de traz uma importante debate sobre a história do combate a fome no Brasil. A partir da trajetória intelectual de Josué de Castro, o historiador aborda, de modo sensível, a fome como um problema social e histórico. O autor destaca a atuação institucional de Josué de Castro em defesa das políticas de alimentação e da nutrição no Brasil.

A historiadora Kety Carla De March, no artigo intitulado“Hoje eu resolvi deixar o mundo”: Narrativas de suicídio m Guarapuava-Pr nos anos 1950, abordará neste Dossiêa questão do suicídio. A partir dos inquéritos policiais e de relatos de memórias, a autora procura analisar como foram construídos os discursos sobre as pessoas que cometiam o suicídio, na cidade interiorana do Paraná. Através deste artigo podemos (re)pensar a história da saúde mental no Brasil e os dispositivos de controle social construídos a partir da disciplinazação dos corpos.

Finalizando este Dossiê, trazemos o artigo Democracia, justiça e estado de exceção: Passado presente, do historiador Tásso Brito. Um texto que nos faz (re) pensar a “democracia” brasileira e como o cotidiano das pessoas comuns é marcado por diferentes formas de repressão. O autor questiona o discurso oficial da “República Cidadã” e reflete sobre as diferentes formas de injustiças e desigualdades sociais que marca a política e a sociedade brasileira.

Estado de exceção, suicídio, fome, adolescentes em privação deliberdade, mulheres em busca de “justiça”. Temas sensíveis que devem ser problematizados como questões socialmente vivas.

Parafraseando Marc Bloch, “eis portanto o historiador (e a historiadora) chamado a prestar contas” do passado (BLOCH, 2001, p.41). Para que os profissionais da história prestem contas do passado é fundamental a mudança de olhar sobre as temáticas que pesquisamos. Trabalhar com as questões socialmente vivas nos exige uma virada epistemológica, que nos leva a pensar o conhecimento histórico a partir de outra ética acadêmica que desafia o conhecimento disciplinar.

Pensar as questões socialmente vivas nos faz descolonizar o conhecimento tradicionalmente construído e enveredarmos esforço em uma ética transdisciplinar, que procura o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, que respeita as diferenças e coloca a produção historiográfica também como um instrumento para a transformação social.

Humberto Miranda – Organizador do Dossiê. Professor do Programa de Pós-Graduação em História Regional da Cultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: humbertoufrpe@gmail.com

Isabel Guillen – Organizadora do Dossiê. Professora do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: icmg59@gmail.com


MIRANDA, Humberto; GUILLEN, Isabel. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.35, n.1, jan / jun, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Scholarship and Inquiry in the Ancient Near East – RICHARDSON; GARFINKLE (PR-RDCDH)

RICHARDSON, S.; GARFINKLE, S. (Eds.). Scholarship and Inquiry in the Ancient Near East (=Journal of Ancient Near Eastern History special issue, vol. 2/2, 2015) Berlin: de Gruyter, 2016. 179p. Resenha de: ÁLVAREZ GARCÍA, J. Panta Rei. Revista Digital de Ciencia y Didáctica de la Historia, Murcia, p.137-139, 2017.

La obra fue editada a petición de Seth Richardson y Steven Garfinkle (quien es además coeditor de la revista junto con Marc van de Mieroop). El tema central de este número especial versa sobre la producción, organización y edición del conocimiento cuneiforme. Para aproximarse a este tema se eligieron cuatro ámbitos en torno a los cuales se han realizado cuatro contribuciones por parte de distintos estudiosos sobre la historia del conocimiento en el Próximo Oriente Antiguo.

Como el propio Richardson afirma en la introducción al volumen (Introduction: Scholarship and Inquiry in the Ancient Near East, pp. 91-107) el primer problema al que se deben enfrentar los distintos investigadores es a la tendencia general de estudio sobre los corpora cuneiformes. Ésta consiste en la edición y comentario de los textos y las prácticas que los generaron sin tener en cuenta las operaciones intelectuales ni los medios sociales en los que estas actividades se desarrollaron, extrayendo el texto de su entorno socio-cultural.

Por lo tanto, los artículos que recoge el volumen pretenden ahondar en una serie de cuestiones como la organización y acceso al conocimiento y su transmisión, la figura y autoridad del escriba/erudito y su propia percepción como copista y autor de su trabajo. Así mismo se analizan los medios político, social y económico en el que estos trabajos intelectuales tomaron forma y con los que se relacionan. Del mismo modo, también se tratan en las distintas contribuciones las prácticas y los procesos interpretativos por parte de los escribas hacia los textos que recibían, con los trabajaban y con los que interactuaban. Finalmente, también se analizan cuestiones epistemológicas en torno a lo que el propio escriba y erudito pensaba sobre sí mismo y sobre su actividad.

Este trabajo sigue una tendencia muy actual en la investigación sobre el Próximo Oriente antiguo que gira en torno a la erudición y la producción intelectual. Sin embargo, esta nueva forma de aproximarse al mundo de los estudiosos en la antigüedad próximo-oriental no se habría conseguido sin establecer su “autonomía conceptual”, huyendo de los esquemas de las civilizaciones clásicas sobre pensamiento, filosofía y erudición en torno a las que tradicionalmente han girado esta clase de investigaciones; es decir, era fundamental concebir el conocimiento producido en los scriptoria próximo-orientales como esencialmente distinto y culturalmente independiente de lo que se desarrolló posteriormente en el mundo clásico. De esta forma, contamos desde la década de los noventa y muy especialmente en los últimos años con trabajos y proyectos en torno a la historia intelectual próximo-oriental.

Las cuatro contribuciones a este volumen se pueden organizar en dos grupos. El primero consistiría en los dos primeros artículos que versan sobre el desarrollo de la actividad intelectual en el área mesopotámica en dos periodos consecutivos, siendo el primero el dedicado al arco cronológico que va desde la invención de la escritura hasta el final del periodo paleobabilónico y el segundo desde ese momento hasta el final de la cultura cuneiforme durante la dominación helenística. El siguiente grupo trataría áreas donde la cultura cuneiforme mesopotámica fue cultivada, pero de donde no era originaria; consiste en dos artículos dedicados al desarrollo del cuneiforme en el mundo Hitita y en Ugarit respectivamente.

La primera contribución corre a cargo de Paul Delnero bajo el título Scholarship and inquiry in Early Mesopotamia (pp. 109-143) donde analizará distintos aspectos de la producción intelectual cuneiforme desde la invención de la escritura hasta finales de periodo Paleobabilonico (3400 a.C. – 1600 a.C.). El primer aspecto que estudia sobre la cultura cuneiforme es la cuestión de la autoría, en torno a la cual el autor define su carácter compartido entre aquellos que copian y transmiten las obras escritas y aquellos otros que las representan. Otro aspecto que trabaja es el de la organización del conocimiento y las funciones de la educación cuneiforme: aportar mecanismos prácticos para su desarrollo posterior y crear una cierta conciencia de clase en el conjunto de los escribas, una suerte de élite intelectual al servicio del poder y separada de la masa iletrada con escaso acceso al conocimiento. Si bien la posesión del conocimiento generaba una identidad de clase al servicio del poder siendo el conocimiento un potente instrumento de control social; esta función sólo podría adquirir su significado en la representación de la ideología ante una audiencia. Es decir, si entendemos el conocimiento como marca de la élite política, este instrumento solo adquiere autoridad cuando se pone en práctica a través de una red de agentes e instituciones que representan los distintos rituales y contenidos de los textos cuneiformes.

Alan Lenzi continúa con la descripción de la erudición cuneiforme en Mesopotamia desde la época kasita hasta el periodo tardío. En el artículo que titula Mesopotamian Scholarship: Kassite to Late Babylonian Periods (pp. 145-201) Lenzi, atendiendo a estos textos específicamente, observa una notable continuidad en los métodos de trabajo pese a proceso de canonización de los corpora eruditos, puesto que vemos innovaciones a través de comentarios y ampliaciones. Además, parece haber una reivindicación de la figura del escriba al indicar su nombre en los colofones de las obras, una manera de señalar el orgullo por su profesión. En el I milenio, los comentarios se hacen mucho más detallados y extensos que en el periodo anterior, lo cual indica una reflexión profunda en torno a las obras clásicas de la cultura mesopotámica, siendo la base de tal reflexión la escritura que era concebida como el mecanismo para aprehender el mundo. En este periodo y muy especialmente a lo largo del I milenio, estos intelectuales están íntimamente ligados con los aparatos de poder, ofreciendo sus servicios a las altas esferas sociales y políticas en sus consultas. Sin embargo, un importante proceso dentro de este largo periodo fue el de la expansión del saber mesopotámico a otras áreas durante el Bronce Final; de ser un conocimiento prácticamente circunscrito al área mesopotámica, pasa a convertirse en un conocimiento capaz de adaptarse a otras realidades culturales.

Es dentro de este proceso de expansión del saber cuneiforme a otras áreas donde se desarrollan las dos contribuciones siguientes. La primera, In Royal Circles: The Nature of Hittite Scholarship (pp. 203–227), ha sido escrita por Theo van der Hout y gira en torno a la actividad intelectual en Hattusa, uno de los puntos donde el saber mesopotámico tuvo más arraigo. Lo que pretende el autor es establecer la identidad del erudito hitita separado de la del simple burócrata, para poder establecer la auténtica naturaleza de la intelectualidad hitita. Vemos como una vez más el autor considera los colofones como una preciada fuente para conocer la identidad de los escribas y sus relaciones, además de ser un indicativo de cierta conciencia de clase entre los eruditos. A esto se suma el alto estatus social con el que contaban los escribas eruditos en el mundo hitita, muy cercanos al poder político y a distintas altas autoridades. Al igual que en el área mesopotámica la educación se podría dividir en dos estadios, un primer estadio enfocado a adquirir las competencias más básicas para la administración y un segundo con un estudio profundo de los textos de cara a una especialización en la erudición cuneiforme. Serían aquellos escribas que alcanzarían el segundo estadio de conocimientos los que constituirían la cúspide intelectual de la sociedad, los que firmarían sus obras en los colofones y los que pretenderían diferenciarse de los simples escribas administradores. Sin embargo, la escasez de textos sumero-acadios en Hattusa con colofón firmado indica que sólo un pequeño círculo de escribas se dedicaba a cultivar el saber mesopotámico.

El último artículo de este número especial consiste en un trabajo conjunto de los profesores Robert Hawley, Denis Pardee y Carole-Roche Hawley titulado The Scribal Culture of Ugarit (pp. 229–267) sobre las prácticas eruditas en Ugarit, ciudad costera del Norte de la actual Siria, que además de convertirse en un potente emporio comercial durante el Bronce Final, también fue un importante polo de atracción del saber mesopotámico del cual encontramos numerosos ejemplos en casas privadas donde se constituyeron centros de enseñanza. Como los propios autores señalan Ugarit es un lugar idóneo para estudios de historia intelectual al existir una cultura escrita dual (silábica y alfabética) que nos permite establecer comparaciones, diferencias y relaciones entre el conocimiento importado y el local. Este estudio de la producción intelectual ugarita se puede explicar a través de la tensión que se desarrolla entre la tradición y la innovación. Así pues, los autores se valen del modelo procedente del idealismo alemán sobre el desarrollo histórico comprendido en tres estadios (tesis – antítesis – síntesis) para dar una perspectiva intelectual e histórica al desarrollo de la erudición en Ugarit. Al igual que en otras zonas, aquí también los colofones nos aportan una gran cantidad de información sobre la identidad de los escribas. El primero (tesis) lo compondrían los eruditos dedicados al cultivo del cuneiforme mesopotámico, considerado un saber de prestigio y autoridad. Sin embargo, en torno al s. XIII a.C. se desarrolla desde las altas esferas políticas un sistema de escritura paralelo de carácter alfabético, de esta manera algunos escribas marcan su identidad y exploran nuevas vías de innovación (antítesis). Durante el último periodo de existencia del reino de Ugarit ambos sistemas convivieron y se retroalimentaron (síntesis).

A lo largo de estas cinco contribuciones sobre el tema de la erudición en el Próximo Oriente antiguo se pueden definir cuatro claves para entender la producción intelectual cuneiforme y que marcan las nuevas vías de investigación: la relación entre los escribas, la relación entre el escriba y el texto cuneiforme, la relación entre el escriba y el poder político y la relación entre el escriba y la identidad cultural. Los escribas en el Próximo Oriente Antiguo establecían su identidad social a través de su conocimiento erudito que los distinguía del resto de la población o incluso de otros escribas menos cualificados. Su trabajo no consistía en la mera copia de los textos cuneiformes, sino en la reflexión en torno a ellos, estudiándolos, comentándolos, ampliándolos, una relación muy especial entre erudición y escritura. Esta actividad venía amparada por los poderes políticos que veían en el conocimiento cuneiforme un potente instrumento de control social y mantenimiento de las estructuras de poder, el cual se servía de estos eruditos para poner en práctica dicho conocimiento ante una audiencia. Finalmente, está la cuestión de la relación con la identidad cultural, un aspecto mucho mejor apreciable en aquellas zonas donde el cuneiforme silábico no era originario. Por una parte, un enriquecimiento cultural a través del saber mesopotámico que les aportaba un prestigio social elevado, y por otra un cultivo del saber local, incluso en un sistema de escritura nuevo, que les vinculaba con la identidad colectiva. Seguramente, una última contribución a este volumen que versara sobre la recepción y producción de conocimiento en Asiria habría completado de manera excelente este estudio sobre la actividad erudita en el Próximo Oriente antiguo.

Así pues, vemos como la historia intelectual no es una rama apartada de los estudios históricos en el Próximo Oriente antiguo, sino intrínseca a las sociedades en donde estos conocimientos se desarrollaron.

Juan Álvarez García – Universidad Autónoma de Madrid.

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Manifiesto por la Historia – GULDI; ARMITAGE (PR-RDCDH)

GULDI, J.; ARMITAGE, D. Manifiesto por la Historia. (traducción de Galmarini, M. A. The History Manifesto, 2014). Madrid: Editorial Alianza, 2016. 292p. Resenha de: HERNÁNDEZ, Juan Jesús Botí; GIMÉNEZ, David Omar Sáez. Panta Rei. Revista Digital de Ciencia y Didáctica de la Historia, Murcia, p.141-143, 2017.

La edición de Manifiesto por la Historia que aquí reseñamos es una traducción al castellano de Marco Aurelio Galmarini del original publicado en inglés por la Universidad de Cambridge en 2014. Sus autores son Jo Guldi y David Armitage: Jo Guldi es profesora en la Universidad de Brown, en Providence (Estados Unidos), y ha dedicado buena parte de su obra a estudios sobre la historia de Gran Bretaña y, sobre todo, a la política económica. Por su parte, David Armitage es profesor en la Universidad de Harvard, especialista en historia intelectual e historia del mundo.

Aunque hay quien ha señalado la originalidad del título de la obra, subrayando especialmente el término manifiesto como algo provocador y poco usual, lo cierto es que no se trata de algo novedoso, pues viene a unirse a una serie de títulos que se han publicado en la última década, sirviendo de ejemplo el conocidísimo La utilidad de lo inútil de Nuccio Ordine (2013), que también se publicó con el subtítulo Manifiesto, y que coincidía en algunos aspectos con el contenido de esta obra.

El conjunto del libro consiste en una dura crítica a la hiperespecialización y el cortoplacismo, planteando la Historia como una ciencia que, ante el avance de las nuevas tecnologías y la pérdida de perspectivas a largo plazo para enfrentar problemas como pueda ser el cambio climático, ofrezca respuestas globales y aporte una visión crítica. Manifiesto por la Historia es, por tanto, una dura pero necesaria autocrítica que plantea que los propios especialistas han debilitado la ciencia histórica, haciéndole perder peso e influencia, creando la idea de que ante grandes problemas como crisis económicas, climáticas, bélicas, etc., la Historia no puede aportar nada.

Esta idea, que a muchos les puede parecer absurda, está cada vez más asentada en el imaginario colectivo, y día a día vemos cómo la ciencia histórica, junto a otras disciplinas sociales y humanísticas, va desapareciendo de los planes de estudios, de los presupuestos nacionales, etc. Según los autores, esta pérdida de utilidad pública es culpa de los propios historiadores, que desde mediados del siglo XX han venido constriñendo sus estudios a aspectos cada vez más especializados, contrayendo sus escalas temporales y generando una obra tremendamente compleja y alejada de las necesidades reales de la sociedad, e incluso del entendimiento del gran público.

El libro está estructurado en introducción, cuatro capítulos y una conclusión. Además, viene acompañado de un índice de figuras y un índice analítico que remite a conceptos, autores, acontecimientos históricos, etc.

La introducción, bajo el título ¿La hoguera de las humanidades?, realiza un recorrido exhaustivo por la problemática que ya hemos planteado, describiendo cuáles son esas dificultades que plantea el mundo actual, inmerso en una crisis acelerada. Desde la primera línea la autocrítica está presente y, sirviéndose de la fórmula con que Karl Marx y Friederich Engels introducían su Manifiesto del Partido Comunista, Guldi y Armitage afirman: “Un fantasma recorre nuestra época: el fantasma del corto plazo”. Así, ya en la introducción, los autores hacen alusión a la importancia del papel de la Historia en la sociedad: “La Historia es una espada de dos filos, uno que abre nuevas posibilidades para el futuro y otro que deja atrás el ruido, las contradicciones y las mentiras del pasado”.

El primer capítulo se titula Avanzar mirando hacia atrás: el surgimiento de la ‘longue durée’. En él se deja claro que la historia a largo plazo no es algo novedoso, sino por el contrario algo que viene de mucho tiempo atrás y que fue progresivamente abandonado en las décadas finales del siglo XX. Para ello se exponen las obras y aportaciones de distintos autores, con especial mención a Fernand Braudel como creador del concepto de longue durée. En este capítulo se puede observar una cierta añoranza del pasado historiográfico, haciendo continuas alusiones a la influencia que los historiadores tuvieron en disciplinas como la economía o la política en tiempos pretéritos. Aunque también se exponen los peligros y los errores que supuso en aquellos tiempos, tales como el presentismo. Así, por poner un ejemplo, declaran los autores en relación a los tiempos de Braudel: “La Historia a largo plazo era una herramienta para dar sentido a las instituciones modernas, hacer comprensibles los programas utópicos y concebibles por la sociedad los programas revolucionarios”.

A lo largo de toda la obra son abundantes, excesivas en algún punto, las referencias a la problemática del cambio climático, y quizá en este ejemplo extraído del primer capítulo podamos comprender cuál es el planteamiento acerca de la utilidad pública de la Historia que plantean estos dos historiadores: “el papel de la Historia no debería consistir solamente en vigilar la información sobre la responsabilidad respecto del cambio climático, sino también en señalar las direcciones alternativas, los atajos utópicos, las agriculturas distintas y los modelos de consumo que se han desarrollado mientras tanto”. En este primer apartado se afirma que cada vez más personas miran a la Historia en busca de respuestas a problemáticas a largo plazo como esta, por lo que inmediatamente surge el interrogante: ¿están preparados los historiadores para ofrecer esas respuestas? Guldi y Armitage señalan que la Historia puede ofrecerlas, pero que la visión cortoplacista que ha marcado la investigación y la enseñanza de esta disciplina en los últimos tiempos no.

El segundo capítulo, titulado El pasado breve, o la retirada de la ‘longue durée’, expone cuáles han sido esos cambios que han llevado a abandonar la longue durée de Braudel en favor del cortoplacismo. En él se describe cómo en la segunda mitad del siglo XX la disciplina comenzó a promover una concentración y concreción de fuentes e interrogantes y, por tanto, también del período y materia investigados. De esta manera se propició una hiperespecialización que llevó a saber mucho sobre aspectos cada vez más reducidos, descuidando así los grandes interrogantes, que quedaban sin responder.

Este proceso conllevaba una elitización, quedando así el debate y la exposición de resultados reducidos a pequeños círculos de eruditos, y agravando a su vez la crisis de utilidad social que pudiera tener la Historia. Guldi y Armitage citan a autores que ya en los años ochenta habían puesto en duda la contribución de la excesiva especialización a campos fundamentales como la educación.

El tercer capítulo se titula Lo largo y lo corto. Cambio climático, gobernanza y desigualdad a partir de la década de 1970. En este apartado del libro se analizan las tres problemáticas que le dan título (cambio climático, gobernanza y desigualdad), para concretar todo lo dicho hasta el momento y demostrar cómo la falta de investigación histórica en estos temas en particular ha generado una serie de mitologías e ideas distorsionadas que, a menudo de forma consciente, han condicionado la forma en que hoy la sociedad entiende algunos de ellos. Señalan los autores que la ausencia de historiadores ha propiciado la presencia de especialistas menos cualificados procedentes de otras disciplinas que han asumido la responsabilidad de condensar el conocimiento de siglos y milenios. Así, se cita como ejemplo en el libro la forma en que los economistas han construido un discurso a largo plazo que ha idealizado la economía de libre mercado.

El cuarto capítulo nos trae de nuevo al presente y nos propone un tema de suma actualidad ya desde el título: Grandes cuestiones; big data. Aquí nos plantean los autores que la sobrecarga de información es en sí misma un síntoma de la crisis de pensamiento que venimos padeciendo, y que tanto para el estudio histórico como para otras ciencias y la vida cotidiana se han hecho indispensables las herramientas de búsqueda de información. De hecho, los expertos se han dado cuenta de que para mantener la capacidad de persuación necesitan condensar big data para crear un relato conciso y divulgativo. La utilización de palabras clave es un ejemplo de este fenómeno de recogida de datos, que obviamente se ha expandido a distintos tipos de software (Google Book Search, Paper Machines…). Según los autores, gracias a estas herramientas se facilita la comparación de informaciones cuantitativas, lo que ayuda a producir modelos comparativos de variables a lo largo del tiempo y, por tanto, hace de la Historia “un árbitro de los principales discursos del antropoceno”.

Al fin, llegamos a la conclusión titulada, donde los autores realizan un balance general de todo lo expuesto y concluyen tres líneas a seguir en la escritura de la Historia: la apertura al gran público, haciendo accesibles y comprensibles los relatos elaborados por los historiadores; la atención y empleo de nuevas herramientas de visualización, en especial digitales, por parte de los historiadores; y, por último, la fusión entre lo “micro” y lo “macro”. En relación a este último aspecto, hay que señalar que ya en los capítulos anteriores los autores habían dejado clara su posición favorable también a la microhistoria y, en general, a líneas de investigación más reducidas, tan solo criticaban su generalización, hegemonía y condicionamiento en las tendencias de investigación recientes. En la conclusión vuelven a aclarar esta cuestión defendiendo que lo “micro” representa lo mejor de la metodología del historiador, mientras que lo “macro” plantea los auténticos interrogantes de interés común, por lo que insisten en alcanzar un equilibrio entre ambas concepciones.

No obstante, lo más interesante de la conclusión es el tono optimista que emplea. Se incide en la idea de que desde hace algunos años se vienen publicando estudios que siguen estos criterios, que la ciencia histórica está cambiando y que comienza a corregir errores. Se defiende que no todo está perdido y que, según los autores, los historiadores pueden y deben volver a ocupar el papel de maestros públicos, de guías sociales, que ya ocuparan en tiempos pasados aunque sin renunciar a la rigurosidad. Esto queda especialmente claro en las líneas finales del manifiesto: “¡Historiadores del mundo, uníos! Hay un mundo por ganar, antes de que sea demasiado tarde”.

Nos gustaría terminar diciendo que el manifiesto-ensayo ofrece al historiador un punto de vista novedoso basado en teorías que podrían parecer desfasadas por su antigüedad. Desde nuestro punto de vista, los autores aciertan al buscar en el pensamiento de Braudel un enfoque adecuado para la investigación histórica, pero falla a la hora de plantearlo en su texto. Precisamente por tratarse de un manifiesto, sus ideas no son desarrolladas de manera adecuada, quedan en cierta medida expuestas pero no se profundiza en su entendimiento, con lo que en ocasiones no se termina de comprender el propósito de los autores, o la forma en la que se deberían desarrollar estas ideas. Esto contrasta bastante con otras secciones del manifiesto donde el planteamiento se vuelve farragoso y repite hasta la extenuación algunos conceptos, sobre todo los relacionados con big data y cambio climático. En esos dos apartados es donde los autores, en lugar de incidir en su teoría, se pierden en la explicación de ejemplos que, a veces, no resultan del todo útiles, y quedan como una mera enumeración de ejemplos y casos concretos que no llevan a ninguna parte.

No obstante, debemos incidir en la idea de que el mensaje general que expone esta obra es absolutamente necesario en los tiempos actuales ante la aparente pérdida de utilidad social de la disciplina histórica, y de su progresiva destrucción y marginación por parte de instituciones y autoridades.

