História Política | Revista Historiar | 2018

A política tem sido um dos temas mais emergentes do nosso tempo. Talvez o assunto nunca tenha sido tratado com tanto desprezo, banalidade, descrença. Mas se “política é a presença enérgica de cada pessoa na vida comunitária,”[1] “o que política quer dizer, não é neutro ou indiferente. Por isso é objeto de luta.”[2] O papel do cientista nesse campo de disputas é jogar luz sobre os mecanismos de dominação política, descontruindo discursos que ganham materialidade na imprensa, na memória e na cultura política.

Os partidos políticos são os mais atingidos, já que de acordo com René Rémond, se existe um tema essencialmente político, é o dos partidos. Para ele, a relação com o político está na sua essência, cuja formulação pede de maneira quase mecânica, o epíteto político. Ele ressalta que os partidos são políticos porque têm como finalidade, e seus membros como motivação, chegar ao poder. O mesmo não se pode dizer do fenômeno eleitoral, que apesar de se identificar com a política, tem outras aplicações além das políticas, diz Rémond.[3] Leia Mais

Sublimação e unheimliche – PARENTE (Ph)

PARENTE, Alessandra. Sublimação e unheimliche. São Paulo: Pearson, 2017. Resenha de: SILVEIRA, Léa. A mulher entre o ouro e a carne. Philósophos, Goiânia, v. 23, n. 2, p.-91-104, jul./dez., 2018.

Il crut que dans son corps elle avait um trésor.

La Fontaine

A questão das neuroses condensou-se para Freud, como sabemos, em torno de um problema específico de defesa psíquica que ele, a certa altura, nomeou Verdrängung (recalque) e que cedo o conduziu ao enfrentamento teórico do modo pelo qual tal defesa se relacionava à cultura: suas exigências, suas condições psíquicas, sua existência mesma. Por que motivos, afinal, um indivíduo vem a rejeitar aquilo que ele próprio deseja? Eis algo que Freud, por mais que tivesse se identificado com os valores burgueses da Viena finde-siècle, não tomou por dado. Nem sequer, a meu ver, por um dado de sua época. Pelo contrário, ele perseguiu tal problema a partir dos mais diversos ângulos e fez disso o pensamento de uma vida. É assim que, para mencionar apenas um exemplo, ao relatar o caso Dora, ele expressa seu pasmo muito exatamente diante de um não reconhecimento da sexualidade. E escreve, nesse sentido:

Toda pessoa que, numa ocasião para a excitação sexual, tem sobre-tudo ou exclusivamente sensações desprazerosas, eu não hesitaria em considerar histérica, seja ela capaz de produzir sintomas somáticos ou não. Explicar o mecanismo dessa inversão de afeto é uma das tarefas mais importantes – e, ao mesmo tempo, mais difíceis – da psicologia da neurose (FREUD, 1905[1901]/2016, p.201).

Decerto, com Dora e os “Kas”1 temos também o problema da cegueira (ou surdez) possível do analista, mobilizada já como problema clássico na história das ideias psicanalíticas relacionadas à transferência, uma vez que Freud teria falhado em perceber o endereçamento do desejo de Dora. Lacan (1952[1951]/1998) vê isso em uma peculiaridade do momento em que a moça parece rejeitar o Sr. K. Trata-se do momento em que Dora entende que o Sr. K. não tinha acesso ao gozo da Sra. K., ao gozo do corpo daquela mulher. Lacan explora, com isso, o vislumbre do final do relato do caso, que ocorre a Freud só-depois: quanto mais o tempo passava, mais Freud se convencia de que o erro técnico, a partir do qual Dora rompera bruscamente o tratamento, consistiu em não pontuar o investimento erótico homossexual da moça na Sra. K2. É certamente em função dessa cegueira que Freud atribui a Dora, na interpretação de seus sintomas, “correntes afetivas masculinas” (p. 245). Mas, em qualquer caso, isso não dissipa o fato de que a pergunta de Freud, aquela com a qual ele se espanta, é: não seria de se esperar que uma mulher, ao desejar, assumisse o seu desejo enquanto tal? Se isso não acontece, conclui, é preciso tomar o fato na condição de enigma, pois ele não pede menos do que isso.  Se a cultura representa um campo importante no sentido de fornecer motivações para a rejeição do desejo, uma reflexão sobre ela é, então, inescapável para Freud. Tal reflexão terá desdobramentos sem os quais dificilmente poderíamos ter alguma expectativa de fazer uma leitura de nosso próprio tempo. Ela não será, no entanto, de modo algum suficiente para se pensar o que é o recalque. Não é raro vermos o leitor que se restringe a O mal-estar na cultura desencaminhar-se nesse sentido. Mas o que eu gostaria de destacar, tendo em vista meu propósito nessa resenha, é o fato de que essa reflexão – necessária e, para Freud, insuficiente – é marcada, de uma maneira fundante, por uma ambiguidade. Para mim, quando se trata de dizer isso, há uma passagem que se destaca como nenhuma outra. Está em A moral sexual ‘cultural’ e o nervosismo moderno, primeiro texto que Freud dedica diretamente ao problema do antagonismo entre cultura e indivíduo. Poder-se-ia defender que um dos movimentos importantes que têm lugar entre esse texto e o do Mal-estar… é aquele que corresponde a uma estruturalização de tal antagonismo. Lá, o adoecimento cobrado pela cultura é destacado sobretudo como algo que caracterizaria a Europa da transição do XIX para o XX; aqui, tornar-se-á correlato de todas as suas formas. De todo modo, é no texto de 1908 que lemos:

A experiência ensina que há, para a maioria das pessoas, um limite, além do qual sua constituição não pode acompanhar as exigências da civilização. Todas as que querem ser mais nobres do que sua constituição lhes permite sucumbem à neurose; elas estariam melhores se lhes fosse possível ser piores (FREUD, 1908/2015, p.373-4).

Isso se desenha assim para Freud especialmente porque a construção da cultura envolve um investimento de energia psíquica subtraído das perversões constitutivas do ser humano, sendo este um argumento que resultará na célebre formulação de que a neurose é o negativo da perversão.  Assim, apesar de por vezes Freud situar a arte como um caminho de reconciliação com os sacrifícios exigidos pela cultura3, qualquer estudo sobre o tema em sua teoria deve estar advertido de que sua reflexão sobre a estética não poderia deixar de reverberar essa ambiguidade. Se por um lado, o resultado do processo sublimatório consiste, diz Freud, em alcançar metas valorizadas socialmente, por outro lado o que ele mobiliza, como formação do inconsciente, é, de saída, potencialmente subversivo na medida em que aquilo que o caracteriza são as tendências de oposição à cultura. A sublimação corresponde a um destino pulsional que precisa trabalhar contra a pulsão; ou, dito de outro modo, corresponde a um trabalho da pulsão contra si mesma.

A ambiguidade que Freud enxerga, talvez a despeito de seu próprio desejo, na realização estética, na medida em que ela é também uma tensão constitutiva da cultura, é um problema que atravessa todo o livro Sublimação e Unheimliche, de Alessandra Parente. Assim, a autora escreve, na introdução, sobre o caráter paradoxal da sublimação: “[…] o conteúdo que emerge do inconsciente, servindo como matéria essencial para a criação, não pode mostrar sua natural face subversiva, a menos que seja amainada por ornamentos ou superfícies formais que reiteram o estado vigente das coisas” (PARENTE, 2017, p.38).  O livro toma para si a tarefa de explorar aspectos sociais e históricos presentes no período de elaboração da teoria freudiana, de modo que a autora pretende expor não apenas a maneira como Freud concebia a cultura, mas a maneira como concebia a forma assumida pela cultura na época em que viveu e que viu nascer a nova disciplina. Ela se compromete, então, com a investigação das implicações psíquicas, sociais e políticas de tais concepções. À luz dessa chave, a primeira parte do livro mostra o modo pelo qual o modelo político-cultural do Império Austro-Húngaro aparece no conceito de sublimação. A. Parente defende que aparece nesse conceito freudiano um patriarcalismo que não teria percebido seu próprio fim, fim este que teria sido gestado pela Reforma Protestante e pela Revolução Francesa. O término não elaborado dessa ordem patriarcal, cujo representante paradigmático teria sido Francisco José I, teria promovido como resultado o surgimento de um espírito melancólico.  No sentido psicanalítico, a melancolia, assim defende Freud, está relacionada a uma situação em que o Eu perde o objeto amado e não reconhece essa perda, introjetando o objeto e, consequentemente, deixando de fazer o trabalho de luto que se sucederia. Além disso, o não reconhecimento da perda seria disparado por uma culpa relacionada ao fato de o sujeito direcionar ao objeto um sentimento de ódio ou o desejo de matá-lo. Em virtude dessa ausência de reconhecimento, a hostilidade que se voltaria para o objeto inflete-se agora, na melancolia, para o próprio Eu que se regozija tanto com a manutenção do objeto quanto com sua própria punição. “A sombra do objeto caiu sobre o Eu” (FREUD, 1917/2011, p.61) foi a bela formulação que Freud encontrou, em Luto e melancolia, para esse estado de coisas. Do ponto de vista econômico (no sentido da metapsicologia), isso corresponde a uma inflação do Eu, já que lhe torna mais difícil realizar investimentos de libido em outros objetos. Essa hipertrofia do Eu, sustenta agora A. Parente, está relacionada com a sublimação.  A referência à melancolia permite à autora proceder a um diagnóstico da cultura da época, em favor do que ela convoca as análises que W. Benjamin fornece dos dramas do Barroco alemão. No Trauerspiel, o traço marcante seria a fragilidade dos soberanos, a exposição do abalo que incidira sobre o poder monárquico. Qual é a reação dos cidadãos do Império Austro-Húngaro diante desse abalo? Eles preferem, diz a autora, alhear-se das discussões políticas e investir em uma “cultura dos sentimentos” que supervaloriza as artes e a beleza. Tudo se passa aqui como se, quanto mais complexas e investidas fossem as percepções dos objetos internos, mais os indivíduos se afastassem do âmbito público. Neste lugar, estaria então localizada a função da sublimação: ela estaria a serviço de dar vazão ao mundo interno sem tocar a questão dos problemas públicos. Isso corresponde, por óbvio, a uma crítica do conceito freudiano de sublimação, pois, na medida em que consiste em um processo conduzido pelo Eu com o intuito de, simultaneamente, obter reconhecimento social e realizar de modo parcial desejos sexuais e agressivos do artista, ela submete conteúdos que seriam resistentes à civilização a uma adaptação, contribuindo, assim, para a manutenção do “estado vigente das coisas”.  Já com o Unheimliche4, o que se passa seria algo bem diferente porque sua expressão pelo artista trabalharia o conteúdo do trauma sem integrá-lo, afastando-se de valores que são reconhecidos pela sociedade de maneira não crítica e não problemática. O encaminhamento da reflexão estética na direção dessa noção teria, por esse motivo, desalojado Freud do lugar de um liberalismo conservador.  Para A. Parente, a condição cultural que tem lugar com a Primeira Grande Guerra reflete-se no encaminhamento do pensamento de Freud, que então sofreria uma alteração significativa. Após a Guerra ele retoma sua teoria do trauma, elabora o conceito de pulsão de morte e escreve Das Unheimliche. Por esse motivo, a autora declara que seu segundo objetivo no livro é mostrar a importância desse acontecimento para a reconfiguração da teoria freudiana da cultura, o que significaria que essa reconfiguração alcançaria também o conceito de sublimação que Freud mobilizava até então. Nesse período, ele teria reconhecido limites em tal conceito, tendo sido por isso que: 1- não publicou o artigo metapsicológico que teria escrito sobre a sublimação e 2- escreveu o texto O inquietante. Isso faria parte de um cenário em que a condição psíquica prevalecente deixa de ser a melancolia e passa a ser o pânico.

Como órfãos de uma cultura perdida”, escreve a autora, “os homens que vagavam melancolicamente pela vida finalmente são obrigados a olhar para o vazio deixado após a guerra e para sua condição de desamparo. Juntando migalhas, tecem narrativas desconexas, potentes e vigorosas. Ao contrário do verniz que encerava o processo sublimatório, é possível ver uma inconsistência e uma precariedade mais fiéis à seiva inconsciente (p. 40).

A tese central do livro precisa então ser assinalada ao redor disso: há uma inflexão relevante entre a sublimação e o Unheimliche na teorização que Freud dedica à arte. Eles seriam dois processos de simbolização distintos e o entendimento da transição entre ambos precisa ser referido à repercussão que a Primeira Grande Guerra teria tido no pensamento freudiano. Tal chave dará ensejo a diversas incursões por obras artísticas e, especialmente, a autora recupera essa tensão entre o destaque conferido ao ouro na pintura de G. Klimt e a exposição crua da carne na de E. Schiele. Suas obras podem ser vistas como signos de uma amplitude de contexto cultural que, segundo A. Parente, ecoa na argumentação que Freud tece entre esses dois períodos cuja separação teria sido marcada com a Grande Guerra. A passagem entre o mestre e o discípulo – isto é: entre Klimt e Schiele – sinaliza uma ruptura da nudez para com a extravagância dourada e permite perceber a queda do véu da ornamentação, conduzindo decisivamente a obra de arte à exploração do Unheimliche, o que corresponderia a uma potência mais ampla de deslocamento e disrupção relativamente à ordem social estabelecida.  Há muitos percursos possíveis para a leitura desse livro tão rico. Porém, em torno de sua tese central, A. Parente não entrega o ouro fácil. Ela exige bastante de sua leitora porque a costura da argumentação precisa ser feita constantemente. Nossos fios de coser são convidados a passear pelas duas partes constitutivas do livro, demarcadas entre si a partir dos dois momentos identificados na reflexão estética de Freud, e que acabam de ser assinalados aqui. Em torno do primeiro momento – ou seja, da primeira parte do livro –, temos sete capítulos que elaboram sucessivamente os seguintes recortes: o teatro na Viena finse-siècle, a relação entre modernidade e melancolia, o declínio da imagem do pai, o feminino na obra de Klimt, a abordagem romântica da sublimação, a relação entre Freud e Goethe, o estatuto da escrita freudiana. Já na segunda parte do livro, nos deparamos com cinco outros capítulos, sendo que o primeiro deles situa a obra de Freud diante de sua desilusão com a guerra, o segundo aborda a articulação entre o sentimento de pânico e a condição de desamparo, o terceiro investiga a figura do Unheimliche na obra de E. T. A. Hoffmann, o quarto fornece uma leitura da produção de E. Schiele e o último retorna ao Édipo mediante a referência a H. von Hofmannsthal.  Diante das etapas assim desenhadas, podemos levantar algumas questões. Por exemplo: como podemos identificar em Klimt o modelo sublimatório nos termos propostos (p. 179) e ao mesmo tempo reconhecer em sua obra um profundo questionamento do poder patriarcal (p. 180)? Isso não seria prova de que a sublimação pode trazer resultados que ultrapassam a expectativa da aceitação social? Quando se diz que a Guerra imprime também uma mudança no próprio estilo de Freud, que análise concreta seria possível fazer desse estilo? Como o esforço de referir a teoria psicanalítica à história de seu tempo, especialmente mediante o estudo das obras de arte selecionadas, permitiria avançar a sua compreensão e o modo pelo qual ela dispõe seus conceitos? Chegamos, ao final do livro, no contexto de uma discussão sobre a peça A torre, de Hofmannstahl, a um comentário de Totem e tabu que está longe de ser trivial. Mas, dali, olhamos para um certo abismo, desamparados em busca de “considerações finais” que estivessem a serviço de dizer que um certo itinerário se encerrava ali de um certo modo, ainda que abrisse atalhos para tantas outras coisas. É especialmente importante ficar atenta ao fato de que a argumentação do livro vai se voltar para o tema do feminino. Uma das pistas mais relevantes nesse sentido, além do destaque dedicado a Klimt e Schiele – e, consequentemente, a essa questão – é a epígrafe do capítulo 3, que traz um pequeno trecho de 1907 das Atas da Sociedade Psicanalítica de Viena. Nele, lemos muito a  contragosto, para dizer o mínimo, que, “na opinião de Freud, a verdade é que a mulher nada ganha pelo estudo e que, no todo, a sorte delas não há de melhorar com isso. Acresce que as mulheres não podem alcançar a realização do homem na sublimação da sexualidade” (citado por PARENTE, 2017, p.141). Não se pode acusar Freud de ter sido incoerente com esse posicionamento nos textos que publicou durante sua vida. Pois conhecemos bem – nós, suas leitoras – o modo pelo qual ele se esforça por destituir as mulheres das condições ética e estética. Mas, por mais que seja difícil para nós hoje equacionar essas duas coisas, também devemos em larga medida a Freud a construção de um território em que o pensamento feminista se tornou possível. Dívida que começa, é claro, no que concerne à psicanálise, com a coragem das mulheres que ocuparam seu divã. A exemplo de Dora, com quem abri essa resenha, eram sobretudo mulheres que colocavam em cena, ainda que de modo deformado, seu desejo na clínica de Freud durante seu período inicial. Convém lembrar, a esse respeito, as seguintes palavras de J. Mitchell: só podemos entender o significado da obra de Freud

[…] se compreendermos primeiro que eram exatamente as formações psicológicas produzidas dentro das sociedades patriarcais que ele estava revelando e analisando. A oposição à história assimétrica sobre os sexos, proposta por Freud […], pode muito bem ser mais agradável no igualitarismo que ela assume e revela, mas não faz sentido algum para uma defesa mais profunda de que sob o patriarcado as mulheres são oprimidas – uma argumentação que só as análises de Freud podem nos ajudar a compreender (1974/1988, p.7).

Isso significa, dentre tantas coisas, que é ainda urgente rever, comentar, repensar Totem e tabu nessa sua direção fundamental de estabelecer uma equivalência entre cultura e masculinidade e da qual, a meu ver, Lacan não soube se desvencilhar o suficiente. A. Parente acena para essa tarefa ao encerrar seu livro, de modo que a peça de Hofmannstahl dá ensejo a localizar essa pergunta pelo legado do mito freudiano e a marcar, talvez, mais um ponto de tensão entre o território do Unheimliche e o do patriarcado, embora ainda pareça pouco vincular, como faz a autora, a posteridade de Totem e tabu apenas ao tema da insurgência.  A questão da mulher é um dos pontos mais pungentes em que a obra de Freud parece ser refém de seu contexto. Não é o caso de avançar aqui em sua exploração, mas ela força a esta pergunta de base, tão centralizada pelo livro de A. Parente: em que medida a obra reverbera seu contexto histórico, em que medida é independente dele?  No que diz respeito ao segundo dualismo pulsional, não podemos deixar de lembrar a argumentação que L. R. Monzani constrói em Freud: O movimento de um pensamento. Para ele, o conceito de pulsão de morte não pode ter sua inteligibilidade referida à Grande Guerra5, pois tratar-se-ia, com tal conceito, de um elemento presente na obra de Freud desde o início em virtude da própria caracterização da pulsão como alguma coisa que possui a tendência a eliminar a si mesma. Lemos, assim, que “[…] a ideia de uma tendência à inexcitabilidade total e absoluta era um dos ordenadores fundamentais da rede teórica elaborada por Freud, que atravessa toda a sua obra de um extremo ao outro […]” (MONZANI, 1989, p.228). Pensar a pulsão de morte como resposta a um acontecimento histórico seria, assim, para Monzani, perder de vista a lógica interna que guia o movimento do pensamento. No livro de A. Parente as cartas são, a meu ver, claramente apresentadas em um sentido oposto.    Aqui o historicismo é assumido em torno de um pressuposto metodológico articulado com a leitura de W. Benjamim, de cujas teses sobre a história ela destaca a ideia de que a “substância histórica” está presente na estruturação dos conceitos. Tal estratégia envolve, como qualquer estratégia, perdas e ganhos. Que se ganha, espero ter conseguido mostrar um pouco. É preciso acrescentar, todavia, que a autora sinaliza nesse sentido para a aposta de que o resgate da história dos conceitos possui a capacidade de indicar forças que teriam sido abafadas pelas circunstâncias em que foram construídos. Por outro lado, se se defende que conceitos são amplamente tributários do contexto vivido por aquele que os pensou e construiu, então corre-se o risco de não se poder empregá-los sob a pena da óbvia objeção de serem datados. Qual a medida de sua sobrevivência? Por que alguns teriam uma vida para além da situação em que nasceram enquanto outros não? Por que aceitamos, por exemplo, um conceito metapsicológico de inconsciente, enquanto rejeitamos as teses de Freud sobre a inferioridade da mulher? Não são todos – tal conceito e tais teses – situados no mesmo contexto histórico? Se levássemos o ponto até suas últimas consequências, não seria, aparentemente e afinal, nem despropositada nem ingênua a pergunta: que direito tem a psicanálise de ser psicanálise após Freud? Esse tipo de impasse não restou, é claro, desapercebido por A. Parente. A solução encontrada por ela parece ser formulada aproximadamente do seguinte modo: “Conceitos e noções representam ideias que atravessam os tempos, mas só ganham feições nas malhas concretas da história” (PARENTE, 2017, p.51). Mas, se é assim, a pergunta pelo estatuto do Unheimliche não permanece em aberto? Se a noção de inquietante tem na Primeira Grande Guerra sua condição de possibilidade, possuiria ela alguma força para “atravessar os tempos”? O problema poderia também ser organizado de uma maneira não menos necessária por ser aparentemente trivial: por que continuamos a reconhecer que têm lugar processos de sublimação, apesar de a melancolia ter sido atrelada ao período que antecedeu a Primeira Guerra? São questões que, a meu ver, podem, dentre tantas outras, ser construídas com o livro de A. Parente de modo a favorecer o debate e a continuidade da investigação.

Referências

FREUD, Sigmund. (1905[1901]) Análise fragmentária de uma histeria. In:____. Obras completas. Volume 6. (Trad. P. C. de Souza) São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

FREUD, Sigmund. (1908) “A moral sexual ‘cultural’ e o nervosismo moderno”. In: ____. Obras completas. Volume 8. (Trad. P. C. de Souza) São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. (Trad.: M. Carone). São Paulo: Cosacnaify, 2011.

FREUD, Sigmund. (1927) O futuro de uma ilusão. (Trad.: R. Zwick) Porto Alegre: L&PM, 2012.

LACAN, Jacques. (1952[1951]) Intervenção sobre a transferência. In: ____. Escritos (Trad.: V. Ribeiro). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

MITCHELL, Juliet. (1974) Sobre Freud e a distinção entre os sexos. In: ____. Psicanálise da sexualidade feminina. (Trad.: L. O. C. Lemos). Rio de Janeiro: Campus, 1988.

MONZANI, L. R. Freud: O movimento de um pensamento. Campinas: Editora da Unicamp, 1989.

PARENTE, Alessandra. Sublimação e Unheimliche. São Paulo: Pearson, 2017.

Notas

1 Dora estava envolvida em um enredo que implicava, além de seu próprio pai, duas pessoas casa-das entre si que Freud nomeia “Sra. K” e “Sr. K”.

2 “Quanto maior o tempo que me separa do fim desta análise, mais provável me parece que meu erro técnico consistiu na seguinte omissão: eu não percebi a tempo e não comuniquei à paciente que a mais forte das correntes inconscientes de sua vida psíquica era o impulso amoroso homosse-xual (ginecófilo) relativo à Sra. K” (FREUD op. cit., p.317).

3 Cf., por exemplo, Freud 1927/2012, p.51-2

4 O termo é por vezes traduzido por “inquietante”, outras por “estranho” e ainda por “sinistro” ou por “ominoso”.

5 Cf. nota 38, p.318

Léa Silveira – Professora de Filosofia da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Lavras, MG, Brasil.  E-mail: leasilveiralea@gmail.com

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História de duas cidades: Paris, Londres e o nascimento da cidade moderna | Jonathan Conlin

O livro “História de duas cidades: Paris, Londres e o nascimento da cidade moderna”, de Jonathan Conlin, é fascinante. O historiador americano, radicado na Grã-Bretanha e reconhecido por pesquisas na área de museologia, utiliza uma abordagem que combina erudição, criatividade, pesquisa documental e imaginação histórica para analisar o desenvolvimento das cidades modernas a partir da Paris e da Londres dos séculos XVIII e XIX – ou seja, a chance de sermos tomados de surpresa nos mantêm alertas ao longo do livro.

A obra é dividida em seis capítulos – elaborados de modo a nos darem a sensação de um passeio – sobre a Paris e a Londres dos séculos XVIII e XIX. A partir de periódicos, documentos oficiais, memórias, relatos de viajantes, ilustrações, obras literárias, entre outros, Conlin analisa a relação entre metrópole, arquitetura e indivíduos, esquadrinhando seis distintos territórios da vida urbana parisiense e londrina: o lar, a rua, o restaurante, o music hall, o submundo noturno e o cemitério. Leia Mais

“Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz”. A Trajetória Esportiva de Duda | Suellen dos Santos Ramos

Ao falar sobre biografias são escassas as obras que abordam as mulheres no meio esportivo, mais raras ainda são aquelas que abordam o futebol de mulheres. No país do futebol as histórias das mulheres futebolistas passam a margem dos grandes salários, dos espaços midiáticos e do grande número de competições disponíveis. No entanto, a grandeza de suas trajetórias é o que fizeram e fazem a construção histórica do futebol de mulheres no Brasil.

A obra de Suellen do Santos Ramos e Silvana Vilodre Goellner intitulada “Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz”. A trajetória esportiva de Duda” focaliza a história da ex-atleta de futebol Eduarda Maranghello Luizelli, um nome de referência do futebol de mulheres no Rio Grande do Sul. Ao narrar a trajetória de Duda a obra contribui para reconstruir a história do futebol praticado pelas mulheres no Sul do Brasil. Leia Mais

O que é Educação Histórica – SCHMIDT; URBAN (REH)

SCHMIDT, Maria Auxiliadora M. dos S.; URBAN, Ana Claudia. O que é Educação Histórica. Curitiba: W.A. Editores, 2018. Resenha de: SUKOW, Nikita Mary; URBAN, Ana Claudia. Revista de Educação Histórica, Curitiba, n. 17, p.86-89, jul./dez., 2018.

Organizada por Maria Auxiliadora Schmidt e Ana Claudia Urban, professoras do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR e vinculadas ao Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da mesma universidade (LAPEDUH/UFPR), a obra “O que é Educação Histórica” (2018) inaugura uma coleção que se debruça sobre as problemáticas e questões tangentes ao domínio científico da Educação Histórica. Conforme anunciam as autoras, a característica marcante da coleção é a sua construção coletiva levada à cabo por professoras-historiadoras e por professores-historiadores que debruçam-se sobre as pesquisas em ensino de história. Ao longo de seis capítulo, o livro delineia o domínio da Educação Histórica, elencando sua tradição historicamente construída, seu arcabouço teórico próprio, as pesquisas desenvolvidas e sua relação com a vida prática das e dos professores e estudantes.

O primeiro capítulo discute a tradição historicamente construída da Educação Histórica, desde seus primórdios na década de 1960 com a History Education de origem inglesa e seus reflexos nas investigações portuguesas, passando pelas reflexões em Didática da História advindas da Alemanha, até chegar a consolidação deste campo no Brasil.

Após este resgate histórico, os capítulos seguintes discutem a fundamentação teórica das investigações em Educação Histórica. Em “Fundamentos da Educação Histórica”, o arcabouço teórico é trazido à tona, em especial a partir da Teoria e da Filosofia da História esboçadas por Jörn Rüsen. Destaca-se, neste momento ainda, a especificidade das investigações em Educação Histórica desenvolvidas no Brasil, isto é, a da interlocução entre as ideias rüsenianas e a Ciência da Educação – característica que pode ser encontrada nos exemplos de investigações trazidos pelo capítulo. á em “Educação Histórica e a aprendizagem da narrativa”, a narrativa histórica, como um dos elementos da matriz disciplinar da Ciência da História elaborada por Rüsen, é apontada como o foco principal da narrativa histórica. Ancorando-se neste historiador alemão, os e as autores(as) do capítulo ressaltam a teoria de que aprender história é aprender a narrar historicamente. A partir disso, em um primeiro momento, realizam um debate teórico acerca da teoria narrativa esboçada por Rüsen, passando em seguida para uma discussão acerca de pesquisas empíricas que preocuparam-se com a relação entre narrativa e aprendizagem histórica.

Dando continuidade a esta proposta de exemplificar os elementos teóricos a partir de pesquisas empíricas, o capítulo denominado “Pesquisar em Educação Histórica” resgata o histórico das pesquisas em ensino e aprendizagem históricos. Para tal, partem das pesquisas que tinham como referência o modelo memorialístico, pautado na teoria da aprendizagem associacionista que predominaram no início das investigações em aprendizagem histórica. Tal modelo sofre também a influência da teoria da taxionomia de Bloom e dos teóricos ligados à pedagogia construtivista. Em um segundo momento, o capítulo elenca as investigações pautadas pelas teorias piagetianas e os primeiros estudos, desenvolvidos na década de 1970, que tinham como preocupação a aprendizagem histórica dentro de uma perspectiva que levava em conta a lógica particular do desenvolvimento histórico. O capítulo encerra com as investigações que tomaram como perspectiva a History Education, bem como seus desdobramentos que desembocam nas pesquisas desenvolvidas no LAPEDUH/UFPR.

Concluindo a obra, os capítulos finais abordam a interlocução entre a Educação Histórica, a cultura histórica e a vida prática. O capítulo “Contribuições das pesquisas em Educação Histórica para a prática da sala de aula” ressalta uma das características mais significativas das pesquisas em Educação Histórica, em especial em termos brasileiros, qual seja a de manter a relação entre a teoria e a vida prática, ampliando o diálogo entre a Universidade e a Escola Básica. Esta característica deve-se ao fato da maioria dos e das investigadoras (es) ligados à diretamente nas suas pesquisas, que por sua vez, trazem consequências para as suas práticas. Após tratarem desta relação teoria-vida prática, os e as autores(as) trazem três exemplos de investigações que articularam ambos.

O capítulo final, “A Educação Histórica e o professor como investigador social”, mantém a tônica do capítulo anterior. As autoras refletem sobre o papel do professor e da professora investigadores, apontando como a pesquisa tem sido fundamental para o processo de produção do conhecimento histórico em sala de aula, sobretudo quando a História é entendida como um conhecimento científico. Seguindo o padrão dos capítulos anteriores, iniciam elencando como o papel da pesquisa na formação inicial e continuada dos e das professores(as) foi um tema de investigação que surge na década de 1970 na Inglaterra, tornando-se uma preocupação central das pesquisa em Educação no Brasil da década de 1990. Após esta discussão teórica, a importância e o significado dos Laboratórios de Ensino de História na prática dos e das professores(as) é ressaltada, principalmente pela sua característica de aproximar a Universidade da Escola Básica, diminuindo a separação teoria-prática.

Ainda que diversas obras com a temática da Educação Histórica tenham sido publicadas ao longo dos últimos 20 anos no Brasil, faltava uma obra que agregasse os princípios teóricos e trouxesse exemplos de investigações empíricas no tema de maneira objetiva e visando inserir pesquisadoras(es) interessadas(os) nesta campo de investigação. Lacuna esta preenchida pela obra “O que é Educação Histórica”.

Cabe ressaltar que, apesar de possuir este caráter introdutório à Educação Histórica, as discussões encetadas não se resumem a tal, avançando no diálogo teórico e oferecendo referências para o aprofundamento dos e das pesquisadoras(es) interessadas (os). Como anúncio de uma coleção que pretende avançar nas discussões em Educação Histórica levadas à cabo no Brasil, “O que é Educação Histórica” tem como grande mérito organizar de maneira objetiva os principais temas que giram em torno deste domínio científico. A maneira orgânica pela qual está organizado, iniciando pelo seu percurso histórico, passando pelo aporte teórico e encerrando com a relação com a vida prática, bem como o destaque dado às investigações já realizadas e o grande volume de referências oferecido aproximam as e os interessadas(os) a este campo de investigação. Paralelamente, oferecem subsídios para o aprofundamento das discussões e possibilitam o levantamento de novas questões de investigação.

Além disso, outro ponto a ser destacado é o caráter coletivo de sua elaboração, reforçando uma das peças fundamentais dos grupos de investigação ancorados na perspectiva da Educação Histórica, isto é, a busca pelo diálogo entre a Universidade e a Escola Básica. Cabe destacar, portanto, que o livro não foi apenas construído por professoras(es)-investigadoras(es), mas também para professoras(es)-investigadoras (es). Isso porque leva em conta as experiências dos autores e autoras, que preocuparam-se em elencar as questões fundamentais seja para o desenvolvimento de investigações que tomam como parâmetro a Educação Histórica, seja para suscitar reflexões acerca da prática do ensino de História em sala de aula.

Nikita Mary Sukow – Bacharel e licenciada em História pela UFPR, mestranda da linha Cultura, Escola e Ensino do PPGE/UFPR, bolsista CAPES e vinculada ao LAPEDUH/UFPR. E-mail: nikisukow@gmail.com

Ana Claudia Urban – Doutora em Educação pela UFPR, professora do DTPEN/UFPR e do PPGE/UFPR, vinculada ao LAPEDUH/UFPR. Orientadora do trabalho. claudiaurban@uol.com.br

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Humor Gráfico, Política e História (II) / Fronteiras – Revista de História / 2018

Dando continuidade ao projeto de organização do dossiê Humor Gráfico, Política e História para a Fronteiras: Revista de História, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH / UFGD), apresentamos aos leitores de nossa revista o segundo volume do referido dossiê. Em nosso propósito de “oferecer espaços de discussões teóricas e metodológicas envolvidas na abordagem da história do humor gráfico em suas múltiplas modalidades, bem como para disseminar as pesquisas históricas que tenham as fontes iconográficas como objetos fundamentais da produção historiográfica” – conforme anunciado em nossa chamada pública inicial – trazemos outros importantes estudos de pesquisadores e pesquisadoras do humor gráfico. Esses autores e essas autoras nos oferecem suas contribuições para desvelar ou compreender a presença e os sentidos das diversas modalidades do humor gráfico nos contextos sócio-históricos contemporâneos e seus impactos na realidade social, política e / ou cultural de seus respectivos tempos históricos.

O segundo volume apresenta sete artigos na sessão principal, encerrando o nosso dossiê. Também compõem esta edição outros três artigos recebidos em sistema de fluxo contínuo, que integram a sessão de artigos livres, além da publicação de uma resenha. Todos os artigos publicados nesta edição de nossa revista, em especial os artigos do dossiê Humor Gráfico, Política e História, são oferecidos aos leitores como resultado de nossos esforços para continuar proporcionando um espaço rico e plural em torno das áreas de conhecimento que estabelecem um diálogo profícuo com o avanço da historiografia contemporânea. Leia Mais

História, Natureza e Espaço. Rio de Janeiro, v.7, n.2, 2018.

DÉCIMA TERCEIRA EDIÇÃO

Nesta edição estamos contemplando artigos de Alunos da UERJ-FEBF e Autores externos.

Artigos Científicos

Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano – BRANDÃO (T-RAA)

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1981. Resenha de: OLIVEIRA, Ana Luisa Araújo de. Plantar, Colher, Comer: relações entre a produção e o consumo de alimentos. Tessituras, Pelotas, v.6, n.2, p. 258-265, jul./dez., 2018.

Historicamente, o desenvolvimento rural brasileiro foi pautado, principalmente, pela implantação de grandes propriedades fundiárias e expropriação do camponês, constituindo-se uma verdadeira questão agrária presente desde a colonização aos dias atuais. No contexto de forte repressão dos movimentos sociais e daqueles que eram contrários ao modelo instalado, os anos entre 1965 e 1984 marcaram o período da ditadura militar e a publicação do livro que ora é resenhado ocorre em 1981 em um cenário completamente desfavorável para reflexões sobre o campesinato no Brasil.

Diante disso, a importância dada ao debate naquele momento era pequena, porém “ganhou corpo” após a redemocratização em 1985 e aumentando consideravelmente a partir da década de 1990 com a pressão exercida pelos movimentos sociais, o reconhecimento internacional da importância da agricultura de base familiar e a criação de políticas públicas para esse grupo social. No entanto, mesmo com essas mudanças, pouco discute quanto as práticas sociais de produção e consumo de comida dos camponeses brasileiros. Nesse sentindo, essa resenha se propõe a uma releitura do livro “Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano”, de Carlos Rodrigues Brandão, buscando conexões entre o trabalho do autor e o debate contemporâneo sobre as temáticas ligadas à alimentação.

Como dito, o livro escrito por Carlos Rodrigues Brandão “Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano” foi publicado em 1981 e oferece ao leitor reflexões sobre hábitos alimentares, ideologias e crenças do camponês no que se refere às práticas sociais de produção e consumo de comida na pequena cidade de Mossâmedes, interior do Estado de Goiás. Retomar esse livro depois de tantos anos, contribui para (re)descobrir as relações entre a produção e o consumo, assim como o entendimento de que os alimentos são iguarias dotadas de significados, de forma que compreender as práticas voltadas à comida é chave para a análise sobre os modos de sociação singulares entre camponeses.

Importante destacar que, o livro de Brandão dialoga com o clássico de Antônio Cândido “Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e as transformações de seus meios de vida” publicado pela primeira vez em 1964, e com “O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa” de Ellen Woortmann e Klass Woortmann, publicado em 1997.

Além disso, sua abordagem dialoga com a disciplina de Sociologia da Alimentação, a qual discute elementos para compreender o moderno sistema alimentar e as relações entre alimentos, saúde e ambiente sob um ponto de vista político e social. Cassol e Schneider (2015), se referindo a essa disciplina, destacam outros elementos que tem impulsionado as discussões, como as questões de saúde pública (desnutrição e obesidade), a opulência do consumo e consequente desperdício de alimentos, as ações de segurança alimentar e nutricional (SAN) e as ações voltadas à agricultura familiar, o que aparece no livro de Brandão.

O livro de Carlos Rodrigues Brandão está dividido em sete capítulos e apresenta três anexos que contribuem para enriquecer a obra, aumentar o valor do trabalho de campo realizado e melhorar a compreensão do leitor quanto às práticas alimentares do camponês brasileiro, a partir da apresentação das receitas de comida do lugar.

No capítulo 01 Brandão faz uma introdução de seu estudo, apontando que a análise se concentra na produção, circulação e consumo de alimentos, principalmente, em três fases de relações que o lavrador aponta ao falar sobre seu trabalho e as condições de acesso à sua comida: “as duas primeiras quando o lavrador define sua experiência como um agricultor de cereais: a terceira quando se apresenta como um dos consumidores da comida do lugar” (BRANDÃO, 1981, p. 12).

Uma melhor compreensão do leitor sobre as relações que coexistiram em Mossâmedes é fornecida por Brandão no capítulo 02, quando o autor faz uma descrição preciosa dos habitantes que a colonizaram e os ciclos econômicos que a cidade passou: de uma local de aldeamento de índios à residência de verão dos governadores da Província, posteriormente abandonada por funcionários da Coroa e por seus primeiros habitantes à uma região repovoada por ganadeiros e agricultores de cereais (alguns desses últimos vindos de região mineiras em decadência).

Especificamente, na primeira fase as relações consideravam as trocas entre a sociedade produtora e a natureza como o primeiro espaço efetivo de produção. Nessa fase o espaço era dominado pela natureza e as relações sociais eram dadas entre os fazendeiros e os agregados.

Esses podiam usar as pastagens, criar porcos e galinhas, cultivar cereais e outros vegetais permanentes e semipermanentes na fazenda. Além disso, ao mesmo tempo em que eram agricultores, eram coletores, caçadores e pescadores – a percepção dos lavradores dessa fase é de uma natureza hostil (sem domínio do homem).

O surgimento de um mercado para os cereais é visto pelos lavradores como o principal responsável pela mudança da primeira para a segunda fase da relação entre natureza, lavradores e proprietários das terras.

O reflexo da mudança de uma economia de subsistência para uma economia voltada ao mercado foi o aumento da área com o cultivo de gramíneas para o gado e cereais (arroz, milho e feijão), bem como o uso de adubos, máquinas e implementos agrícolas obtidos por meio de financiamentos da produção. Nessa segunda fase as relações colocam em confronto categorias de produtores nos limites de um espaço de natureza e da sociedade constituída. Nesse momento as relações foram redefinidas, os não proprietários tornaram-se agregados-meeiros.

O sucesso do aumento da área de produção e da modernização da agricultura resultou em um crescente número de fazendeiros reduzindo ou eliminando os contratos de “lavoura na meia”. A resposta a este momento, foi a migração dos agregados para a área urbana de Mossâmedes. Na terceira fase os lavradores consideram-se consumidores e um novo espaço de relações se constitui na sociedade urbanizada, através da comida consumida.

A progressiva restrição do acesso a recursos imediatos de obtenção de alimentos familiares, fora os das lavouras associadas, é considerado pelo lavrador como uma das razões mais decisivas para a certeza de que “não compensa” mais morar nas fazendas (BRANDÃO, 1981, p. 28).

Importante ressaltar que, a série histórica de dados da Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) e da Pesquisa Pecuária Municipal (PPM) do IBGE, quantificam a descrição qualitativa realizada pelo autor sobre as mudanças da produção agrícola e pecuária e contribuem para visualizar que, as características permaneceram dinâmicas ao longo da história de Mossâmedes. Além disso, quando confrontado aos dados brasileiros evidencia semelhanças no que se refere a transformação da “economia de subsistência para uma economia voltada ao mercado”.

Em Mossâmedes, ao longo dos últimos 30 de sua história observa-se redução dos cultivos de cereais (arroz, feijão e milho, principalmente) destinados a alimentação humana e aumento de cultivos de soja, assim como aumento de 70% na criação de aves em virtude da instalação de grandes aviários na região. Além disso, em 2010 a cidade de Mossâmedes contava com 5.007 habitantes, dos quais somente 35% residiam no meio rural (IBGE, 2010).

Uma vez lavrador urbanizado, Brandão teve o cuidado de dedicar o capítulo 03 a esse ator social. Nele o autor explica quem são esses atores, como trabalham na cidade, como reorganizam a família e como manipulam os recursos para acesso e consumo de comida.

Brandão ressalta que, além de nascidos “na roça”, os lavradores de Mossâmedes tiveram uma vida ligada a agricultura. Com a mudança para a cidade, esses redefinem-se profissionalmente e passam a ser diarista de seus empregadores – que podem ser ou não fazendeiros. No entanto, as preocupações da família continuam direcionadas a prioridade de obtenção de alimentos.

O autor pontua que, mesmo morando na cidade, o lavrador urbanizado tende a continuar como um produtor rural parceiro e aproveita as terras sob seu uso para o plantio de arroz, milho e feijão. Em alguns casos também para o cultivo de culturas complementares: mandioca, amendoim, café e banana. Mas, Brandão ressalta que a cada ano “os fazendeiros reservam porções maiores de suas fazendas para as suas próprias lavouras ou para a formação de pastagens, e destinam a produtores sem-terra áreas cada vez menores e de pior qualidade de terreno” (BRANDÃO, 1981, p. 37).

Os alimentos produzidos pelo lavrador urbanizado são, em sua maioria, guardados para o consumo da família, ainda são feitas trocas entre parentes e doações para a igreja, assim como para famílias mais pobres. A sobra as vezes pode ser destinada à venda.

Complementar a produção “na meia”, Brandão constatou que essas famílias mantêm pequena plantação caseira (frutas, verduras e legumes) e criação de animais (porcos e galinhas) no quintal da casa, sendo a mulher a principal responsável pela produção doméstica. Além disso, uma terceira forma de acesso aos alimentos do lavrador urbanizado é por meio da compra em Mossâmedes.

Da fazenda para uma casa na “vila”, a família do lavrador completa um ciclo de relações de acesso aos alimentos que começa com a produção de todos os alimentos consumidos, quando o lavrador é agregado de uma das fazendas da região; e termina com a compra de quase toda a comida familiar, quando o lavrador residente na cidade, é um produtor rural assalariado, não produz como parceiro e reside na “vila” em uma casa com quintal pequeno e em terreno “da serra” (BRANDÃO, 1981, p. 42).

Concomitante a mudança nas formas de acesso aos alimentos, a mudança para a cidade também altera a sequência e os horários de alimentação, tendendo a equiparar ao costume de centros urbanos. No entanto, “a variação da dieta alimentar entre sujeitos de classes sociais diferentes está mais na frequência de alimentos de mais alto custo do que na variação de tipos de comida” (BRANDÃO, 1981, p. 43).

Os três capítulos seguintes (04, 05 e 06) apresentam as ideologias e crenças dos lavradores urbanizados sobre a produção, acesso, circulação e consumo de comida. Nesses capítulos, o autor enfatiza que as respostas dos lavradores entrevistados sempre começavam por uma comparação entre as condições dadas em um “tempo antigo” e as dos “dias de hoje”.

Palavras como “sadia/fraca” para caracterizar a qualidade da terra e/ou do alimento são comumente utilizadas e descritas de forma preciosa pelo autor. As matas, as árvores e os rios são percebidos e relacionados ao modo de uso pelos lavradores.

