O Sertão Anárquico de Lampião / Luiz Serra

Já lá se vão 25 séculos – desde que Heródoto foi renegado por seu discípulo Tucídides – que perdura a velha discussão teórica sobre como devem ser, afinal, os limites entre a escrita literária e a narrativa histórica. Heródoto, considerado o Pai da História, interpretava, opinava, e se posicionava no contexto, deixava fluir suas próprias impressões. Escrevia com paixão e apresentava, sem qualquer pudor, sua visão pessoal sobre gregos e persas. Esmerava-se ele em tecer uma narrativa inspirada, literária, e considerava as crônicas e os mitos épicos fontes históricas dignas de consideração, ecos de um passado a ser estudado. Heródoto foi o primeiro a ver o passado dentro da perspectiva filosófica, histórica e política, não apenas factual.

Tucídides, por sua vez, autor do clássico História da Guerra do Peloponeso, denunciava a fragilidade da memória, tanto a sua quanto a de terceiros. Para ele, lembranças e testemunhos devem ser condenados à relatividade da memória e à subjetividade das opiniões pessoais. Rejeitava, com veemência, sobretudo, as crônicas, as lendas e os mitos forjados pelo imaginário popular em torno de determinados personagens históricos. Mutatis mutandis, para Tucídides, como rege hoje a máxima do jogo do bicho, só vale o que está escrito. Ele defendia a ideia de que os fatos falavam por si e o resto seria logro. Por isso, o discípulo acusou de imprecisa a obra do próprio mestre. Ficou com a última palavra por mais de dois milênios.

Essa velha discussão retornou no século XIX, o Século das Ciências, quando Augusto Comte e seus positivistas rejeitaram a Filosofia da História proposta por Hegel e os historiadores pensaram que poderiam transformar a História numa ciência tão precisa e previsível quanto a Física e a Matemática.

A ordem do dia passou a ser construir uma História meramente factual, com nomes, datas e acontecimentos precisos. Obviamente calcada em documentos oficiais. O marxismo apareceu um pouco depois, mas ascendeu quase simultaneamente, e buscou igualmente ressignificar a Filosofia da História hegeliana.

Marx também pregava uma História “científica”, só que baseada na indefectível luta de classes. Em conclusão, nos finais do século XIX tentou-se consolidar a autonomia da historiografia em face à filosofia (e à teologia) e afirmar o seu cariz científico, através de um método crítico, apto a estabelecer a objetividade dos fatos e a tornar o autor “ausente” da sua narração.

* * *

Saltemos no tempo e no espaço para apresentar aos senhores, prezados leitores, a obra O Sertão Anárquico de Lampião, do professor Luiz Serra. Seria ele um escritor ou um historiador? Em outras palavras, sua obra seria literatura ou história? Trata-se de um livro escrito com paixão, na qual o autor apresenta, sem qualquer pudor, sua visão pessoal sobre o sertão de Lampião, “anárquico”, de acordo com sua interpretação.

A narrativa está ambientada no início do Século XX, em um Brasil imerso nas brumas de um atraso ancestral, em que a república nascente pouco tinha de iluminista e os poderes, antigos e novos, se digladiavam em busca de consolidação, segundo apresentação da editora Clara Arreguy. No Nordeste, um mundo ensolarado, sem lei e sem Estado, coronelismo e cangaço ora se abraçavam, ora se engalfinhavam. Ecoava por toda parte o messianismo – sob as bênçãos do Conselheiro e de Padre Cícero ou sob as botas da Coluna Prestes.

Em O Sertão Anárquico de Lampião, Luiz Serra costura esses acontecimentos, retratando muitas histórias em uma e traçando o painel de um tempo de personagens míticos da história do país.

O autor esmera-se em tecer uma narrativa inspirada, literária, considerando as crônicas e os mitos épicos sobre Lampião e seu bando de cangaceiros, fontes históricas dignas de consideração, espera de um bom discípulo do mestre Heródoto, consegue nesta obra ver o passado dentro da perspectiva filosófica, histórica e política, não apenas factual.

Serra tenta encontrar no cipoal da História o espírito desse protagonista que resolvia as desavenças no braço e na bala. Os sertanejos daquele tempo, como bem lembra Maurício Melo Júnior na orelha da obra:

“eram homens embrutecidos pelo meio, um fenômeno que não se apegava apenas aos cangaceiros e aos soldados, mas também aos oficiais supostamente bem treinados pelas linhas do positivismo republicano, que o digam Moreira César em Canudos ou os revoltosos da Coluna Prestes”.

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A construção narrativa de Luiz Serra está fundamentada, ontológica e epistemologicamente, na escola historiográfica dos Estudos da Cultura, cujos pressupostos começaram a ser formulados na década de 1920, na França, com a École des Annales, sob a liderança de Lucien Febvre e Marc Bloch. A partir dos Annales, a historiografia começou a ser reinventada com vertentes mais flexíveis de análise, como a Nova História, a História das Ideias, e a das Mentalidades. A Nova História também passou a defender a relevância dos perdedores, dos pobres, dos personagens anônimos e dos anti-heróis. Os cangaceiros, por exemplo, encontram-se nesse escopo.

Se faço essa ligeira panorâmica preliminar sobre a transição da História monológica para a explicativa, é para ressaltar o fato de que recentemente, nos últimos trinta anos, a História vem dando uma grande guinada.

Influenciados pela Antropologia Cultural, historiadores ingleses e franceses reinventaram aquela Nova História imaginada nos primórdios do século XX, tão ofuscada pelo estruturalismo marxista, e lançaram os pressupostos para a criação de uma História Cultural.

Buscaram inspiração nos historiadores Febvre e Bloch, entre outros precursores. Também resgataram o pensador alemão Walter Benjamin, que já nas décadas de 1920 e 1930 – naqueles tempos de Lampião – andando na contramão do cientificismo, escrevia que memória, ficção, poesia, pintura, fotografia ou quaisquer formas de arte, incluindo o cinema, que ainda engatinhava, são relevantes fontes de estudo da realidade.

Assim como os Annales, Benjamin foi crítico ácido do historicismo positivista do século XIX e do modelo de escrita da História que privilegiava os documentos criados pelo aparato do Estado. Essencialmente, ele negou as possibilidades de uma História segundo a concepção historicista-positivista, representada pela célebre frase de Ranke – a tarefa do historiador seria, simplesmente, apresentar o passado “tal como ele propriamente foi”. Sua proposta é a de tecer uma narrativa histórica inspirada na crônica cotidiana, que busca valorizar os pequenos e os vencidos.

A outra contribuição de Benjamin é a tessitura da trama, na qual propõe entrelaçar todas as fontes históricas disponíveis – tanto documentos oficiais quanto cartas, poesias, canções e narrativas orais que, algumas vezes, tangenciam a ficção. Benjamin, como Heródoto, defendia a narrativa oral e a crônica pessoal, fundamentando, assim, os pressupostos da História narrativa.

“O cronista é o narrador da História”, ensinou Benjamin. Luiz Serra, tal qual o cronista benjaminiano, é um narrador da História.

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Registro, ainda, que os historiadores da Cultura buscam o diálogo permanente com as narrativas, as tradições, os mitos e os símbolos, em especial com os estudos das Representações e do Imaginário. Como aquelas representações sobre Lampião e seu bando registradas nos cordéis populares tão recitados nas feiras do sertão nordestino.

Outros, como o francês Paul Ricoeur – este, uma estrela maior do pensamento do século XX –, vão buscar as fontes de informação na memória e nos símbolos, e apontam uma aproximação entre história e literatura. Ricoeur, como Benjamin, abandona a concepção da história dita “científica” para defender a narrativa poética e ficcionista.

Ricoeur também lembra que os historiadores, tal qual os narradores orais medievais, tecem uma trama de acordo com a sua visão pessoal do que venham a ser a realidade e os fatos. Ao fazer a defesa da narrativa para a tessitura da história, Ricoeur propõe rever a concepção do que sejam “verdade” e “realidade” para poder ver o que está por trás das narrativas ficcionais. Assim, as narrativas passariam a oferecer possibilidades de experiências do tempo que não resistem à linearidade.

O filósofo defende a ideia de que o entrecruzamento da narrativa histórica com a ficção configura nossa própria experiência, ou seja, constitui nossa própria “identidade narrativa”, que tem uma dimensão que não é estritamente veraz, mas a dimensão de elementos fictícios e de construção poética.

Assim, história e literatura se aproximam, pois ambas emergem da memória e trabalham com a narrativa. Mas o pensador faz uma distinção entre os dois campos:

“A ficção é quase histórica, tanto quanto a história é quase fictícia. (…) O grande historiador é aquele que consegue tornar aceitável uma nova maneira de seguir a história”.

* * *

Isso posto, torna-se possível asseverar que estamos diante de um “grande historiador”, segundo o conceito de Ricoeur, pois Luiz Serra “consegue tornar aceitável uma nova maneira de seguir a história”.

Confiram os senhores, prezados leitores, com os seus próprios olhos.

Hugo Studart – Ocupante da Cadeira 47 [IHGDF], patroneada por José Ludovico de Almeida; é membro, também, da Academia de Letras de Brasília; jornalista, professor universitário, mestre e doutor em História.


SERRA, Luiz. O Sertão Anárquico de Lampião. Brasília: Outubro Edições, 2016. Resenha de: STUDART, Hugo.Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.247-252, 2020. Acessar publicação original. [IF].

Macunaíma, Ropicapnefma… Estranhezas na língua portuguesa e outros assuntos / Tarcízio D. Medeiros

Tomo como pressuposto, líquido e certo, que todos os senhores, prezados leitores, já conhecem a expressão “homem cordial”, conceito formulado pelo mestre Sérgio Buarque de Holanda na obra Raízes do Brasil, um dos clássicos da História do Brasil, cuja primeira edição foi lançada em 1936. Este conceito, esclareça-se, já provocou por demais polêmica em nossa historiografia. Isso porque, logo após a publicação daquele livro, o poeta e ensaísta Cassiano Ricardo, ícone dos modernistas de tendência nacionalista, interpretou o conceito como sendo do homem bom, cortês, polido, gentil, afável, avesso a soluções bélicas e sangrentas – que se contrapõe ao homem mau, violento e indisciplinado. Tal interpretação terminou por ser reproduzida em inúmeros livros didáticos, por décadas, criando uma autoimagem decerto reducionista do brasileiro.

Somente em 1948, mais de uma década depois da publicação de Raízes, Sérgio Buarque de Holanda publicou carta ao colega retificando tal interpretação, iniciando um debate com o poeta Cassiano, em missiva virulenta, “esgrima literária”, como o próprio protagonista definiu. Sérgio acusou o colega de “preguiça ou inépcia”, e sugeriu retratação. Explicou que, em verdade, não acreditava muito na “tal bondade fundamental dos brasileiros”, e que usou termo “cordial” não associado à palavra bondade, mas ao coração:

Nem falei em bondade como excluindo inimizade, mas como antítese de ódio. Ora, bondade, de fato, não exclui inimizade, mas tem como antítese a maldade e não o ódio. E este, por sua vez, pode contrapor-se ao amor, não à bondade. Mas justamente neste ponto será preciso ultrapassarem-se as fronteiras da ética (…)

Precisarei recorrer ao dicionário para lembrar que essa palavra – cordial –, em seu verdadeiro sentido, e não apenas no sentido etimológico, como você quer presumir; se relaciona a coração e exprime justamente o que eu pretendi dizer. Como além disso se acreditou, mal ou bem, que o coração é sede dos sentimentos,

Mesmo depois de tamanhas explicações, setores do pensamento brasileiro, tanto à direita quanto à esquerda, continuaram a interpretar o conceito de Sérgio Buarque de modo diverso. Talvez por mero equívoco, talvez por apropriação indébita. É verdade que a ideia do “homem cordial” é passível de acolher as mais variadas interpretações. Mas para o pai da ideia, “cordial” é, essencialmente, a pouca recorrência à racionalidade. Cordial porque coloca o sentimento no lugar da razão nas suas visões de mundo, das relações sociais, econômicas e de poder.

O objetivo desta breve história preliminar é ressaltar a relevância do amor ao estudo da linguagem em fontes escritas, aquilo que a Academia conceitua como Filologia. Essencial na linguística, a busca pela compreensão do real sentido das palavras é igualmente importante para a Literatura, como também para todas as demais

ciências, sobretudo as Humanas, a começar pela Filosofia e pela História. No caso do conceito supracitado, “homem cordial”, a polêmica se deu quando mestre Sérgio fez uso da Filologia na fundamentação de um novo conceito para a interpretação de nossas raízes históricas – enquanto o mestre Cassiano, tomado de entusiasmo cordial (de cor, coração), enveredou por interpretações ideológicas, que muito convinham ao Movimento Modernista, do qual fazia parte.

Em outra obra que ora lhes apresento, uma coletânea de ensaios sobre algumas “estranhezas na língua portuguesa e outros assuntos”, o filólogo Tarcízio Dinoá Medeiros adentra-se em um fascinante “entrelugar” – conceito este cunhado pelo filósofo indo-britânico Hommi Bhabha para definir um local onde diferentes culturas disputam seus espaços; algumas se impondo e deixando seus valores disseminados, outras, resistindo, sem, contudo, jamais haver total hegemonia.

Em outras palavras, ao nos adentrarmos pelas próximas páginas, ora pensamos estar diante de uma obra de Filologia; ora, de um livro de História; por vezes, de um ensaio filosófico; em outros momentos, temos a certeza de estar diante de uma narrativa literária de primeira. Todos os textos, contudo, são de um rigoroso conteúdo pedagógico. A título de exemplo, cito o seu “Gallus: surgimento e evolução das línguas românicas..

Originalmente um estudo de Filologia, o autor acabou por produzir um entrelugar histórico, teológico e até épico sobre essas aves há milênios disseminadas nos quintais da humanidade: os galos e as galinhas – que ele levou, pessoalmente, para doar aos índios ianomâmis, nas margens do rio Catrimâni, em Roraima.

O mesmo pode se afirmar sobre os demais ensaios adiante expostos, a começar por aqueles que dão título a outra obra, “Macunaíma”, no qual relata como e porque Mário de Andrade acabou por errar na grafia do nome de um mito indígena de Roraima, Macunaima (pronuncia-se sem acento agudo, como Roraima); e, ainda, “Ropicapnefma”, título original de uma obra de João de Barros, considerado o Pai da História de Portugal e, simultaneamente, um dos primeiros gramáticos da nossa língua.

“Ropicapnefma” é um composição inventada por Barros a partir de duas palavras gregas: ropikón (miudeza, ninharia) e pneuma (espírito, sopro). Trata-se de uma obra no qual sugere pequenos hábitos e rituais cotidianos para a prática espiritual. O próprio Barros traduziu “Ropicapnefma” como sendo “mercadoria espiritual”. Pois nosso filólogo, tal qual um aspersor de ácido sulfúrico, não se constrange em criticar o gramático lusitano, informando que ele “embaralhou plural com singular e neutro com masculino”, e criou um título “inestético, esdrúxulo”, um “monstrengo”, um “completo disparate”.

Os demais ensaios são igualmente curiosos, como aquele que trata da ubiquidade, expressão derivada do advérbio latino ubi, tratada por leigos como onipresença. Ao entrelaçar sua erudição clássica com o talento narrativo, Tarcízio nos presenteia com um ensaio teológico que decerto Agostinho, caso tivesse usufruído da sorte grande de ser um de seus leitores, incluiria entre os tais Mistérios Gozosos.

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Tal qual sua trajetória de vida, toda a obra de Tarcízio Dinoá Medeiros trafega entre o sagrado e o profano. Nascido em 1939, em Patos, sertão da Paraíba, com doze anos entrou para o seminário. Foi então iniciado nos mistérios da disciplina, da gramática, do latim, do grego e, obviamente, da Filosofia.

Queria ser monge. Aos 18 anos, foi ungido com um chamado para o Mosteiro Cisterciense de Santa Cruz, em Itaporanga, São Paulo. O noviço recebeu sua tonsura e, por dois anos, manteve seus votos de castidade, pobreza, conversão dos costumes e estabilidade monacal. Estudou Filosofia, dentro da linha aristotélico-tomista, em livros escritos em latim.

Até que um dia, aos 21 anos, um chamado à vida profana levou-o a trocar o monastério pelo curso de Economia na Universidade Católica de Recife. Logo passaria no concurso para Agente Fiscal, transformado depois para Auditor da Receita Federal. Foi assim que o ex-monge, discípulo da lógica desconcertante de Tomás de Aquino, acabou tributarista. Trata-se, há de se ressaltar, de um executivo e estudioso da administração tributária de mão cheia, autor de livros, artigos e conferências sobre o tema, representante do Brasil em 28 encontros internacionais em países como Alemanha, Argentina, Bélgica, Canadá, Chile, Equador, Espanha, Holanda, Jamaica, Japão, Panamá, Peru, Portugal, República Dominicana, Taiwan, e até Venezuela – em vários deles esteve mais de uma vez.

Tarcízio teve uma carreira brilhante como administrador tributário. Chegou a ser Secretário-adjunto da Receita Federal, cargo máximo que se pode almejar, posto que o de Secretário é função eminentemente política. O Adjunto é aquele que de fato e de direito administra toda a estrutura do órgão no Brasil. Assim, do fim da década de 1980 até a metade da década de 1990, quando se aposentou, ele foi adjunto de nada menos que de seis Secretários da Receita Federal.

Casado desde 1965 com a roraimense, administradora e fazendária Ana Tereza de Oliveira Medeiros, dona Teca, pai de duas filhas lindas e de um filho bem sucedido, nosso filólogo é um fiel representante do homem-cordial – mas na interpretação popular do poeta Cassiano Ricardo.

Curiosamente, tem um jeitão sertanejo e tende a um cacto, seco e áspero – parafraseando Manuel Bandeira.

Contudo é bom, cortês, polido, gentil, afável – conforme as palavras de Cassiano.

No tempo presente, Tarcízio tem uma forte tendência ao sagrado, muito mais do que ao profano. Para começar, foi o Presidente da Associação dos Cavaleiros da Ordem Soberana de Malta de Brasília e Brasil Setentrional – a Ordem é a mais antiga instituição filantrópica do mundo, fundada nos tempos das Cruzadas para dar assistência médica aos soldados, e diretamente ligada ao Vaticano. Também foi presidente da Academia de Letras de Brasília, função que lhe emprestou forte ascendência sobre os principais nomes das letras e da cultura da capital. É, ainda, um dos mais antigos e influentes acadêmicos do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Por fim, filólogo, escritor, ensaísta – tudo em uma só pessoa.

* * *

Reza a lenda, cantada em verso e prosa entre as famílias da região do sopé da Serra da Borborema, que um pouco antes de deixar o sertão rumo ao vasto mundo amazônico, Tarcízio Dinoá Medeiros foi chamado por uma sua tia. Ela queria dar-lhe relevantes conselhos.

Primeiro, que nunca ele cobiçasse a mulher alheia. Também, que jamais brigasse com soldado de polícia. Por fim, aconselhou a sábia senhora, aonde chegasse nunca dissesse logo que era da Paraíba.

– Ora, por quê?

– Para que ninguém sinta inveja ou fique humilhado.

E assim, prezados leitores, apresento-lhes um filósofo, um filólogo, um administrador tributário, um escritor, um homem cordial e paraibano – tudo em uma só pessoa. Mas, por favor, não sintam inveja.

Hugo Studart – Ocupante da Cadeira 47 [IHGDF], patroneada por José Ludovico de Almeida; é membro, também, da Academia de Letras de Brasília; jornalista, professor universitário, mestre e doutor em História.


MEDEIROS, Tarcízio Dinoá. Macunaíma, Ropicapnefma… Estranhezas na língua portuguesa e outros assuntos. 2017. Resenha de: STUDART, Hugo. Macunaíma, ropicapnefma. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.2253-258, 2020. Acessar publicação original. [IF].

 

Filosofia e Direito – Direito e Filosofia / Ronaldo Poletti

No ano passado, foi lançado por Ronaldo Poletti, presidente do nosso Instituto Histórico e Geográfico, o livro com o título acima indicado e que classifico de excelente.

Conhecido, lido e admirado nos meios jurídico e universitário, não só do Brasil, mas, também, em outros países, o Professor Doutor Ronaldo Poletti não é noviço nem iniciante na arte de bem escrever, com precisão, fôlego e talento sobre assuntos que têm, como fundo, o Direito, sob vários aspectos, mas sempre visto sob o prisma de pregação da Verdade.

Efetivamente, ele tornou-se conhecido no meio jurídico pela qualidade de sua dezena de livros (alguns com mais de uma edição) e de, pelo menos, três dezenas de artigos e palestras sobre aspectos do Direito, não só proferidas no Brasil como também no exterior.

O seu abrangente e perfeito Filosofia e Direito – Direito e Filosofia, tenho certeza, está destinado a ser utilizado como fonte de informação e de aprimoramento para obtenção da melhor e mais completa formação intelectual filosófico-jurídica de professores e estudantes de Direito ou de Filosofia, ou, simplesmente, para alargamento e embasamento da cultura dita humanística.

E, claro, esse é um livro, também, utilíssimo para os observadores e os estudiosos de mente isenta que analisam os sistemas políticos quanto a suas tendências para fins realmente democráticos ou que, tão somente, visam a disseminar e cultuar o pseudopopulismo, com o objetivo de conseguir o real domínio da sociedade ou de vastos grupos e classes de pessoas.

Observa-se, pelas matérias que compõem o índice deste livro, que o autor concatenou a visão geral do direito e da filosofia, digamos não em ordem cronológica a partir dos helenos, mas pela ordem dos aspectos mais importantes que possam haver influenciado as tendências do Direito e do seu ensino nas universidades.

Ao longo do desenvolvimento, o leitor encontrará descrições e análises minuciosas dos antigos sistemas filosóficos, como o socrático, o platônico, o aristotélico, passando pelo estoicismo e pelo epicurismo, seguidos pelo surgimento e pela expansão do cristianismo, com os sábios Paulo de Tarso, Agostinho, Tomás de Aquino e muitos outros mais.

Depois, vêm o renascimento, as declarações dos direitos do homem – algumas seguidas e observadas, outras teóricas e vãs – a Declaração da Revolução de 1789 foi, teoricamente, aplicada à própria França, mas não a suas colônias.

Baseadas teoricamente em frase de Paulo de Tarso (quem trabalha come, quem não trabalha não come), e no lema somos todos iguais, o leninismo-marxismo implantou o socialismo comunista na União Soviética (que se estendeu para seus países satélites) e, depois, foram implantados o conceito de nação e raça sobre os valores individuais, chamado fascismo, na Itália, bem como o nacional-socialismo na Alemanha – em todos os três exemplos citados, o poder era igualmente enfaixado e exercido por governos autocráticos e ditatoriais, todos classificáveis como de “esquerda”.

Ao final, para fechar com chave de ouro, o autor apresenta dois Apêndices que dizem respeito exclusivo ao Brasil atual: I – Filosofia do Direito no Brasil; e

II – Pseudoalternatividade Jurídica.

Nos acima mencionados Apêndices, o Professor Doutor Ronaldo Poletti apresenta tanto algumas tendências corretas do ensino do Direito quanto algumas apreensões com o rumo que se quer dar ao mesmo Direito, verbi gratia, ausência do estudo do Direito Romano, avanço do sociologismo e do chamado Common Law, o direito alternativo e o direito achado na rua e, pasme o leitor, a adoção da denominação “operadores do direito”.

Ressalto um aspecto que me parece importante em qualquer livro ou publicação: a correta forma do uso que o autor faz da nossa querida língua, sem qualquer intenção de querer mostrar-se sofisticado no linguajar ou mais culto que o leitor e, ainda mais, felizmente, a ausência do estranhíssimo dialeto juridiquês.

Os apreciadores de literatura de cunho jurídico ou filosófico, bem como de ciências humanas, têm, a seu dispor, mais uma obra de verdadeiro mestre.

Obras de Ronaldo Poletti

O Poder Legislativo. Legislativo e Executivo. Brasília: Fundações Petrônio Portela e Milton Campos, 1981; 2ª. ed. 1983.

O Decreto-lei na Constituição. Palermo e São Paulo: Renzo Mazzone Editor, 1986.

Pareceres da Consultoria Geral da República, agosto de 1984 a março de 1985.

Controle da Constitucionalidade das Leis. Rio de Janeiro: Forense, 1985; 2ª. ed., 1988; 3ª. tiragem, 1995; 4ª. e 5ª. tiragens, 1998.

Da Constituição à Constituinte. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

A Constituição de 1934. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia / Centro de Estudos Estratégicos, 1999.

Constituição Anotada. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

Conceito Jurídico de Império. Brasília: Consulex, 2009.

Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 1991; 2ª ed. 1994; 3ª ed. 1996; 4ª ed. 2010.

Elementos de Direito Romano. Público e Privado. Brasília: Brasília Jurídica, 1996; 2ª. ed. Brasília: Editora Consulex, 2014.

Filosofia e Direito – Direito e Filosofia. Brasília: Zakarewicz Editora, 2019.

Tarcízio Dinoá Medeiros – Acadêmico, ocupante da Cadeira 6 [IHGDF], patroneada por José Bonifácio de Andrada e Silva.


POLETTI, Ronaldo. Filosofia e Direito – Direito e Filosofia. Brasília: Zakarewicz Editora, 2019. Resenha de: MEDEIROS, Tarcízio Dinoá. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.263-266, 2020. Acessar publicação original. [IF].

Enciclopédia Brasília 60 Anos

O momento tão significativo para Brasília da passagem dos seus 60 Anos, em 2020, eu quis celebrá-lo com um acontecimento marcante nos salões do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, de cuja fundação participei e, ao longo dos anos, exerci sua Presidência por três mandatos. Seria o lançamento da Enciclopédia Brasília 60 Anos.

Um livro com 790 páginas, editado pela Kelps. Recordando todos os principais momentos de Brasília, do Brasil e do Mundo, ao longo dos anos 1960 a 2020.

O lançamento seria em 15 de abril de 2020, na sede do Instituto, cujo Patrono é o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, fundador de Brasília. Um acontecimento que reuniria acadêmicas, acadêmicos, pioneiros amantes de Brasília e membros da sociedade desta Capital brasileira, incluindo muitas autoridades, a partir das 15 horas, no prédio monumental que simboliza Uma Nave Pousando e é a sede arquitetônica da augusta Casa de JK. Convite já impresso e pronto para a expedição. Arte de Agnês de Lima Leite e assinatura do presidente Ronaldo Poletti.

Todavia, nos primeiros dias de março de 2020, cerca de um mês antes da data comemorativa da Sessentona Brasília, 21 de abril, uma peste, um vírus devastador assombrava o mundo – o Coronavírus, que os cientistas classificaram de COVID-19.

E, logo, ele se propagou por todas as partes do mundo. Alcançou o Brasil e sua Capital Brasília. E até regiões remotas ocupadas por tribos indígenas.

Originário da China, onde primeiro afetou o ser humano. E, dali, rapidamente se propagou por todo o universo.

Uma pandemia! A pandemia provocada pelo Coronavírus. A Pandemia COVID-19.

Uma crise sanitária sem precedentes. Autoridades da saúde cuidam da ampliação de hospitais e a adequação de tratamentos ante os efeitos desconhecidos pela ciência com grandes taxas de mortalidade.

Aconselhamentos das equipes médicas recomendam o isolamento social, já que a transmissão do vírus ocorre entre pessoas. Hospitais e emergências abarrotados de doentes, muitos terminais com insuficiências respiratórias. Cientistas tentam experiências e protocolos para a descoberta de uma vacina.

A ciência impotente ante o desconhecido e o inimigo invisível. Populações, pelo mundo todo, inseguras e em pânico. Governos, especialmente.

Ante a gravidade da crise sanitária, a Pandemia da Covid-19 e o isolamento social determinado pelas autoridades médicas, o Projeto da Enciclopédia dos 60 Anos de Brasília, torna-se inviável, já que estão proibidas as reuniões públicas. Impossível comemorar-se em abril ou mesmo noutros meses de 2020, a data aniversária de Brasília Sessentona. O lançamento seria, como anunciado, na sede do IHG/DF. Mas, tornou-se impensável.

Uma inspiração divina nos conduziu a uma solução paliativa, já que a Kelps havia concluído a impressão da obra, nos primeiros dias de abril de 2020, com 790 páginas. Um trabalho documental e memorialístico de alta valia e uma apresentação gráfica primorosa.

Agora, então, o que fazer para chegar à comunidade brasiliense aquela preciosidade de Brasília, nas celebrações dos seus 60 Anos?!

Dois alvos a serem lançados:

Primeiro, uma seleção de endereços dos brasilienses à altura e potencialmente dignos de receberem a obra.

Segundo, a possibilidade de entrega dos volumes, pelos Correios, aos destinatários, com segurança.

Vencidos os dois obstáculos, a celebração dos 60 Anos de Brasília pode ocorrer com a entrega, domiciliar, a quem de direito, do livro enciclopédico comemorativo. A cada um dos eleitos, enviei este bilhete fraternal:

Com este Livro Monumento sobre Os 60 Anos de Brasília, neste abril de 2020, quero celebrar com o amigo ou a amiga e familiares, este momento tão significativo de nossa cidade-Capital, construída pelo Presidente Juscelino Kubitschek, em 21 de abril de 1960.

Passo, com muito agrado, às suas mãos, a Enciclopédia dos 60 Anos de Brasília (790 páginas), com um relato anual e completo de todos os fatos mais importantes de Brasília, do Brasil e do Mundo, de 1960 a 2019, ano a ano.

Gostaria de fazê-lo num lançamento nos salões do IHGDF; todavia, as restrições face à pandemia do coronavírus que proíbem reuniões públicas, uso este recurso do encontro via correspondência e remessa pelos Correios (EBC).

Uma repercussão compensadora. Alegria, felicidade e gestos celebrativos de todos os leitores da Enciclopédia. Manifestações pessoais, pelo telefone, pela internet ou pessoalmente. Um clima de bem-estar e felicidade!

Em conclusão, uma palavra final, em resumo, sobre o tempo de 60 Anos de Brasília e a Enciclopédia que sintetiza este tempo, que é o mesmo tempo de uma geração – 60 anos.

Esta síntese de tempo e de vida, que é minha e de Brasília, eu lhes ofereço neste pequeno trecho da Página de Abertura da Enciclopédia dos 60 Anos de Brasília:

No princípio, era o ermo! …

Assim, o poeta viu, no primeiro momento, o local escolhido para ser a futura Capital do Brasil no Planalto Central de Goiás. Idos da Década de 1950. Século XX. Assim, também o vi, o local, pela primeira vez, na mesma época. No entanto, encantei-me com o NADA!

… Um céu azul, muito azul! De lindas nuvens brancas. Muito brancas! Um chão agreste, de vegetação rasteira e árvores retorcidas. Talvez, vítimas das intempéries do tempo ou do próprio homem.

Um horizonte sem-fim ao longo de 360 graus, de Norte a Sul, de Leste a Oeste.

Um sol nascente, lá longe, bem longe, no Oriente. Raios fortes, muito fortes, até ofuscantes. Aqueceram-me o corpo e, num passo de mágica, invadiram-me a alma, com intensidade. Algo inusitado, extasiante, ao longo dos então vinte anos de vida.

Até hoje, em 2020: 60 ANOS de Brasília, Capital do Brasil e do Milênio.

Vivi o TUDO!…

Adirson Vasconcelos – Ocupante da Cadeira 27 [IHGDF], patroneada por Francisco Adolfo de Varnhagen, é sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, tendo exercido a Presidência por três mandatos. È Membro Emérito da Academia de Letras de Brasília e membro da Academia Brasiliense de Letras.


Enciclopédia Brasília 60 Anos. [Brasília]: Kelps, 2020. 790p. Resenha de: VASCONCELOS, Adirson. 2020 e a Enciclopédia dos 60 anos de Brasília. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.233-236, 2020. Acessar publicação original. [IF].

 

Sur y Tiempo | UV | 2020

Sur y Tiempo

Sur y Tiempo. Revista de Historia de América  (Valparaíso, 2020-) una publicación del Instituto de Historia y Ciencias Sociales de la Universidad de Valparaíso que tiene como objetivo impulsar corrientes disciplinarias innovadoras y de calidad en permanente diálogo con el campo historiográfico nacional e internacional.

Sur y Tiempo es una revista dedicada a la historia, en cualquiera de sus áreas, y a todas las investigaciones que impliquen una perspectiva histórico-temporal. Por lo mismo, se abre al diálogo interdisciplinario y a contribuciones provenientes de las ciencias sociales. Aunque brinda espacio a todas las épocas y las regiones geográficas, privilegia aquellos artículos abocados a problemáticas latinoamericanas. Pretende divulgar también el conocimiento del patrimonio histórico de Valparaíso. Está dirigida a la comunidad científica nacional e internacional y a todo público interesado.

Periodicidade semestral.

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Los últimos años de Fernando el Católico | Miguel Ángel Ladero Quesada

Entre noviembre de 1504 y septiembre de 1517 en Castilla transcurre un período que el autor ha caracterizado como “teñidos por un cierto aire de provisionalidad”, años sobre los cuales los trabajos históricos no abundan y que tienen como personaje central y determinante a la figura de Fernando el Católico. Leia Mais

Reflexiones sobre educación geográfica: revisión disciplinar e innovación didáctica | Alfonso Garcia de la Vega

Esta obra, organizada pelo professor Alfonso Garcia de la Vega, da Universidad Autónoma de Madrid (UAM), reúne textos oriundos de diferentes investigações e experiências docentes que culminaram em contribuições no campo da Didática em Geografia. Os pesquisadores que participam desta edição fazem parte de dois importantes grupos dedicados as pesquisas, conhecidos por promoverem amplas investigações sobre o fortalecimento teórico-conceitual do ensino em Geografia na Espanha e na América Latina: o ‘Grupo de Didáctica de La Geografia de la AGE’ (Asociación de Geógrafos Espanholes) e a ‘Red Latinoamericana de Didáctica de la Geografía’ (RedLadGeo). Tais grupos são compostos por professores ligados a diferentes universidades espanholas e latino-americanas, que ao longo dos anos vem colaborando com robustas investigações sobre a importância do conhecimento geográfico na formação docente e dos alunos.

São trazidas neste livro discussões aplicadas que promovem aprofundamento em questões inerentes a aplicação de recursos didáticos nas aulas de Geografia, permeando pelos debates sobre estrutura e desenvolvimento curricular, além de considerações sobre a pertinência de alguns temas e conteúdos presentes na Geografia escolar para a formação cidadã dos alunos. As reflexões sobre o ensino-aprendizagem de Geografia são apresentadas a partir de problematizações sobre a formação inicial e continuada dos docentes, definições e aspectos curriculares e aplicações de atividades didáticas na prática docente. Leia Mais

História do trabalho e dos trabalhadores: dimensões políticas, econômicas e sociais | Ars Historica | 2020

Organizadores

Millena Souza Farias

Mareana Barbosa Gonçalves Mathias da Silva

Referências desta apresentação

FARIAS, Millena Souza; SILVA, Mareana Barbosa Gonçalves Mathias da. Editorial. Ars Historica. Rio de Janeiro, v. 19, n.2, jan./jun. 2020. Sem acesso ao original [DR]

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Ars Histórica. Rio de Janeiro, v.20, 2020.

Edição Comemorativa da Revista Ars Historica 10 anos

Edição Comemorativa da Revista Ars Historica 10 anos

Editorial

Apresentação

Artigos Livres

Notas de Pesquisa

Resenhas

Cadernos de Clio. Curitiba, v.11, n.2, 2020.

EDITORIAL

ENSAIOS FOTOGRÁFICOS

RESENHAS

Histórias conectadas da Idade Média / Esboços / 2020

Histórias conectadas da idade média: abordagens globais antes de 1600

As últimas décadas do século XX foram marcadas por mudanças estruturais rápidas no cenário mundial. Seja pelas transformações geopolíticas provocadas com a descolonização da África e da Ásia (1960-1970) ou pelo fim da Guerra fria (1990), seja pelo avanço da globalização e da expansão do desenvolvimento tecnológico, uma demanda por histórias transnacionais emergiu enquanto fruto de um mundo cada vez mais interdependente. A partir da consolidação de associações econômicas, políticas e culturais, os limites impostos por visões de mundo nacionalistas e abordagens acadêmicas eurocêntricas trouxeram à tona provocações importantes sobre a necessidade de novas maneiras de interpretar e explicar as experiências históricas a partir do viés global.

Novas abordagens historiográficas surgiram dessa seara, que apesar de ter na década de 1990 o momento de constituição formal do campo, com institucionalização efetiva de associações (World History Association) e periódicos, encontrou o germe de sua essência na ousadia de enfoques historiográficos anteriores (BLOCH, 1930; BRAUDEL, 1949; MCNEILL, 1963). A chamada Global History aparece em diversas ramificações, as quais, ao se construírem enquanto abordagem historiográfica, colocam à prova os melhores meios para sua realização. Como afirmou Diego Olstein (2015), apesar das sobreposições historiográficas, essas múltiplas tendências à história global compartilham características comuns e estão todas dedicadas a pensar a história por meio do que se identifica como os 4 “Ces”: a conexão, a comparação, a conceituação e a contextualização.

Da história global à transnacional, as histórias conectadas estão dispostas a estabelecer abordagens sobre os cruzamentos históricos a partir da longa duração, da longa distância, da análise em múltipla escala e da transdisciplinaridade. É, justamente, nessa perspectiva que os debates em torno das conexões históricas pré-modernas se tornam necessários. Como já demonstrou Sanjay Subrahmanyam (2017), há tradições antigas e medievais de escrita da história que analisaram outras sociedades, privilegiando o estudo das interações em múltiplos espaços e tempos, bem como em diversas escalas. Temos muito a aprender com essas narrativas, sobretudo, o modo de olhar o outro abstraído do horizonte de expectativas de conceituações modernas, como aquelas sentenciadas pelos ideais oitocentistas de “povo” e “nação”.

Além disso, diante de um momento histórico que encara com pessimismo o legado eurocêntrico do Ocidente, estudos que abordam a perspectiva das Histórias conectadas da Idade Média encontram espaço auspicioso para seu desenvolvimento por algumas razões. A primeira delas está em qualificar essa temporalidade, tradicionalmente atribuída à Europa ocidental, a partir do estudo de comunidades conectadas em escala suprarregional e supracontinental, incluindo abordagens em perspectiva eurasiana e africana. Essas novas abordagens buscam demonstrar a prosperidade de análises sobre a movimentação de pessoas, a circulação de ideias e materiais, bem como as intersecções de procedimentos de governança e regulação no enfrentamento de conflitos sociais e intempéries naturais comuns às diversas comunidades anteriores às grandes navegações atlânticas.

