Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v.2, n.1, jan./jun. 2018.

Editorial

Apresentação

Artigos

Relato de Experiência

Entrevista

Tradições Discursivas: faces e interfaces da historicidade da língua e do texto | LaborHistórico | 2018

Atendendo ao convite do Editor da Revista LaborHistórico, professor Leonardo Lennertz Marcotulio, para organizarmos um dossiê temático sobre estudos na perspectiva das Tradições Discursivas (TD), agradecemos a oportunidade de divulgar alguns trabalhos em uma área temática que vem se expandindo no âmbito dos estudos filológicos e sócio-históricos, ao relacionar a historicidade do texto e da língua. No âmbito do Projeto Nacional Para a História do Português Brasileiro (PHPB)1, coordenado pelo Professor Ataliba de Castilho, as pesquisas em TD têm contribuído consideravelmente com a sistematização de corpora e com as investigações em diferentes níveis de descrição linguística. Tal contribuição tem recebido o reconhecimento de pesquisadores, a exemplo de Mattos e Silva (2008, p. 146)2, ao considerar que “sem dúvida, a mais recente orientação nos estudos histórico-diacrônicos é a das tradições discursivas (TD)”. Dentro desta perspectiva, no cenário nacional e internacional, há várias teses e dissertações finalizadas e em andamento.

O conceito de Tradição Discursiva teve origem na Filologia Pragmática da Linguística alemã. Esse modelo de análise partiu dos três níveis proposto por Eugênio Coseriu (1987)3: o nível universal do falar em geral; o nível histórico das línguas e o nível dos textos ou discursos concretos. Posteriormente, Peter Koch (1997) 4 distinguiu dois domínios no nível histórico: as tradições discursivas e as línguas históricas. Dessa historicidade, Kabatek (2006, p. 512) entende por TD “a repetição de um texto ou de uma forma textual ou de um modo particular de escrever ou falar que adquire valor de signo próprio”. Naturalmente, como todo conceito, o de TD vem passando por reflexões, discussões, ampliações e esclarecimentos que vão se consolidando ao longo do tempo. Assim, não causa estranheza o fato de as primeiras abordagens no modelo de TD feitas em “terras brasilis”, por exemplo, apresentarem incompletudes que, certamente hoje, com as frutíferas e frequentes discussões nessa área temática, são continuamente revisitadas, ampliadas e redimensionadas. Leia Mais

Interseções entre a historicidade da língua e a historicidade do texto sob a ótica das Tradições Discursivas | LaborHistórico | 2018

Neste segundo número do dossiê temático sobre estudos na perspectiva das Tradições Discursivas (TD), veiculado pela Revista LaborHistórico, agradecemos mais uma vez ao professor Leonardo Lennertz Marcotulio, Editor da Revista, por viabilizar a publicação da segunda parte de textos sobre TD, e aos autores dos artigos, que constantemente têm estabelecido parcerias para socializar e difundir os estudos sócio-histórico-diacrônicos que estabelecem a interseção entre a historicidade do texto e a historicidade da língua. Considerando que ainda há uma escassa difusão do conceito de Tradição Discursiva no cenário nacional, este dossiê pretende contribuir com outras obras de referência1, já em circulação, para que possam auxiliar teórica e metodologicamente pesquisas nessa área.

Para tanto, é preciso compreender que, da gênese da noção de Tradição Discursiva como paradigma teórico (COSERIU, 1987 2; KOCH, 1997 3) até as pesquisas atuais em TD, o conceito pode ser aplicado a diferentes dimensões de análise: a) a tradicionalidade dos gêneros; b) a tradicionalidade estrutural; c) a tradicionalidade dos tipos; c) a tradicionalidade dos estilos; d) a tradicionalidade linguística (dos modos de dizer). Essas dimensões, apesar de distintas, são complementares uma vez que uma determinada finalidade comunicativa atravessa o filtro das línguas históricas (regras idiomáticas) e o filtro das tradições discursivas (regras discursivas) no momento em que são construídos enunciados falados ou escritos (KABATEK, 2006) 4. Por exemplo, a finalidade de agradecer uma gentileza feita por alguém requer do falante uma seleção lexical e gramatical e uma escolha do melhor modo de dizer, que atenda às condições de produção. Nesse caso, o modo tradicional de dizer mais adequado ao contexto pode variar entre enunciados como: “Agradecida”; “Obrigada”, “Valeu”, “Tô devendo essa”. Leia Mais

Oratorianos y jesuitas. Una distante cercanía/Historia y Grafía/2018

El expediente que se abre en las páginas siguientes está conformado por ocho artículos sobre los oratorianos de la ciudad de México, de Puebla y de San Miguel, los cuales fueron propuestos por Rafael Castañeda a esta revista como un todo ya armado. Aceptamos la coordinación del mismo ante el mérito que tienen por su calidad académica, pero sobre todo por abordar un tema que cuenta con pocos estudios, al menos para el caso mexicano. Además, debemos señalar que, en el caso de la historiografía nacional, con frecuencia se conoce a los oratorianos más por sus vínculos con la extinta Compañía de Jesús, de la cual heredaron algunos de sus templos desde el siglo XVIII. Tanto la congregación por sí misma como la compleja relación con los ignacianos merecen una revisión historiográfica; por ello decidimos aumentar el número de contribuciones. Es así que los seis primeros artículos del expediente están dedicados a la Nueva España, y los otros dos contemplan la relación entre los oratorianos y los jesuitas en el espacio de la matriz cultural europea propuestos por nosotros. Leia Mais

Blumenberg en perspectiva histórica/Historia y Grafía/2018

El expediente de este número está dedicado a la obra del gran filósofo de Lübeck, Hans Blumenberg. Obra vasta que alcanza reconocimiento no sólo por parte de los especialistas, de los interesados por vocación o formación, sino también de una parte del público no especializado. Más allá de Alemania y de los círculos cercanos –y no tan cercanos– que lo acompañaron en vida, vivimos un momento donde el interés se alimenta del tiempo y la distancia histórica. Situación que a todas luces expresa una acrecentada importancia de sus escritos en grupos cada vez más amplios de investigadores, no ceñidos a los cánones más habituales del campo de la filosofía y sus modos de trabajo. Por supuesto, nuestro medio parece ser antes que otra cosa una excepción que una confirmación a lo antes dicho. Sin embargo, y bajo esta apariencia no por fuerza desmentida, se han ido abriendo espacios significativos para una recepción plural, seria y productiva de aquella obra. Leia Mais

O longo século XIX e as estratégias em economia, política e sociabilidades / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2018

A CLIO: Revista de Pesquisa Histórica tem uma longa tradição na publicação de estudos sobre os oitocentos, e recebemos sempre artigos livres sobre o período. Neste volume, apresentamos aos leitores alguns artigos recebidos que tem em comum o estudo do século XIX, abordando estudos sobre economia e crédito, sobre política liberal e sobre sociabilidades. De uma forma não tão sutil, o leitor verá que os estudos se imbricam em várias questões, como a escravidão e a discussão sobre o trabalho, as estratégias do mercado para conseguir capitais que financiassem atividades econômicas para além da economia de exportação, tudo isso permeado pela discussão política na qual o liberalismo aparece como matriz ideológica, apesar da diversidade de posições que poderia encetar.

Nesse sentido, apresentamos aos leitores o artigo de Andréa Lisly Gonçalves, As “várias Independências”: a contrarrevolução em Portugal e em Pernambuco e os conflitos antilusitanos no período do constitucionalismo (1821-1824), no qual objetiva refletir sobre a complexidade das opções políticas, na província de Pernambuco, tomando como recorte temporal a conjuntura da Independência do Brasil. Andrea argumenta que as ações e debates ocorridos em Pernambuco “não se esgotam com o debate historiográfico sobre o alinhamento com Lisboa (“a outra independência”) ou com o Rio de Janeiro (“a mesma independência”)”, estimulando, assim, os estudos e pesquisas para compreender como os atores políticos definem suas estratégias a partir de conjuntura e interesses específicos e locais.

O artigo de Leonardo Milanez de Lima e Leandro Renato Leite Marcondes, “Capital nativo e estruturação produtiva na praça do Recife: crédito hipotecário entre 1865 e 1914”, tem como ponto de partida a questão sobre como se financiavam as atividadeseconômicas no Recife frente à diminuição do ritmo de crescimento da economia pernambucana, com a perda do mercado consumidor de açúcar e algodão. Ao compulsarem uma vasta documentação sobre contratos de hipoteca registrados em cartórios do Recife, buscam compreender a dinâmica e as características do crédito hipotecário recifense.

O artigo demonstra que o crédito foi disponibilizado majoritariamente a partir de poupanças nativas, que deram suporte à expansão da rede de serviços públicos da cidade, mantiveram o funcionamento do comércio e financiaram indústrias. A mesma questão foi proposta por Vitória Schettini de Andrade, em seu artigo, “A alocação da riqueza na zona da mata mineira. São Paulo do Muriahé, 1846-1888.”. A fim de entender essa região de forma mais complexa, o artigo objetiva analisar a alocação da riqueza produzida em São Paulo do Muriahé, durante meados a finais do século XIX, momento em que a autora constata na documentação consultada, principalmente inventários, um crescimento econômico, baseado, sobretudo na produção de gêneros agrícolas, como milho, cana de açúcar e mais tarde o café. Estes produtos foram fundamentais para o acúmulo de capital e o ingresso de Muriahé numa economia mais dinâmica. O estudo demonstra as estratégias de outras aplicações monetárias que são percebidas ao final da escravidão, o que nos projeta para uma sociedade em franca mudança e crescimento.

As estratégias também são perceptíveis no estudo de Gabriel Navarro de Barros, “Muito além do abandono: infâncias perigosas e a “justiça tutelar em Pernambuco (1888-1892).”. O estudo tem por objetivos analisar a atuação da justiça tutelar diante do universo de meninas e meninos compreendidos pelo Estado como “potencialmente perigosos”, em Pernambuco. Ao analisar as fontes jurídicas e jornais, o autor sugere uma reflexão sobre o conceito de abandono, muitas vezes aplicado de forma estratégica. Nesse sentido, o artigo permite compreender a diversidade de categorias de infantes na época, reconhecidas pela justiça e por instituições assistenciais a fim de identificar uma variedade de meninos e meninas como “riscos sociais”. Uma forma de manter controle sobre a mão de obra? Estratégias também parece ser o conceito que explica o estudo de Ipojucan Dias Campos, no artigo “Divórcio, conjugações acusatórias e laços de solidariedade (Belém, 1895-1900).”. O autor demonstra como laços de solidariedade e de conjugações acusatórias, ao analisar processos de divórcio em Belém, foram estratégias centrais nessas ações. As reflexões concentraram-se em descortinar como pessoas próximas aos divorciandos se posicionavam no seio dos desarranjos conjugais, formando laços de solidariedade e, ao mesmo tempo, corroborando à formação de conjugações acusatórias. Assim sendo, amigos, parentes, vizinhos foram convidados, recorrentemente, a darem suas versões a respeito da vida a dois de seus conhecidos.

Uma pequena amostra da complexidade que perpassa os oitocentos, e que não deixam de instigar novas pesquisas.

Isabel Guillen – Editora da Revista. Professora do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: icmg59@gmail.com

Augusto Neves – Vice-editor da Revista. Professor da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: augustonev@gmail.com


GUILLEN, Isabel; NEVES, Augusto. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.36, n.1, jan / jun, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Menorca entre fenicis i púnics / Menorca entre fenicios y púnicos – PRADOS et al (PR-RDCDH)

PRADOS, F.; JIMÉNEZ, H.; MARTÍNEZ, J. J. (Eds.). Menorca entre fenicis i púnics / Menorca entre fenicios y púnicos. Murcia: Centro de Estudios del Próximo Oriente y la Antigüedad Tardía de la Universidad de Murcia. 2017. 320p. Resenha de: MISSINGHAM, P. Panta Rei. Revista Digital de Ciencia y Didáctica de la Historia, Murcia, 179-182, 2018.

Menorca, as its name implies, is the ‘small’ island of the Balearics, easily overshadowed by Mallorca, and when it comes to Phoenician and Punic affairs, also and especially, by Ibiza. This has resulted in an unfair knowledge ‘vacuum’ surrounding the island of Menorca. In a similar vein, the archaeology of the Talaiotic culture, subject of a submission to UNESCO, has distracted attention away from the other archaeology present on the island. This book seeks to address this issue. A team of archaeologists lead by Fernando Prados, from the University of Alicante, have been at work since 2014 in an effort to elucidate the presence and status of any Phoenicio-Punic archaeology. This book has the feeling of a once-in-a-generation event and sets a high standard for future Menorcan archaeology books to be measured against.

Of the eleven articles published here, seven are in Spanish and four are in Catalan, with possibly a few Menorquí terms for good measure. A few linguistic tips for the foreign reader, the mysterious oval object on page 163 helpfully labelled ‘mac de la mar’ is a beach pebble, and the ‘denes’, subject of the article starting on page 219 are beads. Otherwise, the only terms likely to cause any real difficulty are chronological references based on the local indigenous culture, the Talaiots or Talayots. The introduction conveniently defines ‘postalaiotic’ as circa 550-123 bc, which effectively covers the entire Punic period, with a little overlap, looking at Carthage here, at each end.

Menorca, as Maria i Ballester, the Conseller de Cultura i Educació, tells us in his Presentació, has been chosen to host the XVI International Dry Stone Walling Congress in autumn 2018. This effort reflects the efforts of the Balearic Islands to have dry stone construction seen by UNESCO as an intangible heritage. The timing of the archaeological work undertaken in Menorca coincides with the candidature of the Talaiotic culture to World Heritage status.

González Wagner sets the scene in his Prólogo by reminding us that the archaeology of Menorca has to be seen as a continuous fluctuating cultural interchange between the Talaiotic culture, the Punics (whether from Ibiza or elsewhere), and the other ‘extra-menorcan’ artefacts in which they trade. In their opening passage, Introducción – Del gris al blanco. La isla de Menorca en el mapa fenicio y púnico, Prados, Jiménez & Roca state that while the Phoenicio-Punic archaeology of Ibiza and Mallorca can be shown in its multicoloured glory, that of Menorca, until this monograph anyway, remained a hazy blur being barely covered in any publications. Which means that the heavy burden of introducing this topic properly, with a solid foundation, falls on the current authors. This new knowledge could form part of a heritage management plan, along the lines of The Route of the Phoenicians, or the Path of Hannibal. Many have contributed to this volume, thank you!

The first article proper by Domínguez Monedero, El ejército de Aníbal, una fuerza de mercenarios, follows the mention of the Path of Hannibal in the introduction, to provide an account of the rise of the Carthaginian practice of employing foreign mercenaries, and how this may be reflected in the archaeological record, typically by the deposit of coinage such as the 56 coins found at Castillo de Doña Blanca probably struck in Melilla. Other evidence may include the construction of S’hospitalet Vell on Mallorca, or Son Catlar on Menorca. The third possible thread of evidence is the number of small bronze figurines, Mars Balearicus, which appear to derive from southern Italian influence, and deposited perhaps as ex voto offerings.

Ramon, in the next article, Pecios y ¿colonias? materiales púnicos en las Islas Baleares, examines 8 Balearic shipwreck sites, four each off Mallorca and Menorca, and also a brief mention of one off Corsica, along with two ‘anchorages’ and finds the maritime ceramic assemblages broadly similar to those found at terrestrial sites. The high percentage of Ibizan goods can be read as an indicator of local suzerainty. The enclosure of Na Galera shows Ibizan construction techniques, while also eschewing the use of Talaiotic pottery. Na Guardis may have been permanently occupied by Ibizans but probably from the 6th century onwards was used as a neutral trading place. In both Mallorca and Menorca, there was a low uptake of Punic technologies such as writing, wheel thrown pottery and coinage. Only Na Galera and Na Guardis show clear Punic control. Colonisation models used elsewhere don’t really seem to apply; Ibizan Punic influence seems to result from commercial activity.

Niveau de Villedary provides the next article, Nuevos datos sobre la evolución formal y estilística de los “pebeteros en forma de cabeza femenina”. A propósito del ejemplar de Torralba d’en Salord (Alaior, Menorca). Of all the perfume burners ever found in Menorca, this article examines the best documented, and accessible, example available – the example from Torralba d’en Salort. This burner is compared against other possible parallels across the Punic world, noting stylistic differences and similarities. The goddess depicted may have originated with the Eleusian mysteries, but she is easily and often modified to conform with local religious practice. The earlier burners found in coastal sites, with closer links to Carthage, may reflect Astarte, or later Tanit.

The fourth, and titular paper is by Prados & Jiménez and is entitled Menorca entre fenicios y púnicos: una aproximación arqueológica desde la arquitectura defensiva. The Talaiotic period can be defined as running from circa 850 – 550, although the start of the period is slowly drifting earlier. The arrival of the Phoenicians, can be seen by the Egyptian Imhotep figurine from Torre d’en Galmés, along with the introduction of fish and other marine products to the existing foodways, along with a rise in violence visible in human skeletal remains. There is also a rise in the number of walls built, still in a Talaiotic architectural tradition, although the only concluded example appears to be Son Catlar, along with a corresponding increase in burning and destruction of habitations. Punic architectural influence may have been recently detected underneath Magon. At Trepucó, there exists defensive structures far beyond the needs to defend against the locals; their stature may possibly a result of the Punic wars. These defensive elements, evidently ultimately from Syracuse, can be seen at Son Catlar, with parallels across the Hellenistic world, although the Punic cubit, rather than a Greek measure, was the unit used during construction. The ceramics from Son Catlar are practically the same as those from Cartagena. In contrast, those from Torrellafuda present a mixture of Talaiotic and Punico-Hellenistic styles.

The next article by Anglada, Ferrer, Plantalamor & Ramis is the first in Catalan – Continuïtat cultural en època de canvis: la producció i preparació d’aliments a Cornia Nou (Maó, Menorca) durant els segles IV-III aC. At the site of Cornia Nou are two edifices, dated to 1100/600 and 400/200 respectively. The close proximity of the two settlements allows direct comparison of their foodways. Of the two, the elder has by far the larger bone assemblage. Of interest here is not only the new presence of dog bones (perhaps as a food source), equines, and turtles, but a doubling by proportion of cattle bones, incidentally much smaller cattle than those from contemporary Tharros, Sardinia. Disappointingly, the ceramics from the older edifice are not discussed, but from the newer, two clear preferences can be discerned – a clear preference for Punic vessels for liquids, but with an almost exclusive use of indigenous wares for cooking. Although lithics, particularly quern stones are discussed, the diminutive size of the artefact labels on figure 13 render the discussion difficult to follow. The evidence for the consumption of dogs is discussed briefly in the later Ramis article.

De Nicolás, Gornés & Gual examine cult objects in Indicis d’un santuari púnico-talaiòtic en el poblat de Biniparratx Petit (Sant Lluís, Menorca). Two bronze figurines (perhaps representing Odysseus and Isis) and some terracotta ceramics were found in the late 19th century near Sant Lluis. Unfortunately, there was some confusion of place names making the source of the artefacts subject to doubt even before the damage caused by the construction of the airport. Excavations on the north-west edge found a Naviform settlement datable to 1500 bc, and on the south-east edge a settlement from the 8th century was found. At the later settlement, with two houses, an out-of-context terracotta figurine sherd was found during investigations. The southernmost house, number 1, produced a beach pebble complete with an inscribed Tanit symbol, leading to ideas of the reutilisation of previous funerary spaces for storage. House 2 has two small chambers which could be interpreted as altars, possibly naiskoi. The ceramics inside the house date from the 4th and 2nd centuries, the house itself suffering minor destruction, before continuing through to the 1st century AD. The Roman phase produced some 40,000 sherds, or 1.5 tonnes, comprising a minimum of 665 amphorae. The archaeology, taken as a whole, shows the three crises typical of eastern Menorca – the overwintering of the Carthaginian fleet, the Roman invasion, and the rise of Roman urbanisation. The male bronze figurine has been identified as Odysseus, or perhaps Philoctetes, while the female one is probably that of Isis, possibly modelled on a 2nd century original from the Greek colony of Rhodes in Spain.

The seventh article, a group effort by Jiménez, Prados, De Nicolás, Adroher, Torres, Martínez, García, López, Expósito & Carbonell is titled, Prospección arqueológica en Torrellafuda (Ciutadella, Menorca). Al encuentro de la Menorca púnica. The enclosure of Torrellafuda appears to have been built in two phases, an earlier cyclopean phase followed by a typically Punico-Hellenistic pattern of architecture, smaller than the original construction perhaps reflecting a defensive stance. Place-name analysis may indicate a Berber origin for the site. The enclosed village was heavily modified in the late 19th century, although the walls are largely recognisable. Aerial photos from 1956 show potential features, and future lidar may be interesting, but for now the features have been located and mapped using GPS. The most promising result has been the discovery of a right angled stone structure. In the intramural area, Campanian and Punico-Ibizan ceramics were found dating from the 3rd and 2nd centuries. Surface collection was done on three transects to the south, and another three, shorter, to the north, with all materials once analised returned to their original location. The majority of the fragments, some 57%, date to the 3rd century BC to the 1st century AD representing the likely date of the settlement. The number of republican Italian amphorae almost matches the quantity from Ibiza, but are twice the number from Tarragona. Coupled with the pertaining coarsewares, the presence of the amphorae indicates the presence of wine, and the inclusion of Menorca in the Mediterranean economy.

Back to Catalan for a discussion by Ramis of, Evidències de contactes exteriors al món talaiòtic a partir de l’estudi del registre faunístic. Almost all the animals in the Balearics have been introduced by humans, not all at once, but gradually over centuries, giving rise to new methods of exploitation and incidentally allowing the later evaluation of the exterior influence involved. The time period involved ranges from the end of the 2nd millennium BC to perhaps the 1st century when true Romanisation can be determined, and geographically covers Mallorca and Menorca. The animals considered are the deer, rabbit, equines, chickens, weasels, cats, turtles, and snails. While it is possible to demonstrate an increase in size for sheep, that for goats and cattle is more problematic, although an introduction of cattle from Tharros, Sardinia, would have been desirable. Changes of exploitation can be seen with the introduction of consumption of dogs, and of fishing, fish here including cetaceans.

The last Catalan article, Denes púniques de pasta de vidre a Menorca: el conjunt del cercle 7 de Torre d’en Galmés by Ferrer Rotger & Riudavets González concerns the discovery of glass and faïence beads at Cercle 7. The abrupt abandonment of the site has provided archaeologists with an unusual opportunity to explore an almost intact settlement, leading to the discovery of 42 beads of probable Ibizan origin and some cockle shells. These beads may have been regarded as status objects, as they accompanied their owners after death, frequently being found in necropoli with possible apotropaic function, with until now only small numbers found in domestic settings. At Cercle 7, the clustering of the finds suggests a perishable material was used to link them together, and their location inside the cercle could indicate they were elements in daily life.

Staying with cercles, Torres Gomariz in, Cercles menorquins: aproximación a la influencia de la arquitectura púnica en las viviendas postalayóticas de Menorca, examines the living quarters. From the 6th century, changes can be seen in the Menorcan way of life, in particular in housing, due to the increasing Punic-Ibizan influence. Menorcan cercles have been a subject of intense interest to antiquarians and archaeologists for 200 years, being finally recognised as ‘standardised domestic units’ in the early 1960s. The model for this standardisation can be matched against other Punic examples in Sicily and North Africa, some Menorcan examples even adopting the opus africanum method of wall construction. The layout of the house, with rooms around a central ‘patio’ reflects the newly fragmented social structure. The unequal commercial exchanges with the Phoenicians may have been the catalyst behind the formation of an hierarchical society.

The last article of this book by Torres, Obrador & De Nicolás called Ba’al-Hammon, Caelestis y el dios del plenilunio en el santuario con taula de Son Catlar (Ciutadella) demonstrates the continuing polyglot nature of life in Menorca. Two stones bearing inscriptions in the Latin script were found in the 1920s at Son Catlar. A further stone with Latin script, but Punic content, and a fourth stone with a 2nd century Punic inscription have since been found. Tanit, renamed as Caelaes(tis), through a last minute correction has been dated to the 2nd century AD. The first two inscriptions mentioned reading LACESE and LACESEN respectively could be interpreted as being addressed, in Punic with Latin letters, to the moon god. Besides these four inscriptions on stone, is another written in the Punic script on an ostracon, and in the Greek alphabet dedicated to Diodorus, perhaps to be interpreted as ‘Gift from Baal’. Examples of the name, Caelaestis, in mainland Spain, appear in fully Romanised urban settings. Associated with the sanctuary at Son Catlar is a cistern perhaps for ritual use. Secondary symbols of the gods, bulls for Baal and perfume burners for Tanit, appear in numerous other places in Menorca, showing the importance of Punic religion there.

Pete Missingham – University of Bristol.

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[IF]

300 años: masonerías y masones, 1717-2017 – ESQUIVEL et al (ME)

ESQUIVEL, Ricardo Martínez; POZUELO, Yván; ARAGÓN, Rogelio (Ed). 300 años: masonerías y masones, 1717-2017. Ciudad de México: Palabra de Clío, 2017. Resenha de: LIRA, Salvador. El teorema de la hermandad: dissertaciones a 300 años: masonerías y masones (1717-2017). Melancolia, v. 3 p. 190-198, 2018.

  1. El Rizoma y el Teorema

Hace ya tiempo de la propuesta del concepto filosófico del Rizoma y la nueva muerte del Edipo ensayado por los autores Gilles Deleuze y Felix Guattari. En resumidas cuentas, la imagen del Rizoma –como superestructura o bien la ausencia y por tanto la ruptura de la estructura– se adelantó a su época, tanto por las posibles redes o interconexiones, como por sí el proceso de la comunicación-conocimiento, que desafió al concepto del árbol de Porfirio. Las nuevas tecnologías y las denominadas “redes sociales” –como si un libro o una sonata no lo fueran– hacen más asequible las posibles conexiones que componen al Rizoma, de allí su adelanto en una era actual que nos asume y abruma por la infinitud de la conexión y la huella rastreable.

En este sentido, según Deleuze y Gauttari, las sociedades se construyen por núcleos, por redes de asociación. A este conjunto le denominaron El Teorema de la Amistad, en la explicación de redes árboles o estructuras jerárquicas. Así argumentan1:

[…] “si en una sociedad dos individuos cualquiera tienen precisamente un amigo común, entonces siempre existirá un individuo que será amigo de todos los otros” (como dicen Rosenstiehl y Petitot, ¿quién es el amigo en común: “el amigo universal de esta sociedad de parejas: maestro, confesor, médico? –ideas que por otro lado no tienen nada que ver con los axiomas de partida–“, el amigo del género humano, o bien el filósofo tal y como aparece en el pensamiento clásico, incluso si representa la unidad abortada que no vale más que su propia ausencia o de su subjetividad, al decir: Yo no sé nada, No soy nada”). A este respecto los autores [Rosenstiehl y Petitot ] hablan de teoremas de dictadura. Éste es el principio de árboles raíces, o la salida, la solución de raicillas, la estructura del Poder. (Deleuze y Gauttari, 2009:50.)

El Teorema de la Amistad supone entonces el encuentro Universal de los individuos, pues no debe olvidarse que tal palabra deviene de Un-Verso, es decir, un solo giro, movimiento. El asunto de este punto radica en primero la posibilidad de que alguien se sienta parte de la red, de la superestructura. Lo segundo, la suposición de quién es el “Amigo Visible-Invisible”, el principio del árbol, la raíz, esto es el Principio del Poder.

Suposiciones han sido muchas, en tanto las posibilidades filosóficas, ficcionales, imaginarias y en sí el entendimiento del poder, por cuanto se han reflexionado las Edades del Mundo. Los cortes temporales, distribuidos por una búsqueda e intención que recae en la propia historiografía universal, tienen que ver en específico con la manera de conceptualizar los modos de vida y las superestructuras.

De tal modo, cuando la estructura era el árbol de Porfirio, la voz en el imaginario colectivo era el soberano, situación radicada en el periodo de la Edad Moderna. Como posibles disgregadores lo eran piratas, bucaneros, entre otros. El siglo XX demostró que no hay individuo sin capital, el mercado tiene toda posibilidad. El siglo XXI integra una supercomunicación con alter-egos sin superposición. La ficción, que no mito, funciona como bloques en las construcciones del poder. De allí, a manera de suposición, los juicios y chivos expiatorios al creador del Libro de Caras o el señalamiento político de La mafia del Poder.

El siglo XIX asumió el fin de las estructuras “absolutistas” y dio paso a las superestructuras construidas por la democracia, término también resemantizado. Con el todavía cariz de la emblemática y sus raíces herméticas y neoplatónicas, fue una asociación, asumida por sí y por otros de Liberal, la que ocupó ese rango de la estructura del poder: la Masonería como red, el Teorema de la Hermandad-Amistad.

Más allá de las posibles ideas de dominación, comprobadas o no, la masonería como organización fue la primera superestructura en modelo de Rizoma, que dio la impresión de unidad universal, al menos en ambos lados trasatlánticos del Occidente. Si alguien es amigo de alguien más, en las múltiples redes de la teoría de Deleuze y Gauttari, la masonería bajo el principio de Fraternidad otorgó en la impresión la pertenencia de una red superior. No era es necesario el Reconocimiento o en sus términos Regularidad, lo que importa es la pertenencia.

De allí, las ficciones en torno a la red y a la estructura han estados ligadas en los propios y extraños, afines y detractores. La historiografía en torno a la masonería es diversa, con altibajos. Tan disímil como la ya nueva forma de enunciarla en plural, Masonerías, debido a sus múltiples acciones y formulaciones. Ninguna superestructura ha durado más tiempo en el espacio común del diálogo como otra, incluso en los tiempos actuales tan vertiginosos, ni mucho menos con discursos que aún legitiman prácticas, para bien o para mal, en la formación de producciones.

Ahí su singular naturaleza. Ahí, la base del Teorema de la Hermanad.

  1. Estudiar la Estructura, 300 años: Masonerías y Masones

300 años: Masonerías y Masones (1717-2017) es un conjunto de estudios, reunidos en cinco tomos temáticos, que tiene como intención el análisis, la reflexión y la presentación de estudios sobre fenómenos culturales, sociales, políticos y artísticos bajo el cariz temático de la Francmasonería. No se trata en sí de un estudio unificado, por el contrario, es, si se permite la metáfora, un abanico de cinco terminales, de los cuales cada uno abre otras múltiples posibilidades.

Prudente es abogar la riqueza metodológica con que los autores recogieron las obras que componen el compendio de volúmenes. Se parte de una distinción con respecto a la historiografía masónica, entre los pro y anti masones que han formulado un compendio de historias –las más ficcionales– sin rigor. De allí que el libro más allá de ser un compendio de estudios es en sí un proceso de la Masonología, con las posibilidades que el término acuñado ya hace tiempo conviene.

Además, reafirma un quehacer con respecto al entendimiento y construcción de las Historiografías. De hecho, ese es el rasgo fundamental inicial con el que los editores de los volúmenes partieron: la firme convicción de formar procesos historiográficos, dependiendo de su perspectiva teórica como la micro historia, la interconexión de Carmagnani, la Historia Cultural, la Historia Política, la Historia con profundidad de Estudios de Género o la Historia del Arte.

Los cinco volúmenes son una reunión de la actividad de la red de investigadores agrupados o con algún tipo de relación en torno a la Revista de Estudios Históricos de la Masonería Latinoamericana y Caribeña (REHMLAC) y también cabe decirse del colectivo de trabajo en relación al Centro de Estudios Históricos de la Masonería Española (CEHME). La mayoría de los autores que presentan en el volumen actual, su desarrollo académico y producción de investigación puede comprobarse en las múltiples ediciones y publicaciones promovidas por los centros y redes antedichos.

El alcance temporal pudiera acaso servir de conmemoración al inicio de la Masonería especulativa en 1717. Los propios editores derogan el encasillamiento, pues su visión fundamental es alejarse de la Historia de Bronce o de Lata que ha envuelto a la producción historiográfica. Es por tanto, también un ejercicio metodológico ejemplar, pues el oficio de historiar en sumas cuentas no se queda en las primeras tientas en las ideas de las fuentes. Se trata de contrastar, medir, alimentar, proporcionar y comparar.

Los cinco volúmenes que componen la serie son los siguientes:

  1. Migraciones.
  2. Silencios.

III. Artes.

  1. Exclusión.
  2. Cosmopolitismo.

Cabe resaltar que cada tomo tiene una independencia con respecto al concierto en sí del conjunto de libros. De hecho, como se ha indicado antes, se nota el tipo de lecturas y trabajos que se han alimentado alrededor de REMLAC y el CEMEH.

Por tal motivo, el tomo I “Silencios” es el que presenta mayores alcances, solidez de las fuentes e interconexión de perspectivas y datos. En este se retoman las ideas de imperialismo, modernidad, utopía, sociabilidad y “mito” (que en realidad es ficción, pues el contenido mítico refiere a una práctica simbólica, con tintes verificables en el imaginario colectivo, no es por tanto sinónimo de mentira). Asedios entre Europa y América, enmarcados por fechas ahora conmemorativas, siendo en sí el conjunto de procesos históricos de los cuales la red y el Teorema se ponen en juego.

El estudio de la masonería ha tenido que ver con el estudio de las Independencias en Latinoamérica. Si de entender procesos históricos se trata, es evidente que las conmemoraciones de los Bicentenarios (en todos los países latinoamericanos) otorgaron posibilidades de reflexión. De esto también fueron parte los estudios en torno a las Masonerías, de allí que se pueda notar una generación de investigadores, quienes todos ellos alcanzaron posgrados entre el 2005-2017 con temas de masonería y atendiendo a su estudio con miradas teóricas más frescas, acordes a las generaciones de Historiadores del siglo XXI. Dicho sea de paso, con una generación previa apuntalada por investigadores como José Ferrer Benimeli o Carlos Stein quienes abrieron el abanico de posibilidades para estudiar este fenómeno con rigor investigativo, sin que las vísceras y su sangre-bilis fueran la tinta del historiador.

Por esto es significativo que sea José Ferrer Benimeli quien abra el volumen con el estudio en torno a las sociabilidades desde los conflictos hispánicos en 1808 hasta la consumación independentista del Imperio del Anáhuac. Sus vaivenes y fuentes trastocan diferentes perspectivas. Es interesante el rescate de la Oda Masónica, de la que comenta el autor es de pertenencia a una logia española afrancesada en 1812. Esto porque se nota una adaptación de procesos y medios a modos hispánicos, la oda que se propone está en heptasílabos con versos pareados átonos, una forma por demás hispánica del Antiguo Régimen. Entonces, el mismo verso da cuenta del proceso de recepción y fortuna (Ferrer Benimeli, 2017a).

El tomo uno va desde este punto histórico, trastoca latitudes de todo el continente americano y cierra con la presencia “civil” en los Estados Unidos de América. Hay una cuestión que quizá sea posible para un estudio global –pues es sabido que Ricardo Martínez Esquivel lo ha trabajado desde Centroamérica, el Pacífico y Oriente–, las redes francmasónicas con paso del mar.

El tomo II “Silencios” y el Tomo V “Cosmopolitismos” son la muestra de una serie de trabajos “novedosos” por cuanto las temáticas que se han podido abrir con respecto a los primeros estudios de este milenio. Del Tomo II, “Silencios”, el objetivo es estudiar el discurso antimasónico, una veta relevante en cuanto a que también es un fenómeno histórico, desde sus fuentes, hasta sus soportes. Es quizá la visión de esta nueva historiografía que se ha propuesto tal generación. Así argumenta Rogelio Aragón:

En fechas recientes los historiadores profesionales han aprendido a revalorar esos textos de temática histórica, escritos más con pasión que con erudición, para a partir de ellos reconstruir el proceso mediante el cual ciertos sectores y grupos han interpretado y explicado la historia. –y, sin temor a equivocarme, el tema de la masonería es probablemente el que más ha inspirado a escritores de todas las tendencias a abordarlo con pasión desmedida, a favor y en contra, a través de los medios disponibles según la época: impresos y electrónicos, virtuales y físicos (2017b:6).

Los vaivenes de María Eugenia Vázquez Semanedi otorgan una visión en el debate de las ideas y también de los estereotipos, como sujetos históricos (2017b). La sola discusión ya supone, aunque el interlocutor no tenga ni idea de las bases epistemológicas, el discurso programable del fondo y la forma.

Del tomo V, “Cosmopolitismo”, la intención es entregar un perfil abierto. Se trata en sí del estudio de los productos de la red. Por ello su reunión quizá con el único tema y el juicio. Por ejemplo, aún quedan pendientes los estudios de rituales funerarios de la masonería “global” y unipersonal, así como una historia comparada. El texto de Jeffrey Tyssens con la conmemoración del rey Leopoldo de Sajonia es singular al momento de las conmemoraciones fúnebres de otros soberanos europeos y americanos (2017e). Entonces, desde sus propias bases simbólicas, se propicia que la Masonería no es una, que el símbolo es interpretado en varios sentidos y que incluso la captación de “Hermanos” no siempre ha tenido un proceso igual. Son por ello el caso de los proyectos, de la globalización y la regionalización con sus fuertes tensiones.

El tomo IV, “Exclusión” si bien lo comentan los mismos editores busca tener una continuidad temática con respecto a los Estudios de Género y la Masonería, aunque con ciertos vacíos. Esto es porque el estudio que se presenta en este tema apenas se está abriendo, con pasos muy sólidos. La historia de la masonería femenina en largo aliento aún no ha sido abordada. Lo interesante es entender cómo esta idea de la masonería femenina no siempre estuvo relacionada o detrás de los movimientos feministas, sobretodo en la participación política. El trabajo de Julio Martínez García sobre la prensa, la mujer y la masonería en el siglo XIX y XX muestran tal desarticulación de ideas, a priori atenidas a un solo proceso.

Más aún, el caso del siglo XX es enigmático en esta cuestión. En el norte de México, y en las perspectivas de la microhistoria, en Zacatecas, los grupos de participación femenina en los sesenta y setenta, que ocuparon puestos de elección popular, fueron en sí las fundadoras y proclives de las logias femeninas de los noventa, esto es una conformación a la inversa de lo que podría alguien suponer. Proceso por cierto aún por estudiarse.

El tomo III, “Artes”, es quizá la que ofrece una serie de balances claroscuros. Sí se encuentran las canciones y la música, relevante en cualquier ritual de los siglos XVIII, XIX y principios del XX. También la literatura, sobre todo por el Estado de la Cuestión que ofrece Ferrer Benimeli sobre los estudios filológicos y la masonería, así como el análisis de algunas novelas con ciertos íconos de la fraternidad. Del ensayo de Ferrer Benimeli, viene ad hoc mencionar una tipología de estudio:

  1. Literatos de renombre que al mismo tiempo fueron masones pero que no reflejan directamente su compromiso con la masonería en sus escritos literarios.
  2. Masones que sí manifiestan su dualismo masónico-literario.
  3. Estudios críticos sobre dichos autores y sus obras.
  4. Autores no masones que aluden a la masonería en sus obras y que incluso la elevan a categoría de protagonista. (2017c:128.)

Directriz y forma que deja abierta para un proyecto de antología, seria, de autores masones o con temática masónica en Latinoamérica y específicamente en México. Incluso en la reunión de los antimasones.

No obstante, es preciso –que no abre todo libro con tinte académico– poner en ciernes ciertos conceptos. El ensayo de David Martín López con respecto a la teorización del “estilo o estética masónica” muestra una serie de elementos que bien pueden destacar por la intención de recuperar e interpretar lo que es quizá más característico de la masonería: sus símbolos. Se coincide en la siguiente cita:

Descifrar y apreciar, por tanto, el carácter masónico en una obra de arte requiere de una serie de precauciones metodológicas y analíticas que deben partir de un profundo conocimiento y un estudio multidisciplinar. Muchas veces, desde la perspectiva del historiador, del receptor de la obra, del ciudadano y hasta incluso del masón, se ha podido pensar, subrayar de manera inexacta y apostillar una curiosa manifestación artística de cualquier índole como masónica, sin entrar en su finalidad o estética. (2017c:74.)

En efecto, no se ha generado aún una historiografía de arte con tema masónico sólida, sencillamente porque el tema la masonería ha estado en el mayor de los casos por encima de la técnica misma, a su soporte o a su motriz del autor, o bien porque la única fuente que se consulta son algunos documentos promasónicos. El problema radica en el símbolo y en la emblemática, de la que la masonería retoma sus productos, tiene ese hálito de las múltiples asociaciones. El ejemplo ya lo había puesto Umberto Eco con la sobreinterpretación que hizo en el siglo XIX sobre si comprobaba que Dante Alighieri era masón y que La Divina Comedia era el camino de paso para los grados filosóficos Rosacruces del Rito Escocés Antiguo y Aceptado (1997).

Aún falta entender el puente simbólico entre la emblemática del XVIII y el XIX, de la que la masonería forja una serie de íconos con referencias de interpretación específica. Así, permitiría por ejemplo el estudio íntegro del retrato de Estado de Masones, no como una invención propia de las logias en el poder, sino como una continuidad del Retrato de Estado iniciada por Tiziano en el siglo XVI y la célebre silla bicéfala sobre la que se sitúa Carlos V.

  1. Las raíces del Teorema

La red que teorizaron Deleuze y Gauttari, en los procesos de la intercomunicación, han quedado abiertos y demostrados por las nuevas formas de comunicación. El Teorema de la Amistad y en sí el Teorema de la Hermandad proveen una serie de pasos en la manera no sólo de entender el presente, sino el pasado.

Los debates y diálogos que abre la serie 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017) evidentemente dejan una constancia de sociabilidades en pleno debate. La cuestión del “Secreto” –también debatida en los presentes libros– ha sido argumentada como un discurso unificador que tiene un punto clímax en los procesos históricos.

Las temáticas están abiertas en el trasluz de los investigadores que, lejos ya de afianzar una filiación o desprecio, muestran un balance crítico en la medida del hombre y sus circunstancias. Las masonerías en su momento abrieron el debate, incluso sobre su funcionalidad como grupo social o red dentro de una superestructura rizomática.

Sirva entonces que esta nueva red confirme nuevos debates historiográficos continuos, saberes que entretejen las sociabilidades en apoyo de las nuevas fórmulas de interacción y sentido.

  1. Bibliografía

DELEUZE, G. & GAUTTARI, F. (2009). Rizoma. Ciudad de México, México. Distribuciones Fontamara, S. A.

ECO, U. (1997). Interpretación y sobreinterpretación. Madrid, España. Cambridge University Prees.

MARTÍNEZ ESQUIVEL, R., et all. (2017a). 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Tomo I. Migraciones. Ciudad de México, México. Editorial Palabra de Clío, A. C.

__________. (2017b). 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Tomo II. Silencios. Ciudad de México, México. Editorial Palabra de Clío, A. C.

__________. (2017c). 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Tomo III. Artes. Ciudad de México, México. Editorial Palabra de Clío, A. C.

__________. (2017d). 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Tomo IV. Exclusión. Ciudad de México, México. Editorial Palabra de Clío, A. C.

__________. (2017e). 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Tomo V. Cosmopolitismo. Ciudad de México, México. Editorial Palabra de Clío, A. C.

Notas

1 Cita que viene en Rizoma de Gilles Delleuze y Félix Gauttari. Pierre Rosenstiehl y Jean Petito (1974), “Automate asocial et systemes acentrés”, en Communications, núm, 22. Sobre el teorema de la amistad, cfr. H. S. Wilf, The Friendship Theorem in Combinatorial Mathematics, Welsh Academic Press; y sobre un teorema del mismo tipo, llamado de indecisión colectiva. (Deleuze y Gauttari, 2009:50.)

Salvador Lira – Doctorado en Estudios Novohispanos. Universidad Autónoma de Zacatecas . Centro de Actualización del Magisterio, Zacatecas. E-mail: slira7687@gmail.com

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Escrituras de la historia. Experiencias y conceptos | Luis Gerardo Morales Moreno, Laurence Coudart

El libro coordinado por Luis Gerardo Morales Moreno y Laurence Coudart se inscribe en el marco de las reflexiones historiográficas. La obra recoge entrevistas con diferentes académicos tales como Roger Chartier, Guillermo Zermeño, Francisco Ortega, Jaime Borja, Anne-Christine Taylor y Ricardo Pérez. Todos ellos pertenecientes a generaciones distintas y provenientes de Francia, México, Colombia y Estados Unidos. Lo novedoso del libro es la asignación de un protagonismo inusual a la historiografia de América Latina, especialmente a la mexicana y a la colombiana, hasta el día de hoy subvalorada en el contexto internacional. La preocupación general del libro es la historia cultural, la memoria, la comunicación, la mediación, la representaciones, las apropiaciones y las prácticas; por momentos también, la historia conceptual, aunque de forma desigual. Todos los entrevistados se refieren de manera directa o indirecta a estos ejes, sin negar las particularidades de cada uno de los investigadores y sin generar un cuadro homogéneo, por inexistente, de tal vertiente historiográfica. Leia Mais

Disruptive Classroom Technologies: A Framework for Innovation in Education | Sonny Magana

Disruptive Classroom Technologies (Tecnologías rupturistas en la sala de clase) es el segundo libro del autor Sonny Magana, quien ha seguido en la misma línea investigativa al analizar e indagar el verdadero aporte de las tecnologías rupturistas en la sala de clase y el impacto de las mismas. En esta entrega, el autor propone tres preguntas respecto del aporte de las tecnologías en la sala de clase: ¿por qué los contextos en donde se desenvuelven las y los jóvenes actualmente, entiéndase como colegios y centros educativos, no se han visto radicalmente transformados por la aplicación de tecnologías rupturistas? ¿Cómo el uso de tecnologías aporta al desarrollo de las y los estudiantes en formas en que no sería posible sin el uso de las mismas? Finalmente, ¿añaden las tecnologías valor a la educación y desarrollo de las y los estudiantes? En razón de los planteamientos del autor, los establecimientos educacionales se verían beneficiados al integrar las tecnologías a través de un enfoque paulatino y claramente estructurado, ya que de esta forma las y los educadores podrían tratar las tecnologías y su uso en la sala de clases efectivamente, establecer objetivos claros para el crecimiento de las mismas y medir el progreso de los objetivos planteados. Leia Mais

Aprendizagem em EaD. Brasília, v.7, n. 1, 2018.

Artigos

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  • Tecnologias e ensino presencial e a distância
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The Look of the Past. Visual and Material Evidence in Historical Practice | Ludmilla Jordanova

Historiar, desde el siglo pasado, ya no sólo es una tarea de quienes aman el archivo y la biblioteca, también lo es de aquellos que se interesan por los objetos y las imágenes; sin embargo, nuestras herramientas para su estudio aún no son parte fundamental del bagaje formativo de los estudiantes de historia. The Look of the Past viene a llenar un vacío, pues es una obra pensada especialmente para los estudiantes que deben comprender cómo acercarse a las evidencias visuales y materiales. Leia Mais

As reduções da Companhia de Jesus na América Colonial: diálogos de realidades missionárias e debates intelectuais sobre a ação jesuística / Antíteses / 2018

Las reducciones de la Compañía de Jesús: una introdución

Las poblaciones indígenas de América, desde los comienzos de la empresa de Conquista, se constituyeron como un escollo para el avance de las principales potencias imperiales. Un impedimento que movilizó todo el aparato conceptual y jurídico del Viejo Mundo con el claro fin de la dominación y control de los nuevos y forzados súbditos. Para alcanzar estos objetivos España y Portugal dispusieron sobre el territorio de América del Sur una serie de dispositivos de poder con el claro fin de sujetar los ánimos de los nativos. Las reducciones jesuíticas fueron una de las herramientas tecno-bio-políticas desde las que se impulsó un proceso de aculturación, inacabado por cierto, que tenía como objetivo modificar prácticas y usos culturales propios de las poblaciones nativas. Sobre todo lo que se pretendía era controlar los inconstantes ánimos de indígenas que ralentizaban, cuando no impedían, el avance colonizador por medio de estrategias políticas que mostraban un alto grado de dinamismo político y cultural de su parte.

La Compañía de Jesús, desde sus comienzos misionales en América y desde la experiencia recabada mediante su actuación en los Andes y en las costas del Brasil, como dos centros desde dónde la Orden iniciaría su andar por el continente, proponía al misionero como el baluarte de un modo civilizatorio en dónde prácticas aglutinantes nativas, como las borracheras, la hechicería y las guerras no deberían de tener lugar dado que las mismas, según la justificativa construida por los ignacianos, hacían posible que los indígenas dieran rienda suelta a pasiones carnales que desembocaban en una indolencia idolátrica contraria al ideal de Humanidad al que se debería de arribar por medio de la reducción como práctica instrumental civilizatoria.

Las tan afamadas borracheras y las consecuentes prácticas asociadas a una expresión corporal orgíastica en donde sensualidad y violencia se conjugaban para un horror jesuítico que justificaba desde ese lugar su combate contra el demonio y por ende su presencia en tierras americanas en dónde el martirio podría acontecer sin más; la hechicería con sus formas y el rol protagónico que muchas mujeres detentaban en aquella práctica así como hombres especializados en la comunicación y tratamiento de lo divino y lo cosmopolítico disputando el rol de líder religioso de los sacerdotes y, la práctica de la guerra con una ceremonialidad, simbología y temporalidad propias –por momentos intencionalmente comprendidas de modo reduccionista pero descriptas con una sutileza notable- se conformaron como la contraparte de la tríada nominal que identificaba a los pueblos americanos considerados como ‘Sin Fe, Sin Ley y Sin Rey’.

Para alcanzar la civitas cristiana, entonces, había que evangelizar y eso suponía una transformación que generara una sociedad nativa de nuevo cuño. Un modelo de orden social que no eliminaba las jerarquías y distinciones sociales propias de la indianidad, si no que partía de dichas diferencias para proponer un nuevo ordenamiento que, bajo la tutela de los sacerdotes y su esquema de control administrativo, generaría una geografía social en donde aquellas prácticas, que parecen identificar y englobar a priori a la totalidad de los pueblos nativos americanos, perderían significado estético y las performances que las mismas estructuraban mudarían de sentido hasta desaparecer como tales. Quizás por ello la atención misional, manifiesta de modo condicionado en las instrucciones y crónicas redactadas durante la experiencia reduccional así como ya en el Exilio, fue puesta sobre los niños y en las mujeres; paradójicamente, los ‘ausentes’ en algunas lecturas e interpretaciones de las mismas crónicas ignacianas desde donde se obtiene la información necesaria para construir una historia de aquellos por medio de la exégesis de un reflejo indirecto de una sociedad que es descripta mayoritariamente desde la potencialidad heurística que detenta la guerra en la trama argumental de las etnografías culturales de marras.

La escritura jesuítica es un rasgo distintivo de la Orden, tanto por las normas que rigen aquella ‘escritura para mostrar’3 así como por las interpretaciones que se construyeron desde, incluso, los comienzos mismos de la Compañía. Si bien la Compañía de Jesús no fue la única orden que ha legado escritos4 que dan cuenta de un número importante de rasgos de los avatares sociales y políticos que experimentaron las colonias españolas y portuguesas, entre los que debemos de contar a las poblaciones indígenas y su relación con los dispositivos de poder coloniales, sí el empeño jesuítico por la necesidad de informar a sus Superiores parece ser el que más producción escrituraria ha legado y de lo que mayormente se han apropiado los investigadores preocupados por el pasado colonial.

El estado actual de las investigaciones que indagan sobre la Compañía de Jesús y su accionar misional reduccional, tan solo en América, exigiría una revisión que desbordaría en sí misma la propuesta de esta presentación así como los límites previstos para la misma por las nomas editoriales que las publicaciones académicas fijan. A pesar de ello y para brindar un marco mínimo de referencia sobre los aspectos abordados por la historiografía especializada, se impone mencionar, circunscribiéndonos a las obras publicadas recientemente así como de aquellas que ya poseen algunos años pero que aún resultan instigantes por sus resultados de investigación así como por las propuestas analíticas que impulsaron, las que dan cuenta de la expansión global de la Compañía de Jesús por el Orbe (FABRE; VINCENT, 2007) y cómo desde esa globalización se produjo una prolífica difusión y circulación de saberes locales que contribuyeron a la conformación y sostén de la globalidad como pretensión misma de la Orden(CASTELNAU-L’ESTOILE et al., 2011). Una circulación que, para un mejor contralor y funcionamiento de los miembros de la Compañía de Jesús, había dispuesto una serie de normas sobre las formas de la escritura5 así como el modo en que debía de circular esa información redireccionando toda la correspondencia hacia un centro prefijado: Roma(MORALES, 2005). Una centralización política que pretendía articular ideas y personas que conformaban los distintos Imperios de Ultramar (COELLO; JAVIER; MORENO, 2012).

Junto a todo ese arsenal de formas y normas para el control de las reducciones extraeuropeas se desplegó una notable actividad científica (FABRE; VINCENT, 2005), desarrollada por sus miembros, a los fines de alcanzar la sujeción de los nativos. Labor que se pone de manifiesto mediante un cúmulo de conocimientos obtenidos por medio de mecanismos científicos sistematizados y compartidos, en gran medida, por el mundo intelectual de aquella época (PRIETO, 2011). Una de estas labores científicas es la labor médico-botánica (FLECK, 2014, 2015) que tenía como fin brindar soluciones para el tratamiento de las dolencias que afectaban los cuerpos de nativos y europeos. Formas y modos de definición y ejercicio de la bio-política que antecede notablemente a la formulación foucaultiana. Para ponderar ampliamente el carácter de la presencia reduccional jesuítica se torna imperioso señalar que la misma se construyó a partir de un diálogo con las sociedades americanas; conversación en dónde éstas mostraron dinámica creadora y vitalidad a la hora de enfrentar sosiegos que colocaron las estructuras sociales nativas en un marco de tensión posible de ser superado, precisamente, por la vivacidad que caracteriza a la ontología amerindia.

El diálogo establecido entre miembros de la Compañía de Jesús y algunos sujetos de las comunidades indígenas americanas es posible de ser recreado mediante una exégesis de las normas y formas jesuíticas sobre la escritura, ya sea esta etnológica o de cualquier otro tipo. Si bien el registro de la interacción entre nativos y sacerdotes se muestra de modo dispar, inclinando el fiel de la balanza hacia el lado de la labor ignaciana, no podemos desestimar la presencia nativa en la toma de decisiones implementada por los jesuitas. Allí dos instancias necesitan ser revisitadas. Una de ellas, las fiestas y celebraciones indígenas (MARTINS, 2006) y, la escritura que cobró forma bajo la Letra de Índios (NEUMANN, 2015).

Es bien conocido ya que la escritura, como práctica institucionalizada, es a la Compañía de Jesús cuasi un fin en sí mismo así como se impone al investigador la labor de desentrañar los ribetes de un pacto etnográfico (KOPENAWA; ALBERT, 2015) que no parece, por momentos, desarrollarse sin que la intencionalidad propedéutica y epidíctica de la Compañía de Jesús intenten aminorar aquello que hoy consideramos como la capacidad de agencia de las poblaciones nativas. Cuestión que se sucede por la necesidad de captar voluntades nuevas en Colegios y establecimientos educativos de la Orden así como porque el modo en que fue pensado el registro de las actividades sociales imponía a los sacerdotes un modo de concebir el comportamiento indígena desde parámetros de pretensión inmovilista que circunscribían qué era considerado propio de bárbaros. En este sentido, desde los comienzos de las labores reduccionales y hasta los escritos producidos ya en el Exilio, los nativos son expuestos como sujetos que actúan en función de acciones y reacciones que, de desentrañar los impulsos que generaron aquellas, hacen posible al investigador construir explicaciones sobre el devenir de las comunidades indígenas así como indagar, crecientemente, en cómo la escritura jesuítica se presenta como un campo de estudio en sí mismo pero que no debe de replegarse constantemente sobre sí.

Durante el siglo XVIII, y a medida que nos acercamos al momento de la expulsión de los dominios americanos de España (1767) y Portugal (1759), la escritura, y por ende la profusión de documentación con la que contamos para nuestras investigaciones, parece, por un lado, alcanzar velocidades de circulación que refuerzan la idea de una empresa planetaria y, por otro, muestran una gama de conocimientos y matices sobre las sociedades americanas que señala una clara distinción con, por ejemplo, la escritura del siglo XVII. Así es como, entonces, contamos con un mayor caudal de investigaciones que reflejan lo acontecido durante el siglo XVIII. No obstante ello es necesario formular un llamado para la reflexión sobre cuántos tópicos propios del siglo XVII se hacen presentes durante el tiempo venidero y en qué medida los problemas de aquel tiempo se constituyen en sí mismo como barreras de contención que encauzan el registro ignaciano quitando entonces vivacidad al registro de lo acontecido. Siendo necesario, por lo tanto, descentrar nuestra mirada de aquellas cuestiones propiamente significativas para la Orden en la escritura que la misma realiza de sí misma y prestar mayor atención a la dinámica propia del mundo indígena latinoamericano en su convivencia con los distintos sectores de la sociedad colonial; incluso con otras Órdenes que significaban para la Compañía de Jesús un panóptico necesario de ser incorporado en los análisis de la escritura en sí misma. La escritura, no debemos de olvidar, poseía una clara intencionalidad que refleja, de modo indiciario, las disputas académicas y políticas en las que los black robes estaban insertos.

Si bien la escritura jesuítica es portadora de un cúmulo notable de reflexiones sobre el accionar misional reduccional, con sus indicaciones pragmáticas y sus disquisiciones teológicas, no todo el accionar reduccional debe de reducirse a la escritura jesuítica. De suceder aquella cuestión corremos el enorme riesgo de reducir una experiencia por demás vasta a una práctica institucionalizada dejando de lado la capacidad creadora de las sociedades nativas americanas. Por ello es que los artículos que aquí presentamos intentan dar cuenta, de forma somera por cierto, de aquellos asuntos y, lejos de agotar la problemática, esperamos que sean para el lector una instancia de generación de conocimientos así como, quizás, puntal inicial de nuevas investigaciones.

Bartomeu Melià abre la sección con una reflexión analítica profunda sobre la Escuela Ibérica de la Paz. Movimiento intelectual que debatía uno de los grandes problemas que planteó la Conquista: la libertad y el servicio personal de los indios. Allí el caso guaraní se constituye como un caso testigo, luego convertido en nodo argumental de la práctica reduccional, desde dónde se ensayaron mecanismos para que los indígenas no quedaran expuestos a la ambición de los conquistadores. Melià, para construir este análisis, formula un recorrido por aquellas autoridades intelectuales que se manifestaron para impedir la esclavitud indígena; confluyendo estos pensamientos en la Provincia del Paraguay, generando que las reducciones de guaranies se vincularan con algunas ‘extrañas y externas utopías’. Incluso, incidiendo en el devenir historiográfico así como en el imaginario social construido para con los jesuitas como custodios de la bondad nativa.

Natalia Aguerre discute, desde un enfoque propio de las Ciencias de la Comunicación, cómo algunos escritos realizados por la Compañía de Jesús, como por ejemplo las Cartas Annuas así como la Predicación del Evangelio en las Indias, fueron instrumentos estratégicos para la producción de conocimientos necesarios para la acción evangelizadora. En esa trama cobra centralidad la figura de Joseph de Acosta, SJ., quién fue el artífice del diagnóstico necesario para impulsar la evangelización indígena en un área como los Andes que se constituyó como la antesala sin la cual, sin lugar a dudas, las intervenciones realizadas entre los guarani, así como sobre otras poblaciones americanas, hubieran tenido un tenor distinto de aquel que conocemos. Aguerre propone entonces reflexionar sobre algunos de los tópicos que se encuentran en un documento imposible de no ser consultado por cualquier estudio que tenga a las poblaciones indígenas como centro de una investigación; esto último si es que es posible indagar a la Orden sin confrontar las políticas ensayadas por los nativos en el curso de la presencia ignaciana en suelo americano.

La utilidad estratégica y performativa de la escritura producida por la Compañía de Jesús hemos de encontrarla, una vez más, en el artículo de Carlos Page. El autor se detiene a indagar en el proceso de re-construcción de la vida de dos jesuitas, Pedro Correia y João de Sousa, y cómo es que su muerte, en condiciones que la califican como martirio, fue narrada en una primera instancia por José de Anchieta al mismo Loyola por medio de una carta. En este estudio lo que el lector encontrará es una erudita reconstrucción de las trayectorias individuales y de la apropiación edificante que la Compañía de Jesús hace de ellos. Un artículo tan bien documentado como necesario para cuestionar las relaciones sociales constituidas con distintos grupos nativos con los cuales se tenían vínculos de carácter inestable y que necesitaban, por ende, de una mayor conversación. El martirio, desde su utilidad pedagógica, atraía nuevas voluntades para la Compañía, por la vía de la lectura edificante que se realizaba en los establecimientos educativos de la Compañía, al mismo tiempo que ayudaba a consolidar imágenes estáticas sobre los comportamientos nativos. Los cuales podemos confrontar por medio de exégesis que briden claves para comprender los mecanismos argumentales de aquellos escritos.

La práctica catequética fue el instrumento por antonomasia desde dónde se intentó deculturar a los indígenas para que depusieran aquellas actitudes hostiles que costaban la vida de insignes soldados de Loyola. Por ello la importancia de los catecismos redactados para diversos grupos étnicos como se observa por ejemplo, durante la porción central del siglo XVIII, en aquel destinado para la evangelización de grupos kiriri que habitaban porciones de los actuales estados de Bahia y Serpige en Brasil. Prospectar formas, modos y expresiones del lenguaje siempre es por demás útil a la hora de conocer algunas de las percepciones de los misioneros sobre los grupos indígenas y cómo es que estos vivían en sus estados de ‘gentilidad’. Silva Mecenas parte desde este planteo inicial para brindar explicaciones sobre cómo fueron abordadas ciertas prácticas nativas que debían dejarse de lado para alcanzar réditos en aquellas porciones de la cristiandad; práctcias que pujaban por mantenerse en actividad y desafiando la autoridad del misionero.

Protagonismo guaraní, de Cristo, Laroque y Machado, vuelve a colocar a aquellos indígenas en el centro de los análisis históricos, interpelando a los mismos desde una perspectiva etnohistórica; la misma que anima y dinamiza la mayoría de los debates historiográficos a los que hemos hecho referencia a lo largo de esta presentación. El Protagonismo, aquí, se hace presente desde un ingenioso abordaje sobre el ‘modo de ser guarani’ para adentrarse en conflictos propios de la sociedad nativa. Las disputas entre líderes nativos especializados, unos, en la administración de las relaciones sociales que podemos llamar, de modo reduccionista por cierto, como política y, otros, sindicados como aquellos encargados de la vida espiritual de la comunidad indígena, son expuestas claramente en la Carta Annua de 1635. Desde allí entonces los autores, sugestivamente, retoman cómo esta conflictividad incide y se manifiesta en la capacidad de formular alianzas con distintos sectores de la sociedad colonial. Dinamizando de este modo la política guaraní y ajustando la misma a intereses particulares de un determinado sector. Aspecto siempre necesario de ser tomado en cuenta al momento de reflexionar sobre el contexto que expone la documentación jesuítica.

La salud de las poblaciones indígenas coloniales, así como de los pobladores del continente, fue una preocupación constante de la Orden; problema que se resolvió, de modo local, mediante la elaboración y circulación de obras referidas a la materia médica, como en el caso del Libro de Medicina recuperado desde el acervo documental de un Convento franciscano en la actual Catamarca (Argentina) y, estudiado por Deckmann Fleck y Obermeier. Un libro de medicina, como demuestran los investigadores por medio de una notable y sutil erudición, es un modo de acceder no sólo a los problemas de salud de las poblaciones para las cuáles fue pensado si no que permite hacer cuestionamientos sobre un problema de investigación que cada día reclama mayor atención y espacio: el cuerpo; considerando a este no sólo como un medio físico de expresión, negociación y control si no como una clave analítica para indagar sobre quién lo describe y quién aporta las informaciones sobre el mismo. Generando entonces un cruce de miradas –la del informante y de quién redacta- sobre qué aspectos son relevantes y necesarios de ser cuestionados, posibilitando además ponderar al cuerpo como una producción textual dado el peso que se puso en la descripción del mismo mediante estrictas descripciones de síntomas, patologías y conformaciones del mismo. Incluso del de las mujeres haciendo notar los autores sobre la necesidad de indagar más sobre ellas en la vida reduccional –aunque, como señalamos, no contamos aún con demasiados trabajos al respecto.

Da Silva y Lourenço, por su parte, analizan el periódico Mensageiro do Coração de Jesus; publicación utilizada como tribuna para formular críticas contundentes a la sociedad laica y sobre todo al modelo de Estado laico que Brasil poseía. Desde aquella publicación los jesuitas llamaban la atención sobre la relación conflictiva que existía entre religión y política, lo cual se había manifestado por medio de una turbulenta convivencia entre distintas expresiones confesionales hasta la conformación del Estado republicano. Cuestión que señala, claramente, cómo la Compañía de Jesús, a su regreso a Brasil, durante la segunda mitad del siglo XIX, fue un actor que detentó una fuerte impronta modernizadora al indicar cuáles aspectos conflictivos necesitaban corregirse, desde su criterio, para alcanzar el desarrollo y modernización del país. Esta ingerencia en la discusión sobre la convivencia de múltiples expresiones religiosas, sin lugar a dudas, es por demás importante de ser considerada no sólo como un aspecto del pasado sino como una clave analítica para proponer salidas a problemas que se encuentran presentes en la actualidad de nuestros países. Los mismos que cobran materialidad cuando algunas voces alzan críticas sobre el accionar de la Iglesia Católica y desde algunos sectores de la sociedad se quiere acallar formas de expresar dichas críticas impidiendo, en buena medida, una convivencia fundada en la multiplicidad de aquellas expresiones religiosas que conviven bajo el paraguas de la forma de Estado-Nación actual.

Cierra este Dossier una Entrevista realizada vía Skype a nuestro amigo y colega Prof. Dr. Alexandre Coello de la Rosa; Profesor Agregado en el Departamento de Humanidades en la Universidad Pompeu Fabra, de Barcelona (España). Autor de reconocidas investigaciones sobre el accionar de la Compañía de Jesús en Perú, Manila, Filipinas así como sobre Antropología Histórica y temas tan controversiales como actuales y polémicos: la corrupción. En esta oportunidad podemos acceder a algunas reflexiones de tan prestigioso y egregio investigador sobre el quehacer historiográfico vinculado a la Orden así como nos aporta prolíficas sugerencias para el trabajo a futuro tanto sobre el devenir de las investigaciones sobre la Compañía de Jesús así como sobre los mundos indígenas americanos. Por eso es que invitamos a leerla con el mismo placer que para nosotros significó realizarla. Contar con miradas de especialistas que colocan su interés sobre porciones del territorio consideradas marginales, en su tiempo, por la Compañía de Jesús, hace posible poner a prueba la idea de globalidad y circulación de saberes que anima la discusión historiográfica más reciente.

Notas

3. MORALES, Martín María. A mis manos han llegado. Cartas de los PP. Generales a la antigua Provincia del Paraguay (1608- 1639). Monumenta Historica Societatis Iesu. Nova Series, vol. I, Universidad Pontificia Comillas, Institutum Historicum Societatis Iesu, Madrid-Roma, 2005. La idea de una ‘escritura para mostrar’, hace referencia a una de las Instrucciones que Polanco, SJ, en 1547, exponía en sus Reglas acerca del Escribir para los de la Compañía. Allí se hace referencia a que el contenido de la documentación general remitida por los miembros de la Orden a sus superiores debía de manifestar el registro de acciones edificantes, o algunos avatares propios de la experiencia reduccional, que no comprometieran a la Compañía de Jesús ante alguna autoridad que pudiera sentirse cuestionada por los juicios de los ignacianos. Toda aquella información crítica hacia alguna persona o política implementada a contramano de los intereses jesuíticos debía de hacerse circular mediante hijuelas. Escritos que debían de remitirse por separado de la correspondencia ordinaria. Por ello no debe de olvidarse que la escritura institucional de la Compañía de Jesús es sólo un registro sesgado de los acontecimientos que narra.

4. Sobre este aspecto particular sugerimos consultar Palomo (2016).

5. Fernando Torres-Londoño nos recuerda que la Compañía de Jesús “nasceu e se estendeu no século XVI a quatro continentes sob o dominio da escrita” (TORRES LONDOÑO, 2002, p. 13). El propio fundador de la Compañía de Jesús, en las Constituciones, llamaba la atención sobre el hecho de que la “unión de los ánimos” se vería favorecida por medio de la escritura así como la uniformidad de vida y doctrina. Juan Alfonso de Polanco, secretario de Loyola, quién escribía en su nombre, instruyó a los jesuitas a que mantuviesen una práctica epistolar entre sí y con las autoridades de la Orden; entendiendo a la práctica epistolar como un medio de edificación y mutua consolación.

Referências

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Maria Cristina Bohn Martins – Professora Doutora. UNISINOS. E-mail: mcris@unisinos.br

Carlos Daniel Paz – Professor Doutor. FCH-UNCPBA. E-mail: paz_carlos@yahoo.com  e ychoalay@gmail.com

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Temas sociais controversos e aprendizagem histórica: desafios contemporâneos / Antíteses / 2018

As pessoas tentam, mas a história difícil não é facilmente descartada: o lugar dos temas controversos no ensino de história

A eficácia da formação social e cívica da História tem sido indicada como um dos objetivos mais desafiadores em debates recentes de historiadores do mundo inteiro, como atestam, por exemplo, os trabalhos de Mattozzi (1998). Analisando a realidade italiana, o autor dedica particular atenção ao que ele chama de uma “cultura manualística”, incorporada pelos professores, a qual tem sido responsável pela falência do ensino de história, em que pese as diferentes propostas de reformulações curriculares com indicações e sugestões de caráter inovador. No Brasil, a “cultura manualística” tem adotado uma estrutura narrativa que reproduz uma fragmentação histórica a partir de determinadas leituras dos textos historiográficos e reprodução de documentos, dificultando uma contextualização articulada do conhecimento da história, a organização de um sistema de pensamento histórico e a tomada de consciência da disponibilidade de diferentes interpretações sobre o passado.

Permanece ainda, e com algum vigor, um ensino de História centrado em perspectivas canônicas, que foram sendo legitimadas como verdadeiras, por meio de propostas e diretrizes curriculares e seu correlato, o manual didático de história. Em pesquisa sobre cadernos de história de alunos do ensino fundamental, Grendel (2009), observou esta relação, presente em conteúdos trabalhados por uma professora de história durante um ano letivo: Decadência, divisão e declínio do Império Romano; Como surgiu a Sociedade Feudal; A vida cotidiana na Europa Medieval; O fim da Idade Média; O tratado de Tordesilhas; O Renascimento; A questão das indulgências; A Reforma Luterana: Católicos e Protestantes (séc.XVI); Contrareforma; Mercantilismo; Sistema Colonial; A primeira riqueza a ser explorada no Brasil; O início da colonização do Brasil; As Capitanias Hereditárias (GRENDEL, 2009, p. 138). Esses conteúdos canônicos da história têm sido didatizados a partir de objetivos prédeterminados, indicativos do desenvolvimento de habilidades cognitivas universais.