A percepção do lavrador evidencia dimensões simbólicas, culturais, espaciais e naturais dos alimentos e são cuidadosamente abordadas por Brandão. A riqueza da obra é ainda maior diante dos capítulos que trazem, na íntegra, trechos da fala de diversos entrevistados, tornando a leitura ainda mais prazerosa, até mesmo para aqueles que não estão muito familiarizados com o tema.

Brandão evidencia que a chegada à cidade representa o início de uma série de rupturas e redefinições quanto a prática alimentar, marcando uma passagem de um período de fartura à um tempo de restrições, resultando “[…] no empobrecimento da dieta familiar com a diminuição da quantidade e da variedade de mantimentos […]” (BRANDÃO, 1981, p. 83). De acordo com o autor e, fica a impressão ao leitor, a representação das diferenças de qualidade de vida e trabalho é maior quando separa a fazenda da cidade, do que a natureza da fazenda.

Além da preciosa abordagem de Brandão sobre a vida do lavrador, o autor traz no capítulo VI as ideologias dos entrevistados sobre os alimentos. Nesse sentido, o leitor poderá apreciar os valores atribuídos aos alimentos quanto à natureza (remédio, tempero e/ou comida), a origem (da cidade, natureza ou da fazenda – pasto, quintal ou lavoura), se possui origem animal ou vegetal e as classificações quanto à forte ou fraco, quente ou frio, reimoso ou sem reima, gostoso ou sem gosto). Importante ressaltar que, esses atributos dos alimentos são também utilizados para determinar aquilo que o homem come ou não come, ou o que não se deve comer ou pode comer mas faz mal.

No capítulo VII o autor vai trazer uma conclusão de que,

Em Mossâmedes os princípios de proibição do consumo de tipos de alimentos não correm paralelos aos determinantes de acesso a eles. […] a dieta congrega em um mesmo prato os representantes das diferentes séries: há comida forte e fraca, reimosa e sem-reima, quente e fria (BRANDÃO, 1981, p.151).

Brandão ressalta ainda que “o desequilíbrio atual de relações reflete-se, em última análise, na sua alimentação que ele [o lavrador urbanizado] percebe como uma síntese, no prato e sobre a mesa, do resultado de combinações inadequadas entre pessoas com pessoas e pessoas com a natureza” (BRANDÃO, 1981, p. 153).

Nesse sentindo mesmo com a percepção dos lavradores urbanizados das mudanças nas relações sociais e com a natureza, nas suas práticas sociais de produção e consumo, resultado de sua expropriação do rural, a obra de Brandão mostrar que esses carregam aspectos relacionados aos hábitos alimentares, crenças e ideologias que marcam a vida do campesinato.

Apesar das rupturas evidenciadas ao longo do livro, o autor aponta continuidades que são suficientes para os lavradores não romperem com o que Wanderley (1999) chamou de “as raízes históricas do campesinato” e a “tradição camponesa”. E esses lavradores urbanizados podem também ser vistos como um “camponês adormecido” (JOLLIVET, 2000 apud WANDERLEY, 2003) no que se refere aos hábitos alimentares.

Ao fim da leitura, o sentimento é de que, apesar de ser um livro de 1981 ele continua atual para aqueles que se propõem a estudar o modo de vida camponês e/ou hábitos alimentares da sociedade.

É sabido que, no Brasil, o processo de modernização da agricultura e a inserção, cada vez maior, à mercados globais têm sido responsáveis por profundas mudanças no modo de vida daqueles que vivem no campo com a finalidade de reprodução social desenvolvendo agricultura de subsistência ou inseridos em cadeias curtas de comercialização. Brandão conhece bem essa armadilha trazida pela utopia do “desenvolvimento”, o que pode ser visto na riqueza e qualidade do livro “Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano”. Só lendo para conferir!

Além disso, a realidade de Mossâmedes não é uma exceção no Brasil e a medida que a modernização da agricultura avança, mais camponeses tem migrado para a cidade, alterando suas práticas alimentares, relação com a terra e quiça, suas ideologias e crenças são transformadas e/ou perdidas. Nesse cenário, essa obra oferece uma rica descrição de um lugar e pode inspirar o desenvolvimento de estudos contemporâneos sobre a relação do camponês com a alimentação, terra, mercados e consumo, fundamental para a manutenção, ou pelo menos registro, de culturas singulares que compuseram e compõe o rural brasileiro.

Referências

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1981.

CÂNDIDO, Antônio. Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo: José Olympio, 1964. (Coleção Documentos Brasileiros).

CASSOL, Abel Perinazzo; SCHNEIDER, Sérgio. Produção e consumo de alimentos: novas redes e atores. Lua Nova, v. 5, p. 143-177, 2015.

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Raízes históricas do campesinato brasileiro. In: TEDESCO, João Carlos (Org.). Agricultura familiar: realidades e perspectivas. Passo Fundo: EDIUPF, 1999. p. 23-56.

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Agricultura Familiar e campesinato: rupturas e continuidade. Revista Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n. 21, p. 42-61, 2003.

WOORTMANN, Ellen; WOORTMANN, Klaas. O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa. Brasília: UnB, 1997.

Ana Luisa Araújo de Oliveira – Graduada em Agronomia (UNEMAT); Mestre em Engenharia Agrícola, área de concentração de Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável (FEAGRI/UNICAMP) e; Doutoranda no Programa de Pós Graduação Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Tem interesse nos seguintes temas: desenvolvimento rural, políticas públicas, meio ambiente e agricultura. E-mail: aluisamt@gmail.com .

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História, Natureza e Espaço. Rio de Janeiro, v.7, n.2, 2018.

DÉCIMA TERCEIRA EDIÇÃO

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Artigos Científicos

As ditaduras militares no Brasil e no Cone Sul: história, historiografia e memória  | SÆCULUM – Revista de História | 2018

“Um povo sem História não é gente, não pode ser gente, não tem como ser gente.” A frase, pronunciada por uma lavradora analfabeta e transcrita em nota da ANPUH-DF ao tratar da destruição recente do Museu Nacional3 , sintetiza a função social e o compromisso ético da História com as gerações atuais e futuras. A História, fruto da construção epistemológica do conhecimento na modernidade, encontra-se hoje envolvida numa trincheira em favor da democracia, da ciência, dos direitos humanos, do qual é caudatária. Dos diversos temas e objetos que são de interesse dos historiadores, aqueles dedicados à História recente, sobretudo, aos regimes ditatoriais do século XX vêm sendo alvo de negação considerados frutos do anti-intelectualismo emergente e de uma política do ódio que desconsidera o “Outro”, suas diferenças, direitos e pluralidades. Neste sentido, este número temático assumiu o compromisso de trazer a público, a partir dos cânones epistemológicos da pesquisa histórica, artigos dedicados às ditaduras no Cone Sul, considerando seus aspectos transnacionais e as especificidades das experiências nacionais. A pluralidade de temas, recortes, fundamentação teórica, fontes e metodologias reforçam os princípios da multicausalidade na construção da narrativa histórica, cujo rigor não está na exclusão de abordagens, mas na valorização de diferentes referenciais teórico-metodológicos, no domínio da historiografia e no uso de fontes. Leia Mais

A Ilustração (1884-1892): Circulação de Textos e Imagens entre Paris, Lisboa e Rio De Janeiro | Tania Regina de Luca

A Nova História Cultural tem proposto abordagens com foco na mediação e nas trocas culturais e simbólicas, ocorridas desde o século XVI até os dias atuais, entre a Europa e o continente americano, sobretudo na região do cone sul. Neste sentido está a obra A Ilustração (1884-1892): circulação de textos e imagens, entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro que expõe a intensa relação estabelecida entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro a partir do entendimento da difusão cultural cujo polo irradiador era a França, país mundialmente conhecido por manter refinados modos, costumes e progressos técnicos. O objetivo do livro é analisar sistematicamente o periódico e demonstrar a lógica da circulação através do Atlântico, além dos projetos culturais e políticos que envolveram a revista e seu principal responsável, Mariano Pina (1860-1899).

O estudo da publicação esteve circunscrito num projeto maior de pesquisa, intitulado “Circulação Transatlântica dos Impressos – a globalização da cultura no século XIX”, coordenado por Jean-Yves Mollier (Université Saint-Quentin Yvelines) e por Márcia Abreu (UNICAMP), com objetivo em investigar impressos que circularam entre Inglaterra, França, Portugal e Brasil no período de 1789 a 1914, recorte inspirado no clássico livro de Eric Hobsbawm (1917-2012), A Era dos Impérios (Editora Paz e Terra, 2012). O livro de Tania Regina de Luca (Unesp – Câmpus de Assis) abordou o periódico a partir da perspectiva de fonte e objeto, ou seja, as análises são realizadas levando em conta o aspecto diacrônico, que assenta o periódico na ótica da história da imprensa, e sincrônico, extraindo evidências e diálogos entre os agentes dos impressos e as publicações contemporâneas. Ademais, a mobilização de A Ilustração contribuiu ricamente para demonstrar novo e instigante modo de manuseio das fontes periódicas: ambos os eixos puderam ser vistos sob o ponto de vista transnacional, de forma a demonstrar como a revista estabeleceu relações culturais e econômicas com outras publicações do Brasil e de países europeus, ponto, aliás, destacado por Márcia Abreu no prefácio. Leia Mais

A Malinche dos cronistas – JOSÉ (FH)

JOSÉ, Maria Emília Granduque. A Malinche dos cronistas. Curitiba: Editora Prismas, 2016. 158 p. Resenha de: SILVA, Rodrigo Henrique Ferreira da. A Malinche do Século XVI. Faces da História, Assis, v.5, n.2, p.316-321, jul.dez., 2018.

A utilização da crônica e de outros textos semelhantes é de suma importância para os estudos coloniais sobre a América. O uso de tais documentos é um campo aberto que começou a ter mais atenção no Brasil nas duas últimas décadas. Além das fontes de arquivos e cultura material, os trabalhos sobre o período colonial se enriquecem com as crônicas, pois cada espaço do continente americano teve seus próprios cronistas, desde os primeiros contatos entre europeus e indígenas, passando pelo processo de conquista, colonização e catequese. A obra aqui resenhada, A Malinche dos cronistas, da historiadora Maria Emília Granduque José, insere-se nesse crescimento de pesquisas que tomam por corpus documental essas crônicas.

A proposta do livro visa preencher uma lacuna em relação aos estudos da história da conquista espanhola sobre as populações indígenas astecas, entre os anos de 1519 e 1521, no atual território do México. Diante dos atores desse evento, uma das personagens destacou-se entre os próprios pares e foi reinterpretada durante longo tempo na historiografia dedicada à conquista espanhola. Trata-se de Malinche, uma índia intérprete que se envolveu e participou desse momento da conquista.

Ao tratá-la como principal objeto de pesquisa, Maria Emília José tem por objetivo consultar os relatos que versam sobre a conquista espanhola do México para analisar o que os próprios cronistas narraram sobre a indígena e qual a imagem que esses homens produziram dela em seus textos escritos no século XVI. Dito isso, a intenção da autora não é propor a busca de um retrato mais verdadeiro, mas sim, analisar a perspectiva desses diferentes cronistas na própria época da conquista, o que não significa ser um registro mais confiável sobre a Malinche em relação aos documentos de séculos posteriores. O estudo em questão contribui no preenchimento da lacuna do tema abordado e, mais especificamente, a participação da Malinche nesse evento. “Saber o que esses cronistas disseram sobre ela é saber um pouco mais sobre o encontro dos espanhóis com os nativos mexicanos e, assim, sobre a conquista do império de Montezuma […]” (JOSÉ, 2016, p. 85).

O livro é composto por uma apresentação, duas partes com quatro tópicos na primeira e sete na segunda, além de um prefácio escrito pelo historiador Leandro Karnal, e palavras finais. É na apresentação e nas palavras finais que a proposta da historiadora justifica-se ao cotejar as correntes do pensamento mexicano mais expressivas dos séculos XIX e XX, que, inclusive, são bem distantes das construídas pelos contemporâneos quinhentistas, mesmo em relação à representação de Malinche.

A primeira delas refere-se ao discurso nacionalista dos primórdios da independência do país, na primeira metade do século XIX. Na intenção de estabelecer uma identidade mexicana, tais autores releram essas crônicas e consideraram a indígena como a grande culpada pela queda do império asteca ao colaborar com Cortés e seus soldados espanhóis e a consequente situação colonial do México. Com isso, nas obras de temática indigenista, “Malinche aparece como uma anti-heroína que vende seu povo aos invasores externos durante a conquista espanhola […]” (JOSÉ, 2016, p. 147). Ou, como afirma Karnal no prefácio da obra, ela seria uma personalidade contraditória por não ter desenvolvido a “consciência étnica”, um conceito europeu e essencialista no sentido de nação de indígena do Oitocentos. Se a intérprete é personificada como um símbolo de traição à pátria, os expoentes do nacionalismo buscam nos governantes astecas – como Cuauhtemoc – a expressão do herói nacional para representar os mexicanos contra os invasores espanhóis.

No entanto, podemos identificar, ainda nos séculos XIX e XX, o enfoque hispanista, que buscou, na escrita, a construção de uma imagem positiva da Malinche ao destacá-la como uma das figuras mais importantes da conquista, sendo esta um feito benéfico na formação de toda a estrutura social e política do México. Além disso, “Malinche aparece, nessa versão, como uma valiosa colaboradora para a obra religiosa e civilizacional promovida pelos conquistadores” (JOSÉ, 2016, p. 148). Por fim, existe uma terceira corrente, a mestiça, que busca conciliar o elemento indígena e espanhol ao usar a mestiçagem como um fator de coesão da nação mexicana. Logo, a intérprete é lida como a “madre da pátria” por gerar o primeiro mestiço mexicano, fruto de sua relação com Cortés, e simbolizar a união do espanhol com o indígena.

Os autores oitocentistas e novecentistas que se propuseram a analisar a figura da Malinche partiram das crônicas quinhentistas para ampararem suas teses e desenvolverem as variadas interpretações da índia, de acordo com seus contextos históricos. Entretanto, Matthew Restall aponta que “quase todos esses elementos são muito reveladores da história mexicana moderna – mas não da Conquista em si […]” (RESTALL, 2006, p. 157), o que faz com que Maria Emília José busque nesses mesmos homens do século XVI os seus relatos sobre a Malinche. São eles: os próprios soldados do momento da conquista, Hernán Cortés e Bernal Díaz; Francisco de Gómara, em 1552; o religioso Bernardino de Sahagún, em 1575; e também os cronistas mestiços Diego Munhoz Camargo, durante 1584-1585, e Alvarado Tezozomoc, em 1598.

Ao verificar nesses diversos textos as informações transmitidas sobre a Malinche, a historiadora sustenta em seu livro uma tese de que os escritos dos cronistas não são coincidentes no que se refere à origem, ao modo como a intérprete chegou até Cortés e ao seu desfecho após o término da conquista aqui retratada, até pelo fato desses homens partirem de lugares diferentes no registro de suas narrativas, já que há crônicas de conteúdos religiosos e outras mais apegadas a questões militares. Por outro lado, a autora mostra na obra que “as impressões legadas por esses narradores acerca da personagem são formadas muito mais por semelhanças do que diferenças” (JOSÉ, 2016, p. 20), e mesmo no caso dos cronistas mestiços, as anotações são equivalentes às dos espanhóis e “suas opiniões acabam se complementando, ou melhor, ajudam a construir uma mesma imagem da parceira de Cortés” (JOSÉ, 2016, p. 21).

Como dito anteriormente, o livro se estrutura em duas partes. Ao considerar o documento da crônica como um suporte textual para armazenar o registro do encontro entre espanhóis e indígenas e as percepções da Malinche, a proposta da primeira parte concentra-se na discussão do processo de formação dessas narrativas, o gênero cronístico e seus autores; mais adiante, analisam-se os motivos e razões da escrita dos textos, levando em consideração os propósitos e interesses pessoais de cada cronista e as leituras e ideias compartilhadas na época que orientaram os olhares sobre os acontecimentos.

A historiografia atual da escrita da crônica segue um caráter inter ou transcultural da produção histórica, devido à suposta dificuldade em generalizar a obra como sendo espanhola, indígena ou mestiça em sentido étnico; ou seja, a produção cronística não necessariamente representa a origem étnica de seu autor, pois cada texto é visto como interlocução particular de um contexto específico, da interação entre tradições distintas e a disposição de diferentes opções e possibilidades segundo o público alvo. Um cronista pode ser indígena de origem, mas socialmente pode pertencer a qualquer grupo pelo fluxo e refluxo constante de informações e ideias; tudo procede das configurações culturais resultantes da produção de significações por interesses, alianças e cumplicidades (LEVIN ROJO; NAVARRETE; INOUE OKUBO, 2007). Como afirma Inoue Okubo, na discussão epistemológica, pode-se reconhecer as três denominações – espanhóis, índios e mestiços – como provisórias apenas para facilitar a compreensão, mas nunca como absolutas. Essa é a linha historiográfica que Maria Emília José segue ao tratar da questão da crônica e dos homens quinhentistas que utiliza como exemplos: Sahagún é um espanhol religioso que usou elementos indígenas para conhecer o passado mexica; Muñoz Camargo é um mestiço que se valeu de elementos europeus na narrativa sobre Tlaxcala. “Ambos os relatos foram o resultado de uma interação cultural nascida do contexto histórico em comum, vivenciado e atuado tanto por indígenas quanto por espanhóis” (JOSÉ, 2016, p. 39).

“A especificidade dos autores envolvidos com essa escrita também configura uma característica dessas crônicas” (JOSÉ, 2016, p. 39). Seus propósitos pessoais em registrar um texto que reafirme seus interesses na América estão interligados, segundo a autora, com o próprio contexto histórico do período: são homens renascentistas em busca de honrarias (valores caros no mundo ibérico), glórias, fama, títulos e todo tipo de recompensas do rei a fim de eternizarem seus nomes na história e servirem de exemplos para as gerações futuras. O renascimento, especialmente o espanhol, coloca em tensão as hipóteses dos antigos gregos com a nova realidade americana. As referências dos cronistas ainda se respaldam nos clássicos antigos e medievais,2 mas algumas teses consolidadas são contestadas pelos seus novos feitos com as navegações e descobertas marítimas; conhecimentos que os povos antigos não obtiveram. Com isso, era preciso igualar os antigos e superá-los com os novos conteúdos e feitos, o que justifica as constantes disputas envolvendo os diferentes pontos de vista defendidos pelos cronistas acerca das novidades. “É dessa forma, pois, que o afã por escrever um texto inovador ou produzir uma obra única caracterizou o cronista espanhol desse contexto” (JOSÉ, 2016, p. 46-47).

Outra referência fundamental e talvez a mais expressiva entre elas, é a premissa religiosa bíblica que conduziu as visões e os olhares desses homens dentro de uma concepção providencialista do mundo.

“Como se vê, o tom pessoal do cronista teve um peso considerável no momento da escrita, de modo que a necessidade de se inserir na história da conquista o fez criar outra ordem para os eventos” (JOSÉ, 2016, p. 76). Com toda a discussão feita em torno da produção cronística, Maria Emília José adentra na segunda parte do livro e analisa a construção da memória dos atores da conquista pela crônica, enfaticamente a Malinche, como foi vista por esses cronistas do século XVI e retratada em seus supracitados relatos.

A história da conquista dos povos astecas pelos espanhóis e outros aliados indígenas foi marcada pelo problema da comunicação. Para que Cortés e seus soldados conseguissem dialogar com os diversos nativos foi preciso a colaboração de intérpretes que entendessem as várias línguas em contato, como o maia, o náhuatl e outros dialetos locais, além do castelhano. Alguns índios capturados por guerra costumavam burlar e distorcer as informações aos espanhóis por animosidade e os induziam ao erro, sendo, com isso, ocultados das crônicas. Entretanto, as exceções foram os intérpretes Aguilar e, principalmente, a Malinche, lembrada em muitos relatos da conquista, mesmo que de forma limitada. É por essa peculiaridade percebida nas crônicas e por outros pontos notáveis revelados pelos cronistas que motivou a autora a estudar seu objeto de pesquisa: o olhar construído sobre a Malinche na própria época dos Quinhentos.

Malinche teria sido enviada de presente junto a outras dezenove mulheres aos espanhóis pelos índios de Tabasco como recompensa por perder a guerra,3 com a intenção de servi-los nos afazeres domésticos, sendo batizadas e repartidas entre os melhores soldados. As mulheres pertencentes à linhagem nobre, normalmente filhas dos senhores principais, eram entregues com a finalidade de se tornarem esposas dos novos aliados – o caso de Malinche –, e as demais, sendo escravas, deveriam servir em diferentes funções a seus novos donos. Há divergências das narrativas sobre o local de origem de Malinche e o modo como foi entregue aos índios de Tabasco, mas, todas em geral reconhecem sua condição que passou por diversas províncias até chegar a Tabasco. Os cronistas Bernal Díaz e Gómara sugerem que o conhecimento linguístico de Malinche se deve à convivência com diferentes grupos durante os anos em que foi tratada como escrava por essas outras populações, o que pode ter contribuído para o aprendizado das línguas faladas na região e que permitiram a comunicação com boa parte dos nativos, e com os hispânicos, posteriormente.

O aparecimento de Malinche foi importante para intermediar os diálogos que serviram de negociações de alianças com os senhores de Tlaxcala e o contato entre Cortés e Montezuma, agindo em benefício dos conquistadores por julgar adequado para os seus objetivos, ao contrário de outros índios intérpretes. O respeito e admiração conquistados faz com que Malinche seja vista como a “lengua de Cortés” e alcance uma posição de destaque entre os espanhóis: é reconhecida como senhora nobre e exemplar, sendo até chamada de “doña Marina”.4 Toda essa “ponte comunicativa” possibilitada pelas habilidades linguísticas e persuasivas de Malinche a coloca como uma típica faraute, a intérprete responsável pelo trânsito das mensagens.

Talvez por isso nossa personagem tenha ganhado certo destaque nas crônicas […]. A tarefa exercida de intermediar a comunicação entre tais culturas distantes, a partir da constituição de uma fala comum a ambas, pode ser percebida nas páginas escritas pelos diferentes testemunhos da conquista.

É uma imagem construída tanto pelas crônicas aqui consultadas como pelos códices indígenas produzidos nessa época, especialmente o Códice Florentino, que traz cenas de Malinche em pé, à frente dos conquistadores, negociando pontualmente com os naturais (JOSÉ, 2016, p. 120).

Diante dessas situações, Maria Emília José afirma a boa imagem de Malinche nas crônicas quinhentistas, tendo seu lugar nos discursos realizados durante a conquista e nas décadas posteriores. Mesmo com a divergência de informações no que se refere a algumas particularidades de Malinche, seja pelos distintos interesses desses narradores com a escrita, seja pelo confronto de dados sobre a personagem, “[…] não alterou, no entanto, o consenso entre os cronistas sobre a sua relevante contribuição como tradutora nos diálogos estabelecidos durante a conquista” (JOSÉ, 2016, p. 141). Portanto, uma imagem da Malinche como figura central na comunicação e papel protagonista desse evento histórico, mesmo com poucas menções; bem diferente das visões historiográficas posteriores mencionadas no início da resenha.

O livro de Maria Emília José traz grande contribuição para os estudos da história da conquista, pois trata sistematicamente de uma personagem histórica indispensável para os sucessos dos espanhóis e aliados indígenas, e como a índia intérprete foi retratada por um seleto grupo de cronistas do século XVI – uma importante lacuna que necessitava ser preenchida. A autora também se propõe a analisar as representações históricas de Malinche na historiografia moderna mexicana, com destaque às correntes nacionalista, hispânica e mestiça. A obra também possibilita pensar outras questões da conquista no que se refere à participação da Malinche inclusive no campo de estudos sobre gênero, atualmente em expansão na área de estudos históricos.

Notas

2 Maria Emília José menciona as que seriam as principais referências que amparam a escrita dos homens quinhentistas: a busca pelas maravilhas do Oriente relatadas por Marco Polo e Mandeville; os mitos antigos dos antepassados, como o das guerreiras Amazonas e a terra dos Gigantes; a literatura cavalheiresca, responsável por ensinar os modos e condutas de agir dos heróis para buscar a honra e a glória.

3 A doação de mulheres era uma prática comum entre os nativos em situação de guerra, tanto para estabelecer alianças com os adversários como para estreitar laços de amizade.

4 É importante ressaltar que Malinche passa a ser chamada de Marina após receber o batismo cristão.

Já a expressão “doña” possuía um grande peso social por ter origem nobre ou ter prestígio reconhecido.

Referências  

INOUE OKUBO, Yukitaka. Crónicas indígenas: una reconsideración sobre la historiografia novohispana temprana. In: LEVIN ROJO, Danna; NAVARRETE LINARES, Federico (Orgs.). Indios, mestizos y españoles: Interculturalidad e historiografia en la Nueva España. México: Universidad Autónoma Metropolitana & IIH – UNAM, 2007. p.55-96.

JOSÉ, Maria Emília Granduque. A Malinche dos cronistas. Curitiba: Editora Prismas, 2016.

RESTALL, Matthew. As palavras perdidas de La Malinche: o mito da (falha na) comunicação. In: RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Trad. Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

Rodrigo Henrique Ferreira da Silva – Doutorando em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), sob a orientação do Prof. Dr.Luiz Estevam de Oliveira Fernandes. E-mail: silvarhf@gmail.com.

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Prensa tradicional y liderazgos populares en Brasil – GOLDSTEIN (FH)

GOLDSTEIN, Ariel. Prensa tradicional y liderazgos populares en Brasil. Raleigh, NC: Editorial A Contracorriente, 2017. Resenha de: FIDELIS, Thiago. A imprensa brasileira pela ótica argentina: Vargas e Lula nos periódicos liberais. Faces da História, Assis, v.5, n.2, p.322-328, jul./dez., 2018.

Originária da tese defendida em 2015, no Programa de Ciências Sociais na Universidad de Buenos Aires, a obra Prensa tradicional y liderazgos populares en Brasil, de Ariel Goldstein, se propôs a fazer uma dupla comparação, transitando tanto pela temporalidade (governo Vargas, nos anos de 1950, e governo Lula, nos anos 2000) quanto pelos periódicos pesquisados. O objetivo do livro é comparar como dois jornais brasileiros, O Estado de S. Paulo (OESP) e O Globo retrataram dois períodos históricos distintos: o último período do governo de Getúlio Vargas (1951/1954) e o primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva (2003/2006).

Como indicado na introdução da obra, a comparação entre os líderes ocorre não necessariamente pelas similaridades entre eles, mas sim pelas condições de seus governos, tendo em especial destaque a relação com a imprensa. Tanto OESP quanto o Globo foram jornais que, assim como praticamente toda a chamada grande imprensa (jornais de maior tiragem no período), fizeram oposição a ambos os presidentes nesses períodos. As publicações selecionadas, embora opositoras a ambas as lideranças, possuíam suas peculiaridades e, mesmo na crítica, mantiveram as diferenças das linhas editoriais e das abordagens na construção das notícias.

Contextualizando ambos os períodos (em especial o governo Vargas), Goldstein demonstrou vasto domínio da literatura sobre a temática, desenvolvendo um diálogo com os principais autores sobre o período e também, utilizando alguns dados obtidos em entrevistas com personagens de ambos os jornais (embora tais dados não tenham sido decisivos para a análise em si). Além do prólogo (escrito pelo professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo, Lincoln Secco) e da introdução, a obra foi dividida em 5 capítulos, estruturando os tomos pelos períodos dos governos (com a exceção do primeiro, que faz uma análise da relação entre imprensa e política no Brasil), diluindo a comparação entre os jornais nasanálises de ambos os governos.

No primeiro capítulo, após uma análise bastante sucinta sobre a imprensa brasileira (com uma ênfase um pouco maior no fim do século XX e início do XXI), o autor fez uma breve apresentação sobre os dois principais jornais, enfatizando como se posicionaram nos dois períodos, também chamando a atenção para o período da ditadura e do processo de redemocratização. Embora a apresentação dos periódicos seja bem estruturada, houve uma discussão muito rápida em relação às visões e opiniões de seus signatários (no caso do Globo, a trajetória de Roberto Marinho foi um pouco mais explorada), o que dificulta um pouco a compreensão da ideologia dos jornais para os leitores e leitoras que não acompanham o tema. Em linhas gerais, as perspectivas que permeiam as ideologias e a visão de mundo dos periódicos acabaram sendo mais explorados nos capítulos subsequentes.

Os quatro capítulos posteriores seguiram uma mesma estruturação: o dois e o quatro contextualizaram, respectivamente, os governos Vargas e Lula, sendo que o três e o cinco exploraram, diretamente, a visão dos periódicos em relação aos governos.

Principalmente nesses últimos capítulos, as comparações foram bastante equilibradas, chamando a atenção para o fato de que o OESP, tanto nos anos de 1950 quanto no início do século XXI, possuía uma visão mais incisiva e radical contra os mandatários do que o GLOBO, embora esse também tenha aumentado suas críticas conforme os eventos considerados como “crise” se desdobraram.

No segundo capítulo, o autor chamou a atenção para a proximidade entre Vargas e a imprensa, uma vez que o político via a importância de manter uma boa relação com esse campo, aproximando-se de figuras como Assis Chateaubriand, um dos megaempresários da imprensa nos anos de 1930 (p. 81). Outro destaque refere-se à relação feita entre os dois períodos governamentais, já que Getúlio governou o país de 1930 a 1945, sendo os últimos oito anos de maneira extremamente autoritária através do Estado Novo e, para entender melhor a forte oposição feita pelos jornais em geral, é imprescindível levar em conta tal aspecto, uma vez que boa parte dessas publicações foi afetada pela censura no período (p. 84).

Não à toa, nos anos de 1950, OESP referia-se à Vargas não como presidente, mas sim como ex-ditador. Embora o GLOBO não tenha sido afetado diretamente pela censura nos anos de 1940, também estruturou oposição contra o mandatário, embora em uma perspectiva conciliadora (pelo menos, em um primeiro momento). Goldstein também chamou a atenção para a criação da publicação Ultima Hora (UH), capitaneada pelo jornalista Samuel Wainer, até então empregado de Assis Chateaubriand que, após um furo de reportagem, praticamente “lançou” a campanha de Getúlio em 1950, aproximando-se muito do presidente a partir de então e estruturando um diário que buscasse defender o governo e o legado varguista frente às principais publicações da época (p. 81-83).

As diferenças entre os jornais, no início do governo, ficam evidentes no próprio resultado eleitoral e na posse de Vargas: no caso do OESP, o periódico criticou vivamente a população que votou no ex-ditador, indicando que a falta de educação e instrução no país era o principal fator de compreensão do motivo depor que uma figura autoritária e sem preparo ser tão popular, sendo que a publicação paulista pede abertamente para a posse de Vargas ser impedida pelo Exército, explicitando uma visão bastante elitista e autoritária sobre o processo (p. 90); em compensação, o GLOBO criticou tal postura e, mesmo fazendo oposição ao presidente eleito, defendeu o processo eleitoral e o direito de tomar a posse, já que tinha sido eleito democraticamente (p. 90).

O final desse capítulo e início do seguinte foram intercalados por dois aspectos importantes: do ponto de vista da movimentação do governo, Goldstein chamou a atenção para as dificuldades tanto externas quanto internas durante o governo Vargas.

Internamente, o presidente buscou proximidade com seus opositores (em especial com a UDN, principal partido contrário ao legado varguista, do qual OESP era muito próximo) para uma maior governabilidade, indicando enormes dificuldades para medidas de conciliação (como a criação de órgãos estatais, como a PETROBRÁS); externamente, a consolidação da Guerra Fria com o confronto na Coréia e a não participação do Brasil acabou deteriorando as relações com os EUA, que aumentaram a desconfiança em relação ao estatismo e nacionalismos de Vargas (p. 94-95).

Além disso, o autor também chamou a atenção para uma personagem de extrema importância no período, Carlos Lacerda. Proprietário do jornal Tribuna da Imprensa, o jornalista não possuía cargo parlamentar, mas era o principal opositor de Vargas na imprensa e o nome de maior influência dentro da UDN, utilizando seu periódico para ataques frontais ao presidente e também à UH, que manteve sua postura de defesa do governo durante todo seu mandato (p. 94-95).

O terceiro capítulo começou indicando como Lacerda, dono de uma ótima oratória, ganhou espaço nas redes da rádio Globo e Tupi (também de posse de Assis Chateaubriand, que voltara-se contra Vargas) para verbalizar o que fazia em seu jornal, aumentando a virulência contra o governo (p. 102). Entre os vários acontecimentos que despertavam a oposição de ambos os jornais, a nomeação de João Goulart como ministro do Trabalho, em 1953, aumentou a fervura oposicionista contra Vargas, já que Jango (como era popularmente conhecido) era apontado como o herdeiro político do presidente, sendo uma espécie de perpetuador do varguismo no futuro, ideia considerada imperdoável pelo GLOBO e, principalmente, pelo OESP(p. 103).

Em relação ao governo Vargas, Goldstein não seguiu a ordem cronológica dos acontecimentos, fazendo vários cortes temporais, ainda que quando analisou os jornais e suas coberturas, estruturou os fatos conforme eles ocorreram. Entre os tópicos analisados, é importante destacar a constante ideia do OESP de que o presidente ameaçava, a todo o momento, um novo golpe de Estado nos moldes do Estado Novo (seu diretor, Júlio de Mesquita Filho, fora preso e exilado durante o primeiro período do governo Vargas) e indicava que qualquer ação do Executivo tinha, como plano de fundo, tal perspectiva (p. 108). O GLOBO também demonstrava certa desconfiança em relação às possíveis ações de Vargas, mas em uma escala bem menor (p. 108).

Principalmente no início do ano de 1954, ambos os jornais aumentaram ataques contra o governo, sendo que Goldstein destacou que a maior mudança na abordagem dos periódicos ocorreu por conta do GLOBO, que passou a radicalizar mais em seus editoriais e notícias contra Vargas, enquanto OESP manteve a postura extremamente crítica contra o presidente e seus defensores (p. 126-128). Um outro aspecto importante é a movimentação do GLOBO contra a UH, uma vez que, conforme as críticas da imprensa, em geral, contra Vargas aumentavam, a defesa do periódico de Samuel Wainer também intensificava-se a favor do presidente. Como OESP era de São Paulo, não havia textos tão intensos contra o diário de Wainer uma vez que, embora fosse defensor do presidente, não era um concorrente. No entanto, essa publicação oferecia perigo real para a publicação carioca, uma vez que ambos os jornais eram os de maior circulação no Rio de Janeiro (p. 129-130).

Em linhas gerais, Goldstein indicou que, em ambas as publicações, os três termos mais utilizados para fazer críticas a Vargas por ambos os jornais teriam sido: “comunismo, subversión y república sindicalista” (p. 156). Em relação ao primeiro ponto, as medidas nacionalistas do governo Vargas pesavam de maneira negativa, indicando que ele próprio era um comunista (questão mais explícita ainda no caso de Jango) ou que, se ele não era um, abria espaço para o país para os verdadeiros comunistas com suas ações irresponsáveis (p. 168).

O fantasma da subversão estava presente a todo o tempo, segundo ambos os jornais (em especial OESP), para instigar a população contra as instituições, seja pelo aumento de 100% do salário mínimo no início de 1954, seja pelos discursos de proximidade de Jango com as sindicais e movimentos populares (p. 159).

Por fim, o fantasma da República Sindicalista era construído a partir da movimentação de João Goulart com algumas lideranças trabalhistas, bem como das semelhanças entre ações varguistas e do presidente da Argentina, Juan Carlos Perón, que era um dos expoentes de perspectivas utilizadas no governo e que aterrorizavam ambas as publicações, em especial OESP (p. 160).

Além disso, OESP, por vezes, incitou o Exército a agir para impedir as manobras de Vargas e Jango, indicando que o primeiro deveria deixar o poder e, caso não quisesse, os militares deveriam intervir para que isso acontecesse (p. 182). Embora o GLOBO não fosse tão explícito, nos últimos meses do governo a publicação carioca também passou a radicalizar seu discurso nesse sentido (p. 183).

Por fim, no início de agosto de 1954, Carlos Lacerda sofreu um atentado em frente à sua residência, sendo que um militar que o acompanhava, Rubens Vaz, morreu na ação. Embora, a primeiro momento, não ficou claro quem era o mandante, toda a culpa recaiu sobre Vargas, e ambos os jornais radicalizaram (ainda mais) o discurso contra o presidente: OESP, desde o dia do atentado, acusou frontalmente o mandatário de ser o responsável; já o GLOBO foi mais cauteloso, aumentando as críticas apenas na medida em que as investigações caminhavam para o envolvimento de membros da guarda pessoal de Getúlio no assassinato (p. 191-196).

Momentos antes do suicídio, ambos os jornais insistiam na renúncia de Vargas como o único caminho a ser seguido (p.203-204). Após a morte do mandatário, o GLOBO mudou a abordagem em relação ao presidente, suavizando as críticas e valorizando os aspectos positivos que ele tinha (p. 213-214); já o OESP, em compensação, fez uma análise bastante objetiva do desaparecimento de Getúlio e manteve a linha ácida ao governante, fazendo críticas ao seu legado e dando ampla cobertura ao novo governo, formado pelo então vice, Café Filho (p. 217).

No capítulo quatro, há uma breve abordagem sobre o histórico de Lula, indicando sua origem de migrante nordestino e sua estruturação política no sindicalismo, bem como o crescimento de sua imagem no processo de redemocratização brasileira, nos anos 1980 (p. 241). Levando em conta o pleito em 2002, Goldstein chamou a atenção para o fato de que, principalmente, com a mudança apresentada no processo eleitoral (no qual Lula, diferentemente dos três pleitos anteriores, apresentou uma face mais conciliadora e racional, buscando amenizar sua imagem anterior, que seria mais “radical”), ambas as publicações mantiveram as fortes críticas que estruturavam ao Partido dos Trabalhadores (PT), desde sua fundação, nos anos de 1980, mas relativizaram as críticas a Lula e passaram a elogiar, sobretudo, seu caráter conciliador, colocando-o como alguém capaz de trazer os segmentos sociais que seu partido representava para o poder sem promover uma ruptura na ordem social (p. 246-252).

A nomeação de Antonio Palocci como ministro da Fazenda também foi bastante elogiada, uma vez que o político demonstrava interesse em realizar uma política de austeridade econômica, sem gastos excessivos (sobretudo, com as questões sociais) e procurando manter as contas em dia (p. 249-250).

Dentre os assuntos de grande vulto debatidos durante o primeiro mandato de Lula no capítulo 5, Goldstein chamou a atenção para os seguintes: a votação da Reforma da Previdência, o caso do Mensalão e o processo eleitoral de 2006. Em relação ao primeiro ponto, a ação de Lula foi bastante elogiada por ambos os jornais, uma vez que a reforma possuía uma perspectiva bastante próxima às políticas econômicas ortodoxas dos anos de 1990, acabando com “regalias” (como indicaram ambas as publicações) tais como a aposentadoria de servidores públicos com valores integrais, o pagamento de impostos de aposentados, o estabelecimento de tetos de salários para os servidores federais, entre outras (p. 264).

Ao capitanear essas mudanças e levá-las ao Congresso, tanto OESP quanto GLOBO elogiaram imensamente Lula, indicando que, de fato, a imagem de um líder radical ficou para trás no processo eleitoral e que, no início do governo, demonstrava sua face conciliatória e bastante positiva para o país (p. 264-266). No entanto, mantiveram a postura crítica ao PT, sobretudo por um grupo do partido não ter concordado com a reforma, sendo que esses membros (nomes como a senadora Heloísa Helena e os deputados João Fontes, Babá e Luciana Genro) foram expulsos da agremiação. Logo, a dissociação entre Lula e PT continuou marcando as páginas de ambas as publicações (p. 266-267).

No entanto, essa perspectiva encerrou-se em 2005, com a denúncia feita pelo presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, sobre um esquema de corrupção liderado por membros do Executivo para a compra de votos de componentes do Legislativo. Goldstein não fez uma discussão ampla de como as publicações retrataram o chamado Mensalão em si, mas sim na forma como as publicações retrataram Lula durante e após o processo. Ambos os jornais (em especial OESP) romperam com a ideia estruturada, no processo eleitoral e início do governo, de Lula como um líder conciliatório e acima das divergências e dos possíveis “dogmas” de seu partido, passando a aproximá-lo com as qualidades negativas do PT e, conforme o processo eleitoral aproximou-se, as publicações representaram-no como uma liderança ainda pior do que vinham pintando-o (p. 272-274). Chamando-o de populista e de chavista (explorando intensamente a associação com Hugo Chávez, presidente da Venezuela e um dos principais expoentes da esquerda latino-americana), OESP e GLOBO, cada um ao seu modo, passaram a estruturar uma visão bastante negativa do presidente: a publicação paulista, desde as primeiras denúncias do Mensalão, passou a caracterizar Lula de maneira extremamente negativa, enquanto que GLOBO tratou o processo com mais cautela em um primeiro momento para, em fins de 2005 e início de 2006, passar a também atacar constantemente o mandatário nacional (p. 275-279).

Várias comparações foram relembradas, por Goldstein, entre as temporalidades distintas. No processo eleitoral de 2006, OESP retomou o discurso crítico da qualidade do voto no Brasil, indicando que a falta de instrução e de qualidade nas opções do eleitorado brasileiro era um problema bastante sério para o país, uma vez que essa falta de um olhar mais sofisticado para o processo eleitoral poderia ser uma arma para a reeleição de Lula (p. 290). Já GLOBO também seguiu perspectiva parecida com o período Vargas, realizando, em um primeiro momento, uma análise mais moderada, buscando os dois lados da notícia e dando espaços parecidos para ambos. No entanto, a proximidade do processo eleitoral fez com que o jornal carioca aumentasse suas críticas ao presidente, equiparando seus textos ao do OESP (p. 300). Além disso, também utilizou de forma vasta o elemento das caricaturas, com ênfase para as publicações de Chico Caruso.

Ainda em relação ao processo eleitoral, com a liderança de Lula nas pesquisas, os ataques dos jornais ficaram mais frontais, sobretudo, após a divulgação de um dossiê, que teria sido organizado por membros do PT, em São Paulo, contra o candidato ao governo do Estado, José Serra. Após tal movimentação, a associação entre Lula, PT e corrupção ficou ainda mais forte em ambas as publicações, além da maior valorização de seu principal oponente, o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (p. 299-300).

Nos tópicos finais do último capítulo, Goldstein retomou as três temáticas exploradas e passou a aprofundar alguns pontos. No caso da Reforma da Previdência (p.306-307), em um primeiro momento, ambas as publicações elogiaram o “pulso firme” do PT nas expulsões dos parlamentares, ainda que mantivessem os ataques ao partido.

No tocante ao caso do Mensalão e ao processo eleitoral, a abordagem contra Lula e o PT foi muito intensa do ponto de vista negativo. No caso do OESP, como salientado por Goldstein, a linha acusatória foi mantida desde o começo: sempre com textos superlativos e fatalistas (assim como no período Vargas), em alguns textos os editoriais do jornal paulista indicavam o governo Lula como o mais corrupto da história do país (p. 319).

Já em relação ao GLOBO, as mudanças já indicadas foram bastante visíveis, além de chamar a atenção de um outro ponto: a diversidade de opiniões entre os colunistas.

Embora a maioria desses colunistas seguisse a linha do jornal carioca (Goldstein citou, algumas vezes durante o livro, as colunas do jornalista Merval Pereira como exemplo para demonstrar esse aspecto), havia nomes que também apontavam pontos distintos da linha editorial (nesse ponto, o autor citou as colunas de Luís Fernando Veríssimo como exemplo), relativizando e muitas vezes discordando da opinião majoritária da publicação.

Por fim, destacamos dois pontos abordados pelo autor para reforçar alguns princípios não estruturados no restante do texto: a relação entre o PT e o Movimento dos Sem Terra (MST), e a questão do programa Bolsa Família. Em relação ao primeiro, houve uma objeção mais forte por conta do OESP, associando o MST ao terrorismo (p. 329), sendo que GLOBO tratou de maneira um pouco mais amena, embora também aumentasse as críticas conforme o caso do Mensalão foi se desenrolando (p. 332). Já em relação ao Bolsa Família, ambos os jornais estruturaram a ideia de que o governo utilizou essa política pública como forma de compra de votos para a manutenção não somente de Lula, mas do projeto de poder do próprio PT (p. 355).

Concluindo, a obra do argentino Ariel Goldstein, ao fazer a comparação entre temporalidades distintas e com dois jornais bastante próximos do ponto de vista ideológico, indicou as características em comum que podem ser avaliadas a partir dessa trajetória. Fazendo uma reflexão mais ampla, é possível identificar aspectos distintos: no tocante às temporalidades distintas, embora com aspectos divergentes, o autor assinalou que ambas as publicações viam governos de caráter popular como um problema, uma vez que essas perspectivas costumam “quebrar” a tradição de mandatos com caráter eminentemente elitistas (p. 376).