A periodização da Idade Média surge como uma categoria temporal exclusivamente europeia, de origem seiscentista, cimentada em referenciais de linearidade e progressão evolutiva da história que explicavam a consolidação atlântica das monarquias cristãs europeias (BOVO, 2017). Como afirmaram Katheleen Davis e Michael Puett (2015, p. 1), trata-se de “um processo que, em grande medida, possibilitou a ideia da Europa como uma entidade unificada e, ao mesmo tempo, teve o efeito de excluir a Europa Oriental e áreas não europeias da progressão antiguidade-modernidade”. Nesse sentido, as abordagens globais da Idade Média poderiam recair inconvenientemente na “narrativa egocêntrica do tempo histórico europeu”, reafirmando-o.

Davis e Puett ainda alertam para um risco maior de tornar a periodização tripartite e/ou quadripartite da história europeia hegemônica, ignorando sua origem e os usos interpostos a ela. Na historiografia ocidental contemporânea, a ideia de uma Idade Média dominada pela superstição, pela irracionalidade e por uma estrutura social estática tornou-se base para interpretação de sujeitos e espaços colonizados pelos territórios europeus. As colônias atlânticas e as africanas ganharam adjetivos “medievais” que justificaram a atuação dos europeus em seus territórios chamados “bárbaros e selvagens”. Dessa maneira, essas características temporalizadas atribuídas à Idade Média tornaram-se mecanismos de identificação e colonização de espaços e sujeitos na chamada modernidade, ajudando até hoje a Europa e outras potências políticas à subscrever as histórias dos seus nacionalismos e do seu pretendido domínio global.

Com o fortalecimento dos discursos ultranacionalistas atuais, o “ser” medieval ainda é um recurso de identificação usado para dar apoio aos processos de extração de riquezas e destruição de ecossistemas socioambientais (GEARY, 2005). Portanto, um aspecto negativo de buscar uma Idade Média global seria o de corroborar com essa lógica narrativa. Justamente, no anseio de se distanciar dessa narrativa imperial europeia, os medievalistas, que há muito reconhecem o problema da petrificação das periodizações, vêm propondo análises que não só redefiniram o esquema de organização da história medieval, como apresentaram, pela abordagem das conexões de povos, o complexo dinamismo das sociedades anteriores aos anos 1600 (LIEBERMAN, 2003; BOUCHERON; DELALANDE, 2015).

Os críticos da história global não estão errados ao sugerir que ela corre o risco de se tornar uma nova máscara para a história imperial, visto a tradição epistemológica ocidental apoiar-se em chaves de leitura binárias e dicotômicas, tais como: racional- -supersticioso, centro-periferia, progresso-atraso, entre outras. De acordo com Richard Drayton e David Motadel (2018, p. 14), “o legado da maneira como o mundo foi integrado depois de 1600, por e em resposta ao poder imperial e cultural europeu, é um eurocentrismo cognitivo incorporado em nossos métodos”.

Nesse sentido, gostaríamos de enfatizar que três elementos devem ser destacados na busca por se fazer histórias conectadas da Idade Média: primeiramente, quaisquer novos empreendimentos compartilhados exigirão um esforço contínuo para superar a barreira das tradições epistemológicas cartesianas. O desafio para os historiadores é encontrar novos tipos de padrões, métodos, julgamentos de valor e, mais importante, conceitos na experiência histórica e na autoconsciência histórica desses continentes integrados. Em vez de confiar exclusivamente em estruturas interpretativas emprestadas de estudiosos de outros períodos históricos, sentimos que a tarefa premente é analisar como as conexões eurasianas e africanas foram experimentadas na Idade Média, buscando histórias medievais conectadas que façam sentido em seus próprios termos.

Atentos a isso, o presente dossiê reúne um conjunto de artigos que possuem como objeto de reflexão a abordagem das histórias conectadas. Nessa direção, o artigo “Perspectivas da história econômica global da Baixa Idade Média”, de Felipe Mendes Erra (2020) tem por objetivo apresentar um modelo teórico capaz de fornecer uma abordagem global da Baixa Idade Média. Através da análise de caso das companhias florentinas de 1310-1340, ele busca respostas ao emaranhado de conexões econômicas de longo alcance geográfico presente num mundo essencialmente fragmentado como o da Baixa Idade Média mediterrânica.

O autor apresenta ainda uma análise historiográfica muito pertinente sobre limites e desafios de modelos teóricos presentes na história econômica, sobretudo por se preocupar em manter distante a perspectiva da história global que procura identificar, em um único elemento da vida socioeconômica, o fio condutor da investigação. Ele avança significativamente no desenvolvimento de uma abordagem própria, inspirada pela historiografia de Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein. Ao questionar a maneira adequada de fazer história global da Idade Média, Felipe Mendes Erra busca fugir das armadilhas representadas tanto pelas teorias do sistema-mundo de Frank e Gills (1996) como pela corrente teórica da globalização. Sua reflexão conduz o medievalista para dentro da história global, destacando a necessidade de produzir uma teoria econômica capaz de explicar a formação de conexões comerciais e a interação de mercados em um universo economicamente fragmentado, como era o das urbes italianas.

Valorizar a abordagem em múltiplas escalas é outro elemento a ser destacado por aqueles que buscam fazer história conectada de temporalidades recuadas (BOVO; DEGAN, 2017). Trabalhos recentes sobre a metodologia de histórias comparativas e conectadas apontam para uma abordagem na qual é preciso prestar muita atenção às peculiaridades e conexões analisadas, sejam religiosas, políticas, econômicas, intelectuais (SANTOS JÚNIOR; SOCHACZEWSKI, 2017) e também intertextuais dos testemunhos materiais e documentais. Uma vez que as conexões e as diferenças existentes pareçam suficientemente claras, as comparações transculturais em pequena escala de fenômenos relacionados ou similares oferecem o caminho mais promissor, antes que qualquer visão abrangente possa ser explorada.

O caminho das comparações e conexões transculturais entre diferentes testemunhos textuais e seus usos é demonstrado em outros dois artigos do dossiê. Vicente Dobroruka, no artigo “Ibn Fadlan and a by-passed remark on an imaginary geographical topos: some observations on the decreasing factual credibility regarding the Caucasus area of the silk road”, ao estabelecer conexões entre o imaginário e a tradição textual de viajantes árabes e persas na “Rota da Seda”, evidencia como o viajante Ibn Fadlan e outros partilharam uma herança comum de referenciais geográficos, míticos e, sobretudo, religiosos (DOBRORUKA, 2020). Essa comparação transcultural pode ser mais bem assinalada na investigação da herança comum compartilhada por esses testemunhos, que parece interconectada inclusive na caracterização dos seus inimigos, como os chamados bárbaros Gogue/Magogue.

A presença desses sincretismos religiosos mítico-apocalípticos descreve um processo de duração muito longa, que envolveu toda a Eurásia entre os séculos X-XIII. Nesse sentido, o relato que Ibn Fadlan deixou é bem diferente do que foi chamado de “história universal” entre os autores da Antiguidade ou bizantinos – ele pode ser visto como parte de uma extensa tradição narrativa, concebendo um contexto global de regiões, climas e povos bastante variados.

O artigo “A coleção de Tours de Atas do Concílio de Éfeso (431): um testemunho carolíngio de ressignificação doutrinária e circulação de textos no Mediterrâneo Tardo Antigo”, de Robson Murilo Grando Della Torre, também se apresenta como um exemplo bem-sucedido da abordagem conectada da Idade Média. A longa e difusa circulação do manuscrito de Tours da coleção de Atas do Concílio de Éfeso (431) é uma síntese de experiências históricas distintas, que numa longa duração (séculos V ao VIII), marcados pela multiplicidade de leituras sobre esse passado da polêmica cristológica, restaura a conectividade entre diferentes espaços do Mediterrâneo Tardo Antigo e Alto Medieval (DELLA TORRE, 2020).

A transmissão mediterrânica dessa coleção de atas demonstra a materialidade da produção de memórias e de concepções da ortodoxia cristã que diferentes grupos projetaram sobre o passado polêmico de Cirilo de Alexandria e Nestório de Constantinopla (412-431), com vistas a defender posicionamentos doutrinários de seu presente. Assim, é preciso recuar até o século V e se deslocar até a Ásia Menor e o Egito para compreender os eventos e posições doutrinárias evocados pelo conteúdo textual da coleção de Tours. Ao mesmo tempo, não se deve esquecer a realidade histórica da Gália carolíngia, onde foram mobilizadas as apropriações e ressignificações desse material.

Para finalizar, como último elemento dessa busca por histórias conectadas da Idade Média, é preciso ainda considerar que a construção de tais abordagens não envolve apenas questões de apuro metodológico. Aqui aparece um ponto importante, talvez o que exija mais cautela, visto que, ao se trabalhar com histórias conectadas da Idade Média, demandas de identidade ainda estão ativas política e ideologicamente. É importante deixar claro que o próprio conceito de “Ocidente”, usado aqui na abertura do texto, descreve não apenas uma área geográfica que corresponde vagamente à Europa (ocidental) e ao mundo atlântico, mas uma comunidade de sentidos que subscreve certos valores, uma tradição ideologicamente comprometida com ideais civilizatórios, que quer abranger o tempo histórico de Platão à OTAN.

A narrativa-mestra de uma “ascensão do Ocidente”, seja ela política, intelectual, religiosa ou econômica, tem seu berço na modernidade. Ela considera os meios de se fazer história e as produções derivadas desse ofício com fins ideologicamente comprometidos. Estarmos cientes desses usos, e torná-los visíveis para o público é a tarefa primordial para quem busca produzir histórias conectadas de temporalidades recuadas.

Referências

BLOCH, Marc. Comparaison. Bulletin du Centre Internacional de Synthèse, Paris, n. 9, p. 17-35, 1930.

BOUCHERON, Patrick; DELALANDE, Nicolas. Por uma história-mundo. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

BOVO, Cláudia Regina. El tempo em cuestión: ubicar la Edad Media em la actualidad. Revista Chilena de Estudios Medievales, Santiago, n. 11, p. 134-155, enero/junio 2017. Disponível em: http://revistas.ugm.cl/index.php/rcem/article/ view/120. Acesso em: 15 nov. 2019.

BOVO, Cláudia Regina; DEGAN, Alex. As temporalidades recuadas e sua contribuição para a aprendizagem histórica: o espaço como fonte para a história antiga e medieval. Revista História Hoje, São Paulo, v. 6, n. 12, p. 55-76, 2017.

BRAUDEL, Fernand. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Paris: A. Colin, 1949.

DAVIS, Kathleen; PUETT, Michael. Periodization and “The Medieval Globe”: A Conversation. The Medieval Globe, v. 2, n. 1, p. 1-14, 2015. Disponível em: https:// scholarworks.wmich.edu/tmg/vol2/iss1/3. Acesso em: 21 nov. 2019.

DELLA TORRE, Robson Murilo Grando. A coleção de Tours de Atas do Concílio de Éfeso (431): um testemunho carolíngio de ressignificação doutrinária e circulação de textos no mediterrâneo Tardo Antigo. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 44, p. 59-77, jan./abr. 2020.

DOBRORUKA, Vicente. Ibn Fadlan and a by-passed remark on an imaginary geographical topos: some observations on the decreasing factual credibility regarding the Caucasus area of the silk road. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 44, p. 38-58, jan./abr. 2020.

[DR]AYTON, Richard; MOTADEL, David. Discussion: the futures of global history. Journal of global History, v. 13, p. 1-21, 2018. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/ view/36C53116D551E0B47E42865EC8DE0C41/S1740022817000262a.pdf/ discussion_the_futures_of_global_history.pdf. Acesso em: 30 nov. 2019.

ERRA, Felipe Mendes. Perspectivas da história econômica global da baixa Idade Média. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 44, p. 17-37, jan./abr. 2020.

FRANK, Andre Gunder; GILLS, Barry K. (ed.). The World System. London: Routledge, 1996.

GEARY, Patrick. O mito das nações: a invenção do nacionalismo. São Paulo: Conrad livros, 2005.

LIEBERMAN, Victor. Strange Parallels: Southeast Asia in Global Context, c. 800- 1830. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. 2 v.

MCNEILL, William Hardy. The Rise of the West: a History of the Human Community, with a Retrospective Essay. Chicago: University of Chicago Press, 1963.

OLSTEIN, Diego. Thinking History Globally. Londres: Palgrave Macmillan, 2015.

SANTOS JÚNIOR, João Júlio Gomes dos; SOCHACZEWSKI, Monique. História global: um empreendimento intelectual em curso. Tempo, Niterói, v. 23, n. 3, p. 483- 502, dez. 2017.

SUBRAHMANYAM, Sanjay. Em busca das origens da história global: aula inaugural proferida no Collège de France em 28 de novembro de 2013. Estudos históricos, Rio Janeiro, v. 30, n. 60, p. 219-240, 2017.

Cláudia Regina Bovo – Organizadora do dossiê “Histórias conectadas da Idade Média”. Doutora. Professora Adjunta, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais, Departamento de História, Uberaba, MG, Brasil  https://orcid.org/0000-0002-4201-713X  E-mail: claudia.bovo@uftm.edu.br

Adrien Bayard – Doutor. Maître de Conférence, Université d’Artois, Centre de Recherche et d’Études – Histoire et Sociétés, Arras, France https://orcid.org/0000-0002-0886-0799  E-mail: adrien.bayard@univ-artois.fr

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História digital e global: novos horizontes para a investigação histórica / Esboços / 2020

Nunca fomos tão úteis

Desde o início deste ano, 2020, agravando-se nas últimas semanas, vivemos uma situação única e inesperada. A emergência do novo coronavírus, primeiro na China e, depois, ao redor do mundo, escancarou que nossa existência é marcada por ritmos que produzem sincronias e dessincronias em escala global, seja pela uniformização das experiências frente ao cotidiano de quarentena, no qual o digital se torna quase o único meio de comunicação e existência, seja por silenciamentos, mortes e apagamentos de agentes sociais menos favorecidos e marginalizados. Ferramentas e aplicativos de home office, opções de entretenimento, boa parte do contato familiar e, mais importante ainda para milhares de historiadores e historiadoras ao redor do mundo que tiveram a sorte de não perder seus empregos devido à suspensão das aulas, o ensino também se tornou online, conjurando o fantasma – simultaneamente receio e possibilidade – do ensino à distância para nosso cotidiano. Essa é uma experiência, em suma, que atravessaremos ao mesmo tempo sozinhos e conectados.

Em matéria recente publicada no El País, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han (2020), sugere a ideia do vírus não como promotor de novidades, mas como uma espécie de catalizador de todas as mudanças que já vinham acontecendo globalmente na dinâmica do capitalismo tardio. A automação acelerada pela inteligência artificial e a “uberização” vinham produzindo alterações profundas no sentido da precarização e, quem sabe, o fim de grande parte dos trabalhos formais. Também podemos falar em transformações profundas na dinâmica política das sociedades gerada pelas novas formas de militância nas e através das redes sociais, que têm nas chamadas fake news, no adensamento do discurso do ódio e na manipulação eleitoral via algorítmica as suas facetas mais visíveis. A perda de legitimidade da democracia e das formas políticas consolidadas no ocidente desde a revolução francesa está também relacionada com o descrédito na ciência e no conhecimento verificável empiricamente. Também podemos falar em mudanças nas formas de sociabilidade, nas relações amorosas, dentre tantas outras esferas.

Estas linhas de força, na visão de Byung-Chul Han (2020), tendem apenas a se agravar durante a quarentena. O exemplo das aulas à distância neste caso é bastante elucidativo. Será mesmo que os professores, as salas e os alunos voltarão à certa “normalidade” após o surto pandêmico? Serão eles, após a pandemia, os mesmos professores, as mesmas salas de aula e os mesmos alunos? Não seria forçado supor que provavelmente menos espaços voltarão a ser físicos; teremos então menos salas de aula reais e mais salas virtuais num eventual retorno. O mesmo se pode dizer das relações sociais e amorosas, do supermercado, do trabalho presencialmente orientado, no geral. Mesmo que haja uma volta a certo estado de “normalidade”, estes hábitos produzidos em simbiose por homens e máquinas algorítmicas deixarão marcas profundas em nossa estrutura psíquica, moldando formas de atenção, desejos, culpas, impulsos, sentimentos e ressentimentos. “O vírus isola e individualiza”, pontua o filósofo sul-coreano, em debate franco com o otimismo de Slavoj Žižek que nutre a esperança de uma revisão profunda no capitalismo, ou até em uma “revolução”, diante da pandemia.

Assim, mesmo concebido num momento em que a realidade pandêmica habitava apenas as distopias mais audazes da ficção científica contemporânea, os temas trazidos à tona por este dossiê procuram dar conta, de forma inovadora, da transformação em curso, atentando particularmente para as interações entre a História Global e as Humanidades Digitais. Lidos no conjunto, os trabalhos trazem reflexões que nos ajudam a compreender melhor o que pode fazer a história frente a essas transformações, de maneira que, com o passar dos meses, desde a chamada para os trabalhos, as submissões, o processo de avaliação por pares e o cuidadoso trabalho editorial, essa empreitada tomou uma relevância ainda maior.

RUMO A UM NOVO INVENTÁRIO DE APRENDIZAGENS E PRÁTICAS

A reverberação da virada digital e da aceleração das transformações, na sociedade e no mundo da pesquisa, perpassa vários textos neste volume da Esboços. Esses desdobramentos e suas consequências para o ofício do historiador são justamente o tema abordado pelo artigo de Alexandre Fortes e Leandro Guimaraes Marques Alvim (2020). Os autores apresentam uma série de elementos que, com o desenvolvimento tecnológico, interferem no modo fazemos história. Fortes e Alvim dão destaque para a popularização de metodologias advindas do campo da Inteligência Artificial e as possibilidades que trazem para a oficina da história, desafiada pela profusão de dados digitais. O texto se estrutura com argumentos de longa tradição da teoria e a metodologia da história e os problemas relacionados à crítica das fontes. Em diálogo com debates que precedem mesmo o surgimento e a popularização da Internet, como as noções de evidências diretas e indiretas em Marc Bloch ou o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg, os autores iluminam a relação entre a “classificação racional de informações”, inerente ao trabalho dos historiadores, e o “processamento de linguagem natural (ou social)” que os cientistas da computação desenvolvem desde meados do século passado. A última seção do texto traz uma apresentação mais detalhada de técnicas como a Identificação de Autoria; a Modelagem de Tópicos e Extração da Informação em projeto de história digital.

A utilização de técnicas como estas, também ditas de “leitura distanciada”, tem se popularizado com o aumento do volume e da velocidade com que os dados digitais chegam ao desktop dos historiadores. Bruno Grigoletti Laitano (2020) versa sobre essa velocidade em um texto de ritmo igualmente ligeiro, com reflexões de profunda relevância para a epistemologia da história. No tom de uma conversa amistosa, Laitano traz reflexões oriundas de suas experiências e leituras em um momento de formação que se dá propriamente neste período de transição da cultura alfabética/ impressa para a cultura digital. O autor coteja suas impressões de jovem historiador ao que intelectuais da “velha guarda”, como Anthony Grafton e Emmanuel Ladurie, vêm considerando sobre o mundo digital, numa perspectiva crítica do digital. A sensação de “assintonia” muitas vezes sentida entre a disciplina e o digital por aquela geração de historiadores é problematizada através do conceito de “atualismo”, que o autor busca em Valdei Lopes de Araujo e Mateus Henrique de Faria Pereira.

A prosa de Laitano segue neste rumo, discutindo as disrupções tecnológicas e as fricções entre o digital e a disciplina histórica com ponderações importantes sobre a presença dos historiadores em iniciativas na Internet e seu significado social em um período em que, para variar, as humanidades estão em crise. O tema é discutido mais a fundo por Miguel Barboza Castro (2020), que vai abordar os usos do passado sensível em projetos que ganham vida no ambiente digital, como o “Brasil Nunca Mais Digital” e o “eva.stories”. Castro evoca as discussões da história pública, resgatando essa ligação íntima entre o digital e o público. O autor reflete sobre a intervenção pública dos historiadores a respeito da memória de eventos traumáticos, como a Ditadura Civil-Militar no Brasil e o Holocausto, pensando o ambiente digital como terreno para reflexão, mas também espaço para um “exercício de empatia”. O texto nos convida a pensar sobre a expressividade da mídia digital na representação do passado, e projetarmos como, no futuro, contaremos as histórias de hoje, tão mediadas por este digital.

Diante da escalada dos negacionismos que vivemos hoje, o texto de Castro é uma janela para respirarmos e pensarmos, juntos e em público, como nós historiadores podemos atuar na era digital para garantir o respeito à memória, a busca pela verdade e a justiça social. Nessa mesma direção, o texto de Vagner Silva Ramos Filho (2020) nos convida a olhar para a memória do cangaço brasileiro. O tema do passado sensível e de como vivemos o boom de memória nesses tempos digitais é ulteriormente explorado por Ramos Filho, em uma balada virtual pela memória do cangaço que se detém, mais demoradamente, sobre um elemento específico: a fotografia. O autor discute papel da fotografia como meio de agenciamento da memória pública e como as imagens do cangaço em arquivos públicos, pessoais e digitais são uma expressão disso. Ao refletir sobre a fotografia no ambiente digital, Ramos Filho aponta para a necessidade de observarmos as especificidades desse meio, chamando atenção para a “diferenciação pouco considerada entre a foto, a foto da foto, ou até a foto da foto digitalizada”.

Sempre tratando da especificidade do ambiente digital, e de apresentar o passado neste cenário, Pedro Toniazzo Terres e Lucas Tubino Piantá (2020) discutem a Wikipédia enquanto um caso exemplar de como o conhecimento vem sendo tratado no século XXI. Os autores dão especial atenção para as histórias digitais que ganham vida em uma das maiores plataformas coletivas globais de todos os tempos. Preocupados com o modo como o conteúdo de história se coloca no ambiente multilinguístico da plataforma, Terres e Piantá analisam uma seleção de artigos em suas versões anglófona e lusófona, fazendo um escrutínio das disputas e interesses que concorrem a uma audiência potencialmente global. A análise toma os verbetes como objetos de estudo da historiografia e expõe as batalhas simbólicas que se estabelecem na construção da enciclopédia.

Outro objeto que nos remete aos públicos globais são os museus digitais, tão comentados como destinos virtuais durante o período de isolamento e lockdown experimentado em todo o mundo em face à pandemia do Covid-19. O texto de Alexandros Teneketzis (2020) vai tratar de como a História da Arte tem explorado os recursos digitais, como as tecnologias semânticas, realidade aumentada computação onipresente em museografia, desde o armazenamento, gerenciamento das obras de arte até a apresentação ao público. O autor constrói um estudo de caso, observando como instituições culturais gregas, mais especificamente, têm feito usos dessas tecnologias. O estudo chama atenção para como o componente digital pode atuar como um condicionador da experiência museográfica, na produção e consumo das exposições, como quando determinados conteúdos são deslocados dos corredores dos museus para outros espaços, como a casa de um visitante, ou uma sala de aula.

Na esteira sugerida por Teneketzis, sobre o potencial do digital para a abordagem da cultura, do patrimônio e da educação, outro texto que nos leva a refletir detidamente sobre o digital e suas interfaces com o ensino é o de Renato Pinheiro da Costa e Leonardo Zenha Cordeiro (2020). Discutindo a formação de professores no contexto amazônico, os autores nos apontam que “nem tudo são flores” nesse campo. É preciso mitigar, desnaturalizar e contextualizar a tecnologia. O texto problematiza vários aspectos da integração das tecnologias digitais à formação de professores e as expectativas em torno do digital. Em que pesem as muitas vantagens do advento digital para a educação, Costa e Cordeiro pontuam desigualdades históricas em termos de desenvolvimento e integração na Amazônia (mas não só) que permanecem e se apresentam como entraves para o acesso universal e de qualidade a equipamentos, conexão à rede, mas também, formação. Além desta debilidade em termos de infraestrutura, outra questão que se coloca, igualmente dependente de investimentos e políticas públicas, é justamente a carência de ofertas de formação.

Por fim, o tema dessa dicotomia do acesso e da suposta democratização que a Internet supõe, é também explorado, por outro viés, no texto de Valérie Schafer (2020). A autora discute a contradição entre as reflexões de historiadores da Internet sobre essa tecnologia, considerada aprioristicamente global e capaz de cruzar fronteiras, com abordagens que, por enfocar mais casos de estudos nacionais e locais, contribuem para uma perspectiva histórica mais “glocal” do que global. O paradoxo, segundo Schafer, se dá pela necessidade de identificar as trajetórias diferentes da tecnologia em distintos contextos nacionais, sociais, políticos e econômicos. Para a historiadora, essa tendência pode ser uma resposta para uma história da Internet que por muito tempo foi predominantemente marcada pelo enfoque nos Estados Unidos e que, talvez, pela inclusão de outros contextos possa, finalmente, ganhar novos tons, que permitam historicizar a Internet de uma forma plural, além do Vale do Silício.

No seu conjunto, os textos apresentados aqui trazem alguns temas que os atravessam, demonstrando preocupações e problemas mais amplos na relação entre a historiografia e as tecnologias digitais. O primeiro é o conjunto de habilidades que historiadoras e historiadores têm de aprender para navegar esta nova situação, como demonstrado por Fortes e Alvim (2020). Entretanto, o tema se relaciona a outra questão, explicitada na contribuição Laitano (2020), como vimos acima, qual seja, os impactos do “digital” para a figuração do que é ser historiador na atualidade. Durante muito tempo, estivemos acostumados a pensar na história como um métier, um processo que, apesar de metodologicamente controlado, é subjetivo. As tecnologias digitais trazem outro ritmo de pesquisa e divulgação, mais acelerado, mas também levantam questões que antes não ocupavam os historiadores, como o caráter privado das ferramentas utilizadas e das fontes que servirão para a pesquisa histórica futura. As tecnologias digitais são adições bem-vindas à oficina historiográfica, mas não deixam de desafiar sua própria constituição.

Pode-se acrescentar, também, que o impacto das novas tecnologias ressalta o lugar problemático do “digital” no conjunto da historiografia. Seriam essas novas ferramentas e métodos exclusividades do historiador digital? Ou são habilidades que podem ser facultadas a todos os profissionais da historiografia? Aqui, o que está em jogo não é apenas se a história digital é uma subdisciplina da historiografia ou se toda história, como já foi dito, se tornará história digital, mas qual o lugar da especialização quando o digital é uma condição que ultrapassa a fronteira entre os saberes e os transforma. Além disso, deve-se considerar qual o papel do conhecimento especializado quando se prevê que os historiadores trabalharão em redes colaborativas formadas pelos mais diversos profissionais, como programadores e cientistas da computação, designers e webdesigners, arquivistas e analistas de sistemas, comunicadores e influenciadores digitais, para não mencionar especialistas em políticas públicas e administradores nos setores público e privado.

Junto a isso, os limites do “histórico”, como evidenciado em diversas contribuições nesta edição parecem cada vez mais difíceis de serem contidos na disciplina histórica. Nos casos estudados pelos autores – a difusão do conhecimento histórico na Wikipédia e a circulação online das imagens referentes ao cangaço e à morte de seu mais famoso representante, Lampião –, a memória cultural é necessariamente multiplataforma, ao mesmo tempo que é domínio de outros agentes que não os historiadores de formação. Isso também é perceptível na contribuição de Alexandros Tenektzis (2020), que enfoca especificamente o impacto das mídias digitais para a história da arte.

Outra questão ainda não respondida, mas esboçada no conjunto dos textos, em especial é se podemos considerar que as tecnologias digitais contribuem para a formação de um meio historiográfico global. Essa questão deve considerar ao mesmo tempo a influência das novas tecnologias, as quais facilitam o contato entre pesquisadores em diversos lugares do mundo, e a manutenção ou agravamento das desigualdades de acesso que dificultam essa mesma comunicação. As histórias futuras da internet e as histórias futuras escritas com auxílio da internet, como as diversas abordagens da história digital, necessitarão explicitar os laços mais amplos que o digital como objeto e como método tem com uma história que é cada vez mais global. Ainda que o desenvolvimento da computação e da internet tenham sido feitos em contextos nacionais, seus desdobramentos são ocasião privilegiada para compreender que o global não é, como já argumentou Sebastian Conrad (2016), apenas a soma de histórias locais, mas um encaixe complexo no qual os elementos se influenciam reciprocamente. Esta mirada estrutural para o global tem um de seus pontos de ancoragem no digital, lançando-lhe um olhar sobre o passado – afinal, a digitalização de fontes em arquivos nacionais diversos não é uma das principais facilidades concedidas pela digitalização para os historiadores? –, mas também impondo desafios para o futuro: como garantir que essa vitalidade e aproximação continuem, especialmente no contexto de forte ataque às humanidades e fechamento da internet em plataformas proprietárias, trazendo dúvidas sobre a conservação dos registros que atualmente produzimos com tamanha abundância. Em outras palavras, em que medida o digital nos aproxima efetivamente ou nos hierarquiza num meio acadêmico globalmente competitivo?

HISTORICIZAR IMPORTA

Muitas perguntas permanecem abertas e, a história, enquanto disciplina, talvez seja a que mais tomou para si o desafio de pensar as transformações nas sociedades e, para isso, projeta grande importância no estatuto da evidência, do documento histórico. As mudanças que observamos nos gestos e ferramentas dos sujeitos envolvidos na escrita da história também estão sendo historicizadas e nos ajudarão, pelo menos, a começar a responder as perguntas que se multiplicam nesses tempos incertos. A produção técnica e tecnológica, aliás, sempre teve um papel fundamental nesse sentido gerador de evidências, pois tem uma condição inexorável de marcador temporal, testemunha de uma passagem do que deixou de ser para o que então é. Os historiadores sempre estiveram atentos, portanto, à passagem e transformações das mídias, seja na disseminação do impresso, na prevalência da imagem impressa reinventada na técnica fotográfica, do registro sonoro gravado ou do seu transcurso no espaço por ondas eletromagnéticas.

O desenvolvimento e surgimento de novas tecnologias da memória, porém, não afeta apenas a produção dos registros das atividades humanas. Essas mudanças interferem também, e de forma profunda, no modo como se dá o consumo destes registros, inclusive por nós historiadores. Do mesmo modo, a história que produzimos e sua recepção encontram outras expressões. A história pública, que também interpela a leitura deste dossiê e ganha outras formas no ambiente digital, é um exemplo disso. Continuamos a escrever para os nossos pares, de certo, mas, paulatinamente, os vários públicos e formas de representar o passado e disseminar o conhecimento histórico nos convidam a fazer história com essas diferentes recepções, sujeitos e ferramentas em mente. A condição técnica tem, historicamente, um papel central nisso, como deu provas a revolução desencadeada pela prensa de tipos móveis de Johannes Gutenberg. A particularidade do momento que vivemos hoje, porém, é o imediatismo e o potencial global que a rede mundial dos computadores traz consigo, tornando esta perturbação mais explícita e mais rapidamente compartilhada e debatida na nossa comunidade de práticas.

Os textos aqui reunidos podem ser considerados um snapshot das práticas, das inquietações e dos objetos que emergem dessas transformações e incertezas, numa perspectiva global. Os trabalhos discutidos neste dossiê provam de que a digitalização veio para ficar e condicionam nosso fazer. Num contexto cada vez mais frenético de produção de registros por meio dessas mídias aqui citadas, e de tantas outras, os historiadores e os arquivistas se consolidaram como profissão frente ao ato de escolher o que deve ser guardado e porquê, depois que as coisas perdem o sentido para as quais foram originalmente concebidas. Os vestígios devem ser guardados porque contam histórias.

Essas questões se tornam mais relevantes durante a atual pandemia, quando percebemos em nossa vivência diária o impacto de um mundo em transformação, ao mesmo tempo, como já dito aqui, mais global e mais digital. Embora seja ainda incerto que memória será construída do atual momento, assim como as histórias que serão escritas sobre ele, resta a certeza que, quando voltamos às ruas, aos arquivos e às salas de aula, as contribuições publicadas aqui e as reflexões propostas sobre o atual estado da prática historiográfica feito por seus autores serão parte do repertório que os historiadores terão para construir sua prática futura.

No meio de uma sensível crise das humanidades, parece haver uma demasiada hesitação dos seus próprios sujeitos para afirmar que ainda somos úteis ao mundo. Talvez a resposta mais contundente nos apareça ao olharmos para frente, e não para trás, já que a história segue sendo a ciência do tempo, do mundo em transformação. Olhando por esse ângulo, à luz dos textos aqui apresentados e do esforço dos organizadores e comissão editorial, podemos afirmar: nunca fomos tão úteis.

Referências

CASTRO, Miguel Barboza. Usos do passado sensível no ambiente digital: o “Brasil: Nunca Mais Digital” e o projeto “eva.stories”. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 45, p. 249-263, maio/ago. 2020.

CONRAD, Sebastian. What Is Global History? Princeton: Princeton University Press, 2016.

CORDEIRO, Leonardo Zenha; COSTA, Renato Pinheiro da. Problematizações das tecnologias digitais na formação de professor de história no contexto amazônico. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 45, p. 228-248, maio/ago. 2020.

FORTES, Alexandre; ALVIM, Leandro Guimarães Marques. Evidências, códigos e classificações: o ofício do historiador e o mundo digital. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 44, p. 207-227, maio/ago. 2020.

HAN, Byung-Chul. O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã, segundo o filósofo Byung Chul-Han. El País Brasil, 22 de março de 2020. Disponível em: https:// brasil.elpais.com/ideas/2020-03-22/o-coronavirus-de-hoje-e-o-mundo-de-amanhasegundo-o-filosofo-byung-chul-han.html. Acessado em: 29 abr. 2020.

LAITANO, Bruno Grigoletti. (Con)figurações do historiador em um tempo marcado pela disrupção tecnológica. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 45, p. 170-186, maio/ago. 2020.

RAMOS FILHO, Vagner Silva. Imagens de um passado sensível: formas de memória do cangaço em arquivos públicos, pessoais e digitais. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 45, p. 306-328, maio/ago. 2020.

SCHAFER, Valérie. Global Technologies, Glocal Approach: A False Paradox. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 45, p. 286-305, maio/ago. 2020.

TENEKETZIS, Alexandros. Exploring the Emerging Digital Scene in Art History and Museum Practice. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 45, p. 187-206, maio/ago. 2020.

TERRES, Pedro Toniazzo; PIANTÁ Lucas Tubino. Wikipédia: públicos globais, histórias digitais. Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 45, p. 264-285, maio/ago. 2020.

Anita Lucchesi – Mestre. Doutoranda, University of Luxembourg, Luxembourg Centre for Contemporary and Digital History, Esch-sur-alzette, Luxembourg. Organizadora do dossiê História digital e global: novos horizontes para a investigação histórica https://orcid.org/0000-0002-8523-111X   E-mail: anita.lucchesi@uni.lu

Pedro Telles da Silveira – Doutor. Pesquisador autônomo, Porto Alegre, RS, Brasil. Organizador do dossiê História digital e global: novos horizontes para a investigação histórica  https://orcid.org/0000-0001-7576-5241  E-mail: pedrotellesdasilveira@gmail.com

Thiago Lima Nicodemo – Doutor. Professor adjunto, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de História, Campinas, SP, Brasil. Organizador do dossiê História digital e global: novos horizontes para a investigação histórica  https://orcid.org/0000-0002-1588-0683  E-mail: tnicodem@unicamp.br

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[DR]

La guerra en cautiverio. Los prisioneros de la Guerra del Pacífico (1879 – 1884) | Patricio Ibarra Cifuentes

Patricio Ibarra Cifuentes, Doctor en Historia por la Universidad de Chile, nos presenta el libro La guerra en cautiverio. Los prisioneros de la Guerra del Pacífico, el autor explora una temática muy poco conocida, la de los prisioneros capturados durante la Guerra del Pacífico. El conflicto que enfrentó a Chile contra Perú y Bolivia trajo como consecuencia la movilización de miles de hombres que lucharon por la victoria de sus países. Tras el fin del combate, muchos de ellos fueron tomados como prisioneros de guerra. Leia Mais

Em Perspectiva. Fortaleza, v.6, n.1 2020.

História & Gênero

Editorial

Apresentação

Dossiê Temático

Resenha

Entrevista

Mar del Plata. Un sueño de los argentinos | Elisa Pastoriza, Juan Carlos Torre

Esta obra es la culminación de una larga investigación, que profundiza un artículo que Pastoriza y Torre publicaron hace más de 20 años en la colección Historia de la vida privada en Argentina. El libro ofrece un recorrido por un extenso período de la historia argentina que se inicia a fines del siglo XIX, cuando Mar del Plata era un “lugar exclusivo de veraneo junto al mar” para las clases altas argentinas. Los distintos capítulos nos presentan los cambios y las permanencias que se dieron desde 1888 -con la inauguración del Hotel Bristol- hasta fines de la década de 1960 cuando la ciudad balnearia acogió al turismo de masas. Leia Mais

Perseu – História, Memória e Política. São Paulo, n.19, 2020.

40 anos do PT e a saúde pública no Brasil.

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Poder y naturaleza humana – PLESSNER (Tempo)

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Detalhe da Capa de Poder y naturaleza humana
Poder e naturaleza humana H Plessner

PLESSNER, Helmuth. Poder y naturaleza humana: ensayo para una antropología de la comprensión histórica del mundo. Edición de Kilian Lavernia y Roberto Navarrete. Traducción de Kilian Lavernia, Madrid: Guillermo Escolar Editor, 2018. 128p.p. Resenha de: MATA, Sérgio da. Ser humano: político por natureza? Tempo. Niterói, v.26, n. 1, jan./abr. 2020.

No abarrotado gabinete de Reinhart Koselleck, em frente às pastas com o material empregado num seminário sobre os campos de concentração, ministrado entre 1968 e 1969, repousava uma foto sua. Não por acaso: ele elucidara parte das razões ­profundas que haviam levado seu país ao caminho de destruição do qual aqueles dois homens, um na condição de perseguido e outro na de combatente, só por pouco se salvaram. Koselleck (2014, p. 335, 347) enalteceu publicamente a sofisticação de suas análises histórico-sociológicas, a “visão extraordinária do passado e do futuro” que contém e sua aversão a toda forma dualista de pensar, própria de épocas em que prevalece a “tentação de seguir trilhas ideológicas baratas, que podem ser percorridas sem nenhum custo”.