Juan Jesús Botí Hernández – Profesor de Secundaria – Ad Absurdum

David Omar Sáez GiménezProfesor de Secundaria – Ad Absurdum

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Los jesuitas entre la historia intelectual y la historia de las prácticas en el mundo iberoamericano. Debates pasados, implicaciones contemporáneas/Historia y Grafía/2017

La Compañía de Jesús, quizá más que ninguna otra orden religiosa, tuvo un rol activo en la conformación de la sociedad moderna. Ya fuera por la concepción del Estado que contribuyó a delinear, ya fuera por la orientación que tomaron sus métodos de misión desde el Paraguay hasta la China, los jesuitas intervinieron en los principales debates y políticas que marcaron los siglos XVII y XVIII, proyectando algunas de sus polémicas a los siglos XIX, XX y XXI. De manera particular en los últimos años se ha generado una preocupación creciente por el papel que los miembros de la Orden tuvieron en diferentes áreas del conocimiento –en especial las ciencias y las artes–, en la creación de sistemas morales y jurídicos que marcaron la transición del Antiguo Régimen a la época moderna y en la contribución a historiografías eclesiásticas y nacionales.1 El diálogo de la historiografía de la Orden con la historiografía laica, los encuentros conmemorativos y las publicaciones periódicas especializadas, han jugado un rol fundamental en este crecimiento de la producción y en el interés académicos en torno de la Compañía. Aunque esta situación ha beneficiado al campo de estudios ampliamente reconocible como “jesuitología”, también tendió a generar una falsa idea de aislamiento de la Orden de su contexto más general. La supuesta excepcionalidad de la Compañía tal vez se funde en la existencia concreta de un enorme legado documental –disperso por el mundo– que supera en cantidad al de cualquier otra orden religiosa. Esto tendió a sobredimensionar la singularidad de los jesuitas en la reconstrucción histórica del proceso de expansión global del cristianismo. Puede decirse que la misma autoimagen de la Compañía de Jesús se construyó –y se sigue construyendo– a partir de este legado escriturario, muy regulado desde el principio y en constante crecimiento. Es lícito afirmar, junto a otros autores, que la historia de la Compañía de Jesús es en buena medida la historia de su relación con la escritura.2 Leia Mais

Pasión de enseñar | Gabriela Mistral

Si el lector diera por azar con alguna de las páginas que componen esta obra, reaccionaría de inmediato, estando o no implicado con sus fines. La lucidez y la vitalidad del pensamiento mistraliano cuestionan la esencia de la pedagogía y trascienden a su tiempo de escritura por la vigencia plena de su reflexión crítica y testimonial sobre el sentido poético de la educación, lectura que al más indiferente hará despertar de algún letargo o prejuicio.

La compilación, diseñada y diagramada cuidadosamente por el equipo de la Editorial de la Universidad de Valparaíso, que ya nos tiene habituados a una delicada estética de la edición, se enriquece con testimonios de poetas y profesores como Rosabetty Muñoz, Patricio Felmer, Ana María Maza, Angélica Edwards y Floridor Pérez e ilustraciones de pinturas en acrílico de la artista Roser Bru, cada una de las cuales antecede las secciones a modo de sugerente invitación a la lectura para concluir con grabados de aves chilenas en el colofón que Cristián Olivos proyectó para el cierre, además de fotografías de Patricia Novoa y Vinka Quintana. Todos ellos conciben el legado de una Mistral que expresan a su modo, aunque sus contribuciones convergen en una lograda apuesta por interpretarla. Leia Mais

Arthur C. Danto/Historia y Grafía/2017

En 2015 se cumplieron cincuenta años de la primera edición de Analytical Philosophy of History de Arthur C. Danto. Con este motivo nos reunimos en ese año para discutir su propuesta acerca de que la historia es capaz de explicar por medio de la narración; aún fresca la conmemoración, retomamos unas ponencias que se leyeron en el coloquio (“A 50 años de la edición de Analytical Philosophy of History de Arthur C. Danto”). Por eso, los artículos siguientes mantienen el estilo de dicha versión. Leia Mais

Aprendizagem em EaD. Brasília, v.6, n.1, 2017.

Artigos

Cultura material e cultura intelectual (séculos XVI-XIX) / Antíteses / 2017

Este dossiê temático que intitulámos “Cultura material e cultura intelectual (séculos XVI-XIX)” constitui mais um resultado palpável da parceria iniciada há alguns anos entre as duas signatárias, as docentes, Maria Renata da Cruz Duran, da Universidade Estadual de Londrina, e Isabel Drumond Braga, da Universidade de Lisboa. No decurso do pósdoutoramento da primeira, pensou-se na preparação de um número temático de uma revista brasileira que acolhesse trabalhos de investigadores dedicados ao estudo da história da cultura com os quais as coordenadoras tivessem, de algum modo, trabalhado. O resultado que agora vem a público é apenas uma parte desse projeto que tem continuidade em outras vertentes e suportes.

Objeto de estudo da História enquanto matéria autónoma, desde o século XIX, com os textos fundacionais de Jacob Burckhardt e Johan Huizinga, e com percursos e autores muito diferenciados ao longo dos tempos, a cultura é o foco do presente dossiê, tendo em conta as suas facetas material e intelectual, naturalmente enlaçadas. Os séculos XVI e XIX servem como fronteiras de um panorama que tem início na Península Ibérica, com o texto “As Leguminosas no Portugal Moderno: uma presença constante e discreta”, de uma das organizadoras, e também autora convidada, Isabel Drumond Braga, da Universidade de Lisboa. Elaborado no rescaldo do Ano Internacional das Leguminosas (2016) o texto apresenta fontes como livros de culinária, informações sobre dietas de estudantes, de religiosos e de presos, provérbios, relatos de viajantes estrangeiros e outras, a fim de explorar as potencialidades da História da Cultura.

“Cultura material en la clausura de la realeza: “Las reliquias (tipos, simbología y cuidado) en el Monasterio de Las Descalzas Reales en Edad Moderna” é o texto subsequente, onde Esther Jimenez, da Universidade de Granada, explora as esferas de poder no universo feminino quinhentista a partir de seus vestígios materiais.

O doutor Carlo Pellicia, investigador do CLEPUL (Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias), da Universidade de Lisboa, apresenta em suas “Notas sobre influência da cultura portuguesa no Japão (séculos XVII e XVIII): o legado dos missionários europeus”, uma sondagem acerca do nanbangaku ou nanban bunka, ou seja, o conjunto das doutrinas dos “bárbaros do sul”, que não conheceu o seu epílogo com a proscrição do cristianismo, nem com o afastamento do mercantilismo ibérico. Situado entre 1641 e 1715, o artigo nos transporta para uma Ásia portuguesa.

Através de um profícuo diálogo entre Literatura e História, Markus Ebenhoch, da Universidade de Salzburgo, produziu o texto “O discurso religioso nas Obras do diabinho da mão furada”. Dedicado ao estudo de António José da Silva (1705-1739), chamado “o Judeu”, Ebenhoch apresenta uma análise dos processos inquisitoriais levantados contra António José da Silva, detendo-se no que classificou como “uma crítica satírica ao catolicismo e ao Santo Ofício, escrita por um antigo preso desta instituição”.

Maria Marta Lobo de Araújo, da Universidade do Minho, parte da análise intrínseca de um recolhimento do norte de Portugal, durante o século XVIII em “Aprender na clausura: a aula publica do recolhimento da Caridade de Braga, no século XVIII”. Local de preservação e definição da honra feminina, o espaço é sondado a partir de um cruzamento de fontes relativas às questões materiais e intelectuais.

Da mistura desses aspectos também se vale Francisco de Almeida Dias, Università degli Studi della Tuscia (Viterbo), com o seu texto sobre “D. Alexandre de Sousa e Holstein e a cultura lusitana numa Roma em ebulição (1790-1803)”. No artigo, o autor aborda a formação artística dos jovens portugueses enviados pela Casa Pia de Lisboa, bem como a fundação de uma efémera Academia de Belas-Artes, que teve D. Alexandre de Sousa e Holstein como protagonista.

Com “Assistência e cultura material: o património móvel do hospital da Santa Casa da Misericórdia de Pombal na segunda metade do século XIX”, Ricardo Pessa de Oliveira destaca o âmbito patrimonial em que a cultura artística, assim como a material, costumam operar. Claudia Marques Martinez, da Universidade Estadual de Londrina, atua no mesmo sentido, situando, todavia, uma abordagem da cultura intelectual no Brasil em que emerge o termo “cultura imaterial”, no texto “Manoel Bernardes da Cunha Cação, o inventário de um abolicionista: da cultura material à cultura imaterial”.

Carollina de Lima, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira, nos situa no campo do papel social da literatura na sondagem da cultura imaterial e / ou intelectual em ”A conciliação nos folhetins: Joaquim Manuel de Macedo e a carteira do meu tio (1855)”. Aldrin Figueiredo, da Universidade Federal do Pará, distende a história social ao analisar o papel da arte sacra e religiosa na Amazônia no contexto do movimento de renovação do catolicismo brasileiro no século XIX, mediante fontes em prosa, verso, pintura e escultura.

Na intersecção do design, “Joalheria de Crioulas: Subversão e Poder no Brasil Colonial”, de Amanda Gatinho Teixeira, mestre em Antropologia pela Universidade Federal do Pará, integra a seção dedicada a estudantes de pós-graduação, reaberta nesse número, apresentando uma visão histórico-antropológica acerca da joalheria Oitocentista no Brasil.

O dossiê fecha com o texto da organizadora Maria Renata da Cruz Duran, professora de História Moderna e Contemporânea da Universidade Estadual de Londrina, pós-doutoranda pela Universidade de Lisboa e bolsista PDE / CNPq, com o artigo “A ´augusta mãe por cima das ondas do oceano´: a corte portuguesa no púlpito brasileiro”, no qual revisa um sermão de frei Francisco de São Carlos, pregador real no Rio de Janeiro em 1809, com a finalidade de averiguar, na sermonística, um modelo de narrativa histórica que procura estabelecer uma interligação entre Portugal e Brasil, no solo sagrado das Capelas Reais.

Como se pode notar, o presente dossiê explora diferentes fontes, métodos e objetos, destacando na História da Cultura um manancial de compreensão da sociedade moderna e contemporânea que, tal como os autores aqui reunidos, ultrapassa e entrelaça fronteiras.

Maria Renata da Cruz Duran, Universidade Estadual de Londrina – PDE / CNPq

Isabel Drumond Braga, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras e CIDEHUS-EU

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Multimedia Learning – MAYER (EPEC)

MAYER, Richard E. Multimedia Learning. New York: Cambridge University Press, 2ª ed., 2009. Resenha de: SILVA, André Coelho da. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.19, 2017.

Richard Mayer é professor de Psicologia na Universidade da Califórnia desde 1975. Seus interesses de pesquisa estão relacionados à aplicação da ciência da aprendizagem à educação e envolvem, especialmente, estudos sobre cognição, tecnologia e ensino. Atualmente desenvolve projetos sobre aprendizagem multimídia, aprendizagem apoiada por computador e uso de jogos computacionais para a aprendizagem. Nesse sentido, tem como objetivo central encontrar formas de auxiliar as pessoas a desenvolverem aprendizagens que permitam a utilização desses conhecimentos em novas e diferentes situações.Mayer é autor de mais de 500 trabalhos, entre eles, livros como: Jogos computacionais para a aprendizagem (Computer Games for Learning, 2014), Aplicando a ciência da aprendizagem (Applying the Science of Learning, 2011) e Manual da Aprendizagem Multimídia de Cambridge (The Cambridge Handbook of Multimedia Learning: Second Edition, 2014).

No livro Aprendizagem Multimídia (Multimedia Learning, 2009) Mayer visa apresentar princípios para a produção de recursos didáticos multimídia que possam favorecer uma melhor aprendizagem.

Para o autor, um recurso multimídia não é um meio utilizado para trabalhar determinados conteúdos (livros, computadores etc.), mas sim um material que engloba palavras (texto falado ou escrito) e informações gráficas/figuras (gráficos, fotos, animações, mapas etc.). Assume-se que os meios não possuem relação direta com a aprendizagem e, portanto, ao invés de buscar meios que potencialmente maximizariam a aprendizagem, a questão passa a ser como desenvolver recursos multimídia que possam aperfeiçoar os conteúdos/mensagens abordados.

Mayer distingue dois tipos de abordagem quanto à produção de recursos multimídia: a centrada na tecnologia e a centrada nos aprendizes. Enquanto a primeira objetiva possibilitar o acesso às novas tecnologias implicando na necessidade de que os aprendizes se adaptem a elas; a segunda visa adaptar as novas tecnologias às necessidades dos aprendizes visando favorecer a aprendizagem. A abordagem centrada nos aprendizes – assumida por Mayer no livro – partiria da tentativa de entender o funcionamento da cognição humana. Além disso, recursos coerentes com tal funcionamento seriam mais efetivos na promoção da aprendizagem.

A cognição humana poderia ser resumida em dois pressupostos: I) o do canal duplo, que indica a existência de dois sistemas não-equivalentes de processamento de informação: verbal/auditivo e visual/pictórico; e II) o da capacidade cognitiva, que indica que a quantidade de informação processada simultaneamente em cada canal é limitada. O resultado de um processamento cognitivo ativo seria a produção de um modelo mental. Nesse contexto, aprender implicaria em lembrar, isto é, em ser capaz de reproduzir e reconhecer o conteúdo, e em entender, isto é, em construir um modelo mental coerente para o conteúdo. Consequentemente, aprendizagem multimídia seria a construção de conhecimento (enquanto algo pessoal, intransferível) a partir da interação com um recurso multimídia.

Para que resulte em aprendizagem multimídia, a interação com o recurso precisaria desencadear uma série de processos: seleção de palavras relevantes para processamento na memória de trabalho verbal; seleção de imagens relevantes para processamento na memória de trabalho visual; organização das palavras de forma coerente em um modelo mental verbal; organização das imagens de forma coerente em um modelo mental visual; integração das representações verbais e visuais entre si e com o conhecimento prévio.

Mayer apresenta alguns princípios que poderiam auxiliar no desenvolvimento de recursos didáticos multimídia – de forma a torná-los potencialmente mais efetivos em termos da aprendizagem: I) Concentração (destacar ideias chave nas figuras e textos); II) Concisão (minimizar detalhes desnecessários/alheios nos textos e figuras); III) Correspondência (colocar figuras e textos correspondentes próximos); IV) Concretude (apresentar textos e figuras de maneira a facilitar a visualização); V) Coerência (construir uma linha de raciocínio e uma estrutura clara); VI) Compreensibilidade (utilizar textos e figuras familiares); e VII) Codificabilidade (utilizar textos e figuras cujas características chave facilitem a memorização). De fato, tais princípios são encampados pelos doze princípios da aprendizagem multimídia definidos pelo autor (entendidos como princípios para a produção de materiais multimídia).

Os princípios da aprendizagem multimídia são consistentes com o funcionamento da cognição e da aprendizagem humana e estão amparados em resultados de diversos estudos empíricos focados em testes de transferência, isto é, testes que implicam em utilizar o conhecimento para resolver problemas novos/diferentes.

Cinco princípios visam reduzir o processamento desnecessário/alheio, evitando sobrecarga cognitiva. O princípio da coerência indica que as pessoas aprendem melhor quando informações (palavras, figuras, símbolos, sons, músicas etc.) desnecessárias/alheias são excluídas. O princípio da sinalização sugere que as pessoas aprendem melhor quando a organização do material é explicitada, pois o aprendiz poderia ser guiado ao que é essencial, favorecendo a organização mental. O princípio da redundância afirma que as pessoas aprendem melhor com desenhos e narração do que com desenhos, narração e texto escrito (legenda do que está sendo narrado) – caso que implicaria em sobrecarga do canal visual.

O princípio da contiguidade espacial indica que as pessoas aprendem melhor quando as palavras e as figuras correspondentes estão espacialmente próximas.

Já o princípio da contiguidade temporal sugere que as pessoas aprendem melhor quando palavras e imagens correspondentes aparecem ao mesmo tempo. Esses dois últimos princípios estão embasados na ideia de que a contiguidade espacial/ temporal favorece o estabelecimento de conexões entre as informações verbais e visuais (será gasto menos recurso cognitivo no estabelecimento dessas conexões).

Três princípios visam favorecer a administração do processamento essencial, isto é, o responsável por representar o material na memória de trabalho. Em caso de sobrecarga no processamento essencial, restariam poucos recursos cognitivos para realizar o processamento gerador, responsável por organizar e integrar as representações mentais produzidas. Segundo o princípio da segmentação as pessoas aprendem melhor quando o recurso é apresentado em unidades sequenciais nas quais o usuário pode definir o ritmo (ideia de que cada sujeito tem um tempo diferente de processamento). Segundo o princípio do pré-treinamento as pessoas aprendem melhor quando já sabem os nomes e as características dos principais conceitos antes de entrar em mais detalhes. O princípio da modalidade sugere que as pessoas aprendem melhor com figuras e textos falados do que com figuras e textos escritos.

A razão é que textos escritos podem competir com as figuras no canal visual.

Quatro princípios visam promover o processamento gerador. O princípio multimídia afirma que as pessoas aprendem melhor com palavras e figuras do que só com palavras. Trata-se de um princípio que justifica o livro como um todo.

O princípio da personalização sugere que as pessoas aprendem melhor quando as palavras estão em estilo conversacional do que em estilo formal. Por fim, os princípios da voz e da imagem são extensões do princípio da personalização e, segundo Mayer, quando da publicação do livro, ainda estavam em fase de estudos preliminares. Segundo o princípio da voz, as pessoas aprendem melhor quando a voz da narração é humana do que quando a voz é de máquina. Já segundo o princípio da imagem, as pessoas não necessariamente aprendem melhor quando a imagem de quem está falando/narrando está na tela.

Apontamos como os principais pontos positivos do livro: i) a forma didática e sistemática como o autor discute suas considerações, sempre fazendo recapitulações, explicitando seus objetivos de maneira clara e organizando as informações em tabelas quando possível; ii) a consideração de que os princípios da aprendizagem multimídia não são regras universais; iii) a fundamentação teórica e o amplo número de estudos empíricos que embasam os princípios. Nesse sentido, trata-se de um livro que oferece implicações relevantes para a área de pesquisa em ensino de ciências como um todo e, especificamente, para pesquisadores que atuam na produção de recursos didáticos multimídia (pesquisadores associados ao estudo das tecnologias de informação e comunicação, por exemplo) ou que buscam compreender o funcionamento, os limites e as possibilidades da utilização de recursos desse tipo no ensino e na aprendizagem de ciências.

De fato, é possível associar a temática do livro a, ao menos, duas das linhas temáticas do último Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (XI ENPEC), realizado em julho de 2017: “Processos e materiais educativos em Educação em Ciências” e “Tecnologias da informação e comunicação em Educação em Ciências”. Entendemos que a presença dessas linhas temáticas no mais importante evento brasileiro da área de ensino de ciências evidencia que a produção, a validação e a utilização de recursos didáticos em situações de ensino e aprendizagem, seja em contextos de pesquisa ou não, costumam se constituir como atividades recorrentes na atuação dos professores e pesquisadores dessa área. Logo, sugerimos que os princípios caracterizados por Mayer podem funcionar como aporte teórico-metodológico para o desenvolvimento dessas atividades, especialmente no que se refere ao projeto e à construção de recursos didáticos multimídia.

Em contraposição aos muitos pontos positivos do livro, pensamos ser necessário apontar também que, embora comente sobre os testes empíricos realizados, Mayer não indica quantos alunos participaram de cada teste, tampouco detalha as condições de aplicação de cada um deles. Vale frisar ainda que os testes foram realizados utilizando a metodologia de grupos controle e grupos experimentais, a qual pode ser alvo de críticas tendo em vista a complexidade envolvida nos atos educacionais – desconsiderada por tal metodologia. Outro aspecto que talvez pudesse ser mais explorado no livro é a discussão de possíveis exceções individuais no que diz respeito aos testes empíricos realizados. Tal possibilidade, no entanto, parece não condizer com a abordagem quantitativaestatística adotada pelo autor na obra.

Em síntese, apesar de ter sido publicado em língua inglesa, a leitura do livro é agradável e simples. Recomendamo-la especialmente aos interessados em elementos associados à aprendizagem e ao uso/estudo de recursos multimídia no ensino.

Referências

MAYER, R. E. Applying the science of learning. Upper Saddle River: Pearson, 2011.

MAYER, R. E. Computer games for learning: An evidence-based approach. Cambridge: MIT Press, 2014.

MAYER, R. E. The Cambridge handbook of multimedia learning. New York: Cambridge University Press, 2014.

UCSB – UNIVERSITY OF CALIFORNIA, SANTA BARBARA. Richard Mayer. Department of Psychological & Brain Sciences, s/d. Disponível em: <https://www.psych. ucsb.edu/people/faculty/mayer>. Acesso em: 09 ago. 2016.

André Coelho da Silva – Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), campus Itapetininga. Grupo de Pesquisas sobre Formação de Professores para o Ensino Básico, Técnico, Tecnológico e Superior (FoPeTec). Itapetininga, SP – Brasil. E-mail:<andrecoelho@ifsp.edu.br>

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Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem – BERGMANN (EPEC)

BERGMANN, Jonathan; SAMS, Aaron. Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem. (Tradução Afonso Celso da Cunha Serra). 1ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2016. 104 p. Resenha de: FEITOSA, Raphael Alves. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.19, 2017.

A obra Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem, de autoria dos estadunidenses Jonathan Bergmann e Aaron Sams ganhou uma versão para o português no ano de 2016. O livro é uma adaptação do original em língua inglesa, de título Flip your classroom: reach every student in every class day, publicado em 2012 nos Estados Unidos da América (EUA).

O livro é destinado a professores do ensino básico e superior, bem como a pesquisadores da área da Educação e do Ensino interessados em conhecer essa metodologia.

O produto é relevante para o campo do ensino de ciências, haja vista que ambos os autores ministravam a disciplina de Química no High School estadunidense (equivalente ao nosso Ensino Médio) na época em que desenvolveram as experiências com a sala de aula invertida.

No tocante aos autores da obra, destaca-se que ambos desenvolverem as experiências pedagógicas inovadoras descritas no livro, durante seu trabalho como educadores em uma escola da cidade de Woodland Park, estado do Colorado (EUA). Os dois autores lecionavam Química, área original de formação de ambos.

Bergmann e Sams obtiveram reconhecimento nacional por suas ações de ensino. O primeiro recebeu o Presidential Award for Excellence in Mathematics and Science Teaching (PAEMST) em 2002, premiação organizada pela The National Science Foundation. No ano de 2010, Bergmann foi semifinalista no certame Teacher of the Year, no Estado do Colorado. Em 2013, ele foi finalista do Brock International Prize for Education, administrado pela The Brock Family Community Foundation. É cofundador da Flipped Learning Network, uma organização sem fins lucrativos que busca e compartilha recursos acadêmicos ligados ao tema da sala de aula invertida. Atualmente, é facilitador em tecnologia de ponta da Joseph Sears School, em Illinois.

Aaron Sams recebeu da PAEMST o Presidential Award for Excellence in Mathematics and Science Teaching, em 2009. Recentemente, vem trabalhando como professor de Ciências em Woodland Park, no Colorado.

Além da obra objeto de análise da presente resenha, Bergmann e Sams também publicaram outros livros sobre o tema, como, por exemplo, Flip Your Classroom: Reach Every Student in Every Class Every Day (BERGMANN; SAMS, 2012), Flipped Learning for Science Instruction (BERGMANN; SAMS, 2015a) e Flipped Learning for Elementary Instruction (BERGMANN; SAMS, 2015b).

Quanto à organização, Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem conta com um breve prefácio de Karl Fisch e está dividida em nove capítulos. No capítulo inicial, é apresentado um dilema enfrentado pelos autores, que contribuiu para o desenvolvimento das ações ligadas à sala de aula invertida. Dentro do contexto estadunidense, existem alunos que participam de competições desportivas e que acabam faltando a várias aulas seguidas. Igualmente, existem outros que, mesmo estando presentes em todas as aulas, não possuem bom rendimento escolar e, consequentemente, perdiam a oportunidade de aprender efetivamente o conteúdo outrora ministrado. Então, o que fazer para recuperar esse conteúdo ministrado? Bergmann e Sams (2016, p. 3) tentaram solucionar essa problemática e, a partir de 2007, “começamos a gravar nossas aulas ao vivo, usando o software de captura de tela. Postávamos as aulas on-line e os alunos as acessavam”. Nisso, perceberam através da experiência prática docente que muitos alunos assistiam aos vídeos das aulas antecipadamente, incluindo aqueles que não faltavam às aulas.

Nas aulas seguintes, eles tiravam dúvidas sobre o tema dos vídeos, gerando espaço para outras atividades em classe.

