Posts de Itamar Freitas
Cultura escrita no mundo ibero-americano: identidades, linguagens e representações / Cantareira / 2019
Segundo Lucien Febvre e Henri Jean-Martin, o livro moderno surgiu a partir do encontro de dois fatores que, apesar de distintos, mantêm alguma ligação. Primeiro, foi necessário que o papel se firmasse enquanto mídia, o que não aconteceu antes do século XIV. Até então, as técnicas empregadas na produção das folhas, faziam com que seu preço fosse alto e sua qualidade inferior, mais frágil e pesado, com a superfície rugosa e repleto de impurezas. Concorrendo com o já estabelecido pergaminho de pele de carneiro, o novo material não oferecia aos copistas um suporte adequado para a transcrição de manuscritos, sugando a tinta, mais do que o necessário, e com possibilidades de duração limitada.[4]
O segundo fator apontado é a técnica de impressão manual, composta pela tríade: caracteres móveis em metal fundido, tinta mais espessa e prensa. Deixando a alquimia das tintas de lado, pela facilidade com a qual era possível produzi-las então, o grande avanço da época foi a composição em separado dos tipos móveis. Para cada signo fabricava-se uma punção de metal duro – composto de uma liga de chumbo, estanho e antimônio que variava de proporção conforme a região –, sob a qual se demarcava a matriz em relevo. Em metal menos duro moldavam-se as imagens em côncavo. A seguir, colocadas em uma forma se podia produzir os caracteres em quantidade suficiente para imprimir uma ou mais páginas. Sob a pressão do torno, o velino – pergaminho de alta qualidade, feito a partir de pele de bezerro ou cordeiro – não resistia à tensão imposta pela placa de metal que guardava os tipos. O papel, por sua vez, forçado à mesma pressão, continha a tinta mais espessa, apresentando uma nitidez regular de impressão. Eis o surgimento da indústria tipografia.[5]
Dos incunábulos impressos na oficina de Johann Gutemberg, em Mogúncia, até o final do século XVIII, o trabalho dos tipógrafos e impressores permaneceu o mesmo, com algumas pequenas alterações. A realização da segunda edição da Encyclopédie, a exemplo, seguia os “ritmos de uma economia agrária”, dependente da sazonalidade dos recolhedores de trapos e dos papeleiros.[6] Segundo Robert Darnton: “No início da Era Moderna, as tipografias dividiamse em duas partes, la casse, onde se compunham os tipos, e la presse, onde se imprimiam as folhas.”[7] Na composição alinhavam-se de forma manual e solitária um a um os tipos, formando linha a linha as placas. No trabalho de impressão eram necessários ao menos dois homens: um deles entintava as formas que estavam encaixadas sobre uma caixa móvel, com a prensa ainda aberta; o outro colocava a folha sobre uma armação de metal, onde eram fixadas as presas, e puxava a barra da prensa, fazendo o eixo girar em parafuso, produzindo uma das páginas. Terminada a resma, a atividade começava novamente, com a impressão no verso das folhas. Uma operação que requeria enorme esforço físico, tanto mais se tratando de uma tiragem grande. [8]
Portanto, até que se introduzissem efetivas mudanças técnicas, o período tratado compreende uma era de manufatura do livro. Entre o trabalho realizado pelos monges nos scriptoria e pelos copistas profissionais, que se instalaram sobretudo ao redor dos grandes centros e das universidades,[9] e a tecnologia adotada em 1814, com a prensa cilíndrica, e da força do vapor, a partir de 1830,[10] existe um intervalo de tempo no qual o trato com o livro é peculiar. Para os homens da época moderna, a relação com este objeto é diametralmente outra, opondo-se tanto daquela adotada pelos medievais, quanto da praticada hoje. O exame cuidadoso dos aspectos físicos era um expediente comum aos leitores do Antigo Regime. À qualidade das páginas era essencial uma espessura fina, de um branco opaco, com a impressão devidamente legível e em caracteres de bom gosto.[11] Uma preocupação material, de consumo, secular.
Junto à difusão dos livros, ocorreu a difusão dos formatos. Pouco a pouco, os pesados in fólio foram dando espaço a novos tamanhos, mais leves e com caracteres menores. Em pleno século XVII, quando a indústria já estava suficientemente estável, os impressores Elzevier lançaram uma coleção minúscula para a época, in-12, o que causou o espanto dos eruditos.[12] A partir de então, as pequenas edições invadiram o mercado com publicações in-12, in-16 e in-18. A predominância da literatura religiosa não cessou, mas o interesse por temas como Literatura, Artes e Ciências, nos circuitos legais, e literatura pornográfica, sátiras, libelos e crônicas escandalosas e difamatórias, que corriam nos circuitos clandestinos, só fez aumentar.[13]
A popularização de material impresso e a diversificação dos temas foram acompanhadas de um aumento do público leitor. A Europa experimentou um crescente processo de alfabetização entre os séculos XVII e XVIII. Analisando países como Escócia, Inglaterra e França, e regiões como Turim e Castilla (Toledo), o historiador Roger Chartier apontou, a partir de assinaturas em registros cartoriais, que a alfabetização demostrou avanços contínuos e regulares nesse período. E, na América, Nova Inglaterra e Virgínia, o movimento seguiu ritmos muito parecidos. Os ofícios e as condições sociais eram fatores determinantes para o ingresso, mesmo que de forma superficial, no mundo da escrita e da leitura. É quase certo que um clérigo, um notável ou um grande comerciante soubesse ler e escrever. Bem como, é quase certo que um trabalhador comum não dominasse essas habilidades.[14]
A imprensa não desbancou de imediato os textos manuscritos. A função e utilização dada à cópia e o público para quem ela se destinava, amplo ou restrito, condicionaram a forma de reprodução durante muito tempo. A sua imposição ocorreu devido à possibilidade de um aumento considerável da reprodução, ao barateamento do custo das cópias e a diminuição do tempo de produção de um livro. Cada leitor individual passou a ter acesso a um número maior de títulos e cada título atingia um número maior de leitores. Estes argumentos, porém, não justificam ou não explicam, por si, as “revoluções da leitura” experimentadas pelo Ocidente na época moderna. A mudança e aprimoramento das técnicas tiveram um papel relevante, mas não são as únicas determinantes.[1]5 Ao mesmo passo em que elas ocorriam, alteravam-se os paradigmas sobre as práticas de leitura e a epistemologia em relação aos livros. A revolução passou por dois movimentos. No final do século XIV, a leitura silenciosa se converteu em prática comum, ganhando um número cada vez maior de adeptos, e a escolástica foi perdendo força, tornando o livro um objeto dessacralizado, um instrumento de trabalho e de conhecimento das coisas do mundo. Segundo Chartier: “Essa primeira revolução na leitura precedeu, portanto, a revolução ocasionada pela impressão, uma vez que difundia a possibilidade de ler silenciosamente (pelo menos entre os leitores educados, tanto eclesiásticos quanto laicos) bem antes de meados do século XV”.[16]
Passou-se, gradualmente, do predomínio de uma forma de leitura intensiva, ler e reler várias vezes um número limitado de obras, decorando trechos, recitando e memorizando com um sentido pedagógico, até outra forma, extensiva. Tornava-se cada vez mais comum possuir alguns livros ou uma pequena biblioteca particular para estudo ou para lazer. Textos curtos, alguns efêmeros, impressos e manuscritos de hora, o comércio ambulante de livretos… em tudo contribuíram para esse novo costume. É sabido que as duas modalidades ocuparam o mesmo espaço de tempo e uma não fez desaparecer a outra, no entanto, as descrições, as pinturas, os escritos e outros testemunhos tendem a sublinhar a vulgarização dessa prática.[17]
Em estudo recente, publicado pelos psicólogos Noah Forrin e Colin M. MacLoad, do Departamento de Psicologia da University Waterloo, no Canadá, constatou-se que a palavra lida em voz alta aparece como uma atividade com “efeito de produção”. Ler e ouvir o que se está lendo, uma medida duplamente ativa – “um ato motor (fala) e uma entrada auditiva autorreferencial” –, faz com que os trechos ganhem distinção, fixando suas marcas na memória de longo prazo. Esta ação, realizada repetidas vezes operacionaliza a memorização de passagens longas.[18] Poemas da antiguidade ou do medievo, possuíam um sem número de versos que eram recitados, em maior ou menor proporção, por diversas pessoas e em diferentes locais. A leitura silenciosa (e extensiva), porém, implica em um vestígio distinto à lembrança, mais próximo da anamnese do que da fixação mnemônica.[19]
O resultado da pesquisa de Forrin e MacLoad pode ajudar a desvendar desencadeamentos que ocorreram no passado e que mudaram nossa relação com o livro. Por um lado, novos gêneros aparecem, uma forma narrativa mais alongada e menos rimada fez sentir sua presença: o romance.[20] Este, possui todos os aspectos necessários para agradar um leitor voraz, que folheasse um volume para seu entretenimento sem a preocupação de decorar passagens, mas, em alguns casos, o efeito foi justamente o contrário. Na lista dos best sellers da época moderna estão Nouvelle Héloise, Pâmela, Clarissa, Paul et Virgine, Souffrances du jeune Werther, Les aventures de Télémaque, dentre outros, novelas com capacidade de prender seus leitores por mais de uma sessão repetidas vezes.[21] Por outro lado, encadernados de caráter mais informativo, como os guias, as enciclopédias, os atlas históricos e geográficos, as cronologias, os almanaques, os catálogos, etc., ganharam cada vez mais espaço. Situação que provocava a queixa dos eruditos, como é o caso do suíço Conrad Gesner, que cunhou a expressão “ordo librorum”, mas não deixou de reclamar da “confusa e irritante multiplicação de livros”, provocada pelo significativo aumento dos números de títulos disponíveis no mercado.[22]
É sob esta arquitetura histórica que debruçam os estudos apresentados para a trigésima edição da Revista Cantareira, compondo o dossiê “Cultura escrita no mundo ibero-americano: identidades, linguagens e representações”. Fisicamente distante das metrópoles europeias, os súditos ibéricos instalados ou nascidos no continente americano não se furtaram a experimentar as consequências dessa nova invenção. Mais do que ler, eles refletiram sobre as ideias trazidas pelos livros e por outros impressos, transportados, muitas vezes, clandestinamente – “sob o capote”. Alguns assumiram uma postura conservadora diante das novidades; outros utilizaram as palavras como motivação para contestar a ordem social, a religião ou as autoridades estabelecidas. A historiografia brasileira avançou significativamente, nos últimos anos, sobre as temáticas abordadas aqui. Portanto, esses textos, ao mesmo tempo em que apresentam novidades relacionadas às pesquisas de historiadores em formação, nível mestrado e doutorado, também caminham por terreno consolidado.[23]
No artigo “A cultura epistolar entre antigos e modernos: Normas e práticas de escrita em manuais epistolares em princípios do século XVI”, Raphael Henrique Dias Barroso aborda os códigos e normas da escrita epistolar que circulavam os ambientes cortesãos do início do Quinhentos. Com base nas obras de Erasmo de Roterdã e Juan Luis Vives, o autor demonstra a presença destes códices nas missivas diplomáticas trocadas entre o embaixador D. Miguel da Silva e D. Manuel, monarca português entre 1469 e 1521.
O segundo artigo, intitulado “A incorporação de elementos da cultura escrita castelhana nas histórias dos códices mexicas dos séculos XVI e início do XVII” de Eduardo Henrique Gorobets Martins, mostra a importância que a cultura escrita possuía nas relações de poder no mundo ibero-americano. Longe de considerar os índios como vítimas passivas da colonização, o autor evidencia como diversos grupos indígenas, que se aliaram aos espanhóis contra os mexicas, se apropriaram da cultura escrita castelhana tanto com o objetivo de reescrever suas histórias a partir de novos vocábulos como se inserir na colonização para obter cargos e privilégios juntos aos espanhóis.
O artigo seguinte, de autoria de Caroline Garcia Mendes, também demonstra a importância da cultura escrita no campo político em um outro espaço: a monarquia portuguesa nos anos seguintes à Restauração de 1640. Intitulado “As relações de sucesso e os periódicos da Península Ibérica na segunda metade do século XVII: imprimir, vender e aparecer nos materiais de notícia sobre a Guerra”, a autora analisou duas dimensões do processo de profusão das notícias impressas em Portugal: a política e a econômica. Para tal, destaca a conflituosa relação entre impressores e cegos no que dizia respeito à circulação dos impressos. Do lado político, enfatiza a importância que certos feitos de alguns personagens adquiriam ao serem difundidos pela cultura escrita. No fundo de tal preocupação, estava a preocupação de se fazer ver diante de todos, especialmente do rei.
Em “Da devoção à violência: a atribuição da mentira como estratégia de discurso na Guerra Guaranítica”, escrito por Rafael Cézar Tavares, o exame recai sobre as estratégias discursivas de ambos os lados partidários dos eventos. Para tanto, o autor analisou três conjuntos documentais difusos: as cartas dos Guarani enviadas aos funcionários coloniais na iminência do enfrentamento; o relatório pombalino escrito já ao fim dos conflitos; e o Cândido de Voltaire, novela em que o protagonista visita o Paraguai no contexto da Guerra. Um estudo relevante acerca de um episódio pouco visitado pela historiografia geral, abordado pela chave da retórica como fonte de análise.
O artigo de Anna Beatriz Corrêa Bortoletto tem como centro a cultura escrita ao avaliar a confecção e a trajetória de um documento do século XVIII redigido por Luís Rodrigues Villares, um comerciante envolvido com a expansão da colonização no atual Centro-Oeste brasileiro. Inicialmente pensado como uma instrução para os comerciantes que atuavam na região, a autora demonstra com tal documento foi ressignificado a partir de sua trajetória e materialidade. Ao fazê-lo, destaca que, atualmente, o documento se encontra num códice com diversos documentos de autoria de Custódio de Sá e Faria, um engenheiro militar que também atuou na América portuguesa do século XVIII, em outras palavras, o documento era importante para a administração colonial. A partir disso, o artigo analisa que, provavelmente, o manuscrito analisado circulou até chegar às mãos do Morgado de Mateus, então governador de São Paulo, cujo um dos descendentes vendeu o códice que hoje pertence à Biblioteca Mario de Andrade em São Paulo que o adquiriu de um bibliófilo com o objetivo de preservar documentos que pudessem responder diversas questões referentes à história do Brasil, ou seja, diferentes temporalidades históricas conferiram diferentes significados ao manuscrito. Natalia Casagrande Salvador, em artigo intitulado “Cultura Escrita para além do texto: percepções materiais e subjetivas do documento manuscrito”, destaca a importância dos estudos da cultura material e da codicologia para a interpretação dos documentos históricos. A partir do Livro de Termos da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência de Mariana, nas Minas Gerais, a autora analisa o papel enquanto suporte, os instrumentos e a escrita, o conteúdo e as posteriores rasuras e correções.
O último artigo deste dossiê intitula-se “Entre Livros, Livreiros e Leitores: a trajetória editorial e comercial da Guia Médica das Mãis de Família” escrito por Cássia Regina Rodrigues de Souza. A autora borda os manuais de medicina doméstica por meio do Guia Médica das Mãis de Família, publicado em 1843 pelo médico francês Jean Baptiste Alban Imbert com o objetivo de instruir mães e gestantes. Ao investigar a trajetória editorial e comercial, a fim de discutir os possíveis leitores da obra, a autora demonstra que seu alcance ultrapassou os limites da elite alfabetizada imperial e penetrou, de diferentes formas, na vida de mães recém-paridas, comadres e parteiras.
Por fim, encerra nosso dossiê entrevista gentilmente concedida pela Dra. Ana Paula Torres Megiani, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e Livre Docente em História Social pela Universidade de São Paulo. Em resposta a quatro diferentes provocações, ela nos contou primeiro sobre sua trajetória e formação, indicando os caminhos que levaram às suas escolhas temáticas e as tendências da historiografia principalmente nos anos 1990. Na sequência, abordou a questão da circulação dos livros manuscritos na época moderna, salientando a recente atenção recebida por essa fonte. Para, então, tratar das influências do desenvolvimento da cultura escrita, entre os séculos XVI e XIX, no mundo iberoamericano como uma das bases de sustentação da administração imperial. E, no último bloco falou sobre os chamados “escritos breves para circular”, atribuição de tipologia documental que, segundo nossa leitura, evidência o surgimento de um novo “regime de historicidade”, como classifica François Hartog, ou uma nova “experiência de tempo”, conforme Reinhart Koselleck.
Esta edição conta ainda com dois artigos livres e uma resenha. O primeiro, intitulado “O materialismo histórico e a narrativa historiográfica”, escrito por Edson dos Santos Junior, aborda o problema da narrativa e do pensamento materialista histórico a partir da obra de Walter Benjamin. No segundo, intitulado “Aleia dos Gênios da Humanidade: escutando os mortos”, Cristiane Ferraro e Valdir Gregory tratam da comunidade conscienciológica sediada em Foz Iguaçu e os lugares de memória do grupo que a compõe. Mathews Nunes Mathias resenhou a obra Coração civil: a vida cultural sob o regime militar (1964-1985): Ensaios históricos (2017), escrita pelo historiador Marcos Napolitano.
Notas
- FEBVRE, Lucien; MARTIN, Henri-Jean. O aparecimento do livro. São Paulo: Ed; USP, 2017, p. 76-80.
- Evidentemente, o processo histórico não é tão linear e simples quanto esta exposição, apresentando múltiplas inconstâncias. Nossa intenção, porém, objetiva explicar de forma sintética o aparecimento de uma ferramenta que transformou o mundo de variados modos. Para uma exposição mais cuidadosa, cf.: Ibidem, p. 105-108ss
- DARNTON, Robert. O Iluminismo como negócio: A história da publicação da “Enciclopédia”, 1775-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 14.
- Ibidem, p. 176.
- Idem.
- VERGER, Jacques. Os livros. In: Homens e saber na Idade Média. Bauru, SP: EdUSC, 1999; FEBVRE, Lucien; MARTIN, Henri-Jean. O aparecimento do Livro… Op. cit., p. 59-63.
- DARNTON, Robert. O Iluminismo como negócio… Op. cit., p. 189.
- Ibidem, p. 150.
- WILLEMS, Afonso. Les Elzevier: histoire et annales typographiques. Bruxelles: G. A. van Trigt, 1880, p. 109.
- CHARTIER, Roger. As revoluções da Leitura no Ocidente. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. São Paulo: FAPESP, 1999, p. 95-98.
- Chamamos genericamente de “registros cartoriais”, os documentos analisados por Chartier, cuja tipologia varia de certidões de casamento até contratos comerciais. CHARTIER, Roger. Práticas de escrita. In: CHARTIER, Roger (org.). História da vida privada. Vol. 3: da Renascença ao século das luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 114- 118.
- CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura… Op. cit., p. 22-23.
- Ibidem, p. 24.
- CHARTIER, Roger. Uma revolução da leitura no século XVIII? In: NEVES, Lucia Maria Bastos P. (org.). Livros e impressos: Retratos do setecentos e do oitocentos. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2009, p. 93-95.
- FORRIN, Noah; MACLEOD, Colin M. This time it’s personal: the memory benefit of hearing oneself. Memory, [s.n.t.].
- Utilizamos “anamnese” no sentido expresso por Platão no Fédon, que é o mesmo retomado pela medicina moderna, no qual a experiência é reconstituída pela consciência individual, por meio dos sentidos, como uma ideia; ao contrário da mnemônica, que se refere a um conjunto de técnicas para gravar de forma mecânica um conteúdo.
- CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura… Op. cit., p. 26.
- Ibidem, p. 95-96
- BURKE, PETER. Uma História Social do Conhecimento. Vol I: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 97; BURKE, Peter. Problemas causados por Gutenberg: a explosão da informação nos primórdios da Europa moderna. Estudos Avançados, São Paulo, v. 16, n. 44, p. 173-185, abr. 2002, p. 175; CHARTIER, ROGER. A ordem dos livros: Leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora da UnB, 1994.
- Por ser profusa, evitamos listar a produção de historiadores brasileiros. O ato de enumerá-los, mesmo considerando somente os mais relevantes, seria exaustivo e injusto, pois em toda seleção sempre há esquecimentos por descuido ou por cálculo. O leitor interessado, de todo modo, estará bem informado consultando a bibliografia apresentada em cada artigo publicado adiante.
Claudio Miranda Correa – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Gabriel de Abreu Machado Gaspar – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense.
Pedro Henrique Duarte Figueira Carvalho – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense
CORREA, Claudio Miranda; GASPAR, Gabriel de Abreu Machado; CARVALHO, Pedro Henrique Duarte Figueira. Apresentação. Revista Cantareira, Niterói- RJ, n.30, jan / jun, 2019. Acessar publicação original [DR]
The War Within: new perspectives on the civil war in Mozambique/1976-1992 | Eric Mourier-Genoud, Michel Cahen, Domingos M. Rosário
Uma característica trágica compartilhada pela história nacional de alguns países africanos é a emergência de conflitos militares dentro de suas próprias fronteiras que, via de regra, estão marcados por uma combinação variável de fatores e atores internos e externos – de um lado, a explosão de tensões e clivagens sociais que o regime político implantado após a independência não foi capaz de resolver, e em alguns casos agravou; de outro, a incidência de interesses econômicos e geoestratégicos que condicionaram a participação de outros Estados, empresas multinacionais e órgãos multilaterais. Na década de 1960, essa dinâmica alimentou conflagrações sangrentas no Congo-Léopoldville, nos Camarões e na Nigéria; após a independência dos territórios africanos submetidos à dominação portuguesa, Angola e Moçambique viram seus nomes incluídos nessa malfadada lista. Em Moçambique, diferente de Angola, a hegemonia política e militar do novo regime demorou alguns anos a ser seriamente desafiada. Embora tenha havido uma resistência armada localizada na Zambézia desde 1976, foi a partir do início da década seguinte que uma situação de guerra interna se generalizou, prolongando-se até 1992, quando foi assinado o Acordo Geral de Paz. Leia Mais
Revista Práticas de Linguagem. Juiz de Fora, v. 9, n. 1, jan./jun. 2019.
(1 – 6) Sumário e apresentação
- Natália Sathler Sigiliano e Thais Fernandes Sampaio
RELATOS DE EXPERIÊNCIA
- (7 – 17) NARRATIVAS DE ENCANTAMENTO – A REDESCOBERTA DA PALAVRA
- Clarissa Mieko Luiz Ishikawa
- (18 – 29) ELEMENTAR, MEU CARO_UMA AVENTURA INVESTIGATIVA EM JOGO NARRATIVO_AQUISIÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE ESCRITA POR MEIO DE CONTO DE CONAN DOYLE
- Cláudia Aparecida Ferreira Ferraz
- (30 – 41) O ARTIGO DE OPINIÃO E A COESÃO TEXTUAL_ABORDAGEM REFLEXIVA A PARTIR DA TEMÁTICA DA VIOLÊNCIA
- Denise Pereira Rebello Viglioni
- (42-53) A PRODUÇÃO ORAL E ESCRITA NA ESCOLA BÁSICA_UMA EXPERIÊNCIA DE CRIAÇÃO E CIRCULAÇÃO DE UMA REVISTA PARA ADOLESCENTES
- Gisele de Oliveira Barbosa
- (54 – 63) ERA UMA VEZ_A DESCOBERTA DO UNIVERSO DA LEITURA E DA ESCRITA
- Maria Suely de Souza Montes
- (64 – 73) MENOS BARULHO, MAIS AÇÃO_ UMA PROPOSTA PARA MELHORIA DO CLIMA ESCOLAR
- Otávia Vieira Machado Lima
- (74 – 84) JORNAL ESCOLAR_UMA PROPOSTA PARA O PROTAGONISMO DISCENTE
- Renata Cristina das Dores Alves
Questão agrária e povos da terra / Tempos históricos / 2019
A Revista Tempos Históricos tem a grata satisfação em apresentar os resultados do Dossiê Questão Agrária e Povos da Terra, integrante desse volume e que contém 14 artigos aprovados pelo quadro dos pareceristas da revista. Antes de apresentá-los, brevemente, é oportuno indicar algumas reflexões acerca da questão agrária e os povos da terra, haja vista a própria receptividade que a chamada teve e a pertinência desses temas para a história e a historiografia.
Já é de longa data que a questão agrária perpassa as pesquisas científicas, principalmente, nas áreas da Geografia, da História, das Ciências Sociais e da Antropologia. Porém, é no chão social e territorial e no tempo histórico e vivido que as lutas sociais pela terra têm seu verdadeiro significado, não somente àqueles que estão, resistem ou almejam terra para morar, trabalhar, viver e conviver, mas, sobretudo, para um projeto de Nação. Os diversos casos abordados pelos autores dos quatorze artigos, em si, já são marcantes e propositivos ao demonstrar o quanto os povos da terra são protagonistas e fazedores de suas histórias.
A importância que a cartografia fundiária, pedra angular e filosofal, tem para uma análise inicial da questão agrária pode ser dimensionada a partir dos dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) referentes ao ano de 2014, no Brasil, do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR)1 por estabelecimentos (6.118.154 imóveis) e por área ocupada (719.392.358,2043 hectares). Mesmo tendo presente as limitações que uma representação dos estratos por meio de dados matemáticos e estatísticos possam expressar, esse desenho territorial é emblemático para o entendimento das desigualdades sociais existentes no país, sem contar sua representatividade do caráter socioeconômico e político excludente e lócus da especulação imobiliária capitalista.
Para uma visualização mais ampla e de aproximação do perfil fundiário apresentamos esses dados de acordo com dez estratos por tamanho da área em hectares utilizado pelo Incra, no censo agropecuário de 2014. O estrato de área com até 10 hectares correspondia a 36,12% dos estabelecimentos e ocupava 1,36 da área. A diferença entre os dois dados do estrato era de 26,56 vezes maior se estimado o primeiro índice em relação ao segundo. O segundo estrado de 10 a 50 hectares atingia 39,66% dos imóveis e ocupava 7,93% das terras. Para o estrato de 50 a 200 hectares os índices eram de 16,87% para participação nos estabelecimentos e de 13,43% para a área ocupada. Para a terceira faixa, entre 200 a 500 hectares, os dados passam a inverter a balança no grau de grandeza dos indicadores, pois correspondiam a 4,31% dos imóveis e saltavam para 11,33% da área ocupada. O quinto estrato, de 500 a 1.000 hectares, os 1,55% dos estabelecimentos ocupavam 8,99% da área. Já o sexto estrato de 1.000 e 5.000 hectares representavam 1,36% dos imóveis e atingiam 24,04% da área ocupada, indicando uma relação de 17,68 vezes maior sua participação na área em relação ao dado dos imóveis. O sétimo estrato, de 5.000 a 10.000 hectares, somavam 0,12% dos imóveis e 7,03% da área ocupada. Nessa faixa a diferença entre os indicadores era de 58,58 vezes maior o segundo dado em relação ao primeiro. Para a oitava faixa, de 10.000 a 50.000 hectares, a presença era de 0,04% dos imóveis e 6,61% da área, com uma diferença interna de 165,25 vezes maior na participação na área em relação ao número de imóveis. A nova faixa, de 50.000 a 100.000 hectares, tinha a modicíssima presença de 0,004% dos estabelecimentos e 2,27% de participação na área ocupada, cuja diferença interna chegava a 567,5 vezes. Por fim, o último estrado, dos estabelecimentos que tinha de mais de 100.000 hectares, a presença nos imóveis era de 0,005% e em termos de área ocupada atingiam 17,02%, correspondendo a 3.404 vezes sua diferença interna.
Para demonstrar duas outras possibilidades de leitura das estratificações representativas da concentração da propriedade da terra no Brasil, somando os estratos dos estabelecimentos com mais de 200 hectares, os dados do Incra totalizaram apenas 7,36% dos imóveis, mas atingiam 77,29% da área ocupada, ou seja, mais de ¾ do território rural do país cadastrado nesse levantamento. Por sua vez, de somarmos os dois estratos menores, isso é, aqueles que tinham até 50 hectares, o mapa inverte, uma vez que somavam 75,77% dos estabelecimentos (mais de ¾), porém ocupavam somente 9,29% da área dos imóveis. O que chama a atenção é o fato de que a vida camponesa e a agricultura familiar encontravam-se e encontram-se, ainda hoje, justamente, nos estratos com até 50 hectares de terra. Além disso, são dessas áreas que provêm mais de 70% dos alimentos que abastecem o mercado (urbano e rural) interno brasileiro. Diga-se mais. A grande maioria dos alimentos saudáveis eram e são produzidos pelos Povos da Terra, cujas práticas de vida na terra tornam-na, de geração em geração, lugar inseparável dos seus modos de viver (hábitos e costumes comuns).
É nessa perspectiva que o tema Questão Agrária e Povos da Terra reúne pesquisas que tratam da Vida de pessoas (indivíduos, grupos, comunidades, populações e povos) enraizadas na Terra. O termo Povos da Terra não pretende superar ou sobrepor aos de Camponês, Camponeses ou Campesinato, nem das trabalhadoras e dos trabalhadores da terra ou do campo. De certo modo, Armando Bartra Vergés (2011) amplia a visão sobre os novos camponeses ao tratar da profundidade da vida dos povos indígenas no México. Já Eduardo Gusmán Sevilla e Manoel González de Molina (2005) historicizaram a formação social dos camponeses e do campesinato, sem torná-los – os conceitos – numa camisa de força.
A proposição de Povos da Terra dialoga com os autores acima citados e tem proximidade com as abordagens que E. P. Thompson (1998) fez acerca da economia moral, porém, nesse caso, da economia moral camponesa e dos povos da terra, haja vista as peculiaridades e modos de vida na terra, como abordou Ricardo Abramovay (1981) ao tratar dos caboclos posseiros, livres e despossuídos da propriedade privada da terra e do mercado, no Sudoeste do Paraná. Por fim, a Vida na Terra e as lutas pela terra de trabalho, de moradia, de convivência entre aqueles que têm costumes em comum – o que inclui práticas de resistências contra o predomínio e o domínio da economia de mercado e da terra de negócio, da terra do e para o capital (patrimonialização e reserva de capital), das cercas e dos cercamentos, das expropriações e violências e dos despossuídos nascidos na terra que lutam para retomar ou retornar ao seu chão, bem como resistem à exclusão e à subordinação alheia do assalariamento no campo e na cidade – faz parte da história recente, da história nem tão antiga e da história viva no Brasil, em muitos dos seus rincões e sertões, das veredas e dos territórios vitais aos povos originários, às populações tradicionais e aos diversos camponeses que preservam seu vínculo com a terra, especialmente em relação à moradia habitual e ao cultivo permanente.
Considerando os 14 artigos e suas diversidades de temas, de temporalidades e de territórios e espacializações, optamos por organizá-los a partir dos contextos históricos (dos mais antigos aos mais recentes), das aproximações geográficas e dos objetos e experiências de luta e vida na terra, focos desse dossiê: a questão agrária e modos de vida na terra.
Os três primeiros artigos versam sobre o século XIX e a passagem para o século XX, sendo o primeiro intitulado “Cultivar, Povoar, Civilizar: os limites e as possibilidades do uso da terra na Província do Amazonas segundo Tenreiro Aranha, 1852”, de autoria de Paulo Oliveira Nascimento. O centro da pesquisa está no documento histórico Relatório de Presidente da Província do Amazonas, 1852, elaborado pelo primeiro presidente da recémcriada Província do Amazonas, João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha, no qual projetou as ações civilizatórias para um povoamento e uma agricultura integrada ao então império. O segundo artigo, intitulado “Posses ilegais em terras indígenas paulistas (1840- 1855)”, de autoria da Soraia Sales Dornelles, trata da questão agrária – o problema da terra – do ponto de vista de povos indígenas na província de São Paulo que, além de serem catequizados e aldeados para o estado nacional, eram forçados a serem trabalhadores nacionais e proprietários privados de terra, na perspectiva da Lei de Terras de 1850. O último artigo desse bloco, “Os ‘Doces Bárbaros’: das práticas discursivas às práticas sociais dos Guaná no Pantanal Norte (1870-1930)”, de autoria de Ana Carolina da Silva Borges, versa, numa perspectiva, sobre a riqueza da territorialidade Guaná no bioma do Pantanal, constituído como espaço vital ao modo de viver Guaná, e, por outra leitura, apresenta os complicadores do projeto civilizatório elaborado e divulgado acerva desse povo indígena, criando para eles uma “tradição de docilidade e civilidade” aos até então “silvícolas Guaná”.
Um segundo agrupamento abrange oito artigos que tratam de experiências da vida na terra, de historicidades camponesas e de lutas por reforma agrária. Desse conjunto, o primeiro deles, intitulado “Em terras de ‘plantation’, existe camponês?”, de autoria da Renata Rocha Gadelha, dialoga com a historiografia que trata da presença camponesas nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul do Brasil, contrapondo o “modelo da grande propriedade da terra e a produção para exportação”. De certo modo, apresenta uma crítica ao projeto atual do agronegócio, porém revisitando a vida camponesa em períodos anteriores, justamente para demonstrar a presença camponesa na história agrária do país. A autora analisa, principalmente, as abordagens de Maria Isaura Pereira de Queiroz (sobre o Sudeste), de Afrânio Raul Garcia Júnior (sobre o Nordeste) e de José Vicente Tavares dos Santos (sobre o Sul).
O segundo artigo, intitulado “A luta também se faz na festa: cultura e política camponesa no nordeste brasileiro (1950-1964)”, de autoria de José Romário Rodrigues Bastos, trata da luta pela terra no Nordeste realizada por camponeses participantes das Ligas Camponesas. Porém, como o autor apontou no título do artigo, a questão agrária permeava o ar camponês em seu cotidiano e em suas práticas culturais populares de resistência. O enfoque na trajetória de vida do camponês repentista Manoel Marques da Costa, baliza os caminhos da luta pela terra nas festividades populares e aponta como esses costumes em comum era parte integrante da organização e das mobilizações das Ligas Camponesas no chão campesino.
O terceiro artigo, intitulado “Da luta pela terra ao ataque ao latifúndio: a mobilização camponesa em defesa da reforma agrária ‘na lei ou na marra’” , de autoria de Carlos Alberto Vieira Borba, retoma as ações da luta pela terra em Trombas e Formoso, enquanto parte das Ligas Camponesas, e numa fronteira agrária no estado de Goiás, durante o período de 1950, cujas ações dos camponeses posseiros visava defender a terra de trabalho e seu acesso e direito enquanto posse, em contraposição aos interesses de grupos privados e de gestores públicos, consortes do latifúndio, por terra de negócio em territórios devolutos e sertanistas. Como indicou Carlos Borba, para aqueles camponeses a solução para o problema da questão agrária estava cristalina: “não bastavam lutar pela permanência em suas terras, era necessário aniquilar a grande propriedade”.
O quarto artigo desse bloco, intitulado “Trabalhadores e a luta pela terra em Rolim de Moura / Rondônia (1970-1980)”, de autoria da Cátia Franciele Sanfelice de Paula, trata de um caso de projeto de colonização dirigida, promovido pelo governo federal, na região de Rolim de Moura, em Rondônia, durante as décadas de1970 e 1980, bem como a participação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na práxis da luta pela terra realizada pelos camponeses que migraram para aquela frente agrícola, além de interagir com uma experiência anterior de colonização dirigida, o caso do projeto PIC Gy Paraná. Entre esses projetos oficiais e o ideário de progresso, o enfoque diverge da visão oficializada e dá vez e voz ao camponeses e trabalhadores da terra.
O quinto artigo, intitulado “O povo Karajá de Aruanã-GO / Brasil: turismo, território e vida indígena”, de autoria de Lorranne Gomes da Silva, Sélvia Carneito de Lima e Elias Nazareno, apresenta um conjunto de sujeitos sociais em meio às disputas pelo território e modos de vida de povos da terra no entorno do Rio Araguaia, no estado de Goiás. Os autores foram primazes ao demonstrar as contradições que havia entre o modo de ser Karajá, o Povo das Águas, no seu território ancestral e originário, às margens do Rio Araguaia, com os projetos de ampliação de negócios com a terra, às águas e às praias existentes naquele rio, que passaram a ser utilizadas para propagandear um “novo éden” ao turismo e um único caminho aos Karajá (a perda do território em detrimento do turismo e a transformação deles em trabalhadores rurais em terras de negócio). Chama a atenção para a relação entre Águas e Vida: os vínculos originários do bioma existente no Rio Araguaia com a Vida e a Cultura Karajá. Trata-se, portanto, de um artigo que liga umbilicalmente a Terra com os Povos da Terra proposto nesse dossiê.
O sexto artigo “Desgarrados da terra no Vale do Gorutuba / MG: relações, processos e memórias (1950-2016)”, de autoria de Auricharme Cardoso de Moura, trata de um caso de construção de barragem, a do Bico da Pedra, executada durante a década de 1970 na bacia do Rio Gorutuba, no entorno dos municípios de Janaúba e Porteirinha, no Norte de Minas Gerais, vinculado ao programa de irrigação fomentado pelo governo federal junto à Sudene e ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. Dos contrastes entre os atingidos, (famílias de camponeses pobres) e os favorecidos (grandes proprietários rurais com agricultura irrigada), a atuação dos agentes e das agências do Estado delineavam que a seca, ou a falta d’água, não era o maior problema agrário e agrícola dos atingidos. Como Moura expôs, a questão agrparia era outra: “Compreendemos, pois, que a definição de ‘atingido’ não pode se limitar apenas àquelas pessoas consideradas proprietárias da terra, uma vez que, direta ou indiretamente, centenas de outros sujeitos também tiveram seus direitos negados e formas de vida e trabalho alteradas”.
O sétimo artigo desse ponto temático no dossiê, intitulado “A territorialização da luta e o novo massacre dos ‘nativos’ do Arapuim no Norte de Minas Gerais”, de autoria de Greiciele Soares da Silva e Rômulo Soares Barbosa, trata de uma experiência de luta pela terra, no caso, pelo reconhecimento do território dos nativos de Arapuim – os “nascidos e criados na região”, da região do rio Arapuim, e ascendentes dos camponeses e quilombolas da população que vivia em Cachoeirinha. Além da questão do “Massacre de Cachoeirinha”, ocorrido na década de 1960, no período que segue o ano de 2004, os nativos de Arapuim, reivindicavam o direito à terra e ao território da antiga Fazenda Torta, tendo por base Decreto nº. 6040, de 2007, que reconhecia esse direito aos povos e comunidades tradicionais.
O oitavo e último artigo dessa subseção, intitulado “Conflitos socioambientais em Áreas de Preservação: o caso das comunidades tradicionais do Parque Nacional da Chapada Diamantina”, de autoria da Maria Medrado Nascimento, também se refere a um caso de um grupo social de camponeses tradicionais que, a partir da década de 1990, passaram a correr o risco de perder suas terras e posses em virtude de estarem residindo dentro da delimitação territorial do Parque Nacional da Chapada Diamantina. A nova condição e realidade, mesmo sendo camponeses tradicionais, posseiros antigos e estabelecidos anteriormente à criação do parque, passou a fragilizá-los, na medida em que suas práticas de subsistência (moradia habitual e cultivos constantes) passaram a ser condicionadas às exigências do parque, por serem interioranos ao seu território. Esse debate perpassa às questões ainda polêmicas que existem sobre preservacionismo e conservacionismo territorial e natural em parques criados mais recentemente.
Para finalizar o dossiê, reunimos um terceiro conjunto de artigos que tratam de outros tipos de fontes e linguagens à escrita da questão agrária e os povos da terra. O primeiro deles, intitulado “Memória, experiência, testemunho: revisitando a luta pela terra no Sudeste do Pará a partir do documentário Escola Eldorado”, de autoria do Janailson Macêdo Luiz, faz uma análise do filme de curta metragem “Escola Eldorado”, dirigido por Victor Lopes, lançado em 2008, com duração de 11:37”, conforme versão disponível, dentre outros lugares, na página do YouTube no seguinte endereço: https: / / www.youtube.com / watch?v=N60IwcN9sgY. O roteiro central do filme trata da trajetória do camponês Alcione Ferreira da Silva, com edição de entrevista e relato da sua história de vida. O documentário enfoca as experiências do maranhense Alcione Silva que conviveu, inicialmente, com trabalhadores do campo na região onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia, depois foi para o garimpo da Serra Pelado, onde buscou o “el dorado” e, seguindo sua itinerância na terra, registra sua participação no Movimento Sem Terras nos tempos do “massacre de Eldorado dos Carajás”, ocorrido no dia 17 de abril de 1996, em meio ao qual houve o assassinato de 19 sem terras, por balas da polícia militar do Pará, e o Alcione foi mais um dos atingidos por tiros da PM. Por mais que não tenha sido vítima de um ferimento fatal, ele traz em seu corpo e em suas memórias e lembranças os efeitos daquela lesão e daquele massacre.
O segundo artigo desse último grupo de artigo tem por título “O Direito ‘achado no arquivo’: um olhar sobre o acervo do Núcleo de Pesquisa, Documentação e referência sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo – NMSPP”, e sua autoria é da Luiza Antunes Dantas de Oliveira. De forma integrada, Luiza Oliveira trata da experiência construída a partir da criação do núcleo de pesquisa e centro de documentação na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), criado no ano de 1997 e vinculado ao Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Ampliando as linguagens da questão agrária, para além da pesquisa acadêmica da própria autora, o tema do artigo incorpora a importância da preservação documental e sua organização em espaços de acervos institucionais, enquanto outro lugar de luta pela terra e de busca por direito.
O último artigo do dossiê versa sobre uma fonte de época. O autor Clayton José Ferreira, no artigo intitulado “Pensar a história no interior da instabilidade: escrita da história e possibilidades ético-políticas no Retrato do Brasil de Paulo Prado”, recupera a obra Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira, escrita por Paulo Prado (1869-1943) e publicada no ano de 1928. Para Claytin Ferreira, nesse ensaio Paulo Prado partilha de uma visão de progresso – a “marcha civilizacional” – presente no contexto do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, mas também apontava para suas crises, suas descontinuidade e impossibilidades de projetar uma linearidade simétrica e constantemente progressiva. Acrescenta, o autor, por outro lado, que a obra de Paulo Prado aponta para uma escrita da história, na qual o ensaísta revisita, ao seu modo e leitura, a história do Brasil – Retrato do Brasil – e do Ocidente, a partir dos tempos modernos.
Em seu conjunto, os quatorze artigos contribuem para os estudos e escritas da questão agrária e dos modos de vida dos povos da terra. Desejamos, portanto, uma boa leitura.
Nota
1. INCRA. Cadastro Nacional de Imóveis Rurais.
Referências
ABRAMOVAY, Ricardo. Transformações na vida camponesa: o Sudoeste paranaense. São Paulo: Universidade de São Paulo / FFLCH / Departamento de Ciências Sociais, 1981. (Dissertação de Mestrado).
SEVILLA, Eduardo Gusmán; MOLINA, Manoel González de. Sobre a evolução do conceito de campesinato. São Paulo, Expressão Popular, 2005
THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. 3. reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
VERGÉS, Armando Bartra. Os Novos camponeses. São Paulo: Cultura Acadêmica; Cátedra Unesco de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural, 2011.
Paulo José Koling – Professor Doutor (UNIOESTE)
Ângelo Priori – Professor Doutor (UEM)
KOLING, Paulo José; PRIORI, Ângelo. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.23, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR]
Working the System: a Political Ethnography of the New Angola | Jon Schubert
A produção etnográfica publicada sobre Angola, já pouco expressiva durante o período colonial,1 declinou nas últimas décadas do século XX devido à situação política do país. Após sua independência em novembro de 1975, Angola enfrentou uma guerra civil até 2002. Esta findou com a morte de Jonas Savimbi, líder da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), movimento de guerrilha que questionou durante quase três décadas a legitimidade do governo exercido pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) a partir de Luanda. Ao contexto de guerra somou-se a (auto)censura no que diz respeito à discussão pública de questões políticas e sociais, mais um empecilho à realização de trabalhos de campo no país.2 Finda a guerra, o desafio da “reconstrução nacional” deu-se em meio às expectativas de melhoria de vida colocadas pela paz, visto Angola ter-se tornado, com Nigéria e África do Sul, uma das três principais economias da África Subsaariana. Foi nesse cenário de expansão econômica ancorada na exploração do petróleo, mas com poucos benefícios para a população em geral, que se realizaram as etnografias mais recentes sobre Angola, a maioria sobre Luanda. Contudo, embora alguns artigos tenham resultado desse esforço, poucas investigações etnográficas extensivas foram publicadas nos últimos anos.3 Working the System: a Political Ethnography of the New Angola, de Jon Schubert, é, portanto, uma importante contribuição para o campo de estudos angolanista. Leia Mais
Efemérides Cariocas | Neusa Fernandes e Olínio Gomes Coelho
Os Editores
A resenha do livro Efemérides Cariocas, de autoria de Neusa Fernandes e Olínio Gomes P. Coelho (Rio de Janeiro: Edição dos Autores, 2016), publicada por Adelto Gonçalves em seu blogue, a 7 de fevereiro de 2019, sob o título “Para se conhecer a história do Rio de Janeiro”, é reproduzida a seguir com autorização do autor dada a Neusa Fernandes, por e-mail, em 7 de março de 2019.
Efemérides Cariocas, dos historiadores Neusa Fernandes e Olinio Gomes P. Coelho, reúne principais fatos que ocorreram ao longo dos 451 anos da Cidade Maravilhosa e que merecem ser conhecidos. Leia Mais
História do Rio de Janeiro em 45 objetos | Paul Knauss, Isabel Lenzi e Mariz Malta
Com o advento do universo digital, a história dos objetos materiais, também metaforicamente designada como história tangível, é uma das muitas áreas, entre tantas, cada vez mais desprezadas das Humanidades. Como fonte de conhecimento, a história tangível apresenta vantagens e desvantagens. A principal virtude dos artefatos do passado é a relativa ausência de preconceito intencional e o seu maior grau de autenticidade. Por outro lado, o passado que se descortina nos objetos e fragmentos é de âmbito restrito e não têm vida própria, eles precisam dos relatos, das reminiscências e principalmente, das narrativas dos historiadores. Relíquias e artefatos materiais do passado também sofrem maior desgaste do que fontes impressas. Impressos podem disseminar- -se de modo irrestrito, mas artefatos físicos sofrem desgaste constante, logo se tornam irreconhecíveis nos tempos presentes e, não raro – reforçando aquela nossa crescente vocação pelo descarte – acabam no limbo dos refugos da história. Leia Mais
O Rio de Janeiro entre conquistadores e comerciantes: Manoel Nascentes Pinto (1672-1731) e a fundação da freguesia de Santa Rita | João Carlos Nara Júnior
O novo livro escrito pelo historiador, arqueólogo, arquiteto e urbanista João Carlos Nara Júnior é o resultado de uma brilhante e inédita investigação, que traz à luz uma história do Rio de Janeiro setecentista ainda esquecida: a da fundação da freguesia de Santa Rita. Sobre essa lacuna na historiografia do Rio de Janeiro colonial, o também historiador Carlos Eugênio Líbano Soares adverte, em texto de sua autoria publicado na quarta capa da obra, que “a academia preguiçosamente reluta em iluminar”. Entretanto, ao contrário do recorrente esquecimento acadêmico, o pesquisador e especialista nos estudos sobre a igreja de Santa Rita, João Carlos Nara Jr., com a competência que lhe é característica, reluta para que a história dessa freguesia não siga silenciada nas gavetas dos arquivos. O mérito do autor é incontestável. Essa publicação, portanto, representa um avanço para que essa grave falha historiográfica seja, finalmente, compensada.
Em vista disso, o autor dotado da perspicácia do bom historiador, da sensibilidade do arquiteto, da habilidade do urbanista e da intuição do arqueólogo, reabilita uma história fascinante, que percorre desde os primórdios históricos da criação do antigo bairro da Vila Verde, ainda nas primeiras décadas do século XVII, até alcançar a fundação da freguesia de Santa Rita em meados do século XVIII. A fim de realizar essa investigação de fôlego, João Carlos Nara Jr. constrói sua pesquisa a partir de um surpreendente conjunto de fontes, que permite recuperar os traços biográficos da família Nascentes Pinto e do seu fundador, o patriarca, fidalgo português e oficial alfandegário Manoel Nascentes Pinto (1672-1731). Dessa forma, respaldado por expressivo corpus documental, alude sobre outros aspectos que foram igualmente relevantes no contexto histórico daquele século. Leia Mais
O Reino/ a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788- 1797 | Adelto Gonçalves
I
O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797, recente livro de Adelto Gonçalves – editado em 2019, pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo –, já nasceu como importante marco da historiografia colonial brasileira e, especialmente, da paulista.
Adelto, como bom paulista e bandeirante intelectual, fincou seu marco de puro cristalino no território histórico colonial de São Paulo. O autor exibe sua peculiar habilidade de escrever com clareza um texto profundamente rico de conteúdo, baseado em vasta pesquisa documental e de leitura de textos consagrados de outros autores que trataram do tema desse livro. Leia Mais
Histórica. Lima, v.43, n.1, 2019.
Artículos
- Gobernar un mundo en guerra: el rol de los cabildos en el primer orden colonial peruano (1529-1548)
- Marcos Alarcón Olivos
- Ensayo de una «anatomía» de la República de las Letras. Nueva España, siglo XVIII
- Olivia Moreno Gamboa
- La cohesión de la élite y el poder oligárquico
- Dennis Gilbert; Liliana Samamé
- Las buenas intenciones no bastan: la política exterior de Estados Unidos hacia América Latina en el siglo XX
- Norberto Barreto Velázquez
Notas
- La mirada imperial: Bingham y Machu Picchu
- Javier Flores Espinoza
Reseñas
- Calderón de la Barca, Pedro. La aurora de Copacabana. (Una comedia sobre el Perú). Edición crítica de Elías Gutiérrez Meza. Frankfurt am Main y Madrid: Iberoamericana-Vervuert, 2018, 338 pp.
- Carlos Gálvez Peña
- Regalado de Hurtado, Liliana y Ana Raquel Portugal (eds.). Comer, vestir y beber: estudios sobre corporalidad y alimentación en el mundo prehispánico y colonial en los Andes y Mesoamérica. Lima: Academia Nacional de la Historia, 2018, 235 pp.
- José Ignacio López Soria
- Asensio, Raúl H. Señores del pasado: arqueólogos, museos y huaqueros en el Perú. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2018, 580 pp.
- Christopher Heaney
- Poulsen, Karen. ¡Somos ciudadanas!: Ciudadanía y sufragio femenino en el Perú. Lima: Jurado Nacional de Elecciones, Escuela de Gobierno y Políticas Públicas y Pontificia Universidad Católica del Perú. Lima, 2018, 252 pp.
- Margarita Guerra Martinière
História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual / Faces da História / 2019
Este número de Faces da História traz o dossiê História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual que se propõe refletir sobre assuntos que estejam amparados nessas representações memoriais resultantes da produção direta, a partir do diálogo entre entrevistador e entrevistado e de fontes que contemplam outros suportes. Em decorrência da natureza dessas fontes, as pesquisas baseadas em tais registros são inseridas no campo da história do tempo presente e estruturam-se em dimensões transnacionais (TREBITSCH, 1994; MORAES, 2002; ALBERTI, 2005), tornando-se sustentáculos do debate especializado do ponto de vista teórico e historiográfico e de definição dos protocolos de pesquisa e reflexões desse campo (JOUTARD, 2000).
Certamente, qualquer fonte traz suas peculiaridades e dificuldades que sinalizam desafios ao processo de execução para se chegar ao conhecimento sobre o passado, mesmo que esteja subordinado às visões de mundo do pesquisador do presente. As narrativas orais, entretanto, foram e são percebidas prenhe de significados e paixões decorrentes dos envolvimentos dos protagonistas nas querelas, compromissos e inserções dos embates conjunturais que modulam suas vivências. Nesse sentido, foram e continuam sendo recorrentemente arguidas por evidenciarem subjetividades que inicialmente estiveram definidas como empecilho para chegar ao conhecimento sobre os fenômenos submetidos, unicamente, aos relatos desses narradores. Segundo os seus arguidores, por serem fontes inscritas em passado recente, não permitem aos atores envolvidos (entrevistador / entrevistado) certo distanciamento para lidar com esses registros de testemunhas oculares que trazem as marcas de suas implicações nas querelas de seu tempo.
As discussões avançam no sentido de reconhecer a diversidade de narrativas e a formulação de outras para o mesmo evento, que esgarça a perspectiva da narrativa certa, em contraposição ao discurso errado sobre o acontecido. Portelli alerta à “atitude do narrador em relação a eventos, à subjetividade, à imaginação e ao desejo, que cada indivíduo investe em sua relação com a história” (PORTELLI, 1993, p. 41) que pode não incidir na realidade, mas na possibilidade. Ou seja, a representação de um “presente alternativo, uma espécie de universo paralelo no qual se cogita sobre um desdobramento de um evento histórico que não se efetuou” (PORTELLI, 1993, p. 50) que, na análise do autor, é característico da “narrativa ucrônica” que se inscreve em paradigma maior: a grande narrativa literária do inconformismo.
Isso não significa desconsiderar os lapsos, esquecimentos, omissões e reelaborações presentes nessas narrativas. Afirma-se sua importância para esclarecer não apenas ausências de informações e envolvimentos dos próprios narradores nos acontecimentos tratados, mas também o universo de valores e visões de mundo atinentes aos protagonistas em tela. E, ainda, ficar atenta para perceber aquelas memórias que foram soterradas ou silenciadas, como observou Michel Pollak (1989). O não-dito não significa o esquecimento, mas sim estratégias de sobrevivência diante de situações embaraçosas e sem solução, como a convivência com o inimigo de ontem.
No âmbito dessa trajetória, passa-se à arguição sobre a problemática da verdade, assunto de acalorado debate, chegando-se à formulação de sua ilusão por uns (BOURDIEU, 1998), ou à “produção de verdade”, para outros teóricos, como Beatriz Sarlo. A autora analisa a “transformação do testemunho em um ícone da verdade ou no recurso mais importante para a reconstrução do passado” (SARLO, 2007, p. 19), tecendo pesadas críticas a certos reducionismos de uso do relato oral, a partir de referencial que trata de situação-limite como o holocausto, para eventos corriqueiros.
Independentemente da complexidade teórica que envolve esse campo, o convite aos autores / autoras foi bem sucedido pela presença marcante de textos alusivos ao temário desse dossiê. Resultaram do processo avaliativo textos que foram estruturados em eixos temáticos, mesmo considerando as abordagens teóricas plurais, fruto das opções feitas pelos autores para suas análises sobre os assuntos pesquisados.
O primeiro deles agrega quatro artigos, sendo três que abordam aspectos da memória dos afrodescendentes e cultura africana, e que consistem, primeiramente, na abordagem dos autores Debora Linhares da Silva e José Maia Bezerra Neto sobre os processos de alforria que ocorreram na cidade de Belém / PA entre os anos de 1850 a 1880, estabelecendo um diálogo com as obras dos literatos Aluísio de Azevedo e Henry Walter Bates; na sequência, tem-se o trabalho de Leonam Maxney Carvalho que versa sobre a reconstrução das identidades dos quilombolas na localidade de Santa Efigênia, no município de Mariana / MG; ademais, o artigo de Mônica Pessoa que apresenta as tradições orais africanas como fonte de pesquisa interdisciplinar na busca da apreensão das vozes africanas e a potência de sua cultura oral; e fechando este bloco temático, o texto de Fábio do Espírito Santo Martins aborda a questão indígena no processo de luta que reivindica a demarcação da Terra Indígena (TI) Tekoá Mirim, localizada no litoral do Estado de São Paulo, e utiliza as tradições baseadas na cosmologia juntamente com o estabelecimento de uma práxis cotidiana indígena na luta pela demarcação territorial. Estes textos situam-se em tempos distintos na história do país e da África.
A segunda linha temática, composta de seis textos, apresenta discussões a respeito do patrimônio cultural material e imaterial brasileiro. O primeiro artigo, de Lourenço Resende da Costa e Jair Antunes, trabalha a questão da utilização da oralidade para os descendentes ucranianos brasileiros que vivem no município de Prudentópolis / PR, apresentando a importância do trabalho realizado pela Igreja Ucraniana juntamente com as escolas do município neste esforço de preservação identitária. O trabalho seguinte, de Priscila Onório Figueira, analisa as consequências do desastre ambiental provocado pela explosão do navio chileno Vicuña, no ano de 2004, cotejando as diferentes memórias e conflitos que a comunidade litorânea de Amparo, localizada na baía de Paranaguá / PR desenvolvem sobre esta trágica ocorrência.
O próximo artigo, de Mariana Schlickmann, concatena os relatos de oito moradores do bairro da Barra, localizado na cidade de Balneário Camboriú / SC, destacando as memórias sobre a atividade pesqueira, sufocada pela crescente especulação imobiliária, enfatizando as crescentes tensões entre os moradores sobre os bens culturais materiais e imateriais daquela localidade. A memória dos trabalhadores que transportam mercadorias e materiais de construção utilizando-se das carroças de tração animal na cidade de Montes Claros / MG é o enfoque do próximo texto, de Pedro Jardel Fonseca Pereira, que vincula estas memórias ao desenvolvimento histórico do município bem como ao processo de crescimento urbano e à inserção dos carroceiros nesta relação dinâmica.
Ainda nessa matriz temática, dois textos abordam a memória escolar: o primeiro deles, de Anne Caroline Peixer Abreu Neves, trata das memórias das alunas da Escola Pública Itoupava Norte, localizada em Blumenau / SC, que relatam suas percepções, adquiridas entre os anos de 1943 a 1950, em relação às experiências educacionais vivenciadas no período. Essas narradoras rememoram fragmentos da campanha de nacionalização do ensino e a exigência da língua vernácula e dos símbolos nacionais brasileiros impostos aos imigrantes e seus descendentes durante o período do Governo Vargas. O segundo trabalho, de Francine Suélen Assis Leite e Jairo Luis Fleck Falcão, expõe o processo de colonização do município de Juara / MT pelo depoimento de um professor aposentado, da disciplina de matemática, que relata o cotidiano escolar na jovem cidade mato-grossense que surgiu por meio do processo colonizador de expansão das fronteiras agrícolas.
Os últimos textos desse dossiê têm suas peculiaridades: o artigo de Filipe Arnaldo Cezarinho, embora se insira no debate sobre o patrimônio imaterial, apresenta questões de cunho metodológico no trato das fontes documentais orais e digitais e, em decorrência, foi agrupado no último eixo temático que traz questões metodológicas atinentes ao campo. O autor trata, por exemplo, da memória sobre a Guerra de Espadas que acontece em Cruz das Almas / BA, fortemente arraigada na tradição popular. A pesquisa analisa o discurso popular em contraposição ao presente processo de criminalização da manifestação cultural, onde estas fontes se constituem em desafio para os historiadores contemporâneos.
Aspecto assemelhado de disputa pela memória, sob outro viés, aparece no artigo Amerino Raposo e a Polícia Federal, de Priscila Brandão, que discute a trajetória dessa Instituição criada na década de 1960 e as disputas em torno do “ato fundador” recorrentemente acionado por grupos internos em disputa. A ala dos “novos” tenta descolar-se do envolvimento com as mazelas e da violência praticada pela ditadura militar contra seus opositores. A solução encontrada foi transferir a origem dessa Instituição para outra congênere, criada nos anos 1940 por Getúlio Vargas, que não tinha, de fato, esse papel federativo da PF criada na década de 1960 com os militares no poder. As disputas envolvem, além de outras questões, a recusa do legado recente sobre o envolvimento direto de alguns integrantes da Polícia Federal em atos de tortura e morte de opositores ao regime militar.
Por fim, o artigo sobre Paulo Emílio Sales Gomes, de Rafael Morato Zanatto, traz a contribuição do intelectual brasileiro na formação dos estudos históricos do cinema brasileiro e também suas contribuições para a História Oral pátria. O texto desvenda elementos significativos da trajetória em defesa da preservação desse passado, mostrando as preocupações de Paulo Emílio na prospecção de fontes variadas. A orientação na definição de roteiros parte da busca de informações diversificadas, com o objetivo de abordar os elementos que propiciam os passos dos cineastas, atores, cinegrafistas, fotógrafos, entre outros.
Mas, para o presente dossiê, sua importância assume papel estratégico por trazer a trajetória de formulação de procedimentos metodológicos para a consecução dos depoimentos orais, antecipando-se ao percurso posterior desse campo, ao trazer a relevância de seu uso, dúvidas e questões relativas à parcialidade, lacunas e produção de verdade desses depoimentos. Delineia todos os passos da pesquisa, desde o roteiro aos cuidados na abordagem do entrevistado, sua autorização para publicação, chamando a atenção para a necessidade de ouvir diferentes protagonistas sobre o mesmo assunto para sair das armadilhas do relato, mas ainda inscrito numa perspectiva de busca de informações corretas para, no caso, recuperar os primórdios da história do cinema brasileiro.
