A Revolução do Haiti e o Brasil escravista: o que não deve ser dito / Marco Morel

Fruto de mais de quinze anos de pesquisa, o novo livro de Marco Morel busca tratar das repercussões da Revolução do Haiti no Império do Brasil. Com as lentes voltadas aos setores livres, e não aos escravizados da sociedade brasileira, Morel demonstra aos leitores que em pleno Brasil escravista também floresceram visões positivas ou, ao menos, não completamente negativas acerca dos eventos ocorridos na antiga colônia francesa. Para tanto, o historiador postula a existência de um “modelo de repercussões não hostis”, composto de quatro elementos: “soberania nacional”, “soberania popular”, “antirracismo” e “crítica à escravidão”.

O estudo cobre o intervalo de 1791 a 1840, dividido em dois momentos. O primeiro inicia-se em 1791, isto é, com o começo da revolução escrava em Saint-Domingue, e finaliza-se em 1825, ano considerado por Morel como o marco final do processo revolucionário, pois foi quando a França reconheceu a independência do Haiti. Já o segundo percorre o intervalo c.1800-c.1840 e refere-se especificamente à formação e consolidação do Estado nacional brasileiro. No que diz respeito às fontes, o autor valeu-se de uma gama variada: documentação oficial, folhetos, periódicos e livros brasileiros, franceses e haitianos escritos e publicados coetaneamente ao período analisado.

O livro é dividido em três partes bem delimitadas. Na primeira, o historiador traça um balanço dos eventos que tomaram a ilha de São Domingos em 1791, destaca os principais personagens e suas ações, mas igualmente os conflitos internos entre os revolucionários, oferecendo ainda um levantamento resumido das cinco primeiras constituições haitianas (elaboradas entre 1801 e 1816) que, apesar de suas diferenças, tinham em comum o “repúdio à escravidão […] a defesa da propriedade e da agricultura”. O enorme esforço de síntese dessa parte originou-se da preocupação específica em situar o leitor não especializado no tema, fornecendo-lhe as balizas referenciais para a compreensão do restante do livro, onde, efetivamente, cumpre-se o objetivo anunciado da obra.

Na segunda parte, “Entre batinas e revoluções”, Marco Morel apresenta então as reflexões de Raynal, Grégoire e De Pradt, três abades franceses, que viveram a Revolução em seu país e acompanharam cuidadosamente os eventos em São Domingos. Antes mesmo da insurreição dos escravos, Raynal sugeriu que um Spartacus negro poderia levantar-se na massa dos escravizados (Toussaint L’Ouverture, um dos líderes icônicos da Revolução do Haiti, chegou a declarar que era essa personagem). Gregóire, o mais radical entre eles, figura atuante na Revolução Francesa, apoiou abertamente o movimento dos cativos e reconheceu publicamente a independência do Haiti antes mesmo do Estado francês. Para o último, se a escravidão fosse a termo, o processo não deveria ser controlado pelos escravos. As ações que culminaram na criação do Haiti foram vistas por De Pradt como um “não-exemplo”. Não à toa ele foi o mais conhecido entre os historiadores do Brasil oitocentista. Embora houvesse diferenças marcantes entre eles, o que os ligava era tanto a percepção de que a escravidão “caminhava inexoravelmente para a extinção” quanto o fato de participarem “da fundação de linhas interpretativas” sobre a Revolução do Haiti. Suas formulações chegaram aos mais diversos quadrantes, pois “havia um campo político e intelectual com áreas de interseção de ambos os lados do Atlântico”, que contribuiu para que alguns clérigos brasileiros concebessem interpretações sobre os eventos haitianos.

O relacionamento das “experiências históricas tão disparares como a unitária monarquia escravista brasileira e a república construída por ex-escravos” efetiva-se no campo da história das ideias. Ao analisar as manifestações de cinco clérigos brasileiros, elaboradas nas três primeiras décadas dos oitocentos, Morel constatou notável semelhança entre elas e os trabalhos de Grégoire, isto é, havia a condenação da escravidão e o apoio à revolução escrava em curso, na medida em que ela destruía a dominação senhorial. Os religiosos também se posicionavam contra as diferenciações raciais que a instituição originava; no entanto, não se perfilhavam ao abolicionismo ou muito menos à violência da prática revolucionária cativa tal como ocorreu em Saint-Domingue. No “modelo de repercussões”, claro está, esse grupo manifestou a crítica da escravidão e o sentimento antirracista. Entre os casos, vale citar o do monsenhor Miranda, sem dúvida, o mais emblemático. O clérigo manteve correspondências tanto com De Pradt como com Grégoire. Em 1816, Grégoire chegou a enviar a Miranda, por intermédio de Joachim Le Breton, chefe da Missão Artística Francesa, livros de sua autoria que continham claro apoio à Revolução Haitiana e recebeu na França publicações do monsenhor Miranda. Essa troca de cartas, nas palavras de Morel, demonstrava que “os caminhos da Revolução do Haiti no Brasil poderiam ser intermediados, sinuosos e surpreendentes”.

É na terceira parte do livro que o historiador apresenta as demais faces do “modelo de repercussões” dos eventos de Saint-Domingue em terras brasileiras. A Revolução do Haiti, ao conquistar a segunda independência do jugo colonial na América, foi valorizada enquanto exemplo de soberania nacional. Por esta razão, chegou a aparecer como recurso discursivo nas falas dos deputados brasileiros tanto nas Cortes de Lisboa (1821-1822) quanto nas primeiras legislaturas nacionais. Na mesma senda, a experiência da independência haitiana foi louvada nas páginas do Correio Braziliense, da Gazeta do Rio de Janeiro e do Reverbero Constitucional Fluminense, periódicos de orientações políticas diversas. Se a independência era elogiada, consoante ao momento político de separação com Portugal que o Brasil vivia, a abolição da escravidão não recebia a mesma apreciação dos contemporâneos e, na maior parte das vezes, sequer era discutida.

Esse ímpeto coube a uma figura pouco conhecida na historiografia: Emiliano Mundurucu, pardo, republicano, antiescravista e comandante do Batalhão dos Pardos. A ele é atribuída a autoria das quadras cantadas nas ruas de Recife, em 22 de junho de 1824, que evocavam a figura de um heroico Henri Christophe e conclamava a população na defesa da Confederação do Equador e na luta contra o branco opressor. A tentativa de levante, que previa a participação dos setores subalternos não-escravizados, malogrou, mas representou, segundo Morel, uma genuína repercussão do caráter da soberania popular presente entre os rebeldes de São Domingos.

Assim concebido e estruturado, é possível afirmar que o livro foge às linhas gerais da historiografia sobre o tema, que, ao tratar das repercussões do fim da escravidão e da formação do Haiti independente no Império do Brasil, sempre salientou o receio contemporâneo a respeito do haitianismo, isto é, de que uma ação escrava tão intensa quanto aquela ocorrida no Caribe francês se reproduzisse nos trópicos. [2] O trabalho de Marco Morel, portanto, inova e avança consideravelmente na compreensão do objeto, demonstrando a sua complexidade. Assim, “o que não deve ser dito”, subtítulo do livro, é aquilo que foi historicamente silenciado na sociedade brasileira. [3]

No entanto, nesse caso em específico, para que se possa adequadamente compreender o não dito é necessário atentar ao seu inter-relacionamento com as forças políticas, sociais e econômicas que construíram o Estado imperial brasileiro. O enorme esforço em lançar luz sobre as percepções positivas acerca dos eventos haitianos fez com que o autor deixasse na obscuridade as condições materiais mais amplas nas quais essas percepções erigiram-se. O Estado brasileiro formou-se na primeira metade do século XIX em inter-relação estreita com os interesses agrário-escravistas que, notadamente no Centro-Sul do Império, a partir dos complexos cafeicultores com ampla utilização do braço escravo, agigantaram-se em importância justamente devido ao vácuo produtivo aberto no mercado mundial de café na esteira da ação dos escravos de Saint-Domingue. [4] A par dessas condições materiais que ligaram Brasil e Haiti no alvorecer do século XIX, é possível compreender os motivos pelos quais as visões positivas sobre a Revolução Haitiana, mesmo aquelas que evocavam a soberania nacional, terem sido elididas na história e, posteriormente, na historiografia: assimilá-las organicamente poderia implicar na contestação sistêmica ou mesmo na erosão da ordem escravista que começava a se fundar em bases nacionais.

Notas

  1. Veja-se, dentre outros: REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos Malês em 1835. São Paulo: Companhia das Letras, 2003; SOARES, Carlos Eugênio; GOMES, Flávio. Sedições, haitianismo e conexões no Brasil e escravista: outras margens do Atlântico negro. Novos Estudos, n. 63, p.131-144, 2002; MOTA, Carlos Guilherme. Nordeste 1817: estruturas e argumentos. São Paulo: Perspectiva, 1972. O haitianismo também foi utilizado como recurso retórico nos debates travados na imprensa brasileira entre os grupos políticos adversários nos anos da Regência. Cf. EL YOUSSEF, Alain. Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (Rio de Janeiro, 1822-1850). São Paulo: Intermeios, 2016, p.144-150 e p.173-177.
  2. Nesse sentido, valem as reflexões de Michel-Rolph Trouillot, uma inspiração imediata para o livro de Morel: An Unthinkable History: The Haitian Revolution as a Non-event. In: TROUILLOT, Michel-Rolph. Silencing the Past: power and the production of history. Boston: Beacon Press, 1995. p.70-107.
  3. Sobre a mútua formação do Estado nacional brasileiro e da classe senhorial escravista: MATOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema: formação do Estado Imperial. São Paulo: Hucitec, 1987. Sobre as possibilidades abertas no mercado mundial do café em virtude da revolução dos escravos: MARQUESE, Rafael; TOMICH, Dale. O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no século XIX. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (Org.). O Brasil Imperial, v. 2: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p.339-383. Nos anos subsequentes (1823-1839) o volume da produção cafeeira do Brasil era tamanho que foi capaz de criar uma baixa internacional nos preços da rubiácea, popularizando em demasia seu consumo, sobretudo no mercado norte-americano, de longe, o principal comprador do café brasileiro. Cf. PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1781-1846. 2015. Tese (Doutorado em História Social)- Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. p. 323-327.

Bruno da Fonseca Miranda – Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, SP, Brasil. bruno.fonseca.miranda@gmail.com.


MOREL, Marco. A Revolução do Haiti e o Brasil escravista: o que não deve ser dito. Jundiaí: Paco Editorial, 2017.Resenha de: MIRANDA, Bruno da Fonseca. Os ecos elididos da Revolução do Haiti no Brasil. Outros Tempos, São Luís, v.16, n.27, p.358-361, 2019. Acessar publicação original. [IF].

Contraponto. Teresina, v.8, n.2, 2019.

Migração, fronteiras e espaços

Apresentação

  • Apresentação
  • Antônio Alexandre Izídio Cardoso, Márcio Douglas de Carvalho e Silva, Bruno de Souza Silva
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Dossiê

Artigos livres

Trampas do (des)envolvimento  / Escritas / 2019

Trampas do (des)envolvimento  / Escritas / 2019

A articulação entre desenvolvimentismo e sustentabilidade foi apresentada como basilar à transformação das relações desiguais no planeta e se canonizou no documento referencial conhecido como Relatório Bruntdland, de 1974. A fusão dos princípios na prática do desenvolvimento sustentável traria consigo um paradigma que orientaria políticas públicas e consensos internacionais, mediados pelo Organização das Nações Unidas (ESCHENHAGEN, 2015; MACHADO, 2013).

Reconhecera-se a necessidade em refletir acerca dos efeitos do uso inconspícuo e predatório dos recursos naturais, porém, simultaneamente, era reafirmada a premissa de que a prosperidade e a infalibilidade da ciência tornariam possíveis suster os desejos de consumo desta geração e garantir a das próximas. Divulgou-se, ainda, a potencialidade de um efeito derrame, em relação à acumulação material: que as benesses do progresso se espalhariam àqueles que não dispusessem das condições políticas, econômicas e culturais para alcançá-lo. Leia Mais

Sobre a intolerância / Revista Trilhas da História / 2019

Abordar a intolerância, desde uma perspectiva historiográfica, é um grande desafio. E não apenas pelo seu caráter sensível. A negação da alteridade, a recusa em olhar o outro como um igual é fenômeno diverso, complexo e, também por isso, polissêmico em termos conceituais. Além disso, a questão do “outro” é algo de crucial importância para entendermos aspectos enquadrados nas mais diversas escolhas conceituais e cronológicas do campo historiográfico. Afinal, a intolerância é um fenômeno de lastro na experiência da modernidade, uma tradição arraigada nas relações humanas ou um fenômeno ainda mais hodierno?

Como se um eterno retorno daquilo que os humanos estariam fadados a ser, a intolerância pode ser observada em diversas práticas e representações da experiência humana. Contudo, enquanto historiadores e historiadoras, acreditamos que a intolerância não deve ser interpretada apenas a partir do prisma da rejeição como forma inata de (não) sociabilização entre os diferentes ou iguais. Mais que isso, é um fenômeno de implicação social (religiosa, política e econômica) construído em seus determinados tempos e espaços. Seja como forma de negação da razão humana ampliada ao “outro”, ou mesmo como uma estratégia industrial pensada para silenciar e exterminar os indivíduos diferentes e indesejados, a intolerância é um sinal presente nas complexas relações que marcam experiências históricas e expressões do tempo presente.

Desdobramento do Ciclo de Palestras realizado pelo curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Campus Três Lagoas), este dossiê tem como objetivo fomentar a discussão em torno da intolerância na história e apresentar algumas abordagens possíveis.

Em “A história da população negra no Brasil e os Direitos Humanos: Uma conversa necessária em tempos de intolerância”, Delton Aparecido Felipe aborda as lutas históricas dessa população no país. Questão umbilicalmente intrincada na construção de uma identidade nacional, por sua vez exclusivista e excludente por definição, o artigo problematiza questões como direitos, Direitos Humanos e a realidade histórica dos negros, fornecendo também uma grande contribuição para o entendimento da questão Republicana no Brasil.

Em “(In)tolerância e religiões afro-brasileiras: uma análise do jornal O Diário do Norte do Paraná (Maringá-PR, século XXI)”. Vanda Fortuna Serafim e Giovane Marrafon Gonzaga oferecem uma análise que põe luz à questões recentes da intolerância racial e religiosa. A partir dessa análise, compreendemos com mais propriedade o caráter histórico e atual do racismo no Brasil, a sua dimensão religiosa, e também a necessidade de compreender a intolerância como traço constituinte de uma nacionalidade, imaginada para ser excludente.

Wellington do Rosário de Oliveira em “No lodaçal dos vícios: mulheres meretrizes e o discurso jornalístico do Correio do Paraná (1932-1937)” parte também da análise de um periódico paranaense para estudar a prostituição nas ruas de Curitiba, em um contexto de higienização e modernização urbana, na década de 1930.

O dossiê conta também com dois artigos que tratam especialmente da ditadura civil-militar no Brasil. Com enfoques diferenciados, é possível observar a relação complexa entre Estado e Sociedade nas formas de repressão e negação da política como espaço de mediação, diálogo e representação. “A Ditadura Militar no Brasil e a narrativa histórica: Esquadrão da Morte na Comissão da Verdade do Estado de São Paulo”, de Aline de Jesus Nascimento, focaliza a experiência de grupos de extermínio construídos em paralelo às estruturas do estamento ditatorial. Além disso, as complexas questões envolvidas nas relações entre memória e história são levantadas.

Em “Ditadura militar, propaganda e otimismo no Brasil dos anos 1970”, David Antonio de Castro Netto aborda as propagandas como forma de construção de consensos e enquadramentos sociais, observando como a propaganda foi utilizada como forma de desmobilização, assim como estratégia de negação do “outro” para além da violência e do exterminismo.

Trabalhando com um recorte cronológico que reflete o processo de transição democrática no Brasil, o artigo “Lésbicas e o combate às discriminações nas páginas do boletim ChanaComChana” de Paul Silveira-Barbosa e Gabriela Coutinho Sales, traz uma importante análise sobre a lesbofobia, a heteronormatividade, assim como as formas de resistência em um contexto democrático, todavia marcado por formas diversas dos legados autoritários.

A intolerância é, sem dúvida, um elo que une os textos deste dossiê temático, que trata de objetos que são, a princípio, desconexos. Agradecemos às autoras e aos autores, assim como desejamos a todos uma boa leitura!

Seções: Artigos livres, ensaio e resenha

Este número conta ainda com artigos livres, ensaio e fontes. Na primeira modalidade temos o texto Clayton Ferreira e Ferreira Borges “A historiografia francesa do século XIX nas páginas da Revue Historique (1876-1914)” que analisa quantitativamente e qualitativamente a produção historiográfica publicada no periódico francês Revue Historique, no periódico entre os anos de 1876-1914. O debate historiográfico também é abordado por Daniel da Silva Klein em “Tropologia em Hayden White: apontamentos historiográficos”. Onde o autor dialoga com os elementos centrais da tese de Hayden White, pensando sua recepção critica na historiografia e apontando caminhos possíveis para sua superação.

Na sequência o artigo “Os 50 anos da Assembleia de Deus no Brasil em pauta: múltiplos olhares na imprensa sobre as comemorações na cidade do Rio de Janeiro (1961)” de Augusto Diehl Guedes, na perspectiva da história das religiões, desenvolve análise de fontes da grande imprensa e da mídia confessional que cobriram o evento do cinquentenário da Assembleia de Deus no Brasil, em 1961. A imprensa também é a fonte utilizada por Jorge Tibilletti de Lara para discutir “As impressões da primeira grande epidemia de dengue do Brasil entre os jornais O Globo, O Fluminense e Jornal do Brasil (1986)” que aborda os debates em diversos grupos da sociedade, como médicos, sanitaristas, movimento popular e governos acerca da doença que aparece pela primeira vez como epidemia no Brasil.

A seção Artigos Livres traz por fim a contribuição de Carlos Prado para a compreensão de um debate que permeia os movimentos de esquerda desde a segunda década do século XX, sobre o caráter das revoluções em países periféricos, no texto: “A revolução chinesa e o problema das revoluções nos países ditos coloniais ou semicoloniais (1924-1927)”.

O texto da graduanda da Universidade Estadual de Maringá, Giovana Eloá Mantovani Mulza, na seção “Ensaio de graduação”, se soma ao debate da intolerância na História, foco do dossiê apresentado acima. Em “De la Demonomanie des Sorciers: a caça às bruxas na concepção de Jean Bodin” a autora discute a intolerância religiosa na França do século XVI, a partir da obra De la Demonomanie des Sorciers de Jean Bodin surgida em 1580.

Na mesma seara das intolerâncias a seção “Fontes” apresenta entrevista “Sobre a alteridade, a intolerância e a história: uma entrevista com Karl Schurster” realizada pelos organizadores do dossiê Rafael Athaides e Odilon Caldeira Neto. Por fim, esta seção traz a contribuição da graduanda na UFMS / CPTL, Núbia Sotini Santos, intitulada “Operários itinerantes: algumas considerações sobre as fichas funcionais da Noroeste do Brasil” que apresenta fontes de pesquisa sob a guarda do Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.

Odilon Caldeira Neto – Professor Doutor. Universidade Federal de Santa Maria

Rafael Athaides – Professor Doutor. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Santa Maria- RS e Três Lagoas-MS, junho de 2019


CALDEIRA NETO, Odilon; ATHAIDES, Rafael. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.8, n.16, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR]

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História e Ficção | Em Perspectiva | 2019

Neste número, investigaremos as tramas a envolver ciência e ficção, história e narrativa. O fazer historiográfico passa pela arte do dizer, do criar o passado por meio das palavras, essas, criaturas e criadoras de realidades. Transformar a experiência humana do tempo em narrativa é envolvê-la em um fluxo difuso, isto é, dar vida a personagens, paisagens e cenários de um tempo que se reinscreve em tantos outros. Para além de um exercício estético, conceito por vezes mal compreendido, a relação entre história e ficção permite ao historiador um exame do seu próprio fazer, dos limites e alguns dos alcances que é dizer o tempo.

A narrativa não se reduz aos desdobramentos originários da divisão esquemática entre forma e conteúdo, texto e contexto ou escrito e oral, torna-se válido trabalhar a ficção como parte fundamental das práticas sociais historicamente localizadas. Torna-se legítimo, também, compreender a escrita da história como narrativa articulada em interação com outras disputas pelo sentido do tempo, em dimensões variadas e, por isso, não resumíveis ao ato de pensar em termos de divisões entre passado, presente e futuro. Torna-se legítimo, ainda, pensar numa história da narrativa levando-se em conta a narrativa da história como conhecimento que tem características próprias e cambiantes. Leia Mais

Ensino de História e História Pública / História Hoje / 2019

Ensino de História e História Pública: um começo de conversa

Na última década, o debate em torno da história pública tem se estabelecido pelo mundo por caminhos diversos, articulados a uma crescente produção brasileira. Ainda que o desenvolvimento da ideia de história pública tenha se iniciado em meados da década de 1970, especialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, somente a partir do século XXI contornos mais precisos vêm sendo estabelecidos nas discussões, o que levou grupos interessados na temática a se organizarem de diferentes formas – como exemplificam a criação da International Federation for Public History (2012) e da Rede Brasileira de História Pública (2013).

Assim como tem ocorrido em âmbito internacional, a história pública no Brasil tem encontrado nas universidades seu principal espaço catalisador, especialmente por viabilizar encontros para debate sobre as ações em diversos campos da sociedade e por estimular publicações. Mas, embora pareça paradoxal o fato de o espaço acadêmico ser o núcleo central de promoção dessa discussão, não vemos dessa maneira. Afinal, se uma das balizas da história pública é a valorização da produção do conhecimento histórico, para além da realizada pelos historiadores de ofício, fomentar esses debates é uma forma de a Universidade exercer seu papel sociocultural: promover e estimular reflexões sobre procedimentos metodológicos, conceitos e concepções teóricas relacionadas à pesquisa e à elaboração do saber; encontrar formas de colocar o conhecimento produzido em diálogo com as demandas e as possibilidades de existência na sociedade. Leia Mais

História e Sociedade: o ensino de História a partir de diferentes dinâmicas sociais / História Hoje / 2019

Este Dossiê tem como objetivo apresentar discussões e reflexões sobre o ensino de História a partir dos diferentes sujeitos sociais que dela participam, direta ou indiretamente. Trata-se de incorporar ao trabalho de reflexão sobre a formação de docentes e a realidade do ensino de História, particularmente daquele que se desenvolve no âmbito da escola, as experiências dos jovens educandos como sujeitos ativos e não apenas tidos como participantes do processo educativo. Nesse sentido, o esforço deste Dossiê é ampliar o debate em torno dos sentidos atribuídos pelos jovens ao saber ensinado e à maneira como instrumentalizam esses saberes dentro e fora do contexto escolar. Ao mesmo tempo, dirigimos nosso olhar para a análise dos valores e práticas sociais que se busca produzir a partir do ensino de História no espaço escolar, estejam eles presentes nas orientações curriculares, nos livros didáticos, nas práticas docentes ou mesmo nas metodologias de ensino. Leia Mais

Ars Historica. Rio de Janeiro, v.19, n.1, 2019.

Dossiê História do Trabalho e dos trabalhadores: dimensões políticas, econômicas e sociais

Revista de História do corpo discente do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ

Apresentação

Artigos de Dossiê

Artigos Livres

Resenhas

Entre a espada, a cruz e a enxada: a Colônia Militar de Caseros no norte do Rio Grande do Sul (1858-1878) | J. C. Tedesco e A. A. Vanin

Na obra Entre a espada, a cruz e a enxada: a Colônia Militar de Caseros no norte do Rio Grande do Sul (1858-1878), João Carlos Tedesco e Alex Vanin remontam, a partir de leves vestígios, a curta existência da Colônia Militar de Caseros, situada, em parte, no atual município de Lagoa Vermelha, e no município de Caseros – que leva ainda o nome do núcleo colonial e militar –, no estado do Rio Grande do Sul.

Trata-se de um estudo inédito sobre o tema, minucioso e detalhado, pautado em documentação primária, que busca localizar e situar a Colônia Militar de Caseros na formação histórica da região, articulando a presença indígena à formação de uma colônia. Nota-se que há um silenciamento sobre essa experiência, tanto na historiografia quanto na memória regional, entretanto, nas recentes disputas pela posse da terra envolvendo diferentes sujeitos, há indícios de ocupação remota, que remontam ao período da Colônia Militar, embora descontextualizados e jogando a favor de interesses específicos. Leia Mais

Contraponto. Teresina, v.8, n.1, 2019.

O teatro e o popular

Apresentação

Dossiê

Artigos livres

Maiêutica – História. Indaial, v.7, n.1, 2019.

  • Esta revista apresenta os principais artigos aprovados para as diferentes linhas de pesquisa na área de história. São trabalhos provenientes da JOIA – Seminário de Iniciação Científica e também da comunidade externa.

Artigos

  • Maiêutica – História
  • PDF
  • Graciela Márcia Fochi
  • MUSEALIZAÇÃO COMO GENESE DA COMPOSIÇÃO DE NARRATIVAS: A HISTÓRIAS DAS MULHERES NO MUSEU JÚLIO DE CASTILHOS (POA, RS, 1995-2010) Musealization as narrative composition genesis: women stories in Júlio de Castilhos Museum (POA, RS, 1995-2010)
  • Andréa Reis da Silveira ………………………………………………………………………………………………. 7
  • ELEMENTOS DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL PRESENTES NA CAPELA NOSSA SENHORA PERPÉTUO SOCORRO DE INDAIAL – SC Elements of historical and cultural heritage presents in the Capela Nossa Perpétuo Socorro de Indaial – SC.
  • Gabriela Martins
  • Graciela Marcia Fochi……………………………………………………………………………………………….. 15
  • JORNAIS E REVISTAS COMO FONTES HISTÓRICAS Newspapers and magazines as historical sources
  • Filipe Furtado
  • Gislaine Terezinha Martins Duarte
  • Patrícia Ertle Soares
  • Gilmar Moraes…………………………………………………………………………………………………………. 23
  • O PROCESSO DE ACULTURAÇÃO DOS AFRO-BRASILEIROS EM SANTA CATARINA NOS SÉCULOS XVIII E XIX REPRESENTADO ATRAVÉS DO USO DE IMAGENS The process of acculturation of Afro-Brazilians in Santa Catarina in the eighteenth and nineteenth centuries represented through the use of images
  • Cristiane de Fatima Giaretta
  • Roberto Carlos Rodrigues………………………………………………………………………………………….. 31
  • NADA NO BOLSO E A BARRIGA VAZIA Broken and Starving
  • Marcelo Silveira……………………………………………………………………………………………………….. 47

Merecer la ciudad. Los pobres y el derecho al espacio urbano – OZLAK (EURE)

OZLAK, Oscar. Merecer la ciudad. Los pobres y el derecho al espacio urbano. Buenos Aires: Eduntraf, Editorial de la Universidad Nacional de Tres de Febrero, 2017. 391 pp. Resenha de DELGADILLO, Victor. La ciudad no espara culaquiera. EURE (Santiago) v.45 n.135 Santiago  2019.

Veinte y seis años después de su primera edición (1991), reaparece Merecer la ciudad, un libro que debería formar parte del currículo y de la biblioteca básica de las licenciaturas y posgrados en estudios urbanos en América Latina. Era una obra prácticamente inconseguible, que en partes circulaba de manera clandestina en pdf y en fotocopias. En ella, como reconoce el propio autor en esta nueva edición, el tiempo transcurrido desde su publicación no ha hecho mella. El origen de la investigación académica que le sirve de sustento, concluida en 1981, fue el deseo de consignar y dejar un testimonio doloroso, pero muy lúcido y rigurosamente académico, del impacto de las políticas públicas impulsadas por la última dictadura militar en Argentina (1976-1983), particularmente sobre la redistribución espacial de los sectores populares en Buenos Aires. Momentos aciagos en que los derechos ciudadanos fueron confiscados y las instituciones democráticas se vieron arrasadas.

En el prólogo a esta segunda edición, Ozlak explica por qué rehusó reeditar su obra las varias veces en que se lo propusieron: no solo quería actualizarla (con fuentes que en su momento no estaban disponibles o eran inaccesibles), sino que deseaba investigar la evolución de los casos estudiados con el retorno de la democracia, indagar si se resolvieron, reaparecieron o agravaron los problemas investigados. El resultado de esta actualización son dos libros, este que reseñamos, en el cual se actualizan datos que le ayudan al autor a mesurar o reforzar sus observaciones; y otro de próxima aparición, con los desenlaces y dilemas de los casos tratados desde el retorno de la democracia en 1983.

Merecer la ciudad analiza cuatro temas: el descongelamiento de alquileres y un nuevo código de edificación que generó un incremento de los precios del suelo y restringió el mercado de vivienda a los sectores de altos ingresos; la erradicación de los asentamientos informales precarios (villas de emergencia) y la expulsión forzada de los villeros; la construcción de autopistas de peaje con expropiación de inmuebles; y la relocalización de las industrias.

Quienes citan con interés y gusto a David Harvey, Neil Smith o Neil Brenner (republicados por las editoriales locales y transnacionales y por diversos medios electrónicos) se sorprenderán al encontrar que en este libro, escrito en 1981 y publicado por primera vez en 1991, Ozlak ya hablaba de una política urbana “revanchista”, del “blanqueamiento” de la ciudad, del desplazamiento (in)indirecto y con uso de la fuerza de miles de pobres (nacionales y extranjeros) considerados indignos de residir en Buenos Aires, para destinar esos espacios reconquistados a consumidores “dignos” de la ciudad; es decir, población de mayores ingresos (lo que ahora se llama gentrificación). Además, en este bellísimo libro, Ozlak describe de manera muy simple y clara eso que ahora llamamos “el derecho a la ciudad”.

El derecho al espacio urbano

Para Ozlak, el derecho al espacio urbano consiste en la capacidad de la gente para fijar un lugar donde residir o donde realizar una actividad económica dentro del espacio urbano (derecho de uso), así como participar en la decisión sobre el presente y el futuro de ese espacio, y su derecho a hacerlo. Tal derecho nada tiene que ver con ser propietario o no de ese lugar; también incluye a grupos de población que ocupan el espacio de manera informal, pero se encuentran tolerados o amparados por el Estado.

El espacio urbano es diverso en su accesibilidad y en la calidad de los diferentes servicios urbanos y equipamientos colectivos que alberga, así como en sus condiciones de transporte, fuentes de empleo, opciones de educación y salud. Tales características influyen en la ubicación de la vivienda y las actividades económicas. Para Ozlak, el derecho al espacio urbano es el derecho al uso y goce de las diversas oportunidades económicas y sociales, y bienes desigualmente ubicados, que están asociados al lugar de residencia o a aquel donde se efectúan las actividades económicas. Perder tal derecho implica el desarraigo físico, la desaparición de oportunidades y el deterioro en las condiciones de la vida material de la gente.

Una ciudad para quien la merece

Tal vez la política urbana más brutal de la dictadura militar (1976-1983), de las analizadas por Ozlak, es el desmantela- miento de los asentamientos precarios de los pobres y la erradicación de miles de personas de bajos ingresos. Los casi ocho años de gobierno militar implicaron una profunda reconstitución de la estructura social y urbana de Buenos Aires capital federal, y la “restauración” de un orden imaginado por los militares y las elites socioeconómicas en el poder. Ozlak cita textualmente (p. 109) el discurso de la autoridad militar local, según el cual “Vivir en Buenos Aires no es para cualquiera, sino para el que lo merezca”. La justificación era doble: por un lado, el objetivo de preservar la salud y la belleza de la ciudad; y por otro, los estigmas sobre la población que vivía en las villas y que “no requería” la asistencia del Estado: delincuentes, mafiosos y extranjeros que poseían autos, comercios, terrenos y casas; gente que no pagaba impuestos por servicios urbanos y que vivía sin moral alguna.

Para Ozlak, la villa miseria o de emergencia constituye, en la mayoría de los casos, una “estación de paso” en la carrera por la vivienda para los migrantes del campo, que buscan en la ciudad una oportunidad de ascenso social y económico. Sin embargo, para algunos otros también es la “última estación”, donde han caído los que perdieron toda esperanza de integrarse al medio urbano. En Buenos Aires esta forma de asentamiento prosperó a partir de 1940 y en el transcurso del tiempo tuvo diferentes respuestas por parte de los gobiernos locales: tolerancia, asistencialismo, diálogo, mejoramiento, reubicación en otras alternativas habitacionales, erradicación puntual. El golpe militar de 1966 lanzó (sin éxito) un plan de erradicación de las villas de emergencia de la Capital (20.000 familias) y de la zona metropolitana o Gran Buenos Aires (70.000 familias), por considerarlas una “aberración urbana”.

Con este antecedente, la última dictadura militar (1976-1983) emprendió la erradicación de las villas miseria, llegando a deportar en trenes especiales a sus países de origen a contingentes de bolivianos y paraguayos que allí residían (en el mejor estilo neonazi). Curiosamente, la erradicación fue implementada por la Comisión Municipal de Vivienda (un organismo que debería fomentar y no destruir las soluciones habitacionales). Los desalojos se realizaron en tres fases. Todos los pasos y procedimientos tenían las características de un operativo militar. En la primera etapa se realizaba un diagnóstico físico y social, y se entregaba a los residentes un Certificado de Asentamiento Precario. En la segunda fase se demolían de inmediato casas abandonadas y se impedía la construcción de nuevas; se exigía el pago por la reparación de instalaciones eléctricas; se introdujo en cada villa un Departamento de vigilancia interna que “motivaba” a la población a encontrar una solución habitacional (compra de terreno, vuelta a su país de origen). Para quienes, después de esas fases de amedrentamiento, no se habían ido, venía la fase de erradicación propiamente tal, que incluía “apoyo” para traslado a un terreno propio, retorno a su país y, en pocos casos, apoyos crediticios. En un comienzo la erradicación se concentró en la zona norte, cerca del estadio donde se celebró la Copa del Mundo de 1978, donde residen las clases medias y altas. Según Ozlak, en 1976 se estimaba que había 224.335 personas habitantes en villas de emergencia, pero para 1980 quedaban 40.533. Así, en cuatro años, poco más de 180.000 personas habían sido erradicadas.

Transformaciones en el mercado de vivienda urbana

En 1976, la Junta Militar sancionó, con una celeridad inusual, la ley 21342, que estableció el gradual descongelamiento de los alquileres de vivienda. Una medida pública originada en 1943 —como en otras ciudades latinoamericanas—, que en la segunda posguerra mundial procuraba redistribuir los ingresos a favor del sector de inquilinos. Con el descongelamiento de alquileres, cerca de medio millón de personas (458.103) perdió definitivamente el privilegio que tuvo durante 36 años; de ellas, 186.571 (el 40,7%) se encontraban en la capital. En ese momento, la brecha entre los alquileres libres y los congelados se había ensanchado enormemente.

Para Ozlak, la hora de la “revancha” había llegado para una burguesía y un gobierno militar que argumentaban que apenas el 1,42% de la población en régimen de alquiler congelado era jubilada. Así, sostenían, el problema podría resolverse por la gente misma, pues tuvo décadas para ahorrar y conseguir una mejor vivienda. Según Ozlak, entre 1977 y 1978 se iniciaron 46.339 juicios de desalojo en escala metropolitana. Sin embargo, se lamenta el autor, a pesar de la dimensión de la tragedia no hubo un cataclismo social, ni se registraron disturbios o manifestaciones. En el contexto de la Copa del Mundo de 1978, la ciudad asistió insensible a un drama que no trascendió más allá del ámbito de las familias afectadas.

Una misión redentora

En todos los casos que analiza el autor, se trata de políticas públicas que plantean restricciones reales y potenciales a la radicación urbana de diferentes segmentos de clases populares, que siempre han constituido una amenaza latente para las elites y los grupos en el poder. Todas ellas produjeron, en mayor y menor medida, el desplazamiento de la población de menos ingresos desde el centro hacia la periferia de la metrópoli, donde debió encontrar una solución habitacional y de servicios en las crecientes zonas marginales. Las políticas de los militares tenían un tono “reparador” frente a situaciones que consideraban injustas, antiestéticas y abusivas. Así, se eliminaron los privilegios de las leyes de inquilinato y se restauraron las leyes del mercado de alquiler; se expulsó de la ciudad a los pobres; se construyeron las carreteras que “exigía” una ciudad moderna; y en general se pretendió generar condiciones de calidad de vida acorde a la “jerarquía” de Buenos Aires. Este nuevo orden urbano se basó en tres principios:

  • Restauración del libre mercado para maximizar el interés individual y, a través de él, el interés colectivo; (supuestamente) proveer —según la ley de la oferta y la demanda— las viviendas necesitadas por los desprotegidos a menores precios; y fomentar el esfuerzo propio de cada persona para acceder a una vivienda.
  • Establecimiento del carácter subsidiario del papel del Estado. Este, que era visto como un mal administrador e incapaz de resolver el déficit de vivienda, debía otorgar incentivos para el libre mercado que indujeran a maximizar el interés individual.
  • Desactivación de la acción colectiva, según el principio de que el individuo es el único legítimo defensor de sus intereses.

Los golpistas justificaban sus políticas: en el pasado se hablaba de erradicar las villas de emergencia y las leyes de alquileres se prorrogaban sin que nadie tuviera el valor de tomar una decisión definitiva. Así, la acción estatal, bajo la dictadura militar, se convirtió en una empresa redentora que merecía una gratitud eterna: el gobierno militar hizo lo que otros gobiernos querían, pero no se atrevieron a hacer.

Colofón

Este bellísimo y brutal libro tiene una profunda actualidad, pese a los 37 años de su primera versión mecanografiada y 27 años de su primera publicación. Diversas políticas urbanas en muchas ciudades latinoamericanas, indistintamente de la orientación política de los gobiernos en turno, continúan desplazando a los sectores populares a las periferias distantes, y embelleciendo y mejorando selectas áreas urbanas centrales a través de políticas de espacio público, ciclovías, “recuperación” del patrimonio, etcétera. Los códigos y las normas urbanas, como en la Buenos Aires retratada por Ozlak, favorecen la promoción de un mercado inmobiliario de vivienda, comercios y servicios cada vez más caros, dirigidos a clientes con capacidad adquisitiva. Todo ello termina por dejar en evidencia que el actual proyecto de las elites se basa en el principio de que la ciudad latinoamericana no es para cualquiera.

Víctor Delgadillo – Universidad Autónoma de la Ciudad de México, Ciudad de México, México. E-mail: victor.delgadillo@uacm.edu.mx.

[Relatos de uma] ciudad trizada Santiago de Chile MÁRQUEZ (EURE)

MÁRQUEZ, Francisca. [Relatos de uma] ciudad trizada Santiago de Chile. Santiago: Ocho Libros, 2017. 255 pp. Resenha de IMILAN, Walter. [Relatos de uma]ciudad trizada Santiago de Chile. EURE (Santiago) v.45 n.134 Santiago ene. 2019.

[Relatos de una] ciudad trizada es un intento de conceptualizar los modos de habitar en Santiago de Chile que recoge más de dos décadas de investigación de su autora, Francisca Márquez, una voz reconocida de la antropología urbana en Chile. La obra es la síntesis de un programa de investigación que plantea una lectura para comprender cómo los habitantes de Santiago se relacionan con sus barrios y con la ciudad. El texto toma la forma de una memoria personal, que en ocasiones se acerca al estilo de un cuaderno de campo etnográfico, mientras que en otras asume el carácter de un análisis arquitectónico y urbanístico. Tales aproximaciones se combinan para dar forma a un ensayo sólido que discute diferentes aristas conceptuales de la vida urbana y de los procesos de construcción de identidad, junto con entregar antecedentes de más de una decena de barrios de Santiago, con énfasis en los proyectos urbanos que les dan vida y sus transformaciones producto de las formas de vida que los ocupan. No obstante, el objetivo del libro es más ambicioso que proveer un conjunto de análisis de cada caso abordado. Se propone construir, tal como su título indica, un “relato” de la ciudad de Santiago, reconociendo la multiplicidad que en ella se da, pero dando cuenta a la vez de su articulación en una suerte de “espíritu del lugar”, que contribuye a la construcción de un imaginario urbano. En efecto, el libro es una obra original en el contexto local, al integrar diferentes fuentes para la construcción de un relato que pone en el centro las percepciones y significaciones de los habitantes, pero, por sobre todo, sus afectos y emociones. Se puede decir que el propósito del libro es develar los afectos que vinculan a los habitantes entre sí y con la ciudad.

Los barrios de Santiago son el principal objeto de estudio de esta obra, que integra sus elementos físicos –a veces acompañados en su descripción por sugerentes croquis de Rodolfo Arriagada– y los discursos e historias que les dan existencia material, imbricados con descripciones que hablan de las formas en que sus habitantes se relacionan. En esta combinación, el libro se puede leer como uno de historia urbana, gracias a antecedentes novedosos en la concepción de determinados barrios; y a la vez como de antropología, en cuanto se vuelca a la pregunta respecto de cómo los habitantes se relacionan entre sí y con la materialidad y espacialidad de sus barrios.

La hipótesis que sostiene el relato de la ciudad se devela en las primeras páginas de la obra. La autora nos invita a mirar la ciudad de Santiago desde su propia experiencia: recoge en la introducción el descubrimiento, en su plena infancia, de la ciudad como espacio vivido y soñado el día mismo del bombardeo al Palacio de La Moneda el 11 de septiembre de 1973. De ese día, la autora comparte su observación de las columnas de humo que se levantan en el horizonte, imagen vicaria de una ciudad/sociedad que ha quebrado la posibilidad de construir un proyecto colectivo. Es el momento en que se triza la ciudad, se triza su comunidad. En el relato del libro, en los años posteriores al quiebre institucional, cada barrio y sus habitantes serán expresión y cuerpo de un creciente proceso de individuación cuyo correlato en la vida urbana se traduce en fragmentación, desolación, sumisión, temor, desarraigo, agobio, malestar, entre otras afectos y sentimientos de una ciudad que no logra restablecer un sentido colectivo. Esta es la base desde la cual la autora despliega una historia cultural de la ciudad de Santiago, propósito escasamente desarrollado hasta ahora para el caso de Santiago. Excepción a ello es La muralla enterrada (2001), ensayo del escritor Carlos Franz sobre la construcción literaria de Santiago, en cual –coincidentemente con Márquez– describe una ciudad segregada y fragmentada, compuesta por conjuntos de habitantes que temen el encuentro con el otro. La diferencia entre ambos es que Franz, basado en numerosas obras literarias que transcurren en Santiago, plantea la trizadura de la ciudad desde principios del siglo xx como ethos de la ciudad de Santiago, mientras que Márquez, si bien lo reconoce, se basa en una investigación empírica cualitativa para dar un mayor énfasis a los efectos de la dictadura militar.

El libro está organizado a partir de cinco partes: Imaginarios, Identidades, Fronteras, Distinción y Márgenes. En la primera se plantea la importancia de los imaginarios como estrategias para organizar al interior de la ciudad lo similar entre sí, la diferencia, la desigualdad y alteridad. Los imaginarios, siempre en disputa, en el caso de Santiago habrían demarcado a través de la historia procesos de segregación y exclusión, expresados por la clásica distinción de Vicuña Mackenna en el advenimiento de la ciudad moderna santiaguina entre ciudad letrada e iletrada, así como la ciudad vivida por los habitantes y la ideal trazada por los planificadores del siglo xx.

En la sección de Identidades se parte de la premisa según la cual la ciudad es un espacio de búsqueda permanente por reconstruir identidades, cuya base se ha visto cercenada por la experiencia del migrante rural en la urbe y que ha implicado una destrucción de la comunidad de origen. Esta distinción hace referencia a la tradición de sociedad versus comunidad trabajada tempranamente por la sociología urbana. En este contexto de desarraigo, la autora plantea que el barrio surge como el espacio central para la recomposición de las identidades colectivas, como oportunidad para reconfigurar las relaciones cara a cara y cotidianas que se han dejado atrás.

En la sección de Fronteras se aborda en específico la historia de La Chimba, como un barrio que ha acompañado buena parte de la historia urbana de Santiago en cuanto territorio “otro” que no se deja reducir a las categorías modernizadoras de la ciudad. La Chimba aparece como un espacio liminal, en transición, de acogida y expulsión, auto-gobernado y rebelde a las acciones racionalizadoras de la planificación urbana.

En la sección Distinción se recorre la historia de una decena de barrios, tales como Jardín del Este, Población San Gregorio, Torres de Tajamar, Villa Portales, entre otros, para dar cuenta de la forma en que cada uno de ellos expresó específicos proyectos político-urbanos. No obstante, más allá de la revisión histórica, es la experiencia actual de sus habitantes la que toma el centro de esta sección. En términos generales, se trata de experiencias que en la actualidad se encuentran lejos de los principios emancipatorios o de encuentro que original-mente los animaron.

En la sección Márgenes se abordan barrios de producción social del hábitat. Las historias de la población San Gregorio, del campamento El Resbalón y de Villa La Reina retratan el tesón colectivo por construir un hábitat digno, protagonizado por sus propios habitantes. El relato sobre estos espacios emblemáticos en la historia de las luchas por la vivienda de la segunda mitad del siglo xx va desde la organización colectiva al individualismo, desde el acompañamiento de diversas políticas públicas que vieron en estos esfuerzos un proceso ciudadano positivo para el país, al abandono y olvido actual.

Estas dos últimas secciones se desarrollan a través de breves y ágiles narraciones, las que permiten construir una compleja imagen de conjunto de la ciudad y dan vida a la parte más rica en términos empíricos y de análisis del libro. En ellas se propone leer lo metropolitano desde lo barrial (García Canclini, 2005). Siguiendo la estrategia predominante en la antropología urbana latinoamericana, Márquez aborda su desafío desde las microhistorias de los habitantes barriales, y de las relaciones que se construyen entre vecinos y las formas físicoespaciales –insertos en los discursos de la planificación ya sea formal o de producción social del hábitat– que dan vida a la arquitectura y urbanismo de los territorios de residencia. La base empírica de esta sección proviene de diferentes proyectos de investigación que la autora ha desarrollado en el transcurso de casi dos décadas.

El soporte teórico del libro remite a las corrientes de la antropología simbólica e interpretativa, así como de análisis de historia y teoría de la arquitectura y urbanismo. De estas fuentes, la ciudad es vista como un conjunto de discursos que se imbrican entre sí. Inspirado en la distinción trialéctica lefebvriana, el libro conjura discursos provenientes de los planificadores, de los habitantes y de sus disputas. Casi en todos los casos abordados en el libro, se trata de barrios construidos por un discurso moderno emancipatorio, con trazas reconocibles ya sea de los movimientos moderno de arquitectura, o de discursos políticorevolucionarios del siglo xx. Se trata de proyectos de ciudad que buscan, al menos en su formulación discursiva, la igualdad, la dignidad y la reivindicación. Por otra parte, se encuentran los habitantes cuyos relatos describen un repliegue desde la calle –de lo público y de la vecindad–, para recluirse en sus viviendas, en el imperio del espacio privado.

La última sección del libro, Epílogo, retorna sobre el quiebre entre esos relatos, quiebre que representa la trizadura del barrio y, en consecuencia, la imposibilidad de reconstrucción de las identidades colectivas en la ciudad.

Visto así, el libro logra su objetivo de explorar en relatos que permitan comprender la segregación, individuación y exclusión entre los habitantes. El resultado de todas estas narraciones se deja describir como desolación y desigualdad, como un malestar permanente en el ser habitante de Santiago.

El relato que nos propone Francisca Márquez para la ciudad de Santiago es, sin duda, uno de un proyecto fallido permanentemente. No obstante, se podría plantear que en la actualidad se desarrollan nuevas formas de asociatividad y resistencias cada vez más complejas. Es posible que en estas nuevas configuraciones el barrio pierda fuerza como unidad de sentido, mientras que surgen otras –especialmente lideradas por las generaciones jóvenes–, cuyas bases de vinculación se sostienen en nuevas territorialidades convocadas a través de redes sociales y comunidades de intereses especiales. Esto requiere de nuevas investigaciones empíricas que excede la empresa de esta obra.

Lo cierto es que el libro [Relatos de una] ciudad trizada está llamado a transformarse en un clásico de los estudios urbanos en Chile y de la reflexión cultural urbana en el ámbito latinoamericano. Y ello no solo por sus atractivas narraciones barriales o su debate teórico para definir lo urbano, sino también porque, hasta ahora, es de las pocas obras que se aventuran a construir una historia compleja de la ciudad de Santiago desde una mirada interdisciplinaria y con énfasis en las trayectorias de sus habitantes, entregando claves de interpretación para ser discutidas.

Referências

García Canclini, N. (coord.). (2005). La antropología urbana en México. México, d.f.: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, Universidad Autónoma Metropolitana, Fondo de Cultura Económica. [ Links ]

Franz, C. (2001). La muralla enterrada. Bogotá: Planeta. [ Links ]

Walter A. Imilan – Universidad Central de Chile, Santiago, Chile. E-mail: walter.imilan@ucentral.clç.

Habitus. Goiânia, v.17, n.1, 2019.