Em conferência proferida no XI Seminário Internacional de Educação Histórica, realizado em Curitiba, em novembro de 2018, o historiador Ivo Mattozzi considera que a maneira como a História Geral tem sido abordada em propostas curriculares e manuais didáticos, a partir de visões canônicas que excluem temas contemporâneos e articulações com a história local, contribuiu para torná-la um dos temas da “história difícil” do ensino e aprendizagem histórica dos jovens alunos. Uma das principais razões apontada é a exclusão de temas significativos da história mundial, nacional e local, relacionados com a história traumática dos diferentes grupos.

No trabalho publicado em 2011, o pesquisador alemão Bodo von Borries, sistematiza entrevistas realizadas com jovens estrangeiros que viviam em Berlim. Uma das respostas destacada pelo autor, diz respeito à história da Alemanha nazista. Um jovem responde: “Hitler é problema de vocês, não é nosso”! Ao mesmo tempo, uma jovem, um dia após assistir um filme sobre o holocausto, comentou

Aquele dia não suportava falar com ninguém. Apenas conseguia olhar para os professores, no dia seguinte me custava muito olhar para as pessoas na rua, sentia vontade de vomitar. Me afetou muito. Me alegrava não ser um deles, estava contente de ser turca. Tenho medo de que, como muçulmana, possa ocorrer o mesmo que aconteceu com os alemães judeus (BORRIES, 2011, p. 66).

Como reagem os jovens frente aos temas difíceis da história geral e nacional? Será que o fator emocional interfere na maneira como eles constroem relações com o passado? Até que ponto? As dificuldades, principalmente de natureza ética, seriam empecilhos para a aprendizagem de temas considerados difíceis da História? Como definir o que seria “história difícil”?

Caminhando em direção a uma definição do que é a “burdening history – “história pesada” – Bodo von Borries (2011) afirma que esta perspectiva inclui o sentimento de culpa, responsabilidade, vergonha e luto, mas que estas questões necessitam ser apreendidas, levando-se em conta determinados problemas.

No que diz respeito ao sentimento de culpa, este não pode ser considerado como algo que envolva punição individual ou coletiva, mas um dar-se conta em relação a determinados feitos do passado, sem que ocorra uma transferência de culpa e envolvimento de pessoas ou gerações futuras, pois isto pode ser considerado algo ilógico e arcaico. Com relação ao sentimento de responsabilidade, isto não significa que membros de gerações posteriores, que nasceram em países onde foram cometidos crimes contra a humanidade, estejam desconectados de alguma especial relação com o passado, ou não estejam envolvidos, diferentemente de outras pessoas no mundo. Para o autor, mesmo que ninguém possa herdar a culpa por um crime, ele ou ela podem herdar as consequências, os custos do crime. Isto pode ser chamado de responsabilidade.

A vergonha é um sentimento muito forte e desconfortável e a tentação de escapar da vergonha é também forte e isto inclui aproximações e distanciamentos, ao mesmo tempo, na relação presente e passado. Outro sentimento decisivo, no caso da história carregada ou pesada, é o luto e há que se perguntar que elementos constituem o sentimento do luto, no caso da história. O autor cita o exemplo do Holocausto, a quem os jovens alemães contemporâneos lamentam e estão de luto. Inclui temas como o assassinato de judeus e escravos – ou a honra, a auto- imagem, o território dos seus antepassados, perdidos. Uma das importantes perguntas a ser feita é -O que e quem é lamentado? (BORRIES, 2011).

Segundo Bodo von Borries, aprender história não é um processo cognitivo solitário, mas também envolve emoções e julgamentos morais. Assim, interligar e conectar certas peças do passado pode ser importante, mas não é suficiente. A questão é como construir uma narrativa convincente e válida e como manusear seus efeitos para o presente e, neste caso, o ato mental de assimilar, digerir e superar histórias pesadas é decisivo.

A contemporaneidade do debate acerca da “burdening history” ou história pesada pode ser avaliada pela sua adoção como temática do congresso organizado pela American Educational Research Association (AERA) – Research on Teaching and Learning Difficult Histories: Global Concepts and Contexts, realizado em 2015, na HUNTER, City University of New York. As organizadoras do evento, Terrie Epstein e Carla Peck optaram pelo conceito de”histórias difíceis”

[…] queremos dizer narrativas históricas e outras formas (padrões, estruturas curriculares, memórias históricas de aprendizagem) que incorporam dolorosos, traumáticos e / ou violentos eventos nas narrativas regionais, nacionais e globais do passado. Ensino e aprendizagem de histórias difíceis estão entre as questões mais sensíveis no ensino de ciências humanas, ainda necessárias para a reconciliação e judiciosa participação cívica. Pesquisas acerca do ensino e aprendizagemde histórias difíceis não só podem ajudar a entendimentos históricos contemporâneos mais alargados e aprofundados dos jovens. Elas também podem realçar suas identidades cívicas, como eles aprendem a compreender, refletir e agir sobre as complexidades do mundo de hoje cada vez mais interdependentes (EPSTEIN; PECK, 2015, p. 112).

Se para Bodo von Borries, a preocupação com a formação cívica não está presente nos pressupostos e fundamentos da “burdening history”, para as autoras esta é uma temática importante, bem como as relações entre estes debates e a formação das identidades. A proposta dos trabalhos apresentados no evento de 2015 envolve uma pluralidade de temáticas acerca do que foi chamado de “história dificil”. Entre os temas contemplados pelas  investigações, pode ser citado, entre outros,o trabalho de Goldberg (2015), “On Whose side are you?”. O autor faz uma análise do contexto do ensino de história em Israel e conclui que o tema do Holocausto é abordado com grande entusiasmo, enquanto que o sofrimento dos Palestinos provoca reações de defensiva.

Como se pode observar em vários países do mundo, temas relacionados à chamada história dificil têm sido objetos de debates e discussões políticas. Na França, por exemplo, na década de 1990, após a unificação européia, uma matéria sobre o ensino de História, publicada no Brasil, pelo jornal Gazeta Mercantil, afirmava que

[…] as crianças francesas aprendem agora na escola que o sobrinho de Carlos Magno, Orlando, foi emboscado nos Pirineus pelos bascos, e não, como aprendiam antes, pelos mouros. Reconhece-se a existência de outros países e culturas, mas as crianças não são suficientemente estimuladas a pensar sobre como os mesmos fatos podem ter significados diferentes para pessoas diferentes (GAZETA MERCANTIL, 1997, p. 4).

Uma das questões mais polêmicas do ensino de História, na Argentina, diz respeito ao tema da Guerra das Malvinas. Em entrevista publicada no Suplemento Mais, do jornal Folha de São Paulo, em 2004, o historiador argentinoJosé Luis Romero, evoca a complexidade deste tema na consciência histórica dos argentinos

É uma questão deixada entre parênteses por causa de nossa história política recente. A democracia argentina nasceu graças à derrota nas Malvinas. Com ela, o Exército derrubou a si mesmo. E a pergunta que deveríamos ter feito, mas não fizemos para que não existisse divisão de opiniões, é o que desaprovamos naação do Exército? Desaprovamos o fato de terido à guerra ou de tê-la perdido? Ninguém quis discutir isso porque era importante manter uma unidade de forças sociais contra os militares, e essa pergunta dividiria opiniões. Precisamos saber se seguimos acreditando que as Malfinas são nossas por razões históricas. É muito inquietante dar-se conta de que não falamos sobre isso. Assim, não se pode descartar que um general louco em algum momento volte a reivindicar as ilhas e nos arraste a um novo conflito (ROMERO, 2004, p. 17).

O tema Guerra do Paraguai tem preocupado, não somente pesquisadores e professores de História, mas também influenciado as relações culturais entre diferentes países e governantes. Em 2015, durante viagem ao Paraguai, o Papa Francisco, no sermão que proferiu no santuário da Virgen de Caacupé, cidade de Caacupé, afirmou que a Guerra do Paraguai foi um conflito “injusto”, devido à dizimação de mais da metade da população do país. Ademais, disse o papa, é graças ao valor e abnegação, principalmente das mulheres paraguaias, que foi possível levantar o país derrotado, porque– Vocês têm a memória e a genética dos que reconstruíram a vida, a fé e a dignidadedo seu povo (Disponível em: www1.folha.uol.com.br / mundo / 2015 / 07 / 1654559. Acesso em: 11 jul. 2015).

Nesse particular, concorda-se com o historiador Bodo Von Borries, para quem o problema do ensino de História na contemporaneidade deve levar em conta, principalmente, a construção de formas de se pensar historicamente diferentes contextos, que envolvem questões de raça, língua, idade, sexo, religião, cultura, região, classe, poder, riqueza, profissão, consumo, estilo de vida e mentalidade.

No Brasil, temos assistido uma luta histórica e polêmica em torno de propostas para a inclusão de temas controversos no ensino de História. Na década de 1980, no contexto da reconstrução democrática do país, tornou-se público o chamado Projeto CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que introduzia o ensino da história a partir de temas como trabalho e terra. A reação conservadora manifestou-se pela chamada grande imprensa, como atesta uma das manchetes publicadas no mês de julho, no jornal Folha de São Paulo, na qual se afirmava que, com a proposta curricular da Cenp, “A história será reduzida a dominação e resistência”, e isto substituiria o conhecimento pela pura ideologia (HISTÓRIA…, 1987). Um velho discurso hoje revisado pelos movimentos conservadores, à época, já recebia crítica de historiadores como Carlos Guilherme Mota, da USP, que opinava, no mesmo jornal

Este pode ser um ponto de partida para que a Universidade ajude a instaurar a verdadeira revolução cultural, ajudando a meditar sobreas questões de formação histórica desta sociedade que, queiramos ou não, está no Terceiro Mundo. Toda reforma curricular voltada para, por exemplo, História da América Latina, da África e da Ásia, ainda em detrimento de temas mais distantes, como a História do Egito, pode ser até positiva (MOTA, 1987, p. A17).

No entanto, ao que consta, o termo “história difícil” foi utilizado publicamente no Brasil na entrevista concedida pela historiadora Lilia M. Scharcz e pela antropóloga Heloisa M. Starling, autoras do livro Brasil, uma biografia, editado em 2015. Em entrevista à revista TRIP as autoras apontam o que consideram alguns momentos tensos e de vergonha na história do Brasil.(As setes maiores vergonhas do Brasil, 10 / 07 / 2015). Os episódios selecionados pelas autoras foram: 1. Genocídio das populações indígenas; 2. O sistema escravocrata; 3. A Guerra do Paraguai; 4. Canudos; 5. Política do Governo Vargas; 6. Centros clandestinos de violação dos direitos humanos; 7. Massacre do Carandiru. A partir de outros critérios, poderse-ia selecionar episódios como os conflitos de terra e os ataques contra minorias homossexuais que têm se espalhado pelo Brasil. Ademais, a história da discriminação racial seria um tema a ser incluído na história difícil do país.

Assim como no Brasil, em vários países do mundo, na segunda década do século XXI, o ensino de História tem enfrentado, de forma sistemática, pressões e intervenções oriundas do fortalecimento da agenda conservadora. Isto inclui, entre outros, formas de censura à presença e ao tratamento de temas controversos na educação histórica das crianças e jovens. Assumir o desafio de agir em consonância com a nossa responsabilidade face à função social da História, em direção à formação para a cidadania e democracia e à construção de uma sociedade mais justa, significa também contribuir para tornar público esse debate. Portanto, e utilizando uma espécie de figura de linguagem – é “difícil” descartar a inclusão da história “difícil” como conteúdo a ser trabalhado no ensino de história. Se, alguns tentam descartá-los, a contribuição dos trabalhos, apresentados no presente dossiê, é fortalecer o debate e a luta pela sua inclusão.

No artigo que abre o dossiê, algumas formas e a natureza das pressões que visam descartar certo tipo de conteúdo no ensino de História em nível internacional são apresentadas pelo pesquisador Christoph Kohl, do Instituto Georg Eckert para a pesquisa internacional de livros didáticos (GEI), da Alemanha. No artigo Populismo, mídia educacional e escolas em tempos de crise e utilizando a perspectiva descritiva / analítica, explicita algumas relações entre a popularidade crescente dos partidos e movimentos políticos populistas, tanto na Europa como em outros países, e as interferências na educação, particularmente no setor de manuais didáticos. Segundo afirma, “gostaríamos de discutir como os discursos hegemônicos são contestados pelos populistas, caso e em que medida eles tentam influenciar e reconstruir a identidade e a história, e as estruturas do escolar, através da educação, contra as tradições anteriores ou prevalecentes e como eles – para esse propósito – influenciam a produção de mídia educacional.

Dentro das discussões mundiais em que o mundo tanto vinca o que nos distingue, o que nos diferencia, num quadro que reflita mais acerca do que nos une a historiadora, Marilia Gago professora da Universidade do Minho e Investigadora do CITCEM , Faculdade de Letras da Universidade do Porto ambas em Portugal, no artigo intitulado Ser Professor de História em tempos difíceis início de um processo formativo” destaca partir de uma pesquisa realizada com futuros professores de História a relevância de se compreender como um processo de formação pode contribuir para o desenvolvimento profissional e pensamento histórico, a partir da necessidade de um novo olhar acerca do ser humano e da concepção da História. Segundo a pesquisadora na investigação emergiram ideias que se pautam por uma lógica de profissionalismo gerencialista e perspectivam a História como o campo que forma cidadãos, ideias que sugerem estar em rota com demandas externas veiculadas por entidades e agendas políticas

Na esteira das discussões encetadas por Ivo Mattozzi, acerca do que chama de “cultura manualística”, está o artigo História, Livro Didático e Formação Docente: Produção, Limites e Possibilidades, do historiador Erinaldo Cavalcanti, do PPGHIST, da Faculdade de História  e do mestrado interdisciplinar da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Ele apresenta resultados de pesquisa sobre como o livro didático é problematizado no decorrer do processo de formação inicial de professores, nos cursos de licenciatura de universidades do Norte e Nordeste do Brasil e, um dos resultados que aponta é que “as matrizes curriculares têm praticamente ignorado as reflexões sobre os livros didáticos como principal instrumento de trabalho do professor de História.

Dois pesquisadores da Universidade Estadual do Centro-Oeste- Unicentro-PR, os doutores Danilo Ferreira da Fonseca e Geyso Dongley Germinari, assumiram o desafio de incluir um tema da “burdening history” como objeto de pesquisa e reflexões. Em seu artigo História difícil e etnocentrismo: o ensino de história e o genocídio de Ruanda na web eles abordaram, corajosamente, não somente um tema contemporâneo traumático – o genocídio de Ruanda, mas também a sua articulação com um dos mais desejados meios de informação dos jovens alunos, a rede mundial de computadores (web).

A pesquisadora Rita de Cássia Gonçalves, da Universidade Tuiuti do Paraná, aborda a mesma problemática, desta feita tomando aspectos de um passado recente da história do Brasil, o período da Ditadura Militar, no artigo O passado e a história difícil para o ensino e aprendizagem da História. O objetivo da autora foi tecer considerações sobre o ensino da História e mostrar como “a aprendizagem histórica pode superar um tipo de pensamento maniqueísta, implantado durante os governos militares, que ainda se encontra presente, e necessita de espaço para que seja superado no ambiente escolar e abra possibilidade para a discussão e debates que possibilitem o desenvolvimento de argumentações sobre temas controversos”.

A partir de um recorte específico, não apenas levando em conta o tema da história difícil, mas, especialmente, o período da Ditadura Militar, em que se tornou “difícil” ensinar e aprender História nas escolas, a pesquisadora Dra. Elisiane Soares, do PPFHIS / UCS e PPGEDU / UCS, juntamente com a mestranda Eliana Rela, analisam as influências do pensamento norte-americano na constituição da proposta de Estudos Sociais, que substituiu, parcialmente, o ensino de História no Brasil, no artigo Estudos sociais para crianças numa democracia: prescrições didáticas para o ensino de história sob o prisma norte-americano.

Por meio de original pesquisa de cunho longitudinal, utilizando intervenções em diferentes momentos, as pesquisadoras Doutora Maria da Conceição Silva, da Universidade Federal de Goiás e a mestranda Enelice MiIlhomem Jacobina Teixeira, professora de História da rede municipal de ensino de Goiânia, apresentam o artigo Charlie Hebdo: Consciência histórica sobre intolerância religiosa de estudantes de Goiânia. A originalidade reside, não somente na metodologia de investigação adotada, mas também na temática, a qual diz respeito a um acontecimento da história do presente, articulada à intolerância religiosa, analisado a partir da utilização de charges.

Dentro do mesmo contexto da relação com a prática de sala de aula, está o artigo Professores pesquisadores e o desafio de trabalhar com a história difícil: uma experiência de estágio supervisionado produzido pelas pesquisadoras doutora Adriane de Quadros Sobanski, do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica, da UFPR e professora de história da rede estadual de ensino do Paraná, junto com a estagiária Camila Quadros, do curso de História da mesma universidade. Trata-se de uma pesquisa-ação, em que o trabalho desenvolvido em sala de aula com temas da história difícil, permitiu, segundo as autoras, ressignificar a função dos professores de História como pesquisadores e produtores de conhecimento nas escolas.

O artigo A banda desenhada histórica como um recurso pedagógico no ensino da História do pesquisador Tiago Cardoso, mestre pela Universidade do Minho, e da pesquisadora doutora Glória Solé, professora da mesma universidade, apresenta elementos importantes para a utilização da “banda desenhada” (ou história em quadrinhos em português do Brasil) no ensino e aprendizagem da história de temas controversos. Nas palavras dos autores, “A análise dos dados recolhidos permitiu-nos concluir que a utilização de Banda Desenhada Histórica contribuiu para o desenvolvimento da compreensão histórica nos alunos e promoveu o desenvolvimento de várias competências específicas em História, como a leitura e interpretação de fontes diversas e com mensagens divergentes, bem como competências transversais, ao nível da comunicação (área do Português e das Expressões).”

Os diferentes artigos que compõem o presente dossiê são indiciários da importância da aprendizagem da história difícil. Ademais, indicam que a aprendizagem dessa história não é apenas um processo cognitivo de aquisição de conteúdo, mas envolve um trabalho de autoconhecimento matizado por emoções, percepções estéticas e julgamentos morais. Isto porque as relações entre a cultura histórica de cada época e o ensino de História trazem consequências que envolvem questões decisivas em relação às dimensões políticas, cruciais para os processos de seleção e do agir humano. Assim, mesmo que pessoas conservadoras tentem descartar a história difícil, isto não é uma tarefa fácil. Vale conferir o que dizem os autores do presente dossiê.

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Maria Auxiliadora Schmidt – Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná; coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica-LAPEDUH / PPGE / UFPR; pesquisadora Cnpq. ORCID 0000-0003-4820-59 E-mail: dolinha08@uol.com.br

Marlene Cainelli – 2 Professora e Pesquisadora dos programas de pós-Graduação em História e Educação da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: cainelli@uel.br

Pedro Miralles – Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de Murcia, Espanha. ORCID: 0000-0002-9143-2145. Email: pedromir@um.es

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Fotografia, Cultura Visual e História: perspectivas teóricas e metodológicas / Estudos Ibero-Americanos / 2018

Nos últimos 25 anos a fotografia consolidou-se, no campo dos estudos históricos, como fonte de pesquisa e objeto de análise. Ultrapassamos uma história da fotografia, tradicionalmente, concebida como história da técnica ou do gênero fotográfico, para incorporar as dimensões de prática social e de experiência histórica associadas aos modos de ver, dar a ver e representar fotograficamente o mundo social. Os dispositivos óticos associados à visão, os espaços de sociabilidade em que se desenvolveu uma cultura visual cada vez mais complexa, contemplando públicos e observadores com objetivos e propósitos diferentes, passaram a integrar as problemáticas de pesquisa história. As noções de visualidade, a ideia de observador, de público, de prática fotográfica, de experiência visual se tornaram familiares à oficina da História, embora o mundo das imagens não seja desprovido de conflitos, ganhamos muito com a adesão das imagens à causa historiográfica.

Os artigos reunidos nesse dossiê se debruçam sobre a relação entre fotografia e história em diferentes chaves de abordagem. Um primeiro conjunto de artigos aborda questões associadas aos debates teóricos, metodológicos, filosóficos e estéticos. A esse primeiro grupo de questões fundadoras se desdobram abordagens que se dedicam a compreender os percursos de algumas fotografias em seus deslocamentos no mundo das imagens, nos levando para os universos onde as imagens habitam e ganham materialidade, fotolivros, revistas ilustradas, séries fotográficas e exposições. Ressalta-se, entretanto, que na riqueza das diferentes abordagens que compõem o dossiê reside a sua melhor qualidade.

Os estudos sobre os gêneros fotográficos ganham especial atenção no artigo de John Mraz, “Analysing Historical Photographs: Genres, Functions, and Mehodologies”. Na proposta de Mraz, a análise histórica desempenha papel fundamental na definição dos gêneros fotográficos por meio da diferenciação das situações em que as fotografias foram produzidas. Na perspectiva do autor, trata-se de compreender que o fotojornalismo como um gênero se apresenta em diferentes funções: fotografia de imprensa, fotojornalismo, documentalismo e foto-ensaio, impondo a análise histórica como condição para que não se confunda gênero fotográfico com a sua função.

Em “Fotografia e Antropogenese: o melhor amigo do homem”, Mauricio Lissovsky nos proporciona uma reflexão singular sobre homens e cães. Escreve no ritmo das analogias visuais e vai buscando para cada um dos sintomas da imagem que permite a comparação, uma história, uma narrativa que afasta a semelhança entre os duplos nos remetendo para novas imagens. O resultado disso é uma fabulação em que a imagem se torna sujeito de uma aventura, em que humanos e caninos se duplicam e transmutam-se, revelando situações extraordinárias. Em suas reflexões a câmera fotográfica como máquina antropológica, segundo Agamben, desvelaria a humanidade de cada sujeito fotografado.

No potencial teórico-metodológico da fotografia de moda assenta-se a base de argumentação de Maria do Carmo Rainho em “Imagens encenadas? Atos performativos e construção de sujeitos nas fotografias de moda”. Sua reflexão apoia-se em uma larga trajetória com pesquisas sobre vestuário, circuitos de moda e representação do corpo tendo a fotografia como fonte e objeto de análise, o que a possibilita traçar percursos possíveis para pesquisas em que a fotografia de moda ilumine questões sobre a sociedade que a produz e a consome. O valor epistemológico dos estudos sobre imagem da moda, na concepção de Rainho, reside em tomar sua dimensão estética como agente de representações sociais, o que permite transcender o valor utilitário da moda como mercadoria, e da fotografia de moda como ilustração.

Nos deslocamos das questões teóricas e metodológicas operadas em marcos mais amplos, para a análise de trajetórias de imagens particulares e individualizadas. No artigo, “Circuitos e potencial icônico da fotografia: o caso Aylan Kurdi”, as pesquisadoras Solange Ferraz de Lima e Vania Carneiro de Carvalho tomam a fotografia de Aylan Kurdi, produzida pelo fotógrafo Nilfüfer Demir, como ponto de partida para refletir sobre a materialidade da imagem na era digital, seu potencial icônico e sua capacidade de guardar marcas do acontecimento registrado. O exercício de análise apoia-se na consagrada abordagem de Ulpiano Bezerra de Meneses, em uma das suas brilhantes referências para o estudo da imagem, em especial, da imagem fotográfica. Entretanto, mais do que fazer valer uma metodologia de análise fotográfica, as autoras nos proporcionam uma profunda reflexão sobre o papel da imagem na cultura contemporânea das mídias digitais em rede.

Os estudos visuais sobre fotografia, em chave interdisciplinar, se fazem presentes na abordagem de Cleopatra Barrios e Mariana Giordano, em “Violencia, memoria y mito. Espectacularización de la muerte en la fotografía de Isidro Velázquez (Argentina)”. Em sua análise, a espetacularização da morte e da violência são operados por meio do estudo da relação entre fotografia pública, representações iconográficas do corpo morto e a cultura visual Latino-Americana. Avalia-se os circuitos e os percursos das fotografias de Isidro Velázquez de registro policial à santificação popular.

Ainda na linha das trajetórias das imagens se insere a abordagem de Marcos Felipe de Brum Lopes, no artigo “Migrantes e fantasmas: imagens e figuras de Benjamin Constant”. A imagem heroica do fundador da República Benjamin Constant é analisada pelo autor através do mapeamento das trajetórias das figuras de diferentes tamanhos e formatos em que essa imagem foi materializada. Ao analisar os significados históricos das imagens em trânsito por diferentes suportes, Lopes, defende a ideia de que o movimento positivista buscou configurar, no final do século XIX, um observadorcidadão, que acreditava no poder das imagens seculares e heroicas. Ponderar sobre o poder de mobilização das imagens em situação de crise política é o desafio que o artigo nos coloca ao final.

Das imagens dotadas de corpo para as imagensmeio, os artigos que se somam ao dossiê abordam um conjunto de questões que envolvem: os objetos-meios em que as fotografias circulam; o papel da imprensa na consolidação dos espaços públicos visuais; da fotografia como mensagem de amplo alcance; os circuitos sociais das fotografias e seus usos públicos. Em “Cornucópia visual mexicana: as fotografias do livro México seus recursos naturais, sua situação atual, 1922”, Carlos Alberto Sampaio Barbosa, analisa o discurso visual criado pelo corpo diplomático mexicano como forma de propaganda da cultura e da política do México no Brasil. A publicação em formato de livro, amplamente ilustrado com fotografias, foi elaborada como parte dos preparativos da comitiva mexicana na Exposição do Centenário da Independência do Brasil em 1922, constituindo-se uma narrativa visual sobre o México que se complementava com outros aspectos da participação mexicana no evento.

Em “Imagens da desigualdade em fotolivros do Rio de Janeiro: a visualidade na história de um conceito”, Maria Inez Turazzi reune a abordagem da história dos conceitos à da história visual para problematizar a natureza complexa das narrativas visuais e textuais que compõem os fotolivros. No caso em estudo, a cidade do Rio de Janeiro torna-se palco em que se encenam representações de desigualdade, o meio de circulação da mise-en-scène são livros-objetos, fotolivros, sobretudo um especialmente produzido sobre o Rio de Janeiro (Zauberhaftes Rio / Strolling through Rio, 1958) pelo fotógrafo alemão Hans Mann, como parte de seu trabalho sobre a América do Sul realizado entre as décadas de 1940 e 1950. Em sua análise, Turazzi busca problematizar a visualidade da pobreza na representação da “paisagem carioca”, compreendida nas dimensões de construção simbólica e patrimonial.

As revistas ilustradas merecem destaque no artigo de Cora Gamarnik, “La fotografía en la revista Caras y Caretas en Argentina (1898-1939): innovaciones técnicas, profesionalización e imágenes de actualidad”. A revista Caras y Caretas, publicação argentina, atua como plataforma para Gamarnik avaliar as profundas transformações que a imprensa passou com a introdução massiva de fotografias como forma de registrar as notícias, eventos sociais, políticos e acontecimentos em geral, atraindo novos leitores e ampliando seus públicos por meio da imagem. Paralelamente, a autora avalia as mudanças operadas na dinâmica da imprensa com a valorização da fotografia tanto como atrativo e estratégia de venda, como meio de figurar a modernização nacional e os conflitos políticos que esse processo envolveu. Apoiada em minuciosa análise das fontes, o estudo revela aspectos importantes sobre a consolidação sul-americana de um espaço público visual nos primeiros trinta anos do século XX.

O potencial indiciário da fotografia é explorado no artigo de Marco Antonio León León, “Pesquisas visuales – Representación e identificación criminal a través de revistas policiales chilenas (1934-1961)”, que tem como objeto três revistas publicadas pela Polícia de Investigação chilena entre 1934 e 1961. Em sua análise, León centra-se na seção “galeria de delicuentes” para descortinar os sentidos atribuídos visualmente aos criminosos e delinquentes para que o público pudesse identificar, em registro lombrosiano, os inimigos sociais. Em diálogo com as tradições francesas de identificação criminal, o autor avalia o papel da fotografia de registro criminal para a conformação de um discurso de controle social no Chile.

A fotografia humanista no pós-Segunda Guerra é o tema do artigo “As famílias dos homens. Os trânsitos do humanismo na fotografia internacional e brasileira”, de Erika Zerwes. Parte-se de uma das primeiras séries fotográficas realizada por Claudia Andujar, sobre famílias brasileiras (1960-62), para em registro comparativo com a série de fotorreportagens intitulada People are people the world over (1948-49) e a exposição Family of Man (1955), avaliar os percursos da fotografia humanista. As imagens em trânsito, movidas por impulsos diferentes, mas com o mesmo propósito: documentar a experiência humana fotograficamente. Da busca de compreender o outro por meio da linguagem universal da fotografia, no caso de Claudia Andujar, passando pelo registro de como viviam as pessoas mundo a fora, no caso da fotorreportagem publicada no Ladies’ Home Journal, e chegando ao apelo universalista da exposição do MOMA, afirma-se uma prática fotográfica de viés humanista, que nos leva a indagar sobre o destino das imagens em um mundo de contrastes e desigualdades em dimensões globais.

Nosso dossiê completa-se com uma entrevista com a historiadora da arte e professora Annateresa Fabris, enfatizando as relações entre fotografia, artes e estudos da imagem como parte da trajetória de uma das mais importantes autoras sobre o tema em âmbito nacional e, não seria exagero dizer, internacional. Concluindo-se com duas resenhas de livros voltados para a problemática da fotografia na pesquisa histórica e em arquivos – “Más allá de la simple imagen: fotografía e investigación” – e para a os itinerários históricos da fotografia na América Latina – “Notas sobre uma história da fotografia na América Latina”, escritos respectivamente por duas especialistas em estudos sobre a fotografia, Núria Rius e Carolina Etcheverry.

Boa leitura!

Ana Maria Mauad – Professora titular do Departamento de História e pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense (UFF. E-mail: anamauad@id.uff.br

Charles Monteiro – Professor adjunto do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: monteiro@pucrs.br


MAUAD, Ana Maria; MONTEIRO, Charles. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 44, n. 1, jan. / abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

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El camino filosófico de Hans Blumenberg. Fenomenología/ historia y ser humano | Pedro García-Durán

A poco más de dos décadas de la desaparición de Hans Blumenberg (1920-1996), el interés por su obra no ha hecho más que crecer. Gracias a la labor de edición póstuma y al trabajo ímprobo de archivo de los especialistas –sin olvidar el de traducción–, va completándose la imagen de su pensamiento y dejándose atrás aquella primera tan estereotipada que se centraba casi en exclusiva en la temática de los Paradigmas para una metaforología, pues nos encontramos ante una obra y un pensamiento de tal envergadura y riqueza temáticas que difícilmente se los puede circunscribir en exclusiva a esas coordenadas teóricas. Sus incursiones, por citar tan sólo algunas, en la fenomenología, la génesis de la modernidad, la historia de la ciencia, la astronoética o la antropología filosófica –muchos de cuyos resultados han ido viendo la luz solamente tras su muerte, como, por ejemplo, la monumental Descripción del ser humano (2006) o los fragmentos inéditos (aforismos, notas, artículos, conferencias, etc.), de los que se nos han brindado nuevas muestras en las recientes traducciones al español de Literatura, estética y nihilismo (Trotta, 2016) o Fuentes, corrientes, icebergs (FCE, 2016)–, revelan el alcance y la importancia de sus aportaciones al terreno filosófico. En el ámbito en lengua española, por otra parte, puede considerarse un hito en su recepción, interpretación y proyección la publicación del volumen colectivo editado conjuntamente por Faustino Oncina y Pedro García-Durán, Hans Blumenberg: historia in/conceptual, antropología y modernidad (Valencia, Pre-Textos, 2015). Leia Mais

Interculturalidad linguaje. Vol. II: Identidad cultural y pluralidad linguística | J. D. D. Luque Durán e A. Pamies Bertrán

Este volumen es el segundo de una serie dedicada a la interculturalidad desde el punto de vista lingüístico, que surgió a raíz del II Congreso Internacional sobre Lenguas y Culturas del Mundo (Granada 2006) y agrupó a especialistas de muchos países para debatir cuestiones muy variadas en tomo a esta problemática. En él se aborda la faceta social y sociolingüística de la confrontación de culturas diferentes entre sí.

La emergencia de sociedades multiculturales debido a rápidas y masivas migraciones es tal vez el problema de más evidente actuahdad, y a él se decía el trabajo de F. J. García Marcos Nuevos retos en la planificación del multilingüistno, así como los de Carole Viché {La langue: un passeport de migrant aux logiques múltiples‘), y Carme Silva Domínguez {La percepción de los distintos colectivos de inmigrantes en la Comunidad Autónoma de Galicia. Estudio de sus denominaciones en la prensa escrita). También se aborda la transferencia intercultural que directamente o indirectamente subyacen en la actividad de traducción, como bien desarrollan las ponencias de Emilio Ortega Aijanilla sobre ideología y traducción, de Ma José Sánchez Leyva sobre la significación como proceso de traducción intercultural. Un interesante diálogo se establece entre la percepción de la “otredad” cultural en cómo han visto los griegos a los demás pueblos (Stavroula Varella) y la percepción de la idiosincrasia propia (Glauco Vaz Feijó, sobre la “brasilidad”). Leia Mais

História, cinema e gênero: interseções nas telas / História Revista / 2018

Trabalhos de História-Cinema têm se avolumado no Brasil nas duas últimas décadas. Historiadores / as tomam o artefato audiovisual como fonte e objeto para analisar a representação do passado, os usos do passado, os lugares de memória, as encenações dos eventos e das trajetórias de personagens históricos nas telas.

Se, hoje, já é possível cartografar o campo de estudos nessa chave, no país, que compreende simpósios específicos e em eventos acadêmicos de abrangência nacional e internacional, além de teses e dissertações – produzidas em diferentes departamentos acadêmicos brasileiros – e outras publicações especializadas, os estudos de História-Cinema que se voltam mais detidamente para as questões de Gênero e sexualidade, que também reúnem certa produção, apesar de esparsa, têm adquirido corpo somente na última década.

A publicação deste dossiê, “História, cinema e gênero: interseções nas telas”, pela História Revista colabora para o preenchimento da lacuna historiográfica sobre a temática. Reúne artigos de pesquisadores (as) brasileiros (as) das áreas da História e da Comunicação que vem debruçando-se sobre artefatos audiovisuais, a fim de esquadrinhar suas possibilidades de análises, especialmente sobre as questões de gênero e sexualidade.

Do conjunto de textos, aqui reunidos, destaca-se a tendência de lançar luz sobre a produção cinematográfica de mulheres, de países como Estados Unidos, Cuba e Brasil. Outros dois artigos dedicam-se à análise de filmes, especificamente estadounidenses.

Os artigos sobre as cineastas e seus filmes dialogam com certa perspectiva da teoria feminista do cinema que, desde o final dos anos 1960, busca recuperar do esquecimento, quando não do ostracismo – produzidos por um campo marcadamente masculino que reproduziu (e ainda reproduz) valores retrógrados de inferiorização e exclusão das mulheres – cineastas e mostrar a relevância de suas cinematografias.

Neste dossiê, a designação autoria feminina no cinema não é aplicada diretamente, sendo que os textos apenas a tangenciam ao problematizarem a invisibilidade das mulheres em tal campo e ao analisarem suas obras fílmicas. Isso aproxima os textos da própria crítica feminista que, em diálogo com as teorias gerais sobre autoria, já alertou para a armadilha desse tipo de nomenclatura que pode remeter à ideia de naturalização do feminino, isto é, reiterar o escopo do determinismo biológico, que embasa a compreensão de que as diferenças entre homens e mulheres residem em certa essência biológica, seja genital, seja hormonal – desconsiderando, pois, que a definição de gênero resulta de construção social e, como tal, cultural e histórica, implicando, invariavelmente, relações de poder.

Faz-se necessário salientar, no entanto, que os estudos feministas também reconhecem que tal denominação reforça um aspecto político importante frente à ausência de uma expressão que dê conta de traduzir a questão que ela engendra, qual seja: o lugar assimétrico decorrente de relações desiguais de poder no campo da produção simbólico-cultural, que impingiram certa invisibilidade às mulheres cineastas e aos seus filmes.

Voltando aos textos. O artigo de Sandra Machado problematiza a História do cinema, concentrando seu olhar nos Estados Unidos e na Europa, para trazer ao público brasileiro a trajetória invisibilizada da cineasta Alice Guy-Blaché (1873-1968), que pode ser considerada, segundo a autora, uma das fundadoras “do cinema de ficção”. Ainda neste artigo é possível entrar em contato com as inovações técnicas, de estilo e com as temáticas abordadas por cineastas europeias como Leni Riefenstahl (1902-2003), Agnès Varda e Marguerite Duras (1914-1996). Em diálogo com as teorias feministas do cinema, Machado retoma as obras dessas realizadoras e de outras para observar como elas ousaram, inclusive ao estamparem nas telas o protagonismo de personagens femininas, sendo que, em alguns filmes, abriram espaço para a representação daquelas mulheres consideradas socialmente marginais, como, por exemplo, as lésbicas.

Ana Veiga, por sua vez, brinda os(as) leitores(as) com um artigo sobre a cineasta cubana negra Sara Gómez (1942-1974). Além de apresentar a diretora, a historiadora aborda como esta cineasta, inserida no denominado Novos Cinemas Latino-Americanos, mais especificamente no “Cinema Imperfeito” cubano, ligado à Revolução de 1959 e vinculado aos ideais socialistas, desenvolveu em seu filme, De cierta manera, lançado em 1974, a relação entre revolução e relações de gênero.

Outro artigo, de minha autoria, procura recuperar a trajetória da cineasta brasileira Vera de Figueiredo, que, em seu primeiro longa-metragem, de ficção, Feminino Plural (1976), não apenas rompeu com o cinema clássico, aproximando-se da tendência modernista e da experimentação, como apresenta certa leitura sobre a ditadura civil-militar em curso, estabelecendo diálogo com a historiografia do Brasil relativa ao período.

Já o artigo de Júlio Cesar Lobo volta-se para a análise fílmica de Retratos de guerra (1989) e Hemingway & Martha (2013), observando mais especificamente a representação da profissão de repórter-fotográfico de guerra exercida por personagem feminina. O texto, ao se concentrar na construção das protagonistas dos referidos filmes, suscita a discussão sobre as relações de gênero no jornalismo e em contexto de guerra, o que configura um tema atual e pouco discutido pelo público brasileiro.

Fechando o dossiê, o artigo de Miguel Sousa Neto e Aguinaldo Gomes aborda o filme Shortbus, de John Cameron Mitchell (2006). Os autores dirigem suas análises para o tema da corporeidade e, desse modo, analisam os afetos e desejos dos personagens, em meio ao contexto de globalização e de “amores líquidos” – ambientado no filme e no qual ele fora realizado.

Os (as) leitores(as) encontrarão, pois, um dossiê robusto sobre cinema e gênero, cujos artigos, mesmo quando não circunscrevem seus objetos diretamente à História, destacando aspectos próprios da disciplina, não prescindem de rigorosa contextualização sobre o período em que as / os cineastas realizaram seus filmes ou os ambientaram.

À coordenação da História Revista, aos (as) autores (as) participantes deste dossiê e aos (às) diferentes pareceristas e colaboradores (as) só me resta render sinceros agradecimentos, o que o público leitor(a), certamente, poderá reiterar.

Alcilene Cavalcante de Oliveira (UFG)

Organizadora


OLIVEIRA, Alcilene Cavalcante de. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 23, n. 1, jan. / abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

Innovación educativa desde la perspectiva tecnológica | Contextos – Estudos de Humanidades y Ciencias Sociales | 2018

Una de las características de Contextos es el hecho de que se ha concebido como un espacio de publicación de artículos procedentes de investigaciones variadas relativas a núcleos o a líneas de estudio, pertenecientes al amplio campo de las humanidades, de las ciencias sociales, de la educación, considerando, asimismo, trabajos de áreas afines.

En el 2018, la revista está cumpliendo veinte años de publicación ininterrumpida, con dos números anuales. En el caso de Contextos nº 41, a diferencia de las revistas anteriores, se ha centrado en un tema específico, al cual se refieren los diez artículos que la integran, a los cuales se suma una nota bibliográfica y una reseña. Leia Mais

A Profetisa e o Historiador: sobre A Feiticeira de Jules Michelet – TEIXEIRA (A)

TEIXEIRA, Maria Juliana Gambogi. A Profetisa e o Historiador: sobre A Feiticeira de Jules Michelet. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017. 312p. Resenha de: PEREIRA, Renato Fagundes. Por uma nova leitura de Michelet no Brasil.  Antítese, v. 11, n. 22, 2018.

No século XIX, algumas obras de Jules Michelet foram trazidas ao Brasil, isso se deve, em partes, ao sucesso de L’Oiseau (1857) em Paris, (onde estimava-se a venda de trinta e três mil unidades), embora a recepção de suas ideias tenha ocorrido principalmente na segunda metade do século XX, com as primeiras traduções das obras historiográficas e teóricas do movimento dos Annales (Lucien Febvre nunca negou o legado micheletiano em suas análises). A partir da década de 1970, as ideias de Michelet chegam ou por aqueles que discutiam a história e a metodologia dos Annales ou por aqueles que começavam a refletir sobre a crise dos paradigmas na historiografia -A presença de Jules Michelet é marcante nos livros de Peter Burke e Dosse sobre os Annales, por exemplo, e nos argumentos de Paul Veyne, Michel de Certeau, Jacques Rancierè e Hayden White sobre as ficcionalidades da história.

Muitos estudos foram publicados no Brasil, os quais assinalam a importância de Jules Michelet como precursor dos Annales, da história das mulheres, do povo e da cultura, mas, raros são aqueles que se esforçaram em compreender o historiador no movimento do seu próprio pensamento, no élan-criador do conhecimento histórico e na historicidade do próprio autor. Nesse sentido, não são exageros as palavras Jean-Michel Rey sobre a modéstia do subtítulo, A feiticeira de Jules Michelet, no recém-lançado livro A profetisa e o historiador de Maria Juliana Gambogi Teixeira.

A professora da UFMG retoma sua tese doze anos depois de sua defesa, são quase três décadas dedicadas a finco à pesquisa das ideias micheletianas, e nos proporciona uma leitura singular, inaudita, principalmente, entre nós, brasileiros, acostumados com a recepção do autor da L’Histoire de France, pelos herdeiros dos Annales. Essa distinção se assenta pelo vínculo de Gambogi Teixeira com o grupo formado por Paul Viallaneix e Paule Petitier. Esses dois especialistas na obra micheletiana realizaram nas últimas décadas um trabalho árduo de muita riqueza, descobrindo e publicando textos inéditos de Michelet, organizando coletâneas, bibliotecas e seminários – podemos destacar o seminário Michelet hors fronteires e a bibliothèque Jacques Seebacher, ambos com a coordenação da professora da Universidade Diderot, Paule Petitier.

O livro é dividido em três partes com dois capítulos cada um. A parte um, O Tenebroso Mar de La Sorcière é preciosa para compreender a trama que atravessa todo o livro: A Feiticeira, obra publicada por Michelet, em 1862. Enganar-se-ia quem imaginasse encontrar nessas páginas apenas a história de um livro. Trata-se de um esforço mais profundo, na tentativa de constituir no interior da obra monumental de Jules Michelet o caminho da feitiçaria como objeto, suas inflexões e seus delineamentos, durante mais de meio século de produção do historiador. A análise do próprio texto, A Feiticeira, se apresenta, principalmente, no capítulo dois, no entanto, ela não acontece fora de um solo, como gostava de afirmar o próprio Michelet, e sim dentro de um plano de imanência micheletiano, que só é possível por uma conhecedora dos arquivos e das ideias do século XIX.

A parte dois do livro, História ao Pé da Letra, representa uma contribuição das mais notáveis: a história da historiografia e a teoria da história. Gostaríamos de insistir na novidade dessa análise no Brasil e em textos em língua portuguesa. A autora retoma o vínculo entre Michelet e Vico, explorado desde o século XIX, para romper com ele e demonstrar no contexto das ideias o débito viconiano, enfatizando as rupturas e as criações micheletianas. A questão da lenda e da cultura popular, familiar ao romantismo, emerge no capítulo final dessa parte. Particularmente, os dois capítulos que fazem parte desse recorte são os quais a pesquisadora mais me surpreende pelo gênio de articulação e uma consistência de domínio teórico, cuja finalidade é estabelecer a relação entre o lendário, a história e o ficcional em Jules Michelet.

Na última parte do livro, Verso e Avesso da Narrativa, Gambogi conduz sua reflexão da obra micheletiana no movimento de mão-dupla: da constituição do seu pensamento, no esforço intelectual de escrever história, concentra-se na Feiticeira e no fenômeno da feitiçaria e no interior das questões pessoais, políticas e sociais enfrentadas pelo autor. Não por acaso, a tese da autora sobre La Sorcière passa pela associação de Jules Michelet com a Revolução de 1848, na França: Projetando tal hipótese sobre o cenário aberto por 1848, parece-nos possível pensar que, menos do que um interesse circunscrito em catalogar e diagnosticar o destino pontual dos movimentos revoltosos, o pensamento de Michelet tenha se voltado para, em La Sorcière para o que sempre fora seu centro: a condição de inteligibilidade da história moderna. Já há muito, o historiador fincara essa condição num campo de entendimento em que se conflitam dois princípios diversos, porém imbricados em seu destino: o princípio da Revolução e o princípio do cristianismo (p.203).

Renato Fagundes Pereira – Professor do Curso de História da Universidade Estadual de Goiás – UEG. -E-mail: renatofagundesp@gmail.com.

Manipulações midiáticas em perspectiva histórica / Revista Brasileira de História da Mídia / 2018

A Revista Brasileira de História da Mídia (RBHM), agora em sua 13ª edição, é parte do importante legado do professor José Marques de Melo, que nos deixou no último dia 20 de junho, cinco dias após completar 75 anos. Um dos criadores da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar), Marques de Melo foi protagonista na construção e consolidação desse campo de pesquisa no Brasil.

São inúmeras as suas contribuições para a área: a vasta e qualificada bibliografia, referência obrigatória para quem deseja estudar o tema; a criação de instituições de referência – além da Alcar, a Intercom, a Folkcom, entre outras tantas sociedades e grupos; a formação de professores e pesquisadores espalhados pelo Brasil e atuando também no exterior; e a internacionalização das pesquisas brasileiras são apenas algumas delas. Leia Mais

História, Matemática e Educação / HISTEMAT – Revista de História da Educação Matemática / 2018

Mediante a reunião de um coletivo de artigos produzidos por pesquisadores ativos em instituições de ensino superior que abrangem todas as regiões do País, trazemos no presente Número Temático da HISTEMAT uma amostra, a qual consideramos representativa de resultados de investigações na confluência de relações entre História, Matemática e Educação. Concordamos com Antonio Vicente Garnica, em artigo nesse número, quando este afirma que “[…] todo conhecimento é fruto de elaborações coletivas”. A partir de novos olhares, focos e temáticas diferenciadas, os autores refletem e exemplificam pesquisas realizadas tomando como fontes livros didáticos, fotografias, documentos manuscritos, a História Oral, trazendo a História da Matemática para a sala de aula, entre outros. Ubiratan D’Ambrosio relata que a partir de suas experiências internacionais, em 1976, teve a “[…] oportunidade para refletir sobre uma visão global, multicultural e multidisciplinar sobre a História da Matemática” e, assim, oportuniza com seu artigo intitulado O ensino da matemática elementar no Brasil que tomemos contato com as suas ideias daquela época. Andreia Dalcin com seu trabalho intitulado Fotografia, História e Educação Matemática: apontamentos para pesquisas sobre a cultura escolar aponta potencialidades do uso de fotografias como fontes na História da Educação Matemática. Ela aponta para a existência de variedade de possibilidades metodológicas: “[…] cabendo ao pesquisador decidir aquele que melhor atende a problemática da pesquisa e a sua sensibilidade”. Antonio Garnica em seu artigo intitulado Quase Memória: redizeres sobre a relação entre História e Educação Matemática afirma: “Eu penso que mais importante que as pesquisas que nós realizamos é o modo como essas pesquisas, ao serem realizadas têm ou não nos ajudado a formar professores”. Bruno Dassie, em seu artigo intitulado Analisar livros didáticos: trajetos e caminhos percorridos, objetiva mostrar percursos trilhados e interpretações nessas investigações. Ele enfatiza que “A constituição de acervos de livros didáticos, físicos ou digitais, ampliam a base documental para futuras pesquisas, bem como favorecem análises diversificadas”. O artigo de Claudia Lorenzoni em parceria com Ligia Sad intitulado História da Matemática e o “fazer matemática” na educação básica relata experiências de um fazer matemática na educação básica visando tornar professor e estudantes sujeitos atuantes da construção de conhecimento. Elas concluem: “Essa pode ser uma das grandes contribuições da História da Matemática na educação escolar […]”. Com o título As muitas mãos na escrita da História: a trajetória de um manual de Desenho do século XIX por meio de documentos manuscritos, Flávia Soares chama a atenção para a importância das fontes manuscritas na compreensão da educação no século XIX, no Brasil. Ela conclui que: “Embora esses documentos manuscritos necessitem de árduo trabalho de transcrição, que exige conhecimentos mínimos de paleografia, põe-se também o desafio de decodificar sua escrita, entendendo-a em seu contexto de criação, seus objetivos, suas tensões e suas intenções, tentando não estabelecer verdades definitivas, mas apenas parciais da história”. Maria Laura Magalhães no artigo nomeado Professoras que ensinaram matemática: memórias de Maria da Glória, Botyra e Felicidade conclui dizendo que “Focalizamos, nas memórias das professoras, outros componentes importantes de sua trajetória profissional: os papéis simultâneos de mãe e mestra, sua atuação além da docência nas comunidades em que trabalharam e o papel da religião católica”. O artigo de Michael Otte em pareceria com Luiz Barros intitulado Philosophy, Mathematics and Education analisa as relações entre História e Educação Matemática a partir de reflexões com apoio na Filosofia. Fazem uma crítica a Matemática Moderna dizendo que tanto ela quanto a lógica não produzem novas verdades na matemática. Concordando com Renê Thom, afirmam que nem a teoria abstrata dos conjuntos nem o estruturalismo de Bourbaki ou Piaget são adequados para introduzir a Matemática Moderna na escola. Concluem dizendo que “Perhaps more than any other practice, mathematical practice requires a complementarist approach, if its dynamics and meaning are to be properly understood”. No artigo intitulado Caracterização de saberes profissionais da Matematica para ensinar nos anos primeiros anos escolares: anotações metodológicas de Neuza Pinto em parceria com Bárbara Moraes, as autoras contribuem para uma discussão sobre aspectos teóricos das investigações em História da Matemática. Elas afirmam que: “Recorrendo à base teórica da sócio-história, o estudo conclui que os aspectos teórico-metodológicos problematizados apontam para a eficácia da parceria da história com a sociologia quando se trata de desnaturalizar conceitos arraigados nos modos de compreender a natureza dos saberes profissionais dos professores”. Rosilene Machado e Cláudia Regina Flores escrevem o artigo com o título: Da emergência do desenho como disciplina escolar: o território das artes como lugar de parada. Com ele, elas objetivam analisar como práticas de desenhar integraram o rol de conteúdos da disciplina de desenho na escola básica. A exclusão da disciplina de desenho é analisado pelas autoras e elas concluem: “[…] parece evidente que algumas disciplinas tivessem que ser substituídas; nessa ‘dança de cadeiras’, perderam aquelas cuja função de fabricação de corpos dóceis era mais intensa (tal como o desenho); ganharam, claramente, aquelas que se prestaram melhor à produção de corpos flexíveis. Trocou-se, assim, a ‘rigidez’ das réguas, esquadros e compassos pelo dinamismo dos programas computacionais…”. Os números decimais expostos no La Disme: atividades matemáticas como práticas sociais de autoria de Rosineide Jucá e Pedro Sá traz uma análise sócio histórica de um documento do século XVI. Os autores concluem que: “Ao analisar a obra La Disme (1585) de Stevin percebemos a importância da criação dos decimais para as práticas sociais da época”. Finalmente, Waléria Soares, em seu artigo intitulado Pesquisa documental sobre história da matemática escolar: um caminho a ser percorrido, reflete sobre o percurso metodológico de sua pesquisa de doutorado que tratou de construir uma história sobre a matemática escolar na cidade de São Luís, durante o século XIX. Ela afirma: “[…] não é justo olhar o passado com os olhos do presente; a escola é um lugar de produção de conhecimentos matemáticos; a matemática escolar se materializa também a partir do livro didático; por trás de todo livro didático existe uma voz que convém ser ouvida; o livro didático anseia por um espaço em uma instituição; e, ainda, quando uma pesquisa se ancora na Nova História Cultural”.

Boa leitura!

Circe Mary Silva da Silva (Editora convidada)


SILVA, Circe Mary Silva da. Apresentação. HISTEMAT – Revista de História da Educação Matemática. São Paulo, v.4, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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“As gentes no Atlântico”: biografias e histórias conectadas (séculos XVII a XIX) / Revista de História da UEG / 2018

Lançada em 2013, a coletêna The Sea: Thalassography and Historiography (2013), organizada por Peter Miller, numa perspectiva ampla e metodológica, tenta compreender exatamente o desafio que lançamos aqui para os autores deste dossiê da Revista de História da UEG, a qual agradecemos a equipe de editores: em que medida os mares e oceanos podem ser tomados como espaço de questionamento historiográfico e mesmo da definição de novos conceitos. Com um posfácio de Sanjay Subrahmanyan, autor de Explorations in Connected History (2011), a coletânea não somente apresenta um conjunto de artigos com estudos de caso sobre o tema como sugere o conceito de thalassography, como um campo de estudos dentro da área.

Subrahmanyan também é autor do ensaio Connected Histories: Notes towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia (1997), que lançou uma profunda discussão no sentido das limitações impostas por uma história nacional, encapsulada. Sugere em uma ampla e reconhecida obra, dentre outras coisas, uma maior atenção a esses fios que conectam o globo apresentando, também, ensaios de biografias de sujeitos envolvidos no processo de expansão e exploração do império português na Asia.

Essas pesquisas também podem ser inscritas no que se configurou chamar história do Atlântico. Indiscutivelmente, nas últimas três décadas, esse campo de reflexão vem desenhando um importante espaço de trabalho, não somente na História, mas nas demais ciências sociais e seus domínios; o crescente número de programas de pós-graduação, no Brasil e no exterior, que incorporam o termo às suas propostas de trabalho e pesquisa é destacável. Distante de leituras que privilegiavam centros e periferias como centros únicos de poder, leituras globais, conectadas, que tomam o Atlântico, o Índico ou o Báltico como centro de dinâmicas individuais e coletivas têm-se popularizado entre investigadores de todos os tempos históricos, tendo em vista relações transnacionais, transimperiais e multiculturais.

A perspectiva aqui lançada, no entanto, vale-se de experiências pessoais, coletivas e institucionais no sentido de compreender, no curto tempo de uma vida, como trajetórias de personagens pouco conhecidos podem e devem ser objetos de estudos dentro de um espaço geográfico e social tão amplo e múltiplo como o Atlântico. Essas “vidas atlânticas”, que Mark Meuwese (2014) descreve como profundamente envolvidas e marcadas pelo desenvolver de um capitalismo mercante a partir do Seiscentos, não podem ser restringidas a figuras da alta burocracia, exploradores ou mercadores. Um dos resultados desses de questionamentos de Meuwese pode ser consultado na coletânea Atlantic Biographies: Individuals and Peoples in the Atlantic World, editado por ele e por Jeffrey A. Fortin (2014) que nos serve aqui de inspiração e contraponto.

Os cinco artigos que aqui apresentamos à comunidade académica leitora da Revista de História da UEG, cujos autores agradecemos pelo desafio aceito, se aproximam não somente no vocabulário empregado – conexões atlânticas, atlântico sul, movimentações pelo atlântico, bordas e fios pelo espaço desuniforme de um oceano. Esta entidade, geográfica por natureza, mas social nas suas produções de sentido, não é compreendida nos estudos aqui publicados como espaço vazio ou apenas como um obstáculo aos objetivos dos sujeitos ou grupos estudados: o Atlântico é, antes de tudo, um passivo cercado, senão imerso, em dinâmicas; estas são resultado da confluência entre o que se pensou sobre ele e das experiências (literárias, políticas, religiosas) registradas nas tentativas de sua exploração e domínio. A este respeito, a título de exemplo, o trabalho biográfico sobre Matthew Fontaine Maury (1806-1873) assinado por Chester G. Hearn (2002), questiona não somente as movimentações e estudos do americano no Oitocentos no sentido de mapeamento das correntes marítimas e de ventos, mas dos usos desses conhecimentos para a constituição de circuitos de circulação mais rápidos e com menos perdas de embarcações e pessoas, aspecto constantemente ignorado em estudos sobre o Atlântico.

Essas e outras experiências são apresentadas aqui pelos autores por meio de estudos biográficos. Estes são, portanto, uma dimensão capaz de superar as ilusões e os problemas inerentes ao campo de trabalho, seja pela relação entre estruturas e agentes ou pelo cuidado em evitar a supervalorização de trajetórias e biografias, em amplas dimensões comparativas e que estabeleçam conexões.

Nesse sentido, os artigos presentes neste dossiê estão organizados com uma preocupação propriamente cronológica, não por uma sequência temporal, mas pelas próximidades dos contextos históricos dos seu objetos de análises. Helidacy M. M. Corrêa apresenta no estudo Gaspar de Sousa e o Maranhão “Ibérico”: Impactos da política filipina no norte do Brasil uma espécie de ponto de partida oportuno para este número especial. Ao se perguntar sobre os impactos das políticas filipinas no processo de conquista e ocupação no norte do Brasil, tema que há décadas vem produzindo importantes obras nas historiografias brasileira e portuguesa, onde o contexto do Maranhão “Ibérico”, conforme destaca a autora, tem pouca visibilidade.

Ainda dentro deste cenário do Maranhão colonial, o artigo intitulado Conexões Atlânticas: famílias de cristãos-novos no Maranhão colonial e suas redes de sociabilidades, escrito por Eloy Barbosa de Abreu, analisa, pelo viéis biográfico, a formação de redes sociais entre indivíduos comestigma de cristão-novo, a partir da imigração de casais oriundos de Portugal. A suposta condição de cristão-novo de Gregório de Andrade da Fonseca fez dele um indivíduo forjado pela sociedade que lhe foi contemporânea.

No estudo Ignacio António da Silva Lisboa: um português entre Lisboa e São Luís nas primeiras décadas do Oitocentos, desenvolvido por Marcelo Cheche Galves, o sujeito aqui é investigado pelos rastros que deixou pela documentação preservada e demonstra como o personagem se movimentava entre as tensões geradas por polos políticos divergentes em lados oposto do Atlântico.

Do mesmo modo, Luisa M. S. Cutrim em Negócios além-mar: a Casa comercial de António José Meirelles nas bordas do Atlântico (c. 1820 – c. 1840), vai de um personagem pouco conhecido apresentado no texto anterior, ignorado pela historiografia até o momento, para um negociante de grande trato. António José Meirelles, como o estudo apresenta, tinha sobre si um variado leque de fios que conectavam esse oceano e seus pontos de contato.

O dossiê é finalizado por Romário Sampaio Basílio com o artigo A Castro e a morte da memória: Joaquim José Sabino, poeta e burocrata em circulação pelo Atlântico (c. 1790 – c. 1840). Da burocracia cotidiana aos usos de versos e memórias, o sujeito biografado circulou pelo Atlântico em busca de reconhecimento e cargos, tendo chegado as mais altas instâncias administrativas.

Finalizamos esta apresentação ressaltando que todos os escritos expressos neste dossiê convergem para um ponto: a análise de trajetórias de sujeitos dentro de um cenário Atlântico, a partir de questões gerais sobre temáticas diversas. Portanto, para além do estilo biográfico indiciados nos textos apresentados, há a preocupação em contriubuir com o estado da arte dos estudos sobre o Mundo Atlântico.

Eloy Barbosa de Abreu – Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); docente da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: eloyabreuclio@gmail.com

Romário Sampaio Basílio Doutorando em Estudos sobre a Globalização pela Universidade Nova de Lisboa (NOVA). E-mail: rsb@campus.fcsh.unl.pt


ABREU, Eloy Barbosa de; BASÍLIO, Romário Sampaio. Editorial. Revista de História da UEG, Morrinhos – GO, v.7, n.2, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Memória, Desigualdade e Políticas Culturais / Outros Tempos / 2018

A Sérgio Figueiredo Ferretti – In Memoriam

O presente número da Revista Outros Tempos inclui o dossiê temático Memória, Desigualdade e Políticas Culturais e se relaciona à XVIII Fábrica de Ideias, ocorrida em São Luís entre 18 e 31 de março de 2017, coordenada pelos organizadores deste número e por Sérgio Figueiredo Ferretti, que falecera aos 23 de maio do corrente ano e a quem dedicamos este dossiê In Memoriam.

Com o tema Patrimônio, Desigualdade e Políticas Culturais, a XVIII Fábrica de Ideias conectou uma série de iniciativas, consistindo num seminário internacional de pesquisa e pós-graduação, apresentando-se tanto como uma disciplina acadêmica planejada e ministrada de forma interinstitucional com alto potencial de internacionalização quanto como um seminário avançado com momentos de abertura ao público. A XVIII Fábrica de Ideias resultara de parceria entre a Universidade Estadual do Maranhão, através do Programa de Pós-Graduação em História, a Universidade Federal do Maranhão, por meio dos Programas de Pós-Graduação em Políticas Públicas e em Ciências Sociais, e a Universidade Federal da Bahia, através do Centro de Estudos Afro-Orientais e do Programa de Pós Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, e ainda o Governo do Estado do Maranhão, representado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, e pela Secretaria de Igualdade Racial.

Assim, a maior parte dos artigos aqui reunidos foi proposta por profissionais que participaram dessa Fábrica de Ideias, que envolveu pesquisadores, docentes e discentes de programas de pós-graduação de diferentes instituições do Brasil e do exterior em torno do tema do patrimônio e das políticas culturais em conexão com a questão da diversidade e da desigualdade. Assim, a Revista Outros Tempos e a Fábrica de Ideias apresentam este número cujo dossiê é iniciado por um estudo de Dmitri Van Den Bersselar, que analisa as relações entre cristianismo, cultura igbo tradicional e transformação cultural e identitária, a partir de interpretação baseada em entrevistas realizadas na Nigéria, jornais nigerianos locais, revistas missionárias e correspondência original dos missionários da Church Missionary Society (CMS). O autor aborda o impacto do cristianismo sobre o debate nigeriano acerca da identidade igbo. Para ele, a cultura igbo tradicional e não cristã foi definida por e em resposta aos debates da missão cristã sobre a conversão e o comportamento dos cristãos igbos. Além disso, a identidade igbo veio a coincidir com o cristianismo e isso resultou em uma apreciação renovada da religião “tradicional” local como herança e não como “paganismo”.

A luta de memória em Moçambique é a questão central de Livio Sansone, segundo o qual, os conflitos e as contradições na biografia de Eduardo Chivambo Mondlane (1924-1969) antecipam e dramatizam vários temas de debate de grande atualidade naquela que poderia ser chamada de luta pela e luta de memória em Moçambique, ou seja, a releitura, a partir de vários e conflitivos pontos de vista, da história recente e dos regimes de memória que se estabeleceram. Sansone observa que, em Moçambique, como em vários países africanos, estes regimes de memórias preveem a criação e manutenção do status de imortalidade para algumas figuras centrais na narrativa da nação. O autor enfrenta uma das questões centrais da reconstrução de biografias, aquela da agência: até que ponto a vida do indivíduo determina seu contexto ou é determinada pelo contexto? A relevância e a atualidade de um estudo sobre Eduardo Mondlane se observaria, segundo Livio Sansone, em pelo menos duas direções: de um lado, em Moçambique e nos outros países da África onde estão se dando estas lutas de memória; de outro lado, nas próprias ciências sociais, onde há um renovado interesse pela interação entre formação em ciências sociais, luta anticolonial e construção de uma moderna e nova liderança política, de caráter pós-populista, na África contemporânea.

Antonio Motta discute, a partir do campo do patrimônio e dos museus, o cenário contemporâneo dos direitos e das políticas culturais no Brasil e suas implicações na esfera pública. Para o antropólogo, no período de 2003 a 2016, os usos da cultura na esfera pública brasileira estiveram associados a processos de construção democrática. Nesse período, algumas ações culturais do Estado brasileiro podem ser tomadas como exemplos das transformações ocorridas em sua relação com a sociedade civil num contexto de criação ou ampliação de espaços de participação política e de redefinição do papel do Estado. O autor destaca que no âmbito das políticas culturais, o campo do patrimônio e dos museus também pode ser visto como agente de lutas sociais e políticas dos grupos étnicos, ao favorecer a sua mediação com a sociedade nacional e o Estado, servindo de canal institucional para o agenciamento de direitos e políticas na esfera pública. Antonio Motta destaca também que diferentes tipos de mobilizações políticas deram origem a criação de museus, como museus comunitários, museus territoriais, ecomuseus, museus indígenas, museus digitais, dentre outros, de modo que os museus já não podem e não devem mais falar em nome dos “outros”, nem tampouco representar esses “outros” sem consultar previamente o que “eles” pensam e como “eles” devem se ver, agir e se representarem, “eles” próprios, nos espaços museógrafos. O autor salienta ainda que embora os avanços no campo da cultura e de suas políticas sejam inegáveis, muitas das mudanças anunciadas e desejadas ainda não foram realizadas, restando ainda confinadas no campo semântico da boa retórica sobre a “cultura como recurso” ou “a cultura com direito”, apresentando-se como desafio a ser enfrentado por antropólogos, historiadores e demais profissionais uma maior participação e intervenção na esfera pública e em suas decisões políticas.

Objetivando refletir sobre memória, samba e políticas culturais a partir dos resultados obtidos com o projeto de pesquisa “Museu Afrodigital Rio: memória entre gerações nos quintais do samba da Grande Madureira” desenvolvido pelo Museu Afrodigital Rio (http: / / www.museuafrorio.uerj.br / ), no período de 2012-2016, Maria Alice Rezende Gonçalves e Maurício Barros de Castro observam que esse projeto de pesquisa dedicou-se a investigar os rituais e tradições que permeiam os festejos realizados nos quintais das casas das “tias” do samba, das mães de santo, dos jongueiros e das cozinheiras da culinária afrorreligiosa na Grande Madureira, região da cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de uma região, destacam os autores, que concentra um grande número de manifestações e associações de matriz africana. Os autores concluem que o quintal é espaço de sociabilidade e local privilegiado de convívio e realização de práticas que vão do profano ao religioso, e que, de algum modo, ainda trazem memórias de gerações passadas.

As lutas de memória na África contemporânea também constitui o campo de análise de Antonio Evaldo Almeida Barros. O autor observa que John Langalibalele Mafukuzela Dube (1871-1946), fundador do Congresso Nacional Africano em 1912, tornarase uma figura central da história e memória sul-africana moderna. Suas realizações são bem conhecidas por aqueles que têm se interessado por sua vida e obra. Ao mesmo tempo, os modos como ele vêm sendo apropriado e visto do final do século XIX até os dias atuais têm relação direta com os projetos de nação e sociedade sul-africana dominantes. De um lado, há aqueles que tendem a identificar Dube como colaborador da implementação da segregação sul-africana. De outro lado, há aqueles que posicionam John Dube como personagem central das lutas históricas contra a segregação racial, inscrevendo-o, como ocorre paradigmaticamente nos dias atuais, como uma espécie de herói sul-africano – esta tendência pode ser observada em diferentes décadas e situações, como nas representações sobre Dube produzidas por sua família e grupo social nos anos 1970 no âmbito dos izibongos que lhe foram dedicados, e que são objeto central deste artigo. Conclui o autor que num jogo de lutas de memória, este padrão interpretativo tornar-se-ia claramente dominante na África do Sul pós-Apartheid, particularmente no contexto de invenção da África do Sul como Rainbown Nation.

Keith Barbosa e James Roberto Silva nos levam para o campo dos processos de reinvenção da história, da memória e do patrimônio no âmbito arquivístico, destacando que o retorno aos arquivos históricos torna-se uma tarefa fundamental para os pesquisadores que pretendem tornar visível a história das populações negras. Objetivando apresentar o tema da escravidão e suas potencialidades de pesquisa no quadro dos documentos históricos do judiciário amazonense, composto por milhares de processos judiciais, os autores observam que os registros históricos mapeados e reunidos no Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas revelam uma complexa e multifacetada realidade cotidiana, envolvendo cativos em situações às vezes insuspeitadas. Ao cotejarem os registros da justiça contendo processos contra escravos, africanos livres e outros indivíduos, observam que esse material oferece indícios valiosos sobre as especificidades da escravidão no Amazonas. Os autores enfatizam ainda que as narrativas e memórias resgatadas podem instigar a recuperar a história de homens e mulheres que vivenciaram experiências complexas entre a escravidão e a liberdade. Argumentam ainda que, para além das histórias individuais ou coletivas que foram marcadas pela experiência do cativeiro, a sistematização / organização do acervo histórico do Tribunal de Justiça apresenta um desafio ainda mais complexo: romper os silêncios sobre a temática e impulsionar o desenvolvimento de novas pesquisas.

As conexões entre memórias, narrativas e cidades constituem o foco de Sandra de Cássia Araújo Pelegrini e João Paulo P. Rodrigues, que apresentam narrativas que trazem à tona heranças culturais dos habitantes e histórias que marcaram o desenvolvimento da cidade de Ivatuba, no Paraná. Segundo os autores, a análise e a coleta de depoimentos orais, a realização de entrevistas, a seleção de fotografias e de documentos textuais de diversas tipologias possibilitara esmiuçar histórias sobre o processo de emancipação política e de crescimento da cidade, sem negligenciar a apreensão das múltiplas facetas do viver humano em novas fronteiras.

Fladney Francisco da Silva Freire, por sua vez, tem como perspectiva lançar notas sobre o complexo contexto do Terecô no Maranhão, tratando de questões como território, identidade, processos históricos de cerceamento de práticas religiosas, conflitos, pensando diversas articulações no município de Bacabal, interior do Estado do Maranhão. O Terecô, afirma o autor, é uma das religiões afro-brasileiras do Maranhão, que se difundiu na região central, mas também nos estados do Pará e Piauí. O autor chama atenção para o fato de que, se, até os dias atuais, continua a haver uma espécie de expectativa de que o Terecô e outras religiões de origem africana ou indígena, tenham como característica visível a simplicidade, a casa de palha, o chão batido, as roupas simples, este cenário vem se transformando nos últimos anos, pois é possível observar um movimento intenso de inclusão de elementos do chamado mundo “moderno”, o que impacta a construção predial dos terreiros, suas formas de celebração, incluindo o vestuário, e suas formas de difusão, com a proliferação das mídias digitais. O autor conclui que os terreiros têm acompanhado as novas realidades do mundo social, o que os leva a serem protagonistas de suas histórias, memórias e narrativas local, nacional e globalmente definidas.