Para concluirmos esta Apresentação, queríamos registrar o reconhecimento dos desafios enfrentados por qualquer pesquisador do tempo presente para cumprir os protocolos do campo, cuja singularidade está marcada pelo diálogo (dúvidas e possíveis tensões) com os protagonistas de seu objeto de investigação.
Caros leitores / as, esperamos que gostem dos assuntos abordados nesse dossiê. Desejamos boa leitura e parabéns aos autores.
Assis, junho de 2019.
Referências
ALBERTI, Verena. Fontes Orais. Histórias dentro da História. In: Pinsky, Carla Bassanezi. Fontes Orais. São Paulo: Contexto. 2005, p. 155-202.
BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M. de M. & AMADO, J. Usos e abusos da História Oral. 2a ed. RJ: FGV, 1998.
JOUTARD, Philippe. Desafios da história oral do século XXI. In: FERREIRA, Marieta; FERNANDES, Tânia Maria e ALBERTI, Verena. (Orgs.) História Oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
MORAES, Marieta Ferreira de. História, tempo presente e história oral. Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, p. 314-332.
PORTELLI, Alessandro. Sonhos ucrônicos. Memórias e possíveis mundos dos trabalhadores. Projeto História, n. 10, dez / 1993, p. 41-58.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Rio de Janeiro: Estudos Históricos, vol. 2, 1989.
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Tradução: Rosa Freire d’Aguiar. Belo Horizonte: Companhia das Letras; UFMG, 2007.
TREBITSCH, Michel. A função epistemológica e ideológica da História oral no discurso da história contemporânea. In: MORAES, Marieta Ferreira (Org.). História Oral e multiplicinaridade. Rio de Janeiro: Diadorin / Finep / FGV, 1994.
Zélia Lopes da Silva – Professora Doutora (Unesp / Assis)
José Augusto Alves Netto – Professor Mestre (Unespar / Paranavaí), doutorando em História (Unesp / Assis)
SILVA, Zélia Lopes da; ALVES NETTO, José Augusto. Apresentação. Faces da História, Assis, v.6, n.1, jan / jun, 2019. Acessar publicação original [DR]
African Kings and Black Slaves: Sovereignty and Dispossession in the Early Modern Atlantic | Herman L. Bennett
Em sua introdução a este importante livro, Herman Bennett começa explicando como ele próprio foi levado ao tema da soberania africana no início do mundo atlântico moderno. Como estudante de pós-graduação que fazia pesquisa no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, Bennett cruzou com uma coleção de mapas e documentos comemorativos dos quinhentos anos de contorno do Cabo da Boa Esperança (1488) por uma esquadra sob o comando de Bartolomeu Dias. Bennett observou que esses velhos documentos revelavam uma história específica da diplomacia renascentista, na medida em que os portugueses receberam como seus iguais emissários de toda a África e Ásia; algo que falava sobre uma história do poder e da soberania que, como Bennett aponta, tem sido pouco abordada pela bibliografia sobre as relações mais remotas entre a África e a Europa. Leia Mais
Os estudos de Ásia e do Oriente no Brasil: objetos, problemáticas e desafios / Faces da História / 2019
A proposta desse dossiê partiu de um desafio e da busca de respostas a uma pergunta complexa: existem estudos de História da Ásia e do Oriente no Brasil? Se a resposta a essa pergunta fosse positiva, outras perguntas desafiadoras surgiriam: quais seriam os objetos, problemáticas e desafios enfrentados pelos pesquisadores de nossas universidades que se aventuram em um campo de estudos que, à primeira vista, carece de interlocutores, acesso às fontes, definição de temas e metodologias adequadas? Quais seriam as concepções de Ásia e de Oriente dos possíveis pesquisadores dessas temáticas? Em quais períodos essas pesquisas estariam centradas?
A repercussão positiva dessas perguntas desafiadoras veio com o grande número de propostas para a composição desse dossiê, bem como a diversidade temática, espacial e temporal das pesquisas realizadas por jovens pesquisadores de diferentes instituições brasileiras. Ao mesmo tempo, outro desafio seria compreender como temas tão diferentes dialogariam nesse dossiê, pois não poderiam ser agrupadas simplesmente pelo componente geográfico (as subdivisões asiáticas) ou pelo componente cultural (o Oriente e o orientalismo), nem simplesmente pelo recorte temporal (dos séculos XVI aos temas contemporâneos).
Levando essas questões em consideração, os artigos foram agrupados em blocos temáticos. O primeiro deles compreende quatro artigos referentes à Índia (Goa), ao Ceilão e ao Japão a partir da presença das missões religiosas entre os séculos XV e XVI como forma de reafirmação da presença portuguesa no Oriente, as reações contrárias e as hibridizações possíveis.
No artigo “Para favorecer a cristandade: as iniciativas de coerção à conversão dos órfãos em Goa (1540-1606)”, com autoria de Camila Domingos Anjos, foi analisada uma coletânea de cartas e alvarás de reis de Portugal e de vice-reis do Estado da Índia, reunidas e organizadas no Arquivo Português Oriental, referentes às legislações e às estratégias dos agentes coloniais portugueses na catequização de jovens menores de 14 anos de idade, considerados passíveis de serem moldados, educados, disciplinados e aperfeiçoados na fé católica.
Já em “Um catolicismo possível: a Congregação do Oratório de Goa e sua inserção no Ceilão holandês”, Ana Paula Sena Gomide acessou a documentação dessa instituição religiosa para analisar a importância da ação dos oratorianos, formados por um clero mestiço, na manutenção, revitalização e sobrevivência do catolicismo no Ceilão, que passou do domínio português para o domínio holandês, calvinista e anticatólico.
Em outra vertente, Renata Cabral Bernabé, no artigo intitulado “A formulação do discurso anticristão no Japão dos séculos XVI-XVII”, analisou a promulgação de éditos anticristãos emitidos pelo governo japonês que tratavam da expulsão dos missionários e da proibição da prática religiosa cristã no território. Ainda que o cristianismo não tenha desaparecido do Japão, tal legislação foi responsável pelo fim da atividade missionária europeia assim como contribuiu para dificultar o intercâmbio com países ocidentais católicos, numa clara relação com a centralização política do Japão iniciada em meados do século XVI e consolidada no século XVII.
Finalizando esse bloco, o artigo de Laís Viena de Souza, “Os panditos e os jesuítas. Indícios da medicina ayuvérdica nos colégios da Companhia de Jesus no Estado da Índia (séculos XVI-XVIII)”, utiliza a documentação inaciana para discutir a presença na ordem religiosa de médicos indianos vaidyas, chamados de panditos pelos jesuítas, bem como tratar dos embates, das assimilações, da apropriação, e da hibridização da medicina ayurvérdica com os preceitos hipocráticos-galênicos que circulou pelo Império Português na era moderna.
O segundo bloco temático reúne mais quatro artigos cujo ponto em comum é a abordagem da temática acerca do Oriente Médio, Norte da África e o Islamismo no Brasil a partir de fontes documentais brasileiras. Frederico Antônio Ferreira em “Relações entre o Brasil e o norte da África no século XIX: migração e comércio” acessou os documentos da chancelaria brasileira custodiados pelo Arquivo Histórico do Itamaraty no Rio de Janeiro, referentes às relações externas do então Império Brasileiro com países do norte da África no contexto da proibição do tráfico de escravos, do incentivo à imigração e do crescimento da economia cafeeira.
“Conexões Rio de Janeiro-Cairo: possibilidades analíticas acerca das relações Brasil-Egito a partir da imprensa escrita (1950-1954)” de Mateus José da Silva Santos mantém o olhar sob as relações diplomáticas entre o Brasil e o Egito no início dos anos 1950, analisando um conjunto de textos publicados no periódico baiano A Tarde para tratar tanto do protagonismo dos dois países em seus respectivos continentes como para compreender a intersecção de seus interesses na ordem econômica e política mundial fora do eixo Europa, Estados Unidos e América Latina.
Já Felipe Yera Barchi em seu artigo “Referências Bibliográficas sobre o Islã no Brasil: um estudo de caso dos livros didáticos de Gilberto Cotrim e Cláudio Vicentino” centra-se na análise da forma como o Islã, e temas relacionados ao país, são abordados nos livros didáticos de História em nosso país e, entre suas conclusões, verifica-se uma cristalização da história do Islã nos títulos didáticos analisados pelo autor, a despeito das revisões feitas nas obras.
Por sua vez, Bruno Bartolo do Carmo, em “Memórias do Café Árabe: costumes, ritos e modos de preparo em narrativas de sírios e libaneses em São Paulo (1970-2019)”, oferece-nos as tradições e os rituais do preparo do café árabe pelas narrativas de imigrantes e refugiados de origem árabe radicados no Brasil, como uma forma de contribuir aos estudos sobre a imigração e sobre a própria história da bebida declarada como patrimônio pela UNESCO.
A partir de temas ligados à memória, ao testemunho, identidade, resistência e narrativas virtuais, o terceiro bloco agrega a Coreia do Sul, a Palestina e o Estado Islâmico. Camila Regina Oliveira no artigo “Museu, memória, testemunho e a construção do fato: um estudo do caso Seodaemun Prision History Hall, Seul-Coreia do Sul” toma como objeto de análise a exposição permanente desse Museu para tratar das narrativas, memórias e testemunhos sobre a colonização japonesa no país e, sobretudo, para problematizar a questão da construção da identidade cultural sul-coreana, bem como a concepção de uma consciência nacional.
É na perspectiva do debate sobre projeto nacional, identidade, resistência que Carolina Ferreira de Figueiredo desenvolve seu texto “O local e o global em charges: expressões de um artista palestino em Haifa nas décadas de 1970 e 1980”, analisando a obra de Abed Abdi, publicada no periódico comunista Al-Ittihad, baseado na cidade de Haifa. Usando a arte como expressão de um ativismo político, as charges abordam temas relacionados ao imperialismo, colonialismo, intervencionismo e invasões que ainda permanecem em terras palestinas, sem perder de vista as questões locais (o conflito) e as globais (a “grande” política).
De outra perspectiva, Gilvan Figueiredo Gomes em “Califado Virtual: a Hisbah como ferramenta de construção de um Estado Islâmico em Dabiq (2014-2016)” utiliza como fonte de pesquisa as narrativas veiculadas pela revista do grupo jihadista para analisar a ação midiática, os ambientes digitais e as redes sociais como meio de expressão de organizações políticas dessa natureza. Além disso, o autor problematiza os conceitos de Califado tanto do ponto de vista da disputa e da legitimidade do poder, como do ponto de vista Virtual não apenas vinculado ao digital, mas também na eminência do vir a ser, da possibilidade que se concretiza como fato.
Finalmente, o quarto bloco concentra os textos que partem das questões acerca do Orientalismo, tendo como referencial teórico a obra homônima de Edward Said. Paula Carolina de Andrade Carvalho, em seu artigo “Orientalizar-se: as representações dos ‘orientais’ em Personal Narrative of a Pilgrimage to Al-Madinah & Meccah, de Richard Francis Burton (1855-56)”, faz uma análise sobre as generalizações dos “orientais” feitas pelo explorador britânico, que criou o disfarce de Shaykh Abdullah para realizar o ritual sagrado do hajj permitido apenas aos muçulmanos. Ainda que Burton nunca tenha deixado de seguir a cartilha do discurso do orientalismo, a autora aponta que as representações dos “orientais” do autor estão pautadas muito mais pelas ambiguidades e pelos paradoxos.
No artigo “O Orientalismo como prática discursiva hegemônica no auge da expansão europeia”, Lucas Pereira Arruda realiza uma revisão bibliográfica de obras inglesas de diferentes naturezas para compreender como os agentes coloniais tratavam os povos nativos das colônias inglesas no final do século XIX, centrando sua análise em Joseph Conrad e Rudyard Kipling para falar do papel do romance na construção discursiva do outro. J
á em “Discursos Orientalistas sobre a dança: o caso de Almée, na egyptian dancer, de Gunnar Berndtson” de Nina Ingrid Paschoal, uma fonte pictórica é analisada para problematizar a pintura dita orientalista e seu papel na popularização da dança de mulheres orientais eternizada no Ocidente como “dança do ventre”. Entre fantasia e realidade, tais imagens contribuíram para uma construção sobre o Oriente atrelada aos movimentos de colonização, ainda repercutindo na forma de representação dessas mulheres. Por fim, Rafael dos Santos Pires, em seu artigo “O mito do Egito Eterno: desenvolvimento acadêmico, impactos políticos”, parte da associação entre orientalismo, mitos e elementos discursivos para compreender os impactos dos usos do passado no mundo contemporâneo do Egito, na constituição do próprio Estado egípcio e na forma de imaginar e escrever esse passado.
A escolha desses textos para encerrar o dossiê não foi fortuita. A proposta desse dossiê foi elaborada considerando alguns marcos fundamentais do debate que ora se discute: os 40 anos da primeira edição de Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, os 30 anos da primeira edição brasileira e os 15 anos da morte de Edward Said. A obra do escritor de origem palestina tornou-se um marco fundamental nos diversos campos das humanidades, frente aos estudos que levariam o Oriente Médio e, consequentemente, a história da Ásia para um patamar que nas últimas décadas ampliouse em problematizações que inauguraram os estudos pós-coloniais. Outrossim, as inovações e as perspectivas teórico-metodológicas apontaram para revisionismos sobre leituras, interpretações e práticas interdisciplinares referentes ao sujeito histórico “oriental”, ao mundo islâmico, às sociedades do sul e do sudeste asiático, além do chamado “Extremo Oriente”.
Mas afinal, de qual Oriente e de qual Ásia estamos falando? Na perspectiva saidiana, o Oriente foi compreendido no Ocidente como algo imaginário, distante, misterioso e exótico, mas o que essas pesquisas têm demonstrado é a necessidade de compreensão e apreensão da História da Ásia a partir de um ponto de vista que supere as dicotomias oriental-ocidental e que faça prevalecer um olhar conectado entre passado e presente, entre o local e o global, entre o real e o virtual, entre assimilação e resistência. Não uma história do Oriente em oposição a uma história do Ocidente. Não uma História da Ásia em oposição a uma História da Europa. O que se buscou nesse dossiê foi analisar essas Histórias Conectadas, parafraseando Sanjay Subrahmanyam.
Por fim, nas entrevistas das professoras Mônica Muniz de Souza Simas e Marilia Vieira Soares apresentam-se alguns dos resultados e tendências dos estudos orientais e asiáticos no Brasil, no campo da Literatura e das Artes Cênicas, realizados em diferentes laboratórios e instituições, como relevantes contributos em seus diálogos interdisciplinares com a História da Ásia.
Gostaríamos de agradecer aos diversos autores que submeteram seus trabalhos para nossa avaliação, aos pareceristas de diferentes áreas de conhecimento que reforçaram essas conexões, e aos editores da Revista que acolheram essa proposta, bem como tornaram todo esse trabalho possível.
Boa leitura!
Samira Adel Osman – Professora Doutora (UNIFESP)
Jorge Lúzio Matos Silva – Professor Doutor (UNIFESP)
OSMAN, Samira Adel; SILVA, Jorge Lúzio Matos. Apresentação. Faces da História, Assis, v.6, n.2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]
Educação em rede: construindo uma ecologia para a cultura digital | EmRede – Revista de Educação a Distância | 2019
Durante as apresentações de trabalhos no XV Congresso Brasileiro de Ensino Superior a Distância (ESUD) e o IV Congresso Internacional de Educação Superior a Distância (CIESUD), promovidos pela Associação Universidade em Rede (UniRede) e realizados no período de 20 a 23 de novembro de 2018, em Natal, Rio Grande do Norte, os participantes foram convidados a submeter seus artigos e relatos de experiência na revista EmRede, bem como foi realizada ampla divulgação para contemplar aqueles que também pesquisam sobre os temas abordados na revista.
Pierre Levy apresenta a ecologia como o estudo da “relação entre o pensamento individual, as instituições sociais e as tecnologias da comunicação” (LEVY, 1993, p. 133) e considera a “… cognição como resultado de redes complexas onde interagem um grande número de atores humanos, biológicos e técnicos” (Idem, p. 135). Giraffa e Nunes (2003, p. 31) trazem a ideia da ecologia digital que considera a rede como um sistema subsunçor, capaz de produzir conhecimento a partir de novas informações que são ligadas a uma estrutura de conhecimentos anteriores. Buscando integrar esses conceitos, o Comitê Científico do ESUD 2018 propôs o tema do congresso como a Educação em rede: construindo uma ecologia para a cultura digital. Assim, os trabalhos ali apresentados trouxeram a visão dos pesquisadores sobre todas essas possibilidades na educação a distância, em rede e via internet, bem como seus reflexos no ensino presencial. Leia Mais
Ensino Híbrido ou Blended Learning | EmRede – Revista de Educação a Distância | 2019
O saber instituído e aplicado nas ações de difusão do conhecimento nas mais diversas áreas da atuação humana remete a uma apropriação de categorias analíticas e conceituais que são demandadas pelo ato de inovar, inerente aos processos criativos e de produção. Dessa maneira, o ator social imerso nesses processos potencializa a dinâmica formativa, e a tendência de incorporar em sua malha de conhecimentos formais e a adequação espaço-temporal de sua atuação corrobora com a busca de caminhos metodológicos que possibilitem a convergência entre a necessidade de atualização e o atendimento das demandas contemporâneas.
O avanço constante e acelerado das possibilidades tecnológicas de comunicação e difusão a distância vem alterando – substancialmente – as formas de vivência coletiva com a incorporação gradual do uso das Tecnologias Digitais em Rede nos diversos campos da organização social. A realidade – cada vez mais comum na sociedade contemporânea – da convergência de ações em presencialidade física e ações com mediação tecnológica – Ensino Híbrido ou Blended Learning – impõe ao campo educacional a problematização teórica, a investigação dos artefatos computacionais e o desvendamento metodológico inerentes a essas práticas convergentes no campo formativo e da construção do conhecimento. Leia Mais
Múltiplas Vozes na formação de professores de História: experiências Brasil-Argentina – GIL; MASSONE (CA-HE)
GIL, Carmem Zeli de Vargas; MASSONE, Marisa Raquel (org.). Múltiplas Vozes na formação de professores de História: experiências Brasil-Argentina. Porto Alegre: EST Edições, 2018. 280 p. Resenha de: MUNIZ, Manuel. Clío & Asociados. La historia enseñada. La Plata, v.28, p.150-152, Enero-Junio 2019.
En la pieza musical del compositor Arvo Pärt (1935) Spiegel Im Spiegel (Espejo en el espejo) se combinan entre el piano y violín una voz melódica con una voz tintineante. El efecto sonoro de espejos reflejándose entre sí es homologable al que sugiere la lectura de Múltiplas Vozes, libro compilado por Carmem Zeli de Vargas Gil y Marisa Massone, que realiza un valiosísimo aporte en torno al conocimiento de las prácticas y saberes docentes en la formación inicial de profesores de historia en Brasil y Argentina. Tras la presentación de Margarida Dias de Oliveira, los artículos están organizados en cinco secciones en las cuales se abordan: aspectos generales de la formación inicial en los dos países, las voces de profesores orientadores (o tutores), las de profesores co-formadores, las de profesores y practicantes y, finalmente, un capítulo escrito por las compiladoras en el que entrelazan los anteriores textos. Los trabajos están escritos en español o en portugués, dependiendo de cada autor/a, lo cual deriva en que los matices de cada lengua permiten asir las similitudes y diferencias de las experiencias de ambos países. Los que escriben son investigadores, docentes e incluso estudiantes por lo cual hay una primera conclusión: el enunciado de múltiples voces en el título no podría ser más preciso.
Son, en efecto, voces que resuenan en contextos que se espejan entre sí. Uno de los componentes significativos de esta publicación es que pone el foco en las variadas figuraciones que se gestan en la formación inicial de profesores de historia. Así, por caso, los artículos de Pacievich y de Cuesta realizan un recorrido por las investigaciones y por las normativas que regulan la formación de profesores en general y en historia en particular en ambos países. Luego de leer estos capítulos se atisba que probablemente aquel campo de indagación se halla en estadios disímiles, tomando en cuenta la cantidad de tesis escritas sobre estos temas en Brasil.
Una de las marcas de Múltiplas Vozes es la presencia de la primera persona, del testimonio, la autobiografía, la memoria escolar, entre otras formas de lo que podríamos nominar como un tipo de escritura del yo para la reconstrucción de lo que implica la formación de profesores de historia. No es casual, pues, que palabras y expresiones como “experiencia”, “memoria”, “en primera persona” aparezcan en varios de los títulos de los artículos. Esta característica cruza la segunda sección del libro, compuesta por escritos de docentes e investigadores de la Universidad de Buenos Aires, la Universidad de General Sarmiento, la Universidade Federal do Rio Grande do Sul y la Universidade Federal de Santa Catarina. En este carácter narrativo creemos que radica uno de los pactos de lectura propuestos, esto es, la coexistencia de elementos del rigor académico con relatos en primera persona sin los cuales sería muy difícil captar los indicios de lo cotidiano de la formación de profesores de historia, en particular en la instancia de las prácticas. Esto se evidencia en los trabajos de María Paula González, Gabriela Carnevale y Marisa Massone, quienes ordenan narrativamente el recorrido que un estudiante en tránsito a ser profesor debe atravesar. Un aporte al conocimiento de estos procesos radica en el uso que proponen los tres textos de nociones como “espacios de frontera”, “rito de iniciación”, o “talleres”, que en suma permiten acercarse al problema desde una idea experiencial.
Dos interrogantes esenciales de toda práctica o residencia recorren el libro: para qué enseñar historia y qué historia enseñar. El artículo de Nilton Mullet Pereira y Fernando Seffner reconstruye lo que implica enseñar historia (o enseñar a enseñar historia) en el Brasil de Escola Sem Partido y la sospecha constante sobre lo que transmiten los profesores, situaciones indeseables que para el docente argentino parecerían estar por ahora en ciernes. Como sea, este problema sobre qué historia enseñar se cristaliza asimismo en el trabajo firmado por Carla Beatriz Meinerz, Tanise Baptista de Medeiros e Valeska Garbinatto donde la cuestión se entronca con los saberes y experiencias que traen los jóvenes, tal es su relato del uso del rap para abordar la Dictadura Cívico-Militar brasileña.
Llegamos aquí a otro de los tópicos que atraviesan la edición, esto es, las relaciones entre la historia investigada y la historia enseñada. Una de las grandes tomas de posición de todo el libro es que la historia que se enseña en las escuelas -y que enseñan los practicantes/residentes- es una historia que, en el marco de la cultura escolar, crea y recrea saberes disciplinares, saberes pedagógicos y del oficio, con cruces con las culturas juveniles de ambos países y con los diversos niveles contextuales en los que se sitúa la enseñanza. A nuestro entender, una de las apuestas subyacentes de varios de los artículos es que el momento de la escritura de la enseñanza es aquel en el cual los estudiantes en tránsito a ser profesores tensionan al máximo esa relación entre historia académica e historia enseñada, o sea, la situación en la cual la anticipación sobre aquello que van a enseñar en el lugar en el cual les tocará actuar demuestra la (afortunada) imposibilidad de pensar en una transposición fiel de lo que investigan los historiadores. Es sumamente estimulante leer las similitudes y también disonancias en las características de lo que se propone a los practicantes que escriban: por ejemplo, los trabajos de Mónica Martins Silva son los el uso de los diarios de aula o el de Bruno Chepp da Rosa y Carmem Zeli de Vargas Gil con el intercambio de correos electrónicos, o en los trabajos de González, de Carnevale y de Massone con el análisis de las peculiaridades de la planificación como tipo de escritura. Otro ejemplo de cómo la historia escolar dialoga de modo no jerarquizado con la historia académica y construye nuevos saberes: el trabajo de Edison Luiz Saturnino relata la experiencia de un residente que, motivado por la lectura del libro de Alain Corbin O territorio do vazio: a praia e o imaginário ocidental, abordó con sus estudiantes de primer año de la escuela media la pregunta de los múltiples significados y usos del mar a lo largo de la historia. Los jóvenes, en una de las propuestas didácticas del practicante, comenzaron a realizar entrevistas a pobladores de la zona sobre cómo ellos concebían los diferentes usos del litoral marítimo, en un significativo ejercicio de historia local.
La visibilización de actores que parecerían ocluidos en la formación docente resulta otro de los logros del libro. En esta clave, el trabajo de Gisela Andrade reconstruye el rol de co-formador de aquellos profesores de escuela media que reciben a los estudiantes en sus cursos en el momento de las prácticas. Similar registro se denota en el estudio de Bruno Chepp da Rosa e Carmem Zeli de Vargas Gil, en el cual se relatan experiencias de residencias en espacios museísticos. Estos textos iluminan los modos en los cuales las prácticas se enmarcan, pues, en una red compleja con actores cuyas funciones son sustancialmente relevantes. Andrade resalta el lugar del docente co-formador como aquel que se convierte en un referente del practicante para interpretar el mundo simbólico y material de la cultura escolar, mientras que el segundo trabajo ilustra las articulaciones de los estudiantes con museólogos, archivistas y curadores que coadyuvan a la elaboración de una propuesta de enseñanza.
En la sección final se recuperan las voces de profesores y estudiantes en tránsito a ser profesores, particularmente en los escritos de Iván Greppi Seveso, Bruna Emrim Krob, María Ximena González Iglesias, Guido Ondarts y Tamiris Serafim Matos. Algunos reconstruyen experiencias de prácticas docentes que parecerían más bien excepcionales, como la de Greppi Seveso en el Centro Educacional de Nivel Secundario en el Complejo Penitenciario Federal de la Ciudad de Buenos Aires o bien la de Ondarts en una escuela en el delta del Paraná. En ambos casos, nuevamente, se evidencia cómo los contextos en los cuales estos estudiantes actuaron desestructuran notablemente la relación entre la historia investigada (o en este caso, aprehendida en la Universidad) con la historia enseñada. Los relatos sobre qué enseñar acerca del Neolítico a los estudiantes del CENS del susodicho Penal, o bien sobre cómo establecer un recorte para abordar la Revolución Mexicana con jóvenes que viven en las islas del delta muestran el carácter intelectualmente activo del diseño de propuestas de enseñanza. Como una especie de loop el lector nuevamente se encuentra con las preguntas acerca de qué historia enseñar y para qué, interrogantes que sólo se responden contextualmente. En este rumbo, los trabajos de Tamiris Serafim de Matos y de Bruna Emerim Krob enfocan aspectos del currículum como la presencia de temas de la historia de África en Brasil o las tensiones raciales que se ponen en evidencia en el aula entre profesores y estudiantes.
En síntesis el libro logra lo que se propone: dar cuenta de una multiplicidad de voces, actores, temas, dificultades y certezas de la formación de profesores de historia en ambos países,. Son investigaciones sumamente significativas pero con aristas aún por iluminar. El carácter narrativo que lo recorre abre la expectativa de alcanzar en futuras pesquisas proposiciones teóricas para construir novedosas formas de pensar la práctica docente y la formación de profesores de historia. Sería, acaso, un giro para recorrer como en una escala musical también otras experiencias de una América Latina de presente tan lacerante.
Manuel Muñiz – Universidad de Buenos Aires. E-mail: manuelmmuniz@hotmail.com
La enseñanza de la historia en el siglo XXI. Saberes y prácticas – GONZÁLEZ (AC-HE)
GONZÁLEZ, María Paula. La enseñanza de la historia en el siglo XXI. Saberes y prácticas. Los Polvorines: UNGS, 2018. 157 p. Resenha de: AGUIRRE, Mariela Coudannes. Clío & Asociados. La historia enseñada. La Plata, v.28, Enero-Junio 2019.
El reciente trabajo de la autora propone un recorrido orientado por la hipótesis de que la enseñanza de la historia en el nivel secundario a inicios del siglo XXI muestra “un panorama de transformaciones en sus objetivos, contenidos, actividades y materiales” y que las mismas puedan ser interpretadas “como mixturas e hibridaciones, con permanencias en lo que se renueva y mutaciones en lo que perdura” (p. 9), en un marco de cambios políticos, sociales, culturales más amplios.
Expone los resultados de una exploración realizada a partir de instrumentos diversos (observaciones, encuestas, entrevistas), la recolección/ construcción de múltiples fuentes documentales (normativas, estadísticas, programas de docentes, carpetas de estudiantes, publicaciones, páginas web, etc.), el análisis riguroso de las mismas y la triangulación permanente. Si bien el título de la obra es amplio ya que no alude a coordenadas espaciales y temporales concretas del estudio, en la Introducción se precisa que estuvo acotado a la Región IX de la provincia de Buenos Aires y que algunas de sus acciones se remontan al menos al año 2011 a partir de un proyecto desarrollado bajo la dirección de González en la Universidad Nacional de General Sarmiento1. Se aclara también que la producción desenvuelve ejemplos seleccionados de distintos tipos de escuelas bajo el criterio de ofrecer potencial para la reflexión y de contraste entre los saberes y las prácticas, las representaciones de los y las docentes, y lo que sucede cotidianamente en el ámbito escolar, entre otros aspectos.
En el primer capítulo La enseñanza de la historia en la cultura escolar, la autora ofrece “una interpretación posible de la enseñanza de la historia a partir de la consideración de la cultura escolar y las disciplinas escolares”. En el segundo, Sentidos y contenidos en la enseñanza de la historia, analiza los cambios en el canon disciplinar “que va de lo nacionalista y memorístico a lo democrático y crítico, así como del pasado lejano al cercano”. En el tercero Actividades y materiales en la enseñanza de la historia, señala “las tareas que se practican en el cotidiano escolar a partir de variados lenguajes y soportes, con sus disímiles apropiaciones”. En cada una de sus partes se percibe una visión que complejiza la realidad educativa, con el objetivo de recuperar prácticas invisibles y la riqueza de lo particular. Asimismo la mirada de larga duración le ha posibilitado “percibir permanencias y cambios que de otra manera sería imposible” (p. 20).
Finalmente, el capítulo Una enseñanza de la historia en movimiento expone unas conclusiones que animan a continuar la problematización de las afirmaciones más comunes, aquellas que traducen la creencia de que “nada cambia”, enfatizando las aristas más rígidas del sistema, o las que expresan que “todo ha cambiado”… pero para peor. Por el contrario, este tipo de trabajo apuesta a mostrar los matices y las contradicciones que se pueden observar en la conjunción de “lo dominante, lo emergente y reemergente, lo latente, lo residual y lo perenne” (p. 131).
Notas
1 La UNGS permite la descarga gratuita de la obra aquí reseñada. La versión completa está disponible en https://ediciones.ungs.edu.ar/libro/la-ensenanza-de-la-historia-en-el-siglo-xxi-2/
Mariela Coudannes Aguirre – Universidad Nacional del Litoral. E-mail: macoudan@fhuc.unl.edu.ar
Diversidade Cultural e Religiosa no Contexto da Amazônia / Revista Brasileira de História das Religiões / 2019
Falar da Região Norte é falar de um universo desconhecido para o restante do Brasil. Apesar da produção cientifica em expansão, ainda carecemos de literatura consistente para entender o universo religioso que o contexto amazônico possui – contexto este marcado pelo diversidade religiosa e cultural. Percebemos a presença expressiva de grupos evangélicos pentecostais e neopentecostais em crescimento, liderados pela Igreja Assembleia de Deus (AD), Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ), percebemos um catolicismo em declínio do quantitativo de adeptos, mas ainda muito engajada em questões sociais (a presença da teologia da libertação entre os leigos e padres é significativa). Porém é a influência da cultura indígena e africana que podemos dizer ser algo singular da Amazonia. Ribeirinhos, quilombolas, povos tradicionais, população negra e a população como um todo recorre a práticas de cura vindas da pajelança, usos de ervas, bebidas, danças, águas, sacrifícios visando obter suas curas físicas ou emocionais. Enfim, falar desta região é falar de um mundo desconhecido. Cabe às universidade tentar interpretar este universo à parte.
Neste contexto, esta chamada temática tem por finalidade trazer textos que explorem este universo singular chamado Amazonia. Para tanto trazemos três trabalhos que dialogam entre si e tentam diagnosticar esta pluralidade cultural e religiosa. Temos o trabalho da Profa. Maria da Conceição Silva Cordeiro e do Prof. Marcos Vinicius de Freitas Reis intitulado “‘Oficio de Curar’: querências do destino, intervenção do sagrado”, que discute a questão da busca pela cura pelos povos da Amazonia nas mais variadas expressões religiosas. Temos os trabalhos intitulados “A comunidade de Santa Luzia no Arquipélago do Marajó: vivências e práticas religiosas”, de Sônia Maria Pereira do Amaral e Elivaldo Serrão Custódio, e “Um estudo das relações sociopolíticas e religiosa entre Ribeirinhos”, de autoria de Liliane Costa de Oliveira e Marilina Conceição Oliveira Bessa Serra Pinto. Ambos os textos buscam entender a identidade religiosa de suas localidades e como ocorrem as relações de poder.
O presente volume foi organizado pelos professores Sérgio Junqueira, um dos maiores especialistas no debate do tema Ensino religioso e incentivador e organizador de trabalhos que pensam a Amazonia na atualidade, e pelo Prof. Marcos Vinicius de Freitas Reis, atualmente vinculado a Universidade Federal do Amapá, coordenando o grupo de pesquisa CEPRES – Centro de Estudos Politicos, Religião e Sociedade.
O volume traz ainda artigos livres que versam sobre temas e contextos variados, aprofundando temáticas e indicando a proficuidade dos estudos sobres as religiões e as religiosidades.
Desejamos a todos uma boa leitura!
Marcos Vinicius de Freitas Reis
Sérgio Junqueira
REIS, Marcos Vinicius de Freitas; JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.11, n.33, jan. / abr. 2019. Acessar publicação original [DR]
Mulheres, Gênero, Sertanidades / Sæculum / 2019
AbeÁfrica. Rio de Janeiro, v.3, n.3, 2019.
Expediente
- Expediente
- Júlio Cesar Machado de Paula
Apresentação
- Moçambique na globalização: oportunidades, riscos e desafios
- Frédéric Monié, José Júlio Junior Guambé
Dossiê
- A inserção de Moçambique na globalização: riscos, desafios e dinâmicas territoriais
- Frédéric Monié
- Turismo em Moçambique: Oportunidades, desafios e Riscos
- Jose Juliao Da Silva
- Efeitos da Pandemia de Covid19 sobre o turismo na África subsaariana e em Moçambique
- José Júlio Júnior Guambe
- Dinâmicas de produção do espaço urbano na perspectiva da informalidade e pobreza urbanas
- Luiz Adriano Guevane
- Globalização e transformação dos espaços urbanos periféricos em Moçambique
- Joaquim Miranda Maloa
- Avaliação da vulnerabilidade costeira na costa Moçambicana: Índice de Vulnerabilidade Costeira simplificado
- Teodósio das Neves Milisse Nzualo, Vanilza Flora Silvestre
- Novos sentidos da circulação em Moçambique: a produção para exportação nos anos 2010
- Antonio Gomes de Jesus Neto
- Os direitos sobre os territórios: ‘comunidades locais’ e os projetos de desenvolvimento em Moçambique
- Albino José Eusébio
- Mineração e reestruturação espacial em Moatize (Moçambique)
- Frédéric Monié, Maria Daniele Carvalho
- Por um Estado de Emergência com Justiça Social, Ambiental, Económica e de Género: propostas da sociedade civil Moçambicana, face à pandemia do COVID-19
Texto Coletivo
Artigos
- Rompendo silêncios: aportes historiográficos sobre resistências femininas na União Sul-Africana
- Nubia Aguilar
- O Comércio Atlântico de Couro na Senegâmbia: 1580-1700
- Felipe Silveira de Oliveira Malacco
- Entrelaces de Memórias Africanas: entre o Real e a Ficção
- Angela Guida, Betinha Yadira Bidemi
- Os modos de expressão do feminino em Mia Couto
- Cláudia Barbosa de Medeiros
Resenhas
- A “Arte Makonde” como possibilidade de narrativa histórica
- Fernanda Bianca Gonçalves Gallo
- Entrevistas
- A revolução moçambicana pelas lentes do filme “25” (1976-77) Entrevista com o diretor Celso Luccas
- Fernanda Bianca Gonçalves Gallo
Traduções
- Africanidade: uma ontologia combativa
- Archibald Monwabisi Mafeje, Paulo Ricardo Müller
- Sobre a tradução de Africanidade: uma ontologia combativa
- Paulo Ricardo Müller
Capa
- Fotografia da capa
- Frédèric Monié
AbeÁfrica. Rio de Janeiro, v.2, n.2, 2019.
Expediente
- Expediente
- Washington Santos Nascimento
Apresentação
- Os estudos africanos: entre conceitos e caminhos
- Fernanda do Nascimento Thomaz, Washington Santos Nascimento
Artigos
- Pesquisando a História da Luta Armada em Moçambique: o Contexto dos Desafios Atuais da Comunicação Científica
- Colin Darch
- Entre a “civilização” e a “cultura”: narrativas sobre a nação em Cabo Verde
- Juliana Braz Dias
- Elementos para a compreensão de Línguas Crioulas e Pidgins: conceitos e hipóteses
- Ulisdete Rodrigues de Souza
- Conheci, ouvi e vi: narrativas de uma testemunha ocular da Guerra Civil em Angola (1983-1986)
- José Bento Rosa da Silva
- Os últimos momentos do colonialismo em Angola: partir ou ficar?
- Marilda dos Santos Monteiro das Flores
- Entre a sátira e o realismo socialista: O ano da independência de Angola na ficção de Manuel Rui
- Luiz Maria Veiga
- Escrita, Poder e Utopia em Pepetela
- Carolina Bezerra Machado
- Ativismo crítico pós-colonial: Raça, Genocídio e Reparação
- Tereza Ventura
Resenhas
- Crônica de uma economia política do poder em Angola do pós-guerra?
- Gilson Lazaro
- Jinga de Angola: A rainha guerreira da África
- Rogéria Cristina Alves
- Jogos de Memória: narrativas historiográficas sobre a Guerra Colonial na África e em Portugal
- Fabiano Quadros Rückert
Capa
- Mulheres nas ruas de Nampula, Moçambique
- Fernanda do Nascimento Thomaz
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n.26, 2019.
PALAVRA DOS EDITORES
- Nelson de Castro Senra
- João Carlos Nara Júnior
ARTIGOS
- SÉRGIO PORTO, UM CRONISTA DO RIO
- Cláudia Mesquita
- MARIA GRAHAM, UMA ESCRITA AUTOBIOGRÁFICA, COM REGISTROS DAS TURBULÊNCIAS DO BRASIL INDEPENDENTE
- Denise G. Porto
- CONTRIBUIÇÃO À HISTORIOGRAFIA DE RESENDE: SOBRE O SEGUNDO VIGÁRIO DO CAMPO ALEGRE DA PARAÍBA NOVA
- Marcos Cotrim de Barcellos PETRÓPOLIS NAS COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE D. PEDRO II (1825-1925)
- Maria de Fátima Moraes Argon
- CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTATÍSTICA (QUITANDINHA, PETRÓPOLIS, 1955): A CONSAGRAÇÃO DE TEIXEIRA DE FREITAS
- Nelson de Castro Senra
- A MAIS CARIOCA DAS RUAS DO RIO
- Neusa Fernandes
- A CULTURA DO CAFÉ NO RIO DE JANEIRO: INTRODUÇÃO E EXPANSÃO PELO VALE DO PARAÍBA FLUMINENSE NOS SÉCULOS XVIII E XIX
- Claudia Braga Gaspar CRIADORES DE CONHECIMENTO MILENAR: ARQUITETOS, ENGENHEIROS, CARTÓGRAFOS E TÉCNICOS DA CONSTRUÇÃO
- Nireu Cavalcanti
- MÚSICA NO RIO DE JANEIRO SETECENTISTA: A MODINHA, O LUNDU E A INVENÇÃO DO CHORO
- Paulo Henrique Loureiro de Sá
- ARTIGOS VENCEDORES DO CONCURSO HISTÓRIAS DO RIO
- CAMPO DE SANTANA, HISTÓRIAS E O TRIUNFO DA MEMÓRIA
- Lenna Carolina da Silva Solé Vernin
- RIO, 1968: MEMÓRIAS DA GUANABARA REBELDE
- Mathews Nunes Mathias
- ESBOÇO TEMÁTICO
- ANTIGOS CARTÕES-POSTAIS, COMO AUXILIARES DA HISTÓRIA
- Carlos Wehrs Cláudio Marinho Falcão
- RESENHAS DE LIVROS
- PARA SE CONHECER A HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO
- Adelto Gonçalves
- DISCURSOS E SAUDAÇÕES
- DISCURSO DE APRESENTAÇÃO DA SÓCIA EFETIVA MARIETTINHA MONTEIRO LEÃO DE AQUINO E DO SÓCIO CORRESPONDENTE MARCELO MIRANDA GUIMARÃES
- Lená Medeiros de Menezes
- O IMPERADOR E A CONDESSA – EXEMPLOS BRASILEIROS
- Cinara Jorge
QUADRO SOCIAL QUADRO SOCIAL
Intolerâncias, preconceitos e racismos na Era Moderna: entre permanências e rupturas / Ofícios de Clio / 2019
No Brasil atual, o tempo inteiro somos bombardeados com notícias que chocam o nosso dia a dia. Algumas, em particular, embora chamem pouca atenção da população geral, são questões improteláveis no debate civil e apontam um problema crítico, que reflete a permanência da indiferença que os expedientes raciais tiveram na construção da sociedade brasileira na longa duração: os ataques às religiões de matriz africana. De acordo com um levantamento feito pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, as denúncias de violação ao direito de livre profissão dessa fé cresceram quase cinquenta por cento, se comparado ao ano de 2018. As queixas se referem principalmente a depredação dos locais de culto, invasões e incêndios criminosos. Ainda, o debate público, acirrado principalmente nas redes sociais, traz à tona o completo desconhecimento cultural da herança africana, colaborando com a manutenção de preconceitos e com o esvaziamento da luta pela igualdade de crenças. É sabido que nos termos jurídicos vigentes, a liberdade de credo é constitucionalmente assegurada, mas no campo empírico, observa-se uma contínua marginalização da cultura africana, afrontada constantemente pela violência física e simbólica de seus espaços. Com as instituições incapazes de responder na forma da lei para garantir a salvaguarda necessária para que as estatísticas mencionadas acima possam ser modificadas, também nos deparamos com a inaptidão da sociedade civil em aceitar em seu seio a liberdade religiosa e discutir a tolerância em todas as suas formas.
A questão da intolerância em âmbito político, social e cultural não é um problema recente. De fato, a intolerância em âmbito religioso é um forte marcador cultural da sociedade ocidental. Durante a Idade Média, as cruzadas buscavam combater o “infiel” muçulmano e retomar Jerusalém. Na Era Moderna, a intolerância – e também importantes contrapontos de tolerância – foram parte importante da conformação do imaginário e das ações políticas e práticas europeias. A retomada de Castela pelos reis católicos em 1482, e a consequente expulsão de mouros e judeus do território, marcou a guinada da fé como definidor dos expedientes das sociabilidades ibéricas, debutando bulas inquisitoriais para a uniformização religiosa das populações e repreendendo com grande ímpeto o “infiel”, pois o inimigo da fé era também inimigo do Estado. Ainda, a Igreja Católica respondia em Trento por outra parte da sua disputa de narrativa no palco europeu: para estancar a sangria da Reforma iniciada por Lutero, a Igreja decidiu acirrar a vigilância e deliberou ações pautadas na repressão, inclinada ao reforço da autoridade papal e anuindo o funcionamento dos tribunais de consciência em diversos territórios. No íntimo destas querelas, estavam judeus, muçulmanos e, mais tarde, cristãos-novos, grupos que cresceram em constante diáspora e eram colocados sob suspeição tanto em reinos católicos como protestantes. A prática de qualquer fé que não se enquadrasse nos termos de grande parte da cristandade europeia, poderia ser aditada como crime na esfera civil e religiosa.
Essa lógica permeada de intolerância, inclusive, foi a principal justificativa em âmbito moral para a expansão europeia, por vias atlânticas, à África. Nos escritos de Gomes Eanes de Zurara3 , “Crônica do Descobrimento e Conquista da Guiné”, datados de 1453, o autor elencou os cinco principais motivos que levaram o Infante D. Henrique a ir além do Bojador e alcançar a Guiné. Nos interessa, no âmbito deste texto, o terceiro, quarto e quinto motivo:
A terceira razão foi, porque se dizia, que o poderio dos Mouros daquela terra d’África, era muito maior do que se comumente pensava, e que não havia entre eles cristãos, nem outra alguma geração. E porque todo sisudo, por natural prudência, é constrangido a querer saber o poder de seu inimigo, trabalhou-se o dito senhor de o mandar saber, para determinadamente conhecer até onde chegava o poder daqueles infiéis. A quarta razão, porque, de 30 anos que havia que guerreava com os mouros, nunca achou rei cristão, nem senhor de fora desta terra, que por amor do nosso senhor Jesus Cristo o quisesse na dita guerra ajudar. Queria saber se achariam em aquelas partes alguns príncipes cristãos, em que a caridade e amor de Cristo fosse tão esforçada, que o quisessem ajudar contra aqueles inimigos da fé. A quinta razão, foi o grande desejo que havia de acrescentar a santa fé de nosso senhor Jesus Cristo, e trazer a ela todas as almas que se quisessem salvar, conhecendo que todo o mistério da encarnação, morte e paixão de nosso senhor Jesus Cristo, foi obrado a esta fim, por salvação das almas perdidas, as quais o dito senhor queria, por seus trabalhos e despesas, trazer ao verdadeiro caminho. (ZURARA, 1453, p. 45- 47)
Como se percebe, a injunção moral que a Coroa Portuguesa possuía para expandir até a África era o combate ao Islã. Além disso, o acréscimo a “santa fé de nosso Senhor Jesus Cristo” para a “salvação das almas pedidas” não se interessava exatamente pela liberdade dessas pessoas a serem salvas. A redução à escravidão tanto dos “infiéis” quanto “das almas que se quisessem salvar” não era um problema para os europeus.
O aspecto somático também advinha, no imaginário europeu, de um aspecto religioso. Como explícito em inúmeros relatos e crônicas de viagem, pensavam que as pessoas ao sul do Saara eram negras por serem amaldiçoadas, filhas de Cam. Ao longo dos séculos que se seguiram aos primeiros contatos no século XV, esse aspecto somático foi se tornando uma pseudociência, que justificava a inferioridade das pessoas negras perante as pessoas brancas. Baseado em preceitos de eugenia e de darwinismo social, no século XIX o Ocidente tencionou criar uma base “científica” de diferenças de raças humanas. Na humanidade, a raça não existe biologicamente, sendo algo criado socialmente. Essa criação social deu origem a intolerância racista.
A formação histórica brasileira tem relação intrínseca com o quadro apresentado. Para além de uma perseguição religiosa, devemos nos debruçar no significado da constituição social e política da nossa história, cravada em marcadores étnicos categóricos para a definição de sua estrutura, sensível – e inflexível – ao componente africano, relegado primeiramente às condições desumanas da escravidão moderna para depois amuralhar o espaço do afrodescendente, destituído das mais básicas concepções de cidadania e ainda segregado das definições de igualdade jurídica implantadas ao longo dos 120 anos após a abolição. Esses reflexos não podem ser deslindados apenas dentro do âmbito político, mas também social e econômico, que abdicaram do debate sobre o racismo e ignoraram os problemas estruturais em nome de uma percepção positiva da chamada democracia racial, pautada, a exemplo, nos escritos de Gilberto Freyre, e em uma narrativa romantizada das relações na escravidão brasileira. A omissão em amparar os setores que se tornaram vulneráveis postergaram a inserção social do negro na sociedade brasileira.
No campo teórico ocidental das ciências humanas, com implicações diretas na produção historiográfica, essa lógica intolerante e racista prevaleceu no início da Era Contemporânea. No final do século XIX e durante o século XX, existiram correntes que buscavam desnaturalizar essa lógica. Com mais força agora no século XXI, correntes que visam descolonizar o pensamento, como a História Decolonial e a História Pós-colonial buscam construir um pensamento pós-abissal (SANTOS, 2009), em um entendimento epistemológico não apenas a partir da contribuição ocidental ou europeia, mas também em uma perspectiva do chamado sul global.
Os artigos recebidos para esse dossiê retratam estes séculos de história de intolerância religiosa e racial até a construção das contranarrativas em direção a descolonização do pensamento.
O primeiro artigo, “A Tolerantia no século XIII: uma breve revisão bibliográfica sobre as Minorias na Península Ibérica”, de Léo Araújo Lacerda, procurou fazer uma extensa discussão bibliográfica sobre certa tolerância que é atribuída ao reinado de Alfonso X em Castela e Leão (1252-1284). O autor buscou fazer o debate com a historiografia em sua complexidade, pensando os aspectos que poderiam fazer pesar noções de tolerância e de intolerância religiosa entre católicos, sefarditas e mudéjares, concluindo que este momento já era de um relacionamento desigual, que remonta o cristianismo primitivo, mas que desembocou na conversão forçada ou expulsão de mudéjares e sefarditas em 1502.
O segundo artigo chama-se “Robert Johnson e o racismo em Mississipi nas décadas de 1910-1930 no documentário ‘O Diabo na Encruzilhada’”, de Letícia Ferreira Aguiar. O texto inicia com uma importante introdução em que a autora busca explicar os preceitos metodológicos em que procederá sua análise, como a forma de se analisar o documentário como fonte histórica e a noção de racismo. Partindo à análise, a autora discute a biografia de Robert Johnson, homem negro que cresceu em meio a violência da Ku Klux Klan em Mississipi entre 1910 e 1930. Procurou desmitificar Johnson, a partir do contexto sociopolítico da época e considerando que seu legado foi, de certa forma, deturpado pela mentalidade racista da época e entendendo, a partir do exemplo do bluesman, a contribuição da população negra a cultura estadunidense.
O terceiro artigo intitula-se “A representação dos negros na História do Brasil: narrativas de manuais didáticos na construção nacional e identitária brasileira”, de Cristina Ferreira de Assis. Neste trabalho a autora discute a representação dos negros nos manuais didáticos, partindo principalmente da análise dos manuais de autoria de João Ribeiro e Rocha Pombo. A autora faz interessantes considerações metodológicas sobre o uso de livros didáticos como fontes para a pesquisa histórica, percebendo como, no período em análise (1914-1925), as pressões sociais e conflitos políticos em questão tinham por intenção extirpar a presença dos negros na sociedade brasileira. Embora houvessem algumas diferenças nos manuais de João Ribeiro e Rocha Pombo, ambos negligenciam as heranças linguísticas e culturais do continente africano no Brasil.
Por fim, o quarto artigo é “Sobre a história que a história não conta: por contranarrativas epistemológicas”, de Carll Souza e Elisabeth Maria Oliveira dos Santos. Neste trabalho, os autores buscam entender como a subjetividade de mulheres negras são atravessadas por diversas formas de opressão, como o racismo e o sexismo. Para isso, analisam, em um trabalho fartamente referenciado, estudar o caso de três mulheres negras: a historiadora Beatriz Nascimento, a mãe Luísa Oliveira e a estudante Cláudia Maria. Discutem o apagamento histórico da negra na sociedade brasileira e o conceito de epistemícidio para entenderem os impactos da produção intelectual das três mulheres negras inseridas em espaços de produção e promoção de poder.
Neste momento político em que a intolerância religiosa, racial e de gênero alcançou o mais alto nível de representatividade no Governo Federal, a presidência da república, é imperativo aprofundar o debate sobre o seu perigo. Não param de crescer os números sobre a agressão psicológica e física contra as mulheres, sobre o genocídio do povo negro e periférico e, como dito, sobre a intransigência religiosa baseada no fundamentalismo, sobretudo, neopentecostal. Para combater ditas violências é necessário compreendê-las, destrinchar os seus motivos e os seus fundamentos ideológicos, entender os seus mecanismos discursivos e conhecer as suas formas de transmissão e disseminação. Apenas a partir da construção do conhecimento conseguiremos elaborar meios para fazer frente ao obscurantismo e aos discursos de ódio.
Nota
3. Português que foi, entre 1454 e 1475, o Guarda-mor da Torre do Tombo.
Referências
SANTOS, Boaventura Sousa. Para Além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. IN: SANTOS, Boaventura Sousa; MENESES, Maria Paula (orgs.). Epistemologias do Sul Coimbra: Edições Almedina, 2009.
ZURARA, Gomes Eanes. Chronica do Descobrimento e Conquista da Guiné escrita por Mandado de El-Rei D. Affonso V. Paris: J. P. Aillaud, [1453] 1841.
Natália Ribeiro Martins – Doutoranda em história social da cultura pela UFMG.
Felipe Silveira de Oliveira Malacco – Doutorando em história social da cultura pela UFMG.
MARTINS, Natália Ribeiro; MALACCO, Felipe Silveira de Oliveira. Apresentação. Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas -RS, v.4, n. 6, jan./jun., 2019. Acessar publicação original [DR]
Viagens e Espaços Imaginários na Idade Média | Vânia L. Fróes, Edmar C. Freitas, Sinval C. M. Gonçalves, Miriam C. Coser, Raquel A. Pereira, Ana Carla M. Castro
Sempre houve relatos do contínuo deslocamento da humanidade, sejam nos tempos pré-históricos, passando pelas narrativas Homéricas e relatos de Heródoto, chegando até o medievo, onde o homem desse período saía de seu lar com objetivos diversos, desde um monarca para ver suas terras, até o peregrino em expiação aos pecados.
Essa é a tônica do livro Viagens e espaços imaginários na Idade Média, lançado pela Anpuh Rio no anos de 2018, com textos dos membros do Scriptorium Laboratório de Estudos Medievais e Ibéricos, um dos mais antigos, atuantes e prestigiados grupos de pesquisa em estudos medievais do Brasil, com pesquisas que abrangem vários campos da cultura e do conhecimento do medievo, entre eles literatura, política, imaginário, iconografia e música, assuntos abordados nessa produção de 246 páginas, cuja organizadora principal é a Prof. Dra. Vânia Leite Fróes, fundadora do Scriptorium, laboratório que em 2019 completou 32 anos de existência.
O livro reforça a ideia de que o homem medieval se movimentava bastante, quebrando estereótipos de que os medievos possuíam uma vida restrita ao seu lugar de nascimento, pois segundo Jacques Le Goff:
A imagem construída pela historiografia tradicional, de uma Idade Média imóvel em que o camponês está ligado à terra e a maioria dos homens e mulheres à sua pequena pátria, com exceção de alguns monges viajantes e de aventureiros das cruzadas, foi recentemente substituída pela imagem, certamente mais justa, de uma humanidade medieval móvel, frequentemente a caminho, in via, que encarna a definição cristã do homem como viajante, como peregrino, homo viator”.1
Desta forma, o livro organizado por Fróes reforça o pensamento de Le Goff sobre os indivíduos no medievo e a ideia de viagem. Estes possuíam não somente mobilidade física, mas mobilidade em imaginário e representações, onde estes homens projetavam sua caminhada na terra, numa peregrinação que se encerraria ao chegar ao Além.
O livro está dividido em seis partes, todas tratando de diversas concepções de viagem. Na primeira parte, Viagens e o poder régio, vemos a observação do poder real, com suas várias configurações de viagens, sendo essas imaginárias ou reais, como consolidadoras de imagens úteis em captação de aliados.
A publicação tem como início, após a apresentação da Coordenadora e Pesquisadora do Scriptorium Prof. Dra. Vânia Leite Fróes, o relato da viagem feita pelo Infante D. Pedro no texto de Ana Maria S. A. Rodrigues (Centro de História/Universidade de Lisboa) e o percurso deste nobre da terra Santa até sua ascensão ao trono, numa peregrinação para legitimar e dar credibilidade a sua imagem de governante, na disputa pela memória e honra, contra a sua cunhada, D. Leonor de Aragão.
No texto seguinte, de Douglas Mota Xavier de Lima (UFOPA-Santarém/ Vivarium-Scriptorium) mostra um olhar sobre a diplomacia em Portugal do século XV, no reinado de D. Afonso V, além das próprias viagens do rei à Paris visando se encontrar com o rei Luís XI, em busca de apoio contra o reino de Aragão.
Fechando a primeira parte temos o capítulo de Priscila Aquino Silva (Faculdade de São Bento/Unilasalle, Niterói-Scriptorium), tratando da trajetória de D. João II, o Príncipe Perfeito e sua esposa D. Leonor, a construção de sua identidade régia baseada em sua devoção, onde o casal era unido nas peregrinações, mas oposto em suas posições políticas.
A segunda parte Viagens nas representações iconográficas traz uma série de textos com análises de iconografias e suas diversas significações: padrões estéticos, esculturas miraculosas, representações infernais e gravuras sobre martírio e triunfo. As imagens na Idade Média possuem uma função de formação moral e de atestar a presença e ação de Deus. Trabalham com a ligação entre o humano e o divino, pois passam uma mensagem transcendental. Como afirma Jean Claude Schimtt no seu livro O Corpo das Imagens: A imagem medieval se impõe como uma aparição, entra no visível, torna-se sensível. […] Mediadoras, as imagens estavam entre os homens e o divino.2
Abrindo essa sessão, há dois textos de Tereza Renata Silva Rocha (Scriptorium/ UFF). O primeiro analisa a coletânea cristã Legende Dorée, num percurso explicativo sobre as mudanças nos padrões estético e artístico do medievo, além de fazer uma pertinente observação sobre a luta entre bem e mal pela alma humana e tudo o que esse processo envolve, como os pactos diabólicos.
No segundo texto, a autora traz uma avaliação sobre o Volto Santo, uma escultura atribuída a Nicodemos, o qual, num percurso miraculoso, aparece na Legende Dorée, na sessão intitulada Festes Nouvelles, que traz vidas de santos e o Volto Santo, que atrai peregrinos e fiéis até os dias atuais.
No capítulo seguinte, de Patrícia Marques de Souza (CHA/UFRJ), temos uma análise da versão em latim da Ars Moriendi (Arte do Bem Morrer), e suas gravuras, que tratam da morte, mas também de anjos, santos e da Virgem Maria. A autora também mostra uma observação pormenorizada da representação da Boca do Leviatã como porta do inferno e suas diversas interpretações no medievo.
Ao fim dessa segunda parte, temos o texto de Vinícius de Freitas Morais (CHA/UFRJ/Scriptorium), tecendo uma análise sobre o beato Simão de Trento, nos diversos relatos escritos e imagéticos que tratavam das circunstancias do seu assassinato. As narrativas mencionam que os acontecimentos envolvolveram sequestro, tortura e morte, ocorridos durante a Semana Santa, além de gravuras que retratavam seu martírio e triunfo.
A parte três tem o título Viagens e Peregrinações, remetendo às falas de Jérôme Baschet: “Toda peregrinação é na Idade Média, uma aventura, um risco; se o destino é longínquo, as pessoas redigem o seu testamento antes da partida ou, ao menos, tomam o cuidado de pôr em ordem os seus negócios, como se a viagem fosse sem volta” 3 , mostrando um amplo panorama de deslocamentos expressos nas cantigas, em tradições familiares e as movimentações de uma rainha que foi consorte em duas coroas.
O primeiro texto desta sessão, escrito por Lenora Mendes (Conjunto de Música Antiga da UFF/Scriptorium), traz um a visão acerca das devoções e peregrinações expressas nas cantigas medievais e traça a rota dos principais lugares de peregrinação, especialmente em direção à Santiago de Compostela, significativamente citado nas cantigas de Santa Maria.
O escrito seguinte, de Tomás de Almeida Pessoa (Scriptorium/UFF), relata a tradição da família de Gregório de Tours em empreender peregrinações anuais a Brioude, local onde repousava o corpo decapitado de São Juliano. No texto vê-se que o itinerário da peregrinação era usado como uma jornada na terra para chegar a Deus.
O terceiro texto dessa parte é de autoria de Letícia Simmer (Unirio). Trata de Eleanor de Aquitânia, uma mulher de destaque na França e Inglaterra devido a casamentos com os monarcas dos dois territórios, que vivia em constante movimento desde a Segunda Cruzada, passando pelo território inglês, Jerusalém, Sicília, Navarra, Pisa, Roma, além de muitos territórios da França.
A sessão quatro tem como título Viagens e Escatologias, onde são expressas viagens ao Purgatório, além de como os vivos poderiam ajudar aos mortos nessa jornada, e o percurso de Maomé de Jerusalém ao céu, expresso em traduções Afonsinas.
Essas viagens eram ligadas à salvação e purgação dos pecados, que eram uma preocupação do homem medieval como explica a professora Adriana Zierer no resumo do artigo Paraíso versus Inferno: a Visão de Túndalo e a Viagem Medieval em Busca da Salvação da Alma (séc. XII):
A salvação na Idade Média estava ligada à idéia de viagem. O homem medieval se via como um viajante (homo viator), um caminhante entre dois mundos: a terra efêmera, lugar das tentações e o Paraíso, Reino de Deus e dos seres celestiais. Se o homem conseguisse manter o corpo puro conseguiria a salvação. Se falhasse, sua alma seria condenada, com castigos eternos no Inferno ou provisórios no Purgatório. Era um paradoxo da Idade Média que a alma pudesse ser salva somente pelo corpo, devido à esse sentimento de culpa, proveniente do Pecado Original. Caso o maculasse, sua alma sofreria a danação com castigos eternos no Inferno ou provisórios no Purgatório”. 4
O primeiro texto da parte 4 é de Tereza Renata Silva Rocha (Scriptorium/UFF),onde a autora faz uma exposição sobre o Purgatório de São Patrício na Legenda Áurea, através da jornada de um nobre chamado Nicolau e seu desejo de se penitenciar no Purgatório. Neste contexto, Rocha mostra a construção desse espaço no imaginário medieval ocidental do além, assim como seu destaque deste na Legenda Áurea, sua geografia , igualmente como a descrição do Leviatã e as bocas do Inferno.