Editorial

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  • Sibeli Aparecida Viana, Marlene C. Ossami de Moura
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Um mundo sem judeus: da perseguição ao genocídio, a visão do imaginário nazista | Alon Confino

No presente livro, Alon Confino, professor em Universidades nos Estados Unidos e em Israel, apresenta uma interpretação do nazismo e do genocídio judeu baseada, essencialmente, na perspectiva da história cultural e intelectual. O livro se insere, assim, numa tendência historiográfica que busca dar sentido ao Holocausto a partir de uma visão antropológica, que visa entender os sentimentos, as perspectivas e a imaginação que conduziram à formatação de uma política de Estado genocida.

O esforço do autor, nesse sentido, não é o de reconstruir o que aconteceu, mas o que os nazistas pensavam estar acontecendo e que justificava suas ações e atitudes. Ele se propõe, assim, a entrar na mente nazista e investigar de que forma os alemães imaginavam um mundo sem judeus e porque isso seria positivo para a Alemanha e para o mundo. Leia Mais

Filosofia e Ensino | CEFET-RJ | 2019

Revista Estudos de Filosofia e Ensino

Estudos de Filosofia e Ensino (Rio de Janeiro, 2020) tem como escopo principal a divulgação de produções científico-filosóficas realizadas por estudantes de cursos de bacharelados e licenciaturas em Filosofia, professores e pesquisadores de Filosofia dos vários âmbitos de Ensino, que se lançam ao desafio de pensar o Filosofar, seu ensino e seu aprendizado.

A Revista propõe-se à divugação de produções intelectuais filosóficas que abordem questões filosóficas acerca de seu ensino e de sua aprendizagem em diversas perspectivas teórico-práticas.

Periodicidade semestral.

Público alvo: professores, estudantes e pesquisadores da área de filosofia, prioritariamente comprometidos com a pesquisa, o ensino e o aprendizado de Filosofia.

Filiação/vinculação: A Revista Estudos de Filosofia e Ensino possui vínculo com o Programa de Pós-Graduação em Filosofia e Ensino, pertencente à Diretoria de Pesquisa e Pós-Graduação do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – CEFET-RJ.

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Melchor Macanaz. La derrota de un “héroe” – IZQUIERDO (Tempo)

PRECIOSO IZQUIERDO, Francisco. Melchor Macanaz. La derrota de un “héroe”. Poder político y movilidad familiar en la España Moderna. Madrid: Cátedra, 2017. 439 p.p. Resenha de: CRUZ, Miguel Dantas. A primeira experiência com o Absolutismo na Espanha. Tempo, v.25 n.1 Niterói, jan./abr. 2019.

É difícil, senão mesmo impossível, escrever sobre a história política da Espanha do século XVIII sem falar de Melchor Rafael de Macanaz. Trata-se de um personagem de importância decisiva para compreender as primeiras reformas dos Bourbon no país ibérico e cujo trajeto tem retomado um lugar central na agenda historiográfica espanhola. Por essa razão, o estudo de Francisco Precioso Izquierdo dá assim sequência a um conjunto de trabalhos centrados no famoso fiscal geral do Conselho de Castela, expondo o significado político, intelectual, jurídico e reformista de Macanaz. Atitude corajosa e digna de registro do jovem investigador que não se amedrontou com a tarefa de revisitar uma figura cujo protagonismo histórico, esquadrinhado ao pormenor, é bem conhecido do público académico. Francisco Precioso não pôs o pé em ramo verde. Com origem na sua tese de doutoramento, Melchor Macanaz : La derrota de un “héroe” é estudo minucioso e bem suportado. Francisco Precioso socorre-se de fontes que permaneciam grandemente esquecidas para preencher as lacunas na vida do importante ministro de Felipe V. Outros materiais igualmente originais, consultados por ele em mais de duas dezenas de arquivos, serviram para apontar uma nova luz aos momentos-chave do ciclo político de Macanaz.

Honesto, mas ambicioso e imaginativo, o estudo recorre a metodologias que não costumamos ver juntas numa mesma obra, como são os casos da análise lexicográfica e da prosopografia. O autor é também cuidadoso no tratamento da bibliografia, com a qual dialoga permanentemente. Apesar do que se faz notar no proémio, a obra não corresponde exatamente a uma biografia – e aqui haverá uma ligeira tensão entre o que se anuncia e o que se realiza. Melchor Macanaz é a figura central, mas não é a única. Ao invés, o autor resgata o percurso da família Macanaz na longa duração. Sem dúvida, uma solução muito mais pertinente para a grande problemática do estudo: a mobilidade social da “gente média” na Espanha moderna.

O enfoque na trajetória da família e na relação de várias gerações da família com o poder político é bem visível na organização dos conteúdos. De resto, o autor começa por seguir a consolidação gradual dos Macanaz na vila murciana de Hellín ainda durante as décadas iniciais do século XVII. Ligados à administração local, os Macanaz estavam, contudo, muito longe ser um verdadeiro potentado. Outras famílias mais acaudaladas desempenhavam esse papel. Francisco Precioso não fica porém completamente refém dos Macanaz. A busca das origens desta família é uma oportunidade para se visitar e discutir tópicos tradicionais da historiografia dedicada ao estudo dos modelos de reprodução social no Antigo Regime, o que o autor faz com maestria, ou não tivesse sido orientado pelos grandes especialistas Francisco Chacón Jiménez e Juan Hernández-Franco. Num certo sentido, o percurso dos Macanaz tipifica uma trajetória social ascendente do período. Nele encontramos as tradicionais estratégias matrimonias criteriosamente levadas a cabo, e a acumulação de patrimônio, que o autor reconstitui e que estava inevitavelmente destinado à constituição de um morgadio. Nele encontramos também os esforços destinados a provar a antiga linhagem fidalga da família, entretanto caída em desgraça, mas que não deixava de reclamar uma folha de serviços que recuaria ao século XI. Sobre a família pairou ainda a proverbial acusação de mácula de sangue, de modo algum invulgar naquele período. Alguns dos antepassados de Melchor, da parte materna, seriam conversos, originalmente expulsos de Castela pelos reis católicos, mas regressados em 1580.

A passagem pela universidade era também – era cada vez mais – um atributo dos membros da administração central espanhola, e Melchor Macanaz não foi diferente. A passagem pelas universidades de Valência e Salamanca, onde se formou em Leis e Cânones, terá sido inclusivamente decisiva para a formação intelectual do jovem Melchor. Aí foi exposto à literatura arbitrista do século XVII de forte pendor regalista. Aí terá sido também confrontado com um sistema de ensino dominado pelos Colégios Maiores, em detrimento dos estudantes menos privilegiados como Melchor. Como já foi notado por outro biografo seu, a inspiração para futuras propostas de reforma das instituições universitárias pode ser encontrada nesse ressentimento juvenil (Martín, 1982, p. 29-31). Igualmente importante para a formação do murciano foi a sua ligação à Casa dos marqueses de Villena, onde participou em reuniões e tertúlias. Na verdade, esta Casa aristocrática providenciaria ainda a experiência burocrática indispensável ao jovem advogado, que, entretanto, passara a gerir os negócios do oitavo marquês. Outras casas desempenharam papel semelhante de alfobre de futuros administradores. A grande nobreza, como poder de implantação regional, assegurava a ligação entre elites locais e o poder central.

A segunda parte constitui núcleo principal do livro. Duas centenas de páginas cobrem o essencial do ciclo de vida e do ciclo político de Melchor, a começar pela sua cooptação pela nova dinastia bourbônica, que muito rapidamente começou a proceder a alterações nas práticas governativas da Monarquia. Destacam-se, a esse respeito, a restruturação dos ofícios da Casa Real, o recrutamento de burocratas em Versalhes e a constituição da Guardia de Corps, um novo corpo militar para a Corte de Felipe V – tudo para desagrado da aristocracia espanhola. Integrado num conhecido processo de renovação de quadros administrativos (Dedieu, 2002, p. 381-399), Melchor alcançou grande notoriedade pela forma intransigente como procedeu à repressão de austracistas – partidários do arquiduque Carlos de Habsburgo -, primeiro em Valencia e depois em Aragão. Esses reinos tinham-se virado contra Felipe V, apesar de o neto de Luís XIV ter jurado defender as “constituições políticas” da Coroa de Aragão.

As causas do realinhamento aragonês não se prendiam exclusivamente com o receio do reforço do poder absoluto do monarca, acrescentado em prejuízo das autonomias locais, ainda que isso fosse fundamental. Por exemplo, na Catalunha rural, a presença de tropas bourbônicas esteve longe de ser uma medida inócua, provocando grande descontentamento entre aqueles que se lembravam das incursões recentes dos exércitos de Luís XIV. A isso se juntava também a existência de uma elite mercantil, sobretudo na cidade de Barcelona, comercialmente ligada à Inglaterra e à Holanda e muito arredia aos interesses franceses.

Pela sua infidelidade, a Coroa de Aragão seria exemplarmente castigada por via da desqualificação de suas instituições. A Nova Planta (1707), legitimada no direito de conquista que, em teoria, libertava o monarca de constrangimento jurisdicionais, suprimiu as Cortes de Aragão, e com elas boa parte da autonomia política do território. A isso se deve juntar o desmembramento do Conselho de Aragão e a criação, não de uma chancelaria – instituição mais elevada -, mas de uma mera audiência, subordinada ao Conselho de Castela. Entretanto, o tradicional vice-rei, um verdadeiro alter ego do rei, daria lugar a um capitão-general, que, na prática, era um militar ao qual se delegava o poder absoluto do monarca. Tudo no quadro de uma gradual militarização da administração do território – uma novidade absoluta em Espanha (Ruiz, 2008,p. 39-40).

A solução adotada, que esteve longe de recolher unanimidade em Castela, recebeu um importante contributo do regalista Macanaz. O ministro beneficiava então da proteção das principais figuras do regime, a começar pelo embaixador francês Amelot e pelo confessor de Felipe V, Robinet. Em 1713, seria nomeado para o lugar de fiscal geral do Conselho de Castela, a partir do qual lançou um ambicioso plano de reformas de algumas das principais instituições espanholas. A “planta de Macanaz”, como então ficou conhecida, visava remodelar os conselhos de Castela, Fazenda, Índias e Ordens e, posteriormente, o de Guerra e da Inquisição. O propósito era sempre o mesmo: reduzir a sua autonomia política. O plano mexia também com a administração local e com as universidades, nas quais deveria ser privilegiado o ensino do direito real castelhano em detrimento do direito romano e canônico. Paralelamente, procedia-se a uma renovação significativa dos quadros dirigentes desses conselhos. Sem homens de confiança dispostos a seguir Macanaz, o plano não teria condições de ser implementado. As reformas tinham uma indispensável vertente social, que Francisco Precioso enfatiza e desconstrói. De resto, o autor faz a esse respeito um trabalho notável e muito pertinente para as ambições do estudo, procedendo ao levantamento dos ministros nomeados durante o “consulado” de Melchor. A ideia passava por saber quem eram esses homens, de que forma se relacionavam com Melchor e o que lhes aconteceu quando o fiscal geral caiu em desgraça.

O contexto político propício a grandes reformas terminou com a chegada da segunda mulher de Felipe V, Isabel de Farnesio, à corte espanhola, onde rapidamente se procedeu a uma purga dos elementos mais conotados com o regime anterior. Entre eles estava Macanaz, criticado muito especialmente por conta do protagonismo assumido no confronto que Madrid manteve com Roma. O seu célebre Pedimento fiscal do los cincuenta y cinco puntos deixava claras as intenções da coroa: estender o patronato real aos assuntos temporais que afetavam a Igreja, cerceando de permeio as imunidades e os privilégios fiscais do clero. O escrito encontrou inimigos poderosos, a começar pelo inquisidor-mor, Francesco del Giudice, e foi inclusivamente condenado pela Inquisição.

A perseguição de que foi alvo determinou o exílio de Macanaz na França e nos Países Baixos, onde atuou como espécie de diplomata informal de Felipe V por trinta anos. Francisco Precioso aproveita esse exílio para explorar os laços que persistiam entre Madri e as elites de origem castelhana dos territórios perdidos durante a guerra. A recuperação desses territórios, sobretudo na Itália, seria, de resto, uma das grandes prioridades diplomáticas de Felipe V e de sua mulher transalpina, a ponto de prejudicar outros compromissos no Império (Kuethe e Kenneth Andrien, 2014).

O capítulo 8, último desta parte do livro, é exclusivamente dedicado à ouevre de Melchor e ao seu pensamento, procurando-se interpretá-lo à luz dos desenvolvimentos culturais e intelectuais dos Setecentos. Não se trata propriamente de um exercício fácil, como a historiografia tem sublinhado: decantar sinais do progresso de valores e ideias associadas às Luzes em países católicos esbarra frequentemente na constatação de que houve uma convivência entre valores tradicionais e atitudes modernizadoras. Filosofia natural e teologia ou ciências exatas e religião não estavam permanentemente em estado de guerra. Assim, não espanta que se encontre no pensamento de Macanaz referências típicas da literatura reformista, algumas mais modernas e outras que seguiam uma formulação original bem antiga, como era o caso da defesa de monopólios comerciais – criação de companhias. Nele encontram-se também elementos que emergiram na cultura política portuguesa ao longo dos Setecentos, como era o caso da valorização do exemplo dos países do norte da Europa. É pena que Francisco Precioso não tenha procurado encontrar sinais de evolução no pensamento de Macanaz, sendo que a solução metodológica escolhida – análise detalhada de dois textos da lavra de Melchor, redigidos com vários anos de intervalo – até se prestava a isso. Já a confrontação com Feijoo parece ser particularmente eficaz, mostrando os limites das propostas reformadoras de Macanaz, que não ultrapassavam o absolutismo administrativo e institucional. Por isso, o autor insiste, com muita razão, na distinção que se deve estabelecer entre Macanaz e Campomanes ou Floriblanca.

A terceira parte da obra, dedicada à construção da memória deMelchor Macanaz , constitui um dos pontos altos do estudo. O processo é longo, estendendo-se por todo o século XVIII e entrando mesmo no século XIX, mas foi desencadeado pelo próprio Macanaz em 1739, quando, ainda durante o seu exílio, escreveu uma autobiografia. Por si só, isso revelava uma consciência bem apurada do seu papel na história da Espanha. Macanaz procurava então reabilitar-se na Corte, lembrando a injustiça de sua perseguição às mãos da Inquisição. Foi também uma oportunidade de recordar seus serviços à Monarquia e clarificar as intenções de seus muitos escritos e memoriais. O compromisso com o regalismo era naturalmente enfatizado. De resto, na identificação do ex-fiscal com o regalismo estaria a semente de sua recuperação subsequente às mãos de Gregorio Mayans y Siscar e de seu grupo. O conhecido erudito, que manteve correspondência com Macanaz, teria um papel decisivo na reconstrução da imagem deste, reapropriado como um autêntico herói injustiçado e perseguido por conta de sua fidelidade ao rei.

O processo de reconstrução da memória do antigo ministro de Felipe V conheceria novos desenvolvimentos já no fim dos Setecentos, quando chegou a um público mais vasto. O editor do Semanario Erudito, um periódico dedicado à publicação de autores espanhóis do Siglo de Oro e do início do século XVIII, não foi imune ao fascínio que aquela grande referência do reformismo bourbônico começava a exercer. Entre 1787 e 1791, Antonio Valladares de Sotomayor deu à estampa vários escritos de Melchor ou a ele atribuídos, que Francisco Precioso revisitou e cuja autenticidade em boa hora ajudou a desconstruir. Como o livro deixa claro, a atribuição de autoria desses textos a Melchor não era propriamente uma prática inocente ou irrelevante. Ela aponta para uma agenda política mais ou menos explícita. Tratava-se de tirar partido da já então reconhecida autoridade política de Macanaz para sancionar ou questionar decisões entretanto tomadas pela Monarquia. A publicação de um texto em que Macanaz teria supostamente defendido a abolição dos jesuítas é disso um bom exemplo.

A instrumentalização da memória de Melchor Macanaz prosseguiu nas décadas seguintes, servindo, por exemplo, para legitimar um sistema político centrado nas secretarias. Como Francisco Precioso nota, assiste-se inclusivamente a um esforço para apresentar as reformas do tempo de Floriblanca como um desdobramento das reformas de Felipe V e do seu ministro. As Cortes de 1812 e os jornais liberais, em especial, apropriaram-se igualmente do discurso político de Macanaz para legitimar o seu projeto político. O regalismo de Macanaz, formulado para a defesa do Estado Absoluto, era agora acomodado às exigências ideológicas, e só aparentemente inconciliáveis, do Estado Liberal e do Estado Nação.

A última parte da obra centra-se em Pedro Macanaz, neto de Melchor, que começou como agente diplomático de Floriblanca e que chegou a ministro de Fernando VII. A trajetória de Pedro Macanaz constitui uma janela de observação para a dinâmica política espanhola de fins dos Setecentos e início dos Oitocentos, tanto na frente doméstica como na frente internacional. É uma oportunidade de revisitar a burocracia das secretarias de Estado, completamente dominadas pelos respectivos secretários, ou a aproximação diplomática ao gigante do leste (Rússia).

A inclusão da vida de Pedro neste estudo cumpre, todavia, um propósito mais significativo. Ela serve para ilustrar as limitações da mobilidade social na Espanha moderna, e esse é o grande tema que Francisco Precioso quis abordar e discutir. A partir da sua base murciana de Hellín, Pedro, tal como o avô, construiu uma carreira política de grande sucesso à escala nacional. No entanto, e também como o avô, viu baldadas as esperanças de alcançar um patamar social superior, permanecendo no perímetro original da “gente média”. Tal como Melchor, Pedro também acabou seus dias em sua vila natal de Hellín. De resto, a esfera local ou regional constituiria o espaço de implantação natural dessa “gente média”, que raramente consolidaria posições à escala nacional. Os casos de Floriblanca ou Campomanes são sobretudo exceções que confirmam a regra. O projeto familiar dos Macanaz é, a esse respeito, particularmente desastroso, na medida em que foi incapaz de romper com a rigidez estamental da Espanha moderna, apesar de ter contado com duas figuras de primeiro plano na história política do país.

Em síntese, esta é uma obra que se tornará fundamental para os interessados no reformismo político dos Setecentos. O livro tem, como todos, fragilidades. A mais grave é, sem dúvida, a inexistência de um índice alfabético ou onomástico. Como todos, também nos deixa por vezes a suspirar por mais. O fato de as reformas políticas terem sido ensaiadas a partir de uma instituição tradicional – Campomanes, por exemplo, também foi fiscal do Conselho de Castela -, e não necessariamente das modernas secretarias, era algo que gostaria de ver equacionado, assumidamente em prol de meus próprios interesses acadêmicos. A irrelevância da América no discurso de Macanaz é também algo que surpreende e que passa sem grande discussão. No entanto, nada disso belisca o mérito da obra aqui resenhada.

BIBLIOGRAFIA

DEDIEU, Jean-Pierre. Dinastía y elites de poder en el reinado de Felipe V. In: FERNÁNDEZ ALBALADEJO, Pablo Ed. Los Borbones: Dinastía y memoria de nación en la España del siglo XVIII. Madrid: Marcial Pons-Casa Velázquez, 2002. [ Links ]

KUETHE, Allan; ANDRIEN, Kenneth. The Spanish Atlantic World in the Eighteenth Century: War and the Bourbon Reforms (1713-1796). Nova York: Cambridge University Press, 2014. [ Links ]

MARTÍN GAITE, Carmen. Macanaz, otro paciente de la Inquisición. Barcelona: Destino, 1982(1968). [ Links ]

RUIZ TORRES, Pedro. Reformismo e Ilustración: Historia de España. Barcelona/Madrid: Crítica/Marcial Pons, 2008, v. 5. [ Links ]

Miguel Dantas da Cruz – Investigador de pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociaisda Universidade de Lisboa- Portugal. E-mail miguel.cruz@ics.ulisboa.pt.

Da senzala ao palco: canções escravas e racismo nas Américas (1870-1930) – ABREU (Tempo)

ABREU, Martha. Da senzala ao palco: canções escravas e racismo nas Américas (1870-1930). Campinas: Editora Unicamp, 2017. 462 p.p. (Coleção Históri@ Ilustrada). Resenha de: SOUZA, Sívia Cristina Martins. Canções escravas, trânsitos musicais atlânticos e racismo nas Américas. Tempo, v.25 n.1 Niterói jan./abr. 2019.

Os estudos sobre escravidão no Brasil passaram por transformações significativas a partir dos anos 1980, fruto do diálogo travado com uma historiografia internacional renovada, mas também impulsionados pelo fortalecimento dos movimentos negros; pelas ações públicas de combate ao racismo; pela compreensão sobre as lutas políticas, sociais e raciais; e pela disseminação das noções de diversidade cultural e racial. Essa historiografia desde então tem investido no enfrentamento de alguns desafios, entre uma série de outros: o de mostrar que os debates sobre as expressões culturais não podem prescindir de entender os embates sobre a questão racial nelas contidos, bem como a necessidade de denunciar as falácias contidas em mitos, visões e modelos interpretativos que por muito tempo deram o tom dos trabalhos nesta área.

Se os anos 1980 são referenciais para os estudos sobre escravidão, os anos 2000 marcam a emergência dos estudos sobre o pós-abolição e a constituição de um campo historiográfico que apresenta peculiaridades, apesar de sua íntima e reconhecida relação com a história social da escravidão e do processo de abolição.

Os diálogos travados entre a historiografia norte-americana e a brasileira sobre a escravidão e o pós-abolição não são recentes, mas tomaram rumos diferentes nas últimas décadas, em decorrência de algumas constatações. Entre elas destaca-se o reconhecimento de que, a despeito das especificidades dos sistemas escravistas e dos processos de abolição nos Estados Unidos e no Brasil, existem conflitos e experiências dos escravizados e libertos nas Américas que podem ser aproximados, desde que utilizadas metodologias e fontes adequadas, o que significa admitir a impossibilidade de pensar a diáspora africana a partir de histórias isoladas ou desconectadas.

Tal percepção tem ensejado um retorno às abordagens comparativas que já haviam alimentado alguns debates sobre instituições, culturas e organizações sociais nos anos 1940 e 1970, mas foram negligenciadas com a rejeição dos estudos dessa natureza pela historiografia norte-americana e, na historiografia latino-americana, pela concentração em estudos locais (Klein, 2012, p. 95).

A busca por novos procedimentos de análise para pensar problemas, definição de objetos de pesquisa e modos narrativos tem levado os historiadores a questionar a eficiência da própria História Comparada no seu projeto de superação dos limites da perspectiva nacionalista. A necessidade de considerar a nação mais um (e não o mais importante) fenômeno a ser elucidado, e as comparações entre nações mais como temas do que como métodos, tornou-se um objetivo perseguido em trabalhos desenvolvidos em diferentes perspectivas, tais como as Histórias Atlânticas, as Histórias Globais, as Histórias Conectadas, as Histórias Cruzadas e as Histórias Transnacionais (Barros, 2014, p. 280).

Analisar as identidades negras culturalmente híbridas e dinâmicas da diáspora, construídas a partir da memória do trauma original da escravidão e dos desdobramentos do pós-abolição com suas vivências de violência racial e racismo, é o objeto do trabalho referencial de Paul Gilroy intitulado O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência (2001). No prefácio à edição brasileira dessa obra, Gilroy sugere que o conceito de Atlântico Negro muito teria a ganhar se a ele fossem incorporados o Atlântico Sul e suas múltiplas configurações culturais (Gilroy, 2001, p. 16).

Da senzala ao palco: canções escravas e racismo nas Américas (1870-1930), o mais recente livro de Martha Abreu, é uma resposta muito bem-sucedida a esse desafio. Trata-se de um trabalho que abre novas possibilidades para os estudos das culturas e identidades negras no Brasil, em diálogo com os Estados Unidos, e insere o nome de sua autora de maneira definitiva numa historiografia de perspectiva atlântica ao lado de nomes como Micol Seigel, Denis-Constant Martin, Robin Moore, Sarah Merr, David Guss, Astrid Kusser e Kazadi wa Mukuna, entre outros.

O livro de Martha Abreu é um dos frutos dos caminhos trilhados por uma historiadora que elegeu as manifestações culturais populares como seu local de sondagem do mundo. Suas escolhas a conduziram por uma trajetória que, em suas próprias palavras, a transformou de “uma historiadora da festa e da cultura popular em uma historiadora do legado da canção escrava, do racismo no campo musical e cultural e dos caminhos construídos pelos músicos e artistas negros para enfrentá-lo e subvertê-lo”. Nesse percurso, Da senzala ao palco emerge como um ponto alto na produção de uma intelectual que tem contribuído com perspectivas inovadoras aos debates sobre a dinâmica das culturas e identidades negras atlânticas tanto na academia, como professora e pesquisadora, quanto na História Pública, nos projetos e ações relacionados a comunidades quilombolas e jongueiras e na transformação de suas memórias do cativeiro e da liberdade em luta contra o racismo, pelo direito à terra, pela igualdade e pela justiça.

O livro é o terceiro volume da Coleção Históri@ Ilustrada, publicada pela Editora Unicamp, fruto do trabalho de pesquisadores vinculados ao Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (IFCH/Unicamp), do qual Martha Abreu participa desde a criação. O texto encontra-se disponível em dois formatos digitais: ePUB3 (com links internos para acesso a imagens, áudio e vídeo) e ePUB2 (com links internos para acesso a imagens e externos para áudio e vídeo). Com isso, Da senzala ao palco não apenas atinge um público amplo como também seus leitores têm a oportunidade de acessar 200 imagens, quase 50 fonogramas e 5 vídeos. Paralelamente ao livro, foi produzido um vídeo de 10 minutos intitulado Canções escravas e racismo nas Américas, que com ele dialoga, ajuda a divulgá-lo e pode ser utilizado por professores nas escolas e no ensino de História.1

Utilizando-se de um rico corpus documental e de uma vasta bibliografia especializada, a autora enfrenta basicamente quatro grandes questões ao longo de seu texto: os trânsitos internacionais, as canções escravas no mundo do entretenimento, as ações dos músicos negros e as construções do racismo no campo musical.

O objetivo central do livro é elaborar uma análise que aproxime as experiências de músicos negros e diferentes produtores e divulgadores das canções escravas nos Estados Unidos e no Brasil, no período que abrange de 1870 a 1930, a partir de problemas e fontes comuns e equivalentes. Sua intenção é, contudo, menos a de reforçar as evidentes diferenças entre os dois países, e mais destacar diálogos e aproximações nas formulações e experiências dos músicos negros e sobre música negra nas Américas. Trata-se, como se pode perceber, de uma história das expressões musicais da cultura negra escrita numa perspectiva atlântica que amplia os estudos sobre o pós-abolição ao sul do equador.

Cultura negra é um conceito central para a obra, embora não seja pensado ou utilizado pela autora como fechado e definitivo, mas enfrentado no seu próprio fazer historiográfico, através do uso das fontes e da metodologia. Ele remete às expressões culturais protagonizadas por afrodescendentes nas Américas e contém em seu âmago as noções de diáspora e desterritorialização por meio de estruturas transnacionais criadas e desenvolvidas na modernidade e marcadas por um sistema de comunicações permeado por fluxos e trocas culturais. Cultura negra é, portanto, um conceito que possibilita colocar em campo diferentes sujeitos sociais e diversas expressões e representações artísticas numa arena de conflitos. Ele indica, também, a intenção de questionar os estudos culturais marcados por perspectivas etnocêntricas e uma oposição à noção de que a cultura sempre flui em padrões que correspondem às fronteiras do Estado-nação.

Canções escravas ou “sons do cativeiro”, termos tomados de empréstimo a Shane e Graham White (White e White, 2005, p. ?), são expressões que não devem levar à falsa impressão de que a obra se dedica à escuta da sonoridade ou das formas musicais e estilísticas africanas presentes nas Américas, como esclarece Martha Abreu já nas páginas iniciais do livro. Entendidos como resultado da combinação de música, verso e dança, Canções escravas ou “sons do cativeiro” são termos alternadamente utilizados no livro para nomear as invenções musicais dos descendentes de africanos trazidos como escravos para o continente americano, as quais ganharam visibilidade e aceitação por meio da ação de músicos negros e de uma complexa rede de agentes que alimentou um cobiçado mercado musical que movimentava negócios de impressão e venda de partituras, espetáculos teatrais e indústria fonográfica. Vistas a partir desse ângulo, as canções escravas são decorrência de trânsitos e interações, tanto nacionais quanto transnacionais, e abrangem diferentes atores sociais, ainda que protagonizadas por músicos e atores negros.

Entre as principais fontes utilizadas por Martha Abreu, destacam-se textos de intelectuais que se preocuparam em entender e avaliar as “influências” dos africanos nas músicas e danças populares e nacionais, gravações fonográficas e, sobretudo, partituras musicais comercializadas em lojas de vendas de partituras, pianos, fonógrafos e discos, impressas pelas muitas editoras musicais existentes na ocasião. É digna de nota, nesse sentido, a análise minuciosa e instigante da autora sobre um extenso e significativo conjunto de capas de partituras cujas temáticas, títulos, gêneros, formas musicais e/ou ilustrações apresentam referências que remetem ao passado e às memórias do cativeiro, bem como a estereótipos e cenas racistas identificados com a população afro-americana no pós-abolição.

O livro organiza-se em nove capítulos abundantemente documentados – alguns deles anteriormente publicados em revistas especializadas (os de número 7, 8 e 9), mas modificados para essa publicação -, nos quais a autora aborda uma ampla pauta de questões. Entre elas encontram-se as experiências de músicos negros e destes com diferentes sujeitos envolvidos na produção e divulgação das canções escravas que alimentaram os trânsitos atlânticos no sentido Norte-Sul e vice-versa; as apropriações de gêneros, ritmos e formas musicais relacionados com africanos por músicos de formação erudita; as dimensões políticas das expressões musicais ligadas ao passado escravista; as experiências sociais e vivências de diferentes formas de racismo que aproximam as culturas negras e seus agentes; os significados das canções escravas para diferentes sujeitos negros, como os artistas Eduardo das Neves e Bert Williams e intelectuais acadêmicos como Coelho Netto e Du Bois; as aproximações entre as figuras de personagens como Pai João, Uncle Tom, Uncle Remus e Sambo, presentes na indústria fonográfica e na literatura popular, bem como as conexões transnacionais de gêneros musicais identificados e protagonizados por músicos negros, como o maxixe, que foi rapidamente assimilado nos Estados Unidos em função das suas proximidades com o cakewalk.

A leitura não é operação desprovida de sentido, pois quem lê busca significados, recorre a significantes, ritmos e formas e, nesse movimento, influenciam-se os modos de sentir, pensar e agir. Ao terminar a leitura do livro de Martha Abreu, o leitor provavelmente terá a sensação de ver abaladas determinadas certezas a respeito de algumas interpretações tradicionais sobre nosso passado musical ao constatar que elas não dão conta de um quadro muito mais rico e complexo.

São consideráveis, por exemplo, as contribuições do livro para se repensar determinadas versões sobre a história da música no Brasil, construídas com base nos marcos nacionalistas dos anos 1920 e 1930 ou na política cultural dos governos Vargas. E isso porque as discussões sobre as canções escravas nele presentes evidenciam quanto as manifestações musicais ditas nacionais só se sustentam e legitimam em contatos transnacionais por meio dos quais dialogam em termos referenciais, de elementos humanos e obtêm reconhecimento cultural. Nesse sentido, pode-se dizer que o livro de Martha Abreu nos mostra o tanto de transnacional que contém a noção de música nacional.

O leitor também perceberá quanto o campo musical foi um espaço minado, poroso e permeado por tensões e conflitos nos quais se travaram disputas em torno das representações dos descendentes de africanos e de seu patrimônio cultural e de como eles foram sujeitos ativos nesse processo. Coube a eles ampliar e redefinir discussões acerca das culturas nacionais, dos gêneros musicais, do legado da escravidão e das experiências do racismo que se reconstruíam em diferentes campos da indústria cultural no pós-abolição.

Por fim, mas não em último lugar, o livro oferece argumentos bastante consistentes para questionar visões que tradicionalmente polarizaram as relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos entre mestiçagem, de um lado, e segregacionismo, de outro. Martha nos mostra como existem variantes, mediações e matizes que não podem ser desconsiderados em análises que objetivem romper com interpretações dicotômicas e generalizantes, que pouco contribuem para melhor conhecer um fenômeno bastante complexo, tanto para o Atlântico Norte, quanto para o Sul.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, José D’Assunção. Histórias cruzadas: considerações sobre uma nova modalidade baseada nos procedimentos relacionais. Anos 90 (Porto Alegre), v. 21, n. 40, dez. 2014. [ Links ]

GILROY, Paul.O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Editora 34, 2001. [ Links ]

KLEIN, Herbert S. A experiência afro-americana numa perspectiva comparativa: situação atual do debate sobre a escravidão nas Américas. Revista Afro-Ásia (Salvador), n. 45, 2012. [ Links ]

WHITE, Shane; WHITE, Graham. The sounds of slavery: discovering African American history through songs, sermons and speech. Boston: Beacon Press, 2005. [ Links ]

1 O vídeo pode ser acessado em: <https://www.youtube.com/watch?v=agZPb-uEVto>

Sílvia Cristina Martins Souza – Universidade Estadual de Londrina – Londrina(PR) – Brasil. E-mail: smartins@uel.br.

 

História das mulheres e estudos de gênero: novas questões e abordagens | Ars Historica | 2019

Neste primeiro semestre de 2019, o Comitê Editorial da Ars Historica, revista discente do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS-UFRJ) vem apresentar, na sua 18ª edição, o Dossiê História das mulheres e estudos de gênero: novas questões e abordagens.

Em época de cortes e contingenciamento é preciso renovar o fôlego diariamente para conseguir dar continuidade aos trabalhos acadêmicos. Vive-se um momento de grande tensão política e um crescimento do conservadorismo, das estatísticas de violência contra as mulheres, de casos de homofobia, entre outras formas de violência física e simbólica. Fazer história social das mulheres ou história das categorias de gênero é, portanto, um exercício de engajamento diário. Leia Mais

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.1, n.1, 1983 / v.17, n.1, 2004.

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.17, n.1, 2004.

Editorial

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.16, n.1, 2003.

Publicado: 2021-04-10

Editorial

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.14, n.1, 2001): v14/15, 2001/2002.

Publicado: 2021-05-11

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.14, n.1, 2001): v14/15, 2001/2002.

Publicado: 2021-05-11

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.12, n.1, 1999): v12/13, 1999/2000.

Publicado: 2021-04-06

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.11, n.1, 1998.

Publicado: 2021-04-10

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.10, n.1, 1997.

Publicado: 2021-05-11

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.8, n.2, 1994.

Publicado: 2021-05-16

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.8, n.1, 1994.

Publicado: 2021-05-11

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.7, n.1, 1993.

Publicado: 2021-06-03

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.6, n.1, 1991.

Publicado: 2021-06-01

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.5, n.1, 1988.

Publicado: 2021-06-03

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.4, n.2, 1987.

Publicado: 2021-06-03

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.3, n.1, 1986.

Publicado: 2021-06-01

Expediente

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.1, n.1, 1983.

Publicado: 2021-06-03

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Beyond Environmental Comfort | Boon Lay Ong

Àqueles que estudam conforto no campo da arquitetura e urbanismo em ambientes internos e externos, encontram-se em face de uma negociação entre o mythos e o logos. Da lógica do logos, obtém-se valores de dados quantificados e oferecidos por equipamentos que são solucionados em equações matemáticas e, por amostragem, podem ser estimados parâmetros ao senso comum. Já em face do mythos, da subjetividade dos gostos e preferências, as experiências sensoriais perceptíveis dos sentidos humanos possuem ampla variação, sobretudo cultural. Desse ponto de vista, o livro Beyond Environmental Comfort se trata de uma relação biunívoca entre estes dois campos, estabelecendo, por critérios paramétricos do ambiente construído, uma simbiose interpretativa para qualificar a experiência sensorial espacial.

O dossiê – que visa familiarizar pesquisadores com onze textos (1) seminais dessa produção contemporânea, pela contribuição de oito autores – é organizado pelo chinês Boon Lay Ong, atualmente professor sênior da Escola de Design e Ambiente Construído da Universidade de Curtin, Austrália. Anteriormente foi professor titular de Design Ambientalmente Sustentável na Faculdade de Arquitetura, Construção e Planejamento Urbano da Universidade de Melbourne. Ong tem PhD pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, sobre o uso de plantas como complemento para arquitetura e design sustentável, pelo conceito de “paisagens cultivadas” referente ao uso de paisagens projetadas como um elemento ecológico na arquitetura e nos ecossistemas urbanos. Suas ideias sobre a integração de plantas e paisagismo na arquitetura contribuíram para o plano de desenvolvimento urbano em Singapura. Leia Mais

Revista Estudos Feministas. Florianópolis, v.27, n.1, 2019

Children, youth and emotions in modern history: national, colonial and global perspectives | Stephanie Olsen

Ainda pouco expressivo no conjunto da produção historiográfica brasileira, o estudo das emoções estruturou-se, sobretudo na Europa, como campo específico do saber histórico, fundado, principalmente, em diálogos interdisciplinares com a Psicologia e os estudos da Educação, que procuram desvendar a historicidade das emoções e sua importância no curso de transformações e permanências históricas. Publicado em 2015, Children, Youth and Emotions in Modern History é uma interessante compilação de estudos da área organizada por Stephanie Olsen, professora da Universidade McGill, no Canadá, então pesquisadora do Max Planck Institute for Human Development, de Berlim. A coletânea é fruto de uma conferência de mesmo título organizada em 2012 pelo Centro de Estudos da História das Emoções do Max Planck Institute.

O projeto do livro é ambicioso. Sua anunciada pretensão é oferecer “contribuições teórico-metodológicas inovadoras, capazes de fazer avançar a agenda da História da Infância por meio da História das Emoções”, a partir de uma perspectiva global, defendida na Introdução do livro e, principalmente, no capítulo 2, de autoria da organizadora do volume em parceria com Karen Vallgarda e Kristine Alexander. Beneficiando-se do deslocamento do foco geográfico tradicional dos estudos da área, por longo tempo centrados nas realidades norte-americana e inglesa, e valendo-se da adoção de perspectivas coloniais, pós-coloniais e não ocidentais, a abordagem global e comparada do tema evidenciaria a articulação entre as emoções constitutivas da experiência e das concepções de infância e as realidades históricas ampliadas relacionadas, sobretudo, às dinâmicas do capitalismo internacional e à vulgarização do ideário liberal entre o início do século XIX e a metade do século XX. Assim, tal abordagem teria como efeito o questionamento de definições universais de infância, por um lado, e a articulação de uma história da infância menos etnocêntrica, por outro. Leia Mais

Habitus. Goiânia, v.17, n. 2, 2019.

Editorial

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  • Sibeli Aparecida Viana, Marlene C. Ossami de Moura
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Apresentação do Dossiê / Dossier Presentation

Dossiê / Dossier

Artigos / Articles

Resenhas / Reviews

Resumos / Abstracts

Entrevista / Interview

El Portugués – CLEMENTE (LH)

CLEMENTE, Eloy Fernández. El Portugués. Zaragoza: Doce Robles, 2017, 329 pp. Resenha de: MAURÍCIO, Carlos. Ler História, v.74, p. 284-287, 2019.

1 Pode um historiador escrever um romance histórico? Tendo o mais importante historiador português do século XIX – Alexandre Herculano – sido o autor de três romances históricos, não vejo motivos para uma resposta negativa. Que a erudição académica é inteiramente compatível com a escrita ficcional, prova-o O Nome da Rosa, da autoria do semiótico e filósofo Umberto Eco, que vendeu já mais de 50 milhões de exemplares em todo o mundo. Num dado momento da sua carreira, um historiador pode sentir-se motivado a procurar uma outra forma de expressão, liberta dos parâmetros que condicionam a escrita historiográfica. Uma forma que lhe permita criar um texto factualmente bem fundamentado, mas dotado de uma razoável margem de dramatização, cuja autoridade assente mais na plausibilidade, ou mera possibilidade de ter ocorrido, do que no grau de certeza e na exaustividade da informação que se exige aos trabalhos académicos. Eloy Fernández Clemente reproduz (p. 329) justamente as palavras do escritor e guionista espanhol Javier Moro, no seu romance sobre o imperador do Brasil, Pedro I: “Los personajes, las situaciones y el marco histórico de este libro son reales, y su reflejo fruto de una investigación exhaustiva. He dramatizado escenas y recreado diálogos sobre la base de mi própria interpretación para contar desde dentro lo que los historiadores han contado desde fuera.” Assim sendo, não se estranhe que a recensão deste romance histórico – em que o protagonista e a maioria dos personagens que com ele contracenam foram sujeitos históricos reais – apareça nas páginas de uma revista de história.

2 Eloy Fernández Clemente nasceu em 1942, em Andorra, mas foi viver para Espanha aos três anos de idade. Doutorado em Filosofia e Letras, ele pode ser melhor descrito como um historiador aragonês (em 1997, o Ayuntamiento de Zaragoza concedeu-lhe o título de “hijo adoptivo”). É autor de uma vasta obra historiográfica e um reconhecido especialista em temas da história de Aragão e, em particular, sobre o político e economista Joaquín Costa. Publicou também estudos históricos sobre Portugal e a Grécia. El Portugués assinala a sua estreia no domínio do romance histórico. Através da obra acompanhamos a vida do protagonista – Oliveira Martins – durante o período em que viveu na Andaluzia (1870-1874), exercendo funções administrativas nas minas de Santa Eufémia, então arrendadas por uma sociedade portuguesa. Naturalmente, o autor sabe do que fala, pois é autor de vários trabalhos académicos sobre Oliveira Martins.1

3 A estratégia narrativa utilizada pelo autor assenta no discurso na primeira pessoa. No texto alternam as impressões, relatos, ideias e pensamentos íntimos do protagonista com os seus diálogos com personagens reais que conheceu em Espanha, mas também com personagens ficcionais (os diálogos com o farmacêutico Don Vicente revelam-se um recurso útil para a exposição das ideias do protagonista). Por vezes ainda, reproduzem-se excertos das obras de Martins ou das cartas trocadas com amigos, portugueses ou espanhóis. Não deixa, no entanto, de ser curioso que apenas uma personagem com quem Martins privou quase todos os dias não seja dotada de discurso próprio: a esposa, D. Vitória. Sobre ela, só sabemos o que pensa o protagonista…

4 O romance encontra-se dividido em quatro partes, segundo uma ordem cronológica, a que se segue um epílogo. A primeira começa por introduzir a mina, o mundo operário e as questões mais prementes – técnicas e sociais – com que a administração se depara. Através de pensamentos e ações o protagonista revela amiúde as suas preocupações com a dignificação dos trabalhadores e suas famílias, com especial atenção aos filhos. Afirmando que a escola é a primeira obrigação da empresa, o protagonista cria uma escola, de que a esposa se irá encarregar. Mas, em simultâneo, o autor dá início à exposição da avaliação do protagonista sobre a situação política em Portugal, na Europa (da Guerra Franco-Prussiana à Comuna de Paris), mas sobretudo em Espanha (a Revolução de 1868, que inaugura o Sexénio Democrático, a instauração da monarquia parlamentar, a chegada do novo ocupante ao trono, a transição para a República e o seu colapso). Os avanços organizativos da Associação Internacional dos Trabalhadores, em Espanha como em Portugal, também fazem parte das preocupações do protagonista-narrador. O livro detém-se particularmente nas suas ideias políticas, onde se mesclam um republicanismo federalista com os ideais socialistas proudhonianos. A primeira parte não termina, porém, sem que tenha lugar o encontro que se irá revelar a fonte motora da intriga que durará até às últimas páginas. No hospital de Almadén, o protagonista trava conhecimento com a enfermeira-chefe, Adelaida Rúa (p. 65), e uma afeição por ela vai ganhando progressivamente força.

5 A segunda parte do livro aprofunda o tópico da defesa martiniana de uma federação ibérica, por oposição à união dinástica, para reorganizar as sociedades peninsulares a braços com problemas políticos (governos corruptos, burocracia desmesurada, eleições manipuladas) e sociais (um povo vivendo na miséria, explorado por um bando de agiotas ante uma classe média mergulhada na inércia). E dá a conhecer as cogitações do protagonista sobre o debate entre marxistas e proudhonianos, ou temas como a religião ou o feminismo. Os pensamentos e diálogos do protagonista acerca do conflito entre Marx e Proudhon são, aliás, um tema recorrente no livro. Eis, porém, que o que parecia ser um amor platónico se descobre subitamente um amor reprovado pelas normas sociais: um amor proibido. A cena do beijo (p. 153) revela que o protagonista, seis anos apenas volvidos sobre o seu matrimónio, estava envolvido num affaire bem mais sério. A partir daí vamos encontrá-lo mergulhado num conflito íntimo: abandonar a esposa para seguir Adelaida, manter em paralelo o casamento e uma relação extraconjugal – situação a que Adelaida não se presta (p. 281) – ou afastar-se de Adelaida para não abandonar Vitória.

6 A terceira e a quarta partes giram em torno de dois temas: (1) As vicissitudes que marcam o nascimento da I Internacional nos dois países, processo que o protagonista acompanha com interesse através dos seus contatos em Espanha e da correspondência trocada com Portugal; (2) A meteórica transição da monarquia liberal à I República e o desfazer desta, em Espanha. Entre os encontros que o protagonista tem no país vizinho sobressaem nomes sonantes, como o republicano federalista catalão Pi y Margall, com quem o vemos a conversar pouco após a demissão deste de Presidente da República, ou Don Juan Valera, antigo embaixador de Espanha em Lisboa. É impossível ler este livro sem pensar no contexto em que foi escrito: o do crescimento do nacionalismo catalão, medido nas manifestações de massas de 2012 e 2013, na votação em crescendo dos partidos independentistas nas eleições para o parlamento catalão de 2015 e 2017, e que desembocou no referendo de 1 de outubro de 2017 (o livro seria publicado em novembro seguinte). Os três livros que Oliveira Martins escreveu em Espanha – Ensaio sobre CamõesTeoria do Socialismo e Portugal e o Socialismo – são também sucintamente expostos pelo protagonista. Entretanto, o dilema afetivo com que se debate aumenta de intensidade dramática. Adelaida revela-lhe que esperava um filho seu (facto que ele desconhecia), mas que o filho morrera de parto prematuro. “He llorado – confessa então o protagonista (p. 269) –, he llorado de pena por ella y ese niño, mi único hijo; por mi abandono y desidia; de ira y rabia, por mi impotencia y mis dudas.”

7 Passando agora a uma apreciação global, começarei pelo que me parece ter resultado bem. Revelou-se acertada a escolha da narração na primeira pessoa, ao modo de um diário (e não de memórias), em que o protagonista comunica connosco através dos seus pensamentos, dos diálogos nos quais toma parte e das passagens das suas obras e cartas (umas e outras historicamente factuais). Qualquer arte narrativa vive da progressão, entre o início e o fim, do conflito entre as personagens (e dentro delas), da construção de um clímax – numa palavra: de uma intriga. A intriga em El Portugués repousa sobre o amor socialmente reprovável do protagonista por uma personagem que tem voz própria e sentimentos. Entre os dois nasce a paixão e acaba por se abrir um conflito que atinge o seu clímax perto do final (p. 269-81). A isto acresce o simbolismo forte que recai sobre “ese niño prematuro, estrangulado por su próprio cordón umbilical, que hubiera sido español y português, plenamente ibérico” (p. 311). Bravo, Fernández Clemente!

8 Já outros aspetos da obra me parecem ter sido menos bem conseguidos. Antes de mais, o grande peso da erudição. Um exemplo apenas: ao longo das 320 páginas de texto assomam 465 títulos de livros ou de publicações periódicas, muitas vezes inseridos nos diálogos. Ora, um romance (e o mesmo se dirá de qualquer arte narrativa, do teatro ao cinema ou à ópera) deve captar o leitor não tanto por uma erudição apurada como pela emoção capaz de gerar nele. Este livro surge sobrecarregado de informação (títulos de livros, nomes de figuras históricas, riqueza mineralógica da Andaluzia, descrição detalhada dos pratos), o que torna por vezes a sua leitura pouco apelativa. Ser um profundo conhecedor da biografia do sujeito histórico que se propõe romancear, e do seu universo de interações, não garante por si só a escrita de um romance capaz de cativar um largo público.

