Posts de Itamar Freitas
Revista de Fontes. São Paulo, v.4, n.7, 2017.
Fontes para a história do trabalho |
- ApresentaçãoFontes para a História do Trabalho | Luigi Biondi | PDF
Artigos
- Sociedade dos Artistas Mecânicos e LiberaisUm conjunto documental recifense | Marcelo Mac Cord | PDF
- Arquivos empresariais como fonte para a produção da História | Marcelo Antônio Chaves | PDF
- O Jornal O Metalúrgico como fonte para uma história social “vista de baixo para cima” | Murilo Leal Pereira Neto | PDF
- A vigilância sobre o movimento operário nos arquivos da polícia política paulistaAutoritarismo e suspeição na “transição democrática” (1984-1985) | Richard de Oliveira Martins | PDF
Publicado: 2017-12-15
Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas. Londrina, v. 18, n.3, 2017.
Artigos
- Aprendizagem Matemática na Educação Ambiental | Bruno Rodrigues Rosa, Sandra Maria Faleiros Lima, Clariza Alves da Costa, Maria Luiza de Freitas Konrad | |
- O Modelo de Lasswell Aplicado à História das Teorias da Comunicação | Iuri Yudi Furukita Baptista | |
- Impacto do Ensino para o Desenvolvimento de Habilidades Fonológicas e Morfológicas em Prol da Aprendizagem da Leitura e da Escrita | Andréia Alves Correa, Viviane do Rocio Barbosa, Sandra Regina Kirchner Guimarães | |
- A Autonomia como Fator Fundante da Construção do Projeto Político Pedagógico do Centro Municipal de Educação Básica Helena Esteves | Lucy Ferreira Azevedo, Dolores Garcia, Marinalva Almeida Damacena Duarte de Sousa | |
- Educação na Época das Incertezas: Como Professores da Educação Básica de Campo Grande se Posicionam | Antonio Sales, Clodoaldo Almeida dos Santos, Fausto Luiz de França Neto, Anderson Martins Corrêa | |
- Professores de Matemática no Mato Grosso: um Olhar por Meio de um Personagem | Katia Guerchi Gonzales, Luiz Carlos Pais | |
- Ansiedade Versus Alterações do Padrão de Sono-Vigília em Estudantes de Medicina | Luciana Paes de Andrade, Alessandra Penteado de Souza, Ana Fávia Penteado Souza, Gabriela Tomasi Batiston, Giovanni Pereira Camacho Roque, Jéssica Yara Ferreira Silva, Juliana Gusso Salturi, Maria Fernanda Baldasso, Robson André de Souza Moraes, Leda Márcia Araújo Bento, Tânia Salum | |
- Eficácia na Sala de Aula: Autoavaliação de Professores de Uma Escola Pública | Fabio Luiz da Silva, Fabiane Tais Muzardo, Ana Luiza Silva Suzuki, Carlos Eduardo Guimarães da Silva, Danielle Santos | |
- Um Mapeamento das Dificuldades Encontradas pelos Alunos de Letras EaD no Trabalho com os Gêneros Multimodais na Escola | Eliza Adriana Sheuer Nantes, Adriana Giarola Ferraz Figueiredo, Antonio Lemes Guerra Junior, Juliana Fogaça Sanches Simm, Ligia Fogolin Gargioni | |
- Variação Espaço-Sazonal Termohigrométrica do Parque Urbano Mãe Bonifácia pelo Método da Krigagem | Jonathan Willian Zangeski Novais, Rodrigo Lemos Gil, Fabricia Cristina Lemos Melo, Levi Pires de Andrade, Osvaldo Alves Pereira, Dahiane dos Santos Oliveira Zangeski | |
- Revisão Sistemática sobre a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes | Raquel Martins Fernandes Mota, Luiz Augusto Passos, Cleonice Terezinha Fernandes, Degmar Francisco dos Anjos | |
- Leitura Literária na Escola: a Experiência de Ler Contos de Caio Fernando Abreu | Rosemar Eurico Coenga | |
- A Igreja do Diabo: Análise do Conto Machadiano à Luz da Semiótica Greimasiana | Rafaelly Andressa Schallemberger, Luciana Maria Crestani | |
- Análise do Projeto Pedagógico de um Curso de Ciências Biológicas Face às Diretrizes Curriculares Nacionais | Maria Angélica Penatti Pipitone, Emerson Alves Carneiro | |
- Um Estudo Sobre o Uso de Laptops Educacionais em Aulas de Matemática | Jonas Lobato Vermieiro, Suely Scherer | |
- A Construção do Sujeito-Aluno a partir de Leituras no Livro Didático de Língua Portuguesa: uma Aplicação do Método Recepcional | Guilherme Primo de Mendonça, Evandro de Melo Catelão | |
- Autonomia Universitária: Reflexões Sobre a Universidade Estadual de Londrina | Andrieli Dal Pizzol, Soraia Kfouri Salerno | |
- Professoras em Campo Verde (MT): Migração e Convivência | Maria das Graças Campos | |
- Atividades Práticas e Mostra do Conhecimento Sobre a Temática Água no Processo de Ensino-aprendizagem de Ciências na EJA | Cristiane Clara Rodrigues de Morais dos Santos, Leandro Carbo, Geison Jader Mello | |
- Contribuições para o Ensino de Ciências por Investigação: um Estudo da Sistematização do Conhecimento | Maria Regina da Costa Sperandio, Zenaide de Fátima Dante Correia Rocha | |
Publicado: 2017-12-14
Revista Latino-Americana de História. São Leopoldo, v.6, n.18, ago./dez. 2017.
Expediente
- Expediente
- Alba Cristina Santos Salatino | PDF
Editorial/Apresentação
- Em festa: do PPGH a RLAH. Conquistas e perspectivas
- Alba Cristina Santos Salatino | PDF
Artigos
- Rousseau e a educação da infância
- Rosiris Pereira de Souza | PDF
- Aspectos da cultura escolar– Colégio Félix da Cunha, 1913 à 1934
- Carmen Beatriz Pereira Leal | PDF
- O “perigoso” ensino libertário nas décadas iniciais do século XX: uma afronta ácida ao ensino católico (Brasil e Argentina)
- Caroline Poletto | PDF
- Por entre papéis e fios soltos: contribuições para a escrita da História da Educação a partir dos arquivos escolares da escola Técnica Estadual Henrique Lage
- Sônia Camara, Sâmela Cristinne Carvalho Ignácio, Janilce Aparecida Conceição Magalhães | PDF
- Reformas neoliberais no Peru:crise do Estado, privatizações e autoritarismo político (1990/2000)
- Rafael Vaz da Motta Brandão | PDF
- Representações da história da Guerra de la Triple Alianza no regime de Stroessner
- Bruna Reis Afonso | PDF
- Delimitación territorial y jurisdiccional de la provincia de Buenos Aires (Argentina) Inter-escala espacial entre los poderes eclesiástico, estatal y civil. Una mirada de largo plazo
- Andrea Reguera, Leonardo Canciani | PDF
- Publicar ou Arquivar? A Revista do IHGB: um periódico a serviço do Império no Oitocentos brasileiro
- Luís César Castrillon Mendes | PDF
- Entrevistas
- Entrevista com Marcos Antônio Witt
- Lidiane Friderichs | PDF
- Entrevista com Maíra Inês Vendrame
- Juliana Maria Manfio | PDF
Publicado: 2017-12-14
História da Enfermagem. Brasília, v.8, n.2, 2017.
POSTED BY: HERE 10 DE DEZEMBRO DE 2017
EDITORIAL
- Historia Oral e Memórias: Contribuições na Pesquisa Historica em Enfermagem e Saúde | Mariana Vieira Villarinho
- Oral History and Memories: Contributions in the Historical Research in Nursing and Health | Mariana Vieira Villarinho
- Historia oral y memorias: contribuciones en la investigación histórica en enfermería y salud | Mariana Vieira Villarinho
ARTIGOS ORIGINAIS
- Arte e ação: iluminando novos caminhos para a Enfermagem | Art and action: illuminating new paths for Nursing | Arte y acción: iluminando nuevos caminos para la Enfermería | Gabriela Salim Spagnol, Maria Silvia Teixeira Giacomasso Vergílio, José Guilherme Pereira Bergamasco, Eliete Maria Silva
- Vestígios da historiografia da loucura em Barbacena no conto “Sorôco, sua mãe, sua filha” sob a ótica da Nova História Cultural | Vestiges of the historiography of madness in Barbacena in the story “Sorôco, his mother, his daughter” from the perspective of the New Cultural History | Escribiendo los rastros de la historia de la loucura em Barbacena en lo conto ”Sorôco, su madre, su hija” desde la perspectiva de la Nueva Historia Cultural | Érika Bicalho de Almeida, Julieta Brites Figueiredo, André Luis Brugger e Silva, Luiz Henrique Chad Pellon, Wellington Mendonça de Amorim
- Desenhos arquitetônicos de hospitais descritos no livro “Notes on Hospitals” de Florence Nightingale | Architectural drawings from hospitals described in Florence Nightingale’s “Notes on Hospitals” book | Diseños arquitectónicos de hospitales descritos en el libro “Notas sobre el Hospital” de Florence Nightingale | Patricia Bover Draganov, Maria Cristina Sanna
- Primeiros escritos sobre os cuidados de enfermagem em feridas e curativos no Brasil (1916-1947) | First writings on nursing care in wounds and dressings in Brazil (1916-1947) | Primeros escritos sobre los cuidados de enfermería en heridas y curativos en Brasil (1916-1947) | Ricardo Quintão Vieira, Bernardete Cristina Silva Sanchez, Renato Pinheiro Fernandes, Tais Nayara Dias, Urias Mendes de Aquino, Audry Elizabeth dos Santos
REFLEXÃO TEÓRICA
- Cuerpos (in)visibles: historias de interseccionalidad en las personas adultas mayores costarricenses | (In)visible bodies: stories of interseccionality among costarrican elderly | Corpos (in)visíveis: histórias de interseccionalidade na população idosa costarriquenha | Paula Palma Sobrado, José David Rojas Ortega, Gloriana Flores Cáceres, Viviana Arce Salazar, Jaime Alonso Caravaca-Morera
IN MEMORIAM
- Joséte Luzia Leite: liderança na Enfermagem e exemplo de vida (1934-2017) | Ítalo Rodolfo Silva, Tiago Privado da Silva
- Lieselotte Hoeschl Ornellas: 1917 – 2017 | Pacita Geovana Gama de Sousa Aperibense, Maria Angélica de Almeida Peres
Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas. Londrina, v. 17, n. 5, 2016.
Artigos
- Comunicação e Interatividade em AVEA – Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: do Texto Escrito à Motivação dos Alunos | Creuza Martins França, Juliana Irani Villanueva dos Reis | |
- Competências Requeridas dos Docentes: Análise Crítica na Perspectiva Discente | Regis Garcia, André Vinícius dos Santos, Danilo Lanckievicz Vasconcellos, Diogenes Andrade Evaristo, Vânia de Almeida Silva Machado | |
- Aplicativos Educacionais para Smartphone e sua Integração Com o Ensino de Química | Marcella Cristyanne Comar Gresczysczyn, Paulo Sérgio de Camargo Filho, Eduardo Lemes Monteiro | |
- Escolhas e Percepções de Professores: Livro Didático no Ensino Médio | Sandra Maria Papin Rodrigues, Luciane Guimarães Batistella Bianchini, Renata Beloni de Arruda, Gustavo Javier Figliolo, Rafaela da Costa | |
- Formação para o Uso das Novas Tecnologias no Contexto Escolar | Alessandra Dedéco Furtado Rossetto, Alessandra Dutra | |
- Análise do Gênero Textual Seminário Presente em Livro Didático de Português | Vanessa Santos Fonteque, Letícia Jovelina Storto | |
- O Podcast no Ensino de Inglês: Contribuição para a Prática Oral de Estudantes do Ensino Médio | Alessandra Dutra, Cíntia Pereira dos Santos, Givan José Ferreira dos Santos, Jéssica Eluan Martinelli Bell’Aver, Luciana Idalgo | |
- Formação de Professores: um Olhar para a Realidade e Possibilidades | Mari Clair Moro Nascimento, Adriana de Araujo, Carla Mancebo Esteves Munhoz | |
- Formação Inicial de Professores para Inclusão: das Exigências aos Subsídios Teóricos e Práticos | Jacqueline Lidiane de Souza Praisa, Vanderley Flor da Rosa | |
- Educação Ambiental e Resíduos Sólidos: Intervenções com Estudantes de Dois Cursos Técnicos da Cidade de Londrina | Patrícia de Oliveira Rosa-Silva, Larissa Chaline Lopes-Lima, Everton Carlos dos Anjos, Robson Francisco Pedroso | |
- Gestão e os Desafios da Liderança no Ambiente de Sala de Aula | Fábio Rogério Regioli, Eliza Adriana Sheuer Nantes, Anderson Teixeira Rolim, Claudir Sales de Lima, Sebastião de Oliveira | |
- Os Jogos na Sociedade Contemporânea: as Influências dos Avanços Tecnológicos | Gabriel Gonçalves Freire, Daniel Guerrini | |
- Secretariado Executivo: uma Investigação da Influência da Tecnologia no Cotidiano Profissional | Maria Conceição Oliveira, Eliza Adriana Sheuer Nantes | |
- O Texto Descritivo e o Whatsapp: um Diálogo Possível e uma Dinâmica que Funciona | Rejane Aguiar da Silva, Rogério Nascimento Bortolin, Evandro de Melo Catelão | |
- Educação Para o Trânsito | Maria Aparecida da Rocha Furtado, Patrícia Alzira Proscêncio | |
- Tecnologia e Sala de Aula: a Formação Docente em Foco | Zuleica Aparecida Cabral, Caroline Vieira Rodrigues | |
- Mapa Conceitual como Instrumento de Avaliação em um Curso Introdutório de Eletricidade | Patrícia Beneti de Oliveira, Givan José Ferreira dos Santos, Alcides Goya | |
- Letramento Jurídico, Letramento Acadêmico e Leitura – Possíveis Implicações no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil | Lisiane Freitas, Silvia Regina Tacla | |
Publicado: 2017-02-17
Afro-Ásia. Salvador, n.56, 2017.
Editores: Jocélio Teles dos Santos e Wlamyra Albuquerque.
Imagem da capa: Ayrson Heráclito.
- Expediente
- Editores Afro-Ásia
- Artigos
- Militantes negros nos Estados Unidos e no Brasil: King Jr., Malcolm X e militantes brasileiros envolvidos na atuação do Movimento Negro Unificado, relações possíveis (1950-1980)
- Mírian C. M. Garrido
- O lugar dos africanos na estatística brasileira do século XIX
- Diego Nones Bissigo
- Religião e identidade cultural negra: afro-brasileiros, católicos e evangélicos
- Vagner Gonçalves da Silva
- A literatura como mecanismo de luta pelo reconhecimento social de mulheres negras na obra Um Defeito de Cor
- Luciana da Trindades Prestes, Emília Maria da Trindade Prestes
- Cenários do pós-abolição no Vale do Paraíba paulista: tutela, trabalho infantil e violência sexual (1888/1889)
- Maria Aparecida Chaves Ribeiro Papali, Valéria Zanetti, Mateus Henrique Obristi Castilho
- Ações afirmativas para afrodescendentes no debate do parlamento uruguaio
- Monica Olaza López
Resenhas
- O lugar dos mapas na história de Borno
- Olatunji Ojo
- Guiné-Bissau: os meios de comunicação como prisma da história do país
- Johannes Augel
- Os movimentos africanos pela independência e o fim do salazarismo
- Juvenal de Carvalho Conceição
- Histórias ocultas: traficantes, investidores, navios
- Dale T. Graden
- Escravidão e exceção no século da liberdade
- Douglas Guimarães Leite
- Descolonizando o conhecimento: contribuição de negros brasileiros ao diálogo transatlântico
- Joaze Bernardino Costa
- O medo
- Osmundo Pinho
- Quem ganha com mais polícia e mais prisão?
- Jacqueline Sinhoretto
Publicado: 2017-12-03
Análisis sobre Antropología y Teoría Social. Cultura, poder y agencia – ORTNER (ZI)
ORTNER, Sherry. Análisis sobre Antropología y Teoría Social. Cultura, poder y agencia. Buenos Aires: Universidad Nacional de San Martín, 2016. 195p.Resenha de: FATYASS; ZUKER, Laura Frasco. La Zaranda de Ideas – Revista de Jóvenes Investigadores en Arqueología, Buenos Aires, v.15, n.2, dic., 2017.
SOBRE LA OBRA
Sherry Ortner es una distinguida antropóloga cultural y profesora de la Universidad de California en Los Ángeles. Su larga trayectoria de reflexiones es reordenada en Antropología y teoría social. Cultura, poder y agencia que significa un aporte fundamental porque actualiza, en cierto modo, la teoría de la práctica. La autora traza un recorrido histórico desde el surgimiento de la teoría de la práctica, a fines de los años 70, y señala sus principales contribuciones y limitaciones. En un panorama teórico caracterizado por tres grandes paradigmas, la antropología interpretativa, la economía política marxista y el estructuralismo francés, la teoría de la práctica surge asumiendo el desafío de superar una antinomia que estos modelos comparten pese a sus diferencias: estructura-agencia. Según Ortner, en tanto estas teorías entienden que la acción social está condicionada, la teoría de la práctica tiene la ventaja de reconocer una relación dialéctica que implica la producción de sujetos sociales por medio de prácticas en el mundo y la producción del mundo por medio de dichas prácticas. Por su parte, las limitaciones de la teoría de la práctica son superadas desde los tres giros que Ortner desarrolla y que se orientan, respectivamente, a otorgarle al poder un papel más destacado en la vida social, a incluir la historia como elemento constitutivo de las prácticas y a pensar la cultura en relatos de poder y desigualdad. Ortner ubica a los principales referentes teóricos de cada uno de los giros y muestra la influencia que han tenido en su propia obra: Williams, Scott, Foucault, Bourdieu y Giddens en el caso del giro del poder; Weber y Sahlins en el caso del giro de la historia y, por último, Geertz y Williams para la reinterpretación de la cultura.
SOBRE LOS CAPÍTULOS DEL LIBRO
El capítulo I, Una lectura de Estados Unidos. Apuntes preliminares sobre clase y cultura, arriba a la tesis central que sostiene que la noción de clase no está ausente en el discurso experto, académico y de sentido común de la sociedad norteamericana, sino desplazado a otros discursos culturalmente más prominentes, como los de género y sexualidad. Particularmente, Ortner analiza discursos tomados de tres espacios: etnografías de comunidades de clase obrera, etnografías de escuelas secundarias de clase media y algunas novelas. La autora muestra cómo la clase es traducida como estilo de vida y se superpone con discursos y prácticas de género y sexualidad, incluso en conflictos generacionales al interior de cada grupo. La clase se investiga entonces desde un punto de vista relacional entre grupos y al interior de ellos.
El capítulo II, La resistencia y el problema del rechazo etnográfico, evidencia las limitaciones de ciertas perspectivas etnográficas en un conjunto de estudios sobre la resistencia. Ortner observa que muchos de estos son “etnográficamente diluidos” por lo que terminan siendo superficiales y es por ello que propone trabajar la agencia y la subalternidad desde la complejidad, la ambigüedad y la contradicción en la práctica de resistencia. El modo en que Ortner expone su argumento está organizado de acuerdo a tres formas de rechazo etnográfico a las que llama higienización de la política, dilución de la cultura y disolución de los actores. La autora advierte que en los estudios de la resistencia sólo se indaga en la relación entre dominador y subordinado o en la “política de la resistencia”, cayendo así en una explicación casi mecánica. Asimismo, argumenta que las dinámicas culturales forman parte de las relaciones de poder y su incorporación a los análisis sobre la resistencia permiten comprenderla mejor.
La pregunta que guía el capítulo III, Identidades. La vida oculta de las clases sociales, refiere a cuál es la relación entre raza, etnicidad y clase, trabajando aquí sobre estudios de etnicidad judía y clase en Estados Unidos. El supuesto que organiza varios de sus trabajos es que hay una fusión entre clase, raza y etnia en la cultura norteamericana. La concepción de clase que guía a Ortner sigue el planteo de Bourdieu para quien clase hace referencia a un nivel de posiciones económico-culturales (perspectiva objetivista) incluyendo un nivel de puntos de vista en y entre los grupos. Aplicado a los trabajos de Ortner, este enfoque le permite visibilizar que “lo judío” no es solamente una categoría étnica y religiosa sino también de clase. Esto vuelve necesario deconstruir el discurso mostrando que el carácter oculto de la clase funciona en dos niveles: en el nivel del discurso público y en el nivel de las identidades y prácticas de los agentes.
En el capítulo IV, Generación X. La antropología en un mundo saturado de medios de comunicación, Ortner examina la conexión entre cultura pública y etnografía en los Estados Unidos, desde un estudio etnográfico sobre la Generación X. Uno de los grupos que Ortner estudia está integrado por sus compañeros de colegio secundario y, fundamentalmente, por los hijos de estos, nacidos en la década del 60 o a principios de la década del 70. La identidad de este grupo se funda a través de expectativas, representaciones y posiciones sobre el trabajo, empleo, dinero y carrera profesional. De tal modo, según las presentaciones de la cultura pública, la descripción etnográfica, los relatos y un marco teórico definido, Ortner explica cómo los sentimientos, percepciones y pensamientos se configuran (con relativa autonomía) dentro de las adscripciones sociales como la raza y la clase. El capítulo involucra un proceso complejo de doble objetivación en la tarea antropológica por medio del cual la autora analiza las condiciones de posibilidad históricas de las prácticas, investiga sobre las posiciones, estrategias, trayectorias, expectativas y sentimientos de la Generación X, y tensiona sus propias prenociones.
En el capítulo V, Subjetividad y Crítica Cultural, se estudia la noción de subjetividad para una antropología crítica. La autora realiza un recuento de los debates en la teoría social y cultural a lo largo del siglo XX en torno al lugar del ser social, según se lo defina como persona, sujeto, actor o agente. Se detiene en la obra de Bourdieu, Sahlins, Giddens y Sewell, pues todos ellos ponen al sujeto en el centro de la teoría social sin rehabilitar el universalismo del hombre. Mientras los dos primeros acentúan los procesos de internalización de las estructuras sociales que circunscriben opciones y límites para la acción, los otros hacen hincapié en el conocimiento social de los sujetos. Preocupada por la configuración cultural de la subjetividad, Ortner reflexiona sobre formas sutiles de poder que saturan la vida cotidiana posmoderna mediante experiencias temporales, espaciales y laborales, tomando principalmente la obra de Jameson. Ortner critica, en parte, estas ideas ya que la posmodernidad aparece como una estructura en abstracto, que no se vincula con ninguna experiencia situada. En contraposición, concebir la experiencia como proceso social vivido dentro de formaciones culturales y sociales, le permite rescatar la complejidad de la subjetividad en todos los contextos. Las subjetividades son complejas porque involucran un estado particular de las conciencias que regula la relación del yo con el mundo, lo que no imputa necesariamente reflexividad. La tarea antropológica debe explicar y comprender cómo los sujetos viven y significan las condiciones de existencia incluso bajo relaciones de poder, desde una heterogeneidad de prácticas y sentidos.
En el capítulo VI y el último del libro, denominado Poder y proyectos. Reflexiones sobre la agencia, Ortner sintetiza su propuesta teórica nombrada como juegos serios, exponiendo que la vida social se juega activamente desde estados del cuerpo, pensamiento y sentimiento (construidos culturalmente) que integran prácticas de rutina y acciones intencionalizadas. Esta sección recoge diversas claves hermenéuticas, discutiendo con concepciones blandas y fuertes sobre agencia, ubicando entre las primeras a referencias como Bourdieu y entre las segundas a Giddens, y desplegando su propia teoría. Estos juegos serios se ilustran con trabajos etnográficos centrados en la agencia y el género, y, a su vez, son representados en los diversos trabajos que Ortner realiza sobre los sherpas destacando que este grupo étnico conserva y desarrolla prácticas de resistencia e identidad cultural para negociar y lidiar con diferenciales de poder, cuestiones centrales en la obra de Ortner.
SOBRE LAS DISCUSIONES TEÓRICAS
Los ensayos sobre teoría social y trabajos etnográficos que componen este libro demuestran la riqueza conceptual y antropológica de los juegos serios. Estos retoman, interpelan y agrupan discusiones presentes en la teoría de las prácticas. Los juegos serios actualizan, en parte, esta teoría desde tres giros que significan una reinterpretación crítica respecto al poder, la historia y la cultura, en pos de introducir una perspectiva singular sobre la subjetividad y la agencia.
De tal modo, en el giro del poder se recuperan aportes presentes en Williams, Scott, Foucault, Bourdieu y Giddens, mostrando cómo el poder opera en el orden institucional y cultural. Aquí la figura de Williams es central porque mediante su concepto de hegemonía se explica que las estructuras de poder nunca son totales, incluyen relaciones sociales y la conciencia, más o menos reflexiva, que los sujetos tienen sobre ellas. Los sujetos viven, significan, valoran, resuelven, incluso resisten, las lógicas de poder en las que se desarrollan sus prácticas.
Este giro complejiza así la noción de cultura, tomando la idea de Geertz acerca de que las culturas son significados, símbolos, textos y prácticas, compartidos en grupos, que ajustan la representación del mundo. Retomando a Williams, Ortner agrega la perspectiva marxista sobre hegemonía habilitando la crítica cultural en torno al poder, la desigualdad y la mercantilización. La cultura es límite y presión, es reproducción y producción de prácticas, representaciones, emociones, pensamientos. La cultura es situada, móvil y contradictoria. En suma, la cultura es condición de producción material y simbólica de subjetividades, es intersección entre poder y sentido. Bajo estas formaciones culturales y sociales los sujetos producen y organizan sus vidas desde percepciones, expectativas, deseos, sentimientos, pensamientos. Esto es, intencionalidades y proyectos (reflexivos, ocultos o disposicionales) que están condicionados por entramados de poder, aunque en ocasiones los interpelan, y en todo caso, el poder nunca anula la agencia como red de relaciones, capacidades, intenciones, según las cuales los sujetos imprimen una dirección a sus prácticas.
El giro histórico advierte la temporalidad de las prácticas desde una mirada marxista: las prácticas afectan el curso de la historia, así como la historia condiciona, pero no determina, el curso de las prácticas. Finalmente, el giro de la cultura, inspirado en Geertz y Williams, retoma los anteriores y es el centro de los juegos serios.
Ortner elabora, desde los anteriores giros, su propuesta teórica-metodológica denominada juegos serios, cuya perspectiva distingue dos caras dentro de la estructura elemental de la agencia: agencia de los proyectos y agencia del poder. Esta distinción analítica le posibilita a Ortner no perder de vista la capacidad de los sujetos de desear, formar intenciones, coordinar acciones con otros y actuar de manera creativa, incluso en relaciones de subordinación. Ambas dimensiones de la estructura elemental de la agencia se unen porque los objetivos que la agencia delimita siempre están construidos en una matriz de desigualdades locales y de diferencias de poder. La intencionalidad de la práctica puede ser explícita, oculta (retomando los aportes de Scott) o disposicional; Ortner menciona asimismo las consecuencias no intencionadas de la acción.
La teoría de los juegos serios emerge, en parte, del diálogo con la teoría de Bourdieu que se centra en el carácter disposicional de las prácticas. Para Ortner los sujetos conservan la agencia en cualquiera de sus dos modalidades: resistiendo a la dominación o tratando de sustentar sus propios proyectos en los márgenes del poder. Estas prácticas se pueden sostener, según la autora, de modo reflexivo o desde el cuestionamiento abierto y, a diferencia de Bourdieu, esta posibilidad no sólo se reserva para los agentes desclasados o mejor posicionados en la estructura de dominación.
Además de las reflexiones teóricas, Ortner analiza aspectos metodológicos. Concretamente, cuando la etnografía se conecta con lo teórico se genera el pasaje de la densidad en la descripción a la importancia de la contextualización de los procesos. Esta discusión sobre el lugar de la teoría en antropología no es una tarea saldada, y en este sentido Ortner es concisa: la explicación y comprensión de lo social no se desprende directamente de los sujetos, depende de un marco teórico-metodológico.
SOBRE NUESTRA LECTURA DEL LIBRO
A pesar de los aportes que significa la estructura elemental de la agencia en los juegos serios, creemos que sigue pendiente el debate en torno a las dimensiones de conciencia y disposición, respectivamente, en el marco de la explicación de las prácticas sociales. Nos preguntamos si la disposición es naturalización del orden social y, en ese sentido, qué lugar le queda a la crítica, cómo ir detrás de la agencia sin desplegar análisis que la asuman como un dato dado. Cuando Ortner conceptualiza a la agencia como intencionalidad explícita u oculta (pero siempre consciente), soslaya, en parte, lo disposicional de la acción. Este énfasis teórico se aleja, de algún modo, de la evidencia de muchos de sus trabajos de campo en la medida en que dan cuenta de la capacidad de agencia de los sujetos según estrategias que desarrollan dentro de los límites de las imposiciones estructurales. Consideramos que es precisamente desde ese conocimiento dóxico que se comprende cómo los sujetos conocen y reconocen visiones y divisiones del mundo y cómo esto, en ocasiones, puede ser activado o reformulado para habilitar prácticas de negociación en la relación de dominación-dependencia, sin necesariamente involucrar procesos de reflexividad.
En definitiva, este libro tiene la potencialidad de renovar el interrogante sobre cómo los sujetos viven, significan, resuelven sus condiciones de existencia con cierta autonomía relativa de las relaciones de poder. Desde nuestra perspectiva, Ortner muestra con profundidad etnográfica en sus trabajos de campo y con claridad teórica en sus relecturas sobre la teoría de las prácticas cómo los sujetos son culturalmente variables y subjetivamente complejos.
Notas
1. Cabe aclarar que esta reseña fue elaborada colectivamente y en proporciones equivalentes. El orden de la autoría se fundamenta en respetar el criterio de la revista en torno a reconocer en primera instancia a graduados recientes.
Rocío Fatyass – *CONICET-CEPIA-UNVM. Maipú 528, (5900), Villa María, Córdoba, Argentina. Rocío Fatyass egresó de la Licenciatura en Sociología de la Universidad Nacional de Villa María en el 2015. Actualmente cursa un doctorado en Ciencias Sociales (UNVM). Es becaria doctoral del CONICET y sus trabajos de investigación refieren a experiencias de infancias de sectores populares en Villa María (Córdoba). En este marco la presente publicación se inscribe en las preocupaciones teóricas-metodológicas del tema de investigación respecto al poder y la agencia. Dirección de contacto: rofatyass@hotmail.com
Laura Frasco Zuker – CONICET-UNSAM, Av. Pres. Roque Sáenz Peña 832, (C1035AAQ), Capital Federal, Argentina. Laura Frasco Zuker es egresada de la carrera de Ciencias Antropológicas de la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires. Este trabajo forma parte de su investigación doctoral en curso. Actualmente es becaria doctoral de CONICET, investigando temas de experiencias de trabajo infantil en el noreste de Argentina. Dirección de contacto: laurefz@gmail.com
[IF]
Poderes, Instituições e Redes Políticas na América Portuguesa / Crítica Histórica / 2017
Para alguns indivíduos, o período colonial ficou no passado, momento em que D. João VI retornava ao reino lusitano e possibilitava que seu rebento, D. Pedro I, aliado com as elites fluminenses, concretizava a emancipação política em 1822. De lá para cá o Brasil vivenciou duas monarquias, algumas ditaduras, curtos momentos de democracia, tentativas e concretudes de golpes políticos e experiências presidencialistas catastróficas. E o passado? Sempre assombrando o presente… seja para relembrar que nada mudou ou para rememorar aquilo que não se concretizou. Alguns exemplos…
Segundo Bárbara Libório e Tai Nalon, os estabelecimentos que em pleno século XXI ainda usam o trabalho escravo são perenes. De acordo com os jornalistas, no ano de 2015, houve uma investigação em 257 empresas através de 143 ações policiais de fiscalização contra o trabalho escravo, culminando em uma identificação de 1.010 indivíduos que poderiam ser enquadrados nas características desse tipo de utilização de mão de obra1. Para combater tal condição, a PEC 438 trazia uma perseguição rígida àqueles que ainda usavam deste tipo de prática, culminando, inclusive, na expropriação das terras que seriam destinadas a programas sociais.
Ainda que tal emenda não saísse do papel, em pleno 2017, o governo do presidente Michel Temer surpreendeu a todos, causando uma espécie de motim nas redes sociais, pois visando agradar a banca ruralista no senado, alterou as regras de fiscalização do trabalho escravo que restringia esta classificação como resultado das limitações de locomoção dos trabalhos e não às práticas de trabalhos extenuantes e sem remuneração adequada. Além disso, impedia a divulgação pública dos estabelecimentos desse tipo de prática e obrigava que a fiscalização só poderia ser feita com a intervenção policial. Diante das críticas e manifestações sociais que eclodiram em diversos espaços virtuais, o governo teve que recuar da medida, acatando o que havia sido determinado em outros expedientes judiciais.
Como se não bastasse, algum tempo depois, a juíza Luislinda Valois, Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e ex-ministra dos Direitos Humanos do mesmo governo em tela, protocolava um pedido ao governo federal para incorporação da gratificação à sua aposentaria enquanto magistrada dos valores adquiridos como ministra do governo, somando a importância de R$ 62 mil reais mensais, muito além do teto permitido pelo INSS. Como justificativa, comparava as suas condições de trabalho análogas à escravidão, tendo em vista que os já R$ 31 mil reais de aposentadoria que recebia não a permitiam sobreviver com dignidade. Tal postura levou a uma crítica sagaz de todo jornalismo brasileiro e mídias sociais, corroborando com notas de repúdio de várias comunidades do movimento negro brasileiro repudiando a postura da magistrada que além de “afrontar a dignidade da população negra, a posição da ministra é um atestado cabal da falta de compromisso com o combate ao racismo e com verdadeira cidadania de negros e negras” [2].
Esses casos, como tantos outros envolvendo a perseguição à grupos LGBT, intolerância religiosa, restrições à política de aborto, sem falar nos casos envolvendo alianças políticas, formação de redes de poder e perfeita sincronia entre os poderes legislativo, judiciário e executivo, apontam para uma longa duração dos aspectos do mundo colonial na sociedade brasileira contemporânea. As práxis coloniais nunca estiveram tão presentes nas rodas de discussão, conversas de bar, panfletagem nas redes sociais e no cotidiano do brasileiro. Para os alagoanos e pernambucanos, especialmente 2017, viu-se emergir a rememoração dos efeitos e uma análise do que poderia ter sido a insurreição de 1817. O bicentenário do movimento republicano da elite pernambucana de 1817, insatisfeitas com o modelo agrário e excludente do governo português joanino, se para os moradores no atual Estado de Alagoas representou as possibilidades de se emancipar frente à égide do governo da Capitania de Pernambuco [3] e dar existência a um conjunto de identidades em constante metamorfose dicotômica à elite que a dominava; para os pernambucanos era a uma tentativa de protagonismo no cenário político colonial, mas sufocado por uma violenta repressão e novas posturas político-econômicas de D. João VI para as antigas “Capitanias do Norte” [4].
E o mundo colonial mais uma vez vinha à lume no debate social… Emancipação por traição? Os pernambucanos queriam um federalismo para quem? A comarca das Alagoas já tinha condições de autonomia? Os impeditivos impostos à elite da antiga donataria de Duarte Coelho não foram excessivos? Questões que não se esgotam em eventos, documentos e reflexões…
Em contrapartida, entre os historiadores, aqueles que sempre tem o papel de lembrar do passado, segundo muitos teóricos da área e a população em geral, a América Portuguesa, como assim prefiro chamar, nunca saiu de cena. Sempre esteve ali, no dia a dia dos brasileiros a partir das dificuldades sofridas pela população de cor em conquistas de direitos sociais, nas coerções exercidas pelas religiões católicas e protestantes condenando práticas e comportamentos sociais, ou pelas alianças políticas de vereadores, deputados e todas as classes de políticos que sempre buscam vilipendiar a massa populacional. A coroa portuguesa, no sentido coletivo mesmo, só se transferia de lugar ao longo dos modelos políticos, e ganhava vários indivíduos em busca da consolidação do poder e saque dos recursos econômicos produzidos por aqueles que constroem o país.
A historiografia colonial tentou explicar tais fenômenos, essencialmente políticos, Antigo Sistema Colonial [5], Modo de Produção Escravista Colonial [6], Antigo Regime nos Trópicos [7], Monarquia Pluricontinental [8] e, mais recentemente, Um Reino e suas Repúblicas [9]! Vários conceitos para uma só dinâmica. Mas na essência duas questões se sobressaem: de um lado, as tentativas de controle desenfreado pela monarquia portuguesa sobre seus espaços americanos, visando não só a sua consolidação político-econômica no cenário moderno europeu ainda que demonstrasse uma imensa dependência financeira destes mesmos espaços, diferentemente do que ocorreu com suas congêneres monarquias; e por outro lado, as manifestações locais e do cotidiano dos moradores separados por um oceano vastíssimo e que permitia, por conta da inexistência da presença física deste mesmo monarca, em experimentar condições de autonomia, liberalidade e sobrevivências fluídas, complexas, dinâmicas e não encarceradas em um único modelo, mas variáveis nas diferentes espacialidades, temporalidades e das necessidades dos diversos grupos nele cotejados.
Essas duas características foram perfeitamente costuradas por outras duas condições indeléveis e essenciais para a construção do poder: a escravidão e o catolicismo. O modelo religioso imposto pela monarquia portuguesa solidificou costumes e construiu práticas comportamentais que reforçassem o poder régio, não no aspecto centralizador, como muito se pensou, mas em um domínio imaginário, num corpo presente ainda que ausente, condição chamada por Ernst Kantorowicz de corpus mysticum [10]. E, por mais incrível que possa parecer, a escravidão, onipresente em todos os ambientes daquela sociedade, não entrava em choque com tais questões. Como bem frisou Stuart Schwartz, antes de mais nada esta era uma Sociedade Mercantil Escravista [11], tendo em vista a utilização deste tipo de mão de obra ser a grande responsável pelas estratificações sociais, pelo desenvolvimento das condições econômicas, pela classificação de distinções sociais e, acima de tudo, pela demarcação de diferença entre uns e outros.
Dependência econômica, criatividade das gentes, escravidão e catolicismo. Quatro elementos presentes no continuum brasílico do Quinhentos aos tempos atuais… É o mundo colonial no presente ou presente no mundo colonial? Causando-nos uma estranha sensação de nunca termos saído dessa condição… e saímos?
Enfim, o presente dossiê “Poderes, Instituições e Redes Políticas na América Portuguesa” buscou aprofundar este debate, onde o poder, as suas instituições e seus agentes passam a ser compreendidos na imbricada malha escravista, nas necessidades econômicas dos seres, nas determinações eclesiásticas e nas visões de mundo apreendidas pelos homens que cruzaram o Atlântico. Mas do que delegadas pelas composições políticas e institucionais do reino, nas conquistas as especificidades locais e a natureza enraizada dos personagens (colonos e agentes) forjaram peculiaridades de poder, malhas administrativas e estruturas de justiça própria, adaptadas à ordem e aos interesses daqueles que conduziam o cotidiano colonial em prol da manutenção do poder, soberania e autoridade régia. São essas questões que interessam e ajudam a compreender uma outra experiência, mais dinâmica, complexa e permeadas de vicissitudes e particulares.
O dossiê consta de cinco artigos e mais uma análise documental. Hugo André Flores Fernandes Araújo em O aprimoramento da governabilidade no Estado do Brasil durante a segunda metade do século XVII: regimentos, jurisdições e poderes se debruça na análise sobre o principal centro administrativo e político na América portuguesa até a segunda metade do Século XVIII. Sua compreensão é de um Estado do Brasil marcado por sobreposição de poderes que tinham a necessidade constante de aprimoramento de jurisdição. Com uma conquista ainda em consolidação, o governo lusitano através de seus agentes buscava uma gestão dos espaços muitas vezes marcados pela fragmentação e outros centros interligados. Por fim, o texto também vislumbra as mudanças administrativas implementadas após expulsão dos batavos e a instituição do Conselho Ultramarino, bem como os receios no que tange a criação da Repartição Sul e o provimento de ofícios regulados por agentes monárquicos.
Fabiano Vilaça dos Santos em Governadores e capitães-generais do Estado do Maranhão e Grão-Pará e do Estado do Grão-Pará e Maranhão (1702 a 1780): trajetórias comparadas se envereda por um outro domínio português no Atlântico, o Extremo Norte. Muitas vezes compreendido como autônomo e com suas particularidades, o Estado do Maranhão e Grão Pará constitui-se como uma peça chave na política colonial portuguesa, sendo assim, o autor investiga os perfis sociais e as carreiras dos Governadores encaminhados para representar o monarca em grande parte do século XVIII. Homens solteiros, naturais de Lisboa, alguns familiares do Santo Ofício, formados em Coimbra, militares e com uma vasta relação social com indivíduos entre os mares. O autor percebe a ilha da Madeira como um lugar de passagem anterior destes agentes e uma grande circularidade destes governadores por outros espaços de poder. Na prática, ainda que com perfis parecidos, o autor apresenta as diferenças entre os ministros régios na primeira e na segunda metade do século XVIII.
Mônica da Silva Ribeiro em Trajetórias Administrativas da Capitania do Rio de Janeiro (1710-1763) analisa alguns personagens encaminhados para o Rio de Janeiro antes da instituição do lugar como o novo eixo político econômico da América Portuguesa, ainda que na prática, após as descobertas dos veios de ouro nas Capitanias das Minas, a localidade já havia se tornado a principal praça das conquistas lusitanas. A compreensão do perfil dos ministros do rei em seus domínios americanos auxilia na apreensão do modelo de colonização escolhidos pela monarquia portuguesa, bem como identifica como a estrutura administrativa se moldava às conjunturas e às necessidades dos modos de governar da coroa lusitana.
Nara Maria de Paula Tinoco em Gabriel Fernandes Aleixo: Trajetória e Ascensão nas Minas Gerais (1720-1757) insere-se no debate historiográfico sobre trajetórias administrativas que investiga o caminho percorrido entre São Paulo, Santos e Minas Gerais de um agente régio. Seu personagem, que pleiteou a habilitação da ordem de Cristo, foi escrivão da Ouvidoria de Vila Rica de Ouro Preto, sendo um indivíduo importante na região por gerenciar contratos, dízimos, pagamentos de soldos e controle de terras. As trajetórias administrativas, com verniz de história social, possibilitam um descortinar dos homens que buscavam todos os meios para se solidificar na sociedade colonial.
Anne Karolline Campos Mendonça em As Facetas Jurídicas de um Homem Subalternizado. Alagoas Colonial, 1755 se debruçou sobre a justiça na Comarca das Alagoas em meados no século XVIII. Partindo do conceito de negociação, a autora identifica os limites e as restrições do aparelho judicial moderno, através do caso de Lázaro Coelho de Eça. Tal personagem imbricado em uma rede de relações de força, de ideologia de gratidão, recompensa de serventias e fundamentação dos direitos de conquista, visa através da justiça remediar sua condição. Sua história permite identificar a trajetória de alguns grupos “inferiores” na sociedade colonial e sua relação com a justiça, tendo em vista de remeter aos grupos de índios da aldeia de Urucu (Alagoas do Norte) e abrir o debate sobre o “estatuto de cor” naquela sociedade.
Por fim, Alex Rolim Machado na seção Documentação traz à lume Cinco Documentos para a História das Alagoas – Contribuição para os Estudos Demográficos, Econômicos, Geográficos e Administrativos, 1749-1814 uma análise de alguns conjuntos primários imprescindíveis para se pensar Alagoas enquanto região subordinada à Capitania de Pernambuco. Tais conjuntos são 1) a Informação Geral da Capitania de Pernambuco; 2) a ordem do Governador e Capitão General Luiz Diogo Lobo da Silva em seu último ano de Governo (1756-1763); 3) os ofícios de Justiça e Fazenda de várias Capitanias, Comarcas e Vilas do Brasil Colonial, feito em 1767, a pedido do Marquês de Lavradio, na Bahia; 4) a Ideia da População da Capitania de Pernambuco; e 5) as Notas Corográficas sobre a Comarca das Alagoas em 1814. Os documentos auxiliam no preenchimento de lacunas interpretativas sobre a parte sul da Capitania de Pernambuco, bem como os moradores se relacionaram com sua sede e com o centro administrativo e político português.
Enfim, é um conjunto de artigos e fontes que possibilitam ao historiador – e a qualquer indivíduo – entender mais do que as permanências e rupturas do mundo colonial nos tempos contemporâneos, mas acima de tudo, compreender a complexidade daquelas centúrias bem como as particularidades que marcavam cada uma das conquistas – do Maranhão às Minas Gerais. Os textos são costurados pelo viés da História Política e História Social da Administração que entendem a imbricação das questões econômicas, mentais, sociais e religiosas para compor o mundo político. Quem sabe assim, podemos melhor analisar as condições que vivenciamos na atualidade e buscamos alternativas outras para mudanças de status quo atual. Boa leitura.
Comarca das Alagoas, Massayó, novembro / 2017
Notas
1. LIBÓRIO, Bárbara & NALON, Tai. “Sem Regulação, PEC do Trabalho Escravo está Parada há 2 anos no Senado”, 13 / 05 / 2015. Disponível em Acessado em 28 nov 2017 às 7h04min.
2. Congresso em Foco. “Ministra que Comparou Salário de R$ 31 mil a trabalho escravo não representa os negros, diz movimento”, 04 / 11 / 2017. Disponível em acessado em 28 nov 2017 às 7h40min.
3. COSTA, Craveiro. A Emancipação Política das Alagoas. Maceió: Secretaria de Estado dos Negócios de Educação e Cultura, 1967; BRANDÃO, Moreno. O Centenário da Emancipação de Alagoas. Maceió: Catavento, 2004; CAVALCANTI, Rosiane Rodrigues. Bicentenário em Prosa: 200 anos de Alagoas. Maceió: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2017.
4. MELLO, Evaldo Cabral de. A Outra Independência – O Federalismo Pernambucano de 1817 a 1824. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004; MOURÃO, Gonçalo de Mello. A Revolução de 1817 e a História do Brasil. Belo Horizonte, 1996; BUYERS, Ann Marie. “Em Defesa da Honra: a Emancipação de Alagoas no Imaginário Institucional” In: Crítica Histórica. Maceió: Centro de Pesquisa e Documentação Histórica, Volume 1, Nº 2, jul-dez, 2010.
5. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Publifolha, 2000; NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 2005.
6. CARDOSO, Ciro Flamarion. “Sobre los modos de Produción Colonial en America” In: SANTIGO, Théo (Org.) America Colonial: Ensaios. Rio de Janeiro, 1975.
7. BICALHO, Maria Fernanda Baptista; FRAGOSO, João; & GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
8. FRAGOSO, João e SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de (Orgs.). Monarquia Pluricontinental e a Governança da Terra no Ultramar Atlântico Luso. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012.
9. FRAGOSO, João e MONTEIRO, Nuno Gonçalo (Orgs.) Um Reino e Suas Repúblicas no Atlântico: Comunicações Políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos Séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
10. KANTOROWICZ, Ernst. Os Dois Corpos do Rei – Um Estudo sobre a Teologia Política Medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
11. SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos – Engenhos e Escravos na Sociedade Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
Antonio Filipe Pereira Caetano – Professor Associado 1 – Universidade Federal de Alagoas Coordenador Grupo de Estudos América Colonial – GEAC
CAETANO, Antonio Filipe Pereira. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 8, n. 16, dezembro, 2017. Acessar publicação original [DR]
Rússia revolucionária: repercussões, inspirações, ressonâncias e atualidade / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2017
Com a aproximação do centenário das revoluções russas de fevereiro e de outubro de 1917, multiplicaram-se as iniciativas acadêmicas e editoriais voltadas para a reflexão sobre seu lugar histórico (em especial, sobre o lugar ocupado pela revolução que marcou a vitória do projeto bolchevique). A magnitude daquele processo revolucionário forçosamente desencadeou, desde sua eclosão, análises e balanços, tanto positivos como negativos, de variados matizes. Mas constata-se que, em 2017, a distância temporal e, sobretudo, os desdobramentos pós-1989, esfriaram o calor apaixonado que marcou o debate sobre o movimento responsável por levar um país predominante agrário ao topo do socialismo internacional, convertendo-o em referência central, para o bem ou para o mal, de todo movimento de esquerda, em escala planetária. Outubro de 1917 desalojou a Comuna de Paris do posto de inspiração revolucionária fundamental para as esquerdas, em nível internacional; nas décadas seguintes, os olhares fervorosos daqueles que desejavam “assaltar os céus” voltaram-se para o leste. Pois ali forjava-se um “novo mundo” e emergiam práticas sociais inusitadas, novas tramas de sociabilidade, uma nova linguagem – enfim, um novo homem e uma nova mulher, para um futuro solidário de igualdade social, econômica e política. “Ouvir a música da revolução”, aconselhou o poeta Aleksandr Blok, sugerindo tratar-se de muitos timbres e vozes. Os desafios eram imensos. As possibilidades, ainda maiores…
Passados cem anos, muitos se lançam a apontar acertos e a repartir equívocos por vários ombros, mas principalmente a humanizar personagens e processos, compreendendo-os na contingência da ação. Num certo sentido, um século pode parecer tempo suficiente para se repensar um fenômeno histórico tão marcante. Todavia, não é a distância temporal que nos garante a escolha dos pontos “certos” de observação. Como indicou Walter Benjamim, em uma de suas teses sobre o conceito de História: “Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo.”
Mais do que simplesmente realizar o registro de uma efeméride, o dossiê Rússia revolucionária: repercussões, inspirações, ressonâncias e atualidade, ao ser proposto, pretendeu, de um lado, estimular pesquisadores do campo da História e de áreas afins a se debruçar sobre a história e as memórias dos projetos revolucionários que se espraiaram pela Rússia de 1917 e a partir dela; de outro lado, debater o papel cumprido pela derrubada do regime czarista e pela tomada do poder pelos bolcheviques no imaginário e nas lutas dos movimentos sociais de vários países, ao longo de cem anos. Quais os sentidos daquele momento histórico em um presente fortemente atravessado por intolerâncias, exclusões, discriminações e ódios de classe, de gênero, étnicos e religiosos? Qual o significado do processo revolucionário russo de 1917, na atualidade, para a configuração do pensamento de esquerda e, mesmo, de direita? Ele ainda pode atuar como motor das utopias de transformação social? Ou, como parte da esquerda sugere, seria necessário esquecê-lo e superá-lo, para tornar possível a reconstrução da utopia de uma sociedade justa e igualitária?
A Rússia revolucionária que problematizamos hoje é aquela que ainda pode dizer algo sobre o nosso tempo, sobre nós mesmos e nossos dilemas. Nesse sentido, o dossiê tem a Revolução Russa como referência, mas certamente vista de um país periférico, do sul do mundo, neste ano da graça de 2017 que nos coloca frente às angústias, incertezas e ambiguidades de um novo golpe contra a democracia, gerador, em curto período, de um retrocesso de décadas. Talvez seja essa a chave que torne particularmente importante, atual e necessária, a leitura dos artigos e resenhas do dossiê.
No artigo Rastros do Realismo Socialista na América: trajetórias e conflitos na primeira metade do século XX, Tiago da Silva Coelho foca nossa atenção no papel social da arte, ao dar destaque para os debates latino-americanos e os desdobramentos do realismo socialista no muralismo mexicano, nos trabalhos de Diego Rivera, David Siqueiros e José Orozco, bem como na obra do brasileiro Candido Portinari.
Os ventos do leste movem moinhos: o impulso revolucionário de 1917 na criação do PCB, artigo de Rodrigo Lima, problematiza as influências da Revolução de Outubro de 1917 no contexto histórico latino-americano e no brasileiro, em especial, tornando-se o impulso decisivo para a criação do PCB em 1922. Caso único na história da criação de partidos comunistas, o PCB originou-se não de um agrupamento de socialistas de esquerda insatisfeitos com suas políticas de conciliação, mas das insuficiências que foram vislumbradas no anarquismo, incapaz de manter, pela força das leis, as conquistas obtidas com uma sofisticada rede de solidariedade e organização.
O artigo Fascínio e desencanto: apontamentos acerca de uma narrativa de viagem à URSS, de Edison Lucas Fabrício, nos leva a refletir acerca da relação entre viagem, memória e narrativa, com base no livro Lágrimas na chuva – uma aventura na URSS, de Sérgio Faraco. Embora a experiência de viagem tenha ocorrido na década de 1960, o relato de Faraco foi publicado primeiramente apenas em 2002, na forma de capítulos, na imprensa no Rio Grande do Sul. Essa distância temporal deveu-se à prisão do autor, em 1965, e aos “anos de chumbo”, que tornavam no mínimo imprudente quem se aventurasse a um relato como esse, que tece considerações sobre o cotidiano da União Soviética, em meados da década de 1960, e sobre as relações estabelecidas com os militantes do Partido Comunista Brasileiro (partido ao qual Faraco se filiou quando residia no município catarinense de Blumenau).
Três resenhas dialogam fortemente com os artigos do dossiê, referindo-se a publicações feitas no Brasil, em 2017, que sintomaticamente dão ênfase à divulgação de materiais produzidos na Rússia revolucionária, na sua maior parte até então inéditos em português. Fabrício Leal de Souza comenta a coletânea organizada por Daniel Aarão Reis Filho, Manifestos vermelhos e outros textos históricos da Revolução Russa; Jorge Luiz Zaluski apresenta o livro A revolução das mulheres: emancipação feminina na Rússia soviética – artigos, atas, panfletos, ensaios, organizado por Graziela Schneider Urso; Camila Zucon Ramos de Siqueira e Frederico Alves Lopes tratam do livro A construção da Pedagogia Socialista: escritos selecionados, com textos de Nadezhda Krupskaya. Livros que agregam novos elementos às reflexões sobre o marco revolucionário de 1917, também elas centenárias.
Além dos textos e resenhas que compõem o Dossiê, neste número trazemos os artigos: A regeneração, pela ordem, contra a anarquia: o léxico político da criação da província Cisplatina (1821-1823), cujo autor é Murillo Dias Winter; História ambiental da Capitania de Goiás: mineração e transformação agroecológica da terra (1726-1822), por Fabíula Sevilha; Notas sobre a história ambiental e sua trajetória na Itália, escrito por Gil Karlo Ferri e José Carlos Radin; Breve análise de requerimentos de compra de terras devolutas do termo de Lages: interface entre história política e história agrária, por Flávia Paula Darossi.
Vpered! – em russo, avante! Boa leitura!
Adriano Luiz Duarte (UFSC)
Janice Gonçalves (UDESC)
DUARTE, Adriano Luiz; GONÇALVES, Janice. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.30, 2017. Acessar publicação original [DR]
Presença dos anos 1980: esperanças, nostalgias e historiografia / Anos 90 / 2017
Organizar o dossiê “Presença dos anos 1980: esperanças, nostalgias e historiografia” representou um desafio ao demandar a articulação da leitura acadêmica e das experiências e vivências de cada um de nós. Período ainda negligenciado pela historiografia, a década tem sido revisitada no âmbito público a partir de questionamentos sobre continuidades e rupturas, sobre sua atualidade e seus legados, em suas manifestações culturais, estéticas, políticas e religiosas. Pensamos o dossiê como uma possibilidade de encontrar respostas historiográficas ao “retorno” dos / aos 1980, como uma vivência utópica ou nostálgica e, ainda, como encontrar outras leituras sobre aqueles anos, leituras estas realizadas majoritariamente a partir do âmbito político.
Susan Sontag, ao avaliar seu livro Contra a interpretação (1966) mais de trinta anos após o lançamento, produzia um diagnóstico sobre aquela década: “Como tudo isso [os anos 1960] parece maravilhoso em retrospectiva. Como se deseja que algo de sua coragem, seu otimismo, seu desdém pelo comércio tivesse sobrevivido. Os dois polos do sentimento distintamente moderno são a nostalgia e a utopia. Talvez a característica mais interessante do que hoje chamamos de anos sessenta seja a parca existência da nostalgia. Nesse sentido, aquele foi de fato um momento utópico.”1
Impressão retrospectiva escrita após o que convencionalmente seria “o tempo de uma geração”, se é possível entender os anos 1960 como momento verdadeiramente utópico, ou, pelo menos, mais utópico que nostálgico, é preciso reconhecer que estas reflexões de Sontag nos anos 1990 são permeadas por certa nostalgia. A partir da ideia de uma oscilação entre nostalgia e utopia é que, enquanto organizadores, nos questionamos: o que nós e nossos colegas teríamos a dizer sobre os anos 1980, anos de experiência vivida e objeto de pesquisa? Teriam sido um tempo perdido?
Uma resposta à pergunta seria o impulso de reviver os anos 1980. Acompanhando a cultura nostálgica própria de nosso tempo, há pouco assistimos ao revival da cultura pop dos anos 1980 no que virou um fenômeno de classe média como as Festas Ploc. E desses fenômenos espontâneos surgiu um movimento da indústria cultural que reviveu bandas e personagens que marcaram aquele tempo. Não por acaso, portanto, Roger e Lobão, ídolos da transgressão para parte da juventude de então, podem ser alçados atualmente à condição de comentaristas políticos imprescindíveis. Na televisão a cabo, há um canal dedicado a novelas “antigas”, muitas delas produções da década de 1980. Ainda no campo da cultura de massa, internacionalmente, o sucesso de uma série como Stranger Things evidencia que os anos 1980 estão por toda parte, assim como a atenção e atualização de outros tempos que caracterizariam nosso presente como um tempo de expectativas decrescentes ou como momento pós-utópico.
Voltando à pergunta sugerida pela afirmação de Susan Sontag, os anos 1980 teriam sido tempos simultaneamente utópicos e nostálgicos na igual medida? Ou ainda se vivia, no Brasil, plenamente a utopia, dadas as esperanças jogadas no processo de redemocratização que não atingia apenas a política, mas o político entendido, a partir de Rossanvallon, como instância de conformação do social que atravessa diversos momentos e lugares das sociedades modernas? Se admitirmos que parte da narrativa historiográfica ainda preserva a história política como ossatura essencial, pode-se dizer que a história produzida sobre os anos 1980 seguiria a hierarquizar as instâncias e personagens da redemocratização: o fim da ditadura como evento principal e os novos movimentos sociais como seus principais agentes, secundados por novas organizações partidárias que lhe conferiam legitimidade num cenário ainda marcado pelo autoritarismo estatal.
É certo, porém, que já há 10 anos, a tímida, mas importante produção sobre o período torna visível a diversidade daquela década, tornando possível identificar naquela circunstância histórica muitas das pautas políticas contemporâneas: a luta das mulheres por seus direitos e outras questões de gênero, debates sobre a sexualidade, enfrentamento de preconceitos de cunho étnico-raciais e pela população LGBT etc. Nesse sentido, é possível reconhecer a marca utópica que funda a história e a historiografia moderna? Se pensarmos a redemocratização reconstruída pela historiografia atualmente, é possível identificar nesse esforço o compromisso essencial da historiografia com o futuro.
Mas a história hoje não participa também da nostalgia? A reconstrução dos anos 1980 pelos historiadores também não obedece ao impulso nostálgico que toma as relações mais gerais com o passado? Se assim for, é necessário distinguir dois tipos de nostalgia. Um, de caráter restaurador, leva a uma reconstrução pouco crítica de passados idealizados para cumprir fins identitários no presente; outro, que se conceitua como nostalgia reflexiva se caracteriza como um impulso melancólico, toma o gosto pelo passado como ponto de partida para pensar ainda futuros possíveis e abertos2. A historiografia teria, então, aqui um ponto de contato positivo com a cultura nostálgica contemporânea.
Algumas perguntas que nos moveram ao propor essa reflexão receberam respostas provisórias ao longo dos artigos que compõem o dossiê; outras permanecem como interrogantes para seguir retornando ao período e buscando alguma inteligibilidade para o presente: quais as possíveis relações entre a crise sociopolítica iniciada em 2013 e as especificidades de nossa transição da ditadura civil-militar para a democracia? O que permanece do legado autoritário, bem como das lutas e conquistas democráticas experimentadas desde o fim dos 1970? Estamos vivendo o fim da “Nova República”? Quais eram as esperanças e fantasmas desse passado-presente (“anos 1980”)? Quais os legados, as esperanças perdidas, os afetos atuais e inatuais daquele tempo? O que passou e o que não passou dos anos 1980? E, finalmente, como a historiografia responde ao movimento de “retorno” aos anos 1980 que atravessa nossa cultura?
Em 1986, a banda Legião Urbana lançava o álbum Dois. Aquela juventude que nascera sob uma ditadura civil-militar e sob o regime de terrorismo de Estado questionava-se sobre seu tempo e afirmava que não havia sido tempo perdido. As diferentes percepções em relação à década daqueles que a viveram e por outros que gostariam de tê-la vivido permitem que a pergunta seja apresentada e recolocada à produção historiográfica: o que há para ser escrito sobre a história dos anos 1980?
O dossiê é aberto com o artigo “Qual a importância de uma época? Anacronismo e história”, em que o autor, André Fabiano Voigt, teoriza, a partir de Kant, Hegel e Marx, quais as relações que o ser humano estabelece com o tempo e quem possui autoridade para determinar que indivíduos têm uma visão ou compreensão melhor da situação que outros. O artigo nos sugere, então, pensar a qualidade dos anos 1980 como uma época.
“Será que nada vai acontecer? Tempo e melancolia na poética da Legião Urbana”, de Henrique Pinheiro Costa Gaio, além de apresentar uma discussão sobre o rock nacional da década de 1980, analisa a emergência de certa sensibilidade sobre o tempo a partir da poética da Legião, que apresenta uma estética melancólica e afetos localizados entre a esperança e a frustração. Pode-se pensar, a partir dessa leitura, até que ponto a tensão entre expectativa e desilusão não foi uma percepção generalizada sobre a época.
Seguindo o dossiê, temos o artigo “O filme documentário Mauvaise Conduite: memória e direitos humanos em Cuba”, de Isabel Ibarra Cabrera e Rickley Leandro Marques, que apresenta reflexões sobre a relação história e cinema e o uso desse artefato cultural como fonte para o estudo do passado, analisando um filme de caráter documental sobre a violação de direitos humanos durante o período.
O artigo de Alvaro de Oliveira Senra, “CNBB, democracia e participação popular na década de 1980”, apresenta as concepções de democracia e participação popular elaboradas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e demonstra que estas ideias guardavam relação com o pensamento social católico e serviram de base para ação de diversos movimentos sociais. Uma importante contribuição para se pensar quais sentidos de democracia foram derrotados pelas perspectivas liberais que se hegemonizaram no debate político.
Um dos temas negligenciados pela historiografia do período, a Assembleia Nacional Constituinte e a Constituição de 1988 – que completa 30 anos em 2018 –, a despeito da existência e disponibilidade de fontes para a pesquisa, é o tema do artigo de Mayara Paiva Souza e Noé Freire Sandes, intitulado “Entre silêncios e ruídos: a Anistia na Assembleia Constituinte de 1987 / 88”. Os autores analisam os debates sobre a ampliação da anistia durante a Constituinte e os setores que consideravam a discussão perniciosa para a construção da democracia.
Por fim, o dossiê se encerra com a contribuição de Francisco Gouvea de Sousa, “Escritas da história nos anos 1980: um ensaio sobre o horizonte histórico da (re)democratização”, em que o autor, a partir de algumas leituras realizadas em cursos de formação de professores, procura reconstruir o período de transição em diálogo com a história da historiografia e da construção da democracia com a institucionalização da pesquisa histórica no Brasil.
Os artigos reunidos neste dossiê apresentam uma dimensão da miríade de possibilidades de um retorno historiográfico àqueles anos. Desejamos uma boa leitura.
Notas
1. SONTAG, Susan. Against Interpretation and Other Essays. New York: Picador, 2001. p. 311.
2. Sobre essa diferença ver o livro e artigo de Svetlana Boym: BOYM, Svetlana. The future of nostalgia. New York: Basic, 2001 e BOYM, Svetlana. Mal-estar na nostalgia. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 23, p. 153-165, abr. 2017.
Caroline Silveira Bauer – Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail: carolinebauer@gmail.com
Marcelo Santos de Abreu – Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. E-mail: orientacaoufop@gmail.com
Mateus Henrique de Faria Pereira – Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. E-mail: matteuspereira@gmail.com
BAUER, Caroline Silveira; ABREU, Marcelo Santos de; PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Apresentação. Anos 90, Porto Alegre, v. 24, n. 46, dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
História e ética: múltiplas e complexas dimensões de um problema historiográfico / História e Cultura / 2017
Em 2008, o historiador Paulo Knauss publicou um breve e denso artigo intitulado “Uma história para o nosso tempo: historiografia como fato moral”.[3] Neste texto é possível vislumbrarmos, em perspectiva historiográfica, o longo percurso que a dimensão ética da escrita da história guarda desde os seus inícios. Como afirma Knauss, a partir dos estudos de François Hartog, o próprio surgimento desse saber, vinculado ao nome do grego Heródoto, já demarca uma discussão de caráter ético, considerando-se que diferentes culturas, em diferentes tempos e espaços, já possuíam formas e modos diferentes de relacionamento com as representações do passado.
Assim, mesmo a partir da experiência grega, percebe-se que em qualquer escrita da história estão implicadas dimensões de experiências pautadas pela diferença. Os gregos constroem suas histórias pela comparação aos não gregos. O historiador, ao afirmar que faz história, também pretende dizer que participa de uma produção que não é memoria, tradição ou qualquer outro mecanismo ritual de estruturação do tempo e de ações daí advindas. Tal perspectiva pretende enunciar que não há hierarquias entre diferentes histórias: há escolhas.
Nesse horizonte, o lugar comum, comumente repetido, de que a reflexão acerca do conhecimento histórico e sobre o papel social do historiador assume outra conotação, bem mais política e propriamente ética. Da polis grega ao século XXI, a história enfrentou os dilemas que envolvem as relações com o poder. A modernidade apenas exacerbou esse aspecto recorrente ao fazê-la disciplina com pretensões científicas. Do historiador elevado à voz da razão e da verdade, no século XIX ocidental, ingressamos no novo milênio com profissionais perseguidos e acusados de doutrinadores ideológicos, a despeito dos avanços e da reconhecida qualidade da historiografia produzida no Brasil, por exemplo. Como dissemos, antes, e Knauss recorda muito bem, a perseguição aos historiadores não se trata de algo recente. Heródoto e Tucídides, considerados por muitos como “pais da história” foram exilados. A participação no debate público através da escrita tem um preço que exacerba a proposta apresentada no presente dossiê.
Por outro lado, se o poder sempre operou ou contou com o suporte da história, a partir do momento em que o ofício do historiador passou a disputar seu prisma profissional, novos problemas e debates emergiram. Alguns são muito conhecidos (e, apesar disso, ainda muito repetidos): o historiador é capaz de fornecer uma verdade superior ou, no mínimo, diferenciada sobre do passado? Sua produção possui potencial pedagógico necessário e útil à formação do cidadão e da cidadã? A história, como arte ou ciência, permite uma intervenção direta no presente atual? Em maior ou menor medida, tais indagações situam a história e os historiadores em um espaço de ação social e política que merece reflexões mais detidas e particulares no que tange à epistemologia da história e à história da historiografia.
Propusemos, então, converter o tema das relações entre história e ética em um problema historiográfico a ser trabalhado neste dossiê. O próprio texto escrito por Knauss é sintomático. Há, desde aproximadamente a década de 1970, um crescente interesse por tal questão. De exaltados a perseguidos, de donos da verdade que favoreceu os Estados nacionais a críticos da sociedade, os historiadores passaram à autorreflexão. Revisar seus princípios teóricos e metodológicos tornou-se também um gesto ético. Os resultados das pesquisas históricas são obtidos a partir de intensa investigação, mesmo conceito que liga o mundo antigo ao ano de 2017. Entretanto, nem tudo se resume à epistemologia. Esta, em si, possui elementos que interferem em ações práticas, tomadas de decisão tanto no presente como para o futuro.
Os artigos reunidos neste número de Historia & Cultura, não temos dúvidas, fornecem uma espécie de “estado da arte” no que se refere à tentativa de sistematização dessa discussão que, como afirmamos, possui certa inflexão na década de 1970, mas, no começo dos anos 2000, ganha reforço significativo. Seja a partir das relações entre história e filosofia, da análise da autoridade e da responsabilidade dos historiadores em perspectiva historiográfica, de propostas relativas a uma ética própria da história ou de importantes discussões que deslocam a Europa (mais precisamente os homens cristãos europeus) do centro das atenções historiográficas, ficamos muito satisfeitos em oferecer um panorama que pretende, esperamos, colaborar com a construção de uma agenda mais encadeada e pertinente de um tema fundamental ao presente e ao futuro do conhecimento histórico tal como hoje o conhecemos.
Nota
3. KNAUSS, Paulo. Uma história para o nosso tempo: historiografía como fato moral. História Unisinos. Vol. 12, n. 2, maio / agosto, 2008, p. 140-147.
Evandro Santos – Professor Adjunto de Teoria da História no Departamento de História do Centro de Ensino Superior do Seridó da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CERES-UFRN). Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: evansantos.hist@gmail.com
Magno Francisco de Jesus Santos – Professor Adjunto de Ensino de História no Departamento de História e no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
SANTOS, Evandro; SANTOS, Magno Francisco de Jesus. Apresentação. História e Cultura. Franca, v. 6, n. 3, dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
Revista de Economia Política e História Econômica. São Paulo, n.39, dez. 2017.
- Atividade Normativa na OIT e o Direito do Trabalho no Mercosul
- Elísio Pierre Chaves dos Santos
- Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli
- Differential Association and Counterproductive Work Behaviors: Na Empirical Test
- Vinod Kumar Singh
- Naman Sharma
- Swati Pathak
- As Misérias do Capitalismo no Século XXI e a Necessidade Histórica da Revolução
- Cesar Augustus Labre Lemos de Freitas
- Glauber Lopes Xavier
- Rickley Leandro Marques
- O Terremoto Promovido pela Ascensão Pacífica da China
- Fernando Roberto de Freitas Almeida
- Yuri Villalba
- The Economics of Sovereign Default
- Syed Ahmed
- Populismo e Capitalismo Monopolista nos Estados Unidos da América
- Cristiano Addario de Abreu
- Estado de Confiança e Método da Convenção em um Ambiente de Incerteza para Decisões de Investimento na Visão do Sr. Keynes
- André Cutrim Carvalho
- David Ferreira Carvalho
- A Agricultura Brasileira e a sua Internacionalização na Transição do Século
- XX para o XXI
- Tiago Dalla Corte
- A Política Econômica do PRR na Primeira República: as bases regionais do desenvolvimento brasileiro
- Alcides de Camargo Mirabelli
- Ivan Colangelo Salomão
RESENHA: SOARES, António Goucha. Euro: e se a Alemanha sair primeiro? Temas e Debates, Lisboa, 2016.
Euro: e se a Alemanha sair primeiro? | António Goucha Soares
Em sua mais recente obra, António Goucha Soares1, ao longo de seis capítulos, discorre – com linguagem de fácil acesso mesmo aos não iniciados nas discussões de política econômica ou relações do direito internacional – a respeito de temas que tangenciam a História, a Economia e o Direito. Dessa forma torna a narrativa objetiva em seu conteúdo e rica pelas estratégias argumentativas que são empregadas. Com emprego da metodologia da História Social que visa rastrear os agentes e dar nome aos atores protagonistas dos eventos aqui desenrolados, e com o intuito de dar um sentindo humano às ações, não naturalizando os processos, Soares apresenta-se enquanto um fiel defensor da crítica às versões “oficiais” dos acontecimentos históricos. É nesse sentido que se projeta a sua argumentação, visando um deslocamento ou minimamente uma exposição acerca do protagonismo atribuído à Alemanha nos processos de condução à união econômica e monetária à qual os países da Europa Ocidental se submeteram a partir do tratado de Maastricht em 1992. Leia Mais
Ensino de História e Games – dimensões práticas em sala de aula | Marcella Albaine Farias da Costa
“(…) a História do Ensino de História deverá enfrentar, mais cedo ou mais tarde, a história que se aprende independente da escola.” (CERRI: 2007, p.62)
O lúdico e o conhecimento
A epígrafe proposta apresenta aquela que nos parece ser a chave de leitura essencial para compreensão da importância de obras como a de Marcella Albaine para os que discutem/desenvolvem o ensino de História na educação básica. Afinal, se entendemos que o conhecimento histórico, seja ele o acadêmico ou o escolar, tem como um de seus objetivos fundamentais responder às necessidades da vida prática, elas mesmas propulsoras de sua produção, podemos – professores/pesquisadores – nos enclausurar em nossos métodos e certezas (mesmo que provisórias) e abandonar a cultura histórica que se constitui para além dos nossos artigos e livros?
O NÃO da autora soa de forma retumbante e, somado a iniciativas que se apresentam em pesquisas recentes de jovens historiadores, principalmente dedicados ao campo da História Digital e/ou da nova Didática da História, abraçam a possibilidade de aprender com a diversidade da cultura juvenil que chega às escolas e ensinar uma História que, como conhecimento escolar produzido de forma colaborativa e interativa, investiga as necessidades dos alunos como determinantes do processo de aprendizagem. Leia Mais
Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010) | Patrícia R. Silva
Com alguma frequência, ainda em nossos dias, através das mídias: sites, jornais televisionados ou impressos, há menções em torno das disputas sobre o uso do espaço conhecido Manaus Moderna, um local que abrange porto, feiras, lojas das mais diversos artigos, barracas improvisadas de vendedores ambulantes às margens do Rio Negro e suas proximidades, no Centro da cidade de Manaus. O trabalho da professora Patrícia Rodrigues da Silva recentemente publicado, “Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010) [1] ” traz grande contribuição ao desvelar as disputas em torno dos projetos para Manaus desde a década de 1960 até o ano de 2010.
A autora perscrutou o desenvolvimento do “Projeto Manaus Moderna”, que tinha o objetivo de modificar a capital do Amazonas, a partir da efetivação da Zona Franca de Manaus. Silva explica que dentro desse grande projeto de modificação da capital, houve atenção para a adequação do espaço às margens do Rio Negro, com a construção de Avenida Beira Rio – hoje denominada Avenida Lourenço da Silva Braga –, a construção da Feira Coronel Jorge Teixeira conhecida popularmente como a Feira da Manaus Moderna, e passagens de acesso entre a praia e a Avenida. Chama a atenção, pois o Projeto Manaus Moderna se estabelece a partir do caráter higienizador da Prefeitura de Manaus e do Governo do Estado do Amazonas, estes empenhados em dinamizar o transporte de material utilizado no Distrito Industrial que são descarregados na área portuária, e o desenvolvimento do comércio na área central da cidade.
Dentro das projeções do Governo do Estado do Amazonas para a área, as formas como estas adequações vão ganhando expressivas notas – às vezes de maneira ambígua – nos jornais diários da cidade, e nas denúncias e manifestações dos trabalhadores da Manaus Moderna é onde Silva vai delineando os contextos das disputas pelo espaço.
A obra de Silva se insere na concepção da História que, “procura entender o fazer-se dos homens, mulheres, crianças etc., e sua cultura, entendida como todo um modo de vida, ou seja, seus valores, tradições, esperanças, conflitos, perspectivas e práticas sociais [2] ”, como propõe a autora, concepção esta que é inspirada em autores difundidos amplamente durante a década de 1980 nas Universidades brasileiras, como os ingleses Edward Palmer Thompson e Eric Hobsbawm preocupados em uma análise mais profícua em tornos dos sentidos e ações constituídos pelos trabalhadores, ampliando os diálogos das experiências dos sujeitos.
Patrícia Rodrigues da Silva com sensibilidade vai tecendo as análises a partir das narrativas dos trabalhadores da Manaus Moderna, aproximando do administrador da Feira Coronel Jorge Teixeira, professor (ex-camelô), carregadores, lojista, e moradores da região, aí encontra-se uma grande contribuição da autora para a historiografia regional que utiliza as fontes orais como ponto norteador para observar os conflitos, resistências dos trabalhadores mediante a imposição do Projeto Manaus Moderna sem nenhuma consulta pública, impactando a dinâmica do cotidiano de trabalhadores e moradores. A autora por meio das narrativas dos trabalhadores que lhes cederam entrevistas busca compreender os significados desses sujeitos a partir das experiências e memórias, apontando que a busca de significados não se refere a um caráter homogêneo das memórias e experiências construídas pelos sujeitos: “Assim, o sujeito se mostra, ao mesmo tempo, um ser individual e social [3] ”. Dentro dessa compreensão em torno dos significados e experiências dos indivíduos, Silva dialoga com referências importantíssimas das fontes orais e memória como, Alessandro Portelli [4], Michael Pollak [5], Alistair Thomson [6], que carregam em suas obras aspectos de como se forjam as memórias, e como elas estão carregadas de subjetividades, elemento de grande importância para a análise dos historiadores.
As disputas pelas memórias estavam também dentro das Instituições, onde Silva identifica um dos embates entre a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico (SPHAN) que aponta uma série de problemas para a construção da Avenida Beira Rio (Avenida Lourenço da Silva Braga), observando que a mesma traria impactos prejudiciais ao prédio do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, e aos trabalhadores e moradores das proximidades, ponto que o Governo do Estado, como executor do Projeto e a Prefeitura de Manaus elaborador do Projeto não consideraram, pois para estes, as adequações feitas estavam alinhadas com o desenvolvimento urbano e econômico previstos no Projeto. Silva vai mais afundo quando analisa que mesmo que a SPHAN tenha suas justificativas nos embargos feitos à obra, esta deixa a desejar ao buscar o entendimento genérico de Patrimônio, idealizando o histórico a partir das “edificações, o meio físico”, e não inserindo preocupação ao que tange “aos anseios e demandas de moradores e usuários do espaço”. O entendimento de “patrimônio esvaziado” destacada no livro para a SPHAN advém das reflexões que a autora tem a partir da concepção de Nestor García Canclini, no que este chama de tradicionalismo substancialista, onde Canclini critica esta noção de que “patrimônio está constituído por um modo de formas excepcionais, onde não contam as condições de vida e trabalho de quem os produziu [7] ”.
O papel dos jornais no período do Projeto Zona Franca de Manaus é constantemente na obra uma ponta de lança para análise do quanto os jornais como o A Crítica, apoiador do Projeto Zona Franca de Manaus, e de vários projetos que vão se desenvolvendo paralelo às normativas do capitalismo, se atrelando ao discurso do Estado e da elite quanto às modificações da área da Manaus Moderna reforçando o caráter saneador e de desenvolvimento econômico, mesmo que por vezes, aponte os problemas que o projeto vai causando para os trabalhadores e moradores. O Jornal A Crítica em várias notas corrobora os aspectos higienizadores, como atenta Silva para a legenda de uma das fotos do A Crítica, 13 de Agosto de 1980, “consumada a limpeza da escadaria”, em referência a retirada dos comerciantes. O jornal “A Notícia” de circulação diária inaugurado no período da Ditadura Militar expunham em suas páginas a retirada dos moradores da cidade Flutuante, na Escadaria dos Remédios com a seguinte notícia no dia 11 de Agosto de 1980: “Capitania e prefeitura acabam hoje com a “vergonha” da escadaria dos Remédios”.
Destacam-se como referências metodológicas para análises das matérias jornalísticas, as obras da historiadora Heloísa de Faria Cruz, que se direciona a abordar a cultura letrada e o viver urbano, no sentido de que a imprensa é uma “prática social e momento de constituição /instituição dos modos de viver e pensar [8] ” em São Paulo nos fins do século XIX e início do XX. A historiadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro, também é uma grande contribuição para Silva, pois Ugarte coloca a imprensa como possibilidade de aprender “múltiplas dimensões do viver social [9] ”, no Amazonas nos fins do século XIX e início do XX.
Com muito esmero a autora se debruça em analisar as fotografias a partir de referências como Boris Kossoy [10] e Pilippe Dubois [11]. Silva menciona que a fotografia, “sendo uma produção cultural, carrega elementos da subjetividade e requer um trato específico, uma reflexão sobre a natureza e a forma como deve ser tratada dentro do trabalho, como quaisquer fontes que possamos utilizar”. Neste sentido, a obra segue destacando a atenção para as fotografias expostas nos jornais, publicadas na internet, revistas e acervo pessoal de alguns feirantes, e algumas publicadas em livros de memorialistas. Silva denota que as fotografias oriundas da imprensa devem ser “compreendidas como força atuante na configuração e difusão da notícia [12]”, e inspirada em Gisèle Freund [13] – autora que metodologicamente sobre o uso das fotografias dispostas em jornais – aponta que o fotojornalismo funciona a partir de interesses, se convertendo em meio de propaganda e manipulação.
Silva sinaliza que os usos de termos como “limpar” significava o “esvaziamento dos modos de viver e morar naquela espacialidade [14]”. Esses termos eram percebidos pelos entrevistados que apontavam os momentos que foram expulsos os camelôs e feirantes, e as maneiras como eram identificados pelos jornais, autoridades e parte da sociedade manauara como “responsáveis pelas falta de estrutura da feira”, “foco de doenças como a cólera”, articulando um sentido pejorativo para a favela, e “a favela como lugar de não trabalho”. A polícia muitas vezes, como mostra a obra de Silva, vai participar das retiradas de trabalhadores e moradores da área, e novamente, atentos aos modos que são pensados pelas autoridades, tanto os camelôs quanto os feirantes apanhavam da polícia, eram perseguidos e reprimidos com a apreensão de mercadorias – violência que se agravou com a chegada de Arthur Virgílio Neto à Prefeitura de Manaus, em 1989. Em alguns momentos, a “guerra do lugar”, como Silva chama a disputa pela espacialidade se relacionava às demandas dos atacadistas que eram defendidos pelos jornais como grupos importantes ao abastecimento da cidade, sendo defendidos, também, pela Secretaria Municipal de Abastecimentos, Marcados e Feiras – SEMAF [15], que disponibilizava para os atacadistas boxes da feira, quando na verdade, eram destinados aos permissionários, “Lei Municipal n°123, de 25 de novembro de 2004”. As possibilidades encontradas das narrativas dos trabalhadores e moradores da área da Escadaria dos Remédios e da Cidade Flutuante constituíram significados para suas experiências individuais e aquelas que foram compartilhadas socialmente, interpretando as práticas e sentidos que fiscais da feira adotavam com os empresários, compactuando se não com a retirada de uma só vez dos trabalhadores e moradores, aos menos, tinham aprendido a fazer de outras maneiras, como ceder o espaço que daria para três ou quatro permissionários para um empresário. Alessandro Portelli nos direciona à reflexão da importância da subjetividade, da reflexão, e da trajetória que segue a memória do entrevistado,
Pois, não só a filosofia vai implícita nos fatos, mas a motivação para narrar consiste precisamente em expressar o significado da experiência através dos fatos: recordar e contar já é interpretar. A subjetividade, o trabalho através do qual as pessoas constroem e atribuem o significado à própria experiência e à própria identidade, constitui por si mesmo o argumento, o fim mesmo do discurso. Excluir ou exorcizar a subjetividade como se fosse somente uma fastidiosa interferência na objetividade factual do testemunho quer dizer, em última instância, torcer o significado próprio dos fatos narrados [16].
A memória de muitos trabalhadores ficou marcada pela exclusão, pela a perda total ou quase total de suas mercadorias e de seus rendimentos, mesmo depois de deslocados para outras feiras que ficavam em áreas distantes do Centro dificultando que os trabalhadores tivessem contato com os clientes antigos e tivessem vigor em suas vendas. Quando podiam comprar suas mercadorias, e quando podiam contar com outros trabalhadores, os feirantes articulavam o retorno à Manaus Moderna, reivindicando direitos e denunciando as manobras das Secretarias ligadas à Prefeitura para atender as demandas de empresários. Os sujeitos que vivenciaram os momentos de lutas, e tiveram suas barracas/casas destruídas pelo poder público, e depois por um incêndio ocorrido em 1991, nas entrevistas contidas no livro revelam memórias sobre a violência que viveram com a perda do espaço de trabalho, da sobrevivência, e o surgimento de necessidades que começam ou pioram ao enfrentarem o fim de seus modos de vida.
A continuidade do Projeto Manaus Moderna ficou sob responsabilidade, em 1993, do prefeito Amazonino Mendes, que Silva vai identificar como político que desperta admiração de vários trabalhadores, pois oferece boxes da feira Coronel Jorge Teixeira aos feirantes, mas não abrange a todos que foram retirados anteriormente. Ao tempo que alguns dos entrevistados de Silva guardam fotos de Amazonino, ou atribuem ao ato dele chamar os feirantes aos boxes da Manaus Moderna como um ato de solidariedade aos trabalhadores, outros atribuem a ele outro significado, como um político que usa as necessidades alheias para conseguir votos.
As tensões sobre a espacialidade da Manaus Moderna ganham novos contornos, novos sujeitos se estabelecem enquanto trabalhadores, a espacialidade vai entre alguns anos sendo modificada. A obra de Patrícia Rodrigues da Silva nos leva aos mundos de possibilidades de projetos permeados de disputas, e os trabalhadores estão inseridos enquanto construtores de projetos para a área portuária, afinal, suas resistências como permanecerem, voltarem, reivindicarem marcam também o quanto os trabalhadores e moradores não estavam dispostos a serem engolidos por planos alheios às suas expectativas, às suas experiências, as redes de sociabilidades e principalmente às suas memórias.
Notas
1. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010). Manaus: EDUA, 2016.
2. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010), p. 16-17.
3. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010), p. 42.
4. PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Dossiê Tempo, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p. 59-72, 1996. ___________________Forma e significado na história oral: a pesquisa como um experimento de igualdade. Projeto História, São Paulo, Departamento de História da PUC/SP, n. 14, p. 07-24, fev. 1997.
___________________ O momento em minha vida: funções do tempo na história oral. In: KHOURY, Yara Aun et al. Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho D’Água, 2004.
5. POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.
6. THOMSON, Alistair. Quando a memória é um campo de batalha: envolvimentos pessoais e políticos com o Exército Nacional. Projeto História, São Paulo, Departamento de História da PUC/SP, n 16, 1998.
7. CANCLINI, Nestor García. O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, IPHAN, n.23, p. 95-115, 1994.
8. CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1980-1915. São Paulo: Edusc, 2000.
9. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no Amazonas (1890-1920). 2001. Tese (Doutorado em História) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001.
10. KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia, SP: Ateliê, 2007.
11. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas, SP: Papirus, 1993. (Série Ofício de Arte e Forma).
12. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010), p. 37.
13. FREUND, Gisèle. La fotografia como documento social. Barcelona: Gustavo Gilli, 2008.
14. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010), p. 238.
15. SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010), p.277. Esse aspecto, é mencionado por um entrevistado de Silva, no sentido de que o entrevistado ciente da Lei existente não se conforma com as práticas da SEMAF.
16. PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Dossiê Tempo, Rio de Janeiro, v.1, n.2, 1996, p. 60
Rafaela Bastos de Oliveira – Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail: rafaelabastos.lds@hotmail.com
SILVA, Patrícia Rodrigues da. Disputando espaço constituindo sentidos. Vivências, trabalho e embates na área da Manaus Moderna (Manaus – AM – 1967-2010). Manaus: EDUA, 2016. Resenha de: OLIVEIRA, Rafaela Bastos de. Sobrevivendo à Manaus moderna. Canoa do Tempo. Manaus, V. 9, n. 1, p. 166-171, dez, 2017. Acessar publicação original [DR]
Boletim de História e Filosofia da Biologia. [?] v.11, n.4, 2017.
Volume 11, número 4 (dezembro de 2017)
- Resenha de livro: “A herança de caracteres adquiridos como oposição entre Lamarck e Darwin: de onde vem, afinal, essa pseudo-história?”, por Maria Elice B. Prestes
- Tradução de fontes primárias da história da biologia: “Galvani e a eletricidade animal”, por Lilian Al-Chueyr Pereira Martins e Ana Paula de Oliveira Pereira de Morais Brito
American Lobotomy: A Rhetorical History | Jenell Johnson
Many memories and images are brought to mind when talking about lobotomy. This term has, even today, the power to provoke uproar, astonishment, revolt, curiosity. To talk of its story is to be surrounded by attentive and curious eyes.
The word lobotomy is nowadays often used indiscriminately in reference to variations of psychosurgery that have their origins with a technique called prefrontal leucotomy. Elaborated by the Portuguese neurologist Egas Moniz, published in his book Tentatives opératoires dans le traitement de certaines psychoses in 1936, the procedure was imported that same year to the United States and applied by the doctors Walter Freeman and James Watts. Known in the country as the prefrontal lobotomy, this variation of the surgery consisted of damaging the fibers that connected the thalamus to the central lobes. Another American variation, developed by these doctors in the 1940s, consisted of a “simplification” of the surgical process – since it did not require trepanation, that is, the perforation of the skull. The transorbital lobotomy accessed the patient’s brain, by means of an instrument similar to an ice picker, through the ocular cavity. These techniques, which were applied in anatomically normal brains, were developed for the treatment of mental illnesses (Raz 2013), especially those with manifestations of uncontrollable behavior (Braslow 1997, 2005). Still, in Jenell Johnson’s words, “the operation was used to “bleach” or “blunt” strong emotions in people diagnosed with certain mental illnesses and, to a less extent, to ameliorate chronic pain” (Johnson 2013, 2) and has been performed on tens of thousands of women, men, and children in the United States. Leia Mais
O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo – SAFATLE (RFMC)
SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. São Paulo: CosacNaify,2015. Resenha de: PINTO, Thiago Ferrare. Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.5, p. 381-387, n.2, dez, 2017.
Em seu Circuito dos afetos, Vladimir Safatle se propõe a elaborar uma teoria política que pense os “caminhos da afirmação do desemparo” (SAFATLE, 2015, p. 72) e a “insegurança ontológica” que ele produz (SAFATLE, 2015, p. 73). A referência ao caminho implica a relação do desamparo com a história enquanto espaço de conflito em torno de pretensões opostas de validade moral. Mas há mais: a referência ao caminho de afirmação do desamparo envolve também a compreensão da história enquanto espaço de disputa em torno dos padrões a partir dos quais discursamos quando da tentativa de tornar produtivos os conflitos entre pretensões opostas de validade. Aqui está o sentido da insegurança ontológica que o desamparo produz: sua afirmação implica um desafio à suposição das teorias críticas hegemônicas segundo a qual a estrutura deliberativa do Estado democrático de direito espelharia a formadas demandas históricas por realização da liberdade. A insegurança, portanto, vem do reconhecimento da possibilidade de que a realidade histórica e sua materialidade surpreendam as formas hegemônicas de mediação da liberdade.
Segundo o autor, a teoria crítica contemporânea tende a reconhecer a produtividade dos conflitos entre pretensões materiais opostas que convivem no interior de uma comunidade política. Assim, demandas por reconhecimento ganham espaço na arena pública enquanto conflitos materiais voltados à efetivação dos princípios constitucionais que seriam objeto de consenso sobre o modo de resolução desses conflitos. A política caminharia sem pôr em xeque a forma de resolução dos conflitos, uma vez que se definiria pelo desdobramento daqueles conflitos passíveis de tematização nos marcos pré-estabelecidos para a vivência da liberdade. De modo geral, as abordagens críticas reconhecem a produtividade dos antagonismos materiais, embora ao preço da ocultação da possibilidade dos antagonismos formais (SAFATLE, 2015, p. 27).
Desenvolvendo esse ponto, Safatle define política a partir de uma crítica à teoria discursiva do Estado democrático de direito de Jürgen Habermas e à idealidade da razão como horizonte formal do discurso sobre a realização da liberdade. Nos marcos da teoria habermasiana – que nesse ponto influenciou personalidades como Axel Honneth e Nancy Fraser -, pode-se dizer que há devir, há história a ser ressignificada: a dor dos ofendidos nos impele à revisão das estruturas de nossa forma de vida (HABERMAS, 2007, p. 66). O problema é que a história só é revelada naquelas dimensões que podem ser expressas nos marcos racionais – marcos da razoabilidade, diria John Rawls (2006, p. 32-33) – do horizonte consensual que define o corpo político:
[…] argumentar a partir da razão significa introduzir a política em um campo tendencial de concórdia, afastar-se da instabilidade das paixões para aproximar-se da perenidade de determinações normativas encarnadas na estabilidade de instituições capazes de garantir a procura comum pelo melhor argumento a partir de ideias claras e distintas (SAFATLE, 2015, p. 149)
O que daí se segue é uma tentativa de ressignificar o conceito de política. Nos marcos da teoria discursiva do Estado democrático de Direito, política é a efetivação de demandas por liberdade no interior das estruturas normativas do projeto constitucional. Política é, portanto, a atividade de constante revisão dos nossos padrões de coordenação de ação a partir das estruturas que delimitam o que pode vir à luz enquanto demanda por reconhecimento. A abordagem de Safatle se sustenta na tese segundo a qual a teoria discursiva do Estado democrático de direito anula a política à medida que retira dela sua espontaneidade e sua possibilidade de fazer da contingência o impulso para a reinvenção das estruturas fundantes de uma comunidade.
A compreensão da função do direito na constituição do espaço público é fundamental no caminho argumentativo do autor. O direito não só reproduz determinada percepção daquilo que a crítica social pode ser, mas também a constitui, à medida que estrutura os espaços sociais de crítica e delimita formalmente o politicamente possível. O ponto do autor se comunica com a abordagem de Butler naquilo que diz respeito à estruturação jurídica do regime de gênero nas democracias ocidentais contemporâneas (BUTLER, 2017, p. 23). A orientar o autor e a autora, encontra-se a ideia segundo a qual a estrutura jurídica de uma sociedade institui um regime de validade que tem a pretensão de sustentar juízos sobre o real. Nesses termos, a vida política que caminha sem a tematização de antagonismos formais produz a já referida segurança ontológica, no sentido de que as possibilidades de recuperação histórica de narrativas sobre a liberdade – narrativas silenciadas pelo teor universalizante da forma de vida hegemônica – se encontram pré-determinadas e, portanto, delimitadas em seu potencial transformador. O diagnóstico de Safatle tem o seguinte teor: “[…] a estrutura do direito determina as formas possíveis que a vida pode assumir, os arranjos que as singularidades podem criar. Elas fazem das formas de vida aquilo que previamente tem o molde da previsão legal” (SAFATLE, 2015, p. 360).
A estrutura jurídica constitui, portanto, o padrão hegemônico de realização da liberdade. A gramática constitucional estabelece critérios de dizibilidade, formas que são condições de possibilidade para o falar sobre política e emancipação. É assim que a pretensão de reconstruir a história de determinada comunidade política se perde na delimitação prévia daquilo que pode ser uma pauta a ser debatida no espaço público estruturado constitucionalmente.
A ideia central aqui é a desincronização. A partir dela se percebe a anulação da materialidade da vida política como um desdobramento da suposição da existência de um modelo único de realização da liberdade: a liberdade realizada no espaço institucional do Estado democrático de direito. Nos marcos da teoria discursiva de Habermas, a materialidade que dá ensejo aos processos de aprendizado social é demarcada e limitada em seu potencial produtivo: a contradição que o sofrimento instaura não põe em xeque os pressupostos do discurso prático, as bases do Estado constitucional. Nesse sentido, a descentralização das perspectivas hegemônicas é sempre parcial, no sentido de que nunca dará conta daquelas vivências cuja concretude não se deixa traduzir nos pressupostos comunicativos embutidos nos processos constitucionais de crítica social.
A teoria crítica hegemônica – a teoria discursiva do Estado democrático de direito, em especial–naturaliza os marcos da crítica, determinando abstratamente os sentidos possíveis da liberdade. Safatle assim resume o argumento em torno dos desdobramentos deletérios da sincronização da história enquanto dimensão necessária dessas perspectivas teóricas:
Através da história, ser e tempo se reconciliariam no interior de uma memória social que deveria ser assumida reflexivamente por todo sujeito em suas ações. Memória que seria a essência orgânica do corpo político, condição para que ele existisse nas ações de cada indivíduo, como se tal corpo fosse sobretudo um modo de apropriação do tempo, de construção de relações de remissão no interior de um campo temporal contínuo, capaz de colocar momentos dispersos em sincronia a partir das pressões do presente (SAFATLE, 2015, p. 137)
Ainda a respeito da dimensão jurídica da sincronização, o autor se debruça sobre a ideia de cidadania. A defesa da cidadania nos marcos de uma democracia deliberativa envolveria a pressuposição do caráter jurídico das condições de formação da subjetividade, o que implica uma limitação do sentido da política a partir de sua submissão aos princípios constitucionais que fazem a mediação da crítica social. A potência transformadora da política– sua capacidade para produzir antagonismos formais a partir da experiência do desamparo – é domesticada pela obrigatoriedade de uma forma para o exercício da autoconsciência. Ainda que não se resuma ao voto – como parece ser o caso nos modelos liberais de democracia -, a cidadania advogada pela teoria discursiva do Estado democrático de direito compreende a formação da memória e da identidade de uma comunidade como um exercício discursivo que se realiza nos limites da gramática constitucional. A dimensão política da vida social, portanto, está colonizada pela rigidez de princípios jurídicos, de onde se segue que o desamparo não encontra rotas de fuga por meio das quais possa afirmar-se.
Resumiremos o argumento. A teoria discursiva do Estado democrático de Direito encontra sua materialidade no fato de que “a objetividade da exigência de um novo espírito vem da dor dos ofendidos” (HABERMAS, 2007, p. 52). O problema, porém, é que a pressão do presente impele a construção da memória social a partir da sincronização da história. Ou seja, a tematização da dor só se dá à medida do possível, sendo o possível o espaço pré-determinado pelas estruturas do Estado constitucional(SAFATLE, 2015, p. 137). Toda dor é concebida como indício de antagonismo material, nunca como a materialidade fundante de um antagonismo formal. Em última instância, não se põe em xeque “o horizonte formal consensual de legitimidade dos enunciados” (SAFATLE, 2015, p. 149), de modo que a vida política se resumiria ao debate sobre as discordâncias que se travam num espaço delimitado de antemão.
Seria o caso de dizer, portanto, que Habermas ainda opera nos quadros naturalizantes do liberalismo político de Rawls. Embora tenha afastado a ideia do fato do pluralismo razoável através da historicização da formação das diferenças, Habermas supõe o caráter universal do projeto constitucional enquanto instância mediadora da liberdade. Nesses moldes, o universal não é mediado pelos momentos particulares de sua crítica; o universal, portanto, permanece intocável. Precisamente neste ponto a teoria discursiva do Estado democrático de Direito não sustenta a sua pretensão de materialidade: o atrito produtor de antagonismos formais – na terminologia de Safatle, a capacidade do desamparo de pôr em xeque a universalidade das estruturas que medeiam a liberdade jurídica – é ocultado pelo não reconhecimento da legitimidade de demandas que não se deixem traduzir na gramática uniformizante do direito constitucional.
A gramática constitucional ampara as demandas por justiça, uma vez que demarca os limites daquilo que é antecipado como politicamente possível. Pensar a política a partir do desamparo envolve a centralização daquelas demandas que colocam em xeque os limites do possível, ou seja, demandas que questionam a rigidez das estruturas que, à medida que delimitam o espaço formal da crítica social, acabam por dizer o que a crítica pode ser: “[…] estar desamparado é estar sem ajuda, sem recursos diante de um acontecimento que não é a atualização de meus possíveis”(SAFATLE, 2015, p. 71). A produção política de antagonismos formais é o caminho de afirmação do desamparo no sentido de tornar politicamente possível aquilo que até então não o era.
A força política do desamparo reside no desejo de transformação da base supostamente consensual por meio da qual uma comunidade dialoga racionalmente sobre a sua história. A abstração do consenso racional é revelada pela materialidade do desamparo, pela asseveração da necessidade de se dar voz àqueles e àquelas que não encontram voz nos marcos pré-estabelecidos pelo Estado democrático de direito para a crítica social:
[…] a política pode ser pensada enquanto prática que permite ao desamparo aparecer como fundamento de produtividade de novas formais sociais, na medida em que impede sua conversão em medo social e que nos abre para acontecimentos que não sabemos ainda como experimentar (SAFATLE, 2015, p. 67)
A teoria crítica do autor tem como objetivo, portanto, a desconstrução do modelo de realização da liberdade pressuposto pela teoria discursiva. A pretensão de materialidade é levada aqui às últimas consequências, o que implica dizer que os antagonismos políticos transcendem a divergências entre orientações axiológicas, as divergências entre concepções de bem igualmente razoáveis. Os antagonismos políticos põem em xeque, portanto, o próprio consenso constitucional. A materialidade da história vivida de modo não sincrônico produz atrito com as estruturas formais do Estado constitucional – os procedimentos constitucionais formalmente instituídos são insuficientes enquanto meio de trazer à luz experiências contra- hegemônicas de liberdade. Daí se segue o desafio em torno da revisão das pretensões de universalidade da gramática moral da comunidade e o reconhecimento da impossibilidade de antecipação das estruturas a partir das quais a crítica será exercida, a história será reconstruída e a memória/identidade de uma comunidade será ressignificada.
Referências
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. São Paulo: Civilização Brasileira, 2017.
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.
RAWLS, John. O liberalismo político. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 2000.
Thiago Ferrare Pinto – Professor substituto do Departamento de Teoria do Direito da Faculdade Nacional de Direito – UFRJ.
Torcidas organizadas na América Latina: estudos contemporâneos | Bernardo Borges Buarque de Hollanda
Temas relacionados a grupos organizados de torcedores de futebol se instalaram mais fortemente na agenda de pesquisadores latino-americanos nos anos noventa, quando já havia um conjunto relativamente vasto de produções sobre o tema na Europa – principalmente sobre os hooligans ingleses, que já constituíam objeto de preocupação constante por parte das autoridades públicas. Evidentemente que isso impactou a produção latino-americana. No entanto, nossos pesquisadores e nossas pesquisadoras têm feito um grande esforço para encontrar seus próprios caminhos interpretativos e oferecer mais substância para compreender o que ocorre nas arquibancadas da América Latina. Compreensão que é fundamental para a criação de políticas públicas mais justas, democráticas e eficazes. Políticas que sejam capazes de transformar, de modo criativo e pacífico, os conflitos no futebol latino-americano.
Sem dúvida, o livro “Torcidas organizadas na América Latina” faz parte desse esforço coletivo, apresentando trabalhos discutidos em dois congressos promovidos pela Asociación Latino Americana de Sociología (Alas), ocorridos em 2013, em Santiago (Chile), e em 2015, em San José (Costa Rica). Trabalhos que foram compilados por dois dos mais importantes pesquisadores das Ciências Sociais latino-americanas e do campo de estudos socioculturais do futebol em particular: os professores Bernardo Borges Buarque de Hollanda e Onésimo Rodríguez Aguillar. O primeiro é professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da mesma instituição. Já o segundo é professor e pesquisador da Escuela de Antropología de la Universidad de Costa Rica. Leia Mais
Vérité Scientifique et Verité Philosophique dans l’Œuvre d’Alexandre Koyré | Jean Seidengart
In February 2012 an academic conference was held at the Université Paris Ouest-Nanterre entitled Vérité scientifique et verité philosophique dans l’œuvre d’Alexandre Koyré. This book, organized by Jean Seidengart and published last year, is the fruit of that event. It consists of fourteen articles, divided in three parts – Koyré philosophe, Philosophie et histoire des sciences and Koyré historien de la philosophie – and the transcription of an original course Koyré gave in 1946 with the title Galilée. The collection is made up of academic articles by Paola Zambelli, Gérard Jorland, Annarita Angelini, Walter Tega, Joël Biard, Jean-Jacques Szczeciniarz, Anastasios Brenner, Bernadette Bensaude-Vincent, Frédéric Fruteau de Laclos, Massimo Ferrari, Pietro Redondi, Emmanuel Faye, Alexandre Guimarães Tadeu de Soares and Jean Seidengart.
Seidengart explains that the purpose of editing the collective work was not merely to reproduce programmatic formulas associated to the many different readings of Alexandre Koyré’s work but, instead, to initiate a reflection on a “plurality of analyses” of Koyré’s vast research. The book however does not manage to abstain entirely from the reductive interpretative formulae that it declaredly renounces and, in fact, the coherence and concordance of the analyses exhibited are somewhat overshadowed by the attention given to the legitimacy of the different readings in relation to Koyré’s work. Leia Mais
Intelectuais e a relação entre a Ibero-América e a Europa / Intellèctus / 2017
Neste número da revista apresentamos o dossiê Intelectuais e a relação entre a Ibero-América e a Europa. Uma vez mais objetiva-se publicar estudos sobre as reflexões produzidas pelos intelectuais ibero-americanos e em especial as que traduzem temas pertinentes aos laços culturais, à cooperação intelectual e o próprio significado bem como o impasse no tocante à História Intelectual. Afinal, a conformação de um campo de estudo e pesquisa sobre a história intelectual é recente. Muito possivelmente o desenho deste novo terreno esteja relacionado a uma renovação no campo da História das Ideias, ao qual a História dos Intelectuais está associada, bem como à História Política.
A história intelectual, bem como a história dos intelectuais, tem sido um campo de estudo que desde os finais do século XX e tem agregado um maior número de pesquisadores e se tornado objeto constante de pesquisas, estudos e teses. No Brasil, ao longo do decênio de 1990, tomou forma estudos no tocante à história dos conceitos bem como história intelectual na perspectiva dos autores franceses. Entre os principais expoentes desta nova historiografia francesa destacam-se Jean-François Sirinelli, Michel Winock y Roger Chartier. Em Portugal assiste-se desde então à configuração do campo de estudo mais específico dedicado à história intelectual, que em conjunto com a história cultural foi-se impondo ante à predominância da história social. Leia Mais
Sentido e relevância da História no mundo contemporâneo / Intelligere – Revista de História Intelectual / 2017
Jörn Rüsen: um humanista para o século 21
A teoria e a filosofia da História, desde os anos 1970, tem na atuação profissional e na vasta obra de Jörn Rüsen uma contribuição sistemática de raro valor e de reconhecida importância.
Dentre os muitos autores que se destacam no cenário internacional da historiografia contemporânea, como Reinhardt Koselleck, Georg G. Iggers, Hayden White, Frank Ankersmit. François Hartog, François Dosse, Edoardo Tortarolo, Chris Lorenz, Ewa Domanska, Allan Megill, Michael Bentley, e tantos outros mais, pode-se dizer que Jörn Rüsen é aquele que enunciou a mais completa sistematização teórico-metodológica do pensamento histórico em sua versão científica mais promissora. Sua teoria, reformulada e ajustada, está reapresentada no livro de 2013, Historik (Colônia: Böhlau), que retoma o termo cunhado por Droysen no século 19. Rüsen dedica-se ao tema da teoria da História desde sua tese de doutorado, justamente sobre Droysen, defendida na Universidade de Colônia em 1966.[1] Dessa obra fundamental a Editora da Universidade Federal do Paraná publicou a tradução para o português, feita por mim e revista por Arthur Assis, em 2015 (Teoria da História. Uma teoria da história como ciência. Curitiba: Editora da UFPR, 2015).[2]
O pensamento de Rüsen, elaborado no curso de sua longa carreira nas universidades de Braunschweig, Berlim, Bochum, Bielefeld e Witten-Herdecke, beneficiou-se também da profícua experiência de diálogo e cooperação interdisciplinar e internacional proporcionada pelos dez anos em que exerceu a presidência do Instituto de Altos Estudos de Humanidades, do Estado da Renânia do Norte-Vestfália, na Alemanha (1997-2007).[3]
Intelligere reúne no presente dossiê contribuições de pesquisadores versados nas áreas de influência de Rüsen no campo da teoria, da filosofia e da história da historiografia, com suas aplicações e desdobramentos na ampla e complexa área do ensino de História e da educação histórica. Leitores e críticos de Rüsen, no melhor dos sentidos possíveis, espalham-se pelo mundo afora, e seu pensamento ecoa não apenas na Alemanha, mas igualmente na Inglaterra, em Portugal, na Espanha, na África do Sul, no Brasil, no México, na China, na Índia.
A cultura humana é uma cultura histórica por excelência. Essa é uma das teses fundamentais do pensamento de Jörn Rüsen. Para explicar que seja assim, e como é assim, Rüsen elaborou – ao longo de décadas – uma teoria consistente da História como ciência, na qual a concepção de ‘matriz’ tem um papel central. Seu sentido e eventualmente sua ausência de sentido ou seu contrassenso são temas recorrentes da reflexão do autor. O horizonte de referência que emoldura o esforço sistematizador da teoria da História de Rüsen é em ampla medida filosófico, e tem como fundamento uma concepção avançada do humanismo, cuja espinha dorsal são os direitos humanos. O ser humano – agente e paciente – como sujeito histórico, a partir do qual, em torno ao qual e em função do qual se organiza e desenvolve o pensamento histórico – espontâneo e científico – é a peça mestra da arquitetura do pensamento rüseniano. Após a publicação da Historik em 2013, que inclui um capítulo específico com o programa de sua filosofia da História, Rüsen anunciou, na homenagem que lhe prestou a Universidade de Colônia em 2016, preparar uma monografia dedicada a sua filosofia. Rüsen a considera como a pedra de toque do seu sistema. No presente dossiê, o texto de Oliver Kozlarek (México) aponta elementos substantivos do humanismo filosófico, como entendido por Rüsen.
A preocupação principal de Rüsen, no final dos anos 1970 e ao longo da década de 1980, foi contribuir argumentadamente para a sustentabilidade científica da História. Não esteve sozinho nesse mister, pois um grande projeto de teoria da História foi desenvolvido com o apoio financeiro da Fundação Werner Reimers [4] (1973-1989) e levou à publicação de seis volumes que marcaram época, entre 1977 e 1990, com contribuições notáveis de autores como R. Koselleck, Christian Meier, Wolfgang J. Mommsen, Thomas Nipperdey, Lutz Niethammer, Winfried Schulze, Karl Acham, Karl-Georg Faber, Georg G. Iggers, Jürgen Kocka.
A primeira finalidade da elaboração teórica foi, pois, a fundamentação da História como ciência, cuja matriz é, assim, disciplinar.[5] Ou seja: a matriz sistematiza as características que Rüsen entende serem distintivas de três elementos essenciais da História como disciplina científica. O primeiro elemento é a origem sociocultural de todo e qualquer tema que se torne objeto do interesse e da investigação histórica. O segundo elemento é a metodização da pesquisa e sua controlabilidade profissional (com três componentes: as categorias de enquadramento teórico, as regras do método e as formas de apresentar o resultado). O terceiro elemento refere-se à reinserção sociocultural do tema, uma vez sintetizado na narrativa historiográfica. No todo, o esquema matricial comporta então cinco componentes, distribuídos em dois hemisférios – o da vida prática de todos os dias, e o da prática da disciplina cientifica.
O fundamento da reflexão da matriz disciplinar, como indica o adjetivo, é a reflexão sobre as condições de possibilidade da constituição da História como ciência, na fase de sua consolidação como disciplina acadêmica, de meados do século 19 até nossos dias.[6]
A segunda acepção da matriz é qualificada por Rüsen como matriz do pensamento histórico. Trata-se de uma extensão da amplitude da concepção de matriz, que vai assim além da produção historiográfica em sentido estrito e se aplica a toda e qualquer forma de reflexão historicizante referente à experiência do tempo. Nessa acepção, a matriz disciplinar seria uma forma derivada do pensamento histórico por efeito da metodização científica. As duas etapas do pensamento histórico constituem uma dimensão universal, entendida por Rüsen como uma constante antropológica. Ou seja: válida para qualquer agente racional humano.
Com a categoria ‘constituição histórica de sentido‘ define-se a terceira forma da matriz, que Rüsen associa à tipologia da historiografia. Para o autor, a constituição história de sentido é uma função originária do pensamento histórico, cuja especialização desemboca, pelo caminho da investigação metódica, na narrativa historiográfica. Uma das características marcantes dessa terceira forma, que se consolidou ao longo da reflexão do autor, é a interdependência dos diversos tipos de sentido (tradicional, genético, exemplar, crítico), com a prevalência do sentido tradicional e sob influxo transversal do sentido crítico. A terceira versão da matriz compõe, pois, as três perspectivas de abordagem adotadas por Rüsen: o pensamento histórico, a constituição de sentido histórico e a produção técnica da narrativa historiográfica.
A matriz disciplinar foi originalmente inspirada pela discussão de Thomas S. Kuhn acerca da cristalização de paradigmas (teóricos e metódicos) nas ciências naturais, e eventualmente quanto a sua dogmatização. Rüsen repensou a ideia de Kuhn desde a perspectiva da História como experiência humana e como ciência. pensamento histórico do historicismo à história como ciência social.[7]
Para o pensamento histórico em geral, como para o pensamento historiográfico em particular, Rüsen considera que o ponto analítico inicial da matriz se situa numa angústia existencial elementar, por ele chamada de carência de orientação. Vista como uma constante antropológica – que ecoa o binômio categorial consagrado por Koselleck: espaço de experiência e horizonte de expectativa – a carência de orientação motiva o indivíduo, suscita interesse, impulsiona a pergunta histórica.[8] Pode-se dizer que o modo de perguntar e o modo de responder, do pensamento histórico em geral e do pensamento histórico em sua forma especializada na historiografia, diferem apenas em grau. Neste, o controle metódico e o rigor analítico prevalecem. Naquele, vibra a espontaneidade das inquietações e das ansiedades, tão marcantes no pensamento de Paul Ricoeur.[9]
A finalidade do pensamento histórico é responder à pergunta histórica de modo consistente e controlável. Isso se aplica, obviamente, também ao discurso ‘técnico’ da historiografia. Assim, a linguagem (em todos os seus formatos, discursivos ou não) é meio para o fim. A narrativa instituidora de sentido não cria ou inventa o sentido.
A vantagem teórica da matriz proposta por Rüsen é sua adaptabilidade funcional à diversidade temática da pesquisa histórica. Para o efeito multiplicador suposto pela concepção abrangente da matriz do pensamento histórico de Rüsen, a estratégia da educação histórica no espaço público é fundamental. Com efeito, a afirmação do fato antropológico da orientação no tempo e no espaço requer que todo agente racional humano historicize sua existência e sua referência no mundo. Nesse processo – um moto perpétuo, pode-se dizer – a educação funciona tanto ‘informalmente’, como construção de sentido e de consciência histórica, quanto ‘formalmente’, como mediação cognitiva e instrumental no sistema escolar.
As contribuições deste dossiê dão também alguns indicadores da interlocução de Rüsen com os campos epistemológico (Luiz Sérgio Duarte, Arthur Assis, André Gustavo Araújo, Martin Wiklund) e educacional (Barca, Schmidt) no Brasil e em Portugal.
Notas
1. Begriffene Geschichte. Genesis und Begründung der Geschichtstheorie Johann Gustav Droysens. Paderborn: Schöningh 1969
2. A primeira versão da teoria de Rüsen foi publicada na famosa trilogia: Razão Histórica, Reconstrução do Passado e História Viva, publicada pela Editora da Universidade de Brasília (I: 2001; II e III: 2007). Os originais alemães foram publicados em 1983, 1986 e 1989, respectivamente.
3. Pormenores da vida e da obra do autor em sua página na rede: http: / / www.joern-ruesen.de /
4. Werner Reimers (1888-1965), industrial alemão, criou a fundação que leva seu nome em 1963, com o objetivo de fomentar as ciências humanas, e a dotou com a totalidade de seu legado financeiro: http: / / www.reimers-stiftung.de
5. Ver Estevão de Rezende Martins. As matrizes do pensamento histórico em Jörn Rüsen. Em M. A. Schmidt / E. de R. Martins (orgs). Jörn Rüsen. Contribuições para uma Teoria da Didática da História. Curitiba: W. A. Editores, 2016, p. 100-110.
6. Ver Estevão de Rezende Martins (org.). A História pensada. Teoria e método na historiografia europeia do século XIX. São Paulo: Contexto 2010.
7. Ver Friedrich Jaeger / Jörn Rüsen. Geschichte des Historismus. Munique: C. H. Beck, 1992. Estevão de Rezende Martins. Historicismo: o útil e o desagradável, em Flávia F. Varella; Helena M. Mollo; Sérgio R. da Mata; Valdei L. de Araujo. (orgs.). A dinâmica do Historicismo. Revisitando a historiografia moderna. Belo Horizonte: Fino Traço (Argumentum), 2008, p. 15-48.
8. Futuro passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC-Rio, 2006, cap. 14. (Ed. orig. alemã: 1965).
9. Ver Paul Ricoeur. Vraie et fausse angoisse, em Raymond de Saussure, Paul Ricoeur, Mircea Eliade, Robert Schuman, Guido Calogero, François Mauriac: L’angoisse du temps présent et les devoirs de l’esprit. Genebra: Rencontres Internationales de Genève, vol. VIII (1953), p. 33-53 (Neuchâtel: Éditions de la Beconnière). Em 1998, Ricoeur, 45 anos depois do encontro em Genebra, participou de um intenso debate sobre a questão da ansiedade / angústia na decifração do enigma do passado, no Instituto de Altos Estudos em Humanidades, a convite de Rüsen, seu presidente. Ver Paul Ricoeur. Das Rätsel der Vergangenheit. Erinnern – Vergessen – Verzeihen. Göttingen: Wallstein, 1998.
Estevão de Rezende Martins – Professor titular de Teoria da História e História Contemporânea Departamento de História / Instituto de Relações Internacionais – Universidade de Brasília. E-mail: ecrm@terra.com.br
MARTINS, Estevão de Rezende. Apresentação. Intelligere – Revista de História Intelectual, v. 3. São Paulo, n. 2, 2017. Acessar publicação original [DR]
In cammino. Breve storia delle migrazioni – BACCI (BC)
BACCI, Massimo Livi. In cammino. Breve storia delle migrazioni. Bologna: Il Mulino, 2010. 268p. Resenha de: DONDERO, Enrica. Il Bollettino di Clio, n.8, p.71-71, dic., 2017.
Il passato, il presente e il futuro delle migrazioni. Livi Bacci, uno dei massimi esperti italiani di demografia storica, non limita tuttavia il suo studio a una storia dei gruppi migranti nel lungo periodo, ma inserisce le dinamiche demografiche in una complessa rete di relazioni con quelle economiche, sociali, antropologiche, politiche e giuridiche. A partire da un presupposto – il desiderio di spostarsi è prerogativa ed essenziale componente dell’essere umano – il fenomeno migratorio è osservato da una pluralità di punti di vista: correlato nei suoi sviluppi ad atti politici che, di volta in volta, lo hanno favorito, vincolato o negato; strettamente connesso al progresso tecnico nella comunicazione e nei trasporti; fattore di powerful delle relazioni umane e delle interazioni, delle mescolanze bioenergetiche e culturali, della conoscenza, dei tratti culturali, dei linguaggi e dei comportamenti.
L’attenzione verso il solo aspetto demografico, unitamente alle alterazioni date da distorsioni percettive, luoghi comuni e stereotipi, ha prodotto una visione limitata e riduttiva del fenomeno: nel mondo del XXI secolo, le grandi migrazioni non vengono considerate un motore primario delle società, ma piuttosto una componente deformata del cambiamento sociale, un agente ingovernabile, un disturbo di fondo che distorce la regolarità della vita organizzata. In realtà, homo sapiens è homo movens; quasi il 10% della popolazione dei paesi ricchi ha avuto una storia di migrante: condizione esistenziale comune, quindi, non eccezionale.
Il testo di Livi Bacci, nato dalla sistematizzazione di riflessioni, spunti e scritti precedenti, si basa perciò sull’interpretazione delle migrazioni come specificità umana e fenomeno costitutivo delle società. L’ambizione è quella di precisare, provare e sostenere tale convinzione attraverso il metodo di studio del fenomeno e la sua sostanza e la struttura del volume rispecchia puntualmente le intenzioni: i primi tre capitoli fondano alcuni concetti e schemi interpretativi essenziali per uno sguardo ampio sul fenomeno migratorio; i tre successivi analizzano i sistemi migratori attraverso un indicatore diacronico; gli ultimi due capitoli, a partire da raffronti e analisi incrociate a livello mondiale, prefigurano politiche migratorie tendenti a rendere effettivo il diritto allo spostamento e a dare dignità a una popolazione “con diritti dimezzati”. È presente un’appendice che riporta puntuali dati statistici.
L’onda di avanzamento e le migrazioni lente: il paradigma è tipico degli spostamenti delle società agricole in territori spopolati o radamente insediati. Due aspetti sono caratterizzanti: la capacità di adattarsi ad ambienti diversi e la possibilità di generare un surplus demografico sufficiente per operare ulteriori avanzamenti. Sono coerenti con tale modello le forme di migrazioni preistoriche, ad esempio; o la grande colonizzazione medievale (Drang nach Osten) che, tra XI e XIV secolo, spinse l’espansionismo delle popolazioni germaniche a nord dei rilievi centrali della Boemia fino alla costa baltica; nell’area intermedia dai Paesi Bassi alla Turingia, alla Sassonia e alla Slesia; a sud in direzione delle pianure ungheresi lungo la via naturale del Danubio.
Questo processo di insediamento solleva rilevanti spunti di interesse: fu infatti un movimento intenzionale, organizzato e guidato da una vera e propria politica migratoria; ebbe un cospicuo effetto ‘fondatore’ (pochi capostipiti, molti discendenti); fu sostenuto da una notevole disponibilità di capitali. Tratti similari a quell’onda di avanzamento si possono ritrovare nel graduale popolamento del continente nordamericano, nel quale lo spostamento delle frontiere avvenne per fattori di natura politica, di attrazione e tecnologica (il completamento della ferrovia transcontinentale). Anche relativamente allo stanziamento nella Russia asiatica nel periodo precedente la prima guerra mondiale si possono rinvenire tracce di un’onda di avanzamento; ma in quel caso le intrusioni della politica zarista furono più vincolanti.
Il secondo capitolo introduce il concetto di fitness, capacità di adattamento. Il riferimento non va in modo esclusivo agli elementi biologici, ma anche ai tratti sociali, culturali, antropologici. I migranti non sono un campione casuale della popolazione di partenza: sono selezionati per alcuni caratteri, quali l’età, lo stato di salute, la capacità riproduttiva, la resistenza, la forza fisica; ma anche l’inclinazione a sperimentare il nuovo o caratteristiche acquisite, come un mestiere, possono costituire un vantaggio.
D’altra parte, l’ambiente di destinazione svolge una funzione altrettanto decisiva, anche in relazione all’’effetto fondatore’, cioè al processo che determina lo sviluppo di una nuova popolazione a partire da un ridotto numero di individui. Il caso delle migrazioni funzionali allo schiavismo evidenzia come l’insuccesso dipenda da fattori plurimi: le attività pesanti delle donne, la ridotta possibilità di trovare compagni, la bassa proporzione di coppie, la preferenza dei padroni a investire nel lavoro femminile piuttosto che nella nascita di creoli, la mortalità durante il viaggio e nelle piantagioni, la malnutrizione, il difficile acclimatamento, l’alta densità abitativa e la scarsa igiene.
Le politiche migratorie costituiscono un potente fattore facilitante o ostacolante le migrazioni, di cui si avverte il peso con lo svilupparsi delle prime entità statuali: in che modo influenzano gli esiti, le fitness dei migranti e il loro successo sociale ed economico? Un esempio paradigmatico di influenza positiva è individuato da Livi Bacci nel governo degli Inca, che organizzava insediamenti a carattere coloniale con finalità di presidio, di consolidamento della conquista e di specializzazione produttiva, ma con attenzione alla compatibilità ambientale ed ecologica. Impegno che non ebbero gli Spagnoli, i quali causarono conseguenze nefaste sugli altipiani e compromisero la fitness degli abitanti, indebolendone la sopravvivenza.
Un altro caso interessante si rinviene nella migrazione tedesca (Drang nach Osten) di cui si è già riferito, in particolare nel forte ruolo organizzativo dei principi, della Chiesa o degli ordini cavallereschi. Fu decisiva, in quel caso, la capacità di scegliere i terreni incolti, di distribuirli oculatamente ai coloni, di dotare questi ultimi di materie prime e utensili. L’accortezza della politica messa in atto portò, di conseguenza, a un successo demografico.
In epoca moderna, le monarchie assolute d’Europa ricorsero frequentemente a migrazioni organizzate, sulla base di una filosofia mercantilista sostenuta dall’idea che una popolazione numerosa fosse un pilastro del benessere delle nazioni. Due fattori principalmente motivavano le scelte migratorie: il primo, di natura economica, consisteva nel mettere in valore terre ancora incolte o poco coltivate; il secondo, di natura politica e strategica, mirava a rafforzare le aree di confine adiacenti a Stati ostili di cui si temeva l’aggressività.
Il caso della Maremma toscana, nel XVIII secolo, testimonia invece un tentativo finito in disastro. Pochi anni dopo l’insediamento voluto dal granduca lorenese Francesco II, la colonia era già sull’orlo dell’estinzione. Il rapidissimo declino fu dovuto sia all’abbandono, sia all’alta mortalità favorita da pessime condizioni igieniche, inadeguatezza delle abitazioni, abusi nella distribuzione del cibo, febbri malariche.
Le numerose analisi condotte e i confronti anche sul piano mondiale, gli esempi di migrazioni nel lungo e lunghissimo periodo e gli episodi che si esauriscono in pochi anni confermano la complessa struttura metodologica adottata dall’autore e la sua scelta di non limitarsi alla prospettiva demografica: i fenomeni migratori non possono essere ridotti alla contabilità dei flussi che partono o rientrano. Anche il fattore tempo incide sulle caratteristiche delle migrazioni: la periodizzazione adottata da Livi Bacci nei capitoli specificamente dedicati (XVI-XIX secolo; 1800-1913; 1914-2010) permette l’emersione di alcuni elementi significativi per capire come le condizioni interne a un’epoca siano influenti.
La grande rivoluzione geografica di inizio Cinquecento o la Rivoluzione industriale accelerarono i processi migratori interni ed esterni agli Stati perché fattori oggettivi migliorarono le condizioni della mobilità: progresso nella navigazione, aumento delle disponibilità energetiche, potenziamento delle infrastrutture, innovazioni tecnologiche, aumento dei consumi calorici.
La profonda trasformazione del mondo rurale e il dissolversi dell’antico equilibrio conseguenti allo sviluppo industriale determinarono un nuovo modello di migrazione nel XIX secolo. L’emigrazione europea assunse le caratteristiche di un fenomeno di massa: è il tentativo di uscire dalla trappola della povertà, la rottura di uno storico equilibrio tipico delle campagne basato sulla forza di tolleranza a condizioni ritenute immutabili. La migrazione, in questo caso, seleziona chi ha una solida motivazione, chi rifiuta l’adattamento, chi sa sfruttare appieno le opportunità offerte dal dislivello di circostanze economiche tra paesi di origine e paesi di destinazione.
A partire dalla metà del XX secolo e ancor più nel passaggio del millennio, assistiamo a una serie di fenomeni – alcuni congiunturali, altri strutturali – che modificano le caratteristiche delle vicende migratorie: l’inversione del ciclo di crescita economica, il ripiegamento demografico di alcune aree del pianeta, l’allentamento dei legami umani fra Europa e resto del mondo, l’esplosione di conflitti con sconvolgimenti che hanno pochi paragoni nella storia. Tutto ciò implica la necessità di riconsiderare i fenomeni migratori e le condizioni che li generano; si impone, ad esempio, il riconoscimento della differenza concettuale tra migrazione fisiologica e migrazione di rifugiati e profughi. Pezzi di mondo sono crollati, falliti, e la loro fine innesca partenze che portano sulle nostre coste il migrante nigeriano che fugge la fame e quello siriano che abbandona una città bombardata. Il loro arrivo confligge con le difficoltà legate all’assorbimento nell’attuale contesto economico occidentale, contrassegnato da una forte disoccupazione: come affrontare il problema, come valorizzare la possibilità di accoglienza senza che sia stravolta la struttura sociale ed economica del paese? Come conciliare il diritto che gli Stati hanno di governare i flussi migratori con il dovere di accogliere chi ha lo status di rifugiato? D’altra parte, l’attuale Europa a produttività frenata, in cui la popolazione anziana ostacola l’inserimento dei giovani ma determina anche un forte aumento della domanda di servizi personali, in cui si afferma una richiesta di qualificazione ad alto livello ma anche di sostegno a lavoro poco qualificato in settori come l’agricoltura e l’edilizia, apre altri interrogativi e rende problematico ogni tentativo di soluzione: ad esempio, l’idea di armonizzare andamento economico e migrazione e di programmare i flussi, da molti sostenuta, è risultata finora fallimentare.
I costrutti delle scienze economiche e sociali restituiscono la complessità della situazione e la necessità di alcuni radicali cambiamenti di rotta; voce sempre più isolata o almeno in controtendenza, Livi Bacci sostiene l’ipotesi di un governo internazionale del fenomeno, una istituzione sovranazionale alla quale possano essere cedute frazioni, anche minime, della sovranità statuale in ambiti connessi con le migrazioni. Ma suggerisce anche di cambiare la struttura mentale nell’approccio al fenomeno: non considerare il migrante solo nella sua condizione economica di forza lavoro, elemento estraneo alla società che lo accoglie, ma valorizzare la qualità del capitale umano, attivando politiche sociali finalizzate.
Ciò implica integrare i modelli interpretativi usuali con le idee di immigrazione di insediamento e di cittadinanza e affrontare nel dibattito pubblico, e quindi anche a scuola, i temi della crisi della regione di arrivo e di una strategia politica che contempli la volontà di inclusione.
Il libro fornisce agli insegnanti una grande ricchezza di elementi per un approccio ampio e articolato sul piano interdisciplinare, ma non elude un presupposto valoriale. Livi Bacci ricorda, infatti, in conclusione, una lezione fondamentale: “Quanta strada c’è ancora da fare per dare ordine e dignità a una delle prerogative fondamentali dell’individuo: quella di spostarsi nello spazio, senza ledere i diritti altrui e senza il timore che ai propri venga fatta violenza”.
Enrica Dondero
[IF]Exit West – HAMID (BC)
HAMID, Mohsin. Exit West. Torino: Einaudi, 2017. 156p. Resenha de: GUANCI, Enzo. Il Bollettino di Clio, n.8, p.75-76, dic., 2017.
Una storia d’amore.
“In una città traboccante di rifugiati ma ancora perlopiù in pace, o almeno non del tutto in guerra, un giovane uomo incontrò una giovane donna in un’aula scolastica e non le parlò. Per molti giorni. Lui si chiamava Saeed e lei si chiamava Nadia…”
È l’incipit dell’ultimo romanzo di Mohsin Hamid, lo scrittore pakistano che dopo aver studiato e lavorato molti anni negli USA è tornato a Lahore, dove attualmente vive, muovendosi spesso, tuttavia, tra Londra e New York.
La pubblicazione nel 2007 del suo Il fondamentalista riluttante ci penetrò nelle riflessioni pensierose di un intellettuale di formazione islamica ma in qualche modo integrato nella cultura americana, dopo che l’attentato dell’11 settembre aveva cambiato per sempre il rapporto tra l’Occidente e il Medio Oriente islamico.
Dieci anni dopo questo Exit West vuole introdurci nell’universo della migrazione, di coloro che cercano l’uscita a Ovest.
Come? Raccontando una storia d’amore o, per meglio dire, una normale storia di coppia. La storia di due giovani dei nostri giorni che si conoscono, si amano, si separano, hanno nuovi compagni e nuove compagne. La loro particolarità, però, è quella di essere migranti.
Il racconto di Hamid salta completamente il viaggio. Non gli interessa farci conoscere i viaggi, le traversie, le angherie dei trafficanti, l’alto rischio del trasporto. Possiamo solo immaginarli: alcuni personaggi loschi non meglio descritti aprono ai nostri Saeed e Nadia alcune “porte” dove si può “passare”.
La prima metà del romanzo ci racconta la trasformazione della loro città, dove i giovani studiano, lavorano, si innamorano, ballano, fumano, ascoltano musica, si confrontano con i loro genitori; piano piano tutto questo diventa prima difficile, poi pericoloso, infine impossibile. La città è in guerra. La guerra è arrivata in città.
“Adesso nella città il rapporto con le finestre era cambiato. La finestra era il confine attraverso il quale era più probabile giungesse la morte. Le finestre non costituivano una protezione neanche dai proiettili più fiacchi: qualunque locale con una vista sull’esterno poteva essere preso in mezzo dal fuoco incrociato. Inoltre i vetri di una finestra frantumata da un’esplosione potevano trasformarsi in schegge di granata, e tutti avevano sentito di qualcuno dissanguato dai frammenti di vetro.” (p.46)
Bisogna andarsene. E sarà duro, molto duro, abbandonare la propria casa, i propri affetti. Il padre di Saeed, che aveva accolto Nadia come una figlia, decide di restare. Lui non ce la fa, ma forza i due ragazzi ad andar via, a “passare la porta”
“In quei giorni si diceva che il passaggio era un po’ come una morte e un po’ come una nascita, e in effetti Nadia provò una sensazione di annientamento mentre entrava nell’oscurità e lottò furiosamente per respirare mentre cercava di uscirne, ed era infreddolita, contusa e bagnata quando si ritrovò distesa sul pavimento della stanza dall’altra parte, tremava e sulle prime era così spossata che non riusciva ad alzarsi, e pensò, mentre boccheggiava per riempirsi i polmoni d’aria, che quella sensazione di bagnato doveva essere il suo sudore.” (p. 67)
Saeed e Nadia nascono di nuovo. E crescono tra campi profughi e “porte” e “passaggi” che conducono ad altri campi, altri luoghi, altra gente, in cui “tutti erano stranieri, e quindi in un certo senso nessuno lo era”.
La grandezza di Mohsin Hamid sta qui. Nella seconda metà del romanzo riesce a darci conto dell’odissea di persone normali costrette a fuggire, a “migrare”, da un campo profughi ad un altro. Ci racconta con brevi ma efficacissimi tratti la vita del campo che “ricordava per certi versi una stazione commerciale dei vecchi tempi della corsa all’oro, e vi si vendevano o si scambiavano molte cose, dalle maglie pesanti ai telefoni agli antibiotici a sesso e droghe sottobanco…”. Non solo. In altre occasioni Hamid ci ricorda che “c’erano volontari che distribuivano cibo e medicine, ed enti assistenziali all’opera”. Insomma, quella di Saeed e di Nadia somiglia molto a un’Odissea senza un’Itaca, un posto dove fermarsi per vivere la propria vita. Ma quella di Saeed e Nadia somiglia maledettamente anche all’odissea di ciascuno di noi, perché nell’era della globalizzazione “si stavano aprendo tutte quelle porte da chissà dove, e arrivava ogni sorta di strana gente…”.
Insomma il romanzo dei migranti è, in fondo, al netto di tutte le sofferenze e i patimenti dei trasferimenti sui barconi e sui sentieri di montagna, il romanzo della vita giacché “…tutti emigriamo anche se restiamo nella stessa casa per tutta la vita, perché non possiamo evitarlo.
Siamo tutti migranti attraverso il tempo.
Enzo Guanci
[IF]Libertà di migrare. Perché ci spostiamo da sempre ed è bene così – CALZOLAIO; PIEVANI (BC)
CALZOLAIO, V. ; PIEVANI, T. Libertà di migrare. Perché ci spostiamo da sempre ed è bene così. Torino: Einaudi, 2016. 144p. Resenha de: PERILLO, Ernesto. Il Bollettino di Clio, n.8, p.77-79, dic., 2017.
Le migrazioni sono processi complessi. La storia e la geografia (assieme ad altre discipline, come ad esempio l’antropologia e la biologia) possono aiutarci a comprenderli, perché tempo e spazio sono parametri utili per mettere in prospettiva un problema, soprattutto se complicato e difficile come questo.
Per capire il presente e i suoi eventi abbiamo bisogno di distanza, di prenderne le distanze. Così come per capire il luogo nel quale ci è capitato di vivere, ce ne dobbiamo allontanare. Da fuori si vedono altre cose e aspetti che prima rimanevano invisibili.
Il saggio di V. Calzolaio e T. Pievani parla di migrazioni nella prospettiva spazio-temporale del tempo profondo dell’evoluzione e della storia di Homo sapiens, su scala planetaria.
Inserire la vicenda umana nel contesto dell’evoluzione ci aiuta a comprendere come il fenomeno migratorio riguardi prima di tutto animali e piante che nel lunghissimo periodo seguono i destini dei territori in cui abitano (che si separano e si uniscono a causa della deriva dei continenti e dei cambiamenti climatici) e abbia un ruolo decisivo nel processo evolutivo, dando origine spesso a nuove specie.
Quella umana è stata condizionata da sempre dal migrare di altre specie e le ha condizionate con i suoi spostamenti che hanno assunto nel tempo una straordinaria funzione evolutiva, non solo per chi si spostava ma anche per gli ecosistemi coinvolti.
I capitoli iniziali del saggio di Calzolaio e Pievani ripercorrono le tappe delle migrazioni umane dagli albori della storia degli ominidi intorno a 6 milioni di anni fa in Africa, che resta il territorio di massima espansione della specie fino a 2 milioni di anni fa, fornendo le premesse per un possibile atlante globale delle migrazioni umane.
Il bipedismo è stato l’innovazione decisiva, con la conseguente liberazione delle mani. Dal cespuglio di forme ominide, una molteplicità di specie distribuite tra l’Etiopia e il Sudafrica, è emerso il genere Homo intorno a 2,5 milioni di anni fa, all’inizio del Pleistocene in concomitanza di continue oscillazioni glaciali. In questo periodo, per la prima volta nella storia, ha luogo un processo di espansione che porterà il genere Homo a oltrepassare i confini dell’Africa, in un arco temporale che abbraccia decine e centinaia di migliaia di anni. “(…) Immaginiamo che un piccolo campo base umano venga spostato lungo certi corridoi geografici di 2 o 3 chilometri per ogni generazione, ogni 25 anni (…) in 100.000 anni dall’Africa si può raggiungere la Cina. Non è necessaria alcuna intenzione di farlo. Se il clima cambia, le fasce di vegetazione lentamente si spostano, e con esse le faune: tutte le vicende di rilievo del nostro genere si svolgono nell’instabilità delle oscillazioni climatiche del Pleistocene”. (pp. 17-18).
In tre ondate migratorie successive (Out of Africa), sostanzialmente attraverso gli stessi corridoi geografici (valle del Nilo e costa del Mar Rosso verso il Mediterraneo; corridoi del Levante e da qui smistamento verso l’Asia e l’Europa), si perfeziona la conquista africana del mondo: e intorno a 50-45000 anni Homo sapiens entra per la prima volta in Europa. Al suo arrivo l’Eurasia era già abitata da altre specie umane. “Quello che oggi ci sembra fuori discussione, cioè essere l’unica specie umana sulla Terra” affermano gli autori “ in realtà è un evento recente frutto di numerose e sovrapposte migrazioni” (p. 27).
In meno di 50 mila anni Homo sapiens arriverà a completare il popolamento dei continenti, imponendosi sulle altre specie umane (almeno tre). Secondo gli autori questo successo è dovuto alla migliore capacità migratoria dei nostri antenati. Alla base, un circolo virtuoso tra comportamenti sociali e culturali più avanzati (in particolare per quanto riguarda lo sviluppo del linguaggio e dell’intelligenza simbolica), la capacità migratoria e l’espansione territoriale.
Il viaggio ormai non è solo costrizione ma intenzione e scelta connessa alla capacità di trasformare le nicchie ecologiche.
Mentre alcuni popoli restarono raccoglitori cacciatori, altri si avviarono verso la domesticazione di piante e animali in un processo di differenziazione dovuto al “variopinto mosaico di fattori ecologici e geografici” (clima, geologia, habitat, epidemie…).
Il cambiamento radicale si ha con la rivoluzione agricola: fino allora (intorno ai 10 mila anni prima di Cristo) gli umani erano quasi tutti raccoglitori cacciatori senza fissa dimora (si è stimata una popolazione mondiale intorno ai 10 milioni); il loro numero progressivamente andrà diminuendo fino allo 0,001 per cento su una popolazione totale di tre miliardi negli anni Settanta del XX secolo.
Inizia una nuova fase: il tempo delle emigrazioni e delle immigrazioni da e verso territori di altri popoli, che dura fino ad oggi.
Si possono individuare 8 ondate migratorie collettive di neocontadini, secondo un processo non lineare (ci furono anche contrazioni demografiche) e con differenze in parte spiegabili con i vincoli ambientali. Le strategie adattive di Homo sapiens migrante globale sono alla base della diversità umana, biologica e culturale, accelerata da spostamenti e rimescolamenti: le culture e le tecnologie sono state gli strumenti delle comunità umane in movimento per vivere in climi e ambienti i più diversi e instabili.
Attorno alle risorse idriche si vanno formando le prime civiltà con la specializzazione e complessità legata alla successiva rivoluzione urbana e della scrittura. Migrare non è ora solo comportamento adattivo legato a criticità climatiche o ecologiche; è in qualche modo un comportamento culturale: accanto alle costrizioni del migrare (ora anche quelle in conseguenza delle guerre umane e dell’aggressione violenta di un gruppo su un altro) si va affermando la libertà di migrare.
Sia forzati che non, gli spostamenti con il neolitico incisero profondamente sulle dinamiche culturali, sociali, linguistiche e genetiche delle popolazioni. Si complicarono e intensificarono i meticciati (basti penare alle tracce di incontri tra migranti presenti in ogni lingua): “Non ci sono un tempo e un luogo ove osservare una comunità di umani in una forma autentica e originaria.” (p. 67).
Ci sono confini naturali (nicchie e corridoi di specie, barriere geografiche, linee di costa, crinali montani…) e confini artificiali, antropici: con la diffusione dell’agricoltura stanziale si vanno consolidando i confini artificiali. E nel progressivo affermarsi della centralizzazione dei poteri decisionali, del controllo della forza e dell’imposizione di gerarchie e dominio si stabilizzano i confini istituzionali che le migrazioni in qualche modo mettono in discussione, contribuendo a configurare l’evoluzione della specie sul pianeta e a determinare processi di differenziazione e trasformazione delle biodiversità e dinamiche che durano ancora oggi.
“Prima dell’età antica, la specie umana non è tutta nomade e seminomade, come si legge da troppe parti. Esiste un antichissimo e complesso fenomeno migratorio, precedente il tradizionale inizio della storia. Poi, dopo la diffusa rivoluzione neolitica, si stagliano probabilmente due lunghi periodi storicamente e geograficamente determinati delle migrazioni umane sulla Terra: il periodo antico della diffusione dell’agricoltura, primo e quasi unico settore produttivo, anche durante i fenomeni medievali (e forse non proprio solo europei latino-germanici) del feudalesimo e dell’assolutismo; il periodo moderno dell’espansione di Stati europei e di confini statuali, subito collegato al periodo contemporaneo delle rivoluzioni industriali, fino alla globalizzazione e ai cambiamenti climatici antropici globali.” (p. 71).
Si rende dunque indispensabile, secondo gli autori, la ricostruzione dell’“impasto migratorio fra mondi separati delle antichissime e antiche comunità” per capire anche gli sviluppi successivi della vicenda umana.
Gli ultimi capitoli del volume sono dedicati alla storia moderna e contemporanea delle migrazioni a cominciare dai due Out of Europa: il primo con la conquista del mondo da parte degli Stati europei a partire dall’inizio del XVI secolo; il secondo dopo la rivoluzione industriale alla fine del XVIII secolo con l’inizio dell’Antropocene.
Alla base delle migrazioni internazionali del primo Out of Europa, tra gli altri fattori, l’affermazione dello Stato moderno e poi di quello nazionale, delle nuove armi e delle nuove navi. Del secondo, l’espansione del capitalismo, l’imperialismo degli Stati europei che nel 1914 controllavano l’81,4 per cento della superficie mondiale, le dinamiche demografiche ed economiche delle madrepatrie: nei primi decenni del Novecento La somma dei migranti era pari a circa il 5 per cento della popolazione mondiale. Emigrazione e immigrazione si formalizzano con gli Stati nazionali: si vanno definendo in questo periodo la condizione di profugo e di rifugiato e si cominciano ad adottare politiche migratorie statali, soprattutto per il controllo degli arrivi e il contingentamento dei flussi.
Venendo all’oggi, gli autori mettono in rielevo il nesso tra clima e migrazioni, documentato anche dai numerosi rapporti del Gruppo intergovernativo sul cambiamento climatico (IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change http://www.ipcc.ch/index.htm); nesso peraltro già presente nelle migrazioni di massa della specie all’inizio della sua storia. Con una novità decisiva: adesso l’ecosistema globale è messo in discussione dall’azione di Homo sapiens. I profughi ambientali (migranti forzati dall’impatto umano sugli ecosistemi, da disastri e delocalizzazioni) sarebbero nel 1994 circa 25 milioni, cui dobbiamo aggiungere quelli a seguito di guerre, violazione dei diritti, povertà, disuguaglianze multiple: i migranti forzati costretti a fuggire dalle loro case sono stati 59,5 milioni alla fine del 20I4, con una tendenza al rialzo che sembra consolidarsi.
Di fronte a questo quadro, che fare? Gli autori propongono tre percorsi per non subire ma gestire i futuri flussi migratori: – riconoscere i rifugiati climatici; – contrastare le migrazioni forzate; – gestire le migrazioni sostenibili.
Sono migranti contemporanei a noi oltre un miliardo dei sette e mezzo miliardi di donne e uomini che vivono nel pianeta. Accanto alla libertà di migrare (già prevista nella Dichiarazione universale dei diritti umani: art. 13 e 29), va garantito il diritto di poter retare con dignità nel territorio dove si è nati.
Un impegno decisivo per la sopravvivenza, la convivenza, lo sviluppo di Homo sapiens e dell’intero ecosistema: “La virtù necessaria per questa impresa è anche una delle più scarse al momento: la lungimiranza. Verso il passato e verso il futuro”.
Ernesto Perillo
[IF]Revista TEL. Irati, v.8, n.1, 2017.
Dossiê: Fronteiras nacionais
Expediente | Editorial Board | Cuerpo Editorial
- Expediente | Editorial Board | Cuerpo Editorial
- Oseias de Oliveira
Editorial | Editor’s Note | Presentación
- História, Cultura e Produção de Conhecimento
- History, Culture and Knowledge Production
- Oseias de Oliveira (UNICENTRO), Fabio Hahn (UNESPAR)
- PENSAR AS FRONTEIRAS A PARTIR DAS FRONTEIRAS
- Fábio André Hahn (UNESPAR), Leandro Baller (UFGD)
Dossiê | Special Issue | Dossier
- Um Olhar Sobre os “Empates”: Resistência da/na Fronteira Sul-Ocidental Amazônica
- A Look About The “Empates”: Resistance Of/In The South-West Amazon Frontier
- Una Mirada Sobre Los “Empates”: Resistencia de la/en Frontera Sul-Ocidental Am
- José Sávio da Costa Maia (UFAC)
- Entre passado e presente: narrativas de multiculturalidade na fronteira
- Between past and present: narratives of multicultural on border
- Entre pasado y presente: narrativas de multiculturalismo en la frontera
- Thiago Reisdorfer (UDESC)
- Polissemia E Multiculturalismo Em Fronteiras
- Polysemy And Multiculturalism In Frontiers
- Polisemia Y Multiculturalismo En Fronteras
- Jose Carlos dos Santos (UNIOESTE)
- Um Olhar Sobre A Fronteira: Os Relatos Do Sertanista Edmundo Alberto Mercer
- A Look About Frontier: The Reports Of Edmundo Alberto Mercer
- Fábio André Hahn (UNESPAR), Leandro Baller (UFGD)
- O Cotidiano dos Professores e Alunos Pertencentes às Escolas de Fronteira
- The Daily of Teachers and Students Belonging to the Border Schools
- El Cotidiano de los Profesores y Alumnos Pertenecientes a las Escuelas de Frontera
- Lucilene Machado Garcia Arf (UFMS), Sabrina Rodrigues Velasque (UFMS)
- Uma Fronteira Esquecida e um Vizinho a se Descobrir: a Emancipação Guyanense ao Extremo Norte Do Brasil
- A Forgotten Frontier and a Neighbor to be Discovered: The Guyanense Emancipation
- Una Frontera Olvidada un Vecino a Descubrir
- Américo Alves Lyra Junior (UFRR), Rayanne Santos Silva (UFRR)
Artigos | Articles | Artículos
- Nupcialidade e normatização populacional: a implantação do casamento civil em Curitiba, PR (1890-1921)
- Nuptiality and population normatization: the introduction of civil marriage in Curitiba, PR (1890-1921)
- Marco Aurélio Monteiro Pereira (UEPG)
- O empoderamento da comunidade. Estudo de caso “Oscar Lucero Moya”, Holguin-Cuba
- Community empowerment. Case study “Oscar Lucero Moya”, Holguin-cuba
- Empoderamiento comunitario. Caso estudio “oscar lucero moya”, Holguín- Cuba
- Olga Alicia Gallardo Milanés (UHO), Laís Martínez Gallardo (UHO), Nury Valcarcer Leyva (UHO)
- Usos e abusos do fundo de emancipação de escravos na província da Bahia (1871-1888)
- Uses and abuses of the slave emancipation fund in the province of Bahia (1871-1888)
- Usos y abusos del fondo de emancipación de esclavos en la provincia de Ba
- RICARDO TADEU CAIRES SILVA (UNESPAR)
- Dialética da migração: ucranianos e poloneses em prudentópolis/pr
- Migration dialectics: ukrainian and polish in Prudentópolis/PR
- Dialetica de la migración: ucranianos y polones en Prudentópolis/PR
- Odinei Fabiano Ramos (UNICENTRO)
- “Boa política se faz com gente do bem”: candidatos evangélicos nas eleições proporcionais de 2016 em Campo Mourão, PR
- “Good policy is made by good people”: evangelical candidates in 2016 proportional elections in Campo Mourão, PR
- “Buena polí
- Frank Antonio Mezzomo (UNESPAR), Cristina Satiê de Oliveira Pátaro (UNESPAR)
- Festa, Imaginário Amazônico e Territorialidade Cultural do Sairé no Oeste Paraense
- Feast, Amazon Imaginary And Cultural Territoriality Of Sairé In The West Paraense
- Fiesta, Imaginario Amazónico Y Territorialidad Cultural Del Sairé En
- Maria Augusta Freitas Costa (UFPA)
Projetos de Pesquisa | Research’s Note | Proyecto de Investigación
- Sociabilidades tensas: práticas criminosas em casas comerciais – Mallet/PR, 1940-1978
- Strained sociabilities: criminal practices in commercial houses – Mallet/PR, 1940-1978
- Sociabilidades tensas: prácticas criminosas en casas comerciales –
- Leonardo Henrique Lopes Soczek (UNICENTRO)
Publicado: 2017-11-21
Mundos do Trabalho. Florianópolis, v.9, n.17, 2017.
História Social do Trabalho na Amazônia
Apresentação
- Trabalho e trabalhadores na história da Amazônia
- Adalberto Paz, Lara de Castro..
- PDF/A
Dossiê
- Os oficiais índios e a mão de obra indígena livre na Amazônia colonial (1700-1798)
- Rafael Ale Rocha….
- PDF/A
- Trabalho escravo em Belém do Grão-Pará no contexto de crise da escravidão negra (1871-1888.
- qualificação profissional, lugares e formas de trabalho
- Luiz Carlos Laurindo Junior….
- PDF/A
- Trabalho, territorialização e conflito pelo uso dos recursos naturais no Rio Madeira /AM (1861 – 1932)
- Davi Avelino Leal….
- PDF/A
- Entre estrangeiros e nacionais: agentes públicos e o ideal de trabalhador na propaganda e legislação nos primeiros anos da República no Pará
- Francisnaldo Sousa dos Santos, Francivaldo Alves Nunes….
- PDF/A
- Lideranças estrangeiras entre os trabalhadores manauaras (1910-1930)
- Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro…..
- PDF/A
- Tércio Miranda: uma liderança anarquista na Amazônia (1913-1914)
- Luciano Everton Costa Teles……
- PDF/A
Artigos
- O legado da “Era Vargas”: balanço de debates
- Murilo Leal Pereira Neto……
- PDF/A
- Uma questão de sal do cotidiano: literatura, boemia e trabalho Anthístenes Pinto
- Vinicius Alves do Amaral……
- PDF/A
Resenhas
- Judiciário trabalhista e relações de trabalho no Brasil: relativizando teses, enterrando mitos
- Valéria Marques Lobo……
- PDF/A
Entrevistas
- Barbara Weinstein e os Mundos do Trabalho na Amazônia
- Antônio Alexandre Isidio Cardoso……
- PDF/A
Publicado: 2017-12-13
Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.17, n.4[47], 2017.
Outubro/Dezembro
Editorial
- Editorial
- Comissão Editorial RBHE (Autor)
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Artigos
- Editorial
- Comissão Editorial RBHE (Autor)
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- PDF (Español (España))
- Baltasar Pardal. Fundador de La Grande Obra de Atocha, una institución creada para educar a la mujer
- Maria Del Carmen Gómez Gómez, Jacinto Escudero Vidal, María Teresa Iglesias Polo (Autor)
- PDF (Español (España))
- Uma reconstituição da filosofia educacional de John Dewey
- Paula Linhares Angerami (Autor)
- Ideias, conceitos, contextos: a contribuição de Reinhart Koselleck à escrita da História da Educação
- Jean Carlo de Carvalho Costa (Autor)
- PDF (English)
- A educação formativa da estudante Petronila da Silva Neri no Grupo Escolar ‘João Tibúrcio’ da cidade de Natal (1935-1938)
- Marta Maria de Araújo (Autor)
- As ‘Cartas de Formação’ de Mário de Andrade (1924-1945) e sua Potência Educativa
- Flavio Tito Cundari da Rocha Santos, Julio Groppa Aquino (Autor)
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- Ensino de História, Patrimônio Cultural e Memória Social: desafios e possibilidades de uma comunidade escolar em Madureira/RJ
- Juçara da Silva Barbosa Mello, Sergio Hamilton da Silva Barra (Autor)
- Católicos para Deus e brasileiros para a pátria: os povos indígenas do alto Rio Negro e a Educação Escolar Salesiana (1960-1980)
- Mauro Gomes Costa (Autor)
- Grupos escolares rurais em Pelotas na década de 1920: fotografias da propaganda da Intendência Municipal
- Patricia Weiduschadt, Renata Brião de Castro (Autor)
- Aspectos da Crise do Programa Institucional no Colégio Pedro II (1931-1945)
- Jefferson da Costa Soares (Autor)
- Escritas que cruzam o tempo: dos diários de classe aos cadernos de anotações da Professora Maria Franca Pires (Juazeiro, 1957-1985)
- Iracema Campos Cusati, Mário Ribeiro dos Santos, Virgínia Pereira da Silva de Ávila (Autor)
- Instituições Escolares: o Colégio Marista de Cascavel
- Felipe Luiz Gomes Figueira, Marcos Ayres Barboza (Autor)
Publicado: 2017-12-02
História, Natureza e Espaço. Rio de Janeiro, v.5, n.1, 2016.
- OITAVA EDIÇÃO
- Publicado: 2017-11-02
- Artigos
- A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NO RIO DE JANEIRO OLÍMPICO: UM ESTUDO SOBRE O CAMPO OLÍMPICO DE GOLFE DA BARRA DA TIJUCA
- DOI: https://doi.org/10.12957/hne.2016.31101
- Marcus Pianura
- BREVES REFLEXÕES SOBRE A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NO INTERIOR DOS TRENS NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
- DOI: https://doi.org/10.12957/hne.2016.31102
- Juliana Macedo de Sousa
- Entrevista Com a Profª Dr.ª Simone Fadel sobre a criação do NIESBF, Biblioteca Virtual do Meio Ambiente e FEBF/UERJ
- DOI: https://doi.org/10.12957/hne.2016.31103
- Simone Fadel
- MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS NO BRASIL EM JUNHO DE 2013: DA APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO URBANO PARA O DIREITO À CIDADE
- DOI: https://doi.org/10.12957/hne.2016.31104
- Rafael Correia Neves
- PRODUZINDO O VAZIO: REPRESENTAÇÕES DO ESPAÇO URBANO NA REGIÃO PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO
- DOI: https://doi.org/10.12957/hne.2016.31208
- Frederico Basso Montanari
- Releituras da geografia urbana sobre o Complexo da Maré
- DOI: https://doi.org/10.12957/hne.2016.31106
- Julia Carneiro Rossi
- O estudo das fronteiras agrárias no processo de reocupação da cidade IvatubaPR
- DOI: https://doi.org/10.12957/hne.2016.33113
- João Paulo Pacheco Rodrigues
Arquivo – APCBH. Belo Horizonte, v.4, n.4, 2017.
- REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de 2017‐ ISSN: 2357‐8513 3
- Sumário
- AGRADECIMENTOS
- Editorial . 06
- ARTIGOS Relatos de Raul Tassini sobre a Pampulha: impressões que vão além do discurso da Pampulha moderna . 08
- Carolina Paulino Alcântara Victor Tadeu de Oliveira Pereira “Triste horizonte”: a Serra do Curral del Rey, o marco geográfico da capital de Minas (1897-1975) . 30
- Alessandro Borsagli A formação urbana de Belo Horizonte: o parque municipal e o viaduto Santa Tereza .. 53
- Gabriel Esteves Campos Costa O “Projeto Lagoinha” na cidade de Belo Horizonte: memória e esquecimento nas comemorações do centenário (década de 1990) .. 72
- Renata Lopes Memória documental: um importante contributo para a compreensão do processo de desorganização social no hipercentro de Belo Horizonte .. 95
- Bruna Hausemer As árvores e a cidade: temas de pesquisa no catálogo de fontes sobre arborização em Belo Horizonte .. 120
- Carolina Marotta Capanema Avenida Afonso Pena – Belo Horizonte/MG: análise de suas três espacialidades (baixa, média e alta) .. 150
- Fernando Henrique da Silva Roque Jackson Junio Paulino de Morais Lana Marx de Souza Regina Gonçalves Bastos Winnie Parreira Patrocínio Reconstruindo uma memória esquecida: a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Contagem em seus primórdios e o lugar do povo negro . 169
- Kelly Rabello
- A frequência e as temáticas de uso no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte pelos estudantes do curso de História da UFMG . 192
- Bruna Michels Rafaela Patente Eugenia e raça em Belo Horizonte: um discurso a partir da Revista Alterosa .. 212
- Ivana Morais Silva de Carvalho Lucimar Lacerda Machado Memória e manifestações Art Déco nas páginas de Bello Horizonte .. 237
- Carlos Eduardo de Almeida Oliveira Ensino de história, educação patrimonial e relações de gênero: uma análise da oficina desvendando o arquivo público .. 253
- Tiago Vidal Medeiros Pensar as ações educativas do Museu Casa Kubitschek: abordagens e práticas experimentais para a educação em museus . 265 Ana Karina Ribeiro Bernardes Pollyanna Lacerda Machado (Re) descobrindo a Pampulha: patrimônio, discursos e alteridade .. 279
- Ana Carolina Bernardo Guimarães Bryan Martins Gustavo Dias Gustavo Matos Marco Antônio Náthalekaren Oliveira Scarlath Ohana Tamires Celi da Silva SEÇÃO – ARQUIVO NA SALA DE AULA Proposta pedagógica 1 . 297
- Moacir Fagundes de Freitas, Luíza Rabelo Parreira, Douglas de Freitas Proposta pedagógica 2 . 303
- Marcelina das Graças de Almeida ENTREVISTA Luciana Teixeira de Andrade – professora PUC Minas .. 307
Westund Nordeuropa Juni 1942-1945 – HAPPE (RH-USP)
HAPPE, Katja. Westund Nordeuropa Juni 1942-1945. Berlin: De Gruyter Oldenbourg, 2014. Die Verfolgung und Ermordung der europäischen Juden durch das nationalsozialistische Deutschland 1933-1945, 12p. Resenha de: LEITE, Augusto Bruno de Carvalho Dias. Contribuição à historiografia sobre a Shoah. Revista de História (São Paulo) n.176 São Paulo 2017.Nov 13, 2017.
A ilustrada Alemanha do início do século XX mobilizou os recursos mais avançados que a racionalidade moderna possuía para a guerra. Mais do que isso, durante o regime Nacional-Socialista alemão (1933-1945), racionalizou-se o processo de expulsão dos “indesejados” para fora dos limites do Reich. Particularmente, contra os judeus, assimilados ou não, a solução encontrada foi a imediata eliminação: “a solução final para a questão judaica” [die Endlösung der Judenfrage].
A Shoah [שואה], do hebraico “calamidade” ou “catástrofe”, termo que nomeia a perseguição e o assassinato dos judeus na Europa sob o domínio do III Reich alemão, apesar de já exaustivamente explorada, rememorada e elaborada, especialmente em ambiente europeu, norte-americano e israelense, persiste como evento singular, paradigma político e histórico. Entretanto, a produção propriamente historiográfica que se debruça sobre o tema é fragmentada, quando não restrita à memorialística, havendo, por isso, uma lacuna a ser sanada. Os anos 19901 tentam preencher esse hiato com vasta publicação interessada em estudar e compreender a “catástrofe” judaica, catalisada pelo aparecimento e pela análise de documentos até então inéditos que surgem no horizonte historiográfico da pesquisa pelo trabalho de investigadores e familiares de sobreviventes que dispõem para o público artefatos e documentos que atestam eventos, reafirmando registros ou mesmo iluminando novos fatos.
É sensível ao estudioso da Shoah, desde o aparecimento de Le Bréviaire de la haine : Le IIIe Reich et les juifs [O breviário do ódio: o III Reich e os judeus]2, de Léon Poliakov, em 1951, a exigência documental sobre esse ramo historiográfico. Há uma demanda, por vezes tácita, sobre o rigor documental próprio ao teor científico que um estudo histórico em geral exige. Tal demanda pretende que os estudos sobre a Shoah possam se deslocar da “moral política” para o campo dos estudos históricos. Com efeito, há necessidade de documentação para que a crítica documental refina o conhecimento sobre esse evento que, podese afirmar, seccionou o século XX europeu. As últimas décadas não apenas produzem o registro de entrevistas ou memórias individuais como também arregimentam em vários acervos uma documentação riquíssima, com vasto material salvo da destruição ou do esquecimento, disponibilizada, inclusive, on-line, como a reunida no United States Holocaust Memorial Museum.
Desse modo, a compilação de coleções de documentos que testemunham a “catástrofe” conforme o seu desenvolvimento parece sugerir que os estudos sobre a Shoah estabelecem, a cada dia, uma boa relação com o plano historiográfico. É o que se vê no décimo segundo volume do projeto Die Verfolgung und Ermordung der europäischen Juden durch das nationalsozialistische Deutschland 1933-1945 [A perseguição e assassinato dos judeus europeus pela Alemanha Nacional-Socialista 1933-1945] (2008-2018), que acaba de ser publicado com uma monumental documentação, novamente, enriquecendo a historiografia do público de língua alemã. Trata-se de um dos volumes desse projeto que colige documentos originais do período Nacional-Socialista alemão, com particular enfoque na atuação da burocracia do Reich em relação à população judaica do continente europeu além do Magrebe. É um trabalho que, apesar de sua vocação universalista, por tratar de tema sensível ao conjunto de pautas humanitárias históricas, foi feito por alemães e, sobretudo, para alemães, como sugerem os editores.3 Há a intenção pedagógica para a construção da memória e da história alemã do século XX. Com rigor técnico e, ao mesmo tempo, sensibilidade didática ao leitor não iniciado ao tema, o chamado projeto VEJ – abreviação do título – se desenvolve como material de pesquisa para o historiador, mas também para o leitor interessado, para o leigo que deseja compreender o passado recente da história alemã ou se aproximar da experiência vivida pelos contemporâneos do Estado nazista, por meio da leitura de documentos da época. Para tanto, toda documentação é cuidadosamente traduzida e apresentada de maneira imediata ao leitor, com o cuidado de explicar aquilo que ao leigo pode soar incompreensível, o que se pode averiguar pelas notas de pé de página, sempre esclarecendo de maneira objetiva e em linguagem simples algum fato ou personalidade do período.
A coleção possuirá dezesseis volumes ao final de sua publicação, prevista para o ano de 2018. Os volumes são organizados cronologicamente, do ano de 1933 a 1945, compreendendo, então, o período de ação e desenvolvimento do Reich Nacional-Socialista alemão, incluindo os territórios ocupados, assim como o período da Segunda Grande Guerra. Serão cerca de 5 mil documentos reunidos no total, sendo que, a cada volume, aproximadamente 320 documentos devem compor o dossiê a ser apresentado na edição em questão. Foi estipulado que, do total dos documentos contidos em cada volume, com alguma margem de tolerância, 40% devem ser originários do ambiente dos perpetradores – agentes do Reich -, 40% devem ser originários das vítimas – sobreviventes judeus, em sua maioria – e 20% da documentação devem ser de pessoas, órgãos ou instituições sem envolvimento direto com os eventos – como a imprensa internacional. Os documentos apresentados são oriundos de várias regiões da Europa e do norte da África, e apenas as traduções para o alemão estão presentes na obra, que não contém os originais de cada documento. Pode-se descobrir que, nas páginas de cada volume da coleção, há desde cartões postais, recortes de jornais e fragmentos historiográficos a papéis oficiais do Reich, sempre com a exigência de serem evidências produzidas na época em questão, nunca posteriormente. São documentos que não representam apenas um evento, mas um complexo de questões que, apesar da estrutura cronológica, periódica e seccionada por regiões ou países, podem ser cruzadas ou comparadas por volume, por ano ou pela origem geográfica.
O volume 12 possui lugar especial dentro da obra total. Trata-se do exemplar Westund Nordeuropa Juni 1942-1945 [Europa do oeste e do norte, junho de 1942-1945]. Os editores, Katja Happe, Barbara Lambauer e Clemens Maier-Wolthausen, publicaram, em dezembro de 2014, esta obra, que recolhe evidências sobre um dos momentos críticos e decisivos da deportação da população judaica da Europa do norte e da Europa central. Como em outros volumes, há uma “introdução” que inicia o leitor ao contexto sobre o qual a documentação foi produzida, por meio da qual é possível conhecer de maneira breve a história das populações judaicas de cada região visada pelo trabalho e, por outro lado, um breve histórico do antissemitismo característico da região estudada, em relação ao período perscrutado. Pela introdução proposta para o décimo segundo volume, a documentação parece se agrupar orientada pelo impacto das deportações em massa iniciadas no verão de 1942, da Europa central e do norte em direção ao leste (VEJ, 2014).
O décimo segundo volume apresenta 336 documentos originários da Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e França. É impossível analisar a totalidade da compilação de maneira concisa e paulatina, pois o volume é enorme. No entanto, é possível sumarizar o teor da documentação pelo comentário de um documento exemplar: a carta de Jonas (Bob) Cahen (1918-2000) a sua família, na qual o então prisioneiro do campo holandês de Westerbork narra, em novembro de 1942, com qualidade literária e descritiva o que parecia ser uma fração corriqueira de seu dia a dia. Tal fração, entretanto, demonstra de modo exemplar o argumento do volume em questão, que afirma o verão de 1942 como ponto de inflexão da compreensão das ações do Reich para efetivação da Endlösung der Judenfrage. O documento “número 92” do dossiê evoca não apenas imagens gráficas do campo de Westerbork, do primeiro dia do mês de novembro de 1942, mas anuncia uma espécie de vaticínio individual, pessoal, sobre aquilo que ocorria sem o conhecimento das vítimas, a saber, o genocídio, a “perseguição e o assassinato” sistematicamente orquestrados. Jonas Cahen insinua aquilo que se soube somente posteriormente: a “solução final”. Ele sente de maneira intuitiva que é isso, precisamente, o que surge em seu horizonte próximo, na Holanda ocupada, e que irá reduzir em mais de 90% a população de origem judaica até o fim de 1945.4 Com a chegada de 17 mil judeus de toda parte da Holanda, em outubro daquele ano, Cahen descreve o campo de Westerbork, cujas barracas feitas para acomodar 400 pessoas abrigavam por vezes mil.
Die Menschen kamen hier an, gejagt wie Vieh, einige begraben unter ihrem Gepäck, andere ohne jeden Besitz, einige nicht einmal richtig gekleidet. Kranke Frauen, die man aus dem Bett geholt hatte, in dünnen Nachthemden, Kinder in Hemdhöschen und barfuß, alte Leute, Kranke, Gebrechliche – immer mehr neue Menschen kamen in das Lager. Die Baracken waren voll, übervoll. […] Strohsäcke und Matratzen gab es schon lange nicht mehr. […] Sie schliefen auf oder unter Schubkarren im Freien. Es gab nicht genug zu essen. Warmes Essen bekam man manchmal nur alle drei Tage und dann noch zu wenig. Die Säuglinge bekamen keine Milch. […] Die Pumpen für die Wasserversorgung arbeiteten unter Hochdruck und waren nicht mehr in der Lage, das Wasser ausreichend zu säubern, so dass die Menschen verschmutztes Wasser trinken mussten – mit den entsprechenden Folgen.
[As pessoas vieram, escorraçadas como gado, algumas soterradas por suas próprias bagagens, outras sem qualquer bem, algumas nem mesmo vestidas adequadamente. Mulheres doentes que, arrastadas para fora de suas camas, vestiam camisolas, crianças em roupas debaixo e descalças, pessoas idosas, doentes, enfermos – sempre chegavam mais pessoas novas no campo. As barracas estavam cheias, superlotadas. […] Colchões, mesmo que de palha, já não existiam mais. […] Dormiam sobre ou embaixo de carrinhos de mão, ao ar livre. Não havia comida o suficiente. Refeições quentes, apenas a cada três dias e, ainda, em pouca quantidade. Os bebês não obtêm nenhum leite. […] A bomba que trabalhou sob alta pressão para o abastecimento de água já não era capaz de purificá-la o suficiente, fazendo, assim, as pessoas beberem água suja – com as devidas consequências.]5Sobrevivente de Westerbork, mas também de Theresienstadt e Auschwitz, para onde será deportado já no fim da guerra6, Cahen imprime, portanto, uma imagem já conhecida porém ainda impactante da barbárie NacionalSocialista alemã. E, de forma sarcástica, profundamente envolvido com o que experimenta em Westerbork, denuncia o mesmo que Walter Benjamin em suas conhecidas Teses sobre o conceito de história: a natureza nefasta da civilização e da cultura, até então ignorada. Na sétima tese, Benjamin afirma que “não há um documento de cultura que também não seja um documento de barbárie [Es ist niemals ein Dokument der Kultur, ohne zugleich ein solches der Barbarei zu sein]”7. Cahen, endossando o adágio benjaminiano, diz:
Das Zeitalter der Zivilisation – „Deutschland gewinnt an allen Fronten“, „bringt Kultur und Zivilisation!“ Zivilisation, wenn man Menschen auf Schubkarren, auf Rucksäcken oder einfach auf dem Boden liegen lässt? Kultur, wenn man eine Mutter verzweifeln sieht, weil sie ihr Kind nicht nähren kann … keine Milch.
[A era da civilização – “A Alemanha venceu em todas as frentes”, “traz cultura e civilização!”. Civilização, quando se encontra pessoas em carrinhos de mão, em mochilas, ou simplesmente estendidas no chão? Cultura, quando se vê uma mãe desesperada porque não consegue alimentar seu filho… sem leite.]8Jonas Cahen, assim, resume o significado que a Shoah assume dentro da história europeia: simultâneo cumprimento e negação das promessas da civilização e da cultura. Conhecer esse momento de maneira imediata, pelo contato instantâneo com a documentação, gera impressões vivas desse paradoxo, próprio ao momento que se deseja apresentar pelo projeto VEJ.
O ganho natural de tal empreendimento é a reunião de material para pesquisa. O historiador ou pesquisador interessado e comprometido com o tema terá acesso facilitado pelo trabalho monumental que a equipe do projeto VEJ empreendeu. Além disso, não todos, mas muitos documentos são inéditos. Outro ganho que, particularmente, a coleção proporciona é a possibilidade de uma análise transnacional, transtemporal ou transbiográfica segundo os critérios que cada volume apresenta. A facilidade para tal empreitada encontra-se, precisamente, no já mencionado caráter cronológico e seccionado por país, região ou biografia que a coleção impõe à documentação, o que proporciona o acesso facilitado à determinada questão preestabelecida. Por fim, o trabalho do VEJ aponta para a elaboração da memória recente alemã e, ainda, a configuração historiográfica desta memória.