Dando sequência, temos o texto de Viviane Azevedo de Jesuz (Cultura Inglesa/ Scriptorium), que traz uma análise sobre as visões da morte na vida cotidiana do homem medieval e qual a participação dos vivos no descanso eterno das almas dos seus. Essa participação era geralmente expressa nos testamentos, nos quais, além de obrigações aos herdeiros, faziam doações e atos de piedade com o intuito de manter a memória do morto para a família e o meio social.
No terceiro texto dessa quarta parte, Leonardo Fontes (Arquivo Nacional/Scriptorium) apresenta o percurso da viagem escatológica de Maomé por diversos lugares. Estes espaços iam de Jerusalém ao céu, expostos nos arquivos da Corte de Afonso X, através de sua Oficina Tradutória, importante scriptorium de confluência entre diferentes culturas, assim como de valorização dos ensinamentos do rei e de seus súditos, a obra, A -MI AJ, que possu a versões latina, castelhana e francesa. Tal obra difundiu o Islã pelo continente europeu e influenciou diversos escritos importantes, como a Divina Comédia.
A quinta parte do livro é intitulada Viagens e materialidade das narrativas: das bibliotecas régias às estalagens. Aqui, as viagens se iniciam na observação das estalagens e mostram que os livros são meios de expressão de viagens, caças e jogos, que suscitam deslocamentos de várias figuras importantes como D. Dinis e o contato com o Preste João.
Esta sessão traz um rico apanhado de informações sobre os livros de viagem. Conforme nos diz Paulo Lopes, professor do Instituto de Estudos Medievais de Portugal (IEM-FCSH-UNL) em seu artigo Os Livros de Viagens Medievais na revista Medievalista (p. 5): “Os livros de viagens oferecem uma visão bastante clara da concepção do mundo e da realidade na Idade Média, ao mesmo tempo que constituem uma fonte incontornável para compreender aspectos muito diversos da cultura medieval”.5
No primeiro artigo da quinta parte, de Beatris dos Santos Gonçalves (IBMEC /CÂNDIDO MENDES/ Scriptorium), há uma análise de como se dava a dinâmica da hospitalidade nas estalagens portuguesas nos séculos XV-XVI. A autora observa as tensões e cotidianos desses abrigos, além do que estas ofereciam e a quem pertenciam, assim como eram concedidos sua autorização de funcionamento, sua lógica de funcionamento e os benefícios advindos da coroa por estarem bem posicionadas.
O segundo artigo, escrito por Carolina Chaves Ferro (UniCarioca/Scriptorium), apresenta uma observação sobre o gênero de literatura de viagem e seus aspectos reais e imaginários. Dos relatos celebres religiosos e suas origens como a Viagem de São Brandão e a Legenda Aurea, assim como as narrativas presentes nas bibliotecas régias como o Livro da Cartuxa de D. Duarte, Marco Polo em latim e a Conquista d’ultramar, um outro ponto recorrente, segundo o texto, é a questão das índias e o Preste João.
O terceiro texto, de Jonathan Mendes Gomes (UEMG-Carangola|Scriptorium), destaca o papel da caça no contexto dos jogos de cavalaria, nos aspectos de espaço e movimento de folgança e também de deslocamento e itinerância régia. Os livros de caça eram aprovados pelos reis e eram usados como mecanismos de instruir ludicamente e promover o bom lazer, além de suscitar o domínio de espaços de privilégios e domesticação do meio natural, que fortaleceria a presença do monarca, no caso, D. João I.
A sexta e última sessão do livro, intitulada, Da magia à contemporaneidade: viagens no tempo e no espaço, que trabalha com a relação entre o medievo e os tempos atuais, fazendo a análise de Merlin e a magia, assim como se configura a visão do medievo, seus conceitos e estudiosos na contemporaneidade, mostrando que esse período tão rico traz ainda hoje aprendizado e relevância, como diz Hilário Franco Jr, no texto Somos Todos Idade Média, de 2008: “Assim, estudar História Medieval é tão legítimo quanto optar por qualquer outro período. (…). Neste sentido, pode ser estimulante mostrar que, mesmo no Brasil, a Idade Média, de certa forma, continua viva”6.
O artigo que inicia a sexta parte, de Átila Augusto Vilar de Almeida (ex-docente da UEPB/Devry João Pessoa e atualmente professor da UFAM/Scriptorium), propõe uma observação acerca de Merlin, suas representações contemporâneas e sua concepção no medievo especialmente nos textos de Robert de Boron, escritos entre os séculos XII e XIII, que tratavam do rei Artur e do Graal. Um Merlin, construído sob uma concepção cristã, embasando seu nascimento e origem de seus poderes mágicos sob a égide do cristianismo.
O artigo de João Batista da Silva Porto Junior (UNESA/UFF) encerra o livro, abordando o interesse do século XXI pelo medievo, e tal afirmativa se torna evidente quando se vê a produção cultural e acadêmica sobre essa temática, que o autor realiza, fazendo um apanhado de estudiosos medievalistas, assim como dos conceitos e suas ressignificações desta época.
Enfim, o livro é uma rica fonte de referências e um importante conjunto de informações sobre as diversas configurações de viagens, em suas varias formas, sendo físicas, ou simbólicas, concretas ou imaginárias, numa visita de nobres e mártires, homens e mulheres, que se aventuraram além das fronteiras, em busca de conhecimento, redenção ou legitimação.
Num contexto onde, cada vez mais, a ressignificação abre novos leques, e a reafirmação de períodos e temas relevantes são resistências contra os interditos do mundo atual, que tentam isolar, e reduzir os horizontes do conhecimento, num percurso que nem no medievo, apesar dos perigos, ameaças nas estradas e salteadores, enfrentou: o risco de cerceamento da liberdade de viajar através do saber e da ciência.
Notas
1. LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2010.p.97
2. Schmitt, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. Tradução de José Rivair Macedo. Bauru, SP: Edusc, 2007, p.16.
3. BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Editora Globo, 2006, p. 351.
4. ZIE E, Adriana. “Para so versus Inferno: A Visão de Túndalo e a Viagem Medieval em Busca da Salvação da Alma (Século XII)”. In: FIDO A, Alexander e PASTOR, Jordi Pardo (coord). Expresar lo Divino: Lenguage, Arte y Mística. Mirabilia. Revista de História Antiga e Medieval. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio/J.W. Goethe-Universität Frankfurt/Universitat Autònoma de Barcelona, v.2, 2003, pp. 137-162. Disponível em: Mirabilia 2 (2002). www.revistamirabilia.com. Acesso em 28 de julho de 2019.
5. LOPES, Paulo. Os Livros de Viagens Medievais. In Medievalista. Lisboa: Ano 2. Nº 2, 2006. p 1-32.
6. FRANCO JÚNIOR, Hilário. Somos todos da Idade Média. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Sabin, ano 3, n. 30, p. 58-60, mar. 2008. Disponível em: http://www.editoradobrasil.com.br/portal_educacional/fundamental2/projeto_apoema/pdf/textos_comple mentares/historia/7_ano/pah7_texto_complementar01.pdf; acesso em 20 de julho de 2019.
Elisângela Coelho Morais – Doutoranda PPGHIS-UFMA/Bolsista Capes. E-mail: elishst@hotmail.com
FRÓES, Vânia Leite; FREITAS, Edmar Checon de; GONÇALVES, Sinval Carlos Mello; COSER, Miriam Cabral; PEREIRA, Raquel Alvitos; CASTRO, Anna Carla Monteiro de. (Org.) Viagens e Espaços Imaginários na Idade Média. Rio de Janeiro: Anpuh-Rio, 2018. Resenha de: MORAIS, Elisângela Coelho. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.19, n.1, p. 275- 282, 2019. Acessar publicação original [DR]
Jinga de Angola/a rainha guerreira da África | Linda Heywood || Além do visível: poder/catolicismo e comércio no Congo e em Angola (séculos XVI e XVII) | Marina de Mello e Souza
É extremamente oportuno quando duas excelentes obras afins e complementares vêm a lume no mercado editorial brasileiro, quase no mesmo ano, o que revela um momento ímpar de historiografia internacionalizada e conectada. Ganha-se nos detalhes e em visão de conjunto. Uma obra de cada vez, porém. Leia Mais
Cadernos Pagu. Campinas, n.55, 2019.
- Engajamentos antropológicos com a prisão: perspectivas de gênero Dossiê Prisões Em Etnografias:perspectivas De Gênero
- Padovani, Natália Corazza; Hasselberg, Ines; Boe, Carolina Sanchez
- Texto: EN PT
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- Na caminhada: “localizações sociais” e o campo das prisões* Dossiê Prisões Em Etnografias:perspectivas De Gênero
- Padovani, Natália Corazza
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- Texto: EN PT
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- Por entre fronteiras e dobras da prisão: traçando cartografias em ethosfeminista Dossiê Prisões Em Etnografias:perspectivas De Gênero
- D’Angelo, Luisa Bertrami; Hernández, Jimena de Garay; Uziel, Anna Paula
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- Texto: EN PT
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- Etnografia em contexto carcerário: explorando potencialidades e limites* Dossiê Prisões Em Etnografias:perspectivas De Gênero
- Frois, Catarina; Osuna, Carmen; Lima, Antónia Pedroso de
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- Enfrentando a diversidade de ambientes carcerários na pesquisa em prisões: lições do meu trabalho de campo com mulheres em três prisões na Espanha Dossiê Prisões Em Etnografias:perspectivas De Gênero
- Ballesteros-Pena, Ana
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- Texto: EN PT
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- Olhando através dos Portões da Prisão: o acesso no campo da etnografia Dossiê Prisões Em Etnografias: Perspectivas De Gênero
- Gaborit, Liv S.
- Resumo: EN PT
- Texto: EN PT
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- Dias e noites em Tamara – prisões e tensões de gênero em conversas com “mulheres de preso” Dossiê Prisões Em Etnografias: Perspectivas De Gênero
- Lago, Natália Bouças do
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- Texto: EN PT
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- Contágios, fronteiras e encontros: articulando analíticas da cisgeneridade por entre tramas etnográficas em investigações sobre prisão Dossiê Prisões Em Etnografias: Perspectivas De Gênero
- Cavalcanti, Céu; Sander, Vanessa
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- Texto: EN PT
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- Gênero e Etnografia: reflexões desde algumas prisões brasileiras Dossiê Prisões Em Etnografias: Perspectivas De Gênero
- Ordóñez-Vargas, Laura
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- A maternidade como resistência à violência de Estado Artigos
- Santiago, Vinicius
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- O protagonismo das mulheres negras no Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo (1983-1988) Artigo
- Silva, Tauana Olivia Gomes; Wolff, Cristina Scheibe
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- As cigarreiras revoltosas e o movimento operário: história da primeira greve feminina do Recife e as representações das mulheres operárias na imprensa Artigo
- Souza, Felipe Azevedo e
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- Dançarinas no “circuito integrado” televisivo: problemas de gênero e sexualidade na busca pela audiência*Artigo
- Bispo, Raphael
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- Museus, mulheres e gênero: olhares sobre o passado para possibilidades do presente*Artigos
- Brulon, Bruno
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- “Fazer emergir o masculino”: noções de “terapia” e patologização na hormonização de homens trans Artigos
- Vieira, Cleiton; Porto, Rozeli Maria
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- Multiculturalidade, interculturalidade, direitos humanos e violência de género: breves notas para pensar o caso da mutilação genital feminina em Portugal e a sua abordagem Artigo
- Medeiros, Nuno; Denis, Teresa
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- Movimento trans em Belo Horizonte: resgatando o histórico e mapeando o presente Artigo
- Coacci, Thiago
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- Onde estão as meninas soldados? Gênero e conflito armado na Colômbia Artigo
- Martuscelli, Patrícia Nabuco
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- Corpos, gêneros e subjetividades em disputa: reflexões a partir de um caso de violência em uma favela do Rio de Janeiro Artigo
- Lopes, Paulo Victor Leite
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- As relações de gênero na produção capitalista do espaço de trabalho Artigo
- Silva, Viviane Zerlotini da
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- Vestida de noiva. Diferenciação e prestígio em disputa no mercado de festas de casamento* Artigo
- Escoura, Michele
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- Tica nasceu de papo para cima: enunciados performativos na rainha do Reisado Santa Helena* Artigo
- Oliveira, Ribamar José de
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- Após a visita da indesejada das gentes: luto e memória na Revista Estudos Feministas(2001-2014) Artigo
- Silva, Wilton Carlos Lima da
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- Bolsa Família, autonomia feminina e equidade de gênero: o que indicam as pesquisas nacionais? Artigo
- Bartholo, Letícia; Passos, Luana; Fontoura, Natália
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Escravos e libertos nas minas do Rio de Contas: Bahia/século XVIII | Kátia Lorena Novaes Almeida
Publicado em 2018, o mais recente livro da historiadora Kátia Lorena Novaes Almeida aborda a escravidão e a liberdade na região mineradora de Rio de Contas, na Chapada Diamantina da Bahia, sendo fruto de sua tese de doutoramento defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia. Autora de um estudo anterior, lançado em 2012, no qual buscou compreender trajetórias sociais de egressos do cativeiro na referida região (Alforrias em Rio de Contas: Bahia, século XIX), Kátia Almeida explorou, desta feita, as leituras que escravos, libertos, senhores e advogados fizeram da escravidão e da alforria no termo de Rio de Contas, no século XVIII. Leia Mais
Poéticas feministas na história, arte e literatura / História – Questões & Debates / 2019
Esse dossiê reúne pesquisas e reflexões historiográficas contemporâneas que elaboram a perspectiva poética e criativa de mulheres nas artes, na literatura e na história. As elaborações das subjetividades numa dimensão de gênero, o dinamismo dos processos históricos e as críticas culturais feministas são alguns dos principais enfoques dessas pesquisas que abordam a produção cultural feminina. Os campos literário, artístico e ativista são, assim, estudados em suas articulações culturais, políticas e históricas, tendo como eixo de análise a transformação cultural incitada pelos feminismos contemporâneos, em suas intersecções com as questões étnico-raciais, de classe e geracionais. Poéticas feministas, dessa forma, podem ser encontradas em diferentes práticas discursivas, relações intersubjetivas, militâncias políticas e mais claramente nas produções artísticas e literárias. Esse dossiê, portanto, pretende refletir sobre suas especificidades, sentidos, impulsos éticos e subjetivos.
Tais reflexões advindas da elaboração epistemológica feminista no campo historiográfico e na crítica literária merecem destaque e reflexão, posto que apenas muito recentemente elas têm avultado maior espaço.[1] Os trabalhos aqui reunidos demonstram o esforço inventivo e investigativo de grande fôlego por pesquisadoras do Brasil como Norma Telles, Margareth Rago e Mônica Campo acompanhadas das argentinas Tania Diz e María Laura Rosa. Merece destaque, também, o espaço dado no dossiê para a publicação de um artigo da escritora Julia Lopes de Almeida que repousava esquecido nos arquivos nacionais. Escritora de grande fama em seu tempo, Julia Lopes de Almeida mostrava entre finais do século XIX e início do XX a necessidade premente de dissolvermos a noção de gênio artístico e de compreendermos o rico universo imaginário e político oferecido pelas mulheres. Os esforços da pesquisadora Gabriela Trevisan, junto ao da historiadora Margareth Rago para trazer esse texto a público, nos mostram, assim, como o pensamento sobre a poética feminista é assunto de longa data, com ressonante atualidade. Julia Lopes de Almeida proclamava que “tudo se pode escravizar no mundo, menos o pensamento”.
A imaginação das mulheres ganhou espaço de reflexão crítica por meio da História Cultural, ao lado dos debates de gênero e pósestruturalistas, que advogam a necessidade de investigarmos as contracondutas para utilizarmos o conceito foucaultiano, existentes em formas de vida ligadas às artes, à literatura e aos ativismos. O conceito de contracondutas permite evidenciar a arte como espaço de construção de discursos radicalmente novos e de práticas de liberdade sempre atentas às estratégias de poder-saber em nossa sociedade. [2] Norma Telles, por exemplo, aborda como a imaginação feminina sobre o reino animal, presente nas escritoras inglesas como Leonora Carrington, carrega o potencial crítico das metamorfoses, dos trânsitos interregnos e devires animais: “Bachelard lembra que é possível ultrapassar formas humanas para tomar posse de outros psiquismos, e que é preciso perceber o animal em suas funções, não em suas formas. ‘A vida animalizada é a marca de uma riqueza e de uma mobilidade dos impulsos subjetivos’ E ainda, ‘é o excesso do querer viver que deforma os seres e que determina suas metamorfoses’ (Bachelard:1995:12).” Margareth Rago, ao analisar a produção artística da italiana Carol Rama, inaugura a compreensão de como a imaginação feminista carrega sofisticadas elaborações sobre os discursos de verdade que incidem sobre os corpos femininos. Subversão do corpo, da sexualidade e do desejo são percorridos por Rago: “Aliás, a serpente é uma figura recorrente na obra de Rama, evocando continuamente a figura da primeira mulher diante da tentação do diabo e na iminência da queda. O pecado ronda as mulheres, nessas paisagens quentes, avermelhadas, chocantes dos quadros da pintora italiana.” Sua postura crítica é luminosa: “Aliás, é Rama quem afirma que ‘pecar é uma das coisas mais importantes da vida, (…) pecar é uma das coisas mais bonitas do mundo’ (RAMA apud VERGINE, 2015: 50), e assim ela se coloca no lugar do pecado para produzir rupturas e desfazer a queda.”
Mônica Campo aborda a produção fílmica das argentinas Lucrecia Martel e Albertina Carri, apreendendo suas linguagens, temáticas e perspectivas, sob a ênfase da subjetividade que: “busca compreender como o ponto de vista das narrativas incide sobre a escrita da história e expressa o tempo presente. O uso inventivo da linguagem e possibilidades do audiovisual marcam a produção destas diretoras e constroem suas especificidades enquanto artistas. Em suas obras, se destacam os temas dos conflitos, tanto aqueles referentes à violência existente no interior da família como também relativos ao trato em sociedade, instigando-nos a pensar sobre a singularidade destas como expressões contemporâneas em nossa história.” Tania Diz, abordando a década de 1970 na Argentina, problematiza revistas conectadas ao ativismo homossexual e feminista e seu espaço na arena política: “En las dos revistas se leen las huellas de la historia que tienen en sus espaldas, el feminismo y la disidencia sexual, a la vez que intervienen con una demanda subversiva en años de represión: aparecer. Tanto la afirmación inclusiva de “somos” como la versión más objetivada de “persona” apuntan a sostener el derecho a ser reconocidos como sujetos políticos y desde allí ambos hacen tambalear la certeza del heterosexismo”. María Laura Rosa apresenta os vínculos políticos e afetivos que permitiram às artistas argentinas Alicia D’Amico e Ilse Fusková elaborarem por meio do corpo, em seus trabalhos fotográficos e em sua militância feminista, críticas culturais contundentes na década de 1980: “(…) cómo la libertad sobre el propio deseo y el cuerpo femeninos podían crear otras imágenes de mujeres, diferentes a las que por entonces circulaban masivamente a través de los medios de comunicación. Los géneros del retrato y el desnudo fueron centrales para ello.”
Elen Biguelini colabora com reflexões sobre as escritoras portuguesas e o debate sobre suas visões da masculinidade no artigo “‘Fiar n’um amigo? é homem. / Tem d’essencia a falsidade’. A masculinidade na obra de Francília (Francisca Paula Possolo da Costa) e Sóror Dolores (Maria da Felicidade de Couto Browne)”; Beatriz Polidori Zechlinski e Stéfani Oliveira Verona, no artigo “Do coelho esperto à ratinha corajosa: representações de gênero nas histórias infantis de Beatrix Potter” exploram como as histórias infantis guardam visões históricas complexas, abordando as dimensões do sonho e da fantasia em Potter, e Viviane Bagiotto Botton, com o artigo “A mulher e o eterno feminino em Rosario Castellanos”, abre espaço para a análise de obras dessa importante escritora mexicana do século XX, em que são denunciados o machismo e as narrativas de violência presentes na América Latina, mas em que também se reivindicam espaços de constituição de si fora das normas sociais estabelecidas:
Meditação no umbral: Não, não é a solução / jogar-se debaixo de um trem como a Ana de Tolstoy / nem preparar o arsênico de Madame de Bovary / nem aguardar nos campos de Ávila a visita do anjo com dardo / antes de atar-se o manto na cabeça / e começar a agir. Nem concluir as leis geométricas, contando / as vigas da cela do castigo / como fez Soror Juana. Não é a solução / escrever, enquanto chegam as visitas, / na sala de estar da família Austen / nem encerrar-se no sótão / de alguma residência na Nova Inglaterra / e sonhar, com a Bíblia dos Dickinson, / debaixo de uma almofada solteira. / Debe haver outro modo que não se chame Safo / nem Mesalina nem María Egipciaca / nem Magdalena nem Cemencia Isaura. / Outro modo ser humano e livre. Outro modo de ser (Castellanos, 1972)
Pensadoras feministas têm demonstrado que as poéticas das mulheres no passado e no presente constituem potentes críticas culturais, instigando a desconstrução de discursos binários e hierárquicos, inventando, sobretudo, narrativas e espaços relacionais para a atualidade. Sua pertinência, assim, repousa tanto nas ricas perspectivas teóricas apresentadas nesse dossiê, quanto no esforço de análise das produções, poéticas e práticas das mulheres no intuito de fazer ver sua potência dinâmica e inventividade de vida.
Integra também o volume uma seção aberta que conta com ricas e estimulantes reflexões, com os artigos de Rodrigo Müller Marques e Jane Márcia Mazzarino, “O audiovisual como produtor de histórias”; Fabiana de Oliveira e Maria Aparecida Avelino, “As abordagens acerca da história ibérica medieval em livros didáticos”; Rodrigo Otávio dos Santos, com o artigo “Medo, paranoia, macarthismo e o século XXI: usando o episódio 22 de Além da Imaginação em sala de aula” e o artigo de Rodrigo Cabrera e Renate Marian van Dijk-Coombes, “Desde el Cielo al Inframundo. Reflexiones sobre las representaciones corporales de Inanna y Dumuzi a partir de la evidencia iconográfica y textual”.
Assim, com grande alegria convidamos os leitores e leitoras a percorrerem as páginas desse Dossiê, abrindo espaço aos domínios transversais da criação, do sonho e do devaneio, fundamentais para nossa existência ética e política, sobretudo na atualidade brasileira, em que vemos ameaçadas conquistas feministas históricas, onde vozes de incitação à violência bradam com força cada vez maior. No entanto, as ironias sutis, as zonas de desterritorialização da arte, os espaços de lucidez e reinvenção de si, oferecidos pelas poéticas feministas, permitem-nos saber que nossas tradições femininas não serão facilmente apagadas e que a história das mulheres artistas é um campo primordial desse modo de sublevação.
Notas
1. Além dos trabalhos aqui apresentados, gostaria de destacar as fundamentais produções de Heloisa Buarque de Hollanda, Ana Paula Cavalcanti Simioni, Roberta Barros e Roberta Stubs, que considero fundamentais para tal debate circunstanciado. Cf. TVARDOVSKAS, L. Dramatização dos corpos: arte contemporânea e crítica feminista no Brasil e na Argentina. São Paulo: Intermeios, 2015.
2. FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Luana Saturnino Tvardovskas – Departamento de História da Unicamp
TVARDOVSKAS, Luana Saturnino. Introdução. História – Questões & Debates. Curitiba, v.67, n.1, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR]
Thinking about Free Will – VAN INWAGEN (M)
VAN INWAGEN, Peter. Thinking about Free Will. Cambridge University Press, 2017. 232p. Resenha de: MERLUSSI, Pedro. Manuscrito, Campinas, v.42 n.1 Jan./Mar. 2019.
The book is chronologically divided into 14 chapters, covering the main issues that have been at the centre of recent concern on free will. For instance, Harry Frankfurt’s influential objection to the principle of alternative possibilities (namely, that being able to do otherwise is a necessary condition for moral responsibility) is discussed in chapters 1 and 6. The author also deals with the Mind and ethics arguments for the claim that indeterminism and free will are incompatible (chapter 2). With respect to the compatibility problem of free will and determinism, there is van Inwagen’s reply to McKay and Johnson’s counterexample (1996) to the no-choice transfer rule (chapter 7). Given the supposed plausibility of the arguments for the incompatibility of free will and determinism and the incompatibility of indeterminism and free will, van Inwagen thinks that free will is a mystery (chapters 7 and 10). Other important topics of interest include a discussion about Daniel Dennett’s book Elbow Room (chapter 4), van Inwagen’s own view that we seldom are able to do otherwise (chapter 5), the notion of ability (chapters 7, 11 and 14) and, perhaps more importantly, a reply to Lewis’ objection to the Consequence Argument, namely, the question of whether we are able to break the laws of nature (chapter 9), among many others.
There are many interesting problems discussed in the book, and most of them are well-known among readers familiar with the discussion. (Naturally, there is also a good deal of overlap between the chapters). It is not my aim to focus on every interesting thesis in the book. What I shall do instead is to focus on van Inwagen’s insights about what is the problem of free will, especially his claim that free will is a mystery given the joint plausibility of the Consequence Argument (which argues for the incompatibility of free will and determinism) and the Mind Argument (which argues for the incompatibility of free will and indeterminism).
As one might expect, there are many philosophical problems about free will, such as the problem of logical determinism (how is free will possible if there are true propositions about our future actions?), the problem of theological omniscience (how is free will possible if God knows beforehand what we are going to do?), etc. But is there a thing which may be properly called the problem of free will? I think van Inwagen provides us with a nice proposal. The idea is that the problem of free will may be presented as a set of propositions for all of which we seem to have good reasons, but which are jointly inconsistent. “Free will” and “determinism” have been used in the literature, to be sure, in different senses. According to van Inwagen, “free will” involves the ability to do otherwise, and “determinism” is nomic determinism, that is, the thesis that the past and the laws of nature determine a unique future. The problem goes as follows (or close enough):
- If nomic determinism is true, then there is no free will.
- If nomic determinism is not true, then there is no free will.
- There is free will
The problem leaps out because we seem to have unanswerable arguments for propositions 1 (namely, the Consequence Argument) and 2 (namely, the Mind argument), and it is no easy task finding out a proper answer to these arguments. And if it turns out that propositions 1 and 2 are true, 3 will be false, and in that case there would not be such a thing as free will. However, van Inwagen also notices that “there are […] seemingly unanswerable arguments that, if they are correct, demonstrate that the existence of moral responsibility entails the existence of free will, and, therefore, if free will does not exist, moral responsibility does not exist either” (149).
It would then be bad news if these arguments were cogent (because it would be difficult to see how moral responsibility is possible). Though the Consequence Argument and the Mind argument have initially seemed unanswerable, there are – I think – promising replies to the main formulations of these arguments in the literature, especially if we make some assumptions about counterfactuals and the laws of nature. The first answer to the Consequence Argument along these lines is Lewis’ `Are we free to break the laws?”, which possibly is – according to van Inwagen – “the finest essay that has ever been written about any aspect of the free will problem”. (I will not, however, present the Consequence Argument here, since it can be found everywhere in the literature).
If we make some assumptions about counterfactuals, then one premise of the Consequence Argument is implausible. Let L be the conjunction of all the correct laws of nature. One premise in the argument tells us that L is true and no one has, or ever had, the ability to do something such that, if one were to do it, L might be false. Consider Lewis’ theory of counterfactuals, where “if p were the case, then q would be the case” is (non-vacuously) true in our world iff q is true in the most similar worlds to ours where p is true. Imagine, for example, a possible world where I am doing otherwise, say, typing different words on this page. If determinism is true, this world cannot have the same past and laws of nature as ours. Now ask yourself: What are the closest worlds to ours where I type different words? Are they worlds where the actual laws of nature are broken or where the past history is different all the way back to the Big Bang? We just have one option, and Lewis tells us that the most similar worlds to ours are those where the laws of nature are slightly different from ours (or broken by what he called a “divergence miracle”), but where the past isn’t different all the way back to the Big Bang. (For objections to Lewis’ theory, see Bennett (1984), Goodman (2015), Dorr (2016)). Lewis points out that the laws need not be broken by our acts, so that the compatibilist need not be committed to the claim that we are able to break the laws of nature. So, if Lewis is right about how we should evaluate counterfactuals on the assumption of determinism, then the premise of the Consequence Argument that no one has any choice about whether L is unjustified.
Another, more interesting problem with the argument is that it presupposes an anti-Humean conception of the laws (see, in particular, Beebee 2000, 2003). According to the Humean conception, the laws of nature are – roughly speaking – the best way to summarise all past, present and future facts. Laws do not govern anything, but merely systematise. If this conception of laws is correct, it is hard to see how the claim that laws are deterministic is a threat to free will. After all, if Humean laws do not govern, they do not place a constraint on our actions. As a result Humeans will not have trouble in saying that the claim that laws are deterministic is consistent with our ability to do otherwise. Humeans like Beebee see no problem in saying that agents are able to break the laws in the sense that the laws are violated or broken by our acts. Lewis, on the other hand, claimed that agents are able to do otherwise than they in fact did even if determinism is true, but denied that agents are able to break the laws of nature in that sense, and his view is known as Local Miracle Compatibilism.
It seems to me that some similar worries apply to the Mind Argument. A toy version of the argument goes more or less as follows: (M) “If what one does does not follow deterministically from one’s previous states, then it is the result of an indeterministic process, and (necessarily) one is unable to determine the outcome of an indeterministic process” (162). The problem here, I think, is that van Inwagen presupposes that (i) the laws of nature cover our actions and (ii) are indeterministic with respect to them. There are two questions about the nature of laws that we should keep separate from one another:
Extent: Is everything that happens covered by the laws of nature? For instance, there may be happenings, or kinds of happenings, or whole domains about which L – the complete set of correct laws – is silent.
Permissiveness: When L speaks about the outcomes that are to occur, what kind of latitude does it admit? For instance, does it always select a single happening? Does it always lay down at least a probability, or can L admit a set of different outcomes, remaining silent about their probabilities?
Clearly there are further implicit conditions if (M) is to follow from the assumption that the laws of nature are indeterministic. I take it that it is presupposed that my action, for instance, is the kind of happening that is governed by laws and that those laws that govern it are indeterministic with respect to it. But the assumption that the laws of nature are universal in extent in the sense that they cover everything that happens in the world, however, is unjustified. There is nothing in the mainstream accounts of the laws of nature that require them to be universal in extent, let alone to cover actional-events.
My suspicion is that the problem with respect to indeterminism and free will arises because it is presupposed that the laws govern or cover our actions, and are indeterministic with respect to it. This is why “indeterminism” seems to rule out control over our actions. But what are the reasons for accepting that the laws govern everything? Perhaps they do not. If so, I find it difficult to accept the core idea behind the Mind (or the luck) Argument.
The problem of free will has indeed momentous philosophical consequences. While many solutions have been offered in the literature, they will involve the acceptance of surprising and not altogether unquestionable philosophical assumptions. As such, even though philosophers have questioned the plausibility of propositions 1 and 2, van Inwagen’s formulation and treatment of the free will problem remains fruitful, and his work continues to shed light in one of the most interesting and intractable problems of philosophy.Thinking about Free Will nicely supplements the existing objections and responses to the theses advocated in An Essay on Free Will and it also covers the main new topics that have been at the centre of recent concern on free will.
References
BEEBEE, H. “The Nongoverning Conception of Laws of Nature”, Philosophy and Phenomenological Research 61: 571-594, 2000. [ Links ]
_____ “Local Miracle Compatibilism”, Noûs 37 (2): 258-277, 2003. [ Links ]
BENNETT, J. “Counterfactuals and Temporal Direction”, The Philosophical Review 93 (1): 57-91, 1984. [ Links ]
CARTWRIGHT, N. & MERLUSSI, P. “Are laws of nature consistent with contingency?”, in Laws of nature, eds. W. Ott and, 2018. L. PATTO, Oxford: Oxford University Press. [ Links ]
DORR, C. “Against Counterfactual Miracles”, The Philosophical Review, 125 (2): 241-286, 2016. [ Links ]
GOODMAN, J. “Knowledge, Counterfactuals and Determinism”, Philosophical Studies 172 (9): 2275-2278, 2015. [ Links ]
MCKAY, T. J. and Johnson, D. “A Reconsideration of an Argument against Compatibilism”, Philosophical Topics 24 (2): 113-122, 1996. [ Links ]
LEWIS, D. “Are We Free to Break the Laws?”, Theoria 47: 113 – 21, 1981. [ Links ]
Pedro Merlussi – University of Campinas, Center for Logic and Epistemology, Campinas, SP, Brazil. E-mail: p.merlussi@gmail.com
Racismos: das cruzadas ao século XX | Francisco Bethencourt
Francisco Bethencourt não é historiador de poucas palavras, embora seus livros, dois já publicados no Brasil, ainda que extensos, não sejam cansativos.1 Demonstrando que a erudição não precisa ser enfadonha, temos na obra aqui resenhada uma escrita fluente, marcada por um texto sem rodeios, preciso e fluido. Isto se verifica ainda mais nos capítulos que, abordando períodos mais recentes e contemplando realidades não europeias, se distanciam daquilo com que o autor é mais familiarizado. Leia Mais
Contradictions, from Consistency to Inconsistency – CARNIELLI; MALINOWSKI (M)
CARNIELLI, Walter; MALINOWSKI, Jacek. Contradictions, from Consistency to Inconsistency. Trends in Logic 47. Springer International Publishing, 2018. VI+322 pagesp. Resenha de: TESTA, Rafael R. Manuscrito, Campinas, v.42 n.1 Jan./Mar. 2019.
Trends in Logic is the conference series of the journal Studia Logica, covering contemporary formal logic and its relations to other disciplines. The works collected in this volume were initiated by the discussions that took place at the conference to commemorate the 40th Anniversary of the Centre for Logic, Epistemology and History of Science. The title of the event celebrates one of the three main areas of CLE – that has been called as the epicentre of a “Brazilian school of paraconsistency”. The reasons for that are the original works of da Costa, followed by his pupils and collaborators that are part of CLE’s history. Simply put their interest include the development of systems strong enough to encompass most of mathematics, while avoiding some well-known logical paradoxes.
Not surprisingly most of the works in this volume are developed around paraconsistent logics or, as it is explained by the editors in the introductory chapter, they are concerned about the subtle distinctions between consistency and non-contradiction, as well as among contradiction, inconsistency and triviality. There are many interesting problems discussed in the book, some of them are well-known among readers familiar with paraconsistency. Setting aside the introduction, the book itself does not intend to be a historical review on the main questions regarding the subject. Rather, the chapters help the reader to taste some information about where paraconsistency is now and where it is heading, as well as cast new lights on some old questions regarding the consistency of formal theories. In what follows I succinctly present the central elements of each chapter.
The introduction briefly presents some state-of-the-art discussion regarding the central questions that permeate the book. In the homonym chapter, Carnielli and Malinowski explain the title of the book and show the relevance of the subject in contemporary discussions in logic and philosophy of science – themes that are familiar to the authors. Walter Carnielli is full professor of Logic at the State University of Campinas (Unicamp) and served as the director of CLE, as well as editor and member of editorial boards of major journals. Some of his works encompass for instance combinations of logics, many-valued and paraconsistent logics – like the logics of formal inconsistency advanced by Carnielli and Marcos (2002) that systematises a large class of paraconsistent logics. Jacek Malinowski is the editor-in-chief of Studia Logica, Head of the Department of Logic and Cognitive Science at the Polish Academy of Science and Head of the Section of Logical Semiotics at Nicolaus Copernicus University in Torun, Poland. He has published works in several areas, for instance logical foundations of computer sciences, nonmonotonic and cognitive logic, just to name a few. The book reflects the multidisciplinary interest of the editors.
The second chapter (the first of 13 collaborative papers) brings Arenhart’s investigation on an overlooked argument advanced by da Costa (1997) to the effect that there may be true contradictions about the concrete world. The novelty of the chapter “The Price of True Contradictions About the World” is bridging da Costa’s argument to a well-known dialetheist understanding of paraconsistency. By advancing several objections to the argument, the daring conclusion drawn by the author is that the acceptance of true contradictions about the world comes with heavy prices to pay: for instance adopting an inconvenient conservative and pessimistic attitude towards change in science.
In “The Possibility and Fruitfulness of a Debate on the Principle of Non-contradiction”, Estrada-González and del Rosario Martínez-Ordaz go back to the Aristotelian arguments regarding the principle of non-contradiction (PNC) originally advanced in his Metaphysics. The aim is to show how they can be used for a better understanding of the different standpoints that are present in the contemporary debate. The authors advance five major stances regarding the debate on the PNC, namely: Detractors, Fierce supporters, Demonstrators, Methodologists and Calm supporters. They suggest how we can find elements of those instances in several authors in the literature, from Aristotle up to the present. Maybe the main claim of this chapter is that one can find all the elements of Calm supporters already in Aristotle’s works.
Friend and del Rosario Martínez-Ordaz explore a formal method to model the fact that sometimes mathematicians and scientists reason with inconsistent premises while denying that this is possible or makes any sense – a tooll called Chunck and Permeate (C&P) advanced by Bryson and Priest (2004). Roughly speaking, C&P divides a given proof with inconsistent premises into consistent subsets, called chunks, and allows only some information to permeate from one chunk to the next. In “Keeping Globally Inconsistent Scientific Theories Locally Consistent”, the authors extend C&P by adding a visual representation of chunks in the form of bundle diagrams. By extending it, they apply the method to analyse a case in physics and discuss the implications of inconsistency toleration in science, possibly opening up avenues for other discussions in the role of logic in science.
In “What is a Paraconsistent Logic?”, Barrio, Pailos and Szmuc recall some canonical definitions of paraconsistent logics (advanced for instance by Priest, Tanaka and Weber (2016); Carnielli and Coniglio (2016); and Ripley (2015)) in order to suggest a new one. By taking into account a meta-inferential notion of explosion, the authors bring into the light the fact that some logical systems might validate the Explosion Principle but invalidate a meta-inferential version of it. Relaying on some well-formulated logical and philosophical reasons, this chapter advances the novel thesis that a logic is paraconsistent if it invalidates either the inferential or the meta-inferential notion of Explosion. Being so, a number of systems in the literature turn out to be, in that sense, paraconsistent logics.
Gaytán, D’Ottaviano and Morado present a system motivated by the problems of modelling explanation from the point of view of Philosophy of Science. In the chapter “Provided You’re not Trivial: Adding Defaults and Paraconsistency to a Formal Model of Explanation”, the authors advance the so-called GMD framework. Within that formal system it is possible to make an analysis of the interaction between rules and a minimal conception of context – composed by a set of beliefs (a minimal idea of a theory) in interaction with an inferential engine (a logic). In order to illustrate this novel epistemic system, the authors adopt it to analyse the concept of explanation using Reiter’s default theories and a specific paraconsistent logic of da Costa.
In the chapter “Para-Disagreement Logics and Their Implementation Through Embedding in Coq and SMT”, Woltzenlogel Paleo advances a novel approach to para-disagreement logics. The basic language is the usual propositional one, extended with box and diamond operators from modal logics and the @ operator from hybrid logics. The semantics are very similar to possible worlds for modal logics with small differences regarding the representation of world reachability. This framework allows a fine-tuned approach regarding information source, so that conflicting information from different sources can be consistently combined. By suggesting some possible semantical embeddings in Coq and SMT, the author advocates the implementation of automated reasoning tools for these logics.
Džamonja and Panza, in “Asymptotic Quasi-completeness and ZFC”, put forward a thesis that the axioms ZFC of first order set theory is actually very powerful at some infinite cardinal, contrary to what it could be stated. Since ZFC axioms are subject to Gödel’s Incompleteness Theorems (cf. Gödel (1931)), if they are assumed to be consistent then they are necessarily incomplete – a fact that can be supported by various concrete statements, including the celebrated Continuum Hypothesis. In order to illustrate their thesis, it is explained that by looking at limits of uncountable cardinals, such as אω, and working with singular cardinals (which are necessarily limits, cf. Kojman (2011)), at such cardinals there is a very serious limit to independence. Furthermore, many statements which are known to be independent on regular cardinals become provable or refutable by ZFC at singulars. The thesis then follows by the fact that the behaviour of the set-theoretic universe is asymptotically determined at singular cardinals by the behaviour that the universe assumes at the smaller regular cardinals. Being so, ZFC foundationally provides an asymptotically univocal image of the universe of sets around the singular cardinals.
“Interpretation and Truth in Set Theory” also presents an inquiry on some fundamental questions of set theory. In this chapter, Freire grasps concrete axiom systems in terms of a double-layer schema: respectively containing the conceptual and the deductive components of the system. The conceptual component is identified with a criterion given by directive principles, supposable bounding the subject matter of the system. After advancing two lists of directive principles for the set theory, the set-theoretic truth and the fixation of truth-values in each double-layer picture that emerged from these lists are then analysed. It is worth noticing that the general approach that is forwarded in this chapter can be applied to other mathematical theories with interesting results.
In the short but sturdy chapter “Coherence of the Product Law for Independent Continuous Events”, Mundici demonstrates a formal result regarding probability theory: the product law for logically independent events (for Boolean as well as for continuous MV-algebraic events) follows from de Finetti’s fundamental notion of a coherent set of betting odds, in the same sense that it was originally demonstrated for the additivity law by de Finetti’s 1932 Dutch Book theorem.
In the chapter “A Local-Global Principle for the Real Continuum”, Magossi and Rioul present a logical flow of proofs in the most influential undergraduate and graduate textbooks on Real Analysis in the U.S.A., France and Brazil in order to start a discussion regarding the local-global principle (LG) as a new efficient and enjoyable tool for proving the basic theorems of real analysis. Both, LG (any local and additive property is global ) and the related principle of global-limit (GL: any global and subtractive property has a limit point) could be used as basis for a new presentation of the integral, just as Cousin’s lemma was used to build the Kurzweil-Henstock integral – what the authors intend to advance in future works.
The chapter “Quantitative Logic Reasoning” by Finger brings an unifying approach on some logical systems, namely propositional Probabilistic Logic (classical propositional logic enhanced with probability assignments over formulas); first-order logic with counting quantifiers over a fragment containing unary and limited binary predicates; and propositional Łukasiewicz Infinitely-valued Probabilistic Logic (a multi-valued logic for which there exists a well-founded probability theory). From the viewpoint of Quantitative Logic Reasoning, the author shows that analogous properties hold throughout that class of systems, and presents for each one a language, semantics and decision problem, followed by normal form presentation and satisfiability characterization. Furthermore, complexity results and decision algorithms are also advanced.
Carnielli, Mariano and Matulovic advance an algebraic method based on the polynomial representation of first-order sentences in order to introduce algebraic semantics for first-order logic, departing from modern forms of “algebraizing a Logic” tradition like presented by Blok and Pigozzi (1989). In “Reconciling First-Order Logic to Algebra” the authors employ the notion of M-rings, rings equipped with infinitary operations that can be naturally associated to the first-order structures and each first-order theories. It is shown that infinitary versions of the Boolean sums and products are able to express algebraically first-order logic from a new perspective. This chapter also suggests an unifying algebraical approach to logic by opening-up avenues for possible generalizations of the method to n-valued and other non-classical logics.
In the book’s last chapter, Marcelino, Caleiro and Rivieccio clarify the efficiency of some novel techniques in the study of Hilbert-style logics. In “Plug and Play Negations” the authors focus on the negation fragments of logics which result from different possible choices of well-known rules involving the connectives {→,⊥}, with a few variations – in fact negation is usually introduced as a derived connective by making ¬p:=p→⊥¬p:=p→⊥ (that is, using the material implication → and the falsum constant ⊥). In turn the degree of tolerance to inconsistencies of a logic (degree of paraconsistency) can be determined by the interaction among these three connectives. The techniques used allow for a modular analysis of the logics, providing complete semantics based on (non-deterministic) logical matrices and complexity upper bounds.
Albeit the great diversity of themes discussed in the chapters, all of them can be subsumed into a broadly understood study of consistency – the book perfectly demonstrates how issues surrounding that study go well beyond traditional inquiries on paraconsistent logics, taking novel perspectives that are not too far away from such inquiries. The selection helps the reader to perceive how those works intersect with core traditional mathematical and philosophical questions. Contradictions, from Consistency to Inconsistency nicely supplements the existing literature on the subject. This is a volume that it is well worth reading!
References
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BLOK, W.J. and D. PIGOZZI. “Algebraizable Logics”. Memoirs of the AMS. 396, American Mathematical Society, Providence, USA, 1989. [ Links ]
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CARNIELLI, W. and CONIGLIO, M. Paraconsistent Logic: Consistency, Contradiction and Negation. Dordrecht: Springer, 2016. [ Links ]
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DE FINETTI, B. Theory of Probability, A Critical Introductory Treatment, Translated by Antonio Machí and Adrian Smith. Chichester, UK: Wiley, 2017. [ Links ]
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KOJMAN, M. “Singular Cardinals: from Hausdorff’s gaps to Shelah’s pcf theory”. In Sets and Extensions in the Twentieth Century ed. by Dov M. Gabbay, Akihiro Kanamori, and John Woods, vol. 6 of Handbook of the History of Logic, pp. 509-558. Elsevier, 2011. [ Links ]
PRIEST, G., TANAKA, K. and WEBER, Z. “Paraconsistent logic”. In The Stanford Encyclopedia of Philosophy, Winter 2016 ed, ed. Edward Zalta. Stanford University, 2016. http://plato.stanford.edu/archives/win2016/entries/logic-paraconsistent/. [ Links ]
RIPLEY, D. “Paraconsistent logic”. Journal of Philosophical Logic 44 (6): 771-780, 2015. [ Links ]
Rafafel R. Testa – University of Campinas. Center for Logic and Epistemology. Campinas, SP. Brazil. E-mail: rafaeltesta@gmail.com
Parto e nascimento: saberes, reflexões e diferentes perspectivas / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2018
Este dossiê coloca em foco o processo de medicalização do parto e suas consequências. A partir das últimas décadas do século XIX, o parto ingressou no âmbito da medicina e, aos poucos, foi se transformando em um evento completamente medicalizado. Esse processo histórico se ampliou fortemente no decorrer do século XX, em diversas regiões do globo, trazendo consigo importantes vantagens relacionadas, principalmente, à diminuição dos índices de mortalidade materna e neonatal. No entanto, a intensificação da medicalização dos nascimentos também aponta para problemas, à medida que a excessiva tecnologização tem gerado críticas e insatisfações principalmente no que concerne às consequências clínicas, físicas e emocionais do excesso de intervenções.
No Brasil, desde o final do século XIX, quando a medicina deu início à escalada de medicalização dos nascimentos, um dos principais problemas relacionados ao parto se inscreveu nos diferentes tipos de cuidados ministrados às gestantes pobres e às mais abastadas. As primeiras, na maior parte das vezes, tiveram pouco acesso a cuidados médicos e hospitalares; as últimas tinham seus filhos no conforto de suas casas com médicos e serviçais, a quem era confiado o cuidado. Tal problema persiste até os dias de hoje, apesar da descomunal ampliação do acesso aos serviços médicos e das políticas públicas direcionadas a garantir às mulheres direitos reprodutivos e cuidados humanizados.
A medicalização também se traduziu em tensões e controvérsias no que tange às técnicas e tecnologias que aos poucos passaram a fazer parte da cena do parto. O uso inadequado ou desnecessário de diversos procedimentos cada vez mais é discutido por profissionais de saúde e mulheres na busca de um equilíbrio na utilização de intervenções e tecnologias no processo de nascimento. A cesariana é o maior exemplo desse problema. Desde 2013, mais da metade dos nascimentos no país foram feitos por meio dessa cirurgia. Embora a Organização Mundial de Saúde postule que a cesárea deva ser empregada em índices entre 10 e 15% da totalidade dos nascimentos (Betrán et al., 2015; WHO, 2018), a espantosa incidência da cirurgia no Brasil tem inquietado diversos setores da sociedade, gerando múltiplos posicionamentos entre atores de diferentes campos profissionais e de usuários do sistema de saúde.
Não só a cesariana tem se mostrado como problema em relação ao parto medicalizado. O excesso de intervenções, tão criticado por diversos grupos de mulheres, é a contraface da falta de assistência adequada às mulheres mais pobres. Se as mulheres de classe média discutem a forma mais confortável ou “humanizada” de terem suas crianças, as mais pobres muitas vezes ainda têm dificuldades de acesso a analgésicos e anestésicos que diminuiriam seu sofrimento na hora de parir.
A organização do sistema de saúde, das práticas profissionais e dos movimentos sociais, bem como a forma de incorporação de tecnologias médicas pelos sujeitos são algumas das dimensões do processo de medicalização do parto no Brasil. Essa complexidade requisita olhares de diferentes disciplinas e metodologias para explorar a questão. Tais aspectos vêm sendo cobertos por diferentes estudos direcionados às práticas de parto, aos usos e abusos da cesariana, às questões referentes à escolha da via de parto e à violência obstétrica. Entre elas destaca-se a pesquisa “Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento”, realizada pela Fiocruz, com o objetivo de conhecer os determinantes, a magnitude e os efeitos das intervenções obstétricas no parto.1 O estudo trouxe à luz o complexo quadro de iniquidades relacionadas à medicalização do parto no Brasil, sendo crucial para a reflexão sobre as transformações nas práticas de parto e sobre a utilização cada vez mais intensa de intervenções.
Compartilhando as inquietações acima observadas, e buscando se integrar ao esforço de trazer novas perspectivas para a questão do parto e de seu processo de medicalização,2 o grupo interdisciplinar de pesquisadores do projeto Medicalização dos Nascimentos no Brasil (COC / Fiocruz) lançou a chamada para os artigos que compõem este número especial. Agradecemos aos autores que responderam e compartilham conosco o objetivo de subsidiar reflexões múltiplas sobre o assunto.
No mesmo esforço de reunir variadas perspectivas sobre a temática, realizamos, nos dias 22 e 23 de outubro de 2018, no auditório do Museu da Vida (Fiocruz, Rio de Janeiro), o seminário internacional “Medicalização do Parto”. O seminário contou com a participação de pesquisadoras de diferentes cidades do Brasil e do mundo e com a presença de diferentes profissionais da assistência e representantes de movimentos de mulheres, que debateram a situação atual da assistência ao parto no Brasil. Em breve os temas discutidos no seminário serão organizados na forma de livro.
Para relembrar a historiadora Maria Lúcia Mott – homenageada em nosso dossiê –, “o nascimento não se restringe a um ato fisiológico, mas testemunha por uma sociedade, naquilo que ela tem de melhor e de pior” (Mott, 2002, p.399). A medicalização dos partos, dos nascimentos e da vida é parte da nossa sociedade, e olhar para essas questões é uma das formas de transformá-la.
Notas
1 Ver <http: / / www6.ensp.fiocruz.br / nascerbrasil / >.
2 Outros periódicos dedicaram números especiais ou dossiês à temática do parto, entre eles Civitas: Revista de Ciências Sociais (v.15, n.2, 2015; disponível em: <http: / / revistaseletronicas.pucrs.br / ojs / index.php / civitas / issue / view / 974>) e Revista Estudos Feministas (v.10, n.2, 2002; disponível em: <https: / / periodicos.ufsc.br / index.php / ref / issue / view / 318 / showToc>). Darwin et l’après-Darwin. Paris: Kimé. 1992.
Referências
BETRAN, Ana Pilar et al. What is the optimal rate of caesarean section at population level? A systematic review of ecologic studies. Reproductive Health, v.12. Disponível em: <http: / / reproductive-health-journal.biomedcentral.com / articles / 10.1186 / s12978-015-0043-6>. Acesso em: 19 nov. 2018. 2015. [ Links ]
MOTT, Maria Lucia. Parto. Revista Estudos Feministas, n.2, p.399-401. 2002. [ Links ]
WHO. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization. 2018. [ Links ]
Luiz Antônio Teixeira – Pesquisador, Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz; Brasil. Professor, Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: luiztei3@gmail.com
Andreza Rodrigues Nakano – Professora, Escola de Enfermagem Anna Nery / Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: andrezaenfermeira@gmail.com
Marina Fisher Nucci – Pós-doutoranda, Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: marinanucci@gmail.com
TEIXEIRA, Luiz Antônio; NAKANO, Andreza Rodrigues; NUCCI, Marina Fisher. Apresentação. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.25, n.4, out. / Dez., 2018. Acessar publicação original [DR]
Transnational Knowledge During The cold War / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2019
A recente perspectiva na história da ciência tem colocado ênfase na necessidade de escrever narrativas transnacionais baseadas no tratamento recíproco dos contextos globais e locais (Subrahmanyam, 1997). Essa abordagem transnacional abandona a nação como unidade de análise, as narrativas eurocêntricas, interpretações de difusão cultural, e as rígidas oposições das categorias “centro” e “periferia” para explicar as dinâmicas de circuitos transnacionais e a circulação global e local de conhecimento, pessoas, instrumentos e práticas científicas (Brown et al., 2006). Essa rica abordagem problematiza a percepção de “ciência internacional” e trata temas pendentes como definições mais claras dos conceitos de circulação, recepção, adaptação e criatividade. No entanto, a maioria dos estudos sobre ciência transnacional tem se focado no século XVIII e os naturalistas. Pouca atenção tem sido dada aos desenvolvimentos durante a Guerra Fria, momento em que as ciências da saúde, da saúde pública e as políticas se entrelaçaram, e os financiadores, assim como as novas e renovadas organizações bilaterais e multilaterais, desempenharam um importante papel na organização e produção do trabalho científico. Ocorreu uma expansão notável da ciência médica financiada pelo Estado e por meio do apoio militar ao trabalho cientifico nas ciências da saúde durante a Guerra Fria em países industrializados e em desenvolvimento. Os artigos neste dossiê compartilham a mesma linha de estudo, ao considerar a Guerra Fria como um fenômeno global e plural que moldou as condições e decisões internacionais, nacionais e locais do trabalho científico em meio à rivalidade entre os EUA e a URSS. A Guerra Fria influenciou não apenas a ciência e a tecnologia relacionadas à corrida espacial e militar, mas também a pesquisa em biomedicina e em outros campos.
No início da década de 1950, no encalço dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, fomentou-se uma extensa pesquisa que possibilitou diversas experimentações em física e química. O artigo de Ana Romero é uma reflexão sobre os instrumentos que circularam e viajaram entre a Espanha e a Itália (contadores de radioatividade), e no poder político dessas duas nações num mundo convulsionado pela bipolaridade estabelecida no final da Segunda Guerra Mundial. De acordo com a autora, esses instrumentos foram usados como mediadores que definiram não apenas protocolos sobre como agir dentro e fora dos laboratórios, assim como estabeleceram redes de intercâmbio (a Espanha trocou urânio por assistência técnica) e participação na produção de energia nuclear e no poder político durante o regime de Franco. Os instrumentos e as técnicas viajaram junto com acordos e contratos, norteando laboratórios, estabelecendo agendas de pesquisa e tornando o desenvolvimento nuclear mais dinâmico. Estes foram utilizados por autoridades nucleares para demonstrar poder político. Por meio do trabalho da médica María Aránzazu Vigón, filha do general Vigón, ministro do primeiro gabinete do regime de Franco, Romero não apenas enfatiza como contextualizar os instrumentos traz à luz a circulação e as colaborações transnacionais, como demonstra a maneira pela qual os temas de gênero influenciaram a circulação dos contadores de radioatividade, uma vez que Vigón era responsável por estudar a construção e produção dos medidores de radiação na Espanha.
Após a Segunda Guerra Mundial, a biologia e a medicina também foram testemunhas de um intenso desenvolvimento que deu lugar ao campo da biomedicina. Novas práticas e técnicas foram desenvolvidas no campo da medicina em torno da herança humana, com a intenção não apenas de retratar, mas também de entender, as diferenças entre as populações e sua relação com a presença de certas doenças. Essas novas práticas também possibilitaram novas definições de conceitos clássicos como raça, variabilidade genética e populações naturais e humanas.
Erica Torrens, em seu artigo, discerne acerca da genealogia e a mudança dos conceitos de raça e racismo sobre os corpos mexicanos para demonstrar a nova cultura visual que resultou da fusão entre o conhecimento genético e o fenômeno do racismo durante a segunda metade do século XX no México. Os artistas e cientistas primeiro deram uma nuance visionária ao discurso sobre hierarquia racial na Europa do século XVIII, estabelecendo um poderoso aparato para manifestações de exclusão, racismo e xenofobia. Essas imagens circularam amplamente na Europa e suas colônias, influenciando debates sobre racismo e a formação de identidades nacionais. No México, durante o século XIX, o termo “mestiço” apareceu com força no discurso político como símbolo de identidade na formação do Estado-nação mexicano e como fator de homogeneização da identidade nacional. Para retratar o quadro local mexicano, Torrens primeiro discorre sobre o processo que impulsionou o racismo no país e suas mudanças devido aos diferentes conceitos de raça e à tecnologia disponível para estudar a evolução humana e sua variabilidade; e, segundo, analisa o impacto das teorias raciais e o conhecimento biomédico que imprimem uma visão dos corpos sob uma ótica racista nos materiais educacionais utilizados no México atualmente. A conclusão é problemática, pois revela uma percepção racista dos grupos humanos profundamente enraizada, impulsionada inadvertidamente por instituições cientificas e governamentais mexicanas.
Os artigos de Tito Carvalho e Ana Barahona discursam sobre a caracterização das populações naturais e humanas. Carvalho aborda a pesquisa brasileira realizada pelo geneticista estadunidense nascido na URSS Theodosius Dobzhansky em meados da década de 1950 e a enquadra dentro da ciência da variabilidade genética e das políticas de diversidade. Ele demonstra como as personalidades científicas dentro da política dependiam das ideias sobre o papel dos cientistas na sociedade que avançavam paralelas à coprodução da ordem social e natural. O trabalho de Dobzhansky com as populações tropicais no Brasil foi fundamental para sua articulação da síntese moderna e fonte para seu apoio aos princípios liberais, cosmopolitas e democráticos no contexto da Segunda Guerra Mundial e dentro do tema racial. Carvalho aponta que Dobzhansky era tão comprometido com o desenvolvimento da teoria moderna da evolução como era da representação científica do mundo como meio de abordar temas sociais e políticos urgentes e de levantar questionamentos sobre o papel do cientista no compartilhamento do saber científico racional como um projeto político global. No mesmo sentido, o artigo de Barahona discute a caracterização das populações infantil e indígena pelos médicos mexicanos Salvador Armendares e Rubén Lisker no México durante a Guerra Fria. Utilizando-se das ideias de Lock, Nguyen e Anderson, que consideravam as populações como laboratórios de produção de conhecimento e espaços cognitivos, esse artigo explora as últimas tendências em genética de populações no México, a construção de populações, as redes de colaboração internacionais que permitiram a importação e adaptação de novas técnicas desenvolvidas, e o emaranhado de histórias que possibilitaram Armendares e Lisker unir a citogenética à genética de populações, e deram à genética humana sua vida social. Esses dois últimos artigos contribuem significativamente para nosso entendimento de genética no Brasil e no México, ao demonstrar como a prática da genética de populações nos trópicos serviu como base científica para as políticas de diversidade no Brasil (em Carvalho) e como a citogenética e a genética de populações se fundiram intelectual e institucionalmente no México (em Barahona), em um momento em que a biomedicina emergia como um projeto pós-Segunda Guerra Mundial devido às preocupações mundiais sobre os efeitos da radiação nuclear nas populações humanas e naturais dentro do marco de interseção da física nuclear com a genética no pós-guerra.
A ideia deste dossiê é fruto da interação entre os autores durante o simpósio “Conhecimento transnacional durante a Guerra Fria: o caso das ciências da saúde e da medicina”, que ocorreu no Rio de Janeiro, Brasil, em julho de 2017, dentro do Congresso Internacional de História da Ciência e da Tecnologia, organizado por Ana Barahona e Marcos Cueto, a quem quero agradecer por sugerir utilizar a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos para circular e dar visibilidade aos nossos estudos para além das fronteiras.