9 Em segundo lugar, se o conflito que faz mover a obra é bem urdido, poder-se-ia pensar numa conflitualidade alternativa (ou paralela), não de natureza sentimental, mas racional. Desde o momento em que chega a Espanha até ao seu regresso a Portugal, o pensamento de Oliveira Martins sofre modificações – não tanto como viria a conhecer depois, mas, mesmo assim, reais. Um conflito interno poderia ter sido desenhado sobre o percurso intelectual de Oliveira Martins, com as suas dúvidas e as suas superações. Isso ajudaria a reforçar a progressão do romance, no qual, para além do drama amoroso, a existência e o pensar do protagonista acabam por resultar um pouco estáticos. Dir-se-ia que o acompanhamento em direto do sexénio democrático em Espanha, a Comuna de Paris, a intensa conflitualidade que acompanhou a criação da Associação Internacional dos Trabalhadores, e que levou ao seu rápido desaparecimento, não parecem ter feito infletir o seu pensamento político. Ora, se Martins era um convicto republicano federalista em 1870, quando regressou à pátria, em 1874, era um socialista proudhoniano, a quem a república já não entusiasmava e no qual uma sincera hispanofilia ocupava o lugar do federalismo tout court

10 Concluindo: este é um livro que será lido com agrado por todos aqueles que, em Espanha como em Portugal, são leitores das obras de Oliveira Martins e conhecem as linhas essenciais da sua vida. O autor fornece uma descrição muito detalhada do que foi (ou poderia ter sido) a sua estadia em Espanha, colocando-a com mestria no contexto histórico então vivido na Península Ibérica e na Europa em convulsão. As manobras diplomáticas das potências, a guerra franco-prussiana, a Comuna de Paris, os acontecimentos vertiginosos em Espanha entre 1868 e 1874, e o processo acidentado da construção da A.I.T. têm uma inserção informada e adequada na trama do romance. Ao mesmo tempo, o romance El Portugués é uma ilustração das dificuldades e dilemas com que um historiador se confronta quando empreende escrever um romance histórico.

Notas

1 Entre os quais: “J.P. d’Oliveira Martins nas minas de Santa Eufémia, 1870-1874”, Ler História, 54 (…)

Carlos Maurício – CIES-IUL, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. E-mail: carlos.mauricio@iscte-iul.pt.

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Poderes Y Personas: Pasado y Presente de la Administración de Poblaciones en América Latina – BRETÓN (LH)

BRETÓN, Víctor; VILALTA, María José (eds). Poderes Y Personas: Pasado y Presente de la Administración de Poblaciones en América Latina. Icaria: Institut Català de’Antropologia, 2017, 304 pp. Resenha de: RODRIGUES, Isabel P. B. Fêo. Ler História, v.74, p. 280-284, 2019.

1 Theoretically and methodologically inspired by the influential anthropological work of Andrés Guerrero in the Andes, this edited volume is organized around his conception of population control and administration of populations deemed to be inferior or incapable of ruling themselves. The volume fuses anthropology with history in order to interrogate the colonial and postcolonial historical processes as well as the everyday socio-cultural mechanisms that gave rise to a blinding form of domination specifically designed to control and silence entire populations, particularly the indigenous peoples across Latin-America. As nineteenth-century hegemonic conceptions of territory and nation encased Latin America’s nation-states, the act of governing inextricably involved the creation of institutions and daily practices designed to administer entire territories and a plurality of populations that were excluded from the institutions of power that formed the postcolonial state apparatus. All ten chapters that compose this volume, present case studies that illustrate different practices and mechanisms of domination across specific historical times and regions paying close attention to the interface between state domination and its effects on the subaltern groups that were and still are subjected to state control and colonialism. The majority of the case studies are on Ecuador, with Peru and Mexico offering comparative studies that illustrate the vast potential of Guerrero’s theoretical and methodological contributions to understand the dual and paradoxical processes of constructing citizenship while simultaneously and producing exclusion and subjugation of indigenous populations across Latin America.

2 The volume is organized into two parts aimed at bringing together the historical development of mechanisms of rule and population control and those who are subjected and made the targets of such domination. The first part, Administración de poblaciones or administration of populations, aims to provide the historical bedrock on which modern states built their mechanisms of domination. The second part, Poblaciones administradas or administered populations, focuses on the actual view from bellow and the acts of resistance indigenous populations and Afro-Ecuadorian devised to gain access to their land, resist state control, and undermine the actual mechanisms of domination and exclusion.

3 Most case-studies are theoretically grounded on Michel Foucault’s conceptions of power as a capillary instrument operating through multiple agents and institutions designed to discipline, punish, surveil, and regulate daily practices orchestrated to homogenize populations and produce conforming citizens. In addition to Foucault, Antonio Gramsci’s conception of hegemonic power operating through the entwined forces of ideology and praxis, enabling acquiescence and conformity, plays a strong analytical role in all the case-studies. Fittingly, the volume starts with María José Vilalta whose work examines the controversial role of the clergy and parish priests during colonial times in producing population registries which enabled the colonial state to control and administer populations extending its tentacles across the Andes, ensnaring the Quechua population into a regime of servitude. Catholicism operated to evangelize and convert souls for the Spanish empire while simultaneously producing a body of texts and registries —from baptismal registries to marriage and death— which were instrumental in deciphering and organizing data during colonial rule. Furthermore, through religious control and early data basis they enabled the extraction of indigenous tribute or tributo indígena contributing to a process of labor extraction to benefit the colonial state and the Spanish descent population.

4 This state of affairs extended beyond the Andes as María Dolores Palomo’s work shows in the case of Chiapas, Mexico. She argues that the emergence of the nation-state transformed the relationship between the new nations and the indigenous populations into new projects of control. The colonial system invented the indio, and the Indian village organized along Spanish principles of urbanization and Catholic morality. There, they imposed a logic of empire which was subsequently recycled into postcolonial municipalities. In municipalities, the separation between indio and ladino implied the superiority of the latter. Ladinization became an instrumental mechanism of cultural and symbolic control conforming to Catholic morality and its domination over minds and bodies.

5 Along the same lines, but engaging the postcolonial state, Eduardo Kingman’s work examines how nineteenth-century Ecuadorian state developed the notion of national security in order to normalize hierarchies and bring about nation-state consolidation. The city became a privileged site of control and Quito the first city in modern Ecuador to have a standing police force regulating public spaces, imposing order, and administering migrations, many of whom were indigenous peoples escaping the oppressive and decrepit hacienda system. Part and parcel with the development of a police force, was the enforcing of Catholic morality. Hence, the act of policing and moral disciplining went hand in hand with Catholic charities playing an instrumental role in sanitizing urban public spaces and creating a moral economy that enhanced the elite’s social capital. With the consolidation of the modern state, the policing, and particularly the policing of urban spaces, is enhanced by infrastructural developments, which facilitated the regulation of population movements and migratory fluxes. As he shows, the city and the modern nation-state became interdependent. From urban areas emanated the instruments of control, which would play a critical role in forming conforming citizens from the nineteenth century through the present.

6 The development of mechanisms of control, as Ana María Goetschel demonstrates, is indispensable to organize how the state apparatus relates to its population. Critical to this organization is the administration of populations based on census and statistical data. The census creates social categories and produces over time a large body of statistical information, which will be used to regulate populations, create the first criminal registries, and design mechanisms more efficient mechanism of extraction and policing. Not surprisingly, the indigenous population has avoided being counted and participating in national census and registries. Nevertheless, the use of census categories can also be instrumental in the construction of ethnic categories and in enhancing the visibility of certain populations. Such is the case-study of Afro-Ecuadorian populations by Carmen Martinez Novo. She argues that during the 1990’s the indigenous movement in Ecuador was quite powerful and successful in creating effective institutions for the education and development of indigenous peoples. Nevertheless, only 7% of Ecuadorians identified as indigenous people in the census of 2010, suggesting that the indigenous population continues to distrust the census as a mechanism historically used to extract their labor and impose tribute. In contrast, the Afro-Ecuadorian population have only been counted since 2001 and their newly gained visibility is tied to its participation in the census. Influenced by North American hypodescent racial conceptions, Afro-Ecuadorians brought the conception of “raza” through, which is also used by the contemporary neo-liberal state to fracture the population into several ethnicities ultimately enhancing state control.

7 The second part of the volume, Poblaciones Administradas, starts with Víctor Bretón on the political dimensions of identity across the Andes. He argues that the indigenous Identities in the Andes have not been static, but have changed along historical axis tied to access to land and indigenous resistance. The end of the hacienda system facilitated and accelerated new migrations, which led to a pan-indigenous consciousness. Subsequently, the land reforms of the 1960’s and 1970’s in Ecuador accelerated internal process of differentiation among the Quechua population. After the 1980’s, the neoliberal state will open to international ONGs working with subaltern populations coopting indigenous leaders and reinforcing ethnic boundaries as the prime organizational principal of international cooperation producing new forms of ventriloquism and ethnic essentialism. Delegating the administration of the indigenous people to the private realm as was the case with the hacienda system, as Luis Alberto Tuaza shows enabled the domination of the white-mestizo population over the indigenous people and the impunity of a colonial patriarchal regime that has silenced the daily forms of oppression including sexual violence. Resistance and collectivism were among the indigenous strategies of survival still based on ancient systems of reciprocity.

8 Likewise, Jordi Gascon, in his case-study on Peru documents the hacienda as a system of domination overtaking the state’s role in population management and indigenous rural areas. The brutality of this regime left its marks across the region denying basic human and civil rights just as Latin American nations were constructing citizenship and codifying civil rights. As such, resistance to this form of structural violence was key, such is the case with indigenous paintings that Laura Soto studied in Tigua, Ecuador. This naïve art became an alternative language of cultural survival used to inscribe indigenous history and culture and create a new semantics capable of documenting the indigenous way of life in their own terms. As Ecuador’s neoliberal state reinvents new ways to manage populations, the rise of NGO’s across the region and competing foreign economic interests have become new agents of territorial and population control. Particularly in the Amazonian region where Javier Martinez Sastre takes place. As he documents, indigenous people had to reorganize and define themselves along the syntax of ethnicity that was recognized by international players.

9 These rich case-studies altogether highlight regional nuances without losing sight of the interstices between historical similarities and regional specificity deployed to effectively enact the governing of plural populations. Ultimately, all case-studies show how the act of governing and administering subjected populations is processual and deeply embedded in social life and daily forms of producing and enacting power and control, which over time become hegemonic and unchallenged. Thus, the necessity to interrogate the mechanisms that render power and domination invisible must be central to the social sciences as this volume demonstrates in a language that is theoretically well grounded and yet accessible to students.

Isabel P. B. Fêo Rodrigues – Department of Anthropology & Sociology, University of Massachusetts Dartmouth, USA. E-mail: irodrigues@umassd.edu.

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Portugal e a questão do trabalho forçado: um império sob escrutínio (1944-1962) – MONTEIRO (LH)

MONTEIRO, José Pedro Monteiro. Portugal e a questão do trabalho forçado: um império sob escrutínio (1944-1962). Lisboa : Edições 70, 2018, 401 pp. Resenha de: CASTELO, Cláudia. Ler História, v.75, p. 296-299, 2019.

1 Licenciado em relações internacionais, mestre em ciência política e relações internacionais e doutor em História, José Pedro Monteiro é um investigador jovem com um currículo científico invulgarmente internacionalizado e consistente, mas que não tem descurado a vertente da divulgação para a sociedade portuguesa (refiram-se, em colaboração com Miguel Bandeira Jerónimo, os ensaios e entrevistas da série “Histórias do presente” saída no jornal Público ao longo de 2018, ou a exposição “O direito sobre si mesmo : 150 anos da abolição da escravatura no império português”, inaugurada em Julho de 2019, na Assembleia da República). Também o livro que temos em mãos, uma versão revista e editada da sua tese de doutoramento, se dirige a um público que extravasa a academia, interessando-o por um problema central na história do último império colonial português : a questão laboral africana.

2 O autor contribui para o avanço do conhecimento sobre o tema do ponto de vista empírico, conceptual e analítico. Baseado em pesquisa de fontes primárias publicadas e manuscritas (de arquivos portugueses, britânicos, norte-americanos e da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra), e numa bibliografia actualizada e pertinente, este livro enquadra-se nos debates historiográficos recentes sobre “a mútua constituição, interdependência e intersecção” de dois processos históricos que marcaram o século XX : o internacionalismo e o imperialismo (p. 21). Revela-nos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) condicionou os debates e processos de tomada de decisão política respeitantes à questão do “trabalho indígena” (e modalidades aparentadas) no império colonial português no contexto de gradual contestação à legitimidade imperial após o fim da Segunda Guerra Mundial. Percebemos que o problema do trabalho forçado deve ser equacionado levando em consideração as dinâmicas internacionais e transnacionais que influenciaram a produção e avaliação de políticas e práticas imperiais, nomeadamente através de processos de escrutínio regular, cotejo normativo, denúncias internacionais e projectos e esforços de reforma, mesmo que sem tradução prática.

3 A estrutura do livro promete seguir a ordem cronológica dos eventos em quatro momentos : 1945-49, 1950-54, 1955-60 e 1961-62. A segunda parte, porém, volta ao início dos anos 40, não se cingindo, efectivamente, ao período indicado na introdução (p. 23). A organização diacrónica, não introduzindo inovação, oferece-nos uma narrativa detalhada do problema e espelha a sua complexidade. Somos confrontados com persistentes práticas laborais coercivas em várias geografias e envolvendo populações “indígenas” e “cidadãos” cabo-verdianos, desfasadas da evolução verificada nos impérios europeus congéneres, denunciadas não só por actores internacionais e transnacionais, mas também por agentes do estado-império português, envolvidos num “processo de autorreflexão imperial durante o período posterior à Segunda Guerra Mundial” (p. 64). Percebemos que, não obstante diversas críticas internas incisivas (para além da que ficou mais conhecida, a de Henrique Galvão), as iniciativas “reformistas” ficavam sempre aquém das soluções que visavam uniformizar os sistemas laborais metropolitanos e coloniais. Isto porque a grande preocupação dos críticos era arranjar formas de assegurar a respeitabilidade internacional do país e a legitimidade externa do império (p. 82), sem nunca pôr em causa o dever moral do “indígena” de trabalhar (p. 98).

4 Passamos a conhecer com minúcia os processos de decisão no seio do Estado Novo, assentes na gestão da tensão entre, por um lado, “a vontade de preservar a soberania imperial na definição das políticas sociais coloniais e de contrariar a sua internacionalização” e, por outro, “a necessidade de aprofundar a integração internacional neste domínio” (p. 52). Verificamos que foi a dimensão internacional que, na segunda metade dos anos 50, forçou o governo português a ratificar diversas convenções da OIT. O momento mais saliente da pressão externa, a queixa do Gana contra Portugal por violação da Convenção da Abolição do Trabalho Forçado, no seio da OIT, e a actividade da comissão de inquérito, além de levar à “multiplicação de instâncias de autoescrutínio” na máquina burocrática imperial e colonial, deu azo a “iniciativas que visavam emendar alguns dos aspectos mais gravosos da política social ‘indígena’” (p. 330). Também aqui – na capacidade de colaboração, acomodação e contemporização nos círculos internacionais – se evidencia a “arte de saber durar” do Estado Novo.1 Não esqueçamos que se o trabalho dos africanos foi a trave-mestra do império, da durabilidade deste dependia a existência do próprio regime.

5 Vejamos agora algumas questões que poderiam ter sido esclarecidas ou aprofundadas. Em que medida o recrutamento de trabalhadores cabo-verdianos para outras colónias portuguesas se pode inserir na problemática do “trabalho indígena”, não sendo os naturais de Cabo Verde abrangidos pelo indigenato (p. 248) ? Nos anos 40 a migração cabo-verdiana para São Tomé e Moçambique, “com o impulso das autoridades (…) adquiriu um nítido carácter forçado”.2 O trabalho contratado para as roças são-tomenses e plantações de Angola ou Moçambique equiparava-os na prática a “indígenas”, sendo tutelados pelos serviços de “Negócios Indígenas” e sujeitos a sanções pelas faltas laborais previstas no Código de Trabalho Indígena. Às normas jurídicas sobrepunham-se o pragmatismo económico, os interesses do recrutamento, a política de controlo social e a diferenciação racial no seio do império.3 Estou em crer que a mão-de-obra africana de Angola, Moçambique e Guiné, anteriormente categorizada como “indígena”, terá continuado sujeita à mesma “indigenização” informal após o fim legal do indigenato e do trabalho forçado. No contexto das guerras coloniais/de libertação, estradas e outras obras de “interesse público” continuariam a ser construídas sem que os trabalhadores africanos auferissem qualquer salário ; autoridades administrativas não cessariam de imediato de colaborar no fornecimento de mão-de-obra africana ao sector privado. Mas, como refere José Pedro Monteiro, só estudando o período posterior a 1962 será possível “aferir da transformação real das práticas que as mudanças legislativas impulsionaram (ou não)” (p. 369).

6 Outro feixe de questões relaciona-se com os tempos (tardios) e os modos (parcelares) de ajustamento ao standard internacional. Havendo entre os inspectores (e não só) do Ministério das Colónias/do Ultramar um tão amplo conhecimento dos abusos, da violência, da corrupção das autoridades administrativas, porque é que no império português a resistência à mudança foi mais duradoira do que noutros impérios ? Porque se tardou tanto a aceitar que a exploração económica se devia subordinar ao bem-estar das populações autóctones ? Porque é que “os limites da imaginação burocrática imperial continuavam presos a referenciais que se encontravam em processo de gradual deslegitimação internacional” (p. 274) ? Algumas passagens do livro parecem remeter-nos para a persistência entre os portugueses (autoridades e particulares) de uma visão “paternalista” (racista, diria) sobre os trabalhadores africanos (por exemplo, pp. 71, 77, 99 e 259), na contramão da tão propalada à época “tradição não-racista” dos portugueses. Mas outras razões poderiam ser aduzidas. Desde logo, o modelo de exploração económico vigente, que dependia da manutenção de um sistema laboral dual.

7 As Conferências Interafricanas de Trabalho patrocinadas pela Comissão de Cooperação Técnica na África ao Sul do Saara (CCTA) e o Instituto Interafricano do Trabalho, organismo especializado da Comissão, surgem pontualmente ao longo do livro, mas não são alvo de tratamento específico. Que papel desempenhou a participação portuguesa nesta cooperação técnica regional nas dinâmicas de ajustamento às demandas internacionais ? O que podemos ganhar acrescentando de forma mais explícita a escala de análise interimperial e intercolonial ? Convém ter em conta, como salienta José Pedro Monteiro, que o problema do trabalho nas colónias portuguesas do continente africano era um problema indissociavelmente ligado ao êxodo de trabalhadores rurais para países vizinhos (p. 83).

8 Finalmente, deixo pequenos reparos. Na bibliografia foram incluídas fontes primárias impressas (produzidas na época por actores objecto de estudo, como Silva Cunha, Afonso Mendes, José Pereira Monteiro ou Adriano Moreira), embora mais à frente apareça autonomizada uma lista de fontes primárias impressas da OIT. A lista das fontes primárias é, de facto, uma lista de fontes de arquivo. Teria sido preferível apresentar primeiro as fontes primárias manuscritas ou de arquivo, depois as fontes primárias impressas e finalmente a bibliografia. O elenco das fontes de arquivo deveria apresentar os títulos dos fundos, secções, séries documentais ou colecções consultadas e não listas de códigos de referência ou de cotas topográficas. BIT (Bureau International du Travail, o secretariado da OIT) não chega a aparecer por extenso. As convenções são muitas vezes indicadas apenas pelo número. A inclusão de listas de siglas e das convenções teria ajudado o leitor. Trata-se de uma edição sóbria e cuidada, enriquecida com um índice remissivo. Estranha-se, no entanto, que ONU seja sistematicamente grafada num tamanho de letra inferior às restantes siglas.

9 Nada do que foi apontado como menos positivo invalida que se recomende vivamente a leitura deste livro. Trata-se de um trabalho incontornável, sério e rigoroso, no âmbito da história do colonialismo português tardio e especificamente da sua pedra angular – o trabalho forçado –, que expande o campo de observação à escala internacional, merecendo ser tido em conta pelos que se ocupam do estudo comparado das formações imperiais na era da descolonização (para isso recomenda-se a sua tradução para inglês), sendo também relevante para pensar o regime do Estado Novo.

Notas

Já foram examinados como factores explicativos da longevidade do Estado Novo português, o papel d (…)

2 Augusto Nascimento, O sul da diáspora : cabo-verdianos em plantações de S. Tomé e Príncipe e Moça (…)

3 Ibidem, pp. 206-209.

Cláudia Castelo – Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Portugal. E-mail: claudiacastelo@ces.uc.pt

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Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a excepção. vol. II (1915-1918) – CHORÃO (LH)

CHORÃO, Luís Bigotte. Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a excepção. vol. II (1915-1918). Lisboa: Letra Livre, 2018, 669 pp. Resenha de MATOS, Sérgio Campos. Ler História, v.75, p. 291-295, 2019.

1 Há hoje duas tendências muito frequentes nos estudos históricos, que aliás não são recentes. A primeira é a sua subordinação a agendas políticas parciais e a pré-conceitos que reduzem a multiplicidade de possibilidades que qualquer conjuntura histórica encerra em si mesma – esquecendo que qualquer tempo passado transporta consigo uma memória plural e expectativas de futuro que não se podem reduzir a um caminho único ; por exemplo, toma-se a I República em todo o seu percurso, indiferenciadamente e sem distinções mais finas, como um regime “radical e violento” ou até como um “regime terrorista” – o que impede a sua compreensão histórica. A outra tendência, que podemos designar de narrativista, prende-se com a ilusão de que uma narrativa linear de acontecimentos numa escala meramente individual e em ordem cronológica é suficiente para compreender os problemas. Esta tendência exprime-se na atracção pela biografia entendida do modo mais simples : como se a sucessãolinear de acontecimentos que se vão sucedendo numa vida pudesse explicá-la. O que não quer dizer que não encontremos excelentes biografias publicadas nos últimos anos por autores portugueses.

2 Ora, Luís Bigotte Chorão foge a estas duas tendências. Consciente da complexidade da época que estuda, escolheu um caminho bem mais difícil, prosseguindo um projecto iniciado há anos – o de analisar detalhadamen-
te as relações entre política e direito no tempo da I República. Um projecto coerente que se distingue por interesses históricos amplos. O autor já publicou um volume sob o mesmo título em 2011,1 e incide agora nos anos que coincidem com a I Guerra Mundial, anos críticos em que a recém-instaurada República foi posta à prova perante outras potências europeias que constituíam ameaças à sua integridade territorial e à própria independência nacional : o Império alemão e a Espanha. O problema do relativo isolamento internacional da I República e as ameaças externas e internas que a atingiam explica em larga medida a intervenção portuguesa na Grande Guerra. A difícil conjuntura em que se dá a intervenção na guerra permite-nos compreender, em larga medida, a dialéctica entre legalidade e excepção num regime que não chegou a durar 16 anos.

3 O historiador baseia-se num largo leque de fontes de carácter muito diverso : imprensa periódica, diários da Câmara dos Deputados e do Senado, memórias, depoimentos, panfletos, variada documentação de arquivo, etc. E dá-nos referências dessas fontes em frequentes e extensas notas. Mas as análises detalhadas que encontramos nas 670 páginas deste livro estão também escoradas em estudos actualizados, muitos deles internacionais (designadamente sobre a Grande Guerra). E também estes passam pelo bisturi crítico de Luís Bigotte Chorão, que por vezes discorda dos seus pares – geralmente com bons e provados argumentos –, sobretudo quando outros historiadores nos dão interpretações parciais de factos, não escoradas em provas. É que o autor é comandado por uma intenção central de veracidade histórica, dando voz aos múltiplos agentes e orientações políticas que sempre se confrontam numa comunidade nacional. O autor é avesso a pré-conceitos que estreitem a compreensão do passado e reduzam o leque de problemas e expectativas que coexistem em determinada conjuntura histórica. Esta é, pois, uma obra em que domina um regime rigoroso de verdade (ou não fosse o seu autor jurista de profissão) e um sentido analítico que não é acessível a qualquer leitor, pois convoca actores históricos, alguns de segundo plano, hoje esquecidos do leitor médio, acontecimentos, problemas e conceitos políticos e jurídicos, tudo isto com um detalhe que por vezes torna a sua leitura difícil para quem desconheça a história da I República.

4 Há uma preocupação de situar as dificuldades políticas de múltiplos ângulos, tendo em conta problemas estruturais, económicos e sociais, dados da história económica comparada – por exemplo, “o PIB per capita de Portugal era de cerca de um terço do dos países mais desenvolvidos, o mais pobre da Europa ocidental e dos mais pobres de toda a Europa” (p. 210) – com largas referências à crise das subsistências e à política de abastecimentos durante a guerra. Sem esquecer as políticas sociais debatidas na época ; o modo como foi considerada a participação de Portugal na Grande Guerra entre os juristas da Faculdade de Direito de Lisboa e a acção de vários ministros da justiça ; a atenção a problemas sociais – caso da vadiagem, ou do agudizar da conflituosidade e violência social que, na conjuntura de princípios de 1916, o autor caracteriza como “uma insurreição popular contra a carestia de vida, tendo por finalidade o assalto aos estabelecimentos comerciais de géneros alimentícios, calçado, roupa e casas de penhores” (p. 414). Mas a lente do historiador dá também atenção a faits-divers e a acontecimentos singulares sintomáticos que se repercutiram politicamente, caso do acidente de Afonso Costa num carro eléctrico, logo explorado criticamente pelos jovens futuristas ligados à Orfeu, entre eles Fernando Pessoa, pela voz de Álvaro de Campos. Ou o caso do soldado Ferreira de Almeida, único exemplo de um militar a ser executado, em Setembro de 1917, sentenciado que fora a pena de morte, acusado de ter passado para o lado do inimigo – em contraste com as centenas de militares de outras nacionalidades que foram sentenciados à pena máxima.

5 Destacarei cinco tópicos em que o autor abre horizontes de pesquisa pouco explorados pela historiografia portuguesa, situando-os numa perspectiva transnacional, e contribuindo para alargar o conhecimento da situação de Portugal no tempo da guerra, tanto no cenário interno como no âmbito internacional. O primeiro tem que ver com amnistias e indultos. O autor alude à “generosa tradição amnistiadora” da República, com múltiplos diplomas que remontam aos primórdios do regime (o primeiro datado de 4 de Novembro de 1910, três em 1911, um em 1912, um em 1913, quatro em 1914) além dos indultos e das comutações de penas (p. 40) – o que envolve o problema das relações do novo regime republicano com os seus detractores, e mostra bem a moderação que caracterizou o exercício da justiça na I República. Se o regime de separação de serviço de funcionários adoptado em 1915 suscitou reservas, desde logo pela sua natureza de lei de excepção (lei nº 319 de Junho de 1915, que afastava aqueles que não dessem “uma completa garantia da sua adesão à República e à Constituição”), a verdade é que as sucessivas amnistias e indultos adoptados durante a I República se inscrevem numa tradição humanista do democratismo republicano em que deve igualmente situar-se a abolição da pena de morte (só retomada em 1916 para alguns crimes militares). Por exemplo, segundo a lei de 17 Abril de 1916, só os funcionários que tivessem sido membros do anterior governo de Pimenta de Castro continuaram fora de serviço, mas a receber os seus vencimentos e sem prejuízo de aposentação ou reforma.

6 O segundo tópico é o que respeita às diferentes e matizadas posições políticas face à Grande Guerra : do intervencionismo ao pacifismo e direito das gentes ; posições partidárias, incluindo as de políticos socialistas e anarquistas, radicalmente contrários à intervenção. E sem esquecer tomadas de posição muito significativas no plano internacional. Por exemplo, a de Charles Maurras, que qualificava a guerra de “à la sauvage” e de extermínio : “L’attentat dont les passagers innocents de la Lusitania sont victimes achève de prouver que nous sommes en présence d’une guerre à l’antique et à la sauvage : dépossession, extermination” (p. 346, n. 1141). A este respeito, acrescentemos, Sigmund Freud, num notável ensaio sobre a Grande Guerra,2 referir-se-ia a um regresso a comportamentos instintivos e primitivos.

7 O terceiro tópico que destaco é o problema da neutralidade no grande conflito. Rui Barbosa, um jurista brasileiro citado, notou que a neutralidade, ao tempo, assumiu “um papel diferente daquele que desempenhara outrora”, até pela razão da interdependência dos estados entre si (p. 147). Luís Bigotte Chorão mostra como a violação da neutralidade da Bélgica teve profundo impacto nas diplomacias e opiniões publicas europeias. E lembra que a neutralidade desta pequena nação constituíra “uma condição do reconhecimento da sua independência de acordo com os tratados de 15 de Novembro de 1831 e de 19 de Abril de 1839, assinados em Londres” (p. 122). Aliás, na prática, Portugal já violara a neutralidade antes de entrar na guerra na Europa (p. ex. abastecendo e permitindo a passagem de tropas inglesas pelos seus territórios). E a declaração de 7 de Agosto de 1914, que Bernardino Machado, então chefe do governo, lera no parlamento foi uma “proclamação de neutralidade” que traduziu a dupla posição de Portugal de não-beligerante e de aliado da Grã-Bretanha.

8 O quarto tópico refere-se ao pangermanismo e anti-pangermanismo. As páginas que o autor dedica a este respeito trazem para primeiro plano um factor fundamental para a compreensão da Grande Guerra, o da propaganda e contra-propaganda, recorrendo a esclarecedora bibliografia francesa, brasileira, alemã e portuguesa. Considera a germanofilia de um intelectual e historiador como Alfredo Pimenta. Ou a posição crítica em relação ao pan-germanismo de autores tão diversos como o sociólogo E. Durkheim ou o jornalista A. Charadame, entre outros. Note-se que a propaganda pangermanista obedecia à intenção de criar um grande império alemão na Mitteleuropa. Lembremos que, muito mais tarde, Norbert Elias contribuiu para a compreensão deste projecto expansionista invocando a tardia unificação política da Alemanha – com o consequente tardio investimento na partilha colonial –, o sentimento de declínio que dominou as suas elites, e a curta experiência liberal por que passou, tudo factores que explicariam a seu ver esse expansionismo.3

9 Por fim, destaque-se o problema do perfil político da I República, um regime entre legalidade e excepção – débil legalidade, segundo o autor. Lembre-se que o conceito de estado de excepção envolve a suspensão do ordenamento jurídico como medida provisória e extraordinária, em domínios específicos. Ora, a I República viveu uma situação excepcional durante a Grande Guerra, como afirmou um jornalista de A Capital em 1915 : “Quem dirá que esta situação não é excepcional ? E sendo excepcional, evidentemente todos os problemas da vida portuguesa tomam aspectos excepcionais” (p. 215). Exemplos : a censura prévia adoptada por proposta do ministro da justiça Mesquita Carvalho (lei nº 495, de 28 de Março de 1916) ; as medidas excepcionais adoptadas contra a presença em território nacional de súbditos alemães (pp. 507 e ss) ; ou ainda o já referido afastamento do serviço, com carácter definitivo, dos funcionários que não garantissem “adesão à República e à Constituição” (lei nº 319 de Junho de 1915, criticada por Raul Proença). Mas qual a fronteira entre excepção e legalidade ? Em que sentidos deve tomar-se este conceito de excepção ? Pode aplicar-se indiferenciadamente a toda a vigência da I República ? Evidentemente que não. Se for no sentido de regime ditatorial moderno, nele não há separação de poderes. Poderá decerto esclarecer-se melhor esta tensão entre legalidade e excepção num próximo volume. Se houve momentos em que a I República resvalou para a ditadura num sentido oitocentista do termo – caso da governação de Pimenta de Castro –, noutros, diríamos, aproximou-se de um modelo autoritário contemporâneo, com Sidónio Pais – regime aqui bem visto “em ruptura com a ordem jurídico-constitucional de 1911 e sua substituição” (p. 639).

10 Concluindo, o autor distancia-se criticamente de interpretações redutoras e parciais ainda hoje aceites. Por exemplo acerca do 14 de Maio, que derrubou a ditadura de Pimenta de Castro e foi designada como “segunda revolução republicana” : “a história interna do 14 de Maio [comprova] não ter sido a decisão revolucionária exclusiva de democráticos, e mais, a solução governativa saída da revolução foi diferente da tentada pela Junta Revolucionária” (p. 364). Resultado de prolongada investigação, com dados e interpretações novas, este livro carreia fundamentos para uma compreensão mais distanciada da I República de um ponto de vista que faltava : o da relação entre o estado e o direito. Novidade tanto mais significativa quanto nos últimos anos se têm multiplicado os estudos sobre a participação de Portugal na Grande Guerra sem que este ângulo tenha sido privilegiado sistematicamente como Luís Bigotte Chorão o faz. Seria bom que, no final do seu projecto – haverá mais um ou dois volumes até chegarmos a 1926 ? –, o autor nos desse uma síntese mais breve e acessível a um público médio, não especializado, acompanhada de uma orientação de fontes e bibliografia seleccionadas. Está de parabéns não só o historiador, por mais este resultado do seu rigoroso ethos profissional, mas também o editor Letra Livre pelo cuidado que investiu na execução gráfica do livro.

Notas

1 Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a excepção. Vol. I (1910-1915). (…)

2 Ver “Considerações de actualidade sobre a guerra e a morte” [1915], in O mal-estar na civilização (…)

3 Ver Os alemães. A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. R. Janeiro: Zahar (…)

Sérgio Campos Matos – Universidade de Lisboa, Centro de História, Portugal. E-mail: sergiocamposmatos@gmail.com

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Inmigración, Trabajo y Servicio Doméstico en la Europa Urbana, Siglos XVIII-XX – ISIDORO DUBERT (LH)

ISIDORO DUBERT, Vincent Gourdon (org). Inmigración, Trabajo y Servicio Doméstico en la Europa Urbana, Siglos XVIII-XX. Madrid: Casa de Velázquez, 2017, 304 pp. Resenha de: ABRANTES, Manuel. Ler História, v.75, p. 288-291, 2019.

1 O estudo do trabalho doméstico tem florescido na última década, ganhando visibilidade em vários campos científicos. A contiguidade destes campos é tão evidente quanto os benefícios do diálogo interdisciplinar. Ao debruçar-se sobre o livro Inmigración, Trabajo y Servicio Doméstico en la Europa Urbana, Siglos XVIII-XX, um sociólogo que estuda as características contemporâneas deste sector de trabalho não tarda a recordar certas leituras iniciáticas ; e, assim impelido a abrir mais uma vez o extraordinário tratado de Wright Mills sobre a imaginação sociológica, reencontra as páginas nas quais o autor norte-americano propõe que “as ciências sociais são elas próprias disciplinas históricas” e que “precisamos da variedade disponibilizada pela história até para formular questões sociológicas de forma apropriada, quanto mais para lhes responder”.1

2 O livro aqui analisado, organizado pelos historiadores Isidro Dubert e Vincent Gourdon a partir de um colóquio que se realizou em Santiago de Compostela em 2013, é constituído por três partes encadeadas numa ordem lógica : de uma matriz mais geral (visões panorâmicas) para uma matriz mais particular (análises de casos específicos). A primeira parte é dedicada à relação entre a mobilidade populacional campo-cidade e os processos de urbanização e industrialização. O foco empírico incide sobre cidades da Europa que, tendo vivido estes processos em graus e ritmos diversos, têm em comum o facto de se distinguirem do paradigma de industrialização tout court privilegiado nos estudos anglo-saxónicos. Como se sublinha desde logo no capítulo introdutório do livro, os desenvolvimentos ocorridos em Paris, Turim, Santiago de Compostela, Lisboa ou Porto, ainda que difusos ou ambíguos, são exemplificativos de uma parcela substancial do fenómeno de urbanização no continente europeu.

3 Começamos por um texto de enquadramento, no qual Jean-Pierre Poussou sintetiza grandes tendências do século XVIII aos dias de hoje. De seguida, Teresa Ferreira Rodrigues e Susana de Sousa Ferreira concentram-se no período de 1850-1930 em Portugal, examinando as ligações entre migrações internas, sistema urbano e políticas de industrialização. Para este fim, tomam em consideração não só os fluxos demográficos mas também os padrões de comportamento em dimensões como a nupcialidade, a fecundidade, os quotidianos e os modos de apropriação do espaço urbano. São elementos importantes para compreender os desequilíbrios de um país que se movia a diferentes velocidades ; um país cuja população aumentou de 3,5 milhões em 1850 para 6,8 milhões em 1930, aumento absorvido em larga medida pelos movimentos migratórios que resultavam de assimetrias regionais de crescimento demográfico e desenvolvimento. Por outro lado, as autoras não deixam de salientar várias diferenças significativas em função do género (percursos de homens e de mulheres), da duração (migrações permanentes, temporárias e sazonais) e da distância geográfica (migrações internacionais, do interior para o litoral, e das zonas rurais para as zonas urbanas). As redes migratórias que na mesma época se desenvolviam em Madrid e Paris são estudadas por Rubén Pallol Trigueros e Manuela Martini, respetivamente.

4 A segunda parte do livro reúne trabalhos que procuram compreender a concomitante transformação dos mercados de trabalho rurais e urbanos, detendo-se com especial atenção nas dinâmicas associadas à composição familiar e ao ciclo de vida. Llorenç Ferrer-Alós dedica-se ao caso da Catalunha no século XIX e Isidro Dubert à cidade de Santiago de Compostela nos séculos XIX e XX, enquanto François-Joseph Ruggiu nos leva ao século XVIII em Charleville, actualmente Charleville-Mézières. Por último, os capítulos da terceira parte cruzam a análise estatística com a reconstrução de percursos de vida – a partir de fontes diversas como recenseamentos, registos fiscais ou testemunhos orais – para examinar a relação entre fluxos migratórios, mercados de trabalho e serviço doméstico ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX. Aprofundamos assim a compreensão de dinâmicas específicas do trabalho doméstico pago em Turim (por Beatrice Zucca Micheletto), Charlevillle (por Fabrice Boudjaaba e Vincent Gourdon), Granada (por David Martínez López e Manuel Martínez Martín) e Corunha (por Luisa María Muñoz Abeledo). O capítulo sobre Granada, por exemplo, mostra que nessa cidade as consideráveis flutuações na dimensão do sector do serviço doméstico dentro dos limites temporais do estudo – de 1890 a 1930 – não seguiram um padrão linear, antes acompanhando transformações culturais relacionadas com práticas e atitudes de classe, com a economia da prestação de cuidados e com a própria (des)valorização deste tipo de trabalho. A segmentação entre serviço interno e externo comporta uma clara marca de género que lança luz sobre desenvolvimentos posteriores do sector.

5 Se o capítulo de David Martínez López e Manuel Martínez Martín destaca a dimensão de género na organização do serviço doméstico, faz-nos falta o reconhecimento desta dimensão noutros momentos do livro, sob risco de se negligenciar a exploração das mulheres e o carácter estruturante da desigualdade entre mulheres e homens, tanto nas relações hierárquicas de classe como nas dinâmicas internas à classe trabalhadora e à burguesia. Esta perspectiva é fundamental para explicar as tensões e transformações do serviço doméstico – quer em retrospectiva, quer na actualidade. Como argumenta Rosemary Crompton, o género nunca deixou de ser, ao longo dos séculos XIX e XX, um elemento determinante na repartição de responsabilidades, na ideologia da vida privada e da vida pública enquanto esferas separadas, e nos modelos de divisão do trabalho daí decorrentes.2

6 A pluralidade dos estudos reunidos no livro, a par do diminuto conhecimento histórico do autor desta recensão, dificulta a elaboração de uma linha comum de leitura e interpretação. Certo é que o livro dá um contributo importante para se reconhecer a centralidade do serviço doméstico na História das sociedades europeias – seja de um ponto de vista económico, enquanto sector de trabalho volumoso, complexo e dinâmico, seja na estruturação das relações sociais e, por conseguinte, na organização das práticas quotidianas. Daqui decorre um convite claro a perscrutarmos as segmentações internas do serviço doméstico, das suas realidades mais públicas às dinâmicas mais íntimas e informais, estas últimas obscurecidas pela subalternização histórica das vozes e das experiências das mulheres – e, sobretudo, das mulheres da classe trabalhadora. Mas o desafio será também não perder de vista o quadro mais amplo ; não acantonar o serviço doméstico como objecto de investigação ; realçar as suas singularidades sem esquecer as interligações com outros sectores de trabalho e com outras componentes das relações de género.

7 Do ponto de vista metodológico, os organizadores do livro defendem consistentemente o potencial das genealogias e das análises de ciclo de vida para um entendimento mais fino das mudanças sociais. Propõem uma lente mesoscópica capaz de captar a agência dos indivíduos, as redes, as mediações, as relações com a cidade, as dinâmicas familiares. Rejeitando uma noção dos contextos de partida e de chegada como estanques, constatamos com efeito que a destruição das vidas e economias rurais esteve na origem de fluxos campo-cidade que pouco devem a aspirações pessoais. Ou seja, o aprofundamento do estudo das condições individuais não nos leva, de modo algum, a cair nas falácias de um individualismo metodológico : pode justamente ser um passo necessário para reduzir o factor individual à medida apropriada. Por tudo isto, o livro aqui recenseado é também um convite a reler o notável trabalho de Inês Brasão, que estuda a condição servil em Portugal entre 1940 e 1970 a partir dos processos de dominação e de resistência que a caracterizaram, baseando-se num conjunto amplo de fontes que vai de censos a testemunhos orais, de legislação a excertos de imprensa, de relatórios públicos a fotografias pessoais.3 A linha que pode unir as criadas de servir em épocas passadas e as empregadas domésticas do presente está por traçar ainda. O diálogo interdisciplinar é uma condição favorável para a concretização desta tarefa, bem como um elemento promissor para reforçar o diálogo entre as ciências sociais e a política pública relativa ao trabalho doméstico.

Notas

1 Charles Wright Mills, The Sociological Imagination. Oxford : Oxford University Press, 1959, pp. 1 (…)

2 Rosemary Crompton, Employment and the Family : The Reconfiguration of Work and Family Life in Con (…)

3 Inês Brasão, A Condição Servil em Portugal : Memórias de Dominação e Resistência a Partir de Narr (…)

Manuel Abrantes – SOCIUS/CSG, ISEG, Universidade de Lisboa, Portugal. E-mail: manuelabrantes@gmail.com

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Linguagens da identidade e da diferença no mundo ibero-americano (1750-1890) – NEVES et. al (LH)

NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MELO FERREIRA, Fátima Sá; NEVES, Guilherme Pereira das (org). Linguagens da identidade e da diferença no mundo ibero-americano (1750-1890). Jundiaí: Paco Editorial, 2018, 322 pp. Resenha de: ARAÚJO, Ana Cristina. Ler História, v. 75, p. 284-288, 2019.

1 Este livro resulta do projeto internacional “Linguagens da identidade e da diferença no mundo ibero-americano : classes, corporações, castas e raças, 1750-1870”, coordenado atualmente por Fátima Sá e Melo Ferreira e por Lúcia Bastos. Procura identificar, na linguagem e nos conceitos dos personagens históricos, traços constantes que vinculam ideias, expectativas, convenções, práticas e representações comuns, ou seja, expressões coletivas e atuantes de modos de ser, pensar e dizer a realidade no mundo ibero-americano, no período compreendido entre 1750 e 1890. A cronologia de longa duração evidencia permanências estruturais e diferentes fenómenos de contágio político que encontram eco em linguagens e conceitos partilhados. Os marcadores de identidade e alteridade de que nos falam os organizadores do livro são precisamente os conceitos e as linguagens usados, nos planos territorial, étnico, político e social, para exprimir laços de pertença e desatar nós diferenciadores de formas de nomeação coletiva, como sejam, “brasileiros” versus “portugueses”, “pueblos orientales” versus “cisplatinos”, no processo de independência e união da região do Rio da Prata, “bascos” e “espanhóis”, na revista Euskal-Erria de San Sebastián (1880-1918).

2 Nos campos em que se buscam agregações convergentes ou divergentes de sentido – território, raça, formações nacionais ou transnacionais – os conceitos são encarados não como entidades estáticas ou atemporais mas como ferramentas de temporalização histórica. Daqui advém o potencial hermenêutico da linguagem para nomear o social. Existe, todavia, uma brecha entre os acontecimentos históricos e a linguagem utilizada para os dizer ou representar. A consciência da historicidade do intérprete, neste caso, do historiador, afasta a compreensão do passado do tradicional objetivismo factualista, centrado na pretensa evidência do facto. Por outro lado, na relação com as linguagens do passado, a noção de historicidade previne um outro perigo, o das extrapolações conceptuais fundadas na atualidade, fonte de anacronismos e de todo o tipo de “presentismos” deformantes e esvaziadores da memória histórica. Neste contexto, é aconselhável aliar a História analítica à História conceptual para responder às questões centrais colocadas por Reinhart Koselleck e pela tradição da Begriffsgeschichte.

3 Para simplificar, talvez se possam formular assim algumas das questões levantadas neste livro : qual é a natureza da relação temporal entre os chamados conceitos históricos e as situações ou circunstâncias que ditaram a sua utilização ? Os conceitos e especialmente os conceitos estruturantes, a que Koselleck chama “conceitos históricos fundamentais” (como, por exemplo, o moderno conceito de revolução), permaneceram na semântica histórica para lá do tempo em que foram formulados ? Será que cada conceito fundamental contém vários estratos profundos, ou várias camadas de significados passados unidos por um mesmo “horizonte de expectativa” ? Na resposta a estas questões, Koselleck assinala, no processo de construção da semântica histórica da modernidade, quatro exigências básicas de novo vocabulário, social, político e histórico : a temporalização, a ideologização, a politização e a democratização. Porém, como bem sublinham os organizadores deste livro, nem sempre são sincronamente documentáveis estas quatro condições nos processos analisados na era das revoluções no mundo ibero-americano.

4 A mudança conceptual no campo da história intelectual e das ideias é também valorizada tendo em atenção o contributo de Quentin Skinner que aponta para uma linha mais analítica e contextualista nos usos da linguagem, partindo da fixação lexicográfica consagrada nos dicionários. Ao estudar as técnicas, os motivos e o impacto das mudanças conceptuais valoriza também a utensilagem retórica, aquilo a que chama rethorical redescription, que consiste em usar relatos diferentes para descrever uma mesma situação, recorrendo a certas palavras e a certos conceitos que, pelo seu impacto social, instauram novas interpretações e se impõem como guias de compreensão de outros discursos. A ideia de um léxico cultural de base conceptual ilumina, numa outra perspetiva, o horizonte compreensivo da história intelectual, dado que os usos da linguagem não são desligados da intencionalidade dos autores e dos efeitos que os seus discursos produzem.

5 Neste livro, as questões relacionadas com a classificação e a nomeação preenchem a primeira parte da obra. Os três ensaios, da autoria, respetivamente, de Fátima Sá e Melo, Guilherme Pereira das Neves e Javier Fernández Sebastián, revestem-se de um carácter problematizador e sinalizam bem a abrangência do conceito mutável de identidade que, como explica Fátima Sá e Melo, começa por conotar, no século XVIII, aquilo que é similar, por exclusão do que é diferente, para, cem anos mais tarde, e segundo o Dicionário de Moraes Silva (1881), traduzir uma forma de autorrepresentação. A este respeito, Fátima Sá e Melo salienta que esta definição de identidade começa por ser fixada primeiro num dicionário espanhol de 1855, acabando por ser consagrada pela lexicografia portuguesa em 1881. Logo a seguir, coloca o problema da formulação do conceito de identidade na primeira pessoa e na terceira pessoa.

6 Na ausência de uma perspetiva individualista, fundada no autorreconhecimento do poder e vontade dos indivíduos, valiam as categorias jurídicas do Antigo Regime que fixavam, numa base particularista e corporativa, a visão do todo social (A. M. Hespanha). Nos umbrais das revoluções liberais o nós identitário forjado no mundo ibero-americano não se desfaz de um dia para o outro dos traços orgânicos e particularistas do passado colonial. Estes traços são bem evidentes no estudo de Ana Frega sobre a revolução artiguista de 1810-1820 e no ensaio de Lúcia Bastos Pereira das Neves que analisa “antigas aversões” reconstruídas no decurso do processo de independência entre ser português e ser brasileiro ou ter direito a ser brasileiro, por lei de 1823. A autora sublinha que apesar das persistências sociais e culturais, o discurso político da independência e em defesa da Constituição contribuiu para reconfigurar a sociedade brasileira pós-independência apontando para uma vaga identidade, forjada na variedade de povos e raças que compunham a população brasileira. Estes traços de autorreconhecimento foram objeto da retórica antibrasileira do jornal baiano Espreitador Constitucional, favorável à causa portuguesa, que lamentava, em 1822, que “os netos de Portugal – estabelecidos no Brasil – abandonassem os sobrenomes dos seus antepassados para adotarem orgulhosos os de Caramurus, Tupinambás, Congo, Angola, Assuá e outros” (p. 139).

7 Sobre a questão da adequação das classificações e marcas de linguagens pretéritas às classificações e conceitos do historiador, Javier Fernández Sebastián assina um esclarecedor capítulo, de cunho teórico. Segundo este historiador, o problema das classificações conceptuais reside em saber se é razoável usar retrospetivamente conceitos e categorias atuais que não existiam numa determinada época para classificar e dar sentido às linguagens do passado. Considera que o conceito de identidade forma com outros conceitos uma espécie de galáxia significante. O seu campo semântico convoca distinções jurídicas, étnicas, políticas, socioeconómicas e ideológicas. Assim, e apreciando cada contexto histórico focado neste livro, é razoável o uso do conceito de identidade associado a classes, etnias e territórios. Dois estudos documentam este ponto de vista. O primeiro remete para o enfrentamento da escravatura negra e da emigração branca em Cuba ao longo do século XIX. Como explica Naranjo Orovio, o ideal de cubanidade condensa elementos culturais e étnicos patentes nas linguagens de identidade insular, nas quais o estigma negativo e o medo do negro se combinam com a atração pelo discurso civilizacional dos reformistas criollos (1830-1860).