A força deste projeto, mais do que na quantidade intimidadora de documentos apresentados para análise, parece repousar sobre o argumento que persiste de maneira tácita dentro da obra, pois há um pressuposto não declarado que atravessa todo o projeto: descreve-se a Shoah não como catástrofe teológica, teleológica ou natural, conforme o termo Holocausto pode evocar, mas como catástrofe histórica em seu sentido existencial e político profundo, porque compreender a Shoah enquanto acontecimento político é apresentá-la historicamente. Incluir a Shoah no passado histórico através do esforço historiográfico e documental é torná-la lembrança, incluí-la na memória coletiva política que se sedimenta em forma de historiografia, pois “colocar algo no passado”, como se diz corriqueiramente, não é nada mais do que lembrar, de maneira precisa, deste passado.
Referências
BAJOHR, Frank. Expropriation and expulsion. In: STONE, Dan. The historiography of the Holocaust. London: Palgrave Macmillan, 2004. p. 52-53. [ Links ]
BENJAMIN, Walter. Über den Begriff der Geschichte. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991, p. 691-704. [ Links ]
HAPPE, Katja et al. West-und Nordeuropa Juni 1942-1945. Berlin: De Gruyter Oldenbourg, 2014. (Coleção Die Verfolgung und Ermordung der europäischen Juden durch das nationalsozialistische Deutschland 1933-1945, vol. 12) [ Links ]
*Doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais com estágios doutorais na Université Paris VII – Denis Diderot e na École des Hautes Études en Sciences Sociales EHESS França. E-mail: augustobrunoc@yahoo.com.br.
1BAJOHR, Frank. Expropriation and expulsion. In: STONE, Dan. (ed.). The historiography of the Holocaust. London: Palgrave Macmillan, 2004, p. 52-53.
2Todas as traduções são de responsabilidade do autor do artigo.
3Apesar desta vocação, em breve o projeto VEJ poderá ser acessado pelo público não germanófono. A preparação da edição inglesa da coleção, coordenada pelo professor Alex Kay, do Instituto de História Contemporânea (Munique-Berlim), acontece desde 2014. É prevista a tradução de todos os volumes, trabalho que é realizado em conjunto com o professor Dan Michman, do Yad Vashem (Jerusalém).
4In den Jahren der deutschen Besatzung wurden von den 140 000 Juden, die bei Kriegsbeginn in den Niederlanden lebten, 107 000 deportiert. Von ihnen Kehrten nur etwas mehr als 5 000 nach Kriegsende in die Niederlande zurück. [Durante os anos de ocupação alemã, havia cerca de 140 000 judeus holandeses. Desde o inicio da guerra, 107 000 foram deportados. Destes retornaram a Holanda pouco mais que 5000]. In: VEJ, 2014, p. 44.
5VEJ, 2014, p. 309
6Jonas Cahen, técnico eletricista, é deportado em agosto de 1942 para o campo de Westerbork. Em 18 de janeiro de 1944 é transportado para Theresienstadt, de onde é enviado a Auschwitz, em 16 de maio de 1944. Após sobreviver as “marchas da morte” [Todesmärsche], emigra para Israel em 1958.
7BENJAMIN, Walter. Über den Begriff der Geschichte. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991, p. 696.
8VEJ, 2014, p. 310.
Augusto Bruno de Carvalho Dias Leite – Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de História.
Ars. São Paulo, v.15, n.30, 2017.
INTRODUÇÃO
- “Tudo o que fiz antes, considero um prólogo”
- Dária Jaremtchuk
ENSAIOS VISUAIS
- Ensaio Visual
- Miguel Rio Branco
ARTIGOS
- O grande mundo da invenção
- Celso Favaretto
- Metaesquema, metaforma, metaobra
- Roberto Conduru
- ¡Sucia Copia!
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- PDF (ESPAÑOL (ESPAÑA))
- Dentro do labirinto: Hélio Oiticica e o desafio do “público” no Brasil
- Guilherme Teixeira Wisnik
- “The Whitechapel experiment”, o projeto Éden e a busca por uma experiência afetiva total
- Maria de Fátima Morethy Couto
- 1970: pause / play
- Frederico Coelho
- Legal no ilegal: as Cosmococas, a Subterrânia e os jardins do Museu
- Maria Angélica Melendi
- Agripina é Roma-Manhattan, um belo quase-filme de HO
- Rubens Machado Junior
- Lágrima-Pantera, a míssil: cinema Subterrânia
- Theo Duarte
DEPOIMENTO
- Hélio Oiticica em Manhattan.
- Silviano Santiago
- Fazendo arte e cinema (ou “quasi-cinema”) com Hélio Oiticica
- Andreas Valentin
TRADUÇÕES
- Parangolé-Botticelli: pensamento da montagem e razão prática da história da arte. Forma transicional e geometria do carnaval
- Luis Pérez-Oramas
ENTREVISTAS
- Entrevista com Lynn Zelevansky
- Camila Maroja
RESENHAS
- Hélio Oiticica: dobrar a moldura, de Irene V. Small
- Adrian Anagnost
- PDF (ENGL
PUBLICADO: 2017-10-27
EmRede – Revista de Educação a Distância. Porto Alegre, v. 4, n. 1, 2017.
A EaD e os processos de formação na área da saúde
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- CONSTRUÇÃO E AVALIAÇÃO DE RECURSO EDUCACIONAL DIGITAL SOBRE O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO
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- INTERFACE DA FORMAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS LICENCIATURA E SAÚDE COLETIVA MEDIADA PELA EaD
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Publicado: 2017-10-14
EmRede – Revista de Educação a Distância. Porto Alegre, v. 4, n. 2, 2017.
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- A UAB/UFSM E OS POLOS DE ATUAÇÃO: ACOMPANHAMENTO E AÇÕES DE INTEGRAÇÃO
- Reisoli Bender Filho, Paulo Roberto Colusso, Camila Marchesan Cargnelutti, Ana Kátia Karkow, Lauren Kleinert Londero, João Juliano Castro, Joel Rabaiolli | PDF
- POLOS PARCEIROS E O CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA A DISTÂNCIA: RELAÇÕES CONSTRUÍDAS
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- TUTORIA PRESENCIAL EM POLO UAB: RELATO DE EXPERIÊNCIA NO CURSO DE FILOSOFIA DA UFSJ – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI
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- POLO UNIVERSITÁRIO SANTO ANTÔNIO: DEZ ANOS
- Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente, Joselia Maria Lorence Fraga | PDF |
Publicado: 2017-10-14
Cadernos de História. Belo Horizonte, 18, n.29, 2017.
Temática Livre
Expediente
Apresentação
- Apresentação – v. 18, n. 29
- Marcelo de Araújo Rehfeld Cedro
Temática Livre – Artigos
- Guerra e paz na fronteira dos homens: o cotidiano na colônia militar Pedro Segundo do Rio Araguari (fronteira franco-brasileira em meados do século XIX)
- Rafael Amaro da Silva
- A migração no contexto da Belle Époque paraense: uma revisão da literatura recente
- Breno Rodrigo de Oliveira Alencar
- A homossexualidade masculina nas teses inaugurais da Faculdade de Medicina da Bahia (1850-1900)
- Daniel Vital dos Santos Silva
- Entre leis, censos e congressos: o debate sobre o trabalho livre no Brasil, na segunda metade do século XIX
- João Fernando Barreto de Brito
- A cidade à noite: tensões e sociabilidade no espaço público pelotense (Pelotas-RS, 1930-1939)
- Thaís de Freitas Carvalho
- A cidade de Porto Alegre e as águas do Guaíba: uma história de “encontros” e “desencontros”
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- Sobre progresso, urbanismo e contradições: cidade e história no sertão das Minas Gerais no século XX
- Alysson Luiz Freitas, Kamila Freire Fonseca
- A cidade e o shopping: considerações sobre a relação urbana envolvendo a presença de shoppings centers e o caso da cidade de Blumenau-SC durante a década de 1990
- André Procópio Gomes
- Uma cidade e a utopia autoritária
- Izaias de Souza Freire
- 1964: golpe ou revolução? A disputa pela memória nas páginas do jornal O Estado de S. Paulo
- Cássio Augusto Samogin Almeida Guilherme
- “Mal-estar entre os ferroviários”: a relação entre o Estado, a CVRD, o SINDFER e os trabalhadores de 1957 a 1961
- André Ricardo Valle Vasco Pereira, Douglas Edward Furness Grandson
- Cidade e memória: entre o desejo e o afeto
- Adriana Mara Vaz de Oliveira, Márcia Metran de Mello
- Das concepções de memória e identidade de Candau à representação dos carretéis de Iberê Camargo
- Mirian Martins Finger
- Mitos, ritos e símbolos: o culto a Nossa Senhora das Águas-PR
- João Paulo Pacheco Rodrigues, Sandra de Cássia Araújo Pelegrini
Comunicações
- Sebastião no município de Barra Longa, Minas Gerais (1826)
- Alex Lombello Amaral
- Bento Munhoz da Rocha Netto e a sua interpretação das Américas
- Maria Julieta Weber Cordova
Publicado: 14-11-2017
Passagens – Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Niterói, v.9, n.3, set./dez., 2017.
Editorial
- Vol. 9, n.3, set./dez., 2017)
- Gizlene Neder, Gisálio Cerqueira Filho
Artigos
- A casa do silêncio: chineses e mexicanos no mercado ilegal de ópio e dos seus derivados, em Guadalajara, Estado de Jalisco, 1917-1950
- Jorge Alberto Trujillo Bretón
- PDF (Español (España))
- A polícia de Havana durante o século XIX
- Yolanda Díaz Martínez
- PDF (Español (España))
- Polícia e Juízes de Paz na imprensa oitocentista (1826-1829)
- Joice de Souza Soares
- O direito das gentes e a nação: do natural, positivo e possível.
- Gustavo Pinto de Sousa
- ‘Por meio de sua arma que é o voto”: poder local e eleitorado (1947-1959)
- Douglas Souza Angeli
- Do Integralismo Lusitano ao Nacional Sindicalismo: tensões e conflitos
- Felipe Cazetta
- Eric Santner, ‘flesh”, soberania e arte: Dois corpos do povo ao sul do Equador?
- Flávia Almeida Pita
- Novos cenários geopolíticos: A aliança entre a Rússia e a China pode mudar o futuro da Eurásia
- Beatriz Bissio
Resenha
- Uma teoria política do Holocausto
- Flavio Dantas Martins
- Colaboradores deste Número
- Colaboradores deste número
- Gizlene Neder
Publicado: 2017-10-13
Jamaxi. Rio Branco, v.1, n.1, 2017.
Publicado: 2017-10-13
APRESENTAÇÃO
- APRESENTAÇÃO | Sérgio Roberto Gomes de Souza | PDF
ARTIGO
- QUANDO O MAGISTÉRIO PASSA A SER UM TRABALHO DE MULHER: PERCURSOS E IMPASSES | Ana Regina Azevedo Feitosa | PDF
- PELAS QUEIXAS, BOLETINS E OFÍCIOS: O COTIDIANO DA DELEGACIA DA VILA DE PORTO ACRE ENTRE 1947 E 1978 | Daniel da Silva Klein | PDF
- HISTÓRIA ORAL E MÚLTIPLAS TEMPORALIDADES | Carlos Alberto Alves de Souza | PDF
- INSOLITUDES ACRES, HÍBRIDAS E FRONTEIRIÇAS: AS DISPUTAS PELAS IDENTIDADES | Francisco Bento da Silva | PDF
- FRONTEIRAS FLUIDAS, RELIGIOSIDADE E AS PERSPECTIVAS DOS LUGARES | Geórgia Pereira Lima | PDF
- UM CINECLUBE NA FLORESTA: A SUSCINTA TRAJETÓRIA DO CINECLUBE AQUIRY | Helio M Costa Junior | PDF
- FORDLÂNDIA: O CAPITALISMO E COLONIALISMO AMERICANO DIANTE DA AMAZÔNIA BRASILEIRA | Iara da Silva Castro Almeida | PDF
- CONHECENDO OS CAMINHOS OU TRILHAS DOS GEOGLIFOS PRÉ-COLOMBIANOS SUL AMAZÔNICOS | Ivandra Rampanelli, Agustín Diez Castillo, Tarcísio Jose Gualberto Fernandes, Jorge Mardini | PDF
- A ANEXAÇÃO DO ACRE AO BRASIL DENTRO DO CONTEXTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS QUE CONDUZIRAM A CONSTRUÇÃO DAS FRONTEIRAS BRASILEIRAS (1580-1909) | Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque Franco | PDF
- MALÁRIA COMO ESTIGMA DOS “TRÓPICOS”: AMAZÔNIA REINVENTADA PELO DISCURSO DA CIÊNCIA NA SEGUNDA DÉCADA DO SÉCULO XX | Sérgio Roberto Gomes de Souza | PDF
- ALGUMAS BREVES PROVOCAÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA COMO ARTE | Márcio Roberto Vieira Cavalcante, Simone de Souza Lima
- A LINGUAGEM DA INTOLERÂNCIA E SEU FRUTO MAIS EXTREMADO: UM BREVE HISTÓRICO DOS SKINHEADS NO BRASIL E NO MUNDO | Wlisses james de Farias Silva | PDF
- POSSIBILIDADES DE INSERÇÃO DO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA DO 2º ANO DO ENSINO MÉDIO DO ESTADO DO ACRE | João da Silva de Brito, Flávia Rodrigues Lima da Rocha | PDF
- PESQUISA HISTÓRICA NO AMAZONAS: UMA BREVE ANÁLISE | Hélio da Costa Dantas | PDF
- A DISCIPLINA EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO NO ACRE TERRITORIAL A PARTIR DO JORNAL O ACRE (1930-1959) | Virna Lumara Souza Lima | PDF
- ESPAÇOS EM DISPUTA: AS IMPRESSÕES DE UM VIAJANTE ARGENTINO SOBRE A FRONTEIRA BRASIL-ARGENTINA (1897-1898) | Bruno Pereira de Lima Aranha | PDF
Contextos – Estudios de Humanidades y Ciencias Sociales. Santiago, n.37, 2017.
Artículos
- Enseñanza del léxico alemán a chilenos hispanohablantes
- Luz Cox Méndez
- La reflexión pedagógica como motor de prácticas docentes significativas: una mirada desde el pace
- Ivette Aline Bernier Maldonado, Cecilia Macarena Escobar Acevedo, Diego Sebastián González Poblete, Olga Elvira Muñoz Leppe
- Formación inicial: reflexionando en torno a las construcciones de la diferencia
- Mauro Ramos Roa, Cecilia Millán La Rivera, Diego Cabezas Bravo
- Autoridad en el contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (1940) de Fernando Ortiz
- Pedro Cuevas Collante
- Hacia un perfil mediador de profesores noveles de hipertextos didácticos dentro de un escenario multimodal 2.0
- Lorena Berríos Barra
- Crear puentes entre neurociencia y educación
- José Escorza Walker
- Cervantes y Lorca como legado y desafío de las humanidades en contexto latinoamericano
- Elga Pérez Laborde
- La escuela y el derecho a la lengua materna
- María Regina González Díaz
- La ciudad en el cómic de Chile y Argentina, su representación y tensión social
- Hernán Marinkovic Plaza
- Relaciones estado-iglesia católica en Chile desde 1946 a 1958. Nuevas situaciones en el trato afable
- Richard Fairle López
- (Re)escribiendo el dolor. Escritoras negras contemporáneas
- Cristina M.T. Stevens
Notas
- ¿Y dónde están las mujeres? las artistas en la historia del arte
- Macarena Ruiz B., Loreto Ledezma L.
Mare Nostrum – Estudos sobre o Mediterrâneo Antigo. São Paulo, v.8, n.8, 2017.
- Uiran Gebara da Silva, Gustavo Junqueira Duarte Oliveira
- PDF (ENGLISH)
ARTIGOS
- Introdução ao Dossiê “História Antiga no Brasil: Ensino e Pesquisa”: Uma Antiguidade Fora do Lugar?
- Uiran Gebara da Silva
- Ensino de História, reformas do ensino e percepções da Antiguidade: apontamentos a partir da atual conjuntura brasileira
- Priscilla Gontijo Leite
- O Lugar da História Antiga no Brasil
- Gilberto da Silva Francisco
- BNCC e a História Antiga: Uma possível compreensão do presente pelo passado e do passado pelo presente
- Ana Lucia Santos Coelho, Ygor Klain Belchior
- Por uma didática da História Antiga no Ensino Superior
- Fábio Augusto Morales
LABORATÓRIO
- O Ensino e a Pesquisa em História Antiga no Brasil: Reflexões a partir dos Dados da Plataforma Lattes
- Dominique Santos, Graziele Kolv, Juliano João Nazário
COMENTÁRIOS
- Comentário a “O Ensino e a Pesquisa em História Antiga no Brasil: Reflexões a partir dos Dados da Plataforma Lattes” de Dominique Santos, Graziele Kolv e Juliano João Nazário
- Luis Ernesto Barnabé
- Comentário a “O ensino e a pesquisa em História Antiga no Brasil: reflexões a partir dos dados da plataforma Lattes”
- Rafael Costa Campos
- Comentário ao Artigo “O Ensino e a Pesquisa em História Antiga no Brasil: Reflexões a partir dos Dados da Plataforma Lattes”, de Dominique Santos, Graziele Kolv e Juliano João Nazário
- Alex Degan
- Sobre a Pesquisa de História Antiga no Brasil
- Gilberto da Silva Francisco
- Comentário crítico sobre o texto O Ensino e a Pesquisa em História Antiga no Brasil: Reflexões a Partir dos Dados da Plataforma Lattes, de Dominique Santos, Graziele Kolv e Juliano João Nazário
- Juliana Bastos Marques
- Campo Acadêmico, História Antiga e Ensino: comentários em torno do presente e futuro de uma área
- Guilherme Moerbeck
- Comentário ao artigo de Dominique Santos, Graziele Kolv e Juliano João Nazário intitulado “O Ensino e a Pesquisa em História Antiga no Brasil: Reflexões a Partir dos Dados da Plataforma Lattes”
- Katia M. P. Pozzer
TRÉPLICA
RESENHAS
- Resenha de A Democracia Ateniense Pelo Avesso: Os Metecos e a Política nos Discursos de Lísias
- Camila Condilo
- Resenha de Palmyra: Requiem für eine Stadt
- Jorge Steimback Barbosa Junior
PUBLICADO: 2017-10-09
Afro-Ásia. Salvador, n.55, 2017.
Editores: Jocélio Teles dos Santos e Wlamyra Albuquerque.
- Expediente
- Editores Afro-Ásia
Artigos
- Batismos, família e escravidão no Maranhão colonial
- Antonia da Silva Mota
- Políticas de adaptação às mudanças climáticas na Guiné-Bissau: os antecedentes históricos para entender os desafios sociais cumulativos
- Boaventura Rodrigues Vaz Horta Santy, Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio
- Quando o que se discute é a realidade: Um Defeito de Cor como provocação à História
- Fabiana Carneiro da Silva
- Em busca dos agudás da Bahia: trajetórias individuais e mudanças demográficas no século XIX
- lisa Louise Earl Castillo
- Os filhos da roda: instituição e escravidão de crianças expostas na Casa da Roda do Recife, 1770-1829
- Suely Creusa Cordeiro de Almeida, Janaína Santos Bezerra
- O recrutamento de negros nas tropas da União durante a Guerra Civil americana
- Vitor Izecksohn
Homenagem
- Luiza Bairros – uma “bem lembrada” entre nós, 1953-2016
- Ana Flávia Magalhães Pinto, Felipe da Silva Freitas
Resenhas
- Os ciclos do samba: inovação, fontes e mitos cem anos depois de “Pelo Telefone”
- Marc A. Hertzman
- O neto de escravos que foi um dos maiores editores do Brasil imperial
- Isabel Lustosa
- Um triângulo contencioso: negros, brancos brasileiros e imigrantes
- Petrônio Domingues
- Bravas mulheres a favor de si
- Luciany Aparecida Alves Santos
- “Uma mulher nunca tinha governado esse reino”: Rainha Njinga, biografia e memória
- Vanessa S. Oliveira
- Conexões Estados Unidos-Cuba e os primórdios do império informal
- Cristina Soriano
- Futebol e política racial: uma França explode!
- Jeferson Bacelar
Publicado: 2017-03-10
Mnemosine. Campina Grande, v.8, n.3, 2017.
História e Correspondências
APRESENTAÇÃO: HISTÓRIA E CORRESPONDÊNCIA: “VESTÍGIOS DE ESTRANHA CIVILIZAÇÃO”?
- Giuseppe Roncalli Ponce Leon de Oliveira e Marinalva Vilar de Lima…………….5
ARTIGOS DE FLUXO
- “MEU CARO FREGUÊS DOS DOMINGOS”: CARTAS DE MONTEIRO LOBATO A ANÍSIO TEIXEIRA
- Emerson Tin………………………………………………………………………………..9
- “CUMPRO MEU DESTINO DE PORTEIRO-APRESENTADOR NESTE NORDESTE”: A CORRESPONDÊNCIA DE LUÍS DA CÂMARA CASCUDO E JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA (1922-1978)
- Giuseppe Roncalli Ponce Leon de Oliveira……………………………………………23
- ACUIDADE MIRACULOSA DO POETA NADA: CÂMARA CASCUDO ENTRE CARTAS, ENSAIOS E POEMAS
- Marcos Silva………………………………………………………………………………40
- ENTRE AMIGOS: DIÁLOGO EPISTOLAR ENTRE VINGT-UN ROSADO E RAIMUNDO NONATO DA SILVA
- Paula Rejane Fernandes e Hélia Costa Morais………………………………………48
- O GOVERNO PROVISÓRIO DE GETÚLIOVARGAS E AS LIDERANÇAS POLÍTICAS DO RIO GRANDE DO SUL E DE SÃO PAULO (1930-1932)
- Antônio Manoel Elíbio Júnior……………………………………………………………63
- PARA SEREM ATENDIDAS: CARTAS AO INTERVENTOR MAGALHÃES BARATA, PARÁ (1930-1935)
- Michele Rocha da Silva………………………………………………………………….75
- DOS LEITORES: CARTAS AO JORNAL “O ESTADO DE SÃO PAULO” (1961- 1964)
- Vitor Arzani Martins……………………………………………………………………107
- ESCRITOS E DESLOCAMENTOS: LITERATURA EPISTOLAR NO PROCESSO DE E/IMIGRAÇÃO PORTUGUESA (SÃO PAULO-PORTUGAL 1890-1950)
- Maria Izilda Santos de Matos…………………………………………………………….121
- CARTAS E DESCOBERTAS: O TERRITÓRIO PAULISTA NOS ESCRITOS DE TAUNAY (1865-1866)
- Airton José Cavenaghi…………………………………………………………………140
- COMUNICA-ME AS OCORRÊNCIAS DA CASA:O PADRE IBIAPINA E AS MINORIAS SEGREGADAS DO SÉCULO XIX
- Noemia Dayana de Oliveira e João Marcos Leitão Santos…………………………………………………………………………………….156
- CARTA A PROBA, DE SANTO AGOSTINHO
- Marinalva Vilar de Lima………………………………………………………………..170
Publicado: 2017-10-02
Arquivos e Direitos Humanos / Revista do Arquivo / 2017
Finalizo com as palavras de Santo Agostinho: “A esperança tem duas filhas queridas: a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a recusar as coisas como estão e a coragem, a mudá-las”. Continuamos a lutar!
Margarida Genevois
No próximo ano se comemorará os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, que advoga uma norma comum a ser alcançada “por todos os povos e nações”. Para nós, a comemoração deve ter sentido de reflexão e debate, pois as razões que a motivaram permanecem, agregadas pelas demandas postas pelas mudanças socioculturais nesses 70 anos.
O tema direitos humanos se pretende universal, mas as abordagens possíveis são tantas quantas as possibilidades de apropriação ideológica dele. Há quem não ultrapasse a generalidade pueril que enxerga essa bandeira como um discurso acima da política e das classes sociais. Há quem defenda a prática da tortura como válida em nome da “democracia e do progresso” e que o extermínio de “bandidos” não é assunto de direitos humanos. Há outros que concebem os direitos humanos como cidadela da propriedade privada e do conceito de indivíduo genérico, portanto, não histórico, a justificar práticas de terrorismo de Estado com suas artilharias de ogivas ou de mercadorias contra povos inteiros.
Encontrar-se-ão várias nuances em torno do conceito de direitos humanos nos artigos e textos desta Revista, mas, em todos eles nota-se a adoção do conceito na perspectiva da luta contra o terror da tortura, contra a violência nua do Estado ou em defesa dos seres humanos mais vulneráveis, submetidos às mais vis crueldades, porém, sem qualquer visibilidade social. Em suma, os direitos humanos como campo de luta contra a barbárie.
De qualquer forma, tratar desse tema é sempre oportuno e necessário, afinal, continuamos a conviver com guerras regionais e com o terror da guerra total, atômica, hidrogenada e convencional. Bombardeios por Estados “democráticos”, “desenvolvidos” e “civilizados” a povos que, de alguma forma se contrapõem à lógica estrita dos impérios do capital. No mundo capitalista globalizado, permanece a massacrante concentração de renda e de riqueza nas mãos de um punhado de afortunados, geradora de misérias, de deslocamentos humanos maciços, desestruturados e até letais
Governos pelo mundo afora alimentam esse caos humanitário contemporâneo com combustível inflamável das políticas que quebram direitos econômicos e sociais duramente conquistados; restringem verbas para as atividades humanas mais elementares, como alimentação, saúde e educação, sempre em prol da acumulação financeira insaciável.
As rebeliões sangrentas nos presídios brasileiros superlotados e a persistente violência policial, com práticas de tortura, geradoras de mais violência social, são apenas expressões visíveis de uma sociedade assentada na desigualdade e na violência estruturada e institucional.
De qualquer modo, a propositura dos direitos humanos, sob quaisquer perspectivas, continua sempre atual e dependente dos arquivos, desde que foi sugerida. Como afirma Paulo Sérgio Pinheiro, “não existe avanço linear em direitos humanos, há retrocessos e progressos, é quase um jogo de xadrez”.
Não obstante a polêmica em torno das práxis e do conceito de direitos humanos, são os arquivos e os arquivistas elementos indispensáveis para se trazer à tona evidências e provas de atrocidades empreendidas por organizações estatais e civis em quaisquer partes e circunstâncias.
E esta edição da Revista do Arquivo convoca o leitor para um olhar especial sobre a luta da Comissão Teotônio Vilela como exemplo de abnegação, coragem e prática de quem não espera respostas, mas as praticam diante dos gritos de dor que ecoam de corpos e mentes destroçados sem qualquer amparo. Depois do seminário e da exposição, a nossa Revista já anima a outra vida da CTV, conforme definiu José Gregori: “Com a guarda dos documentos no Arquivo, a Comissão Teotônio Vilela começa a ter uma outra vida. Teve a vida real e agora terá a vida contada, que eu sei que os pesquisadores têm muita curiosidade de saber como foram esses anos de ditadura e sabem que a Comissão Teotônio Vilela exerceu um papel importante”.
Boa leitura!
Marcelo Antônio Chaves
CHAVES, Marcelo Antônio. Editorial. Revista do Arquivo, São Paulo, Ano III, n.5, outubro, 2017. Acessar publicação original [DR]
História Militar. Rio de Janeiro, Edição 22, Ano VIII, Novembro 2017.
Edição 22 (Ano VIII, Novembro 2017)
- Acerca de Vegécio e do seu Compêndio da Arte Militar
- José d’Encarnação
- As relações militares brasileiras durante a Segunda Guerra Mundial
- Fernando da Silva Rodrigues
- A Sabinada e a República Bahiana (1837-1838): Traços de uma guerra irregular no Brasil colonial
- Ronaldo Lucas da Silva
- Apuntes acerca de la cronologia y de las operaciones militares de la Guerra del Chaco (1932-1935)
- Lorenzo Agustin Cabrera Burgos
- A historicidade revelada nas fortificações do Exército Brasileiro a partir de um olhar sobre a Fortaleza da Conceição
- Flávia Pereira
- O Bom-crioulo: representações de um ex-escravo que utiliza a armada imperial como possibilidade de fuga
- Maria Angela Gomes Gonçalves
- Saltando na ZL da eternidade: O Bosque dos Campeões e a construção da memória na tropa paraquedista
- Luiz Claudio Espírito Santo de Oliveira
- Livro em destaque: “Guerra da França no Mali”, de Jean-Christophe Notin
Aristotle on Knowledge and Learning: The Posterior Analytics – BRONSTEIN (M)
BRONSTEIN, David. Aristotle on Knowledge and Learning: The Posterior Analytics. Oxford: Oxford University Press, 2016. xiii-272p. Resenha de ZUPPOLINI, Breno Andrade. Manuscrito, Campinas, v.40 n.4 Oct./Dec. 2017.
David Bronstein’s outstanding book is one of the greatest contributions to the study of Aristotle’s Posterior Analytics (hereafter, APo) of the last years. All of his claims are carefully argued in admirably clear prose. The book is original in many ways, but its main achievement is an illuminating reconstruction of Aristotle’s account of learning. Bronstein argues that we can get a better understanding of this account if we frame it as a reaction to Meno’s Paradox (Meno 80e 1-5). According to the Paradox, for any x, either we know x or we do not know it. In either case, we cannot search for x: if we do not know x, we cannot even identify the object of our investigation; if we already know x, investigating it is pointless. The fact that the APo contain only one explicit reference to this puzzle (APo I 1, 71a 29-30) is irrelevant. Bronstein convincingly argues that Aristotle is in many passages offering solutions for (and sometimes explicitly formulating) what can be taken as different versions of the Paradox. The result is a systematic discussion of three different kinds of learning (listed in Metaph. A 9, 992b 30-33): “learning by demonstration” is analysed in Part I, “learning by definition” in Part II, and “learning by induction” in Part III.
One of the main theses of the book is that inquiry, for Aristotle, follows a “Socratic Picture” (as Bronstein calls it), which can be divided into five stages:
Stage 1: We do not know whether a subject S exists and we seek whether it exists.
Stage 2: We know that S exists, and we seek what it is (its essence).
Stage 3: We know what S is, and we seek whether a predicate P belongs to it as one of its demonstrable attributes.
Stage 4: We know that P belongs to S as one of its demonstrable attributes and we seek why it belongs.
Stage 5: We know why P belongs to S.
This five-stage picture shows us that learning is not an “all-or-nothing” matter, providing therefore a way-out to Meno’s dilemma. First, we learn by induction preliminary accounts specifying the meaning of conceptual terms (also known as “nominal definitions”), so we can investigate whether or not they denote existing kinds (APo II 19 and Bronstein’s Chapter 13). We move from Stage 1 to Stage 2, for instance, when we know that there is a real kind satisfying our account of a given subject-term “S”. Second, we get from Stage 2 to Stage 3 by division or induction: if S is what Bronstein calls a “subordinate subject-kind” (a species of a genus, e.g. human being), its essence is discovered by division; if S is a “primary subject-kind” (a genus, e.g. animal), its essence is grasped by induction (APo II 13 and Bronstein’s Chapter 12). Once we know the essence of our subject S, we start investigating its demonstrable attributes. For Aristotle, knowing that a predicate P belongs to S is the same as knowing that P exists, so the passage from Stage 3 to Stage 4 also involves using a preliminary account to determine whether “P” corresponds to an existing kind (now, a “predicative” or non-substantial one). Finally, we move from Stage 4 to Stage 5 by grasping the cause of S being P, which for Aristotle is the same as discovering the essence of P (APo II 8 and Bronstein’s Chapter 10). As the inquirer moves from one stage to the other, she upgrades her epistemic status by engaging in the three types of learning. Before undertaking a proper “scientific” investigation, she learns preliminary accounts “by induction”. When she is on her way to become a scientist, she learns “by definition” the essence of attributes (by using demonstration) and subject-kinds (by using division or induction). Finally, once the inquirer becomes an expert scientist, she learns “by demonstration” by getting a better understanding of the explanatory power of previously obtained definitions (see p. 7 and p. 73).
Bronstein also offers a promising – although “admittedly speculative” (p. 49) – solution to a classic exegetical problem, recently revived in the literature by Michael Ferejohn (2013, 147 ff.). As we have seen, the Socratic account of inquiry Bronstein attributes to Aristotle involves the essence of subjects as well as the essence of predicates. In fact, Aristotle seems to endorse two different (and possibly incompatible) models of scientific explanation. According to what Bronstein calls “Model 1”, the cause of a subject S being P is the essence of S. A “Model 2” demonstration, on the other hand, is such that the cause of S being P is the essence (or the causal part of the essence) of P. Bronstein argues that Model 1 and Model 2 demonstrations are connected in the following way (pp. 48-50). We know, by demonstration, that the moon (minor term) is eclipsed (major term) because of the screening of the sun by the earth (middle term). Since the eclipse is defined as loss of light from the moon because of screening of the sun by the earth (APo II 2, 90a 14-18), we can say that the major (eclipse) and the middle term (screening of the sun by the earth) are definitionally, and therefore “immediately”, connected (see 93a 36). However, the connection between the middle (screening of the sun by the earth) and the minor term (moon) requires further explanation. This explanation probably involves a reference to essential features of the moon, like its natural movement and its position in the composition of celestial spheres. Thus, although the demonstration of the eclipse follows Model 2, once we pursue a demonstration of its minor premise we might end up with an explanation following Model 1. This solution is attractive for many reasons. First, it explains how the two models endorsed by Aristotle can be taken as parts of the same coherent doctrine. Second, it guarantees a prominent place to Model 2 demonstrations, which are often neglected or wrongly taken (to my eyes at least) to be secondary, less important types of explanations – other exceptions to this tendency include Goldin (1996), Charles (2000), and Angioni (2016). Thirdly, Bronstein’s account of these two models makes Aristotle’s theory philosophically interesting in a particular way: the reason why there is a regular, stable relation between a demonstrable attribute and its subject is that their essences are linked by a chain of causal connections.
Let me now discuss some unsolved problems in Bronstein’s book. We can distinguish two schools of interpretation, so to speak, when it comes to the relation between demonstrative knowledge (the knowledge a scientist has of demonstrable truths) and nous (the knowledge a scientist has of indemonstrable principles, mainly definitions). According to one of these schools (often referred to as “intuitionist” or “rationalist”), the principles become known in advance of any demonstrative practise and are grasped independently of their explanatory connections to other truths in the domain (see, for instance, Irwin 1988; Ferejohn 1991; 2009). The other school (sometimes called “interrelational” or “explanationist”) argues that having noetic knowledge of the principles, including definitions, involves grasping them as principles, i.e. as premises from which other truths are demonstrated, but which are not demonstrated from more basic premises (Kosman 1973; Burnyeat 1981; McKirahan 1992; Charles 2000). Bronstein seems to be somewhere between the two schools. On the one hand, his Socratic Picture contradicts the “explanationist” approach, since we get to know the essence of a subject S before we start investigating the cause of S being P (Stage 3 precedes Stage 4). On the other hand, he also disagrees with “rationalist” interpretations, since, for him, having nous of the essence of S requires knowing this essence as the cause of S being P (p. 9; p. 73; p. 222).
The only way Bronstein can keep this intermediate position is by distinguishing non-noetic from noetic knowledge of essences, the first depending only on division and/or induction, the second requiring some demonstrative practice. For the “explanationist” interpretation, a non-noetic grasp of the essence of (e.g.) human being is the knowledge of the fact that human beings are two-footed tame animals (supposing that this is the essence of human beings). This merely factual knowledge differs from the (noetic) knowledge that being a two-footed tame animal is the essence of human beings, which involves grasping it as the cause of their demonstrable attributes. In Bronstein’s view, on the other hand, the method of division can give us knowledge not only of the fact that human beings are two-footed tame animals, but knowledge that this is the essence of human beings. He correctly points out that in APo II 13 Aristotle claims that division gets us to the definition of the object (97b 12-13). However, the philosopher never affirms or implies that division gives us the knowledge of the essence as an essence. For several reasons, the claim that we can know an essence as such independently of its status as a cause is anti-Aristotelian in spirit. The philosopher states that the way we distinguish indemonstrable premises (including definitions) from demonstrable ones is by organizing a whole body of truths based on their causal connections (APr I 30, 46a 17-27). His own scientific practice goes in the same direction. Treatises such as the Historia Animalium, which (one might say) presents a collection of facts grasped by division and induction, do not distinguish causally fundamental truths from demonstrable truths. This is a task Aristotle undertakes only in explanatory studies such as de Partibus Animalium or de Generatione Animalium. The fact that, for Aristotle, grasping an essence as such involves grasping it as a cause or explanatory factor is not exactly surprising. After all, essences are essentially causes of a certain kind (namely, formal causes). If division somehow allows us to distinguish essential from demonstrable attributes, the criteria are unclear, and the proponents of the “rationalist” interpretation may argue that some sort of “intuition” or “mental vision” (nous, according to them) must be part of the process. If, on the other hand, division itself involves explanatory concerns, the members of the “explanationist” school may think their case is already won.
A different but related difficulty concerns the essence of attributes, which, according to Bronstein, are not discovered by division or induction like the essence of subject-kinds. We get to know the essence of the lunar eclipse, for instance, by identifying the cause of the moon being eclipsed (or suffering a certain loss of light). Once this cause is identified, the eclipse can be defined as a loss of light from the moon caused by screening of the sun by the earth. Here, the reader might expect Bronstein to claim that “learning by definition” and “learning by demonstration” coincide, since he accepts that demonstration is the method for learning definitions of attributes. However, he insists that even here the two kinds of learning are distinct. “Learning by definition” is a process in which the inquirer (not the expert) engages, and consists in discovering essences previously unknown. On the other hand, only the expert can “learn by demonstration”, since she is able to acquire “a new understanding of the explanatory power of a definition she already knows” (p. 72). While learning by demonstration “proceeds from definitions”, learning by definition “proceeds to them” (p. 73). I must confess I fail to understand the distinction Bronstein is willing to draw. For him, learning by demonstration consists in grasping explanatory connections between previously recognized facts: knowing x and y in advance (x being the cause of y), the scientist realizes that x is the cause of y (pp. 39-40). However, a demonstration reveals the essence of (e.g.) the lunar eclipse precisely because it displays a causal connection between screening of the sun by the earth and the loss of light from the moon. It is unclear what kind of new information the expert can obtain by formulating (again?) a demonstration that has already revealed to him the cause and essence of eclipse. Still, Bronstein’s efforts to make this distinction are understandable. He is one of the few interpreters (if not the only one) that takes Aristotle’s use of the phrase “learning by demonstration” (APo I 18, 81a 39-40; Metaph. A 9, 992b 30-33) seriously and tries to explain it without reducing demonstration to a pedagogic procedure (as Barnes 1969, for instance, does). In fact, this is one of the most significant contributions of his book.
I would like to address a final issue. As we have seen, Bronstein claims that the essence of subject-kinds is grasped by division and induction, while the essence of attributes (and processes) is grasped by demonstration. The reason, according to him, is that the essences of attributes are “causally complex” and have the structure “A holds of C because of B”. In virtue of this causally complex structure, each of the elements in the essence of an attribute corresponds to one of the three terms involved in a syllogistic demonstration (Bronstein’s Chapter 7 and 10). On the other hand, the essences of subjects are “causally simple”, consisting in a combination of genus plus differentiae (Bronstein’s Chapter 12), which explains why they are grasped not by demonstration, but by division and/or induction. The relevant text here is APo II 9, where Aristotle affirms that only things “whose cause is something different” have definitions isomorphic to demonstrations (93b 25-28). Attributes and processes such as eclipse and thunder would somehow be “different” from their cause, which would make their essence “causally complex”. Subject-kinds (substantial beings, in particular) would be in a way “the same” as their causes, and hence their essences would be “causally simple” (Bronstein’s Chapter 9). I am not convinced that APo II 9 draws a distinction between attributes and subject-kinds (or between non-substantial and substantial beings). As a matter of fact, in Metaph. VII 17 and VIII 2-4, Aristotle applies to substances the theory of definition developed in APo II 8 (see Charles 2000; Peramatzis 2011; 2013). One may argue, as Bronstein does (p. 101), that the idea that sensible substances are analysable as compounds of form and matter (crucial to the arguments in the Metaphysics) is absent in the APo. However, Aristotle’s own examples in APo II 8, 93a 22-24, include substances (human being and soul), which suggests that the interdependence between defining and explaining holds good for subject-kinds as well. It is true that these examples are not fully explored, as thunder and eclipse are. Nevertheless, Aristotle might have thought that bringing hylomorphism to the (already complicated) discussion in APo II 8 would create extra difficulties unnecessarily. The absence of hylomorphic considerations in the APo is not a strong reason to think that Aristotle did not have consolidated views about the issue by the time the treatise was written – in APo II 11, for instance, he explores his theory of four causes, one the best-known doctrines of his philosophy of nature. Actually, in APo II 9, the entities whose essence is “not something different” seem to be conceptually simple items, rather than substances (Aristotle’s example is “unit”). Still, there is a sense in which defining and explaining remain interdependent activities even in the case of these simple entities. In a famous a passage from De Anima I 1, Aristotle claims that a definiens that does not help us understand the derivative properties of the definiendum is not properly scientific, but “dialectical and empty” (402b 16-403a 2). In other words, knowing the essence of X as the essence of X involves understanding how it explains X’s demonstrable attributes, even if there is not a demonstration isomorphic to the essence of X.
If this review focused on what I take to be difficulties for Bronstein’s interpretation, it is for a very simple reason: the merits of his book speak for themselves. As with any great philosophical work, even when the readers disagree with the views he advances, they will end up with a better understanding of their own ideas about the topics discussed. For anyone interested in Aristotle’s theory of knowledge, reading and reacting to this book is indispensable.
References
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Breno Andrade Zuppolini – University of Campinas. Department of Philosophy. Campinas, SP. Brazil. baz1289@gmail.com
Ensino de História, memória e cidades / Mnemosine Revista / 2017
Reconhecer a cidade como um texto, nos convida a mergulhar na polissemia das experiências urbanas. A trajetória de ensino, pesquisa e extensão direcionada à história e à geografia local mediada pelos narradores dos bairros, das praças e dos demais espaços públicos conduz ao encontro com as memórias individuais e coletivas locais. Investir em uma cultura política de resistência ao processo de globalização implica em reconhecer as vozes locais que foram silenciadas pela memória oficial celebrativa herdeira da História Positivista.
Conforme sugeriu Walter Benjamin, a história à contrapelo tem uma dimensão política muito profunda, as pesquisas que ousam adentrar o cotidiano dos corpos invisíveis da e na cidade do passado e do presente coloca os leitores em contato com o avesso da história oficial. Essa dobra no fazer historiográfico pode ser experienciada por diversos caminhos metodológicos como a Educação Patrimonial, a Pedagogia da Cidade, a história oral e outros percursos de caminhada pela cidade que apresentem a sua diversidade social e cultural no que diz respeito às dimensões étnicas, de classe, gênero e gerações e que demonstrem o quanto o fazer e o viver urbano é plural, contraditório e complexo.
Dando visibilidade a essa complexidade do viver urbano no Brasil e na Argentina, ou seja, em experiências urbanas latino americanas, caminhemos pelas diversas cidades brasileiras de estados da região Nordeste como Pernambuco com o olhar voltado para a cidade de Recife e mais intensamente no estado da Paraíba onde são narradas experiências urbanas da capital João Pessoa, de uma cidade média, a chamada Rainha do Agreste da Borborema, Campina Grande , adentremos cidades interioranas menores como Umbuzeiro e Pedro Velho. Ainda seguindo nossa caminhada pelo Nordeste, vamos ao encontro das experiências urbanas da cidade de Currais Novos no estado do Rio Grande do Norte. Do Nordeste em direção à região norte do país, Amazonas, mergulharemos nas experiências citadinas de Currais Novos. De modo a ampliar nossa cartografia enquanto caminhantes nos dirigimos ao Sudeste do Brasil por meio de uma experiência de pesquisa 8 histórica fundamentada na cultura política da cidade do Rio de Janeiro e dando passos mais ousados e internacionais, caminharemos pelas trilhas da cidade de Buenos Aires movidos pela pedagogia citadina museológica.
Esse dossiê expressa e enfatiza a pluralidade das sociabilidades e sensibilidades citadinas nordestinas, nortistas, norte rio-grandenses e da região sudeste, mais especificamente, cariocas e no âmbito internacional, as experiências urbanas de Buenos Aires, com o olhar voltado para os museus. Esse mergulho historiográfico amplia as possibilidades investigativas sobre as cidades e o ensino de história local, bem como nos convida a aprofundar o diálogo entre ensino e pesquisa no processo de educação histórica de modo a provocar nos educandos o desejo de ler suas cidades e escrever outras histórias citadinas para além da cidade vertical. Outros leitores, narradores, escritores e ouvintes das cidades entram em cena deshierarquizando quem faz e quem conta a história, entrelaçando saberes acadêmicos com saberes experienciais, dando passagem às vozes dos pescadores, barbeiros, antigos moradores, às crianças, aos militantes de movimentos sociais urbanos de modo a afirmar a polissemia do texto cidade em suas variadas temporalidades e espacialidades.
A autora Alana Cavalcanti nos convida a mergulhar no Rio Sanhauá e nas águas do mar da Praia de Tambaú nos possibilitando encontros com os pescadores, veranistas, e moradores do centro e do litoral pessoense movida pela inquietação com relação ao processo de mutação da vitrine urbana do centro para o litoral.
Em seu artigo “MEMÓRIAS FLUVIAIS DO IMAGINÁRIO PESSOENSE: O RIO SANHAUÁ COMO NASCEDOURO DA CIDADE DE JOÃO PESSOA- PB E CONSTRUTOR DE IDENTIDADES, ela enfatiza como o Centro da cidade, no final do século XIX a meados do século XX, foi palco das várias transformações da cidade de João Pessoa na Paraíba, como também precursor dos equipamentos modernos de acordo com o contexto. Partindo da escuta das histórias de vida de antigos moradores por meio da narrativa de suas memórias citadinas, a pesquisadora se fundamentou teórico e metodologicamente na História Cultural e suas múltiplas representações (CHARTIER,1990), entendendo a cidade como um texto (CERTEAU, 2014). A metodologia da história oral (BOSI, 2003) e (MONTENEGRO, 1992), também foi fundamental para o desenvolvimento dessa pesquisa. Dessa forma, o presente artigo, busca contribuir com os estudos e debates acerca da cidade, memória e história oral e as mudanças de representações dos espaços citadinos em sua historicidade local.
O segundo artigo escrito pela historiadora da UFRGS, Carmen Zeli de Vargas Gil intititulado” CONVIDA, INTERPELA E DESAFIA: mediações em instituições de memórias de Buenos Aires convida o leitor a reconhecer a importância do@ educador@ histórico como um mediador no conhecimento e reconhecimento das instituições de memórias no meio urbano. Propõe-se a discutir três experiências identificadas na cidade de Buenos Aires, durante o ano de 2015, em um intenso trabalho de acompanhar escolas em espaços de memórias nesta cidade que congrega tantos museus. Que pressupostos assumem em relação ao público escolar? Outorga-se aos alunos um lugar de escuta somente? Como a pergunta pode ser o fundamento da participação ou da transmissão de ideias e valores? Trata-se de interrogantes que estruturam as reflexões tecidas neste texto com ênfase no trabalho pedagógico do Parque de la Memoria, Casa Nacional del Bicentenario e o Museo Etnográfico Juan B. Ambrosetti. A autora enfatiza em seu texto como nessa trajetória dialógica de aproximação, foi possível perceber a importância da pergunta no processo de mediação; a pergunta que convida a olhar mais de perto, interpela, desafia e instiga o diálogo. Portanto, Freire é a inspiração para esta reflexão, assumindo que todo conhecimento começa com a pergunta ou a necessária curiosidade que produz a busca.
Saindo da experiência da Pedagogia da cidade na Argentina, mais especificamente na cidade de Buenos Aires e voltando às tramas citadinas brasileiras, nos deparamos com a narrativa histórica do autor carioca Charleston José de Sousa Assis, historiador vinculado à Universidade Federal Fluminense, que nos convida a pisar o chão carioca caminhando pelas ruas da cidade, pondo-nos em contato com os revoltosos e suas reivindicações no que concerne aos transportes locais, exercendo sua cidadania e buscando a materialidade de seus direitos enquanto moradores, à cidade. Os tumultos de 1987 pelo aumento nas tarifas de ônibus: apontamentos sobre classes populares e cultura política no Rio de Janeiro. Ele nos relata que em 30 de junho de 1987, milhares de pessoas participaram de uma revolta popular no Centro da cidade do Rio de Janeiro, cujo estopim foi um aumento das tarifas de ônibus. Durante cerca de oito horas foram depredados mais de 100 ônibus, entre vários outros alvos. Fundamentado no historiador E. P. Thompson, o autor ressalta que o anormal pode nos auxiliar a desvendar as normas do cotidiano, por esta razão este artigo parte daquele protesto para investigar a cultura política do carioca no período da transição da ditadura para a democracia, que teve como marcos fundamentais a Campanha Diretas Já, os eventos envolvendo a eleição e morte de Tancredo Neves e o sucesso efêmero do Plano Cruzado. Aos registros produzidos na cobertura daquele protesto serão cotejadas às falas de outros populares presentes em cartas encaminhadas à Assembleia Nacional Constituinte e em produtos culturais. No referido período, assistiu-se ao surgimento de uma unidade comum entre os setores populares e os médios empobrecidos em torno de valores como democracia, soberania popular e justiça social, derivados de experiências comuns tanto no campo material quanto no simbólico e vivenciadas, pelo menos, desde meados dos anos 1970, quando da reorganização popular contra a ditadura. A julgar pelas evidências, os manifestantes de 30 de junho de 1987 foram resultado da cultura política surgida tanto do efeito pedagógico daqueles eventos quanto das inúmeras frustrações reiteradamente experimentadas pela sociedade em função dos arbítrios da ditadura.
Do Rio de Janeiro diretamente para a Rainha da Borborema, o historiador Cid Douglas Souza Pereira nos leva a olhar para A CIDADE DE CAMPINA GRANDE CONTEMPLADA POR SEGMENTOS LABORAIS: MEMÓRIA, TRABALHO E VIDA. Conforme afirmou, este artigo apresenta uma discussão em torno das categorias conceituais de trabalho e outras demarcações que fundamentaram a sua pesquisa de Mestrado. Para tentar compreender o mundo do trabalho e dos trabalhadores, em especial os antigos barbeiros de Campina Grande – PB, entre os anos de 1960 a 1980, o autor diz que almejou, a partir da memória, recompor o cenário urbano desses labutadores, os quais fazem do seu ofício uma arte que caminha na contramão das implementações da modernidade, e praticam isso no momento em que, em nome de costumes e hábitos, conservam antigas tradições. Dessa forma, assim como os de “cima”, as pessoas comuns são capazes de narrarem sua trajetória de vida e a história da cidade onde vivem, entrelaçando memória individual e coletiva. Aprenderemos muito com os barbeiros narradores campinenses, uma vez que as barbearias eram e são potenciais espaços pedagógicos masculinos, onde os homens aprendem e ensinam ser homens e a ser citadinos.
Ainda caminhando pelo estado da Paraíba, vamos ao encontro de outros personagens históricos militantes que foram invisibilizados pela história e memória oficial paraibana. A historiadora Eliete de Queiroz Gurjão Silva em seu artigo “PARAÎBA 1817: HISTÓRIA, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO”, ao mesmo tempo que denuncia o silenciamento de uma memória local de extrema relevância, mostra o protagonismo da Paraíba na Revolucão de 1817; a importãncia desta no contexto do início do século XIX; recuperando e ressignificando sua memória; conforme a autora descreveu em seu texto, ela procurou descrever e divulgar seu patrimônio sobrevivente na cidade de João Pessoa-PB. Neste sentido faz uma crítica à historiografia que praticamente ignora a participação das demais províncias na rebelião, narrando-a como apenas A Revolução Pernambucana, tecendo, assim, um véu de esquecimento que apagou-a da memória dos paraibanos. Esse processo de construção de uma nova narrativa com relação á Revolução de 1817 e de denúncia do silenciamento dessa experiência social foi constatado através da execução do projeto que é relatado no final do texto. A historiadora caminhou pela pesquisa-ação ao ir ao encontro das narrativas que reconhecem os protagonistas da revolução de 1817 na Paraíba ao realizar uma pedagogia da cidade por meio de um projeto de extensão cujos objetivos foram: salvar o que restava do patrimônio e da memória da Revolução de 1817 na Paraíba, restaurar placas referentes à Revolução e realizar um trabalho de Educação Patrimonial, tentando sensibilizar parte da população local sobre a importância e significado desse patrimônio, procurando reforçar seu sentimento de pertença e autoestima.
E por falar em lutas, movimentos sociais e invisibilidade dos protagonistas militantes, façamos uma viagem espaço-temporal da cidade de João Pessoa para a comunidade Pedro Velho numa temporalidade bem mais próxima de nós leitores. A autora Ellen Layanna de Lima em seu artigo “UMA COISA É VOCÊ SE MUDAR DE ONDE VOCÊ MORA OUTRA COISA É VOCÊ SER EXPULSO”: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGEM NA PARAÍBA” narra as tramas políticas e sociais da comunidade de Pedro Velho no ano de 2004 que foi vítima de uma experiência significativa de perda material e simbólica com o rompimento da barragem de Argemiro Figueiredo (Acauã) na Paraíba. Segundo a historiadora, este fato acarretou o aprofundamento das desigualdades sociais, ao passo que produziu centenas de famílias que além de pobres, ficaram sem terra para manter a atividade agrícola, atividade que garantia o sustento da maioria dos Pedro velhences. Para além de um prejuízo econômico, a população ainda enfrentou a suplantação de bens culturais e a perda de suas referências tradicionais. Acreditando no rompimento das “barreiras do silencio” a autora nesse artigo contou um pouco da história de Pedro Velho, comunidade inundada no mês de Janeiro de 2004, e seus desdobramentos (sendo um de seus principais a formação do Movimento dos Atingidos por Barragens) a partir do olhar de moradores e militantes. Sua pesquisa teve como principal ferramenta metodológica a história oral. Ao adentrar o cotidiano dessa comunidade em ‘ruìnas’ através das narrativas dos moradores militantes, não militantes e de diversas gerações , a pesquisadora chega a conclusão que a perda de referência no âmbito material e cultural foi algo presente na fala dos entrevistados, tal perda engrenou a produção de estratégias de adaptação e resistência. Neste sentido, para ela, a memória, a organização social e a inspiração pela luta, foram pontos notáveis na fala dos narradores que procuramos destacar.
As crianças também são protagonistas urbanos, o historiador Humberto da Silva Miranda, professor da UFRPE trata de uma pedagogia da cidade por meio da ênfase do seu trabalho na importância da participação das crianças na escrita desse texto cidade de modo horizontal, combatendo o olhar vertical com relação à urbs. Em seu artigo”-QUANDO A RUA SERÁ MINHA? HISTÓRIA, INFÂNCIAS E O DIREITO DE VIVER A CIDADE” o autor, conforme ele mesmo afirma, objetiva debater a relação entre a cidade e o “viver a infância” a partir da preocupação de como foi construída, historicamente, a noção de criança cidadã. Tendo como foco o âmbito da rua, ele procurou discutir como esses espaços se tornaram, ao longo do século XX, cenários das mais diferentes formas de sociabilidades nas cidades. As ruas como espaço de brincadeiras e de conversas tornaram-se locais de moradia, de trabalho e até de exploração sexual. A grande pergunta que moveu o seu caminho investigativo é como o Sistema de Justiça brasileiro produziu dispositivos legais a fim de garantir o direito das crianças viverem o espaço urbano? A partir desta pergunta, o historiador analisou textos legais como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária investigando como estas leis produziram o discurso sobre o direito da criança viver a cidade.
Dando continuidade a essa reivindicação do direito á cidade pelos moradores comuns e da relevância de sua participação social na cena urbana, voltamos á cidade de Campina Grande e chegamos ao maior bairro da cidade dessa cartografia citadina, uma vez que possui mais de 30.00 habitantes, o bairro das Malvinas que conforme enfatizado pela historiadora Keila Queiroz e Silva, esse bairro diz muito de Campina Grande e seus moradores ao gritarem por justiça e pertencimento local. O artigo “OS BAIRROS DIZEM A CIDADE: O MAPEAMENTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DOS “OUTROS” MORADORES URBANOS” coloca em evidência os outros cartógrafos de uma cidade plural e dos de baixo, denunciando e estranhando as narrativas históricas e midiáticas que dão visibilidade aos grupos políticos dominantes e invisibilizam as tramas históricas locais dos sujeitos ordinários e suas artes de fazer, fazendo uam viagem certeauniana e também benjaminina pela cidade de Campina Grande. A nossa escolha teórico-metodológica historiográfica certeauniana e benjaminiana deu passagem a outras vozes, a outros rostos, a outras paisagens, a outras formas de luta, resistência e sociabilidade que nos permitiram reescrever o texto cidade, colocando em cena novos personagens e novas sensibilidades urbanas, reconhecendo o protagonismo histórico dos sujeitos ordinários (CERTEAU:1994) que não aparecem nos livros didáticos, nem nos documentos oficiais. Amparada na metodologia da história oral, a autora trabalhou com histórias de vida dos moradores de bairros populares da cidade de Campina Grande e identificou a partir de suas narrativas, o patrimônio cultural tecido por eles em seu cotidiano do trabalho, do lazer e da sociabilidade dentro do bairro. Através de sua atuação no Programa Pet-Educação, a pesquisadora juntamente com seus alunos orientandos fez um mapeamento do patrimônio cultural imaterial dos moradores e registrou esse legado através da produção de um documentário com relatos biográficos dos artistas mapeados.
Retomando nessa caminhada por diversas trilhas urbanas geográficas, adentremos o universo das “MEMÓRIAS DO TRABALHO NA MINERAÇÃO BREJUÍ: PROPOSTA PARA USO DA HISTÓRIA LOCAL NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO EM MINERAÇÃO, EM CURRAIS NOVOS / RN”, artigo esse que tem como autores os historiadores Cléia Maria Alves, Francisco das Chagas Silva Souza, Olivia Morais de Medeiros Neta.
Neste artigo eles narram que entre os anos de 1945 a 1981, a Mina Brejuí, em Currais Novos-RN, se destacou nacionalmente pela produção de sheelita. Ela hoje é um parque temático e guarda uma memória do trabalho. Logo, é um lócus constitutivo de uma memória histórica de um determinado grupo social, os mineradores. Portanto, possui um potencial educativo à medida que expressa algo memorável, contribuindo de forma que os educandos possam situar-se como sujeitos históricos em um processo de construção e compreensão de tempos e espaços dos “lugares de memória”. A pesquisa do referido autor tem o objetivo de discutir sobre proposta de uma unidade didática sobre a História Local da Mineração Brejuí como contributo para as aulas de História e as reflexões sobre o mundo do trabalho, no Ensino Médio Integrado em Mineração, na Escola Estadual Manoel Salustino, em Currais Novos-RN. Podemos considerar que o autor educador contribui para a escrita de uma pedagogia da cidade de Currais Novos, história escrita com os seus educandos, entrelaçando ensino e pesquisa.
Cruzando as fronteiras entre o Nordeste e o Norte brasileiro, seremos convidados a ler o artigo do autor Paulo de Oliveira Nascimento. Tendo esses narradores como nossos guias citadinos, chegaremos na cidade de Eurunepé no estado do Amazonas. O artigo “NARRADORES DE EIRUNEPÉ: Oralidade, Narrativa e Ensino de História na (re) construção de uma Memória Coletiva urbana”.
Nascimento afirma que a memória coletiva possui uma significativa gama de vestígios do passado de uma cidade. Segundo esse autor, Na Amazônia, esta memória coletiva desempenha um papel muito importante enquanto fonte histórica, dada a quase inexistência de quaisquer outros vestígios. Memória reatualizada, Memória disputada, Memória viva, esta chega à sala de aula através da fala dos alunos e alunas, que ouvem as histórias de seus pais e avós. Neste texto, eles tratam das relações entre a Memória Coletiva e o Ensino de História, a partir de sua experiência didático-pedagógica com alunos e alunas da 1ª e 2ª série do Ensino Médio, do IFAM / Campus Eirunepé. Esse relato de experiência de ensino e pesquisa se destaca como mais uma colaboração nesse dossiê no sentido de repensar e ampliar os caminhos metodológicos no processo de educação histórica.
De volta à Paraíba, mais especificamente à cidade de Umbuzeiro na Paraíba e encerrando nossa caminhada por diversas cidades e suas complexidades, encontramos o artigo de Tatiane Vieira da Silva “AZUL OU ENCARNADO, NÃO IMPORTA A COR DO ORNATO, A MATIZ É UMA SÓ. É FESTA EM UMBUZEIRO, É DIA DE VAQUEJADA!”. Nesse artigo a autora enfatiza que a cultura local exerce um papel singular no cotidiano dos pequenos centros urbanos, na medida em que provoca sociabilidades, integra as referências identitárias e os sentimentos de pertença. Ela diz a cidade de Umbuzeiro ressaltando A cidade paraibana de Umbuzeiro, sediou por várias décadas uma das vaquejadas mais antigas da região. Essa prática rural adentrou o espaço urbano, conquistou adeptos, atraiu multidões e se tornou a melhor e mais afamada festa daquelas paragens. Sua pesquisa foi norteada pela metodologia da história oral (ALBERTI, 2011) e das fontes jornalísticas (LUCA, 2011). O que possibilitou que a referida pesquisadora investigasse a historicidade da vaquejada de Umbuzeiro e mergulhasse nas experiências vividas, relembrando hábitos, valores, e práticas da vida cotidiana daqueles que vivenciaram aquelas festas, conforme ela mesma salienta em seu trabalho. Começamos nossa caminha entre o rio e o mar pessoense e concluiremos imersos na experiência das vaquejadas da cidade de Umbuzeiro. Desejo uma prazerosa caminhada pelas cidades aqui apresentadas e representadas a todo@s os@s leitore@s.
Keila Queiroz e Silva – Doutora (UAED / UFCG)
SILVA, Keila Queiroz e. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.8, n.4, out / dez, 2017. Acessar publicação original [DR]
Assessing historical thinking & understanding: Innovative designs for new standards – VANSLEDRIGHT (I-DCSGH)
VANSLEDRIGHT, B. A. Assessing historical thinking & understanding: Innovative designs for new standards. Nueva York: Routledge, 2014. Resenha de: MIGUEL REVILLA, Diego. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, n.89, p.85-86, oct., 2017.
La lectura de algunas de las investigaciones educativas más relevantes de la última década no deja dudas acerca de que el desarrollo de la comprensión y el pensamiento histórico- crítico se ha instalado como un objetivo fundamental de la enseñanza de la historia por parte de los docentes e investigadores.
Ahora bien, a pesar de que la caracterización de estos constructos ha ocupado gran parte de la atención académica, su evaluación ha quedado en ocasiones en un segundo plano.
Es por esta razón que Bruce A. VanSledright, profesor de Educación en Estudios Sociales en la Universidad de Carolina del Norte, ha dedicado su último libro a la evaluación de la comprensión histórica, un aspecto clave pero de marcada dificultad práctica.
Tras preguntarse inicialmente qué es lo que realmente examinan las pruebas tradicionales en el área de historia, advierte a los profesores acerca de la importancia de centrarse en el conocimiento estratégico en lugar de simplemente en el sustantivo, es decir, en el «qué puede hacer un alumno con lo que sabe» en lugar de únicamente en el «qué dice que sabe sobre el pasado».
Lógicamente, comenzar discutiendo aspectos de evaluación es similar a empezar a construir una casa por el tejado, razón por la cual el autor dedica el segundo capítulo de su libro a destacar la importancia de contar previamente con un modelo cognitivo que explique –o por lo menos ayude a comprender– la forma en que los alumnos aprenden sobre el pasado. Es aquí donde entran en juego lo que él denomina «anclajes socioculturales», determinantes, en gran manera, de la perspectiva y las ideas previas presentes en los estudiantes.
De forma paralela, las creencias epistémicas de los alumnos (o, lo que es lo mismo, la forma en la que éstos entienden la historia como disciplina) pueden afectar significativamente el proceso de aprendizaje. De ahí que VanSledright indique los riesgos de contar en el aula con «fundamentalistas textuales», que pueden transformarse rápidamente en relativistas puros debido a la poca consistencia de sus posiciones.
El modelo cognitivo propuesto por el autor parte, por tanto, de las propias preguntas planteadas por los alumnos que trabajan sobre la historia, los cuales, gracias a la interacción cognitiva entre las capacidades de pensamiento estratégico y el uso de conceptos procedimentales, y ayudados a su vez por la utilización de recursos enfocados a la investigación, pueden ser capaces de llegar a un mayor conocimiento sobre la materia.
Una vez que el docente tiene claro el modelo de aprendizaje de sus alumnos, es posible plantearse de forma más fundamentada la manera de evaluar aquellas habilidades que queremos desarrollar en ellos.
VanSledright propone, para esta tarea, multitud de alternativas, con cierta capacidad de adaptación a los diferentes contextos de aplicación.
Por un lado, se recomienda una evaluación centrada en preguntas abiertas basadas en el examen de documentos (document-based questions, también abreviado como DBQs) o en la elaboración de ensayos interpretativos (SAIEs), sobre todo por su potencial a la hora de facilitar que el alumno se exprese de forma libre tras el trabajo con la evidencia histórica.
Como alternativa, el autor también recomienda la utilización de preguntas cerradas baremadas, en las que no todas las respuestas tengan el mismo peso y, por tanto, puedan valorarse de forma escalonada.
Por supuesto, VanSledright, consciente de las dificultades de evaluar de forma directa el pensamiento y la comprensión histórica, sugiere el uso de una combinación evaluativa con varios métodos, que además pueden ser complementados con análisis verbales de los alumnos para acercarse más a sus procesos cognitivos.
En definitiva, se recomienda un modelo de evaluación distinta, que se adapte a la transformación existente en el aula, y que en lugar de centrarse en la transmisión de los contenidos, haga hincapié en la «práctica del pensamiento y del aprendizaje», un aspecto básico si queremos que nuestros alumnos comprendan adecuadamente el pasado y su continuo proceso de reinterpretación.
Diego Miguel Revilla – E-mail: dmigrev@sdcs.uva.es
[IF]Boletim Historiar. São Cristóvão, n.20, 2017.
Artigos
- História e Biografia: uma discussão sobre possibilidades
- Karla Karine de Jesus Silva
- Presença estadunidense no Brasil na década de 1940: as viagens de Robert King Hall e sua atuação no programa de educação rural do INEP
- Adriana Mendonça Cunha
- Disputas escritas: o debate sobre ciência e fé entre o médico Esmeraldo Siqueira e o padre Luiz Gonzaga do Monte (1936-1937)
- Bruna Rafaela de Lima Lopes
- O Estado Novo, novas abordagens: a gradativa mudança na historiografia brasileira e escolar
- Mônica Porto Apenburg Trindade
- Uma análise periférica sobre Segunda Guerra Mundial: A Importância de processos que ficaram a margem no conflito
- Flávio Rafael Mendes Campos
- O choque do petróleo fluminense A sensibilidade e vulnerabilidade do Rio de Janeiro aos embarques petrolíferos
- Caíque Leite de Holanda Gomes
- Sobre a Coréia do Norte no Ciberespaço: O Juche e o Grande Líder nas Páginas do Solidariedade à Coréia Popular
- Diego Leonardo Santana Silva, Carolline Acioli Oliveira Andrade
Publicado: 2017-09-30
História da Enfermagem. Brasília, v.8, n.1, 2017.
POSTED BY: HERE 25 DE SETEMBRO DE 2017
EDITORIAL
- Las historias de vida: Herramientas de análisis sociopolítico de las realidades en Enfermería | y Salud | Jaime Alonso Caravaca-Morera
- As histórias de vida: ferramentas de análise sociopolítica das realidades em Enfermagem e Saúde | Jaime Alonso Caravaca-Morera
- Life histories: Tools of sociopolitical analysis of the realities in Nursing and Health | Jaime Alonso Caravaca-Morera
ARTIGOS ORIGINAIS
- Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro: Revisitando a História e Compartilhando Memórias | Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro: Revisando la Historia y Compartiendo Recuerdos | Eduardo Ribeiro Psychiatric Center: Revisiting History and Sharing Memories | Sandra Greice Becker, Jussara Gue Martini, Andréa Barbará da Silva Bousfi eld, | Prisca Dara Lunieres Pêgas Coêlho.
- Investigação e Documentação Histórica da Enfermagem | na Região Norte do Estado de Mato Grosso – Brasil | Investigación y Documentación Histórica de la Enfermeria en la Región Norte del Estado de Mato Grosso – Brasil | Research and Historical Nursing Documentation in the Northern Region of the State of Mato Grosso – Brazil | Cezar Augusto da Silva Flores, Patrícia Bilha de Almeida, Ercílio Martini Junior.
- História do posicionamento terapêutico nos cuidados | de enfermagem em Portugal (século XIV-XIX) | History of therapeutic positioning in nursing care in Portugal (century XIV-XIX) | Historia del posicionamiento terapéutico en la atención de enfermería en Portugal (siglo XIV-XIX) | Luis Lisboa Santos, Óscar Ferreira, Cristina Lavareda Baixinho.
- Gestão da humanização de uma instituição hospitalar para tratamento de hanseníase | Management of the humanization in a hospital institution for treating leprosy | Gestión de la humanización de una institución hospitalaria para el tratamiento de hanseniasis | Isolene Bernadete Hoff mann, Maria Lígia dos Reis Bellaguarda, Maritê Inez Argenta, Maria Itayra Padilha, Mariana Vieira Vilarinho, Ana Rosete Maia.
- História de Vida de Enfermeiras Brasileiras Contribuições para o desenvolvimento da Enfermagem | Rosa Maria Souza Braga.
- Historia de la vida de las contribuciones de las Enfermeras Brasileña para el desarrollo de la Enfermería | Rosa Maria Souza Braga.
- Life Story of Brazilian Nurses Contributions to the development of Nursing | Rosa Maria Souza Braga.
FAC-SÍMILE
- A Enfermagem Psiquiátrica na Realidade Brasileira | Psychiatric Nursing in Brazilian Reality | La Enfermería Psiquiátrica en la Realidad Brasileña | Maria Lelita Xavier
IN MEMORIAM
- Irmã Cacilda Hammes (Ottillie Hammes): 1929-2017 | Maria Lígia dos Reis Bellaguarda, Ana Rosete Camargo Rodrigues Maia
História da Educação. São Leopoldo, v. 21, n. 53, set./dez. 2017.
Editorial
- EDITORIAL – REVISTA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO (V. 21, N. 53, SET./DEZ. 2017)
- Maria Helena Camara Bastos (Brasil), Maria Stephanou (Brasil)
Sessão especial – Special issue
- ESCRITAS EPISTOLARES E HISTÓRIA DA CULTURA ESCRITA NA SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: UMA ENTREVISTA COM VERÓNICA SIERRA BLAS
- Luciane Sgarbi Grazziotin (Brasil)
- PDF (Español (España))
- Dossiê “Discursos e itinerários de modernização educativa no espaço luso-brasileiro”
- APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ “DISCURSOS E ITINERÁRIOS DE MODERNIZAÇÃO EDUCATIVA NO ESPAÇO LUSO-BRASILEIRO”
- Giana Lange do Amaral (Brasil), Mauro Castilho Gonçalves (Brasil)
- A MATRIZ PEDAGÓGICA JESUÍTA E A SISTEMÁTICA ESCOLAR MODERNA
- Teresa Maria Rodrigues da Fonseca Rosa (Portugal)
- PDF (Português (Portugal))
- TOBIAS BARRETO DE MENEZES E A EDUCAÇÃO PARA UM BRASIL MODERNO (SÉCULO XIX)
- Raylane Andreza Dias Navarro Barreto (Brasil)
- OS MAÇONS E A MODERNIZAÇÃO EDUCATIVA NO BRASIL NO PERÍODO DE IMPLANTAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA REPÚBLICA
- Giana Lange do Amaral (Brasil)
- INTEGRALISMO LUSITANO E EDUCAÇÃO CATÓLICA: CONEXÕES ENTRE INTELECTUAIS E O CASO DO COLÉGIO VASCO DA GAMA DE LISBOA, PORTUGAL (DÉCADA DE 1920)
- Mauro Castilho Gonçalves (Brasil)
Artigo / Article / Artículo
- O ECLETISMO EDUCACIONAL GERMÂNICO, PRECURSOR DA EDUCAÇÃO COMPARADA? RECEPÇÕES E LEGADO DE GRUNDSÄTZE DE HERMANN AUGUST NIEMEYER NO ESPAÇO FRANCO-SUÍÇO / L’ÉCLECTISME PÉDAGOGIQUE GERMANIQUE, PRÉCURSEUR DE L’ÉDUCATION COMPARÉE? RÉCEPTIONS ET HÉRITAGE DES GRUNDSÄTZE DE HERMANN AUGUST NIEMEYER DANS L’ESPACE FRANCO-SUISSE
- Alexandre Fontaine (Suíça)
- PDF (Français (Canada))
- LOS MUSEOS PEDAGÓGICOS UNIVERSITARIOS COMO ESPACIOS DE MEMORIA Y EDUCACIÓN / OS MUSEUS UNIVERSITÁRIOS PEDAGÓGICOS COMO ESPAÇOS DE MEMÓRIA E EDUCAÇÃO
- Teresa Romero Rabazas (Espanha), Sara Zamora Ramos (Espanha)
- PDF (Español (España))
- OS FRANCISCANOS NA PARAÍBA: FORMAÇÃO RELIGIOSA, INSTRUÇÃO E LIVRARIA CONVENTUAL (SÉCULOS XVIII e XIX)
- Carla Mary S. Oliveira (Brasil)
- D. ANTÓNIO DA COSTA, PALADINO DA INSTRUÇÃO POPULAR EM PORTUGAL NO SÉCULO XIX
- Maria de Fátima M. M. Pinto (Portugal)
- PDF (Português (Portugal))
- DISCRIMINAÇÃO SOCIAL E DESIGUALDADE ESCOLAR NA HISTÓRIA POLÍTICA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA (1822-2016): ALGUNS APONTAMENTOS
- Cynthia Greive Veiga (Brasil)
- ESCOLA PÚBLICA E LIBERALISMO NO BRASIL IMPERIAL: CONSTRUÇÃO DO ESTADO E ABANDONO DA NAÇÃO
- Dalvit Greiner de Paula (Brasil), Vera Lúcia Nogueira (Brasil)
- AS DAMAS DA ASSISTÊNCIA À INFÂNCIA E AS AÇÕES EDUCATIVAS, ASSISTENCIAIS E FILANTRÓPICAS (RIO DE JANEIRO/RJ, 1906-1930)
- Sônia Camara (Brasil)
- A HONRA ESCOLAR: MEMÓRIA MATERIAL DA ESCOLA
- Lisley Canola Treis Teixeira (Brasil), Luani de Liz Souza (Brasil)
- LAS BIBLIOTECAS ESCOLARES EN LA PRIMERA DÉCADA DEL FRANQUISMO: ENTRE EL AMANECER Y LA LUZ CEGADA / AS BIBLIOTECAS ESCOLARES NA PRIMEIRA DÉCADA DO FRANQUISMO: ENTRE O AMANHECER E A LUZ CEGADA
- Xosé Manuel Malheiro Gutiérrez (Espanha)
- PDF (Español (España))
- A MODA E AS MULHERES: AS PRÁTICAS DE COSTURA E O TRABALHO FEMININO NO BRASIL NOS ANOS 1950 E 1960
- Débora Russi Frasquete (Brasil), Ivana Guilherme Simili (Brasil)
- O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CURSO DE MATEMÁTICA DA FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE MONTES CLAROS – MG (1968-1978)
- Shirley Patrícia Nogueira de Castro e Almeida (Brasil), Maria Laura Magalhães Gomes (Brasil)
- DE GRUMETES A KUNUMYS – ESTILOS DE INFÂNCIAS BRASILEIRAS
- Christiana Cabicieri Profice (Brasil), Gabriel Henrique Moreira dos Santos (Brasil)
Resenha / Digest / Reseña
- O PROCESSO ESCOLAR ENTRE IMIGRANTES NO RIO GRANDE DO SUL
- Renata Brião de Castro (Brasil), Patrícia Weiduschadt (Brasil)
- COLÉGIOS ELEMENTARES E GRUPOS ESCOLARES NO RIO GRANDE DO SUL: MEMÓRIAS E CULTURA ESCOLAR – SÉCULOS XIX E XX
- Gisele Belusso (Brasil)
Documento / Document / Documento
- PEQUENO GUIA AOS PROBLEMAS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL – ANÁLISE E BIBLIOGRAFIA SELECIONADA – MALVINA ROSAT MCNEILL, PH.D., 1970
- Maria Helena Camara Bastos (Brasil)
Publicado: 2017-09-16
Urbana. Campinas, v.9 n. 2, 2017.
maio/ago. [16] – Dossiê: Cidade e cultura visual
EDITORIAL
- Editorial
- Eduardo Augusto Costa
- DOSSIÊ
- A imagem da cabana primitiva do renascimento e a gênese da noção de arquitetura vernacular
- Francisco Dias de Andrade
- Cinema, estigmatização territorial e história urbana: “O bandido da luz vermelha” e a boca do lixo em São Paulo
- Herta Franco
- Metropolis, trem azul e zumbis: representações da cidade e crises da (pós)modernidade
- Flaviano Bugatti Isolan
- Émile Rouède, o correspondente de Ouro Preto
- Carlos Alberto Oliveira
- Fotografia e preservação de bens culturais: relações e paradoxos
- Bruno de Andrea Roma
- Arquitetura das colônias de imigração alemã: interpretação a partir de documentação iconográfica
- Vera Lucia Vieira Lima, Renata Hermanny de Almeida
- Imagens do parque Ibirapuera: materialização do futuro
- Laura de Souza Cury
- ARTIGOS
- Certidão de nascimento de Maceió
- Maria de Fátima de Mello Barreto Campello, Cynthia Nunes da Rocha Fortes, Josemary Omena Passos Ferrare
- Entre becos: experimentos situacionistas no centro do Recife
- Luiz Augusto Monte, Gentil Alfredo Porto Filho
PUBLICADO: 2017-08-16
Cadernos do Tempo Presente. São Cristóvão, n.27, 2017.
27ª edição e sua pluralidade de discussões – ISSN: 2179-2143
Artigos
- Aparecimento da infância negra: trilhando entre séculos de inacabável reconstrução social
- Jenny Lorena B. Moreno, Maria Renata Alonso Mota
- A ciência, a técnica, a tecnologia, a cultura e a Educação de Jovens e Adultos
- Nestor Alexandre Perehouskei, Tatiana Duarte Silva Oliveira
- Uma história da educação digital em Sergipe (1998-2011)
- Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes
- Trajetórias Individuais em Pauta: um olhar teórico sobre a biografia e suas transformações
- Karla Karine de Jesus Silva
- O “grande mural” dos anos 1970: rememorações e construção de sentidos nas retrospectivas de Veja e Isto É
- Juliana Miranda da Silva
- Internet e mídias sociais na educação em saúde: o cenário oncológico
- Myllena Cândida de Melo, Camila Mose Ferreira da Fonseca, Paulo Roberto de Vasconcellos-Silva
- Occupy Wall Street e Los Indignados: uma névoa de insatisfação no século XXI
- Paulo Roberto Alves Teles
- Discursos alternativos sobre a vacinação contra o HPV: análise das mensagens em uma comunidade virtual no Facebook
- Marcelo Garcia
Publicado: 2017-09-15
Resgate – Revista Interdisciplinar de Cultura. Campinas, v.25, n.1, jan./jun. [33], 2017.
Dossiê Escrita da História
Organização: Dra. Ana Carolina de Moura Delfim Maciel (CMU/Cocen) e Profa. Dra. Cecília Helena Salles Oliveira (Museu Paulista da USP).
APRESENTAÇÃO
- Escrita da história: entre olhares, evidências e reflexões
- Ana Carolina de Moura Delfim Maciel, Cecilia Helena Lorenzini Salles Oliveira
- DOSSIÊ
- A disputa pela arte abstrata no Brasil: revisitando o acervo inicial do Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1946-1952
- Ana Gonçalves Magalhães
- A Arte Moderna no Brasil e o seu processo de institucionalização
- Ana Maria Pimenta Hoffmann
- Entre o que houve e o que ouve: desafios do discurso historiográfico no encontro com a arte efêmera
- Paula Luersen
- Narradores de Javé: memórias e identidades polifônicas no cinema brasileiro
- Antônio Carlos Araújo Ribeiro Júnior, Márcia Manir Miguel Feitosa
- Coleção Documentos Brasileiros: o Brasil em ensaios de história e interpretações sociológicas (1936 – 1989)
- Gilberto Gilvan Souza Oliveira
- Por uma história dos índios no Grão-Pará: estratégias, dinâmicas e protagonismos indígenas no contexto do Diretório Pombalino (1757-1798)
- Benedito Emílio Ribeiro, Vanderlúcia da Silva Ponte
- O Brasil em tempos da Constituinte de 1823: uma interpretação
- Marisa Saenz Leme
- Cidade documento: as cidades como fontes para a escrita da história
- Rodrigo da Silva
- Patrimônio cultural e leis de proteção no município de Guarulhos (SP), entre as décadas de 1980 e 2010
- Odair da Cruz Paiva
- O folclore e a escrita da História: a cultura popular como fonte
- Vitor Hugo Silva Néia
- A Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos: memória, patrimônio e cultura popular
- Andrea Casa Nova Maia, Vitor Leandro de Souza
- Entre o velho, o atual e o inédito: para quem serve a história?
- Camilla Cristina Silva
- Pocock e a historiografia como linguagem política
- Pedro Henrique Barbosa Montandon de Araújo
- Texto historiográfico como “discurso de justificação”: Cecília Westphalen e a construção de um lugar para si
- Daiane Vaiz Machado
- Algumas perspectivas sobre a interpretação na História
- Jônatas Roque Mendes Gomes
NOTAS DE PESQUISA
- Não é mais sobre fotografia, é sobre arte contemporânea: alguns apontamentos
- Paula Cabral Tacca
- Otto Stupakoff e a gênese da fotografia de moda no Brasil
- Patricia Kiss Spineli, Fernanda Iarossi Pinto
- O Memorial Padre Carlos: formas e maneiras de escrever a história da escola
- Jardel Costa Pereira, Jussara Gallindo Mariano de Carvalho
PUBLICADO: 2017-09-14
Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais. São Cristóvão, v.17, n. 2, 2017.
Ética em pesquisa em contextos educativos
Editorial “Ética em pesquisa em contextos educativos”
Ética em pesquisa em contextos educativos
- A ética em pesquisa fenomenológica no contexto de atuação de sujeitos educativos envolvidos com a pedagogia social hospitalar
- Alex Sandro Coitinho Sant’Ana
- A participação ética de crianças com menos de 8 anos em investigação qualitativa
- Rita Brito, Patrícia Dias
- A responsabilidade ética na pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais: uma reflexão sob a perspectiva da integridade na comunidade científica.
- Velda Gama Alves Torres, Lynn Rosalina Gama Alves
- Considerações éticas, epistemológicas e metodológicas sobre o fazer pesquisa em educação e cultura digital
- Daniel de Queiroz Lopes, Eliane Schlemmer
- O trabalho colaborativo apoiado pelas tecnologias: o exemplo da investigação qualitativa
- Elisabete Pinto da Costa, António Pedro Costa
- Quando a técnica é a singularidade a dança descobre a ética
- Reginaldo Santos Oliveira
- Research, children an ethics: an ongoing dialogue
- Teresa Sofia Castro
- Ética, ciência, conhecimento e educação: dialogar com os termos e voltar a fazer perguntas
- António Camilo Cunha
- Questões éticas subjacentes ao trabalho de investigação
- Eduardo Duque, António Calheiros
- Artigos Gerais
- A utilização do Scratch como ferramenta de apoio no ensino de Física
- João Carlos Lopes Fernandes, Everson Denis, Marco Antonio Furlan
- Avaliação da expectativa e percepção da qualidade dos serviços educacionais na perspectiva de gestores, professores e estudantes de um instituto federal do estado de Minas Gerais (MG)
- Laila Lidiane da Costa Galvão, Adriana dos Santos Prado Sadoyama
- Ferramentas de educação a distância utilizadas por profissionais de contabilidade visando a educação continuada
- Wendy Beatriz Witt Haddad Carraro, Michelle Souza, Ariel Behr
- Implicações do uso do WhatsApp na educação
- Ivanderson Pereira da Silva, Fernanda de Burgos Rocha
- Professores formadores dos cursos de Licenciatura em Letras (EaD): a constituição da identidade
- Váldina Gonçalves da Costa
- Metodologias ativas aplicas à educação a distância: revisão da literatura
- Sandra Medeiros Fonseca, Joao Mattar
- Reflexões teóricas sobre perspectivas críticas na Educação a distância
- Karin Vieira da Silva, João Peixoto, Anderson Sasaki Vasques Pacheco
- O Scrum como forma de gerenciar alunos em projetos de desenvolvimento tecnológico e iniciação científica: Um estudo de caso realizado na UNIT/SE
- Larissa Freitas Santana, Thiciane Suely Couto Silva, Fabio Gomes Rocha, Rosimeri Ferraz Sabino
- O uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na prática do Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia
- Fernando Silvio Cavalcante Pimentel, Daiane Rose Freitas Rufino, Weslania Silva da Cruz
- Bibliografia Comentada
- Bibliografia comentada
- Luis Paulo Leopoldo Mercado
Publicado: 2017-09-13
Khronos – Revista de História da Ciência. São Paulo, n.4, 2017.
EDITORIAL
DOSSIÊ “HISTÓRIA DAS DOENÇAS E ARTES DE CURAR”
- Auto-organização na aprendizagem de conceito científico em espaço organizado na perspectiva da História da Ciência
- Marly Iyo Kamioji
- História da Ciência no Ensino Médio: caminhos para uma interdisciplinaridade possível
- Gisela Tolaine Massetto de Aquino
- A história da física e a física escolar: incoerências entre a ciência e o ensino.
- Renato Marcon Pugliese
- O fenômeno da dor e entorpecimento causado pelos torpedos: história da ciência na Educação de Jovens e Adultos.