Assim, a organização da rotina escolar das aulas de Química foi se modificando: primeiro os alunos assistiam e faziam anotações dos vídeos postados, antes das aulas. No dia da aula regular, os professores realizam experimentos e demonstrações, orientavam pequenos grupos, resolviam exercícios e tiravam as dúvidas dos estudantes. Nisso, educadores realizavam apenas uma explicação rápida sobre o conteúdo ao invés de dedicarem a maior parte da aula a longas preleções.

Basicamente, o conceito de sala de aula invertida é o seguinte: o que tradicionalmente é feito em sala de aula, agora é executado em casa, e o que tradicionalmente é feito como trabalho de casa, agora é realizado em sala de aula. (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 11).

Fundamentalmente, a sala de aula invertida se contrapõe ao ensino tradicional, no qual a sala de aula serve para o professor transmitir informações para o aluno. Esse último, após a aula, deve estudar o material que foi comunicado e realizar alguma atividade de avaliação para mostrar se esse material foi (ou não) assimilado.

Já a implementação da metodologia da sala de aula invertida se deu como resposta à percepção de Bergmann e Sams (2016) de que a metodologia tradicional não era compatível com alguns estilos de aprendizagem dos alunos.

Para realizar essa estratégia pedagógica, procede-se com a disponibilização prévia de vídeos, áudios, textos e outras mídias, para que todos os alunos tenham acesso ao conteúdo antes das aulas. Permitindo, assim, que cada aluno estude nos locais e horários que melhor lhe convém, seguindo seu próprio ritmo.

Além do estudo prévio em casa, a outra parte do método se direciona aos encontros presenciais, os quais ocorrem no horário convencional de aula na escola. Esses momentos são destinados a atividades que exijam o uso de níveis mais aprofundados de reflexão.

Nas atividades presenciais, o papel dos atores sociais protagonistas do espaço-tempo da sala de aula muda, quando comparado ao ensino tradicional.

Os estudantes passam a ter um papel ativo no processo de aprendizagem. Isso é possível devido ao fato do estudante ter tido, previamente, contato prévio com o conteúdo, abrindo espaço para que a aula se torne um lócus de aprendizagem ativa, com o auxílio e supervisão do professor.

Por sua vez, os educadores deixam de atuar como “transmissores” de conteúdo.

Onde outrora se predominava a modalidade de aula expositiva, com a sala de aula invertida, o professor pode usar o com mais propriedade o tempo disponível. Em sala, o docente pode propor e supervisionar discussões, atividades práticas/demonstrativas e dar respostas às perguntas que apareceram durante o estudo em casa.

No livro, os autores descrevem e exploram suas experiências didáticas nos EUA, dando exemplos para os leitores de como utilizar a ideia central da sala de aula invertida. Destarte, Bergmann e Sams (2016) dão sugestões de diversas ferramentas que podem ser utilizadas pelo professorado para implementar essa metodologia, por exemplo: plataformas, softwares, sistemas de gravação de voz e vídeo, aplicativos de celulares/tablets, mídias físicas (CD e DVD), etc.

Assim, os criadores do método indicam que essas ferramentas podem ser usadas nas aulas, por alunos e professores, devido também ao baixo custo financeiro envolvido. Os vídeos e áudios podem ser gravados/visualizados em aparelhos de telefone celular, computador ou tablet, por exemplo. Para aqueles que não dispõem dessas tecnologias, os autores aconselham a gravação em CD/DVD.

Ao longo do livro, especialmente no sétimo capítulo, os autores mostram a relação da sala de aula invertida com a avaliação da aprendizagem. Ao longo das aulas, o contato mais próximo com os estudantes permite que os professores façam “avaliações somativas” (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 83).

Entre as ferramentas avaliativas usadas na experiência descrita no livro, os autores usaram trabalhos, testes escritos, perguntas orais e as avaliações do Estado do Colorado (EUA). Esse último exame, em alunos de Química da mesma escola, em quadro comparativo entre uma turma que utilizou a organização da sala de aula invertida, e outra, de ano anterior, de organização tradicional, os resultados dos exames estaduais apontaram para “pontuações médias quase idênticas às dos alunos do ano anterior, quando ainda seguíamos o método tradicional de preleções” (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 97).

Tal resultado causou surpresa a esse resenhista, pois devido à firme defesa do método por parte dos autores da obra, eu esperava que o desempenho acadêmico dos estudantes que fizeram sala de aula invertida tivesse sido superior ao ensino tradicional. Certamente, diversos fatores podem estar envolvidos nos dados quantitativos dessas avaliações do estado, como aspectos do próprio teste (nível, procedimento), individuais dos alunos (familiares, sociais, afetivos) e sociais (estrutura física da escola, organização curricular), entre outros. No entanto, os autores pouco discutem esses resultados e suas interconexões estruturais, o que me parece ser uma limitação da obra.

Considerando que o assunto tem encontrado ressonância em países de língua inglesa (BRUNSELL; HOREJSI, 2011), no Brasil e em outros países de língua portuguesa (VALENTE, 2014; SUHR, 2016), entendo que existem diversos locais onde já há desenvolvimento de atividades dessa natureza.

Por outro lado, alguns pensadores importantes do campo do ensino e da pedagogia, como José Pacheco, vem tecendo críticas a esse modelo, temendo ser um novo “modismo” educativo advindo de terras estrangeiras.

Os brasileiros deveriam procurar alforria científica e maioridade educacional na obra de Milton Santos, ou Maria Nilde, mas insistem em comprar gato por lebre, desde que o gato venha do estrangeiro. (…) Por que não reagem os pedagogos brasileiros ao neocolonialismo pedagógico? Acaso os nossos professores universitários não leram Freire? (PACHECO, 2014).

Considerando a repercussão que o tema da sala de aula invertida vem gerando em nosso país, é oportuno analisar criticamente a mais nova obra publicada (BERGMANN; SAMS, 2016).

Destaco que esse modelo parece não ter sua origem, ou ato inédito, na experiência de Bergmann e Sams. Segundo Valente (2014, p. 86): “A ideia da sala de aula invertida não é nova e foi proposta inicialmente por Lage, Platt e Treglia (2000), concebida como ‘inverted classroom’ e usada pela primeira vez em uma disciplina de Microeconomia em 1996 na Miami University (Ohio, EUA)”.

Uma clara limitação da obra (BERGMANN; SAMS, 2016) é que ela não possui suporte teórico integrado às experiências pedagógicas descritas. O livro não conta sequer com uma seção de referências bibliográficas ou similar. Isso deixa a obra margeando o senso comum.

Talvez por isso, os autores do livro desconhecem (ou não denotam) os trabalhos de seus antecessores, como Lage, Platt e Treglia (2000). Bergmann e Sams (2016, p. 5) afirmam apenas que “não propusemos o termo sala de aula invertida. Ninguém é ‘dono’ dessa designação (…), embora ela tenha se popularizado nas diversas mídias”.

Considerando as limitações acima expostas, apesar disso, foi interessante ler uma obra recheada com relatos de professores que vêm utilizando e obtendo resultados positivos com a sala de aula invertida.

Para esse resenhista, o diferencial da abordagem contida em Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem é a Aprendizagem para o Domínio, cujo pensamento fundamental “consiste em que os alunos alcancem uma série de objetivos no próprio ritmo” (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 47). A logística envolvida nessa dinâmica consiste em três pontos, a saber: 1°) Pequenos grupos de estudantes trabalham em ritmo particular; 2°) é feita a avaliação formativa com os alunos, a qual estimula o grau de compreensão dos alunos; 3°) os aprendizes demonstram domínio sobre os objetivos e, aos que não atingiram todas as metas traçadas, são oferecidas formas de recuperar, para que todos aprendam os conteúdos, e não apenas o suficiente para a aprovação nos exames.

Considerando que nesta resenha destaquei os pontos fundamentais da obra analisada, convido agora o leitor a explorar o livro em questão, visando a tirar suas próprias conclusões sobre o título.

Referências

BERGMANN, J.; SAMS, A. Flip Your Classroom: reach every student in every class every day.

Arlington, VA: International Society for Technology in Education.: International Society for Technology in Education, 2012.

BERGMANN, J.; SAMS, A. Flipped Learning for Science Instruction. Arlington, VA: International Society for Technology in Education, 2015a.

BERGMANN, J.; SAMS, A. Flipped Learning for Elementary Instruction. Arlington, VA: International Society for Technology in Education, 2015b.

BERGMANN, J.; SAMS, A. Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem.

(Tradução Afonso Celso da Cunha Serra). 1ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 104 p, 2016.

BRUNSELL, E.; HOREJSI, M. “Flipping” Your Classroom. The Science Teacher, Washington, v. 78, n. 2, p. 10, 2011. Disponível em: <http://www.uwgb.edu/catl/files/pdf/flipscience.pdf>.

Acesso em: 07 ago. 2017 LAGE, M. J.; PLATT, G. J.; TREGLIA, M. Inverting the classroom: A gateway to creating an inclusive learning environment. The Journal of Economic Education, Lincoln-NE, v. 31, p. 30-43, 2000.

PACHECO, J. Sala de aula invertida: por que não reagem os pedagogos brasileiros ao neocolonialismo pedagógico? Revista Educação, São Paulo, SP, 2014. Disponível em: <http://www.revistaeducacao.com.br/sala-de-aula-invertida/>. Acesso em: 07 ago. 2017 SUHR, I. R. F. Desafios no uso da sala de aula invertida no ensino superior. Transmutare, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 4-21, jan./jun. 2016. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/rtr/article/ view/3872>. Acesso em: 07 ago. 2017 VALENTE, J. A. Blended learning e as mudanças no ensino superior: a proposta da sala de aula invertida. Educar em Revista, Curitiba, n. 4, Edição Especial, p. 79-97, 2014. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/er/nspe4/0101-4358-er-esp-04-00079.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2017.

Raphael Alves Feitosa – Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor do Departamento de Biologia da UFC. Coordenador do Laboratório de Ensino de Biologia (Lebio-UFC). Integrante do grupo de pesquisa Ensino de Ciências e Matemática (IFCE) e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino de Ciências – GEPENCI (UFC). E-mail:<raphael.feitosa@ufc.br>.

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Atores e Trajetórias do Campo Indigenista nas Américas / Estudos Ibero-Americanos / 2017

Actores y trayectorias del campo indigenista en las Américas*

Podría decirse que también el indigenismo está afectado por aquel célebre equívoco de Cristóbal Colón, que pretendió haber encontrado, singlando hacia el oeste, la inmensa India. Sin ese equívoco, que dio una ilusoria unidad a su “descubrimiento”, quizás éste se hubiese desdoblado en varios “descubrimientos”, y no hubiese un término común para todos los habitantes originarios de un continente que abarca casi toda la latitud de la tierra, desde el límite de Alaska (donde los Inuit, nunca incluidos dentro del término “indio”, constituyen la excepción) a la Tierra del Fuego. De hecho, el término “indio” tardó en fijarse en Brasil, donde los nativos fueron durante un tiempo llamados “negros da terra”, como si los portugueses hubiesen llegado a una segunda África. Pero el término “indio” (después amalgamado con “indígena”, en buena parte gracias a una falsa etimología) acabó por imponerse en todas partes, sugiriendo una unidad que ningún otro criterio justifica, entre historias, culturas, lenguas, modos de vida enormemente diversos. Y, también, una política indigenista que, a pesar de las grandes diferencias de país a país, se puede entender como una serie de variaciones sobre algunos temas comunes. En el indigenismo se solapan y mezclan diversas corrientes de pensamiento, varias generaciones de políticas públicas y contradictorios procesos de construcción de las naciones americanas. Una historia que abarca conceptos y actitudes sobre el “otro” o los “otros”, de los habitantes originarios de la tierra o previos a la colonización exterior, que son menester convertir en elemento de una nueva comunidad imaginada. También una historia que trata sobre la producción de saberes y organizaciones con desarrollos más o menos autónomos según las épocas y sus vínculos con otras áreas de las sociedades nacionales e internacionales.

El objetivo del dossier que aquí presentamos fue desde el principio explorar del modo más amplio posible todo ese panorama, evitando la concentración en los países y en los temas clásicos de la reflexión sobre el indigenismo – México, Perú y Brasil. Las limitaciones de espacio, y la disponibilidad o no de los autores, han recortado esa ampliación geográfica que pretendíamos, pero aun así han permitido una ampliación en los temas. En los artículos que aquí presentamos, podremos saber sobre las novedades del movimiento indígena en Canadá (Isabel Altamirano y Julián Castro-Rea), sobre los conflictos entre indios y colonos en el Chaco de la época colonial (Guilherme Galhegos Felippe) sobre las vicisitudes de la condición indígena en los códigos penales y jurisprudencia de los países andinos (Lior Ben David); sobre las políticas brasileñas dedicadas a los “indios aislados” (Barbara Arisi y Flipe Milanez) y sobre el auge de los museos indígenas en México (Manuel Burón). Los últimos artículos se vuelven hacia los dominios más clásicos del pensamiento indigenista, abordando la creación del indigenismo positivista (el del mariscal Rondon, tratado por Fernando da Silva Rodrigues), su política conmemorativa (Laura Giraudo), sus relaciones con revoluciones triunfantes (Max Piorsky) o fallidas (Emilio Gallardo Saborido).

La entrevista que cierra el volumen se sirve de los debates del Congreso INTERINDI 2015, celebrado en la EEHA-CSIC de Sevilla en noviembre de ese año, para enmarcar las principales líneas de investigación y discusión que desarrollan los textos aquí incluidos.

Esta presentación no pretende –sería difícil y redundante– resumir el contenido de los artículos, sino localizarlos dentro del amplísimo campo abordado y sugerir conexiones y puntos de debate.

El régimen multiculturalista construido en Canadá en las últimas décadas suele ser citado elogiosamente desde otros países americanos, como Brasil, donde una reivindicación mucho más modesta de los derechos originarios enfrenta resistencias mucho más violentas. A pesar de ello, como muestra el artículo de Altamirano y Rea, los pueblos indígenas de Canadá siguen deparándose con el mismo (falso) dilema que se impone a todas las poblaciones indígenas. Por un lado, el voluntarismo de la diversidad cultural y los derechos étnicos (incluso, en una alianza insegura con lo uno y lo otro, de la defensa del medio ambiente). Por el otro, un imperativo vago pero vigorosamente “natural” y “universal” de explotar exhaustivamente los recursos. La expansión de la industria extractiva, mineral o energética consigue constar siempre –qué decir de los periodos de crisis– en la lista de las necesidades, mientras que los derechos de la diversidad cultural permanecen como aspiraciones éticas que, según el momento, pueden llegar a parecer un lujo. El movimiento Idle no More revitalizó la lucha de los pueblos indígenas del Canadá contra el enésimo proyecto de “emancipación” liberal de los indios: su transformación en propietarios individuales, capaces de alienar su propiedad y de transferirla a la iniciativa capitalista –una política ya puesta en práctica por Bolivar en los inicios de la Independencia americana y por los Estados Unidos en los años treinta, y ensayada en los setenta por la dictadura militar brasileña. La firme y ruidosa campaña de los indígenas y sus aliados frustró el proyecto, y es interesante observar que la venganza vino en una forma característica de la contemporaneidad: una ley de transparencia sobre el uso de los recursos, apta para crear numerosas controversias en el campo de la política étnica.

El artículo de Guilherme Galhegos Felippe sobre los conflictos entre indígenas y colonos en la región chaqueña durante el siglo XVIII podría parecer fuera de foco en un dossier sobre indigenismo: tales conflictos son temas habituales en estudios de etnohistoria, mientras que el indigenismo suele rastrearse en políticas oficiales explícitas, leyes, misiones y otros instrumentos del orden. Podemos ver, sin embargo, que asaltos y saqueos –de un lado y otro– mantienen afinidad con los procesos de integración de los indígenas en un sistema económico de un modo tan efectivo como ese comercio que representa su alternativa “pacífica” (las comillas sirven para recordar que los medios coercitivos del “comercio” fueron a menudo considerables). Dígase lo mismo de la conversión religiosa: los misioneros, en la región chaqueña como en la mayor parte de América son conscientes de que su actividad mercantil (el suministro de bienes manufacturados a pueblos indígenas sin siderurgia) es parte indisociable de su actividad evangelizadora, y en la práctica la suplantan. De ahí esa fórmula –que el artículo recoge, y que raramente despierta la perplejidad necesaria– de civilizar a los indios “por la codicia”, o sea mediante uno de los pecados capitales que la religión de los buenos misioneros pretende combatir. La distancia temporal (y temática) entre este artículo y el resto del dossier es valiosa porque muestra la considerable continuidad entre las prácticas coloniales y religiosas y todo lo que mucho más tarde se ha presentado como nuevo indigenismo de cariz laico y nacional.

El artículo de Arisi y Milanez trata de un caso límite del indigenismo, que invierte una parte importante de la política indigenista tradicional, esforzándose en mantener el aislamiento de los raros grupos indígenas que en algunos rincones de la Amazonia continúan viviendo al margen de la sociedad nacional y global. Esa política, concebida en décadas recientes, y coincidiendo con la instauración de los regímenes multiculturales, invierte la política tradicional del órgano indigenista brasileño, que otrora buscaba activamente el contacto con los grupos “arredios” (aislados o no contactados). Marca del sector más idealista y dedicado del indigenismo, esa tendencia no es inmune a las críticas externas ni menos aún a sus paradojas internas. Evitar el contacto acaba suponiendo, en general, monopolizar el contacto (el Estado se asume así como una entidad aséptica, independiente de la sociedad que lo sustenta) y por otra parte se justifica en una imagen fuerte –que el artículo ilustra con esa anécdota de la isla perdida en el Océano Índico– de las comunidades indígenas como mónadas primigenias. So capa de proteger un aislamiento ideal, los indigenistas tienden a controlar o ahogar la autonomía de los “aislados” a la hora de establecer esas relaciones con los otros que, pese a las ilusiones primitivistas, nunca faltaron.

Lior Ben David aborda el tema de la circunstancia indígena en los códigos penales de Perú y Bolivia. La condición de “indio” como atenuante en los juicios se remonta a los tiempos coloniales. Fue restaurada a comienzos del siglo XX por el pensamiento indigenista, después de un intervalo liberal que consagró una igualdad (bien sabemos cuán formal y cuán ilusoria) ante la ley. Desde entonces, la condición de “semicivilizado” o de “degradado por la servidumbre y el alcoholismo” (criterios que pueden presentarse juntos pero son de tenor muy diferente) ha servido como circunstancia atenuante en los procesos criminales. Como apunta el autor, ese discreto detalle jurídico contiene todo un discurso de gran alcance sobre lo que la Nación supone ser y supone que debe ser. Y al mismo tiempo que introduce una dicotomía entre indios andinos, a la vez semi-civilizados y degradados, y amazónicos, supuestamente exteriores a la historia nacional y menos considerados por los atenuantes, amalgama en una misma categoría a sujetos indígenas provenientes de historias muy diversas. La protección jurídica, por lo demás, tiene un doble filo –y un alto costo– en la medida en que proporciona su amparo a costa de un grave estigma.

El texto de Manuel Burón Díaz opone algunos matices a la narrativa heroica del multiculturalismo y de la antropología crítica en su controversia con el indigenismo oficial clásico. El auge reciente de los museos indígenas se ha presentado como un proceso de recuperación, por parte de las comunidades, de un patrimonio otrora confiscado por arqueólogos y antropólogos al servicio del estado nacional. La lectura de la vasta documentación de instituciones como el Instituto Nacional de Antropología e Historia (el INAH, una de las principales instituciones indigenistas oriundas de la revolución mexicana) recuerda lo que debería ser obvio: que el patrimonio no estaba dado allá en el campo. Fue construido en un proceso en el que las comunidades ya contaban con una idea de lo que constituía el tesoro de su pasado, que no coincidía exactamente con lo que después se ha definido como patrimonio, y que se reelaboró y amplió en una interacción triangular entre ellas, los agentes del gobierno federal y la codicia de traficantes y coleccionistas. En ese proceso, los sujetos y corporaciones locales no fueron parte excluida ni pasiva, y establecieron alianzas con los agentes del indigenismo; es difícil, como recuerda el artículo, imaginar qué habría sido de ese patrimonio sin tales alianzas.

Laura Giraudo elabora un retrato del indigenismo clásico del siglo XX a partir de un detalle aparentemente menor: la instauración de un Día del Indio, el 19 de abril, propuesto para todos los países americanos como una fecha en que los indígenas pudiesen celebrar cosas tan esenciales como “el espíritu de su raza”. El 19 de abril conmemora la fecha en que delegados indígenas participaron en el Congreso Indigenista Interamericano de 1940 en Pátzcuaro, México: la fecha marca así una transformación, al menos formal, del movimiento “indigenista” en movimiento también indígena. El calendario festivo, sea religioso o civil suele escoger fechas marcadas por la cosmología o por el martirologio, o por ambos –pensemos en el Primero de Mayo, que rememora a los héroes de la lucha obrera de Chicago, sin dejar por ello de aludir a la arcaica celebración de la primavera. El indigenismo, renunciando a simbolismos mayores, sacó la fecha de las actas de sus reuniones, y propuso una celebración –que tuvo un éxito desigual pero bastante amplio a todo lo largo y ancho de las Américas– en la que bajo el nombre del Indio celebraba también, o principalmente, a sí mismo como entidad burocrática y como ideología.

Fernando da Silva Rodrigues traza un panorama general del proyecto indigenista del Mariscal Cándido da Silva Rondon, principal arquitecto y ejecutor de la política indigenista de la República Brasileña. El retrato oficial de Rondon se ha fijado siempre en su doctrina humanitaria y pacifista, destinada a proteger a grupos indígenas amenazados de exterminio. Pero nunca ha sido un misterio que esa protección era para Rondon una pieza en un proyecto mucho mayor de construcción de la nación, en sus aspectos más concretos: establecimiento de vías de comunicación y transporte, y consolidación de las fronteras. La labor de protección y civilización de los indios tiene, en ese contexto, un sentido que va mucho más allá de un positivismo genérico, dominado por ideales de crecimiento y progreso, y recupera una política secularmente puesta en práctica desde los primeros tiempos de la colonia de reclutar a los indios –por medio de la “codicia”, según la larga tradición– como fuerza de trabajo nacional y muy especialmente como guardianes de sus zonas fronterizas.

El Mariscal Rondon, pese a sus orígenes familiares en parte indígenas –siempre recordados en las hagiografías– era un perfecto exponente de una república ideológicamente positivista y socialmente conservadora. Pero con mucha frecuencia el indigenismo oficial ha sido de izquierdas, lo que pocas veces se tiene en cuenta – quizás porque confrontadas con la temática indígena los idearios de izquierdas acababan por asumir u marcado aire de familia con idearios opuestos. El indigenismo de Salomón Nahmad, un antropólogo poco conocido en Brasil del que trata el artículo de Max Piorsky, pertenece a esa estirpe de activistas instaurada por la Revolución Mexicana. El estado revolucionario tenía un compromiso: hacerse presente en la vida de una población indígena “aislada” en un sentido muy opuesto al de los “aislados” amazónicos: aislados del estado, ya que no de una sociedad regional rapaz y abusiva que lo expolia. En la descripción que Nahmad hace de los Mixes podemos identificar la completa inversión de lo que décadas más tarde ha sido el relato multiculturalista: la diferencia se subsume en la desigualdad, la diversidad cultural es un vago telón de fondo atrás de la miseria física y la vulnerabilidad extrema de pueblos olvidados por la nación. Escoger entre desigualdad y diferencia es peligroso. El peruano Víctor Zavala, cuya obra analiza Emilio GallardoSaborido, representa un tipo de indigenismo en las antípodas del liberalismo multicultural. Su teatro pone en escena al campesino andino, enfrentado a gamonales, jueces y políticos, y al sistema económico general al que todos ellos contribuyen. Zavala lleva a los Andes el teatro político de Bertolt Brecht, y el elemento étnico le sirve a la vez como signo de identidad –el indigenato es el proletariado– y como recurso dramático, de paradójico distanciamiento. Sin conocer la lengua quechua, hace hablar a sus héroes un español alterado bajo el que se perciben las estructuras de la lengua indígena,mientras sus adversarios se expresan en general en un castellano pomposo y relamido. Pero estamos aquí en uno de los casos límites del indigenismo. Por mucho que Zavala haya bebido también en la tradición de la literatura indigenista andina, él se decanta por caracterizar a sus héroes como “campesinos”, no como “indios” ni “indígenas”. El punto, subrayado por Gallardo Saborido, como marca de su rechazo de un exotismo discriminatorio, tiene una relevancia que va más allá. Zavala se encuentra (al menos hasta este año de 2016, término de su condena) preso por sus relaciones con el Partido Comunista del Perú – Sendero Luminoso, grupo que asumió, junto a una interpretación socialista del imperio incaico, algo del viejo antagonismo de ese imperio con los indios fuera de sus fronteras, especialmente los antis de la alta Amazonia– “salvajes” ajenos, entre otras cosas, al sistema productivo nacional. En ese concepto del indio como trabajador –y en la preferencia del término “campesino” para denotarlo– se sintetiza un núcleo del indigenismo de izquierdas, que diverge de la política liberal y del tipo de indigenismo que ella practíca, pero comparte con ella una noción básica sobre el lugar que el trabajo y la producción tienen en la definición del ser humano.