Referências
BROWN, Theodore M.; CUETO, Marcos; FEE, Elizabeth. The World Health Organization and the transition from “international” to “global” public health. American Journal of Public Health, v.96, n.1, p.62-72. 2006. [ Links ]
SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected histories: notes towards a reconfiguration of early Modern Eurasia. Modern Asian Studies, v.31, n.3, p.735-762. 1997. [ Links ]
Ana Barahona – Professora, Departamento de Biologia Evolucionária / Universidad Nacional Autónoma de Mexico. Coyoacán – México, DF – México. orcid.org / 0000-0001-7765-6444 E-mail: ana.barahona@ciencias.unam.mx
BARAHONA, Ana. Conhecimento transnacional durante a guerra fria: o caso das ciências da vida e das ciências médicas. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.26, n.1, jan. / mar., 2019. Acessar publicação original [DR]
Homeopathy in Latin America and Spain / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2019
A homeopatia é um sistema médico controverso praticado extensamente no mundo hoje. América Latina e Espanha não são exceções. Apesar da condição ambígua da homeopatia dentro dos círculos acadêmicos e instituições de saúde pública na região, muitos profissionais de saúde licenciados, agentes de saúde pública, farmacêuticos e pacientes a endossam, financiam e divulgam. Tal presença generalizada sugere a existência de raízes longas e profundas que merecem análise mais detalhada.
Durante muitos anos, a história confinou os homeopatas a um grande e diversificado grupo de curandeiros, charlatães e médicos não licenciados dedicados à prática da medicina na região. A consolidação da história da medicina como um campo profissional nas primeiras décadas do século XX permitiu a publicação de obras sobre o desenvolvimento de profissões médicas nacionais. Na América Latina e na Espanha, obras históricas escritas, sobretudo, por médicos reforçaram o discurso triunfalista da medicina profissional, que minimizavam ou excluíam a homeopatia e outros conhecimentos médicos. Em sua obra de síntese da história da medicina e saúde pública na América Latina, Cueto e Palmer (2015) lamentam a falta de atenção histórica conferida à homeopatia. Nos últimos anos, houve uma virada em que os historiadores tornaram mais complexo nosso pensamento sobre a hegemonia de médicos diplomados, e incursões profissionais feitas pela homeopatia serviram para mensurar os limites da profissionalização médica (Carrillo, 2010; González Korzeniewski, 2010; Luz, 2014).
Os artigos deste dossiê são uma resposta a essa virada. Em conjunto, constituem-se em uma coletânea distinta de ensaios destacando as histórias valiosas e as contribuições da homeopatia à saúde pública na Espanha e na América Latina. Sua metodologia combina abordagens historiográficas e de saúde pública tradicionais e inovadoras, com o objetivo de compreender o passado e o presente da homeopatia. O debate público sobre a área, tanto no passado como hoje, tentou reduzir o problema a uma simples questão: se a homeopatia é ou não é eficaz. Os autores incluídos nesta coletânea demonstram que não é possível propor questões simples a um problema complexo. Para todos eles, a questão que perdura é sobre as condições variáveis das sociedades do passado e do presente que promoveram, apoiaram, restringiram ou bloquearam a homeopatia. As respostas apresentam especificidades locais e tendências em comum entre os países analisados.
Essas obras retomam discussões sobre o processo de profissionalização em trabalhos das últimas décadas do século XX. Analisam, portanto, o papel dos introdutores, suas credenciais, sua interação com faculdades e sociedades médicas locais, a prática profissional, as atividades comerciais, a certificação e a aceitação de seu trabalho por parte do público. Fazem-no, porém, com clara ênfase em sua relevância global. Mostram as complexas redes de atores e instituições, bem como os processos gradativos de circulação de conhecimento, tratamentos e produtos médicos, de e para o continente americano, e também na região. As histórias da homeopatia em países da América Latina e na Espanha são dotadas de relevância global porque adaptaram o padrão de profissionalização delineado por sociedades industrializadas à sua própria situação sociopolítica. Nessas histórias, os homeopatas são agentes de modernização na relação e na competição com outras autoridades médicas.
Os contextos locais moldaram o desenvolvimento das instituições de homeopatia em cada país. Isso fica particularmente evidente quando os acadêmicos empregam o método comparativo. No encalço dessa abordagem, o dossiê inclui um estudo que compara a introdução da homeopatia no Brasil e na Suécia. Os outros artigos salientam os avanços locais em Barcelona, Colômbia, Lima, Cidade do México, Recife e Rio Grande do Sul em diferentes momentos históricos, enfatizando diversos atores históricos. As questões referentes a introdução, adaptação e aceitação de médicos e produtos homeopáticos no contexto de estabelecimento de barreiras entre as diferentes profissões ligadas à saúde se apresentam de forma mais notória em trabalhos cuja análise se concentra no final do século XIX e início do XX. A religião e o espiritualismo em particular exerceram um papel fundamental na disseminação da homeopatia no Rio Grande do Sul. A questão da avaliação e incorporação da homeopatia ao ensino nacional da medicina e aos sistemas de saúde pública é mais manifesta em artigos centrados nas últimas décadas do século XX. A produção acadêmica ainda carece de um estudo sobre a homeopatia em meados do século XX.
Não há sequer uma monografia que analise as junções entre as tendências históricas globais e locais na homeopatia na América Latina e na Espanha. O objetivo do dossiê é preencher essa lacuna. Trata-se de uma coletânea de artigos que investigam a relevância da homeopatia nesses países nos âmbitos da história, da historiografia e da saúde pública, ao mesmo tempo fazendo associações com a literatura sobre homeopatia produzida no mundo. Esperamos que esta coletânea incentive os acadêmicos a trabalhar com a história da homeopatia comparativa e global dentro e a partir da região, motive outros acadêmicos a trabalhar com a história e a relevância contemporânea da homeopatia e gere oportunidades de expansão da rede de acadêmicos interessados no tema.
Referências
CARRILLO, Ana María. ¿Indivisibilidad o bifurcación de la ciencia? La institucionalización de la homeopatía en México. In: Sánchez, Gerardo; Dosil, Francisco. Continuidades y rupturas: una historia tensa de la ciencia en México. Morelia: Instituto de Investigaciones Históricas / Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo; Unam. 2010. [ Links ]
CUETO, Marcos; PALMER, Steven Paul. Medicine and public health in Latin America: a history. New York: Cambridge University Press. 2015. [ Links ]
GONZÁLEZ KORZENIEWSKI, Manuel A. El mito fundacional de la homeopatía en Argentina: la Revista Homeopatía, Buenos Aires (1933-1940). Asclepio: Revista de Historia de la Medicina y de la Ciencia, v.62, n.1, p.35-60. 2010. [ Links ]
LUZ, Madel Therezinha. A arte de curar versus a ciência das doenças: história social da homeopatia no Brasil. Porto Alegre: Rede Unida. 2014. [ Links ]
Jethro Hernández Berrones – Professor, Departamento de História / Southwestern University. Georgetown – EUA. E-mail: hernandj@southwestern.edu
Patricia Palma – Pesquisadora, Departamento de Ciencias Históricas y Geográficas / Universidad de Tarapacá. Arica – Región de Arica y Parinacota – Chile. E-mail: ppalma@uta.cl
BERRONES, Jethro Hernández; PALMA, Patricia. Homeopatia na América Latina e na Espanha: avanços locais e redes internacionais. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.26, n.4, out. / Dez, 2019. Acessar publicação original [DR]
A mulher de pés descalços | Scholastique Mukasonga
Na famosa carta às mulheres escritoras do terceiro mundo, Glória Anzaldúa explicita algumas das constrições vivenciadas pelas mulheres de cor que fazem da palavra escrita uma forma de inscrição no mundo. O lançar-se no papel é compreendido como um desafio e um risco para essas mulheres que, contudo, são conclamadas poeticamente pela autora à escrita, na medida em que tal gesto circunscreve uma forma de (auto)reconhecimento e poder: “o que nos valida como seres humanos, nos valida como escritoras”.1 Em seu apelo à expressão, a missiva remete a um conjunto plural e diverso de produções de mulheres que afrontaram os mecanismos históricos de interdição do acesso à literatura e por meio de seus textos constituíram espaços outros de existência, muitas vezes em contraposição ao lugar subalternizado a elas relegado pelas forças hegemônicas globais. Problematizando as possibilidades de transfiguração que atuam como corolário de certa noção de autonomia da literatura, tais escritoras produzem obras nas quais, em consonância com a proposição de Anzaldúa, experiência pessoal, história e ficção constituem um amálgama de notável força estética. Leia Mais
Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial | Flávia de Sá Pedreira
Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial, obra organizada pela historiadora Flávia de Sá Pedreira, é escrita por diversos pesquisadores-autores que se organizaram em torno de um eixo de debate, voltado para pensar o Nordeste do Brasil e suas variadas relações com diferentes eventos e acontecimentos oriundos da Segunda Guerra Mundial. A organizadora, na Apresentação da obra, como quem convida para tomar um café na sala de estar ou no escritório, explica um pouco da trajetória da construção do livro, quando decidiu convidar outros historiadores para o debate/reflexão sobre o tema. Em suas palavras, “Um período tão rico da nossa história, que muitas vezes é negligenciado por se pensar que a guerra foi bem longe daqui…Ledo engano, pois se o front ocorreu do outro lado do Oceano, aqui também se fez presente, atingindo as mentes e os corações tupiniquins, especialmente os que habitam esta região do país” (p. 09). Movida por esse desejo de ampliar, unir e socializar pesquisas, foi que a presente coletânea teve sua origem.
O livro Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial, além da sincera e pertinente Apresentação assinada pela organizadora, é composto por quatorze capítulos, todos debatendo sobre o conflito mundial e suas vinculações com alguma cidade ou capital do Nordeste. São dois capítulos ambientados em Sergipe, dois em Pernambuco, dois na Bahia, três no Rio Grande do Norte, um no Piauí, um na Paraíba, um no Ceará, um no Maranhão, um em Alagoas. A disposição dos capítulos não segue uma “lógica” específica, nem de recorte temporal e nem de agrupamento dos estados, tendo o tema da Segunda Guerra como único elemento aglutinador. Isso, ao contrário do que se possa pensar inicialmente, atribui mais leveza e fluidez à leitura, pois promove dinâmica na exposição dos objetos selecionados. Ao final, somos apresentados aos autores dos capítulos, com um breve resumo biográfico, com suas titulações e filiações acadêmicas.
Mais que uma coletânea de artigos produzidos eximiamente por estudiosos e especialistas na temática. É um referencial para e na historiografia, sobretudo no que tange ao capricho teórico-metodológico. Não se trata de um esforço de “encaixar” o Nordeste brasileiro em um episódio ou em acontecimentos, ou ainda, de “fazer” o Nordeste parte daquele momento beligerante da História mundial. Os estudos que integram a coletânea transitam, conscientemente, entre os limites e possibilidades das questões plurais de fronteira. São autores estão compromissados em “fazer” História, que, por sua vez, está imersa em temporalidades e espacialidades que ora se cruzam, ora se distanciam. Essa alternância se justifica, em grande medida, em decorrência das escolhas e recortes que os pesquisadores fazem. Isso é inerente ao campo científico da História. A percepção desse contraditório limite/expansão do termo “fronteira” é, também, uma tentativa de desnaturalizar o regional, o nacional ou o global como conceitos essenciais, prontos e imutáveis.
O esmero da obra, de fato, já se apresenta no excelente projeto gráfico da capa, que não faz o papel unicamente de adornar o livro. A capa em si já é o compromisso com o despertar e o refletir sobre o que, de forma direta e concisa, aponta o próprio título da obra. Imagens de espaços, sujeitos, momentos e ações diferentes, agrupadas como recortes que compõem uma colagem, isso tudo leva o leitor a pensar no caráter lacunar da história e na posição indelével do historiador, sobretudo no levantamento, na interpretação e na síntese que faz com e sobre as fontes. Fontes escritas, orais e audiovisuais, somadas a mapas, dados numéricos e gráficos, são exemplos da diversificação de olhares sobre os quais os autores se debruçaram para imprimirem suas análises, na presente obra coletiva. As fontes são lidas, problematizadas e interpretadas cuidadosamente à luz da teoria e da historiografia sobre a História da Guerra, a História nacional e das particularidades locais e regionais. Por essa razão, é que, de certa forma, os capítulos travam diálogos com múltiplas especialidades da História, como a história econômica, a história política, a história urbana, a história do cotidiano, a história cultural. No tocante à História Oral, Luiz Gustavo Costa sintetiza bem o seu uso nesta coletânea, ao afirmar que “não se buscou construir ou reconstruir conceitos historiográficos, mas abordagens que permitissem contornar caminhos alternativos embasados em critérios na busca constante em pesquisar determinadas entrelinhas” (p. 272). Cada capítulo aborda entrelinhas que, até então, ainda eram carentes de pesquisa e de conhecimento de um público mais amplo.
São artigos que transitam por variadas possibilidades de interconexões do fazer historiográfico. Por se tratar de um conjunto de pesquisas sobre uma das mais impactantes desventuras do mundo moderno, a Segunda Guerra Mundial, os textos podem ser lidos e interpretados a partir de alguns vieses de entendimento, como a História Política, no esteio daquilo que René Remónd (1997), e seus colaboradores, propunham pensar o mundo da vida política em seus muitos horizontes. Nesse sentido, os artigos que compõem o Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial apontam para como, em diferentes configurações culturais, econômicas, sociais e culturais, as políticas de atuação naquele episódio beligerante eram encaminhadas. Quando se fala de atuação, aqui, fala-se em convocação, participação, resistência, apoio, negação, medo, expectativa, imaginário, representações e demais alcances da Guerra no cenário nordestino.
O espaço e as suas subjetividades, corroborando a ideia de que os limites e fronteiras devem ser percebidos e problematizados em diferentes configurações, são, também, uma perspectiva potencial com a qual o leitor vai se deparar. As inúmeras bifurcações, ou melhor, os múltiplos veios entre o global, o nacional e o regional ganham ainda mais complexidade e viabilidade quando, em meio a tantos artigos, é possível se deparar com estudos que abordam o tema tomando um bairro como recorte espacial e se constitui como objeto.
Os gatilhos para a construção de um objeto de estudo são praticamente ilimitados. O leitor vai se surpreender como os autores aqui reunidos buscaram, em diferentes fontes e matrizes teóricas, a maneira particular de analisar e de apresentar seus olhares sobre a Guerra. O cotidiano, em variadas expressões foi tomado por alguns dos autores, como o fio que os levassem à problematização e construção de suas narrativas.
O desconhecido, o conflito, o medo, a força, a violência, o sonho, a esperança são alguns dos sentimentos que, em boa medida, podem ser percebidos nos textos agrupados. Ataques por mar e terra, espionagem, censura, representações, imprensa, discursos, morte, pobreza e precarização das condições de vida são tópicos e temas analisados ao longo da coletânea, como pode ser notado nos capítulos de autoria de Luana Carvalho, de Juliana Campos Leite, de Armando Siqueira. Episódios sangrentos e violentos, como aqueles do “Pearl Harbor brasileiro”, em Sergipe, discutido por Dilton Cândido Maynard, são revisitados para compreender os alcances simbólicos, imaginários, diplomáticos e políticos e políticos daquele conflito bélico de escala mundial. O mesmo terror é analisado no capítulo assinado em coautoria por Luiz Pinto Cruz e Lina de Aras, ao abordar os ataques empreendidos dos submarinos alemães no litoral sergipano. As relações diretas e indiretas entre os norte-americanos e alguns políticos e lideranças brasileiros são discutidas em diferentes abordagens, como é abordado pelos capítulos de autoria de Anna Cordeiro e de Raquel Silva. Os impactos sociais e urbanos também são analisados nos textos de Osias Santos Filho e de Sérgio Lima Conceição.
Nesse entremeio de textos e análises, é possível historicizar a Segunda Guerra Mundial a partir das críticas e sátiras que blocos de carnaval faziam, após a Guerra, sobre como a sociedade se comportava e representava aquele momento. O carnaval pós-guerra é tomado, então, como um sinalizador para as ranhuras, relações e sociabilidades que o contato, direto ou indireto com a Guerra, causou. Esse é o caso de Fortaleza, com o bloco dos CocaColas. Tal bloco, como discute o historiador Antônio Luiz Macêdo e Silva Filho. Diversão, irreverência e crítica, como têm sido as maiores marcas do carnaval ao longo dos tempos, se encontram para pensar sobre aquele período e sobre a sociedade. O Carnaval é também mencionado por Flávia de Sá Pedreira, em capítulo de sua autoria, quando a autora sobre os discursos acerca da produção artístico-cultural da cidade de Natal, sobretudo a partir do posicionamento de intelectuais, como Luís da Câmara Cascudo. A Segunda Guerra foi uma experiência com proporções quase imensuráveis e, como afirma Antônio Luiz Silva Filho, “as marcas dessa experiência seguem convidando a novas investigações” (p. 60).
A interseção entre cotidiano e guerra é ampliada em artigos como o de Daviana Granjeiro da Silva, que aborda aspectos da identidade para pensar o cotidiano em João Pessoa no período de guerra. Assim como as noções de fronteira devem ser desnaturalizadas, a historiadora apresenta, consciente e sutil, a discussão de que as identidades são importantes para as manifestações, mobilizações, acordos e resistências. Além disso, de que, lembrando aqui das identidades plurais propostas por Stuart Hall (2006), os sentidos ou sentimentos de pertencimento perpassam pelas construções e disputas de identidades. Por esse diapasão, Daviana da Silva conclui que “os desdobramentos de um conflito como foi a Segunda Guerra Mundial trazem efeitos para além dos campos de batalhas e do tempo cronológico de duração oficial do confronto, pois alteram modos de vida e visões de mundo de milhares de pessoas, mesmo em lugares tão distantes do front, o que ratifica a relevância de continuarmos estudando e refletindo sobre este momento peculiar de nossa história” (p. 184).
Da mesma maneira que as identidades, as memórias estão afloradas e debatidas ao longo dos textos da presente coletânea. Em alguns, de forma mais evidente e direta, em outros, de maneira mais diluída em subtemas ou na maneira com o trato com as fontes. Em relação a essas, é indispensável mencionar que todos os capítulos lidam com um leque amplo, desde documentos oficiais ligados à Força Expedicionária Brasileira (FEB), bem como depoimentos escritos de intelectuais e literatos, em sua fricção com depoimentos orais. É assim que, por exemplo, a historiadora Clarice Helena Santiago Lira constrói sua narrativa, promovendo o confronto entre diferentes fontes escritas e orais, para falar sobre o processo de mobilização de guerra na sociedade piauiense, utilizando a noção de front interno como mote de reflexão. A autora concluiu seu texto, afirmando que “a memória social sobre o processo de mobilização de guerra na cidade de Teresina não se faz presente, o que também é constatado por pesquisadores que estudam outras cidades brasileiras nessa configuração” (p. 133).
O repertório e manancial teórico e historiográfico são plurais e utilizados com maestria pelos autores da coletânea. A maioria não fugiu do contato inicial com os ensinamentos de referência de Roney Cytrynowicz (2000) e de Marlene de Fáveri (2002), sobretudo no que se refere ao trabalho de mobilização de guerra no Brasil. Além desses, estudiosos como Gerson Moura (1980; 19930), Silvana Goulart (1990), Vágner Alves (2002), Luiz Muniz Bandeira (2007) e Maria Capelato (2009) foram constantemente revisitados pelos historiadores que colaboraram com a presente coletânea. O diálogo empreendido é fluente, fazendo com que historiografia, teoria e empiria sejam colocadas de forma conexa.
No campo estritamente teórico, os capítulos estão ligados pelos meandros da memória, pois, em certa escala, abordam comunidades de memória ou grupos de memória. Essa concepção de memória, no lastro do que sugere Paul Connerton (1993), em que grupo assume tanto dimensões mais particulares de pequenas sociedades, quanto as dimensões mais complexas e, territorialmente falando, mais extensas. Nesse sentido, os grupos de pessoas de um bairro, de uma cidade, de um agrupamento militar, de lideranças políticas e intelectuais estão imersos nesse deslizamento entre o particular e geral do grupo, constituindo memórias singulares e plurais sobre a Guerra, seus agentes, sobre os espaços e temporalidades. De forma mais abrangente, ainda é viável ler toda a coletânea a partir dos conceitos de sistemas denominados de finalidade e causalidade, como propostos por Jean Baptiste Duroselle (2000), pois desde a movimentação política dos Estados até as reverberações sociais e cotidianas da população, tais sistemas estão manifestados.
Grande parte da riqueza e da importância desta coletânea está no fato de que, conforme a organizadora da obra, a historiadora Flávia de Sá Pedreira, “a indiscutível posição geográfica desta região do país muito contribuiu para o desfecho vitorioso dos países Aliados. A discussão a sobre a necessidade de se construir bases aéreas norte-americanas aqui demorou cerca de três anos, com intensas negociações entre os governos brasileiro e estadunidense. Com a instalação das bases, a partir de dezembro de 1941, o contato entre a população local e os estrangeiros fez-se de forma nem sempre harmoniosa, passando de uma convivência inicialmente cordial à confrontação explícita, principalmente na fase de racionamento em prol do ‘esforço da guerra’” (p. 08). A presente coletânea é um convite ao leitor, para que histórias antes silenciadas ou pouco conhecidas sejam retiradas das trincheiras do esquecimento. É um esforço coletivo em levar para o front da historiografia sujeitos e histórias responsáveis por inúmeras experiências urbanas da Guerra do outro lado do Oceano, do lado brasileiro, do lado nordestino. É importante frisar que, mesmo que cada autor presente nesta obra já tenha publicado inúmeros artigos em periódicos especializados e ter os apresentado em muitos eventos acadêmico-científicos, este livro se materializa como um símbolo e um norte para que novos pesquisadores e estudiosos sintam-se cada vez mais impelidos ao combate, no sentido amplo defendido por Lucien Febvre (1989). Mais que uma obra cujo público seria formado exclusivamente os especialistas e estudiosos das e nas universidades. A obra tem um alcance além, pois as narrativas, mesmo atendendo ao rigor científico e metodológico, não se distanciam da facilidade de compreensão por parte de qualquer público leitor interessado. Movidos pelo dever e pela responsabilidade de (re)escrever a História, em seus múltiplos vieses e horizontes.
Referências
PEDREIRA, Flávia de Sá (Org.). Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial. São Paulo: LCTE, 2019, 340p.
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. São Paulo: EDUNESP, 2009.
CONNERTON, Paul. Como as sociedades recordam. Portugal: Celta, 1993.
DUROSELLE, Jean Baptiste. Todo império perecerá. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 2. ed. Lisboa: Editora Presença, 1989.
GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. CNPq/Marco Zero, 1990.
HALL, Stuart. O Global, o local e o retorno da etnia. In: HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
MOURA, Gerson. Autonomia na dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
______. Neutralidade dependente: o caso do Brasil, 1939-1942. Estudos Históricos, v. 6, n. 12, Rio de Janeiro, 1993.
MUNIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Fundação Getúlio Vargas, 1997.
Pedro Pio Fontineles Filho – Doutor em História Social (UFC). Mestre e Especialista em História do Brasil (UFPI). Graduado em História (UESPI). Graduado em Letras-Inglês (UFPI). Professor do Programa de Pós-Graduação em História (UFPI). Professor do Mestrado Profissional – PROFHISTÓRIA (UESPI). Professor do Curso de História (UESPI/CCM). E-mail: ppio26@hotmail.com
PEDREIRA, Flávia de Sá (Org.). Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial. São Paulo: LCTE, 2019. Resenha de: FONTINELES FILHO, Pedro Pio. Além das Trincheiras e do Front: escritas sobre o Nordeste brasileiro e a Segunda Guerra Mundial. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.10, n.1, p. 269- 275, 2019. Acessar publicação original [DR]
From the Kingdom of Kongo to Congo Square: Kongo Dances and the Origins of the Mardi Gras Indians | Jeroen Dewulf
Em seu último livro, Jeroen Dewulf, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, pretende compreender as origens dos Mardi Gras Indians, performance negra central no carnaval da cidade de Nova Orleans, Luisiana, EUA. Sua tese central fica evidenciada logo no título do livro: Do Reino do Kongo, na África Central, à Congo Square, em Nova Orleans. Ou seja, as Kongo Dances (danças do Congo) – performances negras descritas nas fontes desde o final do século XVIII – podem ser rastreadas até às danças de guerra simuladas no antigo Reino do Congo, que ficava a noroeste da atual Angola, nos séculos XVI e XVII, e seriam a base para reinvenções até a criação dos Mardi Gras Indians da atualidade.1 Essas reinvenções e adaptações respondiam aos desafios sociais que os africanos e seus descendentes enfrentavam nas Américas. Performances congolesas, portanto, devem ser entendidas como atos entre a tradição e a adaptação. “Eram mais tradições ‘inventivas’ do que ‘inventadas’” (p. 17). Leia Mais
História e Linguagens / Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade / 2019
Às interlocutoras e aos interlocutores desta edição,
Os artigos de História e Linguagens da Revista Cordis, n. 23 do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade (NEHSC), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), alinhavam uma seleção de trabalhos tomados pelo viés interdisciplinar no campo das ciências humanas, de modo a exercer possíveis convergências – e por que também não, divergências? – entre debates correntes nas produções contemporâneas, cujas próprias fronteiras epistemológicas são borradas. Assim que a modernidade, seus conflitos e tensões, são um tema caro a esta edição, seja na literatura, no cinema, nos padrões estéticos ou, no limite, nos próprios padrões de civilidade que assinam a virada do século XIX para o século XX em páginas de almanaques, crônicas e padrões de beleza.
O elemento urbano, imagem clássica evocada pela gestação da grande cidade, pelo anonimato e a impessoalidade das multidões, ganham lume frente à iluminação pública do Oitocentos e às novas perspectivas histórico-sociais que engendradas por esse processo. Afinal, em que sentido os aspectos diacrônicos desse “moderno” produzem novos contextos sociais? Essa pergunta ampla é que estrutura a nova edição da Revista Cordis.
No primeiro artigo, “Cidade e história nas lentes do cinema”, Marcelo Florio trabalha o filme “A montanha dos sete abutres” (1951) de Billy Wilder, em que debate a “construção da ruína” tanto pela indústria jornalística quanto pelo indivíduo, e aqui nosso primeiro ponto de tensão com a modernidade, ou seja, a relação entre o sujeito individualizado – e individualista, frente aos interesses coletivos que diriam respeito à sociedade, mas, que sucumbem frente aos interesses privatistas da indústria midiática, específicos de um “campo relativamente autônomo” da vida social, com agentes em disputa nos termos e no sentido de Bourdieu, que Florio recoloca a partir do cinema e da imagem.
No segundo artigo, trabalho “Uma leitura iconográfica dos aspectos socioculturais da Rua do Triumpho por meio da linguagem cinematográfica” de Edinei Pereira da Silva, nos trás uma leitura iconográfica da cidade de São Paulo, com recorte específico do Bairro da Luz, a partir do documentário “Uma Rua chamada Triumpho (1969-70)” de Ozualdo Candeias. O pesquisador toma metodologicamente o cinema como documento a partir das representações sociais.
No terceiro artigo, “A literatura pulp fiction de Patrícia Galvão” – a dita literatura pulp fiction, considerada como gênero menor, forma de entretenimento popular no século XX nos EUA, é retomada por Francisco Carlos Ribeiro e Olga Brites que abordam a penetração desta linguagem na literatura policial brasileira tomando as especificidades da antropofagia cultural na obra de Patrícia Galvão (Pagu), em seus contos publicados na revista Detective, sob o pseudônimo de King Shelter nos anos 40. A crônica surge aqui como expressão estética na linguagem literária dentro da dinâmica e particularidade da estética modernista.
No quarto artigo: “A crônica e a cidade moderna: temporalidades do efêmero”, Leonardo da Silva Claudiano retoma por “uma conversa casual” – para usarmos os termos do próprio autor – as vozes da multidão que ecoam pela cidade mais rápida, mais fugaz e que emerge justamente no século XIX, contada por seus cronistas. O artigo aborda a construção de um cotidiano produzido por novos elementos da modernidade citadina, que entrecruza, por essa perspectiva os eixos: literatura, história e cidade, da crônica como experiência urbana.
No quinto artigo, saímos da crônica para as páginas do almanaque em “Almanaques de Rio Claro: cidade letrada, cidade do progresso (1873, 1895 e 1906)”. Neste trabalho, Arrovani Luiz Fonseca aborda justamente essa experiência do moderno pela perspectiva de mobilidade social – contraposta à sociedade tradicional, e que toma o “Almanaque” como projeto de poder civilizatório, simbolizando a prosperidade da pujante cafeicultura – e aqui ainda na virada do século XX, pela “concepção de cidade letrada” de Angel Rama – e aqui as profissões liberais, a ascensão do intelectual público nascem como projeto civilização a partir do ideário de progresso da “palavra escrita” em contrapartida às ambivalências da cidade Rio Claro.
No sexto artigo, os padrões estéticos de elemento modernos são trabalhados no texto: “Entre fotografias, anúncios e cartões postais: os discursos médicos produzindo imagens de beleza e saúde na Belle Époque paulistana”, de Marcia Barros Valdivia que problematiza os discursos médicos e as práticas eugênicas e higiênicas na construção de determinados padrões estéticos que, gestados ainda no século XIX, remanescem entre os séculos XX e XXI, bem como a circulação de um determinado padrão de beleza acompanhando mudanças éticas e estéticas que são difundidas acompanhando transformações econômicas no contexto da Europa central e das novidades tecnológicas trazidas pelo discurso hegemônico da modernidade, aliás, ponto de crítica da autora.
No sétimo artigo “O eterno retorno: as comissões de frente das escolas de samba do Rio e Janeiro no descompasso da modernidade (2000-2018)”, Elizeu de Miranda Corrêa perscruta os efeitos da modernidade no cotidiano em termos de “segregação institucional” a partir de fontes historiográficas, com as quais o pesquisador apresenta as mudanças decorrentes da introdução de novas tecnologias e, no limite, novos padrões estéticos às comissões de frente das escolas de samba do Rio de Janeiro sob uma influencia direta dos padrões de gosto determinados pelo mercado e consumo na perspectiva de Anthony Giddens. O autor articula o eixo ético-estético no contexto mais recente e tensiona a modernidade de modo crítico aos limites do poder econômico.
Naturalmente que o consumo é tema estrutural da modernidade. Se a expansão econômica acelerou processos e o tempo da vida nas metrópoles, ele criou mercados, especializou setores e profissionais e autonomizou o campo econômico em relação ao próprio Estado. A escolha dos dois últimos trabalhos são os aqui chamados “trabalhos divergentes”. Tratam-se de produções que focam aspectos mais resultantes dessas transformações de caráter morfológico das dinâmicas sociais.
No oitavo artigo: “Patrimônio Cultural Imaterial. A importância social do patrimônio Imaterial conforme sua trajetória” de Maria Luíza Belo Camargo e Veruschka de Sales Azevedo, vemos a relação entre mercado de consumo e padronização, aqui colocados pelo turismo, e a partir das tensões presentes no que tange o patrimônio cultural imaterial e sua regulamentação. Oposição clara entre passado e presente que permeiam uma construção de moderno que funciona como se esquecesse seu passado, ao menos em relação às políticas de patrimônio.
Finalmente, o nono artigo é mais específico de um contexto propriamente mediado pelo consumo, o trabalho “Comunicação para a transformação: empreendedorismo e inovação social no projeto pedagógico no curso de publicidade e propaganda” de Marina Jugue Chinem aborda questões ligadas à comunicação em termos de mercado e circulação monetária, isto é, de um ponto de vista técnico, a partir da publicidade e da comunicação participativa, e nos revela o processo de criação do gosto pelo mercado de consumo
Boa leitura!
Bruno Cuer – Sociólogo, doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. Colaborador da Revista Cordis e professor pela Universidade Guarulhos – UnG. E-mail: brunomarko@gmail.com
CUER, Bruno. Apresentação. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade, São Paulo, n.23, 2019. Acessar publicação original [DR]
Slave Traders by Invitation: West Africa’s Slave Coast in the Precolonial Era | Finn Fuglestad
“Traficantes de escravos por convite”: esse é o título do livro de Finn Fuglestad, professor da Universidade de Oslo. Antes desse trabalho, Fuglestad era mais conhecido por seu livro A History of Niger, publicado em 1983.1 Entre as duas obras, o autor publicou diversos capítulos de livros e textos de referência sobre história africana. Ou seja, estamos falando de alguém bastante experimentado nos meandros desse campo de estudos. Leia Mais
Grecorromana, Revista Chilena de Estudios Clásicos. Santiago, v.1, n.1, 2019.
ARTÍCULOS
- Alberto Bernabé, “Sobre el dios de Jenófanes”
- Universidad Complutense de Madrid
- Aldo Spano, “Le indecisioni di Sparta. Alcune osservazioni sulla rappresentazione di Sparta e Samo nel III libro delle Storie di Erodoto”
Università di Pisa - Matías Leiva, “La posibilidad de la episteme en la ética aristotélica”
- Universidad de los Andes
- Francesc Casadesús Bordoy, “El arte de leer: lectura provechosa, creativa y transformadora en las cartas a Lucilio de Séneca y su recepción en Montaigne y Nietzsche”
- Universitat de les Illes Balears
RESEÑAS
- Héctor García Cataldo, “Sebastián Aguilera Quiroz, Heráclito. ΛΟΓΟΣ ΠΕΡΙ ΤΟΥ ΠΑΝΤΟΣ. Discurso acerca del todo, Editorial Nadal, 2018, pp. 122”
- Pontificia Universidad Católica de Valparaíso
- María Gabriela Huidobro Salazar, “Donoso Johnson, Paulo, Recepción histórica y política de las Historias de Tucídides. Algunos casos en lengua hispana. Serie Monografías Históricas, n° 24, Instituto de Historia, Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Ediciones Universitarias de Valparaíso, Chile, 2018, pp. 205”
- Universidad Andrés Bello
An African Slaving Port and the Atlantic World: Benguela and its Hinterland | Mariana P. Candido || The Atlantic Slave Trade from West Central Africa/1780-1867 | Daniel B. Domingues da Silva
O comércio transatlântico de escravos é um campo de estudos já bastante desenvolvido, e de crescente interesse, pelo menos nas últimas três décadas. Um número significativo de pesquisadores tem enfatizado o papel dos comerciantes de escravos do Atlântico Norte no tráfico de seres humanos, do século XVII ao XIX, bem como o impacto da escravização e exportação de cativos sobre as sociedades africanas. No entanto, o tráfico no Atlântico Sul, principalmente entre o Brasil e a África Central – nomeadamente Congo e Angola – atraiu menos atenção do que merece, dado que quase a metade dos escravos deportados através do Atlântico para as Américas veio daquela região, nos cerca de cem anos entre meados do século XVIII até a abolição do tráfico escravista, em meados do século seguinte. Leia Mais
História de un Pasaje-mundo. El estrecho de Magallanes en el siglo de su descubrimiento | Mauricio Onetto
No ano de 2019, a rememoração de algumas datas traz para a discussão acontecimentos e suas consequências, as memórias que se construíram, os movimentos de legitimação e de contestação desenvolvidos. Há 500 anos, em 20 de setembro de 1519, Fernão de Magalhães e Juan Sebastián Elcano começaram a viagem de circum-navegação e, em 8 de novembro do mesmo ano, Fernão Cortez entrou na cidade de Tenochtitlán. Essas datas estão entre as mais significativas do início do período moderno e, para muitos estudiosos, contribuíram para conformar a própria modernidade.
Aliado a essas efemérides, verifica-se nos últimos anos o crescimento da atenção dos historiadores com o grande público, de todas as idades. O que é denominado história pública não é produzido apenas por historiadores de ofício, mas a participação desses estudiosos na problematização de questões históricas em diálogo com um público ampliado, externo à academia, está na ordem do dia. Trata-se de uma vertente de abordagens voltada às representações públicas do passado. Leia Mais
Descobrir | Tzvetan Todorov
Tzvetan Todorov foi um filósofo e linguista búlgaro, com formação acadêmica na Universidade de Sofia, Bulgária. Influenciado pelo seu instrutor Roland Barthes, um dos mais respeitados teóricos do estruturalismo (método no qual elementos da cultura humana devem ser entendidos em face de sua relação com um sistema ou estrutura mais abrangente), o pensamento de Todorov direciona-se para a filosofia da linguagem, numa visão estruturalista que a concebe como parte da semiótica (saussuriana).
Todorov foi professor da École Pratique Des Hautes Etudes, da Universidade de Yale, diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica de Paris (CNRS) e dirigiu o Centro de Pesquisa sobre as Artes e a Linguagem da mesma cidade. Ele produziu vastas obras na área de pesquisa linguística e teoria literária e que estão hoje traduzidas em vinte e cinco idiomas. Em sua obra: “A conquista da América: A questão do outro”, Tzvetan Todorov analisa a conquista da América sob a questão do outro, a qual ele estabelece como unidade de ação a percepção que os espanhóis têm dos índios nesse contexto de conquista, além de expor suas pesquisas a respeito do conceito de alteridade, existentes na relação de indivíduos pertencentes a grupos sociais diversos, cujo objeto central justifica-se na própria situação do autor, que é imigrante na França, um país onde supostamente a relação entre nacionais e estrangeiros é historicamente marcada por um xenofobismo não declarado. Leia Mais
Histórica. Lima, v.43, n.2, 2019.
Debates y proyectos sobre la fundación de nuevos distritos inquisitoriales en América y Asia (siglos XVI-XIX).
- Jaqueline Vassallo, Miguel Rodrigues Lourenço
Artículos
- ¿Gestión de la distancia o reajuste de jurisdicciones? La propuesta de fundación de un tribunal del Santo Oficio en las Filipinas por el jesuita Francisco Velho (1658)
- Miguel Rodrigues Lourenço
- El establecimiento de la Inquisición en Brasil: un proyecto frustrado
- Ana Margarida Santos Pereira
- Los proyectos de instauración de tribunales de la Inquisición en la frontera urbana colonial de la región «platina»: Tucumán y Río de la Plata (siglos XVII-XVIII)
- Jaqueline Vassallo
- Contra los gravísimos males que combaten la Religión y el Estado: Inquisición e Iglesia en Cuba a inicios del siglo XIX
- Consolación Fernández Mellén
Notas
- Plateros para el Inca: la traducción de documentos en lengua general al castellano en la Audiencia de Lima a fines del siglo XVII
- José Carlos De La Puente Luna
Reseñas
- Bonialian, Mariano Alberto. La América Española: entre el Pacífico y el Atlántico. Globalización mercantil y economía política, 1540-1840. Ciudad de México: El Colegio de México, 2019, 446 pp.
- Arturo Giráldez
- Hernández García, Elizabeth. José de la Riva-Agüero y Sánchez Boquete (1783-1858), primer presidente del Perú. Lima: Fondo Editorial del Congreso del Perú e Instituto Riva-Agüero, 2019, 310 pp.
- Hugo Pereyra Plasencia
História Oral. Rio de Janeiro, v.21, n.2, 2018.
Testemunhos: imagens e narrativas orais
- Expediente
- Arthuro Luiz Grechi De Carlos
APRESENTAÇÃO
- Apresentação
- Regina Beatriz Guimarães Neto, Sara Oliveira Farias
- DOSSIÊ
- Entre tempos e olhares: sobre a noção de testemunho na prática artística de Rosângela Rennó.
- Ana Maria Mauad
- Operação Papai Noel e as crianças em situação de rua: vivências e testemunhos de infâncias perdidas (Recife – década de 1980)
- Humberto da Silva Miranda
- “Um dia você há de escrever a história deles!’: identidade, historiadores e grupos de pesquisa
- Bruna Silva, Beatriz Anselmo Olinto, Marcos Nestor Stein
- Narrativas do colonato: resistências cotidianas e porta-vozes no Sudeste cafeeiro – RJ
- Marcus Dezemone
- Os ecos da II Guerra Mundial entre piemonteses: diário de guerra e narrativa oral sobre a Diocese de Alba
- Francisco Fagundes de Paiva Neto
ARTIGOS VARIADOS
- A comissão da Verdade da Universidade Federal do Pará: A criação de um acervo digital com testemunhos de violação de direitos humanos.
- Edilza Joana Fontes
- Historia oral y migraciones internas: mujeres migrantes en el Partido de General Sarmiento (Argentina, mediados del siglo XX)
- Erica Cubilla
ENTREVISTAS
- Entre a história pública e a história digital: a oficina historiográfica de Bruno Leal e o Café História
- Fagno da Silva Soares
RESENHAS
- Uma história do medo: o anticomunismo católico no Rio Grande do Sul
- Marcos Fábio Freire Montysuma
PUBLICADO: 2019-02-01
Quantitative Methods in Archaeology Using R – David Carlson
David Carlson. www.researchgate.net/project/Quantitative-Methods-in-Archaeology-Using-R
Los métodos cuantitativos ocupan un lugar central en la arqueología contemporánea y son objeto de numerosas publicaciones cada año, desde manuales universitarios hasta artículos teóricos y técnicos. Su desarrollo va de la mano del acceso a recursos informáticos cada vez más potentes y versátiles, tanto hardware como software. En el caso de las aplicaciones estadísticas se cuenta con soluciones propietarias y de código abierto. Entre las segundas se destacan lenguajes de programación como Python o R. Aquí haremos foco sobre el segundo de estos lenguajes y sobre un manual de reciente publicación: Quantitative Methods in Archaeology Using R, de David L. Carlson, publicado en 2017 por Cambridge University Press.
Res un lenguaje especializado en análisis estadístico y la generación de gráficas (plots), mantenido, distribuido y documentado por CRAN Project (Comprehensive R Archive Network). Además de la gratuidad, las ventajas de R incluyen flexibilidad y potencia analíticas, la posibilidad de almacenar todos los pasos de un análisis y una biblioteca de paquetes desarrollada por la comunidad de usuarios, que contempla una gama exhaustiva de disciplinas y técnicas. Finalmente, con un dominio mínimo de R es posible crear funciones y paquetes nuevos, existiendo ya algunos específicos para arqueología (e. g. Price et al., 2016).
La principal desventaja de Res que la casi totalidad de las operaciones se realizan por medio de una consola de comandos o de un archivo de código fuente y, por lo tanto, es necesario conocer su sintaxis y la forma en que una función opera sobre distintas estructuras de datos (vectores, listas, data frames). Si bien Rcuenta con una amplia documentación y bibliografía, más tutoriales y foros de discusión de programadores como stackoverflow, hay muy pocos textos introductorios dedicados a su aplicación en arqueología. Quantitative Methods in Archaeology Using R (QMARen adelante) realiza una contribución muy importante a la cobertura de esta vacancia. El autor, David L. Carlson, fue profesor de antropología de la Universidad de Texas A&M hasta 2019 y el manual reseñado es la síntesis de su labor docente al frente de cursos de grado en métodos investigación arqueológica, además de su experiencia investigativa. Previamente, Carlson ya había escrito guías auxiliares de R para manuales introductorios de estadística arqueológica (e. g. Drennan, 2010; Shennan, 1997).
La meta de QMARes brindar una guía práctica a la aplicación en Rde distintas técnicas estadísticas. El manual cubre al menos dos áreas. En primer lugar, introduce el lenguaje R al público inexperto, familiarizando al lector con la instalación, interfaz de usuario, paquetes y librerías, importación de datos, sintaxis, operaciones y conceptos centrales de la programación orientada a objetos (funciones, clases e instancias de objetos, tipos de datos, etc.). A lo largo de los capítulos, a la par que se introducen distintos tipos de análisis, Carlson brinda ejemplos paso a paso de codificación, nuevas librerías y funciones, preparación de datos para análisis o de cómo agregar detalles a las figuras. Cada capítulo cierra con una lista completa de las funciones utilizadas. Segundo, QMAR brinda un arsenal amplio de aproximaciones cuantitativas a los datos arqueológicos. La introducción repasa algunos de los grandes problemas y preguntas de la arqueología. En ella se describen los distintos tipos de medidas utilizadas (dicotómicas, nominales, ordinales, numéricas, etc.), se clasifican los datos cuantitativos de la arqueología en cuatro tipos -de forma, composición, edad y localización- y se reseñan cuatro grandes áreas de los métodos cuantitativos -estadísticas descriptiva, inferencial y bayesiana y aprendizaje estadístico. A partir del capítulo 3 el libro hace un recorrido progresivo que inicia con la estadística descriptiva, la generación de tablas y gráficos, siguiendo con la transformación de datos (distribución, ponderación, escalado, etc.), la contrastación de hipótesis, análisis de correlación, técnicas exploratorias multivariadas, culminando con algunos problemas y técnicas específicas de arqueología, tales como la distribución espacial de hallazgos, seriación y diversidad de conjuntos artefactuales. Al explicar un método, Carlson detalla su base teórica y metodológica, su alcance y cómo interpretar su resultados. Las demostraciones del manual se basan en datasets arqueológicos reunidos en la librería archdata de R, de manera que el lector pueda reproducirlos. Como cabe esperar, QMARno agota el extenso arsenal de métodos cuantitativos disponibles hoy (e.g. estadística bayesiana o ciencia de datos), pero da una base adecuada para abordarlos subsecuentemente. Hay que destacar que QMARes también un recetario; el código de un ejemplo puede ser tomado como base y adaptado a nuestros propios datos y problemas. El código completo de los ejercicios está disponible para bajar desde la página web del autor (https://sites.google.com/a/tamu.edu/dlcarlson/home). Carlson pone también a disposición del público guías auxiliares de R para diversos manuales de estadística. Hay que señalar que de una versión a otra de Ro de sus librerías puede variar la sintaxis de una determinada función, por lo que a veces podemos vernos en la necesidad de modificar un comando.
Es muy probable que en los próximos años seamos testigos de un uso más extendido de R y, probablemente, Python entre los arqueólogos de América Latina. Es por ello que QMAR es un excelente punto de partida.
Carlson, D. L. (2017). Quantitative Methods in Archaeology Using R. Cambridge: Cambridge University Press Drennan, R. D. (2010). Statistics for archaeologists. Springer.
Shennan, S. (1997). Quantifying archaeology. University of Iowa Press.
Carlos Belotti López de Medina – Es doctor en arqueología por la Universidad de Buenos Aires y actualmente se desempeña como investigador en el Instituto de las Culturas (IDECU, UBA, CONICET). Su especialidad es la zooarqueología de las sociedades agroalfareras del Noroeste argentino.
Para citar este texto:
CARLSON, David L. Quantitative Methods in Archaeology Using R. Cambridge Manuals in Archaeology. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. Resenha de: BELOTTI, Carlos. Revista de Arqueología Histórica Argentina y Latinoamericana, Buenos Aires, v.2, n.13, p.101-104, 2019.
Ditadura e seus espaços de repressão / Revista Espacialidades / 2019
Compreender os regimes ditatoriais ao longo da história consiste em tarefa complexa e ampla. As ditaduras não seguem uma regra, não possuem em suas bases fundamentos universais, nem apresentam, ou podem ser representadas, por um modelo específico. Todavia, apesar das especificidades pertinentes de cada contexto histórico, as ditaduras expressam uma marca que as interliga: a repressão e, por conseguinte, seus movimentos de oposição. Dito isso, o presente dossiê tem por objetivo compreender os regimes ditatoriais a partir dos seus mais diversos Espaços de Repressão, suscitando, assim, contribuições para aprofundarmo-nos neste debate tão premente para a atualidade.
Foco e escopo da Revista, este dossiê, pois, toma o domínio espacial como princípio norteador das discussões levantadas. Tendo o espaço como campo privilegiado de análise, assume-se uma postura de verificação dos atos de repressão e de resistência ao regime autoritário sob uma ótica não tão comum, desta forma, visando suprir a necessidade de refletir sobre as experiências ditatoriais, tanto para o preenchimento das lacunas acadêmicas sobre o tema e o enfoque espacial, como para que as sociedades possam se apropriar do conhecimento sobre o passado e refutar práticas autoritárias nos dias de hoje.
A pertinência deste dossiê ainda é ressaltada pelo momento político atual no qual vivemos. Em tempos de relativismos e revisionismos históricos, descrença na ciência – sobretudo a ciência histórica – e desprezo à memória, versar sobre a repressão de regimes ditatoriais e suas profundas marcas na sociedade é fundamental. Deste modo, o liame formulado entre as propostas apresentadas pelos autores, nos leva a confrontar às estruturas autoritárias, percebendo como os valores que atribuímos ao passado podem e devem ser operacionalizados em favor das democracias.
Os textos dos pesquisadores e suas mais variadas metodologias, proposições teóricas, fontes e seus suportes contemplam um amplo debate, que aqui visa as especificidades de temas como a vida pública, censura, tortura, o aparato governamental, as resistências e subversões dentre outros tópicos.
A partir destas concepções, o trabalho “Rumores falam em luta armada: Fortaleza, 1968”, do doutor em História Social / Contemporânea II pela Universidade Federal Fluminense – UFF, e professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE), José Aírton de Farias, abre este dossiê. Tendo a cidade de Fortaleza- CE, como espaço de repercussões políticas no ano de 1968, pelas manifestações de agentes estudantis, elabora noções sobre a composição de guerrilha pelos militantes de esquerda, como forma de enfrentamento à ditadura, analisando a inserção de militantes na luta armada, que tão logo foi sufocada pela repressão militar.
Em seguida, realizando uma a análise da obra Situação T / T1, do artista Artur Barrio, apresentada no evento Do Corpo à Terra, em 1970, a autora Tainan Barbosa, mestranda em Estética e Estudos Artísticos, com especialização em Arte e Culturas Políticas, pela Universidade Nova de Lisboa desenvolve o artigo “Um tranca-rua – A guerrilha artística e a Situação T / T1”, com a finalidade de entender de que maneira o campo artístico do período ditatorial brasileiro conjugava a arte de guerrilha, ademais, ressalta o caráter da obra enquanto um ato de resistência, ressaltando esta característica da arte.
No artigo “Militantes e guerrilhas: As mulheres e a ditadura militar no Brasil”, Ana Maria Colling, doutora em História do Brasil pela PUCRS, especialista em história das mulheres e das relações de gênero e professora do PPG em História da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Ary Albuquerque Cavalcanti Junior, doutorando em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e professor de História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, campus Coxim, discutem a participação feminina na história da ditadura militar brasileira, tomando como pressuposto a invisibilização das mulheres como sujeitos históricos desse processo, apesar de que lutaram como guerrilheiras, num espaço dominado pelos homens, como foi a Guerrilha do Araguaia.
Também neste dossiê, Selly Laryssa da Fonsêca Lins, mestranda do Programa de Pós-Graduação em História – UFRN, em seu texto “Espaços de repressão: O uso da maternidade e do feminino enquanto instrumentos de tortura no DOPS – SP, OBAN e Presídio Tiradentes (1969 – 1974)”, aponta as práticas de tortura e mortificações, realizadas nos anos da ditadura, especificamente contra mulheres, na Operação Bandeirantes (OBAN), DOPS – SP e no Presídio Tiradentes, que tinham como objetivo exercer formas de controle e sujeição, por meio de fatores sociais e biológicos da condição feminina, citada como exemplo, a maternidade.
Por conseguinte, Renan Nascimento Reis contribui para este dossiê trazendo à tona um debate sobre os tempos de ditadura na Universidade Federal do Pará. Em seu artigo, “A Universidade Federal do pará em tempos de ditadura: Memórias da criação, modernização e resistência (1957-1973)”, o doutorando em História Social da Amazônia, aborda as experiências vivenciadas nos primeiros dezesseis anos da UFPA (1957-1973), de modo que, através da História Oral, o artigo discute como a comunidade acadêmica vivenciou esse momento e, consequentemente, como a visão dos sujeitos históricos relacionada ao período está, diretamente, vinculada à posição de cada ator envolvido, resultando em memórias conflitantes sobre o mesmo contexto histórico.
Pensando na problemática das violações sistemáticas dos direitos humanos, com foco nas ações exercidas contra a classe dos agentes sociais e estudantes de Serviço Social, durante a ditadura militar no Brasil, executa-se a análise de Betânia Maria Ramos da Silva, mestranda em Serviço Social pela PUC-Rio e Inez Stampa, doutora em Serviço Social e professora associada da Universidade já citada, no artigo “O serviço social na luta contra a ditadura militar (1964-1985)”. Além disso, analisam os aspectos da repressão, a participação de profissionais de Serviço Social na luta contra a ditadura e o papel dos movimentos sociais, sejam artísticos, sindicais, estudantis, religiosos e trabalhadores, no combate ao regime.
No artigo, “Similaridades que perpassam o tempo nas representações ditatoriais”, a doutoranda em Literatura pela Universidade de Brasília – UnB, Andressa Estrela Lima, discute a partir das obras Sombras de reis barbudos (1975) de José J. Veiga e K.: Relato de uma busca (2014) de Bernardo Kucinski, os diálogos entre história, ficção e memória no contexto ditatorial brasileiro, a fim de perceber cenas tanto da vida pública como privada, entendidas pela autora como representações simbólicas do real na literatura.
Em sequência, Juliana Cristina Ferreira, doutoranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) traz à tona a discussão acerca das perdas territoriais e da pobreza sofridas pelas personagens rurais, no contexto do Golpe de 1964 no Brasil, através do artigo “Pobreza e perdas territoriais na obra Machombongo, de Euclides da Cunha”. Tomando a fazenda como espacialidade central onde os trabalhadores sofriam com a miséria, a autora visa se aproximar das relações de poder entre o fazendeiro e os agregados para compreender o processo de desterritorialização que os trabalhadores rurais sofriam.
Finalizando o dossiê temático do atual volume, “Dignidad: A colônia alemã a serviço da repressão chilena (1973-1977)”, escrito por Renata dos Santos de Mattos, mestranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), abordará a comunidade alemã Colonia Dignidad, liderada por Paul Schäfer no Chile. A partir da análise de documentos desclassificados dos EUA, a autora explora a Colonia enquanto espaço de repressão utilizado pelo principal órgão do aparato repressivo chilheno, a Dirección de Inteligencia Nacional (DINA), sob o regime ditatorial de Augusto Pinochet.
Versando sobre a história do Moçambique, Celestino Taperero Fernando, doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Pontífica Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), abre a sessão livre desta edição, objetivando em seu artigo “Operação produção: As estratégias de inserir os chamados improdutivos, parasitas e inimigos da revolução no governo de transição em Moçambique entre 1975 a 1992”, se aproximar das intenções do programa operação produção e as ideias do homem novo, relacionadas ao processo político, econômico e administrativo da revolução socialista em Moçambique pós-independência (1975-1992), com o intuito de discutir sobre os impactos da implementação do programa pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
Também compondo este volume o artigo dos autores Beatriz Rodrigues e Abner Neemias da Cruz, doutorandos no Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – campus Franca), versa sobre uma temática premente para novas perspectivas historiográficas: os estudos pós-coloniais. Para tanto, os autores no texto “Perspectivas historiográficas: Minorias e identidades nacionais pelo enfoque dos estudos subalternos e pós-coloniais”, traçam um panorama acerca dos percursos da produção do saber engendrados pelos estudos subalternos e pós-coloniais, enfatizando a historiografia sobre as minorias, bem como discussões acerca de identidades políticas nacionais ou locais. O artigo conta com um debate introdutório sobre os estudos subalternos; análise da produção de autores importantes para a temática; e, por fim, destaca os aspectos teórico-metodológicos dos estudos subalternos e pós-coloniais para a historiografia contemporânea.
Encerrando a sessão livre, temos a problematização da relação entre a tradição crítica revolucionária e o colonialismo, elaborada por Pablo Almada, pós- doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – Universidade Estadual Paulista (UNESP), em seu artigo “Uma transição pós-colonial? Aproximações do discurso do Movimento das Forças Armadas (MFA) de Portugal aos movimentos de libertação colonial”, desenvolve uma leitura da influência dos movimentos de libertação colonial na África no discurso político da Revolução do 25 de Abril (1974). Percebendo no argumento principal um reposicionamento da participação dos agentes na derrocada do colonialismo salazarista, neste artigo, o autor busca compreender como as dinâmicas políticas pós-coloniais estiveram associadas à abertura democrática portuguesa.
Também compõe o presente volume a resenha “Considerações sobre a necropolítica em Achielle Mbembe”, escrita por Maciana de Freitas e Souza, Bacharela em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e pós-graduada em Saúde Pública pela Faculdade Vale do Jaguaribe. Neste ensaio, intitulado como “Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte”, a autora nos mostra como Achille Mbembe, professor de História e Ciência Política na Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo e Duke University nos Estados Unidos, reflete acerca do conceito de “necropolítica”, de modo que o compreende como o poder estatal sobre o direito, ou não, à vida. A resenha versa, portanto, sobre o tema relacionado à violência ligada à estrutura que organiza as relações sociais, reproduzindo-se no cotidiano dos diversos grupos, sobretudo, no cotidiano da população negra. A discussão sobre temas históricos como colonialismo e escravidão também se faz presente para endossar o debate.
Na sessão “Entrevista”, recebemos com grande estima a colaboração do professor doutor Rodrigo Patto Sá Motta. Professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do CNPq, tendo atuado principalmente no campo da História Política, suas pesquisas com maior destaque discutem o golpe de 1964 e o regime militar, focando na repressão política, anticomunismo, política universitária, memória e atuação da esquerda. Nesta entrevista, Rodrigo Patto discorre sobre as complexas relações entre as universidades brasileiras e o regime militar, a ligação entre a imprensa e a ditadura, e ainda avalia o fenômeno atual do antipetismo.
Finalizando este volume da Revista Espacialidades, trazemos fontes catalogadas pelo Programa de Educação Tutorial em História da Universidade Federal do Ceará – UFC. O corpo documental se refere a história da escravidão no Ceará e auxiliam no mapeamento da compra e venda de escravos ao longo do século XIX, entre 1843 a 1879. A ação faz parte do Projeto Fundo Documental e Guia de Fontes para a História da Escravidão no Ceará, tendo sido realizados entre 2007 e 2012, resultando no mapeamento do corpo documental e catalogação destes, no qual resultou em fichas / resumo e sistematização desses documentos. Tendo catalogado 12 livros, oriundos do Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC). Nesse sentido, a Revista Espacialidades apresenta este material e agradece ao Programa de Educação Tutorial, à Kênia Rios, Viviane Nunes e Tayná Moreira, coordenadoras do projeto.
Equipe editorial. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.15, n. 01, 2019. Acessar publicação original [DR]
Estética em perspectiva – VIEIRA DA SILVA et al (RP)
VIEIRA DA SILVA, Cíntia; GALÉ, Pedro Fernandes; PIMENTA, Pedro Paulo; VIEIRA, Vladimir (org.). Estética em perspectiva. Rio de Janeiro: Editora 7 letras/Capes, Coleção Reverso, 2019. Resenha de: PROENÇA, Fernanda. Rapsódia, São Paulo, v.13, p.267-276, 2019.
O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira | José de Souza Martins
O autor José de Souza Martins é escritor e sociólogo brasileiro. Professor aposentado do Departamento de Sociologia e Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Em sua obra intitulada “Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano” revela a relação existente entre teoria e realidade conflituosa nas fronteiras da Amazônia brasileira, apresentando-a como um lugar privilegiado da observação sociológica e do conhecimento sobre os conflitos e dificuldades próprios da constituição do humano no encontro de sociedades que vivem no seu limite e no limiar da História. Utiliza-se do método materialismo histórico dialético.
No quarto capítulo de sua obra – O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira – revela as noções de frente pioneira e frente de expansão, cuja aproximação e confronto, encontros e desencontros dos diferentes grupos sociais revelam mais do que os conflitos aparentes, juntam e separam pedaços de vida entre a esperança e o destino trágico, que ocorreu em diversos momentos da história regional: escravização do índio, na exploração extrativista da busca pelas drogas do sertão, na coleta do látex, da castanha, etc. Leia Mais
História da saúde no Brasil / Luiz Teixeira, Tânia Pimenta e Gilberto Hochman
Quais questões, abordagens e conceitos mobilizam o campo da história da saúde no Brasil? Quais temas já foram abordados e quais as possibilidades de expansão nesse campo de pesquisas? O que pode ser considerada uma historiografia da saúde? Como diferenciar história da medicina, história da saúde, história das doenças e história das ciências? Esses questionamentos estão na essência da coletânea “História da Saúde no Brasil”, organizada pelos pesquisadores Luiz Teixeira, Tânia Pimenta e Gilberto Hochman, todos da Fundação Oswaldo Cruz. O livro, que reúne uma visão geral sobre os diferentes trabalhos desenvolvidos na instituição em termos de pesquisa histórica, a um só tempo materializa uma visão sobre o passado da saúde no país e uma rede de pesquisadores que têm se dedicado a temas nesse espectro nos últimos trinta anos. Compreender e discutir não somente o conteúdo do livro, mas também o projeto institucional que representa, é fundamental.
Um ponto de partida importante consiste exatamente na definição de campo. Na literatura anglo-saxônica e francesa, a distinção entre história da saúde, da medicina, das doenças e das ciências gera amplos debates que vão além da nomenclatura, envolvendo aspectos metodológico do fazer história (HUISMAN; WARNER, 2006). Os organizadores, na introdução da coletânea, comentam que a história da saúde está consolidada como um campo que reúne diferentes abordagens e perspectivas no Brasil, e que “a elasticidade conceitual e política desse campo permite compreendê-lo, na sua gênese e consolidação, a partir de inúmeras facetas” (HOCHMAN; TEIXEIRA; PIMENTA, 2018, p. 11). Embora a noção de um campo consolidado eclipse as claras diferenças metodológicas e teóricas existentes no cerne da história da saúde no Brasil, é necessário reconhecer que a abrangência da definição permite uma reunião de trabalhos com vieses variados em um mesmo volume, o que torna viável o objetivo do livro em “oferecer a um amplo público, acadêmico e profissional, o estado da arte e as perspectivas de pesquisa sobre os diversos temas de estudos acerca da história da saúde com foco nos aspectos nacionais” (Ibid., p. 19).