- Gerda Maisa Jensen
- Elos possíveis entre a História das Ciências e a Educação CTS
- Rosangela Rodrigues de Oliveira, Márcia Helena Alvim
- A disciplina Gravitação no Curso de Licenciatura em Física da USP: objetivos e fundamentos de uma proposta guiada pela história e filosofia da ciência
- Flávia Polati, Valéria Silva Dias, João Zanetic
ARTIGOS
- Curso Experimental de Medicina na FMUSP e suas conjecturas de implementação
- Patricia Teixeira Tavano
- O Movimento Sanitarista no Brasil: a visão da doença como mal nacional e a saúde como redentora
- Luana Tieko Omena Tamano
- A psicocirurgia em instituições da ordem pública e privada: difusão prático-científica da lobotomia pré-frontal
- Camilie Cardoso
- Uma questão inconveniente: a ideia de progresso como conceito fundador e estruturante da cientificidade da história da arte.
- Danielle Rodrigues Amaro
TRADUÇÃO
- O Pensamento Científico como Fenômeno Planetário – Vladimir Vernadsky
- Gildo Magalhães, Ana Torrejais
PUBLICADO: 2017-09-11
Revista de História da Arte e da Cultura. Campinas, v.6, n.2, 2017.
Dossiê Assistência e Pobreza: sentidos e lugares dos pobres no Brasil
EDITORIAL
- Editorial História e Cultura. v.6, n.2, 2017
- Beatriz Rodrigues, Fernando Pereira dos Santos, Hugo Fernando Saranholi, Isadora Mutarelli, Janaína Helfenstein, Janaina Salvador Cardoso
APRESENTAÇÃO
- Apresentação do Dossiê Assistência e Pobreza: sentidos e lugares dos pobres no Brasil
- Daiane Silveira Rossi, Lidiane Monteiro Ribeiro
ARTIGOS – DOSSIÊ
- A atenção aos pobres: apontamentos históricos sobre assistência e proteção social no Brasil * Attention to the poor: historical notes on assistance and social protection in Brazil
- Gisele Bovolenta
- Caridade, devoção e assistência hospitalar aos pobres: o hospital de São João de Deus da Vila da Cachoeira (1734-1770) * Charity, devotion and hospital assistance to the poor: São João de Deus hospital of Vila da Cachoeira (1734-1770)
- Tânia Maria Pinto Santana
- Assistência aos presos nas cadeias públicas do Rio de Janeiro e de Salvador pela Santa Casa da Misericórdia (séculos XVII-XIX) * Assistance to prisoners in public prisons of Rio de Janeiro and Salvador by Santa Casa da Misericórdia (XVII-XIX centuries)
- Nayara Vignol Lucheti
- Assistência, pobreza e institucionalização infantil: usos estratégicos da roda dos expostos da Santa Casa da Misericórdia (Salvador, século XIX) * Assistance, poverty and child institutionalization: strategic uses of the foundling wheels of Santa Casa da Misericórdia (Salvador, 19th century)
- Alan Costa Cerqueira
- Cortejo de miséria: seca, assistência e mortalidade infantil na segunda metade do século XIX no Ceará * Courtege of misery: drought, assistance and infant mortality in the second half of the 19th century in Ceará
- Georgina da Silva Gadelha, Zilda Maria Menezes Lima
- Escola, a cidade e os desfavorecidos de fortuna: espaços da pobreza em Natal-RN (1909-1937) * The school, the city and the unwealthy ones: spaces of poverty in Natal-RN (1909-1937)
- Renato Marinho Brandão Santos
- “O pobre não é vadio”: uma crítica ao discurso elitista acerca do trabalho na Primeira República * “El pobre no es vagabundo”: una crítica al discurso elitista acerca del trabajo en la Primera República
- Rose Dayanne Santos de Brito
- Subcidadania, naturalização das desigualdades e jovens em situação de risco: pensando sobre futuro em um presente marginalizado * Sub-citizenship, naturalization of the inequalities and young people at risk situation: thinking about the future in a marginalized present
- Neylton Allan Costa Santos
- Assistencialismo, primeiro-damismo e manipulação social: a atuação de Lúcia Braga no estado paraibano na década de 1980 * Assistencialism, first-ladism and social manipulation: the performance of Lucia Braga in the state of paraíba in the 1980s
- Dayanny Rodrigues
- Espiritismo, caridade e assistência: Florina da Silva e Souza e a Sociedade Espírita Feminina Estudo e Caridade em Santa Maria/RS * Spiritism, charity and assistance: Florina da Silva e Souza and the Sociedade Espírita Feminina Estudo e Caridade, in Santa Maria/RS
- Felipe Girardi, Beatriz Teixeira Weber
ARTIGOS – LIVRES
- Entre realidade e ficção: o desafio de Dom Quixote a Erich Auerbach e Jacques Rancière * Between reality and fiction: the challenge of Don Quixote to Erich Auerbach and Jacques Rancière
- Miriam Mendonça Martins
- “O Estado era apenas um órgão de opressão” * “The State was only na oppressive body”
- Cesar Luis Sampaio
- Prometeus desacorrentados: a influência do discurso nacionalista dos anos 60 no processo de (des)construção do jazz brasileiro * Prometheus unleashed: the nationalism speech influence in the process of (de)construction of brazilian jazz
- José Ferreira Junior, Antonio Carlos Araújo Ribeiro Junior
- Teatro e história: uma proposta metodológica * Theather and history: a methodological proposal
- Natália Batista, Mariana Rosell
RESENHAS
- SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Miguel. BRASIL: Uma Biografia. 1aEdição. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
- Thiago de Sousa Barros
Publicado: 2017-09-10
EaD em Foco. Rio de Janeiro, v.7, n.2, 2017.
Edição completa
Editorial
- Editorial V.7 n.2 – Do Cérebro ao Coração
- Esteban Lopez Moreno
Estudos de Caso
- Consórcio Cederj: A História da Construção do Projeto
- Carlos Eduardo Bielschowsky
- Linhas Cartográficas da Docência na EaD
- José Rogério Vitkowski
- Promoção do Pensamento Crítico em Alunos Universitários: o Uso do Fórum de Discussão no Ensino a Distância
- Fábio Luiz da Silva, Fabiane Tais Muzardo, Juliana Chueire Lyra
- A gestão da Educação à Distância no Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal
- Edmilson Silva Souza, Letícia Veiga Vasques, Sheldon William Silva
- Práticas Docentes Diferenciadoras em EaD: Integrando as Novas Tecnologias aos Ambientes Virtuais de Aprendizagem
- Maria Helena Cavalcanti da Silva Belchior, Ana Maria Marques Palagi
- Educação Presencial versus EaD: Perspectivas dos Alunos dos Cursos de Serviços Públicos e Administração
- Cezar Fonseca, Catarina Costa Fernandes
Artigos Originais
- Dialogando com Bernstein e os Tutores da EaD
- Thaís Philipsen Grützmann, Rozane da Silveira Alves
- Alfabetização em Foco: uma Análise Comparativa entre Instituições de Ensino Superior
- Elaine Cristina Ferreira de Oliveira, Mara Rosana Pedrinho, Adriane Orenha Ottaiano
- Protagonismo na aprendizagem de línguas pelo uso de aplicativos
- Marilene Santana dos Santos Garcia, Dinamara P Machado
- Videoaulas em primeira pessoa: suas características e sua contribuição para a EaD
- Guilherme de Carvalho Pereira, Lidiane Maria Magalini
- Ser professor-tutor online a partir das contribuições do Sistema de Zonas de Desenvolvimento
- Priscila Costa Santos, Diva Albuquerque Maciel
- A Gamificação como Estratégia de Engajamento e Motivação na Educação
- Bianca Vargas Tolomei
- Escolha da Alternativa de Financiamento Mais Adequada à Gestão de EaD nos Polos do Sistema UAB
- Rafael Nietsche Renzetti Ouriques, Flora Moritz da Silva, Érica Insaurriaga Megiato
- A Ludoteca Digital como Espaço de Aprendizagem na Formação de Professores
- Suselei Bedin Affonso
- Estabelecimento de critérios de qualidade para aplicativos educacionais no contexto dos dispositivos móveis (M-Learning)
- Marcos Vinícius Mendonça Andrade, Carlos Fernando Araújo Jr., Ismar Frango Silveira
- Educação sobre Drogas: Possibilidades da EaD na Formação Continuada de Professores
- Francisco José Figueiredo Coelho, Simone Monteiro
- A precarização do trabalho do tutor a distância na Universidade Aberta do Brasil: Relatos de um tutor a distância
- Fabiano Lemos Pereira
Publicado: 2017-09-06
História Cultural / Revista de História Bilros: História(s) Sociedade(s) e Cultura(s) / 2017
É com enorme satisfação que anunciamos a 10ª edição da “Revista de História Bilros: História(s), Sociedade(s) e Cultura(s)”. Fruto, inicialmente, do interesse conjunto de discentes da graduação em História e do Mestrado Acadêmico em História (MAHIS) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), este periódico eletrônico chega ao seu quinto volume e ao seu número dez composto de doze textos inéditos de acadêmicos e acadêmicas de Universidades de todo o Brasil. Esta edição está sendo lançada composta por oito artigos no Dossiê Temático História Cultural, três artigos na seção Artigos Livres e uma Entrevista com a atual presidenta da ANPUH nacional.
A caminhada desta complexa empreitada não foi fácil. A Revista de História Bilros surgiu ainda em 2012 como proposta de gestão de Centro Acadêmico, passou por instâncias e colegiados para garantir sua aprovação e foi encampada por discentes da graduação e da pós-graduação em História da Universidade Estadual do Ceará. Aprender regras básicas de editoração, manutenção de sistema, bem como a necessidade de manter um núcleo articulado de editores (as) e pareceristas se constituiu como uma árdua, mas saborosa e intrigante tarefa. Aprendizados diversos foram surgindo durante o caminho, assim como novos(as) integrantes que se propuseram a somar cada vez mais. Leia Mais
Elementos Inflamáveis: organizações e militância anarquista no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1964) – SILVA (RBH)
SILVA, Rafael Viana da. Elementos Inflamáveis: organizações e militância anarquista no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1964). Curitiba: Prismas, 2017. 338p. Resenha de: SANTOS, Kauan William dos. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.37, n.76 São Paulo set./dez. 2017
Uma visão clássica do anarquismo no Brasil e em algumas partes do mundo afirma que essa corrente política, predominante no movimento operário nas primeiras décadas do século XX, apresentou declínio evidente após 1920, sofrendo sua derrota em nosso país na Era Vargas, com suas mudanças no mundo sindical. Nas análises de certos militantes que buscam legitimar outras propostas de transformação, o anarquismo seria um movimento prematuro, com a ausência de alianças concretas e apresentando um projeto falho para a sociedade. Enquanto isso, para um número significativo de pesquisas atentas ao mundo do trabalho, reverberando em parte tal visão, o anarquismo quase desapareceu desde então e não apresentou grande influência para o movimento operário, principalmente depois da segunda metade do século XX.
Buscando rebater e relativizar tais visões temos em mãos Elementos inflamáveis, livro ligeiramente modificado da dissertação de mestrado de Rafael Viana da Silva, defendida em 2014 no programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Aproveitando pesquisas recentes e também proeminentes que já apontaram a resistência dos anarquistas, seja no âmbito cultural ou sindical, durante os anos de 1930 e 1945, o autor tenciona mostrar a reorganização do anarquismo durante a chamada redemocratização, entre os anos 1945 e 1964. Sem ignorar o contexto para tal, Silva mostra como, em meio à crise do Estado Novo, os anarquistas vão aproveitar brechas para se organizarem de forma mais sistemática e tentarem aumentar sua influência entre as classes populares, assim como incrementar suas fileiras militantes, fato que se deu nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e, em certa medida, no estado do Rio Grande do Sul.
Entre as primeiras atitudes dos adeptos da bandeira negra esteve a criação e a reativação de seus periódicos. Entre eles cita-se o Remodelações, que circulou entre 1945 e 1947 e era coordenado pelos militantes cearenses Moacir Caminha e Maria Iêda, contando também com militantes clássicos como José Oiticica. Em 1947 foi relançado o periódico A Plebe, um dos mais importantes para o anarquismo anos atrás e também essencial para a nova aproximação com as demandas sindicais. Outro importante órgão para a difusão da cultura política anarquista foi o Ação Direta, essencial para as propostas de organização interna do movimento.
Nesse último sentido surgem as primeiras contribuições importantes de Rafael Silva para o tema. Com a aproximação de diferentes gerações militantes concluiu-se em seus debates ser inadmissível ver as estratégias anarquistas como imóveis e imutáveis – era necessário encaixar as demandas libertárias aos novos condicionamentos. Esses militantes referiam-se principalmente à ausência de organização política entre os anarquistas durante as primeiras décadas do século XX, que seria uma das causas, nessa visão, da perda de suas influências. Os anarquistas brasileiros, diferentemente do que se observou em outros países, não conseguiram efetivar suas propostas de organização interna, chamadas de alianças ou partidos, que se protegeriam em momentos de refluxo e também garantiriam certa homogeneidade em suas práticas. Estando os anarquistas enraizados profunda e quase exclusivamente no movimento sindical, este quando foi transformado na década de 1930 garantiu o declínio da estratégia do sindicalismo revolucionário e da consequente influência anarquista, restando apenas seus grupos de afinidade dispersos para a continuação de suas propostas, perdendo assim o contato com os trabalhadores. Na perspectiva dos militantes anarquistas entre 1945 e 1964, portanto, antes de tudo era necessário se organizar politicamente e então garantir formas e estratégias diversas para recuperar esse e outros contatos.
Seguindo esse debate, Silva examina na primeira parte do livro as discussões e dilemas internos do anarquismo. No primeiro capítulo dessa seção, evidencia-se a importância da participação dos militantes em congressos internacionais, absorvendo e disseminando experiências transnacionais para o anarquismo em nível global. O autor segue analisando os congressos anarquistas no país, em 1948, 1953, 1959 e 1963, essenciais para a reorganização do movimento. No terceiro capítulo, debate-se a retomada da estratégia do sindicalismo revolucionário no papel da transformação da realidade para os anarquistas no período. Nesse sentido, longe de se ater principalmente a propostas culturais como se imaginou, a intentona majoritária anarquista continuou sendo, ao menos até 1959, o sindicalismo e o movimento operário, onde seus militantes dispensaram numerosas energias (p.182).
Percebemos que as principais referências metodológicas do livro nessa parte são os autores que desenvolvem as concepções de cultura política como Serge Berstein, já que é importante, para Rafael Silva, perceber o desenvolvimento do anarquismo dentro de suas próprias referências, da sua família política, suas leituras e dilemas. Já na segunda parte da obra o autor analisa como tais estratégias foram absorvidas e articuladas no movimento operário, em meio aos trabalhadores e, também, aos grupos militantes de outras vertentes ideológicas. Por isso, decide utilizar como referência Edward Palmer Thompson, inspirado nos estudos que mostram as ideologias e práticas como não estanques aos comportamentos de classe.
Seguindo essa tendência, no quarto capítulo, primeiro dessa seção, evidencia-se o importante papel dos jornais e impressos também para disseminar a influência do anarquismo e de seus debates externos com outras correntes políticas, assim como em sua adaptação ao contexto. Nesse sentido, até mesmo a forma de venda ou doação desses periódicos foi importante, como numa banca de jornais em frente ao posto de trabalho da Light.
No quinto capítulo, Silva adentra com mais profundidade as relações e articulações políticas dos anarquistas em âmbito internacional e nacional. Na primeira parte, além de ver suas influências e ligações com a Federação Anarquista Ibérica (FAI) e a Solidariedade Internacional Antifascista (SIA), evidencia-se a recepção dos anarquistas aos imigrantes, principalmente saídos das ditaduras de Franco e Salazar, alguns com experiências na Revolução Espanhola. Esse contato foi essencial para a reformulação de estratégias e táticas e para alavancar o próprio movimento anarquista no país. Após isso, o autor nos mostra os embates no anarquismo com o Partido Comunista Brasileiro, principal força de esquerda do período. A principal crítica dos libertários ao partido se referia exatamente às posições do sindicalismo – os primeiros eram contrários a disputar a estrutura corporativista desses espaços, propondo novos organismos e frentes que respondessem aos interesses dos trabalhadores fora de um ambiente supostamente impregnado pelos mecanismos da classe dominante. O autor discorda da historiografia que viu os trabalhadores e militantes desse período como estagnados, presos à estrutura e aos condicionamentos do período, mas também rebate a corrente que afirma total liberdade e agência dos personagens em torno do sindicalismo do período. Sua posição é a de que os trabalhadores, de fato, negociavam e barganhavam em meio às regras do sindicalismo e da política do período, mas também, por vezes, se sentiam pressionados a essa estrutura e, além de não conseguirem alcançar seus alvos, também decidiam lutar recorrendo a outros instrumentos.
Esse debate se estende ao último capítulo da obra, no qual o autor adentra a inserção social do anarquismo. Na primeira parte, Rafael Silva analisa como as estratégias sindicais dos anarquistas foram recebidas e efetuadas na prática. Os anarquistas conseguiam dialogar com os marxistas críticos do stalinismo e sindicalistas independentes criando o Grupo de Orientação Sindical dos Trabalhadores da Light e deixando uma influência visível no Sindicato dos Trabalhadores Gráficos, também de caráter combativo, convergindo, posteriormente, para a criação do Movimento de Orientação Sindical (MOS). A inserção libertária nesses ambientes garantiu posições nas manifestações importantes no período, como a greve dos 400 mil em 1957. Na última parte da obra, o autor mostra como as ações culturais dos anarquistas eram mediadas entre as culturas de classe dos trabalhadores e dos grupos subalternos, ainda os principais alvos do anarquismo. Nesse sentido, mostra-se a importância de espaços como o Centro de Cultura Social para a formação de novos militantes e de trabalhadores, principalmente informais. Os periódicos também foram importantes para a criação de centros de cultura e estudos, poemas e debates públicos, inserção que se dava muito fortemente entre os estudantes universitários. As táticas educativas e o apoio às ações culturais nesse período foram importantes para garantir um lugar a partir do início da década de 1960, quando os militantes libertários deixavam aos poucos os ambientes estritamente sindicais, interpretando que gastavam muita energia para barrarem o reformismo e a disputa com outras tendências de esquerda. O apoio a outros ambientes, dessa vez discutidos e minimamente organizados nos congressos citados, garantiu a sobrevivência mínima do anarquismo nas décadas posteriores, durante a Ditadura Militar, quando os anarquistas enfrentaram outros dilemas.
Tudo isso torna o livro de Rafael Viana da Silva uma importante contribuição a um período não muito estudado, inclusive entre os próprios anarquistas contemporâneos, que preferem visualizar o anarquismo áureo a se ater em épocas nas quais foi mais difícil implementar e articular suas estratégias. Ainda assim, aprendemos que quando o anarquismo não foi um elemento explosivo, certamente foi um elemento inflamável.
Kauan Willian dos Santos – Doutorando em História Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP, Brasil. E-mail: kauanwillian@usp.br.
[IF]O Movimento Estudantil na resistência à Ditadura Militar (1969-1979) – MÜLLER (RBH)
MÜLLER, Angélica. O Movimento Estudantil na resistência à Ditadura Militar (1969-1979). Rio de Janeiro: Garamond; Faperj, 2016. 224p. Resenha de: VALLE, Maria Ribeiro do. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.37, n.76, set./dez. 2017.
O livro O Movimento Estudantil na resistência à Ditadura Militar (1969-1979), de autoria de Angélica Müller, dialoga com os estudiosos que afirmam não ter havido continuidade da organização do movimento estudantil depois de decretar-se o Ato Institucional no 5 (AI-5), em dezembro de 1968. Sua tese principal é a de que, apesar da mudança de tática na luta dos estudantes, ela foi fruto de uma autocrítica das lutas do período anterior e responsável por gestar uma nova cultura política que passou a privilegiar as liberdades democráticas.
O percurso da reconstituição da União Nacional dos Estudantes (UNE), foco da análise, instigou a autora a costurar a colcha de retalhos das ações estudantis após o Congresso de Ibiúna, em outubro de 1968, quando a organização passa a agir na clandestinidade absoluta, até a sua extinção. Com a Lei n. 477, considerada o AI-5 da educação, o Conselho da UNE, já em 1970, optava pela organização de frentes de vanguarda por turmas e faculdades. Suas principais ações foram o Plebiscito do ensino pago em 1972, as lutas pela revogação dos Decretos-Leis números 477 e 464, e a crítica ao Projeto Rondon e à criação da disciplina de Moral e Cívica. Elas são consideradas por Müller como microrresistências pacíficas que contribuíram para gerar uma nova cultura no seio das oposições.
Mereceu destaque a luta estudantil contra a Política Educacional do governo que propunha a criação da disciplina Estudos sociais. Esta passaria a aglutinar as disciplinas de História, Geografia e Ciências Sociais, passando a desempenhar um papel de sustentação ideológica da política da ditadura.
Aqui eu gostaria de abrir um breve parêntese, chamando atenção para a proposta educacional do atual governo do presidente ilegítimo Michel Temer: típica de regimes autoritários, defende também a supressão das disciplinas críticas como a História e as Ciências Sociais.
O livro enfatiza também o vínculo entre o Movimento Estudantil (doravante ME) e os outros movimentos sociais de resistência à ditadura, tendo como fio condutor a Educação. Citam-se como emblemáticas a criação de grupos de teatro, a arte engajada, a publicação de jornais e a música de protesto, pelo fato de evidenciavam o conteúdo autoritário do regime. Aqui explicita-se o trabalho artesanal na confecção de uma colcha de retalhos, tecida pela historiadora com base no garimpo de formas de lutas diferentes e dispersas nos vários estados e cidades, travadas pela Igreja, pelos deputados e artistas. Os jornais estudantis tiveram importância ímpar tanto no engajamento político do ME, quanto na divulgação de suas ações e táticas. Apesar dos períodos mais duros do regime, os relatos da imprensa alternativa e clandestina ancoraram a crítica de Müller à historiografia que aponta os anos 1970 como marcados pela inexistência do movimento.
Também são elencadas as medidas tomadas pela ditadura na década anterior e que continuavam em vigor nos anos 1970, incidindo diretamente no ME: vigilância, repressão e censura por meio do Serviço Nacional de Informações (SNI), criado logo após o golpe de 64, e da Divisão de Segurança e Informações (DSI), criada em julho de 1967. A vigilância e a punição no Ensino Superior eram efetuadas pela instalação de inquéritos e regulamentadas pela criação das ASIs (nomeação de uma pessoa pelo MEC para fazer o elo entre a universidade e o governo) e da DSI (responsável pelas ações de normatização, vigilância e punição do ensino superior), garantindo os processos de expulsão de professores e estudantes que foram catalogados como um conjunto de subversivos, considerados um perigo para a nação.
No embate entre repressão e resistência, Müller enfatiza que o ME foi pioneiro na retomada do espaço público com a luta pelas liberdades democráticas. Sua pesquisa revela que, já nos primeiros anos do governo Geisel, a luta do ME vem à tona com as greves das universidades que ocorreram entre 1974 e 1975, respaldando a reorganização das correntes e das entidades representativas estudantis nas diferentes cidades e estados, quais sejam os DCEs, as UEEs e, finalmente, a reconstrução da UNE.
As greves, formas tradicionais de lutas estudantis, permitiram maior visibilidade às suas reivindicações e contribuíram para que o ME assumisse papel articulador nos diferentes movimentos sociais de resistência à ditadura. A greve da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, que se estendeu por mais de um semestre letivo, desencadeou a discussão dos problemas da realidade e preparou o terreno para a criação do DCE-Livre da USP em 1976. Esses episódios coincidiram com o assassinato de Vladimir Herzog pelo DOI-Codi e foram um marco importante para a defesa das liberdades democráticas pelo ME e pelos demais movimentos de contestação do regime militar.
A análise aprofundada da reorganização das novas e diferentes tendências do ME – bem como de suas diversas concepções de democracia – feita por Müller respalda, de forma consistente, sua tese de que a retomada do movimento estudantil na segunda metade da década não foi o despertar de uma inércia, nem o preenchimento de um vazio, apontado por boa parte dos historiadores. Ao contrário, depois de 10 anos de resistência restrita ao ambiente universitário, as greves e a volta às ruas sacramentaram a rearticulação da UNE e reforçaram o pioneirismo dos estudantes. Estas palavras de ordem começaram a ser abraçadas também por outros movimentos de oposição: pelas Liberdades Democráticas; Abaixo a carestia; pelo fim das torturas, prisões e perseguições políticas; pela anistia ampla e irrestrita. Foi emblemática da conjunção de diversas lutas a frase “Soltem os Nossos Presos operários e estudantes” presente nas passeatas.
É importante ressaltar que a pesquisa de Müller não se restringiu ao eixo Rio-São Paulo, o que lhe permitiu mostrar como efetiva a criação nacional de uma entidade estudantil. Além da Uerj, da Unesp e da PUC-RIO e da PUC-SP, a UFMG, a UFPE, UFBA e a UFRGS também iniciaram suas greves contra os cortes de verbas da universidade, pelo ensino público e gratuito e pelo boicote ao pagamento das anuidades.
Peço licença novamente para abrir outro parêntese: acredito que estamos vivenciando um retrocesso político, pois esses direitos são mais uma vez retaliados, numa amplitude inusitada, pelo governo do ilegítimo presidente Michel Temer.
Para Angélica Müller,
o ressurgimento das movimentações de massa ocorreu em novos moldes e em situação bem diversa da que caracterizou aquelas de 1968: não havia grandes líderes, não houve enfrentamentos nem uso de armas, e a plataforma de luta era bem ampla, ou seja, não restrita às reivindicações do ME. O que se exigia era o fim da ditadura militar. (p.134)
Há, a meu ver, uma fragilidade na análise de Müller, que dá muita ênfase às diferenças entre as bandeiras e formas de luta na década de 1970 e as do período anterior, e lança pouca luz sobre as semelhanças existentes. Se retomarmos as formas de luta do ME em 1968, notaremos uma grande cisão entre duas vertentes centrais: a que defendia as lutas específicas dos estudantes e a que defendia a luta política contra a ditadura, o capitalismo e o socialismo real. Apesar de, ao longo do ano, a segunda posição ter ganhado o maior espaço, em razão da conjuntura política, não podemos reduzir às suas as bandeiras estudantis. A luta pelo ensino público e gratuito, por exemplo, esteve presente o ano todo.
Ao contrário de Müller, acredito que a defesa dos princípios democráticos não é uma especificidade da década de 1970. Nesse sentido seria importante trazer à tona as ações, táticas e propostas estudantis desde o início da ditadura, em 1964, quando o ME já era um dos principais alvos do regime. A opção pelo caráter pacífico foi vitoriosa nas passeatas de 1966, enquanto a utilização da violência foi levada às ruas em 1968. Mas isso não significava existir uma hegemonia entre as diferentes entidades do ME. Acredito que o contraponto proposto pela historiadora entre a década de 1970 e 1968 ficaria, assim, mais bem delimitado.
O livro de Angélica Müller adquire importância histórica e social ao trazer à cena o movimento do ME na década de 1970, uma vez que nos devolve várias páginas da luta estudantil arrancadas pela ditadura militar. Vale muito a pena conhecê-las e, em grande medida, elas estão na ordem de nosso dia.
Maria Ribeiro do Valle – Departamento de Sociologia, Faculdade de Ciências e Letras (FCL) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Araraquara, SP, Brasil. E-mail: mrvalle@fclar.unesp.br.
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O intelectual feiticeiro: Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil – ROSSI (RBH)
ROSSI, Gustavo. O intelectual feiticeiro: Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. Campinas: Ed. Unicamp, 2015. 280p. Resenha de: HERZMAN, Marc. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.37, n.76, set./dez. 2017.
Apesar da grande repercussão de sua obra e do fato de ter sido colega e amigo de figuras já muito tratadas na história e na historiografia do Brasil, Edison Carneiro ainda não recebeu a devida atenção do meio acadêmico. Jornalista, etnógrafo, historiador, folclorista e ativista, Carneiro deixou uma rica coleção de escritos que, como ele, são frequentemente citados, mas não estudados da maneira reservada aos de escritores brancos como Arthur Ramos e Gilberto Freyre. Carneiro e sua obra, poderíamos dizer, são partes da paisagem, mas aparecem fora de foco.
A ausência de trabalhos sobre Edison Carneiro é particularmente notável considerando o número de obras que escreveu, uma vastidão igualada à diversidade e à complexidade de sua vida e de sua carreira, que se estendeu de Salvador até o Rio e influenciou múltiplas gerações de intelectuais em distintas áreas, como da cultura e da política. Com tantos possíveis ângulos e linhas narrativas – e com tão pouco já escrito sobre ele -, as questões por onde começar e terminar não são óbvias ou fáceis. Gustavo Rossi começa seu excelente trabalho O intelectual feiticeiro: Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil não em 1912, quando Carneiro nasceu, mas na virada para o século XX, terminando não em 1972, quando morreu, mas em 1939, quando ele se deslocou de Salvador para o Rio. A escolha é indicativa do fato de que Rossi não empreende escrever uma biografia; de fato, o livro é muito mais que um estudo biográfico.
O texto divide-se em três épocas, cada uma correspondente a um capítulo. O primeiro é ambientado em Salvador na virada do século, com foco no pai de Edison, Antônio Joaquim de Souza Carneiro (1881-1942), professor na Escola Politécnica da Bahia e também ele um indivíduo extraordinário. Rossi localiza os Souza Carneiro no contexto político e cultural da Bahia, destacando os laços entre a família e J. J. Seabra, que controlou “a engrenagem política baiana” entre 1912 e 1924 (p.55). O capítulo também analisa a poesia escrita por Edison durante a juventude.
A despeito de rica produção intelectual de pai e filho, nem Antônio Joaquim nem Edison deixaram muitas indicações óbvias de como pensavam sobre si mesmos, especialmente no tocante à raça. Rossi enfrenta esse desafio com análise inovadora e uso criativo de fontes já bem conhecidas, como, por exemplo, o livro As elites de cor numa cidade brasileira, de Thales de Azevedo, e outras inéditas, que incluem documentos escavados em arquivos públicos e privados.
Munido de ricas fontes, Rossi confessa que o livro não traz “um retrato verossímil da forma como a raça e a negritude foram vivenciadas” (p.96) por Carneiro e sua família. Tal retrato, sem dúvida, seria impossível, de modo que a precaução de Rossi é bem justificada. O livro obriga o leitor, nesse sentido, a enfrentar perguntas cujas respostas ficarão, muitas vezes, em disputa. Inspirado por Olívia Maria Gomes da Cunha e outros/as antropólogos/as que interrogam a construção de arquivos e a relação entre etnografia e história, Rossi apresenta o livro não como estudo dos mundos de Edison, mas como um estudo em relação com esses mundos (p.245). Em outras palavras, Rossi entende sua própria produção intelectual em diálogo com um passado que nunca poderemos entender perfeitamente, mas que ainda influencia as perguntas e as categorias que utilizamos em nossos próprios trabalhos.
No primeiro capítulo essa postura abre perguntas que seguramente suscitarão debate. Rossi sugere que “pelo menos, na maior parte do tempo” os membros da família Souza Carneiro “não se viam e não foram vistos… como negros” (p.91). A observação baseia-se em situações instigantes, como, por exemplo, o atestado de óbito de Antônio Joaquim, que descreve o professor como “branco”. Rossi analisa o documento como signo do potencial limitado e frágil do escape em relação ao racismo. Rossi também descreve como a antropóloga norte-americana Ruth Landes surpreendeu-se quando viu Edison pela primeira vez. O tom da cor de sua pele “era significativo”, Landes escreveu, “porque as cartas de apresentação vinham de colegas brancos, que não haviam mencionado a sua raça ou cor” (p.76). Junto ao atestado de óbito, o exemplo reforça a asserção de que muitas vezes Edison e seu pai “não foram vistos como negros”.
Outros exemplos, contudo, põem a ideia em questão. Como Rossi explica, Antônio Joaquim era um dos únicos professores negros em Salvador, e é difícil imaginar que esse fato não afetasse, diariamente, a percepção de outros professores e alunos. O autor também se pergunta se a observação de Landes não revela mais sobre ela e suas experiências nos Estados Unidos do que sobre os colegas brancos, que em privado poderiam ter visto e definido Edison de uma maneira, e tê-lo descrito de outra na carta de apresentação.
Isso não representa crítica ao livro. Ao contrário, tais tensões enfatizam a utilidade da escolha de Rossi por trabalhar com a história e todos os seus espaços obscuros. Fechando o primeiro capítulo, Rossi escreve: “categorias de raça e negritude seriam, em diferentes momentos da vida de Carneiro, um significativo móvel de tensões e disputas de sentidos, não sem consequências para compreendermos suas práticas e tomadas de posição no campo intelectual” (p.93). Esse excerto parece capturar a questão melhor do que a sugestão, ainda se bem qualificada, de que os dois homens foram vistos “na maior parte do tempo” não como negros. Mas um dos muitos presentes desse livro é a maneira como ele admite a possibilidade de que ambos argumentos estejam corretos a um só tempo.
Se o primeiro capítulo revela perspectivas inéditas sobre Edison e sua família, o segundo apresenta mais contexto intelectual e cultural do que detalhes sobre o próprio Edison. O foco é a Academia dos Rebeldes, a turma literária formada por Edison, Jorge Amado e outros no final da década de 1920. Há menos ênfase aqui em questões de raça e identidade do que na trajetória da Academia, que funcionou como veículo de expressão política e resposta aos modernistas de São Paulo e do Rio.
A ascensão de Getúlio Vargas em 1930 e a chegada de Juracy Magalhães como interventor da Bahia no ano seguinte assinalaram uma transição (e decadência) para os Souza Carneiro e para o estado, cujos poderes oligárquicos se fragmentaram. No capítulo 3, Rossi agilmente vincula essa trajetória à formação de Edison como militante esquerdista, escavando detalhes interessantíssimos nos escritos de Carneiro da década de 1930. Dando ênfase à perspectiva marxista de Edison e sua correspondente visão materialista da história, Rossi lança argumentos e observações instigantes, como a sugestão de que foram as ideias de Carneiro – e não de Freyre e Ramos – que se combinavam mais claramente com as de Raymundo Nina Rodrigues. Apesar de rejeitar a hierarquia biológica racial adotada por Rodrigues, Carneiro acreditou, como o “mestre”, no poder da estrutura, nesse caso o das instituições que marginalizavam negros após a abolição. Essa crença, Rossi ressalta, aproxima Carneiro de Rodrigues, apesar de suas diferenças. Carneiro também antecipou por décadas a ênfase que Florestan Fernandes daria ao vínculo entre raça e classe, fato, Rossi observa, que aumenta nosso entendimento da riqueza e diversidade “de análise sobre o negro brasileiro” (p.206) dos anos 1930 e do papel importante que Carneiro teve na formulação de ideias muitas vezes atribuídas a Fernandes e outros.
Carneiro criticou Freyre, Ramos e outros estudiosos da cultura negra pela ausência de “capacidade de se porem na pele de um negro” (p.214). Carneiro também parecia advogar pela criação de um “‘Estado negro’ autônomo” (p.218-219), e é interessante pensar se essas expressões radicais refletem uma evolução de pensamento ou indicam uma disparidade entre as fontes. Nesse sentido, a coleção de documentos da primeira parte da sua vida – mais parca que a posterior – esconderia ideias e argumentos já existentes, que seriam expressados mais forte e claramente apenas nos anos 1930, quando é possível identificar um material mais abundante escrito por ele. Apesar de criticar Freyre e outros intelectuais, Carneiro também se considerava parte de seus círculos, muito mais próximo deles do que os homens e mulheres negros que estudavam. Ao mesmo tempo, figuras como Ramos possuíam privilégios que eles evidentemente não tinham – por exemplo, na posição de Ramos na Biblioteca de Divulgação Científica (p.228).
O último capítulo do livro conclui com uma consideração acerca da relação entre Carneiro e Landes, bem como da identidade complexa de Carneiro, visto agora pelas lentes da colega, amiga e amante que encontrou nele uma combinação de guia, “protetor” e tipo de assunto etnográfico (p.233, nota 150). Por meio de sua relação, vemos como “a ‘raça’ de Carneiro não era estável ou fixa, somente fazia sentido quando inserida em outros grupos naquele contexto, ou quando vista em relação a eles” (p.236). Rossi faz essa afirmação logo antes de terminar o último capítulo, nas vésperas da saída de Carneiro para o Rio. Supõe-se a possibilidade de aplicar a mesma caracterização ao restante de sua vida, que se estenderia por mais três décadas e que, graça a esse rico livro, começou finalmente a receber o tratamento cuidadoso e inteligente que merecia já há muito tempo.
Marc Herzman– Associate Professor, Department of History, University of Illinois at Urbana-Champaign. Urbana, IL, USA. E-mail: mahertzman@gmail.com.
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Amazônia e História Global / Tempo / 2017
Desde o final do século XVIII, o que o hoje conhecemos como a região amazônica da América do Sul passou principalmente a ser identificada a partir de vários conceitos relativos ao mundo natural: Floresta Amazônica, Selva Amazônica, Floresta Equatorial da Amazônia, Floresta Pluvial ou Hileia Amazônica. Foi precisamente o cientista prussiano Friedrich Alexander von Humboldt (1769-1659) quem usaria o termo hileia (Hyleae) para denominar e centralizar essa região no planeta. A marca do território, porém, é muito mais antiga. Desde 1540, quando Francisco de Orellana (1490-1550) desceu o imenso paraná-assu dos tupis, o batismo do rio Amazonas correu mundo, evocando imagens da mitologia grega e das narrativas indígenas. Da natureza à história, a ideia de Amazônia começava a ser construída. Em 1833, Ignacio Accioli Cerqueira e Silva (1808-1865) utilizaria a expressão “País das Amazonas” para denominar a extensa área do antigo estado do Grão-Pará e Maranhão, nos tempos da América colonial portuguesa. Essa noção faria percurso de mão dupla no campo científico oitocentista, entre a ilustração e o Romantismo, tanto que, em 1835, Friedrich Moritz Rugendas (1802-1858) utilizaria “região do Amazonas” para nomear a região Norte do Brasil, enquanto o barão Frederico José de Santa Anna Nery (1848-1901) retomaria a ideia de “País das Amazonas” em uma publicação em Paris, em 1885. Nery foi o ponto de partida de uma vasta intelectualidade “nativa” que utilizaria um conceito de Amazônia com forte acento histórico, geográfico e cultural, no qual se sobressairiam José Veríssimo, José Coelho da Gama Abreu, Ignacio Moura, Euclides da Cunha, Henrique Santa Rosa, Alfredo Ladislau e Eidorfe Moreira.
Está claro, portanto, que o conceito de Amazônia pode variar dependendo do ponto de vista fisiográfico, geomorfológico, biogeográfico, político e histórico. Por isso mesmo, a proposta deste dossiê temático foi a de reunir estudos sobre a Amazônia brasileira e as fronteiras amazônicas da América do Sul, do Atlântico e do Caribe, e seus diálogos com o campo historiográfico internacional da chamada global history. Tomando como premissa que, em si, a Amazônia sempre foi um espaço de fronteiras, de políticas transnacionais e de relações sociais, intelectuais e econômicas em escala mundial, apresentamos aqui cinco trabalhos que manejam diferentes histórias conectadas e cruzadas em distintas escalas de leitura temporal e espacial com passagem pelo locus amazônico, real ou imaginário, histórico, literário ou artístico, passado ou presente. Ancorados em importante e múltiplo debate historiográfico, desde a economia-mundo, de Braudel, Wallerstein e Tomich, passando pelas connected histories, de Sanjay Subrahmanyam, Serge Gruzinski e François Hartog, seguindo pela histoire cruzée, de Michael Werner e Bénédicte Zimmermann, até distinções pontuais entre a global history, a world history e a transnational history, nas obras de Hugo Vengoa e Sandra Ficker, os vários artigos compartilham da necessidade de ampliar os objetos de análise para além das fronteiras nacionais. Assim também, revelam esforço em romper com a tradicional unidade do Estado-nação e oferecer uma interpretação alternativa aos “modelos” centrados a partir de “casos” europeus.
Mark Harris apresenta uma releitura dos primeiros relatos sobre a Amazônia, de finais do século XV e primeira metade do século XVI, buscando compreendê-los como elementos importantes para a compreensão das sociedades ameríndias e suas dinâmicas históricas no momento da conquista. Com isso, aprofunda uma reflexão consagrada a partir da pesquisa arqueológica que vê o momento da conquista como a irrupção dos europeus em um mundo em plena ebulição, revelando também as múltiplas conexões entre as diversas partes da Amazônia no momento da chegada dos ibéricos.
Em seu texto sobre contrabando nas fronteiras luso-hispânicas da Amazônia, Sebastián Gómez González revela os inúmeros interesses envolvidos e as complexas relações estabelecidas nas zonas de fronteira, para além dos interesses das Coroas ibéricas. Ao estudar o contrabando entre as Amazônias hispânica e portuguesa, o autor não só lança luz sobre as relações entre esses mundos considerados quase que excludentes pelas historiografias nacionais, como também permite conectar duas outras regiões, também apartadas historiograficamente uma da outra: as terras baixas e as terras altas, ou a selva e os Andes e sua zona de transição, o pé de monte.
O artigo de Rafael Ale Rocha também está voltado para o problema da fronteira, questão central na região amazônica ao longo de todo o período colonial e depois das independências das nações sul-americanas. Ao analisar os conflitos em torno do Cabo do Norte e das pretensões portuguesas e francesas sobre essa região, o autor reinsere a Amazônia em uma reflexão mais global e a conecta com a compreensão de seu lugar nos respectivos impérios a partir dos contextos mais globais nos quais se insere o problema das fronteiras. Faz isso, principalmente, a partir da correspondência trocada por um governador do estado do Maranhão e autoridades francesas e do Reino português.
Daniel Souza Barroso e Luiz Carlos Laurindo Junior buscam analisar as dinâmicas da escravidão no vale amazônico nos quadros da economia-mundo capitalista, revisitando um clássico debate historiográfico sobre a importância e a efetividade econômica e demográfica da escravidão negra no Norte do Brasil. Demonstrando, de modo inovador, o papel da reprodução endógena na manutenção do escravismo na Amazônia e atualizando o diálogo com Wallerstein e Tomich, os autores propõem uma reflexão sobre a economia escravista amazônica, cotejada com a chamada segunda escravidão, faceta mais conhecida da história global das relações de trabalho compulsório no século XIX.
Aldrin Moura de Figueiredo e Silvio Ferreira Rodrigues investem sobre a questão do “centro” e da “periferia” no contexto da arte global, tomando como parâmetro analítico a circulação de cópias de pintura europeia em Belém do Pará, na segunda metade do século XIX, em diálogo com outros centros e periferias de arte, como Roma, Lisboa, Istambul e Santiago. O contexto mais amplo é o do movimento internacional de renovação do catolicismo, conhecido como ultramontanismo, romanização ou reforma católica, no qual se destacou a atuação do bispo do Pará d. Antônio de Macedo Costa (1830-1891), durante o pontificado de Pio IX. Para os autores, esse movimento testemunha a pedagogia e os debates políticos na história do catolicismo romano e brasileiro do século XIX, evidenciando conexões artísticas, intelectuais e religiosas entre o Vaticano e a América do Sul como parte do movimento internacional de renovação do catolicismo.
Esperamos que a leitura dos artigos do dossiê permita a compreensão de uma Amazônia (ou de várias Amazônias, no tempo e no espaço) que tem de ser entendida a partir de sua complexidade e, principalmente, das múltiplas conexões que dão sentido à sua história, superando uma historiografia tradicional que ainda insiste em pensá-la e explicá-la a partir dos quadros dos Estados nacionais.
Aldrin Moura de Figueiredo – Faculdade de História, Universidade Federal do Pará – Belém – Brasil. E-mail: figueiredoaldrin@gmail.com
Rafael Chambouleyron – Faculdade de História, Universidade Federal do Pará – Belém – Brasil. E-mail: rafaelch@ufpa.br
José Luis Ruiz-Peinado Alonso – Departamento de História e Arqueologia, Universidade de Barcelona – Barcelona – Espanha. E-mail: luigiruizpeinado@ub.edu
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de; CHAMBOULEYRON, Rafael; ALONSO, José Luis Ruiz-Peinado. Apresentação. Tempo. Niterói, v.23, n.3, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
Escola ‘sem’ partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira – FRIGOTTO (TES)
FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Escola ‘sem’ partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: LPP, Uerj, 2017. 144p. Resenha de: SOUSA JUNIOR, Justino. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.15 n.3, set./dez. 2017.
Esta é uma daquelas obras forjadas no calor da luta, produzida por sujeitos preocupados em compreender, explicar e transformar a realidade social. Temperada no aço, no mesmo passo do fenômeno, mas nem por isso mal acabada. Ao contrário, esta obra se faz de estudos acurados, atentos e críticos dos processos sociais que correm em nosso país. A atenção voltada para o projeto Escola sem Partido (EsP) desseca o objeto, mas o faz analisando criteriosa e criticamente as circunstâncias históricas em que ele é produzido. Eis aqui um pensar orgânico com um fazer teórico e político transformador.
Apresentado pela professora Maria Ciavatta, o livro é composto por nove artigos e reúne 19 autores os quais, versando sobre o mesmo objeto, a mesma problemática, não cometem repetições enfadonhas. Os textos complementam-se na tentativa de cobrir os principais problemas colocados pelos embates provocados pela proposição da Escola sem Partido: sua vinculação com o golpe de Estado expresso no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff; suas inspirações estadunidenses e sua ideologia e vinculações políticas obscuras; as articulações mais remotas do que se passa na conjuntura brasileira com as linhas majoritárias da crise do sistema metabólico do capital; os meandros jurídicos; a história recente dos embates educacionais brasileiros; seus aspectos mais eminentemente pedagógicos, didáticos etc.
As análises, muito bem fundamentadas, e todas agudamente críticas, adotam referências múltiplas que vão de Mészáros a Foucault, passando por Debord, Agamben, Platão, Gramsci, Saviani, Florestan Fernandes, Marx, dentre outros. A multiplicidade das referências faz da obra um diálogo amplo, rico, diverso, ao mesmo tempo múltiplo e uno. Múltiplo porque dialoga com fundamentações jurídicas, políticas, históricas, pedagógicas, econômicas, dialoga com a tradição e com a contemporaneidade. E uno porque todos os artigos e autores, sem exceção, assumem posição clara em defesa da democracia, do direito universal à educação, da laicidade do ensino, autonomia didática e adotam a perspectiva de análise dos ‘de baixo’. Todos os artigos trazem posicionamento crítico em relação à regressão social, política e econômica que assoma no Brasil deste período pós-golpe.
A obra em exame nos mostra como a ideia que nasceu em 2004 de uma iniciativa pessoal do advogado Miguel Nagib, aliás, fracassada no início,1 só ganhou vulto nos anos mais recentes exatamente no bojo da emersão da onda reacionária que se alevantou contra o governo da presidente Dilma Rousseff.
De início, os educadores progressistas subestimaram a EsP, parecia apenas uma iniciativa isolada, absurdamente conservadora, baseada em ideias esdrúxulas, numa visão mesquinha, princípios reacionários, embasamento rasteiro, argumentações preconceituosas e vulgares – não se esqueça que o garoto propaganda da moralista EsP é o ator de filme pornô Alexandre Frota. Mas ela foi ganhando corpo à medida que crescia a onda reacionária e toda sorte de visões atrasadas começavam a sair do ostracismo.
É nesse movimento social complexo, impulsionado por corporações e organizações estrangeiras,2 entidades empresariais e grande mídia, apoiada pelos setores reacionários dominantes no parlamento que emergem, portanto, do mais tenebroso pântano social, ideias de apoio a regimes ditatoriais, acompanhadas de ataques a lutadores sociais e a todo tipo de perspectiva progressista que defenda segmentos LGBT, negros, indígenas, feministas, sem-terra, sem-teto, trabalhadores e explorados em geral.
Esse ponto não é exatamente aprofundado na obra, mas, de qualquer modo, ela nos instiga à reflexão autocrítica: em que medida as composições, os conchavos, a linha política da conciliação de classes dos governos eleitos entre 2002 e 2014 não abriram caminho para o avanço de setores, partidos e indivíduos que trabalham para desqualificar qualquer projeto progressista de sociedade? Teria essa linha política, que de certa maneira fortaleceu e encorajou segmentos reacionários zelosamente tratados como aliados, de alguma forma, ajudado a gestar o ovo da serpente de que nos fala a inspiração bergmaniana de Frigotto?
A obra nos revela o caráter centralizador do projeto Escola sem Partido que não se apaga ou diminui com o crescimento de suas ramificações. A ideia da EsP tem representatividade em 14 estados da Federação, vincula-se a dezenas de partidos, todos conservadores, evidentemente, é defendida por dezenas de parlamentares em todas as esferas legislativas do país, mas não perde seu caráter centralizado e personalizado o que, de acordo com a obra em questão, invalida sua caracterização como movimento.
A obra desmistifica a pseudoneutralidade da EsP, comprovando seus vínculos políticos, ou seja, revelando sua face oculta, isto é, seu caráter fortemente ‘partidarizado’. A EsP guarda vínculos claros com organizações da hegemonia burguesa como o Instituto Milenium, entre cujos membros encontram-se Gustavo Franco, Armínio Fraga, Jorge Gerdau, Henrique Meireles, Guilherme Fiúza, Giancarlo Civita e Rodrigo Constantino; o Movimento Brasil Livre (MBL), o Foro de Brasília, o Instituto Liberal e a Frente Parlamentar Evangélica (FPE).
A partidarização da EsP evidencia-se também através da forte associação com políticos e partidos tipo Izalci Lucas, deputado federal do PSDB, autor de projeto de lei que visa incluir o EsP na LDBEN; Rogério Marinho, deputado federal do PSDB, autor de projeto de lei que criminaliza o ‘assédio ideológico’ (PL 1.411/2015); Dorinha Seabra Rezende, deputado federal do DEM; Jair Bolsonaro, deputado federal do PSC, e seus filhos Carlos Bolsonaro, vereador do PSC/RJ, autor de projeto de lei que visa incluir o EsP na educação do seu município (PL 867/2014), e Flávio Bolsonaro, deputado estadual PSC/RJ, autor de projeto de lei semelhante para o estado do Rio de Janeiro; Erivelton Santana do PSC; Antônio Carlos M. de Bulhões do PRB; Marcos Feliciano, deputado federal do PSC; Magno Malta, senador do PR, autor de projeto de lei de teor semelhante ao PL 867/2015 no Senado (PL 139/2016); Marcel Van Hattem, deputado estadual do PPB/RS, que propôs projeto de lei (PL 190/2015) visando instituir no sistema educacional gaúcho o “programa Escola sem Partido”. Tais são as expressões políticas e legislativas da EsP, que falam eloquentemente por si mesmas.
O livro em discussão aponta a profunda fragilidade teórica da proposição da EsP. Rechaça a separação proposta entre educação e instrução, que visa a reduzir a formação escolar à mera instrução técnica, como um procedimento neutro, como se isso fosse possível, deixando a educação a cargo da família; mostra como os livros didáticos continuam sendo majoritariamente embasados nas ideologias burguesas; mostra que a escola não é, como pejorativa e injustamente acusam os defensores da EsP, lugar de doutrinação esquerdista, mas lugar de embates entre contraditórios, lugar de tensionamentos em que, via de regra, ainda prevalecem visões conservadoras.
Os artigos, como um todo, assumem posição a favor da universalidade do conhecimento, da fundamentação científica, do pluralismo de ideias, da abertura para a investigação, para a reflexão, para o debate. Refutam a posição da EsP que propaga a liberdade, mas tolhe a atuação não só do professor, mas dos sujeitos da escola e de tudo que questione a sociedade burguesa e os princípios ‘sagrados da família tradicional’. A obra refuta o pressuposto de que os filhos são propriedade dos pais e que sua educação deve estar sob o controle desses proprietários. A sua reflexão sugere a questão: a noção de direito e de liberdade da EsP não terminaria convertendo-se justamente no seu oposto, isto é, seguindo indicação da obra, na negação do acesso aos saberes sistematizados e fundamentados (logos) e na condenação dos jovens ao universo estreito das crenças (doxa) de seus pais e ou tutores?
A obra em questão é uma valiosa contribuição ao nosso pensar e fazer transformador. Ela nos oferece farta informação e boa reflexão, mas não fecha questão quanto ao caminho a ser trilhado para o enfrentamento do problema. Nesse sentido, aproveitando a figura utilizada por Frigotto, podemos indagar: quem irá decifrar o enigma e destruir a esfinge?
Não podemos nos tornar reféns da ilusão do messias, é com projetos coletivos que decifraremos e destruiremos a esfinge. Se compreendermos que a EsP é uma expressão da luta de classes, e não parece poder ser outro o caminho, o primeiro desafio, que está longe de ser consensual entre as forças progressistas, é refletir seriamente sobre a necessidade de assumir uma posição classista nesse embate. A EsP nos impõe cada vez mais a necessidade de assumir posição política firme de confronto não só em relação àquela proposição, mas na disputa hegemônica como um todo. A EsP nos impõe os termos do conflito e, nesse sentido, ela coloca um aspecto muito positivo, qual seja, a situação clara do antagonismo de classe. Se a esquerda outrora governo errou ao semear ilusões de pactos sociais entre pontas extremas de uma polarização social abismal, os ideólogos da EsP expõem com nitidez indiscutível a carne viva da luta de classes. Nesse sentido, a escola, que não é a trincheira mais importante das lutas dos explorados, deverá ser concebida como espaço importante para a disputa aberta de projetos antagônicos. O que os ideólogos da EsP não sabem ou fingem não saber, talvez devido ao inebriamento momentâneo do golpe, é que a escola pública é nossa área, o campo privilegiado para a práxis política dos ‘de baixo’. Na escola pública estão as massas trabalhadoras, os desvalidos, os desempregados, os mal-remunerados, os humilhados, os oprimidos, os explorados, os que não têm nada a perder, mas que nutrem a esperança de um mundo justo e fraterno. Na escola pública estão aqueles cuja vida prática reclama verdades objetivas, esclarecimento, engajamento, prática transformadora. Por mais que ideias variadas circulem na escola pública, e isso é extremante saudável, as próprias condições objetivas acabam empurrando os sujeitos ao extremo da luta. As ocupações das escolas, um dos fenômenos mais interessantes e auspiciosos que aconteceram nos últimos anos, talvez em toda história da educação brasileira, são uma demonstração do quanto é fértil e promissor o espaço escolar para a formação crítica e transformadora.
A EsP precisa ser enfrentada exatamente como é: uma expressão da luta de classes, por isso não podemos ficar ‘falando de lado e olhando pro chão’, envergonhados, escondidos atrás da coluna do Estado de direito e da democracia burguesa, embora esse não seja um campo de disputa desprezível.
Ideias como a EsP não têm como vingar na escola pública. A postura que preconiza a criminalização e a perseguição aos professores, e que, ao mesmo tempo, se mostra totalmente insensível aos gravíssimos e históricos problemas relativos às desigualdades educacionais brasileiras; que desdenha da situação da escola pública, em que metade das unidades de educação básica não possui biblioteca e/ou sala de leitura; em que 28% das unidades não dispõem de abastecimento de água da rede pública; em que 23% dos docentes da educação básica não possuem formação em nível superior completa (Censo Escolar, 2016); e que acha normal a precarização do trabalho docente, as péssimas condições de ensino e os baixos salários, essa postura não vinga no meio popular, pelo menos como consenso.
Referências
CENSO ESCOLAR da Educação Básica 2016. Notas estatísticas. 2016. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/notas_estatisticas/2017/notas_estatisticas_censo_escolar_da_educacao_basica_2016.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2017. [ Links ]
COSTA, Antonio Luiz M. C. Quem são os irmãos Koch. Carta Capital, São Paulo, 9 jun. 2015. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/quem-sao-os-irmaos-koch-2894.html>. Acesso em: 7 ago. 2017. [ Links ]
Notas
1 Indignado com uma comparação feita por um professor da escola de sua filha entre Che Guevara e São Francisco, como pessoas que abandonaram suas vidas privadas para se dedicarem a uma causa maior, o senhor Nagib interpelou professor e escola, distribuiu panfletos na porta da instituição, mas tudo o que conseguiu foi provocar uma ampla reação dos estudantes que fizeram, inclusive, passeata a favor do professor.
2 Ver, a propósito, a relação entre os irmãos Koch e o MBL em Costa (2015).
Justino de Sousa Junior – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, Ceará, Brasil. E-mail: justinojr66@yahoo.com.br
(P)
Trabalho e saúde no capitalismo contemporâneo: enfermagem em foco – SOUZA; MENDES (TES)
SOUZA, Helton Saragor de; MENDES, Áquilas (orgs). Trabalho e saúde no capitalismo contemporâneo: enfermagem em foco. Rio de Janeiro: DOC Content, 2016. 116p. Resenha de: LIMA, Júlio César França. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.15 n.3, set./dez. 2017.
Esse livro é o encontro de diversos campos de conhecimento na abordagem do trabalho de enfermagem no capitalismo contemporâneo, tais como, Economia, Sociologia, Saúde Coletiva e Enfermagem. Embora diferenciados, os quatro capítulos se organizam em torno de um eixo central que é a perspectiva de classe inspirada no materialismo histórico-dialético sobre o trabalho em saúde e os serviços em geral. São textos que, apesar de serem de campos disciplinares diferentes e independentes entre si, são complementares, visto que a categoria trabalho serve de base a todos.
Abrindo a coletânea, Áquilas Mendes analisa “os limites dos direitos sociais trabalhistas e do financiamento da seguridade social no Brasil, com destaque para a Saúde, no contexto do capitalismo contemporâneo e sua crise” (p. 16). Seu pressuposto é que o fundamento da atual crise capitalista se explica por duas principais tendências articuladas entre si. A primeira é a queda da taxa de lucro que se verifica nas economias capitalistas centrais desde o fim da década de 1960, decorrente do crescimento do trabalho morto em detrimento do trabalho vivo na produção do valor. A segunda tendência é o crescimento da esfera financeira comandado pelo capital portador de juros na sua forma de capital fictício a partir dos anos 1980, também conhecida como ‘financeirização’.
Os efeitos dessas duas tendências nos direitos sociais, no financiamento da seguridade social e, particularmente, do Sistema Único de Saúde (SUS) não se resumem aos cortes nos gastos sociais, mas trata-se principalmente de uma mudança na organização do sistema de proteção social no Brasil, segundo os interesses do capital. Em se tratando dos direitos dos trabalhadores, o autor enumera diversas medidas que foram tomadas ainda no governo Dilma Rousseff, em nome do ajuste fiscal e da realização de superávits primários. Com relação aos impasses no financiamento da seguridade social e do SUS, estes decorrem do peso do capital portador de juros no orçamento federal; da permanência do mecanismo de desvinculação das receitas da união (DRU), renovada e estendida de quatro para oito anos com aumento do percentual de retirada das receitas do orçamento da seguridade social de 20% para 30%, sob orientação do atual governo; dos incentivos financeiros públicos à saúde privada, entre outros.
Quando o autor escreveu o capítulo ainda não tinha sido aprovada a PEC 241 que congelou os gastos do Governo por vinte anos, o que agrava ainda mais o quadro de subfinanciamento que descreve. De todo modo, permanecem válidas as propostas de enfrentamento nesse contexto de acumulação financeira do capitalismo. Entre elas, a mudança da política econômica que prioriza o pagamento de juros da dívida pública e a auditoria da dívida para possibilitar maiores recursos para a seguridade social.
O segundo capítulo, de autoria de Cassia B. Soares e colaboradores, discute “a prática social da Enfermagem na contemporaneidade, a partir de fundamentos marxistas, mais precisamente a partir das categorias trabalho e processo de trabalho” (p. 43). De início, discutem o trabalho em saúde em sua acepção ampla como trabalho coletivo que para os autores representa a ‘unidade do diverso’ e a síntese do ‘concreto pensado’. Em seguida, abordam o processo de trabalho de Enfermagem, particularmente dentro do hospital. A partir de Marx, elegem a categoria ‘cooperação’ para fundamentar a definição do processo de trabalho coletivo em saúde. A cooperação no trabalho em saúde detém a sua especificidade em relação ao trabalho industrial, na medida em que as tecnologias são diversas. Porém, em ambos os setores se mantém o fundamento da produtividade do conjunto dos trabalhadores e, da mesma forma que na indústria, na saúde a cooperação permite intensificar o processo de valorização e a reprodução do capital no setor.
O fato de ser um trabalho coletivo não implica falta de assimetria de poder e controle equânime entre as categorias profissionais, e a cooperação não pode ser dissociada da divisão social e técnica do trabalho. Desse último ponto de vista, os autores identificam que “o princípio da cooperação na manufatura é mais adequado para se aplicar em relação ao hospital do que a forma de cooperação na grande indústria, porque a base da manufatura ainda resguarda a base técnica do ofício” (p. 50). É um tipo de trabalho que reproduz a organização taylorista do processo de produção mais geral, mas que tem incorporado a lógica da organização toyotista, e que é hegemonizado desde a formação acadêmica pelos referenciais funcionalistas que retroalimentam a própria fragmentação do cuidado.
A partir das investigações de base marxista, os autores apontam diretrizes teórico-metodológicas para analisar o trabalho de enfermagem na contemporaneidade, tais como a necessidade de situá-lo em sua condição de classe social; a análise da divisão interna desse trabalho; a investigação do objeto de trabalho e a concepção teórica de saúde que sustenta a ação; a análise dos meios e instrumentos utilizados, assim como o trabalho em si e, particularmente, a organização do processo de trabalho.
Leonardo Mello e Silva, no capítulo 3, vai discutir como a Sociologia do Trabalho francesa trata a ‘relação de serviço’, que é diferente de tratar o setor de serviços na medida em que essa relação existe no interior do setor industrial e, ao contrário, alguns tipos de trabalho do setor serviços não praticam a relação de serviço. Enquanto uma relação particular que ocorre entre cliente e prestador do serviço, tem grande variabilidade, o que impossibilita uma medida objetiva em termos de comparabilidade e repetitividade, diferentemente da relação industrial. Indica ainda que a oposição entre o que é produtivo e improdutivo, como se houvesse uma separação entre uma ‘economia industrial’ e uma ‘economia de serviços’ deve ser repensada.
A economia de serviços para o autor detém uma especificidade onde três polos convivem: o primeiro identifica a prestação de serviço como uma atividade visando uma realidade a ser transformada; no segundo polo está o proprietário dessa realidade; e no terceiro se encontra o prestador da atividade. Dada a heterogeneidade das situações, essa relação não pode ser desconectada das posições de classe desses conjuntos sociais. Destaca ainda que a relação de serviço se presta a uma análise centrada nas cenas interativas entre prestador e cliente, o que elide os modos de dominação estrutural presentes na relação patrão-empregado, mas não elimina a relação de classe e os conflitos nas interações cotidianas.
Silva discute o que denomina de ‘sociologia da relação de serviço’, e considerando que o conceito de divisão do trabalho recoloca essa relação dentro de uma perspectiva abrangente, aponta que a “aplicação do conceito de taylorismo para os serviços é, pelo menos, incompleta, para não dizer inadequada” (p. 71). Ou seja, pode servir para certos tipos de trabalho que são padronizados e seguem um protocolo de atendimento ao cliente, mas considerando mesmo aí a possível variabilidade e interatividade que possa ocorrer, o trabalho em serviço evoca uma ‘racionalidade substantiva’ em oposição a uma ‘racionalidade instrumental’. Na atualidade, o que se verifica é a migração de critérios de racionalização da empresa privada para o serviço público, que tiveram que se enquadrar dentro do ritmo de um fluxo produtivo cada vez mais intenso. Para o autor, o desaparecimento da hierarquia típica da divisão do trabalho taylorista “vai de par com a transferência da responsabilidade do serviço para o cliente ou usuário” (p. 75). Daí que “pode-se entender a compatibilidade social do modelo de organização e gestão do trabalho de tipo fluxo tensionado (…) com o esquema de análise teórica da relação de serviço (…)” (p. 76).
Avançando na análise dessa relação, mas agora debruçando-se sobre o trabalho de enfermagem, vai apontar diversos aspectos da realidade cotidiana desse trabalho a partir do estudo de Helton Saragor de Souza, autor do quarto e último capítulo do livro.
O capítulo tem como base um estudo de caso sobre o trabalho das categorias de enfermagem em três formas de gestão hospitalar: administração direta, terceirizada sob gestão de organizações sociais (OSs) e hospital privado. Sua hipótese é que a lógica da financeirização aplicada ao setor gera sobrecarga e intensificação do trabalho para os profissionais da área, aliadas à baixa qualidade do atendimento, e que o trabalho “é organizado sob o paradigma de reatividade da demanda nos moldes do pós-fordismo, especificamente, sob o fluxo tensionado” (p. 88).
Além dos pressupostos econômicos que estão na base dessas mudanças, o autor critica a interpretação de que o trabalho de enfermagem seja organizado predominantemente sob a lógica taylorista-fordista, pois a simplificação e a padronização nesse tipo de trabalho sempre se defrontam com a variabilidade do contexto e das características do sujeito-usuário. Além disso, considera que “a racionalização do trabalho em Enfermagem não se enquadra na dinâmica do trabalho vivo em ato, que supõe o trabalho relacional com o usuário como um espaço de protagonismo ou liberdade do sujeito trabalhador” (p. 91), pois o trabalhador está submetido à lógica geral das relações capitalistas. Para ele, o princípio organizador se fundamenta na reativação da demanda, ou seja, é o número de pacientes e as exigências do cuidado que racionalizam o trabalho de enfermagem, e o controle não é exercido por um gerente, mas pelas próprias tarefas conjunturais se sanadas ou não. Esse tipo de racionalização se baseia no modelo flexível pós-fordista sob o capitalismo financeirizado, que tal qual o taylorismo visa aumentar a produtividade, a lucratividade e a acumulação do capital no segmento privado e racionalizar os gastos nos serviços públicos.
A perspectiva teórica adotada é do fluxo tensionado de Durand que combina o processo de produção e a organização do processo de trabalho com o regime de mobilização dos trabalhadores. Uma combinatória que pode ser representada por três polos: “a integração reticular (…), a generalização do fluxo tensionado (…) e o modelo de competência como novo regime de mobilização da mão de obra” (Durand, 2003, apud Souza, p. 99).
Após analisar os princípios que ordenam a gestão do trabalho a partir dessa combinatória nas três formas de gestão hospitalar, identifica duas formas de exploração dos trabalhadores: a sobrecarga e a intensificação do trabalho em todos os setores das unidades hospitalares investigadas. O estudo aponta que a tendência é do trabalhador interiorizar a pressão “em um entendimento de que o direito da vida do paciente é muito maior do que o suposto direito de condições mínimas de trabalho” (p. 107). Mais que isso, a dinâmica laboral forja, também, um modo de vida, na medida em que o trabalhador incorpora o hábito de ‘fazer tudo correndo’, ser impaciente na vida pessoal e rápido nos afazeres domésticos.
Júlio César França Lima – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. E-mail: jlima@fiocruz.br
(P)
História e Literatura / Estudos Históricos / 2017
História e Literatura Afinidades eletivas? A literatura nos pródromos da História
A escolha de um dossiê para a revista Estudos Históricos costuma levar em consideração ao menos três aspectos: o ineditismo de determinado tema, sua relevância na historiografia contemporânea e a aderência às linhas de pesquisa do CPDOC. A introdução de um assunto inédito pode causar certa surpresa aos próprios editores, sobretudo quando se deparam com esta ou aquela lacuna temática em um periódico que já conta com quase 30 anos de existência. Ausências em áreas centrais de atuação da “casa” tendem a chamar mais atenção, como ocorreu com “Patrimônio” (n. 57, 2016), dossiê que tardou a ser contemplado num conjunto de mais de 60 números publicados.
Algo semelhante parece ter-se passado com “História e Literatura”. Escritores e suas obras, movimentos literários e suas revistas, redes de sociabilidade e sua circulação de ideias estiveram presentes na agenda da instituição desde antes da criação da revista, em 1988. Em parte, o interesse pela literatura derivou do próprio material que compõe o acervo original do CPDOC. Arquivos inicialmente voltados para as elites e para a história política traziam consigo a visão de bacharéis, jornalistas, ensaístas e polígrafos, entre os quais se encontravam, não raro, romancistas, poetas e toda sorte de homens de letras.
Fontes primárias do arquivo privado de Gustavo Capanema, por exemplo, são pródigas em informações sobre a atuação pública de Carlos Drummond de Andrade na chefia de gabinete do Ministério da Educação e Saúde (MES) entre 1934 e 1945. Com base neste e em outros arquivos, mobilizaram-se diversos investimentos de pesquisa, que resultaram em livros como Guardiães da razão: modernistas mineiros, de Helena Bomeny, Essa gente do Rio: modernismo e nacionalismo e História e historiadores: a política cultural do Estado Novo, os dois últimos de autoria de Ângela de Castro Gomes.
Enquanto Helena Bomeny se deteve nas especificidades e nas raízes da geração mineira que tomou parte no modernismo dos anos 1920 e 1930, Ângela de Castro Gomes, professora emérita do CPDOC, dedicou-se em História e historiadores à análise dos escritos de Graciliano Ramos para o periódico estadonovista Cultura e Política. Já em Essa gente do Rio, a autora estudou revistas, prosadores e poetas do movimento simbolista no Rio de Janeiro, grupo literário ligado tanto à linhagem espiritualista mais conservadora da intelectualidade católica radicada na capital da República quanto ao efervescente projeto estético modernista, em contraponto aos próceres mais conhecidos do modernismo de São Paulo.
Para ficar apenas com esses exemplos, trata-se de documentos e de produções relevantes, porquanto contribuíram para iluminar questões centrais da vida republicana brasileira. Durante mais de quatro décadas, pesquisadores do CPDOC envidaram esforços coletivos para analisar a dinâmica do pensamento social no Brasil da primeira metade do século XX, dentro da qual se inscrevia uma galeria de literatos envolvidos com a vida intelectual e com a esfera pública do país.
Apesar disso, um olhar retrospectivo pelas edições anteriores da revista não identifica um dossiê consagrado à literatura. Chega-se, quando muito, a lograr aproximações, mediante interesses afins ou mais amplos, como foram os números dedicados a “Viagem e narrativa” (n. 7, 1991), a “Intelectuais” (n. 32, 2003) ou a “Arte e História” (n. 30, 2003). Neste último, entretanto, a literatura sequer comparece, com textos em sua maioria voltados para a arquitetura, a pintura e a música, entre outras expressões, linguagens e manifestações artísticas.
Uma visada mais benevolente seria, no entanto, capaz de reconhecer que, embora lhe falte uma edição exclusiva, o interesse literário reponta aqui e ali no corpo da revista, disperso ao longo de suas dezenas de números e de suas centenas de artigos. Sem a preocupação de um levantamento exaustivo, é possível compulsar pouco mais de 20 artigos acerca do tópico. Machado de Assis, Oliveira Lima, Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Mário de Andrade, Paulo Prado e Murilo Mendes, entre outros, pontificaram na revista no decorrer de 60 números.
Temas “clássicos” da vida literária foram abordados, tais como o modernismo, a identidade nacional e a sociabilidade urbana. Assuntos menos centrais também se fizeram presentes e deram a conhecer a literatura regional no Rio Grande do Sul, o movimento modernista na Amazônia, o novo romance histórico no Brasil, o gênero autobiográfico e memorialístico, a questão do sujeito na narrativa, a correspondência epistolar, os concursos literários, os projetos enciclopédicos, a presença de literatos na diplomacia, o neorrealismo em Portugal e a sociologia da literatura.
Mas o ineditismo no histórico da revista e a aderência às áreas de concentração da instituição que a publica não bastam para justificar a decisão em favor de um dossiê. A relevância da questão na contemporaneidade é fundamental para sua escolha como tema. Neste sentido, é sabido que as gerações de historiadores formadas no último quartel do século XX e nos primeiros anos do século XXI vêm enfrentando o problema epistêmico da escrita da história. Esta questão vem de par com a polêmica em torno das fronteiras da narrativa historiográfica em face da literatura e, mais precisamente, da ficção.
Desde a chamada “virada linguística” nos idos de 1970, como se sabe, revolve-se a antiga querela que opõe o mito à ciência e avança-se nos questionamentos filosóficos de um Michel Foucault ou de um Paul Ricoeur acerca das maneiras de narrar dos historiadores profissionais. Em paralelo, a teoria literária estadunidense, com Hayden White e Dominick LaCapra à frente, aprofundou ainda mais a crítica aos fundamentos epistemológicos da narração na história e postulou o protagonismo da linguagem figurada e da imaginação no processo de reconstituição do passado histórico. Em razão disto, assestaram-se as baterias contra estatutos canônicos da ciência e buscou-se desconstruir a técnica tradicional de composição de textos científicos.
De sua parte, longe de apenas rebater ou esquivar-se defensivamente das críticas, a História procurou nos últimos decênios ser também propositiva e ampliar seus domínios. Para tanto, em meio à decantação da interdisciplinaridade e à própria renovação da historiografia em países centrais como Estados Unidos, França, Inglaterra e mesmo Itália, os historiadores penetraram na seara antes exclusiva dos Departamentos de Letras.
Com efeito, munidos de pressupostos teóricos da Sociologia para fustigar a redoma estetizante das belas-letras – evoquem-se tão-somente o Flaubert de Pierre Bourdieu e o Kafka de Pascale Casanova –, os historiadores apropriaram-se a seu modo da literatura como objeto de estudo. Desde então, interpelam as formas materiais e simbólicas de fruição do livro, examinam as práticas e representações da leitura, preconizam o polo da recepção na compreensão mais plena do sistema literário, emulam o desenvolvimento de subáreas como a história literária, a história social e a história cultural.
A falta de consenso gera ruídos de comunicação de ambas as partes. Grosso modo, para a crítica literária de extração acadêmica, o imbróglio diz respeito à utilização documental, por assim dizer, que o historiador pode fazer da ficção. O fato de um romance, um poema ou um conto ser considerado fonte, documento ou testemunho para escrutínio da História tende a ser visto como reducionista por críticos e teóricos do métier.
A comunidade de historiadores, por sua vez, rechaça de maneira taxativa a redução das suas atividades à produção de enredos mais ou menos arbitrários, mais ou menos fictícios. Embora o britânico R. G. Collingwood entrevisse, no livro A ideia de história, de princípios do século XX, as afinidades eletivas entre o romancista e o historiador, para os profissionais da História as categorias temporais não são artefatos ou construtos mentais a serviço da verossimilhança ou da trama romanesca. Cumpre, segundo eles, refutar o argumento de que o tempo constitui uma variável neutra na narrativa, mero adorno ou pano de fundo a emoldurar a ação dramática, destituído de dinamicidade e de significado social mais amplo.
A recusa à condição fática de registro do real, por meio do material ficcional, leva, pois, a infindáveis controvérsias acerca dos condicionantes do imaginário de um escritor, que se acredita idealmente autônomo, coerente e indiviso. Tais discordâncias acionam tensões, quase sempre regidas sob a égide de uma razão dualista. Esta tanto une quanto separa vida e obra, texto e contexto, reflexo e autonomia, imanência e transcendência, matéria e espírito, real e imaginário, documento e monumento, numa palavra lukácsiana: forma literária e processo social.
Uma exceção nessa cena é Antonio Candido, cujo método dialético, amadurecido entre os anos 1950 e 1970, procurou superar o binarismo estruturalista e, com ele, a suposição apriorística de um “dentro” versus um “fora” do texto. Ao propor um terceiro eixo sintético, Candido tinha como premissa a necessidade de um esquema analítico ternário, pois tencionava dar conta do sistema literário triangular: autor – obra – público. Nesta esteira, perseguiu, nos ensaios antológicos que se sucederam a Formação da literatura brasileira, uma síntese capaz de fundir os pares antitéticos invocados por “internalistas”, de um lado, e “externalistas”, de outro.
A despeito das tentativas conciliatórias, o peso dos referentes internos versus externos compele historiadores e teóricos literários a debater não apenas os contornos como também os nervos da criação de uma obra de arte. A fatura literária continua a ser apreciada ora em função da intencionalidade do autor e da lógica interna que conforma a mimesis, ora em virtude dos nexos sociológicos que demandam a realidade, o cotidiano, a memória, o verossímil, a experiência vivida, narrada e transfigurada.
O presente dossiê almeja ser uma ocasião para a atualização de um debate cujas implicações teóricas e conceituais permanecem a desafiar a historiografia e a epistemologia nos de dias de hoje. A impossibilidade de esgotá-lo ou de superá-lo em suas discussões mais controversas não impede de reconhecer os rendimentos analíticos, bem como os avanços das várias frentes de pesquisa nesse âmbito.
Se as Ciências Humanas e Sociais lidam com o assunto desde a segunda metade do século XX, informadas por vertentes críticas que vão do marxismo ao estruturalismo, do funcionalismo ao culturalismo, da fenomenologia à semiótica, da filologia ao existencialismo, da estética da recepção ao círculo hermenêutico, dos cultural studies aos estudos pós-coloniais, a historiografia nacional principiou a se debruçar sobre a temática somente a partir dos anos 1980.
A proposição de um ponto de partida é sempre um risco, com eventuais omissões ou injustiças, mas seria o caso de arriscar aqui apontando a publicação de Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República (1983). A tese de doutoramento de Nicolau Sevcenko, defendida em 1981 na USP, configura uma espécie de momento fundante de uma perspectiva intelectual-cultural calcada na literatura.
De início o impacto do livro foi diminuto no interior da comunidade científica, mas a repercussão mostrou-se significativa fora da universidade, junto ao público leitor não acadêmico e aos meios editoriais. Estava-se diante de uma primorosa reconstituição da trajetória intempestiva de dois literatos-missionários, Euclides da Cunha e Lima Barreto, a contrastar, cada um a seu modo, o teor de suas “ideias em movimento” com os ideais reacionários dos conservadores de seu tempo.
De forma mais orgânica e institucionalizada, o estudo acadêmico da literatura se consolidou no cenário universitário durante os anos 1990 e 2000. No âmbito da pós-graduação em História, merece destaque a atuação de um grupo de pesquisadores reunidos na Unicamp. A convergência entre as linhas de pesquisa da História Social do Trabalho e da História Social da Cultura permitiu que investigadores de ponta da área renovassem interpretações consagradas. Estas evidenciaram uma capacidade de formular questões e fontes próprias do ofício do historiador, para lançar luzes menos reverentes sobre ícones da literatura, a exemplo de Machado de Assis ou de Coelho Neto.
Dissertações e teses defendidas na Unicamp, muitas delas publicadas em livro, vêm contribuindo para um conhecimento sólido, produzido coletivamente nesse centro universitário. Seus egressos têm dado continuidade ao debate, mediante, por exemplo, a organização de sucessivos Simpósios Temáticos nos encontros da ANPUH, “Literatura, História e Sociedade”, estimulando a formação de jovens discentes em nível de mestrado e doutorado e ensejando a sua renovação geracional.
Longe de ser um polo único e exclusivo, via de regra adstrito ao eixo Rio – São Paulo, outros programas pós-graduação em História têm-se notabilizado por linhas de pesquisa com esse foco. Bastaria lembrar universidades federais e estaduais de cidades como Belém, Florianópolis, Goiânia, Ouro Preto, Porto Alegre, Recife, Salvador, Teresina e Uberlândia, entre outras, para aferir uma realidade que é hoje plural e multifacetada.
O presente dossiê pretende ser também uma amostra de tal diversidade. Enfeixa-se a seguir um total de dez textos, publicados após um notável número de submissões recebidas e avaliadas por quase duas centenas de pareceristas. A marca interdisciplinar, cultivada pela revista, faz-se igualmente perceptível neste número, com a abertura para abordagens que não se restringem a esta ou aquela escola de pensamento, a esta ou aquela filiação departamental, a este ou aquele recorte histórico.
Num arco temporal que vai do século XVI à contemporaneidade, e num horizonte espacial que não se limita à fronteira nacional, a díade história-literatura encontra aqui um apanhado do estado da arte do universo literário, tal como vem sendo estudado em determinados programas de pós-graduação do país. Fornecem-se elementos para entender como os estudiosos das gerações atuais têm respondido, por meio de estudos de caso e de trabalhos empíricos – valendo-se de obras, cartas, arquivos, manuscritos, jornais, biografias, memórias, escritas de si, correntes estéticas, traduções, edições e reedições –, ao conjunto de questões sumariamente esboçadas acima.
Além dos textos submetidos e aprovados na seção “Artigos”, este dossiê dá espaço para a série “Colaboração Especial”, com o artigo assinado pelo professor Roger Chartier, do Collège de France. Trata-se de versão apresentada pelo historiador francês em palestra proferida no CPDOC em 2013, quando da comemoração dos 40 anos da instituição, na abertura da quarta edição do Ateliê do Pensamento Social, evento promovido pelo Laboratório de Pensamento Social (LAPES).
Na ocasião, conforme consta do texto aqui publicado ineditamente em língua inglesa, Chartier revisitou o cerne de suas inquietações intelectuais ao perquirir as formas de comunicação facultadas pelas correspondências epistolares no alvorecer da Idade Moderna europeia e ao indagar a tensão das formas literárias com a cadeia comunicacional emissor / mediador / receptor, na esteira do advento da tipografia e da imprensa, nos séculos XV e XVI. Chartier analisa ainda a irrupção da figura autônoma do Autor na chamada República das Letras francesa, entre os séculos XVII e XIX. Considera, para tanto, seus corolários imediatos, quais sejam, a consagração da ideia de indivíduo e a conversão da noção de autoridade em autoria intelectual personalizada na Era Moderna.
Por último, mas não menos importante, a seção “Entrevista” traz o depoimento transcrito e editado de Heloísa Starling, professora titular do Departamento de História da UFMG, concedido a mim e ao professor Marcelino Rodrigues da Silva (Dep. Letras / UFMG) em fevereiro de 2017, na cidade de Belo Horizonte. Em seu percurso acadêmico, sempre sensível à sonoridade e à poética das criações artísticas, as reflexões da entrevistada vêm ao encontro do presente volume, ao rememorar a experiência de realização de sua tese de doutorado, que versa sobre a obra magna de João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas.
Referências
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Bernardo Borges Buarque de Hollanda – Doutor em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). E-mail: bernardo.hollanda@fgv.br
Editor convidado.
HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.30, n.62, set. / dez. 2017. Acessar publicação original [DR]
“Vida de uma família judia” e outros escritos autobiográficos – STEIN (RFA)
STEIN, E. “Vida de uma família judia” e outros escritos autobiográficos. São Paulo: Paulus, 2017. Resenha de: FILHO, Juvenal Savian. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.29, n.48, p.965-970, set./dez, 2017.
A Editora Paulus acaba de lançar a coleção brasileira Obras de Edith Stein com a publicação do primeiro volume, intitulado “Vida de uma família judia” e outros escritos autobiográficos, traduzido por Maria do Carmo Ventura Vollny e Renato Kirchner.
O texto-base da tradução é o volume 1 da edição crítica alemã das obras completas de Edith Stein (Edith Stein Gesamtausgabe — ESGA), publicado em 2002 pela Editora Herder, de Friburgo na Brisgóvia.
No volume 1, a edição crítica organizou sete textos classificados como “biográficos”: o primeiro é a “Vida de uma família judia”, seguido de outros menores, entre eles uma consagração e uma oração, que são considerados “biográficos” por causa da circunstância em que foram escritos: a Segunda Guerra Mundial. Com efeito, o fato de a consagração e a oração serem dedicadas ao Sagrado Coração de Jesus mostram o vínculo com o momento histórico vivido por Edith Stein, pois desde o fim do século XIX a devoção ao Sagrado Coração de Jesus esteve especialmente ligada, na Europa, a contextos de guerra.
Os sete textos de Edith Stein editados como biográficos são:
(1) “Vida de uma família judia” (“Aus dem Leben einer jüdischen Familie”);
(2) “Uma contribuição para a Crônica do Carmelo de Colônia” (“Ein Beitrag zur Chronik des Kölner Karmel”);
(3) “Curriculum Vitae” (“Inaugural-Lebenslauf”);
(4) “Peça humorística [para a festa de casamento de Erna Stein e Hans Biberstein]” (“Festgedicht”);
(5) “Texto de Consagração [ao Sagrado Coração de Jesus]” (“Weihetext”);
(6) “Oração [ao Sagrado Coração de Jesus]” (“Gebet”);
(7) “Testamento” (“Testament”).
A respeito do surgimento e da redação dos textos, os leitores encontrarão na abertura de cada um deles informações históricas oferecidas pelos editores alemães. Cabe aqui, porém, uma rápida apresentação do texto “Vida de uma família judia”, sobre o qual há poucos dados nos comentários dos editores alemães.
Edith Stein deu o título “Vida de uma família judia” a um conjunto de dez textos menores, atribuindo um título apenas aos dois primeiros (os outros títulos foram apostos pelos editores, com base em expressões usadas por Edith Stein):
(I) Lembranças de minha mãe (Aus den Erinnerungen meiner Mutter);
(II) História de nossa família: as duas irmãs mais novas (Aus unserer Familiengeschichte: Die beiden Jüngsten);
(III) [Preocupações e tensões na família (Von Sorgen und Zerwürfnissen in der Familie)];
(IV) [O desenvolvimento das duas irmãs mais jovens (Vom Werdegang der beiden Jüngsten)];
(V) [Os anos de estudo em Breslávia (Von den Studienjahren in Breslau)];
(VI) [Diário dos corações de duas jovens (Aus dem Tagebuch zweier Mädchenherzen
(VII) [Anos de estudo em Gotinga (Von den Studienjahren in Göttingen)];
(VIII) [Serviço no Hospital Militar de Weisskirchen na Morávia (Aus dem Lazarettdienst in Mährisch-Weißkirchen)];
(IX) [Encontros exteriores e decisões interiores (Von Begegnungen und inneren Entscheidungen)];
(X) [O exame rigorosum em Friburgo (Vom Rigorosum in Freiburg)].
Como Edith Stein explica na Introdução por ela aposta no início do manuscrito, sua narrativa é composta parcialmente de memórias que sua mãe lhe transmitiu (Parte I) e parcialmente de lembranças que ela mesma reconstituiu (Partes II-X). Assim, apesar de seu desejo de ser fiel aos fatos, Edith Stein reconhece que sua narrativa não pode ser tomada como um retrato direto de sua família, mas como um conjunto de sentidos que ela recolhe na escrita e que provêm seja das memórias de sua mãe seja das suas próprias. Não é por acaso que o título por ela dado ao manuscrito inicia-se pelas partículas alemãs Aus dem…, indicando sua intenção de escrever não “a” vida de sua família e “a” sua vida mesma, mas os sentidos que podem ser atualizados pela leitura das memórias “biográficas”.