O personagem da foto era Helmuth Plessner, cujas obras principais enfim começam a ser publicadas em inglês, francês e espanhol. Seu nome está indissociavelmente ligado à antropologia filosófica, uma corrente teórica que pretende responder à questão que, dizia Kant, encerra todos os grandes problemas da filosofia: o que é o ser humano? Se, formalmente, o papel de pioneiro coubera a Max Scheler, é consensual que em Plessner a antropologia filosófica atinge um patamar inteiramente novo. Depois de se familiarizar com neokantianos de prestígio como Max Weber (cujo círculo chegou a frequentar) e Paul Hensel, de acompanhar os cursos de Edmund Husserl em Göttingen e realizar sua livre-docência em Colônia com o filósofo da biologia Hans Driesch, Plessner estava como que predestinado a elaborar uma resposta radicalmente nova à pergunta pelo humano. A partir de Kant e de Dilthey, ele propõe uma rearticulação entre natureza e cultura na qual o humano não aparece como animal simbólico, nem, como infelizmente se tornou comum, mero epifenômeno de algum determinismo neuronal. Para Plessner, o humano, quando sistematicamente comparado às formas de vida vegetal e animal, não se revela como superior, mas como excêntrico: está simultaneamente além e aquém da natureza; tem um corpo e sabe que é um corpo. Graças à sua posicionalidade excêntrica, o ser humano pode ser considerado “constitutivamente apátrida” (Plessner, 1975, p. 310), isto é, incapaz de produzir sucedâneos culturais capazes de compensar plena e duradouramente esse desenraizamento constitutivo de si mesmo. “Quem quiser ir para casa, para a pátria, para o aconchego, tem de sacrificar-se à fé. Já aquele que se aferra ao espírito, porém, não retorna” (Plessner, 1975, p. 342).

Nas primeiras linhas de Poder e natureza humana, o autor afirma que a questão central da antropologia política é a de saber “até que ponto a política (…) pertence à essência do ser humano” (Plessner, 2018, p. 33). Para Plessner não há como desvincular entre si as questões do político e da historicidade, e seu argumento é construído a partir de uma tripla interlocução: uma negativa (a ontologia de Heidegger) e duas positivas (a teoria do político de Carl Schmitt e a epistemologia vitalista de Georg Misch). Em absoluto se trata, como veremos, de realizar uma síntese entre as perspectivas dos dois primeiros autores, que, aliás, reagiram imediatamente ao livro de Plessner. Na segunda edição de O conceito do político, de 1932, Schmitt (2018, p. 184) evoca Poder e natureza humana, considerando-o “uma antropologia política em grande estilo”. Estudos recentes (Ott, 2012Grossheim, 2018) mostram que, embora tenha omitido o nome de Plessner em tudo o que publicou, Heidegger não apenas leu seus livros como reviu, em razão deles, algumas de suas próprias posições, incorporando conceitos cunhados por seu jovem crítico.

O objetivo de Plessner, como foi dito, é sustentar a tese de que o político e o humano estão inscritos um no outro, de maneira que a aversão à política, secularmente difundida nos setores médios da sociedade alemã, assentaria numa incompreensão profunda da natureza humana. A antropologia política não privilegia o nosso suporte biológico, nem se confunde com uma abordagem de tipo idiográfico (Peirano, 1998). Como subcampo da antropologia filosófica, para Plessner ela “abarca tanto o psíquico como o espiritual, o individual como o coletivo, tanto o coexistente num dado lapso temporal como o histórico” (p. 41).

Mas como chegar ao entendimento da essência do humano sem cair na armadilha das autoprojeções, por óbvio cultural e historicamente situadas? De uma sociedade, a europeia, que ao longo dos séculos desenvolveu uma porosidade considerável em relação à alteridade, e cuja ciência estava ao menos formalmente atravessada pelo sentimento de igualdade “de tudo o que possua um rosto humano”, dever-se-ia esperar que fosse capaz de se abster da própria absolutização (p. 42). Tal dificuldade não é a única e talvez nem mesmo seja a principal. Mais decisivo é saber se a questão da essência do humano deve ser perseguida empiricamente ou aprioristicamente. Ambos os caminhos encerram dificuldades próprias. Bem familiarizado com o pensamento de Husserl, Plessner sabia que “uma teoria empírica da essência é um absurdo” (p. 46). O procedimento a priori não é menos problemático. Scheler e Heidegger haviam tentado estabelecer ou identificar uma relação estável entre a essência do humano e determinadas estruturas formais e/ou dinâmicas. O primeiro, sabidamente, não foi capaz de livrar-se de premissas metafísico-religiosas. Submetida à prova da interculturalidade, também a “analítica do Dasein” se revela uma autoprojeção não apenas ocidental, mas cristã do humano (de resto evidente em sua antropomorfização da escatologia). Embora tenha pretendido “manter-se aberta face à vastidão de culturas e épocas”, a teoria de Heidegger redunda na verdade em um “estreitamento de seu campo visual como consequência de seu apriorismo metodológico”. A consequência necessária é uma “absolutização de determinadas possibilidades humanas” (p. 52-53; grifo nosso).

Plessner percebe que a tentativa de se chegar à essência do humano forçosamente leva a um autoenredamento. Aqui, ele acrescenta algo novo ao conceito de “posicionalidade excêntrica” desenvolvido em seu livro de 1928 (Plessner, 1975) sobre Os níveis do orgânico e o ser humano: o que é mais característico do ser humano não é propriamente uma essência, mas sim uma disposição fundamental. Ele é uma forma de vida “aberta”. Para encontrar uma unidade qualquer por detrás de toda sua imensa diversidade cultural, não haveria caminho outro senão o de pensá-lo a partir da categoria da insondabilidade (cunhado por Misch, o termo Unergründlichkeit significa algo como inescrutabilidade ou “infundamentabilidade”). O que significa dizer que o humano é insondável? Plessner recorre a Dilthey, no qual busca nem tanto o avesso do “fanatismo da exatidão”, mas a forma específica por meio da qual as ciências humanas formulam suas questões. Diferentemente das ciências naturais, que estão por assim dizer condenadas a responder suas perguntas – qualquer que seja o experimento empregado, a hipótese de trabalho inicial será confirmada ou refutada -, o mesmo não aconteceria nas humanidades. As ciências do homem não dispõem de quaisquer garantias de que atingirão seu fim cognoscitivo último; suas perguntas são e permanecem abertas. Seus objetos são insondáveis “por natureza”, e suas perguntas, perguntas em aberto. O constante deslocamento de seu horizonte cognoscitivo as impede de atingir o mesmo grau de estabilidade das ciências naturais. O que para estas seria renúncia – renúncia a oferecer respostas “definitivas” – é nas humanidades renúncia criativa, única atitude epistêmica apropriada para o tratamento de “realidades inconclusas” (p. 74).

Quando o olhar prospectivo se desloca momentaneamente para trás, a abertura humana para o agir se converte numa espécie de poder sobre o passado. E dado que “cada geração atua de maneira retroativa sobre a história”, o passado se converte em algo “inacabado, aberto e eternamente renovado”. Plessner vê no princípio da insondabilidade “a concepção ao mesmo tempo teórica e prática do ser humano como ser histórico e portanto político” (p. 76; grifo nosso). Ao dar-se conta da própria historicidade, o pensamento se enreda num duplo movimento – ele se sabe produto de uma história e, ao mesmo tempo, uma potência que reincide sobre ela e é capaz de reconfigurá-la.

Ver na “infundamentabilidade” o fundamento da condição humana implica, note-se bem, “abdicar da posição de predomínio do próprio sistema de valores e categorias” (p. 78). Segundo Plessner, tal movimento não deve ser visto como uma perda, mas, antes, como algo próprio de sociedades seguras de sua capacidade de futuro. A pergunta pelo ser humano deve permanecer em aberto, mantendo-se a salvo da tradicional inclinação de nos projetarmos enquanto critério e medida universais.

Incapaz de esclarecer o próprio fundamento, o ser humano é “possibilidade”, se reconhece “condicionante da história e condicionado por ela” (p. 82). Ao desenvolver sua consciência histórica, ele se dá conta de que é poder. Ver a si mesmo como poder significa para Plessner “necessariamente lutar por ele”. A alteridade, porém, não se resume ao inimigo nem pode ser claramente delineada. A fronteira entre identidade e alteridade, amigo e inimigo, não pode ser fixada. Para além de Schmitt e muito antes de Foucault, Plessner conclui que o político “atravessa todas as relações humanas” (p. 86). Assim, e como necessidade que brota “da constituição fundamental do ser humano”, o político torna-se seu “destino secreto”. Em “suas milhares de formas” possíveis, o adversário poderia ser definido como qualquer um que seja nocivo a meus interesses (p. 87). O ser humano vive cindido entre a necessidade de ser audaz e o temor ante ameaças que parecem brotar de todos os lados. Ele é poder, mas uma espécie de poder incapaz de atingir um porto inteiramente seguro. É força, mas sabe que é “artificial ‘por natureza’” e que “nunca está em equilíbrio” (p. 90). Decodificar o humano a partir do princípio da insondabilidade implica, enfim, dar pleno relevo ao “primado do político para o conhecimento da essência do ser humano” (p. 92), sem com isso cair no equívoco – ou na tentação – do essencialismo.

Poder e natureza humana não é apenas a ampliação das descobertas feitas em Os níveis do orgânico e o ser humano. Este ensaio pode ser lido como uma refutação das pretensões de uma filosofia, a de Heidegger, de se colocar na condição de filosofia primeira. Plessner a considera autocontraditória (p. 96), e mais, “perigosa e nociva” (p. 97). A “radicalização do conceito de sujeito” em Heidegger prolonga a tradição do dualismo cartesiano, não obstante sua pretensão de “destruir” toda tradição. Trata-se de uma reatualização do gnosticismo e, como tal, avessa à necessidade de salvaguardar a realidade do que é externo a nós mesmos. Plessner vê na “analítica do Dasein” um erro de princípio, o de tentar tornar fechada a pergunta pela essência do humano. O jargão da autenticidade revela incapacidade de se admitir o fato de que o humano bem pode optar pela impotência. Caso queira estar à altura do humano, a filosofia precisa reconhecer que, enquanto homo duplex, não raro nos inclinamos pela paradoxal negação de nossas próprias possibilidades. Pois o humano, diz Plessner, é também e sempre “o outro de si mesmo” (p. 115; cf. Plessner, 2009).

Resta saber como se dá o salto que leva dessa disposição intrínseca à formação das associações políticas, ou seja, como esse fato antropológico fundamental adquire expressão societária. Inegavelmente marcado pela pesada atmosfera de inícios da década de 1930, Plessner afirma que tal vinculação se dá por meio do pertencimento a um “povo”, e, por fim, à sua organização em bases nacionais.

Ao leitor que considere essa teoria como especulativa do início ao fim, convém lembrar que aquele que a concebeu, zoólogo de formação, não minimiza em momento algum sua crítica ao dualismo cartesiano: “Toda teoria, seja ontológica ou hermenêutico-biológica, que queira investigar o que faz do ser humano um ser humano, e que em seus métodos ou em seus resultados ignore a dimensão natural da existência humana, ou que a minimize como o não autêntico (…), considerando-a secundária para a filosofia ou para a vida, é falsa, porque demasiado frágil em seu fundamento, demasiado unilateral em seu desenho e dominada, em sua concepção, por preconceitos religiosos ou metafísicos” (p. 119). Cindido entre natureza e cultura, o ser humano está condenado a conduzir sua existência “sem saber qual dos lados acaba prevalecendo” (p. 120). Sua gradativa organização em comunidades políticas ou Estados visaria compensar essa fragilidade constitutiva, mitigando seus efeitos.

Plessner chega à conclusão de que o político está inscrito na própria condição humana, e isso bem antes que autores importantes da época (pense-se no caso de Hannah Arendt) realizassem seus respectivos political turns. Ele percebeu que um dos problemas centrais de Ser e tempo estava em legitimar uma já antiga tendência ocidental-cristã à subjetivação excessiva, em que a interioridade do ser aparece como o polo antagônico de uma “esfera pública degenerada”, e cujo resultado último é o indiferentismo político (p. 123). Uma das causas da tragédia alemã, cujo explosivo potencial Plessner evidentemente não podia antecipar em 1931, quando publicou seu livro, era o que ele chama de “a indiferença dos intelectuais face à política e sua trivialização através da filosofia” (p. 124).

Uma simples resenha não pode ter a pretensão de realizar uma discussão aprofundada das possibilidades e dos eventuais limites de uma antropologia filosófica do político como a proposta por Plessner, mas bastará assinalar aqui um ou outro aspecto que consideramos dignos de nota. Não se pode deixar de encarar com certa dose de ceticismo a tendência, volta e meia presente na argumentação, a se desontologizar o passado. A manutenção do fosso metodológico entre ciências humanas e ciências naturais não indica, ainda que num plano distinto, a tremenda resiliência daquele mesmo dualismo cartesiano que Plessner pretende ultrapassar? Soaria absurdo subscrever, hoje, a ideia de que perguntas científico-naturais sejam inteiramente “fechadas”, e muito menos que nas ciências humanas a demanda por explicação tenha se tornado uma relíquia epistemológica. Se de fato o político está inscrito na natureza humana, não será exagerada a preocupação com o indiferentismo? O processo por meio do qual o político gradativamente se institucionaliza não nos parece fundamentado o suficiente por Plessner; nem é fácil entender como se dá, em sua obra, uma inflexão significativa a respeito do humano, que no livro de 1928 aparece como “constitutivamente apátrida”, e em 1931 como “vinculado a um povo”.

Concluamos esta lista, que já vai longa. Dentre as patologias do político não será a hipertrofia tão grave quanto a neutralização? E nem falamos de totalitarismo, mas de algo que pode, talvez, se revelar igualmente perigoso. Uma deformação que nada tem de extracotidiana, que não raro é positivamente valorada e, assim, legitimada nos meios intelectuais: o radicalismo, fenômeno ao qual Plessner dedicou algumas páginas notáveis nos primeiros anos da República de Weimar. “O característico do radicalismo é a falta de prudência, sua perspectiva é a infinitude, seu pathos o entusiasmo, seu temperamento o ardor”. Dualismo cego e orgulhoso de sua cegueira, ele significa “a aniquilação da realidade dada em nome da ideia, seja racional, seja irracional” (Plessner, 2012, p. 31, 35).

Resta evidente que tais dúvidas, como outras que possam surgir de um escrutínio rigoroso do livro de Plessner, tendem antes a confirmar o caráter indiscutivelmente aberto de todas as perguntas que digam respeito ao humano, a impossibilidade de chegarem a seu termo, enfim: sua Unergründlichkeit. Uma das virtudes inegáveis da antropologia filosófica de Plessner, à medida que admite a ambiguidade constitutiva do ser humano, está em trilhar um caminho intermediário, ou antes conciliador, entre extremos. Não há por que optar entre universalismo e perspectivismo, seja este ameríndio ou não. Diante do atual esgotamento teórico e político da tendência pós-estruturalista à sobrevalorização da linguagem e do “anything goes”, diante dos riscos representados tanto pelas ambições desmedidas da neurociência quanto pelo assim chamado pós-humanismo, a senda aberta por Poder e natureza humana mantém-se, como poucas antes e depois dela, teoricamente robusta e intelectualmente produtiva.

Sérgio da Mata – Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Mariana(MG), Brasil. sdmata@ufop.edu.br.

Referências

GROSSHEIM, Michael. Inspirierende Irritation: die Bedeutung der Anthropologie Helmuth Plessners für das Denken Martin Heideggers. Deutsche Zeit­schrift für Philosophie (Jena). v. 66, n. 4, p. 507-531, 2018. [ Links ]

KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-RJ, 2014. [ Links ]

OTT, Konrad. “Man muss sich einschalten”: wie Plessner Heidegger aufforderte, politisch aktiv zu werden. Zeitschrift für philosophische Forschung(Frankfurt am Main). v. 66, n. 3, p. 448-459, 2012. [ Links ]

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SCHMITT, Carl. Der Begriff des Politischen: synoptische Darstellung der Texte. Berlin: Duncker und Humblot, 2018. [ Links ]

Historia de la cultura material. Objetos, agencias, procesos/Anuario de la Escuela de Historia Virtual/2020

El vínculo entre cosas y personas viene cobrando, desde hace algunas décadas, notoria relevancia en el campo de la investigación social, en general, e histórica, en particular. En este acontecer, el término cultura material devino paraguas teórico debajo del cual se ampararon diversidad de investigaciones que buscaron, con mayor o menor profundidad analítica, otorgarle un lugar de relevancia a los objetos dentro de los procesos históricos. La deuda conceptual, no siempre reconocida, es con la arqueología y la antropología social. En estos campos disciplinares es donde se acuña y cristaliza la noción de cultura material para, desde allí, extenderse a, y ser cooptada por, plurales áreas de la investigación social. Ese tráfico de ideas resultó en un fértil campo para el trabajo interdisciplinario. En este trayecto multidireccional el concepto experimentó objeciones, revisiones, reformulaciones y reintepretaciones que nutrieron prolíficas discusiones entre arqueólogos y antropólogos de tradición anglosajona, pero que no siempre se hicieron eco en la investigación histórica donde, cabe señalar, la noción de cultura material se redujo, en varias ocasiones, a mero sinónimo de “objeto”, “artefacto” o “cosa”. Pero ¿qué historiografía que abraza conceptos de otras disciplinas está exenta de escollos como los referidos? Bien vale, entonces, no solo retomar aquellos aportes de las investigaciones más significativas en el campo de la historia de la cultura material, sino exponer, en primer lugar, las tradiciones arqueológicas y antropológicas a las cuales debemos el concepto que nos convoca y su campo de estudios. Leia Mais

Transterradas. El exilio infantil y juvenil como lugar de memoria | Marisa Gonzáles de Oleaga

Desde mediados del siglo XX en adelante, tanto en el campo occidental de los estudios filosóficos como historiográficos, los procesos que comprenden los exilios masivos han sido abordados para su análisis académico desde distintas aristas; incluso, algunas de ellas, opuestas. Por una parte, en la tradición heredera del modelo de pensamiento clásico griego, el desarraigo opera en tanto sinónimo de ostracismo político: la expulsión del lugar de pertenencia constituye la consecuencia irreversible para quienes incumplen con los ‘códigos ciudadanos’. Por otra parte, en la tradición moderna que resignifica la figura marginal del exilio y de sus protagonistas, el acto negativo y violento de expulsar de su sitio a una persona como radical modalidad de exterminio supone una síntesis positiva. Así, la existencia exiliada abandona su condición marginal y adopta, en palabras del filósofo Jean-Luc Nancy, un carácter dialéctico, de orden transitorio y protector.

Desde este marco teórico-filosófico, la historiadora Marisa González de Oleaga, la filósofa Carolina Meloni González y la filóloga Carola Saiegh Dorín dialogan con sus memorias de los exilios que, como integrantes menores y dependientes del núcleo familiar madre-padre, emprendieron desde la República Argentina hacia la ciudad española de Madrid con quince, cinco y ocho años de edad, respectivamente. El recuerdo de lo vivido en la década de 1970 las reúne, en primer término, para convocar con sus testimonios de infancias y adolescencias desterradas cierto lugar de cobijo. Es decir, para resignificar la experiencia política del exilio en términos de asilo y transterramiento en lugar de castigo. Y, en segundo término, para contribuir a la protección y resguardo de esa memoria exiliar compartida por quienes vivieron –o viven– procesos de desplazamientos forzados en su niñez y adolescencia. Todo ello, sin buscar generalizaciones, universales ni clausuras. Leia Mais

Memória e legado das resistências negras/Acervo/2020

O dossiê Memória e legado das resistências negras surge num momento em que devemos reafirmar o que demorou tanto para ser afirmado e reconhecido por boa parte das elites política, intelectual e acadêmica do país: o legado de negros e negras do Brasil não se resume a uma visão congelada e estereotipada da religião, das danças e da culinária afro-brasileira. Leia Mais

¡Cuotas No! El movimiento estudiantil de 1999-2000 en la UNAM | Marcela Meneses Reyes

Los libros a veces comienzan por sus epígrafes y el trabajo de Marcela Meneses Reyes sobre la huelga estudiantil mexicana de 1999-2000, la más extensa en la historia de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), no es la excepción. La necesidad de caminar hacia atrás para escapar al olvido que exalta el poeta maya-guatemalteco Humberto Ak’abal en el comienzo del estudio manifiesta muy bien sus intenciones. Aunque el objetivo de Meneses no sólo es recordar un movimiento del que fue protagonista en sus tiempos de estudiante, sino entender las razones de un conflicto que convulsionó por casi diez meses a la UNAM y al país entero. Desde abril de 1999 cuando el Consejo General de Huelga (CGH) tomó las instalaciones de la universidad en protesta por el aumento de las cuotas de inscripción; hasta febrero del año siguiente con la violación de la autonomía universitaria por la Policía Federal Preventiva y el encarcelamiento de cientos de manifestantes. La hoy académica de la UNAM elige eludir la versión testimonial y desde herramientas teóricas del marxismo y la sociología histórica brinda un análisis profundo de la huelga y de los diversos actores involucrados. De esta manera, escapa a las miradas condenatorias de un movimiento que sigue generando incomodidades, como lo atestigua su exclusión de los actos conmemorativos por los 100 años de la UNAM que organizó la rectoría en 2010. Leia Mais

Haunting History: for a deconstructive approach to the past | Ethan Kleinberg (R)

Haunting History, livro publicado recentemente pelo historiador estadunidense Ethan Kleinberg explora os desafios que o diálogo com a desconstrução derridiana impõe à prática da história. O autor propõe que historiadores e historiadoras enfrentem as questões suscitadas por esse incômodo encontro, a fim de promover a persistente desconstrução da lógica de pensamento da história [1]. O livro chama a atenção pelas figurações narrativas empregadas por Kleinberg, que demonstra significativa preocupação com a íntima relação estabelecida entre forma e conteúdo da obra.

Ao mobilizar estórias de fantasmas, entre elas A Christmas Carol, de Charles Dickens, e The Legend of Sleepy Hollow, de Washington Irving, o livro ressalta o caráter espectral, fantasmático, indomável, desordenado e incômodo do passado. Diferencia-se por recorrer à literatura para refletir sobre o passado; ou seja, a literatura não opera como fonte empírica que diz sobre a sociedade que a produziu, mas como recurso provocativo, teórico e imaginativo. Essa estratégia permite trazer à narrativa um passado capaz de assombrar o presente como um espectro.

Em diálogo com um conto de Franz Kafka que versa sobre a construção de estruturas como a Grande Muralha da China e a Torre de Babel, Kleinberg lança indagações sobre as condições de averiguação do próprio passado. No conto, a Grande Muralha não foi construída de maneira contínua; algumas sessões foram construídas à princípio, espaçadamente, ao passo que as brechas deixadas foram preenchidas ao longo de séculos, de modo desordenado. O autor, então, pergunta ao seu leitor:

E se, de fato, algumas sessões da muralha nunca foram sequer construídas? E se mais tarde, com o tempo, passou-se a acreditar que essas lacunas eram partes faltantes da muralha que haviam sido destruídas, deterioradas, ou perdidas? [2]

A estória de Kafka sobre a Grande Muralha é ponto de partida para construção de uma interessante metáfora acerca da história. Há aqui a crítica a uma produção historiográfica que busca a produção de um snapshot do passado, tomado como reprodução fiel, ontológica, real. O autor coloca em cheque a capacidade do historiador – enquanto único e privilegiado observador – em distinguir e percorrer as lacunas presentes na grande muralha da história. Afinal, como diferenciar as partes construídas e perdidas daquelas que nunca foram sequer construídas? É possível dotar os “fatos históricos” de um caráter ontológico e separá-los das formas como foram representados narrativamente? Nesse sentido, Ethan Kleinberg confere ao passado um senso de mutabilidade que, se não espanta e assombra, certamente desestabiliza os parâmetros que regem a disciplina.

O primeiro capítulo do livro consiste em uma história intelectual [geist-geschichte] e uma história de fantasmas [geistergeschichte]. O autor narra a recepção da desconstrução pela historiografia estadunidense como uma história assombrada, cujo personagem principal – a desconstrução – age como um espectro que insiste em assombrar a prática disciplinar. Para isso, combinam-se recursos literários ligados às estórias de fantasmas e estratégias caras à história intelectual, de modo que convivem na narrativa, com pouca ou nenhuma cerimônia, atos de assombramento, conjuração, esconjuração e exorcismo, ao lado de citações de artigos, livros, entrevistas, resenhas, réplicas, e tréplicas. Os personagens são revistas, livros, acadêmicos, fantasmas, espectros e poltergeists. Forma e conteúdo convergem para apresentar a desconstrução como um fantasma incômodo, aceito por poucos, esconjurado por muitos, tratado por tantos como objeto de espantado ceticismo e culpado fascínio. Entre os fantasmas do período – giro linguístico, pós-modernismo, pós-estruturalismo, etc – a mais temida, a desconstrução, precisava ser exorcizada.

Como um poltergheist, a desconstrução fez sentir seus efeitos. Assombra os historiadores(as) precisamente na medida em que evidencia segredos tão bem escondidos da história: desnuda as escolhas autorais que participam da elaboração narrativa e argumentativa da produção historiográfica, põe em destaque a necessidade da imaginação para a prática da disciplina, evidencia as peripécias envolvidas no tratamento com a linguagem.

Para que a história entregue “verdade” descomplicada esse segredo [o espectro da revisão, a possibilidade de desconstrução] precisa continuar escondido, mas cada vez que o relato histórico de um evento é revisado, o próprio ato de revisão revela a instabilidade da verdade histórica e da possibilidade de recontar o que “realmente aconteceu”. [3]

O caráter fantasmático e incômodo da desconstrução se agrava na medida em que essa se torna um termo do senso comum que agrupava supostos “pós-modernos”, “pós-estruturalistas”, “relativistas”, além dos “desconstrucionistas” e de quaisquer historiadores(as) que com esses dialogassem. Em sua acepção mais popular, a desconstrução passou a ser conhecida como a “desestabilização de pronunciamentos autoritários” [4] , assumindo na academia estadunidense “o peso de uma posição política ou ideológica” [5] . A simplificação do modelo teórico derridiano contribuiu para que, mais tarde, em meio às nuvens de medo e à busca por verdades estáveis que sucedeu os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, muitos se unissem para esconjurar o fantasma. A desconstrução foi associada à Heidegger, ao nazismo e até ao terrorismo, definido como expressão violenta do enfraquecimento de verdades universais como a liberdade e a vida. Será que isso foi suficiente para livrar-se de vez do fantasma?

A construção narrativa do primeiro capítulo evidencia a ausência de um número expressivo de historiadores(as) que utilizam a desconstrução como aporte teórico ou metodológico e, contraditoriamente, a presença de um “número desproporcionado de artigos atacando-a […] como perigosa para a prática da história” [6] . A abordagem desloca a oposição binária que enquadra presença e ausência como meros antônimos, enquanto a linguagem do conto assombrado subverte a forma como a história tem pensado e narrado as relações entre passado e presente. O passado está, presente e ausente, como um fantasma. Ou ainda, presenças e ausências operam juntas para assombrar o presente e a história.

Ethan Kleinberg emprega a desconstrução em uma crítica do “quadro epistemológico da história ortodoxa”, seu “próprio sistema ideológico, suas categorias de representação”[7] . Para isso, o terceiro capítulo examina autores como Chladenius, Dilthey e Droysen – ligados ao que se convencionou chamar historicismo – e demonstra que nem mesmo entre eles há consenso acerca da possibilidade de uma forma universal de acesso aos fatos históricos “tais como ocorreram”. O resultado é francamente irônico quando lido em contraste com o primeiro capítulo, que demonstra o quanto os historiadores contemporâneos – aqueles que afirmam ter superado os historicistas – continuam operando sob uma compreensão do passado embasada no que Ethan Kleinberg define como realismo ontológico.

Para o autor, a história disciplinar aborda eventos históricos como pontos fixados e imutáveis do espaço e do tempo. O passado é ontologicamente real, verdadeiro e ordenado, e mesmo que o acesso a ele seja sempre limitado, suas condições de verificabilidade estão condicionadas epistemologicamente. A revisão, portanto, é permitida porque compreendida como um aprimoramento epistemológico e metodológico que permitiria aproximar-se mais da verdade sobre o fato, mesmo quando há o reconhecimento de que o fato nunca será representado em sua totalidade. Ou seja, para o realismo ontológico, o passado segue sendo compreendido como algo que, “realmente”, “ontologicamente”, “é”.

No quarto capítulo, Ethan Kleinberg afirma que a abordagem do passado embasada no realismo ontológico está intimamente ligada às formas analógicas que conferiram bases materiais para a produção historiográfica, como o advento da escrita, da imprensa e da máquina de escrever. Essa história está ligada a um “teto analógico”, que percebe o passado como alcançável por meio do método e da atenção profunda. O rompimento com esse teto analógico pode abrir novas possibilidades à história. Nesse sentido, o autor sugere o advento da era digital e de uma nova forma de hiper-concentração em múltiplas mídias e plataformas guarda afinidades com a desconstrução. Essa nova forma de acessar, processar e interagir com a informação abre portas para que pesquisadores(as) possam se relacionar com o passado por meio de abordagens que presem pelo não-simultâneo, o contraditório, o múltiplo, o descontínuo e o instável, elementos fundamentais a uma abordagem desconstrucionista. Essa reconfiguração conclama a disciplina a um repensar do próprio tempo. No quadro delineado pelo autor, esse presente marcado por “heterogeneidade, emaranhamento, polissemia e contextos flutuantes” se relaciona diretamente com um passado que está também permeado destas características. As relações dos(as) historiadores(as) com o tempo passam a ser entendidas como uma posição iterativa, entrelaçada no tecido no passado a partir do presente. Essa última assertiva permitiria imaginar o estatuto do passado de outro modo, e posicionar a prática da história como um discurso/ato performativo, “uma interpretação que transforma a própria coisa que interpreta” [8].

Em suas últimas páginas, o autor argumenta sobre uma fantologia [hauntology] [9] do passado, a assombrar o ofício dos(as) historiadores(as), a tocar e afetar o presente independentemente das vontades daqueles que pretendem domá-lo ou expiá-lo. Se para Michel de Certeau [10], um dos objetivos da operação historiográfica era constituir túmulos escriturários capazes de enterrar os mortos e abrir espaço para os vivos, para Ethan Kleinberg, o passado não pode ser exorcizado por meio da escrita da história, mesmo pelo(a) mais exímio(a) historiador(a). O passado possui um “caráter fantológico” [hauntological], está, presente e ausente. Segundo o autor, esse só pode possuir qualquer status ontológico de forma latente e aporética, como uma contradição irresoluta, como um fantasma. Ainda, entre passado e presente há uma porosidade, caminhos possíveis a trilhar, que não podem ser encerrados por meio da história disciplinar e que delimitam – sempre de modo provisório – quais passados são imaginados como possíveis.

O livro torna-se mais provocativo quando lido em conjunto à atuação do coletivo #theoryrevolt, que no ano passado publicou o manifesto Theses on Theory and History. O texto assinado por Ethan Kleinberg, Joan Wallach Scott e Gary Wilder argumenta pela escrita de uma “história crítica” e pelo estabelecimento de uma nova relação entre teoria e história. Quando o livro é lido contra esse pano de fundo, ganham destaque as experimentações do autor ao longo da obra – que considero bem sucedidas –, sobretudo o modo como integram-se forma e conteúdo e o engajamento inovador com a literatura e a desconstrução. Afinal, nas palavras do #theoryrevolt,

A história crítica não aplica teoria à história, nem pede por maior integração da teoria nos trabalhos históricos como que vinda de fora. Ao contrário, ela busca produzir história teoricamente orientada e teoria historicamente fundamentada. [11] [grifo original]

Notas

1. Todas as traduções fornecidas ao longo do artigo são de responsabilidade da autora.

2. KLEINBERG, Ethan. Haunting History: for a deconstructive approach to the past. Stanford: Stanford University Press, 2017. p. 73.

3. KLEINBERG, Ethan. Haunting History: Deconstruction And The Spirit Of Revision. History and Theory. Theme Issue 46 (December 2007), 113-143. p. 143.

4. KLEINBERG, Ethan. Haunting History: for a deconstructive approach to the past. Stanford: Stanford University Press, 2017. p. 32.

5. Ibidem, p. 34.

6. Ibidem. p. 15.

7. JOAN SCOTT apud Ibidem. p. 36.

8. DERRIDA, Jacques. Specters of Marx. New York: Routlegde, 2006, p. 63.

9. Nesse caso, adotamos a tradução empregada por André Ramos e André Luan Macedo em entrevista com o autor publicada pela revista História da Historiografia. Cf: RAMOS, André. Ethan Kleinberg: Teoria da História como Fantologia [Entrevista]. História da historiografia, n. 25, dezembro. Ouro Preto: 2017. p. 193-211.

10. CERTEAU, Michel de. The writing of history. New York: Columbia University Press, 1988.

11. KLEINBERG, Ethan; SCOTT, Joan W.; WILDER, Gary. Teses sobre Teoria e História. Trad. Andre Freixo e João Ohara. p. 5. Disponível em: https://www.academia.edu/36775977/Teses_sobre_Teoria_e_Hist%C3%B3ria_TRADU%C3%87%C3%83O_. Acesso em 10/07/2018.

Lídia Maria de Abreu Generoso – Mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Atualmente é doutoranda em História pela mesma Universidade com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: generosolidia@gmail.com  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8130-1950


KLEINBERG, Ethan. Haunting History: for a deconstructive approach to the past. Stanford: Stanford University Press, 2017. Resenha de: GENEROSO, Lídia Maria de Abreu. A história e o fantasma da desconstrução. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.38, n.1, p.548-553, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]

Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos (R)

 

Publicado pela editora Companhia das Letras, em 2018, o Dicionário da Escravidão e Liberdade conseguiu a façanha de reunir uma grande quantidade de especialistas para discutir um dos temas mais caros ao pensamento brasileiro: a escravidão. Embora o tema seja discutido em congressos e seminários, estes eventos nem sempre contam com esse quantitativo de especialistas. A reunião em torno do dicionário resultou em 50 textos críticos, escritos por 45 pesquisadores ligados a diversas instituições de ensino e pesquisa, que puderam conceituar a partir do assunto principal: a escravidão.

Os textos compõem um mosaico heterogêneo que apresenta o estado da arte produzido sobre a escravidão. O interessante é que o leitor pode apenas consultar os verbetes, como dicionário que é, ou poderá também relacionar os verbetes entre si, construindo pontes entre um assunto e outro, complementando-os. São possíveis algumas ligações. Logo de início, temos o verbete sobre o continente africano, que pode ser lido em conjunto com os verbetes sobre o tráfico e o transporte dos escravizados, temas que foram contemplados na escrita de Roquinaldo Ferreira, Luiz Felipe de Alencastro, Carlos Eduardo Moreira e Jaime Rodrigues. A caracterização dos africanos, contrariando a ideia de homogeneidade, teve atenção de Robert Slenes, Beatriz Mamigonian, Luiz Nicolau Parés, Eduard Alpers e Luciano Brito.

Lugares e espaços foram pensados por Marcus Carvalho, Flávio dos Santos Gomes e Carlos Eugênio Líbano Soares. A família escrava, o mundo materno, estão entre as temáticas discutidas por Isabel Cristina Reis, Lorena Féres da Silva, Maria Helena Pereira e Mariza Ariza. As leis que permearam a escravidão foram discutidas por Keila Grinberg, Hebe Mattos e Joseli Maria Nunes Mendonça. As teorias raciais, o associativismo negro e a imprensa negra foram o foco das informações de Petrônio Domingues e Lilia Moritz. Revoltas e movimentos foram verbetes escritos por João José Reis, Wlamyra Albuquerque e Angela Alonso, Jonas Moreira e Paulo Roberto. Amazônia e a escravização indígena, foram pensados por Flavio Gomes e Stuart Schwartz.

O trabalho escravo/livre e o pós-abolição foram verbetes escritos por Robson Luiz Machado, Walter Fraga, Marcelo Mac Macord e Robério Souza. Os aspectos da religiosidade foram destacados por Nicolau Parés e Lucilene Reginaldo. O processo educacional, as nuances culturais e a relação História e Literatura, foram escritas por Sidney Chaloub, Marta Abreu e Maria Cristina Cortez Wissenbach. Há ainda os ritos fúnebres que aqui foram escritos por Cláudia Rodrigues. São possibilidades que a leitura vai sugerindo. É um dicionário, não nos preocupemos com as teorias ou metodologias dos autores, essas se revelam nos verbetes.

Não é o primeiro dicionário a enfocar a escravidão. Em 2004, Clovis Moura, consagrado pesquisador e importante referência desse tema, publicou o Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, com 800 verbetes. Foi, na verdade, a última contribuição do historiador e sociólogo que dedicou boa parte de sua vida a discutir a saga heroica do escravo em inúmeros trabalhos. Em 2018, catorze anos depois, o público passa a contar com um novo instrumento para estudos nesta mesma temática. A escravidão e os seus desdobramentos mantêm a vitalidade das discussões como caminho fundamental para entender as diferenças sociais que atingem milhões de afrodescendentes no país.

O período da escravidão no país fez com que esse tema passasse a se desenrolar em toda História do Brasil. Em qualquer assunto que possamos pensar o Brasil, em algum momento, a temática irá perpassar atravessando como uma flecha. O período Colonial e Império viram de perto esses desdobramentos, e na República as consequências continuam sendo brutais para milhões de brasileiros. “Esse sistema que pressupunha a posse de um homem por outro só podia construir um mundo de rotina que se misturava com muita violência e explosão social. ” (Pg. 28).

Há diferenças circunstanciais entre os dois dicionários, e essas diferenças marcam a trajetória dos estudos da escravidão no Brasil. Clovis Moura construiu sua vasta obra fora dos quadros acadêmicos, embora sempre estivesse em constante diálogo com a academia, e como já vimos, sua bibliografia está presente na estante dos pesquisadores do tema. É bem provável que o autor tenha sido o último grande baluarte de uma safra de intelectuais que construíram seus conceitos sem necessariamente estarem ligados a uma Universidade.

O Dicionário da Escravidão e Liberdade já traz no título um indicativo de que mudanças profundas entre uma publicação e outra ocorreram. A partir dos anos 1970, o Brasil irá contar com um crescimento dos programas de pós-graduação, ganhando mais intensidade nos anos finais da década, que ainda estava sob uma brutal Ditadura Militar.