Chérif Keita integra este dossiê com um excelente estudo de caso. Keita reflete sobre a relevância de seu usar filmes no processo de reconstrução nacional da África do Sul pós-Apartheid. O autor argumenta que os filmes têm o potencial de reconectar a África do Sul atual aos seus primeiros heróis, atualmente esquecidos, que lutaram pela liberação, contra a segregação e o apartheid.

O entrevistado desta edição é o Prof. Dr. Sérgio Figueiredo Ferretti (1937-2018). Em 24 de março de 2018, dois meses antes de seu falecimento, Prof. Ferretti concedera a presente entrevista a Marilande Martins Abreu e Antonielton Vieira da Silva. Ferretti era graduado em História (UB-UFRJ / 1962) e Museologia (MHN / UNIRIO / 1962), especialista em Sociologia do Desenvolvimento (UCL Bélgica, 1964 / 66), mestre em Ciências Sociais / Antropologia (UFRN / 1983) e doutor em Antropologia Social (USP / 1991). Professor Emérito da Universidade Federal do Maranhão e Bolsista de Produtividade do CNPq, Sérgio Ferretti pesquisou religiões de matriz africana e manifestações da cultura popular e negra durante mais de 40 anos no Estado do Maranhão, e formou muitas gerações de pesquisadores dedicados ao estudo de expressões da cultura e da religião, e da luta por igualdade e inclusão social e cultural, sendo vasta sua produção acadêmica. Nesta entrevista, o Professor Ferretti fala sobre o campo dos estudos das práticas religiosas de matriz africana e cultura popular no Estado do Maranhão, o que coincide com sua própria vida, especialmente a partir dos anos 1960.

“As Tramas da Patrimonialização da Cultura” é o título da resenha de Wheriston Silva Neris sobre a obra “As Faces de John Dube: Memória, História e Nação na África do Sul” (2016), de autoria de Antonio Evaldo Almeida Barros. Wheriston Neris observa que a reconstituição progressiva das diferentes estratégias, tramas de competição política e batalhas pela memória da nação sul-africana contemporânea constituídas em torno do legado e da biografia de uma de suas figuras centrais, John Langalibalele Mafukuzela Dube (1871-1946), constituem o objeto principal da obra. O livro, destaca Wheriston Neris, constitui um convite etnográfico, interdisciplinar e bem documentado para acompanhar o autor na aventura da exploração das artimanhas da nação e da memória no contexto sul-africano, explorando o contínuo, complexo e multifacetado processo de reconstrução biográfica d’As Faces de John Dube. Conclui o resenhista que sem prender-se a uma visão puramente celebratória a respeito da construção da Rainbow Nation e mobilizando uma pluralidade de fontes com aportes teóricas, o livro consegue, antes de qualquer coisa, demonstrar as múltiplas tensões, simbólicas e sociais, por meio das quais a nação é fabricada e representada na contemporaneidade.

Este número da Revista Outros Tempos é completado ainda com dois textos na sessão de artigos livres. O primeiro é de autoria de Mariléia dos Santos Cruz, e enfoca o professor e jornalista negro José do Nascimento Moraes (1882-1958) que, segundo a autora, destacou-se escrevendo crônicas, contos e poesias nos principais jornais maranhenses da primeira metade do século XX. A autora argumenta que Nascimento Moraes era um defensor da promoção da escolarização para os pobres e constantemente debatia os problemas políticos, sociais e educacionais maranhenses, devendo ser caracterizado como um intelectual da educação, uma vez que na sua trajetória profissional deixou vasta contribuição sobre temáticas relativas ao campo.

No segundo artigo, Arkley Marques Bandeira apresenta uma síntese de parte dos resultados obtidos na sua tese de doutorado, que tratou dos processos pré-coloniais relacionados à ocupação humana na Ilha de São Luís, no Maranhão, em sua longa duração. A pesquisa centrou-se em métodos da arqueologia para investigar cinco sítios arqueológicos, os sambaquis do Bacanga, Panaquatira e Paço do Lumiar e os sítios cerâmicos Vinhais Velho e Maiobinha I. Os resultados da pesquisa permitiram reconhecer os processos de formação do registro arqueológico, a espacialidade dos sítios e o contexto deposicional dos antigos assentamentos de diversos povos que ocuparam a Ilha de São Luís, desde 6.600 anos atrás, estendendo-se até os primeiros séculos do Brasil colonial.

Desejamos a todos(as), excelente leitura!

Antonio Evaldo Almeida Barros

Livio Sansone


BARROS, Antonio Evaldo Almeida; SANSONE, Livio. Apresentação. Outros Tempos, Maranhão, v. 15, n. 25, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Patrimônio, Identidades e Lugares de Memória / Outros Tempos / 2018

Este número da Revista Outros Tempos inclui o dossiê temático Patrimônio, Identidades e Lugares de Memória, relacionado à XVIII Fábrica de Ideias, realizada em São Luís-MA, de 18 a 31 de março de 2017, e coordenada pelos professores Antonio Evaldo Almeida Barros, Sérgio Figueiredo Ferretti e Livio Sansone.

Com o tema Patrimônio, Desigualdade e Políticas Culturais, a XVIII Fábrica de Ideias consistiu em um seminário internacional de pesquisa e pós-graduação, desdobrando-se também em uma disciplina acadêmica planejada e ministrada de forma interinstitucional, ao mesmo tempo em que foi um seminário com palestras ao público mais amplo. A XVIII Fábrica de Ideias foi resultado de parceria entre a Universidade Estadual do Maranhão, através do Programa de Pós-Graduação em História, a Universidade Federal do Maranhão, por meio dos Programas de Pós-Graduação em Políticas Públicas e em Ciências Sociais, e a Universidade Federal da Bahia, através do Centro de Estudos Afro-Orientais e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, e ainda o Governo do Estado do Maranhão, representado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, e pela Secretaria de Igualdade Racial. Desse modo, dos nove artigos reunidos neste dossiê, sete deles foram produzidos por pesquisadores, docentes e discentes de programas de pós-graduação de diferentes instituições do Brasil que participaram da XVIII Fábrica de Ideias.

O dossiê Patrimônio, Identidades e Lugares de Memória inicia-se com o artigo “Confederate Monuments, Plantation-Museums and Slavery: Race, Public History, and National Identity”, de Stephen Small, o qual analisa dezesseis cabanas de escravos que foram incorporadas em três locais de turismo de patrimônio em Natchitoches, no noroeste da Louisiana. Os locais são Oakland Plantation, Magnolia Plantation e Melrose Plantation. O autor destaca a incorporação desses lugares de memória na lógica patrimonial, refletindo como a identidade nacional é expressa e articulada nesses lugares de memória e como tais lugares destacam e questionam a identidade nacional.

Em “O Tempo e o Medo: a longa duração da guerra em Moçambique”, Omar Ribeiro Thomaz dedica-se à percepção da passagem do tempo e o constante medo da desordem que se entrelaçam em narrativas e rumores conectados a diferentes momentos da história de Moçambique. O artigo sistematiza reflexões sobre a guerra e o medo da guerra em terras moçambicanas, fruto de um trabalho etnográfico realizado há quinze anos pelo pesquisador.

Monica Lima traz à discussão questões em torno de um Patrimônio Mundial da Humanidade – o sítio histórico e arqueológico Cais do Valongo –, situado na cidade do Rio de Janeiro. A questão central da autora no artigo “História, Patrimônio e Memória Sensível: o Cais do Valongo no Rio de Janeiro” é o significado deste sítio histórico como um lugar de memória, de memória sensível, do tráfico atlântico de africanos escravizados e seus descendentes nas Américas e, em especial, no Brasil. Ideias como violência, dor, sofrimento são levadas a termo para comparar o Cais do Valongo, espaço de resistência e afirmação de populações negras, a outros lugares do mundo onde também ocorreram tragédias humanas.

“Pensar o Dito e o Silenciado: Representações da Escravidão na Historiografia”, escrito por Celeste Silva Ferreira, debate as transformações historiográficas ocorridas no final do século XX que levaram a uma mudança metodológica no modo como a documentação sobre sujeitos escravizados é analisada. O artigo demonstra como o uso de diferentes fontes históricas, como correspondências oficiais ou pessoais, inquéritos, processos judiciais, testamentos, inventários, jornais e diários, passou a direcionar novos olhares e possibilidades interpretativas a partir das influências da chamada “virada linguística”. Ao abordar a historiografia brasileira sobre escravidão, o texto também enfoca a Lei do Ventre Livre (1871) e as mais recentes interpretações acerca dela.

Fernando Santos de Jesus e Valerie Gruber, em “O Mestre de Capoeira: Fortalecendo Filosofias e Práticas de (Re)Existência Negra perante Desigualdades Sociorraciais”, também tratam de um Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, o qual contribuiria, em termos políticos mundiais, para a valorização e a visibilização da capoeira como prática de resistência negra brasileira. Diante de um olhar filosófico sobre a capoeira e destacando os saberes próprios dessa prática em articulação com o contexto da desigualdade sociorracial, o artigo trata de ressignificações em face das essencializações que envolvem a capoeira. Numa perspectiva sociogeográfica, os autores defendem a noção de pedagogia da (re)existência negra, através do trabalho do mestre de capoeira, o qual representaria um filósofo diaspórico que cria um espaço de possibilidades para coletividades marginalizadas.

“Tempos de Segregação (1948-94): Ensino de história, Políticas de Memórias e Desigualdades Sociais no Universo do Povo Zulu”, de autoria de Aldina da Silva Melo, tem como enfoque o ensino de história, as políticas de memória, as identidades e desigualdades sociais na África do Sul durante o Apartheid. A coleção de livros didáticos History for Today e algumas imagens e jornais encontrados no arquivo sul-africano Alan Paton Center e na biblioteca pública de Pietermaritzburg constituem as fontes examinadas no artigo, as quais possibilitam tratar das políticas educacionais presentes na África do Sul durante aquele regime, bem como sobre os modos como a(s) identidade(s) zulus foram construídas, pensadas e percebidas no período em questão.

Fábio Henrique Monteiro Silva ocupa-se com as representações do carnaval na capital maranhense entre os anos 1970 e 2000, discutindo as memórias de participantes notáveis dessa festa, através de lembranças de brincantes e organizadores locais. No artigo “Memória e Sensibilidade no Moderno Carnaval de São Luís”, utiliza, ainda, matérias de jornais maranhenses e o debate conceitual no campo da memória, a fim de evidenciar os modos de ver e fazer o carnaval na ilha de São Luís.

Desirée Tozi e André Luís Nascimento dos Santos argumentam que os pareceres e laudos antropológicos que instruíram os processos de tombamento de terreiros pelo Iphan, ao longo dos últimos 30 anos, reproduzem, como referência de “verdade”, as etnografias produzidas sobre os candomblés baianos na primeira metade do século XX. No artigo “História de um Legado: as Etnografias de Religiões de Matrizes Africanas no Discurso Patrimonial”, os autores defendem a tese de que a ausência de um recorte mais preciso e de uma análise mais ficcional dessas obras tem produzido um modelo de terreiro de candomblé que não encontra projeção nos processos de tombamento de terreiros que ainda se encontram em aberto na instituição da salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro. O texto conjuga o exame da bibliografia etnográfica sobre terreiros na Bahia à análise de documentos dos processos de tombamento já finalizados pelo Iphan.

O artigo “Narrativas sobre a Cidade: Lembranças e Esquecimentos sobre Grupos Étnicos numa cidade do Rio Grande do Sul”, de Bibiana Werle, discute as representações memoriais contemporâneas do município de Estrela, no Rio Grande do Sul, trazendo à baila as narrativas comemorativas da cidade promovidas pelo governo municipal. A autora utiliza jornais locais e narrativas orais para demonstrar como, historicamente, as diversidades étnicas são apresentadas de forma desigual pelo poder público municipal nos patrimônios culturais do local. Destaca também que a composição étnica de Estrela foi marcada por conflitos identitários durante o Estado Novo (1937-45), o que configurou a produção de monumentos que apagam e excluem outras memórias.

Antonio Evaldo Almeida Barros e Viviane de Oliveira Barbosa apresentam o artigo “Estudos Africanos e Afro-Brasileiros em Perspectiva Extensionista”. Trata-se de um estudo de caso que enfoca um conjunto de programas e projetos de extensão universitária voltados para o campo dos Estudos Africanos e Afro-Brasileiros, particularmente, do Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileiras, e para o âmbito da Educação para as Relações Étnico-Raciais, executados entre 2010 e 2018, no Estado do Maranhão, em parceria com secretarias de governos municipais e estaduais, e organizações da sociedade civil. Os autores partem do reconhecimento de que a instituição universitária tem sido mais inclinada a discursos e ideias do que a práticas, muito menos práticas de transformação social e que, a extensão, que ao lado da pesquisa e do ensino, constitui um dos pilares da universidade, tem a vocação prioritária de promover a interação entre a universidade e a sociedade. Para os autores, as ações de extensão executadas buscaram promover, sobretudo a partir de uma perspectiva humanista, a igualdade racial, e foram desenvolvidas considerando a relevância da história e das sociedades africanas para a formação do mundo contemporâneo e da humanidade, e as sinergias históricas existentes entre África e Brasil, enquanto territórios complexos e mutuamente interligados. Antonio Evaldo A. Barros e Viviane de O. Barbosa argumentam ainda que as ações de extensão executadas fundamentaram-se na possibilidade de construção de uma democratização epistemológica, buscaram alertar para o fato que o silêncio e a omissão comumente sustentam o preconceito e a discriminação na escola, bem como pretenderam evidenciar a história e cultura africana e afro-brasileira como ocasião privilegiada para se observar uma variedade de experiências sociais que apontam para a abertura ao mundo, à vida, para a inclusão e não a exclusão do outro, para a solidariedade na história.

O entrevistado desta edição é o Prof. Dr. Ibrahima Thiaw, um dos maiores especialistas em História e Arqueologia Africanas na atualidade. Thiaw é graduado em História (Universidade Cheikh Anta Diop, Dakar, Senegal, 1990 / 1), mestre em Etnologia e Sociologia Comparativa (Universidade de Paris-Nanterre, França, 1992) e em Antropologia (Universidade Rice, Houston, USA, 1995), e doutor em Antropologia / Arqueologia (Universidade Rice, Houston, USA, 1999). É professor da Universidade Cheikh Anta Diop e diretor do Institut Fondamental d’Afrique Noire (IFAN), com pesquisas no campo da arqueologia dos encontros globais, sobre os impactos do Atlântico e do Saara nas sociedades, processos de escravização e tráfico de escravizados, comemorações e políticas culturais. Destaca-se por seu envolvimento no trabalho de reconhecimento da Ilha de Goré como Patrimônio Mundial da Humanidade e por seu envolvimento em projetos sobre patrimônio no Senegal e em outros países africanos, como Guiné, Guiné-Bissau, Serra Leoa, Burkina Faso e Congo. Nesta entrevista, concedida a Viviane de Oliveira Barbosa, o professor Ibrahima aborda sua inserção acadêmica, seus interesses e projetos de pesquisa, especialmente em torno das políticas culturais e patrimoniais e dos lugares de memória.

A resenha deste número é intitulada Memória Política entre Silêncios e Narrativas: Transição democrática no Brasil e na África do Sul, de autoria de Wendell Emmanuel Brito de Sousa, e realizada a partir de leitura crítica do livro “Democracia e Estado de Exceção: Transição e Memória Política no Brasil e na África do Sul”, escrito por Edson Teles e publicado pela Editora Fap-Unifesp, em 2015. Wendell Sousa demonstra que o livro é fruto da tese de doutoramento defendida no ano de 2007 na Universidade de São Paulo e resulta, também, de anos de militância política e engajamento por parte do autor nas questões que envolvem os direitos humanos. Wendell Sousa entende que a obra sedimenta reflexões no campo da filosofia política, tratando sobre os (ab)usos da memória na assunção das novas democracias no Hemisfério Sul, ante a herança autoritária da ditadura militar no Brasil e do apartheid na África do Sul. Utilizando um método comparativo, o autor do livro analisa os casos brasileiro e sul-africano na tentativa de compreender os sentidos do passado, o que faria de sua análise algo além da filosofia política e próximo à História Social das Ideias, devido à análise contextual e atuação dos agentes nos processos de consolidação das novas democracias no Hemisfério Sul.

Este número da Revista Outros Tempos é composto também de três produções na sessão de artigos livres. O primeiro deles, “Migrações Internas e Conexões Sociais em um Contexto Colonial: Trajetórias de Imigrantes Portugueses na Vila de Paranaguá (décadas de 1770-1790)”, de André Luiz Moscaleski Cavazzani, investiga as formas de inserção de três imigrantes portugueses na vila paulista de Paranaguá, entre as décadas de 1770 e 1790, com ênfase nas formas de absorção de portugueses à vida social de uma vila colonial situada no extremo sul da Capitania de São Paulo. O autor sistematiza quatro argumentos em seu artigo: havia ocasiões nas quais o estabelecimento na vila de Paranaguá por um imigrante português era decorrente do insucesso da iniciativa de fixar-se em praça mercantil de maior porte; os portugueses radicados em Paranaguá possuíam conexões sociais e comerciais em distintas áreas do litoral Sudeste, notadamente a cidade do Rio de Janeiro; a manutenção dessas conexões criava uma dinâmica de absorção de caixeiros à vila de Paranaguá; e a constituição de vínculo com um compatrício era operacional para o jovem reinol enraizar-se na sociedade receptora.

No segundo artigo, de título “Raimundo José de Sousa Gaioso e os 200 Anos da Publicação do Compêndio Histórico-Político dos Princípios da Lavoura do Maranhão (1818): Notas Bibliográficas”, Romário Sampaio Basílio apresenta e analisa traços biobibliográficos acerca do português Raimundo José de Sousa Gaioso, autor da obra Compêndio históricopolítico dos princípios da lavoura do Maranhão, publicada, postumamente, em 1818, e vista como uma das mais importantes publicações sobre o Maranhão do primeiro quartel do século XIX.

Por fim, no artigo de Joseanne Zingleara Soares Marinho, “As Políticas Públicas de Proteção da Saúde Materno-Infantil no Piauí (1930-1945)”, é feita uma discussão sobre a administração dos poderes públicos piauienses a partir da criação de legislação e de órgãos de assistência à saúde de mães e crianças, entre 1930 e 1945. Objetivando demonstrar como a questão da saúde materno-infantil passou a ser tratada como responsabilidade do Estado, a autora utiliza um corpus documental composto de mensagens do governo do Piauí, de legislação estadual e de artigos de jornais impressos.

Acreditamos que este é um número com ricas produções e esperamos que todos(as) tenham uma ótima leitura!

Viviane de Oliveira Barbosa

Omar Ribeiro Thomaz.


BARBOSA, Viviane de Oliveira; THOMAZ, Omar Ribeiro. Apresentação. Outros Tempos, Maranhão, v. 15, n. 26, 2018. Acessar publicação original [DR]

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O Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista | Silvia Federici

Enquanto os homens enfrentavam a linha de frente nos campos de batalha durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres assumiram os postos de trabalhadoras e provedoras do sustento familiar. A autoconfiança adquirida através deste processo, junto a um ressentimento ocasionado pelas desagregações familiares decorrentes da alta mortalidade do conflito, incentivou a busca por trabalhos alternativos ao do lar, provocando um distanciamento do trabalho doméstico. Este novo aspecto social refletiu nos trabalhos feministas na década de 1970, cuja ausência do debate sobre a organização da casa se fez notável. [5]

As ideias expressas acima estão contidas na introdução da obra O Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista (2018), de Silvia Federici, filósofa, escritora e ativista por um feminismo anticapitalista. Nascida na Itália e radicada nos Estados Unidos, escreve principalmente sobre o trabalho reprodutivo no capitalismo sob uma perspectiva de reconhecimento dele como pilar de sustentação do sistema, junto a outras formas de trabalho não remunerado, como a servidão e a escravidão. Seu livro mais famoso é Calibã e a Bruxa (2017). Como uma das fundadoras do movimento Wages for Housework, em O Ponto Zero da Revolução…, a autora pretende realizar um resgate dos debates a respeito do trabalho doméstico e de sua importância no entendimento e no combate ao sistema capitalista e colonialista, questionando a natureza da imposição do trabalho doméstico às mulheres bem como suas implicações de subordinação e exploração às vidas sociais delas.

Na primeira parte do livro, o argumento central de Federici em relação à exploração das mulheres e do trabalho doméstico se dá em razão da ação de um Estado que acumula capital por meio da associação dessa atividade à natureza feminina. Através do pressuposto de que o trabalho doméstico é intrínseco à natureza da mulher, a lógica capitalista a coloca como uma base na organização do trabalho dentro da instituição familiar. Segundo Mariarosa Dalla Costa e Selma James, autoras que exerceram grande influência na constituição e no embasamento das ideias de Federici, a nuclearização da família constitui uma fábrica social, na qual a mulher como mão-de-obra não remunerada é fundamental para a produção da força de trabalho, através de funções produtivas e reprodutivas, que nesse ponto encontram-se indissociáveis. As autoras também argumentam sobre a necessidade de seguir um caminho cada vez mais subversivo à lógica do sistema, defendendo a autonomia dos próprios corpos, que foi confiscada pelo capital. Utilizando a biologia feminina a seu favor, além de ele transformar a relação das mulheres com seus maridos e crianças, converte suas criações em trabalho produtivo com finalidade de acumulação por parte do sistema.

Desse modo, nota-se que tanto Federici quanto Dalla Costa e James defendem a remuneração feita pelo Estado como uma medida essencial para que seja possível negar a naturalização do trabalho doméstico como feminino, minando então a lógica capitalista, dando autonomia às mulheres para recusá-lo e abrindo caminhos para uma superação do sistema.

Esta luta pelo salário pago pelo Estado, no entanto, foi tida como menor pelo feminismo, que se voltou para o direito de trabalhar fora, por exemplo. As liberais viam isso como a chance de obter uma carreira e as socialistas, de se incorporarem à luta de classes. A autora destaca, porém, que a luta deveria ser pela independência econômica, não pelo trabalho em si. As mulheres já trabalhavam em casa, necessitando, assim, de mais tempo, não de mais trabalho. Além disso, essa postura pode ter contribuído para um afastamento das donas de casa de movimentos feministas. [6]

Desse  modo, o problema do trabalho doméstico – compartilhado por todas as mulheres – não foi resolvido: poucas conseguiram realmente dividir as tarefas com os maridos, passando a exercer jornada dupla e ficando mais cansadas.

A “solução” para tal problema apareceu com o neoliberalismo e a Nova Divisão Internacional do Trabalho (NDIT), marcada pela globalização, em que o principal envio do “Terceiro Mundo” para o “Primeiro” é o trabalho via migração. Assim, enquanto mulheres europeias trabalham fora, contratam imigrantes para fazer o trabalho doméstico. Essa resolução problemática, além de criar uma relação criada-madame, acentua a tendência da má remuneração para esse trabalho e tira a responsabilidade do homem de fazê-lo. Ademais, é um processo doloroso para as empregadas, que abandonam suas famílias para cuidarem de outras. Teresa Lisboa [7] trata do tema com mais detalhes, destacando problemas como o abuso sexual por parte de patrões e a dificuldade de ter acesso a serviços públicos em virtude da imigração ilegal. Federici destaca que a política da NDIT visa a transferir a reprodução da mão de obra do Norte para as mulheres do Sul Global. Isso acontece nos processos de barrigas de aluguel, por exemplo, que permitem que mulheres do Norte tenham filhos sem interromper suas carreiras nem arriscar a saúde, além de beneficiar financeiramente os governos. A autora conclui que a NDIT não é emancipatória, pois explora as mulheres ainda mais e reabilita a imagem de reprodutora e objeto sexual, de modo que as políticas feministas precisam ser anticapitalistas e subverter essa nova divisão.

Na sequência, Federici aprofunda suas análises acerca do processo de estruturação do neoliberalismo [8] e de seu papel como desarticulador de direitos e serviços essenciais às mulheres: essa corrente se estabeleceu na década de 1970 como fruto das crises econômicas ocorridas no período, bem como da percepção de ameaça representada por movimentos sociais antissistêmicos (negro, anticolonial e feminista), que se opunham ao enriquecimento estatal através da remuneração nula ou irrisória às atividades (re)produtivas que exerciam. A resposta dos Estados se deu, contudo, em direção à acentuação da responsabilização dos indivíduos por suas necessidades de subsistência, bem como, no Sul Global, à intensificação de políticas arbitrárias de austeridade. Ou seja, serviços essenciais de saúde, educação e previdência deixaram de receber investimentos públicos, acarretando escalada da sobrecarga de serviços de cuidado já atrelados aos corpos femininos. Em relação a tais problemáticas, a autora suscita discussões teórico-conceituais e enfatiza o teor revolucionário da expressão “trabalho reprodutivo”, questionando os paradigmas marxistas tradicionais. Esses são criticados por Federici na medida que não só deixavam de considerar as tarefas de cuidado como parte do processo de produção das forças de trabalho, supostamente restrito ao consumo de mercadorias, como também centralizavam na figura do proletário europeu urbano o protagonismo da produção material e, consequentemente, das lutas anticapitalistas.

Complementando suas críticas às realidades neoliberais instituídas a partir dos anos 1970, a autora chama atenção para a posição assumida nesse período pela ONU. Em adição aos desmantelamentos de sistemas sociais e às espoliações de recursos naturais realizados, a instituição passou a exercer postura de controle indireto da radicalidade feminista por meio da cooptação de suas pautas e lideranças. A criação de espaços institucionais para debates de gênero, com o desenvolvimento de programas impulsionadores da agenda do Banco Mundial e a secundarização das lideranças de países não hegemônicos frente às “feministas profissionais” dos EUA, propiciou alinhamento de parte do movimento com causas neoliberais e decorrente afastamento da organicidade popular registrada inicialmente nas reivindicações feministas. Tal fenômeno é destrinchado por Veronica Schild, que argumenta que a fenda de serviços básicos deixada pelos Estados foi preenchida, no contexto latino-americano, por ONGs patrocinadas pela ONU. Essas, ao invés de dialogarem com organizações locais já existentes, priorizaram gestões de feministas acadêmicas e políticas, vinculadas a instituições estrangeiras, invalidando, com isso, possibilidades de ativismos regionais e autenticamente revolucionários.

Na terceira parte da obra, Federici apresenta uma das questões mais importantes às pautas de gênero e ao mundo do trabalho: o acesso à terra, eixo relevante para se pensar a construção de uma sociedade mais solidária e comunitária. A autora inicia sua abordagem sobre essa temática analisando historicamente as investidas dos setores capitalistas no sentido de retirar da população, especialmente feminina, o acesso à terra e, consequentemente, a sua subsistência. A partir desse momento, as comunidades locais empobreceram e tornaram-se dependentes de recursos pertencentes ao grande capital, os quais não são acessíveis a todos em uma sociedade desigual como a que é encontrada em diferentes níveis no planeta. Dessa forma, a partir de um posicionamento que identifica historicamente as mulheres como as agentes de vanguarda na luta pela manutenção das terras comunais e contra o capital, Federici infere que uma das mais eficazes formas de construção de uma sociedade mais equilibrada e que incentive a solidariedade e não a competitividade é a luta por terras comunais e práticas de subsistência.

Ademais, é importante mencionar que essa é uma pauta defendida tanto por diversos intelectuais e lideranças sociais [9] quanto por comunidades que, mesmo que alheias às discussões acadêmicas, entendem a importância da manutenção desses sistemas e da luta por mais áreas agricultáveis. O antropólogo Arturo Escobar, em sua obra La invención del Tercer Mundo: construcción y desconstrucción del desarrollo, analisa essa mesma problemática destacando a forma como as organizações internacionais e países desenvolvidos mantêm suas políticas neocoloniais por meio da expulsão de populações originárias de suas terras e do estabelecimento de relações de dependência dos mercados interno e externo, o que as aliena dos meios produtivos para sua subsistência. Dessa forma, ambos os autores, além de externarem suas críticas a essas práticas violentas, também ressaltam exemplos bem sucedidos de resistência e luta, apontando caminhos a seguir para garantir um melhor futuro, enfatizando, assim, os caminhos comunitários e solidários, não individualizados.

Tomando como base os principais pontos levantados neste texto, ponderamos que O Ponto Zero da Revolução… se revela uma obra extremamente relevante para os dias atuais, especialmente no Brasil, em que vemos um movimento amplo e articulado de desmonte das políticas públicas, direitos trabalhistas e implemento das faces mais radicais e violentas do neoliberalismo. Dessa forma, o livro nos fornece importantes discussões e exemplos concretos de populações que, enfrentando questões tão críticas quanto, rebelaram-se e lutaram por um futuro menos desigual e pela construção de uma sociedade que desnaturalizasse a competição, o lucro e a violência. Consideramos fundamental notar o papel renovador e transgressor que a obra exerce dentro de seu contexto de publicação ao se levar em conta, para além do cenário nacional, os horizontes de produção teórica feminista. Nas últimas décadas, por conta da difusão de discursos eminentemente reificadores do neoliberalismo do Norte — seja através de meios virtuais, seja pelo fortalecimento de uma cultura de “feminismo de advocacy” —, ainda que esse movimento social tenha alcançado maior aceitação entre diferentes parcelas populacionais, vem atravessando processo de banalização de suas pautas. Nesse sentido, as recuperações históricas levantadas por Federici, junto a suas elaborações acerca das problemáticas dos sistemas “piramidais” instaurados sob slogan de suposta “cooperação internacional” pela globalização e à sua marcante tese de necessidade de questionamento das estruturas de reprodução social normalizadas sob o capitalismo, permitem que os públicos leitores do Sul Global, como conjunto de indivíduos que partilha das heranças racistas, coloniais e patriarcais instituídas externamente, continuem e ampliem a articulação de mobilizações feministas capazes de subverter estacas político econômicas exploratórias. A busca por concretização das emancipações de grupos historicamente subjugados, com destaque para a efetiva liberação das mulheres, é nitidamente instigada por Federici, em um movimento que contribui para o fortalecimento das resistências feministas latino-americanas antissistêmicas. No passado e ainda hoje, essas têm estado voltadas à conquista de direitos reprodutivos, à redução da violência de gênero e à retomada dos “comuns” por amplas parcelas populares.

Notas

5. É importante ressaltar que, como será possível observar ao longo da obra, esta condição específica de abandono do lar rumo à independência financeira, à inserção e à relativa equiparação ao homem branco no mercado de trabalho refere-se à realidade de mulheres brancas de classe média. A vida das mulheres não-brancas, como destaca bell hooks, estrutura-se de uma forma totalmente diferenciada. Estas já ocupam o mercado de trabalho de maneira subalterna como empregadas, babás, secretárias, prostitutas. Ao criticar A mística feminina, hooks afirma: “Problemas e dilemas específicos de donas de casa brancas da classe privilegiada eram preocupações reais, merecedores de atenção e transformação, mas não eram preocupações políticas urgentes da maioria das mulheres, mais preocupadas com a sobrevivência econômica, a discriminação étnica e racial etc. Quando Friedan escreveu A mística feminina, mais de um terço de todas as mulheres estava na força de trabalho. Embora muitas desejassem ser donas de casa, apenas as que tinham tempo livre e dinheiro realmente podiam moldar suas identidades segundo o modelo da mística feminina” (Cf. hooks, bell. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 16, p. 193-210, 2015).

6. Esse afastamento das donas de casa em relação ao feminismo, por sua vez, é um fenômeno predominantemente estadunidense e europeu. Nos anos 1970, muitos países latino-americanos, por exemplo, estavam sob brutais ditaduras militares. Verónica Schild, doutora em Ciência Política com pesquisas sobre mobilizações feministas e impactos do neoliberalismo no Chile, destaca que, nesses lugares, o feminismo adquiriu outros contornos: organizadas em diferentes grupos de mulheres, mobilizaram-se contra os regimes autoritários desde militantes de esquerda a ativistas católicas. Além de haver um engajamento com o feminismo “tradicional” devido à conjuntura política, há outra diferença fundamental: “Em contraste com a ‘dona de casa’ típica do pós-guerra nos países da OCDE, a maioria das latino-americanas trabalhava – na terra ou como empregadas domésticas –, enquanto as mulheres da elite eram liberadas do trabalho doméstico por suas criadas.” (2017: 101).

7. Teresa Kleba Lisboa é doutora em Sociologia e pesquisadora das áreas de violência de gênero, de participação das mulheres no mundo social do trabalho e de equidade de gênero nas políticas públicas.

8. No que se refere ao envolvimento teórico da autora com a temática do neoliberalismo, mostra-se interessante contextualizar suas produções em relação a demais obras que perpassam o tema: os capítulos de O Ponto Zero da Revolução que abordam aspectos do sistema neoliberal foram escritos entre os anos 1990 e 2000. Nesse período, e principalmente nos anos subsequentes a ele, registrou-se extensa produção acadêmica dedicada a analisar processos constitutivos do neoliberalismo e as consequências dele para o funcionamento de diferentes sociedades. Inserem-se aí obras de pensadoras estadunidenses como Nancy Fraser e Wendy Brown. Ambas apresentam pontos de confluência com as ideias de Federici, caracterizando esse sistema como extenso, não restrito a uma esfera econômica, mas sim permeador das diversas bases do cotidiano social, acarretando desmantelamento de serviços essenciais à coletividade, precarização do mundo do trabalho e a instituição de um modelo mental coletivo de “empresariamento de si mesmo” (ou “razão neoliberal”, nos termos da segunda autora). Fraser (2019) defende a superação da crise generalizada vivenciada hoje por meio de uma transformação sistêmica completa a ser encabeçada por mobilizações populares, nas quais estaria incluso um “feminismo para os 99%”, anticorporativo. Já Brown (2015), em contraponto às constatações de Federici acerca da necessidade de transformação absoluta do modo de vida capitalista e de sistemas políticos que não asseguram protagonismo às coletividades e acesso a recursos “comuns”, apresenta considerações mais reformistas, afirmando que as democracias liberais, apesar de burguesas, deveriam ser conservadas por servirem como propulsoras iniciais de anseios mais amplos por liberdade e direitos. Para saber mais, verificar: FRASER, Nancy. The old is dying and the new cannot be born: From progressive neoliberalism to Trump and beyond. New York: Verso Books, 2019; e BROWN, Wendy. Undoing the demos: Neoliberalism’s stealth revolution. New York: Mit Press, 2015.

9. É possível estabelecer relações entre essas reflexões da autora e as práticas de feminismo comunitário encontradas em países latino-americanos: o pensamento do feminismo comunitário é bastante amplo e tem diversas ramificações, como o empregado pelas mulheres trabalhadoras na Bolívia. Na comunidade Mujeres Creando, o feminismo comunitário começa epistemologicamente empregando a descolonização do próprio feminismo, partindo do pressuposto que esse carrega consigo diversas formas de opressão, principalmente originários do sistema capitalista de produção. Para além desse esforço, as próprias categorias de gênero e patriarcado são repensadas. Tal discussão relaciona-se ao conceito de comuns de Frederici, na medida em que, para se atingir as expectativas postas sob a construção de uma sociedade comunitária, devem-se rever os conceitos estruturantes que a sustentam. Para saber mais, verificar: PAREDES, Julieta. El feminismo comunitario: la creación de un pensamiento propio. Corpus, vol. 7, n. 1, 2017.

Referências

DALLA COSTA, Mariarosa; JAMES, Selma. The Power of Women and the Subversion of the Community. Bristol: Falling Wall Press, 1975.

ESCOBAR, Arturo. La invención del Tercer Mundo: construcción y desconstrucción del desarrollo. Caracas: Fundación Editorial el perro y la rana, 2007.

LISBOA, Teresa Kleba. Fluxos migratórios de mulheres para o trabalho reprodutivo: a globalização da assistência. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 15, n. 3, p. 805-821, set./dez. 2007.

SCHILD, Verónica. Feminismo e neoliberalismo na América Latina. Nueva sociedad, Buenos Aires, Edição Especial, p. 98-113, jun. 2017

Eduardo Gern Scoz – Estudante do 7º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do grupo PET História UFPR e faz Pesquisa Individual sob a orientação da Profª Drª Ana Paula Vosne Martins.

Letícia Barreto Assad Bruel – Estudante do 5º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do grupo PET História UFPR e faz Iniciação Científica sob a orientação da Profª Drª Priscila Piazentini Vieira.

Rafaela Zimkovicz – Estudante do 3º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do grupo PET História UFPR.

Vitória Gabriela da Silva Kohler –  Estudante do 3º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do grupo PET História UFPR.


FEDERICI, Silvia. O Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo: Elefante, 2018. Resenha de: SCOZ, Eduardo Gern; BRUEL, Letícia Barreto Assad; ZIMKOVICZ, Rafaela; KOHLER, Vitória Gabriela da Silva. Cadernos de Clio. Curitiba, v.9, n.1, p.133-143, 2018. Acessar publicação original [DR]

Breve contextualização arqueológica e etnohistórica de Porto Alegre e região | Fabrício José Nazzari Vicroski

Fabrício José Nazzari Vicroski é arqueólogo com doutorado em História pela Universidade de Passo Fundo e atualmente desenvolve seu pós-doutorado como pesquisador bolsista PNPD Capes. O atual livro tem como principal objetivo a divulgação científica da pesquisa arqueológica centrada em Porto Alegre e região metropolitana, e a delimitação temporal são os períodos pré-colonial e colonial com enfoque nos povos indígenas e afrodescendentes. O livro, assim como a pesquisa levantada para sua produção, são advindos da empresa Sírius Estudos e Projetos Científicos LTDA, com suporte do Núcleo de Pré-História e Arqueologia vinculado ao PPGH da Universidade de Passo Fundo.

A obra é dividida em duas partes, sendo a primeira sobre “O conhecimento arqueológico”. No início desse primeiro capítulo, o autor trata sobre a diversidade de fauna e flora na região, que propicia uma alta quantidade de sítios arqueológicos devido a grande movimentação sazonal desses grupos pesquisados. Pelo alto número de sítios arqueológicos na região (Vicroski dimensiona um número próximo a cem), o autor já levanta a pauta da importância da preservação dos mesmos pelas políticas públicas, questão levantada diversas vezes ao longo do livro.

Colocada a importância da preservação, o pesquisador demonstra a gama variada de pesquisas desenvolvidas por inúmeros colegas de ofício, delineando as que são de maior notoriedade: Gislene Monticelli, Júnior Domiks, Francisco Silva Noelli e outras instituições que apoiam e produzem pesquisas arqueológicas em Porto Alegre. A defesa do patrimônio arqueológico em conjunto com órgãos de fomento a cultura é um assunto extremamente importante levantado e defendido por diversos estudiosos da área, como Ulpiano Meneses (2007) e Ana Flávia Sousa Silva (2014), e também é uma discussão importantíssima dentro dos estudos históricos e percepção temporal, como escreve François Hartog (2006).

Vicroski indica que essas descobertas apontam para assentamentos humanos de ao menos 9000 anos de idade. Com essa grande periodicidade de tempo também é necessária uma divisão e classificação dos diferentes materiais a partir da cultura material, o que é feito em seguida. A distância temporal é utilizada para formular esta parte: o autor cita primeiro as mais distantes (com povos nômades caçadores e coletores) e por último as mais próximas, fazendo com que, no final do capítulo, o autor consiga estabelecer algumas trocas e relações culturais com o período colonial e com as culturas que perduram até os dias atuais, tal qual a cuia de chimarrão, que é uma herança do estilo de cerâmica e do consumo da erva de tribos jê e guarani.

Ademais, demonstra-se a disposição e movimentação geográfica destes povos nômades, posto que, a partir da organização e catalogação da cultura material, podemos identificar as informações necessárias através da cerâmica produzida e comparar com outras áreas e localidades onde peças com a mesma estrutura no formato e arte são encontradas. Desta forma, o autor cita povos indígenas de diversas áreas como a Argentina, Uruguai e até mesmo Amazônia, tornando explícitas as razões da região de Porto Alegre abrigar a vasta variedade arqueológica já citada anteriormente.

A segunda parte, “O conhecimento etnohistórico”, introduz questões acerca dos povos indígenas, africanos e afrodescendentes no período colonial, já se utilizando da história oral e escrita histórica preservada por esses povos ou relatos de contato com os mesmos. O autor deixa claro como os saberes indígenas foram de extrema importância para o início da colonização do local, já que tais populações possuíam vasto conhecimento da região que, por possuir extensa malha hidrográfica, necessitava de guias para a navegação fluvial.

A relação de conquista e demarcação territorial fez com que os grupos indígenas e europeus entrassem em conflito direto por todo o período colonial. Os indígenas se movimentaram sazonalmente e os colonizadores em contato acreditavam que eles estavam abandonando tais localidades e que não voltariam mais. Este desentendimento, assim como diversos outros problemas, provocou a guerra guaranítica, que levou vários indígenas à situação de cativeiro em missões sob regime de escravidão. Contudo, o pesquisador alerta que até hoje, através de resistências diversas, os indígenas nunca deixaram de frequentar a região de Porto Alegre e seus entornos. Logo, essa permanência pode ser traçada como contínua até os dias atuais, como exemplificado pelo artesanato e agricultura.

Os povos africanos e afrodescendentes também são apresentados, já no final do livro, como essenciais para um entendimento etno histórico mais aprofundado não somente da região porto alegrense, mas também do próprio estado do Rio Grande do Sul, posto que são encontrados quilombos em diversas regiões.

O autor explora como esses grupos resistiram e se apresentam até os dias atuais como produtores essenciais nos inúmeros setores econômicos da cidade, como as atividades domésticas nos meios rural e urbano. O autor ainda salienta que a luta de tais grupos tem sido frutífera, já que através delas conquistaram suas terras historicamente ocupadas. Vicroski dá enfoque ao Quilombo da Anastácia, pioneiro na luta pelos direitos a posse de propriedade quilombola e auxiliou diversos quilombos vizinhos a se estabelecerem formando uma cadeia de suporte mútuo.

A conclusão do livro se propõe a arrematar as reflexões e destacar a diversidade da região, além de ressaltar a etno-história, em conjunto com a arqueologia, como campos do conhecimento chaves para revelar essa diversidade, que torna não somente a sociedade mais tolerante por reconhecer seus traços culturais, históricos e genéticos, como mais perceptiva com sua própria história, reconhecendo esses grupos indígenas e afrodescendentes.

Vicroski obtém sucesso com o objetivo deste livro, demonstrando conhecimento da produção acadêmica sobre o assunto e explicando suas ideias com linguagem didática, lançando mão de imagens e raciocínios leves, para que quem não tem contato com o trabalho desenvolvido tenha um vislumbre básico, mas repleto de conteúdo substancial. O pesquisador se debruça sobre uma importante tarefa, cada vez mais necessária nos dias atuais: a divulgação das ciências humanas e a reafirmação da importância desses saberes. Em momentos não tão otimistas como os quais se vive atualmente, em que bolsas de estudo são cortadas (PORTARIA…, 2020) sem motivo justificável ou em que autoridades se manifestam contra a preservação de sítios arqueológicos em tom jocoso (SPERB, 2019), divulgar a importância da pesquisa na construção de um país mais igualitário é essencial.

Referências

HARTOG, François. Tempo e Patrimônio. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 22, n. 36, p. 261-273, 2006.

SILVA, Ana Flávia Sousa. Complexo Arqueológico Serra do Morcego, Caxingó (PI): proteção, conservação e manejo de sítios arqueológicos de registros rupestres. 2014. 150 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia e Arqueologia) – Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2014.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Premissas para a formulação de políticas públicas em Arqueologia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 33, p. 37-57, 2007.

PORTARIA da Capes corta bolsas de diversos programas de pós-graduação. Andes, 24 mar. 2020. Acesso em: 08 jul. 2020.

SPERB, Paula. Cocozinho petrificado de índio barra licenciamento de obras, diz Bolsonaro. Folha de S. Paulo, 12 ago. 2019. Acesso em: 08 jul. 2020.

Bruno Stori –  Estudante do 5º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do PET História UFPR.

Helena Putti Sebaje da Cruz – Estudante do 3º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do PET História UFPR.

Kauana Silva de Rezende – Estudante do 7º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do PET História UFPR.

Walter Ferreira Gibson Filho – Estudante do 7º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do PET História UFPR.


VICROSKI, Fabrício José Nazzari. Breve contextualização arqueológica e etnohistórica de Porto Alegre e região. Porto Alegre: Sírius Estudos e Projetos Científicos, 2020. Resenha de: STORI, Bruno; CRUZ, Helena Putti Sebaje da; REZENDE, Kauana Silva de; GIBSON FILHO, Walter Ferreira. Cadernos de Clio. Curitiba, v.9, n.1, p.144-149, 2018. Acessar publicação original [DR]

Religiões de matrizes africanas e intolerância religiosa no Brasil  | Escrita da História | 2018

A intolerância religiosa não é um fenômeno político e social que acontece exclusivamente no Brasil. Um breve panorama histórico sobre as tramas de construção dos Estados nos mostra que a intolerância religiosa foi durante a Idade Média um dos motivos das caças aos “hereges” e às “bruxas”, tal como na Era Moderna e Contemporânea seria uma das razões para perseguições a judeus, mulçumanos, cristãos ortodoxos, grupos ciganos, grupos religiosos afro-brasileiros etc. Ao nos debruçarmos sobre o contexto histórico americano, especificamente o brasileiro, chamamos atenção para o fato de que, entre estes grupos, os mais perseguidos por motivo de intolerância religiosa são de religiões de matrizes africanas. 1

A intolerância religiosa, construída no Brasil, faz parte de um processo dicotômico de dominação social, política e religiosa entre a “boa” e a “má” religião, no qual os adeptos das religiões africanas, com suas culturas e representações, configuram um mal a ser combatido pelos não adeptos destas religiosidades desde o período colonial. Portanto, os artigos aqui reunidos buscam entender as configurações históricas da intolerância religiosa no Brasil, em especial contra os segmentos religiosas de matrizes africanas. O Dossiê “Religiosas de Matrizes Africanas e Intolerância Religiosa no Brasil” tem a intenção de contribuir para os estudos, as pesquisas e os debates sobre o tema. Leia Mais

Escritas de si nas Américas | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2018

Um amplo movimento historiográfico, empreendido a partir dos anos oitenta do século XX, incorporou fontes antes consideradas “acessórias” e/ou “informativas”, concedendo-lhes novo status. Se há bem pouco tempo o indivíduo era apreendido como um elemento frágil e incerto de um “todo” que o sobrepujava, com a readaptação das lentes de análise, a historiografia se dispôs a um arrojado projeto: inquirir-se sobre a concepção de verdade histórica, aproximando-se das perspectivas criadoras e inventivas, emergentes do mundo privado, íntimo e particular. Essas últimas três palavras desvelam o encontro com as práticas cotidianas em escala micro. Igualmente, desvelam a invisibilidade e o anonimato impingidos àqueles que não integravam o rol de lideranças e/ou heróis porque não eram identificados como portadores da capacidade de significar sua experiência no tempo. Seguindo essa argumentação, o sentido de cada uma das palavras mencionadas se amplia, instaurando-se a diferença entre elas. O íntimo e o particular integram o ambiente privado. Entretanto, não se reduzem a ele nem exprimem a convergência de práticas nesse espaço. Por um lado, o particular é íntimo, a depender da interlocução que se produz entre os sujeitos na cena histórica; por outro, o particular pode ser mobilizado por mitos e rituais públicos, sem prejuízo ao segredo íntimo, que permanece resguardado no privado. Por esses cruzamentos, as dicotomias e dissensões entre indivíduo e sociedade desaparecem, dando lugar a uma investigação que privilegia a troca de experiências – no micro, reconhece-se o macro; no indivíduo, exprimem-se as práticas socioculturais. Leia Mais

As esquerdas latino-americanas e a Revolução Russa de 1917: Abordagens e reflexões no contexto do centenário | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2018

A proposta deste dossiê surgiu em 2017, ano marcado por inúmeras iniciativas de reflexões sobre o centenário de um dos acontecimentos mais marcantes do século passado: A Revolução Russa de 1917. No Brasil, assim como em outros países latino-americanos, programaram-se eventos acadêmicos preocupados em realizar um balanço do impacto e das heranças da Revolução Russa no continente. Os resultados observados indicaram um interesse crescente pelo estudo dos desdobramentos dessa experiência de superação do capitalismo no campo teórico e na prática política e cultural de partidos políticos, movimentos sociais e indivíduos nas distintas regiões da América Latina. O processo abrangente, heterogêneo e marcado por profundos desacordos e rupturas tornou o desenvolvimento da esquerda e da sua relação com a repercussão da Revolução Russa objeto de estudos variados.

Parafraseando Barry Carr (2017), as pesquisas atuais contrariam os prognósticos de 30 anos atrás em que a história operária, a história do trabalho e a história das esquerdas (vistas de todas as óticas incluindo a história cultural e social) sairiam de moda e que as novas gerações não se interessariam por esses temas. Redes de pesquisa, arquivos e revistas dedicadas ao tema do comunismo na América Latina atestam a relevância das diferentes correntes comunistas e da esquerda radical nos movimentos operários e camponeses, bem como em importantes setores da intelectualidade do continente. Retomou-se assim o campo a partir de um conjunto diversificado de propostas em um ambiente acadêmico mais aberto ao exame e debate com espírito interdisciplinar e plural inconcebível em períodos anteriores. Leia Mais

Escravidão e sociedade em espaços lusófonos / Ponta de Lança/2018

O mundo lusófono, considerado como um todo, cruza mares e continentes. Constituído por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal e Timor Leste, este mundo transnacional e cosmopolita inclui atualmente cerca de 250 milhões de falantes do português. O estudo do espaço cultural criado pela adoção da língua portuguesa ainda carece de pesquisas acadêmicas multi e interdisciplinares amplas e a partir de várias perspectivas. Atualmente, essa lacuna tem sido suplantada pela realização de estudos que procuram mostrar a lusofonia a partir de uma perspectiva globalizante que une diferentes regiões desse imenso espaço. Leia Mais

80 anos da morte de Lampião. Releituras do cangaço / Ponta de Lança/2018

As permanências da memória de Lampião no cenário cultural brasileiro contemporâneo são o ponto de partida para a revisão da história do cangaço nos 80 anos da morte do Rei do Cangaço. Eis o impulso gerador das tramas tecidas nesse dossiê da Revista Ponta de Lança: História, Memória & Cultura, que, agora, vem a público. A rede formada no itinerário da edição conta com contribuição de pesquisadores/as de diferentes instituições de ensino e pesquisa do contexto universitário nacional e internacional.

Esse passado que não quer passar do cangaço, principalmente na região nordestina, convive com uma obsessão contemporânea da cultura da memória repleta de jogos de lembrança, esquecimento e silêncio. Só se comemora o que é significativo, sendo que várias indagações emergem quando as comemorações instauram a experiência de temporalidade fronteiriça em suspensão entre o pretérito e o porvir, oportuna às releituras de acordos e conflitos reveladores do presente, que rememora, coletivamente, marcas do que considera sua identidade. Leia Mais

Vivir es muy peligroso: Mesiânicos y cangaceiros em los sertones brasileños – DOESWIJK (PL)

A historiografia das rebeldias no campo brasileiro nas primeiras décadas republicanas não tem repercutido como deveria no mundo de língua hispânica, especialmente por conta das proximidades históricas e sociais entre as experiências rurais na América Latina. De certa forma, o livro de Andreas Doeswijk, professor da cátedra de História Americana (séculos XIX e XX), na Universidade de Comahue, na província de Neuquén (Argentina), pode suprir essa insuficiência e contribuir para o avanço do intercâmbio entre as historiografias nacionais latino-americanas, como atestam as aproximações por ele sugeridas entre as obras de Euclides da Cunha e Domingo Faustino Sarmiento para se pensar as respectivas nações do Cone Sul. Leia Mais

Bandoleros Santificados: las devociones a Jesús Malverde y Pancho Villa – JÓNSDÓTTIR (PL)

La investigadora Kristín Guðrún Jónsdóttir de origen finlandés, con estudios de doctorado en Literatura Hispánica y Estudios Latinoamericanos por la Arizona State University, desde 2004, además, profesora invitada en reconocidos centros de investigación y universidades en México, Puerto Rico y España. Públicó en 2014 “Bandoleros Santificados: las devociones a Jesús Malverde y Pancho Villa”, título editado por el Colegio de Michoacán y el Colegio de la Frontera Norte en México.

Este libro que recogió algunos apartados de la tesis doctoral de la autora (2014, p. 231), es un valioso aporte para el estudio del bandolerismo y sus implicaciones en la cultura de los grupos marginados o “subalternos”. La investigadora aborda uno de los fenómenos característicos de la religiosidad popular en el siglo XX, la transformación de antiguos bandoleros en santos populares en el norte de México (JÓNSDÓTTIR, 2014, pp. 11 – 17). Leia Mais

Manuais escolares, mediações tecnológico-pedagógicas da Escola Moderna / Cadernos de História da Educação / 2018

São várias as locuções para designar os livros destinados ao uso escolar: manuais pedagógicos, livros didáticos, livros escolares, manuais didáticos etc. Todas elas versam sobre questões relativas ao ensino, mas também à aprendizagem, seja para formar professores ou alunos, por causa da cadência que tais livros imprimem à organização do trabalho didático. O que os caracterizam são a forma didática aliada aos conteúdos cognitivos, mas ambos se engendram para a constituição do livro escolar.

Esse dossiê reúne seis artigos, sendo cinco sobre livros escolares de teor diverso: três deles se referem a manuais de Pedagogia, destinados à formação de professores, dois se envolvem com manuais didáticos, destinados ao aluno, e referidos aos fundamentos de educação e à aprendizagem da escrita e da redação; e o último trata, com especificidade, de conteúdos relativos às “regras comuns para os professores das classes mais baixas” explicitadas no Ratio Studiorum.

Contemplam tais análises datações diversas: 1599, 1825, 1851, 1874, 1895, 1965 e os anos de 1980-1990. Por isso, seriam tais livros escolares expressões da ‘longa duração’ de F. Braudel (1902-1985), uma locução cunhada em 1949; porém, não se trata de afirmar que tais livros escolares sejam apenas expressões de um tempo longo, mas sim de considerálos como partícipes centrais da escola moderna enquanto mediações em diferentes tempos e espaços diversos.

Poderiam ser considerados como singularidades, mas também como mediações, representadas por esse dossiê, uma vez que estão presentes nos inúmeros colégios jesuítas pelo mundo afora, na Itália, na França, no Brasil e na Colômbia. São eles mediações representantes de uma história cruzada e mesmo interconectada em vista de sua disseminação e de sua circulação, o que permitiria a investigação comparada.

Nos objetos envolvidos pelos artigos desse dossiê, a escola se encontra protagonizada, seja pela orientação ao professor, seja pela destinação ao aluno. Ou seja, tal centralidade privilegia o que a escola deve fazer, seja pelo protagonismo de que goza o professor, seja pelas demarcações didáticas destinadas ao aluno.

Talvez o que esteja em foco seja mesmo o ensino, pois tais textos-objeto do dossiê contemplam conteúdos específicos inspirados em organização didática adequada, em linguagem acessível e em facilitação do entendimento. Quando tais livros escolares são denominados por manuais, sua origem se refere a manus, que em latim significa mão, o que designa que seja algo manuseável, que seja levado à mão do leitor aquilo que é essencial em termos de conhecimento.

Por isso, ao manual é inerente ser didático, isto é, apropriado ao ensino. Além disso, os conteúdos, por consequência, estão associados a uma dada disciplina, cuja raiz deriva do verbo latino, discěre, cujo significado é aprender, instruir, estudar. Em suma, o molde didático tem em vista a formação do professor, como é o caso dos manuais pedagógicos, mas não deixam os livros escolares de se constituírem como mediação tecnológico-pedagógica.

Como se observa, os livros escolares são inerentes à cultura ocidental, por exemplo, desde o Didascalicon, da Arte de Ler de Hugo de São Vitor (1096-1141), um manual destinado à orientação da leitura. Com certeza, estão presentes em tais livros escolares concepções de pedagogia e de educação, traduzidas em orientações antropológico-filosóficas, éticas, psicológicas, religiosas, políticas e metodológicas em relação ao ensino. Certamente, sob tais orientações estão as concepções de professor, de aluno, de ensino, de aprendizagem, didática etc.

O artigo de Mirella Dascenzo se conduz em torno do método indiciário e arqueológico, ao modo de Sherlock Holmes, através de um manual de Pedagogia destinado à formação de professores. Seu foco é a busca de indícios de tradições metodológicas e didáticas subjacentes, que possam revelar a circulação do saber pedagógico e didático destinado à referida formação dos docentes. O manual de Pedagogia em foco tem por título, Istruzioni di Mauricio Serra ao maestro della scuola normale del villaggio di Bunnanaro in Sardegna. Sua publicação é de 1825, antes portanto da unidade italiana, e está circunscrito ao período de medidas assumidas, a favor da instrução do povo, pelo Reino do Piemonte e da Sardenha antes da referida unidade. Em particular, tratava-se de induzir os párocos a coadjuvar o Estado em torno da empresa educativa. Em termos de resultados, argumenta a autora que as tradições metodológicodidáticas sedimentadas constituem o ‘ritmo lento da História’, a ‘longa duração’ de F. Braudel; além disso, o manual de Maurício Serra permite entrever experiência e sensibilidade didática amadurecida, além de revelar a possibilidade de complexa reconstrução da história comparada das culturas escolásticas e da educação.

O artigo de Karl Lorenz tem por objeto o Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu (Método e Sistema de Estudos da Companhia de Jesus) aprovado em 1599. Tal documento, conforme o autor, tem por arquitetura as políticas, os procedimentos administrativos, os currículos e as práticas de ensino nas instituições educacionais jesuíticas na Europa e no exterior. Seu foco específico é o programa das letras humanas, cuja análise converge para o comportamento profissional do professor jesuíta responsável por sua implementação. Este trabalho identifica as ações que um jesuíta brasileiro teria demonstrado quando ensinando as humanidades em um colégio brasileiro nos séculos XVI e XVII. Suas ações e atividades pedagógicas são inferidas das Regras comuns para os professores das classes mais baixas explicitadas no Ratio Studiorum.

Ariclê Vechia tem por objeto o manual intitulado, Fundamentos da Educação, de Amaral Fontoura. Nas primeiras décadas do século XX, os educadores brasileiros se apropriaram de um conjunto de ideias de renovação educacional que convencionamos chamar de Escola Nova. As ideias “escolanovistas”, permeadas por diferentes vertentes de pensamento, nortearam as reformas educacionais e as práticas educativas até os anos 1960. Nesse programa de reformas educacionais, a publicação de livros foi uma das principais estratégias para divulgar valores e conhecimentos destinados a conformar a prática docente. A partir de meados dos anos 1940 houve uma renovação das preocupações com os aspectos teórico e metodológico da formação de professores, sendo que os manuais pedagógicos assumiram a função de guia para o professor. Alguns de seus autores eram “escolanovistas”, de vertente católica, como Amaral Fontoura, autor do manual, Fundamentos da Educação, a primeira obra da Coleção Biblioteca Didática Brasileira assinada por ele, e que teve grande aceitação nas escolas normais do país.

Sara Evelin Urrea Quintero e Elizabeth de Sá focalizam um manual de orientação ao professor rural colombiano, e visam explicitar a formação de professores expressa em Hacia una Escuela Nueva. Unidades de capacitación docente, por intermédio das representações de ruralidade e de professor rural nele presentes. Seu marco temporal está circunscrito aos anos de 1980-1990. Na verdade, Escuela Nueva é um programa educacional pensado especificamente para a zona rural colombiana, nascido nos anos de 1970 e vigente até os dias atuais. O presente artigo tem como objetivo analisar o manual para a formação dos professores, Hacia una Escuela Nueva. Unidades de capacitación docente, visando compreender as representações de ruralidade e de professor rural inscritos nele. Pela análise, foi possível perceber que o modelo pode se vincular ao ruralismo pedagógico, não só por utilizar como pano de fundo a vida camponesa, mas pelo seu caráter nomeadamente prático. Ditas pedagogias revelam representações sobre o rural que o compreendem como um cenário pacífico, harmonioso, livre de conflito e com uma forte presença do Estado.

Geraldo Inácio Filho tem por objeto o livro, Princípios de Composição: descripções, narrações, cartas, etc, de Guilherme do Prado, cuja edição é de 1895. Tal manual didático caracteriza-se por prescrições para o ensino da redação / composição na escola, e procura ressaltar como o autor assimilou conhecimentos que contribuíram para fazer da composição / redação um saber escolarizado. Em termos de resultados, o autor configura tal manual como expressão da Escola Nova. Em termos de contextualização, situa-se que a escola brasileira, no fim do século XIX, tinha como ponto forte o ensinar a ler, escrever e contar. E o manual em pauta refere-se justamente à arte de bem escrever. Por isso é atípico, posto que grande parcela dos até então estudados tratam da leitura e não da redação. Assim sendo, esse manual de composição permite perceber o interesse do autor em não se afastar do que se fazia e se pensava no mundo, ao mesmo tempo que levava em consideração nossa realidade nacional.

José Carlos Souza Araujo tem por foco dois manuais de Pedagogia: Cours Pratique de Pédagogie, de Jean-Baptiste Daligault, publicado na França em 1851 – e traduzido e publicado no Brasil, através de duas edições, uma em 1865 e a outra em 1874 – e o Compêndio de Pedagogia de Braulio Jayme Muniz Cordeiro, cuja publicação se deu no Brasil em 1874. O objeto dessa investigação é de caráter comparativo dos referidos manuais destinados à formação docente. O autor privilegia, nesse artigo, as concepções de Educação, ângulo teórico da Pedagogia, Ciência da Educação, a qual também compreendia a dimensão prática, envolta em questões relativas ao que se denominava então por Metodologia. Em termos de resultados, tais manuais foram enfocados como expressões singulares da Pedagogia da Essência, através da vertente humanista cristã, além de se encontrarem assentados em relações culturais, políticas, religiosas, educacionais e escolares. De um lado, tais manuais são singulares em relação à totalidade social, constituindo-se como compartilhantes do processo de formação e qualificação docente no Brasil, àquela altura ainda através das escolas de primeiras letras; de outro, em termos de totalidade social, estão radicados em concepções fundadas na Antropologia, na Ética, na Metafísica de caráter teológico, na Política, no Civismo, na Teologia, na Pedagogia, porém demarcadas pela visão de mundo cristã.

José Carlos Souza Araujo – Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Uberaba. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: jcaraujo.ufu@gmail.com

Geraldo Inácio Filho – Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, com estágio de pós-doutorado concluído na Universidade de Lisboa. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: gifilho@uol.com.br


ARAUJO, José Carlos Souza; INÁCIO FILHO, Geraldo. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 17, n.1, jan. / abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Fontes Documentais | IFS | 2018

Fontes Documentais1 Fontes Documentais

A Revista Fontes Documentais, em seus seis anos de existência, tem atuado como um veículo difusor e fomentador da produção científica e acadêmica nas áreas de Ciência da Informação, Biblioteconomia, Documentação, Arquivologia, Museologia, Tecnologias da Informação e Comunicação, História da Educação e áreas afins relacionadas com Cultura, Memória, Identidade e Patrimônio Documental. Com a proposta de ampliação de espaços temáticos, a revista abrange outros saberes, tornando-se a cada nova edição um periódico voltado à multidisciplinaridade, um plus, uma tendência cada vez mais adotada pela academia e pela ciência, enquanto combinação de saberes em benefício da sociedade.

Este periódico visa promover a disseminação do conhecimento e contribuir para o avanço científico e acadêmico, bem como para a inovação e as tecnologias informacionais, e a cultura, em âmbito nacional e internacional. Além disso, mantém o foco nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, especialmente nos aspectos relacionados à sustentabilidade informacional. A revista combina uma abordagem integrada com o acesso universal à informação e ao conhecimento, visando a construção de um mundo mais justo por meio da informação sustentável. [Foco e escopo capturados em 2024]

A Revista Fontes Documentais (Aracaju, 2018-) é uma publicação científica com periodicidade quadrimestral e de fluxo contínuo, organizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em História das Bibliotecas de Ensino Superior – GEPHIBES, vínculado ao Instituto Federal de Sergipe – IFS, com o objetivo de atuar como um veículo difusor e fomentador da produção acadêmica. Destina-se à divulgação de trabalhos gerados a partir de pesquisas originais, relatos de experiência, estudos bibliográficos, pesquisas em andamento, resumos expandidos e entrevistas desenvolvidas tanto no estado de Sergipe quanto em outras regiões brasileiras e/ou em outros países. As áreas de abrangência são:

  • Ciência da Informação
  • Biblioteconomia
  • Documentação
  • Arquivologia
  • Museologia
  • História da Educação
  • Áreas afins relacionadas com cultura, memória e representação [Foco e escopo capturados em 2020]

Periodicidade quadrimestral

Acesso livre

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LaborHistórico. Rio de Janeiro, v.4, n. 2, 2018.

Interseções entre a historicidade da língua e a historicidade do texto sob a ótica das Tradições Discursivas

Nota Editorial

Apresentação

  • Cleber Alves de Ataíde, Valéria Severina Gomes
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Artigos – Dossiê Temático

Artigos – Varia

LaborHistórico. Rio de Janeiro, v.4, n. 1, 2018.

Tradições Discursivas: faces e interfaces da historicidade da língua e do texto

Nota Editorial

Apresentação

Artigos – Varia

Resenhas

Bantu | UEMG | 2018-2018

Batu4 Fontes Documentais

Bantu – Revista de de Educação, História e Patrimônio Cultural (Ibirité, 2018-2018) surgiu a partir de uma antiga aspiração de docentes e discentes da Unidade Acadêmica UEMG de Ibirité (MG).

Seu nome procura referenciar a pluralidade cultural humana, reverenciando também com isso a formação social brasileira.

O periódico publica trabalhos inéditos que contemplem temas que interdisciplinares ou não, gravitem pela Educação, História e Patrimônio Cultural.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 2595-9506.

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História do Cristianismo / Revista Brasileira de História das Religiões / 2018

Caro (a) leitor (a)!

A Revista Brasileira de História das Religiões tem a satisfação de publicar a Chamada Temática História do Cristianismo, que teve por objetivo reunir reflexões sobre a historicidade do cristianismo e a sua difusão em diferentes tempos espaciais. Como os desafios para tratar essa temática são inúmeros, esta publicação está aberta à pluralidade de interpretações e de opções teóricas e metodológicas. No Brasil, nota-se um crescente interesse de historiadores, cientistas sociais e cientistas da religião em investigar as origens e a história do cristianismo, como podem ser observados nos artigos que compõem este volume.

O primeiro artigo “Império Romano e integração dos cristãos: os cristãos nas cartas de Plínio, o Jovem, e Trajano” é de Renata Lopes Biazotto Venturini e de Alex Aparecido da Costa. Os autores analisam os limites e as possibilidades da inserção do cristianismo na província romana da Bitínia, por meio do estudo de duas correspondências entre Plínio e Trajano, cujos temas eram os cristãos no Império Romano.

Na sequência, o artigo “Paganismo e cristianismo na correspondência entre Agostinho de Hipona e Nectário de Calama”, de José Mário Gonçalves, enfoca as correspondências trocadas pelo bispo católico Agostinho de Hipona e o pagão Nectário de Calama por ocasião dos violentos conflitos ocorridos em 408 d.C., em Calama, cidade da Numídia.

Na linha do debate sobre a Igreja Católica, Dirceu Marchini Neto é autor do terceiro artigo – “O Priorado do Crato da Ordem do Hospital”. Sua proposta é analisar o surgimento e a expansão da Ordem do Hospital de São João de Jerusalém, no Reino de Portugal, durante a Idade Média, e as relações de prestígio e poder que estabelecia com as famílias nobres e com a monarquia.

Youssef Alvarenga Cherem é o autor do artigo “Católicos de rito não latino e a questão do celibato clerical”, que discute sobre as tradições eclesiais e teológicas a respeito do celibato do clero da Igreja Católica e daquelas de ritos orientais, como a Rutena e a Melquita.

O sexto e último artigo do volume “Religião e espaço público: história e pensamento de Edith Stein e sua relevância para a sociedade” é de autoria de Jefferson Zeferino e de Clélia Peretti. A partir do pensamento e da sensibilidade de Edith Stein, enfocam-se as suas percepções sobre a ascensão do Nacional Socialismo, na Alemanha, e sobre a sua ação social enquanto católica.

Por fim, concluímos a Chamada Temática com a entrevista realizada por Salma Ferraz com Ádryan Krisnamurt Edin da Luz, fundador da EQUI Orgânica, em 2012.

A seção Artigos oferece cinco textos que apresentam discussões muito interessantes e com rica pesquisa. Francisco Eduardo de Andrade é autor do artigo “Cativeiros e enredos de libertação dos devotos de cor nas Minas da América Portuguesa”. Em seu texto, aborda as diversas performances dos escravizados, dos libertos e das pessoas livres de cor das Minas Gerais setecentistas e a forma como conceberam e lutaram pela liberdade. A seguir, Joana Bahia, no artigo “O Rio de Iemanjá: uma cidade e seus ritos”, enfoca a inserção histórica do culto no Rio de Janeiro e a importância das oferendas a Iemanjá. O terceiro artigo, “Misticismo em Brasília: New Age e Dom Bosco na pedra angular da capital federal”, de autoria de Pepita de Souza Afiune e Eliézer Cardoso de Oliveira, que enfoca as representações místicas presentes no Monumento da Pedra Fundamental, construído em 1922, na cidade de Planaltina, vinculadas aos sonhos do sacerdote italiano João Dom Bosco e aos discursos de diversos grupos esotéricos. Rogério Luiz de Souza, no texto “A festa como maquinaria dos corpos: a política eugênica nacionalizadora e reinvenção da festa do Divino Espírito Santo”, apresenta as reinvenções da Festa do Divino na cidade de São José, em Santa Catarina, durante a ditadura nacionalizadora de Getúlio Vargas. Por fim, o artigo de Magno Francisco de Jesus Santos, “‘Só aqui no Icó nós temos, uma festa bonita assim’”: sacralização do espaço e da memória na festa do Senhor do Bonfim de Icó / CE”, enfoca a sacralização do espaço e da memória, por meio dos usos do passado atrelados aos episódios centrais da Festa do Senhor do Bonfim de Icó.

A última seção – Resenhas – oferece o texto de oração e experiência cristã no Mediterrâneo Oriental da Antiguidade Tardia e do Medievo, de autoria de Alfredo Bronzato da Costa Cruz.

Agradecemos a todas e todos que contribuíram para a qualidade deste número da revista. Desejamos que tenham uma boa leitura e que continuem divulgando a Revista Brasileira de História das Religiões para novos leitores e pesquisadores!