8 O binómio civilização versus barbárie aparece também associado à forma como são percecionados os afrodescendentes em Buenos Aires até 1853-1860. Segundo Magdalena Candioti, num primeiro momento, as diferenças físicas, morais e culturais atribuídas aos afrodescendentes limitam a sua participação política. Os negros e pardos são definidos como os “outros” do novo corpo soberano e excluídos da cidadania instaurada pela nova república, porque a abstração requerida pelo conceito de cidadania igualitária ou tendencialmente igualitária colidia com as marcas impressas pela natureza e pela cultura herdadas da colonização espanhola. Formalmente, a partir dos anos 20 do século XIX, os textos legais não estabelecem reservas especiais ao sufrágio dos negros libertos, contudo persistem as representações estigmatizadas sobre a negritude, impedindo, na prática, a consagração plena da cidadania política. Este tipo de exclusão viria a ser ideologicamente suportado pelas linguagens cientificistas da segunda metade do século XIX, inspiradas no positivismo e no darwinismo social. A visão evolucionista da sociedade, assente na constituição física, na hierarquia das raças e, consequentemente, na superioridade do homem branco, acabou por complementar, com outros argumentos, o binómio civilização/barbárie constitutivo das identidades em construção na Ibero-América. A mesma visão antinómica caracteriza as distinções gentílicas da nova entidade política e cultural nascida com a revolução Bolivariana, ajudando a forjar o mito da nação mista criolla na Venezuela, conforme salienta Roraima Estaba Amaiz.

9 A uma escala transnacional – e este é também um dado a destacar neste livro –, o desenvolvimento do conceito de raça no mundo latino-americano associa-se ao aparecimento do pan-hispanismo, que, de certo modo, retomou, numa perspetiva expansionista, a autoperceção etnocêntrica e neocolonial dos países de matriz hispânica da América do Sul, conforme detalha David Marcilhacy. Este tópico tem ressonâncias fortes e remete, a cada passo, para a porosidade entre discursos, ideologias e linguagens vulgares ou de uso corrente. Como sublinha Ana Maria Pina, o conceito de raça, entendido em termos biológicos, é tardio. Antes do século XIX andava associado à pecuária e era também usado para identificar linhagens, nações ou povos. No século XIX ganha uma conotação biologista e essencialista, porque se aplica à classificação de tipos humanos, distinguidos pela sua origem, cor de pele e características físicas. Para esta mutação muito contribuíram as teses racistas e poligenistas de Gobineau, bastante divulgadas na época, os tratados de Darwin e também as teses antropométricas de Paul Broca, fundador da Sociedade Antropológica de Paris.

10 O eco destas influências em Portugal é percetível em autores como Teófilo Braga, Júlio Vilhena e outros nomes menos conhecidos. Subtilmente, insinua-se na linguagem artística e na literatura, nomeadamente em Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. E se, antes deles, Almeida Garrett e Alexandre Herculano haviam sinalizado as idiossincrasias da raça portuguesa, foi, porém, Oliveira Martins quem melhor exprimiu a ideia da miscigenação de raças na raiz do ser português. Oliveira Martins estava genuinamente interessado em compreender a originalidade dos povos ibéricos e a originalidade da civilização que se desenvolveu, ao longo de séculos, na Península Ibérica, conforme assinala Sérgio Campos Matos. A História da Civilização Ibérica, título de uma obra de Oliveira Martins, engloba, num “nós transnacional”, portugueses, espanhóis e outros povos de descendência hispânica. Temos assim um conceito totalizante que fixa uma conceção de história, uma visão antropológica territorializada e uma unidade de experiência com sentido político, social, económico, cultural e moral para ele, Oliveira Martins, e para os seus contemporâneos portugueses e espanhóis.

11 O capítulo final de Sérgio Campos Matos convoca a atenção do leitor para a reflexão em torno da “história como instrumento de identidade”, tema também tratado por Guilherme Pereira das Neves. Este autor realça a ideia de que a história funcionou, desde o século XIX, no Brasil, como instância compensadora e conservadora de aspirações sociais e políticas das elites brasileiras, referindo a formação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o contributo da metanarrativa de Varnhagen. Questiona não só a ideia de história mas também o lugar do historiador, dos curricula liceais e das universidades brasileiras, desde os anos 30 do século XX em diante. Refere que com os governos de Getúlio Vargas se assiste à criação da Universidade de São Paulo, em 1934, e se institucionaliza a formação estadual de professores diplomados em história. Por fim, salienta que os maiores sucessos editoriais no campo da história no Brasil pouco devem à historiografia académica. Entre a ação e o discurso, entre a história que se faz e a linguagem que dela se apropria para uso público parece haver espaço para uma espécie de imaginário alternativo, fantasiado, é certo, envolvendo numa trama insignificante episódios históricos narrados livremente mas não totalmente desprovidos de marcas de identidade.

12 Em síntese, a leitura desta obra é fundamental pelo enfoque transnacional dos seus capítulos e pela perspetiva de história conceptual comparada que preside à reavaliação dos processos e linguagens de identidade e alteridade forjados no espaço ibero-americano, especialmente no decurso do século XIX. Sendo tributário dos caminhos de pesquisa abertos pelo Diccionario político y social del mundo ibero-americano, dirigido por Javier Fernández Sebastián, este livro concita também outros estudos, quiçá diferentes, mas igualmente indispensáveis para a compreensão das ideias e dos nexos sociais e culturais que presidiram à constituição e à renovação política dos territórios independentes ibero-americanos.

Ana Cristina Araújo – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal. E-mail: araujo.anacris@sapo.pt.

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Um reino e suas repúblicas no Atlântico. Comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVI e XVII – FRAGOSO; MONTEIRO (LH)

FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nuno Gonçalo (Org). Um reino e suas repúblicas no Atlântico. Comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2017, 476 pp. Resenha de: SUBTIL, José. Ler História, v.75, p. 279-283, 2019.

1 O tema da comunicação política, entre o reino e o Brasil, no interior do próprio reino e no Brasil, durante o Antigo Regime, tratado de forma quantitativa, é um projeto valioso pelas consequências que poderá ter na avaliação dos sistemas de decisão, taxonomia das tipologias peticionárias e processuais, assuntos de governo, atores políticos envolvidos e qualidade dos circuitos e das tramitações documentais. Sendo assim, os resultados dos programas de investigação que estão na origem do livro aqui recenseado ganhariam tanta mais relevância quanto maior fosse a evidência dos mesmos, a organização coerente dos temas, o desenvolvimento dos seus conteúdos e a metodologia de análise. Como veremos mais adiante, o critério seguido na sucessão dos capítulos e nas temáticas abordadas não acompanhou esta opção metodológica.

2 Na apresentação do livro, organizado por João Fragoso e Nuno Monteiro, somos levados a crer que o mesmo assenta no projeto financiado pela FCT “Comunicação Política na Monarquia Pluricontinental Portuguesa (1580-1808) : Reino, Atlântico e Brasil” (Projeto 1, P1), submetido em 2008. No entanto, aparece também a referência a um outro, do mesmo ano, de João Fragoso, Isabel dos Guimarães Sá e Nuno Monteiro, “A Monarquia e Seus Idiomas : Corte, Governos Ultramarinos, Negociantes, Régulos e Escravos no Mundo Português, Séculos XVI a XIX” (Projeto 2, P2), financiado por um convénio FCT/CAPES. Teria sido oportuno que se tivesse explicitado, com clareza, quais os registos documentais de cada projeto que suportaram os vários capítulos da obra como, também, o uso das confluências de informação e dos períodos temporais, justamente por terem enquadramentos diferentes.

3 No guião de recolha da informação do projeto P1, segundo o quadro 2, foram definidas 11 categorias de emissores (governo, justiça, igreja, municípios, irmandades e confrarias, militar, mecânicos, comércio, fazenda, particulares e outros) e, pelo quadro 3, ficamos a conhecer as tipologias de assuntos, enquanto a tabela 5 justifica a seleção dos períodos escolhidos por razões políticas e “operacionais”. As fontes utilizadas para o Brasil foram o espólio do Arquivo Histórico Ultramarino, a documentação microfilmada pelo Projeto Resgate e, para o reino e Açores, os livros de registo de alvarás, provisões e cartas à guarda dos respetivos arquivos municipais. A base de dados criada conta com 38.060 registos, sendo 11.347 para o reino (período 1621-1807, 187 anos), referentes às câmaras de Viana, Évora, Vila Viçosa, Faro e Ponta Delgada, e 26.713 para as capitanias de Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Grão-Pará, Maranhão, Minas Gerais, S. Paulo e o Reino de Angola durante o século XVII (1640-1656 e 1680-1690, 28 anos) e o século XVIII (1725/26, 1735/36,1755/56,1763/64 e 1785-95, 19 anos).

4 A tabela 8 expressa a grandeza dos dados das capitanias. Apesar dos erros evitáveis nas somas das colunas e de a tabela contemplar uma rubrica designada por “Demais anos” (quais ?), ficamos a saber que o ritmo médio da comunicação política global foi, no século XVII, de 12 documentos por mês e, no século XVIII, de 70 por mês, embora a população do Brasil tenha aumentado em quase 12 vezes. No encalce de mais dados compulsados em vários outros quadros, o certo é que não há uma conclusão geral ou conclusões parciais sobre o significado das tendências que se verificaram no plano burocrático. Evoluções que possam, inclusive, traduzir mudanças políticas e administrativas nos órgãos da administração central da coroa e, no Brasil, nos governos das capitanias, nos municípios e no governo central. Por outras palavras, as informações avançadas ganhariam muito se tivessem sido mais bem contextualizadas e comparadas.

5 A equipa de investigação do projeto P1 contou com 33 investigadores, 23 eram alunos de universidades brasileiras, três bolseiros da FCT e sete professores. A redação dos 12 capítulos foi da responsabilidade de oito destes investigadores, a que se juntaram outros oito que não fizeram parte da equipa. Temos, portanto, 25 investigadores que recolheram dados e 16 autores de textos, num total de 41 colaboradores. Das 467 páginas (12 capítulos e uma apresentação), 67 páginas (14 %) são de notas e bibliografia por cada capítulo, 64 tabelas, 67 gráficos e 3 quadros, a que correspondem cerca de 80 páginas (17 %). Se ficamos sem saber o nível de envolvimento dos investigadores da equipa do projeto P2, só esta revelação acentua a grandiosidade do programa de investigação em que o livro se fundamenta e, sem dúvida, a complexidade da sua coordenação, o que, em parte, pode explicar alguns dos reparos feitos à organização da obra. Também por tudo isto se justificava que a base de dados fosse disponibilizada online de forma a servir toda a comunidade de investigadores, no Brasil e em Portugal, à semelhança de outros programas financiados pela FCT.

6 Por várias razões, que adiante se verão, não é fácil descortinar uma justificação para alguns capítulos, tendo em conta que não acompanham o guião do projeto quanto às tipologias, os períodos cronológicos e a escolha dos emissores, e outros capítulos utilizam bases de dados diferentes, o que dificulta a perceção da coerência dos dados. Também parece que ficaram comprometidas algumas promessas, como a “matriz institucional da administração”, a “multiplicidade de atores e de mudanças ocorridas na comunicação”, o “estatuto político das câmaras municipais ultramarinas com as situadas no Reino e nas Ilhas”, as “variações no tempo e, sobretudo, apreender as diversidades geográficas e a mediação dos agentes […] produtores, os ritmos de produção, os canais de circulação, a tipologia dos assuntos, e, por fim, o destino final das solicitações feitas das periferias para o centro, e deste para as periferias”.

7 No que respeita às tipologias anunciadas na apresentação, apenas os capítulos 5, 6 e 7 tratam de algumas, como a fiscalidade, assuntos militares, economia e comércio. E o capítulo 1, que aborda um dos temas centrais do livro, a economia das mercês, utiliza dados do projeto P2 e não do projeto P1, o que deveria ser devidamente explicado. Os capítulos 2 e 4 aparentemente não decorrem do guião referente ao programa da investigação por abordarem, respetivamente, o tema da representação política e a difusão da legislação régia sem utilização dos dados do projeto e, por isso, surgirem como peças avulsas. A matriz institucional apresentada e trabalhada nos capítulos 3, 8, 9 e 10 aborda o Conselho Ultramarino, a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, os governadores reinóis e ultramarinos, corregedores, ouvidores e senados municipais.

8 Sabe-se hoje, com razoável conhecimento, que esta rede institucional não reflete a complexidade da comunicação política nem elenca a singularidade brasileira. A esmagadora maioria das petições e/ou processos fazia o trânsito de pareceres e/ou consultas por vários tribunais e conselhos, entre os quais o Conselho Ultramarino era, sem dúvida, um dos polos, mas que foi sistematicamente desautorizado com os conflitos jurisdicionais com o Desembargo do Paço, que nunca perderia a jurisdição dos provimentos de lugares de letras (ouvidores, intendentes, provedores e juízes de fora), com o Conselho da Fazenda, que manteria a jurisdição sobre os assuntos da fazenda real, e com a Mesa da Consciência e Ordens, que tratava as questões relacionadas com a natureza dos índios, a legalidade do comércio dos escravos ou o problema da chamada “guerra justa” e tinha jurisdição sobre parte do clero. Tudo isto sem esquecer a indispensável intervenção dos procuradores da coroa com assento em cada tribunal e conselho. Será certamente pelo facto de a centralidade da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar e da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, a partir do pombalismo, estar evidenciada nos núcleos do ANTT e não no AHU que não terá sido dado o destaque quantitativo a esta mudança política.

9 Os governadores das capitanias e os governadores reinóis são dois cargos com funções muito distintas. Enquanto no reino se ocupavam de assuntos militares, no Brasil governavam. Sobre corregedores e ouvidores, que não comunicaram, obviamente, com o Conselho Ultramarino, só podem ser comparados com muita reserva. A existência de um ouvidor-geral na sede da capitania, e não de um ouvidor de comarca (exceção para Minas Gerais), conferia a estes magistrados uma abrangência territorial imensa, de onde que a diferença com os corregedores decorria, sobretudo, das escalas cartográficas, mobilidade das fronteiras e ambientes rústicos, com consequências na configuração das pluralidades e autonomias jurisdicionais. Sobre os municípios (capítulo 10), com uma abordagem temporal também diferente do projeto P1, sobressai a ideia de que as câmaras, quase todas de juízes ordinários, produziram uma média de quatro documentos por ano para comunicarem com a coroa. Nos dois últimos capítulos, um sobre Luanda, indica-se uma produção de um a sete requerimentos por ano, enquanto um outro capítulo reserva a atenção para as petições em grupo (moradores, nobreza, lavradores, confrarias, misericórdias e câmaras).

10 De notar, ainda, omissões importantes na matriz institucional apresentada, talvez por razões documentais. Não é invocada a modalidade inusitada de juízes ordinários sem câmaras (desde 1732), que a coroa aceitou como “provisional”, e a rede de juízes de vintena (ambos eletivos), como não são referidos os (super)intendentes que respondiam diretamente à corte e não obedeciam aos governadores nem aos ouvidores e, também, o expediente de governar através de juntas colegiais (à maneira das Cortes), provisórias e ocasionais (camarárias, de capitania, fazenda, comércio e justiça), embora tenha sido anotada a sua emergência no capítulo 2. Mas estas foram, sem dúvida, as grandes novidades político-institucionais ensaiadas na colónia que, pelas suas caraterísticas e idiossincrasias, deixaram poucos artefactos arquivísticos, embora possam influenciar a apreciação e a crítica aos dados recolhidos pelo(s) programa(s) de investigação.

11 Do ponto de vista historiográfico, o livro assume como estratégico evidenciar a existência de uma “monarquia pluricontinental” que se terá cimentado à custa da economia das mercês, das suas dependências e obediências, desenvolvendo uma centralidade no príncipe para satisfação de serviços e privilégios. No primeiro e maior capítulo sobre as mercês, a tabela 1.3 diz-nos que o ritmo das petições de mercês foi de 4,5 por mês e não ultrapassou 10 % do conjunto das tipologias (governo, fiscalidade, economia, escravidão, câmaras). Verificamos, também, ao longo das estatísticas produzidas que a comunicação política foi de baixa intensidade. Entre 1621 e 1808, no que aos municípios diz respeito (reino e Brasil), excluindo o governo da câmara, temos uma média de cerca de duas remessas por ano (ou quatro se incluirmos o governo das câmaras), enquanto as capitanias produziram perto de dez remessas por mês.

12 Sobre os provimentos de ofícios sabe-se hoje, relativamente bem, que encontraram imensas dificuldades para serem satisfeitos, pese o esforço na divulgação dos concursos, obrigando, portanto, à prorrogação dos mandatos. Este bloqueio levou os governadores das capitanias e os senados das câmaras a usarem, com grande autonomia e arbitrariedade, o mecanismo ilegal de atribuição de ofícios cujos encartes passaram, desta forma, a promover e a consolidar redes clientelares de favores, compensações e concessões de privilégios locais e regionais, fugindo à consagração simbólica do monarca. E esta desvalorização do exercício da graça cresceu, também, por causa do regime da venalidade. Desde o início do século XVIII que os ofícios a criar ou já criados, excluídos os da fazenda, podiam ser vendidos em leilão a quem oferecesse um “donativo” à coroa que justificasse o encarte (“direito antidoral e consuetudinário”). Esta singularidade não foi desenvolvida no livro nem foi explicada a sua ausência.

13 Talvez possamos dizer, em síntese, que, devido aos propósitos anunciados no(s) programa(s), ao enorme caudal de informação disponibilizada, embora com o desencontro de alguns dados, ao meritório e significativo problema historiográfico levantado, se justificaria uma conclusão geral mais desenvolvida com a retoma da tese da proeminência das mercês (economia da graça) como aglutinadora, por um lado, de uma monarquia pluricontinental e, por outro, como o cimento da comunicação política com a coroa. A demonstração desta tese não nos parece que esteja suficientemente evidenciada nos diversos textos da obra, alguns mesmo contraditórios com o propósito da mesma, nem tão-pouco está revelada nos dados quantitativos e nas análises qualitativas. Seria, obviamente, uma grande novidade historiográfica que mudaria diversas perspetivas políticas sobre o império e, por isso mesmo, pedia e merecia uma abordagem eminentemente estruturante.

José Subtil – Universidade Autónoma de Lisboa. E-mail: josemsubtil@gmail.com.

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Um reino e suas repúblicas no Atlântico. Comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVI e XVII – FRAGOSO; MONTEIRO (LH)

FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nuno Gonçalo (Org). Um reino e suas repúblicas no Atlântico. Comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2017, 476 pp. Resenha de: VAINFAS, Ronaldo. Ler História, v.75, p. 275-279, 2019.

1 O livro organizado por João Fragoso e Nuno Gonçalo Monteiro recoloca a problemática do império marítimo português, em particular aquela dedicada a investigar as dinâmicas imperiais nos séculos XVII e XVIII. O título, é certo, evita a palavra império e adota uma fórmula original, “um reino e suas repúblicas no Atlântico”. O termo república, aliás, como bem sabem os especialistas, procura exprimir o que, na documentação da época, aparecia como conquistas ou domínios ultramarinos, raramente como colónias, exceto a partir do final do século XVIII. É opção interessante, pois além de mais ou menos frequente em documentos coevos, tal nomenclatura ilustra a perspectiva jurisdicional, uma vez focada nos sistemas e agentes da comunicação entre as diversas esferas de poder, desde as instituições administrativas do reino às agências locais, a exemplo das câmaras municipais, passando pelas governanças coloniais, fossem estados ou vice-reinos, sem prejuízo de outras instâncias de peso, como juizados vários, tribunais de segunda instância e corporações militares.

2 A obra se insere, portanto, na corrente revisionista da história portuguesa e ultramarina do Antigo Regime, embora também este conceito seja motivo de polêmica entre os historiadores, nos últimos vinte anos, quando aplicado às sociedades coloniais da época moderna. Polêmicas sobre a nomenclatura têm sido, de facto, muito intensas neste campo de estudos, e se, por vezes, exprimem divergências meramente nominalistas, outras vezes se relacionam a questões relevantes de ordem conceitual, tingidas por colorações políticas e ideológicas, em maior ou menor grau. Exceções à parte, as polêmicas deste campo de estudos me parecem cientificamente elevadas e se relacionam ao nó da questão. Trata-se, antes de tudo, de definir o estatuto das relações entre a coroa portuguesa e suas possessões marítimas. Trata-se, ainda, de compreender a dinâmica dessas relações que, obviamente, se modificaram ao longo dos séculos. Trata-se, em especial, de relacionar esta dinâmica com as diversas territorialidades, com as instâncias hierarquicamente graduadas de governança e com os agentes de poder em vários graus. Em uma fórmula banal : identificar quem mandava em quem, quando, onde e porquê ; e, sobretudo, como se comunicavam as diferentes esferas de poder, sobre quais temas, com que frequência, quem as protagonizava.

3 Claro está que o objeto de investigação em causa pressupõe a delimitação do todo e das partes. Da unidade e de seus componentes. Um reino e suas repúblicas é título sugestivo, como já disse, mas não pretende, quero crer, dar conta do imbróglio conceptual que a questão encerra. Diversos livros, seja os da historiografia tradicional, seja os da revisionista, recorrem à palavra reino para aludir à cabeça deste complexo sociopolítico, palavra que se reveza com coroa, monarquia, metrópole e império. A problemática de fundo reside nos nexos entre o centro e as periferias do mundo português, como sugeriu Russel-Wood, em texto clássico, embora o mesmo autor aponte que tais vínculos eram complexos, dinâmicos e relacionais. Determinada periferia poderia funcionar como centro de outras periferias do ponto de vista comercial, administrativo ou jurisdicional. O próprio Portugal, centro inconteste de suas conquistas ultramarinas, passou à órbita das monarquias secundárias da Europa após 1640, justamente na época em que o reino brigantino buscou incrementar seus mecanismos de controle, em especial sobre o Brasil e a África centro-ocidental.

4 Império ? Eis-nos diante de um conceito tremendamente complicador nas definições da unidade, decerto maior, dos dilemas relacionados às periferias. No livro em causa, evita-se o império no título, bem como na excelente apresentação dos autores sobre as pesquisas nele contidas. No prefácio assinado por António Manuel Hespanha, porém, “império português” é expressão usada sem hesitação, embora o autor a utilize exatamente para sublinhar o descentramento dele, considerado o “desenho de centros de decisão de vários níveis, interconectados segundo uma geometria variada…”. Um império fragmentado, descentralizado. Império sem unidade. Não é de estranhar que Hespanha assim o defina, sendo autor de obra matriz do revisionismo historiográfico português quanto ao caráter absolutista da monarquia, definindo-a como polissinodal, para sublinhar a pluralidade, quando não justaposição, das jurisdições decisórias até meados do século XVIII. Poucos estudos do livro adotam o império como referência e apenas um o estampa no título.

5 O conceito, ou apenas a expressão, de império português é aspecto central desta temática, considerada a trajetória de seu uso e a claudicação dos historiadores atuais em adotá-la. O livro em foco ilustra o dilema, embora prevaleça alguma parcimônia na utilização do termo, que perde, em menções, para a noção de reino. Mas, paradoxalmente, a restauração inovadora do conceito de império faz parte do revisionismo historiográfico das últimas décadas, seja do lado português, seja do brasileiro. Os organizadores se referem ao império a propósito da unidade que o mundo português teria eventualmente construído na época estudada : “no Setecentos, o termo ‘império’ parece ter tido uma utilização escassa, sobretudo literária, tornando-se mais frequënte em finais do século, também por influência da economia política”.

6 Estão certíssimos, se lembrarmos que D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro da coroa, foi quem praticamente cunhou o termo “império luso-brasileiro”, em sua memória de 1797. Considerando que, após a independência das colônias inglesas da América do Norte, o império português corria o risco de fragmentar-se, sustentou a necessidade de reformas que aliviassem a pressão, sobretudo fiscais, sobre os colonos do Brasil. Recorrendo ao pensamento dos fisiocratas e de Adam Smith, pretendeu reforçar a unidade das conquistas como um todo. Concebeu um império que apostasse nas horizontalidades territoriais, sem destroçar a verticalidade inerente a um império colonial. “Afrouxar os laços para manter o enlace”, assim Fernando Novais se referiu ao projeto setecentista do Conde de Linhares. Quase sessenta anos antes de D. Rodrigo, D. Luís da Cunha havia exposto tese semelhante, nas Instruções Inéditas a Marco António de Azevedo Coutinho, de 1736, que viu no Rio de Janeiro a vocação para encabeçar um império atlântico português, no lugar de Lisboa. Romero de Magalhães o definiu, por isso, como um “visionário radical”, embora fosse ele, D. Luís, um ilustrado calculista. Chegou D. Luís a escrever que, por ser “florentíssimo e bem povoado aquele imenso continente do Brasil”, deveria o rei de Portugal tomar o título de “imperador do Ocidente” e ali estabelecer-se. O historiador brasileiro Evaldo Cabral de Mello abriu com D. Luís da Cunha um texto intitulado “Antevisões imperiais”, publicado em Um imenso Portugal (2002). De sorte que Fragoso e Monteiro estão certos ao indicar que o conceito de império, em Portugal, foi uma formulação tardia. O império luso-brasileiro, ao concretizar-se nos primeiros anos do XIX, preludiou a emancipação política do Brasil, como afirmou Emília Vitti da Costa.

7 Na historiografia brasileira dos anos 1930-1940, empenhada em desvelar a identidade brasileira, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. sequer mencionaram o império português. Estavam, os dois primeiros, empenhados em discutir o maior ou menor peso da cultura portuguesa na formação do país. Gilberto Freyre ao exaltar a plasticidade do português, embora realçando o triunfo das africanidades na identidade brasileira. Sérgio Buarque ao desmerecer o legado lusitano – predatório – mas reconhecendo que tudo, na formação histórica brasileira, foi adaptação maior ou menor da portugalidade. Caio Prado, por sua vez, marxista por vocação e formação, concentrou o foco nas contradições entre metrópole e colônia, ao destacar a exploração mercantil do Brasil em um sistema orquestrado pelo capital comercial europeu. Buscava as origens do subdesenvolvimento, do atraso e da pobreza brasileiras à luz do conceito leninista de imperialismo, ajustado para o período colonial. A mesma interpretação foi aggiornata nos anos 1970 por meio do conceito de Antigo Sistema Colonial, cunhado por Fernando Novais. Irrigou inúmeras pesquisas e livros didáticos brasileiros até o final do século passado.

8 Do lado português, o problema parece ser mais complexo. A noção de império colonial encorpou-se nas primeiras décadas do XX. Ainda na Ditadura Militar portuguesa (1926-1933), o ministro das colónias, Armindo Monteiro, defendeu a organização de um verdadeiro império, que Portugal não estruturara, apesar de possuir “um conjunto de parcelas espalhadas pelo mundo”. No Estado Novo esta ideia deslanchou. O própro Salazar publicou diversos textos em que celebrou a unidade do império português. Bastaria examinar as divisões e propósitos da Agência Geral das Colónias, fundada em 1924 e agigantada no salazarismo. Bastaria citar os eventos da Agência nos anos 1930, a exemplo do Congresso da Expansão Portuguesa no Mundo (1937). A Agência Geral das Colónias patrocinou centenas de publicações e criou colecções tipicamente colonialistas ou imperialistas, a exemplo de “Pelo império”.

9 É verdade que a Agência também publicou estudos de interesse, mas seu engajamento ideológico era indiscutivelmente salazarista, imperialista. Não admira que os historiadores à esquerda, como o grande Vitorino de Magalhães Godinho, jamais tenham utilizado o conceito de “império colonial”. Não admira que os historiadores formados ou consolidados após a “Revolução dos Cravos”, tenham seguido este caminho cético quanto à legitimidade do conceito de “império português”. Citemos a coleção História da Expansão Portuguesa, organizada por Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri a partir de 1998. O conceito de império serve de referência, quiçá eixo da obra, figurando no título de várias partes ou capítulos. Um império entendido em sentido abrangente, abrigando não apenas os fluxos mercantis, mas também as configurações políticas e culturais. Diria que a obra aprofunda no conteúdo, e alarga na temporalidade, o que Charles Boxer ofereceu no clássico O império marítimo português (1969). Porém, não obstante a excelência da colecção, os autores evitam discutir o conceito de império e o não explicitam no título, se é que chegaram a cogitar da hipótese.

10 A partir dos anos 1990, do lado de cá e de lá do Atlântico, os historiadores passaram a valorizar a perspectiva imperial de Boxer, que nada tinha que ver com os dilemas políticos portugueses ou brasileiros. Uma tentativa de, mutatis mutandis, pensar a experiência imperialista portuguesa à luz da britânica e da holandesa, por ele estudadas desde os anos 1950. A afirmação de Boxer de que as câmaras e as misericórdias foram pilares do império português tornou-se clássica, inspirando várias investigações. Um incentivo aos estudos dos poderes locais na configuração do império lusitano. Mas penso que os estudos sobre impérios coloniais na época moderna tiveram peso na recuperação do conceito de império, como no livro de Jack Greene, Peripheries and Center : Constitutional Development in the Extended Polities of the British Empire and the United States, 1607-1789 (1990).

11 A obra em análise evita o conceito de império, mas flerta com ele. O próprio Fragoso adotou, sem pejo, o conceito de “império”, quer no pioneiro O Antigo Regime nos trópicos (2001) quer em A trama das redes : política e negócios no império português (2010), ambos organizados em parceria com Maria de Fátima Gouvêa. Em Um reino e suas repúblicas, evita-se o império em favor de conceito novo, da lavra de Monteiro : monarquia pluricontinental. Conceito adequado à realidade factual, que deve ser a mais importante para os historiadores. No entanto, para polemizar, diria que a monarquia hispânica possuía perfil similar, não obstante John Elliot a ter definido como monarquia compósita. Pois quem haverá de duvidar que Castela encabeçava uma monarquia pluricontinental no mesmo período, com o trunfo de ter engolido o império português entre 1580 e 1640 ?

12 Em todo caso, os critérios adotados para delimitar os “períodos de comunicação” são muito inovadores (p. 27). Os organizadores multiplicam as fases e, ao mesmo tempo, alargam as perspectivas para a investigação das dinâmicas imperiais no Atlântico português pós-restauração. Isto porque se ancoram na empiria (fluxo e disponibilidade das fontes) ; atentam para as conjunturas políticas e econômicas portuguesas do período ; procuram destacar os aspectos relacionais entre os vasos comunicantes no Atlântico português em várias escalas de poder. Oferecem uma tipologia arguta das dimensões do poder : a do reino, a da conquista, a donatorial, a local, a privada ou doméstica. Reconhecem, ainda, que a pesquisa deixa quase de fora a dimensão doméstica de poder, exceto quanto à incidência de solicitações de mercês pelas elites coloniais à monarquia. Um paradoxo formidável, considerado que o exercício do poder, no âmbito doméstico, era decisivo na estruturação das relações sociopolíticas da monarquia pluricontinental.

13 Vale indagar se, por deixar à sombra a esfera do poder senhorial no Brasil ou a dos potentados africanos que organizavam o tráfico, a obra se preocupa apenas com a face formal da comunicação política. Não penso ser este o caso, sobretudo porque alguns capítulos tangenciam a dimensão privada do poder, ao desvendarem malhas locais, como no texto de Roberto Guedes sobre a câmara de Luanda. Em segundo lugar, porque o relativo eclipse da esfera doméstica de poder resulta não de qualquer parti pris, senão do que as fontes oferecem. Em terceiro, porque a esfera jurisdicional, privilegiada na obra, verticaliza a fisiologia política do império. Círculos de poder com ligames formais de comunicação. Círculos concêntricos ? Talvez não, considerado o compromisso teórico dos autores com o descentramento. Talvez sim, se admitida alguma centralidade da coroa. Dilemas à parte, estamos diante de um grande livro. Pesquisa financiada por várias top agências de fomento. Inovação no tratamento da problemática. Equilíbrio entre a informação quantitativa e a interpretação qualitativa, erudita. Aproveitamento à exaustão das fontes disponíveis, com destaque para as do Arquivo Histórico Ultramarino. Historiadores e historiadoras de ponta, nos dois lados do Atlântico. Paixão pelo ofício em cada um dos trabalhos da obra.

Ronaldo Vainfas – Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ-FFP) e Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil. E-mail: rvainfas@terra.com.br

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Mythos – Revista de História Antiga e Medieval. Imperatriz, n1, 2019

Edição I – 2019

Editorial

  • Maria Aparecida de Oliveira Silva, 7

Artigos

  • A RELIGIÃO EGÍPCIA E SUAS NARRATIVAS NO MATERIAL ESCOLAR.
  • Jerrison Patu, 10
  • DESENTENDIMENTOS NA FAMÍLIA RÉGIA PORTUGUESA: A GUERRA TRAVADA ENTRE O MONARCA D. DINIS E O INFANTE D. AFONSO (1319-1324)
  • Láisson Menezes Luiz, 21
  • ABSTINÊNCIA DO CARALHO: O PASSIVO E O ATIVO NA SOCIEDADE ATENIENSE DO SÉCULO V A.C
  • Gerliane Oliveira Lima; Jacquelyne Taís Farias Queiroz, 35
  • SETE CONTRA TEBAS, AGAMÊMNON E COÉFORAS: OS RITOS FÚNEBRES E A SOCIEDADE GREGA DO SÉCULO V A. C.
  • Jacquelyne Taís Farias Queiroz; Ualace Lima Nascimento, 61
  • CARACTERÍSTICAS ADMINISTRATIVAS DO ESTADO DE UR-III
  • Sebastião Gomes de Sales Junior, 79
  • PROJETO DE CONVERSÃO E FEUDO-CLERICALIZAÇÃO NO PENSAMENTO E OBRA DE RAMON LLULL
  • Marcos Jorge dos Santos Pinheiro, 91
  • O ARQUÉTIPO DO HERÓI DE GUERRA: UMA ANALOGIA ENTRE ARTUR PENDRAGON E AQUILES
  • Camille Pezzino Gonçalves Pereira, 107

Publicado: 14.12.2021

História Hoje. São Paulo, v.8, n.15, jan./jun. 2019.

Editorial

Apresentação

Dossiê

Entrevista

Falando de História hoje

História Hoje na sala de aula

Artigos

 

Entangled Empires: the Anglo-Iberian Atlantic, 1500-1830 – CAÑIZARES-ESGUERRA (VH)

CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. Entangled Empires: the Anglo-Iberian Atlantic, 1500-1830. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2018. 331 p. KALIL, Luis Guilherme. A Península e a Ilha: Ibéricos e ingleses no Atlântico dos séculos XVI ao XIX. Varia História. Belo Horizonte, v. 35, no. 67, Jan./ Abr. 2019.

Em sua investigação sobre os primeiros exploradores europeus do território norte-americano, Tony Horwitz (2010, p.16) afirma haver um “século perdido”, que iria de 1492 até 1620, com o desembarque do Mayflower. O vazio apontado pelo jornalista é ilustrado através da entrevista com um guarda-florestal de Plymouth, frequentemente questionado por turistas se este rochedo seria o local onde Colombo teria desembarcado no Novo Mundo.

Esta curiosa confusão de datas e personagens se relaciona com questões mais amplas acerca do passado colonial americano e dos impérios construídos por ingleses e ibéricos durante a Modernidade. A visão de uma experiência inglesa na América como algo único e isolado do restante do continente possui uma longa e variada trajetória marcada por aspectos como as rivalidades imperiais e os embates entre católicos e protestantes no período. Esse processo ganha força nos Estados Unidos independente através dos esforços de construção de um passado nacional que encontra nos puritanos ingleses o ponto de partida para o Destino Manifesto da nação. Já no século XX, essa perspectiva fomenta uma abordagem – há muito criticada pelos historiadores, mas ainda atraente em sua tipologia simplista, dicotômica e determinista – que identifica na América a existência de dois modelos opostos de colonização: exploração ou povoamento.

Ao longo de sua carreira, Jorge Cañizares-Esguerra vem dedicando grandes esforços na tentativa de negar o isolamento e historicizar a construção deste antagonismo que silencia as conexões, enfatizando que a trajetória do Império inglês – e, mais amplamente, da própria Modernidade – só seria compreensível se a experiência ibérica fosse colocada em primeiro plano. Nesse sentido, o autor enfatizou em obras anteriores o papel central do Império espanhol e de suas colônias americanas em alguns dos principais debates epistemológicos do século XVIII (2001), os vários pontos em comum entre conquistadores hispânicos e religiosos puritanos (2006) e a “dramática influência” das ideias, políticas e ações ibéricas nas colônias ultramarinas inglesas, marcadas pela inveja em relação à Espanha (Cañizares-Esguerra; Dixon, 2017). Em todos os casos, há um questionamento direto em relação aos recortes nacionais e imperiais e também às perspectivas tradicionais de Modernidade e de História Atlântica, que deixariam de lado a complexidade e a riqueza das trajetórias de pessoas, bens, ideias e escritos. Como alternativa, o historiador, em conjunto com outros pesquisadores (Gould, 2007), propõe a perspectiva de “Impérios Emaranhados” (2012), cujas trajetórias seriam impossíveis de serem compreendidas separadamente.

O presente livro é mais uma contribuição nessa direção. Resultado de um encontro organizado por Cañizares-Esguerra e seus orientandos na Universidade do Texas, em 2014, Entangled Empires visa, através de seus doze artigos, reforçar as críticas às abordagens nacionais ou imperiais através da análise de uma ampla gama de temas, documentos, personagens e regiões que se estendem do século XVI ao início do XIX. A ideia de um esforço conjunto em defesa da perspectiva de Impérios Emaranhados fica visível através não apenas de referências conceituais e bibliográficas comuns, mas também pelas recorrentes menções nos artigos a outros textos do mesmo livro, o que reforça o diálogo entre eles e a unidade da obra, permitindo conexões que escapam aos temas específicos de cada um dos autores.

Como exemplo, podemos citar os estudos de Mark Sheaves (Cap. 1) e de Christopher Heaney (Cap. 4), que destacam a fragilidade das identificações nacionais em relação a determinadas fontes históricas e personagens. No primeiro caso, o autor persegue a trajetória de ingleses como um comerciante e escritor que viveu em terras espanholas denominado nos documentos do período tanto como Pedro Sánchez quanto como Henry Hawks, a depender de seu local de publicação. Já Heaney analisa a tradução e adaptação para o inglês feita por Richard Eden de trechos das Décadas de Pedro Mártir de Anglería, identificando a influência da Utopia de Thomas More (que, por sua vez, foi influenciado pelas cartas de Américo Vespúcio) e a tentativa de, através dos escritos, inspirar os ingleses em direção ao Novo Mundo.

Outros capítulos ressaltam a atuação de grupos que transitavam entre a península, a ilha e o mundo atlântico. É o caso do artigo de Michael Guasco (Cap. 2), para quem os primeiros contatos dos ingleses com os africanos teriam sido pautados pela experiência ibérica anterior, da análise de Holly Snider (Cap. 5) a respeito dos judeus sefaraditas e de Christopher Schmidt-Nowara (Cap. 6) sobre a importância de alguns irlandeses para a expansão inglesa e suas múltiplas relações com os domínios ibéricos. Destacam-se ainda as contribuições de Bradley Dixon (Cap. 9), para quem a influência ibérica também foi fundamental para se compreender as expectativas e a atuação de determinados grupos indígenas em seus contatos com os ingleses, e de Kristie Flannery (Cap. 12), que altera o eixo de análise do Atlântico para o Pacífico, apontando a multiplicidade de relações existentes entre ingleses, espanhóis e nativos nas Filipinas durante a Guerra dos Sete Anos.

Em muitos capítulos, a referência aos impérios ibéricos presente no título da obra perde força para a abordagem mais específica das relações entre espanhóis e ingleses. Uma exceção é o trabalho de Benjamin Breen (Cap. 3), que destaca o papel central dos portugueses no comércio de “drogas” e na formação de redes comerciais e intelectuais. A decisão de concentrar a atenção no Atlântico anglo-ibérico traz ainda como consequência – algo reconhecido pelo próprio organizador em sua introdução (p. 3) – o pouco espaço dedicado a outros impérios, personagens e eventos fundamentais para a compreensão das questões que envolvem muitos dos artigos desta coletânea, como o caso da Revolução de Santo Domingo e, mais amplamente, da atuação francesa, holandesa, sueca, entre outras, no Novo Mundo, o que não só ampliaria a quantidade de impérios abordados, mas também aprofundaria o emaranhado entre eles.

Para além das possibilidades de ampliação do escopo de análise, que abrem espaço para outros esforços coletivos de pesquisa no futuro, Entangled Empires é uma importante contribuição no já longevo esforço de problematização do conceito de Império. Após percorrermos as trajetórias dos textos, produtos e personagens além dos debates intelectuais, negociações políticas e conflitos armados analisados pelos autores que participam desta coletânea, torna-se cada vez mais difícil identificarmos as especificidades e os limites há muito identificados entre os impérios construídos pelos ibéricos e ingleses.

1É interessante observarmos que a produção de obras coletivas em torno de uma proposta de análise – algo ainda raro dentro da historiografia brasileira – é muito comum nos Estados Unidos. Apenas como exemplo, limitando-nos a livros que alcançaram grande repercussão dentro das pesquisas sobre o continente americano durante o período colonial, podemos citar obras como Negotiated Empires (2002) e Indian Conquistadors (2007).

Referências

CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. How to Write the History of the New World: Histories, Epistemologies, and Identities in the Eighteenth-Century Atlantic World. Stanford: Stanford University Press, 2001. [ Links ]

CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. Puritan Conquistadors: Iberianizing the Atlantic, 1550-1700. Stanford: Stanford University Press, 2006. [ Links ]

CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. Histórias emaranhadas: historiografias de fronteira em novas roupagens? In: FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira (org.). História da América: historiografia e interpretações. Ouro Preto: EDUFOP, 2012, p.14-39. [ Links ]

CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge; DIXON, Bradley J. “O lapso do rei Henrique VII”: inveja imperial e a formação da América Britânica. In: CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge; FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira; BOHN MARTINS, Maria Cristina (orgs.). As Américas na Primeira Modernidade. Curitiba: Prismas, 2017, p. 205-243. [ Links ]

DANIELS, Christine; KENNEDY, Michael V. Negotiated Empires: Centers and Peripheries in the Americas, 1500-1820. New York; London: Routledge, 2002. [ Links ]

GOULD, Eliga H. Entangled Histories, Entangled Worlds: The English-Speaking Atlantic as a Spanish Periphery. American Historical Review, vol. 112, n. 3, p.764-786, 2007. [ Links ]

HORWITZ, Tony. Uma longa e estranha viagem: rotas dos exploradores norte-americanos. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. [ Links ]

MATTHEW, Laura; OUDIJK, Michel. Indian Conquistadors: Indigenous Allies in the Conquest of Mesoamerica. Oklahoma: University of Oklahoma Press, 2007 [ Links ]

Luis Guilherme Kalil – Departamento de História, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Av. Governador Roberto Silveira, s/n, Nova Iguaçu, RJ, 26.020-740, Brasil. lgkalil@yahoo.com.br.

História comparada e sistemas sociais: repensando as ciências sociais no século 21 / Revista de História Comparada / 2019

Há um chiste que diz que a vista mais bonita de Niterói é o Rio de Janeiro. Tem-se aí uma óbvia provocação que enfurece os niteroienses: subentende-se que a cidade, separada do Rio pela Baía de Guanabara, não teria belezas naturais, restando a seus moradores admirar os contornos da cidade vizinha. Os niteroienses respondem ao gracejo dizendo que têm do Rio de Janeiro o que há de melhor, a visão panorâmica, dando a entender que de perto a capital do Estado deixa a desejar. Não é tarefa difícil desmentir a falta de belas paisagens em Niterói e de pormenores bonitos no Rio de Janeiro. Regionalismos à parte, o que ressalta na troca de gentilezas entre cariocas e niteroienses é o ponto de referência adotado na observação. Diante de uma tela monumental, o observador pode aproximar a vista e reconhecer o talento do artista pelos detalhes da pincelada, mas teria dificuldade de ver o conjunto da pintura; de modo contrário, poderia se afastar e ver a tela inteira, mas perderia os detalhes que só a proximidade torna visíveis. Em ambos os casos, há limites para o bom senso: com o nariz quase tocando o quadro, a vista embaçaria e nada seria apreciado, assim como não teria nada a admirar caso estivesse demasiado distante e o quadro monumental se tornasse um ponto perdido no horizonte. Leia Mais

Questão Agrária e Povos da Terra /Tempos Históricos/2019

A Revista Tempos Históricos tem a grata satisfação em apresentar os resultados do Dossiê Questão Agrária e Povos da Terra, integrante desse volume e que contém 14 artigos aprovados pelo quadro dos pareceristas da revista. Antes de apresentá-los, brevemente, é oportuno indicar algumas reflexões acerca da questão agrária e os povos da terra, haja vista a própria receptividade que a chamada teve e a pertinência desses temas para a história e a historiografia. Leia Mais

Mulheres e Poder: um manifesto | Mary Beard

A capa do livro Mulheres e Poder (originalmente publicado: Woman & Power) chama logo a atenção pelo título e pelo seu subtítulo aclamativo: “um manifesto”. Para completar, anuncia: “best-seller nos Estados Unidos e Europa”. Desde esse primeiro encontro, o leitor se vê instigado. Sua autora tem um currículo respeitável: historiadora dedicada aos estudos sobre a Antiguidade Clássica, em especial acerca do Império Romano, a inglesa Mary Beard é professora da Universidade de Cambridge e, além desse livro, publicou outras obras de renome sendo SPQR – Uma História da Roma Antiga a “sua obra prima”, segundo a Editora Planeta, que publicou ambos os livros no Brasil.

Baseado em duas palestras proferidas em 2014 e 2017, Mulheres e Poder, apesar de curto frente à relevância dos temas que aborda, é assertivo ao discutir sobre o quão intrínsecos à sociedade e à cultura ocidental estão os mecanismos que silenciam as mulheres e as excluem dos centros de poder. Leia Mais

Women´s political activism in Palestine: peacebuilding, resistance and survival | Sophie Richter-Devroe

O livro em foco é intitulado Women’s political activism in Palestine: peacebuilding, resistance and survival, em tradução livre, Ativismo político de mulheres na Palestina: construção de paz, resistência e sobrevivência, publicado em 2018 pela University of Illinois Press, nos Estados Unidos. O livro foi escrito por Sophie Richter-Devroe, publicação oriunda de sua pesquisa de doutorado, finalizada no ano de 2010 na Universidade de Exeter, na Inglaterra, na área de Política do Oriente Médio. Richter-Devroe atualmente é professora associada do Programa Mulher, Sociedade e Desenvolvimento, do Instituto de Humanidades e Ciências Sociais da Universidade Hamad Bin Khalifa, no Qatar. Dentre suas áreas de interesse estão recortes que envolvem debates sobre as mulheres, os gêneros e a política no Oriente Médio, além de questões acerca da migração, do refúgio e da história oral.

Durante as últimas décadas, a população palestina tem lidado com as dificuldades da ocupação israelense. E, diante de um singular e complexo conflito travado desde a criação do Estado de Israel, em 1948, as mulheres têm feito política de maneiras diversas para sobreviver e resistir aos problemas diários e estruturais enfrentados na Palestina. Sophie Richter-Devroe investiga as maneiras informais de se produzir ativismo político, ou seja, as ações que se dão no cotidiano e não se encontram necessariamente institucionalizadas. Ao problematizar a capacidade da agenda liberal internacional de lidar com o duradouro problema palestino, Richter-Devroe direciona seu olhar para as pessoas que vivem em diferentes espaços do território palestino, analisando como as mulheres trabalham e atuam com organizações e ações internas, localizadas e mais pessoalizadas. Leia Mais

Ars Histórica. Rio de Janeiro, v.19, n.1, 2019.

Dossiê História do Trabalho e dos trabalhadores: dimensões políticas, econômicas e sociais

Revista de História do corpo discente do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ

Dossiê História do Trabalho e dos trabalhadores: dimensões políticas, econômicas e sociais

Revista de História do corpo discente do Programa de Pós-graduaçao em História Social da UFRJ

Editorial

Artigos de Dossiê

Ars Histórica. Rio de Janeiro, v.18, 2019.

Dossiê História das mulheres e estudos de gênero: novas questões e abordagens

Revista de História do corpo discente do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ

Editorial

Artigos de Dossiê

Artigos Livres

Resenhas

Notas de Pesquisa

Em Perspectiva. Fortaleza, v.5, n.1 2019.

História & Ficção

Editorial

Apresentação

Dossiê Temático

Resenha

Entrevista

 

Perseu – História, Memória e Política. São Paulo, n.18, 2019.

apresentação

expediente

dossiê

resenhas

Perseu – História, Memória e Política. São Paulo, n.17, 2019.

apresentação

expediente

dossiê

artigos

Trabalho e educação no Brasil: da formação para o mercado ao mercado da formação – LIMA (TES)

LIMA, Marcelo. Trabalho e educação no Brasil: da formação para o mercado ao mercado da formação. Curitiba: CRV, 2016. 130p. Resenha de: VENTURA, Jaqueline. Mercado e formação: uma análise crítica da mercantilização da educação profissional no Brasil. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Riov.17, n.1, Rio de Janeiro, 2019.