A presença destes programas propondo novas pesquisas, revisando outras e colocando em xeque saberes há muito cristalizados, teve como base a mudança metodológica, que propunha uma História problema a partir de novas abordagens e novos objetos, consistindo de análises apuradas em rica documentação depositadas em diversos arquivos. O trabalho sistemático de inúmeros pesquisadores que em muitos casos enfrentaram as diversas dificuldades, como falta de incentivo às pesquisas, arquivos desorganizados, documentos comprometidos e a insistente incapacidade de uma sociedade dar o devido valor ao profissional da História, forjaram uma gama de trabalhos que passaram a ser fundamentais para discutir, entre outros problemas, a desigualdade social com a grande diferença para os afrodescendentes.

O resultado dessa reviravolta vem logo nos anos 1980, com a chamada Nova História da Escravidão, em que passa a ser valorizada a ação protagonista do negro escravizado que a todo instante passa a ser também responsável pela construção de sua liberdade, atento às dinâmicas da sociedade que estava inserido, contrariando a imagem do escravo heroico e coisificado. Essa nova historiografia é, portanto, a linha que une os autores dos textos coordenados por Lília M. Schwarcz e Flávio Gomes.

São vários os desdobramentos que a escravidão apresenta para o estudioso e, neste sentido, nada mais importante que esse instrumento de estudo, porque embora seja uma obra recentemente lançada, ela já se configura como fundamental tanto para o público leigo, como os acadêmicos de história e de outras ciências. Os textos críticos do livro abordam os momentos iniciais no continente africano; a travessia atlântica; o convívio social na América Portuguesa; a religião e seus rituais; a cultura; as formas de trabalho; a formação dos laços parentais e o nascer, viver e morrer de homens e mulheres que vieram do lado de lá da África mãe, uma verdadeira viagem a tempos e espaços de um Brasil que teima em não se enxergar. Um dos pontos mais interessantes desta obra é enxergar como homens e mulheres escravizados contribuíram de forma decisiva com saberes que influenciaram na formação do cotidiano brasileiro nos mais diversos aspetos.

Revoltas e resistências estão presentes para sepultar de vez os argumentos da historiografia tradicional que viam o negro como passivo durante toda escravidão. Neste sentido, para além da fórmula popularizada pelos livros didáticos que consagraram o ciclo do açúcar, o Dicionário propõe conceituar a escravidão em outras regiões, como o Rio Grande do Sul, Goiás e Amazonas; ampliando o entendimento da relação entre indígenas, imigrantes europeus e escravos, enfatizando que, “os manuais didáticos insistiram numa escravidão africana que começava com o açúcar, passava pelo ouro e terminava no café. Talvez por isso as áreas de plantation de algodão, arroz e fumo, foram pouco estudadas no Brasil. ” (p.25-26)

Ricamente ilustrado, o conjunto das imagens foi organizado em dois cadernos distintos e Lília Moritz, observa que “é importante, pois, que o leitor atente não apenas para os títulos deixados originalmente por seus autores e que aparecem como legenda técnica juntos das gravuras, telas e fotografias, mas também para os comentários que elaboramos, buscando “ler as imagens”” (Pg. 44). O que é bastante positivo pois didaticamente funciona bastante no auxílio aos professores, por exemplo.

São ao todo 154 imagens divididas em dois cadernos: o primeiro caderno está logo depois da página 192, e o segundo inicia na página 352. Colocados logo após o início do texto crítico, fica desconfortante, porque nos leva de certa forma a suspender a leitura e a divagar nas imagens. É possível que fique melhor ao final do verbete, cremos assim que contribuiria para a fluidez da leitura. A opção de organizar em cadernos ficou interessante, imagens distribuídas ao longo dos textos críticos criaria a sensação de livro didático ou dicionário ilustrado, o que nos parece não foi intenção dos autores aqui.

O Dicionário da Escravidão e Liberdade terá um papel fundamental para acadêmicos em todos os níveis e cursos. Durante a graduação por exemplo, período em que paira uma dúvida sobre o que pesquisar, entre outras informações encontrará o graduando, conceitos sobre família escrava, formas de resistência ou as doenças que acometiam os negros escravizados, além de tantos outros temas. Também será um referencial, um ponto de partida para novas investigações.

Cito como exemplo instigador para novas pesquisas, o texto Associativismo Negro (Pág. 113) e Frente Negra (pg. 237). Nos dois, o autor discorre sobre como os negros no Pós-Abolição intensificaram frentes intelectuais sendo protagonistas em diversos momentos da sociedade republicana, seja em São Paulo ou Santa Catarina. Instiga no momento em que nos perguntamos, o que sabemos desses movimentos nas outras cidades? Quais foram os protagonistas? Como os jornais de Pernambuco, ou Alagoas, por exemplo, noticiaram estas frentes negras?

Quando a Lei Áurea completou cem anos, o quantitativo de publicações chamou atenção, fato que não mais se repetiu. No entanto, agora já podemos contar com editoras que se dedicam à causa negra no país, e paralelo a isto, há diversos núcleos de Pós-Graduações que desenvolvem as mais diferentes pesquisas e estudos. Desta relação surge por exemplo, este Dicionário elegantemente com prefácio de Alberto da Costa e Silva e capa desenhada por Jaime Lauriano, nos convida ao prazer da leitura.

Referências

Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos/Organização: Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (Orgs.) – 1ªed. São Paulo: Companhia das Letras. 2018.

MOURA, Clóvis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004.

SECRETO, María Verónica. Novas perspectivas na história da escravidão. Tempo, Niterói, v. 22, n. 41, p. 442-450, dezembro de 2016. Acesso em 23 de julho de 2020. https://doi.org/10.20509/tem1980-542x2016v224104

Vladimir Jose Dantas – Mestre em Geografia/Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe. Atualmente é Doutorando em História pela Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: professorvladimir2017@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0510-248X.


Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (Orgs.). São Paulo: Companhia das Letras. 2018. Resenha de: DANTAS, Vladimir Jose. Lendo o Dicionário da Escravidão e da Liberdade. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.38, n.1, p.554-559, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]

Historia del Movimiento Evita | Francisco Longa

“Historia del Movimiento Evita…” es una obra del politólogo y Doctor en Ciencias Sociales (U.B.A.), Francisco Longa. Este investigador del CONICET ha concentrado sus estudios en la relación entre las organizaciones sociales y el Estado. Para el abordaje de esta temática se vio favorecido por su trayectoria en la militancia barrial. Leia Mais

La revista Criterio y el siglo XX argentino. Religión/cultura y política | Miranda Lida, Mariano Fabris

A principios del siglo XX, a contramano de los discursos que aún resonaban contra la modernidad, el catolicismo argentino se fue adaptando a los tiempos que corrían y lo hizo a través de la apropiación de diversos formatos de organización y de comunicación. La revista Criterio y el siglo XX argentino. Religión, cultura y política coordinado por Miranda Lida y Mariano Fabris recorta una serie de problemas que ofrecen una vía de ingreso para comprender históricamente el impacto de esta iniciativa. Desde diversas perspectivas y periodizaciones, se aborda la trayectoria de una revista central en la cultura católica argentina y en la historia política e intelectual del país. Leia Mais

História e relações internacionais na Região das Guianas / Diálogos / 2020    

Entre as diversas regiões que compõem o subcontinente da América do Sul, as Guianas [1] é a menos estudada na composição da Amazônia Transnacional e do continente americano de forma geral. Assim, este conjunto de trabalhos compõem uma importante peça de pesquisa para melhor compreendermos um local habitado por grande biodiversidade, culturas, povos, línguas, fluxos de pessoas e uma rica história.

A região está inserida dentro da Amazônia Transnacional e representa cinco dos nove países que compartilham o espaço amazônico. Povos originários, colonização, estabelecimento de fronteiras, fluxos migratórios são alguns dos elementos que compõem alta potencialidade a ser mais explorada nos estudos da História e relações internacionais.

A delimitação da Amazônia pode estabelecer diferentes critérios e dessa forma apresentar diferentes composições. É comum a referência em textos sobre a Amazônia Transnacional. Esta é uma definição geral que inclui critérios físicos, ecológicos e político-administrativos abrangendo Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa (França), Peru, Suriname e Venezuela.

A juventude institucional presente nos territórios que compõem as Guianas explica um pouco do baixo volume de estudos sobre a região. A República Cooperativa da Guiana e Suriname são os mais jovens países da América do Sul, independentes em 1966 e 1975 respectivamente. Os estados brasileiros Roraima e Amapá somente se elevaram ao status de estado da Federação do Brasil em 1988. A Guiana Francesa, por sua vez, não é um país independente e responde diretamente como território a França continental. Isso significou que as instituições de pesquisa da região foram de forma geral estruturadas apenas nas últimas décadas e muitas vezes de forma precária.

A Université de Guyane em Caiena só passou a ter um status de Universidade em 2015. Até então sua vinculação era como polo educacional ligado às Antilhas, notadamente Martinica e Guadalupe. Desde seu novo momento, a contratação de professores e estabelecimentos de projetos de pesquisa e ensino trouxeram maior foco para os estudos sobre o território e para seu entorno geográfico.

Na República Cooperativa da Guiana e Suriname existe, as duas únicas universidades presentes, “Anton de Kom” e “University of Guyana”, respectivamente, enfrentam baixos investimentos e uma fuga de mão de obra especializada (mestres e doutores) para outros países. Todavia, algumas iniciativas foram feitas na busca de aproximar os estudos regionais na área das humanidades.

Na Universidade Federal de Roraima (UFRR) nos anos 2000 buscou-se abordar as Guinas como objeto da História e relações internacionais. Reginaldo Gomes de Oliveira é um dos acadêmicos pioneiros nesses estudos e vai apontar a ideia de uma “Amazônia Caribenha” como diferencial no olhar sobre a região. Entre seus trabalhos, destacamos “AMAZÔNIA CARIBENHA: a regionalização, os caminhos históricos e culturais” onde é situado historicamente o conceito de Amazônia Caribenha. O historiador aponta que o conceito em foco é “vinculado ao caráter relacional do território Caribe como região cultural, marcada por um processo etno-histórico diferenciada das outras regiões da América do Sul, que aparentemente se define como singular processo cultural ibérico (português e espanhol)” [2 ]. Mais recentemente programas de pós graduação nessa instituição foram estabelecidos e entre os diversos temas apontaram a região das Guianas como interesse.

No Amapá a universidade Federal do Amapá (UNIFAP) também teve incursões acadêmicas individuais nas Guianas, mais especificamente na relação do estado com a Guiana Francesa, desde os anos 2000. O processo de expansão no Brasil do ensino superior que esteve presente de meados dos anos 2000 até 2016 proporcionou uma quantidade substantiva de pesquisadores em instituições como a UNIFAP. Nesse processo, as iniciativas individuais ganham institucionalidades traduzidas em programas de pós graduação.

Nessa esteira da construção científica no Amapá o Programa de Pós Graduação em Estudos de Fronteira (PPGEF) está desde 2017 estabelecendo a região das Guianas e Caribe como recorte geográfico de pesquisa. Projetos e intercâmbios se fortaleceram institucionalmente com a região e possibilitaram a produção acadêmica brasileira sistemática sobre o Norte da América do Sul.

Denominamos “Região das Guianas” a localização do extremo norte Sulamericano composto pelo Brasil, França, Suriname, República Cooperativa da Guiana e Venezuela. Do Brasil os estados do Amapá, Roraima, partes do Pará e Amazonas estão dentro da Região. O território Europeu dentro da Amazônia é representado pela Coletividade Territorial da Guiana Francesa.

Nesse território, encontraremos a história de etnias amazônicas e sua luta para a sobrevivência de suas culturas. É também aqui que as línguas dos antigos colonizadores- espanhol, português, francês, holandês e inglês- se encontram rodeadas por falantes do espanhol. O período colonial trouxe para essa região povos europeus, africanos, indianos, javaneses, chineses; um passado recente, por sua vez, promoveu um intenso fluxo migratório do Brasil e Caribe na composição das sociedades das Guianas.

É com satisfação que apresentamos o Dossiê “História e relações internacionais na Região das Guianas”: fruto de esforço coletivo e de um longo processo de trabalho que culmina com o lançamento desta edição, composta por um total de oito artigos e uma entrevista que trazem vultosas contribuições sobre a região das Guianas. A pluralidade e complexidade histórica da região são, neste Dossiê, abordadas por acadêmicos da História, Antropologia, Ciência Política, Literatura e Geografia.

Nosso Dossiê inicia com a entrevista a uma das maiores escritoras do Suriname, Cynthia McLeod. Sua biografia confunde-se com a história do Suriname, o mais jovem país independente da América do Sul. Sua obra é representativa da importância da construção de identidade surinamesa, pois seus romances históricos são feitos a partir da perspectiva de mulheres, geralmente negras nascidas na colônia ou trazidas por meio da imigração forçada que caracterizou o tráfico de pessoas escravizadas. Suas personagens contrapõem-se à narrativa branca, colonizadora e hegemônica que prevaleceu na história dos países colonizados.

O trabalho “Threads of memory: the historical novel in Suriname as a writing of resistance” segue o caminho apontado na entrevista de Cynthia McLeod ao buscar dar a palavraa vozes silenciadas historicamente. Natali F. Costa e Silva analisa o romance histórico “The free negress Elisabeth: prisioner of color” (2004) escrito por McLeod contribuindo para o debate sobre a desigualdade racial e de gênero que está na base das sociedades coloniais que caracterizam a região em foco.

Em seguida, o trabalho de Samuel Tracol e Arnaud-Dominique Houte “Aqui comece o Brasil: colonização penal, territorialização e fronteirização do rio Oiapoque. 1853-1927” se debruça sobre a região fronteiriça entre Brasil e França (Guiana Francesa) e seu processo de povoamento a partir da colonização penal como mecanismo de ocupação da região.

Ainda sobre a região fronteiriça entre Brasil e França a partir do Amapá e Guiana Francesa, o artigo de Carmentilla das Chagas Martins e Iuri Cavlak“O dilema da participação local na cooperação transfronteiriça Brasil-França (1990-2015)” discute a aproximação, a partir dos anos 1990, entre Brasil e França com acordos celebrados e as sistemáticas reuniões da Comissão Mista Transfronteiriça-CTM. A pesquisa problematiza a falta de participação local e o desenvolvimento das cooperações.

A pesquisa de Rosuel Lima Pereira traz reflexões acerca do território denominado ultraperiférico da União Europeia e que está presente na região das Guianas. O artigo intitulado “Guiana Francesa, uma região ultraperiférica da União europeia: Questões e desafios no século XXI” busca traçar uma análise da Guiana Francesa sob o aspecto jurídico e econômico, além de problematizar questões de segurança nacional ede integração do território francês na região.

Na esteira da discussão sobre integração fronteiriça, o artigode Paulo Gustavo Pellegrino Correa e Miguel Patrice Philippe Dhenin analisa a construção da Ponte Binacional que liga o Brasil e a França, além de tecer reflexões acerca da representação social dos grupos locais. Intitulada “Integração transfronteiriça e representação social: a ponte binacional e os catraieiros na fronteira Franco-Brasileira”, a pesquisateve como objeto de estudos os catraieiros, que são barqueiros responsáveis pela logística fluvial para demonstrar como a relação SujeitoRepresentação- Objeto construiu uma representação negativa e ameaçadora de um projeto integrador entre os dois países por parte da comunidade que, historicamente, esse mesmo projeto buscou aproximar.

Como mencionado acima, o fluxo migratório na região das Guians é intenso e se difere em alguns aspectos dos processos migratórios presentes em outros espaços da América do Sul. O trabalho de Handerson Joseph tem como objeto as trajetórias migratórias caribenhas, mais especificamente haitiana, e as Guianas como parte desse sistema. Em “O sistema migratório haitiano nas Guianas: para além das fronteiras” poderemos melhor entender as práticas e as trajetórias dos migrantes que entrecruzam as fronteiras nacionais nas Guianas, assim como ver uma análise do sistema migratório, seus documentos e papéis e as problemáticas que as diferentes gerações migratórias haitianas suscitam no espaço e no tempo.

A baixa densidade populacional que caracteriza a Amazônia Transnacional e, mais intensamente, a região das Guianas não significou ausência de uma rica história de diferentes povos que aqui habitam. Ao contrário, como podemos perceber nas abordagens desse conjunto de trabalhos, a diversidade cultural caracteriza as Guianas. Em “Perspectivismo Ameríndio nos Discursos Mitificados do Catolicismo Popular na Amazônia”, os autores Marcos Vinicius F. Reis e Marcus Paulo T. Pereira abordam, a partir de um olhar pós-colonial, o projeto colonizador da Igreja Católica em relação às expressões do catolicismo popular da Amazônia Amapaense. O artigo aponta as estratégias das comunidades afro-ameríndias na resistência à hegemonia eurocêntrica e judaico cristã diante das expressões de povos locais.

Finalmente, destacamos uma temática importante ao abordar a região Amazônica: a ecologia política. Em “A Ecologia Política nas fronteiras do saber e do poder em território tradicionalmente ocupado: o saber-fazer das chamadas quebradeiras de coco na Amazônia”, Jodival Maurício da Costa e Joaquim Shiraishi Neto levantam um debate sobre o papel da ecologia política na descolonialidade do saber e do poder na região Amazônica. Biodiversidade, riquezas naturais, modernidade e tradições compõem um cenário onde as cosmovisões de grupos locais principalmente no que tange aos olhares sobre a natureza e suas representações.são contrapostas aos interesses de mercado.

Este conjunto de trabalhos é lançado em um momento de uma pandemia global que vai ser apontada pela historiadora Lilia Schwarcz como o fim do século XX. Um turbulento momento em que olhares sobre as sociedades, as tecnologias, o consumo, os direitos e a própria história estão sendo revistos. Esperamos que os artigos que abordam uma região ainda pouco estudada na História e nas relações internacionais possam contribuir na expansão do conhecimento de tão múltipla região como as Guinas.

Paulo Gustavo Pellegrino Correa

Organizador

Notas

1. É possível por vezes encontrar a grafia da palavra Guiana com Y em textos em português.

2. OLIVEIRA, Reginaldo G. Amazônia Caribenha: a regionalização, os caminhos históricos e culturais. In: Reginaldo Gomes de Oliveira; Andrea Idelga Jubithana-Fernand. (Org.). Dos Caminhos Históricos aos Processos Culturais entre Brasil e Suriname. 1ªed.Boa Vista-RR: Editora da Universidade Federal de Roraima – EdUFRR, 2014, v. 1, p. 13-33

Paulo Gustavo Pellegrino Correa –  Universidade Federal do Amapá, Brasil. E-mail: paulogustavo1978@gmail.com. https://orcid.org/0000-0002-2167-5969

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Conflicto armado/Iglesia y violencia. Un estudio de caso: monseñor Jesús Emilio Jaramillo Monsalve/misionero javeriano de Yarumal y obispo de Arauca | Carlos Medina Gallego

Las investigaciones sobre la Iglesia Católica en Colombia han tenido diversos enfoques, se han abordado desde diferentes disciplinas y han tenido en cuenta multiplicidad de temas. En lo político, los estudios se han destacado por mostrar su participación en favor del conservatismo, sobre todo, en la segunda mitad del siglo XIX y la primera mitad del siglo XX; su aprobación o desaprobación a candidaturas presidenciales; sus discursos y posición en relación con los diferentes periodos de violencia en el país; o su participación en escenarios de diálogos de paz. En lo social, por su parte, se encuentran estudios sobre los alcances de la acción social católica en el país; su influencia en las organizaciones de trabajadores; los procesos de evangelización en zonas periféricas; o su constante opinión sobre las mujeres, la sexualidad o la familia. Sin embargo, a pesar de lo anterior, se ha prestado muy poca atención a la victimización de la Iglesia en el marco del conflicto armado colombiano1. De tal modo que, el libro del investigador Carlos Medina Gallego2, el cual aborda el caso del asesinato del obispo Jesús Emilio Jaramillo Monsalve por parte del Ejército de Liberación Nacional -ELN- en 1989, representa una novedad. Leia Mais

O sabá do sertão: feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial (1750-1758) | Carolina Rocha Silva

A obra, de autoria da historiadora Carolina Rocha Silva, sob o título de “O sabá do sertão: feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial (1750-1758)” tem por eixo central confissões da prática de magia, por duas escravas, no sertão do Piauí entre os anos 1750 e 1758, ou seja, na época em que o Brasil era colônia de Portugal, a América Portuguesa. A obra foi escrita como dissertação de mestrado da autora e, posteriormente, foi transformada em livro. É dividido em quatro capítulos que tratam, principalmente, do relacionamento da religião frente à magia – e da Santa Inquisição, em diferentes âmbitos e períodos, na seguinte ordem de abordagem: mundial/europeu; do reino de Portugal; da América Portuguesa; e do Piauí colonial.

O capítulo I, Religião, magia e demonologia, aborda, em especial a dicotomia existente na Europa do fim da Idade Média e início da Idade Moderna. Período este marcado por doenças, revoltas, guerras religiosas e políticas, em que era preciso encontrar um responsável por tantas mazelas. A Igreja Católica e os governos europeus visualizaram o Diabo, figura antônima e complementar de Deus, como o grande inimigo da sociedade, capaz de alterar a ordem natural e causar danos à população, como a impotência da medicina da época, por meio de seus agentes. Os grupos divergentes da igreja, os não-católicos, seriam esses agentes do Príncipe das Trevas; e os fiéis e eclesiásticos, os representantes de Deus. A Igreja, intérprete oficial dos atos divinos, passou, entre os séculos XIV e XVII, a espalhar a ideia de que as mazelas eram castigos de Deus pelos pecados das pessoas (como as práticas pagãs por católicos batizados) e que, por isso, o Diabo havia ganhado mais força e poder para quase tudo.

A Reforma Protestante (século XVI) atacou toda a magia, tanto popular como eclesiástica (milagres por Santos e beatos, e a utilização de elementos sagrados) e apontou um novo caminho: o da autoajuda com orações a Deus e foco no trabalho humano e na descoberta de novas tecnologias. O mundo moderno se tornou o mundo encantado, onde o sobrenatural era comum, havia magos curandeiros, videntes, adivinhos, feiticeiros.

O Diabo católico inspirou teses de teólogos, juízes, filósofos, advogados e religiosos. A primeira obra de Demonologia, o Malleus Malleficarum, de 1486, abriu espaço para esta “ciência” na Europa, que foi usada como base para legislações e a teologia na caça às bruxas. O livro, que era uma verdadeira enciclopédia de bruxas, depreciou o sexo feminino e apontou-o como mais suscetível ao controle do demônio, como também o fez médicos e juristas, estes embasados em leis do direito romano. O Cristianismo, apesar de não ter originado o medo em relação às mulheres, o alimentou desde sempre – como fez com Eva, imperfeita, irracional e fraca, que introduziu o mal na terra ao comer o fruto, sendo a responsável por todas as desgraças desde então. Foram escritos, inclusive, manuais ensinando os padres a fugirem das tentações femininas.

A bruxaria, um crime inatingível/mental, impossível de ser provada era tida como deslealdade a Deus, já que as almas (propriedades de Deus) eram objeto de pactos diabólicos em troca de poderes, o que deveria ser revertido para que Ele não se vingasse da coletividade.

Os processos da Inquisição visavam a essa reversão. Os processos, seja em tribunais civis ou eclesiásticos (Estado e igreja unidos), eram escritos, secretos e arbitrários, os processados (iletrados e pobres, na maioria dos casos) não sabiam o motivo do julgamento, tampouco quem os havia denunciado. O processo era aberto especialmente quando da confissão, sendo que falta desta podia gerar penas ainda mais severas, caso o juiz considerasse o acusado uma pessoa falsa e dissimulada.

O crescimento numérico das obras de demonologia era proporcional a crença e, subsequente temor do povo, o que os impulsionava a denunciar. O conteúdo dos livros chegava ao público iletrado quando da leitura pública das sentenças condenatórias.

Além dos pactos, o mito do sabá (sabat), assembleia de feiticeiros, reuniões noturnas dos agentes do Diabo para a prática de infanticídio, canibalismo, metamorfose, orgias, blasfemação, voo das bruxas e abjuração dos sacramentos cristãos, tudo na presença de Lúcifer, também foi largamente difundido pela Europa.

Com o tempo, céticos apontaram a falta de provas e o medo da população diminuiu; as leis foram revogadas e a prática mágica deixou de ser delito. Historiadores, na tentativa de explicar o fenômeno da caça às bruxas, acreditam que tudo foi invenção da igreja; ou, como a própria autora, que foi resultado do encontro da cultura folclórica com a cultura erudita dos doutores. Independente disso, admitem que os processos inquisitoriais são importantes fontes para se entender a mentalidade da época.

O capítulo II, A “feitiçaria” em Portugal: prática e repressão, tem um título autoexplicativo. As feiticeiras lusitanas manipulavam atos e desejos, principalmente amorosos, além de executarem curas. Com a expansão ultramarina da Coroa, famílias frequentemente recorriam aos feiticeiros para encontrar parentes desaparecidos. A magia tinha regras, todo um sistema simbólico de tempo, espaço, dos próprios elementos utilizados e de números.

O sincretismo mágico-relogioso dos portugueses impediu uma forte tradição editorial centrada na bruxaria, o que não barrou o embasamento de legislações, tratados de teologia e medicina (existiam obras médicas dedicadas só à cura de doenças causadas por feitiços), manuais de confessores e afins, em literatura alheia.

Em Portugal, os poderes do Diabo eram limitados pela autoridade divina, aquele tinha apenas poderes de enganação e provocações sensoriais, que atingiam somente os pecadores; pensamentos influenciados por São Tomás de Aquino e Santo Agostinho. Havia um certo ceticismo quanto ao sabá europeu, à metamorfose. As confissões e denúncias costumavam seguir um mesmo padrão estrutural, sempre envolvendo um pacto com o Diabo.

Em 1492 os judeus, expulsos da Espanha, escolheram Portugal para viver. O rei, em 1497, emitiu um decreto régio convertendo todos os judeus e mouros e batizando-os involuntária e coletivamente, surgia, então, a figura do cristão-novo. O rei tentou protegê-los por vinte anos, porém o Tribunal do Santo Ofício fez cessar os privilégios: os cristãos-novos deveriam seguir somente a doutrina católica.

O Tribunal do Santo Ofício de Portugal concentrava suas forças nos ditos cristãos-novos (tradição antijudaica), este foi outro motivo pelo qual muitas das denúncias, inclusive as de colônias, por feitiçaria não se tornaram processos. Os processos eram caros e demorados, então os bens dos acusados por prática de magia eram confiscados para que cobrissem duas despesas na prisão.

A partir da segunda metade do século XVIII, com o Novo Regimento da Inquisição (1774) a descriminalização da bruxaria, as bruxas passaram a habitar somente a imaginação de pessoas rudes.

Além do mais, as testemunhas eram avaliadas e juramentadas. Caso fossem inimigas do acusado, a denúncia não era considerada verossímil; os réus podiam se defender, mesmo que minimamente; e a confissão espontânea poderia livrar da pena de morte, uma vez que o objetivo era o resgate das almas, e não assassinatos em série.

O capítulo III, As crenças mágico-religiosas na América Portuguesa: entre práticas e condenações, explana a história do Brasil colônia. Para os colonizadores, o demônio havia sido expulso da Europa para terras distantes, como a América. A igreja precisava enfrentá-lo com missões catequéticas, visando a cristianização e a ordenação das populações segundo padrões culturais e religiosos europeus.

As idolatrias dos índios significavam, pelo pensamento dicotômico europeu, a aliança daqueles com o Diabo, de forma que, para salvar as almas dos ameríndios, seus ídolos precisariam ser expulsos pelos missionários. O mesmo pensamento recaia sobre os escravos africanos. Ao mesmo tempo, entretanto, a natureza das terras americanas era vista como paraíso.

As culturas se adaptaram na América Portuguesa, os feiticeiros degradados do Reino e os demais portugueses, os negros trazidos da África, os ameríndios, todos compartilharam naturalmente seus elementos religiosos e acabaram contribuindo uns com os outros na criação de uma religiosidade híbrida. De sorte que, no Brasil, o Cristianismo tomou contornos ainda mais afetivos com a esfera divina. Um Deus frio e inacessível não seria útil para quem precisava sobreviver à escravidão ou ao trabalho numa terra distante e desconhecida – o mesmo passava com os Santos e a Virgem Maria, que foram amplamente cultuados desde então; existiam poucas igrejas e sacerdotes, o que, somado à interiorização da vida religiosa nas casas e fazendas, tornou a fiscalização pela igreja ainda mais difícil e favoreceu desvios e heterodoxias. A afetividade e familiaridade propiciavam maior devoção e detração dos símbolos de fé. Os feitiços na colônia foram formas sutis de resistir e compensavam a sobrevivência dos escravos, sejam africanos ou índios.

O capítulo IV, O sabá do sertão: contextos e personagens, traz, especialmente, experiências dos missionários jesuítas no sertão. Os índios do litoral, os tupis, foram de mais fácil aldeamento, dada a sua homogeneidade cultural; enquanto os tapuias, índios do sertão, constituíram verdadeiro desafio aos missionários, graças à diversidade.

No século XVII, intensificaram-se as missões desbravatórias pelos sertões em busca de índios para apresar, visto que sua mão de obra era muito requisitada no norte; e para expandir a ocupação e aumentar a produção de gado e açúcar principalmente. Neste cenário, vários jesuítas se posicionaram contra os desbravadores, protegendo os índios, que, inclusive, foram usados no combate a outros nativos no século XVIII. A Coroa não gostou da proteção dada pelos jesuítas ou do poder econômico que haviam conseguido no norte por doações de terras, escravos, engenhos, gado. Em 1760 os jesuítas foram expulsos das terras Portuguesas, presos e remetidos para Lisboa.

Um documento com confissões de duas escravas inspirou a elaboração de um artigo por Luiz Mott. Este artigo orientou o livro de Carolina Rocha Silva. As confissões são de um sabá, característico da Europa, mas com informações do sincretismo luso-afro-brasileiro, no Piauí colonial. Elas confessaram participar de reuniões noturnas com o Diabo, com direito a orgias sexuais e metamorfoses, conforme ensinadas por Mestre Cecília, esposa do anterior senhor/dono de Joana (esta era uma das escravas confitentes). Certamente o documento sofreu alterações e adições pelo padre Manuel da Silva, responsável pela oitiva das escravas e pelo envio das confissões à Inquisição de Portugal. As mulheres se mostraram arrependidas e atribuíram o acontecido à rusticidade e à falta de igrejas e sacerdotes para orientá-las no caminho de Deus. O caso foi arquivado nos cadernos do promotor.

Por fim, a autora admite que sua pretensão era permitir a reflexão acerca das formas híbridas e diversificadas de tratar o “mundo” sobrenatural no Brasil colônia, representante das tensões sociais suportadas na época.

A historiadora consegue prender o leitor até a conclusão da leitura do livro. A obra é uma verdadeira aula de história e apresenta a importância de micro-histórias para se entender o pensamento do povo em geral, pois a história, tal como é maiormente conhecida, foi contada por uma minoria letrada; e aos demais restaram apenas documentos, como as confissões e denúncias, que sequer são somente suas. Isto demonstra, sobretudo, o poder da alfabetização.

O direito evoluiu e consigo trouxe garantias, mas as pessoas, em especial as mais pobres e iletradas, seguem sendo vítimas do Estado, que agora não é ligado [formalmente] à igrejas. O livro traz a reflexão, também, sobre a formação cultural do Brasil e a desigualdade social desde que era colônia, como bem pretendia a autora.

Entre a Alta Idade Média e o início da Idade Moderna, como apontado texto, os Estados ainda eram confessionais, ou seja, declaradamente vinculados à uma religião, qual seja a cristã católica. A Justiça Eclesiástica, isto é, a justiça da igreja atuava por seus Tribunais do Santo Ofício, conhecidos como Inquisição, no combate à heresias, que iam da não crença em Lúcifer à troca da alma por poderes mágicos, passando pela blasfemação, um “delito da palavra”, comum na América Portuguesa.

Com a Reforma Protestante e o início da Idade Moderna a caça às bruxas se intensificou, pois todo e qualquer tipo de magia passou a ser condenado. Milhares de mulheres morreram e até hoje os historiadores não sabem se as tais mágicas de fato aconteceram ou se foram apenas invenções da igreja, que estava com medo de perder fiéis e, consequentemente, força e poder.

O direito à liberdade religiosa se mostrava necessário desde a época colonial, principalmente em países como o Brasil, de proporções continentais e de formação, inclusive na seara da religiosidade, híbrida. Certamente inúmeras perseguições e mortes teriam sido evitadas. Porém, o ideal da separação entre religião e Estado é mais recente. Este Estado é conseguido através da laicidade, método de ruptura entre Estado e Igreja e, mais profundamente, entre política e religião. Tal ruptura torna o Estado autônomo frente à Igreja Católica ou qualquer outra, possibilitando uma liberdade religiosa aos cidadãos, como defendido atualmente.

Carolina Soares Hissa – Doutoranda em Direitos Humanos na Universidade Federal de Goiás- UFG. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (2012). Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (2002). Professora universitária onde leciona as disciplinas de Direito Constitucional, Administrativo, Internacional Público e privado. Pesquisadora Cnpq no grupo de pesquisa Relações Econômicas, Políticas e Jurídicas na América Latina da Universidade de Fortaleza. E-mail: carolshissaacademico@gmail.com

Veronica Trindade Costa Póvoa – Graduanda em Direito na Escola Superior Associada de Goiânia – ESUP. E-mail: vevepovoa10@gmail.com


SILVA, Carolina Rocha. O sabá do sertão: feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial (1750-1758). Jundiaí – SP: Paco Editora, 2015.Resenha de: HISSA, Carolina Soares; PÓVOA, Veronica Trindade Costa. O sabá do sertão: feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial (1750-1758). Contraponto. Teresina, v.9, n.1, p.810-815, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]

 

La desmesura revolucionaria. Cultura y política en los orígenes del PARA | Martín Bergel

Durante la última década se ha incrementado el número de investigaciones sobre el APRA en su dimensión transnacional. La relación entre la experiencia del exilio aprista y los procesos políticos en Latinoamérica se ha convertido en el principal interés de quienes se dedican al estudio del movimiento peruano. Sin embargo, gran parte de las nuevas investigaciones se basaron en los artículos publicados por Martín Bergel, quien desde hace una década postulaba que el partido liderado por Víctor Raúl Haya de la Torre fue un movimiento político fundado desde el exilio con base en el contacto epistolar, en las redes intelectuales y en el debate político transfronterizo. La desmesura revolucionaria es el resultado de una prolongada investigación que incluyó numerosos archivos públicos y privados, bibliografía actualizada y el análisis desde diversas perspectivas que refrescaron los estudios del APRA. Como señala Carlos Aguirre en el prólogo de este libro, la historiografía aprista se dividía entre quienes celebraban el sacrificio de Haya de la Torre y sus críticos; sin embargo, Bergel forma parte de las excepciones de estos estudios, entre quienes se encuentran, por ejemplo, Ricardo Melgar Bao, Iñigo García-Bryce, Myrna Wallace, Patricia Funes y Leandro Sessa, que mostraron nuevos aspectos sobre el APRA como la difusión del anticomunismo, el papel de las mujeres, la circulación de impresos y las actividades transnacionales. El libro se estructura en tres partes que responden a una agenda de investigación que se distancia de la historia hecha por sus militantes y críticos como Percy Murillo, Luis Alberto Sánchez o Nelson Manrique, y se engarza a actualizadas cuestiones metodológicas, problemáticas y preguntas. En la primera parte, “el APRA en espacios transnacionales”, los artículos reunidos en este apartado destacan por los matices entre presencia intelectual y circulación de ideas. Bergel advierte que figuras como Haya de la Torre, Carlos Manuel Cox, Manuel Seoane y otros, no sólo sellaron su presencia a través de discursos, entrevistas y conferencias, sino que desarrollan un proceso de difusión doctrinal basado en diferentes actividades como la colaboración editorial en revistas y periódicos, establecer relaciones de amistad y la participación en debates políticos nacionales e internacionales. Estas actividades fueron caracterizadas por el autor como “nomadismo proselitista”, un ejercicio que entremezclaba carisma y polémica en la discusión ideológica que se desarrollaba en el continente. De ese modo, resulta esencial analizar las prácticas políticas fuera de los marcos nacionales y como éstas transformaron los hábitos intelectuales. Leia Mais

Identidades políticas y democracia en la Argentina del siglo XX | Sebastián Giménez, Nicolás Azzolini

Las principales vertientes de la renovada historia política no le han asignado aún un lugar significativo a la gestación y devenir de las distintas formas de pertenencia y solidaridades políticas, salvo que se deriven de organizaciones partidarias (algo señalado en el nº 9 de esta revista con saludable espíritu polémico por Eduardo Míguez para el cambio del siglo XIX al XX). Identidades políticas y democracia en la Argentina del siglo XX constituye una estimulante propuesta de diálogo entre aquellas disciplinas más teóricas dentro de las Ciencias Sociales y la historia política. Desde las páginas iniciales invita a un feed-back que se vuelve necesario, ante el estado de avance de múltiples investigaciones que se encargaron de estos cruces, con notables antecedentes en los análisis sobre el período posterior al derrocamiento de Perón. Leia Mais

International, transcontinental and intrarregional human mobilities: biopower, migrant strategies, and representations (19th to 21st centuries) / Diálogos / 2020    

This dossier emerges as an initiative of its coordinators and editors –Lai Sai Acón Chan and Ronald Soto-Quirós– who are interested in international migrations and collaborate jointly on a project to recover the historical memory of Chinese migrations in Costa Rica (PREMEHCHI for its acronym in Spanish). This project is led by an international multidisciplinary team of researchers from the University of Costa Rica, the UNED (Costa Rica), the multidisciplinary team on Latin America and the Iberian Peninsula of the Université Bordeaux Montaigne (Bordeaux, France) and the University of Minnesota Morris. PREMEHCHI is based at the University of Costa Rica (San José, Costa Rica) [1].

The dossier of this issue of Diálogos, a journal of the Department of History and the Graduate Program in History of the State University of Maringá (UEM) is a first effort to publish bilingual versions of the same article (English and Spanish or Portuguese) in order to achieve greater internationalization and facilitate the dissemination of knowledge. In this particular case, the dossier focuses on the phenomenon of international migration –or international human mobility – addressed from the perspective of scholars specializing in a wide array of disciplines (history, sociology, political science, cultural studies, cinema, and others), from different geographical locations (Costa Rica, Honduras, United States, France and Spain) and in a wide chronological span (XIX-XXI centuries).

In the dossier title the use of the concept of human mobility has been privileged over the term migration. The use of this term is becoming increasingly frequent nowadays [2]. The notion of human mobility has already begun to be used in different disciplines since the 1960s [3]. According to the International Organization for Migration (IOM), human mobility is a generic term that covers all the different forms of movement of people and implies a wider range of these movements than the term migration (IOM, 2019, p. 91-92).