Emanuela Prinzivalli (Università di Roma “La Sapienza”)

Jérri Roberto Marin (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Universidade Federal da Grande Dourados)


PRINZIVALLI, Emanuela; MARIN, Jérri Roberto. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.10, n.30, jan. / abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Gênero do Mundo Antigo: contribuições para um debate / Hélade / 2018

Desnaturalização da diferença e combate à intolerânica

Os estudos de gênero têm início na década de 1960 na Europa e nos Estados Unidos como resultado do impacto dos movimentos libertários que questionavam os valores dominantes e lutavam pelo respeito às minorias. Contudo, embora utilizado por outras áreas do conhecimento, como a Psicologia, a emergência do gênero como conceito pertinentemente empregado nas pesquisas em História se dará apenas a partir dos anos 1980. Até então, faltava ao gênero a credibilidade necessária entre os historiadores. Tal descrédito era justificado pela acusação feita ao conceito de que o mesmo não seria operacional. Será a historiadora e feminista norte-americana Joan Scott que fará, a nosso ver, a devida e decisiva defesa do gênero diante de seus pares. Em artigo publicado em 1986, Gender: a useful category of historical analysis, Scott defendia a operacionalidade do gênero, definindo-o como modo primeiro de significar as relações de poder, rejeição ao determinismo biológico, defesa do caráter essencialmente social das distinções constituídas sobre o sexo e da dimensão relacional entre homens e mulheres.

A partir desta definição tecida por Joan Scott, ainda hoje amplamente empregada, o uso do gênero pela História ganha impulso. Inicialmente “associado e utilizado principalmente pelas historiadoras das mulheres” (CUCHET, 2007, p. 18), atualmente o conceito é adotado seja pela ‘História das Mulheres’, pela ‘História de Gênero’ ou pelo Men’s Studies. Empregado em todas as temporalidades da pesquisa histórica e muito utilizado por esta e outras disciplinas, o conceito de gênero conquistou o seu lugar e a legitimidade na academia. Não só na academia, mas também nas mídias sociais e nos programas implantados por instituições e governos. No entanto, apesar disso e das conquistas obtidas pelo movimento feminista, as desigualdades de gênero ainda persistem. Tais desigualdades podem ser observadas na violência a qual as mulheres estão submetidas justamente pela condição de serem mulheres. A vulnerabilidade em que se encontram pode ser verificada no levantamento recente feito pela Thomson Reuters Foundation. Os cerca de 550 especialistas em temas femininos que colaboraram com a pesquisa apontaram os 10 paísesmembros da Organização das Nações Unidas (ONU) mais perigosos para as mulheres.[2] Dentre eles, para a surpresa de muitos, figura na décima posição os Estados Unidos: tradicional defensor das liberdades democráticas e dos direitos humanos. Quanto ao Brasil, ainda que esteja ausente desta lista, o país – segundo reportagem da Revista Exame3 – tem a quinta maior taxa de feminicídios do mundo.

Para desnaturalizar a violência contra a mulher, as demais discriminações a que estão submetidas, bem como a violência e segregação motivada pela identidade de gênero manifesta pelos indivíduos, é necessário que os debates em torno do conceito estejam presentes no ambiente escolar e acadêmico. Só através da educação, ou seja, da conscientização acerca das desigualdades existentes na sociedade – dentre elas, as de gênero – e da compreensão do modo pelo qual são constituídas, será possível formar cidadãos mais empáticos e respeitosos às diferenças. Entretanto, a inclusão das discussões sobre o gênero na sala de aula tem suscitado reações conservadoras de parte da sociedade brasileira que, ao interpretar de modo equivocado o intuito destes debates, acabam por considerá-los promulgadores de uma pretensa ‘ideologia de gênero’. Para este segmento da sociedade, as reflexões em torno do conceito nas escolas, nas universidades e nas mídias teriam o objetivo de influenciar, sobretudo, crianças e jovens. E, ao influenciá-los, os levar a adotar um gênero diferente daquele a eles atribuído no nascimento em decorrência do sexo biológico. Tal inferência explica as manifestações ocorridas em 2017 contra a presença da filósofa Judith Butler no Brasil. No entanto, tal interpretação é equivocada.

O que o debate em torno do conceito propõe é a desnaturalização da diferença e o combate à intolerância. Por meio do entendimento de que as diferenças sociais entre homens e mulheres não são inatas, mas fruto da interpretação que uma determinada sociedade faz do masculino e do feminino, o gênero permite desconstruir a visão tradicional de que a mulher é ‘naturalmente’ propensa aos serviços domésticos, à submissão ao homem e à manifestação de determinadas habilidades. Do mesmo modo, o gênero permite desmistificar a percepção do homem como não dado às emoções, voltado para as atividades externas à casa e portador de um comportamento caracterizado invariavelmente pela virilidade. Além disso, o gênero e mais especificamente a teoria da performatividade de gênero de Judith Butler (2015) – que em nenhum momento professa a inexistência da diferença entre os sexos – chama a atenção para o fato de que há pessoas que não conseguem se adequar às expectativas que a sociedade atribui ao gênero que lhes confere. Tal impossibilidade de adequação e a segregação dela decorrente geram sofrimento e, não raro, violências físicas que podem se tornar letais. A compreensão da existência de pessoas que estão impossibilitadas de se adequar as expectativas de gênero da sociedade visa, portanto, suscitar o respeito e minar a intolerância e violência desferida contra esses indivíduos. O gênero é, assim, um importante conceito que visa permitir uma existência com mais respeito à diferença e, por conseguinte, que estimula a vivência das liberdades democráticas.

Os artigos que compõem esse dossiê partem da perspectiva de gênero ao abordar o papel desempenhado pelas mulheres nas sociedades antigas, a forma como as tratam os livros didáticos que contemplam a História Antiga, a construção dos papéis de gênero na documentação, assim como os desvios aos ideais de comportamento feminino e masculino vigentes na Antiguidade. Tais textos, consequentemente, nos permitem observar semelhanças e diferenças no modo como construímos e definimos os papeis de feminino / masculino e a forma como as sociedades da Antiguidade o fizeram. As diferenças que este exercício de comparação ressalta permitem exemplificar e compreender a definição do gênero como o modo como uma determinada sociedade interpreta as diferenças baseadas no sexo. Esta definição nos leva a compreender que os comportamentos tidos como tipicamente femininos ou masculinos não são os mesmos em todos os lugares e em todas as temporalidades, contribuindo assim para a reafirmação do compromisso que a teoria de gênero professa: desnaturalizar a diferença e combater a intolerância.

Notas

2. Segundo reportagem do Estadão, dentre os quesitos de periculosidade que foram considerados pela pesquisa se encontram a vulnerabilidade à violência sexual e não sexual, assim como na área da saúde e da economia. Disponível em https: / / internacional.estadao.com.br / noticias / geral pesquisa-revela-os-10-paises-mais-perigosos-para-as-mulheres,70002370639 . Acesso em 26 / 08 / 2018 às 14h00.

3. Disponível em https: / / exame.abril.com.br / brasil / taxa-de-feminicidios-no-brasil-e-a-quintamaior-do-mundo /  . Acesso em 28 / 08 / 2018 às 16h00.

Referências

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

SCOTT, Joan. ‘Gênero: uma categoria útil para análise histórica’. S.O.S. Recife: 1991.

SEBILLOTTE CUCHET, Violaine. ‘Les antiquistes et le genre’. In: SEBILLOTTE CUCHET, Violaine; ERNOULT, Nathalie (orgs.). Problèmes du genre en Grèce Ancienne. Paris: Publications de la Sorbonne, 2007.

Talita Nunes Silva Gonçalves – Doutora em História Social pelo PPGH-UFF e pesquisadora vinculada ao NEREIDA-UFF. E-mail: proftalitanunes@gmail.com


GONÇALVES, Talita Nunes Silva. Editorial. Hélade. Rio de Janeiro, v.,4, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e relações internacionais | Henrique Sartori de Almeida Prado e Tomá Espósito Neto

A fronteira é um conceito clássico para a Geografia Política, estudada e discutida por muitos teóricos devido sua importância por representar a área marginal de domínio territorial e limítrofe para o exercício de poder do Estado. As fronteiras podem variar de extensão conforme a disposição do espaço geográfico, e podem ser demarcadas quando países vizinhos conseguem estabelecer os limites políticos internacionais. Muitos conflitos no mundo tiveram como motivação a conquista de territórios e a expansão das fronteiras dos países.

A fonte de poder material de cada Estado está em seu território, porção do espaço terrestre e marítimo onde ocorrem as relações de poder, a convivência entre os grupos humanos, a extração dos recursos naturais que possibilitam o desenvolvimento social e o crescimento econômico, mas, sobretudo, é a base física que justifica a existência deste ator no sistema internacional. Nesse sentido, a discussão sobre fronteiras é fundamental para as relações internacionais porque são as áreas geográficas onde encontram-se o início e o fim da soberania de cada Estado. Leia Mais

Mentes educadas ¿Cómo las herramientas cognitivas dan forma a nuestro entendimiento? – EGAN (RHYG)

EGAN, Kieran. Mentes educadas ¿Cómo las herramientas cognitivas dan forma a nuestro entendimiento? Santiago de Chile: Universidad Finis Terrae, 2018. 421p. Resenha de: MERBILHÁA, Magdalena. Revista de Historia y Geografía, Santiago, n.38, p.247-252, 2018.

El libro Mentes educadas del teórico de la educación Kieran Egan, recien­temente traducido y lanzado por la Colección de Educación de la Universidad Finis Terrae, es una referencia fundamental para cualquier persona interesada en educación. Se trata de una visión completa que explica el problema del concepto educativo desde sus orígenes con una genialidad magistral. El pro­fesor Egan inserta las visiones sobre la educación en un contexto histórico y de pensamiento que permite comprender los procesos de un modo ejemplar. No se trata de otro libro sobre cómo educar, sino que va al fondo del tema del cómo y por qué surge la educación y por qué hay cosas que interesan y otras que no. Parte de una base filosófica fundamental, explicando la intrínseca unión entre percepción, pensamiento y sentimiento. Lo que él llama perfinkers (perception, feeling and thinking) sabe que es una unidad inseparable y esto debe estar en la médula y corazón de la educación. Para enseñar y aprender necesitamos comprometer las emocione; si no es así, lo que enseñemos se va a olvidar. Con esta idea central desarrolla un recorrido teórico con aplicaciones prácticas en este libro, la llamada biblia de la educación imaginativa. Leia Mais

Livro didático de História: conhecimento histórico e didática da história no mundo contemporâneo / História & Ensino / 2018

Neste dossiê, intitulado “Livro didático de História: conhecimento histórico e didática da História no mundo contemporâneo”, reunimos artigos com discussões sobre a produção e uso do livro didático e suas políticas de avaliação. Dois eventos realizados na Universidade Estadual de Londrina contribuíram, direta ou indiretamente, com o estudo sobre o livro didático no Brasil e os resultados de tais estudos se fazem presentes nas questões apresentadas nos textos que, dentre outras temáticas, avançam quanto à compreensão do espaço que o livro didático assume na atualidade. O primeiro evento foi a participação da UEL no Programa Nacional do Livro Didático – 2017 (PNLD – 2017), no período de 2015 a 2017. O segundo deles, ocorrido em outubro de 2017, foi a realização do Seminário “Livro Didático de História: Conhecimento Histórico e Didática da História no Mundo Contemporâneo”.

O debate em torno do que é um bom manual didático em História sempre esteve presente entre os segmentos da sociedade [3] e são vários os processos instaurados, pelas mais diferentes pessoas e instituições, demandando do Ministério da Educação (MEC) explicações e reformulações quanto ao tratamento que os autores concedem a este ou aquele conteúdo. Em paralelo a um expressivo crescimento quanto ao conhecimento no campo da Didática da História, vivenciamos, nas últimas décadas no país, a intensificação das contestações sobre a História que se ensina na escola, interpelações estas que precisam ser compreendidas a partir de um contexto expandido, pois colocam em disputa o projeto de Educação escolar do país.

Segundo o Historiador Jörn Rüsen (2011, p. 115) o livro didático ideal teria quatro características importantes: um formato claro e estruturado; uma estrutura didática clara; uma relação produtiva com o aluno; e uma relação com a prática da sala de aula.

Ao elegermos os temas a serem contemplados na apresentação deste dossiê, optamos por explanar, com algumas minúcias, os caminhos e descaminhos vivenciados durante o processo de avaliação de obras didáticas de História articulando com o decurso da gestão pública, revisitando e transcrevendo trechos de documentos que registram o projeto de Educação em pauta.

Há tempos em que a tarefa do historiador é intensificada quanto a sua função de chamar o passado para contextualizar e ampliar a compreensão das infindáveis disputas do tempo presente. Em 1993, Jacques Le Goff, ao prefaciar a obra póstuma e inacabada de Marc Bloch, Apologia da História ou O ofício de historiador, reeditada por seu filho Étienene Bloch, finaliza argumentando de que a obra é produto de um momento no qual Bloch “[…] capta os primeiros frêmitos de uma esperança, tanto de uma libertação da história, que é preciso ajudar na resistência ativa, como de um progresso da ciência histórica, que é preciso esclarecer escrevendo este livro” (2001, p. 34). Oito anos após, na apresentação para a edição brasileira, Lilia Schwarcz destaca os tempos difíceis a partir do qual Bloch escreve a obra e conclui que:

Mesmo nesses contextos extremos, em que a realidade se torna mais do que confusa, inomeável, Bloch defendeu a autonomia da reflexão e a ideia de que a responsabilidade e a necessária militância não eram sinônimos de fórmulas acabadas e índices milagrosos (2001, p. 12).

Le Goff e Schwarcz formulam seus argumentos tendo por referência a reflexão inacabada de Bloch que nos coloca a pensar sobre o ofício do historiador o qual deve, a todo momento, questionar as evidências:

[…] preciso prová-la. Depois, uma vez fornecida esta prova – que não temos o direito de considerar evidente, ou mesmo antecipadamente impraticável – restava ainda, aprofundando mais a análise, perguntar-se por que, de todas as atitudes psicológicas possíveis, estas se impuseram ao grupo. Pois, a partir do momento em que uma reação da inteligência ou da sensibilidade não for natural, ela exige, por sua vez, caso se produza, que nos esforcemos para descobrir suas razões. Resumindo tudo, as causas, em história como em outros domínios, não são postuladas. São buscadas. (BLOCH, 2001, p. 159).

O inacabamento do texto nos coloca frente ao convite de prosseguir com as buscas em todos os campos nos quais se fizer necessário. Hoje, no mundo contemporâneo, o campo do Ensino de História, e, em particular, no que se refere à produção de material didático para essa área do conhecimento, se configura como um campo emergencial para o historiador exercer o seu ofício.

  1. O PNLD 2017 – História: contexto e desdobramentos

No ano de 2015, a Universidade Estadual de Londrina foi selecionada, via Chamada Pública SEB / MEC Nº 01 / 2015, para coordenar o processo de avaliação pedagógica dos livros didáticos de História destinados aos alunos e professores dos anos finais do ensino fundamental. Naquele ano, quando tomamos a decisão de participar do processo de seleção, o país vivenciava o primeiro ano do segundo mandato da Presidenta Dilma Rousseff, eleita em outubro de 2014, em pleito no qual concorreu à reeleição pela chapa liderada pelo Partidos dos Trabalhadores [4] (PT), tendo por vice Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O então senador Aécio Neves, candidato opositor pela chapa encabeçada pelo Partido Social Democrata Brasileiro [5] (PSDB) e seus aliados, questionaram, abertamente, o resultado das urnas e colocaram em curso um regime de oposição que, distanciando dos temas voltados para o desenvolvimento social, cultural e econômico do país, pautou-se no acirramento de um processo de construção de um inimigo nacional comum, o Partido dos Trabalhadores, na figura da então Presidenta e do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o país de 2003 à 2010.

Problemas crônicos do sistema político brasileiro, cuja origem pode ser identificada em nosso passado colonial, patriarcal e escravocrata, foram simplificados e personificados vendendo-se a ideia de que extirpando tais pessoas, ou partidos, os problemas nacionais seriam resolvidos. No que se relaciona ao objeto desse dossiê, consideramos importante destacar que o cenário político nacional, em curso durante a realização do PNLD / 2017 (que para as universidades respondentes à Chamada Pública realizada pelo MEC, teve início em 2015 e finalização em 2017 [6] ), precisa ser registrado, pois influenciou, efetivamente, na redefinição dos contornos ao qual foi submetido o programa após o golpe de 2016 que levou à presidência de Michel Temer (PMDB).

No Ministério da Educação, o entra e sai de mandatários seguiu o clima conturbado vivenciado no país nos anos de 2015 e 2016: Cid Gomes (PDT) assume o ministério em 02 de janeiro de 2015 e permanece por menos de três meses, deixando a pasta em 19 de março. Em abril de 2015, o professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, assume o cargo, permanecendo no mesmo até outubro do mesmo ano quando, em meio à readequação política no governo, é substituído por Aloizio Mercadante (PT) que ficará no cargo até 11 de maio de 2016, dias antes do início da tramitação do processo de afastamento da Presidenta Dilma, finalizado em 31 de agosto de 2016. Em seu lugar, Michel Temer indica Mendonça Filho (DEM), que sairá em abril de 2018 para concorrer a uma vaga no senado pelo estado de Pernambuco, não sendo eleito.

Na Secretaria de Educação Básica (SEB) e na Coordenação de Materiais Didáticos (COGEAM) – setores diretamente responsáveis pela implementação das políticas públicas sobre o livro didático no Ministério da Educação – a alteração nos cargos de chefia foi menor, o que, de certa forma, favoreceu à realização do PNLD 2017 em patamares menos conflituosos quanto à relação da Universidade com o Governo Federal. A Secretaria de Educação Básica (SEB) passou pela coordenação de Maria Beatriz Luce, pedagoga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Rossiele Soares da Silva, advogado e ex-Secretário de Educação do Estado do Amazonas. Na COGEAM, passaram pela coordenação Junia Salles Moreira, historiadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Tassiana Cunha Carvalho, Cientista Política e funcionária de carreira do MEC. Durante alguns meses, Cristina Thomas de Ross, funcionária de carreira do MEC, respondeu pela COGEAM até a efetivação da Tassiana Cunha Carvalho no quadro.

A realização de cada etapa do PNLD é marcada por uma exaustiva rotina de reuniões, envolvendo os responsáveis pelas pastas, os coordenadores do processo avaliativo e os representantes das editoras. Os gestores são peças fundamentais nesse processo e a depender de seu entendimento, envolvimento e atuação no campo da Educação escolar, e, em especial, no campo da produção de material didáticos, vai se constituindo um perfil para o que se entende por um bom livro didático que pode, ou não, influenciar na elaboração dos mesmos, considerando que estamos a tratar de processos com uma temporalidade alargada. Por isso, entendemos que o estudo minucioso do histórico de cada processo avaliativo, em suas singularidades e abrangendo vários escalões do MEC, forneceria dados importantes para a compreensão de como vai se configurando, e também se desconfigurando, os desenhos de uma política pública para a elaboração, avaliação e distribuição dos livros didáticos no país.

Retornando ao PNLD – 2017 – História, sob a responsabilidade da UEL, o resultado da Chamada Pública SEB / MEC Nº 01 / 2015 foi publicado via Portaria nº 28, de 10 de Agosto de 2015, e divulgado no Diário Oficial da União do dia 11 de Agosto de 2015 (Figura 1). Foram selecionadas sete instituições, sendo a UEL a única instituição estadual. Não temos conhecimento do número de concorrentes em cada componente curricular e esta informação seria relevante, pois indicaria o interesse e envolvimento das universidades públicas com o processo de avaliação dos livros didáticos.

Quadro 1 Instituicoes publicas selecionadas para coordenacao do PNLD 2017 Fontes Documentais

Em dezembro de 2015, publica-se no Diário Oficial da União a Resolução nº 13, de 4 de Dezembro de 2015, na qual o Presidente Substituto do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE aprova o apoio financeiro para a UEL realizar o PNLD 2017- História. O que se seguiu foi um amplo processo de adequações e gerenciamentos entre a Secretaria de Educação Básica, por meio da Coordenação Geral de Material Didático, então sob a coordenação de Tassiana Cunha Carvalho [7] , visto que, como já dito, a UEL foi a única instituição estadual selecionada, o que demandou ajustes no sistema de descentralização de verbas por se tratar de transferência de recursos entre esferas administrativas distintas (federal e estadual). Efetivamente, os recursos chegaram à UEL no mês de março de 2016. Apresentamos tais dados para registrar e fomentar futuros estudos sobre o tratamento que as políticas públicas sobre o livro didático receberam do governo federal ao longo de quase um século de existência, a considerar como marco inicial a criação do Instituto Nacional do Livro (INL), em 1929. Em 1994, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), coloca-se, em curso, um processo de retomada e redefinições quanto à distribuição e avaliação dos livros, o qual confere os contornos ao PNLD, vigorando, com alterações, até os dias atuais.

O MEC nomeou para a coordenação técnica do PNLD 2017, cuja função foi estabelecer o contato entre o MEC e a Instituição que sediaria o processo de avaliação, a Profª Drª Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o nome de todos os participantes do processo está publicado junto ao Guia PNLD 2017 – História, disponível na página do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) [8] (BRASIL, 2016).

Nos textos de introdução do Guia citado [9] , para além da contextualização de todo processo, da apresentação dos dados e das análises do Edital PNLD 2017, tem-se um estudo que detalha como as coleções aprovadas abordam os seguintes eixos: tratamento escolar das fontes históricas; relação entre texto-base e atividades; tratamento da temporalidade histórica; Temática Africana e Temática Indígena.

Cada um dos eixos citados fornece uma chave de leitura para interpretar as obras aprovadas, bem como remetem a pontos cruciais que um “bom livro didático de História deveria contemplar”, de acordo com o processo avaliativo e o edital que direcionou a forma e o método de avaliação. Na linha interpretativa seguida para a apresentação dos resultados no Guia optou-se por trabalhar com quatro indicadores de qualificação, independentes entre si, e entre os quatro volumes que compõem a coleção, mas que apontam para os patamares quanto ao que se espera com relação à progressão da complexidade em torno do tratamento do eixo, ao longo da coleção. Além disso, se o professor colocar lado a lado os resultados de cada coleção, disponibilizada no Guia em formato de alvos, o documento oferece dados que permitem compreender as diferenças entre as coleções. Os indicadores de qualificação dos eixos (Figura 2) foram formulados a partir do exigido no Edital PNLD 2017 – História, em seu Anexo III.

Os cinco eixos e os quatro indicadores de qualificação, acrescidos da análise, também apresentada no Guia, quanto à concepção sobre os significados de ensinar e aprender História para jovens no ensino fundamental, que alicerçava o Edital 2017, balizaria o perfil de livro didático de História almejado e indicaria os desafios a serem enfrentados. Dentre tantos desafios destacamos:

[…] a proposição de um ensino que conecte, efetivamente, os jovens a um saber contextualizado e que promova o protagonismo juvenil, dimensão tão cara, em nosso caso, à construção da compreensão da noção de sujeito histórico. (GUIA PNLD 2017, p. 10).

Chegamos, assim, ao segundo evento que confere contornos a proposição deste dossiê: a realização, em outubro de 2017, do Seminário “Livro Didático de História: Conhecimento Histórico e Didática da História no Mundo Contemporâneo”. A realização de uma ação avaliativa no formato evento, foi uma das propostas constantes no plano de trabalho enviado, quando da participação da Chamada Pública SEB / MEC Nº 01 / 2015. A princípio, e em síntese, seu objetivo seria avançar na construção de caminhos para os desafios identificados durante o processo de avaliação. No entanto, o sistema público de Educação no país, nos anos de 2016 e 2017, foi assolado por uma série de acontecimentos que imprimiram urgências quanto à discussão sobre o que se entende por conhecimento histórico, bem como a respeito de qual seu lugar e função na escola.

O acirramento de posições em torno do processo de elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e as alterações impetradas no PNLD via decreto, redimensionaram o formato e a dimensão do Seminário, cujo objetivo inicial era promover análises que nos auxiliassem a compreender a relação entre a historiografia e os conteúdos nos livros didáticos de História, na almejada articulação com o pensamento dos jovens e as narrativas do mundo contemporâneo, fosse ampliado a fim de contemplar temáticas que contribuíssem com o pensar de caminhos para o livro de História, seja no contexto das reformulações em curso no PNLD, seja quanto às perspectivas para o mesmo na relação com a BNCC.

  1. O livro didático e sua função em meio aos embates contemporâneos

Considerando o que estamos vivenciando no país nos últimos quatros anos (2015 – 2018), observamos que os textos presentes neste dossiê transitam por temáticas que reafirmam, e aprofundam, princípios do Ensino de História (muitos dos quais anunciados no já citado Guia PNLD 2017 – História) construídos ao longo de décadas, em diferentes países do mundo, por pessoas que tem o campo do Ensino de História como lugar de ofício, quer seja na pesquisa, docência ou mesmo na produção de material didático. O resultado de todo esse trabalho foi (e continua sendo) publicado em diversos livros, periódicos, eventos e encontros. Portanto, estamos a tratar de uma caminhada construída passo a passo, pesquisa a pesquisa, aula a aula, ao longo de 30 anos, a qual fornece respostas plausíveis para o que se compreende por conhecimento histórico e em como ensiná-lo na escola. Estamos a tratar da Didática da História e de um dos temas caros a esse campo – o livro didático. Nesse sentido, não podemos silenciar frente a propostas que, simplesmente, desconsiderem toda a produção científica de uma área.

Ao longo do século XX, o livro da História da humanidade ampliou-se com capítulos dolorosos e sangrentos, mas, também, com conquistas científicas que redimensionaram as relações entre as pessoas em todo o planeta. Recorrer a Marc Bloch para iniciar a apresentação deste dossiê tem toda uma simbologia e direciona nosso objetivo para muitos comprometimentos. No Brasil, avançamos na produção de uma historiografia que valorizou outros eixos, para além do político, e possibilitou conhecer as várias histórias que formam a História do Brasil. Nos documentos curriculares produzidos no final da década de 1980, no contexto de redemocratização nacional, já se identifica o questionamento a um ensino de História direcionado somente para o passado e pautado na memorização de alguns fatos canônicos de uma história erigida a versão oficial (BITTENCOURT, 1998)

No apagar das luzes do século XX, a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394 / 1996) reafirma e legaliza, em seu artigo terceiro, o compromisso do país em construir um sistema de Educação Escolar baseado nos seguintes princípios:

I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber. III – Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. IV – Respeito à liberdade e apreço à tolerância. V – Coexistência de instituições públicas e privadas de ensino. VI – Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. VII – valorização do profissional da educação escolar. VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino. IX – Garantia de padrão de qualidade. X – Valorização da experiência extraescolar. XI – Vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. XII – Consideração com a diversidade étnico-racial. (BRASIL, 1996)

O contexto de elaboração e promulgação da LDB foi marcado por divergências, mas não identificamos, até o fechamento deste texto, estudos que apontem rupturas quanto a indicação de tais princípios como estruturantes da Educação Escolar no país. Podemos concluir que, em 1996, havia um certo consenso em torno de tais princípios. É neste contexto que são publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997 (BRASIL, 1997), com o objetivo de indicar, como o nome mesmo assinala, parâmetros para a elaboração das propostas curriculares dos estados e municípios. Em sintonia com o preconizado na Lei, e como uma tentativa de concretizar nas escolas os princípios anunciados, o MEC elege os temas Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo, e Pluralidade Cultural, para que perpassem todas as disciplinas e os anos de escolaridade, denominando-os por Temas Transversais.

Nas primeiras décadas do século XXI, fomentou-se a necessidade de olhar ao redor e identificar as diferenças, de todos os tipos, para podermos construir relações de respeito, de empatia. No campo específico da História, os estudos sobre nosso passado, a partir dos mais variados recortes e fontes, e sob a liberdade de um regime democrático, ampliaram-se significativamente. Com a ampliação de universidades por todo território nacional, novos cursos de História foram criados e, em decorrência, ramificaram-se os olhares atentos para a realidade vivida, interpretando-a na constante relação temporal que caracteriza o trabalho do historiador. Soma-se, aqui, também, a ação de diversos Movimentos Sociais que, em torno de pautas distintas, colocaram em visibilidade uma cartela de justas reivindicações de populações que eram (e são) empurradas para a margem da sociedade. A conquista de direitos, por esses grupos, redimensionou, dentre outras tantas questões, o que se ensina sobre a História do Brasil na escola.

O que o livro didático de História ainda não alcançou é a capacidade de permitir ao aluno, a partir de sua leitura, chegar aos sentidos, despertar a fascinação e os raciocínios históricos. A forma de apresentação do passado nas narrativas do livro didático de História não incita a percepção das experiências históricas. Segundo Rüsen (2001, p.119) “[…] o livro didático de história deveria abrir os olhos das crianças e jovens para as diferenças históricas e as diferentes qualidades da vida humana através dos tempos.” Não apresentando como fazem hoje os livros didáticos “[…] unicamente experiências históricas já interpretadas e a percepções já assimiladas de forma cognitiva” (p.119). Caramez (2014), em estudo com professores de História, ao analisar as relações com a experiência de utilização do livro didático, percebeu que ele não proporciona determinados tipos de experiências didáticas como, por exemplo, o uso da internet possibilitaria:

Como a ruptura com a linearidade da história, a possibilidade de visitar vários passados e de encontrar diferentes perspectivas de um mesmo acontecimento histórico, uma vez que nos livros didáticos, as fontes primárias e secundárias, geralmente, concordam com o texto didático do autor, como também, no que diz respeito à mudança na relação entre o presente e o passado, na medida em que a relação com o passado é quantitativamente aumentada e qualitativamente expandida (CARAMEZ, 2014, p. 98-99).

O livro didático de História que temos hoje no país traz em sua constituição todo esse histórico de alterações. No processo de elaboração de cada edital, a equipe técnica responsável tinha a difícil tarefa de transformar os princípios, acima elencados, em regras claras para comporem, juntamente com os saberes de cada disciplina, um conteúdo escolar. Como o PNLD é um programa de temporalidade alargada é possível, ao longo dos últimos 20 anos, identificar como os livros didáticos de História se alteraram e, sem nenhuma dúvida a respeito, se modificaram na direção de uma abordagem da História mais próxima daquela compreendida como capaz, se não de fomentar o desenvolvimento do pensamento histórico, pelo menos de permitir que os alunos tivessem acesso a uma história plural e com contornos sociais definidos por políticas públicas que inseriram, no campo da produção didática, temas antes relegados à iniciativa do professor para serem abordados em sala de aula. Como exemplo tem-se a História da África e dos africanos antes da escravização no Brasil, assim como a abordagem da História indígena antes da chegada dos portugueses por estas terras, bem como a continuidade da existência de indígenas para além do mundo colonial brasileiro. Além deles, há outros temas, já abordados pela historiografia contemporânea, mas que demoraram para serem trabalhados nos livros didáticos de História, como a História das mulheres, dos idosos ou mesmo das crianças.

Os critérios de avaliação dos livros didáticos de História preservaram, até o momento, aquilo que é mais importante na área de História: o respeito pela produção científica. Temos de garantir que sejam quais forem os princípios e critérios propostos para avaliação de livros didáticos, estes estejam representados pela pluralidade de ideias, bem como pelo rigor metodológico e científico e, de igual modo, que a legitimidade dos conteúdos históricos seja determinada pela ciência histórica e não por valores morais ou religiosos. Pensando, como afirma Isabel Barca, que a avaliação de livros didáticos se insere em políticas públicas para formação de cidadãos, defendemos que estes sejam avaliados com o objetivo de formar gente livre, com ideias próprias e atentas ao que se passa à sua volta, em vez de simples cidadãos – robôs, muito competentes tecnicamente, mas que não pensam por suas consciências, e sim, o que lhes propõem pensar. Estes objetivos são importantes para defesa dos valores da democracia e da liberdade em sociedades contemporâneas.

Notas

3. Sobre o assunto ver MIRANDA; ALVIM. (2013) e CASSIANO (2017), dentre outros.

4. Coligação “Com a força do povo”, PT, PMDB, PSD, PP, PR, PDT, PRB, PRÓS e PCdoB.

5. Coligação “Muda Brasil”, PSDB, SD, PMN, PEN, PTN, PTC, DEM, PTdoB e PTB.

6. O prazo de finalização do PNLD em cada universidade pode apresentar variações ditadas pelas demandas dos editais e recursos.

7. O processo de avaliação das obras teve início no mês de dezembro de 2015, antes da liberação dos recursos, devido a mediação da COGEAM que custeou as passagens e a estadia dos avaliadores para a realização do primeiro treinamento.

8. Disponível em: http: / / www.fnde.gov.br / programas / programas-do-livro / livro-didatico / guiado-livro-didatico / item / 8813-guia-pnld-2017

9. Os textos de introdução do Guia PNLD 2017 – História foram elaborados pela Profª. Drª. Sonia Regina Miranda, da Universidade Federal de Juiz de Fora, convidada para compor a equipe na função de Coordenadora Pedagógica do Guia do Livro Didático

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Propostas curriculares de História: continuidades e transformações. In: BARRETO, Elba S. de Sá. (Org.). Os currículos no ensino fundamental para as escolas brasileiras. São Paulo: Autores Associados / Fundação Carlos Chagas, 1998, p. 127-161.

BLOCH, Marc. Apologia da história ou O ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BRASIL, Lei de Diretrizes e B. Lei nº 9.394 / 96, de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC / SEF, 1997.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais – História / Geografia (1ª a 4ª séries). Brasília: MEC / SEF, 1997.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais – História. Brasília: MEC / SEF, 1998.

BRASIL. Guia dos livros didáticos. PNLD 2017: História – Ensino Fundamental / anos finais. Brasília, DF: Mistério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, 2016.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Edital de Convocação 02 / 2015 – CGPLI: Edital PNLD / 2017.

CARAMEZ, Cláudia Senra. A aprendizagem histórica de professores mediada pelas tecnologias da informação e comunicação: perspectivas da educação histórica. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) – Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, Curitiba.

CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. Política e economia do mercado do livro didático no século XXI: globalização, tecnologia e capitalismo na educação básica nacional. In: ROCHA, Helenice; REZNIK, Luis; MAGALHÃES, Marcelo de Souza (Org.). Livros didáticos de história: entre políticas e narrativas. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2017, p. 83 – 100.

LE GOFF, Jacques. Prefácio, por Jacques Le Goff. In: BLOCH, Marc. Apologia da história ou O ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 15 – 34.

MIRANDA, Sonia Regina; ALVIM, Yara. Livros na batalha de ideias: a sedução da verdade no debate público em torno dos livros didáticos de história. In: GALZERANI, Maria Carolina Bovèrio; PINTO JUNIOR, Arnaldo; BUENO, João Batista Gonçalves (Org.). Paisagens da Pesquisa Contemporânea sobre o Livro Didático de História. Campinas: Paco Editorial / Centro Memória Unicamp, 2013, p. 373-398.

RÜSEN, Jörn. O livro didático ideal. In Schmidt, M.A., Barca, I., & Martins, E.R.. Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Editora da UFPR; Braga (PT): Uminho. 2010

SCHWARCZ, Lilian Moritz. Apresentação à edição brasileira. In: BLOCH, Marc. Apologia da história ou O ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 7 – 12.

Marlene Rosa Cainelli1 – Professora do Departamento de História e Pesquisadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação e do programa de Mestrado em História- Coordenadora Institucional do PNLD / 2017.

Sandra Regina Ferreira de Oliveira2 – Professora do departamento de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina e Pesquisadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação- Coordenadora Pedagógica do PNLD / 2017.


CAINELLI, Marlene Rosa; OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira. Livro Didático de História: conhecimento histórico e Didática da História no mundo contemporâneo. História & Ensino, Londrina, v.24, n.2, 2018. Acessar publicação original [DR].

Acessar dossiê

Escritas de viagem, escritas da história: estratégias de legitimação de Rocha Pombo no campo intelectual, 2018 | Alexandra Lima da Silva

A obra Escritas de viagem, escritas da história: estratégias de legitimação de Rocha Pombo no Campo intelectual é escrita por Alexandra Lima da Silva. Nela, a autora problematiza as estratégias de legitimação a partir da viagem realizada pelo educador Rocha Pombo ao norte do Brasil, em 1917. Vislumbra, dentre as diversas facetas de Rocha Pombo – intelectual, historiador, professor de história, escritor de livros de história –, interpretar sua face de viajante. Na introdução do livro, narra seu encontro com este sujeito ainda enquanto estudante de graduação. Destaca sua busca por pistas, seguindo as pegadas desse homem, realizando uma vasta pesquisa em arquivos e instituições de guarda da cidade do Rio de Janeiro e em outras cidades.

José Francisco da Rocha Pombo nasceu em Morretes, cidade localizada no Paraná, em 4 de dezembro de 1857. Na pequena cidade onde nasceu, teve acesso apenas à educação primária, por não haver na região escolas secundárias. Em 1897, viaja para o Rio de Janeiro onde se estabelece como um prestigiado professor de história. Na cidade, tece suas redes de sociabilidades junto a Silvio Romero, Manoel Bomfim e José Veríssimo. Mesmo com o tempo ocupado nas tarefas do ensino, o intelectual dedica-se à escrita de poesias, à política e à produção de compêndios de história. Sua obra mais conhecida, alvo de críticas pelos literatos da época é o livro de história, de título: História do Brasil. Leia Mais

Igualitária. Belo Horizonte, v.1, n.11, 2018.

HISTÓRIA: VIOLÊNCIA, POLÍTICA E CULTURA – INTERLOCUÇÕES

ARTIGOS

  • Aspectos éticos e morais nos revolucionários civis e militares de 1964
  • RESUMO PDF
  • Jorge Graças Arantes
  • Estudo de caso: enlaces das mulheres na violência de gênero em Divinópolis/MG
  • RESUMO PDF
  • Maria Fabiana das Graças de Lima Carneiro
  • Jorge Luis Borges e David Bowie: A ficção como construtora de realidades
  • RESUMO PDF
  • Warley Alves Gomes

O Latim Medieval | Signum – Revista da ABREM | 2018

Três questões cruciais se apresentam aos historiadores das línguas e da cultura europeia na Idade Média: i) a problemática das fontes escritas; ii) o aparecimento de uma língua literária; iii) a emergência das línguas românicas. Estes fatores, ainda que aparentemente distintos, apresentam por certo um denominador comum: o latim medieval.

Os estudiosos medievalistas constantemente encontram-se confrontados com fontes que foram escritas em latim até o final do período Medieval. A língua latina, desde a época romana, jamais deixou de evoluir. Durante a Antiguidade Tardia adquiriu um caráter próprio, já bastante distinto daquele praticado por César e Cícero. Suas transformações podem ser observadas em diferentes níveis e campos de conhecimento, desde a gramática até o vocabulário. Em todos os domínios onde a inovação social implica na renovação linguística, a língua escrita se transforma, e com ela a própria ideia de sociedade também. Leia Mais

Conflitos urbanos na Antiguidade Tardia | Signum – Revista da ABREM | 2018

Os séculos compreendidos entre o final do Mundo Antigo e o início da Idade Média que, há alguns anos, costumamos denominar Antiguidade Tardia (em alemão, Spatäntike), foram amiúde descritos pelos especialistas como uma época marcada por um conjunto de inovações que contraria frontalmente a antiga tese da “decadência”, “ruína” ou “declínio” do Império Romano. Nesse sentido, durante muito tempo vigorou o paradigma segundo o qual a Antiguidade Tardia deveria ser interpretada, antes e acima de tudo, como um momento de renovação estrutural das sociedades mediterrâneas, em face da expansão do cristianismo e dos influxos da cultura germânica, acrescidos, mais tarde, da contribuição islâmica, o que levava os pesquisadores a acentuar o caráter criativo e dinâmico do período. Não obstante a validade desse enfoque, é importante não perder de vista que a desagregação do Império Romano do Ocidente e a formação concomitante dos reinos “bárbaros” foram processos que comportaram, em larga medida, o emprego da violência sob as suas mais diferentes formas, como se pode constatar mediante os inúmeros conflitos que irrompem entre os séculos III e VII. Tendo em vista a necessidade de compreender a Antiguidade Tardia à luz dos seus impasses, dilemas e contradições sociais, pretendemos, por intermédio dossiê Conflitos urbanos na Antiguidade Tardia, investigar a manifestação dos conflitos sociais num contexto de ampla redefinição dos parâmetros de organização sociopolítica que vigoravam no Império Romano. Leia Mais

Geografia da escravidão no Vale do Paraíba cafeeiro: Bananal 1850-1888 | Mrco Aurélio dos Santos

Geografia da escravidão no Vale do Paraíba cafeeiro: Bananal, 1850-1888, do historiador Marco Aurélio dos Santos, é mais uma das recentes contribuições para a historiografia brasileira que estuda a escravidão. Originário da tese de doutorado do autor, defendida no ano de 2014 no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, o trabalho revisita temas clássicos do debate acerca do passado escravista brasileiro. Autonomia escrava, roças cultivadas pelos cativos, formação de comunidades solidárias que uniam escravizados na luta contra as agruras do cativeiro e, em sentido mais geral, a oposição entre possibilidades e constrangimentos estruturais para a agência escrava são alguns dos aspectos retomados pelo historiador e que perpassam o texto.

O município de Bananal já foi bastante estudado, visto que se constituiu em um dos principais produtores de café do Brasil das primeiras décadas do século XIX.[1] No decênio de 1850 a localidade passou a ser a maior produtora de café da província de São Paulo, tendo alcançado o ápice de sua produção na década seguinte. A participação dos escravizados na composição total da população da localidade foi a maior entre os principais municípios do Vale do Paraíba Paulista, alcançando percentual de 53% (p. 35-37). Dessa forma, a chegada da rubiácea na região alterou profundamente a demografia da localidade. As relações sociais e políticas, pautadas pelas assimetrias características do escravismo, também sofreram mudanças drásticas em curto espaço de tempo. Isso sem mencionar toda a carga cultural trazida pelas levas de africanos introduzidos abruptamente na região via tráfico internacional ou interno de escravos.

O recorte cronológico privilegiado pelo autor é outro ponto bastante recorrente na historiografia da escravidão, na medida em que suas balizas marcam dois momentos centrais do passado escravista brasileiro. O livro aborda o intervalo temporal compreendido entre o final do tráfico internacional de escravos (1850) e o colapso da escravidão no Brasil (1888).

Se os pontos acima destacados, recortes geográfico e cronológico, não são propriamente inovadores, Marco Aurélio dos Santos agrega ao debate sobre escravidão e resistência cativa o estudo do elemento espaço. Mais precisamente, o autor estuda a espacialidade das fazendas cafeeiras escravistas. Por espacialidade entende a soma da cultura material (espaço material), das relações sociais (espaço social) e das interpretações e apropriações dos espaços (espaço cognitivo). (p. 26-28).

Subsidiado pela concepção acima, o argumento central que o autor sustenta é que, a um só tempo, o espaço agrário das zonas de produção cafeeira constituiu-se tanto em instrumento de dominação senhorial como em estratégia para resistência escrava. No primeiro sentido os senhores escravistas pensaram e utilizaram a espacialidade como mecanismo de imposição e de facilitação da ordem. No segundo viés os espaços foram ressignificados pelos cativos, que fizeram usos alternativos diferentes daqueles para os quais foram projetados. É fundamental para o entendimento do argumento a concepção, explicitada desde a introdução do trabalho e frequentemente retomada pelo autor, de que os espaços não são estáticos nem neutros. Muito pelo contrário, ganham sentido e significado por meio dos usos que os seres humanos fazem deles. Dessa forma, a espacialidade é entendida como somatória dos diversos espaços e como campo de ação. No caso em questão das fazendas de produção cafeeira de Bananal, puderam servir tanto para dominar quanto para resistir, a depender das intencionalidades dos indivíduos que atuaram e que interagiram com os espaços (p.21-28).

Marco Aurélio dos Santos construiu seu objeto de pesquisa proposto – a utilização plural dos espaços agrários de Bananal – primordialmente por via de uma série de processos criminais que envolveram cativos, independentemente da forma como apareceram: réus, vítimas, informantes ou testemunhas. Foram utilizados 146 processos distribuídos de forma desigual pelas décadas contempladas, com prejuízo para o decênio 1850, com apenas 4 processos.[2] Embora tenha trabalhado com documentação criminal, os crimes propriamente ditos não foram o aspecto central objeto da atenção do autor. A leitura e análise das fontes focou a interação dos personagens com a espacialidade: “A criminalidade de escravos e homens livres terá interesse apenas circunstancial. Partindo do par de conceitos controle/resistência, realizou-se uma leitura das fontes documentais que priorizou a análise da ação dos sujeitos no espaço” (p. 24).

Geografia da Escravidão está organizado em 3 capítulos, muito bem demarcados e antecedidos por uma consistente introdução na qual o autor apresenta e discute seus pressupostos teóricos, suas fontes e metodologia, com as ressalvas feitas acima, seus objetivos e argumentos centrais e específicos. Finaliza a introdução um breve histórico da localidade de Bananal no período selecionado, justificando os recortes temporais e espaciais da pesquisa.

No primeiro capítulo Marco Aurélio dos Santos se dedica ao estudo da espacialidade pelo viés dos proprietários escravistas, a geografia senhorial. Toda a constituição da arquitetura das fazendas cafeiculturas fora pensada com o intuito de favorecer o controle, a ordem, a otimização da produção, a fiscalização e a redução da mobilidade dos cativos. O livro traz no capítulo imagens e fotografias que contribuem para a argumentação do autor. Via de regra, as fazendas eram projetadas em quadriláteros funcionais que objetivavam o controle sobre o interior do quadrado. Todos os edifícios (senzalas, casas de vivenda e espaços de armazenamento e beneficiamento da produção) ficavam dispostos em quadra. Os demais espaços que as fazendas continham também seguiam o mesmo propósito de controle e disciplina: a enfermaria sempre trancada e de acesso restrito, o portão da fazenda que delimitava o espaço de mobilidade dos escravizados, o sino que disciplinava o tempo, as roupas que caracterizavam a condição cativa, os investimentos dos senhores sobre o corpo dos escravos (ferros no pescoço, por exemplo) contribuíram para a composição da geografia senhorial. O autor argumenta ainda que nos espaços públicos fora das fazendas, a movimentação e o tempo dos escravos eram disciplinados pelos Códigos de Posturas Municipais. A mecânica do funcionamento de todo este aparato foi percebida nos processos criminais utilizados.

No segundo capítulo, Marco Aurélio dos Santos destaca a noção de vizinhança como espaço social paulatinamente construído e como ação social articulada em espaço mais amplo, para além das fazendas. Importante também a abordagem ampliada sobre as redes de relacionamentos constituídas pelos escravizados. Durante muito tempo vistas pela historiografia como sinônimo de solidariedade, Marco Aurélio dos Santos amplia o olhar sobre as redes de relacionamentos entre os escravos. A solidariedade poderia ser apenas uma das possibilidades. No entanto, não raramente, as redes congregavam elementos contraditórios e foram também potencialmente conflituosas. O autor cita eventos que ilustram as possibilidades de mobilidade dos escravos, algumas consentidas pelos senhores, outras não. Constituíam assim redes de relacionamentos com escravizados de outros plantéis, passavam por caminhos que cruzavam outras fazendas e se relacionavam com homens livres, alforriados, comerciantes e demais personagens do mundo agrário e urbano da localidade de Bananal no período analisado.

No último capítulo de Geografia da Escravidão, Marco Aurélio dos Santos lança mão de forma mais abundante da documentação para estudar a “geografia dos escravos”, composta de usos alternativos dos espaços de plantação e do tempo. São vários os casos relatados de escravos que se apropriaram de uma espacialidade aparentemente hostil para encontrar alternativas para suavizar, resistir e até mesmo questionar a condição servil. Bastante elucidativo é o caso do escravo Constantino, cativo de Braz Barboza da Silva. Constantino foi libertado pelo Fundo de Emancipação em 1883. Porém, o senhor omitiu-lhe a informação. O detalhe interessante é que Constantino tinha mobilidade consentida para fora dos limites da fazenda para realizar tarefas demandas por seu senhor. Em uma dessas andanças ficou sabendo da própria ao entrar em contato com um indivíduo livre. O caso exemplifica uma das formas de lidar com a espacialidade projetada para controle e disciplina. Nas palavras do autor “Malgrado o funcionamento rotineiro da mecânica do poder senhorial, foi possível perceber que os escravos construíram uma geografia própria a partir dos conhecimentos de suas movimentações autorizadas para além do espaço de plantação” (p.30). O capítulo ainda aborda as fugas do cativeiro, definindo-as como o momento mais emblemático dos usos alternativos dos espaços de plantação. Não obstante a eficácia da geografia senhorial por todos os seus aparatos disciplinares, o capítulo demonstra claramente que os recursos para controlar e disciplinar os cativos não foram suficientes para conter movimentações e usos alternativos pelos próprios cativos.

Talvez caibam duas ponderações sobre a forma como Marco Aurélio dos Santos apresenta as fontes selecionadas. A primeira, de ordem metodológica e a segunda, de estética. A documentação utilizada não é alvo de uma apreciação crítica, visto que o autor não discute seus limites e possibilidades. Algumas reflexões seriam pertinentes. Por exemplo: quais os contextos de produção da documentação? Os escravos falam por si mesmo ou têm representantes? Quem eles seriam e quais suas intencionalidades? Em que medida tomar a utilização da espacialidade por meio dos processos criminais é representativo do cenário que o autor buscou retratar? Trazer para o texto essas e outras questões, que muito provavelmente acometeram o autor em algum momento da pesquisa, não invalidariam de forma nenhuma os resultados do trabalho. Somente lançariam luz sobre os limites e as possibilidades que o historiador encontra na relação com o passado e com seu objeto de pesquisa, além de esclarecer os métodos empregados.

Outra ponderação importante diz respeito à organização do trabalho. A forma como Marco Aurélio dos Santos optou por estruturar a narrativa deixa os capítulos compartimentados, talvez excessivamente esquemáticos. As partes acabaram por ser tornar demasiadamente estanques. O primeiro capítulo trata da espacialidade do ponto de vista senhorial, ao passo que o terceiro o faz da perspectiva dos cativos. Caso o autor tivesse feito uma opção mais dialógica, o texto se tornaria mais fluído, dinâmico e, principalmente, mais condizente com a realidade dialética que se propôs abordar, visto que os embates entre a geografia senhorial e a geografia escrava se davam de forma imbricada e emaranhada, não em tempos e formas separadas. Por mais que tenha sido uma opção didática perfeitamente compreensível, a organização do livro torna os capítulos 1 e 3 completamente independentes um do outro.

Um último ponto que causa estranheza no texto de Marco Aurélio dos Santos é a ausência de uma discussão que tem sido bastante recorrente e profícua entre os pesquisadores da escravidão que tomam por base o trabalho de Dale Tomich.[3] Este autor considera que a escravidão e o tráfico atlântico do século XIX não foram meras continuidades dos séculos anteriores. Nos Oitocentos assumiram características diversas, constituindo na verdade uma Segunda Escravidão. O trabalho cativo teria se reconfigurado de modo ainda mais potente, em alinhamento com a nova fase de desenvolvimento da economia mundial, sob égide da hegemonia britânica. Algumas das características apontadas por Tomich nessa nova fase das relações escravistas guardam íntima relação com o objeto de pesquisa proposto em Geografia da Escravidão. Entre outros elementos, a dinâmica peculiar do século XIX foi trazida pela expansão de zonas produtoras de artigos tropicais que tinham elevada e crescente demanda nos países centrais da Europa e nos EUA: o café (com grande participação da produção brasileira), o algodão e o açúcar. Ao negligenciar estranhamente esta discussão, visto que o autor dialoga frequentemente com historiadores que levam em conta as formulações de Tomich [4], o livro deixa de incorporar e conectar seu objeto de pesquisa com dinâmicas mais amplas da política e das relações internacionais, exercício recente e profícuo entre os pesquisadores da escravidão.

No entanto, transcorridas as páginas de Geografia da Escravidão, fica a certeza de que o autor cumpriu muito bem a árdua tarefa de trazer novos e originais elementos para um dos mais ricos debates da historiografia brasileira.

Notas

1. Marco Aurélio dos Santos dialoga com vários trabalhos sobre a localidade. A título de exemplo da produção historiográfica que privilegiou o recorte espacial de Bananal, somente no âmbito da história demográfica dois importantes trabalhos que abordaram a localidade em diferentes momentos do desenvolvimento da lavoura cafeeira foram: MOTTA, José FlávioCorpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava no Brasil (1801-1829). São Paulo: Fapesp, Annablume, 1999. MORENO, Breno Aparecido Servidone. Demografia e trabalho escravo nas propriedades rurais cafeeiras de Bananal, 1830-1860. Dissertação (Mestrado em História Social) FFLCH/USP, São Paulo, 2013.

2. Conforme mencionado, a série de processos criminais constitui a fonte principal da pesquisa. De forma episódica foram utilizados pelo autor outras fontes: 27 inventários post-mortem, Códigos de Postura da Câmara Municipal de Bananal (1865 e 1886), livro do Fundo para Emancipação de escravos, ofícios diversos, Livro de Casamento de escravos, periódicos, relatos de viajante etc.

3. Embora o autor cite entre suas referências bibliográficas um dos trabalhos de Tomich na versão em língua inglesa e mencione o conceito na página 19 da introdução, a discussão sobre a Segunda Escravidão está ausente do texto, bem como a referência a versão em português do livro do autor. TOMICH, Dale WPelo Prisma da Escravidão: Trabalho, Capital e Economia Mundial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.

4. Por exemplo: BERBEL, M., MARQUESE, R. B. e PARRON, T. Escravidão e política: Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: Hucitec, 2011. MARQUESE, R. B.; SALLES, (orgs.). Escravidão e Capitalismo Histórico no Século XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

Referências

BERBEL, M., MARQUESE, R. B. e PARRON, T. Escravidão e política: Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: Hucitec, 2011. MARQUESE, R; B., SALLES, (orgs.). Escravidão e Capitalismo Histórico no Século XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

MORENO, Breno Aparecido Servidone. Demografia e trabalho escravo nas propriedades rurais cafeeiras de Bananal,1830-1860. Dissertação (Mestrado em História Social) – FFLCH/USP, São Paulo, 2013.

MOTTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava no Brasil (1801-1829). São Paulo: Fapesp, Annablume, 1999.

TOMICH, Dale W. Pelo Prisma da Escravidão: Trabalho, Capital e Economia Mundial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.

Fernando Antonio Alves da Costa – Doutor em História Econômica pelo PPGHE da FFLCH-USP. E-mail: faacosta@usp.br


SANTOS, Marco Aurélio dos. Geografia da escravidão no Vale do Paraíba cafeeiro: Bananal, 1850-1888. São Paulo: Alameda Editorial, 2016. Resenha de: COSTA, Fernando Antonio Alves da. A Resistência escrava revisitada: a espacialidade como elemento central. Almanack, Guarulhos, n.18, p. 517-524, jan./abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

How the West came to rule: the geopolitical origins of capitalism | Alexander Anievas e Karem Nisancioglu

Infelizmente ainda não publicados no Brasil, os sociólogos Alexander Anievas (professor das universidades de Oxford e Connecticut) e Kerem Nisancioglu (professor da School of Oriental and African Studies da University of London) vêm construindo, nos circuitos acadêmicos da Inglaterra e dos EUA, uma consistente trajetória de pesquisas voltadas para a área das relações internacionais. Sua produção se destaca não apenas pela problematização consistente das teses mais conhecidas das perspectivas eurocêntricas e/ou neoliberais, mas especialmente pela reavaliação e contestação rigorosas de ortodoxias pertencentes à própria matriz teórica a que se filiam os autores: o marxismo.

Essas características se apresentam de maneira acentuada em sua última obra, How the West came to rule: the geopolitical origins of capitalism, publicada pela Pluto Press em 2015, em Londres. O objetivo central do livro é analisar como os povos não-europeus contribuíram para o desenvolvimento do modo de produção capitalista na Europa Ocidental e sua expansão planetária, por meio de uma perspectiva de long durée que tem como ponto de partida o fortalecimento do Império Mongol no século XIII e se encerra na Revolução Francesa de 1789, passando pela expansão do Império Otomano, pela chegada dos europeus à América, pelas chamadas revoluções burguesas clássicas e pela colonização holandesa no sudeste asiático. Anievas e Nisancioglu procuram mostrar como esses elementos aparentemente desconexos se inter-relacionam e formam processos nos quais os não-europeus aparecem não apenas como colonizados, mas como forças ativas e essenciais para a constituição da economia capitalista europeia. Leia Mais

Vom System zum Gebrauch: Eine genetisch-philosophische Untersuchung des Grammatikbegriffs bei Wittgenstein – UFFELMANN (M)

UFFELMANN, Sarah Anna. Vom System zum Gebrauch: Eine genetisch-philosophische Untersuchung des Grammatikbegriffs bei Wittgenstein. Bergen: University of Bergen, 2016. Manuscrito, Campinas, v.41 no.1, Jan./Mar. 2018.

This work concentrates on the concept of grammar in Wittgenstein’s philosophy, mainly in the so-called transitional and later periods. This is a topic that has attracted the attention of various scholars in the last few decades, with the amount of secondary literature on the topic being significant. Uffelmann convincingly shows that she knows the relevant studies published in German and English, interestingly discussing throughout Vom System zum Gebrauch many different views. More important, however, is the knowledge demonstrated by the author of the Wittgenstein texts. As the title makes clear, Uffelmann does not limit her study to the publications edited from Wittgenstein’s Nachlass, such as Philosophical RemarksPhilosophical GrammarThe Blue and Brown Books or Philosophical Investigations, but she makes effective use of the Nachlass itself. In doing so, the status of grammar in Wittgenstein’s thought receives a decisive illumination, with Vom System zum Gebrauch contributing in an important way, with its “genetic-philosophical investigation”, to the clarification of many puzzling issues. To enter into Wittgenstein’s Nachlass is not an easy task, but the author has acquired all the learning needed to move herself in a profitable manner through an extraordinarily convoluted corpus. Yet, the work has the necessary balance between a genetic and a philosophical study, with the Nachlass being in the service of an elucidation of philosophical matters, in particular the transition from a system-like conception of meaning to one based on use.

The main claim of Vom System zum Gebrauch is that Wittgenstein’s conception of grammar underwent important changes in the different phases of his philosophizing. This view challenges those interpretations, such as that of Peter Hacker, that see the concept of grammar as remaining essentially the same from 1929 onwards. As Uffelmann recognizes, to interpret what Wittgenstein meant by grammar on an evolutionary basis is not absolutely innovative, with other authors having already proposed a similar reading (e.g. Mauro Engelmann). However, the work is original in tracing the concept of grammar from the time of the Tractatus until the writings on certainty and, above all, in providing empirical data, of philological kind, to support the claims made. This methodology allows Uffelmann to reject speculation in favour of evidence and this scientificity provided by philology is, in the domain of an author like Wittgenstein, with his intricate Nachlass, most welcome.

In the first chapter of Vom System zum Gebrauch, Uffelmann analyses the different uses of the word “grammar” and then introduces Wittgenstein’s peculiar usage. The starting-point is Moore’s criticism of the Wittgensteinian conception of grammar, with the author citing some hitherto unpublished notes from the Moore papers and relating these to the sources already available. There follows a valuable inventory of Wittgenstein’s employment of the term “Grammatik” in the Nachlass. Uffelmann distinguishes between “grammar in the general sense”, “grammar in the particular sense”, “grammar in another sense” and “derivatives from grammar”. It is very interesting to see, as the perspicuous tables of the work show (Sec. 1.6), that it is in the Big Typescript that the concept of grammar appears more often, with “grammar in the general sense” having more occurrences than “grammar in the particular sense”, something that is also the case in the 1929-30 remarks but not in Part I of the Investigations. Another interesting conclusion is that the word and its derivatives almost disappear in the last writings, where Wittgenstein prefers to use “logic”, something that has a parallel only in the 1929-30 remarks, though there “grammar” also appears copiously. Last but not least, the author also demonstrates that, in all sets analysed, “logic in the general sense” has a much more regular appearance than “logic in the particular sense”. Although Wittgenstein wrote the majority of his texts in German, the empirical data that could have been obtained from his texts in English, namely the Blue Book, with no counterpart in German, would have been an important addition to the study. In fact, Vom System zum Gebrauch does not examine this dictation in detail, one that, as recent work of Jonathan Smith has shown (2013), Wittgenstein revised extensively.

After laying down the main arguments of Vom System zum Gebrauch, Uffelmann focuses, in the second chapter, on what Wittgenstein meant by “grammar”, in its relationship with “logic”, in the Tractarian corpus and the early post-1929 manuscripts. The examination of the concept of “grammar” as used at the time of the preparation of the Tractatus is short and even if Wittgenstein does not use it abundantly, his regular employment of the term “logic” should suffice to justify a more thorough analysis. It is in the criticism that the early Wittgenstein directs at both Frege and Russell that we find the roots for his innovative conception of “logical grammar” or “logical syntax”, as he makes clear in Tractatus 3.325. The author quotes the first paragraph of this proposition twice (p. 26, fn. 24, and p. 69), but not the parenthetical remark that constitutes the second paragraph, where Frege and Russell are named. On p. 69 Uffelmann reproduces in facsimile the proposition that in the Prototractatus corresponds to the first paragraph of 3.325, numbered 3.2015, but even there the second paragraph immediately follows the first, bearing the number 3.20151. Another important issue that could have been subjected to a deeper examination is Wittgenstein’s so-called phenomenological phase. Section 2.2 includes five pages on “phenomenology as grammar” and a couple of pages dedicated to the “colour-octahedron”, but what is at stake in the 1929 writings and the vast literature on the topic should deserve a central attention. The consequences of Wittgenstein’s rejection of a phenomenological language are considered in Section 2.3, where we find some pages about “grammar as ‘theory of logical types’”, with Russell being discussed. The fact that Wittgenstein talks in Tractatus 3.331-3.333 about Russell’s theory of types and that Tractatus 3.334 alludes to “rules of logical syntax” – with only 3.332 being referred to on p. 97, fn. 165 – confirms the significance of the Tractarian period for the understanding of the later views.

Chapter 3 concentrates on the Big Typescript and the Brown Book, more specifically what Alois Pichler has called the “Brown Book Complex”, which consists of Ts 310 (the English Brown Book), the second part of Ms 115, where we find Wittgenstein’s German version of that work under the title Philosophische Untersuchungen: Versuch einer Umarbeitung, plus Ms 141, which contains a preliminary version of the German text. The author begins with some elucidatory remarks about the singularity of Ts 213, distinguishing it, as Joachim Schulte has done, from the Big Typescript, with Wittgenstein’s revisions. This sub-section, “Erläuterungen zur Textgrundlage: Ts 213 und BT”, constitutes a remarkable overview of the problematic history behind the publication of this pivotal text, which involves the polemic edition of Philosophical Grammar. With the help of other perspicuous tables (Sec. 3.1), we can see that the concepts of both “grammar” and “logic” are recurrent in Wittgenstein’s reworking of the typed text, making the number of occurrences even larger. The discussion of “grammar as a pure calculus” and the introduction of “games and language games” is well conducted, with Uffelmann discussing relevant literature. The Brown Book and its twin texts are examined in Section 3.2 and the author begins again with elucidations on the textual basis, at this point Ts 310 and Ms 115ii. These, however, are much briefer than those on Ts 213 and BT. As recent work of Arthur Gibson has shown (2010), Wittgenstein has also revised at length the English version of the Brown Book. Although we are still waiting for the publication of that version of the Brown Book, some words about it would have been fitting. In fact, as I myself have noted (Venturinha 2013, p. 5), Wittgenstein tried, with the help of Moore, to publish the Brown Book in 1935. The absence of these references is however consistent with the little attention paid to the Blue Book, though I am of the opinion that these two English texts should have been decisively taken into account in Vom System zum Gebrauch. As a matter of fact. I have not found a single quotation from the Blue Book or Ts 309. It is true that we find in Section 3.2 a table containing appearances of the term “grammar” not only in the Big Typescript and the Philosophical Investigations, as Tab. 1 on p. 59 already documented, but also in the Brown Book and Ms 115ii. But we do not find such an analysis for the term “logic”, albeit there is a sub-section on Wittgenstein’s use of it in the “Brown Book corpus”.

The fourth and final chapter concentrates on the Philosophical Investigations and later manuscripts, namely those from which On Certainty was edited. As before, Section 4.1 contains important considerations on the text of Ts 227, which Uffelmann, following Alois Pichler, interprets as a “polyphonic album”. This interpretation is extraordinarily interesting but its tenets can only be fully accessed when it is confronted with opposing and related views, something that the work treats very quickly. The transition to the analysis of the later texts also deserves a note. In fact, there are important materials between the composition of Ts 227 and the 1949-51 remarks. For that reason, we need to take the examination of Mss 172-177 as a case-study, which is simply indicative of Wittgenstein’s views at that time. If it is true that these manuscripts were sources not only for On Certainty but also for Remarks on Colour and the second volume of the Last Writings on the Philosophy of Psychology, the fact is that there are many items in the Nachlass that could decisively contribute to the circumspection of the concept of “grammar”, in this period and before. The analysis of the other writings on the philosophy of psychology and of those on the philosophy of mathematics would certainly add important data to the investigation. As an exercise among many possible exercises, however, Vom System zum Gebrauch fulfils its aims of clarification. It isolates specific corpora and extracts important conclusions that can be tested against other textual sets. But given their interrelatedness, we would need the whole picture to draw definite conclusions.

I therefore look at the pathway described in this work concerning the evolution of the concept of grammar as an interesting suggestion, but there are aspects that still puzzle me. It is not obvious, for instance, that the phenomenological language envisaged in 1929 should be of a pure formal, symbolic nature, as is assumed in Vom System zum Gebrauch. If it is a fact that Wittgenstein still aims in his phenomenological phase (which includes “Some Remarks on Logical Form”) to implement a clear notation, capable of making clear the confusions of our natural language, we should not take that project, as for example Jaakko Hintikka took it to be, as closely related to that of the Tractatus. Yet the author refers, for example on both pp. 20 and 107, to “his [Wittgenstein’s] project of developing a phenomenological notation as a supplement to the Tractatus Logico-Philosophicus” (sein Projekt, eine phänomenologische Notation als Ergänzung zur LpA zu entwickeln), characterizing this “notation” on the same pages as “logical-formal” (eine phänomenologische, und überhaupt jegliche logisch-formale Notation). The truth is that Wittgenstein continued to insist on the need, as he writes in the Blue Book, “to construct new notations, in order to break the spell of those which we are accustomed to” (1969, p. 23). That these “notations” are not formal is something that becomes evident in the Investigations, where he writes that

If I were to reserve the word ‘pain’ solely for what I had previously called ‘my pain’, and others ‘L.W.’s pain’, I’d do other people no injustice, so long as a notation were provided in which the loss of the word ‘pain’ in other contexts were somehow made good (2009, §403).1

And in §562 of the Investigations he asks: “But how can I decide what is an essential, and what an inessential, coincidental, feature of the notation? Is there some reality lying behind the notation, to which its grammar conforms?” Taking into account that Wittgenstein’s methodology in 1929 is, differently from that of the Tractatus, entirely descriptive of the workings of our language, it may be argued that the rejection of phenomenology at the end of that year in favour of grammar is mostly due to the recognition that a phenomenological description, though much broader than what the Tractarian operators could offer, is nevertheless secondary in relation to our ordinary language. And that is why Wittgenstein came to the conclusion as early as October 1929 that it is its grammar that must be investigated in first place since any phenomenological description will need a grammatical elucidation of the terms employed.

If we now take into consideration that many of the 1929 remarks made their way, via different typescripts, into the Big Typescript, it may also be argued that the conception of grammar there remains fundamentally unaltered. In contrast with what the work suggests, the autonomy of grammar defended by Wittgenstein can be seen as compatible with its application to reality if we realize, as Frege did, that the sense of our propositions, the possibility of forming a “thought”, is a precondition for the empirical verification of their truth or falsehood. Hence the coincidence of grammar and logic that Uffelmann recognizes to exist in the Big Typescript. The apparent incompatibility between the completeness and at the same time the incompleteness of grammar vindicated by Wittgenstein is explained by our difficulties in providing a full account of what it makes sense to say. No surprise that the Big Typescript and its revisions include a number of remarks on our understanding of poetry, in order to point out the fluidity of what is it like to understand a sentence, bearing in mind that some sentences cannot be subjected to verification.

The tensions we find in the Big Typescript will make room for a much more concrete analysis of language, one that, according to the author, is to be found for the first time in the 1934-35 Brown Book, but, as mentioned before, the 1933-34 Blue Book has also a key role in the appreciation of our “language games”. This is a notion that Wittgenstein introduces as early as 1932 and one can actually argue that this attention to the specific context in which we use our words does not mean, as Vom System zum Gebrauch interprets it, doing away with the idea of grammar as the “complete space of possibilities” (vollständiger Möglichkeitsraum), as mentioned on pp. 22 and 183. This can indeed be seen alongside Wittgenstein’s “conception of grammar as the description of language use” (Auffassung von Grammatik als Beschreibung des Sprachgebrauchs), as Uffelmann calls it on pp. 171 and 177, for any use that can be described will be part of that whole – it cannot be outside it. What happens is that all these uses are now seen as making part of logic, which is broadly understood as the possibility of forming thoughts translatable into reasonable actions. This actually responds to the puzzling circumstance of the Brown Book possessing no occurrences of “grammar in the general sense”, but only “in the particular sense”, whereas the Philosophical Investigations contains almost the same number of each of them, 14 in the first and 18 in the second sense, as Tab. 7 on p. 161 documents. If we were to be guided only by these empirical data, we would have to point to another shift in Wittgenstein’s notion of grammar. The author, however, does not want to do that and, rightly, defends that the Brown Book and the Philosophical Investigations have a view of grammar in common with each other. Her strategy is to interpret the instances of “grammar in the general sense” within the polyphonic method of contrasting positions, including those held by Wittgenstein in his previous writings. The polyphonic reading, as stressed, has enormous advantages over a traditional, theoretical reading. It responds much better to the therapeutic character of philosophy that Wittgenstein vindicates. But this does not mean that we cannot – and should not – look at, for example, §371 of the Investigations, in which we find that “Essence is expressed in grammar”, or at §373, where it is said that “Grammar tells what kind of object anything is”, in a positive way. Uffelmann is absolutely right in claiming throughout the work that Wittgenstein replaces a metaphysical way of looking at philosophy with an activity of grammatical elucidation. Yet, one may wonder whether a rejection of the systematicity of grammar, of its essentialism, is really possible. The multifarious language games analysed by Wittgenstein in his later philosophy belong all to the grammar of human reasoning or, as he also terms it, to the “natural history of human concepts” (1980, §950). And if Wittgenstein is already well aware of the impossibility of providing a complete account of our language uses, the results of his descriptions, though not theoretical, in the common sense of the word, constitute more than simple possibilities of looking at things – they are actual possibilities and therefore belong to our systematic understanding of reality.