Em Trabalho e Educação no Brasil: da formação para o mercado ao mercado da formação, o professor Marcelo Lima, da Universidade Federal do Espírito Santo, faz um convite à reflexão crítica baseado em uma inquietante constatação: a mercantilização da educação e, em particular, da educação profissional.

O trocadilho do título, entre ‘mercado e formação’, traduz o atual movimento de ampliação do caráter privatizante da formação humana. O livro é composto por seis artigos que nos conduzem a refletir sobre como o viés economicista da educação e, em especial, da qualificação profissional, manifesta-se, atualmente, em dois planos simultâneos: a educação como serviço e a educação como mercadoria.

O primeiro capítulo, “Juventude, Trabalho e Educação”, abre o debate com uma reflexão sobre o papel da educação e do trabalho nos dias atuais, relacionando tal debate à situação da juventude no Brasil. O desemprego e a violência no contexto social contemporâneo são discutidos à luz de conceitos como desigualdade, urbanização, ética, educação, invisibilidade e alteridade.

Na sequência, em “A dialética trabalho e educação”, o autor busca no marxismo as referências teórico-metodológicas para discutir o processo de autoprodução humana que fundamenta epistemologicamente a pesquisa tratada no livro. Com o título “A qualificação e as mudanças no mundo do trabalho”, o terceiro capítulo discute como se dá a qualificação atualmente, considerando as mudanças no mundo do trabalho e suas consequências para a educação profissional.

No capítulo “O desenvolvimento histórico do tempo socialmente necessário para a formação profissional do técnico em eletrotécnica na rede federal”, a obra traz um importante e original debate sobre o conceito de ‘tempo socialmente necessário para formação profissional’, um conceito que relaciona os tempos produtivos e os tempos educativos. O autor demonstra que há uma tendência de diminuição desse tempo de formação.

Com base em um estudo empírico sobre o tempo de formação do técnico em eletrotécnica na rede federal do Espírito Santo, o autor conclui que houve uma espécie de ’reconfiguração‘ gradativa dos tempos relativos à formação em diferentes áreas, revelando diferentes concepções pedagógicas para os diversos momentos históricos.

Constata-se que, atualmente, as políticas produzidas na lógica do mercado, como, por exemplo, os cursos do Pronatec – com currículo estreito, imediatista e de baixa carga horária – tendem a esvaziar a base temporal desses currículos para fins de uma formação voltada mais para o trabalho simples do que para o trabalho complexo. Esse movimento restringe a educação às necessidades do campo econômico. Desse modo,

Segundo a perspectiva do discurso hegemônico, um dos meios para superar a suposta carência de formação da força de trabalho brasileira, considerada responsável pela não competitividade do Brasil a nível mundial, é a expansão acelerada da qualificação, bem como o acesso a diferentes níveis de certificação.

Essa diretriz tem criado um lucrativo mercado de transferência de recursos públicos para instituições privadas, ao expandir as vias formativas de caráter precário e aligeirado na rede privada e ampliar as possibilidades de certificação, realizadas, em sua maioria, com negação do direito ao conhecimento. (Ventura, Lessa e Souza, 2018, p. 158)

Na sequência, o capítulo quinto, “Expansão da rede federal: mercantilização e flexibilidade”, analisa as metamorfoses da rede federal de educação profissional, tomando como base empírica o desenvolvimento histórico dos modelos pedagógicos dessa modalidade de ensino ofertada pelo governo federal no estado do Espírito Santo.

Interessante notar que, ao longo da história, foram construídas marcas identitárias distintas para essa instituição educacional. Desde as escolas de aprendizes artífices até os institutos federais de hoje, cada período foi marcado por um tipo de homem que se deseja formar, ou seja, por um projeto educativo que caracterizou o projeto formativo da instituição.

No atual momento histórico, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em um movimento de ampliação e expansão de seu foco, abrangem de cursos de formação inicial e continuada (FIC) até a Pós-Graduação Stricto Sensu. Assim, a flexibilidade e a diversificação de oferta de cursos marcam a sua identidade hoje.

Esse movimento “pseudocria” o direito à educação (expande a rede federal, mas subsidia o setor privado), escondendo seu principal objetivo que é: resolver problema de formação para o mercado pela via da criação do mercado da formação. A criação desse híbrido, anfíbio e IFLEX permite a construção de uma identidade movente e fluída, elástica e adaptável às demandas do mercado. Combinar políticas neodesenvolvimentistas com políticas neoliberais coloca o governo e sua política numa encruzilhada que expressa uma ambiguidade ideológica, mas no fundo se alicerça na complementaridade de ações concretas que se estruturam na flexibilização e na heterogeneização dos tipos de oferta (e de ofertantes) da educação profissional, com o fito de resolver o (pseudo) problema de formar para o mercado pela via do fomento do mercado da formação . ( Lima, 2016 , p. 105, grifo nosso)

Encerra o livro o capítulo “Centros Públicos de Qualificação Profissional”, com a defesa de se reafirmar o caráter público da formação dos trabalhadores. Esse capítulo retoma a proposta de centros públicos de educação, defendida pelo grupo de trabalho nº 09 – Trabalho e Educação, da Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – Anped, em meados da década de 1990 e reafirma a atualidade desta proposta contra-hegemônica.

O capítulo chama a atenção para o fato de que a educação profissional básica, relacionada ao ensino fundamental, voltada para a formação em ocupações subtécnicas, seja oriunda do sistema S ou das políticas do Ministério do Trabalho e Emprego, como o o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, cursos de formação inicial e continuada (Proeja-FIC) ou o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), apresenta, de modo geral, currículos restritos, com conteúdo de menor complexidade e com uma leitura superficial da ciência e o domínio prático das atividades de produção.

Em suma, um currículo que reproduz as posições subalternas dos trabalhadores manuais. Além disso, o “processo de minimização da intervenção do estado nas áreas sociais também tende a diminuir a qualidade e quantidade da oferta escolar tipicamente estatal” ( Lima, 2016 , p. 124).

Em perspectiva contrária à oferta privada de educação profissional, o autor apresenta a proposta do centro público de educação profissional. Essa proposta alternativa, o projeto do Centro de Referência do Trabalho, a ’Fábrica do Trabalho‘, executado pela Secretaria de Trabalho e Geração de Renda da prefeitura de Vitória, em 2006, decorreu da crítica à lógica mercantil e significou uma alternativa pública, proposta pelo campo crítico.

A materialização do projeto ’Fábrica do Trabalho‘ não ocorreu. Embora a obra das instalações físicas tenha sido construída, disputas políticas internas fizeram com que o projeto político-pedagógico original não chegasse a ser efetivado.

Na conclusão, o autor chama atenção para o seguinte: a concepção privatista da formação profissional associada “à mediocridade política vigente, que se alicerça no personalismo e no marketing eleitoral, num momento de perda de hegemonia do governo do qual emergiu esse projeto” ( Lima, 2016 , p. 125, grifo do autor) inviabilizou a construção desse centro público de educação profissional.

A obra em exame, Trabalho e Educação no Brasil: da formação para o mercado ao mercado da formação , é fruto de um estudo apurado e crítico. É um livro produzido por quem está preocupado em elucidar e transformar a realidade social e, por isso, é uma valiosa contribuição ao nosso pensar e fazer transformador também.

Ela nos oferece uma boa reflexão sobre as relações entre mercado e formação. E, principalmente, nos três últimos capítulos, oferece-nos uma análise crítica sobre a mercantilização da educação profissional no Brasil.

Referências

LIMA , Marcelo . Trabalho e educação no Brasil: da formação para o mercado ao mercado da formação . Curitiba : CRV , 2016 , 130 p. [ Links ]

VENTURA , Jaqueline P. ; LESSA , Ludmila L. ; SOUZA , Samantha C. V. Pronatec: ampliação das ações fragmentárias e intensificação da privatização da formação do trabalhador . Revista Trabalho Necessário , ano 16 , n. 30 , 2018 . [ Links ]

Jaqueline VenturaUniversidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação , Niterói , RJ , Brasil. E-mail: jaqventura@uol.com.br

Acessar publicação original

[MLPDB]

Saúde e educação: um encontro plural – BERTICCI; SCHRAIBER (TES)

BERTICCI, Liane Maria; MOTA, André; SCHRAIBER, Lilia B.. (Orgs.). Saúde e educação: um encontro plural. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2017. 326 p.p. Resenha de: RUELA, Helifrancis Condé Groppo. Encontros e diálogos entre a saúde e a educação no Brasil. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.17, n.1, 2019

Saúde e Educação: um encontro plural é o nome da obra organizada por Liane Maria Bertucci, André Mota e Lilia Blima Shraiber que foi publicada pela Editora Fiocruz em 2017. O livro promove o encontro de historiadores, educadores, médicos e cientistas sociais que se dedicam e dialogam com o processo histórico de construção da relação entre a saúde e a educação, sobretudo no Brasil do século XX, e que têm como referencial condutor a historiografia brasileira. Os 14 capítulos estão agrupados em três partes temáticas que trataremos na sequência, quais sejam: Formação Profissional; Campanhas e Práticas de Prevenção; e O Universo Escolar.

A primeira parte, composta por quatro capítulos, inicia com “Saúde e Educação: a formação profissional entre princípios do século XX e do XXI”. Neste capítulo a autora analisa as influências do Relatório Flexner na formação médica na América Latina e como a maioria das instituições incorporou as recomendações sugeridas pelo documento, a saber: privilégio da biomedicina, incorporação de tecnologias, ensino por disciplinas e divisão dos currículos por ciclos. Aponta também que houve uma importante mudança depois da segunda metade do século XX, quando organismos como a OPAS e a OMS passaram a sugerir uma revisão nos currículos dos cursos da área da saúde, visando uma formação que superasse a proposta de ciclos (básico, pré-clínico e clínico) e promovesse uma integração e harmonização entre os conteúdos e a inserção mais precoce dos estudantes nos serviços de saúde locais.

O texto seguinte, intitulado “Educação, Higiene e Profissão em Debate nos Congressos de Medicina Latino-Americanos e Brasileiros”, resgata a realização dos Congressos científicos de medicina no continente latino-americano na virada do século XX para o XXI e suas participações na consolidação profissional do médico no período. Com base nos documentos desses eventos foi possível demonstrar a tensão no processo de regulamentação e construção do campo de atuação enquanto áreas autônomas não só da profissão médica, mas também de outras áreas profissionais como a farmácia, a odontologia e a enfermagem.

Já o terceiro capítulo, “Diplomadas de 1946: o novo modelo de formação norte-americano e a Escola de enfermagem do Centro Médico da Faculdade de Medicina de São Paulo”, tem como objetivo contribuir para a análise histórica do movimento político e social que alterou a formação e a identidade profissional no Brasil pós-1930. Para isto foram tomados depoimentos das 16 egressas da primeira turma da Escola de Enfermagem de São Paulo.

No último capítulo dessa primeira parte, intitulado “A Cooperação Opas-Brasil na Formação de Trabalhadores para a Saúde (1973-1983): instituições, agendas e atores” são resgatadas as bases, o desenvolvimento, os desdobramentos e resultados da cooperação técnica Opas-Brasil e sua influência no cenário dos recursos humanos em saúde no Brasil. Destaca-se o Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS) e o apontamento de que o legado da cooperação não se restringiu ao tema da formação de recursos humanos para a saúde e acabou influenciando e contribuindo para o próprio movimento de articulação que culminaria na formulação do Sistema Único de Saúde anos mais tarde.

A segunda parte, de uma maneira geral, trata do modo como determinadas populações enfrentaram doenças específicas e o quadro de saúde no final do século XIX e nas primeiras sete décadas do século XX. É iniciada com o capítulo “Morte aos Ratos!” que contextualiza o surgimento da epidemia de peste bubônica na Europa e sua chegada e disseminação no Brasil. São descritas também as estratégias de combate aos surtos e epidemias e suas relações com os ideais civilizatórios e de nação moderna da conjuntura do período.

O capítulo 6 da coletânea que tem como título “Os materiais educativos para a Prevenção do Câncer no Brasil: da perspectiva histórica à dimensão discursiva” discute os aspectos da educação em saúde para o controle do câncer no século XX, sobretudo através da publicação de impressos sobre o tema, elaborados entre as décadas de 1940 e 1960. Seus autores mostram como a mudança no padrão de morbidade fruto da transição epidemiológica impactou nas estratégias e práticas de combate ao câncer e como ele ganhou espaço na agenda da saúde pública brasileira depois da década de 1950.

“Saúde e educação na reforma dos Costumes dos Jovens Rurais mineiros (1952-1972): a experiência dos Clubes 4-S” é o terceiro capítulo dessa segunda parte. Os autores discutem a organização dos clubes de jovens rurais e sua ação de extensão rural em Minas Gerais, desenvolvida por funcionários da Associação de Crédito e Assistência Rural (Acar-MG). O projeto buscou uma “reforma dos costumes que tinha a sua centralidade na prescrição de preceitos morais e de saúde para uma parcela significativa da população rural de Minas Gerais, levadas à cabo por iniciativas de educação social” (p. 185).

O texto que fecha essa segunda parte é “Saúde pública, Mudança de Comportamento e Criação: da educação sanitária à emergência da inteligência coletiva em saúde” que realiza uma breve recuperação histórica da educação em saúde nas práticas de saúde pública no Brasil ao longo do século XX passando pela educação sanitária, a educação popular e a inteligência coletiva. São abordadas suas diferentes formas de interface com a comunicação, com os comportamentos e estilos de vida e como esses foram respondendo às mudanças do perfil epidemiológico de cada período.

A terceira e última parte do livro está estruturada em seis capítulos que tratam do tema da saúde no universo escolar. O texto “Saúde e Educação no Contexto Escolar” é o primeiro deles e busca demonstrar o desenvolvimento do movimento higienista e sua relação com a escola entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Ele aponta como a higiene passou a condicionar os aspectos da infância, da adolescência, da organização escolar e consequentemente promover uma medicalização da escola. Segundo a autora, “a atual educação para a saúde no universo escolar herdou muitos aspectos da antiga higiene das escolas e dos escolares” (p. 224).

O capítulo seguinte, “Para a Sanidade do Corpo: ginástica e educação física nas actas e pareceres do congresso de Instrucção Publica – Rio de Janeiro, 1883”, analisa o material reunido para o congresso que, por falta de recursos, acabou não acontecendo. As Actas e Pareceres acabaram sendo publicados em 1884 pela Typographia Nacional. São feitas considerações sobre a higiene individual e da escola e a importância da ginástica para meninos e meninas como meio de moldar corpos saudáveis.

O terceiro capítulo dessa última parte é “Em Prol do Ofício, da Salvação Pública e de uma Comunidade Produtiva: higiene e saúde na formação de professoras primárias”, que se baseia no estudo de dois compêndios de higiene destinados à formação de professoras na escola normal da capital da República. O primeiro foi Noções de Hygiene, de Afrânio Peixoto e Graça Couto, e o segundo Compendio de Hygiene, de José Paranhos Fontenele. As publicações analisadas buscavam preparar as futuras professoras primárias com relação à higiene e aos conhecimentos elementares relacionados à saúde.

O capítulo seguinte “A Saúde pela Educação na Escola (Nova) Primária: artigos de José Pereira de Macedo na Revista Médica do Paraná, início dos anos 1930” traz considerações sobre os artigos publicados pelo médico professor da Faculdade de Medicina que dissertavam, entre outras coisas, sobre a necessidade de inspeção das instalações escolares como as cantinas e a “importância da instrução dos professores pelos médicos e a relevância da atuação desses professores bem formados para inculcar nos alunos noções sobre saúde e prevenção de doenças” (p. 282).

O penúltimo capítulo da coletânea é “Educação Rural, Eugenia e o Caso da Galinha Preta” que apresenta a experiência da Escola Rural do Butantã, mais especificamente da atuação da professora normalista Noêmia Saraiva de Mattos Cruz e suas estratégias de ensino que estimulavam os alunos a refletirem sobre o mundo do trabalho rural, patriotismo e higiene eugênica.

O livro termina com o capítulo “Formação de Cidadãos Higienizados para a Construção do Progresso Nacional: produção e circulação de livros escolares de higiene na primeira metade do século XX”, que segue a linha da última parte e trata da relação da higiene com o universo escolar. Nesse caso específico são abordados os livros escolares utilizados para disseminação de saberes e práticas higiênicas nas escolas primárias e nos cursos de formação de professores no referido período.

O percurso da obra que foi aqui traçado mostra o processo histórico de construção da relação entre saúde e educação sob uma perspectiva de forte base empírica. É digno de nota o rigor das pesquisas e a abrangência das experiências em termos geográficos, institucionais e áreas de atuação profissional, que são fruto do referencial teórico metodológico guia do livro.

Esse referencial, se por um lado traz uma riqueza de detalhes sobre as pessoas, os lugares e as datas, por outro pode deixar a desejar na análise conjuntural do período analisado. Ainda que em alguns momentos os autores se preocupem em relacionar a saúde e a educação com o momento político-econômico do país, em outros fica pouco evidente ou velada a relação dialética que esse binômio saúde-educação estabelece com o modo de produção social vigente do período. O referencial da determinação social do processo saúde-doença (Breilh, 2013) nos parece central para a realização dessa tarefa.

Assim, reafirmamos a importância da obra como base empírica da história da relação saúde-educação, ao mesmo tempo em que convidamos os pesquisadores para que em futuros estudos sobre o tema tenham em vista a não neutralidade e a intrínseca relação com o modo de produção social que esses dois campos de atuação possuem.

Referências

BREILH, Jaime. La determinación social de la salud como herramienta hacia una nueva salud pública (salud colectiva).Revista Faculdad Nacional de Salud Pública, Antioquia, n. 31, supl. 1, p. 13-27, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/pdf/rfnsp/v31s1/v31s1a02.pdf> [ Links ]

Helifrancis Condé Groppo RuelaFundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: helifrancisconde@gmail.com

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Estado da arte da arquivologia no Brasil 2/Acervo/2019

Em 2018, o Arquivo Nacional completou 180 anos. É o maior arquivo da América Latina, com mais de sessenta quilômetros de documentos de várias tipologias, que perpassam toda a história brasileira. Em suas bases de dados, é possível consultar quase mil fundos, que contêm desde documentos oficiais até acervos privados. Leia Mais

Centroamérica (re)visitada: coyunturas críticas e historia del pasado reciente / Diálogos / 2019      

Desde 1970, las transformaciones políticas, económicas, sociales y culturales que se han desarrollado en Centroamérica han influido sobre diversos ámbitos, incluso sobre la idea que se tiene de esta “región”. El proceso de “transición democrática”, asociado a una concepción neoliberal de democracia, así como las crisis económicas, los nuevos ciclos de exportación, la reconversión productiva y el fomento del turismo; las migraciones y las remesas como parte del estilo de acumulación dependiente; las coyunturas críticas, la violencia, las guerras civiles, la búsqueda de la paz, y la génesis de nuevas desigualdades y pobreza, han impactado a la sociedad civil, que ha buscado construir nuevas formas de convivencia y solidaridad.

En este contexto, las élites regionales se han transnacionalizado, lo cual ha perfilado nuevos escenarios para los movimientos sociales, para la (des)legitimación de los derechos sociales, y para la generación de nuevas prácticas culturales y de representaciones de las realidades regionales. Este es, además, un contexto transnacionalista y global, que ha demandado, como respuesta regional, la búsqueda de una nueva confianza, que incluya la conciencia por la crisis de (in)sustentabilidad centrada en la relación entre sociedad y naturaliza.

Las subjetividades han permitido que los diferentes actores y actoras sociales (re)interpreten estos contextos relacionales, que incluyen el papel de las nuevas geopolíticas de la globalización contemporánea. La literatura, el cine y la historia dan cuenta de que la circulación de ideas y de personas mantiene a la región centroamericana en movimiento, lo que incluye sus fronteras y sus imaginarios.

La confluencia entre estas coyunturas críticas y las transiciones diversas del pasado reciente en Centroamérica, constituyen el eje central de este dossier que se orienta a la (re)interpretación del pasado reciente, así como a la reflexión sobre los futuros posibles de la región con miras a la consolidación de nuevas formas de convivencia de cara al bicentenario de la independencia centroamericana.

En el dossier “Centroamérica revisitada”, investigadores e investigadoras centroamericanos y mexicanos, que trabajan desde la región y desde Francia, presentan trabajos novedosos, con perspectiva de historia y análisis regional comparado; de historia nacional y de historia y análisis transnacional y transnacionalista; de crítica literaria y de cine, para aproximarse a la comprensión de la historia reciente de la región. Desde estas perspectivas interdisciplinarias, la primera parte del Dossier está conformada por trabajos que se centran en visiones regionales comparadas y la segunda, en estudios de caso, en ambos casos en contexto transnacional. Por lo tanto, la reunión de estos trabajos constituye un esfuerzo de cooperación académica internacional e inter-institucional, donde participan la Universidad de Costa Rica, la Universidad de Burdeos, la Universidad de Angers, la Universidad de Savoie Mont Blanc y la Universidad de Maringá.

Un eje transversal que atraviesa los artículos es el análisis de la construcción sociohistórica de las desigualdades sociales, factor fundamental que determina las transformaciones sociales regionales en la actualidad. Como planteó Charles Tilly (2000), análisis de este tipo permiten identificar los mecanismos diversos de producción de desigualdades, tanto en sus dimensiones estructurales como simbólicas y, a la vez, posibilitan la visibilización de resistencias y propuestas de futuro, como proponen Jeremy Adelman y Eric Hershberg (2007). Rosemary Thorp y Ame Bergés (2009) plantearon que entre tales mecanismos se pueden ubicar la evolución de la estructura productiva, las oportunidades de empleo, las posibilidades de acceso al flujo de ingresos y a la educación, el tipo de inserción en el mercado laboral, las relaciones rural-urbano, la elitización de la política y el acceso a ella, el tipo de institucionalidad y de Estado que se construye, el tipo de políticas públicas (la generación de recursos para el Estado y su distribución), las políticas sociales, y el tipo de sociedad civil y de organización de intereses comunitarios, entre otros, que, en el caso particular de Centroamérica, no pueden obviar el contexto de la construcción y de la legitimación de la pobreza, las desigualdades de género y la construcción social de las desigualdades étnicas. Desde esta perspectiva, se realizó un esfuerzo de investigación interdisciplinaria, desde el Centro de Investigaciones Históricas de América Central de la Universidad de Costa Rica, con la colaboración del Sistema de la Integración Centroamericana, que planteó una matriz de análisis que complementa el esfuerzo de este Dossier (VIALES y DÍAZ, 2016).

El Dossier presenta el artículo de Anthony Goebel-Mc Dermott, que plantea una visión de largo plazo sobre la relación entre naturaleza, ambiente y sociedad, a partir del estudio de la explotación de los bosques y la insustentabilidad en Centroamérica, donde queda claro el papel que ha jugado en la región la explotación forestal sobre las transformaciones socioambientales, con una perspectiva de largo plazo, entre los siglos XVIII y XX, desde la historia global. El segundo artículo, de Ronny J. Viales-Hurtado, se centra en el análisis de la crisis económica de América Central en la década de 1980, que representó para la región un cambio económico-estructural en el contexto de la tercera fase de la Globalización (1970-1990), para plantear cuál fue el impacto de la crisis económica en sus aspectos macroeconómicos, pero además para proponer que esta generó un cambio en el estilo de desarrollo que vino acompañado de la desigualdad socioeconómica y de la pobreza, así como de la consolidación de élites transnacionalizadas, que han promovido ese estilo como el único posible, en el contexto de un capitalismo con predominancia del capital financiero.

El tercer artículo, de Ruth Cubillo-Paniagua, profundiza en las desigualdades de género en la región centroamericana, por medio del análisis de los modelos de construcción de lo masculino en una selección de narrativa breve centroamericana, entre 1970 y 2000. La autora plantea que los personajes literarios son sujetos ficcionales que participan de las diversas dinámicas de interacción social y, al igual que los hombres de carne y hueso que ellos representan, se construyen a partir de diversos modelos de masculinidad hegemónica y de masculinidad subordinada, que constituyen su eje central de estudio. En el cuarto artículo, Andrea Cabezas-Vargas presenta un estudio del uso de la memoria histórica, a través de la subjetividad, en el caso de la cineasta nicaragüense Mercedes Moncada y específicamente de su documental Palabras Mágicas (2012), que confronta en la pantalla grande los hechos bélicos de la década de 1980, para interpretar cómo se entretejen historia, diégesis y estética dentro del proceso de reconstrucción del relato histórico.

En el quinto artículo, Ronald Soto-Quirós hace un balance sobre las representaciones históricas de los nicaragüenses en Costa Rica, con una visión retrospectiva, que permite identificar cómo se han ido (des)construyendo las imágenes de estos inmigrantes entre 1900 y 1980, para comprender las representaciones actuales y la construcción de algunos estereotipos que dificultan la convivencia entre vecinos que mantienen relaciones históricas basadas en la (des)confianza. Iván Molina-Jiménez, en el sexto artículo, estudia la huelga estudiantil de 1982 en el Instituto Tecnológico de Costa Rica, un evento que pone de manifiesto la dialéctica entre autocracia y democratización en una universidad pública centroamericana, que involucra diversos actores institucionales e individuales. En este evento, que se desarrolló en el contexto de la crisis económica de 1980, el movimiento estudiantil del ITCR demandó una política de becas y una mayor representación estudiantil en la toma de decisiones y en la estructura de gobierno, cuyo análisis permitirá comparar con otros casos del entorno centroamericano.

David Díaz-Arias, en el sétimo artículo, ubica en contexto las posiciones públicas sobre la política exterior de Costa Rica durante la administración de Luis AlbertoMonge Álvarez (1982- 1986), y confronta las opiniones de los intelectuales-académicos con la de dos medios de prensa escrita costarricenses: el periódico La Nación (detendencia editorial de centro-derecha) y el Semanario Universidad (semanario de opinión plural, aunque predominantemente de izquierda,producido en la Universidad de Costa Rica), controversias en las que la hegemonía estadounidense, la Revolución sandinista y la doctrina de “neutralidad perpetua” de Monge y la paz en la región, constituyen ejes centrales de debate y confrontación. El octavo artículo, de Julio Zárate, nos deja claro cómo las fronteras de la región centroamericana se van ampliando, a partir del análisis de la novela Amarás a Dios sobre todas las cosas (2013), del escritor mexicano Alejandro Hernández, y propone entender la ficción del recorrido migratorio como extensión, complemento del tratamiento de este fenómeno en la prensa y como denuncia, lo que permite a la ficción inscribirse en un marco temporal que desvela la violencia que los migrantes centroamericanos sufren durante su paso por México y que hace de este recorrido un “viaje infernal”.

Los editores agradecen a los autores y autoras su colaboración con este esfuerzo de edición, a David Chavarría-Camacho por el diseño de la portada de este número, y a Luiz Felipe Viel Moreira, Director de la Revista Diálogos de la Universidad de Maringá, Brasil, por permitir la publicación de este Dossier, el cual esperamos que sirva de motivación para intentar comprender Centroamérica y para seguir investigando su devenir desde diferentes puntos de vista.

Referências

ADELMAN, Jeremy y HERSHBERG, Eric. Desigualdades paradójicas: Ciencias Sociales, Sociedad e Instituciones en la América Latina. In Working Papers, no. 2, 2007, s.p. Observatory on Structures and Institutions of Inequality in Latin America. Center of Latin American Studies, University of Miami.

THORP, Rosemary y BERGÉS, Ame. Las raíces históricas de la exclusión en América Latina. In CARRILLO, Fernando (Coord.) La lucha contra la exclusión social en América Latina. Una mirada desde Europa. La Paz, Bolivia: BID, Comisión Europea, Plural Editores, 2009, p. 19-39.

TILLY, Charles. La desigualdad persistente. Buenos Aires: Manantial, 2000.

VIALES-HURTADO, Ronny J. y DÍAZ-ARIAS, David (Edits.) Historia de las desigualdades sociales en América Central. Una visión interdisciplinaria. Siglos XVIII-XXI. San José: Centro de Investigaciones Históricas de América Central|/Colección Nueva Historia Contemporánea de Centroamérica/Universidad de Costa Rica, 2016

Ronny J. Viales-Hurtado –  Universidad de Costa Rica, UCR, Costa Rica. E-mail: rvialesh@gmail.com

Anthony Goebel-Mc Dermott –  Universidad de Costa Rica, UCR, Costa Rica. E-mail: historikambiental@hotmail.com

David Díaz-Arias –  Universidad de Costa Rica, UCR, Costa Rica. E-mail: david.diaz@ucr.ac.cr

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História e Literatura / Diálogos / 2019

O presente dossiê teve como intuito selecionar artigos que propusessem diálogos tanto na metodologia do estudo quanto na análise da literatura considerada em suas dimensões históricas e culturais. Abordagens e perspectivas que desenvolvessem a análise de obras, formas e expressões literárias com atenção aos contextos subjacentes sejam do processo, da produção, da autoria, das práticas, do público e da recepção, da crítica e da teoria.

A seleção e organização foi um trabalho de grande aprendizagem e satisfação, pela diversidade e qualidade dos estudos apresentados. Desafio agradável e envolvente foi o de pensar uma ordem na disposição e sequência dos textos. As temáticas eram resistentes às formas mais convencionais de organização cronológica ou geográfica. A variedade também resistia a uma ordenação por categorias, tais como estudos sobre romances, teatro, relatos de viagens, memórias etc.

A estratégia foi a de considerar proximidades, paralelos, simetrias, contrastes e pontos especulares entre as perspectivas, temas e abordagens. Os artigos selecionados são desenvolvimentos de pesquisas que não se relacionam diretamente umas com as outras, são independentes, ainda que todos explorem relações entre história e literatura.

Não é o caso de se expor todas as ideias suscitadas e animadas com as leituras durante o processo de organização. Apresento apenas o roteiro das aproximações e confrontos que me ocorreram e que definiram uma ordem em meio às possibilidades.

Como abertura, em um primeiro ato, imaginei um possível diálogo entre o ciclope Polifemo e o Mercador de Veneza, de Shakespeare. Uma voz tópica do mundo primitivo e selvagem, onde reinaria a irracionalidade, as paixões e a música. Outra voz, a de uma cidade-república, em que a jurisprudência tem valor crucial e se discute se os contratos e dívidas devem seguir as letras da lei ao seu extremo. Tópicas e representações da civilização e da barbárie, que não excluem ambiguidades e inversões. Problemas relativos à diacronia e sincronia, interpretações e ressignificações.

Em um segundo ato, entram em cena o epítome Heidelberg e o romance El general en su laberinto. Uma fonte histórica, relato síntese do século XV, parte do Códice Palatino Grego, composto de quatro excertos sobre a história dos sucessores de Alexandre Magno. E um romance de Gabriel García Márquez, que mostra as contradições nas representações de Simón Bolívar em confronto com a historiografia sobre o general. Questões e polêmicas que envolvem a produção de memórias e expressões histórico-literárias, com implicações políticas, de duas personificações do poder. A fonte histórica como literatura e a imagem literária como mote historiográfico.

O terceiro ato, em verdade, seria propriamente um colóquio: far-se-ia entre as duplas Jorge Amado/Graciliano Ramos e Gilberto Freire/Pedro Nava. Os dois primeiros falam a partir de relatos de viagem, memórias e romances históricos autobiográficos, “gêneros de fronteiras” em que se expõem o engajamento político de intelectuais e suas visões sobre a URSS. A segunda dupla apresenta-se em excertos de Assombrações do Recife Velho (1955) e Baú de ossos (1972). A articulação entre elementos históricos e ficcionais perpassam as memórias, as obras e também marcam as perspectivas políticas e sociais. Nesse colóquio entra, em seu compasso, Mário de Andrade com seu caderninho de anotações de campo que usava em suas pesquisas sobre as manifestações populares e o folclore brasileiro, realizadas entre as décadas de 1920 e 1940. A observação e os estudos culturais se entrelaçam com a produção ficcional. No autor de Macunaíma, temos uma outra perspectiva literária, pode-se dizer antropológica, que dialoga, com certo viés de classe, com as perspectivas política, sociológica e memorialística dos outros literatos e intelectuais.

Concluem o dossiê duas vozes diversas do Brasil do século XIX, opostas segundo os manuais de retórica dos antigos. Simá, “romance épico” de 1857, escrito por Lourenço da Silva Araújo Amazonas, que segue os modelos da Ilíada e da Eneida. Voz em que ecoa o trágico e o estilo sublime, grandiloquente, ainda que em prosa do dezenove. Outra voz se ouve na “linguagem clara e compreensível do povo”, o cancioneiro Trovador: coleção de modinhas, recitativos, árias, lundus, etc… (1876). Apropriada ao estilo baixo, didático, humilis. Simá fala da colonização, da derrota e do massacre indígena e os lundus falam do progresso e da civilização. Curiosas inversões, ou deslocamentos, que propõem possibilidades e questões para a historiografia e para a literatura.

A sequência, descrita quase em forma de libretto, não impede aos leitores de encontrarem outros diálogos no conjunto dos artigos. A ordem aqui não é absoluta, ainda que não seja tampouco arbitrária. Pode e deve ser desconstruída, repensada, revirada.

Por fim, deixo os agradecimentos a todos os que colaboraram na realização desse dossiê: autores, avaliadores, revisores, editores e à artista Júlia Maria Antunes, cuja aquarela, como uma invocação às musas, é um belo convite à imaginação e à reflexão dos leitores.

Marco Cícero Cavallini –  Universidade Estadual de Maringá, UEM, Brasil. E-mail: mccavallini@uem.br

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História – cidadania – direitos humanos / Diálogos / 2019        

Com alegria, queremos agradecer a revista Diálogos, por aceitar a proposta de realizar um dossiê com o tema “História, cidadania e direitos humanos”.

A história da América Latina e, especialmente, dos países do Cone Sul, é eivada de traços autoritários e de desrespeito aos direitos humanos. Mas, diante deste histórico autoritário, com lutas e resistências, as sociedades latino-americanas vão construindo a sua cidadania, consolidando e ampliando os seus direitos fundamentais e fortalecendo a democracia. Não, sem solavancos, evidentemente. Vejam o caso do Brasil atual. E são esses solavancos que nos impelem a problematizar e pesquisar o tema da cidadania e dos direitos humanos. Estudar e defender os direitos humanos são uma vital necessidade da sociedade atual, como também o é defender o Estado Democrático de Direito, nesta luta incessante pela democracia e pela cidadania.

As pesquisas aqui apresentadas vão ao encontro destas inquietações. Neste dossiê são dez artigos. Três de pesquisadores argentinos e sete de pesquisadores brasileiros. Mas todos dialogando entre os temas e as questões apresentadas. A ordem dos artigos, quando possível, foi organizada cronologicamente.

No primeiro artigo, intitulado “Regulaciones sobre filiación y familia en la definición de los derechos ciudadanos entre fines de siglo XIX y principios de siglo XX (Argentina, Chile, Uruguay)” de Florencia Paz Landeira e Valeria Llobet, as autoras fazem uma revisão explicativa da literatura sobre os debates acerca da família, casamento e filiação na Argentina, Chile e Uruguai, na temporalidade especificada no título do artigo. E com densa reflexão, questionam os diferentes mecanismos legais – e os argumentos em que se baseiam – através dos quais as demarcações entre o público e o privado, o político e o íntimo, o natural e o social foram estabelecidos e regulados.

No artigo “Cultura e política no Brasil republicano: uma reflexão sobre as permanências autoritárias”, Carla Reis Longhi, preocupada com a onda conservadora que atualmente vem assolando diferentes países e regiões do mundo contemporâneo, faz importantes ponderações sobre as práticas culturais e suas permanências, principalmente as permanências autoritárias, no contexto da realidade brasileira. Como a própria autora destacou, refletir sobre a cultura é “sempre difícil em função de sua enorme abrangência, temporal e temática”, sendo assim, ela tomou como referência analisar a visão que estratos da intelectualidade brasileira apresentaram sobre as camadas populares ao longo da história republicana brasileira, tomando como recorte cronológico os anos 1920-2000. No percurso analítico deste período histórico, Longhi identificou o conceito de cultura que prevaleceu em cada período e como este afetou o olhar da intelectualidade sobre a produção cultural popular.

No artigo seguinte, de Márcio José Pereira e David de Castro Netto, “A ‘constitucionalização da violência’ em tempos de autoritarismo: violência de Estado e direitos humanos no Brasil”, os autores analisam o tratamento dos direitos humanos nos dois momentos de autoritarismo vividos no Brasil, na ditadura do Estado Novo (1937-1945) e durante a ditadura militar (1964-1985). Durante estes dois períodos históricos foram estabelecidos regimes políticos de exceção e uma das aproximações entre essas duas ditaduras foi que os regimes arquitetaram um conjunto jurídico que visava garantir a ação repressiva do Estado (as Constituições de 1934, 1937, 1967 e os Atos Institucionais) mantendo um conjunto significativo da população sob vigilância. Esta legislação procurou legalizar atos de exceção que aconteciam ao arrepio da lei (torturas, mortes, desaparecimentos, sequestros), fornecendo uma “maquiagem” que procurava manter a ação do Estado “dentro da lei”.

Já Marion Brepohl, em seu artigo intitulado “Ernesto Kroch e a memória do exílio: entre Uruguai e Alemanha (1934-1984)” analisa a trajetória de Ernesto Kroch (1917-2012), um ativista político judeualemão que se exilou no Uruguai a partir de 1938, logo após ter sido preso pelos nazistas no campo de concentração de Lichtenburg. Desde sua chegada ao Uruguai, Kroch trabalhou como metalúrgico e atuou no Partido Comunista. Com o golpe de 1973, viveu um período na clandestinidade, mas se viu obrigado a deixar sua segunda pátria e retornar à Alemanha, por um período de quatro anos. Regressando ao Uruguai, voltou a trabalhar como metalúrgico e como tradutor. Tomando como referência o livro de memórias escrito por Kroch, Marion Brepohl analisa as duas experiências de exílio do ativista, destacando os processos de construção da memória no exílio.

No artigo “Acción colectiva frente a la violencia estatal argentina (1976-2001). Derechos Humanos, estrategias repertoriales y tácticas de visibilización”, os autores Marianela Scocco e Sebastián Godoy analisam um conjunto de movimentos sociais artísticos que se organizaram para lutar por direitos humanos e protestar contra a violência do estado. Tomaram como referência de suas análises a cidade de Rosário, na Argentina, em dois momentos específicos: a) a década de 1980, onde vários movimentos sociais se organizaram na luta por direitos humanos, com destaque para um movimento conhecido como siluetazo, que se tratava de vários desenhos artísticos realizados nas ruas e em muros, com as siluetas dos corpos de desaparecidos políticos; e b) a década de 1990, a partir da experiência de atuação do grupo HIJOS (Hijos e Hijas por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio). Este grupo se mobilizou diante da sensação de retrocesso durante a tentativa de aplicação das leis do Punto Final (1986) e da Obediencia Devida (1987) e dos indultos outorgados pelo presidente Carlos Menen (1989-1990). Em resposta a tudo isto, organizaram algumas manifestações midiáticas contra o estado de violência, como por exemplo os chamados “show del horror” e “show de la impunidad”, que geraram diversas controversias na opinião pública e um “grande mal estar para alguns agrupamentos de direitos humanos”, como enfatizam os autores.

Reginaldo B. Dias, no artigo “A Ação Popular (AP) nos processos judiciais reunidos pelo Projeto ‘Brasil: Nunca Mais’” analisou os processos judiciais (Inquéritos Policiais Militares – IPMs) patrocinados pelo Estado brasileiro após a instauração da ditadura militar de 1964 e conduzidos pela Justiça Militar, que atingiram a organização política Ação Popular (AP) nas décadas de 1960 e 1970. Na análise destes processos o autor desvela o modus operandi da organização política (AP), bem como a complexidade do sistema judiciário constituído para tramitação dos processos gerados por supostos crimes contra a segurança nacional. Neste sentido, Dias ressalta que esses processos permitem entrever o “complexo jogo entre a dimensão formal do sistema judiciário e as práticas de terror de Estado”, o que proporciona ao leitor compreender a lógica e as diferentes dimensões do sistema autoritário brasileiro durante a Ditadura Militar.

Também analisando um Inquérito Policial Militar (IPM), Leandro Brunelo e Angelo Priori, no artigo “Mecanismos jurídicos e repressão política do Estado, durante a ditadura militar brasileira: o caso do IPM 745 no Paraná e o desrespeito aos direitos individuais”, buscaram compreender como o Estado brasileiro, durante a Ditadura Militar (1964-1985), se apropriou de dispositivos legais para legitimar as suas ações punitivas e jurídicas contra a oposição política, em especial, contra os militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Neste sentido, esmiuçaram o Inquérito Policial-Militar 745 (IPM 745), que apurou o envolvimento dos comunistas na reorganização do partido no Estado do Paraná, sul do Brasil. Além do IPM citado, os autores também utilizaram como fonte de pesquisa o Relatório Especial de Informações 1/75, da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), para destacar a importância dos trabalhos da polícia política, no afã de combater o avanço do comunismo.

Por conseguinte, Luciano Alonso, em “Clases sociales y movilización pro derechos humanos en la historia Argentina reciente” traz importantes reflexões sobre a luta por direitos humanos na Argentina atual. Neste artigo o autor propõe uma abordagem para a identificação de atribuições de classe dos membros dos movimentos de direitos humanos naquele país do Cone Sul. Observa, neste sentido, que há uma integração poli-classista do movimento social, que se concentra no domínio de sua liderança e na composição de membros da classe média e, às vezes, mais especificamente das classes de serviço. Partindo desta observação, são discutidas algumas dimensões subjacentes do conceito de “classe social”, para depois, tomando como referências diversas pesquisas atuais, descrever a composição de diferentes organizações de direitos humanos. Finaliza o artigo destacando que embora a atribuição de classe não tenha sido decisiva para a composição do movimento por direitos humanos, lançou as bases para uma cultura política compartilhada e para a adoção de repertórios de discurso e ação.

Ozias Paese Neves, no artigo intitulado “A trajetória dos primeiros embates do Movimento PróParticipação Popular na Constituinte — MPPC (1985-1988): afetos e temores na ‘transição política’”, analisa a atuação do Movimento Pró-Participação Popular na Constituinte (MPPC), durante os trabalhos do Congresso Nacional para a elaboração da Constituição Federal de 1988, atualmente em vigor no Brasil. Para este texto, tomou como referência as cartilhas elaboradas por diferentes grupos sociais durante o período da constituinte, para analisá-las sob o prisma da História Cultural da Política de Thomas Mergel e dos estudos sobre os sentimentos na história de Pierre Ansart. Assim sendo, revelou o conflito discursivo e as disputas políticas numa época conhecida no Brasil como “de transição” e que representou a passagem da Ditadura Militar para um regime democrático e constitucional.

O último artigo do dossiê foi escrito por Charles Monteiro e Carolina Martins Etcheverry e se intitula Fotografia e cultura visual nas ditaduras latino-americanas (1960-1980). Neste artigo os autores analisam o modo como o campo fotográfico se formou na América Latina, entre os anos 1960 e 1980, em especial nos países que passaram por golpes militares. Especificamente, centram seus esforços de análise no Brasil, na Argentina e no Chile, procurando compreender a relação entre fotografia e memória a partir dos variados papeis que a imagem assume. Como os leitores poderão observar, a fotografia pode funcionar como denúncia ou como instrumento político, sendo engajada socialmente, formando tanto um espaço público contrário à Ditadura como, quando operada por órgãos oficiais do governo, forjando uma imagem positiva deste ou servindo como dispositivo de vigilância.

Como se pode perceber, os artigos do dossiê abordam uma variedade de facetas e evidências relacionadas com o tema que nos ocupa. No momento em que a região registra fortes retrocessos nos direitos sociais e nas políticas de memória, verdade e justiça em relação às graves violações de direitos ocorridas na história recente, é conveniente fortalecer o conhecimento das lutas pela preservação e pela consciência de que os direitos humanos são construções sociais sempre instáveis e, por isso mesmo, necessita de defesa.

Queremos agradecer aos editores, aos pareceristas brasileiros e estrangeiros e aos autores, fundamentais para a realização deste dossiê e deste número da revista Diálogos. E desejamos boa leitura aos nossos leitores!

Angelo Priori –  Universidade Estadual de Maringá, UEM, Brasil. E-mail: angelopriori@uem.br.

Luciano Alonso –  Universidad Nacional del Litoral, UNL, Argentina. E-mail: lpjalonso8@gmail.com .

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Domínios da Imagem. Londrina, v.13, n.24, 2019.

Expediente

Corpo editorial

Apresentação

Artigos do dossiê

Resenhas

República Brasileira e Autoritarismo (Parte II) /  Das Amazônias / 2019  

No decurso do biênio 2018-2019 experimentamos uma onda de conservadorismo em contexto nacional e internacional, que motiva o revisionismo e por vezes o negacionismo de temáticas e fatos históricos vividos. Diante disto, foi proposta a ideia da composição de um dossiê abordando a República Brasileira e Autoritarismo. Quer pelo entusiasmo de compreender o hoje analisando o passado, ou em virtude da proximidade cotidiana com o autoritarismo na sociedade brasileira, fomos surpreendidos por grande volume de artigos e resenhas, levando a divisão do dossiê em duas publicações dentro do ano em curso.

Face a isto, optamos por lançar em novembro de 2019 a primeira parte do dossiê durante evento conjunto que congregou a XIX Semana de História alusiva aos “40 anos do curso de História: trajetórias em nome das liberdades e igualdades”, V Semana em Favor de Igualdade Racial cujo tema foram “Lutas e (re)existências” e VII Seminário PIBID História e II Seminário de Residência Pedagógica de História da Universidade Federal do Acre. A escolha de data se deu por compreendermos a importância do periódico como fator de fortalecimento e registro da produção discente no âmbito da mais antiga Instituição Federal de Ensino Superior no extremo ocidental da Amazônia, comprovando não apenas a nossa existência, bem como a sobrevivência e necessidade de mantermo-nos como instrumento de educação, pesquisa, extensão e reflexão da sociedade brasileira.

Agora, ao término do atribulado ano de 2019 (em que as IFES, a pesquisa e a ciência brasileira sofreram tantos achaques) com perseverança e denodo os cursos de licenciatura e bacharelado em História estão mais uma vez expondo produtos de suas atividades, representadas aqui na publicação da etapa final do dossiê República Brasileira e Autoritarismo. A revista que ora se divulga, concorda com a ideia de que o autoritarismo anteceda a República Brasileira e que este tenha despontado já nos tempos coloniais com a escravidão, tal qual recordou Lilia Moritz Schwarcz . Entretanto, o foco de análises deste volume são as demonstrações de autoritarismo dentro do regime republicano brasileiro, tendo no começo o olhar sobre suas manifestações constituídas na primeira república e passagem a Era Vargas. Em seguida aborda-se o autoritarismo do período de 1964 a 1985 no que concerne a ocupação do território brasileiro, funcionamento do poder legislativo, cultura, movimentos sociais e gênero. Finalizando o número atual com resenha remetendo as várias vertentes do autoritarismo brasileiro na primeira metade do século XX e associando-o as nuances do pleito eleitoral de 2018.

Assim, abrimos o periódico com a discussão sobre a Revolução de 1930, o Estado Novo, a condição de (i)legitimação eleitoral e emissário do povo feita por Gaby Gama da Mota Lima analisando as ambiguidades do “Autoritarismo, manipulação e censura no representante popular Getúlio Vargas”.

Em “Integrar para não entregar: a Ditadura Civil Militar (1964-1985) ressignificando a colonialidade” Jair Leandro e Tailini Mendes propuseram interpretar os projetos de ocupação desconstruindo a ideia de assimilação dos espaços territoriais em função do risco de perdê-los. Os autores buscaram “compreender as violentas permanências e a absoluta falta de visão socioambiental ao tratar do desenvolvimento econômico da região através da análise dos discursos”, tomando como suporte os cronistas do período colonial para chegar aos “propagandistas da ditadura militar”.

Dando continuidade às reflexões a respeito da atuação estatal e da construção das normas legais no período de 1964 a 1985 temos o artigo “O funcionamento do poder legislativo no Período da Ditadura Civil-Militar no Brasil” de Ageu Moreira, Ana Maria Pimentel, Deusivania Gadelha, Karen Munique e Karina Oliveira.

Transitando da concretude do estado para o âmbito cultural Beatriz Oliveira, Émile Consuela, Karolaine da Silva e Thaís Albuquerque escreveram “A música como forma de resistência contra o silêncio imposto pelos opressores”, expondo estratégias de embair os censores, refletindo sobre a atuação de artistas e estudantes a partir de debates em torno do conceito de ditadura, repressão e resistência, tomando Bobbio, Matteucci e Pasquino como aporte.

Alice Leão, Fabiane Fartolino, Maria Clara Silva e Rayra Torquato abordaram as “Mulheres, homossexuais, indígenas e negros na Ditadura Civil-Militar: uma análise sobre as minorias no regime político” discorrendo sobre visibilidade, lutas e direitos em tempos de desrespeito as garantias constitucionais e práticas negatórias da Declaração Universal dos Direitos Humanos, expondo as bases que corroboraram ao texto da Constituição Cidadão de 1988.