Posto isso, um aspecto geral do livro consiste em seu caráter de apresentação de um estado da arte da historiografia da saúde no Brasil, sem oferecer novos argumentos ou interpretações em relação à trajetória de publicações dos autores convidados. Essa característica é fator a ser levado em conta pelo leitor, pois aquele que buscar uma discussão mais aprofundada sobre algum tópico ou um debate renovado sobre temas já clássicos na historiografia não encontrará o que procura. Porém, se o interesse da leitura for o mapeamento mais geral de trabalhos desenvolvidos nas últimas décadas e mesmo uma introdução ao campo, a coletânea trará contribuições interessantes.
Embora sigam uma razoável sequência cronológica, os capítulos entrelaçam bem as tais diferentes perspectivas que o termo história da saúde eclipsa. Os textos com maiores recortes temporais, como o capítulo sobre saúde e doença no Brasil Colonial ou outro sobre a educação médica, adotam o tom de grande narrativa, apontando principais pontos de inflexão nos objetos selecionados e buscando destacar uma dimensão processual dos temas tratados. Por sua vez, capítulos que adotaram uma perspectiva mais historiográfica, como os dedicados à eugenia e à psiquiatria, fugiram um pouco do caráter de grande narrativa e se concentraram mais nos diversos autores e abordagens. Há, ainda, capítulos que lidam com objetos mais circunscritos, especificamente os de autoria de Jaime Benchimol, sobre a revolução pasteuriana, e de Cristina Fonseca, fazendo um balanço das políticas de saúde na Primeira República e na Era Vargas.
Os dois primeiros capítulos da coletânea abordam a saúde e as doenças no Brasil Colonial e no século XX. Articulando vasta literatura recente produzida sobre esses períodos, os textos mostram a multiplicidade de práticas e saberes relacionados às doenças no território brasileiro, explorando tanto as tradições jesuíticas e da medicina oficial europeia quanto as de origem africana e indígena. No capítulo dedicado às doenças do Brasil escravista, Pimenta, Gomes e Kodama detalham as tensões envolvidas entre as diferentes práticas (e praticantes) de cura, mostrando que “terapeutas populares não constituíam um grupo homogêneo que poderia ser tão somente classificado como charlatão, categoria construída historicamente no contexto de luta dos médicos pelo monopólio das artes de curar” (PIMENTA; GOMES; KODAMA, 2018, p. 85).
O terceiro capítulo, assinado por Flávio Edler e Fernando Pires-Alves traça um amplo panorama da educação médica, desde o período colonial até os debates contemporâneos. Entrelaçando aspectos mais específicos de uma história da medicina (bases conceituais e ideológicas da formação profissional, história institucional do ensino médico, especialização) a outros de uma história da saúde pública (relação entre currículo e os sistemas de saúde; cooperações internacionais para a formação de recursos humanos em saúde etc.), os autores apresentam um mosaico de questões que envolvem a compreensão da medicina como profissão e como área do saber no país.
Os capítulos quatro, com autoria de Gisele Sanglard e Luiz Otávio Ferreira, e cinco, escrito por Ana Paula Vosne Martins e Martha de Luna Freire, abordam a história do cuidado à saúde, especificamente quanto à atuação da filantropia e da caridade na organização de redes de assistência e no desenvolvimento de ações para o cuidado com a saúde da mulher e da criança. Um aspecto comum aos dois capítulos repousa na importância da mobilização das elites em torno da saúde, elegendo determinados problemas como objetos de ação das classes dominantes. Como demonstram os autores, a filantropia teve um papel decisivo na estruturação de hospitais e outras instituições e serviços de cuidado à saúde no Brasil, sendo relevante discutir a ação filantrópica e a articulação entre as elites, a saúde e a ciência.
Os capítulos seis, escrito por Jaime Benchimol, e sete, assinado por Anny Jackeline Silveira e Dilene do Nascimento, discutem a partir de diferentes perspectivas a história de três epidemias importantes da história brasileira: febre amarela, na virada do século XIX para o XX, gripe espanhola, no início do século XX, e aids, no final do século XX. A partir da febre amarela, Benchimol explora a trajetória das pesquisas em bacteriologia e de sua articulação à agenda da saúde pública no período, o que envolve a história do Instituto Oswaldo Cruz. Silveira e Nascimento, por sua vez, analisam em diferentes contextos do século XX os impactos sociais de epidemias com grave repercussão no cotidiano. As autoras demonstram como as epidemias evidenciam as negociações da sociedade em torno da medicina e das doenças em um determinado período; no caso específico da influenza e da aids, “elas se tornam um bom termômetro para pensarmos as mudanças de paradigmas da medicina e do controle médico sobre essas ameaças” (SILVEIRA; NASCIMENTO, 2018, p. 323).
Nos capítulos oito e nove, Vanderlei Sebastião de Souza, Robert Wegner, Cristiana Facchinetti e Ana Venancio realizam balanços historiográficos sobre dois subcampos específicos abertos na história da saúde: os estudos acerca da eugenia e a história dos saberes e instituições psi. Em ambos os textos, os autores optaram por mostrar as tendências historiográficas que se estabeleceram na literatura nacional e realizar uma breve história da historiografia sobre os objetos selecionados. É interessante observar que, no complexo mosaico que forma o guarda-chuva da “história da saúde”, eugenia e saberes psi galgaram um espaço próprio, transformando objetos em subcampo, com discussões próprias às redes que se dedicam aos temas.
Finalmente, os dois últimos capítulos, assinados por Cristina Fonseca, Luiz Antonio Teixeira e Carlos Henrique Paiva, abordam uma história da saúde pública no Brasil, especificamente os dois processos mais estudados pela historiografia: a estruturação do aparato público entre a Primeira República e a Era Vargas e o movimento pela reforma sanitária que resultou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS). É necessário observar que esses capítulos abordam um conjunto de questões e conceitos mais próximos da ciência política e da saúde pública, pensando como a construção do setor saúde é intrínseca à história política do país e às ideologias que mobilizam atores e instituições. No caso discutido por Fonseca, a estruturação da saúde passava diretamente pela noção de construção do Estado Nacional, fosse na contradição republicana, fosse no autoritarismo varguista. Na análise de Teixeira e Paiva, por sua vez, a formulação do novo sistema de saúde era parte de um processo mais amplo de redemocratização do Brasil e de tentativa de reorientação do campo da saúde.
De modo geral, História da Saúde no Brasil apresenta uma visão historiográfica sobre o passado e o presente da saúde no país, demarcando temas, perspectivas e métodos recorrentes na historiografia nacional. É importante, entretanto, ressaltar que, apesar da abrangência temporal e temática, a coletânea se concentra em temas e objetos circunscritos às redes das quais os autores fazem parte, havendo muitas pautas e abordagens a serem aprofundadas no campo da história da saúde. Retomando a observação de Michel de Certeau (2011, p. 54) de que “a representação disfarça a práxis que a organiza”, é válido reconhecer a publicação como parte de um projeto institucional traduzido em campo historiográfico. Relevante obra de síntese, a coletânea serve de introdução à história da saúde e levanta questões e inquietações para novos pesquisadores e pesquisadoras.
Referências
CERTEAU, Michel de. História e psicanálise: entre ciência e ficção. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2011.
HUISSMAN, Frank; WARNER, John. Locating medical history: the stories and their meanings. Baltimore: John Hopkins University Press, 2006.
HOCHMAN, Gilberto; TEIXEIRA, Luiz Antonio; PIMENTA, Tania Salgado. História da saúde no Brasil: uma breve história”. In: Teixeira, Luiz; Pimenta, Tânia; Hochman, Gilberto (org.). História da saúde no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2018, p. 9-26.
PIMENTA, Tania; GOMES, Flávio; KODAMA, Kaori. Das enfermidades cativas: para uma história da saúde e das doenças do Brasil escravista”. In: Teixeira, Luiz; Pimenta, Tânia; Hochman, Gilberto (org.). História da saúde no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2018, p. 67-100.
SILVEIRA, Anny J. T.; NASCIMENTO, Dilene R. do. Epidemias do século XX: gripe espanhola e aids. In: Teixeira, Luiz; Pimenta, Tânia; Hochman, Gilberto (org.). História da saúde no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2018, p. 284-327.
Luiz Alves Araújo Neto – Observatório História e Saúde (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz). Doutor em História das Ciências e da Saúde (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz). Email: luizalvesan@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1620593926536388
TEIXEIRA, Luiz; PIMENTA, Tânia; HOCHMAN, Gilberto (org.). História da saúde no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2018. Resenha de: ARAÚJO NETO, Luiz Alves. Os desafios de demarcar um campo: história e historiografia da saúde no Brasil. Em Perspectiva. Fortaleza, v.5, n.1, p.400-404, 2019. Acessar publicação original [IF].
História & poesia épica | ArtCultura | 2019
Além de nos oferecer a primeira exposição doutrinária a respeito do gênero épico, Aristóteles, em sua Poética, registrou as diferenças entre poesia e história: a primeira, no seu entendimento, volta-se para ações possíveis, plausíveis e/ou prováveis; a segunda, por sua vez, é concebida como narrativa sobre a alétheia dos acontecimentos, detendo-se no particular. Em suma, a história teria por objeto verdades desprovidas de ornamentos ou floreios linguísticos e a poesia, por ser mais filosófica e, consequentemente, universal, não precisaria se ater à sucessão cronológica dos fatos: quando trata de matérias históricas, ela o faz em detrimento da verossimilhança.1 As distinções sugeridas, no entanto, não devem ofuscar os nexos existentes entre o canto poético do aedo inspirado e as narrativas históricas registradas como fruto de testemunhos (in)diretos. Os trabalhos reunidos neste dossiê levaram em consideração os preceitos aristotélicos e analisaram diferentes epopeias com base em seus códigos linguísticos, concebendo-as como fontes promissoras, e não mais como obras de “ficção” românticas potencialmente ricas em epígrafes, como se integrassem as margens da história. Leia Mais
21 lecciones para el siglo xxi – HARARI (I-DCSGH)
HARARI, Y.N. 21 lecciones para el siglo xxi. Barcelona: Debate, 2018. Resenha de: OCHOA PELÁEZ, Vanessa. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, n.94, p.83-84, jan. 2019.
21 lecciones para el siglo xxi nos revela los principales agentes que están hoy presentes en el tablero de juego de nuestra sociedad global, con objeto de poder plantear así los problemas a los que el género humano nos enfrentaremos a lo largo de este milenio, y que nosotros mismos estamos creando.
Yuval Noah Harari (Israel, 1976) consiguió un gran número de lectores y lectoras con sus dos anteriores libros: Sapiens, un relato sobre la historia de la humanidad, y Homo Deus, que nos transporta a nuestro futuro como especie. En esta ocasión, sin embargo, Harari nos invita a conocer el presente con el fin de vislumbrar hacia dónde nos dirigimos en el porvenir más cercano.
La obra se divide en veintiún capítulos, y en ellos se exponen las diversas problemáticas planetarias a las que habrá de hacer frente la comunidad global: trabajo, religión, justicia o terrorismo, entre otras. Buena parte de estos capítulos son ensayos filosóficos acerca de algunas de las cuestiones más preocupantes hacia las que nos aproximamos, como el uso de la inteligencia artificial, el auge de los nacionalismos o el papel de la religión hoy en día. Al respecto, el propio autor refiere que esta obra es fruto de diferentes ensayos y artículos que ha ido publicando en otros medios, «en respuesta a preguntas que le dirigieron los lectores, periodistas o colegas».
Resalta su forma de reflexionar: a partir de los datos históricos analiza cómo se comportó con anterioridad el ser humano en distintas épocas, a fin de inferir así unas predicciones concluyentes, un método historiográfico en el que se percibe el eco de los estudios de historia que cursó en la Universidad de Oxford.
La sinceridad tiñe todo el texto. Así, el autor no duda en sacar a colación aspectos de su vida personal y reflexionar acerca de los dogmas recibidos durante su propia educación. No obstante, Harari es capaz de distanciarse de este fondo subjetivo, recapacitar y someterlo a crítica, objetivando tales problemas.
La portada del libro –un ojo que todo lo ve– nos sugiere la visión tiránica del Gran Hermano de la novela 1984 de George Orwell, un modelo de totalitarismo al que quizá poco a poco nos dirigimos.
Al igual que en esta famosa ficción, está en juego perder nuestro libre albedrío, sobre todo a causa de factores como la «tecnología disruptiva». Sin embargo, ese gran ojo también nos invita a ser la mirada de los espectadores que contemplamos el nuevo mundo que estamos implantando.
Para ello, el autor propone una única forma de conseguirlo: profundizar en nosotros mismos de forma personal.
Precisamente por ello, los docentes de ciencias sociales debemos prestar un especial interés a las lecciones que Harari nos imparte. Nos corresponde investigar los fenómenos que nos rodean, para poder comprender el mundo. Sobre nuestra profesión recae la responsabilidad de presentar a los estudiantes el medio en el que habitarán: cada uno de ellos recogerá el testigo, y cada uno de ellos habrá de decidir si será o no un constructor de ese nuevo escenario.
Tan relevante es para el autor este cometido que incluso dedica uno de los capítulos a la educación, afirmando que «el cambio es la única constante» y especificando que «las escuelas deberían dedicarse a enseñar las cuatro C: pensamiento crítico, comunicación, colaboración y creatividad», es decir las habilidades de uso general necesarias para la vida cotidiana. Así, este libro nos ayudará a presentar a los estudiantes los problemas a los que se enfrentarán durante sus vidas adultas, los cuales quizá podamos introducir con ayuda de muchas de las metodologías activas ya implantadas en las aulas.
Harari culmina la obra dedicando el último de sus capítulos a la meditación, una práctica muy extendida en la actualidad junto con otras terapias de tercera generación como el mindfulness, muy presentes entre los miembros de Silicon Valley. Al respecto, el autor afirma que medita durante dos horas al día y realiza un retiro de dos meses al año en completo silencio. Y es que, como ya anuncian varios medios de comunicación, entre ellos la BBC, Harari se está convirtiendo «en el gurú involuntario de Silicon Valley».
A través de la meditación, este pensador israelí nos invita a conocernos a nosotros mismos, a considerar el momento presente para poder observar con nitidez cada uno de los acontecimientos que estamos presenciando. No en vano, Harari sostiene que su intención es aportar luz al mundo, pues «la claridad es poder». Está en nuestras manos decidir cómo utilizarla.
Vanessa Ochoa Peláez – E-mail: vaann8a@gmail.com
[IF]
Grecorromana. Revista Chilena de Estudios Clásicos | UAB | 2019
Grecorromana. Revista Chilena de Estudios Clásicos (Viña del Mar, 2019-) es una publicación afiliada al Departamento de Humanidades de la Universidad Andrés Bello, Chile. De periodicidad anual, su propósito es el estudio del mundo antiguo grecorromano, así como su proyección en la Tardoantigüedad y su recepción en períodos posteriores (Recepción Clásica). Como publicación académica, su objetivo es establecer un espacio de análisis crítico y reflexivo sobre la Antigüedad Clásica y promover el diálogo entre las disciplinas que componen los estudios clásicos (historia, filosofía, filologías, arqueología, arte, etc.).
Periodicidade anual.
Acesso livre.
ISSN 0719 9902
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Exercício do poder na idade média e suas representações: novas fronteiras, novos significados / Anos 90 / 2019
Esta publicação é fruto da intensificação de debates dirigidos por um grupo multi-institucional e internacional de pesquisadores(as) latino-americanos(as) que a cada dois anos, desde 2016, tem se reunido nas atividades da Rede Latino-Americana de Estudos Medievais.1 A Rede não se propõe nem se apresenta como uma Associação. Os(as) pesquisadores(as) nela reunidos(as) consideram que entidades como a Sociedad Argentina de Estudios Medievales (SAEMED) e a Associação Brasileira de Estudos Medievais (ABREM) cumprem esse papel. A ideia é, portanto, estimular diálogos e atividades sistemáticas de modo a intensificar e qualificar cada vez mais a produção historiográfica sobre o medievo para além dos espaços europeus, sem, obviamente, abrir mão dos convênios, acordos e parcerias com instituições desse continente.
As atividades da Rede começaram a concretizar-se a partir do Foro Internacional Estudios Medievales en Red, ocorrido na Universidad Nacional de Costa Rica, e no II Encontro, realizado na Universidade Federal da Fronteira Sul, em Chapecó (2016 e 2018 respectivamente). Desses encontros foram definidas ao menos duas publicações que colocam em perspectiva diferentes formas de se pesquisar Idade Média: a obra La edad media en perspectiva latinoamericana2, publicada em 2018, e este dossiê publicado pela Anos 90.
Esta proposta visa a ampliar a visibilidade da produção historiográfica latino-americana no campo dos estudos medievais. Objetivo que consideramos plenamente alcançado. A justificativa fundamenta-se no fato de ser possível perceber um crescimento substancial e cada vez mais especializado na área. Junto a este crescimento quantitativo, observa-se, ainda, uma diversidade e originalidade nas abordagens historiográficas, temáticas e conceituais. Cabe ressaltar que a Anos 90 se insere, com esta publicação, em um contexto de recente interesse de periódicos nacionais pela temática da Idade Média, como a Revista Brasileira de História, Revista de História, Tempo, Esboços e História em Revista. 3
Exercício do poder na Idade Média e suas representações: novas fronteiras, novos significados reúne dez trabalhos de pesquisadores(as) do Brasil, Chile, Costa Rica, México e França. Pode ser compreendido como uma publicação dividida e pensada em ao menos dois eixos: o primeiro remete às recentes disputas sobre o ensino escolar de história medieval e às reflexões de cunho historiográfico. O texto de Douglas Mota Xavier de Lima abre o dossiê à medida que toca em temas candentes e extremamente atuais sobre os usos públicos da Idade Média – não apenas no Brasil – e, principalmente, no contexto da elaboração / implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Este primeiro artigo do dossiê se dedica, especialmente, a discutir a presença do tema da Idade Média na educação escolar, tendo como documento principal de suas análises três versões da BNCC.
Outros dois trabalhos foram feitos por historiadores mexicanos. No artigo “Claudio Sánchez- -Albornoz y la preocupación por el método o cómo hacer historia medieval desde América Latina”, Martin Federico Rios Saloma investiga o trabalho deste medievalista espanhol, especialmente sua atuação durante seu período de exílio na Argentina. Seus vínculos com medievalistas europeus e seu conhecimento sobre fundos documentais espanhóis serão as bases para a análise de seu trabalho como docente e pesquisador em História Medieval.
Diego Carlo Améndolla Spínola, por seu turno, traz no artigo “Feudalismo: estado de la cuestión, controversias y propuestas metodológicas en torno a un concepto conflictivo, 1929-2015” um estudo não de um historiador em especial, mas de um conceito: o feudalismo. Para tanto, o aporte historiográfico utilizado pelo autor lida com medievalistas alemães, franceses, ingleses e italianos, não com o objetivo específico de definir o conceito, mas de verificar as transformações em sua compreensão e seu uso.
O segundo eixo do dossiê está organizado a partir de aspectos cronológicos, sendo composto pela maior parte dos artigos aqui presentes. Contempla, portanto, diferentes abordagens que assim se caracterizam seja pela diversidade de objetos (relações entre romanos e bárbaros, concílios, mosteiros), espaços (França, Itália, Inglaterra, Alemanha e Castela) e tipos documentais (narrativos, jurídico-normativos, tratadística, arqueológicos).
Neste segundo eixo, Renato Viana Boy apresenta uma discussão historiográfica sobre as relações de poder e autoridade no mundo mediterrânico do século VI entre romanos bizantinos e bárbaros. Mais do que perceber neste espaço e período apenas as disputas e conflitos, o autor tenta encontrar possíveis relações políticas que poderiam aproximar populações, à primeira vista, distantes.
Outros três artigos lidam com reflexões que têm a Península Ibérica como recorte geográfico. No primeiro deles, intitulado “A imagem historiográfica de Hugo de Cluny em Leão (séc. XI-XII)”, Maria Filomena Pinto da Costa Coelho apresenta uma análise historiográfica sobre a força política do abade Hugo de Cluny, para além de seu espaço de atuação nos domínios da religião, durante o reinado de Afonso IV. Em “O poder sacralizado dos clérigos de Castela (século XIII e início do século XIV)”, Leandro Alves Teodoro analisa, para os séculos XIII e XIV, o processo de sacralização da Eucaristia e a celebração de missas como parte do revigoramento da ação pastoral dos bispos ibéricos, ampliando o espaço de atuação das igrejas paroquianas. Ainda sobre o recorte ibérico, Armando Torres Fauaz, no artigo “Representación y delegación de poderes. Los usos públicos del mandato en el ducado de Borgoña (siglos XIII-XIV)”, apresenta-nos um estudo sobre o exercício de um governo laico no Ocidente medieval, a partir da prática romana do mandato no ducado da Borgonha dos séculos XIII e XIV, como sendo uma atividade central nas práticas de representação de autoridade. Os outros artigos deste dossiê lidam com temáticas aplicadas para além do espaço ibérico. Em “‘Assembled as one man’. The councils of Henry II and the political community of England”, José Manuel Cerda se dedicou a analisar a presença das communitas ou universitas regni como uma comunidade de nobres que eram peça-chave na compreensão das origens parlamentares inglesas. O artigo “Redes e centros de poder no Centro-Oeste Gaulês na primeira Idade Média (séculos V-X)”, de autoria de Adrien Bayard, trabalhou a relação entre fontes de natureza escrita e arqueológica para o estudo das redes estabelecidas entre grupos aristocráticos locais e representantes do poder visigodo e, depois, franco, nas dioceses de Angolema e Saintes, entre os séculos V e X. E, fechando o dossiê, no artigo “O abade, o poeta e o charlatão: reflexões acerca de esoterismo e política nos séculos XV e XVI”, onde o historiador Francisco de Paula Sousa Mendonça Júnior trabalhou com a relação entre esoterismo e política no processo de transição do regimen animarum para a Razão de Estado. Para tanto, Francisco se utilizou de fontes de origem alemãs e italianas.
Assim, entendemos que a reunião de artigos presentes no dossiê Exercício do poder na Idade Média e suas representações: novas fronteiras, novos significados apresenta não apenas um apanhado de recentes pesquisas sobre o medievo, mas também demonstra uma forte articulação da produção historiográfica brasileira e estrangeira (em especial, latinoamericana) sobre a Idade Média. Além desse diálogo mais próximo entre pesquisadores de diferentes países, os artigos que compõem este dossiê demonstram, ainda, uma variedade que se dá em aspectos distintos: temático, cronológico, geográfico, documental e metodológico. Assim, acreditamos que os objetivos traçados nos momentos de encontro dos pesquisadores da Rede Latino-Americana de Estudos Medievais, que se fundamentavam basicamente na produção e divulgação de trabalhos que prezam pela qualidade, atualidade, diversidade e intenso diálogo entre medievalistas de diferentes espaços, tenham sido alcançados neste dossiê.
Notas
1. Informações sobre a Rede em: http: / / edadmedia.cl / rede-latino-americana-de-estudos-medievais /
2. TORRES FAUAZ, A. (org). La edad media en perspectiva latinoamericana. Heredía: EUNA, 2018.
3. Considerando de 2016 a 2019, e incluindo este dossiê da Anos 90, foram / estão para ser publicados ao menos 6 dossiês sobre o medievo. Este número é mais amplo se considerarmos outras publicações, como a Antíteses e a Diálogos Mediterrânicos. Essa inserção / ampliação das publicações se dá além das duas revistas mais específicas da área, Signum e Brathair. Importante considerar também a Revista Chilena de Estudios Medievales e a Temas Medievales, Argentina. Todas podem ser acessadas online e gratuitamente.
Igor Salomão Teixeira – Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: teixeira.igor@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0002-6866-9654
José Manuel Cerda Costabal – Professor da Universidad Gabriela Mistral, Santiago, Chile. Doutor em História pela University of New South Wales, Sydney, Austrália. E-mail: joecerda@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0002-6175-774X
Renato Viana Boy – Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Chapecó, SC, Brasil. Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: renatoboymedieval@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0001-5500-6256
BOY, Renato Viana; COSTABAL, José Manuel Cerda; TEIXEIRA, Igor Salomão. Apresentação. Anos 90, Porto Alegre, v. 26, 2019. Acessar publicação original [DR]
Lutas feministas e LGBTQ+ pela democracia no Brasil / Anos 90 / 2019
Em junho de 2010, Judith Butler proferiu uma conferência em Berlim por ocasião do Christoph Street Day, sendo condecorada com o prêmio Courage, o qual recusaria. Queere Bündnisse und Antikriegspolitik, título em alemão dado à fala de Butler, traduzida e publicada em português como Alianças queer e política anti-guerra1, expressa os motivos da filósofa para tal recusa. O texto também ilumina os objetivos que orientaram a proposta do presente dossiê.
Na conferência de Berlim, Butler destacou o quão surpreendente eram as alianças na Turquia (aparentemente “atrasada”), onde feministas trabalhavam com pessoas gays, lésbicas, trans e queer contra a violência policial, “unidas na sua oposição ao militarismo, ao nacionalismo e àquelas formas de machismo que os sustentam”2. Em contraponto, lembrou seu encontro, durante uma conferência sobre gênero e educação em Lyon, na França (aparentemente “avançada”), com uma feminista que havia escrito um livro sobre a “ilusão” da transexualidade e que tinha suas palestras públicas “atacadas” por várias ativistas trans e seus / suas aliados(as) dissidentes queer.
As especificidades da homofobia, da transfobia e da misoginia precisam ser entendidas, reconhece Butler. Contudo, nenhuma delas pode ser bem compreendida sem referência uma à outra. Elas estão profundamente ligadas em um mundo no qual certas normas governam como os corpos podem e não podem se mover no mundo, como corpos devem surgir ou fracassar em surgir, como a discriminação e a violência ocorrem com base no modo como corpos e desejos são percebidos3 . A luta de uma minoria desprivilegiada está invariavelmente ligada à luta de todas as minorias desprivilegiadas.
Nesse sentido, Lutas feministas e LGBTQ+ pela democracia no Brasil também poderia ter como título “Alianças queer e política anti-guerra”. Os artigos reunidos aqui pretendem historicizar e problematizar as lutas feministas e LGBTQ+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer e +) no Brasil. Privilegia como marco temporal a segunda metade do século XX, momento em que emergem, internacionalmente e no Brasil, os feminismos de “segunda onda” e os movimentos homossexuais; e as primeiras décadas do século XXI, quando esses movimentos multiplicam e diversificam sujeitos, reivindicações e estratégias de mobilização. Desse modo, os textos reunidos analisam as estratégias de resistências empreendidas por mulheres e LGBTQ+ a partir do final da ditadura civil-militar, no período da redemocratização, nos últimos governos democráticos.
No artigo que abre o dossiê, Não é mole não, ser feminista, professora e sapatão: apontamentos de uma história a partir do espaço das lésbicas e da lesbianidade na produção de conhecimento sobre mídia, Cláudia Regina Lahni e Daniela Auad analisam as pesquisas apresentadas em 2015, ano em que a Suprema Corte dos Estados Unidos aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em eventos de Comunicação, como o Grupo de Pesquisa Comunicação para a Cidadania da Intercom, o Grupo de Trabalho Comunicação e Cidadania do Encontro Nacional da Compós e o GT de História da Mídia Alternativa, a fim de questionar se os textos selecionados tematizavam a comunicação de lésbicas — organizadas em grupos ou presentes de forma individual em mídias diversas. Conforme as autoras, nos eventos científicos mencionados, pouco ou nada se discutiu sobre a temática das lésbicas.
Jamil Cabral Sierra, em Identidade e diversidade no contexto brasileiro: uma análise da parceria entre Estado e movimentos sociais LGBT de 2002 a 2015, estuda os processos de constituição, no cenário brasileiro, da noção de diversidade sexual e de gênero, bem como de que maneira tal noção se associou às políticas identitárias das últimas décadas no Brasil. O autor problematiza a parceria entre Estado e movimentos sociais, especialmente LGBT, de modo a caracterizar como essa relação tem produzido as formas de governamento dos sujeitos LGBT nos últimos 13 anos (até o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff).
No texto “Que Possamos Ser o que Somos”: memórias sobre o Movimento Gay de Alfenas no processo de luta pelos direitos de cidadania LGBT (2000-2018), Marta Gouveia de Oliveira Rovai analisa parte da memória coletiva expressa por meio da história oral de vida de quatro membros mais antigos do Movimento Gay de Alfenas (MGA), fundado no ano de 2000 no sul de Minas Gerais. Com isso, a autora lança luz sobre a atuação da organização na defesa dos direitos humanos, em questões jurídicas e em manifestações culturais e políticas.
O que nos faz humanos? Maria Lídia Magliani e a solidão do corpo em tempos fascistas, de Gregory da Silva Balthazar, se apropria do conceito de rosto conforme discutido por Judith Butler como um operador decisivo de uma ética intersubjetiva em tempos de fascismos individualizantes. Para tanto, o autor traz a debate as pinturas de Maria Lídia Magliani, problematizando “sua potência em nos sugerir possibilidades de repensarmos, conjuntamente, o próprio sentido do que nos faz humanos.
Inaugurando as discussões no dossiê sobre o período da ditadura civil-militar no Brasil, Antonio Mauricio Freitas Brito analisa, em “Um verdadeiro bacanal, uma coisa estúpida”: anticomunismo, sexualidade e juventude no tempo da ditadura, algumas representações anticomunistas heteronormativas elaboradas por militares sobre sexualidade, moralidade e juventude durante a ditadura no Brasil. A partir da preocupação de membros da caserna com a ação comunista junto aos jovens, o autor revela a concepção de mundo que estigmatizava e temia comportamentos desviantes de gênero.
Em seguida, no artigo Sob vigilância: os movimentos feministas brasileiros na visão dos órgãos de informação durante a ditadura (1970-1980), Ana Rita Fonteles Duarte analisa as informações produzidas por diferentes órgãos de vigilância ligados ao aparato repressor durante a ditadura civil militar brasileira sobre os movimentos feministas nas cidades de Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza, a partir de documentos encontrados nos Arquivos do Estado do Rio de Janeiro, no Arquivo do Estado de São Paulo e no Arquivo Nacional.
Por sua vez, em Feminismo vende? Apropriações de discursos democráticos pela publicidade em Claudia (1970-1989), Soraia Carolina de Mello propõe estabelecer relações entre publicidade, feminismos e democracia nas décadas de 1970 e 1980 no Brasil a partir da Revista Claudia. A ideia da publicidade como espaço de informação e educação e seu potencial como divulgadora de ideias feministas ou propagadora de estereótipos de gênero também são abordados no artigo, a partir de teorias feministas, estudos culturais e as noções de subjetivação / singularização.
Por fim, no artigo “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”: Movimento de Mulheres do IAJES, Movimento Regional de Mulheres e a luta por democracia no Brasil, Cíntia Lima Crescêncio e Mariana Esteves de Oliveira apresentam a mobilização do Movimento de Mulheres do Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor (IAJES) e do Movimento Regional de Mulheres (MRM), rede formada no interior de São Paulo e Mato Grosso do Sul, na construção da Carta das Mulheres aos Constituintes de 1987. A Carta foi resultado de ampla discussão a nível nacional de inúmeros movimentos de mulheres e feministas que, entre 1985 e 1987, fizeram debates e coletaram assinaturas para garantir “demandas das mulheres” na nova Constituição (1988). Como lembram as autoras, “a documentação selecionada permite uma reflexão fundamental sobre os movimentos de mulheres e feministas de ontem e de hoje, bem como as sensíveis aproximações e afastamentos desses grupos”.
Lutas feministas e LGBTQ+ pela democracia no Brasil também está assinalado, em sua gênese, pela vulnerabilidade e pela precariedade que marcam as vidas das mulheres e de LGBTQ+s no Brasil contemporâneo. Segundo os dados do Ministério da Saúde, compilados pelo Atlas da Violência, lançado em 2019, foram registrados 4.936 assassinatos de mulheres em 20174 . A maior parte das vítimas (66%) é negra! Por outro lado, o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, que pela primeira vez trouxe um recorte específico de casos relacionados à violência contra o público LGBTQ+, informou que 99 gays, lésbicas, bissexuais, travestis ou transexuais foram assassinados(as) em 20175 . Segundo o Anuário, divulgado este ano durante o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de LGBTQ+s agredidos fisicamente teve alta de 1,3% entre 2017 e 2018.
Parafraseando Butler, este dossiê é sobre essa vulnerabilidade e essa precariedade que marcam as sexualidades e os gêneros dissidentes, mas é também sobre os desejos, as ocupações dos espaços públicos, as reivindicações por visibilidade e escuta ontem e hoje, sendo tudo isso absolutamente essencial para qualquer movimento político / sexual / de gênero. É absolutamente essencial para a vida em democracia com justiça de gênero, sexualidade, raça e classe.
Agradecemos aos / às autores(as) por terem enviado suas propostas. Somos gratos também ao Alessander Mario Kerber e à equipe da revista Anos 90 pelo espaço e pelo diálogo. Finalmente, agradecemos a cada leitor, leitora, leitxr, por fazer da leitura deste dossiê uma possibilidade política de lutas feministas e LGBTQ+ pela democracia, de alianças queer e política anti-guerra. Boa leitura!!
Notas
1. BUTLER, J. Alianças queer e política anti-guerra. Bagoas: Estudos Gays: Gêneros e Sexualidades, v. 11, n. 16, p. 29-49, 2017. Disponível em: https: / / periodicos.ufrn.br / bagoas / article / view / 12530. Acesso em: 22 dez. 2019.
2. Ibidem, p. 31-32.
3. Ibidem, p. 37.
4. CERQUEIRA et al. Atlas da Violência 2019. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019.
5. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Brasília, DF: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019
Joana Maria Pedro – Professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) com pós-doutorados na França, na Université d’Avignon, e nos Estados Unidos, na Brown University. E-mail: joanamaria.pedro@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0001-5690-4859
Elias Ferreira Veras – Professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Doutor em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: eliashistoria@yahoo.com.br http: / / orcid.org / 0000-0001-7726-4475
PEDRO, Joana Maria; VERAS, Elias Ferreira. Apresentação. Anos 90, Porto Alegre, v. 26, 2019. Acessar publicação original [DR]
Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.25, n.1, 2019.
Locus – Revista de História
Artigos
- “Adeus, verde esperança!”: integralismo e a morte de Plínio Salgado
- Odilon Caldeira Neto
- Delimitação territorial dos municípios brasileiros no século XIX: um desafio metodológico
- Angelo Alves Carrara, Pedro José de Oliveira Machado
- Viajantes e livros; leitura, posse e comércio de livros em Portugal no século XVIII
- Cláudio DeNipoti
- Lazer e mercado do entretenimento em uma cidade rural de Minas Gerais
- Daniel Venâncio de Oliveira Amaral, Cleber Dias
- Discurso(s), ideologia e construção social: As imagens do mundo do trabalho na doutrina corporativa portuguesa
- Leonardo Aboim Pires
- Trabalhando para Vargas: Agentes Secretos, Espiões e delatores no Estado Novo
- Thiago da Silva Pacheco
Resenha
- Viver nos tempos da Inquisição
- Anderson Lino
Phenomenology of Illness – CAREL (FU)
CAREL, Havi. Phenomenology of Illness. Oxford: Oxford University Press, 2016. Resenha de: LOPES, Marcelo Vieira. Fenomenologia da enfermidade. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.20, n.1, p.111-112, jan./abr., 2019.
A enfermidade certamente desempenha um papel substancial na existência humana. É-nos difícil imaginar uma vida totalmente desprovida de enfermidade e de suas consequências. De forma surpreendente, a filosofia contemporânea desconsiderou a importância de uma análise rigorosa destas experiências. Existiria algo assim como um método capaz de auxiliar na compreensão do significado da enfermidade? Esta é a tarefa proposta por Havi Carel neste excelente Phenomenology of Illness, de 2016.
Havi Carel é professora na Universidade de Bristol e no seu currículo constam títulos como Illness (2008, 2013) e Life and Death in Freud and Heidegger (2006). Para além da experiência profissional na área, Carel sofre de uma doença pulmonar rara que, veremos, não é uma informação irrelevante no contexto e método adotado nesta obra. Estão presentes aí os elementos metodológicos para desenvolver uma fenomenologia da enfermidade, divididos em nove capítulos.
O capítulo 1 fornece a justificativa do método fenomenológico como ferramenta de análise da enfermidade. A enfermidade (illness) será entendida como a experiência em primeira pessoa do processo de adoecimento e traz consigo uma transformação da experiência corporificada (p. 15). Tal fenômeno se apresenta através das rupturas nos hábitos, expectativas e capacidades de uma pessoa desestabilizada em sua corporificação normal.
O capítulo 2 fornece a análise de cinco temas inter-relacionados a partir das características fenomenológicas do corpo. O primeiro investiga uma série de perdas que estruturam a experiência da enfermidade (p. 41). A distinção fenomenológica entre Körper e Leib fornece o aspecto corporal correlato à distinção entre doença e enfermidade. O terceiro passo analisa os níveis objetivo, subjetivo e intersubjetivo da experiência corporal, a partir da obra de Sartre. O quarto passo envolve a análise da ruptura da transparência do corpo em função da dor e desconforto na enfermidade. Por último, Carel analisa a enfermidade a partir da analogia com o utensílio avariado, desde a perspectiva heideggeriana. Essa analogia mostra-se falha, uma vez que, diferentemente do utensílio quebrado, o corpo enfermo não pode ser substituído.
O capítulo 3 identifica as perdas implicadas no declínio corporal decorrente da enfermidade. São apontadas as limitações, dificuldades e a mudança de perspectiva do enfermo. A noção heideggeriana de “poder-ser” (Seinkönnen) desempenha um papel importante. Se a experiência da enfermidade fornece situações de dependência, insuficiência e incapacitação, segue-se a necessidade de uma reconsideração de um “poder-ser” indiscriminado (p. 76). Carel sugere uma ampliação dessa noção de modo a incluir capacidades radicalmente diferentes, bem como a consideração de um não-poder-ser, isto é, o reconhecimento de uma incapacidade intrínseca à existência humana.
O capítulo 4 examina uma experiência nuclear da enfermidade, a chamada dúvida corporal, que indica o rompimento da certeza tácita do funcionamento normal do corpo (p. 86). A dúvida corporal implica uma modificação radical da experiência, ao pôr em questão capacidades básicas inerentes ao funcionamento do próprio corpo. Internamente a est a ruptura surgem modificações e perdas de continuidade, transparência e confiança no próprio corpo.
O capítulo 5 é, certamente, o mais impressionante de todo o livro. Mesmo se tratando de uma obra técnica, é difícil não se comover com a descrição pessoal da falta de ar (breathlessness). Carel sofre de lymphangioleiomyomatosis, uma limitação pulmonar rara, que lhe permite extrair os elementos para uma análise estrita em primeira pessoa. As descrições do sentimento de sufocamento, incapacidade de respirar e o medo de um colapso dimensionam o significado desta experiência. Ao mesmo tempo, são elencadas as consequências experienciais da enfermidade: a retração de mundo acompanhada da perda de liberdade e capacidade de escolha e controle. É possível encontrar uma mudança estrutural na experiência de um “eu posso” para um “eu não posso mais” (p. 111). As implicações dessa mudança modal na estrutura da existência implicam uma série de reações psicológicas como desespero, ansiedade e desesperança. A falta de ar, diferentemente de um mero sintoma, fornece assim o horizonte constante que molda por completo a experiência do paciente com problemas respiratórios (p. 128).
O capítulo 6 investiga a possibilidade do bem-estar na condição enferma. Existem, afinal, aspectos positivos desta condição? Não obstante o mal-estar corporal, a enfermidade fornece experiências que podem, porventura, promover edificação e crescimento pessoal. Uma das condições para o bem-estar consiste em uma capacidade de resiliência vinculada ao momento presente (p. 140). Por outro lado, a condição enferma implica uma preocupação constante com o futuro daquele que padece, constituindo um fator estressor, na medida em que produz angústia sobre o tratamento, a progressão da doença e, em última instância, a morte.
A morte é o tema do capítulo 7. Se a enfermidade é entendida como um tipo de incapacidade, a morte, então, é o fechamento das possibilidades do enfermo. Carel aborda o conceito de morte em Heidegger com vistas a uma abordagem relacional. É necessário entendê-la não mais como uma experiência solitária, mas que pode vir a ser compartilhada, visando uma melhoria na compreensão da experiência da enfermidade e da própria mortalidade constitutiva da experiência humana.
O capítulo 8 trata de uma questão relativa à avaliação dos relatos de enfermidade em primeira pessoa. Relatos sobre a própria experiência tendem a ser mal compreendidos, ignorados ou rejeitados em contextos de tratamento. Esse fenômeno constitui o que Miranda Fricker chamou de “injustiça epistêmica” e é referente à desconsideração do falante em sua capacidade de conhecimento sobre seu próprio est ado experiencial. Como resposta ao problema, Carel apresenta a chamada caixa de ferramentas fenomenológica, que consiste em: 1. Suspender a crença na realidade objetiva da doença, desvelando como a enfermidade aparece para a pessoa enferma; 2. Tematizar a enfermidade tornando explícitos alguns de seus aspectos particulares; 3. Examinar como est es aspectos modificam o ser no mundo da pessoa enferma (p. 197). O objetivo é promover a melhoria na capacidade de expressão de experiências pessoais únicas, em vez de uma adaptação forçada a expectativas médicas e culturais.
No capítulo final a atenção volta-se para o outro polo da relação entre filosofia e enfermidade. Como a enfermidade pode vir a iluminar a prática filosófica? Na medida em que promove uma reflexão sobre o significado de uma vida digna, o componente filosófico da enfermidade est aria, ao menos em princípio, assegurado. Seu apelo filosófico, porém, é direto e não-teórico. Em outras palavras, a enfermidade pode ser integral à prática filosófica, seja influenciando seus métodos, seja modificando a própria concepção de filosofia e/ou aumentando a urgência de determinados tópicos. Neste último e excepcional capítulo, a enfermidade surge como uma espécie de método filosófico compulsório. Método est e que é capaz de iluminar a normalidade através de sua contrapartida patológica (p. 226). O argumento final provém da comparação da filosofia atual com as práticas antigas do filosofar, dotadas de um apelo transformativo relativo ao sofrimento intrínseco à vida humana. É necessário, segundo Carel, que retomemos em parte essa tradição para uma melhor compreensão do caráter transformador intrínseco à enfermidade.
Trata-se de uma obra extremamente frutífera em termos de análise e que preenche uma lacuna considerável nos estudos sobre enfermidade, seja em seu aspecto teórico ou prático. A obra é altamente recomendável para aqueles que buscam uma compreensão da enfermidade em seus aspectos experienciais. Da mesma forma, aqueles interessados no aspecto transformativo e existencial que a filosofia pode ainda oferecer certamente encontrarão neste Phenomenology of Illness uma grande obra.
Marcelo Vieira Lopes – Universidade Federal de Santa Maria. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: marcelovieiralopes16@gmail.com
[DR]
Contra o vento: Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)
Investigador jubilado do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa (Portugal), Valentim Alexandre é autor de um conjunto de livros e artigos fundamentais sobre o fim do Império luso-brasileiro, a viagem de Portugal para África ao longo de oitocentos e o colonialismo português nos séculos XIX e XX nas suas vertentes política, ideológica e econômica. Depois de se aposentar, dedicou vários anos à pesquisa e elaboração deste livro sobre a evolução do sistema colonial português entre o fim da Segunda Guerra Mundial e 1960 (e de outro, em preparação, centrado no período da Guerra Colonial). A obra é monumental a vários títulos. Não me refiro à dimensão que se traduz em número de páginas, mas à investigação histórica que lhe subjaz e ao contributo decisivo que traz à compreensão da durabilidade do Império, fenômeno que andou a par da durabilidade do Estado Novo português (1933-1974).
É sabido que a escrita da história requer a consulta, mais exaustiva e sistemática possível, de fontes primárias e secundárias. Ciente da quantidade e diversidade de fontes disponíveis para o estudo da questão colonial no pós-Guerra, Alexandre escolheu privilegiar o arquivo Oliveira Salazar, “que reúne uma amplíssima documentação com interesse” para o tema e serve de “filtro, concentrando os materiais que subiam à Presidência do Conselho pela especial relevância que […] lhes era reconhecida” (ALEXANDRE, 2017, p.24). Tendo como principal ponto de observação esse fundo documental, não deixou de recorrer a outras fontes primárias (documentos oficiais impressos, periódicos e publicações da época) e de confrontar a bibliografia que vem sendo publicada em Portugal e noutros países. Cumpre assim enfatizar que um dos grandes méritos deste livro reside precisamente no trabalho com as fontes, um trabalho minucioso, exigente, rigoroso e necessariamente demorado, resultado de uma postura livre e ética, na contramão da exigência académica de pesquisa e publicação rápidas sob o jugo dos fatores de impacto. Leia Mais
Las raíces del antiperonismo. Orígenes históricos e ideológicos | Jorge Nállim
Complexo, heterogêneo e ambíguo. Tais adjetivos podem ser usados para definir o peronismo, fenômeno político de difícil definição e que até hoje desperta profundas paixões e polariza a Argentina. Desde a primeira presidência do coronel Juan Domingo Perón (1946-1955), muitas têm sido as tentativas de compreender esse movimento político. O que nem sempre se nota é que seu oposto, o antiperonismo, também foi profundamente fluído, variando ao longo do tempo e sendo composto, em cada época, por grupos ideologicamente muito diversos, como liberais, comunistas, socialistas, radicais2 e outros.
Nas últimas décadas, o antiperonismo foi objeto de estudo de historiadores, sociólogos e cientistas políticos na Argentina e fora dela. Na maioria desses casos, os acadêmicos propuseram análises específicas, restritas a diferentes instituições ou grupos sociais3 , buscando compreender as particularidades das críticas de cada um. Por isso, é tão bem-vinda a obra do historiador argentino Jorge Nállim, que se propõe a fazer uma análise socialmente e temporalmente bem mais dilatada. Nela, o autor busca compreender como “confluíram [nas ideias antiperonistas] uma série de visões, conceitos, preconceitos, ideologias e setores sociais e políticos que tinham se forjado ao longo das décadas anteriores”4 (NÁLLIM, 2014, p. 258, tradução nossa). Para isso, ele investiga uma ampla variedade de fontes documentais, com privilégio para revistas e jornais argentinos. Leia Mais
Bilros. Itaperi, v. 7, n. 14, 2019.
Apresentação
- APRESENTAÇÃO | Maria Adaiza Lima Gomes, Reverson Nascimento Paula | PDF | 6 – 10 |
- Artigos
- ENTRE RES PUBLICA, VIRTÚ E DELETTO. A BELICOSIDADE ESTATAL NO PENSAMENTO MAQUIAVELIANO | João Victor Uzer Lima | PDF | 11 – 28
- LEITURAS CRÍTICAS DE ALUN MUNSLOW: RELATIVISMO E CAPITAL HISTORIOGRÁFICO NO DESCONSTRUINDO A HISTÓRIA | Daniel da Silva Klein | PDF | 29 – 43
- A ESCRITA DA HISTÓRIA E A UNIFICAÇÃO POLÍTICA DO REINO DA NORTÚMBRIA NA CRÔNICA-ANGLO-SAXÔNICA (c. 601 – 793) | Kauê Junior Neckel | PDF | 44 – 66
- MULHERES, CRIANÇAS E JUÍZES DE ÓRFÃOS: FAMÍLIA E TRABALHO INFANTIL NOS OITOCENTOS | Ana Cristina Pereira Lima | PDF | 67 – 84
- A IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DAS MERCÊS DE MARIANA: FORMAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO E DINÂMICA INTERNA DA VIDA ASSOCIATIVA (MINAS GERAIS, SÉCULOS XVIII E XIX) | Vanessa Cerqueira Teixeira | PDF | 85 – 113
- PEDRADA EM MORADA DE MARIMBONDO: PRÁTICAS LETRADAS, CAPITALISMO E CIVILIZAÇÃO NO LIVRO O CANTO NOVO DA RAÇA (1927) | Thiago da Silva Nobre | PDF | 114 – 130
- “PARA SE CURAR DA AÇÃO DO TEMPO É NECESSÁRIO VOLTAR ATRÁS”: AS MEMÓRIAS EXISTENCIAIS DO PADRE IBIAPINA | Noemia Dayana de Oliveira | PDF | 131 – 145
- O PALÁCIO MONROE E AS TRINCHEIRAS DA MEMÓRIA | Daniel Levy Alvarenga | PDF | 146 – 169
- A FOLIA DE SÃO TOMÉ COMO TRAÇO ÉTNICO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA EM UMA VISÃO DE POPULAÇÕES CLASSIFICADAS COMO TRADICIONAIS | Leandro Castro Tavares, Oseias de Oliveira | PDF | 170 – 193
- A IMPORTÂNCIA DA ÁFRICA PARA A HISTÓRIA DO BRASIL | Gláucia Quênia Bezerra de Lima | PDF | 194 – 212
- O CINEMA COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA: DEBATES, PRÁTICAS E DESAFIOS | Antônio Barros de Aguiar | PDF | 213 – 236
- VIVENCIANDO A EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL / PROJETO CANTA AQUI, SAMBA LÁ, VAMOS TODOS SE ALEGRAR NA ASSOCIAÇÃO LAR DOS VELHOS EM ITABERABA. | Jaciele de Sena Carvalho de Oliveira | PDF | 237 – 249
- POLITICA EXTERIOR OMANÍ: CONDICIONANTES QUE INCIDEN SOBRE SU APUESTA POR LOS EQUILIBRIOS INCÓMODOS (2014-2018) | Ornela Fabani | PDF | 250 – 277
- “MADE IN MIAMI”: A (RE)CONSTRUÇÃO DA TRAJETÓRIA DA CANTORA CAMILA CABELLO ATRAVÉS DE UMA CINEBIOGRAFIA. | Igor Lemos Moreira | PDF | 278 – 301
Resenhas
- CARLOTA JOAQUINA VAI AO CINEMA: A monarquia e a independência representadas nas telonas. | Rodrigo Galo Quintino | PDF | 302 – 308
Amazônica. Belém, v.11, n. 1, 2019.
Editorial
- Editorial
- Diogo Menezes Costa, Érica Quinaglia Silva
- Editorial English
- Diogo Menezes Costa, Érica Quinaglia Silva
Dossiê
- Apresentação do dossiê “Ofícios e profissões: memória social, identidades e construção de espaços de sociabilidade”
- Fernanda Valli Nummer, Maria Cristina Caminha de Castilhos Franca
- A concepção dos Institutos Federais e seus atores sociais: a história narrada por trás da história
- Silvia Schiedeck, Maria Cristina Caminha de Castilhos Franca
- A construção das feminilidades nos discursos das agentes penitenciárias do Instituto Penal de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil
- Daniel Attianesi
- De lá para cá: classe, raça e gênero em narrativas autobiográficas de antropólogas em memoriais acadêmicos (USP/UNICAMP, 2004-2014)
- Wilton C. L. Silva, Rafaela Duarte Vieira
- Etnografias da duração e os desejos de memória ferroviária no Sul do Brasil
- Guillermo Stefano Rosa Gómez, Yuri Schönardie Rapkiewicz, Cornelia Eckert
- Família, criatividade e prazer no ofício: etnografia da aprendizagem em uma marcenaria na Amazônia
- Luiz Francisco Loureiro, Ana Claudeise Silva do Nascimento, Marilia de Jesus Souza, Nelissa Peralta
- Memórias, disputas de sentido e transformações sociais: as estratégias e as trajetórias dos ex-trabalhadores da VARIG dez anos após sua venda
- Madhiana Valéria Almeida Rodrigues
- O ofício teatral no contexto de transformações urbanas: a experiência do Teatro Popular União e Olho Vivo
- Ana Paula Parodi Eberhardt
- Pintor ou designer popular: a etnografia de um ofício através do acervo de Edson Meirelles
- Suiá Omim Arruda de Castro Chaves
Artigos Originais
- Monitoramento participativo da biodiversidade em sistemas de unidades de conservação: o caso do ProBUC no estado do Amazonas
- Daniel Carneiro Costa, Guillaume Antoine Emile Louis Marchand, Henrique dos Santos Pereira
- Indigenismo empresarial em Belo Monte: uma etnografia da política do licenciamento ambiental de um megaempreendimento na Amazônia
- Rafael Costa
- Campesinato de fronteira, pagamentos e serviços ambientais: análise da expressão diferenciada da lógica de mercado em Anapu, Pará
- Sammy Silva Sales, Roberto Porro, Noemi Sakiara Miyasaka Porro
- Levantamento das perspectivas dos atores sociais da feira do pescado de Santarém, Pará, Brasil, acerca do período de defeso
- Devaneris Viegas Tavares, Tiago Henrique Rodrigues Siebert, Paloma Rodrigues Siebert
Notícias de Pesquisas em Andamento
- “ODOR DE ROSAS”: família e memória da PHEBO em Belém
- Fernanda Valli Nummer
Ensaios Fotográficos
- Conexões entre imagem fotográfica e memória social do garimpo
- Carlos Matos Matos Bandeira Junior, Rubens Elias da Silva
- Mulheres da etnia Anambé na produção de farinha de mandioca
- Nádile Juliane Costa de Castro
- Carpintaria naval em contextos de territórios de assentamentos rurais ribeirinhos em Abaetetuba, Pará, Brasil
- Rosenildo da Costa Pereira
Resenhas de Livros ou Teses
Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019. | Volume Especial Ensino de História 2019
Organização: | Bruna Silva [UNESPAR] | Dulceli Tonet Estacheski [UFMS] | Everton Crema [UNESPAR] |
O ESTÁGIO DE DOCÊNCIA: METODOLOGIAS DIVERSIFICADAS PARA UM ENSINO-APRENDIZAGEM IGUALITÁRIO NO AMBIENTE ESCOLAR | Aline Juliane Blattmann | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
O presente trabalho tem como objetivo socializar e refletir sobre a experiência do estágio supervisionado, realizado no 4º ano do curso de Licenciatura de História, da Universidade Estadual do Paraná, campus de União da Vitória. A prática foi realizada na 8ª série do ensino fundamental, no período matutino, na Escola de Educação Básica Nilo Peçanha. O tema desenvolvido foi expansão marítima, importante na história do mundo. Inicialmente, apresenta-se a fundamentação teórica, ou seja, as considerações que norteiam o ensino de História, pautado no conceito de consciência histórica. Dedica-se espaço para apresentar a escolha das metodologias de ensino aplicadas durante a prática. Na sequência o texto traça considerações sobre o ambiente escolar em que o estágio foi realizado, sobre as aulas de co-participação e a realização do estágio, refletindo e problematizando essa experiência para a formação profissional.
Palavras-chave: Consciência História. Ensino de História. Expansão Marítima.
ENTRE O PRESENTE E O PASSADO: ESTRATÉGIAS DE APROXIMAÇÃO DOS CONTEÚDOS DE HISTÓRIA ANTIGA PARA AS PERSPECTIVAS DA ATUALIDADE | Anna Luiza Constancio Monteiro | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
O presente artigo apresenta a experiência de estágio realizado como requisito para a conclusão do 4º ano do curso de História da Universidade Estadual do Paraná Campus União da Vitória. Nele busquei promover uma discussão sobre a importância do ensino de história articulado a uma reflexão social, pensando a temática da Grécia Antiga pautada por uma ótica ligada a atualidade.
Palavras-chave: Ensino de História, Grécia Antiga, Atualidade.
DEBATENDO SOBRE A MORTE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS A PARTIR DA PERSPECTIVA DA IDENTIDADE NA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL | Anna Luiza Pereira | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019. | O presente relato de experiência tem como objetivo refletir sobre a educação patrimonial aliada ao ensino de história privilegiando questões como memória e identidade. O Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos, em União da Vitória – Paraná, no ano de 2019, foi a instituição escolhida para o estágio final supervisionado do curso de História por refletir diferentes realidades sociais. A partir da concepção de um ensino voltado ao ‘humanismo’, discussão de Jörn Rüsen, procurou-se problematizar a história da cidade e também a história da morte, ambas temáticas a partir da educação patrimonial.
Palavras-chave: ensino de história – estágio supervisionado – educação patrimonial
HISTÓRIA E GAMES: O USO DE JOGOS ELETRÔNICOS COMO RECURSO DIDÁTICO EM SALA DE AULA | Claudio Dos Santos Pereira De Oliveira | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
Com intuito de apresentar as possibilidades de ensino através de games esse trabalho busca discutir o uso de jogos eletrônicos em sala de aula e como os jogos podem ser um importante e eficiente recurso para promover o ensino-aprendizagem em sala de aula na Disciplina de História. A discussão será baseada na experiência do uso do jogo chamado “Age of Empires II” durante as aulas de regência na disciplina de estágio supervisionado. – PALAVRAS-CHAVE:História, didática, jogos eletrônicos.
O ESTÁGIO DE DOCÊNCIA NUM RELATO DE EXPERIÊNCIA: O LIVRO DIDÁTICO, A LEI 11.645\2008 E OS DESAFIOS DA TEMÁTICA INDÍGENA NA PRÁTICA DOCENTE | Débora do Rocio Pacheco da Silva | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
Este trabalho tem como objetivo apresentar e refletir sobre a experiência do estágio supervisionado, realizado com turmas de 6º e 9º anos do ensino fundamental da educação básica, para a conclusão do curso de História da UNESPAR, campus de União da Vitória. Apresenta-se, inicialmente, a importância de se trabalhar a temática indígena em sala de aula, amparada na Lei nº 11.645/2008, apontando barreiras e dificuldades encontradas pelos\as professores\as e a problemática dos livros didáticos. Em seguida destaca-se a fundamentação teórica, amparada em historiadores e documentos que orientam o ensino de História. Na sequência o texto trata do relato da experiência de estágio, problematizando o ensino de História e a temática indígena. Por fim, destaca-se as considerações finais, de cunho pessoal, sobre a profissional que buscamos ser diante das demandas na sociedade.
Palavras-chave: Estágio de Docência. Diversidade.Temática Indígena.
O ENSINO DE HISTÓRIA E A DESMISTIFICAÇÃO DE (PRÉ) CONCEITOS EM SALA DE AULA ATRAVÉS DOS TEMAS: MOVIMENTO NEGRO, MOVIMENTO FEMINISTA E FEMINISMO NEGRO | Elaine Cristina Florz | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
O presente artigo procura trazer ao(à) leitor(a) as experiências vividas enquanto estagiária do curso do 4º ano de História da Universidade Estadual do Paraná, Campus de União da Vitória, juntamente com duas turmas do 2º ano do ensino médio do Colégio Estadual São Cristóvão – CESC. A ideia central foi analisar através dos conhecimentos prévios dos(as) estudantes, a influência do backlash – retrocesso – na vida escolar, como propagador de concepções negativas ou estereotipadas sobre os Movimentos Sociais, mais especificamente: Movimento Negro, Movimento Feminista e Feminismo Negro. O olhar atento às visões de mundo dos(as) alunos(as) e as suas vivências, possibilitaram selecionar conteúdos, dinâmicas e atividades que colaboraram para que através da abordagem dos temas, que antes eram vistos de forma estereotipada, o pensamento se ressignificasse, proporcionando o desenvolvimento da consciência histórica.
Palavras-chave: Backlash; Movimentos Sociais; Consciência Histórica.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS À ÓTICA DO ESTIGMA SOCIAL: AULAS COLETIVAS COMO PONTE NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE PESSOAL | Libiane Karina Orth | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
O ensino de jovens e adultos através de centros de educação e suas didáticas específicas tem um valor inestimável para sociedade brasileira. É necessário levar em conta vários aspectos e metodologias que além de cumprir o currículo, proporcionem habilidades, competências, consciência política e social a estes alunos. Deste modo, torna-se indispensável reconhecer quem são estes alunos, frutos de uma sociedade desigual do século XXI, e desconstruir como os vemos à ótica do estigma de desviados de um sistema educacional igual, não equitativo. O artigo aborda a construção da educação no Brasil, bem como a perspectiva social do descrédito aos que buscam o seu direito de usufruir do sistema educacional público e regular. Essa abordagem é fruto de aulas coletivas com o tema do período Getulista 1930-1945 em uma turma de ensino individual no EJA, para qual aponto igualmente os benefícios da formação discente com debates e reflexões dentro da disciplina de História do Brasil, para a formação da consciência histórica e para o reconhecimento do aluno como agente responsável e participativo do seu meio social.
