História Militar, [?], v.10, n.25, maio 2019.

História Militar, [?], v.10, n.25, maio 2019.

  • Por Uma História Militar Global: da História Militar tradicional à Nova História Militar
  • Fernando Velôzo Gomes Pedrosa
  • Góes Monteiro e o emprego do poder aéreo durante a guerra civil de 1932
  • Carlos Roberto Carvalho Daróz
  • O Brasil e a FNLA no processo de descolonização de Angola (1975)
  • Gisele Christini de Sousa Lobato
  • La Batalla del Hambre: Movilización Militar, condiciones de vida y experiencias de miseria durante la Guerra Civil Española. (1936-1939)
  • Claudio Hernández Burgos
  • A atuação da Missão Militar Francesa na formação da doutrina militar do Exército Brasileiro: sistematização do ensino equestre, desenvolvimento histórico das academias militares e aperfeiçoamento do Serviço de Saúde do Exército
  • José Luiz Vargas de Mendonça, Francisco Celso Lourido Barreto Júnior, Márcio Camillo da Silva
  • Livro em Destaque: O Levante de 44, de Ivor Richard Norman Davies
  • História Militar. [?], v.10, n.

 

Rios e Sociedades / Revista Brasileira de História / 2019

Movimentos dos rios / movimentos da História

Aos que entram nos mesmos rios afluem outras e outras águas.

Heráclito, fragmento 12, 2012, p. 47.

A relação estreita entre o desenrolar da história humana e os movimentos das águas na superfície terrestre, especialmente os movimentos dos rios que cruzam os continentes para além dos espaços litorâneos, pode ser pensada, de início, por meio de algumas poderosas metáforas. Heráclito de Éfeso, no século VI a.C., usou o rio como imagem da história em seu sentido mais amplo: o próprio fluxo da existência. A renovação permanente das águas do rio, que ao mesmo tempo persiste como uma unidade definida pelas suas margens, indica o jogo complexo entre mudança e continuidade que pode ser observado no acontecer do mundo. Milênios mais tarde, em seu livro clássico, publicado em 1946, O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II, Fernand Braudel também usou o movimento das águas como metáfora para os diferentes níveis de profundidade em que se pode analisar a História, apresentando os “acontecimentos” como “cristas de espuma levantadas pelo poderoso movimento das marés” (Braudel, [1946]1995, p. 25).

Essas metáforas, assim como várias outras que poderiam ser mencionadas, adquirem um sentido humano concreto nas inumeráveis situações em que sociedades interagiram de maneira intensa com sistemas fluviais, de modo que estes últimos se tornaram agentes importantes para definir a localização geográfica e o próprio devir da vida cultural, social e econômica. Pensando apenas no mundo contemporâneo, pode-se observar como a proximidade e a relação intensa com rios de tamanho significativo ou, em sentido mais amplo, com bacias hidrográficas, estabeleceram padrões recorrentes no desenvolvimento de grandes cidades, de complexos agrícolas (em grande parte dependentes de obras de irrigação) e de estruturas industriais (que se valem dos rios para construir intrincados fluxos e metabolismos socioambientais que passam pela entrada constante de matéria e energia e pela saída de produtos mercantilizáveis e dejetos poluentes). Além dos exemplos acima, poderiam ser mencionados inúmeros outros casos históricos em que assentamentos humanos, dinâmicas de transporte, movimentos de lazer e turismo, expressões culturais e artísticas e crises de saúde pública, entre outros, passaram por uma interação aturada com sistemas fluviais.

No caso do território brasileiro, foco do presente Dossiê, é importante ressaltar que não se pode entender a formação da sociedade nacional, em sua grande diversidade, sem levar em conta o espaço continental onde o país foi construído, marcado por enormes e complexas redes fluviais. A vida social aqui existente, em sua variedade geográfica, econômica e cultural, interagiu de maneira acentuada com esse movimento incessante das águas, seja em termos de mobilidade, de processos de territorialização, de práticas culturais ou de dinâmicas de exploração econômica. Os rios também estiveram muito presentes nos conflitos armados e nas disputas por domínio político regional, assim como na própria construção objetiva do Estado nacional e de suas instituições. Amazonas, São Francisco, Paraná e Tietê, entre tantos outros rios, tornaram-se ícones no imaginário do Brasil. A interação com os rios, que já era essencial para as sociedades indígenas, transformou-se em aspecto inescapável da vida concreta das sociedades na América portuguesa e no Brasil enquanto país, inclusive nos seus espaços litorâneos.

Apesar da existência de farta documentação sobre o mundo dos rios em diferentes países, além da sua presença marcante em inúmeras descrições da vida social em diferentes latitudes, a atenção específica e explícita ao tema fluvial por parte da historiografia foi relativamente modesta até as últimas décadas. Em meados do século XX, no entanto, foi possível observar um esforço de inovação no recorte dos objetos de análise histórica, para além daqueles baseados em países e regiões definidos segundo um critério essencialmente político. Dentro dessa abertura, onde se situa o recorte da Zona da Mata nordestina como objeto de análise por Gilberto Freyre em 1937, ou do Mar Mediterrâneo por Fernand Braudel (no livro já citado de 1946), um importante precedente foi estabelecido por Lucien Febvre e Albert Demangeon com a publicação em 1935 de seu livro O Reno: Problemas de História e de Economia. Ironicamente, no entanto, uma iniciativa semelhante foi realizada quase ao mesmo tempo pelo escritor e jornalista Emil Ludwig, que em 1937 publicou um livro sobre a história de vida do rio Nilo (Ludwig, 1937). É natural, porém, que a obra de Febvre, por apresentar uma densidade de pesquisa bem mais sólida, tenha marcado com muito mais relevância a cena historiográfica. É certo que o trabalho foi escrito com uma clara perspectiva antropocêntrica, procurando descartar qualquer vestígio de determinismo geográfico. A ideia central é a do rio forjado pela história humana, mais do que pela natureza. O foco são as questões político-econômicas, servindo o rio como uma espécie de espelho geográfico para pensar, por exemplo, a transformação das fronteiras nacionais na Europa.

No período mais recente, já sob influência da nova história ambiental que emergiu a partir da década de 1970, a literatura histórica específica sobre os rios cresceu muito, tanto em termos quantitativos quanto no aspecto da diversidade temática. Não seria o caso de resumir essa literatura no curto espaço desta Apresentação.[1] De toda forma, uma tendência que se pode ressaltar na literatura recente, mesmo que de maneira muito geral, é a de considerar os rios em si mesmos, na sua materialidade biofísica e sociotécnica. Ou seja, ir além da visão do espelho exógeno que serve mais que tudo para observar diferentes aspectos da vida social. Os rios, nessa perspectiva, são introduzidos no corpo da história, nos seus movimentos endógenos. A materialidade dos rios, incluindo suas transformações ao longo da história, expressa em si mesma a rede de interações sociais, tanto culturais quanto tecnoeconômicas, que com ela vem interagindo. Essa mesma materialidade, porém, inclusive nos seus aspectos biofísicos e ecológicos, participa e influencia no destino dessa rede complexa (que vem sendo conceituada mediante expressões como sócio-natureza ou devir biocultural). Um trabalho de grande influência, que abriu importantes horizontes dentro dessa nova perspectiva, foi o livro de Richard White The Organic Machine: The Remaking of the Columbia River (White, 1995). Nesse livro, o rio Columbia é visto como uma paisagem híbrida construída pela natureza e pelas diversas intervenções sociotécnicas e culturais ao longo do tempo. A materialidade do rio, além disso, expressa as diferenças de concepção e de interesse dos vários atores sociais que com ele interagiram, tornando-se ao mesmo tempo um fenômeno material e um espaço em disputa.

Em que momento os historiadores se debruçaram sobre a história das intricadas relações entre rios e populações no Brasil? Talvez, uma historiografia muito centrada no litoral e na sua oposição ao sertão, como matriz fundante de uma ideia de nação (notadamente, a partir de finais do século XIX), tenha subestimado essa temática. De toda forma, uma historiografia mais explícita e substantiva com relação ao tema dos rios começou a emergir no país em período recente, na virada para o século XXI – o que não significa dizer que não existia nada de relevante no passado. Ao contrário, existe uma interessante herança intelectual a ser redescoberta nesse campo. É possível encontrar, em alguns historiadores do século XX, importantes análises indiretas que, sem tomar os rios como eixo do recorte analítico, perceberam muito bem a sua presença marcante em diferentes momentos da história do país. Cabe destacar, por exemplo, as fortes descrições de Gilberto Freyre na década de 1930, no livro já mencionado (Freyre, [1937]2004), sobre as dinâmicas de envenenamento dos rios do Nordeste pelos resíduos das usinas de açúcar. Ou então, de maneira ainda mais notável, os trabalhos de Sérgio Buarque de Holanda, nas décadas de 1940 e 1950, sobre a centralidade da navegação fluvial nos movimentos de exploração dos sertões do Centro-Oeste partindo de São Paulo. O livro Monções, de 1945, em especial, apresentou elegantes e inovadoras análises sobre as relações entre rios e sociedades naquele contexto, particularmente pelo conceito de “estradas móveis”, que foram pensadas, de maneira próxima das tendências mais recentes, em sua própria materialidade, considerando detalhadamente as corredeiras e cachoeiras, os períodos de cheias etc. Ainda em 1948, inspirado pelo tema da expansão paulista e pelo trabalho de Emil Ludwig, o poeta Humberto de Mello Nóbrega publicou um livro que recortava de forma inovadora, ao menos no contexto nacional, um rio específico como objeto de análise histórica. Apesar de não ser uma análise profunda, o livro História do Rio Tietê (Mello Nóbrega, [1948]1981) é bastante abrangente e informativo, discutindo diferentes aspectos da relação entre a sociedade paulista e aquele rio – desde os esforços para promover sua navegação até, por exemplo, seu papel como inspirador de arte e literatura. Na formulação do próprio autor, porém, o rio é visto “ora como cenário, ora como comparsa”, já que o protagonismo é sempre do homem.

Nas décadas seguintes, alguns ensaios foram publicados sobre rios emblemáticos, como no caso do São Francisco e do Amazonas,[2] mas trabalhos situados no quadro de uma historiografia acadêmica, com maior elaboração teórica e metodológica, só irão aparecer nas portas do século XXI. É o caso do belo trabalho de Victor Leonardi sobre o complexo do rio Negro e suas cidades abandonadas: Os historiadores e os rios: natureza e ruína na Amazônia brasileira (Leonardi, 1999); do amplo estudo de Haruf Espindola sobre a ocupação histórica de um importante vale fluvial entre Espírito Santo e Minas Gerais: Sertão do Rio Doce (Espindola, 2005); do estudo de Janes Jorge sobre o rio Tietê na cidade de São Paulo, mostrando a relevância de aproximar história urbana e história fluvial: Tietê – o rio que a cidade perdeu (Jorge, 2006); por fim, da rica e diversificada coletânea organizada por Gilmar Arruda com o título de A natureza dos rios (Arruda, 2008). Esses trabalhos, já participando de um diálogo aberto com a historiografia internacional e com a perspectiva da história ambiental, abriram caminho para o tipo de historiografia profissional e mais rigorosa, apesar da sua variedade de enfoques, que poderemos encontrar nos autores que responderam ao chamado para o presente Dossiê. Uma historiografia que se aproxima da temática dos rios a partir de diferentes dimensões e recortes, explorando as ricas conexões ecológicas, geográficas, socioeconômicas e culturais que podem ser observadas com relação ao mundo dos rios em diferentes momentos e lugares da história do Brasil.

O artigo de André Vasques Vital recupera a história do Território do Acre de princípios do século XX, no contexto de desenvolvimento da economia da borracha na Amazônia brasileira. Com base em uma discussão com bibliografia recente, o autor discute os limites da agência histórica pensada apenas a partir da ação humana. Seu texto aprofunda uma importante reflexão sobre o papel do rio Iaco, suas dinâmicas de cheias e vazantes e as consequências e imprevisibilidades desse regime na ação humana. Assim, os tumultuosos acontecimentos políticos e econômicos ocorridos no Território do Acre, depois de sua anexação ao Brasil, ganham novos sentidos também pela atuação (imprevisível muitas vezes) do rio e pelas implicações das dinâmicas fluviais (como o incremento de doenças decorrentes das águas empoçadas). O rio Iaco é aqui uma “coisa-poder”, nas palavras do autor, fundamental para compreender as articulações políticas locais da região.

Ana Lucia Britto, Suyá Quintslr e Margareth da Silva Pereira abordam a transformação da região da Baixada Fluminense entre finais do século XIX e a primeira metade do século XX. Apoiadas em uma sólida reflexão sobre os rios na historiografia, tanto no campo da história ambiental como no campo da história dos sistemas sociotécnicos, as autoras desvendam como os rios da região foram alvo de diversas formas de intervenção ao longo do tempo. Mais ainda, examinam os impactos dessas intervenções desde finais do século XIX. Trata-se de entender como se articularam as dinâmicas fluviais com as dinâmicas sociais, entendendo os rios como “sistemas tecnológicos e ambientais”. É a partir de meados do século XIX, com a introdução da ferrovia, que a região e seus rios sofrem transformações significativas. De região rica passa a ser considerada área insalubre e improdutiva, o que ensejará, nas primeiras décadas do século XX, diversas intervenções, no sentido de sanear a região e torná-la produtiva. Esse processo, levado a cabo pelo Estado, dá ensejo ao surgimento de uma “hidrocracia” responsável pelas políticas de intervenção nos rios da Baixada Fluminense.

Gabriela Segarra Martins Paes analisa o mito dos negros d’água do rio Ribeira de Iguape, na região do Vale do Ribeira. Trata-se de recuperar e compreender as matrizes culturais e os significados atribuídos pela população da região à existência desses seres encantados aquáticos geralmente identificados com um rapaz negro de baixa estatura, muitas vezes com pés e mãos de pato. O mito relaciona-se com a presença de africanos escravizados na região, desde o século XVII, e com as modernas comunidades remanescentes de quilombo. A autora aprofunda a sua reflexão, mostrando a relação histórica entre os escravizados da região do Vale do Ribeira e a África Centro-Ocidental, onde estavam enraizadas crenças acerca de espíritos das águas. Revela assim os diversos pontos em comum entre as crenças dos dois lados do Atlântico, como o local de habitação dos seres encantados e os temas do sequestro de mulheres, do sentido ventura-desventura e da relação e interferência entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Na realidade, o mito dos negros d’água remete ao tráfico negreiro e à escravidão. De fato, envolve a travessia de águas e o renascimento num novo mundo (muitos negros d’água teriam sido capturados e gerado descendência na região), mas também a violência (seus pés e mãos eram cortados), o aprendizado de uma nova língua, a relação entre seres diferentes e o uso do sal associado ao batismo. Enfim, para Gabriela Paes, o enraizamento do mito na região decorre da sua capacidade de “servir de metáfora” da experiência da viagem atlântica e da própria escravidão.

O texto de Henri Acselrad retoma as experiências dos atingidos pela construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no estado do Pará, nos anos 1970 e 1980. O barramento do rio Tocantins implicou não somente a inundação de uma imensa área para conformação do lago da usina. Teve, de fato, inúmeras implicações do ponto de vista ambiental (como a decomposição da matéria orgânica que ficou debaixo da água), por ensejar o aparecimento de pragas de mosquitos, por exemplo, mas igualmente do ponto de vista social. Inúmeros grupos populacionais que havia séculos viviam no e do Tocantins tiveram sua vida alterada, sendo deslocados para outros espaços ou para novos espaços criados pelo barramento. Essas populações heterogêneas, que viviam ao longo do curso do rio, mobilizaram-se contra autoridades públicas e empresariais, ligadas ao empreendimento, para denunciar os desmazelos, a negligência e a violência que significou esse processo. O texto, entretanto, não examina exatamente esses movimentos, mas sim, de maneira muito original, o processo de produção escrita dessas populações atingidas, por meio de manifestos, cartas, boletins e cordéis. A produção e circulação de impressos por parte de uma população vinculada majoritariamente à tradição oral permitiu transformar “um caso em uma causa”. Isso significou o aparecimento de um “novo autor” da história do rio – os atingidos pela barragem. O escrito produzido e publicado pelos diversos grupos afetados permitiu, assim, não somente a produção de um registro sobre a memória do rio Tocantins, mas também a produção de um registro para a ação. A força do “artefato impresso” reside na duração que lhe permite ser “recebido e reconhecido”. Nesse sentido, os impressos produzidos pelos atingidos pela barragem do rio Tocantins fizeram parte de suas lutas e serviram como forma de rememoração dessas próprias lutas.

Iane Maria da Silva Batista e Leila Mourão Miranda retomam a questão dos rios da Amazônia, mas a partir de uma perspectiva distinta do texto de Acselrad, embora se referindo ao mesmo contexto. As autoras partem de uma reflexão sobre os usos e representações das águas e de como essas formas se transformam ao longo do tempo. Assim, notadamente a partir da segunda metade do século XX, os rios se reconfiguram em recursos naturais por parte do Estado e de interesses privados. Disso deriva, desde os anos 1950, o seu reconhecimento para os planos de desenvolvimento da região, principalmente, relacionados aos projetos de exploração das riquezas minerais da Amazônia. Esse processo de comoditização da água, por meio da construção de usinas hidrelétricas na região amazônica, fez os rios se tornarem lugares de “hidronegócios”. Ora, argumenta-se no texto, esse tipo de representação e uso da água dos rios da região vai de encontro a outras relações, construídas secularmente pelas populações da região. Mais ainda, a transformação da água dos rios em mercadoria tem causado enormes impactos socioambientais. As implicações da reconfiguração da água dos rios em mercadoria nos obrigam, desse modo, a repensar a relação que construímos com a água nas últimas décadas.

Haruf Salmen Espindola, Eunice Sueli Nodari e Mauro Augusto dos Santos exploram um acontecimento recente, um desastre, ocorrido há quase 4 anos. Trata-se do rompimento da barragem de Fundão, que pertencia a dois grandes grupos de exploração mineral: as empresas Vale S.A. e BHP Billinton. Para os autores, é preciso compreender o termo desastre numa perspectiva ampla, uma vez que a fatalidade significou não somente o rompimento da barragem, mas uma série de acontecimentos que envolveram e ainda envolvem áreas rurais, áreas urbanas, rios, reservas e a zona costeira, impactando a vida de seres humanos, da flora e da fauna. O artigo revela a complexidade das consequências do desastre, uma vez que os efeitos (e as ações mitigadoras) foram diversos ao longo de toda a área afetada. O texto introduz, também, a noção de “incerteza” para se pensar a constatação de que a mineração industrial representa um “grande risco” (não há aqui como não pensar no recente caso do desastre de Brumadinho). A reflexão do texto finalmente aborda o problema da diversidade de narrativas sobre o acontecimento, envolvendo diferentes grupos e instituições, muitas vezes contraditórias entre si, ensejando o próprio aumento das incertezas.

Por fim, o texto de Cristina Brito examina, por meio dos rios, a relação das sociedades com os manatis, na América colonial. A partir de uma reflexão sobre o lugar dos rios, a autora busca compreender a relação histórica com esses animais, inclusive na sua dimensão simbólica. Para ela, os manatis (como os rios) se tornaram metáforas dos “ritmos naturais e sociais”. Assim, a autora examina diversas representações textuais e imagéticas desses animais, produzidas no período colonial, mostrando como a chegada dos europeus à América impactou as populações dos manatis e como se reconfiguraram as representações sobre eles (embora estas não tenham sido muito abundantes). Discutem-se no texto até mesmo os múltiplos usos e representações indígenas sobre os manatis, com base na documentação produzida por europeus. A reflexão de Cristina Brito insere-se numa discussão sobre a relação entre o mundo humano e o não humano. Trata-se aqui de frisar o próprio protagonismo desses animais aquáticos no seu percurso de interações com as sociedades indígenas e com a sociedade colonial. Segundo a autora, os rios (onde habitavam os manatis) podem ser pensados como lugares de confluência de interações entre seres humanos e entre eles e os animais, enfim, entre “pessoas e a natureza”.

Rio poder; rio saneado; rio metáfora; rio protesto; rio negócio; rio desastre; rio animais. Embora referindo-se ao mesmo objeto – a história dos rios e sua relação com as sociedades -, os enfoques apresentados pelos textos deste Dossiê não somente são muito diversos, mas igualmente dialogam com campos de conhecimento distintos. Mais ainda, tratam de espaços / tempos múltiplos: a América colonial, os vários rios da Amazônia, do século XIX ao século XX, o rio Ribeira de Iguape e a África, a Baixada Fluminense da virada do século, o rio Doce de “ontem”. O que articula as discussões presentes neste Dossiê é certamente a necessidade de incorporar os rios – na sua agência, nas suas representações, na sua simbologia, nos impactos da ação antrópica sobre eles, enfim, na sua complexidade – à reflexão dos historiadores. É que, para um país composto por uma intrincada rede de milhares de rios, oficialmente agrupados em 12 bacias hidrográficas, não há como esquecer que, embora em grande parte ignorada, a “fluvialidade” é parte fundamental da formação histórica do Brasil.

Notas

  1. Uma amostra bastante significativa, reunindo historiadores de vários países, pode ser encontrada em MAUCH; ZELLER, 2008.
  2. Vale mencionar, por sua qualidade, trabalhos como O Médio São Francisco(LINS, 1952), O rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia (TOCANTINS, 1952) e Jângala: Complexo Araguaia (BERNARDES, 1994). Em período mais recente, é importante citar a informativa e interessante trilogia, com bastante material histórico, publicada pelo jornalista Marco Antônio Coelho: Rio das Velhas: memória e desafios (COELHO, 2002); Os descaminhos do São Francisco(COELHO, 2005) e Rio Doce: a espantosa evolução de um vale (COELHO, 2011).

Referências

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José Augusto Pádua – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto de História, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: jpadua@terra.com.br http: / / orcid.org / 0000-0002-4524-5410

Rafael Chambouleyron – Universidade Federal do Pará (UFPA), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Faculdade de História, Belém, PA, Brasil. E-mail: rafaelch@ufpa.br http: / / orcid.org / 0000-0003-1150-5912


PÁDUA, José Augusto; CHAMBOULEYRON, Rafael. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.39, n.81, mai / ago., 2019. Acessar publicação original [DR]

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As Primeiras-damas de Roma: as mulheres por trás dos Césares | Annelise Freisenbruch

As Primeiras-damas de Roma é o primeiro livro da autora inglesa Annelise Freisenbruch, doutora em Antiguidade Clássica pela Universidade de Cambridge e pesquisadora assistente na produção de livros e filmes populares sobre o mundo antigo. Publicado no Brasil em 2015 pela Editora Record, o livro é fruto de um estudo inglês homônimo lançado pela autora em 2010. Em sua obra, de caráter historiográfico, Freisenbruch analisa a importância das primeiras-damas romanas na ascensão e construção do Império Romano.

Para auxiliar e situar o leitor acerca do tema a ser discutido, Annelise divide o livro em nove capítulos, além de utilizar árvores genealógicas, fontes literárias e arqueológicas, mapas do Império Romano, obras literárias contemporâneas, filmes e séries do século XX que abordam o assunto. Leia Mais

Formes urbaines, de l’îlot à la barre | Philippe Panerai, Jean Castex e Jean-Charles DePaule

De acordo com Chico Mendes, Francisco Veríssimo e William Bittar (1), “em história, todos os acontecimentos são consequência de um processo e, naturalmente, exercem influência sobre vários outros [processos]”. Considerando a história da cidade, o conjunto de fatores que contribuiu para o surgimento e desenvolvimento da cidade industrial foi a semente que mais tarde germinaria como a alteração radical da forma urbana no século 20. Essa alteração, segundo Christian de Portzamparc (2), correspondeu à “Segunda Era da cidade”, caracterizada pela “explosão do tecido urbano” (3) na qual os vazios urbanos predominam sobre os cheios, rompendo com a densidade construída da cidade tradicional. Neste sentido, a obra aqui resenhada Formes Urbaines: de l’îlot à la Barre, cujo título da versão em português é “Formas urbanas: a dissolução da quadra” busca investigar a relação edifício-quadra-cidade e compreender criticamente os ideais urbanísticos que conformaram a ideologia de cidade proposta pelo Movimento Moderno. Leia Mais

Red Light City. Montreal/Amsterdã: The Architecture Observer | Tsaiher Cheng

Neste livro a arquiteta e urbanista taiwanesa Tsaiher Cheng (1) apresenta como discussão central a relação entre a prostituição – trabalho sexual – e o espaço urbano. Parte-se do entendimento que isto é uma via de mão dupla, ou seja, não apenas a indústria do sexo é afetada pelas políticas urbanas como também desempenha um papel importante para a forma urbana, a organização espacial e dinâmica das cidades. Dividido em oito capítulos, o livro dedica cinco deles à análise de cidades específicas: Hong Kong, Taipei, Montreal, Antuérpia e Amsterdã e cada uma delas é analisada por um estudioso local. Assim, apesar de Tsaiher Cheng ser a principal autora do livro, a publicação conta ainda com os textos de Jung-Che Chang, Magdalena Sabat, Maarten Loopmans e Manuel Aalbers e Hans Ibelings, autor do prefácio. Ainda, Cheng também apresenta uma análise da tipologia dos bordéis do red light district de Amsterdã e sintetiza os modelos de organização da indústria do sexo nas cidades.

No primeiro capítulo, “An intense struggle in urban renew processes”, Cheng explica que os red light districts são áreas voltadas ao sexo, cujas atividades costumam ser conhecidas para além de seus limites. Contudo, cada zona é diferente, pois sua organização depende de vários aspectos, entre eles a morfologia urbana, a localização e o enquadramento legal do trabalho sexual. Com relação a este último aspecto, a autora esclarece que há quatro tipos de sistemas de regulação do trabalho sexual: a) quando o trabalho sexual é legal e regulado; b) quando o trabalho sexual é legal, mas estabelecimentos como bordéis são ilegais; c) quando o trabalho sexual é ilegal, mas o/a trabalhador/a sexual não é considerado criminoso/a; d) quando o trabalho sexual é ilegal. Leia Mais

Instantâneos de Rui: fotografias das campanhas presidenciais de Rui Barbosa (1910-1919) | Luís Guilherme Sodré Teixeira, Pedro Krause Ribeiro, Silvana Maria da Silva Telles

Na virada de 1909 para 1910, o Brasil chegou a conhecer uma corrida presidencial que entrou na história como campanha “civilista”. Pela primeira vez no país surgiu uma disputa pública e democrática por votos, encabeçada pelo então candidato Rui Barbosa (1849- 1923). Até esse momento, nos pleitos anteriores ao cargo de presidente, os eleitos Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Penna sequer viram-se compelidos a se empenhar ativamente em campanhas eleitorais. O resultado das eleições já tinha sido negociado no meio da elite política através de conversas de bastidores, entre muros fechados. Leia Mais

O idiota | Fiódor Dostoiévski

“bem vistas as coisas, um arquiduque, um rei, um imperador não são mais do que cornacas montados num elefante”

José Saramago, A viagem do elefante

Fiodor Dostoiévski leva muito tempo para escrever seu magnífico livro O idiota. Ele o concebe em sintonia com as condições sociais que impõem ao povo russo a necessidade histórica de determinação de uma nova civilização. Até primeira metade do século 19, a Rússia é um reino agrário fundado na servidão e governado por imperadores. Coube ao Czar Alexandre II, em 1861, abolir o estatuto da servidão e, desse modo, criar condições ao processo de industrialização do Império russo.

O avanço do capitalismo na Rússia – que leva à extinção da servidão –, se constitui por meio de uma aliança política entre nobres e capitalistas. Os servos repentinamente separados da possibilidade de produzirem sua existência, tal como antes, são compelidos à migração, à busca de trabalho pago fora de suas aldeias e ao assalariamento nas cidades. Nobres também passam a viver nas cidades. Nestas, dedicam-se além do ócio, ao luxo, aos prazeres e devassidões proporcionados por uma riqueza secularmente acumulada. Assim existirão até que sociedade seja subvertida de modo a configurar uma nova ordem de relações humanas. Leia Mais

Il giovane Schopenhauer. L’origine della metafisica della volontà – NOVEMBRE (V-RIF)

NOVEMBRE, Alessandro. Il giovane Schopenhauer. L’origine della metafisica della volontà. Milão/Udine: Mimesis, 2018. Resenha de: RAMOS, Flamarion Caldeira. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.10, n 2, maio/ago., p, 162-167, 2019.

Embora a pesquisa acadêmica sobre a filosofia de Schopenhauer já tenha oferecido ótimos frutos, principalmente nos últimos trinta anos (por ocasião do seu segundo centenário em 1988, quando surgiu o volume mais extenso do tradicional Schopenhauer Jahrbuch), ainda faltava um trabalho de fôlego que conseguisse reconstruir em todos os seus aspectos a gênese de sua “metafísica da vontade”. Com a publicação do livro Il giovane Schopenhauer. L’origine della metafisica della volontà (Milão, Udine: Mimesis, 2018, 624 p.) de Alessandro Novembre essa lacuna foi preenchida com grande êxito. Trata-se de uma obra riquíssima que promete e realiza uma leitura profunda e sistemática de todas as fontes ora disponíveis para a pesquisa sobre a origem da filosofia de Schopenhauer.

É verdade que alguns passos na direção dessa tarefa já haviam sido dados e nesse sentido podemos citar trabalhos como o seminal livro de Arthur Hübscher, Denker gegen den Strom (Bonn: Bouvier, 1973), que contém importantes contribuições para o estudo do “jovem Schopenhauer”; o livro de Yasuo Kamata Der junge Schopenhauer: Genese der Grundgedankens der Welt als Wille und Vorstellung (Freiburg/München, Verlag Karl Aber, 1988), que faz uma perspicaz leitura dos Manuscritos Póstumos e oferece uma interpretação original da primeira edição de O mundo como vontade e representação; a biografia de Rüdiger Safranski (Schopenhauer und die wilden Jahre der Philosophie, Carl Hanser Verlag, Munique-Viena, 1987; Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia. Tradução Willian Lagos. São Paulo: Geração Editorial, 2011), que, partindo da leitura dos escritos póstumos e da correspondência reconstrói os dados biográficos de Schopenhauer. Nos últimos anos surgiram algumas importantes contribuições para a compreensão da presença de Schelling na gênese da metafísica de Schopenhauer, como os trabalhos de Jair Barboza Infinitude Subjetiva e Estética: Natureza e Arte em Schelling e Schopenhauer (São Paulo: Unesp, 2015) e de R. Jan Berg Objektiver Idealismus und Voluntarismus in der Metaphysik Schellings und Schopenhauers (Würzburg, K & N, 2003). É possível encontrar, além disso, contribuições sobre a presença do “pensamento oriental” na origem da filosofia de Schopenhauer, a saber no período que vai do início de seus estudos (1803-1804) até a redação de O mundo como Vontade e Representação (1814-1818). Nos últimos anos, além de estudos que versam sobre as primeiras leituras que Schopenhauer empreendeu das obras de Platão e Kant, têm surgido pesquisas sobre a importância de Schulze e Fichte na gênese de algumas concepções fundamentais da filosofia de Schopenhauer. O livro em questão surgiu justamente da tese de doutorado de Alessandro Novembre sobre a presença de Fichte no pensamento do jovem Schopenhauer: Il giovane Schopenhauer e Fichte. La duplicità della coscienza (Lecce/Mainz, 2011). Mas o êxito alcançado com a presente publicação, que justifica a ampliação do título, se dá pelo fato de que não se trata mais “apenas” (como se fosse pouco) de rastrear os traços fichtianos do jovem Schopenhauer. Novembre conseguiu desdobrar todos os laços da gênese da metafísica da vontade de Schopenhauer. Não apenas a relação do jovem filósofo com Fichte, Schelling, ou o impacto de Schulze em sua formação filosófica. O autor reconstruiu com grande apuro filológico todos os passos do jovem Schopenhauer, da sua formação petista ao encontro com o pensamento oriental; da leitura dos românticos ao confronto com “o divino Platão e o assombroso Kant”, e ainda mais.

O livro percorre em ordem cronológica os manuscritos do jovem Schopenhauer, desde as primeiras linhas do primeiro volume que contém as anotações dos anos 18041811, passa pelas anotações das aulas de Schulze e Fichte, a descoberta do pensamento oriental, acompanha a elaboração da dissertação de 1813 e desemboca nos primeiros esboços (a partir de 1814) da obra magna O mundo como vontade e representação (obra que, como se sabe, foi publicada no final de 1818 já com a data de 1819). Para dar conta da amplitude desta temática, o livro foi estruturado em quatro grandes partes: a primeira delas tem como título “Os manuscritos dos anos 184-1811: da formação petista ao estudo da filosofia”. Nela, o autor persegue a “pré-compreensão do mundo” do joveníssimo Schopenhauer e o dualismo entre o temporal e o eterno (capítulo 1). Constituinte da primeira visão de mundo que Schopenhauer desenvolve nesses primeiros escritos é a contraposição entre a ordem do tempo e a ordem das coisas eternas, a partir da qual surgem as questões metafísicas sobre a distinção entre o sensível e o suprassensível, o mundo corpóreo e o mundo dos espíritos e, na esfera da moralidade, entre o bem e o mal. Ao final deste primeiro capítulo, Novembre analisa a distinção entre duas concepções de vontade, que surge dessa visão dualista do mundo. Assim, “em relação ao problema do mal, Schopenhauer admite, como os maniqueístas, a possibilidade de que uma potência divina que quer o bem (cuja vontade é “boa”) coexista com uma potência divina que quer o mal (cuja vontade é “má”)”(p.61). A partir desse dualismo, Novembre reconstrói os dois sentidos de vontade na história da filosofia, a primeira enquanto boúlesis, que é a vontade moral orientada para o bem, tal como elaborada e desenvolvida na tradição da filosofia moral antiga, nomeadamente Platão e Aristóteles até a recepção estóica de Cícero que a traduz como voluntas e a concebe como “quae quid cum ratione desiderat” (p. 64). A tradição judaico-cristã, por sua vez, conceberá a possibilidade de um querer que se dirige não apenas para o bem, mas conscientemente ao mal (thélema). Será principalmente com Agostinho que essa possibilidade será inteiramente desdobrada a fim de explicar o “pecado original” e, exatamente por isso, o bispo de Hipona é considerado o “inventor da vontade” nesse sentido dualista que permitiria pensar num querer voltado não só para o bem, mas também para o mal (Ibid, p. 64-5). Como comprovam os textos posteriores de Schopenhauer, sua concepção de vontade deve ser compreendida antes como thélema do que como boúlesis.

Após esse primeiro passo, o segundo percorre as anotações das aulas de Schulze em Göttingen, cujos cursos de metafísica e psicologia, o jovem Schopenhauer acompanha a partir do semestre de inverno de 1810-1811. De modo paralelo, o autor rastreia as primeiras leituras que Schopenhauer empreendeu de Platão, Schelling e Kant. Como se sabe, Schopenhauer seguirá o conselho de Schulze de dedicar-se antes de tudo e exclusivamente à leitura de Platão e Kant. O que se nota menos, e essa é uma importante contribuição da investigação de Novembre, é que a leitura da Geschichte der Philosophie de Tennemann foi determinante na leitura que Schopenhauer fez dos dois filósofos: desde então o filósofo lia Platão e Kant como complementares e identifica phainomenon e Erscheinung, por um lado, e coisa em si e Ideia, por outro. Com a análise desses elementos, Novembre conclui a primeira parte de seu livro afirmando que “todo o desenvolvimento sucessivo do pensamento de Schopenhauer, até o fim da primeira elaboração de seu sistema maduro, é a resultante problemática destas duas forças contrastantes: o vetor (em sentido amplo) platônico – afirmação da possibilidade, da parte do homem, de conhecer a realidade absoluta – e o vetor (em sentido estrito) kantiano – afirmação dos limites da faculdade humana cognoscente, ou seja, da impossibilidade, da parte do homem, de conhecer a realidade absoluta” (p. 102).

A segunda parte do livro tem como título: “O confronto com Fichte e Schelling (1811/12): do entusiasmo inicial à definitiva aversão”. Trata-se agora de investigar a estadia de Schopenhauer em Berlim, para onde ele se transfere “na esperança de encontrar em Fichte um verdadeiro filósofo e um grande espírito” (p. 102, Cf. GB, p. 261). De fato, Schopenhauer acompanha em Berlim pelo menos três cursos de Fichte entre 1811 e 1812: um curso introdutório chamado “Sobre o estudo da filosofia”, o curso “Sobre os fatos da consciência” e o curso “Sobre a Doutrina-da-Ciência”. É pela transcrição de Schopenhauer que se conhecem tais cursos (HN II, p. 16-216). Como nota Kossler, “pode-se dizer que Schopenhauer, que mais tarde em seus escritos publicados insultou Fichte chamando-o sobretudo de “fanfarrão”, foi um ouvinte extremamente atento e sério, que, no entanto, logo traduzia o que ouvia para o seu pensamento intuitivo, ligando- o a uma ordem de ideias já existente. (…) Não obstante, Schopenhauer assistiu ao curso inteiro e jamais deixou de justificar a ausência de um registro”1. De fato, ainda que rejeite boa parte do que absorve desses cursos fichtianos, o confronto com o autor da Wissenschaftslehre foi de fundamental importância para o desenvolvimento intelectual de Schopenhauer. Novembre se detém principalmente na reflexão de Schopenhauer, a partir das aulas de Fichte, sobre o conhecimento do absoluto, e para isso desempenha papel central a discussão sobre a noção de intuição e o conhecimento para além dos limites da filosofia crítica kantiana. É nesse contexto que a relação entre gênio e loucura, como dois modos de conhecimento fora da circunscrição do saber fenomênico surge no pensamento de Schopenhauer. Novembre não deixa de fazer uma digressão sobre o modo como o pensamento romântico (em Jean Paul e E. T. A Hoffmann) tratou a questão. Ainda mais essencial, porém, é nesse contexto a tematização sobre o conceito de Besonnenheit2. Esse conceito, central para a compreensão da filosofia de Schopenhauer como um todo, surge a partir dos cursos de Fichte. Para este, a Besonnenheit é compreendida como a “consciência superior” constitutiva da filosofia definida como “saber do saber”. É a consciência da consciência, contraposta à mera consciência empírica. Enquanto a consciência comum está voltada para as coisas, a absolute Besonnenheit volta-se para a consciência da consciência das coisas, para o saber, a percepção. De fato, se quase todos os comentários de Schopenhauer sobre o curso de Fichte são críticos, pelo menos um ponto parece encontrar a concordância do jovem filósofo: a existência de um ponto de vista superior ao do senso comum, da consciência empírica. Daí o significado do termo Besonnenheit – que encontrará todo um desenvolvimento em O Mundo como Vontade e Representação.

Paralelamente aos cursos de Fichte, Schopenhauer empreendeu a leitura de diversas obras de Schelling. O interesse por Schelling pode ser explicado por sua admissão da cognoscibilidade da coisa em si, o que estava em conformidade com as lições que Schulze oferecia de sua filosofia. Portanto, foi com grande expectativa que o jovem Arthur se interessou pelos dois filósofos: havia a promessa de uma nova metafísica que, não obstante pretenda estar legitimada diante do criticismo, pudesse resgatar o conhecimento e, de certa forma, contornar o “pesadelo” da crítica kantiana. Em seu intuito de unificar Kant e Platão, Schopenhauer estava em busca justamente dessa nova metafísica. O entusiasmo, porém, cedeu lugar à decepção e, no final das contas, o jovem Schopenhauer considerou fraudulenta a promessa de Fichte e Schelling (o assim chamado “idealismo alemão”): ambos fazem um “uso transcendente do intelecto”, o que torna suas filosofias ilegítimas do ponto de vista do criticismo kantiano (capítulo 6). Nessa parte do trabalho, Novembre reconstrói a crítica de Schopenhauer às filosofias de Fichte e Schelling, prescindindo do sarcasmo e do rancor com que ele quase sempre se exprime, e focalizando, antes, as razões propriamente teóricas de suas críticas. “No fundo, permanece sempre a mesma objeção: o uso transcendente do intelecto” (p. 215). Concepções tais como a de “intuição intelectual” e “absoluto”, fundamentais para Fichte e Schelling (e também para Hegel) são rejeitadas e suas filosofias rebaixadas ao nível da filosofia pré-crítica. Por isso, afirma Schopenhauer, a “doutrina de Schelling deve rejeitar-se pelo mesmo motivo pelo qual deve rejeitar-se a dogmática de Wolff: pelo uso transcendente das categorias e das leis da sensibilidade pura” (HN, II, p. 328, citado por Novembre, p. 210).