A esse propósito, convém insistir que os escritos reunidos neste livro e classificados como “biográficos” ou “autobiográficos” transcendem consideravelmente o gênero literário da biografia e da autobiografia. Diferentemente de outros pensadores modernos que escreveram suas autobiografias (como Rousseau, por exemplo, ou Simone de Beauvoir, entre outros), Edith Stein não redige apenas uma série de registros a título de documentação da memória de sua família e da sua própria. Ela identifica nessas memórias uma trama de sentidos determinados por valores (como a amizade, a justiça, a lealdade, o amor, a fé, a honestidade etc.), pretendendo oferecer aos leitores a possibilidade de também ver essa trama e deixar-se influenciar por ela. Dessa perspectiva, a “Vida de uma família judia” e os escritos autobiográficos de Edith Stein aproximam-se mais do estilo antigo que se observa em Agostinho de Hipona, por exemplo, e menos em narrativas centradas no sujeito individual, típicas da Modernidade e da Contemporaneidade. Com efeito, a “autobiografia” de Agostinho (Confissões) é a apresentação do itinerário pelo qual o indivíduo Aurélio Agostinho, bem datado no tempo e situado no espaço, chega a universalizar-se, quer dizer, a encarnar, ao seu modo, o sentido absoluto que ele encontra e que mostra ter agido desde o início não apenas da narrativa, mas de toda a existência do autor. Os leitores têm diante de si um caminho que eles também podem percorrer, a fim de encontrar e encarnar o mesmo sentido absoluto. Assim também, a narrativa da “Vida de uma família judia” e os outros escritos “autobiográficos” de Edith Stein contêm mais do que um simples registro de acontecimentos familiares e pessoais, porque apresentam quadros nos quais se observa a ação do sentido absoluto que Edith Stein havia encontrado no momento em que escrevia e que ela percebia ter agido desde o início de sua vida e da vida de sua família: a Providência Divina ou o ordenamento sagrado que faz a História encaminhar-se sempre para o bem, malgrado a presença multifacetada do sofrimento e da dor. Dessa perspectiva, é interessante notar que, se em Filosofia Edith Stein procede a um acionamento de estilos clássicos — antigos e medievais — para lançar luz sobre temáticas fenomenológicas, também em seus escritos “autobiográficos” ela recupera um tipo clássico de narrativa biográfica em que o universal é o verdadeiro sujeito, e não o particular.
Edith Stein iniciou a redação da “Vida de uma família judia” em 1933, ano em que os nazistas chegaram ao poder. Ela teve de deixar o Instituto Alemão de Pedagogia Científica de Münster, onde lecionava, o que a motivou a servir-se daquela ocasião para seguir o chamado interior que sentia desde 1921, quando foi batizada depois de sua conversão à fé cristã: entrar no Carmelo. A vida na clausura não significava para ela uma ruptura com o mundo, menos ainda um gesto egoísta de sobrevivência em meio ao horror: ela era movida a um só tempo por sua vocação monástica e por uma sólida convicção de que permaneceria profundamente unida à sua família, ao povo judeu, à Europa e enfim a toda a Humanidade. Como ela afirma em uma carta dirigida a Fritz Kaufmann, em 14 de maio de 1934, quem entra no Carmelo não se distancia das pessoas, pois sua existência se converte em benefício para elas, uma vez que o papel das carmelitas é permanecer diante de Deus, orando por todos.
Ao ser aceita no Carmelo de Colônia, Edith Stein residiu durante um mês na hospedaria do mosteiro, fora da clausura. Em seguida, foi à casa de sua família, em Breslávia, para despedir-se antes de retornar definitivamente para o Carmelo. Foi a ocasião da visita à sua família que lhe permitiu recolher as memórias de sua mãe e iniciar a redação da primeira parte da “Vida de uma família judia”. O motivo imediato de sua escrita, para além de um simples registro — como já foi dito —, foi o desejo de retratar a vida de uma família judia semelhante à imensa maioria das famílias alemãs, desmentindo, assim, a caricatura que os nazistas impunham aos judeus. Mais do que um desejo, tratava-se de um dever para Edith Stein, contribuindo para o fim do ódio racial entre os jovens, como ela diz na Introdução: “É para essa juventude e exatamente para ela que devemos dar testemunho, nós que crescemos no judaísmo”.
Em agosto de 1933, Edith Stein começa a reunir os elementos que lhe permitirão compor a sua narrativa. Em 14 de outubro do mesmo ano, ela passa a viver na clausura do Carmelo de Colônia e obtém autorização dos superiores para continuar a redação, mas em abril de 1935 teve de interrompê-la a pedido dos mesmos superiores, que insistiam para que ela retomasse o trabalho intitulado Potência e ato (escrito em poucos meses para o concurso de uma cátedra na Universidade de Friburgo, em 1931-1932), que acabou sendo transformado na obra maior Ser finito e eterno. Quando Edith Stein faz essa primeira interrupção, em 1935, o manuscrito da “Vida de uma família judia” contava com mais de mil páginas. No dia 7 de janeiro de 1939, já no Carmelo de Echt, na Holanda, Edith Stein retoma a redação, não produzindo, porém, mais do que quatorze folhas. No dia 27 de abril de 1939, Edith Stein interrompe definitivamente a redação. Em 1940, quando a Holanda foi invadida pelos nazistas, Edith Stein enterrou seu manuscrito na clausura do mosteiro. Uma das irmãs o desenterrou e escondeu em um lugar mais seguro, de modo que o manuscrito permaneceu no Carmelo de Echt até 1945. Após a guerra, ele foi entregue ao Arquivo Carmelita de Bruxelas e hoje se encontra no Arquivo Edith Stein de Colônia, contando com 1086 páginas escritas à mão, mais 51 datilografadas. Por fim, acontecimentos de diferentes naturezas (principalmente ligados à Segunda Guerra Mundial) fizeram que o manuscrito ficasse incompleto: foram perdidas 32 páginas do capítulo III.
Por fim, vale chamar a atenção para o fato de que a redação de Edith Stein não segue necessariamente uma linearidade cronológica, de modo que cada parte da “Vida de uma família judia” tem sua unidade própria. Por exemplo, no capítulo III, embora sua narrativa se concentre em 1902, Edith Stein deixa-se levar por lembranças familiares que saltam para 1920. Depois, ela retorna a 1905 no capítulo seguinte.
Idas e vindas temporais marcam, então, a narrativa steiniana do início ao fim, reproduzindo o movimento mesmo com que as unidades de sentido formam uma unidade maior no fluxo constante que compõe a trama da consciência individual. A redação de Edith Stein é, por isso, no sentido mais nobre do termo, uma redação humilde, posta consciente e deliberadamente ao serviço do Lógos ou Sentido que ela encontra em sua odisseia pessoal. Ler esses textos é, em definitivo, muito mais do que pôr-se em contato com uma narrativa “biográfica”; é entrar em um território onde ressoam as palavras do Êxodo: Retira tuas sandálias, pois o lugar onde pisas é uma terra santa! (Ex 3,6).
Juvenal Savian Filho – Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Doutor em Filosofia. E-mail: juvenal.savian@unifesp.br
[DR]
O Século XX em Goiás: O advento da modernização | Cristiano A. Arrais, Eliéser Oliveira, Tadeu A. Arrais
A história explica o passado, ajuda a entender quem somos hoje e, para os leitores mais atentos, pode dar pistas importantes sobre caminhos a seguir. O livro O Século XX em Goiás: O advento da modernização apresenta, de forma sóbria e objetiva, o processo histórico de formação do estado goiano e sua modernização recente. Fatos cruciais nessa trajetória são apresentados com base em documentos, mapas e imagens escrutinados pelos autores Cristiano Arrais, Eliéser Oliveira e Tadeu Arrais. A modernização de Goiás é contextualizada a partir do estudo da infraestrutura construída, das transformações em setores dinamizadores da economia e das mudanças sociais e populacionais ocorridas no último século.
O primeiro capítulo, Circulação, detalha o desenvolvimento do sistema de transporte em Goiás e sua influência na configuração atual do espaço. O capítulo seguinte, Economia, retrata o desenvolvimento econômico do estado, ressaltando o desenvolvimento da agropecuária moderna e o recente progresso industrial. O capítulo Sociedade descreve o desenvolvimento dos sistemas de saúde e educação e o capítulo Urbanização analisa a expansão urbana recente. Essa evolução histórica resultou em avanços importantes para a modernização inicial do estado. Leia Mais
Violência no Século XX: entre trauma, memória e história (II) / Boletim Historiar / 2017
É com grande satisfação que nesta edição damos continuidade a publicação do “Dossiê Violência no Século XX: entre trauma, memória e história” com seu segundo volume. Organizado pelas professoras Monica Grin e Silvia Correia, o dossiê foi composto por trabalhos de alunos do curso “Violência no Século XX: entre trauma, memória e história”, oferecido pelo Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ em 2016.
No primeiro artigo Lucas Vinicius Erichsen, analisa o livro “Matadouro 5, ou A Cruzada das Crianças: Uma dança de etiqueta com a morte” de Kurt Vonnegut, (1969). É uma narrativa-testemunho do autor que serviu ao exército americano e foi prisioneiro dos nazistas durante a II Guerra. Assim, Erichsen procura estudar sobre a historicidade das práticas do matadouro, entendendo as possíveis maneiras de abordar sobre o tempo, o testemunho e a memória de guerra. Ainda sobre Historia e Memória no campo da História do Tempo Presente, Willian Santos Pereira estuda as cartas publicadas pela revista Veja em 1989 sobre Fernando Collor de Mello. O autor analisa a representação da imagem política de Collor pelos leitores durante a eleição presidencial. Desta forma, trabalha com a memória em depoimentos escritos para entender como essas pessoas expressavam seus sentimentos utilizando suas experiências para discutir o presente.
Em seguida, Lucas de Mattos Moura Fernandes estuda ideias de ensaístas e historiadores sobre a relação entre História e Memória e as experiências traumáticas do século XX causadas por atos de violência. Para assim compreender como tais acontecimentos foram reelaborados através de testemunhos, favorecendo a construção de uma narrativa e de uma identidade. Seguindo o campo da História e Memória, João Paulo Henrique Pinto procura compreender a construção de uma memória histórica oficial angolana. Foram analisados livros didáticos de história do país após a independência e utilizados pelo seu sistema educacional. O autor apresenta como ocorreu o processo pela busca de uma identidade nacional ao questionarem a colonização portuguesa em meio a uma diversidade étnica, racial e cultural. Contextualizando esse processo com o desenvolvimento de seu sistema educacional.
No último artigo do dossiê e sobre História e Cinema, Andrey Augusto Ribeiro dos Santos analisa como as narrativas israelense e palestina sobre o confronto entre ambos aparecem no cinema. Seu objeto são os filmes, Munich, uma produção norte-americana de Steven Spielberg, e Paradise Now, uma produção palestina do árabe-israelense Hany Abu-Assad, ambas de 2005. Sendo Marc Ferro e Robert Rosesntone os seus principais referenciais teóricos para buscar no cinema reflexos da sociedade que o produziu em torno a um debate político e uma construção da memória coletiva.
Além do dossiê temos Caroline de Alencar Barbosa em trabalho sobre a importância da propaganda nazista na educação dos alemães durante a II Guerra. Suas fontes são os cartazes publicados no periódico Der Stürmer, pertencente ao publicitário Julius Streicher. Tais cartazes disseminavam o ódio antissemita, trazendo o judeu como o “outro” conveniente. Também sobre Educação, Matheus Oliveira da Silva debate sobre a Base Nacional Curricular Comum, referente às mudanças no ensino de história. Devido à quantidade de críticas que a proposta sofreu de diferentes seguimentos, o autor buscou notas, cartas e pareceres de entidades de classe sobre a Base a fim de compreender qual é o ensino de história idealizado.
Agradecemos a todos pela colaboração e apoio com submissões de textos e com a frequente divulgação do periódico. Desejamos uma boa leitura.
Os editores.
Editores. [Violência no Século XX: entre trauma, memória e história-2º Volume]. Boletim Historiar. São Cristóvão, n.18, 2017. Acessar publicação original [DR]
Language, Ideology, and the Human: New Interventions – BAHUN; RADUNOVIC (B-RED)
BAHUN, Sanja; RADUNOVIC, Dusan (Eds.). Language, Ideology, and the Human: New Interventions [Linguagem, Ideologia e o Humano: Novas Intervenções]. Farnham, Surrey: Ashgate, 2012. 250 p. Tradução de Maria Helena C. Pistori. Resenha de: THOMSON, Clive. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.12 n.3 São Paulo Set./Dec. 2017.
Esta coleção de artigos apresenta algumas qualidades marcantes. Apesar disso, considerei difícil fazer esta resenha e tentarei explicar por quê. Em sua introdução (intitulada “Introducing, Intervening, and Introspecting” [Introduzindo, Intervindo e Interiorizando], Sanja Bahun e Dusan Radunivic, organizadores da coletânea, afirmam que o desafio que apresentaram aos colaboradores convidados foi explorar e percorrer os “orifícios” e “interstícios entre a linguagem, a ideologia e seus produtores e renegociadores humanos” (p.1)1. Os organizadores descrevem a diversidade de enfoques utilizada pelos colaboradores e assinalam com franqueza que “[…] as discussões de Language, Ideology, and the Human são notadamente heterogêneas” (p.8)2. Essa descrição dos doze capítulos corresponde exatamente à minha impressão depois da primeira leitura. Eu tinha notado que a natureza heterogênea da coletânea se manifesta tanto no nível das teorias que fundamentam os estudos quanto nos objetos de estudo escolhidos pelos colaboradores. Por exemplo, a Parte I (Revisiting [Revisitando]), cujo foco é principalmente teórico e filosófico, contém seis estudos, que envolvem, em graus variados e de modos muito interessantes, Kierkegaard, Platão, Nietzsche, Saussure, Wittgenstein, Searle, Chomsky, Kant, Zelinskii, Derrida e Carl Schmitt. Na Parte II (In the World, Prospecting [No mundo, prospecções]), há cinco capítulos estimulantes nos quais os autores desenvolvem análises mais concretas e específicas de uma variedade de fenômenos localizados em diferentes lugares geográficos/culturais: o ensino da Língua Portuguesa no Timor Leste, a lei consuetudinária na África do Sul, o turno discursivo e o corpo, o cosmopolitismo nas modernas sociedades europeias, e o tema do perdão num filme sul-coreano e o pensamento de Arendt. O posfácio de Ernesto Laclau mostra uma defesa convincente e provocante da necessidade de se criar um novo modo de pensar a respeito da ideologia, da linguagem e do homem.
Na segunda parte da introdução, Bahun e Radunovi explicam com detalhes suficientes as semelhanças entre as abordagens e metodologias dos autores da obra: “Todos esses enfoques implicam […] que há uma conexão íntima entre ideologia e linguagem e, especificamente, entre uma ideologia dentro da qual um indivíduo vive e sua visão da linguagem” (p.3)3. A coletânea se apoia num “impulso velado” que a orienta – um desejo de questionar a “viabilidade das fronteiras disciplinares” e esclarecer os “problemas com o modelo de estudos baseado na divisão de disciplinas” (p.9)4. A reunião de artigos também é descrita da seguinte forma pelos organizadores: “O desejo de tratar o pluralismo sem promover conciliações não conciliáveis nem assimilações numa coletividade benevolente favorável emerge poderosamente das páginas deste volume com muita força” (p.10)5. A questão de saber “como e por que fazemos esses estudos” é outro tema geral que percorre implicitamente todos os artigos, de novo de acordo com os organizadores. Além dessas similaridades amplas alegadas como caracterizadoras (de forma velada ou implicitamente) de todos os artigos, os organizadores identificam alguns subtemas que caracterizam alguns dos artigos, como: “A questão de saber se a verdade permanece o valor central em enunciados significativos é tratada numa série de capítulos neste volume […]” (p.11)6; “[…] duas contribuições [de Jean-Claude Monod e de Rey Chow] tratam especificamente da questão da subjetividade e da importância de sua contribuição relativa e/ou instável na esfera social” (p.11)7.
A dificuldade para mim, como resenhista, ocorre quando busco entender as afirmações opostas feitas pelos organizadores, que declaram, por um lado, que falta coerência às “discussões” na coletânea, enquanto, por outro lado, que os artigos revelam vários pontos comuns. Os organizadores, talvez inconscientemente, criaram uma situação na qual os leitores serão tentados, como eu fui, a perguntar qual a import6ancia relativa que deveria ser dado a cada opção. Depois de ler o volume cuidadosamente várias vezes, minha conclusão é que eu o vejo composto de doze artigos que têm muito pouco em comum. Não é que os organizadores estejam errados ao mencionar alguns fios condutores que percorrem alguns dos artigos. Pelo contrário, minha impressão é que esses fios são tão gerais que poderiam se referir a quase qualquer coletânea de artigos que se proponha interdisciplinar. Em outras palavras, não apenas a defesa dos organizadores da coerência da coletânea acaba por ser algo um pouco inquietante, mas ela me leva a notar algumas outras inconsistências e incoerências às quais retornarei no final de minha resenha.
Vários artigos da coletânea me parecem especialmente substanciais e originais. O artigo de Leonardo F. Lisi (The Politics of Madness: Kierkegaard’s Anthropology Revisited [A política da loucura: a antropologia de Kierkegaard revisitada]) apresenta lucidamente a definição de “o humano” (uma síntese do infinito e do finito e de liberdade e necessidade) e mostra como Deus funciona, em última análise, como uma alteridade radical. Essa alteridade tanto evita fechamento ideológico como torna necessário buscar o fechamento. O que é produtivo no pensamento de Kierkegaard (isto é, suas “implicações para política”, p.248) é que a contradição entre pensamento e experiência (isto é, o conflito básico para os seres humanos) pode resultar numa “falha de compreensão do sentido” (p.34)9. O artigo termina com uma sugestão cautelosamente otimista de que a incerteza, a ambiguidade e a falha podem “significar o fim da política ou sua reinvenção numa nova forma” (p.36)10. O admirável artigo de Craig Brandists (Rhetoric, Agitation and Propaganda: Reflections on the Discourse of Democracy (with some Lessons from Early Soviet Russia) [Retórica, agitação e propaganda: reflexões sobre o discurso da democracia (com algumas lições do período inicial soviético da Rússia])) tem como foco o modo como a propaganda funcionou durante a crise da democracia na União Soviética dos últimos anos da década de 1920, quando o discurso do Partido tornou-se um discurso monológico (isto é, ideológico) por excelência. O artigo bem elaborado de Aurora Donzelli (The Fetish of Verbal Inflection: Lusophonic Fantasies and Ideologies of Linguistic and Racial Purity in Postcolonial East Timor [O fetiche da inflexão verbal: fantasias lusofônicas e ideologias da pureza linguística e racial no Timor Leste pós-colonial]) demonstra concretamente como a transmissão de um sistema abstrato de regras gramaticais pode ser simultaneamente um instrumento de assimilação e o marcador da distinção racial e social (p.151). O contexto é o Timor Leste, quando a língua portuguesa estava sendo ensinada em sala de aula. Galin Tihanov (Cosmopolitanism: Legitimation, Opposition and Domains of Articulation [Cosmopolitismo: legitimação, oposição e domínios de articulação]), enquanto explora a diferença entre legalidade e legitimidade, cita Schmitt: “Através de uma confiança cega na legalidade, Schmitt defende que a sociedade ‘se torna incapaz de reconhecer o tirano que chega ao poder por meios legais'” […] (p.194)11. Tihanov sugere que “a legimidade deve ser compreendida como algo deferido, como algo com o qual se pode estar de acordo prospectivamente” (p.196)12. O artigo de Tihanov é instigante e potencialmente muito útil para nos ajudar a compreender como alguns discursos autoritários atuais funcionam.
Os quatro artigos que acabamos de mencionar, além de oferecer contribuições importantes em tópicos específicos, são exatamente aqueles que ecoam, de modos surpreendentes, certos debates políticos de 2017 e, portanto, apresentam “implicações para a política” – para usar a expressão de Lisi que citei no parágrafo anterior. De fato, sou tentado a afirmar que o valor principal desta coletânea é permitir nosso engajamento crítico com importantes questões da arena política contemporânea. Estou pensando especificamente nos intensos debates políticos relativos à recente decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia e os debates sobre democracia, liberdade de expressão e imprensa que estão ocorrendo, especialmente nos Estados Unidos, mas também na França e em outros países europeus. Nesses contextos, é particularmente deprimente observar os discursos populistas e antidemocráticos vindos de indivíduos e partidos políticos da direita. Vários artigos nesta coletânea têm o potencial de auxiliar a desconstruir afirmações como as seguintes, atualmente à disposição na Casa branca: “A imprensa é o inimigo do povo”; “Notícias falsas não dizem a verdade”; “A mídia desonesta constrói uma história falsa atrás da outra”; “Nós não vamos deixar que notícias falsas nos digam o que fazer, como viver ou no que acreditar. Somos livres e independentes e faremos nossas próprias escolhas”. Esses enunciados são, com certeza, o tipo de discurso ideológico que Brandist, Donzelli, Gorman, Parsons e Laclau mencionam em seus artigos. Segundo Laclau coloca, é por meio de tais discursos que “a classe hegemônica é capaz de transformar seus propósitos particulares naqueles da sociedade como um todo” (p.245)13. A fim de compreendê-los e ir contra eles, eles precisam primeiramente ser compreendidos dentro do contexto institucional no qual foram produzidos. Não é útil vê-los somente como o produto de uma mente psicótica ou caótica.
No último capítulo de Language, Ideology, and the Human: New Interventions (Afterword: Language, Discourse, and Rhetoric [Posfácio: linguagem, discurso e retórica]), Ernest Laclau mostra por que é importante ter uma clara compreensão de como “a imbricação entre a linguagem e a realidade humana é bem mais íntima do que a noção de linguagem como uma categoria regional sugere” (p.237)14. Laclau conclui seu argumento sugerindo duas direções possíveis que poderíamos tomar em nossos esforços para desconstruir tipos de retórica como aquele que tem sido produzido pela administração Trump. Primeiramente, é necessário compreender como os sentidos se constroem: “Se a objetividade estivesse fundamentada em bases perspícuas ela não seria ambígua: o signo seria um simples representante de algo que o precede […] (Um significante particular) significa uma totalidade que torna possível o sentido, mas uma totalidade que é um objeto impossível. Então, a significação é possível apenas ao significar sua própria impossibilidade” (p.245)15. Quando Trump afirma que: “Os vazamentos são reais mas as histórias da mídia são falsas”, ele cria um tipo de lapso que introduz o real como um terceiro termo (perturbador), subvertendo então a “lógica” binária (verdadeiro/falso) que qualifica suas outras afirmações (por exemplo, “As notícias falsas não dizem a verdade”). Uma compreensão do modo como os sentidos funcionam precisa, portanto, ser acrescida com uma chamada para a psicanálise. Isso é o que Laclau está propondo quando escreve: “Bem, nós estamos no epicentro de uma transformação intelectual cujos dois pontos iniciais básicos são a noção de langue de Saussure e a descoberta do inconsciente de Freud” (p.242)16.
Acho que eu seria omisso se não fizesse alguns comentários críticos a respeito dos modos como esta coletânea foi organizada. A maioria dos capítulos parece ter sido preparada e editada de acordo com as convenções acadêmicas contemporâneas (isto é, estão escritos num estilo razoavelmente padrão e uniforme e são acompanhados de notas de rodapé adequadas, com referências bibliográficas completas e detalhadas), enquanto outros se caracterizam por um estilo oral que sugere terem sido originalmente textos de conferências e não artigos. Alguns capítulos (especialmente aqueles de Brandist e Tihanov) são admiráveis por seu estilo “pedagógico” (considero-os pedagógicos pelo cuidado que tomam ao apresentar uma argumentação coerente e também porque os termos críticos básicos utilizados nos argumentos são explicados e contextualizados). Esses artigos são mais facilmente acessíveis a uma audiência de alunos no último ano da graduação e na pós-graduação, ou para leitores que talvez não tenham uma base sólida nos debates da teoria crítica atual.
Fica claro que os organizadores fizeram um esforço para escolher um título para a coletânea que cumprisse dois objetivos: criar uma impressão de unidade para o volume e indicar, tão precisamente quanto possível, seus temas principais. Um exame cuidadoso do conteúdo, porém, revela que apenas quatro artigos (Leonardi F. Lisi, Elizabeth Parsons, Aurora Donzelli, Ernest Laclau) têm como foco tratar, de um modo explícito e substancial, dos três tópicos mencionados no título – linguagem, ideologia e o ser humano. Dois artigos (David Gorman, Craig Brandist) tratam de assuntos relacionados a linguagem e ideologia. Dois artigos (Monina Wittfoth, Galin Tihanov) trabalham principalmente com a linguagem. Dois artigos (Jason Glynos, Rey Chow) focam questões de linguagem e do ser humano. Dois artigos (Jean-Claude Monod, Drucilla Cornell) tratam do humano mas não se envolvem com questões de ideologia ou linguagem – pelo menos, não explicitamente. Em outras palavras, há certa desconexão entre o título do volume e o foco de alguns dos artigos. Um título melhor poderia ser, talvez, Language, Rhetoric, and Subjectivity [Linguagem, retórica e subjetividade].
Desvia a atenção do leitor ver um grande número de erros tipográficos, especialmente na introdução. Mostro aqui apenas uma seleção de erros típicos17 (minha correção está em itálico): “In early 2000, merely thirty days [No início dos anos 2000, simplesmente trinta dias] (p.1); “not only the objectivist view of language” [não apenas a visão objetivista da linguagem] (p.2); “and the pre-Socratics” [e os pré-socráticos] (p.3); “such an open definition” [uma definição tão aberta] (p.3); “informed by the belief” [informado pela crença] (p.4); “revisits precisely (delete “to”) this point” [revisita (apague “a”) precisamente este ponto] (p. 5); “naturally coexist with us” [naturalmente coexiste conosco] (p.7); “frame through which” [moldura através da qual] (p.54); “bureaucracy were imposed” [burocracia foram imposta] (p.89); “Schmitt draws a distinction” [Schmitt traça uma distinção] (p.106); “the decision to choose as the” [a decisão de escolher como o] (p.138). Há também muitas frases inadequadas18 no volume, como as seguintes: “And it still endures in the declarations, in the political literature of fraternité, in the manifestos of French republicanism, and the similar” (p.105); “It might be that I have the impression, just now, at the time when the markets dictate even the decisions who should be political governors (in Italy or Greece, for instance), that Schmitt’s fear that the liberal “depolitization” in favour of the economic forces would culminate in a “liberalism” which can do without “democracy” has received a new and terrible actuality […]” (p.111).
Vale a pena a leitura de todos os artigos da coletânea. Muitos deles desenvolvem uma boa argumentação, são substanciais e originais. E, como tentei apontar, as ideias expressas por alguns colaboradores poderiam auxiliar a realizar o importante trabalho de envolvimento e desconstrução de discursos essencializadores/ideológicos que têm sido produzidos atualmente na esfera pública. No entanto, a meu ver, a coletânea, como um todo, não corresponde completamente às declarações dos organizadores a respeito de sua coerência geral ou de sua capacidade de ir além das teorias atuais em relação à “íntima conexão” entre linguagem e ideologia.
19Tradução de Maria Helena Cruz Pistori – mhcpist@uol.com.br
1Texto no original: “the interstices between language, ideology, and their human producer and re-negotiator”
2Texto no original: “”[…] the discussions comprising Language, Ideology, and the Human are markedly heterogeneous”.
3Texto no original: “”All of these approaches imply […] that there exists an intimate link between ideology and language, and, specifically, between an ideology within which an individual operates and his or her view of language”.
4Texto no original: “the viability of disciplinary boundaries”; “problems with the model of scholarship based on disciplinary division”.
5Texto no original: “This urge to address pluralism without promoting either irreconcilability or assimilation to a benign collectivity emerges powerfully from the pages of this volume”.
6Texto no original: “The question whether truth remains the central value in meaningful utterances informs a range of chapters in this volume […]”.
7Texto no original: “[…] both contributions [Jean-Claude Monod and Rey Chow] specifically address the question of subjectivity and the importance of its relational, and/or unstable contribution in the social sphere”.
8Texto no original: “implications for politics”.
9Texto no original: “failure to grasp meaning”.
10Texto no original: “spell the end of politics or its re-imagination in a new form”.
11Texto no original: “Through blind reliance on legality, Schmitt’s argument goes, society ‘disables itself from recognizing the tyrant who comes to power by legal means'” […].
12Texto no original: “legitimacy has to be understood as something deferred, as something that can be agreed to prospectively”.
13Texto no original: “the hegemonic class is able to transform its own particular aims into those of society as a whole”.
14Texto no original: “the imbrication between language and human reality is rather more intimate than the notion of language as a regional category suggests”.
15Texto no original: “If objectivity had an ultimate, perspicuous ground, it would be unambiguous: the sign would be a mere representative of something preceding it. […] (A particular signifier) signifies a totality which makes possible signification, but a totality which is an impossible object. So signification is possible only by signifying its own impossibility”.
16Texto no original: “Well, we are at the epicenter of an intellectual transformation whose two basic starting points are Saussure’s notion of langue and Freud’s discovery of the unconscious”.
17N. do T.: As correções sugeridas pelo resenhista referem-se primordialmente a questões gramaticais e de sintaxe. A tradução das frases infelizmente não leva à compreensão dos problemas que o autor da resenha indicou.
18N. do T.: Decidiu-se não traduzir as frases, tendo em vista a especificidade do uso da língua inglesa percebida pelo articulista, ao declarar serem as frases awkward (inadequadas, estranhas, “desajeitadas”).
Clive Thomson – Professor of University of Guelph, Guelph, Ontario, Canadá; cthomson@uwo.ca.
Guia de escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância – PINKER (B-RED)
PINKER, Steven. Guia de escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância. Tradução de Rodolfo Ilari. São Paulo: Editora Contexto. 2016. 252 p. Resenha de POSSENTI, Sirio. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.12 n.3 São Paulo Set./Dec. 2017.
Há livros que não deveriam ser resenhados. Este é um deles. Não porque não mereça ser apresentado a um público, especializado ou não, mas porque é precedido de um prólogo da lavra do tradutor que bem poderia servir de resenha. Provavelmente é uma questão de negócios que ele não seja publicado aqui, como se fosse agora outro gênero. Mas como os leitores só conhecerão o prólogo se tiverem o livro em mãos, que sirva esta resenha também de propaganda.
O título do livro pode enganar, porque ele ressoa outros que andam por aí, que prometem o céu textual com dicas do tipo “seja breve, claro e original”.
Ora, de certa forma é disso que este livro trata, só que seus fundamentos não são simplórios, não apelam a um ato de vontade ou a uma decisão a ser tomada no dia da redação. O mais interessante na obra são as explicações. Sim, porque os “fatos” são conhecidos. Forneço em seguida uma breve nota sobre cada capítulo.
O prólogo é, primeiro, uma defesa da língua viva, muito combatida por autores de manuais de estilo (uma curiosidade é a citação de seis pensadores preocupados com a decadência das línguas que repetem o mesmo discurso em 1785, 1883, 1889, 1917, 1961, 1978). Em segundo lugar, é uma elegia à beleza, que vem depois de Pinker ter afirmado que ter estilo traz confiança. Possivelmente, é uma certa dificuldade (carência de familiaridade?) com a escrita que leva muita gente a dizer que está tudo pronto, “só falta escrever”… Pinker pode ajudar.
O primeiro capítulo é, por sua vez, uma defesa do aprendizado estilístico. “Ninguém nasceu com competência para redigir em inglês enquanto tal” é seu mote. Tal capacidade decorre de vários fatores, entre os quais está a escrita dos bons autores (se você não os frequenta, pode desistir de escrever bem). Mas Pinker não advoga que tudo decorra da familiaridade, que alimentaria uma intuição decorrente da imersão. Analisa um conjunto de pequenos textos que considera exemplares, e explicita (mostra, já veremos por quê) o que os torna exemplares. Defende que esse tipo de análise leva quem escreve a dominar uma escrita clara, elegante e precisa. Ou seja: conhecer os recursos da língua permite melhorar o desempenho. Há alguma coisa de gosto e predileção em suas escolhas e análises, mas há nitidamente mais explicitação dos ingredientes que o bom escritor deve considerar, o que significa manipulá-los conscientemente.
O segundo capítulo revisita alguns manuais famosos, que expõem teses corretas, mas pouco explicadas, sempre acompanhadas dos preconceitos conhecidos (como o que critica as escritas na rede por mero purismo, deixando de perceber não só que as línguas mudam, mas especialmente que as redes estão introduzindo grande parte da humanidade no mundo da escrita). Também cita lições estranhas, como a que recomenda não usar passivas, logo seguida de uma…
Defende uma tese por demais interessante: que escrever é mostrar o mundo. Ou seja: não se trata de uma relação entre língua e pensamento (do autor ou do leitor), que exigiria ideias claras, por exemplo, mas da possibilidade de “mostrar o mundo”, o que implica mais claramente “as palavras e as coisas” (sem nenhuma ingenuidade). Também implica fortemente o leitor, porque se trata de mostrar-lhe o mundo. Esta é medida do sucesso do texto. Os modelos seriam Descartes (o Discurso do método poderia sem dúvida ser lido como um modelo de escrita) e La Rochefoucault: curiosamente, dois franceses. Talvez não seja à toa que a ideologia da clareza do francês (que o diga Lacan!) tenha feito fortuna… Exemplos são: em vez de “a prevenção da neurogênese diminui a não integração social”, diga “quando evitamos a neurogênese, os ratos pararam de evitar outros ratos”; ou, em vez de “pode ser que alguns genes faltantes sejam mais contributivos com o déficit espacial”, escreva “talvez alguns genes faltantes contribuam para o déficit espacial”.
O terceiro capítulo põe em cena outra questão talvez velha, mas também com olhos novos. É que, usualmente, culpa-se o leitor pela incompreensão dos textos. Mas Pinker mostra que, frequentemente, a culpa é do autor. Não que ele padeça (mesmo quando é o caso) de ignorância ou de pouco domínio da escrita, no sentido tradicional. O fracasso tem a ver com o fato de o autor não “escolher” seu leitor, não levar em conta seu universo – sua memória ou seu conhecimento de mundo, conforme a teoria. Assim, ele sonega pressupostos, começa sempre in media res ou no lugar errado. Não é que o leitor não entenda as frases ou a língua ou mesmo não perceba do que se trata: ele apenas não consegue ancorar o que lê em seu conhecimento anterior. Todos passamos por isso, seja numa consulta ao solucionador de problemas de informática, que logo nos pergunta sobre detalhes dos sistemas operacionais; pode ser numa conversa com advogados que perguntam sobre alternativas no contrato (há alternativas?), pode ser a fala de um físico que acha que todos sabem o que é o quantum… (Aliás, um dos fenômenos paralelos a esta questão, de que Pinker não trata, é exatamente o quanto – sem trocadilho – um leitor pode achar que é moderno porque sua dieta é quântica). Pinker chama a este problema de “maldição do conhecimento”, resultado de um desajuste entre texto e leitor, por culpa do autor. É claro que se pode reclamar de Pinker, achando que ele está dizendo que o autor deve sempre se colocar no nível do leitor, esquecendo que o leitor postulado pelo texto é diferente do leitor empírico, que o leitor deve mudar de texto quando não dá conta dele, etc. Mas Pinker é coerente, concorde-se com ele ou não: ele acha que escrever é mostrar o mundo, e não supor que o leitor tenha uma visão de raios X…
O capítulo seguinte (se eu mantiver “seguinte”, posso ganhar alguma coisa em termos de estilo, se a repetição for considerada um defeito, mas o leitor perde, porque terá que voltar para saber o lugar dele no livro, a não ser que tenha boa memória1; seria melhor dizer “o quarto”?) interessa talvez mais aos linguistas, especialmente aos sintaticistas. Pinker considera muitos casos que poderiam ser qualificados como ambíguos. Mas seu problema não é descrever a ambiguidade, especialmente a decorrente da possibilidade de um constituinte ocupar nós alternativos em uma árvore. Seu problema é mostrar como isso pode apresentar o mundo ao leitor de forma obscura. Ou seja, não está descrevendo as possibilidades dos deslocamentos, mas o efeito que produzem. Não está descrevendo uma propriedade da sintaxe, mas tirando dela consequências em favor da clareza. Mata a cobra e mostra o pau – e o faz na árvore! Todo mundo aprendeu na escola (pelo menos antigamente) que frases como “pentes para mulheres de osso” são viciosas, mas nunca nos disseram que havia uma teoria sintática que explicava isso.
Melhor ainda (e nem Pinker o faz): poderiam nos explicar que, se queremos ser claros, poupar a energia do leitor, devemos dizer “pentes de osso para mulheres”, porque “de osso” qualifica pentes (no mundo!!), porque a expressão está contígua ao nome a que se refere e a contiguidade é relevante. Por isso, se dizemos “pentes para mulheres de osso”, pode acontecer, como efeito da contiguidade, que imaginemos mulheres de osso. O que, e é isso que Pinker deixa passar, pode ser muito bom se queremos fazer humor… porque, como se sabe, ele depende crucialmente de sentidos surpreendentes, que não precisam mostrar o mundo – ou, pelo menos, o mesmo mundo.
O melhor exemplo de Pinker, também um pouco engraçado, é “um painel sobre sexo com quatro professores”. Pinker organiza os constituintes numa árvore (aqui mostro só o fundamental):
[um painel] [sobre sexo com quatro professores].
e
[um painel com quatro professores] [sobre sexo].
“Com quatro professores” é uma sequência que se associa a sexo ou a painel, conforme a contiguidade. Uma frase mostra um mundo, outra mostra outro. Pelo menos à primeira leitura. Escolha o mundo que quer mostrar e coloque “com quatro professores” no lugar mais adequado ao seu propósito.
O último capítulo, o quinto, chamado “Arcos da coerência”, tem a ver, como o título indica, com coerência (no sentido corrente na linguística de texto), mas, como se trata de clareza e de elegância, logo o leitor perceberá que, um pouco como no capítulo anterior, se trata de mostrar o mundo. Ou seja: o problema é a clareza. Neste capítulo, os textos analisados são mais extensos, o que dificulta sua apresentação numa resenha, mas alguns exemplos mostram do que se trata: sem perder de vista o que se poderia chamar de macroestruturas, é nas micro que o livro mais insiste.
Por exemplo, que se evitem construções como “Minha mãe quer que o rabo da cachorra seja operado de novo, e se ela não sarar desta vez ela terá que ser sacrificada”, em que o último “ela” pode evocar a mãe; melhor repetir “cachorra”. O mesmo fenômeno ocorre em “A culpa, a vontade de vingança e o rancor podem ser destrutivos para você e para seus filhos. Trate de livrar-se deles”. Há certamente um conjunto de razões que levarão a interpretar “deles” como correferindo os três sentimentos listados no começo da oração, e não “seus filhos”. Mas não deixa de ser verdade que o mundo parece um pouco opaco aqui. A diferença entre estes exemplos e os de sintaxe, quando a questão é a posição de um constituinte, adjacente ou não a um elemento ao qual se refere, é que lá se trata da estrutura da língua, e aqui estamos no outro patamar, o do texto (uma questão nunca bem resolvida, embora a distinção pareça óbvia). Que fique claro que Pinker não descuida das macroestruturas; é que, como disse, ocuparia muito espaço expor alguma das análises de Pinker, que são diversas e muito interessantes. E a leitura do livro poderia ser dispensável, que é o contrário do que uma resenha quer.
No prólogo, o tradutor informa que o último capítulo não foi traduzido. Trata da correção. O principal mérito do capítulo, segundo Ilari, é que ele põe em dúvida os critérios de correção, frequentemente puristas ou saudosistas. Um tema que, diria, conhecemos bem. Não que as coisas estejam claras para todos, porque é na hora de corrigir, como se sabe, que a cobra fuma (seja no ENEM, seja nos vestibulares, seja nas escolas). De certa forma, o capítulo faz falta. Mas o leitor, se procurar, vai encontrar bons substitutos no Brasil.
O livro é um guia da escrita acadêmica, jornalística, de divulgação. Certamente não pretende ser uma orientação para escrever a poesia ou humor. São coisas que talvez não se aprendam “na escola”, embora, em alguns casos, baste apenas virar a chave.
1Pinker provavelmente reprovaria tudo o que está entre parênteses…
Sirio Possenti – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, São Paulo, Brasil; CNPq 3062218/2013-5; siriopossenti@gmail.com.
Mikhail Bakhtin. Rhetoric, Poetics, Dialogics, Rhetoricality (D. Bialostosky)
BIALOSTOSKY, Don. Mikhail Bakhtin. Rhetoric, Poetics, Dialogics, Rhetoricality [Mikhail Bakhtin: retórica, poética, dialógica, retoricalidade]. Anderson, South Carolina: Parlor Press, 2016. 191 p. Resenha de: PISTORI, Maria Helena Cruz. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.12 n.3 São Paulo Set./Dec. 2017.
Inicio esta apresentação destacando e comentando o título da obra, Mikhail Bakhtin: retórica, poética, dialógica, retoricalidade. A enumeração, aposta ao nome do filósofo russo, claramente representa uma síntese feliz de duas trajetórias: a primeira, a do próprio autor – Don Bialostosky, cujo percurso intelectual se inicia com o interesse pelas disciplinas do trivium, especialmente a Retórica e a Poética, passando depois a relacioná-las à obra de Bakhtin; a segunda, a trajetória do próprio livro, que coloca em diálogo a obra bakhtiniana com esses outros campos de conhecimento e, por muitas vezes, propõe leituras bastante originais, chegando à “dialógica” e, depois, à “retoricalidade”. Implicitamente, e dando unidade aos textos, está o compromisso do autor com o ensino da produção textual escrita, aspecto que também se destaca ao longo de todos os artigos.
O nome de Don Bialostosky – segundo a contracapa da obra, professor na área de Redação, Letramento, Pedagogia e Retórica, além de Chefe do Departamento de Inglês da University of Pittsburgh, Pennsylvania2 -, chama a atenção dos brasileiros ou por seu interesse na obra do Círculo – no Posfácio da tradução de Para uma filosofia do ato responsável, Faraco cita seu diálogo (polêmico) com Morson e Emerson (BAKHTIN, M. São Carlos – SP: Pedro&João Ed., 2010, p.148); ou, principalmente, como é o meu caso, por seus trabalhos que relacionam a obra bakhtiniana à retórica.
Fruto de pesquisas profundas tanto dos clássicos como da obra do Círculo de Bakhtin, os ensaios aqui reunidos surgem dos diálogos que Bialostosky encetou durante sua carreira, com diferentes interlocutores. Na realidade, trata-se da reunião de trabalhos publicados desde 1986, de forma esparsa, por instituições acadêmicas como a Modern Languagem Association (PMLA), ou a Rhetoric Society of America, ou organizados em livro por acadêmicos, preferentemente americanos. E em todos eles vamos observar que o autor sempre está respondendo a alguma questão, ora refutando, ora confirmando, discordando, antecipando as respostas contrárias e objeções potenciais, procurando apoio, etc. Dá espaço aos interlocutores contemporâneos, porém vai apresentá-los sempre criticamente, assim como faz com aqueles parceiros mais constantes, Aristóteles e Bakhtin. Embora apenas no último artigo afirme que vai manter nele o registro da presença das vozes de seus ouvintes e os comentários dos colegas – em geral, os artigos surgiram de comunicações orais em congressos -, os diálogos e polêmicas inscritos em todos os textos são facilmente recuperáveis numa leitura atenta, mesmo se velados.
Já no Prefácio, Don Bialostosky conta de sua descoberta da obra de Mikhail Bakhtin, em 1984, e da primeira apresentação de um trabalho sobre as implicações da teoria bakhtiniana para o ensino da produção de uma voz autêntica nos textos de estudantes universitários, na convenção da Conference on College Composition and Communication (CCCC) [Conferência sobre Produção Textual Universitária e Comunicação]. Naturalmente, começa lembrando o fato de a retórica ser marginal na obra bakhtiniana, com referências quase hostis e reducionistas. Justamente por isso, uma das principais questões que busca responder ao longo dos artigos é sobre o porquê de Bakhtin, autor que não tem nada de bom a dizer sobre a retórica, ser obrigatório e produtivo para estudantes de retórica e produção textual hoje.
Na Introdução, apresenta-nos vários autores que procuraram compreender Mikhail Bakhtin e o Círculo, relacionando-os a uma crítica retórica, e aponta a inclusão de suas obras em publicações na área de comunicação, retórica e composição. Para aqueles interessados tanto na retórica quanto na teoria do discurso bakhtiniana, e ainda no ensino de língua/linguagens, a leitura deste início é indispensável, não apenas como uma necessária e rica contextualização do que vem a seguir, mas também como fonte de indicações bibliográficas na área.
O livro está dividido em duas partes, que correspondem aos dois momentos em que a obra do Círculo foi traduzida para o inglês. Assim, na primeira parte Dialógica, retórica, crítica [Dialogic, Rhetoric, Criticism], o diálogo do autor se dá principalmente com Problemas da poética de Dostoiévski (BAKHTIN, M. M.), Marxismo e filosofia da linguagem (VOLOSHINOV, V. N.), O discurso na vida e o discurso na poesia (VOLOSHINOV, V. N.)3 e os textos que compõem a coletânea The Dialogic Imagination (BAKHTIN, M. M.)4, todos traduzidos antes de 1990. Conforme Bialostosky, neste momento, a “dialógica” é a questão mais importante para aqueles que trabalham com retórica e composição, e ele a define como a quarta arte do trivium já no primeiro artigo, Dialógica como uma arte do discurso (2) [Dialogics as an Art of Discourse]. Na construção de seu argumento, parte da oposição aristotélica entre retórica – arte do discurso centrada nas pessoas, e dialética – arte do discurso centrada em ideias/teses -para a compreensão do que considera a “arte bakhtiniana”, a dialógica – centrada na inseparabilidade entre ideias e pessoas, tal como Bakhtin coloca em Problemas da poética de Dostoiévski – a imagem de uma ideia é inseparável da imagem de uma pessoa, aquela que carrega a ideia. Se a dialética luta pela convicção numa questão e a retórica pela persuasão de uma audiência, a dialógica luta por uma responsividade compreensiva, e uma responsabilidade consequente entre pessoas-ideias de um tempo, uma cultura, uma comunidade, ou uma disciplina. A partir desses princípios, dialoga com outros autores, como Tzvetan Todorov, Merle Brown, Richard Rorty e Hans-Georg Gadamer, mostrando que os 25 séculos de história do trivium no Ocidente também deixaram marcas em suas ideias. No entanto, apenas a dialógica, segundo ele, permite o diálogo entre a retórica, a dialética e o discurso dos teóricos atuais, possibilitando a articulação das diferenças entre eles. Este capítulo proposicional é um dos mais importantes no livro, ainda que, na realidade, os outros o complementem, esclarecendo melhor as possibilidades dialógicas entrevistas por Bialostosky entre a obra bakhtiniana e as artes do trivium.
O capítulo seguinte (3), Booth, Bakhtin e a cultura da crítica [Booth, Bakhtin, and the Culture of Criticism], é dedicado ao exame da crítica retórica a partir da visão pluralista de crítica literária contemporânea de Wayne Booth. Orientador de tese de Bialostosky, autor de The rhetoric of fiction5, introdutor da tradução de Problemas da poética de Dostoiévski e aristotelista da Escola de Chicago, é a ele que esta obra é dedicada. Bialostosky faz a leitura da obra de Booth, afirmando que ele, ao tentar chegar a bons termos com o trabalho do Círculo, defende (impositivamente) um posicionamento em relação às outras possibilidades de crítica que mais o aproxima da retórica do que da dialogia. Em Retórica, crítica literária, teoria e Bakhtin (4) [Rhetoric, Literary Criticism, Theory, and Bakhtin], defendendo a possibilidade de uma crítica retórica para a leitura de trabalhos literários de todos os tempos, o capítulo se dedica inicialmente a tratar do debate entre o desconstrutivismo e a Escola de Chicago (aristotélica). A seguir, dialoga com a leitura que Jeanne Fahnestock6 faz das figuras de pensamento como elementos de interação contextual, ampliando-a bakhtinianamente.
O quinto capítulo (5) denomina-se Bakhtin e a crítica retórica [Bakhtin and Rhetorical Criticism]. Trata-se de um ensaio bastante interessante para aqueles que se surpreendem com a posição hostil de Bakhtin em relação à retórica, querendo compreendê-la. Sua origem é o debate dos trabalhos de Kay Halasek e Michael Bernard-Donals, numa convenção da Modern Language Association, em 1990. Em relação à primeira, que atribui a hostilidade de Bakhtin à sua recusa a um monologismo e dogmatismo “em defesa da autoridade opressora” (o regime soviético), propondo uma retórica dialógica, Bialostosky recorre a texto de Nina Perlina. Segundo essa última, Bakhtin se opõe, de fato, ao teórico retórico formalista seu contemporâneo, Victor Vinogradov, uma voz oficial da propaganda soviética, para quem a retórica é um jogo agonístico, cuja intenção principal é tornar sua oratória a única manifestação discursiva efetiva de autoridade (Com certeza, posição a conferir!). Quanto a Bernard-Donals, que almeja uma abordagem mais científica ao debate retórica, responde sobretudo com as oposições aristotélicas entre retórica, dialética e analítica, atribuindo ao interlocutor uma posição platônica. O final do ensaio deve despertar um interesse especial nos educadores, pois o autor retoma a exercitatio retórica e suas semelhanças com o processo bakhtiniano de apropriação de palavras (a palavra própria e as semi-alheias), propondo que “[U]uma pedagogia crítica e produtiva da poderosa articulação entre retórica e dialógica pode se desenvolver por meio do aprofundamento da história e da prática da exercitatio em combinação com reflexões ulteriores acerca da formação dialógica do sujeito”7.
Finalizando a primeira parte o capítulo 6, Antilógica, dialógica e psicologia sofística social [Antilogics, Dialogics, and Sophistic Social Psychology] articula a dialógica com o renascimento dos sofistas na recente teoria retórica, e examina trabalhos do sociólogo Michael Billig sobre a retórica de Protágoras. O autor começa, então, a reelaborar a polêmica definição de retórica já apresentada, diluindo-a num não institucionalizado processo discursivo – uma “retoricalidade”, na segunda parte do livro.
É em torno dos textos de Bakhtin com tom mais filosófico, traduzidos posteriormente para o inglês – a coletânea Art and Answerability8, em 1990, e Toward a Philosophy of Act9, em 1993 -, que Bialostosky reúne os ensaios da segunda parte, Arquitetônica, poética, retoricalidade, educação liberal [Architectonics, Poetics, Rhetoricality, Liberal Education]. Considera-os, de fato, igualmente importantes para os trabalhos com a linguagem e a literatura e continua a buscar neles contribuições para uma renovada compreensão das artes do trivium, refutando uma leitura de Para uma filosofia do ato (PFA) como basicamente um tratado de ética. Ao longo dos ensaios, o autor conduz o leitor à noção de “retoricalidade”, difundida por Bender e Wellbery10, que caracterizam os trabalhos de Bakhtin como “tratados virtuais sobre a natureza e funcionamento da retoricalidade”, uma “retórica generalizada que penetra os mais profundos níveis da experiência humana, … não limitada por nenhuma organização institucional, … não mais o título de uma doutrina e de uma prática… [mas] alguma coisa como a condição de nossa existência” (p.14; minha tradução)11. Bialostosky abraça essa perspectiva dinâmica, preferível a uma arte dialógica disciplinada, restritiva ou reguladora, segundo ele.
No capítulo 7, O rascunho grosseiro de Bakhtin [Bakhtin’s ‘Rough Draft’], os interlocutores preferenciais do autor são Gary S. Morson e Caryl Emerson, especialmente em Mikhail Bakhtin: Creation of a Prosaics12; mas outros ainda que, como Helen Rothschild Ewald, defendem uma nova ênfase a questões éticas nesses primeiros trabalhos, praticamente invalidando quase uma década de apropriação da obra de Bakhtin nos estudos de composição, de modo predominantemente socioconstrutivista. Basicamente, Bialostosky não concorda com a leitura realizada por Morson e Emerson, que reduz a importância da linguagem e da sociedade na obra bakhtiniana, alegando que maior atenção deveria ser atribuída a “histórico”, como epíteto do ato responsável, assim como do enunciado concreto.
O capítulo 8, Arquitetônica, retórica e poética no primeiros estudos fenomenológicos e sociológicos do Círculo de Bakhtin [Architectonics, Rhetoric, and Poetics in the Bakhtin School’s Early Phenomenological and Sociological Texts] dá continuidade à argumentação anterior. E, junto aos dois seguintes, cap. 9 – A Retórica de Aristóteles e a teoria do discurso de Bakhtin [Aristotle’s Rhetoric and Bakhtin’s Discourse Theory] e cap.10 – Relendo o papel da retórica na Poética de Aristóteles à luz da teoria do discurso de Bakhtin: retórica como dianoia, poética como uma imitação da retórica [Rereading the Place of Rhetoric in Aristotle’s Poetics in Light of Bakhtin’s Discourse Theory: Rhetoric as Dianoia, Poetics as an Imitation of Rhetoric], são os ensaios que buscam mais detalhadamente compreender uma retórica bakhtiniana, concomitantemente a uma retórica e a uma poética clássicas a partir da teoria do discurso do Círculo. Nesses três capítulos, o autor nos leva a raciocinar em termos de categorias da retórica, da poética e da teoria do discurso bakhtiniana, abordando tanto os primeiros quanto os demais trabalhos de Bakhtin e membros do Círculo, e apontando o impacto que exercem na reconsideração de ambas as disciplinas clássicas. Indico a seguir apenas algumas questões levantadas por Bialostosky: a oposição de Bakhtin a um conhecimento sistematizado ou racionalizado em PFA aproximaria seu pensamento do modo de raciocínio retórico; a preocupação de seus textos com participação, avaliação, decisão e ação, e a questão do tom emotivo-volitivo, revelariam uma preocupação comum à retórica; o reconhecimento de que Bakhtin estrutura seu trabalho sobre a poética de Dostoiévsky a partir do fundo teórico da Poética de Aristóteles; ou ainda a observação de que, “em sua teoria do discurso, ele reabilita a mais abjeta parte da retórica aristotélica, a actio” – tratando do enunciado concreto, efetivamente realizado, “e subordina a mais importante – inventio, à dispositio, elocutio e actio13. A plena exposição do profundo raciocínio argumentativo do autor naturalmente não caberia em uma resenha…
Educação liberal, escrita e o indivíduo dialógico (11) [Liberal Education, Writing, and the Dialogic Self], o último artigo, é seu primeiro trabalho sobre Bakhtin e o ensino da escrita. Em parte um metatexto, na medida em que é um texto sobre a produção de textos, expondo o próprio trabalho de produção textual do autor, conta-nos das revisões e atualizações efetuadas no antigo manuscrito para inseri-lo nesta coletânea, das modificações requeridas ao mudar sua audiência, ou mesmo ao transformar a comunicação oral em escrita. Respondendo a teorias expressivistas e socioconstrutivistas, afirma que “ensinar a escrever de uma perspectiva dialógica é diferente de fazê-lo a partir de outras teorias sociais do discurso, em sua visão de pessoas ideologicamente situadas, envolvidas em lutas sobre o sentido das coisas e a propriedade das palavras” (p.152; minha tradução)14. Por meio de tal perspectiva, dá-se a descoberta da interação discursiva entre as disciplinas e suas diferentes linguagens, e a construção dialógico-discursiva do indivíduo, afirma. Enfim, segundo Bialostosky, a teoria bakhtiniana nos “alerta sobre as limitações em nossos modelos retóricos e, ao mesmo tempo, sugere modos de transcendê-las, ainda que sob o risco de perder a retórica, ou ao menos a retórica tal como a conhecemos”15 (p.13; minha tradução). Essa questão, a meu ver, o autor ousa enfrentar teórica e praticamente com sucesso e proveito, numa obra que mostra a coerência e a unidade do pensamento que desenvolveu ao longo de toda a carreira profissional.
Finalmente devo acrescentar que a obra apresenta uma lista de referências bastante útil para aprofundamento de qualquer um dos tópicos tratados, e um bem cuidado índice onomástico. Mas quero destacar ainda mais uma questão: a leitura da coletânea também oferece, com muita clareza, as condições concretas em que são produzidos os diferentes ensaios e, então, exotopicamente, observamos particularmente a grande importância do ensino da produção textual na universidade americana, ao lado da efervescência dos estudos retóricos, intimamente ligados às disciplinas de redação – composição de texto (acadêmico, poético ou ficcional) e crítica textual. Boa reflexão para nossas universidades…
2Currently he is Professor in the Composition, Literacy, Pedagogy, and Rhetoric track and Chair of the English Department at the University of Pittsburgh.
3VOLOSHINOV, V. N. Marxism and the Philosophy of Language. Trans. L. Matejka and I. R. Titunik. New York: Seminar, 1973; Discourse in Life and Discourse in Art. In Freudianism: A Critical Sketch. Ed. Neil H. Bruss. Trans. I. R. Titunik. Bloomington: Indiana University Press, 1987. Sem constar da tabela da p.vi, mas também citados: Os gêneros do discurso [The Problem of Speech Genres], que no inglês se encontra em BAKHTIN, M. M. Speech Genres and Other Late Essays. Ed. Michael Holquist and Caryl Emerson. Trans. Vern W. McGee. Austin: University of Texas P, 1986; Apontamentos de 1970-1971 [Extracts from ‘Notes’ (1970-1971)], que se encontra em BAKHTIN, M. M. Bakhtin: Essays and Dialogues on His Work. Ed. Gary Saul Morson. Chicago: University of Chicago Press, 1986; e Rabelais and His World. Trans. Helene Iswolsky. Cambridge, MA: MIT Press, 1968.
4BAKHTIN, M. M. The Dialogic Imagination. Four Essays. Edited and translated by Michael Holquist and Caryl Emerson. Austin: University of Texas Press, 1982. No inglês, encontram-se na coletânea os seguintes ensaios: O discurso no romance [Discourse in the novel]; Da pré-história do discurso romanesco [From the Prehistory of Novelistic Discourse]; Epos e romance (Sobre a metodologia do estudo do romance) [Epic and Novel]; e Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica) [Forms of Time and of the Chronotope in the Novel].
5The Rhetoric of Fiction. Chicago: University of Chicago Press, 1961.
6Rhetorical Figures in Science. New York: Oxford UP, 1999.
7No original: “A critically fruitful and pedagogically powerful articulation of rhetoric and dialogics might well grow out of further excavation of the history and practice of exercitatio in combination with further reflection on the dialogic formation of the subject” (p.72).
8BAKHTIN, M. M. Art and Answerability. Early Philosophical Essays by M. M. Bakhtin. Edited by Michael Holquist and Vadim Liapunov. Translation and notes by Vadim Liapunov. No inglês, encontram-se nesta coletânea os seguintes ensaios: Arte e responsabilidade [Art and Answerability (1919)], O autor e a personagem na atividade estética [Author and Hero in Aesthetic Activity (ca. 1920-1923)], Suplemento: O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária [Supplement: The Problem of Content, Material, and Form in Verbal Art (1924).
9BAKHTIN, M. M. Toward a Philosophy of the Act. Edited by Vadim Liapunov & Michael Holquist. Translation and notes by Vadim Liapunov. Texas: University of Texas Press, 1993.
10BENDER, J.; WELLBERY, D. E. The Ends of Rhetoric: History, Theory, Practice. Palo Alto: Stanford University Press, 1990.
11No original: “virtual treatises on the nature and functioning of rhetoricality” (p. 37), a “generalized rhetoric that penetrates to the deepest levels of human experience, . . . bound to no specific set of institutions, . . . no longer the title of a doctrine and a practice . . . [but] something like the condition of our existence” (p.25).
12MORSON, G. S.; EMERSON, C. Mikhail Bakhtin: Creation of a Prosaics. Palo Alto: Stanford University Press, 1990.
13No original: “In his theory of discourse, he rehabilitates the most abjected part of Aristotle’s rhetoric-delivery-and he subordinates Aristotle’s most important part-invention-to arrangement, style, and delivery” (p.122).
14No original: “A dialogic orientation to teaching writing differs from other social theories of discourse in its vision of ideologically situated persons involved in struggles over the meanings of things and the ownership of words” (p.152).
15No original: “His work alerts us to limitations in our rhetorical models and at the same time suggests ways to transcend them, even at the risk of losing rhetoric, or at least rhetoric as we know it” (p.13).
16Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP/Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, São Paulo, Brazil; mhcpist@uol.com.br
17BAKHTIN, M. Problems of Dostoevsky’s Poetics. Translated into English by Caryl Emerson. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 1984
18VOLOŠINOV, V. Marxism and the Philosophy of Language. Trans. L. Matejka and I. R. Titunik. New York: Seminar, 1973; Discourse in Life and Discourse in Art. In Freudianism: A Critical Sketch. Ed. Neil H. Bruss. Trans. I. R. Titunik. Bloomington: Indiana University Press, 1987. And without being directly referred in the table on p.vi, he also cites: The Problem of Speech Genres, which is in BAKHTIN, M. Speech Genres and Other Late Essays. Ed. Michael Holquist and Caryl Emerson. Trans. Vern W. McGee. Austin: University of Texas P, 1986; Extracts from ‘Notes’ (1970-1971), which is in BAKHTIN, M. Bakhtin: Essays and Dialogues on His Work. Ed. Gary Saul Morson. Chicago: University of Chicago Press, 1986; and, Rabelais and His World. Trans. Helene Iswolsky. Cambridge, MA: MIT Press, 1968.
19BAKHTIN, M. M. The Dialogic Imagination: Four Essays. Edited and translated by Michael Holquist and Caryl Emerson. Austin, TX: University of Texas Press, 1982. In this collection, we find the following essays: Discourse in the novel, From the Prehistory of Novelistic Discourse, Epic and Novel, and Forms of Time and of the Chronotope in the Novel.
20BOOTH, W. The Rhetoric of Fiction. Chicago: University of Chicago Press, 1961.
21FAHNESTOCK, J. Rhetorical Figures in Science. New York: Oxford UP, 1999.
22BAKHTIN, M. M. Art and Answerability: Early Philosophical Essays by M. M. Bakhtin. Edited by Michael Holquist and Vadim Liapunov. Translation and notes by Vadim Liapunov. Austin, TX: University of Texas Press, 1990. In this collection, we find the following essays: Art and Answerability (1919), Author and Hero in Aesthetic Activity (ca. 1920-1923), Supplement: The Problem of Content, Material, and Form in Verbal Art (1924).
23BAKHTIN, M. M. Toward a Philosophy of the Act. Edited by Vadim Liapunov & Michael Holquist. Translation and notes by Vadim Liapunov. Austin, TX: University of Texas Press, 1993.
24MORSON, G. S.; EMERSON, C. Mikhail Bakhtin: Creation of a Prosaics. Standford, CA: Stanford University Press, 1990.
Maria Helena Cruz Pistori – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP/Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, São Paulo, Brasil; mhcpist@uol.com.br.
Experiencing time – PROSSER (ARF)
PROSSER, Simon. Experiencing time. Oxford: Oxford University Press, 2016. Resenha de: MEURER, César Fernando. Realidade e experiência temporal. Aufklärung – Revista de Filosofia, João Pessoa, v.4, n.3, p. 213-216, set./dez., 2017.
Permita-me iniciar com uma citação direta, a fim de indicar logo o foco da obra:
Our engagement with time is a ubiquitous feature of our lives. We are aware oftime on many scales, from the briefest flicker of change to the way our livesunfold over many years. But to what extent does this engagement reveal the truenature of temporal reality? To the extent that temporal reality is as it seems, whatis the mechanism by which we come to be aware of it? And to the extent thattemporal reality is not as it seems, why does it seem that way? These are thecentral questions addressed by this book (Prosser, 2016, p. ix).
Essas questões são centrais não apenas para o livro de Prosser, mas também para duas áreas da filosofia: metafísica (natureza da realidade temporal) e filosofia da mente (experiência temporal). Por conta de suas preferências metafísicas, Prosser se vê no compromisso de desenvolver certa filosofia da mente. Explico: no que tange a natureza da realidade temporal, ele adere à teoria B do tempo. Segundo essa visão, lemos no prefácio do livro, “the apparently dynamic quality of change, the special status of thepresent, and even the passage of time are illusions. Instead, the world is a fourdimensional spacetime block, lacking any of the apparent dynamic features of time”(p. ix).
Ora, a filosofia da mente que combina com essa visão precisa tentar dar conta dessas ilusões. Esse é um empreendimento pesado, penso eu. Não obstante, o autor de Experiencing times e mostra convicto da viabilidade desse projeto. No entendimento dele, a experiência temporal é a principal justificativa para aceitar a teoria A do tempo e, consequentemente, mostrar que tal experiência é ilusória significa ganhar pontos para a teoria B. Prosser é enfático: se não houvesse o fator ‘experiência temporal’, dificilmente alguém seria a favor da teoria A do tempo (Cf. Prosser, 2016, p. 59). Se removermos as raízes experienciais, por assim dizer, o que resta da teoria A já não constitui alternativa genuína à teoria B (Prosser, 2016, p. 23).
No que segue, vou apresentar o assunto de cada um dos sete capítulos do livro. Devo me alongar um pouco ao falar do capítulo 2, que contém o argumento principal o livro. Também o capítulo 6 vai receber uma apresentação mais detalhada. Nele,oautor propõe uma estratégia argumentativa específica para dar conta das ilusõesmencionadas acima.
O capitulo “1. Introduction: the metaphysics of time” apresenta elementoschave do debate metafísico sobre o tempo. Em linguagem clara, conceitualmente precisa e enriquecida com algumas excelentes ilustrações, Prosser (2016, p. 0121) situa asprincipais ideias em torno das teorias A e B. O leitor familiarizado com essa literatura não encontra novidades nesse capítulo.
O capítulo “2. Experience and the passage of time” (p. 2260) apresenta o argumento principal do livro. Prosser problematiza uma ideia que muitos consideram indubitável:A experiência nos diz que o tempo passa. De acordo com diversosestudiosos (ele cita Eddington, 1928; Williams, 1951; Schuster, 1986; Schlesinger,1991; Davies, 1995 e Craig, 2000) essa é a principal razão, senão a única, para aceitarquehá passagem objetiva do tempo.
Prosser considera que essa inferência – da experiência temporal para a realidade temporal (Se percebo que o tempo passa, então o tempo realmente passa) – é problemática. Veja-se estas queixas: “The distinction between the Atheory and the Btheory is supposed to be a distinction inmetaphysics; yet we are being told that one sideof the debate is motivated by the nature of experience, and thus argues its case onempiricalgrounds” (p. 23). “There is something very odd about being told that ametaphysical debate can be settled byjust looking(or justexperiencing, at any rate)”(p. 23).
Para falsear essa inferência, que é do tipo P→Q, o autor procura mostrar que o antecedente é falso. Efetivamente, para ele, “[…] passage of time is not an empirical phenomenon. No matter what our experience seems to be telling us, we do not, andcannot, veridically experience the passage of time” (p. 23).
Eis, pois, a tese principal da obra: nenhuma experiência pode nos proporcionar uma razão genuína para acreditar que objetivamente o tempo passa. Mais que isso, se houvesse passagem do tempo, seria impossível experienciá- la. Logo, não há qualquer elemento empírico a favor da teoria A. Todos os capítulos subsequentes procuram oferecer razões a favor dessa visão. Leio os como um esforço minucioso no sentido de cortar as raízes empíricas da teoria A.
No capítulo “3. Attitudes to the past, present, and future” (p. 6183), Prosser desloca o foco para um tópico correlato: a semântica de sentenças com predicados temporais tais como ‘é passado’, ‘é futuro’. Para o autor, é um equívoco pensar que esses predicados atribuem propriedades teóricas A.
Os capítulos “4. Experiencing rates and durations” (p. 84116), “5. Is experiencetemporally extended?” (p. 117-159) e “6. Why does change seem dynamic?” (p. 160-186) giram em torno da hipótese segundo a qual a nossa experiência temporal está conectada com a maneira como nós experienciamos mudanças [change]. A ideia básica é esta: nós cremos que experienciamos mudanças de maneira dinâmica poisrepresentamos os objetos equivocadamente. “The experienced dynamic quality comesabout because experience represents objects as enduring (in the sense of ‘endurance’that contrastswith perdurance or stage theory)” (Prosser, 2016, p. 160).
O percurso argumentativo de Prosser pode ser esquematizado em alguns passos (essa esquematização é interpretação minha):
Passo 1: Sustentar que todas as experiências perceptuais têm conteúdo representacional.
Passo 2: Defender que a explicação do aspecto dinâmico da mudança [change] deve ser feita em termos de conteúdo representacional.
Passo 3: Considerar que é suficiente, para essa explicação, (3a) apresentar o conteúdo representacional e (3b) explicar por que a experiência em exame tem tal conteúdo representacional. Para tanto, o autor introduz o que chamaPrincípio daexplanação representacional: “To explain why change is experienced as dynamic it issufficient to state the representational content of the relevant element of experienceandexplain why it has that representational content” (Prosser, 2016, p. 163).
Por que é suficiente focar no conteúdo representacional? Resposta direta:Prosser entende que a ilusão está na disparidade entre realidade e conteúdorepresentacional. Assim, o foco deve ser posto ali, no conteúdo representacional. Querisso significar que uma explicação do caráter fenomênico per se não se faz necessária nesse caso.
Passo 4: Operacionalizar o princípio da explanação representacional. Nas palavras do autor,
My methodological proposal, then, is that we replace the question ‘why doeschange seem dynamic?’ with two questions: firstly, ‘what is the representationalcontent of the element of experience that we associate with change seemingdynamic?’ and secondly, ‘why is that contend represented?’ (Prosser, 2016, p.164).
Passo 5: Defender que o aspecto dinâmico da mudança é ilusório por conta da maneira que nós representamos objetos. Inadvertidamente, nós representamos as coisas(os objetos do mundo) pelo viés endurantista, e não perdurantista (p. 172 e p. 180181).Eis, segundo o autor, o núcleo da ilusão que nos faz acreditar que experienciamos apassagem do tempo: “the representation of something enduringthrougha change is akey element in the phenomenology of temporal passage” (Prosser, 2016, p. 186).
A pergunta óbvia, diante dessa afirmação, é: Por que nós representamos objetos pelo viés endurantista? “This saves computational power, […] and also has theadvantage that an object briefly obscured from view continues to be perceived as thesame object” (Prosser, 2016, p. 183). Representar um objeto inteiramente presente em vários momentos sucessivos é mais econômico; o cérebro guarda uma representação (um arquivo mental ou ‘mental file’ – cf. Recanatti) que vai sendo atualizada com o passar do tempo, na medida em que mudanças acontecem. Segundo o autor, é esse erro endurantista, por assim dizer, que nos faz crer (falsamente) que experienciamos um aspecto dinâmico na mudança. Na realidade, não há qualquer aspecto dinâmico.
No capítulo “7. Moving through time, and the open future” (p. 187205), Prosserexamina a ideia de que nós nos movemos no tempo e, também, a ideia de que o futuro não está determinado. Na visão dele, nós representamos a nós mesmos também pelo viés endurantista (cf. os parágrafos anteriores, acima). A partir dessa referência – uma ilusão que, no caso da autorrepresentação nem sempre é consciente –, chegamos a conclusão de que nos movemos no tempo, por assim dizer, na direção de um futuro aberto.
O livro Experiencing timeé interessante por diversos motivos, dentre os quais: a) o texto é claro, rigoroso e envolvente; b) é uma excelente porta de acesso ao debate filosófico contemporâneo em torno do tempo, tanto no campo da metafísica quanto da filosofia da mente; c) há esforço argumentativo em diferentes níveis; d) a discussão vai muito além da disputa em torno da teoria A ou B do tempo. Em síntese, uma excelente publicação que merece ser conferida.
César Fernando Meurer – SocialBrains Reseach Group/Unisinos & Unilasalle Canoas. Doutor em filosofia. Postdoctoral Visiting Scholar no Departamento de Filosofia da Università Degli Studi di Milano, Itália. m@ilto: cfmeurer@yahoo.com.br
[DR]Human Nature in an Age of Biotechnology: The Case for Mediated Posthumanism – SHARON (FU)
SHARON, T. Human Nature in an Age of Biotechnology: The Case for Mediated Posthumanism. Dordrecht/Heidelberg/New York/London: Springer, 2014. Resenha de: GARGIULO, María Teresa. La naturaleza humana en la era de la biotecnología. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.18, n.3, p.260-262, set./dez., 2017.
Ante los avances de la biotecnología en materias de reproducción, genética y neurotecnología, la cuestión acerca de qué es la naturaleza humana se torna particularmente relevante. La autora de la presente publicación procura mostrar la necesidad de repensar una categoría tan esencial a las ciencias médicas cómo es el de naturaleza humana. Argumenta que dichos progresos parecen cuestionar o, al menos, reconfigurar aquel limite claro y significativo entre naturaleza y tecnología que actuó hasta entonces como un marco fiable para la práct ica médica. En est e sentido, el objetivo de su obra es doble. Se propone trazar un camino de ida y vuelta: una des-naturalización y una re-naturalización de dicho concepto.
Tal como lo dicta el título, Tamar Sharon contextualiza la discusión en un contexto poshumanista. La búsqueda de un modelo explicativo no humanista de la relación entre el hombre y la naturaleza es el eje que informa metodológicamente todo el libro. Por poshumanismo o transhumanismo entiende aquella tradición que rechaza los paradigmas modernos que est ablecen una distinción entre naturaleza y tecnología en la medida que tales dualismos son incapaces de explicar la profunda intimidad existente entre los seres humanos y la tecnología. El hombre no es sino una nueva unidad analítica abierta a infinitas formas de evolución creativa a través del uso de las nuevas tecnologías.
El libro est á dividido en ocho capítulos. A la introducción le sigue el capítulo 2, donde expone diversas definiciones de poshumanismo y, naturalmente, también de humanismo como su opuest o. Posteriormente la autora ofrece un mapa acerca de los distintos discursos poshumanistas. Puede discutirse si son acertados o no los criterios de distinción y análisis empleados para definir, clasificar y describir tales discursos. No obstante, es justo dest acar que todo lector interesado en adentrase en el estudio de la relación naturaleza-biotecnología sacaría un buen provecho de la lectura de est e capítulo en la medida que ést e presenta un est ado de la cuestión exhaustivo y actualizado.
En el capítulo 3 la autora aborda el debate acerca del mejoramiento humano y expone los diferentes argumentos esgrimidos por el poshumanismo liberal y el paradigma distópico resp ecto a algunos casos particulares que presenta la biotecnología: la optimización cognitiva, los bebés de diseño, la ingeniería genética y la psicofarmacología cosmética. Al final de est e capítulo Sharon objeta a ambos paradigmas en cuanto que est ablecen una estricta separación –típica de la modernidad– entre lo humano y lo tecnológico. Señala que sus argumentos obscurecen la cuestión acerca de qué es la naturaleza humana en cuanto que se limitan a discutir los problemas de la biotecnología en razón de los riesgos y de la discriminación social que ella supone.
En el capítulo 4 analiza los argumentos que esgrime el poshumanismo metodológico y radical. Los presenta como los principales candidatos capaces de explicar desde una perspectiva no humanista la relación de lo humano y lo tecnológico. Se interesa particularmente por erigir la noción de “mediación tecnológica” y la de “prótesis originarias” como nociones medulares que permiten trascender los enfoques esencialistas de la tecnología propios del discurso liberal y del distópico.
En el capítulo 5 la autora procura complementar desde lo biológico su visión antropológica expuest a en el capítulo 4. Ilustra su antropología con un caso de la biociencia molecular que consiste en generar “un cuerpo análogo” hecho de elementos flexibles y móviles con información genética que puede ser transferida entre cuerpos y esp ecies. La filogenia molecular ofrece una visión de las esp ecies y los organismos como el resultado de las fusiones endosimbióticas y el flujo genético entre los dominios de la vida. Estas dos teorías le permitirían a Tamar Sharon sostener una formulación molar del organismo, a saber, entenderlo como un ensamblaje fragmentario hecho de partes transferibles o trasladables que dependen activamente de la interacción con su entorno.
En el capítulo 6 explora la noción de subjetividad trascendiendo ya las coordenadas propias del poshumanismo. A través de una discusión con Heidegger, Latour, Deleuze y Haraway, Sharon procura formular una narrativa sobre la tecnología que sea funcional para sus consumidores. Define la subjetividad como una propiedad emergente que surge de la interacción entre lo natural y lo tecnológico. Ella no es sino una propiedad que est á constantemente dando forma y siendo a su vez transformada por su compromiso con la biotecnología. Señala, además, las herramientas conceptuales que brinda Foucault en su última obra, “El cuidado de sí” (1997-2005), como una vía fructífera para entender la subjetividad humana. En ella Foucault presenta la ética como la habilidad para reflejar el proceso a través de cual el hombre se constituye interminablemente como sujeto y exige que desarrollemos una relación act iva con la mediación que da forma a nuestro yo.
Las reflexiones propias del poshumanismo, la noción de “mediación tecnológica” y la de “tecnología del yo” constituyen las herramientas intelectuales con las cuales la autora formula su comprensión acerca de la relación de lo humano y lo tecnológico. Presenta la tecnología como una fuerza transformadora del ser humano sin ser por ello determinística, es decir, el hombre sigue conservando ante ella una relación consciente y ética.
Es justo señalar que la obra adolece, en cierto modo, de una auténtica reflexión filosófica. Pues la autora, lejos de remontar el dialogo a una dimensión metafísica, es decir, de discutir los supuest os ontológicos que animan los resp ectivos paradigmas, se concentra en señalar las implicancias sociales, políticas, práct icas y morales de sus horizontes ontológicos. Este proceder, lejos de instaurar verdaderos puentes de comprensión, no hace más que profundizar una relación de mutua inconmensurabilidad entre las diversas tradiciones.
Tamar Sharon no da cuenta, en definitiva, por qué un paradigma explicaría mejor que otro ciertos fenómenos de la biotecnología o a la misma naturaleza humana. No se invalidan los supuest os de los demás paradigmas por su inadecuada referencia ontológica sino simplemente por la diferencia que guardan con la tradición elegida, en est e caso, un poshumanismo mediatizado. Ahora bien, sin est a discusión de tipo ontológica ¿en función de que criterios puede categorizar como mejor su nueva posición? ¿Por qué su tradición hermenéutica ofrecería una mejor comprensión de la naturaleza humana?
El lector interesado en bucear en el libro algún tipo de respuest a resp ecto a que es en sí misma la naturaleza humana puede verse defraudado al percatar que el libro no ofrece ningún tipo de afirmación en est e sentido. La misma autora promete ofrecer una instancia de reflexión acerca de qué es en sí misma la naturaleza humana y cuáles son sus implicancias resp ecto a los avances de la biotecnología. No obstante, el lector descubre que el planteo de Sharon invierte la pregunta. En lugar de responder ¿qué es lo que significa ser humano? plantea ¿qué implicancias tienen las biotecnologías en la significación del ser humano? Tratando de evitar cualquier tipo de cuestionamiento metafísico, Sharon procura moldear y transformar la significación de lo humano mediante la misma práct ica y el ejercicio de la tecnociencia. La naturaleza humana no es sino el resultado final de una praxis y no un principio rector de la praxis. Más est e principio que opera implícitamente en su discurso no ha sido argumentado. El abordaje parecería desarrollarse en coordenadas sociológicas mas no filosóficas. En definitiva, parecería no importar qué es en sí misma la naturaleza humana. Justamente desde una posición adversa a todo cuestionamiento con una connotación metafísica se intenta resignificarla, repensarla a través de la relación histórica y contingente que est a realidad desconocida entable con la práct ica de la biotecnología. Sharon, en comunión con Foucault, sustantiviza est a relación para reconfigurar la naturaleza humana en una noción híbrida.
Lo que se propone resolver la autora no es si la biotecnología ha renaturalizado o re-esencializado lo humano o la naturaleza humana. Dando por supuest o todo est e proceso de resignificación le interesa resolver si est a renaturalización que ha tenido lugar en los últimos años es positiva o no. La autora termina diciendo que est a renaturalización es positiva en la medida que nos permite entender la naturaleza de un modo creativo y funcional para sus usuarios o consumidores (sic). Otro problema que podemos señalar es que el mapa de la discusión que ofrece corre el riesgo de clasificar las posiciones de una manera quizás excesivamente ingenua. Pues ninguno de los autores que analiza se reconoce bajo las categorías con las cuales Sharon clasifica sus tradiciones. La misma Sharon reconoce est a situación en la página 7.
Por otro lado –y aun asumiendo que muchos investigadores podrían est ar de acuerdo con ser incluidos dentro de las coordenadas del poshumanismo– no se entiende por qué Sharon incluye los bioconservadores dentro de ella. Pues ella misma los caract eriza como anti-poshumanistas. Sharon se limita a salvar est a contradicción explicando que su decisión de incluirlos se debe a que la comprensión negativa que los bioconservadores tienen resp ecto al poshumanismo toma parte de suyo en un discurso poshumanista.
Sea o no metodológicamente acertado el abordaje de la cuestión, el libro tiene la virtud de exponer un panorama amplio y actualizado de la bibliografía esp ecializada que la discute. Cumple con la tarea de introducir al lector en los argumentos que se esgrimen desde las principales posiciones existentes. Y en est e sentido el libro de Tamar Sharon es una lectura obligada y estimulante para todo lector interesado en el problema.
Nota
1 Conicet (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas de la República Argentina).
María Teresa Gargiulo – Conicet. Universidad Nacional de Cuyo. Centro Universitario. Mendoza, Argentina. E-mail: gargiulomteresa@gmail.com
[DR]
La folie Dartigaud – JOUHAUD (RETH)
JOUHAUD, Christian. La folie Dartigaud. Paris: Éditions de l’Olivier, 2015. Resenha de: SÁ JÚNIOR, Luiz César de. Dartigaud: Delírio Dartigaud: Uma fábula historiográfica. Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia, Morrinhos, v. 8, n. 3, set./dez. 2017.
“Sentimento e objetividade”, “memória e legitimação”, “fascínio e ceticismo” são dilemas profundamente vinculados ao trabalho do historiador. As incertezas que acarretam envolvem os usos contemporâneos do passado, repartidos entre o crescente interesse público pela história e a percepção acadêmica de que ela nada tem a ensinar. Em nossa economia simbólica, permeada pela transformação de sentimentos poderosíssimos, como a nostalgia, a mais-valia (aqueles que conhecem Don Draper sabem do que estou falando), esses usos podem ter trazido consequências ao ofício que ainda não foram totalmente elucidadas.
Afinal, o que impele o historiador a escolher um determinado tema e um determinado método? Imperativos morais e sentimentais próprios a cada indivíduo, agendas ético-políticas ativas na comunidade que os dota dos instrumentos analíticos necessários à pesquisa certamente comparecem em suas preferências. Mas há, talvez, uma questão de fundo, a saber, a interação entre, na falta de um termo melhor, o “desejo de presença” que nos impele aos arquivos e o trabalho hermenêutico voltado à restituição da historicidade dos objetos estudados. É à dramatização dessa dinâmica que o novo livro de Christian Jouhaud se consagra, introduzindo suas reflexões no formato de uma fábula historiográfica.
Tudo começa com um mergulho para fora do tempo. Em 17 de julho de 1962, o espeleólogo2 francês Michel Siffre conduz uma experiência radical: após três horas de descida ele atinge a profundidade de cem metros na caverna de Scarasson, situada fronteira franco-italiana dos Alpes. Dispondo de um caderno de anotações e de um “magnetofone” (que usava para informar uma equipe de acompanhamento médico), Siffre permaneceu, de resto incomunicável, de modo a atingir o objetivo a que se propunha, isto é, viver “fora do tempo”.
Os resultados da experiência foram brutais – física e psicologicamente. O então jovem de 23 anos havia perdido a noção do tempo, desregulando drasticamente hábitos alimentares e a rotina do sono. Conforme relato que consta no livro que escreveu sobre sua experiência (Hors du Temps, 1963), quando questionado sobre a data em que imaginava estar ao sair da gruta, errou por vinte e cinco dias.
Seu ordálio teria inspirado outro caso, anos mais tarde. É nesse período, que Christian Jouhaud situa o personagem de sua ficção, o historiador René Dartigaud, cuja desejo de conhecimento imediato do passado o leva a desencadear uma “experiência de imersão historiográfica” (p. 7). Embora inspirada pelo programa de Siffre, ela diferia radicalmente em sua finalidade; se este havia mergulhado no abismo para “perder o tempo”, aquele desejava avidamente recuperá-lo.
Dartigaud cogitava que a única forma de contemplar o passado seria entrar em uma espécie de máquina do tempo erudita. Ela fora “construída” em uma casa na região estudada pelo historiador, Saint-Croix-du-Mont, e destinava-se a replicar as condições de vida da época de seu interesse, o século XVII. Uma vez instalado nela, seu isolamento era quase total: a alimentação e os documentos disponíveis nos arquivos eram levados à casa sem que ele tivesse contato com os mensageiros, e, todos os aparelhos eletrônicos foram banidos.
A voracidade com que conduziu seu projeto acarretou sequelas tão ou mais graves que aquelas experimentadas por Siffre. Poucos meses depois de trancar-se em seu laboratório, Dartigaud foi encontrado em estado catatônico, o que resultou em sua internação em um hospital psiquiátrico. Aparentemente incapaz de se lembrar do período em imersão, Dartigaud passou os primeiros dias falando compulsivamente do tema da avidez, sem deixar de se condenar pela “insaciável profanação do tempo” (p. 15) que teria cometido.
Somos apresentados pelo narrador a alguns vestígios deixados pela experiência de Dartigaud. Em primeiro lugar, um breve relato manuscrito feito após o período de sua internação em um hospital psiquiátrico, na sequência do confinamento. Além dele, dois documentos são encontrados nos arquivos do Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS: de um lado, o “contrato” que estabelecia as normas do confinamento historiográfico; de outro, o “projeto” que o subsidiava.