This leads me to the last point I wish to make. It concerns the prevalent use of “logic” in the later manuscripts. The author leans herself towards the opinion that the concept of “grammar”, which cannot be coincident with that of “logic”, undergoes a transformation again, in line, as noted on pp. 24, 201, 203 and 211, with the “extended concept of grammar” (erweiterte Grammatikbegriff) defended by Danièle Moyal-Sharrock, even if the thesis of a “third” Wittgenstein is not entirely subscribed to in Vom System zum Gebrauch. But if we do not accentuate the shifts in approach and terminology that naturally exist in Wittgenstein’s thought, we can see that grammar and logic go hand in hand all along the way, from the Tractatus to the very end, and that grammar was simply a mode he found to conceive of logic in a completely different way from what Frege and Russell did. The evolution of the concept of “grammar” is indeed the evolution of the concept of “logic” that comes to be regarded in the remarks on certainty in a quasi-psychologistic way.

In conclusion, there are claims in Vom System zum Gebrauch that can be challenged and the empirical data, though very useful, are not complete enough to solve all the questions that can be raised when this fascinating topic is approached. But Uffelmann defends her views quite effectively using a methodology that helps to situate the claims made beyond the space of mere hypotheses. We are thus in the presence of an excellent work, one that, no doubt, will prove to be of invaluable help to those concerned with Wittgenstein’s Nachlass and his conception of grammar.

References

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SMITH, J. “Wittgenstein’s Blue Book: Reading between the Lines”. In: VENTURINHA, N. (ed.), The Textual Genesis of Wittgenstein’s Philosophical Investigations New York: Routledge, pp. 37-51, 2013 hbk, 2016 pbk. [ Links ]

VENTURINHA, N. “Introduction: A Composite Work of Art”. In: VENTURINHA, N. (ed.), The Textual Genesis of Wittgenstein’s Philosophical Investigations. New York: Routledge, pp. 1-16, 2013 hbk, 2016 pbk. [ Links ]

WITTGENSTEIN, L. Preliminary Studies for the “Philosophical Investigations”: Generally known as The Blue and Brown Books. Second edition. Ed. by R. RHEES. Oxford: Basil Blackwell, 1969. [ Links ]

____________ Remarks on the Philosophy of Psychology, Vol. 1. Ed. by G.E.M. Anscombe and G.H. von Wright. Transl. by G.E.M. Anscombe. Oxford: Basil Blackwell, 1980. [ Links ]

____________ Philosophical Investigations. Fourth edition. Ed. by P.M.S. Hacker and J. Schulte. Transl. by G.E.M. Anscombe, P.M.S. Hacker and J. Schulte. Oxford: Wiley-Blackwell, 2009. [ Links ]

Notas

1All subsequent references to the Investigations are to this edition.

Nuno Venturinha – Nova University of Lisbon – FCSH, Department of Philosophy / IFILNOVA, Portugal. E-mail: nventurinha.ifl@fcsh.unl.pt

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Evolving Enactivism – Basic minds meet content – HUTTO; MYIN (M)

HUTTO, Daniel; MYIN, Erik. Evolving Enactivism – Basic minds meet content. [?]: MIT Press, 2017. xxvi + 328p. Resenha de: NASCIMENTO, Laura. Manuscrito, Campinas, v.41 n.1 Jan./Mar. 2018.

Hutto and Myin’s most recent work, Evolving Enactivism – Basic minds meet content (2017, MIT Press, xxvi + 328 p.), contains the development of the Radical Enactive (or Embodied) approach to cognition (henceforth REC), initially presented in their previous book Radicalizing Enactivism – Basic minds without content (2013), where they laid out the basic framework for REC. REC aims to fully embrace the “E” (embodied, embedded and ecological) aspects that for an enactivist approach are fundamental to the adequate understanding of cognitive phenomena. For REC, cognitive phenomena amount to how an embodied and embedded organism which has an ontogenetic and phylogenetic history engages and interacts with the environment in specific ways. Nothing more (but also nothing less) than invoking these interactions, their history and their effects is needed in order to achieve comprehension of cognitive activities, be it, the jumping of an insect, the initial clumsy grabbing of a human baby or imagination and memory. More specifically, Hutto and Myin question the legitimacy and the necessity of relying on the closely related notions of representational content and contentful mental states in naturalistic explanations of cognition.

In mainstream cognitive science, cognition is usually taken to be formed by a series of processes that start with the retrieval of external information by the sensory organs and end in the overt behavior of the subject. In between, representations, which have as their content the information picked up by the senses, are created by brain processes. These contentful representational states can be multiply used: they can be stored, processed, manipulated and they interact with already existing content carrying representational vehicles to finally inform and cause the general actions of the subject. This mechanistic view on cognition, in which its parts, operations and organization are understood in terms of the informational processing of content-bearing states and their interactions, is firmly rejected by REC.

In REC’s view, the positing of mental representations and representational contents as the mechanistic components of cognition, besides not adding any explanatory value, also faces a fundamental problem: the Hard Problem of Content (henceforth HPC), an important challenge for explanatory naturalists. In general terms, for a representation to be contentful is for it “to take (‘represent’; ‘claim’; ‘say’; ‘assert’) things to be a certain way such that they might not be so” (p. 10), that is, representations have specified conditions of satisfaction. The HPC amounts to explaining how a mental state can semantically represent something, that is, how mental states acquire their contents without violating any naturalistic constraints. The problem arises whenever content is presupposed to be “literally ‘extracted’ and ‘picked up’ from the environment as to be ‘encoded’ within minds” (p. 30), as a sort of abstract commodity that can be traded in and out from organisms (p. 31). According to Hutto and Myin, the challenge posed by the HPC has not been successfully met: the available notions of content are either too weak to account for the semantic properties representations are supposed to play in cognition, or too strong to meet the constraints of naturalistic explanation. Hutto and Myin claim that “we lack any respectable scientific account of how to understand the idea that cognition is literally a matter of trafficking in such informational contents” (p. 31). As the matter stands, it is indeed possible that the fundamental cornerstones of Cognitive Science are in fact unwarranted theoretical posits.

In addition to the exposition of their substantial doubts about the assumptions that underlie much of the mainstream research on cognition, Hutto and Myin also argue that it is perfectly possible to explain cognition without relying on mental content and mental representation, and in their books they offer reasons to be confident about REC’s explanatory potential. REC claims that many of the cognitive actions which organisms perform do not depend on the employment of contentful representations. Saying that organisms do not rely on contentful representations when engaging in cognitive activity, however, does not amount to saying that organisms are not directed to the world: they do interact with the world, and respond to its offerings, but not in the contentful ways associated with semantic properties as exhibited, for example, by linguistic judgments.

Hutto and Myin propose a “duplex account” of cognition which allows for the existence of, but insists on the difference between, contentless but nevertheless world-targeting-cognition and content-involving cognition. The first kind of basic capacities “can be extremely flexible, open-ended and content-sensitive” but should not be considered as rudimentary or “low-graded forms of cognition” (p. 89); they merely come first in the ontogenetic and phylogenetic development of the organism. Basic cognition, then, encompasses some of the central forms of human cognition both in children and adults, such as perceiving, imagining and remembering (p. 90). Content-involving cognition, by contrast, is “a special achievement” (p. 90), and only appears through the mastery of certain socio-cultural practices. By distinguishing between cognition which does and does not involve content, Hutto and Myin emphasize the fundamental difference that there is “between responding to and keeping track of covariant information and making contentful claims and judgments that can be correct or incorrect” (p. x). Thus, one of the tasks REC sets itself concerns explaining how dynamic and non-linear couplings between organisms and their environments can give rise to content-involving cognition, as the book’s title suggests.

The first chapters set the scene, and recover some of the arguments presented in the previous book. Chapter 1 makes explicit where REC is positioned within the theoretical landscape, by taking a critical stance on the nature and the role played by representational content in cognition. The strength of the commitment to representation and content can vary: from claiming that all kinds of cognitive capacities depend necessarily on contentful representations which are always neural and brain-bounded (what they call ‘unrestricted-CIC’) to more embodied varieties, in which some of the representational states are embodied and not only brain-bound, and/or possess bodily content (being, thus, conservative enactive approaches to cognition, or ‘CEC’). REC’s claim, in its turn, is that not all kinds of cognitive phenomena necessarily employ internal contentful representations.

In the chapters that follow, Hutto and Myin discuss other existing research programs and lines of thinking, such as Kandel’s (2001) empirical research (chapter 2), Predictive Coding (chapter 3) and Auto-poietic Adaptive Enactivism and Ecological Dynamics (chapter 4). Hutto and Myin argue that, after stripping these various approaches of their commitments to the notions of representation and content, such approaches are, at least in principle, compatible with the REC framework. With the same aim, a similar process of “RECtification” is then applied to the philosophical doctrine of Teleosemantics (chapter 5), in order to account for the notion of Ur-Intentionality.

Ur-Intentionality, the main theme of Chapter 5, is explored through questioning current takes on the Brentanian notion of intentionality. Hutto and Myin point out that the notion of intentionality that has been assumed in existing attempts aimed at its naturalization is too narrowly-focused, since it is very often only concerned with one single kind of intentionality, namely the content-involving one exhibited paradigmatically by propositional attitudes and linguistic judgments, but also by states with nonconceptual content. To account for the diversity of cognitive phenomena, Hutto and Myin insist that a more nuanced approach to intentionality is necessary. Ur-intentionality consists in the relation to the world that basic cognitive capacities exhibit: “it is possible to think of the most primitive form of intentionality (…) in non-contenful, non-representational ways while still allowing that such intentionality exhibits a trademark property of the intentional – that of being an attitude directed towards an object” (p. 95). Ur-intentionality, then, is explained by appeal to the result of the RECtification of Teleosemantics, Teleosemiotics. Original Teleosemantics defines mental contents according to the biological proper functions selected by evolutionary processes. However, mental content defined only by its evolutionary function is not adequate to account for intensionality, since it does not allow for the individuation of the intensions (with an “s”) of the purported representational vehicles (a worry already raised by Fodor (1990), when he argues that teleological accounts of content are not able to provide a solution to the disjunction problem). Consequently, Teleosemantics does not provide an appropriate explanation of the semantic properties of contentful representations. However, it can offer something else. Teleosemiotics (the RECtified Teleosemantics) aims not to provide a “robust semantic theory of content” (p. 154) but rather an account of the systematic relations that bear between the organism and the environmental features that affect it. Such systematic relations also incorporate phylogenetic traits, selected through the species’ biological history, and ontogenetic traits, developed in the individual history of the subject (pp. 117-118). Those elements account for the normative dimension that REC attributes to contentless behavior.

Chapter 6 explains why REC is not defeated by its own criticisms to the tradition, that is, why it does not fall prey to HPC and how suggesting a “duplex account” does not lead to a “saltationist view”, that is, a view that implies evolutionary discontinuity. Some critics claim that the HPC applies to REC as well, since REC is not an eliminativist or nihilist view on content and in fact acknowledges the existence of content-involving cognitive capacities that arrive on the scene later than basic ones. A similar issue lies at the origin of the “saltationist” criticism: how to understand the arising of content in cognition, without presupposing there to be a naturalistically illegitimate leap from the contentless activities to the content-involving ones? REC’s answer to these criticisms depends on the “relaxed naturalism” that it proposes. According to REC, resources such as Cognitive Archaeology, Anthropology and Developmental Psychology, for example, are as scientifically respectable as more restricted ones, such as Neuroscience or Physics. Hence, the kind of content that REC allows into its naturalistic picture arises from the “development, maintenance and stabilization of practices involving the use of public artifacts through which the biologically inherited cognitive capacities can be scaffolded in very particular ways” (p. 145). It is a complex story to tell but, according to REC, there are no fundamental obstacles that exclude it of being told. This is the aim of the second part of the book: to show how REC can be satisfactorily applied to particular cases. Hutto and Myin provide “naturalistically relaxed” considerations on how to properly describe perceiving (chapter 7), imagining (chapter 8) and remembering (chapter 9). They offer a positive account for such phenomena, dismissing some common presuppositions that they take to prevent a more adequate understanding of them. To exemplify, let us briefly consider REC’s account on memory, a phenomenon that is widely supposed to always require contentful representations to be stored and reused later.

First of all, REC emphasizes that memory cannot be accounted for by a single and general explanation, for it is constituted by different processes and functions. So, it is not the case that memory’s only (or even main) function is to reproduce the past accurately. REC acknowledges roughly three distinguishable types of capacities in a “memory spectrum”: non-declarative, declarative and amalgamated kinds of memory. Procedural memory is a non-declarative type of memory that is “purely embodied and enactive” (p. 203), that is, contentless, even if it implies sensitivity to particulars of individual places or things. Remembering how to execute a task in ways sensitive to the specific context at hand does “not require representing any specific past happening or happenings, and specially not representing these as past happenings” (p. 205). This can be considered the most ubiquitous type of memory, shared by humans and other animals alike, and, it is important to emphasize, it is not the exercise of a blind habit (p. 204). REC’s take on it can be made more specific: non-declarative memory is contentless, for it does not require anything more “than reinitiating a familiar pattern of prompted response, albeit with adjustments that are dynamically sensitive to changes in circumstance and context” (p. 205). On the other side of the spectrum lies a completely different kind of memory which “absolutely requires contentful representation” (p. 205), namely the declarative types of memory. Autobiographical declarative memory involves contentful representation to enable the description of past experiences. Drawing on research in Developmental Psychology, more specifically from a strong interpretation of Social Interactionist Theory (SIT), REC claims that autobiographical memory “requires the development and exercise of socioculturally acquired narrative capacities” (p. 207). REC’s point is that before this kind of special sociocultural interactive practice is mastered, which is accomplished through involvement with social artifacts such as narratives, children cannot make contentful autobiographical judgments. Unlike weak versions of SIT, which are compatible with unrestricted representationalist views on memory, REC holds that it is not the case that the development of full-scale autobiographical memory is a matter of the enhancement or improvement of a more primitive form of an autobiographical memory skill that is already present before involvement with social narratives. Rather, narrative practices are precisely what make autobiographical memory possible. Other functions are developed through narratives as well: the sense of self, that is, “what it is to be a person with a temporally extended existence” (pp. 210-211) and the establishment of social cohesion, not only within smaller groups, such as families, but also in larger societal groups (p. 212). In sum, for REC, memory consists in a variety of capacities, some of which involve representing the past. However, by being dependent on the engagement with sociocultural practices and artifacts, some memory capacities are not a matter of “built-in talent but an achieved skill” (p. 239).

Finally, the epilogue further explores the persistent attachment to the notion of representation in theorizing about Neurodynamics. Hutto and Myin analyze representational talk as it is employed in Neuroscience. They argue that the properties attributed by neuroscientists to neural patterns are not necessarily incompatible with REC, even though they are very often called “representational”. However, this then raises the question: what is the brain’s task, if it is not to represent, or to host representations? In REC’s view, it is to enable organismic contentless connections with worldly features, allowing for cognitive phenomena to unfold. Contrary to what is assumed in influential views, it is thus not necessary for brain cells or cell assemblies to contentfully represent the world in order to influence and allow for cognitive behavior. As such, while it is Neuroscience’s task to determine what are the causes of cognitive activity, REC claims that contentful neural episodes need not figure among those causes.

Throughout the book, Hutto and Myin urge for serious consideration of Enactivism, especially their radical version. Enactivism has received a significant amount of attention recently, which includes a variety of criticisms. For example, enactivist claims are sometimes criticized for being vague and/or trivial. Other times, it is claimed that enactivist approaches are only appropriate for more practical activities, that is, those activities that involve the body and environment in obvious ways, but not for more “sophisticated” higher cognitive activities. In the specific case of REC, it has been argued that it is a purely negative approach, and that it does not provide any positive considerations. It is safe to say that Hutto and Myin’s book successfully addresses the aforementioned criticisms: not only do they make clear what REC’s commitments are, they also show that it is possible for REC to account for diverse cognitive phenomena. Moreover, if REC is true, then it is not a trivial matter. Abandoning the main tenets of Cognitive Science, that is, the assumption that cognition is necessarily dependent on the notions of content and representation, as REC proposes, fundamentally transforms the pressing issues concerning cognition. In that sense, REC can be considered as having a truly revolutionary character.

Hutto and Myin’s philosophically and empirically informed analysis shows that they are well aware that an adequate understanding of cognition depends not only on more experimental data but also involves philosophical and highly theoretical matters. It is of great importance to be clear not only about the empirical adequacy of theories, but also about the assumptions that underlie and motivate these theories. Of course, whether REC is successful in fulfilling its aim of providing a thoroughly naturalistic account for cognition is a matter that demands further investigation, but Evolving Enactivism shows that there are good reasons to consider REC a promising framework from which an enactive cognitive science can proceed (and evolve). Many issues – language, mathematics, consciousness, to name a few – still deserve a to be reconsidered thoroughly in a RECish, pragmatic framework. Nevertheless, the second part of the book, on notoriously difficult issues such as perception, imagination and memory, demonstrate that the prospects look good. As Hutto and Myin repeatedly state, REC cannot be dismissed just because of traditional and cherished assumptions. REC’s radicalism is thus not gratuitous. It is instead a well-motivated and powerful answer to the sorts of explanatory stalemates and difficulties that cognitive science has struggled but so far failed to solve.

References

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HUTTO, D.; MYIN, E. Radicalizing Enactivism – basic minds without content. Cambridge, MA: MIT Press, 2013. [ Links ]

Laura Nascimento – University of Campinas, Department of Philosophy, Campinas, SP , Brazil, lauranasciment@gmail.com. University of Antwerp, Centre for Philosophical Psychology, Antwerp, Belgium.

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Frege und die kontinentalen Ursprünge der analytischen Philosophie – GOTTRIED; SCHLOTTER (M)

GOTTFRIED, Gabriel; SCHLOTTER, Sven. Frege und die kontinentalen Ursprünge der analytischen Philosophie. Münster: Mentis, 2017. 251p. Resenha de: PORTA, Mario. Manuscrito, Campinas, v.41 n.1 Jan./Mar. 2018.

1. INTRODUCTION

The purpose of Frege und die kontinentalen Ursprünge der analytischen Philosophie (Frege and the continental sources of Analytic philosophy) by Gottfried Gabriel and Sven Schlotter is to fill an interpretative gap in the clarification of Frege’s ties with his time (p. 1). Performing this task is not merely of historical interest, but is an indispensable element for an adequate systematic understanding of Frege’s thought (p. 10). Ignorance of the context is the basis of the standard view, instilled by Dummett, which views Frege as a philosopher of language. In this sense, the principal result of Gabriel and Schlotter’s investigation is to change this image of Frege by showing that his interest was principally epistemological, and that from there, his thought consequently necessarily developed into logic and philosophy of language. It is, then, a matter of demonstrating Frege’s ties with his philosophical-historical setting and of doing so, not in some generic way, but by documenting the unequivocally made assertions by means of concrete quotations.

Gabriel and Schlotter’s work, however, extends beyond the limits of a reinterpretation of Frege’s ideas on a historical-philosophical basis to present itself as a paradigm of a new way of considering the relationship between Analytic and Continental philosophy which, instead of emphasizing an absolute break between the two, stresses the continuity of the former with respect to the latter and, in so doing, the continental roots of Analytic philosophy (p. 10, p. 13). In this sense, their book about Frege must be seen as part of a far-reaching movement which extended to Wittgenstein and Carnap.

A. Exposition1

2. The continental roots of Fregean logic

Gabriel and Schlotter underscore the connections between Fregean logic and traditional logic, demonstrating that there has been a steady evolution in Germany since Kant’s time (p. 10) and punctiliously laying bare the sources of certain fundamental Fregean ideas (p. 66ff.).

One of the main questions about logic which has arisen since Kant’s time due to Hegel’s having expounded on it is whether this discipline is merely formal, or whether it is material (and, possibly, metaphysical) in nature. Regarding this question, a controversy referred to as “the logical question” (“die logische Frage”), in which a good number of XIXth century German logicians took part, arose between Trendelenburg and Herbart. This controversy would prove decisive for the Fregean idea of logic, which displays evidence of strong Trendelenburgian inspiration and leans toward a material conception of logic (even if Frege did not on account of this subscribe to the thesis of the partial or total identity of logic and metaphysics). Logic was not, then, for Frege, merely “formal,” but had its own content, dealing with specific objects. Without this, there would be no possibility of “logicism” (p. 95).

Other relevant areas in which Fregean conceptions take up, or are inspired by, ideas present in the German logicians of the XIXth century, are:

  • a. the idea of a Begriffschrift (which had originated Leibniz’ work and came to Frege via Trendelenburg; pp. 29ff.);
  • b. aspects of the intensional conception of the concept as function and, especially, an organic model of the formation of concepts and of logic itself as a whole (Trendelenburg; p. 34);
  • c. the relationship between logic and arithmetic (Lotze; pp. 37f.);
  • d. the existential interpretation of the forms of Aristotelian judgment, which derived from criticism of the square of opposition of traditional immediate inferences (Herbart, Sigwart; pp. 58ff., 61);
  • e. the discussion of the Kantian classification of judgments, including the problem of its completeness, of the adequacy of its subdivisions and the homogeneity of the criteria of classification (p. 7). The result would be a new arrangement of the forms of judgment based on a clear distinction between the act of judging and the content judged (Herbart). Placing the quality before the other forms leads to the thesis that the distinction between affirmation and negation is the only one essential for the judgment as such, given that all the others are linked to the content (Herbart, Brentano, Bergmann, Windelband). Frege continued along these lines but reduced affirmation and negation to a single act, recognition (Anerkennung), referring the latter to the content. All the other forms of judgment are interpreted by Frege as forms of content, not of act;
  • f. the first steps taken towards questioning the properly logical nature of the subject-predicate structure (Lotze, Sigwart) which, nevertheless, would consequently be developed by Frege alone (p. 77f.);
  • g. the reference of particular judgments to existential judgments and the linking of the latter to numerical attributions (Herbart; p. 64);
  • h. the epistemological interpretation of the modalities of judgments (pp. 80, 89).

3. Philosophy of language

Frege took up the tradition of philosophy of language which already existed in Germany and dated back to Herder (pp. 130ff.), the points of contact with Lotze’s and Liebmann’s ideas, which coincide in places, including in the terminology used, being of particular relevance (p. 137).

If Gabriel and Schlotter’s main line of interpretation consists of bringing out the centrality of the theses relative to philosophy of language, showing its dependence on epistemological questions, then this is manifested paradigmatically in two points:

  • i. Frege recognized the existence of thinking that could not be reduced to language and emphasized the need of categorial clarification in philosophy, which imply a fight against language taking place within language itself (p. 130);
  • j. Frege’s most important contribution to the philosophy of language, namely, the distinction between sense and reference, is nothing but a semantic reformulation of an epistemic thesis, whose origins are found in the tradition of Leibnizian perspectivism which came to Frege via Lotze (p. 145). Already in Lotze as well, the distinction between sense and reference is linked to the finding that, while being formally synthetic, arithmetical statements possess identical content. What for Lotze was a point of departure turned into Frege’s ultimate objective, in other words, the grounding of the cognitive value of such statements (p. 141). But not only in Lotze, but also in Sigwart, do Gabriel and Schlotter detect preparatory stages of Frege’s distinction between sense and reference based on considerations about the different forms of cognitive access to the same object or on the cognitive value of identity judgments as recognition of what is the same in what is different (p. 143).

4. Theory of knowledge

4.1 The concept of truth as value

The concept of value in the Fregean term “truth-value,” generally interpreted as being analogous to the mathematical concept of the value of a function, must be understood in a fully axiological sense (p. 160). Frege himself referred to the relation existing between truth as value and ethical and esthetic values.

Frege’s treatment of the subject of truth coincides in obvious ways with the ideas of the members of the Baden school, something which is not only expressed in a negative way in the criticism of the correspondence theory of truth, but also in a positive way in the value-theoretical conception of truth inherited from Lotze in which the notion of recognition (Anerkennung) plays a fundamental role). Truth, Windelband told us, is what is recognized in judgments, and judgments what the truth recognizes (p.159). Having said that, the concept of recognition (Anerkennung), refers linguistically to a normative idea of value: values are objects of recognition. As in Windelband, Frege’s theory of recognition of truth in judgments (Anerkennungstheorie) involves two phases, the separation between assertive force and the judgeable propositional content, on the one hand, and, on the other hand, an affirmation of this content which must be understood in a value-theoretical sense as the attribution of a truth-value (p. 165).

4.2. The transcendental-pragmatic grounding of our acceptance of logical laws. The epistemological status of logical laws.

Frege accepted different modes of justification, proof or logic demonstration (Beweis) and grounding (Begründung), the former being a matter for logic, the latter for theory of knowledge. The main point of this distinction is that Frege accepted modes of justification which are not strictly speaking logical. Without them, we could not, strictly speaking, talk of a grounding of the logicist thesis in Frege.

At first, it may have seemed that in Frege the basic logical laws, which obviously cannot be deduced without circularity, or are not justifiable in any way, or can only refer back to their own self-evidence (something which is at odds with his thesis of the relativity of the axioms). There is, however, another way of justifying basic logical laws, which certainly does not account for their inherent necessity, but rather of our need to recognize them as such (pp. 116-117). This mode of justification, which Gabriel and Schlotter call “transcendental-pragmatic”, is clearly parallel to that developed by Windelband (pp. 106-107). Indeed, Frege and Windelband coincide both in their assumptions (distinction between proof and grounding) and in what is proved (our recognition), and in the (essentially “teleological”) mode of proof (pp. 106-107).

With the distinction between proof and grounding, the analytic-synthetic and a priori – a posteriori distinctions and, on the basis of this, the differences between geometry and arithmetic enter in. It is interesting how Gabriel and Schlotter show how Frege’s position draws near that of Liebmann when it comes to geometry (p. 96).

4.3. Transcendental Platonism

While Frege and neo-Kantianism share what we might call a transcendental-pragmatic grounding of logical laws, both also share, and as something encompassing it, a basic epistemological position which Gabriel and Schlotter call “transcendental Platonism.” Transcendental Platonism stands in contrast to ontological Platonism (which asserts the being-in-themselves of transcendental objects or entities in another realm different from the empirical realm) in order to – taking up again Lotze’s interpretation of the Platonic theory of Ideas, according to which they do not exist, but are valid – apply the notion of validity (Geltung) to the determination to the transcendental mode of existence (p. 195).

With respect to Windelband, but in theory valid in a generic way for neo-Kantianism as a whole, Gabriel and Schlotter cite texts in support of their thesis asserting that the transcendental principles which present themselves to us as duties (Sollen) are based on validity-in-itself (p. 303).2 The validity-in-itself of a proposition is the basis of our taking it as true (Fürwahrhalten) not, on the contrary, our taking it as true the basis of its validity (p. 306).

However, while in order to prove that Windelband’s Platonism is not ontological but transcendental, Gabriel and Schlotter appeal to those texts in which the founder of the Baden School, in one way or another, refer to Lotze’s thesis that values do not exist, but are valid, in order to prove the same thesis with respect to Frege, they appeal to texts in which Frege referred to the objectivity of numbers, not to a being-in-itself independent of knowledge, but to reason (Vernunft) as a faculty of knowledge (Erkenntnisvermögen) (p. 172) and/or to the “existence of intersubjective cognitive units” (p. 165).

5. Frege’s interest in metaphysics

Gabriel and Schlotter assert that Frege’s logicist project is fundamentally metaphysically motivated (pp. 167, 172). However, the term ‘metaphysical’ already has two meanings in Kant, namely, as a synonym for a priori knowledge of reason and as a synonym for a priori knowledge of transcendental objects. This gives Gabriel and Schlotter’s thesis two possible meanings, since the difficulties in grounding it in each one of them are clearly different. With respect to the first meaning, it is clear that, to the extent that Frege admits informative analytic knowledge or the possibility of a priori access to non-empirical objects, for him, mathematics arrives at a type of knowledge that Kant considered impossible in metaphysics (pp. 174-175. Cfe. Frege: GA, § 89). With respect to the second meaning, however, there is really nothing obvious about Gabriel and Schlotter’s thesis. Precisely for that reason, it is of interest to pay particular attention to their argumentation, which turns on demonstrating, on the one hand, that Frege explicitly placed his logicist program within the framework of opposing worldviews and, on the other hand, that he observed that deciding between them essentially had to go by way of treating the problem of infinity in mathematics, being radically at odds Cantor in the matter (p. 189. Cfe. Frege: NS, p. 272).

It is important to note that the 1915 text in question shows that the metaphysical needs, that initially tried to be satisfied by the logicist program of numbers as objects of reason, was now oriented in another direction, but remained. One of the basic motivations behind the grounding of arithmetic in geometry was in the fact that infinity could be recognized in the strict sense.

6. CONSIDERATION OF THE FINAL STAGE OF FREGE’S THOUGHT

Gabriel and Schlotter’s consideration of Frege’s interest in metaphysics is an example of their tendency to call attention to the existence in Frege’s thought of permanent convictions which survive the failure of his logicist program and later assume a new form. As a second element along these lines, it is worth mentioning Frege’s opposition to formalism and his conviction that numbers are objects, which is also at the basis of his project to ground arithmetic in geometry. The turn to geometry seeks, then, to secure the idea of numbers as objects no less that the thesis of infinity does.

Along the same lines, Gabriel and Schlotter’s observation points to the fact that in the final stage of Frege’s thought, his ties with neo-Kantianism grew stronger, his actual interaction with it being documentable, on the one hand, as well as a significant reception by neo-Kantians, on the other. Meriting special attention among such interactions is the relationship of Frege’s term and concept of “third realm” (drittes Reich) with its neo-Kantian context, with Simmel and Münch and Hirzel especially (p. 187), as well as the documented disagreement with Bauch as the background for Frege’s essay “Negation.”

B. CRITICAL DISCUSSION

In disagreement to what is usually the case among many Analytic philosophers, I recognize the value of Gabriel and Schlotter’s perspective and the relevance of their endeavor. I believe it necessary, however, to make some points with respect to what they have achieved in the hoping in the final analysis but to contribute to it.

Even though Gabriel and Schlotter have made a substantial contribution to reconstructing the context of Frege’s thought and his actual interactions (furthering investigation into the subject significantly beyond Hans Sluga’s work), this perspective is far from having been exhausted, for they not only leave out of consideration some authors expressly cited by Frege himself (such as, for ex., Grassman and Fischer), but by focusing one-sidedly on Frege’s relationship to the neo-Kantianism of Baden, they almost totally overlook Frege’s relationship with Brentano’s school (Stumpf, Marty, Kerry, Husserl) which, however, constitutes another basic element for reconstructing Frege’s philosophical horizon overall, since it is no less a matter of that other major school of the time.

The reference to a certain one-sidedness in the choice of the sources considered warns us about something else, namely that, although Gabriel and Schlotter have shown important and interesting areas of contact between Frege and neo-Kantianism, they do not take into consideration at the same time and with equal emphasis the differences between the two, something which, if actually done would certainly provide a more nuanced view. From this perspective, the following aspects seem to me to be relevant:

  1. Certainly the rejection of any ontological or ontologizing interpretation is present both in Lotze’s Platonism and in that of the neo-Kantians. However, the mere ontological Platonism – transcendental Platonism alternative does not account here for the possible variants and conceals decisive differences. This situation ends up being extremely compromising when it comes to Frege. Even though he may not have been an ontological Platonist that does not mean that he was then a transcendental Platonist.
  2. Regarding Fregean abstract objects, both extensional and intensional, Gabriel and Schlotter time and again find that there is an ontologizing tendency in Frege which is foreign to the neo-Kantians. But, is not this precisely the sign that Fregean Platonism is not transcendental?
  3. The same question can ultimately be considered from another point of view. How is one to reconcile Frege’s metaphysical motivations in the two senses mentioned with a consistently neo-Kantian standpoint? For a neo-Kantian there can neither be abstract objects, nor a priori knowledge of abstract objects, yet the transcendental method requires that the only knowledge a priori possible be knowledge of the conditions of possibility of empirical knowledge.
  4. But, it will be said: Have not Gabriel and Schlotter proved the existence of a transcendental-pragmatic grounding of logic as much in Frege as in neo-Kantianism? I do not want to deny this, but rather call attention to the fact that Windelband’s logic is transcendental logic too, while that of Frege is only general logic (even when certainly non-formal). More concretely, while the transcendental grounding in Windelband is paradigmatically oriented toward the principle of causality, in Frege it is oriented toward the principle of identity.
  5. Elaborating therefore on the differences between Frege and the neo-Kantians indicated, one finds that, far from totally ignoring them, Gabriel and Schlotter in a certain way take them into consideration and, in such cases, tend to favor neo-Kantianism, so that ultimately they end up offering us not a neo-Kantian Frege strictly speaking, but actually a Frege improved, corrected through the lenses of neo-Kantianism.
  6. Presented with such a situation, it seems to me opportune to call attention to the possibility of a different perspective, which does not understand Frege in terms of neo-Kantianism but, in a certain sense and in, so to speak, a schematic way, neo-Kantianism through Frege. An impartial interpretation of the relationship between Frege and neo-Kantianism must ultimately account for the fact that Analytic philosophy developed out of the former and not out of the latter and that, overall, it brought the emergence of a paradigm that also contributed to the decline of neo-Kantianism. The decisive difference between Frege and neo-Kantianism seems to me to be rooted in the fact that the reflection of the latter exclusively takes its orientation from the concept of validity (Geltung), while the former introduces the fundamental distinction between sense and truth-value, which is completely absent in the neo-Kantian scheme of things. With this, the problem of objectivity splits into two clearly different questions, that about the objectivity of the truth-value and that about the objectivity of sense (being that each one of them is, in turn, subject to a noetic variant and noematic variant). One sign of the pertinence of what has been said is the characteristic difference between the two of them in the fight against psychologism which, while being almost exclusively epistemological (and, in general, axiological), in the neo-Kantians, is also essentially semantic in Frege (and later in Husserl). The very material brought up by Gabriel and Schlotter concerning Bauch as Frege’s interlocutor in “Negation” confirms this idea. They rightly find that there are two fundamental areas of disagreement between Bauch and Frege: the existence or not of false thoughts and the status of negation. Fine, I submit that these two differences are not unconnected and refer to an even more fundamental one, namely, the presence in Frege’s thought and the absence in Bauch’s of a clear distinction between sense and truth-value. Precisely because of this, Bauch is obliged to say that, being worthless, false thoughts have no existence in-themselves, but solely exist in the subject thinking them3. This difference between Frege and Bauch, is a difference that can already be traced back to Windelband, for whom, even when values-in-themselves certainly exist, nothing suggests that he also admitted an existence in-itself of anything similar to a Fregean thought (Gedanke)4. In Windelband, truth-bearers seem to be simply connections of representations (Vorstellungsverbindungen) (NN, p. 74).
  7. We already observe that there is an important difference in the way in which Gabriel and Schlotter prove that Frege’s basic epistemological position can be characterized as transcendental Platonism. For a neo-Kantian like Windelband, the concept of validity (Geltung) is an ultimate concept not definable subsequently and possesses a supra-objective character and a supra-subjective character in equal measure since it is the basis of the subject-object distinction itself. Gabriel and Schlotter, however, assimilate validity in Frege to reason (Vernunft) and reason, in turn, to intersubjectivity. With this, they seem to have been remaining faithful, more so than is desirable or necessary, to an interpretation along the lines of Sluga’s, which is conducted within the distinction between transcendental idealism and Platonic idealism and which, on the one hand, links transcendental idealism to validity, on the other, however, continues to think that the notion of a “transcendental subject” is in some way essential to such idealism. This, however, which can rightly be maintained with respect to variants of transcendental idealism from Kant to Husserl, via Fichte, does not rightly hold for neo-Kantianism.

To conclude, let me say that, in spite of some possible improvements of the kind I have noted, Gabriel and Schlotter’s investigation unquestionably constitutes an indispensable frame of reference for the subjects it treats, and any subsequent study of them must take it into account and will only be of real value if argued on the basis of it.

References

FREGE, GOTTLOB. Die Grundlagen der Arithmetik. Eine logisch mathematische Untersuchung über den Begriff der Zahl. Hamburg: Meiner, 1988. (GA) [ Links ]

______ Nachgelassene Schriften. Unter Mitwirkung von Gottfried Gabriel und Walburg Rödding, ed. by Hans Hermes, Friedrich Kambartel and Friedrich Kaulbach. Hamburg: Felix Meiner Verlag, 1969. (NS) [ Links ]

LOTZE, HERMANN. Grundzüge der Religionsphilosophie. 2nd ed. Leipzig: Verlag von S. Hirzel, 1889. (GRel) [ Links ]

WINDELBAND, WILHELM. Die Prinzipien der Logik. In: Windelband, Wilhelm and Ruge, A. (eds.) Encyclopädie der philsophischen Wissenschaften. Tübingen 1912. Vol. 1. pp. 1-60 (PL) [ Links ]

______ Normen und Naturgesetze. In Windelband, Wilhelm. Präludien. Aufsätze und Reden zur Philosophie und ihrer Geschichte. Vol. 2. Tübingen, 1884. 9th ed. 1924. II, pp. 59-98 (NN) [ Links ]

Notas

1In my exposition, I have slightly changed the order of Gabriel and Schlotter’s text dealing with the philosophy of language as a continuation of logic and before to theory of knowledge. In it, Chapters 1 and 2 deal with logic, whereas Chapters 3, 5, 6 deal with theory of knowledge and inserted in between the two is Chapter 4, which deals with philosophy of language. Chapter 8, finally, deals with the final stage of Frege’s thought.

2Indeed, Frege made a similar distinction in differentiating between the two meanings of the term ‘law.’

3“Der falsche Satz 3 + 2 = 6 hat gewiss eine Wirklichkeit jedesmal, wenn er von einem denkenden Subjekt gedacht oder ausgesprochen wird. Aber unabhängig von seinem wirklichen gedacht oder ausgesprochen werden hat er keinen Bestand, wie ihn die Gleichung 3 + 2 = 5 durch ihre Geltung hat.” Bauch: Wahrheit und Richtigkeit, p. 47 (emphasis added).

4The case of Rickert from 1907 on merits special consideration, not having to overlook his discussion with Lask, influenced by Husserl.

Mario Porta – Pontificia Universidade Católica de São Paulo, Department of Philosophy, São Paulo, SP, Brazil, mariopor@pucsp.br

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História, religiões e religiosidade: da Antiguidade aos recortes contemporâneos, novas abordagens e debates sobre religiões – RODRIGUES; aguiar

RODRIGUES, André Figueiredo; AGUIAR, José Otávio (orgs). História, religiões e religiosidade: da Antiguidade aos recortes contemporâneos, novas abordagens e debates sobre religiões. São Paulo: Humanitas, 2017. Resenha de: SÀ, Charles Nascimento de; OLIVEIRA, Cintia Gonçalves Gomes. Nos caminhos da fé: história, religião e religiosidade da Antiguidade ao mundo contemporâneo Antítese, v. 11, n. 21, 2018.

Composto por uma coleção de artigos de diferentes autores, o livro História, Religiões e Religiosidade: da Antiguidade aos recortes contemporâneos, novas abordagens e debates sobre religiões, tem como organizadores: André Figueiredo Rodrigues, professor da UNESP/Assis, e José Otávio Aguiar professor da UFCG. Sua proposta é de abordar o debate sobre a religiosidade nos diferentes contextos da História, desde a Antiguidade Clássica até a atualidade, perpassando diferentes culturas, práticas, cultos, dogmas, levando o leitor a pensar não somente nas diferenças existentes entre as religiões, mas também no quanto tais particularidades são importantes para a composição das sociedades e da própria História. Por se tratar de uma obra coletiva o livro, tem a capacidade de contemplar múltiplas falas e uma diversidade de olhares sobre seu objeto de estudo. Este elemento representa um ganho ao conjunto da obra, mas, como todo trabalho coletivo fica a dever sempre que um assunto interessa mais ao leitor, e este não tem a possibilidade de maiores páginas para aprofundar o estudo.

Os textos reunidos em História, Religiões e Religiosidade foram organizados em quatro partes: Identidade, religiosidades e Antiguidade Clássica; Religiões, recepções e impérios Ultramarinos; Universo católico e problemas de História Contemporânea e Protestantismo, espiritismo e religiões Orientais no presente. Todos eles se apresentam de forma clara e os organizadores tiveram o cuidado de sistematizá-los no livro de modo a ficarem conectados, como se um texto conduzisse ao outro. Assim, a primeira parte do livro, composta por quatro ensaios e com o título “Identidade, religiosidades e Antiguidade Clássica”, tem como foco estudos sobre a Antiguidade Clássica e seus reflexos e receptibilidade na sociedade contemporânea e se inicia com o ensaio de Aila Luzia Pinheiro de Andrade, no qual a autora reflete sobre a crise de identidade cristã, bem como os desafios da atualidade ligados a tal identidade, como a questão da fé em Jesus ou mesmo o conceito de messias, tanto para o judaísmo quanto para os primeiros grupos que seguiam os ensinamentos de Jesus.

Em seguida, Nelson de Paiva Bondioli e Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi, propõem ao leitor analisar as ações dos Principes Julio-Claudianos, considerando o imaginário que os circundavam e a sua inter-relação com os ideais de tradição e transgressão religiosa, bem como compreender as consequências de tais condutas para seus governos e mesmo para a construção da identidade dos povos romanos do período.

A questão das identidades judaicas é retomada com Fernando Mattiolli Vieira, que chama a atenção para o debate sobre a importância da busca e do reconhecimento da identidade do grupo detentor dos manuscritos de Qumran, uma grande incógnita para os historiadores do assunto, mas que se faz fundamental, pois, todas as análises dos manuscritos são pautadas na organização social e religiosa do grupo, em suas bases culturais e identitárias.

Fechando esta parte inicial do livro, Haroldo Dutra Dias examina os estudos históricos sobre Jesus, que possuem como fonte documentos dos primeiros séculos do cristianismo, dando destaque a suas cronologias e como tais estudos são apropriados e dialogam com informações e dados da doutrina espírita no Brasil, numa relação de complementação de informações e na busca pela solução de questões ainda não respondidas.

A segunda parte do livro, “Religiões, Recepções e Império Ultramarinos”, volta-se para a questão da religiosidade e suas diferentes perspectivas e particularidades nas possessões portuguesas e inglesas. Abrindo esta parte, André Figueiredo Rodrigues analisa a sociedade mineira dos setecentos, mostrado o convívio entre os indivíduos, principalmente entre os religiosos e clérigos e o restante da população que vivia nos entornos das minas e nas cidades, além da relação entre a Igreja local e a Coroa, com suas disputas, reclamações e abuso de poder. Ainda sobre Minas Gerais no século XVIII, Jeaneth Xavier de Araújo Dias investiga a história das festas religiosas de Minas, sua importância para a população do período, a preocupação do povo com a organização e a beleza das mesmas, utilizando para tanto a chamada arte efêmera, com seus ornatos, cenários e decorações. Neste ambiente, a autora mostra que em vários momentos ocorreu a combinação das festas religiosas cristãs com datas e comemorações da Antiguidade grega e romana.

Deixando um pouco o continente americano, o foco volta-se para as possessões inglesas na África, com o texto de Lúcia Helena Oliveira Silva, o qual nos mostra o surgimento e atuação da Church Missionaire Society – CMS e os relatos de indivíduos africanos convertidos, os artifícios utilizados por bagandas e missionários anglicanos tanto para a conversão religiosa quanto para as negociações, além de salientar os paradoxos ligados a tais eventos e suas consequências para os grupos envolvidos.

De volta a América, Joaci Pereira Furtado analisa a poesia árcade em Portugal e em sua possessão americana, procurando explicar, de modo detalhado, os motivos que levaram à referência e mesmo a presença de elementos da cultura clássica, principalmente, o paganismo nestes escritos. Para tanto, volta-se para o contexto da segunda metade do século XVIII e início do século XIX, mostrando os jogos e as disputas de poder num momento no qual o movimento ilustrado tinha influência não somente no Reino, mas também em seus domínios. A questão da literatura igualmente se faz presente nas ponderações de Gustavo Henrique Tuna, o qual estuda a presença de escritos religiosos na livraria de Silva Alvarenga, tida como uma das mais relevantes do período colonial. Além de revelar as transformações na constituição das livrarias da América portuguesa, seu trabalho também evidencia as mudanças de pensamento em relação à religião e sua posição na sociedade.

No artigo seguinte, Renato da Silva Dias realiza uma investigação das argumentações presentes no discurso do padre Manoel Ribeiro da Rocha em defesa em defesa do tráfico e posse de escravos africanos no Brasil, além de ressaltar a utilização por parte do religioso não somente de fundamentos religiosos, mas também de pressupostos jurídicos, empregados com o intuito de embasarem a legalidade de seu ponto de vista. Nesta mesma linha de análise, Rubens Leonardo Penagassi problematiza, tendo por base o contexto e os pensamentos do início da Época Moderna, os relatos e descrições alimentares feitos pelos jesuítas das populações nativas da América Portuguesa, evidenciando como tais escritos acabam por delimitar e caracterizar as identidades dos grupos envolvidos.

O último artigo desta segunda parte do livro, de Paula Ferreira Vermeersch versa sobre o patrimônio artístico e cultural brasileiro, tomando como exemplo a análise a Igreja Matriz de Sant’Ana, composta por a arquitetura de taipa, sistema de construção colonial típica dos setecentos no Brasil colonial. Para desenvolver suas investigações, a autora mostra o quão importante é conhecer e realizar um exame cuidadoso não somente da história e da documentação que envolve o patrimônio a ser estudado, mas também analisar criteriosamente do próprio prédio. Isso porque, pequenos traços ou modificações realizadas no decorrer do tempo auxiliam no desenvolvimento do trabalho e até mesmo gera a possibilidade de reconstruir ou preencher lacunas e perguntas ainda em aberto.

A metade final dedica-se a temas contemporâneos brasileiros. Se até aqui o mundo antigo e partes das conquistas europeias na Idade Moderna foram abordados nos textos iniciais, as duas últimas partes do livro dedicam-se ao Brasil contemporâneo e sua religiosidade. Nesse sentido uma maior pluralidade de elementos são aí discutidos: Igreja católica e sua importância no sociedade; espiritismo, protestantismo e suas concepções, e dois artigos sobre religiosidade hindu ou de matiz indiana.

A terceira parte dessa trama dedica-se ao estudo do mundo católico brasileiro no período republicano. Os trabalhos presentes passeiam pelas mudanças vivenciadas pela Igreja Católica. O primeiro artigo, da pesquisadora Patrícia Teixeira Santos, estuda a proposta sobre a civilização do amor do Papa Paulo VI e sua influência sobre os países do Terceiro Mundo, de modo particular no Brasil e em Moçambique. Em seguida, Milton Carlos Costa, versa sobre a militância do intelectual católico Jonathas Serrano nas primeiras décadas do século XX no Brasil.

Jorge Miklos e Adriano Gonçalves Laranjeira analisam a imprensa católica em São Paulo no período da Ditadura Civil-Militar com a importante atuação do cardeal D. Paulo Evaristo Arns e sua defesa dos direitos humanos e as contendas envolvendo este pastor e outros líderes da Igreja. Nesse texto abordam-se as variantes de concepções que nortearam o pensamento católico e sua relação com a sociedade e a política nacional.

A seguir tem-se um interessante texto sobre a demonização das igrejas protestantes no universo da literatura de cordel. Elemento fundamental para a cultura sertaneja no Nordeste brasileiro, o cordel e o repente são instrumentos com os quais os artistas populares representam, em sua simbologia, aspectos da vida cotidiana dos moradores do sertão. Neste texto é analisado como a expansão do protestantismo na primeira metade do século XX foi vista por esses artistas. A abordagem aqui fica a cargo de Francisco Cláudio Alves Marques e Esequiel Gomes da Silva. Tem-se ainda um texto sobre a importância da religiosidade católica e seu uso no desenvolvimento turístico, tema sempre recorrente em estudos que abordam essa área, sendo analisado aqui o Círio de Nazaré em Belém em trabalho de Elder P. Maia Alves e Greciene Lopes dos Santos. Encerrando esse terceiro momento do livro há um estudo sobre a coleção Reconquista do Brasil, lançada na segunda metade do século XX e sua abordagem sobre a religião católica e o patrimônio cultural nacional feita por Gisella de Amorim Serrano.

A última parte a compor o livro destaca estudos sobre protestantismo, espiritismo e religiosidade com matiz indiana. São seis textos, dois abordando cada tema. No primeiro texto Iranilson Buriti de Oliveira e Roseane Alves Brito fazem interessante trabalho sobre a correlação entre palavras e expressões médicas, tais como cura, remédio, limpeza e o discurso dos pastores nas igrejas neopentecostais. A outra abordagem a trabalhar o protestantismo fica a cargo do professor João Marcos Leitão Santos. Instigante texto sobre a questão conceitual e teórica na historiografia que aborda o protestantismo. Apesar de fazer um interessante debate teórico conceitual sobre o entendimento do protestantismo e sua história, o texto peca ao não apontar um caminho, do mesmo modo que utiliza referências que o guiam a um só entendimento em detrimento de um maior debate envolvendo esse assunto.

Os estudos sobre espiritismo ficam a cargo de Alexandre Caroli Rocha e José Otávio Aguiar. Nesses dois textos aspectos salutares do movimento espírita no Brasil são abordados, seja ao ser estudado um dos maiores representantes do gênero: Humberto de Campos; sejam ao ser analisado características do movimento espírita e sua inserção na mídia.

Por fim, encerrando o livro têm-se duas abordagens sobre a religiosidade de matiz indiana em sua influência na religiosidade contemporânea brasileira. No texto de Maria Lucia Abaurre Gnerre e Gustavo Cesar Ojeda Baez estuda-se o uso da religiosidade indiana no desenvolvimento do Yoga por Mircea Eliade. Já o estudo de Deyve Redyson aborda aspectos sobre meditação e desenvolvimento espiritual nas leituras do Sutra do coração. Nos dois casos nota-se um maior enquadramento dos autores com seu objeto de pesquisa, item também presente no estudo de João Marcos Leitão Santos. Talvez esse seja o componente principal a ser destacado, afinal, ao denotarem sua afinidade ao tema pesquisado, os textos abordados ganham uma vivacidade e um envolvimento que outros, de modo particular alguns constantes no estudo sobre a Igreja Católica no Brasil contemporâneo não possuem. Se a neutralidade é algo que se deve perseguir em um estudo científico, isso não significa que a paixão e o prazer que determinado objeto traz ao seu pesquisador não possa ser evidenciado. Há, porém, que se definir limites, para que a abordagem e o que se conclui no estudo, não venham a ser afetados.

O livro História, religiões e religiosidade traz importante contribuição para o estudo e entendimento de assunto tão presente na sociedade brasileira. Tendo sempre sido destacado a importância e o impacto da religião na formação e construção de nossa identidade e cultural nacional e local, faltam, porém abordagens que trabalhem este assunto. Carecem também, estudos que possam abordar o máximo possível da multiplicidade de assuntos que compõem o universo religioso do país ou que fujam dos chavões e temas que são sempre abordados, como a religião católica ou as africanas.

Ao caminhar para abordagens que privilegiam o mundo antigo, o universo colonial e a diversidade religiosa no mundo contemporâneo brasileiro a obra organizada pelos professores André Figueiredo Rodrigues e José Otávio Aguiar contribuem para ampliar e enriquecer o debate sobre o assunto, mostrando preocupação com a intolerância religiosa, tão presente nos últimos tempos. O livro representa também, o sempre bem vindo diálogo envolvendo duas Instituições distintas. O colóquio foi sempre, ponto fulcral para que a Ciência pudesse ampliar seus horizontes e desenvolver novos olhares e outras abordagens sobre temas e problemas que a sociedade e a História nos impõem. Boa leitura.

Charles Nascimento de Sá – Professor na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XVIII. Doutorando na UNESP/Assis. Bolsista UNEB PAC-DT. E-mail: charles.sa75@gmail.com.

Cintia Gonçalves Gomes – Doutoranda em História e Sociedade na UNESP/Assis. E-mail: c_cintiagoncalves@hotmail.com.

Historias Conceptuales | Guillermo Zermeño Padilla

Com um título que reitera as contribuições do historiador mexicano Guillermo Zermeño Padilla para os estudos das linguagens políticas nas últimas décadas, a obra Historias Conceptuales reúne um conjunto de dez artigos originalmente publicados de 2005 a 2014 que, apresentados em versões modificadas, encerram, de acordo com o autor, um ciclo de investigações dedicado à crítica histórica baseada em análises de conceitos. Sendo uma “obra aberta”, na medida em que não pretende explorar exaustivamente cada um dos assuntos tratados, mas sim mostrar traços essenciais do processo de transformação e sedimentação de certas palavras em conceitos modernos, Historias Conceptuales revela como diversos vocábulos e conceitos comumente utilizados em descrições históricas e sociológicas são, em seu cerne, invenções, transformações, ressignificações ou reapropriações linguísticas da chamada “modernidade” – entidade semântica discutida pelo historiador na introdução de sua obra.

Em “El ‘espacio público’ como concepto histórico: Habermas y la nueva história política”, Zermeño Padilla recria o contexto histórico-filosófico do projeto habermasiano, discutindo sua penetração na dimensão historiográfica hispano-americana e enfatizando suas contribuições para a obra de François-Xavier Guerra. Percorrendo especialmente o conceito de “público” ou “espaço público”, o autor aborda o impacto do modelo de Jürgen Habermas na obra coletiva Los espacios públicos en Iberoamerica (1998), coordenada por Guerra e Annick Lempérière. Ao fazê-lo, Zermeño Padilla pontua apropriações da tipologia habermasiana – como a utilização do conceito de “espaço público” para esclarecer as peculiaridades da incorporação dos países iberoamericanos à modernidade (p.51) -, bem como críticas a essa tipologia – dentre outras, as dificuldades em descobrir a formação de um espaço burguês de opinião pública na gênese das nações iberoamericanas (p.55). Zermeño Padilla inclui, também, considerações de especialistas europeus sobre a obra de Habermas, em particular a periodização por ele estabelecida, o emprego de um modelo marxista convencional e a conotação teleológica inerente ao termo “burguês”. Zermeño conclui o capítulo indicando que o espaço público não deve ser reduzido à opinião pública, e que o distintivo desta modernidade a que se referem Habermas e Guerra consiste no privilégio que ela confere ao âmbito da escrita e a suas formas de circulação, viabilizadas pela liberdade de imprensa e pela materialidade do impresso (p.62). Clamando pela tradição como principal sustento da modernidade e por uma reformulação desse conceito, Zermeño Padilla sugere que é preciso compreendê-lo como um conceito de temporalidade, sem confundi-la com o que pode ser uma forma “aparente” de modernidade (p.65).

Em “De la historia como un arte a la historia como una ciencia”, o autor discute a transformação semântica da voz “história” no período de transição do regime político e intelectual da Nova Espanha para o mexicano ou republicano (p.67). Ao montar seu argumento, Zermeño Padilla parte da distinção entre “voz” e “palavra”, bem como de alguns preceitos de Reinhart Koselleck quanto à conjunção das histórias sincrônica e diacrônica na segunda metade do século XVIII, quando um novo sentido de temporalidade atravessou o vocabulário político e social da época (p.69). Percorrendo as diversas instâncias de ressignificação conceitual e epistemológica de “história”, Zermeño evoca o período em que esta era concebida fundamentalmente como “um saber dirigido a entreter, instruir e ilustrar”(p.75), uma “arte” a ser ensinada e aprendida mediante métodos instruídos, como se vê nas Gacetas do México e nos escritos de José Ignacio Bartolache, José Antonio Alzate y Ramírez e Francisco Xavier Clavijero. O autor trata, ainda, do processo de politização da voz “história”, bem como da consagração do neologismo “história contemporânea”, processo no qual “história” se tornou entidade filosófica e científica, passível de incorporação aos processos de Independência e às posteriores discussões sobre os trezentos anos de opressão colonizadora espanhola.

No seguinte artigo, “Los usos políticos de América/americanos (1750 – 1850)”, Zermeño Padilla refaz a trajetória das vozes que dão título ao texto, centrando-se no período compreendido entre a crise do Antigo Regime e a emergência de formas constitucionais das nações modernas. Procedendo de publicações periódicas como fontes primárias, o historiador contempla os distintos estágios de transformação semântica das vozes “América” e “americanos”. De acordo com o autor, o período entre 1750 e 1850 permite vislumbrar uma progressão semântica que atravessa os dois termos, percurso que vai do geográfico ao político e que retorna do político ao cultural como resultado da impossibilidade de conformar uma unidade política continental após as emancipações (p.147). Para tanto, Zermeño Padilla trata da possível percepção de certo sentido de orfandade e isolamento por parte dos habitantes da geografia americana em relação à Espanha nas três primeiras décadas do século XIX, o que teria ocorrido em concomitância com o desenvolvimento de um sentimento nacionalista não mais fundado no contraste secular entre americanos e europeus, mas sim na contraposição das nações americanas entre si, num contexto de autorreivindicações das identidades nacionais emergentes.

O texto seguinte, escrito em co-autoria com Peer Schmidt, se intitula “De las ‘libertades’ a la Libertad”. Segundo Zermeño e Schmidt, o sentido das palavras muda conforme os espaços de experiência ou de contato comunicativo em que se inserem. Dessa maneira, o vocábulo liberdade não possui a mesma conotação se aplicado a um contexto prisional (em que o indivíduo é castigado com a privação da liberdade) ou a um contexto de escravidão (no qual se anula o direito de ser livre por meio de uma obrigação laboral imposta) (p.149). Centrando suas análises no longo século XIX, os autores tratam dos vários sentidos que o termo e alguns vocábulos dele derivados, como “livre”, “libertador” ou “liberal”, possuíra no longo século XIX. As situações analisadas são diversas: desde que Miguel Hidalgo y Costilla utilizara a expressão “liberdade política” em 1810, passando pela reivindicação da liberdade de imprensa e opinião presentes no texto do Decreto Constitucional para la Libertad de la América mexicana, sancionado em Apatzingán em outubro de 1814, até o episódio em que o jovem general Porfírio Díaz, combatente das forças antiimperialistas, levantou-se em armas contra Benito Juárez e exigiu respeito à “la libertad del sufragio popular” em 1871, bem como quando em 1910 Francisco Madero empreendera, em nome da “libertad electoral”, a deposição do mesmo Porfírio Díaz da Presidência do México. Evidentemente, Hidalgo y Costilla, o Decreto de Apatzingán, Porfírio Díaz e Francisco Madero – bem como as outras personagens do capítulo – não estão tratando da mesma “liberdade”, uma vez que cada uma das vozes evocadas, representadas pelo mesmo signo terminológico mas não sendo jamais a mesma voz, sofreu diversas transformações semânticas durante o longo século XIX mexicano.

Em “De las ‘revoluciones’ a la Revolución”, Zermeño Padilla se pauta nas “consequências sistêmicas” da Revolução Francesa para tratar dos efeitos linguísticos da crise de 1808 no território da Nova Espanha. Partindo do chamado Grito de Dolores de 1810, cujo adensamento semântico fora amparado pelo estabelecimento da Constituição de Cádiz, o historiador percorre as diversas instâncias de apropriação, adequação, desvalorização ou ressignificação em que se inscreveu o termo “revolução” ao longo do século XIX mexicano. Zermeño Padilla menciona aqui diversas contribuições epistemológicas, tais como a de Carlos María de Bustamante, cronista cujo “Diario histórico de México” fora escrito num período de depreciação do termo; de José María Luís Mora, que inserido no contexto de 1836 alegava que até o conquistador Hernán Cortés deveria ser considerado precursor da luta da Nova Espanha por sua independência (p.184); e de Lorenzo de Zavala, para quem o termo “revolução” implicava uma noção de temporalidade consciente que segregava a História em dois momentos cuja dobradiça era o ano de 1808. O historiador conclui o sexto capítulo da obra sugerindo que a Revolução de Ayutla e a nova Constituição de 1857 teriam encerrado o ciclo revolucionário mexicano inaugurado em 1808, e que um novo ciclo se iniciaria em 1876 com a expedição do Plan de Tuxtepec por Porfírio Díaz.

De acordo com Zermeño, “civilização” é um neologismo setecentista legado do francês e não se encontra em léxicos anteriores a 1780 (p.193). A partir daí, o autor acompanha a trajetória do vocábulo, tratando de sua estabilização como conceito e abordando as transformações semânticas que o permearam no século XIX, contemplando não apenas o contexto da Nova Espanha e do México, mas também a dimensão peruana no subitem “Emancipación y Dilemas Políticos”. Ao longo do capítulo, Zermeño trata de uma primeira mutação sofrida pelo vocábulo, entre a Revolução Francesa e o período napoleônico, perseguindo seus vestígios semânticos em circunstâncias pautadas por temas como liberalismo e ilustração, a própria concepção de “civilização moderna”, a questão das subalternidades, e as discussões referentes a sua associação aos termos “ordem” e “progresso” nas últimas décadas do XIX.

“Pobreza: historia de un concepto” é o mais dissonante dos capítulos no que diz respeito ao recorte temporal da obra. Isso porque Zermeño escapa ao chamado “umbral clássico da história conceitual” (1750 a 1850) e estuda a genealogia da voz a partir de indícios legados pela Antiguidade Cristã e Medieval, bem como por noções elaboradas no seio do cristianismo primitivo. Considerando que a partir da segunda metade dos setecentos a pobreza desgarrou-se paulatinamente da carga religiosa que sempre a engendrara, Zermeño aborda temas como mendicância, esmola, indigência, até situar a voz como problema de Estado e discutir algumas de suas implicações no léxico contemporâneo. Objetivando “desnaturalizar” a noção de “pobreza”, o historiador alega que mesmo quando a voz se manteve associada a seu sentido comum e geral – que designa uma situação de carência ou incapacidades básicas (p.213) -, sua semântica foi modelada por diversas operações de incorporação ou descartes de sentidos. Tanto o que se incorporou quanto o que se descartou iluminam a utilização do conceito nos dias de hoje.

Em “Del mestizo al mestizaje: arqueología de un concepto”, Zermeño Padilla trata da aparição histórica da mestiçagem como uma noção que “aspira a descrever a identidade nacional do México” (p.261). Sua hipótese é de que “a invenção da mestiçagem como princípio regulador da identidade nacional moderna [mexicana] teve um efeito negativo (no nível das representações) em relação à população ‘indígena’ (denominada assim a partir do século XIX)” (p.263). Situando leitores e leitoras em relação a diversas figuras relevantes para a compreensão tanto do fenômeno como do processo histórico mais amplo, Guillermo Zermeño atribui a José Vasconcelos a competência de ter convertido uma noção singular sociológica (“mestiço”) em um conceito universal de caráter filosófico (“mestiçagem”) (p.266), destacando neste decurso a importância da Revolução de Ayutla e do triunfo da reforma de Benito Juárez para a transição de uma a outro – processo que culmina com a celebração do chamado Día de la Raza em 12 de Outubro de 1917. A conversão de “mestiço” a “mestiçagem” encabeçada por Vasconcelos teria, de acordo com Zermeño, inserido o debate numa pauta biologicista da evolução humana, o que leva o autor a reivindicar que um dos aspectos mais problemáticos no estabelecimento do conceito “mestiçagem” esteja no fato de que sua construção tenha se dado com base na subjugação e desvalorização das populações indígenas.

No capítulo sobre os conceitos de “cacique”, “caciquismo” e “caudillismo”, o penúltimo da obra, Guillermo Zermeño percorre o legado histórico-semântico do termo “cacique” e de seus derivados, tomado originalmente das línguas caribenhas e empregado inicialmente no contexto do Império espanhol para designar “certas formas político-administrativas e certos intermediários entre o poder espanhol e as populações indianas” (p.298). No artigo, Zermeño mostra como a reinvenção dos termos – atentando-se de modo menos enfático a “caudillismo”, o que traz certa carência à totalidade da proposta do capítulo – se forjou em contextos específicos. Uma de suas intenções aqui, com base na aparição e evolução do termo na imprensa mexicana ao longo dos séculos XIX e XX, é esclarecer por quais razões e de que modo o termo “cacique” se transformou numa instância catalisadora das múltiplas características do regime político mexicano (p.317).

O último capítulo de Guillermo Zermeño Padilla intitula-se “La invención del intelectual y su crisis”. Dada a amplitude do tema, o historiador contempla a formação do campo intelectual no México do século XX, partindo da premissa geral de que o Antigo Regime pré-industrial hispano-americano, com ou sem revolução social, teria gerado as condições necessárias para o desenvolvimento de um novo tipo de “sábio” definido pela criação de um espaço comunicativo específico. Considerando as contribuições de figuras tais como Henríquez Ureña, Alfonso Reyes, Gómez Morin, José Vasconcelos e Octavio Paz, o historiador trata da paulatina consumação identitária do intelectual em âmbito mexicano, explicitando algumas das diferenças entre a mencionada geração e a anterior. Para Zermeño, assim como o período pré-industrial teria outorgado aos “filósofos” positivistas – no caso mexicano, chamados “científicos” – o papel de “questionar o velho inventário do saber coletivo”, o século XX teria delegado à figura do “intelectual” mexicano a missão de conformar um novo saber crítico que estivesse consciente de sua capacidade de imiscuir-se na História (p.325).

Além de confirmar as fecundas colaborações de Guillermo Zermeño Padilla para o campo investigativo das linguagens políticas, Historias Conceptuales convida-nos a refletir, enhorabuena, sobre algumas das instâncias que engendram as experiências discursivas ao longo da história, propondo aos leitores e leitoras uma série de percursos fundamentais acerca dos vocábulos e conceitos em distintos cenários da modernidade. Se, de acordo com Zermeño, “a história conceitual é apenas a porta de entrada para questões apaixonantes acerca do significado e do sentido que existe em escrever histórias no umbral mutante em que nos encontramos na atualidade, relacionado com a crise do tempo histórico especificamente moderno” (p.20), Historias Conceptuales cumpre o papel de bússola no âmago deste umbral, que, apesar de permeado por múltiplos desafios, pode ser traduzido e decodificado na medida em que nos empoderamos, especialmente como historiadores e historiadoras, do magistral artifício político que é a consciência histórica da e sobre a linguagem.

Referência

ZERMEÑO PADILLA, Guillermo. Historias Conceptuales. Ciudad de México: El Colegio de México/Centro de Estudios Históricos, 2017.

Mariana Ferraz Paulino – Mestranda em História Social (USP) E-mail: mariana_ferraz_paulino@hotmail.com


ZERMEÑO PADILLA, Guillermo. Historias Conceptuales. Ciudad de México: El Colegio de México/Centro de Estudios Históricos, 2017. Resenha de: PAULINO, Mariana Ferraz. História Conceitual: sentidos da modernidade hispano-americana. Almanack, Guarulhos, n.18, p. 489-495, jan./abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia: o pensamento político do Marquês de Caravelas (1821-1836) | C. E. C. Lynch

Seria possível conciliar um Estado forte e centralizado ao ideário liberal moderno na prática política oitocentista brasileira? A leitura de Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia: o pensamento do Marquês de Caravelas nos revela que sim. Defensor tanto da soberania do rei quanto do constitucionalismo moderno, José Joaquim Carneiro de Campos – o marquês de Caravelas – foi personagem fundamental, de acordo com Christian Lynch, no processo de recepção e aclimatação do discurso liberal durante o estabelecimento do Estado de direitos no Brasil.

Prevalecente na Constituição de 1824, o projeto monárquico e estatizante dos coimbrãos contou com a participação ativa de José Joaquim Carneiro de Campos. Segundo Lynch, Caravelas foi responsável por aperfeiçoar o projeto constitucional dos Andradas, caracterizado pelo bicameralismo, por uma rigorosa centralização política-administrativa e pelo veto quase absoluto do Imperador. Sua principal contribuição foi a criação do Poder Moderador e a institucionalização de alguma descentralização político-administrativa a partir da criação dos conselhos gerais de províncias. Para ele, esse arranjo seria o ideal pois garantia “uma monarquia sem despotismo e uma liberdade sem anarquia”, expressão definidora do seu pensamento político (p. 53).

Lynch relacionou a teoria das formas de governo de Caravelas com a tradição clássica aristotélica. Segundo esta, as formas de governos existentes – monarquia, aristocracia e a democracia – eram instáveis e oscilavam constantemente entre bons e maus governos, a monarquia corrompida se degeneraria em tirania, a aristocracia em oligarquia e a democracia em demagogia. No entanto, havia uma maneira de evitar a corrupção e estabilizar esses governos: uma composição mista entre monarquia, aristocracia e democracia. Assim como Aristóteles, Carneiro Campos considerava que a melhor maneira de tornar as instituições políticas brasileiras duráveis seria por meio de um governo misto. Em sua opinião, a forma moderna que permitia o equilíbrio entre os elementos governamentais seria a monarquia constitucional representativa temperada ou limitada. Se o fundamento conceitual de Caravelas estava em Aristóteles, sua sociologia política se apoiava em Montesquieu. Isso porque sua principal preocupação, como mostrou o autor, era conciliar o governo constitucional representativo – necessidade dos tempos modernos – com a preservação da ordem e das hierarquias coloniais por meio da criação de uma legislação que respeitasse as tradições e os costumes do povo brasileiro.

O estudo sobre o pensamento político de homens como Caravelas faz parte de um longo debate historiográfico a respeito do lugar do liberalismo no processo de formação do Brasil independente. Debate longo, mas necessário, foi iniciado por obras clássicas – como a de Roberto Schwarz – que defenderam que as ideias estavam fora do lugar. De lá para cá, muito se avançou no tema. Surgiram diversos trabalhos que discutiram, de perspectivas diferentes, a formação do Brasil independente mostrando que as ideias estavam sim no lugar, a exemplo de Maria Sylvia de Carvalho, Alfredo Bosi, Lúcia Maria B. Pereira das Neves, Maria Emilia Prado, Antonio Carlos Peixoto, entre outros.

A análise instigante empreendida por Lynch nos evidenciou que, embora antigo, este debate está longe de ser esgotado. Interessado na história constitucional brasileira – graças à graduação e ao mestrado na área do Direito – bem como no seu desenvolvimento pela perspectiva daquilo que o historiador alemão Reinhart Koselleck chamou de Sattelzeit, Lynch redimensionou o lugar do conservadorismo no Brasil oitocentista por meio do resgate desse importante personagem político da independência brasileira do limbo em que se encontrava.

Nesse sentido, suas reflexões sobre a composição de um campo conservador no Brasil e sobre as construções historiográficas a esse respeito garantem uma análise provocante do processo de formação das instituições políticas brasileiras. Segundo Lynch, o marquês de Caravelas, ao sustentar um projeto liberal que conciliava a implantação de um governo constitucional representativo com a garantia de um Estado monárquico forte, seria o primeiro de uma linhagem de juristas constitucionais, na qual se entronca o visconde de Uruguai, a defender a construção e o fortalecimento do Estado como instância incubadora adequada da Nação.

Embora a obra escrita por Lynch tenha José Carneiro de Campos como objeto de pesquisa, nunca foi preocupação do autor a descrição e o acompanhamento de seus feitos como fazem diversos trabalhos biográficos. Na realidade, todo seu empenho se concentrou na reconstituição do pensamento teórico e sociológico do marquês de Caravelas e sua aplicação prática ao longo dos seus trabalhos enquanto deputado e relator do projeto constitucional de 1824. Tendo em vista esse objetivo, Lynch estruturou seu livro em duas partes: a primeira destinada a um estudo do pensamento político-constitucional do marquês de Caravelas – dividida ainda em cinco capítulos – e uma segunda reservada para a compilação de seus discursos parlamentares mais importantes, fontes que serviram de base para sua pesquisa.