A partir da terceira parte do livro, chamada “Uma primeira tentativa de metafísica pós-kantiana: a teoria da ‘consciência melhor’”, Novembre passa a detalhar a concepção própria que Schopenhuaer começa a esboçar em 1812. Essa empresa é desdobrada em dois momentos. Num primeiro (capítulo 7), trata-se de investigar o surgimento de um pensamento autônomo no projeto de um “verdadeiro criticismo” e na figura da “consciência melhor”. Num segundo momento (capítulo 8), são analisados os manuscritos de 1813 em que a teoria da consciência melhor é desenvolvida sistematicamente. Nessa parte da obra, portanto, trata-se de acompanhar, desde suas origens até seu desaparecimento, a teoria de Schopenhauer sobre a “consciência melhor” (besseres Bewußtsein), constitutiva do primeiro esboço de sistema que o jovem filósofo desenvolveu entre 1812 e 1813. Novembre investiga a gênese dessa teoria, rastreia suas origens, visíveis já nas anotações das aulas de Fichte, seu apogeu em certo momento dos escritos juvenis, até seu desaparecimento, por conta do resultado da tensão constitutiva da experiência intelectual do jovem Schopenhauer: a tensão entre a “alma platônica” e a “alma kantiana”. Ao fim desse tensionamento, resultará que a noção de “consciência melhor” não será apta para desenvolver uma metafísica que estivesse à altura de um “verdadeiro e completo criticismo” e nem cumprirá os requisitos especulativos para a “decifração do enigma do mundo” – a noção de “sujeito puro do conhecimento” elaborada a partir de 1814 assumirá o protagonismo e cumprirá aquilo que era visado pela noção juvenil de “consciência melhor”. Com isso, vê-se que, ainda que tenha sido fundamental a reflexão sobre a filosofia de Fichte no período berlinense, a filosofia madura de Schopenhauer se constitui à medida que sua contraposição ao autor da Doutrina-da-Ciência fica mais evidente. O mesmo pode ser dito sobre sua relação com Schelling: se ainda na Dissertação sobre a quadrúplice raiz do princípio de razão suficiente3 de 1813 é possível encontrar traços de Schelling no conceito de “vontade” e de “caráter inteligível”, da mesma forma, a concepção madura de Schopenhauer sobre a “vontade de viver” como “coisa em si” se constitui em seu afastamento da filosofia do autor das Investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana.

Com isso, chegamos à parte quarta e final da obra, chamada “O abandono da teoria da consciência melhor e a origem da metafísica da vontade”. No nono capítulo, Novembre analisa os conceitos de vontade e caráter inteligível na Dissertação de 1813. À luz do que foi visto até aqui, ou seja, após a análise sistemática dos manuscritos de Schopenhauer até 1813, sua visão da filosofia kantiana – bastante influenciada pela leitura cética de Schulze, seu impulso platônico em direção ao conhecimento da “verdade” que ele identifica com o âmbito do “suprassensível”, Novembre interpreta a primeira edição da Dissertação de 1813 como resultante de uma leitura crítica de duas obras seminais do “idealismo alemão”: o System der Sittenlehre de Fichte e o Freihetsschrift4 de Schelling. Com isso, fica mais ainda mais claro o sentido da passagem aludida acima, do jovem Schopenhauer se contrapondo à via seguida pela filosofia do idealismo alemão – sobretudo Fichte e Schelling, cujo conhecimento profundo Schopenhauer desde então já possuía, como a pesquisa historiográfica vem demonstrando há algum tempo,– e amadurecendo seu próprio pensamento rumo ao “sistema” que vem à luz em 1818 com O mundo como vontade e representação.

Concluído esse movimento, Novembre passa então a dedicar sua investigação aos “pródromos da metafísica da vontade”, no décimo capítulo volta-se para os manuscritos de 1814 centralizando sua análise no desenvolvimento da doutrina do caráter inteligível. Em seguinda, no décimo primeiro capítulo, tematiza o estudo do Oupnek´hat e o encontro com a sabedoria indiana. É nesse mesmo contexto que o conceito de uma universal “vontade de viver” é elaborado, o que dará as condições de possibilidade de nascimento do “sistema” na mesma medida em que a teoria da “consciência melhor” é definitivamente abandonada. Com essa reconstrução genética da filosofia de Schopenhauer, o autor encontra-se em condições de fornecer “uma chave explicativa particularmente fecunda” para resolver alguns pontos problemáticos da obra magna do filósofo. À análise desses pontos e ao desenvolvimento dessa chave interpretativa é dedicado o último capítulo do livro, intitulado “Dos manuscritos juvenis a O mundo como vontade e representação”. Com esse último passo, percebe-se que a contribuição oferecida pela obra de Novembre vai além de uma investigação doxográfica sobre as fontes do pensamento de Schopenhauer, sua interpretação de outros filósofos e a aparição de alguns conceitos chaves em seus manuscritos. Tem-se em vista uma reconstrução da filosofia de Schopenhauer que tornaria possível lidar com suas aporias ao menos de modo diverso daquele que muitas vezes aparece na literatura crítica: ao invés de desconsiderar o momento aporético na filosofia de Schopenhauer, ou de enfatizá-lo ao ponto de tornar o sistema contraditório e, portanto, inconsistente, ou ainda esboçar interpretações ou soluções que, por mais engenhosas e refinadas que sejam, se fundam em uma conceitualidade ou numa terminologia estranha ao pensamento de Schopenhauer, o que se propõe é, mesmo reconhecendo a presença e a efetividade do “momento aporético”, “uma explicação conceitual e terminologicamente intrínseca ao pensamento de Schopenhauer, considerado não apenas ‘sincronicamente’, mas em todo o processo de sua evolução” (p. 27). O leitor que acompanhar o percurso de Novembre nessa reconstrução genética da filosofia de Schopenhauer até o fim descobrirá que a chave interpretativa proposta está na doutrina do caráter inteligível: seu papel silenciosamente fundador será destacado na interpretação do momento crucial da metafísica da vontade, a saber, o argumento de analogia e a passagem da vontade como fenômeno à vontade como coisa em si. Não é o caso, nesta breve resenha, de desdobrar os termos do problema e nem mesmo resumir a argumentação de Novembre em favor da centralidade da teoria do caráter inteligível5 na metafísica da vontade de Schopenhauer. Faço questão apenas de indicar esse passo como exemplo das muitas contribuições que essa obra monumental oferece ao estudo da filosofia de Schopenhauer. Embora não se possa dizer do trabalho de Novembre – e nem de nenhum outro – que ele tenha conseguido dar conta de toda a riqueza intrínseca à experiência intelectual de Schopenhauer na elaboração de sua metafísica da vontade (em sua primeira versão), é certo que todo estudioso da gênese de sua filosofia terá que necessariamente se remeter a esse trabalho. Certo é, também que o material presente nos escritos póstumos de Schopenhauer é constituído de uma riqueza inesgotável, o que nos deve manter atentos para as novas edições que estão sendo publicadas agora. Enfim, com sua obra Novembre certamente não disse tudo que era possível dizer sobre o pensamento do jovem Schopenhauer, mas o pesquisador que quiser desbravar esse período da filosofia do autor de O mundo como vontade e representação terá a partir de agora esse estudo precioso no mínimo como incontornável ponto de partida.

Notas

1 Kossler, M. “A única intuição – o único pensamento: Sobre a questão do sistema em Fichte e em Schopenhauer”. Revista Dois Pontos: Curitiba, São Carlos, vol. 4, n. 1, p. 153-173, abril, 2007, p. 158.f

2 Ao traduzir o artigo “Sobre o papel do discernimento [Besonnenheit] na estética de Arthur Schopenhauer de Mathias Kossler (In Debona, Vilmar et al. (Orgs.). Dogmatismo e antidogmatismo: filosofia crítica, vontade e liberdade. Uma homenagem a Maria Lúcia Mello e Oliveira Cacciola. Curitiba: Editora UFPR, 2015, pp. 19-35), optamos por traduzir Besonnenheit por “discernimento”, ao invés de “lucidez” ou “reflexão”, ou mesmo “clarividência” ou “clareza de consciência” tal como essa palavra foi traduzida por Jair Barboza em sua tradução de O mundo como vontade e representação (São Paulo: Unesp, segunda edição, 2015, 2 vols). A tradução por “discernimento” é de fato contestável e hoje eu reveria essa opção. Como me alertou sobretudo o Professor Oswaldo Giacoia Jr, “discernimento” caracteriza sobretudo uma operação do entendimento contrária ao que tenta expressar a Besonnenheit. De qualquer forma, por conta da polissemia dessa palavra e pelo fato de que o próprio Novembre a menciona sempre no original e apresenta uma miríade de traduções possíveis, deixarei a mesma aqui sem tradução.

3 Acaba de ser publicada pela Editora Unicamp a tradução da dissertação de Schopenhauer (a partir da segunda edição de 1847) com o título Sobre a quadrúplice raiz do princípio de razão suficiente – Uma dissertação filosófica. Trad. Oswaldo Giacoia Jr. e Gabriel Valladão Silva.

4 Philosophischen Untersuchungen über das Wesen der menschlichen Freiheit und die damit zusammenhängenden Gegenstände (1809).

5 A interpretação de Novembre se alinha a algumas interpretações recentes que destacam o papel central da teoria do caráter na filosofia de Schopenhauer, como John E. Atwell, Schopenhauer on the Character of the World, The Metaphysics of Will, Berkeley u. a., 1995; e Matthias Kosler, “Die Philosophie Schopenhauers als Erfahrung des Charakters, in: Birnbacher (Hg.): Schopenhauer im Kontext, Deutsch-polnisches SchopenhauerSymposion 2000, Wurzburg, 2002, 91-112.

Flamarion Caldeira Ramos – Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo com estágio na Johannes Gutemberg Universität Mainz. Professor na Universidade Federal do ABC. E-mail: flamarioncr@yahoo.com.br

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[DR]

 

Cultura escrita no mundo moderno / Varia História / 2019

O tema da Cultura Escrita não é novo no mundo das Humanidades. No século XIX, o desenvolvimento das tecnologias mecânicas aumentou o interesse sobre as práticas manuais da escrita e movimentou a produção editorial com pesquisas que ressignificaram os manuscritos iluminados do medievo ocidental.[1] No entanto, se durante muitas décadas os estudos sobre os textos escritos se firmaram nas técnicas aplicadas para a escrita, já há algum tempo antigas disciplinas como a Paleografia e a Diplomática se renovaram e incluíram em suas preocupações as relações entre produtos, produtores e consumidores e entre tempos e espaços (Petrucci, 1999). Por outro lado, a revalorização dos aspectos materiais da escrita levou os pesquisadores de diversos campos a desenvolver diálogos interdisciplinares, cruzando saberes, métodos e tecnologias para resolver diversos aspectos da curiosidade científica. De qualquer forma, as principais questões tratadas no campo da cultura escrita não podem se esquivar de considerar que o mental somente pode se expressar a partir do material (Almada, 2018).

O dossiê Cultura Escrita no Mundo Moderno abriga temas ligados à produção escrita ocidental moderna, abordando os discursos, as práticas, as representações e os processos de produção, circulação, uso e preservação, incluindo os aspectos técnicos e materiais que revelam as relações sociais e os agentes envolvidos nesta produção. Os artigos apresentam pesquisas dos campos da História, da Literatura e da Bibliografia Material e privilegiam os impressos e manuscritos como tecnologias de propagação de ideias e conhecimentos no tempo e no espaço. Entendemos como era moderna o período compreendido entre o desenvolvimento da tecnologia da imprensa por tipos móveis e a consolidação das mudanças nas relações com o escrito que possibilitaram a propagação de outras formas de produção – ou seja, entre meados do século XV até fins do século XVIII. Este longo período inclui muitas fases do desenvolvimento tecnológico, científico, social e econômico, o que torna a investigação sobre as formas de comunicação extremamente desafiadoras.

Reunimos, neste dossiê, resultados de pesquisas recentes no campo da Cultura Escrita. Foram convidados pesquisadores dos dois lados do Atlântico que estão na linha de frente na proposição de novos caminhos e olhares sobre as formas da escrita na era moderna. Dispomos os trabalhos apresentados em dois grupos: o das escritas e o dos escritos, ou seja, o dos processos de produção escrita e o dos resultados deste processo, inspiração surgida a partir da leitura do artigo de Fernando Bouza.

O artigo de Roger Chartier, Mobilidade de textos e diversidade de línguas. Traduzir nos séculos XVI e XVII, abre o grupo dos escritos tratando do tema da tradução e explorando os motivos pelos quais este tópico se tornou uma preocupação compartilhada pela história literária, pela crítica textual, pela sociologia cultural e pela história global. A resposta que o autor propõe se firma em três aspectos. O primeiro é o histórico e se refere a uma primeira “profissionalização” da escrita nos séculos XVI e XVII através dos trabalhos de tradução que, mesmo sendo vista como uma atividade mecânica, viabilizou a sobrevivência de muitos escritores. O segundo é metodológico e localiza os estudos da tradução como elemento essencial da chamada “geografia literária”, que opera seguindo a cronologia e a cartografia das traduções de uma mesma obra. A geografia das traduções, porém, não é a cartografia dinâmica de uma entidade textual estável e deve levar em conta as várias mutações que transformam a obra com o acréscimo de novos textos. Deve também adentrar a perspectiva das “histórias conectadas”, que são aquelas dos tradutores, não apenas de idiomas, mas também de culturas. Desta forma, o estudo das traduções propõe uma abordagem em menor escala dessas histórias textuais interatlânticas conectadas, concentrando-se nos múltiplos significados do mesmo texto.

O terceiro aspecto do interesse dos pesquisadores pela tradução, para Chartier, é linguístico-estética e enfatiza o intraduzível (ou os textos e autores considerados como tais). Seu artigo propõe três estudos de caso que podem identificar três escalas nas pesquisas sobre o tema e três modalidades da transformação do significado dos textos quando migram de uma língua para outra, seja em função da dificuldade de traduzir certas palavras, seja na influência do contexto de recepção. Enfim, a tradução é aqui pensada como uma prática que deve tornar a alteridade compreensível e fazer do outro um semelhante.

Littérature de l’expérience au XVIIe siècle é o segundo artigo do dossiê, no qual Christian Jouhaud, em um tom bastante pessoal, trata da questão da “literatura de experiência” a partir de um manuscrito deixado por um cavalheiro, um valet de chambre de Luís XIV, chamado Marie Du Bois, que viveu de 1601 a 1679. O texto parece se situar na categoria historiográfica de “escritos do foro íntimo”, mas Jouhaud questiona o anacronismo dessa definição e a própria distinção entre escritos de “pessoas comuns” e de “escritores”, em um momento no qual a noção de literatura apenas começa a existir como potência de simbolização do mundo. O texto deixado por Marie Du Bois, ao resistir a todas as classificações, convida a enfrentar a questão da historicidade da prática da escrita que permitiu sua existência, antes de qualquer extrapolação concernente a uma “cosmovisão” ou a uma “sensibilidade” ou mesmo a um pensamento ou a representações.

Jouhaud convida a fazer uma reflexão mais ampla sobre a relação entre o ato de escritura de Marie Du Bois e o impacto da sua forma narrativa sobre um leitor-historiador que o recebe como narrativa de uma presença em um passado, o qual é seu campo de estudo. O autor aborda, de forma original, a narrativa do cotidiano na perspectiva de sua transmissão em tempos distintos: o tempo do escrito e o tempo do historiador contemporâneo, sem descuidar da preocupação com o processo da escrita, o correr da pena, a organização das folhas e a unidade material final do relato, que deixam transparecer a pessoalidade de quem escreve e a realidade sobre a qual se escreve. Como reflete Jouhaud, essa produção do passado por uma sucessão de narrativas exerce sobre nós efeitos que não são idênticos àqueles percebidos por seus primeiros receptores.

Em outra perspectiva dos escritos, o artigo de Guillermo Wilde e Fabián R. Vega intitulado De la indiferencia entre lo temporal y lo eterno. Élites indígenas, cultura textual y memoria en lasfronteras de América del Sur nos introduz o tema da cultura textual das missões jesuítas a partir da curiosidade despertada por um pequeno papel dobrado contendo um texto de caráter religioso escrito em três idiomas: o latim, o castelhano e o guarani. E é a partir deste pedaço de papel que os autores partem para a compreensão das complexas relações entre os missioneiros e as elites indígenas, revelando a fascinante miscigenação entre valores de duas culturas, uma estruturada pela escrita e outra pela oralidade. Wilde e Vega nos informam que a expansão das missões, inicialmente fundadas pelos jesuítas na região de Guayrá (atual Estado do Paraná, Brasil) por volta de 1609, levou à reestruturação do espaço das populações e ao rápido desaparecimento de outras línguas faladas na região e de numerosas variantes dialetais da língua Guarani, impondo-se uma “língua geral”.

Através da unificação da língua indígena propiciou-se a uniformização do projeto doutrinário com uma ampla produção textual deliberadamente orientada para reunir o espiritual e o temporal, como parte de um programa mais amplo de reforma dos costumes e padronização da subjetividade cristã. Segundo os autores, as produções textuais estimularam a hibridação de gêneros textuais que promoviam, num plano individual, um modelo de subjetividade com base na virtude cívica e na devoção cristã e, no plano sociológico, uma memória coletiva fundada nos marcos da expansão territorial, ordenados em uma narrativa cronológica e mitológica. Neste sentido, através de diversos exemplos de produção textual impressa e manuscrita, os autores apresentam a conjunção do espiritual e do temporal, conduzida pelas missões, como estrutura de conformação dos indivíduos indígenas à conduta do cristão civilizado.

Introduzimos o grupo dos processos de produção, circulação e guarda dos escritos, com o artigo de Fernando Bouza, autor que costuma prender a atenção dos seus leitores já nas primeiras linhas. Em Escribir a corazón aberto: emoción, intención y expressión del ánimo em la escritura de los siglos XVI y XVII o historiador, desde o início, nos conecta com naturalidade às preocupações de Mário de Andrade e Lope de Vega sobre a produção de correspondências. Esta união de tempos históricos tão distintos é continuada com a apresentação de preciosos dados sobre a escrita de cartas em diversas épocas, oferecendo ao leitor a oportunidade de traçar conexões com seus próprios objetos de interesse.

No tema da epistolografia, o argumento principal do autor é o de que, nos séculos XVI e XVII, a materialidade da escrita revela as estruturas das regras de conduta cortesãs e, nestas, os aspectos corporais não podem ser desdenhados. Cartas hológrafas ou autógrafas, por exemplo, evidenciam diferentes níveis de pessoalidade na relação do remetente e do destinatário. Bouza extrapola a questão da gestualidade e apresenta uma fisiologia mais particular, que associa o coração, a mão e a pena, sendo a escrita anímica capaz de revelar o pensamento mais íntimo de quem escreve.

Este foi o argumento usado por Sigismondo Arquer, célebre réu da Inquisição espanhola, doutor em Direito e em Teologia, para defender-se da acusação de heresia, feita pelo Santo Ofício em 1563, em função de supostas proposições luteranas encontradas em suas correspondências. Segundo Arquer, usando o argumento da “escrita de coração aberto”, suas palavras nunca poderiam defender o protestantismo, pois haviam partido de uma alma católica. O réu baseou-se na tradição bíblica que distinguia a escrita Intus, que usava o coração como instrumento, da escrita Extra, que necessitava apenas da pena e da mão.

Se o coração pode ser um dos instrumentos da escrita, a troca de informações deve ser um de seus motores. A produção, consumo e colecionismo de notícias na Alta Idade Moderna, com destaque para a experiência ibérica, é o tema de Escritos breves para circular: relações, notícias e avisos durante a Alta Idade Moderna (sécs. XV-XVII), artigo de Ana Paula Megiani. A autora nos apresenta um panorama complexo das diversas formas de circulação das notícias, que não só estruturavam os novos sistemas de governança, mas também saciavam a “curiosidade em se saber o que passa fora de casa”. Trata-se das relações de sucessos, avisos, arbítrios, e notícias, modalidades que mantêm sua especificidade mas que não podem ser classificadas de maneira estanque devido ao fato de não se tratarem de um gênero de escrita. Assim, qualquer pessoa que tivesse presenciado um acontecimento poderia se tornar um agente propagador de notícias, gerando um sem número de relatos, inclusive com diferentes desfechos. No entanto, cabe notar que, para além da efemeridade da notícia e da própria configuração material deste tipo de escrita, feita em pequenos pedaços de papel ou anexada a cartas ou cadernos, havia a possibilidade da sua sobrevivência graças à iniciativa de determinados sujeitos que se propuseram a organizar e a colecionar notícias.

Para estudar este assunto, Megiani tem se debruçado no conjunto formado pelo português Jerônimo Mascarenhas que, antes de assumir o Bispado de Segóvia, em 1667, esteve diretamente envolvido com a Casa Real espanhola, mantendo alguma proximidade com o monarca. Mascarenhas tornou-se um cronista régio de intensa atividade e igualmente um colecionador de relações de sucessos que compunha com originais ou cópias de cartas, relatos, documentos antigos e oficiais, entre outros papéis que reuniu, junto a escritos de sua autoria, em volumes organizados cronologicamente, entre os anos de 1558 e 1666. Este material saciou a curiosidade dos coetâneos e hoje serve ao historiador interessado na recepção dos fatos à época dos acontecimentos. Mas para cumprir esta função, como ressalta a autora, esse acervo deve ser tratado nas perspectivas das práticas escriturárias e de colecionismo, que é uma das chaves para o entendimento dos usos dos escritos em diferentes temporalidades.

Fechando este dossiê, e selando a perspectiva interdisciplinar dos estudos, somos presenteados com Primeros vagidos de tipografia y biblioiconografía mexicana del siglo XVI, de Guadalupe Rodriguez. Pertencendo à área de Filologia Hispânica, a autora nos instiga com um artigo no qual faz uso dos métodos da Bibliografia Material para revalorizar o período de instalação e expansão da imprensa no México, a partir de 1539. Sua abordagem dá protagonismo aos editores / tipógrafos, profissionais que enfrentaram uma diversidade de problemas para realizar o seu trabalho e sanar a carência de insumos como papel, tinta, prensas, tipos, adornos e xilogravuras. A partir de breve revisão bibliográfica acerca das prototipografias mexicanas, Rodriguez expõe a vulnerabilidade de pesquisas anteriores que, embora tenham conseguido determinar, em boa perspectiva, o estoque de materiais e equipamentos das diversas tipografias, não puderam estabelecer relações entre as suas demandas devido à falta de estudos sistemáticos e análises comparativas dos acervos materiais de cada casa tipográfica.

Para sanar esta carência, Rodriguez se dispõe a realizar esta empreitada tendo como base o novo repertório da tipobibliografia mexicana do século XVI, desenvolvido sob sua coordenação. Com este material, reflete sobre as redes de sociabilidade desenvolvidas entre os quatro primeiros tipógrafos mexicanos (atuantes entre 1539 e 1593) e esclarece sobre os mecanismos de transferência (venda, aluguel ou empréstimo) e reutilização de insumos tipográficos entre familiares e profissionais. O artigo revela a habilidade da autora em manipular as fontes visuais e materiais dos acervos bibliotipográficos e em traçar a biografia dos insumos e das matrizes imagéticas em busca do entendimento das relações sociais envolvidas na sua utilização. Ao expor com clareza e generosidade os procedimentos metodológicos adotados, sua contribuição se torna ainda mais valiosa para os estudiosos da história da tipografia.

Agradecemos a dedicação dos autores e das autoras na construção de seus artigos tão originais e instigantes e esperamos que este dossiê possa contribuir para o aprofundamento dos estudos sobre Cultura Escrita no Mundo Moderno. Desejamos que os diálogos travados a partir destes excelentes textos sejam profícuos e tragam bons ventos para a área, gerando novas perspectivas de abordagem a temas imprescindíveis em tempos de profundas mudanças das relações sociais promovidas por nova mutação das práticas de comunicação escrita.

Nota

  1. CURMER, Léon (Ed.). Le livre d´Heures de la reine Anne de Bretagne traduit du latin et accompagné de notices inédites par M. lÁbbé Delaunay. Paris: Léon Curmer, 1841; CURMER, Léon (Ed.) Les evangiles des dimanches et fetes de lánne. Suivis de prières à la Saint Vierge er aux Saints. Paris, Léon Curmer, 1864.

Referências

ALMADA, Márcia. Cultura material da escrita ou o texto como artefato. In: CONCEIÇÃO, Adriana Angelita da; MEIRELLES, Juliana Gesuelli (Orgs). Cultura Escrita em Debate: Reflexões sobre o Império português na América, séculos XVI ao XIX. Jundiaí: Paco Editorial, 2018. p.19-42. [ Links ]

PETRUCCI, Armando. Alfabetismo, escritura, sociedad. Barcelona: Gedisa Editorial, 1999. [ Links ]

Guiomar de Grammont – Instituto de Filosofia Artes e Cultura Universidade Federal de Ouro Preto. E-mail: letras.ouro@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0001-8170-3258

Márcia Almada – Escola de Belas Artes Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: marcia.almada@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0002-9046-9229


GRAMMONT, Guiomar de; ALMADA, Márcia. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.35, n.68, mai. / ago., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Machado de Assis: permanências – GUIMARÃES; SENNA (MAEL)

GUIMARÃES, Hélio de Seixas; SENNA, Marta de. Machado de Assis: permanências. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7Letras, 2018. 324 pp. Resenha de: SALOMÃO NETTO, Sônia. Machado Assis Linha v.12 n.27 São Paulo May/Aug. 2019  Epub July 29, 2019.

Machado de Assis: permanências é uma abrangente coletânea de dezessete ensaios, organizada por Hélio de Seixas Guimarães e Marta de Senna, estudiosos machadianos e promotores de algumas importantes iniciativas, como a revista eletrônica Machado de Assis em linha, da qual são editores, e Machado de Assis em hipertexto, com o patrocínio da Casa de Rui Barbosa.

É impossível, no espaço de uma resenha, comentar tal número de trabalhos especializados com a profundidade que merecem. Vamos buscar, por isso, ressaltar algumas linhas que sobressaem no todo, evitando a mera descrição dos estudos. Como sugere o título, a coletânea trabalha com a ideia da “permanência”, atualizando os dois sentidos principais do termo: o de legado ou transmissão e o de presença ou continuidade no que se refere à obra machadiana.

No eixo do legado as abordagens enfatizam o tema da memória: da fruição à incorporação do cânone literário até a ressonância, conforme nos indica Paul Dixon (2018, p. 239) a partir de uma análise do narrador problemático em Machado e Wood Allen, o qual precisa o conceito de permanência: “It’s not that it influenced me; it resonated with me”. No diapasão memorialístico do legado, portanto, Ana Maria Machado – leitora e escritora – vai se encarregar de mostrar-nos como caiu “na copa do chapéu de um homem que passava”, eficaz início machadiano de um conto despretensiosamente denominado “História comum”, de 1883, utilizado com efeito duplo no artigo que comentamos. Os fios da intertextualidade, ou da memória literária, entrelaçam-se com muitas outras obras pertencentes a uma tão variada quanto harmônica linhagem da qual nos interessa pinçar a relação de Capitu com a Emília de Monteiro Lobato ou com a “mulher do tenente francês”, de John Fowles, para chegarmos a A audácia desta mulher ou a Infâmia, mas também a muitos dos personagens femininos corajosos da literatura de Ana Maria Machado para leitores mirins.

Já Alfredo Bosi, em “Augusto Meyer: crítica machadiana e memória”, contextualiza o discurso do crítico gaúcho, revisitando um dos mais agudos intérpretes da máscara machadiana transposta a seus personagens. Vai buscar, desse modo, o homem do subterrâneo no próprio processo memorialístico do grande crítico para comentar a diferença da fruição da memória da infância – lírica em Meyer – e praticamente ausente em Machado de Assis, autor guiado por uma “lucidez extrema” que Augusto Meyer, com suma penetração e perspicácia, revela como uma das molas do niilismo machadiano. Para Bosi, a distância existencial entre os dois escritores propiciou a fecunda leitura crítica.

Até aqui o legado é fruição e ressonância. Em Hélder Macedo ele será um pouco mais, já que programaticamente trabalhado como cânone, como ilustra a análise de Cristina Cerdeira sobre Pedro e Paula, em que a gêmea, agora uma mulher, consegue ter voz própria para escolher o seu destino e narrar a sua história, ao contrário não só de Capitu, mas também da Flora amada por ambos os gêmeos de Esaú e Jacó. As “cousas futuras” vão se realizar numa outra perspectiva histórica, num outro contexto que, inclusive, joga luz sobre a passagem da Monarquia para a República, no Brasil, bem exemplificada pelo falso dilema da tabuleta do Custódio e da impossibilidade de escolha dos gêmeos entre os partidos liberal e conservador.

Lúcia Helena, em “‘Somente a antropofagia nos une’: Machado de Assis e Oswald de Andrade. Uma lição levada adiante”, apresentará uma síntese dos diversos mecanismos da narrativa machadiana a partir do tema da ruína e da corrosão, principalmente, chamando a atenção para o fato de que estamos relendo esta obra no âmbito do capitalismo globalizado em que se delineiam as questões das fronteiras, dos limites e das passagens. Oswald de Andrade, talvez com menor densidade reflexiva, seguiu o mestre na denúncia etnocêntrica, criando a riquíssima metáfora antropofágica que, como eu também penso, o ruminador Machado já havia preparado no final do século precedente.

Hélio de Seixas Guimarães e Pedro Meira Monteiro problematizam a presença machadiana a partir de leituras pontuais do debate modernista. Guimarães, no seu “Presença inquietante: sobre a incorporação de Machado de Assis ao cânone literário brasileiro (1908-1958)”, reconstrói o percurso da absorção da herança machadiana – do encômio fúnebre, realizado na Academia Brasileira de Letras por Rui Barbosa, às primeiras comemorações acadêmicas, logo a seguir, por conta de Euclides da Cunha e Olavo Bilac -, aprofundando um dos temas principais do debate na correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: a controvérsia sobre o conceito de tradição na literatura brasileira. Guimarães indica as ambiguidades de Mário – com o seu Machado mais para “admirar” do que para “amar” – e a evolução de Drummond, considerado o principal herdeiro do legado machadiano. De fato, poderíamos dizer que só o filho que refaz a viagem do pai, como Telêmaco na Odisseia, é digno da sua herança. Já Meira Monteiro, no mesmo diapasão, – “Machado de Assis: uma flor desajeitada no jardim modernista”  lembra a questão das “raízes do Brasil”, na cabeça da geração de 1930, cujo ímpeto construtivo buscava abandonar o passado em prol de um futuro vigorosamente forjado. O que fazer, então com esta “flor de estufa” que era Machado de Assis? Afinal, nas palavras de Mário de Andrade, ele “não profetizou nada, não combateu nada, não ultrapassou nenhum limite infecundo”. Seguindo, desta vez, a evolução do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda, Meira Monteiro sublinha como Machado passa da imagem de um escritor isolado, diverso, uma “estátua incômoda”, ao de esfinge. Mas aqui eu perguntaria: podemos considerar verdadeira a ideia de um Machado estático, híbrido e mero contemplador da realidade presente, como avaliavam os modernistas da primeira hora? O estudo de Meira Monteiro nos auxilia nesta resposta.

Outros dois artigos que realizam importantes mergulhos na correspondência e, portanto, na memória “privada” de uma época, são o de Marisa Lajolo (“Monteiro Lobato: assíduo, dedicado e amoroso leitor de Machado de Assis”) e o de Sandra Guardini Vasconcelos (“Rosa, leitor de Machado”). Marisa Lajolo revela o percurso de Monteiro Lobato ao longo das avaliações machadianas, principalmente em cartas a Godofredo Rangel, seu fiel amigo. O estusiasmo com a filiação machadiana dos autores publicados pelo Lobato editor se estende a Leo Vaz (O professor Jeremias, 1920) e ao próprio Godofredo Rangel (Vida ociosa, 1917). Como revela a autora, no ano da comemoração do centenário de nascimento de Machado, 1939, Monteiro Lobato é convidado a escrever sobre o escritor carioca no jornal argentino La Prensa. O artigo ressalta a origem humilde, afro-brasileira, e uma certa “predestinação” que se tempera pelo esforço pessoal e pelo autodidatismo. Mas os comentários lobatianos também revelam o cuidado com a institucionalização literária, marco que iguala os dois autores, grandes profissionais da escrita, através de jornais, do teatro, da tradução. Machado cria a Academia Brasileira de Letras; Lobato compra a Revista do Brasil e a seguir funda a Companhia Editora Nacional. Quanto ao estudo de Sandra Guardini, temos a confirmação do trabalho de bastidores que o autor de Grande sertão: veredas realizava em sua própria obra e que já conhecíamos da correspondência com os seus tradutores. A estratégia se estende agora ao exame realizado sobre as obras dos grandes autores que o precederam. Analisando o Fundo João Guimarães Rosa do arquivo do IEB-USP, Guardini nos revela que Rosa, por exemplo, estava forjando o seu estilo, a sua língua, o seu projeto, anotando tudo o que poderia servir-lhe. No Diário de Hamburgo, escrito pelo então jovem diplomata, Machado de Assis parece ser o modelo a ser desenhado, desafiado e superado. Curiosa é a análise aparentemente apressada da obra machadiana que surge numa espécie de “lista” a ser estudada.

A outra importante presença machadiana está no teatro, ao qual Machado se dedicou durante muitos anos como dramaturgo e crítico teatral, além de ter escrito óperas e ter seguido o rico movimento operístico do seu tempo. Na verdade, o teatro está presente na sua poética e integra o seu cânone estilístico. No entanto, essa parte de sua obra foi por muito tempo relegada a produção menor. João Roberto Faria (Machado de Assis encenado por Ziembinski e Ruggero Jacobbi) recupera a história desse juízo crítico negativo, que tem como origem a opinião do amigo Quintino Bocaiuva em carta a Machado. Faria centra-se na encenação de Lição de botânica – realizada por Ruggero Jacobbi em São Paulo, em 1954, e a seguir no Rio de Janeiro, em 1956 – e na de O protocolo, em 1958, com direção de Ziembinski, no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro, recolhendo a crítica positiva e mais articulada em torno dessas duas montagens. No âmbito da modernização do teatro brasileiro, os dramaturgos e cenógrafos estrangeiros – italianos na sua maior parte -, homens de teatro que eram, souberam apreciar o estilo enxuto de Machado e a sua filosofia teatral inspirada em Musset. Nesta perspectiva, Machado é considerado por especialistas, inclusive pelos críticos brasileiros Gilda de Mello e Souza, Décio de Almeida Prado e Bárbara Heliodora, entre outros, que não comparam as suas peças com os romances. Cabe acrescentar, à longa lista de preciosas citações que nos traz Faria, a apreciação consagradora que Ruggero Jacobbi (1961, p. 74-76) nos deixa no seu Teatro in Brasile sobre Machado.

A busca da permanência machadiana será realizada também através de um trabalho comparativo, em que Marta de Senna (“Dom Casmurro e São Bernardo: vozes na solidão”) aprofunda as semelhanças entre os dois romances segundo a situação do narrador memorialista que escreve a partir da própria ruína e solidão. Os narradores realizam, segundo a autora, uma “tentativa de entender, ao narrar, aquilo que não conseguiram compreender ao viver” (SENNA, 2018, p. 228). Simultaneamente, tratando-se do específico terreno memorialístico, em que a realidade do acontecido se mistura com a subjetividade do vivenciado, podem escolher, ainda por cima, o que e como narrar. Não resta dúvida de que a memória é mais psicossocial em Machado e mais tragicamente sociológica em Graciliano. De qualquer modo, e esta parece ser a conclusão de Marta de Senna, tanto Capitu quanto Madalena eram luvas muito finas para as mãos desajeitadas de Bentinho e Paulo Honório.

Nesta linha comparativa coloca-se também o estudo de Lúcia Granja. No seu caso, trata-se de uma investigação dos mecanismos de poder nas relações interpessoais e, mais especificamente, do processo de silenciamento feminino em Dom Casmurro e em Um copo de cólera, de Raduan Nassar, a partir da relação erótico-amorosa. Naturalmente, esses mecanismos são reveladores de um contexto histórico-social específico que a autora não deixa de indicar na sua análise. Em relação aos mecanismos de representação e às pulsões que se expressam através de uma forma narrativa específica, os trabalhos de Bluma Waddington Vilar (“O caloteiro e o cobrador ou como deixar de pagar segundo Machado de Assis e Rubem Fonseca”) e de Marcelo Diego (“Machado e Nelson, matrizes da perversão”) podem ser associados ao de Lúcia Granja e aos demais artigos que se inscrevem na linha comparativa. Assim, a relação entre moral e dívida, através da obra de Machado de Assis e de Rubem Fonseca, ganham espaço e jogam luz recíproca sobre o problema da dívida social. Tema, aliás, de grande interesse no mundo globalizado de hoje, cujas franjas de algodão da pobreza apresentam uma conta muito alta a ser paga – fome e miséria, imigração desordenada, guerrilhas e terrorismo – em relação ao manto de veludo do progresso e da acumulação de capital. Nesse sentido, o grande moralista e o estupendo investigador das causas secretas que foi Machado de Assis se coaduna com outro grande inquiridor ou delegado das causas perdidas, dos crimes e da marginalidade urbana que é Rubem Fonseca no seu conto-paradigma: “O cobrador”.

Já Marcelo Diego, partindo do tema da perversão, investiga em Nelson Rodrigues as raízes submersas na obra do Bruxo do Cosme Velho; principalmente em contos como “A causa secreta”, “Singular ocorrência”, “O enfermeiro”, “O caso da vara”, “Conto alexandrino” e “Pai contra mãe”. O universo micropolítico de Nelson Rodrigues, concentrando-se na família, por sua vez, descreve os mecanismos macropolíticos da sociedade brasileira das décadas de 1950-1960, numa implosão de culpa, mutilação, crime ou suicídio. Ambos os autores souberam captar as dinâmicas intestinas de uma cidade, o Rio de Janeiro, a partir das nuances, das falhas e das usuras que escondem o bas fond de uma cidade. Na obra de Machado de Assis aparecem, como bem indica o autor, na casinha de Dona Plácida na Gamboa, ou na rótula de Genoveva no conto “Noite de almirante”. Mas há muitas outras, como a loja de Marcela, corroída pelas bexigas, em plena rua dos Ourives, no Memórias póstumas. Poderíamos aqui chamar em causa também o tema do grotesco na literatura brasileira urbana.

Outra contribuição do volume é a de Regina Zilberman. Na linha comparatista que estamos indicando, seu texto apresenta sugestiva possibilidade de leitura, a partir da ideia de “plágio antecipado” de Pierre Bayard. Através de um articulado percurso que envolve A mulher que escreveu a Bíblia, de Moacyr Scliar, e Memórias póstumas de Brás Cubas, a autora mostra como ambos os romances lidam com a tradição e o próprio modo de narrar. Se o modelo bíblico nutriu as Memórias póstumas, este joga luz sobre a narrativa de Scliar, e ambos discutem literariamente o problema da autoria, através de uma hipótese do crítico norte-americano Harold Bloom de que uma mulher teria sido a autora da primeira versão da Bíblia, escrita no século X a.C..

Na mesma linha, ainda, o trabalho de Ieda Lebensztayn, desta vez sobre um herdeiro falido: Léo Vaz (O professor Jeremias), ao qual Monteiro Lobato vaticinara um lugar futuro na literatura brasileira. Curiosamente, o próprio Machado que o sufocou – com a peja da imitação – o está trazendo à tona, no âmbito de uma necessária revisão crítica de estereótipos tantas vezes repetidos e que o trabalho de Ieda Lebensztayn vem resgatar e contextualizar.

Que homenagem maior poderia ser dedicada ao legado machadiano, no seu duplo sentido de transmissão e permanência, senão a experiência da reescrita de “Missa do galo” (Missa do galo – variações sobre o mesmo tema, 1977) por um grupo de peso capitaneado por Osman Lins? Juracy Assman Saraiva, no seu “Leitores nas margens de ‘Missa do Galo'”, repercorre as várias versões que, em última análise, são fruto de leituras provocadas por um conto voluntariamente ambíguo como os olhos de Capitu.

Como balanço final, a coletânea cumpre o seu objetivo, mobilizando um grupo composto por variadas formações críticas e profissionais. Todos nós, e aqui me incluo, lidamos com um autor que, para formar o seu próprio cânone, não poupou esforços nem leituras (SALOMÃO, 2016). Um autor que construiu e fecundou mais do que os modernistas da primeira hora pudessem admitir e que, como pensava de Garrett, “só por si valia uma literatura” (ASSIS, 1979, p. 931).