A leitura do contrato paródico introduz elementos determinantes para a compreensão do caso. Dartigaud é de saída satirizado como um lunático, à medida que o “grupo de pesquisa” ao qual se vincula para a consecução do projeto é constituído, ao que parece somente por ele. Assim, o contrato é firmado entre René Dartigaud e o diretor do “Grupo Experimental de Imersão Historiográfica”, dirigido por René Dartigaud.
O projeto de pesquisa remetido ao CNRS sustentava um objetivo bifronte, orientado tanto a “escrever a história das atividades sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais” (p. 11) da Saint-Croix-du-Mont seiscentista quanto a observar seu próprio comportamento no processo, estabelecendo os impactos de sua situação de imersão a partir da hipótese de que a restrição a todos os artefatos do presente culminaria no contato direto com o passado, cuja presença radical tornaria visível o que estava morto. Recusando-se a empreender qualquer tentativa de demografia histórica (o que sugere a distância para as inclinações de seu métier naqueles anos), Dartigaud planejava conhecer os “personagens mais visíveis” da vida citadina, sobretudo do ponto de vistas das ações destinadas a estabelecer sua unidade social.
Pouco a pouco, o historiador recupera a memória de sua experiência, e ela é descrita na chave do arrebatamento provocado pela avidez com que perscrutou o passado. Ao invés de ser preenchido pela exuberância da “presença”, o que viu foi a ruína de um “tempo abolido, atingido pela corrosão universal” (p. 16-17): Sentia-me imobilizado e congelado pelo encantamento de alguma fonte invisível, petrificado pelos mil fios grudentos de uma teia de aranha […]. Não passo de uma pedra fria, um rochedo colocado na entrada da fúnebre gruta onde nascem os infernos. Estou condenado (p. 18).
O processo de cura de Dartigaud começa quando ele encontra uma bicicleta arruinada no hospital. Em seus relatos, afirma que foi a tentativa de consertá-la que o despertou do delírio que o experimento havia lhe imposto, e que estava calcado num sentimento de melancolia. Todos os lugares que visitara emanavam sombras da presença que o faziam sonhar. Cada silêncio soava-lhe como um convite a que resgatasse os ruídos que outrora coloriam Saint-Croix-du-Mont, todos os vivos lembravam-lhe dos mortos que poderiam ser ressuscitados. Como a pressão para que efetivasse essa operação fosse incontornável, Dartigaud só conseguia qualificá-la de inebriante; as sombras eram uma fonte inesgotável que ele sorvia “como aguardente” (p. 29).
Mas, a restauração da bicicleta permitiu-lhe enveredar por operações de outra ordem. Ao invés de sonhar com a presença daqueles que a usaram, bastava recuperá-la. Para isso, era necessário refazer certas peças, peças novas, porém idênticas àquelas perdidas, o que exigia por sua vez, a invenção de ferramentas apropriadas. A bicicleta em si não tinha qualquer importância; o que de fato valia o seu tempo era a ação de torná-la útil uma vez mais, de fazer suas rodas girarem como giravam em 1865, data de sua criação.#
“A meu ver, a bicicleta, enquanto objeto, não tinha de fato a menor importância. Poderia ter sido qualquer outro objeto. Tudo residia na ação. Na densidade, na plenitude dessa ação sem sonho, sem sombra e sem presença” (p. 31). Sem que fosse realmente possível andar nela, a bicicleta não era mais do que comemoração, e não presença viva do passado. Nesse sentido, a bicicleta serviria de elogio à utilidade “como artefato radical de uma presença eficaz” (p. 86).
Esse discernimento o tirou definitivamente da ala psiquiátrica e o trouxe de volta aos estudos. Professor universitário conhecido, passou a defender os valores de uma erudição ascética desconfiada das “miragens” que o anseio pela presença do passado poderia suscitar. Contra toda metafísica dos espectros, Dartigaud realizava, aula após, aula, um exorcismo terapêutico apto a mitigar sua aflição, canalizada em prol da admoestação metodológica.
Mas, esse comportamento apenas relegava o problema ao segundo plano, pois o engajamento de Dartigaud sinalizava a persistência da experiência na forma de trauma, o que proporciona uma resposta cômico-pedagógica àqueles que imaginam que reações aquelas aulas semelhantes a sessões de terapia podem ter suscitado nos alunos. Para ficar na alusão alcoólica convocada pelo protagonista anteriormentr, Dartigaud cala sua angústia fundando uma espécie de “epistemólogos anônimos”, verdadeira clínica de orientação contra delírios historiográficos.
O livro de Christian Jouhaud metaforiza modalidades da produção de presença, e, para atingir esse objetivo, mobiliza discussões que se vinculam à sua obra. Historiador da política e das práticas letradas francesas seiscentistas, Jouhaud notabilizou-se com a publicação de Mazarinades, la fronde des mots (1988), objeto do último texto de Michel de Certeau, uma resenha bastante elogiosa. De modo geral, tem se preocupado com a restituição das “tecnologias escriturárias” outrora vigentes, sobretudo de escritos elaborados no âmbito de polêmicas e/ou a serviço dos poderes monárquicos.
Em livro recente, Richelieu et l’écriture du pouvoir (2015), somos apresentados a esse programa através da análise da ressonância dos escritos produzidos em torno do cardeal (portanto, em seu primeiro ambiente de consumo), mas não só. Tomamos ciência de seu funcionamento como ações cujo propósito era garantir que seus leitores futuros fossem persuadidos pelos argumentos originalmente comunicados, instilando o apagamento de certos personagens e ideias e a preservação de outras.
A persistência de sombras que são propriamente vestígios das ações passadas irrevogavelmente perdidas rebate no vocabulário do “espectro”, segundo a acepção delirante de Dartigaud. Em debate sobre o livro, Jouhaud diz ter retomado as definições de “espectro” de Derrida para discutir seu uso do conceito. Em Espectros de Marx, Derrida define os espectros como frequências invisíveis (no sentido de uma presença sutil, como uma vibração radiofônica) que apenas a visibilidade poderia captar. O conceito de visibilidade, aqui, escapa ao de visão, sendo compreendido como possibilidade de perceber; quanto às frequências, elas seriam detectáveis por seu caráter repetitivo – os espectros são révenants, sempre de regresso, sempre disponíveis para tentar perfurar a espessa camada de visibilidade e atingir nossa visão.
A interação entre esses dois elementos traduz-se na experiência do tempo: se os espectros não podem ser vistos por não pertencerem à ordem do fenômeno, podem ser apreendidos, porque deixam vestígios recorrentemente. Uma vez flagrados pela visibilidade, tornam-se passíveis de “tradução”, abandonando o plano espectral para emergir (retornar) como representações, imagens – em suma, fantasmas.
A conversão da condição espectral irmana-se ao trabalho do luto. O espectro é algo que nos vê, mas que jamais poderemos contemplar em sua forma original, lição aprendida a duras penas por Dartigaud. Transposto para toda a comunidade de Saint-Croix-du-Mont ao longo dos séculos de sua existência, essa limitação tem consequências devastadoras. O conjunto de ruínas que sinaliza para aqueles passados jamais se presentificará nos termos inicialmente pretendidos, condenando a atividade do historiador a um interminável (e, para alguns, doloroso) trabalho de contrição.
A metodologia histórica de Dartigaud é descrita, por isso, no registro de categorias psicanalíticas. Lembremos que Derrida escreveu Espectros de Marx para (e contra) Freud, o que provavelmente não escapou a Jouhaud, uma vez que este publicou La folie Dartigaud em uma coleção penser/rêver, voltada a escritos de psicanálise.
A segunda parte do livro dedica-se, aliás, à investigação do psicanalista, que persegue os vestígios de Dartigaud após sua morte. O modelo dessa investigação é historiográfico-detetivesco, mesclando a leitura dos vestígios disponíveis, isto é, os documentos que compõem o corpus Dartigaud, a diligências, como uma visita a Saint-Croix-du-Mont, onde ele foi enterrado, e a tentativa de estabelecer quais foram seus últimos passos, graças ao apoio de um amigo policial.
Sua avaliação é que, no caso de Dartigaud, o luto não conseguiu represar a melancolia, e dessa combinação infeliz despontaram a angústia e a subsequente vigilância maníaca da penetração da nostalgia nos trabalhos de outrem. Como constata o narrador, “a aridez de sua escrita de historiador visava a abolir toda ressurgência da nostalgia” (p. 64), e “não há um parágrafo sequer escrito por Dartigaud após a saída de sua fase ávida que não possa ser encarado como uma recusa da ideia de que o passado possa ser tornado presente pela escrita que o elabora” (p. 75).
Entretanto, o regresso dos espectros ignora seu ascetismo, impondo uma ameaça temível: ao se recusar a admitir alguma forma de presença do passado, Dartigaud terminou se transformando, ele mesmo, num espectro. O vetor desse risco, na opinião do analista, é a afasia: quanto mais lutava contra a presença das imagens, quanto mais buscava a “verdade da história sem sombras” (p. 86) ao censurar o discurso, mais ele se silenciava (p. 84).
Graças a esses esclarecimentos, a natureza da turbulência emocional de Dartigaud fica menos nebulosa: de um lado, o excesso de vozes trazidas à tona pelo experimento de imersão o enlouqueceu; de outro, o silêncio absoluto a que se condenava ao declarar-se contrário a qualquer forma de interação com os espectros não lhe garantia conforto. Irrompe, assim, um questionamento abrangente: seria de fato desejável evitar a valorização intelectual da nostalgia como antídoto válido contra o celibato enaltecido pela fria monumentalização? Sabemos muito pouco sobre Dartigaud para tirar conclusões pormenorizadas quanto a sua conduta. Todavia, as angústias que simboliza soam como um comentário à constatação de Michel de Certeau de que o trabalho do historiador residiria na superação do papel de “adivinho” intuído por Michelet, devendo se comprometer, antes, com a formulação de monumentos eruditos que preenchem vazios de resto insondáveis. Recorrendo a Freud, Michel de Certeau mobilizou a categoria de luto num sentido que ultrapassa o psicanalítico, propondo-o como chave epistemológica para o exame de um passado irremediavelmente perdido. É o que achamos em História e Psicanálise:
Meio século depois de ter sido afirmado por Michelet, Freud observa que, de fato, os mortos “voltam a falar”. Não mais como pensava Michelet, pela evocação do “adivinho” que seria o historiador; “isso fala”, mas à sua revelia, em seu trabalho e em seus silêncios. Tais vozes, cujo desaparecimento é o postulado de qualquer historiador que as substitui por sua escrita, remordem o espaço do qual estão excluídas e continuam falando no texto-homenagem que a erudição ergue em seu lugar.
O corolário dessa prescrição, isto é, a defesa de que é metodologicamente conveniente preocupar-se mais com os dispositivos através dos quais as vozes espectrais serão ouvidas do que com sua presença, atende aos protocolos do campo, atacando, nesse sentido, os apêndices da nostalgia – o fetichismo e o anacronismo. Entretanto, graças à versão hiperbolizada desse procedimento, que emerge da caricatura de Dartigaud, somos induzidos a constatar, por outro lado, que o ódio alimentado pelas sombras da nostalgia só pode surgir de um amor profundamente reprimido.
Assim, ao amplificar as prescrições na forma do delírio, Jouhaud descreve, em essência, a face oculta do mesmo pesadelo historiográfico, o risco do silêncio que corremos ao ignorar potências latentes da imaginação e do sonho impossível da presença. Trata-se, como se vê, de um livro curioso, e que pede análises mais detidas. Por ora, é de se destacar em La folie Dartigaud o mérito de fabular oportunamente o recalque, a inquietude e o medo, assombrações que cercam toda atividade escriturária, espectros que rondam cada historiador.
2 Cientista que estuda as cavernas e grutas.
3 CERTEAU, Michel de. História e psicanálise: entre a ciência e a ficção. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
Luiz César de Sá Junior – Pós-Doutorando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/PNPD/CAPES). Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
130 anos da Abolição: História, luta e resistência escrava no Brasil | Temporalidades | 2017
No começo do século XIX, Brasil e Estados Unidos tinham, cada um, cerca de um milhão de escravos. No icônico ano de 1808, os Estados Unidos se fecharam para o tráfico de africanos, enquanto a chegada da corte portuguesa ao Brasil enrobustecia a aquisição de cativos. Nos anos seguintes, o Brasil absorveu mais dois milhões de escravizados (cerca de 737 mil deles ilegalmente depois de 1831), porém, chegou a fins dos anos 1850 com cerca de 1,7 milhões de escravos. Já os Estados Unidos, ao eclodir a Guerra Civil, tinham uma população que já passava dos quatro milhões de cativos. Fora a diferença de natalidade escrava entre as duas regiões, a disparidade de suas populações escravas conta algo sobre a natureza de cada sociedade. Ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil, o sistema escravista produzia continuamente libertos, especialmente mulheres e crianças que contribuíam com a sua fecundidade para o crescimento da população fora do cativeiro.[1] Assim, os livres no Brasil nunca foram homogeneamente brancos e a presença ubíqua de negros alforriados ou nascidos em liberdade acenava uma possibilidade factível para parte dos escravos. Porém, a porta da liberdade era controlada pelos senhores, sendo seu privilégio conceder a alforria ou distribuir benesses entre os cativos – e esse era o lastro moral da sua posição. Efetivamente, os cativos foram capazes de reconhecer essa estrutura de poder e rejeitá-la ou lidar com ela. As cada vez mais comuns histórias de ascensão de ex-escravos à libertos e senhores de outros escravos são um testemunho poderoso da capacidade de aliciamento dos subalternos na sociedade escravista brasileira, na qual os senhores brancos eram a minoria demográfica.[2] Leia Mais
Da adversidade vivemos! | MODOS. Revista de História da Arte | 2017
Da adversidade vivemos! – assim finalizou Hélio Oiticica, em tom de alerta e revolta, o manifesto de apresentação da exposição Nova Objetividade Brasileira, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em abril de 1967. A mostra contou com a participação de 40 artistas, entre os quais nomes emblemáticos da geração concretista e neoconcretista e recém ingressantes no circuito das artes, além de alguns convidados, entre eles dois cineastas (Antonio Carlos da Fontoura e Arnaldo Jabor). A maioria absoluta das obras expostas colocava em questão os códigos artísticos e institucionais tradicionais, bem como criticava o poder efetivo de transformação social atribuído à arte abstrata até o final dos anos 1950. Trazia para o centro do debate a questão da participação do espectador e o potencial revolucionário do objeto de arte no campo da ética, da política e do social.
Nova Objetividade Brasileira marcou um momento decisivo para a arte brasileira na proposição de um comprometimento político dos artistas, críticos e agentes culturais, bem como na tentativa de reformulação do conceito estrutural de obra de arte e de sua relação com o público. Inserida em um conjunto de exposições do período que promoviam um diálogo crítico com a realidade nacional, tais como Opinião 65, Propostas 65, Opinião 66, Propostas 66, Jovem Arte Contemporânea e Do Corpo à Terra, ela incitou a uma reflexão sobre um conceito crítico de vanguarda, que fosse operacional em um país “subdesenvolvido”. Leia Mais
Amor Mundi: atualidade e recepção da obra de Hannah Arendt / Estudos Ibero-Americanos / 2017
Em meados do século passado, o historiador Fritz Ringer publicou a monumental obra O Declínio dos Mandarins Alemães (RINGER, 2000), na qual descreve o ambiente acadêmico alemão no período guilhermino e na República de Weimar. Em seu trabalho, a ressaca da Primeira Guerra Mundial e os perenes sentimentos de angústia, pessimismo e ansiedade conduzem a um progressivo sectarismo e isolamento da Academia alemã, que facilitará a adesão ao Nacional-socialismo por boa parte dos professores universitários a partir da ascensão de Hitler. Entretanto, ainda que esse momento trouxesse o declínio da influência desses mandarins sobre a sociedade alemã, não há dúvidas de que continuava a ser, entre ortodoxos e modernos, um grupo de letrados e eruditos de enorme prestígio. Herdeiros diretos do Iluminismo e do Idealismo alemão, formados por um rígido currículo e moldados na disciplina diletante, os acadêmicos alemães do período ganham reconhecimento do mundo inteiro.
Hannah Arendt é fruto dessa tradição. Com uma formação densa, pautada na erudição, no conhecimento da História e de vários idiomas, versada na tradição clássica que tanto irá influenciar seu trabalho, Arendt parece ter sido preparada por toda sua vida para o destino que a encontrou. Em seu caminho, errante e muitas vezes turbulento, entrou em contato com alguns dos maiores nomes da Academia do período pós-guerra, como Martin Heidegger, Karl Mannheim e, principalmente, Karl Jaspers, que viria a orientar sua tese de doutorado, O Conceito de Amor em Santo Agostinho (1997), e seria um interlocutor constante. Marcada pela fuga do nazismo e pelo exílio, tendo atuado como jornalista, ensaísta e professora, Hannah Arendt é conhecida pelos historiadores principalmente por suas obras Sobre a Revolução (2011), Eichmann em Jerusalém (1999) e Origens do Totalitarismo (2012), que é considerada seu Magnum Opus. A relação da autora com a História vai ainda além1 : ela utilizou constantemente conceitos históricos para discutir fenômenos políticos presentes e, em alguns de seus escritos, desenvolve a sua crítica da história monumental de Hegel e Marx, apontando para uma historiografia que deixa em aberto o espaço de eventos imprevisíveis e de contingência (“Todo aquele que, nas ciências históricas, acredita honestamente na causalidade, nega o objeto de estudo de sua própria ciência” [ARENDT, 2002, p. 50]). Mas foi mesmo com suas reflexões acerca do fenômeno totalitário que Arendt se tornou conhecida, primeiro nos Estados Unidos, onde se refugiara durante a guerra, depois no mundo.
Esse reconhecimento, entretanto, não foi imediato no meio acadêmico. De fato, como demonstra Kathryn Densberger (2008), até a década de 1980 eram poucos os estudiosos e as publicações que refletiam sobre sua obra, um panorama que começou a mudar na década seguinte, seguindo a publicação e alguns volumes de correspondências da autora, em particular suas cartas trocadas com Karl Jaspers (1992), Mary McCarthy (1995) e Martin Heidegger (1998). Isso despertou um novo interesse na obra da teórica em todas as áreas das Humanidades, que alcançou novo impulso a partir de 2002, com leituras e pesquisas voltadas à compreensão do fenômeno do terrorismo e da violência no campo público, e com as comemorações em torno do centenário de Arendt, em 2006.
Esse progressivo interesse pela obra de Hannah Arendt não ocorre sem críticas. Não são poucos os que a identificam como uma não acadêmica e não intelectual, para além daqueles que a ignoram solenemente após a rotularem como “liberal” – seja lá o que entendam com esse adjetivo. Arendt tem enfrentado, tanto em vida quanto após sua morte, críticas que abarcam não apenas as ironias feitas ao seu relatório Eichmann em Jerusalém (retratadas no filme de Margarethe Von Trotta, de 2012). Ela também é criticada por seu uso da polis grega como base de sustentação para sua argumentação, o que é apontado como uma suposta nostalgia conservadora ou um idealismo desapegado da realidade. Seu método também é alvo de censuras: sua teoria política carece de normatividade, de acordo com Seyla Benhabib (1996); sua escrita da História não apresenta a objetividade necessária, como aponta Eric Voegelin (1998); e a sua filosofia não tem rigor, de acordo com Axel Honneth (2014). Até mesmo sua representação do colonialismo europeu na África já foi acusada de eurocentrismo, quando não de racismo (KING; STONE, 2007).
Mas contra essas percepções críticas, a obra de Arendt vem ganhando espaço nas pesquisas e reflexões de acadêmicos nos últimos anos. A recepção de seus escritos tem a característica de ser naturalmente interdisciplinar, carregando consigo elementos da Teoria Política, da História e da Filosofia, abrindo novos campos e lançando novos olhares nas diferentes áreas das Humanidades. Arendt é uma pensadoraponte, ela facilita nossa inserção em terras vizinhas, mas cujo acesso nem sempre é tranquilo.
Também no Brasil, poucos foram os pensadores que ganharam a importância e que exerceram influência maior sobre as produções acadêmicas dos últimos anos que Hannah Arendt. A obra da filósofa alemã é uma referência constante nas reflexões e nos estudos brasileiros produzidos por especialistas das mais diversas áreas. Dentre os principais frutos que as sementes arendtianas geraram em Terra Brasilis encontramos trabalhos e pesquisas diversificados, desde as reflexões pioneiras de Celso Lafer (1979; 1988) passando por contribuições como a de Ricardo Benzaquen de Araújo (1988) e Eduardo Jardim (2007; 2011) até os recentes trabalhos de Edson Teles (2013), André Duarte (2000; 2010), Renata Schittino (2015) e Bethânia Assy (2008; 2015), entre muitos outros nas mais diversas áreas das Humanidades.
Tais esforços colocam a obra de Hannah Arendt no primeiro plano da produção brasileira, fornecendo uma estrutura de base fenomenológica para o pensamento da política e dos fenômenos políticos dos séculos XX e XXI. É no diálogo com Arendt, com seus conceitos de Autoritarismo, Totalitarismo, Liberdade, Ação, Política e, talvez sua contribuição mais disseminada, de Banalidade do Mal, que vários pesquisadores de primeira linha brasileiros encontram sustentação e inspiração para o desenvolvimento de seus próprios trabalhos.
Diante desse retrato, o presente dossiê busca apresentar um panorama da produção atual sobre e acerca da obra de Arendt, sendo dividido em duas partes: os primeiros quatro artigos, de autorias europeias, abordam temas e debates que demonstram exemplarmente as discussões mais atuais nos círculos arendtianos no velho continente; na segunda parte, os quatro artigos são de autoras latino-americanas, buscando apresentar uma amostra dos interesses e das apropriações da teoria arendtiana deste lado do Atlântico.
O texto que abre o dossiê é de autoria de Frauke Kurbacher, da Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Nele, a filósofa dá importante contribuição para o entendimento da faculdade do juízo e de sua relação com a ação e o pensamento de Arendt, buscando suas origens nas Críticas kantianas. É na dimensão estética do julgamento que Kurbacher encontra a base para o pensamento arendtiano – e também, por extensão, para o agir. O agir é também o objeto do segundo texto, de autoria de Alexey Salikov e Alexey Zhavoronkov, ligados à Universidade de Kaliningrado / FU-Berlin e à Academia Russa de Ciências / Universidade de Erfurt. Aqui, a proposta de análise recai sobre o texto Da Revolução, de Hannah Arendt, e sua aplicabilidade na arena pública moderna.
Os dois artigos seguintes se referem a um tema de extrema importância e de grande debate na Academia europeia nos últimos anos. A crise dos refugiados ganhou os noticiários no ano de 2015, quando grandes levas de imigrantes tentaram adentrar o continente e as imagens de suas perigosas travessias – e das mortes que ocorreram em decorrência – consternaram o mundo inteiro. Os refugiados, como nos ensina Arendt (2009), se encontram em uma zona cinzenta, sem amparo de leis nacionais, sem uma estrutura internacional que os proteja. Tornam-se, para os Estados nacionais, uma massa de incertezas. Sobre essa situação atípica – mas tão típica de nossos tempos – discorrem Vlasta Jalušič, do Peace Institute for Contemporary Social and Political Studies e da Universidade de Ljubljana, e Helgard Mahrd, da Universidade de Oslo.
A segunda parte do dossiê, formada por autoras latino-americanas, tem como carro-chefe o artigo de Claudia Hilb, da Universidade de Buenos Aires. Aqui as reflexões de Arendt servem de ponto de partida para uma incursão sobre a memória da ditadura militar argentina, com particular ênfase sobre os aspectos da responsabilidade, do perdão e do mal. A ditadura chilena e a memória do período pinochetista é o tema da contribuição de María José López Merino, da Universidade do Chile, que reflete sobre o princípio da violência e o conceito de Totalitarismo e suas aplicações ao caso chileno.
O dossiê conta ainda com duas contribuições importantes para as pesquisas arendtianas da América do Sul: a primeira é de autoria de Claudia PerroneMoisés e Laura Mascaro, ambas da Universidade de São Paulo, e gira em torno do lugar da palavra e da narrativa na (re)constituição da história, assim como suas implicações nos tribunais de crimes contra a humanidade. Suas considerações, apesar de centradas no caso de Eichmann e levando em consideração também o de Barbie, serve como ponto de reflexão para os casos das ditaduras do Conesul. A segunda contribuição é de Julia Smola, da Universidade Nacional de General Sarmiento, da Argentina, que traz uma reflexão sobre o livro Da Revolução e suas implicações e relações com a teoria da ação de Arendt. É particularmente interessante em uma leitura combinada com o texto de Salikove Zhavoronkov, observando-se as motivações e pontos de partida de cada uma das contribuições.
O fechamento do dossiê traz a inestimável contribuição de Adriano Correia, da Universidade Federal de Goiás, que apresenta suas considerações sobre o livro essencial de Bethânia Assy, Ética, Responsabilidade e Juízo em Hannah Arendt.
Boa leitura!
Nota
1Para uma reconstrução da concepção de história em Hannah Arendt, ver Schittino, 2015.
Referências
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Wolfgang Heuer – Professor livre-docente no Instituto Otto-Suhr de Ciência Política da Freie Universität Berlin. É historiador e doutor em Ciência Política pela Freie Universität Berlin. Entre suas principais publicações então os livros Hannah Arendt (Rowohlt, 1987), Citizen: Politische Integrität und politisches Handeln (Akademie, 1992), Couragiertes Handeln (zu Klampen, 2002) e a organização, com B. Heiter e S. Rosenmüller, do dicionário Arendt Handbuch: Leben – Werken – Wirkung (J. B. Metzler, 2011). E-mail: wolfgang.heuer@gmx.de
Vinícius Liebel – Historiador, doutor em Ciência Política pela Freie Universität Berlin. Autor de Politische Karikaturen und die Grenzen des Humors und der Gewalt (Budrich, 2011) e Humor, Propaganda e Persuasão: As Charges na Propaganda Nazista – uma análise dos jornais Der Stürmer (Alemanha) e Deutscher Morgen (Brasil) (NEA, 2017). Pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos e Árabes (Niej), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: v_liebel@yahoo.de
HEUER, Wolfgang; LIEBEL, Vinícius. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 43, n. 3, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
América Latina ‐ estudos comparados, histórias conectadas / História Revista / 2017
O dossiê que vem a lume reúne artigos que enfatizam a dimensão sociocultural de eventos e processos históricos ocorridos da América Latina. Idealizado a partir dos debates que surgiram quando da realização do III Colóquio Internacional Diversidade das Culturas, em 2016 – atividade do Projeto de Cooperação Internacional CAFP‐BA –, o dossiê privilegiou o comparativismo como estratégia analítica capaz de superar a perspectiva etnocêntrica, apresentando a experiência local como um modo de acessar a especificidade de uma cultural.
Ao observar, localizar e compreender as diferenças locais, o olhar comparativo permite expandir o horizonte analítico e o posicionamento compreensivo, próprio das ciências da Cultura. O leitor poderá exercitar esse tipo de posicionamento com o artigo Ciudades mineras en la Puna Colonial de Carlos Alberto Garcés. Nele, o autor percorre o processo de formação e desenvolvimento dos núcleos urbanos localizados na região da Puna argentina no período colonial, até meados do século XIX. Partindo do viés comparativo, o trabalho de Jorge Kulemeyer, intitulado Etnicidad sudamericana según la época del cristal con que se mire y mida, propõe se debruçar sobre as ações governamentais e os projetos políticos desenvolvidos em distintos países da América Latina no âmbito da discussão sobre identidade das populações aborígenes. Também, em Expresiones narrativas de subjetividades sociales diversas en el Noroeste andino argentino, de Maria Luisa Rubinelli, esse posicionamento da diferença pode ser vislumbrado. Seu interesse volta‐se para a forma como a mulher “transgressora” foi caracterizada pelos distintos setores da sociedade Jujenha, em especial as elites econômicas locais. Exercício similar deve ser observado no artigo Los hilos largos de la trama: Apuntes etnográficos y análisis de redes familiares en los valles orientales de Jujuy (Argentina) entre 1852 y 1910 de Frederico Fernández, em que o autor analisa o fenómeno do apadrinhamento batismal como dispositivo socio‐parental que estabelece intercambios simbólicos e hierarquias entre grupos familiares. Em cada um desses artigos observa‐se o interesse comparativo, capaz de auxiliar na investigação das regularidades, dos deslocamentos e das transformações de unidades culturais, em especial aquelas associadas ao Estado‐Nação.
Perceber as conexões entre eventos e processos para além dos paralelismos entre variáveis é uma característica da historiografia contemporânea. Essa percepção é explorada no artigo O contrabando na fronteira oeste da América portuguesa no século XVIII, de Nauk Maria de Jesus, que analisa o contrabando de ouro e prata na região com o intuito de evidenciar como esse tipo de comércio foi incorporado na sociedade e na economia do Antigo Regime. Percurso semelhante pode ser observado no artigo de Deusa Maria Boaventura, Do mito ao experimento: a cartografia e a urbanização de Goiás no século XVIII, que sustenta a existência de uma relação clara entre a estratégia de posse e controle do território colonial com o processo de formação de militares em Portugal, capacitados para realizar tarefas que iam desde os levantamentos cartográficos até a fundação de cidades e contribuíram decisivamente para a definição dos limites territoriais da capitania. A história da historiografía também se fortalece com a abordagem que privilegia as interconexões, como propõe Tomás Sansón Corbo em seu artigo Tránsitos atlánticos e interconexiones regionales en la estructuración de los campos historiográficos de la Cuenca del Plata (primera mitad del siglo XX). O forte intercâmbio de bens, pessoas e ideias, ocorrido nas primeiras décadas do século XX indica a importância de superação das barreiras nacionais para a construção de novos objetos de pesquisa. É também o que demonstra Leonardo Seabra Coelho em Coleções, traduções e intelectuais: Oliveira Vianna e o intercâmbio cultural entre escritores brasileiros e argentinos nas décadas de 1930 e 1940. Também, Experimentos do Êxodo: Julio Le Parc e o GRAV, de autoria de Leandro Candido de Souza, reconstrói a trajetória de Julio Le Parc e sua produção artística e seu processo de engajamento nas lutas políticas da América Latina, na segunda metade do século XX.
Esperamos que a leitura desse volume seja um convite à intensificação das trocas de experiências entre os pesquisadores interessados em refletir sobre a diversidade das culturas.
Boa leitura.
Cristiano Arrais (UFG)
Jorge Kulemeyer (UNJ)
Organizadores
ARRAIS, Cristiano; KULEMEYER, Jorge. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 22, n. 3, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
História da Educação Matemática e Formação de Professores que Ensinam Matemática / Cadernos de História da Educação / 2017
A produção de pesquisa em História da Educação Matemática tem crescido significativamente nos últimos anos. Pesquisadores têm focado temas distintos, seguindo fundamentações diversificadas em abordagens profícuas e criativas. Os trabalhos de investigação nessa área têm sido realizados em várias instituições espalhadas pelo país. Edições temáticas sobre História da Educação Matemática têm sido publicadas por conceituados periódicos nacionais e internacionais e, além dos inúmeros grupos de pesquisa brasileiros já consolidados, há muitos grupos que, embora criados mais recentemente, já apresentam produção consistente.
Um primeiro evento internacional voltado à discussão das pesquisas atuais no campo, o I Congresso Ibero-americano de História da Educação Matemática (CIHEM), foi realizado na Universidade da Beira Interior, em Covilhã, Portugal, no mês de Maio de 2011 (http: / / www.apm.pt / encontro / cihem.php), com presença marcante de brasileiros. Ainda durante esse I CIHEM, pesquisadores lá reunidos, considerando a grande expansão e vitalidade da produção brasileira, decidiram organizar um evento nacional. Esse evento foi batizado de I Encontro Nacional de Pesquisa em História da Educação Matemática – I ENAPHEM –, realizado em novembro de 2012, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, UESB, em Vitória da Conquista (http: / / enaphem.galoa.com.br). A ele seguiu-se, em novembro de 2013, o II CIHEM, ocorrido em Cancún, no México. Em termos nacionais, veio o II ENAPHEM, realizado na UNESP, em Bauru, estado de São Paulo, em 2014. Em 2015, realizou-se o III CIHEM, em Belém, no Pará; em 2016, o III ENAPHEM teve lugar em São Mateus, Espírito Santo, na UFES. Entre os dias 14 e 17 de novembro de 2017 realizou-se o IV CIHEM na cidade de Múrcia, Espanha. E já está agendado para 2018, em Campo Grande, MS, a realização do próximo ENAPHEM. Todos esses eventos científicos resultaram num número imenso de textos e reflexões sobre história da educação matemática. Parcela significativa desses estudos voltaram-se para o debate do papel da história da educação matemática na formação de professores. Esse, aliás, foi o tema principal do último ENAPHEM. Tal debate fez emergir a defesa de constituição de uma rubrica curricular para a formação de professores intitulada “História da Educação Matemática”. Várias têm sido as experiências realizadas na introdução dessa rubrica para a formação de professores. Este Dossiê, leva em consideração textos que sistematizam essas experiências em diferentes instituições. Há também, estudo internacional (Portugal) que se orienta na mesma direção dos demais brasileiros, em termos de análise da trajetória profissional dos professores que ensinam matemática, numa abordagem a ser tratada pela história da educação matemática.
Acreditamos que o Dossiê terá papel fundamental para impulsionar e subsidiar debates futuros, bem como dar referências para diversas outras iniciativas aqui não tratadas.
Wagner Rodrigues Valente – Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Professor Livre Docente do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Paulo – Campus Guarulhos, SP. Coordenador do GHEMAT – Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática. E-mail: ghemat.contato@gmail.com
VALENTE, Wagner Rodrigues. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 16, n.3, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
Diagonais do afeto: teorias do intercâmbio cultural nos estudos da diáspora africana – MARCUSSI (RTA)
MARCUSSI, Alexandre Almeida. Diagonais do afeto: teorias do intercâmbio cultural nos estudos da diáspora africana. São Paulo: Intermeios/Fapesp, 2016. 258p. Resenha de: PINHEIRO, Bruno. Caminhos e descaminhos do pensamento cultural na historiografia da diáspora africana. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.22, p.487-493, set./dez., 2017.
O livro Diagonais do Afeto: teorias do intercâmbio cultural nos estudos da diáspora africana, de 2016, é resultado da dissertação de mestrado defendida em 2010 por Alexandre Almeida Marcussi, hoje professor de História da África na Universidade Federal de Minas Gerais. Nessa pesquisa, ele toma como objeto de análise os modelos interpretativos da Antropologia Cultural acerca do contato entre diferentes populações que se tornaram definidores dos debates sobre a ideia de cultura afro-americana na historiografia da diáspora. Nos quatro capítulos, Marcussi realiza, a partir de uma seleção de textos-chave publicados ao longo do século XX, uma genealogia dos conceitos popularizados nessa literatura, localizando os processos de continuidade e descontinuidade de suas operações lógicas e as contradições em seus usos.
No primeiro capítulo, As armadilhas da cultura, são apresentados os enunciados propostos por Franz Boas que permitiram a formação de uma concepção culturalista de intercâmbio cultural. É também avaliada a reelaboração desses argumentos nos estudos afro-americanos de Melville J. Herskovits, a partir da análise do ensaio O mito do passado negro (1941), e os limites de seus pressupostos, evidenciados a partir de seus debates com o sociólogo negro Edward Franklin Frazier. Para tal fim, Marcussi parte de um esquema produzido por Boas acerca das relações de contato nas quais elementos da cultura nativa passariam por processos simultâneos de permanência e mudança. Nessa relação, seria estável o “espírito” de cada povo, ideia associada a um sentido indivisível e imanente às culturas. Essa noção, frente à experiência histórica de cada contato, definiria o que seria passível de ser transformado, mediando a operação entendida por Boas como aculturação. Essa postura, ao mesmo tempo essencialista e historicizante, se apresenta na leitura de Marcussi como um importante alicerce das interpretações da cultura afro-americana, de modo que sua longa permanência se configura como um problema central do livro.
Na busca por entender os usos dos termos boasianos no estabelecimento dos Estudos Afro-Americanos, Marcussi analisa o livro O mito do passado negro de Herskovits. Esse texto foi uma resposta direta à ideologia dominante no debate acadêmico norte-americano daquele período, que sugeria que os negros dos Estados Unidos haviam abandonado sua herança cultural africana e se tornado, assim, sujeitos sem passado. O autor refuta essa hipótese, produzindo uma escala das diferentes relações das culturas afro-americanas com sua herança cultural, cujas balizas seriam a aculturação e a africanização. Um dado fundamental para classificar uma comunidade nessa gradação seria o contato entre negros e brancos em seu interior, de modo que, quanto mais concentrados os indivíduos de ascendência africana, mais africanizada seria a comunidade. Enquanto essa razão numérica era produzida por circunstâncias históricas, as transformações determinadas pelo “espírito” ocorreriam ora na “aparência exterior” de sua manifestação, ora em suas “qualidades imanentes”. Marcussi entende esse esquema como uma reelaboração daquele produzido por Boas, sendo que, em Herskovits, permanência e mudança poderiam ser entendidas como imbricadas em um mesmo processo cultural, compondo formas intermediárias de aculturação.
A ideologia que O mito do passado negro buscava desarticular tinha adesão de intelectuais negros norte-americanos em sua época, sendo utilizada como forma de defesa frente a retórica ainda popular do evolucionismo, que associava esse passado à ideia de barbárie. Marcussi identifica o problema da assimilação das populações negras à sociedade estadunidense como questão central da disputa entre Frazier e Herskovits na década de 1940. Ao localizar as culturas afro-americanas como autóctones, resultantes da total desagregação das formas básicas de organização social reconhecidas pelas populações escravizadas, Frazier as opõe à ideia herskovitsiana de que um “espírito” africano guiaria as ações das comunidades negras americanas. A concepção culturalista de Herskovits, levada a seu limite, permitiria interpretar as ações dessas populações como guiadas por valores estranhos à cultura euroamericana, inviabilizando qualquer debate sobre integração.
Em seu segundo capítulo, Ambiguidades da crioulização, Marcussi avança três décadas para, a partir do ensaio O nascimento da cultura afro-americana (1973) dos antropólogos Sidney Mintz e Richard Price, analisar a incorporação do conceito de crioulização à tradição boasiana. Em sua retórica culturalista, a crioulização assume o lugar que era ocupado pela ideia de aculturação, ainda que ela não seja uma categoria expressa textualmente, apresentando-se apenas como uma operação lógica. Na medida em que, numa primeira leitura, essa substituição sugira uma descontinuidade, Marcussi a entende como uma tentativa de resolver determinadas limitações e contradições presentes nessa vertente teórica. Desse modo, os conceitos herskovitsianos são rearranjados, numa perspectiva a partir da qual as culturas afro-americanas possam ser entendidas como, simultaneamente, africanas e americanas, ainda que, em seu “espírito”, se mantenham essencialmente associadas à primeira filiação.
Na interpretação das culturas afro-americanas de Mintz e Price, sobrepoem-se dois modelos apresentados como complementares: o argumento demográfico, de origem culturalista, e o sociorrelacional, de matriz sociológica. No primeiro, os autores retomam a leitura de Herskovits sobre a proporção entre negros e brancos na determinação do nível de aculturação de uma comunidade, deslocando o foco para o grau de concentração de sujeitos de cada grupo étnico africano. No segundo, os autores propõem que os contextos institucionais, sejam eles sociais, políticos ou de parentesco, devam ser tomados como modeladores dos processos culturais. A presença dos conceitos culturalistas e sociológicos produz contradições internas no texto que são assumidas por Mintz e Price como necessárias frente à natureza dinâmica dos fenômenos culturais. Esse fato é identificado por Marcussi como um dos motivos centrais das polêmicas em torno da publicação.
No terceiro capítulo, O retorno à cultura, o autor trata da recepção de O nascimento da cultura afro-americana na historiografia da diáspora africana produzida a partir da década de 1980. Nas críticas realizadas a Mintz e Price por pesquisadores como John Thornthon (1992), Douglas Chambers (2001), Paul Lovejoy e David Trotman (2002) e James Sweet (2003), Marcussi evidencia um padrão no qual a interlocução é realizada a partir do vocabulário culturalista, ao passo que o argumento sociológico é minimizado ou desconsiderado. O antagonismo desses autores revela-se especialmente na ênfase dada aos processos de continuidade e descontinuidade no interior das culturas afro-americanas. Enquanto os dois antropólogos ressaltavam a criatividade dos africanos da diáspora em reinventar seus universos simbólicos em ambientes adversos, seus críticos valorizavam os modos de resistência que levaram os sujeitos à manutenção de suas culturas. Essas diferentes posturas são assinaladas por Marcussi como diretamente ligadas às filiações de cada um com os debates públicos em torno do racismo e dos movimentos negros. Em um texto publicado em 1999, Price respondeu a muitas das polêmicas geradas pelo ensaio de 1973, privilegiando a retórica culturalista. Marcussi interpreta essa como uma tendência da historiografia da diáspora africana, ressaltando o predomínio de concepções essencialistas de cultura em sua literatura recente.
No último capítulo, Afeto e ambivalência, Marcussi recua no tempo e retoma duas publicações de matriz boasiana, Contraponto cubano do tabaco e do açúcar (1940) de Fernando Ortiz e Casa grande e senzala (1933) de Gilberto Freyre. Neles, ele evidencia os usos da retórica culturalista pelos dois autores, e, a partir da aproximação com textos ligados ao pensamento pós-colonial, sintetiza soluções para as contradições dessa tradição teórica presentes nos estudos sobre a diáspora. Do primeiro, Marcussi examina o conceito de transculturação, proposto como alternativo a aculturação. Ela se diferencia ao prever, nas relações de contato, transformações nos dois sentidos, que Ortiz exemplifica numa narrativa pouco ortodoxa sobre a introdução do tabaco na Europa. Para o autor cubano, os sentidos da planta, ligados num primeiro momento à religiosidade ameríndia, teriam sido reimaginados frente ao julgo eclesiástico e, em seguida, ao desejo de intelectuais humanistas em transgredir a ordem cristã. Para Marcussi, a transculturação de Ortiz é guiada por relações de afeto identificadas como desejo e tentação. Ao abordar Casa Grande & Senzala, o argumento da mestiçagem realizado por Freyre é apresentado a partir da posição central assumida pelas relações sociais no interior do latifúndio escravista, que aproximariam os elementos antagônicos do Brasil colonial de modo que os potenciais conflitos originados pelas relações de desigualdade étnico-racial seriam apaziguados. No cerne dessa interpretação, estaria o intercurso sexual entre homens brancos e mulheres indígenas e negras, realizado muitas vezes de modo forçado. Esse seria definidor de uma estrutura de afetos que aproximam prazer e violência.
A partir do debate sobre os afetos em Ortiz e Freyre, Marcussi realiza aproximações improváveis com outros textos de autores ligados ao pensamento pós-colonial. Ao desejo violento descrito por Freyre, Marcussi aproxima as estruturas afetivas delineadas por Franz Fanon em Pele negra, máscaras brancas (1952), no qual são descritas as violências decorrentes das hierarquias raciais socialmente naturalizadas, presentes em relações interpessoais. Apesar de os dois autores assumirem atitudes diametralmente opostas frente ao fenômeno – Freyre o interpretando como a pedra de toque de um projeto nacional, e Fanon como um obstáculo para a emancipação de negros e brancos – ambos operam uma transposição dessa relação do foro íntimo ao plano da política. Marcussi associa essa lógica, entendida como metonímia de uma relação histórica de interdependência entre Europa e África, à análise dos processos coloniais realizada por Homi Bhabha em O Lugar da Cultura (1994). Em Bhabha, a cultura nesses contextos resultaria em um espaço comum em que as partes se redefiniriam mutuamente e constantemente, invalidando a ideia essencialista de cultura presente na tradição boasiana. Marcussi finaliza o capítulo conectando as pontas entre esses autores utilizando o trabalho de Robert Young, Desejo Colonial (1995). Young localiza nos debates públicos acerca das empreitadas coloniais europeias da segunda metade do século XIX uma centralidade dos atos sexuais compulsórios como mediadores de sua efetivação, prática defendida por Joseph Arthur de Gobineau, um dos principais teóricos do racialismo, em seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1853). Desse modo, Marcussi insere ao debate das trocas culturais as especificidades próprias à condição de colonialidade.
Ao concentrar-se nas operações lógicas presentes nos textos, localizando-as apenas pontualmente acerca de seus contextos de produção e circulação, a análise de Marcussi é por vezes lacunar. Esse tipo de aproximação traria contribuições para se entenderem as assimetrias em relação aos contextos institucionais em que as publicações analisadas foram lidas, desvendando particularidades da produção de conhecimento sobre a diáspora africana. Apesar disso, Diagonais do Afeto: teorias do intercâmbio cultural nos estudos da diáspora africana apresenta uma leitura bastante acurada da orientação culturalista nos estudos sobre o tema. Ao propor uma integração do pensamento pós-colonial a essas interpretações, ele apresenta um deslocamento salutar para as práticas historiográficas associadas às populações negras e as relações raciais.
Bruno Pinheiro – Doutorando em História na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Brasil. E-mail: s1dbpinheiro@gmail.com.
Visões da Morte / Revista Brasileira de História das Religiões / 2017
A chamada temática Visões da Morte apresenta um conjunto de artigos, com diversas abordagens temáticas e teórico-metodológicas, demonstrando a dinâmica das possibilidades de problematizações possíveis da morte na perspectiva histórica. Espaços dos mortos, ritos fúnebres, enfermidades e morte, luto e pesar, cemitérios, morte simbólica de dadas identidades são algumas das entradas temáticas dos textos que formam o presente volume.
Mortes físicas e simbólicas estão e estiveram presentes em distintas situações e condições sociais, como aquelas que mobilizam o interesse dos estudos dos artigos aqui apresentados. O tema morte é geralmente acionado pelos historiadores ao se realizar questionamentos sobre aspectos diversos das sociedades, isto é, as problemáticas de pesquisa acabam vinculando experiências de morte ou morrer com outras instâncias de vida social em universos culturais específicos. São variadas as compreensões das formas de morrer e de expressar a morte, de tal modo que esse tema, analisado historicamente, implica em considerar as mudanças vivenciadas pelos sujeitos em dado espaço e temporalidade, considerando ainda os elementos culturais e políticos que os constituem.
Nesta edição, a morte é percebida nas vivências das associações religiosas, nos (evidentes) locais de sepultamento, nas experiências sociais de sujeitos religiosos, nas diferentes expressões rituais, nos cuidados com enfermos, no tratamento do corpo morto, nos espaços dos mortos, na expressão escrita e literária, no cemitério como manifestação educativa e turística, nas identidades que (re)nascem e morrem, na morte social simbólica. A chamada temática traz um pouco destas variadas possibilidades de interpretações da morte através de análises de práticas religiosas, sociais e políticas e de manifestações de crenças e outras sensibilidades em torno da morte e do morrer. Atentos aos contextos em que se expressavam estas relações com a morte, os artigos reunidos abordam distintos espaços e expressões culturais, que vão do final do século XVII ao tempo presente.
Entendidos como “temas do sofrimento”, conforme Arlette Farge, os debates em torno da morte, na perspectiva histórica, percebem que “cada época, cada cultura, cada classe social ou grupo sexual tem palavras para clamar o escândalo, para dizer seu medo, para abafar sua mágoa”, considerando que sentimentos de “dor” e “pavor” podem ser expressos de diferentes formas, quer haja “familiaridade” com a morte ou não. A depender do contexto, a morte pode assumir diferentes sentidos, mas Farge questiona se “a morte é menos apavorante, menos escandalosa, menos triste por ser visível, presente, ritualizada”. Os sentimentos diante da morte ganham “formas, palavras, modos de expressão que têm implicações sociais e políticas e que pertencem plenamente à história”.1 Portanto, as diferentes visões e interpretações da morte implicam dadas práticas, ritos e crenças que precisam ser entendidas na sua historicidade.
Basicamente, é da morte ocidental e cristã-católica de que tratam os artigos aqui reunidos, vinculados a crenças e compreensões de ritos fúnebres, de espaços de sepultamento e de condições pós-morte da alma, seja como configurador de vivências específicas, seja como conformador de identidades contemporâneas.
Iniciamos com o artigo de Juliana de Mello Moraes, que analisa os atendimentos fúnebres promovidos pelas Ordens Terceiras de São Francisco aos seus irmãos em trânsito pelo Império atlântico português durante o século XVIII. A historiadora demonstra como estas associações cresceram e acumularam rendas neste período, a ponto de ampliarem o oferecimento de sepultamentos e ritos fúnebres ideais aos irmãos, especialmente em São Paulo e em Braga.
Em seguida, o artigo de Ane Mecenas está focado num contexto específico, o espaço de atuação de missionários para conversão de indígenas Kiriri no sertão da América portuguesa. A autora analisa os discursos de capuchinhos e jesuítas entre o final do século XVII e início do XVIII a respeito da morte e das práticas rituais fúnebres, demonstrando tanto as percepções dos missionários sobre as práticas e crenças da “gentilidade” sobre as enfermidades, como os esforços para o ensino dos significados dos enterramentos e das possibilidades do estado da alma após a morte.
Na sequência, o artigo de Claudia Rodrigues e Vitor Cabral analisa a dinâmica relação entre sepultamentos em espaço sagrado e a configuração das desigualdades sociais em uma paróquia rural do Rio de Janeiro, intitulada Santo Antônio de Jacutinga, no final do século XVIII e início do XIX. Os autores atentam para as hierarquias entre livres e libertos da freguesia, desejosos de sepultamento católico em espaços considerados mais (ou menos) sagrados, na desigual busca pela salvação da alma.
O artigo de Vera Lúcia Caixeta apresenta as atitudes diante da morte de sertanejos no norte de Goiás da primeira metade do século XX, a partir das memórias do francês Frei Audrin expressas no livro “Os sertanejos que eu conheci”, escrito nos anos 1940. Segundo Caixeta, na narrativa de Audrin, o sertanejo desponta como aquele que rezava em comunidade e contava com a proteção dos santos de devoção para o socorro na hora da morte.
O texto de Douglas Atilla Marcelino analisa a obra Redescobrindo o Brasil: a festa na política, de Marlyse Meyer e Maria Lucia Montes, que trata de uma interpretação dos funerais de Tancredo Neves. O historiador está interessado em analisar a representação do luto transformado em festa e sua relação com o imaginário político. A morte do presidente eleito, em meados dos anos 1980, marcaria a inauguração de um novo ciclo, no qual o povo redescobriria a si mesmo.
No artigo de Jenny González Muñoz, o foco está na relação entre cemitério (latino-americanos) e escola para a configuração de trabalhos de educação patrimonial que considerem aspectos memoriais e museais com vistas à conservação e preservação. Para a autora, processos educativos podem sensibilizar sujeitos a perceberem o cemitério como lugar de memória e identidade, importantes para a proteção dos bens culturais.
Nesta lógica de cemitério como evidência de memória e identidade, o artigo de Daniel Luciano Gevehr e Larissa Bitar Duarte aponta para a potencialidade de um cemitério específico da cidade de Jaguarão, extremo sul do Rio Grande do Sul, como referencial turístico. Para os autores, o turismo de necrópole pode dinamizar as interpretações sobre os cemitérios, entendendo-os como lugares de memória e de construção de determinadas características do passado daquela sociedade.
Concluímos a chamada temática com o artigo de Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho, que analisa a morte simbólica de pessoas transgêneras e ex-transgêneras na sociedade brasileira contemporânea a partir de suas narrativas, destacando a conversão e desconversão de corpo, sexo e gênero. O autor ainda aponta que os discursos de transfobia religiosa podem ser associados a violências como, por exemplo, o assassinato de travestis e sugere que o discurso de cura gay seja revertido em cura da homofobia, transfobia, travestifobia, lesbofobia, entre outros.
Termino esta apresentação com a esperança de que, sem temores e para não temer, os estudos históricos sobre a morte sejam prósperos e frutíferos no Brasil e que este volume seja inspirador aos leitores da Revista Brasileira de História das Religiões.
Mauro Dillmann – Universidade Federal de Pelotas
Agosto de 2017
DILLMANN, Mauro. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.10, n.29, sete. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
Revolução Pernambucana de 1817 / Revista do IHGB / 2017
É tradição estabelecida do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro revisitar eventos e personagens do passado em datas como centenários, sesquicentenários e bicentenários. Em 2017, comemoraram-se os 200 anos da Revolta de Pernambuco, fazendo com que o acontecimento merecesse um olhar especial por meio do Seminário – “Revolução Pernambucana de 1817” –, que, nos dias 5 e 6 de abril de 2017, reuniu especialistas de diversas áreas, vindos inclusive da antiga capitania de Duarte Coelho. Ainda tendendo a ser encarado, nos dias que correm, por visões divergentes, o movimento sempre foi objeto de grandes polêmicas entre historiadores, juristas e outros estudiosos. Na realidade, estes podem mesmo considerá-lo segundo uma ampla gama de perspectivas, que se estendem desde um dos momentos fundadores da História nacional, precursor da Independência de 1822 – a versão dominante, às vezes ufanista –, até um olhar crítico, cético talvez em demasia, que o reduz a uma explosão local, manifestação de autonomia da província, insatisfeita com a política adotada pelo governo de D. João no Rio de Janeiro.
Assim sendo, este último número de 2017 da Revista centrou-se, portanto, na organização de um dossiê sobre Pernambuco em 1817, cujos artigos foram fruto das reflexões e discussões que ocorreram ao longo daquele evento. Proposto com o objetivo de repensar o acontecimento histórico, em busca de novas interpretações e do estabelecimento de relações entre a historiografia e a memória do evento, o Seminário possibilitou o amadurecimento de trabalhos diversos, que, ampliados e aprofundados, constituem o núcleo central desta publicação. Em seu conjunto, a despeito de também comemorar os 200 anos de Pernambuco 1817, os autores dos artigos aqui incluídos realizaram não só um balanço geral da memória que o acontecimento deixou na historiografia, mas procuraram igualmente avaliar o potencial desse passado para discutir o presente e averiguar, ainda, as ligações simbólicas do poder, da sociedade e da economia na formação do futuro Império do Brasil.
O dossiê contou com 11 artigos. Abre-se com uma discussão jurídica sobre a conceituação da Lei Orgânica da Revolução Pernambucana de 1817, e segue com o debate sobre a dialética entre tradição e inovação no discurso político presente neste processo histórico. Mais adiante, busca inserir o movimento de 1817 no contexto do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, passando, em seguida, para uma discussão historiográfica sobre o “fazer-se (de 1817) uma revolução”. Encontram-se também presentes análises sobre o ideário liberal na revolta, as relações de 1817 com as ideias de Simon Bolívar, as tentativas diplomáticas que o movimento encetou e ainda as configurações espaciais que este tomou na vila do Recife. Se as conclusões podem se mostrar diversas, numa leitura final, apesar da variedade dos temas, o conjunto permite não só exumar homens, heróis e correntes de pensamento bem conhecidas, como ampliar ainda mais um corpus, hoje na ordem do dia dos trabalhos historiográficos, de fenômenos relacionados à difusão e à recepção de ideias. Como resultado, são novos olhares sobre a Revolta Pernambucana de 1817, que buscam, no fundo, como se espera, a forma como homens de determinada época pensavam sua própria vida.
Este número, contudo, não se limita ao dossiê. Completam-no dois artigos inéditos, que se ligam pela análise da cultura material, em épocas distintas. No século XVIII, o primeiro diz respeito a retábulos atribuídos a Aleijadinho, enquanto, no século XIX, o segundo trata das moradas do Conde da Barca no Rio de Janeiro.
Na seção de comunicações, contempla-se novamente o século XIX com mais dois estudos: um sobre as ideias políticas do Visconde do Uruguai e a construção do Estado no Império; o outro acerca da imigração, o ensino agrícola e o projeto da Província do Rio Sapucaí.
A seção de Documentos traz a transcrição de manuscrito fundamental para os estudos sobre feitiçaria na América portuguesa do século XVIII. Ecoando a célebre publicação de 1978 que J. R. Amaral Lapa fez da visita da Inquisição ao Pará entre 1763 e 1769, constitui-se de devassa criminal com o propósito de investigar o delito de feitiçaria cometido por indígenas na primeira metade daquele século, mas no outro extremo da América portuguesa, ou seja, na Ouvidoria de Paranaguá. Para melhor situar o documento, um texto introdutório curto, mas aprofundado, apresenta as principais características arquivísticas do documento, explicando algumas particularidades da feitiçaria e categorias jurídicas encontradas na fonte. Diante de seu ineditismo e originalidade, torna-se desnecessário enfatizar sua relevância.
Completa a Revista uma resenha a respeito dos modos sobre escravizar gente e governar escravos entre Brasil e Angola, séculos XVII-XIX. Como o resenhista afirma, a partir da visão de Sergio Buarque de Holanda, uma das funções sociais do historiador consiste “em exorcizar os fantasmas do passado”. Entre aqueles que ainda rodam e assombram o Brasil, até os dias de hoje, encontra-se sem dúvida a experiência histórica da escravidão.
Aproveitem!
Lucia Maria Bastos P. Neves – Diretora da Revista.
NEVES, Lucia Maria Bastos P. Carta ao leitor. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.78, n.475, p.11-13, set./dez., 2017. Acesso apenas pelo link original [DR].
Esperança Equilibrista. Resistência feminina à ditadura militar no Brasil – JOFFILY (RTA)
JOFFILY, Olivia Rangel. Esperança Equilibrista. Resistência feminina à ditadura militar no Brasil. Florianópolis: Insular, 2016. Resenha de: SARAIVA, Daniel Lopes. Mulheres do Brasil: as diversas formas da resistência feminina durante a ditadura militar no Brasil. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.22, p.494-500, set./dez., 2017.
Nos últimos anos, temos visto um aumento considerável de trabalhos a respeito do período ditatorial no Brasil (1964-1985). Entretanto, a maioria deles é centrada em figuras com destaque político ou lideranças da época – poucos são focados na participação feminina na resistência. Portanto, o livro da jornalista, mestra e doutora em Sociologia pela PUC Olivia Rangel Joffily, Esperança Equilibrista, ajuda a preencher uma lacuna nas pesquisas da área.
A autora aborda a trajetória de 18 mulheres que, de diversas formas, participaram da resistência ao governo. Olivia Rangel Joffily atuou contra o regime militar e se exilou na Albânia, onde trabalhou na Rádio Tirana, redigindo e apresentando um programa sobre as notícias do Brasil. Mesmo com a proximidade com as entrevistadas e com o tema, a jornalista destaca o esforço metodológico para se distanciar do objeto e ser aquela que realiza a pesquisa. A autora faz esse movimento a partir da epistemologia feminista, como observa Saffioti (1991, 1992), não desprezando a emoção como via de conhecimento. Ao mesmo tempo deixa claro que não sobrepõe a emoção à razão, mas busca uma alternativa epistemológica que reflita a interação e entre a maneira pela qual as pessoas entendem o mundo e se situam nele (p. 17).
O livro, dividido em cinco capítulos, desenvolve uma narrativa que faz o leitor questionar privilégios e repensar a história por meio de trajetórias consideradas por alguns como secundárias. No primeiro capítulo, a autora abordou a busca de uma história pelo ângulo do oprimido. Questões como ética e história do termo são desenvolvidas de forma que o leitor perceba que há de se buscar uma história além da oficial ou além da história de um grupo com privilégios. O personagem referencial na história é o homem branco, heterossexual, de classe média ou alta, central na maioria das narrativas e pesquisas. Nas palavras da autora, ela buscou amplificar a fala das mulheres, já que estão quase sempre ausentes nos relatos da história, incluindo-se a história da resistência militar (p. 26).
Seguindo a narrativa, a pesquisadora trabalhou com as ferramentas metodológicas e teóricas da pesquisa. Ela trata o gênero como categoria histórica de análise e sua abordagem em relação aos relatos de vida. Ao elogiar as pesquisas sobre as origens da exploração-dominação, no sentido de buscar fundamento no biológico, a autora já mostrava o que iria abordar mais adiante: a forma pela qual os militantes do sexo masculino, em sua maioria, lidavam com as companheiras mulheres – muitas vezes relegando suas funções aos bastidores ou mostrando resistência ao poder das mulheres quando essas assumiam posições de destaque (p. 43). Outro ponto central no trabalho foram os relatos de vida que possibilitaram que as mulheres rompessem um bloqueio que muitas vezes parecia invisível e transformava a experiência em realidade (p. 57).
O terceiro capítulo contextualiza o leitor sobre o período em que a ditadura militar esteve vigente no Brasil, de forma sucinta, objetiva e usando pesquisas sobre a época como referência. Esta parte do livro possibilita entender como o golpe foi aplicado no país, seus antecedentes, suas ondas de repressão, o momento de maior recrudescimento do regime militar e de que forma isso afetou a sociedade. Além disso, mostra de que maneira os ditadores militares foram “abrindo” os caminhos para o retorno da democracia ao Brasil. Esta parte é essencial para que, mais adiante, seja possível compreender a trajetória das 18 entrevistadas.
Na quarta parte do livro, os movimentos que promoviam a resistência contra o governo ditatorial são o mote central: o movimento estudantil; o movimento operário e sindical; e a luta armada. Joffily destaca de que forma esses movimentos atuaram na resistência. Um aspecto central é que a autora não focaliza sua obra no eixo Rio-São Paulo. Em diversos momentos foram citados outros estados da federação e suas ações, além de acontecimentos em relação à resistência. Ao abordar a luta armada, a socióloga nomeia as principais organizações guerrilheiras: ALN, MN-8, VPR, VAR-Palmares, entre outras. Essas organizações realizaram ações armadas, como sequestros e assaltos, atraindo uma reação maior da repressão. O objetivo dessas ações era financiar a resistência e conseguir a liberdade de combatentes presos em troca dos sequestrados. A guerrilha urbana, entretanto, entrou em declínio conforme suas lideranças foram presas, torturadas e assassinadas pela repressão, principalmente no governo do general Médici. Foi um momento dramático para a esquerda armada, pois as organizações políticas, fragmentadas e divididas, não conseguiam recrutar novos militantes (p. 92). Ao fim do capítulo foi ressaltada a participação das mulheres nessas ações de resistência. Destacando as diversas mulheres que foram assassinadas durante este período, e a porcentagem de mulheres que participaram da resistência no Araguaia, no total de 20%, fica evidente que mesmo que a guerrilha tenha sido predominantemente masculina, houve um número considerável de mulheres presentes em todos os grupos.
A última parte do livro é, talvez, a de maior destaque. Ao revisitar a memória dessas mulheres, a pesquisadora possibilitou que elas repensassem suas trajetórias e percebessem a importância que tiveram em suas caminhadas contra o governo imposto. Os depoimentos, além de fornecerem sua forma de resistência, ofereceram algumas contradições que essas mulheres enfrentaram em sua militância, tanto no interior das organizações quanto em todos os outros aspectos de sua participação política (p. 98).
A autora enumera cinco formas de resistência e, como frisado por ela, muitas vezes essas formas se entrecruzavam e uma só resistente participava de várias delas. A primeira era de mães, filhas e esposas que entraram na luta pelos caminhos do coração, apoiando seus familiares. A segunda, de militantes que decidiram atuar nos partidos e entidades, introduzindo a duras penas o feminino na estrutura das organizações clandestinas. O terceiro tipo, das exiladas que foram obrigadas a deixar o país pra garantir sua integridade física e mental – seja pela perseguição, seja por acompanharem os companheiros. A quarta forma é das mulheres que foram presas e torturadas, tendo seus corpos transformados em campos de batalhas. E, por último, das guerrilheiras urbanas e rurais que ousaram pegar em armas e desafiar a ira dos poderosos (p. 100).
Dessa forma, a autora consegue englobar as diferentes trajetórias das 18 entrevistadas. Como a de Carmela, que tinha filhos que participavam do Comando de Libertação Nacional (Colina), que começou a ler e lutar pela liberdade por influência deles e foi torturada na mesma época que seus filhos. Ou a de Nice, que participou da resistência em função de amor e preocupação com a filha, militante estudantil (p. 106-107).
Há também as mulheres que chegaram a presidir partidos e organizações, como Eleonora Menicucci, que foi presa e torturada. Mesmo com uma porcentagem feminina considerável em seus quadros, as organizações de esquerda tiveram dificuldade em assimilar as mudanças que aconteciam na época, especificamente no que se refere às relações entre homens e mulheres. Mesmo pregando o inverso, muitas vezes as mulheres eram relegadas a posições secundárias e, quando no poder, enfrentavam a resistência masculina ao darem ordens (p. 120).
As mulheres que eram levadas presas sofriam não apenas com a tortura, mas também com o medo do abuso sexual. Os torturadores, em sua maioria homens, aproveitavam por vezes a situação de vulnerabilidade delas naquele momento. Muitas relataram que tinham as roupas rasgadas, levavam choques em suas partes íntimas, tinham sua moral questionada, eram sempre ligadas à proximidade de um homem e, dificilmente, consideradas líderes. Também tinham seus entes queridos usados nas torturas: diversos foram os relatos das presas cuja família era ameaçada durante os interrogatórios ou cujos filhos e pais eram levados para assistir às sessões de tortura.
Os relatos se aproximam à medida que as ex-presas falavam sobre o sofrimento. Gilse Cosenza afirma que “com a gente que é mulher, eles usam, além da tortura normal para os homens, a afetividade e a questão sexual”. Eleonora Menicucci diz que “fui torturada setenta dias, não fui violentada sexualmente, não fui estuprada, mas fui violentada porque colocaram um pau de vassoura com fio amarrado na minha vagina e deram choque”. Amelinha conta que “toda mulher ali na tortura era puta, amante de todas pessoas da organização. Nunca fui torturada com roupa”(pp. 128-135). Esses três depoimentos são alguns dos que mostram de que maneira os torturadores usavam a questão do gênero nas torturas contra as presas. Seja ameaçando com o abuso e praticando, seja ameaçando os familiares ou levando-os para as sessões de tortura. Essas mulheres foram brutalmente torturadas em sessões que destruíam não apenas seu físico, mas também o psicológico. Porém, mesmo com a vulnerabilidade do corpo feminino, as presas resistiam bravamente aos interrogatórios e chegavam a surpreender inclusive os torturadores com tamanha força e resistência.
As mulheres, mesmo que não fossem maioria em cargos de destaque na resistência, estiveram presentes na luta: tanto na luta armada quanto na resistência em partidos ou em passeatas, sendo ativas no combate contra a ditadura militar impingida no Brasil. A luta feminina acontecia não apenas contra o governo ditatorial, mas, muitas vezes, dentro dos movimentos e partidos, já que a ocupação da mulher em locais de destaque não era bem vista por parte dos setores da esquerda.
Fica perceptível que o livro traça de forma objetiva um panorama do contexto histórico que o Brasil viveu entre 1964 e 1985. A obra possibilita, desse modo, que o leitor entenda por que a figura dessas mulheres é tantas vezes deixada em segundo plano, explicando didaticamente que a história tem seus personagens centrais, e as mulheres, os negros e os gays dificilmente fazem parte desse centro.
Para terminar, cito o nome das 18 entrevistadas: Dulce Maia, Edira Amazonas, Eleonora Menicucci, Eunice Gitahy, Guiomar Lopes, Leda Gitahy, Loreta Valadares, Maria Amélia Teles (Amelinha), Maria Auxiliadora Arantes, Maria Liège dos Santos Rocha, Sandra de Negraes Brisolla, Telma Lucena, Tereza Costa Rego, Gilse Consenza, Criméia Alice Schimidt de Almeida, Vera Silvia Magalhaes, Carmela Pezzuti e Clarice Hezog. Essas mulheres ousaram não apenas enfrentar a ditadura, mas também enfrentar e vasculhar suas memórias, expor suas dores, angústias e lembranças mais íntimas para que possamos lembrar sempre do que aconteceu durante a ditadura no Brasil.
Referências
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Novas Perspectivas Metodológicas de Investigação nas Relações de Gênero. In: MORAES SILVA, Maria Aparecida de (Org.). Mulher em seis tempos. Araraquara: Unesp, 1991.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. O Poder do Macho. São Paulo: Moderna, 1992.
JOFFILY, Olivia Rangel. Esperança Equilibrista. Resistência feminina à ditadura militar no Brasil. Florianópolis: Insular, 2016.
Daniel Lopes Saraiva – Doutorando em História na Universidade do Estado de Santa Catariana (UDESC). Brasil. E-mail: danielsaraiva_15@hotmail.com.
Les invasions barbares: une généalogie de l’histoire de l’art – MICHAUD (Topoi)
MICHAUD, Éric. Les invasions barbares: une généalogie de l’histoire de l’art. Paris: Gallimard, 2015. 320p.p. Resenha de: DOSSIN, Francielly Rocha. O imaginário europeu sob o fantasma da filiação: sobre a racialização da arte e sua história. Topoi v.18 n.36 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2017.
“Nos pères les Germains”, Montesquieu.
Éric Michaud é historiador da arte e diretor de estudos na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais em Paris (École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS). Suas pesquisas giram em torno dos projetos artísticos que visaram a construção do novo homem, especialmente nos séculos XIX e XX. Há alguns anos tem se dedicado a compreender a distinção que a história da arte europeia, a partir do século XIX, fez entre norte e sul. Michaud pesquisa a criação dessa divisão, fundamentada por concepções nacionalistas e racializadas, a partir da leitura de autores como Wölfflin, Schlegel, Riegl, Courajod e Viollet-le-Duc.
Pouco conhecido no Brasil, Michaud ainda não obteve uma tradução de fôlego no país. A publicação mais próxima que dispomos é a argentina La estetica nazi – un art de la eternidade (Buenos Aires: Adriana Hidago, 2009, 397p.),1 seu livro anterior.2 Nessa obra o historiador francês empenhou-se no estudo do projeto estético nacional-socialista alemão, sendo exemplo cabal do uso da arte como prova da autoproclamada superioridade ariana. Michaud mostra como os usos da arte podem estar em posição contrária à “reconciliação” entre povos e como se dá o vínculo inseparável entre projetos políticos e estéticos. Como revela o subtítulo original, “Uma arte da eternidade”, a arte nazista propunha uma negação do tempo e da história. A inspiração para essa negação vem do cânone atemporal atrelado à noção de raça na história da arte. Essa problemática, que também circunda o último livro lançado, é tratada com a mesma erudição de seus textos anteriores. As invasões bárbaras: uma genealogia da história da arte3 é uma publicação da coleção Nrf Essais da editora francesa Gallimard. Resultado de uma pesquisa conduzida em 2010 no Institute for Advanced Study (Universidade de Princeton) e financiada pela fundação franco-estadunidense Florence Gould Foundation Fund. Na obra, Éric Michaud demonstra como concepções raciais foram fundantes da história da arte como disciplina.
Para o autor, “a história da arte começou com as invasões bárbaras”4 (p. 11), uma afirmação forte, mas que não significa que a história da arte tenha começado nos séculos IV e V com as invasões ao Império Romano, tampouco que a arte não possuísse história antes delas, mas sim que a disciplina só se fez possível quando, entre os séculos XVIII e XIX, as invasões começaram a ser entendidas e narradas como o “(…) evento decisivo pelo qual o Ocidente se engajou na modernidade, ou seja, tomou consciência de sua própria historicidade” (p. 11). A noção de que os bárbaros foram aqueles que destruíram a Europa clássica se inverte a partir do romantismo, momento em que passam a ser entendidos como aqueles que construíram o continente. Há nesse momento uma grande mudança na representação sobre o passado, criando-se uma grande oposição entre nórdicos (enérgicos e masculinos) e latinos (decadentes e femininos).
“Sobre um fantasma da filiação” é o título da introdução na qual o autor nos apresenta as linhas gerais de sua obra, mostrando como a partir de 1800 os “bárbaros” começam a ser entendidos como “um povo” vigoroso, forte e criativo, que trouxe renovação e rejuvenescimento de todas as ordens através da “injeção” do novo sangue, das raças nórdicas, no “corpo” dos povos do Império decadente. O “gênio5 nórdico” passa então a ser valorizado em detrimento da “latinidade”.
A história da arte, que surge com um viés antirromano e anticlassicismo, é uma criação romântica, contemporânea à criação dos Estados-Nações e ao desenvolvimento do nacionalimo na Europa. Sua genealogia nos remete a uma determinada organização histórica e política inerente ao regime de visualidade racializado. As relações entre história da arte e o modelo arqueológico e antropológico também ajudam a compreender como se deram as preocupações com as origens étnicas e raciais, pois tinham objetivos semelhantes: determinar o pertencimento de origem de um objeto. A maior parte dos departamentos de história da arte nas universidades europeias é de “história da arte e arqueologia”, um exemplo dessa relação estreita entre ambas as disciplinas. Tanto a arqueologia quanto a história da arte tinham por tarefa associar “(…) seus objetos a grupos raciais se baseando em alguns signos visíveis” (p. 23). Essa procura por uma filiação, muitas vezes fantástica, levou a compreensão da estética como algo ligado ao sangue e à raça e serviu para que a “Europa projetasse no passado, seu projeto político nacional e racial” (p. 16). Assim, entendemos como “(…) a história da arte se inscreveu na grande narrativa da guerra das raças” (p. 16).
No primeiro capítulo, intitulado “Do ‘gosto das nações’ ao ‘estilo de raça’”, Michaud revela o caráter fantasmático, imaginário e confuso de noções basilares da disciplina, a exemplo das ideias de gosto e estilo que facilmente se confundiam com construções raciais. O “estilo” foi uma forma de visualizar, teorizar e hierarquizar diferenças. Daí teriam surgido divisões como “arte latino-mediterrânea” e “arte nórdico-germânica”.
Já no segundo capítulo, intitulado “Automiméses e autorretrato dos deuses”, Michaud mostra como se construiu determinada “leitura” da antiguidade (a mesma que posteriormente o projeto nazista portará, mas desta vez como uma caricatura). Um dos historiadores mais presente neste momento é Johann Joachim Winckelmann, considerado por muitos como o pai da história da arte (e da arqueologia científica). Winckelmann empreendeu uma busca pela pureza da arte antiga grega, ideal que para Michaud está intrinsecamente ligado à noção de pureza racial e à idealização da beleza humana, a exemplo da invenção do perfil grego. A análise dos textos de Winckelmann revela também o desenvolvimento de uma narrativa a-histórica e cristã. Nas palavras de Éric Michaud: “(…) foi, portanto, um modelo cristão que estruturou essa narrativa: o ideal era a encarnação do Espírito na história – mas na história da Grécia antiga” (p. 88), a arte grega espelhava, para Winckelmann, deuses autorretratados.
No terceiro capítulo, “As invasões bárbaras ou a racialização da história da arte”, o autor aprofunda sua tese central na qual identifica na reinterpretação das invasões bárbaras o ponto decisivo da racialização da história da arte. Aqui vemos como o processo de “desbarbarização” dos povos outrora bárbaros e considerados sem arte e sem cultura possibilitou a inversão romântica e produziu o modelo histórico e cultural que agenciou a narrativa da disciplina história da arte. Ao longo da leitura somos introduzidos a conceitos como o de “tempo de incubação” (temps d’incubation), essenciais para compreender a visão evolucionista da arte. Segundo Michaud:
Ela [a noção de tempo de incubação] se comunicava com os conceitos de despertar,6 de reminiscência, e especialmente de sobrevivência que ele [Louis Courajod] lidava com talento para lançar constantemente pontes entre os planos biológico e cultural a fim de estabelecer uma natureza hereditária da transmissão das formas no espaço e no tempo. (p. 133)
Com a reabilitação dos povos bárbaros, surge outro grande inimigo das artes: o judeu. Se uma das tarefas da história da arte era mostrar como a arte representava um povo em suas qualidades e tradições, o judeu, sem um território constante, ficava fora dessa narrativa. A visão comum era de que os judeus, egoístas, eram incapazes artisticamente de se verem como um povo, uma nação. Eram iconoclastas e, portanto, insensíveis à beleza plástica. O judeu passa aos poucos a ser não só aquele que não tem arte, mas também o destruidor da cultura. Isso se dá principalmente depois da emancipação judaica.7 Esta tese está presente no quarto capítulo, “Um novo bárbaro: o judeu sem arte”.
No último capítulo, “O sangue dos bárbaros: estilo e hereditariedade”, encontramos outros conceitos e problemas que dão suporte à tese do autor. A história da arte como evolução é observada na oposição da tatilidade antiga do sul à opticalidade moderna do norte e também nas disputas acerca das origens do gótico. São vários os diálogos entre a visão evolucionista e racializada da história da arte e o pensamento de autores como Conde de Gobineau,8 por exemplo.
Outro conceito que nos é apresentado é o de Kunstwollen (vontade da arte), desenvolvido por Aloïs Riegl. Para Michaud, o conceito de vontade da arte está imbuído de um essencialismo psicológico nacional e racial. Caso semelhante é o conceito de Rassencharakter (Caráter racial), que Wölfflin creditava ser o responsável pelo estilo de um povo. No entanto, Michaud não foi o primeiro a observar as estreitas relações entre história da arte e teorias raciais. Meyer Shapiro já havia afirmado em 1936:
As teorias raciais do fascismo apelam constantemente às tradições artísticas (…). Onde, senão nos restos artísticos do passado, um nacionalista encontra as provas tangíveis de seu caráter racial imutável? Sua própria experiência se limita a uma ou duas gerações; somente os monumentos artísticos de seu país lhe asseguram que seus ancestrais eram como ele, e que seu próprio caráter é um legado permanente enraizado no seu sangue e no seu solo. Já faz um bom século que o estudo da história da arte tem sido usado para essas conclusões. (Apud Michaud, 2015, p. 211)
É verdade que os historiadores da arte mais lidos, como Aby Warbug, não são diretamente citados, entretanto, Michaud problematiza a metodologia de Giovanni Morelli (sob o pseudônimo de Ivan Lermolieff), revisitado por Carlo Ginzburg, para desenvolver seu “paradigma indiciário”, bastante utilizado por historiadores que tratam de arte, imagens, iconografia. Para Michaud, o método morelliano é outro exemplo de procura por indícios raciais e que faz parte de uma relação estabelecida anteriormente entre a “morfologia dos povos e as formas artísticas que produzem” (p. 64).
Nessa obra o conceito de raça tem uma conotação diversa da que ganha dianteira com o racismo científico. Por isso, sentimos falta de maiores contornos para o termo. No entanto, o autor está ciente dessas nuances e nos mostra que os termos raça, povo, nação, etnia foram utilizados de forma totalmente intercambiável por muitos dos autores que cita.
Para finalizar, cabe uma crítica relativa ao epílogo, intitulado “A etnização da arte contemporânea”. Nessas quatorze páginas, o autor defende que a crença de que uma arte representa um povo ou uma raça perdura não só nas classificações e divisões museológicas por nações e origens, mas também no que ele chama de “etnicização da arte”, que seria um fenômeno presente desde os anos 1950. Para ele, a universalidade abstrata, um dos princípios do mundo romano, continua a ser acusada de oprimir as singularidades dos diferentes povos; universalidade esta atualizada por meio da globalização. Tal queixa, para o autor, vem de uma visão romântica contra o que seria o poder normativo do classicismo. Michaud observa que o mercado de arte contemporânea tem sobrevalorizado as origens étnicas das obras de arte e dos artistas. Um dos casos lembrados pelo autor é a arte dos inuítes e como ela teria sido organizada pelo mercado de forma a valorizá-la, encerrando-a na constituição de um ideal de “pureza” de suas origens étnicas.
É possível observar um paralelo com a tese apresentada anteriormente, afinal, com a valorização de artistas fora do eixo Europa-Estados Unidos, não estaríamos assistindo a uma nova “reabilitação dos povos bárbaros”? Pode-se observar, por exemplo, como artistas africanos e afrodescendentes nas Américas e na Europa têm emergido em importantes espaços expositivos. Não seria esse outro momento de “desbarbarização” dos povos outrora considerados sem arte e sem cultura? Lembramos especialmente o caso da África por ter sido o continente que por muito tempo foi considerado o exato oposto da Europa. E por isso, sem leis, sem cultura, sem história e sem arte.9
Se, por um lado, podemos afirmar com o autor que uma compreensão racial baliza a compreensão da arte na contemporaneidade, por outro, Michaud parece nivelar a produção contemporânea como sendo um produto do interesse “étnico”. Nos últimos anos vêm ocorrendo uma maior participação de artistas oriundos de países chamados “periféricos” ao mundo da arte. É verdade que parte desses artistas conquista espaço através de rótulos relativos à origem, como, por exemplo, “arte latino-americana”, “arte do mundo árabe” ou “arte africana”. Por outro lado, vários desses artistas procuram colocar essas noções em xeque. Os próprios artistas lutam para se livrar dessa etiqueta que acaba por enclausurá-los na função de porta-vozes de uma nação ou de um determinado povo. Muitos artistas questionam e criticam esse olhar balizado a partir do interesse pelo “exótico” ou por uma “diferença construída”. A poética desses artistas acaba centrando-se no intuito de desconstrução da visualidade racializada que embalou e embala o ocidente. Eles assim o fazem, tal como o faz Michaud, demonstrando como tais critérios fazem parte do atual momento histórico marcado pelas estruturas e práticas racializadas.
É significativo que a obra se encerre abordando a arte contemporânea, afinal, as perguntas que fazemos ao passado são fruto das preocupações que temos com o presente. Em suma e ao final da leitura, a obra provoca os historiadores da arte a se colocarem uma questão capital: como pensar a historicidade da arte e sua narrativa fora do âmbito genealógico das filiações?
As invasões bárbaras apresenta uma grande contribuição à historiografia da arte, não apenas porque traz, com erudição, uma pesquisa excelentemente realizada, mas porque dialoga com as mais agudas preocupações da contemporaneidade. Se hoje sobra à História o exercício da autocrítica e da reflexão sobre sua própria escrita, faltava à História da Arte a coragem de se colocar algumas questões difíceis e incontornáveis impostas por nosso presente. Neste livro, Michaud realiza uma reflexão preciosa sobre a história, a ética e a estética da história da arte e as representações e sentimentos fundantes desta disciplina. Para quem se interessa por temas ligados não só à História da Arte, mas às questões ligadas à visualidade, em especial ao regime de visualidade racializado, esta obra é leitura imprescindível, e por isso espero que não tardemos a ver uma tradução em português.
1Un art de l’éternité. L’image et le temps du national-socialisme. Paris: Gallimard, 1996, 392p. (A obra contou também como uma tradução em língua inglesa: The Cult of Art in Nazy Germany. Trad. Janet Lloyd. Stanford: Stanford University Press, 2004, 276p.).
2Michaud é autor de outros livros que ainda não foram traduzidos para a língua estrangeira. Cf. <http://cehta.ehess.fr/index.php?/membres/membres-associes/163-eric-michaud>.
3Algumas questões centrais das quais o autor se ocupou no livro já tinham sido apresentadas em um artigo que publicou previamente na revista estadunidense October (n. 139, p. 59-76, inverno de 2012) sob o título “Barbarian Invasions and the Racialization of the Art History”.
4Todas as citações dos originais em língua estrangeira foram traduzidas por mim.
5A palavra gênio é utilizada aqui não no sentido de extraordinário talento, potência intelectual e/ou conhecimento, mas no sentido, mais comum em francês (génie), de características e qualidades próprias e distintivas de algo e/ou alguém.
6Réveil pode ser traduzida como “despertar”, referindo-se a um processo de renascimento.
7Refiro-me aqui ao processo, que se deu entre o século XVIII até o século XX, de libertação dos judeus na Europa, expresso principalmente pela abolição de leis discriminatórias e pela conquista de direitos civis.
8Bastante conhecido no Brasil e pelos estudiosos das relações raciais, pois, como diplomata, serviu no Brasil e seus escritos representam um resumo claro do racismo do século XIX.
9Lembro aqui o já bastante citado excerto da introdução de Fundamento geográfico da história Universal de Hegel: “A principal característica dos negros é que sua consciência não atingiu a intuição de qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas quais o homem se encontraria com sua própria vontade, e onde ele teria uma ideia geral de sua essência. (…) O negro representa, como já foi dito, o homem natural, selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de tudo o que chamamos de sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles, nada evoca a ideia de caráter humano. (…) Entre os negros, os sentimentos morais são totalmente fracos — ou, para ser mais exato, inexistente. (…) Com isso, deixamos a África. Não vamos abordá-la posteriormente, pois ela não faz parte da história mundial; não tem nenhum movimento ou desenvolvimento para mostrar. (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da história. Brasília: Ed. UnB, 1995, p. 84-88).
10Como citar – MICHAUD. Éric. Les invasions barbares: Une généalogie de l’histoire de l’art. Paris: Gallimard, 2015. p. 320. Resenha de DOSSIN, Francielly Rocha. O imaginário europeu sob o fantasma da filiação: Sobre a racialização da arte e sua história. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, v. 18, n. 36, p. 690-695, set./dez. 2017. Disponível em: <www.revistatopoi.org>.
Francielly Rocha Dossin – Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: frandossin@gmail.com.
Crítica da razão negra – MBEMBE (Topoi)
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. 1. ed., Lisboa: Antígona, 2014. Tradução de Marta Lança. Resenha de: ROBYN, Ingrid. Capitalismo, esquizofrenia e raça. O negro e o pensamento negro na modernidade ocidental. Topoi v.18 n.36 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2017.
Crítica da razão negra, de Achille Mbembe (original em francês pela editora La Découverte, 2013), é um desses livros que nasceu já clássico: clássico não no sentido de antigo, ou imune à passagem do tempo, mas no sentido borgeano de ter sido escolhido por uma comunidade de leitores como leitura obrigatória. E o livro é, de fato, leitura obrigatória não apenas para aqueles que se interessam pela questão do “negro”,1 mas para todos aqueles que, de alguma forma, se interessam pela relação entre raça e modernidade, ou posto de outra maneira: raça, Estado e mercado. Porque o que o autor denomina devir-negro do mundo é, concretamente, uma teoria explicativa das relações entre o pensamento racial no mundo ocidental e a emergência da modernidade em sua relação intrínseca com o desenvolvimento do Estado moderno e do capitalismo, sobretudo da chamada acumulação primitiva do capital (que, diga-se de passagem, tanto Mbembe como a teórica italiana Silvia Federici não veem como uma etapa superada do desenvolvimento do capitalismo, e sim como algo ainda em curso). Situando-se entre a filosofia, a história e a crítica, Crítica da razão negra é, ao mesmo tempo, uma abrangente e provocadora reflexão sobre os conceitos de “raça”, “negro” e “África” no ocidente, e um panorama histórico das relações raciais no mundo ocidental entre os séculos XV e XXI. Ao mesmo tempo que analisa os processos históricos dos quais derivam estes conceitos, Mbembe também nos oferece um recorrido do que eu chamaria “pensamento negro” – a sua “razão negra” -, dialogando criticamente com uma série de filósofos, teóricos e escritores negros que se debruçaram sobre a sua condição e refletiram sobre as possibilidades de emancipação do negro no mundo ocidental; uma tradição cujo ponto alto o autor localiza entre as décadas de vinte e setenta do século XX, mas de cuja ideias ele se apropria para pensar o século XXI.