Os discursos parlamentares do marquês de Caravelas foram analisados com base em duas frentes metodológicas: o contextualismo linguístico de John Pocock e a história dos conceitos de Koselleck. Na primeira frente, estes discursos foram entendidos como “atos de fala” elaborados durante a disputa política visando um espaço de atuação e de poder. Na segunda frente, o autor carioca identificou os conceitos presentes nesses discursos examinando os novos significados assumidos por eles de acordo com as circunstâncias, as necessidades e as contingências do Brasil recém-independente.

É em seu primeiro capítulo – “Os desafios da política constitucional oitocentista na Europa e na América ibérica” – que Lynch conseguiu brilhantemente conciliar essas duas frentes metodológicas, procedendo a uma bela análise relacional de texto e contexto. Infelizmente, nos outros capítulos, principalmente os três últimos, nos quais há uma reflexão sobre os elementos constitutivos do pensamento de Caravelas, a análise se concentrou apenas no texto e nos conceitos presentes nele. Apesar disso, suas reflexões sobre o enquadramento ideológico de Carneiro de Campos presentes no primeiro capítulo e as razões historiográficas responsáveis por seu esquecimento, apresentadas no segundo, são de grande relevância para os pesquisadores na área da história política brasileira.

Se a maioria dos trabalhos historiográficos explicam o processo de construção do nosso Estado a partir do liberalismo moderno, Lynch o faz baseado no conservadorismo. Ele defendeu a conservação como elo indispensável tanto para compreensão do pensamento de Caravelas quanto para o entendimento do desenvolvimento das instituições políticas brasileiras das quais ele fez parte. Ao fazer isso, o autor acabou redimensionando o sentido e o papel desempenhado pelo conservadorismo na América Ibérica.

Até hoje relacionamos o conservadorismo a posicionamentos tradicionais e, portanto, contrários a mudanças. De acordo com Lynch, isso acontece devido a conotação negativa que este conceito possuí no Brasil graças ao legado da tradição marxista de intelectuais do século XX, a exemplo de Caio Prado Jr. e Nelson Werneck Sodré, que relacionaram o conservadorismo a uma visão hierárquica de mundo, defensora de privilégios, contrária à democratização e ao reconhecimento das minorias. Inclusive, o autor associou também o esquecimento historiográfico de Carneiro de Campos, bem como sua associação apressada ao absolutismo, a essa visão negativa dos conservadores.

Depois de realizar uma síntese das principais correntes conservadoras – passando por Hume, Burke e Guizot – Lynch afirmou que elas eram equivalentes no Brasil às reflexões dos conselheiros de Estado de D. Pedro I que, baseados no modelo monarquiano do barão Malouet e de Jean Joseph Mounier, defenderam um projeto de governo constitucional e representativo no qual o rei, não a Assembleia, seria o representante da soberania nacional. A implantação desse sistema permitiu a conciliação entre o ideal modernizador ordeiro do despotismo esclarecido com o estabelecimento de um governo constitucional. Por isso, Lynch afirmou que o conservadorismo é uma espécie de liberalismo de direita, de caráter reformista e antirrevolucionário. Nesse sentido, ao invés de se apresentar em oposição total aos liberais, os conservadores teriam uma postura realista da modernidade, aceitando a inevitabilidade do progresso, embora tentassem guiá-lo de forma prudente e gradual, os adequando a cultura histórica de cada sociedade na tentativa de preservar o tecido social e evitar as rupturas revolucionárias.

No entanto, ao longo de todo o processo de independência, do primeiro reinado e dos anos iniciais das regências, o discurso daqueles que orbitavam em torno de D. Pedro I, a exemplo de Caravelas, foram associados ao absolutismo e ao autoritarismo por seus adversários políticos que desejavam um espaço de atuação e de participação no Estado brasileiro.

Somente com os saquaremas, na segunda metade do século XIX, o termo conservador passa a ser empregado na caracterização de um grupo político, apesar de seus projetos existirem desde a época da independência. De acordo com Lynch, diferentemente do Partido Liberal, que reivindicou o grupo brasiliense como primeiro embrião de seu partido, o mesmo não aconteceu com os conservadores, que preferiram venerar a memória de Bernardo Pereira de Vasconcelos e o Regresso como verdadeiro fundador do partido durante as regências. Logo, a imagem de homens como Caravelas sofreu um desgaste duplo. Ao mesmo tempo em que eram desqualificados pela historiografia luzia que os retratava como absolutistas, não tiveram sua imagem resgatada pela historiografia saquarema e ficaram sem uma posteridade política que os reivindicasse positivamente.

Mais uma vez vemos a influência do historiador inglês J. G. A. Pocock em Monarquia sem despotismo e Liberdade sem anarquia. Baseado em suas ideias, o autor buscou compreender a história como choques de discursos antagônicos. Durante muito tempo, a historiografia brasileira vem comprando a versão de autores saquaremas que localizaram o surgimento do conservadorismo no Brasil no movimento regressista. É importante entender que os saquaremas não queriam ter sua imagem pública associada ao grupo “coimbrão” devido a sua fama negativa ligada ao absolutismo.

Ao longo do livro, Cristian Lynch conseguiu demonstrar que o pensamento político de José Carneiro de Campos não tinha nada de absolutista. Muito pelo contrário, partilhava semelhanças com as doutrinas conservadoras do tempo. Isso implica reconhecer, a despeito das afirmações historiográficas, que o conservadorismo aos moldes regressistas e saquaremas existiam de alguma forma no Brasil muito antes do período regencial, sendo esta ao meu ver a principal contribuição da obra. O resgate do marquês de Caravelas do limbo do esquecimento e sua inserção num campo conservador em formação durante todo o processo de construção do Estado brasileiro nos ajuda a redimensionar a própria concepção do conservadorismo na constituição do Brasil independente.

Referência

Lynch, C. E. C. Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia: o pensamento político do Marquês de Caravelas (1821-1836). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.

Luaia da Silva Rodrigues – Doutoranda em história pela UFF. E-mail: luaiarodrigues@gmail.com


LYNCH, C. E. C. Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia: o pensamento político do Marquês de Caravelas (1821-1836). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. Resenha de: RODRIGUES, Luaia da Silva. O pensamento conservador do marquês de Caravelas e a construção do Estado Brasileiro. Almanack, Guarulhos, n.18, p. 496-501, jan./abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

Humor Gráfico, Política e História (I) / Fronteiras – Revista de História / 2018

O projeto de organização do dossiê Humor Gráfico, Política e História para a Fronteiras: Revista de História, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH / UFGD), começou a ser gestado a partir de nossa participação (organizadores do dossiê) em uma Banca de Mestrado em Comunicação na Universidade Estadual de Londrina (UEL), realizada no dia 09 de maio de 2017. Na ocasião, a mestranda, Fernanda Targa Messias, orientanda do professor Rozinaldo Antonio Miani, defendeu sua dissertação intitulada A consolidação do agronegócio como política agrária nos governos Lula e Dilma e sua representação por meio das charges de Carlos Latuff1. Estimulados pelos debates em torno das potencialidades do humor gráfico nas pesquisas históricas, fora lançado o desafio de organização deste dossiê. A Fronteiras analisou essa possibilidade e nos confiou o desafio de viabilizarmos a sua organização.

Como foi salientado na chamada pública de proposição de trabalhos para o dossiê2, os estudos e pesquisas sobre o humor gráfico ainda são muito restritos, principalmente, no campo da História. Deste modo, a proposição foi estratégica e visou contribuir com uma área extremamente fecunda para os estudos históricos. Depois de proposta, tem-se a certeza do acerto. A Fronteiras foi surpreendida pela quantidade de artigos submetidos para avaliação, e, além da quantidade, destaca-se a originalidade e qualidade dos trabalhos. A surpresa também gerou dúvidas entre os profissionais editores da revista, pois se tratavam de muitos trabalhos com potencial de serem aprovados3; com isso, a edição do dossiê poderia ficar muito extensa. Após reuniões dos editores da Fronteiras, decidiu-se pela publicação de dois volumes do dossiê Humor Gráfico, Política e História. O primeiro volume (Edição Vol. 20, Nº 35 / 2018.1) compõe esta edição da revista; e o segundo volume (Edição Vol. 20, Nº 36 / 2018.2) está previsto para ser publicado no mês de dezembro de 2018. Leia Mais

Susan Stebbing and the language of common sense – CHAPMAN (Ph)

CHAPMAN, S. Susan Stebbing and the language of common sense. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2013. Resenha de: GIAROLO, Kariel Antonio. Philósophos, Goiânia, v. 23, n. 1, p.161-169, jan./jun, 2018.

Lizzie Susan Stebbing (1885-1943) was an important figure in the beginning of the twentieth century, specially in view of her role in the development of analytic philosophy and particularly because she was the first woman Professor of Philosophy in a British university. In Susan Stebbing and the Language of Common Sense, Siobhan Chapman, Professor of English at the University of Liverpool (UK), brings us a de-tailed historical analysis of Stebbing’s life and of her philo-sophical developments. The book, divided into nine chapters, provides a lot of information on Stebbing’s per-sonal, academic and political life as well as on her philo-sophical ideas and commitments. Given that, for a better analysis of the book it is possible to divide it into three main parts: (i) historical importance of Stebbing; (ii) philo-sophical context of her academic life; and (iii) importance of her philosophical conceptions, mainly, the logical-linguistic.

Stebbing was born in 1885 and she was registered in Barnet, in London. About her young life, Chapman (2013, p.10) says that she was a delicate child, suffering from an illness called Menière’s Disease. Her ill health and periods of enforced inactivity continued into her adult life and many times she was unable to work because of this unstable health. In the first years, because she wasn’t strong enough for full-time schooling, she was educated privately at home and afterwards she went to James Allen’s Girl’s School, in London. After finishing high school, she was admitted at Girton College in Cambridge, and she graduated in 1908. Finishing College in Cambridge, she went to King’s Col-lege, London, to take her MA in Moral Science, until 1912.

As a student, Stebbing was influenced by the works of F. H. Bradley, B. Russell, A. F. Whitehead and, mainly, G. E. Moore. In her first philosophical works she shows a great interest in analytical philosophy, specially the relations be-tween natural language and formal logic. Furthermore, at that time she demonstrated a great interest in debates be-tween idealists and realists, and even in her young life she showed an ambitious personality, trying to identify the mis-takes in the two approaches. Her MA’s thesis was entitled Pragmatism and French Voluntarism and already in this initial work she indicates her commitments with the relations be-tween the notions of action, language and the theory of knowledge. Stebbing argued, as explained by Chapman (p. 28), that action and thought, intellect and will cannot be opposed. This is significant because in her mature books, the relations between natural language, formal logic and the purposes of speech are recurrent and a guide to understand her main philosophical conceptions.

According to Chapman (p. 37) during the decade or so following her MA graduation, Stebbing established herself as an important voice in the philosophical discussions in Cambridge and London. She was engaged in debates with the leading philosophic figures in Britain at that time and her work was read and discussed frequently by them. In 1931 she became president of the Mind Association and a few years later of the Aristotelian Society. Due to the in-crease of her reputation and the quality of her work, in the summer of 1933, Susan Stebbing was honoured with a place at the University of London as Professor of Philoso-phy. However, if today a woman being a Professor in a University stands as a normal fact, at that time it was not trivial: Stebbing was the first woman Professor of Philosophy in a University in Great Britain. Women’s rights in the ninetieth and twenti-eth centuries were limited, including the positions in uni-versities. For this reason, Stebbing can be considered as a milestone in the fight for equal rights between men and women. Chapman, in several instances, particularly in the first chapters, calls attention to this event. In Chapter Four (p. 79) she says: “In its historical and cultural context, Stebbing’s appointment as full Professor of Philosophy real-ly was headline news. Women were by now an established presence, although certainly a minority one, in academia, but their place there was hard-won and still controversial”. Unfortunately, as expect, her appointment did not please everyone.

Anyway, Stebbing remained Professor in London until 1938. During this period, she published several books on logic and language. The most important books are A Mod-ern Introduction to Logic (1930, 1933, the first edition was published before the appointment), Philosophy and The Phys-icists (1937), Thinking to some purpose (1939, the most popu-lar of her books), Ideals and Illusions (1941) and A Modern Elementary Logic (1943). In all these, Stebbing focuses on a logical analysis of the natural language and related issues.

The philosophical context of the beginning of twenti-eth century in Britain was predominantly influenced by an-alytical philosophy. The new developments in logic and language arrived in philosophical discussions and the ana-lytic methodology became the common ground for solving classical problems. Frege, Russell, Moore, Carnap, Wittgen-stein and others were the central figures in that time (in logical and analytical context, of course) and their works changed the way in which philosophical questions were considered. The mathematical logic was a development of traditional Aristotelian syllogistic and one of its main goals was to construct a formal language for science that would be able to avoid the errors and imperfections of natural language. The basic idea was that with a perfect formal lan-guage to express thought it would be possible to solve phil-osophical problems, because many of these problems actually originated in our imperfect ordinary language use.

Susan Stebbing’s academic formation was basically ana-lytical and she read and kept direct contact with some of these figures, in particular, Moore and Russell. In A Modern Introduction to Logic, for instance, Stebbing introduces the recent developments in mathematical logic. According to Chapman (p. 50), “Stebbing proceeds to offer her readers an overview both of traditional Aristotelian logic and of re-cent developments, and also to introduce them to some of the current issues in scientific method, including the prob-lems surrounding deduction and induction”. In this sense, Stebbing is located in a transitional moment in the history of logic: before Frege and Russell, logic was equated with the Aristotelian syllogistic; after them mathematical logic became central. Stebbing, despite her acceptance of math-ematical logic, affords space in her books to the traditional logical analysis as well.

Chapman’s Chapter 4 and, mainly, Chapter 5 present a detailed reconstruction of the philosophical context in which Stebbing worked. Chapter 5, Logical Positivism and Philosophy of Language, is an excellent read for everyone who wants to know more about logical positivism, particularly because Wittgenstein (an “associate” of the Vienna Circle) was of great influence in Stebbing’s conceptions and also because the first time that Carnap went to UK was by invi-tation of Stebbing. The relations between Stebbing and the positivists was closer, but also have several philosophical disagreements. According to Chapman (p. 84) in Logical Positivism and Analysis (1933), she sets out what she sees as the main claims of the logical positivism. For her the most attractive characteristic in Wittgenstein and in the logical positivists was “the insistence on analysis as the philoso-pher’s main tool in searching for clarity and unmasking as simply nonsensical some of the questions that philosophers had traditionally posed themselves”. To the Vienna Circle, the analysis of the sentences can show what sentences have meaning and what sentences haven’t. A sentence is mean-ingful only in one of the three following cases: (i) if it is an-alytic, i.e., if this meaning is determined by the language; (ii) if it is a logical or mathematics sentence; or (iii) if it can be, in principle, verified by observation.

Although Stebbing agreed with some of the positivists ideas, she was a critic of other aspects of their philosophical conceptions, in special the conception of analysis. Accord-ing to her, the way in which the positivists perform analysis is problematic. Positivist approaches fail to observe differ-ent kinds of analysis. They consider that all analysis is nec-essarily linguistic analysis. As Chapman explains (p. 85), “for Stebbing, using language to analyse language involves philosophers in an unproductive and circular activity”. Fur-thermore, the purpose of analysis is to clarify existing be-liefs, not justify them. Another point of disagreement with the members of the Vienna Circle was about metaphysics. For them, all metaphysical sentences haven’t cognitive con-tent: metaphysical sentences are unable to fall in any of the three kinds listed before. They are not analytical, not logical and not observable, in principle, by experience. On the other hand, due the influence of Wittgenstein and Ber-trand Russell, Stebbing sustains an atomistic conception of propositions, namely, that there are basic atomic sentences that constitute the world.

The popularity of Stebbing grew in the 1940’s especially because of Thinking to Some Purpose (1939). In this book, she presents a rich analysis of the way that we think and how we can avoid the illogicalities in the speech of other people and in our own. Written at the beginning of the World War II, the book affords space to discuss some “examples taken from the speeches of politicians and from politically loaded newspaper reports and is explicitly aimed at promot-ing a discerning and critical attitude in the electorate” (p. 120). So, the book, focuses, among other things, also in the political context of England when WWII started.

However, the central idea is that we need to make clear our reasoning and a logical analysis of the ordinary speech could show where the mistakes are. The point is very sim-ple: we talk unclearly, because we think unclearly. Then, to talk in a clear way, we need to consider the way that we think. According to Stebbing (1939, p.22), thinking logical-ly (reflexively) is thinking to some purpose. In her own words, “to pursue an aim without considering what its real-izations would involves is stupid”. In this sense, thinking involves asking questions and trying to find answers to these questions. When we think logically, we think rele-vantly to the purpose that initiated the thinking. The pro-cess of reflective thinking consists in pondering upon a set of facts so as to elicit their connections. This process is known as inferring. The various stages in the process are re-lated to the conclusion as the grounds upon which it is based. Stebbing calls these grounds “premises”. In short, ef-fective thinking is directed to an end. Consequently, there is a teleological commitment in all properly reflexive think-ing.

According to Chapman (p. 183), Stebbing was con-cerned in special with the analysis of language primarily as a window to the process of thinking that it expressed. By the language we can determine if this process is logical or oth-erwise. Books like A Modern Introduction to Logic (1930), Thinking to Some Purpose (1939), Ideals and Illusions (1941) and A Modern Elementary Logic (1943) contains some im-portant ideas which became central in subsequent discus-sions in Ordinary Language Philosophy and in Pragmatics. Stebbing’s philosophical motivations were very similar to those of philosophers of the first generation of ordinary language, like J. Austin, H. P. Grice, and Wittgenstein in the Philosophical Investigations.

In the last chapter of the book, Chapter 9, Stebbing, Phi-losophy and Linguistics, Chapman shows us, in a very clear way, the relations between Stebbing’s work and the follow-ing developments in Philosophy of Language and the dis-cussions of language in general. Throughout her work, it is possible to identify several passages when Stebbing sustains positions that only some years later were systematically con-sidered. As Chapman says “her attentiveness to how words, even the most philosophically loaded ones, are used and understood in everyday life inevitably invites comparisons with ordinary language philosophy. Her insistence that analysis must have real examples of language in use, have resonances with some very recent approaches in linguistics, particularly with critical discourse analysis”. Stebbing’s handbooks on logic, A Modern Introduction to Logic and A Modern Elementary Logic, consider both the analysis of mathematic logic as well the ordinary language, the com-mon sense language.

Susan Stebbing and the Language of Common Sense is a book that deserves attention. It is a very interesting book that brings us important information about the develop-ment of analytical philosophy in the beginning of the twen-tieth century in Britain. Chapman organized the book in a chronologically way that helps the reader to understand the development of Stebbing’s ideas. The language and the way in which the philosophical conceptions are presented are quite clear. In special, in my opinion, this book has as a great worth the capacity to find on a nearly forgotten phi-losopher views that are actual. Although today Stebbing is unfamiliar for most philosophical students, in her works we can find very stimulating analysis and views that remain current. Stebbing contributed to the development of logic and philosophy of language, so her writings cannot be dis-regarded. According to Chapman (p. 186) “Stebbing’s work as a whole is best assessed in relation to the various direc-tions taken in the decades that followed her death by the serious study of human language”. Furthermore, her histor-ical figure is symbolic in the pursuit for equal rights be-tween men and women not only in the universities, but in all fields.

Referências

CHAPMAN, S. Susan Stebbing and the Language of Common Sense. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2013.

Kariel Antonio Giarolo – Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil.  E-mail: karielgiarolo@gmail.com

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Ética e subjetividade – CESCON (Ph)

CESCON, Everaldo (Org). Ética e subjetividade. Petrópolis: Vozes, 2016. Resenha de: DALSOTTO, Lucas Mateus. Philósophos, Goiânia, v. 23, n. 1, p.171-177, jan./jun., 2018.

Para todos aqueles que anseiam aprofundar seus conhecimentos a respeito da fenomenologia e, em especial, da relação desta com a ética, há pouco tempo foi publicado no Brasil um livro de imprescindível leitura, a saber: Ética e Subjetividade, organizado pelo competente e destacado professor Everaldo Cescon (Vozes, 2016, 314 p.). Note-se que a força e relevância do texto não decorrem apenas do fato dele fornecer uma ampla e apropriada abordagem a respeito da fenomenologia e, por conseguinte, de alguns de seus principais teóricos, tais como Edmund Husserl, Emmanuel Levinas, Edith Stein, Michel Henry, entre outros, mas especialmente por chamar a atenção do leitor a temas fenomenológicos que nos permitem falar diretamente da ética. Ainda que a obra resguarde uma homogeneidade no que diz respeito ao estilo e à forma de como cada autor estabelece sua discussão, isto não exclui em nada a riqueza de ca da um dos textos. Em linguagem acessível e com interpretações e análises acuradas, o livro conta com a contribuição de uma vasta gama de reconhecidos especialistas brasileiros e internacionais (i.e., Argentina, Colômbia, Portugal, Espanha e Itália) na área.

Ao considerar que a ética contemporânea desenvolve-se num vazio de sentido, na medida em que as bases ontológicas e metafísicas para a reflexão desta foram removidas, o escopo do presente livro reside em apresentar a fenomenologia como sendo capaz de fornecer princípios para um novo agir. O trabalho de fundamentação de nossas escolhas morais continua sendo um problema fundamental e indispensável no domínio da ética, o qual não se restringe em ser um problema meramente teórico, mas, tanto mais, um problema prático. Assim, é somente reivindicando a exigência do valor e refundando as crenças morais que será possível enfrentar uma sociedade cada vez mais atrelada à necessidade, à instrumentalidade e à utilidade do valor.

A fim de levar a cabo tal proposta, Ética e Subjetividade está dividida em cinco seções, cada uma delas cumprindo uma função especial no objetivo geral da obra. Partindo do processo metodológico de constituição da fenomenologia e perpassando pelo pensamento ético husserliano, as análises dirigem-se às mais variadas abordagens e desenvolvimentos éticos que surgiram a partir dessa corrente teórica. Estas seções são ainda precedidas por uma breve e oportuna introdução, a qual, nas palavras de Cescon, visa apresentar a eminente necessidade de repensarmos a ética no sentido de “permitir ao indivíduo constituir-se enquanto pessoa autor-responsável, livre, solidária e aberta” (p. 9).

Considerando o fato de que Husserl era entendido como um filósofo teórico e que, portanto, a ética sempre foi um dos temas que menos recebeu atenção por parte de seus estudiosos, a primeira seção do texto tem por finalidade principal expor a concepção de racionalidade prática que parece emergir de sua fenomenologia. Neste contexto, são apresentadas duas fases principais da obra husserliana no tocante à reflexão ética, uma de tipo lógico centrada na crítica e na teoria do conhecimento, e outra centrada na subjetividade humana e na noção de dever no sentido da vocação/missão. Na sequência, defende-se que em ambas as fases o objetivo de toda a fundamentação fenomenológica de Husserl foi sempre salvaguardar a objetividade, tanto das proposições teóricas quanto dos valores e das proposições éticas. Então, busca-se analisar o excurso Natur und Geist nas Lições de Ética, de 1920 a 1924, a fim de esclarecer o “âmbito do humano espiritual para, assim, saber ao que exatamente a ética se refere” (p. 68). Por fim, é avaliado se a ética de Husserl obtém sucesso em reivindicar que juízos de valor possuem uma validade que independe das particularidade dos agentes que os emitem e em defender que há alguma coisa como uma obrigação moral absoluta que vincula incondicionalmente a vontade dos agentes à ação.

Diferentemente da primeira seção, onde a reflexão estava centrada na noção de racionalidade prática e de objetividade moral na ética husserliana, a segunda seção visa discutir a questão da subjetividade ética e mostrar a influência de Husserl sobre outros autores. Partindo deste último, inicialmente é mostrado que a intencionalidade da consciência permite aos agentes perceber que os valores lhes são dados do mesmo modo como os objetos da intuição sensível o são e que, desse modo, a esfera afetiva – subjetiva – dos agentes faz parte do âmbito da moralidade. Num segundo momento, busca-se evidenciar a herança de Husserl na antropologia de Edith Stein, especialmente no que diz respeito ao método, uma vez que esta última incorpora integralmente em sua proposta a ideia de epoché daquele. No que se segue, discute-se a transcendência ética em Levinas no sentido de que a razão é incapaz de captar o outro sem reduzi-lo ou objetificá-lo e que, por isso, ela é incapaz de reconhecer a radicalidade do chamado do outro. A resposta a este chamado produz um “transbordamento da intencionalidade” (p. 156), o qual é impossível de ser capturado pela consciência intencional do agente.

Em continuidade à anterior, a terceira seção aborda a questão da subjetividade ética e o problema do corpo a partir da contribuição de alguns autores filiados – de alguma forma – à tradição fenomenológica. Primeiramente, avalia-se a possibilidade de uma fenomenologia da individuação a partir do conceito de encarnação de Michel Henry. O ponto central é que aquilo a que fazemos referência – noema – em nossa experiência intencional, dando-lhe sentido – noesis –, implica, em alguma medida, torná-lo carne, especificamente “carne de minha carne” (p. 164). Em seguida, o pensamento de Michael Henry é apresentado como estando vinculado a um tipo de fenomenologia do corpo – da subjetividade – segundo o qual a ética se dá no cuidado da vida e, nesse caso, na não-instrumentalização do corpo de cada indivíduo. Ao final dessa seção é exposta a posição Nicolai Hartmann, que, pensando a partir da fenomenologia, realizou uma vigorosa crítica à metafísica, tanto antiga quanto moderna, no sentido de chamar atenção à pluralidade e complexidade dos valores que afetam a vida dos agentes.

Na quarta seção, a questão da subjetividade ética ainda permanece no foco das discussões, mas agora atrelada ao problema da ação e sob o viés de outros autores. O ponto de partida de Ética e Subjetividade aqui é mostrar o esforço de Paul Ricouer em conciliar a teleologia aristotélica e a deontologia kantiana e, ao mesmo tempo, eliminar o problema – atinente a ambas as teorias – da exclusão da alteridade e da reciprocidade nas relações interpessoais. Posteriormente, expõe-se a teoria de Xavier Zubiri com vistas a sugerir que a reflexão moral não é uma questão de descobrir a que normas se está obrigado a cumprir, mas, ao contrário, de descobrir quais são as estruturas e características próprias de organização, solidariedade e corporeidade do ser humano. Finalizando a seção, o fenômeno da hospitalidade é analisado como uma forma de agir passivo em que há, nos termos de Levinas, um ‘transbordamento’ – as bordas de um fenômeno transbordado nunca poderão ser evidentes –, o qual, por sua vez, torna a apreciação conceitual uma tarefa delicada e complexa. A impossibilidade de tal apreciação deve converter a hospitalidade numa espécie de transgressão cujo resultado será a acolhida do hóspede, do estrangeiro ou de qualquer um outro.

Na última seção, as análises concentram-se na compreensão da relação existente entre subjetividade pessoal e comunidade ética. Num primeiro momento, o trabalho de Edith Stein é tomado em questão para evidenciar que a realização do ser humano como pessoa reside no encontro deste com o outro no interior de uma comunidade, onde esta comunidade é fonte de força vital e espiritual para os agen-tes na medida em que ela gera um sentido de pertença entre todos eles. A seguir, retorna-se a Husserl para mostrar que, embora a personalidade dos agentes seja regida por normas racionais que se ajustam ao telos próprio de cada um deles, é impossível imaginar que o ideal ético pessoal seja realizável sem abertura aos outros. Por fim, faz-se uma interpretação do fato da irrupção dos pobres – termo cunhado pelo teólogo Gustavo Gutiérrez ao se referir ao crescente número de marginalizados existentes nas grandes e pequenas cidades – na América Latina a partir do conceito de Jean-Luc Marion de fenômeno saturado – fenômeno que ultrapassa todas as significações conceituais e horizontes prévios de compreensão.

Para concluir, é importante chamar atenção para o fato de que, além de muito bem escrito, Ética e Subjetividade oferece uma segura síntese a respeito do atual estado da arte entre fenomenologia e ética. Apesar de toda a complexidade dos temas e análises realizadas nos textos, o livro é de fácil e acessível leitura, mesmo para aqueles que não estão familiarizados com os autores ou com os principais tópicos da discussão. Ainda que alguns temas pareçam carecer de maiores explicitações e, talvez, merecessem até uma exposição mais detida e minuciosa, é possível afirmar que o livro cumpre plenamente sua função, a saber: apresentar a fenomenologia como sendo capaz de fornecer princípios para um novo agir ético. Portanto, Ética e Subjetividade é uma das mais importantes contribuições editoriais no domínio da fenomenologia realizadas no Brasil nos últimos anos e, por conseguinte, é imprescindível sua leitura e discussão nos mais diversos ambientes da academia filosófica de nosso país.

Referências

CESCON, Everaldo (Org.). Ética e subjetividade. Petrópolis: Vozes, 2016.

Lucas Mateus Dalsotto – Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail:  lmdalsotto@hotmail.com

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Semantik und Ontologie: drei Studien zu Aristoteles – SEGALERBA (Ph)

SEGALERBA, Gianluigi. Semantik und Ontologie: drei Studien zu Aristoteles. Bern: Peter Lang AG, 2013. Resenha de: CARRARO, Nicola. Philósophos, Goiânia, v. 23, n. 1, p.179-190, jan./jun., 2018.

The book is a collection of three independent exegetical es-says on Aristotle’s theoretical philosophy. The common el-ement that unifies them is the contrast between Aristotle’s own ontology, which Segalerba (S.) qualifies as a “typologi-cal ontology” (“typologische Ontologie”), and Aristotle’s inter-pretation of Plato’s theory of Ideas, which he labels as a “gradualist ontology” (“stufenartige Ontologie”).

As S. declares in the preliminary remark (p. XIII), his focus lies mainly on the theory of Ideas as understood and criticized in Aristotle’s writings, including On Ideas, a lost work on whose content we are indirectly informed thanks to a long digression in Alexander of Aphrodisia’s Commen-tary on Aristotle’s Metaphysics. However, this theory is con-sidered not so much for its intrinsic merits, but mainly to bring into sharper focus Aristotle’s own position on the on-tological status of universals.

According to S., the Platonic theory that postulates the existence of eternal models that exist independently from the perceptible individuals that are their copies can be characterized as “gradualist” because it asserts that percep-tible individuals are to a lesser degree what eternal models are to a higher degree. Thus, the only thing that is perfectly human according to a Platonist is the Idea of “human”, while perceptible individuals like Socrates and Plato are on-ly human to a certain degree. By contrast Aristotle’s ontolo-gy is “typological” since he conceives universals as types of entities of which individuals are instantiations. In S.’s view, he thinks that being a type is incompatible with being an instantiation: therefore, it is incorrect to say that the prop-erty of being a human being is a human being. And while he admits that some types (such as hotness and coldness) can be instantiated to a higher or lower degree, he denies this of the types whose instances are “primary substances”, i.e. concrete individuals like Socrates and Plato. This allows him to claim that the most basic entities are not universals, but rather individual primary substances.

The first essay (“Aspekte der aristotelischen Theorie der zweiten Substanzen als Universalien”) contrasts the typological ontology of Aristotle’s Categories with the gradualist ontolo-gy criticized in On Ideas, and particularly in the section de-voted to the so-called “third-man argument”. S. stresses that Aristotle is committed to the existence of universals. He ar-gues that, contrarily to what some interpreters have con-tended, the difference between Platonic Ideas and Aristotelian universals does not consist exclusively in the fact that Ideas can exist independently from perceptible in-dividuals, but also in the fact that they are conceived as paradigmatic instantiations, while Aristotelian universals are not instantiations of themselves. He goes on to claim that the same ontology is also recognizable in a passage of On Interpretation, and that it lies behind Aristotle’s solution of the third-man argument at Sophistical Refutations 22, 178b36-179a10 and his criticism of Ideas at Metaphys-ics M.9, 1086a31-b16.

In the second essay (“Aspekte der Substanz bei Aristoteles”), S. compares Aristotle’s treatment of substance and univer-sals in the Categories and in the Metaphysics, claiming that, for the most part, his stand on these matters is coherent be-tween the two works. He argues against interpreters who think that, in the central books of the Metaphysics, Aristotle gives up his commitment to the objective existence of uni-versals, or that he abandons the idea that the most basic en-tities are concrete individuals living beings, in favour of an ontology in which forms play the role of basic entities. On the other hand, he individuates some claims that Aristotle makes in the Metaphysics and elsewhere and that are absent (or, at least, not explicit) in the Categories: most notably, the view that the form of each individual substance is a particu-lar, which S. takes to be an implication of some passages in Metaphysics Z, and the view that universals exist only poten-tially unless somebody is thinking about them, which he considers as one of the results of the treatment of thought in On the Soul.

The third essay (Synonymie in der Kategorienschrift gegen Nicht-Homonymie im Argument aus den Bezüglichen) has a more limited scope. For the most part, it consists of an analysis of Aristotle’s description and criticism of the so-called “argument from the relatives” in On Ideas (Alexan-der, Commentary on Aristotle’s Metaphysics, 82,11–83,17). S. argues that the position of the proponent of the argument can be identified with what he calls “gradualist ontology”, and that Aristotle’s rejection of the argument is based on his rejection of a Platonising analysis of the notion of syn-onymy that he replaces with his own account from the Cat-egories.

The three essays are preceded only by a very short pre-liminary remark, which concentrates exclusively on S.’s pol-icy when it comes to dealing with Aristotle’s interpretation of Plato (apart from bibliographical indications on transla-tions and commentaries). Each essay consists of several chapters, many of which are devoted to the analysis of short passages from different works in the Aristotelian corpus: from the Categories to the Metaphysics, and from the Sophisti-cal Refutations to On the Soul. A glance at the preliminary materials might therefore give the impression of a study on Aristotle’s understanding of Plato, or of a miscellaneous work mainly concerned with the solution of local interpre-tative issues. However, these impressions could not be more misleading. S. is not writing history of reception, and (with few exceptions) he is not focusing on details. Rather he aims to solve what might well be the most contentious among the countless exegetical problems that have in-flamed interpreters of Aristotle since Antiquity: his views on universals and the exact reasons for his rejection of Pla-to’s theory of Ideas. The main virtues and the main weak-nesses of the book can all be traced back to this extremely ambitious goal.

A positive feature of the book lies in its focus on Aris-totle’s works and on global exegetical questions concerning his philosophy, rather than on debates in the secondary lit-erature. Many studies on Ancient philosophy have the ten-dency to give too much weight to disputes among other interpreters. At times this can generate artificial questions that have little to do with the texts themselves, but rather arise from the internal dialectic of the debate. S., by con-trast, always concentrates on what Aristotle thinks, rather than on what others think that he thinks. Another virtue of the book lies in its clarity: S. chooses his words carefully, and he is explicit in the definition of the terms that he uses. He also has an appreciable tendency to privilege precision over style, and he does not shy away from reiterating his point one more time when he deems it useful to make his argument more understandable. A special care is given to the translations, which are always elegant and precise. When the text can be constructed in more than one way, this is often indicated and discussed in a footnote.

The most valuable feature of the book, however, lies in the interpretation itself. S. provides a promising counter model to two traditional, diametrically opposed, and prima facie plausible ways to interpret Aristotle’s reaction to Pla-to’s theory of Ideas. According to the first of these readings, Aristotle sees Ideas as universals that can exist independent ly from concrete individuals. This interpretation stresses the continuity between Plato and Aristotle and holds that, in spite of the polemical tones of his criticism of ideas, Aristo-tle agrees with Plato more than he cares to admit: their dis-agreement concerns not so much the existence of Ideas, but rather their metaphysical status as “separate” entities. On the second interpretation, Aristotle rejects Ideas because he does not think that universals exist independently from the human mind, and he adopts a conceptualist stance on uni-versals, while their role as essences of concrete individuals is taken over by particular forms.

S.’s most important move consists in questioning the main premise on which these interpretations are both based: the view that Aristotle regards Plato’s theory of Ideas as a theory of universals. S. claims that, when he argues against Platonists, Aristotle does not aim to either modify or reject an already existing theory of universals, but rather to “introduce” for the first time universals into western phi-losophy. This conclusion is based on the hypothesis that Platonic Ideas (at least as they are understood by Aristotle) are not universals, but rather paradigmatic individuals, which have a certain property to the highest degree, where-as perceptible objects are copies, which have the same property to a lower degree.

According to S., Aristotle criticizes this gradualist on-tology by noticing that the talk of “degrees” is only mean-ingful for certain properties: while an object can be darker than another, it would be meaningless to claim that Tiger instantiates the property of being a cat to a higher degree than Felix. For this reason, he abandons the Platonic view that the primary objects of knowledge should be conceived as ideal models that are copied by perceptible objects, and argues instead that they should be seen as types that are in-stantiated by the particulars. Whereas Plato’s models differ from their copies mainly because of their perfection and eternity, Aristotelian universals differ from their instantia-tions mainly because they have a different logical status: while particulars instantiate universals, universals do not instantiate themselves. Saying that the universal “cat” is a cat would be a category mistake.

One could, of course, question whether this is a fair representation of Plato’s theory of Ideas. S. recognizes this, and is careful to distinguish Aristotle’s representation of the theory of Ideas and the views held by the historical Pla-to, on which he appropriately remains agnostic, given the focus of his study. His goal is not to argue that Aristotle’s understanding of Plato is correct, but rather to show that the opposition between “gradualist” and “typological” on-tology provides the framework that is needed in order to understand what Aristotle thinks of himself as doing when he criticizes Plato and other Platonists.

Establishing whether S.’s interpretation is correct is a task that would go beyond the limits of this review. Howev-er, I find it a clear and appealing reading, which has the merit of explaining both Aristotle’s polemical tone when he argues against Plato and his apparent commitment to the objective existence of universals as a condition for the pos-sibility of thought and knowledge.

While the broad and ambitious scope of S.’s book is what makes it interesting, it also threatens to make it over-whelming and, at times, perplexing in its argumentative strategy, methodology, and structure. One sometimes gets the impression that S. is trying to cover too much ground and that, for this reason, his arguments end up being un-convincing even though his position is interesting and in-trinsically plausible. My criticism will concentrate on the following five points, in decreasing order of importance. 1) S. often does not contextualize passages within the book or work in which they appear. 2) He often fails to adequately discuss possible objections against his interpretations, or to consider evidence for alternative readings. 3) He sometimes omits to highlight and discuss internal tensions in the thought of Aristotle, or in the views that he attributes him. 4) The structure of the book makes for some repetitions. 5) Some sections are inessential to the overall argument.

1) S. takes a global approach to Aristotle’s text. He em-phasizes the continuity between supposedly early works like the Categories and On Interpretation and supposedly mature works like the Metaphysics. He also stresses the affinities be-tween the works that we possess through direct transmis-sion and the information on the lost treatise On Idea that we have thanks to Alexander’s commentary to the Metaphys-ics. What is often absent from the picture, however, is the role of a passage within the argumentative strategy of a work. S. tends to treat passages almost as if they were isolat-ed fragments, without explaining their connection with what precedes or follows them.

This approach is especially questionable when dealing with books whose argumentative structure is intricate and opaque, such as Metaphysics Z. It is notoriously difficult to untangle what the different sections of this treatise are do-ing. In many cases, it is not clear whether Aristotle is argu ing ad hominem against an opponent, raising possible objec-tions against his own position, or giving his considerate opinion on the matter. In S.’s exposition, these distinctions often get blurred, under the assumption that every passage contains Aristotle’s final word on a given issue. By contrast I think that we should at least entertain the possibility that chapters such as Z. 13 (pp. 270–284) are aporetic to a cer-tain extent, and that not all of the premises used in their arguments are unconditionally endorsed by Aristotle.

Another instance in which the lack of contextualization threatens the cogency of S.’s arguments is the analysis of Aristotle’s theory of perception and thinking in On the Soul (pp. 285–310). One of the main upshots of this discussion for S.’s argument is to provide further corroboration for the view that universals have objective existence independently from the human mind (p. 295). S. argues that, since Aristo-tle holds that the intellect thinks by acquiring universals, rather than by creating them itself, these universals must have “an autonomous existence”. It seems to me that Aris-totle’s main concern in the passages analysed by S. is not with the ontological status of universals, but rather with the way in which thinking as a psychological activity takes place. Even a philosopher who is not committed to univer-sals as independently existent entities could agree with the idea that concepts are not freely created by the intellect. The claim that thinking happens in that the intellect is ac-tualised by the universals could just mean that concepts are produced by extracting common elements from repeated experiences, and does not in itself commit Aristotle to uni-versals that exist independently of the mind.

2) I have already mentioned that S.’s focus on Aristotle rather than debates in the secondary literature can be re-garded as a positive feature of the book. However, I also think that he brings this approach too far. While the bibli-ography runs for eleven pages and includes well over 200 ti-tles, S. mentions the overwhelming majority of these works only as further reading. Instances in which he directly voic-es major disagreement with other interpreters are much more limited. The most notable examples are arguably his rejection of Gail Fine’s diagnosis of Aristotle’s criticism of Platonic Ideas (see esp. p. 19)3 and of Michael Frede and Günther Patzig’s4 view that, in Metaphysics Z, Aristotle elim-inates universals from his ontology (see esp. p. 280). Even in these instances, however, S. does not directly engage with his opponents’ arguments, and he rests his case almost ex-clusively on textual support for his own reading. Given the importance that S.’s rejection of these interpretations has for his overall argument, a more thorough discussion would have been advisable.

3 Gail

3) One instance in which S. fails to highlight an inter-nal tension within the view that he attributes to Aristotle concerns the issue of whether forms are universal or partic-ular, which is, of course, one of the central choices that face any scholar that deals with these topics. S.’s answer in ecu-menical but somewhat difficult to grasp. He thinks that, for Aristotle, forms are both universal and particular. On the one hand, he holds that the essence of an individual can only be universal (p. 282), since it is not a concrete entity, but a “biological program” that can be instantiated in sev eral individuals. On the other hand, he believes that each instantiation of this biological program is a particular (p. 275). At the same time, S. also attributes to Aristotle the be-lief that not only concrete individuals like Socrates, but also their essences must be particulars (pp. 274–275): “Socra-tes’s essence cannot be common to other people, because it already constitutes a concrete instance of the essence taken generally” (p. 275).

To me, this answer sounds arbitrary: once we allow universal forms into our ontology, I do not see a compel-ling reason to identify the essence of Socrates with a partic-ular rather than with the universal form: why not simply say that Socrates’s essence is the “biological program” that he has in common with Plato, etc.? And why identify instantia-tions of this biological program with individual forms ra-ther than with the concrete individuals (Socrates, Plato, etc.) themselves? I should stress that I am not necessarily criticizing S. for attributing to Aristotle this position: after all Aristotle can, at times, hold strange views. Rather, I am saying that the position itself is rather weak. It seems to me that, if S. is correct in arguing that Aristotle is defending this theory, he has the responsibility of either acknowledg-ing its awkwardness, or proposing some strategy to fix it.

4) As already mentioned, the book tends to support a single theory, but it is formally constituted by three inde-pendent essays. At times, this can produce some repeti-tions. For instance, the two analyses of the meaning of “substance” in the Categories (pp. 24–41 and pp. 124–189) contain many common elements, such as the claim that secondary substances work both as classes of individuals and as features that are common to many individuals, the claim that the Categories are at least in part a response to Platonic ontology, or the contrast between Aristotle’s own ontology in the Categories and the one he criticizes in On Ideas. These redundancies represent a disturbance to the general flow of the argument, and the readability of the book would have been improved had the three essays been unified into a single monograph.

5) Occasionally, the book also contains some superflu-ous material. The most evident example is the chapter de-voted to Aristotle’s views on immaterial substances in Metaphysics Λ (pp. 311–318). It is not hard to see why S. deems it appropriate to discuss this topic: after all, Plato’s Ideas are immaterial entities, and it might therefore be im-portant to stress that Aristotle’s rejection of them does not translate into an overall ban on immaterial entities. How-ever, this chapter is too short to provide an original contri-bution on such a heavily studied topic, and its relevance to the economy of S.’s argument is far from obvious.

In conclusion, the book offers a clear, ambitious, and convincing interpretation of a central point of Aristotle’s philosophy. However, it would have highly benefitted if S. had selected a narrower corpus of texts, paid more atten-tion to the context of the passages that he analyses, and en-gaged more thoroughly with his opponents’ arguments.

Notas

1 Gail Fine, Aristotle’s Criticism of Plato’s Theory of Forms, Oxford: Clarendon Press, 1993.

2 Michael Frede, and Günther Patzig, eds., Aristoteles: Metaphysik Z, München: Beck, 1988

Referências

SEGALERBA, Gianluigi. Semantik und Ontologie: drei Studien zu Aristoteles. Bern: Peter Lang AG, 2013.

Nicola Carraro – UNICAMP. The research for this paper was financed thanks to a FAPESP postdoctoral fellowship at Unicamp and a Junior Thyssen Fellowship at the Central European University in Budapest. Nicola Carraro obtained a PhD from the University of Munich in Germany, and held teaching and re-search positions in Germany, the US, France, Brazil, and Hungary. He has published on Aristo-tle’s conception of the soul and on his reception of Presocratic thinkers. His main research interests are Aristotle’s metaphysics, his conception of nature, and his philosophy of biology. E-mail: carraron985@gmail.com

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Revista do Arquivo Público do Espírito Santo. Vitória, v.2, n.3, 2018.

Editorial

Apresentação

Entrevista

Dossiê: Africanidades transatlânticas

Documentos

Resenhas

Reportagens

Um reino e suas repúblicas no Atlântico: comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII – FRAGOSO; MONTEIRO (RG)

FRAGOSO, João Fragoso; MONTEIRO, Nuno Gonçalo Monteiro (Eds.). Um reino e suas repúblicas no Atlântico: comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira 2017, 475 p. Resenha de: CABRAL, Machado; CÉSAR, Gustavo. Forging an Empire in Writing. Rechtsgeschichte – Legal History, v. 26 p.434-436, 2018.

The Portuguese crown held considerable territory in the early modern period and sought measures to preserve its political power, as in any other extended empire. A strategy based on official communications, particularly letters, was a very important instrument to govern not only the overseas territories, but also those in Europe located far from Lisbon. Understanding the role of these communications, as well as their practical application, is the focus of Um reino e suas repúblicas do Atlântico: comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII (»A kingdom and its republics in the Atlantic: Political Communication between Portugal, Brazil and Angola during the 17th and 18th Centuries«). Applying a transatlantic perspective, João Fragoso and Nuno Gonçalo Monteiro, the editors, generally study the political institutions of the Portuguese Empire, which were founded on a common architecture that included every single village in all territories of the kingdom as well as in America, Africa, and Asia. This particular analysis, however, is restricted to the states of Brazil and Maranhão in America and Angola on the Atlantic coast of Africa. In this context, the official communications played an important role in connecting the central authority to local powers, both by hearing and by commanding when necessary. This is exactly what the book intends to demonstrate.

We can clearly notice a common background, which the sources confirm throughout the book, in all the published texts. First, all of them refer to the cities and villages in the Portuguese Empire as communities with a considerable level of autonomy from the crown, constituting the »republics« mentioned in the title, in an unequivocal reference to the political thought of Aquinas and the scholastics, especially authors like Francisco Suárez. Local communities shaped social life most of the time, but this did not mean that the crown was powerless or irrelevant. As the editors write explicitly, the municipal councils were the heads of political communities endowed with jurisdiction.

On the other hand, all articles prove that intense contact between Lisbon and the »republics« of the kingdom was the key to this model’s success. With its foundation after the Portuguese Restoration in 1640 and at least until the ascension of King Joseph I and the Marquis of Pombal in 1750, the Conselho Ultramarino became the center of political communication with the overseas possessions. Within the relevant Projeto Resgate Barão do Rio Branco, hundreds of thousands of documents of the Arquivo Histórico Ultramarino (where these docu | ments were archived in Portugal) are now available electronically. Many monographs about the colonial institutions, particularly theses and dissertations, published in the last two decades have been based on these documents. Despite the use of the same database, this volume has a different aim, which is not only to understand the nature and features of the documents written in America or Angola and sent to the kingdom, but also to see them as part of imperial governance, which depended on formal instruments, such as consultations answered by the council.

The book is divided into three parts, and the first one, Arquitetura da Monarquia e circulação da comunicação, is divided into three chapters, opening with a study by João Fragoso about »mercies« (i.e. grants of offices and gifts by the crown to vassals and their families) and their relevance for the relations between the center and the periphery in Portugal. According to the author, successful petitions for an office as compensation for vassal services to the commonwealth were clear manifestations of a »sentiment of belonging« to the Portuguese monarchy. People felt they were part of the empire, which is why Fragoso believes that the mercês were a crucial element in maintaining a »pluricontinental« and corporatist monarchy based on a negotiated coexistence of powers. The predominance of the mercês as a subject of correspondence corroborates this view in most of the captaincies analyzed. The two following chapters deal with the institutions involved in communication. Maria Fernanda Bicalho, José Damião Rodrigues, and Pedro Cardim look into the role of cortes (assemblies of states), juntas (boards of municipal councils and the governor of a captaincy) and of the procurators in political communication, noting their objective to pay attention to the local powers. The presence of representatives (procurators) of some overseas municipal councils in the Portuguese cortes after the Restoration and the organization of juntas as local assemblies in America can be seen as a means of managing the interests of cities and villages that reinforced the position of local institutions in guaranteeing royal authority. After that, Maria Fernanda Bicalho and André Costa discuss the Conselho Ultramarino as the institution responsible for overseas affairs, tracking the number of consultations documented in the database over time. This diachronic survey reveals the decrease in importance this Council suffered when the Secretariat of State was created, which centralized most decisions about public affairs in the kingdom in the mid-18th century.

Part two, Temas da comunicação, starts with an impressive article by Pedro Cardim and Miguel Baltazar on the diffusion of Portuguese royal legislation. The authors discuss the complex typology of royal norms and use the database Ius Lusitaniae, which holds 6 574 laws enacted by the Portuguese kings between 1621 and 1808, to analyze the most repetitive themes, the process of publication, and how these norms circulated, were compiled and became mandatory in local juridical spaces, especially in the overseas territories. Carla Almeida, Antonio Carlo Jucá de Sampaio, and André Costa have prepared a chapter about the fiscal issues and how they can be understood from the perspective of political communication. Bearing in mind that the municipal councils also had the power to institute taxes, the authors realized, using the database, that some aspects of fiscal practice, such as the public sale of the right to levy and collect taxes, were usually based on urgent necessities and in agreement with local powers. War and military affairs are discussed by Roberto Guedes Ferreira and Mafalda Soares da Cunha in a chapter that highlights their relevance even during peacetime, when providing military offices according to local requirements was a common theme. Here we can also observe the logic of the mercês. Ending this part, Antonio Carlos Jucá de Sampaio debates issues of economic history, namely currency and commerce, in order to understand the practices of social life in an economy with scarce currency and dependence on exchanges. Such dependence explains why sugar became an important element of credit and sometimes an unofficial (though recognized by the crown) medium of exchange in many areas of Brazil until the development of mining during the 18th century.

Focusing on agents and institutional spaces of communication, part three begins with a chapter by Francisco Cosentino, Mafalda Soares da Cunha, Antônio Castro Nunes, and Ronald Raminelli about the governors and their duty of communicating with the crown. Almost one-fifth of the documents in the database were issued by governors, a general category that included viceroys, governors-general, governors of captaincies and capitães-mores. Therefore, most of them deal with questions of government. Mafalda Soares da Cunha, Maria Fernanda Bicalho, Antônio Castro Nunes, and Isabele Mello look into the administration | of justice in their chapter about the corregedores and ouvidores as agents in political communication. Their description leaves no doubt about how these documents were used juridically: they were not sources to reconstruct the content of lawsuits or procedural details (e.g. producing evidence and decision-making), but a consistent means to grasp some practical questions and the relations between the crown-appointed judge (ouvidores) and the central power. The chapter by Ronald Raminelli concerns the political power of the municipal councils, which their correspondence with Lisbon reveals. The growing amount of documents sent by the cities, according Raminelli, corresponds to their ability to negotiate with the crown, although this changed from 1750 on, when the Secretariat of State started dealing directly and more frequently with the governors. A specific analysis of the Angolan experience, mixing the databases of the Arquivo Histórico Ultramarino and the Biblioteca Municipal de Luanda, appears in the chapter by Roberto Guedes Ferreira about political communication in the municipal councils of Luanda and Benguela and the Governor of Angola, predominantly in the second half of the 18th century. Finally, the chapter by Nuno Gonçalo Monteiro and Francisco Cosentino tackles the petitions from corporative groups in some cities of the kingdom (Évora, Faro, Viana, and Vila Viçosa) and in the most important captaincies of America. These petitions, which were collective requirements from groups of interest (many of them popular economic activities such as tailors, carpenters, and blacksmiths), indicate intense correspondence with the center independent of individual requirements.

All contributions to this volume pay special attention to an important question that has recently been discussed in legal theory1 and in a few works by António Manuel Hespanha.2 This book brings legal history into the very fruitful debate on the role of political communication, particularly the dynamics of power in the relations between the center and the peripheries of the empire, since localities asked for solutions and seemed to behave according to the answers they received. Furthermore, these studies enable a detailed look at the social (and juridical) life in many areas of the empire, even the farthest, and they are all integrated into a logic of belonging to the same political institutions. The crown and its possessions established much more complex relations than the simple reductions traditional historiography describe.

Even without stating it expressly, law is a central concern of this book, and this is why it is extremely relevant for legal historians studying the early modern period. There are some aspects, however, in which the legal-historical approach could go further, such as in conceptualizing law or describing what can be understood as contemporary law and sources of law, which is one of the central, but commonly neglected, issues in analyzing law in Portuguese America.3 Legal historiography mostly identifies law and legal norms with those enacted by the king – a very restrictive concept that is not sufficient to describe other normativities that coexisted in the same juridical space4 and cannot explain coherently, for example, the nature of the answers to consultations of the Conselho Ultramarino. A few problems of legal theory must be solved in order to understand the nature of these sources, but works like this book are a helpful starting point for this research agenda.

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Índios cristãos / Almir D. Carvalho Júnior

Há muito que tardava, mas, finalmente, foi publicado, em meados do ano passado, o livro “Índios cristãos: poder, magia e religião na Amazônia colonial”, da autoria do professor Amir Diniz de Carvalho Júnior. De fato, a tese de doutoramento da qual a obra é resultado já havia sido defendida no ano de 2005, na Universidade de Campinas (UNICAMP)1. De certo modo, esta demora surpreende, se levarmos em conta a grande relevância que a pesquisa tem para a Historiografia Indígena e do Indigenismo no Brasil e, de forma mais específica, na Amazônia. Resta a esperar que o formato de livro contribua a tornar o estudo ainda mais conhecido no meio acadêmico!

O autor, professor lotado na Faculdade de História e credenciado no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em Manaus, começa a apresentação de seu livro com a observação de que “toda criação é solitária”. Pode-se questionar esta afirmação, visto que Almir Diniz de Carvalho Júnior construiu seu estudo, à toda evidência, enquanto pesquisador bem conectado e inserido em uma rede com outros pesquisadores e pesquisadoras que, como ele, trabalharam e trabalham o protagonismo de indígenas na época colonial. Nesta rede, composta, em grande parte, de historiadores e antropólogos, seu orientador de tese, o já falecido John Manuel Monteiro – à memória do qual o livro é dedicado – ocupa um lugar central, além de Maria Regina Celestino de Almeida, que fez o prefácio, Marta Amoroso, Manuela Carneiro da Cunha, João Pacheco de Oliveira Filho, Ronaldo Vainfas, entre outros e outras. Todos eles e elas são prógonos conhecidos da Nova História Indígena e marcaram, como se percebe ao longo da leitura, as reflexões de Almir Diniz de Carvalho Júnior.

Como já indica o título da obra, os “índios cristãos” estão no cerne da pesquisa do autor. Não se trata, como ele deixa claro logo no início (pp. 21-29), de uma categoria supostamente compacta e genérica de subalternos, atrelados ao projeto de cunho colonial salvacionista. Ao contrário, ele se propõe a analisar sujeitos históricos que, apesar das relações e classificações assimétricas nas quais foram enquadrados, participaram da construção do universo colonial, dentro do qual conseguiram formar e ocupar espaços próprios. A partir desses espaços os índios engendraram, por meio de complexas mediações e negociações, práticas culturais, referências sociossimbólicas e balizas identitárias novas. O autor realça, sobretudo, a dimensão sociossimbólica, como o apontam os termos “poder”, “magia” e “religião”, que, por sinal, constam no subtítulo. Neste sentido, Almir Diniz de Carvalho Júnior consegue conjugar, em termos metodológicos, uma análise criteriosa das múltiplas fontes – que vão de crônicas missionárias a processos inquisitoriais – com o recurso a relevantes investigações antropológicas acerca das cosmologias indígenas.

O livro consiste – como também a tese – em três partes que, por sua vez, estão subdivididas em com um número variável de capítulos. A primeira parte (pp. 39-108) aborda, em dois capítulos, as complexas relações entre os colonizadores portugueses e os povos indígenas no espaço amazônico. No primeiro capítulo, aprofunda-se o processo de implantação e consolidação do projeto colonial e, no segundo, a instalação da rede de missões sob as orientações do padre Antônio Vieira. Em ambos os contextos, os índios não são tratados como meros figurinos, mas agentes centrais. Assim, o autor dá destaque à revolta dos Tupinambá, ocorrida na Capitania do Maranhão, em 1617-1619, logo no início da colonização, como também à reação dos índios da aldeia de Maracanã, lugar estratégico onde se situaram as importantes salinas no litoral do Grão-Pará, à prisão do principal Lopo de Souza, em 1660- 1661. Ambos os eventos apontam os impactos diretos de lideranças indígenas no processo da aplicação das políticas colonizadora e evangelizadora. Embora não tenha sido o objetivo da pesquisa, mas faltou, talvez, abordar também, paralelamente a estes aspectos etnossociais, a questão do espaço em sua dimensão geoétnica e geopolítica. Assim, teria sido interessante trabalhar a Amazônia dos séculos XVII e XVIII enquanto “fronteira”, que, conforme uma definição fornecida por Hal Langfur, seria:

aquela área geográfica remota da sociedade já estabelecida [ou em vias de se estabelecer], mas central para os povos indígenas, onde uma consolidação ainda não foi assegurada e onde ainda paira uma dúvida sobre o desfecho dos encontros culturais multiétnicos2.

A segunda parte (pp. 111-257), mais extensa, pois composta de quatro capítulos, versa tanto sobre os métodos aplicados pelos padres para doutrinar os índios quanto sobre as estratégias usadas pelos últimos ao se reconstituírem como “grupos étnicos autônomos”, incorporando, neste processo, padrões culturais barroco-cristãos. Desta feita, o terceiro capítulo, retoma o tema da centralidade dos grupos Tupinambá no contexto da colonização e evangelização; por sinal, um tópico muito defendido pelo autor. Neste contexto, é oportuno apontar pesquisas mais recentes que tendem a frisar a complexa mobilidade de grupos indígenas de troncos etnolinguísticos não tupi no vale amazônica em torno da chegada dos portugueses. Assim, a tese do pesquisador Pablo Ibáñez Bonillo chama a atenção a “sistemas regionais multiétnicos”, em razão das presenças (no plural) de falantes de idiomas aruaque e caribe, principalmente, no estuário e no curso inferior do rio Amazonas, relativizando, de certa forma, a suposta predominância tupinambá3. O quarto capítulo aprofunda o projeto de “conversão”, levado a cabo, sobretudo, pelos jesuítas, conforme diretrizes exatas e, também, pragmáticas. Neste contexto, o autor lança mão de duas fontes fundamentais acerca da presença e atuação inaciana na Amazônia: a crônica do padre luxemburguês João Felipe Bettendorff, redigido na última década do século XVII, e os tratados do padre português João Daniel, escritos no terceiro quartel do século seguinte. É com base nesta documentação que Almir Diniz de Carvalho Júnior delineia, de forma nítida e envolvente, a peculiaridade das práticas de missionação na colônia setentrional da América portuguesa. A análise teria ficado mais completa com a inclusão da rica correspondência interna dos inacianos, arquivada no Archivum Romanum Societatis Iesu em Roma4. O fato de esta ter sido escrita, em grande parte, em latim dificulta, infelizmente, o acesso de muitos autores às informações nela contidas. Estas fontes são interessantes, pois, em geral, não reproduzem o estilo marcadamente edificante e moralizante das crônicas, tratando de questões polêmicas ou de dificuldades experimentadas com mais franqueza. O quinto capítulo, que constitui, por assim dizer, o miolo da obra, é diretamente dedicado aos “índios cristãos”. Estes são descritos e analisados como sujeitos inseridos no universo colonial do qual são partícipes – mas, salvaguardando seus interesses –, enquanto principais, pilotos e remeiros, artesãos de diferentes ofícios e, também, guerreiros. Atenta-se igualmente aos “meninos” e às “mulheres” indígenas, o que não é de se admirar, pois ambos os grupos recebem destaque nas crônicas pelo fato de seus integrantes terem sido percebidos pelos missionários como mais acessíveis aos objetivos e pretensões de seu projeto salvacionista. Este capítulo demonstra, de forma “plástica”, o que o autor entende por “índios cristãos”, conceito que, com já mencionamos, foi elucidado no início do livro. Neste contexto, merece menção que refere, por diversas vezes, ao termo de “índios coloniais”, formulado, há quarenta e cinco anos, por Karen Spalding em relação à colonização hispânica5. Embora não cite o nome desta historiadora, Almir Diniz de Carvalho Júnior segue, mesmo em outras circunstâncias e com base em outras experiências, a pista lançada por ela. Enfim, o sexto capítulo, que já constitui uma transição para a terceira parte, apresenta os mesmos “índios cristãos” enquanto praticantes de diversos rituais considerados heterodoxos, resultantes do contato entre suas tradições e cosmovisões xamânicas – ou, como detalha o autor, tupinambá – com os dogmas ensinados e as liturgias encenadas no âmbito das missões.

Finalmente, a terceira parte (pp. 261-320) enfoca, em dois capítulos, os índios cristãos e as “heresias” geradas por eles nas suas interações com o universo católico ibero-barroco, tanto em sua dimensão disciplinadora/institucional como inspiradora/vivencial. Neste sentido, o sétimo capítulo familiariza o leitor com a organização e o funcionamento do Tribunal da Inquisição de Lisboa, que atuava na Amazônia desde meados do século XVII mediante um sistema de captação de denúncias6. Para compreender esta instituição e seu agenciamento na colônia, o autor coloca uma tônica especial na elucidação tanto da concepção erudita quanto da mentalidade popular acerca da magia e feitiçaria na cultura portuguesa da época. Faltou, talvez, neste capítulo um maior aprofundamento da percepção desses fenômenos por parte das autoridades locais e dos moradores do Grão-Pará, visto que o universo de crenças e práticas heterodoxas trazido da Europa se reconfigurou, também por iniciativa dos próprios “brancos”, no contato com as religiosidades indígenas. Implicitamente, isso fica evidente no oitavo, e último, capítulo que aborda casos concretos, bem apresentados e analisados, que envolvem “feiticeiros” e, sobretudo, “feiticeiras” indígenas. Comparando a interpretação inquisitorial, tal como ela transparece nas fontes, com as lógicas próprias do universo simbólico xamânico, estabelecidas por pesquisas de cunho antropológico, Almir Diniz de Carvalho Júnior conclui que as heresias eram “formas autônomas de novas práticas culturais”, engendradas não tanto numa postura de resistência, mas, antes, para fornecer sentido ao mundo ao qual foram forçados a inserir-se. Como já antes, na apresentação dos diferentes grupos de índios cristãos, também neste último capítulo, o autor permite, mediante o aprofundamento de diversos casos e personagens de feiticeiros e feiticeiras, mergulhar no universo ameríndio colonial. Com efeito, o emprego de uma linguagem clara e envolvente parece dar vida às índias Sabina, Suzana e Ludovina que, mesmo taxadas como “feiticeiras” ou “bruxas”, circularam amplamente pela sociedade colonial de seu tempo. Neste contexto, convém lembrar que – e a farta documentação inquisitorial o demonstra – os desvios morais e doutrinais dos “brancos” estiveram muito mais na mira dos oficiais da Inquisição do que os dos índios, mamelucos, cafuzos ou negros, mesmo quando esses eram cristãos. Para aprofundar este aspecto, teria sido interessante dialogar com as pesquisas recentes do historiador Yllan de Mattos, cujos trabalhos, aliás, enfocam a atuação inquisitorial na Amazônia colonial7.

Dito tudo isso, fica óbvio o quanto o livro de Almir Diniz de Carvalho Júnior se destaca por dar visibilidade aos indígenas e suas múltiplas (re)ações dentro das conjunturas e conjecturas que marcaram o processo de colonização do Estado do Maranhão e Grão-Pará. Este processo, em muitos aspectos, diferiu das dinâmicas colônias aplicadas na colônia-irmã mais ao sul, o Estado do Brasil, sendo que a evidência da peculiaridade da colônia amazônica, com seu grande contingente de povos indígenas – seja nas missões, seja nos sertões – constitui outro aspecto significativo da obra a ser retido.

Quanto à agência e ao protagonismo dos índios, o autor, ao examiná-los sob um prisma multifacetário, supera a visão binômica que, durante muito tempo, viu o índio, em primeiro lugar, como indivíduo oprimido e vitimado. A (re)leitura criteriosa feita nas entrelinhas das fontes coloniais deixou evidente o quanto os documentos, embora redigidos com um olhar unilateral – pois sempre imbuído do ensejo do respectivo autor de comprovar o suposto sucesso do projeto da colonização ou missionação – falam necessariamente do índio e trazem, assim, à tona suas práticas culturais heterodoxas e suas negociações ambíguas. Em última análise, estas agências “imprevistas” forçaram os missionários a abrir mão de suas pretendias ortodoxias para, num patamar ortoprático, poder se comunicar, mesmo incompletamente, com seus catecúmenos e neófitos indígenas8.

Enfim, vale ressaltar que a pesquisa Almir Diniz de Carvalho Júnior é uma contribuição fundamental para a Historiografia acerca da Amazônia Colonial, que, nos últimos anos, conheceu um crescimento significativo, sobretudo devido à consolidação dos Programas de Pós-Graduação em História em diversas universidades da região. A leitura da obra é, assim, imprescindível não só para aqueles e aquelas que pesquisam, academicamente, as agências indígenas na fase colonial, mas também para todos e todas que procuram entender mais a fundo o devir das populações e culturas tradicionais da Amazônia que, de uma forma ou outra, descendem e/ou emanam dos sujeitos analisados por Almir Diniz de Carvalho Júnior.

Notas

1 O título da tese foi “Índios cristãos: a conversão dos gentios na Amazônia Portuguesa (1653-1769)”. O autor jádivulgou antes, o resultado de sua pesquisa de doutoramento sob forma de artigo científico: CARVALHOJÚNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos no cotidiano das colônias do Norte (séculos XVII e XVIII). Revista deHistória. São Paulo, 2013, vol. 168, fasc. 1, pp. 69-99.

2 LANGFUR, Hal. The Forbidden Lands: Colonial Identity, Frontier Violence, and the Persistence of Brazil’s Eastern Indians, 1750-1830. Stanford: Stanford University Press, 2006, p. 5. Tradução do inglês pelo autor da resenha.

3 BONILLO, Pablo Ibáñez. La conquista portuguesa del estuario amazónico: identidad, guerra, frontera. Tese de doutorado, História e Estudos Humanísticos: Europa, América, Arte e Línguas, Departamento de Geografia, História e Filosofia, Universidad Pablo de Olavide, Sevilha, 2015, pp. 120-147. Em co-tutela com a University of Saint Andrews, Reino Unido.

4 No Archivum Romanum Societatis Iesu, os documentos referentes à Missão e, a partir de 1727, Vice-Província do Maranhão encontram-se, principalmente, nos códices Bras. 3/II, 9 e 25-28.

5 SPALDING, Karen. The Colonial Indian: Past and Future Research Perspectives. Latin American Research Review. Pittsburgh, 1972, v. 7, n. 1, pp. 47-76.

6 Neste sentido, os “Cadernos do Promotor”, arquivados no Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), em Lisboa, e muito citado Almir Diniz de Carvalho Júnior, são importantes.

7 MATTOS, Yllan de. A última Inquisição: os meios de ação e o funcionamento do Santo Ofício no Grão-Pará pombalino, 1750-1774. Jundiaí: Paco Editorial, 2012; MATTOS, Yllan de & MUNIZ, Pollyanna Mendonça (Orgs.). Inquisição e justiça eclesiástica. Junidaí: Paco Editorial, 2013.

8 Quanto à alteração da ortodoxia em “ortoprática” no processo de missionação, ver GASBARRO, Nicola. Missões: a civilização cristã em ação. In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006, pp. 71-77.

Karl Heinz Arenz – Professor da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA).


CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos: Poder, magia e religião na Amazônia colonial. Coritiba: Editora CRV, 2017, 355p. Resenha de: ARENZ, Karl Heinz. Canoa do Tempo, Manaus, v.10, n.1, p.216-221, 2018. Acessar publicação original. [IF]

 

FireSigns: a semiotic theory for graphic design – SKAGGS (C-RF)

SKAGGS, Steven. FireSigns: a semiotic theory for graphic design. Cambridge: MIT Press, 2017. Resenha de: PONTE, Raquel. O Postulado do empirismo imediato. Cognitio – Revista de Filosofia, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 186-191, jan./jun. 2018.

FireSigns: a semiotic theory for graphic design, de Steven Skaggs, foi publicado em 2017 como parte da coleção Design Thinking, Design Theory da MIT Press, editado por Ken Friedman e Erik Stolterman. Os editores apontam que o design enfrenta mudanças, neste início de século, que trazem novos desafios ao campo.

Podemos entender o design como uma atividade vinculada, originalmente, à produção de bens. Ele conforma o ambiente às necessidades e aos desejos dos seres humanos. Por isso acompanha as transformações socioeconômicas da humanidade.

Foi principalmente no século XVIII, com a produção em série e o desenvolvimento de projetos para a indústria, que o design aflorou como prática, com a separação entre as atividades de planejamento e fazer até então imbricadas (BUCHANAN, 1995). A partir das transformações no capitalismo ocorridas ao longo do século XX, com a mudança de uma economia de mercado pesada para líquida (BAUMAN, 2001), o design passou a demandar novas teorias e pesquisas para atender às questões contemporâneas de um mundo cada vez mais complexo. Os desafios que a área enfrenta requerem habilidades de planejamento analíticas e sintéticas, que não se desenvolvem apenas na prática. É a essa necessidade teórica premente que FireSigns visa atender.