La entrevista que cierra el dossier ocupa, de algún modo, un espacio de síntesis entre los diversos textos: el entrevistador propuso a cuatro reconocidos especialistas en política indigenista, antropología e historia de México, Colombia, la Amazonia y los Países Andinos (Guillermo de la Peña, Joanne Rappaport, Núria Sala i Vila y Víctor Bretón Solo de Zaldívar) una serie de preguntas que representan los puntos de interrogación aparecidos durante el Congreso INTERINDI 2015, sobre las políticas indígenas e indigenistas y de la propia labor de los especialistas en ese campo. Uno de ellos alude a esa palabra, “indio”, con la que empezábamos esta presentación. Insulto en unos países, bandera en otros, pero siempre presente como categoría manifiesta u oculta bajo algún tipo de eufemismo, el término, como manifiesta Nuria Sala i Vila, esconde mucho más de lo que revela: la historiografía necesita en todo momento tomarlo como antagonista para subrayar actores más matizados o para aclarar los procesos que llevan a identidades genéricas. El rótulo “indio” puede ser el lema de movimientos panindígenas o ser substituido por términos sacados de un cuadro etnonímico local; puede reivindicarse contra las ideologías del mestizaje que gozan de un status oficial en muchos países del área, o abandonarse en un cuadro en que categorías híbridas y la historia a ellas aneja se recupera como parte de un movimiento de subalternos. Como expresa el concepto de “papelrealidad” usado por Rappaport, todos esos movimientos ocurren en un contexto en que la coagulación burocrática de las identidades, crucial en los siglos coloniales, tiene una importancia creciente: en los últimos años, ha fomentado por doquier la etnificación y la fragmentación identitaria, adecuada al modo en que los recursos y los derechos se ven asegurados. La categoría “indígena” por lo demás, como aparece claramente en la entrevista a Guillermo de la Peña (que inició su carrera de investigador entre gitanos españoles) se ve perseguida de cerca por la categoría “indigente”: en la mayor parte de la América indígena, estudiosos / activistas se alternan de modo no poco esquizoide entre la “clase” y la “etnia”, y paradójicamente es en la acción indigenista donde definiciones más esencialistas (y culturalistas) triunfan, mientras la producción académica se mantiene mucho más escéptica al valor de esos conceptos tradicionales de la antropología. La relación entre el régimen multicultural y el neoliberalismo es a todas luces evidente: son movimientos coetáneos, y la explosión de las ONG es perfectamente coherente con el imperativo neoliberal de disminución del Estado y la tercerización –en este caso, la creación de todo un “tercer sector”. Por ello mismo, es del campo multicultural de donde surgen, quizás, las críticas más afiladas contra la cosmología del capitalismo contemporáneo –en nombre, por ejemplo, de esa tradición de reciente invención del “bien vivir”– sin que el tipo de política en él propuesto sea, sin embargo, un adversario efectivo de ese régimen. Tal vez, como señala Víctor Bretón, ese multiculturalismo haya resultado, mediante la “esencialización de sus discursos y / o cooptación de parte de sus dirigencias [¿indígenas?]– en su paulatino encuadramiento dentro del campo de juego del proyectismo”.

Los movimientos indígenas, sus dirigencias, sus intelectuales, son otro tema de flagrante interés, escasamente tratado por la propia tendencia a imaginar el mundo indígena como un agregado de comunidades igualitarias y primigenias. Pero su papel, siempre difícil, de mediadores destinados a salvar la “brecha cultural” sustituyendo la acción de los tristemente célebres mediadores del colonialismo, es quizás el punto crítico de cualquier historia indígena reciente. El acervo conceptual y retórico que manejan y sintetizan –híbrido de tradiciones locales, ideologías políticas refugiadas en el indigenismo, credos religiosos recibidos de la misión, conceptos académicos que muchas veces resurgen en su discurso precisamente cuando los universitarios los abandonan, como en el caso notable y reciente de la “cultura”– proporciona a los especialistas un tema inagotable de investigación, y más aún de reflexión.

Entre esas posibles líneas de investigación y discusión podemos destacar algunas cuestiones que saltan de unos artículos a otros en este dossier. Una primera es la siempre recurrente y tantas veces nominalista polémica sobre los nombres y los atributos que definen a las identidades colectivas. Ya fuera por las confusiones con la geografía (incógnita para descubridores y algo menos para nativos) o por las tradiciones intelectuales que polarizan las relaciones humanas entre los nosotros y los otros, la sociohistoria de los nombres y de las realidades sociales a las que pretenden representar ha sido y es en toda América plural y dinámica, histórica en tanto condiciones y resultados de la vida de las personas que usan esos nombres y crean esas realidades. Los términos indio o indígena, originario o ancestral… compactan y asemejan realidades sociales casi inasibles. Los debates sobre lo dignificador o estigmatizador de unos u otros términos son importantes y requieren especial atención de los investigadores, no tanto para resolver dichos debates como para mostrar la historia de los mismos y sus vínculos con las administraciones de todo tipo, jurídicas como las analizadas en el artículos de Ben David o rituales como las del artículo de Giraudo: los nombres son buenas pistas para estudiar las relaciones humanas, pero sólo si no olvidamos que lo que nombran son los usos de esas relaciones y no supuestas identidades pre-nominales. En este sentido, nos queda mucho que discutir, con análisis históricos fundados, sobre los reduccionismos que conlleva la dicotomía nosotros-otros (usualmente en este orden, el nosotros por delante).

Una segunda cuestión es la relación entre el desarrollo de los saberes “expertos” (científicos, académicos, burocráticos, religiosos…) que integran el campo indigenista y las organizaciones con las que se desarrollan (muchas veces como elementos fundadores e indisociables de esas organizaciones). El Mariscal Rondon, el antropólogo Nahmad o el dramaturgo Zavala son ejemplos de saberes normativa y organizacionalmente contradictorios, en las que las obligaciones con los indígenas de referencia y con el proyecto o la organización de pertenencia se desarrollan en modos próximos a la psicosis, entre la exaltación del misionero y la previsibilidad del plan burocrático. También los líderes indígenas que desarrollan organizaciones para movilizaciones sociales muy ajustadas a la coyuntura política y que luego devienen entidades organizacionales en sí mismas viven este desarrollo conflictivo entre los saberes expertos y las comunidades para las que trabajan. La historiografía y los estudios sociológicos y antropológicos recientes están poniendo cierta atención en estos problemas, incluso están creciendo los estudios sobre el lado menos explorado de la relación, el del protagonismo que las organizaciones juegan en el campo indigenista. Han aparecido estudios sobre algunas instituciones indigenistas relevantes, a nivel nacional como internacional, así como sobre organizaciones no estatales. Pero aún queda mucho que indagar y discutir para poder mostrar mínimamente el papel jugado por las organizaciones modernas, en el sentido que le da el sociólogo Charle Perrow, en el desarrollo del campo indigenista como parte de la sociohistoria más amplia de las sociedades contemporáneas. Las más de las veces los estudios sobre el indigenismo son autorreferenciales, como si se tratara de una realidad especial, de un mundo escindido del resto, con el que sólo tiene relación en el papel de subproducto, de víctima, de instrumento funcional al servicio de una integración sistémica superior o como ejemplo de heroísmo, resistencia y alternativa igualmente sistémica para propios y ajenos. Para estudiar los indigenismos como parte y muestra de las historias colectivas en que se han desarrollado necesitamos un mejor análisis de la trama organizacional en la que y con la que indigenistas, indígenas y profanos han construido sus saberes y sus relaciones.

El tercer y último asunto que destacaremos en esta presentación tiene que ver con un viejo reproche o crítica al indigenismo, el de ser ajeno al protagonismo de los propios indígenas. No faltan discursos, proyectos, rituales, organizaciones, saberes, políticas y políticos donde encontrar magníficos ejemplos que sustentan estas críticas y reproches, desde el Manuel Gamio del Día del Indio hasta la preservación del aislamiento de esas comunidades no contactadas o apenas influidas por la colonización exterior (en este sentido podríamos decir que se trata de comunidades pre-indígenas al estar en una situación previa a la colonización). Para repensar y discutir la relación entre el indigenismo y los indígenas necesitamos conocimientos y marcos conceptuales que escapen de las dicotomías y los denominadores comunes tan habituales en el lenguaje de los nosotros y los otros, de los colonizadores y los colonizados, de los indigenistas y los indígenas. Y no es que estas dicotomías y reducciones no hayan sido reales y tenido un peso importante en la historia que aquí queremos debatir, sino que aceptar ese lenguaje nos obliga a sumir sus conclusiones antes de haber realizado la mínima observación, descripción y análisis de los procesos sociales a los que decimos referirnos. Incluso nos lleva a aceptar como obvias realidades humanas para que, sencillamente, apenas tenemos elementos que observar y describir, y que sólo devienen indígenas con la colonización exterior (exterior a lo que hoy conocemos como América, conocimiento nada obvio por otra parte) y varios siglos de regímenes sociales compuestos, en los que las representaciones actuales apenas tuvieron cabida si es que la tuvieron, por ejemplo todo el reiterado análisis de dominación de “castas” y “razas”. En este escenario, es interesante como los museos se han convertido en lugares de disputas entro lo autóctono y lo ajeno y, más importante, de alianzas que desestabilizan esas disputas y al propio museo mismo. Los indígenas siempre han estado en el indigenismo, justo como eso, como indígenas, cuya preservación e integración fue siempre su objetivo marco; cabría preguntarse sobre el papel no de los indígenas en el indigenismo o la inversa, la influencia del indigenismo en la conformación de la historia indígena, sino preguntarse por las tramas humanas que construyeron y se movieron entre esas y otras posiciones sociales alternativas, como las de ciudadanía, las de clase, las de pueblo, etc., así como por las muchas transformaciones empíricas (menos ajustadas a esas posiciones normativas) con las que batallan y concilian las personas en sus vidas colectivas.

El dossier que aquí se ofrece es otro resultado, esperamos que no redundante y sí provocador, de nuestros esfuerzos académicos por contribuir al desarrollo del conocimiento y de las respectivas carreras profesionales. No somos ajenos a las líneas de fractura y debate que antes hemos señalado. Todo lo contrario. También el lector de estos artículos se hará cargo de las mismas.

Nota

* Este dossier es parte de los resultados del proyecto de investigación: “Los reversos del indigenismo: socio-historia de las categorías étnico-raciales y sus usos en las sociedades latinoamericanas” (RE-INTERINDI), Ref. HAR2013-41596-P, Ministerio de Economía y Competitividad, Secretaría de Estado de Investigación, Desarrollo e Innovación (Proyectos de I+D, Programa Estatal de Fomento de la Investigación Científica y Técnica de Excelencia, Subprograma de Generación del Conocimiento).

Oscar Calavia Sáez – Doutor em Antropologia pela Universidade de São Paulo, Professor no Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Pesquisador do CNPq. Atualmente desenvolve pesquisas sobre os intelectuais indígenas no Brasil. Autor, entre outros, de O nome e o tempo dos Yaminawa. Etnologia e história dos Yaminawa do Alto Acre (Editora da Universidade do Estado de São Paulo, 2006), Las formas locales de la vida religiosa. Antropología e historia de los santuarios de La Rioja (Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2002) e Fantasmas falados Editora da UNICAMP, 1996).E-mail: occs@uol.com.br

Juan Martín Sánchez – Profesor del Departamento de Sociología de la Universidad de Sevilla, España. Doctor en Sociología y Ciencias Políticas por la Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED), Madrid. Autor, entre otros, de La revolución peruana: ideología y práctica política de un gobierno militar, 1968-1975 (CSIC, 2002) y editor, con Laura Giraudo, de La ambivalente historia del indigenismo. Campo interamericano y trayectorias nacionales 1940-1970. Áreas de investigación: sociedad y política en América Latina del siglo XX, con especial atención a Perú, socio-historia del indigenismo, representación política, discurso y ritual político. Participa en la red internacional de investigadores RED-INTERINDI (http: / / www.interindi.net ). E-mail: jmartinsanchez@us.es


SÁEZ, Oscar Calavia; SÁNCHEZ, Juan Martín. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 43, n. 1, jan. / abr., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Política esotérica: Relações entre esoterismo e política / História Revista / 2017

Em sua famosa obra Pensando com demônios, o historiador inglês Stuart Clark (2006, p. 688‐689) disse que somente era possível considerar uma dimensão política da magia porque a própria política possuiria uma dimensão mágica. Ainda que não seja um tema inédito na produção historiográfica contemporânea, as relações entre a política e o esoterismo ainda ofertam um vasto terreno a ser explorado pelos historiadores. Desde a perspectiva mais específica da história das religiões está o caso do romeno Ioan Couliano, discípulo de Mircea Eliade, quem, em seu clássico livro Éros et magie à la Renaissance (1984), fez algumas importantes elaborações a respeito, nas quais magia, poder, erotismo e imaginação aparecem mesclados na cultura renascentista e, em geral, moderna.

Podemos perceber a riqueza de tal diálogo nos mais variados recortes temporais, como por exemplo, desde a Idade Média até os nossos dias. Tal relação se apresenta das formas mais variadas, seja na construção de ferramentas de natureza esotérica para lidar com os segredos de ordem política, pelo investimento real em centros de estudos alquímicos como El Escorial, ou pelas influências esotéricas na formatação de grupos políticos, como foi o caso dos “seguidores do Vrill” e o nazismo, apenas para citar alguns casos.

Estes questionamentos, por outro lado, não estão restritos ao âmbito europeu, uma vez que desde a formação de um incipiente campo esotérico na América Latina no período colonial, e sobretudo a partir da independência no século XIX, as inter‐relações entre política e esoterismo são cada vez mais claras para o olho vigilante do esoterólogo. Assim, o papel da maçonaria no século XIX é um dos assuntos mais bordados nos últimos anos por parte dos novos historiadores que se focaram em estudar a presença maçônica nessa zona, como se pode apreciar na Revista de Estudios Históricos de la Masonería em Latinoamérica y el Caribe (de acesso livre na internet). Os polêmicos enfrentamentos do espiritismo com a ordem católica desde finais do século XIX e depois da teosofia contra a mesma poderosa adversária, já no começo da nova centúria, também foram notáveis em vários países da área, o que nos adverte que não se tratou de peculiaridades nacionais, mas de padrões ideológicos compartilhados entre os países, dadas as premissas similares. Em muitos desses casos, o discurso esotérico aparece aliado a ares de modernização social, revestindo‐se de uma aura “progressista”, do lado dos liberais, primeiro, e protosocialistas depois. Nessa linha, nos encontraremos com figuras políticas que empreenderam seu trabalho transformador no campo social a partir de uma plataforma esotérica. Citemos quatro casos da primeira metade do século passado: Francisco I. Madero e Felipe Carrillo Puerto no México, Rogelio Fernández Güell na Costa Rica, e Augusto César Sandino na Nicarágua, os quais, a partir de fundamentos espíritas, teosóficos e maçônicos, iniciaram suas revoluções que os conduziram à morte. Mas, o esoterismo da primeira metade do século XX não teve apenas essa face progressista, deu base também a manifestações ditatoriais, como a de Federico Tinoco na Costa Rica, e até genocidas, como Maximiliano Hernández em El Salvador.

Mas, a que nos referimos ao usar tais termos: política e esoterismo? O poder apenas existe enquanto relação, retornando ao clássico pensamento de Michel Foucault. Relação essa entre um ou mais indivíduos, cuja natureza é fluída, dinâmica, passível de ser afetada pelos elementos que compõem uma dada conjuntura histórica. Ao aplicarmos esse pensamento à máxima de Stuart Clark, temos que essa relação entre indivíduos, na qual se situa o poder, pode estar imersa em práticas e representações de ordem esotérica que atuaram em uma dada sociedade histórica. Assim, essa dinamicidade do poder seria construída por meio da atuação de tais elementos, ou seja, da capacidade de influência que tais práticas e saberes possuíam nesse dado contexto.

Se compreendermos a política como uma das várias possibilidades dessas relações de poder das quais tratou Foucault, como definir o que é o Esoterismo? O historiador francês Antoine Faivre deu o passo primordial para transformar os temas esotéricos em objetos acadêmicos. Conforme a já amplamente discutida teoria de Faivre, o Esoterismo ocidental pode ser compreendido como parte da História ocidental das religiões, um grupo de saberes e práticas que comungariam de um mesmo conjunto de características. Mais precisamente, essas “correntes esotéricas” compartilhariam quatro qualidades intrínsecas (Correspondência, Natureza Viva, Imaginação e Mediações, Experiência de Transmutação) e duas relativas (Práxis da Concordância, Transmissão). É possível afirmarmos que tal conceito também existe unicamente enquanto relação: relação do indivíduo com o mundo ao seu redor, nas formas por meio das quais se apropria dele; relação do indivíduo com este grupo específico de conhecimentos que buscam deslindar as engrenagens que movem as pessoas e as coisas; relação entre aquele que sabe, aquele que deseja saber e aquele que não pode saber, criando relações hierarquizantes entre tais sujeitos. Nessa versão relacional do esoterismo, o próprio conceito em seu nível acadêmico foi se modificando, desde a postura fundacional de Faivre aqui apresentada até abordagens mais próximas ao pós‐modernismo, como é o caso de Kocku von Stuckrad, que prefere falar em campo esotérico, onde o esotérico (mais que o esoterismo) funciona de forma reticular, não como algo reificado, mas como algo mais proteico e mercurial.

O presente dossiê busca compreender as implicações históricas dos diversos entrecruzamentos das relações acima listadas. Para tanto escolheu partir de um recorte histórico parecido ao proposto por Faivre, recuando dois séculos. Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior, professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria, diretor do Virtù – Grupo de História Medieval e Renascentista e codiretor do CEEO‐UNASUR, contribuiu com o artigo intitulado “Secretum Secretorum: o lugar do esoterismo nas cortes papal e imperial no medievo”, no qual discutiu a trajetória da obra de mesmo nome entre as cortes papal e imperial durante o século XIII da Europa ocidental. Um dos eixos centrais de sua discussão foi o papel exercido pelas relações de sigilo e segredo, de natureza esotérica, para a dinâmica das relações políticas daquela época. Trabalhando com um recorte temporal parecido, do século XII ao século XV, Nicolas Weill‐Parot, directeur d’études da École Pratique des Hautes Études, tendo como um dos eixos centrais de seus interesses a História das Ciências do Ocidente Medieval, refletiu sobre relatos acerca das possibilidades mágicas dos talismãs. Tais qualidades iam da cura de doenças chegando a conectar‐se ao poder monárquico, passando pela legitimação política de tais relatos.

Juan Pablo Bubello, professor da Universidad de Buenos Aires e da Universidad Nacional de La Plata, bem como diretor do CEEO‐UNASUR, refletiu sobre a história do esoterismo na Argentina de meados do século XX. Seu objeto foram os embates de representantes do espiritismo e do catolicismo argentinos, tendo como ponto de disputa o peronismo, uma das mais marcantes manifestações políticas da história argentina. Por último, temos a contribuição de Francisco Santos Silva, pesquisador do Centro de História do Além Mar (CHAM), da Universidade Nova de Lisboa. Seu artigo intitulado “’Eles São Todos da Maçonaria!’ A Maçonaria como poder político e social em Portugal” busca refletir sobre a influência da maçonaria na história política portuguesa, bem como acerca da representação maçônica nos meios de comunicação lusitanos.

O Centro de Estudios Sobre el Esoterismo Occidental de la UNASUR (CEEO‐UNASUR) organizou esse dossiê intitulado Política esotérica: “Relações entre esoterismo e política”, para contribuir com artigos originais para a ampliação e diversificação das reflexões acerca dos diálogos entre a política e o esoterismo ao longo do processo histórico humano. Não tivemos a intenção de esgotar o assunto, inclusive pelo grande leque de possibilidades que o tema oferta, mas de provocar a discussão historiográfica, tanto no Brasil quanto no exterior, e de construir um caminho de diálogo com os pesquisadores que estão trilhando estas searas historiográficas, ainda tão férteis e prenhes de possibilidades investigativas.

Sobre esta temática resta ainda muito por fazer na área latino‐americana, onde apenas se estão dando os primeiros passos na formação de um campo de estudos esoterológico. Aqui apresentamos uma pequena amostra, mais orientada ao europeu que ao latino‐americano por hora, com a ideia de apontar algumas de suas possibilidades e fazer visível dessa forma este crescente enfoque acadêmico. Agradecemos a todos os autores que submeteram seus artigos e aos pareceristas que contribuíram com críticas e sugestões.

José Ricardo Chaves Pacheco – Professor Doutor. Universidad Nacional Autónoma do México. Pesquisador do Centro de Estudios sobre el Esoterismo Occidental de la Unión de Naciones Suramericanas (CEEO‐UNASUR)


PACHECO, José Ricardo Chaves. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 22, n. 1, jan. / abr., 2017. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental e Migrações: diálogos – GERHARDT (RL)

MORETTO Samira1 Arquivo Público
Samira Moretto. Foto: Researchgate  /

GERHARDT M Historia ambiental e migracoes Arquivo PúblicoGERHARDT, Marcos; NODARI, Eunice Sueli; MORETTO, Samira Peruchi. (Orgs.). História Ambiental e Migrações: diálogos. São Leopoldo: Oikos; Chapecó: UFFS, 2017. 267 p. Resenha de: NUNES DE SÁ, Débora. Revista do LHISTE, Porto Alegre, v.4, n.6, p.268-272, jan./dez., 2017.

O livro “História Ambiental e Migrações: diálogos”, organizado pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (LABIMHA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Marcos Gerhardt, Eunice Sueli Nodari e Samira Peruchi Moretto, traz um conjunto de catorze textos que analisam as interfaces entre a História Ambiental e as migrações humanas em diferentes espaços e períodos históricos. Os autores e autoras oriundos de diferentes universidades, interpretam e analisam as diferentes relações socioambientais e consequentes transformações nas paisagens estabelecendo também um diálogo que é interdisciplinar.

O primeiro capítulo “Colonização e desflorestamento: a expansão da fronteira agrícola em Goiás nas décadas de 1930 e 1940”, foi escrito por Sandro Dutra e Silva, José Luiz de Andrade Franco e José Augusto Drummond. Nele, os autores analisaram as devastações que ocorreram nas florestas de Goiás, inseridas no bioma do Cerrado, também chamadas de “Mato Grosso de Goiás” e classificadas como Floresta Estacional Decidual. Por meio de relatos, tais como o do advogado Carlos Pereira Magalhães (1881-1962) e da atriz e escritora norte-americana Joan Lowell (1902-1967) e de relatórios como o produzido por Speridião Faissul (que acompanhou Leo Waibel pelo interior de Goiás), entre outras fontes, os autores analisaram as transformações e os meios como o Mato Grosso de Goiás foi devastado pelas ações humana. O maior impacto foi a partir do início do século XX, quando ocorreu a expansão de ferrovias e rodoferrovias, a implantação da “A Marcha para o Oeste” colocada em prática pelo governo de Getúlio Vargas e a consequente criação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás.

No segundo capítulo, escrito por Marcos Gerhardt, “O relato de Wilhelm Vallentin: meio ambiente e imigração”, o autor tomou como fonte de análise a obra In Brasilien, publicada em 1909 em Berlim, pelo viajante alemão Wilheln Vallentin. Esse viajante descreveu sua passagem pela América meridional, relatando paisagens e o descrições sobre o Sul do Brasil no relato de Vallentin, com relação às comunidades teuto-brasileiras. Interpretou também que, assim como para outros viajantes e cronistas do fim do século XIX e início do XX, Vallentin pensava que “havia uma rígida separação entre cultura e natureza” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 42), e reafirmou que atualmente há um esforço para se pensar cultura e natureza de forma menos dicotômica.

“Da Alemanha para a florestal subtropical brasileira: as propostas do Dr. Paul Aldinger para as colônias alemãs no sul do Brasil”, escrito por João Klug, analisa a ação do pastor alemão Paul Aldinger na colônia Hansa Hamônia, localizada no Vale do Itajaí entre 1901 e 1927. Aldinger foi o responsável pelas atividades escolares e religiosas desenvolvidas na colônia de Hamônia e foi o responsável pela fundação do jornal Der Hansabote que, em suas publicações, priorizou temáticas voltadas aos assuntos escolares e eclesiásticos, bem como a produção agrícola da colônia. Klug analisou como Paul Aldinger foi sujeito ativo na organização da Hansa Hamônia, e como eram contraditórias as impressões sobre sua personalidade.