Similarly, IOM (CEAR, n.d.) defines “human mobility” as the “mobilization of people from one place to another while exerting their right to free movement” and it is a

complex and motivated process for various reasons (voluntary or involuntary), which is carried out with the intention of staying at the destination for short or long periods, or even to develop a circular mobility. This process involves crossing the boundaries of a geographical or political division, within a country or abroad (my translation).

Meanwhile, in her work that analyzes interculturality, Aleida Alavez Ruiz (2014, p. 22) explains that “human mobility” is a

recent concept that allows including under the same umbrella various forms of movement of people such as refuge, asylum, international migration, internal displacement, mobility forced by transnational crimes (human trafficking), and mobility within the framework of integration systems, among others, and is informed by a series of political, cultural, economic and environmental factors, among others, that do not have similar characteristics in all cases […] There are many characteristics of human mobility, both as a human process, the expression of a human right which is motivated by various causes, sometimes with an intention such as taking up residence, as well as a process that involves crossing internal or external geopolitical borders (my translation).

Alavez Ruiz believes that the typology of human mobility can be determined by territory, the causes of mobility, intended destination, the time of permanence, the legal framework that regulates territorial dimension; the willingness of people to move, and the status of their travel documents (ALAVEZ RUIZ, 2014, p. 22-24). Whatever the categories, the same author points out that:

Human mobility is a concept that is linked to the historical process in which individuals or groups decide to move from one place to another based on their interest to settle or reside in a different place from their hometown, informed by various reasons that can range from economic to political, to social, to cultural or to environmental reasons, sometimes voluntarily, other times induced or compelled by circumstances. The history of humanity is characterized by the social nature of movements from one place to another in the search for better living conditions, although humans have also done so as a way of exercising dominion over other communities under the logic of imperialism or hegemonic control of other territories (ALAVEZ, 2014, p. 1, my translation).

Peña and Ausín indicate that human mobility is, at the same time, a value and a right, both from the point of view of individuals and from that of populations (PEÑA, AUSÍN, 2015, p. 9-45). Alavez reaffirms the idea of human mobility as a right:

In modernity, mobility is limited to the exercise of the human right of every person to migrate, which includes positive transformations that reduce inequalities, inequities and discrimination, for which no human being should be identified or recognized as illegal because of their migratory condition (ALAVEZ RUIZ, 2014, p. 21, my translation)

Understanding human mobility a process, a value and a right, and as such in this dossier we have been concerned with correlating it especially with another well-known concept: the term biopolitics –understood here as power practices for the control of life and bodies [4]. As Zandra Pedraza (2012, p. 95-96) rightly indicates:

I attribute the widespread use of the notion of biopolitics [. . .] to the links that this category has contributed to tend between the practice of governing, the body as a historical and political entity, life conceived as a state responsibility and the sense of the exercise of power when it is directed to “make live”. [. . .] The elements involved in this exercise – the practice of governing, the body as a historical and political entity, the life assimilated to state responsibility and the sense of the exercise of power – did not usually relate so closely before the notion of biopolitics that Michel Foucault revitalized in the seventies came into circulation. (my translation)

This notion of biopolitics is linked to another concept inevitably conceived by the same French philosopher, that of governmentality: a term to understand a specific way of exercising power or, the rationality proper to a government of the people. It is a form of political rationality that came into being in the 17th century and took a definite shape in the 18th century. This rationality is based on two fundamental elements: a series of specific government apparatuses and a set of knowledges, more precisely of knowledge systems (LASCOUMES, 2004; BOTTICELLI, 2015). As Paul Rabinow and Nikolas Rose (2003) point out in their interpretation of Foucault:

Biopower, we suggest, entails one or more truth discourses about the „vital‟ character of living human beings; an array of authorities considered competent to speak that truth; strategies for intervention upon collective existence in the name of life and health; and modes of subjectification, in which individuals work on themselves in the name of individual or collective life or health.

In this way, by stating all those elements –authoritarian voices that elaborate upon discursive lines, devices based on those discourses and modes of subjectification– we can conceive of human mobilities as spaces for the exercise of biopower. Thus, human mobilities can also be interpreted in the light of biopower’s own purposes. In this regard, Valera Barrios (2014, p. 18, my translation) explains: “Since the eighteenth-century governance and biopolitics have been moving towards the differentiation, homogenization and functional articulation of human corporeality.”

The link between biopolitics and migration –and in a broader sense “human mobility”–is thus very suggestive [5], as pointed out by French researcher Solange Chavel (2015, p. 30-31):

the concept of biopower defined by Foucault as a key element in the study of migration, specifically at two different levels: the concept invites to unveil the “biological” hypotheses (related to what is considered “normal” to life and health ) or biopoliticies that justify, to some extent, the emergence of migration policies and control measures. It displays the plethoric organic metaphors that adorn the discourse on the regulation of migration and interrogate its foundations. Besides, in a more radical move, the concept allows one to question in a self-reflexive way the use of the term migration to qualify a certain type of human mobility. Describing some displacements on the earth’s surface as mere migrations represents a normative positioning that is not in any way bland. It implies accepting as natural a certain number of institutional arrangements that could well be discussed. In other words, the concept of biopower can help us identify certain blind spots of both scientific and political discourses about the migration phenomenon (my translation)

In this sense, our dossier is organized in four main axes. The first axis is concerned about historical cases of human mobilities considered as international transcontinental diasporas, their relationship with biopower devices, the different strategies of individuals in receiving countries and the representations that were generated around migrant individuals or populations. A second part analyzes human mobilities and their incidence and relationship in the generation of identity, national and homogenizing narratives and the possible institutional biopolitical control tools that are generated. A third section of the dossier specifically addresses the issue of continental intraregional human mobility with historical interpretation, but highlighting very contemporary cases, thus official speeches, biopower mechanisms and subjectivities involved are re-analyzed. Finally, the last section focuses on representations in the visual arts (film and television) of different types of human mobility and in very diverse geographical and chronological spaces.

In the first section of the dossier, the first two articles focus on migrant groups arriving in Costa Rica (Central America) between the end of the 19th century and until 1950: a study by historian Ricardo Martínez Esquivel and another one by Professor Lai Sai Acón Chan, both from University of Costa Rica. Martínez Esquivel carries out a prosopographic and social network analysis on the Syrian-Lebanese emigration processes to Costa Rica at the turn of the 19th to the 20th century; the mechanisms of social insertion used by this migrant group; and the relations between the Syrian-Lebanese and the Masonic sociability networks during the first half of the twentieth century. It concludes with an analysis of the active participation of Syrian-Lebanese immigrants in a process of readjustment of the social relations of the State and their contribution to forging new cultural representations of nationhood in the country.

For her part, Professor Acón Chan performs an innovative exercise on the degree of kinship that existed between several families of Chinese origin who settled in Nicoya (North Pacific of Costa Rica) and analyzes how it influenced their contributions to the socio-economic development of the city and the immigrants mobility patterns throughout the Costa Rican Pacific from the end of the 19th century until mid-20th century. The participants of the study were descendants of immigrants who took root in Nicoya between 1880 and 1950 and had two peculiarities: they belonged to the same family clans despite the different surnames with which they were registered or came from the same geographical area and sometimes even from the same village, which developed affinity ties as strong as consanguineous ties. This allowed them to support each other to achieve the collective development of the Chinese immigrant group in Nicoya.

Finally in this first section, Costa Rican historian David Ignacio Ibarra Arana, also from the University of Costa Rica, analyzes the representations of overseas Chinese. However, what is particular about it is that the study of these representations is done from the perspective of the country of origin. In the context of the Cold War, reports of conferences related to the Huaqiao, or overseas Chinese, analyzed between 1951 and 1953 are addressed. This was an initial period of divided policies towards Chinese communities abroad, by the government of the People’s Republic from China and the Guomindang, in Taiwan. More than supporting Chinese populations abroad, who faced dynamics of exclusion and discrimination in the countries where they resided, these Chinese governments found in the overseas compatriots a scenario to fight for their loyalties through political speeches and strategies.

A second batch of our contributions addresses human mobility, its relationship with identity configuration, and biopolitics. The component of homogeneity and the homogenization characteristic of biopolitics is evident in the contributions of Professor Mimi Yang of Carthage College (Kenosha, Wisconsin, United States) and American scholar Bradley Safarik of Science Po Bordeaux (Bordeaux, France). Yang proposes an interesting reflection that criticizes the monoculturalist American identity and postulates a multicultural and multiracial identity, shaped by the history of immigration. The author dissects the American Dream under the lens of both WASPs – White Anglo-Saxon Protestant – and non-WASPs immigrants, particularly in the mid-19th century. By correlating cultural duality and double consciousness through the lens of WASPs, later immigrants, nativists, and African-American culturalists, the document proposes the existence of a malleable and evolving American cultural identity, constantly (re) configured by successive waves of immigrants.

Following the case of the United States as well, but with a comparative perspective, Safarik relies in particular on the study of authorities that produce narratives on human mobility. In this way, the author considers that the president of the United States, Donald Trump, and the president of Brazil, Jair Bolsonaro, use political speeches and anti-immigration policy as a political tool to attract and strengthen their constituencies. In both cases, the campaign’s speech was transmitted to the administration. The implications of this strategy for the public perception of immigrants are examined based on Michel Foucault’s theories on biopower and biopolitics and their mobilization through political discourse and public policies.

Regarding the causes, characteristics, devices, strategies and subjectivities related to human mobility, a third section of our dossier focuses on the study of the continental-intraregional displacements of Central Americans towards the United States. First, the Honduran researcher Vladimir López Recinos provides a study with a historical perspective that analyzes the link between immigration and emigration to explain the particular case of migratory movements from Honduras to the United States of America (USA). With the analysis of figures, testimonies, and historical information collected and systematized, the environment of the first migratory practices is reconstructed to then locate the breaking point and / or transformation of a migration of a meager nature to a more compulsive one that is currently being developed in a context of migratory anarchy.

On the other hand, the Costa Rican sociologist Guillermo Acuña González of the National University of Costa Rica deals with the relationship between recent Central American regional mobility processes, the features of subjectivities that respond and the control actions to deter migratory processes. In this vision of human mobility in the light of governmentality, the researcher addresses some angles of the approach to the autonomy of migration and provides specific examples in which these relationships are present.

Finally, in the interest of exemplifying the transmission and dissemination of narratives about human mobility, the fourth and final axis of our dossier deals with representations in television and cinema. First, the historian Oscar Álvarez Gila of the University of the Basque Country-Euskal Herriko Unibertsitatea (UPV/ EHU) analyzes the phenomenon of Spanish exile. During the Spanish Civil War, the Basque regional government proceeded to evacuate the child population to other European countries. The memory of this childhood exile began to be recovered during the 1960s, both in Spain and abroad. This article establishes a comparison between the two earliest representations of Basque child exile on the screen. On the one hand, the novel (and later film, from 1969) The other Guernica tree, which reflects the discourse generated on this particular exile in Franco’s Spain, is analyzed. On the other hand, a 1963 chapter of the Route 66 American television series whose protagonists were Basque exiled children is analyzed. In the comparison between both representations the similarities and differences are identified, as well as the different political context in which they fit.

Secondly, and finally, Andrea Cabezas Vargas, a researcher and professor at the Université d‟Angers (France) and a specialist in Latin American cinema, explains how cinema, as well as television, the press and other media contribute to forging social and cultural imaginaries as Bourdieu demonstrated it extensively in Langage et pouvoir simbolique (2001) and Chomsky in La Fabrication du consentement (2008). However, by portraying social phenomena, the cinema not only builds an imaginary but also contributes to the creation of film archives with which constructs as well as reconstructs a part of the story. That is the position of the author who, making Ferro‟s (1993, 1977), Kracauer (1969, 1973), and Billard‟s (1982) postulates her own and with the philosophy of history, intends to analyze to what extent contemporary Central American cinema can be considered as a form of construction or reconstruction of the memory and history of Central American migrations in the first two decades of the 21st century.

Notas

1. For more information about this PREMEHCHI project, check http://premehchi.ucr.ac.cr/

2. To learn more about the change from the concept of migration to mobility as a general category, see, for example: (PELLERIN, 2011). To learn more about the interest of changing the word from “migrations” to “mobility” and the interest of the formulation of the “mobility turn” –the change of perspective that invites us to be less interested in fixed entities than to dynamic processes and to study social changes for themselves, rather than seeing them as transient states between an exit point and an arrival point–, see: (CHAVEL, 2014).

3. Regarding the evolution of the concept of human mobility already used since the 1960s and 1970s until today, see: “Chapter 1. Human Mobility: An Issue of Multidisciplinary Research.” (MONTANARI; STANISCIA, 2016 p. 1-24).

4. We must remember the various uses of the term biopolitics (KECK, 2008).

5. Some examples of authors who have addressed the issue of biopolitics and migration are (PARRINI, 2015 and SOUZA LIMA FARIA, 2017).

References

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BOTTICELLI, Sebastián. La gubernamentalidad del Estado en Foucault: un problema moderno. Praxis Filosófica, Nueva Serie, n. 42, p. 83-106, enero-junio 2016. Retrieved from: http://www.scielo.org.co/pdf/pafi/n42/n42a04.pdf. Accessed on: Oct. 25, 2019.

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PEÑA, Lorenzo; AUSÍN, Txtexu. Pasando fronteras: El valor de la movilidad humana. Madrid: Plaza y Valdés Editores/Dilemata, 2015.

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SOUZA LIMA FARIA, Peter de. La biopolitique de l‟immigration dans le contexte européen contemporain. Eikasia. Revista de Filosofia, n. 77, p. 295-306, oct. 2017. Retrieved from: http://revistadefilosofia.com/77-13.pdf. Accessed on: Oct. 15, 2019.

VARELA BARRIOS, Edgar. Biopoder, biopolítica y gubernamentalidad: referentes de interpretación y crítica del poder managerial. Organizações e Sustenatbilidade, Londrina, v. 2, n. 2, p. 3-37, jul./dez. 2014. Retrieved from: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/ros/article/view/20825/16277. Accessed on: Oct. 10, 2019.

January 2020, Bordeaux (France) and San José (Costa Rica)

Lai Sai Acon Chan –  Universidad de Costa Rica, Costa Rica. E-mail: lai.acon@ucr.ac.cr

Ronald Soto-Quiros –  Université Bordeaux Montaigne, France. E-mail: ronald.soto-quiros@u-bordeaux.fr

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[DR]

Luchas sociales, justicia contextual y dignidad de los pueblos | Ricardo Salas

En los últimos decenios, los países de América Latina, se han visto entrabados y conmovidos por la rápida y creciente dependencia de la economía global que restringe sus posibilidades de integración, cooperación regional y superación de sus democracias restringidas y deformadas por el neoliberalismo. Chile, aparece como la comunidad económica, social y cultural más vapuleada, desde que la dictadura civil-militar en 1973, impone por la fuerza un modelo de economía mercantil desregulado, basado en el extractivismo, la violencia a la naturaleza, la privatización de todas las aguas y de la mayoría de los medios de comunicación, seguridad social, salud, educación y la entrega de sus mejores territorios productivos, regidos por los tratados de libre comercio a favor de las empresas transnacionales. La obra que aquí presentamos, Luchas sociales, justicia contextual y dignidad de los pueblos, se propone contribuir a través de la filosofía y de pensadores de las ciencias sociales, con una visión crítica sobre la urgente tarea de trazar un destino digno en la recuperación de la identidad de los pueblos, incluidos por cierto a los indígenas, migrantes y minorías reprimidas por el neocolonialismo. La mayoría de los países están llegando al límite de lo soportable; las injusticias, inequidades y exclusiones, se van acumulando a riesgo de seguir sumando resistencias, revueltas y rebeliones sociales. Como lo señala Ricardo Salas, su organizador, este libro es una obra de carácter éticopolítica, principalmente focalizada a la situación actual de la zona del cono sur, sin excluir al resto del continente en su dimensión tercermundista. La hegemonía del capital por sobre cualquier otra lógica, hace cada día más insoportable continuar viviendo en medio de tantas asimetrías sociales y políticas. Es un libro de la contingencia o de la transición manipulada que deviene en permanencia… La obra incluye a 22 filósofos y científicos sociales, pertenecientes a Chile, Uruguay, Venezuela, España, Argentina, México, Colombia, Cuba, Bélgica, Ecuador, Brasil y Bolivia. Los nombres de los comunicadores, todos doctores y doctoras en sus respectivas líneas de investigación, son: Yamandú Acosta, Vladimir Aguilar, José Aguirre, Alcira Bonilla, Elisa Cruz, Alfredo Gómez, Pablo Guadarrama, Ana Gurrero, Sirio López, Marc Maesschalck, Federico Mare, Juan Paz y Niño, Jovino Pizzi, Sofía Reding, María Rezende, María Rubinelli, Ricardo Salas, Freddy Simbaya, Leonardo Tovar, Fidel Tubino, Jorge Viaña y Eduardo Vior. Sus colaboraciones, se pueden agrupar en los siguientes territorios y visiones según sus particulares controversias geopolíticas: tres artículos sobre América Latina en general; diez sobre la situación de países específicos focalizados en Haití, México, Colombia, Ecuador, Perú y en el trato degradante de los indígenas de Brasil y de los sectores sociales más empobrecidos y marginales; tres sobre los países analizados del cono sur; y seis trabajos referidos exclusivamente al paradigmático caso chileno, reflexionando y dando antecedentes sobre el impacto del neoliberalismo, la trascendencia de la dictadura, las movilizaciones y protestas que hicieron explosar la caldera social y política el 18 de octubre de 2019, donde el pueblo chileno ha opuesto la fuerza de su indignado despertar a la violencia del modelo económico administrado por el piñerismo. Leia Mais

Bahía Blanca durante el siglo XX. Una historia política/cultural y económica | Mabel Cernadas, José Marcilese

Esta compilación sintetiza la producción historiográfica que tiene como sede la Universidad Nacional del Sur y en particular el Centro de Estudios Regionales “Profesor Félix Weinberg”, a tono con la renovación disciplinar de las últimas décadas. El foco puesto en la ciudad de Bahía Blanca se entronca con los estudios de historia local y regional que han señalado la importancia que tiene el anclaje territorial para iluminar problemas generales demasiadas veces “resueltos” desde el ámbito capitalino. Leia Mais

Domínios da Imagem. Londrina, v.14, n.26, 2020.

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Apresentação

Apresentação dos Editores

  • Richard Gonçalves André, José Rodolfo Vieira
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En los márgenes. Rhodakanaty en México | Carlos Illades

Dentro de la historiografía mexicana, en lo que se refiere al siglo XIX, la mayor parte de los estudios se concentran en los primeros años del siglo antepasado y en los procesos que han configurado al Estado nación, es decir: en los últimos años del dominio del imperio español sobre el territorio de la Nueva España; en el “bienio crucial” (1808-1810), del cual se desprendería el germen del movimiento independista; en el propio proceso de independencia; en la formación territorial, jurídica, simbólica y política de la incipiente nación; y, ya más avanzado el siglo, en las disputas entre liberales y conservadores; pasando por las grandes gestas de la historia oficial que han dotado de significado el sentimiento pátrio. Leia Mais

A Guerra da Tríplice Aliança: 150 anos depois / Diálogos / 2020        

Ao se completarem os 150 anos do fim da Guerra da Tríplice Aliança (Guerra Guasu, Guerra contra a Tríplice Aliança ou Guerra do Paraguai, entre as várias denominações que o conflito recebeu), as academias dos países envolvidos abriram suas portas para novas reflexões e debates em torno deste acontecimento que marcou a vida política, social, econômica, cultural e histórica da região do Prata.

Diferentes fatores têm contribuído para a renovação e a produção de novas leituras sobre a contenda. Sem dúvida, a disponibilidade de outras ferramentas teórico-metodológicas, surgidas nas últimas décadas, tem enriquecido com novos olhares as análises sobre o passado. Assim, foram deixados para trás os relatos engessados das histórias política e militar de outrora, em que o tom era colocado na ação dos “grandes homens” e na somatória de batalhas, sem dar margem às microhistórias, à história social ou à história cultural. Agora, estas se fazem presentes de maneira definitiva e em um diálogo interdisciplinar com as outras áreas das ciências humanas, transcendendo as fronteiras nacionais para construir uma história regional. Por sua vez, as histórias política e militar foram as grandes beneficiadas de estas mudanças que, longe de perderem espaço nas narrativas sobre o passado, ganharam um fôlego inusitado.

Essa renovação historiográfica é nítida nos artigos que integram este dossiê. Em grande medida, o estado das investigações atuais é fruto da redemocratização das últimas décadas na bacia do Prata – o que tem permitido a organização e abertura de novos repositórios documentais – e da profissionalização das ciências humanas que, durante os governos autoritários, tinham sido amordaçadas. Os aportes das novas perspectivas de análise, bem como a incorporação de novos objetos e de novas fontes de investigação têm enriquecido o conhecimento sobre a guerra em si e sobre como ela se projetou nas respectivas histórias nacionais e nas relações internacionais entre os países que participaram no confronto.

A realização do VII Simpósio Internacional de História Global e das Relações Internacionais, sob o tema “A Guerra do Paraguai: 150 anos depois”, organizado pelo curso de bacharelado em Relações Internacionais e pelo Programa de Pós Graduação em Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, levou a especialistas de diferentes áreas a apresentarem seus trabalhos e reunirem um numeroso público de diversas regiões do Brasil, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai, evidenciando a atualidade e a necessidade dessa renovação nas pesquisas. Este dossiê traz parte dos trabalhos apresentados nas diferentes mesas redondas do Simpósio, além de somar a participação de pesquisadores de diversos países, na tentativa de oferecer esse olhar diverso, múltiplo e inovador que as novas leituras sobre a Guerra Guasu oferecem.

A eclosão da Guerra foi o resultado de uma série de vínculos, acordos e alianças entre produtores locais, comerciantes e políticos em uma trama que não pode ser analisada apenas pelo viés diplomático. Em “O Brasil e o subsistema platino: os antecedentes da Guerra da Tríplice Aliança”, o internacionalista Daniel Rei Coronato explora como as teorias das Relações Internacionais são insuficientes para a compreensão da política regional naquele momento. Para ele, os mecanismos de coerção e capital dos Estados ainda não estavam plenamente estabelecidos antes da Guerra e a maneira como foram estabelecidos é resultado direto daquele conflito.

Dois artigos exploram os aspectos da história militar do conflito. Jéssica Gonzaga, a partir de uma série de documentos da Marinha Brasileira, do Conselho de Estado, do governo da Província de Mato Grosso e da Secretaria de Negócios Estrangeiros, explora a análise sobre a defesa daquela região desde a década de 1850, os planos para sua defesa e as dificuldades para suas execuções. Seu artigo “A estratégia de defesa da fronteira de Mato Grosso contra a República do Paraguai pela Armada Imperial (1852-1864)” contribui para o entendimento de como militares lotados na região de fronteira, comandantes na Corte e políticos debateram as relações entre o Império e o país vizinho.

Leandro José Clemente Gonçalves apresenta, em “Três guerras, uma mesma maneira de combater: a tática nas guerras de meados do século XIX nos casos das guerras da Crimeia (1853- 1856), da Secessão Americana (1861-1865) e do Paraguai (1864-1870)”, uma análise original sobre as semelhanças entre os três conflitos. A partir de memórias e relatos de combatentes e comandantes, ele demonstra como a falta de treinamento, de armamento e as próprias dificuldades dos campos de batalha levaram à adoção da estratégia defensiva de trincheiras naquelas situações. Conforme ele explora, o aparecimento e uso de novo armamento – o rifle – pouco alterou as formas de fazer a guerra naquele momento por conta da falta de treinamento, das dificuldades dos terrenos e dos conflitos, ou ainda de percepção pelos oficiais.

Finalizado o conflito, as diplomacias dos antigos aliados atuaram intensamente nas negociações em torno de tratados de paz. O artigo “Disputas diplomáticas e imprensa após a Guerra do Paraguai: a Missão Mitre de 1872 no La Nación e no Jornal do Commercio” explora as relações entre imprensa e diplomacia naquele período. A partir da análise dos jornais mais influentes das duas capitais, Ana Paula Barcelos Ribeiro da Silva demonstra como os temas referentes ao pósguerra foram muito explorados por políticos locais, como a imprensa de cada país utilizava notícias veiculadas no outro país para tentar influenciar nos processos de decisão e como a missão diplomática do general e ex-presidente ao Rio de Janeiro recebeu ampla cobertura nas duas capitais.

A paz definitiva entre os antigos aliados e o Paraguai ocorreu somente em 1876 e o artigo “‘Estando autorizado pelo Sr. Conselheiro Barão de Andrada’: percursos e limitações da trajetória do diplomata Luiz Augusto de Pádua Fleury em Buenos Aires (1876)” analisa a documentação diplomática da legação Imperial naquela capital naquele momento. A partir das impressões do representante brasileiro, um diplomata em ascensão na carreira, Gabriel Passetti explora as limitações à atuação daqueles profissionais, suas relações com a estruturação do Estado Imperial e como ele observou e analisou aspectos da política doméstica argentina, crítico a seu sistema político republicano.

Nesse mesmo espaço urbano, a capital da Argentina, outras disputas se livravam e tinham a ver com o futuro político do país. No clima eleitoral, os jornais portenhos serviam como espaço privilegiado para veicular os debates públicos prévios às eleições presidenciais de 1874 e a Guerra recém encerrada era uma das principais armas políticas para esse debate. Se o conflito tinha significado a vitória para a Argentina, as condições em que essa vitória foi obtida e o contexto das negociações de paz trouxeram sérias críticas ao mitrismo. As representações construídas pelos jornais da época sobre a contenda constituem o tema analisado por Bruno Segatto, no seu artigo “O Paraguai como arma eleitoral: representações e identidade nacional nos jornais de Buenos Aires durante a campanha presidencial argentina de 1873-1874”, a partir do qual identifica o modo em que os jornais se converteram em instrumento de mobilização das facções às quais cada periódico estava vinculado.

Vitor Izecksohn e Arnaldo Lucas Pires Junior identificaram as origens dos conceitos explorados pelos revisionismos da Guerra a escritos publicados ainda durante o conflito. Em “Juan Bautista Alberdi, a Guerra do Paraguai e os Revisionismos Históricos”, eles analisam os escritos daquele político e intelectual argentino no exílio durante o conflito e verificam como ele construiu uma argumentação em torno de solidariedade americana e da figura do presidente paraguaio, Francisco Solano López, que depois foram resgatadas e exploradas nas análises do revisionismo histórico no século XX.

Por sua parte, Liliana Brezzo e Laura Reali, em “La Guerra del Paraguay entre líneas. Los proyectos archivísticos y la correspondencia de Juan O’Leary y Luis de Herrera (1905-1926)”, retomam a análise da correspondência entre o paraguaio Juan O’Leary e o uruguaio Luis de Herrera, para aprofundar as reflexões em torno dos mecanismos estabelecidos por ambos os intelectuais, “pais” dos revisionismos de seus respectivos países, para consolidar e difundir as novas leituras sobre Guerra, construídas na primeira metade do século XX. Nesta nova reflexão, as autoras salientam a importância de recuperar fontes, como a epistolar, para reconstruir aspectos fundamentais da história intelectual e da política que, por outros meios, seria muito dificultoso.

No artigo “A Guerra Guasu na construção da identidade nacional no Paraguai”, Marcela Cristina Quinteros realiza um percurso pelo século XX paraguaio para identificar de que modo os conceitos e elementos simbólicos consagrados pelo revisionismo histórico paraguaio, no início da centúria, foram ressignificados e reapropriados por diferentes grupos sociais, econômicos e políticos, fazendo um uso político da Guerra segundo as demandas de cada momento histórico (durante da Guerra do Chaco, após o golpe militar de 1936, durante a Guerra Civil de 1947 e com o stronismo). A consagração dessa história “revisada” como história oficial do Paraguai durante a ditadura de Stroessner foi crucial para a consolidação de uma identidade nacional a partir dos mitos revisionistas.

Um desses mitos foi construído em torno do papel da mulher durante a guerra, o que levou a uma exaltação particular da “mulher paraguaia”. Por mais contraditório que possa parecer, uma dessas figuras femininas consagradas pelos revisionistas paraguaios foi uma irlandesa, Elisa Lynch, companheira do Marechal Francisco Solano López. Natania Neres da Silva, em seu texto “Elisa Lynch como heroína nacional no stronismo: representações de gênero, domesticidade e sufragismo” traz uma riquíssima análise sobre as biografias escritas sobre Elisa Lynch durante o stronato e, a partir da seleção de algumas delas, reflete sobre os interesses políticos por trás de sua reabilitação.

Por fim, dois artigos refletem sobre como é contada a história da Guerra nos livros didáticos. Carolina Alegre Benítez e Antonio Tudela Sancho fazem um balanço da produção de textos escolares no Paraguai após a queda de Alfredo Stroessner até os dias atuais. Sob o título “Género y nacionalismo en la educación paraguaya: las mujeres en la historiografía escolar de la Guerra de la Triple Alianza”, os autores procuram analisar o papel histórico atribuído às mulheres nos relatos escolares, confirmando que, a pesar da renovação historiográfica na academia e nas políticas  educativas dos diferentes governos democráticos, ainda persistem as representações do universo feminino ligado ao nacionalismo e aos papeis tradicionais de gênero no marco de uma sociedade patriarcal.

Neste mesmo sentido, Ana Paula Squinelo confirma também que, embora tenha havido um significativo avanço historiográfico, as narrativas didáticas do Brasil, do Paraguai e do Uruguai permanecem na retaguarda da produção acadêmica. Ao tentar responder à pergunta do título do artigo, “O que as narrativas didáticas de história contam sobre a Guerra Guasu 150 anos depois? Mulheres, crianças, negros e indígenas em uma mirada comparativa: Brasil, Paraguai e Uruguai”, a autora realiza um exaustivo trabalho comparativo dos livros didáticos dos três países selecionados, para descobrir em que medida as novas pesquisas sobre gênero e raça foram incorporadas nesses textos.

A partir do aporte de cada um desses artigos podemos concluir que a incorporação de fontes tais como cartas, jornais, livros didáticos, biografias, documentos consulares, revistas, músicas, entre muitos outros, traz novos olhares sobre a Guerra da Tríplice Aliança. Essas fontes, interpretadas a través das ferramentas adequadas, permitem reconstruir, desde outros ângulos, os fatos acontecidos 150 anos atrás, abrindo diversos significados que esses fatos tiveram desde o fim da Guerra até hoje. Dois fatos importantes merecem ser destacados: a maior ou menor ausência de diálogo entre esta produção e a elaboração dos livros didáticos, por um lado, e a colaboração entre os pesquisadores de diferentes países para construir uma história da Guerra que supere as fronteiras nacionais, pelo outro. Se ainda os livros didáticos refletem muito pobremente o avanço das pesquisas acadêmicas, não acontece o mesmo com o trabalho conjunto de pesquisadores do Rio da Prata, sinalizando um futuro próspero para as pesquisas sobre o conflito oitocentista.

Gabriel Passetti – Universidade Federal Fluminense, Brasil. E-mail: gabrielpassetti@id.uff.br  https://orcid.org/0000-0001-8311-5396

Marcela Cristina Quinteros – Rede Ñande; GP UFMS e UEM, Brasil. E-mail: marcelacristinaquinteros@gmail.com   https://orcid.org/0000-0001-8376-947X

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Dios y libertad. Félix Frías y el surgimiento de una intelectualidad y un laicado católico en la Argentina del siglo XIX | Diego Castelfranco

Dios y libertad…, es una versión en formato libro de la tesis doctoral de Diego Castelfranco, defendida en la Universidad Nacional de General Sarmiento en 2018. Centrado en la vida de Félix Frías, el libro combina el registro biográfico –concebido en este caso como un “recurso” para adentrarse en la historia política del siglo XIX– con algunos de los recientes aportes de la historia intelectual. Tanto en lo que atañe a la dimensión sociológica –es decir, la reconstrucción de espacios de sociabilidad y redes de circulación de textos, escritos y personas– como al registro de los denominados “lenguajes políticos”. Una perspectiva mucho más enunciada que efectivamente transitada en la historiografía argentina pero que en Dios y libertad...adquiere peso específico. Leia Mais

Feminismos latinoamericanos: trayectorias, junturas, tensiones, aperturas/Estudios de Filosofía Práctica e Historia de las Ideas/2020

La posición que las mujeres ocupamos en el orden social, o mejor dicho, a la que hemos sido confinadas desde tiempos inmemoriales por el orden patriarcal, establece límites a lo que podemos conocer y a lo que constituye el conocimiento legítimo. La hegemonía masculina impone una visión del mundo que pese a su pretensión de universalidad y neutralidad, no puede ser otra cosa que un relato parcial que busca naturalizar esa posición de dominio. Leia Mais

Éramos iglesia…en medio del pueblo. El legado de los Cristianos por el Socialismo (1971-1973) | Michael Ramminger

Michael Ramminger, teólogo del instituto de Teología y Política en Munster, Alemania, mezcla en el presente libro dos intereses ya manifestados en investigaciones previas, el estudio histórico del cristianismo rebelde y el interés por el Tercer Mundo. En este caso, se adentra en un análisis crítico y extenso acerca del grupo de los Cristianos por el Socialismo (CPS). De entrada, hay que reconocer que la obra de Ramminger es un aporte para la comprensión de una parte de la historia de Chile, desde una perspectiva política y social. Entrega luces sobre un movimiento nacido en el Chile de la Unidad Popular (UP) que, si bien era minoritario, no era marginal dentro del mundo eclesiástico. El autor hace un largo barrido por la historia del siglo XX profundo chileno e incluso se remonta hasta 1925 para hallar los antecedentes de los Cristianos por el Socialismo en Chile. Junto a esto, el autor propone, por un lado, que el grupo encuentra sus raíces en otros dos procesos, en el nacimiento del cristianismo social chileno en los ’50 y, por otro, en los esfuerzos reformadores de la Iglesia Católica Romana y la nueva teología de liberación. Para el alemán, el grupo está ubicado en la avanzada de esta teología rebelde. Como postulado central el autor plantea que los CPS no alcanzaron ni desarrollaron una eclesiología propia, no obstante, en la práctica sí esbozaron una nueva forma de entender el cristianismo. A pesar de esto, el autor señala que no fracasaron por este motivo, sino porque la jerarquía católica no renunció a su eclesiología imperial y por la ejecución del golpe de 1973. Leia Mais

Educação a Distância. Batatais, v.10, n.1, jan./jun. 2020.

1ª Edição Especial do 2º Congresso Internacional RCI de EaD / 16º Workshop NPT de EaD

Expediente

  • A autonomia universitária na implantação de disciplinas na modalidade a distância em cursos presenciais de Graduação: considerações sobre a legislação brasileira – um estudo temporal entre 2001 e 2018
  • Dyjalma Antonio BASSOLI
  • Alessandra Fracaroli PEREZ
  • Patricia Rodrigues Miziara PAPA
  • Maria Beatriz Ribeiro PRANDI-GONÇALVES
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  • Estudo do potencial do MEC e da Capes como atores de transferência de suas políticas sobre EaD para as Instituições de Ensino Superior
  • Jéssica Serra de FREITAS
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  • Curso Especial de Metodologia Didática a Distância: ambiente de formação em serviço de docentes da Marinha do Brasil
  • Hércules Guimarães HONORATO
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  • A importância do planejamento estratégico para a qualidade da Educação a Distância
  • Samuel dos Santos JUNIO
  • Celine Geysa ANDRADE
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  • Análise quantitativa do desempenho dos alunos em avaliações na disciplina de ICF1 do CEDERJ
  • Charlie Vargas SARMIENTO
  • Germano Maioli PENELLO
  • Lucas Mauricio SIGAUD
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  • A Educação a Distância e a Graduação em Direito no Brasil |
  • Emerson Benedito FERREIRA
  • Mario Marcos LOPES
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  • Formação de professores no uso de Tecnologias da Informação e Comunicação para atuação em cursos populares
  • Mayanna Carvalhinho PAIVA
  • Gustavo de Oliveira ANDRADE
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  • Como utilizar alguns recursos tecnológicos para ensinar Português Língua Estrangeira?
  • Débora Racy SOARES
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Antigüedad clásica y naciones modernas en el Viejo y el Nuevo Mundo | A. Duplá Ansuáteguia, E. Dell’Elicine, J. Pérez Mostazo

El presente libro es una compilación de artículos que se proponen analizar la utilización del pasado clásico en la construcción de los discursos identitarios en la modernidad, tanto en Europa como en América. La introducción del libro ya señala que la utilización de ese pasado remite a la necesidad de constituir una suerte de continuidad entre la Antigüedad y las naciones en formación. [1] Leia Mais

Educação a Distância. Batatais, v.10, n.2, jan./jun. 2020.