Embora, nos dois governos, GLOBO tenha tido uma postura mais benevolente com ambos os políticos, em um primeiro momento, OESP possuía uma ideia extremamente crítica, sobretudo com Vargas. Nos dois governos existiram acusações de corrupção e ações consideradas nacionalistas e até comunistas, mas com desfechos distintos: enquanto o desenrolar do governo Vargas terminou de maneira trágica e com a morte do presidente, no caso do primeiro mandato de Lula a movimentação, mesmo que truncada, levou à reeleição do mandatário.

Além disso, é importante pontuar o papel da imprensa nesse processo: enquanto no governo Lula não houve intenso conflito entre as publicações e nenhum escândalo envolvendo membros da mídia em si (sendo a maioria voltada contra o presidente e com poucas opções com grande tiragem), durante o mandato de Vargas a tensão na imprensa foi grande, sendo que o principal opositor ao mandatário foi Carlos Lacerda, protagonista do ato final do mandato do político gaúcho, além das questões envolvendo a UH (na qual o GLOBO esteve mais envolvido).

Por fim, a obra Prensa tradicional y liderazgos populares en Brasil é de extrema importância para pensar não somente sobre as perspectivas históricas, mas também sobre o papel da imprensa na política, bem como as problemáticas de ações de cunho populares, sendo implantadas em uma sociedade profundamente marcada pela desigualdade social e pela criação de mecanismos para que essas sejam mantidas.

Thiago Fidelis –Doutor em Ciências Sociais pela Unesp, campus Araraquara e pela Universidade de Coimbra (Portugal).

Doutorando em História pela Unesp, campus Assis. E-mail: fidelisrp@gmail.com  Acessar publicação original

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Religiões e religiosidades na Antiguidade Tardia – CARVALHO et al (FH)

CARVALHO, Margarida Maria de… [et al.] (Orgs). Religiões e religiosidades na Antiguidade Tardia. 1.ed. – Curitiba: Editora Prismas, 2017. Resenha de: SILVA, João Paulo da. Discussões acerca da antiguidade tardia: religiões e religiosidades. Faces da História, Assis, v.5, n.2, p.329-332, jul./dez., 2018.

A Antiguidade Tardia fora um período de profundas mudanças no que tange a questão da religião e religiosidade. Essa época de transição, balizada entre meados do século III d.C. e início do século VII d.C., possui características peculiares em relação à simbologia e à subjetividade dos acontecimentos. O conceito de Antiguidade Tardia sofreu alterações relevantes dentro da historiografia moderna, visto os lançamentos de diversas obras no início da década de 1970, como por exemplo, O Fim do Mundo Antigo: de Marco Aurélio a Maomé, de Peter Brown, de 1972, e a obra de Henri Iriné Marrou, intitulada Decadence ou Antiquité Tardive?, de 1977, que focalizava uma continuidade cultural fortalecida pelo cristianismo até os dias atuais. O conceito se fortalecera, deixando em evidência as divergências e diversidades do período, estabelecendo, ao mesmo tempo, problemáticas diversas a saber: político-econômicas, religiosas e culturais, as quais devem ser analisadas em seu próprio conjunto, reverberando determinados movimentos, a exemplo da crise do século III d.C., ou mesmo a cristianização do Império Romano.

A obra, Religiões e Religiosidades na Antiguidade Tardia, aqui resenhada, desenvolve análises específicas com temas diversos que compõe o amplo cenário religioso e suas manifestações no período tardo antigo. Organizada pelos professores Claudio Umpierre Carlan (Professor Associado I de História Antiga da Universidade Federal de Alfenas) , Helena Amália Papa (Professora de História Antiga do Departamento de História e Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Montes Claros), Margarida Maria de Carvalho ( Professora Dra Assistente de História Antiga do Departamento de História e Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual Paulista – Campus de Franca) e Pedro Paulo Abreu Funari (Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas. (Livre-docente pela UNICAMP), conta com quatorze capítulos no formato de ensaios, com textos não somente dos organizadores, como também de outros pesquisadores convidados. De leitura fluente, não é necessária uma ordem sequencial nos capítulos, tendo em vista a especificidade das temáticas abordadas em cada um deles. Essa obra, do ano de 2017, busca desenvolver análises de casos específicos relevantes ao período tardo antigo, imbricando, além da religião e da própria religiosidade, a cultura, o imaginário e a política na Antiguidade Tardia.

Em linhas gerais, as propostas dos ensaios trazem em seu âmago sempre uma tensão, seja ela religiosa, política ou social. Tais propostas variam de acordo com sua especificidade temática. O capítulo 1 – Religião e Rivalidade no século IV: algumas considerações – aponta para um Império Romano que passa por diversas transformações religiosas, com o surgimento de novas formas de culto e, na figura de Constantino, uma proposta de transformar a igreja num organismo oficial, de extrema importância para o funcionamento do estado. No capítulo 2 – Nomen christianum: práticas Cristãs em Melânia, a Jovem – Renata Lopes Biazotto Venturini, oferece uma discussão acerca das práticas cristãs, analisando a vida de Melânia, a Jovem, destacando o cristianismo como uma nova experiência, como resposta às circunstâncias dos problemas dos homens. O capítulo 3 – Cultura Literária e polêmica anticristã no, de Juliano, o Apóstata. – aponta para a figura singular do Imperador Juliano, o Apostata, com seu pensamento religioso e sua motivação e objetivos de sua política de restauração dos cultos tradicionais, ressaltando as contradições das histórias do velho testamento e a personalidade vingativa do deus hebreu, bem como o caráter particularista de sua revelação e também a inferioridade cultural dos cristãos. No Capítulo 4 – A construção de um arquétipo: o caso de Vetio Agorio Pretextato – Viviana Boch discute a religiosidade com cerne na personalidade de Vetio Agorio Pretextato, deixando em evidência práticas religiosas e a política romana do século IV d.C. No capítulo 5 – Os mártires como protetores espirituais da polis: João Crisóstomo e a cristianização da Antioquia (séc. IV d.C.) – aparecem os mártires e a devoção aos mesmos para o efeito de cristianização da cidade antiga do século IV, análise esta balizada na figura de João Crisóstomo.

O capítulo 6 – Imperator et bouleutes na Antiguidade Tardia: os Conflitos entre César Galo, Juliano, Teodósio e a elite municipal antioquena (Séc IV d.C.) – trata dos conflitos de interesses dentro do Império Romano, revelando que em diversas ocasiões, as instâncias administrativas se opunham e conflitavam, evidenciando, em determinados momentos, tensões de força nas relações de poder. O sétimo ensaio – Gêneros literários, temporalidades e construção biográfica: um estudo da “Vida de Santa Macrina” de Gregório de Nissa (Séc. IV d.C.) –, é dedicado à análise da vida de Santa Macrina, por Gregório de Nissa, com cerne numa maior liberdade de escrita, diferente das formas retóricas da antiguidade. A Arqueologia se fez presente no oitavo capítulo – O fim dos templos: um problema arqueológico, com um estudo apresentado pelo professor Bryan Ward-Perkins, da Universidade de Oxford, elucidando questões relacionadas à arqueologia na literatura, que considera cada vez mais sofisticada, e o fim do paganismo romano. No capítulo 9 – Sociedade, religião e literatura no Egito da Antiguidade Tardia: o caso de Nono de Panópolis – o Prof. David Hernandes de La Fuente promove um panorama no que se refere à situação histórica do Egito, a qual passava por um momento de profundas mudanças sociais e também espirituais, momento esse em que se dá na transição do mundo antigo para o medieval. Em outra proposta de análise com viés literário, Graciela Gomez Aso apresenta no capítulo 10 – Epistola 123 como exemplo da retórica discursiva de Jerônimo de Estridão no ambiente de mulheres aristocráticas de Roma. Barbárie e castidade como tópicos da Antiguidade tardia – uma retórica discursiva, utilizada por Jerônimo de Estridão com a intenção de difundir o testemunho político-religioso deste último, no que diz respeito ao avanço dos bárbaros dentro do território Ocidental do Império Romano, entre os séculos IV e V.

Apresentando uma discussão acerca da construção de paradigmas na Antiguidade Tardia, o capítulo 11 – Clarissimae feminae: de matronas a santas cristãs: a construção do modelo de santidade feminina na Antiguidade Tardia – propõe uma análise voltada para a questão do modelo de santidade feminina e a inserção de diferentes agentes sociais nesse panorama. Há ainda no capítulo 12 – Deus pode ser invejoso ou ciumento? Um debate sobre os atributos divinos entre o Imperador Juliano e Cirilo de Alexandria – uma tensão religiosa no debate entre o Imperador Juliano e Cirilo de Alexandria acerca da figura divina, com cerne no sistema de crenças do mudo antigo.

Através da “Controvérsia Nestoriana”, Daniel de Figueiredo explana no capítulo 13 – Uma análise de emergência da “controvérsia nestoriana” nas cartas de Cirilo de Alexandria (séc. V d.C.) – problemas políticos administrativos na composição da hierarquia eclesiástica ortodoxa, buscando uma explanação, pela historiografia, além de seu teor teológico, comumente trabalhado.

Para finalizar, uma temática pertinente ao período apresentado na obra, A religiosidade como meio e fim, explanada pelo professor Renan Frighetto no capítulo 14 – A religiosidade como meio e fim. A unidade religiosa como proposta à unidade política na Antiguidade Tardia hispano-visigoda: o exemplo da unção e coração de Wamba (672) – uma discussão das múltiplas formas de religiosidade, formas estas que aparecem durante o processo histórico, em particular no período que se define como Antiguidade Tardia. Pontos de destaque para a argumentação do autor encontram-se na cerimônia da unção do soberano, legitimando sua ascensão, sendo reconhecido como portador do signo de Deus devendo essa simbologia favorecer tanto a unidade religiosa representada pelo soberano, como também a unidade política.

No que diz respeito ao mundo tardo antigo, alguns pontos são relevantes para a compreensão do período. Necessariamente, trata-se de um período de transição do mundo antigo para o mundo medieval, extrapolando a visão política normalmente apresentada em outras obras e manuais. Pois bem, não é somete isso que buscamos no entendimento do contexto de compreensão de uma época. Mas as tensões existentes até os dias de hoje. Obviamente não como entre os séculos III e V, mas citando como exemplo a flexibilidade do cristianismo em relação a trazer para si elementos de uma cultura religiosa tida como pagã. Outro ponto relevante é a relação entre a política e a religião, as formas como uma está perpetrada na outra em relação a interesses particulares e relações de força e de poder.

A obra em questão traz contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros para uma explanação desse período da história da humanidade, período esse riquíssimo no que tange à religião, as práticas religiosas dos diversos atores sociais e a cultura da época.

João Paulo da Silva – Mestrando em História e Sociedade pela UNESP-Assis. Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UENP (Universidade Estadual do Norte do Paraná), Pós-Graduado em Docência no Ensino Superior pela UNIVALE, Universidade Vale do Ivaí, graduado em História pela UENP (Universidade Estadual do Norte do Paraná). E-mail: historiadorjoao@hotmail.com.

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Práticas Culturais e Identitárias: entre o Oriente e o Ocidente (Século V-XV) / Revista Mosaico / 2018

As vivências entre os mundos oriental / ocidental se constituem em um campo inesgotável e complexo de análise. Se por um lado as guerras aceleraram este distanciamento, por outro as aproximações foram várias; incentivadas pelas peregrinações e trocas culturais intensas, que garantiram a flexibilidade identitária e a elaboração de novos significados e parâmetros. O presente dossiê tem a pretensão de contribuir com esta discussão, englobando interpretações diversas, que contemplam a temática proposta. No primeiro artigo, de autoria de Janira Feliciano Pohlmann a autora reflete sobre a ambiguidade das noções de heresia e ortodoxia, no contexto do século IV, em que diferentes correntes cristãs da antiguidade romana pretendiam solidificar sua atuação em todo o Império. A autora procura responder à seguinte questão: Como os hinos compostos por Ambrósio de Milão, ajudaram a edificar a ortodoxia nicena? Na sequência Cynthia Maria Valente apresenta alguns momentos de disputas entre o Império Bizantino e o Reino Visigodo de Toledo, tendo por ponto de partida a expansão bélica bizantina no norte da África. Estas relações de antagonismo e disputas acirradas marcariam a história da região. O texto de Roseli Martins Tristão Maciel busca traçar um panorama acerca das diversas visões sobre a Lepra da antiguidade à Idade Média, com destaque para a construção teórica acerca da doença, presente em escritos de origem judaica e cristã.

Com destaque às aproximações identitárias entre oriente e ocidente, Elaine Cristina Senko Leme e Mariana Bonat Trevisan, discutem as concepções relativas à sexualidade entre estes espaços distintos. Para tanto, fazem um paralelo entre a obra do muçulmano Muhammad al-Nafzawi, Os Campos Perfumados, e o Leal Conselheiro, de autoria do rei português D. Duarte. Sobre a herança árabe na medicina e cozinha medieval aragonesa, Renato Toledo Amatuzzi discute as influências de alguns alimentos de origem árabe na dietética real, com destaque para o açúcar, frutas cítricas, as especiarias e o arroz, por meio das receitas culinárias e prescrições médicas. Ainda no âmbito da Baixa Idade Média Ibérica Hugo Rincon Azevedo, resgata as crônicas de Fernão Lopes e Gomes Zurara. Nelas apresenta evocações do poder régio por meio de cerimônias simbólicas de exaltação, consideradas fundamentais nas estratégias de legitimação da Casa de Avis no século XV. Usando método comparativo Célia Daniele Moreira de Souza, resgata obras consideradas como espelho de príncipes, que tiveram por função o aprimoramento da arte de governar. Escolhendo duas fontes de estilos diferentes, estas contribuem para aproximações discursivas possíveis, entre oriente e ocidente.

Fechando o dossiê o artigo de Juliana de Mello Moraes e Maria Cláudia de Faveri Luz discute o papel das denunciantes, motivações e conteúdo das acusações. Mapeando seu perfil sócio- ocupacional, bem como as relações de conflito que as envolviam, destacam também aquelas suscitadas / reforçadas pela presença do inquisidor.

Adriana Mocelim – Doutora e Mestre e em História pela Universidade Federal do Paraná. Graduada em História pela UFPR. Professora na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. E-mail: drikamocelim@yahoo.com.br

Renata Cristina de Sousa Nascimento – Doutora em História pela UFPR. Docente efetiva na Universidade Federal de Goiás, Universidade Estadual de Goiás e na Pontifícia Universidade Católica (PUC- Goiás). E-mail: renatacristinanasc@gmail.com


MOCELIM, Adriana; NASCIMENTO, Renata Cristina de Sousa. Apresentação. Revista Mosaico. Goiânia, v.11, n.2, jul. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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História Questões & Debates, v.66, n.2, 2018.

O QUE O PATRIMÔNIO MUDA? (PARTE 2)/WHAT DOES HERITAGE CHANGES? (PART 2)

Volume 66, número 2, julho-dezembro 2018

EDITORIAL

  • EDITORIAL
  • As Editoras
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  • INTRODUCTION
  • Réginald Auger, Allison Bain
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DOSSIÊ: O QUE O PATRIMÔNIO MUDA (PARTE 2)/WHAT DOES HERITAGE CHANGE? (PART 2)

ARTIGOS

RESENHAS

O Negro no Livro Paradidático | Fernando Santos de Jesus

Antes da aplicação e sistematização da Lei 10.639/03 – a qual visa instituir a obrigatoriedade dos conteúdos de História e Culturas Afro-Brasileira e Africana nos currículos de todos os níveis de ensino do país – ainda no século XX, muitos intelectuais negros já questionavam as maneiras pelas quais a população negra era representada na literatura, nas artes e sobretudo, midiaticamente. Levava-se em consideração o histórico recente das teorias racialistas que perpassaram desde o fim da abolição, os debates políticos e intelectuais que, de modo direto, subalternizaram e desumanizaram os africanos e seus descendentes no país.

Tais pressupostos científicos foram elaborados a partir de instituições e políticos renomados que tinham ligações diretas com a aplicação de políticas públicas, tendo como uma das principais consequências a consolidação de estereótipos sobre os negros. Tal como, nas escolas de medicina do Rio de Janeiro, os estudiosos concentravam-se em temas como degenerescência e doenças tropicais associados às pessoas negras (SCHWARCZ, 1993). Leia Mais

História e Historiografia da escravidão negra no Brasil / História em Revista / 2018

Como devaneia o poeta angolano José Eduardo Agualusa – “Nada passa, nada expira. O passado é um rio adormecido, parece morto, mal respira, acorda-o e saltará num alarido”. Foi por nos sentirmos provocados por esse caráter insubmisso do passado e da história e angustiados pelos fantasmas dos retrocessos que assolam o nosso presente, que nos sentimos motivados a organizar esse dossiê. Vai longe a parceria entre os organizadores desse dossiê, que não se esgota na proximidade das temáticas com que trabalham e nem no prazer que sentem na frequência dos arquivos, mas que se reatualiza na indignação com que olham o passado e no desconforto que os acompanha na apreciação crítica ao momento político nacional.

Como docentes e pesquisadores nos acalentam os sonhos e os projetos políticos desejar um país balizado na inclusão e não na exclusão social. Almejamos uma sociedade em que as reivindicações do povo negro sejam ouvidas e acatadas, que o preconceito racial e o racismo institucional sejam debelados, onde se combata o sexismo e o feminicídio, que o ensino público, gratuito e de qualidade prospere. Por isso investimos em reunir um conjunto de textos que abordem temas da histórica presença da população negra de forma crítica.

Nas últimas décadas, a historiografia brasileira tem sido palco de um grande número de estudos sobre a escravidão negra. Reunindo uma série de pesquisas com notáveis contribuições nacionais e internacionais e utilizando-se de um leque variado de fontes documentais, o panorama atual apresenta uma diversidade de temáticas e enfoques que vão desde a história social e econômica até os estudos de caráter mais político e cultural. O presente dossiê pretende reunir pesquisas que abordem os diversos temas relacionados à temática da escravidão negra no Brasil. É também uma homenagem a Beatriz Ana Loner, que em toda sua vida acadêmica se dedicou ao tema da escravidão e pós-abolição. Dedicou-se também na construção do Núcleo de Documentação Histórica da UFPel e na realização da História em Revista, que em 2019 completa 25 anos de existência. Dedicamos a Beatriz o presente trabalho, por ter legado uma vasta influência às novas gerações de pesquisadores e pesquisadoras.

O artigo “O 13 de Maio nos Relatos do Impresso Negro Pelotense A Alvorada (1931-1935)”, de Ângela Pereira Oliveira Balladares, trata a comunidade negra da cidade de Pelotas de forma plural. Localizada na região sul do mais meridional estado brasileiro, Pelotas sempre se caracterizou pela consistente e ativa presença negra. Uma das formas pelas quais a população negra local afirmou suas reivindicações e constituiu-se enquanto ágil e contestadora coletividade, foi a militância associativa e a publicação de periódicos. Recentemente, a imprensa negra tem sido tratada pelos historiadores com mais cuidado, mostrando através dela a agência de intelectuais / letrados negros e a constituição de agendas reivindicativas próprias. O artigo ora publicado toma como tema central a forma como o periódico A Alvorada, abordou as comemorações sobre o 13 de maio, captando os significados que aquelas comunidades atribuíam a essa data comemorativa.

Já o texto dos historiadores Ane Caroline Câmara Pimenta e Elaine Leonara de Vargas Sodré – “A escravidão no Arraial do Tejuco (1731-1733): ensaio acerca da dinâmica social e hierarquização, sob a ótica dos registros batismais”, analisa a escravidão negra no arraial do Tejuco, na então capitania de Minas Gerais. A pesquisa maneja os batismos católicos de escravizados, ocorridos entre os anos de 1731 a 1733 naquela paróquia, tratando de temas como comportamentos, hierarquias sociais, compadrios e relações conjugais.

O historiador Matheus Batalha Bom investiga há anos a presença negra na região fronteiriça entre o Brasil e o Uruguai e esta é a temática de seu artigo – “Margens de Liberdade: controle e autonomia nas últimas décadas da escravidão em Jaguarão (1870-1888)”. Visando discutir e descrever as porosas diferenciações entre escravidão e liberdade no período final do escravismo brasileiro, Bom se serve de fontes primárias diversas, como inventários post-mortem e processos judiciários, montando um mosaico qualitativo e quantitativo da escravidão sulina e fronteiriça.

Também observando a presença negra escravizada e forra na região sul do Rio Grande do Sul, a historiadora Natália Garcia Pinto se serviu de abundantes fontes documentais para produzir o artigo – “De Euzébio escravo, filho da preta nagô Ângela, a Euzébio Barcellos, liberto: projetos de liberdade na comunidade escrava do Comendador Cipriano Rodrigues Barcellos”. Dialogando com uma atualizada e diversa historiografia que renovou a história social da escravidão nos últimos anos e sob a perspectiva da micro-história, Pinto aborda a “importância dos laços afetivos e familiares nos projetos de liberdade” na sociedade pelotense oitocentista, evidenciando a potencialidade e a possibilidade do investimento da pesquisa em trajetórias individuais e familiares, mesmo no período escravista.

No artigo – “Manipanços, feitiçarias, alcorões: africanos muçulmanos no Brasil meridional (Porto Alegre, século XIX)”, o pesquisador Paulo Roberto Staudt Moreira aborda a pluralidade e complexidade da diáspora transatlântica. Costurando vestígios documentais de origem diversa (jornais, documentos policiais e judiciários) o autor pensa nas experiências diaspóricas de africanos muçulmanos no Rio Grande do Sul, tema ainda incipiente na historiografia nacional e que demanda ainda futuros investimentos em pesquisa.

“Entre a Permissão e a Proibição: batuques, danças e conflitos na capitania de Pernambuco durante o século XVIII”, texto de autoria dos historiadores Josinaldo Sousa de Queiroz e Priscila Gusmão de Andrade aborda a religiosidade negra em Recife, na Capitania de Pernambuco. Acessando registros jurídico-administrativos, custodiados no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa, Portugal) e documentos do Tribunal do Santo Ofício português, os pesquisadores traçam as mentalidades religiosas que se opunham àquelas manifestações religiosas negras, ao mesmo tempo que usam os documentos produzidos por agentes responsáveis pelo controle social como indícios dessas experiências sociais devocionais e lúdicas.

Inseridas no campo do pós-abolição, as historiadoras Lisiane Ribas Cruz e Priscilla Almaleh nos trazem o artigo – “É uma negra feiticeira, mulher ruim: Relações de gênero, raça e masculinidade. Análise de um processo-crime, 1918 (Santa Maria –RS)”. Abordando com criatividade e sensibilidade um documento judiciário produzido por uma série de desavenças cotidianas, as autoras nos conduzem por uma análise que evidencia estarem intimamente vinculadas variáveis sobre gênero, classe e raça, seja nos xingamentos proferidos, nas relações estabelecidas com os órgãos públicos, seja nas reputações sociais comunitárias. Além disso, outro mérito desse texto é a consideração da masculinidade como item importante de análise.

Encerrando este dossiê, temos o texto – “O protagonismo feminino no centro abolicionista e nas festas da abolição em Porto Alegre (RS / Séc. XIX)” – de autoria da pesquisadora Tuane Ludwig Dihl. Usando como observatório nominativo do abolicionismo de Porto Alegre, capital da província do Rio Grande do Sul, o Livro de Atas do Centro Abolicionista local e o Livro de Ouro, a historiadora visibiliza a agência feminina naqueles anos finais do escravismo brasileiro. Documentos redigidos e preservados como uma espécie de memória oficial das meritórias (mesmo que tardias e incompletas) ações emancipacionistas das elites locais, esses registros, mesmo que involuntariamente, permitem-nos entrever a ação feminina nesse processo histórico.

Jonas Moreira Vargas

Paulo Roberto Staudt Moreira

Caiuá Cardoso Al-Alam


VARGAS, Jonas Moreira; MOREIRA, Paulo Roberto Staudt; AL-ALAM, Caiuá Cardoso. [História e Historiografia da escravidão negra no Brasil]. História em Revista. Pelotas, v.24, n.2, 2018. Acessar publicação original [DR]

História e Meio Ambiente: interdisciplinaridades / Mnemosine Revista / 2018

A Mnemosine Revista, publicação do Programa de pós-Graduação em História da UFCG, é uma revista aberta à múltiplas áreas do conhecimento, em sintonia com a emergência de novos temas, questões e acontecimentos que desafiam a análise dos historiadores. Assim, o presente Dossiê reúne artigos variados selecionados por nossos pareceristas para o volume 2018.2.

Entre os diversos artigos, temos reflexões interdisciplinares que apresentam um entrecruzamento entre a História Ambiental e a área de Ciências Ambientais da Capes, mas, também, resultados de pesquisas sobre escravidão, patrimônio cultural, história Social e História do Pensamento Político e Econômico, apresentados à livre concorrência da chamada da Mnemosine por meio de fluxo contínuo.

Abrindo o volume de forma interdisciplinar, temos o geógrafo Sérgio Murilo Santos Araújo e a doutoranda em Ciências Ambientais Bárbara Denise Ferreira Gonçalves, analisando as tentativas de implementação de sistemas agroflorestais “sustentáveis”, num esforço de escrever uma história ambiental da agricultura nos Sertões do Rio Pajeú. Na sequência, segue o ensaio que escrevi com o historiador Pedro Henrique Dantas Monteiro sobre a compreensão da natureza e as nuances das apropriações do pensamento liberal clássico pelos deputados estaduais cearenses no Segundo Reinado. Continuando, temos os Pesquisadores de Ciências Ambientais Gesinaldo Ataíde Cândido e Joyce Aristercia Siqueira Soares discutindo sobre os projetos e a implementação de um parque eólico para a produção de energia elétrica no litoral da Paraíba na última década.

O Jurista Ademar Cássio Ferreira Neto e a historiadora Mara Karinne Lopes Veriato Barros discutem a trajetória histórica dos planos de acessibilidade turística do centro histórico do município de Areia-PB.

Os historiadores José Pereira de Souza Júnior e Oslan Costa Ribeiro enfocam as narrativas sobre a Igreja Matriz do Município de Canavieiras, narrativas essas históricas veiculadas pelo jornal “Monitor do Sul” que pretendia reforçar seu caráter de patrimônio histórico e arquitetônico.

As biólogas e Cientistas Ambientais Márcia Adelino da Silva Dias e Lais da Silva Barros discutem em caráter histórico e ambiental, a peculiaridade da produção artesanal da comunidade Tradicional Quilombola de Chã da Pia-PB.

Em continuidade, ainda em paradigma de História Ambiental, contribuem os historiadores Celso Gestmeier do Nascimento e Éverton Alves Aragão que estudam as representações do Rio Amazonas no filme “Aguirre, a cólera dos deuses”, produção cinematográfica de 1972.

Em mais uma contribuição historiográfica, André Luiz Rosa Ribeiro e Janete Ruiz de Macedo reflexionam em caráter etno-histórico sobre as manifestações de origem africana na cidade de Salvador- BA, entre 1930 e 1950.

Fechando o dossiê, Leandro Nascimento de Souza e Tássia Fernandes Carvalho Paris de Lima apresentam uma fina discussão documental sobre os africanos livres do Arsenal da Marinha de Pernambuco na década de 1850.

José Otávio Aguiar – Professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão de Recursos Naturais na UFCG. E-mail: otavio.j.aguiar@gmail.com


AGUIAR, José Otávio. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.9, n.2, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Tempo presente: História, Educação e Educação Histórica / Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino / 2018

O nosso objetivo com o dossiê, Tempo presente: História, Educação e Educação Histórica, foi apresentar aos nossos leitores trabalhos acadêmicos que podem trazer o Presente à reflexão enquanto temporalidade histórica e objeto de interesse historiográfico, com as perspectivas e abordagens temáticas e metodológicas suscitadas. Atendendo ao nosso chamado, pesquisadoras e pesquisadores, de diferentes origens geográficas, agraciaram-nos com estes trabalhos que nos dão a dimensão da importância dos estudos e discussões nos campos da História, História da Educação e Educação Histórica.

O texto, Entre consciência histórica e narrativa mestra: a identidade na narrativa de jovens graduandos em história da cidade de Ponta Grossa, Paraná, de Giuvane de Souza Klüppel e Luís Fernando Cerri apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa: O país e o mundo em poucas palavras: narrativas de jovens sobre seus pertencimentos – implicações para o ensino de Ciências Humanas. Os pesquisadores aplicaram questionários qualitativos a estudantes de diferentes níveis de ensino na cidade de Ponta Grossa – faixa etária entre 12 e 24 anos – para conhecer suas narrativas sobre “a história do seu país” e sobre “o desenvolvimento da democracia”. Os dados, produzidos pelos 277 questionários aplicados, foram analisados com o auxílio de softwares que tornaram possível sistematizar, em formato de gráfico, dados como: frequência no uso de determinados termos, com potencial para desvelar sentidos de conjuntos discursivos. A análise foi realizada à luz de reflexões teóricas sobre Consciência Histórica, baseada nas pesquisas do historiador Jörn Rüsen; e sobre Narrativa Mestra, com base no trabalho de Mario Carretero e Floor Van Alphen. As reflexões dos autores nos apresentam elementos para melhor compreender os processos de construção de narrativas sobre a nação e o mundo por parte de jovens de diferentes idades e em diferentes etapas de escolarização. Também nos possibilitam compreender sobre os sentidos que eles atribuem às inter-relações entre passado, presente e futuro na construção de suas narrativas em temas como identidade nacional e democracia / convivência democrática.

Maryana Gonçalves Souza e Antonieta Miguel, em A docência em Guanambi durante a ditadura militar: uma análise sobre o Colégio Luiz Viana Filho, investigam as características dos professores e permitem discutir sobre instrução, formação docente e composição escolar do referido Colégio, sob o recorte temporal da ditadura militar brasileira. Segundo as autoras, a ditadura militar foi uma forma de governo que interferiu diretamente em diversos públicos e, em razão de os docentes terem sido um dos principais agentes de combate ao regime, o trabalho docente pode se tornar uma fonte de pesquisa sobre esse período histórico. As autoras apresentam o resultado da pesquisa em que fizeram o cruzamento entre os dados bibliográficos sobre a História da Educação, instituições escolares e corpo docente com a documentação do arquivo da instituição, seguida da catalogação das fontes. A partir da análise dos documentos, em particular das instituições escolares da cidade de Guanambi, Estado da Bahia, as pesquisadoras esboçam um panorama do campo educacional brasileiro no período ditatorial.

O terceiro texto que compõe este dossiê é de autoria de Polliana Moreno dos Santos e se intitula: Religiosos e a «não-violência ativa» na memória mediatizada dos 50 anos do golpe civil-militar no Brasil (1964-1985). A autora aborda questões que possibilitam o diálogo da História do Tempo Presente com a História Pública. Discute, com propriedade, a participação de religiosos na resistência contra a Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Apresenta como eixo a memória mediatizada presente na série jornalística “Silêncios da Ditadura” exibida pelo jornal SBT Brasil, considerando o contexto da justiça de transição no Brasil e os estudos da História do Presente. O episódio analisado é a Operação Gutemberg, organizada pelos militares com o objetivo de controlar a missa em memória do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nos porões do DOI-CODI, evitando, destarte que se transformasse num ato político. Esta cerimônia religiosa foi realizada por três figuras importantes da resistência à Ditadura: o rabino Henry Sobel, o arcebispo Dom Evaristo Arns e o reverendo Jaime Nelson Wright. A disputa de narrativas, tão característica dessa História, fez-se relevante por revelarem os contextos nos quais cristãos, ou não, estiveram envolvidos, construindo uma memória mediatizada. A autora sinaliza que, cada vez mais, é importante aceitar os desafios de disputar memórias e narrativas da História.

Fruto de sua pesquisa de mestrado, o artigo de Vânia Muniz dos Santos, Orientando crianças, jovens e adultos: ações da Bahia na promoção da Educação Moral e Cívica durante o regime militar, faz algumas considerações sobre ações impostas no Estado da Bahia, durante o Regime Militar, no que concerne à organização da Coordenação de Educação Moral e Cívica – COMOCI / BA –, responsável, no âmbito estadual, por coordenar e fiscalizar as ações desenvolvidas nas instituições escolares na disciplina Educação Moral e Cívica. Através da análise de documento, que elucidam a forja das políticas educacionais pelo Conselho Estadual de Educação, o texto traz elementos para a reflexão sobre a importância desta disciplina escolar para atingir os propósitos do regime ditatorial.

E, para finalizar, contamos com o artigo A área de estudos sociais no uso dos estudos dirigidos no ginásio vocacional Oswaldo Aranha (SP, 1962- 1964), colaboração de Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato. A autora apresenta as múltiplas apropriações dos docentes da área de Estudos Sociais do uso dos Estudos Dirigidos na cultura escolar da mencionada instituição educativa de 1962 até o golpe de 1964. Chamando a atenção para a importância da discussão sobre o conceito de cultura escolar e de como este conceito pode ser ampliado para outras análises, a exemplo da cultura escolar vocacional de 1964, que transformou a disciplina Estudos Sociais em área, quando passou a enfrentar novos dilemas a ponto de se produzir uma nova cultura escolar. Para tanto, a autora recorta seu estudo no período inicial da Ditadura Civil Militar, 1962 até 1964. De forma responsável, a autora faz usos de fontes como relatórios, planejamentos e práticas educativas dos professores de Estudos Sociais, que são analisadas metodologicamente de forma qualitativa sustentada pela noção de apropriação cunhada por Roger Chartier (1988; 2002). A autora organiza o texto em duas seções, na primeira, analisa os Estudos Dirigidos nos planejamentos da cultura escolar vocacional em uma sociedade democrática; e, na segunda parte, analisa essa mesma prática registrada nesse conjunto de fontes escolares docentes do ano 1964, quando se forja uma nova cultura escolar. Os resultados possibilitam perceber as inquietações docentes ao refletirem sobre esses saberes voltados para uma sociedade brasileira democrática.

A História nos diz muito sobre a sociedade contemporânea, desde as suas prioridades e de seus valores até sobre comportamentos e atuações dos diversos grupos sociais que a compõe. A História do Tempo Presente reafirmou, no século XX, que testemunhos históricos são fonte histórica legítima, a história contemporânea pode ser objetiva, a memória oral não é mais problemática que a escrita, a função política da História em formar cidadãos pode partir de fatos de passados recente como remotos e, finalmente, o compartilhamento do tempo histórico do historiador com aqueles que fazem a história pode ter um lado positivo, visto que o historiador deve dividir “(…) com os que fazem a história, seus atores, as mesmas categorias e referências. (…) a falta de distância, ao invés de um inconveniente, pode ser um instrumento de auxílio importante para um maior entendimento da realidade estudada (…). (CHARTIER, 1993 apud FERREIRA, 2000, p.10).

Referências

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria Manuela Galhardo. Lisboa, Portugal: DIFEL, 1988.

______. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade / UFRGS. 2002

FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. Cultura Vozes, Petrópolis, v.94, n.3, p.111-124, maio / jun., 2000.

Celia Santana Silva – Doutora em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Professora da Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias, Campus XVIII / Eunápolis. E-mail: celiasantanauneb@gmail.com

Luciana Oliveira Correia – Doutora em Educação pela Universidad de Alcalá. Professora da Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas, Campus VI / Caetité. E-mail: lcorreia@uneb.br


SILVA, Celia Santana; CORREIA, Luciana Oliveira. Apresentação. Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino. Caetité, v.1, n.2, jul. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Antologia del Pensamiento Crítico Caribeño Contemporáneo (West Indies, Antillas Francesas y Antillas Holandesas) | Félix Valdés Garcia

O Caribe se constitui num imenso mosaico multidimensional (cultural, político, intelectual) marcado por uma ampla diversidade de dominações, colonizações, influências, resistências e reelaborações, que estão explicitadas em suas diversas denominações. Desta forma, uma parte da região, o Caribe hispânico é chamado de ‘El Caribe’, nas ilhas anglófonas é denominado de ‘West Indies ou The Caribbean’, na zona francesa é apontado como ‘Les Antilles’ ou ‘La Caraíbes’ e na área holandesa é designado como ‘Dansk Vestindien’.

Estas diferentes denominações demonstram o caráter uno e diverso da região, combinados dialeticamente, que explicitam, de uma ou outra forma, toda sua diversidade e potencialidade.

Desta forma, apesar de partilharmos com o Caribe uma história comum, que antecede a colonização européia, e dos laços históricos, econômicos e culturais desenvolvidos há séculos tal região e, principalmente, o pensamento crítico caribenho seguem ignorados ou apontados (ainda) pelo exotismo, já que a centralidade intelectual dos países do norte, principalmente em sua vertente anglo-saxã, continua condicionando nosso olhar e nossa reflexão sobre uma região tão próxima e, ao mesmo tempo, tão distante.

Sendo assim, pode-se afirmar que, apesar de alguns avanços, a maior parte da produção intelectual caribenha, e de seu pensamento crítico, segue desconhecida, com raras exceções, e a elaboração, as temáticas e concepções desenvolvidas por intelectuais caribenhos ainda se constitui num vasto campo a ser explorado e divulgado.

Neste sentido, esta obra se constitui num trabalho fundamental, e muito instigante, para o (re) conhecimento do pensamento crítico caribenho e seus laços com a realidade brasileira, principalmente das populações originárias e dos afrodescendentes, e a construção de alternativas para uma sociedade mais justa e equitativa.

A obra é parte integrante da série ‘Países’ da coleção de Antologías del Pensamiento Social Latinoamericano y Caribeño, publicada pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO)2, na qual já foram divulgadas a produção crítica contemporânea de Uruguai, Panamá, El Salvador, Nicarágua, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, México, República Dominicana, Peru, Paraguai e Venezuela, sendo que, em breve, novos volumes sobre outros países devem ser lançados.

A coleção é composta por cinco séries: Trayectorias, Países, Pensamientos Silenciados, Miradas Lejanas e CLACSO/SIGLO XXI (publicação conjunta), cujos textos podem ser considerados essenciais para conhecer e compreender o pensamento social latino-americano e caribenho, clássico e contemporâneo.

Desde o seu surgimento, CLACSO se tornou um espaço de reflexão autônoma das questões latino-americanas, de desenvolvimento do pensamento social e crítico e do compromisso com a superação da pobreza e desigualdade, através da construção de um caminho alternativo próprio. Neste sentido, as coleções produzidas realçam a importância desta para a construção e difusão do pensamento latino-americano3, procurando incentivar a produção própria, a compreensão autônoma e a construção de um caminho latino-americano para o desenvolvimento das ciências e, principalmente, das sociedades latino-americanas.

Este trabalho foi organizado pelo professor cubano Félix Valdés Garcia, membro da Cátedra sobre o Caribe da Universidade de Havana, da Associação de Estudos do Caribe (AEC) e do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO).

Esta obra, como a região retratada, é marcada pela diversidade de temáticas e perspectivas e se insere na dinâmica da coleção, procurando retratar uma ampla gama de autores e abordagens que possuem como fio condutor um pensamento crítico, alicerçado nas condições e desafios que a região enfrenta desde a colonização, apresentando tanto autores clássicos do pensamento caribenho como Frantz Fannon, Aimé Césaire, Eric Willians, Cyril Lionel Robert James, Edward Kamau Brathwaite e Maurice Bishop, como autores contemporâneos como Sir William Arthur Lewis, Kari Polanyi Levitt y Lloyd A. Best, Sylvia Wynter, Jean Bernabé, Patrick Chamoiseau e Raphaël Confiant.

Desta forma, o livro adquire uma coerência e uma relativa unidade, mesmo na diversidade, pois os autores apresentados conseguem demonstrar a profunda relação entre suas análises e a dinâmica social, política e econômica de seus países e região, produzindo um pensamento que procura contribuir para a transformação social, em suas diversas formas e movimentos, superando os colonialismos, em todas as suas manifestações e atualizações.

Além disto, o trabalho está marcado por uma abordagem multidisciplinar e pelo diálogo frutífero de um conjunto de correntes, relacionadas ao pensamento crítico, no qual se destacam três tradições. Primeiro, o pensamento marxista, utilizado de forma criativa e distanciado de dogmatismo e esquematismo, associado ao marxismo ocidental e, principalmente, ao impulso renovador e originário intentado pela Revolução Cubana e pelas releituras marxistas desenvolvidas na África e na América Latina ao longo das últimas décadas. Além dele, se destaca o pensamento negro, originário da diáspora africana, e sua releitura da colonização e da escravidão, bem como da condição dos negros no mundo contemporâneo, procurando resgatar suas raízes, originalidade e relevância para a superação da condição subalterna e subdesenvolvida.

Por fim, emergem os trabalhos que, mantendo um diálogo com as perspectivas anteriores, incorporam as contribuições do pensamento decolonial, anti-colonial ou póscolonial, procurando descontruir a modernidade eurocêntrica, suas lógicas e determinações, resgatando os diversos elementos (culturais, políticos, sociais, econômicos, religiosos, …) associados a negritude, as populações originárias e as mulheres, dentre outras, que nos permitem repensar a condição colonial e, principalmente, a dependência e o desenvolvimento (econômico e social) da região.

Neste sentido, podemos apontar que a obra pode ser analisada a partir de cinco eixos fundamentais, que se entrecruzam e se desdobram em inúmeras reflexões.

O primeiro eixo, que perpassa toda a obra, está associado a temática do colonialismo, tanto em sua dimensão temporal como nos efeitos políticos, econômicos e culturais, ao promover um quadro de dominação econômica, política e cultural, associado a colonialidade do saber e do poder nesta região e em toda a América Latina. Neste sentido, se destacam as análises, que podem ser consideradas clássicas, de Frantz Fanon (“Los condenados de la tierra”- fragmentos) e de Aimé Césaire (“Discurso sobre el colonialismo”) e o trabalho, mais recente, de Sylvia Winter (“1492: Una nueva visión del mundo”), embora os demais textos do livro possam ser considerados um desdobramento deste eixo primordial e continuem, a seu modo, discutindo tal temática.

O segundo eixo é caracterizado pelo debate sobre a dependência e a condição periférica dos estados caribenhos, além dos desafios para a criação de uma dinâmica efetiva de desenvolvimento econômico e social. Neste sentido, são apresentados os trabalhos de Eric Willians (“Capitalismo y esclavitud” y “El futuro del Caribe”), Kari Polanyi Levitt y Lloyd A.

Best (“Un enfoque histórico e institucional del desarrollo económico caribeño” y “Bosquejo de una teoría general de la economía del Caribe” e Sir William Arthur Lewis (“La agonía de las ocho”- Teoría para el desarrollo económico y social del Caribe), dentre outros.

O terceiro eixo, presente em boa parte dos trabalhos, é relacionado a questão da negritude e da condição ‘criolla’, discutidas em múltiplas dimensões, em que se destacam os elementos culturais e políticos. No primeiro caso, estão presentes trabalhos que revisam o tema da escravidão, em sua implicação social e cultural, analisam a emergência da noção de negritude, em sua relação com o pan-africanismo, e, mais recentemente, da noção de ‘creolidad’, destacando-se os trabalhos de Edward Kamau Brathwaite (“La criollización en las Antillas de lengua inglesa”), de George Lamming (“Los placeres del exilio”) e de Jean Bernabé, Patrick chamoiseau y Raphaël confiant (“Elogio de la creolidad”- fragmentos).

No plano político e social, destacam-se trabalhos que discutem a emergência do movimento negro e de uma consciência e mobilização social regional como os trabalhos de Édouard Glissant (“El discurso antillano”), de Walter Rodney (“El Black Power. Su relevancia en el Caribe”) ou de Brian Meeks (Radical Caribbean: From Black Power to Abu Baker/ Caribe radical. Del Black Power a Abu Bakr), dentre outros.

O quarto eixo relaciona-se ao impacto das Revoluções, passadas e presentes, na constituição e desenvolvimento de um pensamento revolucionário e libertário, que incorpora as tradições culturais, africanas e ameríndias presentes na região, e procura desenvolver um projeto político-cultural que combine justiça social e valorização destas tradições subalternizadas ao longo da história caribenha. Neste sentido, diversos trabalhos promovem um contato e um diálogo com o impulso libertário da Revolução Cubana e dos processos de descolonização e independência na África, a partir dos anos 60, dos quais podemos destacar os textos de Cyril Lionel Robert James (“De Toussaint L’Ouverture a Fidel Castro”, extraído de ‘Os jacobinos negros’), de Maurice Bishop (“¡Siempre adelante! Contra el imperialismo y hacia la independencia nacional legítima y el poder del pueblo”) e de Lloyd A. Best (“Pensamiento independiente y libertad caribeña”), dentre outros.