No capítulo seguinte, “A construção do espaço rural nas colônias de imigrantes do sul do Brasil”, Manoel P. R. Teixeira dos Santos analisou como se deu a privatização das terras florestais cobertas pela Mata Pluvial Atlântica, em especial para a constituição da Colônia Blumenau em Santa Catarina a partir de 1850. Santos utilizou como fontes mapas e relatórios estatísticos do período de 1861 a 1880 que conjugados permitiram ao historiador identificar a distribuição dos lotes coloniais e as consequentes transformações ambientais, bem como a expansão das áreas de cultivos e pastagens na Colônia Blumenau.

Eunice Sueli Nodari, em “Entre florestas e parreiras: a vitivinicultura no Alto Vale do Rio do Peixe/SC”, explorou os diferentes valores atribuídos à produção de vinho, sejam eles simbólicos, culturais, estéticos ou econômicos, analisando, assim, como a produção de vinho no Brasil, tendo como um de seus financiadores os incentivos estaduais e federais, tornou-se uma commodity e transformou paisagens. Sua análise é parte do projeto de pesquisa “Dos vinhedos familiares às grandes empresas: a reconfiguração de paisagens no Brasil através da Vitivinicultura” em parceria com a Stanford University.

“Os pinhais da fazenda Quatro Irmãos/RS e a Jewish Colonization Association”, escrito por Isabel Rosa Gritti, analisa a ação da companhia colonizadora Jewish criada em 1891 “com o objetivo de propiciar a emigração dos judeus vítimas de discriminações no leste europeu” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 95). Essa companhia adquiriu em 1909 a Fazenda Quatro Irmãos com 93.985 hectares, em terras que no período pertenciam ao município de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e administrou-a até 1962. A autora, a partir da análise de diferentes fontes, afirmou que a Jewish tinha como principal preocupação a exploração florestal da fazenda e que sua preocupação com os imigrantes era secundária.

O capítulo “História Ambiental e as migrações no Reino Vegetal: a domesticação e a introdução de plantas”, de Samira Peruchi Moretto, produz um estado da arte sobre a introdução e a domesticação de espécies vegetais. A autora estuda e analisa as diferenças entre uma espécie considerada introduzida com relação àquela domesticada. Afirmou também que a “alimentação tem uma relação bastante direta com a escolha, a domesticação e a dispersão de plantas”. (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 120).

“Paisagem e uso comum da Floresta Ombrófila Mista pela ocupação cabocla do Oeste de Santa Catarina”, de Marlon Brandt, analisa três períodos histórico-geográficos desde a metade do século XIX à primeira metade do XX, os quais o autor considerou fundamentais para compreender as práticas costumeiras da população cabocla e a sua interação com a Floresta com Araucária no Oeste de Santa Catarina. Seu estudo perpassa o uso da terra, a extração da erva-mate e a criação de animais, analisando também como se deu a ruptura desse sistema nas primeiras décadas do século XX, em consequência das práticas introduzidas pelos colonos.

Miguel M. X. de Carvalho, em “O aumento da população humana (colonização e crescimento vegetativo) e os impactos sobre a floresta com araucária – séculos XIX e XX”, por meio da interpretação de recenseamentos demográficos do período de 1872 a 1960, analisou como os fluxos migratórios possibilitaram o crescimento vegetativo da população na região de ocorrência endêmica da Floresta com Araucária no sul do Brasil e como, em decorrência disso, houve uma descontrolada exploração madeireira que levou ao “quase total desaparecimento das florestas primárias com araucária” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 141).

No capítulo seguinte, Luís Fernando da Silva Laroque pesquisou as “Movimentações e relações com a natureza dos Kaingang em territórios da bacia hidrográfica Taquari-Antas e Caí, Rio Grande do Sul” no período dos séculos XIX ao XXI. Além do aporte teórico na história ambiental, também utilizou autores que estudam o conceito de territorialidade, isto é, as diferentes relações sociais, políticas e simbólicas. O autor constatou que, atualmente, “acionando a memória e a continuidade de suas movimentações” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 171), as comunidades Kaingangs, localizadas em Estrela, a Jamã tÿ Tãnh, a Foxá em Lajeado, a Pó Mág em Tabaí e em Farroupilha a Pó Nãnh Mág, no Rio Grande do Sul, vivem o processo de (re)territorialidade de suas comunidades.

Em “Entre decretos, disputas judiciais e conflitos armados: batalhas entre Estado, camponeses e indígenas pela posse da Reserva Florestal de Nonoai-RS” Sandor Fernando Bringmannn analisou a luta histórica do grupo étnico Kaingang pela Reserva Florestal de Nonoai e afirmou que a redemarcação da reserva como área indígena “[…] é fruto muito mais das pressões protagonizadas pelos índios, por meio de mobilizações políticas e ações armadas, do que por ações das agencias indigenistas que parecem ter abandonado as prerrogativas pelas quais foram criadas” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 190).

A historiadora argentina María Cecilia Gallero escreveu “La yerba mate en el prisma de la historia ambiental, Misiones (Argentina)”, no qual analisou transformações no ambiente de Misiones, no início do século XX, decorrentes da introdução do cultivo de erva-mate (Ilex paraguariensis), produto importante econômica e historicamente para a região misionera. Abordou as características da economia extrativa, a chegada dos profissionais suíços que iniciaram o cultivo em grande escala da Ilex e, por último, os impactos resultantes da introdução dos ervais cultivados. Dessa forma, elaborou um panorama da mudança de uma economia ervateira extrativa para uma produtiva, tomando como objeto de análise a Cooperativa de Productores de Yerba Mate de Santo Pipó, fundada por imigrantes suíços.

No capítulo “‘O tempo é minha testemunha’: só as pedras estavam aqui, todo o resto é imigrante”, os autores Haruf Espindola e Maria Vilarino historicizam o processo de ocupação da região do Vale do rio Doce. A primeira ocupação da região foi indígena, em especial, do tronco linguístico Macro-Jê, que ocupavam o leste de Minas Gerais, norte do Espírito Santo e centro-sul da Bahia. As primeiras tentativas de ocupação da região por parte de imigrantes europeus e seus descendentes ocorre com o processo de mineração, especialmente na porção mais a Oeste do rio Doce, na cidade de Mariana. Mesmo com esforços estatais, que criaram vários artifícios para fomentar a ocupação da região, os resultados foram pequenos. No final do século XIX, outra tentativa, dessa vez com colonos estrangeiros foi realizada, com destaque especial para a Colônia do Rio Doce, onde colonos estadunidenses confederados tentaram implantar sua ocupação. No entanto, estes não tiveram êxito, devido a problemas de saúde, como a malária. A ocupação efetiva da região só ocorreu no século XX, com a construção da ferrovia ligando Vitória a Minas, que tinha como objetivo a expansão da fronteira agrícola e a extração de recursos minerais, ao mesmo tempo em que implementou um plano de saneamento e controle de patógenos.

O último capítulo, “A imigração senegalesa: dimensões históricas, econômicas e socioambientais”, foi escrito por João Carlos Tedesco. O recorte temporal adotado se dá a partir do século XX, no qual o autor analisou os diversos aspectos históricos da emigração senegalesa, tanto para países da América do Sul como da Europa Ocidental. Tedesco afirmou que a emigração “revela um amplo tecido de causalidades, consequências e dimensões sociais”, e que os “[…] emigrantes revelam ser sujeitos ativos no mundo contemporâneo, ao mesmo tempo em que são vítimas de múltiplas mudanças ambientais, culturais e religiosas” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 253).

Em seu conjunto, História Ambiental e Migrações: diálogos permite compreender as diferentes transformações nas paisagens, sejam sociais ou ambientais, decorrentes das ações humanas, principalmente pelo viés das migrações de humanos e plantas. A multiplicidade de fontes utilizadas pelos autores e autoras proporcionam aos leitores e leitoras transitar pelos diferentes caminhos que integram o cultural e o natural. É uma importante contribuição historiográfica não só para a abordagem da História Ambiental, mas sim todas as áreas do conhecimento que têm interesse em compreender como se estabeleceu as interações entre humanos e não humanos ao longo do tempo.

Débora Nunes de SáDoutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (www.labimha.ufsc.br), sob a orientação da professora Doutora Eunice Sueli Nodari. E-mail: nunesdesaa@gmail.com

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História da mídia regional / Revista Brasileira de História da Mídia / 2017

A temática regional é muito rica e explorada em suas múltiplas facetas nos estudos em Comunicação brasileiros. A hibridização de nossa cultura, as características peculiares das produções de mídia no país e as diferentes práticas comunicacionais representam uma vertente importante das pesquisas realizadas na área. Nesta edição da Revista Brasileira de História da Mídia investigam os aspectos regionais da mídia e da comunicação em uma perspectiva histórica.

Ao todo, são dez textos que se propõem a analisar enfoques diversos da história da mídia regional: da identidade cultural do gaúcho à história da imprensa no Mato Grosso do Sul; do centenário popular do Boletim Ferramenta O Sonho, no Rio Grande do Norte, ao jornal do Cariry e O Rebate ao mercado sergipano de televisão; da revista satírica do século XIX, no Pará, à cobertura do centenário da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, no Mato Grosso do Sul. Leia Mais

A Consciência Histórica Africana | Babacar Diop e Doudou Dieng

A Consciência Histórica Africana, organizado por Babacar Mbaye Diop (professor no departamento de Filosofia da Universidade Cheikh Anta Diop, Senegal) e Doudou Dieng (doutor em Filosofia pela Universidade de Rouen, França), é uma compilação de textos de autores das áreas de história, física, letras, entre outras, evidenciando a construção Ocidental sobre o que é a África, elucidando os processos que induziram à uma concepção de existência de um continente atemporal e ahistórico. Expondo esse processo, os autores da coletânea defendem caminhos para que essa imagem deixe de existir, sendo o principal deles a retomada da consciência histórica africana, fazendo jus ao título da obra.

A obra é iniciada evidenciando: a África Negra encontra-se em uma situação de precariedade e exposição perante o Ocidente, o qual busca manter seu controle sobre o povo negro por intermédio da falsificação e forjamento de fatos históricos. Ou seja, diante a constatação de que uma civilização como a egípcia seria fruto de um povo africano, e não do ocidente, os ocidentais – sabendo que a tomada da consciência histórica dificultaria as investidas de controle, manipulação e imposição – forjaram uma historiografia desfavorável aos nativos do continente africano. O resultado de tal embate é a concepção de uma África ahistórica, sem desenvolvimento, do homem africano como aquele que nunca contribuiu para a humanidade. Enquanto isso, os ocidentais se colocariam como recuperadores da história do continente por intermédio de missionários, militares, administradores e mesmo pesquisadores, como demonstra Thiago Stering Moreira da Silva, formado em História pela UFJF, que reafirmava a percepção eurocêntrica da África. Sob esse quadro, Diop defende que a verdade e a memória histórica poderiam engrenar revoltas e a formação de uma consciência histórica que inseriria o continente na história mundial, deixando de negligenciá-lo. O africano deve, portanto, analisar o passado de seu povo. A história da África deve ser apresentada não como a história de europeus no continente, mas partindo da experiência de populações africanas em contato com eles. Assim, a partir desta concepção historiográfica, outras obras africanas enriquecem o debate sobre a construção da história da África, como a Coleção da História Geral da África – Metodologia e pré‑ história da África, organizado por Ki Zebo, de oito volumes, além da obra Historiografia da História de África de Manuel Difula.

Bwemba Bong’, membro do Círculo Samory e do Groupe de Réflexion Sur la Culture Africaine pour la Renaissance du Peuple Noir, aponta que a decadência dos grandes impérios do continente – como a civilização egípcia – deve ser analisada em tal retorno ao passado e pode ser resumida tanto em causas internas quanto externas. O autor se volta à necessidade de escutar as narrativas de antigos eruditos e absorver seu saber. A quebra de tal silêncio, conclui, poderia salvar a África do poderio estrangeiro, e o sistema de transmissão de conhecimentos e tal tradição oral devem ser reformulados de forma a torná-los acessíveis para as novas gerações de historiadores da África. Além da importância da cultura oral, os povos africanos têm uma relação diferente da relação de dominação do homem sobre a natureza mantida pelos ocidentais: a concepção africana perpetuou a visão do ser humano integrado à natureza, não dominador dela. Além desses aspectos, a ética contra a acumulação de riquezas, a exclusão de promoção social, a crença de que ricos são abençoados por deus e a visão da morte como passagem para outra vida, quando comparados à cultura ocidental, passam a ser considerados outros fatores internos que geram uma inércia mediante os acontecimentos e devem, para o autor, desaparecer.

Diante de tais características, o autor evidencia a necessidade do africano de refletir sobre sua história. A falta de patriotismo, por sua vez, levaria a traições, à existência de uma prejudicial ganância e a uma confiança demasiada no estrangeiro que corromperiam a consciência histórica tão necessária para as sociedades africanas. Dentre tais formas de traição, a renúncia à independência e a subjugação às potências mundiais seriam outra prova de que os países africanos não podem ser mais um prolongamento destas. A garantia do futuro e da unidade política do continente, conclui o pesquisador, só ocorrerá por tal tomada de consciência e mobilização por parte do africano. Um exemplo desse processo de dominação externa sobre o povo africano trazido pelo historiador Momar Mbaye é a Guerra do Biafra, um processo de evolução política perpassado por extrema violência que marcou a Nigéria sete anos após a sua independência, analisando a cobertura que a imprensa internacional fez do conflito, manipulando as mídias do hexágono através de agentes pró-biafrenses.

O argumento central do livro é reforçado por Bernard Zongo, utilizando o intelectual senegalês Cheikh Anta Diop. Afirma que a restauração da consciência histórica do homem negro consiste numa luta constante contra as instâncias de dominação, que tentam de diversas maneiras preservar o seu estatuto. Seus exemplos são os “pseudo-científicos” ou “pseudo-humanistas” Voltaire, Hegel, Gobineau, Bruhl e Hume, que no século XIX se aplicaram a legitimar moral e filosoficamente a “inferioridade intelectual” dos negros, travestindo dados científicos para corroborar com uma ideologia de submissão e dominação desse povo. Analisando de um ponto de vista linguístico, o autor introduz o conceito de glatofagia: a ideia de que as línguas, culturas e comunidades dos outros existem apenas para provar a superioridade das línguas ocidentais, sendo fósseis da evolução das mesmas, afirmando que toda a linguística africanista francesa carrega os germes de uma ideologia glatofágica.

Reconstruindo a consciência histórica, a segunda parte da obra é denominada “As Origens egípcias da civilização africana”. Ressalta o trabalho de Cheikh Anta Diop, dedicado à uma análise sobre as relações do Egito com a África Negra que tanto foi impedida pelo colonizador. O contexto inicial é a “partilha da África” promulgada pelo pacto de Berlim, e a dominação de seu povo por países europeus. Diop mostra como se deram as relações de poder, especialmente o método dos europeus de legitimar seu domínio através da filosofia, além de todo o poderio econômico, militar e bélico que insultava a cultura existente nos territórios africanos. A construção do Egito branco demonstra a concretização de uma política racista que subjugou o negro como incapaz de construir e produzir avanços científicos. A consciência histórica africana é, portanto, uma forma de resistir às filosofias infelizmente fecundas que legitimou a opressão por parte dos brancos – que fizeram o indigno trabalho de produzir uma ciência que solidificou a desigualdade.

É necessário resgatar e reconstituir as relações Egito – “África Negra” para estimular a consciência histórica africana, além de buscar a relação África – Mundo. Cheikh Anta Diop separa vários aspectos que podem resgatar tal relação, como a origem do homem (no sentido antropológico), e os aspectos culturais, sociológicos, geográficos, evolutivohistóricos que aproximam a África-Negra do Egito e do mundo. Aponta também a importância do surgimento da Escola africana de Egiptologia para a resistência negra. O professor afirma ainda a existência de uma unidade entre as culturas egípcias e as da áfrica-negra realizando uma comparação lexical entre egípcio antigo e as línguas negro-africanas como fula, wolof, serer, soninquê, bamba, dogon.

Cheikh Anta Diop defende a necessidade de uma escrita sobre a história da antiguidade africana, que abranja as antigas sociedades, mas destaca a impossibilidade dessa narrativa ser realizada por indivíduos não-africanos. A construção da antiguidade dessas sociedades ocorreria a partir de documentos escritos egípcios, cartagineses e gregos, fontes arqueológicas localizadas principalmente no Vale do Nilo, e os quadros rupestres. Assim, o autor Babaccar Sall enfatiza a busca de uma história africana, contada por africanos, a partir de fontes africanas. E evidencia que o conhecimento das antigas sociedades é fundamental para a construção da consciência negra, e não uma busca por um passado grandioso forjado.

Por fim, a temática se volta para as teorias filosóficas africanas, que, segundo a pesquisa do Pr. Obenga, se inserem na história geral do continente a partir dos estudos do período faraônico egípcio – na criação de uma língua tão complexa quanto os hieróglifos e sua forma de pensar. Para o professor, diferente do que afirmam os pensadores ocidentais, o Egito e a Etiópia criaram formas de organização e sociedades muito particulares e desenvolvidas. O conhecimento destas teorias filosóficas africanas contribui para a construção de uma consciência própria, da mesma maneira que a antiga Grécia é um pilar para o conhecimento europeu, o antigo Egito se consolida para a África. Portanto é necessário inserir o pensamento africano dentro da história do pensamento mundial, não o tratar de maneira segregada ou inferior. Outras obras de pensadores africanos enfatizam a existência de uma filosofia própria africana e sua relevância tanto na construção da identidade do continente, como na discussão com a história europeia. Tal como a obra de Marcien Towa, um filósofo camaronês, denominada A ideia de filosofia negro-africana e o livro A Invenção da África de V.Y. Mudimbe.

Na terceira e última parte do livro, “O contributo da comunidade negra e do Egito para a civilização”, os autores trazem provas, baseados no conhecido filósofo Platão, de que o Egito sempre foi posto como parte da África. Primeiramente, Jean-Paul Mbelek afirma, como ideia recorrente em todo o texto, que a construção da Europa como uma cultura universal originariamente grega foi embasada em uma mentira cultural, assim como toda a história científica. Tal ato negligenciou, e ainda negligencia, toda a produção de conhecimentos africanos.

Quase ironicamente, ao discorrer sobre o Egito na obra de Platão, Théophile Obenga, outro autor da coletânea, expõe que os próprios gregos, retratados pelo Ocidente como gênese da civilização, atribuíam tal fato aos egípcios. Além disso, para evidenciar a omissão do continente africano como parte da História desde os primórdios das produções na Antiguidade, o autor cita um fato no mínimo curioso: 12, das 28 obras que incluem os Diálogos de Platão, cita o Egito. Porém, como tudo que envolve a África e serve para provar sua participação em produções filosóficas que a retiram do papel de inércia pintado pelos ocidentais, pouco se fala sobre tal inclusão. Tal crítica é realizada também pelo autor V. Y. Mudimbe, em sua obra A Ideia de África, em que traça uma conexão entre o mundo greco-romano ao continente africano, problematizando a tradução dos escritos de Filóstrato e a articulação feita pelos Europeus na construção de conceitos sobre a África.

Além disso, mais feitos são atribuídos aos africanos, segundo Obenga: a invenção das ciências matemáticas, a invenção do zero. A gênese da civilização mundial atribuída à África, como exposto no parágrafo anterior, é comprovada por fósseis encontrados não no Egito, como pode se imaginar numa primeira leitura, mas no Quênia, Etiópia e África do Sul. Sendo assim, Mbelek defende que o processo de hominização ocorreu somente na África por muito tempo.

Convergindo com a ideia central do livro – a retomada da consciência histórica como forma de resistência – consideramos de fundamental importância que o estudo sobre a história africana receba tanto mais investimento, como incentivos. Além das provas evidenciadas no livro, que demonstram os percalços para que tal empresa seja feita, o próprio grupo encontrou dificuldades ao pesquisar termos, conceitos e até mesmo as origens dos diversos escritores que produziram o livro. Quando muito, tais informações eram encontradas em outras línguas (não por acaso, majoritariamente a língua francesa, devido ao imperialismo Francês sobre a África). Portanto, os processos de domínio sobre o continente africano não estão delimitados apenas aos séculos passados, mas são recorrentes até os dias de hoje. Tanto na ocultação de informações sobre a África e as produções científicas que lá ocorrem, como na forma que ela é retratada dentro de livros escolares, que geralmente expõem apenas o Egito como grande civilização, retratando-o como branco e induzindo ao equívoco de considerá-lo europeu, negligenciando a formação de todo o continente Africano por diversos séculos, até que colonialismo o coloque como fonte de escravos.

Referências

DIFUILA, Manuel Maria. “Historiografia da História de África”. In: Actas do Colóquio ‘Construção e Ensino da História de África’. Lisboa: Linopazas, 1995.

DIOP, Babacar Mbaye; DIENG, Doudou (Org.). A Consciência Histórica Africana. Luanda: Edições Mulemba da Faculdade de Ciências sociais da Universidade Agostinho Neto, 2014.

KI-ZEBO, Joseph (Org). História Geral da África: Metodologia e pré-história da África. São Paulo: Editora Ática/Paris: UNESCO, 1982.

MUDIMBE, Valentin Yves. A invenção da África: Gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. Mangualde, Luanda: Edições Pedago; Edições Mulemba, 2013.

MUDIMBE, Valentin Yves. A Ideia de África. Portugal: Edições Pedago, 2014.

SILVA, Thiago Stering Moreira da. Caminhos e descaminhos da historiografia da História da África (1840-1990). Trabalho Monográfico de Graduação em História – Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2010. Acesso em 4 set. 2018.

TOWA, Marcien. A ideia de uma Filosofia Negro-Africana. Trad. Roberto Jardim da Silva. Belo Horizonte: Nandyala; Curitiba: NEABUFPR, 2015.

Eleonora Beatriz Ramina Apolinário – Estudante do sexto período de graduação em História (bacharelado e licenciatura) pela UFPR.

Giulia Aniceski Manfredini – Estudante do sexto período de graduação em História (bacharelado e licenciatura) pela UFPR.

Marcelo Augusto Farias – Estudante do sexto período de graduação em História (bacharelado e licenciatura) pela UFPR.

Martins Mariana Mehl Gralak – Estudante do sexto período de graduação em História (bacharelado e licenciatura) pela UFPR.

Rebeca Nogueira Vilodres – Estudante do sexto período de graduação em História (bacharelado e licenciatura) pela UFPR.


DIOP, Babacar Mbaye; DIENG, Doudou (Org.). A Consciência Histórica Africana. Luanda: Edições Mulemba da Faculdade de Ciências sociais da Universidade Agostinho Neto, 2014. Resenha de: APOLINÁRIO, Eleonora Beatriz Ramina; MANFREDINI, Giulia Aniceski; MARTINS, Marcelo Augusto Farias; GRALAK, Mariana Mehl; VILODRES, Rebeca Nogueira. Cadernos de Clio. Curitiba, v.8, n.1, p.115-123, 2017. Acessar publicação original [DR]

Fé, Guerra e Escravidão: Uma história da conquista colonial do Sudão (1881-1898) | Patrícia Santos

Em sua obra, Patricia Teixeira Santos abre caminhos para uma abordagem comparativa da história do Sudão ao analisar as relações entre cristãos e muçulmanos na região que compreende as atuais regiões do Sudão e do Sudão do Sul, focando nos alcances que os contatos entre diferentes grupos – que serão discutidos mais adiante – possibilitaram ou dificultaram. Para tanto, utiliza como fontes cartas e relatos de missionários católicos durante o período em que foram prisioneiros do governo da Mahdiyya. Santos contribui, com seu trabalho sobre fins do século XIX, para as perspectivas de análise das atuais discrepâncias e conflitos da região, objeto de interesse deste trabalho.

Santos escolhe o período da Mahdiyya (compreendido entre 1881 e 1898) como recorte temporal, porque o vê como um complexo cruzamento de universos histórico-culturais e como um momento de articulação de diferentes realidades políticas. Como sugere o título de sua obra, os caminhos pelos quais a discussão do governo do mahdi perpassa, são: fé, guerra e escravidão, aspectos estes considerados importantes para analisar a história do Sudão e a relevância desses três temas para suas questões políticas atuais. A autora coloca o mahdismo no caso sudanês como um movimento messiânico social e político, centrado na construção de uma ordem política e social baseada no poder carismático do seu líder (o mahdi). É importante observar o período deste Estado mahdista como significativo devido à sua continuidade na constituição do Estado nacional sudanês, pela permanência de formas de governabilidade, de redefinição de identidades e de redistribuição de poder e prestígio.