Palavras-chave: Estigma; educação de jovens e adultos; identidade social;
POR UMA HISTÓRIA DOS NEGROS ALÉM DA ESCRAVIDÃO: A NECESSIDADE DE UM ENSINO DE HISTÓRIA A PARTIR DO DIÁLOGO ENTRE PROFESSOR E ALUNO | Ligia Daniele Parra | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
O intuito do presente trabalho foi relatar a experiência do estágio supervisionado realizado na Escola Estadual de Educação Básica Balduíno Cardoso localizada no centro de Porto União- SC. Através das aulas do estágio, busca-se atenuar o silenciamento de alguns sujeitos históricos no currículo escolar, como os escravos africanos, procurando construir aulas que promovam o diálogo entre discentes e docentes como propõe Schimidt, Barca e Gadotti. Por meio dessa metodologia procuramos que os estudantes desenvolvessem a aprendizagem sobre as relações e resistências que os escravos construíram na sociedade que estavam inseridos ultrapassando a limitada discussão sobre a passividade dos escravos frente à violência do sistema escravo.
Palavras-chave: Estágio Supervisionado; Silenciamento Histórico; Diálogo Discente e Docente.
A IMPORTÂNCIA DA AULA EXPOSITIVA DIALÓGICA NO ENSINO DA HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NO 8º ANO | Maria Carolaine Domingues Maciel | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
O presente trabalho analisa as experiências realizadas em sala de aula no período de estágio do curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual do Paraná – Campus União da Vitória. Sendo como requisito para a aprovação nas disciplinas de Metodologia e Prática do Ensino de História e Estágio Supervisionado II, no quarto ano do curso. O tema do estágio foi a Revolução Industrial que busquei discutir as linguagens de ensino que utilizei em complemento a metodologia da aula expositiva dialógica a partir do texto da Antônia Ozima Lopes “Aula expositiva: superando o tradicional” assim como demais bibliografias sobre o ensino de história.
Palavras-chave: História; Estágio; Revolução Industrial.
EXTERMINISMO, PROPAGANDA E TERCEIRO MUNDO: UMA ABORDAGEM NO ENSINO DA GUERRA FRIA | Ramon Gustavo Becker | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
Esse artigo busca apresentar uma proposta de ensino de história sobre a Guerra Fria para alunos do 9º ano do ensino fundamental, bem como seus resultados durante a aplicação. A abordagem do conteúdo baseia-se em estudos de importantes pensadores contemporâneos ao conflito, como E. P. Thompson e N. Chomsky que fizeram uma análise baseada nas relações políticas durante o conflito e desenvolveram estudos sobre o Exterminismo e o papel do Terceiro Mundo na Guerra Fria. Além disso, é também elaborada uma análise sob a ótica de parte do desenvolvimento cultural, especialmente ligados às propagandas ideológicas, que desempenharam um importante papel nas disputas entres as duas grandes potências.
Palavras-chave: Ensino de História. Guerra Fria. Século XX.
OS DIFERENTES GRUPOS ETNO-CULTURAIS E ÉTNICO-RACIAIS NA PERSPECTIVA DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA MODALIDADE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | Sirlene Maria Hutchok | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019. |
O Trabalho Final de Estágio Supervisionado tem como propósito apresentar a dinâmica das aulas aplicadas com a turma mista de ensino médio na modalidade de ensino de Jovens e Adultos EJA. As aulas foram realizadas no Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos CEEBJA, localizado na cidade de União da Vitória Paraná. A temática levada para aplicação com a turma trabalhou tanto os aspectos sobre a etnia Ucraniana e Polonesa, quanto a variedade de interpretação que a temática étnica envolve. Dessa forma aproximando-os do conhecimento de percepções de gênero, raça, organizações grupais comunitárias entre outras, que o conteúdo traz como possibilidade de discussão e debate. A experiência de estágio na turma de modalidade EJA permitiu melhor abordagem da trajetória dos grupos étnicos dentro de uma perspectiva historiográfica, com um olhar especial para a parte teórica da temática, pensando na questão étnica como aporte cultural que está presente também no cotidiano desses alunos. Dessa forma abrindo margem para auxiliar no entendimento de fatos históricos, que também pertencem as vivências dos alunos que compõem a turma, tanto pelo aspecto de identidade como pelo aspecto de tradições e costumes em comum. Abre o debate para aqueles que não tinham nenhum acesso ou compreensão do contexto étnico. Salienta-se o uso de fontes diferenciadas como o jornal, filme, caracterizando-os como um instrumento de ensino indispensável para o processo de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Eja- Etnia- Ensino Histórico.
O USO DE FONTES HISTORIOGRÁFICAS NO ENSINO DA HISTÓRIA DOS IMPÉRIOS ASTECAS E INCAS | Sthefani Brum Bär | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
O seguinte trabalho tem como objetivo analisar as experiências obtidas em sala de aula no período de estágio para o curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual do Paraná – Campus União da Vitória no ano letivo de 2019. As aulas foram aplicadas em uma turma de 7° Ano do Ensino Fundamental, e os temas trabalhados foram formação dos Impérios Asteca e Inca e a chegada espanhola na América, bem como as formas de resistência indígena diante da dominação europeia. Busco analisar a relevância do uso das fontes historiográficas em sala de aula e as diferentes formas de aplicação destas para o ensino da História da América, utilizando como materiais didáticos trechos das Cartas de Hernan Cortez, da obra de Bartolomeu de Las Casas, e imagens iconográficas do Códice Mendonza, enfatizando a importância do uso de produções indígenas para destacar a visão dos nativos como participantes dos eventos históricos.
Palavras chaves: Ensino de História. Fontes Históricas. História da América.
TEMPORALIDADES E ENSINO DE HISTÓRIA: UMA REFLEXÃO SOBRE O TEMPO HISTÓRICO E A PRÁTICA PEDAGÓGICA | Aquilles Trindade | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial 2019.
O presente texto tem como objetivo refletir sobre o ensino de História sob a perspectiva do tempo histórico, buscando problematizar de que forma a categoria “tempo” está sendo pensada pela historiografia, afim de perceber as implicações nas relações de temporalidade. É fundamental que os(as) professores(as) compreendam as questões temporais como um objeto de ensino, refletindo sobre ele além de sua linearidade, mas pensando nas suas rupturas, permanências, simultaneidades, continuidade e descontinuidades. Sob a análise da educação, tempo histórico e do “presentismo”, propõe-se uma discussão que acompanha debates da teoria da história e metodologia de ensino. A reflexão é um componente imprescindível para a conclusão do curso de História na Universidade Estadual do Paraná.
Palavras-chave: Ensino de História; Temporalidades; Teoria da História e Metodologia.
Clio – Revista de Pesquisa Histórica. Recife, v.37, n.1, jan./jun. 2019.
Sobre a Revista
- Expediente | Isabel Martins Guillen | PDF
Apresentação
- Apresentação | Isabel Martins Guillen | PDF | 1-2
Artigos Livres
- O coronel prefeito: um retrato pela imprensa da figura de Arthur Ferreira Filho no rearranjo político no norte do Rio Grande do Sul | Gabriela Tosta Goulart | PDF | 3-25
- Primeira República em Pernambuco: flagelos da representação política (1904-1911) | Audenice Alves Zacarias | PDF | 26-45
- O Nordeste e a questão agrária: discursos de um periódico católico para o campo cearense, 1961-63 | Max Fellipe Cezario Porphirio | PDF | 46-69
- Igreja católica e ditadura civil-militar: algumas palavras sobre a experiência da Arquidiocese de Olinda e Recife | Severino Vicente da Silva | PDF | 70-84
- Para a boa administração da justiça: a inserção dos Juízes de Fora e a promoção de mudanças no judiciário da Colônia no final do século XVII | Marcelo Lunardi Carmo | PDF | 85-110
- Olhares de vigilância contra os cristãos-novos antes e durante a primeira visitação da inquisição à Capitania de Pernambuco | Priscila Gusmão Andrade, Juciene Ricarte Apolinário | PDF | 111-131
- Argélia e a questão colonial: interpretações sobre o colonialismo | Thiago Henrique Sampaio | PDF | 132-154
- Práticas ilícitas, corruptelas e venalidade no Estado do Brasil a inícios do século XVII. O fracasso das tentativas de reforma de Filipe III para o Brasil | José Manuel Santos | PDF | 155-177
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém, v.6, n1, 2019.
EDITORIAL
ARTIGOS
- Os primeiros anos da Universidade Federal do Pará vistos através da Faculdade de Medicina.
- José Maria De Castro Abreu Jr, Aristóteles Guilliod Miranda
- MEDINDO PADRÕES DE GEODIVERSIDADE DA REGIÃO HIDROGRÁFICA DO TOCANTINS E ITACAIÚNAS, PARÁ, AMAZÔNIA-BRASIL
- Abraão Levi Santos Mascarenhas, Maria Rita Vidal
- CONFLITUALIDADE ENTRE O MOVIMENTO SOCIAL CAMPONÊS E MERCADOS NA AMÉRICA LATINA: DA VISÃO MONETÁRIA À VISÃO TERRITORIAL
- Adolfo OLIVEIRA NETO
- AMOR, SEDUÇÃO E VIOLÊNCIA
- Fernando Arthur de Freitas Neves
RESENHAS
- O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira
- BRENA REGINA LOPES MACHADO
- A conquista da América: A questão do outro – Cap. I – Descobrir (Tzvetan Todorov)
- Mariana Cunha Fontes
DISCURSOS
- Saudação a Auriléa Abelém
- Saint-Clair Cordeiro Trindade Júnior
- Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém, v.6, n.2, 2019.
- EDITORIAL
- EDITORIAL
- Tiago Veloso dos Santos
- ARTIGOS
- MAIOR ORDEM, MAIOR DESIGUALDADE NA ÁREA METROPOLITANA DO VALE DO MÉXICO
- Luis Alberto Luna
- AGROINDÚSTRIA, INDUSTRIALIZAÇÃO E COMPETITIVIDADE: UMA ANÁLISE DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DO RÊCONCAVO SUL DA BAHIA
- Gesner Brehmer De Araújo Silva
- SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E DIREITO À CIDADE: UMA ANÁLISE DO SETOR SUDESTE DE CASTANHAL-PA
- Anderson de Sousa Carvalho, Jhon Cleber Moraes da Silva, Rayan Valter Oliveira Carrera, Willame de Oliveira Ribeiro
- TEMPOS DE OURO: uma análise sobre a formação espacial de Israelândia-GO
- Hyago Ernane G. Squiave, Dimas Moraes Peixinho
- ANÁLISE DA COBERTURA VEGETAL NA BACIA HIDROGRÁFICA MATA-FOME, BELÉM/PA.
- José Audecy Santos da Silva, José Edilson Cardoso Rodrigues
RESENHAS
- AMÍLCAR CABRAL E A CRÍTICA AO COLONIALISMO
- BRENA REGINA LOPES MACHADO
DISCURSOS
- Homenagem a Roberto Araújo de Oliveira Santos
- Auriléa Gomes Abelém
História e subúrbio / História e Cultura / 2019
O subúrbio como objeto de estudo
De acordo com José de Souza Martins, em sua obra Subúrbio, originalmente publicada em 1992, “até aqui a história de São Paulo tem sido escrita do centro para a periferia: a perspectiva elitista do centro domina a concepção que se tem do que foi o subúrbio no passado.”[1] Para apresentar um contraponto a essa perspectiva de análise, o autor procurou deslocar o olhar e se propôs a pensar sobre a especificidade da história do subúrbio, caracterizando-a como “circunstancial”, “fragmentada” e “residual”.
Quase três décadas se passaram desde a publicação do trabalho de José de Souza Martins e ainda hoje os estudiosos que se dedicam à história dos subúrbios, quer de São Paulo, quer do Rio de Janeiro ou de outra cidade brasileira, ainda são raros e, portanto, se defrontam com a dificuldade de diálogo para pensar a respeito desse objeto de estudo. Tanto no âmbito da história urbana, como no da história social ou cultural, poucas são as pesquisas que buscam problematizar os subúrbios, a sua história e a de seus moradores, bem como as características de suas relações com as áreas urbanas contíguas.
Margareth da Silva Pereira, que organizou o verbete “subúrbio” da obra A aventura das palavras da cidade, através dos tempos, das línguas e das sociedades [2], ao apresentar um histórico sobre os usos e significados do termo ao longo do tempo, afirma que a palavra não estava presente “nos Códigos de Posturas e nem nos decretos do período Imperial”, por volta de meados do século XIX. Todavia, segundo o depoimento de um contemporâneo: “na linguagem popular, só é designada como cidade a parte onde há maior comércio e estão as repartições públicas […] tudo o mais consideramos subúrbios” [3] . Ou seja, nessa época, os subúrbios estavam associados a uma área considerável do espaço das cidades, mas a investigação a respeito deles ainda foi pouco explorada pelos historiadores.
Embora o tema tenha começado a despertar o interesse de alguns estudiosos nos últimos anos, dentre eles os organizadores deste dossiê, os esforços ainda são esparsos e carecem de um espaço de debate. Conforme afirma José de Souza Martins:
“É preciso repensar a cidade, sua história, suas possibilidades. O olhar que decorre do vivido no subúrbio é instruído pela experiência das rupturas inauguradas pela fábrica, pelos acidentes, pelas tensões e pelos confrontos inevitáveis de todos os dias, ocultados pela repetição tardia de formas, de movimentos, de palavras, de ideias. É um olhar que revela outras dimensões da vida urbana, porque é outro o imaginário de que faz parte.”
Sendo assim, ao organizar este dossiê, a nossa intenção foi corroborar com o convite à reflexão feito por José de Souza Martins, proporcionando um espaço de discussão sobre a história dos subúrbios no Brasil e suas potencialidades, além de reunir em um único lugar os esforços dispersos daqueles que estudam a temática. Embora a submissão de artigos para avaliação tenha sido pequena, o que evidencia que o tema segue arrebatando menos adeptos do que o esperado, o recorte espacial dos textos que compõem o dossiê fugiu do tradicional eixo Rio-São Paulo, ampliando, portanto, o leque de pesquisas nessa área.
Elielton Gomes tratou a respeito das festividades que ocorreram no subúrbio da capital paraense, ao longo da década de 1950, utilizando como fonte a imprensa local. No constante diálogo sobre tais práticas no centro da cidade e fora dele, o autor ofereceu interessante panorama a respeito do cotidiano da cidade de Belém, em um contexto de intensas mudanças, provocadas pela chegada de muitos migrantes oriundos do interior do estado. Ainda com relação às práticas de lazer, Rosana Santos analisou o carnaval recifense, durante as décadas de 1950 e 1960. Apontou os conflitos e as tensões em torno dele, bem como tratou das diferenças entre o carnaval de rua e o praticado nas agremiações, explorando a relação deles com o espaço da cidade. Pedro Oliveira, por sua vez, investigou as enchentes que assolavam Parnaíba (PI) nos anos de 1970, procurando entender a relação dos munícipes com a conformação da cidade. Recorrendo à análise de como o fenômeno era apresentado em alguns periódicos, o autor problematizou a construção de estigmas em torno da população pobre e suburbana. Por fim, o artigo de Camila Itavo apresentou uma reflexão a respeito do filme Nostalgia da Luz, de Patricio Guzmán.
Que a leitura do dossiê seja proveitosa e inspire novas pesquisas que tomem o subúrbio como objeto de estudo.
Notas
1. MARTINS, José de Souza. Subúrbio: vida cotidiana e história no subúrbio da cidade de São Paulo: São Caetano, do fim do Império ao fim da República Velha. 2ª ed. São Paulo: Hucitec; Unesp, 2002, p. 9
2. TOPALOV, Christian et. al. (org.). A aventura das palavras da cidade, através dos tempos, das línguas e das sociedades. Trad. por Alicia Novick. São Paulo: Romano Guerra, 2014, pp. 619- 627.
3. PINTO, Manuel Paulo Vieira. Carta a Alexandre José de Melo Moraes fornecendo dados referentes aos limites da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional. Seção de Manuscritos, v. 106, II, 34, 30, 42. 1862. Apud: Topalov, Christian et. al. Op. cit., p. 623
Cristiane Regina Miyasaka – Doutora em História / Unicamp.
Pedro Henrique Torres – Doutor em Ciências Sociais / PUC-Rio.
Os organizadores
MIYASAKA, Cristiane Regina; TORRES, Pedro Henrique. Apresentação. História e Cultura. Franca, v.8, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR]
Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
MULHERES & HISTÓRIA: DOMINAÇÃO, SILENCIAMENTO E ESQUECIMENTO | Nikolas Corrent | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Tratar sobre as mulheres na História tem sido um tema recorrente a partir do final do século XIX. A condição de subserviência das mulheres tem gerado conhecimento acerca da sua figura histórica e da sua invisibilidade perante um mundo dominado pelos homens. Dentro dessa perspectiva Spivak (2010) relata que diversas mulheres permanecem sendo silenciadas ainda que sejam sujeitos da contemporaneidade. O artigo utiliza-se de textos que procuram corroborar sua trajetória e colocação das mulheres em diferentes tempos na sociedade, descrevendo sobre elas e sua inserção na a família, na educação, no trabalho, procurando esclarecer as transformações que foram imperativas para que a sociedade e a História começassem a tratá-las sob um novo olhar. – PALAVRAS-CHAVE: História. Mulheres. Historiografia. Gênero.
TRABALHANDO COM FONTES DIGITAIS: BOOKTUBERS, PROPOSTAS METODOLÓGICAS E ESCRITA DA HISTÓRIA | Lucas Kammer Orsi | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Com o advento da internet, principalmente a partir dos anos 2000, as relações entre indivíduos, mas também com o tempo e espaço, sofrem constantes modificações. No campo historiográfico, surge o desejo de compreender tais mudanças, o que faz com que o historiador tenha que se debruçar muitas vezes em materiais nunca antes trabalhados. Todavia, o contato com esse novo universo pode carecer de metodologias. Consequentemente, torna-se necessário que o pesquisador precise recorrer a outras áreas num exercício interdisciplinar, trazendo contribuições de outras áreas para responder problemas propostos. O trabalho que se segue procura explorar possibilidades metodológicas de uma pesquisa em andamento envolvendo três booktubers que atuam na plataforma do YouTube. Esta, por sua vez, audiovisual, torna-se emblemática no meio virtual por permitir o compartilhamento de vídeos amadores de assuntos variados. Os indivíduos protagonistas, nesse sentido, trazem temas do universo literário por meio da produção desses materiais, estimulando o debate e o consumo de literatura. Os booktubers analisados foram Mayra Sigwalt, Vitor Almeida e Victor Martins e o contato interdisciplinar para a realização desse trabalho se deu por meio da aproximação com a netnografia, advinda da Antropologia, e o debate dos gêneros e formatos jornalísticos, da área do Jornalismo. – PALAVRAS-CHAVE: Booktuber, fontes históricas, literatura
ASPECTOS DA PÓS-MODERNIDADE EM “A METAMORFOSE” DE KAFKA (1912): TRANSIÇÃO, RUPTURA E REVERSÃO DE CONCEITO | Alam Cristian Arezi | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
O objetivo desse artigo é o de reconhecer aspectos característicos da chamada pós-modernidade, tendo como fonte principal “A Metamorfose”, escrita em 1912 por Franz Kafka (1883-1924). Abstendo-se da pretensão definitiva de rotular um texto escrito no inicio do século XX, a intenção maior dessa problemática é a de identificar essências de significado no contexto ficcional – nas personagens, nas ações destes e na trama – que por ventura possam ser compreendidos através de um diferente prisma – em voga nas discussões históricas. Portanto, essa pesquisa tem a pretensão de analisar os conflitos de um universo ficcional e, compará-los a algumas problematizações de discurso e de conceito que envolve a modernidade, a pós-modernidade e o possível momento de transição entre estas divisões. – PALAVRAS-CHAVE: Conceito; Pós-modernidade; A Metamorfose; Franz Kafka
O CONFLITO ENTRE MARROCOS E A REPÚBLICA ÁRABE SAARAUI DEMOCRÁTICA: UM BREVE ESTUDO GEOPOLÍTICO DA QUESTÃO SOBRE O SAARA OCIDENTAL | Jonathan Christian Dias dos Santos | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
O Saara Ocidental é um espaço oculto para grande parte do Mundo, que desconhece a sua luta por legitimação enquanto um Estado soberano. Sendo uma das áreas de protetorado espanhol, no século XX, sob o continente africano, com o fim do franquismo, após a morte de Francisco Franco, o território saaraui passou para as mãos dos marroquinos, que mantém o controle sobre aquele espaço até os dias atuais. Neste artigo, buscamos compreender quais os fatores geopolíticos, os agentes externos, internos e o que está em disputa para que este processo se arraste por décadas e se torne um das principais heranças do período de ocupação europeia sobre o continente africano. – PALAVRAS-CHAVE: Geopolítica; Geografia Política; África; Marrocos; Saara Ocidental.
A ALTERIDADE MEDIEVAL PARA ALÉM DA IDADE MÉDIA | Eduardo Leite Lisboa | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Este artigo tem por objetivo explorar o significado da alteridade na Idade Média para com criaturas monstruosas/selvagens e apresentar sumariamente seu alargamento para os séculos posteriores. A partir das narrativas de viagens, sobretudo de Jean de Mandeville (c. 1356), o texto vale-se dos pressupostos teórico-metodológicos da literatura enquanto fonte para o historiador do imaginário, ou seja, abarca seu contexto, tradição literária na qual está inserida, os recursos narrativos e sua circulação. Após isso, avança sobre aquilo que poderíamos chamar de “discurso civilizatório moderno” e reflete sobre as categorias de assimilação do Outro (no caso, indígenas e africanos), bem como a legitimação de sua conquista. – PALAVRAS-CHAVE: Literatura de viagem; Alteridade; Idade Média.
HISTÓRIA INTELECTUAL E SEUS USOS: FERNANDES FIGUEIRA E O PAPEL DOS INTELECTUAIS | Fernanda Loch | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Este trabalho é resultado das reflexões feitas na disciplina de Tópicos Especiais em Cultura e Identidades: Intelectuais e História Intelectual, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR). A partir das leituras e, portanto, dos estudos feitos sobre a História Intelectual durante a disciplina, vislumbramos diversas abordagens teóricas, historiográficas e até mesmo sociológicas da História Intelectual. Este artigo não se propõe inovador. Proponho apenas discutir algumas dessas abordagens, bem como, a partir delas, tratar (a título de exemplo), em específico, sobre o intelectual e médico Fernandes Figueira, formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, especializado em pediatria, e que teve um grande papel na construção de políticas públicas de auxílio à maternidade e à infância no começo do século XX. Intelectual este, com que trabalho no meu próprio projeto de pesquisa do mestrado.Além disso, também pretendo debater sobre o papel social dos supostos intelectuais no passado, e ao longo do tempo. – PALAVRAS-CHAVE: Intelectuais; História Intelectual; Fernandes Figueira.
MÚSICA: VIÉS CULTURAL DE RESISTÊNCIA À DITADURA | Matheus Mendanha Cruz | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019. |
Com a tomada de poder liderada pelos militares o Brasil passou por 21 anos sob o patriarcalismo exacerbado das Forças Armadas. Embora houvesse crescimento na economia nacional, tendo como expoente maior desse fator a elevação do PIB, o clima à época não era de todo amistoso dentro da sociedade brasílica. A arte, no trabalho a seguir mais em foco a música, é a grande demonstração da insatisfação de comunidades quanto ao governo que estava sendo imposto e se perpetuava no poder. Embora houvesse vieses de luta armada, em grande parte da resistência era feita de maneira mais moderada, com o intuito de conscientizar a maior quantidade de pessoas possível.
Palavras-Chaves: Música de Resistência; Ditadura Militar; Movimentos Culturais.
A ASCENSÃO DO FRONT NATIONAL COM MARINE LE PEN NA PERSPECTIVA DA GESTÃO DOS SENTIMENTOS POLÍTICOS | Makchwell Coimbra Narcizo | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019. |
A extrema direita volta a ganhar força na Europa, inclusive na França com o Front National. Em 2011 Jean-Marie Le Pen é substituído por sua filha Marine Le Pen na presidência do partido. Com a troca vieram modificações estratégicas na busca pelo poder que solidificaram ainda mais o FN entre os principais partidos franceses, dentre as modificações está uma modificação de sua imagem, feita a partir da gestão de sentimentos, de forma criteriosa e profissional. A intenção da presente investigação é refletir sobre como essa estratégia é feita a partir da gestão dos sentimentos políticos.
Palavras chave: Extrema Direita, sentimentos políticos, Marine Le Pen
IMAGENS E INTERPRETAÇÃO: A IMATERIALIDADE DAS PINTURAS CORPORAIS JIRIPANKÓ | Vinícius Alves de Mendonça | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Este trabalho tem por intuito realizar uma análise do grafismo corporal utilizado entre os indígenas Jiripankó, habitantes no município de Pariconha, alto sertão do Estado de Alagoas, o compreendendo enquanto expressão imagética da concepção imaterial da etnia acerca do seu sagrado. Visto que, o grupo em questão tende a interpretar suas práticas tradicionais, como a pintura corporal, como transcendentais a realidade material ligando-as a interpretações e concepções embasadas na religiosidade e imaterialidade. Para o desenvolvimento desta pesquisa foram utilizadas as metodologias vinculadas à pesquisa de campo, nos moldes de Oliveira (1996), junto à revisão teórica de autores como Candau (2016), Peixoto (2018), Samain (2012), Santos (2015) e Guinzburg (1989) de modo a proporcionar um estudo da interpretação Jiripankó acerca das imagens desenvolvidas através das pinturas corporais e a forma que as vinculam a um imaterial interétnico particular.
Palavras-chave: Grafismos. História visual. Indígenas.
REVISANDO A JUSTIÇA RESTAURATIVA NA EDUCAÇÃO E REFLETINDO SOBRE AS PRÁTICAS CIRCULARES NO AMBIENTE ESCOLAR | Eduardo da Silva Melo | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Os efeitos adversos da violência nas escolas implicam na busca por medidas que visem amenizar e até erradicar as expressões desse mal no contexto escolar. O presente estudo apresenta, por meio de uma revisão bibliográfica, através de livros, periódicos eletrônicos, anais, etc., a interconexão existente entre a Justiça Restaurativa e a educação. A interdisciplinaridade entre estas possibilita instrumentos de melhoria das relações interpessoais na sala de aula. Os círculos dialógicos e de construção de paz são respostas eficazes para a problemática em tela: a violência nas escolas.
Palavras – chave: Violência. Escolas. Justiça Restaurativa. Interconexão.
PANTERA NEGRA (2018): FILME DE SUPER-HERÓI, BLOCKBUSTER, EXPERIMENTO MULTICULTURAL | Vilson André Moreira Gonçalves | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
O filme de super-herói se estabeleceu como uma das vertentes mais exploradas do cinema hollywoodiano. Dada a proficuidade do gênero, cabe questionar se este encontra-se desgastado ou se é capaz de ser relevante, tratando de temas de ressonância cultural e política, além de sequências de ação e efeitos visuais. Diante desse panorama, proponho-me discutir o filme Pantera Negra (Ryan Coogler, 2018), a fim de investigar seus principais desdobramentos temáticos.
Palavras-chave: Pantera Negra, blockbuster, multicultural, adaptação de quadrinhos, super-herói.
O PÁSSARO FRANCÊS: O CARTÃO POSTAL COMO DISCURSO VISUAL/PEDAGÓGICO DURANTE A GRANDE GUERRA (1914-1918) | Audrey Franciny Barbosa | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
O presente artigo teve como objetivo analisar dois cartões-postais franceses produzidos e consumidos no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) a fim de refletir como se deu a produção desses dois postais, sobretudo no que se refere as representações visuais contidas nos anversos. Partiu-se da perspectiva que essas representações visuais não são meras ilustrações, afinal, dentro do contexto visual das sociedades, as imagens possuem força de ação e legitimação (CHARTIER, 1991). Para isso, compreendeu-se que tais postais correspondem a um discurso visual/pedagógico, ou seja, enquanto artefato característico da Belle Époque francesa, o cartão-postal assumiu funções muito além da simples comunicação e foi utilizado como instrumento de persuasão e defesa do discurso em prol da Guerra em vários âmbitos, inclusive no que se refere a infância. Por fim, a metodologia empregada foi a iconografia/iconologia proposta por Panofisky (2011) – após alterações necessárias – embasada numa postura crítica frente as representações visuais, a fim de pontuar que toda a imagem é produzida para fins específicos, que correspondem a determinados objetivos e que interessam a História.
Palavras-chave Cartão-postal; Primeira Guerra Mundial; Infância.
A INSERÇÃO DAS FONTES HISTÓRICAS NO ENSINO DE HISTÓRIA REGIONAL: UM RECURSO PEDAGÓGICO UTILIZADO EM SALA DE AULA NO ENSINO MÉDIO | Eliomar Gomes dos Reis e Daniel Rodrigues de Lima | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019. |
Este paper é o resultado da disciplina estágio curricular etapa III, que compreende observação e regência; que tem como objetivo capacitar o acadêmico estagiário para uma futura atividade na área da docência. Esta atividade curricular foi aplicada no CETI- João dos Santos Braga, sob a supervisão do professor de História. A área de concentração escolhida foi a história regional. O propósito desse estágio é a utilização das fontes históricas como uma dinâmica de grande valia no ensino em sala de aula. Na estrutura teórica utilizei obras de autores como March Bloch, Circe Bittencourt, Marilene C. Silva, Carla Pinsky, Rogério Rodrigues, Aguinaldo Figueiredo, entre outros. A metodologia aplicada foi um trabalho de campo com métodos qualitativos que foram concluídos com entrevistas semiestruturadas com o professor de História, onde foi possível expor a importância da História Regional, a fim de que os alunos possam compreender sua formação cultural, e as conjunturas do passado da sociedade onde vivem.
Palavras-chave: História Regional e local. Estágio Curricular III. Fontes históricas.
OS MEANDROS DE RESISTÊNCIA ESCRAVA NO BRASIL, E A TÃO ESPERADA (OU CONQUISTADA?) LIBERDADE (1831-1888) | Aristides Leo Pardo | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Este artigo explana o funcionamento da escravidão no Brasil Império, as esperanças de liberdade e as estratégias para amenizar a agonia das senzalas até o dia da “redenção”, em que foi abolido definitivamente o cativeiro no Brasil, não por benevolência dos governantes, membros de uma aristocracia sustentada em parte, pelos senhores escravocratas e sim por uma sequência de fatores, que fizeram ruir o último foco de escravidão nas Américas, já no raiar do Século XX, mas deixando na História do Brasil, uma ferida aberta que dificilmente cicatrizará. – PALAVRAS-CHAVE: Escravidão. Brasil Império. Liberdade. História do Brasil
NA TRANSVERSAL DO TEMPO: CIDADE E CANÇÃO NA OBRA DE JOÃO BOSCO E ALDIR BLANC (1973-1977) | Daniel Henrique França Lunardelli | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Este artigo é o resultado preliminar de uma pesquisa que tem como objetivo investigar as aproximações entre canção, política e cultura durante o processo de repressão e abertura do regime militar através da produção musical dos compositores João Bosco e Aldir Blanc. Para isso, faz-se uma breve trajetória profissional dos compositores, assim, como se faz a delimitação da canção como fonte de pesquisa histórica e uma avaliação das representações sobre a cidade do Rio de Janeiro nas canções e sua relação com a resistência cultural sob o autoritarismo. Palavras Chave: Cidade; Canção; Música Popular Brasileira
O PATRIMÔNIO INDUSTRIAL COMO TEMA DE ESTUDOS DA HISTÓRIA SOCIAL | Alexandra Sablina do Nascimento Veras | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Apesar de ser um tema ainda pouco estudado para o caso brasileiro, sobretudo nos cursos de Graduação e Pós-graduação em História, as pesquisas e discussões em torno do Patrimônio Industrial tem crescido significativamente nos últimos anos. Tal fato pode ser identificado a partir do aumento no número de eventos acadêmicos e ações em prol da identificação e valorização dessa tipologia de patrimônio, que tem instigado o desenvolvimento de novos estudos e pesquisas. Esse artigo tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre a identificação e reconhecimento dos vestígios associados aos processos da industrialização como patrimônio, compreendendo o Patrimônio industrial como um tema de estudos legítimo da historiografia e, sobretudo, da História Social, ao apontar possíveis caminhos para o tratamento e abordagem desses vestígios. – PALAVRAS-CHAVE: Desindustrialização; Patrimônio Industrial; História Social.
A EXPANSÃO DA INDÚSTRIA AÇUCAREIRA E A ESCRAVIDÃO NA PROVÍNCIA DE PERNAMBUCO (1831-1850) | Adriana Ribeiro de Araujo | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
O presente artigo contextualiza a indústria açucareira com a escravidão na província de Pernambuco. Trata de aspectos importantes sobre a economia, o crescimento da lavoura, a dependência dela em relação a escravidão. Relaciona a demanda do tráfico ilegal de africanos com a necessidade de mão de obra escrava destinada ao trabalho na indústria açucareira em Pernambuco entre os anos de 1831 e 1850, quando o comércio de escravos ocorria sob condições de ilegalidade. Os métodos utilizados foram baseados em uma revisão bibliográfica, analisando e comparando a bibliografia existente sobre o tema. Os resultados obtidos refletem a malha de influência política tecida, assim como, revelam aspectos econômicos e sociais da conjuntura da sociedade da época. – PALAVRAS-CHAVE: Indústria açucareira; Província de Pernambuco; Tráfico ilegal.
A REDENÇÃO DE CAM: AS TRANSFORMAÇÕES NOS SIGNIFICADOS DAS REPRESENTAÇÕES DA PINTURA | Isaias Holowate | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
No final do século XIX o racismo científico, em ascensão no Brasil, foi utilizado para explicar o que se jugava ser um atraso – tecnológico, científico e cultural – em relação aos países europeus e aos EUA. Nessa época, discursos que defendiam o embranquecimento da população através de cruzamentos selecionados ganharam força, sendo apontadas como a possível solução para a chamada questão racial brasileira. Nesse aspecto, a pintura “A redenção de Cam” foi utilizada pelo diretor do Museu Nacional João Batista Lacerda para exemplificar o processo de branqueamento que ele julgava que deveria acontecer no Brasil.
O presente artigo investiga, a partir do estudo das ressignificações da pintura nos processos de apropriação e produção de representações, os significados presentes na obra de Modesto Brocos y Gómez e as ressignificações inseridas por Lacerda e seus seguidores, analisando a forma com que essa arte, pintada em um ambiente histórico e cultural próprio, produziu e foi produzida pelo ambiente da qual fazia parte. – PALAVRAS-CHAVEs: Branqueamento racial; Representação; Ressignificação.
SOCIABILIDADE ESCRAVA NOS CAMPOS DE PALMAS 1839- 1889 | Fabiana Mathias Roncatto | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Este artigo tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a sociabilidade escrava nos Campos de Palmas, onde por muito tempo acreditou-se na inexistência de sociação entre os negros, cativos, donos de terras e da própria escravidão como um todo. Com o avanço de pesquisas e o reconhecimento de fontes primárias do referido lugar, foi possível obter informações deste período de grande valia para a história e a cultura palmense. A fundamentação teórica assegurou-se na análise de registros do Tabelionato de Notas Leinig, atas de batismo da Cúria Diocesana e alguns inventários post-mortem. Utilizou-se também referenciais teóricos tais como, livros e artigos de autores renomados no quesito, Campos de Palmas. Assim, a metodologia firma-se em uma análise crítica da bibliografia. – PALAVRAS-CHAVE: Sociabilidade; escravidão; Campos de Palmas; Compadrio. | | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, volume especial, 2019.
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: O USO DE FONTES EM SALA DE AULA E A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Ana Letícia Pasquali Kziozek | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
O presente artigo tem como intuito fazer uma reflexão sobre a importância do ensino de história e a utilização de fonte como a literatura, em sala de aula. Trata-se do relato de experiência dos estágios supervisionados realizados como requisitos do 4º ano do curso de História da Universidade Estadual do Paraná Campus União da Vitória. Constatei a importância de trabalhar com fontes históricas nas aulas de história para que os alunos tenham novas percepções e visões sobre o tema proposto que foi a Segunda Guerra Mundial.
Palavras-chave: Ensino de História, Fontes Históricas, Literatura.
O ENSINO SOBRE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA: ENTRE O LIVRO DIDÁTICO E OUTRAS LINGUAGENS | Bruna Brandel Meleck | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019. |
O presente trabalho analisa as experiências realizadas em sala de aula no período de estágio do curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual do Paraná – Campus União da Vitória. O tema ministrado no estágio foi o período da Segunda Guerra Mundial e aqui busco analisar o livro didático e seus limites, discutindo outras linguagens utilizadas como complemento para as aulas.
Palavras-chave: Ensino de História; Segunda Guerra Mundial; Linguagens e ensino.
NARRATIVAS HISTÓRICAS DE ESTUDANTES DO SÉTIMO ANO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: GÊNERO, PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E DESCONSTRUÇÃO DE PRECONCEITOS | Daniele Gluszczak Skorupa | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019. |
Este trabalho tem como objetivo apresentar as metodologias e os resultados obtidos com estudantes do sétimo ano da educação básica sobre gênero, pessoas com deficiências e preconceitos no período da idade média. Buscando fazer uma reflexão sobre o ensino de história e as teorias disponíveis para elaboração de um material didático mais próximo ao ideal, uma história mais humanitária levando em conta a autonomia docente e as diretrizes educacionais do Paraná. Possibilitando ao final do conteúdo a elaboração de uma narrativa própria do (a) aluno (a) sobre o tema, destacando a sua bagagem cultural, o seu entendimento de mundo e a sua consciência histórica.
Palavras chaves: Metodologias, ensino de história, narrativas históricas.
ENTRE A EXPECTATIVA E A REALIDADE: EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO PASSANDO PELOS TEMPOS HISTÓRICOS (ANTIGUIDADE, ANTIGUIDADE TARDIA E IDADE MÉDIA) | Gabriel Irinei Covalchuk | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019. |
Este trabalho é resultado do estágio supervisionado, realizado em União da Vitória-Paraná, na instituição de ensino Colégio Estadual José de Anchieta durante o ano letivo de 2018 no primeiro ano do ensino médio, sob supervisão da professora Siclinde Werle. O tema selecionado para ser trabalhado em sala foi desde o início de Roma até o Feudalismo, abrangendo o Império Bizantino e Carolíngio. Busco no texto primeiramente mostrar a realidade que o professor e professora da escola pública enfrentam diariamente, como a falta de materiais, tecnologias sucateadas, mudança de datas. Também abordo como a Copa do Mundo interferiu nesse processo em que eu estava aplicando as aulas e como eu utilizei as tecnologias disponíveis pela instituição. No segundo momento procuro demonstrar através da experiência em sala e os resultados obtidos nas avaliações, a importância do ensino da Antiguidade, Antiguidade Tardia e Idade Média no contexto escolar, salientando que embora esteja abordando uma época longínqua, tem total vinculação com a realidade atual e o processo de formação social através dos anos.
Palavras-chaves: Estágio Supervisionado; Ensino de História; Roma; Feudalismo; Docência.
ENSINO DA HISTÓRIA DIFÍCIL (BURDENING HISTORY): REFLEXÕES SOBRE O PENSAMENTO HISTÓRICO DOS ESTUDANTES DO 2º ANO DO ENSINO MÉDIO DO COLÉGIO ESTADUAL PADRE GIUSEPPE BUGATTI | Hemerson dos Santos Junior | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019. |
O presente trabalho apresenta as experiências e as reflexões adquiridas através da prática do estágio supervisionado, que foi aplicado na turma do segundo ano do ensino médio do Colégio Estadual Padre Giuseppe Bugatti, localizado no município de União da Vitória – PR. Durante o estágio, defendemos que o ensino de história deve estar a serviço dotempo presente, de modo a relacionar o ensino dos conteúdos históricos com a vida dos estudantes, levando em conta a relevância social dos temas trabalhados. Essa abordagem é significativa quando temos em vista a necessidade de estimular e auxiliar os estudantes no desenvolvimento de uma consciência histórica e de um compromisso com a responsabilidade social. Para fundamentar nosso texto utilizaremos o conceito de Burdening History proposto pelo historiador alemão Bodo Von Borries (2011), que se refere à tese de que a população do presente deve ter responsabilidade com as questões do passado. Os temas trabalhados são: povos indígenas; escravidão; monopólio da terra; e problemas sociais.
Palavras chave: burdening history; ensino de história; responsabilidade social.
HUMANISMO E MULTICULTURALISMO: A CULTURA VIKING NA SALA DE AULA | Larissa Faesser | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019. |
O objetivo deste artigo foi descrever a experiência da docência em sala de aula, realizada no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos – CEEBJA. O tema proposto para as aulas do estágio foi “Cultura Viking”. Busquei estruturar as aulas de forma a aproximar a teoria histórica com a vida prática dos alunos e alunas, para que os mesmos pudessem identificar-se como sujeitos históricos e compreender o conteúdo de forma mais significativa. O referencial teórico e metodológico do trabalho está pautado nos seguintes autores: Jörn Rüsen, Isabel Barca, Maria Auxiliadora Schmidt, Circe Bittencourt e Fernando Seffner. Utilizo-os para refletir sobre a nossa educação e o ensino de história a partir de questões culturais voltadas ao humanismo e multiculturalismo.
Palavras-chave: Humanismo, multiculturalismo, ensino da cultura viking.
ENSINO DE HISTÓRIA: DA ANTIGUIDADE À ALTERIDADE | Luiz Henrique S. Moreira | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019. |
O presente texto tem por objetivo refletir sobre o ensino de história antiga como componente dos conteúdos de história, devido ao fato de que por vezes o mesmo é negligenciado pela visão de que não estabelece relações com a realidade brasileira. Através de uma análise da educação necessária para a sociedade contemporânea, que vive simultaneamente os fenômenos da Quarta Revolução Industrial e do “presentismo”, propõe-se um ensino de história antiga que acompanhe os debates da teoria da história, com a intenção de estimular a criatividade e a alteridade dos alunos. O objeto de análise para tal reflexão é o estágio de docência necessário para a conclusão do curso de História, na Universidade Estadual do Paraná.
Palavras-chave: Ensino de História; História Antiga; Teoria e metodologia.
O ENSINO DE HISTÓRIA EM TEMPOS MODERNOS – A VALORIZAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE FONTES DOCUMENTAIS EM SALA DE AULA | Thaynara Morganna de Souza de Lima | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan/jul. 2019.
Este trabalho tem como objetivo demonstrar os resultados obtidos em sala de aula durante a experiência dos estágios supervisionados, requisitados no último ano do curso de licenciatura em História da UNESPAR – Campus de União da Vitória, aplicado no Colégio Estadual Astolpho Macedo Souza. Como metodologia utilizei fontes documentais, sendo que estagiei em turmas diferentes, com alunos de faixa etária diferentes e as temáticas foram diferentes, as fontes me auxiliaram para trabalhar de forma significativa, para que assim possamos atentar aos alunos(as) sobre a importância das fontes, e, durante este processo possibilitar a construção do saber histórico e desenvolvimento da consciência histórica dos(as) alunos(as). Como embasamento teórico e metodológico, me utilizei dos(as) seguintes autores(as): Jörn Rüsen, Isabel Barca, Circe Bittencourt e Paulo Freire, para assim pensar no papel do(a) professor(a) durante a elaboração do plano de aula, e no impacto que o mesmo pode/deve causar nos(as) alunos(as).
Palavras-chave: Ensino de História, Fontes, Consciência Histórica.
História e imagens: visões dos processos sociais / História – Debates e Tendências / 2019
Neste número da revista História – Debates e tendências, apresentamos o dossiê “História e imagens: visões dos processos sociais”, no qual vários especialistas abordam o tema história a partir da perspectiva da utilização da imagem, seja fotografia, história em quadrinhos / charges, desenhos, pintura, arte urbana, como instrumento emergente para entender diversos processos sociais pretéritos ou contemporâneos. Conforme Didi-Huberman (2015), frente a uma imagem, o passado segue se reconfigurando constantemente, e a imagem só se torna fonte de reflexão a partir de uma construção da memória.
Assim, a dinâmica lógica de toda construção humana é mobilizada a múltiplas maneiras de ver e sentir a memória, como estrutura sociocoletiva (CANDAU, 2012; HALBWACHS, 1976); mas as múltiplas visões dessa memória vinculam-se também com os lugares (NORA, 1984), agindo como ferramenta alternativa para a conscientização a respeito de situações conflituosas, abrindo espaço para uma nova forma de crítica social, reafirmação de situações culturais e identitárias. Também rompem com velhos paradigmas sobre a abordagem do estudo da História, desde criação, aproximações estéticas da arte e diversas narrativas culturais ao longo do tempo. Leia Mais
Migrações: perspectivas e avanços teórico-metodológicos / História – Debates e Tendências / 2019
Veem-se os emigrantes partirem uns após os outros, veem-se os imigrantes chegarem uns atrás dos outros e uns seguindo os outros, mas só se compreende o que é a emigração lá e o que é a imigração aqui, posteriormente, quando o processo já está bem encaminhado, quando a duna já está formada.
A Imigração, A. SAYAD
E / imigração e refúgio estão na pauta central das discussões e políticas de Estado – especialmente na União Europeia e nos Estados Unidos –, resultado da pressão política e das demandas sociais, do aumento dos deslocamentos populacionais e multiplicação de campos de refugiados, somado às crescentes manifestações de ódio contra os imigrantes. As respostas da sociedade de recepção e as medidas implementadas pelos governos são múltiplas e variáveis: há o acolhimento, imigrantes “desejáveis”, políticas de proteção e inserção do imigrante / refugiado; mas também há movimentos de xenofobia, o endurecimento das leis imigratórias e o fechamento das fronteiras – simbolicamente, via adoção de uma postura anti-imigração, e fisicamente, com policiamento, construção de cercas e muros. Leia Mais
Ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul / História – Debates e Tendências / 2019
A desmemoria
“O medo seca a boca, molha as mãos e mutila. O medo de saber nos condena à ignorância; o medo de fazer nos reduz à impotência. A ditadura militar, medo de escutar, medo de dizer, nos converteu em surdos e mudos. Agora a democracia, que tem medo de recordar, nos adoece de amnésia; mas não se necessita ser Sigmund Freud para saber que não existe tapete que possa ocultar a sujeira da memória”.
Eduardo Galeano.
Nas décadas de 1960 e 1970, uma série de golpes de Estado nos países do Cone Sul deu início ao ciclo de ditaduras militares – ou civil-militares – na região, atingindo países como Brasil, Uruguai, Chile e Argentina. Estas ditaduras se estruturaram a partir das diretrizes gerais da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), das orientações de estratégia da teoria da contrainsurgência norte-americana e da doutrina de guerra revolucionária francesa, instituindo, assim, a noção de “guerra interna”. Dessa forma, as Ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul criaram o “inimigo interno” – chamado genericamente de “subversivo” – e adotaram amplamente uma política repressiva baseada no Terrorismo de Estado, que ultrapassou os limites da “repressão legal”, permitida pelo arcabouço jurídicoconstitucional, utilizando “métodos não convencionais” – tais como o sequestro, a detenção ilegal, a tortura, o assassinato e o desaparecimento de opositores e seus cadáveres – para aniquilar a oposição política e o protesto social, fossem estes armados ou não. Como pano de fundo, tais regimes constituíram pressuposto essencial para a readequação das respectivas economias nacionais aos novos ditames do capitalismo mundial. Leia Mais
História das Religiões: da construção de uma disciplina aos seus desafios atuais / Revista Maracanan / 2019
Na segunda metade do século XVIII, mais especificamente em 1757, o filósofo iluminista escocês David Hume publicou uma obra chamada The Natural History of Religion, considerada uma espécie de percursora dos estudos contemporâneos do campo da História das Religiões. Desde então, a construção do “religioso” como objeto de investigação é um tema que interessa à História e as demais Ciências Humanas de forma incessante, especialmente após a consolidação destes saberes e discursos enquanto disciplinas autônomas e de reconhecida cientificidade. Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicologia, Psicanálise e História, cada uma à sua forma, interrogaram-se sobre a religião, as religiões e o fato religioso enquanto uma expressão da realidade social. Mais do que isso, a própria “história das religiões” (Religionswissenschaft) configurou-se, com Max Müller a partir da segunda metade do século XIX, como uma disciplina nova, cujos parâmetros e premissas estão lançados desde pelos menos os anos 1900, e incessantemente renovados pelas escolas francesas, italianas e demais iniciativas sistemáticas de investigação.
Se em sua origem a matriz judaico-cristã determinou, em certa medida, o enquadramento e as analogias possíveis, a partir das abordagens comparativas, a pluralidade das pesquisas desenvolvidas sustenta a diversidade temática e metodológica, além da riqueza analítica sobre as quais a História das Religiões se funda, se dissemina e se sustenta. Este dossiê foi pensado justamente para reunir pesquisas atualmente em desenvolvimento que se dedicam a esta temática, em especial em sua articulação com outros campos, como o da cultura, o da política e o das relações sociais.
Assim, observamos que temas como missões religiosas, culto, liturgia, teologia, e moral, além de seu aspecto de mediação do sagrado, também são analisados em função de sua importância no âmbito das disputas entre alteridades e construções de identidade; das tensões entre as diversas formas de entender e representar o religioso; das relações de gênero; de suas implicações com projetos econômicos e seus efeitos na vida material; e de sua instrumentalização para o estabelecimento de lugares e hierarquias sociais. Outro aspecto interessante observado nos estudos aqui publicados diz respeito à relação entre a disseminação de uma determinada religião e a (re)estruturação do espaço, seja em áreas rurais ou de fronteira, seja em áreas de crescente e acentuada urbanização, seja em contextos coloniais ou na contemporaneidade. Isso diz da potencialidade da História das Religiões enquanto um espaço discursivo e historiográfico que propicia o diálogo entre diferentes campos do saber, na medida em que viabiliza e materializa estudos que dialogam com a teologia, a geografia, a antropologia, a sociologia, a arquitetura e, evidentemente, a história.
A disseminação do cristianismo e da vida cristã no período moderno, por exemplo, é abordada no artigo Um santo brâmane: a vida e santidade do oratoriano José Vaz na obra de Sebastião do Rego. A partir da análise de uma fonte documental do século XVIII, Ana Paula Sena Gomide aborda as questões acerca da formação de um clero nativo em um espaço oriental não colonial. Em um contexto de franca disputa entre portugueses e holandeses – isto é, entre católicos e protestantes – a autora acompanha a trajetória de um cristão de origem brâmane que de Goa parte para o Ceilão. Ressaltando a importância da Congregação do Oratório de Goa na disseminação do cristianismo na região, a leitura nos permite perceber as complexidades da extrapolação da presença cristã para além os limites do Estado da Índia.
Ainda no contexto da Época Moderna, a conduta exemplar de uma vida religiosa, abordada a partir da leitura de uma fonte do século XVIII, é o tema do artigo “E se o frade quiser ser perfeitinho”: instruções para uma conduta exemplar do clero regular português no século XVIII. Esta contribuição traz para o debate os aspectos morais que muitas vezes estão associados ao tema da religião e seus respectivos desdobramentos na vida social daquele tempo, lançando luz ao contexto da Reforma católica, isto é, abordando o tema da conduta moral adequada como indício de uma reestruturação da Igreja Católica e sua acentuada preocupação com a regulação das práticas religiosas. Tece-se aqui, então, um diálogo entre a moralidade e o contexto reformado, debatendo ortodoxia e normatização de condutas e práticas sociais.
Em O romance missionário-protestante Candida: autoria feminina e relações de gênero na obra de Mary Hoge Wardlaw (séc. XIX-XX), as relações de gênero, ação missionária e atividade escrita são temas articulados. As imbricações entre gênero e religião são analisadas de forma complexa, a partir de um pertinente aporte teórico que respalda uma atenciosa análise textual. A religião, neste contexto, aparece como um meio que viabiliza a expressão das concepções de mundo de uma mulher protestante no final do século XIX, informando-nos das tensões entre os gêneros e as diminutas possibilidades de protagonismo feminino. As análises conduzidas por Sergio Willian de Castro Oliveira Filho neste artigo reiteram ainda um ponto central de dossiê aqui proposto: as possibilidades infinitas de problematizações e articulações que a história das religiões propicia, em especial tendo em conta a noção do religioso como aquilo que diz dos modos de vida e das visões de mundo de sujeitos singulares e de comunidades políticas.
A relação entre “civilizar”, “colonizar” e “catequisar” é objeto do artigo Civilizar para colonizar en Urabá (Antioquia, Colombia), 1918-1940. A questão central – a produção de uma fronteira – é analisada levando em conta a atuação decisiva de uma ordem religiosa: os Carmelitas. Num contexto contemporâneo (início do século XX), observa-se como a atividade missionária assessorou iniciativas estatais de desenvolvimento econômico e material. A posição geográfica estratégica de Urabá, os projetos de extração mineral e florestal, abertura de ferrovias comunicando o interior da Colômbia com o Atlântico, a presença de uma comunidade indígena “não reduzida”, a iniciativa evangelizadora: estes são os elementos apontados por Carolina María Horta Gaviria e analisados em conjunto sob o aporte teórico das noções de territorialidade e colonialidade do poder. Segundo o binômio progresso moral e progresso material, a questão religiosa – representada pela missão carmelita – é aqui analisada em seu papel “civilizatório”, isto é, enquanto manifestação de uma violência simbólica que subsidiava um determinado agir político voltado para a desconstrução de um suposto “espaço selvagem”.
Avançando mais um pouco na contemporaneidade, Marcello Felipe Duarte compõs, em A teologia da prosperidade na Igreja Universal do Reino de Deus e a demonização das religiões afro-brasileiras uma análise complexa e perspicaz dos aspectos sociais da disseminação das religiões neopentecostais e de sua teologia da prosperidade, especialmente no Brasil das últimas décadas. O foco na Igreja Universal do Reino de Deus, ao contrário de isolar o debate investigativo, é eficaz em demonstrar a construção de uma identidade social do fiel da IURD na mesma medida em que estabelece relações entre a formação deste ethos e as demais religiosidades do Brasil contemporâneo. Mais do que isso, o autor expõe de maneira muito pertinente a ambivalência do processo de demonização e assimilação de certas práticas rituais, as quais são ora relegadas ao campo do outro, ora apropriadas e legitimadas enquanto meios para se acessar o sagrado. Além das implicações destas lógicas de pertença na vida social, os aspectos da vida material também são destacados, a partir de uma noção de mercado de bens religiosos e da consolidação da teologia da prosperidade, cujos efeitos se fazem sentir na reiteração do poder de determinadas lideranças e no apelo que exercem nos fiéis.
Neste sentido, é muito rica a contribuição do artigo de Rodrigo Pereira & André Leonardo Chevitarese Por uma Arqueologia dos Candomblés: contribuições da ciência do passado aos estudos dos fenômenos religiosos não só por trazer à análise o Candomblé enquanto uma forma de religiosidade afro-brasileira, mas também por incorporar metodologias interdisciplinares, fazendo permear em sua investigação Arqueologia, Antropologia e História.
O presente dossiê traz ainda duas notas de pesquisa, que têm como objetivo apresentar o estado presente de algumas investigações em andamento. A primeira delas, A atividade litúrgico-musical da ermida de Nossa Senhora dos Remédios: Expressão de uma identidade nobiliárquica da cidade de Angra nos séculos XVI e XVII, traz tema do religioso a partir de suas manifestações culturais e de suas implicações sociais no arquipélago dos Açores. A atividade musical, a liturgia e o estabelecimento e afirmação de uma nobreza local são temas que se articulam no artigo de Luís Henriques. A paisagem sonora, a estruturação do culto e os aspectos sócio hierárquicos são descritos de maneira a compor uma análise historiográfica rica e original, enfatizando a importância do patrocínio religioso e a projeção de influência e poder das famílias nobres locais.
A segunda nota O cristianismo na terra dos lamas: mais uma forma de sagrado chega ao Tibete (sec. XVII e XVIII), tem como objetivo debater o próprio conceito de religião e seus problemáticos usos, em especial em se tratando de investigações cujos recortes não se limitam ao chamado “Ocidente”, isto é, quando se trata de analisar sistemas de crenças e práticas religiosas que não se filiam à tradição judaico-cristã ocidental. Pensando as complexidades dos diálogos inter-religiosos, está colocada em questão a pertinência da noção de religião, bem como de outros conceitos agregadores que nos informam mais de um dizer sobre o outro do que do outro ele mesmo. Procura-se debater em que medida categorias como “Budista” e “Hinduísta” são pertinentes e eficazes no discurso historiográfico, bem como refletir se, neste contexto, o cristianismo não seria apenas mais uma forma do sagrado, cuja a especificidade doutrinária e seus efeitos sócio-políticos são evidentes apenas da parte de um dos interlocutores que participam do diálogo.
Encerramos este dossiê com a entrevista realizada com o professor Adone Agnolin, na qual o professor e pesquisador da Universidade de São Paulo contextualiza o processo de surgimento e consolidação do religioso enquanto objeto / problema das ciências humanas, em especial da História. Com enfoque na Escola Italiana, Agnolin demonstra o desenvolvimento deste saber e deste discurso, problematizando seus limites e indicando caminhos possíveis para os desdobramentos de investigações neste campo. É, de fato, uma contribuição primorosa para este volume.
Esta edição da Revista Maracanan conta, ainda, com sete contribuições de temática livre. Na Nota de Pesquisa Fragmentos de (auto)imagem: notas sobre o Fundo Yvonne Jean no Arquivo Público no Distrito Federal (1911-1981), Rafael Pereira da Silva transita entre os arquivos pessoais, a memória e a escrita da história, para traçar uma trajetória intelectual da personagem título. Carolina Barcellos Ferreira, por sua vez, traz ao público uma Entrevista com Mariza Soares, tratando sobre a coleção de objetos africanos do Museu Nacional, e mais especificamente sobre a exposição ”Kumbukumbu”. Por fim, a seção “Artigos” encerra este número, com uma coletânea de textos de extrema qualidade: André Rocha Carneiro e Lúcia Maria de Assis, A organização dos comunistas na região Sul Fluminense no período pré-golpe civil-militar (Barra Mansa, Volta Redonda, Barra do Piraí e Piraí); André Luiz de Souza Oliveira Oliveira & Thaddeus Gregory Blanchette, Lepra e Exílio: a biopolítica da monarquia havaiana no século XIX; Maria Aparecida de Menezes Borrego & Jean Gomes de Souza, Os percursos das Notícias Práticas das Minas de Cuiabá e Goiás na capitania de São Paulo (séculos XVIII-XX); Cláudia Maria de Silva de Oliveira, Rendas e Gravatas: moda, identidade e gênero na Imprensa Ilustrada carioca, 1900- 1914; Júlia Freire Perini & Marcelo Durão Rodrigues da Cunha, Entre a repressão policial e o saber médico: o controle social da loucura no Espírito Santo entre o fim do século XIX e os anos 1950.
Bruna Soalheiro – Bolsista de Pós-Doutorado (CAPES / PNPD) no Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e em Histoire et civilisations pela École des Hautes Études en Sciences Sociales; Mestre em História Social pela USP; e, Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: brunasoalheiro@usp.br CV Lattes: http: / / lattes.cnpq.br / 0348245873351423
Fernando Torres Londoño – Professor Titular do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. E-mail: fertorresbracol@gmail.com CV Lattes: http: / / lattes.cnpq.br / 0707506010946254
SOALHEIRO, Bruna; LONDOÑO, Fernando Torres. Apresentação. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, n.20, 2019. Acessar publicação original [DR]
Especial 20 anos / História – Debates e Tendências / 2019
No ano de 2019, o Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade de Passo Fundo (UPF), completou 20 anos. Fomos a primeira universidade do interior do Rio Grande do Sul a implantar um programa de História, sendo a UPF uma instituição de perfil público não-estatal, definida como comunitária. Essa iniciativa demandou um trabalho árduo e constante de qualificação do programa, até obter o reconhecimento de sua maturidade que se deu em 2013 quando da aprovação do curso de doutorado, pela Capes.