O último eixo se relaciona a temáticas emergentes, dentre as quais se destacam as questões culturais e de gênero, que procuram, a partir da condição caribenha, redefinir o papel e a organização destas sociedades e, no segundo caso, revisar a condição subalterna das mulheres no mundo ocidental e contribuir para a superação desta condição e do empoderamento feminino. Neste sentido, se destacam os trabalhos de Elsa Goveia (“Estudio de la historiografía de las Antillas inglesas hasta finales del siglo XIX”), de Terry Agerkop (“Las culturas tradicionales y la identidad cultural en Surinam”) e, principalmente, de Alissa Trotz (“Género, generación y memorias: tener presente un Caribe futuro”).

Além dos aspectos já mencionados, outros elementos emergem da leitura desta obra. Como demonstram os textos, os diversos autores conseguem captar, com acerto, a dicotomia entre a unidade e a diversidade que caracterizam o Caribe, principalmente, ao destacar suas diversas tradições, mas que convergem para uma história e destinos comuns, além de revelar a dinâmica política e social das pequenas nações. Além disto, demonstram que tais autores procuram associar compromisso e sensibilidade social com rigor intelectual, tornando-se relevantes para o desenvolvimento de um pensamento próprio, caribenho e latino-americano, fundamentado tanto na realidade particular de cada ilha como nos desafios comuns que marcam a região e, de certa forma, toda a América Latina.

Neste sentido, também pode ser destacado que os textos são marcados pela convergência frutífera entre uma abordagem multidisciplinar, com destaque para história, economia, as ciências sociais e os estudos culturais e a utilização de múltiplos enfoques metodológicos e culturais, enriquecendo e ampliando o escopo analítico. Finalmente, vale mencionar que a obra contribui para o desenvolvimento de estudos comparados, produzindo um panorama (político, cultural, social e econômico) que consegue combinar o global e o regional, o regional e o local e uma análise multidimensional da conjuntura para compreender as sociedades caribenhas, seu passado e presente, com suas heranças estruturais e desafios atuais.

Entretanto, como toda coletânea, resultado de opções do organizador e dos limites da publicação, embora possua inúmeros méritos e tratar-se de um trabalho muito importante, possui limitações relacionadas, principalmente, a ausência de alguns pensadores e de algumas temáticas, como a análise das instituições e da dinâmica contemporânea da Integração Regional caribenha, as relações recentes com a herança e o continente africano, o agravamento de problemas sociais e ambientais, a emergência de novas formas de organização cultural e política e o papel das novas gerações na construção de um pensamento crítico caribenho, dentre outras.

Apesar disto, é possível apontar que a obra, assim como toda a coleção de CLACSO, ao apresentar as trajetórias fundamentais do pensamento latino-americano contemporâneo, é fundamental para o conhecimento da América Latina e do Caribe, em sua unidade e diversidade, dos problemas recorrentes e seculares que afetam a região (desigualdade, dominação, submissão, silenciamentos,…) e das possibilidades de construção de alternativas, alicerçadas na construção de direitos efetivos, de respeito as culturas e povos originários, de desenvolvimento económico e social, de democracia participativa e inclusiva e justiça social.

Neste sentido, conforme aponta o organizador Félix Valdés Garcia: Así, más allá de la obra de Jamaica, Trinidad y Tobago, Martinica o Barbados, los textos reunidos expresan el cuestionamiento de una totalidad mayor, dada con mayor frecuencia en las lenguas de Próspero que en creole, papiamento o sranang tongo, pero tan agudo como la plaga roja que Caliban pronunciara a Próspero. Ella expresa la unidad de lo diverso, de lo individual y lo universal de una experiencia, de islas que se repiten una y otra vez, sin ser iguales ni siquiera consigo mismas, más allá de la proximidad física, la fragilidad, la continuidad fáctica que la historia puso a merced de antojos imperiales y de experimentos sociales y culturales más impensados de la civilización occidental. Sirva la presente selección para rebasar las divisiones, el desconocimiento de pueblos que comparten una misma suerte, semejantes herencias y un mismo sol insular y de Nuestra América (GARCIA, 2017, p. 34).

À todos, boa leitura!!!

Notas

2. O Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) é uma instituição não-governamental, criada em 1967 e associada a UNESCO, que reúne cerca de 394 centros de pesquisa, programas de pós-graduação ou instituições em ciências humanas e sociais de 26 países da América Latina. Além deste, também são filiadas diversas instituições de EUA, Europa, África e Ásia que se dedicam ao estudo de temas latino-americanos. Para conhecer a entidade pode-se acessar: http://www.clacso.org.ar 3 O Brasil possui, até o momento, cerca de 51 instituições, programas de pós-graduação ou centros de pesquisa filiados.

Marcos Antonio da Silva – Universidade Federal da Grande Dourados, Brasil.

 

VALDÉS GARCIA, Félix (org.). “Antologia del Pensamiento Crítico Caribeño Contemporáneo (West Indies, Antillas Francesas y Antillas Holandesas)”. Buenos Aires: CLACSO, 2017. Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20170707025855/AntologiaDePensamientoCriticoCaribeno.pdf. Resenha de: SILVA, Marcos Antonio da. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.19, n.37, p.149-153, jul./dez., 2018. Acessar publicação original. [IF].

A Revolução Russa | Sheyla Fitzpatrick

No ano de 2017, houve uma profusão de obras historiográficas pela ocasião do centenário de um dos maiores acontecimentos do Século XX, a Revolução de Outubro de 1917 na Rússia. Uma dessas obras reeditada neste ano, de suma importância para a compreensão dos primeiros 20 anos do processo revolucionário soviético, foi A Revolução Russa, de uma das pesquisadoras mais destacadas entre os sovietólogos na atualidade, a australiana Sheyla Fitzpatrick. A autora, que atualmente leciona História da Rússia Moderna na Universidade de Sydney, expõe as primeiras duas décadas da primeira e mais duradoura revolução socialista, que abriu as portas para dezenas de outros processos revolucionários em todo o mundo. Leia Mais

Angola Janga: uma história de Palmares | Marcelo D’Salete

Há muito tempo, os primeiros homens e mulheres foram pegos… Levados nos tumbeiros, pelo calunga… até esta terra. Cansados, marcados e amedrontados. Abandonados pra trabalhar e morrer no engenho. Parecia não haver saída. Apesar de tudo, um grupo fugiu! Cheios de gana… Eles caminharam muitas noites pelo cafundó… Alguns sonhavam ainda voltar pra terra além do Calunga, em Matamba… Outros sabiam ser impossível. Depois de muitos dias… chegaram numa terra protegida, vistosa e fértil… Mata repleta de palmeiras pra comer e construir mocambos. Terra onde sementes de massango, guando e muito mais… podem brotar e florescer… (D’SALETE, 2017, p. 196-197) Leia Mais

Velas ao mar: U.S. Exploring Expedition (1838-1842). A viagem científica de circum-navegação dos norte-americanos – JUNQUEIRA (AN)

JUNQUEIRA, Mary Anne. Velas ao mar: U.S. Exploring Expedition (1838-1842). A viagem científica de circum-navegação dos norte-americanos. São Paulo: Intermeios, 2015.  Resenha de: SANTOS JÚNIOR, Valdir Donizete dos. Anos 90, Porto Alegre, v. 25, n. 47, p. 369-375, jul. 2018.

Em tempos de globalização, quando, com raríssimas exceções, as mais diversas partes do mundo, das mais cosmopolitas às mais recônditas, se veem conectadas e interligadas pelas tecnologias de ponta nas comunicações e nos transportes, a primeira metade do século XIX apresenta-se como uma época ambígua: tão distante e, ao mesmo tempo, tão próxima de nós, de nossas vivências, do que somos e do que pensamos.

Distante, pois a correspondência epistolar, os diários manus­critos e as longas viagens a vapor parecem estar há anos-luz das comunicações informatizadas, dos aparelhos eletrônicos de última geração e das rápidas viagens aéreas que cortam os céus e mobilizam pessoas em todos os continentes. Próxima, uma vez que o período entre as últimas décadas do século XVIII e as primeiras do século XIX marca o advento de um momento histórico do qual ainda, de certa forma, fazemos parte. Durante esses anos, as então recentes inovações da indústria, especialmente o advento da energia a vapor, facilitaram o trânsito em águas até então desconhecidas pelo Oci­dente e encurtaram as distâncias entre as várias partes do planeta.

A tais transformações técnicas somava-se o racionalismo ilustrado tão exaltado pelo liberalismo do século XIX, que buscou esqua-drinhar, classificar e catalogar tudo o que de novo fosse encontrado pelas potências ocidentais, construindo um conjunto de saberes que ditava hierarquias e incitava desejos imperiais. Tratava-se de um novo capítulo – um dos mais importantes – do processo de interligação de toda a superfície do globo terrestre, que se iniciara com as navegações ibéricas do século XV e que no século XIX vivenciava seu auge.

É sobre esse contexto de intensas transformações econô-micas, sociais, culturais, políticas e tecnológicas que evidenciavam o avanço do capitalismo e da modernidade, ainda marcadamente ocidentais e, em grande medida europeus, que se debruça Velas ao mar: U.S. Exploring Expedition (1838-1842), a viagem científica de circum-navegação dos norte-americanos, o instigante e fundamental trabalho da historiadora brasileira Mary Anne Junqueira. Resultado de sua Tese de Livre-Docência em História dos Estados Unidos, defendida em 2012, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, esse livro apresenta ao público brasileiro, alicerçando-se em sólida pesquisa acadêmica, a U.S. Exploring Expedition, primeira viagem científica de circum- -navegação do globo promovida pelos Estados Unidos. Executada pela Marinha norte-americana (U.S. Navy) entre 1838 e 1842, a missão foi comandada pelo genioso e polêmico capitão Charles Wilkes (1798-1877), autor dos cinco volumes da narrativa de viagem que serve como fio condutor do trabalho.

Trilhando as intersecções entre o mundo das viagens, a dis­cussão científica e os interesses geopolíticos em jogo na primeira metade do Oitocentos, Velas ao mar apresenta, de início, uma dupla importância ao pesquisador dedicado à História das Américas, espe­cialmente aos que se debruçam sobre o século XIX, qual seja, sua densa reflexão teórico-metodológica e sua originalidade temática.

Acerca do primeiro aspecto, Junqueira, estudiosa de temáticas e autores da chamada teoria pós-colonial, dialoga com referências importantes dessa seara, como Dipesh Chacrabarty, Mary Louise Pratt e o fundamental Edward Said. Discute com Chacrabarty, por exemplo, a necessidade de tirar a Europa do “centro” das análises   acadêmicas; com Pratt, a existência de trocas, mesmo que assimé­tricas, entre colonizadores e colonizados nas chamadas “zonas de contato”; e com Said, a construção de saberes e conhecimentos como fatores de afirmação e dominação imperial. Merece destaque especial sua leitura do historiador argentino radicado nos Estados Unidos, também interlocutor da teoria pós-colonial, Ricardo Salvatore, referência básica que se evidencia nas linhas e entrelinhas dos três primeiros capítulos de Velas ao mar. Discutindo a constituição de “lugares de saber”, Junqueira defende, acompanhando Salvatore, a existência de uma tensão latente entre a circulação transnacional de conhecimentos científicos, intelectuais ou técnicos e o processo de afirmação dos Estados nacionais no século XIX. Dito de outra maneira, a perspectiva transnacional, atualmente em voga na histo-riografia, nem sempre supera, mas frequentemente convive com o paradigma nacional.

Ainda em termos teórico-metodológicos, a autora reserva o quarto capítulo de seu trabalho exclusivamente a uma reflexão sobre a utilização dos relatos de viagem como fonte para o historiador. Para além de um mero balanço historiográfico, Junqueira aponta para a variedade desses textos e alerta para os cuidados que o pesqui-sador deve ter ao trabalhar com esse material. De acordo com a estudiosa, é preciso estar atento ao local de onde fala o viajante, ao seu universo cultural, ao período em que escreveu seu texto em relação ao período em que o publicou, à forma que escolheu para elaborá-lo (narrativa, carta, memória, diário etc.) e ao público que buscou cativar. Além dessas indicações metodológicas, a autora trava diálogo com a crítica literária, concebendo uma instigante reflexão sobre os relatos de viagem como um “gênero híbrido”. Partindo dessa premissa, entende esse documento como sendo essencialmente múltiplo, capaz de ser lido de distintas maneiras por pessoas e em tempos diversos, e cujas vozes, estilos e formas evidenciam grande polissemia.

A respeito de sua originalidade temática, Velas ao mar des­taca-se em alguns aspectos. Primeiramente, a U.S. Exploring Expe­dition, curiosamente, não é, como destaca a autora, a despeito de sua importância na História dos Estados Unidos, uma expedição que tenha sido alvo de maciços estudos, especialmente de pesquisas acadêmicas de fôlego. Velas ao mar é, portanto, o primeiro trabalho sobre essa desconhecida empreitada nos marcos da investigação historiográfica brasileira1.

Em termos estruturais, o livro de Mary Anne Junqueira é composto por duas partes. Os três capítulos que formam a primeira seção do trabalho (“Em nome da ciência: para compreender a U.S. Exploring Expedition”) preparam o terreno para a análise propria­mente dita da fonte. Inicialmente, insere a expedição comandada por Charles Wilkes em um contexto mais amplo das viagens de circum-navegação levadas a cabo por diversos países entre as décadas finais do século XVIII e as iniciais do XIX. Com o aprimoramento das técnicas de navegação e a crescente importância do Oceano Pacífico e dos grandes contingentes populacionais asiáticos para o comércio internacional, conhecer e mapear os mares era de suma importância para a obtenção de vantagens econômicas e geopolíticas. Nesse sentido, os Estados Unidos colocavam-se, ao se lançarem nessa empresa, em compasso e, ao mesmo tempo, em competição com países como a Inglaterra, a França e a também emergente Rússia, como pretendentes ao poder que o conhecimento sobre o mundo poderia propiciar.  Junqueira discute ainda, nos dois capítulos seguintes, dialo­gando com a História das Ciências e dos saberes científicos, como a expedição se circunscreveu em um quadro mais geral de definição de padrões internacionais acerca da navegação no globo terrestre. Nesse sentido, a autora nos mostra, seguindo Salvatore, que, na ten­são entre a circulação transnacional e os interesses especificamente nacionais, uma vasta gama de conhecimentos, como as longitudes da Terra, as coordenadas geográficas e o mapeamento náutico, entendidos atualmente por muitos como dados puramente técnicos, foram fruto de intensa disputa geopolítica, da qual os norte-ameri­canos se mostravam bastante propensos a participar. Constituiu-se, dessa maneira, nos marcos da primeira metade do século XIX, um quadro em que os Estados Unidos – que buscavam seu lugar no mundo – estabeleceram uma relação ambígua em relação à Europa, oscilando entre a admiração e a concorrência.

A seção final do trabalho (Cultura imperial: as Américas na narrativa de viagem de U.S. Exploring Expedition), composta por quatro capítulos, debruça-se mais especificamente sobre o mundo dos relatos de viagem: refletindo teórica e metodologicamente sobre esse tipo de fonte (capítulo 4), analisando de maneira mais detida a narrativa escrita pelo capitão da U.S. Exploring Expedition, Charles Wilkes, (capítulos 5 e 6) e cotejando, ao lado deste, relatos deixados por dois outros membros da tripulação da expedição, o marinheiro Charles Erskine e o aspirante a oficial William Reynolds (capítulo 7).

Sobre os cinco volumes da narrativa de Wilkes, a historiadora destaca sua inserção em um conjunto maior de textos que formam o relato oficial da viagem, composto originalmente por vinte e três tomos que versam sobre assuntos diversos, como etnologia, filologia, meteorologia, botânica, hidrografia, os aspectos mais diversos da zoologia e a temática das “raças do homem”. Junqueira ressalta os embates e as tensões expostas no processo de escrita desse docu­mento oficial, já que por seu caráter polêmico e por ter sido acusado de cometer diversos excessos ao longo da viagem, Charles Wilkes não era considerado por muitos a pessoa mais indicada para esse encargo. Como se evidencia pela leitura do trabalho, não somente o capitão foi o autor da descrição da viagem, como também a usou para se defender de seus críticos.

Velas ao mar reserva um de seus capítulos para uma análise sobre como Wilkes descreveu as Américas. Para tanto, a autora realiza um instigante debate sobre a questão da raça no relato e principalmente sobre a maneira como o capitão norte-americano concebia a ideia de “raça anglo-saxônica”. Inserida em uma reflexão alicerçada em uma bibliografia em língua inglesa especializada no tema, Junqueira discute a construção de uma retórica que concebe a superioridade civilizacional desse grupo formado por britânicos e norte-americanos em relação aos demais povos do planeta. Balizado por esse discurso, Wilkes afirmava a inferioridade dos povos que na América haviam sido colonizados por espanhóis e portugueses. O capitão não se utilizava para se referir a estes últimos, como era de se esperar, de expressões relacionadas à ideia de “latinidade”, como América Latina ou raças latinas, pois se o “anglo-saxonismo” da América do Norte já estava consolidado na época da expedição, o mesmo não se pode dizer da reinvindicação da “latinidade” por parte dos ibero-americanos, que somente iria se estabelecer de fato na retórica do continente a partir da década de 1850.  Mary Anne Junqueira encerra seu trabalho analisando, ao lado das narrativas de Wilkes, outros dois relatos produzidos por membros da expedição do U.S. Exploring Expedition: o marinheiro Charles Erskine e o aspirante a oficial William Reynolds. Para além de considerações sobre as relações pessoais e hierárquicas, bem como os costumes e as práticas cotidianas de tais viagens, é possível afirmar que a principal contribuição desse capítulo para o conjunto do trabalho seja a constatação de que a cultura imperial presente nas ideias norte-americanas já na primeira metade do século XIX não era privilégio de suas elites, mas era compartilhada pelas diversas classes sociais. A despeito das desavenças que esses dois outros personagens pudessem ter tido com Wilkes durante a viagem, não divergiam de seu capitão em um aspecto: a concepção da superioridade dos anglo-saxões em relação aos demais povos do continente americano.

Finalmente, é preciso mais uma vez destacar que Velas ao mar representa uma importante contribuição não somente para aqueles que estudam os relatos de viagem e a história das Américas no século XIX, mas para todos que desejam ter acesso a um trabalho de pesquisa sólida e reflexão acadêmica densa. Enfim, Mary Anne Junqueira oferece novamente elementos para o conhecimento da História dos Estados Unidos no Brasil, demonstrando que, já em seu processo de formação nacional na primeira metade do Oitocentos, os norte-americanos ambicionavam um lugar de destaque entre as nações mais poderosas do mundo e enunciavam precocemente uma retórica imperial que, como se sabe, tem justificado, desde meados do século XIX, a presença dos Estados Unidos em diversas regiões do globo, não necessariamente de modo cordial e pacífico.374  Valdir Donizete dos Santos Junior .

Valdir Donizete dos Santos Junior  – Professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de São Paulo (Campus Jacareí) e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Social pela Universidade de São Paulo – USP. E-mail: valdirdsjr@gmail.com.

Ensino de História: posicionamentos didáticos, teóricos e políticos | Escrita da História | 2018

Embora nunca tenha sido fácil desempenhar o papel de professor no Brasil, nos últimos tempos a função tem estado sob ataque. Docentes, sobretudo de História e de outras áreas humanas, têm sido acusados de doutrinar seus alunos e fomentar em sala um ensino parcial, ideológico e partidário.

Atualmente, na Câmara dos Deputados, uma comissão especial analisa o projeto de lei que tenta implementar as propostas do programa “Escola sem Partido”. A principal bandeira é a neutralidade absoluta no ensino. Com o anúncio do resultado das urnas das últimas eleições presidenciais e a vitória do candidato que é um dos arautos do movimento supracitado, houve uma intensificação das perseguições a professores que são acusados de promover o que o grupo considera doutrinação. Por meio das redes sociais, alunos foram incitados a gravarem áudios e vídeos que sirvam de supostas “provas” em futuros processos. Leia Mais

Recôncavo – Revista de História da UNIABEU | Belford Roxo, v.8, n.14, 2018.


Recôncavo – Revista de História da UNIABEU. Belford Roxo, v.8, n.14, 2018.

Editorial

Editorial | Marcia Cristina Roma de Vasconcellos | PDF

Artigos

 

A Sociedade dos Amigos dos Negros: a Revolução Francesa e a Escravidão (1788-1802) | Laurent de Saez

A obra “A Sociedade dos Amigos dos Negros”, escrita pelo historiador Laurent de Saes, traz o debate sobre a escravidão nas relações entre a França do período revolucionário e as colônias francesas da América, sobretudo, de Saint Domingue. Dentro dessa limitação espaço-tempo, o autor apresenta a primeira sociedade antiescravista francesa, designada como a Sociedade dos Amigos dos Negros, como um grupo criado e liderado, incialmente, por Jacques-Pierre Brissot de Warville, Étienne Claviére e Mirabeau e, posteriormente, com a adesão de outros ativistas, na França, em 1788, que realizava uma campanha em favor do abolicionismo e uma transformação gradual do sistema colonial, sob os auspícios da nova ordem, jurídica e ideológica, do período pós Revolução Francesa.

O livro traz um panorama da escravidão e suas contradições internas, dentro da relação metrópole-colônias, mostrando o impacto da Revolução Francesa e de seus ideais sobre a questão do abolicionismo e da relação entre metrópole-colônia. A defesa da liberdade, igualdade e fraternidade, princípios revolucionários liberais, foram incapazes de levar a abolição às colônias, ao contrário, por conta disso, fomentaram lutas de classe e revoltas violentas de escravos, ansiosos por independência e a emancipação. Para tanto, o estudo é estruturado em 03 (três) partes, compreendendo o período de 1788 a 1802, lapso temporal a partir da fundação da Sociedade dos Amigos dos Negros, passando pelo abolicionismo, pelas revoltas coloniais, até o restabelecimento da escravidão.

A primeira parte, intitulada “A revolução francesa diante da escravidão negra”, aborda as bases do pensamento da Sociedade dos Amigos dos Negros que defendia a tese, em seu programa inicial, da abolição do tráfico negreiro, a abolição gradual da escravidão, melhora das formas de tratamento dados aos escravos e um novo projeto colonial. Destaca-se o entendimento à época que a emancipação gradual da mão-de-obra escrava e inserção dos negros no sistema de trabalho assalariado seriam benéficos, tanto aos próprios escravos, em face da liberdade a ser obtida e melhores condições de vida, quanto aos próprios comerciantes coloniais e plantadores que obteriam uma maior produtividade e qualidade superior do trabalho. Os ideais da Revolução Francesa foram a base jurídica para argumentação abolicionista, contudo, a extensão de seus efeitos às colônias e os colonos e comerciantes franceses mostram-se barreiras de difícil transposição, visto que o sistema colonial do comércio e das plantations ainda eram consideradas as bases da economia.

A segunda parte do livro descreve como ocorreu a abolição da escravatura nas colônias francesas e seus principais fatores, favorecidas, principalmente, pela insurreição escrava nas colônias. A ascensão do abolicionismo radial, nascido a partir do levante em Saint Domingue, se inspirava no movimento da metrópole pela liberdade e igualdade, num mesmo momento que havia uma retomada da guerra entre França e Grã-Bretanha (1793), inclusive com a invasão inglesa das ilhas do caribe. Dentro desse contexto, a França foi pressionada a abolição da escravidão, sob o risco de perda das colônias.

A terceira e última parte nada mais traz do que a reação política ao movimento abolicionista, restabelecendo, paulatinamente, ao status quo. A ascensão do regime Consular, guiado por Napoleão Bonaparte, pautado pelos interesses da burguesia mercantil, trouxe uma política restauracionista e expansionista das relações coloniais, por conseguinte, o movimento abolicionista não conseguiu superar a forte atuação dos interesses do Estado nacional, na defesa dos seus interesses políticos e comerciais, culminado, inclusive, criando uma ordem constitucional segregada, em face a extinção do princípio da assimilação (1799).

Dentro desse arquétipo, pode-se notar que a obra foi desenvolvida a partir da concepção do materialismo histórico de Karl Marx e Friedrich Engels, uma vez que o autor traz, à fundamentação para sua tese, diversos documentos, manuscritos e impressos, a fim de consolidar e embasar o seu modo de pensar. Sendo assim, o texto se desenrola dentro de um processo progressivo e histórico, em que os conflitos de classe e as contradições internas se mostram latentes e no entro do debate. Trazemos, à questão que muito bem alicerça a adoção dessa opção metodológica, o paradoxo que era a tentativa de abolição da escravatura, sem, contudo, defender o fim modo de produção colonial como base da economia1. Ao contrário, a França, no período revolucionário ainda era pouco industrializada e extremamente dependente do modelo colonial. Inobstante isso, as contradições de classes também se faziam presentes, visto que, embora silenciada no período consular, a elite abolicionista e os movimentos populares e antiescravistas não deixaram de fomentar o embate interno contra a elite aristocrática e da burguesia mercantil, tanto que desaguaram nas Revoluções de 1830 e 1848 [2].

Nota-se que o autor apresenta causas múltiplas para esses acontecimentos, desde as contradições inerentes entre classes sociais, construídas dentro de um modelo das relações da escravidão e do pacto colonial, até as revoltas violentas dos escravos, o surgimento de um movimento, de cunho popular e abolicionista, na metrópole e as guerras revolucionárias. Portanto, devemos destacar as contradições mostram-se um tema fulcral ao debate, uma vez que a liberdade, um dos pilares da Constituição francesa, não atingiu as colônias, nos mesmos termos. A Constituição francesa declarou a abolição da escravatura, extensível às colônias [3], contudo, não foi aplicado, no ímpeto de impor ordem e controle colonial pela metrópole até que houve a reformulação do sistema, adotando uma dualidade constitucional [4]. Os grilhões do modo colonial impediam a liberdade do trabalho nas plantations, sob o argumento que impunha risco de fuga e escassez da mão de obra. Para equacionar o problema, adotou-se um regime híbrido que unia o trabalho compulsório e assalariado [5], mas não foi suficiente, tendo que chegar ao ápice a restauração da escravidão. Conforme podemos observar nos casos suscitados, à guisa de exemplos, os conflitos de classes e o modo de produção são características intrínsecas a obra e que impactam diretamente sobre a escravidão.

As discussões postas no estudo partem de uma extensa bibliografia francesa que rompia o silêncio da Revolução Haitiana, no período de descolonização no pós II Guerra Mundial. Cabe destacar que o debate historiográfico que emerge a obra do autor Laurent de Saes está situado na questão da continuidade ou não da escravidão do período revolucionário. Trazendo as ideias de Seymor Drescher [6], que defende que há uma temporalidade única e linear, ainda que separados em dois ciclos distintos, da escravidão no século XIX, tal qual o autor descreve na obra em questão. Portanto, nos dois grandes períodos abolicionistas seriam considerados como uma unidade histórica, dentro de “um mesmo processo histórico de aproximadamente cem anos” [7].

A outra interpretação sobre a escravidão, trazemos o autor Dale Tomich [8] para contrapor a visão acima exposta. Esse autor defende que há uma descontinuidade espaço-tempo entre o escravismo colonial e a escravidão do século XIX. Foi no período revolucionário, compreendido entre 1790 a 1820 que foram criadas as diversas condições para inaugurar a segunda escravidão, integrada ao desenvolvimento do capitalismo industrial e do mercado [9], uma vez que os espaços colônias ainda não estariam integrados plenamente na econômica capitalista mundial. Portanto, as revoluções europeias do longo século XIX significaram uma aceleração, tanto do tempo quanto do espaço, que permitiram modelar a escravidão, a partir da massificação de novos padrões de consumo e da mecanização do processo industrial, impostos pela Revolução Industrial.

Merece o devido comentário acerca de outro debate historiográfico em que as análises estruturais, mais amplas, foram deixadas de lado ao longo do tempo. Os estudos sobre a escravidão passaram o seu foco de investigações para casos mais circunstanciais, sob a visão dos subalternos. Embora não tenha sido totalmente abandonada a visão mais angular, foi somente na primeira década do século XXI que apareceram estudos mais alargados, seja através das diversificação dos países, das heterogeneidades culturais e eventuais conexões com o sistema-mundo, ainda que para estudar de forma comparativa as colônias unidas por um sistema de exploração colonial, mas separadas por um oceano [10].

A partir dessa percepção historiográfica, utilizando para tanto o pensamento de Eric Wiliams [11], que estabelece a conexão da escravidão com o colonialismo e com a Revolução Industrial. A partir desse enlace, o referido autor defende a tese que o escravismo caribenho como fomentador do acumulo de capital inglês e como este ultimo contribuiu para a extinção do escravismo, a partir da Revolução Industrial. Nota-se, portanto, que o papel da Inglaterra para o escravismo foi de suma importância, principalmente no mundo atlântico.

Partindo da premissa acima da importância do papel da Inglaterra na história da escravidão e do olhar mais abrangente da história da escravidão, devemos trazer a crítica à obra, o porquê o autor não trouxe o tema ao debate, uma vez que ele cita, por exemplo, que a sociedade dos Amigos dos Negros foi apresentada como uma filial da sociedade abolicionista inglesa [12], cita, também, o papel da Inglaterra nas Guerras Revolucionárias [13] e a ocupação britânica de ilhas caribenhas Guadalupe e Martinica) [14], sem, contudo, citar os efeitos da Revolução Industrial na França e as Colônias. Se pensarmos o objetivo da obra como o estudo sobre a escravidão nas relações entre a França do período revolucionário e as colônias da América, sobretudo, de Saint Domingue, ficaria difícil de não estabelecer elos mais aprofundados com a Inglaterra, quando o assunto fosse a escravidão.

Portanto, a obra “A Sociedade dos Amigos dos Negros” muito bem atinge o seu objetivo, permitindo analisar a escravidão dentro de uma relação dialética, mais abrangente e algumas das vezes contraditória, entre a França e as Colônias, sobretudo, Saint Domingue. O período, a partir da Revolução Francesa até o período consular, restou caracterizado pela atuação moderada da organização abolicionista, por meio de uma abolição do tráfico de escravos e da abolição de forma moderada, a permitir a absorção da mão de obra negra no mercado livre de trabalho, sem, contudo, romper com o sistema colonial. Todavia, ao deixar de analisar o papel da Inglaterra, dentro da percepção mais abrangente do autor, peca, visto que ele mesmo ressalta a participação inglesa na escravidão e nas relações, ainda que conflituosa, com a França e suas colônias.

Notas

1. SAES, Laurent de. A Sociedade dos Amigos dos Negros: a revolução francesa e a escravidão (1788-1802). Curitiba: Prismas, 2016, p.681.

2. Ibidem, p.684/688.

3. Ibidem, p.461.

4. Ibidem, p.542.

5. Ibidem, p.513.

6. DRESCHER, Seymour. Abolition: A History of Slavery and Antislavery. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

7. YOUSSEF, Alain El. Nem só de flores, votos e balas: abolicionismo, economia global e tempo histórico no Império do Brasil. Almanack no.13, Guarulhos May/Aug. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S2236-46332016000200205 , acessado 04-12-17.

8. TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Edusp, 2011.

9. SALLES, Ricardo. A segunda escravidão. Revista Tempo (Niterói, online). Vol. 19, n. 35. p. 249-254, jul-dez., 2013.

10. SECRETO, María Veronica. Novas perspectivas na história da escravidão. Revista Tempo (Niterói, online). Vol. 22 n. 41. p.442-450, set-dez., 2016.

11. WILLIAMS, Eric. Capitalismo e Escravidão. Rio de Janeiro: Americana, 1975.

12. SAES, op. cit., p.85 e 87.

13. Ibidem, p.649,655.

14. Ibidem, p.502.

Marcus Castro Nunes Maia – Aluno de graduação – História (UFF). E-mail: marcuscnmaia@gmail.com


SAEZ, Laurent de. A Sociedade dos Amigos dos Negros: a Revolução Francesa e a Escravidão (1788-1802). Curitiba: Prismas, 2016. Resenha de: MAIA, Marcus Castro Nunes. A escravidão no Império Francês no período Revolucionário. Cantareira. Niterói, n.29, p. 282- 285, jul./dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

A televisão em tempos de convergência | Soraya Ferreira

O livro “A televisão em tempos de convergência”, escrito pela professora Dra. Soraya Ferreira, lançado em 2014, pela editora UFJF, apresenta uma reflexão sobre como a televisão é influenciada pela constante renovação tecnológica em sua dinâmica produtiva. Traz também uma análise da introdução das novas tecnologias e dos processos de comunicação nas emissoras mineiras TV Alterosa, TV Assembleia, TV Integração, e Rede Minas.

O livro é subdividido em capítulos denominados ”A expansão da TV Panorama e as mudanças na linguagem para enfrentar a convergência”; “A convergência nas TVs públicas e comerciais da Zona da Mata Mineira e de Belo Horizonte”; “Mudanças no conteúdo dos portais das TVs nacionais, dos canais abertos e fechados” e “Repetição e reconfigurações estéticas”. Leia Mais

Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar GRAHAM (RTF)

GRAHAM, Stephen. Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar. São Paulo: Boitempo, 2016. Resenha de: PIRES, João Augusto. Engenharias da guerra cotidiana. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 11, n. 1, jan.-jul., 2018.

Vou ao mercado e sou interpelado pela balconista que solicita meu C.P.F (Cadastro de Pessoas Física). Os números ditados me mapeiam. Fornecem os dados necessários para que o mercado me localize no espaço global. Atento a esse risco, desligo o GPS do meu smartfone e saio a caminhar entre a multidão da cidade. Andando pela área central de Campinas/SP, iludido pelo anonimato na multidão, percebo olhos mecânicos acompanhando os meus e demais passos apressados. Distante da massa, no enclausuro quase sempre solitário do âmbito doméstico, agoniado com o sentimento de medo do outro, pago, conforme o combinado, um miliciano que circula nos quarteirões do bairro em que moro. Cansado do estado de vigília, procuro nas escuras salas de cinema o lançamento do mês. Mais uma vez um filme hollywoodiano, agora chamado “Os vingadores”.

As imagens lançadas nessa micro-história talvez não sejam nenhum exagero. O medo, (de)compostos com os mecanismos de vigilância, povoam, em diferentes proporções, a vida cotidiana de todos. Portanto, a compreensão das relações sociais e dos dispositivos simbólicos e materiais que montam essa realidade pressupõem algo além de seis segundos de atenção. As complexas dinâmicas e faces assumidas pelo capitalismo na contemporaneidade exigem, como antes, obras de fôlego capazes de revelar as conexões do nosso sistema mundial integrado. Eis o que promove a coleção “Estado de Sítio”, editada pela Boitempo e sob coordenação do filósofo Paulo Arantes.

A parceria entre a editora e o consagrado pensador nos brinda com excelentes trabalhos, nacionais e internacionais, os quais inspiram a reflexão – a la izquierda – sobre questões pulsantes no social. Participam do conjunto, por exemplo, Cinismo e falência da crítica, escrito por Vladimir Safatle o qual se preocupa com a racionalidade cínica em nossa vida social. Rituais de sofrimento, de Silvia Viana, que se interessa pelos reality shows e a ritualização do sofrimento do outro, como também soma ao seleto grupo de escritos que pensam o atual estado de sítio o trabalho de Paulo Virilio, Guerra e cinema, que discute a relação intrínseca entre a sétima arte e os conflitos bélicos.

Dentre essas e tantas outras produções, Cidades Sitiadas: o novo urbanismo militar, assinado pelo professor da Universidade de Newcastle, Stephen Graham, contribui com a proposta lançada pelo grupo editorial e nos possibilita a reflexão sobre a convivência das tecnologias de guerra no espaço urbano. Operando com um arcabouço teórico capaz de esmiuçar a infinidade de vestígios e estilhaços da guerra urbana, Graham, nos deixa ver as operações discursivas, o investimento financeiro e os impactos culturais proporcionados pelo desejo bélico na sociedade contemporânea.

Com a ideia foucaultiana de “efeito bumerangue” em mãos, o autor consegue lançar críticas sobre as estratégias e armas desenvolvidas para os conflitos bélicos no Oriente Médio que retornam as cidades dos centros capitalistas do Norte reforçando uma sensibilidade beligerante, a qual se antecipa com seus carros fortes, arquiteturas e treinamentos virtuais para o combate eminente. Nesse mesmo sentido, Graham recupera os relatórios das agências de investimento e pesquisa em armas nos Estados Unidos e Israel apresentando a promíscua relação entre a iniciativa privada, o pentágono e o corpo militar do exercito norte-americano. Munido dessas informações, analisa a maneira pela qual as engenharias de guerra usadas em operações militares fora do espaço estadunidense e afins, remontam a urbe militarizada no interior destes mesmos países que promovem a guerra ao terror.

Uma quantidade significativa de documentos coletados pelo autor preenchem as páginas do livro e nos deixa ver as pulsões sensíveis que dinamizam o flanco bélico na contemporaneidade. Temos, como assinala Mike Dives, a possibilidade de compreender, a cada capítulo do livro, a “geografia urbana vista da perspectiva de um drone a 8 mil metros de altura. Um relato assombroso e fundamental a partir da zona de conflito global”. Graham, não perde de vista os games, as propagandas de agências de segurança privada, as entrevistas e reportagens assinadas pelo alto escalão militar, as conferências e relatórios técnicos do exército norte-americano, os livros, os mapas, as pesquisas quantitativas, os filmes e as tecnologias de guerra que, em conjunto, orquestram nossos conflitos cotidianos. O autor trama sua narrativa dividindo o livro em dez extensos capítulos de modo que os três primeiros se concentrem no aprofundamento da ideia do “novo urbanismo militar” – sua constituição histórica e as bases matérias que o conformam – e os demais em estudos de casos, os quais permitem uma análise pormenorizada das implicações culturais, políticas e econômicas da atual urbanização bélica.

De início percebemos já no primeiro capítulo que no decorrer do século XX “a guerra volta à cidades”, pois, como anuncia o autor, tendo um pouco mais da metade da população mundial vivendo no espaço urbano “a permeação da violência política organizada dentro e pelas cidades e pelos sistemas citadinos é complicada pelo fato de que muitas mudanças urbanas “planejadas”, mesmo em tempos de relativa paz, envolvem em si mesmas níveis bélicos de violência, desestabilização, ruptura, expulsão forçada e aniquilação de locais” (GRAHAM, 2016, p. 69). Assim, a medida que as relações sociais passam a se ambientar, cada vez mais, no interior das populosas e extensas metrópoles urbanas vemos nascer estratégias de organização imediatamente belicista. As subjetividades do ser citadino forjam-se no processo de um conflito eminente, por isso o desejo direcionado à segurança, as armas e as tecnologias de vigilância. Nesse ínterim, agências de pesquisa, o exército militar, empresas de segurança privada, universidades e o Estado tornam-se agentes protagonistas nesse contexto, haja vista que, conforme demonstra Graham, são essas instituições as principais operadoras da guerra urbana. Ao final do primeiro capítulo notamos as engenharias bélicas que servem tanto para as sofisticadas tropas combatentes no Oriente Médio quanto para as forças militares nas grandes metrópoles.

Em sequência, Graham se atêm a ordem do discurso que cria “mundos maniqueístas” dividindo o bom cidadão civilizado do ocidente e o mau bárbaro do oriente. Nesse segundo capítulo vemos as narrativas projetadas sobre o outro, as quais se sustentam em estereótipos e estigmas desumanizantes. Esse discurso, anota o autor, “de ‘almas perdidas’ em ‘cidades perdidas’ promove um ‘outro’ essencializado demonizado” (IBID., p.103), por isso passível de apreensão ou mesmo de morte. Notase que este alguém, antes distante, pertencente a etnias, facções ou Estados nacionais longínquos, no mundo global em que imperam, paulatinamente, as regiões metropolitanas cosmopolitas, vive agora na esquina ao lado. Deste modo, formam-se geografias, reais e imaginadas, com um sentimento de ódio, dissolvido entre às pulsões xenófobas, racistas e homofóbicas. O espaço urbano, “invadido” pelo diverso e diferente, quando insuflado pelos discursos raivosos, passa a uma progressiva negação por determinada ala conservadora da população estadunidense – muitos deles eleitores do partido republicano e entusiasta das políticas do ex-presidente George W. Bush.

Acredita, segundo relato extraído por Graham da Naval War College Review, que “esse ambiente urbano em expansão se tornou hoje uma vasta coleção de prédios deteriorados, uma imensa placa de Petri de doenças antigas e novas, um território onde a lei há tempo foi substituída pela quase anarquia, em que a única segurança possível é a obtida pela força bruta.” (IBID., p.113). As cidades, do extremo oriente e das capitais monetárias do Norte, tornam-se, nesse início de século XXI, ícone do confronto ao terror, dessa forma as “zonas selvagens” que contaminam o urbano estão passíveis de serem sítidas, quando não controladas e vigiadas pelos agentes da ordem.

Após apresentar os dados e as investidas bélicas no urbano no decorrer do século XX e início do XXI e atentar-se, no segundo movimento do texto, às tramas discursivas que sustentam as operações militares nesse espaço, no terceiro capítulo, Graham dedica-se a sua tese do “novo urbanismo militar”. As páginas que compõem essa parte são centrais para o desdobramento do restante do livro, haja vista que o autor empenha em demonstrar as bases do atual imaginário urbano e a maneira pela qual ele está circunscrito a um culto bélico, em distintas dinâmicas e proporções, na sociedade contemporânea. Aqui vemos Graham estreitar as relações teóricas entre Foucault, Deleuze, Agamben e Davis para construir o argumento dos sete elementos constitutivos, que inter-relacionados, configuram essa nova realidade militar do espaço urbano.

Prefigura dentre os dispositivos simbólicos desse ambiente a contraposição do rural, ligado ao nacionalismo e o bem-estar autêntico para o militarismo patriótico, contra o urbano promíscuo e degradante, onde também há a presença do outro selvagem. Esse sentimento, relacionado a uma prática de controle comercial e militar, compõem com as tecnologias de informação as quais interagem construindo uma subjetividade “cidadão-consumidor-soldado”. Conforme anota Graham, “poucas pessoas levam em consideração como os poderes militares e imperiais permeiam todos os usos do GPS” (IBID., p. 128), pois nesse estado de sítio, importa identificar, rastrear, mapear e manter corpos e circulações sob controle. Nesse sentido, a mídia cumpre importante tarefa nessa composição, tendo em vista que a espetacularização da guerra fica a cargo das grandes corporações da imprensa as quais ratificam os discursos bélicos. Isso, por sua vez, implica no surto de segurança o qual favorece a rápida expansão de corporações militares privadas – “Os gastos internacionais com segurança interna hoje ultrapassam ramos estabelecidos, como a indústria cinematográfica e a indústria musical, em receita anual” anuncia a edição de dezembro de 2007 do Economic Times da Índia” (IBID., p.139). Esse elemento converte finanças para a segurança privada e de espaços privilegiados do urbano – condomínios, edifícios, shoppings e etc. –, mas também cria um ramo de negócio no qual investe na infraestrutura hipermilitarizada de pontos de fluxo e conexão do mercado global – portos, aeroportos, bolsa de valores, arenas de esporte e etc. As fronteiras das “cidades mundiais” estão sob a mira da alta tecnologia, pois “as arquiteturas da globalização se fundem perfeitamente nas arquiteturas de controle e guerra” (IBID., p.143). Por último, Graham destaca a combinação do nacionalismo ressurgente pós 11 de setembro e o uso permissivo da força militar, no mesmo instante e proporção, em determinadas áreas das cidades norte-americanas e do Oriente Médio. Portanto, a “disjunção entre soldados rurais e guerras urbanas, a indiferenciação de tecnologias de controle civis e militares, o tratamento de ataques contra cidades como eventos de mídia, o surto de segurança, a militarização do movimento [entre as zonas de mercado], as contradições entre culturas nacional e urbana de medo e comunidade, e as economias políticas dos novos espaços estatais de violências” (IBID., p.155), interagem e orquestram as experiências do novo urbanismo militar.

Nos capítulos dedicados a estudos específicos, Graham retoma as ideias trabalhadas nas primeiras partes do livro e lança mão, no quarto ponto em especial, do conceito das “fronteiras onipresentes” para demonstrar a organização de sistemas digitais de segurança conectados em escala global, capaz de cartografar, separar e controlar mercadorias e pessoas. Vemos o trabalho de “mineração de dados” pessoais usados para a criação de fronteiras seguras garantidas por bases biométricas. No capítulo seguinte o desconforto se atenua, pois Graham nos deixa diante dos “sonhos de um robô da guerra” cultivado pelas agências de inteligência, governo e exército norte-americano. A cada subitem lemos as operações militares organizadas para o progresso das tecnologias de guerra. O autor assinala os desejos que impulsionam as criações de armas biológicas, soldados robôs, equipamentos inteligentes e computadores de guerra para o controle e eliminação do outro. No sexto capítulo, “Arquipélago de parque temático”, Graham volta a atenção as construções urbanas e os games usados para treinamento militar. Acompanhamos o investimento na constituição de pequenos núcleos urbanos estruturados para a simulação de cidades árabes, os quais, muita das vezes, estão servidos de civis figurantes ou de simuladores gráficos interativos. Nesse entremeio, o autor demonstra a relação entre a indústria de jogos eletrônicos e as forças militares estadunidense, uma troca intensa de estímulos haja vista que essas empresas aprimoram, em termos psíquicos, a experiência de guerra – “de fato, 40% daqueles que se alistam no Exército já tinham jogado America’s Army.” (IBID., p.282). Em “lições de urbicídios” e “desligando cidades”, sétimo e oitavo capítulo respectivamente, Graham demonstra a estratégia de eliminação de espaços urbanos operados, principalmente no Oriente Médio, na Faixa de Gaza e Cisjordânia em especial, pelos exércitos estadunidense e israelense. Nos deparamos com as altas cifras investidas na destruição ou na inoperação do espaço urbano. O penúltimo capítulo ganha a cena os modelos automobilísticos de Veículos Utilitários Esportivos (SUV, sigla em inglês) que retroalimentam o imaginário de guerra no espaço urbano.