A região que hoje pertence ao Sudão e ao Sudão do Sul possui inúmeras “camadas” em sua história, tornando-se de uma enorme complexidade. Portanto, entendemos que para melhor compreendê-la hoje, é preciso compreender também as diversas formas que assumiu e assume. Assim, dos processos de migração árabe para a região, que tiveram maior intensidade durante o século XIV, percebemos o início de uma intensa interação entre as culturas e religiões muçulmanas e as sociedades cristãs sudanesas (Ibrahim, 2010, pp. 77-98), que viriam a refletir imensamente nas questões políticas futuras. Já nas primeiras décadas do século XIX, guerras locais e instabilidade política deram abertura para a incursão de Muhammad Ali, então vice-rei do Egito, que objetivava anexar o Sudão aos seus territórios. Patricia Teixeira Santos sugere, em seu primeiro capítulo, que Muhammad Ali teria se aproximado – em diferentes aspectos, como religião, economia e formas de poder – da França e de outras potências europeias, na tentativa de atingir uma autonomia inédita do Egito em relação aos impérios europeus. (2013: 34). Para Eve Powell (apud Santos, 2013: 36), esse momento de dominação egípcia tentou rearranjar o Sudão e dar à região uma nova cara, vendo o Sudão como uma colônia dentro de um projeto mais amplo de ações imperiais tentadas pelo Egito, que seriam suprimidas mais adiante. Com isso, o Sudão sofreu o primeiro período daquilo que se aproxima de uma forma de dominação colonial, com a imposição de um governo “turco-egípcio forte e de autoridade soberana e incontestada, pelo direito de conquista”, chamado de Turkiyya, compreendido entre 1821 e o início da década de 1880 (Mamdani, 2009).

Segundo Ibrahim, a intervenção turca modificou a sociedade sudanesa tradicional, suscitando descontentamento, mas por si só não conseguiu reverter ou reorganizar suas estruturas. Para este autor, seria somente com o mahdi que os sudaneses poderiam se rebelar em massa, dando lugar a um Sudão independente, que logo enfrentaria o imperialismo britânico. Ainda segundo Ibrahim, no sul, ataques de captura de escravos, pilhagens e rapinas prosseguiram de qualquer forma, tornando o que era uma estrutura de domínio socioeconômico em “uma estrutura de domínio racial que deu lugar a uma ideologia de resistência racial entre os africanos do Sudão Meridional” (2010: 433-444).

A partir do exposto por Ibrahim, é possível voltar ao texto de Santos a fim de estabelecer algumas conexões e distanciamentos a respeito do período inicial da Mahdiyya no Sudão. A autora lembra a distinção através da categoria de raça durante o domínio dos povos sudaneses pelos egípcios (estes se referiam àqueles como abd, que significa escravo/negro, ou núbio), iniciando um processo de diferenciação que segregava, produzindo um discurso de superioridade em relação ao “outro” construído (2013: 39). As distinções raciais, segundo a autora, eram feitas com base na cor da pele, no comportamento sexual e nas atitudes religiosas. Esse processo de submissão, marcado pela diferenciação racial, criou também a submissão em relação ao trabalho, onde as populações não muçulmanas eram coagidas ao trabalho na lavoura de exportação, gerando nas populações e lideranças locais um forte sentimento de descontentamento e revolta, como apontou também Ibrahim.

É nesse contexto que se estabelece, em 1881, o mahdi no Sudão. Santos lembra a busca de alianças do mahdi com os povos não muçulmanos em torno de um inimigo comum, que seria o domínio otomano-egípcio. No mesmo sentido de Ibrahim, Santos afirma que a estruturação do movimento mahdista, capitaneado por Muhammad Ahmad, criou um espaço de interação entre os povos sudaneses, fazendo convergir diferentes conflitos que, acompanhado da fragilidade do domínio otomano-egípcio, resultou em ações integradoras entre as diferentes populações. Desta forma, percebe-se que os grupos étnicos [2] são fundamentais para os processos destacados. Os relatos dos missionários, assim como os dados etnográficos de Evans-Pritchard citados por Santos, que viam os “nativos” ora como “belicosos e não confiáveis”, ora como “atrevidos e guerreiros” (Santos: 77), apontam para a ideia que a autora lança no início do texto, a de que a empresa colonial não tinha certeza dos rumos para os quais seguia, assim como para a noção de que o domínio colonial não era inexorável [3]. Santos aponta para a importância dessas populações locais nos processos de resistência e de luta, como por exemplo o papel dos nuer nas reações contra as razias otomano-egípcias, a proximidade maior dos povos dinkas com os missionários católicos, as redes de solidariedade que se estabelecia entre esses últimos contra outros povos, entre outras (Santos: 82-99).

Santos relembra os estudos de D. H. Johnson para afirmar a necessidade de se redimensionar o papel dos líderes religiosos sudaneses, a fim de analisar como conseguiram possibilitar a inserção e sobrevivência dos grupos nas três principais experiências políticas, religiosas e econômicas de controle sobre as populações, quais sejam: o domínio otomano, a Mahdiyya e o condomínio anglo-egípcio (2013: 84). É interessante pensar esses diálogos como uma forma de fugir à ideia generalizante de fundamentalismo, dando espaço às especificidades da região [4]. Santos afirma que as identidades étnicas e as relações de poder e de ocupação da terra ganharam diversas significações diante dos processos de interação, acomodação, sujeição e dos enquadramentos que foram realizados para a sobrevivência em contextos de grande interferência política como os aqui elencados. Assim, a escravidão pode ser vista como um elemento de convergência entre esses povos, a exemplo disso, a união dos dinka e shilluk contra os baggara, traficantes de escravos nômades (Santos, 2013: 87-88).

Ainda nesse sentido, o que se observa hoje ao se estudar as estruturas políticas sudanesas pode ter como uma das primeiras manifestações, de acordo com a autora, as zeribas [5] , que estabeleceram ou reforçaram fronteiras entre diferentes povos do sul do Sudão, concorrendo amplamente com as missões cristãs, que buscavam agrupar os grupos étnicos, principalmente os dinka, em torno do projeto civilizatório católico, que acabou por se desfazer devido à maior adesão desses povos à Madiyya, pelo forte caráter de pregação que o mahdi conseguiu estabelecer entre os povos não muçulmanos (Santos, 2013: 88) [6].

As divergências entre grupos religiosos, analisadas por grande parte da historiografia acerca da história do Sudão, também são analisadas por Patrícia Teixeira Santos. Parte dos grupos nuer e nuba recusavam o islamismo, uma vez que os baggara eram muçulmanos. De tal maneira, inicia-se o processo de consolidação de uma oposição, reforçada pelo missionarismo em sua prática cotidiana e em seus relatos, que é a de “povos negros” versus “povos islamizados”, levada adiante pelo domínio colonial anglo-egípcio (período entre 1898 e a independência do Sudão, ocorrida no início de 1956) e estendida até os dias de hoje [7]. De acordo com Mamdani, os processos de violência no Sudão atual, a exemplo do genocídio desenrolado durante os conflitos, têm como ponto de origem esse legado colonial de divisão em “tribos”. Outro motivo apontado pela autora, no decorrer do último capítulo, para o reforço dessa oposição pautada em conceitos de raça é o fato de que, durante o condomínio anglo-egípcio, oficiais de origem otomana, egípcia e do norte do Sudão ganharam postos comerciais e de “repressão ao tráfico” na província de Cordofan, ao mesmo tempo em que apoiavam o comércio escravista, gerando um aparato que potencializava o comércio de escravos. Além disso, lembra a campanha de combate à escravidão realizada por militares e agentes consulares europeus, que culpabilizava a figura do traficante “árabe muçulmano” como responsável por todas as questões relacionadas ao tráfico e à dominação dos povos africanos, ignorando a aparição, nas fontes, de personagens europeus – representantes oficiais ou não-oficiais da administração colonial – ligados ao tráfico.

Patrícia Teixeira Santos reforça, em sua conclusão, que dentro do contexto de transformações pelo qual passou o Sudão no período da Mahdiyya, sufis e cristãos europeus católicos conseguiram encontrar seu lugar em meio às disputas e interseções entre religião e economia no sul do Sudão. Essas interações se criavam de forma bastante porosa, permitindo movimentações e buscas de diferentes possibilidades, principalmente na negociação com o domínio otomano-egípcio (2013: 297). De qualquer maneira, a autora considera importante analisar o período do mahdi como um momento que conseguiu congregar e estabelecer uma série de relações entre diferentes grupos, como traficantes, povos nômades, ordens sufis e grandes comerciantes do Sudão, levando à constituição de um Estado que produziu ele mesmo essas diferentes categorias de sujeitos, que influenciavam na dinâmica da sociedade sudanesa. Isso possibilitou a integração de diversos elementos da experiência religiosa na política, ou seja, na criação de um estado islâmico, que levou à produção de “novas concepções a respeito de fronteiras, do sagrado e da assimilação e reelaboração de experiências políticas e culturais europeias”. Essas questões apontam, de acordo com Santos, para a singularidade do mahdi e à longevidade desse Estado (2013: 299). Cabe ressaltar, a fim de conclusão, a importância que as discussões provocadas pelo estudo de Patrícia Teixeira Santos podem adquirir para além das análises dos conflitos sudaneses e sul sudaneses, podendo ser utilizado para novos trabalhos quem pensem vieses mais globais, que engendram discussões envolvendo tradição e modernidade, ou o fundamentalismo atual, por exemplo. Estes temas aparecem, vez ou outra, com maior intensidade, principalmente quando retratados a partir de perspectivas engessadas, construídas fora do eixo sul-mundo, tornando necessárias novas análises, para as quais Patrícia Santos nos serve de exemplo.

Notas

2. Santos se refere às populações de origem dinka, nuer, shilluk, niam niam, nuba e bari (2013: 77), cuja discussão não cabe na proposta deste trabalho. Para aprofundar os estudos sobre grupos étnicos, suas definições e a forma como se explicam suas fronteiras, ver Barth. BARTH, F. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000, pp. 25-67.

3. Para uma leitura sobre as intenções coloniais e suas políticas criadas nas colônias, ver COOPER, F. Repertorios imperiales y mitos del colonialismo moderno. In: Imperios: una nueva visión de la Historia universal. Barcelona, Crítica, 2011, pp. 391-446.

4. Mahmood Mamdani também se insere nessa discussão ao afirmar o erro das divisões coloniais, que categorizavam as populações sudanesas em grupos baseados na questão religiosa e de terra.

5. As zeribas eram fortificações utilizadas inicialmente para o estoque do marfim sudanês que seria levado para o Egito. Porém, com o aumento do tráfico de escravos, passaram a servir de local de pouso para os escravos, e com o rendimento desse negócio, os traficantes passaram a submeter as populações próximas aos impostos e ao trabalho nas zeribas (Santos, 2013: 87-88).

6. A autora destaca a relativa emergência das zeribas, as disputas regionais por mercado e poder e a deserção de soldados das tropas otomano-egípcias como fundamentais para uma maior adesão ao mahdi, que conseguiu criar uma nova forma de organização social, a fim de suplantar os laços entre otomanos, egípcios e outros povos do Sudão.

7. Com o acesso às fontes missionárias, no final do século XIX, destaca-se o uso de “categorias como “bárbaro”, “ansar”, “negro”, “árabe”, “branco”, criando novas e singulares enunciações que marcaram o processo genealógico do racismo que as práticas normatizadoras da administração anglo-egípcia incorporaram e reforçaram a fim de construir uma ordem, através da gestão de uma hierarquia de distinções raciais baseadas em pressupostos biológicos, religiosos e “civilizacionais” (Santos, 2013: 303). A Igreja, cumprindo seu papel como mediadora desses processos, cria, dentro do espaço da educação, a possibilidade de hierarquizar as diferentes populações do Sudão nas categorias supracitadas – às populações negras “não árabes” foram delegados os trabalhos manuais e agrícolas, e aos muçulmanos e cristãos do norte a integração na administração colonial, inserindo essa forma de controle na lógica do domínio colonial (Santos, 2013: passim). A partir disso, pode-se pensar como essas categorias, estáticas e em grande parte pautadas em definições racistas, são utilizadas até hoje, para definir e “entender” as diferentes formas de relações políticas e sociais no Sudão e no Sudão do Sul. Na obra citada anteriormente, Mamdani (2009: 06) cita o processo que chama de “racialização” realizado pela empresa colonial no Sudão, ao qual se pode responsabilizar o quadro da violência atual, que colocava a oposição entre “árabes de pele clara violentando negros africanos”, resultando na criação de oposições entre o que o autor chama de “identidades tribais”.

Referência

BARTH, F. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000.

COOPER, F. Repertorios imperiales y mitos del colonialismo moderno. In: Imperios: una nueva visión de la Historia universal. Barcelona, Crítica, 2011.

IBRAHIM, H. Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África. In: BOAHEN, A (org.). História Geral da África, vol. VII. São Paulo: Editora Ática, 2010.

MAMDANI, M. Saviours and Survivors: Darfur, Politics and the War on Terror. Cidade do Cabo: HSRC Press, 2009.

Suellen Carolyne Precinotto – Atualmente mestranda no Programa de Pós-Graduação em História da UFPR. Graduanda na UFPR quando a resenha foi aceita.


SANTOS, Patrícia. Fé, Guerra e Escravidão: Uma história da conquista colonial do Sudão (1881-1898). São Paulo: Fap-Unifesp, 2013. Resenha de: PRECINOTTO, Suellen Carolyne. Cadernos de Clio. Curitiba, v.8, n.1, p.115-123, 2017. Acessar publicação original [DR]

Afrolatinoamérica: Estudos Comparados | Viviana Gelado e María V. Secreto

Este volumen organizado por María V. Secreto y Viviana Gelado, investigadoras argentinas que viven y enseñan en Rio de Janeiro, es el resultado fructífero de una serie de encuentros de historiadores, antropólogos, historiadores del arte y críticos literarios, entre Argentina y Brasil. Aunque casi todos los artículos tratan sobre los afrodescendientes en el Río de la Plata (salvo la contribución de Gelado sobre Arturo A. Schomburg), los contenidos de este libro constituyen una excelente introducción a diversas temáticas y análisis sobre la historia y la cultura negra en la América Latina de los siglos XIX y XX. Como las organizadoras señalan, este libro fue ideado para un público brasileño, en tanto está publicado allí, y trata de divulgar investigaciones sobre la América española en temas que son centrales para la historia brasileña, de lo cual proviene la mirada comparativa. Asimismo, cada una de estas contribuciones constituye una puerta a aportes más amplios y extensos, que estos autores han realizado sobre la literatura negra en el Río de la Plata y el Caribe, la esclavitud y el proceso de emancipación, y las representaciones de y sobre los afrodescendientes en el arte y la cultura popular rioplatense. Leia Mais

Medicalizando la niñez delincuente. Intervenciones psiquiátricas en la criminalidad infantil (Buenos Aires, Rosario, Córdoba – 1920/1940) | José Daniel Cesano

La niña lo mira. La apertura de sus ojos contrasta con la decadencia de las pupilas de él. No nos percatamos si se observa sensiblemente o si la observancia se retrotrae a la introspección. Soliloquio del niño y su angustia. La pintura que se encuentra en la cubierta, nos deja figurarnos al “miserable” desde los ojos de la niña. La niña que se ha descalzado. En contrapartida: en sus piernas juegan el color carne, una palidez blanca “del Sol que alumbra” y una rosada “mancha”, símbolo conocido de altivez, que se vuelve roja, carmelitosa a medida que avanza por la sombra del lado de la pierna que se nos oculta (mientras que un pincel cargado de portentosa negritud recae sobre las piernas de él). El artista tiene marcada intención de no mostrarnos que tiene que decir sobre el niño, quiere que nos enfoquemos en que tiene que decir ella. Que interpretemos sus ojos abiertos, sus manos que lo tocan, los objetos que yacen de un lado y del otro. Parece gritarnos: “Si quieren saber sobre el niño, ¡pregúntenselo a ella!”.

Es un libro, sin duda, que se deja leer desde la misma ilustración que aparece en la cubierta (Abandonados de Joaquín Pallarés), pasando por su concepción estética-editorial (páginas espaciosas, de letras claras, visibles…) hasta lo que, en efecto, nos cuenta el libro como texto. Leia Mais

Circule por la derecha. Percepciones, redes y contactos entre las derechas sudamericanas, 1917-1973 | Jão Fábio Bertonha e Ernesto Bohoslavsky

Esta compilación a cargo de Ernesto Bohoslavsky y João Fábio Bertonha reúne una selección de investigadores latinoamericanos con la propuesta de analizar las conexiones entre diversas manifestaciones de las derechas en América Latina en el siglo XX. Tiene un marcado enfoque regional, enfatizando la necesidad de superar tanto los marcos nacionales como referencia para los fenómenos políticos como las referencias a la política europea. Utiliza como fuentes publicaciones en periódicos y revistas a cargo de los mismos grupos, y testimonios epistolares. Se nutre de la nueva historia política, con mayor énfasis en analizar cómo las agrupaciones se percibían a sí mismas y entendían la realidad continental que en detenerse en los acontecimientos.

La obra se divide en dos partes. La primera comprende el período 1917- 1945 y está protagonizada por las derechas nacionalistas-fascistas. La segunda aborda el mundo bipolar entre 1945-1973 y presenta unas derechas que se vuelcan hacia un feroz anticomunismo y antipopulismo, adoptando el liderazgo de los EEUU. Leia Mais

Candidata a la corona. La infanta Carlota Joaquina en el laberinto de las revoluciones hispano-americanas | Marcela Ternavasio

En el centro Carlota Joaquina. Dos nombres, una mujer. Una mujer entre dos casas reales, Borbón y Braganza, entre dos proyectos imperiales, el portugués y el español, entre dos siglos, el XVIII y el XIX, entre dos continentes, América y Europa. Una mujer central para entender los procesos políticos que tuvieron lugar en Hispanoamérica durante las cuatro primeras décadas del siglo XIX. Esa centralidad es el punto de partida que la historiadora argentina Marcela Ternavasio utiliza para tirar de varios hilos que permiten un extraordinario acercamiento a una figura que, como la autora reconoce, resulta hasta la fecha sumamente polémica.

Ternavasio aborda al personaje pero no con pretensiones biográficas, sino con intención de mostrar los innumerables proyectos políticos en los que Carlota Joaquina se vio involucrada y el rol que ocuparon sus emisarios, mensajeros, defensores y detractores. La autora discute con las interpretaciones que consideraron a los planes carlotistas como proyectos extravagantes y con poca incidencia dentro de las alternativas abiertas por la crisis monárquica. Por el contrario, insiste en que pese a que las estrategias desarrolladas por Carlota Joaquina y por su círculo cercano, no gozaron de apoyos para imponerse en toda su dimensión su despliegue impactó en las disputas del período y repercutió en los posicionamientos que adoptaron distintos actores. Leia Mais

Luis Baccino: Movidos por la renovación. La promoción de los laicos y el reformismo social católico desde la diócesis de San José en los tempranos sesenta | Andrés Azpiroz

Este trabajo integra una serie de Cuadernos del Observatorio del Sur (OBSUR) que se inició con la publicación titulada “Padre Cacho: Cuando el otro quema adentro” y continuó con “Paco Berdiñas: su compromiso eclesial con el mundo del trabajo”. Como señala el historiador Andrés Azpiroz, la intención fue “avanzar en el conocimiento de la Iglesia uruguaya y sus acciones en relación con los problemas económico-sociales en los primeros años de la década del sesenta”. En particular, se centra en la figura y el accionar de monseñor Luis Baccino, primer obispo de la diócesis de San José de Mayo, enriqueciendo así la historiografía local que se ha concentrado sobre todo en el espacio montevideano.

El libro está estructurado por una introducción, diez capítulos de contenido, conclusiones preliminares y dos anexos. En el capítulo inicial, llamado “La Iglesia católica en el Uruguay de la posguerra”, Azpiroz rastrea algunas experiencias laicales que impulsó la Iglesia uruguaya y en especial su episcopado en los años previos al Concilio Vaticano II (1962-1965). Como advierte acertadamente el autor, el período elegido -los tempranos sesenta- presenta aún serias dificultades al investigador debido al “desconocimiento” de la época anterior. Muchas veces bajo la categoría “preconciliar” se han presentado los años que siguieron a la segunda posguerra como una etapa preparatoria, descuidando sus singularidades y continuidades que ayudarían a explicar mejor estos procesos. Leia Mais

Soviets en Buenos Aires: La izquierda de la Argentina ante la revolución rusa | Roberto Pittaluga

La editorial Prometeo nos presenta, de la mano de Roberto Pittaluga, un interesante libro sobre la izquierda en la Argentina en las primeras décadas del siglo XX y la recepción que hizo un amplio universo político, social y cultural de la revolución rusa. El libro es el fruto de la tesis de doctorado de Roberto Pittaluga, quien se desempeña como profesor en la Universidad de Buenos Aires, como así también en la Universidad Nacional de General Sarmiento y la Universidad Nacional de la Pampa, y se ha especializado en los campos de la Memoria e Historia, la Historia Oral y la Historia Reciente.

El libro se propone examinar las fuentes documentales desde un criterio contrapuesto al predominante en la historiografía de las izquierdas, en el cual fuerzas como el anarquismo, el socialismo o y el comunismo son tratadas de forma separada para posteriormente establecer comparaciones entre sí. Por el contrario, Pittaluga se propone una línea de investigación con una serie de problemáticas sobre las que las fuentes documentales expresan tensiones, evidencian ambigüedades y permiten trabajar los significados de sus derivaciones. La izquierda ante la revolución -nos dice el autor- es como la izquierda ante sí misma, como palabra, es decir, como compromiso con la palabra. Es ella ante su origen, ante su emergencia y su potencia y la revolución rusa actualiza esa promesa emancipadora en tanto discurso e interpelación de su potencialidad. Leia Mais

História social da propriedade / Outros Tempos / 2017

O que é propriedade? Esta questão, aparentemente tão simples, tem por si só uma história e escrevê-la é uma das tarefas mais inglórias. Em 1841, ao publicar um livro com o título Qu’est-ce que la propriété?, Proudhon, um dos mais importantes pensadores anarquistas, criticava a ideia de propriedade, afiançando que ela era “le suicide de la société”. Ao advogar em defesa da posse, Proudhon trazia para debate uma questão que permeou toda a história da humanidade. O enfrentamento de tal temática aguçou o apetite da intelectualidade ocidental e suscitou a emergência de novas ideias e valores, traduzidos em inúmeras obras. Argumentos sobre a função e a necessidade histórica da propriedade foram muitas vezes respondidos com ilações que destacavam a relação entre propriedade e pobreza. Alguns autores procuraram desvelar a relação siamesa entre propriedade e liberdade, sendo a primeira responsável pela conservação da segunda, tal como destacara John Locke. Outros ainda, seguindo as trilhas inauguradas por Friedrich Engels, discutiram o processo histórico que permitiu a divisão social do trabalho e a propriedade dos meios de produção em sua relação com a formação da família monogâmica e o Estado. Enfim, a temática da propriedade ganha relevância no século XIX e sua problematização mantém-se acesa até os dias atuais. Mas, se há de fato uma história da propriedade, resultado de múltiplos dilemas que a própria ideia aciona (liberalismo & propriedade; socialismo & o fim da propriedade; propriedade individual & propriedade coletiva), não há como negar também que o desejo de sua superação não é menos antigo, como lembram-nos as belíssimas palavras de Thomas More, em Utopia.