Finalizando a edição em comento temos a resenha “O(s) malvado(s) favorito(s): pensamentos nacionalistas autoritários analisados por Boris Fausto” de Sandy M. G. de Andrade, que nos brinda com alusões a contemporaneidade brasileira por meio do uso da figurativa persona de desenhos infantis e seus “minions”.

Em clima de oscilações institucionais, políticas e acadêmicas, recordamos a afirmativa de que “a construção de uma história oficial não é, portanto, um recurso inócuo ou sem importância; tem um papel estratégico nas políticas de Estado, engrandecendo certos eventos e suavizando problemas que a nação vivenciou no passado mas prefere esquecer, e cujas raízes ainda encontram repercussão no tempo presente” (SCHWARCZ,2019). Tendo isso em mente, encerramos o ano de 2019 reafirmando nosso compromisso com a educação pública, gratuita e de qualidade. De tal forma, repetimos o dito no dossiê anterior quanto ao ato de pensar a sociedade se relacionar ao ofício dos profissionais da escrita e do ensino de História. Por isso, eis aqui, novamente, nossa construção e diálogo historiográfico sobre seus usos e sentidos, implicando em interpretação mais criteriosa acerca daquilo que fomos e ainda somos, assim como os nossos anseios de futuro.

Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque –  Organizadora do Dossiê República Brasileira e Autoritarismo.

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República Brasileira e Autoritarismo (Parte I) / Das Amazônias / 2019

O decênio que finda trouxe a humanidade forças e discursos políticos em descrédito a eventos históricos, incitando a desconstrução e relativização dos direitos humanos. O Brasil não foge a esse padrão, pois o cinquentenário do “31 de março de 1964” e ascensão de forças políticas conservadoras em âmbito federal evocam memórias apologéticas a períodos de autoritarismo e restrição de direitos na república brasileira, em detrimento de análises científicas sobre tais temáticas. Assim, pensar o regime republicano no Brasil demanda estudar suas especificidades relativas as restrições a participação popular na sua construção e desenvolvimento, ocasionando gestões autoritárias em desfavor de governos democráticos.

O que nos leva a afirmar, apesar ou sobretudo, por conta da involução histórica, que tais circunstâncias estão diretamente relacionadas ao ofício do profissional da escrita e do ensino de História. Isto porque, ao partirmos da premissa de ao historiador caber rememorar aquilo que se quer esquecer e negar, torna-se imprescindível recordar a presença do autoritarismo já na forma como foi “proclamada” a república por Marechal Deodoro da Fonseca, apoiado pelas elites civis, demonstrando desde então as longevas relações entre não militares e membros das casernas na vida política nacional. Associações construtoras do nosso perfil político com alternância de governos democrático e períodos autoritários, conforme se verifica tanto com o controle direto das fardas (na geração de 31 de março de 1964 repetindo o já ocorrido nas presidências de Deodoro e Floriano), quanto os exemplos civis da suspensão de garantias constitucionais (com Arthur Bernardes, na “Revolução de 1930” e durante a ditadura do Estado Novo).

Neste sentido a publicação da segunda edição da revista Das Amazônias feita às vésperas do aniversário de cento e trinta anos da instauração do regime republicano em nosso país é extremamente necessária e oportuna, por demonstrar que pensamos e produzimos a História – não obstante as grandes e intensas adversidades experimentadas neste ano –, além de caracterizar a discordância sobre a harmonia e passividade brasileira durante a República. É vital fazermos e dialogarmos sobre usos e sentidos da História em tempos marcados por seu descrédito.

Assim, o presente número ganha maior significado por ser lançado durante a realização conjunta da XIX Semana de História, V Semana em Favor de Igualdade Racial, VII Seminário do Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência de História e II Seminário de Residência Pedagógica vinculados ao curso de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre, para caracterizar nossa resiliência. Por isso, o intuito deste exemplar em formato de dossiê (bem como da edição seguinte) é congregar artigos e resenhas sobre a república brasileira, tendo como foco as manifestações de autoritarismo.

A imagem da capa, que mostra manifestantes com livros nas mãos, é uma fotografia de autoria de Janaina Christina Progênio, com edição gráfica de Wálisson Clister Lima Martins. Foi feita em uma das manifestações do início de 2019, em um movimento nacional de defesa dos professores e da educação enquanto instituição fundamental para o desenvolvimento da sociedade brasileira. A imagem captura um dos momentos em que mais são visíveis as antagonias entre democracias e ditaduras, assim como se relaciona grandemente com as questões que são motivadoras da proposição deste dossiê.

Abrindo a edição temos o artigo “Golpe de 1964 e comemoração: memórias e discursos que enaltecem à ditadura civil-militar, causas de ressentimentos e humilhação” escrito por Andrisson F. da Silva e Paulo A. de Azevedo tecendo análise científica sobre as dores causadas pelo laudatório de tortuoso tempo. Ao que se segue de “Ditadura, Autoritarismo e Resistências: Análises Sobre os Anos de Chumbo no Brasil 1964 – 1975” produzido por Ezir Moura Júnior.

Chamando a um contexto pouco mais distante, encontramos “O fim ‘melancólico’ da ‘república do café com leite’ (1922-1930)” de Jadson da Silva Bernardo, recordando do autoritarismo dentro da primeira república.

As discussões sobre o período de 1964 a 1985 são retomadas nos textos “(Dó)r, (Ré)sistência e (Mi)úsica: ideologia presente na música popular” de Ramon Nere de Lima e Antônio Victor F. Passos, assim como nas letras de “Eu sou mulher: a luta das mulheres na ditadura civil militar no Brasil durante a segunda metade do XX” assinado por Laura Andressa C. Madeira; Syndley L. C. de Oliveira.

Wesley R. de Moura e Nicole A. da Silva, sem perder de vista a relação autoritarismo político e ensino superior na república brasileira, escrevem “Modelo universitário herdado pela ditadura: a reforma universitária de 1968 e os movimentos estudantis”. Enquanto Cássia I. de O. Marinho; Inayra S. Medeiros; Paula V. B. da Silva; Yane da R. Magalhães abordam os efeitos da propaganda no sustentáculo da ditadura do Estado Novo em “DIP: o mecanismo de propagação da utopia varguista”.

Das Amazônias apresenta reflexões sobre o Acre feitas por Jardel França em “As raízes do autoritarismo no executivo acreano – 1921 / 1964” resenhando a obra do professor Francisco Bento da Silva, publicada pela Editora da UFAC.

Fechando a primeira etapa de nosso dossiê apresento minha colaboração em parceria com Jonathan Messias e Silva com “Provocações sobre o autoritarismo republicano contemporâneo no cinema nacional: Sol Alegria e Bacurau” que associa o filme dirigido por Tavinho Teixeira e Mariah Teixeira em 2018 durante os acirramentos decorrente da disputa presidencial, com a recente película de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, caracterizando a sétima arte enquanto veículo de contestação da ordem sócio-política instaurada no Brasil.

Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque –  Organizadora do Dossiê República Brasileira e Autoritarismo.

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[DR]

Educação a Distância. Batatais, v.9, n.1, jan./jun. 2019.

Edição Especial – 1º Congresso Internacional RCI de EaD / 15º Workshop NPT de EaD

Expediente

  • Implantação de disciplinas semipresenciais/a distância no ensino superior: considerações sobre a legislação brasileira e os instrumentos de avaliação de cursos
  • BASSOLI, D. A.
  • PAPA, P. R. M.
  • BASSOLI, M. E. V.
  • LOPES, C. S. G.
  •  Download do arquivo
  • Ações de acessibilidade digital orientadas pelo Núcleo de Acessibilidade do Claretiano – Centro Universitário
  • TASSINARI, A. M.
  • HACHIMINE, A. H. F.
  • FANTACINI, R. A. F.
  •  Download do arquivo
  • Gestão das organizações do terceiro setor: educação a distância e impactos sociais
  • GIMENES, E. R.
  • SOUZA, M.
  • SANTIAGO, A. B. S.
  •  Download do arquivo
  • Cultura organizacional: motivando ou coibindo a inovação e a qualidade do EaD
  • ROCHA, J. G.1
  • SMITH, M. S. J.
  •  Download do arquivo
  • O perfil da presença social na formação de professores de educação física na EaD
  • CORREIA, L. F.
  • SOUZA-LEITE, C. R. V.
  •  Download do arquivo
  • Avaliação da influência de videoaulas na aprendizagem de estatística de um curso da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto
  • SATO, A. C. H.
  • LEONETI, A. B.
  •  Download do arquivo
  • A tecnologia como facilitadora do ensino de português no nível superior: desafios e perspectivas
  • MAGRI, M. V.
  • RAMOS, P. G. C.
  •  Download do arquivo
  • Reflexões sobre o processo criativo na iniciação musical no ambiente virtual de aprendizagem
  • GALON, S. M.
  •  Download do arquivo
  • Uso de aplicativo para ensinagem de diagnóstico de enfermagem: avaliação discente
  • LUDOVINO, A. C. G.
  • MOREIRA, L. F.
  • SILVA, S. S.
  • CARITÁ, E. C.
  •  Download do arquivo
  • Aplicação das TICs em aulas práticas: produção de vídeos didáticos na disciplina de Microbiologia
  • AUGUSTO, S. G.
  • ROCHA, A. C. S. D.
  • SANTOS, F. R.
  • SANTOS, A. E.
  •  Download do arquivo
  • Percepção do saneamento ambiental pelos alunos de EaD através de tecnologias digitais
  • SANTOS, A. E.
  •  Download do arquivo
  • Os alunos da educação a distância do CEDERJ: um estudo de caso na Licenciatura em Pedagogia da UERJ
  • ANDRADE, G. O.
  • COELHO JUNIOR, N.
  • SILVA, M. M.
  • SANTOS, n.A. S.
  •  Download do arquivo
  • Aplicabilidade da informática educativa no Atendimento Educacional Especializado (AEE)
  • MALHEIROS, M. L. L.
  • ANDRADE, G. O.
  •  Download do arquivo
  • Como avaliar o conhecimento por meio de recursos tecnológicos?
  • SILVA, E. S.
  • MAGALHÃES, M. V. N.
  • BARROS, A. L. B.
  • ANDRADE, G. O.
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Educação a Distância. Batatais, v.9, n.2, jan./jun. 2019.

2ª Edição Especial do 1º Congresso Internacional RCI de EaD /15º Workshop NPT de EaD

Expediente

  • Tecnologias educacionais: uma análise discursiva sobre a introdução do guia de tecnologias educacionais 2009 do Ministério da Educação
  • PEREZ, A. F.
  • PRANDI-GONÇALVES, M. B. R.
  • SILVA, V. M.
  •  Download do arquivo
  • O WhatsApp como um dos instrumentos de permanência acadêmica e relacionamento com estudantes de educação a distância
  • RODRIGUES, A. S.
  • MACHADO, C. L.
  • SOUZA, L. M.
  • VALENTIM, D. S. G.
  •  Download do arquivo
  • O papel do tutor no processo de avaliação em ambientes virtuais de aprendizagem: um estudo de caso
  • GERVASONI, V. C.
  • ROSSI, G. B.
  • OLIANI, L. G. N.
  •  Download do arquivo
  • Metodologias ativas na educação a distância no ensino superior: uma revisão bibliográfica
  • SCHNEIDER, M. D.
  • JERÔNIMO, n.S.
  • INACIO, P. C. A. L.
  • ZANETTE, E. N.
  •  Download do arquivo
  • A orientação vocacional e o sistema de obtenção de créditos como instrumento para redução da evasão no curso Técnico em Administração na modalidade EaD
  • SOUZA, M. S.
  • ARAÚJO, M. B.
  •  Download do arquivo
  • Avaliação dos processos de construção de material instrucional em um projeto de especialização na modalidade EaD
  • BASSOLI, D. A.
  • ALENCAR, T. C.
  • OLIVEIRA, A. G. P.
  • CESTARI, F. F.
  •  Download do arquivo
  • Material didático para cursos EaD: reflexões sobre as transformações percebidas nos referenciais de qualidade e nos instrumentos de avaliação (cursos e IES)
  • BASSOLI, D. A.
  • PAPA, P. R. M.
  • MORAES, T. H.
  • PARACCHINI, V. T. A.
  •  Download do arquivo
  • Educação para todos: estratégias lúdicas e tecnológicas de inclusão na escola
  • PEREZ, A. F.
  • PIMENTA, A. P. D.
  • SILVA, J. A. L.
  • VALE, S. B.
  •  Download do arquivo
  • Envelhecimento humano e qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS)
  • FERREIRA, A. A.
  • OLIVEIRA, J. J. A.
  •  Download do arquivo
  • Metodologia ativa como método de ensino aprendizagem no ensino superior
  • SILVEIRA, A. F.
  • FANTACINI, R. A. F.
  •  Download do arquivo

Pena de morte e penalidade carcerária no mundo Ibero-Americano (séculos XVI-XX) / Revista Brasileira de História & Ciências Sociais / 2019

O presente dossiê foi fruto de uma inquietação e de uma provocação realizada entre os organizadores, então estimulada pela programação do IV Simpósio Nacional de História do Crime, Polícia e Justiça Criminal, celebrada entre os dias 12 e 14 de setembro de 2018, no Recife / Pernambuco, organizada pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Católica de Pernambuco. Perguntávamos se haveria espaço e colaborações suficientes para travar uma discussão sobre a pena de morte, mas ampliando-a ao incorporar também a penalidade carcerária, desde o século XVI ao XX, da história ibero-americana. Idealizando, pensávamos, igualmente, sobre a possibilidade de fazer conexões entre a velha ibéria e o mundus novus.

A proposta, acreditamos importante recordar, partia da ideia de que a pena de morte acompanhava a humanidade desde muito antes do século XVI, mas que não foi até a Idade Moderna, quando se produziriam mudanças significativas em relação a sua incidência. Com o surgimento dos estados modernos, essa pena se converte na máxima expressão do exercício punitivo dos soberanos, ou, de instituições religiosas que, através do corpo supliciado, reativavam seu poder valendo-se de rituais político-simbólicos, incluído aí a exemplaridade dos castigos.

Paralelamente a esses teatros sanguinolentos, entre os séculos XVI e XX, foram surgindo novas formas de punir, que, muito além de uma mera humanização da pena, buscou responder a uma série de interesses e exigências em vista de novos modelos de governabilidade emergentes. De olho nesse processo se descartaria diretamente qualquer visão teleológica e linear do fenômeno punitivo, das práticas de execução capital à pena de privação de liberdade, e desta à prisão como instituição penal propriamente dita.

Partiu-se da premissa de que a pena é uma instituição sociocultural muito complexa que possui sua historicidade em relação às mudanças estruturais e às transformações da sensibilidade coletiva, motivo pelo qual se erige como um objeto de pesquisa de grande relevância no campo compartilhado com as Ciências Sociais e as Ciências Penais. O paralelo entre a pena de morte e a penalidade prisional ajuda a situar a experiência do castigo carcerário além da mera execução de sentenças judiciais em instituições fechadas. A prisão moderna afeta as “almas” dos condenados, bem como os corpos dos prisioneiros que não pagam seus crimes e delitos apenas com a privação da liberdade, mas também com o cerceamento de direitos básicos como, por exemplo, a saúde, o alimento, a instrução, e o trabalho.

Duas questões-chaves que queríamos colocar de manifesto parecem confirmar-se nesse dossiê: 1) a distinção entre “pena” e “penalidade”. A concepção de punição desenvolvida por David Garland em seus estudos, pode resultar esclarecedora, já que este autor considera a punição desde um enfoque culturalista, como um “procedimiento legal que sanciona y condena a los transgresores del derecho penal, de acuerdo con categorías y procedimientos legales específicos”. Nesta noção culturalista da punição, estão involucrados não apenas a administração das sanções, senão também o processo legislativo, o de condenação e sentença. Trata-se de um conceito específico que, de nossa parte, assimilamos a outro ainda mais amplo, isto é, o de penalidade. Não somente estaríamos falando de um emaranhado de leis, procedimentos e instituições, senão também de discursos, representações e experiências de punição, incluindo as experiências de violência institucional.

A segunda questão: 2) a história social das instituições punitivas, que se ocupou da pena de morte em distintas etapas históricas, oferece uma ampla panorâmica de tipo sociocultural e de longa duração, sem obviar seus significados políticos, sua funcionalidade como propósito político de manutenção ou defesa de um regime determinado. Esse alinhamento presta atenção à relação narrativa entre a pena de morte e a mudança histórica, precisamente porque essa instituição punitiva tão extrema, além de expressar mudança social, também forma parte dela.

Pensamos que o conjunto de cinco artigos que em continuação apresentaremos, compõem um dossiê justo e adequado ao pretendido, uma vez que, de fato, contempla estudos sobre os fenômenos apresentados desde diferentes perspectivas teórico-metodológicas, fruto de aprofundamentos de pesquisa por professionais-sênior e novelles, a partir de fontes variadas e enfoques diversificados.

Dois deles tocam de cheio na questão da pena de morte no Brasil. Allister Andrew Teixeira Dias, em A pena de morte no debate criminológico do Rio de Janeiro dos anos 1930, analisa os debates criminológicos acerca da pena de morte na velha capital tupiniquim, atentando principalmente para o conteúdo e a maneira como os saberes biomédicos e psicológicos eram instrumentalizados. Para tal, recorre aos posicionamentos dos membros da Sociedade Brasileira de Criminologia, e ao conteúdo do livro do advogado Jurandyr Amarante, A Pena de Morte (1938). Traça a partir desses materiais o perfil do debate, que então se valia de ideias e noções biológicas e psicológicas para mobilizar um discurso tanto favorável como de rechaço à pena de morte.

O outro estudo é de Fernando Afonso Salla, Alessandra Teixeira, e de Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho, intitulado Contribuições para uma genealogia da pena de morte: desnudando a “índole pacífica” do povo brasileiro. Para os autores, houve disputas em torno da pena de morte no Brasil, as quais podem ser documentadas e evidenciadas a partir dos discursos, dos instrumentos legais que a estipulavam, e das práticas extralegais que indiretamente a promoviam. Descutem-se três níveis de potencial aplicação: aos crimes militares, à dissidência política e à criminalidade comum. Identificada a legislação e os debates travados entre os anos 1920 e 1950, ao contrário da ênfase dada por Dias nos anos 30, Salla, Teixeira e Marinho situam a década de 50 como decisiva para que o discurso da pena de morte passasse a ser mobilizado como principal recurso à contenção da criminalidade comum. Assim, contrapondo à imagem e retórica de um povo pacífico, apresenta-se o apoio popular às formas de justiçamento, as execuções sumárias de suspeitos, esquadrões da morte, além da violência policial.

Como sugere o próprio título do texto de Eli Narciso da Silva Torres e de Dirlene de Jesus Pereira, Punição, sujeito e poder: uma analítica foucaultiana, o estudo se debruça sobre dois dos conceitos-chaves do pensamento foucaultiano, a saber, o de poder e punição. Tomando-os, os autores discutem a sua pertinência e relevância enquanto arsenal teórico e político capaz para se compreender os principais aspectos da sociedade disciplinar em crise, destacando a necessidade de uma ruptura epistemológica devido às íntimas relações entre saber, poder e sujeito na cultura ocidental.

Em Crime e castigo: as consultas ao Conselho de Estado acerca de Processos Criminais envolvendo escravos (1841-1889), a senda trilhada por Ricardo Bruno da Silva Ferreira segue os passos de outros pesquisadores que já se debruçaram alcançando importantes resultados sobre as atas e consultas realizadas ao Conselho de Estado. Para Ferreira, o referido colegiado não ignorou a escravidão, sendo inclusive um ponto de discórdia entre os seus membros, mas por questões políticas circunscreveu a questão às suas reuniões de porta fechada. Devia-se, portanto, evitar a todo custo que vazasse para o âmbito da discussão pública ou do debate parlamentar.

Por último, em Crime e alienação no Portugal de finais do século XIX e inícios do século XX, Alexandra Esteves analisa a atenção dispensada pelo Estado português aos criminosos alienados. Baseada em fontes arquivísticas diversificadas, revela que, apesar de uma legislação e determinações a favor de que os denominados criminosos loucos fossem recolhidos em locais devidamente apropriados, isso de fato nunca ocorreu durante o marco cronológico estabelecido. Em geral, foram duas as instituições que albergaram esse coletivo até bem avançado o século XX, a saber, os hospitais para alienados de Rilhafoles, em Lisboa, e o de Conde de Ferreira, no Porto. Conclui-se, ademais, que as velhas práticas de encarcelamento de loucos nas cadeias persistiram, assim como a entrega daqueles aos cuidados das famílias.

Gostaríamos ainda de agradecer aos autores pela acolhida à nossa chamada para compor este dossiê, aos pareceristas tão indispensáveis para manter a qualidade dos trabalhos, e à equipe de editores da Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, pelos cuidados dispensados. Desejamos que os potenciais leitores encontrem discussões norteadoras e subsídios para a reflexão acerca desses e de novos objetos de pesquisa.

Boa leitura!

Tiago da Silva Cesar – Professor Doutor. Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)

Pedro Oliver Olmo – Professor Doutor. Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM)

Organizadores


CESAR, Tiago da Silva; OLMO, Pedro Oliver. Apresentação. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.11, n. 21, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Guerra Civil. Super Heróis: Terrorismo e Contraterrorismo nas Histórias em Quadrinhos | Victor Callari

Pouco explorada pelos historiadores, as fontes iconográficas ganharam nesses últimos anos um espaço de destaque no cenário historiográfico. As mudanças de perspectivas desenvolvidas no decorrer do século XX e também no início do XXI possibilitaram uma ruptura com leituras tradicionais que restringiam o trabalho do historiador aos arquivos e seus documentos considerados oficiais, e abriram espaços para novos questionamentos, abordagens e metodologias que ampliaram significativamente as possibilidades de compreensão de eventos passados e da contemporaneidade. A entrada dos historiadores nesse ramo diversificou ainda mais as produções acadêmicas. Autores conhecidos do grande público, como Peter Burke, Ivan Gaskell, Carlo Ginzburg, entre outros, se aventuraram em obras com essa abordagem, e se tornaram referências no âmbito acadêmico. Por outro lado, pesquisadores em início de carreira também vêm se aventurando e promovendo, mediante suas pesquisas, uma expansão significativa nesses estudos, muitos deles partindo de objetos até então pouco explorados pela historiografia.

Foi nesse novo cenário que a Editora Criativo publicou a obra “Guerra Civil. Super Heróis: Terrorismo e Contraterrorismo nas Histórias em Quadrinhos” (2016), resultado da dissertação de mestrado realizada dentro do Programa de Pós-Graduação em História e Historiografia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, sob orientação da professora Drª Ana Nemi, escrita por Victor Callari professor da rede particular tanto no Ensino Superior quanto na Educação Básica. Callari possui publicações em periódicos acadêmicos nacionais e participações em eventos internacionais, em temas relacionados às histórias em quadrinhos, memória, holocausto, terrorismo, entre outros assuntos pertinentes a sua área. Leia Mais

Vestígios. Belo Horizonte, v.13, n.1, 2019.

Expediente

ARTIGOS

TRADUÇÃO

PUBLICADO: 2022-04-21

O teatro e o popular / Contraponto / 2019

As categorias cultura popular e arte popular possuem entendimentos diversos e muitas vezes dissonantes. Ricardo Gomes Lima em Arte popular (2010) faz a seguinte pergunta: “Se o próprio termo arte desperta polêmica e discussões infindáveis sobre sua natureza, sentido e condição, imagine somar a isso a questão do popular! Afinal o que é o popular?” (LIMA, 2010, s / p). Não é apenas em relação ao que se deve circunscrever na categoria popular que existe ambiguidade e imprecisão mas também na multiplicidade de entendimentos sobre aquilo que consideramos cultura popular.

A noção de teatro popular é igualmente complexa e acaba reunindo práticas teatrais distintas entre si e de momentos históricos muito diversos. Podemos citar alguns exemplos frequentemente mencionados e que dão a ver esta diversidade. A commedia dell’arte italiana, com suas representações em espaços públicos, narrativa cômica popular sem um rígido texto escrito e tendo forte caráter improvisacional. O trabalho de dramaturgos como Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho e Benjamim Santos, que incorporaram temas e personagens de manifestações populares em sua escrita dramatúrgica. O mamulengo, ou Teatro de Bonecos popular do Nordeste, onde este gênero de teatro de bonecos é mais presente e é realizado por homens e mulheres de classe trabalhadora especialmente na Zona da Mata pernambucana. Dramaturgos como Augusto Boal, movimentos culturais como o CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes) que viram o teatro como uma forma de luta política.

Almeida Jr, José Simões e Ingrid Koudela em Léxico de pedagogia do teatro (2015) afirmam que a “a ideia de teatro popular sempre esteve em franca contraposição àquelas associadas ao teatro literário, ao teatro destinado às classes dominantes, […], à arquitetura do espaço teatral” (p. 189). Estas características podem ser encontradas nas formas teatrais mencionadas e muitas delas estão presentes nas discussões levantadas nos artigos deste dossiê “Teatro e o Popular”.

O dossiê “Teatro e o Popular” através de seus dez artigos dá a ver essa multiplicidade de formas teatrais que a ideia de teatro popular é capaz de abarcar. Para classificar como tal seus objetos em estudo, os diferentes pesquisadores estão considerando critérios como o modo de produção de um artista, grupo ou movimento, a relação com um circuito específico ou a temática encenada.

Em “Eles da Vila Vintém: relato etnográfico sobre teatro da favela” (João Gabriel Cunha) discute-se as categorias cultura, território e racismo a partir da companhia Talentos da Vila Vintém. No artigo “O teatro popular em Moçambique: representações e leituras do método do teatro do oprimido em terras africanas” (Flavio da Conceição) é apresentada historiografia do teatro popular moçambicano, o qual é relacionado com o teatro engajado e com o desenvolvimento do Teatro do Oprimido no país. No trabalho “Gênese popular do teatro nordestino” (Magela Lima) temos um comentário sobre como o Nordeste brasileiro é frequentemente visto como o lugar de origem das formas populares brasileiras. Em “O auto da Compadecida e autotelismo literário: João Grilo e a reivindicação de si” (Everaldo dos Santos Almeida) é levantada discussão sobre as ideias de linguagem, língua e discurso a partir da célebre peça de Ariano Suassuna. No artigo “Movimento Escambo: Teatro e Cultura Popular” (Marcio Silveira dos Santos) são compartilhadas experiências em encontros do Movimento Popular Escambo Livre de Rua no ano de 2013 em Janduís e Caicó, Rio Grande do Norte.

Em “O Judas em sábado de aleluia: no mínimo gesto, o valor artístico nas comédias de costumes de Martins Pena” (Marcia Geralda Almeida) é abordado o gênero comédia de costumes partindo da dramaturgia de Martins Pena, dramaturgo que teria de distanciado de padrões estéticos europeus. No trabalho “A pedra do meio do caminho: relações entre homens de letras e o teatro popular na Primeira República” (Phelippe Celestino) faz-se um contraponto entre autores como Machado de Assis, Arthur Azevedo e o teatro cômico musicado, de caráter popular. Em “O Buraco de Otília, um sucesso do teatro de revista pernambucano” (Leidson Ferraz) é apresentada a revista carnavalesca O Buraco de Otília (1958) realizada pela companhia pernambucana Companhia Portátil de Revistas Valença Filho em diálogo com reflexões sobre o teatro de revista. No artigo “A criação dramatúrgica de Oswald de Andrade: diálogo entre estética vanguardista e teatro de revista” (Nanci de Freitas) discute-se o teatro de Oswald de Andrade, buscando mencionar sua aproximação das vanguardas europeias e também seu interesse pela cultura popular brasileira. Por fim, em “Double sens: teatro de revista e as suscetibilidades sociais em Teresina nas primeiras décadas do século XX” (Ronyere Ferreira) são analisados os debates acerca do teatro de revista em Teresina nas primeiras décadas do século XX.

Também faz parte do dossiê entrevista produzida junto ao dramaturgo e historiador Ací Campelo em Teresina, capital piauiense, no dia 20 de janeiro de 2017. O foco da conversa foram montagens teatrais realizadas por dramaturgos e diretores piauienses que incorporam temáticas e personagens de manifestações populares em suas dramaturgias e encenações. Assim, com o dossiê “Teatro e o Popular” esperamos reforçar que a ideia de teatro popular pode e deve ser vista não como algo cristalizado, mas como uma categoria aberta, flexível, em permanente debate e disputa.

Rio de Janeiro (RJ), setembro de 2019.

Me. Weslley Fontenele

Organizador


FONTENELE, Weslley. Apresentação. Contraponto, Teresina, v. 8, n. 1, jan / jun, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Migrações, fronteiras e espaços / Contraponto / 2019

O presente dossiê da revista Contraponto tem uma temática prenhe de gerúndios. Ao longo desta edição será possível localizar a fluidez do tempo de migrantes, as porosidades e deslocamentos de fronteiras e mutantes delimitações espaciais, tudo isso em sintonia com aspectos históricos e seus agentes. A máxima, tudo que é sólido desmancha no ar, cunhada por Karl Marx no século XIX, e discutida por Marshall Berman nos estertores do XX, continua fazendo sentido nos caminhos da modernidade e de suas frenéticas metamorfoses.

O frisson de um tempo acelerado que desconserta gerações está na ordem do dia em nossa era tecnológica. Os feitos burgueses do século XIX hoje parecem brincadeira de criança. As conexões entre sociedades vêm ganhando cada vez mais um caráter global, com suas distancias / fronteiras abolidas diante do tempo real das comunicações, da internet, dos meios de transporte cada vez mais velozes. O tempo histórico vem se tornando dramaticamente global e conectado. As conquistas desse início de século soam como tramas futuristas, que Felippo Tommaso Marinetti talvez tenha sonhado em seu manifesto de 1909, prenhe de uma sociedade em progresso permanente, sem distancias e / ou diferenças. Mas, ao que tudo indica, os futuristas estavam equivocados. Na contramão da esperança “moderna” do capitalismo, facilmente encontrada em propagandas de bancos e redes de tv, o mundo vive tempos cada vez menos igualitários, onde preconceitos e diferenças se exacerbam. As grandes redes sociais e aparatos tecnológicos tem fornecido eco para ideias autoritárias e violentas.

Em sintonia com o atribulado tempo presente, esta edição da Revista Contraponto trará estudos que discutem problemáticas migratórias, fronteiriças e espaciais, privilegiando seus jogos de escala, na perspectiva metodológica clássica de Jacques Revel. O dossiê será aberto com o artigo “Mulheres e migração internacional: vivências de agricultoras familiares de Itapuranga-GO”, de Flávia Sousa Oliveira, que nos oferece um estudo sobre a conformação de fluxos migratório a partir de uma pequena cidade do interior de Goiás (cerca de 24 mil habitantes), para países como Estados Unidos, França, Portugal, Japão e Inglaterra. A temática das movimentações de trabalhadores contemporâneos e suas conexões internacionais também estará presente no artigo “Ser daqui e allá – Comunidade transnacional e Redes de migrantes paraguaios em São Paulo”, de Vanessa Kely Domingues, que apresenta uma discussão sobre as possibilidade de recomposição de laços comunitários e culturais na sociedade de destino dos migrantes na grande metrópole. Seguindo linha semelhante, figurará o artigo “Para além das fronteiras físicas: apontamentos acerca da imigração haitiana para o Oeste do Paraná”, de Joselene Ieda dos Santos Lopes de Carvalho, que trará como temática a dramática saga de migrantes haitianos pelo Brasil, especialmente daqueles que se dirigiram para o oeste do Paraná, investigados através de técnicas de História Oral, cujas referências fornecem pistas sobre seus caminhos, agencias e escolhas.

Dando continuidade ao dossiê, será apresentado o artigo “Fuga do Inferno Vermelho: imigração de ‘Russos da China’ para o Rio de Janeiro (1949-1960)”, de Gabriel Dias Cavalcante Mauro, que trata da interessante trajetória de migrantes russos oriundos da China, que se deslocaram até a cidade do Rio de Janeiro. O estudo também faz uso de técnicas de História Oral, dando voz à três imigrantes que contam detalhes de suas trajetórias e “estranhamentos” culturais. O artigo seguinte tratará também da densidade de deslocamentos internacionais, presentes no estudo intitulado “Um imigrante chamado Koutakusei”, de Franco Lindemberg Paiva dos Santos, que apresenta referências de uma trajetória migratória relacionada ao panorama geral da vinda de trabalhadores japoneses ao Brasil, descrevendo uma agencia individual (de Koutakusei) sem perder de vista a dimensão macro do processo em tela. Ainda tratando da temática da migração japonesa, segue o artigo “Os meandros da imigração japonesa para a América Latina: das políticas abolicionistas ao “ideal de branqueamento” na gênese dos discursos identitários nacionais no final do séc. XIX”, de Diego Avelino de Moraes Carvalho, que amplia o debate, relacionando-o com demandas das políticas de Estado no Brasil, analisando referencias da formação da identidade nacional e seus interesses no final dos oitocentos, extensível ao período pós-abolição.

Em sequência será exposto o artigo “‘Quando eu vim do sertão…’: Luiz Gonzaga e o baião – o fazer-se de dois migrantes”, texto de Ruberval José da Silva, onde mostra a trajetória migrante do cantor e compositor Luiz Gonzaga, trajetória essa justificada pelo autor como sendo de importante contribuição na formação da carreira do cantor nordestino. Felipe Soares, no texto “‘Histórias de beira de estrada’ – memória e história da ditadura na Amazônia da década de 1970”, aprensenta o processo de colonização da Amazônia no período dos governos militares como uma estratégia de controle dos conflitos ocorridos na região. “Migração, exílio e fronteiras: a narrativa de Ruffato em Flores Artificiais”, texto, resultado da pesquisa e produção de Icaro Carvalho, apresenta a busca pela compreensão do movimento de migração como um fator de pertecimento, ou de exclusão, a partir da obra Flores Artificiais, de Ruffato. Patricia Roque Teixeira das Chagas Rosa, é autora do texto “Deslocamento e reconstrução identitária no romance Quarenta dias”, que discute descolocamento a reconstrução indentitária a partir da análise do romance Quarenta dias (2017) da escritora Maria Valéria Rezende. Selma Antonia Pszdzimirki Viechnieski apresenta o texto intitulado: “As fronteiras identitárias no primeiro centenário da colônia amola faca (Virmond)”, uma colônia de poloneses fundada em 1921, espaço que expõe características da cultura polonesa, como o catolicismo. O texto discute a cultura como móvel, em transformação, estudando a identidade étnica, e o multiculturalismo.

Teresina-PI, dezembro de 2019.

Dr. Antônio Alexandre Izídio Cardoso

Me. Márcio Douglas de Carvalho e Silva

Me. Bruno de Souza Silva

Organizadores


CARDOSO, Antônio Alexandre Izídio; SILVA, Márcio Douglas de Carvalho e; SILVA, Bruno de Souza. Apresentação. Contraponto, Teresina, v. 8, n. 2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Artes, estéticas e vanguardas no Brasil: cultura, subjetividades e representações / Fato & Versões / 2019

Consideramos isso história, mas não nos esqueçamos de que são apenas palavras em uma página, palavras que foram parar lá por causa de certas regras para encontrar evidências, produzir mais palavras de nossa própria autoria e aceitar a noção de que elas nos dizem algo sobre o que é importante no terreno extinto do passado.

Robert A. Rosenstone

A História nos filmes, os filmes na História

Nas últimas décadas, a historiografia brasileira tornou-se um espaço propício para que debates novos se conformassem, notadamente no campo da chamada História Cultural. Na medida em que a ampliação das fontes históricas, a partir das décadas de 1970 e 1980, ousou contemplar objetos tais como filmes, jornais experimentais, produções musicais, peças de teatro, obras de artes plásticas, histórias em quadrinhos, campanhas publicitárias, etc., no Brasil, experiências históricas tais como os movimentos de vanguardas estéticas, notadamente aquelas que emergiam nos séculos XIX e XX, ocuparam espaço em trabalhos acadêmicos e demais obras que concernem ao ofício da História.

Trata-se, pois, de um campo que, a despeito de sua aparente especificidade, contempla caminhos que perpassam a conformação de grupos, conflitos sociais, movimentações cotidianas, relações familiares e de gênero, questões micro e macropolíticas, e, necessariamente, ajudam a demarcar diferentes experiências do tempo. Nas inúmeras pesquisas dessa ampla área de conhecimento, os objetos artísticos são elencados como elementos capazes de subjetivar uma dada realidade, possibilitando, a partir deles, a compreensão de processos históricos que ali se desdobravam.

Os artigos apresentados nesse dossiê demonstram a pluralidade de possibilidades advindas pela escolha em se trabalhar no campo da História Cultural, especificamente com as linguagens artísticas. Apesar das especificidades, observa-se que o elemento interdisciplinar entremeia cada um dos escritos aqui apresentados ao público, em um exercício crítico de acuidade teórico-metodológica de pesquisadores de diferentes instituições de ensino brasileira. Tal como a musa Clio, que tece o tecido da história com os fios colhidos em outras disciplinas, os objetos artísticos apresentados pelos autores demonstram as potencialidades de se dialogar com outros campos de conhecimento, estabelecendo-se trocas, diálogos, possibilidades, etc. sem que se perca, no meio do caminho, as especificidades do metier do campo historiográfico.

Sendo assim, há um duplo desafio a ser enfrentado nesse tipo de pesquisa. Por um lado, é necessário se compreender as particularidades da produção / elaboração dos objetos artísticos elencados, tanto no que diz respeito à sua natureza (cinema, teatro, moda, etc.), quanto ao seu contexto, recepção, autoria, temática. Por outro lado, é preciso compreender os desdobramentos teóricos e metodológicos advindos pela escolha dessa documentação, a fim de se possa delinear, a partir do olhar do historiador de ofício, os diálogos estabelecidos entre os binômios Arte e Sociedade, História e Cultura.

Tendo em vista essas e outras inquietações, o artigo “‘Lutar com o Super-8 é luta mais vã’: O Palhaço Degolado (1977) ou a maquiagem sorridente de um corpo sem cabeça”, de Fábio Leonardo Castelo Branco Brito, apresenta uma interessante análise do película do pernambucano Jomard Muniz de Britto a partir de um referencial teórico constituído a partir de autores tais como Georges Didi-Huberman, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Michel Foucault e Paul Veyne.

Por sua vez, a historiadora Grace Campos Costa, em “Diálogos entre moda e cinema: Prêt-à-Porter (1994) de Robert Altman”, amplia o binômio Cinema / História ao trazer para o campo de discussão os diálogos estabelecidos entre o campo da moda e sua representação cinematográfica, em um duplo processo de influência. Sendo assim, o artigo tem como objetivo demonstrar que esses dois campos de produção são constantemente entrelaçados, seja porquê os filmes influenciam hábitos e vestimentas, seja porquê a indústria da moda serve, constantemente, como temática de diferentes películas, as quais se propõem pensar os impactos da mesma nos diversos campos da sociedade.

Ainda no campo dos estudos cinematográficos, a pesquisadora Lais Gaspar Leite, em seu artigo “O corpo do Vagabundo e o contraste com o Tempo Moderno”, apresenta aos leitores uma possibilidade da análise da personagem Carlitos, mundialmente conhecida pela produção de Charlie Chaplin em Tempos Modernos. A autora, em suas reflexões, busca estabelecer as relações existentes entre a commedia dell’arte e a produção cinematográfica chapliniana, a fim de demonstrar as marcas desse diálogo na construção da personagem vagabundo, especialmente na obra acima referenciada.

Tal como para Chaplin, observa-se nas produções do grupo carioca Dzi Croquettes uma grande influência dos vaudevilles e comédias populares. A criação do seu primeiro espetáculo, Dzi L’Internacionalli, é o objeto de análise do artigo produzido pela historiadora Talitta Tatiane Martins Freitas, no qual ela se propõe discutir a estrutura, as escolhas estéticas, bem como os índices de recepção da referida obra teatral. Sendo assim, em “Dzi L’Internacionalli: as ambiguidades sócio e cênica dos Croquettes em seu primeiro espetáculo”, os leitores poderão ter contato com o impacto produzido por esse grupo de 13 homens que, ao longo dos anos 1970, levaram para os palcos do Brasil e da Europa uma estética considerada transgressora por mesclar elementos femininos e masculinos, questionando os constructos sociais de gênero e de sexualidade.

Fechando o dossiê, a pesquisadora Stéfany Marquis de Barros Silva apresenta, nas páginas do artigo “As travessuras históricas da Curtinália teresinense: Sensibilidades e corporalidades urbanas em Teresina na década de 1970”, as condições históricas que propiciaram o surgimento do grupo de jovens Curtinália, o qual colocava em xeque os discursos normatizadores da sociedade teresinense em meados dos anos 1970. Analisando os escritos e filmes experimentais produzidos pelo referido grupo, a autora busca desvelar a maneira como esses jovens problematizaram os códigos de gênero e sexualidade estabelecidos socialmente, decodificando os seus corpos e relações para além dos moldes tradicionais de pensamento.

A partir dessas breves apresentações, esperamos que a diversidade e riqueza de análises reunidas neste dossiê possam encantar e inspirar nossos leitores. Uma boa leitura a todos!

Fábio Leonardo Castelo Branco Brito

Talitta Tatiane Martins Freitas


BRITO, Fábio Leonardo Castelo Branco; FREITAS, Talitta Tatiane Martins. Apresentação. Fatos e Versões, Campo Grande – MS, v.11, n.21, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Paidéi@. Santos, v.11, n.19, 2019.

Editorial

  • Editorial
  • Eliana Nardelli de Camargo
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Artigos Científicos

Relato de Experiência

Paidéi@. Santos, v.11, n.20, 2019.

Editorial

  • EDITORIAL
  • Eliana Nardelli de Camargo
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Artigos Científicos

Pensata

Monografias

O conceito de cultura | Beth Dillingham e Leslie A. White

O livro de Leslie A. White, antropólogo americano nascido em janeiro de 1900 e falecido em março de 1975, foi resultado de um curso de verão de duas semanas oferecido, no ano de 1961, a 34 professores universitários no Instituto Summer de Antropologia da Universidade do Colorado – EUA. Visando a produção de uma publicação que reuniria as apresentações de vários professores visitantes, as aulas foram gravadas e transcritas. Entretanto, somente após dez anos, tendo sido abandonado o projeto inicial de publicação, a professora Beth Dillingham, após a leitura do material transcrito, pôs em relevância o texto de White, se dispôs a revisar o texto e o conteúdo foi, finalmente, editado.

Desse modo, chega ao público uma obra relativamente curta, dividida em oito partes, organizadas de modo bastante didático, cada uma equivalente a uma das aulas proferidas por White. Numa sequência de temas interligados, o autor expõe suas concepções, explica cada um dos conceitos que utiliza e defende sua aplicação. Leia Mais

Minorias, poder, saberes e trocas culturais: do Império Romano ao medievo / Dimensões / 2019

Com imensa satisfação fazemos a apresentação desta coletânea internacional de artigos que constituem este dossiê em homenagem a uma musa dos medievalistas brasileiros e latino americanos – Adeline Rucquoi (França). A apresentação da pesquisadora ficou a cargo de dois colegas, e não seremos redundante. Seu brilho, sua obra e seu caráter justificariam uma terceira homenagem, mas a modéstia dela não nos permite este exagero.

Tudo começou no pós-doutorado do professor Sérgio Alberto Feldman no EHESS entre 2012 e 2013, em que foi tratado com carinho e imenso respeito e apresentado a pesquisadores diversos. Assim nos juntamos, Sérgio Alberto Feldman e Leni Ribeiro Leite, para homenageá-la nesta obra coletiva, e este é produto. Agradecemos a Dra. Patrícia Merlo, editora incansável da Revista Dimensões, ter aberto este nobre espaço de divulgação. Leia Mais

Tiempo Histórico. Santiago, n.18, 2019.

Editorial

Artículos

Reseñas

Tiempo Histórico. Santiago, n.19, 2019.

Editorial

O Peregrino e o Convertido: a religião em movimento | Danièle Hervieu-Léger

A obra o Peregrino e o convertido foi publicada pela primeira vez no ano de 1999, tendo posteriormente traduções para várias línguas, como o português, italiano e alemão. Dentre outras publicações importantes da autora estão: Vers un nouveau christianisme? Introduction à la sociologie du christianisme occidental (1986); De l’émotion en religion (1990); La religion pour mémoire (1993); Sociologies et religion: Aproches classiques en sciences sociales des religions (2001); La religion en miettes ou la question des sectes (2001); Catholicisme français: la fin dun monde (2003); Quest-ce mourir? (2003) (HERVIEU-LÉGER, 2015, p. 07).

A autora demonstra uma vasta experiência nos estudos da religião desde a década de 70, tornando-se uma referência no estudo da modernidade, memória e tradição religiosa. A socióloga é presidente da École de Hautes Études de Sciences Sociales (Paris) e diretora da revista Archives des Sciences Sociales des Religions. A apresentação da segunda edição da obra é de autoria do professor Faustino Teixeira da PPCIR / UFJF, que realiza uma descrição do currículo da socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger. Leia Mais

Tempo, espaço e texto: a hagiografia medieval em perspectiva | Igor Salomão Teixeira

A obra Tempo, Espaço e Texto: A Hagiografia Medieval em perspectiva, coordenada pelo Prof. Dr. Igor Salomão Teixeira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tem por temática discutir e refletir as narrativas de santidades e os relatos de vidas de santos no período medieval. Constituído de nove capítulos, divididos em quatro blocos temáticos, a obra é fruto do diálogo estabelecido entre pesquisadores de diferentes universidades nacionais e internacionais e propõe-se enquanto continuidade das trocas epistemológicas estabelecidas nas duas primeiras edições do Seminário Internacional sobre Hagiografia, nos anos de 2013 e 2015.

O primeiro bloco temático, intitulado Hagiografia entre os séculos V – VIII, abarca dois artigos, de autoria de Ronaldo Amaral, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, e de Leila Rodrigues da Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. No texto A Hagiografia sob a perspectiva da consciência mítica, Ronaldo Amaral parte das reflexões de Ernest Cassirer, principalmente sobre a consciência mítica ou pensamento mítico, para compreender os elementos constitutivos da literatura hagiográfica. Assim, para o autor, a hagiografia constitui-se como uma narrativa literária histórica que traz em si uma linguagem simbólica e necessita de um estudo hermenêutico para sua compreensão. Leia Mais

Kwanissa. São Luís, v.2, n. 4, 2019.

Apresentação

  • Apresentação: E a geografia cruel de uma pandemia
  • Sávio José Dias Rodrigues
  • APRESENTAÇÃO

Artigos

Kwanissa. São Luís, v.2, n. 3, jan./jun. 2019.

Apresentação

Artigos

 

 

 

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.180, n.479 jan./abr. 2019.

Revista IHGB – Número 479

Carta ao Leitor

I – DOSSIÊ

  • DOSSIER
  • A Aclamação de D. João VI – O Rei e o Reino Reconfigurar a Corte / (re)construir o Estado: o horizonte de expectativas no Brasil do Reino Unido
  • Reconfiguring the court / (re) building the State: the horizon of expectations in Brazil of the United Kingdom
  • Arno Wehling
  • Historiografia Joanina: confrontos e convergências
  • Historiography on King João VI: confrontations and convergences
  • Lucia Maria Paschoal Guimarães
  • A exaltação da Monarquia na América:  D. João e a Aclamação em 1818
  • The exaltation of Monarchy in America: D. João and the Aclamation in 1818
  • Lucia Maria Bastos P. Neves
  • União dinástica e relações científico-culturais
  • Dynastic Union and Scientific-Cultural Relations
  • Maria de Lourdes Viana Lyra
  • “Ao VI, ao grande, ao imortal João”:  elogios impressos ao soberano D. João VI
  • “To the Great and Immortal King”: Printed Compliments to King D. João VI
  • Ana Carolina Delmas
  • A arquitetura efêmera no período Joanino
  • The efemeral architectute at the time of D. João VI
  • Maria Pace Chiavari
  • Ordens honoríficas e sociedade: a nobilitação de negociantes na Corte joanina
  • Honorary Orders and Society: Bestowing Nobility on Merchants in the Johannine Court
  • Camila Borges da Silva
  • A Real Ordem da Torre e Espada 1808-1834: uma Ordem Honorífica Luso-Brasileira
  • The Royal Order of the Tower and Sword, 1808-1834: a Portuguese-Brazilian Honorific and Military Order
  • António Miguel Trigueiros
  • António Miguel Trigueiros

II – COMUNICAÇÕES

  • NOTIFICATIONS
  • Um sábio na Ilha do Governador
  • A wise man in Governor Island
  • Cybelle Moreira de Ipanema

III – DOCUMENTOS

  • DOCUMENTS
  • Um estudo biográfico não publicado sobre o médico-botânico Joaquim Monteiro Caminhoá
  • An unpublished biographical study about the physician and botanist Joaquim Monteiro Caminhoá
  • Alex Gonçalves Varela

IV – RESENHAS

  • REVIEW ESSAYS
  • O Cavaleiro Brito e o Conde da Barca: dois diplomatas portugueses e a missão francesa de 1816
  • Marize Malta
  • Normas de publicação
  • Guide for the authors

Batalhas medievais: as 20 mais importantes batalhas da Europa e do Oriente, 1000 d.C.-1500 d.C. | Kelly Robert Devries

A coletânea de textos históricos militares, organizada pelo historiador medievalista Kelly DeVries, é uma tradução para o português do título em inglês Battles of the Medieval World 1000 – 1500 From Hastings to Constantinople publicado originalmente em Londres em 2006 pela editora Amber Books.