Apesar de que percorre um longo caminho histórico, a maior parte do livro se concentra em dois momentos históricos especialmente paradigmáticos da história das relações entre Europa e África, assim como a construção dos conceitos de “negro” e “raça”: o pensamento ilustrado do século XVIII francês e o colonialismo europeu sobre o continente africano no século XIX. Se bem faz remontar o termo “negro” ao século XVI, e conceda especial atenção à maneira como esta categoria opera nas Américas francesa e inglesa, é durante o iluminismo e o neocolonialismo europeus que Mbembe localiza o ponto nodal da construção do negro como sujeito racializado no Ocidente e, como tal, contraponto à humanidade encarnada pelo “branco”:
o Negro e a raça têm significado, para os imaginários das sociedades europeias, a mesma coisa. (…) a sua aparição no saber e no discurso modernos sobre o homem (e, por consequência, sobre o humanismo e a Humanidade) foi, se não simultâneo, pelos menos paralelo; e, desde o início do século XVIII, constitui, no conjunto, o subsolo (inconfessado e muitas vezes negado), ou melhor, o núcleo complexo a partir do qual o projeto moderno de conhecimento – mas também de governação – se difundiu. (p. 10)
Antes de entrar a fundo no conteúdo do texto, no entanto, proponho uma pergunta: por que a tradução portuguesa do livro saiu três anos antes da sua tradução ao inglês, quando o mercado de editoras acadêmicas nos Estados Unidos – para ficar apenas com os Estados Unidos – é reconhecidamente mais ativo e mais lucrativo que o mercado editorial português tomado em seu conjunto?
A pergunta permite um sem-fim de hipóteses. Uma hipótese seria a de que foram os portugueses os primeiros europeus a ocupar as costas africanas e estabelecer o tráfico de escravos daquele continente, para o resto do mundo. A teoria, no entanto, é preguiçosa: sabemos do papel de companhias inglesas no tráfico de escravos de origem africana e, mais importante, do papel preponderante das colônias da América do Norte no que diz respeito à construção da categoria “negro”. Além disso, tal hipótese apelaria ao nacionalismo português, algo do que o livro de Mbembe se afasta de forma notável.
Outra hipótese seria o interesse que o livro poderia suscitar em outros países de língua portuguesa, sobretudo as ex-colônias portuguesas na África e o Brasil. Mais condizente, esta hipótese não explica o outro lado da história: o fato de que o livro tenha demorado tanto em publicar-se em língua inglesa, quanto Mbembe na verdade confere certo protagonismo à Inglaterra e aos Estados Unidos tanto no que diz respeito ao tráfico negreiro e à escravidão como à construção das fabulações responsáveis pelo surgimento da figura do negro, e que em última instância determinariam os rumos da ideologia racial na modernidade.
Uma possível resposta encontra-se, talvez, na tese central que Mbembe desenvolve ao longo deste livro, e que encontra particular resistência no mundo anglo-saxão: a ideia de que o liberalismo – tanto econômico, como político – não é incompatível com a escravidão e o racismo; ao contrário, é o liberalismo que cria o negro e a noção de “raça”, indissociável desta figura. Para Mbembe, ao mesmo tempo que o Estado moderno surge com e para o mercado global – é a máquina de guerra do Estado moderno que permite a empresa colonial, isto é, a escravidão em massa, o sistema de plantação e a acumulação primitiva de capital -, o liberalismo é a ideologia que justifica esta operação. Obviamente, Mbembe diferencia os processos históricos e ideologias específicos que distinguem o colonialismo dos séculos XV-XVIII, daqueles que irão caracterizar o século XIX e boa parte do século XX. No entanto, o autor não observa uma real ruptura entre esses dois tipos de colonialismos – e capitalismos – no que diz respeito à questão do negro. Ao contrário, é o surgimento da noção de humanidade, no esteio do iluminismo e o liberalismo, o que garante a definitiva separação desta entre “brancos” – sinônimo de “homem”, neste contexto – e “negros” – vistos como uma outredade absoluta, como espécie de semi-homens cuja diferença radical frente ao “homem branco” justificaria a empresa colonizadora. Nos termos de Walter Migonolo, seria no século XVIII que se processa a separação dos homens entre humanitas e anthropos.
É esta a tese que o autor desenvolve nos três primeiros capítulos do livro, “A questão da raça”, “O poço da alucinação” e “Diferença e autodeterminação”. Seu ponto de partida, o questionamento das categorias “negro” e “África”, e com elas, da noção de “raça”. Para Mbembe, o negro é uma ficção, um conjunto de fabulações elaboradas no esteio do capitalismo mercantil e do estabelecimento do sistema de plantação. A criação da categoria “negro”, à qual logo se vincularia a noção de “raça”, teria por finalidade estabelecer uma diferença radical, entendida como insuperável, entre a humanidade europeia e esse outro, o negro, sobre o qual se projetam todo tipo de medos e ansiedades. Esse outro, prossegue Mbembe, não seria homem no sentido pleno da palavra, mas sim objeto: pré-humano, vivendo em estado primitivo, incapaz de autogovernar-se, o negro seria então reduzido à condição de escravo – mercadoria e trabalho – e a empresa colonial justificada como obra “civilizatória” e inclusive “humanitária”; algo que, segundo o autor, continuaria informando o neoliberalismo do século XXI e os processos de globalização.
Junto com as categorias “negro” e “raça”, surge a “África”, terra desconhecida e que não se quer conhecer, sobre as quais se projetariam também uma série de fabulações. A partir de então, negro e África passariam a ser diretamente associados: o colonialismo e o desenvolvimento do capitalismo dariam lugar, ao mesmo tempo, a uma territorialização da raça e racialização do espaço. Essa associação sine qua non entre negro e África é algo que os próprios sujeitos negros abraçariam em seus primeiros intentos de emancipação, reclamando sua “africanidade essencial” como parte de sua identidade, e canibalizando assim o discurso europeu.
Outro aspecto fundamental destes capítulos são as íntimas relações que se estabelecem entre o Estado moderno, o mercado e o racismo. Para Mbembe, o Estado moderno surge como instrumento do mercado e produto da razão mercantilista, a partir dos quais não apenas se estabelece uma partilha do mundo, mas uma partilha na qual a raça ocupa um papel central. Se o principal objetivo da lei e da burocracia é a coerção e controle dos corpos, e o medo é o principal instrumento do Estado – como já afirmara Michel Foucault -, é sobre o negro que irá se projetar este medo, e portanto sobre seu corpo que se exercerá o controle do Estado. Além do mais, o surgimento do direito moderno, na Europa, implicou entender tudo o que está além dela – homens incluídos – como ao mesmo tempo além e aquém da lei. Para Mbembe, o Estado moderno e o liberalismo surgem, então, como instrumentos biopolíticos por excelência que irão permitir e justificar a escravização do negro – entendido como ameaça, como conjunto de fabulações e de disparates que por sua vez disparam afetos -, o estabelecimento do sistema de plantação e, com isto, de um mercado global:
No ensaio La Naissance de la biopolitique, Foucault defende que, na origem, o liberalismo “implica intrinsecamente uma relação de produção/destruição [com] a liberdade”. Esquece-se de explicar que, historicamente, a escravatura dos Negros representa o ponto culminante desta destruição da liberdade. Segundo Foucault, o paradoxo do liberalismo é que “é necessário, por um lado, produzir a liberdade, mas esse próprio gesto implica que, do outro lado, se estabeleçam limitações, controles, coerções, obrigações apoiadas em ameaças, etc.” A produção da liberdade tem portanto um custo cujo princípio de cálculo é, acrescenta Foucault, a segurança e a protecção. Por outras palavras, a economia do poder característica do liberalismo e da democracia do mesmo tipo assenta no jogo cerrado da liberdade, da segurança e da protecção contra a omnipresença da ameaça, do risco e do perigo. (…) O escravo negro representa este perigo. (p. 143)
É neste sentido que o liberalismo e inclusive o discurso sobre direitos humanos solidificam o racismo. O liberalismo econômico tem por base o comércio de escravos, responsável pelo desenvolvimento do capitalismo e pelo que hoje chamamos globalização. Neste contexto, o negro ocupa o papel de mercadoria e de matéria energética: ele é, ao mesmo tempo, homem-mineral (não homem, natureza), homem-metal (escravo, instrumento de extração) e homem-moeda (produtor de mercadorias e mercadoria em si mesmo). Por sua vez, o liberalismo político e o discurso sobre os direitos humanos, herdeiro do iluminismo, utilizam a escravidão como metáfora da condição humana em seu conjunto, ao mesmo tempo que apagam a existência do racismo sob a bandeira da igualdade e da fraternidade: trata-se de um discurso universalizante que, por isso mesmo, é incapaz de dar conta da diferença histórica sobre a qual se fundam as categorias “negro” e “raça”. Ao contrário, sugere Mbembe, trata-se de reafirmá-las ante a suposta impossibilidade de conciliação entre a “raça branca”, portadora de humanidade e cidadania plenas, e a “raça negra”:
O direito é, portanto, neste caso, uma maneira de fundar juridicamente uma certa ideia de Humanidade enquanto estiver dividida entre uma raça de conquistadores e uma raça de servos. Só a raça de conquistadores é legítima para ter qualidade humana. A qualidade do ser humano não pode ser dada como conjunto a todos e, ainda que o fosse, não aboliria as diferenças.2 (p. 111)
O século XIX concluiria o trabalho de exclusão a partir do qual a África e o negro se vêm separados da “história da civilização”: sem lei e nem razão, a África e o negro deveriam ser paulatinamente “introduzidos” ao processo civilizatório sob a égide europeia. A noção de “decadência do ocidente”, bastante popular nas primeiras décadas do século XX, e o exotismo com o qual se recobre o continente africano – visto pela vanguarda europeia e também caribenha como portador de uma vitalidade perdida no velho continente -, não fazem senão reafirmar esses discursos, ainda quando se buscava reivindicar o termo “negro” como categoria de autodeterminação, e não mera projeção alheia.
Paralelamente à descrição dos processos históricos que discute, Mbembe vai deslindando o pensamento negro, a sua “crítica da razão negra”, à que irá se dedicar de maneira mais direta a partir do capítulo três. Durante os séculos XV-XVIII, o negro expressa uma espécie de cisão a partir do qual habita a si mesmo como um outro, expressando mesmo um desejo de ser outro – como já o havia sugerido Franz Fanon. Neste primeiro momento, o negro abraçaria os discursos e fabulações que o constroem como tal e lhe retiram a sua humanidade, ao mesmo tempo que está obrigado a reconhecer sua condição humana. Mesmo com o fim do tráfico de escravos e os movimentos de emancipação do século XIX, afirma Mbembe, o pensamento negro reproduziria as três respostas elaboradas pelo Ocidente no que diz respeito ao “problema africano”: a noção de que África representaria uma humanidade sem história, aquém da razão e da lei; a noção de que a diferença radical do negro é algo a emendar-se, para o qual se faria necessário administrar, ainda que de forma indireta, tanto os escravos libertos e seus descendentes como o continente africano como um todo; a ideia de que o negro deve assimilar-se ao projeto civilizatório europeu para tornar-se um ser humano e um cidadão.
Se nesse primeiro momento o negro experimentaria um processo de desapropriação e de degradação, num segundo momento, o pensamento negro se caracterizaria pela vitimização. Para Mbembe, o pensamento negro do século XIX e inícios do século XX teria sido incapaz de escapar do universalismo e humanismo liberal-ilustrados, abraçando a noção de reabilitação como forma de afirmar a sua humanidade. Neste contexto, o pensamento negro não nega, mas sim incorpora a noção de raça, fazendo dela fundamento para sua ideia de nação:
A reafirmação de uma identidade humana negada por outro participa, neste sentido, do discurso da refutação e da reabilitação. Mas se o discurso da reabilitação procura confirmar a co-pertença negra à Humanidade, não recusa, no entanto – exceto em raros casos -, a ficção de um sujeito de raça ou da raça em geral. Na realidade, abraça esta ficção. Isto é tão válido para a negritude como para as variantes do pan-africanismo. (p. 158)
Além disso, e como vítima, o negro passaria a ver a sua própria história como série de fatalidades causadas por um inimigo externo, planteando a necessidade de superar o seu passado e inclusive esquecê-lo, para poder gerar uma possibilidade de futuro.
É este, em grande medida, o tema do capítulo quatro deste livro, “O pequeno segredo”, dedicado à questão da memória e ao que o autor denomina “modos de inserção da colônia no texto negro”. Como origem da cisão fundamental a partir da qual emerge o negro, locus de uma perda originária, a colônia será contraditoriamente algo comemorado e relegado ao esquecimento. A colônia, afirma Mbeme, se apresenta para o negro ao mesmo tempo como violência e como espécie de espelho no qual se reconhece a si mesmo. Neste sentido, a memória da colônia se apresentará como ponto fulcral da literatura negra, e com ela, o problema do olhar: é o olhar do colonizador que cria o negro, um olhar que não vê mais além de um corpo sobre o qual projeta todo tipo de ansiedade sexual, e que se alimenta da sua própria ignorância:
África propriamente dita – à qual acrescentaria o Negro – só existe a partir do texto que a constrói como ficção do outro. (…) Por outras palavras, África só existe a partir de uma biblioteca colonial por todo o lado imiscuída e insinuada, até no discurso que pretende refutá-la, a ponto de, em matéria de identidade, tradição ou autenticidade, ser impossível, ou pelo menos difícil, distinguir o original da sua cópia e, até, do seu simulacro. (p. 166)
Outro aspecto que Mbembe associa à colônia é seu papel como produtora de desejos e alucinações. A colônia, afirma ele, faz circular no continente africano toda uma série de mercadorias e bens simbólicos que excitam o desejo dos colonizados, que passam quase imediatamente a ser considerados signos de prestígio, status, classe etc. Nesse sentido, a colônia é, também, objeto de desejo. Sua memória, então, apresenta-se à literatura africana como algo que ultrapassa os limites daquilo que a linguagem pode expressar, mas também como inelidível.
O quinto capítulo de Crítica da razão negra, “Réquiem para o escravo”, está dedicado quase exclusivamente à literatura negra. Neste capítulo, Mbembe se debruça sobre certos motivos correntes na literatura contemporânea, e que remetem à duplicidade de que nela se recobre a figura do negro: reverso da humanidade, mas incapaz de ignorar sua condição humana, o negro se identifica com seu duplo, a sua sombra, convertendo-se em espécie de fantasma, alienado do próprio corpo. Na realidade – e aqui Mbembe se afasta notavelmente do marxismo clássico -, dissociar-se do próprio corpo, metamorfosear-se, seria condição fundamental para a emancipação do negro, uma vez que a operação básica do capitalismo racial consiste precisamente em converter o negro em corpo para o trabalho, isto é, em objeto.
O último capítulo do livro, “Clínica do sujeito”, nos oferece um recorrido do pensamento negro no século XX, analisando criticamente diferentes propostas de emancipação que marcaram o período: especificamente, as de Marcus Garvey, Aimé Césaire, Franz Fanon e Nelson Mandela. Após comentar em detalhe cada um desses pensadores, Mbembe propõe dividir o pensamento negro contemporâneo em dois períodos: um primeiro no qual o desejo de autodeterminação passaria pela afirmação da diferença e celebração da negritude, do qual o exemplo máximo seria Aimé Césaire; e um outro, o do século XXI, no qual se abraçaria o significante negro não como forma de autoafirmação ou autocompadecimento, mas sim para melhor livrar-se dele. Para Mbembe, o atual mundo globalizado requereria uma crítica radical da raça, tanto política como ética, a partir da qual seria possível passar de uma afirmação da diferença para uma afirmação da comunidade humana. Valendo-se, sobretudo, de Fanon, e estendendo a questão do negro ao que o autor chama “novos condenados da terra”, Mbembe afirma que qualquer projeto efetivamente emancipador, nos dias de hoje, requer que o negro abandone o papel de vítima, por um lado, e que os colonizadores assumam a sua responsabilidade, de outro. Trata-se, segundo ele, de insistir na lógica da justiça; algo que se observa em movimentos negros contemporâneos como Black Lives Matter:3
Enquanto persistir a ideia segundo a qual só se deve justiça aos seus e que existem raças e povos desiguais, e enquanto se continuar a fazer crer que a escravatura e o colonialismo foram grandes feitos da “civilização”, a temática da reparação continuará a ser mobilizada pelas vítimas históricas da expansão e brutalidade europeia no mundo. Neste contexto, é necessária uma dupla abordagem. Por um lado, é preciso abandonar o estatuto de vítima. Por outro, é preciso romper com a “boa consciência” e a negação da responsabilidade. Será nesta dupla condição que é possível articular uma política e uma ética novas, baseadas na exigência de justiça. (p. 297)
Seria impossível dar conta aqui de toda a riqueza intelectual e gama de ideias que desenvolve Achille Mbembe nesse livro. Para finalizar, ressaltaria a contribuição teórica que oferece o autor, que compartilha com Fanon a qualidade de não poupar a sensibilidade do leitor. Claramente inspirado nas obras de teóricos como Gilles Deleuze e Michel Foucault, Crítica da razão negra responde a esses teóricos apontando a centralidade do negro e da noção de raça para o desenvolvimento da modernidade. Ao mesmo tempo, Mbembe incorpora em sua escritura as contribuições de toda uma série de teóricos negros – africanos, caribenhos e norte-americanos -, e até mesmo de teóricos latino-americanos como Walter Mignolo. Trata-se portanto de um arcabouço teórico que apenas em aparência deriva direta ou exclusivamente da tradição francesa. Ao demonstrar a relação inelidível entre o pensamento sobre raça no Ocidente, a constituição do Estado moderno e o mercado, Mbembe desloca o centro de preocupações da crítica de esquerda europeia da história do capital e dos chamados direitos humanos para a questão da raça. Ao mesmo tempo, o autor denuncia também as contradições do pensamento libertário e nacionalista negros, ressaltando suas dívidas para com a “razão branca” e insuficiências no que diz respeito a qualquer perspectiva de futuro. Por fim, apesar de enfocar-se na questão do negro em sua relação com a África e o colonialismo europeu – o negro como homem de origem ou descendência africana – as teses desenvolvidas em Crítica da razão negra, como indica o próprio autor, referem-se antes ao que ele denomina um devir-negro do mundo; expressão que introduz a possibilidade de pensar outros sujeitos racializados – muçulmanos, por exemplo – como os “novos negros” do mundo contemporâneo, e que reforça a ideia de que a categoria negro não passa de uma ficção útil. Não humano ou sub-humano, e ainda, ameaça ao mundo dos “brancos” – o que equivale a dizer, à “humanidade” mesma – o negro é portanto passível de ser explorado, isolado do resto da “humanidade” e, inclusive, exterminado. Neste sentido, Crítica da razão negra oferece não apenas chaves fundamentais para pensar-se a experiência do outro na modernidade, mas também a sua emancipação; aspecto fundamental para o desenvolvimento da humanidade mesma.
1“Nègre” no original, “black” na tradução ao inglês. Como veremos adiante, Mbembe analisa a categoria “negro” como uma construção histórica de longa duração que não se refere apenas aos sujeitos africanos e afrodescendentes, mas ao contrário se constrói como sinônimo de uma outredade absoluta; trata-se, portanto, de uma “ficção útil” que ultrapassa a questão da cor da pele, a origem ou a localização geográfica do sujeito negro.
2Mbembe se refere aqui ao direito moderno, e que continua informando tanto o funcionamento do Estado como o discurso sobre direitos humanos. Fundado numa noção universalizante de humanidade, o discurso sobre direitos humanos, de acordo com Mbembe, teria como resultado a obliteração da cisão fundamental que se estabelece a partir da própria criação da categoria “homem”.
3Refiro-me ao principal slogan do movimento BLM, “No justice, no peace!” (Sem justiça não há paz!), mas também ao fato de que o movimento rejeita a “boa consciência branca”, que via de regra se limita a converter o negro em vítima e portanto reproduz a lógica paternalista a partir da qual operam as relações raciais.
4Como citar – Mbembe, Achille . Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014. Tradução de Marta Lança. 1. ed. Resenha de ROBYN, Ingrid. Capitalismo, esquizofrenia e raça. O negro e o pensamento negro na modernidade ocidental. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, v. 18, n. 36, p. 696-703, set./dez. 2017. Disponível em: <www.revistatopoi.org>.
Ingrid Robyn – Professora do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas/Instituto de Estudos Étnicos. Universidade de Nebraska-Lincoln. E-mail: irobyn2@unl.edu.
Seeds of Empire: Cotton, Slavery, and the Transformation of the Texas Borderlands 1800-1850 | Andrew Torget
Three enslaved people – Richard, Tivi, and Marian – fled enslavement in Louisiana in 1819, seeking relief from the brutality of slavery in the United States in the northern borderlands of New Spain. At this time, the Mexican province of Tejas was home to a small population of ethnic Mexicans, known as Tejanos, along with a larger indigenous population, including the powerful Comanche. Less than thirty years later, this area would be the state of Texas within the United States and home to the fastest-growing enslaved population in the slaveholding republic. In his meticulously-researched book, Andrew Torget follows the emergence of an Anglo-Texan society, nation, and, eventually, state. The book takes a firmly political and economic approach to history, which makes for a propulsive and clear narrative, but Richard, Tivi, and Marian aside, keeps that narrative largely the preserve of economically and politically powerful individuals and groups – legislators, empresarios, generals, and merchants. Torget masterfully integrates an intricate explanation of the politics of New Spain and Mexico with a more familiar narrative of the expansion of the United States cotton frontier into Texas. The advancing cotton frontier, however, appears mostly in the form of increasing numbers of cotton bales leaving Texas and the growth of migration of enslavers to the region, bringing with them enslaved people. Seeds of Empire thus occupies an interesting place, both linked to recent scholarship on the connections between slavery and capitalism in the nineteenth-century United States and circum-Caribbean world, like Walter Johnson’s River of Dark Dreams, but also employing different methods and narrative strategies than much of that scholarship.
Seeds of Empire tells the history of the Texas borderlands in three sections, beginning with an introductory chapter on the region “on the eve of Mexican independence,” continuing to a second part on the tension between the extension of the United States’ cotton frontier into Mexico and increasing Mexican antipathy toward slavery in Mexico, and concluding with a section on independent Texas’ attempts to create a successful proslavery cotton republic. It is in discussing the debates surrounding slavery in northern Mexico that Seeds of Empire makes its greatest contribution. Torget lays out an important and, in the historiography of Texas, largely untold narrative of the debates between proslavery Americans and Tejanos and antislavery political forces in Mexico. This section of the book transports readers to debates in Saltillo and shows how important Mexican resistance to slavery would be for Anglo-Texans and enslaved people in Texas.
For Torget, there are three main factors that shape the period of the 1830s and 1840s when Texas seceded from Mexico and pushed to join the United States. He often glosses these three factors as “cotton, slavery and empire,” but his fuller description of each factor is more revealing of the approach of the study. (6) Cotton is really the “rise of the global cotton economy,” slavery is the “battles over slavery that followed,” and empire is “the struggles of competing governments to control the territory” of Texas. (5-6) The brief terms suggest a clear connection to ideas scholars have recently termed “The New History of Capitalism” and “The Second Slavery,” both of which emphasize economic shifts in plantation commodity production under slavery, an increasingly industrial approach to enslavement, and the expansion of plantation complexes to new territory. This scholarship, at its best, connects large shifts in economics, politics, and society to the lived experience of enslaved people. For example, in his River of Dark Dreams, Walter Johnson connects his discussion of the cotton economy to the daily lives of enslaved cotton pickers in Mississippi by tracing the journey of cotton from seed to boll to lint to bale on a Liverpool wharf. (Johnson, 246-279) While both Johnson and Torget use cotton as a way into the world of the Second Slavery, Torget chooses different individual human actors to focus on – largely politicians, empresarios, and powerful cotton planters. While this allows Seeds of Empire an admirably comprehensible and tight narrative of complex and oft-ignored political developments in northern Mexico and, later, Texas, it also means that enslaved people appear largely as subjects of debate, rather than agents of historical change. This is reflected in Torget’s insistence that the aspect of slavery most shaping Texas is national and international debates in Mexico, the United States, and Europe over the future of slavery. This is a result of the political approach the book takes to explaining this period of the history of Texas, but it is still a missed opportunity. Adam Rothman, in writing a history of the advancing cotton frontier that Torget foregrounds, writes a narrative with a central role for politics and warfare, but also foregrounds the active role enslaved people played in shaping the cotton frontier with, for example, the German Coast Uprising.
Torget’s key intervention – that the history of the Texas borderlands can only be understood in terms of the advancing United States cotton frontier – fits naturally into recent scholarship emphasizing capitalism and the Second Slavery, yet Seeds of Empire stands, in terms of its narrative approach, historical actors, and political and economic focus, in stark contrast to much of this work. Historians of the Second Slavery and the New History of Capitalism have largely sought to integrate the testimony of enslaved people, understand historical change as deeply influenced by the actions of enslaved people, and play down the influence of British abolitionism on the daily actions of enslavers in the United States. Torget convincingly argues that Mexican and British abolitionism was central to the history of the Texas borderlands, but is unable to reckon with the ways enslaved peoples actions shaped these borderlands. The book could have offered a fuller explanation of the failure of the Texan proslavery republic by integrating an approach similar to that of Stephanie McCurry’s Confederate Reckoning, which combined an analysis of high politics with an emphasis on political history operating at all levels – showing that, in her case, the Confederacy was crumbling from within outside of its diplomatic and military defeats.
Torget’s book presents an admirably clear and engaging narrative of the competing influences on the borderlands of northern Mexico and the southern United States. Seeds of Empire makes a significant contribution to existing scholarship on the southern United States and northern Mexico by showing how important the antislavery politics of New Spain and Mexico were to the expansion of cotton slavery in the Texan borderlands. While retaining the common emphasis on the importance of the United States cotton and slavery complex, empresarios, and the Comanche in shaping American immigration, the growth of slavery in the borderlands, and the eventual secession of Texas from Mexico, Torget forcefully demonstrates that it is nearly impossible to fully understand this process without a fuller understanding of the politics of Mexico that conditioned the actions of empresarios and free migrants from the United States. In many ways, the narrative shows that it was primarily determined Mexican resistance to slavery in the province of Tejas that prevented enslavers from the United States from migrating in large numbers before the secession of Texas, then the abolitionist politics of Great Britain and threat of Mexican military force that slowed this same migration before the United States annexed the Texan republic. Seeds of Empire is key reading for scholars interested in the history of Texas, the Second Slavery, and the history of the expansion of the United States. Historians of cotton slavery in the United States have recently emphasize the centrality of expansion into Texas to late-stage slavery in South and Torget provides an important step toward exploring and explaining that expansion.
Ian Beamish – Assistant Professor of History of 19th Century US and History of Slavery in the University of Louisiana. E-mail: ian.beamish@louisiana.edu
TORGET, Andrew. Seeds of Empire: Cotton, Slavery, and the Transformation of the Texas Borderlands, 1800-1850. The University of North Carolina Press, 2015. Resenha de: BEAMISH, Ian. Capitalism and Second Slavery in Texas. Almanack, Guarulhos, n.17, p. 460-464, set./dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
How the West Came to Rule: the Geopolitical Origins of Capitalism | Alexander Anievas e Kerem Nisancioglu
This ambitious book covers over six hundred years of global history and offers a specifically ‘geo-political’ correction to a Marxist understanding of the emergence of capitalism. The book has extensive chapters on the Mongolian Empires, the clash between Hapsburgs and Ottomans, the impact of the Black Death , the turn to slave plantations of the Americas and the profits of British rule in India. While developing a critique of traditional Marxist accounts, they uphold both Marx’s concept of ‘primitive accumulation’ and what they call the ‘classical’ narratives of successive ‘bourgeois revolutions’ , each helping to confirm a capitalist dynamic and the ‘Rise of the West’. According to the ‘consequentialist’ doctrine they espouse the nature of revolutions is set by their results rather than their agents. The authors structure much of their narrative around a critique of ‘Eurocentrism’, which they see as conferring an unjustified salience and superiority on western institutions and a failure to register the weight of geo-political advantages and handicaps. The authors supply a new narrative that reworks the ‘transition debate’, Trotsky’s theory of ‘uneven and combined development’ and a concept of the ‘international’ derived from International Relations, all of this from an avowedly ‘anti-capitalist’ standpoint.
The book develops a historical materialist approach but does not suppose that human history is an orderly march of successive modes of production, each born out of the contradictions of their predecessors. While their critique is welcome so is their refusal to throw out the baby with the bath water. The elaboration of theoretical models of social relations, and the identification of characteristic tensions within them, is an essential part of making sense of history. The book takes seriously the task of identifying the succession of structures and struggles that enabled capitalism to embody and promote increasingly generalized and pervasive commodification.
The authors argue that early capitalism was a more complex and global affair than is often allowed. Heteroclite labour regimes, and types of rule, gave rise to uneven and combined development in which the new and the old were closely interwoven. The authors often quote Marx’s powerful passage from Capital, volume 1 chapter 31 sketching the successive moments of ‘primitive accumulation’, linked to gold and silver from the Americas, the Atlantic slave trade, slave plantations, trade wars, colonialism and so forth. New forms of plunder and super-exploitation punctuate later decades and centuries, with Western rule casting a long shadow. ‘Primitive accumulation’ was not just a passing phase but was stubbornly recurrent. It supplied would-be capitalists with the capital and labour force they otherwise lacked. The racialization of the enslaved and/or colonized generated an intermediary layer of ‘free workers’ that, if given slightly easier conditions, would become useful allies of the slaveholders, serving in their patrols and militias. Capitalist development, in this account, is invariably linked to racialization and super-exploitation, and is devoid of a progressive dimension.
The book’s subtitle presumably supplies a key element of the answer to the question posed by the main title. The West’s rise to global ascendancy is a team race which is won by Britain around 1763. (p. 272) The British win because their maritime-manufacturing complex is now turbo-charged by capitalism. While we may anticipate this conclusion much of the book’s interest lies in the account it gives of how this point itself was reached.
The authors explain how Europe’s mercantile and proto-capitalist elites exploited the toilers of the ‘East’ but they grant that it can also sometimes be thought of as the global ‘North’ exploiting the global ‘South’. While the East and South were mercilessly plundered they contributed to the rise of the West in other ways too.
Anievas and Nisanancioglu – henceforth AA and KN – urge that in preceding epochs the Mongolian empires created relatively peaceful conditions along the Silk Road and in adjacent areas which were consequently favorable to the revival of Western commerce in the Baltic and Mediterranean. The nomad’s military prowess inspired emulation. They observe: ‘The Mongol Empire also facilitated the diffusion of such key military technologies as navigational techniques and gunpowder from East Asia to Europe all of which were crucial to Europe’s subsequent rise to global pre-eminence…The Mongols would acquire such techniques in one society and then deploy them in another…’ (p. 73). We can agree that these exchanges were highly significant without seeing those involved as capitalists.
The authors urge that the hugely destructive Mongol invasions of China led its rulers to abandon their projects of expansion and to stand down the voyages of Admiral Zheng He’s mighty fleet. As Joseph Needham used to insist, China made an outstanding contribution to the science and material culture of the West. AA and KN remain focused mainly on the geopolitical and do not concern themselves with Needham’s “Grand Titration”.
It is fascinating to consider what would have happened if Chinese sailors and merchants had made contact with the Americas before the Europeans. Admiral Zheng He repeatedly sailed to the Indian Ocean but neglected the Pacific. If he had turned left rather than right, and sailed to the Americas, China might have been able to pre-empt Columbus and Cortes, especially when it is borne in mind that a silver famine was asphyxiating the Chinese economy at this time. A Chinese mercantile colony in Central America would have thrived on the exchange of silk fabrics and porcelain for silver. The Aztec and Inca rulers would, perhaps, have been able to strengthen their defenses with Chinese help (and gunpowder) and repulse Spanish attempts to conquer the ‘American’ mainland. (China did not go in for overseas territorial expansion).
AA and FN confer great importance on the bonanzas of American silver and gold arguing that the differential use made of precious metal plays a key role in explaining the great divergence between West and East. ( p. 248-9) But they and the authorities they quote do not explain how the silver and gold were extracted and refined, processes that fit their mixed labour model because it involved tribute labour and wage labour but fell short of a capitalist dynamic because the indigeneous miners had to spend most of their earnings on buying food and clothing from the royal shops that were kept supplied with these essentials of life in the mountains from the tribute goods which the Spanish overlords secured from the native villages. This closed circle of production and consumption led to output of thousands of tons of silver, with the royal authorities taking the lion’s share but did not promote capitalist accumulation.
In their own accounting for the divergence between East and West they cite the ‘indispensable’ work of Jack Goody (p. 304, footnote 22) but do not take sufficient account of his stress on differences concerning family form and the regulation of kinship. Goody maintained that clans and kin accumulated so much power in the East that they weakened the state’s power to tax and regulate. In Goody’s view this challenge to the power of kinship was a Western European phenomenon and was driven by the material interests of the Catholic Church. (The Development of the Family and Marriage in Europe, 1988). This interesting line of thought has not received the attention it deserves from historical materialist accounts, including How the West Came to Rule. Whether it is right or wrong, it points to a level of analysis of social reproduction that should figure in any materialist account.
AA and KN eschew speculative ‘counter-factuals’, but they do claim a positive role for Asian empires despite the latter’s often-tight mercantilist policies. They have little time for the argument of some global historians that the land-based empires of Asia briefly encouraged trade only to strangle its autonomous momentum by over-regulating and over-taxing it. Ellen Wood has argued in The Empire of Capital (2004) that the geographical fragmentation of Europe allowed for the rise of sea-borne empires whose merchants became more difficult to control. But for AA and KN the empires were already highly diverse and made their own qualitative input to the rise of Western capitalism through a multitude of dispersed influences and contributions.
Thus the rise of the Ottomans issued a powerful check to European expansion and tied them down in the Balkans, the Adriatic, the Levant and North Africa. According to AA and KN this blockage to the East allowed the western Europeans to seize their chance in the Americas and to initiate a new type of global trade: ‘By blocking the most dominant European powers from their customary conduits to Asian markets, the Ottoman’s directly compelled then to pursue alternative routes.’ (p. 115). However this free-floating compulsion was only compelling because of the breakthrough of a new and more intense – now capitalist – consumerism.
The authors do give importance to Dutch and English trading patterns and to what they call ‘company capitalism’, the state chartering of companies to trade with the East and West Indies. They see these companies as dominating the English and Dutch maritime economy of the 17th and 18th century (p. 116). They urge that the Dutch were constrained by the fact that they were reliant on Ottoman sources for cotton and other vital raw materials for their textile manufacturing. (p. 117) The English eventually prevail because they are less exposed to continental warfare than the Dutch.
The geographic advantages conferred by England’s relative ‘isolation’ from the continent enabled it to outflank its rivals. (p. 116). They conclude: ‘English development in the sixteenth century can best be understood as a particular outcome of “combined development” […] Ottoman geopolitical pressure must therefore be seen as a necessary but not sufficient condition for the emergence of agrarian capitalism in England.’ (p. 119) The causality embraced by the authors in these passages is a weak one whether addressing the impetus to trade, England’s ‘isolation’ or the authors’ exaggerated view of ‘company capitalism’. Indeed the turn to the Americas should be seen as a having two distinct waves, firstly the silver surge of the mid and late 16th century while allowed Europe to buy Eastern spices and silks and, secondly, the rise of the sugar and tobacco plantations of the Americas, which really belongs to 17th century and after. It was not until the early 17th century that Dutch and English merchant adventurers turned to setting up plantations to meet the popular demand for sugar and tobacco, discovering that this offered far larger returns than either the Eastern trades or preying on Spanish fleets. At first these plantations were worked by free, European youths but demand was so buoyant that the merchants brought African captives who had greater immunity to tropical diseases and brought valuable agricultural skills. The Dutch West and East India companies played a role in this because they blazed a trail for English and French planters. Once the Dutch had lost Angola, Brazil and New Amsterdam, their operations became a side-show.
How the West Came to Rule pushes the debate about the transition to capitalism into new areas and that is itself salutary. The geo-political perspective yields new insights. But the argument from geo-political necessity to economic novelty moves too rapidly and insists that the emergence of capitalism in England has no primacy in the switch from luxury trades to building slave plantations (this gruesome primacy should be a source of national shame not pride).
As already mentioned, the Eastern trade was largely confined to small quantities of expensive luxuries in the 16th and 17th centuries. The Dutch and English 17th century interlopers and marauders, with their contempt for Spanish mercantilism, pioneered the large scale Atlantic trade in items of popular consumption. Before long the European companies were left far behind and the free-lance slave traders, privateers and smugglers became the champions of laissez faire and free trade, and became thoroughly respectable.
Sugar and tobacco, the new popular pleasures, came to Europe not from Asia but from Brazil, Barbados and Virginia. The surge of plantation development was initiated by ‘New Merchants’ not by the official trading companies. The chartered trading companies played a very modest role because they embodied the backward practices of feudal business, with its royal charters. By contrast the New Merchants favoured a much looser variety of mercantilism that allowed for competition and innovation. Whereas the companies were looted by their own management, the ‘New Merchants’ kept a close eye on their investments. The initiatives of the new merchants stemmed from a surge of commodification and domestic demand, itself the product the spread of capitalist social relations in the English countryside as well as towns. Tenant farmers, improving landlords, lawyers, stewards, and the swelling ranks of wage labourers, had the cash or credit to buy these popular treats and indulgences. Without the forced labour of the plantations, and Hobsbawm’s ‘forced draught’ of consumer cash, these trades would not have kindled the 18th and 19th century blaze of the hybrid Atlantic economies. AA and KN do register the plantation revolution but insist that it would be wrong to see English capitalism and wage labour as a ‘prime mover’.
How the West Came to Rule has a good chapter on the slave plantations and their massive contribution to capitalist accumulation in the long 18th century. But AA and KN do not concede that the plantations were summoned into being by the cash demand generated by the world’s first revolutionary capitalism. They underplay the role of the New Merchants (and their captains and seamen) with their double role as entrepreneurs and political leaders. This was the epoch of the English Civil War and ‘Glorious Revolution’. The classic work on the New Merchants stresses their link to England’s transition to capitalism is Robert Brenner’s Merchants and Revolution (1993). One might have thought that Brenner’s work would be grist to the mill so far as AA and KN are concerned. However the reader of How the West Came to Rule is repeatedly warned not to be misled by Brenner’s account of capitalist origins and development (see especially pp. 22-32, 118-9, 279-81 amongst many others).
AA and FN contest the novelty and centrality that Brenner accords to the spread of capitalism and commodification in 16th and 17th century rural England. They see instead a long chain of ‘value added’ contributions from colonial or semi-colonial Asia, Africa and the Americas, all helping to bring global capitalism into existence. They concede to Brenner ‘the great merit of de-naturalising the emergence of capitalism’ (p. 81) but dispute the idea that this remarkable new twist in human history was the unintended result of a three-way struggle between English landlords, tenant farmers and landless labourers as he argued in his now-classic articles in Past and Present and New Left Review in the 1970s and 1980s. Brenner did not himself always connect his decisive research into the New Merchants with the so-called ‘Brenner thesis’. Nevertheless he identified the crucial break-through, showing that agrarian capitalism developed from landlords who demanded money rents, tenant farmers needed cash to pay rent, and landless rural workers, who had to sell their labour power if their families were to be housed and fed. Farmers who needed or wanted to pay for extra hands had an incentive to seek labour-saving innovations. The wages and fees paid by employers would also helped to swell the domestic market, encouraging commodification. Since agriculture accounted for at least 70% of GDP its transformation had great consequences.
Jan de Vries argues that early modern Europe was gripped by an ‘industrious revolution’ reflecting a more intense labor regime and a proto-capitalist consumerism. A taste for tobacco, sugar, coffee and cotton apparel encouraged many into new habits premised upon the increasing importance of the wages, rents, profits, fees and salaries of an Anglo-Dutch ‘market revolution’ in the years 1550-1650. Shakespeare’s The Tempest (1614) gives us a glimpse of the feasting and rebellions that early modern capitalism, with its visions of plenty, could inspire and of the varieties of enslavement it entailed. By the mid-19th century daily life had been re-shaped by sweetened beverages, jam, confectionary, washable clothes, colourful prints and the chewing or smoking of tobacco.
AA and KN decry what they term the ‘ontological singularity’ of Brenner’s economic logic, urging that it leads to a reductionism that has no space for race or patriarchy. They argue that ‘patriarchy and racism’ are ’not external to capitalism as a mode of production but constitutive of its very ontology.’ (p. 278). It is difficult to see how any account could be more reductionist than one which simply (con)fuses capitalism with racism and patriarchy. Nevertheless there are interesting questions which arise here. Could capitalism survive if deprived of the fruits of gender and racial exploitation? There are certainly feminists and anti-racists who believe that much can be achieved short of the total suppression of capitalism – and there are some who believe that better versions of capitalism could assist in promoting feminist and anti-racist goals. The spectrum here was illuminated by Nancy Fraser’s Fortunes of Feminism (2014).
Back in the day the more radical British and US abolitionists campaigned courageously for racial justice and equality in the name of a ‘free labour’ or forty acres and a mule, demands compatible with capitalism. Socialists might be happy to form alliances for progressive goals to be achieved ‘by any means necessary and appropriate’. If we grant the theoretical possibility that patriarchy and racism could be suppressed but capitalism remains, this outcome might still prove to be undesirable, impractical and unstable. The intimacy of the connections between capitalism, racism and patriarchy suggest that they could share a common fate, though other outcomes are quite possible.
AA and KN endorse the classic claim that the rise of capitalism was given needed extra-momentum by a series of ‘bourgeois revolutions’. Their account of the main revolutions is not detailed but adds the dialectical sweep of their story. AA and KN quote Anatolii Ado to the effect that ‘the popular revolutions of the petty producers ought to be seen as an essential element of the capitalist dynamic’. (p. 212). Slave resistance sometimes took the form of demanding wages while itinerant peddlers happily bought ‘stolen goods’ from the slaves.
While I find AA and KN’s sketch of the bourgeois revolutions makes for a more complex account, there is still a way to go. The American War of Independence led to the destruction of the European colonial empires in the Americas. This was a mighty blow for capitalism in the Atlantic societies and helped to trigger the French Revolution and hence the Haitian revolution. The further impact on Spanish America and Brazil are not discussed. All these events echoed themes of bourgeois revolution and the ‘rights of man’ as re-worked by free people of colour, slave rebels, liberty boys, dockers, sailors and the ‘picaresque proletariat’. The black Jacobins denounced the ‘aristocracy of the skin’. AA and KN could, perhaps, have drawn on their notion of a mixed social formation to consider in more depth the worlds of indios, caboclos, petty producers, runaways, store keepers, itinerant peddlers and the ‘sans culottes of the Americas’. The bourgeois character of these revolutions in the end excluded as many as it aroused.
How the West Came to Rule offers so much that it would not be fair to dwell on its omissions. The American Revolution tests the limits of the model advanced by AA and KN. The North American farmers and merchants have a solid claim to have defied and destroyed mercantilism and colonial subjection. But the planters were not exactly bourgeois and the indigenous peoples and the enslaved Africans found no solace and much suffering and bitterness in the extraordinary rise of the White Man’s Republic. In this as in other cases the initial impact of bourgeois revolution was to stimulate the plantation trades rather than weaken slavery or racialization.
How the West Came to Rule (HWCR) rightly stresses the massive ‘Atlantic’ contribution to the development of capitalism in the 17th, 18th and 19th centuries. Whether it is Britain, France, Spain, or even Portugal and the Netherlands, the volume of trade that was bounded by the Atlantic was very much greater – down to about 1820 – than Europe’s trade with the East. Of course after that date British rule in India, and the sub-continent’s commerce, became far more important for the metropolis, and the same could be said for Indonesia and Dutch rule. Whereas the spice trade to Asia required two or three galleons a year in the 16th century the plantation trade was to require thousands of ships by the mid 19th century. AA and KN maintain that Britain’s early industrialisation was based on Indian inputs (p. 246). In fact England’s 18th century cotton manufacturers looked to the Caribbean and Anatolia for most of their raw material. It was not until the 19th century that India became Britain’s main source of cotton and the captive Indian market a major outlet. AA and KN could have dwelt at greater length on the hugely destructive impact of British rule in India – famines, fiscal exactions, de-industrialization and so forth – but they do explain the Raj’s success in building a locally-financed and recruited Army of India and alliance with the subcontinent’s ‘martial races’. British India troops held down the widening boundaries of the Raj and were deployed to many parts of the empire. They formed part of the British forces that invaded China in 1839-42, 1859-62 and 1900. (p. 263) This was the true apogee of empire. But the rapacious ultra-imperial unity of the Western powers and Japan did not last for long, leading, as it did, to a new epoch of war and revolution.
How the West Came to Rule addresses a large and complex question in interesting new ways and is to be commended for that. It draws on wide reading and demonstrates the continuing relevance of the debates on the transition to capitalism and gives them a geographically and conceptually wider scope. While their account may be open to objection at various levels their choice of topic and the breadth of their approach is timely and welcome.
Robin Blackburn – Teaches at the New School in New York and the University of Essex, UK. He is the author of the The American Crucible (2011). E-mail: roblack@essex.ac.uk
ANIEVAS, Alexander; NISANCIOGLU, Kerem. How the West Came to Rule: the Geopolitical Origins of Capitalism. London: Pluto Press, 2015. Resenha de: BLACKBURN, Robin. Revisiting the Transition to Capitalism Debate. Almanack, Guarulhos, n.17, p. 465-475, set./dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
Africanos Livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil | Beatriz Mamigonian
A publicação de Africanos Livres oferece ao público em geral e, especialmente ao campo historiográfico brasileiro, uma referência incontornável sobre temas como escravidão e abolição do tráfico no Império do Brasil. Desde o doutorado desenvolvido na Universidade de Waterloo, no Canadá, a obra é resultado de mais de vinte anos de pesquisa e da análise de uma vasta documentação. A pesquisa original se referia aos africanos traficados ilegalmente e que tiveram tal condição reconhecida pelo Estado brasileiro, mas a presente obra abarca aqueles escravizados ilegalmente com a conivência das autoridades. Desse modo, Beatriz Mamigonian narra uma história da abolição do tráfico no país a partir da experiência dos africanos contrabandeados entre as décadas de 1820 e 1850.
Ainda na introdução, a autora reitera seu posicionamento entre os historiadores da escravidão enfatizando o papel dos sujeitos históricos, com destaque aqui para os africanos livres. Hegemônica no campo acadêmico desde meados da década 1980, a agenda da agência escrava ofereceu ganhos conceituais e políticos para a compreensão da escravidão e do racismo no Brasil. No entanto, o livro busca incorporar dinâmicas mais amplas da política e das relações internacionais, seguindo o movimento recente de historiadores do campo.[1] Cabe ressaltar que essa história da escravidão “vista de baixo” inspirou-se nos estudos de Edward Thompson sobre as transformações na sociedade inglesa à época da Revolução Industrial. Marxista heterodoxo, Thompson criticava e recusava a imposição de conceitos abstratos às experiências de indivíduos e suas percepções. Contudo, as condicionantes e amarras do capitalismo sempre estiveram presentes em suas análises. Desse modo, a reorientação recente dos estudos brasileiros sobre a escravidão, tal como se vê na pesquisa de Mamigonian, aponta para uma bem-vinda conciliação com seu paradigma original, embora a dinâmica da economia global e os conflitos interestatais ainda permaneçam obliterados na narrativa de Mamigonian.
Os capítulos acompanham as trajetórias dos africanos livres desde o início do século XIX, quando a categoria foi criada em resultado das primeiras leis e tratados que limitavam ou condenavam o tráfico, até a década de 1880, quando a vertente mais radical do movimento abolicionista brasileiro adotou a estratégia de reconhecer todos os africanos escravizados ilegalmente no país como africanos livres. Ordenada cronologicamente, a narrativa parte do caso da Escuna Emília e dos africanos nela contrabandeados ao norte da linha do Equador em 1821, violando os tratados firmados entre a Grã Bretanha e a diplomacia de D. João VI. Os dois primeiros capítulos avançam até a independência de 1822 e o reinado de D. Pedro I, em um encadeamento não linear, mas coerente, entre o projeto antiescravista de José Bonifácio na Assembleia Constituinte, os Tratados firmados com a Grã Bretanha em 1826 e a promulgação da Lei de 7 de novembro de 1831. Conhecida no senso comum como uma “lei para inglês ver”, essa lei foi efetivamente aplicada nos primeiros anos, caindo em conveniente desuso em meados da década de 1830, a partir da convergência entre a campanha dos cafeicultores escravistas e os membros do Partido da Ordem. A política conservadora em prol do tráfico não se concretizou na revogação da lei, mas no aceno a escravistas e traficantes no sentido de que o Estado não adotaria medidas no sentido do combate do contrabando. A narrativa descreve então o acirramento das relações entre Brasil e Grã Bretanha, tanto no cenário que levou à promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, quanto no dos embates entre o governo imperial e o embaixador britânico William Christie, que culminou com a ruptura das relações entre os países na década de 1860. Em ambos os casos, a autora propõe um argumento semelhante, segundo o qual os africanos livres teriam contribuído para o afloramento das tensões entre os países, reivindicando seus direitos na esteira das crises políticas instauradas. A despeito da emancipação definitiva dos africanos livres em 1864, os capítulos finais avançam até a década de 1880, revelando a precariedade da liberdade desses africanos, assim como seu papel nas estratégias do movimento abolicionista durante a crise que levou à derrocada do cativeiro em 1888.
Os sujeitos históricos ilegalmente escravizados são personagens em todos os capítulos. Sob a promessa do retorno à África ou da sua incorporação à sociedade brasileira, os africanos livres foram submetidos a trabalhos compulsórios, fosse em órgãos públicos ou nas casas e fazendas de particulares. Em condições próximas ao cativeiro e convivendo com escravos, viveram sob a insegurança jurídica de sua condição e a falta de clareza sobre os prazos da tutela. Mais do que um eufemismo, sua definição como “livres” carregava um componente ideológico típico do discurso escravista (e posteriormente do racismo) brasileiro. No entanto, a consciência da ambiguidade de sua posição social os tornava potencialmente disruptivos tanto para os governos quanto para a ordem social escravista. Ao acionarem a embaixada britânica, associações abolicionistas e o judiciário, eles constrangiam autoridades do Estado, inclusive diante da comunidade internacional. Por sua vez, a proximidade com os escravos poderia estimular sua resistência, especialmente daqueles contrabandeados e escravizados ilegalmente.
Ao descrever as experiências de indivíduos submetidos ao contrabando, ao cativeiro ilegal e a trabalhos forçados, a obra resgata a memória silenciada de opressões do passado. A despeito da importância política dessa escolha, nem todas as trajetórias correspondem ao papel decisivo que lhes é imputado em cada capítulo. A autora sustenta que o protagonismo dos africanos livres deve ser compreendido a partir de um jogo de escalas que revela novas dinâmicas de três eixos temáticos: as consequências jurídicas da Lei de 1831, a experiência do trabalho no Atlântico oitocentista e a conjuntura que levou à abolição do tráfico. A escala da vivência dos africanos livres de fato materializa e humaniza a experiência da ilegalidade que marcou a formação da sociedade brasileira e do Estado nacional entre as décadas de 1820 e 1840, assim como o cenário de mobilização política das últimas duas décadas da escravidão no país. No entanto, a autora narra a agência dos africanos livres nos primeiros e nos últimos capítulos em paralelo com eventos mais amplos da política nacional e das relações exteriores, como se apenas sugerisse tênues relações de causalidade.
O capítulo sexto, por sua vez, consiste na empreitada mais ambiciosa do referido jogo de escalas, tanto metodologicamente quanto pelas contribuições à historiografia, sendo o ponto mais polêmico do livro. Bem organizado, o capítulo apresenta o cenário que levou à promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, destacando atores institucionais, como o Ministro Britânico Palmerston, o embaixador James Hudson e os membros do gabinete conservador no poder à época. Juntam-se a eles a conspiração de escravos descoberta em 1848, apontada pelo historiador Robert Slenes como influente nos temores que levaram as autoridades a acatarem a agenda da abolição do tráfico.[2] A contribuição de Mamigonian está em apontar a participação de políticos liberais nos conflitos que levaram ao fim do tráfico, com destaque para duas instituições que militavam contra a conivência das autoridades com o contrabando: o periódico “O Philantropo” e a “Sociedade contra o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização e da Civilização dos Indígenas”. O capítulo atinge o clímax nas últimas páginas, quando a historiadora sugere a existência de uma articulação política que interligaria o governo britânico e o embaixador Hudson a políticos do Partido Liberal, que teriam se valido das duas instituições mencionadas e, possivelmente, até mesmo de um estímulo à articulação dos escravos conspirados. Mamigonian caminha no mesmo sentido do estudo recente de Angela Alonso sobre o movimento abolicionista, enfatizando o papel da sociedade civil, da opinião pública e da militância durante o Império.[3] Segundo a autora, o discurso de Eusébio de Queiroz, em 1852, mais do que defender o governo conservador à época da abolição do tráfico, serviu à construção de uma memória seletiva, que apagou a articulação entre abolicionistas ingleses e brasileiros e sua estratégia de incitar escravos e africanos livres como meio para desestabilizar a política em prol do contrabando.
A hipótese demanda mais estudos e dados, especialmente no tocante ao último elo – entre abolicionistas e escravos -, como reconhece a própria autora. A argumentação inevitavelmente abre flancos para críticas. A título de exemplo, a leitura permite uma interpretação equivocada das agendas dos partidos, como se houvesse uma divisão clara entre conservadores-escravistas e liberais-abolicionistas. Em segundo lugar, a argumentação reproduz indiretamente a autoimagem humanitária do abolicionismo britânico, como fazem os estudos do historiador Seymour Drescher, perdendo-se de vista seu caráter ideológico como instrumento imperialista.[4] Em uma breve passagem do quinto capítulo, a historiadora chega a sugerir um enquadramento mais amplo, em que o debate acerca do tráfico e dos africanos livres cumpriria diferentes funções nas duas margens do Atlântico, relacionando-se, de um lado, aos riscos imanentes à sociedade escravista brasileira, e de outro, à ideologia da “missão civilizadora” que permitiria aos britânicos intervirem no território africano. A curta passagem mereceria uma análise mais aprofundada e deixa de repercutir no capítulo sexto. De todo modo, trata-se do melhor exercício do método de escalas proposto pela historiadora, assim como de sua defesa do papel dos sujeitos históricos no processo de abolição do tráfico – embora apresente mais provas da agência dos abolicionistas do que dos africanos livres. A despeito das lacunas, a contribuição para o debate historiográfico atesta a importância da pesquisa e da publicação.
A respeito do enquadramento teórico, o estudo tem o mérito de propor um jogo de escalas que integraria sujeitos às camadas da política e da economia, superando as fronteiras nacionais. No entanto, a narrativa se limita a quatro níveis de análise nem sempre articulados: a exploração e a resistência de africanos livres; instituições da sociedade civil, como associações e veículos da imprensa (essencialmente “O Philantropo” e a “Sociedade contra o Tráfico”, presentes em poucos capítulos); a dinâmica da alta política imperial; e a pressão diplomática britânica. Além disso, as escalas tendem a recair no individualismo metodológico quando se reduzem aos agentes que as compõem, sejam os africanos, os políticos ou os abolicionistas. O estudo se beneficiaria da incorporação de dinâmicas geopolíticas e econômicas globais, ou ao menos atlânticas. No que diz respeito à década de 1830, Mamigonian descreve a guinada política representada pelo Regresso Conservador e sua nova agenda no tocante ao tráfico e aos africanos livres. No entanto, embora mencione o papel da campanha dos produtores do Vale do Paraíba na campanha pela revogação da Lei de 1831 e sua articulação com os políticos do Partido da Ordem, a historiadora não atenta para as demandas econômicas internacionais a partir da abertura dos mercados estadunidenses para o café brasileiro. Mais relevante ainda seria a percepção do cenário atlântico nas décadas de 1850 e 1860, quando ocorreram as emancipações dos africanos livres – primeiramente daqueles concedidos a particulares (1853) e posteriormente daqueles mantidos como prestadores de serviços forçados ao Estado (1864). A primeira emancipação foi associada por Mamigonian à crescente demanda dos africanos livres após a crise política que levou à abolição do tráfico em 1850, devido à consciência de um novo horizonte de oportunidade. Por sua vez, a emancipação definitiva na década de 1860 foi interpretada como resultante da pressão abolicionista de políticos liberais e do embaixador William Christie. No entanto, o horizonte do cativeiro se estreitara naquela década a partir da Guerra Civil nos Estados Unidos, que legou ao Brasil a condição de único Estado nacional escravista das Américas. O mesmo contexto que provocou um racha entre a elite política e o declínio do consenso que sustentava a política da escravidão contribuiu para a percepção dos africanos livres como elementos disruptivos na ordem escravista. O jogo de escalas proposto por Mamigonian perde fôlego para além das fronteiras nacionais, reduzindo-se às pressões britânicas e aos discursos e ações de políticos e abolicionistas e às suas influências unilaterais na política e na sociedade brasileiras.
Sobre a dimensão econômica global de seu jogo de escalas, a historiadora propõe uma reflexão a respeito do mundo do trabalho no século XIX, questionando a falsa antítese entre escravidão e trabalho “livre”. A exploração de africanos livres junto a escravos, prisioneiros e indígenas demonstrou tanto a precariedade da liberdade na era da abolição, quanto a multiplicidade de formas de trabalho compulsório no período. Ao se aproximar do tema do trabalho, Mamigonian abdicou de um debate sobre o capitalismo oitocentista. Na introdução do livro, esboçou tal movimento ao apresentar a dinâmica da escravidão como radicalmente nova, tendo em vista a expansão de zonas produtoras de artigos tropicais para o mercado internacional, em referência aos estudos de Dale Tomich. Mas o diálogo com a agenda de estudos sobre capitalismo e escravidão não encontrou eco nos capítulos seguintes – seria importante fazê-lo inclusive no capítulo sexto. Do mesmo modo, os historiadores que têm levado adiante a perspectiva de Tomich e defendido uma abordagem sistêmica da escravidão no século XIX não figuram nos parágrafos ou notas.[5] O mesmo valeria para o diálogo com a historiografia que cruza dinâmicas mais amplas a partir de biografias.[6] A proposta da metodologia em escalas de Mamigonian poderia se valer da incorporação ou da crítica a outras matrizes teóricas, de modo a esclarecer suas premissas e vantagens. A obra se beneficiaria, especialmente, do diálogo com os estudos recentes de Leonardo Marques e Tâmis Parron, que vêm analisando o tráfico negreiro e a escravidão à luz da dinâmica da economia global no mundo pós Revolução Industrial e da ordem geopolítica sob a hegemonia da Grã Bretanha.[7] Se a autora tivesse optado por dialogar com esses estudos, poderia ter realizado melhor o próprio jogo de escala que propõe no início do livro e nem sempre realiza a contento.
No epílogo, a historiadora apresenta em retrospecto as contribuições da pesquisa, destacando o desafio à memória oficial sobre as leis antitráfico de 1831 e 1850. Na contramão da narrativa construída por Eusébio de Queiroz, a primeira lei não teria sido legada ao esquecimento absoluto, e a segunda não seria o resultado do protagonismo patriótico dos saquaremas contra a Grã-Bretanha. Tampouco haveria uma linha progressiva e gradual entre a abolição do tráfico e a da escravidão. Mamigonian retoma com maior contundência seus argumentos referentes à resistência e articulação entre abolicionistas, africanos livres e escravos, enfatizando a imprevisibilidade de cada contexto e a importância de seu protagonismo. Para além dos ganhos historiográficos, a obra se destaca pelo engajamento político no presente. Acessível ao público em geral, o livro segue a tônica de estudos recentes ao refutar a memória oficial brasileira, marcada por esquecimentos seletivos e interessados, que negam a relevância social dos marginalizados e as estruturas políticas e econômicas que os marginalizaram. Em tempos de precarização das relações de trabalho e de discursos negacionistas do passado e do presente racial brasileiro, a lembrança dos africanos livres incomoda posições de privilégio e de poder ao denunciar o que se convencionou legar ao silêncio.
Notas
1. O mesmo movimento se nota nos estudos de Sidney Chalhoub. Visões da Liberdade (1990) foi um dos marcos da agenda da agência escrava, mas as recentes publicações do historiador apontam para as constrições políticas do cativeiro, como em A Força da Escravidão (2012). A guinada historiográfica, no entanto, é mais evidente nas contribuições de estudos recentes como os mencionados mais adiante, nas notas 6 e 7 desta resenha.
2. Ver SLENES, Robert. “A árvore de Nsanda transplantada: Cultos Kongo de aflição e identidade escrava no sudeste brasileiro (século XIX)” In: LIBBY, Douglas Cole; FURTADO, Júnia (orgs.) Trabalho livre, trabalho escravo: Brasil e Europa, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Anablume, 2006, pp. 273-314;
3. Ver ALONSO, Angela. Flores, Votos e Balas: O Movimento Abolicionista Brasileiro, 1868-1888. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. O diálogo entre as perspectivas teóricas de ambas as autoras contribuiria para o campo, mas não consta a referência na bibliografia de Mamigonian.
4. Ver DRESCHER, Seymour. Abolição: uma história da escravidão e do antiescravismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
5. O diálogo proposto se refere aos estudos de Dale Tomich e o conceito da “Segunda Escravidão”, mas não se estende aos historiadores brasileiros que vem desenvolvendo pesquisas no mesmo sentido nas últimas décadas. Ver TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. Trad. Port. São Paulo: EDUSP, 2011. E sobre a referida omissão ver BLACKBURN, Robin Blackburn, The American Crucible. Slavery, Emancipation and Human Rights, Londres, Verso, 2011; PIQUERAS, José A. (ed.), Trabajo Libre y Coactivo en Sociedades de Plantación, Madri, Siglo XXI, 2009; SCHMIDT-NOWARA, Christopher. Empire and Antislavery: Spain, Cuba and Puerto Rico, 1833 – 1874, Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 1999; ZEUSKE, Michael. “Comparing or interlinking? Economic comparisons of early nineteenth-century slave systems in the Americas in historical perspective”, In: Enrico dal Lago & Constantina Katsari (eds.), Slave Systems. Ancient and Modern, Cambridge, Cambridge University Press, 2008, p. 148-183; MARQUESE, R. B.; SALLES, (orgs.). Escravidão e Capitalismo Histórico no Século XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016; KAYE, Anthony, “The Second Slavery: Modernity in the Nineteenth-Century South and the Atlantic World”, Jornal of Southern History, vol. 73, n. 3, August 2009, p. 627-50; DAL LAGO, Enrico, American Slavery, Atlantic Slavery, and Beyond. The U.S. “Peculiar Institution” in International Perspective, Boulder, Paradigm Publishers, 2012.
6. Sobre essas abordagens, ver SCOTT, Rebecca; HÉBRARD, Jean. Provas de Liberdade: Uma odisseia atlântica na era da emancipação. São Paulo: Unicamp, 2014. REIS, João; GOMES, Flávio; CARVALHO, Marcus. O Alufá Rufino. Tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (1822-1853). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
7. Ver PARRON, Tâmis. A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846. Tese. Universidade de São Paulo,2015; MARQUES, Leonardo. The United States and the Transatlantic Slave Trade to the Americas, 1776-1867. New Haven; London: Yale University Press, 2016. O mesmo pode ser dito no tocante à experiência do direito e da escravidão no Atlântico oitocentista com relação ao estudo de, Waldomiro da Silva Junior, Entre a escrita e a prática: direito e escravidão no Brasil e em Cuba, c. 1760-1871. Tese. Universidade de São Paulo em 2015. Por fim, embora se posicione entre os historiadores que defendem a agenda da agência escrava, a pesquisa deixou de dialogar com estudos como o de Maria Helena Machado, O Plano e o Pânico: os movimentos sociais na década da abolição. São Paulo: Edusp, 2010. Seria igualmente relevante a incorporação do estudo sobre a precariedade da liberdade de Henrique Espada Lima, “Sob o domínio da precariedade: escravidão e os significados da liberdade de trabalho no século XIX”. Topoi (Rio de Janeiro), v. 6, n. 11, Julho-dezembro de 2005, pp. 289-326.
Marcelo Ferraro – Formado em Direito (2009) e História (2013) pela Universidade de São Paulo, e possui Mestrado em História (2017) pela mesma instituição. E-mail: marcelo178@gmail.com
MAMIGONIAN, Beatriz. Africanos Livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. Resenha de: FERRARO, Marcelo. Entre cativeiros: africanos livres na formação do Estado imperial e na economia-mundo oitocentista. Almanack, Guarulhos, n.17, p. 476-485, set./dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
The United States and the Transatlantic Slave Trade to the Americas 1776 – 1867 | Leonardo Marques
O tema do livro de Leonardo Marques é a participação dos Estados Unidos no tráfico atlântico de escravos entre a fundação da nação, em 1776, e o fim efetivo desse tráfico para a colônia espanhola de Cuba, em 1867. O livro origina-se da tese de doutorado defendida pelo autor na Universidade de Emory, em 2013. A participação norte-americana no tráfico se deu, em primeiro lugar, pelo fato, menos notado pela historiografia e pelo senso comum, de que os Estados Unidos foram o maior país consumidor de bens produzidos por escravos do século XIX (p. 9-10). Mas essa participação ocorreu também pelo envolvimento de traficantes, comerciantes, seguradores, financistas, construtores navais, capitães e marinheiros norte-americanos no tráfico para o próprio Estados Unidos, até 1808, para o Brasil, até 1850, e para Cuba, até 1867. Tal envolvimento foi tanto legal e aberto, até a abolição do tráfico para os EUA em 1808, quanto mais nebuloso, indireto e, eventualmente, ilegal após essa data. Marques trata ainda das atitudes e políticas implementadas pelo congresso e pelo governo federal norte-americanos a respeito do assunto ao longo desse período.
Com base em diversas fontes arquivísticas nos Estados Unidos, Brasil, Cuba e Grã-Bretanha, da análise dos dados disponíveis sobre o tráfico de escravos africanos no site Slavevoyages e da discussão com a literatura secundária, Leonardo Marques aborda seu tema em seis capítulos, além da introdução e da conclusão: a participação norte-americana no tráfico na era das revoluções, entre 1776 e 1808; o período de transição entre essa última data, em que comércio internacional de escravos tornou-se ilegal nos Estados Unidos, e 1820, quando a legislação contra o tráfico tornou-se mais rigorosa; a consolidação do comércio de contrabando internacional de escravos, entre 1820 e 1850, data da abolição efetiva do tráfico para o Brasil; a participação norte-americana no contrabando para o Brasil, entre 1831 e 1850. Os dois capítulos finais tratam das relações da república escravista com Cuba, entre 1851 e 1858, e da crise dessas relações e da própria escravidão norte-americana entre 1859 e 1867, data em que, finalmente, o tráfico foi abolido para a colônia espanhola.
O assunto não é novo, mas ainda é pouco explorado pela historiografia e só recentemente vem recebendo maior atenção. De acordo com Marques, as seguidas revisões historiográficas sobre a tese de W. E. B. Du Bois, The Supression of the African Slave Trade to the United States of America, 1638 – 1870, de 1896, que teria inflado os números sobre o comércio internacional de escravos para as Américas em geral e para os Estados Unidos em particular, subestimaram a participação indireta de cidadãos estadunidenses no tráfico. Assim como a tolerância, quando não a defesa, governamental em relação a essa participação (p. 7-10). Só essa “revisão da revisão”, por assim dizer, já recomendariam o livro aqui resenhado, além das novas informações que sua pesquisa traz. Mas, o mais importante é como Leonardo Marques realiza essa revisão, inserindo seu tema nos grandes fluxos e redes mercantis, culturais e políticas em escala mundial que ganharam nova forma e impulso no século XIX. Desse modo, sem que o termo seja empregado, pode-se dizer que se trata de um trabalho de História Global, novo invólucro – com importantes inovações, sem dúvida – para tratar de temas amplos que foram negligenciados pelas correntes historiográficas dominantes nos últimos trinta anos. Além disso, The United States and the Transatlantic Slave Trade to the Americas adota a perspectiva, primeiramente desenvolvida por Dale Tomich, que considera a escravidão – e o tráfico atlântico – do século XIX como uma Segunda Escravidão. De acordo com essa visão, a escravidão e o tráfico do século XIX não foram uma sobrevivência dos tempos coloniais, mas reconfigurações ainda mais poderosas dessas mesmas instituições, que se desenvolveram em íntima conexão com a nova fase de desenvolvimento da economia e do mercado internacional capitalista e da nova ordem mundial regida pela formação dos Estados Nacionais sob hegemonia britânica.
Essa segunda escravidão nasceu sob impulsos contraditórios. Ela respondeu a um incremento substancial da demanda de determinados produtos – algodão, açúcar e café – ocasionado pelos processos de industrialização, urbanização e intensificação do consumo e do comércio internacional na Grã-Bretanha, em outras regiões da Europa e nos Estados Unidos. Tal incremento da demanda foi um dos fatores que propiciaram o desenvolvimento da escravidão em novas áreas no Sul dos Estados Unidos, em Cuba e no Brasil, especialmente no Vale do Paraíba. O tráfico de escravos, que, mesmo depois de ter sido declarado ilegal, aumentou seu volume conforme se expandia a demanda por bens produzidos por escravos, inseria-se em circuitos comerciais mais amplos que incluíam até mesmo bens produzidos por potências antiescravistas: mosquetes, tecidos e chumbo da Grã-Bretanha; tecidos e conhaque da França; tecidos, tabaco e rum dos Estados Unidos. O tráfico também estava inserido na estrutura financeira e comercial internacional com suas letras de câmbio, bolsas de valores e companhias por ações (p. 107). Finalmente, o tráfico era peça integrante do contexto mais amplo de relações das regiões escravistas entre si. É conhecida a presença econômica britânica no Brasil, mas os Estados Unidos não ficavam muito atrás. As relações entre Cuba e Estados Unidos eram intensas, ficando atrás apenas da Grã-Bretanha e França. Tudo isso mostra como as elites das três regiões escravistas estavam integradas no mundo do livre comércio (p. 109).
Paradoxalmente, nesse mesmo período, a escravidão e o tráfico passaram a ser globalmente contestados, em resultado dos desdobramentos diretos ou indiretos da campanha britânica pela abolição do tráfico internacional, datada das últimas décadas do século XVIII, da Independência Americana, da Revolução Francesa e da Revolução Haitiana. Nesse contexto, a defesa do livre comércio e o combate ao tráfico internacional de escravos foram pontos fundamentais na imposição da hegemonia britânica na ordem mundial que emergiu após 1815. Portugal, em seguida o Brasil e Espanha, nação soberana sobre a ilha de Cuba, como potências escravistas que dependiam do fluxo de escravos africanos para sua expansão, resistiram o quanto puderam à pressão britânica pela extinção do tráfico. Apesar de aceitarem formalmente a ilegalidade do tráfico africano em 1820 (império espanhol) e 1830 (Império do Brasil), continuaram praticando-o, em escala ainda mais ampliada, até 1850 (Brasil) e 1867 (império espanhol).
E quanto aos Estados Unidos? A partir dos dados levantados e analisados do site Slavevoyages – uma constante no trabalho – Leonardo Marques nos mostra que, entre 1783 e 1807, último ano em que o comércio de escravos africanos foi permitido para o país, traficantes norte-americanos transportaram pouco mais de 165 mil cativos africanos para a América, grande parte deles destinada ao próprio país. Esses traficantes, contudo, não eram provenientes de portos do Sul escravista, mas da região da Nova Inglaterra, especialmente Bristol e Newport (ambas em Rhode Island), evidenciando uma aliança entre o Sul e o Norte. A estrutura desse comércio era eminentemente nacional, em comparação com o esquema altamente internacionalizado que tráfico de contrabando adquiriu a partir da década de 1830 em diante. Traficantes, financiadores, seguradores, capitães, tripulações, praticamente tudo era doméstico. A proibição do tráfico, em 1808, respondeu ao temor do perigo que uma grande massa de africanos poderia representar ao país e atendeu os interesses das áreas escravistas mais antigas, onde a população escrava se reproduzia e crescia naturalmente, que poderiam substituir a oferta externa de cativos para as áreas em expansão (p. 96). Quebrava-se, desse modo, a aliança anterior entre Sul e Norte em torno do tráfico, substituída agora por um novo compromisso entre as duas regiões.
A participação norte-americana no comércio internacional de escravos, contudo, prosseguiu, principalmente através do financiamento do tráfico para Cuba, da venda de navios para traficantes espanhóis, da participação direta de capitães e marinheiros norte-americanos na atividade. Em 1820, uma nova legislação antitráfico foi aprovada, transformando a participação nesse comércio ilícito em crime de pirataria e, portanto, passível de pena de morte. Essa legislação selou o fim da estrutura negreira da Nova Inglaterra que havia florescido entre 1783 e 1808 e que sobrevivera daí em diante alimentando o tráfico para Cuba. A médio prazo, na medida em que o tráfico prosseguiu como contrabando para Cuba e Brasil, a legislação, de acordo com Marques, tornou-se “obstáculo insuperável às possíveis alianças entre as três potências escravistas da América em meados do século XIX” (p. 105)
Na década de 1830, todas as nações atlânticas haviam abolido formalmente o comércio internacional de escravos. Espanha e Brasil, os dois principais Estados nacionais importadores de escravos tinham assinado acordos bilaterais com a Grã-Bretanha que lhe asseguravam o direito de busca e apreensão de navios suspeitos de prática do ilícito comércio. Não é possível saber a dimensão que o tráfico de escravos africanos teria adquirido caso ele não tivesse sido declarado ilegal e esses acordos não tivessem sido firmados. O que sabemos, contudo, é que, mesmo assim, entre 1831 e 1850, data da proibição efetiva do tráfico pelo governo brasileiro, 387.966 africanos escravizados foram desembarcados em Cuba e 903.543 no Brasil (p. 110-11, 112, 123). O tráfico ainda prosseguiu para Cuba até 1867. No todo, entre 1820 e 1860, mais de dois milhões de escravos africanos, 20% do total desembarcado na América entre 1501 e 1867, foram trazidos para o Brasil e Cuba (p. 136).
A participação de cidadãos e companhias norte-americanos nesse tráfico foi significativa. Até 1820, de forma direta, como mencionado acima. A partir dessa data, de maneira mais indireta. Capitães e marinheiros estadunidenses, mas também de outras nacionalidades, inclusive britânicos, participavam do tráfico. Como o governo norte-americano só firmou uma convenção de busca bilateral de navios suspeitos de tráfico com a Grã-Bretanha em 1862, navios com sua bandeira ficavam mais protegidos da fiscalização e da repressão britânicas. Muitos navios norte-americanos transportavam produtos que seriam trocados por escravos até a costa africana. Lá esses produtos eram vendidos a traficantes e os navios voltavam para os portos americanos apenas com lastro. Ou ainda, os navios eram vendidos ou fretados para traficantes, que os utilizavam, com ou sem a bandeira estadunidense, para transportar os cativos para a América. Companhias norte-americanas vendiam e fretavam navios para traficantes, como a firma Maxwell, Wright & Co., principal exportadora de café do porto do Rio de Janeiro, que manteve essa prática até o início da década de 1840, quando foi pressionada, por representantes diplomáticos de seu país junto ao governo imperial, a cessar essa atividade. Traficantes, frequentemente, lançavam mão das bandeiras dos Estados Unidos, mas também de outros países, como França e Sardenha, para encobrir suas atividades. De qualquer modo, a principal contribuição estadunidense para o tráfico internacional de escravos se deu pelo fornecimento da maioria dos navios utilizados nessa atividade, principalmente no período de contrabando. Entre 1831 e 1840, pouco antes do acordo Webster-Ashburton, entre Grã-Bretanha e Estados Unidos, que intensificou o combate ao tráfico por parte do governo deste último país, navios construídos nos Estados Unidos realizaram 1.070, ou 63% de todas as viagens de contrabando de escravos nesse período, e transportaram 422.453 escravos africanos para Brasil e Cuba.
No que diz respeito especificamente ao Brasil, Marques contesta a ideia esposada por muitos historiadores, como Seymour Drescher, de que o transporte de metade dos africanos desembarcados no país entre 1831 e 1850 teria sido feito, por via direta ou indireta, por norte-americanos. Estes historiadores estariam seguindo a avaliação feita nesse sentido pelo representante do governo norte-americano no Brasil em 1850, David Tod. O problema é que nesta avaliação estão desde a venda e a transferência legal de navios para traficantes até a participação direta de capitães no embarque na África. Enquanto essa última forma constituía claramente uma violação das lei antitráfico, as outras formas ocorriam na zona cinzenta que conectava atividades comerciais legítimas com o tráfico. O fato é que, entre 1831 e 1850, 58,2% dos desembarques de contrabando para o país, transportando 429.939 escravos africanos, foram realizadas em navios fabricados nos Estados Unidos. Navios fabricados no Brasil, por sua vez, fizeram 15,4% dessas viagens e transportaram 113.569 cativos. Outros 26,4% das embarcações eram de outras procedências e transportaram 194.600 africanos. Talvez por isso, alguns historiadores tenham considerado, erroneamente, segundo Marques, que os norte-americanos mantiveram-se à frente do tráfico para o Brasil. Na verdade, brasileiros e portugueses controlavam o comércio de contrabando de escravos para o país (p. 141-43). Finalmente, ao considerar esses dados, não se deve perder de vista que os Estados Unidos eram o principal fornecedor de navios para o comércio internacional como um todo. Assim, não seria surpreendente que a maioria das embarcações empregadas no tráfico também tivesse essa mesma proveniência.
Do ponto de vista político, Marques assinala que o governo norte-americano e seus diversos representantes diplomáticos no Brasil entre 1831 e 1850 mostraram-se hesitantes em relação ao tráfico, ora o combatendo com veemência, ora fazendo vistas grossas. Essa hesitação e a resistência do governo estadunidense em assinar uma convenção antitráfico com a Grã-Bretanha não seriam, primordialmente, um sinal da predominância dos interesses escravistas do Sul junto ao governo federal. Respondiam mais a disputas geopolíticas com a Grã-Bretanha e a convicções, relativamente ocasionais, sobre o papel dos Estados Unidos na região em relação ao Império do Brasil e ao tráfico internacional. De qualquer forma, ele conclui que mesmo se uma eventual permissão de revista mútua nos navios suspeitos de tráfico entre Estados Unidos e Grã-Bretanha tivesse ocorrido em 1842, e não em 1862, como de fato aconteceu, isso não teria feito diferença significativa nos números do tráfico de contrabando para o Brasil (p. 183).
Em relação a Cuba, a constatação é inversa. A participação norte-americana no tráfico – e na própria escravidão, com diversos cidadãos sendo donos de plantation na ilha – foi muito maior, principalmente a partir da década de 1850. Um número maior de navios e de capitães estadunidenses participaram do contrabando para a colônia espanhola. A bandeira norte-americana também foi mais empregada na atividade. Navios com bandeira estadunidense, em 20 viagens de 97, transportaram 10.528, ou 20,4% de um total de 51.628 africanos escravizados trazidos para Cuba entre 1851 e 1854. Entre 1855 e 1858, os números quase triplicaram. Embarcações com a bandeira norte-americana trouxeram 33.134, ou 67,45%, dos 49.167 africanos traficados para Cuba, em 61 de um total de 90 viagens. Traficantes portugueses e espanhóis com representações nos Estados Unidos controlavam o tráfico para a colônia espanhola. Mas, o ponto principal da participação norte-americana no tráfico de contrabando para Cuba era de natureza política. O peso norte-americano no tráfico, sua presença em plantations na ilha e a pequena distância entre Cuba e o Sul fizeram com que o governo estadunidense servisse como poderoso anteparo à intervenção britânica na repressão ao tráfico para Cuba. A proximidade geográfica com o Sul dos Estados Unidos, assim como a forte presença de interesses norte-americanos diretamente na colônia espanhola, por sua vez, traziam sempre a ameaça de anexação da ilha à república. Possibilidade que a Grã-Bretanha buscava evitar não minando completamente a autoridade espanhola na colônia. Nessa situação, as autoridades espanholas equilibravam-se em uma corda bamba no jogo geopolítico entre Estados Unidos e Grã-Bretanha (p. 191).
De todo esse panorama, traçado com maestria pelo historiador brasileiro, emerge um quadro complexo que enriquece nosso conhecimento sobre as relações entre escravidão, tráfico e capitalismo no século XIX. Isso não de um ponto de vista teórico, mas a partir das relações concretas entre as classes, elites e governos nacionais que protagonizaram essas relações. Emerge também a constatação do papel central dos Estados Unidos nesse cenário e o significado da Guerra da Secessão como ponto de virada na sorte da escravidão naquele país, mas também em Cuba e no Império do Brasil.
Esperamos que a tradução do livro para o português, imprescindível para o estudioso da escravidão do século XIX, venha logo.
Ricardo Salles – Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (2011). Publicou diversos livros, entre eles Nostalgia Imperia: escravidão e formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado. É professor na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). E-mail: ricardohsalles@gmail.com
MARQUES, Leonardo. The United States and the Transatlantic Slave Trade to the Americas, 1776 – 1867. New Haven: London: Yale University Press, 2016. Resenha de: SALLES, Ricardo. Capitalismo, Estados Unidos e o tráfico internacional de escravos no século XIX. Almanack, Guarulhos, n.17, p. 486-493, set./dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
Écrire sa vie: du pacte au patrimoine autobiographique | Philippe Lejeune
Em 120 páginas, Philippe Lejeune propõe ao leitor uma espécie de retrospectiva acadêmica de mais de 40 anos de trabalho. Pode parecer radical, mas é exatamente esse o percurso sugerido pelas quatro conferências e por uma entrevista, selecionadas para compor o pequeno livro. É, pois, uma versão sintética de suas maiores descobertas que aborda a transformação de um hobby em militância. Nesse volume, os leitores são convidados a descobrir os anseios desse pesquisador, os seus desafios e as conquistas que o tornaram, pouco a pouco, o “papa da autobiografia”.
Respeitando o “estilo Lejeune de se escrever”, em que encontramos sua própria figura multiplicada pelos papéis de pesquisador, professor, praticante de diários, crítico e outros (COELHO-PACE, 2012), a leitura é conduzida por uma espécie de “pesquisador autobiógrafo” que se permite dizer “eu”, pois já não fala da autobiografia como um objeto distante, mas como parte de si mesmo e de suas vivências. Assim, nesse tom confessional, seus textos tentam, também, aproximar-nos desse universo simples e místico que é a escrita de si. Leia Mais
Imagens, narrativas e currículos | Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica | 2017
O dossiê Imagens, narrativas e currículos inscreve-se em uma rede de pesquisa e possibilita diversas reflexões, cujo produto resultante viria a ser algo múltiplo. Admitimos este fato, há muito tempo, já que entendemos – ao contrário do que nos ensinaram a maioria dos movimentos de pensamento acerca de escolas1 – existir uma intensa relação entre os muitos “dentrofora”2 das escolas, possibilitada pelos movimentos cotidianos que os “praticantes-pensantes” (OLIVEIRA, 2012)3 fazem.
Trabalhando com a ideia de que todos nós formamos inúmeras redes educativas – todas de “práticasteorias”4 – entendemos que os múltiplos “conhecimentossignificações” que nelas são criados, são relacionados e referidos a todos os “espaçostempos” dessas mesmas, pelas tantas “idasvindas” que fazemos entre elas.
Nos “espaçostempos” escolares, assim, estão presentes inúmeros currículos ocupados por inúmeros “artefatos culturais” que se transformam em curriculares, com os processos pedagógicos aí desenvolvidos. Nestes encontramos: artefatos materiais – cadeiras, mesas, lousas, calendários, chamadas, janela climática, quadros diversos; produções externas de normatização, como leis de ensino, normas administrativas ou decisões da equipe de direção das regionais de ensino; crenças pedagógicas – teorias didáticas e curriculares, métodos de ensino, formas de trabalhar e estudar; artefatos tecnológicos – televisão, vídeos, instrumentos musicais etc. Aí estão também os corpos e as mentes daqueles que “habitam” esses “espaçostempos”, fazendo-os seus: estudantes, docentes, pessoal administrativo e funcional, responsáveis pelos estudantes, comunidade local etc. O conjunto desses artefatos materiais, ideológicos e teóricos, somado aos seres humanos que os reproduzem e produzem outros “conhecimentossignificações” com eles, e que circulam diferentemente nos processos pedagógicos em cada escola, formam aquilo que chamamos de “currículos”. Esses “espaçostempos” são, desse modo, com tudo o que neles circula, artefatos curriculares, também. Todo este conjunto de seres humanos, produtos e criações das relações de uns com os outros, adquire significados múltiplos e complexos nos processos educativos, exatamente porque seus diferentes “usos”, na repetição, permitem que apareçam diferentes tecnologias de uso e a criação de “conhecimentossignificações” diversos. Leia Mais
Centenário 1917: Grande Guerra, greves e revoluções / Revista Brasileira de História / 2017
Neste ano do centenário das grandes greves e revoluções ocorridas no contexto da Primeira Guerra Mundial e que, com ela, transformaram a face do mundo a tal ponto de inaugurarem o que alguns historiadores consideram um novo período histórico – o breve século XX, na expressão de Hobsbawm -, a Revista Brasileira de História não poderia deixar de apresentar ao público um conjunto de análises profundas e inovadoras sobre esses importantes eventos.