Neste volume, a revista Outros Tempos apresenta o dossiê intitulado “História Social da Propriedade”, cujos artigos procuram iluminar exatamente a questão da propriedade em suas múltiplas dimensões, reunindo pesquisadores que tem se dedicado ao tema que, sem sombra de dúvida, se constitui em central na história da humanidade. Assim, no artigo Os Cayapó e a propriedade da terra em Sant’Anna do Paranahyba, sul de Mato Grosso a historiadora Maria Celma Borges (UFMS) analisou as ações dos Cayapó pelas estradas, roças e aldeamentos de Sant’Anna do Paranahyba, sul de Mato Grosso, e em suas proximidades, no século XIX., com ênfase nas práticas de enfrentamento e / ou negociação entre esses povos originários e os poderes locais e provinciais, com ênfase para o aldeamento e a propriedade da terra. A questão da propriedade da terra também é a temática do artigo Acesso à Terra, Propriedade e Agricultura em núcleos coloniais da Amazônia Oitocentista, do historiador Francivaldo Nunes Alves (UFPA), voltado para a análise da atuação dos agentes públicos na concessão de direitos de propriedade sobre a terra nas colônias agrícolas na Amazônia do século XIX. As questões em torno das fronteiras, é o tema do próximo artigo, A História do Brasil na Historiografia de Luís Ferrand De Almeida, da historiadora Margarida Sobral Neto (Universidade de Coimbra), que se propôs a analisar o contributo da obra historiográfica do historiador português Luís Ferrand de Almeida para o conhecimento da história do Brasil, em particular para a história da definição das fronteiras meridionais na época moderna. A seguir, no artigo As Vexações e Opressões dos Senhores Coloniais e a Constituição da Carta Régia de 1753 no Brasil Colonial: a tradição da Posse e o Justo Título, Carmel Alveal (UFRN) procurou explicar como a formação dos senhorios coloniais motivou a elaboração da carta régia de 1753. O dossiê continua caminhando pelo tema da propriedade, agora deslocando o foco para o setor minerador. O historiador português João Paulo Avelãs Nunes (FLUFC / Coimbra), no artigo Mineração Contemporânea em Portugal, Propriedade Pública e Iniciativa Privada: Concessões de Volfrâmio na Freguesia de S. Mamede De Ribatua, caracterizou o setor mineiro como um objeto particularmente relevante para analisar a problemática da propriedade e das correspondentes sequelas (diretas e indiretas) no Portugal Contemporâneo. A atuação estatal no sentido de fortalecer a grande propriedade agrícola no Brasil dos anos 1990 é o tema do artigo a seguir: Dirigismo do Estado Produtor ou Planejamento do Estado Promotor? A Reestruturação da Política Agrícola do Governo Collor, de autoria das historiadoras Monica Piccolo (UEMA) e Márcia Menendes Motta (UFF). Os dois últimos artigos do dossiê retornam ao mundo rural: em Fronteiras Dinâmicas: Propriedade de Terra e Trabalho Indígena nos Sertões Fluminenses (1800-1810), Marina Monteiro Machado (UERJ) refletiu sobre o processo de ocupação colonial do Rio de Janeiro na passagem do século XVIII para o século XIX, com um olhar específico sobre a construção de aldeamentos indígenas como estratégia para conquista de terra e controle da mão de obra dos grupos nativos. Por fim, o historiador Carlos Guardado da Silva (Universidade de Lisboa), no artigo Patrimônio Rural do Mosteiro de São Vicente de Fora (Lisboa): Séculos XII-XIII foi analisado o sistema de organização econômica e a gestão do aro rural, nomeadamente a evolução das relações que se estabeleceram entre o Mosteiro de São Vicente de Fora e os particulares, assim como a diversificação e a expansão do seu patrimônio rural, mais intensas junto da cidade de Lisboa.

O volume ainda conta com cinco artigos livres: Comportamentos Impostos ao gênero: representações da submissão feminina no Rio Grande do Sul na República Velha, de Daniel Luciano Gevehr (FACCAT) e Salete Rodrigues (FACCAT), O Sujeito Escravo e o Ensino de História: o infanticídio cometido por Maria Rita, de Roberto Radünz (PUC / RS) e Bruna Letícia de Oliveira dos Santos (Educadora Social do Colégio Murialdo), A Guerra do Paraguai sob a ótica do Visconde de Taunay, de Isadora Tavares Maleval (UFF / Campos dos Goytacazes), A escrita do Punk no Brasil no início da década de 1980: uma análise dos primeiros trabalhos, de Tiago de Jesus Vieira (UEG) e, por fim, A Elevação do Homem Rural: Institutos de Educação Rural e a Cooperação da Misereor, de Douglas Orestes Franzen (UPF).

Encerrando o volume, temos a resenha do documentário “TERRA de quilombos: uma dívida histórica”, dirigido por Murilo Santos Leonardo Leal Chaves (PPGHEN / UEMA) e a entrevista realizada com a historiadora da Universidade de São Paulo, Iris Kantor, que defende a aproximação entre a História e a Geografia, a partir da análise dos mapas históricos, como ferramenta para potencializar os estudos sobre a história social da propriedade.

Esperamos que as pesquisas publicizadas nesse volume da Revista Outros Tempos possam lançar novas luzes sobre a história social da propriedade. Boa leitura a todos!

Monica Piccolo (UEMA)

Márcia Motta (UFF)


PICCOLO, Monica; MOTTA, Márcia. [História social da propriedade]. Outros Tempos, Maranhão, v. 14, n. 23, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Corrupção e poder Uma história, séculos XVI a XVIII – ROMEIRO (RH-USP)

ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder. Uma história, séculos XVI a XVIII. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. 397p. Resenha de: SILVEIRA, Marco Antonio. Corromper repúblicas, espoliar conquistas. Revista de História (São Paulo) n.176 São Paulo  2017.

Instigante e enriquecedor é o livro que Adriana Romeiro acaba de apresentar aos leitores sob o nome de Corrupção e poder. Uma história, séculos XVI a XVIII. O atual momento vivido pelo Brasil – em que a investigação de práticas corruptas articula-se ora a iniciativas bem recebidas por quem deseja aprofundar a democracia no país, ora a objetivos políticos nada nobres, que põem em evidência a instrumentalização antidemocrática dos poderes da República, inclusive do Judiciário – pode nos levar a crer que a autora aproveitou a oportunidade. Tal avaliação, contudo, mostra-se equivocada quando o referido trabalho é inserido no conjunto mais amplo que constitui suas reflexões, especialmente aquelas expressas em livros anteriores. Uma vez que Adriana Romeiro sempre se preocupou em entender a dinâmica da administração portuguesa tanto em ambiente de corte quanto no cotidiano turbulento da região que se transformaria na capitania de Minas Gerais, o estudo das práticas ilícitas das autoridades régias nas extensas áreas do império luso apresenta-se como um desdobramento esperado, tratado pela autora com o cuidado devido.

É possível que o título – que destaca termos chamativos para um público mais amplo, secundarizando a informação sobre seu recorte histórico – tenha resultado de sugestão editorial. Porém, ainda assim cumpre bem o papel de explicitar logo de início duas questões historiográficas relevantes. A primeira, infelizmente apenas referida pela autora em nota, diz respeito ao uso da palavra Brasil no lugar de América portuguesa, termo hoje mais amplamente aceito pela historiografia por supostamente escapar ao anacronismo. Em certa medida, esta última expressão ganhou crédito quando contraposta ao uso bastante corrente há algumas décadas de Brasil colônia, composição vocabular de potencial teleológico por sugerir que a colônia era o Brasil em formação. No entanto, América portuguesa não é ter mo desprovido de problemas teóricos e metodológicos. É curioso observar que seu prestígio consolidou-se justamente na ocasião em que os historia dores passaram a perguntar-se incessantemente se as áreas coloniais não eram versões específicas do Antigo Regime. Apesar das preocupações com o anacronismo, certo etnocentrismo permanece: seria adequado supor que os historiadores denominam a América portuguesa como tal porque, apesar dos avanços, ainda pouco conhecem da variedade e da complexidade das sociedades indígenas e africanas? Ademais, como lembra Romeiro, a expres são é pouco encontrada na documentação de época, na qual se encontram comumente os nomes Brasil e Brasis.

A segunda questão, tratada amplamente na primeira parte do livro – intitulada “A corrupção na história: conceitos e desafios metodológicos” – refere-se à adequação do uso do conceito de corrupção para o período que cobre os séculos XVI a XVIII. A resposta da autora é afirmativa, mas segue acompanhada da ressalva de que a palavra tinha um sentido diferente do atual. Em linhas gerais, podemos dizer que Adriana Romeiro, com base na análise da literatura teológico-política típica do Portugal da época – cujos elementos aparecem constantemente nos documentos oficiais – é bem-su cedida ao esclarecer uma diferença histórica crucial: enquanto no mundo contemporâneo a corrupção é identificada a práticas desviantes contrárias à distinção liberal entre o público e o privado, nas sociedades de Antigo Re gime, em que as relações pessoais atravessavam todas as estruturas sociais, inclusive as administrativas, o que se corrompia através de delitos e ações ilícitas era o corpo místico da res publica.

Alguns colegas de ofício talvez não se satisfaçam com a explicação fornecida, argumentando que sua força seria, na verdade, sua fraqueza. Ora, se nas sociedades modernas não havia distinção clara entre público e privado, a apropriação particular de bens e postos administrativos constituiria parte da própria natureza das relações sociais. Romeiro em nenhum momento descarta essa dimensão – o que não significa, porém, ceder ao argumento simplista de que a corrupção não podia ser concebida na época. Se era difícil distinguir o público do privado, isto ocorria justamente porque havia alguma noção dos limites que circunscreviam ambas as esferas. Para a autora, a tendência da historiografia atual de esvaziar o conceito de Estado, de sobrevalorizar a política de mercês e de compreender a dinâmica administrativa como imersa em redes dispersas, quando levada ao extremo, apaga o caráter fundamentalmente ambíguo, conflituoso e contraditório de fenômenos diversos.

Não é despropositado dizer que, hoje, alguns historiadores, em vez de se perguntarem sobre as contradições e especificidades do Estado moderno, preferem negar sua existência; em vez de questionarem como os agentes lidavam com as ambiguidades deixadas pelas doutrinas escolásticas, consideram mais adequado ignorá-las. Adriana Romeiro não adota essa saída, tão fácil quanto incoerente. Reconhecendo que atitudes ilícitas eram implicitamente aceitas quando adotadas por governadores e vice -reis – seu principal alvo de análise -, propõe-se também a mostrar que a Coroa soube rejeitar e punir excessos tidos como atentatórios em rela ção aos interesses régios. E se a utilização de regimentos, ordens régias, devassas, residências e outros instrumentos oficiais e mais padronizados nem sempre gerava resultados constrangedores, podendo ser instrumentalizados nos diversos níveis de poder – até mesmo pela própria Coroa -, a aplicação do ostracismo como forma de punir autoridades mais escandalosas produzia efeitos tangíveis. Uma investigação sem resultados com prometedores pouco valia se, de volta ao reino, o governador ou vice-rei recebesse a notícia de que não seria recebido pelo monarca no beija-mão. Residências recheadas de elogios, muitas vezes obtidas à custa da manipulação de quem testemunhava, nem sempre impediam que nobres se vis sem afastados do serviço régio e da possibilidade de obter graças e mercês.

Ao avançar por essas questões no segundo capítulo – “A tirania da distância e o governo das conquistas” -, a autora não perde de vista um proble ma de fundo, explicitamente formulado e abordado na parte anterior: as deficiências de análises que procuram explicar os impérios modernos segundo a ideia de negociação. Mencionemos, antes de tudo, que Adriana Romeiro recorre à ampla bibliografia concernente ao Império espanhol porque não encontra reflexão consolidada sobre a corrupção no período tratado entre historiadores luso-brasileiros. A explicação para tal defasagem parece-lhe achar-se, pelo menos em parte, na predominância de determinadas perspectivas analíticas, como mencionado acima. À medida que vai discutindo o tema em relação ao Império português, em que constata a ocorrência de práticas ilícitas generalizadas, ratifica o argumento de que o enfoque centra do na ideia de negociação afasta da abordagem historiográfica o problema da dominação política, e isto em prol de uma visão excessivamente con ensual. Mais ainda, um dos pontos altos do livro encontra-se na afirmação de que tal perspectiva privilegia em demasia as articulações e os acordos travados pelas elites nos diversos níveis de poder – entre o centro e as periferias, portanto -, secundarizando outros grupos sociais que constituíam tanto o universo ibérico quanto o colonial. Uma crítica desse tipo não pode passar despercebida para os que se acostumaram a ouvir que o viés outrora predominante na historiografia brasileira era “circulacionista”, desprezando, como tal, as estruturas produtivas e as formações sociais específicas às sociedades coloniais. O olhar arguto da autora, assim, nos faz pensar que talvez um novo “circulacionismo” tenha surgido: aquele que procura expli car a colonização recorrendo a redes de trocas, negociações e mercês que articulariam, embora de modo menos sistematizado, o centro e as periferias – redes entendidas agora como marcadamente pessoais e familiares. E, para falar com palavras antigas, eis que um suposto determinismo infraestrutural é substituído por outro, de caráter superestrutural.

Adriana Romeiro, porém, ao referir-se constantemente a periferias, não perde de vista o problema intrincado da exploração colonial. Outro aspecto decisivo do livro consiste no fato de recuperar a noção de spoils system, outrora proposta por Charles R. Boxer, e inseri-la num quadro em que a riqueza produzida pelo trabalho compulsório é duramente disputada por colonos e administradores. Observações irritadas e moralizadoras sobre esse ponto aparecem em personagens de épocas diferentes, como, nos séculos XVI e XVII, Diogo do Couto, autor do Soldado prático; o anônimo que escreveu Primor e honra da vida soldadesca; Francisco Rodrigues Silveira, de Reformação da milícia e governo do estado da Índia oriental; o jesuíta Manuel da Costa, de Arte de furtar; o famoso padre Antônio Vieira; e, já na segunda metade do XVIII, Tomás Antônio Gonzaga, com suas Cartas chilenas. Nas páginas em que Romeiro descreve as opiniões desses autores vão emergindo diversas tópicas, dentre as quais se destacam a da cobiça desenfreada, a da distância que facilita o roubo, a do governador-esponja que suga os pobres e os colonos, e a da temível decadência.

Esta última, comumente amparada em referências feitas a Roma antiga, alerta que os desvios, em última análise, corrompem a República e arruínam o Estado – e aqui o leitor sente falta de um olhar que, observando certas nuanças da literatura neoescolástica, diferencie ambos os termos, república e estado, atinentes, respectivamente, ao governo e à dominação, à prudência propriamente dita e à prudência política. A despeito disso, o esquadrinha mento das tópicas realizado por Romeiro diz muito sobre a colonização. Para ficarmos em apenas um exemplo, a recorrente menção ao tema da distância parece implicar um modo particular de conceber, durante a época moderna, as relações entre centro e periferias. Quando aparece associada à concepção cíclica do tempo – aquela que explica o vínculo entre corrupção e decadência – surgem as condições para que os historiadores vejam criticamente seus próprios modelos explicativos. O autor de Primor e honra explica: “República é corpo místico, e as suas colônias e conquistas membros dela; e assim se devem ajudar reservando e reparando suas fortunas e conveniências” (p. 170). Mas é da subversão dessa noção de império que falam todas as tópicas; do medo de que a cobiça sem controle, especialmente na distância das periferias, esgote as conquistas e extinga as formas pelas quais a decadência do Estado e do Império pode ser evitada.

Ao iniciar seu terceiro capítulo – “Ladrão, régulo e tirano: queixas contra governadores ultramarinos, entre os séculos XVI e XVIII” -, a autora vai estabelecendo firmemente a hipótese de que a exploração colonial não se dava apenas através dos circuitos mercantis oficiais, até porque o contrabando era estrutural e contava com a participação ativa de autoridades, produtores e negociantes de todas as partes do Atlântico, interna e externamente. A saraivada de casos descritos por Romeiro não somente indica como as tópicas literárias eram apropriadas nos embates travados nas várias partes do Brasil – a região colonial que, desde a segunda metade dos Seiscentos, havia desbancado a Índia como foco privilegiado de queixas -, como também aponta para o vínculo existente entre, de um lado, a captação lícita e ilícita de recursos coloniais efetuada pela nobreza governante e, de outro, os objetivos relacionados à constituição, ao desempenho ou ao engrandecimento de suas casas. A documentação trazida pela autora se refere a uma das facetas pelas quais a colonização se tornava constitutiva da sociedade portuguesa. De fato, aquilo que espelhos de príncipe classificavam como concupiscência dizia também respeito ao esforço de sobrevivência da nobreza num contexto em que a competição simbólica e a necessidade de consumir o luxo ampliaram irreversivelmente o endivida mento e a dependência frente às rendas régias. Fosse o grande preocupado com a queda dos rendimentos, fosse o filho secundogênito obcecado por criar sua própria casa – e disto trata a autora no quarto e último capítulo, “A fortuna de um governador das Minas Gerais: testamento e inventário de d. Lourenço de Almeida” -, parte expressiva dos administradores tratavam de espoliar as áreas coloniais governadas para evitarem o risco de tudo perder na Corte. Andavam, portanto, no fio da navalha, equilibrando-se entre a busca de recursos e a ameaça de punição e ostracismo.

Descrevendo cuidadosamente o caso de d. Lourenço, que governou as Minas Gerais entre 1720 e 1731, Adriana Romeiro deixa arraigada a sensação, já mencionada acima, de que as articulações políticas e o ataque à honra desempenhavam um papel geralmente mais importante do que os instrumentos formais de punição – já que, desde seu retorno a Lisboa, o ex-governador não encontrou consolo, nem acesso ao serviço régio e a mercês, assim permanecendo durante todo o período pombalino. Apesar de chegar a erigir um morgado valendo-se dos recursos amealhados e de estratégias endogâmicas de casamento, não conseguiu de fato constituir sua própria casa, sonho já totalmente dissipado na geração de sua neta. D. Lourenço de Almeida foi um exemplo claro, embora relativamente malsucedido, de governador que, metendo-se na luta renhida pela expropriação da riqueza colonial – na qual entravam também os agentes, poderes e costumes locais -, buscou acumular bens, saldar dívidas, fundar uma casa nobre e manter rendimentos que garantissem seu decente sustento. Enfim, foi, a seu modo, parte da dinâmica do que a historiografia – ou parte dela – denomina de sistema colonial.

Em nota, Romeiro não deixa escapar o desalento do famoso diploma ta d. Luís da Cunha em relação a esse tipo de consumo, que, segundo ele, empobrecia a nobreza portuguesa e causava o envio de grossas somas a Paris, “porque de lá emanam as modas” (p. 358). Observação interessante não propriamente por sugerir que parte da riqueza colonial ia parar em França, mas sim por destacar o papel crucial – utilizemos novamente palavras antigas – desempenhado por uma espécie de coerção extraeconômica: a moda. E também nesse ponto o livro de Romeiro faz pensar. Seria mesmo correto afirmar que a riqueza colonial era esterilizada por um consumo que, ao fim e ao cabo, alimentava estruturas comerciais e produtivas francesas?

Faria algum sentido estabelecer limites rígidos e deterministas entre fatores econômicos e extraeconômicos? Mas essa pergunta nos levaria a questionar aqueles que dizem saber onde começa e termina o capitalismo, embora não expliquem por que sociedades orgulhosas de serem tradicionais – ainda que de modo contraditório e conflituoso – devem ser chamadas de arcaicas. A consistência da obra de Adriana Romeiro encontra-se bem além de armadilhas desse tipo, que bem lembram as velhas, teleológicas e preconceituosas teorias da modernização.

Marco Antonio Silveira – Doutor pelo Programa de Pós-graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Professor associado do Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Email: mantoniosilveira@yahoo.com.br.

Drogas na Américas: culturas, fiscalizações, repressões e ilegalismos / Outros Tempos / 2017

O continente americano é um verdadeiro laboratório de politização das drogas. Se é dele que emergem, historicamente, as primeiras experimentações de uma política proibicionista direcionada a certas substâncias, como o álcool nos Estados-Unidos (1919- 1933), é dele também que emergem hoje as primeiras experimentações de regulação do uso recreativo (Colorado e Nevada, nos EUA) e medicinal da maconha (em alguns países como a Colômbia, os EUA, o México e o Uruguai). Nesse mesmo continente foi declarada, em 1970, a “guerra às drogas” pelo presidente dos Estados-Unidos, Richard Nixon, mas é ainda desse continente que derivam hoje as críticas mais fervorosas em relação a essa guerra [1] . De fato, os efeitos nefastos dessa política bélica se fizeram sentir especialmente em diversos países do continente, levando a, entre outros, um enfraquecimento de alguns Estados, o fortalecimento das multinacionais do crime organizado, o aumento de mortes e contaminações ligadas à precariedade do uso de drogas advindos de sua ilegalidade, ou o aumento de discriminações e da população carcerária. A tal ponto que hoje assistimos a uma denúncia internacional desses efeitos, inclusive por ex-presidentes, como o brasileiro Fernando Henrique Cardoso, ou o colombiano C. Gaviria, os mesmos que, na época, implantaram essa política. E, ironia suprema da Historia, sendo os Estados-Unidos os que mais defenderam, nos anos 1910-20, um sistema internacional de drogas fundado na distinção entre fins legítimos (médico-científicos e farmacêuticos) e ilegítimos, permitindo a constituição de grandes monopólios farmacêuticos em matéria de drogas, é do mesmo país que emerge atualmente os maiores escândalos farmacêuticos ligados ao consumo abusivo e letal decorrentes de drogas prescritas e acessadas de forma legítima: milhões de dependentes de opioides, e milhares de overdoses por ano provenientes de abusos de drogas legalmente prescritas [2] . Eis aqui então uma ambivalência constitutiva do problema das drogas desde o início do século XX: quando destinadas a fins legítimos (médico-científicos) são um mal necessário, quando dirigidas a fins ilegítimos (recreativos), são um flagelo social.

A contemporaneidade e a ambiguidade da problemática das drogas em todo o continente americano justifica a necessidade da publicação, em uma revista de História, de um volume especialmente consagrado a essa questão. Pois as transformações políticas e sociais contemporâneas em matéria de drogas, os seus paradoxos e contradições aparentes, participam de processos de grande fôlego que devem ser analisados em sua complexidade histórica e também em sua variedade geográfica. A originalidade dessa publicação consiste, precisamente, em oferecer uma abordagem histórica que articula, ao mesmo tempo, uma perspectiva global das políticas internacionais sobre drogas e estudos micro-históricos que tratam de contextos geográficos e sociais específicos. Este volume concilia metodologias distintas e confronta assim reflexões mais abrangentes e teóricas sobre conceitos operantes do chamado “sistema proibicionista” com pesquisas etnográficas, realizadas nas realidades do cotidiano da Argentina, do Brasil, da Colômbia e do México. Nos cruzamentos entre macro-história e micro-história, ciências políticas, sociologia e antropologia se encontram pesquisadores, doutorandos e professores vindos de horizontes geográficos e metodológicos diferentes. E, como em uma polifônia, dialogam historiadores brasileiros e franceses; antropólogos da América do Sul e da Europa; assim como sociólogos e psicólogos argentinos, que trazem consigo bagagens repletas de experiências que proporcionam novas reflexões ao universo complexo das drogas. Dessa forma, a pluralidade de perspectivas que figuram nesse volume pode ser encarada como uma sala de espelhos na qual estariam situados, no centro, alguns referentes do campo, como “drogas” ou “proibicionismo”, de onde refletiriam e emanariam os diferentes sentidos que eles adquirem quando confrontados a uma série de realidades históricas e sociais distintas.

É exatamente o referente “drogas” que é situado no centro do artigo de FrançoisXavier Dudouet. Nele, o autor propõe uma investigação quase policial, que percorre as diferentes operações subjacentes de uma organização social global que distinguiria, no mundo inteiro, os usos sagrados dos usos profanos. A problemática das drogas não pode ser apreendida nem a partir de uma perspectiva substancialista, que pensaria as drogas como substâncias tendo propriedades específicas, nem a partir de uma perspectiva moral, que se focalizaria unicamente sobre os mecanismos sociais e morais que conduzem a sua proibição e repressão. Esta perspectiva moral, tende a ocultar o fato de que, na realidade, nenhuma droga é em si proibida e acaba por mascarar as distinções entre usos lícitos e ilícitos, realizadas pelo sistema de regulação das drogas tanto em uma escala nacional quanto internacional. São os processos históricos que conduziram à implantação dessa organização social global das drogas que são centrais em sua análise. Para isso, o autor começa a descrever as operações pelas quais os usos lícitos das drogas foram distinguidos dos ilícitos em nível dos diversos estados europeus no século XIX para, em seguida, mostrar como essas operações contribuíram para a construção, internacional, de uma economia lícita das drogas separada de sua economia ilícita, durante o século XX. Essa dimensão econômica é, posteriormente, aprofundada no artigo a fim de revelar a lógica monopolista que organiza os usos sagrados das drogas. Nessa trama, trata-se de revelar que por trás da crença na proibição das drogas se dissimula uma realidade mais difícil ainda de ser capturada: a monopolização dos usos lícitos.

Deslocando o foco para as Américas, o artigo de Thiago Rodrigues e Beatriz Caiuby Labate analisa os processos histórico-políticos do proibicionismo, a partir de uma perspectiva comparada entre os Estados-Unidos, México e Brasil. No artigo, trata-se de reinserir as bases repressivas e militares do proibicionismo dentro de um conjunto complexo de racionalidades biopolíticas, composto por cinco níveis de segurança: moral, sanitária, pública, nacional e internacional. Esses níveis são confrontados tanto com as particularidades das zonas geográficas em questão, quanto com os períodos históricos que percorrem o final do século XIX, até o século XX. Contrapondo-se a uma visão simplista do sistema proibicionista, o artigo demonstra as dinâmicas e as mutações dos pilares enraizados do sistema, situando e problematizando paralelamente os questionamentos atuais sobre o tema.

Dando continuidade ao tipo de reflexão que procura abranger as especificidades do sistema proibicionista, situando-a no contexto brasileiro dos anos 1930 a 1970, o artigo de Mariana Broglia de Moura busca complexificar uma visão que reduz o proibicionismo a uma política repressiva e que visa a interdição absoluta das drogas. Por meio de uma abordagem “positiva” são restituídas as diversas funções de controle, regulação e repressão que constituem o sistema proibicionista de drogas. É salientada, particularmente, a atividade de fiscalização de entorpecentes, analisada especialmente a partir das seguintes dimensões: controle estatístico, tributação e regulamentação profissional e regulação dos costumes. Por fim, é examinada a maneira como a formalização de um mercado legítimo de drogas vem acompanhado do desenvolvimento de um conjunto de ilegalismos, às margens do lícito e do ilícito.