O organizador da obra é Ph.D. em estudos medievais pelo Centre for Medieval Studies da University of Toronto. Suas áreas de atuação são: história militar, história da tecnologia, diplomática e de paleografia. Atualmente é professor de História na Loyola University Maryland e Consultor histórico honorário da Royal Armouries (Reino Unido). DeVries organiza as discussões numa perspectiva linear crescente, tendo como referência as datas de realização dos conflitos. Desse modo, o percurso da coletânea é iniciado no ano de 1066 com a batalha de Hastings, indo até o ano de 1471, momento em que ocorre a batalha de Brunkeberg. Leia Mais

Fronteiras, trabalho e etnicidade / Canoa do Tempo / 2019

A revista Canoa do Tempo traz a público o dossiê Fronteiras, Trabalho e Etnicidade, com artigos que denotam a complexidade da discussão sobre a ideia de fronteira. Para além do entendimento sumário da categoria, usualmente articulada como linha divisória, há o indicativo do peso dos mundos do trabalho no estabelecimento de suas problemáticas. A Amazônia aparece como espacialidade privilegiada para a articulação de estudos desta natureza, ambientados entre o imaginário da opulência e as agruras de formas coercitivas da lida cotidiana. Ao longo do tempo, a floresta foi atravessada por diversos tipos de deslocamentos de fronteiras, cujos desdobramentos socioeconômicos e demográficos deixaram marcas indeléveis no tecido social de suas cidades, aldeias e rios.

Não por acaso, a floresta por tempos pensada no terreno do fantástico perdeu força discursiva sob a sombra do colonialismo interno, quase sempre jungido a interesses capitalistas internacionais. O ethos das mulheres guerreiras que (re)batizou o vale ao gosto do imaginário europeu, teve seus sentidos transformados com as sucessivas devassas e esquadrinhamentos do espaço em busca de riquezas. As fronteiras do paraíso terreal tiveram de ser redimensionadas, restando apenas o invólucro da mensagem edênica, que traduziu a Amazônia como terreno inabitado, disponível e à margem da História.

O artigo que abre a dossiê, assinado por Maria Clara Carneiro Sampaio, aponta referências sobre interesses estrangeiros na reciclagem das referidas imagens paradisíacas voltadas ao território amazônico nos oitocentos. A autora analisa os escritos do militar norteamericano Matthew Fontaine Maury, que redigiu um folheto largamente publicado em periódicos, pregando a viabilidade do deslocamento dos empreendimentos escravistas do Sul dos Estados Unidos em direção ao Brasil. Nesse contexto, a floresta era enxergada como fronteira para o avanço e sobrevivência da escravidão nas Américas, área que supostamente possuía clima e natureza “adequadas” para a população negra oriunda das grandes lavouras algodoeiras que marcavam as paisagens sulistas de Maury nos idos dos anos 1850. O projeto reabilitava a visão paradisíaca colonial, classificando a Amazônia como área prenhe de possibilidades, rica, mas mal aproveitada economicamente. O éden intocado ganhava novas camadas de sentido, visto como paraíso do trabalho compulsório e da escravidão.

O cerne da relação entre ideários edênicos, deslocamento de fronteiras e escravidão, continua no texto de Jéssyka Samya Ladislau Pereira Costa, que apresenta notas de pesquisa sobre a presença negra e indígena nos mundos do trabalho dos rios Purus e Madeira entre 1850 e 1889. O artigo aponta reflexões sobre a historicidade dos Altos Rios à época da sedimentação da Província do Amazonas, marcada por suas paisagens ameríndias, natureza opulenta e diversas zonas de contato. O cruzamento entre populações indígenas e negras é problematizado pela autora, que discute o alcance da sociedade escravocrata e as agencias das populações que enfrentavam interesses senhoriais na floresta. Os rios Purus e Madeira aparecem como recortes espaciais principais, destacados como importantes cursos fluviais na interiorização dos interesses econômicos da província, à época capitaneados pelo extrativismo da borracha.

O tema da escravidão também aparece no artigo de Paulo Roberto Staudt Moreira, que articula reflexões sobre os significados da liberdade e da escravidão na fronteira meridional do Império brasileiro no século XIX. Através de fontes judiciárias, o autor põe em causa a polissemia do conceito de fronteira, incluindo os limites e aproximações entre experiências da liberdade e do cativeiro. O recorte espacial do texto de Moreira enfatiza a Vila de Canguçu, localizada na província de São Pedro do Rio Grande do Sul nas proximidades de nações platinas circunvizinhas. O autor conduz os leitores em terreno atravessado por conflitos que marcaram a época Imperial no Sul do Brasil, área estratégica e de significativa importância econômica conectada aos fluxos da pecuária e agricultura.

Dando continuidade ao debate sobre as polissemias da categoria fronteira, apresentar-se-á o artigo de Fernando Roque Fernandes, que discute territorialidades coloniais do “delta amazônico” no século XVII. O autor problematiza a circulação de agentes coloniais na região da foz do Amazonas, evidenciando o papel desses personagens na conformação de fronteiras e disputas que caracterizaram territorialidades seiscentistas. Conectado ao contexto em tela, Fernandes dispõe aos leitores e leitoras um interessante panorama conceitual sobre as ideias de lugar, espaço e território, considerando suas complexas implicações étnicas e identitárias. O artigo destaca ainda a densidade geopolítica da época, ligada ao estabelecimento do Estado do Maranhão e as movimentações do aparato colonial para o controle do território amazônico.

A tônica dos deslocamentos associada com questões transfronteiriças aparece também no artigo assinado por Eduardo Gomes da Silva Filho e Júlia Maria Corrêa, que destacam outras facetas do debate, explorando a densidade de fluxos migratórios contemporâneos. Os autores colocam em causa a mobilidade humana e os mundos do trabalho entremeados entre as cidades de Bonfim, no estado de Roraima, e Lethem, na República Cooperativista da Guiana. Com base em dados e outras fontes obtidas em trabalho de campo, Silva Filho e Corrêa discorrem sobre questões relacionadas as atividades laborais, redes de comércio e serviços que vem conectando as duas cidades. A discussão sobre o panorama relacional entre Lethem e Bonfim pode servir de janela comparativa para outras realidades urbanas e transfronteiriças na Amazônia.

Após as reflexões sobre Brasil e Guiana, o dossiê encaminhará a debate para outras rugosidades da ideia de fronteira. Será apresentado um interessante artigo sobre um relato de viagem de autoria de George Kennan, que publicou em 1870 a obra Tent life in Siberia. Fechando a presente edição da Canoa do Tempo, convidamos à leitura do texto de Nykollas Gabryel Oroczko Nunes, que aborda a expedição telegráfica narrada por Kennan, ocorrida no nordeste da Rússia e carregada com os usuais recursos narrativos ligados à valorização de ideários da masculinidade, aventura e do enfrentamento da natureza selvagem. O artigo destaca as tensões discursivas da obra, estabelecidas entre desafios de alteridade, visualizados nos intercursos das ideias de civilização e barbárie numa área considerada distante e inóspita.

A diversidade de abordagens e aparatos teóricos aqui propostos demonstram a as possibilidades dos temas que abalizam o dossiê. Em tempos monocromáticos, refletir sobre a complexidade do conceito de fronteira vai na contramão de pensamentos que simplificam a realidade. Com isso, objetivamos fomentar ainda mais discussões que levem em conta o caráter movediço e múltiplo das experiências humanas no espaço e no tempo.

Boa leitura!

Antônio Alexandre Isidio Cardoso – Professor Doutor (UFMA).

Eurípedes Antônio Funes – Professor Doutor (UFC).

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História de mulheres negras no pós-abolição / Canoa do Tempo / 2019

O dossiê que ora abrimos apresenta diálogos e reflexões sobre gênero e sentidos históricos atribuídos a/por mulheres negras no campo do pós-abolição como um problema histórico, evidentemente seguindo os passos trilhados anteriormente no texto homônimo de autoria de Ana Lugão Rios e Hebe Mattos (2004)1. Se naquele momento os balanços e perspectivas incidiam especialmente nas experiências de homens escravizados e seus descendentes, hoje as pesquisas têm se debruçado por vezes até exclusivamente sobre a compreensão das experiências de mulheres negras, enquanto sujeitas que viveram as emancipações e as décadas imediatas à abolição, mas também aquelas que se depararam com os significados de ser negra em décadas posteriores e no tempo presente, pois, ao que os estudos indicam, o pós-abolição ainda alcança nossos dias. Não obstante, chamamos atenção para dois outros pontos. A pluralidade dos espaços geográficos das pesquisas aqui apresentadas, nos permitindo melhor acessar conhecimentos sobre a Amazônia e a região norte de uma forma geral, sem deixar de lado novas pesquisas sobre espaços que já figuravam no cenário, como a região sudeste. Entendemos que essa pluralidade vem para mostrar as potências das discussões, ainda mais quando ampliamos o mapa e nos permitimos também fazer imersões além fronteiras, em um movimento de ida e vinda, como tão bem nos aponta a entrevista do dossiê com a historiadora Juliana Barreto Farias.

Como o dossiê evidencia, as pesquisas que trazem em seu centro gênero e feminino negro dialogam ainda com as noções que extrapolam a raça, incluindo as intersecções de classe e geração, principalmente. Assim, fazem imersões que nos permitem acompanhar experiências, projetos, trajetórias e atuações em áreas já bem conhecidas das historiadoras e historiadores do campo, como o associativismo e a educação. Mas também naquelas cujas investidas de pesquisas sistemáticas são mais recentes, como sobre esportes, artistas e poetas.

Neste sentido, em seu artigo, Júlio Claudio da Silva percorre o caminho trilhado pela atriz Léa Garcia, desde o ingresso no Teatro Experimental do Negro até sua estreia no cinema brasileiro. Seu objetivo é compreender por meio de entrevistas e matérias publicadas em periódicos, como a carreira dessa atriz – marcada pelos estereótipos raciais e de gênero atribuídos pela crítica especializada à mulher negra – pode fornecer uma abordagem inovadora para observarmos as estratégias de resistências e alianças protagonizadas por Léa Garcia, e não apenas pelas lideranças masculinas do movimento negro, na luta contra o racismo, bem como na abertura e ampliação para espaços e temáticas negras nos palcos e nas telas do cinema brasileiro.

Já o artigo de Luara dos Santos Silva analisa a história de vida da professora e escritora negra, de classe média, Coema Hemetério, discutindo seus limites e “possibilidades de fala” na tentativa de driblar as hierarquizações raciais e de gênero no espaço público, impostas por crenças pretensamente científicas, que destacavam a inferioridade de negros e mulheres, no alvorecer do século XX.

Abordando ainda a temática da educação, Jucimar Cerqueira dos Santos e Mayara Priscilla de Jesus dos Santos analisam o alcance de inúmeras medidas e iniciativas femininas de criação de escolas noturnas para mulheres na Bahia, como alternativas para o enfrentamento dos preconceitos machistas e racistas da época, destacando a trajetória de Maria Odília, “a primeira mulher negra a se formar na FAMEB (Faculdade de Medicina da Bahia) em 1909”.

Cláudia Maria de Farias discorre sobre ao processo de inserção, permanência e ampliação da participação das mulheres negras no campo esportivo brasileiro, nas décadas de 1940 e 1950. A análise dos relatos orais das atletas olímpicas negras Melânia Luz e Deise Jurdelina de Castro revelam as intersecções do gênero, classe, raça/etnia e geração e o protagonismo de mulheres negras no pós-abolição.

O cotejo dos estatutos de clubes, periódicos, processos crimes, possibilitou a Juliana da Conceição Pereira analisar o comportamento moral e as regras de conduta adotadas nos bailes dos clubes dançantes cariocas entre as décadas de 1880 e 1920. As fontes pesquisadas revelam como as variáveis de raça, classe e gênero foram selecionadas pelos articulistas em seus artigos para justificar os crimes perpetrados contra as frequentadoras dos bailes.

Geilza da Silva Santos enfrenta o desafio de tentar localizar o lugar da mulher negra no pós-abolição. Para desenvolver tal tarefa debruçou-se sobre as transformações pelas quais passou a história das mulheres, suas contribuições e o legado do feminismo negro. Uma análise sobre as mulheres negras da comunidade quilombola Senhor do Bonfim, no munícipio de Areia, Estado da Paraíba, foi tecida a partir dos censos do munícipio, do relatório antropológico produzido pelo INCRA, bem como das memórias de duas moradoras do lugar no tempo presente.

João Marinho da Rocha apresenta uma vigorosa história das emergências das identidades étnicas e do movimento social quilombola do Rio Andirá, Estado do Amazonas. Seu trabalho reúne relatos orais das mulheres quilombolas, diretamente envolvidas no processo de luta pelo reconhecimento de direitos e lança luz sobre a presença negra e suas lutas no pós-abolição da Amazônia.

Encerrando este número da revista, Marina Vieira de Carvalho nos brinda com uma abordagem envolvente e bastante inovadora. Ao analisar o imaginário pornô-erótico sobre a mulher negra no pós-abolição carioca, a autora compara os discursos e conflitos produzidos sobre o corpo feminino nas narrativas ficcionais normativas e colonizadas do periódico Rio Nu (1898-1916) e naquelas criadas pela poesia erótica transgressora de Gilka Machado, mulher afrodescendente e pobre. Assim, a autora reconstrói um aspecto pouco explorado na história do pós-abolição, evidenciando o “novo feminino” da escrita de Gilka, que dá voz sobretudo às mulheres das camadas populares, recusando o aprisionamento e a “natureza maldita do corpo feminino negro”.

Em tempos tão difíceis, de inúmeros retrocessos e perdas de direitos duramente conquistados, as pesquisas aqui apresentadas sobre a história das mulheres negras demonstram a vivacidade e os avanços da escrita da história do pós-abolição, além de apontar outras tantas possibilidades abertas pela Lei 10.639, de 2003 que, voltada à educação antirracista, instituiu a obrigatoriedade do ensino da História da África e da cultura Afro-brasileira, reconhecendo a importância das lutas dos africanos e africanas, bem como de seus descentes, na formação da sociedade brasileira.

Nota

1 RIOS, Ana Maria; MATTOS, Hebe Maria. “O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas”. TOPOI, v. 5, n. 8, jan.-jun. 2004, pp. 170-198

 

Cláudia Maria de Farias

Fernanda Oliveira da Silva

Júlio Cláudio da Silva

As organizadoras e o organizador

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História em Reflexão. Dourados, v.13, n.24, 2019.

REVISTA ELETRÔNICA HISTÓRIA EM REFLEXÃO

APRESENTAÇÃO

ARTIGOS LIVRES

ARTIGOS DO DOSSIÊ

RESENHAS

 

Infâncias e juventudes no século XX: histórias latino-americanas | Silvia Maria F. Arend, Esmeralda B. B. de Moura e Susana Sosenski

O livro Infâncias e juventudes no século XX: histórias latino-americanas apresenta os resultados de investigações realizadas por integrantes do Grupo de Trabalho História da Infância e da Juventude, filiado à Associação Nacional de História – ANPUH-Nacional, e por historiadores membros da Red de Estudios de Historia de las Infâncias en América Latina – REHIAL (https://www.aacademica.org/rehial), criada em 2018. A obra é produto de reflexões que demonstram como os processos sociais relativos à infância, adolescência e juventude (para além do âmbito da escola) têm adquirido uma maior importância na historiografia da América Latina. Essa importância está certamente associada ao fato de que problemas de diferentes ordens relativos a essa parte da população latina ainda são grandes desafios a governos e sociedades que compõem o continente. É importante observar ainda que o livro é composto por capítulos redigidos nos idiomas português e espanhol.

As três organizadoras da obra – Silvia Maria Fávero Arend, docente da Universidade do Estado de Santa Catarina, Esmeralda B. B. de Moura, da Universidade de São Paulo (USP), e Susana Sosenski, que atua na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) – têm produzido vários estudos na área das Ciências Humanas, especialmente no campo da História da Infância e da Juventude. Leia Mais

Múltiplos olhares sobre política e religião / Faces de Clio / 2019

Com muita satisfação, a Revista Faces de Clio lança o dossiê Múltiplos olhares sobre política e religião (Janeiro – Junho de 2019). O arquivo é composto de trabalhos que observam os limites entre os espaços públicos e privados, assim como as fronteiras entre as experiências religiosas e as atuações políticas. Contamos, nesta edição, com artigos que transitam sobre diversos períodos da história, desde a “Grécia antiga” ao Brasil contemporâneo.

Visando facilitar a difusão dos nossos artigos, damos início à uma nova fase da Revista, que agora se integra ao novo Portal de Periódicos da Universidade Federal de Juiz de Fora. Com nosso novo site (OJS 3), teremos todo o fluxo editorial administrado na plataforma, facilitando a comunicação entre autores, editores, pareceristas e leitores.

Iniciamos este número com um artigo de Thales Moreira Maia Silva, no qual a semântica do conceito de “experiência religiosa” é explorada a partir de fontes da Grécia antiga e de um diálogo com a historiografia. O fio condutor do trabalho é a relação com o contexto político das “religiões de mistério” helenísticas.

Ainda sobre História Antiga, Eduardo Belleza traz a sua contribuição com o artigo “Os Césares” de Juliano como construção de uma propaganda política. Recorrendo à sátira intitulada “Os Césares”, demonstra as tentativas do imperador Juliano (361 – 363 d.C.) para difundir uma propaganda política e religiosa no intuito de promover a sua imagem e reestabelecer os antigos cultos romanos em oposição ao avanço do cristianismo.

No artigo O príncipe indômito: uma análise das políticas praticadas nas vidas de São Hermenegildo para a construção hagiográfica do príncipe mártir visigodo, a historiadora Luanna Klíscia explora as implicações políticas das vidas do príncipe visigodo São Hermenegildo (564 – 585 d.C., considerado mártir da Igreja espanhola), sobretudo na disputa contra o rei Leovigildo (seu pai, que adotava em seu reino uma perspectiva ariana do cristianismo).

Recorrendo como fonte aos jornais A República e O Apologista Christão Brasileiro, o historiador João Gabriel Moraes de Souza trata das tensões presentes no processo de laicização da República Federativa do Brasil a partir da polêmica em torno ao casamento civil no Belém do Pará. A problemática envolve o missionário metodista Justus Nelson, os católicos e os republicanos entre os anos de 1890 e 1893.

Nilciana Alves explora o olhar de Emma Goldman sobre o puritanismo, sobretudo no que se refere às relações estabelecidas entre mulher, política e religião. Para tanto, a autora, além de explorar o artigo “The Hypocrisy of Puritanism” (1910), analisa os livros “La palavra como arma”, “O indivíduo, a sociedade e o Estado, e outros ensaios” e “Vivendo minha Vida”.

Karina Fonsceca Soares Rezende apresenta uma reflexão histórica acerca da teologia política que orientou Dietrich Bonhoeffer (teólogo conhecido por sua atuação contra o nazismo), tendo como fio condutor a análise do conceito de “comunhão”, dado sua importância para a articulação de uma ideia de responsabilidade cristã em relação aos problemas de ordem pública. Além disso, a historiadora traça um paralelo entre o referido termo e o conceito de “amizade política”, desenvolvido por Hanna Arendt no livro “As origens do totalitarismo”e as ideias de Bonhoeffer.

Em relação ao envolvimento dos evangélicos na política, o historiador Vinícius Rodrigues Dias propõe uma análise das eleições para deputados estaduais de Rondônia em 1982, as primeiras depois da criação do Estado, com ênfase nas trajetórias de Amizael Silva do PDS e de Sadraque Muniz filiado do PMDB. Para isso, o estudioso recorre à fontes orais, jornais e cartas.

Adentrando no século XXI, Aline Beatriz Coutinho investiga as disputas em torno à questão do aborto na Câmara dos Deputados por parte dos movimentos feministas, dos deputados federais pentecostais e do poder executivo. Coutinho explora o impacto da temática a partir das eleições de 2014 e observa em que medida a discussão é pautada no âmbito da moralidade e da religião e no contexto da saúde pública.

Sobre os eventos políticos recentes da História do Brasil, o prof. Dr. Emanuel Freitas da Silva (Universidade Estadual do Ceará) aborta as tensões entre os parlamentares evangélicos o governo de Dilma Rousseff. Além de discutir o conceito de modernidade e secularização aplicados aos eventos recentes da história política do Brasil, o sociólogo apresenta brevemente a constituição da bancada evangélica desde 1988 ao governo Dilma. Por fim, expõe sete cenas, como o debate sobre o conceito de família, que marcaram os debates entre o governo e a bancada evangélica.

O historiador Marcelo Noriega reflete acerca dos desafios no Ensino de História no combate à intolerância religiosa. Pautado na abordagem da Educação Histórica, tendo como fundamento às contribuições da Jorn Rusen, o autor demonstra a importância de desenvolvermos, além dos aspectos cognitivos, as capacidades dos estudantes se posicionarem como cidadãos autônomos aptos a conviverem numa sociedade plural.

Enceramos esta edição com uma resenha produzida por Edson Silva de Lima sobre o livro Bram Stoker e a Questão Racial. Literatura de horror e degenerescência no final do século XIX.

Agradecemos a todos (as) membros da equipe editorial, ao conselho consultivo, aos pareceristas, aos autores(as), que participaram ativamente da construção deste dossiê, e aos leitores que prestigiarão o nosso trabalho.

Ana Paula Dutra Bôscaro – Doutoranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: anapaulaboscaro@gmail.com

Bárbara Ferreira Fernandes – Doutoranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: barbaraffernandes@outlook.com

Jorge William Falcão Junior – Doutorando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: williamfalcaojr@gmail.com


BÔSCARO, Ana Paula Dutra; FERNANDES, Bárbara Ferreira; FALCÃO JUNIOR, Jorge William. Editorial. Faces de Clio, Juiz de Fora, v.5, n.9, jan / jun, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Estudios Históricos. Rivera, n.21, jul. 2019

Estudios Históricos. Rivera, n.21, jul. 2019

  • 01 – Governação local democrática em angola: algumas questões e desafios emergentesDemocratic Local Governance in Angola: some emerging issues and challenges
  • Janaína Rigo Santin, Carlos Teixeira (Brasil)
  • 02 – A escravização indígena e o processo de ocupação territorial de Mato GrossoIndigenous slavery and territorial occupation process of Mato Grosso
  • Paulo M. Esselin (Brasil)
  • 03 – Vargas, Goulart e Lula: do apreço popular a derrocada golpistaVargas, Goulart and Lula: from popular appreciation to the brought them down
  • Fábio Antunes Vieira (Brasil)
  • 04 -As vozes femininas que ecoam nas ondas da Rádio Federal FMThe female voices that echo in the waves of the Federal FM Radio.
  • Silvana de Araújo Moreira, Lorena Almeida Gill. (Brasil)
  • 05 – A ciência da história e suas dimensões
  • The science of history and its dimensions
  • Iraci del Nero da Costa(Brasil)
  • 06 – Dos índios antes da Companhia de Jesus; e da ordem depois dos índios: a classificação étnico-semântica do Paraguai colonial (séc. XVII e XVIII)From the Indians before the Society of Jesus; and of the order after the Indians: the ethnic-semantic classification of colonial Paraguay (17th and 18th centuries)
  • Rodrigo Ferreira Maurer. (Brasil)
  • 07 – Ulyanovsk Automobile Plant as an example of effective development of the Soviet economy of industry in the postwar period
  • La planta de automóviles Ulyanovsk es un ejemplo del desarrollo efectivo de la economía soviética de la industria en el período de posguerra
  • E. E. Nikolaev, I. A. Chukanov, O.V. Polyakova. (Rusia)
  • 08 – A colonialidade do poder na obra “O sétimo juramento”, de Paulina Chiziane
  • The coloniality of power in Paulina Chiziane’s work “The Seventh Oath”
  • Daniel Conte, Sarah Francieli Mello Weimer, Thaís Vieira de Paula. (Brasil)
  • 09 – O bordado como morada e local de fala da mulher: exposição “Mulheres de Luta”, do projeto Bordado Empoderado
  • Embroidery as a woman’s address and place of speech: “Women of Struggle” exhibition, by the Empowered Embroidery project
  • Silvane Inês Heck, Claudia Schemes, Daniel Conte. (Brasil)
  • 10 – O movimento operário gaúcho na República Velha: uma análise de quantitative history
  • The gaúcho labour movement in the República Velha: a quantitative history analysis
  • Corrêa, Anderson R. Pereira, Carbonai, Davide. (Brasil)
  • 11 – Calidad de vida en la Argentina (1970)
  • Quality of life in Argentina (1970)
  • Guillermo Angel Velázquez, Juan Pablo Celemín. (Argentina)
  • 12 – Do cinema para a mesa: a construção de um imaginário acerca da excelência da comida italiana
  • From the movies to the table: the construction of an imaginary concerning the excellency of italian food
  • Cleber Cristiano Prodanov, Cristina Ennes da Silva, Rogério de Vargas Metz. (Brasil)
  • 13 – Estrada de Campos Novos e de Palmas: dois caminhos no meio de uma disputa territorial
  • Campos Novos and Palmas Road: two roads in the middle of a territorial dispute
  • Alcides Goularti Filho. (Brasil)
  • 14 – Terceirização da morte: libertos e cativos rio-grandenses na guerra contra Paraguai
  • Outsourcing of death: freed and captive Rio Grande in the war against Paraguay
  • Wagner Cardoso Jardim. (Brasil)
  • 15 – Integración latinoamericana mediante el patrimonio industrial
  • Latin American integration through industrial heritage
  • René Boretto Ovalle (Uruguay)
  • 16 -Índice de artículos, autores y países de todas las ediciones de Estudios Históricos, 2008-2018
  • Index of articles, authors and countries of all editions of Historical Studies, 2008-2018
  • Tec.Priscila Mello. (Uruguay)
  • 17 – Conflictividad, faccionalismo y elecciones. El caso de una nación africana en Buenos Aires durante la época rosista
  • Gustavo Javier Giménez (Argentina)

Peregrinos e peregrinação na Idade Média | Susani França, Renata Nascimento e Marcelo Lima

As peregrinações na Idade Média tiveram, enquanto fenômeno religioso, diversas dimensões, ou seja, políticas, econômicas e também sociais. E assim, enquanto fenômeno histórico e produto, portanto, das práticas e experiências humanas, as peregrinações no Ocidente medieval não foram, no entanto, homogêneas.

A concepção medieval de que o cristão era, por excelência, um homo viator, estava correlacionada à crença no destino após a morte. Enquanto uma viagem terrena aos santos sepulcros localizados no Ocidente, como os de Roma e de Compostela e, no Oriente Próximo, em Jerusalém, a Terra Prometida, as peregrinações eram percebidas também como uma passagem entre este mundo e aquele imaginado pelos fieis, o mundo celeste. O historiador Jacques Le Goff (1989) argumentou em um de seus livros que todas as pessoas na Idade Média eram peregrinos, seja no sentido mais factual de realização de uma viagem ou peregrinos potenciais. A noção de homo viator refere-se, assim, à cosmovisão que os medievais compartilhavam a respeito da vida neste mundo enquanto um ritual, algo provisório, em contraste com aquele destino eterno associado ao Além. Leia Mais

Patrimonio cultural en contexto regional, liminal y, o de frontera | Sophia Austral | 2019

En la actualidad el interés por el patrimonio cultural se ha visto acrecentado y consolidado en diferentes ámbitos: el aumento sostenido de estudios y publicaciones, la proliferación de programas de perfeccionamiento y especialización de nivel superior, revisiones y cambios en los marcos institucionales y un amplio espectro de casos de gestión patrimonial a nivel local, nacional y mundial, que han logrado un alto grado de impacto y visibilización. Asimismo, las comunidades se han transformado en agentes protagonistas respecto de la legitimación y gestión de su patrimonio, siendo cada vez mayor su injerencia y determinación en esta materia.

Estos y otros cuestionamientos motivaron la gestión de este dossier denominado “Patrimonio cultural en contexto regional, liminal y/o de frontera”, orientado a la reflexión y revisión de diversas experiencias enmarcadas en el quehacer patrimonial, tanto a nivel nacional como internacional. Asimismo, esta experiencia permitió establecer un acercamiento a los marcos teóricos que asisten las diversas investigaciones y acciones de gestión en patrimonio, permitiendo a investigadores y académicos conocer el estado de la cuestión en esta materia. Con todo, el dossier es el resultado de una primera aproximación a las temáticas que están siendo abordadas y revisadas desde “lo patrimonial” y que invita a la comunidad a profundizar, diversificar y cuestionar los trabajos e investigaciones que se están realizando con el objetivo de ir construyendo un campo sólido de los estudios patrimoniales. Lo anterior resulta muy pertinente para el actual contexto global en lo social, cultural y económico, en tanto el patrimonio está teniendo un rol fundamental en su desarrollo y dinamismo. Leia Mais

Mosaico. Goiânia, v.12, 2019.

Materializando a História: o Passado Humano através da Cultura Material

Editorial

Apresentação / Presentation

Artigos de Dossiê / Dossier

Artigos Livres / Articles

Resenhas / Reviews

Brasil – China / Boletim do Tempo Presente / 2019

Apresentação

As relações entre Brasil e China vem se desenvolvendo a passos largos na última década. Com o intuito de divulgar a língua e a cultura chinesa, o governo chinês desenvolver parcerias com universidades ao redor do mundo para a criação de Institutos Confúcio.

Em Recife, a Universidade de Pernambuco desenvolveu uma próspera parceria ao longo de mais de 6 anos com o Instituto Confúcio e com a CUFE (Universidade Central de Finanças e Economia), tendo um Seminário Internacional que conta com a participação de diversos pesquisadores dos dois países.

Nesta edição especial, são publicados parte dos artigos apresentados no evento, dando destaque aos da área de economia e de tecnologia.

Ademir Macedo Nascimento

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Autoavaliação institucional / Boletim do Tempo Presente / 2019

Apresentação

A autoavaliação institucional é um pre-requisito básico para a melhoria contínua das instituições de ensino superior.

Neste sentido, as faculdades e universidades de Pernambuco, desenvolvem a 7 anos um fórum para troca de experiências e de divulgação de boas práticas.

Nesta edição, são publicados os melhores artigos apresentados neste evento [VII Fórum das CPAs de Pernambuco], além de outros artigos do II Seminário Internacional Sino-Brasileiro.

Prof. Dr. Ademir Macedo Nascimento

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China / Boletim do Tempo Presente / 2019

Apresentação

A aproximação entre a Universidade de Pernambuco e a CUFE (Universidade Central de Finaças e Economia da China) vem trazendo grandes resultados para o meio acadêmico, em especial na área de Administração.

Tal aproximação só foi possível devido ao trabalho do Instituto Confúcio da UPE, que atua em Pernambuco há mais de 6 anos e já permitiu que diversos alunos dos cursos de línguas e cultura pudessem conhecer a China.

Essa rica oportunidade culminou na realização de dois Seminários Internacionais com pesquisadores brasileiros e chineses apresentando suas pesquisas e realizando um intercâmbio de conhecimento. Para ambos os lados, essa é uma parceria proveitosa, pois permite que se conheça mais sobre o mercado de cada região e como parcerias econômicas vem sendo desenvolvidas pelos dois países.

Nesta edição apresentamos artigos sobre a China focados nos diversos aspectos que as pesquisas vem focando recentemente.

Ademir Macedo Nascimento

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História Marítima e Portuária / Almanack / 2019

História Marítima e Portuária, temas propostos para este dossiê de Almanack, são ao mesmo tempo clássicos e pouco explorados. As perspectivas abertas pelos textos aqui reunidos indicam um longo caminho a percorrer a fim de adensar as temáticas e suas muitas abordagens possíveis.

A rigor, portos seriam os lugares modernos de movimentação de gentes e mercadorias, aparelhados com equipamentos mais sofisticados do que os simples atracadouros. Porém, tendo em vista que gentes e mercadorias circulavam desde antes de uma definição contemporânea calcada no desenvolvimento capitalista, acostumamo-nos a chamar de portos os lugares onde navios de diferentes tamanhos e procedências atracavam. Em torno dos portos desenvolveram-se especificidades urbanas, culturais e econômicas, fazendo com que as cidades portuárias tivessem e, ainda hoje, tenham características quase sempre resultantes de sua condição de elo de comunicação com sua hinterland, com lugares mais ou menos próximos, ou então com as rotas de longo curso que as ligavam ao mundo todo.

Ofícios, culturas profissionais, formas de organização, trânsito intenso, paisagens diversificadas, línguas e etnias diversas em convívio: tudo isso aproxima a história dos portos e das cidades portuárias. Fenômeno similar pode ser observado a bordo: também os navios são lugares sociais da diversidade e do movimento, embora o isolamento e as constantes tentativas de impor a disciplina em pleno mar tenham feito com que historiadores observassem a vida dos embarcados como um fenômeno semelhante ao que ocorria nos ambientes da prisão ou da fábrica.

Por isso, o diálogo entre História Portuária e História Marítima[5] é estimulante. Se a História Portuária vincula-se à terra firme, à economia e à sociedade, a História Marítima é seu espelho. Os homens não habitam o mar, ainda que tripulantes passassem boa parte de suas existências a bordo. A chegada em terra, para cumprir seus destinos e obrigações, sempre se dava em portos e impactava a sociedade local: os navios traziam mercadorias, demandavam abastecimento, portavam informações escritas e orais, introduziam epidemias, carregavam passageiros, podiam ser meios de fuga da justiça, de contrabando de bens, de invasão militar e de resistência.

Ao dizermos “homens”, estamos nos referindo à humanidade e também ao gênero masculino. Os trabalhos marítimos e portuários eram masculinos por excelência, muito embora as mulheres não estivessem totalmente afastadas do ambiente dos navios. Todavia, sua incorporação era, quase sempre, na condição de passageiras ou, no caso portuário, de familiares daqueles que embarcam e que viviam à espera. Portanto, a História Portuária e a História Marítima também comportam análises nas quais o gênero é uma categoria relevante, à espera do interesse dos historiadores.

Se a História Portuária dialoga mais fortemente com as histórias nacionais, a História Marítima pode distanciar-se dessa perspectiva. Na verdade, alguns autores têm proposto a superação das histórias imperiais e nacionais nos estudos de História Atlântica – e podemos ampliar suas preocupações para oceanos, mares e cursos d’água diversos. Os oceanos são espaços geográficos e ao mesmo tempo uma categoria. Com os Estados, os oceanos compartilham essas e outras características: ambos têm fronteiras definidas e seus sujeitos constroem lealdades políticas entre si e em relação aos poderes institucionais. Ao mesmo tempo em que sugere isso, David Armitage observa, nos Estados, fronteiras mutantes e “conjunções imperfeitas entre lealdades políticas e limites geográficos”. Os oceanos são obras da natureza, mas o uso desses espaços é histórico e sobre eles podemos nos debruçar como sobre qualquer outro objeto. O autor ainda indica uma cronologia para a História Atlântica, de Colombo à era das revoluções. Com espaço e tempo próprios, a História Marítima pode transcender a abordagem estrita (e eventualmente estreita) dos Estados nacionais para não ser reduzida a uma forma palatável de estudar os impérios marítimos. Em sintonia com Armitage, Bernard Bailyn pontua que uma história das gentes do / no mar não pode se traduzir na somatória das histórias dos povos que habita(va)m suas margens, se quisermos ir além do caráter imperial e nacional. É importante acrescentar que, se não é uma somatória, essa abordagem também não pode simplesmente deixar de lado a história dos povos da Europa, África e América, como eventualmente ocorre.

Muitas abordagens poderiam surgir a partir da conjunção entre História Portuária e História Marítima, inclusive uma visão integrada. Neste dossiê, os textos e seus autores compõe um inventário em andamento, que está a merecer uma ampliação e um fortalecimento do campo.

Os textos do dossiê lidam com o arco temporal situado entre o final do século XVIII e as primeiras décadas do século XX. Todos eles referem-se ao Atlântico Médio e Sul – espaços que, no âmbito de uma historiografia atlântica, têm tido muito menos destaque. Historiadores do Brasil, da Argentina e da Espanha, reunidos na empreitada proposta pelos organizadores, falam, leem e escrevem em português e espanhol. As fontes produzidas nesses idiomas são nossa força para intervir no debate que, visivelmente, tem privilegiado o Atlântico Norte anglófono e francófono, transformado no parâmetro para estudos mais abrangentes.

Todo sumário é um pouco arbitrário, e nesta apresentação isso também pode ocorrer. Observamos, entre outras possibilidades de arranjo, três abordagens exemplificadas pelos textos do dossiê. A primeira, focada em historiografia e fontes da História Portuária e Marítima, está representada nos artigos de Cezar Honorato e Jaime Rodrigues. O primeiro nos brinda com sua ampla experiência ao construir um balanço sobre a historiografia de portos e cidades portuárias, com maior densidade para o caso emblemático do Rio de Janeiro, mas sem descuidar da produção sobre outros lugares do Brasil. Além de apontar as grandes linhas gerais pelas quais a historiografia dos portos vem se desenvolvendo há décadas, Honorato tem um amplo domínio dos estudos e dos núcleos mais ativos e relevantes de produção historiográfica sobre a temática portuária. Seu domínio do tema provém da longa experiência docente e da coordenação, em conjunto com Miguel Suarez Bosa, da Universidade de Las Palmas, do projeto “Puertos y Ciudades del Mundo Atlántico”, do qual participam pesquisadores de diversas partes do mundo. Por sua vez, Jaime Rodrigues explora preliminarmente o potencial dos registros de matrículas como fontes para a História Marítima na perspectiva da História Social e dos homens comuns que foram, eles também, construtores do império. Além de permitir um vislumbre da circulação das gentes livres e pobres entre a segunda metade do século XVIII e as primeiras décadas de século XIX, as fontes viabilizam estudos sobre cargos e funções a bordo; tempo de experiência e faixa etária dos embarcados; as eventuais possibilidades de ascensão profissional; a relação entre os tipos de navios, rotas marítimas e o tamanho das tripulações; e a variedade de lugares de origem, condição social e treinamento profissional dos marinheiros e oficiais.

A segunda abordagem contida nos textos do dossiê remete aos estudos de casos de portos. Alejandro González Morales e Antonio Ramón Ojeda trabalham com um espaço mais amplo – a chamada Macaronésia, composta pelos arquipélagos atlânticos incorporados ao território de suas antigas metrópoles, a saber: Açores, Madeira e Canárias. Sua condição insular é determinante para a existência de tantos portos e de tantas escalas feitas por embarcações de diferentes tipos em seus portos. A natureza como condicionamento é o ponto de partida do estudo que os autores nos apresentam sobre o desenvolvimento portuário desses arquipélagos, considerados em perspectiva comparativa.

Demografia e sociedade na região portuária do Rio de Janeiro são o objeto de Thiago Mantuano. Seu olhar para a cidade no século XIX se constrói desde as freguesias portuárias, sua dinâmica e evolução urbana. Com foco em espaços exíguos e de alta densidade demográfica, o autor os insere na região, no Brasil e no mundo por meio do porto carioca e de seu movimento. A riqueza que por ali circulou nos tempos em que a cidade era a capital do Império não impediu que a região portuária do Rio fosse, no decorrer no tempo, uma área de concentração da pobreza.

Mas não são apenas grandes volumes o sustentáculo dos portos. Flávio Gonçalves dos Santos vem, há anos, dedicando-se ao estudo de Ilhéus, na Bahia, e do impacto de seu porto na vida da cidade. O autor lida com temas como composição social e ocupações profissionais sendo transformadas em razão da atividade portuária. Todos os indícios interessam ao historiador e Santos deixa isso claro ao lidar, com desenvoltura, com fontes seriais e literatura de ficção para compor uma abordagem demográfica que não descuida da sociedade em processo de transformação.

Laila Brichta atravessa o Atlântico para focar um espaço colonial ainda pouco estudado entre nós: Moçâmedes no século XIX. O local vai ganhando importância entre os domínios portugueses na medida em que ali se viabilizam atividades comerciais com outros portos africanos e com a metrópole portuguesa. Diferentemente do que previam os planos de colonização, será na pesca e no comércio dos produtos dela derivados que se construirá a relevância dessa região ao sul de Angola.

Por fim, o dossiê traz uma perspectiva inescapável: a construção de circuitos atlânticos por meio da circulação de pessoas, da vigilância, da repressão e das ideias que, não fossem por esse caminho, não teriam se disseminado tão amplamente entre fins do XIX e início do XX. Três artigos foram dedicados a esse exame. Martín Albornoz e Diego Antonio Galeano dividem a autoria do estudo sobre anarquistas em pleno movimento pelo Atlântico Sul, sobretudo na rota que ligava o Rio de Janeiro a Montevidéu e Buenos Aires. Policiais, diplomatas e outros agentes da repressão ao anarquismo na América do Sul deixam claro que as fronteiras nacionais são, por vezes, limites que os historiadores criam para seu próprio conforto. Diante das estratégias internacionais de controle dos movimentos espaciais, os anarquistas foram capazes de construir suas próprias estratégias de proteção e escape por mar e nos portos do continente.

Álvaro Pereira do Nascimento revisita a história de João Cândido como personagem emblemática da vida marítima em um momento de transformações muito pronunciadas. O esforço não é simplesmente biográfico, mas sim o de entender Cândido como o guia para uma análise do impacto tecnológico na nova realidade, na qual a Armada continuava a recrutar um contingente amplo de homens negros e egressos da escravidão recém-extinta no Brasil. Cor, tecnologia, relações de trabalho e disputas ideológicas no novo regime são questões que Nascimento mobiliza e às quais dá um tratamento que raramente se vê em abordagens que não a da História Social por ele praticada.O dossiê encerra-se com o texto de Rodrigo Faustinoni Bonciani, que analisa um conto do brasileiro Machado de Assis e um romance do estadunidense James Weldon Johnson, expoente da Renascença do Harlem. Ambos os literatos são oriundos de sociedades escravistas e viveram o pós-abolição, expressando na literatura as repercussões da diáspora africana nas relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos. Bonciani concentra-se na virada dos séculos XIX e XX para interpretar diferentes abordagens existentes nos estudos sobre o Atlântico negro.

Poderia haver muito mais. O dossiê deixa claro que o campo é amplo e pode ser aumentado. Trouxemos para este número de Almanack abordagens diferentes que poucas vezes dialogam entre si. Evidenciamos possibilidades de estudos considerando fontes conhecidas e outras nem tanto. Analisamos os portos e o mar em diferentes períodos e perspectivas. Trouxemos para o palco a História Econômica, a História Social e os Estudos Culturais. Tudo isso ainda é pouco, o que não nos desanima: portos e mares são objetos sedutores e continuarão a sê-lo para as gerações de estudiosos que virão.

Nota

5. LINEBAUGH, Peter. “Todas as montanhas atlânticas estremeceram”. Revista Brasileira de História,6: 7-46, set. 1983.

Referências

LINEBAUGH, Peter. “Todas as montanhas atlânticas estremeceram”. Revista Brasileira de História, 6: 7-46, set.1983. [ Links ]

Jaime Rodrigues – Professor na Unifesp e doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). http: / / orcid.org / 0000-0002-9893-7365

Flávio Gonçalves dos Santos – Professor na Uesc e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). http: / / orcid.org / 0000-0003-4241-8870


RODRIGUES, Jaime; SANTOS, Flávio Gonçalves dos. História marítima e portuária em revista. Almanack, Guarulhos, n.21, jan / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

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História das Doenças e das práticas de curar no Oitocentos / Almanack / 2019

As últimas décadas têm sido marcadas por uma ampliação significativa no campo de pesquisa da história das doenças e das práticas de curar no Oitocentos. Dentre as características presentes nesses estudos, podemos ressaltar a intercessão e diálogo entre diferentes especialidades científicas, destacadamente os diálogos entre a história e a antropologia e a história e a linguística e a teoria literária; a multiplicidade de opções teórico-metodológicas adotadas – que transitam, mais comumente, entre a história social, a (nova) história política, a história cultura e a história das ciências – e de fontes utilizadas. Aliás, parte desse alargamento de fontes e olhares nos tem permitido, cada vez mais, captar as percepções em torno das doenças e das possibilidades de curas de certos estratos sociais antes desconsiderados em narrativas da história da medicina (em âmbito geral, apenas de uma medicina douta) eivadas de triunfalismos e percepções “presentistas”. [7]Cada vez mais sabemos dos achaques e de suas explicações e terapêuticas engendradas por escravos, libertos e demais elementos oriundos das camadas subalternas, num tipo de olhar que Roy Porter (1985), tão bem nomeou “visão dos pacientes / sofredores”.

Outro aspecto que merece menção é o alargamento dos temas de investigação: representações e caracterizações de doenças; passagem sempre temida de epidemias; diferentes medicinas que coexistiam e, não raro, se confrontavam em diferentes arenas; institucionalização da medicina douta; práticas de curar e doenças dos cativos, entre outros assuntos. Não sendo aqui o lugar para arriscarmos uma revisão dessa extensa bibliografia[8].

No rastro dessas possibilidades de ampliarmos o campo de análise em torno dessa área de pesquisa em franca expansão e fomentar o diálogo entre parte de seus autores e estudos, que apresentamos o presente dossiê temático História das Doenças e das práticas de curar no Oitocentos, na Revista Almanack. Acreditamos que o dossiê possa contribuir para que seus leitores – especialistas ou não especialistas – tenham diante de si textos que uma pertinente amostragem dessas novas leituras, fontes e métodos de estudo em torno dos temas da saúde e da doença no século XIX, com ênfase à realidade do Brasil imperial.

Assim, o artigo de Jean L. N. Abreu, “Discípulos de Asclépio: as teses médicas e a medicina acadêmica no oitocentos (1836-1897)”, analisa, a partir da organização das primeiras faculdades de medicina no Brasil, na década de 1830, até fins do século XIX, de que maneiras a produção de final de curso desses “facultativos” – como se dizia à época – espelha a institucionalização dos saberes médicos no Brasil. Nesse sentido, o autor, usando como corpus documental o banco de teses existente no Arquivo Público Mineiro, percebe as leituras, teorias e controvérsias que formavam os médicos nas faculdades de medicina do Império, ainda em vias de afirmação e legitimação de seus discursos e práticas.

Ainda acerca do processo de institucionalização dos saberes e práticas médicas oficiais no Brasil, mas, nesse caso, com base em um objeto mais específico de interpretação, qual seja as “nevroses” e demais “doenças mentais”, temos o texto de Simone de Almeida Silva, “Impugnação analítica: uma semiologia das doenças nervosas em defesa da medicina douta no período joanino”. A autora analisa os diagnósticos produzidos em torno dos êxtases da beata irmã Germana (1782-1853), na região do Caeté (Minas Gerais). Assim, diferentes saberes médicos oscilaram entre a percepção de que a beata era vítima de fenômenos sobrenaturais, argumento defendido por dois cirurgiões, e sua recusa, tecida em obra publicada pela Imprensa Régia em 1814, pelo médico mineiro diplomado na Europa, Antônio Gonçalves Gomide. Tais diferenças de olhares, teorias e conceitos acionados por esses diferentes discípulos de Hipócrates, revelam a rivalidade entre cirurgiões e médicos, além das influências de autores como Philipe Pinel e outros alienistas nessa publicação que a autora considera uma das primeiras obras sobre o tema do alienismo no Brasil.

O artigo de Tânia Pimenta, intitulado “Médicos e cirurgiões nas primeiras décadas do século XIX no Brasil”, com base na documentação da Fisicatura-mor (1808-1828), nos permite tomar conhecimento das diferentes “artes de curar” e perfis sociais daqueles que recorreram ao Órgão para oficializarem suas terapêuticas a partir da aquisição de licenças para curar. Assim, Pimenta dá conta das amplas e profícuas possibilidades analíticas dessa rica documentação, a exemplo da relação – em geral conflituosa – entre médicos e cirurgiões, os conhecimentos médicos exigidoa para a aquisição das licenças expedidas pelo Fisicatura, seu raio de ação em diferentes espaços geográficos, os custos arcados pelos indivíduos que queriam curar sem caírem nas raias da repressão e da ilegalidade, entre outros aspectos.

Os outros quatro artigos que compõem o presente dossiê revelam uma temática em franca expansão na historiografia das doenças e das artes de curar (como se dizia de modo corrente no oitocentos): a saúde dos escravos[9].

Assim em, “tráfico e escravidão: cuidar da saúde e da doença dos africanos escravizados”, de Jorge Prata, encontramos aproximações metodológicas e conceituais entre a História da Escravidão e a História das Ciências para o entendimento das formas de cuidados dos escravizados e das classificações e percepções dos achaques que sofriam. O autor, usando variada documentação, como testamentos e inventários, fontes da Santa Casa de Misericórdia, assentos de óbitos, defende a existência de um “sistema de saúde do escravo”, com especificidades e formas de identificação das doenças e, sobremaneira, tipos de tratamento que possuíam características próprias.