A institucionalização do campo do design como atividade formal a ser ensinada é recente: data da criação da famosa Bauhaus na Alemanha em 1919. Skaggs faz uma crítica, aliás já frequente entre os estudiosos do design, de que grande parte do conhecimento dessa área é transmitido em universidades por meio da prática, isto é, apenas pela incorporação de modelos de projeto, sem reflexão crítica. Falta ao design uma fundamentação teórica robusta própria. Steven Skaggs propõe-se, em FireSigns, como o próprio subtítulo da obra sugere, oferecer uma teoria semiótica para o design gráfico. Calígrafo, designer de fontes e professor de design gráfico na Hite Art Institute da Universidade de Louisville, Estados Unidos, o autor pesquisa semiótica há 25 anos, sempre tratando das relações entre o verbal e o visual. Sua formação transparece ao longo de seu texto, como constataremos mais adiante.

Skaggs lista, na introdução, seis qualidades que uma teoria útil do design gráfico deveria ter. Uma teoria útil, segundo ele, deve: (1) explicar como a comunicação visual significa alguma coisa para alguém; (2) relacionar-se com o mundo real, com situações de vida e público reais; (3) oferecer terminologia clara, consistente e precisa; (4) apresentar um modelo para que se possa fazer julgamentos críticos; (5) fornecer ferramentas para conceituação; e, finalmente, (6) ser verificável por meio da prática.

Para atingir tal objetivo de oferecer uma teoria para o design gráfico com essas qualidades, o autor fundamenta-se na semiótica – teoria geral do signo –, que atende perfeitamente à primeira questão: dar explicações de como a comunicação visual significa alguma coisa para alguém. A escolha pela semiótica de Charles Sanders Peirce decorre do fato de Skaggs considerar a semiologia pós-estruturalista – muito aplicada nos anos 1970 e 1980 nos estudos de comunicação e de design – um empreendimento linguístico, enquanto o design gráfico se utiliza não apenas da linguagem verbal, mas também da não verbal, que é não linear. Já com o arcabouço teórico da semiótica peirciana, o autor busca atender às seis qualidades enumeradas.

Mas é importante notar que tais qualidades foram elencadas por esse pesquisador com amplo conhecimento da filosofia peirciana, para quem essas questões eram relevantes.

Skaggs, portanto, fundamenta sua teoria na semiótica de Peirce. Porém depreende-se, pela leitura de FireSigns, ainda que o autor não utilize explicitamente as terminologias utilizadas por Peirce, que ele domina também outros campos da filosofia peirciana, tais como pragmatismo, fenomenologia, metafísica, indeterminismo, falibilismo (campos estes de essencial compreensão para se ter um olhar mais maduro sobre a semiótica). Skaggs, que visa atingir principalmente um público ligado ao design, opta conscientemente por usar uma linguagem mais acessível, desejando ser pouco acadêmico, a fim de introduzir a semiótica para leitores que desconhecem a filosofia peirciana. O objetivo do autor, podemos sintetizar aqui, é oferecer uma teoria que explique situações reais de significação para que designers possam aprimorar sua prática por meio de um pensamento crítico e reflexivo quando da criação de novas peças de comunicação visual.

Mas Skaggs também deseja alcançar semióticos com sua teoria, a fim de que eles descubram como a prática do design pode ser um laboratório para trabalhar conceitos da semiótica peirciana. No prefácio, ele expressa que viveu sua vida profissional entre a comunidade de designers – aqueles que manejam fire signs (objetos visuais que acendem a memória, o intelecto, e o engajamento) com o propósito de influenciar pessoas – e a de semióticos – aqueles que estudam como as coisas são capazes de influenciar pessoas. FireSigns é, portanto, uma tentativa de estabelecer uma ponte entre duas comunidades que têm muito que contribuir uma com a outra, mas que, historicamente, se encontram afastadas por um abismo.

FireSigns é estruturado em quatro partes: (I) The view from outside sign action, em que ele aborda metafísica e percepção visual; (II) The view from within sign action, em que adentra na semiótica; (III) Conceptual tools, em que apresenta semantic profiles (perfis semânticos), functional matrix (matriz funcional) e visual gamut (gama visual); e (IV) Analysis and implication, em que faz uma análise de uma tipografia baseada nessa teoria a fim de demonstrar como as ferramentas conceituais podem ajudar a aprofundar o entendimento e a crítica a respeito de uma criação.

Na parte I, Skaggs afirma que as ciências da percepção, a semiótica, a retórica (que ele elenca separadamente da semiótica, diferente da proposta peirciana, em que a retórica é um de seus três ramos) e os fatores humanos são as quatro fundações teóricas do design, já que tratam, respectivamente, da recepção do objeto de design, da sua significação, da sua persuasão e de todas essas questões a partir do ponto de vista do destinatário. Como os fatores humanos – levantados pela antropologia, sociologia, psicologia e outras ciências – constituem, de acordo com Skaggs, o campo mais desenvolvido teoricamente quando se trata de design gráfico (sendo a semiótica o menos abordado), ele decide ater-se principalmente aos três primeiros citados em sua pesquisa. Para o autor, os fatores humanos são o materialbase, trazido pelos antropólogos, etnógrafos, entre outros pesquisadores, para se trabalhar na criação. Por isso não vê a necessidade de incluir esse assunto em sua teoria semiótica.

Nessa primeira parte, Skaggs dedica-se à percepção visual, valendo observar que nenhum outro dos nossos sentidos é ali tratado, embora o design gráfico não seja apenas visual. O autor, logo de início, apresenta um conceito fundamental para sua pesquisa: entidade visual (visual entity ou visent, como prefere abreviar), que consiste em algo potencialmente perceptível visualmente – conceito este importante já que o visent é que será percebido para ser interpretado a posteriori. O autor aborda, então, apresentando uma discussão entre Einstein e o filósofo Tagore, a visão externalista e a internalista da percepção. Os externalistas, como Einstein, acreditam que os objetos visuais são independentes da mente (conceito este não definido por Skaggs), enquanto os internalistas, como Tagore, creem na sua dependência. Por seguir uma linha peirciana, podíamos pressupor a tendência de Skaggs a conceituar entidade visual como independente da mente, mas o autor diz que o conceito de visent está mais alinhado com a concepção de Tagore. No fundo, Skaggs, que não cita a teoria da percepção de Peirce, parece mover-se entre essas duas correntes, quando afirma que “o conceito de uma entidade visual contém dentro dela uma realidade externa, independente da mente e, também, uma disposição condicional (would-be) para uma consciência perceptiva interna e mental” (SKAGGS, 2017, p. 19).

Na segunda parte da obra, Skaggs tem a intenção de mostrar a experiência visual como produto da ação sígnica, isto é, de entender o visent no papel de signo, definido por ele como “o dispositivo que nos permite conectar coisas que estão fora de nós com experiências internas […]” (SKAGGS, 2017, p. 39). O autor explicita ser a semiótica peirciana bastante complexa e sua terminologia difícil, o que faz com que ele opte por tentar sempre traduzir o léxicon peirciano para termos que os designers já empregam. Essa estratégia é uma faca de dois gumes: se por um lado ajuda aqueles que nunca foram apresentados à semiótica de Peirce, por outro cria ainda mais termos, para os quais já há definições na filosofia peirciana, tornando árdua a compreensão daqueles que já conhecem minimamente seus conceitos.

Portanto, alguns termos bem familiares para os semióticos, como as categorias fenomenológicas de primeiridade, segundidade e terceiridade, a definição ampliada de mente, os termos das tricotomias, entre outros, não aparecem no livro. Além disso, o esforço de Skaggs no sentido de fazer algumas analogias para simplificação dos conceitos enfraquece algumas definições, o que resulta em um problema, se observarmos a preocupação que Peirce sempre teve com a questão terminológica (EP 2:264). Vale também ressaltar que, ao adotar outras nomenclaturas, sem indicar sua origem, Skaggs acaba não tornando claro, algumas vezes, para um leitor leigo, se o conceito apresentado é de Peirce ou dele mesmo.

Outra estratégia adotada por Steven Skaggs para facilitar o entendimento dos conceitos que pretende transmitir consiste na criação de gráficos ou imagens a fim de representar visualmente a teoria, o que é compreensível por ter o autor formação em design. Mas, ainda que seja louvável o esforço de tradução empregado pelo autor, a representação visual acaba transmitindo apenas parte dos conceitos, como é o caso de qualquer representação, ou evocando outras ideias que não condizem com a filosofia peirciana. Por exemplo, no capítulo 3, o mundo semiótico é representado visualmente como uma dobradiça que conecta os mundos externo e mental – outra questão problemática, já que a ideia de mente de Peirce não é subjetiva –, o que dá a entender que o mundo externo e o interno (poderíamos nomear assim) não são semióticos, mas sim a relação entre eles.

Ainda em relação à parte II, Skaggs aborda o que chama de momento semiótico – um instante particular, aqui e agora, que será analisado. E a análise promove uma possibilidade maior de interpretação de qualquer peça, ainda que não seja infalível. O autor escreve que o momento semiótico tem a ver com três questões que os designers gráficos enfrentam nos problemas de design: “[…] O que é que precisa ser comunicado? Que coisa visual pode ser concebida para levar a cabo essa missão? Quem são as mentes potenciais que receberão a comunicação e como elas devem receber isso?” (SKAGGS, 2017, p. 44). Essas três perguntas não são apenas importantes para se analisar uma peça de design gráfico, mas também para criá-la.

O autor apresenta as classes de signos e as três tricotomias mais conhecidas de Peirce, aplicando-as à comunicação visual: a primeira tricotomia, do signo em relação a ele mesmo (qualidades, visents e sistemas); a segunda tricotomia, do signo em relação ao seu objeto (ele mantém os consagrados termos ícone, índice e símbolo); e a terceira tricotomia, do signo em relação ao interpretante (display, afirmação, conclusão). A partir disso, mostra as possíveis combinações que geram as dez classes fundamentais dos signos visuais, apresentando exemplos de cada uma delas. Ele espera que essas classes ajudem na análise e na criação de peças gráficas, cujo propósito é informar algo e persuadir um público, sempre dependendo, portanto, de uma mente interpretadora.

Apesar de destacar a importância dessa mente para o ato de interpretação, Skaggs, citando o semiótico Charles W. Morris – o primeiro a aplicar a semiótica peirciana aos estudos de comunicação –, foca em desenvolver a sintática e a semântica nessa pesquisa, sem abordar a terceira área, que seria a pragmática (ou fatores humanos). A sintática consiste na organização dos elementos formais com o intuito de se atingir um objetivo, enquanto a semântica trata das significações que essas formas combinadas transmitem. Segundo o autor, há apenas quatro formas com que uma peça pode gerar um efeito no receptor (SKAGGS, 2017, p. 85): presença, expressão, denotação e conotação. Presença (alta ou baixa) e expressão (soulful ou apático) são registros afetivos – o primeiro relacionado ao ambiente físico e o segundo, ao sistema cultural em que a peça está inserida. Skaggs extrai quatro combinações possíveis para as peças de design gráfico: projective soulful (alta presença e expressão), projective apathetic (alta presença e baixa expressão), recessive soulful (baixa presença e alta expressão) ou recessive apathetic (baixa presença e expressão). Já denotação e conotação constituem registros conceituais, sendo o primeiro a transmissão de um significado mais preciso e o segundo, de um mais divergente. É importante que o designer defina, já no briefing, se deseja que a peça seja mais específica ou mais associativa; neste segundo caso, poderíamos dizer mais “aberta”, citando aqui Umberto Eco (1991).

Após apresentar sua base teórica, Skaggs, na parte III, mostra suas ferramentas conceituais: perfis semânticos, matriz funcional e gama visual. Os perfis semânticos são baseados na análise combinatória dos registros afetivos e conceituais. Sabendo que presença, expressão, denotação e conotação têm duas valências cada, foram geradas 16 combinações de estratégias de display e de afirmação (display-assertion strategies), para as quais o autor oferece alguns exemplos, analisando peças de design gráfico. Ao fim, apresenta um modelo 3D como forma de visualizar essas classes, mas que, pela alta complexidade das combinações, não contribui tanto para o entendimento dessa ferramenta conceitual.

Já a matriz funcional traça eixos com focos em semântica e sintaxe, que interceptam os eixos de atributos hard (preciso) e soft (sugestivo), criando quatro nódulos: concreto (hard na semântica), tom (soft na semântica), práxis (hard na sintaxe) e forma (soft na sintaxe). Esses nódulos, por sua vez, são vistos do ponto de vista das relações verbal/visual e psicológico/ambiental (mente/corpo) – divisões estas dicotômicas, o que não se coaduna com uma teoria baseada na filosofia peirciana, não dicotômica por excelência. Em relação à matriz funcional, a visualização criada por meio do gráfico contribui muito para a compreensão das ideias.

Porém, neste ponto do livro, por terem sido apresentadas tantas combinações entre conceitos, o leitor pode acabar ficando um pouco perdido. Skaggs tem noção da complexidade da teoria que propõe e afirma ser ela necessária para que se desenvolva uma linguagem mais articulada no campo do design, evidenciando o que os designers já sabiam, mas de forma implícita anteriormente: “À medida que desenvolvemos essas ferramentas conceituais, pense nelas como oferecendo possibilidades de insight. Com elas, podemos investigar a comunicação visual em escala conceitual muito pequena, descobrindo novos relacionamentos nas interações complexas do processo semiótico visual” (SKAGGS, 2017, p. 139). E conclui que “os designers gráficos são semióticos visuais na prática profissional” (SKAGGS, 2017, p. 143). O autor finaliza essa parte do livro com um estudo de caso de redesenho de marca.

Por último, é apresentado o gama visual (visual gamut), definido por imagem (image), marca (mark) e palavra (word), para se fazer uma analogia com a possibilidade de uma imagem combinar elementos icônicos, indiciais e simbólicos, respectivamente, podendo tender mais para um ou outro tipo de signo. Aqui reside uma questão problemática de que Skaggs têm consciência: o uso do termo palavra como sinônimo de simbólico. Já que a semiótica peirciana foi escolhida pelo autor como fundamento teórico para o design gráfico – e não a semiologia estruturalista fortemente fundada na linguística –, valeria a busca por outro termo que não limitasse o simbólico ao verbal. O uso do termo palavra acaba por reforçar conceitos de que a pesquisa de Skaggs busca se afastar.

Para explicar o gama visual, o autor analisa um passaporte, uma marca, entre outras peças, baseando-se também em dicotomias como “a palavra (e outras escritas notacionais) versus o espectro visual”. Porém a ideia peirciana de ícone, índice e símbolo não transmite tal polarização. O símbolo traz em si características indiciais que, por sua vez, incluem características icônicas. O gama visual, em especial, é retomado na parte IV, quando o autor faz uma análise de uma tipografia para mostrar como as ferramentas conceituais podem ajudar a aprofundar o entendimento de uma peça de design.

No epílogo do livro, Skaggs retoma o objetivo da pesquisa: mostrar que a semiótica peirciana, tão pouco desenvolvida e aplicada ao design gráfico até então, constitui um arcabouço teórico poderoso para esse campo. Steven Skaggs pretende que a teoria desenvolvida por ele a partir dos conceitos peircianos seja mais um passo nessa direção e sinaliza que cada um dos capítulos pode vir a ser ainda mais aprofundado futuramente.

É importante que surjam novas pesquisas sobre análise de conteúdo gráfico a partir das ferramentas conceituais apresentadas. Com a aplicação da teoria proposta por Skaggs, poderão ser aprimorados cada vez mais os perfis semânticos, a matriz funcional e o gama visual, tornando-se esses conceitos cada vez mais claros e precisos. O grande mérito de FireSigns reside na sua tentativa de tornar acessível ao público leigo, por meio de exemplos e visualizações, uma arquitetura filosófica robusta e complexa, de maneira a facilitar o contato dos interessados em comunicação visual com a semiótica peirciana. Que este seja um convite para que cada vez mais designers percebam o potencial que os conceitos desenvolvidos por Charles Sanders Peirce oferecem para a compreensão, não apenas do design gráfico, mas de todo o campo do design.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BUCHANAN, Richard. Rhetoric, humanism and design. In: BUCHANAN, Richard; MARGOLIN, Victor (Eds.). Discovering design. Explorations in design studies. Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 1995. p. 23-66.

ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas.

São Paulo: Perspectiva, 1991.

HAUSMAN, Carl R. Charles S. Peirce’s evolutionary philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.

PEIRCE, Charles Sanders. The collected papers of Charles Sanders Peirce. Electronic edition. Virginia: Past Masters, 1994. Disponível em: <http://library.nlx.com/>.

SKAGGS, Steven. FireSigns: a semiotic theory for graphic design. Cambridge: MIT Press, 2017.

Raquel Ponte – Escola de Belas Artes – UFRJ – Brasil. E-mail: raquelponte@gmail.com

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Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.31, n.65, 2018.

Associativismo e movimentos sociais

Setembro – Dezembro

Editores

Bernardo Borges Buarque de Hollanda, João Marcelo Ehlert Maia e Ynaê Lopes dos Santos (professores doutores e pesquisadores do CPDOC/FGV, Rio de Janeiro, Brasil)

Conselho Editorial

Angela Maria de Castro Gomes (UNIRIO e PPHPBC/FGV, Rio de Janeiro, Brasil) […]

Conselho Consultivo

Eduardo França Paiva (UFMG, Belo Horizonte, Brasil) […]

Assistente Editorial

Deivison Amaral

Secretários

Bruna Navarro Julião

Taynã Martins Ribeiro

Editoração Eletrônica/Capa

Algo+ Soluções Editoriais

Revisão

Algo+ Soluções Editoriais

Pareceristas ad hoc

Adalberto Paz (Universidade Federal do Amapá), Alexandre Abdal (FFLCH-USP) […]

Publicado: 27-11-2018

Edição completa

 PDF

Editorial

Associativismo e movimentos sociais

Estudos Históricos |  PDF

Artigos

“Tudo pelo Brasil; tudo pela raça”: a Frente Negra Carioca

Petrônio Domingues |  PDF

Associativismos de trabalhadores favelados no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte (1955-1964)

Samuel Silva Rodrigues de Oliveira |  PDF

Arquiteturas da democracia: movimentos de moradia e arquitetos progressistas em São Paulo (1970-1990)

José Henrique Bortoluci |  PDF (English)

Associativismo feminino e participação política: um estudo sobre as bases sociais de apoio à Ditadura Militar em Curitiba (1964-1985)

Reginaldo Cerqueira Sousa |  PDF

Opção pelos Pobres: A Pastoral de Favelas e a reorganização do movimento de favelas no Rio de Janeiro na Redemocratização

Mario Sergio Ignácio Brum |  PDF

Casa dos Açores de São Paulo: imigração, associativismo e religiosidade

Elis Regina Barbosa Angelo, Maria Izilda Santos de Matos |  PDF

“A cidade foi repartida e nós não fomos convidados”: ação coletiva e a construção de uma noção de cidade no Coletivo Debaixo.

Jonatha Vasconcelos Santos, Wilson José Ferreira de Oliveira |  PDF

Colaboração Especial

Associativismo de moradores de favelas cariocas e criminalização

Lia Rocha |  PDF

Entrevistas

Entrevista com Boris Kossoy

Bernardo Buarque de Hollanda, Daniela Alfonsi |  PDF

Divulgação

Teses e dissertações do Programa de Pós-graduação em História, Política e Bens Culturais (PPHPBC) do CPDOC/FGV defendidas em 2018 |  PDF

Democracia Global e Instituições Internacionais | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2018

A motivação do Dossiê Democracia Global e Instituições Internacionais, a estampar o presente número da Revista Monções, nasceu do seguinte diagnóstico: o debate a respeito da democratização da política internacional é, definitivamente, algo que se impõe atualmente, não sendo facultada às discussões sobre Relações Internacionais no Brasil a opção de passar-lhe ao largo. De um lado, a despeito de todas as crises e turbulências contemporâneas, a democracia como regime de governo permanece disseminada pelo mundo. De outro lado, nunca antes foi tão aguda a consciência de suas limitações empíricas.1 Diante disso, o Dossiê representa um chamado à avaliação crítica e reflexiva do fenômeno da democratização da política internacional a partir de diversos ângulos analíticos. Seu objetivo central é compreender as formulações, as reformulações e os limites das vias promovidas pelos Estados, pelas instituições internacionais e outros atores não estatais para o exercício de uma gestão da governança global mais plural e aberta – e, num sentido bastante peculiar, mais “democrática” – em meio às complexidades, desigualdades e instabilidades impostas pelas condições de “anarquia estrutural”.

A partir da década de setenta, tornou-se frequente nas reflexões sobre a política internacional a interpretação do mundo calcada na premissa da anarquia sistêmica (Bull, 1977; Waltz, 1979; Keohane, 1984; Wendt, 1996). Sua premissa é que em um ambiente no qual os Estados representam a autoridade suprema dentro de seus respectivos territórios um governo mundial é uma impossibilidade. Trata-se de uma decorrência do princípio moderno da igualdade soberana entre as nações. Assim, se não há uma instância superior aos Estados, prevalecerá uma estrutura anárquica. Leia Mais

Migrações, pesquisa biográfica e (auto)biográfica | Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica | 2018

O tema das migrações humanas e os enfoques biográficos e (auto)biográficos revestem-se hoje à escala global de uma atualidade e pertinência incontestáveis. Vivemos no presente a era das migrações, caraterizada por deslocamentos maciços de migrantes econômicos e refugiados, escapando à miséria, conflitos armados, alterações climáticas, seca e seus impactos alimentares em várias zonas do globo. Simultaneamente, é notória uma generalização de presentificações biográficas por parte de pessoas comuns no espaço público, em função da acessibilidade a novos meios de comunicação, redes sociais, e a uma “condição biográfica” dos nossos tempos. Há também a democratização de expressões autobiográficas por parte de classes sociais e grupos diversificados que evidencia uma “tendência biográfica” (RENDERS, HAAN, HARMSMA, 2017)1 a requerer a atenção de leigos e analistas sociais. Leia Mais

História, Natureza e Espaço. Rio de Janeiro, v.7, n.1, 2018.

DÉCIMA SEGUNDA EDIÇÃO

Nesta edição estamos contemplando artigos de Alunos da UERJ-FEBF e Autores externos.

Artigos Científicos

Cultura escrita e circulação de impressos no Oitocentos | Tâni Bessone, Gladys S. Ribeiro, Monique S. Gonçalves e Beatriz Momesso

O diálogo da historiografia do Brasil Império com a Nova História Cultural costuma produzir bons frutos, e Cultura escrita e circulação de impressos no Oitocentos não foge à regra. O propósito do livro é interpretar a consolidação da palavra impressa como parte do processo de formação do Estado nacional no longo século XIX, sugerindo que o desenvolvimento de jornais, revistas e livros possibilitaram a circulação de ideias, o estabelecimento de espaços de sociabilidade e a edificação de trajetórias individuais num movimento de condicionamento recíproco entre história política e história cultural.

Organizado pelas especialistas Tânia Bessone (UERJ) e Gladys Sabina Ribeiro (UFF) – cujos percursos intelectuais privilegiaram respectivamente a história dos livros e a história política do Brasil oitocentista – em conjunto com as pós-doutorandas Monique de Siqueira Gonçalves (UERJ) e Beatriz Momesso (UFF), o livro é o resultado de uma ampla empreitada de trabalho intelectual colaborativo. Com a participação de pesquisadores de diferentes instituições do país, ele amplia a discussão dos projetos de pesquisa desenvolvidos desde 2012 no Centro de Estudos do Oitocentos (CEO-UFF), no Laboratório Redes de Poder e Relações Culturais (REDES-UERJ) e, recentemente, na Sociedade Brasileira de Estudo do Oitocentos (SEO), desdobrando, assim, o debate ensejado por coletânea anterior, O Oitocentos entre livros, livreiros, missivas e bibliotecas (Alameda, 2013).

Dividido em quatro seções temáticas, Cultura escrita e circulação de impressos no Oitocentos esteia-se na premissa de Robert Darnton e Daniel Roche de reconhecer a palavra impressa como “força ativa na história”, um “ingrediente dos acontecimentos” capaz de desempenhar não só o papel de fonte de informação, mas também o de intermediação da prática política e social oitocentista.

Em sua primeira seção, “Impressos políticos”, o livro apresenta análises sobre o significado do pensamento liberal no reordenamento da cultura política e na construção de identidades sociais. Destaca como distintos projetos políticos para o Brasil circularam em jornais, a exemplo das propostas de revisão do Antigo Regime possibilitadas pela Revolução do Porto nas províncias da Cisplatina e Bahia e o embate discursivo entre republicanos liberais quando da crise da monarquia.

Opondo-se à tese que considera o processo de independência do Uruguai como resultado de um “Estado-tampão”, Murillo Winter (capítulo 1) expõe os distintos movimentos políticos e identitários na região. Explorando a imprensa cisplatina, ressalta a repercussão dos periódicos na politização da população e na mudança da conotação da identidade oriental, inicialmente associada aos anos de guerra civil e ao projeto confederado de José Gervásio Artigas. De igual maneira, salienta as particularidades do discurso político veiculado na Banda Oriental, focalizando a construção da “orientalidade”, elemento de diferenciação que negava tanto o domínio colonial quanto outras formas de sujeição.

Moisés Frutuoso (capítulo 2), em pesquisa sobre a produção jornalística na vila baiana de Rio de Contas, expõe como os periódicos publicados na Bahia e no Rio de Janeiro foram determinantes para a constituição da Junta Temporária de Governo e para o recrudescimento do antilusitanismo na localidade. Demonstra a atuação dos periódicos como veículos de propaganda de projetos políticos, especialmente liberais, e consequentemente como espaço de debate que confrontava distintos grupos da sociedade em torno da edificação do Estado Imperial, o que pôde ser caracterizado com primazia na Guerra dos Mata-marotos (1831), fruto de intensos conflitos que opunham “portugueses americanos” e “portugueses europeus”.

Ainda na primeira seção, o texto de Daiane Lopes Elias (capítulo 3) privilegia o Segundo Reinado e a atividade dos republicanos liberais a partir da publicação do Manifesto de 1870. Analisando sua composição discursiva, esclarece como a prática vencedora fundamentava-se na adaptação de doutrinas estrangeiras (no modelo americano de República) para “encontrar nelas as ferramentas capazes de instrumentalizá-las na ação de deslegitimação das instituições, práticas e valores imperiais” (p.64), e, por conseguinte, na reinvenção da elite política brasileira.

A segunda seção do livro, “Impressos periódicos”, enfoca o debate sobre caminhos políticos e artísticos embasados nas ideias liberais que se formataram no país na crise do Império. Para tanto, reúne estudos que, valendo-se da investigação de dois importantes periódicos publicados nas décadas de 1870 e 1880, analisam críticas ao governo e a específicas esferas da sociedade imperial visando reconhecer os obstáculos à chegada da modernidade ao Brasil.

Alexandre Raicevich de Medeiros (capítulo 4) empenha-se no reconhecimento das redes de sociabilidade proporcionadas pela Casa Arthur Napoleão & Miguez, responsável pela publicação da Revista Musical e de Bellas Artes e pela venda de instrumentos e edição de partituras. Destaca a especificidade do público leitor da revista – o que incidiu em sua curta trajetória – e as distintas temáticas que explorava dentro do campo cultural, como resumos de história da arte, notícias estrangeiras, comentários de obras literárias e de peças de teatro. Igualmente, salienta o tom crítico e de denúncia ensejado em seus textos, como a defesa do Theatro Imperial, cuja situação de penúria era atribuída ao descaso do governo, e o debate sobre a evolução das artes plásticas no Brasil.

Também explorando a crítica e o enfrentamento, desta feita por intermédio do humor engajado a surgir das páginas do caricato O Mosquito, Arnaldo Lucas Pires Junior (capítulo 5) estuda as denúncias das ilustrações veiculadas no periódico à chegada da modernidade ao Brasil. Explica como as caricaturas representavam o imaginário social de uma parcela da elite ilustrada que se identificava com o modo de vida europeu, mas que se via emperrada pelas barreiras da realidade nacional, a exemplo da escravidão, do posicionamento dos políticos e das relações entre Estado e Igreja.

Na terceira seção, “Impressos e trajetórias biográficas”, o livro contempla pesquisas dedicadas a percursos individuais de importantes figuras políticas do Império, demonstrando as possibilidades do fazer biográfico oportunizada pela palavra impressa.

Vislumbrando o reconhecimento de ideias antiescravistas no pensamento do escritor e político liberal Joaquim Manuel de Macedo, Martha Victor Vieira (capítulo 6), analisa a obra As Vítimas-Algozes: quadros da escravidão (1869) para caracterizar o empenho de uma parcela da elite política na superação do trabalho escravo e o consequente receio enunciado pelos senhores escravocratas. Com base nos argumentos evocados por Macedo, que objetivavam convencer o público a alinhar-se com a proposta de abolição gradual, a pesquisadora identifica em seu texto “indícios de um traço comum com outros escritos dos homens de letras da primeira geração do romantismo e do IHGB, os quais concebiam a história como ‘mestra da vida’” (p.137).

Utilizando manuscritos e impressos do final do século XIX e início do XX, Samuel Albuquerque (capítulo 7) dedica-se à figura de Antônio Dias Coelho e Mello, barão da Estância, visando à reconstituição de viagem empreendida pelo político sergipano entre Aracaju e o Rio de Janeiro. Tendo por base esse caso, analisa as distâncias percorridas pelos políticos do Império entre as províncias e a Corte para demonstrar as transformações no modelo familiar, a divulgação do padrão de civilização europeu no seio da elite e os espaços de sociabilidade da alta sociedade na capital do Império, em destaque a rua do Ouvidor.

O texto de Rafael Cupello (capítulo 8) investiga as distintas representações existentes sobre Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira e Horta, marquês de Barbacena, renomado político do Primeiro Reinado. No intuito de reconhecer quais artifícios foram utilizados na edificação de suas memórias, reconstrói a trajetória social do personagem, bem como suas redes de sociabilidade, esclarecendo, por meio de vasta pesquisa, quais elementos foram privilegiados nas biografias do marquês e como eles instituíram sua identidade histórica.

Na última seção, “Impressos e espaços de sociabilidade: as bibliotecas”, a obra se debruça sobre a circulação de ideias proporcionada pelos “espaços de saber” em diferentes momentos do Oitocentos. Enfatiza o papel das bibliotecas e clubes literários na construção do conhecimento escrito, na consolidação da cultura leitora no Brasil e na manifestação do pensamento político.

Juliana Gesuelli Meirelles (capítulo 9), em estudo sobre a Impressão Régia e a Real Biblioteca do Rio de Janeiro, privilegia as transformações da cidade ao longo do governo joanino. Enfatiza a diversidade de publicações do período – de anúncios a obras de História Natural – e o papel do bibliotecário na circulação dos impressos. Retrata também o processo de edição das publicações, além de sugerir que a implantação da tipografia foi determinante para a firmação da prática de leitura no período, momento em que o espaço público era marcado pela oralidade. De igual maneira, destaca a função desempenhada pela Biblioteca e seu acervo: espaço de saber e status da Idade Moderna.

Karulliny Silverol Siqueira Vianna (capítulo 10), empenha-se em pesquisa sobre a cultura impressa na província do Espírito Santo nos anos de 1880. A autora lança luz sobre a criação de clubes literários e bibliotecas, locais caracterizados não apenas enquanto espaço de leitura, mas também de intenso debate político e científico. Explorando o conteúdo de exemplares de periódicos e de relatórios, Vianna mostra que a construção de redes intelectuais que discutiam e propagavam ideais de novas correntes políticas no Espírito Santo, como no caso da propaganda republicana, ajudou a operar “a exclusão política de alguns grupos na província” (p.216).

Por fim, Carlos André Lopes Silva (capítulo 11) analisa a biblioteca da Academia dos Guardas-Marinha, vinda ao Brasil com a Real Família Portuguesa em 1808. Seu estudo demonstra como a organização de um corpo de livros pode fornecer ao historiador rico instrumento para apreender a sistematização do saber institucional. Privilegiando a atuação de seu organizador, o capitão de fragata José Maria Dantas Pereira, Lopes Silva estuda o papel dos manuscritos e impressos na instrução dos alunos da Academia, atendo-se aos volumes que compunham a biblioteca e à estrutura de funcionamento dela. Em sua análise, é fácil perceber que livros raros de distintas áreas do conhecimento, como matemática, química, botânica e história natural, constituíram referências relevantes para a ciência militar e para divulgação do conhecimento.

Ao abordar de maneira meticulosa as possibilidades da utilização de impressos como fontes ou objetos de pesquisa, Cultura escrita e circulação de impressos no Oitocentos contribui com o importante debate historiográfico sobre as práticas de leitura e escrita e sua imbricação com a formação nacional, enriquecendo o conjunto de estudos que se dedicam aos aspectos políticos e culturais do Oitocentos. Outrossim, ao compor-se de textos de pesquisadores de diferentes níveis de formação e diversas instituições universitárias do país, indica o importante diálogo aberto pelos grupos de trabalho que se empenham no reconhecimento da palavra impressa como instrumento de manifestação da cultura política escrita no Brasil. Ainda, ao abordar as variadas dimensões do universo da imprensa, Cultura escrita e circulação de impressos no Oitocentos evidencia como a divulgação de ideias, valores e costumes estava associada à circulação de jornais, revistas e livros, ou ao “fogo do céu” e à “fórmula da nova ideia” (p.7) evocadas por Machado de Assis.

Referência

BESSONE, Tânia; RIBEIRO, Gladys Sabi-na; GONÇALVES, Monique de Siquei-ra; MOMESSO, Beatriz (Orgs.). Cultura escrita e circulação de impressos no Oitocentos. 1.ed. São Paulo: Alameda, 2016.

Eduardo José Neves Santos – Mestrando. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: eduardo-neves@outlook.com.br


BESSONE, Tânia; RIBEIRO, Gladys Sabina; GONÇALVES, Monique de Siqueira; MOMESSO, Beatriz (Orgs.). Cultura escrita e circulação de impressos no Oitocentos. São Paulo: Alameda, 2016. Resenha de: SANTOS, Eduardo José Neves. “O fogo do céu” e a “fórmula da nova ideia”: escrita, leitura e impressos no Brasil oitocentista. Almanack, Guarulhos, n.18, p. 502-507, jan./abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

O socialismo de Oswald de Andrade: cultura, política e tensões na modernidade de São Paulo na década de 1930 – CARRERI (RHH)

CARRERI, Marcio Luiz. O socialismo de Oswald de Andrade: cultura, política e tensões na modernidade de São Paulo na década de 1930. Curitiba: CRV, 2017. 164p. Resenha de: SOTANA, Edvaldo. Política e literatura: um estudo sobre Oswald de Andrade. Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 248-252 – 2018.

O livro intitulado O socialismo de Oswald de Andrade é fruto da tese de doutorado desenvolvida por Marcio Carreri no Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Algumas indagações motivaram a pesquisa do professor do curso de história da Universidade Estadual do Norte do Paraná (Uenp). Dentre elas, destacam-se: “Que contribuição um homem da cultura pode dar para as ideias políticas?” e “É possível situar Oswald de Andrade como um socialista, primeiramente como escritor e também como homem de ação e, fundamentalmente, reconhecer sua contribuição para o pensamento social brasileiro?” (Carreri, 2017, p.16). Leia Mais

Justiças e Impérios Ibéricos de Antigo Regime / Locus – Revista de História / 2018

É com muita satisfação que apresentamos ao leitor o Dossiê Justiças e Impérios Ibéricos de Antigo Regime. Nossa principal intenção foi criar um espaço para a apresentação, divulgação e debate de resultados de pesquisas que versem a respeito da administração das justiças nos impérios ibéricos durante o Antigo Regime.

Já se vão algumas décadas desde que Stuart Schwartz publicou, em 1973 (traduzida para o português em 1979), Burocracia e sociedade no Brasil colonial. O autor pretendeu esmiuçar as instâncias da administração da justiça no Brasil colonial a partir do estudo do Tribunal da Relação da Bahia e de suas relações quânticas com as representações do poder local. A obra é hoje referência pioneira para o estudo da magistratura portuguesa de Antigo Regime.[1]

Em 1996 foi publicado O desembargo do Paço (1750-1833), de José Manuel Subtil. Aqui encontramos mais uma referência importante para os estudos sobre a administração da justiça no Império Português. A obra é fruto de sua dissertação de mestrado, defendida em 1994 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e realiza um estudo minucioso sobre as estruturas do tribunal português responsável pela gestão da justiça no reino e por todo império, o Desembargo do Paço. O período estudado também se apresenta revelador, pois José Subtil se debruça sobre o ministério pombalino e o liberalismo vintista das primeiras três décadas do século XIX português.[2]

Mais de quarenta anos se passaram, desde a publicação dessas obras. No entanto, foi somente na última década que o tema adquiriu relevância acadêmica na área de História Moderna e vem substanciando cada vez mais investigações nos programas de pós-graduação. No Brasil, as discussões acerca do tema estão sendo ampliadas. Pesquisadores vêm estabelecendo relações entre a administração das justiças e suas imbricações com a prática dos governos à distância, em todas as suas dimensões e possibilidades, nos âmbitos civil e eclesiástico das monarquias ibéricas de Antigo Regime. Nesse contexto, o Grupo de Pesquisa Justiças e Impérios Ibéricos foi criado em 2016. Reunindo pesquisadores brasileiros e portugueses, o GP busca matizar os interesses em torno do tema e contribuir para o alargamento dos debates e das possibilidades de pesquisa. Esse dossiê é parte dessa empreitada.

Em “Os conflitos de jurisdição entre os cargos do poder local ou a difícil tarefa de levar justiça aos domínios d’El-Rey”, Thiago Enes propõe um estudo sobre os conflitos de jurisdição que demarcavam a atuação dos ofícios municipais da justiça pelo império português. O autor estabelece relações entre o reino e o ultramar, ressaltando as instabilidades resultantes do estabelecimento do direito positivo e a permanência da tradição consuetudinária.

A seguir, Mônica Ribeiro nos apresenta uma análise da administração da justiça a partir da racionalização administrativa e da prática de uma razão de Estado no setecentos em “Manutenção da justiça e racionalidade política no Império luso, século XVIII: a gestão de Gomes Freire de Andrada, Rio de Janeiro e centro-sul da América portuguesa”. O estudo aborda a época da governação de Gomes Freire de Andrade no centro sul da América portuguesa, conforme indica o título.

O terceiro artigo, intitulado “De Portugal para os sertões do Siará Grande: caminhos de um português em meados do século XVIII”, de Adson Rodrigo Silva Pinheiro trata do trânsito nos sertões do Siará Grande nos idos setecentistas a partir da trajetória de Antônio Mendes da Cunha e suas implicações no Tribunal do Santo Ofício. O autor faz uso de fontes judiciais, além das inquisitoriais, para apresentar o estudo de caso em questão.

José Inaldo Chaves Júnior é autor do quarto artigo, “Reforma dos territórios e das jurisdições nas capitanias do Norte do Estado do Brasil: as atuações do capitão-general Luís Diogo Lobo da Silva e do juiz de fora Miguel Carlos de Pina Castelo Branco na aplicação do Diretório dos Índios (1757-1764)”. A aplicação do Diretório dos Índios nas capitanias do norte do Estado do Brasil é o tema central desse estudo que contempla um dos períodos mais conturbados para a administração da justiça durante o Império português, a época pombalina. O estudo nos revela as complexas relações entre os diversos agentes da governança frente à política de restrição das autonomias locais e de extensão das jurisdições régias sobre a região.

Marcello José Gomes Loureiro encerra nosso dossiê discutindo o poder de arbítrio e justiça representado pelo Conselho Ultramarino, durante os primeiros anos da Restauração. Em “Como poderemos restaurar depois de perdido, senão fazendo Justiça?” O Conselho Ultramarino e o diálogo com as conquistas em tempos de incerteza (1640-1656) nos será possível analisar, junto com o autor, as estratégias buscadas pelo tribunal para mediar a justiça e garantir a harmonia em um período de instabilidade política e administrativa para os domínios ultramarinos.

Por fim, nos resta desejar boa leitura. Esperamos também que o dossiê “Justiças e Impérios Ibéricos de Antigo Regime” possa contribuir de forma significativa para os avanços dos estudos sobre a administração da justiça durante o Antigo Regime.

Claudia C. Azeredo Atallah

José Subtil

Organizadores do dossiê

Notas

1. SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

2. SUBTIL, José Manuel Louzada Lopes. O desembargo do Paço (1750-1833). Lisboa: Editora da Universidade Nova de Lisboa, 1996. José Subtil possui uma vasta obra sobre o governo da justiça em Portugal e em seus domínios de Antigo Regime. Sobre as reformas pombalinas e suas conexões com o vintismo ver SUBTIL, José. O terremoto político (1755-1759). Memória e poder. Universidade Autónoma de Lisboa: Lisboa, s / d; SUBTIL, José. Portugal y la Guerra Peninsular. El maldito año 1808. In: Cuadernos de Historia Moderna; Anejo VII: Crisis política y deslegitimación de monarquias, 2008 e SUBTIL, José. Pombal e o Rei: valimento ou governamentalização? In: Ler História, n. 60, 2011.

Claudia C. Azeredo Atallah

José Subtil

Organizadores do dossiê


ATALLAH, Claudia C. Azeredo; SUBTIL, José. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.24, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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História da Educação na América Latina e no Brasil: 500 anos de imposições, experiências / Expedições / 2018

História da Educação na América Latina e no Brasil: 500 anos de imposições, experiências. Revista Expedições, Morrinhos, v.2, n.2, 2018. Apresentação do dossiê indisponível na publicação original.

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[DR]

Tópicos em História e Historiografia Goiana / Expedições / 2018

Tópicos em História e Historiografia Goiana. Revista Expedições, Morrinhos, v.9, n.4, 2018. Apresentação do dossiê indisponível na publicação original.

História – Historiografia Goiana / Expedições / 2018

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[DR]

Sexualidades disparatadas / História, Histórias / 2018

Apresentação

Em 2016, publicamos na revista Esboços (v. 23, n. 35), o dossiê “Quando Clio encontra as ‘sexualidades disparatadas’”, [1] que, inspirado pelas reflexões de Michel Foucault, especialmente, aquelas presentes no primeiro volume da sua História da Sexualidade [2] tinha como objetivo problematizar as homossexualidades, lesbianidades e transexperiências na historiografia brasileira.

As pesquisas históricas reunidas naquele dossiê, indícios de uma produção historiográfica marcada pelo uso criativo de fontes tradicionais e o estabelecimento de novas fontes históricas; pelo privilégio do século XX como recorte temporal (em parte, por este testemunhar a politização das “identidades sexuais”); pelo registro da pluralização das experiências homossexuais (a sigla LGBT representa um recorte histórico recente nesse cenário sexual e político), revelaram que Clio encontrara, não sem resistências, as “sexualidades disparatadas”.

O presente dossiê da Revista História, histórias do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília – UnB, amplia o debate iniciado em 2016, ao mesmo tempo em que inaugura outras, novas narrativas históricas sobre as “sexualidades disparatadas”, acontecimento que tem contribuindo para a transformação da nossa disciplina.

Nesse sentido, já não se trata mais de (somente) problematizarmos o surpreendente silêncio de Clio acerca das homossexualidades, que marcava a historiografia brasileira, até o início da década de 2000. Nem tampouco, de (apenas) nos perguntarmos por que os/as historiadores/as no Brasil se dedicaram tão timidamente ao estudo das homossexualidades, [3] mas, de lançamos olhares críticos para a recente e diversificada produção historiográfica sobre as sexualidades que se “desviam” da norma heterossexual: Que outras histórias estão sendo gestadas do encontro entre Clio e as “sexualidades disparatadas”? Neste número da História, histórias, o/a leitor/a conhecerá algumas das histórias paridas desse encontro.

As práticas sexuais não normativas, apresentadas por Pietro Aretino nas obras Pornólogos I (1534) e Sonetos Luxuriosos (1525), são o objeto de reflexão de Alloma Noara Pereira Modzelewski, no artigo “Que nossa gula o quer na frente e atrás”: práticas sexuais destoantes na literatura de Pietro Aretino. O diálogo de Modzelewski com Paul B. Preciado, Jacques Rancière e Georges Didi-Huberman revela o quanto a escrita das outras histórias que emergem do encontro entre Clio e as “sexualidades disparatadas” estão atravessadas pelos (des) encontros entre história e filosofia.

Em Regulamento da prostituição, família e imprensa (Belém-PA, 1890), Ipojucan Dias Campos, historiciza o regulamento da prostituição e as suas ligações com a família belenense, feitas pela imprensa, no final do século XIX. A partir da leitura do seu artigo, acompanhamos como a preocupação com as mulheres que “deambulavam” pelas ruas de Belém apresentou-se oficialmente por meio da aprovação do regulamento da prostituição no final do século XIX.

No texto Encenando com o martelo: abjeção e sexualidade no espetáculo teatral “Genet – O palhaço de deus”, Kauan Amora Nunes nos convida a olhar, sob a perspectiva queer, a encenação teatral “Genet – O Palhaço de Deus”, levada aos palcos de Belém, em 1987. O autor nos lembra de que não apenas a sexualidade, neste caso, a homossexualidade, é apagada da história oficialmente contada, mas a própria produção teatral vinda do Norte do país.

Em Entre o desejo e o pecado: sodomia e sexualidade no Grão-Pará (séculos XVII e XVIII), Márcio Douglas de Carvalho e Silva problematiza como o Santo Ofício tentou disciplinar os habitantes no território luso-brasileiro, enquadrando-os nas regras ditadas pela Igreja Católica e pelo Estado português. Para tal, Carvalho analisa seis processos que datam dos séculos XVII e XVIII, entre eles, o de Frei Lucas de Souza, considerado pelos inquisidores um “sodomita incorrigível”.

A arte teatral é objeto de reflexão histórica no texto de Natanael de Freitas Silva. Em Dzi Croquettes e as masculinidades disparatadas, Silva realiza um debate sobre a ditadura civil-militar brasileira e as relações de gênero e sexualidade no período, a partir do grupo teatral Dzi Croquettes. Em seu texto, o historiador mostra que as performances artísticas do grupo contribuíram para deslocar as posições de gênero e sexualidade e amplificar práticas e desejos que fogem da norma masculina heterossexista.

Existências (in) pensáveis, vivências condenáveis: quando a vida se torna prescritiva, de Rafael França, apresenta uma reflexão sobre a histórica formação da ideia de um modo de vida prescritivo. A partir do diálogo com Michel Foucault e da discussão sobre gênero e sexualidade, o autor mostra que a possibilidade criativa de uma existência ética e livre pode ser transformada em uma reiteração das normas e hierarquias existentes.

Em Concubinas e poderosas: feitiçaria e poder feminino nos sertões das minas gerais no século XVIII, Rangel Cerceau Netto historiciza a dinâmica do universo religioso e das atividades laborais desenvolvidas por mulheres mestiças no sertão do Rio das Velhas. A trajetória de Timótia Nogueira é analisada para pensar escravidão, os trânsitos e mestiçagens no complexo universo colonial da América portuguesa setecentista.

Finalizamos o dossiê com uma entrevista com o historiador James N. Green, que este ano lançou Revolucionário e Gay: a vida extraordinária de Herbert Daniel, pioneiro na luta por democracia, diversidade e inclusão. [4] O encontro foi realizado em Florianópolis, em 1º de agosto de 2017, na residência da historiadora Joana Maria Pedro, durante o 13º Congresso Mundos de Mulheres, realizado juntamente com o Seminário Internacional Fazendo Gênero 11. Agradecemos ao historiador James N. Green pela disponibilidade e a Joana Maria Pedro por nos receber em sua casa.

Esperamos que o/a leitor/a encontre nestas outras histórias de Clio não somente novas maneiras de fazer história, mas, também, novas estéticas e éticas de viver o presente (com a história).

Aproveitamos para agradecer à equipe da Revista História, histórias, especialmente, ao historiador André Cabral Honor, pela acolhida da nossa proposta e pelo diálogo ao longo do processo de produção deste dossiê.

Boa leitura!

Notas

  1. O número em questão está disponível no seguinte link: https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/issue/view/2420/showToc. Acesso em 02 de dezembro de 2018.
  2. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro, Graal, 2009.
  3. PEDRO, Joana Maria; VERAS, Elias Ferreira. Outras histórias de Clio: escrita da história e homossexualidades no Brasil. In: SOUSA NETO, Miguel Rodrigues; GOMES, Aguinaldo Rodrigues (org.). História e Teoria Queer. Salvador: Editora Devires, 2018, p. 123-142.
  4. GREEN, James N. Revolucionário e Gay: a vida extraordinária de Herbert Daniel, pioneiro na luta por democracia, diversidade e inclusão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Júnior

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Brasil

Prof. Dr. Elias Ferreira Veras

Universidade Federal de Alagoas – Brasil

Organizadores

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Teoria social: um guia para entender a sociedade contemporânea / William Outhwaite

Willian Outwaite atuou, por 34 anos, como professor de sociologia, coordenador do Programa de Pensamento Político e diretor do Centro de Teoria e Crítica Social na Universidade de Sussex. Autor de extensa obra sobre teoria social, é professor emérito de sociologia na Universidade de Newcastle, desde 2015.

Com o intuito de apresentar uma síntese da teoria social e o quanto essa ciência pode contribuir para a compreensão das grandes questões do mundo contemporâneo, a obra resenhada divide-se em oito capítulos. No primeiro, intitulado Origens, o autor promove uma reflexão sobre as origens das desigualdades sociais e os ideais, tão presentes hoje, que levaram às revoluções. Em Capitalismo, retoma o pensamento de Marx e Engels para analisar essa controversa forma social e econômica que, na atualidade, molda a vida da maior parte dos seres humanos. Em Sociedade, Outhwaite, objetivando examinar o desenvolvimento das sociedades – das formas simples às modernas – recorre a Herbert Spencer e Émile Durkheim. No quarto capítulo, Origens do capitalismo e teorias da ação social, o autor focaliza as precondições e consequências culturais do capitalismo.

Para introduzir o quinto capítulo e responder à pergunta “Como a sociedade é possível?”, o autor recupera o pensamento de Georg Simmel, cujo interesse por fenômenos culturais inspirou e inspira trabalhos em sociologia sobre a teoria “pós-moderna”. Em A descoberta do inconsciente, Outhwaite discorre sobre como a análise da psique de Freud moldou a compreensão da realidade, delineando as implicações desses estudos na cultura contemporânea. No capítulo Teoria social e política, a maneira pela qual alguns teóricos sociais tentaram explicar a política moderna recebe destaque. Por fim, em Questão pendente, temas relevantes na contemporaneidade que, até pouco tempo, eram negligenciados na teoria social são abordados, tais como gênero, relações internacionais e guerra, raça, colonialismo e crise ambiental.

O primeiro capítulo, concentra-se nas questões propostas por Rousseau e Montesquieu, no século XVIII, sobre a origem das desigualdades nas sociedades e a distinção entre moral e crítica social. Recorrendo a exemplos, o autor ilustra como esses temas permearam debates posteriores. Estabelece, desse modo, um paralelo entre as relações de poder, a histórica e crescente desigualdade social e, em se tratando de desigualdade natural, como nas sociedades capitalistas os olhares se voltaram à equidade. Nesse sentido, ressalta-se como as críticas de Rousseau ao excesso e ao luxo ou, nas palavras desse filósofo do iluminismo, a distinção entre a vontade conectada ao bem público e a vontade relacionada aos interesses individuais é extremamente relevante para a compreensão da política moderna.

Ainda sobre a política moderna, o autor retoma o pensamento de Montesquieu que, em O espírito das leis (1748), enfatiza a necessidade de um legislador, tanto quanto um arquiteto, conhecer bem o terreno antes de elaborar projetos, visto que o terreno pode não suportar o peso do que foi planejado. Em outras palavras, regimes políticos encontrarão solo seguro quando adequados à sociedade, não impostos. A aguda percepção de Montesquieu acerca da interação entre eventos acidentais e causas estruturais de longo prazo é, portanto, um bom ponto de partida para estudos que tem por fim compreender a relação entre o papel dos indivíduos e as estruturas mais amplas da história.

O autor finaliza este capítulo retomando a ideia de Montesquieu acerca do “espírito geral” e sinalizando como a mesma, além de encontrar eco no que Durkheim chamou de “consciência coletiva”, se mostra nuclear nos dias atuais para analisar-se as desigualdades, a democracia e os perigos do conformismo ou, numa expressão de Tocqueville, da tirania de uma maioria.

No segundo capítulo, Outhwaite, promove uma incursão na obra de Marx e Engels. De acordo com esse professor de sociologia, as análises realizadas por esses dois teóricos germânicos sobre os antagonismos das classes e as formas de produção são, até hoje, a forma mais consiste para pensar-se a estrutura social e econômica vigente na maior parte do globo terrestre: o capitalismo.

Começando com conceitos presentes em O capital (1867), é-se apresentado ao que Marx chamou de “valor de uso”, valor de troca”, “fator sensação”, “equivalente universal” e “mais valia”. Outhwaite assinala que a exploração do trabalho assalariado é tão intrínseca ao processo capitalista quanto os conflitos entre os que detêm os meios de produção e os que dispõe da força de trabalho. Lembrando que o lucro decorre do fato dos trabalhadores receberem em seus salários um valor bem distante do equivalente à produção por eles realizada, e os conflitos, por sua vez, resultam desse valor recebido mal suprir as necessidades de sobrevivência de quem detém a força de trabalho.

Ainda na atualidade, a ideia de receber o “valor total de seu trabalho” permanece tão incompatível com a manutenção do sistema capitalista que, em 1995, Tony Blair retirou do verso das carteiras dos trabalhadores a famosa clausula quatro do estatuto do Partido Trabalhista, que reconhecia como justo “Assegurar aos trabalhadores braçais ou intelectuais os plenos frutos de sua indústria e a mais equitativa distribuição possível deles, com base na propriedade comum dos meios de produção, distribuição e troca” (OUTHWAITE, 2017, p. 31).

Outra questão que merece destaque é a crítica de Marx à religião, por promover reflexões sobre a estreita relação entre os antagonismos de classes nas sociedades modernas e as ideologias. Para Marx, a insatisfação com as condições políticas e sociais levava o povo a refugiar-se nas ilusões da religião. Sob esse prisma, ao puxar o fio da religião, desmancham-se as bases que legitimam ideologicamente as desigualdades e a exploração.

Antes de encerrar o segundo capítulo, a autor ressalta como pode-se observar, no pensamento de Marx e Engels, a importância de uma relação harmônica entre seres humanos e, indubitavelmente, como essa necessidade de harmonia deve ser estendida a toda a natureza. Esses elementos abrem espaço para argumentar-se que a obra desses dois teóricos da filosofia e da sociologia, implicitamente, oferece bases para reflexões sobre desenvolvimento sustentável nas sociedades humanas. Tanto que, perto do final do século XX, na esteira do pensamento desses revolucionários socialistas, emergem movimentos anticapitalistas combinados a novos movimentos sociais, abordando temas como a desigualdade de gênero, a exploração baseada na etnicidade e a crise ambiental.

Em Sociedade, ao analisar o pensamento de Herbert Spencer – pioneiro da teoria social evolucionista –, o autor ilustra a problemática presente na ideia de “sobrevivência dos mais aptos”. Desta forma, sugere que para realizar-se um exame, por exemplo, do esgotamento do comunismo, tem-se que considerar um feixe de elementos que perpassam por questões econômicas, ideológicas e culturais.

Ao avaliar o contraste entre o que os teóricos marxistas chamam de ideologia e o que Durkheim nomeia como sistemas de valores compartilhados, Outhwaite lembra que Durkheim, no final do século XIX, em sua obra O suicídio (1897), analisou as diferentes taxas de suicídio e promoveu reflexões sobre o valor das crenças compartilhadas, bem como sugeriu a importância dos laços sociais. Esses estudos instigam questionamentos sobre o modelo globalizado e fragmentado da sociedade em que vivemos.

No quarto capítulo, é apresentado o pensamento contido na obra de Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-05). Destaca-se a análise sobre o modelo da ética econômica protestante e os quatro tipos principais de ação identificadas por Weber: a ação tradicional, a ação guiada pela emoção, a ação irracional em relação aos fins e a ação racional em relação aos valores.

O autor finaliza o quarto capítulo focalizando no trabalho de Georg Lukács, Theodor Adorno e Habermas as conexões entre as formas de ação social, no nível mais básico, e os processos mais amplos de desenvolvimento social e histórico.

Em como a sociedade é possível, Outhwaite descreve ligações entre comportamentos cotidianos e processos estruturais mais amplos, tendo como base o pensamento de Georg Simmel, Erving Goffman, Harold Garfinkel, e a obra de Norbert Elias, O processo civilizador (1939). Nas palavras do autor, em razão do extenso exame que Simmel realiza das precondições e das consequências intelectuais, culturais e psicológicas da economia monetária em A filosofia do dinheiro (1900), essa obra poderia, sem dúvida, ter por título “sociologia do dinheiro”. Para esse sociólogo alemão, individualismo, nervosismo e economia monetária se relacionam estreitamente com a vida urbana, sendo o desgaste compensado pela atitude blasé.

A obra de Goffman, por sua vez, tem como foco a dimensão da representação no desempenho de papeis sociais, ou seja, de acordo com esse sociólogo norte americano, as pessoas se adequam aos papeis prescritos pela sociedade para não serem excluídas. O pensamento de Harold Garfinkel se aproxima da abordagem de Goffman, já que para o primeiro a manutenção da ordem é produto do trabalho interpretativo dos atores sociais.

Após destacar o paralelo estabelecido por Norbert Elias entre as transformações, nos primórdios da Europa moderna, das estruturas de personalidade e dos comportamentos individuais e a origem do Estado moderno, Outhwaite, recorre a Zygmunt Bauman e Luc Boltanski para expor a magnitude dos desafios da sociedade contemporânea.

Partindo da premissa de que a análise que Sigmund Freud fez da psique moldou totalmente a compreensão que tem-se da humanidade e, consequentemente, da cultura e da sociedade, Outhwaite inicia o sexto capítulo ponderando acerca do papel do recalcamento de pulsões conscientes e inconscientes na construção da cultura humana. Para defender sua tese, recorre às teorias de Freud, Erich Fromm, Herbert Marcuse, Theodor Adorno e Louis Althusser.

Ainda nesse capítulo, o autor estabelece associações entre e as ideias de Freud e as de Marx; entre o modelo de autoridade carismática de Weber e os sentimentos inconscientes – estudados por Freud – de quem segue essa espécie de liderança; e, por fim, entre a ênfase de Freud na regulação e o que Durkheim denominou ausência de normas na sociedade moderna. Destaca-se o impacto da psicanálise na interpretação de textos literários e na análise de produções cinematográficas, em especial, as análises de Hanns Sachs, Gilles Deleuze e Slavoj Žižek.

No capítulo intitulado Teoria social e política, Werner Sombart, Robert Michels e Norbert Elias são referências para o debate sobre o quanto uma concepção do social ou de sociedade pode ter potencial para promover a compreensão de problemas que a abordagem política não consegue alcançar. Outhwaite lembra que esses teóricos sociais propuseram análises significativas da política e, para ilustrar, retoma suas ideias sobre a permanente oposição entre a teoria das elites e a teoria da sociedade de massas; a exposição das massas urbanas às elites demagógicas; a abertura da teoria crítica às questões culturais e à teoria freudiana; a oposição entre as explicações centradas no Estado e centradas na sociedade; bem como sobre as teorias da globalização e suas dimensões econômica, social e cultural.

Sobre as teorias da globalização, finaliza esse capítulo lembrando que essas não podem se deter aos aspectos econômicos, pois envolvem dimensões sociais e culturais mais amplas. Nesse sentido, o autor propõe a reflexão sobre as formas atuais de política democrática em meio a relativa imobilidade das estruturas políticas e os avanços das técnicas de manipulação das massas, destacando o controle exercido pela televisão e ascensão de partidos populistas.

Outhwaite, em Questão pendente, avalia que, apesar da relevância da teoria social, algumas áreas foram tardiamente tratadas pela sociologia, como, por exemplo, as relações internacionais e a guerra. De acordo com pesquisas realizadas por esse autor, a palavra conflito – relacionada à conflito internacional e guerra – pouco aparece nas produções acadêmicas do final do século XX. Além disso, pouca atenção foi dada às noções grosseiras de competição evolutiva aplicadas ao social e aos movimentos “verdes” que, nas palavras do autor, não podem continuar sendo negligenciados pela sociologia.

A teoria pós-colonial tem se mostrado mais forte nos estudos literários que nas ciências sociais e, sobre essa sociologia que emergiu de uma cultura imperialista e desconsiderou o mundo colonizado, o autor afirma ser urgente sua revisão. Considera, também, que os debates em torno da modernidade e pós-modernidade não podem mais ignorar os modos como a democracia foi transformada em algo próximo a um teatro, no qual a política é protagonizada pelos que controlam as finanças e os meios de comunicação.

Para além de proporcionar uma viagem panorâmica pelos tópicos que interessam à teoria social e uma breve abordagem das análises realizadas pelos seus principais pensadores, nesse livro, pode-se avaliar o papel da teoria social e sua possibilidade de iluminar, em conjunto com as ciências sociais e a filosofia, questões latentes no século XXI.

Considera-se que, em um cenário contraditório, de aumento de pobreza, desemprego e exclusão, de violência urbana e de inquestionável expectativa de pertencimento ao mundo, tem-se como escolha a negação de acondicionamento ao existente. Nesse sentido, o conhecimento que advém desse livro pode ser uma excelente contribuição para instigar reflexões sobre e ações direcionadas às possibilidades de construção de, como coloca Gohn e Hamel (2003, p. 118), um “(…) novo modelo civilizatório, em que a cidadania, a ética, a justiça e a igualdade social sejam imperativos, prioritários e inegociáveis”.

Referências

GOHN, Maria da Glória; HAMEL, Pierre. Movimentos sociais e mudanças na democracia. In: ROMÃO, José Eustáquio; SANTOS, José Eduardo de O. Questões do Século XXI, tomo I. São Paulo: Cortez, 2003.

Régia Vidal Santos – Doutoranda em Educação na Universidade Nove de Julho (UNINOVE).


OUTHWAITE, William. Teoria social: um guia para entender a sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 2017. 142p. Resenha de: SANTOS, Régia Vidal. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.32, p.126-131, jan./jul., 2018. Acessar publicação original. [IF].

Estudos Célticos no Brasil / Brathair / 2018

Celtas? No Brasil? Essa é sempre a primeira pergunta que qualquer um dos colegas e alunos ouve quando menciona que tem se dedicado em nossas universidades ao que chamamos de Estudos Célticos. Primeiro, por uma questão de desconhecimento dos recursos disponíveis hoje para pesquisa. Depois, por uma visão um tanto restrita, que presume que aqui se faça tão somente história local ou mesmo que uma história da Europa se insira na antiga perspectiva de “História Geral” e em uma perspectiva antiquada dos estudos da antiguidade e do medievo que seriam dissociados dos debates teórico-conceituais no campo da História e nas grandes áreas de Humanidades e das Ciências Sociais. Entre nossos colegas no Brasil, ainda existe uma visão arraigada de que os estudos da antiguidade e do medievo sejam essencialmente eurocêntricos. Infelizmente, confundem região geográfica com perspectiva de abordagem. Desconhecem, ou preferem ignorar, que a história europeia (independentemente do período abordado) não segue mais uma perspectiva centrada no território europeu e que trabalhamos hoje com horizontes, geográficos e conceituais, muito mais amplos. Olvidam, sobretudo, que o conceito de Europa, como eles empregam, é uma construção da Época moderna e que várias foram as suas acepções (Cf. DUSSELL, 2000, pp. 41- 45). Essas mudanças de sentido são justamente parte das investigações dos últimos 30 anos tanto por colegas europeus quanto latino-americanos, que têm defendido pensar a antiguidade e o medievo em uma perspectiva global – de migrações, de circulação de pessoas, ideias e artefatos, de interações nas mais diferentes escalas e de criação de uma grande variabilidade cultural a partir desses contatos. Hoje, prevalece o paradigma da conectividade onde a noção de eurocentrismo não tem lugar e onde o desenho da Europa, bem como as noções de Oriente e Ocidente são desnaturalizadas.

No caso dos Estudos Célticos, essa perspectiva global é crucial pela própria forma do campo, que é multidisciplinar (abarcando Antropologia, Arqueologia, Artes, Filosofia, História, Sociologia, Letras e Teologia) e encerra uma larga temporalidade (desde a Pré-história até a Contemporaneidade). Ao contrário do que presume o senso comum, os Estudos Célticos não se resumem ao estudo das regiões da chamada “franja céltica” como imaginada pelos cronistas anglo-saxões, isto é, de Cornuália, Gales, Escócia e Irlanda. Em termos de geografia, tratamos de todas as regiões do território europeu onde temos vestígios de uso de línguas célticas ou achados arqueológicos de populações classificadas como celtas, ou regiões habitadas por populações que identificam-se etnicamente como tais, ou ainda de regiões para onde houve migrações dessas populações ou delas descendentes. Nesse sentido, os Estudos Célticos abrangem não somente as construções e migrações da pré-história e do medievo, mas também da época moderna e da contemporaneidade, de modo que migrações (forçadas ou não) para a Oceania e as Américas, por exemplo, são temas prestigiados na área.

Por esse ângulo, a existência de Estudos Célticos no Brasil não seria de se estranhar; afinal eles se vinculam à história das migrações para a região. Contudo, não podemos resumi-la a isso. Em verdade, a maior parte das pesquisas que têm sido feitas no país não se refere ao período moderno ou contemporâneo, como ressalta Eoin O’Neill em seu artigo neste número. Nem tampouco são desenvolvidos exclusivamente por pessoas que migraram para o Brasil de países onde línguas célticas são faladas ou de regiões que se consideram de alguma forma herdeiras de uma herança cultural ‘celta’. Pelo contrário, são trabalhos devotados à antiguidade e ao medievo, aos usos desse passado e à criação do imaginário sobre essas sociedades. São trabalhos que enveredam pelo campo de estudos de etnogênese, do imaginário, do agenciamento, do decolonial e dos grupos subalternos. Trata-se de um “olhar do sul”, como diriam nossos colegas de teoria da História, que traz histórias alternativas desse passado.

Nessas últimas duas décadas, desde a criação da Brathair em 2001, já contamos com uma série de publicações, teses, dissertações e monografias de final de curso dedicadas a temas de Estudos Célticos nas universidades brasileiras. Boa parte dessa produção tem sido nos campos de História e Arqueologia, mas também temos contado com o trabalho de colegas das áreas de letras, filosofia e ciência da religião. Muitos temos criado grupos de pesquisa (registrados no CNPq), que têm promovido debates e eventos temáticos, trazendo vários colegas de diferentes universidades europeias, e em alguns casos, como no curso de História da UFF (no campus do Gragoatá), também conseguimos incluir cursos específicos sobre pré-história europeia e Idade do Ferro na Europa Centro-Ocidental na grade curricular. Hoje, nossos alunos têm um maior intercâmbio com colegas de universidades estrangeiras, participando de eventos internacionais e fazendo estágios de pesquisa em universidades e instituições de pesquisa europeias. Essas quase duas décadas permitiram-nos a formação e qualificação de nossos quadros, mas a criação do campo em si no país, como dizemos em língua inglesa, é ainda work in progress. A maior parte desse desenvolvimento tem sido graças a ações individuais, muitas vezes isoladas, como bem destaca O’Neill em sua apreciação do campo. Em boa parte, ainda não contamos com o reconhecimento das instituições. Os financiamentos são pontuais e mais direcionados à formação de futuros quadros, mas novamente com pouco espaço para inclusão desses novos quadros em currículos que seguem padrões e divisões mais tradicionais.

Com efeito, é em virtude desse formato antiquado que muitos ainda pensam que não há lugar para Estudos Célticos no Brasil. Mas a pergunta que deveriam nos fazer não é se é possível trabalhar com Estudos Célticos no Brasil e sim o que temos a dizer e como estamos contribuindo para essa área no Brasil. Em outras palavras, como esse “olhar do sul” tem explicado essa história europeia e em que medida ele dialoga com as correntes interpretativas consolidadas na academia internacional. E mais: como explicamos o crescente interesse nessa área no Brasil? Afinal, a cada novo curso oferecido, a cada publicação completada vemos um maior interesse por parte de pessoas fora da academia. Certamente, esse interesse é guiado pela celtomania3 que se encontra largamente difundida no senso comum; e isso não é prerrogativa do Brasil. Movimentos religiosos neo-pagãos têm aumentado ao redor do mundo (a exemplo da Wicca, da Ordem Druídica e diversas formas de xamanismo contemporâneo), mas também é crescente o fascínio com as populações da Idade do Ferro na Europa centro-ocidental e com o imaginário medieval – principalmente aquele veicula nas literaturas vernáculas galesa e irlandesa. São fenômenos que têm alimentado a divulgação de estereótipos e de visões fantasiosas sobre esse passado, como observam aqui os ensaios de Lupi e de O’Neill. E boa parte das pesquisas feitas no Brasil têm buscado responder, ou melhor, combater, justamente essa sorte de visão.

Os artigos publicados neste dossiê sobre Estudos Célticos no Brasil comprovam como o campo cresceu nos últimos anos e evidenciam a diversidade de abordagens exploradas. A despeito dos desafios institucionais e financeiros enfrentados por pesquisadores das humanidades dentro e fora do Brasil, a cada ano mais pesquisadores brasileiros escolhem investigar as sociedades celtas ou de línguas celtas. As motivações são difíceis de avaliar. Nenhum mapeamento e identificação dos pesquisadores brasileiros dedicados aos estudos celtas nos fornecerão uma explicação para este interesse para além do fato de que felizmente os acadêmicos brasileiros são, como quaisquer outros acadêmicos, curiosos, interessados no passado da humanidade e interessados no Outro. Aos ouvidos dos estrangeiros, esta afirmação pode soar estranha após ter sido noticiado ao mundo o triste fato de que Museu Nacional do Brasil – o museu mais importante do país com artefatos de valor arqueológico, histórico, de história natural, e etnológico – sucumbiu às chamas em 02.09.2018. Contudo, isto é descaso de um grupo político que governa para seus próprios interesses, e não dos pesquisadores das ciências sociais e de humanidades que lutam diariamente para conscientizar a sociedade brasileira sobre a importância e o direito de conhecer a história da humanidade.

Esse dossiê fornece uma pequena amostra da variedade de projetos de pesquisas desenvolvidos no Brasil que se encaixam no que são considerados Estudos Celtas. Estão nele incluídas temporalidades e localidades diversas: Idade do Ferro (Trombetta, Tacla e Peixoto), Províncias Romanas (Vital), Relações entre o mundo insular e o continente na Antiguidade Tardia (Santos e Belmaia)4, França Medieval (Sinval), Irlanda na Era Moderna (O’Neill) e Irlanda na Contemporaneidade (Abrantes).