A abordagem histórica, no que tange a dimensão ilícita do circuito de comercialização das drogas é feita no artigo de Alexandre Marchant. Nesse texto, o autor mostra que a continentalização e a mundialização do tráfico de drogas nas Américas, sistematicamente atribuídas aos cartéis colombianos e mexicanos dos anos 1980, têm origens mais remotas. De fato, elas têm suas raízes ancoradas no sistema implantado nos anos 1950 pelas máfias marselhesas exportadoras de heroína no continente, nos tempos da French Connection. Do sul ao norte do continente, criminosos franceses expatriados instituíram redes, itinerários e práticas que não desapareceram repentinamente com a queda da filial francesa, no começo dos anos 1970. Ao contrário, os cartéis recém-nascidos da cocaína buscaram integrar os antigos traficantes da French Connection, valorizando suas experiências, antes de aperfeiçoar seus métodos para conseguir novos equilíbrios entre o continente americano e europeu no tráfico internacional de entorpecentes, na virada dos anos 1980-1990.

A virada social dos anos 1980, na história política e social do tráfico de drogas no México, é analisada por Sabine Guez através de sua busca pelo “tempo da inocência”, momento de entusiasmo e de fascinação, assumidos e desenfreados pelos traficantes de drogas em toda sociedade, dentro de classes privilegiadas ou populares. É nesse período complexo que o negócio das drogas atinge seu apogeu, por meio da corrupção, constituindo um tipo de poder que articula altos e baixos escalões do México setentrional. Esse poder adquire uma força considerável, sobretudo, com o desenvolvimento prodigioso do tráfico de cocaína sulamericano e seu trânsito, via México, em direção aos Estados-Unidos. A autora percorre então esses rostos e vozes do presente que remetem ao passado dos anos 1980, articulando, para isso, um trabalho etnográfico e histórico-biográfico. É por meio dessa metodologia que ela interroga a autonomização dos traficantes em relação ao Estado, o mesmo que exercera um controle estrito e forte sobre eles. E defende a ideia de que esse movimento de autonomização dos traficantes é correlato às transformações sociais induzidas, na época, pela multiplicação das participações no tráfico.

A articulação entre história e etnografia também está presente no artigo de Beatriz Brandão e Jonatas Carvalho, que busca problematizar dois conceitos recorrentes – o de “política de drogas” e de “sociedade de controle” – enraizando suas análises tanto no concreto etnográfico do programa De Braços Abertos (Cracolânida-SP; 2014-2016), quanto na história política e social da implementação dos dispositivos de controle e repressão de drogas no Brasil. Nesse artigo, os autores trazem à história os processos e efeitos que são constantemente apagados e, por conseguinte, repetidos pelas políticas públicas em matéria de crack, sobretudo nessa região. Eles salientam a novidade do programa implementado pelo então prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad, e situam essas novas ordenações dos modelos de tratamento – como a Redução de Danos e as Comunidades Terapêuticas – dentro de uma história mais complexa de intervenções políticas, feitas na matéria a partir de práticas higienistas e compulsórias. A nova visão do crack trazida pelo programa é confrontada com quadros analíticos e conceituais, como os de “biopolítica” e “programas- pastores”, inserindo-o em uma nova tecnologia liberal da sociedade de controle, a qual está voltada, entre outros, ao controle dos fluxos e ao governo de si.

A atualidade dos dispositivos de acompanhamento de dependentes de drogas e das políticas de redução de danos é articulada, no artigo de Silvia Inchaurraga e Edgardo Manero, a uma reflexão mais abrangente sobre os mecanismos de poder e de controle subjacentes a esses programas. Consagrado à Argentina, esse artigo estuda os efeitos de uma política oficial em matéria de drogas nas últimas décadas, centrada na erradicação do consumo de drogas pela abstinência, no campo sanitário, e pela penalização, no campo legislativo. Tanto as políticas públicas como as principais instituições vinculadas à temática das drogas se sustentam a partir de uma lógica bélica, que instaura a discriminação dos usuários e a construção de uma alteridade social ameaçadora. Esse artigo, escrito por uma psicóloga, diretora do Centro de Estudos Avançados sobre Drogas da Universidade de Rosário, e por um sociólogo, nos dá acesso às principais questões colocadas atualmente no campo da Redução de Danos, na Argentina.

A história das lutas do movimento antiproibicionista colombiano e combinada com uma reflexão semântica e conceitual sobre o termo “pharmakon” nos é proporcionada pelo artigo de Andrés Gongorra, que realiza uma etnografia de grande fôlego (2013-2017), consagrada ao movimento canábico colombiano. O autor mostra como a proibição das drogas no país surgiu com um arranjo sanitário, moral e econômico para monopolizar a produção de remédios e venenos. O conhecimento assim produzido em torno da relação entre as pessoas e o pharmakon – desenvolvido principalmente por especialistas de segurança pública, economia política e saberes psi – desconheceu sistematicamente a agência política dos consumidores e pequenos produtores de drogas. Percorrendo a história da cannabis e de seus defensores, o autor descreve a luta para liberar a planta e permitir a sua reintegração nos espaços da embriaguez tolerada, dos remédios e da indústria.

A história reflexiva sobre as operações de distinção entre substâncias e usuários também encontra um espaço no artigo de Lucas Endrigo Brunozi Avelar, que examina – através de relatos do jesuíta português João Daniel, contidos na obra Tesouro Descoberto no Máximo do Rio Amazonas– como os portadores de uma ideologia religiosa de origem medieval descreveram a embriaguez dos povos indígenas na Amazônia do século XVIII. Nesse artigo, o autor revela as contradições e aproximações entre, de um lado, uma empresa de colonização fundada na produção e comércio de drogas e na tradição alimentar católica assentada no vinho e no pão; e, de outro, uma ideologia do abuso elaborada para dar conta da tradição indígena de ingestão de bebidas e substâncias extraídas da floresta.

As definições e redefinições das drogas na história e as correlações entre drogas e alimentos são tratadas a partir de uma entrevista conclusiva, realizada com o grande historiador do campo no Brasil, Henrique Carneiro, na qual são retomados, desde a antiguidade até hoje, os diversos saberes que se ampararam e contribuíram a forjar os diferentes sentidos atribuídos às drogas. Atributos de divindades, objetos de nomenclatura botânica, produtos secos do comércio do além-mar, fármacos, substâncias ilícitas são os diferentes sentidos aos quais são remetidos esse referente complexo que simplificamos por meio do termo “drogas”. Mas, mais do que um simples referente, as drogas são o objeto de diversas estratégias internacionais, como as comerciais e geopolíticas, tornando-se, na época moderna, os “principais vetores na expansão da navegação, do colonialismo, do escravismo, do consumo de massas e da revolução comercial e industrial”. Sobre a atualidade, o historiador faz um diagnóstico preciso e crítico, no qual localiza os pontos de fraqueza e de força do sistema, e aponta para as forças imanentes que atualmente representam um movimento capaz de desestabilizar alguns pilares do sistema até então enraizados. Por fim, com este conjunto de pesquisas queremos convidar os leitores a uma reflexão crítica e profunda sobre a temática das drogas nas Américas.

Desejamos a todos ótima leitura!

Notas

1. Ver por exemplo o relatório “Guerra às drogas” da Comissão global de políticas sobre drogasde junho de 2011, disponível no site: https: / / www.globalcommissionondrugs.org / reports / the-war-on-drugs /

2. Ver por exemplo : BBC Brasil, “Opioides causam um ‘11 de Setembro’ em mortes a cada três semanas nos EUA” 2 de Agosto de 2017.

Mariana Broglia de Moura

Helidacy Maria Muniz Corrêa


MOURA, Mariana Broglia de; CORRÊA, Helidacy Maria Muniz. Apresentação. Outros Tempos, Maranhão, v. 14, n. 24, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras – Revista Catarinense de História. Florianópolis, n.29, 2017. / n.33, 2019.

Fronteiras – Revista Catarinense de História. Florianópolis, n.33, 2019.

Dossiê n. 33 – 2019/01 – “Gênero, Democracia e Direitos Humanos”

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Publicado: 23-05-2019

Fronteiras – Revista Catarinense de História. Florianópolis, n.32, 2018.

Memória, Patrimônio e Democracia

jul./dez. 2018

Publicado: 10-01-2019

Editorial

Fronteiras – Revista Catarinense de História. Florianópolis, n.31, 2018.

Dossiê História Indígena e Estudos Decoloniais

jan./jun. 2018

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Editorial

Fronteiras – Revista Catarinense de História. Florianópolis, n.30, 2017.

Dossiê Rússia revolucionária: repercussões, inspirações, ressonâncias e atualidade

jul./dez. 2017

Publicado: 11-06-2018

Editorial

Fronteiras – Revista Catarinense de História. Florianópolis, n.29, 2017.

Dossiê Ensino, Gênero e Diversidade

jan./jun. 2017

Publicado: 05-02-2018

Editorial

Volver del exilio: Historia comparada de las políticas de recepción en las posdictaduras de la Argentina y Uruguay (1983-1989) – LASTRA (RH-USP)

LASTRA, María Soledad. Volver del exilio. Historia comparada de las políticas de recepción en las posdictaduras de la Argentina y Uruguay (1983-1989). La Plata: Universidad de la Plata, Buenos Aires: Universidad Nacional de General Sarmiento, Posadas: Universidad Nacional de Misiones, 2016. Resenha de: BALBINO, Ana Carolina. Os retornos possíveis: história comparada das políticas de recepção ao exílio no pós-ditadura argentino e uruguaio. Revista de História (São Paulo) n.176 São Paulo  2017.

Após a parceria com Silvina Jensen na organização de Exilios: militancia y represión,1 a socióloga, doutora em História e pesquisadora do Conicet (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas) María Soledad Lastra lançou, em 2016, o livro Volver del exílio. Nesta obra, a autora centra o debate nas políticas de recepção aos exilados na Argentina e Uruguai no momento da redemocratização em ambos os países, buscando compreender os sentidos e representações do exílio nos projetos democráticos de Alfonsín (Argentina) e Sanguinetti (Uruguai), além das respostas dos Estados e associações civis a essas imagens, que geraram diferentes políticas de recepção aos exilados no pós-ditadura.

Na primeira parte do livro, debate-se a conjuntura de transição democrática argentina e uruguaia. Trabalhando com a ideia de que a Argentina teve uma redemocratização por colapso, ou seja, na qual os militares não tiveram atuação, e o Uruguai uma transição pactuada, decorrente de uma associação entre militares e sociedade civil, a autora se dedica inicialmente aos perfis dos exilados em ambos os países, dando especial atenção à presença das esquerdas no desterro e mostrando que não houve, em nenhum dos casos, uma opção por retorno em massa. Em seguida, é discutido como as sociedades refletiram o tema do exílio no momento dos retornos. Aqui, Soledad Lastra chama a atenção para as enormes diferenças entre o processo argentino e o uruguaio, já que no primeiro caso se deu uma ênfase maior à imagem do exilado-subversivo, mantendo-se o discurso ditatorial de que aqueles que haviam saído do país era antigos guerrilheiros derrotados pela “guerra suja”.

Já na segunda parte, a autora foca seu olhar nas organizações civis que buscaram colaborar para a reinserção dos exilados nas suas respectivas sociedades. Assim, o leitor é informado sobre o surgimento e as primeiras formas de atuação das principais organizações de direitos humanos voltadas para a temática do exílio na Argentina e no Uruguai. Posteriormente, a autora foca as relações existentes entre as organizações argentinas e uruguaias, já que as primeiras passaram pelo processo de redemocratização e consequente recepção do exílio dois anos antes daquelas instaladas no país vizinho. Aqui o leitor encontra um dos pontos inovadores da obra, que permite, além da familiarização com as trajetórias das principais associações de direitos humanos que se dedicaram ao exílio – como Osea (Oficina de Solidaridad con Exilio Argentino) e a Caref (Comisión Argentina para los Refugiados) na Argentina e a CRU (Comisión para el Reencuentro de Uruguayos), SER (Servicio Ecuménico de Reintegración), Sersoc (Servicio de Rehabilitación Social) e SES (Servicio Ecomunénico Solidario) do Uruguai -, também com as relações mantidas com partidos políticos, demais associações de direitos humanos e com as igrejas. Ainda se pode compreender como, apesar de alguns pontos de preocupação comuns, as políticas de atuação nos dois países foram distintas. Enquanto na Argentina a Osea e a Caref se preocuparam em colocar o exilado no lugar de vítima da repressão, e não de algoz, no Uruguai, a preocupação maior foi em não criar uma hierarquização da dor.

Ao final dessa segunda parte, o leitor se depara com os principais conflitos enfrentados por essas organizações no momento de preparar a recepção, como a temática do “privilégio”, debatida em ambos os países, mas com ênfases diferentes. Enquanto na Argentina a ideia de evitar privilégios aos exilados passava necessariamente por comprovar que não se auxiliavam os “subversivos-guerrilheiros”, seja com ajuda financeira, moradia ou reinserção empregatícia, no Uruguai a questão era conceder ajuda indistintamente a exilados, libertados após anos de prisão e desempregados afetados pela crise econômica grave que se instalara no país nos anos militares.

Na última parte do livro, a pesquisadora preocupa-se com a atuação do Estado em relação às políticas de recepção do exílio e os problemas legais decorrentes desta. Esse ponto foi muito mais presente na Argentina – cuja ideia de justiça passava por não arquivar as causas judiciais abertas pelos militares contra os assim considerados “subversivos” e culpabilizar também a esquerda pela repressão perpetrada. A Lei de Anistia, ditada no Uruguai logo após a subida do presidente Sanguinetti ao poder, permitiu aos uruguaios um retorno mais tranquilo à pátria.

Por fim, a autora trabalha com as comissões oficiais criadas pelos Estados para promover o retorno de exilados. A Comisión Nacional para el Retorno de los Argentinos en el Exterior (Cnrae), criada por Alfonsín em 1984, teve pouca atuação efetiva na reincorporação dos desterrados, já que a grande questão a ser enfrentada naquele país era o desaparecimento. Promovendo uma hierarquização do sofrimento e difundindo a imagem do exilado-subversivo, o governo alfonsinista não deu prioridade ao retorno daqueles que viviam no exterior. Por outro lado, a Comisión Nacional de Repatriación, criada no Uruguai junto com a Lei de Anistia em 1985, apesar de não dispor de grandes recursos financeiros, trabalhou intensamente para que todos os uruguaios – exilados políticos e econômicos – encontrassem as condições mais propícias para o seu retorno à nação democrática.

Atuando em um tema candente da América Latina, Soledad Lastra inclui-se em uma série de estudos que buscam lançar luz ao exílio argentino trabalhando-o na chave comparativa e na relação com o restante da América Latina, como nos textos de Pablo Yankelevich, Ráfagas del exilio: argentinos em México,2 e de Silvina Jensen, Agendas para una historia comparada de los exilios masivos del siglo xx. Los casos de España y Argentina.3 Em Volver del exilio, a autora levanta importantes questões para a compreensão das redemocratizações do subcontinente, mostrando a necessidade de inserir as políticas de recepção ao exílio na ampla conjuntura do debate dos direitos humanos no pós-ditadura e da atuação dos Estados recém-instalados na promoção da justiça e na pacificação. Dessa forma, destaca que sua preocupação não é criar uma ideia maniqueísta de boas ou más políticas, mas inseri-las no contexto de revisão da repressão existente em cada um dos países.

Para a pesquisadora, o enfoque na história comparada evitaria o uso das “excepcionalidades nacionais” na compreensão das políticas de reinserção do exilado e das próprias redemocratizações (p. 29). No entanto, ressaltamos que as explicações dadas para as brutais diferenças entre as políticas de recepção argentinas e uruguaias, mesmo que inseridas no contexto de redemocratizações da América Latina, se encontram exatamente no contexto nacional em que essas se deram. Assim, é impossível entender a maior dificuldade de reinserção do exilado argentino se deixarmos de lado a opção do governo Alfonsín por acusar também a esquerda pela instalação da repressão. Por outro lado, se podemos questionar a impunidade dos militares uruguaios, foi a Lei de Anistia proposta pelo governo Sanguinetti que permitiu às organizações de direitos humanos promover o reingresso maciço dos desterrados naquele país.

A comparação também não pareceu capaz de elucidar as diferenças em relação às imagens do exílio com as quais as organizações tiveram de lidar, que dependeram muito mais do contexto de redemocratização de cada um dos países. Se essa metodologia traz um ganho significativo para o trabalho ao permitir a compreensão das relações mantidas entre as associações argentinas e uruguaias entre os anos de 1984 e 1986, não aclara por completo as dificuldades maiores encontradas no caso argentino pela Osea e pela Caref para reinserirem o exilado.

Com esse livro, Soledad Lastra levanta novos questionamentos sobre as políticas de reinserção dos desterrados, mostrando como a atuação do Estado foi decisiva na imagem criada sobre o desterro e afetou diretamente a atuação dos organismos sociais que buscaram promover o retorno na América Latina. Além disso, o livro ajuda a compreender melhor como a política de direitos humanos instalada no Cone Sul é muito complexa, não podendo ser trabalhada somente a partir do julgamento ou não dos militares que chefiaram as ditaduras. Dessa forma, Volver del exilio amplia o debate sobre as redemocratizações, e questiona alguns paradigmas da ideia de justiça que se instalaram nos pós-ditaduras na América Latina.

Referências

JENSEN, Silvina. Agendas para una historia comparada de los exilios masivos del siglo xx. Los casos de España y Argentina. Pacarina del Sur. Revista de Pensamiento Crítico Latinoamericano, dossiê 1, out.-dez. 2011. Disponível em: Disponível em: http://www. pacarinadelsur.com/ediciones/numero-9 . Acesso em: 12/09/2017. [ Links ]

JENSEN, Silvina & LASTRA, María Soledad (ed.). Exilios: militancia y represión: nuevas fuentes y nuevos abordajes de los destierros de la Argentina de los años setenta. Edulp: Editorial de la Universidad Nacional de La Plata, 2014. [ Links ]

LASTRA, María Soledad. Volver del exilio. Historia comparada de las políticas de recepción en las posdictaduras de la Argentina y Uruguay (1983-1989). La Plata: Universidad de la Plata; Buenos Aires: Universidad Nacional de General Sarmiento; Posadas: Universidad Nacional de Misiones, 2016, 301 p. Disponível em e-book em: Disponível em e-book em: http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/library?a=d&c=libros&d=Jpm486 , acessado em 12/09/2017. [ Links ]

YANKELEVICH, Pablo. Ráfagas de un exilio: argentinos en México, 1974-1983. Cidade do México: Colegio De Mexico AC, 2009. [ Links ]

1JENSEN, Silvina & LASTRA, María Soledad (ed.). Exilios: militancia y represión: nuevas fuentes y nuevos abordajes de los destierros de la Argentina de los años setenta. Universidad Nacional de La Plata: Edulp, 2014.

2YANKELEVICH, Pablo. Ráfagas de un exilio: argentinos en México, 1974-1983. Cidade do México: Colegio de Mexico AC, 2009.

3JENSEN, Silvina. Agendas para una historia comparada de los exilios masivos del siglo xx. Los casos de España y Argentina. Pacarina del Sur. Revista de Pensamiento Crítico Latinoamericano, dossiê 1, out.-dez. 2011. Disponível em http://www.pacarinadelsur.com/ediciones/numero-9. Acesso em: 12/09/2017.

Ana Carolina Balbino – Doutoranda na área de Política, Cultura e Cidade, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Autora da dissertação de mestrado O exílio em manchete: O retrato dos exilados na imprensa argentina durante a redemocratização (1982-1984), defendida em 2015 no Programa de pós-graduação da mesma instituição. E-mail: carol.historia06@gmail.com.

O socialismo de Oswald de Andrade: cultura/ política e tensões na modernidade de São Paulo na década de 1930 | Marcio Luiz Carreri

Obra originária de pesquisa para obtenção do título de doutor em história-social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP no ano de 2017. O livro “O socialismo de Oswald de Andrade: cultura, política e tensões na modernidade de São Paulo na década de 1930”, partindo da capa e seus contraste em preto e branco em que o autor destaca seus personagens principais que compõe sua narrativa histórica, como a Pagú, Mario de Andrade e sobretudo o Oswald tendo por base a foice e o martelo em vermelho, e acima de todos a figura emblemática de Marx.

Trata-se de escrita leve e fluente, sem o peso do academicismo que se exige para uma tese de doutorado em história, porém com o rigor metodológico dela. Marcio em seu trabalho consegue perfeitamente trafegar entre duas linhas tênues e belas que é a da confluência entre literatura e história, com o mérito de trafegar por essa zona quente sem se esquecer do metier, do construto da história. Dessa forma a literatura entra como pano de fundo para o fazer historiográfico de uma época de “tensões na modernidade de São Paulo” como diz o título. Leia Mais

Perspectivas sobre o Brasil Império | Escrita da História | 2017

Dando sequência a edição anterior, dedicada às elites e instituições no Brasil Império, a Revista Escrita da História tem a satisfação de publicar o presente número, que reúne trabalhos com múltiplas perspectivas sobre o oitocentos no Brasil. Trafegando por temas diversos como os embates conceituais do período, as relações entre província e centro, a construção do Estado, a administração e a justiça, e a escravidão, o dossiê perpassa por todo o século XIX, levantando inúmeras questões e problemas, bem como oferecendo muitos caminhos de investigação.

O texto que abre o dossiê, de Jônatas Roque Mendes Gomes, mestre em História Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), trata das discussões sobre o conceito de “cidadão” na Assembléa Geral Constituinte e Legislativa de 1823. Com o objetivo de entender os usos deste conceito-chave no centro do poder político do Império, o autor retoma as discussões acerca do conceito desde os finais do século XVIII, demonstrando as suas diversas “camadas de significados”, que se entrecruzavam nas formulações dos constituintes de 1823. Através da análise das mobilizações conceituais, o autor vislumbra como os atores políticos e sociais do período pretendiam dar forma para a construção e organização do Estado e da Nação brasileira então em formação. Leia Mais

O México no século XX e o centenário da Constituição de 1917 | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2017

No final de janeiro de 1917, às vésperas da Revolução Russa, era aprovada a nova Constituição mexicana, resultado de uma luta revolucionária de quase uma década. Pode-se afirmar que essa legislação foi uma das mais avançadas da sua época, afiançando direitos trabalhistas e sociais que faziam frente às demandas de trabalhadores rurais e urbanos que participaram amplamente do enorme movimento de massas que entrou para a história como Revolução Mexicana. A Constituição de 1917 marcou profundamente a história do país e lançou as bases do que foi o México no século XX. Esse foi o eixo que norteou a chamada do presente dossiê da Revista Eletrônica da ANPHLAC, composto por seis artigos e uma entrevista com o historiador argentino radicado no México, Pablo Yankelevich.

Nosso objetivo foi abrir um espaço para os estudiosos das questões do México contemporâneo exporem as investigações realizadas no Brasil e no exterior. Contamos com a participação de autores brasileiros e dois artigos de autores mexicanos. Em termos de periodização, os artigos se aglutinam tanto em torno da Constituição Mexicana promulgada em 1917 e do período do México revolucionário quanto em relação aos anos imediatamente pós-revolucionários, entre as décadas de 1920 e 1940. Os temas abordados refletem as múltiplas dimensões sociais impactadas pelo processo desencadeado no México em 1910 e seus inúmeros desdobramentos, incluindo temáticas relativas à Convenção Revolucionária e à própria Constituição de 1917; os Romances da Revolução Mexicana; a atuação político-intelectual de José Vasconcelos nos anos 20; o discurso visual da revista sindical Lux nos anos 30 e o cinema mexicano nas décadas de 1930 e 1940. A organização do dossiê dispôs os artigos em ordem cronológica. Esse número conta ainda com outros 6 artigos na seção Livre e também uma resenha. Leia Mais

Américas: guerra e paz | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2017

A guerra e a paz no continente americano, em seu amplo espectro, guiaram a chamada para artigos do presente dossiê publicado pela Revista da ANPHLAC. Esta publicação, com dez artigos originais e uma resenha, expressa a disseminação dos estudos sobre os conflitos, as negociações e as pazes, tanto nos impérios coloniais quanto após as independências.

A distribuição espacial dos temas abarcados nos artigos demonstra as preocupações centrais da historiografia brasileira e, de certo modo, também de sua chancelaria, assim como a ampliação das contribuições internacionais da revista. A maioria desenvolve assuntos relativos ao mais importante vizinho brasileiro – a Argentina – tanto no período colonial, quanto na república. Esta presença avassaladora desse vizinho platino não surpreende. Leia Mais