Graham, revela como esses carros estão intrinsecamente ligados ao pensamento bélico que se evidencia na sua forma estética e força mecânica. A indústria petroleira e as marcas de automóveis também operam na mesma lógica da guerra, mesmo porque ter um SUV significar participar, ou de alguma maneira financiar, o confronto. Por fim, após uma assombrosa submersão nos interstícios da política bélica, no último capítulo, caminhamos entre as “Contrageografias” que tentam denunciar e desmontar o jogo comandado pela cultura de guerra nas cidades contemporâneas. Assim, Graham revela as estratégias assumidas por grupos ativistas e coletivos organizados para subversão no estado de sítio. Entusiasmado com as ocupações públicas, o autor se arrisca em formas de contra-ataque as instituições e símbolos do poder bélico.

As análises desenvolvidas pelo autor se constituem, principalmente, a partir da experiência estadunidense, em determinados momentos inglesa e israelense, e quase sempre dos conflitos orquestrados pelo governo norte-americano no Oriente Médio, com ênfase no Iraque, Afeganistão e Palestina. Vezes ou outra, Graham se arrisca em fazer paralelos com outros países de regiões mais pobres. Apesar de indicar, logo na introdução, o percurso metodológico, as mediações teóricas e os objetivos do trabalho, os quais, diga-se de passagem, contribuem para aqueles(as) que queiram pensar os conflitos urbanos na contemporaneidade, o enfoque dados nos capítulos me obrigou a reler e a somar informações – mesmo que o autor e tradutor cuidasse de alguns pontos necessários – sobre a conjuntura política dos Estados Unidos, bem como os pormenores dos conflitos na região do meio Oriente. Os impasses com a contextualização se formava devido a composição do livro feita por textos acadêmicos, alguns publicados em periódicos, outros expostos em palestras e comunicações, direcionados a um público minimamente habituado com a temática. Informações complementares ou lacunares durante a leitura, foram feitas por minha conta, isso se deve porque o lançamento em inglês, datado de 2010, foi arranjado para a massificação das ideias de Graham entre os anglófonos que convivem com os alardes dos noticiários de guerra, os conflitos urbanos e as experiências de alto controle e segurança em seus respectivos países. Detalhes que possibilitam uma melhor visualização das políticas de segurança pública no EUA, as leis antiterror, as relações entre o Estado norte-americano e a indústria bélica, são alguns aspectos que, para aqueles que estão na região sul da América, talvez sejam indispensáveis para o entendimento dos pormenores das ideias lançadas pelo autor.

Além dessa consideração, acrescento que apesar da potente abordagem, colocando diferentes áreas das ciências humanas em dialogo, ele deixa algumas lacunas em suas análises. Penso em especial na contribuição historiográfica para o saber urbanístico, o qual confrontaria, em certa medida, a noção de “novo urbanismo militar”, haja vista que a ideia de militarização do espaço urbano prescreve a tempos remotos.

Apesar de citar brevemente, no primeiro capítulo, importantes referências da História que observam as cidades no período dos impérios coloniais, o autor não leva a adiante os estudos sobre as restruturações urbanas e as influências dos saberes médicos e militares no desenho das cidades modernas. Uma devida atenção a esta bibliografia lhe acrescentaria argumentos para pensar o vínculo histórico intrínseco entre formas de controle, em grande medida militarizados, e o espaço urbano. Os itens defendidos, no terceiro capítulo principalmente, como princípios do novo urbanismo formulam-se a partir de um contingente histórico o qual mereceria maior atenção.

Termino de ler o livro, ligo o computador para me distrair nas infovias e me (as)salta os olhos na primeira tela a oferta do mês – “livros com 25% de desconto, só aqui na livraria X”. Nas horas seguintes é anunciado em meu celular a feira de livros que ocorrerá na próxima semana com uma estante de publicações da Boitempo. Logo após enviar, via e-mail, para um amigo a resenha que preparei sobre o livro de Graham, o Youtube me apresenta um cardápio de palestras, entrevistas e conversas com o autor. Fui, novamente, rastreado.

João Augusto Neves Pires1 – Endereço profissional: Rua Ariovaldo Silveira Franco, 237 – Mirante, Mogi Mirim – SP, 13801-005 E-mail prof.joaoneves@gmail.com .

De las historias nacionales a las circulaciones globales: redes, prácticas y saberes entre América y Europa (siglos XIX y XX) | Claves – Revista de Historia | 2018

Como ha ocurrido con otros proclamados “giros” historiográficos, el enfoque global, en sus múltiples variantes, ha sido acompañado por una serie de declaraciones y manifiestos que remarcan su potencialidad ante otras escalas y formas de hacer Historia consideradas como arcaicas, provincianas o nacionalistas. Como sostuvo en un pasaje muy citado David Armitage, uno de los promotores más entusiastas de la llamada Historia Atlántica:

“[…] if you are not doing an explicitly transnational, international or global project, you now have to explain why you are not. There is now sufficient evidence from a sufficiently wide range of historiographies that these transnational connections have been determinative, influential and shaping throughout recorded human history, for about as long as we’ve known about it. The hegemony of national historiography is over”. 1 Leia Mais

Dia-Logos. Rio de Janeiro, v.12, n. 2 , 2018.

Expediente

Artigos

Formação colonial e decolonialismo: Polifonia de vozes no Caribe / Revista Brasileira do Caribe / 2018

Neste último número de 2018, a Revista Brasileira do Caribe (RBC) oferece aos leitores um dossiê temático intitulado “Formação colonial e decolonialismo: polifonia de vozes no Caribe” composto por um total de oito artigos e uma resenha.

O dossiê se abre com o artigo “Entre a espada e a cruz: Bartolomeu de Las Casas em defesa do modo pacífico de evangelização dos indígenas na América Espanhola” de Maria Izabel Barboza de Morais Oliveira que, pelo método denominado contextualismo linguístico do historiador Skinner, analisa a defesa da evangelização pacífica defendida pelo frade dominicano espanhol Bartolomeu de Las Casas. E para maior compreensão a autora o compara com o pensamento de seu contemporâneo o frade franciscano Motolinía.

Em seguida, Javier García Fernández, em “O prelúdio à conquista do Caribe e da América: a formação da Andaluzia moderna como paradigma do sistema mundo moderno colonial. Olhares descoloniais a partir do sul da Europa”, trabalha historicamente a conquista espanhola do Al Andalus e a formação da Andaluzia moderna. O autor defende que “a desapropriação das terras das populações andaluzas, as expulsões forçadas, a racialização dos mouros e a subordinação da Andaluzia às estruturas políticas de Castela seriam o prelúdio mais importante para o desenvolvimento do que viria a ser chamado de sistema mundo moderno colonial”.

O artigo “La praxis afroensayística de Manuel Zapata Olivella”, de Rodrigo Vasconcelos Machado, analisa a obra ensaística do colombiano Zapata Olivella com base nos postulados teóricos de Frantz Fanon e também os compara com outras produções ensaísticas iberoamericanas.

Os três artigos seguintes tratam do Haiti contemporâneo. O primeiro deles se intitula “Da queda do duvalierismo à transição inacabada: A crise haitiana dos anos 1980”, de Everaldo de Oliveira Andrade. Esse artigo trata da conjuntura geral de desestabilização econômica vivida pela América Latina na década de 1980 e, em particular, no Haiti. O autor questiona baseado em conceitos como “estado frágil” ou “estado falido” para caracterizar as instituições políticas do Haiti, confrontando-os “a hipóteses explicativas relacionadas aos processos de mobilização política popular que construíam novos caminhos e possibilidades de institucionalização da vida política nacional, mas também com as diferentes ações e interesses externos que agiram para preservar o regime pós-ditatorial e, portanto, impedir uma via alternativa e nacional de construção democrática”.

Já no segundo artigo intitulado “Relações históricas entre Brasil e o Caribe: o caso dos imigrantes haitianos”, de Katia Cilene do Couto, as relações históricas entre a Amazônia e o Caribe são discutidas, tendo como ponto de análise o fluxo imigratório dos haitianos para a região amazônica, iniciado em 2010 após a ocorrência de um terremoto que dizimou mais de duzentas mil pessoas. A autora analisa diversos aspectos das trajetórias migratórias que unem o Caribe e a grande Amazônia, que são pouco recorrentes na historiografia.

No último artigo sobre o Haiti intitulado “Mulheres haitianas no espaço público de 1930 a 1950: o olhar sobre as primeiras ações feministas da Liga feminina da ação social”, André Yves Pierre propõe estudar o núcleo de mulheres da classe alta e intelectual que organizou a Liga Feminina de Ação Social (LFAS) e o protagonismo das mulheres na luta para mudar as imagens estereotipadas sobre a mulher e refundar a base sociojurídica.

Em “Alzar la voz, perder el miedo: Universitarias entre la desigualdad y el acoso sexual” os autores María Leticia Briseño Maas e Iván Israel Juárez López tratam um tema pouco explorado que é o assédio sexual nos espaços universitários da América Latina e do Caribe. O artigo trata da violência de gênero naturalizada em nossas sociedades e no interior dos espaços universitários. Os autores utilizam um estudo realizado em uma universidade do sudeste mexicano para revelar que o assédio sexual se manifesta nos espaços universitários públicos, inseridos em contextos de violência, mas também de uma acentuada desigualdade social, na qual as mulheres, em condições de pobreza, ocupam o último elo de uma cadeia ampla de exclusões e injustiças.

O último artigo, de Allysson Fernandes Garcia, intitula-se “Pa’ que tú no sabe lo que es ser guapo. A procura do ‘homem novo’ no rap cubano”. O artigo em questão interpreta as narrativas ficcionais de masculinidade presentes na música rap na cultura musical cubana.

Segundo o autor, “essas narrativas possibilitam uma aproximação do imaginário da geração jovem que chegava à maioridade durante o “período especial”. Tais narrativas possibilitam identificar aproximações e distanciamentos dos valores morais, atributos e qualidades masculinas expressadas na música rap com aqueles anunciados e defendidos por Che Guevara ao cunhar a ideia de “homem novo”.

A resenha intitulada “O Caliban Afro e Indígena e o Pensamento Decolonial: o Caribe na “Antologia del Pensamiento Crítico Caribeño Contemporáneo (West Indies, Antillas Francesas y Antillas Holandesas)”, de Marcos Antônio da Silva, por fim, fecha o dossiê.

Agradecemos a todos aqueles que viabilizaram o lançamento deste novo número da Revista Brasileira do Caribe, especialmente, a Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Maranhão, a Editora e Gráfica da Universidade Federal do Maranhão e a todos os pareceristas que participaram com o seu trabalho e generosidade na avaliação dos artigos recebidos. Convidamos a todos os leitores a percorrer as páginas desta nova edição da Revista Brasileira do Caribe que nos apresenta diversos pontos de vista da produção historiográfica sobre o Caribe.

Isabel Ibarra Cabrera – Editora da Revista Brasileira do Caribe.


CABRERA, Isabel Ibarra. Formação colonial e decolonialismo: Polifonia de vozes no Caribe. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.19, n.37, p.4-6, jul./dez., 2018. Acessar publicação original. [IF].

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Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira | Gaudêncio Frigotto

A polarização ideológica que atingiu o Brasil nos últimos anos alcançou a educação, levando-a para um campo de batalha ideológico temerário, segundo educadores. O projeto Escola sem Partido sintetiza essa bipolaridade no campus requisitado. Desenvolvido no ano de 2004 pelo advogado Miguel Nagib, com a premissa de eliminar a “doutrinação ideológica” em sala de aula, o projeto ganhou destaque nos últimos anos por conter uma agenda conservadora, atacando pautas progressistas e pensadores de esquerda relacionados à sala de aula. Paralelo a esse histórico, grupos de professores e intelectuais começaram a se mobilizar de forma contrária ao projeto, citando o exemplo do coletivo virtual “Professores contra a Escola sem Partido” 1.

O Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro também se mobilizou contra o Escola sem Partido. A obra Escola “Sem” Partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira foi o segundo livro lançado pelo LPP, sendo organizado pelo doutor em educação Gaudêncio Frigotto. O objetivo é esmiuçar e criticar as ideias do Escola sem Partido, por considerá-lo um erro na teoria educacional, inconstitucional do ponto de vista jurídico e uma forma de censurar professores em sala de aula. A obra contém uma apresentação realizada pela filósofa Maria Ciavatta e nove artigos (ou capítulos) independentes, compilados por Frigotto. Leia Mais

Revista Brasileira de História da Ciência. Rio de Janeiro, v.11, n.2. 2018.

ARTIGO

ENSAIO

DOCUMENTOS

História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares | José D’Assunção Barros

A produção de trabalhos de História Regional são reveladoras de diversas situações históricas, culturais, sociais, econômicas e políticas que muitas vezes só podem ser percebidas quando estabelecemos um recorte espacial. Por isso, podemos considera-la como uma alternativa dentro da produção historiográfica brasileira que permite observarmos a atuação de diversos sujeitos muitas vezes anônimos se considerarmos a história escrita, ou almejada, de âmbito nacional.

Durval Muniz Albuquerque Júnior, porém, nos alerta para o risco de estabelecermos uma produção historiográfica hierarquizada na qual a História Regional seria secundária em relação à História Nacional. Albuquerque Júnior questiona a falta de crítica do lugar da produção do saber historiográfico por parte de quem faz a História Regional ao ponto de que esses historiadores estariam participando de uma divisão entre História Nacional e História Regional e, consequentemente, hierarquizando os espaços no campo historiográfico (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 39-40). Tal crítica nos permite refletir o fazer a História Regional não como resultado de uma série de operações limitadas territorialmente e desconectadas espacialmente de outras áreas, mas como uma abordagem interdisciplinar dialogando com a Geografia, Sociologia, Antropologia, Ciência Política entre outras. Leia Mais

Fragmentos da História: Portugal e Brasil (séculos XVI-XX) / Revista Trilhas da História / 2018

O dossiê temático intitulado Fragmentos da História: Portugal e Brasil (séculos XVI-XX), coordenado pelas signatárias, é o mais recente resultado de um conjunto de iniciativas que ambas têm levado a efeito, desde 2012, no sentido de aprofundarem os laços de cooperação universitária entre a Universidade Estadual de Londrina e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Deste modo, este número de Trilhas da História conta com textos de jovens investigadores mestrandos, doutorandos ou recém-doutores portugueses e brasileiros, que escreveram textos em português de Portugal (aceitando ou não o acordo ortográfico) e português do Brasil, em total respeito pela diversidade.

Nos Fragmentos da História: Portugal e Brasil (séculos XVI-XX) o leitor pode encontrar, independentemente do diálogo entre vários assuntos, seis grandes temas, ou seja: a corte, a cidade, os comportamentos desviantes, o trabalho e a industrialização, as relações entre história e literatura e a história da alimentação. Os artigos apresentam uma enorme diversidade temática e cronológica, resultante das unidades curriculares lecionadas e dos interesses dos formandos, uma vez que se abordam matérias como a cortesania e os servidores da Casa Real, os guias turísticos, a literatura e a história, as cidades e os seus patrimónios, as políticas agrícolas e industriais, a alimentação, a cultura material e a prostituição. Vejamos com mais cuidado as diversas contribuições, tendo como critério de apresentação a cronologia dos textos.

Marcus Vinicius Reis, doutorando sanduiche na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a orientação de Isabel Drumond Braga, enveredou pelo mundo das crenças mágicas em “Circulação de crenças e saberes mágico-religiosos no mundo luso-africano do século XVI: os processos inquisitoriais de Catarina de Faria e Mónica Fernandes”, optando pela micro-história e analisando dois estudos de caso, cujo palco geografico incluiu espaços ligados pelo Atlântico.

Igualmente na ótica da micro-história, temos o texto de Isabel Drumond Braga, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no qual prepassa imigração, comércio, cultura material e protestantismo, denominado “Um Bufarinheiro Francês na Lisboa Quinhentista: Trabalho, Pobreza e Luteranismo”. A autora utilizou um processo do Santo Ofício cuja particularidade mais relevante consiste na inclusão de um inventário de bens, um dos raros documentos deste género nos processos da Inquisição do século XVI.

Carolina Rufino, mestranda na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em “A literatura de cortesania como lugar de memória: os casos de Castiglione e Rodrigues Lobo” levou a efeito um trabalho de prospeção e de análise do carácter memorialístico da literatura de cortesania, comparando duas obras diversas e produzidas com quase um século de intervalo, Il Libro del Cortegiano (1528) e a Corte na Aldeia (1619). A autora inquiriu as obras como lugares de memória, uma vez que estas retrataram os comportamentos dos cortesãos em termos ideais, matéria bastante relevante na Europa Moderna.

Julia Castiglione, doutoranda na Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3, estudou “Os guias de Roma no século XVII: entre a abordagem ritual e estética da cidade”, desenvolvendo uma abordgem pela qual entendeu que os guias do século XVII desempenharam um esforço para o entendimento de uma Roma moderna que passou de um sistema de referência histórico-religioso para um sistema histórico-cultural, partindo da ideia de “função do autor”, de Michel Foucault.

Com “Tanoeiros e luveiros na Época Moderna: trabalho, sociabilidade e cultura material”, João Furtado Martins, doutorando na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a orientação de Isabel Drumond Braga, procedeu à divulgação de resultados parciais da sua investigação em curso. Tratou-se de utilizar fontes inquisitoriais, designadamente processos, para estudar as atividades laborais, a posse de bens, os conflitos e as sociabilidades de diversos grupos sócio- profissionais, no caso, tanoeiros e luveiros, dois ofícios correntes, um da madeira e outro do couro, durante os séculos XVII e XVIII.

Alex Farvezani da Luz, então doutorando sanduiche na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a orientação de Isabel Drumond Braga, agora já doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no texto “O fomento manufatureiro em Portugal e os efeitos da política econômica pombalina (século XVIII)”, dedica-se ao estudo do fomento manufatureiro no Portugal setecentista durante o reinado de D. José I e da administração do Marquês de Pombal, fixando-se na Real Fábrica das Sedas.

Em “As cidades brasileiras do século XIX: Rio de Janeiro e Franca”, Maria Renata da Cruz Duran propôs uma visita a dois espaços urbanos lendo-os como património histórico, a partir dos olhares dos viajantes estrangeiros, sob a fundamentação teórica de que o património histórico pode ser entendido como um bem destinado ao usufruto de uma comunidade e se constituiu pela acumulação contínua de objetos com um passado comum.

Por seu lado, o graduado em História pela Unisantos, David Francisco de Moura Penteado apresenta um extrato de seu trabalho de conclusão de curso, defendido em 2016. No presente artigo, “O Auxiliador da Indústria Nacional: um periódico ao serviço do Estado Brasileiro? (1833-1896)”, o jornal, bem como a indústria brasileira, entram em cena dando lugar a um, embora inicial, já consistente trabalho no incipiente terreno do estudo da indústria e da agricultura brasileiras.

O graduado em História pela Universidade Estadual de Londrina, Júnior César Pereira, defende o objeto de estudos do trabalho de conclusão de curso em “Manuel Inácio da Silva Alvarenga: trajetória de um homem de letras (1749-1814)”, no qual a biografia é colocada à prova no escrutínio de um percurso formativo.

O resultado dos primeiros estudos do igualmente graduando em História pela Universidade Estadual de Londrina, João Gabriel Côrrea, intitulado “A Singularidade do romance O adolescente no conjunto literário de Fiódor Dostoiévski de 1861 a 1881” debate o único romance de formação do autor russo no panorama literário europeu do período.

João Pedro Gomes, doutorando na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, com uma tese sobre doçaria portuguesa, orientada por Maria José Azevedo Santos e Isabel Drumond Braga, enveredou pelo texto que intitulou “‘jantares por preços certos’: a publicidade dos serviços alimentares da Empreza Culinária (1896-1899)”. Trata-se do estudo das estratégias de comunicação de uma empresa com sede em Lisboa cuja publicidade permite conhecer a natureza e a logística da venda de refeições “take-away” / ”delivery” muito próxima dos modelos atuais e que se apresenta como um tipo de serviço original à época.

Francisco Pardal, mestrando na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a orientação de Isabel Drumond Braga, foi seduzido pela História da Alimentação, analisando as ofertas culinárias e hoteleiras do Alentejo em “Sabores ao Sul do Tejo: alimentos e pratos típicos do Alentejo e do Algarve no Guia de Portugal (1927)”. Partiu do referido Guia de Portugal, uma obra muito relevante em termos de divulgação do país aos turistas, ajudando a difundir a ideia de “portugalidade”, pensado e parcialmente concretizado por Raul Proença, na década de 1920, e continuado por outros vultos da cultura portuguesa, nas décadas seguintes.

A História da Alimentação conquistou igualmente a atenção e o interesse de Fábio Banza Guerreiro, mestrando na mesma faculdade sob a orientação de Manuela Santos Silva e Isabel Drumond Braga, que escolheu esta área do saber numa outra cronologia, escrevendo “Uma cozinha portuguesa, com certeza: a Culinária Portuguesa, de António Maria de Oliveira Bello”. A investigação dedicou-se à compreensão do surgimento da cozinha regional através da análise do receituário Culinária Portuguesa (1936), o primeiro livro que tentou abarcar toda a cozinha portuguesa, com distinções entre pratos nacionais e regionais, de forma consistente.

A prostituição e as matérias conexas foram objeto de manifesto interesse para Raquel Caçote Raposo, mestranda na Universidade de Lisboa, autora de “O ‘negócio’: marketing e prostituição feminina em Lisboa no início do século XX”. A autora estudou as transformações dos locais de exercício da prostituição em Lisboa, desde o final de Oitocentos, passando pelas estratégias de divulgação do negócio, nos alvores do século XX, a partir de autores coevos e de vários periódicos. O foco principal do artigo foi ensaiar os motivos que levaram à adoção de estratégias para atrair clientes, procurando concluir a que estamentos sociais se destinavam.

Como se comprovará com a leitura de Fragmentos da História: Portugal e Brasil (séculos XVI-XX), os leitores poderão desfrutar de uma panóplia de temas e cronologias. Na maioria dos casos, estamos perante autores a dar os primeiros passos na investigação. Assim, a oportunidade oferecida pretende ser um estímulo à continuação do trabalho.

Seções: Artigos livres, ensaio e resenha

Este número conta ainda com artigos livres, ensaio e resenha. Na primeira modalidade temos o texto de Ana Coelho, sob o título Novas possibilidades de leitura sociológica: o Principado de Augusto sob os conceitos de Simmel e Weber. A autora analisa a legitimação política do principado de Otávio Augusto, primeiro imperador de Roma e o responsável pela fundação desse novo sistema político no Mundo Antigo.

Na sequencia o artigo Centralizar o Império e civilizar os sertões: o “Brasil profundo” no discurso político de Paulino José Soares de Sousa, de Alan Cardoso, aborda a relação entre centralidade política, o mundo rural e o projeto civilizatório no Império brasileiro guiado pela dicotomia entre litoral e sertão. O Império também é abordado pelo artigo de Ana Sousa Sá – Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro: um diplomata a serviço do Império, um historiador a serviço da nação –, mas a partir de uma discussão historiográfica que busca compreender as ideias e propostas do historiador Varnhagen no século XIX.

O artigo As intervenções sindicais no contexto do Golpe de 1964, de Alejandra Estevez, avança no tempo histórico e traz um tema caro para a história brasileira contemporânea: a intervenção do Ministério do Trabalho no movimento sindical, nos dois primeiros anos da ditadura civil-militar. Ainda o tema da ditadura, ou do processo de “transição sem ruptura”, é abordado por Cássio Guilherme em A transição rejeitada: PMDB e PFL na eleição de 1989, que discute o protagonismo dos dois maiores partidos brasileiros nas primeiras eleições diretas pós-ditadura.

Na seção “Ensaio de graduação” temos o texto de coautoria dos estudantes da UFSC Luiz Florentino e Hudson Silva, sob o título Os reflexos da imprensa na Reforma Protestante e seus efeitos sobre a crítica popular europeia ao clero, que aborda o surgimento da imprensa no século XV enquanto um fato que marcou a Modernidade.

Por fim, Helena Silva resenha a obra de Tania Regina de Luca A Ilustração (1884-1892): circulação de textos e imagens, entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro, tema que dialoga diretamente com o dossiê publicado neste número e organizado por pesquisadoras do Brasil e de Portugal. Silva destaca na obra de Luca a intensa relação estabelecida entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro a partir do entendimento da difusão cultural do polo irradiador que era a França no século XIX.

Isabel Drumond Braga

Maria Renata da Cruz Duran

Lisboa, novembro de 2018


BRAGA, Isabel Drumond; DURAN, Maria Renata da Cruz. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.8, n.15, jul. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Universidade Federal de Sergipe: meio século de histórias / Revista do IHGSE / 2018

ALVES, Eva Maria Siqueira; OLIVEIRA, João Paulo Gama. Apresentação. Revista do IHGSE. Aracaju, n.48, v.2, 2018. Sem acesso ao original [DR]

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Como era fabuloso o meu francês! Imagens e imaginários da França no Brasil (séculos XIX-XXI) | Anaïs Fléchet, Olivier Compagnon, Silvia Capanema P. Almeida

O Ano da França no Brasil, comemorado em 2009, para além de extensa programação no campo cultural, também inspirou a realização de uma série de eventos acadêmicos, que continuam a dar frutos. Sob a chancela da Editora 7 Letras e da Fundação Casa de Rui Barbosa veio a público em 2017 obra coletiva resultante de colóquio organizado naquele profícuo ano, que reuniu um rol diversificado de especialistas em torno das relações franco-brasileiras.

Abre o volume alentada introdução dos organizadores, que coloca em questão as visões eurocêntricas que fazem do Brasil um receptor, a um tempo passivo e fascinado, de valores e hábitos franceses, tomados como modelo de civilização. Os autores evidenciam que, pelo menos desde meados do século passado, não faltam exemplos de trabalhos a matizar essa leitura, a exemplo dos escritos de Roger Bastide, que já insistia nas trocas bilaterais. Em sintonia com a historiografia contemporânea, que tem evidenciado a força heurística das noções de transferências culturais, histórias conectadas, mestiçagem e história global, o que se propõe é ir além do comparatismo tradicional, que elege um padrão ideal para avaliar o outro, e das noções de centro e periferia, tarefa desafiadora e que se coloca na contra mão de visões cristalizadas e arraigadas no imaginário social e também na produção acadêmica, razão pela qual ainda continuam a se insinuar mesmo entre especialistas.

Seguem-se quinze capítulos, divididos em quatro partes. A primeira delas, “Civilização e barbárie”, traz contribuições de Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves, Ingrid Hötte Ambrogi, Silvia Capanema P. de Almeida e Olivier Compagnon, que problematizam o dualismo enunciado no título a partir de diferentes situações históricas. Assim contemplam-se, respectivamente, as representações – bastante negativas, é bom sublinhar, – difundidas no início do oitocentos no Império português a respeito de Napoleão Bonaparte, quando a Família Real estava instalada no Rio de Janeiro; o ideal perseguido pelos estabelecimentos escolares da Primeira República, claramente calcados em modelos vigentes na França; as caricaturas publicadas a respeito da 1ª Guerra Mundial na Careta, com particular destaque para as que tematizavam a França e, ainda, o posicionamento, nem sempre uníssono, das nossas elites em relação aos contendores, bem como o impacto do conflito e seus desdobramentos nas relações entre os dois países. Trata-se, portanto, de diferentes momentos e contextos a atestar a diversidade de percepções em relação à imagem da França no Brasil, cuja centralidade, tão marcada no decorrer do século XIX, sofreu abalos significativos com a Grande Guerra, aspecto evidenciado por Almeida e Compagnon.

Questões de ordem estética e artística são contempladas nos quatro textos que compõem a segunda parte, “França, mãe das artes”. A produção de Nicolas-Antoine Taunay e Jean Baptiste Debret, que integraram a chamada “missão” francesa de 1816, denominação já relativizada pela rigorosa contextualização das circunstancias que trouxeram ao Rio de Janeiro um grupo de artistas comprometidos com a recém deposta ordem napoleônica, foram abordadas por Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Pires Lima. As contingências políticas, que fizeram da corte lusitana um refúgio seguro que oferecia, pelo menos em tese, várias oportunidades de trabalho, não significou o abandono das relações com a pátria distante, sobretudo em vista das dificuldades enfrentadas no Rio de Janeiro. Se a conjuntura no Hexágono era cuidadosamente acompanhada, tendo em vista o retorno ao solo europeu, a passagem pelos trópicos deixou marcas profundas na produção pictórica, como bem exemplifica a análise dos quadros de Taunay e sua recepção pela crítica francesa, pouco sensível às cores e aos tons da natureza brasileira, o que acaba por colocá-lo num entre lugar – francês no Brasil, estrangeiro em sua terra natal. Já a análise do pano de boca confeccionado por Debret para a coroação de D. Pedro I, que expressava uma certa concepção da jovem nação, sua composição social e futuro projetado, em sintonia com as necessidades e expectativas do poder, adquire outros sentidos quando remetido à posição que ocupou no interior da Viagem pitoresca e histórica no Brasil, às circunstâncias que possibilitaram a publicação da obra entre 1834 e 1839 e às condições reinantes no cenário político francês. Em ambos os casos, trata-se de vias de mão dupla, que problematizam a apreensão ancorada nas ideias de influência e recepção passiva.

Os dilemas em torno das relações nacional e estrangeiro estão presentes nas contribuições de Marize Malta e Maria Luiza Luz Távora. A primeira diz respeito à decoração das residências nos anos 1920, discutida a partir da publicidade estampada na Revista da Semana e A Casa. Em debate os estilos de mobiliário: art-déco, neocolonial e modernismo, com suas linhas simples. Mais do que a opção por um modelo, o que Malta evidencia é o processo de hibridismo, a mistura entre estilos e a apropriação criativa, com a utilização de motivos nacionais, entre eles os marajoaras. Já a discussão suscitada pela presença do artista franco-alemão Johnny Friedlaender no curso inaugural do ateliê de gravura do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1959 torna patente as resistências frente às experimentações e propostas estéticas diversas das imperantes no cenário artístico nacional, o que atesta, ainda uma vez, a tensa e complexa relação com as inovações que aqui aportavam, sobretudo numa conjuntura marcada por exacerbado nacionalismo.

A terceira parte, “Grandeza e decadência da mulher francesa”, é composta por três textos que tratam da imagem e do imaginário sobre o feminino, num arco temporal que vai de meados do século XIX às décadas iniciais do século XX, quando a presença da mulher no espaço público começava a alterar e mesmo suberventer a ordem estabelecida e papéis sociais consagrados. As pesquisas de Monica Pimenta Velloso e Lená Medeiros de Menzes privilegiam a figura da cocotte que, a exemplo da modista do início do Império, desfrutava de reputação duvidosa, o que não impedia que fosse objeto de irresistível curiosidade e atração, como bem demonstram as autoras. Velloso explora as ambiguidades do olhar francês sobre o Brasil, a partir de refinada análise do humor “debochado, caricato e anarquiante”, para retomar os seus termos, da revista Ba-ta-clan, que afrontava a sensibilidade e o orgulho locais. Contudo, esse material também permite desvelar valores, desejos e expectativas dos franceses radicados no Rio de Janeiro, num entrecruzamento ambiguo e nem sempre fácil de ser apreendido. Lená Medeiros, por seu turno, exemplifica o périplo transatlântico cumprido por algumas francesas que, contrariamente às suas expectativas e esperanças, enfrentaram uma realidade bem pouco glamourosa. A natureza calidoscópica da questão, diligentemente pontuada no texto, evidencia-se pelo recurso às colunas da Ba-ta-clan, que permitem avaliar o impacto do comportamento transgressor dessas mulheres, que alimentavam a percepção acerca dessas francesas atrevidas, duramente combatidas pelso guardiões da ordem. Fecha o conjunto a contribuição de Cláudia Oliveira, que retoma as representações de Salomé, tematizada na pintura, no teatro, nas revistas ilustradas, com fortes doses de sensualidade. Novamente o que se destaca é a ambivalência diante das mudanças provocadas pela modernidade, num ambiente marcado por significativas transformações na sociabilidade e cotidiano urbanos. Merece particular destaque a análise sensível da Salomé de J. Carlos, publicada em 1927 na revista Para Todos.

Sob a rubrica “O espelho do outro” estão reunidos outros quatro textos que retomam as relações interculturais franco-brasileiras, o primeiro deles a partir da temática da religiosidade e seu surpreendente sincretismo e interconexões, que remetem tanto para a presença de São Luís e outros personagens do ciclo de Carlos Magno nos nossos terreiros quanto à conversão de Pierre Verger, como revela Monique Augras ao explorar as trajetórias e transfigurações desses seres “encantados”. Intercâmbios que também se expressam em periódicos, livros e bibliotecas e na presença de tipógrafos, editores, livreiros, gravadores e litógrafos franceses, que desempenharam papel relevante na difusão da cultura letrada e na ampliação do espaço público, como bem pontua Tania Bessone, que não deixa de assinalar, em sintonia com outras colaborações, o esmaecer dessa presença a partir das primeiras décadas do século XX.

A importância estratégica, para as elites imperiais, de contar com uma percepção positiva a respeito do Brasil na França é discutida por Sébastien Rozeaux. Se, graças à intervenção de Ferdinand Denis e Saint Hilaire, esta expectativa pode ser atendida, a situação alterou-se frente aos relatos bastante ácidos publicados nos anos 1830 na prestigiosa Revue des Deux Mondes. O estudo da reação de indivíduos do calibre de Araújo Porto-Alegre e outras figuras de proa do nosso cenário intelectual permite evidenciar quais eram os anseios da geração romântica, que tomou a si a tarefa de construir uma nação civilizada nos trópicos e de elaborar um discurso autônomo sobre a mesma. O autor explora a sensação de traição e o choque ocasionado pela difusão de percepções pouco confortáveis, fosse a respeito dos vícios sociais, da mestiçagem ou da incomoda questão da escravidão, que maculavam uma imagem pacientemente urdida. Daí o empenho para, se não reparar, pelo menos atenuar as apreensões pouco abonadoras a partir de estratégias discursivas bem diversas: a agressividade e a ironia para o público interno, o tom bem mais conciliador e cauteloso quando o destinatário era o leitor francês. Os estereótipos nacionais figuram em outro registro na colaboração de Anaïs Fléchet, que investiga a maneira como as cidades de Paris e do Rio de Janeiro foram figuradas nas canções populares ao longo do século XX. Mais do que distanciamento, predominam os paralelismo, uma vez que ambas são referidas como lugares distantes, que ativam a imaginação e remetem às aventuras amorosas, compondo uma “geografia musical do imaginário”, na bela definição da autora. Não faltaram referências às mulheres de ambos os lados do Atlântico, descritas em consonância com modelos de há muito em circulação: refinamento/sedução/prostituição, do lado francês, jovem/disponível/ despudorada, no que concerne à brasileira, num quadro de imagens cruzadas – e não raro sobrepostas – que convida a refletir sobre a circularidade das trocas.

A título de conclusão, conta-se com o texto de Robert Frank, que assume o desafio de abordar as relações internacionais em suas dimensões culturais. Para tanto, o autor passa em revista as contribuições de Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle a respeito do significado das mentalidades para a elaboração e difusão de nacionalismos e na relação entre países. À detalhada reconstrução do arsenal analítico proposto, segue-se sua relativização à luz das mudanças introduzidas pelo cultural turn dos anos 1980, que consagrou interpretações ancoradas nas noções de representação, imaginário e identidade.

O rápido deambular por entre os vários capítulos, se não contempla todas as questões abordadas em cada uma das contribuições, é suficiente para evidenciar a importância das mesmas para a temática, que tem recebido atenção significativa nos últimos anos. Cabe ressaltar que as partes acima referidas não devem ser tomadas como conjuntos estanques. De fato, os textos convidam a imaginar outros arranjos e articulações possíveis. Assim, a título de exemplo, Napoleão e os imigrados que deixaram a França após a queda do Imperador são personagens retomados em vários capítulos, tanto quanto o declínio da presença francesa, as referências ao imaginário sobre as mulheres, a oposição (ou a adesão) aos ventos que sopravam da França, os esforços para estabelecer trocas de mão dupla, em lugar das rotas com sentido único. Por certo o leitor será capaz de propor outras possibilidades diante de um rol de contribuições que se revelam tão densas e complexas quanto o objeto a ser desvendado.

Tania Regina de Luca –  Professora Livre Docente em História do Brasil Republicano pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Possui doutorado e mestrado em História Social pela Universidade de São Paulo e graduação em História pela mesma instituição. Responsável, junto ao CNPq, pelo financiamento do projeto “Estudos de jornais em língua estrangeira” (Transfopress Brasil). E-mail: tania.luca@pq.cnpq.br


FLÉCHET, Anaïs; COMPAGNON, Olivier; ALMEIDA, Silvia Capanema P. de. Como era fabuloso o meu francês! Imagens e imaginários da França no Brasil (séculos XIX-XXI). Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7 Letras, 2017. Resenha de: LUCA, Tania Regina de. Sob o signo da complexidade: trocas interculturais entre França e Brasil.  Revista Maracanan. Rio de Janeiro, n. 19, p. 216-220, jul./dez. 2018. Acessar publicação original [DR]

 

Mythos – Revista de História Antiga e Medieval. Imperatriz, v.2, 2018.

Edição II – 2018

Editorial

  • Me. Fabrício Nascimento de Moura, 7

Artigos

  • AS DISPUTAS E ENFRENTAMENTOS DE PODER NAS NARRATIVAS LATINAS DO PRINCIPADO ROMANO: UMA ANÁLISE SOBRE OS EPIGRAMAS DE LÉSBIA E GÉLIA, DE MARCO VALERIO MARCIAL
  • Alexandro Almeida Lima Araujo, 09
  • O SURGIMENTO E A EVOLUÇÃO DO TRIBUNAL INQUISITORIAL NO PERÍODO MEDIEVAL
  • Wekslley Machado, 23
  • A REVOLUÇÃO DE AVIS E A FORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO SOCIAL PORTUGUÊS
  • Antônio Marcos Lemos Santos, 41
  • A CIDADE DE AKHETATON: A REFORMA RELIGIOSA DO FARAÓ AKHENATON (c. 1353 – 1335 a.C)
  • Danielle Guedes, 58
  • O EUROCENTRISMO SOBRE EGITO ANTIGO NOS LIVROS DIDÁTICOS
  • Jerrison Patu, 72
  • CONCEITOS DE MORTE E ALÉM EM AUTO DA ALMA, DE GIL VICENTE
  • João Vitor Natali de Campos, 87
  • OLHANDO PARA A EDUCAÇÃO NO MEDIEVO SOB A PERSPECTIVA DE CARLILE LANZIERI JÚNIOR
  • Maria Bernadete Mathias Mello; Sílvio Lucas Silva; Thiago Martins Moura, 98
  • UM “MOÇO” EM EXPERIMENTAÇÃO GUERREIRA: AS PRIMEIRAS CAVALGADAS DO PRÍNCIPE CASTELHANO-LEONÊS DOM ALFONSO DURANTE O REINADO DE FERNANDO III (1217-1252)
  • Rafael Costa Prata, 109
  • A ATIVIDADE PROFISSIONAL DO MERCADOR ITINERANTE NO SÉCULO XII NA VIDA DE SÃO GODRIC
  • Raimundo Carvalho Moura Filho, 123
  • ANEXO
  • TRADUÇÂO – PLUTARCO: Da monarquia, democracia e oligarquia
  • Maria Aparecida de Oliveira Silva, 147

Publicado: 14.12.2021

 

Mythos – Revista de História Antiga e Medieval. Imperatriz, n2, 2018

Edição I – 2018

Editorial

  • Me. Fabrício Nascimento de Moura, 7

Artigos

  • A MORTE FEMININA EM DOIS EPISÓDIOS D’A DEMANDA DO SANTO GRAAL: ENTRE EVA-PECADORA E A VIRGEM MARIA
  • Dra. Adriana Zierer, 10
  • PAREMIOLOGIA LATINA MEDIEVAL E O TEMA DA MORTE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES HISTÓRICO-LINGUÍSTICAS
  • Dr. Álvaro Alfredo Bragança Júnior, 34
  • “SÓLO PUEDO PEDIRTE QUE ME ESPERES AL OTRO LADO DE LA NUBE NEGRA”: HOMERO Y LA VISIÓN DE LAS ALMAS. MUERTE Y SOMBRA
  • Dra. María Cecilia Colombani, 45
  • VISIONES ALTERNATIVAS SOBRE LA MUERTE EN LA FILOSOFÍA GRIEGA CLÁSICA
  • Dr. Víctor Hugo Méndez Aguirre, 52
  • RITOS E REPRESENTAÇÃO DA MORTE ENTRE OS THETES
  • Dr. Alair Figueiredo Duarte, 82
  • A MORTE COMO FENÔMENO SOCIAL: APONTAMENTOS SOBRE AS CIÊNCIAS HUMANAS E AS ABORDAGENS SOBRE A MORTE
  • Jesus Marmanillo Pereira, 95
  • NOTAS SOBRE O TEMA DA RESSURREIÇÃO NOS PALEOCRISTIANISMOS
  • Juliana B. Cavalcanti; Lair Amaro dos Santos Faria, 109
  • AS REPRESENTAÇÕES DA MORTE NA ICONOGRAFIA E NA LITERATURA DOS SÉCULOS XIV E XV
  • Kerlys Santos de Sousa, 124
  • A GUERRA DE TRÓIA E OS CADÁVERES DISPUTÁVEIS
  • Jacquelyne Taís Farias Queiroz, 138
  • CELEBRAÇÕES DA MORTE NA ROMA ANTIGA: Memória e Poesia em Epistulae Heroidum e Tristium de Ovídio (I a.C/ I d.C.)
  • Dra. Ana Teresa Marques Gonçalves; Mariana Carrijo Medeiros Amanda Carraro Moraes, 154

RESENHA: MEMÓRIA E MORTE NO MUNDO ROMANO

  • Douglas de Castro Carneiro, 173

Publicado: 14.12.2021

La lucha por el pasado: cómo construimos la memoria social – JELÍN (S-RH)

JELÍN, Elizabeth. La lucha por el pasado: cómo construimos la memoria social. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2018. Resenha de: CARNEIRO, Ana Marília Menezes. As lutas pelo passado e a construção de um futuro democrático na América Latina. SÆCULUM – REVISTA DE HISTÓRIA [39]; João Pessoa, jul./dez. 2018.

“Um passado que não passa”2. Há pouco mais de duas décadas, o historiador Henry Rousso se valeu desta célebre sentença para referir-se à presença viva e contundente da memória da ocupação alemã e da II Guerra Mundial na sociedade francesa. A potência da expressão utilizada por Rousso, na qual a concepção de que o passado está sempre presente é central, traz à tona um amplo debate envolvendo as relações entre história, memória e o papel do historiador no espaço público. Essas questões ocuparam um lugar de destaque em grande parte da produção historiográfica recente e uma importante contribuição à esse debate é o recém-publicado La lucha por el pasado: cómo construimos la memoria social, de Elizabeth Jelín.