2ª Edição Especial do 2º Congresso Internacional RCI de EaD / 16º Workshop NPT de EaD

Expediente

  • Estratégias de ensino-aprendizagem na Educação Superior
  • Karina Elizabeth SERRAZES
  • Pricila BERTANHA
  • Evandro Luís RIBEIRO
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  • Reações aos procedimentos instrucionais: relação com as estratégias de aprendizagem em ações educacionais a distância
  • Cláudio Gaspar de MELLO
  • Thais ZERBINI
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  • Educação a Distância na construção de fronteiras sociais: a mediação do professor como “ponte” entre o desejável e o ensino de qualidade
  • Dionéia Motta MONTE-SERRAT
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  • As contribuições dos recursos do Ambiente Virtual de Aprendizagem no processo de ensino-aprendizagem
  • Maria Beatriz Ribeiro PRANDI-GONÇALVES
  • Talita Rafaella da Silva Boldrin DIAS
  • Alessandra Fracaroli PEREZ
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  • A utilização da ferramenta fórum no Ensino Presencial: um estudo de caso do curso de Pedagogia
  • Patrícia Rodrigues Miziara PAPA
  • Diego dos Santos LEON
  • Valéria Tomas de Aquino PARACCHINI
  • Dyjalma Antonio BASSOLI
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  • O uso de um instrumento digital colaborativo: uma experiência na disciplina de Alfabetização e Letramento nas licenciaturas em Pedagogia e Letras
  • Rodrigo Gonçalves SANTANA
  • Neire Aparecida Machado SCARPINI
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  • Aprendizagem híbrida como metodologia ativa para análise das interações entre Estado e organizações da sociedade civil
  • Éder Rodrigo GIMENES
  • Marta Regina KAISER
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  • A produção científica dos cursos de Pósgraduação EaD do Centro Universitário Barão de Mauá
  • Mario Marcos LOPES
  • Kelly Karine Candido Sabaneli de OLIVEIRA
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  • O perfil do aluno de um curso de Tecnologia em Gastronomia na modalidade a distância
  • Simone dos Anjos CAIVANO
  • Luciana Marchetti da SILVA
  • Rodrigo Anunciato ALVAREZ
  • José Anael NEVES
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  • Biblioteca escolar: os desafios diante da tecnologia digital
  • Naiane Castro SALES
  • Claudinei de SOUZA
  • Vivian Massullo SILVA
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Vida intelectual y diplomacia/Martín García Mérou | Paula Bruno

El libro de Paula Bruno capitaliza toda la experiencia de la autora en torno a esa compleja trama intelectual canonizada como “generación del ‘80” para adentrarse en la trayectoria de una figura de segunda línea de esa constelación: Martín García Mérou. Tradicionalmente evocado en su faceta de crítico literario, Bruno recorre el conjunto de su variopinta producción para rescatar la mirada acaso oblicua que, sobre una serie de preocupaciones de su generación, García Mérou lanzó desde ese lugar algo secundario de la escena intelectual criolla del fin-de-siècle. En efecto, aún sin llegar al juicio despectivo de Viñas que Bruno no deja de evocar, forzoso es reconocer que García Mérou no ocupó el centro de la escena intelectual (ni porteña, ni americana, ni en sus distintos destinos), aunque tampoco dejó de cosechar el interés y los elogios de sus contemporáneos. Bruno rescata sobre la trama de ese paisaje conocido una peculiaridad que la peripecia vital de García Mérou le impuso a su obra, a saber: el impacto de su vida diplomática sobre su producción. Leia Mais

Sensibilidades políticas en coyunturas de crisis y cambio. Propuestas y casos sobre el siglo XIX argentino/Anuario del Instituto de Historia Argentina/2020

Desde hace algunas décadas el estudio de la historia política argentina del siglo XIX se encuentra en constante desarrollo y renovación. En este marco, para el presente dossier convocamos a reconocidxs investigadorxs con el propósito de que aportaran desde sus estudios a la reflexión sobre coyunturas particulares de crisis y cambio a lo largo del siglo, en clave de sensibilidades políticas. Desde la óptica de variados actores y problemáticas se hacen presentes aquí la guerra de Independencia, la convivencia del federalismo y el unitarismo en el espacio de las provincias durante los años 1830, la construcción de un nuevo orden con posterioridad a Caseros en la “Confederación”, y, finalmente, el clima de la elección y asunción presidencial de Julio A. Roca en el fin de siglo. Leia Mais

Intelectuais, revoluções e independências em um mundo em transição (séculos XIX-XX) / Intellèctus / 2020

Apesar da acepção da palavra intelectual ser relativamente recente na história mundial, ter surgido após meados do século XIX na Rússia, e cerca de cinquenta anos mais tarde aparecer na França com o termo intellectuelles, a existência de sujeitos que discutem ideias ou analisam criticamente a sociedade ultrapassa a época contemporânea e se estende por vários séculos.

Como afirmou Bobbio (1997), ainda que anteriormente tenham sido denominados sábios, filósofos, homens de letras, doutos ou literatos, os objetos por eles debatidos sempre existiram; por isso, a problemática dos intelectuais, e suas relações / atuações na sociedade, se trata de um tema antigo e perene. Utilizando-se ainda desse autor poderíamos defini-los de uma forma geral como “sujeitos a quem se atribui de fato ou de direito a tarefa específica de elaborar e transmitir conhecimentos, teorias, doutrinas, ideologias, concepções do mundo ou simples opiniões, que acabam por constituir as ideias ou os sistemas de ideias de uma determinada época e de uma determinada sociedade.” (BOBBIO, 1997: 110) Leia Mais

La ciudad gaitanista: Santiago de Cali en la década de 1940 | Esteban Morera Aparicio

La Colección de Ciencias Humanas de la Universidad del Rosario viene destacándose durante los últimos años en la edición de pertinentes investigaciones en el campo de los estudios sociales y políticos. En ese marco se inscribe la reciente publicación de La ciudad gaitanista del historiador colombiano Esteban Morera Aparicio. La indagación por la relación entre provincia y fenómeno gaitanista es lo que da origen a este libro que contiene los últimos avances del autor, actualmente investigador de la Universidad Eberhard Karls de Tubinga, quien organiza su disertación a través de veinticinco cortos capítulos marcados por el ánimo divulgativo y la claridad expositiva. El tema central se vuelve excusa para construir una interesante descripción del panorama socioeconómico y político de Santiago de Cali durante la década de 1940, en donde las convulsiones de la vida nacional se traslapaban con las tensiones sociales de una urbe en pleno crecimiento y consolidación. Para Morera Aparicio, la reflexión historiográfica tanto sobre la vida y obra de Jorge Eliecer Gaitán como sobre los avatares del gaitanismo después del 9 de abril de 1948, continúa siendo una tarea inconclusa. Es particularmente acusado el centralismo del análisis de los mismos, derivado del hecho mismo del Bogotazo y sus consecuencias inmediatas sobre la política nacional. Por estas razones, el autor decide centrarse en el caso de Cali, la capital del joven departamento del Valle del Cauca, una ciudad colombiana en pleno auge industrial y comercial durante la década en cuestión y que se constituyó en aquel periodo en uno de los fortines más poderosos del movimiento gaitanista en todo el país. El principal punto a favor de la La ciudad gaitanista reside en el acceso del autor a fuentes novedosas–archivos privados, correspondencia, documentos de Planeación Municipal– que permiten ampliar la comprensión de la Cali política, no solo en el plano discursivo sino también en el del ordenamiento de la urbe durante de la primera mitad del siglo XX, en lo que el autor denomina “la ciudad como principal escenario de escenificación política”. Particularmente valiosa para la historia política del periodo en cuestión resulta la reconstrucción que realiza Morera Aparicio de la relación local entre escenarios de sociabilidad, medios impresos y política tribunicia. Adicional a esto, merecen particular mención dos capítulos del libro de capital importancia en el desentrañamiento del rompecabezas caleño. En primer lugar, el dedicado a la reconstrucción de los hechos de la Masacre de la Casa Liberal. Dicho evento, ocurrido el 22 de octubre de 1949 en medio de un acto político en la sede política gaitanista de Cali, se constituirá en un referente local de la violencia política de la época. En este sentido, Morera Aparicio abre vetas para un pertinente ejercicio de memoria sobre las elites locales y su compromiso con el escalamiento del fanatismo partidista. El segundo, el capítulo sobre el IX Congreso de la Confederación de Trabajadores de Colombia realizado en Cali en diciembre de 1947, que señala el fin del divorcio entre Gaitán y el movimiento obrero –hegemonizado durante el periodo previo por lopistas y comunistas –. En este aparte, Morera Aparicio da cuenta de un viraje usualmente ignorado dentro de la historiografía sobre el sindicalismo colombiano, abriendo espacio a nuevas preguntas de investigación sobre los apoyos políticos del movimiento obrero. Desde las páginas iniciales el autor propone que La ciudad gaitanista se encuentra en una agenda de investigación mucho más amplia centrada en la construcción de una historia de los sectores populares ajena a horizontes de expectativa previos –en una crítica a la marginal historiografía marxista sobre el siglo XX colombiano–, planteando para ello una hipótesis central: el mérito de Gaitán y el gaitanismo fue hegemonizar en la sociedad su propio concepto de sujeto popular, en torno al cual los actores políticos continuarían desarrollando su accionar incluso después del asesinato del caudillo. En el desarrollo posterior de la obra, la disertación del autor parece no seguir necesariamente la agenda e hipótesis previstas. Así, el ordenamiento del texto parece no obedecer a la inquietud planteada ni mucho menos a la demostración de la hipótesis. Los heterogéneos capítulos parecen no ser guiados por un hilo conductor o un encadenamiento causal, lo que termina yendo en contravía tanto de la novedad y la profundidad de las reflexiones de cada capítulo como del alcance de conclusiones ajenas a apriorismos. Así, la conclusión final –la extirpación violenta de la “ciudad gaitanista” del debate público local– queda en vilo, no por falta de evidencia que la valide sino por una argumentación poco ordenada que parece no aprovechar los avances que el mismo autor logra. En ese sentido, elementos como la trayectoria política y social post-Bogotazo de los liderazgos gaitanistas regionales, no son tocados en el libro a pesar de que seguramente darían luces sobre los alcances de la hipótesis sobre el concepto de sujeto popular post-Gaitán y de la conclusión misma del libro. De igual forma, no se aborda la participación destacada de cuadros del movimiento en la subsecuente violencia armada en el departamento –lo cual constituiría un fuerte argumento a favor de la idea de Morera Aparicio sobre una transición violenta de los gaitanistas hacia la más pragmática “lucha por la vida”–. Finalmente, el libro presenta un balance descriptivo de los resultados electorales del movimiento gaitanista en Cali y el Valle del Cauca, pero este está inconexo con el desarrollo mismo de la argumentación del autor, desaprovechándose una potencial veta de reflexiones que podrían haber alimentado su trabajo. Como balance final, La ciudad gaitanista es un trabajo bastante interesante y pertinente que sin embargo cuenta con limitaciones en su ordenamiento y presentación de conclusiones. La obra constituye un aporte valioso para el futuro del creciente campo de la historia local de Cali en la primera mitad del siglo XX, al tiempo que profundiza el alcance de los estudios de caso sobre el mentado fenómeno gaitanista en momentos en los que el debate sobre la memoria tiene creciente relevancia en Colombia. Leia Mais

Los viajes latinoamericanos de la reforma universitária | Martin Bergel

El libro coordinado por Martín Bergel nos propone adentrarnos en la dimensión latinoamericana y global de la Reforma Universitaria de 1918 a partir de entenderla como un “campo imaginario que se desplazaba involucrando y contaminando nuevos escenarios”. En la década de 1920, el “viaje reformista”, reforzado con otras prácticas como la correspondencia, las publicaciones y las conferencias, construyó canales de diálogo que le otorgaron esa dimensión. En este libro, su análisis ofrece una perspectiva de la conformación y dinámica de una red latinoamericana de intelectuales que compartían una sintonía de ideas pero que a la vez enraizaron en discusiones locales. Leia Mais

Una breve historia del exilio extremeño: deportación y desarraigo migratorio | L. Rodríguez Fraile

Libro a modo de estudio que sin perder de vista las estadísticas y los datos cuantitativos, va más a lo personal, a mostrar los motivos del exilio, en dar a conocer las diferentes vivencias con entrevistas y testimonios. El objetivo que se marca la autora es el análisis concreto de los exiliados de procedencia extremeña, análisis que hasta ahora no se había intentado de una manera global, sino vinculado a municipios o a exiliados concretos, normalmente personas conocidas. Leia Mais

The Red International of Labour Unions (RILU) 1920-1937 | Reiner Tosstorff

Así como la Internacional Comunista encontró su historiador en Pierre Broué, el autor de Histoire de l’Internationale communiste, 1919-1943 (Paris: Fayard, 1997, 1.120 páginas), la Internacional Sindical Roja, comúnmente conocida como Profintern, otra institución creada por los bolcheviques para organizar a la clase trabajadora en pos de la revolución socialista mundial, encontró a su historiador en Reiner Tosstorff, quien conscientemente sigue los pasos de Broué. Desgraciadamente ninguno de los dos libros ha sido traducido al español (Sundermann editó una versión portuguesa en dos tomos de la obra de Broué), pero al menos la obra de Tosstorff Profintern: Die rote Gewerkschaftsinternationale 1920- 1937 ha sido traducido al inglés por Ben Fowkes. Los primeros capítulos del libro de Tosstorff tratan del predecesor de la Profintern, el Consejo Sindical Internacional o International Trade Union Council (ITUC), que existió desde 1920 hasta 1921, así como de los esfuerzos de los bolcheviques para atraer a los sindicalistas a la causa comunista a través de una organización internacional de sindicalistas revolucionarios. Esto incluye un análisis, basado en las fuentes originales (la bibliografía abarca trabajos en ruso, alemán, francés, inglés, español, catalán, portugués, italiano y holandés), de todas las principales organizaciones sindicalistas, tales como los Industrial Workers of the World en los Estados Unidos, el movimiento de los Shop Stewards en Gran Bretaña y la Confederación Nacional del Trabajo en España, y de su relación con el gobierno soviético temprano. Los debates con los sindicalistas se centraron en si las tendencias revolucionarias dentro de los sindicatos debían estar subordinadas o no a la autoridad de la Internacional Comunista y de los partidos comunistas, y si debían separarse de los sindicatos burocratizados para formar sindicatos revolucionarios o adoptar la táctica de formar fracciones comunistas dentro de ellos. La segunda, conocida como la “táctica de las células”, fue la política prescrita por la Profintern a la organizaciones que lo integraban. En este contexto, Tosstorff también describe la lucha de los revolucionarios contra la burocracia sindical organizada en torno a la Federación Internacional de Sindicatos o International Federation of Trade Unions (IFTU) con sede en Ámsterdam, llevada a cabo bajo el lema “Ámsterdam o Moscú”. Tosstorff muestra cómo la Profintern fue capaz avanzar en los países coloniales y semicoloniales que la burocracia sindical agrupada alrededor de la IFTU, con sede en los países imperialistas, había ignorado en gran medida. Esto es seguido por una descripción detallada del congreso fundacional de la Internacional Sindical Roja, que tuvo lugar en Moscú en julio de 1921, para que coincidiera con la celebración del tercer congreso de la Internacional Comunista. En el proceso, comenzó a cristalizarse un liderazgo en la Profintern centrado en la figura del sindicalista ruso Solomon Lozovsky, a pesar del hecho de que éste había tenido una relación difícil con los bolcheviques antes y después de que tomaran el poder en 1917. El congreso fundador de la Profintern dio como resultado el establecimiento de un Consejo Central, de Comités Internacionales de Propaganda y de medios de prensa tales como su órgano central, una revista mensual publicada en cuatro idiomas llamada Die Rote Gewerkschaftsinternationale (español: La Internacional sindical roja: Revista mensual). Tosstorff luego describe el período que va desde el primer hasta el segundo congreso de la Profintern, celebrado en Moscú en noviembre de 1922, coincidentemente con el cuarto congreso de la Internacional Comunista. Poco después, los sindicalistas establecieron su propia organización internacional en Berlín, conocida como la Asociación Internacional de Trabajadores (International Workers’ Association, IWA). La mayoría de las organizaciones sindicalistas, como los Industrial Workers of the World estadounidenses y la CNT española, se separaron de la Profintern, aunque la mayoría de ellas experimentaron escisiones que contribuyeron al desarrollo de los partidos comunistas nacionales, especialmente en Francia, donde la división condujo a la formación de la Confédération générale du travail unitaire, o CGTU. Incluso en aquellos casos en que la mayoría de los militantes permanecieron en la antigua organización, las escisiones sindicales proporcionaron a la Profintern y a los partidos comunistas líderes prominentes, tales como Andreu Nin en España (Cataluña) y Bill Haywood en los Estados Unidos. El libro dedica un capítulo especial al papel de la Profintern en la crisis del Ruhr de 1923 y al fallido “octubre alemán” de ese año, que marcó el fin de las esperanzas de extender la revolución a Europa occidental y proporcionó el contexto internacional necesario para el surgimiento de Stalin y su teoría del “socialismo en un solo país”. La lucha interna que estalló en el Partido Comunista Ruso a fines de 1923 entre Trotsky y la “troika” Zinoviev-Kamenev-Stalin se extendió a la Internacional Comunista y a la Profintern e impartió a sus actividades, que se subordinaron cada vez más a las necesidades de la política exterior soviética, un carácter cada vez más errático. El siguiente capítulo del libro de Tosstorff trata, por lo tanto, del quinto congreso de la Internacional Comunista, que tuvo lugar en coincidencia con el tercer Congreso de la Profintern, en julio de 1924. Todo este período estuvo dominado por un acercamiento de la Profintern a la burocracia sindical de la IFTU y particularmente por la experiencia del Comité anglo-ruso, formado en abril de 1925 por iniciativa de los dirigentes de los sindicatos rusos durante la conferencia sindical anglo-soviética que tuvo lugar en Londres. Esta experiencia terminó desastrosamente después de la traición de la huelga general en el Reino Unido en mayo de 1926, que paralizó al país durante nueve días, por la burocracia del Congreso de Sindicatos o Trades Union Congress (TUC). El siguiente capítulo está dedicado a un análisis de la política adoptada por la Profintern durante el período ultraizquierdista de la Internacional Comunista, de 1928 y 1934, en el contexto de la colectivización forzosa en la URSS. Esta política, conocida como el “tercer período” o ” social-fascismo” (porque los partidos socialdemócratas fueron identificados como una variedad de fascismo) se caracterizó por la defensa de una política de escisiones en los sindicatos y por la formación de sindicatos “rojos”, que en la práctica estaban conformados solamente por miembros de los partidos comunistas y sus simpatizantes. En este marco tuvo lugar el quinto y último congreso de la Profintern en agosto de 1930. Después de la adopción de la política del frente popular en 1934-35, la organización perduró casi inadvertida durante tres años, hasta que fue disuelta el 17 de diciembre de 1937 (lo mismo sucedió con la Internacional Comunista en 1943). A su ex-líder Lozovsky se le permitió vivir otros quince años, hasta que finalmente fue ejecutado por orden de Stalin el 12 de agosto de 1952. Como en el caso de la Internacional Comunista, también al estudiar la Profintern es fundamental no tirar al bebé revolucionario con el agua de la bañera estalinista. Ambas organizaciones encarnaron las luchas de millones de hombres y mujeres trabajadoras en todo el mundo, y de sus experiencias se pueden aprender lecciones valiosas. Tosstorff ha hecho una contribución fundamental a esta tarea con esta obra maestra de erudición histórica y análisis político. Leia Mais

Inquisição, justiça eclesiástica, religião e religiosidades na Época Moderna / Contraponto / 2020

O presente dossiê teve como ponto de partida uma reflexão sobre a atualidade dos estudos tocantes a Inquisição e aplicação da justiça eclesiástica ao longo da Época Moderna. Na proposta que apresentamos, com o título “Inquisição, justiça eclesiástica, religião e religiosidades na Época Moderna”, procuramos também que se integrassem estudos sobre formas de religiosidade consideradas, na época, heterodoxas e trajetórias dissidentes, bem como os mecanismos utilizados para as controlar e “disciplinar”. A adesão ao dossiê foi significativa e a diversidade de artigos recebidos espelha, em nosso entender, dois aspectos que merecem ser sublinhados. Em primeiro lugar, os contributos aqui congregados são representativos de diferentes momentos do percurso de investigação, correspondendo a primeiros esforços de reflexão no início de uma pós-graduação, até trabalhos elaborados no âmbito de investigações de doutorado e de pós-doutorado. Nesse sentido, a conclusão que podemos retirar é a de que as investigações nestas temáticas estão ativas e que os próximos anos serão de continuidade e até mesmo de renovação dos contributos.

Em segundo lugar, este dossiê contou com um vasto corpo de avaliadores externos – cerca de 65 – oriundos de múltiplas universidades americanas e europeias. A versão final dos trabalhos beneficiou, assim, de um profundo diálogo entre autores, editores e avaliadores. Parece-nos que esse aspecto deva ser sublinhado no contexto global em que nos encontramos. O processo de montagem e de elaboração coincidiu com o duro golpe que a pandemia trouxe para as nossas vidas. O diálogo contínuo e enriquecedor entre todos os envolvidos neste processo, bem como a persistência para superar os condicionamentos provocados por um mundo que, subitamente, se fechou, permitiu-nos chegar até aqui. Por essa razão estamos muito gratos a todos os autores, avaliadores e ao pessoal da Revista Contraponto, que possibilitaram fechar este dossiê.

Um dos blocos centrais do conjunto de artigos aqui apresentados é, sem dúvida, a ação da Inquisição no Mundo Moderno, em diferentes vertentes e perspectivas. Os estudos sobre a temática inquisitorial têm tido, ao longo das últimas décadas, muitas contribuições e novas leituras o que se traduz num amplo manancial de trabalhos académicos editados em vários países [1]. Os agentes do tribunal, a sua atuação nas sociedades extra europeias, os alvos da ação repressiva dos inquisidores, entre outros temas, têm despertado a análise dos investigadores [2]. Os artigos aqui reunidos mostram bem a importância da Inquisição Portuguesa enquanto instituição de vigilância e de punição em Portugal e nos territórios imperiais [3].

O primeiro texto deste dossiê apresenta uma reflexão sobre a atuação inquisitorial num dos seus espaços ultramarinos, os territórios africanos nos quais não se estabeleceu um tribunal, mas onde vários agentes do Santo Ofício, ou instituições eclesiásticas que com ele se associaram, procederam a um controlo e vigilância de todo o tipo de comportamentos que podiam ser considerados como delitos que se enquadravam dentro da jurisdição inquisitorial. A autora do artigo, Sonia Siqueira, apresenta-nos neste ensaio mais uma reflexão dentro da sua vasta e importante obra historiográfica. Os muitos textos que Siqueira foi publicando ao longo da sua trajetória acadêmica contribuíram para um melhor conhecimento das formas de atuação do Santo Ofício nos espaços coloniais [4], dando uma grande atenção aos aspectos jurídicos e aos procedimentos [5] do tribunal, mas também ao seu quadro de oficiais[6].

Como já referimos, os estudos que compõem este dossiê são diversificados, como se demonstra através do elenco dos mesmos. Gabriel Cardoso Bom apresenta uma reflexão sobre o contributo da historiografia italiana para os estudos sobre Inquisição, expondo as propostas metodológicas de Paolo Prodi e de Adriano Prosperi, as quais foram significativas para os avanços da temática. Depois desta primeira reflexão historiográfico-metodológica, Alécio Nunes Fernandes transporta-nos, com um olhar renovado, para os meandros da primeira visitação ao Brasil. O autor analisa, auxiliado pela elaboração de uma tabela de categorias delitivas, as circunstâncias que podiam servir de atenuantes no momento de se decretar uma sentença. Ainda dentro da análise do enquadramento jurídico do Santo Ofício, Isabela Miranda Corby analisa, no âmbito do seu projeto de doutoramento, as denúncias por crimes de feitiçaria que se conservam nos Cadernos do Promotor e referentes à região de Minas Gerais no século XVIII.

Os seguintes artigos focam-se na diversidade de delitos que caiam sob a alçada do Santo Ofício. Marcus Vinicius Reis explora o fascinante caso de Joana de Jesus, analisando, à luz da proposta teórica dos estudos de género, o processo inquisitorial que lhe foi movido pela Inquisição de Goa. Por seu turno, Monique Marques Nogueira Lima detém-se no universo dos escravos e nos “malefícios” que lhes eram atribuídos pela sociedade envolvente e pelo Santo Ofício e seus oficiais. O delito de proposições heréticas é abordado por Isabel Andrade dos Reis Valentim, através da revisitação do conhecido caso de Pedro de Rates Henequim. Por fim, Elaine da Silva Santos apresenta o percurso de um cristão-novo dos sertões do São Francisco às prisões do Santo Ofício.

Os agentes do tribunal são também objeto de análise neste dossiê. Ana Paula Sena Gomide dedica-se a recriar a carreira do inquisidor Jorge Ferreira ao serviço do Santo Ofício de Goa. Luiz Fernando Lopes, através do estudo do rico fundo documental das habilitações do Santo Ofício, apresenta-nos uma proposta analítica e metodológica de estudo de processos de habilitação aprovados e rejeitados. As relações entre Inquisição e política são destacadas por Afrânio Jácome, através da figura do cardeal D. Nuno da Cunha de Ataíde, que chegou a ser Inquisidor-Geral. Por sua vez, Yllan de Mattos, traz-nos o detalhado estudo das intrincadas malhas que se tecem entre as administrações das estruturas diocesanas e a Inquisição [7], seguindo a trajectória de Giraldo José de Abranches na Amazônia colonial, o que permite fazer uma transição para um segundo bloco temático que compõe o nosso dossiê.

É bastante corrente a afirmação de que a historiografia que versa sobre o Império Português tenha dado pouca atenção aos estudos da Igreja [8] e, sobretudo, em nível de diocese, ao funcionamento jurídico-processual dos Auditórios Eclesiásticos (Tribunal Episcopal ou Juízo Eclesiástico), seja do ponto de vista institucional, seja no trato dos indivíduos que foram, direta ou indiretamente, atravessados por esta instituição. Tamanha afirmação se torna mais latente se a compararmos com as investigações que versam sobre Santo Ofício. Justifica-se, comumente, a dificuldade em localizar suas documentações produzidas e o acesso extremamente restrito, vinculados, ora sob a posse de arquivos privados, ora sob a posse das cúrias metropolitanas.

No entanto, apesar destas dificuldades, que, pouco a pouco, estão sendo transpostas, como bem sinalizou Jaime Gouveia [9], é notável o vertiginoso crescimento das pesquisas acerca desta temática. Uma prova disto é o projeto, em curso (2017 – 2021), Religião, administração e justiça eclesiástica no Império Português (1514- 1750) – ReligionAJE [10], coordenado pelo português José Pedro Paiva. Constituído por dezenas de historiadores africanos, americanos e europeus, numa interessante e profícua mescla entre novos e consagrados historiadores, cujo “[…] objetivo final é uma interpretação em escala global do impacto do episcopado no império”, amparados a partir das propostas metodológicas da connected history. Atrelados a este grandioso projeto, vários eventos e publicações foram e serão realizadas durante sua vigência, forjando, assim, um impacto indelével aos futuros investigadores. Ambicionados a revitalizar um campo de estudo que tem sido praticamente abandonado [11], a sua vitalidade, ainda que neste curto espaço de tempo, já pode ser sentida neste dossiê que ora apresentamos, mostrando que várias pesquisas sobre a temática se encontram em curso.

João Antônio Fonseca Lacerda Lima é quem assina o artigo: Cura das almas, da fé e de suas lavouras: A trajetória do Pe. Caetano Eleutério de Bastos nos bispados do Maranhão Grão-Pará (1694-1763). Propõe-se investigar a trajetória do Pe. Caetano Eleutério de Bastos enquanto clérigo e comissário do Santo Ofício nos bispados do Maranhão e Grão-Pará do século XVIII.

Pedrina Nunes Araújo em seu artigo, Todo sertão tem a Igreja que Deus (rei) dá: O Bispado do Maranhão e as ações eclesiásticas no Piauí do século XVIII, discute, balizada por uma documentação até então inédita, a dinâmica e o funcionamento da Igreja nos primórdios da anexação do Piauí à administração espiritual do bispado do Maranhão, tratando, por conseguinte, dos conflitos jurisdicionais com o bispado de Pernambuco – diocese que até então era responsável pela região do Piauí -, evidenciando, assim, o papel fundamental do bispo Dom Frei Manuel da Cruz na resolução das contendas e na consolidação desta região aos ímpetos maranhense. Temática essa que, ainda que tangencialmente discutida por Pollyanna Gouveia, sobretudo, em sua tese de doutoramento, permanece praticamente inexplorada.

Nas trilhas das investigações sobre o clero regular, as autoras Marcia Eliane de Souza e Mello e Rozane Barbosa Mesquisa, tratam da conflituosa relação entre as ordens regulares e o episcopado de Dom Bartolomeu do Pilar (1724 – 1733) – primeiro bispo do recém-criado bispado do Pará. A investigação que ora é apresentada, assenta-se na disputa jurisdicional acerca da realização de visitas pastorais em regiões de missões indígenas. As tensões entre as ordens regulares, capitaneadas pela Companhia de Jesus, e o mitra Dom Bartolomeu do Pilar, trazem ao relevo motivações e interpretações de diferentes matrizes dos sujeitos ávidos em alterar, ou permanecer, prerrogativas jurídicas há muito assentadas em prol de seus interesses e perceções.

No seu artigo, Patrícia Ferreira dos Santos analisa o Tribunal Eclesiástico de Mariana, do qual é especialista. A autora apresenta-nos os meios de administração, organização e funcionamento jurídico-processual desta diocese que, como as demais administrações eclesiásticas que constituíam o Império Português, estava inserida dentro da lógica do direito de padroado régio. Assim, busca-se apresentar, através do exercício cotidiano das querelas (exclusiva para eclesiásticos, pois possuíam imunidade de foro) e queixas (denúncias especificas), o espaço de ação exclusiva do Tribunal Episcopal que atuavam como dispositivos de identificação, e, por conseguinte, punição espiritual à dissensão através, geralmente, da excomunhão. Punição essa temida por todos, ou, pelo menos, por quase todos.

Por fim, Gilian Evaristo França Silva se propõe apresentar as práticas fúnebres e caritativas das irmandades religiosas inseridas na Prelazia de Cuiabá – capitania de Mato Grosso –, durante o século XVIII. A criação da administração eclesiástica de Cuiabá, assim como a prelazia de Goiás e as dioceses de Mariana e São Paulo, em meados do século XVIII, revela como essas instituições religiosas foram fundamentais para o disciplinamento social contra a dissensão e, principalmente para a expansão e delimitação de fronteiras no Império Português.

O último bloco de textos que compõem este dossiê diz respeito à temática das religiosidades e sensibilidades religiosas, em sentido lato, muitas delas consideradas como expressões heterodoxas no mundo pós-tridentino [12]. Em primeiro lugar encontramos dois artigos que se reportam a identidades religiosas fluídas. Regina Carvalho Ribeiro da Costa dedica-se ao período do Brasil holandês para apresentar o que designa por “disjuntivas judaicas”, pensando nas alianças que se podem criar num espaço multicultural, as quais superam, muitas vezes, as divergências da fé. Também o artigo de Jadson Ramos de Queiroz nos fala de uma trajetória de vida pouco linear, entre duas fés, neste caso o percurso do calvinista que chega ao território brasileiro, onde se converte ao catolicismo e acaba por ser batizado duas vezes. Transforma-se assim, num arquétipo de herege, caindo nas malhas punitivas da justiça eclesiástica e da inquisitorial.

Karina Fonseca Soares Resende apresenta um artigo de revisão historiográfica sobre um panfleto do século XVII, da autoria do pregador puritano Samuel Petto, e a imagem que nele é apresentada da figura da bruxa.

O texto seguinte, da autoria de Bruno Kawai Souto Maior de Melo, centra-se no movimento conhecido como “Jacobeia”, analisando as suas características e dinâmicas, ao longo do século XVIII, e prestando também uma atenção detalhada às trajetórias de alguns dos seus membros.

Fredson Pedro Martins aborda o problema do cruzamento do movimento de evangelização na região andina de inícios da Conquista com as concepções cosmológicas indígenas, através do estudo do conteúdo do Manuscrito de Huarochirí.

Por fim, o artigo de Daniel Sepúlveda oferece uma reflexão sobre o conceito de confessionalização, articulando com as formas de implementação da ortodoxia católica na Modernidade, bem como com os mecanismos de segregação e de racismo que se desenvolveram ao longo da Época Moderna.

Como podemos ver, trata-se de um dossiê plural, rico em investigações de arquivo e em balanços e reinterpretações historiográficas, um bom exemplo de que os investigadores continuam ativos e produzindo conhecimento, mesmo em “tempos sombrios” – para utilizar uma expressão cara a filósofa Hanna Arendt – e desafiantes.

Notas

1. Uma síntese da produção historiográfica sobre Inquisição publicada no Brasil, com uma contabilização de teses e dissertações, pode ser encontrada em: ASSIS, Angelo Adriano Faria de. “No interior do labirinto, o olho do vulcão: Revisitar os estudos inquisitoriais no Brasil e vislumbrar o futuro que tecemos”, Revista Ultramares, Alagoas, vol. 1, nº 7, p. 10-33, 2015.

2. Não é este o espaço para elencar os múltiplos contributos que têm surgido sobre a temática nos últimos anos. No tocante à Inquisição portuguesa, veja-se, por exemplo a análise de: MARCOCCI, Giuseppe. “Toward a history of Portuguese Inquisition: Trends in Modern Historiography”, Revue de l’histoire des religions, Paris, vol. 3, p. 355-393, 2010.

3. Sobre a atuação da Inquisição em contexto colonial veja-se: MARCOCCI, Giuseppe. “A fé de um império: a Inquisição no mundo português de Quinhentos”, Revista de História, São Paulo, nº 164, p. 65-100, 2011. Para compreender o funcionamento da Inquisição Portuguesa numa perspectiva diacrónica é fundamental a síntese de: MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição Portuguesa, 1536-1821, Lisboa: A Esfera dos Livros, 2013. Um estudo que trouxe uma visão comparada da instituição e que marcou a historiografia posterior é o de: BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália – Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

4. Veja-se, neste particular, o estudo pioneiro que apresentava um estimulante quadro da inserção da Inquisição no Brasil Colônia: SIQUEIRA, Sonia Aparecida. A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial, São Paulo, Ática, 1978.

5. Para este conhecimento contribuiu a publicação por Sonia Siqueira dos textos dos regimentos do Santo Ofício português. Sobre isso, consultar: SIQUEIRA, Sonia Aparecida. Os Regimentos da Inquisição. In. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. º392, p. 495-1020, 1992.

6. O resultado da sua tese de doutoramento, defendida na USP em finais dos anos 60 do século XX, acabou por ser publicado apenas em 2013, materializando como um grande afresco do pensamento da autora sobre o Santo Ofício. SIQUEIRA, Sonia Aparecida. O Momento da Inquisição. João Pessoa: Editora Universitária, 2013.

7. Temática que tem sido destacada por vários autores e que tem, sem dúvida, nas obras de José Pedro Paiva um contributo de notável importância. Veja-se, por exemplo: PAIVA, José Pedro. Baluartes da fé e da disciplina. O enlace entre a Inquisição e os bispos em Portugal (1536-1750), Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011.

8. Referimos as investigações de pesquisas regionais que trazem uma visão mais especifica do objeto. Tendo em vista que as extensões territoriais “[…] foram, sem dúvida, um elemento importante a exigir adaptações em relação às formas tradicionais do exercício da governação eclesiástica”. Sobre a consideração acerca dos trabalhos que trazem visões genéricas da história da Igreja na colônia. MUNIZ, Pollyanna Gouveia Mendonça. Parochos imperfeitos: Justiça Eclesiástica e desvio do clero no Maranhão Colonial. Tese. Programa de Pós-graduação em História. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2011, p. 20. A respeito da citação: SOUZA, Evergton Sales. Estruturas eclesiásticas da monarquia portuguesa. A igreja diocesana. In: XAVIER, Ângela Barreto; PALOMO, Frederico; STUMPF, Roberta. Monarquias ibéricas em perspectiva comparada (Sécs. XVI-XVIII). Lisboa: ICS, 2018, p. 516.

9. “A ideia dominante é a de que a maior parte desses fundos documentais se perdeu, pouco ou nada existindo que permita reconstituir a ação dos dispositivos judiciais de parte significativa das dioceses de Portugal e de seu império ultramarino. Há de reconhecer, todavia, que a natureza privada dos arquivos onde foram depositados esses espólios, a deficiente e, na maior parte dos casos, inexistente, catalogação dos documentos, faz crer que o panorama não seja tão sombrio e que parte das fontes cujo paradeiro, até hoje, se desconhece, seja dada a conhecer no futuro”. GOUVEIA, Jaime. “O Tribunal Episcopal de Portalegre, 1780 – 1835”. Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, Coimbra, vol.31, 1, p. 61-102, 2018, p. 61.

10. Projeto PTDC / HAR-HIS / 28719 / 2017. https: / / www.uc.pt / fluc / religionAJE

11. Para ficarmos com as próprias palavras postas na apresentação do projeto Religião, administração e justiça eclesiástica no Império Português (1514-1750) – ReligionAJE, em seu endereço eletrônico.

12. Veja-se as reflexões apresentadas em BETHENCOURT, Francisco. Rejeições e polémicas. In: MARQUES, João Francisco; GOUVEIA, António Camões. História Religiosa de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000, Vol. 2, p. 49-94.

Belém, Teresina, Lisboa, 11 de setembro de 2020.