À data do centenário da Primeira Guerra Mundial, jay Winter, responsável por coordenar a importante Cambridge History of the First World War (Winter, 2014a), apresenta-nos quatro gerações de historiadores que se dedicaram e se dedicam ao estudo da Primeira Guerra Mundial (Winter, 2014b). Em 2004, o mesmo autor, em colaboração com Antoine Prost – autor de referência no estudo da guerra em França -, publicou Penser la Grande Guerre. Un essai d’historiographie.[1] Na obra declararam a existência de três gerações: “a primeira configuração explica a história pelas decisões dos atores; a segunda pelo jogo das forças sociais; a última faz da cultura o motor da história e encontra nela as suas explicações. As representações determinam os atos” (Winter; Prost, 2004, p.47-48).[2] Trata-se de um conjunto de movimentos que se seguem, coexistem e se entrecruzam. Um processo sempre em devir a que os contextos de produção de conhecimento não são inalienáveis. Atualmente, as “vanguardas” assumem um cunho transnacional, isto é, o foco é global na forma como atravessa as fronteiras nacionais, analisando experiências que, não obstante serem condicionadas por elas, se tornam globais (Winter, 2014b). Vejamos como Prost e Winter apresentam essas gerações historiográficas. A geração da Grande Guerra, contemporânea ao conflito e às suas consequências mais imediatas, foca sua atenção na ação do Estado. Numa análise de cima para baixo, procura apurar responsabilidades pela eclosão do conflito, entender as condições da sua origem e possíveis lições a serem aprendidas no sentido de evitar que se repita. Entre os anos 1960 e 1970, mudanças mais amplas da prática histórica irão influir na forma de entender a guerra, seja pela integração dos protagonistas na narrativa, seja pela adoção de novas perspectivas. A afirmação do paradigma marxista permite uma valorização política dos movimentos sociais e do seu lugar no fenômeno da guerra. Muda, definitivamente, a compreensão da natureza e a dimensão do conflito, entendido como consequência do imperialismo. Emerge, então, um segundo eixo de compreensão dedicado a uma história do social (Winter, 2009, p.2-4). Nesse ambiente instala-se, entre os anos 1970 e 1980, aquilo que Winter e Prost denominaram de Vietnam generation (geração Vietnã). Uma terceira geração que, profundamente afetada pelas consequências da Guerra do Vietnã, e de forma mais ampla pela Guerra Fria, não mais considera a just war como algo plausível, apresentando a Primeira Guerra Mundial como desastrosa para vencedores e vencidos (Winter, 2014a).
Os trabalhos que neste Dossiê se debruçam sobre a Primeira Guerra Mundial, mais especificamente sobre seus impactos na retaguarda e para além do conflito, integram fórmulas de compreensão da guerra propostas nos anos 1980 no âmbito de uma história cultural da guerra. Trata-se de olhar para “um conjunto de práticas, de representações, de atitudes, de criações dos anos de 1914-1918. E também dos anos seguintes, tanto é verdade que este tipo de história [cultural] dá um largo espaço à recordação e à comemoração do pós-guerra”.[3] Assim, uma série de temas em torno das representações da experiência no e além do tempo e espaço da guerra passam a corporizar essa guinada cultural.
A Grande Guerra impactou fortemente as vidas de todas as classes e grupos sociais do mundo de então. O segundo tema do Dossiê buscou contemplar essas relações. As greves e revoltas ocorridas nos anos finais da Primeira Guerra Mundial e nos anos iniciais do pós-guerra, especialmente no ano de 1917, configuraram um ciclo de agitação social global, como o define a historiadora portuguesa joana dias Pereira (2014). Esses são, portanto, eventos e processos históricos particularmente importantes para serem analisados na perspectiva do que o historiador holandês Marcel Van der Linden chamou de História Global do Trabalho, inserindo as lutas de cada país em contextos geográficos mais amplos, construindo uma história transnacional dos movimentos sociais trabalhistas, com comparações entre os países e análises das conexões entre eles (Van der Linden, 2013).
As condições de trabalho, a insuficiência dos salários e a repressão foram fatores que estimularam os conflitos e protestos daqueles anos, criando um clima de tensão permanente, às vezes explosivo, como os que ocorreram em São Paulo, Nova York, Turim, São Petersburgo, Sydney e tantas outras cidades. As experiências e as elaborações feitas a partir das greves daquele período foram tão marcantes que configuram para a historiografia o início de um novo ciclo de lutas trabalhistas e até mesmo de formação de uma nova classe operária (Procacci, 2013). A economia de guerra contribuiu para intensificar a solidariedade entre os trabalhadores ao evidenciar as contradições do capitalismo e da economia de mercado.
O centro do debate historiográfico sobre as greves de 1917 no Brasil, assim como em outros países, acabou sendo o grau de espontaneidade dos movimentos, polêmica que implicava a explicação das relações existentes entre a multidão de grevistas e os militantes anarquistas, socialistas e sindicalistas que participaram como lideranças dos movimentos. Hoje podemos falar de certo consenso em relação à ideia de que esses movimentos foram caracterizados por impulsos diversos, tanto espontâneos quanto organizados, que coexistiam e que constituíram o pano de fundo dessas agitações, cuja característica mais marcante foi a passagem da greve à revolta (Biondi, 2011). A tendência atual da historiografia sobre esses movimentos é a de analisar as diferentes redes formais e informais na mobilização dos trabalhadores e as mediações entre diferentes repertórios de ação coletiva, destacando, por exemplo, a relevância do papel das mulheres.
O terceiro tema central do Dossiê está centrado na história das revoluções russas de 1917, contada e recontada inúmeras vezes e sob as mais diversas perspectivas, mas sempre aberta a novas investigações. Em termos gerais, o processo revolucionário na Rússia de 1917 foi invariavelmente conectado à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), da mesma forma que o “Ensaio Geral” ocorrido 12 anos antes no Império dos Czares foi associado à Guerra Russo-Japonesa (1904-1905). As revoluções, assim como a Guerra Civil e a formação da União Soviética, despertaram paixões políticas profundas e alimentaram debates teóricos acalorados, tanto no movimento operário dos mais diversos matizes, como nas instituições universitárias. Não foi sem razão que tantos intelectuais se engajaram na produção de suas versões sobre os acontecimentos de 1917 na Rússia. Ao longo de seu centenário, esses eventos serviram de exemplo e inspiração para incontáveis partidos e movimentos políticos ao redor do mundo. Não cabe fazer aqui uma longa e minuciosa exposição sobre tudo quanto já se escreveu sobre o assunto ao longo desses cem anos. Também não faremos referências às “histórias oficiais soviéticas” ou aos escritos dos “emigrados”. Mas é interessante lembrar algumas obras e momentos marcantes a respeito do tema e sua recepção no Brasil. Os primeiros relatos foram produzidos por intelectuais diretamente envolvidos nos acontecimentos, o que não chega a ser uma surpresa.
Nesse sentido, o primeiro título a ser mencionado é Ten days that shook the world, do jornalista estadunidense john Reed, escrito em perspectiva engajada no calor dos acontecimentos e publicado nos Estados Unidos em 1919, 2 anos depois da queda do czarismo e da ascensão dos bolcheviques. Trata-se, como dito pelo próprio autor, de uma crônica do que ele observou e viveu. Reed retornou ao país dos sovietes ainda em 1919, vinculado à Internacional Comunista, e faleceu em 1920, vítima de tifo. No Brasil, Dez dias que abalaram o mundo foi publicado com uma defasagem de mais de quatro décadas pelas editoras Fulgor (Rio de Janeiro, 1963), Record (Rio de Janeiro, 1967) e Global (São Paulo, 1978), entre outras (Reed, 2010).
Victor Serge foi outro “estrangeiro” que produziu uma memória sobre os acontecimentos que vivenciou no país dos sovietes. Serge era um jornalista anarquista de origem francesa, filho de exilados russos. Chegou à Rússia em fevereiro de 1919, passando a trabalhar para a Internacional Comunista, da mesma forma que john Reed. Seu L’an 1 de la révolution russe foi escrito na Rússia entre 1925 e 1928, quando já sofria as perseguições do stalinismo, e foi publicado na França em 1930. Serge integrou, por um tempo, as fileiras da Oposição de Esquerda, liderada por Trotsky, mas também rompeu com ela, morrendo isolado no México em 1947. A publicação de O ano I da Revolução Russa ocorreu no Brasil apenas em 1993, pela Editora Ensaio, e em 2007, pela Boitempo (Serge, 2007).
O terceiro testemunho feito por um partícipe dos acontecimentos de 1917 foi dado por Leon Trotsky, The History of the Russian Revolution, escrito em 1930, traduzido para o inglês por Max Eastman e publicado em 1932 pela The University of Michigan Press em três volumes. Como se sabe, o autor teve papel protagonista não apenas na chamada Revolução de Outubro, como também no comando do Exército Vermelho, durante a Guerra Civil, e na construção do Estado Soviético. Portanto, a escolha dos “fatos” e a forma de narrá-los também foram fortemente condicionadas pelo papel que o autor-ator desempenhou em 1917 e depois, apesar das declarações de que sua obra primava pela “objetividade histórica”, sendo baseada em “documentos rigorosamente controlados” e não em “recordações pessoais”. A primeira edição brasileira foi feita pela Saga (Rio de Janeiro, 1967), ao passo que a Paz e Terra fez a segunda e a terceira (Rio de Janeiro, 1977 e 1978-1980).[4]
O bloco dos escritos legados pelos intelectuais vinculados ao movimento revolucionário pode ser fechado com uma referência à obra de Volin ou Voline, codinome de Vsevolod Mikhailovich Eichenbaum. de acordo com o pequeno esboço biográfico escrito por Rudolf Rocker em 1953, Volin era filho de médicos russos, fluente em francês e alemão tanto quanto em russo. Enviado a São Petersburgo para estudar direito, engajou-se no movimento operário desde a virada do século XIX para o XX, vinculando-se ao Partido Socialista Revolucionário. Foi preso por envolvimento na Revolução de 1905 e sentenciado ao exílio em 1907, escapando para a França, onde rompeu com os SRs em 1911 e se ligou ao anarquismo. Suas atividades antibeligerantes o indispuseram com o governo francês, forçando-o a uma fuga para os Estados Unidos, onde participou das atividades da União dos Trabalhadores Russos nos EUA e Canadá, uma organização inspirada na CGT francesa. Em 1917, quando a Revolução teve início na Rússia, ele voltou a sua terra natal, tomando parte ativa nas atividades dos libertários daquele país. Em 1919, quando começaram os conflitos entre libertários e bolcheviques, Volin foi preso e deportado em 1921, estabelecendo-se na Alemanha por 2 anos e, em seguida, indo para a França, onde morreu de tuberculose em 1945. Sua obra foi publicada postumamente em francês sob o título La Révolution inconnue, em 1947 e 1969, em três volumes. Edições em inglês foram publicadas em 1954 e 1955 sob o título de The unknown revolution 1917-1921. No Brasil, até onde se sabe, publicou-se apenas o primeiro volume de A Revolução Desconhecida, em 1980 (Volin, 1980).
O ano de 1950 foi um divisor de águas na historiografia sobre o tema, já que foi então que se produziu a primeira grande obra escrita por um historiador de ofício. Trata-se de The Bolshevik Revolution, 1917-1923, de autoria do britânico Edward Hallett Carr. Ela foi publicada na Inglaterra em três grandes volumes pela editora Macmillan em 1950, 1951 e 1952, respectivamente. E. H. Carr destacou-se pela capacidade analítica e pela vasta pesquisa que realizou para escrever sua obra. A edição inglesa foi traduzida para o português e publicada pela Editora Afrontamento, do Porto, com o título A Revolução Bolchevique. Os três volumes foram dados ao público em 1977, 1979 e 1984. A História da Rússia Soviética de Carr se completava com outros volumes dedicados ao “Interregno 1923-1924”, de 1954, “Socialismo num só país, 19241926”, publicado em três volumes em 1958, 1959 e 1964, e a última parte, “As origens duma economia planificada, 1926-1929”, cujo primeiro volume foi publicado em 1969 em coautoria com R. W. Davies.[5]
Ainda nas décadas de 1960 e 1970, outros historiadores publicaram obras específicas sobre as revoluções de 1917, a exemplo da síntese feita por Marc Ferro em 1967 (Ferro, 1967) ou da pesquisa de William G. Rosenberg, de 1974, sobre os liberais aglutinados no Partido Constitucional democrático durante o processo revolucionário (Rosenberg, 1974).
Contudo, foi na década de 1980 que surgiram os trabalhos mais inovadores no sentido de deslocarem o foco dos grandes atos e atores (individuais e institucionais) e centrarem atenção no envolvimento direto dos trabalhadores nas revoluções russas de 1917. Essas obras superaram as narrativas tradicionais, mais preocupadas em destacar o papel das grandes lideranças dos partidos bolchevique, menchevique e socialista revolucionário, e investiram na análise detida do protagonismo operário na derrubada da autocracia e na ascensão dos revolucionários em fevereiro e outubro de 1917. A partir do uso intensivo de uma quantidade e variedade maiores de fontes e sob a influência da história social, essas obras deram grande contribuição à história da classe operária, suas condições de trabalho e de vida, organizações, greves e interfaces com a tomada do poder em 1917. Nesse sentido, podemos citar as contribuições de diane P. Koenker, Moskow Workers and the 1917 Revolution, de 1981 (Koenker, 1981); Diane P. Koenker e William G. Rosenberg, Strikes and Revolution in Russia, 1917, de 1989 (Koenker; Rosenberg, 1989), e de S. A. Smith, Red Petrograd: revolution in the factories, 1917-1918, de 1983 (Smith, 1983).
A partir da década de 1990 houve uma ampliação dos temas estudados para além das revoluções de 1917 stricto sensu. de acordo com Smith, isso foi possível graças à abertura dos arquivos da antiga União Soviética, o que possibilitou o estudo de aspectos e períodos pouco conhecidos até então, como a era stalinista. Em artigo recente, o autor passou em revista as pesquisas preocupadas em aprofundar o conhecimento sobre as conexões entre a Primeira Guerra Mundial e as Revoluções Russas de 1917, o papel dos boatos na erosão da autoridade sagrada da família real, o conteúdo emocional e moral da linguagem popular, o recrutamento e as experiências de soldados e oficiais russos como prisioneiros na Alemanha e durante a Guerra Civil, as relações entre nacionalidades e império, variações do processo revolucionário nas províncias e nas pequenas cidades e o comportamento dos camponeses e da nobreza em face da revolução, entre outros.[6] O próprio Smith investiu em um estudo comparativo entre as revoluções russas e chinesa, com particular atenção para os camponeses de ambos os países que migraram do campo para Petrogrado e Xangai (Smith, 2008). já Silvio Pons, autor de um dos artigos do presente Dossiê, publicou, em 2014, um amplo painel sobre as relações entre a União Soviética e os partidos comunistas ao redor do mundo ao longo do século XX, até o colapso de 1991 (Pons, 2014).
Em diálogo com essa historiografia, os textos aqui reunidos tratam de modo complementar de diferentes aspectos do contexto da Grande Guerra e dos movimentos sociais do período. Os textos “Música e guerra: impactos da Primeira Guerra Mundial no cenário musical carioca”, de Luciana Fagundes, e “Uma facada pelas costas: paranoia e Teoria da Conspiração entre conservadores no refluxo das Greves de 1917 na Alemanha”, de Vinicius Liebel, vão ao encontro da compreensão da experiência do conflito como Guerra Total[7] na forma como imaginários, sua transmissão e apreensão, são mobilizados além da frente de batalha e do tempo da guerra. Luciana Fagundes procura mostrar como a guerra se lutou para além das trincheiras pela mobilização político-diplomática de ideias numa propaganda que mediaria fórmulas e embates culturais do cenário musical do Rio de Janeiro. Vinicius Liebel ensaia mostrar de que forma a guerra e seus efeitos imediatos foram capitalizados nas lutas ideológicas do entre guerras instalando uma paranoia a que não se pode alienar a Segunda Guerra Mundial.
O artigo de Glaucia Fraccaro, “Mulheres, sindicato e organização política nas greves de 1917 em São Paulo”, analisa uma dimensão ainda pouco explorada no estudo das greves no Brasil, isto é, a participação das mulheres nas ligas operárias de bairro e nos sindicatos. Ela procura localizar as trabalhadoras examinando os pontos de pauta que interessavam diretamente as mulheres por ocasião das greves deflagradas em São Paulo no ano de 1917. Sua pesquisa dá relevo às dificuldades enfrentadas pelas operárias para encontrar colocação no mercado de trabalho e assegurar igualdade salarial em relação aos trabalhadores do sexo masculino que exerciam as mesmas atividades.
O artigo de Silvio Pons, “Antonio Gramsci e a Revolução russa: uma reconsideração (1917-1935)”, apresenta-nos uma análise política aprofundada e inovadora do pensamento do intelectual italiano. Na análise de seus escritos sobre a Revolução russa e a construção de uma nova estatalidade, Pons nos mostra o processo de formação das principais categorias do pensamento político de Gramsci e sua originalidade no panorama do comunismo de sua época. Pons nos mostra também como, longe das visões deterministas, Gramsci inscreve as próprias considerações no campo das possibilidades históricas.
Notas
- Esta análise tem por orientação fundamental o trabalho de WINTER & PROST, 2004.
- Citado por CORREIA, 2014.
- Citado por LEMOINE, 2006, p.136.
- TROTSKY, 1978-1980. Observe-se que em 1909 Trotsky já havia escrito sobre outra revolução russa, a de 1905. A obra foi originalmente publicada na Alemanha, em 1909, depois na Rússia, em 1922. Para a edição brasileira, cf. TROTSKY, 1975 e 1987.
- CARR, 1977-1984. Não deve ser simples coincidência que essa edição tenha sido publicada apenas 3 anos depois da queda da ditadura do Estado Novo em Portugal (1933-1974).
- Para um balanço abrangente sobre a historiografia a respeito do tema a partir dos anos 1990, cf. SMITH, 2015.
- Aproveitamos o termo de CHICKERING & FORSTER, 2008. Para compreensão da ampla controvérsia que envolve seu uso, ver SEGESSER, 2014.
Referências
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Os organizadores do Dossiê desejam a todos uma boa leitura!
Aldrin Castellucci – Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Alagoinhas, BA, Brasil. E-mail: aldrin.castellucci@hotmail.com
Edilene Toledo – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Guarulhos, SP, Brasil. E-mail: edilene.toledo@uol.com.br
Silvia Adriana Barbosa Correia – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: sabcorreia@gmail.com
CASTELLUCCI, Aldrin; TOLEDO, Edilene; CORREIA, Silvia Adriana Barbosa. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.37, n.76, set / dez, 2017. Acessar publicação original [DR]
Ler História. Lisboa, n.70, 2017.
A polícia e as polícias no mundo ibero-americano, séculos XIX e XX
- José Vicente Serrão
- Editorial[Texto integral]
Dossier: A polícia e as polícias no mundo ibero-americano, séculos XIX e XX
- Gonçalo Rocha Gonçalves e Marco Alpande Póvoa
- A polícia e as polícias no mundo ibero-americano: introdução[Texto integral]
- Diego Galeano
- Entre el orden y la fuerza bruta: una historia política de la policía de Buenos Aires, 1852-1880[Texto integral]
- Entre a ordem e a força bruta: uma história política da polícia de Buenos Aires, 1852-1880
- A political history of the Buenos Aires Police, 1852-1880
- Entre la loi et la force brutale : une histoire politique de la police de Buenos Aires, 1852-1880
- Diego Pulido Esteva
- Gendarmes, inspectores y comisarios: historia del sistema policial en la ciudad de México, 1870-1930[Texto integral]
- Gendarmes, inspectores e comissários: história do sistema policial na Cidade do México, 1870-1930
- Gendarmes, inspectors and superintendents: A history of the police system in Mexico City, 1870-1930
- Gendarmes, inspecteurs et commissaires : histoire du système policier dans la ville de Mexico, 1870-1930
- Gonçalo Rocha Gonçalves e Marco Alpande Póvoa
- Bloqueios políticos e dinâmicas organizacionais na polícia portuguesa durante a Primeira República[Texto integral]
- Political blockages and organizational dynamics in Portuguese police during the First Republic
- Blocages politiques et dynamiques organisationnelles dans la police portugaise sous la Première République
- Sergio Vaquero Martínez
- Entre la republicanización y la militarización. Las transformaciones de las fuerzas policiales en la Segunda República española, 1931-1936[Texto integral]
- Entre a republicanização e a militarização. As transformações das forças policiais na Segunda República espanhola, 1931-1936
- Changes in the Spanish police forces during the Second Republic, 1931-1936
- Entre républicanisation et militarisation. Les transformations des forces policières durant la Seconde République espagnole, 1931-1936
Artigos
- Felipe Aguiar Damasceno
- Direitos de propriedade em terras rebeldes: as sesmarias dos Palmares de Pernambuco, 1678-1775[Texto integral]
- Property rights in contested lands: the sesmariasof the Palmares of Pernambuco, 1678-1775
- Droits de propriété en terres rebelles : les sesmariasdes Palmares de Pernambuco, 1678-1775
- António Rafael Amaro
- O Estado, o interesse nacional e o poder de pressão das elites regionais: a institucionalização da região vinícola do Dão, 1907-1910[Texto integral]
- The state, the national interest and the lobbying power of regional elites: the institutionalization of the Dão wine region, 1907-1910
- L’État, l’intérêt national et le pouvoir de pression des élites régionales : l’ins-
titutionnalisation de la région viticole du Dão, 1907-1910 - Jesús-Ángel Redondo Cardeñoso
- Protestas populares por las subsistencias en el Alentejo durante la Gran Guerra, 1914-1918[Texto integral]
- Levantamentos populares pelas subsistências no Alentejo durante a Grande Guerra, 1914-1918
- Food riots in Alentejo during the Great War, 1914-1918
- Protestations populaires de subsistance dans la région de l’Alentejo durant la Grande Guerre, 1914-1918
- Ana Clotilde Correia
- O Estado Novo e a repressão da homossexualidade, 1933-1943[Texto integral]
- The repression of homosexuality during the Portuguese dictatorship, 1933-1943
- L’Estado Novo et la répression de l’homosexualité, 1933-1943
Espelho de Clio
- Serge Gruzinski
- Até que ponto a história nos torna mais humanos?[Texto integral]
- How can history make us more human?
- Comment l’histoire peut-elle nous rendre plus humain ?
- Graça Almeida Borges
- O historiador como línguado passado. Entrevista a Stuart B. Schwartz [Texto integral]
- The historian as translator of the past. An interview with Stuart B. Schwartz
- L’historien comme traducteur du passé. Entretien avec Stuart B. Schwartz
Em debate
- António Vilhena de Carvalho
- A escrita da história na China: o historiador sem alternativa? Ensaio bibliográfico[Texto integral]
- Historical writing in China: the historian without alternative? Review essay
- L’écriture de l’histoire en Chine : l’historien sans alternative ? essai bibliographique
Recensão
Dicionário Nietzsche – GEN (CN)
GEN. Dicionário Nietzsche. São Paulo: Edições Loyola, 2016. Resenha de: GRAGNOLINI, Mônica. Cadernos Nietzsche, São Paulo, v.38 n.3 set./dez. 2017.
Celebramos o aparecimento do primeiro dicionário sul-americano da obra de Nietzsche. A particularidade desse dicionário é que remete principalmente às interpretações sobre Nietzsche que tem sido feitas no Brasil, e mais especificamente no âmbito do Grupo de Estudos Nietzsche, criado e dirigido por Scarlett Marton. Com isso, o dicionário é também, ao mesmo tempo, um registro dos modos como tem sido recepcionado Nietzsche em uma parte do âmbito acadêmico brasileiro.
É necessário indicar que no Brasil pululam os nietzschianos, há diferentes grupos de pesquisa e interpretação em distintas universidades, com perspectivas diversas e às vezes antagônicas. A interpretação de Nietzsche, no país irmão, é apaixonante também para estudar o perspectivismo nietzschiano nas formas pelas quais sua obra tem sido recepcionada, o que dá conta do caráter plural de sua filosofia nos modos como é recepcionada. Há muitos “Nietzsches” no Brasil: aqui nos encontramos, nesse dicionário, com um Nietzsche que surge a partir do trabalho de pesquisa iniciado por Scarlett Marton, uma das reconhecidas referências internacionais da obra do pensador, membro do Groupe International de Recherches sur Nietzsche (GIRN). Em 1996 Marton funda “oficialmente” o GEN, e a revista Cadernos Nietzsche. Quem escreve nesse Dicionário as diferentes entradas são seus discípulos e pesquisadores, e, como assinalei antes, as vozes remetem às interpretações nascidas no seio desse grupo de trabalho, que edita sua primeira obra coletiva, afirmando desde o início que um grupo é mais que uma soma de individualidades.
Qual é a peculiaridade do GEN no âmbito dos estudos nietzschianos no Brasil? A introdução ao dicionário se encarrega de indicar o rigor investigativo do grupo: criado em 1989, e oficializado em 1996, o grupo dedicou-se desde o início à leitura das obras de Nietzsche de maneira sistemática e rigorosa. Como se aponta na introdução, Scarlett Marton iniciou o grupo no final dos anos 80, realizando uma série de seminários sobre Assim falava Zaratustra, que se estenderam por cinco anos, dedicados cada um deles, de maneira minuciosa, às partes da obra (incluindo o Prólogo). A partir daquele momento, o grupo começou a trabalhar a obra de Nietzsche com seriedade metodológica, em um Brasil em que, como em outras partes do mundo, Nietzsche não era bem recebido na academia. Era necessário, portanto, criar o “objeto de conhecimento Nietzsche” (p. 19), e estudá-lo de maneira rigorosa, para diferenciar o trabalho de investigação de outras aproximações à sua obra, e “romper com o diletantismo que caracteriza muitas interpretações de Nietzsche” (p. 19). Além disso, o GEN organiza semestralmente os Encontros Nietzsche, nos quais se discutem os trabalhos do grupo.
Os vocábulos estão indicados no original em alemão, e, além disso, estabelecem uma série de reenvios e correlações de um artigo a outro. As entradas são 156, e há 13 outras para a apresentação das obras de Nietzsche. Como se assinala na introdução, existem no Brasil muitas traduções diferentes da obra (não se realizou, como recentemente na Espanha, uma tradução completa da Kritische Studienausgabe), por isso o GEN pretende também oferecer um canon preciso para a tradução dos conceitos. Cada entrada implica uma abordagem genética e conceitual do termo na obra nietzschiana, e uma referência aos diversos modos como o termo é utilizado na obra de Nietzsche. O Dicionário se inicia com algumas páginas dedicadas à vida de Nietzsche, escritas por Scarlett Marton, e na sequência se apresentam as treze entradas dos livros. Marton destaca que Nietzsche não queria ser confundido, e assinala de que maneira diferentes ideologias se apropriaram de seu pensamento (do socialismo ao antissemitismo), fazendo recortes arbitrários de sua obra. Com relação às entradas das obras, assim como ocorre com os conceitos, são escritas por diferentes membros do GEN, e o característico dessas entradas é que a bibliografia indicada só remete às obras do autor do vocábulo, e a outros membros do GEN. Isso responde a essa ideia de rigor antes enunciada, e por isso só especialistas de um tema escrevem sobre esse tema, e remetem ao âmbito de discussão coletiva do GEN.
Como é a estrutura de cada entrada? Por exemplo, Scarlett Marton escreve a entrada “Vontade de potência” [Wille zur Macht] e assinala a primeira aparição do conceito em Assim falava Zaratustra, e a identificação do termo com a ideia de vida nesse momento. Nesse sentido, se vincula com “vontade orgânica”, e é própria de todo ser vivo. Marton assinala sua forma de proceder a partir da resistência a obstáculos, e indica como a Nietzsche interessava, no contexto das ideias científicas da época, tratar de descrever a passagem do inerte ao vital. Assinala, também, como logo após Assim falava Zaratustra começa a elaborar sua teoria das forças, e o conceito se amplia em relação a tudo o que existe, e não apenas ao orgânico. Analisa também como deve ser entendido na expressão o termo “Wille” e como deve compreender-se “Macht”. Assim, interpreta o conceito como tendência de toda força a efetivar-se, criando novas configurações. Indicam-se os textos de Nietzsche nos quais se pode encontrar referências ao tema, direcionando o leitor a outros vocábulos da obra, como “substância”, “hierarquia”, “força” etc., fazendo uma indicação bibliográfica apenas dos textos da própria Marton. Ou seja, as entradas são delimitadas, específicas, e contextualizadoras, e evitam a dispersão em uma bibliografia secundária volumosa, preferindo a especificidade no trabalho com os conceitos.
André Luis Mota Itaparica, Clademir Araldi, Eder Corbanezi, Eduardo Nasser, Emmanuel Salanskis, Fernando de Moraes Barros, Ivo Da Silva Jr., João Evangelista Tude de Melo Neto, Luís Rubira, Márcio José Silveira Lima, Scarlett Marton, Vania Dutra de Azeredo e Wilson Frezzatti Jr. são os autores das entradas do dicionário. Todos são do Brasil, com exceção de Emmanuel Salanskis, da França. O Dicionário Nietzsche pretende dar conta do trabalho de muitos anos do GEN, e do trabalho pioneiro e formador de sua criadora, Scarlett Marton. De alguma maneira, seus discípulos rendem homenagem a sua mestra, tornando patente o trabalho rigoroso de muitos anos em torno da obra de Nietzsche, bem como as impressões da maneira pela qual Scarlett Marton ensinou a ler Nietzsche a distintas gerações de estudantes, tanto no Brasil, como fora do Brasil.
*Resenha [também] publicada na Revista Instantes y Azares, Año XVI, Nros. 17-18, Otoño-Primavera de 2016, Buenos Aires, Argentina, pp. 288-290. Tradução de Márcio José Silveira Lima
Mónica B. Cragnolini – Professora da Universidade de Buenos Aires, Argentina. Correio eletrônico: mcragnolini@gmail.com.
A Terra e os homens sob fogo / Varia História / 2017
Como revela o título deste dossiê, seu tema é o fogo, elemento constituinte do planeta Terra, recortando algumas de suas interações históricas com os homens. Os humanos constituem a única espécie animal que aprendeu a controlar o fogo. Em primeiro lugar, os homens o empregam de maneira produtiva: o usam para transformar plantas e animais em comida, minerais em moedas, artefatos ou joias, e ainda para os aquecerem no inverno. Mas esse controle não é absoluto, pois o fogo é um serviçal rebelde e, frequentemente, escapa do seu controle. De maneira destrutiva, chamas podem queimar uma casa, uma cidade, uma grande floresta, ou ainda uma imensa planície. Mas ao longo do tempo, em diversas situações históricas, o fogo é que exerceu seu controle sobre seus pretensos senhores, quando, por diversos motivos, homens lançaram outros homens às chamas, frequentemente utilizando para isso de crueldade e da tortura. Os exemplos são inúmeros: nos atos de canibalismo, nas penas impostas pela Inquisição, nas armas lançadas em várias guerras. Mas a experiência humana, para melhor ou para pior, tem sido moldada pelo fogo. Este é o tema desse dossiê.
Habitante da terra muito antes dos homens, o fogo é um dos elementos centrais que compõe a própria Terra e, ao longo da história diversas teorias tentaram compreender sua constituição e seu papel na origem do nosso planeta. Mas foi a partir do século XVIII, que os homens da ciência, afastando-se cada vez mais da explicação bíblica, sem no entanto abandoná-la completamente, buscaram cada vez mais as causas naturais por trás dos eventos geológicos observáveis. Nesse contexto, discutiram intensamente como se deu o processo de formação da própria Terra e, entre outros temas, debateram como o fogo atuou para moldar a paisagem desde a criação. Terremotos e erupções vulcânicas tornaram-se temas privilegiados nessas discussões, alguns deles, como que sacudiu Lima, em 1746, ou o famoso terremoto de Lisboa de 1755, puderam ser vivenciados por esses homens e tornaram-se temas recorrentes do debate erudito então travado.
De um lado, se posicionaram os Netunistas, para quem a terra esteve coberta, inicialmente, por um oceano primordial, onde muito lentamente depositaram-se os sedimentos que formaram os continentes (a vantagem era esta situação que correspondia ao cenário bíblico); a eles se contraporiam os Plutonistas, que, se não descartavam a existência de um oceano primitivo, não consideravam que todas as rochas se formaram a partir de sedimentos em suspensão nesse líquido inicial. Levando em consideração o fogo, consideravam a importância da ação do calor oriundo do centro da terra na formação das rochas terrestres, muitas delas originárias das atividades vulcânicas. Por fim, os Catastrofistas, chamaram a atenção para a atuação de eventos geológicos depois do surgimento da Terra, os quais seriam responsáveis por alterações na paisagem. Para eles, a história do planeta estava marcada por cataclismas, como fraturas, terremotos, vulcões, que revolucionavam o planeta de tempos em tempos.
No que diz respeito às causas naturais desses eventos – terremotos e vulcões – os homens de ciência também não eram unânimes. No século XVIII, se dividiam entre os majoritários que os atribuíam à existência de um fogo subterrâneo, que se espalhava sob a superfície da Terra por meio de cavernas, sendo que, para eles, terremotos e erupções vulcânicas seriam fenômenos associados entre si; e os que defendiam que era a água subterrânea o elemento primordial por trás desses fenômenos geológicos, exercendo, de tempos em tempos, intensa pressão sobre a crosta terrestre.
Em 1755, um enorme cataclismo abalou a Europa: o Terremoto de Lisboa, ao qual se sucedeu um tsunami e um grande incêndio que devastaram a outrora fulgurante cidade, capital europeia de um gigantesco império que se estendia às 4 partes do globo. Como destaca Stephen Pyne, em seu artigo “Sacudir e assar: um comentário sobre terremotos e incêndios”, o grande terremoto de Lisboa foi um dos eventos icônicos na história da humanidade em que houve a interação entre terremotos e incêndios. Como em Lisboa, essa conjugação expõe os limites humanos no controle dessa força da natureza. O autor acentua que, no século XX, os terremotos foram substituídos pela guerra como estopim das chamas capazes de destruir cidades inteiras. Por fim salienta que, por mais que o homem tenha domesticado o fogo, ele continua a ser uma ameaça incontrolável às grandes cidades que se espraiam espacialmente em subúrbios, cada vez mais adentrando o ambiente florestal, suscetível às chamas. Esse tem sido uma ameaça recorrente, mesmo em países desenvolvidos, como se viu no impressionante incêndio que alastrou-se no verão europeu de 2017, pela região de Trás os Montes, em Portugal.
Na segunda metade do século XVIII, como nenhum outro evento geológico, o terremoto de Lisboa de 1755 concentrou a atenção da comunidade savant europeia. Para além da literatura e da poesia, estudos sobre o evento surgiram da pena de importantes homens de ciência, como Voltaire, Leibniz, John Michell, entre tantos outros. Esses trabalhos foram fundamentais para o aprofundamento do processo já em curso, sob bases Iluministas, de entendimento da natureza em bases cada vez mais racionais, explicada a partir de causas naturais. Entre eles, destaca-se o português Joaquim José Moreira, observador direto do terremoto que, na sequência do mesmo, escreveu a História Universal dos Terremotos, livro que é analisado no artigo de Jorge Ferreira e Maria Margareth Lopes, intitulado “O fogo é o agente, que causa tantas maravilhas: a América e as explosões subterrâneas na História Universal dos Terremotos de 1758″. Ao analisar esse texto, os autores chamam a atenção para o fato de que Moreira adere à teoria das causas naturais por trás dos terremotos, ainda que não se prenda a discutir as de natureza religiosa. Como se tornará hegemônico à época, analisa a sua origem a partir do fogo subterrâneo submetido à enorme pressão sob a crosta terrestre. Para ele, “o fogo subterrâneo podia deflagrar acidentalmente por fermentação ou combustão espontânea e actuar sobre o ar e a água em cavernas subterrâneas, produzindo dessa forma a força explosiva que causava os terramotos”.
Ana Simões, Ana Paula Carneiro e Maria Paula Diogo, em “Ciências da Terra e História na obra de Correia da Serra (1751-1823)”, analisam a confluência das teorias de História e de Ciências Naturais no pensamento do famoso naturalista português, o abade Correa da Serra. Revelam, a partir da análise de seus textos sobre a geologia portuguesa, que, ainda que não tenha formulado de forma clara, era um adepto da teoria Catastrofista. São efetivamente esses estudos de geologia, que realiza por meio de várias viagens de campo e publica em diferentes textos, que o levam a estabelecer um entrelaçamento e um paralelo entre o homem e a natureza, o que se revela em seus trabalhos de História de Portugal. Segundo as três autoras, de maneira singular e criativa, seu pensamento promove “uma historicização da natureza e uma naturalização da História”, pois defende que ambas são, de tempos em tempos, abaladas por eventos únicos e de grande impacto, com grande capacidade de transformação tanto da paisagem, quanto da história da humanidade.
Júnia Ferreira Furtado – Pós-Graduação em História Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: juniaf@gmail.com
FURTADO, Júnia Ferreira. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.33, n.63, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
História Pública no Brasil: Sentidos e itinerários | Ana M. Mauad, Juniele Almeida e Ricardo SAnthiago
Este texto pretende resenhar o livro História pública no Brasil: Sentidos e itinerários, obra organizada por Ana Maria Mauad, Juniele Rabêlo de Almeida e Ricardo Santhiago. Nesta importante publicação, os organizadores reúnem textos de alguns dos principais pensadores sobre história pública no Brasil e em outros países. O livro passa a ser uma referência imprescindível por ser plural e apresentar várias perspectivas sobre o tema.
A proposta tem dois momentos. No primeiro, pretendo constituir um panorama geral do livro naquilo que, na minha perspectiva, é mais importante para a história pública. No segundo momento eu proponho uma pequena reflexão/contribuição já que participei dos dois simpósios retratados no livro1 e também por que sou membro da Rede Brasileira de História Pública. Leia Mais
The Political Economy of East Asia: striving for wealth and power | Ming Wan
Já faz algum tempo que os pesquisadores que tratam das relações internacionais na Ásia sentem a necessidade de associar os temas tradicionais do campo das relações internacionais com os conhecimentos oriundos da economia política. Tal ocorrência deve-se ao fato de que os estudos de Economia Política Internacional (EPI) ainda são bastante influenciados pela corrente ocidental, notadamente de vertente norte-americana e inglesa. A escola francesa veio a décadas atrás lançar luz sobre tais estudos escapando da armadilha dos pressupostos homogêneos e deixando de lado a leitura contextual originada no mainstream. Contudo, tal corrente é pouco difundida no ambiente acadêmico. É nesse sentido que se deve sublinhar a contribuição de Ming Wan ao propor um estudo da economia política do leste asiático.
O objetivo de Wan (2008) é organizar um livro que aglutine questões relativas ao comércio, produção, finanças e moedas, porém entendidas dentro de um cenário de características distintas daquelas vigentes nos países ocidentais. Logo, torna-se necessário partir de premissas diferenciadas para que se entenda a economia política da região do leste asiático. Dentre essas destaca-se a questão do regionalismo, devidamente tratada no capítulo 11 da obra. O capítulo supracitado chama atenção pois tal assunto merece uma formulação conceitual transcende a proximidade geográfica, trazendo à tona outros elementos analíticos complementares tais como a complementaridade, o esforço de cooperação e a coesão regional. Leia Mais
Planet/Cuba: Art, Culture, and the Future of the Island – PRICE (A-EN)
PRICE, Rachel. Planet/Cuba: Art, Culture, and the Future of the Island. London: Verso Books, 2015. Resenha de SALMISTRO, Renan. Price, Rachel. Planet/Cuba: Art, Culture, and the Future of the Island1. Alea, Rio de Janeiro, v.19 n.3, sept./dec., 2017.
Publicado em novembro de 2015, Planet/Cuba: Art, Culture, and the Future of the Island oferece uma visão profundamente inovadora da arte e da cultura cubanas contemporâneas. Desde a Revolução de 1959, Cuba ocupou o imaginário mundial como um território fechado, condição agravada pelo embargo econômico de 1961, que isolou literalmente o país numa ilha em meio a um mar capitalista. A revolução, a oposição ao capitalismo americano e a relação com a antiga URSS contribuíram para sustentar o mito da excepcionalidade cubana, sob a imagem de uma ilha congelada e fixa, deslocada do mundo.
Porém, o retrato oferecido por Rachel Price (professora associada da Universidade de Princeton) apresenta um país que, longe de parar no tempo, esteve em contínua transformação. Na introdução “A treasure map for the present”, ela descreve como o colapso da URSS em 1991 acrescentou àquela visão da ilha a imagem de uma terra arrasada, isolada pelo oceano e permeada por árvores, carros antigos, pouca tecnologia, escassez de alimentos e arquitetura destruída. Na verdade, para Price esse momento é o início de uma década distinta de todas as outras em Cuba, uma vez que o fim do apoio soviético impôs ao governo cubano a necessidade de encontrar novas diretrizes para o futuro, de repensar velhas ideologias e de abrir espaço a novos atores sociais.
Os anos finais do século XX, portanto, deram origem a uma nova realidade, que passou não só pela substituição do leninismo soviético, como pela superação do internacionalismo do governo de Fidel Castro. O aspecto épico da ascensão do governo revolucionário em 1959 atraiu a atenção mundial, espalhando expectativas que colocaram sobre a ilha obrigações internacionais, fosse como país comunista, latino americano ou do terceiro mundo. Tais expectativas muitas vezes foram assumidas pelos próprios cubanos, como indica a autodenominação nos anos 1960 como “primeiro território livre das Américas”. Mas, segundo Price, as dificuldades posteriores ao colapso dos países do leste impuseram ao governo e ao povo cubano a necessidade de pensar os problemas locais numa perspectiva nacionalista. A ascensão de Raúl Castro ao poder em 2008, no entanto, direcionou o nacionalismo dos anos 1990 a um processo de internacionalização, que passaria pela abertura da economia cubana à globalização.
Embora Price tenha concluído seu estudo antes da normalização das relações entre Cuba e EUA em 17 de dezembro de 2014, a perspicácia demonstrada em suas análises permite perceber que uma mudança radical não só estava prestes a ocorrer, como se fazia absolutamente necessária. Com exímio conhecimento das transformações sociais, políticas e econômicas em Cuba, Price explora a intersecção entre arte e ambiente, desconstruindo aquela imagem convencional de uma ilha separada do resto do mundo. Sua proposta é superar essa visão construída nos últimos cinquenta anos, de modo que o título não seja lido como uma oposição Planet/Cuba, planeta ou Cuba, mas uma espécie de divisão pela qual as questões globais encontram respaldo na sociedade cubana.
O estudo foca nas produções artísticas cubanas das últimas décadas – abordando desde romances e poesias, até intervenções artísticas, arte digital e videogames como forma de arte -, com o intuito de demonstrar como as crises globais emergentes orientam a nova visão da realidade representada pelos artistas. Para Price, na arte cubana contemporânea, a preocupação particular com o país, lugar comum no imaginário cubano desde os anos 1990, coincide com as preocupações presentes em outros lugares do globo. Assim suas análises são desenvolvidas em torno de problemas que ultrapassam as fronteiras de qualquer nação, como o desmatamento, o aquecimento global, a escassez de recursos naturais, as formas de organização do trabalho e a obsessão com a segurança.
A originalidade do estudo aparece logo nos capítulos iniciais, pela forma como neles são retomados arquétipos binários na arte cubana – como rizomas e árvores – a partir de uma perspectiva global. Os dois primeiros capítulos – “We Are Tired of Rhizomes” e “Marabusales” – abordam questões ligadas à agricultura, à crise do meio ambiente e ao pensamento ecológico. Price descreve a substituição da imagem deleuziana do rizoma (utilizada para se referir à coletividade democrática) pelo símbolo mais estável da árvore. Esta superação envolveria a falência da economia baseada na indústria açucareira, procurando formas de lidar com as consequências da industrialização da agricultura, como a destruição das plantas nativas e o empobrecimento do solo.
Embora o governo de Fidel Castro tenha investido no reflorestamento, conseguindo recuperar mais de 30% do território, além de criar leis para regulamentar a exploração da natureza, a forte campanha pela adoção do modelo industrial soviético que, além de outras coisas, envolvia a industrialização da agricultura, permanece como um alerta quanto ao potencial de destruição da indústria emergente nesta nova fase de globalização. Por isso, os artistas cubanos reagem com hesitação às novas diretrizes adotadas para o desenvolvimento da ilha.
O marabú, planta não nativa que chegou a ocupar mais de 50% do território abandonado pela indústria açucareira, representa a reação paradoxal dos cubanos quanto ao futuro. A planta adquire um aspecto negativo conforme se espalha pelo território, contribuindo para destruir o que restou da vegetação nativa. Na obra Modelo de expansión: marabú, dos artistas Ernesto Oroza e Gean Moreno, o marabú não só indica a falência das políticas agrícolas e ecológicas, como escancara a crise ambiental e o enfraquecimento do sistema capitalista. Por outro lado, seu crescimento e disseminação são mais complexos, à medida que avança sob o território abandonado pelas usinas, devolvendo nitrogênio ao solo destruído pela monocultura.
A ambivalência da metáfora do marabú está em destruir os resquícios da Cuba açucareira que não prosperou, ao mesmo tempo em que prepara a terra para um futuro incerto. Mas a proposta de interpretação do imaginário cubano sob um aspecto global leva Price a analisar as incertezas em relação ao futuro como um fato característico da cultura contemporânea em geral. Essa perspectiva fica ainda mais evidente nos dois capítulos seguintes, que tratam da preocupação em torno da escassez dos recursos naturais.
Se o derretimento das geleiras polares é mais alarmante a todos os países que possuem fronteiras marítimas, no caso de uma ilha como Cuba esse fenômeno pode gerar expectativas desoladoras em relação ao futuro. No capítulo “Havana Under Water”, Price traça as mudanças na abordagem de um velho tema cubano: o mar. Nos últimos tempos, o mar surge no imaginário cubano como uma imagem desagradável, indicadora de perigo. A água não só está envolvida nas mudanças climáticas, como carrega a poluição da vida urbana e industrial. Nas obras de arte, ela contribui para a construção de uma visão apocalítica do futuro, como no trabalho Tsunami, de Humberto Díaz, e no romance Habana Underguater, de Erick Mota.
A insegurança quanto ao futuro também reforça a preocupação com a escassez dos recursos naturais. Entre as maiores preocupações dos governantes contemporâneos, inclusive cubanos, está a busca pela independência energética. Nesse aspecto, a água também está presente, uma vez que representa a última fronteira entre o homem e as principais reservas de petróleo, além de ser a metáfora mais adequada à representação de um fenômeno intrínseco ao capitalismo: a circulação (de mercadorias, capital e pessoas).
Sob essa perspectiva, Price discute com muita acuidade, no capítulo “Post-Panamax Energies”, todo o processo de exploração do petróleo, desde sua regulamentação com base no sistema de posse do direito romano até as deliberações mais recentes dos direitos de exploração. No entanto, este capítulo contribui à tese da autora (sobre a presença marcante dos problemas globais no imaginário cubano) quando reconhece que, embora as descobertas de petróleo não sejam significativas em Cuba a ponto de mudar sua economia ou estrutura energética, a sua centralidade no mundo faz dele um tema constante na arte cubana contemporânea.
Após abordar a preocupação com as reservas de energia como um dos problemas mais recorrentes do mundo globalizado, Price volta-se a um dos temas que nas últimas décadas pareceu distinguir a Cuba comunista do resto do mundo capitalista: a relação entre trabalho, produtividade e tempo livre. O penúltimo capítulo, “Free Time”, oferece uma análise fina de como questões relativas à ocupação, ao desemprego, ao jogo e à falta de produtividade estão presentes no cotidiano da ilha. Enquanto na maioria dos países de capitalismo avançado o tempo livre é visto como antídoto ao trabalho, Price entende que a preocupação do Estado cubano voltada ao bem-estar social dedicou o trabalho estatal à subsistência, de modo que o tempo livre costuma ser direcionado a trabalhos mais lucrativos. Contudo, o avanço da economia informal não é interpretado como um aspecto particular da sociedade cubana, uma vez que também está presente na maioria dos países capitalistas.
Além do mercado informal, outro aspecto da relação entre o homem contemporâneo e o ócio, que repercute em Cuba, é o modo como a cultura de massa modela a construção da subjetividade a partir do tempo livre e do jogo. Uma parte significativa do capítulo é dedicada à abordagem da relação entre a indústria dos games e a colonização do tempo livre, o que parece ser um tema de grande interesse da autora. Embora o acesso à internet ainda seja um problema em Cuba, por ser demasiadamente lento e escasso, ele faz parte da nova política de Raúl Castro de “eliminar proibições”, que também liberou a venda de computadores pessoais, celulares e televisores. Para Price, tal abertura contribuiu para a progressiva distinção entre a vida cotidiana na ilha e a “retórica estatal” dos últimos cinquenta anos. O grande responsável por esta transformação seria o acesso às produções audiovisuais estrangeiras, de grande conhecimento especialmente por parte dos artistas cubanos.
A ênfase no desenvolvimento dos recursos tecnológicos engloba inclusive a obsessão do Estado moderno com o problema da segurança. Nessa linha, Price destaca no último capítulo, “Surveillance and Detail in the Era of Camouflage”, obras performáticas, como da artista Tania Bruguera, e experimentais, como a adaptação do modelo de prisão descrito por Jeremy Bentham (pan-óptico) para o videogame, realizada por Rodolfo Peraza em Jailhead.com. A abordagem do aperfeiçoamento de um sistema de segurança cada vez mais invasivo – que tem a tecnologia como principal aliada -, a partir de artistas que adotam recursos tecnológicos como estratégia de representação, foi um grande lampejo da autora para defender que as formas de vigilância e controle não estão encerradas nos centros de correção ou nas instituições, mas sim disseminadas pelos lugares mais diversos da vida cotidiana.
Ao colocar no horizonte da arte cubana os problemas globais, Price consegue desmistificar algumas consequências do isolamento político das últimas décadas, como a sensação de que Cuba é uma ilha-planeta com uma realidade própria. Apesar de ter que lidar com os problemas globais respeitando as particularidades de seu processo histórico, a Cuba de Price passa por múltiplas transformações que se confundem com os dilemas do mundo atual. Dessa forma, a promessa presente no título de discutir o futuro da ilha (“… and the Future of the Island”) não pode ser entendida literalmente, uma vez que as expectativas quanto ao futuro na ilha são tão incertas, duvidosas e angustiantes quanto em qualquer outro lugar do planeta. A abordagem dos impactos das transformações globais na ilha definitivamente recoloca Cuba numa perspectiva global, menos como ilha-planeta e mais como país.
Renan Salmistraro – Doutorando em Teoria e História Literária na UNICAMP. E-mail: renansalmistraro@gmail.com
[IF]
Boletim de História e Filosofia da Biologia. [?] v.11, n.3, 2017.
Volume 11, número 3 (setembro de 2017)
- Tradução de textos primários de história da biologia: “Reflexões de Claude Bernard sobre o lugar da fisiologia experimental no debate vitalismo versus materialismo”, por Christine Janczur e Maria Elice Brzezinski Prestes
- Boletim de História e Filosofia da Biologia. [?] v.11, n.2, 2021.
- Volume 11, número 2 (junho de 2017)
- Tradução de textos primários de história da biologia: “Creighton, McClintock e a elucidação das relações entre o crossing-over genético e citológico em Zea mays”, por João Paulo Di Monaco Durbano e Lilian Al-Chueyr Pereira Martins
Entre a caridade e a ciência: a prática missionária e científica da Companhia de Jesus (América Platina, séculos XVII y XVIII) – FLECK (HU)
FLECK, E.D. Entre a caridade e a ciência: a prática missionária e científica da Companhia de Jesus (América Platina, séculos XVII y XVIII). São Leopoldo: Oikos, 2014. 559 p. Resenha de: AVELLANEDA, Mercedes. Creencias y prácticas en torno a la salud y a la enfermedad en las reducciones jesuitas del Paraguay durante los siglos XVII y XVIII. História Unisinos 21(3):458-460, Setembro/Dezembro 2017.
El libro de Eliane Fleck Entre a caridade e a ciência: a prática missionária e científica da Companhia de Jesús aborda una dimensión muy poco estudiada hasta el presente, el mundo de las emociones y de las sensibilidades que se manifiestan en las cosmovisiones particulares de los mundos culturales, en este caso el indígena y el blanco que se entrecruzan y se transforman por la experiencia vivenciada. Los trabajos reunidos que se van hilvanando a lo largo de la obra representan el recorrido, de más de tres décadas de investigación, desarrollado sobre las misiones jesuíticas del Paraguay desde una perspectiva muy original, la exploración científica de la naturaleza como aliada indispensable para el desarrollo de la medicina y de la evangelización.
La investigación de Eliane nos introduce concretamente en el mundo de las creencias y de las prácticas terapéuticas relacionadas con los temas de salud y enfermedad durante los siglos XVII y XVIII. La originalidad de su abordaje centrado en la cura de las almas y de los cuerpos, dos instancias íntimamente ligadas al proceso de evangelización, da cuenta de la lucha de los jesuitas contra las creencias indígenas sobre el poder de los espíritus, las enfermedades que los acechan y la imperiosa necesidad de construir nuevos significados para consolidar su liderazgo espiritual y humanitario entre los recién reducidos.
Si bien la historia de las Misiones Jesuitas tiene una vasta producción académica que recorre los principales temas en torno a las realizaciones de los religiosos en las distintas esferas de su accionar social, político, económico y religioso, esta obra también se inserta en la corriente de trabajos más recientes, que recuperan el conocimiento de los propios actores sociales tanto guaraníes como jesuitas sobre su entorno, para indagar los fenómenos de transferencia cultural, ligados indefectiblemente a la agencia indígena y a las prácticas de los misioneros, contribuyendo de esa manera a los proce sos de transformación y refinamiento de las visiones historiográficas más actuales.
Toda la obra recorre como se fueron recopilando y elaborando los conocimientos sobre la farmacopea indígena y jesuítica a lo largo de los siglos XVII y XVIII y representa el fruto de sucesivas investigaciones centradas en la medicina que se efectuaba en las reducciones. Dividida en cuatro grandes secciones, la obra abarca la mirada indígena sobre la enfermedad y la muerte, los esfuerzos realizados por los misioneros para desarrollar remedios para la cura, la circulación de ese saber y las diferentes causas de enfermedad y muerte entre guaraníes y misioneros de las reducciones.
En su análisis, Eliane nos introduce, primero, en el imaginario indígena y sus interpretaciones sobre enfermedad y muerte entre guaraníes, rodeados de poderosos espíritus que atraviesan su existencia. Estos los acechaban en la espesura de la selva, imponiendo sus reglas de comportamiento social, y tabúes que hacían peligrar la existencia de todos. Los jesuitas debían librar una batalla permanente para cambiar la cosmovisión indígena y las prácticas de los shamanes que le imprimían a la enfermedad un poder mágico que solo podía ser doblegado por ellos, al ser los únicos capaces de penetrar en el mundo de las fuerzas sobrenaturales, encontrar el remedio y regresar para reestablecer el equilibrio psíquico y emocional de la persona. La importancia de este aspecto hará que los religiosos busquen romper con estas creencias y encontrar, a través del desarrollo de una farmacopea nativa, los remedios necesarios para la cura de las enfermedades.
En la búsqueda de comprender las prácticas impulsadas por los misioneros, la autora analiza la construcción de representaciones elaboradas por los religiosos para entender de qué modo los jesuitas organizan y manifiestan sus preocupaciones y sus propias consideraciones relacionadas con sus experiencias sociales. Esto le permite a Eliane contraponer dos visiones del mundo sobre la enfermedad, la guaraní y la jesuita, que coexisten en el siglo XVII y que no son antagónicas. La autora nos hace ver que los guaraníes, influenciados por los resultados de los religiosos y los nuevos métodos eficaces para combatir las enfermedades, aceptan el nuevo ordenamiento social aunque las fugas dejan entrever asimismo la coexistencia de cierta resistencia.
Al focalizarse en los contextos de epidemias en el que tendrán que accionar los religiosos, la autora pone de relieve la necesidad de los religiosos de elaborar la fabricación de remedios en las mismas reducciones, y para ello desarrollar un conocimiento de las plantas nativas. De ese modo se impulsará la construcción de un saber específico en las reducciones que luego se difundirá en un espacio mayor, a través de las recetas magistrales elaboradas desde las boticas instaladas en los Colegios de Buenos Aires y de Córdoba.
En la reconstrucción de esta inmensa labor de la cual poco se ha investigado, la autora se sirve del análisis de las Cartas Anuas y de las obras de referencia de los misioneros que se dedicaron a la medicina, como la obra Materia Médica del padre Pedro Montenegro. A través de este recorrido la autora reconstruye cómo las reducciones jesuitas del Paraguay fueron un importante laboratorio de investigación y experimentación, donde se exploraron las propiedades terapéuticas de las distintas especies nativas para la cura de enfermedades, contribuyendo al conocimiento científico de su época.
Desde el punto de vista formal, la obra se divide en cuatro partes bien diferenciadas que van dando cuenta ampliamente del camino recorrido por Eliane en su investigación a través de los años, analizando los progresos efectuados al interior de las reducciones, los procesos de reconfiguración del conocimiento médico que se elabora en la práctica y su impacto a la larga para combatir las distintas enfermedades al interior de las misiones.
La primera parte consta de un capítulo que nos introduce en la geografía de las misiones y en las representaciones de los guaraníes y de los religiosos entorno a las concepciones de enfermedad como maleficio y la eficacia de los métodos. Un segundo capítulo nos ofrece las propias imágenes que los misioneros construyeron acerca de esos fenómenos, para poner en valor una sensibilidad que desarrollaron en relación a sus prácticas, donde se van delineando dos cosmovisiones entrelazadas inexorablemente por la situación de contacto, la indígena y la jesuita, que representan el punto de partida y el contexto específico de abordaje de la investigación.
Una segunda parte nos introduce de lleno en la medicina que se practicaba en las misiones, los problemas de salud entre los guaraníes, el desarrollo de una farmacopea experimental, y las prácticas curativas. Seis son los capítulos que van hilvanando este recorrido a través del problema del contacto inicial y la propagación de epidemias en épocas de carestía, junto con las medidas que toman los padres Montoya, Asperger y Montenegro para evitar la propagación de los contagios. De igual modo, adquiere relevancia y se pone de manifiesto el propio conocimiento de los guaraníes a través de los informantes locales que acompañan a los religiosos en la recolección de las plantas, el señalamiento de sus cualidades curativas, como se da la fabricación de algunos jarabes y bálsamos para aliviar los síntomas y la elaboración conjunta de herbarios para resguardar la información.
La tercera parte consta de otros tres capítulos, que ponen de manifiesto como los Colegios de Río de Janeiro, Buenos Aires y Córdoba fueron, en la misma época, importantes centros de propagación de conocimientos médicos por sus boticas y recetas magistrales, ofreciendo un servicio muy útil a la población local desprovista de medicinas. Y como, gracias a las investigaciones realizadas en las misiones, se pudo contribuir y avanzar en el desarrollo de la farmacopea nativa y en su propagación tanto en América como en Europa. Al respecto, se analiza el papel relevante que tuvo el Colegio de Córdoba como centro de formación intelectual de universitarios desde donde se difundían y transmitían esos saberes.
La cuarta y última parte de esta obra se compone de cinco capítulos, que abarcan el tema de la muerte, sus causas y las curas que se dan tanto entre los indígenas reducidos como entre los misioneros que los acompañan.
El análisis de las Cartas Anuas y de los censos de las reducciones permite a la autora explorar los índices de natalidad y mortandad de los guaraníes reducidos y comprender la eficacia de la farmacopea desarrollada en las reducciones, junto con la exploración de las condiciones de salud y el promedio de vida de sus integrantes.
El análisis del trabajo del hermano Pedro de Montenegro es una muestra de lo que sucedía en las misiones con la experimentación de plantas, los conocimientos indígenas, las prácticas de higiene a ser observadas en el trato con los enfermos y los efectos de los remedios elaborados.
De igual modo los dos inventarios de la botica del Colegio de Córdoba que contienen una gran variedad de aguas, aceites, tinturas, ungüentos, vinos, esencias de flores y bálsamos son relevantes para comprender la labor desarrollada por los padres boticarios.
En su recorrido, Eliane logra un abordaje diferente donde se pone en valor la experiencia vivida en las misiones que nos revela entre guaraníes y misioneros un proceso de contacto profundo atravesado por diferentes variables que van a producir inexorablemente transformaciones culturales y cambios profundos tanto en las prácticas cotidianas como en las concepciones más profundas sobre las nociones del cuerpo y su devenir. De ese modo no se trata de resaltar la lógica del contacto y el acomodamiento mutuo de dos culturas, sino avanzar en la comprensión de la larga duración, para visualizar las transformaciones sociales más profundas. Si bien su rico abordaje contempla los aportes de ambas culturas en el avance de la medicina y el conocimiento científico, al mismo tiempo reconoce diferencias en la forma de abordar el mundo sobrenatural.
La perspectiva antropológica le permite calibrar la lógica de los diferentes actores sociales, y recorrer en la experiencia compartida los aciertos de sus intercambios culturales. La autora nos muestra cómo. a través del tiempo, los guaraníes incorporaron las prácticas sobrenaturales de los misioneros, las sumaron a las suyas y la experiencia dio por fruto nuevas cosmovisiones. Sin desconocer los aspectos conflictivos de este proceso, nos muestra como los religiosos también se nutrieron del saber de los indígenas y ampliaron las fronteras del conocimiento científico sobre la flora y fauna americana.
El libro de la Dra. Eliane Fleck, al desplegarse en numerosos temas relacionados con el conocimiento de las prácticas médicas y la farmacopea americana, representa, para todo aquel que se proponga avanzar en esa dirección, una obra de consulta obligada para seguir pensando esos temas. La reconstrucción del contexto, la incorporación de la agencia indígena, las prácticas sociales asociadas a la medicina, el intercambio de cosmovisiones, la complementación jesuita guaraní en la construcción de nuevos conocimientos y los remedios y sus usos terapéuticos, sin duda, son puntos fuertes de esta obra que nos muestran la riqueza de pensar la antropología y la historia como enfoques necesariamente entrelazados para seguir profundizando en los procesos sociales y avanzar en nuevas direcciones de una historiografía renovada.
Mercedes Avellaneda – Docente investigadora del Instituto de Ciencias Antropológicas, Sección Etnohistoria de la Universidad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires. Puán 450 oficina 504, Buenos Aires, Argentina. E-mail: bocca@fibertel.com.ar.
Conmemoraciones, patrimonio y usos del pasado – PAGANO; RODRÍGUEZ / Episodios de la Cultura Histórica Argentina – EUJANIAN et. al (HU)
PAGANO, N.; RODRÍGUEZ, M. (comp.). Conmemoraciones, patrimonio y usos del pasado. La elaboración social de la experiencia histórica. Buenos Aires: Miño y Dávila Editores, 2014. 192 p. EUJANIAN, A.; PASOLINI, R.; SPINELLI, M.E. (coord.). Episodios de la Cultura Histórica Argentina. Celebraciones, imágenes y representaciones del pasado. Siglos XIX y XX. Buenos Aires: Biblos, 2015. 209 p. Resenha de: ZAPATA, Miguel Hernán. Historia, memoria, patrimonio y celebraciones: nuevos problemas y tendencias en los estudios de historiografía argentina. História Unisinos 21(3):461-466, Setembro/Dezembro 2017.
Desde los inicios del complejo proceso de institucionalización de la historia como disciplina científica en Argentina, el área denominada comúnmente “Historia de la Historiografía” constituyó –siguiendo a las tradiciones intelectuales europeas del siglo XIX– una suerte de materia obligada en la formación general de los futuros historiadores dedicada, en su sentido tradicional de “historia de la historia”, a reflexionar sobre los textos históricos y sus autores. En las últimas décadas, diferentes tendencias, como la espectacular irrupción en la esfera pública de temáticas surgidas desde la “historia del presente” y, de manera más general, la aparición sistemática de las discusiones sobre el pasado en los debates políticos y los medios de comunicación, no solamente hicieron que el interés por la historia de la historiografía haya experimentado un crecimiento notable. Además, el propio campo de temáticas que comúnmente definían el objeto de estudio de la historiografía atravesó un intenso y complejo proceso de reflexión epistemológica, haciendo que este tipo de investigaciones rebosaran sus propios límites como disciplina “espejo”, es decir, como una actividad consagrada únicamente a desentrañar los caminos recorridos por la disciplina histórica hasta su definición y consolidación institucional en el ámbito local. Fue así que los historiadores argentinos especializados en esta área comenzaron a transitar otras posibles vías de indagación historiográfica y, en consecuencia, exploraron distintos procesos sociales e institucionales de activación de memorias y resignificación del pasado.
Ciertamente el campo delineado a partir de esta significativa renovación es demasiado vasto para ser sintetizado, pero es innegable que dos grandes líneas de investigación, que se suelen combinar y entrelazar en muchos casos, recortan los principales y actuales territorios de la historia de la historiografía en Argentina: una primera perspectiva de análisis historiográfica centrada en el desenvolvimiento de la historia como disciplina científica que sirviera de orientación para la investigación y la enseñanza del pasado, más familiar aunque de un modo menos heroico y dogmático, atendiendo a los procesos de profesionalización y combates por legitimar su situación disciplinar en el mundo intelectual y afirmar la concepción del conocimiento histórico como una investigación profesional y científica (metódica, racional y universal) frente a otras producciones sobre el pasado que circulan sobre el curso de las transformaciones políticas y culturales. Y una segunda perspectiva de la especialidad historiográfica, más amplia y heterodoxa, que concibe a la historiografía como un espacio propicio para la reflexión sobre los múltiples y contradictorios modos en que los grupos de una sociedad construyen relaciones con el pasado con miras a la intervención sobre el presente y que conllevan una cierta proyección hacia el futuro. En ese gran proceso se ve involucrada una diversidad de agentes, públicos, productos culturales y fenómenos de distinta naturaleza: el Estado que procura controlar y modelar memorias colectivas; los historiadores y los productos que ofrecían; los medios de comunicación que transmiten representaciones del pasado de todo tipo; las imágenes de ese pasado que elabora la literatura o el cine, los partidos políticos; las lecturas que ensayan los distintos destinatarios de esas imágenes y evocaciones.
Desde esta perspectiva, la historia de la historiografía argentina ha transitado un camino significativo y promisorio, pues, en efecto, de ser considerada un recurso puramente auxiliar de la historia (en tanto recopilación bibliográfica o relación de autores agrupados por temas y escuelas), esta subdisciplina se construyó como una auténtica área de especialización, discusión y producción profesional acerca de la influencia profunda que, desde su nacimiento, ejerce la historia en la experiencia social de una comunidad (desde aquella que le atribuía una función pedagógica a otra que reposaba en sus valores cognitivos, de la funcionalidad política a la cultural, desde la integración de ese pasado con el presente a su negación o abolición) y los problemas derivados de la existencia de distintas memorias, mitos históricos y visiones del pasado dictadas por las emociones, las disputas políticas y la construcción de identidades. En la actualidad, el campo académico argentino cuenta con varios equipos de trabajo consolidados en diferentes universidades y centros de investigación nacionales que conforman un punto de referencia de las investigaciones historiográficas sobre las diferentes representaciones y usos del pasado construidos tanto en los círculos académicos como en los espacios extraacadémicos. Como resultado de esta nueva sensibilidad y ejemplo de los territorios por los que avanza la especialidad historiográfica en nuestro país, aparecen en un primer plano los dos libros que son objeto de esta reseña: por un lado, Conmemoraciones, patrimonio y usos del pasado.
La elaboración social de la experiencia histórica (2014), una compilación de Nora Pagano y Martha Rodríguez, y, por otro, Episodios de la Cultura Histórica Argentina. Celebraciones, imágenes y representaciones del pasado, siglos XIX y XX (2015), organizado por Alejandro Eujanian, Ricardo Pasolini y María Estela Spinelli.
Más allá de la diversidad de temas, actores y períodos que cada trabajo analiza, ambos volúmenes parten del mismo presupuesto general, tomando a las conmemoraciones y a las políticas patrimoniales, así como también a los objetos que los emblematizan, como laboratorios privilegiados para percibir, dentro de las múltiples dinámicas sociales que una comunidad exhibe en un contexto temporal específico, las tensiones que emergen entre distintas interpretaciones y funciones del pasado, construidas acorde con las circunstancias del presente y por un conjunto heterogéneo de actores tanto a través de ciertas prácticas como así también de la valorización de espacios y objetos que genéricamente constituyen otros componentes de la cultura histórica. Una segunda línea que recorre ambos volúmenes, conectada y derivada de la anterior, consiste en conceptualizar a las conmemoraciones y al patrimonio histórico como fenómenos a través de los cuales uno o distintos colectivos sociales en pugna trazan un vínculo con su pasado y, por ende, se instituyen en dispositivos productores de imaginarios sociales con importantes secuelas en otros ámbitos de la sociedad. De ese modo, las diferentes contribuciones se detienen en escenarios políticos y culturales en los que es posible identificar las diferentes modulaciones que asume la constante redefinición de las relaciones entre un saber académico y su transmisión a la sociedad por medio de los otros soportes, esto es, las vinculaciones y tensiones entre erudición y divulgación, aspiración “científica” e intervención “pública”, entre historia y memoria, las diversas mediaciones y –fundamentalmente– los mediadores que posibilitaron esas relaciones.
En esta dirección, los dos libros comparten las huellas de una generación de historiadores movilizados por inquirir sobre este conjunto menos convencional y más amplio de estudios y problemas de la historia de la historiografía, aprovechando de modo renovado los conceptos y herramientas teórico-metodológicas de otros campos disciplinares y asentándose sobre el rico cimiento construido por núcleos de estudiosos del ámbito nacional y extranjero. Por tanto, estos nuevos ejemplares se presentan como excelentes ejemplos y puntos de partida de lo que en la actualidad se está constituyendo en una línea avanzada dentro de los programas de estudio e investigación encarados paralelamente en Estados Unidos, Europa y otros países de América Latina. Sin embargo, las respuestas a las preguntas que se plantean los autores que participan de ambas compilaciones no resultan de una transposición acrítica de modelos teóricos gestados en otros contextos y pensados para otros problemas, sino de una sostenida práctica de investigación, donde los debates importados adquieren su propia densidad a la luz de las preguntas que formulan sobre las modalidades locales que asumen los intentos de diferentes actores por gestar nuevas memorias.
En virtud de las claras líneas conectoras entre ambas compilaciones que hemos señalado supra, hemos decidido evitar realizar un recorrido lineal por cada uno de los acápites siguiendo el orden en que están dispuestos en cada libro y proponer, en cambio, una recensión de los mismos a partir de su agrupamiento en función de coincidencias temáticas y cercanías espacio-temporales, haciendo dialogar inclusive ciertos capítulos de un volumen con los trabajos del otro. Un primer núcleo de artículos se ocupa de las conmemoraciones de la Revolución de Mayo, una problemática no casual dentro de las opciones, puesto que si por un lado el dispositivo celebratorio constituye un objeto de interés legítimo para cualquier estudio historiográfico (pues una adaptación del pasado a las necesidades del presente comprende variadas formas de intervención que operan en la creación o remodelación de memorias e identidades colectivas), el contenido a rememorar, por su parte, condensa un importante entrelazamiento de tensiones y conflictos de más largo aliento sobre los sentidos asignados al acontecimiento para la sociedad argentina.
En efecto, desde la consolidación y expansión del Estado central a fines del siglo XIX, tanto el sistema escolar como los actos públicos contribuyeron a afianzar y difundir un relato fundador de la nación argentina en el que la Revolución de Mayo ocupó el lugar de “mito de los orígenes”, una suerte de semillero de la nacionalidad de acuerdo al historiador José Carlos Chiaramonte, en vistas de la necesidad de dar mayor cohesión y homogeneidad a una población sumamente compleja y diversa (integrada por criollos, indígenas e inmigrantes europeos) que habitaba la geografía nacional. En consonancia, mientras Alejandro Eujanian (in Eujanian et al., 2015) traza un cuadro analítico en el que observa los cambios y continuidades de las fiestas mayas en el Estado de Buenos Aires entre 1852 y 1860, Fernando Devoto (in Pagano y Rodríguez, 2014) nos traslada a los diferentes actos organizados por la clase dirigente argentina a principios de 1910 para celebrar los cien años de la Revolución de Mayo como un tipo especial de acontecimiento festivo con un claro perfil poliédrico.
Por su parte, Antonio Bozzo (in Eujanian et al., 2015) examina con minuciosidad la participación de intelectuales y artistas en algunas de las actividades propuestas por la Comisión Nacional de Festejos del Centenario. Por su parte, el siglo XXI continúa mostrando que las celebraciones continúan siendo una tecnología pedagógica capaz de ser empleada por el aparato del Estado para producir cierto tipo de anclajes identitarios, tal como indican Nora Pagano y Martha Rodríguez en sus acápites (Rodríguez in Pagano y Rodríguez, 2014; Pagano y Rodríguez in Eujanian et al., 2015). Mediante un sondeo original de algunas iniciativas culturales (proyectos editoriales, el mural del Bicentenario, una instalación interactiva y otra audiovisual) organizadas tanto por el gobierno nacional como por empresas privadas en el marco de las conmemoraciones del Bicentenario de la Revolución, las autoras concluyen que en cada una de estas instancias erigidas en ocasión del ritual colectivo se evocan la presencia de los diferentes sentidos del pasado puestos en juego, la multiplicidad de actores intervinientes en el proceso y el carácter de las mediaciones materiales y simbólicas.
Un segundo núcleo de trabajos prosigue en el tratamiento de la matriz instrumental de estos dispositivos celebratorios, pero en arenas que van más allá del Estado –y sus diferentes agencias y niveles– y se adentran en las prácticas de otros actores colectivos de la sociedad civil que, al calor de la vorágine de los sucesos políticos, sociales y culturales que signaban la vida del país y del extranjero, pusieron en marcha algunos mecanismos de intervención pública para fundar tradiciones y legitimar posiciones políticas y librar una lucha –a veces estridente, a veces opaca– por dotar de sentido al pasado frente a las versiones de sus muchos contendientes. Así lo exhibe el estudio de Julio Stortini (in Eujanian et al., 2015), dedicado a indagar el proceso de rehabilitación de la controvertida figura de Juan Manuel de Rosas, desde la década de 1930 hasta inclusive la etapa kirchnerista, por el revisionismo histórico (ese movimiento de corte nacionalista y antiliberal integrado por intelectuales pertenecientes a distintas tradiciones políticas que pretendían promover los estudios históricos), prestando atención a las mutaciones discursivas y reacomodamientos ideológicos en los diferentes contextos políticos durante los gobiernos peronistas. Por su parte, Eduardo Hourcade (in Pagano y Rodríguez, 2014) concentra su capítulo en una coyuntura particular de la saga revisionista: los proyectos destinados a repatriar los restos de Rosas, las polémicas que hicieron difícil su concreción –frente a otros anteriores, aparentemente menos polémicos, de personajes del panteón nacional (como Bernardino Rivadavia, José de San Martín, Domingo F.
Sarmiento y Juan Bautista Alberdi)– y su concreción definitiva en 1989, así como las circunstancias y motivos del fracasado intento por montar conmemoraciones asociadas al evento. En un registro similar, dos primeros textos de María Elena García Moral (in Pagano y Rodríguez, 2014) y Sofía Serás (in Pagano y Rodríguez, 2014) presentan puntualizaciones historiográficas sumamente originales sobre la cultura histórica de las izquierdas: mientras la primera decide comparar lo que se recuerda y cómo se recuerda dentro los grupos socialistas y comunistas en Argentina y Uruguay en diferentes contextos conmemorativos del siglo XX, la segunda autora reconoce –a través del periódico partidario El Obrero– la tensión entre elementos internacionalistas y nacionalistas en la creación y recreación de memorias e identidades colectivas a partir de ciertas imágenes del pasado que se promovían durante las celebraciones socialistas.
Los conflictos políticos de la historia reciente argentina también nos proveen otros ejemplos en los que es posible comprobar que no existen vínculos sencillos, evidentes, obligatorios entre las posiciones políticas de coyuntura y las historiográficas. Asumiendo de modo implícito esa suerte de dictum, María Estela Spinelli (in Eujanian et al., 2015) se adentra en la crisis política abierta a partir del golpe militar que derrocó el segundo gobierno de Juan Domingo Perón –ocurrido en septiembre de 1955– y, en consecuencia, el trabajo puede pensarse como un marco para las restantes contribuciones, puesto que su autora sintetiza, con la maestría de quien conoce el tema con solvencia, la serie de transformaciones, conflictos y proyectos políticos en pugna durante la década de 1960 y que rodearon las celebraciones oficiales del sesquicentenario de la Revolución de Mayo y de la declaración de Independencia. Un segundo trabajo de García Moral (in Eujanian et al., 2015) profundiza los usos del pasado en esa coyuntura político-cultural a partir del análisis de la labor editorial y, en particular, de la producción historiográfica realizada por fuera del ámbito académico por historiadores y/o intelectuales del socialismo y comunismo. Continúan por esta misma senda los aportes de Sofía Seras (in Eujanian et al., 2015), Ricardo Pasolini (in Eujanian et al., 2015) y María Julia Blanco (in Eujanian et al., 2015), aunque prefieren por hacerlo desde una aproximación más individual y personal, centrada en los escritos de los propios protagonistas: si Seras se ocupa de la construcción de la identidad del socialismo argentino a partir de los Recuerdos de un militante socialista del médico y político Enrique Dickmann (1874-1955), Pasolini hace lo propio con el comunismo mediante la interpretación, la crítica y la producción historiográfica de Aníbal Ponce (1898-1938). Por su parte, Blanco recupera las interpretaciones del pasado de la izquierda nacional en los ensayos históricos contenidos en algunos de los 35 libros de divulgación política y cultural que integraron la colección La Siringa publicados por el editor chileno Arturo Peña Lillo (1917-2009) en Argentina entre 1959 y 1963. Aunque los tres autores nos retratan un clima político-cultural que rápidamente nos muestra que todas las visiones del mundo incluyen –casi inevitablemente– visiones de su pasado, los recorridos particulares de estos intelectuales de izquierda también permiten detectar unos lazos más flexibles y menos definidos entre ciertos imagos y ciertas perspectivas historiográficas.
Finalmente, un tercer núcleo de artículos aborda la actividad memorativa de la conciencia histórica generada a partir de las nociones de patrimonio que circulan en el ámbito de la cultura, el poder simbólico de ciertas imágenes y lugares en el paisaje social y las políticas de patrimonialización a través de las cuales se asignan significados a ciertos activos materiales y/o inmateriales.
Por segunda vez la perspicaz pluma de Nora Pagano (in Pagano y Rodríguez, 2014) nos adentra en estas problemáticas con un logrado ensayo en el que reflexiona sobre un fenómeno particular de la administración de la memoria social durante el primer peronismo: la existencia de perspectivas y valoraciones contrapuestas de ciertos episodios y procesos del pasado argentino. De acuerdo a la autora, este fenómeno es producto de la línea patrimonial adoptada por el Estado durante esos años, identificable en las declaratorias de la Comisión Nacional de Museos y de Monumentos y Lugares Históricos sobre los Sepulcros Históricos, y, paralelamente, de las actitudes asumidas por parte de la sociedad durante la conmemoración de los distintos centenarios –del escritor Esteban Echeverría y del pronunciamiento de Justo José de Urquiza (ambos en 1951), de la Batalla de Caseros (1952) y del Combate de la Vuelta de Obligado (1953)– que tuvieron lugar por aquel entonces. La preocupación por la perspectiva patrimonial en los debates colectivos sobre el pasado se repite en el capítulo de Gabriela Couselo (in Eujanian et al., 2015), cuyas páginas sistematizan los antecedentes, particularidades y controversias en la erección del monumento a la Bandera Nacional ideado por la escultora argentina Lola Mora (1866-1936) en la ciudad de Rosario, iniciado en el siglo XIX e incorporado recién en la década de 1990 al Pasaje Juramento –segmento del paisaje urbano vinculado a la bandera donde actualmente se encuentran las esculturas del inacabado proyecto.
Tres trabajos de una de las compilaciones merecen un comentario aparte, ya que si bien sus referentes espacio- temporales no coinciden con aquellos de la mayoría de los capítulos, centrados principalmente en distintos momentos y espacios de la cultura histórica argentina, no deja de ser cierto que insertan legítimamente dentro de la gama de preocupaciones que la historiografía ha considerado en los últimos años. Así las cosas, la italiana Sabina Loriga (in Pagano y Rodríguez, 2014) recorre las cuatro hipótesis sobre el origen de los etruscos y concluye que la opción por alguna de ellas supone la activación en el presente de una serie de enfrentamientos entre ciertos actores y proyectos políticos diferentes y a veces opuestos.
Situándose en España, Javier Moreno Luzón (in Pagano y Rodríguez, 2014) transita las conmemoraciones promovidas por el Estado español entre 1898 y 1918 (el primer centenario de la Guerra de Independencia, el tercer centenario de la publicación de la primera parte de Don Quijote de la Mancha y de la muerte de su autor, Miguel de Cervantes, y la oleada hispanoamericanista que tuvo su eje en el centenario de las independencias americanas de 1810-1811) y, en tal sentido, ofrece un interesante material empírico para realizar un contrapunto con el caso argentino y repensar los mecanismos estatales de nacionalización puestos en funcionamiento a ambos lados del Atlántico hacia las décadas finales del siglo XIX y las primeras del XX. Finalmente, Gabriela Siracusano (in Pagano y Rodríguez, 2014) nos transporta nuevamente a América Latina, esta vez al ámbito andino, en el que descubre –a partir de modulaciones interpretativas cercanas a la sociología e historia del arte– los modos en que la iconografía particular procedente de los colores del arco iris se transfiere, apropia y resignifica socialmente en los Andes en tanto signo que aseguraba metonímicamente su presencia en todas las prácticas sociales de cuño religioso y político.
En conclusión, estas dos compilaciones sobre las interpretaciones del pasado en la historia argentina constituyen un novedoso y relevante aporte bibliográfico para enriquecer las discusiones historiográficas tanto a nivel particular como a un nivel más general. Para el caso argentino, las contribuciones reunidas en ambos volúmenes nos devuelven las preguntas y reflexiones de cada autor suscitadas a partir del estudio de ciertos acontecimientos, rituales y emblemas del pasado nacional, así como su plasmación en actos, fiestas, estatuas y monumentos, mostrando que el interrogante acerca de las complejas y cambiantes relaciones entre historia y memoria continuará siendo imprescindible para conocer otra dimensión de los conflictos que atraviesan a una sociedad y que la apertura de la historia de la historiografía a nuevos terrenos define la vía para avanzar en este tipo de conocimiento. Después de todo, no hay que olvidar que cualquier interpretación del pasado –la del Estado, las de los partidos políticos, las de las comunidades étnicas, las difundidas por la literatura, el cine y el periodismo, e incluso la de los propios historiadores– refleja puntos de vista diferentes de acuerdo a concepciones, valores e ideologías, por lo que no es extraño que cualquier definición del pasado histórico nacional mantenga lazos particularmente estrechos con la vida política y cultural de un país.
Y, en términos más amplios, estas recopilaciones –así como otros libros– pueden ser un excelente pretexto para incentivar la reflexión entre los historiadores sobre los usos de la historia, en especial cuando desde instancias públicas y privadas se los interpela a adoptar un posicionamiento epistemológico respecto de los rasgos que caracterizan las decisiones de los pueblos y sus gobiernos por gestionar la memoria histórica y en función de la profundidad e intensidad de los debates políticos e identitarios que se dibujan en cada escenario y a su alrededor. Mucho más cuando, en las últimas décadas, las conmemoraciones y las acciones de patrimonialización están dibujando un escenario sumamente poliédrico y laberíntico para los historiadores, no sólo por la reflexión teórica que despierta la tarea de diferenciar las intencionalidades –unas abiertamente políticas, otras más académicas– que permean los “usos públicos de la historia” visibles en las prácticas que acompañan los actos públicos y privados, sino también porque deberán asumir los múltiples retos que plantea estar ante experiencias sociales que no pueden reducirse a un simple acto de recuerdo y que, inevitablemente, nos traslada al terreno de los sentimientos, de la emotividad y de la identidad.
Resulta obvio que el “delirio conmemorativo” y la “fiebre monumentalista” responden a un movimiento a nivel mundial, pero en el caso concreto de América Latina ambas tendencias obedecen a las diferentes actividades organizadas por los gobiernos a partir de la celebración de los bicentenarios de las independencias iberoamericanas.
No se puede olvidar que desde el año 2008 la mayoría de las repúblicas latinoamericanas han tendido a construir distintos escenarios conmemorativos, con mayor o menor participación popular, centrados en la exaltación de los hechos y de los protagonistas considerados nucleares para el nacimiento de las nuevas naciones. A pesar de que muchos de los “mitos fundacionales” de los Estados nacionales han comenzado a demolerse por los recientes avances historiográficos, es innegable que esas y otras fiestas patrias continúan siendo aquellas atmósferas en las que ciertos sectores de la política y la sociedad encuentran las claves del pasado necesarias para dotar de legitimidad a ciertas políticas e instituciones de los Estados, o bien para definir el “espíritu colectivo” capaz de articular el presente y el futuro de comunidades nacionales hondamente heterogéneas, desiguales, fragmentadas y diversas.
En consecuencia, resulta sintomático que ciertos sectores de la sociedad continúan sosteniendo la posibilidad de encontrar en la historia cierto eje didáctico-moralizante –según el viejo topos ciceroniano magistra vitae– que les permita entrelazar juicio del pasado, instrucción del elemento tenido por esencial para la configuración de un sentido de comunidad.
Debido a esta situación, siempre latente en el seno de toda sociedad, se torna primordial la necesidad de buscar un enfoque que nos ayude a matizar, cuestionar o simplemente reflexionar críticamente sobre las lecturas del pasado. Es allí donde la historia de la historiografía lleva una gran ventaja, al contribuir con una perspectiva más cautelosa, más aguda, más crítica, en fin, de leer e interrogar las prácticas sociales que evocan ciertos discursos del pasado. Y ello, como lo demuestran las compilaciones aquí reseñadas, no parece ser un aporte menor.
Horacio Miguel Hernán Zapata – Universidad Nacional del Nordeste (UNNE). Instituto Superior de Formación Docente “Profesor Agustín Gómez” (ISFDPAG), Argentina. Uruguay 1483, Paso de los Libres, CP 3230, Provincia de Corrientes, Argentina. E-mail: 1 horazapatajotinsky@hotmail.com.