Um dos eixos centrais que perpassa a perspectiva de análise da autora ao longo da obra é afirmação – apenas aparentemente despretensiosa -, de que falar de memórias significa falar de um presente. A memória não é passado, e sim a maneira pela qual os sujeitos constroem um sentido de passado, que sempre se atualiza no presente, temporalidade que contém e constrói a experiência passada e as expectativas futuras. Em tom autobiográfico, com uma escrita híbrida e ao mesmo tempo harmoniosa, “entre o acadêmico, o compromisso cívico-político e a própria subjetividade”3, a autora transita com competência e rigor metodológico na análise do cenário complexo, ambíguo e conflituoso das lutas pela memória do passado recente. Leia Mais

A imprensa negra e sua intelectualidade / Intellèctus / 2018

Desde as últimas décadas do século XX a imprensa se transformou em importante objeto da pesquisa histórica. Mais do que um repositório de informações jornalísticas sobre o passado, camufladas sob o rótulo da “neutralidade” forjada ainda no século XIX, ela passou a ser entendida como espaço fundamental de batalhas políticas e sociais, simbólicas e discursivas. Intelectuais, jornalistas, literatos e tantos outros escritores fizeram das páginas dos jornais instrumentos de reflexão, intervenção e transformação social, nas quais se publicavam projetos de sociedade e de nação. Nesse sentido, o objetivo deste dossiê se confunde, em grande medida, com o perfil da própria revista em que ele é publicado. Leia Mais

“Tem que partir daqui, é da gente”: a construção de uma escola “outra” no Quilombo Campinho da Independência, Paraty-RJ | Ediléia Carvalho

No próximo ano se completarão trinta anos da inserção do artigo art. 68 na Constituição (designação que prevê “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”). Nesse interim, um “campesinato negro” acossado por uma série de atores hegemônicos ligados ao capital se apropriou dessa “benesse” jurídica e a agenciou para defender seus territórios. Se antes de 1888, onde alcançou o sistema escravista no Brasil, formaram-se quilombos e mocambos em contraparte. Nos dias atuais, onde o voraz agronegócio – e seus congêneres: mineração, especulação imobiliária, grilagem, barragens hidrelétricas etc. – chegam, (re)nascem quilombos. Camponeses negros resistem e protagonizam ações contra esses grupos que  tentam usurpar seus territórios. Não por acaso, em praticamente todas as partes do Brasil existem quilombos, algo que chega a cifra de cinco mil comunidades espalhados por todas as regiões. Estes grupos, mediante os princípios jurídicos do art. 68, “ressemantizam” a seu favor o sentido de quilombo na atualidade. E se existe algo que marca a luta dessas comunidades desde a vigência do referido artigo de lei, é a diversidade de estratégias de enfrentamento, efeito dos inúmeros contextos de interpelação territorial com os quais se deparam. Leia Mais

Uma Estrela Negra no teatro brasileiro. Relações raciais e de gênero nas memórias de Ruth de Souza (1945-1952) | Julio Claudio da Silva (R)

O livro de Julio Claudio da Silva, Uma Estrela Negra no Teatro Brasileiro, é fruto da esmerada pesquisa para a tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF). Se insere nas discussões sobre o papel dos negros, e negras, na sociedade brasileira do pós-Abolição e as tensas relações raciais tão presentes no pensamento intelectual brasileiro das primeiras décadas do século XX.

Tomando como referencial a bem-sucedida carreira da atriz negra Ruth de Souza, o historiador problematiza as relações raciais, de gênero, a construção e reconstrução da memória da atriz, e as tensas dimensões vivenciadas por ela, pelo direito de inserir-se no complexo universo cultural brasileiro.

Esse exercício apurado de análise da memória pública de Ruth de Souza, de sua problemática, e da sua relação com as questões raciais e de gênero é o principal caminho trilhado por ele para dar destaque às lutas sociais e culturais de artistas negros entre as décadas de 1930 e 1950, e as profundas conexões dessas lutas com a vida política brasileira do período.

Professor da Universidade do Estado do Amazonas, Julio Claudio da Silva realizou sua formação como historiador na UFF. E ao longo de sua trajetória como pesquisador, tem se dedicado a investigar a questão racial no Brasil, e os desdobramentos correlatos a temática, como a História África e da Cultura Afrobrasileira, o Movimento Negro, e a memória e trajetória dos/as intelectuais negros/as.

Assim, algumas das inquietações do pesquisador podem ser percebidas no livro Uma Estrela Negra no Teatro Brasileiro, que em seu argumento central tem como proposta refletir sobre as relações raciais e de gênero no Brasil a partir da recuperação de alguns aspectos da memória e trajetória da atriz brasileira Ruth de Souza. Passando ainda pela história de umas das importantes associações negras do século XX, o Teatro Experimental do Negro.

Um dos esforços da narrativa do autor ao longo dos capítulos consiste em historicizar e refletir a temática do racismo no Brasil, visando contribuir com novas formulações e respostas para os estudos das relações raciais e de gênero (p. 21-23).[1] Desse modo, O trabalho insere-se no diálogo com a ampla produção historiográfica que analisa os processos de construção de conceitos como raça, relações raciais e da identidade negra na sociedade brasileira.[2] Especialmente na discussão que considera a identidade não somente como uma ideia, desligada da realidade concreta, mas que, antes de tudo, se manifesta na realidade social.[3]

Preocupado com as formas complexas dos processos ligados à cidadania nas sociedades pós-emancipação, as questões levantadas pelo autor ao longo de sua pesquisa buscaram evidenciar, a partir da trajetória artística da jovem Ruth de Souza, como a racismo se manifestou de forma muito particular para as mulheres negras. [4] Debruçando-se sobre a história da atriz, Silva procura observar “os processos de construção de memórias e os limites estabelecidos pelas relações raciais e de gênero, em uma sociedade pretensamente meritocrata fundada sobre o mito da democracia racial” (p. 25). Para tal, a figura de Ruth de Souza favorece a problematização das temáticas raciais e a generificação nos palcos brasileiros, uma vez que como mulher, afrodescendente, e proveniente das classes subalternas, ela conquistou reconhecimento, conseguindo se profissionalizar como uma das primeiras atrizes com esse perfil a fazer teatro erudito no nosso país.

O autor segue a tradição de estudos ligados à história social, fazendo uso da biografia de Ruth de Souza para compreender as dinâmicas da modernização do teatro brasileiro e como a questão racial e de gênero impactaram nesse processo. Como estratégia, Julio Claudio da Silva utiliza-se de depoimentos concedidos pela atriz em diversas décadas, assim como de relatos fornecidos por seus contemporâneos, e ainda da reunião de reportagens publicadas nos anos 1940 e 1950 selecionadas pela própria Ruth de Souza ao construir seu acervo pessoal.

Na primeira parte do seu livro, composta por dois capítulos, a analise do autor recai sobre os anos iniciais da carreira de Ruth de Souza como atriz no Teatro Experimental do Negro. Silva utiliza-se dos pressupostos metodológicos da História Oral, para problematizar a memória narrada dos entrevistados, demonstrando que a memória faz muito mais referencia ao presente que ao passado.

As tensões diante da recuperação da memória, os silêncios e esquecimentos foram analisadas pelo autor sem perder de vistas a dimensão política, que se mostrava marcadamente nas vivências de Ruth de Souza desde sua infância pobre, ao lado de sua mãe, viúva e empregada doméstica. Mas que, apaixonada pelas artes cênicas, ousou ser atriz.

Ao introduzir o leitor, logo no primeiro capítulo, na discussão dos conceitos memória, gênero e cultura afro-brasileira – os três pilares teóricos fundamentais para o desenvolvimento de sua argumentação nos capítulos seguintes, o autor pretende fundamentar os conceitos de sua pesquisa tendo como ponto de partida os depoimentos cedidos a ele pela própria Ruth de Souza. E com sensibilidade apurada e comprometida, Julio de Souza, além de dar visibilidade para os primeiros anos da trajetória da atriz, insere aos leitores e leitoras na bela história de homens e mulheres do Rio de Janeiro efervescente das décadas de 1930 e 1940.

A luta de Ruth de Souza, e de seus contemporâneos do Teatro Experimental do Negro, por maiores oportunidades na dramaturgia brasileira demonstram o quanto são racializadas as relações sociais no Brasil. Investigando os laços de amizade e as redes de solidariedade utilizadas pela atriz para conquistar seu espaço no cenário artístico brasileiro o autor nos conduz por um amplo universo de personagens engajados no combate às desigualdades e de lutas em meio à intensa exclusão do Rio de Janeiro de inícios do século XX.

Apesar dos entraves impostos pelo racismo cordial brasileiro, e pela suposta democracia racial, o autor realiza um cruzamento entre os depoimentos da atriz e recortes de jornais que apresentam muitas informações sobre o início da sua carreira, destacando a dimensão política de lutas e embates, por vezes “esquecida” nos relatos de Ruth de Souza, mas recuperada nos textos dos seus contemporâneos. Um exemplo disso é o depoimento de Raquel da Trindade sobre os primeiros anos de atuação do Teatro Experimental do Negro e das estratégias utilizadas por aqueles sujeitos na luta contra o racismo, especialmente as formas de racismo tão comuns nos palcos brasileiros daqueles anos.

As preocupações com novas questões que pudessem complexificar as narrativas elaboradas pela atriz Ruth de Souza nas entrevistas dadas ao autor, e a promoção do diálogo entre esses depoimentos com outras falas da atriz em gravações que estão sob guarda do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS RJ), constituem o segundo capítulo do livro. Nele, Julio Claudio da Silva dá particular atenção para as tensões, lacunas e contradições desses relatos, e como novas questões propostas por ele podem ampliar o campo de análise, permitindo compreendermos as estratégias utilizadas pela atriz na elaboração, e reelaboração, da memória sobre a ausência de oportunidades para uma jovem negra e pobre no campo teatral das décadas de 1930 e 1940.

A redação envolvente de Julio Claudio de Silva, e sua apurada análise apontam para ambiguidades nos depoimentos de Ruth de Souza, especialmente quanto a racialização do teatro, e como em alguns momentos a atriz atribui seu sucesso quase que unicamente a seu mérito, “desracializando” obstáculos de sua trajetória, e sublimando sua condição de artista afrodescendente, que viveu intensamente a realidade de exclusão imposta pelas artes cênicas no Brasil.

Na segunda parte do livro, o autor dedica-se a investigar o complexo processo de “arquivamento de si” e do Teatro Experimental Negro realizado pela própria Ruth de Souza. Para tal, Julio Claudio da Silva faz uso dos registros sobre a vida da atriz e da companhia de teatro reunidos no “Acervo Ruth de Souza”, do Laboratório de História Oral, da Universidade Federal Fluminense (LABHOI UFF). A intenção de Silva consiste em compreender os níveis de retroalimentação que os recortes de jornais reunidos pela própria Ruth de Souza tiveram sobre sua memória e, até certo modo, ancoraram o relato que a atriz fez de si.

Ao atentar para os silêncios presentes nos relatos da “Dama Negra do Teatro”, o autor recupera a organização de uma rede de alianças formadas em torno do grupo de artistas ligados ao Teatro Experimental do Negro, bem como a importância do grupo para o processo de modernização do teatro brasileiro, e das iniciativas de combate ao racismo no Rio de Janeiro do período. No capítulo 3, ao cotejar a documentação do Acervo Ruth de Souza, o historiador mergulha na problemática relativa às restrições impostas aos artistas afrodescendentes nos palcos, e como tais práticas, seja nos locais, ou mesmo na forma com que eram mostrados nos espetáculos teatrais, se materializavam frequentemente.

Desse modo, ao recuperar a memória sobre o papel da companhia Teatro Experimental do Negro, a narrativa de Silva nos apresenta “acirradas batalhas de memória entre Paschoal Carlos Magno e Abdias Nascimento” em torno da “paternidade da entidade” (p. 128), e como tais embates foram capazes de complexificar ainda mais a história de uma das mais importantes manifestações culturais do movimento negro brasileiro. Assim, o capítulo nos fornece amplamente uma riqueza considerável de informações sobre o panorama teatral brasileiro do período, especialmente quanto às dificuldades de funcionamento, e estratégias usadas pelos artistas do Teatro Experimental do Negro nas lutas contra “o complexo de inferioridade do negro e contra o preconceito de cor dos brancos”, como parafraseia o próprio autor (p. 134).

É especialmente bem sucedida a escolha de Silva ao investigar o grupo de artistas ligados ao Teatro Experimental do Negro, pois permite aos leitores a compreensão da importância da entidade para os artistas e para a cultura brasileira, justamente por criar e organizar uma “nova modalidade do teatro negro no Brasil” (p. 141). Mostrando o compromisso daqueles sujeitos em constituir espaços igualitários, que permitissem atuar plenamente como artistas, verem representados com justiça o seu universo étnico-racial e, portanto, contribuindo para a elevação cultural e dos valores individuais dos negros (p. 163).

No capítulo quatro, Julio Claudio da Silva busca investigar os limites e possibilidades para a construção de um teatro negro no Brasil da década de 1940 (p. 167). Para isso, o autor utiliza a cobertura dada pela imprensa sobre os espetáculos montados pelo Teatro Experimental do Negro, a partir dos recortes guardados pela atriz Ruth de Souza, tentando compreender como os críticos teatrais viam as adaptações de peças teatrais estrangeiros para o público brasileiro pelos artistas da entidade, e também as percepções racializadas sobre a atuação dos atores e atrizes da companhia de teatro.

Deslocando o foco de análise para os possíveis diálogos entre o palco e a platéia o autor analisa as montagens dos espetáculos estrangeiros O Imperador Jones, Todos os filhos de Deus têm asas e O Moleque sonhador, de autoria de Eugene O’Neill. Assim como os espetáculos escritos por brasileiros especialmente para o Teatro Experimental de Negros, como a peça O filho pródigo, de Lucio Cardoso, ou a Aruanda, escrita por Joaquim Ribeiro; e por fim a peça Filho de Santo, escrita por José Moraes Pinho. Dessa maneira, Silva nos auxilia a compreender como a montagem de espetáculos com temas ligados à realidade afrodescendente se constituiu elemento primordial para o crescimento das artes, e particularmente do teatro, no Brasil.

Montados entre os anos de 1945 e 1949, os textos iluminam “temáticas sócioculturais das populações e culturas afrodescendentes” (p. 168), e tal esforço de destaque da cultura negra é reconhecido pelos críticos como iniciativa fundamental no complexo cenário de lutas contra o racismo tão presente na sociedade brasileira. O olhar multifacetado do autor revelou um esforço de pesquisa que nos indica o quanto racialização cultural não passava somente pelos palcos, mas também pelo espaço destinado aos espectadores, e de como o grupo de artistas reunidos em torno do Teatro Experimental do Negro consolidava-se paulatinamente como uma espécie de oásis artístico em que era possível difundir textos e performances antirracistas, em que os artistas negros pudessem também apresentar sua arte e seu talento.

Por fim, no último capítulo, Silva dedica-se aos anos em que a atriz Ruth de Souza desliga-se do Teatro Experimental do Negro e vai para o exterior, onde tem a oportunidade de estudar artes cênicas nos Estados Unidos da América. O episódio, descrito pelo historiador como “um divisor de águas” na vida profissional da artista, revela o quão fundamental foi o apoio recebido pela atriz e o quanto a rede de solidariedades em que ela estava inserida foi primordial para o seu processo aprimoramento e profissionalização.

Essa temporada de estudos no exterior, de fato, abriu novas portas para a atriz, proporcionando a ela novos contratos, e uma carreira em ascensão nas principais companhias de cinema dos anos 1940 e 1950. Mesmo diante da tensão e do preconceito expressos na oferta de pequenos papeis para a atriz negra, seu talento e esforço foram reconhecidos em prêmios e indicações importantes pro seguimento, seja no Brasil ou ainda internacionalmente.

Ao se deparar com as questões metodológicas em torno da memória e do racismo na sociedade brasileira, o autor enfrenta o desafio de nos apresentar um texto rico teoricamente e que contribui amplamente com as discussões sobre os papéis da mulher negra no Brasil, especialmente no cenário cultural e político do pós Abolição, por meio da trajetória de uma mulher negra, que ousou ser artista, em uma sociedade que negou, e continua negligenciando, os direitos básicos aos afrodescendentes.

Notas

1. Optei em citar ao longo da resenha, entre aspas, palavras do próprio Julio Claudio da Silva, ou citações feitas por ele no livro.

2. Ver os trabalhos de GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. Classes, Raça e Democracia. São Paulo: Fapesp; Editora 34, 2002; SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993; SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

3. NASCIMENTO, Elisa Larkin. O sortilégio da cor: identidade, raça e gênero no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2003.

4. O debate tem sido feito em trabalhos como o de ALMADA, Sandra. Damas Negras: sucesso, lutas e discriminação: Xica Xavier, Lea Garcia, Ruth de Souza, Zezé Motta. Rio de Janeiro: Mauad, 1995; ARAÚJO, Joel Zito Almeida de. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: Editora Senac, 2000.

Vitor Leandro de Souza – Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é Doutorando em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. E-mail: vitorleandro@id.uff.br . ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9869-8907 .


SILVA, Julio Claudio da. Uma Estrela Negra no teatro brasileiro. Relações raciais e de gênero nas memórias de Ruth de Souza (1945-1952). Manaus: UEA Edições, 2017. Resenha de: SOUZA, Vitor Leandro de. Memória, gênero e antirracismo: a trajetória de lutas da atriz Ruth de Souza. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.36, n.2, p.319-324, jul./dez. 2018. Acessar publicação original [DR]

A morte desvendada: percepções sobre o além do mundo antigo e medieval/Mythos – Revista de História Antiga e Medieval/2018

Eu luto pela vida: um trabalho real, que vale a pena. Não tenho nenhum desejo de morrer, mas já vivi tão perto da morte e de suas consequências que a vejo agora como algo natural. Todos nós devemos morrer um dia, mas a morte sempre virá cedo demais para o homem ou a mulher que tem uma intensa sede de viver. Cada minuto que passa tem um significado, uma profundidade maior do que qualquer outra coisa, mesmo que pareça comum e rotineiro. Cada rajada de vento, cada canto da cigarra, cada revoada de pombos é como um poema. – Marianella García Villas (El Salvador, 1980). Leia Mais

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém, v.5, n.2, 2018.

EDITORIAL

ARTIGOS

Vestígios. Belo Horizonte, v.12, n.2, 2018.

Expediente

APRESENTAÇÃO

ARTIGOS

PUBLICADO: 2022-04-21

História e Historiadores / Cadernos de História / 2018

É com intensa satisfação que publicamos o Dossiê História e Historiadores, a mais recente edição da revista Cadernos de História.

Amplas temáticas e abordagens são recorrentes objetos de análise no âmbito da atividade historiográfica e estão em contínuo debate no meio acadêmico. No entanto, já há algum tempo, o estudo sobre os historiadores vem despertando cada vez mais atenção e ocupando maiores espaços no campo de interesse dos pesquisadores, sobretudo na vertente das histórias intelectual, política, social e cultural. Neste dossiê optamos em destacar o papel ativo desempenhado pelos historiadores na produção do saber histórico, na seleção e no tratamento das fontes e na realização dos procedimentos metodológicos que bem fundamentaram as interpretações historiográficas sobre seu objeto de pesquisa.

Nessa perspectiva, convidamos para apresentar nosso editorial a dupla de historiadores Sérgio da Mata e Sabrina Magalhães Rocha. Os pesquisadores traçam um dinâmico percurso do que denominam „história dos historiadores‟ a partir das transformações sofridas pelas meta-narrativas em novas abordagens micro e pluridisciplinares. Desde então, os autores convidam nossos leitores a um instigante raciocínio acerca da produção do conhecimento histórico na contemporaneidade.

Os dois artigos que abrem esse dossiê, “A África antiga sob a ótica dos clássicos gregos e o viés africanista” e “O mundo ibérico e as origens das relações com a África negra”, escritos, respectivamente, por Maria Regina Cândido e Luciano Borges Muniz, pontuam algumas visões historiográficas envolvendo a história africana. A primeira pesquisa, além de destacar a legislação federal que instituiu de forma obrigatório os estudos africanos no Brasil, apresenta a relação entre o afrocentrismo e o eurocentrismo tendo como recorte temporal a África pré-moderna, sobretudo espelhando-se nas imagens construídas por „historiadores‟ do mundo clássico. Já a pesquisa de Luciano Muniz amplia a vertente historiográfica, tradicionalmente concentrada na visão econômica, ao relacionar expansão marítima do século XV com a África subsaariana. Para o autor, outras abordagens transdisciplinares também marcaram a aproximação entre o mundo ibérico e o continente africano.

O próximo artigo, de autoria do pesquisador Luiz Francisco Albuquerque de Miranda, também se inclina em estudar a historiografia da expansão marítima ibérica do século XVI, porém, com o olhar da Ilustração do século XVIII, ao dar especial atenção à obra do abade francês Guillaume-Thomas Raynal. Com o título “História das duas Índias e os colonizadores da América”, o autor analisa como a histórica filosófica do século XVIII representou os colonos ibéricos que chegaram à América a partir do século XVI.

Em seguida, o artigo de Aruanã Antônio dos Passos, intitulado “Do Império à República: escrita poética e biografia em Tobias Barreto (1869-1889)”, apresenta interfaces da história com a literatura. Nesta pesquisa, o autor analisa a vida intelectual do emblemático escritor Tobias Barreto, conjugada à sua vida privada e ao contexto histórico do último quartel do século XIX. O próximo artigo, de autoria do pesquisador Alexandre Almeida Marcussi, cujo título é “O anticolonialismo como tragédia: os jacobinos negros entre a História e a política”, apresenta a obra do historiador antilhano de Trinidad e Tobago, Cyril Lionel Robert James, publicada no final da década de 1930. Marcussi destaca que o texto do ensaísta caribenho integrou o movimento panafricanista do século XX ao estimular o ativismo político negro daquele continente, em razão de oferecer uma das possibilidades historiográficas do violento processo de independência da colônia francesa de São Domingos e, consequentemente, a formação do Haiti em 1804, dando início à configuração dos Estados latino-americanos do oitocentos.

O próximo artigo que integra esse dossiê é de autoria do historiador Rafael Nascimento Gomes e se denomina “Seignobos x Simiand: a querela do método histórico com a ciência social no início do século XX”. Como o título sugere, trata-se de um embate intelectual travado entre o historiador Charles Seignobos e o sociólogo e economista François Simiand. Para o pesquisador, tais discussões embasadas no método histórico e na ciência social foram fundamentais na institucionalização e na profissionalização dessas disciplinas no campo acadêmico francês. Na sequência, apresentamos o trabalho de Eduardo José Santos Borges e Augusto Fagundes da Silva dos Santos, intitulado “Considerações sobre um campo disciplinar: os principais modelos explicativos da economia colonial”. Os coautores lançam mão da bibliografia referencial acerca da dinâmica socioeconômica do período colonial brasileiro e realizam breve comparação historiográfica sobre essa temática. Nomes como Caio Prado Jr., Celso Furtado, Fernando Novais, Jacob Gorender, Ciro Flamarion Cardoso, João Fragoso e Manolo Florentino, são confrontados para confirmar o que já é amplamente reproduzido no meio acadêmico desde meados dos anos 1980: uma historiografia renovada ao considerar o contexto colonial como parte dinâmica e ativa de uma complexa rede econômica, política e social integrante do império português.

Parafraseando o historiador Lucian Lebvre ao afirmar que a „História é filha de seu tempo‟, o próximo artigo desse dossiê, de autoria de Lucas Pereira de Oliveira, realça que, atualmente, o entendimento da História não se orienta por dogmatismos e inquestionáveis verdades. Pelo contrário, acentua o debate ao reconhecer as várias interpretações, posicionamentos, metodologias, escolhas e experiências do historiador incorporado ao seu tempo histórico e social. Assim, “E. P. Thompson entre fragmentos, embates e tensões: reflexões teórico-metodológicas do seu posicionamento frente aos escritos de Anderson, Nairn e Kolakowski”, como bem sugere esse título, debate sobre várias questões historiográficas a partir do ponto de vista desses intelectuais marxistas.

Na sequência, o historiador José Costa D‟Assunção Barros, no artigo “Os historiadores e o tempo: a contribuição dos Annales”, discute, dentre outras abordagens, o conceito de „longa duração‟, a partir da perspectiva da Escola dos Annales, utilizandose, sobretudo, das concepções de Marc Bloch, Fernando Braudel e Michel Vovelle acerca do tempo histórico. Já o artigo de André Fabiano Voigt –, intitulado “Jacques Rancière e a História: uma introdução” –, dialoga com a historiografia francesa no tocante às contribuições multidisciplinares do intelectual Jacques Rancière ao aproximar história, filosofia e literatura. No propósito de analisar a historiografia do sistema econômico mundial, apresentamos o artigo do pesquisador Carlos Leonardo Kelmer Mathias, “A Longa Duração, A Grande Divergência e A Grande Convergência: sumários apontamentos acerca da influência de Fernand Braudel na compreensão do atual sistema econômico mundial”. Neste trabalho, como bem informado no título, o autor dialoga com a perspectiva braudeliana para pontuar aspectos consideráveis que delinearam o caminho tomado pelo cenário capitalista a partir do mundo moderno. E por fim, o artigo “Para uma historiografia do operariado de Alagoas”, de Ivo dos Santos Farias encerra essa sequência, ao apresentar um percurso historiográfico acerca do movimento operário alagoano dialogando com a produção acadêmica de três gerações de estudiosos.

Realizada por este editor em parceria com o pesquisador Euclides de Freitas Couto, a próxima seção do dossiê apresenta a entrevista com a historiadora Lucília de Almeida Neves Delgado acerca de sua trajetória acadêmica e suas perspectivas historiográficas. Em seguida, destacamos o duplo trabalho de Pedro Spínola Pereira Caldas ao apresentar a comunicação “A filosofia da história universal de Friedrich Schiller: uma introdução”, e a respectiva tradução do texto deste mesmo intelectual “O que significa e com que finalidade se estuda História Universal?”

Finalizamos a publicação desta edição com duas resenhas. A primeira, realizada por Matheus Landau de Carvalho, do livro “A eternidade pelos astros”, escrito na prisão por Louis-Auguste Blanqui, ativista francês e participante da Comuna de Paris em 1871. A edição brasileira foi publicada em 2016, cuja tradução foi realizada por Luciana Persice. A outra resenha que integra este dossiê é apresentada por Alex Rogério Silva, do livro organizado por Ângela Vaz Leão, intitulado “Cantigas autobiográficas de Afonso X, o sábio”. Trata-se de uma antologia traduzida e analisada de 34 poemas medievais referentes ao culto mariano.

Assim, através dos colaboradores deste dossiê temático, podemos destacar que a produção historiográfica e sua relação com os historiadores integram um vasto campo de possibilidades permeadas por conjunturas, espacialidades e tendências.

Desse modo, Cadernos de História ratifica ser um amplo espaço de discussão acadêmica que contribui com o diálogo transdisciplinar ao reunir neste número instigantes pesquisas sobre História e Historiadores.

Agradecemos mais uma vez a equipe do Setor de Revisão da PUC Minas, especialmente, a professora Daniella Lopes e aos estagiários Gabriel Gama e Francine Brandhuber. Agradecemos também a professora Jacyra Parreiras, chefe do Departamento de História da PUC Minas, e ao diretor da Editora PUC Minas, professor Paulo Agostinho Nogueira Baptista. Agradecemos ainda aos membros do Conselho Editorial dos Cadernos de História e, especialmente ao ex-editor adjunto Rafael Pacheco Mourão que, recentemente se desligou da revista e muito colaborou com seus serviços Apresentação prestados ao longo desses anos para que este periódico acadêmico obtivesse o amplo reconhecimento institucional. Ressaltamos que todas essas pessoas foram importantíssimas para tornar possível mais uma publicação dos Cadernos de História.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Marcelo de Araújo Rehfeld Cedro – Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor do Departamento de História da PUC Minas. Editor Gerente dos Cadernos de História.


CEDRO, Marcelo de Araújo Rehfeld. Apresentação. Cadernos de História. Belo Horizonte, v.19, n.30, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Protagonismos indígenas: diálogos entre História & Ciências Sociais em diferentes tempos e espaços contemporâneos / Revista Brasileira de História & Ciências Sociais / 2018

Em continuidade à primeira parte deste dossiê, abordamos neste número da Revista Brasileira de História & Ciências Sociais – RBHCS um abrangente leque de trabalhos – seja do ponto de vista da periodicidade seja do ponto de vista das regiões sobre os quais se voltam – que conferem visibilidade aos processos que envolvem os indígenas enquanto protagonistas na história do Brasil e de outras regiões da América Latina.

Ao concluir este volume, percebemos como a área de conhecimento relativa aos indígenas na história permanece apresentando lacunas que os estudos já realizados permitem vislumbrar. Neste sentido, abordagens nos campos da demografia social e do meio ambiente na história indígena constituem propostas relativamente inovadoras aqui desenvolvidas.

Conhecer os povos indígenas na história traz ainda o desafio e a perplexidade de compreender que muitos dos aspectos do “passado” neles representado parece, de fato, ainda não ter “passado”, já que muitas de suas formas podem ser percebidas ainda nas trágicas situações contemporâneas que presenciamos hoje, após 30 anos de celebrada a Constituição Cidadã.

Dos nove artigos deste dossiê, a maior parte se volta para o exame de contextos referentes ao Século XIX – cinco deles no Brasil e um na Argentina. Dois dos outros artigos referem-se a contextos estudados ao longo do Século XX e um, último, contemporâneo.

O século XIX foi bastante variado em relação aos regimes políticos nacionais no Brasil, pois inicia como colônia (1500-1822), atravessa mais de seis décadas como Império independente (1822-1889) e termina como República. Entre as legislações que afetaram diretamente os povos indígenas e seus territórios ao longo daquele século no Brasil, especialmente considerando o Segundo Reinado (1845-1889), destacam-se o Regulamento das Missões, de 1845, e a Lei de Terras, de 1850. Neste período além do tráfico negreiro, foi também abolida a escravidão (1888), cujos significados se estendem aos indígenas, muitas das vezes considerados pelas elites como mão-de-obra disponível para substituir a força de trabalho africana.

Seguindo uma ordem cronológica, o presente número do Dossiê inicia com o artigo a quatro mãos das historiadoras Ana Carollina Gutierrez Pompeu e Alessandra González Seixlack, intitulada “Juan Calfulcurá e os crioulos. Protagonismo indígena no Pampa argentino na primeira metade do século XIX”. O artigo aborda a ocupação das áreas indígenas do Pampa pelo Estado argentino, marcada por conflitos e pela negociação. Conhecida como “Negócio Pacífico de Índios”, essa forma de negociação entre indígenas e exército argentino caracterizou-se pelo uso de diplomacia interétnica que fortaleceu personagens como Juan Calfulcurá, durando até a década de 1870, quando o Estado argentino passou a incorporar os territórios antes negociado com os indígenas do Pampa.

O segundo artigo, do historiador André de Almeida Rego analisa a trajetória do índio João Baitinga, que viveu na aldeia de Pedra Branca e no Ribeirão (atuais municípios de Santa Terezinha e Amargosa, na Bahia), no Período Imperial. O artigo intitulado “João Baitinga: análise sobre protagonismo histórico, a partir da trajetória de um índio (Bahia, 1804-1857)”, examina, por meio de sua trajetória biográfica as perdas de direitos experimentadas pelos indígenas ao longo dos processos de formação do Estado brasileiro.

A historiadora Soraia Sales Dornelles apresenta em seu artigo questões resultantes de sua análise sobre a construção de dados estatísticos sobre as populações indígenas na segunda metade do século XIX, com base a província de São Paulo. A autora encara o desafio de interpretar a estratégia da descaracterização identitária sofrida pela população indígena na produção dos dados demográficos presentes ou ausentes nos Relatórios oficiais, que, deste modo, invisibilidade e oficializavam o desaparecimento dos indígenas e de seus descendentes. Seu artigo “A produção da invisibilidade indígena: sobre construção de dados demográficos, apropriação de terras e o apagamento de identidades indígenas na segunda metade do XIX a partir da experiência paulista” dialoga perfeitamente com o de autoria da também historiadora Ana Paula da Silva, que aborda as tessituras do processo de invisibilização da população indígena do Rio de Janeiro oitocentista, por meio da análise dos recenseamentos realizados na Província fluminense. A autora de “Demografia e Povos Indígenas no Rio de Janeiro Oitocentista” coteja ainda as informações censitárias aos relatórios dos presidentes da província e às correspondências oficiais de juízes de órfãos de modo, revelando o discurso oficial do „desaparecimento‟ indígena na prática das autoridades e de políticos interessados nos patrimônios indígenas.

O artigo a seguir, de autoria da antropóloga Izabel Missagia de Mattos aborda, por meio de um exercício histórico-etnográfico espacialmente situado, o ambiente e suas transformações ao longo da história da ocupação de uma região de fronteira nos altos dos rios Doce, Mucuri, Jequitinhonha e São Mateus, acompanhando os indígenas em suas relações com os adventícios, naquele contexto de transição para a República e de formação da nacionalidade brasileira. A categoria teórico-metodológica assume um caráter de centralidade no artigo intitulado “Povos dos Altos Rios Doce, Jequitinhonha, Mucuri e São Mateus (Minas Gerais): paisagens de “perigos” e “pobreza”, transformações e processos identitários”.

No artigo a seguir, o historiador Giovani José da Silva busca reconstituir as memórias de anciãos do povo Kadiwéu a partir das narrativas recolhidas por antropólogos ao longo do século XX e XXI. Em “Protagonismos Indígenas em Mato Grosso (Do Sul): Memórias, Narrativas e Ritual Kadiwéu Sobre a Guerra (Sem Fim) Do Paraguai”, o autor demonstra como, para os indígenas daquele povo, a Guerra do Paraguai jamais seria encerrada. Com efeito, por meio de rituais e outras técnicas mnemônicas, por sucessivas gerações e a despeito de transformações vividas, a memória social Kadiwéu continua a produzir e a reproduzir aquele evento histórico, pleno de significados identitários.

Adentrando o século XX, Cleube Alves Silva, em seu artigo “E os índios corriam por aí – Das lutas pela terra e de um povo indígena no norte de Goiás (1900- 1971)” descreve e discute a dinâmica de ocupação espacial dos Xerente desde os primeiros contatos com os colonizadores até o final do século XX. Procuramos ver a partir de quais contextos o povo Xerente foi se reconfigurando socioculturalmente para manter-se como grupo étnico portador de uma cultura e destinatário de um território.

Por meio de uma parceria interdisciplinar, o jurista João Mitia Antunha Barbosa e o historiador Marcelo Gonzalez Brasil Fagundes procederam, no artigo “Uma revoada de pássaros: o protagonismo indígena no processo Constituinte”, uma revisão bibliográfica sobre os movimentos indígena e indigenista brasileiros na década de 1970, visando a compreender o jogo de forças políticas atuantes no campo do indigenismo ao longo do processo que culminou com a Assembleia Nacional Constituinte e o texto da Constituição Federal de 1988.

E, encerrando o dossiê, o educador e historiador Roberto Kennedy Gomes Franco enfoca em seu artigo “A Experiência Histórico-Educativa entre Docentes Indígenas no Ceará / Brasil (1988-2018)” as reivindicações dos professores e professoras das escolas indígenas do Estado do Ceará, no Nordeste brasileiro. Tais reivindicações de uma escola “com os índios”, em contraste com uma escola “para os índios” encontram-se, por sua vez, relacionadas aos contextos contemporâneos de ameaça de genocídios e etnocídios que exigem uma educação escolar indígena posicionada na defesa dos direitos indígenas por território, trabalho, educação, saúde, entre outros meios mínimos necessários à produção da vida e da cultura.

Os artigos reunidos nos dois volumes do dossiê evidenciam – não apenas quantitativa, mas, sobretudo, qualitativamente – o crescimento da História Indígena no Brasil nos últimos 25 anos. Se em 1995 o saudoso John Manuel Monteiro escrevia a respeito dos desafios da pesquisa sobre a temática no país, alertando para as dificuldades de se encontrar fontes históricas e, ao encontrá-las, de se realizar uma leitura antropológica das mesmas, os percalços no tempo presente são outros. Em um momento histórico em que há a negação, oriunda de determinados setores conservadores e reacionários da sociedade brasileira, de direitos conquistados pelas populações indígenas localizadas em todos os recantos do país e consagrados pela Constituição Federal de 1988, nada mais urgente e necessário é a publicação de estudos que revelem o passado e o presente indígenas nas Américas. Afinal, não se pode falar em História do Brasil e / ou História da América sem se referirar presenças indígenas como protagonistas dessas trajetórias espaço-temporais. Trajetórias dolorosamente entrelaçadas e que não podem ser compreendidas encerradas em si mesmas…

Boas leituras!

Giovani José da Silva – Professor Doutor (UNIFAP)

Izabel Missagia de Mattos – Professora Doutora (UFRRJ)

Organizadores


SILVA, Giovani José da; MATTOS, Izabel Missagia de. Apresentação. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.10, n. 20, jul. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Luiz Costa Lima / Fato & Versões / 2018

O dossiê que agora se apresenta está intimamente ligado ao Simpósio Luiz Costa Lima: um Teórico nos Trópicos, que teve lugar no XV Congresso Internacional da ABRALIC, realizado na UERJ em 2017. Essa íntima ligação se verifica evidentemente pela temática e pelo fato de que grande parte dos autores desse dossiê ali estiveram presentes. Mas, ainda mais importante é o fato de que o simpósio e o dossiê compartilham a mesma disposição: ampliar o alcance de reflexões desenvolvidas ao longo de décadas por Luiz Costa Lima e, ao mesmo tempo, imprimir visibilidade ao percurso percorrido por um autor que, sem dúvida, ao longo do último século, é uma das figuras de maior destaque no caminho empreendido pelos estudos literários no Brasil, ao lado de Silviano Santiago e Antônio Cândido.

A profícua variedade de motivos e abordagens que encontramos nos textos aqui reunidos corroboram essa afirmação e nos informam acerca do ponto de partida para quem deseja compreender a obra de Luiz Costa Lima: em seus trabalhos, a crítica e a teoria da literatura alçam largo voo, indo ao encontro da antropologia, do pensamento histórico-sociológico, da teoria psicanalítica e da reflexão filosófica. Além disso, contemplam a força e de intensidade que transforma certas inquietudes intelectuais em sulcos e marcas duradouras, recônditas e viscerais. Esses traços arraigados traduzem-se nas ramificações do trabalho de um autor que se recusa a se descomplexificar.

O fio condutor da obra de LCL é o trabalho, atento e ostensivo, acerca das condições de possibilidade do discurso ficcional, em busca de um entendimento mais esclarecido de seu estatuto e de um melhor tratamento analítico de seus meandros. Conduzida pela noção de que a experiência estética se dá pela ambiência sociocultural em que se processa, a análise literária de Costa Lima demanda uma interpretação crítica da história da literatura e de seus representantes. Convencido de que, para o estudo da escrita ficcional, a dimensão textual é insuficiente sem perspectiva teórica, o autor constrói uma reflexão sobre a cultura intelectual na qual emerge a ficção, suas surpresas, delícias e impasses. Nesse sentido, as reiteradas tentativas de melhor definir o objeto da crítica literária resultam em formulações que visam destrinchar as diferentes faixas e modalidades discursivas. A poesia, a prosa, o romance, o autobiográfico, as memórias ou as narrativas historiográficas, isso é, do núcleo daquilo que entendemos como literatura até às suas periferias, são pensadas de forma a projetar a ficcionalidade em sua relação com a temporalidade, com a subjetividade e com os regimes de verdade que regulam as formas discursivas no Ocidente.

O impulso teorizante presente nos textos que giram ao redor da obra de LCL conformam o entendimento do espaço do ficcional como aquele em que as imagens dão contorno à presença do vazio sem esgotá-lo. A relação entre ficção e vazio – entendido, no sentido que lhe conferiu W. Iser i.e, como horizonte de sentido em aberto – nos informa tanto a respeito do paradoxal trabalho de irrealização do imaginário quanto da plasticidade intrínseca à subjetividade. Por isso mesmo, o entendimento do discurso da ficção requer cuidado às mediações simbólicas que se produzem entre as dimensões da razão e da imaginação. Diferente de outras formações discursivas, a ficção trabalha embaralhando esses campos, numa apropriação que entrega uma verdade singular, oblíqua. A perspectivação da verdade consolida-se como traço básico e ao mesmo tempo fundamental para a compreensão do estatuto do ficcional. Ao demonstrá-lo, Costa Lima, configurou teoricamente uma trilha que nos permite entender melhor as relações entre linguagem e realidade. Os textos que lemos reunidos nessa oportunidade são, a um só tempo, diálogos com esse trabalho e aberturas que esperam por vir.

Aline Magalhães Pinto – Professora da Faculdade de Letras / UFMG.

Eduardo Henrique Barbosa de Vasconcelos – Professor de História / UEG.


PINTO, Aline Magalhães; VASCONCELOS, Eduardo Henrique Barbosa de. Apresentação. Fatos e Versões. Campo Grande, v.10, n.19, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Percursos históricos: ciência, tecnologia e meio ambiente / Dimensões / 2018

Este dossiê especial da Revista Dimensões conduz o leitor, a partir da ciência histórica, a direcionar sua atenção para uma visão interligada de temas sempre atuais: ciência, tecnologia e meio ambiente. Com artigos que abarcam o início desses temas no mundo da história, a partir do século XVIII, as discussões propostas objetivam revelar as transformações nas sociedades, entrelaçadas com os impactos provocados pela ciência e tecnologia nos diversos meio ambientes, seja no cotidiano urbano ou rural.

Os constantes avanços na ciência e na tecnologia ao longo dos anos trazem novos desafios e oportunidades na construção da historiografia que se dedica a esses temas. A necessidade de compreender a fase atual do desenvolvimento global, provocada por esses avanços, traz consigo uma certa urgência: o impacto crescente no meio ambiente de todas as sociedades e suas muitas ramificações. Não falamos aqui apenas dos impactos sociais, econômicos e culturais, mas também do processo de politização da ciência ambiental, que carece de uma análise mais aprofundada. Leia Mais

Kwanissa. São Luís, v.1, n. 2, jul./dez. 2018.

Apresentação

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  • Sávio José Dias Rodrigues
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Artigos

 

Experiências Autoritárias: Política, Instituição e Sociedade / Faces de Clio / 2018

A Revista Faces de Clio, periódico discente vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, publica, com grande satisfação, a sua 8ª edição com o dossiê temático Experiências Autoritárias: Política, Instituição e Sociedade. Contamos nesta edição com quinze trabalhos de pesquisadores: nove artigos relacionados à temática do dossiê e seis artigos livres.

A organização desta publicação foi realizada com o objetivo de integrar pesquisas que abordam o conceito de autoritarismo enquanto corrente do pensamento político ao longo da história mundial a partir do século XX. A proposta, portanto, foi de reunir trabalhos com enfoques em regimes políticos, eventos, personalidades, intelectuais, ideias ou instituições que experienciaram essa ideologia ou forma de governo. A ideia é problematizar as participações sociais vivenciadas nesses regimes.

Regimes autoritários, na tipologia dos sistemas políticos, conforme nos esclarece o Dicionário de Política1, são aqueles que privilegiam a autoridade governamental, reduzem o consenso e concentram o poder político em apenas uma pessoa ou órgão, posicionando secundariamente as instituições representativas. Por esse motivo, excluem ou reduzem a participação do povo no poder e empregam meios coercitivos. Ideologias autoritárias são aquelas que negam a igualdade dos homens, colocam em destaque o princípio hierárquico e defendem formas de regimes autoritários e personalidades autoritárias.

O autoritarismo foi uma característica presente no pensamento político alemão do século XIX com Carl Ludwig Haller; Friedrich Stahl e Heinrich Treitschke. Na primeira metade do século XX, Charles Maurras encabeçou o movimento de extrema direita da Action Fran-çaise na França da III República. A partir da Primeira Guerra Mundial novas correntes políticas e ideológicas emergiram representando a crise do sistema liberal com novas formas de se compreender a realidade. Partindo de questionamentos sobre o liberalismo, desenvolveram-se correntes ideológicas autoritárias. Depois da Segunda Guerra Mundial e de duas consequências, entretanto, o autoritarismo encontrou-se frente a uma realidade fechada para lançar suas profundas raízes2.

A partir disso, estudiosos acreditavam que a ideologia autoritária não teria futuro. Ao contrário, nossa conjuntura política atual nos demonstra um ressurgimento e uma readaptação aos novos tempos. Deste modo, a organização deste dossiê temático responde a algumas das prioridades e tendências atuais e nos ajuda a empreender uma análise crítica e apropriada desse passado político recente.

O artigo de Álvaro Ribeiro Regiani, A Recepção do Holocausto na América: os artigos de Hannah Arendt na Partisan Review e a elaboração de Origens do Totalitarismo, interpreta alguns ensaios de Hannah Arendt publicados na revista literária Partisan Review entre 1944 e 1954. Seu objetivo é estabelecer uma conexão entre esses textos e os temas centrais apresentados em Origens do totalitarismo (1951). Além disso, o seu intuito é compreender as considerações de Arendt sobre o cotidiano, a tradição e a filosofia da história para indicar o sentido que atribuiu à crise política e moral do século XX, que se iniciou com o sistema totalitário.

Trabalhadores Rurais e Movimentos Reivindicatórios no Regime Militar: greve nos engenhos da zona canavieira de Pernambuco – 1979, de Cristhiane Laysa Andrade Teixeira Raposo, trata das experiências trabalhistas coletivas no mundo dos engenhos e usinas da zona canavieira de Pernambuco através das paralisações e mobilizações trabalhistas do final da década de 1970. Para tal abordagem, a autora utiliza prontuários arquivados pelo DOPS de Pernambuco, processos trabalhistas e registros na imprensa local e nacional sobre a paralisação no campo. A intenção é refletir sobre a organização dos trabalhadores rurais, suas reivindicações por espaços de luta e a repercussão legal do movimento com a primeira Convenção Coletiva do Trabalho no campo em meio ao regime autoritário instaurado com o golpe civil-militar de 1964.