Referências

ASSIS, Machado de. Obras completas. Organização de A. Coutinho. Rio de Janeiro: José Aguilar Editora, 1979. v. 3. [ Links ]

DIXON, Paul. Machado de Assis, Wood Allen e o narrador problemático. In: GUIMARÃES, Hélio de Seixas; SENNA, Marta de (Orgs.). Machado de Assis: permanências. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7Letras, 2018. p. 238-252. [ Links ]

JACOBBI, Ruggero. Teatro in Brasile. Bolonha: Cappelli Editore, 1961. [ Links ]

SALOMÃO, Sonia Netto. Machado de Assis e o cânone ocidental: itinerários de leitura. Rio de Janeiro: EdUerj, 2016. [ Links ]

SENNA, Marta de. Dom Casmurro e São Bernardo: vozes na solidão. In: GUIMARÃES, Hélio de Seixas; SENNA, Marta de (Orgs.). Machado de Assis: permanências. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7Letras , 2018. p. 225-237. [ Links ]

Sonia Salomão Netto – É ex-professora da UFRJ e da UERJ, ensina atualmente na Sapienza, Universidade de Roma, e já publicou diversos ensaios e estudos sobre a história da língua portuguesa, entre os quais, os volumes Da palavra ao texto, estudos de linguística, filologia, literatura (Viterbo, Sette Città, 2007, com reedições) e A língua portuguesa nos seus percursos multiculturais (Roma, Nuova Cultura, 2012). Além disso, coordenou a tradução de Quincas Borba, de Machado de Assis (Viterbo, Sette Città, 2009), e integra o conselho editorial da Coleção Brasil-Itália, da Editora da UERJ. http://orcid.org/0000-0002-2929-6701. E-mail: sonia.nettosalomao@uniroma1.it

Historiadores pela Democracia – O golpe de 2016: a força do passado | T. Bessone, B. G. Mamigonian e H. Mattos

RC Destaque post 2 11 Golpe de 2016

“A humanidade caminha Atropelando os sinais A história vai repetindo Os erros que o homem traz O mundo segue girando Carente de amor e paz Se cada cabeça é um mundo Cada um é muito mais”.

(Lenine, 2010) Dois mil e dezesseis. Ano marcado por muitas disputas narrativas acerca dos eventos históricos que ganharam relevo nos cenários brasileiro e mundial. Esses eventos se difundiram pela política, pela economia, pela educação, pela cultura; puseram em destaque as tensões que envolvem os três Poderes da República, que se tornaram o epicentro das disputas; expuseram as fragilidades institucionais e de conduta de vários segmentos de nossa sociedade; suas ressonâncias reverberaram no cotidiano de cada um de nós. Fantasmas de diferentes tempos evidenciam sua fertilidade e passam a amedrontar o presente; traumas e lacerações de nossa história irrompem novamente e insistem em doer. A história – ah, a história! Mais uma vez passa a ser responsabilizada pela instabilidade humana! Mas ela própria sabe-se fruto dessa ação e, como tal, traz consigo o germe da luta entre o instável e o perene; entre as tradições e o novo; entre o provisório e o eterno. Isso, por si só, a absolve de qualquer peso que a sobrecarregue.

Essa efervescência, contudo, traduz a inquietude gerada pela onda reacionária que insiste em se alastrar pelo nosso país e pelo planeta. Essa guinada retrógrada parece querer varrer nossa lucidez! A intolerância manifesta-se em diferentes territórios e sob variadas formas. Diferentes posições; variadas narrativas para descrever um enredo de tensões, para traduzir as fraturas na maneira de perceber a história recente. Afinal, a diversidade dos testemunhos acerca da história é quase infinita. Mas há elementos na história que se subvertem contra qualquer amarra ou controle que pretenda direcioná-la para uma interpretação que ameace contradizê-la em sua incontingência. Racionalidade e irracionalidade flertam entre si; ora enamoram-se, ora dilaceram-se em explícito combate. Leia Mais

Fronteiras da Universidade Contemporânea: interpelando políticas e práticas em contextos emergentes | Educar em Revista | 2019

O dossiê reúne artigos decorrentes de pesquisas que abordam políticas e práticas protagonizadas por universidades do Brasil e outros países para responder às demandas contemporâneas que estão a exigir mudanças epistemológicas, pedagógicas e culturais na vida acadêmica.

A proposta potencializa o diálogo de autores que desvelam realidades da academia e as novas fronteiras da universidade contemporânea, ainda pouco compreendidas em seus limites e possibilidades. Para tal, interpelam políticas e práticas que estão a ocorrer em contextos emergentes às novas realidades da educação superior nos diferentes países e na perspectiva da universidade latino-americana. Leia Mais

Teoria, escrita e ensino da história: além ou aquém do eurocentrismo? / Revista Transversos / 2019

O eurocentrismo é, possivelmente, a variante mais forte do etnocentrismo presente nos debates entre historiadores das últimas décadas. Há um complexo jogo teórico que une e divide opiniões de historiadores, arqueólogos, antropólogos e cientistas de outras áreas do conhecimento humano e social aplicado acerca da dimensão e profundidade dos efeitos da modernidade no pensamento social e, em especial, na produção da História. Não seria sequer possível dar conta de tantas nuances em tão pouco espaço sem correr o risco indesejável de transformar esse curto ensaio introdutório numa longa lista onomástica de referências bibliográficas de pouca profundidade. Por isso mesmo, opta-se por uma apresentação bastante seletiva, que busca indicar tão somente alguns contornos dessa problemática.

A crítica ao etnocentrismo já possuiu uma longa trajetória sobre a qual não nos furtaremos a pincelar determinados traços. Um trabalho de caráter mais geral, mas que obteve profunda penetração acadêmica, foi apresentado pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss por ocasião de um pedido da ONU em 1952, cujo objetivo principal era discutir o problema do racismo. O etnocentrismo é uma espécie de repulsa, cuja origem é o estranhamento cultural, a incapacidade de relativizar as diferenças culturais, comparando-as em um sentido evolucionista in totum. Desta premissa, pessoas selvagens, bárbaras serão sempre “os outros” em contraposição aos humanos, aos civilizados. Essa postura adversa às outras culturas pode engendrar toda sorte de práticas discriminatórias, e, em suas variantes, o próprio racismo (LÉVI-STRAUSS, 1961).

Ao mesmo tempo, o que tem sido sistematicamente colocado de forma ainda mais contundente e crítica a modernidade do que o caminho proposto por Lévi-Strauss, seja o etnocentrismo (compreender o mundo a partir de uma expressão particular do que é ser tornando ela um universal) ou eurocentrismo (localizar no continente europeu parâmetros para a compreensão da História e dos homens), o que se opera é um profundo ocultamento dos impactos da modernidade no mundo. Centralizado no ser e na história europeia, qualquer visão será incapaz de compreender os efeitos da modernidade, uma vez que eles se expressam muitas das vezes fora do continente europeu (MBEMBE, 2016).

De toda maneira, o devir histórico é um forte motor para as mudanças de visão sobre os conceitos. Um entendimento sobre uma categoria que poderia parecer seguro, com o passar do tempo, tende a cambiar seus sentidos culturais originais. Vide o caso do termo oikonomiké entres os gregos antigos e o significado mais corrente de economia no mundo contemporâneo ou o de koinonia politiké entre os gregos antigos e de sociedade civil depois do século XVIII – note-se que os gregos antigos sequer operavam noções como a divisão moderna, pós-hegeliana, entre estado e sociedade civil (BOBBIO, 2017; FINLEY, 1980; KOSELLECK, 1992).

O mesmo Lévi-Strauss surpreendia a mesma ONU em uma palestra no ano de 1985. A perplexidade dos presentes veio da ponderação do antropólogo francês, que afirmava na ocasião ser etnocentrismo, em doses controladas, uma coisa boa, pois representava uma forma de adesão a um conjunto de valores que permitia a manutenção das distâncias entre as culturas. Para LéviStrauss, o enfraquecimento do etnocentrismo poderia conduzir a um estado de entropia moral, de desordem – o que poderia significar a destruição da criatividade de várias culturas por conta da “comunicação integral com o outro” (GEERTZ, 2014). Essa nova postura foi, com razão, duramente criticada por Clifford Geertz em uma de suas últimas obras.

Geertz, muito surpreso com o détour lévistraussiano, ressaltou que uma parte não desprezível do medo cego da diversidade acabava por criar um receio de que esta existisse para impor uma alternativa a nós como um todo e não sugestões e novas maneiras de fazer para nós. Ou seja, a aceitação da diversidade é sempre um processo seletivo de novos comportamentos, atitudes, concepções que se pode ou não aplicar, por meio da práxis humana, ao mundo. O etnocentrismo “nos impede de descobrir em que tipo de ângulo […] nos situamos em relação ao mundo, que tipo de morcegos somos, de fato” (GEERTZ, 2014). Se a nós é permitido expandir um pouco a ideia de Geertz, parece de todo fundamental que tenhamos alguma consciência histórica de que tipo de morcegos nós somos. Perceber o nível de arbitrariedade das ações sociais, das formas de pensar o mundo e as coisas ao redor, ter a autopercepção de um tipo de habitus, de uma estrutura que se reproduz e que se modifica, aqui e ali, enquanto conduz a todos a fazer o que nem se pensa sobre. Uma postura não etnocêntrica pode ser a maneira mais razoável de, puramente, se abrir à possibilidade de ouvir o que o outro tem a dizer e, eventualmente, mudar de ideia (BOURDIEU, 1989, 1996, 2013; GEERTZ, 2014).

Uma das obras centrais que fizeram muitos mudar de ideia, possivelmente um dos pontos de mutação nas reflexões em torno do eurocentrismo, data do final da década de 1970, quando Edward Said publicava o seu Orientalismo. Said foi o responsável por colocar em questão a naturalização da relação e a própria categorização: ocidente e oriente. Na verdade, muito mais do que isso, ele mostrou que parte significativa do que entendemos como oriente foi uma invenção que estava ligada a um discurso centrado na autodefinição e na consolidação de certa ideia de Europa que nasce, ou na verdade é inventada, a partir da apropriação da visão helena em os Persas de Ésquilo (ÉSQUILO, 2009). Além disso, Said demonstrou, no difícil contexto do processo de descolonização da África, que parte significativa das ideias lançadas por filósofos e historiadores do XIX produzia e reproduzia uma visão binária, um oriente atrasado e sustentados por regimes autoritários contraposto à Europa amparada por democracias e defensora de liberdades civis (SAID, 2007).

A História Antiga foi agudamente mobilizada para a consolidação dessa visão negativa do oriente. Jack Goody apontou uma vez que “a Turquia tornou-se o caso típico de despotismo oriental no início do período moderno, como antes, na Antiguidade, a Pérsia o foi para a Grécia […]” (GOODY, 2008, p.113). No caminho imperialista inglês, ficava clara a escolha da ênfase em Atenas, Esparta e, depois, na Macedônia. “A história da Grécia foi, portanto, uma história de uma entidade imaginada e não a história das comunidades gregas […] a história das comunidades gregas foi amalgamada sob uma entidade chamada de Grécia Antiga, que, juntamente com Roma, formaram os ancestrais do ocidente” (VLASSOPOULOS, 2011, p 41). O problema deste tipo de narrativa é criar uma finalidade para a Grécia, além de importar, fazer retroagir essa comunidade imaginada, a nação. Desta forma, Roma deveria receber a tocha da civilização, assim como o oriente havia feito em relação aos helenos. Nesse processo, o início de tudo parece remeter aos artistas, intelectuais e arquitetos do Renascimento que produziram a invenção do clássico, apropriando-se, mormente, do tratado de Vitrúvio sobre a arquitetura (KRUFT, 2015).

Uma dimensão base da crítica ao eurocentrismo é a reivindicação de uma mudança no polo ou centralidade das referências com quais definimos o que é teoria, o que vai para além da necessidade de se conhecer teóricos e filósofos não-europeus – os nomes de Frantz Fanon e Cheikh Anta Diop são base para essa direção. Dipesh Chakrabarty (2007) é um entre tantos que tem se dedicado a mostrar o quanto a diferença entre teoria e pesquisa por vezes é fundada numa hierarquização de territórios. Em muitos momentos, como em reflexões teóricas sobre o que é a invenção de uma nação, o continente europeu assume uma estatura distinta, sua experiência deixa de ser local para se tornar teórica, um “referente oculto” (nem sempre tão oculto) pelo qual histórias específicas (como as das Américas) deveriam ser compreendidas. Nesse caminho, a história da construção de uma nação como o Brasil passa a ser visto como um estudo de caso, uma experiência específica que não alcança a estatura de compreensão teórica. A hierarquia que deve ser desfeita é justamente aquela que pressupõe um lugar centralizado cujas experiências são basilares para formulações teóricas. A crítica ao eurocentrismo, então, não envolve apenas o reconhecimento de que é necessário estar atento a produções teóricas não-hegemônicas, mas que a própria diferença entre teoria e experiência (ou estudo de caso) se funda numa hierarquização preestabelecida.

Sanjay Seth (2013) assume a mesma direção ao explicitar que a dinâmica do historicismo – neste sentido vigente a todo momento em que o eurocentrismo ecoa – assume que na fundação da história enquanto disciplina acadêmica e científica há uma democracia falseada. Para o historicismo a afirmação de que todo território, cultura ou sociedade tem uma história – supostamente um movimento de reconhecimento da alteridade – é seguida da constatação de que nem todos têm historiografia. Isso implica uma redução das compreensões do que sejam raciocínios históricos ao ponto que rompemos com a estrutura antes apresentada por Lévi-Strauss, no sentido em que não basta reconhecer a pluralidade de experiências de ser, assim como não bastaria reconhecer as arbitrariedades das nossas próprias convicções implícitas em nosso habitus. O ponto é indicar que a historiografia é apenas uma forma de ser com o passado, válida e necessária, mas certamente não é a única. A crítica ao eurocentrismo, neste caminho, não anula o lugar da historiografia, mas pretende romper com o constante movimento de que uma voz ou metodologia implique no silenciamento de outras formas de ser com o passado que seriam, no limite, reduzidas apenas a fontes históricas.

Em síntese, o eurocentrismo sobre o qual fala-se aqui é um potente postulado, desdobrado em discurso histórico e filosófico enviesado, politicamente perverso, que construiu uma sólida narrativa de história global baseada em percepções, bem como formas e divisões dos períodos históricos, que davam conta, quando muito, para se pensar e emprestar sentido a uma comunidade imaginada de nações, a Europa. Da Grécia Antiga, tornada berço da Europa, e desta para o mundo, tudo passa a ser conectado por um fio narrativo específico, mas tornado natural pelo discurso histórico da modernidade, pelas conquistas imperiais e pela violência inerente ao processo civilizador, literariamente expresso como The White Man’s Burden (KIPLING, 1899; MIGNOLO, 2017).

O processo civilizador, que camuflava a sua violência material e simbólica por meio da politesse cortesã, foi sistematicamente questionado no decurso histórias nacionais pelos povos submetidos às forças estrangeiras – o próprio termo nacional já pressupõe certa aporia conceitual se se quer tratar de períodos, comunidades e populações para as quais essa formação social era estranha, como na Antiguidade e Idade Média, por exemplo (ELIAS, 1993). Como fugir de um sentido orientado pela construção da nação e de um discurso eurocêntrico? Seria um tanto quanto tautológico reafirmar aqui a enorme influência que a filosofia e as outras artes europeias tiveram sobre a percepção do tempo e mundo em boa parte do globo. Não se trata de negar a existência desses fluxos de ideias e cadeias de representações sociais, mas de perceber o nível de arbitrariedade sobre os quais elas foram construídas, desnaturalizá-las, para poder sair da espessa neblina criada pelo habitus.

O notório artigo de Gayatri Spivak, publicado em 1985 e, depois, convertido em livro e muitas obras de comentadores, se questionava de forma modelar: Pode o subalterno falar? (SPIVAK, 2010) Havia uma mudança de paradigma e conceitual em curso, doravante conhecido como os estudos subalternos. A partir desse momento, dever-se-ia questionar qual a importância dos camponeses nos processos históricos? Qual o papel da resistência das camadas populares para além da influência da elite da época? Em que medida a sociedade, tradições falocrêntricas e colonialistas silenciavam a voz das mulheres nos processos históricos, bem como quais eram as relações entre poder e conhecimento? Enfim, se tratava de “produzir uma análise histórica em que os grupos subalternos fossem vistos como sujeitos da história” (CHAKRABARTY, 2002, p. 7).

Nas últimas décadas, a forma analítica que a noção de etnia ganhou no campo da Sociologia e Antropologia, levou com que muitos europeus ou não, se pusessem numa nova e profícua corrente de estudos (POUTIGNAT, 2006). Na Teoria da História pulularam os trabalhos que queriam romper com o eurocentrismo, como nas tentativas de George Iggers, e de outros, em reunir autores de diversas partes do globo para poderem pôr em pauta, com certa medida de ironia em inglês, questões historiográficas presentes em culturas e processos históricos bastante distintos entre si (CROSSLEY, 2008; IGGERS; WANG; MUKHERJEE, 2016; RÜSEN, 2008). Há um ocaso europeu em curso? É o centro do mundo tornado periferia? No que se pode inferir a partir da presença dos outros continentes no seio das humanidades pode-se dizer, ao menos, que há um novo equilíbrio de forças, um ineludível horizonte de debates (MBEMBE, 2018).

O Brasil não esteve imune a esse discurso eurocêntrico englobante. Recentemente, Luís Ernesto Barnabé demonstrou como ocorreu a penetração de um tipo de saber histórico tipicamente europeu no Brasil, advindo por meio da tradução feita por José Justiniano da Rocha do Précis de l’Histoire Ancienne de Poirson e Cayx, que foi utilizado no Imperial Colégio de Pedro II, ainda na primeira metade do século XIX (BARNABÉ, 2019). Todo um discurso atenocêntrico vinculado a reconhecidos autores como Arnold Heeren, George Grote, Jacob Burckhardt, Fustel de Coulanges, Max Weber, dentre outros, punha, em diversos matizes, Atenas como modelo de pólis, por vezes em contraposição à Esparta. Embora essas ideias venham sendo refutadas veementemente nas últimas décadas, muitas delas continuaram a emprestar forma aos manuais didáticos brasileiros dos últimos anos do século XX e mesmo ainda hoje (BUSTAMANTE, 2017; CASTRO, 2018; FRANCISCO; MORALES, 2016; GUARINELLO, 2010; HANSEN, 2006; HARTOG, 2001, 2014; LISSARRAGUE, 2002; MOERBECK, 2018b, 2018a; VLASSOPOULOS, 2011, 2013).

O que estava em jogo era o foco em uma visão bastante tradicional de história (político-institucional) que era reproduzida, talvez ainda seja, deixando-se de lado as contribuições mais recentes da própria produção brasileira em História Antiga. Uma breve leitura desta poderia, ainda que os caminhos entre a produção acadêmica e a escolar devam ser vistas de forma não hierárquica e qualitativamente distintos, incentivar recortes de temas mais transversais, a abertura para novos horizontes em que fosse possível pensar o ensino da História por meio, por exemplo, dos mitos gregos, das religiões antigas em relação aos cultos, mitos e rituais indígenas brasileiros e de alhures.

A utilização da História Antiga pode operar como um forte instrumento de descentramento cultural na compreensão da diversidade e permitir compreender melhor: os papeis sociais das mulheres antigas e as contemporâneas; as formas de exploração do trabalho ontem e hoje e tantos outros temas. Em suma, o mundo antigo, fora do prisma desgastado de base de civilizações europeias, pode ser muito mais útil a um ensino da História do século XXI do que se poderia temer, ou por considerá-lo distante demais ou supostamente mais “difícil” de ser ensinado. Estas são duas fórmulas decorrentes de uma compreensão, via de regra rasa e demodé, geralmente produzida por certo “senso comum” acadêmico de docentes que nunca se ocuparam efetivamente da História Antiga e que não é encontrado ou reproduzido, necessariamente, entre os professores que atuam diretamente nas escolas. Enfim, descolonizar o ensino passa muito mais por um processo que inclui repensar os usos do passado, inclusive o pré-moderno, do que por obliterar o estudo da História Antiga ou Medieval nos bancos escolares. Símile ao que dizia Constantin Stanislaski em relação ao trabalho do ator e à performance cênica, é preciso imaginação para se ensinar e para aprender a História, quiçá nada melhor do que a Antiguidade para aguçá-la. O que é mais difícil é fazer do conhecimento e da compreensão do mundo uma fagulha de felicidade; quando isso for possível nos bancos escolares, em muitos já é, vai importar menos qual conteúdo específico se vai trabalhar, mas o objetivo sócio-cognitivo a se alcançar. Se a História, e em particular a Antiga, serve a algo na escola, ela serve ao presente e muito mais ao futuro do que ao passado de tantos séculos e milênios (BOVO; DEGAN, 2017; FRANCISCO, 2017; MOERBECK, 2017, 2018c, 2018b; MOERBECK; VELLOSO, 2017; SANTOS, 2019; SILVA; SILVA, 2018; STANISLAVSKI, 1994).

Se ainda é valioso pensar a cidadania na escola e no ensino de História, é preciso alertar contra os perigos de um senso comum tranquilizador, que pode se tornar um obstáculo à aprendizagem de novos conhecimentos. Literacia, empatia, enfim, novas ferramentas inerentes ao pensamento histórico são importantes para se entender o xadrez social. E, como dizia Piaget, é preciso causar uns desequilíbrios, algumas incertezas para que os alunos, de forma ativa, possam chegar a uma nova forma de inteligibilidade do mundo (LEE, 2006; LEFRANÇOIS; ÉTHIER; DEMERS, 2011, p. 50-1). Decerto, isso é possível pelo questionamento de formas de pensar dogmáticas e não dialógicas. É bem possível que uma cidadania adequada aos tempos atuais seja aquela que reconheça criticamente as desigualdades que são produzidas, mesmo no ambiente das democracias, e, por meio da construção coletiva, desenvolver a consciência das diferenças socio-identitárias, inclusive naquilo que pode, ou deveria, prever o currículo escolar (CERRI, 2011; ÉTHIER; LEFRANÇOIS, 2007; ETHIER; LEFRANÇOIS; AUDIGIER, 2018).

Os caminhos atuais são os da multiplicidade de quadros metodológicos, bases epistemológicas e diálogos com outras disciplinas e saberes. Se é verdade que os estudos oriundos da hermenêutica, seja via Paul Ricouer, seja via Hans-George Gadamer, ganharam força na historiografia brasileira nos últimos anos, não seria verdade dizer que o marxismo e as mais diversas formas de análise do social tenham desaparecido ou mesmo que possam ser proscritas do horizonte da disciplina História (GADAMER, 2015; MARTINHO; FREIRE, 2019; RICOEUR, 2018). Se o conceito de classe ainda rende frutos, já que as clivagens sociais são uma dimensão do conflito humano com forte perenidade no tempo, os processos de identificação e as questões étnicas são e permanecerão, por muito tempo, elemento central nos debates histórico-culturais que permeiam a academia porque são relevantes para a sociedade como um todo. Em tempos de incertezas políticas, de radicalismos e da valorização, por parte da sociedade brasileira e mesmo d’alhures, de grupos obscurantistas, anticientíficos, vale a pena lembrar que: o mármore é rígido, porém, quando quebrado, só restam os fragmentos ao árduo trabalho dos arqueólogos, como aqueles das estatuárias grega e romana, dilaceradas pela beligerante ação humana no decurso do tempo. Enquanto a murta, como é característico das folhagens, até quebram, mas renascem, vergam, mas permanecem vivas ao procurar a luz para sobreviver. Se a luz ainda é uma boa metáfora, que o seja para a criação de um olhar mais perspectivista em relação aos dogmas, afetuoso em relação às carências humanas e aglutinador em relação aos objetivos centrais que concernem à dignidade humana (CASTRO, E. V. DE, 2017; UNESCO, 2015).

Muito dessa variedade de estilos, de bases teóricas e de temas estarão representados neste número da Revista Transversos. Dentro do seu próprio ethos, esse número traz à baila muitas temáticas em torno de um núcleo, afinal, estamos além ou aquém do eurocentrismo?

O artigo do professor José Maria Gomes de Souza Neto abre a Transversos, colocando em pauta a influência de elementos imperialistas e racistas na produção de blockbusters hollywoodianos. Neste caso, retomamos um dos mais caros temas da mitologia egípcia antiga em mais uma leitura cinematográfica. Segundo o seu autor, em Deuses do Egito (2016), há a construção de uma “ideia de civilização como espaço de construção europeia, noção que precisa, até por força de lei, ser contestada, e ninguém mais apto para tal tarefa que o profissional de história”.

Em seguida, os arqueólogos, professores do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, Maria Cristina Nicolau Kormikiari e Vagner Carvalheiro Porto, mostram como a documentação de origem material pode ser crucial para a aproximação do aluno ao mundo antigo. Por meio do trabalho e da cooperação em torno da produção de mapas interativos, vídeos educativos, entre outros, dois laboratórios: LABECA e LARP mostram que a Arqueologia e a História podem trazer “opções didáticas para o ensino sobre o Mundo Antigo, o qual não se apresenta como modelo e sim como exemplo da variabilidade do viver humano”.

Deslocando-nos do ambiente da educação formal e nos reaproximando de formas de conhecimentos e da sociabilidade tradicionais, encontra-se o artigo de Kattya Hernández Basante, doutoranda na Universidad Andina Simón Bolívar, no Equador. Trata-se aqui de recuar às formas de produção do conhecimento que rementem a um universo de culturas orais, como sói acontecer na antiguidade, mas também entre algumas das populações indígenas brasileiras, dos griots e de avós que retém um saber, uma memória, que entra em profundo conflito com o projeto colonialista. Tudo isso mobiliza questões relevantes não apenas no Equador, mas em muitos países latino-americanos, a saber: processos de branqueamento, de tornar invisíveis populações tradicionais, bem como de conflitos entre narrativas históricas oficiais e memórias subterrâneas.

Pensando Bartolomeu de Las Casas como o primeiro crítico da modernidade europeia, Rafael Gonçalves Borges, professor do Instituto Federal de Goiás, avalia, no âmbito dos debates crítico-historiográficos, a atuação de Las Casas junto às populações ameríndias, desde uma visão negativa do frade dominicano até a sua reavaliação pelas tendências decoloniais. Uma vasta gama de referências orbita este trabalho, desde E. Said, passando por T. Todorov, Boaventura de Souza Santos, Edmundo O’Gorman e Enrique Dussel. Embora o nosso autor reconheça a importância de Las Casas em seu próprio tempo, aponta para o fato de que dificilmente ele poderia ser visto como um “porta-voz” de indígenas e de populações tornadas subalternas no mundo contemporâneo.

As discussões acaloradas em torno das diversas versões da BNCC, bem como as experiências, possibilidades e limitações de uma didática da História, via Jörn Rüsen, coloriram o ambiente dos debates acadêmicos e políticos nos últimos anos. Jean Carlos Moreno, professor da Universidade Estadual do Norte do Paraná, levanta uma importante questão, a saber: até que ponto o quadro conceitual produzido por Rüsen é adequado às questões históricas específicas de uma história latino-americana? Se tais limites estivessem, a priori, ligados ao contexto no qual a Didática da História foi pensada, quais seriam então as suas vantagens? É um convite ao leitor para adentrar esse trabalho instigante sobre as possibilidades teóricas para o ensino da História.

E da teoria à prática, Priscila Aquino Silva, pós-doutoranda em História Medieval na Universidade Federal Fluminense e docente com larga experiência no Ensino Básico, nos convida a visitar uma “sala de aula” do 6º ano. Por meio de uma abordagem cara aos estudos para a didática da História, a autora nos apresenta um conjunto de trabalhos desses alunos, a partir dos quais se pode inferir e discutir questões absolutamente importantes em nossos dias, como: a importância e controvérsias da indústria cultural, os direitos humanos e o racismo enraizado, talvez estruturante, no Brasil contemporâneo.

E se, nessa breve introdução, partimos do oriente inventado por Hollywood, voltamos ao mesmo oriente, mas para pensar a formação dos profissionais de História em algumas das universidades públicas do país. Tendo por base uma bibliografia especialmente cara aos estudos mediterrânicos antigos, a autora, Lolita Guimarães Guerra, docente na Faculdade de Formação de Professores da UERJ, coloca em questão o próprio termo oriente, construído a partir de uma “contraposição a uma identidade unívoca e idealizada, de orientação monoteísta, masculina e ‘nacional’”. Identidade, memória, elementos pré-formativos de uma sociedade brasileira cristã e de futuros professores que terão que se voltar ao passado para se deparar com um oriente de diversos mitos reificados pelos discursos que atravessam a sociedade contemporânea. A autora, com especial densidade, mostra que “é preciso ter em mente o papel de oposição ativa a ser desempenhado pela Universidade e pela Escola frente a memórias sociais legitimadoras da desigualdade e da violência, fomentadas pelo capital e legitimadas pelo Estado”.

Fica ao leitor o convite de adentrar o universo de ricos debates elencados por esse volume da Transversos. Não se deve esperar por soluções ou respostas fáceis, mas, com certeza, por encaminhamentos que ajudem aos professores do Ensino Básico, aos estudantes de graduação e aos profissionais de diversas áreas das humanidades a pensar o papel ativo desempenhado pelos discursos e pelo poder simbólico que tendem a reificar e naturalizar nossas ações, enfim, a nossa forma de conceber o mundo. Se por muito tempo estivemos, todos, imersos, enrijecidos, desbotados por um discurso eurocêntrico, é o momento de repensá-lo, transmutá-lo em algo que faça mais sentido, que seja mais objetivo e coerente com a busca da verdade histórica.

O neoconservadorismo político é um ambiente cheio de armadilhas, algumas delas são: pressupor que a verdade sobre o mundo pode estar vinculada apenas à baliza moral ou religiosa; conceber soluções imediatistas, simplificadoras, como um suposto imperativo categórico para problemas complexos, tudo isso, a despeito de efeitos colaterais perversos que possam advir às camadas menos favorecidas economicamente da sociedade ou “minorias tornadas invisíveis” pelas práticas da exclusão. Contra a História, propõe a ideia de que há apenas uma resposta correta, via de regra, aquela que interessa aos próprios desígnios político-morais do agente, a despeito das informações, evidências, dados e pesquisas acadêmicas em contrário.

Preocupado com estas questões e com certo ceticismo científico inflado por alguns setores do pensamento dito pós-moderno, Ciro Flamarion Cardoso, antigo professor da Universidade Federal Fluminense, chamava a atenção para os atributos necessários para se fazer a História (CARDOSO, 2000),

1) é preciso buscar-se uma comprovação histórica efetiva para o que se pesquisa, a pesquisa histórica não se basta apenas em afirmações apodíticas abstratas, mas em base material consistente; 2) deve-se evitar arrogâncias metodológicas, quaisquer que forem; 3) deve-se denunciar os raciocínios reducionistas de todo tipo; 4) é preciso empregar os conceitos de maneira clara, especialmente ser coerente na relação das categorias utilizadas com a própria investigação que histórica que empreende CARDOSO, 2008; MOERBECK, 2019, p. 107).

Existem muitas possibilidades no tabuleiro das análises sociais: todavia, não cabe a esse ensaísta indicar uma ou outra, mas, certamente, afirmar a incondicional relevância da educação em História no século XXI, que deve estar eticamente posicionada além do eurocentrismo.

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Guilherme Moerbeck – Professor de Teoria e Ensino de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), professor permanente do PROFHISTÓRIA-UERJ e colaborador no PPGH-UERJ. Doutor em História Antiga pela UFF, pós-doutor em Ensino de História pela FGV-Rio, pós-doutorando em Arqueologia Clássica no MAE / USP. É Chercheur Associé da École Française d’Athène (EFA), já atuou como Visiting Research Fellow no Department of Classics da Brown University e é convidado como Chercheur Associé pelo Département de Didactique da Faculté de Sciences de l’Éducation da Université de Montréal. Além disso, é Pesquisador do LABECA / MAE / USP e do LEDDES / UERJ. É autor dos livros: Entre a Religião e a Política: Eurípides e a Guerra do Peloponeso (Prismas, 2017) e Guerra, Política e Tragédia na Grécia Clássica (Paco Editorial, 2014). E-mail: gmoerbeck@yahoo.com.br

Francisco Gouvea de Sousa – Professor de Teoria e Ensino de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em História Social da Cultura pela PUC-Rio, pós-doutor em História pela UFRRJ e pela UFOP. É coautor do livro: Teoria e Historiografia: debates contemporâneos (Paco Editorial, 2015). Atua como colaborador no corpo docente do PROFHISTÓRIA -UERJ e é pesquisador do LEDDES / UERJ. E-mail: chico.gouvea31@gmail.com


MOERBECK, Guilherme; SOUSA, Francisco Gouvea de. Apresentação. Revista Transversos, Rio de Janeiro, n.16, mai. / ago., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Resenhas Online. São Paulo, 05/02/2019 // 29/11/2021.

An Economic and Demographic History of São Paulo – 1850-1950 – LUNA; KLEIN (RBH)

Este livro é continuação do volume anterior, que tratava dos períodos colonial e imperial. Nesta nova obra, os autores estabelecem como balizas temporais os anos de 1850 e 1950. Juntos, os dois volumes buscam analisar as histórias econômica e social de São Paulo, desde o período colonial até a primeira metade do século XX. Leia Mais

State Building in Boom Times: Commodities and Coalitions in Latin America and Africa – SAYLOR (RBH)

Os fatores históricos relacionados à construção de instituições públicas mais fortes têm sido sistematicamente estudados em muitas disciplinas. No entanto, as condições e os processos históricos que fortaleceram certas instituições públicas em alguns países, mas não em outros, permanecem pouco compreendidas. State Building in Boom Times suscita novo interesse por esse tema ao analisar as condições para a construção do Estado para além da Europa. Com esse objetivo, o livro destaca o papel dos setores exportadores de matérias-primas no fortalecimento das instituições públicas durante períodos de forte crescimento econômico. Leia Mais

Imprensa estrangeira publicada no Brasil: primeiras incursões | Tania Regina de Luca e Valéria Guimarães

A internet proporciona a interessante experiência de romper as barreiras espaciais e estar, mesmo que de maneira virtual, em mais de um lugar ao mesmo tempo. Portanto, permite o rápido acesso a notícias de países estrangeiros tanto no seu idioma original quanto na quase imediata tradução compartilhada por outros sites. Essa é uma conjuntura diferente daquela experimentada pelas comunidades imigrantes dos séculos XIX e XX, que, antes da agilidade e do alto alcance dos meios digitais, tinham na imprensa periódica uma importante ferramenta de comunicação e integração com seu país de origem, sem estar indiferentes às vivências numa nova comunidade. Assim, jornais e revistas publicados em língua estrangeira no país imigrante atuavam como um “entre-lugar” de povos em movimento entre experiências e culturas (LUCA; GUIMARÃES, 2017, p. 9).

Tendo como foco as particularidades dessa imprensa que se comunica em outro idioma, exceto o português, o livro Imprensa Estrangeira Publicada no Brasil, sob organização das historiadoras Tania Regina de Luca e Valéria Guimarães, contribui para a composição de um quadro da história da imigração no Brasil por meio da análise de impressos em língua estrangeira que circularam no país e, ao mesmo tempo, proporciona um avanço nos estudos sobre o espaço da cultura midiática em perspectiva transnacional – debates proporcionados pela abordagem da história cultural que pensa conceitos de transferências culturais, agentes e mediadores. Leia Mais

Vila Rica em sátiras: produção e circulação de pasquins em Minas Gerais, 1732 – ROMEIRO (RBH)

O trabalho de interpretação documental é sempre um desafio para historiadores competentes, ainda mais quando envolve formas textuais e mídias peculiares. Adriana Romeiro está entre os mais talentosos pesquisadores dedicados à cultura política no Brasil da Época Moderna, com grande potencial de argumentação associado a uma bela escrita. Nesse livro que conta com a colaboração valorosa de Tiago C. P. dos Reis Miranda, a historiadora se lança ao estudo de peças de perfil satírico produzidas sobre o governo de Lourenço de Almeida na capitania de Minas Gerais, de 1721 a 1732. Leia Mais

Detrás de la cortina. El sexo en España (1790-1950) – GUEREÑA (VH)

GUEREÑA, Jean-Louis. Detrás de la cortina. El sexo en España (1790-1950). Madrid: Cátedra, 2018. 630 p. MIRANDA, Marisa. Mirar/tocar/sentir (detrás de la cortina): Una cuestión de historia global de la sexualidade. Varia História. Belo Horizonte, v. 35, no. 68, Mai./ Ago. 2019. 

Mirar/tocar/sentir (detrás de la cortina): Una cuestión de historia global de la sexualidad

Quienes estamos interesados en la(s) historia(s) de la sexualidad(es) nos hemos visto complacidos con la publicación, en 2018, de Detrás de la cortina. El sexo en España (1790-1950). El voluminoso libro, que cuenta con más de 600 páginas constituye, en realidad, una edición española, revisada y actualizada, del texto – también de autoría del catedrático francés, Jean-Louis Guereña – publicado bajo el título Les Espagnols et le sexe, XIXe-XXe siècles (2013). No obstante, en Detrás de la cortina encontramos, además de la cuidadísima traducción del francés de la versión original (realizada por Marisa Guereña Mercier), la incorporación de nuevas fuentes historiográficas que vieron la luz en el lapso 2013-2018 y el abordaje de algunas cuestiones entonces ausentes.

Adentrándonos sobre la temática de esta excelente producción debemos señalar que las indagaciones sobre la historia de la sexualidad constituyen un campo del saber si bien presidido por la mirada foucaultiana, son aquí aggiornadas y ampliadas. Y siendo el poder (en cualquiera de sus formas, y en todas ellas) quien se arroga la definición compulsiva de las categorías que definen y, a la vez, distancian la sexualidad “normal” de la “patológica”; la “legítima” de la “ilegítima”; la “permitida” de la “prohibida”, la disponibilidad de las fuentes constituye un desafío de difícil logro. Así, la obra comentada denota un profuso y minucioso trabajo recopilatorio; advirtiéndose, en todo el recorrido del libro, una presentación lógica coherente con lo prometido en el índice.

A su vez, sagazmente, nos avisa el autor que una historia “social” de la sexualidad debe ser concebida, al mismo tiempo, como una historia “cultural” de la sexualidad (Guereña, 2018, p.40); afirmación digna de elogio y que, a la vez, permite abrir el debate e integrar múltiples problemáticas, posibilitando el acercamiento al actualísimo abordaje de la sexualidad desde una perspectiva de género.

Ahora bien, en los diez capítulos que componen el libro, nos encontramos en su primera parte con una profundización de “El descubrimiento del sexo”, donde Guereña se aboca a la divulgación de la sexualidad “por escrito”. Y, en este marco, se introduce en las tensiones habidas en España en torno al condón, en su doble función de preservativo antivenéreo y de método anticonceptivo.

La segunda parte, titulada “La prostitución, ¿un mal necesario?”, se ocupa del conflictivo tema del reglamentarismo en la prostitución. La purulencia del enfrentamiento entre reglamentarismo y abolicionismo ha sido leída para España a partir de señalar el espacio de sociabilidad y ocio que involucraba al burdel. Desde esa perspectiva, se ocupa de la recepción del abolicionismo, en particular a partir de las ideas de Josephine Butler. Una recepción tortuosa puesto que, siguiendo a la malograda intelectual española Hildegart Rodríguez (también trabajada en Detrás…), el abolicionismo era censurado en su país por creerse que “se lanzarían a la calle irremediablemente centenares de prostitutas” (Hildegart, 1933, p.48).

La tercera parte del libro permite apreciar una particular síntesis entre la expertisse historiográfica del autor y su incansable búsqueda de fuentes inéditas. En efecto, si bien es imponente la valía de todos los recursos aquí utilizados, sean editos o inéditos, cabe señalar las enormes dificultades para hallarlas, atento a que, muchas de ellas fueron, o bien publicaciones prohibidas por la censura inquisitorial (capítulo 6) o bien producciones eróticas clandestinas (capítulo 7). Se ahonda, además, sobre cierta “democratización” del acceso al erotismo y la pornografía, en la España de los años veinte y treinta del siglo XX. Esta parte concluye con interesantísimas exhumaciones vinculadas al erotismo gráfico y sus mercados de imágenes, sin perder de vista la tradicional consideración de la erótica del cuerpo femenino como objeto estético.

El epílogo, que, en realidad, bien podría ser considerado un capítulo más, visibiliza al sexo en cuanto objeto de debate, valiéndose para esto de desgranar una polémica habida en 1933 entre el húngaro Oliver Brachfeld y el español Gregorio Marañón respecto a las teorías sexuales de este último, en especial respecto a los estados intersexuales. Así, Guereña, analiza el volumen publicado durante ese año titulado por Brachfeld, Polémica contra Marañón, y que tuviera como objetivo destruir el “mito” Marañón (Guereña, 2018), aunque yendo más allá de ello.

La conclusión general se concentra en tres aspectos (“Pensar la sexualidad en la historia”; “¿Culturas sexuales específicas?” y “Fuentes y archivos”). En ella queda resumida una idea sobre la cual no cabe sino aplaudir: la concepción de una historia de las sexualidades integrada en un “conjunto de contextos ideológicos, políticos, sociales y culturales en donde se sitúa y cobra todo su significado” (Guereña, 2018, p.577); aun cuando nuestro hispanista tiene bien en claro las dificultades que se deben afrontar para lograrlo.

Un frondoso y atinado aparato erudito que refuerza las afirmaciones del autor denota, una vez más, la rigurosidad metodológica a la que nos tiene acostumbrados Guereña. El ítem denominado “Orientaciones bibliográficas”, incluye menciones de suma utilidad tanto para investigadores expertos en la temática como para nóveles lectores interesados en ella.