Antonio Otaviano Vieira Junior

Ferdinand Almeida de Moura Filho

Susana Bastos Mateus


VIEIRA JUNIOR, Antonio Otaviano; MOURA FILHO, Ferdinand Almeida de; MATEUS, Susana Bastos. Apresentação. Contraponto, Teresina, v. 9, n. 1, jan / jun, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Historia de las Emociones y Emociones con historia/Anuario del Instituto de Historia Argentina/2020

La historia de las emociones no tiene una larga tradición para reivindicar, como sí ocurre con otras áreas de la historiografía. A pesar de su juventud ha experimentado un desarrollo exponencial, que redundó no solo en un frondoso repositorio de publicaciones sino también en la consolidación institucional del campo con la creación de centros de investigación de prestigio internacional.1 En la actualidad existen tres instituciones que lideran la investigación desde Alemania (Geschichte der Gefühle – Max Planck Institute für Bildungsforschung), Gran Bretaña (Center for the History of Emotions – Queen Mary University) y Australia (ARC – Center of Excellence for the History of Emotions). Hace tiempo que, por fuera de esas instituciones, en universidades europeas y norteamericanas surgieron espacios de investigación de diferente magnitud que consolidaron perfiles propios a partir de enfoques específicos y con recortes temáticos y cronológicos particulares.2 Más que de una historiografía de las emociones, en América Latina deberíamos hablar de un campo de estudio en construcción del que participan –con diferente intensidad e influjo sobre sus disciplinas– la sociología, la antropología, la filosofía, la literatura y la historia. Como en otras latitudes, también aquí los investigadores realizan esfuerzos asociativos confluyendo en redes y grupos de estudio como el Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoçoes (Brasil), Grupo de Estudios sobre Sociología de las Emociones y los Cuerpos (Argentina),3 el Núcleo de Estudios Sociales sobre la Intimidad, los Afectos y las Emociones (Argentina), o la Red Nacional de Investigadores en los Estudios Socioculturales de las Emociones (México). Leia Mais

Entre anarquistas y peronistas. Historias a ras del suelo | Agustín Nieto

Agustín Nieto es un referente en los estudios sobre la comunidad de trabajadxres de la industria de la pesca en Argentina. En el libro aquí reseñado, la propuesta no solo nos sumerge en un estudio que amplía las fronteras del conocimiento sobre como lxs trabajadorxs son afectados por el proceso productivo, las prácticas laborales, el modo en que se despliegan las interacciones territoriales, sus dilemas ideológicos y, un tema central, los modos de relación con el/los peronismo(s); sino que, además, este conocer es conocer de otro modo, desde una perspectiva original y contemporánea. Con desigual intensidad, pero con destellos sublimes, el libro de Nieto logra una narrativa desde una propuesta est(ética) con, por lo menos, dos dimensiones de lectura. Una analítica, ya conocida por quienes lo leemos y que reafirma la pasión y destreza para el oficio de historiar los devenires de las clases con el grosor de sus carnaduras prácticas y simbólicas. Pero hay otra, que emerge en momentos precisos, y con un tempo autónomo, que resignifica a cada capítulo la totalidad. Esta segunda dimensión, una voz en primera persona –Agustín como productor de un discurso historiográficose preocupa también por describir situado en cada paso en el desarrollo de su historiar, aquello que no fue. Es una voz que desarticula, que denuncia y problematiza las faltas (de documentación, pero también de voces y memorias) y las dificultades a las que se enfrenta el historiador que intenta contar la y desde la subalteridad, así como las estrategias desplegadas para anteponerse a los escollos del método dominante, aquel que narra la historia de los vencedores. Esta voz, insistimos, habilita un proceso de lectura reflexiva que rompe con la presunción de un discurso cerrado (una totalidad lógica) como fórmula preestablecida de validación científica en ciencias sociales. Entonces, a no confundir, no se trata de una impostura de corte “confesional” ensayando una justificación por la tarea que falta realizar –apartado conocido y legitimado por el manual del buen cientista social- sino un historiar que reclama virtud en la abierta exposición de las sinrazones, las oscuridades, los ocultamientos y las carencias del discurso en su armarse y (re) armarse. Una propuesta, entonces, tan historiográfica como pedagógica que es fragmentaria, incompleta, pero sólo porque es honesta y consecuente con una genealogía de los oprimidos. Que, como se evidencia en el resultado de este libro, si tienen voz, memorias, identidades y una vasta experiencia de organizaciones y luchas. Volvamos al contenido analítico y una breve descripción de los recortes sobre los que posa la mirada Nieto para describir “a lxs trabajadorxs del pescado en su hacerse y deshacerse clase” en Mar del Plata en la segunda mitad del siglo XX. En el primer capítulo Hito en la formación de una comunidad y una identidad obrera, luego de una reseña sobre la actividad de la industria del pescado, una sólida caracterización del mercado de fuerza de trabajo (dimensión que retorna en otros capítulos) y los rasgos del proceso de trabajo en la industria, se aboca a la descripción de la formación del sindicato de pesca (SOIP) describiendo el proceso de organización y lucha que cristaliza en la huelga general que inicia en septiembre de 1942. Además de una atrapante descripción densa de la huelga y los posicionamientos de los actores (UOL, CGT, Industriales, poder político municipal y provincial), es destacable la pesquisa sobre las transformaciones del discurso anarquista en su posicionamiento político-sindical y, especialmente, en relación al estado. Retomando una pregunta clásica de los estudios sobre movimiento obrero a mediados del siglo XX en Argentina, postula la emergencia de una nueva guardia anarquista que denomina anarquismo negociador. Esta posición –interpretoproblematiza las nociones que sustancian al sindicalismo negociador como un tipo particular de ideología o, en su variante, de práctica sindical no ideológica, habilitando una distancia analítica entre ideología y cambios más estructurales en el sindicalismo respecto a las estrategias de acción o posicionamiento ante el estado. Leia Mais

El pasado como recurso, los recursos al pasado: historia, memoria y política en espacios sociales situados en la Argentina | Cuadernos de Historia – Serie economía y sociedad | 2020

Los cinco trabajos presentes en este dossier titulado “El pasado como recurso, los recursos al pasado: historia, memoria y política en espacios sociales situados en la Argentina” pueden constituirse tanto en una demostración de los diferentes problemas e intereses que habitan, de modo plural, las indagaciones de la historia de la historiografía en la Argentina en la actualidad, como en evidencias de enfoques posibles en el devenir cada vez más dinámico y complejo de sus conceptualizaciones y avances empíricos. En distintos estudios ya se ha enunciado cómo la historia de la historiografía ha ido desenvolviendo estaciones intelectuales que incorporan renovadas preguntas y abandonan progresivamente antiguas o clásicas consideraciones sobre el objeto de predilección: la escritura de la historia y los historiadores en términos esencialistas.1 En ese decurso, por cierto no lineal ni progresivo, el espectro de objetos de investigación posibles, si bien no renuncia a dar cuenta del derrotero disciplinar de la historia en el tiempo, define mayor interés por las prácticas sociales, culturales y políticas que remiten al pasado o lo hacen suyo en la consecución de una eficacia material o simbólica.

En lo que respecta a la Argentina, particular interés han despertado las indagaciones que intentan recobrar las posibilidades, densidades y comportamientos de las dinámicas de las historiografías locales, provinciales y regionales.2 Este cauce insinuado por los recientes estudios, obedece en buena medida a la necesidad de documentar y brindar alternativas interpretativas a la evidente centralidad historiográfica ejercida por Buenos Aires, en tanto nodo central y hegemónico de las políticas de la historia, en una larga duración que puede ubicarse desde mediados del siglo XIX hasta la actualidad. Así, distintos historiadores en, por lo menos, los últimos veinticinco años, han venido ofreciendo un conjunto de investigaciones capaces de habilitar miradas cada vez más complejas y dialógicas acerca de la manera en que se fueron delineando espacios, escrituras, agencias y conflictividades en torno a la fragua de la memoria, la historiografía y las representaciones del pasado en diferentes espacios de la Nación imaginada desde las provincias y de muy variadas maneras.3 En esos fragmentos que la historia social de la historia viene a dotar de sentido intelectual, deconstructivo y crítico, se juegan las racionalidades de comunidades, instituciones y sujetos portadores de memorias a proyectar colectivamente en el devenir de la modernidad periférica y ante el imperativo del progreso y el ordenamiento social en cada uno de los espacios estudiados. Leia Mais

Vestígios. Belo Horizonte, v.14, n. 1, 2020.

Expediente

ARTIGOS

TRADUÇÃO

PUBLICADO: 2022-04-21

Infancias. La narrativa argentina de HIJOS | T. Basile

Teresa Basile es Doctora en Letras, miembro del Comité Científico e Investigadora del Centro de Teoría y Crítica Literaria (IdIHCS-CONICET) y Profesora Adjunta Ordinaria en la Universidad Nacional de La Plata [1]. Sus trabajos abordan los vínculos entre literatura, política y memoria en las producciones literarias de las últimas décadas. En esta oportunidad, Basile se interesa por los hijos/as de los militantes revolucionarios que también fueron víctimas de la última dictadura militar (1976-1983). Analiza sus narrativas ofreciendo un panorama exhaustivo de las producciones culturales sobre infancias atravesadas por el terrorismo de Estado. Si bien es un trabajo que aborda los procesos históricos principalmente desde la literatura, resulta una innovadora perspectiva para quienes estudiamos la historia reciente y estamos interesados en la segunda generación en la post dictadura. Leia Mais

História Econômica e Social do Estado de São Paulo 1850-1950 | Francisco Vidal Lun e Herbert S. Klein

Em 1950, São Paulo era o mais importante centro econômico populacional do país. No século XXI, o estado de São Paulo poderia ser classificado como a 36a maior economia do mundo em termos do PIB gerado (450 bilhões de dólares, em 2010) e a 31a nação do mundo, em termos da população (41,2 milhões, em 2010).

Essas constatações, trazidas por Luna e Klein nas primeiras páginas do livro, tornam-se mais surpreendentes e contrastantes, quando os autores destacam que, um século antes, em 1850, São Paulo não tinha qualquer relevância econômica, populacional e política no Império ou na nação brasileira. Em menos de um século, São Paulo ascendeu à principal estado do país, posição consolidada com a República. Leia Mais

Colonos do Café | Maria Sílvia Beozzo Bassanezi

A leitura do livro Colonos do Café é fluida e agradável. De imediato, é como se o leitor entrasse num túnel do tempo e espiasse a vida de trabalhadores e trabalhadoras na faina do café em uma fazenda paulista no tempo de dantes, parafraseando Maria Paes de Barros (1998).

O trabalho em uma propriedade rural modelo, a fazenda Santa Gertrudes, é o eixo central da obra. Os números e valores referentes ao montante de trabalhadores e à produção cafeeira da fazenda são significativos e justificam, por si só, uma análise pormenorizada. No entanto, o que nos deparamos é com uma pesquisa acurada e meticulosa dos trabalhadores que formaram o complexo e diverso universo da fazenda. À dura labuta de sol a sol de muitos homens e mulheres envolvidos na produção cafeeira, é possível vislumbrar, ademais, a história e as particularidades da fazenda, informações sobre a produção cafeeira e as múltiplas experiências cotidianas de seus colonos. Leia Mais

Victoria Ocampo/cronista outsider | María Celia Vázquez

Victoria Ocampo es uno de esos personajes del campo cultural argentino que pocas veces amerita presentación. Si bien es conocida sobre todo por su rol de mecenas o gestora cultural desempeñado como directora de la revista Sur -el proyecto que hegemonizó por unos 30 años el sentido del gusto literario en nuestro país-, la figura de Ocampo trasciende ampliamente el conocimiento especializado, pero casi siempre a partir de este punto de vista, casi como un lugar común. En menor medida, esta perspectiva ha sido acompañada por el estudio del corpus comprendido por sus ensayos autobiográficos. Pues bien, es a este punto de inicio donde nos lleva a barajar y dar de nuevo Victoria Ocampo, cronista outsider de María Celia Vázquez. Esta serie de ensayos críticos que conforma el libro condensan la extensa y profunda investigación que desarrolló su autora por más de diez años, y que en lugar de ampliar líneas de investigación previas en la materia, propone una torsión de base: su objeto de estudio ya no será la Victoria Ocampo gestora, sino la escritora; con una vuelta de tuerca más, tampoco será la escritora de estilo autobiográfico, sino aquella que desarrolló una zona textual signada por modalidades de la escritura periodística. Leia Mais

El último cacique en resistencia. Valentín Sayhueque/Nordpatagonia (1870-1910) | Sofía Stefanelli

El libro que aquí se reseña ha sido prologado por el Dr. Enrique Mases y reúne una introducción, cinco capítulos que recorren las características de las sociedades nativas a fines del siglo XIX y las readaptaciones de sus últimas jefaturas frente al avance del estado sobre las fronteras indígenas dedicando particularmente estudio a las relaciones y acciones en torno al “Gobernador indígena de las Manzanas y Principal de los Guilliches”, Valentín Sayhueque y reflexiones finales. Leia Mais

La renovación de la izquierda chilena durante la ditadura | Mauricio Rojas Casimiro

El libro La renovación de la izquierda chilena durante la dictadura es la investigación más exhaustiva que se ha publicado sobre el proceso de renovación. A través de sus más de quinientas páginas, Rojas Casimiro nos propone una lectura panorámica de una evolución compleja, pasando por textos de los propios partidos políticos, testimonios de los protagonistas e interpretaciones académicas contemporáneas. A menos que haya una nueva edición (donde se pueda incluir textos como las memorias de Ricardo Núñez publicadas con posterioridad a este libro), quizás estamos frente a una de las investigaciones definitivas sobre este proceso. Una de las virtudes del texto está en ampliar su alcance a la izquierda en su conjunto. Rojas Casimiro no limita la renovación sólo a los partidos de matriz socialista, sino que interpreta lo vivido por el Partido Comunista también como un proceso de renovación, lo que sugiere una relación de covarianza en el marco de las diversas perspectivas asumidas por la izquierda en la búsqueda de una salida a la dictadura. Lo anterior, integra la polémica política militar de los comunistas, desmintiendo implícitamente la historia lineal presentada por quienes sostienen temerariamente que la dictadura fue vencida con un lápiz y un papel (cf. Lagos 2013). Por otra parte, el cristianismo de izquierda aparece como un lugar privilegiado para la articulación y encuentro entre tendencias. Entre las fuerzas asociadas al humanismo cristiano, se destaca el rol de ambos MAPU. En su espectro, desfilan quienes se podría considerar como la renovación en estado puro, los mismos que conformarán la elite de la futura Concertación de Partido por la Democracia. La descripción de su actuar, los muestra en la primera línea del proceso toda vez que sus miembros son conscientes de su rol de articulación de la nueva izquierda emergente, con especial centralidad en la definición de los nuevos idearios y la transición hacia ajustados sistemas de creencias sobre los que proyectar una política de nuevo tipo más pragmática y moderna. La autoinmolación que representa la disolución voluntaria de estos partidos devela tanto su rol mesiánico en el desarrollo del área socialista como la consciencia de su condición de liderazgo en la nueva elite política. En lo relativo al Partido Comunista, la postura de Rojas Casimiro reafirma una visión ampliamente compartida asociada al desface de su línea política respecto al momento político del país. Sin embargo, se integra una nueva capa (considerando sobre todo las investigaciones de Rolando Álvarez) desde la cual se puede observar un lento, hermético, limitado y no lineal proceso de renovación y apertura a nuevas formas de ejercer la política interna y externamente. El Frente Patriótico Manuel Rodríguez ya no aparece como una aventura dogmática de un partido marxista-leninista que responde a las expectativas de sus pares en el campo socialista europeo, sino como un camino de deliberación con grandes diferencias internas que destrabó un sistema de toma de decisiones anquilosado y centralizado en extremo. No obstante, en nuestra opinión, la lectura del autor sobre el impacto de la política militar del Partido Comunista sobre la forma que tomaría la recuperación de la democracia no reconoce el valor democrático del FPMR original ni el hecho de que su política se sustentó sobre una “intuición” a la postre correcta: “que la dictadura había conseguido crear su propio ‘régimen de transición'” (Moulián 1997, p. 269). En el centro del área socialista, el Partido Socialista de Chile se presenta a lo largo del libro como el principal objeto de la renovación, antes de ser un actor y sujeto unitario de la misma. Tanto su centralidad en el Gobierno Popular de Salvador Allende y su tradicional tendencia a generar facciones internas, como la disgregación posterior al golpe militar que acentúa las diferencias entre estos grupos militantes hasta volverlas irreconciliables durante la primera mitad de la dictadura, configura un campo especialmente complejo para el desarrollo de una renovación coherentemente intencionada. Los lectores agradecerán la perspectiva panorámica de las corrientes y grupos, así como la descripción pormenorizada de los cambios de visión estratégica de las facciones “no renovadas”. Destaca del texto la valoración del aporte de los tres exsecretarios generales socialistas que ayudan a asentar la renovación entre las bases como tesis de la reunificación del Partido: Aniceto Rodríguez, Raúl Ampuero y Carlos Altamirano. En ellos, más que en otros grupos de renovados, se hacía presente el “rescate” en la lógica de que la renovación era la actualización de la tradición socialista chilena. Aniceto Rodríguez, representante de la Tendencia Humanista, defendió la renovación sin rechazar el marxismo; Raúl Ampuero, organizador de los seminarios de Ariccia que permitieron la convergencia con sectores del humanismo cristiano, “no descartó a priori el uso de la fuerza” (Rojas 2017, p. 391) si esta reducía el costo humano; y Altamirano, el antiguo líder del PSCh durante el Gobierno Popular, abogó por una renovación radical que apuntara a la profundización de la democracia en la línea, nuevamente, del humanismo socialista anterior al golpe de Estado. Los exsecretarios representan para la historia del socialismo chileno en dictadura aquel acervo programático que se terminaría por diluir en lo sucesivo: la radicalidad y la audacia de pensar a la renovación como una forma de rescate y no como una velada claudicación. Un elemento especialmente relevante para comprender las dos almas presentes en los gobiernos de la Concertación, es la descripción de la consolidación del Partido Por la Democracia (PPD) como un fracaso de la renovación entendida como un proceso de continuidad de la tradición socialista chilena. Con la separación de la renovación en dos cuerdas paralelas “fracasó el objetivo político de los renovados: hacer del PPD el denominador común del área socialista” (p. 495). Hoy, esta diferenciación se puede evaluar a la luz de las posiciones de estos partidos frente a las transformaciones más emblemáticas exigidas por el actual campo de la izquierda chilena, frente a las cuales el PPD se muestra como el partido del área socialista más cercano al centro. La principal debilidad de la investigación de Rojas Casimiro está en su vocación descriptiva por sobre su función crítica. Se echan en falta aquellas posturas y voces que han descrito a la renovación en retrospectiva como una transformación del ideario político de la izquierda menos homogéneo de lo que parece en el texto. Destaca a este respecto las categorías de “renovación”, “postrenovación” y “ultrarenovación” que propuso Jorge Arrate, dentro de las cuales la “renovación” habría sido un proceso acotado e internamente divergente, superado y contravenido en su signo político por buena parte de sus pretendidos defensores. Actualmente, siguiendo la jerga de Arrate, es cada vez menos controversial sostener que la ultrarenovación en la que devino el proceso se convirtió en un rechazo al socialismo y no en un rescate o actualización del mismo. A nuestro parecer, el texto no dedica suficiente espacio para esta evaluación, proyectando la imagen de una evolución convergente sin mayores costos programáticos. El texto de Rojas Casimiro es un insumo invaluable para enfrentar las preguntas del quehacer político actual en el marco de una comprensión más rica y amplia de sus rupturas y continuidades. Si bien, la descripción del proceso de renovación es condescendiente con la generación que construyó nuestra débil democracia acomodando sus expectativas a los horizontes impuestos por la dictadura, al mismo tiempo nos provoca e induce a reflexiones sobre el sentido de futuro de este quehacer: “¿Cuándo la izquierda chilena propondrá un proyecto novedoso?” (Rojas 2017, p. 503). Tras perder las últimas elecciones presidenciales y disminuir el peso parlamentario de los partidos tradicionales del “área socialista”, esta parece ser la pregunta matriz a la que debe responder su militancia, situada hoy en un largo descampado de ideas programáticas y de cara a un futuro poblado por nuevas fuerzas alternativas que reclaman la tradición socialista, como los partidos y movimientos reunidos en el Frente Amplio. En palabra de Rojas Casimiro, “quizás, dicho sector, necesitará -como señala la teoría del conflicto- un brusco cambio generacional que abra paso a nuevos dirigentes e ideas” (Rojas 2017, p. 503), a lo que podríamos agregar el hondo sentido de urgencia reflejado en el dilema actual de sus orgánicas internas: un brusco cambio generacional o un declive definitivo. Leia Mais

Telefonistas. Las obreras torturadas durante el primer gobierno de Perón | M. Luna

Desde el momento de su gestación, y a lo largo de las décadas siguientes, el peronismo concitó la atención de los estudiosos sociales. Durante los años contemporáneos y posteriores a las dos presidencias de Perón se construyeron relatos en vistas a explicar los orígenes y las características particulares de este movimiento político. Numerosos científicos sociales en general, e historiadores en particular, estudiaron y expusieron un gran número de aspectos, contando entre ellos la trayectoria de Perón, los vínculos de aquél y del partido con la Iglesia, con el Ejército, con los empresarios, con los terratenientes, y con los sindicatos, las relaciones con el movimiento obrero en general y con la vieja guardia sindical en particular, la innovadora legislación laboral y la política económica. Leia Mais

El poder femme. Virginia Woolf/Simone de Beauvoir y Victoria Ocampo | José Amícola

Este libro digital1 se nos presenta como resultado material de un arduo trabajo realizado por el doctor José Amícola a lo largo de varios años. Las ideas centrales han sido estudiadas y expuestas en diversos seminarios que ha brindado en las universidades de La Plata (UNLP), de Mar del Plata (UNMdP), Santa Rosa (UNLPam) y Viedma (COMAHUE-CURZA). Es así que nos entrega un estudio profundo y sistematizado que hace dialogar a tres destacadas figuras femeninas del campo de las letras de la primera mitad del siglo XX: Virginia Woolf, Simone de Beauvoir y Victoria Ocampo, quienes logran alzar su voz en espacios masculinos. Amícola explica en la “Introducción” que la Comparatística y los Gender Studies (Estudios de Género) lo proveen de bases sólidas y actuales para abordar el estudio de estas figuras con relación al sistema-género imperante en sus épocas. Nos propone tres conceptos clave en su estudio: “reacción”, “comunidades interpretativas excluyentes” y “sistema-género”. La reacción es entendida como respuesta creativa a textos anteriores y a situaciones planteadas por la sociedad (p. 13) y funciona para comprender las acciones e ideas de estas mujeres como emergentes relacionados a su contexto. Las comunidades interpretativas excluyentes parten del concepto de “campo intelectual” de Bourdieu (p. 14) y se refieren a grupos cerrados con el poder ser, tanto exclusivos como excluyentes. Su frontera permite el ingreso de aquellos considerados dignos y pares, mientras que rechaza a otros que no cumplen estas condiciones; por supuesto, las fronteras no son estables ni rígidas y habrá sujetos que fluctúen entre el adentro y el afuera. Son interpretativas pues proponen su propia percepción de la realidad, que luego se convertirá en predominante (p. 15). Finalmente, el sistema-género permite plasmar la oposición masculino-femenino como elemento que rige los comportamientos de hombres y mujeres a partir de la división de géneros, en la que siempre lo masculino se presenta como superior y lo femenino como subordinado. Leia Mais

El marxismo en México. Una historia intelectual | Carlos Illades

“No hay gobiernos cartesianos, guerrilleros platónicos, ni sindicatos hegelianos” constata Terry Eagleton, esta certeza también es el punto de partida del último libro de Carlos Illades. En El Marxismo en México. Una historia intelectual se reconstruye el desarrollo de una corriente de pensamiento que sí fundamentó gobiernos, inspiró movimientos emancipatorios en todo el mundo y estuvo en las entrañas de la formación de organizaciones políticas, culturales y de trabajadores en México. El investigador de la Universidad Autónoma Metropolitana presenta el primer estudio histórico general —tanto por su sistematicidad como arco temporal— del marxismo como corriente de pensamiento en la tierra de Vicente Lombardo Toledano y José Revueltas. El Marxismo en México avanza los estudios de Illades sobre la historia intelectual y social de la izquierda mexicana. El autor previamente publicó Hacia la República del Trabajo (1996), en el cual trazó los orígenes de la cuestión social y la acción colectiva de los trabajadores y artesanos decimonónicos; en Rhodakanaty y la formación del pensamiento socialista en México (2002) y Las otras ideas (2008) asentó la introducción y desarrollo de los postulados del socialismo a partir de la segunda mitad del siglo XIX; De la Social a Morena. Breve historia de la izquierda en México (2014) fijó la periodización histórica de la corriente política hasta la actualidad; mientras en la Inteligencia Rebelde (2011) delineó los debates fundamentales de la izquierda nacional a lo largo de la segunda mitad del siglo XX a partir de sus principales revistas (Cuadernos políticos, Coyoacán y Economía y Sociedad). El sólido trabajo de Carlos Illades sobre la historia de la izquierda en México, fraguado en más de 25 años de estudio, queda de manifiesto con las dos obras que flanquean a El marxismo en México, la compilación Camaradas. Nueva historia del comunismo en México (2017) y El futuro es nuestro. Historia de la izquierda en México (2018). A pesar de ser una obra que se inserta en un itinerario intelectual más amplio, el último libro de la profusa producción del miembro de la Academia mexicana de la historia, se lee como una unidad armónica y coherente en sí misma. El libro semeja una brújula, ya que funciona para ubicar generaciones, ideas, traducciones, movimientos sociales, trayectorias militantes, instituciones, debates y combates dentro del marxismo en México; en palabras del propio autor, la finalidad es que “[…] sirva para quienes se interesen en la tradición marxista, que funcione como instrumento para identificar temas, autores, problemas, obras y enfoques […]”1. El Marxismo en México. Una historia intelectual logra su objetivo. Illades construye la obra a partir de la conceptualización gramsciana de intelectual orgánico2. La descripción de la labor que los marxistas mexicanos desarrollaron desde la década del treinta del siglo XX, lo lleva a dar cuenta del desarrollo del Estado mexicano y sus aparatos ideológicos; la estructura socio-económica de las sociedades prehispánicas; la función de las universidades y la ciencia en México; la división social durante la Colonia; el “ser” del mexicano; el lugar de la clase obrera; el Cardenismo; el movimiento de 1968 y las interpretaciones sobre la democracia en México. Un espacio central es ocupado por los debates, caracterización y consecuencias de la Revolución mexicana y el régimen que de ella se malogró. Es así como la historia intelectual que nos propone el autor para abordar las trayectorias del marxismo en México, se entrelaza — como buen escudriñamiento de ideas— con un gran cumulo de dimensiones políticas, sociales y culturales del contexto mexicano e internacional. Para dar cuenta de todas estas dimensiones con coherencia, el libro sigue un orden generacional en su exposición. El autor ubica cinco generaciones de marxistas en México: la de los pioneros que tuvieron como referentes a la Revolución rusa y la Tercera Internacional; los humanistas que reinterpretaron las verdades del Diamat a la luz de la Revolución cubana, el joven Marx y el antimperialismo; la generación de la década del setenta que vinculó marxismo y ciencias sociales; los críticos que repensaron el marxismo a partir de nuevas lecturas de El Capital y a las luz del 68 mundial, las dictaduras latinoamericanas, el eurocomunismo y el ascenso de las luchas sociales y políticas nacionales; por último, Illades, da cuenta de la generación de marxistas que vivió y pensó la derrota producida por la caída del muro de Berlín, el ocaso de las organizaciones socialistas en México y la hegemonía neoliberal. Entre los marxistas analizados — y autores de referencia — a lo largo de esas cinco generaciones se podrá encontrar agudos comentarios sobre la obra e ideas políticas de Vicente Lombardo Toledano, Wenceslao Roces, José Revueltas, Adolfo Sánchez Vázquez, Eli de Gortari, Pablo González Casanova, Alonso Aguilar Monteverde, Ángel Bassols Batalla, Enrique Semo, Arnaldo Córdova, Adolfo Gilly, Jorge G. Castañeda, Ruy Mauro Marini, Carlos Pereyra, Bolívar Echeverría, Roger Bartra, Adolfo Sánchez Rebolledo y Alfredo López Austin. Tal o cual más pudo ser omitido, si bien es precisamente la intención del libro abrir senderos de reflexión para situarnos en el análisis, más que llegar a juicios concluyentes sobre la familia (díscola) que conforma históricamente al marxismo mexicano. Las ideas, desarrollo y debates del marxismo en México son enmarcados en un contexto global que introduce tendencias, conexiones y redes internacionales para entender los postulados y preocupaciones nacionales. En esa medida el lector de El Marxismo en México encontrará información sobre la Academia de Ciencias de la URSS, Elmar Alvater, la invasión de Bahía de Cochinos, Rudolf Bahro, la Biblioteca de pensamiento socialista de Argentina, la Comuna de Paris, el Che Guevara, el Buro latinoamericano de la Cuarta Internacional, la École Normale Supérieure, Solidarność, Orlando Fals Borda, el Partido Comunista Italiano, la Revolución alemana de 1923,Rudi Dutschke, el XX Congreso de PCUS o Gerard Pierre-Charles, entre muchos más. El marxismo en México viene a llenar un hueco dentro de la historiografía sobre el pensamiento de izquierdas en México. El libro de Illades cumple una función para el ámbito nacional equiparable a los clásicos de Perry Anderson que situaron las continuidades y transformaciones del marxismo como teoría social crítica en el mundo occidental, principalmente en Estados Unidos y Europa occidental3. En los últimos capítulos de la investigación también se entrevé un uso del texto como bisagra histórico-analítica, al conectar a las generaciones clásicas del marxismo mexicano con desarrollos analíticos, problemas actuales y nuevas propuestas teóricas. En ese sentido, también la obra se emparenta con las aportaciones que Göran Therborn y Razmig Keucheyan hicieron a la izquierda en el plano internacional después de la recesión de 20084. Al cumplir esta doble función, El marxismo en México. Una historia en intelectual suma reflexiones para volver a hilvanar el “hilo rojo” que estaba bastante deshilachado después de la crisis del socialismo realmente existente, la imposición del sentido común neoliberal y la implosión del campo cultural de la izquierda en México. Al poco tiempo transcurrido del bicentenario de Karl Marx, el mejor regalo que le podemos hacer es releer su obra junto a los desarrollos marxistas subsecuentes, para afrontar los graves problemas de nuestro presente. La reedición de El Capital por el Fondo de Cultura Económica o la nueva compilación de las obras completas de pensador de Tréveris van en ese sentido. En la misma lógica, la obra de Carlos Illades reconstruye una historia general del marxismo como pensamiento para la acción política y la organización social, al presentarnos una constelación de ideas y autores que en México incorporaron los tópicos, herramientas analíticas e intereses del fundador del marxismo; ideas que sirvieron para explicar su presente, conocer el pasado nacional y ensayar cambiar el futuro. Leia Mais

Paidéi@. Santos, v.12, n.21, 2020.

Editorial

Artigos Científicos

Relato de Experiência

Paidéi@. Santos, v.12, n.22, 2020.

Editorial

  • Editorial
  • Eliana Nardelli de Camargo
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Artigos Científicos

Artigos de Revisão

La Comintern y América Latina: Personas/ Estructuras/Decisiones | Lazar S. Jeifets, Víctor L. Jeifets

El gran reto de los estudios sobre los organismos internacionales consiste en es establecer un equilibrio entre el análisis institucional y narrativo. Quizás, esta tarea vuelve especialmente difícil en el caso de investigaciones acerca de la historia del comunismo. Debemos tomar en cuenta que apenas una ligera línea separa las actividades de protagonistas y las estructuras de la III Internacional, tanto a nivel mundial como a nivel regional. El creciente interés presente entre los académicos rusos hacia la evolución de la izquierda latinoamericana podría no solo ser una herramienta de los estudios históricos, sino contribuir también al entendimiento más pormenorizado de las bases de la política exterior rusa en la región, a la investigación profunda de los raices de la izquierda nacional y sus dimensiones regionales y globales. Desgraciadamente, la cantidad de estudiosos sobre el tema aún no llegó a ser muy significativo, lo que se explica por la percepción de América Latina como un lugar algo ajeno e irrelevante para el comportamiento internacional de la URSS antes y después de la Segunda Guerra Mundial visto en términos del Realpolitik. Una excepción de esa tendencia es el libro recién publicado de Lazar y Víctor Jeifets quienes demuestran el largo camino de la Tercera Internacional para instalar sus bases en América Latina, coordinarlas, disciplinarlas y dirigirlas hacia el reto de lograr una revolución mundial. El texto es resultado de varias décadas de estudios municiosos en los archivos sobre el proceso de la fundación de los partidos comunistas latinoamericanos y sus relaciones con el Comité Ejecutivo de la Comintern (CEIC) y el liderazgo bolchevique. Leia Mais

El afrancesamiento en la España contemporánea: de la política al gusto/Estudios de Historia de España/2020

El objetivo del dossier es el estudio del afrancesamiento en la España contemporánea, es decir de la promoción política, cultural, económica y social de los modos y maneras francesas. Fue un fenómeno que afectó a la historia y la realidad españolas de muy diversas maneras, siendo el influjo extranjerizante un hecho por otra parte celebrado y denostado, por las élites, las clases medias y el pueblo llano, según la ocasión. A la comprensión de este complejo proceso cultural, que concernió a las mentalidades, los gustos, la sociabilidad, el arte, las modas, la política y el debate público, especialmente desde la llegada de los Borbones a la corona española en 1700, se dedica este monográfico, firmado por un equipo internacional. Leia Mais

Opinião pública e instituições políticas nos períodos moderno e contemporâneo / Dimensões / 2020

O dossiê que o leitor tem em mãos, intitulado “Opinião pública e instituições políticas nos períodos moderno e contemporâneo”, tem o propósito de refletir acerca do surgimento da opinião pública, de sua transformação e do seu papel na transmissão de demandas e posicionamentos dos cidadãos para a elite política, em sistemas políticos complexos.

Trata-se, portanto, de trazer à luz as diversas temáticas vinculadas à participação política nos espaços institucionais (das mais diferentes matizes), nos períodos moderno e contemporâneo. Procura-se, nessa direção, examinar o papel da Imprensa, dos movimentos sociais, dos intelectuais, dos partidos políticos e demais organizações congêneres, que, no curso da história, estiveram apoiados no estoque de ideias, percepções da realidade, justificativas, bem como em visões de mundo, e que contribuíram para conformar uma determinada ordem institucional.

Diante desse ponto de partida, o dossiê é inaugurado pelo artigo assinado por Josemar Machado de Oliveira e Ueber José de Oliveira, no qual procuram analisar a opinião pública desde a origem da expressão, na Europa Ocidental, entre os séculos XVI e XVIII, passando pelo século XIX, quando do surgimento das modernas democracias de massas, até a sua materialização tardia na realidade política brasileira, processo este que se dá de modo extremamente acidentado e errático. Procura demonstrar que essa tardia e retardatária formação ocorreu graças à tradição autoritária do país.

Em seguida, no segundo item, Júlia Leite Gregory trata do processo de construção dos Estados Nacionais ocorrido na América Espanhola, durante o século XIX. No texto, afirma que tal processo foi pautado por ideais europeus, que concebiam a América Latina como um lugar de barbárie, e que, com o intuito de transformar essa visão, os nascentes Estados nacionais latino-americanos procuraram atrair imigrantes europeus que pudessem promover um incremento populacional, buscando um outro patamar de civilidade. Procura demonstrar que tal processo redundou em tensões e crises sociais diversas, provocadas pela exclusão dos indígenas e dos segmentos menos abastados.

O terceiro texto, assinado por Higor Codarin, trata da constituição de um ethos revolucionário pelos militantes da esquerda armada brasileira. Faz opção por analisar a trajetória do Movimento Revolucionário 8 de Outubro, buscando compreender como os militantes da esquerda armada, partícipes da geração de 1968, construíram uma perspectiva revolucionária coletiva e individual, consolidando uma maneira específica de agir, baseada em certos valores éticos.

Em seguida, Dulce Portilho Maciel, Lígia Maria de Carvalho e Fernando Lemes, tratam da implantação de grandes estradas de rodagem na região da Amazônia, no norte do Brasil, durante a década de 1970. Enfatizam como a estratégia do regime autoritário em basear suas ações em grandes edificações, levou ao incremento de um espaço nacional integrado, embora eminentemente desigual.

No quinto tópico, David Anderson Zanoni trata da cobertura realizada pela Revista Veja a um escândalo político internacional ocorrido no ano de 1986. Trata-se da negociação de armas com membros do governo do Irã e o desvio de dinheiro durante o Governo Reagan, com a finalidade de promover ações do grupo paramilitar da Nicarágua, os então denominados “contras”. O autor se propõe a analisar como o periódico brasileiro tratou desse tenso momento político dos EUA.

Por fim, nem por isso menos importante, no último artigo que compõe o dossiê, Raphael Coelho Neto analisa a noção de intelectual presente na revista cultural Araucaria de Chile (1978-1990), periódico criado por intelectuais daquele país, os quais encontravam-se exilados pelo Governo de Augusto Pinochet (1973-1990), momento também marcado por ditaduras em quase todos os países do Cone-sul. Trata do caráter de resistência adquirido pela Revista, focando na maneira pela qual concebiam, naquelas condições adversas, a função do intelectual latino americano.

Para finalizar a presente apresentação, devemos destacar que a edição conta ainda com uma seção de artigos livres, que aborda diferentes temáticas do campo historiográfico. Ademais, vale frisar que o conjunto de textos reunidos neste dossiê, não tem a intenção de propor conclusões definitivas acerca da ideia e da prática da opinião pública.

Pelo fato de compreender um campo extremamente fecundo de investigações, até pelas diversas variáveis de análise e objetos que enseja, a finalidade desta edição é de, modestamente, abrir novos flancos de pesquisa, novas abordagens, bem como atrair novos pesquisadores interessados na temática. Isso é mais que necessário, sobretudo se levarmos em consideração o atual momento político brasileiro e mundial, quando presenciamos profundas transformações no formato moderno de opinião pública, com desdobramentos ainda totalmente imprevisíveis.

Uma excelente leitura!