O artigo intitulado Repressão ao Parlamento: as cassações de mandatos dos arenistas paraibanos em 1969, de Dmitri da Silva Bichara Sobreira, analisa o processo de cassação do mandato e dos direitos políticos dos membros da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), secção Paraíba, no ano de 1969, através das atas do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e de jornais locais. O objetivo é investigar os motivos que levaram a ditadura a expurgar membros de sua base aliada.

Em Definindo o Fascismo: comparando análises e interpretações, Gustavo Feital Monteiro analisa duas obras sobre a história do fascismo: A anatomia do fascismo, de Robert Paxton, e Fascistas, de Michael Mann. Através da comparação das interpretações, o autor busca identificar quais os pontos entre as duas obras que se assemelham e quais se diferem. A análise crítica dos textos em questão permite a percepção de questões complexas voltadas à compreensão do fascismo, além das diferenças entre perspectivas analíticas deste tema tão complexo.

O Antiliberalismo de Alberto Torres e Andrés Molina Enríquez: a formação do pensamento autoritário no Brasil e no México em princípios do século XX, de Jorge Eschriqui Vieira Pinto, tem como proposta a análise de uma corrente de pensamento autoritário no Brasil e no México a partir do entendimento e da reflexão das ideias de Alberto Torres e Andrés Molina Enríquez. Ambos, nas primeiras décadas do século XX, esforçaram-se na reflexão de suas respectivas sociedades nacionais e elaboraram um projeto de política nacional para a promoção do desenvolvimento e a construção de uma unidade nacional por meio de uma ação efetiva de um governo central forte.

O artigo As Resistências à Organização Corporativa Portuguesa: a perspectiva regional do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, de Jorge Mano Torres, propõe-se a esclarecer aspectos sobre o Estado Novo português, que criou um aparato para o regime corporativo, como o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência. O INTP possuía funções de coordenação e controle sob a organização corporativa lançada a nível nacional e regulava o trabalho e a previdência. Desse modo, esse texto procura analisar as dificuldades / constrangimentos para a implementação da organização corporativa sindical e patronal no olhar dos delegados distritais do Instituto.

Rafael Athaides, com seu artigo Liderança Carismática e Mobilização Afetiva na Ação Integralista Brasileira: a “fascinação do predestinado” no Paraná (1935), procura analisar a liderança carismática de Plínio Salgado na Ação Integralista Brasileira, observando seus aspectos afetivos. Para isso, a fonte utilizada é o jornal A Razão, pertencente ao movimento no Paraná. É uma documentação de caráter regional / local que revela os níveis de devoção carismática tanto em aglomerações urbanas, quanto em lugares longínquos.

No trabalho Nacionalismo, Educação e Conflitos Religiosos Durante o Período Estadonovista no Rio Grande do Sul, Rodrigo Luis dos Santos analisa os conflitos políticos que que envolveram os campos educacionais e religiosos no Rio Grande do Sul, entre os anos de 1937 e 1945, permeados pelo pensamento e discurso nacionalista impetrado pelo regime do Estado Novo. Para tanto, seu recorte espacial se dará no município de Novo Hamburgo, localizado próximo da capital do estado, Porto Alegre.

Já o artigo La Dictadura Perfecta: una analisis de las estrategias de permanencia del régimen priista en México, Romulo Gabriel de Barros Gomes empreende uma análise a respeito do Partido Revolucionário Institucional (PRI) no México. O autor discute aspectos que levaram o governo do PRI a mergulhar nos eixos mais profundos da vida cotidiana dos cidadãos mexicanos. Também, reflete sobre a permanência do partido no poder durante décadas, a partir do uso da violência e controle ideológico através do discurso da imprensa e da difusão de material cinematográfico erótico influenciando, pois, a dinâmica cultural deste país. Assim, o artigo analisa o impacto cultural de tais ações no âmbito das relações cotidianas do referido país.

Quanto aos artigos livres, iniciaremos com as contribuições da historiadora da arte Clara Habib de Salles Abreu. Em seu artigo Da “Mimese” na Antiguidade à “Imitatio” Renascentista: Reflexões Sobre O Conceito De Imitação Na Teoria Da Pintura, Clara levanta uma discussão acerca dos usos dos conceitos de imitação e imagem, presente desde os debates filosóficos da antiguidade clássica, entre os renascentistas, como: Leon Battista Alberti, o escritor Aretino e o gramático Fabrini.

A respeito das questões de gênero, raça e justiça, Ceudiza Fernandes de Souza expõe em Trajetórias E Experiências De Gênero, Racialização e Liberdade no Âmbito Judicial do Pós-Abolição os resultados de sua recente pesquisa sobre um caso criminal ocorrido em Oliveira de Minas Gerais, em 1983. O evento está relacionado a Narciza da Conceição, uma ex – escrava.

Em seu artigo Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e o Personalismo na Memória sobre a Revolução de 1930, o historiador Danyllo Di Giorgio Martins da Mota explica, tomando como base textos de Aurino Morais, como os mitos que envolveram o referido momento político ajudaram a afirmar a imagem de Antônio Carlos no cenário político mineiro.

Tendo como fundamento as contribuições de Peter Burke no trato das imagens enquanto fontes históricas, Lorenzo Silva Ortiz tece apontamentos acerca das composições e posições sociais da Nova Espanha em seu artigo Castas y Posición Social: Un Cuadro de Mestizaje como Reflejo del Poder en la Sociedad Novohispana del Siglo XVIII.

Para esboçar respostas à pergunta lançada em seu título Relação Brasil – França no Oitocentos: Fruto de uma Empatia Cultural ou de um Projeto de Hegemônia, a historiadora Thalita Moreira Barbosa utiliza como aporte teórico as contribuições de Raymond Willians sobre cultura e materialismo.

Finalizamos esta edição com a apresentação dos resultados das pesquisas de Yobani Maikel Gonzales Jauregui, que parte de uma abordagem comparativa para investigar a questão do matrimônio entre escravos, haja vista a legislação canônica em seu artigo La Legislación Canónica y el Matrimonio de Esclavos en la América Española y la América Portuguesa.

Agradecemos a todos os pesquisadores que confiaram na Revista Faces de Clio e enviaram artigos para serem publicados. Indubitavelmente, para nós é uma grande honra receber trabalhos concernentes às diversas e importantes temáticas advindas de distintas regiões do Brasil e do exterior.

Agradecemos aos professores pareceristas, membros de nosso Conselho Consultivo, que, gentilmente, dedicaram tempo nas análises dos artigos.

Agradecemos à nossa equipe do Conselho Editorial por toda dedicação e empenho neste trabalho junto conosco ao longo do semestre. Vocês são peças-chave para o êxito da revista.

Notas

1 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário de política I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998

2 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário de política I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998

Daniela de Miranda dos Santos

Jorge William Falcão Junior


SANTOS, Daniela de Miranda dos; FALCÃO JUNIOR, Jorge William. Editorial. Faces de Clio, Juiz de Fora, v.4, n.8, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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A instituição retórica e a sua longa duração/Cadernos de Pesquisa do CDHIS/2018

Na segunda metade do século XVIII, a literatura romântica suplantou a longeva instituição retórica. Por outras palavras, uma “arte nova” ancorada nos regimes de estética suprimiu os diferentes gêneros retórico-poéticos surgidos em tempos remotos. Não obstante, é recorrente (e problemática) a adoção indiscriminada do conceito de “literatura”, como se seus fundamentos fossem universais e/ou atemporais. O presente dossiê, multívio como o herói Odisseu, reuniu trabalhos sobre diferentes práticas letradas a partir de seus códigos linguísticos, concebendo-as como objetos tecnicamente arranjados e cuidadosamente articulados com base nos estilos e preceitos do gênero ao qual se afinam. Ater-se a esse universo significa considerar a historicidade das letras e, simultaneamente, da retórica que as organiza. Leia Mais

La Antártica en Retrospectiva | Sophia Austral | 2018

Al iniciar esta presentación, quisiéramos agradecer al equipo directivo de la Revista Sophia Austral de la Facultad de Educación y Ciencias Sociales de la Universidad de Magallanes por la oportunidad de conceder un espacio para la reflexión y presentación de trabajos en un Dossier referido a La Antártica en Retrospectiva y, en segundo lugar, a todos quienes acogiendo la invitación, hicieron llegar contribuciones académicas en torno a cinco de los ocho ejes temáticos definidos en la convocatoria y vinculantes con Latinoamérica.

Como dijéramos en la convocatoria de este Dossier, la Historia Antártica Latinoamericana se remonta al período colonial hispano y posteriormente cuando los nuevos países alcanzaron su independencia y hubo que precisar sus extensiones territoriales y jurisdiccionales, en especial, aquellos ubicados en el extremo meridional americano, connotadas personalidades públicas y científicas empezaron a proponer visiones políticas y territoriales históricas para sus propios espacios nacionales. Consecuencia de estos estudios e interpretaciones, se fueron sentando las bases actuales de esta historia con los aportes de naturalistas, juristas y diplomáticos y más recientemente con la participación directa de historiadores que se han estado ocupando de revisar y repensar aquel pasado mediante el uso de nuevas metodologías, testimonios y fuentes históricas. Leia Mais

Enseñar con TIC: Nuevas y renovadas metodologías para la enseñanza superior – LÓPEZ GARCÍA (I-DCSGH)

LÓPEZ GARCÍA, C. Enseñar con TIC: Nuevas y renovadas metodologías para la enseñanza superior. Coimbra: CINEP, 2016. Resenha de: SANDOVAL EUGENIA, Johanna E. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, n.92, p.83-84, jul., 2018.

En esta «sociedad del conocimiento » las tecnologías de la información y la comunicación juegan un papel de suma importancia, ya que influyen prácticamente en todos los aspectos de la vida diaria. En este sentido, en efecto, las TIC han propiciado un cambio social que, a consecuencia de la disminución de las barreras temporales y espaciales, ha modificado la interrelación entre la gente.

En lo que respecta a la educación, los docentes se enfrentan hoy al hecho de que el perfil del alumnado ha cambiado, debido a que los denominados «nativos digitales» se interesan por obtener cada vez más conocimientos a través de la tecnología y, de hecho, desarrollan gran parte de sus actividades inmersos en esta. Por esta razón, se requiere una constante actualización y el análisis y reestructuración de las metodologías que se vienen implementando.

Enseñar con TIC: Nuevas y renovadas metodologías para la enseñanza superior, más allá de ser un libro, es una herramienta sobre la integración de las TIC en las metodologías a utilizar en la enseñanza superior, pero también en cualquier nivel educativo, ya que presenta una serie de recursos y ejemplos de buenas prácticas que pueden ser implementados tanto por los docentes más escépticos como por los más optimistas.

Como afirma la autora, «abordar la actualización constante de conocimientos relacionados con las TIC nunca es fácil. Supone salir de nuestra zona de confort y adentrarnos en un nuevo terreno que plantea cambios completos, en ocasiones radicales, sobre lo que hasta ahora entendíamos como desarrollo del proceso de enseñanza- aprendizaje».

La obra está estructurada en siete capítulos que pueden leerse de manera continuada o individual, según la necesidad del lector o lectora.

En los dos primeros capítulos se tratan los aspectos relativos a la formación del profesorado, lo que demanda la sociedad, la caída de los convencionalismos y el cambio de los perfiles, tanto del profesorado como del alumnado. Asimismo, también se plantea cómo las metodologías deben aplicarse tomando en consideración el contexto y la responsabilidad social de los facilitadores respecto a la formación de ciudadanos que sean competentes de cara a su incorporación a la vida profesional.

En los capítulos siguientes se abordan distintas metodologías, su uso, selección y diferenciación. Algunas de estas no son nuevas, pero sí han sido renovadas por la incorporación de las TIC en las mismas.

Entre las planteadas se encuentran las siguientes: el trabajo colaborativo, uno de los pilares clave en la actual sociedad; el flipped classroom, cuyo modelo trata de invertir el proceso de enseñanzaaprendizaje tradicional; el trabajo por proyectos; y la educación disruptiva, la más actual de todas, cuyo enfoque educativo pretende reestructurar lo que conocemos como educación, en el sentido más amplio del término.

En el capítulo final se señala la importancia que tiene para todo docente mantener y hacer crecer su entorno personal de aprendizaje, a fin de mantenerse actualizado.

Al respecto, se aportan infografías con datos relevantes y, además, una serie de contactos en redes como Facebook y Twitter, profesionales del área que pueden enriquecer el Plan Lector Escolar del alumnado.

En definitiva, este libro, que ha sido escrito con un lenguaje directo y comprensible, insta al cambio, a la renovación y al us o de las buenas prácticas con las TIC, por lo que es más que necesario para cualquier docente que desee mantenerse al día.

En cuanto a la autora, Camino López García es profesora colaboradora en el Máster TIC de la Universidad Oberta de Catalunya, profesora de Innovación Docente en la Universidad de Valladolid, escritora y conferenciante en diferentes congresos y eventos.

La obra puede descargarse gratuitamente en su página web: http:// caminolopez.wixsite.com/caminolopezgarcia/ mi-libro

Johanna E. Sandoval Eugenia – E-mail: jsandovalcorrecciones@gmail.com

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Modo mata moda. Arte, cuerpo y (micro)política en los 80 | Daniela Lucena e Gisela Laboureau

Modo mata moda. Arte, cuerpo y (micro)política en los 80 compilado por las sociólogas Daniela Lucena y Gisela Laboureau, y publicado por la Editorial de la Universidad de La Plata (Edulp), es un libro que nos pone en contacto con una multitud que revive a través de los recuerdos de las y los entrevistadas/os, y que permite conectar las experiencias de respuesta y resistencia al terror de la dictadura que gobernó entre 1976 y 1983 en la Argentina, y al silencio y represión que continuaron con el retorno de la democracia. Personas, lugares, alegrías y modos (más que moda, como el mismo título sugiere) se reúnen en los recuerdos y en los olvidos de los entrevistados y protagonistas de una Buenos Aires en los 80, descubriendo escenarios nuevos como el under, mientras todo afuera quedaba silenciado en vestimentas homologadas al gris-azul -como evidencia Katja Alemann (p. 77) en la entrevista-, enjaulados en la moda de los dictámenes militares, de los cuerpos disciplinados en conductas y apariencias dictadas para los jóvenes. El hilo que sigue el libro es, de hecho, una articulación entre la exigencia de la memoria y de la amnesia, como dice Manuel Hermelo a las entrevistadoras. Es decir, la necesidad de no olvidar las atrocidades que habían pasado, pero también la necesidad de olvidar para seguir adelante: “memoria y amnesia aparecían […] evocando recuerdos dolorosos, pero era indispensable interrogar esos otros recuerdos que habían quedado en algún lugar” (p. 37), explican las autoras. Gentes, prácticas, públicos, lugares, las noches porteñas de los 80 viven, respiran y hablan en las páginas del libro para entregarnos una voz subterránea que nos relata de una alegría necesaria durante y después del silencio del terror, una alegría restituida junto a las juventudes interrumpidas; páginas que nos relatan de como los cuerpos de ausentes volvían a tornarse presentes en la ciudad, lado a lado, en su importancia, peso y modos corporales. Se puede tocar, ver y sentir a través de una pluralidad nueva a la cual la modernidad occidental ha sido poco acostumbrada. Todo ello sin olvidar las ausencias de los cuerpos desaparecidos. Leia Mais

Gabriela Mistral. Somos los andinos que fuimos | Magda Sepúlveda Eriz

Desde sus primeras páginas, la Dra. Magda Sepúlveda nos advierte que este no es un libro para encontrarse con la educadora, con la madre y la poetisa de las rondas; no a simple vista o no en la forma banal que le damos a estas labores cuando nos referimos a la escritora. En este nuevo siglo en que buscamos con efervescencia reencontrarnos con las figuras literarias señeras de antaño, la autora nos advierte, a través de un complejo entramado de aportes teóricos y declaraciones afines a su propuesta, que muchos personajes insignes que creemos representativos de nuestra idiosincrasia, identidad o tradiciones han sido vaciados de su contenido original, para ser consumidos por la masa en el remanso de lo que se quiere sostener por cultura nacional. El caso de la poeta Gabriela Mistral no escapa a esta realidad, pues acostumbramos ubicarla en el selecto recinto del verso al abnegado pueblo, en la figura de la maestra cercana al infante. Ante esto, la premisa de la autora es que se ha desconocido la vertiente indígena, proletaria y mujeril de Mistral, despachando, con una retórica de empequeñecimiento, su pensamiento e intectualidad a un reducto filial y blanqueado por el patronazgo idiosincrático chileno. En contra de esta posición, la Dra. Sepúlveda nos declara en su hipótesis: “Mistral diseña una conciencia andina, con saberes y modelos discursivos pertenecientes a esa región cultural. […] configura una retórica de signo andino, para hablar de sí misma y de las subjetividades latinoamericanas oprimidas” (p. 18).

A partir de la enunciación de su conjetura, se comprende que el “Prólogo. Gestos de darme agua”, dividido en “Los estudios culturales transandinos” y “Mistral desde el imaginario social”, haga hincapié en una posición descentrada de la hegemonía cultural, política y artística con una marcada ascendencia hacia lo trashumante de la condición andina de la poeta de Montegrande, defendida y enaltecida en cada una de sus obras. Con ello, Mistral, y de acuerdo a la lectura de la Dra. Sepúlveda, busca reconectar al latinoamericano con su ancestralidad andina e indígena, además de campesina y feminil. Leia Mais

História e Cultura. Franca, v.7, n.1, 2018.

Dossiê História e Gênero: representações e simbolismos

EDITORIAL

Apresentação do Dossiê História e Gênero: representações e simbolismos

  • Gianne Zanella Atallah, Júlia Silveira Matos
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ARTIGOS – DOSSIÊ

ARTIGOS – LIVRES

Publicado: 2018-06-30

Revista de História da Arte e da Cultura. Campinas, v.7, n.1, 2018.

Dossiê História e Gênero: representações e simbolismos

EDITORIAL

APRESENTAÇÃO

ARTIGOS – DOSSIÊ

ARTIGOS – LIVRES

Publicado: 2018-06-30

Cadernos do Tempo Presente. São Cristóvão, n.28, 2017.

ISSN: 2179-2143

Artigos

Publicado: 2018-06-30

Cadernos de História. Belo Horizonte, v.19, n.30, 2018.

Dossiê História e Historiadores

Expediente

Apresentação

Editorial

Dossiê – Artigos: História e Historiadores

Comunicações

Traduções

Filosofia da matéria e história do homem: a eternidade pelos astros de Louis-Auguste Blanqui

Publicado: 29-07-2018

Outros Tempos. São Luís, v.15 n. 25, 2018.

Dossiê: Memória, Desigualdade e Políticas Culturais

Apresentação

Artigos

Dossiê

Estudo de caso

Entrevista

Resenhas

Publicado: 2018-06-28

Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal | Gilberto Freyre

Gilberto Freyre, autor da obra a qual é objeto de análise do presente trabalho, era graduado em Ciências Sociais e Artes nos Estados Unidos. Ficou muito conhecido, no Brasil e no mundo, após escrever Casa Grande & Senzala, publicado em 1933, razão de algumas inovações que a obra trouxe para campos das ciências humanas como a antropologia, sociologia e a história1. A pesquisa que originou a obra Casa Grande & Senzala iniciou em Lisboa, no ano de 1930. Depois de o autor estabelecer-se por um tempo na Bahia, conhecer parte do continente africano (Dacar e Senegal), e rumar para Lisboa.

O caráter inovador que Casa Grande & Senzala detinha dentro do campo historiográfico resultou da análise de alguns tipos de fonte que Freyre utilizou para compor sua obra. Tais fontes não eram utilizadas anteriormente por historiadores no Brasil. Algumas fontes empregadas por Freyre em sua obra são: manuscritos; documentos oficiais (guias e almanaques regionais, diários oficiais, publicações de prefeituras); e pessoais (diários de senhores de engenho, álbuns de famílias); litogravuras; fotografias; mapas; plantas de casas e engenhos; – entre outros documentos oficiais que teve acesso em arquivos nacionais lusos e brasileiros. O conhecimento adquirido através de entrevistas e conversas sobre o cotidiano dos brasileiros durante o período pesquisado auxiliou o autor durante a escrita de sua obra. Explorou muito bem os materiais os quais teve acesso, e modificou a historiografia brasileira ao utilizar a oralidade como fonte histórica. Leia Mais

Africanos e seus descendentes no Brasil | Laboratórios de História | 2018

É com imensa alegria que apresentamos a nossa segunda edição da Revista Laboratórios de História, com o dossiê “Africanos e seus descendentes no Brasil”. Nessa nova edição abrimos espaço para publicação de trabalhos acadêmicos elaborados por graduandos do curso de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e demais instituições de ensino superior, a fim de dar maior visibilidade à produção discente sobre o tema.

Para o segundo número da Revista, convidamos a Professora Maria Regina Candido, Doutora em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA-UERJ) e docente da cadeira de História da Antiguidade Ocidental da mesma instituição, para uma entrevista sobre o tema da África Antiga e o Ensino de História. Nela, buscamos conhecer os caminhos trilhados pela docente na articulação do ensino de história antiga ocidental às sociedades africanas do mesmo período. Também buscamos saber sua opinião sobre a iniciação em pesquisas sobre história da África antiga, especialmente no Brasil, onde a disseminação de trabalhos acadêmicos e materiais didáticos sobre o continente africano é recente numa sociedade fortemente vinculada a perspectivas historiográficas ocidentais. Leia Mais

A Queda da Bastilha, o começo da Revolução Francesa | Guy Chaussinand-Nogaret

O autor é um especialista em século XVIII que tem uma vasta bibliografia sobre o assunto. Desenvolve seus argumentos a partir da queda da Bastilha, em seguida faz um recuo para explicar a conjuntura em que o país se encontrava, e como os eventos se desenrolaram até o eclodir da Revolução. Este livro comemorativo dos duzentos anos da Revolução Francesa abriu uma série de discussões sobre o período.

A queda da Bastilha sempre foi exaltada como símbolo maior da Revolução, carregado de emoção, no entanto o autor traz questionamentos bastante relevantes ao dizer que o 14 de julho poderia ser apenas mais um motim parisiense, a queda insignificante de uma fortaleza desativada. A queda da Bastilha nas palavras do autor envolve apenas um punhado de homens, que imediatamente torna-se uma epopeia, um simples episódio ganha ares sacros: “o acontecimento, vivenciado e interiorizado como modelo de ação libertadora, funda a nova era em que a história se confunde com a liberdade” (NOGARET, 1988, 7,8). Se esse acontecimento tivesse ocorrido décadas mais cedo, tudo não passaria de um motim, mas a queda da Bastilha ganhou o significado de mito e alegoria, marcaria o início da grande Revolução, que trazia ideias como afirmação dos direitos humanos, garantia dos bens e das liberdades do cidadão, igualdade de oportunidades em condições de honesta concorrência – esse último item é passível de dúvida, pois sabemos que houve a instituição de igualdade jurídica, mas igualdade de oportunidades é um fato a questionar, principalmente sobre quem seria contemplado por tal igualdade. Leia Mais

Laboratórios de História. Rio de Janeiro, n.2, jun. 2018.

Expediente

  • Revista Laboratórios de História

Apresentação

Dossiê: Africanos e seus descendentes no Brasil

  • A África Antiga e o Ensino de História: Uma entrevista com a prof.ª Maria Regina Candido
  • Cristiane da Rosa Elias
  • De comércio a tráfico: as mudanças na província do Rio de Janeiro a partir de 1831.
  • Leila Cristina Gibin Coutinho
  • As irmandades: um estudo bibliográfico sobre as associações leigas na colônia e Império do Brasil
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  • Moisés Silveira Ibiapina
  • As críticas às festas religiosas do Império por liberais e reformadores católicos: o caso do jornal O Apóstolo
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  • Raphael Garcia Pinto Barros
  • Poder e medo: a importância das festas negras
  • Rebeca Dantas de Oliveira
  • Entrudo: manifestações das classes populares no Rio de Janeiro no fim do Império
  • Jean de Oliveira Quinelato
  • Escravas urbanas do Rio de Janeiro: símbolo da luta pela liberdade na emancipação gradual da escravatura
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  • Roberta Senra Silva
  • Vida Simplícia
  • Marco Túlio Freire Baptista
  • A cidade do Rio de Janeiro e o Cais do Valongo
  • Roberta Ribeiro Moreira
  • A afro-brasilidade: um estudo de caso a partir da Feira de Yabás
  • Leandro da Silva
  • Ações político-pedagógicas do Movimento Negro no Brasil
  • Roberta Rodrigues Rocha Pitta
  • Considerações sobre racismo e branqueamento: a lei 10.639/03 como um dos mecanismos de autoafirmação da identidade negra.
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  • Rhuann Fernandes, Suzan Stanley, Flávio Rocha
  • Minha palavra vale um tiro: uma análise dos discursos sobre resistência negra no Capão Redondo de 1990 a 1997 através da arte dos Racionais MC’s.
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  • Marcelo Ribeiro

Depoimento

  • Ádila Marciano Leite
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Artigos livres

  • O culto dos santos e a memória na Gália Merovíngia: Childeberto I e a Igreja Saint-Germain-des-Prés
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  • Tomás de Almeida Pessoa
  • O significado de Estado para John Murra: uma investigação conceitual
  • Carlos Eduardo Nicolette
  • Entre demônios de saias e rosas com espinhos: o ser mulher em periódicos femininos da segunda metade do XIX
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  • Isadora de Melo Costa
  • Às armas! 75 anos da entrada e participação brasileira na Segunda Guerra Mundial
  • Éden Pereira Lopes da Silva
  • História e materiais didáticos: abordagens e diferentes linguagens do PNLD de 2014
  • Elaine Maria da Silva Mesquita
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Resenhas

  • A Queda da Bastilha, o começo da Revolução Francesa
  • Maria das Dores Gomes Sales, Jizar Marques
  • Uma breve análise da obra de Gilberto Freyre no contexto atual: pensando em raça, gênero e classe
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  • Renata Coutinho Ferreira
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Publicado em: 23 06 2018

EmRede – Revista de Educação a Distância. Porto Alegre, v. 5, n. 1, 2018.

Caminhos da autoria e criatividade na EaD

Edição completa

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Editorial

Artigos convidados

Artigos

Relatos

Publicado: 2018-03-16

Passagens – Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Niterói, v.10, n.2, maio / ago., 2018.

Editorial

Artigos

Resenha

Colaboradores deste Número

Publicado: 2018-06-16

Revista Latino-Americana de História. São Leopoldo, v.7, n.19, 2018.

Dossiê: Comunismo, anticomunismo e anarquismo na América Latina no século XX

Expediente

Editorial/Apresentação

Dossiê

Artigos

Publicado: 2018-06-15

Transversal: International Journal for the Historiography of Science. Belo Horizonte, n.4, 2018.

Dossier Georges Canguilhem

From the Editors

Dossiers (Issue-specific topics)

Articles

Book Reviews

Published: 2018-06-10

Khronos – Revista de História da Ciência. São Paulo, n.5, 2018.

EXPEDIENTE

EDITORIAL

DOSSIÊ “HISTÓRIA DAS DOENÇAS E ARTES DE CURAR”

ARTIGOS

TRADUÇÃO

NECROLÓGIO

PUBLICADO: 2018-06-05

História Social do Crime / Crítica Histórica / 2018

É com muita satisfação que apresentamos aos leitores o Dossiê ‘História Social do Crime’. Sabemos que o conceito de violência proporciona significados heterogêneos e, ao mesmo tempo, necessariamente polissêmico nas análises contextuais. Daí a grande dificuldade de uma metodologia para a interpretação do fenômeno. Ademais, como as variantes temporais determinam a manifestação diferenciada das formas de violência para cada sociedade, é importante precisar as formas e tipos que assumem para cada contexto histórico, bem como sua tolerância social e os limites do que seja legal e ilegal. Certamente, as análises sobre o fenômeno da violência e da criminalidade tem buscado cada vez mais uma interpretação em longa duração para o entendimento do fenômeno percebendo a interligação cultural, para além dos aspectos econômicos e políticos. Isto proporciona verificar a permanência da aceitabilidade do fenômeno para uma dada sociedade, independente do viés da legalidade do uso da violência.

Assim, a proposta deste dossiê é divulgar os trabalhos dos pesquisadores que percebem a violência e a criminalidade em seu contexto histórico diferenciado, contribuindo para fomentar estudos na temática, além de proporcionar maior visibilidade ao grupo de pesquisa História Social do Crime e seus membros, bem como de outros estudiosos sobre a temática da criminalidade. A contribuição do dossiê ‘História Social do Crime’ para a historiografia criminal está na proposta de trabalhos que ofereçam a problematização da criminalidade e da violência num diálogo interdisciplinar e atual, buscando nas vertentes teóricas da Teoria da Privação, quanto da Escola de Chicago ou da vertente da história cultural a ampliação da discussão do nosso objeto de pesquisa.

A História Social do Crime, uma vertente da Historiografia Inglesa orientada para as pesquisas sobre a temática da criminalidade, a formação dos bandidos e dos motins na Inglaterra iria contribuir para uma profusão de trabalhos sobre o tema, e que ainda são registros para as análises de quaisquer trabalhos. Um dos argumentos centrais nesta perspectiva de análise demandou estudos exaustivos sustentados pela relação pobreza-crime. A criminalidade seria analisada a partir do processo de exclusão social, pauperização e desigualdades econômicas, que inevitavelmente incidiam sobre as classes operárias e o ‘lumpem’ proletariado. A proposta foi apurada pela Tese da Privação Relativa [1] e Absoluta [2], ainda vigentes para o entendimento da criminalidade nas sociedades modernas.

Já, no início dos anos 90, as análises da violência interpessoal e do crime concentraram-se num diálogo com a vertente francesa da Escola dos Annales, buscando desta forma contribuir com elementos diferenciados para o tema. A importância da cultura e dos aspectos rituais seriam valorizados, frente a dinâmica do conflito de classes. Metodologicamente a violência seguiria uma proposta a partir de dois modelos interpretativos e interdependentes: a violência instrumental (racional) que se traduz enquanto abordagem quantitativa. Ou seja, consideram-se apenas os índices de homicídios como indicação do grau de violência nas sociedades passadas. Um aumento ou declínio da proporção de homicídios nas dadas culturas traduz-se em resultados variáveis nos níveis de violência. A outra abordagem qualitativa, por sua vez, situa-se no estudo da violência impulsiva e suas variáveis culturais. A ênfase da pesquisa qualitativa situa-se no campo do comportamento moral e ritual dos indivíduos; assim como o significado contemporâneo atribuído aos atos violentos.

Segundo Spierenburg [3], a obra de Natalie Davis foi pioneira neste tipo de estudo. Ao analisar a violência enquanto ato simbólico para a purificação da comunidade francesa no século XVI, Davis buscou não apenas constatar um fato histórico, mas problematizar a manifestação da violência inserida dentro de um código moral religioso. Os estudiosos dessa linha têm proclamado que, até meados do século XVIII, a vida social dos indivíduos, suas atitudes e comportamentos eram moldados de acordo com as normas de conduta e as regras morais que caracterizavam o Antigo Regime, cujo teor valorativo se evidenciava tanto nos laços amorosos, quanto nas relações de ódio.

A partir daí elementos culturais passaram a ocupar as análises da violência cotidiana nas sociedades europeias pré-industriais, relacionando-a aos conceitos de honra, infâmia, os insultos e até as celebrações festivas vigentes em sua época. Também, as análises de Pieter Spierenburg, Ted Gurr, Juian Pitt-Rivers, Robert Muchembled, Gregory Hanlon, Paul McLean, Jon Elster, Alan Hamlin, e outros têm possibilitado uma nova interpretação sobre a manifestação da violência interpessoal e da criminalidade no século XVIII, cujos resultados demonstram uma relação íntima entre a agressividade humana, o conflito e a exigência em se manter um espaço de aparências sustentado pela honra e pela virilidade masculina. A conduta violenta dos indivíduos objetivava não apenas a manutenção de uma posição de destaque frente aos demais. Buscava-se, antes de tudo, a distinção pessoal.

A importância do contexto histórico deve-se à capacidade em se perceber os elementos valorativos e as formas culturais que contribuem para a manifestação ou perpetuação das formas da violência. A descoberta dessas noções valorativas possibilita um novo entendimento das formas mais corriqueiras do viver em sociedade e a conjugação destas com a manifestação da violência, constatando-se não apenas os fatos históricos cruéis e sangrentos, mas uma trama histórica intimamente relacionada com as necessidades do homem. Essa violência ritual manifestava-se tanto nos crimes passionais tidos como racionais, já que o assassino elaborava um cálculo racional para cometer tal ato (mormente cometidos contra as mulheres infiéis em dias significativos, como o de Santa Maria Madalena), quanto em duelos e rixas familiares. Tais crimes eram classificados como atos impulsivos, cujo objetivo era o de lavar com sangue a honra dos envolvidos. Com feito, tanto a violência racional, que possui uma orientação estratégica de meios e fins, quanto à violência impulsiva podem, de acordo o com contexto histórico, orientar-se, cada qual, por um código ritual e moral das comunidades.

Elementos culturais como moral, ética, rituais, elementos simbólicos, as noções do lícito e o ilícito podem (e devem) ser utilizados na análise dos incidentes violentos de uma determinada sociedade, como defende Pieter Spierenburg (1994). Porém, para este pesquisador, a tendência atual é a de uma marginalização crescente dos aspectos rituais da violência e uma ênfase progressiva no caráter instrumental da ação violenta, já que a produção recente tem elaborado análises superficiais e meramente estatísticas, que não respondem à complexidade de tal fenômeno. Pois, a análise da violência exclusivamente abordada em seu caráter quantitativo, através de indícios documentais judiciais, apresenta inúmeros problemas: veracidade das fontes, poucos indícios, mudanças nas atitudes públicas de repressão e nos padrões dos crimes cometidos, aumento da população, sem mencionar as variações da economia, que influenciam as atitudes de sobrevivência dos agrupamentos humanos.

A História Social do Crime considerava importante as análises sobre as classes excluídas, demandando não apenas uma outra metodologia mais quantitativa, como também identificando as rupturas sociais nas mudanças da criminalidade. O historiador inglês, Lawrence Stone [4], a este exemplo, ao analisar a violência interpessoal na Inglaterra entre os anos de 1300 a 1980, constatou tanto uma mudança na atitude pública perante o crime, quanto a publicação de novas leis e uma maior sensibilização da população, influindo negativamente nos índices da agressão. O autor concluiu que a introdução de uma força policial no século XIX na Inglaterra foi responsável pelo declínio da violência e da agressão [5]. Autores que se inserem nessa perspectiva são sustentados pela tese de Norbert Elias (1994) sobre o processo civilizador e reiteram, através de evidências documentais, um acentuado declínio dos homicídios a partir do século XVII e que se estende até o Oitocentos. O que só foi possível pela implementação de políticas públicas de ordenação do tecido social e aumento da força policial. Notadamente, a monopolização da violência se fez pela atuação crescente do Estado, acompanhada pela organização de uma força policial e por um processo sócio psicológico de pacificação do instinto agressivo.

O dossiê pretende abranger os estudos sobre a violência e a criminalidade, apresentando trabalhos inéditos tanto relacionados ao contexto histórico do país, quanto análises pertinentes para outras realidades exteriores que possam contribuir para o entendimento do fenômeno criminal.

Neste sentido, os trabalhos apresentados suprem de maneira brilhante o nosso objetivo. A temática busca a compreensão do crime nas suas várias manifestações através dos diferentes contextos históricos apresentados. Assim, a dimensão do estudo da criminalidade está abordada em várias regiões do país e em diferentes contextos históricos, desde o século XVIII ao século XX. O rigor metodológico e teórico é identificado em cada trabalho, bem como o cuidado com as fontes documentais e bibliografia atualizada. A percepção historiográfica dos trabalhos apresentados conta com as abordagens culturalistas e da história social. Contamos neste número com pesquisas de vários estados brasileiros, possibilitando o diálogo entre os membros do Grupo.

Optamos por uma organização cronológica dos trabalhos selecionados para esta coletânea. Assim temos: “O Preciso e a retórica dos revolucionários de 1817” de Flávio José Gomes Cabral, onde o autor analisa o discurso revolucionário pela divulgação do panfleto ‘Preciso’, que aludia a justificativa revolucionária da época. A seguir: “Punição, regeneração e autonomia: aspectos do trabalho prisional vistos a partir da fuga do ‘preto Thomaz’ (Recife, 1868)” de Aurélio de Moura Britto. O texto faz uma análise sobre o sistema prisional da época, seus regulamentos e prescrições da vida na Casa de Detenção de Recife a partir de um estudo de caso. O artigo a seguir: “Salve-se quem puder”: as faces da criminalidade no Recife na década de 1870” de Jeffrey Aislan de Souza Silva analisa a criminalidade na cidade de Recife como um problema político para as elites locais. Também, ‘“Grandes desejos”, realidades distintas: roubos e furtos no Recôncavo Baiano – Cachoeira, década de 1880” do autor Eliseu Santos Ferreira Silva busca analisar as práticas de furtos e roubos no Recôncavo Baiano durante a década de 1880 compreendendo essa prática ilegal e o meio social em grande transformação, bem como as formas de combate da infração na época por parte das elites políticas locais. A seguir: “Os jornais cariocas e as notícias de homicídios na primeira década do século XX”, de Thiago Torres Medeiros da Silva. A abordagem busca perceber a divulgação dos homicídios em jornais da época, analisando suas formas de narrativas e linguagens jornalísticas para o fenômeno. Também, o texto: “As aparências enganam: mulheres e o uso da imagem para prática de crimes contra a propriedade no Rio de Janeiro da Primeira República” de Aline Carneiro do Nascimento versa sobre a análise de crimes cometidos por mulheres brancas, bem como a forma de narrativa destes crimes e suas as reportagens nos jornais da época. Outro artigo: “O Batman tinha uma arma: influências sócio-políticas da construção da moral do arquétipo na década de 1930”, de Sávio Queiroz Lima, busca analisar a construção de uma conduta moral a partir de personagens ficcionais de histórias em quadrinhos da época. Assim, a representação de Batman é emblemática para se perceber a efetivação de uma política norte-americana de combate às armas e ao crime organizado, estendendo-se aos países de sua influência hegemônica no período. A seguir, o artigo: “Piratas do Rio: roubos, furtos e outros crimes a bordo e nas margens da Região de Manaus”, de Leno José Barata Souza. O autor analisa a prática da criminalidade na Região de Manaus durante o século XX a partir de jornais da época. Manaus, conhecida como a ‘cidade dos piratas’ foi palco, durante o período, de uma das formas mais emblemáticas de criminalidade: a pirataria contemporânea. O autor analisa este fato levando-se em conta a grande transformação da economia do lugar, bem como as questões sociais que influenciaram o fenômeno na região.

Notas

1. MERTON, Robert. Estrutura Social e Anomia. In.: Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1968. APUD: BEATO, Cláudio. Crime e Cidades. Belo Horizonte: UFMG, 2012. pp.: 144-145.

2. MESSNER, S. “Income Inequality and Murder Rates: Some Cross-sectional Findings”. In.: Comparative Social Research, 1980. APUD: BEATO, Cláudio. Crime e Cidades. Belo Horizonte: UFMG, 2012. pp.: 144-145.

3. SPIERENBURG, Pieter. Faces of Violence: Homicide trends and Cultural meanings: Amsterdam, 1431-1816. Journal of Social History. 1994, pp. 701-716.

4. STONE, Lawrence. Interpesonal Violence in English Society: 1300-1980”. Past & Present. 1983. Pp. 22-33.

5. Jean-Claude Chesnais, ao contrário, irá perceber a manifestação da violência como uma ação invariavelmente objetivada sobre as famílias. Sem se preocupar com estes modelos explicativos de aumento ou diminuição na incidência de crimes, Chesnais apenas constata a permanência da violência nas sociedades ocidentais e suas múltiplas formas de manifestação em cada momento histórico. Com efeito, as famílias, estes pequenos núcleos humanos, sempre foram afetados em sua constituição íntima pelo ódio humano em todas as épocas históricas. A desestruturação dos lares se dá seguramente pela violência incontrolável que os margeia, justificada tanto pela fome quanto pela idolatrada honra nos séculos passados. Cf.: CHESNAIS, Jean-Claude. Historie de la violence. Seiul. Paris, 1998. Beattie, por sua vez, defende um aumento na proporção dos crimes durante o século XVIII na Inglaterra graças a criação da ‘Reformation of Nauners’, cujo objetivo era ajudar a conter os crimes e demais desordens e violências. Porém, o resultado foi outro. Pois, a extensão da pena de morte para os homicídios contra a propriedade e outros atos violentos considerados insignificantes no período posterior, levou a um aumento gradual tanto dos registros das prisões, quanto dos julgamentos nos tribunais. Cf.: BEATTIE, F. M. The pattern of crime in England. 1660-1800. Past and Present. 62. Pp. 45-95.

Célia Nonata da Silva – Professora Doutora (UFAL)

Francisco Linhares Fonteles Neto – Professor Doutor (UERN)

Organizadores do dossiê História Social do Crime


SILVA, Célia Nonata da; FONTELES NETO, Francisco Linhares. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 9, n. 17, junho, 2018. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Africanidades Transatlânticas | Revista do Arquivo Público do Estado do Espirito Santo | 2018

Africanidades Transatlânticas Cultura, história e memórias afro-brasileiras a partir do Espírito Santo

O presente número da Revista do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo é uma edição especial que tem por objetivo lançar o projeto de pesquisa “Africanidades Transatlânticas: cultura, história e memórias afro-brasileiras a partir do Espírito Santo”, a ser desenvolvido entre agosto de 2018 e dezembro de 2019. Este é um projeto institucional envolvendo parcerias entre a Secretaria de Estado da Cultura (Secult), o própro Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES) e a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Ele está sob a minha coordenação e tem como principal equipe o antropólogo Sandro José da Silva e o historiador Flávio Gomes. Leia Mais

Revista de Economia Política e História Econômica. São Paulo, n.40, jun. 2018.

REPHE 40 – junho de 2018

  • O Brasil, o Mundo e a Quarta Revolução Industrial: reflexões sobre os impactos econômicos e sociais
  • Marcos Cordeiro Pires
  • Acumulação de Capital na Semiperiferia e seus limites políticos e econômicos: o caso da economia brasileira
  • Glaudionor Gomes Barbosa
  • Camila Nadedja T. Barbosa
  • Os Modos de Dominação Burguesa na Sociedade Capitalista
  • Tiago Santos Salgado
  • Fundos de Investimento e a “financeirização” das firmas no Brasil nas primeiras duas décadas do século XXI
  • Marco Aurélio Cabral Pinto
  • Algumas Notas sobre Regionalismo e Integração na América do Sul
  • Vivian Garrido Moreira
  • Contribuição do Sistema Toyota de Produção na mudança do paradigma tecno-econômico do Japão: uma abordagem neo-schumpeteriana
  • João Paulo Augusto Eça
  • Marcos Fábio Martins de Oliveira
  • Roney Versiani Sindeaux
  • Aneheüser-Bush: tradição vs. vanguarda financeira no takeover de um ícone americano
  • Patrícia Saltorato
  • Tiago Fonseca Albuquerque Cavalcanti Sigahi
  • Gabriel Machado Franco
  • Giovanna Garrido
  • An Analytical Study on the Effects of WTO on India’s Foreign Trade performance
  • Swastika Tripahti
  • Manjula Jain
  • Challenging the AID Industry Structure: shifting dynamics of India’s Education Development Cooperation
  • Mona Khare
  • The Association of Self-eficacy, Propensity to Risk and Cognitive Styles to Entrepeneurial Intentions of Unemployed Graduates in Lesotho
  • Motšelisi C. Mokhethi
  • Regina M. Thetsane

RESENHA: BASKES, Jeremy. Staying Afloat: Risk and Uncertainty in Spanish Atlantic World Trade, 1760-1820. Stanford: Stanford University Press, 2013.

Igualitária. Belo Horizonte, v.2, n.12, 2018.

HISTÓRIA: REFLEXÕES TRANSDISCIPLINARES

O volume apresenta debates que atravessam temáticas múltiplas e que se inserem na história regional colonial e na organização politica da República brasileira. Aponta  questões que perpassam pela arte, o lugar da mulher na sociedade e propõe dialógos sobre o trabalho e educação. Os artigos discutem sobre temas diversos em diversas temporalidades. É o dever do ofício.