En definitiva, Detrás de la cortina. El sexo en España (1790-1950) constituye, pues, otro libro en extremo recomendable del prolífico historiador especializado en cuestiones vinculadas a la sexualidad en España, cuya producción bibliográfica es imponente. Por tan sólo mencionar una, es editor de La sexualidad en la España contemporánea (1808-1950) (Guereña, 2011), libro sobre el que también hemos tenido el placer de realizar una reseña (Miranda, 2014).

Para finalizar, debemos advertir que esta obra excede el marco de una investigación situada. En efecto, el carácter universal de la problemática y la perspectiva desde donde es abordada, invitan a reflexionar sobre un asunto medular en la materia: la gestión pública de las privadísimas cuestiones de alcoba. O, lo que es lo mismo, la intrusión del (bio) poder en la sexualidad.

Referências

GUEREÑA, Jean Louis (ed.). La sexualidad en la España contemporánea (1808-1950). Cádiz: Universidad de Cádiz, 2011. [ Links ]

GUEREÑA, Jean Louis. Les Espagnols et le sexe, XIXe-XXe siècles. Rennes: Universidad de Rennes, 2013. [ Links ]

HILDEGART. Venus ante el derecho. Madrid: Castro, 1933. [ Links ]

MIRANDA, Marisa. Hacia una historia global de la sexualidad en España. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 21, n. 1, p.349-352, 2014. [ Links ]

Marisa Miranda – Instituto de Cultura Jurídica Universidad Nacional de la Plata/ CONICET 48 Nº 582, 3º piso, La Plata, 1.900, Argentina mmiranda2804@gmail.com.

Salvador da Bahia: Interações entre América e África (séculos XVI-XIX) – RAGGI et. al. (VH)

RAGGI, Giuseppina; FIGUEIRÔA-REGO, João; STUMPF, Roberta. Salvador da Bahia: Interações entre América e África (séculos XVI-XIX). Salvador/Lisboa: EdUFBA/CHAM, 2017. 285 p. DOMINGUES, Cândido. Uma baía de histórias: novos olhares sobre Salvador e suas conexões atlânticas. Varia História. Belo Horizonte, v. 35, no. 68, Mai./ Ago. 2019. 

A obra Salvador da Bahia: interações entre América e África (séculos XVI-XIX) fecha um ciclo de debates dos projetos de pesquisa intitulados Bahia 16-19 e Uma cidade, vários territórios e muitas culturas,1 financiados pela União Europeia e Capes/Brasil, respectivamente. No âmbito de cada um desses projetos de investigação, historiadores do Brasil, Portugal e França foram chamados a pensar o Império português a partir de uma perspectiva do Atlântico Sul, de modo a integrar África e América numa outra leitura da colonização lusitana. Salvador, capital do território colonial português na América por mais de 200 anos, foi escolhida como centro de interesse investigativo. Por cerca de dois anos a equipe apresentou seus resultados de pesquisa. Os projetos congregaram pesquisadores com investigações em estágios distintos de desenvolvimento, e no seu âmbito foram organizados workshops nas cidades de Salvador, Lisboa e Paris, favorecendo um debate mais ampliado e diverso, o que se reflete nos trabalhos publicados ao final do processo.

Composta por uma introdução e dez artigos, a coletânea é aberta com a observação dos editores sobre a predominância entre as contribuições que compõem o volume de “perspetivas que elegem, maioritariamente, como ponto de partida, geografias extraeuropeias” (Raggi; Figuerôa-Rego; Stumpf, 2017, p.7). Desse modo, a obra dá sequência à Coleção Atlântica, mais nova do gênero historiográfico publicada pela Editora da Universidade Federal da Bahia (EdUFBA), em parceria com o Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa (CHAM).2

Um ponto alto da obra é a multiplicidade de fontes que possibilita perceber diferentes relações entre a história da Cidade do Salvador (antiga Cidade da Bahia), as instituições portuguesas (Universidade de Coimbra ou a Junta da Administração do Tabaco, por exemplo) e sujeitos tão diversos quanto africanos escravizados ou libertos agentes do tráfico, clero, indígenas ou agentes da administração colonial. Em seu texto, Carlos Silva Jr. mostra a importância de fontes orais do atual Benin para entendermos as interações afro-europeias setecentistas. A ligação nominativa, de inspiração da microhistória italiana, mostra-se fundamental ao fazer historiográfico desde abordagens da vida socioeconômica de africanos no Atlântico até as análises das matrículas universitárias, da formação e atuação de bispos no Império. Por sua vez, o estudo de um regimento (ou seu projeto) ou de um tratado armorial mostrou-se de interesse para compreendermos diretrizes do Estado e mentalidades individuais. A estas fontes somam-se tantas outras mais tradicionais ao ofício, como testamento e inventário post-mortem, denúncias e processos inquisitoriais, registros notariais e de batismos, legislação colonial e imperial.

Os textos de Carlos da Silva Jr.3 e Luis Nicolau Pares destacam-se por aproximar os conceitos e métodos da História Social com ideias da História Econômica, de modo a pensar a história do tráfico atlântico de escravos conectado com demandas internacionais da economia e da política. A agência africana (a agency de inspiração Thompsoniana) é analisada a partir das possibilidades de africanos (abrindo caminhos para também pensarmos seus descendentes) agirem na engrenagem do capitalismo crescente e de modo integrado ao tráfico de escravos. Se no século XVIII a fundação de Porto Novo é, também, inspirada na busca de melhores preços e fuga de um mercado de alta concorrência (Silva Jr., 2017), no comércio ilegal oitocentista, africanos como Joaquim d’Almeida e Manoel Pinto são representativos de tantos outros que voltaram à África para organizar o comércio negreiro no litoral de modo a dinamizar o embarque e burlar a vigilância inglesa (Pares, 2017).

Ao analisar os “escravos-senhores”, Daniele Souza, também inspirada na História Social, considera o tráfico atlântico como promotor de fenômenos no escravismo brasileiro. Defende que a vigorosa oferta de escravos na Bahia e a possibilidade de fazer encomendas diretamente com marinheiros permitiu a escravos comprar um escravo a preço acessível. Assim como Pares, a autora assevera que a participação africana como “senhores” de escravos ou no comércio era uma exceção do sistema escravista, eram atores protagonistas de excepcionalidades. Como afirma Pares, “uma historiografia que privilegia os africanos enquanto sujeitos autônomos, com capacidade de ascensão social e ação política, não poderia negligenciar, apesar do incômodo moral que supõe” o estudo de situações dessa natureza (Pares, 2017, p.15).

Finalizando a primeira parte, João Figuerôa-Rego e Camila Amaral analisam ações do Estado para o comércio de duas mercadorias de extrema importância para o tráfico transatlântico de escravos: o tabaco e a aguardente (cachaça), respectivamente. Ambos nos chamam a atenção para o envolvimento de agentes do Governo do Império (magistrados e governadores, por exemplo) inseridos em grupos mercantis locais. Figuerôa-Rego mostra, ainda, tentativas da coroa para evitar tais aproximações dos administradores do tabaco na Bahia. A vasta rede político-mercantil das famílias César de Meneses e Lencastro está presente em ambos os textos, ainda que nas entrelinhas.4

A segunda parte da obra, Administração e agentes no espaço americano, tem como foco analisar dispositivos, projetos, instituições e formação clerical. É a parte da obra na qual Europa e América mais se aproximam. Aqui os autores analisam processos desenvolvidos na América, mas dependentes de aprovações ou julgamentos da metrópole. Ou ainda, a formação universitária europeia de agentes que atuariam no Brasil.

Com focos diferentes, Fabricio Lyrio e Maria Leônia C. de Resende discutem a administração dos indígenas envolvendo as igrejas secular e regular e o Estado colonial. Apesar de voltarem sua atenção para o século XVIII brasileiro, mostram que as origens dos problemas relacionados com os governos das comunidades autóctones arrastavam-se desde debates quinhentistas.

Resende destaca a importância de se analisar os discursos da ordenação indígena no mundo hispânico, de tradição mais longeva e inspiradora dos religiosos lusitanos. Lyrio realça a difusa legislação indigenista portuguesa, jamais unificada para o Estado do Brasil. A administração de questões como mão de obra, conflitos, catequese dos indígenas mudavam conforme a Capitania, afirma. Essa realidade levou ao provincial jesuíta (padre encarregado da administração da província), em 1745, a propor ao Rei um regimento que regulamentasse a colonização destes povos naquele Estado, que é, parcialmente, analisado pelo autor. Por sua vez, Leônia Resende mostra que apesar de aprovada a possibilidade canônica para ordenar sacerdotes indígenas, os entraves, muitas vezes pessoais, eram fortes. Aqueles que conseguiram foram ordenados apenas após a expulsão jesuíta e, ainda assim, sua atuação “se restringia à mera função de auxiliar na missionação e, por isso mesmo, não resultou propriamente na consolidação de uma carreira eclesiástica” (Resende, 2017, p.185). Ambos mostram, acima de tudo, a vulnerabilidade jurídica dos povos indígenas, muitas vezes sujeitos aos caprichos dos colonos, oriundos de todos os níveis sociais.

Um desafio da historiografia é perceber o quanto a norma aproxima-se da prática. Ediana Mendes investiga os currículos da Universidade de Coimbra e os registros de matrículas buscando entender a formação possível dos bispos que atuaram no Brasil e o quanto isso seria útil no governo diocesano. O Concílio de Trento é a ponte que aproxima este texto do artigo seguinte, de Jaime Gouveia. Ambos mostram que, a despeito da uma historiografia que contestou a aplicação das normas tridentinas no ultramar, a Coroa procurou cumpri-las tanto na formação dos bispos (Mendes, 2017, p.199) quanto na atuação de “estruturas de vigilância e disciplinamento” do clero (Gouveia, 2017, p.246). Este autor parte da premissa do luso-tropicalismo freyriano para mostrar que uma História Comparada do reino e das colônias indica uma “pandemia luxuriosa” clerical tanto em Portugal quanto no Brasil (Gouveia, 2017, p.245).

Distinto de todos os demais artigos, Miguel M. de Seixas discute “o impacto dos elementos ultramarinos na heráldica portuguesa dos séculos XVI e XVII” (Seixas, 2017, p.251). Se na Europa a Ciência Heráldica (ou Ciência do Brasão) viu-se distante das Universidades, no Brasil nota-se verdadeiro abismo. Encarada como “mera preciosidade de diletantes” e associada à nobreza, aqui e lá, essas características foram fundamentais para esse distanciamento ou, ainda, para considerá-la como uma ciência auxiliar da História (Seixas, 2011, p.27-28). O autor, no entanto, defende que o estudo dos tratados armoriais e das pedras d’armas mostram a consonância da política da coroa com suas conjunturas. Neste aspecto a primeira vez que o brasão da Cidade do Salvador aparece nos tratados portugueses reflete a importância da cidade na Restauração (1640), assim como ocorrera com Goa e Malaca no “século de ouro” da Ásia (Seixas, 2017, p.270).

Organizar uma coletânea é propor-se ao desafio da coesão. Ele pode ser alcançado de distintos modos e intensidades. Esta obra, portanto, não deixa de enfrentar seus percalços. Como ressaltei até aqui, seus textos estão afinados com uma pesquisa de relevo e um debate historiográfico atualizado, sem abandonar os clássicos. Isso por si só já seria um convite à leitura. Destacaria um aspecto a que a obra se propõe e atingiu muito bem seu objetivo: avançar no conhecimento da ação de indígenas e africanos na construção da sociedade colonial. Os artigos que tratam desses agentes históricos mostram que estes estavam bastante atentos ao que se passava na política, economia e religião, e buscaram inserir-se nas brechas que o poder dominante lhes “permitia”. Salvador e suas histórias por vezes não aparecem diretamente no texto, daí um conhecimento prévio de sua capitalidade, das instituições nela instaladas e sua jurisdição a todo o Estado do Brasil. Aos neófitos, recomenda-se atenção redobrada, um simples detalhe pode ligar Salvador aos mais vastos sertões assim como um brasão pode ligá-la diretamente ao rei.

Uma história lusoafroameríndia da Cidade da Bahia! A obra mostra uma Salvador integrada às preocupações e cultura da Era das Invasões Ultramarinas Europeias, mas não só. Amplia e reverbera a atuação dos milhares de povos da África construindo seu mundo, agindo no comércio em busca de sua liberdade. Mostra tantos outros povos ameríndios, em todo o Brasil a suscitar a Igreja Primaz da Bahia a buscar soluções para problema da colonização. E, por fim, realça a importância da Universidade para a construção de agentes políticos de qualquer sociedade.

1O livro que abre esta Coleção é: SOUZA, Evergton Sales; MARQUES, Guida; SILVA, Hugo R. (org.). Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica. Salvador/Lisboa: EDUFBA/CHAM, 2016. As seções ocorreram em Salvador (UFBA) e Lisboa (UNL/CHAM). Sobre o projeto BAHIA 16-19 «Salvador da Bahia: American, European, and African forging of a colonial capital city» (PIRSES-GA-2012-318988) ver http://www.cham.fcsh.unl.pt/ext/BAHIA/BAHIA_home.html, acesso em 19/10/2018.

2CHAM é uma unidade de investigação interuniversitária vinculada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e à Universidade dos Açores, financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

3Para uma versão ampliada desse artigo cf. SILVA Jr., 2017a, p. 1-41.

4Para uma boa análise desta rede político-mercantil ver GOUVÊA; FRAZÃO; SANTOS, 2004, p. 96-137.

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Cândido Domingues – Centro de Humanidades Universidade Nova de Lisboa Avenida de Berna, 26-C, 1069-061, Lisboa, Portugal candido_eugenio@yahoo.com.br.

Um marco para a fotografia: 180 anos de Daguerre/Acervo/2019

O relato lido por François Arago em 7 de janeiro na Academia de Ciências, e repetido na célebre sessão conjunta das academias de ciências e artes em 19 de agosto de 1839, estabelece em cerca de cinquenta páginas uma genealogia da imagem afinal obtida a partir dos experimentos iniciados por Nicéphore Niépce (1765-1833), a quem Louis Daguerre (1787-1851) se associou em 1829 (Arago, 1839). A partir das imagens óticas alcançadas nas câmaras obscuras, o daguerreótipo representou a possibilidade de fixar e conservar sobre uma superfície as imagens assim captadas. A trajetória descrita visava garantir a primazia das pesquisas realizadas pela dupla sobre as demais tentativas precedentes ou simultâneas. A técnica doada ao mundo pelo governo do rei Louis-Philippe I ficava ainda a dever a captura das cores, como advertiu o cientista. Arago iria mesmo lamentar que o daguerreótipo não existisse em 1798 na campanha do Egito, privando o público de conhecer com exatidão aquele tesouro ainda intocado. Leia Mais

História em Reflexão. Dourados, v.13, n.25, 2019.

REVISTA ELETRÔNICA HISTÓRIA EM REFLEXÃO

APRESENTAÇÃO

ARTIGOS LIVRES

ARTIGOS DO DOSSIÊ

RESENHAS

 

 

Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo | Anita Leocadia Prestes

Publicado em abril de 2017, quando completam 75 anos da morte de Olga Benário, o livro Olga Benário Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo não é o primeiro trabalho em que a historiadora Anita Leocadia Prestes se dedica ao reconhecimento da história de luta que é herdeira, possuindo sólida bibliografia publicada sobre o trabalho e a vida política de Luiz Carlos Prestes, com quem dividiu por décadas, para além dos laços de sangue, a trajetória de luta pela causa comunista.

Nesse novo trabalho a autora se dedica à história de sua mãe, Olga Benário, militante comunista assassinada pelo governo nazista, após sofrer anos de prisão e trabalho forçado em campos de concentração. Anita Prestes nos apresenta a história de luta e resistência da jovem Olga, acessível por meio da documentação organizada em oito dossiês da Gestapo, que somam cerca de duas mil páginas sobre a prisioneira Olga Benario (Processo Benario). O dossiê em questão abarca o período de cerca de seis anos em que Olga esteve sob custódia da Polícia Secreta Alemã. A obra de Anita Prestes é resultado da pesquisa a essa documentação, digitalizada e disponibilizada para consulta pública desde 2015 por meio do Projeto Russo-Alemão para digitalização de documentos alemães nos arquivos da Federação Russa. Leia Mais

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.180, n.480 mai./ago. 2019.

Revista IHGB – Número 480

Carta ao Leitor

I – ARTIGOS E ENSAIOS

  • ARTICLES AND ESSAYS
  • Oficiais indígenas: Estratégias de ascensão social e militar no Estado do Grão-Pará e Maranhão na segunda metade do XVIII
  • Indigenous officers: estrategies of social and military ascension in the State of Grão-Pará e Maranhão in the second half of the XVIII
  • Ranier José de Andrade Quinto Gomes
  • Desastre e reconstrução no Rio de Janeiro setecentista: o incêndio do Recolhimento do Parto
  • Disaster and reconstruction in eighteenth century Rio de Janeiro: the fire at Recolhimento do Parto
  • Anita Correia Lima de Almeida
  • A sossegada Província do Maranhão e os planos revolucionários: Constituição e um pouco menos de constitucionalidade no governo de Costa Barros (1825-1827)
  • The quiet Province of Maranhão and it’s revolutionary plans: Constitution and a bit less of contitutionality on Costa Barros’ government (1825-1827)
  • Roni César Andrade de Araújo
  • O paradigma das “invasões holandesas”: a interpretação de Francisco Adolfo de Varnhagen
  • The paradigm of the “dutch invasions”: Francisco Adolfo de Varnhagen’s interpretation
  • Regina de Carvalho Ribeiro da Costa
  • Araújo Porto Alegre e a música no Brasil Império: filosofia, história, ideias e projetos
  • Araújo Porto-Alegre and music in the brazilian empire: philosophy, history, ideas and projects
  • Gilberto Vieira Garcia
  • Um Novo Mundo para recomeçar: José Carlos Rodrigues e as várias faces de seu periódico ilustrado (1870-1879)
  • A New World to start a new life: José Carlos Rodrigues and his multifaceted illustrated journal (1870-1879)
  • Júlia Ribeiro Junqueira
  • Portugal e a gênese do pensamento diplomático brasileiro
  • Portugal and the genesis of brazilian diplomatic thought
  • Sérgio Eduardo Moreira Lima
  • Um homem contra uma guerra: Rui Barbosa e a grande guerra
  • A man against a war: Rui Barbosa and the great war
  • Brenda Maria Ramos Araújo
  • Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo

II – COMUNICAÇÕES

  • NOTIFICATIONS
  • Expansão de fronteiras e de projetos para os sertões fluminenses: posse e propriedade nos séculos XVIII e XIX
  • Expansion of borders and projects for the hinterland in Rio de Janeiro: possession and property in the eighteenth and nineteenth centuries
  • Marina Monteiro Machado

III – NOTA DE PESQUISA

  • RESEARCH NOTE
  • Um Brasileiro no céu da 1ª Guerra Mundial, o tenente Luciano de Mello Vieira (1892-1918)
  • A Brazilian in the skies of World War 1, lieutenant Luciano de Mello Vieira (1892-1918)
  • Jean-Pierre Blay

IV – RESENHAS

  • REVIEW ESSAYS Entre conceitos e linguagens políticas
  • Ana Cristina Araújo
  • Uma releitura da anexação
  • Leonardo Paiva de Oliveira
  • Normas de publicação
  • Guide for the authors

Seminário do GEPEM-UFPB e do GPEP-UFRN | Boletim cearense de educação e história da matemática | 2019

É com muita alegria que apresentamos este número especial do Boletim Cearense de Educação e História da Matemática (BOCHEM), que contempla parte dos trabalhos apresentados no Seminário do GEPEM-UFPB e do GPEP-UFRN. Este seminário, ocorrido em dezembro de 2018, no Campus IV – Rio Tinto/PB, da Universidade Federal da Paraíba, constituiu-se em uma ação coletiva dos membros do GPEP – Grupo Potiguar de Estudos e Pesquisas em História da Educação Matemática da UFRN com os membros do GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática da UFPB-Campus IV, que entenderam ser relevante propiciar o debate acerca dos estudos em História da Educação Matemática e Educação Matemática, a fim de ampliar e aprofundar as discussões relacionadas a essa temática, sobretudo, promovendo o intercâmbio entre esses grupos.

O evento promoveu o encontro dos pesquisadores do GPEP e do GEPEM, a fim de que seus membros pudessem conhecer as investigações que estão sendo realizadas em suas instituições de ensino. Um produto final do evento é esta Edição Especial do BOCEHM que, sobremaneira, contribuirá para divulgar o andamento e os resultados de pesquisas desenvolvidas pelos grupos, não somente a nível regional, mas também nacional, dada a circulação deste Boletim. Leia Mais

Boletim Cearense de Educação e História da Matemática. Fortaleza, v.6, n.16 2019.

Boletim Cearense de Educação e História da Matemática

EDITORIAL

  • Editorial
  • Liliane dos Santos Gutierre; Cristiane Borges Angelo
  • PDF

ARTIGOS SGEPEMGPEP

PUBLICADO: 2019-04-30

História da Historiografia. Ouro Preto, v. 12, n.29 2019.

Editorial

Artigo

Publicado: 2019-04-28

 

Projeto História. São Paulo, v.64, 2019.

JAN/ABR Historiografia e história intelectual Ibero-americana

Apresentação

Artigos Dossiê

Artigos livres

Notícia de Pesquisa

Resenhas

Publicado: 2019-04-24

Tierras, leyes, história: estudios sobre “La gran obra de la propiedad” | Rosa Congost

A pesquisadora Rosa Congost, em Tierras, leyes, história: estudiossobre “La gran obra de la propiedad”, realiza uma compreensão distinta acerca dos direitos de propriedade. Sua abordagem consiste em uma perspectiva analítica comparada, que contrasta a realidade sóciohistórica espanhola à francesa e à inglesa. Nesse livro, a autora situa os leitores sobre as diferentes possibilidades de se compreender a propriedade, denunciando entendimentos eminentemente abstratos e apresentando uma análise sobre as condições de realização da propriedade a partir da dinâmica das relações sociais.

Catedrática de História Econômica na Universidade de Girono (Catalunha), Rosa Congost tem investigado, em suas pesquisas, problemas relacionados a temáticas dos direitos de propriedade, transformações agrárias, relações sociais e desigualdades. Seus estudos têm uma interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento social, dentre as quais se destacam o direito e a sociologia. É autora de diversas publicações que congregam questões relacionadas à dinâmica de interesse do campo historiográfico do mundo rural e valoriza o enfoque de pesquisa regional. Leia Mais

Crer em História | François Hartog

Lançado em 2017 no Brasil pela Editora Autêntica, o livro Crer em História é a produção de François Hartog lançada em Paris com o título Croire en l’histoire. O historiador, membro de importantes instituições como o Centre Louis-Gernet de Recherches Comparées sur les Sociétés Anciennes e o Centre de Recherches Historiques discorre sobre o crer e o fazer história em diferentes tempos, lugares e perspectivas para, por fim, indagar: ainda cremos em História?

Em quatro capítulos, além de introdução, intermédio e conclusão, Hartog descreve e comenta as diferentes tarefas atribuídas à história, bem como seus diferentes conceitos e interpretações. Nomes como Aristóteles, Halbwachs, Ricœur, Tolstoi, Sartre são evocados para colocar em debate a problemática das experiências de tempo e as formas de escrever – e talvez fazer – história para que se tente dar conta das questões que parecem cada vez mais apelar para a resolução dos impasses próprios da historiografia. Leia Mais

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador, v.4, n.10, 2019 / v. 6, n.19, 2021.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador. v. 6, n.19, 2021.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica

Dossiê

Ofício de ensinar, experiência escolar e narrativas de si

DOI: https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.v6.n19

PUBLICADO: 2021-12-31

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador, v.6, n.18, 2021.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica

Dossiê

Narrativas (auto)biográficas no cinema

DOI: https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.v6.n18

PUBLICADO: 2021-12-30

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador, v.6, n.17, 2021.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica

Dossiê

A formação da biblioteca pessoal: efeitos refeitos

DOI: https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.v6.n17

PUBLICADO: 2021-05-31

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador, v.5, n.16, 2020.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica

Edição especial

Dossiê Narrativas, pandemia e adoecimento social

DOI: https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.v5.n16

PUBLICADO: 2020-12-29

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador, v.5, n.15, 2020.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica

Dossiê

Pesquisa com narrativas de crianças e jovens

DOI: https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.v5.n15

PUBLICADO: 2020-10-11

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador, v.5, n.14, 2020.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica

Dossiê

Memórias, narrativas e patrimônios

DOI: https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.v5.n14

PUBLICADO: 2020-06-29

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador, v.5, n.13, 2020.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica

Dossiê

Histórias de vida de educadores/as sociais em pesquisa narrativa (auto)biográfica

DOI: https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.v5.n13

PUBLICADO: 2020-06-28

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador, v.4, n.12, 2019.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica

Dossiê

Pesquisa (auto)biográfica em educação na Ásia

DOI: https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.v4.n12

PUBLICADO: 2019-12-26

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador, v.4, n.11, 2019.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica

Dossiê

Narrativas LGBTIQ

DOI: https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.v4.n11

PUBLICADO: 2019-06-20

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica. Salvador, v.4, n.10, 2019.

Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica

Dossiê

Percursos narrativos em Educação Matemática

DOI: https://doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.v4.n10

PUBLICADO: 2019-04-19

Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.19, 2019.

Editorial

Artigos

Resenha

Entrevista

Dossiê – A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas

Publicado: 2019-04-18

Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas. Londrina, v. 20, n. 1, 2019.

Artigos

Publicado: 2019-04-17

Mundos do Trabalho. Florianópolis, v.10, n.19, 2018.

Variedades de História do Trabalho

Apresentação

Artigos

Resenhas

Publicado: 2019-04-17

Mare Nostrum – Estudos sobre o Mediterrâneo Antigo. São Paulo, v.10, n.1, 2019.

Dossiê “Vegetarianismo na Antiguidade”

EDITORIAL

DOSSIÊ

ARTIGOS

RESENHAS

PUBLICADO: 2019-04-16

The Cause of All Nations. An International History of the American Civil War | Don H. Doyle

“You cannot see, because

it is your everyday life, (…) the

magnitude of the events through

which you are passing in the

light of their influence on the rest of the world”.

We are now sufficiently familiar with the idea of a global and transatlantic history to understand the importance of The Cause of All Nations to this field in general history and U.S. history in particular. What we still might not be completely familiar with is the idea that the American Civil War was an event of international proportions in many senses: economic, social, political, and ideological. Therefore, its outcomes can no longer be constricted to U.S. formation, reinforcing the idea that this was a “fratricide” accident within the narrative of national formation in the United States, but that its influence has reached places far beyond the U.S. and can also be considered a breaking point in a global scope. And, although the question of how to produce a transatlantic, Atlantic, or global history is still object of debate and questioning by its own scholars, in this book we will find that the author masters it: he is able to use local, regional, national and transnational lens throughout his narrative, making it look like an easy enterprise.

The importance of the Civil War as an international event of great proportions is what the American historian Don Doyle, the McCausland Professor of History at the University of South Carolina, demonstrates in his book. He has developed the theme of secession in a comparative perspective for many years (Nations Divided: America, Italy, and the Southern Question; Nationalism in the New World, co-edited with Marco Pamplona; Secession as an International Phenomenon, a collection of essays) and teaches American history, nationalism, and Southern History. With broad experience in the U.S. and other countries such as Italy and Brazil, he has demonstrated American and non-American historians that, far from being an event “as American as apple pie”,the American Civil War not only can be seen from an international and Atlantic perspective, but that this outlook is necessary, especially from the point of viewof the American continent.

Parting from the idea that the Civil War is inserted in a much broader moment of history, “the crisis of the 1860s”, we are able to understand international reactions, fears, expectancies and politics that surrounded one of the most, if not the most studied theme in American history. Don H. Doyle’s main thesis is that the Civil War mattered a great deal to the Western world in the second half of the nineteenth century. And it mattered because it was not simply an intestinal war, fought only by American soldiers on American soil, but it represented a struggle over fundamental themes of the time, such as republicanism, freedom, national sovereignty, and slavery. It is in that sense that the Civil War can be perceived as “the cause of all nations”. And, although we all acknowledge the outcomes of the war, and the growth of the United States as a world potency, the future of the war was not defined at the time, and the international community of states and nations in the nineteenth century had a close eye on what was going on in the U.S.

Thus, rather than imposing an international framingof the conflict, Doyle asserts that this work actually “retrieves a commonplace understanding of the time”. This idea has already been brought by other historians that have affirmed the importance of the issues at stake in the “Civil War Era”, such as nationalism, democracy, liberty, equality, race, majority rule and minority rights, central authority and local self-government, the use and abuse of power, and the horrors of an all-out-war – are as alive in the early twenty-first century as they were in the mid-nineteenth century.

This is demonstrated in a fluid, exciting, and coherent narrative that follows the chronological events of the war engaged through different topics, characters and diplomatic disputes distributed throughout 12 chapters and based on an extensive variety of sources: diplomatic and personal correspondences, newspapers, pamphlets, translations, images, posters, and official documents from several nations.

One of the main issues pointed out by Prof. Doyle is that the United States was not only viewed as a nation growing in size and importance, but it virtually represented the major successful republican experiment to the world. In face of the failure of the republican movements of 1848 in Europe, it is not surprising that a government of the people and by the people, and a republic of such large dimensions (the only other example was Switzerland) was seen as doomed to failure. Conservatives in Europe expected this failure to assert that Monarchy was, as it had always been, the best method of government. On the other hand, the remains of the republican and liberal movements in Europe and the successfully republican, but very troubled governments, in Latin America looked at the U.S. with the hope they would one day thrive as theirneighbor, and counted on its protection from European incursions, in thesis guaranteed by the Monroe doctrine.

We are reminded of the great power that the press had gained by the 1860s, especially due to “print technology and the expansion of literacy, which made cheap publications and mass-audience possible” (p.3), which contributed to the understanding of the war and to the debates over it. As an event that has been analyzed from so many perspectives, the author chooses here to demonstrate that not only it mattered economically to the world (the relationship of the western world with the American cotton has been very well stablished), but its struggle over republicanism, freedom, and slavery was a central issue, especially through the eyes of the world and the need of international recognition from both the Union and the Confederate sides. The author also affirms that in its need of diplomacy and international support, the American Civil War pioneered what we now call public diplomacy, “the first, deliberate, sustained, state-sponsored programs aimed at influencing the public mind abroad” (p.3). From that perspective he sets himself apart from a strictly diplomatic history of the Civil War, building his arguments upon how an international public opinion was built over the war, and how it influenced and was influenced by the events, debates, and particular matters in their own nations.

Divided in three parts, “Only a Civil War”, “The American Question”, and “Liberty’s War”, we are guidedthrough the definition of the Civil War on both sides, its international scope and outcomes. In the first part, composed of 3 chapters, we are drawn to understand onemain question: what was the United States fighting for?The question issued by Garibaldi about whether the war was being fought over slavery or not, expressed the “moral confusion over just what the Union was fighting for” (p.24).How the Union and the Confederacy placed themselves internationally to guarantee, on one side, that governments did not recognize the CSA (Confederate States of America), and, on the other, to be recognized as a belligerent state is the main question in this part of the book. That is, the ideological and discursive dispute based on the idea of a “right” to secession in the realm of international law and within the American Constitution. Doyle affirms, nonetheless that this “legal quarrel (…) obscured a far more salient question as to the reason for secession” (p.29). That reason was being questioned by the international community and it was being answered through public diplomacy as Union and CSA struggled for support. And, although both sides initially tried to elude it, “every one of South Carolina’s grievances centered on slavery” (p.30). British, Spanish, and French declarations of neutrality threatened the Union and gave strength to the Confederacy, a diplomatic battle that would be stretched by the military victories of the CSA. Lincoln’s inaugural address in 1861 sought to place the Civil War as an international conflict, based on the principle of international law and the perpetuity of the union, and placed, once again, the extinction of slavery as a secondary matter: “the main issue before the public was already ‘Union or Disunion’, not slavery or abolition” (p.65). Apparently, however, Europeans were not at all concerned with local politics and the rights to secession. In that sense, it would be better to place the war upon “a higher moral basis”, and Europeans from different social sectors began to answer Garibaldi’s questions for themselves.

The second part of the book – The American Question – shows how the conflict was growing in the minds of the world as a global struggle, particularly as a crisis of life and death to the republican experiment “within the context of alternating swells of revolutionary hope and reactionary oppression that radiated through the Atlantic world in the Age of Revolution” (p.85). Republicanism, democracy, natural rights, and slavery, social change and structure, the delights of the conservatives in Europe and the fears of the liberals in view of the War:all that came to earth in the eyes of international observers of the conflict. Extreme democracy was at its death bed and the Empire powers, Britain, Spain, and France resurged and believed it possible to restore their authority. The imbrications of European politics concerning the Americas and their old colonies, as well as the role of foreign views on the conflict, which made their way to the U.S. through important translations of books and pamphlets, demonstrated how intellectuals were elaborating their own meaning of the conflict, helping to place the Civil War as an ideological conflict between slavery and freedom, monarchy and republicanism. It became definitely a global matter. The last chapter of Part II demonstrates how the Civil War became an internationalized conflict not only intellectually, but also in the battle front. Don H. Doyle brings to light the “Foreign Legions” that added up the military layers of the Union army, constituting among immigrants and sons of immigrants “well over 40 percent of the Union’s foreign-born soldiers” (p.159). Although this is not an unprecedented theme in the studies of the Civil War, Don H. Doyle is able to place their participation in a broad understanding of why these immigrants were so willing to fight for America within the international understanding of the Civil War and the construction of the American nation.

In the final part of the book, “Liberty’s War”, the author demonstrates how the war was defined not only as a war over slavery, but also as a struggle between democratic and monarchical governments and ideals, that is, the struggle for the people’s freedom. In that sense, he unveils the “Confederacy’s shift to the right” (p.186), referring to the support from the French sought by the CSA. This meant that not only was the South fighting for slavery, but to do so it was willing to support and negotiate with conservative European governments and to accept their interference in the American continent, including by offering what “can only be described as a magnificent bribe” (p.203) in the form of a very advantageous and long-term commercial treaty, in exchange for Napoleon III’s declared support of the South. The year of 1862 represented the greatest threat of foreign intervention in the Americas, and in that sense, a threat to all republican governments. The Union’s soft power was also directed at broadening the idea of “national preservation” to all governments by the people in the world, “the outcome of the American contest would decide nothing less than the fate of democracy” (p.215).

How the Union and CSA continuously fought in the field of public diplomacy for this narrative is one of the main points placed by DonH. Doyle, arguing that, considering all the military and political world powers engaged and interested in the outcomes of the American conflict, this diplomatic war was as important as the battlefields in American soil. Throughout the last part of the book, the author is able to discuss the significant changes occurring in Europe, not only towards the American Civil War and slavery, but also towards republicanism, particularly in face of the movement for national consolidation in Italy, leaded by Garibaldi and Mazzini, up to what he calls a “Republican Risorgimento”, which again altered the ideological frames of Europe and the Americas.

This book is not an attempt to account for the Civil War in its totality, it is not a new book on what was the Civil War, its causes and consequences, or how its main events and battles developed. Rather, it offers the opportunity to envision it as an international event that was part of a much broader crisis, which carried beneath it fundamental struggles, problems, and dilemmas that regarded the Western world at the second half of the nineteenth century. The American Civil War had a profound impact on the international relations of the early 1860s and high economic, social and ideological issues were at stake: a “struggle that shook the Atlantic world and decided the fate of slavery and democracy” (p.313). This book places the U.S. among other nations that, to survive as a unified national state, depended upon the support and approval of European and American nations. In this sense, it relates the future of the United States to that of other transatlantic relations and vice-versa. In doing this, not only he helps to give one step further towards the rupture with the idea of exceptionalism in American history, he also goes past its traditional links with Europe, including Latin America as part of the world being built in the 1860s, with its own contradictions and expectations. For Brazilian historians, it gives the opportunity to also step back from our own ideas of exceptionalism in the history of Brazil, understanding the political, economic, and ideological interconnections among the American continent, and that transatlantic history is a possible and fruitful path to do so.

Referência

DOYLE, Don H. The Cause of All Nations.An International History of the American Civil War. New York: Basic Books, a member of the Perseus Books Group, 2015.

Juliana Jardim de Oliveira – Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto – Minas Gerais – Brasil. Licenciada e bacharel em História pela Universidade Federal de Viçosa (2007), mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (2010), doutoranda do programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto. Ênfase em História da construção dos Estados Nacionais na América, particularmente Argentina, Brasil e Estados Unidos. Atualmente pesquisa a Guerra Civil dos EUA como evento internacional e seu impacto nos debates parlamentares brasileiros.


DOYLE, Don H. The Cause of All Nations.An International History of the American Civil War. New York: Basic Books, a member of the Perseus Books Group, 2015. Resenha de: OLIVEIRA, Juliana Jardim de. The war of brothers that changed the world: the U.S. civil war and the 1860s. Almanack, Guarulhos, n.21, p. 609-616, jan./abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

The Cultural Revolution of the Nineteenth Century: Theatre – the Book-Trade and Reading in the Transatlantic World. I. B. | Márcia Abreu e Ana Cláudia S. Silva

É recorrente a ideia, trazida especialmente pelos clássicos estudos sociológicos, de que a intensa conexão entre as nações ocorreu devido aos avanços técnicos e informacionais desenvolvidos durante o século XX, sobretudo em seu último quartel. Graças à rede mundial de computadores, os fluxos de deslocamentos de pessoas e a comunicação online favorecem a troca de informações e conhecimentos entre os vários países do globo, além de promover a ampliação das fronteiras no campo econômico e despertar novas modalidades de conflitos políticos. E se parte desses processos de fluxos mundiais já estivessem – para usar uma metáfora da época – a pleno vapor no século 19? Foi com base em indagações como essa que Márcia Abreu (Universidade Estadual de Campinas) e Ana Cláudia Suriani (University College London) organizaram The Cultural Revolution of the Nineteenth Century: Theatre, the Book-Trade and Reading in the Transatlantic World. Sua ideia central é que ao longo do século XIX havia fortes indícios da formação de uma “Aldeia Global” como conhecemos hoje.

Segundo o argumento geral do livro, as decisivas transformações socioculturais do Oitocentos puderam correr o mundo graças às Revoluções Atlânticas do final do século XVIII, ao crescimento demográfico sem precedentes na história humana e ao avanço tecnológico visível nas chamadas linhas de conexão (estradas de ferro, navios a vapor, cabos telegráficos). O encurtamento da distância e o maior contingente populacional aceleraram a circulação de símbolos e ideais culturais, entre eles o dos impressos. Circulando com muito maior liberdade e alcance através do Atlântico, jornais, livros, magazines, circulares, panfletos e folhas volantes se tornaram mercadorias internacionais e vetores das trocas culturais entre as nações. No século XIX era possível a manutenção do que, hoje, intitula-se globalização cultural.

The Cultural Revolution é resultado do projeto temático “A circulação transatlântica de impressos: a globalização da cultura no século XIX”, que reúne uma série de pesquisas, inseridas no campo da micro-história, que pretendem compreender a “revolução cultural silenciosa”, para utilizar a noção de Jean-Yves Mollier (Université Saint-Quentin Yvelines). O objetivo do grupo foi o de analisar os impressos e a circulação de ideias entre Brasil e demais países da Europa entre 1789 e 1914, intervalo inspirado no clássico de Eric Hobsbawm, A Era dos Impérios. Com características transnacionais, The Cultural Revolution reúne trabalhos de cientistas nacionais e estrangeiros de diversas áreas como a história, a sociologia, a antropologia e a literatura. Tal ponto denota a intenção de interdisciplinarizar as Ciências Humanas, passo fundamental para responder à questão que motivou a pesquisa: como se deram as transferências culturais entre a Europa e a América do Sul no século 19?

O livro possui quatro partes, e a primeira delas, Methodology Issues, como o próprio nome indica, consiste em analisar as questões metodológicas. Os três capítulos dessa parte tratam da análise dos agentes, do suporte, da materialidade e dos textos a partir das perspectivas da história do livro, ou da imprensa periódica, e da história da leitura. O primeiro capítulo, de Roger Chartier (École des Hautes Études en Sciences Sociales), analisa simultaneamente o texto para publicação e a fabricação do livro, dado que os escritos estariam sujeitos a mudanças de acordo com a produção editorial. “What is at stake here is not only the production of the book, but of the text itself in its material and graphic forms” (p. 17). Tal noção já se encontra em trabalhos anteriores do autor. Entretanto, a questão amplia-se agora às mercadorias ideológicas transnacionais, uma vez que é possível abordar como ocorreram as apropriações de livros e impressos confeccionados em determinado espaço e adaptadas para outra realidade.

No segundo capítulo, Jean-Yves Mollier (Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines) preocupa-se com a história da formação da casa editorial e da profissionalização do editor, analisados segundo aspectos socioeconômicos, ideológicos e políticos. Além da construção cultural dos objetos, Mollier considera o aspecto material e lucrativo da elaboração dos impressos. Esse espaço de produção e concorrência gerou o início da profissionalização do editor, que, não apenas empenhado em disseminar a cultura, também almejou a obtenção de lucros quando adequou conteúdos, fossem textos ou gravuras, para livros e outros suportes impressos, a fim de fazer circular as obras dentro de um espaço transnacional.