A fértil documentação da Santa Casa de Misericórdia (desta vez, a da Bahia) reaparece em “Decrépitos, anêmicos, tuberculosos: africanos na Santa Cada de Misericórdia da Bahia (1867-1872)”, de Gabriela Sampaio que, valendo-se de fontes inéditas, analisa as doenças dos escravos que viviam em Salvador na década de 1870. A autora busca, a partir desses registros, “chegar mais perto de quem eram e como viviam” esses indivíduos africanos, muitos deles cativos, uma vez que são revelados pela documentação do Hospital dados como a idade, o estado civil, a profissão, sua “nação”, entre outros dados. Além disso, a partir da produção médica da época, a autora igualmente busca compreender o discurso médico oficial tecido acerca das doenças que acometiam essa população e suas causas.

O corpo e a doença escrava como objetos de análise do saber médico oficial no século XIX também é analisado por Sílvio Lima, com base na obra do renomado médico Cruz Jobim. Assim, o autor sublinha de que maneiras, nas primeiras décadas do século XIX, o entendimento das enfermidades e a produção do conhecimento médico se processavam a partir da observação direta dos pacientes em hospitais que cada vez mais se configuravam com importantes espaços pedagógicos e de produção de textos médicos, a exemplo de teses, manuais e periódicos especializados. Para o autor, nesse processo de produção de saberes médicos, os corpos dos escravizados internados na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, seriam de fundamental valia para a construção das teorias etiológicas que tão fortemente influenciaram a medicina brasileira em recentes vias de institucionalização.

Como há tempos sabemos, os escravizados e seus descendentes não apenas adoeciam, mas também curavam. Nesse sentido, o artigo produzido por Sebastião Pimentel Franco e André Nogueira, interpreta as ações de dois curandeiros ilegais que atuaram na província do Espírito Santo na segunda metade do século XIX, sendo um deles, decerto filho de uma cativa. O processo-crime, tipo fonte já consagrada na produção de abordagens sociais em torno do universo do cativeiro, é aqui usado para percebermos que tipo de indivíduo recorreu aos curandeiros, quais achaques curavam e de que tipo de terapêutica e recursos sobrenaturais se valeram para a realização de suas curas. Assim, o caso de “O Trem” e Olegário dos Santos, nos remete ao pregnante universo da crença no feitiço e de práticas de curar que flertavam com o catolicismo e com matrizes culturais centro-africanas.

Aproveitamos para externar nossos agradecimentos à equipe da Revista Almanack pela eficaz parceria e auxílio em todas as etapas da edificação desse volume. Agradecemos, igualmente, aos colaboradores, cujos estudos aqui publicados nos permite um panorama dos mais atuais em torno da produção acadêmica da história das doenças e das práticas de curar no oitocentos. Enfim, desejamos que as leituras que seguem contribuam para o fomento do diálogo nesta seara de produção e possibilite novas incursões no universo fascinante e vário das doenças e suas curas no século XIX.

Saudações e boa leitura!

Notas

7. Para uma discussão sobre essa temática, ver, entre outros, Edler (1998) e Luiz Antônio Teixeira et. al. (2018, pp. 9-26).

8. Para um apanhado mais geral dessas tendências e texto concernentes à história das doenças e das práticas de curar no oitocentos, conferir Acosta (2005), além dos textos – muitos se propondo a um “estado da arte” publicados na coletânea organizada por Teixeira e Pimenta (2018).

9. Para uma abordagem mais ampla e que sugira ao escopo dessa apresentação sobre a produção historiográfica sobre a saúde dos escravos, ver, entre outros Figueiredo (2006, pp. 252-273) e Barbosa e Gomes (2016, pp. 273-305).

Referências

GOMES, Flávio e BARBOSA, Keith de Olivreira. Doenças, morte e escravidão africana: perspectivas historiográficas. PIMENTA, Tânia Salgado e GOMES, Flávio (org.). Escravidão, doenças e práticas de cura no Brasil. Rio de Janeiro: Outras Letras / CNPQ, 2016. [ Links ]

EDLER, Flávio. A medicina brasileira no século XIX: um balanço historiográfico. InAsclépio. V. L-2, 1998. [ Links ]

FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. As doenças dos escravos: um campo de estudo para a história das ciências da saúde. NASCIMENTO, Dilene Raimundo do, Diana Maul de; MARQUES, Rita de Cássia (org.). Uma história brasileira das doenças, v. 2. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006. [ Links ]

PORTER, Roy. The patient’s view: doing Medical history from below. Theory and Society, v.14, n.2, Mar1985, pp. 175-198. [ Links ]

TEIXEIRA, Luiz A; PIMENTA, Tânia S. HOCHMANe Gilberto (org.). História da Saúde no Brasil. 1ed.São Paulo: Hucitec, 2018. [ Links ]

WITTER, Nikelen A. Curar como arte e ofício: contribuições para um debate historiográfico sobre saúde, doença e cura. In: Tempo. Revista do departamento de História da UFF. V.10, 2005. Disponível em:http: / / www.scielo.br / pdf / tem / v10n19 / v10n19a02.pdf. [ Links ]

André Luís Lima Nogueira – Doutor em História das Ciências e da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (COC / FIOCRUZ). Atualmente está no Programa de Pós-doutorado Nota 10 da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, na mesma instituição (FAPERJ / FIOCRUZ). Autor de Entre Cirurgiões, Tambores e Ervas: calunduzeiros e curadores ilegais em ação nas Minas Gerais (século XVIII) (Garamond, 2016), além de artigos e capítulos em livros. E-mail: guazo08@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0003-2160-4279

Lorelai Brilhante Kury – Doutora em História pela Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS. Atualmente é professora do PPGHCS da Casa de Oswaldo Cruz (onde atua também como pesquisadora titular) e do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Autora de Usos e circulação das plantas no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2013; Iluminismo e Império na Brasil: O Patriota (1813-1814). 1. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz / Biblioteca Nacional, 2007. Entre outros livros, artigos e capítulos de livros. E-mail: lolakury@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0002-5231-5720

SEBASTIÃO PIMENTEL FRANCO – Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Professor Titular e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Autor, entre outros livros, de O Terribilíssimo Mal do Oriente:o cólera da província do Espírito Santo (1855-1856) (EDUFES, 2015), e da organização, com a colaboração de outros pesquisadores, da coletânea Uma História Brasileira das Doenças, vols. 4, 5, 6 e 7. E-mail: sp.franco61@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0002-3593-1724


NOGUEIRA, André Luís Lima; KURY, Lorelai Brilhante; FRANCO, Sebastião Pimentel. O oitocentos visto a partir de suas doenças e artes de curar. Almanack, Guarulhos, n.22, maio / agosto, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Trabajadores y trabajadoras en el siglo XIX | Archivos de Historia del Movimiento Obrero y la Izquierda | 2019

En Argentina, el campo historiográfico dedicado a examinar el desarrollo de la clase trabajadora y las izquierdas muestra una notable riqueza y vitalidad. Incluso a contramano de lo que ocurre en otros lugares del mundo –en particular en Europa, donde los estudios sobre el tema han dejado hace tiempo de ocupar un lugar destacado–, en nuestro país la historia del trabajo atrae la atención de especialistas de diferentes generaciones y crece a través de numerosos ámbitos de intercambio, diálogo y debate colectivo, entre los cuales se ubica esta revista y las diferentes iniciativas que impulsa el CEHTI.

Precisamente por su amplitud y riqueza, se trata de un campo en el cual se desenvuelven abordajes diversos, que se preocupan por encarar múltiples aristas –sociales, económicas, ideológicas, políticas y culturales– de la compleja y fascinante historia de trabajadores y trabajadoras. Sin embargo, un análisis atento permite advertir también que los límites temporales que enmarcan su estudio siguen siendo bastante estrictos. En efecto, son las últimas dos décadas del siglo XIX las que parecen marcar el punto de partida de cualquier pesquisa que pretenda ubicarse en el campo de la historia de la clase obrera y siguen siendo fundamentalmente las relaciones laborales asalariadas –sobre todo de obreros varones– las que delimitan los contornos del mismo. Leia Mais

La izquierda judeo-progresista en Sudamérica | Archivos de Historia del Movimiento Obrero y la Izquierda | 2019

El dossier que aquí presentamos1 reúne trabajos sobre el movimiento judeo-progresista en Argentina, Uruguay, Brasil y Chile durante el siglo XX. Desde los años 30, en tiempos de Frente Popular y lucha antifascista, varias organizaciones israelitas laicas de habla ídish adhirieron al Yiddisher Kultur Farband (YKUF) fundado en París en septiembre de 1937. Y más tarde al Idisher Cultur Farband (ICUF) fundado en Buenos Aires en abril de 1941. Orientadas por la política del Partido Comunista, las entidades adheridas a esta Federación se expandieron notablemente durante las décadas del 40 y el 50. En distintos barrios y localidades con presencia de inmigración judía de izquierda se desarrollaron bibliotecas, centros culturales, teatros, escuelas, cooperativas, clubes juveniles, círculos femeninos y actividad editorial y de prensa. En un primer momento, los inmigrantes buscaron replicar las experiencias políticas y culturales del viejo hogar europeo; posteriormente, con la aparición de una generación de hijos nativos, y al calor de las transformaciones de los años 60, la red icufista2 iría adoptando el castellano o el portugués para incluir a la juventud e integrarse plenamente a la vida nacional.

Los artículos que integran este dossier dan cuenta de una identidad muy difundida, pero escasamente explicada desde su complejidad étnico-política. Se trata de instituciones que propagaron un judaísmo laico, no sionista y en línea política con el Partido Comunista. Esta red ha comenzado a recibir atención por parte de los investigadores a partir de la caída de la URSS y cuando, con el paso del tiempo, “ser comunista” o hablar francamente de ello dejó de implicar poner en riesgo la vida, propia o ajena. Es decir, un renovado interés por la recuperación de archivos y la distancia temporal con el fenómeno soviético han permitido una fructífera recolección de fuentes documentales y testimoniales que dieron origen a nuevos trabajos (Visacovsky, 2015: 24). Sin embargo, el judeo-progresismo no se ha constituido todavía como un campo autónomo de estudios, y en ese sentido se direcciona nuestra propuesta. La red institucional icufista o la federación ICUF, aún aparecen colateralmente en otros estudios de inmigración judía, de comunismo y de educación o cultura, debido a sus experiencias vanguardistas en esas áreas. Leia Mais

Sonhos em tempo de guerra: memórias de infância | Ngũgĩ Wa Thiong’o

Internacionalmente reconhecido por seu trabalho literário, dramático e de crítica intelectual, Ngũgĩ wa Thiong’o chegou a ser um dos favoritos indicados ao prêmio Nobel de literatura no ano de 2016. Contudo, sua obra permanece sendo ignorada por grande parte do público brasileiro. Sonhos em tempo de guerra, publicado pela Biblioteca Azul, junto com o premiado romance Grão de trigo, publicado pela Alfaguara, são, por enquanto, as duas únicas obras do autor traduzidas em nosso país. Ambos livros retratam eventos históricos importantes do Quênia, vinculados à emergência da rebelião Mau Mau que levou o país à independência em 1963. Mas, diferentemente de Grão de trigo, o livro Sonhos em tempos de guerra não constitui um romance, mas se apresenta com o subtítulo de memórias de infância. Trata-se, portanto, de um registro de fragmentos da história do Quênia sob a perspectiva intimista das lembranças pessoais do autor.

Profundamente auto-reflexivo e questionador, o próprio relato levanta perguntas sobre o funcionamento da memória que, como o subtítulo anuncia, constitui a base do próprio trabalho. “Mas por que alguém se recorda vividamente de alguns eventos e personagens enquanto outros não? Como a mente é capaz de selecionar aquilo que se sedimenta fundo na memória e aquilo que ela permite flutuar na superfície?” (WA THIONG’O, 2015a, p. 69). Estas incertezas, e outras, sobre a memória e a escrita do próprio passado, tornam o trabalho ainda mais instigante. Assim, é um livro, ao mesmo tempo, forte e delicado, que apresenta os anos iniciais da vida de Ngũgĩ wa Thiong’o, sua educação familiar, religiosa e escolar, focando sobretudo nos espaços primários e de sociabilidade básica que o formaram. Há um provérbio africano que diz “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. A obra que temos em mãos revela como a formação inicial deste gigante intelectual teve como base não uma aldeia comum, mas um povoado que vivia sob a rígida ocupação colonial britânica. Quando criança o pequeno Ngũgĩ vivenciou um universo bastante estendido, marcado pela guerra genocida, travada em África e alhures, com a presença de estrangeiros em sua comunidade, um intenso fluxo de ideias novas e a constante referência a personagens e a lugares distantes. O livro trata, portanto, de uma educação sentimental atravessada por circulações ampliadas, na qual as relações de poder e conhecimento transbordaram, e muito, as dinâmicas locais da “aldeia”. Leia Mais

Moda e História / Revista de História / 2019

Este dossiê – primeiro sobre o tema moda nesta Revista de História – é dedicado ao doutoramento em Ciências Sociais de Gilda de Mello e Souza (1919- 2005), defendido em 20 de junho de 1950 na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e intitulado A moda no século XIX. Pioneira no estudo de moda no Brasil, a tese só mereceu publicação comercial em 1987, com o título O espírito das roupas (SOUZA, 1987). O longo lapso temporal em que permaneceu negligenciado não encaneceu o trabalho da filósofa; ao contrário, seu reconhecimento foi se ampliando com o passar dos anos e o posiciona, hoje, como o mais relevante estudo sobre o tema já produzido no Brasil.

Um clássico, portanto, recorrentemente citado e objeto de inúmeros artigos, aos quais se acrescenta o que compõe este dossiê e que se dispõe a contextualizar a obra na temporalidade de seu surgimento – quando, não por coincidência, a criação de moda emergia entre nós. Por isso mesmo, o enfoque insere (tanto quanto discerne) o trabalho de Gilda no âmbito dos chamados “formadores do Brasil” e da emergência do campo da moda no país. Uma curiosidade: publicado em 1951 por esta Revista de História, o “boletim do júri” que avaliou a tese permite reconstituir a recepção pouco acolhedora da banca à temática escolhida pela doutoranda e nos convoca a refletir sobre como têm se desenvolvido, desde então, os estudos sobre a moda na FFLCH.

A despeito de terem surgido trabalhos relevantes, passadas quase seis décadas, os dados aferíveis não fazem jus ao legado daquela tese. Um levantamento completo desde a fundação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em 1934, implica uma difícil pesquisa nos arquivos físicos de teses ou dissertações da unidade, já que os dados disponíveis na Biblioteca Digital da USP (https: / / www.teses.usp.br / ) contemplam apenas trabalhos posteriores aos anos 1990 (a saber). Utilizando a “pesquisa avançada” e os filtros “títulos” e “palavras-chave” para os descritores “moda, vestimenta / vestuário e indumentária”, foram encontrados apenas 16 títulos relacionados à unidade FFLCH.1

Resultado semelhante ocorreu também na base de dados do Centro de Apoio à Pesquisa Histórica Sérgio Buarque de Holanda (CAPH), que contém 1.570 teses e dissertações defendidas de 1950 a 2015 – e que inclui a tese de Gilda. Se atentarmos, ainda, para disciplinas e cursos oferecidos pelos departamentos (graduação e pós-graduações) da FFLCH sobre os descritores citados, o resultado não é alvissareiro: pelo Sistema Janus foi possível verificar, ao final de 2018, um único curso de temática correlata2; predominam os temas clássicos às áreas de conhecimento.

Ainda em fins dos anos 1980, o filósofo francês Gilles Lipovetsky asseverou: “A questão da moda não faz furor no mundo intelectual. […] A moda é celebrada no museu, é relegada à antecâmara das reocupações intelectuais reais; está por toda parte na rua, na indústria e na mídia, e quase não aparece no questionamento teórico das cabeças pensantes” (LIPOVETSKY, 2009, p. 9). Este quadro mudou, efetivamente, nas décadas recentes, em muito graças às boas repercussões alcançadas pelo próprio Lipovetsky e, no Brasil, pela tese de Gilda, revertendo a visão da moda como “esfera ontológica e socialmente inferior” (LIPOVETSKY, 2009, p. 9). Temos no Brasil importantes eventos acadêmicos sobre o tema, como o Colóquio de Moda, atualmente em sua 15ª edição; Encontro Nacional de Pesquisa em Moda (ENPModa), 9º edição; Seminário Moda Documenta e Congresso Internacional de Memória, Design e Moda, respectivamente em 8ª e 5ª edições – sempre em 2019. A moda adentrou a academia brasileira com vigor: do primeiro curso de graduação, em 1988, na Faculdade Santa Marcelina (FASM), São Paulo, Capital, registrávamos em fins de 2018, segundo o e-MEC, 224 cursos no país, o que detém maior número, em nível superior, no mundo para o campo — entre os quais o Têxtil e Moda, da EACH / USP.3 A expansão rápida é indicativa, em parte, de interesses mercadológicos que nos fazem reflexionar sobre a qualidade dos conteúdos ofertados.

Entendemos este dossiê, por isso mesmo, como um estimulo ao estudo empenhado sobre a moda e suas correlações no Brasil e, em particular, na FFLCH, pela relevância dos artigos que o compõem, assinados por: Daniela Calanca (Università di Bologna, Campus Rimini), socióloga italiana que comparece com texto sobre “moda e patrimônio cultural”; Joana Monteleone, doutora pelo Programa de Pós-graduação em História Econômica – FFLCH / USP, que retorna à corte de d. Pedro II (objeto de seu doutorado) e resgata aspectos do consumo, moda e gênero no Rio de Janeiro, entre 1840 a 1889; Luciana Dulci (UFOP), que aprofunda reflexões sobre a urdidura, ao longo do tempo, das teorias sobre a moda como “hierarquia simbólica entre classes”; Mara Rúbia Sant’Anna (UDESC), com um primoroso estudo dos trajes masculinos produzidos pelo artista plástico Victor Meirelles em seu período na Itália, entre 1853 a 1856. Boa leitura!

Notas

1. Foi possível localizar os seguintes trabalhos: ALMEIDA, Adilson José de. Uniformes da Guarda Nacional: 1831-1852. A Indumentária na Organização e Funcionamento. Mestrado em História Social, FFLCH, 1999; BETTI, Marcella Uceda. Beleza sem medidas? Corpo, gênero e consumo no mercado de moda plus-size. Mestrado em Antropologia Social, FFLCH, 2014; BEZERRA, Maria de Fatima. Ethos, estereótipos e clichês: moda e argumentação persuasiva. Mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês, FFLCH, 2009; BORGES, Maria Zélia. Vocabulário da moda no português do Brasil (abril / 90 a janeiro / 91). Doutorado em Semiótica, FFLCH, 1994; CALLIL, Victor. Cadeia produtiva e mercado: um estudo sobre a produção e a venda de moda varejista. Mestrado em Sociologia, FFLCH, 2015; D’ALMEIDA, Tarcisio. As roupas e o tempo: uma filosofia da moda. Doutorado em Filosofia, FFLCH, 2018; FERRON, Wanda Maleronka. Fazer roupa virou moda. Um figurino de ocupação da mulher (São Paulo -1920-1950). Doutorado em História Econômica, FFLCH,1996; GARAVELLO, Maria Elisa de Paula Eduardo. Costura social do vestuário: da teoria à prática. Doutorado em Antropologia Social, FFLCH, 1994; KONTIC, Branislav. Inovação e redes sociais: a indústria da moda em São Paulo. Doutorado em Sociologia, FFLCH, 2007; LIMA, Igor Renato Machado de. “Habitus” no sertão: gênero, economia e cultura indumentária na Vila de São Paulo. Doutorado em História Econômica, FFLCH, 2011; MARANTES, Bernardete Oliveira. O vestido de Proust: uma construção na trama das correspondências. Doutorado em Filosofia, FFLCH, 2011; MONTELEONE, Joana de Moraes. O circuito das roupas: a corte, o consumo e a moda (Rio de Janeiro, 1840-1889). Doutorado em História Econômica, FFLCH, 2013; PAULA, Camila Galan de. Num mundo de muitos corpos: um estudo sobre objetos e vestimentas entre os Wajãpi.. Mestrado em Antropologia Social, FFLCH, 2015. PETTER, Margarida Maria Taddoni. A construção do significado de Fàni, “Pano e Vestuário”, em Diulá. Doutorado em Semiótica e Linguística, FFLCH, 1992; PRADO, Luís André do. Indústria do vestuário e moda no Brasil, sec. XIX a 1960 – da cópia e adaptação à autonomização subordinada. Doutorado em História Econômica; FFLCH, 2019; SILVA, Josilene Lucas da. Imprensa, moda e educação feminina em contos iniciais de Machado de Assis. Mestrado em Literatura Brasileira, FFLCH, 2017. Não localizada, mas cabe citar pela importância: ABREU, Alice R. de Paiva. O avesso da moda – Trabalho a domicílio na indústria de confecção. Doutorado em História Econômica, FFLCH, 1995 (São Paulo: Hucitec, 1986).

2. Departamento de Filosofia: FLF5237 – Estética (Beleza e Conhecimento na Psicologia Empírica do Século XVIII).

3. Criada em 2005, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) abrange o Departamento de Têxtil e Moda que, pela Biblioteca Virtual USP, teve um total de 160 dissertações e teses defendidas até 22 de agosto de 2019, ante 768 para toda a unidade.

Referências

LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

Luís André do Prado – Bacharel em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em História Econômica no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH / USP. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. E-mail: prado@pyxisnet.com.br


PRADO, Luís André do. Apresentação. Revista de História, São Paulo, n. 178, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Recôncavo – Revista de História da UNIABEU. Belford Roxo, v.10, n.16, 2019.

Dossiê

História e Teatro: Relações e Significados

Artigos

Tempo Presente, história oral e imagens / Territórios & Fronteiras / 2019

Este dossiê da revista T&F reúne artigos que apresentam reflexões de historiadores e historiadoras que lidam com a “história oral” e com a linguagem visual, sejam elas vestígios visuais como imagens fotográficas ou imagens narrativas que dependem do testemunho escrito e da memória e que, por isso mesmo, não deixam de se articular com os documentos escritos. Os artigos contemplam temas das pesquisas desenvolvidas pelas autoras e autores e nos oferecem debates metodológicos sobre o corpus documental utilizado como referência. Destacam-se, nessa linha, a metodologia que escolhem e valorizam passagens das entrevistas orais, temáticas ou histórias de vida, e das imagens visuais, como fotografias, assim como de outros documentos que registram eventos significativos na vida dos entrevistados e dos acontecimentos analisados. Do tecido narrativo que constitui o texto dos artigos emergem histórias, trançadas como experiências pela memória e testemunhos.

Não poderíamos deixar de assinalar, que há um especial interesse em vários artigos do dossiê em explorar algumas possibilidades de análise do tempo presente e instigar os leitores ao diálogo. Ao debaterem questões que não se circunscrevem apenas à especificidade dos temas abordados, oferecem uma rica contribuição para a análise da história recente do Brasil, em especial, eventos relacionados à memória da ditadura militar e dos movimentos sociais e políticos do período da redemocratização do país.

O dossiê abriga temas, pesquisas e abordagens historiográficas bastante diversas e inovadoras. Assim, suscitam leituras e reflexões que se apresentam imprescindíveis à produção do conhecimento histórico. Nessa trilha, o artigo “Uma garota propaganda para o império: o caso de Rosinha na Exposição do Porto de 1934”, de Franco Santos Alves da Silva, apresenta um estudo acerca da relação entre etnia e gênero no contexto específico da 1ª Exposição Colonial Portuguesa de 1934, através da análise de imagens fotográficas. Argumenta o autor que a utilização da fotografia e de outras imagens visuais não deve ter cunho ilustrativo. Em seu texto, as imagens são indiciárias, possibilitam múltiplos olhares e provocam estranhamentos, já que trazem “à baila imagens que eram elas mesmas inseridas e produzidas em uma conjuntura que gerava e perpetuava as relações de gênero / colonialismo / etnia durante o recém reformulado projeto colonialista do Estado Novo Português”.

Em seu artigo, “O futuro do passado no tempo presente: memórias e narrativas amazônicas nas encruzilhadas do tempo”, Erinaldo Cavalcanti utiliza relatos de memória para refletir sobre a história do tempo presente. Neste escopo, analisa entrevistas orais com trabalhadores e trabalhadoras rurais, afetados pela experiência da Guerrilha do Araguaia, realizadas na cidade de Xambioá / TO, para o projeto de pesquisa “História Oral e Narrativas Amazônicas”. Sublinha a importância da memória histórica numa dimensão política. As reflexões sobre tempo, memória e história são, segundo o autor, imprescindíveis à escrita dos relatos orais na produção textual.

O artigo de Pablo Porfírio, “Memória de imagens de trabalhadores rurais: marchas das Ligas Camponesas, Pernambuco, 1960”, com base nas fotografias produzidas no início dos anos 1960, focaliza as manifestações políticas de trabalhadores rurais, integrantes das Ligas Camponesas, em Pernambuco. Reflete com acuidade a produção das imagens, de forma a apreender discursos e práticas que criminalizam as ações dos trabalhadores e, sobretudo, nos discursos oficiais e na imprensa, desqualificam as iniciativas de resistência. Para o autor, as fotografias analisadas constituem “uma memória de imagens que oferece novas narrativas sobre o Golpe-civil militar de 1964”.

Em “Imagens depois da catástrofe: outras memórias do desenvolvimento no Vale do São Francisco”, Elson de Assis Rabelo se detém sobre as imagens visuais produzidas em desenhos do artista juazeirense Antônio Carlos Coelho de Assis. As imagens dão acesso a camadas diferentes de temporalidade e de experiências de espaço do rio São Francisco, nos anos 1980. Além disso, aparecem implicadas às práticas de cunho desenvolvimentista direcionadas para o “interior do Brasil”, especialmente aquelas que se baseavam na agricultura irrigada das zonas semiáridas e na exploração do rio São Francisco como recurso natural. O autor dialoga, também, com outros vestígios documentais, como notícias de jornal e o material produzido pelo Movimento de Defesa do São Francisco, que lutava contra a degradação ambiental daqueles espaços. Pauta-se pelo diálogo entre as memórias individuais e o cenário político do período, a partir do recorte sobre as manifestações artísticas e a preservação do meio ambiente.

Os irmãos Daniel e Guilherme dos Santos Fernandes, iniciam seu texto, “Imagens e palavras na escritura da narrativa etnofotográfica: notações metodológicas”, destacando o uso de imagens nas pesquisas antropológicas, especialmente na obra Balinese Character (1942), e os trabalhos pioneiros no Brasil no uso das imagens fotográficas a partir das expedições do Marechal Rondon. Para os autores deste artigo, a antropologia visual e a utilização de uma narrativa etnofotográfica -sem desmerecer o risco da subjetividade na escolha de imagens no registro imagético pelos etnógrafos -possibilitam o registro de uma realidade que ultrapassa os traços culturais isolados e potencializam a memória singular da cultura como discurso narrativo.

O artigo “História e acontecimento: imagens narrativas no relato oral de uma liderança dos trabalhadores rurais de Rondon do Pará”, de Regina Beatriz Guimarães Neto e Airton dos Reis Pereira, utiliza o relato oral de memória de uma líder rural, Maria Joel da Costa (Joelma), que descreve a violência cometida contra os trabalhadores rurais no Pará, em especial, o assassinato do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará. O testemunho é social e estabelece relações com outras experiências, além disso, ao elaborar o “relato de si”, a narrativa testemunhal se torna indiciária. Para a autora e o autor, as imagens narrativas presentes nos relatos orais, em especial no testemunho de Joelma, são inseparáveis de sua dimensão visual e ressignificam, no fluxo da narrativa, os acontecimentos históricos.

Já Gerardo Necoechea Gracia, em seu artigo, “De enfermedades, historias y lecturas: imágenes narrativas de cultura obrera”, seleciona passagens de uma entrevista realizada a uma mulher que recorda sua infância em um povoado mineiro do norte de México. Analisadas, em detalhe, as imagens narrativas que emergem do relato o ajudam a refletir sobre a cultura da classe trabalhadora e suas transformações. Neste texto, o autor indaga sobre o significado e a importância das imagens narrativas para a compreensão dos relatos orais, que convertem imagens em recordações comunicáveis, em narrativas.

Em “Uma leitura sobre as novas configurações migratórias: análise no / do tempo presente em narrativas orais e de jornais”, os autores Leandro Baller e Jorge Pagliarini Junior tecem importantes considerações e análises sobre “migrações” para áreas de fronteira, sobretudo sobre os movimentos de retorno. Tomaram como base duas pesquisas que problematizam as migrações do Sul do Brasil, particularmente do Paraná, para o Paraguai e, em outra direção, para a Amazônia. Apresentam reflexões sobre a memória e narrativa, na configuração social das migrações no tempo presente.

No artigo, “Realismo maravilhoso e circularidade cultural: crença no invisível atordoa o pensamento? (Região Bragantina-PA)”, Ipojucan Dias Campos e Danilo Gustavo Silveira expõem diferentes narrativas de universitários da UFPA, em Bragança e Capanema, a respeito de histórias de “lendas”, “folclores”, “superstições”, “crendices”. Enredos que misturam a vida real, o trabalho e o cotidiano, com o imaginário e o extraordinário do sobrenatural e na interface entre as culturas “popular” e “erudita.

Nas páginas escritas por Magno Michell Marçal Braga e César Martins de Souza, em seu artigo “Transamazônica: terra, trabalho e sonhos”, que se alimentaram de diferentes fontes documentais, narrativas e fotografias, os autores nos apresentam as narrativas de alguns migrantes que se fixaram em terras amazônicas, além de discursos oficiais a respeito da construção da rodovia Transamazônica. Diante de uma produção discursiva e imagética, celebrativa dos feitos governamentais, justificava-se a ocupação humana e econômica da região amazônica, através da transposição de populações do Nordeste e do Sul do Brasil.

Em “Exorcizando o Passado: experiências de trabalhadores migrantes escravizados na Fazenda Brasil Verde / PA”, Cristiana Costa Rocha narra a trajetória de trabalhadores rurais migrantes do Piauí contratados pelo “gato” Meladinho para trabalhar no sul do Pará. Dois são os personagens principais do trabalho de Cristiana, José Pitanga e Luiz Sincinato, escravizados, no ano 2000, na fazenda Brasil Verde, fazenda que entre meados da década de 1980 até o ano 2000 foi alvo de sucessivas denúncias em relação ao uso de trabalho escravo.

No último texto do dossiê, “Da assistência patronal à disciplina da vida e trabalho operário: narrativas, imagens e denúncias do passado”, Marcelo Góes Tavares, usa como fonte principal Memória da vida e do trabalho, documentário dirigido e produzido por Celso Brandão, e, também, relatos de memórias de operários têxteis alagoanos. Por meio de alguns fotogramas e relatos orais o autor tece uma rica paisagem polissémica sobre as políticas de assistência, gestão do trabalho, sobrevivência e resistência, tendo como cenário principal a vila operária de Fernão Velho e a Fábrica Carmen, nomeada até 1943 de Companhia União Mercantil.

Agradecemos imensamente a dedicação dos autores e autoras que compuseram este dossiê. Tivemos o privilégio de contar com um grupo de historiadoras e historiadores de enorme rigor e profissionalismo. Nesse sentido, não se furtaram em atender as sugestões críticas dos pareceristas, enriquecendo os textos e contribuindo de forma decisiva para novas abordagens historiográficas. Em “tempos difíceis” a nossa melhor resistência política é o rico diálogo em nossa área de conhecimento e no campo interdisciplinar: “tudo o que nos alenta, renova nossas forças!

Pere Petit – Graduação em Geografia e História pela Universitat de Barcelona. Mestrado em História de América Contemporânea pela Universidad Central de Venezuela. Doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorado na Universidad de Salamanca-Espanha. Docente dos Programas de Pósgraduação em História Social da Amazônia (Belém / UFPA), Linguagens e Saberes na Amazônia (Bragança / UFPA) e História (Marabá / Unifesspa). Presidente da Associação Brasileira de História Oral (ABHO). E-mail: petitpere@hotmail.com

Regina Beatriz Guimarães Neto – Doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas (1996). É professora Adjunto IV do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: reginabeatrizg@gmail.com


PETIT, Pere; GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.12, n.1, jan / jul, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Os embates na construção do conhecimento histórico e a memória no Paraguai / Territórios & Fronteiras / 2019

O ano de 2019 marca duas efemérides de fundamental importância para a história do Paraguai e da região platina: primeiro o “ciclo de (re)memorações” iniciado no ano de 2014 em torno dos “150 anos da Guerra Guasu”, marco este que se findará no próximo ano: 2020, e segundo, os 30 anos da queda do ditador Alfredo Stroessner (1954-1989).

Nesse contexto este Dossiê que ora vem a público faz parte de um esforço coletivo de investigadores e investigadoras rio-platenses que tem se debruçado sobre o desafio de estudar o Paraguai e a região platina através de diferentes perspectivas, tanto da história, como da sociologia, da antropologia e outras áreas das ciências humanas.

Ressaltamos que até meados do século XX a produção historiográfica acerca do Paraguai centrava-se em análises de cunho positivista e alicerçada em documentos oficiais e / ou obras com cunho memorialístico. Com a queda do regime autoritário de Alfredo Stroessner os pesquisadores e pesquisadoras da área começaram a ter acesso a arquivos e documentação antes não disponibilizada; tal fato aliado à profissionalização acadêmica ocorrida no Paraguai e demais países vizinhos vem permitindo que vários temas e objetos de pesquisa sejam revisitados e reescritos, da mesma forma que o emprego de outras abordagens e metodologias fez com que aflorasse investigações que romperam com o viés positivista até então empregado na análise e construção da narrativa da história paraguaia.

Monumentos, movimentos sociais, textos escolares, as escritas de si, enfoques de gênero, imprensa e cotidiano, são alguns exemplos de abordagens que podemos apontar como parte integrante do movimento de renovação histórica e historiográfica vivida contemporaneamente.

O conjunto de Artigos que compõe este Dossiê demonstra o processo de renovação do qual falamos na medida em que apresenta uma gama diversa de temas que perpassam a análise da imprensa, de gênero, de aspectos relacionados a política externa entre Paraguai, Brasil e Argentina, as escritas de si e, por fim, duas fases da Guerra Guasú: a campanha de Mato Grosso e a da Cordilheiras; a temporalidade privilegiada também é extensa e contempla aspectos inseridos entre os séculos XIX e XX.

No Artigo intitulado “O ‘progresso’ e a ‘falta’: representações e relações Brasil- Paraguai no jornal O Globo durante a construção da Ponte da Amizade (1956-1965)”, Paulo Renato da Silva analisa as diversas representações tecidas em torno da construção da Ponte da Amizade que vinculou a Ciudad del Este, no Paraguai, com Foz do Iguaçu, no Brasil. O autor demonstra como essas representações divergem muitíssimo das atuais percepções que se tem em torno desse passo fronteiriço. Naquele momento, a construção da ponte sobre o rio Paraná foi enxergada como veículo de modernidade ao mesmo tempo que instrumento de luta contra o comunismo.

“De General a Visconde: José Antônio Correa da Câmara na Campanha da Cordilheira e na caçada final a Solano López” é o título da reflexão de André Atilas Fertig que versa sobre o percurso do General Câmara, que partiu de terras gaúchas para integrar as forças aliadas contra o Paraguai. Considerando elementos da história social e da microhistória, o autor tenta resgatar o sujeito do devir histórico considerando como fonte privilegiada seu epistolário para, desse modo, recuperar o olhar de Câmara sobre a política externa e os enfrentamentos bélicos na região do Prata, principalmente na fase final da Guerra Guasu.

Já em “Conflictividades impositivas y territoriales entre Paraguay y Corrientes (1852-1859)”, o autor Dardo Ramírez Braschi se debruça sobre as relações bilaterais entre o Paraguai e a província rio-platense de Corrientes, num período anterior à Guerra Guasu, quando ambos os Estados dirimiam suas diferenças econômicas, políticas e territoriais de forma direta, sem a intervenção de um Estado nacional argentino ainda difuso e quase inexistente. A complexidade dessas relações, expostas através de uma exaustiva pesquisa documental, permitem compreender os laços políticos e culturais que perduram entre ambas as regiões até a atualidade.

No Artigo denominado “A ocupação paraguaia em Mato Grosso durante a guerra do Paraguai” os autores Ana Paula Squinelo e Jérri Roberto Marin abordam a ocupação paraguaia na Província de Mato Grosso, analisando o contexto mato-grossense que antecedeu a guerra, a ocupação de Mato Grosso e suas fases até a retomada de Corumbá. Trazem no bojo de suas análises aspectos cotidianos, numéricos e demográficos do período de ocupação paraguaia que até então não haviam sido analisados; problematizaram ainda os efeitos da referida ocupação e como ocorreu a construção de uma narrativa memorialista no pós-guerra em Mato Grosso e, posteriormente, em Mato Grosso do Sul.

No texto “O Coronel Arturo Bray e a escrita de si”, o pesquisador Luiz Felipe Viel Moreira trabalha sobre a correspondência e as memórias deste militar e escritor paraguaio. A análise das cartas trocadas entre Bray e o liberal Justo Prieto recupera a percepção dos dois intelectuais do momento que antecedeu a chegada de Stroessner ao poder, fato que será rememorado por Bray em suas memórias escritas uma década mais tarde, no ocaso de sua vida e publicadas postumamente. Nestas, o militar traz seu olhar sobre a história nacional paraguaia da primeira metade do século XX, posicionando-se sobre os aspectos mais polêmicos e resgatando a importância de preservar a memória dos tempos democráticos em época de ditadura.

As autoras Lorena Zomer e Tamy Amorim, em “Perspectivas e reflexões sobre a história recente paraguaia: trajetórias de pesquisa e o debate de Gênero”, apresentam uma perspectiva do estudo da história das mulheres desde a história do tempo presente em uma mirada transnacional. Esta lupa-guia para focar os processos históricos apresenta uma novidade no campo de estudos do Paraguai, tendo em vista que se existem trabalhos sobre as mulheres, a perspectiva de gênero na historiografia configura-se como uma grande dívida das ciências sociais e humanas. Esta primeira caracterização do campo que propõem as autoras é, sem dúvida, um marco inicial para a inauguração de uma nova perspectiva investigativa.

Maria Alice Gabriel em “Lembranças da Guerra do Paraguai na obra do brasileiro Pedro Nava” também reflete sobre uma escrita de si que traz lembranças dispersas sobre a Guerra Guasu em diversos textos memorialísticos do autor. Destaca-se que essas lembranças de guerra não são diretamente pessoais, mas elas permanecem através da memória de personagens próximos do escritor, permitindo resgatar as diferentes reelaborações da Guerra Grande no imaginário coletivo de fins do século XIX primeiras décadas do XX.

Por fim, Luiz Eduardo Pinto Barros no Artigo “O Paraguai e sua Política Externa: os interesses do país em meio às divergências entre Brasil e Argentina sobre o aproveitamento hidro energético do Rio Paraná nos anos de 1960 e 1970” vem renovar as formas fechadas e / ou estagnadas de pensar as relações internacionais a partir de uma perspectiva que procura incorporar o diálogo interdisciplinar, favorecendo um olhar inovador. O resgate dos atores e dos conflitos a favor de modelos de desenvolvimento, permite visualizar uma trama que vai muito além das realidades dos Estados nacionais.

Neste Dossiê reunimos, portanto, um conjunto de pesquisadores e pesquisadoras rio-platenses que se dedicam há tempos a investigações sérias e comprometidas com a História do Paraguai; a estes autores e autoras nossos sinceros agradecimentos por partilharem dessa empreitada conosco. Em tempos bicudos como os que vivemos na América Latina o trabalho coletivo, combativo e engajado é essencial para a sobrevivência das ciências humanas e da educação pública, laica, humana e gratuita.

Ana Paula Squinelo – Professora Associada da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e professora no ProfHistória (UFMT) e PPGCULT (UFMS). Pós-doutora em Ciências da Educação na especialidade de Educação em História e Ciências Sociais (UMinho / PT). Doutora em História Social (USP). Grupo de Pesquisa “Historiografia e Ensino de História” (HEH). Ñande – Rede de pesquisadoras e pesquisadores sobre o Paraguay. E-mail: apsquinelo@yahoo.com.br

Lorena Soler – Doutora em Ciências Sociais (2012) pela Universidade de Buenos Aires. Pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Técnica (CONICET), sediada no Instituto de Estudos da América Latina e Caribe (IEALC). Professora da Faculdade de Ciências Sociais (UBA). Ministra cursos de pós-graduação de América Latina em várias universidades nacionais e estrangeiras. Autora de La Larga Invención del golpe. El stronismo y el orden político paraguayo (Imago Mundi, Buenos Aires, 2012) e coeditora de Franquismo em Paraguay. El golpe. (El 8vo. Loco Ediciones, Buenos Aires, 2012). E-mail: lorenamarinasoler@gmail.com

Marcela Cristina Quinteros – Doutora (2016) em Ciências, na área de História Social, na Universidade de São Paulo (USP). Concluiu o Pós- Doutorado em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), dando continuidade à pesquisa em História Intelectual, Identidades Latino-americanas e Guerra Fria Cultural iniciada no doutorado. Pós-doutorado na Universidade Federal da Grande Dourados (2019). É integrante e fundadora da Rede de Pesquisadoras e Pesquisadores sobre o Paraguay Ñande, criada em 2017 para a discussão e difusão das pesquisas desenvolvidas no Brasil sobre a História, Sociedade e Cultura do Paraguai. E-mail: marcelacristinaquinteros@gmail.com


SQUINELO, Ana Paula; SOLER, Lorena; QUINTEROS, Marcela Cristina. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.12, n.2, ago / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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História e Historiografia da Educação. Curitiba, v.3, n.8, 2019.

Expediente / Initials pages

FLUXO CONTÍNUO

História e Historiografia da Educação. Curitiba, v.3, n.7, 2019.

Expediente / Initials pages

Editorial

  • Cláudio de Sá Machado Jr., Evelyn de Almeida Orlando
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DOSSIÊ TEMÁTICO

FLUXO CONTÍNUO

Public history: discussioni e pratiche – FARNETTI et al (BC)

FARNETTI, Paolo Bertella; BERTUCELLI, Lorenzo; BOTTI, Alfonso Botti (A cura di). Public history: discussioni e pratiche. Milano – Udine: Mimesis, 2017. 338p. Resenha de: PERILLO, Ernesto. Il Bollettino di Clio, n.10, p.105-109, gen., 2019.

La Public History?  “Un nuovo contenitore trendy che in sostanza indica una storia spiegata a gente che non la sa da parte di altra gente che non la sa nemmeno lei, un po’ l’imparicchia e un po’ l’inventa”, secondo la definizione dello storico F. Cardini, a proposito della Saga dei Medici prodotto da Rai Fiction-Luz Vide.

Il libro di cui si parla in questa recensione può aiutare a capirci qualcosa di più. Diviso in due parti, il volume raccoglie nella prima il dibattito sulle definizioni della PH, ne ripercorre la storia negli Stati Uniti (sul finire degli anni Settanta del secolo scorso) e in Italia (di PH si è cominciato a parlare dal 2000; l’Associazione italiana di Public History (AIPH) nasce nel 2016), esplorando alcuni dei nodi metodologici più significativi, in particolare i rapporti tra PH, storia accademica, uso pubblico della storia, memoria. Leia Mais

Il divano di Istanbul – BARBERO (BC)

BARBERO, Alessandro. Il divano di Istanbul. Palermo: Sellerio, 2015. 207p. Resenha de: GUANCI, Vicenzo. Il Bollettino di Clio, n.10, p.110-112, gen., 2019.

L’impero ottomano, iniziato nei primi decenni del Trecento da ‛Othman, un capo tribù di una regione dell’Anatolia nord-occidentale, fu portato avanti dai suoi eredi e successori fino a raggiungere la massima espansione nel XV-XVI secolo, dopo la conquista di Costantinopoli, della Grecia, dei Balcani, dell’Ungheria, delle regioni mediorientali, della penisola arabica, della Persia. Fu fermato in Europa occidentale a Lepanto nel 1571, pur continuando a dominare nelle isole mediterranee e nella costa nordafricana. L’impero durò sei secoli. Finì di fatto nel 1918 con la sconfitta nella prima guerra mondiale, e fu sciolto nel 1923 da Kemāl Atatürk, che, nel corso della sua rivoluzione e rifondazione nazionale turca, depose l’ultimo imperatore, Maometto VI, e proclamò la Repubblica di Turchia, attualmente esistente.

Alessandro Barbero racconta in 207 pagine sei secoli di storia, una storia avvincente, che si legge come un romanzo.

Barbero mette a frutto le sue ricerche immergendole nel contesto delle sue immense conoscenze storiche, rappresentando con grandissima sapienza la civiltà ottomana, in uno con la religione musulmana e l’immagine del turco ancor oggi presente nella memoria collettiva italiana ed europea.

L’autore ci presenta l’architettura istituzionale dell’impero nelle prime pagine del libro. L’imperatore è il sultano. Il governo dell’impero si chiama divan, ed è presieduto dal gran visir e composto dai pascià.

“La tradizione dei nomadi delle steppe continua a vivere nell’impero ottomano anche attraverso i simboli del potere. Il principale simbolo del potere nella gerarchia ottomana è una coda di cavallo, come quella che i capitribù nomadi piantavano su un palo davanti alle loro tende per far riconoscere la loro autorità. Davanti al padiglione del sultano, quando è in marcia alla testa dell’esercito, si piantano sette pali con sette code di cavallo, e soltanto il sultano può averne così tante; il gran visir ha diritto a quattro code di cavallo, per marcare bene la differenza; gli altri pascià, membri del governo ma inferiori al gran visir, possono inalberare tre code.” (p. 16)

Come tutte le storie, specialmente quelle di grandi e longevi imperi, anche questa ha i suoi protagonisti. Sono grandi condottieri militari, conquistatori di terre e di popoli, ma anche grandi politici e governanti, come Solimano il Magnifico, che Barbero ci ricorda contemporaneo del Rinascimento italiano, della Riforma protestante e della Controriforma cattolica, di Michelangelo e di Lutero, di Machiavelli e Calvino.

Ecco una caratteristica fondante della scrittura di Barbero: il continuo richiamo alle conoscenze storiche che si presumono nel lettore acculturato dai manuali scolastici; ciò gli consente di situare nel tempo le narrazioni del suo libro cogliendone le contemporaneità. E non si sottrae al confronto, anzi. Sottolinea le differenze tra Roma e Bisanzio-Istanbul al tempo di Solimano.

“Siamo dunque in un’epoca in cui con il senno di poi, pensando alla conquista dell’America, pensando alla diffusione delle armi da fuoco, noi vediamo un’Europa già lanciata alla conquista del mondo, un Occidente straordinariamente vitale, pieno di energie; i contemporanei non ne erano così convinti, loro vedevano le lacerazioni spaventose, le atrocità delle guerre di religione, una cristianità spaccata tra cattolici e protestanti, e perciò orrori, sofferenze, guerre incessanti. E di fronte a questa Europa insanguinata, a questa Cristianità lacerata vedevano un impero ottomano governato da un nuovo Salomone, da un uomo che era al tempo stesso un grande legislatore e un grande guerriero.” (p. 61)

Barbero non si limita al confronto coevo; per farci meglio comprendere le specificità dell’impero ottomano nello svolgersi dei secoli, spesso ci ricorda che gli avvenimenti nel tempo modificano spazi, istituzioni, modi di vivere. Sono frequenti interruzioni della narrazione introdotte da “noi siamo abituati a pensare che…” e via con precisazioni e messe a punto.

Il divano di Istanbul ci consegna un affresco dell’impero e della civiltà ottomana che ci fa capire molto della Turchia e della civiltà islamica odierna, dimostrando, se ce ne fosse ancora bisogno, l’importanza della conoscenza del passato per capire il presente. Gli storici bravi come Barbero ricostruiscono un pezzo di passato che ci fa comprendere il mondo in cui stiamo vivendo e lo raccontano a noi, uomini e donne europee del ventunesimo secolo in modo a noi comprensibile. È la semplicità che, come dice il poeta, è difficile a farsi.

Vicenzo Guanci

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O Brasil e a questão agrária | Manuel Correia de Andrade

A obra “O Brasil e a questão agrária” está dividida em sete capítulos, o primeiro é a introdução e traz um breve resumo do que vai ser tratado na obra como um todo. Os demais apresentam os seguintes títulos: “Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções; novas formas, velhas funções”; “A experiência de colonização: Portugal Brasil e África”; “Nordeste Semi-Árido: Limitações e possibilidades”; “Espaço e tempo na agroindústria canavieira de Pernambuco; “O movimento dos Sem-Terra e sua significação”; “O movimento dos Sem Terra e sua significação”; e “Atualidade da questão agrária”.

Apesar de ser composto por artigos distintos, escritos entre os anos de 2000 e 2001, o livro apresenta uma coerência temática e teórico-metodológica. A preocupação central é a de contextualizar as transformações socioeconômicas do espaço agrário, através dos movimentos da história e tendo como base a abordagem regional. Há também uma análise dialética marxista que fica mais evidente nos capítulos: “Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções; novas formas, velhas funções” e “O movimento dos sem terra e a sua significação”, mas sem suplantar a abordagem regional. Leia Mais