Atualmente tendo como área de concentração História, Região e Fronteiras, o Programa tem seu eixo epistemológico representado por três linhas de pesquisa: Política e Relações de Poder; Espaço, Economia e Sociedade; e Cultura e Patrimônio, nas quais atuam docentes permanentes titulados em diferentes instituições do Brasil e do exterior, e docentes colaboradores e visitantes que transitam frequentemente para ministrar disciplinas, compor bancas e participar de projetos de pesquisa em redes, entre outras atividades inerentes ao stricto sensu. Leia Mais
Viver nos tempos da Inquisição | Anita Waingort Novinsky
No dia 8 de dezembro de 2018, a historiadora emérita da Universidade de São Paulo (USP), Anita Waingort Novinsky publicou o seu mais recente livro Viver nos tempos da Inquisição, Ed. Perspectiva, 376 págs., na Livraria da Vila – São Paulo. A obra é uma compilação de textos ao longo de quatro décadas de pesquisa acadêmica, apresentados em eventos, congressos nacionais e internacionais, anais e publicações no Brasil e no Exterior, alguns inéditos, outros de difícil acesso ao público brasileiro.1 Considerada uma das pioneiras sobre o tema da Inquisição e cristãos-novos do Brasil Colônia, a autora faz reflexões acerca da historiografia inquisitorial, antissemitismo, cristãos-novos (judeus) do Brasil colonial, sebastianismo, Pe. Vieira e messianismo judaico, entre tantos outros temas relevantes para a História do Brasil e do fenômeno marrano.2 Novinsky inicia o seu trabalho nos capítulos 1 e 2 com a “Crítica à historiografia inquisitorial” e relata a dificuldade que os primeiros historiadores tiveram para trabalhar com o tema. Parte significativa do arquivo da Inquisição permaneceu secreta até 1970. Os autores que exaustivamente pesquisaram os arquivos inquisitoriais “no século XIX foram Alexandre Herculano, João Lúcio de Azevedo e Joaquim Mendes dos Remédios, deixando-nos obras fundamentais sobre os cristãos-novos e a Inquisição.”3 Após a abertura desses arquivos, disponível ao público no Arquivo Nacional Torre Tombo (ANTT) e Biblioteca Nacional de Lisboa (BNL), defende Novinsky que a História do Brasil deverá ser “reavaliada e reinterpretada.” 4 Leia Mais
Tessituras – Revista de Arqueologia e Antropologia. Pelotas, v.7, n.1, 2019.
Dossiê: “Da criação ao abate. Etnografias dos caminhos da pecuária no Brasil”
- DA CRIAÇÃO AO ABATE: ETNOGRAFIAS DOS CAMINHOS DA PECUÁRIA NO BRASIL
- Flavia Rieth, Felipe Vander Velden
- OS GAÚCHOS: CULTURA E IDENTIDADE MASCULINA NO PAMPA
- Ondina Fachel Leal
- “AQUI NA LIDA É EU, A ESPOSA E OS CACHORROS”: TRABALHO FAMILIAR E SABERES PECUÁRIOS NOS CAMPOS DOBRADOS DO ALTO CAMAQUÃ.
- Flavia Rieth, Daniel Vaz Lima, Vagner Barreto Rodrigues, Miriel Bilhalva Herrmann
- A GENTE SEMPRE ACREDITA NOS NOSSOS CACHORROS.
- Eric Silveira Batista Barreto
- MULHERES, VACAS E PARTOS NAS PECUÁRIAS DO EXTREMO SUL DO BRASIL: RELAÇÕES TRANSESPECÍFICAS A PARTIR DO ENCONTRO ENTRE ANTROPOLOGIA E EPISTEMOLOGIAS FEMINISTAS.
- Marília Floôr Kosby
- LABORO E PECUÁRIA CAPRINA NO SERTÃO DE PERNAMBUCO.
- Ariane Vasques Zambrini
- TUDO NESSA VIDA TEM DONO: OS ANIMAIS E O PROBLEMA DO ABATE ENTRE OS XUKURU – OU A (MÁ)SORTE DE SEU GUAXINIM
- Clarissa Martins Lima, Felipe Vander Velden
- A BUSCA PELA CARCAÇA PERFEITA: DA CRIAÇÃO ANIMAL À PRODUÇÃO ZOOTÉCNICA.
- Ana Paula Perrota
- NA LINHA DE DESMONTAGEM: RELAÇÃO ENTRE HUMANOS E BOVINOS EM UM FRIGORÍFICO.
- Patricia Pazini de Oliveira, Juliana Abonizio
- SÃO ELES QUE FAZEM ISSO COMIGO! O FRIGORÍFICO SANTA MARGARIDA E AS RELAÇÕES ENTRE HUMANOS E ANIMAIS.
- Míriam Rebeca Rodeguero Stefanuto
- A CRIAÇÃO DE BÚFALOS NAS VÁRZEAS AMAZÔNICAS
- Pedro Stoeckli Pires
In memoriam
- ALDYR GARCIA SCHLEE: LA PAMPA Y SUAS PERSONAGENS (IN MEMORIAM)
- Juliana dos Santos Nunes
Entrevista
- CAMBIOS Y TRANSFORMACIONES CONTEMPORÁNEAS, PUNTOS DE VISTA Y OTRAS MANERAS DE COMER – UNA ENTREVISTA CON JOAN RIBAS.
- Anelise Rizzolo de Oliveira
Tessituras – Revista de Arqueologia e Antropologia. Pelotas, v.7, n.2, 2019.
Dossiê: “Antropoéticas: outras etnografias”
Antropoéticas: outras etnografias
- ANTROPOETICAS: OUTRAS (ETNO)GRAFIAS
- Patrícia dos Santos Pinheiro, Cláudia Turra Magni, Marília Floôr Kosby
- NAVEGANDO ENTRE LENGUAS SALVAJES: REFLEXIONES SOBRE ESCRITURAS DECOLONIALES, RESISTENCIAS LINGÜÍSTICAS Y EXPERIMENTACIONES POÉTICAS
- Kruskaya Cristina Hidalgo Cordero
- PDF (ESPAÑOL (ESPAÑA))
- DESENGANO DA VISTA É VER, ESCRITA ETNOGRÁFICA EM CACHOEIRA
- Maíra Cavalcanti Vale
- BELO SANGUE JORRADO: UMA AVE VIVA NO DESPACHO, CORPORALIDADES NEGRAS, DIÁSPORA
- Marília Floôr Kosby, Winnie de Campos Bueno
- HÁ UM RIO QUE MERGULHA EM MIM: ENSAIO SOBRE A MULTIPLICIDADE DE CAMINHOS, VIDAS E EXPERIÊNCIAS NO RIO SÃO FRANCISCO (ENTRE ALAGOAS E SERGIPE) E OUTRAS ANTROPOLOGIAS
- Igor Luiz Rodrigues da Silva
- “A CIDADE É SEM FIM IGUAL A TUA JANELA”: INTERVENÇÕES, AFETOS URBANOS E DEAMBULAÇÕES EM FORTALEZA/CE
- Lara Denise OLiveira Silva, Glória Maria dos Santos Diógenes
- UM MUSEU DE IMAGENS VIVAS: METÁFORAS PARA UMA ETNOGRAFIA POÉTICA E POLÍTICA
- Carolina Machado dos Santos
- ENSAIANDO CORPOS: A DANÇA CONTEMPORÂNEA, O IMPROVISO E A INDOMESTICAÇÃO (CO)MOVENTE DO PENSAMENTO
- Renato Jacques
- PERFORMANCES CORPO-CRISTAL: EXPERIÊNCIAS EM FLUXO
- Rita de Cássia de Almeida Castro
- A PIRÂMIDE HUMANA, DE JEAN ROUCH: ENSAIANDO A METODOLOGIA DA ETNOFICÇÃO
- Ana Lúcia Ferraz
- RIBEIRINHOS DO RIO MARINAÚ CONSTRUINDO HISTÓRIAS VISUAIS NA COMUNIDADE SÃO SEBASTIÃO
- Silvia Helena dos Santos Cardoso
- POTÊNCIAS DA EXPERIMENTAÇÃO DAS GRAFIAS NO FAZER ANTROPOLÓGICO: IMAGENS, PALAVRAS E MONTAGENS
- Fabiana Bruno
- ANTROPOLOGIA EM OUTRAS LINGUAGENS: EXPERIÊNCIAS COM O PROJETO “O LIVRO DO ETNÓGRAFO”
- Ana Luiza Carvalho da Rocha, Matheus Cervo
- UMA ANÁLISE DA COLEÇÃO DE DESENHOS ETNOGRÁFICOS DO MUSEU KUNSTKAMERA DE SÃO PETERSBURGO
- Aina Azevedo
- POR UMA ETNOGRAFIA MULTISSENSORIAL
- Alexsânder Nakaóka Elias
- RODA/CAMADA/OITIVA – O ANTROPÓLOGO COMO FEITOR DE IMAGENS
- Geslline Giovana Braga
- A EMBALAGEM BRILHANTE QUE VIROU UMA BORBOLETA
- Daniela Feriani
- AS PLANTAS DO QUILOMBO E SEUS USOS: MEMÓRIAS, APRENDIZADOS E CRIATIVIDADE NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MITUAÇU, CONDE/PB
- Patrícia dos Santos Pinheiro, Aline Maria Pinto da Paixão, Thayonara Marina da Silva Santos
- ARROIO PEPINO: CAMINHADAS ÀS MARGENS DE UM ARROIO URBANO EM PELOTAS/RS
- Flávia Rieth et al
Anos 90. Porto Alegre v. 26, 2019.
Editorial
- Editorial | Alessander Mario Kerber |
Apresentação
- Apresentação do dossiê “Exercício do poder na Idade Média e suas representações: novas fronteiras, novos significados” | Igor Salomão Teixeira, Renato Viana Boy, José Manuel Cerda Costabal |
- Apresentação do dossiê “Resistências africanas: novos problemas e debates” | Silvio Marcus Correa, Patrícia Teixeira Santos |
- Apresentação do dossiê “Lutas feministas e LGBTQ+ pela democracia no Brasil” | Joana Maria Pedro, Elias Ferreira Veras | |
Artigos
- A trama do crédito: entre o café e o consumo conspícuo em uma loja de Ribeirão Preto – 1891 e 1892 | Carlo Guimarães Monti |
- Trabalhadores na condição de sujeitos autônomos: perspectivas acadêmicas e conjunturas políticas (Brasil, 1980-1990) | Sérgio Paulo Morais |
- O Princeps Otávio Augusto na Biografia Antiga: um estudo de caso sobre Nicolau de Damasco e Suetônio | Carlos Eduardo da Costa Campos |
- Mobilidade, compadrio e clientela no Antigo Regime: interações entre escravas, forras e elites na Comarca de Vila Rica, século XVIII | Ana Paula Pereira da Costa |
- A retórica da naturalidade: a pátria de Felipe Camarão como um problema historiográfico | Bruno Balbino Aires da Costa |
- Cidade e Moeda na História: Constantino e Constantinopla, uma nova capital para o Império Romano | Claudio Carlan |
- “As partes do Norte”: império e identidades locais em relatos da natureza de Pernambuco e Paraíba (1790-1817) | José Inaldo Chaves Júnior |
- O anticlericalismo no jornal O Livre Pensador | Michel Goulart da Silva |
- Avá-Guarani e Ruralistas no processo de demarcação da Terra Indígena Guasu Guavirá (Oeste do Paraná, décadas de 2000 e 2010) | Rinaldo José Varussa |
- Revolução e descolonização em Ruanda: Entre projetos étnicos e projetos de classe | Danilo Ferreira da Fonseca |
Artigos
Exercício do poder na Idade Média e suas representações: novas fronteiras, novos significados
- Uma História Contestada: A História Medieval na Base Nacional Comum Curricular (2015-2017) | Douglas Mota Xavier de Lima |
- Claudio Sánchez-Albornoz y la preocupación por el método o cómo hacer historia medieval desde América Latina | Martin Federico Rios Saloma |
- “Feudalismo”: estado de la cuestión, controversias y propuestas metodológicas en torno a un concepto conflictivo, 1929-2015 | Diego Améndolla Spínola |
- As relações políticas entre romanos e bárbaros no Mediterrâneo tardo-antigo | Renato Viana Boy |
- A imagem historiográfica de Hugo de Cluny em Leão (séc. XI-XII) | Maria Filomena Pinto Da Costa Coelho |
- “Assembled as one man”. The councils of Henry II and the political community of England | José Manuel Cerda Costabal |
- O poder sacralizado dos clérigos de Castela (século XIII e início do século XIV) | Leandro Alves Teodoro |
- Representación y delegación de poderes. Los usos públicos del mandato en el ducado de Borgoña (siglos XIII-XIV) | Armando Torres Fauaz |
- O abade, o poeta e o charlatão: reflexões acerca de esoterismo e política nos séculos XV e XVI | Francisco de Paula Sousa Mendonça Júnior |
- Redes e centros de poder no Centro-Oeste Gaulês na primeira Idade Média (séculos V-X). | Adrien Bayard |
Artigos
Resistências africanas: novos problemas e debates
- O conceito da resistência na África Colonial: recompondo um paradigma | Felipe Paiva |
- Significados da escravidão para africanos muçulmanos: ideias jurídicas e religiosas islâmicas no Mundo Atlântico (séculos XVI e XVII) | Thiago Henrique Mota |
- Pulular sob o rolo compressor: sobre a resistência Kel Tamacheque à agressão colonial francesa (1881-1919) | Mahfouz Ag Adnane |
- A terceira geração de brasileiros em Lagos. Moisés da Rocha e as fissuras da dominação colonial | Angela Fileno da Silva |
- Trabalhadores, escravidão e Islã: resistência e conexões no norte de Moçambique entre o final do século XIX e início do XX. | Regiane Augusto de Mattos |
- Formas de resistências cotidianas durante o colonialismo tardio no sul de Moçambique. | Hector Guerra Hernandez |
Artigos
Lutas feministas e LGBTQ+ pela democracia no Brasil
- Não é mole não, ser feminista, professora e sapatão: Apontamentos de uma história a partir do espaço das lésbicas e da lesbianidade na produção de conhecimento sobre mídia | Cláudia Regina Lahni, Daniela Auad |
- Identidade e diversidade no contexto brasileiro: uma análise da parceria entre Estado e movimentos sociais LGBT de 2002 a 2015 | Jamil Cabral Sierra |
- “Que Possamos Ser o que Somos”: memórias sobre o Movimento Gay de Alfenas no processo de luta pelos direitos de cidadania LGBT (2000-2018) | Marta Gouveia de Oliveira Rovai |
- O que nos faz humanos? Maria Lídia Magliani e a solidão do corpo em tempos fascistas | Gregory da Silva Balthazar |
- “Um verdadeiro bacanal, uma coisa estúpida”: Anticomunismo, sexualidade e juventude no tempo da ditadura | Antonio Mauricio Freitas Brito |
- Sob vigilância: os movimentos feministas brasileiros na visão dos órgãos de informação durante a Ditadura (1970-1980) | Ana Rita Fonteles DUARTE |
- Feminismo vende? Apropriações de discursos democráticos pela publicidade em Claudia (1970-1989) | Soraia Carolina de Mello |
- “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”: Movimento de Mulheres do IAJES, Movimento Regional de Mulheres e a luta por democracia no Brasil | Cíntia Lima Crescêncio, Mariana Esteves de Oliveira |
Entrevista | Da Ásia para a África e o mundo inteiro: Suresh Kumar e o Departamento de Estudos Africanos da Universidade de Délhi | Patrícia Teixeira Santos, Ana Carla Hansen da Fonseca | |
Resenhas
- A Escrita da História da África: Política e Resistência | Carolina Bezerra Machado |
- Resenha de “Sonhos em Tempos de Guerra” de Ngũgĩ wa Thiong’o | Daniel De Lucca |
- Entre experiências, agências e resistências: complexos de interconexões e a coligação contra o colonialismo no norte de Moçambique (1842-1910). | Matheus Serva Pereira |
- A emergência do sujeito travesti: Marcas de um corpo em trânsito | José Wellington de Oliveira Machado |
Ciência, História e Natureza: objetos e possibilidades | Temporalidades | 2019
“Todas as ciências são humanas!”
“Todas as ciências são humanas!”. Esta frase deu a tônica nas manifestações contra os cortes financeiros na área da educação brasileira no dia 30 de maio de 2019. Para além do sentido inclusivo, – por fazer referência explícita ao apoio à educação pública, gratuita, de qualidade e para todos – a frase carrega outros sentidos e um deles diz respeito a quem pratica a ciência. Se a ciência é praticada por humanos e a História se encarrega de estudar as ações do homem no tempo, logo as práticas científicas são objetos do campo disciplinar da História. De maneira semelhante à história tout court, a narrativa sobre a história das ciências por muito tempo esteve eivada pelo mito fundador e por escritas laudatórias, mas que em determinado momento serviu aos interesses de conformar uma visão específica dos acontecimentos. Na segunda metade do século XX e início do século XXI, o cenário acadêmico vem amadurecendo análises críticas dos processos de produção do conhecimento considerando os aspectos sociais no fazer científico. Os artigos que abordam recortes espaciais e temporais distintos neste dossiê fazem emergir essas questões a partir de pesquisas empíricas e teóricas, mas principalmente apontando diferentes perspectivas interpretativas. Leia Mais
A emergência da imagem crítica | MODOS. Revista de História da Arte | 2019
A partir do final do século XX, surgiu uma diversidade de reflexões e publicações que tematizavam a imagem, questionando sua eficácia como saber do visível e/ou do invisível. Muitos autores buscaram levar em conta o modo particular de operar da imagem – uma apreensão do mundo por meio de um olhar corpóreo pleno de incertezas e ambiguidades. Em 1990, Georges Didi-Huberman oferece ao público editorial francês seu livro Diante da imagem: questão colocada aos fins de uma história da arte. Essa seria uma das dezenas de obras do autor dedicadas ao assunto sobre as relações entre arte, história e imagem. Naquela publicação seminal, Didi-Hubermann questionava os limites do discurso da história da arte iniciada com Giorgio Vasari, mas também as deficiências em relação às pretensões racionais da iconologia de Erwin Panofsky.
Em 1996, foi a vez de Marie-José Mondzain lançar publicação significativa sobre o assunto, dando continuidade às suas questões de pesquisa com Imagem, ícone, economia: as fontes bizantinas do imaginário contemporâneo. Mondzain analisava os modos de produzir e apreender a imagem na atualidade que remetem à crise do iconoclasmo bizantino, propiciando uma percepção das continuidades e rupturas na administração das visibilidades no presente. Essa onda de publicações prosseguiu em 2001 com Por uma antropologia das imagens de Hans Belting, livro no qual o historiador alemão trazia uma contribuição importante ao pensar a imagem acontecendo no encontro entre o meio (ou médium) e o corpo. Leia Mais
Desigualdades – violência – relações de poder na história / Manduarisawa / 2019
A presente edição especial da Revista Manduarisawa reúne um conjunto de artigos apresentados durante o I Encontro Estadual de História da ANPUH Seção Roraima, realizado entre os dias 01 e 04 de outubro de 2018, na Universidade Federal de Roraima (UFRR).
O encontro promovido pela ANPUH / RR, que no mesmo ano iniciava suas atividades no estado de Roraima, objetivou promover, incentivar e fortalecer a disciplina História no estado, na região norte e em nível nacional. O encontro estadual contou quatro conferências, cinco mesas redondas, dezesseis simpósios temáticos e lançamentos de livros. Durante os quatro dias de evento, os mais de trezentos participantes puderam debater acerca de uma grande variedade de temas historiográficos e de questões políticas e sociais de interesse da comunidade de historiadores e historiadoras, como da sociedade em geral. Destes participantes, registrou-se a presença de pesquisadores das mais variadas localidades do país, como das cidades de Tefé, Manaus e Coari (AM), Rio de Janeiro (RJ), Niterói (RJ), Santarém (PA), Belém (PA), Salvador (BA), Ponta Grossa (PR), Florianópolis (SC) e cidades do estado de Roraima. Os historiadores tiveram uma rica oportunidade de dialogar com um grande número de pesquisadores oriundos de diversas áreas do saber que prestigiaram o evento, como: Antropologia, Sociologia, Agroecologia, Arquitetura e Urbanismo, Serviço Social, Artes Visuais, Comunicação, Direito, Educação do Campo, Filosofia, Economia, Letras, Odontologia, Psicologia, Pedagogia, Medicina, Música e Patrimônio.
Um dos resultados do evento consiste na publicação do livro “Desigualdade, violência e relações de poder na História”, publicado em 2019 pela editora da UFRR, disponível em acesso livre na página da editora1. O livro é fruto dos 110 trabalhos inscritos para apresentação nos simpósios temáticos.
Este dossiê especial é composto por oito artigos, todos eles apresentados nas cinco mesas redondas, que compuseram a programação do evento: 1) Relações Internacionais: história e fronteiras; 2) História do Tempo Presente: metodologia e possibilidades de pesquisa; 3) Recortes da América Portuguesa; 4) Educação e diversidade; 5) Diálogos entre o passado e o presente: escravidão, quilombola e indígena. As mesas redondas tiveram como preocupação principal debater questões teóricas e metodológicas dos mais diversos campos e abordagens da História.
A comissão organizadora do evento e do dossiê agradece a parceria firmada com a equipe da Revista Manduarisawa para publicação dos presentes trabalhos.
Boa leitura
Nota
1 Livro disponível para download gratuito em: http: / / ufrr.br / editora / index.php / editais?download=409
Tiago Siqueira Reis
Monalisa Pavonne Oliveira
Carla Monteiro de Souza
REIS, Tiago Siqueira; OLIVEIRA, Monalisa Pavonne; SOUZA, Carla Monteiro. Desigualdade, violência e relações de poder na História. Manduarisawa, Manaus, v.3, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR].
História, Conflitos e Experiências Agrárias / Manduarisawa / 2019
O presente dossiê da Revista Manduarisawa intitulado “História, Conflitos e Experiências Agrárias”. O mesmo foi organizado em parceria com o Professor Me. Prof. Luiz Antonio Nascimento de Souza1 e reúne um conjunto de artigos compostos por pesquisadores (as) de todo o país. A seguinte temática visa reunir debates entorno da questão agrária em suas múltiplas dimensões, destacando a história das lutas pela terra, os conflitos fundiários em suas dimensões latino-americanas, nacionais, regionais e locais. As vivências nesses espaços incluem as lutas pela manutenção e preservação dos costumes e modos de vida por parte das populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas, bem como relatos de experiências peculiares que têm o mundo rural e agrário como tecido social.
Neste sentido este dossiê tem objetivo de busca ao debate, análises de assuntos relacionados as questões agrárias, não se pode pensar em ruralidades sem se levar em conta as suas dimensões conflitivas em torno de todo o país, o embate secular pela luta pela terra, os conflitos agrários, a expulsão de centenas de famílias de suas terras provocadas pela expansão da fronteira agrícola e a violência no campo que em dez anos provocou o assassinato de mais de mil e novecentas pessoas, em sua maioria absoluta lideranças sociais, lideranças indígenas, assessores e defensores dos direitos humanos no campo.
Os artigos presentes na edição “História, Conflitos e Experiências Agrárias” começam com os artigos da temática do Dossiê, entre eles: “Disputas no interior da questão agrária no Brasil” por Émerson Dias de Oliveira; “O princípio da função social no Estatuto da Terra e o processo de desapropriação da Fazenda Annoni, no Norte Sul Rio-Grandense” por Simone Lopes Dickel; “Cultura política indígena e violência no alto Solimões: o caso do massacre do capacete (1988-2001)” por Tamily Frota Pantoja e “A etnia tenharim e a retomada dos direitos usurpados: uma leitura sobre os antagonismos entre a etnopolítica e os interesses capitalistas” por Jainne de Castro Bandeira.
Este dossiê também é composto por artigos livres, entre eles: “Civilização, Ocidente, “clássicos” e eurocentrismo: é possível uma ecologia de saberes para a História da Historiografia e a Teoria da História?” por Matheus Vargas de Souza; “O projeto civilizador de Pombal: uma discussão sobre a imposição do vestuário às sociedades indígenas da Amazônia em meados do século XVIII” por Caroline Almeida Gaspar; “Embates pela Igreja: Clero regular e clero secular no espaço luso-amazônico” por Isabela Cristina Botelho Senna Albuquerque; “Anjinhos inocentes: A morte infantil no Amazonas entre os séculos XIX e XX” por Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa e “A implementação do juizado de menores no Amazonas (1930-1950)” por Maria Vitória Castro Brasil.
Agradecemos a participação de todos os pesquisadores e pareceristas envolvidos neste Dossiê e enfatizamos que a Revista Manduarisawa disponibiliza de um espaço aberto para divulgação e interação de vários estudos, com intuito de enriquecimento da historiografia.
Desejamos uma ótima leitura para todos (as)!
Nota
1. Professor Adjunto e doutorando do Curso de História Social da Universidade Federal do Amazonas.
Cordialmente,
Conselho Editorial – Revista Manduarisawa.
CONSELHO EDITORIAL. Apresentação. Manduarisawa, Manaus, v.3, n.2, 2019. Acessar publicação original [DR].
Violencia(s), movilidad humana y derechos humanos/Historia y Grafía/2019
El empeoramiento de las condiciones de seguridad en América Latina y el endurecimiento de los controles con fines de seguridad violentan a diario los derechos civiles de la población. El crimen organizado ha ido ganando terreno, junto con la delincuencia común, la cual se ha ido sofisticando hasta convertirse en el brazo armado del narcotráfico. Se observa el crecimiento de pandillas juveniles en diversas zonas de la región, que vulneran a la población civil. La respuesta de los gobiernos es mayor control policial, que por fuerza repercute en violencia y violación de derechos. Leia Mais
Diferentes olhares sobre a mudança linguística | LaborHistórico | 2019
É com grande honra que apresentamos, dentro do primeiro número do volume 5 da Revista LaborHistórico, o dossiê intitulado Diferentes olhares sobre a mudança linguística, tema de grande abrangência e que perpassa, de modo mais ou menos direto, o interesse de todos os que se aventuram a ter a língua como objeto de estudo. Os leitores encontrarão, ao longo dos trabalhos, subsídios importantes para enriquecer suas reflexões acerca da mudança linguística, deparando-se com o tratamento do tópico a partir de pressupostos teóricos distintos e verificando sua aplicabilidade na análise de fenômenos da língua portuguesa.
Um fato empírico conhecido a respeito de todas as línguas naturais é o de que elas mudam ao longo do tempo. Entender por que mudam e como essa mudança se dá reside na essência dos interesses de investigação de linguistas históricos, que assumem a árdua tarefa de descrever fenômenos e propor teorias de mudança, a partir de dados de diferentes línguas do mundo. Leia Mais
Cabalgando nas ondas do Atlántico. Estudos sobre léxico galego e português | LaborHistórico | 2019
A Suzana Cardoso, amante da diversidade. Amiga e mestra inesquecible, sempre no noso corazón e na nosa memoria.
Este volume recolle un ramallete de traballos sobre a variación léxica no espazo galegoportugués, desde distintas perspectivas de estudo e con olladas lanzadas desde Galicia e Portugal, en Europa, e desde O Brasil, na América, cunha paradiña, en tránsito, desde o arquipélago das Canarias. Por iso o seu primeiro título, que lembra a galegos e portugueses incitados por igual a sucar os mares do mundo, e en particular este océano que nos une co Brasil, en permanente viaxe de ida e volta. E por iso, tamén, a dedicatoria a Suzana Cardoso, mestra inesquecible, sempre cos brazos abertos e as dúas mans tendidas, en sinal perpetuo de irmandade.
Non pretende este volume trazar un estado da arte nos estudos de variación léxica neste amplo espazo lingüístico nin moito menos sintetizar os aspectos máis salientables daqueles que merecen ou deberan merecer a atención dos especialistas. Foi concibido, máis ben, con outra dobre intención, máis modesta pero ao noso xuízo igualmente importante: dun lado, mostrarmos o vizo e variedade alcanzados por esta liña de estudo no amplo espazo das ciencias do léxico dentro do noso ámbito lingüístico; doutro, mostrarmos e reafirmarmos un espazo de encontro entre especialistas de aquén e alén mar, na certeza de que os nosos estudos do léxico –sexan a propósito da lingua galega sexan sobre a lingua portuguesa– só alcanzarán o seu máximo nivel contemplando a rica variación no conxunto deste bloque lingüístico. A ninguén se lle escapa, con todo, que no volume que ofrecemos non están representadas amplas áreas de expansión da lingua portuguesa: outras ocasións haberá! Leia Mais
Encontros com a Filologia | LaborHistórico | 2019
Somos muito solitários nas inúmeras horas de pesquisa com manuscritos velhos (por vezes empoeirados), nas frustrantes tentativas de compreensão das caligrafias, nas leituras interrompidas pelas rasuras, nas dificuldades de acesso aos documentos de processo e de sua publicação […].
(GAMA, 2017, p. 135)1
A Filologia é uma área multidisciplinar com interfaces com diferentes áreas científicas. Prova disso é que não encontramos uma única definição para essa área. Em um sentido lato, o qual nem utilizamos muito no Brasil, Bluteau em seu Vocabulario Portuguez e Latino apresenta a seguinte definição:
Philologia. He palavra Grega composta de Philos, Amigo, e Logos, discurso; e Philologia val o mesmo que Estudo das letras humanas, começando da Grammatica, (que antigamente era a parte principal da Phililogia,) e proseguindo com a eloquencia Oratoria e Poetica, com as noticias da Historia antiga, e moderna, com a intelligencia, interpretação, e Critica dos Authores, com a erudição sagrada, e profana, e géralmente com a comprehensaõ, e aplicação de todas as cousas, que podem ornar o engenho, e discurso humano. Rigorosamente fallando, Philologia he a parte das sciencias, que tem por objecto as palavras, e propriedade dellas. (BLUTEAU, ano, p. 482)2.
Já o Dicionário Houaiss traz, no verbete Filologia, algumas definições com graus de diferenças umas das outras:
Filologia é (1) estudo rigoroso dos documentos escritos antigos e de sua transmissão, para estabelecer, interpretar e editar esses textos; (2) estudo científico do desenvolvimento de uma língua ou de famílias de línguas, baseado em documentos escritos nessas línguas; (3) estudo científico de textos e estabelecimento de sua autenticidade através da comparação de manuscritos e edições; (4) lat. philologìa,ae ‘amor às letras, erudição, literatura’, do gr. philología,as ‘necessidade de falar, conversação’; (5) parte da linguística diacrônica que trata do estudo comparado das línguas, através de sua origem e evolução, e do confronto com línguas modernas; gramática comparada, linguística comparada. (HOUAISS; VILLAR, 2009, eletrônico, s/p)3.
Castro (1992, p. 124)4, por sua vez, define Filologia como
a ciência que estuda a gênese e a escrita dos textos, a sua difusão e a transformação dos textos no decurso da sua transmissão, as características materiais e o modo de conservação dos suportes textuais, o modo de editar os textos com respeito máximo pela intenção manifesta do autor.
Ao compararmos as definições ora apresentadas encontramos um ponto de convergência: a Filologia como estudo dos textos e dos documentos. Tendo em vista o foco da revista LaborHistórico – estudos desenvolvidos a partir de fontes escritas nos quais se destaque o labor do pesquisador diante de seu material de trabalho – sem excluir as outras definições, tomamos a Filologia como ciência que se ocupa do estudo dos textos e dos documentos para delimitar esse dossiê temático que apresentamos.
O número 2 do volume 5 da LaborHistórico traz a público 16 artigos, três fontes primárias – seção que inauguramos este ano – uma resenha, uma tradução e um trabalho de popularização do conhecimento científico – seção que publicamos pela primeira vez neste número. Contamos com a participação de investigadores de diferentes instituições nacionais e internacionais: Arquivo Nacional (AN/Brasil), Fundação Biblioteca Nacional (FNB/Brasil), Universidade da Beira Interior (UBI), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Tocantins (UFT) e Universidade Federal Fluminense (UFF).
O primeiro trabalho deste número (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.22954), de autoria do filólogo César Nardelli Cambraia (UFMG), traz uma importante reflexão acerca da proteção dos direitos autorais de um trabalho de edição de fontes documentais. Segundo Cambraia, trata-se de “uma atividade de criação, conferindo o estatuto de autor ao editor e de obra intelectual à sua edição”.
O segundo artigo, de autoria de Elisa Hardt Leitão Motta e Vanessa Martins do Monte (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.29110), apresenta a edição e algumas interessantes reflexões sobre “A carta de Françisca Maria Xavier de Castro Castro”. Esse documento é custodiado pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo e faz parte do corpus do Projeto M.A.P. – Mulheres na América Portuguesa.
No terceiro artigo (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.25097), Juliana Pereira Guimarães disponibiliza, por meio de uma edição diplomático-interpretativa de cartas de comércio do século XVIII, informações de sua pesquisa de Iniciação Científica – ainda em andamento. A autora apresenta alguns comentários paleográficos e diplomáticos que enriquecem o seu trabalho e nos dão mais informações das fontes documentais com as quais trabalha.
No artigo seguinte, de Beatriz Dias Mikhail (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.28873), temos a edição e o estudo paleográfico de um contrato matrimonial do século XVIII. Trata-se de um recorte do trabalho de conclusão de curso da autora que se debruçou sobre parte do registro matrimonial – hoje sob responsabilidade do Museu Imperial (Petrópolis, Rio de Janeiro) – de Dona Maria Ana Vitória de Bragança com Dom Gabriel de Bourbon.
Felipe Veras Andrade e Stephanne Martini Pastore, no artigo “Comparando edições de ‘Senhora’, de José de Alencar: um exercício de Crítica Textual” (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.29067), realizam um trabalho de comparação – seguindo as etapas de recensio, collatio codicum e estemática. Os autores fazem uso de dez edições distintas, disponíveis em diferentes suportes, do romance urbano “Senhora”, publicado em 1875 por José de Alencar.
Em “Análise filológica e histórica do Acervo Família Benjamin Constant” (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.25039), Catarina da Silva Romeiro e Ana Beatriz Resende de Oliveira apresentam uma etapa metodológica do trabalho que desenvolveram, dentro do projeto “Posição do sujeito e estrutura informacional da sentença na história do Português Brasileiro”. Trata-se de uma pesquisa realizada no Laboratório de História da Língua Portuguesa (HistLing/UFRJ), com algumas cartas pessoais trocadas entre os familiares de Benjamin Constant.
No artigo seguinte, “A Paleografia em prática: a leitura da escrita antiga na contemporaneidade” (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.26450), Carolina de Oliveira compartilha um uso efetivo da Paleografia no Arquivo Nacional, mais particularmente no serviço de emissão de certidões e de outros documentos realizado pelo setor de transcrição. Por meio da leitura e transcrição de documentos dos séculos XIX e XX, profissionais que trabalham nessa instituição federal atestam o valor de verdade de informações registradas nessas fontes.
Ana Lúcia Merege, autora do artigo “Desafios e perspectivas frente aos manuscritos da Biblioteca Nacional” (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.24922), compartilha com os leitores um incômodo que teve durante o I Colóquio Luso-Brasileiro de Paleografia, realizado no Arquivo Nacional em maio de 2017. Segundo a autora, um palestrante, ao elencar as “várias instituições mantenedoras de documentos antigos ou modernos cuja leitura exige conhecimentos de Paleografia”, deixou de fora a Fundação Biblioteca Nacional, importante instituição custodiadora de uma vasta documentação. Mais que manifestar esse incômodo, Ana Lúcia Merege propõe uma reflexão sobre os possíveis motivos dessa invisibilidade e apresenta algumas relações que a Biblioteca Nacional estabeleceu com outras instituições nacionais e extrangeiras.
O próximo artigo foi escrito por Cila Verginia da Silva Borges, Solange Ribeiro Viegas e por Rosângela Coutinho da Silva (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.31099). Essas autoras, de forma a popularizar informações da Biblioteca José de Alencar, na Faculdade de Letras/UFRJ, escrevem o artigo “A Biblioteca José de Alencar: sua história, memória e patrimônio”, que apresenta um histórico da fundação dessa instituição, da inclusão de alguns relevantes acervos e da realização de alguns projetos importantes.
Daví Lopes Franco, Letycia Dias Mallet e Maria Elisa Lima de Souza escrevem o artigo “O Trabalho Filológico de Edição de Textos desenvolvido no Laboratório de Estudos Filológicos da UFRJ” (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.30481) com o intuito de divulgar os trabalhos quem vêm sendo desenvolvidos no LabEFil. Esse laboratório, coordenado pelo Prof. Dr. Leonardo Marcotulio, é “um espaço destinado ao exercício e reflexão da prática filológica de edição de textos”5.
“Um Laboratório de Ecdótica no Estado do Rio de Janeiro ou Transmissão e Inovação de uma Tradição Filológica” (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.25060), trabalho de autoria de Ceila Maria Ferreira, corresponde a uma apresentação da autora sobre o seu percurso acadêmico e sobre a criação do Laboratório de Ecdótica da Universidade Federal Fluminense no I EnFil: Encontros com a Filologia. Nesse texto, com um certo perfil autobiográfico, Ceila também apresenta uma proposta metafórica de Walter Benjamin, com a qual ela, como filóloga, trabalha: “escovar a história a contrapelo”.
Na sequência, temos o artigo de Maria Gabriela Gomes Pires: “Considerações léxico-culturais da Vila de Catalão (GO): uma análise de Autos de partilhas manuscritos do século XIX” (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.31083). Nesse trabalho, Maria Gabriela, por meio da análise de dois processos de partilha e inventário de bens e de um processo de conto de testamento de bens, estabelece uma relação indissociável entre léxico e cultura.
O artigo “Amostras históricas do português escrito nos séculos XIX e XX: orientações metodológicas” (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.24452), de autoria de Márcia Cristina de Brito Rumeu e seus orientandos – Ana Luisa Póvoa de Souza, Erenildo Queiroz de Souza, Igor dos Reis Alcântara, Gabriela Vilela Souza Martins, Juliana Sander Diniz, Marcos Alexandre dos Santos, Natália Figueiredo Silva, Natália Gontijo Alves, Nayara Domingues Cardoso, Raissa Figueiredo – apresenta o trabalho de construção de corpora históricos. Por receberem um tratamento filológico fidedigno, esses materias podem ser usados como fontes de investigações de diferentes áreas como, por exemplo, pesquisas sobre a “língua portuguesa em terras mineiras no decorrer dos séculos XIX e XX”.
O artigo de autoria de Álvaro Alfredo Bragança Júnior (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.26580 ) apresenta a importância dos estudos de filologia germânica na formação do profissional de Letras. Segundo o autor, é essencial que profissionais das áreas de Letras – em especial de Língua e Literaturas de Língua Alemã e de Língua e Literaturas de Língua Inglesa – tenham uma sólida formação nesse campo dos estudos diacrônicos.
No artigo “O nacionalismo linguístico em obras didáticas do Maranhão do século XIX” (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.26901), Yasmine Louro propõe um estudo historiográfico com destaque para os quatro principais materiais didáticos que circularam no Maranhão durante o século XIX. A autora reflete, também, por meio da seleção de alguns vocábulos, sobre a presença de nacionalismo linguístico nas obras analisadas.
O último artigo deste dossiê temático é de autoria do crítico literário e historiador da literatura brasileira, o Professor João Adolfo Hansen. Em “Francisco Suárez e Antônio Vieira: metafísica, teologia-política católica e ação missionária no Brasil e no Maranhão e Grão Pará” (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.29834), Hansen estabelece uma relação entre alguns discursos do padre Antônio Vieira e dois tratados do jesuíta Francisco Suárez sobre “a doutrina do poder da política católica contra as teses do poder político de Lutero, Calvino e Maquiavel”.
Na seção Fontes Primárias, contamos com um trabalho de Leonardo Fontes e Genílcia Silva (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.31413) – com um manuscrito de uma carta de brasão de 1563, pertencente ao Arquivo Nacional –; Alberto Martín Chillón (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.31134) – com um manuscrito de 1838 conservado no Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro –; e, por fim, um trabalho de Anttony Patrick Dantas da Cruz (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.30735) – que apresenta duas Cartas de chamada, de 1911, pertencentes ao Arquivo Público de São Paulo.
Há, também, neste número, a tradução do texto clássico Diógenes Laércio, livro X: Epicuro, elaborada por Reina Marisol Troca Pereira (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.29961) e a resenha, de autoria de Marcelo Módolo e Maria de Fátima Nunes Madeira (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.31061), do volume 1 do livro Crítica textual, de Mendes e Ambrosili, publicado em 2015 pela Fundação CECIERJ.
Fecha este número da LaborHistórico um trabalho de popularização do conhecimento científico, elaborado pelo Professor Carlos Alberto Faraco (https://doi.org/10.24206/lh.v5i2.31122). Nessa seção – pela primeira vez publicada na LaborHistórico – divulgamos o depoimento de relevantes pesquisadores que, por meio de uma linguagem acessível, compartilham um pouco sobre a sua vida como professor-pesquisador e sobre os seus principais trabalhos.
Este número e alguns trabalhos nele publicados foram inspirados no I EnFil: Encontros com a Filologia. Trata-se de um evento acadêmico organizado por alunos de graduação da Faculdade de Letras da UFRJ – todos eles, atualmente, integrantes da equipe editorial da LaborHistórico, que viabilizou “o diálogo entre pesquisadores das diversas áreas do conhecimento em torno ao trabalho filológico e suas interfaces”6.
Quem acompanha a LaborHistórico percebeu que, em 2019, a revista passou por diversas modificações. Com o auxílio de organizadores convidados, publicamos em 2019, em quatro números, 62 trabalhos em seções variadas. Homenageamos duas importantes pesquisadoras brasileiras: a Profa. Dra. Célia Lopes – por ocasião de sua promoção a Professora Titular de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro – e a Profa. Dra. Suzana Cardoso (UFBA) – in memoriam.
Isso tudo dá testemunho de como estamos de fato preocupados com a popularização das pesquisas desenvolvidas “a partir de fontes escritas nos quais se destaque o labor do pesquisador diante de seu material de trabalho”7 e com a valorização dos pesquisadores dessas áreas inter e transdisciplinares. Fechamos esse embaraçoso e fatigante ano para a ciência – sobretudo humanas – e para a educação, com um saldo positivo. Se isso que fazemos é “balbúrdia”, precisamos, se já não o fizemos, atribuir um novo significado a essa palavra.
Notas
1 GAMA, M. Como ter leitores para sua pesquisa com manuscritos?. Manuscrítica – Revista de Crítica Genética, n. 32, 2017. p. 135-135. Disponível em: http://revistas.fflch.usp.br/manuscritica/article/view/2813/2391.
2 BLUTEAU, R. Vocabulario portuguez, e latino. Coimbra : Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1713, v. 4.
3 HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Elaborado pelo Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. (Eletrônico).
4 CASTRO, I. Enquanto os escritores escreverem… Atas do IX Congresso Internacional da Associação de Lingüística e Filologia da América Latina. Campinas: UNICAMP, 1992, v. I – Conferências Plenárias.
5 Apresentação do laboratório, disponível em: https://labefil.letras.ufrj.br.
6 Apresentação do evento, disponível em: https://encontroscomafilologia.wordpress.com/.
7 Apresentação da revista LaborHistórico, disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/lh.
Organizadores
Marcus Vinícius Pereira das Dores
Leonardo Lennertz Marcotulio
Referências desta apresentação
DORES, Marcus Vinícius Pereira das; MARCOTULIO, Leonardo Lennertz. Apresentação. LaborHistórico. Rio de Janeiro, v.5, n.2, p. 10-16, jul./ dez. 2019. Acessar publicação original [DR]
Católicos/ liberales y protestantes. El debate por las imágenes religiosas en la formación de una cultura nacional (1848-1908) | Gabriela Díaz Patiño
El conflicto entre la Iglesia católica y el Estado mexicano durante el siglo XIX ha sido objeto de numerosas historias políticas e institucionales. Este enfrentamiento ha sido visto como sinónimo de la guerra entre liberales y conservadores, la cual, a su vez, habría resultado del choque inevitable entre dos bloques homogéneos: la tradición católica y la modernidad liberal. La tesis sobre la inconmensurabilidad entre los valores y los principios de la tradición católica y la modernidad liberal tiene sus orígenes en la propia historiografía liberal que comenzó a escribirse en México desde finales del siglo XIX, y se vio reforzada por la sociología histórica de las religiones de cuño francés, introducida en México hacia la década de 1990 1, consolidando así la imagen del catolicismo como una institución antimoderna. Más aún, la aparición de un tercer actor en este conflicto, el protestantismo, fue presentado desde hace algunas décadas como un aliado incondicional en las causas nacionalistas, liberales y progresistas, cuya presencia atravesaría la segunda mitad del siglo XIX y se consolidaría como tal durante la revolución mexicana. Hoy en día, estas miradas, algunas veces reduccionistas y otras veces maniqueas, difícilmente se sostienen, si bien han sido necesarios nuevos enfoques historiográficos para dar cuenta de ello. Las biografías han sido un recurso recurrente en los últimos años, aunque éstas se han enfocado la mayoría de las veces en los grandes jerarcas de la Iglesia decimonónica. La autora del libro aquí reseñado ha optado por un camino distinto para adentrarse en los conflictos religiosos y políticos del siglo XIX: una historia cultural de las imágenes religiosas. Leia Mais
El pleito de Echeverría con Israel | Ariela Katz Guggenheim
Creo que no puedo enfatizar lo suficiente cuánta importancia abriga Boicot. No sólo es un libro correctamente construido en todas sus dimensiones, desde su redacción hasta la narrativa tan bien entramada, que no puede menos de absorber la atención de sus lectores. También es un estudio muy meticuloso, innovador y congruente. Presagio un destino muy favorable a Boicot, tanto por la utilidad que ofrece a diferentes especialistas, como por la claridad que manifiesta a toda clase de lectores en relación con el gobierno de Echeverría y el México de los setenta. Leia Mais
Memória em Rede. Pelotas, v.11, n.20, 2019.
Editorial
Dossiê
- PATRIMÔNIO CULTURAL DA SAÚDE: UMA DÉCADA DE REFLEXÃO E ATUAÇÃO SOBRE O CAMPO
- Gisele Sanglard, Renato da Gama-Rosa Costa
- HISTÓRIA PÚBLICA AS MEMÓRIAS DA HANSENÍASE NO HOSPITAL COLÔNIA SANTA TERESA (SANTA CATARINA/BRASIL)
- Viviane Borges, Daniela Pistorello
- BENEFICÊNCIAS PORTUGUESAS NO RIO GRANDE DO SUL: DE HOSPITAIS À ASSOCIAÇÕES PROMOTORAS DA IDENTIDADE LUSA
- Larissa Patron Chaves
- A MUSEALIZAÇÃO DE UM PASSADO AMBÍGUO: O CASO DOS LUGARES DE ISOLAMENTO COMPULSÓRIO, ENTRE AFETOS PRIVADOS E A TRANSMISSÃO DE UMA MEMÓRIA HEROICA DA SAÚDE
- Daniele Borges Bezerra, Juliane Conceição Primon Serres
- HEALTHCARE BUILDINGS AND THE CONSTRUCTION OF MODERNITY. THE IPO COMPLEX
- Ana Tostões, Daniela Arnaut
- PDF (ENGLISH)
- PATRIMÔNIO CULTURAL DA SAÚDE: A PRESERVAÇÃO DO HOSPITAL FREI ANTÔNIO (1976-1985)
- Tarcísio Pereira Bastos
Artigos
- OS USOS DO TERMO MEMÓRIA FERROVIÁRIA NO CENTRO DE PRESERVAÇÃO DA HISTÓRIA FERROVIÁRIA DO RIO GRANDE DO SUL
- Cinara Isolde Koch Lewinski
- ARQUEÓLOGOS (S)EM FRONTEIRAS: O PROJECTO ANA-LISE E O ESTUDO DO POVOAMENTO DO BAIXO GUADIANA (PORTUGAL E ESPANHA)ENTRE OS SÉCULOS VIII A.C. E I D.C.
- Pedro Albuquerque, Francisco José García Fernández
Ensaios Visuais
- IMAGENS DA EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA: AS FOTOGRAFIAS DO ACERVO DE FRANCISCO DE PAULA BROCHADO DA ROCHA
- Douglas Souza Angeli, Samuel da Silva Alves
- UMA ESPÉCIE ASIÁTICA INVADE A PAISAGEM DO SUL DO BRASIL
- Aline Beatriz Pacheco Carvalho, Judite Sansonde Bem, Maurício Pereira Almerão, Cristina Vargas Cademartori
Almanack. Guarulhos, n.21, 2019.
Almanack. Guarulhos, n.21, 2019.
- HISTÓRIA MARÍTIMA E PORTUÁRIA EM REVISTA | Rodrigues, Jaime; Santos, Flávio Gonçalves dos
Dossiê
- “MARÍTIMO DE PROFISSÃO”: AS MATRÍCULAS DE MARINHEIROS E A HISTÓRIA MARÍTIMA DE PORTUGAL E SEUS DOMÍNIOS NOS SÉCULOS XVIII E XIX1 | Rodrigues, Jaime
- PORTOS E CIDADES PORTUÁRIAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES HISTORIOGRÁFICAS PORTS AND PORT CITIES: A FEW HISTORIOGRAPHIC CONSIDERATIONS | Honorato, Cezar Teixeira
- EVOLUCIÓN Y CONDICIONANTES NATURALES DE LOS PUERTOS DE LA MACARONESIA EUROPEA (AZORES, MADEIRA Y CANARIAS) SIGLOS XIX Y XX1 | Morales, Alejandro González; Ojeda, Antonio Ramón
- A REGIÃO PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX: ASPECTOS DEMOGRÁFICOS E SOCIAIS | Fonseca, Thiago Vinícius Mantuano da
- DOIS CAMINHOS: PORTO E AS OPÇÕES DE TRABALHO NO SUL DA BAHIA ENTRE 1872 E 1940 | Santos, Flávio Gonçalves dos
- ECONOMÍA Y ACTIVIDAD PESQUERA EN EL ATLÁNTICO SUR: EL CASO DE MOÇÂMEDES EN EL SIGLO XIX1 | Brichta, Laila
- LOS AGITADORES MÓVILES: TRAYECTORIAS ANARQUISTAS Y VIGILANCIAS PORTUARIAS EN EL ATLÁNTICO SUDAMERICANO, 1894-1908 | Albornoz, Martín; Galeano, Diego Antonio
- JOÃO CÂNDIDO, O MESTRE SALA DOS MARES: TRABALHO E COTIDIANO NA VIDA MARÍTIMA DOS MARINHEIROS DA BELLE ÉPOQUE | Nascimento, Álvaro Pereira
- UM HOMEM CÉLEBRE ENCONTRA UM EX-HOMEM DE COR: RELAÇÕES SOCIORRACIAIS NO BRASIL DO PÓS-ABOLIÇÃO | Bonciani, Rodrigo
- NÃO DEIXAM DE SUSPIRAR PELA SUA LIBERDADE: MOTINS DE ÍNDIOS NO CEARÁ E A FORMAÇÃO DO ESTADO NO BRASIL | Costa, João Paulo Peixoto
- VIRTUDE E AUTOCONTROLE EM RIBEIRO SANCHES1 | Miranda, Luiz Francisco Albuquerque de
Artigo
- ORGANIZAÇÃO ALFANDEGÁRIA E ESPAÇOS FISCAIS NO IMPÉRIO BRASILEIRO (1808-1836) | Ramos, Eduardo Silva
Resenha
- HE WAR OF BROTHERS THAT CHANGED THE WORLD: THE U.S. CIVIL WAR AND THE 1860s | Oliveira;, Juliana Jardim de
- ENTRE BRASIL E EUROPA: A REVOLUÇÃO CULTURAL DO SÉCULO XIX | Silva, Helen de Oliveira
Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo. Jaguarão, v. 1, n. 1, 2019.
Artigos
- RETÓRICA: UMA ALUSÃO ÀS DECLAMATIONES E AS RECITATIONES | Douglas de Castro Carneiro | 11
- Medeia e o Coro feminino: domesticidade do feminino | Darcylene Pereira Domingues Darcylene Pereira Domingues, Jussemar Weiss Gonçalves | 16
- Manuel I e a construção da fronteira luso-castelhana: | Da raya à fronteira nos alvores do século XVI | | EDISON CRUXEN | 23
The principled communicative approach: seven criteria for success | Jane Arnold e Zoltan Dörnyei
La introducción en el siglo pasado del enfoque comunicativo, en la década de los setenta, constituyó probablemente el más significativo avance para los procesos asociados a la enseñanza-aprendizaje de lenguas extranjeras, particularmente del inglés. Ciertamente, su implementación a nivel mundial ha contribuido a que el inglés se haya posicionado como la lengua de la globalización en el siglo XXI y que, según numerosas fuentes, sea utilizado en la actualidad en diversos ámbitos por más de un billón y medio de personas en todo el mundo, ya sea de forma instrumental o profesional (ver, por ejemplo, Crystal 2000).
No obstante, a diferencia de enfoques anteriores, su inspiración heterogénea, así como su definición teórico-conceptual indeterminada, haría que este tuviera un sinnúmero de interpretaciones y aplicaciones, otorgando una mayor preponderancia al componente “significativo” del lenguaje, en desmedro del “estructural”. El devenir de este enfoque estuvo caracterizado por lo que algunos han denominado la visión inicial de los setenta, tal como se interpretaba en sus formulaciones iniciales (Wilkins 1976 y Widdowson 1978), pasando por una visión más absolutista (Krashen 1981,1985) y luego, relacionado con lo que se denominó el tabú gramatical (Garret 1986), para finalmente aproximarse a visiones más balanceadas, a partir de las contribuciones de Canale y Swain (1980), Littlewood (1981) yWillis (1996). Leia Mais
Aprendizagem em EaD. Brasília, v.8, n.1, 2019.
Artigos
- Identificação dos aspectos referentes à evasão em cursos de educação à distância nas áreas de Administração e Gestão Financeira
- Aexsandro Moura da Silva
- O uso da rede social Facebook como ferramenta em EAD
- Moisés Rocha Farias, Maria Simone Mendes Nunes
- O novo papel do docente na EaD: a utilização da ferramenta Fórum na aprendizagem cooperativa
- Mayara Felix Sena Nunes
- Docência e tecnologia: desafios do professor para se adequar a um mundo cada vez mais virtualizado
- Faiara Assis da Rocha, Sandra Mara Bessa, Mercia Helena Sacramento
- A robótica como um caminho para a interdisciplinaridade
- Ivina dos Santos de Matos
- A educação a distância como instrumento de democratização do acesso ao Ensino Superior
- Danniel Ferreira Ferreira Coelho, Sheila da Silva Borges
Resenhas
- Como preparar conteúdos para EAD
- Fabiana da Costa Pereira, Taize de Andrade Machado Lopes
Religiosidades e Intolerâncias: reflexões e problemáticas do mundo Moderno à contemporaneidade / Escritas do Tempo / 2019
O recente filme do italiano Alberto Fasulo traz à tona um dos personagens que melhor retratam o problema da intolerância nos primórdios da Modernidade: Menocchio (Itália e Romênia/2018), reconstrói pela linguagem cinematográfica o drama do moleiro Domenico Scandella, que viveu na vila de Montereale, região das colinas do Friuli no século XVI, preso e processado duas vezes pela Inquisição por conta da sua visão de mundo e crenças vistas como ameaça à pureza da Igreja Católica. Sua história foi divulgada por Carlo Ginzburg no magistral O Queijo e os Vermes, de 1976. Menocchio, por sinal, não foi o único a ler a cosmogonia com outros olhos: no Brasil do Setecentos, em épocas de mineração, um certo Pedro Rates de Ranequim também criou sua visão de um catolicismo mestiço, em que os elementos sagrados eram identificados um pouco por todo o lado no trópico, a ponto de eleger a banana como verdadeiro fruto proibido, ao invés da maçã bíblica que teria, segundo o Gênesis, levado Adão e Eva e todos os seus descendentes à desventura eterna.
Da maçã aos nossos dias, as relações do homem com a fé nunca foram as mesmas: Deus já foi entendido e apresentado como uma figura vingativa, impositor de dogmas, que castigava seus filhos pelos mais variados motivos, ou, no caminho oposto, como o que é pleno de misericórdia, definição estrita do mais puro amor. As religiões imputaram sua visão de sagrado, de pecado, de salvação. Para as ciências das religiões, pontua Dix Steffen (2007, p. 27), por não ser possível identificarmos grupos religiosos essencialmente fechados, a saída do pesquisador consistiria em partir para a interdisciplinaridade e, assim, “tornar legíveis as actividades ou os actos religiosos”. Assim, a sociologia, antropologia e a linguística possibilitam a ampliação dos caminhos para os pesquisadores compreenderem a história religiosa e as suas complexidades (JULIA, 1976, p. 117).
Ainda hoje mata-se (supostamente) em nome de Deus. Em vários países, os interesses religiosos se fizeram e fazem presentes em governos, em políticas de saúde, em justificativa de violências. Guerras são travadas, atentados são reivindicados pela disposição em destruir o outro, entendido como aquele que não crê igual. O desfile da Estação Primeira de Mangueira no Carnaval do Rio de Janeiro em 2020 mostra como, para o bem e para o mal, o Divino, as Igrejas e a crenças estão no olho do furacão do mundo caótico em que vivemos, justificando violências ou pedindo paz. É o que mostra a Mangueira quando apresenta um Jesus da Gente, negro, indígena, mulher, pobre, e afirma, numa clara referência ao triste desvelar dos autoritarismos no Brasil de hoje, que “Não tem futuro sem partilha / Nem Messias de arma na mão”. Religião como justificativa para tudo aquilo que, no âmago, ela não prega, seja qual delas for.
Este dossiê que aqui se apresenta tem como objetivo refletir sobre as religiões e religiosidade desde a Época Moderna aos tempos em que vivemos hoje. Neste sentido, reunimos aqui trabalhos que discutem estes temas em diferentes espaços, temporalidades e sentidos, partindo da tolerância ou mesmo da intolerância como chaves de leitura e análise. A Escritas do Tempo ratifica seu interesse em ouvir múltiplas vozes no intuito de procurar entender, sob a lente da História, o papel que o mundo religioso exerce sobre os homens e mulheres, e sobre como esses indivíduos reagem às estruturas da fé que, aliás, também demarcam as relações de poder.
Diante das inquietações aqui sublinhadas, bem como da crescente problemática referente ao binômio tolerância/intolerância no campo das religiões e religiosidades, a Escritas do Tempo, através dos seus organizadores, apresenta ao público leitor os 10 (dez) artigos que compõem esse número, além de 2 (duas) entrevistas que dialogam diretamente com a proposta em questão.
A historiadora Ana Margarida Pereira apresenta uma importante reflexão sobre a atuação histórica da Igreja Católica, desde os primórdios do cristianismo, acerca da escravidão. Seu artigo intitulado “A escravidão na doutrina da Igreja: temas e questões em debate da Antiguidade à época moderna” defende a ideia de que as discussões teológicas e doutrinárias encabeçadas pelos representantes do catolicismo foram conciliadas aos interesses econômicos e políticos dos próprios religiosos e dos Estados Nacionais ao longo da modernidade. Assim, sem questionar profundamente a estrutura escravista, muitas das reflexões produzidas pelos tratadistas do período foram resultado dessa conciliação em prol de articular os interesses materiais com a prática espiritual e religiosa da Igreja.
Também interessado em analisar os discursos religiosos presentes na Época Moderna, o trabalho de Bento Machado Mota, cujo título é “O além dos que estão alémmar: o problema da salvação dos índios em Francisco Suárez”, parte do conceito de ignorância invencível para discutir sobre a problemática da salvação dos gentios. Para isso, o foco das suas análises consiste na teologia construída por Francisco Suárez, jesuíta e, segundo o autor, “o maior expoente do pensamento jesuítico do século XVII”. Inserido no contexto da contrarreforma, o pensamento de Suárez influenciou largamente nas políticas de conversão realizadas no Novo Mundo, principalmente entre os religiosos interessados em ampliar os limites desse conceito.
O artigo de Luzia Tonon da Silva, “Cristianização e Inquisição em Goa: a confessionalização portuguesa e católica no Estado da Índia no século XVI” também está direcionado, de certo modo, ao contexto normativo referente à conversão. Nesse caso, o foco da autora consiste em avaliar a problemática da conversão ao catolicismo vivenciada por homens e mulheres asiáticos no Estado da Índia. Para isso, foram analisadas as provisões e documentos oficiais produzidos pelo Santo Ofício estabelecido em Goa, de modo a mapear a atuação das autoridades nesse espaço.
Igualmente situada nos primeiros momentos da Época Moderna, a historiadora portuguesa Isabel Drumond Braga, com o artigo intitulado “Religiosidade, cultura material e arte: para o estudo dos ex-votos portugueses da Época Moderna ao presente”, apresenta uma importante contribuição sobre a história religiosa de Portugal. Trata-se de um estudo interessado em compreender a importância do ex-voto na composição da religiosidade e da cultura material presentes nesse espaço.
O século XVII também foi contemplado neste dossiê, sendo alvo das reflexões propostas por Regina de Carvalho Ribeiro da Costa, além do trabalho conjunto de Daniela Cristina Nalon e Carla Maria Carvalho de Almeida. Em “Entre dois Manoéis, Moraes e Calado: o libelo dos sacerdotes no Brasil holandês”, as análises de Regina da Costa partem da tolerância como chave de leitura. Situada no período de dominação neerlandesa nas capitanias do Norte, a proposta da autora parte dos Cadernos do Promotor para examinar a atuação inquisitorial nesse espaço e a relação entre os holandeses e o clero católico presente na região. Já em “A trajetória dos cristãos-novos Diogo Correia do Vale e Luis Miguel Correia de Vila Real ao Auto da Fé de 6 de julho de 1732 (1670-1732)”, as historiadoras Daniela Nalon e Carla Almeida se enveredam pela ampla temática cristã-nova. Ao se debruçarem nos processos inquisitoriais de Diogo Correia do Vale e Luis Miguel Correia de Vila Real, ambas as autoras desvendam o cotidiano das Minas Gerais, as relações econômicas e políticas protagonizadas pelos cristãos-novos, sem desconsiderar o ambiente de intolerância religiosa cuja presença do Santo Ofício foi fundamental para a sua sustentação.