Após abordagens sobre o livro, a leitura e o editor, encontra-se o trabalho de Tania Regina de Luca (Universidade Estadual Paulista). A autora debruçou-se sobre o gênero impresso periódico, principalmente jornais e revistas. O texto abordou dois aspectos do fazer historiográfico em torno dessas publicações. O primeiro disserta sobre o universo mais amplo do uso de documentos para a pesquisa histórica que surgiu, sobretudo, com a renovação teórica e metodológica. O segundo ocupa-se com a metodologia aplicada ao estudo da imprensa, em particular a revista, como forma de analisar os problemas históricos de uma época que vão além das transferências culturais.

Com a primeira parte dedicada ao tratamento metodológico dos livros, editores e periódicos, as demais partes de The Cultural Revolution discorrem sobre os três seguimentos inseridos em contextos históricos específicos. A segunda, intitulada “Editing, selling and reading books between Europe and Brazil”, aborda pesquisas em torno de suportes de impressos, livros e periódicos, com foco nas casas editoriais e “editores” em formação.

À luz da abordagem de Mollier, João Luís Lisboa (Universidade Nova de Lisboa) tratou da profissionalização do editor em Portugal. Se num primeiro momento a elaboração de impressos tinha o intuito de informar sobre a política ou disseminar entretenimento, a partir da segunda metade do século 19 iniciou-se o processo de vulgarização de conteúdos variados, principalmente por meio de revistas. Tal mudança necessitou de maior demanda de trabalho e maior agilidade, o que ocasionou o início da profissão de editor na virada para o século XX. Por sua vez, Lúcia Granja (Universidade Estadual Paulista) versou sobre a expansão do mercado livreiro e do desenvolvimento da impressão de livros no Brasil do Oitocentos. Assim como Lisboa, Granja também observou com atenção os agentes em torno do comércio de livros e suas vinculações políticas com os episódios do país. Sua análise destaca Baptiste-Louis Garnier (1823-1893), elo crucial na corrente de circulação de impressos entre Europa e América do Sul. A segunda parte da obra encerra-se com o artigo de Claudie Ponciani (Université Sorbonne Nouvelle), dedicado à figura do engenheiro francês Louis-Léger Vauthier (1815-1901). Vauthier fora pela reforma infraestrutural de Pernambuco, além de vendedor de livros franceses sobre questões técnicas de engenharia e sobre ideais do “socialismo romântico”. O texto inseriu Vauthier na legenda passeur (mediador), noção discutida por Michel de Espagne, que também trouxe à tona a problemática das transferências culturais. Atualmente, a noção de mediação tem sido trabalhada pela historiadora Diana Cooper-Richet, integrante do projeto Transfopress que visa à análise de periódicos em língua estrangeira publicados na França.

Com o título “Cultural exchanges through periodicals”, a terceira parte do livro dedica-se à investigação dos periódicos pela perspectiva das trocas culturais. Eliana de Freitas Dutra (Universidade Federal de Minas Gerais) analisou, sob o ponto de vista da materialidade, como sugere Tania de Luca, a Revue des Deux Mondes (1829-), editada na Cidade Luz e, a título de curiosidade, a preferida de D. Pedro II. Recortando sua análise entre os anos 1870 e 1930, a autora observou o aumento de colaboradores e uma maior discussão sobre diversos países. Na época, o Brasil figurou em várias páginas como alvo de debates que o exibiam como país não desenvolvido por possuir natureza tropical abundante. Os textos de Ana Claudia Suriani da Silva, bem como de Adelaide Machado (Universidade Nova de Lisboa) e Júlio Rodrigues da Silva (Universidade Nova de Lisboa), tomaram os periódicos como fonte de pesquisa. Suriani trabalhou com a moda francesa difundida por impressos franceses e pelos brasileiros Correio das ModasNovo Correio das Modas e A Estação; e Adelaide Machado e Júlio Silva, com problemáticas mais amplas resultantes da integração cultural, como a imigração entre Brasil e Portugal, ponto discutido nas folhas ilustradas Jornal do Brasil (1897-8) e Portugal-Brasil (1899-1914), ambos de Lisboa.

A quarta e última parte do livro, “Plays and novel between Europe and Brazil”, volta-se para a análise ideológica dos teatros e romances modernos, difundidos no século XIX pelos autores ingleses Ann Radcliffe (1767-1823) e Sir Walter Scott (1771-1832). Com o objetivo de comparar e intersectar os diversos interesses de leitores do Brasil, França e Portugal, Márcia Abreu analisou trabalhos de ficção que circularam entre o Rio de Janeiro e Paris. Daniel Melo (Universidade Nova de Lisboa) também se debruçou sobre o gosto dos novos públicos-leitores brasileiro e português, porém com o intuito de examinar o desenvolvimento da leitura em distintos grupos sociais. Por fim, dois artigos examinaram a difusão da produção teatral francesa (tanto a dramática como a lírica). Jean-Claude Yon (Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines) abordou a disseminação dos espetáculos em diversos espaços nacionais ao longo do século XIX, a fim de demonstrar o apogeu do teatro francês no início do século e o seu declínio no desfecho do Oitocentos. Orna Messer Levin (Universidade Estadual de Campinas) associou as peças teatrais no Brasil aos impressos periódicos com a finalidade de demonstrar que ambos revelaram a predominância da cultura francesa no país. Levin ainda chamou a atenção para a produção de outras nacionalidades em convívio com a francesa, pois, apesar da hegemonia da língua de Voltaire, a competitividade teria aberto espaço para a expansão do mercado e a profissionalização de editores e de profissionais do teatro no início do século XX.

Ao abordar a circulação de objetos e ideias através de um mercado em expansão entre o Brasil e a Europa, a obra The Cultural Revolution of the Nineteenth Century evidenciou encontros culturais transatlânticos de primeira grandeza. Do ponto de vista da escrita da história, o livro é um contraponto à historiografia nacionalista-desenvolvimentista que suprimiu documentos e fontes de origem estrangeira em detrimento de produções vernaculares. Graças à história do livro e da leitura, em consonância com a história cultural, os historiadores e outros estudiosos das Ciências Sociais vêm demonstrando que a flexibilização das fronteiras nacionais é muito mais antiga do que se pensa. A “Aldeia Global” de hoje teve suas próprias formas de existir antes da internet, seus bits e bytes.

Referência

ABREU, Márcia; SILVA, Ana Cláudia Suriani. The Cultural Revolution of the Nineteenth Century: Theatre, the Book-Trade and Reading in the Transatlantic World. I. B. Tauris: London, New York, 2016.

Helen de Oliveira Silva – Universidade Estadual de São Paulo (UNESP). Assis – São Paulo – Brasil. Graduada em História e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Assis. Bolsista Fapesp, processo nº 2017-20828-4. E-mail: hdeosilva@gmail.com


ABREU, Márcia; SILVA, Ana Cláudia Suriani. The Cultural Revolution of the Nineteenth Century: Theatre, the Book-Trade and Reading in the Transatlantic World. I. B. London, New York: Tauris, 2016. Resenha de: SILVA, Helen de Oliveira. Entre Brasil e Europa: a Revolução Cultural do século XIX. Almanack, Guarulhos, n.21, p. 617-622, jan./abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

Cadernos de Pesquisa do CDHIS. Uberlândia, v.31, n.2, 2018.

Editorial

Apresentação

Dossiê: A instituição retórica e a sua longa duração

Artigo Livre

Resenha

Publicado: 11-04-2019

O lúdico e a história: caminhos de pesquisa e ensino | História, histórias | 2019

Em 1938 o medievalista holandês Johan Huizinga publicou Homo ludens: o jogo como elemento da cultura (Homo ludens. Proeve eener bepaling van het spel-element der cultuur), a primeira obra dedicada a examinar o elemento lúdico nas culturas e sociedades humanas. Em 1990, o assiriologista britânico Irving Finkel organizou um colóquio no Museu Britânico que deu origem à International Board Game Studies Association. Onze anos depois, a revista online Game Studies (Suécia/Dinamarca) publicava seu primeiro número, no qual o editor Espen Aarseth declarava 2001 como o “ano um” dos estudos de jogos eletrônicos.

Embora o campo tenha demorado a se constituir como uma área independente, a produção dos estudos lúdicos nos últimos vinte anos é tão vasta que se torna impossível listá-la. Impulsionada pela popularidade dos jogos eletrônicos, a ludologia se enraizou e se expandiu abarcando áreas previamente inimagináveis como o uso de jogos para a produção artística, o estudo das ‘economias virtuais’ internas aos jogos, a análise das ‘culturas lúdicas’ criadas pelos jogadores interconectados ao redor do mundo, o efeito dos jogos na saúde (especialmente os benefícios de jogar para idosos), a aplicação de conceitos lúdicos na administração de negócios reais ou em políticas públicas, entre outras. Leia Mais

História, Histórias. Brasília, v.7, n.13, 2019.

O lúdico e a História: caminhos de pesquisa e ensino (jan-jun)

DOI: https://doi.org/10.26512/hh.v7i13

Dossiê

Artigos

Publicado: 2019-04-11

Revista Brasileira de História. São Paulo, v.39, n.80, 2019.

Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais. São Cristóvão, v.19, n.1, 2019.

Expediente Revista EDaPECI

Editorial Revista EDaPECI

Artigos Gerais

Publicado: 2019-04-09

Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 18 n. 1, 2019.

Fotografia da capa: Alunos e Professores da Escola Samambaia. Escoteiros e Liga da Bondade. Coleção Professor Jerônimo Arantes (CPJA, 636) do Arquivo Público de Uberlândia (Minas Gerais, Brasil).

Editorial

Dossiê: Educação em Perspectiva Local/Municipal

Artigos

Publicado: 2019-04-05

Hydra. Guarulhos, v.3 n.5, 2018.

História dos esportes e lazer

Edição completa

Editorial

Dossiê

Artigos Livres

Notas de Pesquisa

Publicado: 2019-04-04

Cuando la enfermedad se silencia: sida y toxicidad en el oriente boliviano | Susana Ramirez Hita

Este nuevo estudio de Ramírez Hita (2016) presenta un doble interés para la antropología médica. Por un lado, el valor académico del trabajo con material de campo y fuentes secundarias. Por el otro, el interés de salud pública de problematizar la toxicidad y la relación con el padecimiento del sida.

El estudio, producto de dos consultorías que Ramírez Hita realizó sobre el sida en Bolivia entre 2009 a 2011 y del 2013 al 2015, fue editado en el 2016 y consta de dos partes. La primera sobre la construcción del concepto del sida y la segunda, sobre las condiciones de los servicios de salud y de las personas viviendo con sida. Leia Mais

High Hitler: como o uso de drogas pelo Führer e pelos nazistas ditou o ritmo do Terceiro Reich | Norman Ohler

O livro High Hitler: como o uso de drogas pelo Führer e pelos nazistas ditou o ritmo do Terceiro Reich foi lançado em 2015, pelo romancista, roteirista e jornalista alemão Norman Ohler, e tornou-se imediatamente um bestseller na Alemanha, EUA e Grã-Bretanha, sendo traduzido até o momento para mais de 25 países. Essa é a primeira obra não ficcional do autor, que assume no prólogo que não pretende conceber um ensaio historiográfico, mas sim “uma perspectiva inconvencional e distorcida” ( Ohler, 2017 , p.13).

Embora Ohler tenha se valido de fontes documentais inéditas e valiosas, ao não adotar um procedimento teórico-metodológico mínimo, acaba por fazer afirmativas sem respaldo empírico. A polêmica obra descreve em tons fortes e com linguagem jornalística a necessidade crescente da utilização de estimulantes sintéticos pela sociedade alemã em geral e pela cúpula do Terceiro Reich em particular no período de 1933 a 1945. Além disso, o autor apresenta um amplo panorama no qual aborda historiograficamente a grande importância do segmento industrial químico-farmacêutico alemão na síntese de anfetaminas e “narcóticos que marcaram os acontecimentos no Estado nazista e nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial” ( Ohler, 2017 , p.12). Leia Mais

La medicina popular peruana (Contribución al folklore médico peruano) | Hermilio Valdizán e Ángel Maldonado

La casi centenaria Medicina popular peruana demanda mucho a sus lectores, no solo por su extensión, sino por la riqueza y la densidad de las informaciones recogidas y sintetizadas por el doctor en medicina y psiquiatra Hermilio Valdizán (1885-1929) y por el doctor en ciencias Ángel Maldonado (1890-1955). Esta edición de la Universidad del Altiplano de Puno es el mayor esfuerzo editorial planteado desde la aparición de la primera edición limeña en 1922. En efecto, entregan al lector dos volúmenes con todas las abreviaturas desarrolladas en el cuerpo del texto además de una reconstrucción de la bibliografía, que originalmente era mínima, ya que la investigación actual arroja 257 referencias de autores y obras citadas, las cuales sirven de insumo a la traducción de todas las citas que estaban en idiomas extranjeros y que ahora disponemos paralelamente en castellano. Suman índices y vocabularios, tales como un glosario de 135 palabras quechuas y populares; un vocabulario popular con 427 entradas de nombres de uso corriente sobre remedios, enfermedades, medidas para los preparados medicinales entre otras empleadas por los estudiosos de la farmacopea entre los siglos XVIII y XX, y un vocabulario médico occidental con 112 entradas cuya fuente son los tesauros especializados. Este extenso aparato de referencias es un instrumento de lectura que implica importantes consecuencias para la investigación actual. Finalmente, el lector tiene nuevas referencias para penetrar en una obra clásica del folklore médico y, a su vez, acalla la crítica de quienes consideraban que el principal defecto era “el poco análisis y sistematización realizado por los autores” ( Devoto Bazán, 2016 , p.79). Leia Mais

Eugenics: a very short introduction | Philippa Levine

Eugenics: a very short introduction, de Philippa Levine, publicado pela Oxford University Press em 2017, tem dimensões modestas, mas presta um belo serviço ao tratar de assunto tão controverso e espinhoso. Os recentes estudos sobre o tema no Brasil e a constante associação entre eugenia e nazismo fazem com que o debate não seja novidade e a publicação de livros que abordem os movimentos eugênicos não seja uma surpresa. Mas, em tempos de radicalismos, intolerância de gênero, racial, social, posições políticas exacerbadas, polarizações e extremismos, a eugenia, toda a rede construída ao redor de seu movimento, seus usos, sua aplicação, suas conseqüências e suas permanências, torna-se assunto de extremo interesse e é essencial que seja sempre revisitado e discutido.

O livro faz parte da coleção “A very short introduction”, publicada desde 1995; atualmente com cerca de 450 títulos, tem como proposta a apresentação dos mais variados temas, de forma “acessível e estimulante”, bastante semelhante à série “O que é” publicada no Brasil pela Editora Brasiliense. Philippa Levine é professora do departamento de História da Universidade do Texas, com vasto currículo e experiência em pesquisa sobre eugenia e temas correlatos.1 Leia Mais

Los pacientes del Manicomio La Castañeda y sus diagnósticos: una historia de la clínica psiquiátrica en México, 1910-1968 | Andrés Ríos Molina

Los pacientes del Manicomio La Castañeda y sus diagnósticos: una historia de la clínica psiquiátrica en México, 1910-1968 (Ríos Molina, 2017) traz boas contribuições não somente para o campo dos estudos sobre a história da psiquiatria, mas para o conjunto de pesquisas que enfoca a trajetória dos pacientes psiquiátricos, os diagnósticos e as instituições asilares a partir da análise de documentos clínicos.

Fruto do trabalho coletivo de ampla rede de pesquisadores, a obra organizada por Andrés Ríos Molina, publicada em 2017, confirma a importância da concretização do longo e audacioso projeto de elaboração de uma base de dados que abriga mais de 12 mil registros pertencentes a indivíduos internados no Manicomio General de La Castañeda durante todo seu período de funcionamento (1910-1968). A cifra corresponde a apenas 20% de todos os documentos encontrados, por meio dos quais foi possível recuperar informações sobre aproximadamente 15 variáveis, entre elas sexo, idade, estado civil, profissão e diagnóstico. Leia Mais

Arquivos de Instituições médicas e de saúde / Revista do Arquivo / 2019

Medicina, saúde pública e arquivo entre os espaços de memória e de história

Recentemente, temas relativos à memória se tornaram objeto de reflexão historiográfica, em particular a partir dos anos 1970, quando os historiadores da Nova História começaram a trabalhar com essa temática, aproximando-se de estudos já avançados no campo da filosofia, da sociologia, da antropologia e, principalmente, da psicanálise. É essa história que se empenha em sua cientificidade, ganhando a memória um lugar de importância decisiva. A partir de um problema em torno da contemporaneidade, uma iniciativa retrospectiva e a renúncia a uma temporalidade linear em favor de tempos múltiplos, a relação de enraizamento do individual no social e no coletivo ganha a atenção desses analistas, fermentando pesquisas em torno de lugares da memória coletiva. Para Jacques Le Goff (1996, p. 473), esse seriam:

[…] lugares topográficos, como os arquivos, as bibliotecas, os museus; lugares monumentais como os cemitérios e as arquiteturas; lugares simbólicos como as comemorações, as peregrinações, os aniversários ou os emblemas; lugares funcionais como os manuais e as autobiografias, mas não podendo esquecer os verdadeiros lugares da história, aqueles onde se deve procurar, não a sua elaboração, não a produção, mas os criadores e os denominadores da memória coletiva: Estados, meios sociais e políticos, comunidades de experiências históricas ou gerações, levando a constituir os seus arquivos em função dos usos diferentes que fazem da memória.

Se a identificação da memória está entre os próprios alicerces da história, muitas vezes se confundindo com o documento, com o monumento ou com a oralidade, é essencial ao ofício do historiador a relação estabelecida com memórias, sejam elas de que natureza forem, exigindo, ao mesmo tempo, cuidados que devem incluir uma clara conceituação entre história e memória, evitando considerar as memórias como um discurso mais verdadeiro, mais próximo do que teria sido o que se poderia chamar de uma “verdadeira história”. O historiador também se deve preocupar em definir em torno das memórias uma clara exposição de métodos, tanto no que tange à coleta dessas memórias como em seu emprego posterior no interior de um discurso historiográfico. Esses cuidados buscam dirimir tensões que existem entre os conceitos de memória e de história, que, longe de serem sinônimos, têm entre si um jogo sobretudo de oposição.

Sempre carregada de grupos vivos, a memória estaria aberta à dialética das lembranças e dos esquecimentos, inconsciente de suas sucessivas deformações, vulnerável a todos os usos e manipulações, enquanto a história seria a reconstrução sempre problemática e incompleta daquilo que não mais existe:

A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente, enquanto a história é uma representação do passado, porque é uma operação intelectual e laicizante, demandando análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta e a torna sempre prosaica (NORA, 1993, p. 9).

Nesse sentido, a memória trata dos outros, mas para falar do indivíduo, numa relação consigo mesma e, por isso, construtora de identidade, presa a grupos, à visão de grupo ou grupos que é expressão, envolvendo em seu discurso uma maior ou menor distância em torno da polaridade memória individual-coletiva, envolvendo tríplice atribuição: “a si, aos próximos, aos outros, afinal, não existe um plano intermediário de referência no qual se operam concretamente as trocas entre a memória viva das pessoas individuais e a memória pública das comunidades às quais pertencemos?” (RICOEUR, 2007, p. 141-142).

É nesse campo problemático envolvendo memória, identidade e construção de discursos que a história se elabora na externalidade com o acontecido. É uma interpretação a posteriori do fato, trabalhando com as experiências de inúmeros grupos e indivíduos, querendo conhecê-los e, consequentemente, interpretá-los, numa relação com a alteridade, numa relação com a identidade que é a de localizá-la para descobri-la em suas diferenças.

Quando as questões médicas e de saúde pública ganharam compreensão historiográfica, era esse um de seus maiores dilemas: como construir um discurso histórico em torno de uma memória já tão alicerçada em alguns cânones considerados pétreos e como capturar um novo discurso considerando as preocupações que a própria história colocava em seu campo de trabalho, diferenciando o que é a memória e o que é a história, apontando novas possibilidades interpretativas e temáticas?

A proposta de um dossiê

Entre os anos 1960-70, quando a Medicina Social abriu o debate acadêmico e social sobre os processos saúde-doença e as formas de organização das práticas sanitárias em sua visão interdisciplinar, identificou na História e em sua dimensão crítica um campo de saber fundamental. Apresentando a primeira coletânea brasileira sobre aspectos teóricos e históricos da Medicina Social, Cecília Donnangelo (1983, p. 10) recomenda a seus estudiosos e defensores uma atenção particular à dimensão histórica de sua constituição e de seus dilemas, “apreendido[s] e reconstruído[s] também através da análise histórica”.

Esse empreendimento intelectual se distanciou da História da Medicina que vinha sendo difundida desde o século XIX sob balizas positivistas do conhecimento, quase sempre escrita por médicos, que:

[…] ordenavam fatos à luz de esquemas evolutivos que combinavam os marcos cronológicos da história política e administrativa brasileira com a marcha ascendente dos conhecimentos rumo a uma história científica, eficaz, por obra, quase sempre, de vultos de importância nacional e local (BENCHIMOL, 2003, p. 108).

Entre os clássicos dessa produção no Brasil, estão História da Medicina no Brasil (1947), de Lycurgo de Castro Santos Filho, e História da Medicina no Brasil (1948-49), de Pedro Nava.

Assim, no âmbito da saúde e das práticas médicas, a medicina social procurava compreender mais amplamente a história da produção e difusão desses conhecimentos e dessas práticas não mais se restringindo à investigação fechada na ideia de um “irretocável” patrimônio científico e técnico, mas percebendo-os num contexto em que circulam e se articulam inúmeros fatores, inseparáveis das condições econômicas, sociais, políticas e culturais. Em particular, entre os historiadores, o impacto da tradição da Escola dos Annales entre os anos 1970-80 alargou todo um repertório de objetos, abordagens, ferramentas conceituais e fontes, originando temas, metodologias, problemas e alternativas requalificadas por metodologias específicas da ciência histórica e de sua lógica.

Nesses termos, o território da geração da Medicina Social, como George Rosen, Henry Sigerist e Entralgo, viveu incorporações e discussões importantes em torno da perspectiva historiográfica:

Questões pertinentes à raça e ao gênero, uma visão mais refinada de classes e categorias sociais, a atenção aos atores e particularismos locais passaram a informar os estudos sobre políticas, instituições e profissões de saúde. A história da medicina deixou de ser apenas a história dos médicos para se tornar também a dos doentes, e a história das doenças experimentou um verdadeiro boom historiográfico. O corpo, a infância, as sensibilidades, o meio-ambiente e outros objetos atenuaram as fronteiras entre a ciência da história e outras ciências humanas e naturais (BENCHIMOL, 2003, p. 109).

Eis a motivação maior para a construção deste dossiê, reunindo um conjunto de estudos nacionais e internacionais sobre temas médicos e de saúde pública, mas afinados com o lugar da documentação, de sua guarda, conservação e disponibilização para a pesquisa histórica. Isso porque há todo um esforço dos pesquisadores frente à dificuldade de acesso a arquivos que tratam de medicina e saúde pública advinda do próprio campo arquivístico, envolvendo o lugar da memória documental e sua relevância na explicação do passado e na formação de um pensamento presente:

[…] as instituições arquivísticas públicas brasileiras apresentam aspectos comuns no que se refere às suas características fundamentais. Trata-se de organizações voltadas quase exclusivamente para a guarda e acesso de documentos considerados, sem parâmetros científicos, como de valor histórico, ignorando a gestão de documentos correntes e intermediários na administração que os produziu (JARDIM, 1995, p. 7).

Num plano específico, por outro lado, devem-se notar particularidades advindas no campo médico e de saúde pública que tangem ao esforço dos centros arquivísticos para transformar documentos, quase sempre de natureza privada ou institucional, em documentos de valor histórico e público, tendo que acolhê-los, conservá-los e disponibilizá-los a pesquisadores em todo um percurso difícil, fazendo com que parte dessa documentação seja descartada antes de chegar aos arquivos:

Os arquivos privados classificados como de interesse público, apesar de continuarem a ser bens privados, integram o patrimônio cultural da nação. Essa contradição, aparentemente de difícil solução, tem que ser pensada a partir da ideia do interesse público que, por ser comum a toda sociedade, se sobrepõe aos interesses individuais. No caso da propriedade privada, o exercício desse direito possui limite igualmente previsto no texto constitucional brasileiro, qual seja, sua função social ou sua utilidade pública (COSTA, 1998, p. 197).

É nessa dinâmica, que vai da identificação de acervos e da possibilidade de acolhê-los até a escolha do que deve ou não ser preservado e de sua disponibilização para a pesquisa, que o Arquivo Público do Estado de São Paulo vem há anos se preocupando em resgatar parte dessa memória, traduzida por uma intensa experiência acumulada de projetos, atividades e apresentação de temas que variam entre ações educacionais, de pesquisa e divulgação, permitindo:

[…] a integração de diferentes conhecimentos, de diferentes áreas, de diferentes profissionais. Envolve pesquisa, comunicação, ação pedagógica e uso da tecnologia, o que justifica o envolvimento não apenas de historiadores e arquivistas (os profissionais típicos dos arquivos permanentes), mas jornalistas, publicitários, designers, professores, revisores (BARBOSA; SILVA, 2012, p. 8).

É essa ampla e abrangente dimensão arquivística que permite ampliar métodos e, sobretudo, divulgar suas fontes, trazendo como documentos históricos pistas e rastros possíveis que levem a compreensões capazes de repercutir neste dossiê as práticas dos médicos e de seus pacientes, bem como seus espaços institucionais de ensino, pesquisa e trabalho, mas, com a mesma força, as práticas e representações do homem comum, os espaços de associações profissionais, sociedades científicas e periódicos, sem perder de vista o universo popular, suas formas de organização e sua leitura do mundo que o cerca. Assim:

[…] além da legitimidade da memória no fazer histórico, o que se quer perceber são os contrastes de sua facção pela experiência vivida, sempre conduzida pela preocupação da história de apresentar um determinado tempo passado, com seus homens e suas mulheres, revelando por isso o tempo presente, também com seus homens e suas mulheres, mas estes carregados de projeções de um futuro incerto (MOTA, 2018, p. 81).

Referências

BARBOSA, Andresa Cristina Oliver; SILVA, Haike Roselane Kleber da. Difusão em arquivos: definição, políticas e implementação de projetos no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Acervo, Rio de Janeiro, v. 25, n.1, p. 45-66, 2012.

BENCHIMOL, Jaime L. História da medicina e da saúde pública: problemas e perspectivas. In: ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de (Org.). Ciência em perspectiva: estudos, ensaios e debates. Rio de Janeiro: MAST / SBHC, p. 97-106, 2003.

COSTA, Célia Leite. Intimidade versus interesse público: a problemática dos arquivos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 189-199, 1998.

DONNÂNGELO, Maria Cecilia Ferro. Apresentação. In: NUNES, Everardo Duarte. Medicina Social: aspectos históricos e teóricos. São Paulo: Global, p. 10-12, 1983.

JARDIM, José Maria. A invenção da memória nos arquivos públicos. Ciência da Informação, Brasília, v. 25, n. 2, p. 1-13, 1995.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 4a ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1996.

MOTA, André. Tempos cruzados: raízes históricas da saúde coletiva no Estado de São Paulo 1920-1980. Tese (Livre-docência em História da Medicina) – Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

NORA, Pierre. Entre memória e história: o problema dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, 1993.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Ed. Unicamp, 2007.

André Mota – Historiador, Professor Livre-docente do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina- USP e Coordenador do Museu Histórico-FMUSP.


MOTA, André. Apresentação. Revista do Arquivo, São Paulo, Ano IV, n.8, abril, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Philosophy of Mathematics – LINNEBO (M)

LINNEBO, Ø. Philosophy of Mathematics. Princeton Universisty Press, 2017. 216p. Resenha de: ALBARELLI, Felipe. Manuscrito, Campinas, v.42 n.2 Apr./June 2019.

The present volume is a contribution to the book series Princeton Foundations of Contemporary Philosophy, and offers a self-contained presentation of fundamental topics of the contemporary philosophy of mathematics. Notwithstanding the intrinsic difficulties of the subject, the book is enjoyable and very well-written and Linnebo succeeds in giving a clear presentation of intricate debates and concepts. The focus of the text is on problems and consequently history is presented only to clear the origin of the various topics. For this reason this book perfectly complements the classic textbook by Shapiro [1], offering a more updated and problem driven introduction to the philosophy of mathematics.

The book is divided in twelve chapters, roughly grouped in two parts: the first seven chapters are devoted to the classic themes from which originate the contemporary debate, while the last five offer a selection of contemporary trends in the philosophy of mathematics. The content-and to some extent the structure-of the book reflects the division in sections of the evergreen anthology by Benacerraf and Putnam [2]: the presentation of the big three schools and the corresponding views on the foundations of mathematics, the ontological problem for mathematical objects, the epistemological problem for mathematical knowledge, and a discussion of the philosophy of set theory.

The book does not intend to be complete neither with respect to the contemporary debates, nor with respect to the history of the discipline. Nonetheless, Linnebo succeeds in giving a broad perspective which introduces some of the most interesting problems of the subject and that, therefore, can profitably be used as an introduction for both philosophers and mathematicians.

This is another merit of this book. It is explicitly structured to build a bridge between the two disciplines, being palatable for people with backgrounds from both philosophy and mathematics. Without diluting the beauty of the subject in shallow waters easy to explore, this book presents the classical ontological and epistemological problems in such a clear way to make them interesting and puzzling from both a philosophical and a mathematical perspective.

We therefore highly recommend this book as an introduction to the philosophy of mathematics; one that will surely convince the readers to investigate further this vast and intriguing domain. We conclude by surveying the content of each of the twelve chapters.

In Chapter One Mathematics as Philosophical Challange, Linnebo introduces the main themes of the book. Initially, the author presents the integration challenge: the attempt to reconcile on a philosophical ground the ontology of abstract mathematical objects with priori knowledge. Next, a section is dedicated to a brief presentation of Kant’s philosophy of mathematics. Here the analytical/synthetic and the a priori/a posteriori distinction are presented. Finally, Linnebo ends the chapter describing the main philosophical positions with respect to mathematics, on the base of Kant’s distinctions.

Chapter two Frege’s Logicism is about Frege’s philosophy of mathematics. Linnebo starts by outlining both Frege’s logicism and his platonism about mathematical objects. Frege’s argument for logicism is presented as an attempt to reduce sentences about arithmetic to sentences about cardinality, while the argument for platonism is introduced by considerations on the semantics of natural language. Subsequently, Frege’s response to the integration challenge is presented. Towards the end, the author shows how Cesar’s problem and Russell’s Paradox undermine Frege’s logicist project.

Chapter three Formalism and Deductivism addresses the two positions named in the title, explaining the motivations for each as well as the main problems that they face. Initially, game formalism is presented, this is the thesis according to which mathematics is the study of arbitrary formal systems, like a game of symbolic manipulation. Next, Linnebo presents term formalism, according to which mathematical objects are the symbols used by mathematicians. Finally, the chapter ends with a discussion on deductivism, the position that sees mathematics as the study of the the formal deductions from arbitrary axioms.

Chapter four Hilbert’s Program is about Hilbert’s formalistic project. This type of formalism differs from the previous ones in that it distinguishes between two types of mathematics: finitary, which deals only with arbitrarily large and finite collections, and infinitary, which deals with complete infinite collections. Linnebo argues that Hilbert assimilates finitary mathematics to term formalism, and infinitary mathematics to deductivism. Hilbert Program is presented as making use of finitary mathematics, which has few suppositions but limited applications, to justify the use of infinitary mathematics, that is epistemically problematic but without limits of application. The chapter ends with a discussion of how the discovery of Gödel’s incompleteness theorems showed the impossibility of completing Hilbert Program.

Chapter five Intuitionism deals with the philosophical thesis bearing the same name, which stands out from those already presented by criticizing certain mathematical practices. Initially, Linnebo explains that intuitionists argue that proofs that use non-constructive methods implicitly presuppose platonism; thus the proposal to abandon principles like the law of the excluded middle. Next, the chapter discusses the intuitionist alternative ontology of mathematics in terms of mental constructions. A subsection is devoted to present intuitionist logic. The chapter ends by showing how the intuitionist view on infinity and proof can influence arithmetic and analysis.

Chapter six Mathematics Empiricism provides an initial section on Mill’s philosophy of mathematics and then focuses on Quine’s empiricism and the indispensability arguments. Initially, Linnebo presents Mill’s argument in defense of the thesis that the principles of mathematics are empirical truths. Then, in discussing Quine, Linnebo presents the main arguments against the synthetic/analytical distinction and his holistic empiricism, together with the criticism that these positions received in the literature. The chapter ends with a presentation and discussion of Quine’s famous indispensability argument, which defends mathematical platonism on the basis of the unavoidable use of mathematics in science.

Chapter seven Nominalism discusses the thesis that no abstract mathematical objects exist. Linnebo explains that the difficulty of explaining how we could have knowledge of abstract objects, given that they have no causal relationship, serves as a basis for nominalism. Then, Field’s project to nominalize science is presented, which consists in showing that it is possible to do science with a language that is not committed to the existence of abstract entities. To this aim, Filed needs to reformulate scientific theories without impacting on their deductive capacities. Towards the end Linnebo also presents a form of nominalism that is not reconstructive.

Chapter Eight Mathematical Intuition is devoted to mathematical intuition. Here we face directly the difficult problem of the justification of mathematical knowledge. After having cleared that intuition is not an univocal notion and that intuitive knowledge may come in degrees, Linnebo proceeds in presenting the recent debate on the relevance of intuition in mathematics. We are briefly recalled that intuition is fundamental in the work of Hilbert, Russell, and Gödel and then the chapter goes on presenting recent defenses of mathematical intuition: the realist use that Maddy made of this notion, the position of Parsons which extends the line of Kant and Hilbert, and finally the phenomenological perspective of Føllesdal. The extent to which intuition can be used to justify higher mathematics is then referred to chapters ten and twelve.

Chapter Nine Abstraction Reconsidered goes back to the notion of abstraction, connecting Frege’s work with the neo-logicist position inaugurated by Hale and Wright. Abstraction principles are presented as a form of access to abstract mathematical objects. The discussion starts from Russell’s paradox and the consequent collapse of Frege’s logicist program. After briefly presenting Russell and Whitehead proposal to avoid the paradoxes by means of type theory, Linnebo presents the neo-logicist prosopal: the attempt to derive arithmetic from safe abstraction principles. After a discussion of the logicality of Hume’s Principle and after presenting the problem of distinguishing the good abstractions from the bad ones, the chapter ends with a discussion on a form of abstraction called dynamic, which better fits the iterative conception of sets.

Chapter Ten The Iterative Conception of Sets is meant to introduce the reader to the problems of the philosophy of set theory. After briefly recalling the definition of the cumulative hierarchy of the Vα, which form the intended interpretation of the axioms of set theory, Linnebo presents and discusses the axioms of ZFC. The chapter continues explaining the similarities between ZFC and type theory and then proceeds in addressing Boolos’ stage theory-i.e. the philosophical counterpart of the formal presentation of a cumulative hierarchy-and the way in which this theory is used to justify a great amount of ZFC axioms. Linnebo then warns the reader from the difficulties of a literal understanding of the generative vocabulary and towards the end of the chapter he introduces the debate between actualists and the potentialists with respect to existence of the universe of all sets.

Chapter Eleven Structuralism presents the main tenants and problems of a view of mathematics centered around mathematical structures. Following the standard terminology, Linnebo divides structuralist positions between eliminative and noneliminative structuralism, according to the commitments to the existence or nonexistence of structures or patterns. By exemplifying these position Linnebo presents the case of arithmetic, discussing the origins of structuralist positions in the work of Dedekind. An interesting section then is devoted to the view according to which structures result from a process of abstraction. The chapter ends by outlining the connection between structuralism and the foundations of mathematics offered by category theory.

Chapter Twelve The Quest for New Axioms brings back the discussion to the philosophy of set theory. The starting point of the discussion is found in the widespread presence of independence in set theory, discovered after the proof of independence of the Continuum Hypothesis (CH) from ZFC. Linnebo then proceeds in discussing the main philosophical arguments offered to justify extensions of ZFC able to overcome independence: intrinsic reasons, connected to the use of intuition, and extrinsic reasons, based on the success of new set-theoretical principles. The chapter ends with a discussion on two common views on set theory: pluralism, that equally accepts different interpretations of ZFC, and a monist view, that has its roots on the quasicategoricity argument of Zermelo for second order ZFC.

References

  1. SHAPIRO. Thinking about Mathematics. Oxford University Press, 2000. [ Links]
  2. BENACERRAF AND H. PUTNAM. Philosophy of Mathematics. Selected Readings. Cambridge University Press, 1967. [ Links]

Giorgio Venturi – University of Campinas. Department of Philosophyv. Brazil. gio.venturi@gmail.com

Felipe Albarelli – University of Campinas. Department of Philosophy. Brazil. felipesalbarelli@gmail.com

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Priority Nominalism – IMAGUIRE (M)

IMAGUIRE, G.. Priority Nominalism. Springer Verlag, 2018. 171p. Resenha de: CICCARELLI, Vicenzo. Manuscrito, Campinas, v.42 n.2 Apr./June 2019.

In his most recent book ‘Priority Nominalism’ (2018, Springer Verlag), Guido Imaguire presents a new sort of nominalism considered both as a development and an enrichment of Quine’s view on universals notoriously labeled by Armstrong Ostrich Nominalism: like the Ostrich that buries his head under the ground, the Quinean nominalist gets rid of universals by not taking predicates with the adequate ontological seriousness.

The basic idea of the book is that questions of existence must be answered by applying what Imaguire calls the criterion of Grounded Ontological Commitment. According to this criterion, Quine’s criterion of ontological commitment must be applied not to all sentences composing the theories that we are open to accept as true, but only to sentences of the same theories – or suitable paraphrases – expressing fundamental facts, i.e. facts that are not grounded in any other fact. This criterion combined with the view that predication is fundamental, i.e. not grounded in any other fact about properties, classes, platonic forms, etc… – results in a strengthened version of Ostrich Nominalism: there are no universals for there are no sentences expressing fundamental facts in which expressions allegedly standing for universals occur in a position into which we may quantify. Thus the notion of metaphysical grounding represents the additional and crucial ingredient of Priority Nominalism that makes it a strengthened version of Quine’s Ostrich Nominalism. Moreover, Priority Nominalism besides gaining more argumentative strength than Ostrich Nominalism is also wider in scope: not just properties, but also entities like classes, numbers, meanings, and word types can be explained away using the same strategy.

The book has also another purpose: to show that the attitude of the Ostrich Nominalist is not dismissive regarding ontological questions about universals when he is endowed with the theoretical tool of the notion of grounding. The ostrich nominalist does not reject the problem of the grounds of predication: he simply argues that predication is not grounded in anything else, that is fundamental, and thus he does have an answer. Moreover, Imaguire argues that even Quine’s Ostrich Nominalism is not dismissive and consequently the label Ostrich is unfair: according to Imaguire, what is achieved with the introduction of the notion of metaphysical grounding is a way of making explicit some aspects of Quine’s nominalism that many times are justified by appealing to ontological intuitions.

In the first chapter, Imaguire presents the Problem of Universals. According to him, the expression ‘Problem of Universals’ has been traditionally used to denote different issues and formulations. Imaguire lists five formulations: (1) The existence question, (2) The grounding of predication, (3) The One-Over-Many Problem, (4) The Many-Over-One Problem, and (5) the Similar-But-Different Problem. (1) is summarized by the question “Do universals exist?”; (2) is the problem of explaining predication, i.e. of specifying in virtue of what a certain particular a is F. Formulations (3), (4), and (5) are deeply related and amount to answering questions introduced by the “how is it possible” clause: (3) “How is it possible that two different particulars a and b are both F?”; (4) “How is it possible that the same particular a is both F and G?”; (5) “How is it possible that two distinct particulars a and b are similar – insofar as they are both F – and different at the same time?”. As the author remarks, many traditional solutions to the Problem of Universals deal with one particular formulation, while his proposal has the ambition of providing answers to all formulations (1)-(5). The author defends that the logical core of the Problem of Universals is the type-token problem: the problem of accepting the existence of types just because there are tokens of the same type. The type-token problem represents a generalization of the Problem of Universals, for it extends the problem of existence to other suspicious abstract entities that are not properties. In another section, Imaguire argues that the type-token problem is often confused with the sparse-abundant problem. The sparse-abundant problem in spite of being connected with the problem of universals (existence of universal is defended on the ground of non-arbitrary special sorts of similarities, properties, classes) is not its logical core.