ARTIGOS

  • Histórias de Ausências e a Culpabilização da Mulher: estudo de casos
  • RESUMO PDF
  • Camila Gabriel Meireles Amorim, Simone Gomes da Silva de Castro
  • A Associação Beneficente Tipográfica: considerações sobre a profissão, a técnica e a arte tipográfica em Belo Horizonte
  • RESUMO PDF
  • Renata Garcia Campos Duarte
  • O Ensino de Literatura na EJA em Comunidades Carentes
  • RESUMO PDF
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RESENHAS

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  • Vânia Myrrha de Paula e Silva

130 Anos de Abolição | Revista Historiar | 2018

130 anos da abolição: da escravidão à invenção da liberdade

Brasil, ano de 1888. Às vésperas da Abolição, a escravidão era uma forma de trabalho que definhava. Havia aproximadamente 700 mil escravizados no país, cerca de 5% da população na época. Ainda que esse sistema de trabalho impulsionasse os setores econômicos mais dinâmicos – como o do café, do açúcar e da produção mercantil de alimentos –, o regime escravista entrava em colapso, progressivamente. Nesse contexto, os senhores continuavam apostando nessa modalidade de trabalho e viam a escravidão como a forma ideal de exploração da mão de obra, o parâmetro a partir do qual se acenavam as possibilidades de trabalho livre.

No entanto, a mobilização e campanha abolicionista, com suas conexões nacionais e internacionais; a ação ativista no teatro, no parlamento e no meio jornalístico; as lutas na Justiça pela conquista da liberdade, o apoio de diversos segmentos sociais, especialmente das camadas médias e de trabalhadores urbanos, a crescente resistência escrava, com as fugas e as revoltas dos cativos e a formação de quilombos delinearam o mosaico de fatores que levaram à abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888. A historiografia reconhece há tempo, e a sociedade civil brasileira se sensibiliza cada vez mais, para o fato de que a extinção do cativeiro foi um marco importante na jornada emancipatória da população negra, mas não resolveu uma série de impasses, dilemas e assimetrias no campo dos direitos e da cidadania, sem contar que reconfigurou ou criou novas relações de dominação / subordinação. As desigualdades raciais continuam sendo um problema no século XXI. Leia Mais

Revista do Arquivo Público do Espírito Santo. Vitória, v.2, n.4, 2018.

Editorial

  • Cilmar Cesconetto Franceschetto | PDF

Artigos

Documentos

Resenhas

Reportagens

Direitos Humanos & Relações Internacionais: os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2018

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada pela Assembleia Geral da então recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948. Em 2018, o documento mais traduzido do mundo completa 70 anos, propiciando-nos oportunidade de reflexão sobre as principais transformações e novos desafios que cercam a realidade internacional dos direitos humanos. Por isso, a Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, ao lado da ONU Brasil, apresenta o Dossiê “Direitos Humanos & Relações Internacionais: Os 70 Anos Da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948-2018)”.

Há 70 anos, quando foi adotada, a DUDH trazia o propósito declarado de ser uma carta de direitos internacional, ou o que mais próximo haveria de uma constituição internacional, nos moldes do que haveria sido proposto na Pax Perpetua de Kant. Apesar de não ser vinculante e de ter sido concebida antes da independência de vários países asiáticos e africanos, a DUDH logrou o feito, sem precedentes, de traçar um horizonte comum, e necessariamente compartilhado, para a sociedade mundial. Sua importância para a globalização do direito e da política e para a estruturação do direito internacional dos direitos humanos é inegável. O trajeto percorrido desde a adoção da DUDH revela que muito do que atualmente goza de relativo reconhecimento e aceitação normativa, como a universalidade, indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos, foi fruto de uma laboriosa – e imprescindivelmente política – construção. Leia Mais

Georges Canguilhem | Transversal | 2018

Georges Canguilhem was born under the sign of Gemini on July 4, 1904 in Castelnaudary in Southwest France. A student at the Lycée Henri IV where he became a fervent disciple of Alain, he later enrolled at the École Normale Superieure in 1924 and in 1927 obtained an ‘aggregation’-type degree in philosophy. In the early 1930s, his enthusiasm for Alainism began to wane and became profoundly imbued with a spirit of pacifism that proved to be increasingly incompatible with the inter-world wars context. Appointed to the post of professor of philosophy, first in Béziers and later in Toulouse, he began to study medicine. The rupture with the figure that had been the great philosophical inspiration of his youth became definitive and with France under occupation by the German troops he enrolled in the faculty of medicine while at the same time taking an active part in the French Resistance movement which he joined alongside Jean Cavaillès. From his new academic qualification in medicine resulted a thesis entitled Essay on some problems concerning the normal and the pathological published in 1943. The introduction of that work became famous for a passage in which he declared that what philosophy expected from medicine was “an introduction to the concrete human problems”. He became a National Inspector of Education in 1948 and, in 1955, a professor at the Sorbonne where he was the successor of Gaston Bachelard as director of the History of Science Institute, a post he held up until 1971. Georges Canguilhem’s vast and powerful work unfolded in a markedly discreet way and yet even so, as Michel Foucault insists, one will understand little or nothing of the French intellectual environment up to the 1970’s if one ignores it and it could even be said that it has still not stopped diffusing its influence. One concept taken from the work of Gaston Bachelard under whose supervision he who had developed the Thesis on the Formation of the Reflex Concept in the Seventeenth and Eighteenth Centuries, also defines Canguilhem’s philosophy. It was the concept of engagement whereby the spirit seeks whatever is typically human in experience; that which drives and affects the reflex. That, and no other, is the reason why philosophy must fundamentally interest itself in that which is strange to it (see Canguilhem 2009, 7). That engagement envisages an integrality which, returning from the concrete gets back to the idea; one which in the end re-establishes whatever there is of the spiritual in every action, in every practice. That was the standpoint which the philosopher never tired of praising and emphasizing in his life and in the works of individuals like Jean Cavaillés. Canguilhem died in September 1995. Leia Mais

Staying Afloat: Risk and Uncertainty in Spanish Atlantic World Trade, 1760-1820 | Jeremy Baskes

Risco e incerteza são os tópicos centrais da investigação de Jeremy Baskes, doutor pela University of Chicago e Professor na Ohio Wesleyan University. Em Staying Afloat (algo como mantendo-se flutuando numa tradução livre), Baskes se debruça sobre o comércio entre Espanha e algumas de suas colônias na América, analisando como os mercadores conseguiram manter suas atividades em ambientes, por vezes, hostis. De acordo com ele, o comportamento dos mercadores espanhóis “deve” ser entendido “como sua resposta ao onipresente risco comercial”. Ou, em outras palavras mais enfáticas, “gerir o risco foi a principal preocupação dos mercadores e muitos aspectos do comércio imperial espanhol só podem ser plenamente compreendidos quando examinados pelas lentes do risco e da incerteza.” De modo a contornar esses percalços, os mercadores “se engajaram em estratégias de redução de risco, desenvolveram instituições atenuantes de risco, e procuravam qualquer meio possível para reduzir a incerteza e a ambiguidade” (p. 2 e 4). Leia Mais

Boletim de História e Filosofia da Biologia. [?] v.12, n.2, 2018.

Volume 12, número 2 (junho de 2018)

  • Periódico Filosofia e História da Biologia volume 13, número 1, junho de 2018
  • Encontro de História e Filosofia da Biologia 2019
  • Outros eventos da área
  • Chamada para publicação de livro, em inglês, sobre ensino de evolução no Brasil
  • Artigos recentes da área
  • Tradução de fontes primárias da história da biologia: “O experimento do fígado lavado de Claude Bernard (1813-1878)”, por Christine Janczur

Creatively Undecided: Toward a History and Philosophy of Scientific Agency | Menachem Fisch

The history of science according to Menachem Fisch goes as follows: Scientists work both within Frameworks that are constitutive of the Normative Standards for the Frameworks, and also with Critical Rationalism where those Frameworks are revised through criticism. This creates a dilemma: since rational criticism depends on Frameworks, rational criticism is inherently limited. Hence, there will always be uncriticised areas. However, science as a fully rational endeavour cannot function without Frameworks. How then can Frameworks be fully rationally criticised and changed when rationally required? Solution (according to Fisch): the rational change of Frameworks and their normative standards of rationality occurs through a psychological process of seeking out new Frameworks and modifying one’s belief-systems by use of rational criticism from alternative Frameworks or belief-systems; by creating new hybrid Frameworks partially composed of the old Framework, and an alternative Framework – done for the reason of getting the best of both “worlds” (Frameworks as constitutive of normative systems) and ridding both “worlds” (or Normative systems) of their worst components. Leia Mais

“Um Papel para a História”: O Problema da Historicidade da Ciência | Mauro L. Condé

This is a book on the historicity of science. To say that science has a history may at first glance seem like a great triviality. For the simple fact of being a human construct, science was not born yesterday and has always undergone several changes in its most varied aspects; what we understand today as “science” has resulted from a long and repeated process involving continuities and ruptures with what preceded it – we all know about that, and this is enough to admit that science has a history.

But it is by no means trivial that science has, besides an ordinary history, a certain historicity. It might well happen that to have a history was only a matter of fact about science, so that the ties with its past would be nothing more than mere contingencies. Or again, it would not be unthinkable that the reach of historical circumstances to which science is subject did not exceed the more superficial or visible level of that activity – usually the one to which the layman has access and which constitutes the public image of the scientist’s work, such as laboratory practices, technological applications, etc. – in such a way that science, let us say, in itself would be minimally unaffected by these historical vicissitudes. In that case, it would no longer be imposing to admit that science has a history. The approach proposed by Condé in “A Role for the History”: The Problem of the Historicity of Science, however, does not recommend this interpretation at all. For our author, the historicity of science is definitely not a mere contingency. On the contrary, it must be admitted as a matter of law over science, that is, a sine qua non condition for science to be what it is, from any point of view. Leia Mais

Os caminhos para a Liberdade de Escravizadas e Africanas livres em Maceió (1849-1888) | Danilo Luiz Marques

Danilo Luiz Marques é graduado em História pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), e doutor em História Social (PUC/SP), com período sanduíche na Michigan State University, nos Estados Unidos. Professor da rede pública estadual de São Paulo, com experiência na área de Arquivologia e História, e tem se dedicado a pesquisas, a saber: História do Brasil no século XIX, Resistência Escrava, Gênero e Escravidão, História e Historiografia Alagoana.

O livro do autor é produzido originalmente como dissertação de mestrado em História Social, pela PUC/SP, com o título de “Sobreviver e Resistir: os caminhos para liberdade de africanas livres e escravas em Maceió (1849-1888)”, defendida no ano de 2013. A obra do jovem historiador apresenta um caprichado mergulho na realidade das experiências de vida de mulheres africanas livres e escravizadas na cidade de Maceió, Alagoas, Brasil, na metade do século XIX, bem como descreve acertadamente a luta destas mulheres por sobrevivência e resistência no período de escravidão no país. O resultado é uma leitura aprazível e um texto que contribui para o debate sobre gênero e escravidão no Brasil do século XIX. Leia Mais

Lugares de professores: vivências, formação e práticas docentes nos anos iniciais do ensino fundamental | Antonio Carlos Pinheiro

Como toda obra, o livro Lugares de professores: vivências, formação e práticas docentes nos anos iniciais do ensino fundamental, revela as pinceladas, contextos e ideias do autor. Antonio Carlos Pinheiro, atualmente é professor Associado I da Universidade Federal da Paraíba, atuando na graduação e no Programa de PósGraduação em Geografia.

Na contextualização do livro, objetiva-se compreender o papel da docência e os conflitos existentes no espaço escolar, diagnosticando problemas e sugerindo ao leitor uma reflexão sobre sua própria formação e prática docente, levando-o muitas vezes ao “déjà vu” de contextos e fatos escolares vividos por alunos e docentes. O primeiro lembrete se refere à mudança da nomenclatura para as fases de educação brasileira, visto que a “[…] Escola de Educação Infantil, Ensino Fundamental de 9 anos (não mais séries) e o Ensino Médio, todas juntas constituem o Ensino Básico” (PINHEIRO, 2012, p. 29). Leia Mais

A Fábula das Abelhas ou Vícios Privados, Benefícios Públicos – MANDEVILLE (EL)

MANDEVILLE, Bernard de. A Fábula das Abelhas ou Vícios Privados, Benefícios Públicos. São Paulo: Editora Unesp, 2017. Resenha de: MELO, Ricardo Pereira de. Eleuthería, Campo Grande, v. 3, n. 4, p. 113 – 117, jun./nov., 2018.

APRESENTAÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO

Finalmente, os leitores brasileiros e de língua portuguesa terão acesso à versão integral do livro do pensador Bernard de Mandeville conhecida como A Fábula das abelhas ou vícios privados, benefícios públicos. A brilhante e competente tradução foi realizada pelo professor Bruno Costa Simões e publicada pela Editora da Unesp. Sem dúvida que o público foi presenteado com uma belíssima edição pela longa espera da tradução completa em português1.

Bernard Mandeville nasceu em Roterdã em novembro de 1670. Apesar de nascer na Holanda, estudou e viveu por quase toda sua vida na Inglaterra, trabalhando em Londres como médico. O final do século XVII foi marcado por um período de transição importante na economia e na sociedade mundial, onde ele presenciou a transição da hegemonia holandesa para a inglesa2. De certa forma, esse momento histórico, é vivenciado pela mudança de habitat de Mandeville e transcrito nos textos do autor.

Mandeville utiliza-se da sátira e da analogia para mostrar as profundas transformações que se passam na sociedade inglesa na virada do século XVII, principalmente evidenciando o caráter de desenvolvimento e prosperidade da economia. A obra de Mandeville, com certeza, não é um tratado sobre economia, mas podemos dizer que Mandeville, trouxe ao centro do debate, questões que seriam mais tarde abordadas por outros teóricos da economia, principalmente ligados à defesa do laissez faire laissez passer. Em geral, segundo Louis Dumont, Mandeville seria favorável à um “comércio mais livre”, mas não ao “livre comércio puro e simples”3 e, em suas ideias, ainda cultivava muitos pressupostos da economia mercantilista.

Dumont advertiu em sua análise sobre o trabalho de Mandeville que os poemas e escritos, em sua totalidade, reflete a sociedade concreta e, com ela, as mudanças de ontem (sociedade pequena, isolada e estagnada) para o hoje (a evolução da economia capitalista). Para o autor da Fábula, assim como para Hume e Smith, é um momento de transição “que se trata de um eixo maior na transição da ideologia tradicional para a ideologia moderna”4.

O destaque dado por Mandeville sobre o papel do egoísmo na ação humana não passou desapercebido por Adam Smith ao tratar dos problemas econômicos. A Riqueza das nações de Adam Smith, conforme Dumont afirma, é uma resposta às indagações levantadas por Mandeville e que Smith teria tomado contato com a obra nos cursos do professor Hutcheson em Glasgow ainda na graduação5.

Para alguns autores, tais como Rogério Arthmar e Friedrich von Hayek, Mandeville foi o primeiro a colocar o problema das crises de superprodução e de insuficiência de demanda no centro do debate político no capitalismo inglês, cuja a visão econômica estava voltada, exclusivamente, para o consumo, e não na produção. Para Arthmar:

Porém, recuando no tempo, verifica-se que a polêmica sobre a possibilidade de uma escassez geral de demanda possuía antecedentes longínquos nos escritos econômicos do Reino Unido. Em 1705, Bernard Mandeville publicava seu poema The grumbling hive: or knaves turn’d honest, onde enaltecia os vícios e a luxúria como fontes da prosperidade de uma colméia, alegoria pitoresca da sociedade em que vivia. O material, apesar de sua criatividade, passaria totalmente despercebido nos meios literários6.

Na ética da Fábula existe um divórcio radical entre moralidade e religião. O tema central que versa o poema das abelhas na colméia é que a prosperidade econômica e a obtenção de riqueza não possuem relação direta com a moralidade cristã. Existe em sua obra uma preocupação de fundo, presente também nos grandes pensadores da história ocidental: um constante receio do retrocesso, ou melhor, à regressão aos anos de escuridão da civilização, baseado numa economia meramente agrícola e pouco desenvolvida. Nesse sentido, toda A Fábula pode ser lida como uma defesa da circulação de riquezas, da moeda e da atividade do comércio. Segundo Ari Ricardo:

Não se tratava de alguns ricos comerciantes, que traficavam bens de luxo para uns poucos habitantes, mas sim de uma gigantesca máquina de fazer e distribuir mercadorias acessíveis a muitas pessoas. Para Mandeville, essas mudanças representavam uma melhoria de vida, apesar das reclamações, que surgiam em grande número, de que o aumento do luxo enfraqueceria a fibra moral da nação. Foi justamente como resposta a elas que Mandeville escreveu. A favor das mudanças, com certeza. Mostrando que as tais fibras morais, pretensamente responsáveis pela grandeza e continuidade da nação, eram mal compreendidas, que as fontes da prosperidade eram outras, que o que se via como ameaça, o luxo, era positivo para a sociedade, muito embora fosse de fato um vício, como queriam alguns7.

Mandeville tinha como característica provocar as paixões mais inesperadas entre seus leitores. Dessa forma, expressava-se de maneira pouco amistosa ou agradável. Aos acostumados pela polidez, ou pela urbanidade ou, mesmo, pela sensatez acharão no pensamento de Mandeville uma profunda marca de provocação que dificilmente deixariam qualquer um apaziguado ou entorpecido.

A escrita irreverente aguçava o intelecto das pessoas e, dificilmente, alguém não se manifesta com amor ou repulsa aos seus textos. Ao espírito adormecido e ignorante oferecia doses sob medida aos preconceituosos e arrogantes. Para o início do século XVIII, defender a prostituição e atacar a educação popular, pode-se dizer, que Mandeville irritou muitos na sociedade em seu tempo.

ESTRUTURA DE A FÁBULA

A tradução aqui apresentada deve-se ao trabalho extraordinário de compilação das obras completas organizadas F.B. Kaye que trabalhou na preservação do legado mandevilleano. Como bem avalia Jacob Viner que “a partir da publicação, em 1924, da magnífica edição da Fable of th bees de F.B. Kaye, ninguém pode tratar seriamente do pensamento de Mandeville, sem apoiar-se firmemente nele”8. No mesmo sentido, Dumont afirma:

Devemos muito a F.B. Kaye pela sua edição crítica monumental da Fábula, e especialmente por sua laboriosa coleção das fontes certas ou possíveis de Mandeville, pelas passagens paralelas dos escritos anteriores de uma parte, e, de outra, por seu catálogo de referências a Mandeville na literatura subsequente: ele contribuiu com profusão para que pudéssemos captar com um golpe de vista o lugar de Mandeville na história das idéias9.

Aos 35 anos, no ano de 1705, Bernard de Mandeville iniciou o seu itinerário intelectual ao publicar um poema na forma de sátira contendo seis vinténs em versos intitulado Acolmeia ranzinza ou De canalhas a honestos (The Grumbling Hive or Knaves turn’d honest), cuja a publicação passou em silêncio diante à crítica e “o impacto inicial do poema foi quase nulo”10. Em 1714, ele republica o poema, agora contendo um novo capítulo de comentário chamado Uma investigação sobre a origem da virtude moral (An Inquiry into the Origin of Moral Virtues)e também acrescenta outro texto de Observações com extensas glosas explicativas sobre o significado de seus versos. Agora, o poema em versos torna-se um livro sob o título de A Fábula das abelhas ou Vícios privados, benefícios públicos (The fable of the bees, or private vices, publick benefits) que, mais uma vez, não lograria a atenção do público.Para alguns comentadores, como Ricardo Ari Brito, Mandeville acrescentava esses textos ao poema inicial, como se fosse necessário, para o bomesclarecimento“que o leitor tivesseuma visão mais ampla do terreno que está pisando, uma espécie de introdução às explicações”11.

A segunda edição do livro publicada em 1723, Mandevile adiciona mais um texto intitulado Ensaio sobre a caridade e as escolas de caridade (An Essay on Charity and Charity-Schools) e diferente da edição anterior, tanto o poema como os comentários causaram um grande tormento na sociedade inglesa da época. O Ensaio despertou muita indignação entre os críticos que, ironicamente, provocaria com isso outras cinco edições da obra em menos de uma década, um recorde para a época12. Com o Ensaio, Mandeville tornar-se muito famoso e, em pouco tempo, seus escritos começaram a abalar a tradição religiosa. No mesmo ano de 1723, ele recebe a denúncia das entidades religiosa, acusando-o como um anticristão e contra os costumes sociais e, com isso, sendo obrigado a comparecer diante do tribunal de justiça.

Ao final do livro, a tradução brasileira ainda vem acrescentada do texto Defesa do livro a partir das difamações contidas numa acusação do grande júri de Middlesex e numa carta insultante endereçada a lord C. que foi apresentada ao Tribunal do Rei (King’s Bench) no condado de Middlesex como defesa à acusação imposta como um anticristão. Infelizmente, apesar da importante tradução feita por Bruno Costa Simões, ainda faltam os diálogos de resposta de Mandeville às críticas do filósofo George Berkeley intituladas Letter to Dion. Em todo caso, já temos uma tradução completa e acadêmica para futuros estudos da obra do pensador holandês.

Notas

1 Já circulava no Brasil a tradução de Laura Teixeira Motta, mas composta apenas do poema inaugural A Colmeia murmurante ou os velhacos que se tornaram honesto. A tradução faz parte do Apêndice do livro A Pré-história da economia: de Maquiavel a Adam Smith da professora e pesquisadora da USP Ana Maria Bianchi de 1988. Houve uma tradução espanhola muito utilizada no Brasil publicada em 1982 pela editora Fondo de Cultura Economica do México contendo a tradução na íntegra do livro de Mandeville.

2 Cf. ARRIGHI, Giovanni. O Longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Trad. Vera Ribeiro. São Paulo: Unesp, 1996, pp. 1-58 e, especialmente, pp. 130-148.

3 DUMONT, Louis. Homo Aequalis: gênese e plenitude da ideologia econômica. Trad. José Leonardo Nascimento. Bauru, SP: EDUSC, 2000, p. 103.

4 DUMONT, Homo Aequalis, p. 112.

5 DUMONT, Homo Aequalis, p. 97.

6 ARTHMAN, Rogério. Mandeville e a lei dos mercados. Economia e Sociedade. Campinas, SP: UNICAMP, v. 12, n.1, 2003, p. 88.

7 BRITO, Ari Ricardo Tank. As Abelhas egoístas: vício e virtude na obra de Bernard Mandeville. São Paulo: USP, 2006, p. 27. (Tese de Doutorado em Filosofia).

8 VINER, Jacob. Ensaios selecionados de Jacob Viner. Trad. José Maria Gouvêa Vieira. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1972, p. 318.

9 DUMONT, Homo Aequalis, p. 107.

10 FONSECA, Eduardo Giannetti da. Vícios privados, benefícios públicos? a ética na Riqueza das Nações. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 134.

11 BRITO, As Abelhas egoístas, p. 21.

12 “No século XVIII, as edições seguintes de The fable of the bees apareceriam em 1724, 1725, 1728 e 1729. Nesse último ano, Mandeville lançava também a segunda parte do livro, contendo um prefácio e seis diálogos, a qual receberia duas edições isoladas em 1730 e 1733. Os dois volumes seriam publicados em conjunto nos anos de 1733, 1755, 1772 e 1795, além das traduções para o francês em 1740 e para o alemão em 1761” (KAYE citado por ARTHMAR, Mandeville e a lei dos mercados, p. 88).

Ricardo Pereira de Melo – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

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[DR]

 

Ensaios no feminino – NUNES DA COSTA (EL)

NUNES DA COSTA, Marta. Ensaios no feminino. São Paulo: LiberArs, 2018. Resenha de: HEUSER, Ester Maria Dreher. Eleuthería, Campo Grande, v. 3, n. 4, p. 105 – 112, jun./nov., 2018.

Em seu Ensaios no feminino, Marta Nunes da Costa ensaia sobre uma ausência na Filosofia e busca compreendê-la: a ausência das mulheres. Nessa busca, Nunes da Costa se encontra com categorias específicas, as mesmas que os movimentos feministas encontram em outros espaços culturais e sociais, naquilo que se refere às mulheres. Trata-se das categorias de invisibilidade; patriarcado; violência e desigualdade. Dá a ver que a Filosofia não é um campo assim tão distinto dos demais, como se gostaria de supor, afinal trata-se de um espaço de suposto uso da razão esclarecida. São ensaios que repensam e reconstroem criticamente nossa herança filosófica, social e política e que questionam: por que, apesar de os movimentos feministas que alcançaram reconhecimento pela dignidade das mulheres, as mulheres filósofas ainda estão nas margens da discussão filosófica dominante? Impulsionada pela teoria crítica, Nunes da Costa (2018, p. 17) traz elementos problemáticos e contraditórios presentes na nossa condição atual, para ela, “não é possível olhar para a história da filosofia e escolher ignorar a ausência das mulheres”, pois não só o que aparece e é dito são importantes, também, ou mais que isso, o invisível e o não dito merecem atenção.

Ausência é um sinal, diz ela (2018, p. 7): sinal de luta e de relações de poder. Não é que nós mulheres não estejamos presentes na Filosofia, sim, estamos ali, mas às margens. Como não estaríamos se a filosofia é a atividade de reflexão e busca de sentido que constitui experiência fundamental da existência humana? Existência esta que é partilhada por homens e mulheres que também questionam pelo sentido de si mesmas (cf. 2018, p. 11), tanto ou mais que os homens – afinal, são elas que mais leem1, que mais frequentam consultórios médicos2, os bancos escolares3 e também as igrejas4. Ainda assim, estamos ausentes porque rodeamos, perifericamente, aquilo que é central na Filosofia; são os homens, sobretudo, que conferem visibilidade à atividade filosófica, porque detém o poder também nessa instituição.

CULTURA PATRIARCAL

Para a autora, ocuparmos apenas as suas bordas indica que a Filosofia repete a ordem vigente da sociedade, a qual é orientada pela (quase) naturalizada lógica patriarcal e capitalista. O que “conduz a uma reprodução do valor masculino que só se faz à custa da violência contra o seu outro, a mulher” (2018, p. 26) e ecoa o “discurso do capital que parece assentar sobre um princípio sexualmente neutro” (2018, p. 27) elaborado por uma “visão androcêntrica que se impõe como neutra e não tem necessidade de se enunciar” com vistas à sua legitimidade, uma vez que é hegemônica. Segundo a autora (2018, p. 28), essa visão androcêntrica e hegemônica precisa ser contestada. Contestação que Nunes da Costa (2018, p. 31ss) faz também por meio da apresentação de números e dados acerca da legislação, brasileira em especial, que refletem a cultura patriarcal, “essa lógica de dominação em que o homem teve até muito recentemente total domínio sobre a mulher”. Isto do ponto de vista cultural e legal, pois só com a Constituição de 1988 que a mulher passou a ter “igualdade de funções” no âmbito familiar. A autora, no ensaio “Patriarcado, violência, injustiça – sobre as (im)possibilidades da democracia(?)”, informa que até a década de 70, no Brasil, se debatia se “o marido poderia ser sujeito ativo do crime de estupro, já que era dever da mulher cumprir com as suas funções e manter relações sexuais”, e que até 2009, “o estupro era tipificado como crime de ação privada contra os costumes” e não contra a mulher que sofreu o estupro. Há menos de uma década “o estupro passou a ser um crime contra a dignidade e liberdade sexual” (2018, p. 32 [os grifos são nossos]). Portanto, somente 25 anos depois da “abertura democrática” é que o direito à igualdade foi reconhecido no Brasil, este valor que “diz respeito ao fundamento da própria democracia: a dignidade da pessoa humana” (2018, p. 33). Se trata, porém, não de uma igualdade completa, pois aindahoje, em 2018, não temos o direito legal sobre o nosso próprio corpo, uma vez que as leis brasileiras ainda restringem os casos de aborto. Muitas mulheres, por lei, ainda não são “sujeito de sua própria vida e narrativa” (2018, p. 64) – algo que, na Rússia foi garantido durante a revolução de 1917. Mais de um século separa a condição das mulheres russas de nós, brasileiras, em termos de direitos (ao menos das mulheres da Revolução Russa). Apesar deste caso, o mais alarmante ainda, entretanto, é que “a violência continuada contra as mulheres” e as “relações desiguais de poder entre homens e mulheres” não são “privilégios” brasileiros. A autora expõe dados de países nórdicos, como a Dinamarca e a Suécia, que, apesar de se apresentarem em números inferiores, “não estão imunes à lógica da dominação da qual o Brasil se torna exemplar” (2018, p. 35).

O patriarcado, e as decorrentes desigualdade, injustiça e violência que fomentam a cultura do estupro, é real e geral, não se trata de exclusividade nem privilégio brasileiro. Embora mais gritante em algumas sociedades do que noutras, os efeitos do patriarcado, concebido “como sistema social de dominação via categoria de gênero” (2018, p. 26), está presente não só nos escandalosos números dos registros policiais feitos a partir dos boletins de ocorrências, os quais denunciam que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil, mas também na “linguagem quotidiana, músicas e ditos populares […] manifestações artísticas e culturais” (2018, p. 31). Para a autora, os países que partilham da “grelha conceitual” do Ocidente têm em comum a violência contra a mulher naturalizada e culturalmente aceita. Caso contrário, não teríamos, por exemplo, listas sem fim de letras de músicas que trabalham “a ideia fundamental de que mulheres querem ser violentadas, que pedem esta violência, que a violência faz parte do ‘jogo’ do relacionamento, do sexo, do prazer ou do amor” (2018, p. 40). Letras e músicas que, inclusive, recebem prêmios! Entretanto, a autora compreende que enquanto a representação da mulher não for positiva, enquanto as produções culturais perpetuarem o status quo que parte do olhar do homem sobre a mulher, ao qual a mulher se esforça para corresponder, a luta por emancipação, “no sentido de superação da dominação ou opressão”, não terá êxito. Sim, Marta Nunes da Costa não interpreta simplificadamente que se trata da modificação de apenas um lado; por se tratar de uma cultura, reconhece que muitas mulheres “promovem uma cultura de degradação da sua própria imagem, contestam a sua autonomia e os seus direitos objetivando-se deliberadamente” (2018, p. 40). Para a autora, a cultura patriarcal será desconstruída se o meio for “usado para desconstruir e reconstruir efetivamente as identidades de gênero e as ideologias culturais que tentam cooptar esses esforços, integrando-os novamente na lógica globalizante e totalizadora do sistema e da ideologia dominante e patriarcal” (2018, p. 41).

Para que a modificação aconteça, nos homens e nas mulheres, Nunes da Costa afirma a necessidade de uma “revolução realmente revolucionária”, a “revolução no feminino” que implica a “reinvenção de um feminismo radical” (2018, p. 59) capaz de confrontar abertamente a lógica patriarcal e expor a ilegitimidade das práticas culturais, tradicionais, consideradas normais e até naturais, sustentadas pelo neoliberalismo capitalista. Para a autora, de mãos dadas com Arendt, a revolução no feminino “é a mudança radical que cria um novo início” sem “compromisso com a ordem existente” (2018, p. 62; p. 65). Porisso também, essa reinvenção de um feminismo radical é questão e dever das mulheres e dos homens, porque implica a conquista da liberdade também deles, pois “onde existe dominação não há liberdade”, nem para quem se considera livre e que domina, nem para quem é dominado, uma vez que a experiência da liberdade é interditada “para quem não tem um igual” (2018, p. 61). Este feminismo radical compreende que “os iguais que se reconhecem e têm relações de reciprocidade constroem um mundo que é deles, de inclusão, de diálogo, de partilha, um mundo feito por nós e não por ‘eus’, como prega o capitalismo neoliberal” (p. 2018, p. 57).

ATOS POLÍTICOS

Os cinco ensaios que compõem o livro ensaiam, sobretudo, atos políticos. Ao explicitarem também a ausência das mulheres na Filosofia, os ensaios indicam o que a presença delas pode significar em um sistema de pensamento masculino, feito por homens e para os homens: ato de rebeldia e de subversão desse sistema. Esses atos, por serem políticos, se ocupam daquilo que é indispensável para a realização da política por excelência, a democracia. Para Nunes da Costa, a democracia só pode se efetivar em condições de dignidade da pessoa humana – o que supõe a igualdade de condições entre gêneros – e de pluralismo – que implica um espaço de diferenças, de dissenso e de lutas “por objetivação de sentido às práticas desenvolvidas, definição de narrativas dominantes, de lentes conceituais” (2018, p. 42). Ou seja, enquanto, dentro e fora da Filosofia, mulheres e homens não estiverem em condições de igualdade de fato, enquanto as relações de dominação não estiverem banidas, não haverá liberdade, nem democracia, portanto, pois “a democracia exige sempre uma pluralidade de agentes que se encontram e se reconhecem entre iguais” (2018, p. 9) com vistas a construírem uma “sociedade bem ordenada, regulada pela igualdade, liberdade e sim, fraternidade, aquela virtude quase esquecida” (2018, p. 30).

Nunes da Costa defende que, para que a pluralidade de agentes que atuam juntos deixe de ser sonho, é necessário que inventemos um NÓS, porque ele ainda não existe; uma vez que quando dizemos nós, em verdade, nos referimos a um conjunto de eus que funda o “novo homem democrático” o qual tende ao individualismo, ao isolamento e à solidão “enquanto prática quotidiana” promotora de um despotismo de novo tipo promovido por “ninguéns” (2018, p. 82). A fim de inventar esse NÓS, contudo, distintamente das perspectivas defensoras da dissociação entre moral e política, a autora propõe a refundação de uma ordem política que dá lugar à uma moral, também refundada, que tem em seu horizonte as questões “para onde queremos ir? Que tipo de seres nos queremos tornar? Ninguéns, anônimos e desprovidos de humanidade ou, pelo contrário, pessoas?” (2018, p. 87).

A saída para essa refundação da política e da moral, pensa Nunes da Costa, está na reinvenção de um povo que se produz pela experiência humana de associação, mas não de “unificação” (2018, p. 55), com vistas a um propósito comum que acaba, inevitavelmente, por inventar um NÓS. Considera ela que, ao nos associarmos politicamente, salvaguardamos a experiência de liberdade coletiva, o que dará sentido ao mundo comum democrático sustentado por uma “grelha moral” construída por um NÓS que define o certo e o errado num contexto privado e público. Para ela, é só este NÓS, que cria e vive em um mundo comum feito “pelos humanos e que nos torna humanos” (2018, p. 60), que poderá interiorizar a vida como valor em si, como fim último da moralidade. Um NÓS que não elimina o confronto, mas afirma um confronto não aniquilador do outro, ao contrário, que reconhece “uma igualdade que transcende as diferenças’” e constrói um “espaço comum que permite a liberdade” de agir com o outro que é livre e igual (2018, p. 54). Enquanto não formos um NÓS, enquanto não pensarmos “o desafio da existência humana em conjunto”, seremos nada mais do que “observadores quietos e imperturbáveis” que assistem ao total colapso “de valores que permitem a construção e a sustentação de um projeto humano democrático viável” (2018, p. 81).

Nunes da Costa propõe a invenção deste NÓS pensando no Brasil, este país que ela escolheu para viver, educar seus filhos e filha e ajudar a fazê-lo por meio da docência pesquisa com estudantes e professores da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul –UFMT (e agora também na UNIOESTE). Ela considera o Brasil “um excelente laboratório para pensar o desafio da democracia […] um desafio que é moral (porque ainda precisamos responder à questão ‘o que é certo e errado?’) e político (porque ainda precisamos imaginar soluções que estanquem a sangria e a morte)”. Não é à sangria das investigações da Operação Lava jato5 que Nunes da Costa se refere, isto porque, para ela, o colapso de valores “não está retratado, apenas, nos governantes corruptos e mal-intencionados. Este colapso está entre nós, em todo o lado”. O colapso ao qual a autora se refere “aponta para a superficialidade da existência humana” e denuncia “a normalização de um modo de vida […] alienado” (2018, p. 81). Estamos alienados do mundo porque nele não encontramos lugar, tal como Arendt dizia. E não encontraremos lugar enquanto os ninguéns, aqueles que não se veem como responsáveis, porque não se reconhecem como seres morais, logo como pessoa, existirem e dominarem.

Como já antecipamos, para Nunes da Costa, a despeito de sua instabilidade frequente, a democracia é a única via para a construção desse NÓS e o banimento dos ninguéns. Isto porque, para ela (2018, p. 75), apesar de quererem nos fazer acreditar que a democracia deve ser considerada uma utopia a ser abandonada, porque impossível – e o Brasil é palco de tentativas quase quotidianas de desacreditar a democracia, seja ela como sistema político, social ou até como modo de vida – ela é a escolha humana que inclui homens e mulheres, em condições de liberdade, enquanto responsabilidade, e de igualdade, enquanto dignidade.

Dentre as várias conceptualizações de democracia, Nunes da Costa a concebe no sentido determinado por John Dewey: “como modo de vida” (2018, p. 26, 52 e 76 [grifos da autora]), vida que, aliás, “nasce sempre de uma mulher”, não esqueçamos disso (2018, p. 22); mas modo de vida que só pode ser construído pela pluralidade, inclusive de gêneros. Uma vez concebida como modo de vida, a democracia é pensada como uma estrutura básica de sociedade que engloba todas as instituições, costumes, práticas, imaginário coletivo; um projeto de constante transformação que orienta, dá direções sem impor nenhuma; apresenta papeis possíveis a desempenhar; não diz o que deve ser, mas o que pode ser; produz caminhos, ao invés de defini-los. Neste sentido, a democracia não define necessidades, mas produz possibilidades porque ela mesma não é, “na realidade, não existe algo como ‘a democracia’”, o que há somos nós humanos, mortais, que temos “um poder extraordinário de viver ou não democraticamente” (2018, p. 76).

Assim, o ato fundador da democracia é a “escolha humana”. A escolha pela democracia como modo de vida orientado por “relações democráticas” (2018, p. 53) é “o ato da determinação do possível, da construção do possível sobre o necessário” (2018, p. 79). É apenas com ela que a liberdade e o valor da dignidade humana, posto no centro do projeto democrático pela autora, na acepção kantiana daquilo que “não tem preço” (2018, p. 47), podem se materializar. Não se trata, entretanto, de uma relação causal, no sentido de que a democracia se realiza primeiro para então a liberdade e a dignidade ganharem existência. Do modo que pensa a autora, uma é impossível sem a outra. Nunes da Costa compreende que “a liberdade é a ideia que suporta a construção da moral e que atribui sentido ao mundo físico [… e que] inventa o possível” (2018, p. 47). Portanto, se a democracia é o “ato de determinação do possível”, para que ela ganhe efetividade, a liberdade, que é inalienável e confere dignidade àquilo que não pode ser trocado por nada – a pessoa –, lhe é imprescindível. Não haverá, portanto, democracia sem liberdade, dignidade e igualdade, pois há uma relação essencial entre elas. Para a autora, “a dignidade constrói o horizonte de igualdade entre membros de uma comunidade racional, e nesse horizonte eles são livres” (2018, p. 55). Considerando o entrelaçamento desses conceitos, é possível afirmar que enquanto não formos tratados e nem tratarmos os outros como fins em si mesmos, numa relação de igualdade, não será possível agir livremente e resistir àquilo que fere a dignidade e impede de imaginarmos e criarmos alternativas para a afirmação da vida ativa de cada uma e cada um de NÓS em um mundo comum que juntos construímos, assim como a democracia continuará sendo um sonho. Nos parece, contudo, que a autora, ainda que ao longo do livro, na maior parte das vezes, sugira a horizontalidade e a relação necessária entre esses conceitos para a efetivação da democracia, no que se refere à reivindicação primeira da luta feminista, nessa sua proposta de reinvenção de um feminismo radical, se trata de lutar, antes de tudo, por liberdade (2018, p. 70). Mais precisamente, para ela, lutar pela “experiência da liberdade, que é sempre uma experiência que nasce do encontro dos ‘eus’ transformando-os em ‘nós’, tem potencial unificador das vontades individuais” que constroem “um mundo comum” (2018, p. 73). Além do mais, nos parece que Nunes da Costa sugere que a bandeira número um desse feminismo radical seja a liberdade também porque, como pensa Arendt, somente quem é livre, para resistir e propor o novo, pode ocupar “o espaço das aparências que é o espaço político por excelência” (2018, p. 72). Em síntese, se somos iguais unicamente quando aparecemos e só podemos aparecer se sairmos do espaço privado que nos foi destinado há séculos, só conquistaremos a igualdade se tivermos a liberdade de atuarmos na aparência da esfera pública e democrática. Pensado assim, arendtianamente, a primazia da luta pela liberdade sobre a bandeira da igualdade ganha sentido e necessidade. Nas palavras da autora:

Feminismo é a ação política conduzida por mulheres que buscam, pela sua ação, transformar a condição da qual partem. Por isso, feminismo deve passar necessariamente pela crítica social, pois visa a (re)construção do mundo de acordo com um ideal de emancipação, onde liberdade e igualdade se encontram (2018, p. 23).

É o que faz com que o sloganimpresso em camisetas e pichado em muros urbanos “lugar de mulher é onde ela quiser” deixe de ser “clichê feminista” para ganhar sentido e força de novidade. O que só pode se realizar via escolha democrática.

Mas por que escolher a democracia e não outra alternativa para viver, pergunta Marta Nunes da Costa (2018, p. 79-80). Ela e nós escolhemos a democracia porque “não queremos ser átomos, instrumentos singulares nas mãos de uma vontade que não é e nunca será a nossa”; porque consideramos a nossa existência imprescindível, mas não aceitamos viver apenas para sobreviver. Isto porque, não queremos e nem merecemos viver para morrer; porque não se trata de pensar “a sobrevivência do ser humano só como indivíduo e espécie, mas também como ser Humano […] ser que cria o seu mundo e é inteiramente responsável por ele” (2018, p. 59 [grifos da autora]). Assim, para a autora, escolher a democracia implica, ao mesmo tempo em que se faz escolhas políticas, fazer uma escolha moral pela humanidade, isto que não tem propriedade física nem se encarna nos indivíduos, mas é o “que nos torna humanos” (2018, p. 47 [grifos da autora]). Eis a defesa da indissociabilidade entre política e moral e a tese que parece atravessar todo o livro, de modo sutil e quase circular: Feminismo hoje é Humanismo que só se torna viável em Democracia, a qual não pode se realizar se não tiver como fim a escolha pela humanidade constituída por um NÓS composto de mulheres e homens diferentes, que coexistem em condições de igualdade, uma vez que são livres. Nos arriscamos a apresentar uma fórmula circular de igualdade absoluta entre: FEMINISMO = HUMANISMO = DEMOCRACIA, uma vez que a autora afirma que:

a luta feminista é antes de mais humanista, e democrática de espírito, pois reclama acima de tudo uma transformação nas práticas orientadas pela busca de equilíbrio  entre diferentes, i.e., entre não-iguais de fato, mas que se projetam como iguais pelo compromisso que têm com a construção de um mundo comum (2018, p. 30).

Todas e todos estão convidados para esta luta que é nossa!

Notas

1 “Por que as mulheres, brasileiras ou francesas, leem mais que os homens?”. Disponível em: <https://blog-saraiva-com-br.cdn.ampproject.org/v/s/blog.saraiva.com.br/por-que-as-mulheres-brasileirasou-francesas-leem-mais-que-oshomens/amp/?amp_js_v=0.1&usqp=mq331AQGCAEYASgB#origin=https%3A%2F%2Fwww.google.co m.br&prerenderSize=1&visibilityState=prerender&paddingTop=54&p2r=0&horizontalScrolling=0&csi= 1&aoh=15259491313941&viewerUrl=https%3A%2F%2Fwww.google.com.br%2Famp%2Fs%2Fblog.sa raiva.com.br%2Fpor-que-as-mulheres-brasileiras-ou-francesas-leem-mais-que-os homens%2Famp%2F&history=1&storage=1&cid=1&cap=swipe%2CnavigateTo%2Ccid%2Cfragment% 2CreplaceUrl>. Acesso em 16 Maio 2018.

2 “Mulheres vão mais ao médico que homens, mostra IBGE”. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2015/06/02/interna_nacional,653986/mulheres-vao-maisao-medico-que-homens-mostra-ibge.shtml>. Acesso em 16 Maio 2018.

3 “Mulheres estudam mais que homens, segundo IBGE”. Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/noticia.php?it=14482>. Acesso em 16 Maio 2018.

4 “Mulheres são mais religiosas do que os homens, exceto no judaísmo e no islamismo”. Disponível em: https://www.semprefamilia.com.br/mulheres-sao-mais-religiosas-do-que-os-homens-exceto-no-judaismoe-no-islamismo/. Acesso em 16 Maio 2018.

5 Sobre isso ver: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774018-em-dialogos-gravados-juca-falaem-pacto-para-deter-avanco-da-lava-jato.shtml. Acesso em 08 Maio 2018.

Ester Maria Dreher Heuser – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).

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[DR]

 

Temporalidades | Belo Horizonte, v.7, n.1, jan./abr. 2015 / v.10, n.1, jan./abr. 2018.


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  •  STs 16 a 20
  • Comunicações Livres
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Temporalidades. Belo Horizonte, v.7, n.3, set./dez., 2015.

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Temporalidades. Belo Horizonte, v.7, n.2, maio/ago., 2015.

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