A problemática dos judeus convertidos forçadamente ao catolicismo em 1497, bem como dos seus descendentes, foi igualmente discutida no trabalho de João Antônio Lima. Em ““Não há pessoa alguma por pequena que seja que não saiba”: uma família e sua fama de “cristã-novice” no Maranhão setecentista”, o recorte do autor está inserido no Maranhão do século XVII, também ancorados nos estudos influenciados pela microhistória. Nesse caso, a trajetória analisada é a da família de Felipe Camello Brito, investigado pela Cúria diocesana e pelas autoridades inquisitoriais residentes no Maranhão. Também articulando os estudos sobre a Inquisição portuguesa aos pressupostos da micro-história italiana, o historiador Philippe Delfino Sartin, em ““Pera que os bons se nam contaminem com os maos costumes, e vida dos depravados”: o medo das bruxas em São João do Peso (Portugal, século XVIII)”, analisa o desenvolvimento da feitiçaria no bispado da Guarda, em Portugal.
O Pará é espaço de reflexões no artigo de Allan Azevedo de Andrade, intitulado “A evangelização dos “bárbaros da floresta”: D. José Afonso e a cristianização dos índios na diocese do Pará (1844-1857)”. Seu trabalho é uma importante contribuição, quando comparado aos demais trabalhos desse dossiê, pois indica como problema da evangelização das populações indígenas no Novo Mundo foi elemento sensível para as autoridades seculares e religiosas ao longo da Época Moderna. Situado na trajetória do bispo d. José Afonso, que atuou na diocese entre os anos de 1844 a 1857, o autor analisa o contexto dos embates entre os ultramontanos e a tentativa do Estado em submeter a vida religiosa aos seus próprios interesses.
Resultado das suas pesquisas realizadas entre o povo indígena Akwẽ-Xerente, o trabalho de Valéria Moreira Coelho de Melo, “Xamanismo e Cristianismo entre os Akwẽ-Xerente (TO)”, discute, como o próprio título indica, a presença do xamanismo indígena e as suas reelaborações a partir das relações com o cristianismo. De um lado, a autora percebe como o cristianismo possibilita “um meio de democratização” de uma série de atributos tradicionalmente vinculados aos xamãs. Por ouro lado, o xamanismo aparece diluído nas mais diversas práticas dos Akwẽ, não somente sob um caráter religioso, mas, também, na vida cotidiana e nas decisões políticas desse povo.
As manifestações religiosas na contemporaneidade também são abordadas por Ellen Cirilo e Manoel da Silva no trabalho intitulado “Entre batuques e bandeiras de luta: a juventude alagoana nos terreiros de axé”. A proposta do artigo consiste em analisar a formação política e religiosa de alguns adolescentes pertencentes à Juventude de Terreiro chamada “Àbúró N’ilê- RJT/AL”, cuja sede fica em Alagoas.
Na seção de entrevistas, os organizadores deste dossiê entrevistaram a historiadora Laura de Mello e Souza (Lettres Sorbonne Université), pioneira dos estudos sobre religiosidade no Brasil e uma das principais referências sobre o Império português e a sua atuação no Brasil. Trata-se não somente de um testemunho pessoal acerca da sua formação, das principais influências historiográficas, mas, também, uma importante reflexão sobre o ofício do historiador em tempos de intolerância. O historiador Ronaldo Vainfas (UFF) também gentilmente concedeu uma entrevista à Escritas do Tempo. Juntamente com Laura de Mello e Souza, os estudos de Vainfas têm sido desde a década de 1980 referências para a historiografia das religiosidades e das instituições no Brasil-Colônia.
Além do dossiê temático, o atual número da Escritas do Tempo também possui a seção de artigos que acolheu os trabalhos de Andrea Ciacchi e Igor Bruno Cavalcante dos Santos. O primeiro, em “Botânico, ma non solo: a viagem de Luigi Buscalioni na Amazônia em 1899”, se debruça na trajetória de Luigi Buscalioni, reconhecido médico e botânico italiano que, em 1899, foi responsável por uma viagem de pesquisa realizada na Amazônia. Já em “A História da Família como um campo plural de compreensões e de possibilidades na comarca do Rio das Velhas no século XVIII”, o historiador Igor dos Santos articula os pressupostos teóricos e metodológicos presentes no campo da História da Família para investigar a prática do concubinato na Comarca do Rio das Velhas.
Referências
DIX, Steffen. O que significa o estudo das religiões: uma ciência monolítica ou interdisciplinar? Revista lusófona de ciência das religiões, ano VI, n. 11, p. 11-31, 2007.
JULIA, Dominique. “A religião: História religiosa”. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novas abordagens. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1976. p. 106-131.
Marcus Vinicius Reis – Docente da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Doutor em História pela UFMG. Editor da Revista Escritas do Tempo.
Angelo Adriano Faria de Assis – Docente da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Doutor em História pela UFF.
REIS, Marcus Vinicius; ASSIS, Angelo Adriano Faria de. Apresentação. Escritas do Tempo, Pará, v.1, n.3, 2019. Acessar publicação original [DR]
Revistas culturales de Iberoamérica / Antíteses / 2019
En las últimas décadas se ha revalorizado el interés por los estudios de las publicaciones periódicas desde distintas perspectivas de análisis. No sólo porque aportan información valiosa por los datos objetivos que contienen en tanto fuente documental, sino porque son, en sí mismas, observadores e incluso protagonistas del quehacer social y político de su época, constituyendo a la vez dispositivos culturales y actores políticos.
En el universo de las publicaciones periódicas, las revistas culturales registran el pulso cotidiano de la vida social, política y cultural. Difíciles de circunscribir dentro de un campo específico de la historiografía contemporánea, son una ventana para conocer la historia de la cultura impresa, la circulación y la discusión de ideas y escritos, la vida intelectual y política y sus formas de sociabilidad y la modernidad cultural y tecnológica que, como parte de la industria editorial, acercan prácticas y pensamientos a sus lectores al ponerlos en relación con estos productos.
En la tradición publicista iberoamericana, las revistas culturales han servido como generador y vaso comunicante de las ideas políticas y las tradiciones culturales, en particular el arte, la literatura y la ciencia. En palabras de Schwartz y Patiño (2004), las revistas tienen, dentro de la dinámica del campo cultural, funciones específicas pero variables. Tampoco tienen un lugar definido a priori, pues las hay portadoras de una legitimidad cultural buscada por muchos y repudiada por otros, así como hay algunas que por su carácter coyuntural e innovador se permiten un grado de intervención más agudo y determinante sobre las problemáticas de la cultura. Asimismo, las revistas pueden describir trayectorias diferentes, en el sentido de depender de una institucionalidad académica o estatal o de haber nacido como expresión disruptiva de determinadas formaciones intelectuales y artísticas.
De éstas últimas se ocupa el Dossier que se presenta a continuación, pues pretende reflexionar sobre la cultura impresa como plataforma esencial para analizar el tránsito del siglo XIX al XX en la conformación de un ideario continental, que se ha mostrado notable en su producción literaria y artística. Esta propuesta es abarcadora del universo iberoamericano, incluyendo países de habla portuguesa, como Brasil; pero también incorpora aquellas publicaciones editadas en el viejo continente que han interpelado la América Latina (española y portuguesa) y el Caribe como horizonte de pertenencia histórica y cultural.
A través de distintos formatos –prensa periódica, magazines literarios, revistas culturales y de actualidad- las publicaciones han constituido lugares de expresión por excelencia de intelectuales y artistas que, durante la modernidad cultural del continente, conformaron infraestructuras editoriales y circuitos culturales y del pensamiento que encontraron en ellas sitios privilegiados para su manifestación. Por lo mismo han funcionado como un espacio de debate y tribuna, un campo de controversias, una red de solidaridades, un lugar propicio para homenajes, polémicas, manifiestos y declaraciones de alegato o rechazo, de continuación, independencia o renovación. En esa anticipación de escrituras y recorridos de la creación intelectual y artística, logran establecer vínculos con el público lector, compartiendo estéticas, consumos culturales, imaginarios y programas de diversa índole. Indagar en las revistas deja ver las materialidades que las hacen posible – las redes de colaboradores, sus secciones, la diagramación de la información, los tópicos predominantes, el perfil del público lector y potencial consumidor, etc.-, lo cual, en muchos casos, les permiten superar el primer impulso programático y sostenerse en el tiempo, elaborando sus propias tradiciones y genealogías.
La coyuntura socio-histórica que acompañó su recepción y circulación en América Latina correspondió a los inicios de la industrialización del continente e incluye, entre otros factores: la industria cultural; la marginalización política de las oligarquías agrarias; la emergencia de clases modernas con diferenciación de funciones entre el trabajo intelectual e industrial; el desarrollo ‘espectacular’ de las ciudades en algunos países, el impacto de la gran guerra, la revolución mexicana y la reforma universitaria.Esa coyuntura encontró su correspondencia con los puentes culturales tendidos gracias al intercambio intelectual y científico acaecido entre el reformismo liberal, el modernismo literario y las vanguardias estéticas y literarias en ambos continentes.
Si durante su surgimiento -en los comienzos del siglo XX- acompañaron esos procesos globales, en su segunda mitad las revistas fueron espacios de resonancia y amplificación de denuncias contra los totalitarismos europeos por parte de emigrados y asilados, del partido comunista estadounidense, de militantes católicos que, con posterioridad, incursionaron en los debates de la segunda posguerra y su repercusión en el continente, en particular el significado ideológico e intelectual de la revolución cubana. De esta manera las revistas americanistas dieron voz a las denuncias contra la opresión y se constituyeron en medios de resistencia y autoconciencia, de configuración de identidades, de elaboración de programas de emancipación a lo largo de todo el siglo.
Las investigaciones sobre las revistas exigen la convergencia de metodologías cuanti y cualitativas que permitan analizar desde las perspectivas de redes, la circulación de actores, discursos, valores, prácticas y conocimientos en tanto bienes culturales. Es una perspectiva inscripta en el campo de la nueva historia cultural, que ha abarcado en los últimos años perfiles etno-metodológicos e interaccionistas, al reconocer en el mundo de las publicaciones periódicas y en particular las revistas, agentes transculturales (directores, editores, promotores culturales, militantes) cuyos descubrimientos, acciones y discursos articulan sensibilidades, valores y creencias compartidos y definen estrategias y modos de accionar. Al mismo tiempo, estas indagaciones se sitúan en el campo de la historia social de las ideas, que complementa el análisis de redes e identifica la producción y circulación de saberes y programas, es decir las plataformas de difusión y discusión que parten de un corpus de lecturas compartido, prefiguran prácticas y se ponen en funcionamiento en las publicaciones periódicas.
Otro aspecto metodológico importante es el examen de la recepción de ideas, conocimientos y escritos en las publicaciones periódicas pues, por lo general, arrastran viejas controversias, cuya actualización y / o resignificación convierte esos discursos en contemporáneos. En este Dossier, en particular, los autores buscan conocer qué hay detrás de las revistas (ideas, iniciativas, invitaciones, redes intelectuales), tanto en la formación de un pensamiento intelectual americanista de autoafirmación (liberales decimonónicos, católicos militantes) y de resistencia al imperialismo norteamericano (modernistas, nacionalistas), como en el impulso de redes de denuncia exiliar y pedidos de ayuda humanitaria (los republicanos españoles en México), en la promoción de una integración territorial (fomento del ferrocarril y del turismo de mar y playa), en la configuración de ciertas identidades profesionales (arquitectos), en la proyección venturosa del orden americano ideal(izado) por misioneros y exploradores (padres franciscanos, viajeros europeos), hasta la profesionalización del editor / director como auténtico promotor cultural (José Enrique Rodó, Rubén Darío, Emir Rodríguez Monegal).
Pese a su diversidad dentro del campo de la prensa, las publicaciones también se abordan por medio del análisis de los discursos visuales y escritos, además de los enfoques critico-literarios ajustados a la escritura biográfica y la literatura de carácter memorialista. Cualquiera sea el cometido para examinarlas, los trabajos ponen en evidencia la emergencia de agentes que articularon programas de intervención político-cultural desde sus ámbitos específicos. Así el punto de vista biográfico puede indicar la convergencia ‘generacional’ de intereses y expectativas en que se encontraron los directores, editores, patrocinadores, colaboradores y referentes; y resaltar la formación de redes que aquellos integren. Pero también el análisis del contenido de los artículos, notas de opinión, comentarios menores y reseñas, entre otras secciones internas, delimita los modos de intervención que, mediante polémicas, manifiestos e interlocuciones variadas, incluyen la construcción del / de los adversario / s.
En los artículos que aquí se ofrecen, encontramos aquellos que en la circulación de conocimientos, estéticas, programas y prácticas nos permiten seguir el latir cotidiano de la vida literaria y la configuración de un público lector. En este conjunto descubrimos, en el artículo de Fernando Torres Londoño y Sharley José Cunha, las tempranas voces de los padres franciscanos viajeros que a fines del siglo XVIII exploraron la región andina de Ucayali y, desde el Mercurio Peruano, conformaron una comunidad de conocimiento que tradujo los hallazgos del mundo desconocido para los europeos. Beatriz Cecilia Valinotti recorre los caminos de la cultura impresa en la Argentina a comienzos del siglo XX, en particular los avisos publicitarios sobre enciclopedias y compendios de historia universal ofrecido por la revista Caras y Caretas, que demuestran cómo el acto propio y privado de elegir qué leer está directamente atravesado por la resonancia particular de lo público. Mientras, los escritos de José E. Rodó publicados en la Revista Nacional de Literatura y Ciencias Sociales configuran, según Elisângela da Silva Santos, un esbozo de historia de la literatura latinoamericana, la cual ocupa el mismo clivaje de formación de un pensamiento socio-cultural continental en el que se reconocen tanto fuentes europeas como autóctonas, en tensa disputa por la construcción de la autonomía americana y la diferenciación literaria.
Siguiendo esa trayectoria distintiva están también los trabajos que buscan explorar publicaciones que, durante los años 1920 y desde diversos ámbitos públicos (aulas universitarias, redacciones de periódicos), lograron reunir a jóvenes que exploran las bases legitimadoras de las vanguardias literarias y el ultraísmo en el plano nacional argentino. Karina Vázquez analiza estas intervenciones juveniles particularmente en Nosotros, Proa y Martín Fierro. Ronen Man, en clave local, hace foco en la revista El Círculo de Rosario (Argentina) e interpreta la vitalidad ideológica, estética, artística de esas mismas vanguardias a partir del cruce entre los aspectos textuales y los propios del lenguaje visual, que define la progresiva autonomización de la publicación. Aldrin Moura de Figueiredo y Heraldo Márcio Galvão Júnior examinan, hacia esa misma década, los manifiestos de dos revistas brasileñas -Belém Nova y Revista de Antropofagia- que se complementan en la reconfiguración de un modernismo nacional a partir del reconocimiento de lo local-regional y la preponderancia artística y estética que vincula a los autores y los temas de ambas publicaciones. Los trabajos antes señalados hacen hincapié en estas miradas en escala, que distinguen los enclaves territoriales como focos de la vida cultural con sus propios mecanismos internos y lógicas locales, pero que pretenden trascender también hacia horizontes más globales.
En un tercer plano ubicamos los análisis de revistas que permitieron descubrir los anclajes de la modernidad cultural y tecnológica americana y distinguir la configuración de culturas profesionales. Por un lado, aparecen las que, como analiza Andrea Pasquaré, privilegian el viaje como una práctica cultural que suscita comparaciones, búsquedas de goce y experimentación. Es el caso de Mundial Magazine, un emprendimiento editorial de origen parisino -pero ideado y dirigido por hispanoamericanos- que estuvo destinado a escritores residentes y viajeros americanos, intentando proveer, por medio de notas y publicidades, la información necesaria que orientara sus emprendimientos particulares. En tanto que Joana Carolina Schossler compara revistas uruguayas (Turismo en el Uruguay) y del sur de Brasil (A Gaivota) que promovieron el turismo de playa y la cultura de la diversión y el veraneo, en correspondencia con el desarrollo urbano e industrial en transporte y comunicaciones que, durante la primera mitad del siglo XX, ofrecía al sujeto moderno. Otra publicación que articuló en sus páginas un proyecto de modernización social y cultural fue la editada por la Administración General de los Ferrocarriles del Estado: Riel y Fomento. Pablo Javier Fasce demuestra de qué manera esta revista se hizo eco de la aparición y difusión del ferrocarril, promotor del crecimiento agrícola e industrial, y buscó desarrollar, acorde a los tiempos que se vivían, una cultura auténtica de valores americanistas. Leonardo Faggion Novo redefine la noción de circulación y red para analizar la constitución de una cartografía cultural profesional transnacional a través de la promoción de valores, prácticas, saberes, reconocimientos y prestaciones recíprocas entre las principales revistas técnicas de arquitectura y urbanismo editadas en Argentina, Brasil, Chile y Uruguay durante los años 1920 a 1940; período en el cual la realización del primer congreso panamericano de arquitectos contribuye, también, a pensar el campo de las asociaciones profesionales en disputa, abierto y dinámico.
Finalmente, están las revistas culturales que fueron ámbitos de confrontación, de configuración de constelaciones político-ideológicas y de formación de redes intelectuales. Estos proyectos editoriales por los que circularon valores, epistemologías y que definieron programas políticos, permitieron una lectura específica sobre el presente y pasado de un país, elaborando memorias y genealogías particulares de sus naciones y de su integración al continente. Algunas de ellas, como la Revista del Pacífico, ubican al lector en los proyectos de formación de la nación chilena (segunda mitad del siglo XIX), la actualidad de sus debates político-ideológicos y el acompañamiento programático de una república de las letras transnacional. Nicolás Arenas Deleón anticipa la emergencia de nuevos actores en puja en el ámbito público (intelectuales programáticos, funcionarios y reformadores propios del liberalismo finisecular). Por otra parte, hay revistas que suman sus voces de resistencia a los fascismos europeos al reactualizar sus debates con la presencia de inmigrados políticos en sus países, productos de esos procesos que acabaron promoviendo políticas culturales y diplomáticas, de lucha anti fascista o fomento del panamericanismo. La revista Historia Mexicana que estudia Marcos Gonçalves permite reconstruir el entramado relacional de exiliados republicanos en ese país, sus jerarquías e intereses que lograron ser vehiculizados en la fundación del Colegio de México. De manera particular, el autor considera que la revista contribuye a profundizar la redefinición del discurso historiográfico en términos del exilio como objeto de investigación específico. Mientras que la lucha antifascista, las ideas y prácticas de la buena vecindad, el panamericanismo y el antiimperialismo se entrecruzan en los textos estudiados por Angela Meirelles de Oliveira en la revista New Masses. Aunque cercana al partido comunista norteamericano, se torna visible en ella la tensión epistemológica de sus colaboradores entre la promoción de Frentes Populares para contrarrestar el avance del fascismo en el continente y la declarada tensión antiimperialista que forma su programa.
Por su parte, las revistas Christus y Mundo Nuevo exploran debates ideológicos y nuevas estéticas propias de los años ’60, integrándose a propuestas de emancipación, indagación de nuevas identidades y postulados ideológicos de transformación de la realidad nacional y continental. Igor Luis Andreo inspecciona la resistencia de una parte de la comunidad jesuita mexicana que, próxima a la teología de la liberación de fines de la década del sesenta, le disputa significados, saberes, prácticas y valores a la oficialidad episcopal nacional y a la propia Compañía de Jesús de México. En tanto que María Marcela Aranda indaga la articulación entre arte, literatura e historia en la revista editada en París mediante la relación dialógica que textos e ilustraciones, dibujos y fotografías mantienen con su época. Durante esos años el campo cultural latinoamericano fue interpelado por las convergencias y divergencias con los hechos mundiales derivados de la segunda posguerra y, en especial de la guerra fría y la revolución cubana; y las resistencias que inspiraron, aún con antagonismos, ofrecieron lecturas performativas de la originalidad americanas. Sólo insertándolas en el escenario complejo de la segunda mitad del siglo XX es posible comprender el alcance de la discusión que suscitaron tópicos como: el catolicismo liberacionista, el movimiento contracultural estudiantil en México, la confrontación con el catolicismo integrista, la crítica cultural en clave política y social, las reflexiones en torno a la negritud, el mestizaje cultural y las complejas relaciones con el hemisferio norte.
En síntesis, el conjunto de trabajos que se ofrece en este Dossier muestra cómo las publicaciones periódicas en general y las revistas culturales en particular, han sido desde fines del siglo XIX y durante el siglo XX vehículos idóneos en el desarrollo de representaciones sociales, en la recreación de imaginarios, en la formación de la opinión pública, en la elaboración de estéticas, en la generación de prácticas lectoras y de expresiones generacionales y en la afirmación de identidades político-ideológicas, culturales y profesionales. Al ser parte de las batallas propias del campo cultural en un momento histórico determinado, esas intersecciones entre los proyectos individuales y los proyectos grupales hicieron emerger en sus páginas la preocupación por América como tema filosófico, histórico y coyuntural, su relación estrecha con la cultura letrada y la formación de nuevas subjetividades plurales.
Referências
ALTAMIRANO, Carlos y SARLO, Beatriz. Literatura / Sociedad. Buenos Aires, Hachette: 1983.
BEIGEL, Fernanda. Las revistas culturales como documentos de la historia latinoamericana. Utopía y Praxis latinoamericana, Zulia, v. VIII, n. 20, eneromarzo 2003, p. 105-115.
EHRLICHER, Hanno y RIBLER-PIPKA, Nanette (eds.). Almacenes de un tiempo en fuga. Revistas culturales en la modernidad hispánica. Berlín, Shaker Verlag: 2014.
GRANADOS, Aimer (ccord.). Las revistas en la historia intelectual de América Latina: redes, política, sociedad y cultura. México, Juan Pablos Editor / UAM / Cujimalpa: 2012.
OSSUNA, Rafael. Materia y Texto: una reflexión sobre la revista literaria. Trad. cast. Kassel, Reichenberger: 1998.
SCHWARTZ, Jorge y PATIÑO, Roxana (eds.). Revistas literarias / culturales latinoamericanas del siglo XX. Revista Iberoamericana, Pittsburgh, v. LXX, n. 208- 209, julio-diciembre 2004.
SOSNOWSKI, Saúl. La cultura de un siglo. América Latina en sus revistas. Buenos Aires, Alianza: 1999.
Andrea Fabiana Pasquaré – Universidad Nacional del Sur
María Marcela Aranda – Universidad Nacional de Cuyo
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Direitos Humanos, História e Memória (1968-2018) / Estudos Ibero-Americanos / 2019
Este primeiro número de 2019 traz o dossiê “Direitos Humanos, Memória e História (1968-2018)”, organizado pelos professores Bruno Groppo (Centre d’Histoire Sociale du XXe Siécle Université Paris I, França) e Tatyana de Amaral Maia (PUCRS). Os materiais nele reunidos revelam a multiplicidade de temas referentes aos direitos humanos e, sobretudo, a sua importância para o exercício da cidadania em regimes democráticos. A própria ideia de direitos humanos surge em associação à compreensão da democracia como regime que garante ao indivíduo plena participação na vida política, reconhecendo o pluralismo de ideias e os direitos de associação e de organização. O dossiê é composto por nove artigos e uma entrevista. Este número também publica na sua Seção Livre três artigos e duas resenhas. Todos os artigos foram submetidos à avaliação no sistema duplo cego.
Os artigos publicados no dossiê trazem as recentes experiências de violação aos direitos humanos, especialmente, durante as ditaduras do Cone Sul, além de discutir as formas com que os Estados democráticos têm lidado com esse passado sensível. Não obstante, também propõem uma reflexão crítica sobre os limites desses mesmos Estados em garantir plenamente o cumprimento dos direitos humanos, tal como definido em suas respectivas Constituições.
A emergência dos regimes democráticos no Cone Sul, a partir dos anos de 1980, não garantiu automaticamente a adoção de uma agenda política voltada para os direitos humanos. Ao contrário, tais países ainda são marcados por graves violações de direitos humanos. A democracia e os direitos subjacentes a ela dependem de uma contínua ação política. Afinal, como propõe Lyan Hunt,
Os direitos humanos só se tornam significativos quando ganham conteúdo político. Não são os direitos de humanos num estado de natureza: são os direitos de humanos em sociedade. Não são apenas direitos humanos em oposição aos direitos divinos, ou direitos humanos em oposição aos direitos animais: são os direitos de humanos vis-à-vis uns aos outros. São, portanto, direitos garantidos no mundo político secular (mesmo que sejam chamados “sagrados”), e são direitos que requerem uma participação ativa daqueles que os detêm (HUNT, 2009, p. 19).
O artigo que abre o dossiê, “Más allá de organizaciones históricas, las figuras emblemáticas y las prácticas reconocidas. Elementos para repensar al movimiento de derechos humanos en la Argentina”, de Emílio Crenzel, traz uma instigante e inédita questão ao debate acerca dos direitos humanos na Argentina, qual seja, a ação de múltiplos atores na construção de uma cultura política de defesa de direitos humanos no país pós-redemocratização. Crenzel demonstra como é fundamental considerarmos o papel dos pequenos grupos organizados, das associações de bairro e dos sindicatos na conformação de uma ação política em busca de justiça e memória acerca das graves violações de direitos humanos cometidas pela última ditadura argentina (1976-1983). A ampla rede que se formou em busca de informações sobre os desaparecimentos forçados também exigiu a punição dos responsáveis pelas violações cometidas, fomentando o engajamento de vários segmentos da sociedade em torno dos direitos humanos. Neste sentido, a construção de uma cultura política positiva em defesa dos direitos humanos dependeu sobremaneira do papel ativo da sociedade organizada em prol desses direitos.
Em seguida, “Uma história social da expertise em direitos humanos: trajetórias transnacionais dos profissionais do direito na Argentina”, de Virgínia Vecchioli, demonstra a importância das redes transnacionais na consolidação de uma expertise acerca dos direitos humanos, que envolveu a intensa participação de advogados e agentes do Estado na configuração de um campo jurídico dedicado ao tema, tornando-se referência nas ações de Justiça de Transição de vários outros países. A ação engajada de advogados e movimentos de direitos humanos promoveu o desenvolvimento de um conhecimento específico sobre o tema, tornando-se fundamentais para a consolidação da cultural política em defesa dos direitos humanos, tal como se observa hoje na Argentina.
O terceiro artigo, “História de violações dos direitos humanos na era Pinochet: sequestros, desaparecimentos forçados e autoritarismo”, das autoras Anna Flavia Arruda Lanna Barreto e Natália Silva Teixeira Rodrigues de Oliveira, analisa o caso de desaparecimento de mulheres e crianças durante a ditadura de Pinochet, no Chile, a partir de dois acervos: o Fundo Clamor e o Arquivos do Terror. A partir desses acervos, as autoras demonstram a participação do Brasil em casos de violação dos direitos humanos praticados pelo regime ditatorial chileno, assim como reforçam as pesquisas sobre as conexões repressivas existentes entre os países do Cone Sul.
O quarto artigo, “Defensa de DDHH en Chile en el contexto transnacional del movimiento de defensa de los derechos humanos, 1973-1990”, de Nancy Nicholls, propõe compreender a construção de uma cultura de direitos humanos alicerçada nas redes de defesa das vítimas do regime Pinochet criada logo após o golpe que destituiu o governo de Allende e que estabeleceu diversas estratégias de ação para proteger as vítimas da ditadura chilena. Tais redes atravessaram as fronteiras nacionais e se constituíram através de um aprendizado prático sobre como atuar diante das ações repressivas empreendidas pelo governo de Pinochet. Para Nicholls, essas redes forjaram um legado para as novas gerações sobre como se organizarem e a relevância das conexões internacionais, tornando-se um importante elemento na configuração de uma cultura de direitos humanos no Chile.
O quinto artigo, “No capítulo dos direitos humanos: Direito, Política e História na Coluna do Castelo (1969- 1973)”, de Lúcia Grinberg, se propõe a investigar a atuação engajada do jornalista Carlos Castello Branco na denúncia de violações de direitos humanos cometidas pelo regime ditatorial brasileiro entre os anos de 1969 e 1973. A autora demonstra as estratégias do jornalista através da análise da sua coluna no Jornal do Brasil, sugerindo que o tema dos direitos humanos atravessava diversas matrizes políticas, favorecendo a construção de laços de solidariedade entre jornalistas, intelectuais e políticos com diferentes posicionamentos ideológicos, porém, engajados na resistência à ditadura.
O sexto artigo, “A democracia em questão: com a fala, as mulheres militantes de esquerda durante a ditadura militar nos anos de 1964 a 1985”, de autoria de Mateus Gamba Torres e Eloísa Pereira Barroso, busca através da história oral compreender o papel das mulheres na resistência à ditadura civilmilitar brasileira, considerando às questões de gênero referentes ao engajamento feminino na luta armada. Os autores têm o cuidado de analisar a ressignificação da participação dessas mulheres na militância ao longo do tempo, investigando como a construção das memórias acerca dessa participação também responde às demandas do tempo presente sobre o passado vivido.
O sétimo artigo, de Caroline Bauer, “Presenças da ditadura e esperanças na Constituição: as demandas da população sobre a prática da tortura”, busca compreender através do projeto “Diga Gente”, como a população, às vésperas da votação da Constituição de 1988, se posicionou diante da tortura. O artigo estabelece, portanto, um diálogo, com a experiência trazida por Crenzel. Se Crenzel demonstra o papel fundamental de diversos grupos na construção de uma cultura política em torno dos direitos humanos através da busca por justiça e pelo direito à memória, Bauer, por sua vez, analisa como no Brasil, a construção da cidadania através da participação popular ocorreu a partir de visões múltiplas sobre o tema. Neste sentido, ao dar voz a esses anônimos, Bauer demonstra a existência de narrativas concorrentes acerca de como lidar com os legados do regime autoritário.
Os dois últimos artigos tratam de temas recentes e de violações de direitos humanos cometidos durante o regime democrático brasileiro. Em “Percepções sobre a violência no processo de estruturação do MST no Nordeste brasileiro (1985-1995)”, Rose Elke Debiasi se dedica ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no período imediato à redemocratização no Nordeste, considerando as especificidades que marcam aquela região. A presença de lideranças sulistas do MST no Nordeste, na tentativa de manter a organicidade do movimento, foi marcado pela inexperiência dos primeiros imigrantes que passaram a conviver com regras de funcionamento distintas das experimentadas no Sul. Para a autora, a violência estrutural que marca a vida campesina no Nordeste, onde a presença de pistoleiros e jagunços faz parte do cotidiano do camponês, amplia os desafios de organização de um movimento social no campo.
O nono e último artigo deste dossiê, retrata um caso recente de violência política que chocou o País e mobilizou diversos organismos de direitos humanos nacionais e internacionais: o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018, que foi amplamente coberto pela imprensa nacional e estrangeira. Em “O corpo que se manifesta na imagem”, Dúnya Pinto Azevedo propõe analisar as imagens produzidas pela imprensa alternativa, através da análise das fotografias produzidas pela Mídia Ninja, que circularam amplamente pela internet. As imagens retratam os protestos ocorridos contra o assassinato da vereadora e que exigiam a identificação dos responsáveis pelo crime e a promoção da justiça. O caso, que até o início deste ano de 2019 continua sem solução, se tornou paradigmático da permanência da impunidade e das violações de direitos humanos que ocorrem diariamente no Brasil.
Para finalizar o dossiê, publicamos a entrevista realizada com o professor Carlos Artur Gallo sobre o seu livro recém-publicado: Um acerto de contas com o passado: crimes da ditadura, leis de impunidade e decisões das Supremas Cortes no Brasil e na Argentina.
Ainda incluímos neste número, três artigos na Seção Livre e duas resenhas. O primeiro da Seção Livre, “La Calidad de la democracia em Honduras, 2014-2018: sistema político, sociedade civil e instituições em perspectiva”, de Carlos Federico Ávila e Carlos Ugo Joo, é dedicado à análise da qualidade do regime democrático, compreendendo as crises políticas recentes e as limitações da democracia hondurenha, incluindo os desgastes no campo político que levam o descrédito da população acerca das formas de exercício da democracia representativa.
O segundo artigo, “¿Pertenece a Chile?”. Civilización y desierto, rentismo y subordinación: la formación del território nacional em el extremo sur del Perú (Tarapacá, 1827-1877)” de Luis Castro Castro e Inmaculada Simón Ruiz, dedicado à construção do território nacional e as múltiplas ações e estratégias na conquista e colonização do extremo Sul do país. A integração do território nacional peruano, conforme propõe os autores, foi realização de forma assimétrica, estabelecendo uma relação de subordinação da região ao governo Central.
O último artigo publicado neste número é “Administração de diretórios partidários e ação política de elites provinciais no Brasil do Segundo Reinado: a implantação do Centro Liberal e suas implicações no funcionamento do Partido Liberal na Província do Paraná (1868-1889)”, de Sandro Gomes, que propõe analisar as relações entre o Partido Liberal na província do Paraná e o diretório nacional, revelando a manutenção da sua relativa autonomia frente ao diretório nacional.
Ao final do número, duas resenhas fecham a edição. A primeira, de Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos, sobre o livro de Jorge Nállim dedicado ao antiperonismo. E a segunda, de Cláudia Castello, sobre o recente livro publicado por Alexandre Valentim acerca da crise do Império português.
Tal como já é usual na revista, reunimos pesquisadores de diferentes IES nacionais e estrangeiras no intuito de divulgar pesquisas inéditas e de elevado nível acadêmico acerca do mundo ibero-americano. Esperamos que tais artigos contribuam com os diversos campos das Ciências Humanas dedicados à IberoAmérica e instiguem novas pesquisas.
Referência
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos. Uma História. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
Tatyana de Amaral Maia – Editora da Revista Estudos Ibero-Americanos. Professora da Escola de Humanidades e do PPGH / PUCRS. Pós-Doutorado em História pela Universidade do Porto. Doutorado em História / UERJ. E-mail: tatyana.maia@pucrs.br https: / / orcid.org / 0000-0002-1558-2192
Luciana Murari – Editora executiva da Revista Estudos Ibero-Americanos. Professora da Escola de Humanidades e do PPGH / PUCRS. Pós-Doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Doutorado em História Social USP, 2002. E-mail: luciana.murari@pucrs.br https: / / orcid.org / 0000-0003-1517-1016
MAIA, Tatyana de Amaral; MURARI, Luciana. Editorial. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 45, n. 1, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]
Albuquerque – Revista de História. Campo Grande, v. 11 n. 21, 2019.
Dossiê: Experiências Estéticas Contemporâneas
Dossiê
- Apresentação | Marcos Antonio de Menezes , Rafael Morato Zanatto, Robson Pereira da Silva | 5-8 |
- A Neve das PalAVRAS | Maria João Cantinho | 9-25 |
- Dandy: uma criação das metrópoles novecentistas | Marcos Antônio de Menezes | 26-39 |
- Circulação e recepção da literatura psicografada a partir da coleção A vida no mundo espiritual (1944-1968), de Chico Xavier | Ana Lorym Soares | 40-57 |
- O verdadeiro casamento rodriguianoapontamentos sobre amor e desejo no romance O casamento (1966) de Nelson Rodrigues | Lays da Cruz Capelozi | 58-76 |
- O clássico e o modernoEisenstein e Orson Welles na pena de Paulo Emílio Sales Gomes | Rafael Zanatto | 77-91 |
- Drogas, festivais e rock nas páginas dos jornais brasileiros e portugueses – 1969/1975 | Paulo Gustavo Da Encarnação | 92-110 |
Artigos
- Eslovenos onlinerepresentações e significados da re-territorialidade eslovena entre os grupos de eslovenos do Facebook na Argentina | Nadia Molek | 111-131 |
Princípios
- “Quando o negro se movimenta, toda a possibilidade de futuro com ele se move”afrofuturismo e práticas estéticas de resistência | Roger Luiz Pereira da Silva, Marinês Ribeiro dos Santos, Frederick Van Amstel | 132-150 |
- Crise do tempoum diálogo entre Reinhart Koselleck, François Hartog, Hannah Arendt e Franz Kafka | Leandro Silva Onofre Júnior | 151-161 |
- Historiografia e homossexualidades: o caso brasileiro | Rhanielly Pereira do Nascimento Pinto, Jorge Luiz da Silva Alves | 162-183 |
Resenhas
A particularidade como eixo central na estética de Lukács | Edson Roberto de Oliveira Silva | 184-190 |
As dinâmicas entre sagrado e o profano: Uma perspectiva de longa duração (Século V ao XVI) / História Revista / 2019
As discussões sobre sagrado e profano perpassam um amplo campo de análise. Estes dois “campos conceituais” se definem, muitas vezes, um pelo outro, em uma relação intrínseca. O dossiê As dinâmicas entre sagrado e o profano: Uma perspectiva de longa duração (Século V ao XVI) tem por objetivo fomentar as discussões sobre estes universos interpretativos, tendo por problema suas aproximações. Os dez textos que o compõem oferecem um balanço sobre as mudanças ocorridas nas referências teóricas e no campo das metodologias de pesquisa, bem como apresentam um panorama das investigações que se ocupam de uma cronologia alargada dos séculos V ao XVI.
O texto que abre o dossiê tem por título “Crise e hierarquias: as interações entre o sagrado e o profano na Antiguidade e na Idade Média”. Partindo das imbricações entre o sagrado, o profano e a História (presentes tanto no mundo helenístico quanto na Antiguidade Tardia e na Idade Média), Fátima Regina Fernandes e Renan Frighetto apresentam uma discussão conceitual e filosófica, que tem por base a civilitas. Neste âmbito, os indivíduos foram redimensionando as relações sagrado / profano ao longo dos tempos. As resistências / aproximações culturais entre vários povos e perspectivas religiosas, especialmente após o advento do cristianismo, contribuíram para novas percepções e readequações que delimitaram esta complexa relação. O modelo trifuncional, presente nas concepções de mundo da Baixa Idade Média, reviveu ao nível teórico estas concepções, reconfigurando, de modo especial, a perspectiva do sagrado.
Bruno Tadeu Salles, no texto “Anticlericalismo e intercessão aristocrática na Provença dos séculos XII e XIII: o aforismo da relação opositiva entre Estado e família como ponto de partida”, busca discutir o processo de constituição da Ecclesia provençal, particularmente na diocese de Frejús, durante os séculos XII e XIII. São destacadas em seu texto as complexas relações entre os aristocratas, as ordens militares e o poder episcopal. Logo, a ideia da existência de uma Igreja una, sob a liderança do papado no século XIII, não dá conta das imbricações no âmbito regional. Da mesma forma, o autor busca relacionar as críticas anticlericais aos conflitos existentes entre os aristocratas leigos e os príncipes da Igreja da região.
Em “Los Dos Alfonsos: Reyes, obispos y el Arca Santa de las relíquias de San Salvador de Oviedo”, de Raquel Alonso Álvarez, temos um estudo da influência de Pelayo de Oviedo na formulação de um corpus literário, na primeira metade do século XII. Estes textos tinham o claro objetivo de promover a Sé Ovetenses e seu sacro conjunto de relíquias. Este conjunto, antes restrito, foi exposto aos fiéis, destacando também a elaboração de relatos com interpolações posteriores sobre a ação da monarquia asturiana, especialmente de Afonso II, na transferência da Arca Santa para a Igreja de São Salvador.
Fabiano Fernandes, no artigo “As disputas eclesiásticas entre a Ordem do Templo e o Cabido da Sé de Coimbra (1290‐1308). Poder religioso e Poder eclesiástico nas comendas de Ega, Soure, Redinha e Pombal”, discute os conflitos eclesiásticos entre o cabido da Sé de Coimbra e Ordem do Templo, em uma região específica, na virada do século XIII para o século XIV. É enfatizado no texto que as cobranças eclesiásticas, que na contemporaneidade julgaríamos imersas na mera e pura ambição, refletiam, principalmente, a luta pela honra e pelo prestígio de homens que se julgavam íntimos do sagrado, tais como os freires do Templo e os homens do cabido.
“Comunidad cristiana, comunidad política. Identidad y discurso histórico en la cronística de la baja Edad Media castellana” é o tema do artigo de Martín Federico Ríos Saloma. No âmbito das relações sagrado / profano, o autor busca discutir como uma comunidade cristã, legitimada por pertencer à Eclesia, começou a definir‐se a partir do século XIII também como uma comunidade política, ligada à coroa castelhana. A ação dos cronistas régios teria sido fundamental neste processo de afirmação do poder monárquico, e de sua importância, na luta contra os muçulmanos. De uma identidade originalmente religiosa, esta teria sido convertida gradualmente em uma identidade de cunho político.
Juliana Salgado Raffaelli, no texto intitulado “A atividade cristianizadora na auto‐ hagiografia de Valério de Bierzo”, aborda as estratégias de cristianização atribuídas a eremitas do século VII. Ao descrever sua própria trajetória religiosa nos moldes das Vitae, Valério de Bierzo teria agido de forma consciente e deliberada para defender o modo de vida ascético em uma época de conflitos religiosos. A autora enfatiza particularmente a ideia de que, no século VII, a Hispania já havia eleito o cenobitismo como a forma ideal de vida monástica. Logo, a vida comunitária apresentava vantagens para o fortalecimento da Igreja. A Vita Valerii estava inserida, portanto, no contexto de expansão e organização da Igreja visigoda, com particular ênfase na educação dos jovens aristocratas.
A separação perceptível na atualidade entre as esferas divina e humana não era verificável no contexto medieval, em que a vida terrena era entendida como uma fase transitória, em direção a um projeto de salvação. Tendo por base esta constatação, o artigo de Maria Filomena Coelho, intitulado “Narrativas de milagres: a sacralização da justiça profana (Portugal, séc. XIV)”, confere o sentido de justiça divina relativa a um conjunto de narrativas do Flos Sanctorum, manuscrito do século XIV existente na Biblioteca da Universidade de Brasília. Conforme a autora, as lógicas pelas quais essa justiça se realiza são oriundas da experiência política e social, o que terminou por sacralizar o poder profano.
Lukas Gabriel Grzybowski, no artigo intitulado “O paganismo escandinavo entre a percepção e a imaginação: A Vita Anskarii de Rimbert e as Gesta Hammaburgensis de Adam de Bremen”, busca apresentar uma reflexão ao mesmo tempo teórica e metodológica sobre o uso de fontes cristãs para o estudo dos povos escandinavos na época viking. Concomitantemente, o autor, a partir das referidas reflexões e de uma análise rigorosa de parte da Gesta Hammaburgensis, de Adam de Bremen, e da Vita Anskarii, de Rimbert, considera que ambos não estavam preocupados em um diálogo com os pagãos. Segundo o autor, Adam de Bremen e Rimbert também não buscavam propriamente compreender a religião dita pagã, nem possuíam aspirações etnográficas, mas criavam, sobretudo, imagens mentais de acordo com o interesse de seus interlocutores.
Em “Santidades Ibéricas: Entre o Sagrado e o Profano”, a autora Renata Cristina de Sousa Nascimento tem por premissa a sacralização territorial oriunda da posse dos vestígios sagrados, que conferiu a reinos e cidades status especial. Na Península Ibérica, coleções de relíquias supostamente de Cristo e dos santos contribuíram na construção da polêmica ideia de Ibéria sagrada. Na guerra constante entre o bem e o mal era necessário estar ao lado de elementos concretos, que garantiam proteção contra as doenças, as intempéries climáticas, as guerras e toda sorte de malefícios. Portanto, um local que possuísse estes objetos era santificado, abençoado e seguro.
Finalizando o dossiê, Renato Rodrigues da Silva, no texto “As relações entre as esferas laicas e eclesiásticas na aristocracia da Nortúmbria no século VIII”, propõe valorizar a categoria “classe social” para o estudo das inter‐relações entre aristocratas leigos e eclesiásticos. O autor apresenta uma crítica ao que considera uma ênfase excessiva nas dinâmicas internas das instituições religiosas, identificando nessa perspectiva, ainda recorrente, laços intrínsecos com a historiografia institucional do século XIX. Logo, na Nortúmbria anglo‐saxã do século VIII, a fundação, difusão e regência de mosteiros estavam intimamente ligadas aos membros da alta aristocracia leiga.
Boa leitura!
Fabiano Fernandes – (UNIFESP). E-mail: fabfer2007@hotmail.com
Renata Cristina de Sousa Nascimento – (UEG, UFG, PUC‐GO). E-mail: renatacristinanasc@gmail.com
Organizadores
FERNANDES, Fabiano; NASCIMENTO, Renata Cristina de Sousa. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 21, v. 24, n. 1, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]
Chile – Brasil: Textualidades Contemporáneas: Discursos de hibridación | Contextos – Estudos de Humanidades y Ciencias Sociales | 2019
Un enorme desafío significa Contextos nº 43, por su carácter de revista monográfica, dedicada a recoger los artículos procedentes de un núcleo de investigación internacional Chile – Brasil: Textualidades Contemporáneas: Discursos de hibridación, que busca dar cuenta de las líneas de investigación multidisciplinarias que han abordado los académicos que constituyen un diversificado e inclusivo grupo de estudio.
En la Presentación de Contextos, me permitiré una breve reflexión acerca de los alcances significativos de la frase discursos de hibridación.
La participación de investigadores, tanto chilenos como brasileños, que dictan cátedras en universidades de Chile y de Brasil, auspicia una perspectiva investigativa que transgrede el umbral físico de un país y de un idioma para generar un amplio espacio, presencial y virtual, que favorece la recepción y la intervención de discursos contemporáneos, artísticos, literarios, narrativos, sociales, históricos, culturales, políticos, que muestran la complejidad, aceleramiento y globalización de un mundo que demanda identidad, innovación y creatividad. Leia Mais
Manifesto pela História – ARMITAGE; GULDI (RBH)
Manifesto pela História é uma apologia da história de longa duração que reacende as discussões sobre o lugar dos historiadores na sociedade contemporânea. Publicado originalmente em 2014 pela Cambridge University Press (Armitage; Guldi, 2014), o livro foi prontamente disponibilizado na internet, o que permitiu sua rápida difusão. Após as traduções para os idiomas chinês, coreano, espanhol, italiano, japonês, turco e russo, finalmente está disponível para o leitor brasileiro a versão publicada pela editora Autêntica. 1 Leia Mais
Terceiro Reich na história e na memória: novas perspectivas sobre o nazismo, seu poder político, sua intrincada economia e seus efeitos na Alemanha do pós-guerra – EVANS (RBH)
O suicídio de Adolf Hitler, em 1945, assinalou o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa e do regime nacional-socialista. Experiências históricas que marcaram a memória e a história de diversas maneiras. De lá para cá, inúmeros estudiosos estão a narrar e a interpretar o nazismo. A cada livro novo, a cada geração de pesquisadores, os saberes históricos sobre o nacional-socialismo são revisados e ampliados. Leia Mais
História, Dialética e Diálogo com as Ciências: a gênese de Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr. (1933-1942) – IUMATI (RBH)
Como produzir uma grande obra de pensamento em um contexto periférico? É com essa pergunta que Paulo Teixeira Iumatti abre o seu História, dialética e diálogo com as ciências: a gênese de Formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado Jr. (1933-1942), livro originado de sua tese de doutorado, produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo (USP) e concluída em 2001. De saída, cabe destacar a potência que o qualificativo “contexto periférico” dá à pergunta, pois afasta dela o idealismo próprio às posições que frisam o talento superior do indivíduo ou àquelas que acreditam numa espécie de circulação mundial igualitária de ideias. Já aqui a dimensão materialista, tão ao gosto do seu objeto, aparece com discreta precisão. Leia Mais
Uma introdução à história da historiografia brasileira (1870-1970) – NICODEMO et. al (A)
NICODEMO, Thiago Lima; SANTOS, Pedro Afonso Cristovão dos; PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Uma introdução à história da historiografia brasileira (1870-1970). Rio de Janeiro: FGV, 2018. 238p. Resenha de: ALMEIDA, Letícia Leal de. História da historiografia brasileira: uma apresentação do percurso historiográfico. Antíteses, Londrina, v.12, n. 23, p. 850-857, jan-jul. 2019.
A História da Historiografia é um campo de discussão que se preocupa com a profusão dos discursos historiográficos, que visam compreender as relações que se estabelecem entre os historiadores, as instituições e a História. Buscando compreender as tensões entre o passado e as representações construídas na historiografia, os historiadores que se dedicam a essa perspectiva visam refletir sobre a emergência dos discursos, preocupações, critérios de validação e confiabilidade da historiografia.
O livro Uma introdução à história da historiografia (2018) foi construído a partir dos debates travados nos encontros do Seminário Brasileiro de História da Historiografia, bem como no Núcleo de História da Historiografia e Modernidade da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Em conjunto, Nicodemo, Santos e Pereira são historiadores que se têm dedicado à História da Historiografia, participando da organização dos encontros na UFOP, bem como na problematização da História da Historiografia enquanto campo de produção. Thiago Lima Nicodemo é professor de Teoria da História da Unicamp, com pesquisas desenvolvidas em torno da produção historiográfica de Sérgio Buarque de Holanda. Pedro Afonso Cristovão dos Santos é professor de Teoria da História da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), com pesquisas sobre intelectuais do século XIX, com destaque a Capistrano de Abreu.
Mateus Henrique de Faria Pereira é professor associado de História do Brasil da Universidade Federal de Ouro Preto, com estudos em Historiografia no Tempo Presente, Intelectuais e Teoria da História.
O recorte temporal do livro visa contemplar discussões a partir da emergência da História da Historiografia no Brasil, desde o surgimento do moderno conceito de História no século XIX, além das apropriações e ressignificações das matrizes europeias no Brasil. Buscando compreender o percurso da História da Historiografia até a institucionalização da História nas Universidades e ao refletir sobre a elaboração da Cultura História brasileira e dos estudos desenvolvidos acerca desse tema, visa instaurar um lugar para as produções brasileiras na História da Historiografia. A maior parte do livro se centra no contexto após a institucionalização das Universidades.
No que se refere à História, a partir da estruturação dos cursos nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras no Brasil, partir de 1930 (FERREIRA, 2013). O mérito do texto está em apresentar um fio condutor na emergência do historiador de ofício: a partir da preocupação dos historiadores em situar-se em relação às produções anteriores, problematizando a organização da Historiografia brasileira a partir de suas próprias tensões e especificidades, rompem, assim, com a perspectiva da relação centro-periferia, discutindo a produção dos autores na organização de conceitos e de critérios para a Historiografia no Brasil.
No primeiro capítulo, os autores constroem o percurso da Historiografia enquanto campo, ou seja, relacionando problemas, aportes teóricosmetodológicos, nos quais diversos autores buscaram compreender o passado brasileiro. Utilizando um recurso do Google, o Ngram Viewer2, buscaram localizar a palavra Historiografia e seus correlatos em outros idiomas, com destaque para o inglês, espanhol, francês, italiano e alemão, ressaltando, assim, a ascensão no uso da palavra Historiografia a partir do século XX, enquanto fenômeno transnacional. O crescimento, segundo os autores, se deve à estruturação dos primeiros cursos de História nas Universidades, o que ampliou consideravelmente a produção em História (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 23 – 25).
Nos capítulos seguintes, segundo e terceiro, destacam os primeiros esforços de se pensar a Historiografia Brasileira, como os livros de José Honório Rodrigues, desde a Teoria da História do Brasil, de 1949, até História da História do Brasil e a Historiografia colonial de 1979. José Honório Rodrigues é um dos autores basilares para se compreender o processo organização do ofício do historiador, do caráter amador-ensaísta ao historiador acadêmico (IGLÉSIAS, 1988).
Desde o gênero ensaístico, que misturava História e Política, os autores apresentam a emergência de novas formas de apreensão do tempo. A divisão da Historiografia no Brasil deveria considerar a produção desde o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, em 1838, até a organização das Universidades, momento em que a História iniciou o processo de organização disciplinar, definindo seus limites, enquanto uma tradição especializada.
A partir do processo de consolidação da disciplina e da emergência do historiador profissional, os autores discutem sobre a transição entre o intelectual polígrafo e o historiador acadêmico. Nesse sentido, referenciam a produção de Capistrano de Abreu, no Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen, publicado em 1878.
Nesse texto, se discutiu sobre o caminho da História Nacional, apresentando um protótipo de historiador: Transparecem as qualidades que comporiam o historiador ideal: a erudição, o conhecimento em primeira mão das fontes, aliados a uma capacidade de fazer reviver, pela escrita, os eventos estudados e de ter empatia com o objeto (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 23-25).
Varnhagen, aos olhos de Capistrano, ao apresentar preocupações com as fontes e metodologias, próprias do métier do historiador, foi destacado pelos autores como precursor da Historiografia, compondo um estilo e uma escrita.
Desse modo, a História foi tecendo uma legitimidade enquanto produção de conhecimento. Em vista disso, a produção do século XIX se deu através da acumulação de informação e de fontes, além da crítica documental (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 64).
Ao retratar Varnhagen, Capistrano apresenta uma visão mais refinada do processo metodológico, enviesado pela perspectiva de verdade em História. Os autores esclarecem que, devido à essa produção, a partir do acúmulo exaustivo das fontes, marcada pelo viés cronológico, possui uma natureza diferenciada que visava articular presente, passado e futuro.
Outro texto fundamental, destacado pelos autores, publicado em 1951 por Sérgio Buarque de Holanda, foi O pensamento histórico no Brasil nos últimos 50 anos. Para Holanda, Capistrano seria o ponto de partida para a Historiografia, enquanto processo de definição dos estudos históricos. A contribuição desse texto é de incidir sobre os anos 20 e 30, momento em que vigorou a produção ensaística.
Sérgio Buarque de Holanda produziu ensaios interpretativos, enquanto uma preocupação desse período, contemporâneo aos estudos de Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior, que analisaram as heranças coloniais, esses escritos visavam transformar a realidade brasileira. O gênero ensaísta-síntese visava articular instrumentos teóricos, influenciados por matrizes diferentes: americana, alemã e francesa, momento em que o meio de inserção dos intelectuais se dava através da crítica literária ou do serviço público. Os autores dão destaque a Sérgio Buarque de Holanda como um intelectual de transição, entre o intelectual polígrafo e o historiador universitário (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 74 – 75).
No terceiro capítulo, a organização das primeiras Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras no Brasil, com destaque à criação da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, criada em 1934 a partir da missão francesa, e da Faculdade Nacional de Filosofia de 1939, marca o início da organização da produção acadêmica.
Porém, a consolidação dessa produção só começaria a aparecer a partir de 1950, momento em que a pesquisa em História adquire um novo sentido orientada por problemas mais delimitados e mais aprofundados (FERREIRA, 2013).
Ainda nesse capítulo, os autores aprofundam as proximidades da produção acadêmica com a produção dos ensaístas. Nas Universidades, o processo de reflexão sobre o que fora produzido desde o século XIX apresentava rupturas e continuidades.
Holanda foi um dos intelectuais que defendeu a institucionalização universitária e a valorização do trabalho acadêmico. A partir da sua produção, de Raízes do Brasil de 1934, Monções, de 1945, até Caminhos e Fronteiras, de 1957, é possível compreender a preocupação do autor com as condições sociais da produção, bem como o refinamento de uma erudição em história. A produção de Holanda refletiu sobre a mudança na concepção de métodos e dos instrumentos teórico-metodológico, para além das generalidades, e visou afirmar uma cultura acadêmica a partir do discurso do historiador profissional, atento aos dilemas do presente.
A partir da institucionalização das Universidades, no quarto capítulo, os autores buscaram compreender a repercussão da produção acadêmica, com o aumento substancial da produção em História, tanto a partir da estruturação de instituições de fomento às pesquisas, quanto com a criação de cursos universitários e de um mercado editorial que permitiu a circulação dessas produções, como a criação de revistas acadêmicas, com destaque à Revista de História da Universidade de São Paulo. Dentro dessa dinâmica, vale ressaltar que a organização das Universidades estava alinhada à preocupação com a formação de professores e não de pesquisadores, por isso o cuidado estava centrado no ensino de História e na Didática da História.
No quinto capítulo, os autores aprofundam as discussões centrais do livro, sobre a organização da História da Historiografia como campo, no I Seminário Internacional de Estudos Brasileiros de 1971. Nesse seminário, Francisco Iglésias apresenta uma das primeiras concepções de História da Historiografia, enquanto exame exaustivo dos livros sobre História do Brasil e de um roteiro de textos importantes, reafirmando o papel de Capistrano de Abreu, como marco desse tipo de reflexão.
Segundo os autores, a História da Historiografia já havia sido mobilizada em 1961, a partir da publicação da Iniciação aos estudos históricos, de Jean Glenisson, com a colaboração de Pedro Moacyr Campos e Emília Viotti da Costa, ao referirse aos desafios da relação entre Teoria da História e História da Historiografia.
História geral da civilização brasileira, lançado em 1960, é outro livro central para História da Historiografia e foi organizado por Pedro Moacyr Campos e Sérgio Buarque de Holanda, com ênfase aos estudos sobre o Brasil imperial.
A partir da afirmação da Universidade como centro de produção em História, o quinto capítulo visou compreender o reconhecimento do trabalho do historiador, bem como as preocupações dos primeiros professores universitários. Desde a organização do primeiro simpósio da Associação Nacional de Professores Universitários, que aconteceu em Marília em 1961, bem como na produção das coletâneas de José Honório Rodrigues e das produções de José Amaral Lapa, até a inserção da História da Historiografia nos currículos universitários, os autores discutem sobre as implicações políticas e teórico-metodológicas desse processo nas produções acadêmicas a partir de 1960, a partir da inserção da História da Historiografia nos currículos universitários, que conciliava tanto a análise da produção dos historiadores quanto a História da História, esta como sinônimo de História da Historiografia.
Foi a partir de 1970 que se deram os embates em torno da inclusão da História da Historiografia enquanto disciplina separada da Teoria da História, presente nas produções de José Roberto do Amaral Lapa. Para este, a História da Historiografia deveria analisar criticamente a produção dos historiadores e a transformação do pensamento histórico, o que significava afirmar que a História da Historiografia possuía um objeto próprio, teorias e metodologias. A reafirmação desse campo rejeitava uma análise centro-periferia, pois buscava construir marcos a partir da própria produção historiográfica, não mais marcos políticos, como a fundação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro ou das Universidades. Além do mais, propunha uma investigação sobre métodos, pressupostos teóricos e formas de se escrever a Historiografia brasileira.
Isto posto, os autores buscaram compreender a organização do campo da História da Historiografia, embates e dilemas, expressos desde os primeiros textos reflexivos como em Capistrano de Abreu e Sérgio Buarque de Holanda, a organização das coletâneas como as de José Honório Rodrigues, até a institucionalização da disciplina nos currículos universitários. Enfim, o processo de composição de uma cultura histórica que aos poucos se tornou universitária, a partir do adensamento de projetos políticos, compreendendo sua dimensão prática e política. Como destacado pelos autores: Os tempos são de disputas intensas pelo passado e a dimensão ético-política da escrita da história volta a ser central. Também é hora de pensar nas práticas dos historiadores do passado, incluindo nossos mestres, como práticas arqueologicamente investigáveis. Também é hora de pensar se não é momento da história da historiografia e da teoria da história irem além (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 186).
Tal permite-nos compreender o processo de transformação da escrita em História no Brasil, bem como a organização de métodos e conceitos que consolidam a História da Historiografia.
A História da Historiografia, nesse sentido, permite compreender os balanços do fazer histórico, a partir da investigação sistemática acerca dos discursos produzidos sobre o passado, refletindo sobre as memórias construídas pelos autores em suas obras, suas posições teórico-metodológicas, tensões em torno da escrita da História, que, sob uma perspectiva presentista após os anos 70, visam compreender as novas experiências de apreensão do tempo.
O livro traz uma importante contribuição à historiografia, desde o recorte temporal realizado pelos autores, de 1870 a 1970, que permite compreender o percurso da História da Historiografia no Brasil. Por tratar-se de um balanço do tema, possibilita aos pesquisadores principiantes se inteirar dos debates, conhecer autores referenciais, enfim, compreender a especificidade da escrita da História no Brasil, além de vislumbrar um campo de pesquisa em plena expansão, como muitas fontes inéditas, novos problemas de pesquisa, à luz de novas perspectivas teórico-metodológicas.
Referências FERREIRA, Marieta de M. A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.
IGLÉSIAS, Francisco. José Honório Rodrigues e a historiografia brasileira. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 55 – 78, 1988.
NICODEMO, Thiago Lima; SANTOS, Pedro Afonso Cristovão dos; PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Uma introdução à história da historiografia brasileira (1870-1970). Rio de Janeiro: FGV, 2018. 232 p.
Notas
2 O Google Ngram Viewer é um recurso do Google que mapeia a frequência da palavra pesquisada a partir de fontes de 1500 a 2008.
Letícia Leal de Almeida – Professora na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutoranda no Programa de Pósgraduação em História da Universidade Estadual de Santa Catarina. Email: leticialeal.historia@gmail.com.