The chapter ends with a list of the main solutions to the Problem of Universals so far proposed:

  • Trascendental realism
  • Immanent realism
  • Class nominalism
  • Predicate/concept nominalism
  • Trope theory
  • Priority nominalism

In chapter 2 friends and foes of Ostrich Nominalism are considered. Concerning the foes, after examining the main objections in the literature, the author concludes that the Ostrich nominalist is subject to four main charges: 1) he does not take the Problem of Universals as a genuine metaphysical problem, 2) he does not take predicates with ontological seriousness, 3) he does not offer an analysis of predication, 3) he does not offer an explanation for commonality of properties. On the other hand, the Ostrich has friends, namely authors that partially agree with some crucial aspects of Ostrich Nominalism: e.g. the fact that predication is fundamental (Van Cleve, Summerford) and the fact that not just properties are suspicious entities but also other abstract entities (Melia, Azzouni).

In chapter 3 it is discussed what kind of explanation the Problem of Universals demands. Three main candidates for the role of explanans are considered:

  • Ontological commitment
  • Grounding
  • Truthmaking

The priority nominalist offers a complex explanation based on the combination of ontological commitment and grounding.

Given that the Problem of Universals is an ontological problem, ontological commitment seems at first glance the best candidate. Moreover, the One-Over-Many Problem, when framed as an argument, is based on the criterion of ontological commitment. The argument may be briefly resumed as follows: from the fact that a is F and b is F we deduce that a and b have something in common; thus there is something that a and b have in common. Hence, the fact that a is F and b is F is committed to an entity that a and b have in common.

The Priority Nominalist does not frame his explanation in terms of the truthmaking relation for several reasons. Truthmaking is a relation from reality to language while ontological commitment goes in the opposite direction. Yet the problem of universals is the problem of accounting for the truth of predication, thus it goes from language to reality. In this sense ontological commitment seems to be a more adequate explanans than truthmaking.

Another problem of the truthmaking relation is that – differently from ontological commitment – it is non-factive: the fact that a sentence S is made true by something does not ensure that there is a unique truth-maker and does not say anything at all on what sort of entities all possible truth-makers of S might be. Thus from the fact that ‘Fa‘ is true, we cannot conclude by invoking the truthmaking relation that there is a universal for which F stands.

Grounding also seems to be more adequate than truthmaking. The main reason the author offers is that to construct the ontological hierarchy that is required for the formulation of the problem by the Priority Nominalist, the transitivity of the relation between different ontological categories is required. Truthmaking is not transitive whereas grounding is.

The final part of the chapter is dedicated to introduce the notions that are crucial to the explanation offered by the Priority Nominalist. The notion of ontological categories as the most general categories of reality is introduced and ontological categories are divided into fundamental and derivative. A metaphysical theory is considered as a System of Ontological Categories. Four important claims are made regarding ontological categories:

  • Categories of the same level are pairwise disjoint.
  • To accept a range of entities as ontological category does not mean to accept it as a fundamental ontological category
  • The mere existence of instances of an ontological category does not imply that the category is fundamental
  • When at least one entity eof a category C is fundamental, then C is fundamental

With this conception of ontological category in mind the Priority Nominalist may state his position: properties, states of affairs, tropes are instantiated ontological categories, yet they are only derivative. The only fundamental ontological category is the category of concrete particulars.

In chapter 4 the author deals with the Problem of Predication, i.e. the problem of explaining in virtue of what a particular a is F. A solution to this problem is necessary to deal with the One-Over-Many Problem, for the One-Over-Many Problem is formulated in terms of multiple predications. The chapter has a negative purpose: to show that any view so far proposed according to which predication is not fundamental and thus any attempt to ground predication irremediably falls into an infinite regress.

The author starts by listing how the so-called Bradley’s regress occurs with the main approaches to the Problem of Predication: Transcendental Realism, Immanent Realism, Class Nominalism, Concept Nominalism, Predicate Nominalism, Resemblance Nominalism, and Trope Theory. Exception made for Trope Theory, the structure of the reasoning that gives rise to the regress is almost the same.

Successively, Imaguire passes to consider some possible strategies to block Bradley’s regress that have been proposed and points out their main flaws:

  • Identity of levels strategy: all levels of explanation are only apparently different. However, the author objects that each level amounts to the introduction of a different relation (e.g. relation of different order, different linguistic level) thus different levels of grounding correspond to different facts.
  • Quantificational Strategy:this is a strategy available only for the nominalist. The idea is that there is no need to quantify over the relation introduced to ground predication, thus there is no effective ontological commitment to such a relation. The Priority Nominalist replies that it is unclear why we should not take with ontological seriousness the relation introduced to ground predication while we should do the opposite with the property appearing at the initial level.
  • Formal Relations:the relation appearing at each level of explanation is a mere formal ontological relation, thus we are not ontologically committed to it. Yet – as the author remarks – which criterion do we have to distinguish between properties and relations that need to be grounded and a formal ontological relation?
  • Internal Relations:the relation between a particular and a universal (whatever it may taken to be) is an internal relation, and internal relations are given as ontological free lunch whenever the relata are given. However – the author objects – the notion of internal relation cannot be strictly defined without appealing to intrinsic features of the relata. As a consequence, the internal relation of e.g. instantiantion is grounded on the fact that a certain particular has certain properties. How could it possibly ground predication without begging the question?
  • Truthmakers:Armstrong proposed an argument to block the regress based on the notion of truthmaker. As Armstrong argues, all steps of explanation in Bradley’s regress have the same truthmaker, thus the explanation may arrest at the first step. The author objects that in Armstrong’s argument there is an illegitimate switch between the relation of truthmaking and that of grounding: why at the first level, i.e. the level of predication, we must ask for grounding and at the following levels we must ask for a truthmaker?

The conclusion Imaguire draws is that all attempts to ground predication so far proposed are unsatisfactory; albeit this fact does not represent a knock-down argument against the view that predication may be grounded, it supports the hypothesis that predication is fundamental. And precisely this is the position of the Priority Nominalist. Moreover, the author stresses that such a position does not amount to refuse to deal with the Problem of Predication, yet it corresponds just to a particular answer to this problem, i.e. that predication is not grounded in anything else.

In Chapter 5 a solution is offered to the One-Over-Many Problem and its variations (i.e. the Many-Over-One and the Similar-But-Different Problems). As previously mentioned, the One-Over-Many Problem may be formulated as an argument whose crucial point is the criterion of ontological commitment: the existence of universals is justified by the fact that we are allowed to quantify over what two particulars being both F have in common. Imaguire highlights that the principle of ontological commitment presents a fundamental difficulty which he calls the Paraphrase Symmetry Problem:

“suppose that sentence S commits us to the existence of entity E, but its paraphrase S* does not. Why should we conclude that the commitment of S to E is only apparent? What reason could we have to prefer S to S*? Since ‘is a paraphrase of’ is plausibly a symmetrical relation between sentences, one could also conclude that the non-commitment of S* to E is only apparent.” Imaguire (2018), p. 87

According to the Priority Nominalism, such a difficulty may be overcome by combining the criterion of ontological commitment with the notion of metaphysical grounding. In other words, given the two sentences S and S* of the quoted passage, the criterion of ontological commitment must be applied to the sentence (if any) that expresses a fundamental fact. The combination of ontological commitment with grounding results in the Criterion of Grounded Ontological Commitment which may be summarized by the motto:

“To be is to be a value of a bound variable of a fundamental truth.” Imaguire (2018), p. 89

The Criterion of Grounded Ontological Commitment is firstly used to analyze the One-Over-Many Problem. Imaguire considers a battery of sentences and the corresponding paraphrases that are relevant to the issue: for instance, he considers both the sentence ‘a is F‘ and the sentence ‘a has the property F”. The Priority Nominalist is willing to say that ‘a is F‘ expresses a fact that is more fundamental than that expressed by the sentence ‘a has the property F‘, and thus, given that in ‘a is F‘ there is no expression allegedly standing for a universal that occurs in a position over which we may perform a first-order quantification, there is no grounded ontological commitment to universals. To achieve this goal Imaguire uses Fine’s logical theory of the grounding relation and in particular Fine’s treatment of two lambda operators: the predicate abstraction and the property abstraction operator. Thus Imaguire formalizes the aforementioned battery of sentences and their paraphrases using Fine’s rules for the lambda operators and the immediate result is that ‘a is F‘ (formalized using the predicate abstraction operator) grounds ‘a has the property F‘ (formalized using the property abstraction operator). The same strategy is used to dissolve the apparent ontological commitment to universals in the Many-Over-One Problem and the Similar-But-Different Problem.

The remaining part of the chapter is dedicated to two important issues: the status of sentences apparently committed to abstract entities and the specification of a truthmaker for sentences of the form ‘a is F‘. Concerning sentences like ‘a has the property F ‘, ‘a and b have the property F in common’, etc… the priority nominalist has a position that notably differs from many nominalistic views: many nominalists would say that the sentence ‘a has the property F‘ is false or truthvalueless at best, for there are no such entities as properties; the priority nominalist holds that ‘a has the property F ‘ is “a common but misleading manner of saying that things are in a certain way” (Imaguire (2018), p. 100), i.e that a is in the F-way. The same applies to other abstract terms, as in the case of numbers: sentences containing number terms are not false, they are true even if they do not express fundamental facts; they are just ontologically misleading insofar as they suggests that there are numbers. By proposing a hierarchical structure of reality in which derivative facts are included with a thin notion of existence, the Priority Nominalist does not have to pay the price of avoiding property talk, or number talk, or meaning talk, etc…

Concerning the problem of specifying a truthmaker for ‘a is F’, the Priority Nominalism invokes the notion of thick particular: what makes true ‘a is F‘ is precisely the thick particular a with its being in a particular way expressed by the predicate F. In other words, the state of affairs corresponding to ‘a is F‘ has as only constituent the thick particular a.

Chapter 6 is about second-order quantification. Imaguire distinguishes two different senses of second-order quantification: the metaphysical sense and the logical sense. A metaphysical second-order quantification is a quantification over properties that may be instantiated by particulars: ‘There is a property that Napoleon and Julius Caesar have in common’ is an example of this sort of quantification. Notice that from a strictly logical point of view, this sort of quantification corresponds to a first-order quantification, for expressions allegedly standing for properties are nominalized: ‘There is an x such that x is a property and Napoleon and Julius Caesar have x in common’. A logical second-order quantification is a quantification into the position of first-order predicates, e.g. ‘ There is something that both Napoleon and Julius Caesar are’. It is crucial for the priority nominalist to explain away both logical and metaphysical second-order quantification, for if second-order existential quantified sentences were as fundamental as first-order ones, then there would be an unavoidable (grounded) ontological commitment to type entities.

The author considers three contexts of abstract reference to properties that allow for metaphysical second-order quantification: exemplification, intensional, and classificatory contexts. Exemplification and intensional contexts are easily dismissed, thus he concentrates on classificatory contexts and in particular to two examples: the sentences `Humility is a virtue’ and ‘Red is more similar to orange than blue’. The strategy Imaguire uses to paraphrase away abstract reference is based on the following guiding principle: every time we talk about a property F we are not really talking about F-ness but about F things. The one of the simplest examples of this kind is when we paraphrase the sentence ‘the concept F is a subconcept of the concept G‘ as ‘For every x, if x is F, then x is G‘. Clearly, cases like ‘Humility is a virtue’ are far more complex and require additional theoretical tools. Imaguire uses the method of grounded paraphrases, i.e. a method of paraphrasing second-order sentences based on both Fine’s logic of grounding (including the relation of partial grounding) and a sort of negative form of grounding that he calls despite operator.

The case of logical second-order quantification is treated differently. Imaguire argues that logical second-order quantification is not intelligible, for every attempted construction of a grammatical sentence in ordinary language translating the formal second-order quantification ends up altering the syntactic category of the quantified expressions. Moreover, even if an intelligible reading of second-order quantification were available, it could not result in an ontological commitment, for there would still be a difference between second and first-order quantification based on the different semantic behaviors between naming expressions and predicative expressions. Such a difference is explained in terms of Dudman’s distinction between the representational and the semantic role conceptions of reference. Predicative expressions have reference in the sense that they fulfill a certain semantic role in the determination of the truth-value of an entire sentence and not in the sense that they stand for existing entities. On the contrary, proper names have reference in the sense that they stand for an existing possibly extra-linguistic entity: according to Imaguire’s terminology, proper names have referents, predicates have references. The conclusion of the chapter is that provided that both metaphysical and logical second-order quantification may be respectively explained away and dismissed, intelligible second-order sentences express facts that are not fundamental for they are grounded in facts expressed by the correspondent first-order grounded paraphrases. As a consequence, according to the criterion of grounded ontological commitment, second-order sentences do not have any additional ontological import compared to their first-order paraphrases.

In the last chapter the author resumes his position by presenting the big picture of reality resulting from Priority Nominalism. Not just properties are dismissed as non-fundamental entities, but also word types, meaning, sets, numbers, etc… Even concrete particulars like mereological aggregates do not exist insofar as they are not fundamental: Priority Nominalism entails a form of mereological atomism. The chapter is also concerned with the contextualization of Priority Nominalism in the theoretical debate on the status of universals. Imaguire considers traditional realist and nominalist approaches to the Problem of Universals and remarks that most of them do not make explicit the distinctive features of Priority Nominalism, for the proposal of the book besides offering a new solution to the Problem of Universals, represents a relatively new way of understanding and formulating the problem itself. He argues that the approach the priority nominalist favors is what he calls the hierarchical approach. According to this approach, realists and nominalists disagree about the hierarchical structure of reality. The realist holds that properties are treated like objects, while the nominalist holds that they belong to a different level and only the level zero (i.e. the level at which we are allowed to quantify over in fundamental truths) is the level of existing entities. Thus the realist is accused of confusing different levels of the hierarchical structure, by reifying what does not belong to the level zero.

Finally the author lists the main advantages of Priority Nominalism:

  • Agreement with pre-theoretical intuitions: the apple is red is a fundamental fact, is not grounded in the existence of properties or classes, or mysterious relations of resemblance.
  • Few metaphysical assumptions: does not need modal realism, does not need universals, does not need sets.
  • Qualitatively and quantitatively economical: there is just one category of existence, i.e. particulars.
  • Provides an objectivist solution to the problem of universals: there are no abstract entities, yet there are objective truths about them.

Priority Nominalism‘ is an excellent example of how a book may be concerned with vexed problems and vast topics in a relatively small number of pages. The author goes constantly straight to the point and avoids as much as possible any sort of digression; moreover, the purpose of book and the general view of the author on the matter are frequently resumed and re-proposed, so that the reader should not get lost in the dialectic of the arguments. At every crucial point of the book, a long list of examples facilitates the understanding; the style of writing is simple, direct, and pleasant.

The book is an original and interesting work in two senses: it contains a new solution to the Problem of Universals and represents a new formulation and understanding of the problem itself. For instance, in chapter 1 the reader may find a remarkably clear exposition of the Problem of Universals that is re-formulated in many versions according to fine and profound philosophical distinctions; even the reader who is not so familiar with the relevant literature may read the introductory parts of the book without big efforts.

The basic idea of the proposed view – the combination of grounding with ontological commitment – is simple and at first glance seems to be fruitful. However, the fact that complex arguments and notions are often resumed in the space of few pages may give the false impression that notions such as that of metaphysical grounding are less controversial than they actually are. Perhaps such an impression is given by the fact that while the author is extremely clear regarding the main difficulties and objections to Quine’s criterion of ontogical commitment, he does not seem to do the same with the notion of metaphysical grounding which is definitely a controversial notion; in recent times almost any aspect of grounding has been questioned and put under debate: its modal status (Trogdon 2013), the formal properties of the grounding relation (Rodriguez-Pereyra 2015), its theoretical role and indispensability (Wilson 2014). Given that it is not clear from the book what is the author’s position regarding the main problems of the notion of grounding, possible difficulties for Priority Nominalism may arise if grounding is understood in one way or the other. For the sake of clarity, I will try to sketch a problem for the priority nominalist that may arise from the controversial nature of the notion of grounding. The priority nominalist may be in a predicament engendered by the very strategy he uses to dismiss universals, i.e. the principle of grounded ontological commitment. Consider the sentences ‘a is F‘ and ‘a has the property F‘; let A be the fact expressed by the former and B the fact the latter expresses. Consider now the sentence ‘A grounds B’: the priority nominalist is happy to say that ‘A grounds B’ is true. Let C be the fact expressed by ‘A grounds B’. For the priority nominalist to say that C is a fundamental fact is not an option: for given that B is a fact included in C and given that C is fundamental, then B must also be fundamental (this is a version of what has been known as the collapse problem (Sider 2011)). Yet if B is fundamental, then by the criterion of grounded ontological commitment there are properties. Thus the priority nominalist owes us an argument to the effect that C is not a fundamental fact and is grounded in another fact D not including B. Perhaps C is grounded on A (as suggested by adapting deRosset’s strategy to avoid the collapse problem to the present case (deRosset 2013)); nevertheless, the author does not say anything in the book about facts expressed by sentences of the form ‘X grounds Y’.

In spite of possible controversies regarding Imaguire’s proposal, ‘Priority Nominalist‘ is a highly recommended reading for everyone who is interested in contemporary metaphysics. It is at the same time an excellent introduction to the Problem of Universals, a capillary survey of the recent literature on the issue, and an extremely interesting attempt of vindicating some ontological intuitions that are implicit in Quine’s nominalism.

References

DEROSSET, L. Grounding Explanations, Philosophers’ Imprint 13, 2013. [ Links ]

IMAGUIRE, G. Priority Nominalism, Springer Verlag, 2018. [ Links ]

RODRIGUEZ-PEREYRA, G. Grounding is not a Strict Order, Journal of the American Philosophical Association 1 (3):517-534, 2015. [ Links ]

SIDER, T. Writing the Book of the World, Oxford University Press, 2011. [ Links ]

WILSON, J. No Work for a Theory of Grounding, Inquiry: An Interdisciplinary Journal of Philosophy 57 (5-6):535-579, 2014. [ Links ]

Vincenzo Ciccarelli – University of Campinas, Department of Philosophy, Campinas, SP, Brazil. E-mail: ciccarelli.vin@gmail.com

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Neurociencia para educadores – BUENO (I-DCSGH)

BUENO, D. Neurociencia para educadores. Barcelona: Octaedro, 2017. Resenha de: GARCÍA ANDRÉS, Joaquín. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, n.95, p.84-85, abr., 2019.

David Bueno, investigador en genética de la Universidad de Barcelona, aborda en este libro un amplio repertorio de cuestiones sobre el cerebro de los alumnos y alumnas a través de diecisiete preguntas que, partiendo de la premisa de que este órgano que dirige, gestiona y rige las múltiples actividades que realiza nuestro cuerpo es el que, a partir del comportamiento, nos permite adaptarnos al ambiente al mismo tiempo que lo transformamos. En tal sentido, la educación –la profesión más antigua del mundo, como él la denomina– incide de una forma sustancial en el funcionamiento del cerebro. Por ello, esta obra pretende definir cuál ha de ser el objetivo consciente de la educación, desde un punto de vista social, familiar y, por supuesto, pedagógico, ya que, según sea la respuesta así serán las estrategias educativas a adoptar.

A su juicio, ese objetivo ha de ser ayudar a las personas a crecer con –pero sobre todo en– dignidad. El autor asegura que «la educación ha de ser un elemento de satisfacción que surja de la utilidad que estimula nuestra imaginación», a través principalmente del insustituible papel de las emociones y del trabajo cooperativo. Y las páginas del libro van desgranando respuestas que explican aquello que busca el cerebro cuando aprende algo y, en consecuencia, qué se le puede y se le debe ofrecer al estudiantado.

Cuestiones como ¿las capacidades cognitivas dependen de nuestros genes? ¿cómo funciona el cerebro? o ¿existen las inteligencias múltiples? encabezan esta nómina de interrogantes que gradualmente van concretándose en aspectos más puntuales referidos a los motivos por los que se aburren los niños en clase, cómo se puede desaprender o por qué a los adolescentes les gusta saltarse las normas. Las páginas finales atienden a inquietudes vinculadas a la motivación, la creatividad, la influencia del ambiente social o la «utilidad» de las materias consideradas marías.

A modo de conclusiones, incluye una relación de once «aspectos clave del cerebro» relacionados con la práctica educativa que aluden al hecho de que el cerebro es un órgano muy plástico, en continua reconstrucción, en el que las conexiones neuronales más sólidas son las que se nutren de las emociones, aunque solo fuera porque se vinculan con la supervivencia.

Un imperativo vital no solo del individuo, sino también de la sociedad; de ahí que los aprendizajes cooperativos y colaborativos resulten más significativos y activen muchas más redes neuronales que otros. De modo análogo, El autor destaca el hecho de que las novedades y las sorpresas facilitan la captación de la atención del alumnado de un modo automático, lo que las convierte en resortes motivadores de primer orden, un incentivo para el aprendizaje que también estimula el optimismo.

Otro aspecto que se señala es el relacionado con las actitudes, cuya adquisición se hace en gran medida por imitación, en un proceso en el que las neuronas espejo son fundamentales a su vez para lograr estimular ese otro gran objetivo educativo que es el de dar alas a la creatividad. Un propósito que lleva a resituar a determinadas asignaturas en un lugar de preeminencia junto con las denominadas materias «instrumentales», en el seno de un funcionamiento integrado y no parcelado de las funciones cerebrales, como habitualmente se hace en el marco académico.

En sintonía con esta línea argumental también se tienen en cuenta a los enemigos del cerebro, el aprendizaje y la educación, entre los que destaca el estrés cuando este es crónico, dado que altera las conexiones neurales de determinadas zonas del cerebro, en particular las vinculadas con la reflexión, el control de las emociones, la toma de decisiones y el control ejecutivo.

De ahí su trascendencia, más aún en la medida en que deja una huella imborrable en el cerebro que puede afectar a la conducta de las personas para toda la vida.

En suma, una obra tan interesante como útil que acerca la neurociencia al lector de un modo comprensible, riguroso, ameno y estimulante, hasta el punto de introducir referencias y ejemplos muy ilustrativos, así como un original bonus track que, a modo de recompensa, vincula muchas de las ideas primordiales que desliza a través de sus páginas con ese oscuro objeto de deseo que es el placer.

Muchas de las enseñanzas que se pueden adquirir con la lectura de este libro permiten reivindicar el valor de los aspectos formales del aprendizaje, situando estos en el mismo nivel que los contenidos teóricos, tantas veces «idolatrados» por los docentes. No en vano, en palabras del autor, «las emociones siguen siendo el elemento multiplicador de la ecuación del aprendizaje».

Joaquín García Andrés – E-mail: joagarand@gmail.com

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Vozes em fragmentos na poesia de Chico: uma arquitetura polifônica? – KOGAWA (B-RED)

KOGAWA, João. Vozes em fragmentos na poesia de Chico: uma arquitetura polifônica? Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2018, 170p. Resenha de: MAGALHÃES, Anderson Salvaterra. Bakhtiniana, Revista de Estudos do Discurso, v.14 n.2, São Paulo Apr./June, 2019.

Fragmentação e reconceituação nuclear são duas características distintivas dos tempos atuais se estes tempos são considerados emoldurados pela condição (ou condições) pós-moderna(s). Seja essa moldura pós-moderna desenhada pelo fim das metanarrativas, como discutido pelo filósofo francês Jean-François Lyotard (2000) 1, ou entendida como uma liberação de símbolos culturais, de acordo com o também filósofo francês Danny-Robert Dufour (2005)2, ou como tempos líquidos, de acordo com o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (2007) 3, entre outras formas de tentar capturar o que tem acontecido com as organizações sociais especialmente na cultura ocidental, parece consenso que valores nucleares têm sido revistos. E essa revisão de valores leva à reconceituação de relações e instituições em geral. Não apenas relações e identidades sociais têm sido repensadas, como também modos de teorizar, o que geralmente leva a um relativismo de valores uma vez aceitos como absolutos ou, pelo menos, sólidos e estáveis. Então, um leitor contemporâneo pode pegar um par de óculos pós-modernos para simplesmente dar uma olhada ou para escrutinizar cuidadosamente o livro de Kogawa e se perguntar o que efetivamente está em jogo ali.

Bem, em Vozes em fragmentos na poesia de Chico, como indicado na pergunta posta no subtítulo do livro – uma arquitetura polifônica? -, o leitor encontra um contundente exercício teórico em torno do conceito bakhtiniano de polifonia que contribui para o entendimento de uma luta política flagrante no e pelo trabalho ético e estético com a linguagem num período da história brasileira que tem sido objeto de disputa conceitual: a ditadura militar. Porém, a fim de se engajar na discussão de Kogawa e tirar proveito de sua riqueza, o relativismo que pode derivar de uma posição pós-moderna deve dar lugar a um questionamento fundamentado em valores modernos. De outro modo, corre-se o risco de perder a questão. Como assim? Uma breve análise da estrutura do livro deve responder a esta pergunta.

Professor de Análise do Discurso na Universidade Federal de São Paulo, autor também de Linguística & Marxismo: condições de emergência para uma teoria do discurso francesa no Brasil (KOGAWA, 2015), Kogawa tem se ocupado há algum tempo do modo como se teoriza o discurso no âmbito acadêmico brasileiro, e esta nova obra só corrobora sua trajetória de reflexão. Logo após os agradecimentos usuais, há um prefácio bem informativo escrito por Renata Coelho Marchezan, que destaca a relevância do livro no conjunto de trabalhos em torno do Círculo de Bakhtin que enfrentam o desafio de lidar com um produtivo e difundido pensamento – o pensamento dialógico – sem cair na banalização. Dentre os conceitos vulgarizados, polifonia é sem dúvida um dos conceitos de mais difícil abordagem, e Marchezan antecipa que Kogawa identifica e problematiza a homogeneização dos conceitos de polifonia, dialogismo e heterodiscursividade. Esta é a primeira pista de que em Vozes em fragmentos na poesia de Chico: uma arquitetura polifônica? não há relativismo conceitual, e sim refinamento.

Na introdução, Kogawa afirma claramente o objetivo do livro: propor “uma leitura do conceito de polifonia em Bakhtin” (p.17) e anuncia que faz tal leitura perseguindo as bases filosóficas do conceito e analisando a relação autor-herói em letras de algumas canções compostas por Chico Buarque de Holanda durante a ditadura militar no Brasil. Ele antecipa que mobiliza polifonia pela negativa, isto é, identificando um modo não-polifônico de (se) enunciar. Letras de canções em que as vozes de grupos socioeconomicamente marginalizados são personificadas num sambista, numa prostituta, num pedreiro, dentre outros, são selecionadas para compor uma cadeia discursiva em que não se encontram múltiplas vozes sociais equipolentes, mas diferentes modos de sustentar uma postura. Ele deixa para o terceiro capítulo os detalhes que corroboram essa afirmação.

É no primeiro capítulo que Kogawa efetivamente lança os fundamentos modernos de sua discussão. Isso não quer dizer que a discussão seja ultrapassada. Pelo contrário, mostra-se altamente relevante em tempos em que conceitos básicos e nucleares, como o de ditadura, têm sido relativizados e consequentemente esvaziados. No livro, o autor dá especial atenção ao conceito de polifonia e, através da análise de uma cadeia discursiva particular da poesia de Chico, procede a um refinamento conceitual indicando que se trata de um fenômeno discursivo bastante raro. Por causa disso, não deve haver depreciação de modos não-polifônicos de (se) enunciar. Debaixo do guarda-chuva do dialogismo, é a responsabilidade ética que garante a relevância histórica e cultural do engajamento na cadeia discursiva.

Esse trabalho conceitual é desenvolvido no primeiro capítulo em quatro etapas. Primeiro, a natureza dialógica da linguagem é definida a partir da visitação de importantes obras do Círculo, como Marxismo e filosofia da linguagem, de Volóchinov (1986) 4. Dessa grande obra, Kogawa recupera a ideia de que a linguagem não é um sistema abstrato, nem uma produção solipsista individual, mas uma realidade viva resultante das relações estabelecidas nos e pelos grupos sociais. Por isso, argumenta, a linguagem tem uma natureza dialógica, social e histórica, e as instâncias singulares de sua atualização apresentam manifestação material que faz sentido num enquadre sociocultural. Isso é crucial para entender, por um lado, a discussão conceitual sobre polifonia e, por outro, para entender o processamento semântico da cadeia discursiva selecionada da poesia de Chico. A natureza dialógica, social e histórica da linguagem atualiza e dá visibilidade àquilo que é posto em questão na relação autor-herói nas letras de canções analisadas.

Em segundo lugar, a relação autor-herói propriamente dita é escrutinizada não apenas, mas principalmente, pelo exame do ensaio O autor e a personagem na atividade estética (BAKHTIN 1990)5. Kogawa é cauteloso em fazer referência a traduções recentes para o português dos ensaios e livros do mestre russo. Isso lhe permite discutir questões da recente história brasileira em sintonia com a agenda dos estudos bakhtinianos no Brasil. Então, encontra-se no livro uma proveitosa discussão sobre como as posições estéticas de autor e herói revelam a responsabilidade ética implicada na cadeia discursiva das letras de Chico.

Em terceiro lugar, a ideia de cadeia discursiva propriamente dita é discutida. Kogawa demonstra que, no pensamento dialógico a realidade da linguagem é necessariamente interacional, e que se pode distinguir monologismo de dialogismo no modo como o autor se relaciona com o herói. Se a linguagem é preponderantemente dialógica, o modo como as relações estéticas são construídas pode variar, e essa variação pode mostrar uma tendência monológica ou dialógica. Embora não mencione explicitamente os recentemente divulgados ensaios intitulados Diálogo I: a questão do discurso dialógico (BAKHTIN 2016a) e Diálogo II (BAKHTIN 2016b), Kogawa faz referência à edição em que esses ensaios são publicados em português, e sua composição retórica da leitura do trabalho de Bakhtin indica a coerência que se encontra no conjunto de ensaios do pensador russo, a despeito do modo não-linear que seus pensamentos foram distribuídos na Rússia e alhures.

Em quarto lugar, Kogawa coloca a questão: quando um discurso é polifônico? Então, fecha a discussão conceitual insistindo que a condição polifônica, isto é, a equipolência de diferentes vozes sociais na relação que o autor estabelece com o herói, é um arranjo estético bem peculiar e bastante pitoresco. Por isso, não é eticamente apropriado para toda e qualquer condição histórica de (se) enunciar.

No segundo capítulo, são identificados e descritos os elementos que disparam a cadeia poética a ser analisada. O cenário político é retratado em suas consonâncias e dissonâncias. A ditadura militar não é negada nem mitificada. É descrita como um tempo de coerções com múltiplas tendências, mas também como um tempo de respostas criativas. Baseado especialmente no trabalho do jornalista Elio Gaspari, Kogawa descreve a posição política militar como segmentada em duas tendências em tensão interna: as chamadas linha dura e não-dura. Nesse sentido, o governo ditatorial é apresentado não como um bloco político coerente, mas como uma instância histórica dinâmica e controversa. É este dinamismo que constitui terreno fértil para a produção de respostas criativas e responsáveis.

No terceiro e último capítulo, Kogawa analisa os tipos heroicos que Chico desenha, especialmente nas letras de quatro canções: Geni e o Zepelim, O malandro nº 2, Construção e Pedro, pedreiro. O autor mostra que as canções constituem modos responsáveis de (se) enunciar naquele momento histórico específico e, dessa perspectiva, consistem respostas críticas cujo objetivo envolve o apagamento das vozes dos heróis tornando-os construções imagéticas. Desse modo, a relação autor-herói instanciada é não-polifônica. Em suas próprias palavras, “O autor-criador constrói um ambiente hostil para as personagens e isso implica um mundo permeado por disparidades […] Sob essa ótica, neste capítulo, esses mundos artísticos servem como concretização desse discurso crítico que se configura como anti-conservador” (p.118). Kogawa demonstra, então, que essa posição crítica se realiza pela mobilização de três dimensões axiológicas: (i) religiosa, (ii) política e (iii) econômica. E continua: “A voz autoral, ao mobilizar sua crítica, coloca-se, direta ou indiretamente, ao lado dos despossuídos como forma de denunciar certas insensibilidades cotidianas que têm as parcelas menos prestigiadas da sociedade burguesa como alvo” (p.118).

A dimensão axiológica religiosa, por exemplo, é decisiva para processar a crítica flagrante em Geni e o Zepelim. Na canção, a redenção da cidade é efetuada pela prostituta que, a despeito de qualquer orgulho ou autopreservação, sacrifica-se para salvar os cidadãos que, no final, esquecem seu feito e a apedrejam cruel e covardemente. Enunciativamente, isso é construído pelo contraste entre os valores projetados sobre Geni, a prostituta que é apresentada em terceira pessoa do discurso, e os valores sustentados pelo coro, cuja voz mostrada em citação direta dá sentido a um tom moralista hipócrita.

Assim, a canção é um embate de vozes em que, de um lado, situa-se a voz do coro representante da moral e dos ‘bons costumes;’ de outro lado, há o posicionamento autoral – excedente da visão estética – como configurador de um universo que questiona os valores dogmáticos da cidade (p.145).

Emoldurando as canções por tais dimensões axiológicas, Kogawa mostra dialogicamente a estratificação sociolinguística flagrante na poética da cadeia selecionada. Demonstra que o modo como Chico Buarque, na condição de autor-criador, se relaciona com os tipos heroicos nas letras das canções constitui uma resposta válida ao contexto ditatorial em que a cadeia foi disparada. Embora essa resposta tenha se realizado por uma arquitetura não-polifônica, seu comprometimento ético justifica e valoriza a poesia. Então, as vozes em fragmentos que se escutam no livro não correspondem aos estilhaços de sentidos líquidos com os quais se pode deparar no funcionamento pós-moderno. Pelo contrário, esses fragmentos revelam a contundência de uma posição firme e brava em tempos ferozes.

1LYOTARD, J-F. A condição pós-moderna. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. 6.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000.

2DUFOUR, D-R. A arte de reduzir as cabeças: sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2005.

3BAUMAN, Z. Tempos líquidos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007.

4VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na Ciência da Linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina Volkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.

5BAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: ______. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.3-194.Traduzido pelo autor.

Referências

BAKHTIN, M. Author and Hero in Aesthetic Activity. In: BAKHTIN, M. Art and Answerability: Early Philosophical Essays by M. M. Bakhtin. Edited by Michael Holquist and Vadim Liapunov. Translated by Vadim Liapunov. Austin, TX: University of Texas Press, 1990, p.4-256. [ Links ]

BAKHTIN, M. Diálogo I. A questão do discurso dialógico. In: Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016a, p.113-124. [ Links ]

BAKHTIN, M. Diálogo II. In: Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016b, p.125-150. [ Links ]

BAUMAN, Z. Liquid Times: Living in an Age of Uncertainty. Cambridge, UK: Polity Press, 2007. [ Links ]

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KOGAWA, J. Linguística e Marxismo: condições de emergência para uma teoria do discurso francesa no Brasil. São Paulo: Editora Fap-Unifesp, 2015. [ Links ]

LYOTARD, J-F. The Postmodern Condition: A Report on Knowledge. Translated by Geoff Bennington and Brian Massumi. Minneapolis: University of Minnesota, 1984. [ Links ]

VOLOŠINOV, V. Marxism and the Philosophy of Language. Translated by Ladislav Matejka and I. R. Titunik. Cambridge, London: Harvard University Press, 1986. [ Links ]

Anderson Salvaterra Magalhães – Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Programa de Pós-Graduação em Letras/Estudos Linguísticos, Guarulhos, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0003-3183-1192; asmagalhaes@unifesp.br

Teoria do romance II – BAKHTIN (B-RED)

BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. São Paulo: Editora 34, 2018. 272pp. Tradução de Paulo Bezerra, Serguei Botcharov, Vadim Kójinov. Resenha de: QUEIJO, Maria Elizabeth da Silva. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.14 n.2, São Paulo, Apr./June 2019.

O lançamento de Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo dá sequência à publicação da obra Teoria do romance (Teória romana) de Mikhail Bakhtin (1895-1975). No Brasil, a coletânea de ensaios vertida por Paulo Bezerra e publicada pela Editora 34 foi dividida em três tomos1. O primeiro volume, intitulado Teoria do romance I: A estilística, inaugura a série de publicações e encontra-se disponível ao leitor desde 20152.

O segundo volume, como indica o subtítulo, se destina à introdução e ao desenvolvimento do conceito de cronotopo literário, compreendido como espaço-tempo real assimilado pela literatura no decorrer da história. Nas palavras do autor, “o cronotopo determina a unidade artística de uma obra literária em sua relação com a autêntica realidade” (p.217). O texto, que se dedica ao gênero romance europeu, é ainda fundamental como precedente à tese de Bakhtin acerca da obra de François Rabelais, conforme anuncia Bakhtin, ele mesmo, ao final do oitavo capítulo (p.191) e na nota de rodapé 59 (p.210).

O ensaio foi escrito originalmente entre 1937 e 1939, em Saviólovo, durante os expurgos stalinistas que levaram Bakhtin ao exílio. Em 1973, dois anos antes de morrer e já em Moscou, Bakhtin dedicou-se à revisão do manuscrito. Parte desse esforço resultou no acréscimo do Capítulo 10, intitulado “Observações finais” – como bem situa a “Nota à edição brasileira”, que abre o livro, relembrada pela nota de rodapé 64 (p.217), referente ao título do capítulo. E, embora um fragmento em que trata do tempo e do espaço no romance tenha se tornado público em 1974, na então União Soviética, por meio do terceiro número do periódico Questões de literatura (Voprosy literatury), a primeira publicação do texto integral ocorreu somente alguns meses após o falecimento do autor, em 1975, pela editora Khudozhestvennaia literature, junto aos demais ensaios de a Teoria do romance.

A versão de 1975 já é conhecida pelo leitor brasileiro através da tradução direta do russo para o português de Aurora Fornoni Bernardini e outros quatro tradutores, sob o título Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (Voprosy literatury i estetichi), publicada pela Unesp/Hucitec em 1988. O tempo e a reconhecida importância dada ao texto no Brasil desde a valorosa tradução anterior justificam uma resenha cujas linhas se atenham ao cotejamento das duas versões, compreendidas por nós como acontecimentos, e, principalmente, às contribuições dadas pela nova tradução.

Assim, embora igualmente vertida diretamente do russo, a tradução realizada por Paulo Bezerra parte da edição crítica publicada na Rússia em 2012, pela editora Iazyki Slaviánskikh Kultúry. O texto integral, que incorpora correções realizadas por Bakhtin nos manuscritos e cópias datiloscritas, compõe o conjunto de Obras reunidas – organizado por Botcharov e Vadim Kójinov (1930-2001) em sete tomos, cujo primeiro foi publicado em 1997.

Das novidades proporcionadas pela recente tradução, ressaltamos o acréscimo de “Folhas esparsas para As formas do tempo e do cronotopo“, conjunto de anotações sobre ideias desenvolvidas no décimo capítulo do livro, inéditas em português, encontradas no arquivo do autor. Material precioso, no qual podemos observar facetas do processo de reflexão e construção do texto bakhtiniano em seu trabalho de revisão, trinta anos após o primeiro texto.

De tal modo, a partir da obra publicada, ainda que revisada e acrescida do décimo capítulo e das ideias esboçadas nas dez folhas de rascunhos, parece possível pensar, por exemplo, a respeito de questões que envolvem movimentos e percursos do e no pensamento bakhtiniano. Pequenas pistas de como o autor reflete acerca de seus primeiros escritos, rastreáveis no corpo do texto preparado para publicação e que emergem das anotações em trechos como este, no qual Bakhtin afirma que seu trabalho trata “do cronotopo do universo representado no romance, dos acontecimentos representados”, mas que “ainda há o cronotopo representador do autor […], e o cronotopo do ouvinte ou leitor, os cronotopos dos acontecimentos da representação e da audição-leitura” (p.238).

Ou quanto ao fragmento: “É necessário distinguir o tempo arquitetônico (o cronotopo) e o tempo composicional da narração ou da representação” (p.241), que permite pensar a discussão no conjunto da obra bakhtiniana. A relação entre a noção de arquitetônica, pensada pelo jovem Bakhtin, e a ideia de cronotopo é retomada por Paulo Bezerra no posfácio do livro. Nas palavras do pesquisador: “é aí que a antiga arquitetônica dá lugar a essa categoria como um amalgama de ‘espaço-tempo'” (p.253).

A respeito do novo sumário, destacamos a supressão do texto entre parênteses, precisamente “(Ensaios de poética histórica)” (BAKHTIN, 2002), após o título “Formas de Tempo e de Cronotopo no Romance” – “As formas do tempo e do cronotopo no romance”, na versão mais recente. No texto introdutório de Bakhtin, no entanto, “poética histórica” está presente nos subtítulos de ambas versões. A diferença fica pelo uso do plural na publicação anterior, “Ensaios de poética histórica” (BAKHTIN, 2002, p.211), em comparação ao uso do singular, “Um ensaio de poética histórica” (p.11), na publicação mais recente. De qualquer forma, a supressão no sumário não diminui a importância da poética histórica de Bakhtin para o tradutor, que a discute em “A poética histórica” (p.261), parte de seu posfácio.