Aqui, pode-se encontrar uma gama dos debates conceituais contemporâneos (Santos, Tacla, Abrantes, O’Neill, Pedreira, Lupi, Trombetta) em que nos são apresentadas múltiplas abordagens e diferentes métodos de pesquisa. Lupi faz um ensaio sobre o campo, a trajetória e proposta do Brathair. Inicialmente um grupo de pesquisa, hoje é mais um espaço de debates, tendo a publicação dessa revista e a organização de um evento bianual e itinerante como seus principais focos de atuação. Outros grupos de pesquisa têm contribuído para expansão das pesquisas no campo, como por exemplo, o LARP5 (Laboratório de Arqueologia Romana Provincial), do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, onde pesquisadores têm se dedicado ao estudo das províncias da Britânia, Gália e Hispânia, como é o caso de Silvana Trombetta, que contribui para o presente dossiê com a discussão acerca da etnogênese céltica e o aporte da arqueologia ibérica. Discutindo as novas interpretações do paradigma atlântico6, ela expõe os limites da pesquisa e da atual interpretação.

Outro grupo que tem trabalhado em Estudos Célticos é o NEREIDA7 (Núcleo de Estudos de Representações e Imagens da Antiguidade) da Universidade Federal Fluminense, que tem desenvolvido pesquisas em Pré-história europeia (principalmente Idade do Ferro) e romanização da Britânia, Gália e Hispânia, além de percepção e usos do passado na contemporaneidade. Neste dossiê, temos três contribuições de pesquisadores desse grupo. Do campo das Humanidades Digitais, Tacla propõe aqui a análise numismática a partir do uso de tecnologias 3D. Fazendo uso da técnica de Reflectance Transformation Imaging e apoiada na aplicação das teorias sobre agenciamento e biografia dos artefatos, ela demonstra como podemos trazer um novo olhar para o tradicional estudo das cunhagens da Idade do Ferro. O estudo dessas imagens monetárias tem muito a ganhar com as novas técnicas de visualização, que contribuem para a sua compreensão tanto quanto do artefato monetário em si. Do mesmo modo, dentro dos estudos de agenciamento dos artefatos, Érika Vital Pedreira propõe um novo tratamento do conceito de triplismo a partir da epigrafia. Conceito originalmente cunhado nas décadas de 1920 e 1930, o triplismo, quando entendido como um fenômeno uno, como ela aponta, é inadequado para definir a miríade de práticas cultuais e a complexidade dos títulos e epítetos dedicados às divindades femininas em epígrafes votivas nas províncias Hispania, Gália e Britânia entre os séculos II a.C. e III d.C. Ela defende, na verdade, que se fale de triplismos (no plural) a fim de abarcar a multiplicidade de práticas culturais evidenciadas a partir da cultura material nessas províncias. Igualmente vinculado às pesquisas do NEREIDA, o trabalho de Pedro Peixoto põe em questão a visão largamente difundida da configuração social das populações da Idade do Ferro. Com efeito, ele contesta uma visão profundamente arraigada nos Estudos Célticos – e no senso comum – acerca da atuação das mulheres nas comunidades da Idade do Ferro, bem como o androcentrismo predominante no discurso acadêmico acerca dessas sociedades.

Em contraste, Dominique Santos, também baseado nos estudos epigráficos, informa ao público brasileiro sobre seu trabalho com as ogham stones através do exemplo de uma importante ogham encontrada no País de Gales que apresenta inscrições na línguas romana e ogham. Sua pesquisa enfoca o período do desenvolvimento da escrita no mundo insular e as trocas culturais que se deram ao redor do mar da Irlanda durante a Antiguidade Tardia. Semelhantemente, o artigo de Nathany Belmaia aborda as relações entre o mundo insular o continente. Esta aborda as interações entre os monaquismos insulares e o romano e a disputa sobre a datação da Páscoa travada no século VII. Os trabalhos de Santos e Belmaia representam um grupo de jovens pesquisadores que trabalham no campo da Antiguidade Tardia e Alta Idade Média. Há um número considerável de pesquisadores que desenvolveram teses de mestrado e doutorado circunscritas nestes períodos históricos investigando sociedades e regiões ditas celtas, como a Irlanda e a Escócia primordialmente. Contudo, Santos é um dos poucos pesquisadores que trabalham com estas temáticas que até o momento foram bem sucedidos em assegurar a posição de professor em uma instituição de ensino superior no Brasil. Seu trabalho em Blumenau levou à criação do LABEAM (Laboratório Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais) 8.

Um campo que frequentemente desperta o interesse de acadêmicos brasileiros é o estudo da literatura medieval francesa. Obviamente que esta vasta literatura abre caminhos para diferentes abordagens. Sinval Gonçalves, por exemplo, enfatiza como o Conto do Graal de Chrétien de Troyes nos informa sobre o processo de interiorização do conceito de culpa e pecado por leigos no século XII. Enquanto que Pedro Fonseca, na sessão de artigos livres, investiga como ideias misóginas foram difundidas nos séculos XI e XII. Ele analisa aspectos do trabalho de Marbodo de Rennes, evidenciando como este se utilizou tanto de construções literárias do paganismo clássico como dos padres da igreja. Fonseca argumenta que ainda que trabalhos como o de Marbodo tivessem primordialmente um objetivo literário, ou seja, representassem um “mero jogo de fórmulas retóricas para a demonstração de destrezas e de dotes literários” eles ilustram o que de fato eram pensamentos recorrentes na época.

Eoin O’Neill faz uma importante análise sociológica, histórica e política do conceito de celtas e de gaélicos, evidenciando como os primeiros foram incorretamente empregados e apropriados por diferentes grupos e como estes últimos estão sendo estudados (ou pouco estudados como afirma o autor) e apreciados. O ensaio de O’Neill também fornece uma visão geral muito lúcida do panorama acadêmico brasileiro. Ele identificou corretamente os desafios institucionais para o crescimento do campo de Estudos Celtas no Brasil.

O campo dos Estudos Célticos é extremamente instigante para esse processo de transformação da nossa academia, justamente por nos convocar a superar as tradicionais fronteiras de nossas disciplinas e, por exemplo, por romper, outrossim, com as tradicionais periodizações adotadas no Brasil. Precisamos confrontar sociedades da Idade do Ferro com os relatos e registros medievais, tal como com suas apropriações e idealizações na modernidade e na contemporaneidade. Ademais, até dentro desses recortes temporais clássicos, devemos observar a existência de diferentes cronologias e desdobramentos. Se tomarmos a Irlanda Gaélica como exemplo, temos um recorte que abrange desde o baixo medievo ao início da época moderna. São então fronteiras físicas, temporais e disciplinares que devemos avançar; o que decerto nos lançam novas questões.

Parte desses desafios está na análise dos conceitos do campo, a exemplo da “Celticidade”, aqui explorada por Elisa Abrantes. Ela evidencia que desde o século XIX o conceito de “Celta” tornou-se importante para a Irlanda contemporânea, e que a idéia de ser Celta contribui para a definição do sentimento de identidade irlandês. Contudo, ela demonstra que este é uma construção e, por conseguinte, deve ser questionado, ainda que seja uma construção sócio-histórica útil. Além do mais, ela conclui que a Irlanda do século XXI enfrenta desafios para reinventar o conceito de Irishness a fim de incluir a grande quantidade de imigrantes que a sociedade tem englobado.

O trabalho de Abrantes é um exemplo do que nós devíamos talvez rotular mais apropriadamente como “Estudos Irlandeses”, e está associado a duas importantes instituições que fomentam este campo no Brasil. Estas são a ABEI – Associação Brasileira de Estudos Irlandeses – e a Cátedra de Estudos Irlandeses W.B. Yeats da Universidade de São Paulo. Estas instituições representam hoje os principais centros de disseminação de Estudos Irlandeses no Brasil. A maioria dos pesquisadores associados a essas instituições trabalham com literaturas e línguas modernas (inglesa primordialmente); contudo, elas também integram os trabalhos de historiadores trabalhando com Antiguidade Tardia e História Medieval Irlandesa, como Dominique Santos e Elaine Pereira Farrell.

Fechando esse número da Brathair, temos a sessão de traduções, com o trabalho de Susani França e Rafael Afonso Gonçalves sobre o Livro do Estado do Grande Khan, enquanto nas resenhas temos a apresentação das obras de Barbara Rosenwein Generations of Feelings, sobre a construção de “comunidades emocionais” no medievo, e de Ricardo da Costa Impressões da Idade Média, que traz uma coletânea de artigos do autor. Ambas exploram abordagens interdisciplinares e de longa duração para o estudo do medievo. Enquanto Costa expõe diferentes olhares sobre o medievo, Rosenwein lança uma nova perspectiva para os estudos do imaginário e das mentalidades, explorando os sentidos e a percepção como cruciais para a apreensão dessas sociedades.

Por fim, diante da miríade de perspectivas, recortes, temporalidades e espacialidades que apresentamos neste dossiê, fica a questão do que entendemos como Estudos Célticos no Brasil. O que nos une? Como podemos expandir nossas fronteiras de pesquisa e atuação? Como contribuir para o seu florescimento e divulgação?

Como ponto de partida e como proposto acima, temos a discussão e definição de conceitos, cronologias e recortes. Para tanto, é fundamental que avancemos em problemáticas de pesquisa comuns às diferentes disciplinas e recortes temporais. Se observarmos a frequência e o tópico das apresentações no International Congress of Celtic Studies9 a cada quadriênio e das publicações e cursos do campo, veremos o predomínio de pesquisas sobre o medievo e da área de letras (seja em literaturas, seja em linguística). Como observaram Hale and Payton (2000: 1-2), os pesquisadores do campo ainda são reticentes em tratar de fenômenos contemporâneos, e, a nosso ver, ainda são poucos os modernistas que aderem a essa área. Entre os pesquisadores da Idade do Ferro é cada vez menor o número que tem se dedicado aos debates da área e menor ainda daqueles que frequentam os eventos e que aderem a publicações do campo, mormente em virtude do ceticismo céltico10. Entretanto, como uma das organizadoras deste dossiê defende (TACLA e JOHNSTON, 2018 – no prelo), precisamos ampliar a definição desse conceito e não restringi-lo a um único recorte temporal11, a fim de ampliar também as nossas fronteiras de pesquisa e o diálogo transdisciplinar. É preciso, pois, entender que o “celta é tão diverso quanto a sua própria história” (TACLA e JOHNSTON, 2018 – no prelo).

Notas

1 Professora Associada I da Universidade Federal Fluminense, doutora em arqueologia pela Universidade de Oxford, desenvolveu pós-doutorado recém doutor (2008-2009) e pós-doutorado sênior (2017-2018) no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Sua pesquisa atual em conjunto com Lynette Mitchell (Universidade de Exeter) conta com financiamento da British Academy – Newton Advanced Fellowship.

2 Doutora em História pela University College Dublin (UCD. Atualmente pesquisadora do Irish Research Council (IRC) e co-financiada pela Marie Skłodowska-Curie Actions. A primeira parte da pesquisa foi desenvolvida na Universiteit Utrecht e está sendo concluída da University College Dublin.

3 Sobre esse tema, recomendamos ver Décimo (1998), Rieckhoff (2001), Sims-Williams (1998).

4 Entendemos como mundo insular primordialmente as várias localidades em torno do Mar da Irlanda (atualmente: República da Irlanda, Ilha de Man, País de Gales, Inglaterra e Escócia) como definido por Santos em sua contribuição nesta edição. O uso do termo Insular world tem sido optado por alguns pesquisadores para evitar outros termos que carregam significados geopolíticos conflitantes. Um exemplo é a rede Converting the Isles (https: / / www.asnc.cam.ac.uk / conversion / about.html, acessado em 31 / 10 / 2018); entretanto, essa rede inclui também a Escandinávia.

5 http: / / www.larp.mae.usp.br

6 Sobre essa questão, ver Cunliffe (2010).

7 http: / / www.historia.uff.br / nereida / ; http: / / dgp.cnpq.br / dgp / espelhogrupo / 1860859683759986

8 www.furb.br / labeam

9 A décima sexta edição deste congresso ocorrerá entre os dias 22 e 26 de Julho de 2019 na Bangor University: http: / / celticcongress.bangor.ac.uk

10 Esse debate é vastíssimo. Para começar a se familiarizar com ele, recomendamos ver Collis (1997, 2003), Karl (2004, 2010, 2016), Sims-Williams (1998). Para o debate acerca da etnicidade céltica na Irlanda medieval, ver Wooding (2009).

11 Ver também Wooding (2017).

Referências

COLLIS, John. Celtic Myths. Antiquity, 71, n. 271, 1997, pp. 195-201.

______. The Celts: Origins, Myths & Inventions. Stroud: Tempus Pub Ltd, 2003.

CUNLIFFE, Barry. Celticization from the West: The Contribution from Archaeology. In: ______; KOCH, John T. (Eds.) Celtic from the West: Alternative Perspectives from Archaeology, Genetics, Language, and Literature. Oxford: Oxbow Books, 2010, pp. 13-38.

DÉCIMO, Marc. La celtomanie au XIXe siècle. Bulletin de la Société de linguistique de Paris, XCIII (1), 1998, pp. 1-40.

DUSSELL, Enrique. Europa, Modernidade e Eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo (org.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales: perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000, pp. 41-54.

HALE, Amy; PAYTON, Philip. Introduction. In: HALE, Amy; PAYTON, Philip (Eds.). New Directions in Celtic Studies. Exeter: University of Exeter Press, 2000, pp. 1- 14.

KARL, Raimund. Celtoscepticism, A Convenient Excuse for Ignoring NonArchaeological Evidence? In: SAUER, Eberhard. (Ed.) Breaking Down the Boundaries: The Artificial Archaeology – Ancient History Divide. Londres / Nova York: Routledge, 2004, pp. 185-199.

______. The Celts from Everywhere and Nowhere: a Re-evaluation of the Origins of the Celts and the Emergence of Celtic Cultures. In: CUNLIFFE, Barry; KOCH, John T. (Eds.) Celtic from the West: Alternative Perspectives from Archaeology, Genetics, Language, and Literature. Oxford: Oxbow Books, 2010, pp. 39-64.

______. Interpreting Iron Age Societies. In: MÜLLER, Holger A. (Org.) Keltische Kontroversen II. Gutenberg: Computus, 2016.

RIECKHOFF, Sabine. Die Kelten in Deutschland – Kultur und Geschichte. Kelten heute. In: ______ ; BIEL, Jörg. (Hrgs.) Die Kelten in Deutschland. Stuttgart: Konrad Theiss, 2001, pp. 13-19.

SIMS-WILLIAMS, Patrick. Celtomania and Celtoscepticism. Cambrian Medieval Celtic Studies, 36, 1998, pp. 1-35.

TACLA, A.B.; JOHNSTON. E. Estudos Célticos: para onde vamos a partir de agora? Tempo, 24 (3), 2018, pp. 613-620. Disponível em: http: / / dx.doi.org / 10.1590 / tem1980-542x2018v240310 (no prelo).

WOODING, Jonathan. Reapproaching the Pagan Celtic Past: Anti-Nativism, Asterisk Reality and the Late-Antiquity Paradigm. Studia Celtica Fennica, 6, 2009, pp. 61- 74.

______. Tyrannies of Distance? Medieval Sources as Evidence for Indigenous Celtic and Romano-Celtic Religion. In: HAEUSSLER, Ralph; KING, Anthony (Eds.). Celtic Religions in the Roman Period: Personal, Local, and Global. Celtic: Aberystwyth, 2017, pp. 57-70.

Adriene Baron Tacla1 Docente IH / UFF / NEREIDA adrienebt@yahoo.com.br

Elaine Pereira Farrell2 Pesquisadora do Irish Research Council / UCD / University of Utrecht elainepereirafarrell@gmail.com


TACLA, Adriene Baron; FARRELL, Elaine Pereira Editorial. Brathair, São Luís, v.18, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Centro e periferia: conceitos e reflexões sobre novas perspectivas de perceber o medievo / Brathair / 2018

Podemos utilizar conceitos tão atuais como “Centro” e “Periferia” para a Idade Média sem incorrermos em anacronismo? Acreditamos que sim! Dentre outras possibilidades, assinalamos abordagens que destaquem a relação de fronteira e dependência, típicos do fenômeno do capitalismo; a correlação entre os espaços da urbs e do ager ou reflexões que valorizem aspectos identitários, complementares, representativos, que nos levam a pensar a condição periférica de forma móvel, dinâmica e criativa.

Defendemos, pois, que contribuições conceituais, teóricas e metodológicas recentes têm permitido um redimensionamento da relevância do(s) centro(s) e da(s) periferia(s) na análise histórica. Para além de uma visão econômica, tais contribuições têm enriquecido estudos acerca da construção sociocultural de identidades e das representações sociais – tais como estabelecidos e outsiders –, em disputas conservadoras ou progressistas. Enfatizamos ainda suas interações no campo religioso, na arte, na arquitetura.

Ao atentar para a relação entre centro-periferia no medievo, a proposta deste dossiê é contestar a percepção dual presente nos primeiros estudos históricos dedicados à temática: trabalhando, deste modo, os aspectos relacionais e as construções decorrentes do antagonismo ou assimilação representados. Com isso, nos interessa colocar em perspectiva referências como cultura popular e erudita, poder das elites e resistências populares, hereges e ortodoxos, cristãos e pagãos, judeus e / ou muçulmanos, dentre outras. Vislumbrando como seus aspectos formativos e discursos relacionais fazem parte de um constructo social imaginário que, pela identificação, apontam para diversas elaborações e estratégias sociais.

Neste Dossiê temos a oportunidade em experimentar essas visões, quando percebemos no artigo do professor Bruno Oliveira (UFF), a identidade do centro romano, servindo como percepção e disputa de identidade na Britannia, no período da passagem da Antiguidade ao Feudalismo através da circulação de bens, ideias e pessoas. O autor discute que, longe de uma ideia de “crise” do Império Romano houve nesta região produção de riqueza e trocas comerciais, o que é provado pela presença de vestígios da cultura material na Britânia, como mosaicos e a ampliação das casas das elites romano-bretãs.

Já no texto do docente Paulo Duarte (UFRJ) observamos como ocorre o discurso de centralidade eclesiástica na formação da Ecclesia romana, e suas disputas contra episcopados mais estruturados, como o de Arlés entre a primeira metade do século V e meados do século VI. O autor utiliza conceitos propostos pelo sociólogo Pierre Bourdieu como suporte para a sua análise.

Ainda sobre a tensão relativa à construção da identidade da Igreja romana, atravessamos alguns séculos para conhecer seus conflitos com as ordens de cavalaria, através do artigo do professor Guilherme Queiroz Silva (UFPB), em uma disputa de discursos com base em textos escritos por Galberto de Bruges (†c. 1134) e Gisleberto de Mons (c. 1150-1224) que muito explicitam sobre a própria Idade Média.

Nossas imersões às fronteiras ilusórias do conceito nos levam a possibilidades muito mais distantes, como as do imaginário, construído sobre a ponte dos mortos e seu papel no Purgatório e Inferno através da viagem ao Além-túmulo na obra Visão de Túndalo, tecidas no texto da professora Solange Oliveira (UFF). Ou quem sabe ainda, podemos ir ainda mais distante, quando pensamos nas relações do cristianismo com a China na Idade Média Tardia (séculos XVI-XVII), através das considerações da professora Adriana de Carvalho (UNESA / UERJ), acerca dos objetivos dos jesuítas de “controle das almas” nessa região, unindo imaginário, territorialidade e relações de poder.

Esta edição da Brathair conta ainda com relevantes contribuições sobre os debates do medievo na atualidade, em especial nas suas dinâmicas culturais, que dialogam com a proposta do Dossiê e nos permitem refletir sobre tais conceitos na Idade Média. Neste sentido, o professor Sérgio Feldman (UFES) nos oferece visões importantes sobre corpo e desejo, tendo por base o pensamento dos bispos Agostinho de Hipona (354-430) e Isidoro de Sevilha (560-636), que influenciaram a legislação canônica nos séculos XI e XII. Já o professor Alex Oliveira (UNESA) analisa a estrutura monástica hispânica através de duas obras produzidas no reino visigodo no século VII, a saber, a Regula Monachorum e a Regula Isidori, escritas respectivamente por Frutuoso de Braga e Isidoro de Sevilha.

A professora Maria Nazareth Lobato (UFRJ) nos apresenta o ideal de rei na concepção do bispo João de Salisbury, com base em sua obra Policraticus (século XII), produzida na Inglaterra, voltada ao soberano Henrique II Plantageneta, discutindo o papel dos poderes espiritual e temporal de acordo com esse eclesiástico. Por fim, a professora Maria Eugênia Bertarelli (UFRRJ) nos oferece um debate sobre a cultura escrita e oralidade na Baixa Idade Média, tendo como objeto de análise o canto V da Divina Comédia, de Dante Alighieri.

A edição 2018.2 conta também com três resenhas. O docente Bruno Alvaro (UFS) analisa a publicação Cavalaria e Nobreza: entre a História e Literatura, livro autoral dos docentes Adriana Zierer e Álvaro Alfredo Bragança Júnior, que discute a cavalaria principalmente com base em fontes literárias da Península Ibérica e do mundo germânico. O professor João Lupi (UFSC) discorre sobre a importância do livro La Edad Media em capítulos, de Lídia Raquel Miranda, a qual busca oferecer um estudo introdutório sobre este período. Na terceira resenha da edição, a professora Rita Pereira (UESB) aborda a publicação A escrita da história de um lado a outro do Atlântico, coletânea organizada por Maria Eurídice Ribeiro e Susani França. O livro conta com a participação de docentes brasileiros e lusos, visando contribuir com a historiografia do medievo nos dois lados do Atlântico.

Esperamos através do dossiê Centro e Periferia: conceitos e reflexões sobre novas perspectivas de perceber o Medievo contribuir para as reflexões sobre os conceitos de centro e periferia e ensejar novos estudos sobre a temática proposta, visando enriquecer as abordagens sobre a chamada longa Idade Média, colaborando com visões críticas acerca deste período, tais como as proporcionadas pela revista Brathair nessa edição.

Rodrigo dos Santos Rainha – UNESA / PEM-UERJ. E-mail: rodrigo.rainha@estacio.br

Paulo Duarte da Silva – IH / PEM-UFRJ. E-mail: pauloduartexxi@hotmail.com


RAINHA, Rodrigo dos Santos; SILVA, Paulo Duarte da. Editorial. Brathair, São Luís, v.18, n.2, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Sêneca e o estoicismo | Paul Veyne

Buscar a sabedoria, exercer as virtudes e eliminar as paixões humanas. O estoicismo foi uma filosofia helenística que ao chegar a Roma, ainda no período republicano, pregava uma vida baseada nos princípios filosóficos que ordenavam todo o cosmos e o destino dos homens segundo as leis da natureza. Paul Veyne, historiador e arqueólogo francês especializado em Roma Antiga, lecionou na Escola Francesa de Roma, na Sorbonne e na Universidade de Provença. Em 1975 entrou para o Collège de France, onde foi titular da cadeira de história romana até 1998. A obra em análise, Séneque: Entretiens Lettres a Lucilius (1993), leva a assinatura deste brilhante historiador e chega ao Brasil com o título Sêneca e o estoicismo (reimpressão em 2016). Veyne debruçou-se sobre diversas obras do filósofo romano Lúcio Aneu Sêneca (1 a 65 d.C.) e captou em sua pesquisa aspectos históricos e do pensamento Antigo que retratam a sociedade romana nos governos dos Imperadores Cláudio e Nero.

O livro foi organizado em três grandes momentos: Prólogo; Sêneca e o estoicismo; e por fim um epílogo que descreve a última fase da vida de Sêneca que se afastou da vida política para dedicar-se mais ao otium da filosofia até sua condenação ao suicídio após Nero descobrir que o mesmo estava envolvido na famosa conspiração de Caio Calpúrnio Pisão, um senador romano, em 65 d.C.

A riqueza da obra de Veyne convida o leitor a realizar uma reflexão sobre diversos conceitos que ainda são amplamente discutidos no mundo contemporâneo: a moralidade, a felicidade, as virtudes, as paixões, a honestidade, o suicídio, o exílio, o tempo, entre outros temas, que permeiam a escrita senequiana e levam o historiador francês a debater sobre tais assuntos com vários pensadores que se destacaram na História do pensamento ocidental como Aristóteles, Kant e Freud. Para Veyne, o estoicismo de Sêneca procurava libertar seus discípulos das mazelas humanas geradas pelas paixões irracionais exemplificadas pelas ambições desenfreadas das riquezas, as lutas de gladiadores, o gosto pelas artes cênicas e musicais, e tudo o que afastava o indivíduo de uma vida virtuosa guiada pela razão estoica. Tal visão, onde o estoicismo se constituiria como uma filosofia libertadora das angústias da alma direcionando o homem da Antiguidade Clássica para uma vida equilibrada e longe das dores irracionais ocasionadas pelas paixões, também foi analisada por Cícero Cunha Bezerra em seu artigo A filosofia como Medicina da alma em Sêneca (2005). A filosofia estoica é compreendida por este autor como um remédio contra as práticas irracionais que afastavam o homem de uma vida tranqüila e equilibrada.

Nesse sentido, Veyne inicia seu livro com a parte introdutória do prólogo descrevendo a trajetória da vida do estoico e sua formação filosófica destacando seus primeiros passos na arte da filosofia transmitidos por seu mestre Átalo até sua ascensão como preceptor do jovem Nero (54 a 65 d.C.). Nascido em Córdoba, cidade hispânica da província da Bética (atual Espanha), Sêneca pertencia a uma família rica onde seu pai (Sêneca, o velho) desejava que os filhos estudassem em Roma e se enveredassem na arte da retórica e da esfera política. O talento de Sêneca como pensador rapidamente o conduziu para os círculos políticos do Senado Romano e a convivência na corte imperial de Cláudio.

Foi durante o governo de Cláudio que Sêneca sofreria uma condenação ao exílio na ilha de Córsega por se envolver em um suposto adultério e possíveis intrigas palacianas. O retorno de Sêneca a Roma seria um projeto da esposa deste imperador, Agripina, que confiaria a educação do filho Nero para o filósofo cordobês. O futuro princeps deveria governar Roma de acordo com os princípios virtuosos da razão estoica, tornando-se o modelo do bom governante, ou seja, um rei sábio.

Neste sentido, Veyne destaca a obra Sobre a clemência de Sêneca, escrita e direcionada para que Nero viesse a exercer a sabedoria e se afastasse de um governo tirânico, sendo clemente com todos os povos do Império. O bom governante deveria servir seus súditos e agir de acordo com o equilíbrio cósmico estruturado pelas leis da natureza, pois todo tirano acaba sendo derrubado do poder ou assassinado por aqueles que fazem parte de sua corte. A obra Imagens de Poder em Sêneca – Estudo sobre o De Clementia, de Marilena Vizentin (2005) apresenta como o princeps deveria ser clemente com seus opositores buscando desta forma perdoá-los transformado assim os inimigos em aliados. Mas o livro de Veyne vai além das expectativas do leitor que apenas tem por objetivo se prender aos aspectos filosóficos do estoicismo. O historiador analisa a sociedade romana no período dos Imperadores da dinastia Julio-Claudiana sem cair na mera descrição dos fatos.

É possível perceber na escrita de Veyne a preocupação em comparar as fases do estoicismo com filosofias da Modernidade (Kant e Rousseau) ou com as ideias de progresso e do devir da História presentes em estudos como os que Marx realizou para que a classe proletária compreendesse seu processo de libertação inserido na luta de classes contra a burguesia europeia. Veyne consegue relacionar as teorias desses pensadores sem perder de vista seu foco investigativo, aproximando-se constantemente de Sêneca e mergulhando nas obras do filósofo romano. Explora com maestria os diversos escritos senequianos como as Questões Naturais, as Consolações a Márcia e a um liberto de Cláudio conhecido como Políbio, o tratado intitulado Sobre os benefícios e finalmente as cartas direcionadas ao discípulo que Sêneca mais estimava e pertencia à ordem dos cavaleiros romanos, Gaio Lucílio Junior. As Cartas a Lucílio não apenas fazem parte do grande conjunto de obras de Sêneca, mas acabam por se constituir na fonte histórica mais citada nos estudos de Veyne. Foram escritas durante o período de afastamento de Sêneca da vida política (63 a 65 d.C.), onde Nero já demonstrava aversão aos conselhos do estoico e inclinava-se para uma vida regada pelos prazeres.

Os princípios filosóficos estoicos são analisados por Veyne em seu segundo capítulo Sêneca e o estoicismo. São diversos os conceitos que compõem o arcabouço teórico nas obras senequianas. Veyne demonstra como o estoicismo estava fundamentado nas leis da natureza. O homem era um ser cosmopolita, pois se ligava ao cosmos através da razão, representando em seu espírito (hegemonicon) as leis da natureza. Tal representação seria traduzida em ações retas (kathekontas) ou virtuosas livrando o indivíduo de uma vida pautada pelos vícios, ou seja, as más condutas. Sobre a representação estoica, Luizir de Oliveira (1998) afirma que a presença da virtude no homem constituía o próprio bem sendo o momento onde o indivíduo se harmonizava com o cosmos e se tornava parte dele. Era nesse momento que o hegemônico (hegemonicon), a parte diretiva da alma, realizava a representação compreensiva ao buscar na realidade descobrir a verdade em consonância com o cosmos.

A razão, ou a Natureza, nada mais seria do que o princípio formador e ordenador de toda a realidade cósmica e dos homens. No livro de Jean Brun, O Estoicismo (1986), a razão estoica é comparada a um fogo artífice. Esta teoria, segundo Brun, se aproxima da teoria de Heráclito de Éfeso, antigo pré-socrático do século VI a.C., que acreditava ser o universo formado por um lógos que era o fogo demiurgo de toda a realidade.

Viver conforme a natureza era se submeter a um deus providencial que possibilitaria ao homem alcançar uma vida sábia. Ser sábio significava vencer as dores e os sofrimentos gerados durante a existência independente das riquezas ou da pobreza, da saúde ou das doenças, da liberdade física ou da escravidão. De acordo com o estoicismo, para se obter uma vida feliz, serena e sábia, era necessário seguir os ditames deste princípio ordenador. Exercer a razão era praticar ações virtuosas como a temperança, a justiça, a coragem e a prudência, definidas por Veyne como as quatro virtudes estoicas. Em História da Filosofia Antiga (2002), Giovanni Reale destaca que as demais virtudes existentes eram subordinadas a estas.

Sêneca enfatiza em suas Cartas a Lucílio a importância de se vencer todos os infortúnios do destino alicerçado nos ensinamentos de sua filosofia. Neste sentido, outro aspecto necessário para se tornar um sábio estava na ideia de se buscar constantemente uma espécie de segurança interna, criando uma fortaleza interior capaz de resistir a qualquer tipo de sofrimento. Para um estoico a vida somente teria valor quando as virtudes estavam sendo praticadas e direcionavam o sábio para uma vida feliz. A felicidade não era definida pela riqueza ou pelos cargos conquistados na carreira política (cursus honorum). A felicidade deveria estar de acordo com as leis da physis, colaborar com o fluxo do universo, levando o indivíduo a viver no presente sem se abalar com os reveses do destino. Veyne ainda destaca que para Sêneca a felicidade deveria colaborar com a coletividade e não apenas ser algo efêmero e particular.

Talvez seja por isso que a morte nunca assustou Sêneca. Um dos pontos culminantes na teoria senequiana, e que comprova a tese de que um estoico deve ser impassível perante a dor, a perda das riquezas ou até mesmo perante a morte, será o tema que envolve o suicídio. Diante de um quadro político marcado por assassinatos (Veyne descreve o assassinato de Agripina e do jovem Britânico), perseguições aos opositores republicanos e um Principado caracterizado pela tirania de Nero, Sêneca retira-se da vida política. A morte de nosso filósofo é descrita na última parte do livro de Veyne intitulada de Epílogo. Os escritos de Tácito são as lentes de Veyne para narrar o episódio que levou Sêneca ao suicídio.

Acusado por participar de uma conspiração palaciana contra Nero, Sêneca será condenado ao suicídio por seu antigo discípulo. A narrativa de Tácito emociona o leitor que revive a cena final eternizando assim a firmeza moral senequiana perante a morte. Enfim, o livro de Veyne proporciona ao leitor e aos estudiosos do estoicismo, um rico material que apresenta não apenas a filosofia de Sêneca, mas diálogos com importantes pensadores do mundo da Modernidade e da contemporaneidade. Constitui-se como obra indispensável para aqueles que buscam aprofundar seus estudos sobre o estoicismo de Sêneca e do mundo romano na Antiguidade Clássica.

Referências

BEZERRA, Cícero Cunha. A filosofia como medicina da alma em Sêneca. Ágora Filosófica, Recife, v.5, n.2, p. 7-32, 2005.

BRUN, Jean. O estoicismo. Lisboa: Edições 70, 1986.

OLIVEIRA, Luizir de. Sêneca: a vida na obra, uma introdução à noção de vontade nas epístolas a Lucílio. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – PUC, São Paulo, 1998.

REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. São Paulo: Loyola, 2002. v.3.

VEYNE, Paul. Sêneca e o estoicismo. São Paulo: Três Estrelas, 2016, 279p.

VIZENTIN, Marilena. Imagens de poder em Sêneca: estudo sobre o De Clementia. São Paulo: Ateliê, 2005.

Fabrício Dias Gusmão Di Mesquita – Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás. Bolsista pela Fundação de Amparo a Pesquisa de Goiás (Fapeg). E-mail: professorfabriciomesquita@gmail.com


VEYNE, Paul. Sêneca e o estoicismo. São Paulo: Três Estrelas, 2016. Resenha de: MESQUITA, Fabrício Dias Gusmão Di. Alétheia – Revista de Estudos sobre Antiguidade e Medievo. Jaguarão, v.2, n.2, p.1-6, 2018.

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Intellèctus. Rio de Janeiro, v.17, n.1, 2018.

Equipe Editorial

Apresentação

Dossiê

Artigos Livres

Intellèctus. Rio de Janeiro, v.17, n.2, 2018.

Apresentação

Dossiê

Artigos Livres

Resenhas

  • SILVA, Alexandra Lima da. Escritas de viagem, escritas da história: estratégias de legitimação de Rocha Pombo no campo intelectual, 2018.
  • Jacqueline de Albuquerque Varella
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Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.50, ano 2018.

Edição completa

Editorial

  • Editorial
  • Rafael Zamorano Bezerra, Aline Montenegro Magalhães, Álvaro Marins de Almeida
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Apresentação

Dossiê temático

Escravos e senhores na terra do cacau: alforrias/compadrio e família escrava (São Jorge dos Ilhéos/1806-1888) | Victor Santos Gonçalves

Até pouco tempo atrás, escravos que trabalhavam fora das grandes lavouras de cana de açúcar e café, ou em regiões mineiras, mereciam pouca atenção dos historiadores. Ficou, então, possível negar a importância da mão de obra escrava em tais circunstâncias. Nos últimos vinte anos, a historiografia mudou e os pesquisadores começaram a prestar mais atenção às experiências dos cativos do que ao modo de produção e, com esta mudança, os escravizados em zonas de menor porte econômico, ou em lavouras menos conectadas à economia de exportação, começaram a atrair mais interesse. O livro aqui resenhado é uma das mais recentes e benvindas contribuições a esta nova historiografia. Leia Mais

A Construção Biográfica de Clóvis Beviláqua: memórias de admiração e de estigmas | Wilton Silva

Nas duas últimas décadas, a tradição dos estudos biográficos no Brasil alcançou avanços consideráveis. Dissertações e teses surgiram com todo vigor, problematizando personagens principalmente no campo das letras e da historiografia. Um exemplo desta expansão no campo historiográfico é a publicação do livro “A Construção Biográfica de Clóvis Beviláqua: memórias de admiração e de estigmas”, do historiador e sociólogo Wilton Silva, fruto de sua tese de livre docência, apresentada em 2013, na Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus de Assis, em São Paulo. Publicada em livro em 2016, pela Editora Alameda, a obra traz uma apresentação da antropóloga Suely Kofes (UNICAMP) e o prefácio do historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr. (UFRN).

Wilton Silva pretende no livro analisar como se consolidou a memória do jurista cearense Clóvis Beviláqua (1859-1944), problematizando as distintas matrizes narrativas, com especial destaque para as dimensões grupais e institucionais que atuam em processos de afirmações e construções da memória e do esquecimento deste personagem. Para isso, o autor investigou quatro biografias sobre o jurista, publicadas entre as décadas de 1950 e 1990 no Brasil: “Clóvis Beviláqua”, de Lauro Romero (1956); “Clóvis Beviláqua”, de Raimundo Menezes e Ubaldino de Azevedo (1960); “Clóvis Beviláqua na intimidade”, de Noêmia Paes Barreto (1989); e por último “Clóvis Beviláqua: sua vida, sua obra” de Silvio Meira (1990). O autor justifica a escolha pelos méritos historiográficos e aspectos conjunturais em que foram produzidas as biografias ou ainda pelas divulgações que obtiveram em suas respectivas épocas de lançamentos. Leia Mais

O fim do Terceiro Reich: a destruição da Alemanha de Hitler, 1944-1945 | Ian Kerschaw

Ian Kershaw destaca-se como um dos principais historiadores da atualidade cuja especialidade de estudo toma por objeto de pesquisa o período que compreendeu o Terceiro Reich (1933-1945). Iniciou sua trajetória acadêmica enquanto medievalista (analisando o campesinato alemão). Posteriormente voltou sua atenção para analisar as sociedades do século XX, em especial a alemã. Ainda em relação a sua atuação profissional podemos destacar a sua consultoria em algumas séries produzidas pela rede BBC sobre o nazismo e o fato de ter lecionado na Universidade de Sheffield (South Yorkshire, Inglaterra) aposentando-se em 2008. Nos últimos anos parte de sua obra foi traduzida e publicada no Brasil permitindo maior divulgação de seu trabalho e de suas discussões em relação a essa temática. Nesse sentido, suas críticas em relação à utilização do conceito de “totalitarismo” para definir a sociedade alemã das décadas de 1930 e 1940 e a equiparação o fenômeno do nazismo com o chamado stalinismo, presentes em alguns de seus livros, têm suscitado discussões produtivas em nosso meio acadêmico.

A problemática central de seu livro “O fim do Terceiro Reich”, tema da presente resenha, diz respeito à compreensão dos motivos que levaram os alemães a apoiarem o regime nacional socialista até sua capitulação, sobretudo no último ano do conflito. O livro contém ao todo nove capítulos, nos quatro capítulos iniciais o autor nos apresenta o contexto da guerra e das expectativas da população do Reich quanto aos rumos do conflito após os eventos de 1944 (“Dia D” e Operação “Bagration”). É interessante ressaltar que nessa primeira abordagem o historiador fez uma distinção entre o contexto vivido pelos alemães que residiam no Oeste daqueles instalados no Leste. Os motivos dessa divisão serão mais bem trabalhados posteriormente. Ainda em relação a esses capítulos iniciais, Kershaw mostra como ocorreu o processo de radicalização do regime de acordo com o rumo tomado pela guerra.

Do quinto capítulo até o nono podemos observar os acontecimentos ocorridos no período de maior carnificina do conflito, entre fins de 1944 e o primeiro semestre de 1945. As discussões apresentadas pelo autor versam sobre a deterioração das estruturas do Estado [1], do consenso em relação ao partido e da diminuição do carisma e da cofiança depositada em Hitler. Ao discorrer sobre esses diversos elementos, Kershaw busca compreender as razões pelas os alemães continuaram a manter o esforço de guerra e, consequentemente, o funcionamento do Estado nazista em uma situação próxima ao colapso total.

O material empírico utilizado por Kershaw neste trabalho foi bastante variado. Compreendeu os informes das mais diversas áreas do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães [NSDAP] [2]; da Wehrmacht [Conjunto das Forças Armadas do Terceiro Reich]; da Polícia; informes e memorandos de autoridades estatais em seus mais diversos níveis; material proveniente dos Aliados; relatos do período; memórias; jornais alemães da época como o Völkischer Beobachter, Der Angriff, entre outros. Dentro desse conjunto é interessante destacar três tipos em particular: os informes do departamento de propaganda, os relatos da época e as memórias.

Em relação ao primeiro grupo o autor destacou como os membros do governo e do partido tentaram lidar com as informações obtidas através das pesquisas referentes ao “ânimo” da população alemã em relação à guerra. Tal documentação permitiu acompanhar mais detidamente a partir de que ponto a crença dos alemães em relação à guerra começaram a se modificar, bem como as opiniões em relação ao governo e a figura de Hitler.

No que diz respeito às memórias e aos relatos o autor, ainda que não entre em uma discussão mais aprofundada a esse respeito, demonstra a natureza problemática da utilização das memórias produzidas após o conflito, pois muitos de seus autores optaram pela construção de uma narrativa cujo objetivo era conseguir o máximo de isenção possível em relação a crimes de guerra e de sua adesão aos princípios do nacional-socialismo. Nesse sentido, ao confrontar as narrativas memorialistas de determinados sujeitos históricos com seus relatos produzidos no decorrer da guerra percebemos que os mesmos agiram de forma bastante distinta das suas alegações posteriores. Além disso, os relatos possibilitam observar diferentes possibilidades de ação que os atores sociais tinham diante de si naquele momento.

O autor optou por não iniciar sua pesquisa tomando como marcos o desembarque aliado na Normandia (“Dia D”) ou a grande ofensiva soviética no Leste (operação “Bagration”). A justificativa para isso está relacionada ao fato de inúmeras produções historiográficas utilizarem esses dois acontecimentos na construção de uma narrativa com um único desfecho provável: a capitulação da Alemanha. Segundo Kershaw a realidade era bastante distinta. Apesar dos alemães terem consciência de sua “delicada” situação isso não significava necessariamente em uma derrota final, como demonstraram as várias fontes desse período consultadas pelo pesquisador. Alguns tinham consciência da impossibilidade da Alemanha vencer a guerra, mas a ideia de uma derrota total não constituía um horizonte imediato. Para muitos era possível que a aliança entre as democracias ocidentais e a União Soviética pudesse ser desfeita e com isso a Alemanha conseguisse estabelecer um acordo com ingleses e americanos para combater os comunistas, mantendo assim alguns de seus ganhos territoriais.

Assim sendo, Ian Kershaw tomou como ponto de partida para sua análise o atentado malsucedido contra Hitler ocorrido em 20 de julho de 1944. Nesse episódio, alguns oficiais da Wehrmacht, destacando-se dentre eles o coronel Stauffenberg, tentaram assinar o Führer com uma bomba que apenas lhe causou alguns ferimentos de menor monta. Para o historiador tal acontecimento torna-se mais interessante pelo trauma interno suscitado na sociedade alemã, além de ter sido o pretexto ideal para a radicalização do regime, tanto em termos de mobilização da sociedade quanto do nível de coerção imposto à mesma. Após esse evento, a sociedade alemã mobilizou-se para prestar homenagens, agradecer a “providência divina” pela sobrevivência de seu líder, exigir a punição de todos os envolvidos e reafirmar seu comprometimento para com o mesmo. Através dessa conjuntura bastante favorável, Hitler permitiu que os mais altos escalões do partido dessem início a um processo de endurecimento do regime, ou nas palavras dos mesmos “completar a revolução nacional-socialista da sociedade alemã”.

Para Kershaw, a reprovação e a impopularidade do atentado deixaram claro o fato de que, naquele contexto, não haveria a possibilidade de ocorrer um movimento popular para destituir o governo, a exemplo da Revolução Alemã de 1918, que pôs fim a guerra, a monarquia e instaurou a República. Por fim cabe ressaltar outra observação bastante perspicaz do autor em relação a esse episódio: ao analisar o contexto posterior ao conflito, Ian Kershaw pôde perceber que para muitos alemães o fato dos conspiradores não terem conseguido lograr êxito em sua ação evitou a criação de um novo mito da “punhalada pelas costas” (mito esse que perpassou toda a política alemã das décadas de 1920 e 1930) potencialmente problemático para as negociações de paz no pós-guerra.

Para o autor, o conjunto dos militares foi de longe o grupo que mais se destacou no sentido de mobilização e sustentação do regime até a capitulação final. As questões relativas a tal fenômeno variaram de acordo com a posição na hierarquia das forças armadas e também dos rumos tomados pelo conflito. A perspectiva de estudo utilizada por Kershaw não busca na imposição de uma capitulação total da Alemanha a motivação dos soldados e oficiais prosseguirem na luta, ainda que para uma parte deles tal exigência, somada a outros fatores, fosse uma justificativa válida. Segundo o historiador é necessário compreender o processo subsequente à tentativa de assassinato malsucedida contra Hitler. Com a radicalização do regime a partir de 1944, Hitler passou a nomear generais e oficiais mais graduados que tinham estreita afinidade com os ideais do nacional-socialismo. A presença desses “fanáticos” [3] reforçou as opiniões e ordens de Führer sobre as ações de organização e atuação do exército na estratégia de defesa das fronteiras do Reich (bem como da última tentativa de ataque realizada pelos alemães, a “ofensiva das Ardenas”). Também é importante levar em consideração o fato deles terem desencorajado e deslegitimado as opiniões de outra parte do oficialato, opiniões essas mais realistas [4]. Nesse sentido, os comandantes militares ficaram cada vez mais sujeitos aos comandos do ditador em relação à condução do conflito. Essa divisão na cúpula das forças armadas foi um dos fatores, segundo o autor, que evitou qualquer outra iniciativa semelhante àquela ocorrida em julho de 1944.

Outros elementos auxiliam a entender o quadro mais amplo do comprometimento da Wehrmacht na continuação do conflito. De acordo com a documentação, muitos militares se recusaram a desacatar as ordens do Führer por um senso de lealdade e honra decorrentes de seu ofício enquanto militar. Outros também abominavam a ideia de traição em relação a seu líder (tendo consciência de que qualquer ato contra a vida de Hitler seria impopular e não garantiria que as tropas depusessem as armas). Ao longo dos últimos meses do conflito a situação nos dois fronts da guerra se deteriorava a passos largos, nesse sentido, a quase totalidade do tempo dos oficiais era despendida em organizar da melhor maneira possível os recursos para obter a maior eficácia na defesa do território. Por fim, o prosseguimento no conflito, sobretudo a partir de 1945, tinha como meta obter o maior tempo possível para que tanto as tropas quanto a população civil localizadas nas regiões do Leste pudessem alcançar a parte Oeste do Reich, escapando assim dos soviéticos.

No que concerne aos soldados às motivações também foram bastante semelhantes. Muitos ainda mantinham um nível razoável de crença na figura do Führer; outros acreditavam que se conseguissem resistir pelo tempo suficiente poderia acontecer algo que mudasse os rumos do conflito (a já referida crença na dissolução da aliança entre os comunistas e os democratas, ou a confecção das prometidas armas “miraculosas”). Somente um número bastante reduzido de nazistas convictos acreditavam na vitória final da Alemanha. Com o agravamento das condições, a questão da defesa da pátria (enquanto entidade abstrata) e outras motivações (como a não degeneração da raça ariana) foram sendo deixadas de lado, subsistindo apenas as preocupações com a própria sobrevivência e com a solidariedade em relação aos entes queridos e camaradas que ainda estavam nas regiões do Leste.

Em relação os soldados do front oriental, desde o início a defesa da Pátria estava ligada não somente com a autopreservação. Esses combatentes tinham clareza do destino reservado aos seus entes queridos, e aquilo que eles entendiam como “modo de vida alemão”, caso os bolcheviques conseguissem invadir a Alemanha. Para além da propaganda do partido, esses sujeitos tinham conferido em primeira mão uma amostra do que seria a invasão soviética ao conseguirem retomar, temporariamente, a cidade de Nemmersdorf. Ao expulsarem o invasor, os soldados encontraram uma cidade praticamente arrasada, corpos das vítimas do exército vermelho espalhados em determinados pontos além de escutarem o relato de alguns sobreviventes.

Através dessa perspectiva, a quase totalidade dos soldados, independentemente de serem ou não nazistas “fanáticos”, empenhavam-se ao máximo de suas capacidades para conter o avanço soviético. Mais uma vez Kershaw demonstra que apesar do clima de insatisfação com o regime e com o próprio Hitler nos últimos meses, as preocupações quanto ao destino individual e dos parentes, além das constantes lutas impediam uma articulação no sentido de depor Hitler e buscar uma solução negociada para o fim do conflito.

Quando o autor desloca seu foco para analisar como a população manteve certo consenso e legitimação do regime, Ian Kershaw problematiza a ferramenta analítica do totalitarismo. De acordo com muitos trabalhos, a sociedade alemã só foi submetida e levada a executar determinadas ações por conta do alto nível de coerção, e violência, exercidas pelo Estado e pelo partido nazista. Entretanto a análise de Kershaw questiona tal interpretação a partir de algumas observações. Segundo o historiador, até o atentado de Stauffenberg os níveis de coerção do partido e do próprio Estado alemão não eram tão grandes como as interpretações baseadas no conceito de totalitarismo tendem demonstrar. De fato, havia a utilização da violência e da coerção em grande escala contra os inimigos do regime (comunistas, trabalhadores estrangeiros, judeus, ciganos, políticos adversários aos nazistas). Mas esse nível de coerção e violência não era utilizado contra a população alemã e esta última demonstrava um nível elevado de apoio e legitimação do regime.

Contudo, após o malogrado atentado de Stauffenberg teve início o processo de radicalização do regime para atender as demandas do esforço de guerra total. Ao longo de 1944, mas principalmente a partir de 1945, o regime passa a “importar” para a própria Alemanha os mecanismos de controle que eram empregados nas regiões ocupadas. O uso sistemático da coerção e da violência por parte dos membros do partido, da polícia; a interferência cada vez maior dessas organizações na vida dos cidadãos; tribunais de justiça de exceção proliferaram no território alemão no decorrer desse período. Devido a isso é possível entender a atitude de resignação de segmentos da sociedade. Para essas pessoas o fim da guerra era questão de tempo (especialmente para a população do Oeste, que sofria com os constantes bombardeios aliados), então o principal objetivo era apenas sobreviver até o fim do conflito o que significava não se indispor com as autoridades e nem assumir uma postura clara de contestação ao regime.

Se alguns adotaram uma postura de resignação, outra parte da sociedade continuou a resistir ao máximo possível, especialmente a população que buscava se refugiar no Oeste. Apesar das pressões por parte do regime, a coerção e a violência eram motivos menores quando comparados ao medo de ser capturado pelos soviéticos. Para esses indivíduos a sobrevivência e o desejo de escapar da captura da União Soviética marcam o apoio ao regime, pois somente ele seria capaz de lhes garantir a proteção ou o tempo necessário para se chegar à zona ocupada pelos ingleses e americanos (nesses casos a ideia de vitória ou de um fim vantajoso para a Alemanha já haviam sido completamente descartados).

Por fim, outra categoria social analisada por Kershaw foi o conjunto dos membros do NSDAP. Para os membros mais destacados do partido, os governadores das províncias (Gauleiter) entre outros hierarquicamente superiores, a razão para continuar exercendo suas funções era bastante clara: no caso de derrota eles cairiam junto com o Regime, não importando se a Alemanha capitulasse para os ingleses, americanos ou para os soviéticos. Nesse sentido era imperioso manter as estruturas do governo em funcionamento mesmo que ao custo do aumento da violência e coerção em relação à população. Assim sendo, o historiador pôde perceber que ao se aproximar o colapso total do Terceiro Reich esses membros mais destacados do partido não tinham o objetivo de capitular junto com seu líder, seguindo os princípios do nacional-socialismo (uma exceção notável foi à posição de Joseph Goebbels, que pôs fim a sua vida juntamente com a esposa e seus filhos). Na iminência do fim, essas figuras destacadas tentaram encontrar meios de escapar da Alemanha ou de conseguir algum acordo com os vencedores visando uma posição no governo pós Hitler ou para escapar das acusações de crimes de guerra.

Para os integrantes dos quadros inferiores do partido e de outras organizações, como a Juventude Hitlerista, as atitudes variaram de acordo com os acontecimentos. Até meados de 1945 eles buscavam exercer suas funções para garantir o tempo necessário para reorganização das defesas, confecção das novas armas e mantendo a esperança, veiculada nos meios de propaganda oficiais, de que a Alemanha precisava ganhar tempo até a aliança entre seus inimigos se desfazer o que poderia mudar os rumos do conflito. Como essas expectativas iam se desfazendo a cada novo avanço sobre o território do Reich, as preocupações passavam a ser a da garantia da própria sobrevivência (tanto contra ressentimentos da própria população alemã quanto dos aliados e soviéticos).

Como conclusão, o trabalho de Kershaw mostra-se interessante devido à proposição de novas perspectivas para a compreensão do Terceiro Reich. Para o autor a antiga justificativa de que a Alemanha teria resistido até o final devido à exigência de uma rendição incondicional, como já foi discutida anteriormente, não reverberou em grandes mobilizações ou promoveu transformações no governo e nas forças armadas. Apesar de seu uso pela propaganda do partido nazista, esse não foi um fator que justificasse todo o esforço empreendido. Além disso, nos relatos consultados pelo autor referentes ao período da guerra, houve escassas menções a tal imposição como fator de apoio ao regime e de sua política.

Outra interpretação que pode ser questionada diz respeito às interpretações baseadas no conceito de “totalitarismo”. No decorrer do livro percebemos que as mesmas não conseguem responder de maneira satisfatória os motivos da existência de um consenso social em relação à ditadura nazista. Mesmo com o aumento do nível de coerção interna, o consenso da população alemã em relação ao Terceiro Reich não estava baseado no terror, mas na crença de que o regime era a única solução disponível dentre as limitadas opções que eles dispunham. Em outros casos a coerção interna não foi o elemento norteador para o prosseguimento do esforço de guerra. Preocupações e anseios como, por exemplo, a sobrevivência pessoal e de entes queridos ou a preocupação em relação ao destino daqueles que eventualmente ficassem sob o julgo soviético constituíram meios mais eficazes que as ideologias do nacional-socialismo para mobilizar a sociedade alemã do período e nortear as ações daqueles sujeitos históricos.

Notas

1. Alguns exemplos nesse sentido foram: repartições administrativas funcionando de maneira precária, sem material e sede fixa; serviços de iluminação e de transportes deixaram de serem prestados devido à falta de estrutura e de pessoal; os serviços telegráficos e de correspondências também foram sendo suprimidos por motivos análogos.

2. Podemos destacar como os mais interessantes os seguintes: informes dos Gauleiter, os administradores das províncias do Reich; do departamento de propaganda; dos órgãos do partido criados com a finalidade de exercer diversas funções de competência do Estado entre outros.

3.  A utilização do termo “fanático” foi inicialmente esporádica, restringindo-se aos integrantes do exército que explicitamente demonstravam suas vinculações com o partido e com os princípios do nacional-socialismo. Com o decorrer do conflito mesmo aqueles que eram contrários aos princípios dessa ideologia passaram a ser denominados dessa forma devido à imposição feita pelo departamento de propaganda no intuito de demonstrar unidade e comprometimento na causa. No último ano do conflito alguns integrantes das forças armadas buscavam apresentar-se dessa forma para reafirmar seu comprometimento para com Hitler a fim de evitar acusações de traição ou covardia, ambas punidas com a morte.

4. Para alguns oficiais a estratégia a ser adotada consistia em recuar para determinadas posições a fim de estabelecer e consolidar uma defesa mais eficaz dos territórios sobre controle alemão e do próprio Reich. Contudo, as ordens de Hitler, e o apoio do oficialato “nazista” impediram tais medidas por considerarem-nas atos explícitos de covardia ou falta de comprometimento com a causa da guerra. Nesse sentido, vidas e equipamentos necessários para o prolongamento do esforço de guerra alemão foram desperdiçados de forma displicente.

José Airton Ferreira da Costa Júnior – Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará. Professor temporário do Departamento de História da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAMUECE). E-mail: GOLTURBOGTI_01@hotmail.com


KERSHAW, Ian. O fim do Terceiro Reich: a destruição da Alemanha de Hitler, 1944-1945. Tradução Jairo Arco e Flexa. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Resenha de: COSTA JÚNIOR, José Airton Ferreira da. “Experiência e sociabilidades ou os limites do nacional-socialismo”. Revista de História Bilros: História(s), Sociedade(s) e Cultura(s). Fortaleza, v.6, n.11, p. 149-157, jan./abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

Maiêutica – História. Indaial, v.6, n.1, 2018.

Maiêutica – História

A revista deste ano traz os melhores artigos do ano de 2018, oriundos de projetos de Iniciação Científica.

Artigos

  • Maiêutica – História
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  • Thiago Rodrigo da Silva, Graciela Márcia Fochi
  • 1 PATRIMÔNIO HISTÓRICO NO ENSINO DA HISTÓRIA DAS MULHERES E RELAÇÃO DE GÊNERO – Historical heritage in the teaching of women’s history and gender relationship
  • Beatris Cristina Rocha Hasse J
  • aqueline Marquardt……………………………………………………………………………………………………. 7
  • 2 RACISMO CULTURAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – Cultural racism in contemporary society
  • Cristiano Soares Vianna
  • Lucas Bitencourt Fortes…………………………………………………………………………………………….. 19
  • 3 A EMERGÊNCIA DE UM PARADIGMA NA HISTÓRIA INTELECTUAL NO BRASIL: GUERREIROS RAMOS E A AUTOPOIESE – The emergence of a paradigm in intellectual history in Brazil: Guerreiros Ramos and autopoiese
  • Mauro Gaglietti………………………………………………………………………………………………………… 29
  • 4 A VILA NOSSA SENHORA DA LUZ E UMA NOVA IDENTIDADE CULTURAL EM CURITIBA/PR: A CULTURA PERIFÉRICA – The Vila Nossa Senhora da Luz and a new cultural identity in Curitiba/PR: a peripheral culture
  • Mônica Lopes Hadas…………………………………………………………………………………………………. 41
  • 5 DIVERSIDADE E OS DESAFIOS ATUAIS – Diversity and the current challenges
  • Katrine de Paula Antunes Pacheco
  • Maurício Carlos de Andrade
  • Pablo Miguel Sant’Ana Messas
  • Suzana Jaqueline de Paula …………………………………………………………………………………………. 49
  •  6 SOBRE OS APORTES TEÓRICOS UTILIZADOS NA PESQUISA CIENTÍFICA – On theoretical contributions used in scientific research
  • Suzana Bitencourt …………………………………………………………………………………………………….. 55
  • 7 EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UMA ABORDAGEM PROPOSITIVAINDIGENOUS SCHOOL EDUCATION: A PROPOSITIONAL APPROACH
  • Cristiano Soares Vianna
  •  Vanderlei Moacir Schneider……………………………………………………………………………………….. 65
  • 8 O EXERCÍCIO DO PROFESSOR E AS POSSIBILIDADES DAS METODOLOGIAS ATIVAS NA EDUCAÇÃO – TEACHER AND ACTIVE METHODOLOGY IN EDUCATION
  • Graciela Márcia Fochi
  • Wilson Alexandre Roncaglio ……………………………………………………………………………………… 75

Perspectivas e Diálogos | UNEB | 2018

Perspectivas e Dialogos uneb3 Fontes Documentais

Perspectivas e Diálogos: Revista de História Social e Práticas de Ensino (Caetité, 2018-) é um periódico semestral, online,  associado ao grupo de pesquisa Núcleo de História Social e Práticas de Ensino (Nhipe/Cnpq) do Departamento de Ciências Humanas, campus VI, da Universidade do Estado da Bahia, localizado na cidade de Caetité, Bahia, e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Linguagem e Sociedade (PPGELS) do Departamento de Ciências Humanas, Campus VI, da Universidade do Estado da Bahia.

A Revista tem por objetivo divulgar produções originais e inéditas de relevância científica na área de História com ênfase na História Social, na História da Educação e Pesquisa e Práticas de Ensino de História.

A Revista dialoga com a  literatura, a filosofia, a antropologia, a sociologia, a arqueologia, as variadas linguagens imagéticas e sonoras (cinema, fotografia, iconografia, música) e com as tecnologias de informação e de comunicação na pesquisa e no ensino.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2595-6361

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The Color of Law: A Forgotten History of How Our Government Segregated America | Richard Rothstein

O desenvolvimento e a persistência de vizinhanças racialmente segregadas é um dos grandes temas na história americana e afro-americana, especificamente. Até as décadas finais do século XX, a maioria dos estudos sobre segregação residencial enfatizava o papel nefasto das associações de moradores brancos hostis aos negros, a violência das turbas brancas e as práticas e políticas discriminatórias de bancos e agências imobiliárias. Essas pesquisas reforçaram o argumento de que o governo não era um agente intencional e proativo no estabelecimento de demarcações de cor no mercado habitacional nacional. Ao contrário, vizinhanças racialmente estratificadas deveriam sua existência principalmente às ações individuais dos cidadãos, à pobreza dos afro-americanos e, em alguma medida, à propensão da população negra, bem como de outros grupos raciais e étnicos, a buscar e construir comunidades com moradores de seu próprio grupo. O analista e historiador das políticas públicas Richard Rothstein, pelo contrário, argumenta, persuasivamente, que todos os níveis do sistema federal dos Estados Unidos contribuíram para construir a ordem imobiliária da segregação racial. Leia Mais

História e Humor | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2018

“Le bon historien (…) saura ce qu’il faut penser de toute cette mascarade. Non point qu’il la repousse par esprit de sérieux; il veut au contraire la pousser à l’extrême: il veut mettre en oeuvre un grand carnaval du temps, où les masques ne cesseront de revenir. (…) Car cette identité, bien faible pourtant, que nous essayons d’assurer et d’assembler sous un masque, n’est elle-même qu’une parodie.”

Michel FOUCAULT. “Nietzsche, la généalogie, l’histoire”. In BACHELARD, Suzanne et al. ‘Hommage à Jean-Hyppolite’. Paris: Presses Universitaires de France, 1971, p. 169-170.

No senso comum, inclusive acadêmico, não é difícil um pesquisador do humor ser encarado com estranheza, seu tema ser visto como menor, com mais expectativa de provocar risos do que reflexões sobre seu estudo. Tal percepção incorpora nos meios universitários os estereótipos que tendem a ver o fenômeno como ligado à dimensão do divertimento, do lúdico, da mera brincadeira, motivo pelo qual teriam menos relevância em relação a assuntos considerados mais sérios. 1 Essa ideia se esfumaça quando, sobretudo na vertiginosa velocidade da internet e redes sociais digitais, o riso e seu móvel começam a tocar problematicamente naqueles campos sensíveis da sociedade contemporânea e veicular preconceitos, exagerar estereótipos, ferir subjetividades, contrariar interesses dos poderosos ou dos historicamente oprimidos e, por tudo isso, motivar repulsas e censuras. Talvez seja nesses momentos extremos e polarizados que a suposta “neutralidade” do riso saia de cena e fique mais evidente como o humor pode ser mobilizado para grupos e indivíduos se afirmarem simbolicamente em calorosas disputas e conflitos. Porém, de modo menos evidente, além de brinquedo e/ou arma, o humor pode ser instrumento, um meio de conhecimento da realidade humana, já que é “um índice de como as sociedades se representam – e um índice mais significativo porque fortemente ligado às emoções”. 2 Leia Mais

A crista é a parte mais superficial da onda: mediações culturais na MPB (1968-1982) | Luísa Quarti Lamarão

Em dezembro de 2015, Chico Buarque foi insultado por um grupo de jovens que questionavam seu apoio ao governo de Dilma Rousseff. Rapidamente as redes sociais repercutiram o caso e a divisão ideológica do país passou a envolver a esfera musical por meio de um dos seus maiores ícones. Também rapidamente surgiu a associação do “gênio da música brasileira” com o Comunismo. Chico de herói passou a ser um bolivariano. Inclusive reavivou-se um texto já esquecido do colunista de O Globo, Rodrigo Constantino, que apontava o equívoco das políticas de inclusão social que exaltavam as minorias e indicavam criminosos como vítimas de um sistema injusto:

Compare isso às letras de Chico Buarque, ícone dessa esquerda festiva, sempre enaltecendo os “humildes”: o pivete, a prostituta, os sem-terra. A retórica sensacionalista, a preocupação com a imagem perante o grande público, a sensação de pertencer ao seleto grupo da “Beautiful People” são mais importantes, para essas pessoas, do que os resultados concretos de suas ideias (CONSTANTINO, 2003). Leia Mais

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.1, 2018 / v. 4, n.3, 2021.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v. 4, n.3, 2021.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.4,, n.2, 2021.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.4,, n.1, 2021.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.3,, n.3, 2020.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.3,, n.2, 2020.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.3,, n.1, 2020.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.2,, n.2, 2019.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.2,, n.1, 2019.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.1,, n.3, 2018.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.1,, n.2, 2018.

Revista Ensino de Geografia. Recife, v.1,, n.1, 2018.

Ensino de Geografia | UFPE | 2018

Ensino de Geografia UFPE Fontes Documentais

A Revista Ensino de Geografia (Recife, 2018-) é uma publicação científica do Laboratório de Ensino de Geografia e Profissionalização Docente (LEGEP) da Universidade Federal de Pernambuco, que publica artigos científicos, revisões bibliográficas, resenhas e notas referentes a área de ensino de Geografia e afins.

Periodicidade quadrimestral

Acesso livre

ISSN 2594-9616

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Lima Barreto: triste visionário | Lilia Moritz Schwarcz

A escolha de Lima Barreto como autor homenageado pela 15ª edição da Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP), ocorrida em 2017, ensejou uma série de publicações que o tomaram como tema central. Nascido em 1881, ainda sob a vigência da escravidão e do regime monárquico, o negro carioca que ousou tornar-se escritor viveu numa época de transições cruciais para a história do Brasil e produziu, com sua literatura, um testemunho precioso que se oferece como um rico acervo documental para todos aqueles que desejam compreender melhor os significados de nossas primeiras décadas republicanas. Leia Mais

Historiografia e História das Artes 2: da história institucional à revisão e leitura crítica dos procedimentos na escrita da História da Arte / Revista de Teoria da História / 2018

O Dossiê Historiografia, História e Teoria das Artes e Interartes está organizado em dois conjuntos de textos – dois volumes da Revista de Teoria da História (UFG), sob minha organização e apresentação.

I

O Dossiê apresenta as traduções de dois textos documentais no campo da História da Dança e das Danças de Salão. O primeiro deles é de 1922 (1921), THE ONE STEP – LEARN THE FOX TROT BEFORE LEARNING THE ONE STEP, dos Manuais dos estúdios de Arthur Murray. Trata-se de um Manual de um estúdio de dança de NYC (Arthur Murray) no início da década de 1920, cujo objeto é o ensino-aprendizagem do THE ONE STEP. Como no primeiro volume, buscamos apresentar documentos inéditos, voltados para a recuperação de documentos que articulam concepção de dança (a dança como um sistema de passos), um livro de lições e um sistema de aprendizagem e um conjunto de elementos valorativos distribuídos no corpo do texto, ressaltando aspectos metafóricos, questões de gênero e relações de poder imiscuídas. Leia Mais

História e linguagens: biografia – ficção – teoria da história / Revista de Teoria da História / 2018

Desde que Hans Robert Jauss, em sua conferência O que é e com que fim se estuda história da literatura? (1967), lançou o desafio de pensar a contribuição da literatura para a construção das percepções do mundo social, inúmeros esforços têm sido feitos por pesquisadores comprometidos em superar “o abismo entre literatura e história, entre o conhecimento estético e o histórico”. Os debates e reflexões acadêmicas em torno das relações entre História e Linguagens, em especial a partir de um eixo teórico em diálogo incessante com a Teoria da História, tem se expandido de modo significativo nas últimas décadas, reorientando os olhares da produção historiográfica recente às articulações entre expressões estético-culturais e a experiência temporal. Muitas das questões levantadas concernem, de um lado, às marcas da historicidade inerente às linguagens, ao exemplo da ficção, da autoficção ou da (auto)biografia, e, de outro, às contribuições das linguagens literárias para pensar os elementos constitutivos do fazer historiográfico: suas escritas, seus lugares, suas práticas. Estas e outras indagações norteiam as linhas centrais deste dossiê. Nele, reúnem-se pesquisadores e pesquisadoras de diversas áreas das humanidades, em especial da História e da Crítica Literária, interessados em dialogar com o referencial de pensamento proposto abaixo; com o fito de ampliar os domínios teóricos no interior da instabilidade que tem se formado na dimensão interdisciplinar dos estudos. Leia Mais

Raízes do conservadorismo brasileiro: a abolição na imprensa e no imaginário social | Juremir Machado da Silva

Em linguagem ágil, narrativa vertiginosa, Juremir Machado da Silva, em 38 capítulos, leva o leitor às páginas de jornais que interpretavam os significados dados por autores de notícias acerca do dia da abolição definitiva da escravidão no Brasil, e também eventos variados que ajudariam a compreender o 13 de maio de 1888. Contudo, os capítulos, cuja organização não compreendi o sentido, falam de tudo um pouco em termos de notícias da defesa ou ataque ao regime escravista. Como o livro não tem uma hipótese a ser trabalhada, uma questão a ser respondida, então, o leitor se depara com um circuito aberto de idas e vindas a jornais do século XIX: notícias sobre escravidão e situações ocorridas em anos posteriores, como o golpe militar-empresarial de 1964, e a ditadura então instalada, constituem boa parte do estilo narrativo da obra. Comentários para lá de genéricos e senso comum completam o quadro, como o da abertura do capítulo dezesseis: Leia Mais

Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil | Beatriz G. Mamigonian

A recente tentativa de flexibilização da fiscalização do trabalho escravo no Brasil, defendida por parte do empresariado e encampada pelo atual governo sinaliza uma fragilidade da legislação antiescravista e da cidadania brasileira.1 Muitos não imaginavam que ainda veriam o ataque aberto aos direitos do trabalhador ou a defesa da relativização do conceito de trabalho exaustivo e degradante. Este livro é resultado do esforço de entender historicamente como a questão da mão de obra escrava foi tratada no Brasil. Ele chega, portanto, em momento bem apropriado. Leia Mais

Revue d’Histoire du XIXe Siècle, n. 57, 2018.


Educão n. 57 (2018)

Libido sciendi

L’amour du savoir (1840-1900)

  • Sous la direction de Volny Fages et Laurence Guignard
  • Les articles de ce numéro sont disponibles en texte intégral en libre accès sur le portail Cairn.

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Solidarité

Da senzala ao palco: canções escravas e racismo nas Américas (1870-1930) | Martha Abreu

O livro Da senzala ao palco, ao investigar e comparar como os cantos e as danças dos negros escravizados nos Estados Unidos e no Brasil transitaram das senzalas para a indústria cultural, entrega informações importantes, faz reflexões interessantes e aponta caminhos instigantes. Em edição digital, o livro oferece aos leitores cerca de 200 ilustrações, fotos, capas de partituras, cartazes e jornais da época, além de 48 fonogramas e cinco vídeos com canções e danças. Ou seja, é uma obra que não só pode ser lida, mas também vista e — muito importante — escutada. Recorro à aguda observação de Shane e Graham White, citada por Martha Abreu logo no início de seu livro: “A cultura escrava foi feita para ser ouvida”. (cit. p. 83) Leia Mais