A respeito da diferença entre os títulos dos capítulos, no título do Capítulo 6, onde se lia “trapaceiro” agora se lê “pícaro”, assim como no decorrer do texto. O título do Capítulo 7 difere, de “O cronotopo de Rabelais” para “O cronotopo rabelaisiano”; “de Rabelais” é igualmente substituído por “rabelaisiano” no título do Capítulo 8. No texto, nota-se também a estabilização de alguns termos que, mais que palavras, operam como conceitos-chave no pensamento bakhtiniano. É o caso da substituição de “autor em pessoa” (BAKHTIN, 2002, p.276 – na versão anterior) por “autor pessoa” (p.111 – na mais recente).

Em relação às notas de rodapé, a tradução anterior conta com oitenta e oito – entre notas de rodapé do autor, do tradutor, do editor e notas não especificadas. Sobre essas últimas, veja-se, por exemplo, os créditos à primeira nota constante nas duas traduções (BAKHTIN, 2002, p.211 – na versão anterior; p.11 – na mais recente), referentes ambas a uma palestra ministrada por Aleksei Ukhtómski sobre cronotopo na biologia e sobre questões de estética. Na versão anterior, não há qualquer indicação a respeito do autor da nota como há, por exemplo, na nota de rodapé 61 dessa mesma versão (BAKHTIN, 2002, p.316). Através da nova tradução, tornou-se possível identificá-la como nota do autor, tendo sido ainda complementada por uma esclarecedora nota do tradutor a respeito do palestrante. Ao mesmo tempo, a opção pela unificação da numeração referente às notas de rodapé, que antes era feita por capítulos, facilita a leitura e possíveis retomadas que se façam necessárias. Assim, embora o texto principal da presente tradução apresente menos notas de rodapé, ao todo setenta e cinco notas, destaca-se a forma como estão organizadas.

Além da primeira nota já mencionada (dividida entre autor e tradutor), há outras quatorze notas do autor e sessenta notas do tradutor. As notas de rodapé do tradutor vão além de explicações sobre o emprego de uma palavra ou de outra, ou sobre a tradução utilizada como fonte, oferecendo subsídios primorosos que contextualizam e detalham diversos aspectos da obra.

Os cuidados do tradutor, cujos conhecimentos não deixam de fora a teoria bakhtiniana, longe de serem meros preciosismos, visam assegurar que o texto vertido esteja em consonância com a perspectiva dialógica. Nesse sentido, um ganho importante da nova tradução diz respeito aos trechos de outros autores citados por Bakhtin no decorrer do livro, sobretudo os que compõem sua análise3. A começar pelas eventuais adaptações em relação às traduções em língua portuguesa consultadas – conforme a nota de rodapé 33 (p.125), referente ao Gargântua e Pantagruel de François Rabelais, por exemplo, bem como a nota 13 (p.56), referente ao Asno de ouro de Apuleio. Na nota referente à obra de Apuleio, o tradutor acrescenta que tais modificações visam acomodar a análise proposta por Bakhtin, adequando e atendo o texto citado aos propósitos do autor russo, sem com isso deturpá-lo de seus sentidos originais.

Quanto à análise de Gargântua e Pantagruel, aqueles que já leram Questões de literatura e de estética: a teoria do romance devem notar que em Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo, os trechos da obra de Rabelais encontram-se não mais em francês, mas em português, o que torna o texto mais acessível ao público brasileiro, em especial aos que não dominam a língua francesa. Além disso, as diferenças em relação às citações abrem uma porta de diálogo entre os próprios trechos citados, isto é, entre os conservados no original e os recolhidos por Paulo Bezerra na versão traduzida diretamente do francês para o português4.

No prefácio da edição revista de Problemas da Poética de Dostoiévski, outra importante obra de Bakhtin também vertida por Paulo Bezerra, o tradutor discute implicações para a compreensão do pensamento bakhtiniano decorrentes de excertos de Dostoiévski retirados de traduções indiretas do russo. Nesse sentido, as traduções indiretas deram margem a equívocos e imprecisões, justificando a necessidade de substituí-las na ocasião de revisão. Paulo Bezerra ainda afirma nesse prefácio que a tradução direta permite “recriar o espírito da obra na linguagem mais próxima possível do original”, ao mesmo tempo que possibilita “uma compreensão muitíssimo mais ampla e profunda das peculiaridades da teoria bakhtiniana” (BEZERRA, 2010, p.VI). Assim, o rigoroso trabalho empreendido pelo tradutor nos garante uma melhor compreensão da teoria bakhtiniana, agora também através de Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo.

Ao final do volume, acrescenta-se valioso posfácio já referido, intitulado “Uma teoria antropológica da literatura”, em que Paulo Bezerra nos oferece quinze páginas nas quais emoldura o texto que as precede. O título do posfácio, per se, instiga o leitor a pensar sobre o texto que acaba de ler (ou que pretende ler, nos casos em que o leitor folheia as páginas do volume antes de mergulhar no texto).

Bezerra, em sua discussão, nos recorda as influências de Einstein e Kant para o conceito de cronotopo bakhtiniano, mas também dá os devidos créditos ao biólogo russo Aleksei Ukhtómski – aquele palestrante mencionado pelo próprio Bakhtin em sua primeira nota (p.11) – pela aproximação da noção de cronotopo às questões de estética. Na primeira parte, intitulada “A construção de um conceito”, o tradutor nos brinda com a citação traduzida de um trecho transcrito da palestra do biólogo e aponta as diferenças entre os pensamentos desenvolvidos por Bakhtin e Ukhtómski.

Paulo Bezerra, ainda na primeira parte, situa a ideia de cronotopo no conjunto da obra bakhtiniana anterior e posterior às reflexões constitutivas de tal conceito, como a referida relação entre a noção de cronotopo e de arquitetônica, enquanto na segunda parte do posfácio, “Lapidando o conceito: ‘Observações finais'”, discute o décimo capítulo da obra. Na também já aludida terceira parte do estudo posfacial, “A poética histórica”, o autor trata das mudanças do tempo num determinado espaço, retomando outra noção cara a Bakhtin, a de grande tempo, a partir da qual podemos refletir sobre “a evolução, as mudanças e alternâncias dos diversos cronotopos à luz das novas realidades históricas e culturais que se alternam nos diferentes enredos literários” (p.262), sem que tais passagens signifiquem mera sequencialidade, linearidade ou progressismo.

A quarta e última parte, intitulada “O cronotopo além da literatura”, ressalta as diferentes áreas que hoje mobilizam o conceito bakhtiniano de cronotopo na Rússia, demonstrando a riqueza do conceito. Nas orelhas do livro, Samuel Titan Júnior, professor de Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo – USP, além de nos proporcionar uma bela metáfora fluvial a respeito da obra, reitera a ideia de estarmos diante de “um livro absolutamente singular, que ultrapassa qualquer categoria predefinida”.

Paulo Bezerra, além de tradutor, é docente, pesquisador e crítico. Em sua carreira foi professor na Universidade de São Paulo – USP, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e Universidade Federal Fluminense – UFF, instituição na qual se aposentou e onde ainda hoje leciona como professor de teoria literária. Seu vasto trabalho de tradução compreende mais de quarenta obras em diferentes campos das ciências humanas, incluindo respeitáveis traduções de títulos como Crime e Castigo e Irmãos Karamázov de Dostoiévski, igualmente publicados pela Editora 34.

De Bakhtin, verteu os já apontados Problemas da Poética de Dostoiévski e Teoria do romance I: A estilística, bem como Estética da criação verbalOs gêneros do discurso e Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Além de O freudismo: um esboço crítico, publicado no Brasil sob a assinatura de Bakhtin, mas cuja autoria é atribuída a Volochínov. Assim, o leitor de Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo conta com um trabalho cujo tradutor é, além de professor de teoria literária e profundo conhecedor da cultura e língua russa, um pesquisador comprometido com a teoria bakhtiniana.

Desde 2013, a Editora 34 – que vem desempenhando papel fundamental no campo editorial, contribuindo muito aos estudos bakhtinianos – já publicou outras cinco obras do Círculo com o mesmo rigor com que apresenta o volume em questão. A atualidade das traduções, consonantes com as discussões internacionais, tornam cada nova obra uma necessária referência. Além disso, muitos autores mobilizados por Bakhtin, inclusive nos seus estudos acerca do cronotopo, são dados a conhecer ou melhor conhecidos pelo público brasileiro através da Coleção Leste. Da mesma editora, a coleção reúne obras traduzidas diretamente do russo de escritores como Dostoiévski, Gógol, Tolstói, Púchkin, Turguêniev e Tchekhov, vertidos para o português por tradutores renomados como Paulo Bezerra, mas também Boris Schnaiderman.

Quando se trata do Círculo, e em especial desse volume em que Bakhtin se dedica ao conceito de cronotopo, não podemos ignorar todos os espaços-tempos reais envolvidos nos anos e lugares que separam o escrito original das diferentes versões e publicações na antiga União Soviética e, mais recentemente, na Rússia. Tampouco desconsiderar as questões espaço-temporais compreendidas pelas duas traduções brasileiras, que diferem nos textos utilizados como fontes e escolhas tradutórias, entre outros aspectos. Pensamos, assim (e ao menos), nos diferentes contextos de produção e recepção, bem como nos anos, quilômetros, limitações, possibilidades, processos históricos e culturas que separam cada um dos diferentes textos.

Além de todos esses aspectos, buscamos não perder de vista as tantas mudanças desses espaços no decorrer do tempo, bem como tudo o que se conheceu e produziu a respeito de Bakhtin e do Círculo nas últimas décadas – quando se trata das traduções brasileiras, estamos falando de um intervalo de exatos trinta anos entre a versão coordenada por Aurora Fornoni Bernardini e a de Paulo Bezerra. Afinal, como discute Bakhtin, “a nós se apresenta um texto, que ocupa um lugar definido no espaço, ou seja, é localizado, mas a sua criação, o conhecimento que adquirimos dele fluem no tempo” (p.229-230), pois ele é aberto, voltado para o exterior. Portanto, “o material da obra não é morto, mas falante, significante (ou sígnico), não só o vemos e tateamos como sempre ouvimos vozes nele” (p.229).

Nesse sentido, a publicação de Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo é, sem dúvida, um acontecimento, indispensável nesse diálogo alçado ao grande tempo. No mais, acreditamos que muitas são as contribuições a partir das distâncias e aproximações entre versões, o que, se bem conduzido, enriquece dialogicamente o próprio campo de estudos bakhtinianos, sobretudo se as diferentes traduções disponíveis ao público brasileiro forem postas em relação como em um metafórico encontro e sob diferentes pontos de vista.

1Em razão de uma decisão editorial e de tradução, com anuência de Serguei Botcharov (1929), herdeiro vivo dos direitos autorais de Bakhtin.

2Sobre o primeiro volume, ver a resenha de Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva (2015).

3Cabe realçar que a preferência pelo uso de traduções diretas do original para o português em relação aos trechos citados por Bakhtin vai além das obras analisadas, como é o caso das linhas referentes à Cursos de estética de Hegel, retiradas da tradução feita diretamente do alemão para o português.

4Ou ainda, diferenças quanto aos trechos citados que independem da língua. A título de exemplo, em comparação com a versão coordenada por Aurora Fornoni Bernardini, a tradução de Paulo Bezerra inclui um trecho que expande a citação sobre o espancamento dado pelo monge Jean (frei Jean, na versão anterior).

Referências

BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. Aurora F. Bernadini et al. São Paulo: Hucitec; Annablume, 2002, p.211-362. [ Links ]

BEZERRA, P. Prefácio. In: BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução por Paulo Bezerra. 5. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. [ Links ]

FARIA E SILVA, A. BAKHTIN, M. Teoria do romance I. A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015. 256p. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v.11, n.1, p.234-239, Jan./Abr. 2016. Disponível em: [http://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/24424/18223]. Acesso em: 05 dez. 2018. [ Links ]

Maria Elizabeth da Silva Queijo – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem – LAEL, São Paulo, SP, Brasil; CNPq n. 168996/2018-9; https://orcid.org/0000-0002-7459-0360; elizabeth.queijo@gmail.com.

Norte e Sul | Elizabeth Gaskell

É muito conhecida nas ciências sociais a obra de Friedrich Engels chamada A situação da classe operária inglesa publicada em 1845, quando o autor, nascido em 1820, tinha apenas 25 anos. De origem prussiana, Engels viajou para a Inglaterra – então a oficina do mundo – em novembro de 1842 e lá ficou por 21 meses, estagiando na empresa de sua família abastada. Depois, em 1844, via Paris, retornou para a casa dos pais, e passou a escrever aquele livro que é, na verdade, um relatório e uma denúncia. Uma obra-prima, dirá Eric Hobsbawm, de leitura obrigatória.

No entanto, não muitos talvez saberão que há um romance de autora vitoriana, moradora de Manchester por toda a vida a partir de 1832, que retrata a mesma situação terrível da classe operária inglesa e foi publicado apenas dez anos depois do livro de Engels. É Norte e Sul, de Elizabeth Gaskell (1810-1865), importante autora inglesa do século 19, amiga de Charles Dickens e de Charlotte Brontë e admirada por pessoas como John Ruskin e Charles Darwin. Mrs. Gaskell é autora de outros romances sociais a partir de Mary Barton, sua estréia literária, de 1848, já publicado no Brasil, em 2017 e que também se passa em Manchester. Leia Mais

Da cidade e do urbano. Experiências, sensibilidades, projetos | Stella Bresciani

As questões urbanas, isto é, aquelas que dizem respeito às cidades e à vida de seus habitantes, são apenas um dos muitos assuntos urgentes que as sociedades contemporâneas enfrentam. Isso deriva de uma razão quantitativa: o século 21, como evidenciado pelos resultados do programa das Nações Unidas sobre assentamentos humanos, é o século das cidades. Decorre também do fato de que as cidades desempenham papéis centrais na vida dos seres humanos do ponto de vista simbólico, político, cultural, social, econômico e pessoal/individual. Este livro/coletânea que reúne textos da historiadora Maria Stella Bresciani introduz o estudo das principais teorias e linhas de interpretação da cidade, apresentando experiências, exemplos e oferecendo descrições que vêm da História e de outras disciplinas que lidam com o fenômeno urbano.

O objeto de estudo, como explicita o título do livro, é a reflexão Da cidade e do urbano, a partir de dezessete textos selecionados. Inicialmente, há uma preferência explícita por parte da curadoria em examinar os textos da autora levando em consideração suas reflexões a partir de uma vertente temática por sedimentação: Leia Mais

Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto | Luis Espallargas Gimenez

Um livro sobre a produção de um arquiteto é publicação que encerra necessariamente dois autores. O primeiro, arquiteto, autor de obra construída reconhecida, com suficiente interesse artístico para constituir necessária documentação iconográfica e literária e merecer integrar, de algum modo, a história da arquitetura. O segundo, escritor, autor do livro, com olhar cultivado para apresentar tal legado arquitetônico ao leitor, inaugurar percurso para a apreciação da obra edificada entre interessados e pares de profissão. Das relações e convergências entre estes dois autores surgem os livros monográficos de arquitetura. Dentre os volumes que tecem a história dos artefatos, diversos enfoques podem orientar a narrativa: a maior importância ao percurso biográfico, a descrição de contextos históricos ou a ênfase em aspectos culturais relacionados à produção. Sob este aspecto, o livro Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto é obra singular, ao arriscar conferir aos edifícios relevância suficiente para conduzir a narrativa.

O lançamento do livro sobre Pedro Paulo de Melo Saraiva é um fato a celebrar. O livro, que recebeu menção honrosa na premiação do Instituto de Arquitetos do Brasil departamento São Paulo – IABsp de 2018, é o primeiro número de uma coleção de livros monográficos de arquitetura brasileira produzida e editada pela Romano Guerra. Para além de reunir e apresentar o conjunto da obra de um arquiteto com edifícios de grande relevância na produção nacional, define a opção pela qualidade da arquitetura a ser publicada. É ainda pequena a quantidade de publicações sobre arquitetos brasileiros, sobretudo aqueles que estiveram longamente compromissados com a atividade profissional, atendendo às demandas comerciais e comuns da arquitetura, que constrói a maior parte das cidades. Leia Mais

Epígrafes e diálogos na poesia de Machado de Assis – MIASSO (MAEL)

MIASSO, Audrey Ludmilla do Nascimento. Epígrafes e diálogos na poesia de Machado de Assis. São Carlos: EdUFSCar, 2017. 505 pp. Resenha de: RIBAS, Maria Cristina Cardoso. Machado Assis Linha v.12 n.26 São Paulo Jan./Apr. 2019.

O título deste livro, circunscrito a epígrafes machadianas, pode suscitar uma curiosidade mais imediata: como epígrafes, tidas pelo senso comum (do qual, em alguns momentos, somos todos partícipes) como adorno ou ateste de erudição, justificam a existência de um trabalho dessas proporções?

A questão provavelmente advém de uma tendência contemporânea: o automatismo de determinados olhares compromete a percepção das sutilezas discursivas, o que torna quase invisível – a este modo de ver – a presença de textualidades interligadas e justapostas, tidas como acessório do elemento principal. Neste distúrbio de refração ocular, utilizando lentes adequadas para refocalizar o objeto e neutralizar a miopia discursiva, tenazmente instalada no delicado espaço entre a citação e o poema, lado à “paixão pelo gesto arcaico de recortar-colar” (COMPAGNON, 1996, p. 12), Audrey Ludmilla do Nascimento Miasso percebeu a distorção do foco, traduzida em aparente desinteresse, a qual redundou na escassez de estudos sobre o tema.

A pesquisadora estuda o projeto poético machadiano desde 2008, tendo publicado vários trabalhos sobre o tema (MIASSO, 2016). Sua dissertação de mestrado – defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Literatura (PPGLit) da UFSCar e orientada por Wilton Marques, professor do Departamento de Letras dessa Universidade -, foi transformada, com apoio da Fapesp, no livro que ora temos em mãos.

Na apresentação do volume, Hélio de Seixas Guimarães refere-se à leitura em espiral das epígrafes machadianas, imagem bastante adequada ao livro de Audrey, justamente por sinalizar a importância da dinâmica de um retorno que, passando pelos mesmos lugares, vai também além deles, formulando novas possibilidades significativas. Para o crítico e pesquisador da USP, a autora busca “examinar um problema aparentemente periférico e menor em seus mais variados aspectos, ampliando seu alcance e tirando dele consequências que extrapolam em muito a delimitação de seu ponto de partida” (GUIMARÃES, 2017, p. 11). E mais: diante da constatação de que as epígrafes vão diminuindo ao longo da obra poética, Hélio Guimarães retoma a imagem da autora em sua hipótese: como se elas escorressem pelos versos e estrofes, misturando-se a elas.

Vale dizer que o livro de Audrey sobre as epígrafes machadianas traz também uma epígrafe quase autoexplicativa, de Jean Michel Massa (1971) – forte presença no livro organizado por Jobim (MASSA, 2001) sobre a biblioteca de Machado de Assis. Pinçada com precisão pela autora, a citação de Massa ilustra a estratégia de citação machadiana, o seu modo de “recorta-cola” tão milimetricamente descrito no livro. Escrita encadeada, a autora trabalha as epígrafes de Machado formulando uma composição epigráfica, desenhando as citações dentro das citações, trazendo à cena a montagem da montagem de Machado, hábil operador que copia, refaz, suprime, traduz, deforma, esquece, modifica, ilumina, erra.

Passando a apresentação espiralada de Hélio Guimarães e a epígrafe de Massa, adentramos o primeiro capítulo. Em tom de convite, a autora nos convoca: “De início, vamos ao encontro de Machado adolescente, contando com seus quinze anos e já poeta” (MIASSO, 2017, p. 37). E segue historiando as primeiras publicações, inclusive aquelas anteriores à fama do bruxo do Cosme Velho e ao seu (re)conhecimento pelo público. Gentilmente, a autora vai pincelando informações consensuais, como o dado de que o periódico de Paula Brito fora o principal meio em que ele publicaria seus versos até 1858. Lançando mão do “nós” – “vamos”… “notamos”… salta aos “nossos” olhos… – na autorreferência da própria voz, vai obtendo um efeito inclusivo e afeito ao leitor, dispersando informações em doses homeopáticas. Curiosamente, a dispersão dos dados atravessa a organização sequencial dos poemas, mobilizando intertextos que se justapõem, segundo a acurada pesquisa da autora, no modo composicional das epígrafes machadianas.

Dentre os inúmeros exemplos que se desdobram ao longo dos capítulos, vão sendo compartilhados os efeitos dessas epígrafes sobre a leitura, inclusive quando rareiam ou deixam de aparecer. Pelas minuciosas descrições apresentadas, não soam como aleatórias. Ao falar de Crisálidas, Audrey ressalta a epígrafe traduzida para o português e extraída das Méditations poétiques (1820), de Alphonse de Lamartine, ainda que, conforme a autora, no Inventário proposto por Jean-Michel Massa não seja citada a obra de Lamartine. A primeira conclusão resultante neste trecho é o efeito da tomada de um poeta romântico francês. Nas palavras da autora, “[…] alerta o leitor de qual será a visão que o jovem crítico apresentará da poesia”. Citando aqui a epígrafe, antecedida pela questão “o que é a poesia?”, lê-se: “uma palavra que o anjo das harmonias segreda no mais íntimo d’alma” (MIASSO, 2017, p. 39).

Nas linhas seguintes (MIASSO, 2017, p. 41), ela faz reverberar, no leitor, o seu propósito: “Tentar encontrar aquilo que saltava aos olhos de Machado no início de sua carreira”. Ao mesmo tempo, vai instalando a dúvida na estratégia machadiana de captação das epígrafes: a proveniência é direto da fonte, ou colhida à epígrafe de outrem, citação da citação, fragmento em segundo ou terceiro grau – como, por exemplo, relata acerca dos versos de Dumas pai no poema “Vem!” (publicado em O Paraíba, 11/4/1858): “se teriam sido retirados de sua fonte primeira, a peça ‘Teresa’ (1832), ou teriam sido reaproveitados da epígrafe de Álvares de Azevedo” (MIASSO, 2017, p. 44). Seguem informações minuciosas acerca deste procedimento – que a autora chama, sem lastro pejorativo, na expressão de Genette (2009), de “aproveitamento de segunda mão” -, bem como de suas repercussões no sentido e no teor composicional dos versos. Deste exemplo bastante detalhado, algumas conclusões merecem realce. Nas palavras da autora: 1. Decorre o possível equívoco de pensar “que a epígrafe funciona da mesma maneira nos diferentes poemas que dela se apropriam”; 2. Urge, portanto, o entendimento de que “A epígrafe não é um corpo extático e não tem seu sentido definido”, mas [a autora cita Compagnon (1996, p. 48)], “muda de sentido segundo a força que se apropria dela: ela tem tantos sentidos quantas são as forças suscetíveis de se apoderar dela” (MIASSO, 2017, p. 45). Com isso, Audrey ativa o diálogo intertextual e intersubjetivo da grafia poética, ressaltando a potência não de sua precisão, mas de sua instabilidade e incompletude.

Ao mencionar outro poema dentre os dispersos que escolhe destacar – “Teu canto” (publicado em A Marmota Fluminense, 15/7/1855) -, a pesquisadora ressalta o fato de a epígrafe ser assinada “pelo próprio Machado”. Em sua análise, conclui que a predileção machadiana em fase inicial de carreira poderia ser pela própria epígrafe, em lugar de considerá-la apenas um meio para reafirmar suas leituras; ou seja, reitera o procedimento como tática para dar pistas ao leitor sobre o que viria ler e produzir. E arremata seu entendimento, aproximando-o do que Genette (2009) chamou de efeito-epígrafe.

A seguir, e em vários outros momentos, a autora sinaliza o quanto as epígrafes sugerem a conexão dos primeiros poemas machadianos com o romantismo francês, relatando que, até 1864, algumas delas são colhidas a Victor Hugo, Alexandre Dumas, Alfred Musset, Gautier e La Rochefoucauld; com o romantismo português de Almeida Garrett e o romantismo brasileiro de Magalhães, Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo. Importante lembrar as fortes conexões anteriores ao Romantismo como a ligação visceral com Shakespeare, com a Bíblia – Machado era fã do Eclesiastes – e, em menor escala, com textos históricos dos livros da Crônica da Companhia de Jesus e da História dos índios cavaleiros.

A autora traz, ainda, o apoio do discurso cronístico machadiano, sobretudo a parte publicada em A SemanaO Cruzeiro e A Marmota. Interessante observar que Machado imita e ressignifica passagens e imagens bíblicas presentes no imaginário ocidental, através da aparente repetição da fonte. A diferença se instala justamente na repetição do evento ou forma imagética, ancorada na suposta fidelidade que a crescente respeitabilidade conferida a Machado garantia junto ao público leitor.

A autora investe tenazmente nas pistas que desentranha às epígrafes machadianas e as rastreia com precisão de escavadora. Movimento propulsor da pesquisa, no início ela aposta na veracidade dos indícios. Sabiamente abre, porém, espaço para a ambiguidade. Onde há fumaça pode haver não apenas fogo, mas lentes embaçadas que impedem a percepção de que indícios podem representar despistes ou funcionar como deflagradores de um turning point na leitura. Machado trabalhou as epígrafes e as respectivas referências com omissão, erro ou detalhamento nem sempre explícitos dos lugares de captação.

Nas palavras da autora, sobre a leitura dos poemas epigrafados incide um “momento de interpretação”, não bastando a percepção da intertextualidade ou o reconhecimento da fonte. Com esta perspectiva, as epígrafes se desdobram e deixam ver o lado informativo sobre os contextos de produção, os dados objetivos circunscritos à publicação pelas editoras, os contratos materiais e pactos de leitura implícitos assinados por Machado, os projetos dos poemas, e a problematização de hipóteses e efeitos de sentido que interseccionam tais esferas no momento da leitura. Por um viés visto até então como menor, o trabalho de Audrey é primoroso e acessa, pelo detalhe, no desfiar da bainha, a complexidade da escrita de Machado em suas eternas e humanas contradi(c)ções. “As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão […]” (ASSIS, 1884, p. 15). Este livro abre, pelas bordas, um espaço interessantíssimo para os leitores e estudiosos de Machado. Vale a convocação.

Referências

ASSIS, Machado de. A igreja do diabo. In: ______. Histórias sem data. Rio de Janeiro: Garnier, 1884. [ Links ]

COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Belo Horizonte: UFMG, 1996. [ Links ]

GENETTE, Gérard. Epígrafes. In: ______. Paratextos editoriais. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. [ Links ]

GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Apresentação. In: MIASSO, Audrey Ludmilla do Nascimento . Epígrafes e diálogos na poesia de Machado de Assis. São Carlos: EdUFSCar, 2017. [ Links ]

MASSA, Jean Michel. A biblioteca de Machado de Assis: quarenta anos depois. In: JOBIM, José Luís. A biblioteca de Machado de Assis. Rio de Janeiro: ABL; Topbooks, 2001. p. 21-91. [ Links ]

______. A juventude de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. [ Links ]

MIASSO, Audrey Ludmilla do Nascimento . Epígrafes e diálogos na poesia de Machado de Assis. São Carlos: EdUFSCar , 2017. [ Links ]

______. O diálogo bíblico em “A cristã nova”, de Machado de Assis. In: ALMEIDA, Kenia Maria de; PEREIRA, João Paulo; SILVA, Ayub Glenda (Orgs.). A poesia e a bíblia: entre a reverência e a paródia. Uberlândia: Edibrás, 2016. [ Links ]

Recebido: 25 de Janeiro de 2019; Aceito: 01 de Março de 2019

Maria Cristina Cardoso Ribas – É Professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Procientista Uerj/Faperj e membro efetivo do Programa de Pós-graduação em Letras no Instituto de Letras, Uerj e do Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Faculdade de Formação de Professores da Uerj. A área de concentração é Literatura, Teoria e História e as linhas de pesquisa são Teoria Literária, Literatura Comparada, Literatura Brasileira e Estudos de Intermidialidade. Concluiu o Pós-doutorado na Universidade Federal Fluminense. Publicou, entre outros trabalhos, Onze anos de correspondência: os machados de Assis, pela 7Letras e PUC-Rio; “Re-reading Literature in Contemporary Cinema: Intermediality in Machado de Assis’ Story “Father Against Mother” (1906) and Sergio Bianchi’s film How much is it worth or is it per kilo?” (In: Brigitte Le Juez; Nina Shiel; Mark Wallace (Orgs.). (Re)writing without borders: contemporary intermedial perspectives on literature and the visual arts, 2005); “O tempo na narrativa machadiana ou quando a ficção refaz a ciência” (Rivista di Studi Portoghesi e Brasiliani); Estudo a O Alienista: a ciência da loucura e a loucura da ciência, pela EdUerj. E-mail: marycrisribas@gmail.com.

O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos de vida (1881-1883) – MUSTO (VH)

MUSTO, Marcello. O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos de vida (1881-1883). São Paulo: Boitempo, 2018. 158 p. BRITO, Leonardo Octavio Belinelli de. Outro olhar sobre Marx. Varia História. Belo Horizonte, v. 35, no. 67, Jan./ Abr. 2019.

No ano em que são comemorados duzentos anos do nascimento de Karl Marx, é compreensível que a efeméride agite debates políticos e teóricos que envolvam seu legado, bem como o mercado editorial local. Entre seus resultados, está a publicação de O velho Marx, de Marcello Musto, autor ligado à fase mais recente do ambicioso projeto editorial das obras completas de Marx e Friedrich Engels, conhecido como MEGA (Marx-Engels-Gesamtausgabe), cuja história é longa e cheia de percalços indissociáveis das desventuras sofridas pelo uso soviético dos pensamentos dos filósofos alemães (Marxhausen, 2014).

Munido pelo aparato documental mobilizado nesse projeto editorial, no qual se destacam os manuscritos/rascunhos e as cartas, frequentemente muito reveladoras, trocadas por Marx com seus correspondentes, o curto livro tem um objetivo restrito, mas nem por isso menor: realizar uma apresentação dos principais acontecimentos da vida pessoal e intelectual de Marx no triênio 1881-1883. Seu principal alvo é a interpretação, rotineira entre seus seguidores, como entre seus críticos, de que os últimos anos do filósofo alemão foram marcados pela confusão de propósitos, fragilidade física e emocional e insegurança teórica. Musto quer nos mostrar justamente o contrário: como Marx, ainda que em condições de saúde frágeis, possuía energia e disposição para perseguir obsessivamente os temas de seu interesse.

Estruturado sob um movimento sempre dúplice, o qual envolve momentos alternados ligados à biografia de Marx com análises da própria evolução de seu pensamento, o livro de Musto conta com quatro capítulos: o primeiro apresenta o estado no qual se encontrava Marx em 1881, ano em que o livro começa sua narrativa; o segundo analisa o debate sobre o destino das comunas agrárias russas e sua relação com o socialismo e a posição de Marx a seu respeito; o terceiro foca na recepção europeia de O capital e o complicado momento familiar pelo qual a família do filósofo alemão passava no segundo semestre de 1881; e o último capítulo expõe a viagem de Marx à Argélia, único momento de sua vida em que saiu do continente europeu, e suas reflexões sobre a situação dos países árabes.

Como se vê, o primeiro mérito do livro de Musto é apresentar os acontecimentos da vida de seu biografado que mesmo o público acadêmico desconhece, como exemplifica o caso da viagem de Marx à Argélia. Nesse plano, vale destacar duas questões delicadas, decisivas para o sucesso do livro, com as quais Musto parece ter se debatido: em primeiro lugar, como selecionar os fatos narrados e articulá-los com uma interpretação a respeito de seus sentidos? Em segundo lugar: como conferir uma narrativa vívida de Marx sem cair numa abordagem excessivamente engrandecedora de sua figura, como se as dificuldades da vida fossem questão menor para espírito tão altivo e brilhante?

No caso da primeira pergunta, Musto teve a ideia inteligente de destacar que o fio vermelho que conecta os empreendimentos intelectuais tardios de Marx – entre os quais se sobressaem, sem dúvida, seu contato com a antropologia por meio da obra de Lewis Morgan e o seu estudo sobre a situação sociopolítica russa – é a recusa do pensamento dogmático, no que Marx contrariava os determinismos variados então em voga. Ao descrever a fusão de Marx com seu gabinete e sua devoção à pesquisa, Musto parece atingir o segundo alvo de seu livro: a noção restrita de “marxismo”, como um conjunto de fórmulas axiomáticas que teve seu primeiro momento de formulação na pena de Karl Kautstky, ele mesmo um tributário das formas de pensar deterministas vigentes no fin de siécle (Haupt, 1979). Com isso, Musto coloca em xeque a construção ideológica mais poderosa das esquerdas do século XX.

E aqui passamos à segunda questão. Em contraste com o procedimento ideológico que alça a figura de Marx à dimensão sobre-humana, o Marx que emerge do livro de Musto não é a figura monolítica, supra-histórica, que os regimes nascidos sob a sua suposta influência pintaram ao longo do século XX. Além de demonstrar como seus pensamentos foram alterados pelas descobertas que realizava, O velho Marx destaca a inserção do filósofo alemão numa rede de militantes e familiares com os quais dividia angústias e alegrias, embora sempre orientado pelas suas preocupações teórico-práticas. Nesse sentido, o esforço do biógrafo não é demonstrar como a dimensão pública das atividades de Marx se sobrepunha à sua vida privada, mas, ao contrário, frisar como sua vida privada e pública se fundiam em uma só – a vida do sujeito Marx – e que, como não poderia deixar de ser, era carregada de contradições, dilemas e escolhas.

Por razões compreensíveis, um livro sintético sobre tema tão complexo traz o risco de algumas limitações. Embora muito bem sucedido, talvez houvesse necessidade de explorar um pouco mais a fundo as descobertas/reformulações teóricas de Marx no período delimitado pela pesquisa. Em que pese observação do autor sobre o fato de esse ser um livro de “biografia intelectual” e indicar a preparação de outro “exclusivamente teórico” (Musto, 2018, p.10), isso não altera a fato de que poderia ter havido discussões teóricas mais profundas no livro atual, especialmente porque, como o próprio autor demonstrou, a biografia de Marx não é separada de suas formulações teóricas.

Pelo seu assunto e pela sua forma expositiva – clara, concisa e livre de jargões -, o livro de Musto certamente interessará aos pesquisadores brasileiros do pensamento de Marx, bem como ao público não acadêmico, mas interessado em discussões políticas. É possível, inclusive, que incomode aqueles que se identifiquem com o “mito Marx” que transcorreu o século XX. Se o fizer, o livro terá cumprido seu objetivo (Musto, 2018, p.11). É que Musto apresenta um caminho para outro Marx, talvez um Marx do século XXI, mais aberto, mais plural e, quem sabe, ainda mais poderoso. Um Marx, portanto, em construção.

Referências

HAPUT, George. Marx e o marxismo. In: HOBSBAWN, Eric (org). História do marxismo (vol.1 – O marxismo no tempo de Marx). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. [ Links ]

MARXHAUSEN, Thomas. História crítica das Obras completas de Marx e Engels (MEGA). Crítica Marxista, Campinas, n.39, p.95-124, 2014. [ Links ]

MUSTO, Marcello. O velho Marx – uma biografia de seus últimos anos de vida (1881-1883). São Paulo: Boitempo, 2018. [ Links ]

Leonardo Octavio Belinelli de Brito – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade de São Paulo, Avenida Professor Luciano Gualberto, 315, São Paulo, SP, 05.508-900, Brasil. belinelli.leonardo@gmail.com.

Magnífica e Miserável: Angola desde a guerra civil | Ricardo Soares Oliveira

Magnifica e Miserável: Angola desde a guerra civil é um livro de autoria do investigador português Ricardo Soares de Oliveira, publicado originalmente em língua inglesa (Magnificent and Beggar Land: Angola since the civil war) e seis meses mais tarde dado à estampa pela editora portuguesa Tinta-da-China. A publicação desse livro provocou em certo entusiasmo incontido em alguns meios jornalísticos e acadêmicos em Portugal e o Reino Unido, que se manifestaram nos comentários qualificativos sobre o autor e a obra constantes na contracapa da versão inglesa, assim como da versão portuguesa tais como: “lúcido, brilhante” e “fascinante, provocativo”, por um lado, “profundo conhecedor da política do petróleo em Angola” e “melhor estudo sobre Angola em inglês”, por outro. Salvo engano, o livro mereceu algumas de resenhas críticas à versão inglesa1 que ampliam e levantaram a discussão sem que a mesma fosse sentida no meio acadêmico angolano e de língua portuguesa.

Magnífica e Miserável apresenta-nos uma capa que ilustra o pôr do sol da costa de Luanda e os escombros do mausoléu, obra quase abandonada, infraestrutura imponente à soviética onde repousa os restos mortais do primeiro presidente de Angola independente, António Agostinho Neto. Esta ilustração sinaliza o que entendemos ser o início da representação caricatural, – da magnificência – que se pode encontrar reforçada no texto. Leia Mais

Jinga de Angola: A rainha guerreira da África | Linda M. Heywood

Muito se fala sobre a Rainha Jinga1: os adjetivos utilizados para mencioná-la não lhe poupam as características marcadamente de poder e ousadia. “Jinga de Angola: A rainha guerreira da África”, recente trabalho da historiadora Linda Heywood, lançado em língua inglesa no de 2018 e publicado no Brasil em 2019, não foge a esta regra. Dividida em sete partes, que acompanham cronologicamente a vida de Jinga, e com um posfácio assinado por Luís Felipe de Alencastro, a obra ressalta a perspectiva da liderança feminina e astúcia da rainha africana que é conhecida por muitos e cuja atuação histórica é relembrada em cantos de congado e cantos populares pelo Brasil.

Jinga Mbande Gambole, Ana de Sousa, Ngola Kiluanje e Ngola Jinga Ngombe e Nga — estes são todos os nomes adotados por Jinga em diferentes circunstâncias, de sua longa vida, na qual testemunhou e vivenciou ativamente, mudanças profundas, de origem externas, mas também internas. Essa adoção de diferentes nomes revelavam a busca por identidade e também apontavam para sua destreza, em circular por mundos e culturas diferentes e ainda assim, registrar sua marca e presença. Leia Mais

As voltas do passado. A Guerra Colonial e as lutas de libertação | Miguel Cardina

Existem livros que surpreendem pela originalidade do título; outros surpreendem pela qualidade do conteúdo ou pela lógica de organização dos textos. A obra organizada por Miguel Cardina e Bruno Sena Martins surpreende nos três aspectos. Na obra intitulada “As voltas do passado: a Guerra Colonial as lutas de libertação”, Cardina e Martins reúnem um expressivo conjunto de 51 pesquisadores de diferentes nacionalidades e apresentam aos leitores um livro fracionado em 46 textos. Acionando uma ampla rede de pesquisadores e de instituições acadêmicas da África e da Europa, os organizadores apresentam ao leitor uma amostra qualificada das interpretações que a Guerra Colonial produziu na historiografia portuguesa e na historiografia dos países africanos que outrora foram colônias de Portugal.

Neste sentido, o livro pode ser considerado um projeto editorial ousado, por dois motivos: primeiro porque buscou incorporar os significados da Guerra Colonial para Portugal e para os povos africanos que desafiaram a política colonial lusitana; e, segundo, porque transitou entre os fatos da Guerra Colonial e as memórias construídas a partir destes fatos. Na Introdução os organizadores ressaltam que a problematização da memória é um dos objetivos da obra e afirmam que As voltas do passado é um livro que se preocupa com “o regresso da guerra aos sucessivos presentes, em combinações irregulares entre a evocação de um passado constitutivo e os usos seletivos da memória.” Leia Mais

Ingesta. São Paulo, v.1, n.1, 2019.

Editorial

Artigos

Publicado: 2019-03-29

Anais do Museu Paulista. São Paulo, v.27, 2019.

Editorial

Museus/Dossiê: Métodos interdisciplinares de análise em acervos museológicos

Museus

Estudos de Cultura Material

Conservação e Restauração

Publicado: 2019-03-26

 

Hydra. Guarulhos, v.2, n.4, 2018.

História do tempo no Brasil

Editorial

Expediente

Artigos Livres

Notas de Pesquisa

Publicado: 2019-03-25

Boletim do Tempo Presente. Recife, n. 12, 2018.

Edição Especial – Simpósio Brasileiro de Tecnologia da Informação

Artigos

Publicado: 2019-03-25

Urbana. Campinas, v.10 n. 2, 2018.

mai./ago. [19] – Dossiê: Brasília I

Dossiê Brasília

Vol. 10, N. 2 [19] (maio-ago/2018)

Editora Convidada: Profa. Dra. Maria Fernanda Derntl – UnB

EDITORIAL

PUBLICADO: 2019-03-14

Outros Tempos. São Luís, v.16 n. 27, 2019.

Dossiê: O Império e as Proví­ncias: configurações do estado nacional brasileiro no século XIX

Apresentação

Dossiê

Estudo de caso

Entrevista

  • MIRIAM DOLHENIKOFF
  • PDF

Resenhas

Publicado: 2019-03-11

Marx, Espinosa e Darwin: pensadores da imanência | Maurício Vieira Martins

Ser imortal é insignificante; exceto o homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte … Israelitas, cristãos e muçulmanos professam a imortalidade, mas a veneração que tributam ao primeiro século mostra que somente creem nele, uma vez que destinam todos os demais, em número infinito, a premiá-lo ou castigá-lo ( Borges, 2008 , p.19).

Pela parte do fogo 1 é que se reconhece um filósofo. Se o pensador tem a coragem para se entreter exclusivamente com a busca de causas que devem ser procuradas nesse mundo físico e material e na atividade humana; ou se apela, ou se submete, a causas transcendentais, religiosas, produtos de Deus ou de deuses. Marx, Espinosa, Darwin: pensadores da imanência , primeiro livro do sociólogo e filósofo Maurício Vieira Martins, demonstra que o conceito de imanência é central ao filósofo holandês Baruch Espinosa (1632-1677), ao sociólogo (ou economista) alemão Karl Marx (1818-1883) e ao naturalista (evolucionista) inglês Charles Darwin (1809-1882). E que esse conceito, mobilizado nas obras desses pensadores, permite que a filosofia e a ciência contribuam na luta contra a ignorância, o conservadorismo e o obscurantismo, que levam à violência, física e mental. Desde o prefácio, Martins (2017 , p.9) nos alerta para o “crescimento exponencial de movimentos religiosos pelo planeta afora”. O livro não é um libelo contra as religiões, mas desenvolve um argumento que nos leva a considerar crises atuais de uma perspectiva mais progressista e política. Leia Mais

São Paulo. Uma biografia gráfica | Felipe Correa

São Paulo, uma biografia gráfica é um novo volume que propõe uma análise complexa da cidade metropolitana de São Paulo, oferecendo também instrumentos para um desenvolvimento futuro mais sustentável.

Fruto do trabalho de um grupo de pesquisadores coordenado por Felipe Correa, o livro – com excelente qualidade gráfica e impressão – é uma narrativa visual e de textos, que coloca em questão o não-desenho urbano de São Paulo durante a transição rápida de uma cidade com pouco mais de trinta mil habitantes (1870) para os atuais 20 milhões da área metropolitana. A análise – cujo ponto de partida é a leitura das bases de orografia e hidrografia – aborda uma visão sistêmica de outras “camadas” e temas, tais como áreas abandonadas. Leia Mais

Roteiro para construir no Nordeste. Arquitetura como lugar ameno nos trópicos ensolarados | Armando de Holanda Cavalcanti

Logo ao entrar no curso de arquitetura, em 1985, fui apresentado ao Roteiro para Construir no Nordeste de Armando de Holanda, um pequeno livro que era uma leitura essencial para os estudantes de arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE desde seu lançamento em 1976. Por meio de algumas estratégias – criar uma sombra, recuar as paredes, vazar os muros, proteger as janelas, abrir as portas, continuar os espaços, construir com pouco, conviver com a natureza – o autor buscava ajudar estudantes e arquitetos a projetar no Nordeste do Brasil. Só tempos depois é que pude compreender a real significância deste livro. Mais do que algumas estratégias para se chegar a um bom projeto, ele nos fala muito mais da relação entre arquitetura e natureza e do real significado da arquitetura moderna.

Os princípios propostos por Armando de Holanda eram compartilhados por vários arquitetos locais, tanto em suas práticas profissionais como no ensino da escola de arquitetura da UFPE, onde Armando se formou em 1962 e ensinou entre 1974 e 1979. Essa escola de arquitetura, que teve origem na década de 1930 na Escola de Belas Artes de Pernambuco, adquiriu uma orientação moderna a partir do estabelecimento no Recife do italiano Mario Russo, do carioca Acácio Gil Borsoi e do português Delfim Amorim, entre 1949 e 1951. Leia Mais

La palabra y el dibujo | Jua Luis Trillo de Leyva e ángel Martínez García-Posada

“Me censuraban el hecho de que teniendo, supuestamente, esa obligación no indicase caminos claros a los estudiantes, a lo que yo respondía claro que no, porque los caminos no son claros”.
Álvaro Siza. Fragmentos de una experiência

Con este volumen, que además bautiza a toda la colección, la editorial madrileña Lampreave inauguró, en 2012, una serie de libros sobre temas de arquitectura y creatividad: La palabra y el dibujo.

En esencia, podríamos decir que esta obra es un tributo a los bocetos del arquitecto portugués Álvaro Siza Vieira (Matosinhos, 1933). El texto introductorio de Ángel Martínez García-Posada nos revela que la colección lleva, en realidad, el título de una conferencia impartida en 1998 por el profesor Juan Luis Trillo de Leyva, catedrático de la Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Sevilla. Su disertación consistía en un intento de desvelar los secretos de los bosquejos de Álvaro Siza. Leia Mais

Utopia, Dystopia. A Paradigma Shift in Art e Architecture | Pedro Gadanho, João Laia e Susana Ventura

No segundo semestre de 2016, paralelamente à 4ª edição da Trienal de Arquitetura (1), inaugurou-se em Lisboa o MAAT, o museu de arte, arquitetura e tecnologia de Lisboa, causando polêmica ao introduzir a capital lusitana no pulsante circuito global de arquiteturas espetaculares.

Entretanto, não é a arquitetura do MAAT, projetado pela arquiteta inglesa Amanda Levete, que proponho apresentar nesta resenha, tampouco as obras de sua exposição inaugural: “Utopia/Dystopia, A paradigma Shift in Art e Architecture”O destaque aqui é a publicação do livro homônimo, lançado em março de 2017 (2), que por sua vez não é um mero catálogo da exposição, mas uma ambiciosa coletânea de ensaios inéditos, focados em refletir os impulsos utópicos e distópicos que dominam o homem desde o inicio da modernidade. Há um evidente tom de manifesto, fortalecido pela publicação em edição bilíngue. Livro e exposição trabalham como entidades complementares, ainda que autônomas, tornando-se o primeiro compêndio a explorar as diferentes abordagens de artistas contemporâneos, arquitetos e teóricos sobre as dualidades e tensões em torno do par utopia/distopia. Leia Mais

Boletim de História e Filosofia da Biologia. [?] v.13, n.1, 2019.

Metodologia da pesquisa em Educação Histórica | Educar em Revista | 2019

A História é uma recolha de experiências”1

A escolha do tema “Metodologia da pesquisa em Educação Histórica”, sugerido ao dossiê, pode causar, aos mais experimentados leitores da História e do seu ensino, uma certa inquietude. No entanto, o leitor saberá também que há várias maneiras de se pensar a História, pensar o ensino de História e, portanto, a pesquisa historiográfica e a pesquisa sobre o ensino de História. Todos que, de alguma forma, passaram pela formação inicial de historiador, recordam-se das reflexões de Marc Bloch sobre o ofício de historiador e de como era caro, ao autor, o compromisso com o rigor metodológico da investigação histórica. Mas não só: para além do rigor científico, para Bloch, “o historiador é chamado a prestar suas contas. Não se aventurará a fazê-lo sem um pequeno estremecimento interior: qual o artífice, envelhecido no ofício, que nunca perguntou a si mesmo, com o coração apertado, se fez uso avisado de sua vida” (BLOCH, s/d., p. 11). O mesmo historiador, ao se apresentar a um público de jovens alunos do Liceu de Amiens, em 1913, diz: “Como sabeis, sou professor de história (…)”, demonstrando, assim, a preocupação em expandir a natureza desse ofício (BLOCH, 1998, p. 21). Leia Mais

História & Luta de Classes. [?], v.14, n.27, mar. 2019.

Crise do Capital e Alternativas de Esquerda

Apresentação

Fonologia – Fonologias: uma introdução – HORA et. al. (A-RL)

HORA, Dermeval da; MATZENAUER, Carmen (Org). Fonologia, fonologias: uma introdução [ Phonology, Phonologies: An Introduction] São Paulo: Contexto, 2017. Resenha de: CANGEMI, Ana Carolina. Um passo a passo para estudos linguísticos em teorias fonológicas. Alfa – Revista de Linguística, São José Rio Preto, v.63, n.1, São Paulo, Jan./Mar. 2019.

Fonologia, fonologias: uma introdução (2017) [ Phonology, Phonologies: An Introduction , edited by Dermeval da Hora and Carmen Lúcia Matzenauer, comprises studies on Phonological Theories. The work is dedicated to Gisela Collischonn (in memoriam), admirable phonologist, who so prematurely left us. In the Introduction the editors promise to take the reader to the “world of sounds”, understood both as the substance of human languages as well as a unit of their respective grammar. The eleven chapters that make up the book are structured around six questions 1:

  1. What is _ _ _ _ _ _ _ _ Phonology 2 ?
  2. What does _ _ _ _ _ _ _ _ Phonology study?
  3. How to analyze linguistic phenomena using _ _ _ _ _ _ _ _ Phonology?
  4. Could you give me an example?
  5. What are the main research lines?
  6. What should I read to know more?

In the first chapter, Fonologia Estruturalista [ Structuralist Phonology ], by Juliene Pedrosa and Rubens Lucena, the Saussurean concept of langue is seen as a foundation for later formalizations of phonological theories. Specifically, regarding Structuralist Phonology, the authors introduce the founding theorists and the fundamental aspects of the study of a language. When analyzing phenomena of the language, the authorsrefer especially to Brazilian linguist Joaquim Mattoso Camara Jr. and, consequently, bring as examples phenomena involving consonant and vowel sounds of Portuguese.

The second chapter, Fonologia Gerativa [ Generative Phonology ], by Seung Hwa Lee, starts with a presentation of the main theoretical assumptions of Generative Phonology (a branch of Generative Grammar). In it, the author discusses topics such as 1) the major theorists in the field of Generative Phonology, 2) the definition of what it is and 3) the scope of its study. The author emphasizes the main objective of the theory (to make explicit the linguistic knowledge/faculty of the speaker-listener of each language) as well as its product (the construction of a phonological grammar of a language that could describe the phonological knowledge of the speaker-listener of that language in terms of the system of rules). In order to exemplify a linguistic phenomenon in the light of the theory, Lee discusses the idea and the rules involving a conspiracy process, by using the sound alternations of Portuguese archiphoneme / S /. Finally, there is a systematic elaboration on Generative Phonology. Therefore, the chapter is a valuable contribution towards the description and explanation of the phonological knowledge of the speaker/listener.

The third chapter, Teoria dos Traços [ Distinctive Features Theory ], was produced in partnership between Carmen Lúcia Matzenauer and Ana Ruth Moresco Miranda. The authors initially provide a historical overview of theory and subsequently (in a very objective and clear way) familiarize the reader with the minimum units forming the internal structure of segments as well as the two approaches to features: i) attributes of segments, and ii) autosegments. It should be emphasized that such perspectives are originally linked to different theoretical models, the first referring to the Classical Generative Model, the second to the Autosegmental Model. By fulfilling data produced by Brazilian children, the authors offer examples that illustrate the dynamics of the phonological grammar of Brazilian Portuguese. It is finally stressed that distinctive features have an important descriptive and explanatory power. Hence the importance of theoretical knowledge for the advancement of studies of the phonological component of linguistic systems. Carefully written and reader-friendly, this chapter harmonizes the transition from linear to nonlinear models, 3 which will be fully approached in the five chapters following it.

The fourth chapter, by Dermeval da Hora and Ana Vogeley, introduces Fonologia Autossegmental [ Autosegmental Phonology ]. This nonlinear approach provides the basics for a multidimensional understanding of phonological processes. The way the reader can benefit from the descriptions, with multi-layered arrangements of phonological representations with respect to the suprasegmental aspects, for example, is remarkable. Thus, the authors devote a part of the chapter to prosodic phenomena. Although Autosegmental Phonology is considered a theory and not just a descriptive model, it is important to understand its mode of representation (tree diagrams), the conditions under which phonological rules and processes are established, and the principles of its functioning. The authors, then, assign another part of the chapter also to these topics. Finally, the coordination of the components of the articulatory apparatus during the production of sounds in speech is dealt with using data extracted from Portuguese.

The fifth chapter, Teoria Lexical [ Lexical Theory ], written by Leda Bisol, addresses phonological theory concerning words as regards to two types of components, i) the lexical component and ii) the postlexical component. This theory, which is grounded on generative models of analysis, integrates phonology and morphology in the lexical component. Therefore, prosodic entities, the syllable, enunciation, the processes of word formation and the elements of a word are examined in a singular way. The author also highlights the key aspects of lexical theory, the ordering of rules and their effect on the serial model. Finally, there is a cyclical analysis of a Portuguese word composed by a root and a thematic vowel.

The sixth chapter, Fonologia Métrica [ Metrical Phonology ], by José Magalhães and Elisa Battisti, is aimed at the organization and formalization of relations of prominence (ranging from the smallest, such as the syllable, to larger ones, such as clauses) in the phonological domain). Although Metrical Phonology studies the system of relative prominence of a language as a whole or in terms of its accentual pattern, some theoretical assumptions, objects and processes of investigation are given special attention. For example, the formation of a structure with binary components by means of relative prominence hierarchically organized is one of the issues of application of the theory. In order to exemplify the models of analysis described in the chapter, the authors work with Latin, Portuguese and other natural languages.

The seventh chapter, Fonologia Prosódica [ Prosodic Phonology ], by Luciani Tenani, highlights the interface between Phonology and other components of grammar. The author points out that Prosodic Phonology stands as a formal theory about prosodic structures, which can be defined by the identification of information on the syntactic or morphological qualities which are relevant to characterize the domains of application of phonological rules. After showing that there can be no necessary isomorphism among the constituents, the author calls attention to the plurality of proposals for prosodic hierarchies. Regardless of the various proposals, it is possible to adopt a set of procedures for analysis in the light of Prosodic Phonology. By using data drawn from Portuguese, the author exemplifies such procedures and reflects especially on accentual shock in the language.

The eighth chapter, written by Ubiratã Kickhöfel Alves, deals with Teoria da Sílaba [ The Syllable Theory ]. The chapter begins with a discussion of the challenge of characterizing the syllable. The author extends the difficulty to the representational level, to the formal mechanisms of analysis of the syllabication process in a language as well as to universal constraints on syllabication. Specifically, in relation to the representational structure in Syllable Theory, three sets of proposals are presented for its characterization: i) the autosegmental structure, ii) the tree-diagram structure and iii) the moraic structure. Linguistic phenomena can be analysed by adopting more than one approach. Some analyses may be carried out, for example, taking a rule-based approach, or a syllabic-model approach or a constraint-based approach. It should be emphasized that, in addition to the different approaches, it is necessary to consider the distribution segments into the syllable, following universal principles of syllabification. A set of principles is presented in the chapter. Finally, the author points out that studies that look into the syllabic structure of the system are still an inexhaustible source of investigation. This chapter also marks the end of the section on non-linear theories in the book, which now turn to the model created in the 1990s: Teoria da Otim(al)idade. [ Optim(al)ity Theory ].

In the ninth chapter, entitled Teoria da Otimidade [ Optimality Theory ], by Luiz Carlos Schwindt and Gisela Collischonn, the theory that had a major impact especially on phonological studies is introduced. According to the authors, this theory can be considered a development of the Generative Theory, in terms of formal descriptions and the search for universals. However, a methodological differentiation can be noticed when it is compared to the generative models that preceded it. From the beginning of the chapter, the authors fulfil examples to initially elucidate the theory. The first example is within the scope of the syllabic structure of Portuguese. As the analysis of the syllabic structure is prioritized in this chapter, the essential properties of the phonological model are highlighted. It is important to emphasize that the task of the Optimality Theory is to promote the mapping of linguistic forms which have been effectively realized together with their underlying forms. Undoubtedly, the theory brings advances to phonological analysis, but there are problems, too. At the end of the chapter, the authors reflect on some of these problems.

The tenth chapter, Teoria de Exemplares [ Exemplar Theory ], written by Thaïs Cristófaro Silva and Christina Abreu Gomes, introduces a representational model formulated, a priori , for the study of visual perception and categorization in the realm of Psychology. According to the authors, three aspects are within the scope of Exemplar Theory: i) phonetic detail, ii) the effects of frequency on mental representations, and iii) emergence and grammatical management of abstract representations. Experimental methodologies are grounded on the expectation of presenting empirical evidence so as to corroborate tendencies of generalization in abstract grammatical representations. In the context of the phenomenological analysis there is the examination of the effects of frequency and lexical similarity by means of research into the corpora of the language under study.

The eleventh and last chapter, Fonologia de Laboratório [ Laboratory Phonology ], by Eleonora Cavalcante Albano, addresses a methodological position which can be applicable to any phonological theory. It is considered that the association between Phonetics and Phonology should be sufficiently clear to support experimental hypotheses. The method, which was developed at LabPhon Association4 , is intended for the scientific study of the elements of a spoken or signed language as well as of its organization, grammatical function and role in communication. According to the author, in this respect, the method shares the same objects of traditional Phonology (in terms of its system and phonic processes), but in a more particular way. Thus, phonetic detail plays an essential part in shedding new light on the the nature of phonic contrasts, for example.

Fonologia, Fonologias: uma Introdução (2017) fulfills its promise to offer the theoretical tools for the reflection on the phonological components of languages (especially Portuguese), as it describes the main phonological theories. Moreover, the book stands as a broad and dense study that allows for the understanding of phonological theories and methods, fostering debates and further developments. With the contribution of renowned Brazilian scholars and researchers, the book is reader-friendly from beginning to end, objectively offering more than the answers to the six questions around which its chapters are organised. Theoretical frameworks, issues and results are gathered together in this useful work, which certainly leads the reader to the “world of sounds.”

References

CHOMSKY, N. The sound pattern of English. New York : Holt, Rinehart and Winston, 1968. [ Links ]

GOLDSMITH, J. (ed.) Phonological theory: the essential readings. Malden: Blackwell Publishers, 1999. [ Links ]

HORA, D.; MATZENAUER, C. Fonologia, fonologias: uma introdução. São Paulo: Contexto, 2017. [ Links ]

NESPOR, M.; VOGEL, I. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris Publications, 2007. Obra original de 1986. [ Links ]

SELKIRK, E. Phonology and syntax. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1984. [ Links ]

1Also including notes and references pertaining to each chapter.

2The underscored blank spaces preceding “Phonology” indicate the type of Phonology dealt with in the chapters, for example, Generative Phonology, Lexical Phonology, Prosodic Phonology, and so forth.

3The theoretical models of linguistic phonology are commonly divided into two groups: i) linear models ( CHOMSKY, 1968 ) and ii) nonlinear models ( SELKIRK, 1984 ; NESPOR;VOGEL, 2007 ; GOLDSMITH, 1999 ). Linear models regard speech as a linear combination of segments or distinctive features, that is, there is a one-to-one relationship between the segments and the matrices of feature values. Nonlinear models understand the phonology of a language as an organization in layers (tiers). In this model, the one-to-one relationship is reviewed. Features can extrapolate (or not) a segment and they can also be linked to more than one unit, function alone or in association with them.

4From https://www.labphon.org/ . Access on: 27 Feb. 2018

Ana Carolina Cangemi Universidade Estadual Paulista, (Unesp), Faculdade Ciências e Letras, Araraquara – São Paulo – Brasil. Professora do Departamento de Linguística. ana.cangemi@unesp.br

Revista História e Culturas. Fortaleza, v.6, n.12, 2018.

Hydra. Guarulhos, v.2, n.3, 2017.

História e literatura

Dossiê

Artigos Livres

Resenhas

Publicado: 2019-03-25

Boletim Historiar. São Cristóvão, v.5, n.1, 2019.

Artigos

Resenhas

Publicado: 2019-03-24

Afro-Ásia. Salvador, n.59, 2019.

Editores: Fábio Baqueiro Figueiredo, Iacy Maia Mata e Jamile Borges da Silva.

Editor de resenhas: João José Reis.

Editora assistente: Regina Mattos.

Capa: Zeo Antonelli.

Imagem da Capa: Batalha de São Domingos (1845), de January Suchodolski

(fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Battle_for_Palm_Tree_Hill.jpg).

Artigos

Homenagem

Resenhas

Publicado: 2019-02-22

Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a distância. São Paulo, v.18, n.1, 2019.

Publicado: 2019-02-20

Artigos Originais

Relatos de Experiência

 

EaD em Foco. Rio de Janeiro, v.9, n.1, 2019): Volume único

Artigos Originais

Estudos de Caso

Revisões

Traduções autorizadas

Publicado: 2019-02-20

Monções – Revista de Relações Internacionais. Dourados, v.8, n.16, 2019.

Deslocamentos populacionais, migrações de crise e refugiados

APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ

ENTREVISTA

ARTIGOS DOSSIÊ – DESLOCAMENTOS POPULACIONAIS, MIGRAÇÕES DE CRISE E REFUGIADOS

ARTIGOS – SEÇÃO MISCELÂNEA

RESENHAS BIBLIOGRÁFICAS

PUBLICADO: 18/12/2019

Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v. 51, ano 2019.

Editorial

  • Editorial
  • Rafael Zamorano Bezerra; Aline Montenegro Magalhães, Alváro Marins
  • PDF

Apresentação

Dossiê temático

Artigos

Fronteiras – Revista Catarinense de História. Florianópolis, n.34, 2019.

Dossiê n. 34 – 2019/02 – “Ensino De História e Relações Etnico Raciais: Diálogos afro-indo-latinos”

jul./dez. 2019

Editorial

Apresentação

Dossiês

Artigos

Resenhas

Publicado: 18-12-2019

Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico | Joaze Bernardino Costa, Nelson Maldonado-Torres e Ramón Grosfoguel

[…] Emancipe-se da escravidão mental

Ninguém além de nós mesmo pode

Libertar nossas mentes.

Canção da Liberdade – Bob Marley

Para problematizar decolonialidade, fazem-se necessárias reflexões sobre o conhecimento. Assim como, interrogar as resistências impostas pelas lógicas econômicas, políticas, culturais, estéticas e da natureza produzidas em um longo processo colonial. Na obra em pauta, os autores compreendem decolonialidade e pensamento afrodiaspórico como um sentido mais amplo que se interroga e se dispõe apresentar debates que podem ser inspiradores de estratégias para se transformar as realidades em que a colonialidade do ser, do saber, do poder e da natureza se perpetuam.

A obra Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico, organizada pelos professores Bernardino-Costa, Nelson Maldonado-Torres e Ramón Grosfoguel em um esforço horizontal de dialogo junto a outros 13 autores/as que são igualmente professores/pesquisadores, feministas negras, intelectuais/ativistas antirracistas e negros(as); os quais partem da premissa que o conhecimento está ligado ao poder, além de asseverar que a raça é um principio estruturante para se problematizar o sistema-mundo moderno/colonial. Leia Mais

Revista TEL. Irati, v.9, n.2, 2018.

Dossiê: Histórias de Violências

Expediente | Editorial Board | Cuerpo Editorial

Editorial | Editor’s Note | Presentación

Dossiê | Special Issue | Dossier

Artigos | Articles | Artículos

Resenhas | Book Reviews | Reseñas

Publicado: 2019-02-12

História.Com. Cachoeira, v.6, n.11, 2019.

Revista Eletrônica Discente História.com

Artigo Livre

História da África

Resenha

Publicado: 2019-03-11

Boletim Historiar. São Cristóvão, v.5, n.04, 2018.

Artigos

Resenhas

Publicado: 2019-02-09

Formação das fronteiras latino-americanas | Fábio Aristimunho Vargas

As fronteiras são um tema conceitualmente polissêmico e um objeto multidisciplinar, cujos estudos são de interesse acadêmico diverso, abarcando os campos da Geografia, Relações Internacionais, Direito, História, entre outros. Estudos que procuram contribuir para o entendimento dos processos que levaram à definição dos limites territoriais entre os Estados são de grande valia nessa temática. É nessa perspectiva que o livro Formação das Fronteiras Latino-Americanas, publicado pela Fundação Alexandre de Gusmão em 2017 (640 páginas), insere-se como uma importante contribuição.

O autor é mestre em Direito Internacional, possui doutorado em Integração da América Latina e atua como professor em cursos de Direito e de Relações Internacionais em universidades da região da Tríplice Fronteira (Argentina-Brasil-Paraguai) onde vive. Sua produção intelectual segue a mesma lógica da temática de seu livro, de sua formação e de sua vivência, com viés inclinado ao Direito Internacional, tratando questões de fronteira. Leia Mais

Centroamérica (re)visitada: coyunturas críticas e historia del pasado reciente | Diálogos | 2019

Desde 1970, las transformaciones políticas, económicas, sociales y culturales que se han desarrollado en Centroamérica han influido sobre diversos ámbitos, incluso sobre la idea que se tiene de esta “región”. El proceso de “transición democrática”, asociado a una concepción neoliberal de democracia, así como las crisis económicas, los nuevos ciclos de exportación, la reconversión productiva y el fomento del turismo; las migraciones y las remesas como parte del estilo de acumulación dependiente; las coyunturas críticas, la violencia, las guerras civiles, la búsqueda de la paz, y la génesis de nuevas desigualdades y pobreza, han impactado a la sociedad civil, que ha buscado construir nuevas formas de convivencia y solidaridad.

En este contexto, las élites regionales se han transnacionalizado, lo cual ha perfilado nuevos escenarios para los movimientos sociales, para la (des)legitimación de los derechos sociales, y para la generación de nuevas prácticas culturales y de representaciones de las realidades regionales. Este es, además, un contexto transnacionalista y global, que ha demandado, como respuesta regional, la búsqueda de una nueva confianza, que incluya la conciencia por la crisis de (in)sustentabilidad centrada en la relación entre sociedad y naturaliza. Leia Mais

Diálogos. Maringá, v.23, n.1, 2019.

Centroamérica (re)visitada: coyunturas críticas e historia del pasado reciente

Editorial

Dossiê

Artigos

Resenhas

Publicado: 2019-02-06

Revista de História da UEG. Morrinhos, v.8, n.1, 2019.

Dossiê “Tiranias Ibero-Americanas”: institucionalização dos poderes, resistência social e seus agentes

Imagens de Capa: 
1. General Augusto Pinochet, 1973. Autoria desconhecida;
2. Ditadura Militar no Brasil, 1964-1985. Autoria desconhecida;
Fonte: culturacolectiva.com; historialivre.com.

Editorial

Dossiê Temático

Notas de Pesquisa

Resenhas

Publicado: 2019-02-06

Passagens – Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Niterói, v.11, n.1, jan./abr., 2019.

Editorial

Artigos

Resenha

Colaboradores deste Número

Publicado: 2019-02-03

Francisco e o franciscanismo; Sociedades científicas / Antíteses / 2019

Editorial

O ano de 2019 foi particularmente difícil para as universidades brasileiras, que enfrentaram, além da redução de verbas destinadas à pesquisa, a desconfiança em relação ao conhecimento científico e sua relevância social. Neste cenário, o meio acadêmico, em particular o historiográfico, se viu diante do desafio de reafirmar suas bases epistemológicas e metodológicas (como fizemos no número anterior por meio de nossa Carta de princípios) e ao mesmo tempo prosseguir com a busca por resultados de excelência na pesquisa. Para nós, da Revista Antíteses, esse cenário não foi diferente. Este número encerra um ano de muitas transformações internas, da procura por novos caminhos para a difusão dos conhecimentos da área e da consolidação das conquistas obtidas nos últimos anos por nosso periódico.

A presente edição consolida, por exemplo, o novo projeto gráfico da Antíteses, possibilitado pelo apoio recebido do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), que modernizou o layout adequando-o a novos padrões de leitura. Também demos seguimento à nova seção “Sociedades Científicas”, desta vez por meio da parceria com o Laboratório de Estudos de História das Américas (LEHA), da FFLCH-USP. Celebramos ainda, mais uma vez, a conquista do novo Qualis-Capes obtido pela revista (A1). O feito de atingir o estrato máximo da avaliação já nos trouxe como resultado imediato o aumento no recebimento de artigos, vindos das mais variadas universidades brasileiras e do exterior, o que coloca novos desafios para o Comitê editorial.

Em continuidade a esse processo de reformulação, comunicamos a troca do editor-chefe da Revista Antíteses. Após 5 anos de dedicação no comando desta publicação, o professor Gilmar Arruda deixou o cargo de editor-chefe, embora continue como um membro fundamental da nossa editoria.

Em seu lugar, assumiu a professora Carolina Amaral de Aguiar. Essa mudança denota uma enorme responsabilidade e engajamento para manter o nível de qualidade do periódico, assim como o prestígio alcançado no campo historiográfico graças ao trabalho de Arruda nos últimos anos. Também anunciamos a inclusão de uma nova integrante na equipe editorial, a professora Cláudia Martinez, ampliando o número de docentes do Programa de Pós-graduação em História Social-UEL envolvidos neste projeto.

Além dos textos de temáticas variadas na seção “Artigos”, neste número publicamos novamente resultados recentes de pesquisa na seção “Primeiros passos”, destinada a pesquisadores que ainda não terminaram o doutorado. Trazemos também uma resenha, mantendo o espaço reservado à leitura e aos comentários de obras recentemente lançadas. Destacamse ainda dois dossiês. Na seção “Sociedades científicas” – coordenada pelas pesquisadoras vinculadas ao LEHA-USP Ângela Meirelles de Oliveira (UNIOESTE), Camila Bueno Grejo (USP) e Maria Antonia Dias Martins (CUFSA) –, apresentamos artigos representativos de tendências da área de História das Américas. Já a seção coordenada pelos professores Angelita Marques Visalli (UEL) e Daniel Russo (Université de Bourgogne) traz textos que abordam de maneiras variadas o pensamento, as imagens e a memória franciscanos: trata-se do dossiê “Francisco de Assis e a construção da experiência franciscana na Idade Média”.

A variedade de temáticas, períodos abordados, metodologias e pontos de vista presente nesse conjunto de textos reafirma nosso compromisso em dar espaço às mais variadas perspectivas historiográficas, legitimadas pelo rigoroso processo de avaliação pelos pares. Como resultado, obtemos também uma relevante abrangência nacional e internacional que se refere às instituições dos pesquisadores envolvidos para a realização deste número. Nunca é demais lembrar que a Revista Antíteses é resultado do trabalho comprometido de uma grande equipe – entre membros dos comitês editorial e científico; pareceristas ad hoc; autores; e assistentes do processo de edição. Esse compromisso coletivo deriva, sobretudo, de um engajamento com a pesquisa e com a universidade que resistiu aos duros golpes sofridos em 2019. Dessa forma, esperamos que a leitura deste número seja também um momento de reafirmação de princípios e de defesa da universidade em sua função pública e social.

Londrina, dezembro de 2019

Carolina Amaral de Aguiar –  Editora-chefe

Cláudia Eliane Parreiras Marques Martinez

Claudio Denipoti

Gilmar Arruda

Lukas Gabriel Grzybowski

Editores

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[DR]

 

Improving Educational Gender Equality in Religious Societies – AL-KOHLANI (SEH)

AL-KOHLANI, S. A.. Improving Educational Gender Equality in Religious Societies. United Arab Emirates: Palgrave Macmillan, 2018. Resenha de: CUEVAS, Sara Gómez. Social and Education History, v.9, n.1, p.124-126, feb. 2019.

l libro presenta una investigación interdisciplinaria realizada en base a 29 países musulmanes y 26 no musulmanes dentro del periodo de tiempo de 1960 a 2010, con el fin de dar respuesta a la “Teoría de la religión” que relaciona ciertas religiones con la desigualdad de género y la “Teoría de la modernización”, que resta importancia al papel de la religión en la desigualdad de género y asocia la desigualdad de género con factores socioeconómicos.

El estudio está compuesto por seis partes. Primero hace una introducción donde cuestiona la relación entre la equidad de género y religión. Plantea que ni el laicismo es la solución, ni el islam es la solución, y que cualquier aportación radical no será útil ya que no incluirá todas las voces de la sociedad.

Fundamenta que el derecho de las mujeres al acceso a la educación se ha cumplido en gran cantidad de países occidentales, y, sin embargo, aún queda recorrido por hacer en otros países no occidentales para que este derecho se logre. En la indagación de las posibles causas de esto, Al-Kohlani expone que en una buena parte del mundo árabe, el progreso ha sido frenado por el rechazo gubernamental.

Esta reivindicación que llevan años exigiendo, parte de liderar el cambio religioso, educativo y social sin dañar a los hombres ni a su propia imagen como mujeres musulmanas. Dentro de las contradicciones que se plantean en las diferentes posturas de los autores y autoras académicos, como los debates más amplios del mundo de la vida sobre el papel de la religión en el Estado, el trayecto que parece discernir, es el diálogo entre los diversos resultados de las investigaciones y muy diversos grupos feministas para llegar a acuerdos que logren el derecho al acceso a la educación de todas las mujeres del mundo árabe.

Durante los siguientes capítulos, intenta traer la relación entre la igualdad de género en el acceso a la educación, la religión y la modernización.

Para ello, presenta un método con el que categoriza el nivel de conservación religiosa de los gobiernos para analizar los 55 países musulmanes y no musulmanes en los 50 años. Muestra los datos y el método que se ha utilizado para este análisis, dónde desarrolla cómo se eligieron los países que han sido objetos de este estudio y la justificación para cada variable aportada. Asimismo, argumenta cómo se realizó el Índice de religiosidad de la Constitución de Al-Kohlani y las carencias que éste presenta.

En el siguiente capítulo, indaga en la relación entre las constituciones religiosamente conservadoras y de la modernización, y la posible influencia de varios factores como la urbanización y la fertilidad. Examina si las religiones tienen relación con el acceso igualitario a la educación, indagando en las posibilidades de que la modernización disminuya este efecto.

A continuación, se presenta un estudio de caso donde se expone la historia religiosa de Turquía e Irán en el siglo XX y por qué hoy se considera Turquía como un país secular e Irán como un país conservador, así como la buena situación educativa y laboral de ambos países de las mujeres. El debate entre las personas que han defendido el laicismo y aquellas personas que han mantenido sus creencias tradicionales es más rígido en Turquía que en Irán. De este modo, Al-Kohlani plantea que podría ser una razón más por la cual en Irán, la ciudadanía se ha mostrado menos resistente al cambio que en Turquía.

Finalmente, el capítulo 6 concluye el libro con recomendaciones para los responsables de las políticas e ideas para futuros estudios de investigación.

Entre otras conclusiones, destacar que cada aportación, desde su perspectiva, busca lograr este derecho para todas las mujeres, por ejemplo, algunos grupos feministas religiosos han argumentado que la educación de las mujeres es requerida por la religión musulmana, por lo que este debate sobre el desigual acceso de las mujeres a la educación no puede explicarse mediante la religión. Tanto el feminismo religioso como el no religioso busca la igualdad y la justicia para y con todas las mujeres. Hallar ese encuentro de diálogo e interacción entre los diferentes feminismos, es clave para el futuro libre de todas las mujeres.

Sara Gómez Cuevas – Universidad de Barcelona. E-mail: sara.gomez@ub.edu.

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[IF]

“Corporativismos” é destaque em novo número de revista de História da UFF

Filosofia e Historia da Biologia 30 Golpe de 2016
Manifestação pró-Vargas no 1º de Maio de 1944. Estádio do Pacaembú, SP | Foto: CPDOC/FGV |

A Revista Tempo publicou nesta quinta-feira, na plataforma Scielo, o seu primeiro número deste ano. O carro-chefe da edição é o dossiê temático “Corporativismos: experiências históricas e suas representações ao longo do século XX”, coordenado pelas pesquisadoras Cláudia Viscardi (UFJF) e AnnaRita Gori (ICS-ULisboa).

Corporativismo(s)

Em linhas gerais, o corporativismo pode ser descrito como uma ideologia política surgida na primeira metade do século XX e que defende a ideia de que uma sociedade deve ser organizada a partir de mecanismos corporativos: associações, sindicatos, ordens profissionais ou conselhos econômicos, por exemplo.

Nos países que experimentaram o corporativismo (ou formas dele), caso do Brasil de Vargas, essas corporações foram fortemente controladas pelo Estado, almejavam eliminar conflitos de opinião, estabelecer consensos e diminuir o poder do indivíduo na política. Por isso, o corporativismo é frequentemente caracterizado na literatura especializada como uma ideologia contrária à democracia liberal que é baseada no voto, nos partidos políticos e nos meios legislativos como canais de representação social.

No texto que apresenta o dossiê da Tempo, as duas organizadoras destacam que “o corporativismo é um fenômeno histórico que afetou a agenda social, econômica e política de vários países, na Europa e na América Latina, ao longo do século XX”.

Viscardi e Gori explicam ainda que os estudos publicados na revista “procuram oferecer um novo olhar acerca do fenômeno do corporativismo ao revelar sua poliedricidade política e sua duração de longo prazo”. E completam: “Em particular, o dado mais inovador que emerge da leitura dos textos aqui recolhidos é a análise da capacidade de adaptação e preservação – no que diz respeito a alguns aspectos -, bem como de remoção – no tocante a outros -, que o corporativismo teve dentro das grandes mudanças e os desafios que caracterizaram as sociedades ocidentais ao longo do século XX”.

Os artigos

Além da apresentação escrita por Viscardi e Gori, o novo dossiê da revista é formado por quatro artigos:

“Governar a modernidade: A representação corporativo-empresarial no projeto dos conselhos industriais ingleses de entreguerras”, de Valerio Torreggian;

“O momento forte do corporativismo: Estado Novo e profissionais liberais”, de Marco Aurélio Vanuchi;

“Um legado inconveniente: corporativismo e cultura católica do Fascismo à República”, de Maurizio Cau;

“Do corporativismo até a “fundação do trabalho”: observações das culturas políticas durante o Fascismo e a República Italiana”, de Laura Cerasi;

“A construção do sistema corporativo em Portugal (1933-1974)”, uma coautoria de Nuno Estêvão Ferreira e Dulce Freire.

Outras novidades da edição

O novo número da Revista Tempo traz ainda duas resenhas, a segunda parte da entrevista com Javier Fernández Sebastián, professor da Universidad del País Vasco, em Bilbao, Espanha, e oito artigos que abordam diferentes temáticas e temporalidades.

Um dos artigos avulsos desta edição é escrito por Kaori Kodama, da Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Nele, Kodama examina a vulgarização das ciências no Brasil no fim do século XIX. Para isso, a pesquisadora explora os fascículos Sciencia para o Povo, editado por Feliz Ferreira, autor de livros didáticos para o ensino de meninas e meninos que foram utilizados no Liceu de Artes e Ofícios e adotados pela Instrução Pública da Corte. Defensor do ensino das ciências como base da educação popular, Ferreira foi um “vulgarizador das ciências”. Para ler “A presença dos vulgarizadores das ciências na imprensa: a Sciencia para o Povo (1881) e seu editor, Felix Ferreira”, acesse aqui.

Revista Tempo

Fundada em 1996, A Revista Tempo é um periódico científico do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF). Seu acesso é aberto e ela é avaliada pela Capes com o conceito máximo de A1.

Desde 2016, a Tempo tem sido publicada três vezes ao ano. A revista se dedica à publicação de artigos originais (artigos avulsos e artigos em dossiês), resenhas e entrevistas em português, inglês, espanhol e francês. Os autores são todos doutores.

O título abreviado do periódico é Tem, que deve ser usado em bibliografias, notas de rodapé, referências e legendas bibliográficas. A coleção inteira da revista está disponível em: http://www.historia.uff.br/tempo/site/

E veja também

A historiadora Claudia Viscardi, que organiza o dossiê temático da Revista Tempo sobre “Corporativismos”, já foi entrevistada pelo Café História – clique aqui para ler. Na entrevista, a professora do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora fala sobre o livro dela, ““Unidos Perderemos: a construção do federalismo republicano no Brasil”, que trata a montagem do regime republicano no Brasil, desde a atuação do movimento republicano até o fim do governo Campos Sales, em 1904.

Bruno Leal  Pastor de Carvalho – Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.


CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. “Corporativismos” é destaque em novo número de revista de História da UFF (notícia).  In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/corporativismos-dossie-tematico/. Publicado em: 1o fev. 2019.

Excepcionalidade do modernismo brasileiro | Fernando Luiz Lara

Eisenman em seu livro Ten canonical buildings 1950-2000, de 2008, subverteu o significado do termo canônico com o objetivo de explicar um conjunto de edifícios exemplares. Para o arquiteto e crítico estadunidense os dez edifícios canônicos analisados são aqueles que antecederam, pelo caráter experimental e antecipatório, outros que se transformaram em cânones.

A estratégia de Fernando Lara se aproxima da utilizada por Eisenman ao inverter o significado comumente atribuído ao termo excepcional quando usado como adjetivo da arquitetura moderna produzida no Brasil. Para Lara o excepcional não é a graça das formas concebidas por Oscar Niemeyer, a sofisticação dos elementos de proteção climática desenhados pelos irmãos Roberto ou o domínio e controle da estrutura portante projetada por Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha. Tampouco o termo é explicado pela natureza inusitada da obra de arquitetos como Sergio Bernardes e Lina Bo Bardi. Para Lara a excepcionalidade da arquitetura no Brasil é sua disseminação: rápida, certeira, eficaz e eficiente. Talvez, como em nenhum outro lugar do planeta, certa corrente da arquitetura moderna tenha se tornado corriqueira, comum, cotidiana, portanto um feito excepcional. A excepcionalidade, neste caso, tem relação com velocidade e territorialidade; com a formação de uma cultura arquitetônica como aponta Carlos Martins (1). Leia Mais