Ueber José de Oliveira

Josemar Machado de Oliveira

Os Organizadores


OLIVEIRA, Ueber José de; OLIVEIRA, Josemar Machado de. Apresentação. Dimensões. Vitória, n.44, 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

7 Ensayos sobre socialismo y nación (incursiones mariateguianas) | Diego Giller

Las conmemoraciones suelen ser ocasiones propicias para reconfirmar ciertas adhesiones y dar nuevo impulso a compromisos políticoafectivos. Estas fechas, cuando se enlazan a un nombre propio, a la obra de un pensador, se convierten, además, en oportunidades para recrear su herencia, reactualizar un legado o resignificar la tradición que lo alberga. Los tres gestos convergen en la reciente publicación llevada a cabo por Diego Giller quien, bajo el título de 7 Ensayos sobre socialismo y nación, conmemora los 90 años transcurridos desde la primera publicación de uno de los pocos libros concebidos como tales por José Carlos Mariátegui, 7 Ensayos de interpretación sobre la realidad peruana (1928). La variación en el título es uno de los tantos guiños que el autor nos hace, a nosotros, sus lectores. El libro se compone de siete ensayos, cuatro de ellos del propio Mariátegui, de los cuales dos aparecieron en 1924, el primero en la compilación Peruanicemos al Perú, y el segundo en Temas de nuestra América. Los dos restantes se encuentran, uno, en 7 Ensayos… (1928) y otro, en Ideología y política, libro póstumo que reúne distintas intervenciones del pensador peruano además de ésta fechada en 1929. Los otros tres ensayos que suman siete, corresponden a figuras emblemáticas de nuestro acervo intelectual: René Zavaleta Mercado, Oscar Terán y José María Aricó. El artículo de René Zavaleta representa una gran novedad, pues habiendo sido hallado por Giller en la biblioteca Aricó de Córdoba fue cedido a la editorial boliviana Plural quienes, a su vez, autorizaron su inclusión en el presente volumen. El libro se completa y abre con un muy documentado “Estudio preliminar” a cargo de su compilador. Esta introducción es una invitación amorosa –e inteligente– a la vida y obra de José Carlos Mariátegui. En ella, Giller, nos recuerda los obstáculos que el amauta debió sortear en su intensa y breve existencia. Desde su exilio en Italia, pasando por sus dolencias físicas, hasta las persecuciones sufridas y el encarcelamiento a su regreso a Perú. Ninguno de estos avatares, no obstante, opuso la fuerza suficiente como para disuadirlo de realizar gran parte de su proyecto político intelectual. En efecto, hacia 1926 funda la casa editorial Amauta, en ese mismo año se une a la Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA) comandada por Haya de La Torre con quien rompería hacia1928 para participar de manera activa en la creación del Partido Socialista Peruano (PSP). Como señala Diego Giller, la resistencia a cambiar el nombre de este flamante partido por Partido Comunista, junto a las provocativas tesis mariateguianas sobre la articulación entre realidad nacional peruana y “un socialismo que debe partir del reconocimiento del comunismo incaico” (p. 14), le valieron la enemistad con la Internacional Comunista. Estas circunstancias, entre otras, contribuyen a explicar tanto su voluntad de radicarse en Buenos Aires –interrumpida por el temprano final que encontró su vida–, como el penoso proceso de “‘desmariateguización’ de la izquierda peruana” (p. 17) que siguió a su muerte. Un proceso que implicó el re bautismo del PSP por Partido Comunista Peruano, el cierre de Amauta, y la no reedición de sus obras por varias décadas. La exhumación de su pensamiento se realizó al compás de las inflexiones de la historia. Así, como nos narra Giller en las primeras páginas del libro, una de las primeras reediciones de los 7 Ensayos…coincide con la “crisis del estalinismo” del año 1956; la publicación de su obra completa tiene lugar en Perú, pocos años después de la Revolución Cubana; en vísperas del mayo francés se traduce a aquella lengua los 7 Ensayos; por esa misma época y al calor del gobierno de Velazco Alvarado y Sendero luminoso, su obra es reivindicada en su tierra natal. Y así podríamos continuar, glosando el detallado periplo de estas interpretaciones sobre la realidad peruana. De todo este relevamiento, una fecha en particular se vuelve, para nosotros y para el libro que estamos reseñando, significativa: 1978. Año del 50 aniversario de los 7 Ensayos y, otra vez, ocasión privilegiada para la actualización de un legado. Los nombres del argentino José María Aricó y los peruanos Aníbal Quijano y Flores Galindo, así, en ese orden –en virtud de un criterio cronológico que señala la aparición de distintas obras dedicadas a Mariátegui–, serán fundamentales. Como no podía ser de otro modo, este redescubrimiento se realizará también al compás de otra inflexión histórica, esta vez, menos feliz que la de las revoluciones de la década del ‘60: la derrota del movimiento nacional popular en América Latina. “Es el tiempo del reflujo,” –señala Giller– “los exilios, la crítica de las estrategias foquistas y la lucha armada, la ‘crisis del marxismo’ y la emergencia del eurocomunismo” (p. 20). Este paisaje alojará parte de la obra de este pensador heterodoxo, bajo una clave singular de lectura: el problema de la nación y su articulación con el socialismo y el indigenismo. Una cuestión no del todo elaborada por la tradición del marxismo, una pregunta poco atendida sino subestimada por los referentes del comunismo, y un tema, sin duda, clave, en la disputa por la construcción de hegemonía en nuestros países latinoamericanos. Quién mejor, entonces, que un marxista esquivo y moderno para dar oxígeno a un debate pendiente de la izquierda latinoamericana, y quizás, sobre todo, de la izquierda argentina. Como expone Giller con agudeza “ese mismo problema que lo había convertido en un pensador maldito para sus contemporáneos, lo devolvía, a cincuenta años de su muerte, al centro de la escena” (p. 21). Se trata, podemos decir, de un “centro descentrado”, o bien, de un encuentro ocurrido en ocasión de un violento desplazamiento de quienes tomarían la posta –quizás un poco tardía– de Mariátegui: Aricó, Zavaleta y Terán. Los tres exiliados de sus respectivos países por motivos políticos. Los pormenores que informan cada una de estas biografías, los encontrará el lector en los apartados II, III y IV del “Estudio Preliminar”. Allí se ofrece, en la lengua de una sociología de los intelectuales, un semblante de estos militantes pensadores que hicieron escuela y abrieron surcos en la tradición de los estudios del marxismo latinoamericano. En esas páginas nos reencontramos con el imprescindible rol que Aricó desempeñó en la difusión y renovación “del pensamiento marxista en general y del mariateguiano en particular” (p. 21). Una tarea llevada a cabo mediante su inestimable labor en la revista Pasado y Presente (1963-1965), secundada luego por la editorial Cuadernos de Pasado y Presente (1968-1983) y por su función en la filial argentina de Siglo XXI que se extiende desde comienzos de los años ‘70 hasta el golpe cívico-militar de 1976 que lo obliga al exilio mexicano. Será en estas latitudes donde Aricó dará continuidad –por distintas vías– a su labor intelectual y se abocará a la obra de José Carlos Mariátegui. Aunque su incursión en los textos del peruano data de 1959 –según leemos en el texto de Giller– será hacia 1978 en adelante cuando esta vinculación se intensifique. En aquel año reúne un conjunto de artículos en un volumen titulado Mariátegui y los orígenes del marxismo latinoamericano; doce meses después auspiciará la publicación del libro de Robert Paris La formación ideológica de José Carlos Mariátegui. Junto a Terán organizarán un dossier para la revista Buelna sobre la obra del peruano que “ofició como preludio del Coloquio Internacional ‘Mariátegui y la revolución latinoamericana’” (p. 23) realizado en la Universidad de Sinaloa en 1980 y del cual participaron junto a un puñado de intelectuales de renombre. “El Mariátegui de Aricó es el traductor. Es la figura señera para que el marxismo deje de estar en América Latina y pase a ser de América Latina” (p. 28), afirma Giller. Una vez pasado por el tamiz gramsciano, Mariátegui resulta un pensador desprejuiciado, inquieto, preocupado por la unidad nacional y, luego, por la construcción de lo nacional-popular en un movimiento contra-hegemónico y socialista. El espíritu de Aricó es el de redimir a Mariátegui de la violencia de la operación de “ortodoxia” a la que fue sometida su obra. Aricó se da a la tarea de liberar los significados subordinados en ella para que fulgure –afirma– su lección de método y de realismo, “su manera de proceder para que un saber se abriera al mundo de lo concreto y permitiera develarlo” (p. 156). Si Aricó es el responsable de la publicación del libro de Robert Paris, Terán será el encargado de su traducción. Sus reflexiones en torno a la obra del fundador del PSP darán nacimiento al libro Discutir Mariátegui que, escrito y publicado en 1985, tendrá que esperar a 2017 para reeditarse y estar al alcance de los lectores. 7 Ensayos sobre socialismo y nación ofrece uno de sus capítulos “Discutir la Nación”. En él, Terán, luego de visitar algunos pasajes de la vida de Mariátegui, señala los años 1925-1928 como el período de ruptura al interior de su pensamiento y de tematización del “problema de la nación”. Introduce en su planteo una importante distinción: la preocupación de Mariátegui –ausente en su par Argentino Aníbal Ponce– no es la “cuestión nacional”, entendida como la autonomía de las nacionalidades, sino “la cuestión de la nación”, es decir, el enigma de la identidad nacional (p. 121). Un tema acuciante para todos aquellos países asentados “sobre la base de realidades heterogéneas y muchas veces centrífugas” (p. 122). A él lo desvelará el esfuerzo por fusionar intereses populares agrarios con intereses urbanos, la búsqueda de respuestas a demandas indígenas insatisfechas, la caracterización del problema del indio como un problema económico-social antes que político o moral. En medio de estas preocupaciones adquieren relevancia la función del mito soreliano –y su resignificación mariateguiana–, las afinidades entre los desarrollos del peruano y la tradición del populismo ruso, sin descuidar los modos en que su prosa anticipa o es simultánea a las posiciones desplegadas por Mao Zedong. “Decir la nación” será para el Mariátegui de Terán una forma de conjurar el pecado de la conquista replicado por la fallida República. René Zavaleta Mercado completa esta constelación de artículos que dan cuerpo a las incursiones mariateguianas. Intelectual y dirigente político boliviano, compartió junto a tantos otros latinoamericanos, el destino del exilio mexicano, sólo que su condición de exiliado fue más precoz, pues ya en 1964, con la asunción del General René Barrientos, debió dejar Bolivia y emprender otros rumbos (Uruguay primero, Inglaterra después, de nuevo Bolivia, para partir a Chile y terminar en México). La suerte que corre desde entonces es retratada con gran destreza por Diego Giller en las páginas introductorias de este libro. Allí leemos, además: “Como el ‘Perú de Mariátegui’ –la expresión es de Flores Galindo– la Bolivia de Zavaleta también descubre los problemas profundos de la nacionalidad a partir de una derrota bélica” (p. 44). No obstante, no es solo esta circunstancia la que los aproxima, sino que son, sobre todo, las semejanzas socio-históricas de ambos países lo que lleva a Zavaleta a afirmar que “tal vez [Mariátegui] al pensar en su país, pensaba ya en todos nosotros” (p. 96). Esa interpelación de la que se hace eco Zavaleta comprende la pregunta incómoda por la relación siempre contradictoria entre lo universal y lo local condensada en la cuestión de la identidad nacional. La ventaja de Mariátegui está en haber planteado este dilema por fuera de los términos abstractos, en general, tan a la mano. Su osadía radica en disputarle a la oligarquía peruana los sentidos, valores y significados de la nación para reinscribirlos en una gramática estructurada en torno a la “conexión entre lo nacional, lo indígena y lo agrario” (p. 103). Hablar la nación, dirá Zavaleta, es hablar el indio, hacer hablar a las mayorías y, hablar, por fin, la cuestión agraria. 7 Ensayos sobre socialismo y nación nos entrega así, en un “juego de espejos”, como propone Giller, tres miradas sobre un mismo objeto que refractan sobre nuestro presente. Tres puntos de vista que, puestos uno al lado de otro, producen un efecto iluminador de gran potencia y valor. Se vuelve a Mariátegui, así, con la intuición de que algo en ese entramado de textos de (y en torno a) un autor derrotado “puede asistirnos” –como quisiéramos junto a Diego Giller– “en la tarea de pensar las urgencias y los peligros de nuestro tiempo, que es también un tiempo de derrota –aunque ninguna derrota, lo sabemos, es definitiva” (p. 53). Leia Mais

Martín Lutero: renegado y profeta | L. Roper

Pocos años antes de su muerte, en 1542, Martín Lutero logró conseguir, no sin dificultades, una copia del Corán, y leerlo con gran entusiasmo. Inmediatamente después abogó, frente a varios estupefactos compañeros de la causa evangélica, para que se publicase, lo que finalmente ocurrió al año siguiente con una advertencia escrita por él mismo. Argumentaba que su fe era tan fuerte que podía leer el libro del Turco sin dudar y con el objetivo de conocer a qué se enfrentaba. Esta es tan solo una de las desconcertantes (y por lo tanto fascinantes) poco conocidas historias del reformador que refiere Lyndal Roper (Melbourne, 1956) en la completísima biografía que la editorial Taurus ha puesto a disposición de los lectores de habla hispana. Leia Mais

Educação Moral e cívica: uma estratégia psicossocial de legitimação de poder (1969-1985) | Cristiano Alexandre Santos e Eduardo Gusmão de Quadros

O livro escrito pelos professores Cristiano Alexandre dos Santos e Eduardo Gusmão de Quadros busca analisar a implantação e o desenvolvimento da disciplina Educação Moral e Cívica durante o regime militar. Esta disciplina já existia como parte da formação escolar dos estudantes brasileiros desde o Segundo império (1840-1889), mas só se tornou uma disciplina do currículo escolar oficial a partir do decreto-lei nº 869, assinado em 1969, no período da ditadura civil-militar.

A partir da implantação da Educação Moral e Cívica como disciplina escolar, o que se observou foi uma tentativa de legitimação do regime Militar através da defesa do nacionalismo e da ênfase no anticomunismo, o que é visível na organização do currículo dessa disciplina. Nesse sentido os autores trabalham para demonstrar como a criação dessa disciplina buscou inculcar os valores caros aos militares e seus apoiadores como os valores únicos e verdadeiros a juventude brasileira. Para esses autores os conceitos chaves de análise são poder e legitimação: Leia Mais

Kalunga: os donos da terra | Thais Alves Marinho

O livro de Thais Alves Marinho, intitulado Kalunga: os donos da terra resulta de um trabalho excepcional de pesquisa realizado durante sua busca pelo título de mestra em sociologia pela Universidade Federal de Goiás. A trajetória de construção dessa pesquisa/livro perpassou por diversas obras no que tange o tema pesquisado, porém, teve como marco norteador a pesquisa de campo, e uma leitura minuciosa das obras de Mari de Nazaré Baiocchi, autora de referência e a primeira pesquisadora a publicar sobre os quilombos Kalunga. Mesmo tendo como tema a relação de territorialidade Kalunga com a identidade, a obra nos proporciona uma visão panorâmica sobre a escravidão negra no Brasil, a formação dos quilombos, a construção dos conceitos que permeiam as palavras quilombo e quilombolas, apontando as visões das ciências sociais e a visão política construída pelos movimentos sócio-políticos de resistência. Ainda é possível perceber nesta obra conceitos e pré-conceitos que permeiam as palavras negros fugidos e quilombolas perpassando por suas relações com o mundo. De fato, nas páginas iniciais desta obra a autora nos chama ao universo histórico e social de sua pesquisa, ao seu objeto em si e dos diversos mundos do período escravocrata e pós escravidão. Leia Mais

olítica, Razão e Desrazão: dimensões políticas e históricas do polo mínero-químico industrial de Catalão/Ouvidor (1962-1992) | Maria Cristina Nunes Ferreira Neto

Numa proposta de História Política, que transcende as questões político partidárias, a professora Maria Cristina Nunes Ferreira Neto, em Política, Razão e Desrazão, dimensões políticas e históricas do polo mínero-químico de Catalão/Ouvidor (1962-1992), busca elucidar o contexto social, econômico, cultural e até mesmo religioso que marcou as eleições municipais em Catalão, Goiás, em 1992. Esta cidade é um perfeito microcosmos, onde vários elementos históricos se tensionam: a guerra fria, o medo do desemprego, sentimentos religiosos, a ciência, a emergente organização partidária da esquerda, os clânicos grupos políticos locais, o irracional medo de comunistas e o caldo fervente que envolve todos estes elementos: o prenúncio da privatização da empresa Goiasfértil que desperta sentimentos contraditórios na população local. Leia Mais

Tiempo Histórico. Santiago, n.20, 2020.

Editorial

História em Reflexão. Dourados, v.14, n.27, 2020.

DOSSIÊ: ENSINO DE HISTÓRIA, HISTÓRIA DAS MULHERES E DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL

EXPEDIENTE

APRESENTAÇÃO

ENTREVISTAS

ARTIGOS DO DOSSIÊ

ARTIGOS LIVRES

 

Leer El Capital/teorizar la política: contrapunteo de la obra de Enrique Dussel y Bolívar Echeverría en tres momentos | Jaime Ortega Reyna

La publicación de Leer El Capital, teorizar la política constituye un acontecimiento significativo en el campo de la historia del marxismo y de las izquierdas en América Latina. Se trata de una investigación acerca de los problemas fundamentales del marxismo latinoamericano a partir de un análisis de las obras de Enrique Dussel y Bolívar Echeverría. Su autor, Jaime Ortega Reyna, forma parte de un grupo de jóvenes intelectuales mexicanos interesados en la historia del pensamiento crítico latinoamericano y en la necesidad de un despliegue de una política de izquierdas en México y el resto de los países de la región. El presente libro permite aproximarnos al trabajo de esta nueva camada de intelectuales de izquierda mexicanos e interiorizarnos en la singularidad de la obra de uno de sus miembros más destacados. El volumen, una versión de una tesis doctoral defendida en el Programa de Posgrado en Estudios Latinoamericanos de la Universidad Nacional Autónoma de México, constituye un insumo privilegiado a los fines de acrecentar nuestro conocimiento de la historia del marxismo latinoamericano y seguir enfrentando los problemas nodales que atraviesan desde hace décadas a los países de la región. La investigación articula de manera productiva las dos variables necesarias en cualquier estudio de historia del marxismo en América Latina. Por un lado, el autor inscribe las obras de los autores estudiados en la historia global del marxismo del siglo XX. De este modo, tanto la reactivación de la lectura de El Capital en la década de 1960 como la llamada “crisis del marxismo” en las de 1970 y 1980 se presentan como elementos condicionantes del desarrollo de las obras de dos marxistas latinoamericanos. Por el otro, el libro sitúa dichas producciones en el marco de la historia política e intelectual del subcontinente. Así, se evidencia que la particularidad latinoamericana actúa como mediadora de los problemas contemporáneos del marxismo y propiciadora de aproximaciones singulares a los debates teóricos y políticos del siglo XX. Cabe destacar, finalmente, que las figuras seleccionadas permiten a su vez analizar las producciones significativas del marxismo latinoamericano a partir de la circulación internacional de las ideas y los intelectuales. Así es comprendido Dussel, un argentino que desarrolla su obra teórica en México, y Echeverría, un ecuatoriano formado en Alemania que termina igualmente recalando en la academia mexicana. Es en el cruce de ambas variables donde se vuelven inteligibles las hipótesis que guían la investigación. Según Ortega Reyna, en los trabajos de Echeverría y Dussel se cifra tanto una respuesta a la coyuntura crítica atravesada por el marxismo a partir de sus déficits teóricos y sus naufragios políticos como una formulación discursiva original que pretendía encontrar respuesta a los elementos que habían conducido a dicha crisis. Estas características permiten hablar de las obras de ambos intelectuales como producciones inscriptas en un espacio teórico configurado por la lectura pormenorizada de El Capital y por la problematización de la experiencia de la modernidad. Volviendo a las variables analíticas anteriormente mencionadas, hay una dimensión de la particularidad de las obras de Dussel y Echeverría que se encuentra en cierta medida naturalizada en el libro y que por ello sólo puede ser advertida a partir de una mirada extranjera. Se trata de la importancia de México como espacio de formulación y enunciación de los problemas fundamentales que subyacen a la obra de ambos pensadores. Cabe preguntarse, en este sentido, si no es la particularidad mexicana la que habilita ese cruce tan productivo como potente entre la lectura teórica del marxismo, la pregunta por el carácter de la modernidad y el planteo acerca de los requerimientos de una práctica política transformadora. El seguimiento de las obras de Dussel y Echeverría orbita alrededor de tres grandes problemas. Según Ortega Reyna, el trabajo de ambos autores puede ser pensado en conjunto en tanto persiguen el objetivo de 1) leer El Capital; 2) en la modernidad; 3) para teorizar la política. A partir de dicho supuesto, el estudio consiste en el establecimiento de un contrapunto entre los modos en los cuales cada uno de los autores se vincula con cada uno de estos grandes problemas. Lejos de una lectura meramente exegética, la investigación aborda la producción de Dussel y Echeverría a partir de preguntas que se derivan de los textos analizados y de problemas teóricos y políticos contemporáneos que se encuentran fuera de ellos pero que resultan insoslayables a los fines de lograr una aproximación integral al objeto. Mencionemos algunos de estos ejercicios que contribuyen a entregarnos una imagen compleja del marxismo de Dussel y Echeverría. En relación al primero de los problemas, Ortega Reyna lleva a cabo un completo repaso de las tradiciones de lectura de El Capital existentes tanto en el marxismo europeo como en el latinoamericano. Este movimiento permite comprender el modo en el que las obras de ambos se inscriben en tradiciones de lectura más amplias, pero también advertir su carácter original. Sobre el segundo de los tópicos, Ortega Reyna se esfuerza por constatar la diferencia entre los abordajes de Dussel y Echeverría del problema de la modernidad con otros que han marcado el pulso del debate mundial en las últimas décadas, por ejemplo, el de modernidad/posmodernidad de las décadas de 1980 y 1990. Finalmente, los debates políticos en los cuales se involucraron ambos autores son considerados a la luz de un conjunto de autores y tradiciones del marxismo contemporáneo que abordaron problemas similares, fundamentalmente el del Estado. El libro tiene una estructura que se corresponde con los tres problemas señalados. En este sentido, la primera sección está dedicada a las lecturas de El Capital desarrolladas por Dussel y Echeverría. El tratamiento específico de sus lecturas está precedido de una sugerente hipótesis acerca de las recepciones de la obra marxiana. Según Ortega Reyna, las de Dussel y Echeverría forman parte, junto a otras aproximaciones contemporáneas, de un conjunto de lecturas que pudieron desmarcarse de las operaciones de clausura sufridas por El Capital durante el siglo XX. En el caso de Dussel, este tipo de vínculo con la obra de Marx se evidencia en el tratamiento de la categoría de trabajo vivo, la cual refiere al momento primordial de existencia humana con respecto al capital. Cabe señalar, al respecto, el denso trabajo de reposición de los debates acerca de dicha categoría y otras (fuerza de trabajo, trabajo vivo, trabajo muerto) que contribuye a comprender el tipo de lectura la que Dussel somete a la obra de Marx. En el caso de Echeverría, su lectura es recortada principalmente al problema del valor de uso, el cual remite a la reproducción social-natural del conjunto de la vida humana frente a la reproducción del valor. El recorrido por la obra de ambos autores se corona con una lectura de la obra Franz Hinkelammert. La obra del pensador alemán permite establecer un diálogo con Dussel y Echeverría a partir del complemento que ofrecen las categorías por él formuladas de valor de uso social y coordinación del trabajo social. En términos de Ortega Reyna, las lecturas desarrolladas por Dussel, Echeverría y Hinkelammert pueden ser entendidas como diferenciadas de cierto “marxismo fordista” concentrado exclusivamente en las relaciones de producción y la propiedad de los medios de producción. La segunda sección del libro está dedicada al problema de la modernidad. Siguiendo la secuencia que organiza toda la investigación, Ortega Reyna ubica el tratamiento de la modernidad en Dussel y Echeverría luego del análisis de las lecturas por ellos realizadas de El Capital. Con esta concatenación, el trabajo busca demostrar que para estos autores los problemas de la forma de lo social se ubican en un horizonte más amplio de organización social y cultural. Es decir, que los desarrollos acerca del trabajo vivo o el valor de uso forman parte de una lectura crítica de la experiencia del mundo en su conjunto. Al igual que ocurre con las lecturas de la obra de Marx, en este caso las aproximaciones de Dussel y Echeverría son abordadas en conjunto, pero también a partir de sus particularidades. En el caso del argentino, se trata de una crítica de tipo histórica, en la cual se intenta demostrar el carácter eurocéntrico de la modernidad. En el caso del ecuatoriano, se trata de una crítica histórico-genética, la cual está articulada alrededor del problema de la determinación de la técnica en la época moderna. Concebidas en bloque, más allá de sus especificidades, estas aproximaciones se presentan como una crítica a la narrativa ilustrada de la modernidad y como un ejercicio de ampliación del campo de operación del concepto con respecto a la forma capitalista de producción. Debe mencionarse que luego del análisis pormenorizado de la lectura del problema de la modernidad en ambos autores, la investigación da cuenta de otras formas de abordar la cuestión en el marco del pensamiento crítico latinoamericano, especialmente en vertiente descolonial, así como de los modos en los cuales podría pensarse algún tipo de articulación entre todas estas aproximaciones. El libro concluye con la sección dedicada al problema político. Con ella se cierra el plan diagramado al comienzo del libro. Dussel y Echeverría llevan a cabo una lectura de El Capital, la cual está enmarcada en una crítica amplia al mundo moderno y que a su vez entraña un conjunto de cuestiones relativas a la política. En relación a este tópico, vuelve a cobrar sentido la idea del contrapunto. Mientras que, en la obra de Echeverría, la politicidad puede derivarse de su énfasis en el problema de la cultura, en la de Dussel se desprende de las bases de su programa liberacionista. La atención diferenciada a ambos autores lleva a Ortega Reyna a analizar el lugar de la cultura política en la obra del ecuatoriano y lo que ello implica para una lectura de los problemas de la revolución, la nación y la democracia. En este sentido resulta de interés el señalamiento de que en su trabajo se propone una forma distinta de encarar la modernidad capitalista sin que aparezca un sujeto o fuerza política que pueda asumir plenamente el impulso transformador. La dificultad de pensar la práctica política a partir de la obra de Echeverría se derivaría del peso que tiene en su obra la pérdida completa por parte del sujeto de la capacidad de darle forma a la socialidad. De allí que Ortega Reyna proponga situar las implicaciones políticas de su obra en el marco del autonomismo y de la política anti-estatal en general. Posicionamiento que difiere de la obra de Dussel, cuya propuesta liberacionista incluye una atención privilegiada al problema del Estado. De este modo, el recorrido por el trabajo del argentino propuesto por el autor del libro da cuenta de la idea de “volver útil” al Estado, la cual habilita tanto un distanciamiento de la obra de Echeverría como un acercamiento con otros marxistas latinoamericanos interesados en la cuestión estatal, tales como Álvaro García Linera y el ya mencionado Hinkelammert. Para finalizar, puede afirmarse que Leer El Capital, teorizar la política constituye un aporte relevante a los estudios sobre marxismo e izquierdas en la historia latinoamericana reciente. Centrado en la producción intelectual de Dussel y Echeverría, el libro de Ortega se detiene en un conjunto de cuestiones que resultan centrales en el pensamiento crítico latinoamericano y que hoy son los principales objetos de desafío político para las izquierdas del subcontinente. ¿Cómo fue comprendido el problema de la acumulación en las sociedades latinoamericanas? ¿Cuál es el vínculo entre la acumulación y la constitución del orden político y cultural de nuestra región? ¿Cuáles son las estrategias políticas más adecuadas para la transformación del orden social? Se trata de un conjunto de preguntas que el libro analiza a partir de una serie de perspectivas analíticas. A modo de círculos concéntricos, Ortega Reyna parte del despliegue global del discurso marxista en el siglo XX, luego constata las formas en las cuales dicho discurso es mediado por la realidad latinoamericana y finalmente analiza estos problemas en toda su complejidad en la obra de dos marxistas asentados en México. En suma, puede encontrarse en el libro tanto una contribución relevante a la historia del marxismo latinoamericano como un insumo para repensar la práctica de las izquierdas del subcontinente en este mundo tan cambiante y convulsionado. Leia Mais

La política siempre ha sido cosa de mujeres: Elecciones y protagonistas en Chile y la Región | Lucía Miranda Leibe, Julieta Suárez-Cao

En el último tiempo diversos grupos feministas han irrumpido con fuerza en Chile y el mundo, este fenómeno no es reciente, las mujeres desde hace décadas que se han erguido reivindicando sus derechos. Este llamado de atención es el que Miranda Leibe y Suárez-Cao recogen en el libro “La política siempre ha sido cosa de mujeres”, compilando la reflexión de destacadas académicas quienes además de poner el foco en la representación de las mujeres, destacan la necesidad de la participación directa de ellas en los espacios influyentes de decisión. El libro es un aporte en pro de la historia de lucha y reivindicación que las mujeres han defendido para lograr construir una sociedad más democrática, pluralista, inclusiva y humana. Los apartados de este libro coinciden y se estructuran desde un mensaje común: “sin mujeres, no hay democracia” (Freidenberg, 2015). Por lo tanto, lo que llamamos democracia, se vuelve una quimera si las mujeres siguen estando subrepresentadas y si como conjunto no comprendemos que la política se ennoblece, dignifica y enaltece no solo si es revolucionaria sino también si ellas la lideran. Leia Mais

Graeco-Roman Antiquity and the Idea of Nationalism in the 19th Century. Case Studies | T. Fögen, R. Warren

El libro, fruto de un congreso organizado por los editores en Durham en junio de 2013, reúne estudios de caso sobre el uso de la Antigüedad clásica durante los nacionalismos en el siglo XIX. La obra consta de once artículos, donde se analizan casos de Estados europeos desde diferentes disciplinas. Leia Mais

Desarrollo y Desigualdad en Chile (1850-2009). Historia de su economía política | Javier Rodríguez

El libro Desarrollo y Desigualdad en Chile (1850-2009). Historia de su economía política, de Javier Rodríguez, podría considerarse uno de los mayores aportes que se han hecho en el marco de la historia económica chilena en general, y sobre la desigualdad en particular. En realidad, lo es desde su título, pues su análisis versa sobre economía política, disciplina que no cuenta con muchos seguidores a nivel mundial, y mucho menos en Chile, donde predominan los estudios monetaristas que tienden a presentar los problemas económicos simplemente como ajustes o desajustes de mercado. El libro se divide en siete capítulos, más una introducción, conclusión y un apéndice metodológico. Los dos primeros capítulos son de tipo explicativos, en el sentido que otorgan un marco conceptual y contextual sobre qué debemos entender por desigualdad, su relación con el desarrollo y por qué Chile se constituye en el caso de estudio. En los siguientes, que el autor enmarca según cinco ciclos económicos (1850-1873; 1873-1903; 1903-1938; 1938-1970; 1973-2009), se entregan las claves de mercado e institucionales que incidieron en la desigualdad distributiva que alcanzaron los distintos agentes participantes en el mercado, pero también cómo éstos ejercieron y consolidaron su poder. Dos períodos son de particular importancia para la obra: los períodos que transcurren entre los años 1903-1938 y 1973- 2009. Ahora bien, el estudio plantea la revalorización de análisis que no solo tengan en cuenta el análisis neoclásico de los problemas económicos, sino que también consideren una causalidad institucional, con el objeto de estudiar los altos niveles de desigualdad presentes y cómo éstos afectarían directamente a la democracia, precisamente, en tiempos en que las demandas ciudadanas se dirigirían a que el Estado satisfaga educación, salud y seguridad. Pero no solo eso, porque el caso de Chile permitiría explicar que el desarrollo no va ligado exclusivamente al crecimiento económico y que la desigualdad no solo obedece a condicionantes objetivos del mercado. Apunta el autor es que la desigualdad en Chile sería un problema estructural, de largo aliento. Dicho lo anterior, ello no habría significado que ésta se presentara de la misma forma o con idéntica profundidad durante los casi 160 años de estudio. También se puede destacar en la obra de Rodríguez, que no sería suficiente una explicación, si se quiere neoclásica, para entender la desigualdad, sino que habría que combinar en el análisis la teoría económica y social, con el conocimiento de las circunstancias históricas. Como bien lo resume el autor en el prólogo de su obra: “Se presenta aquí un estudio histórico, sustentado en evidencia cuantitativa, de la economía política de la desigualdad del ingreso en Chile entre 1850 y 2009” (21). Vale decir, que este no es un estudio en el que se entregan y analizan datos económicos, sino que éstos se presentan y vuelven dependientes del devenir político y social del país. De ahí que se requiera un análisis desde la economía política. Un primer problema al entrar a estudiar estas materias, es que se ha preconizado desde el discurso hegemónico imperante, que la desigualdad no es un problema del mercado, ya que éste no sería más que la perfecta retribución de los distintos factores productivos, en función de la oferta y la demanda existente. La desigualdad, entonces, sería justa al representar de manera fehaciente y eficiente las diferencias de talento y de esfuerzo de cada uno de sus miembros. Por el contrario, Rodríguez –sin caer en una propuesta marxista, aunque no será extraño que más de alguno la caricaturice como tal- propone que los mercados actúan bajo la égida institucional, por lo que éstos se encuentran siempre determinados por las relaciones de poder existentes entre sus agentes. Se propone así demostrar que “aquellas instituciones más antiguas y resilientes –como el régimen oligárquico o la hacienda- no solo han incidido en la distribución del ingreso sino que se han visto afectadas por el conflicto social que las alimentaba (…) Indagaremos también sobre la forma en que el crecimiento económico –con sus ciclos de expansión y recesión-, la urbanización o el cambio estructural, han afectado la distribución de los ingresos; pero también cuál ha sido el papel del Estado, y más en general, de las políticas públicas, en el reparto de los costos y beneficios inherentes a dichas transformaciones. Ello nos permitirá demostrar que fenómenos como el crecimiento, la globalización o el cambio estructural, no solo no tienen resultados obvios sobre la distribución del ingreso, sino que su incidencia depende de las características históricas que asumen y, en particular, de cómo interactúan con las políticas públicas y las relaciones entre los actores sociales, las que adoptan muchas veces una forma conflictiva e, incluso, violenta” (29). Un segundo problema que se observa al intentar estudiar la desigualdad en el largo plazo, es que son escasos los estudios y, sobre todo, la falta de fuentes confiables anteriores a 1950. Así de las tres estrategias más utilizadas que se observan en la literatura para la reconstrucción estadística, entre ella, el análisis de los top incomes, índices de ratios de dos magnitudes y el uso de la antropometría, Rodríguez no se queda con ninguna. Por lo mismo, realiza una reconstrucción estadística del material existente, aunque elaborando al mismo tiempo una base empírica que le permita establecer tendencias en el mediano plazo, así como alcanzar un análisis de la distribución del ingreso en el largo plazo. En particular, el autor elabora series de desigualdad entre 1860 y 1970, las cuales vinculadas con los datos de las encuestas de hogares, le permitió obtener una imagen de las tendencias asumidas por la desigualdad en un siglo y medio de historia. Entonces, construyendo tablas sociales dinámicas que tienen en cuenta cantidades de personas como ingresos, entre diversos sectores sociales y económicos, le permite argumentar respecto a la desigualdad entre distintas categorías sociales, aunque no tanto al interior de las mismas, pues es difícil su desagregación. En este sentido, una tabla dinámica podría no ser del todo correcta para determinar la desigualdad en un año concreto, pero sí podría perfectamente presentar una imagen fidedigna de lo que ocurrió en el mediano y largo plazo. Con todo, no habría que ignorar que, en Chile, la desigualdad se explica, principalmente, por la diferencia en la propiedad de los factores de producción, y no sería extraño pensar que incluso la no desagregación por categorías incidiría mucho más en subestimar la riqueza de las élites que, por ejemplo, de campesinos o asalariados. Ciertamente, porque la élite económica chilena, durante gran parte de la historia, ha poseído activos en forma transversal: mineros, bancarios, industriales y agrícolas. En rigor, el planteamiento de Rodríguez tiene dos ideas matrices. Primero, que, pese a la desigualdad estructural existente, según el momento que se analice, “Chile combinó más o menos crecimiento económico con deterioro o mejora en la distribución con salarios más o menos crecientes o con un sector externo muy o poco dinámico” (88). Segundo, el rol que ha cumplido el Estado chileno en tanto organismo que ha logrado delinear la desigualdad, pues éste se constituyó en modelador de la distribución primaria de mercado1. Por una parte, las menos de las veces, como reductor de la desigualdad (durante el I.S.I.), en tanto dispensador de beneficios sociales y árbitro de las relaciones de poder; de otra, como potenciador de las desigualdad, en la medida que permitió que los agentes económicos empresariales impusieran su propia institucionalidad o que influyeran directamente en ella, cuestión que se habría acentuado ostensiblemente en dos períodos: primero, en lo que va entre los años 1903-1938; y segundo, entre 1973 y 1986. Ambos períodos en los que la democracia no habría tenido lugar, esto es, a principios de siglo XX, bajo un sistema oligárquico, y luego durante la Dictadura Militar. Habrían sido, entonces, esos los momentos en los que la élite volcó a su favor el peso normativo y coercitivo del Estado2. Ahora bien, sería un error plantear que en los otros ciclos económicos la desigualdad no existió. Todo lo contrario, pues como se planteó anteriormente, la desigualdad sería un elemento de largo plazo en Chile. Así, entonces, lo que Rodríguez quiere hacer notar es que, pese a ello, ambos períodos supusieron una reversión a las tendencias de mejora de distribución que se habían producido en décadas anteriores, principalmente mediante dos vías: negando o imponiendo mediante la fuerza un nuevo régimen laboral, como ocurrió durante el período oligárquico y la dictadura militar respectivamente. O bien, la privatización de los recursos públicos en contextos de corrupción u opacidad manifiesta. Da cuenta así Rodríguez, de cómo, por una parte, las reivindicaciones obreras fueron acalladas con masacres durante los primeros años de siglo XX, logrando disminuir el número de huelgas para el período; o cómo durante la dictadura se modificó el Código del Trabajo, prohibiendo así el derecho a huelga o la huelga inter-empresa. Por otra, el autor explica de qué manera las tierras de la región de la Araucanía fueron usurpadas por la élite, pero recubiertas por la corrupción como la opacidad, tal como aconteció durante las privatizaciones de la dictadura durante la década de 1970 y a fines de 1980. En efecto, la tesis que se sostiene es que el vínculo élites-Estado habría contribuido fundamentalmente a una distribución regresiva del ingreso, afirmación que vendría a cuestionar lo propugnado, sobre todo en Chile, de que ha sido el Estado el principal responsable –histórico- de no haber alcanzado el desarrollo y de haber puesto un freno al libre mercado. De hecho, se ha afirmado recurrentemente que las elites empresariales chilenas, una vez rotas las cadenas con el “Estado Socialista”, pudieron desplegar su capacidad empresarial. La Revolución Capitalista que habría operado desde 1973 en adelante, y que habría significado un crecimiento económico nunca antes visto durante los gobiernos democráticos, sería una demostración manifiesta de este hecho. Pero no, el estudio de Rodríguez no hace más que demostrar que los períodos de mayor desigualdad en Chile ocurrieron cuando, primero, parafraseando a Moulian, el Estado fue una continuación de la hacienda, o segundo, cuando éste fue despojado de sus bienes y/o aplicando el miedo y la fuerza a los trabajadores. La idea central planteada por Rodríguez, entonces, y más allá del caso chileno, es que son las fuerzas de mercado, el proceso social y político, pero, ante todo, las relaciones de poder entre los agentes, los que producen los ganadores y los perdedores del proceso productivo. Situación de desigualdad que aumentaría proporcionalmente, al menos en el caso chileno, en la medida que la élite logró controlar el Estado institucionalmente. Sea por control directo o porque logró incidir de manera manifiesta en la legislación. De esta manera, prueba que incluso en momentos en el que las fuerzas del mercado actuaron con mayor independencia de la institucionalidad, fue la “institucionalidad elitista” la que en el ciclo siguiente reconfiguró el mercado, por cierto, para su mayor beneficio. “Y en el caso concreto de la desigualdad en Chile, la importancia de la larga duración no debe subestimarse (…) El deterioro de la distribución del ingreso ocurrido durante la dictadura constituye en realidad el último episodio de una serie en que el Estado ha asumido un papel activo en la promoción de la desigualdad. Ello es consecuencia del control que la élite ha tenido sobre el aparato fiscal desde la Independencia –capacidad que se origina, a su vez, en la Colonia. Este le ha permitido incidir en su beneficio en la conformación de las instituciones políticas y económicas que, junto a las fuerzas del mercado, determinan la distribución del ingreso” (264). Con todo, a mi juicio, lo más valioso del texto de Rodríguez, no solo es que su excelente análisis permite comprender las causas históricas de la desigualdad en Chile, sino que también éstas explican el presente. Esto permitiría comprender que, en Chile, ha sido la élite la que, junto a un mercado concentrado, donde predominan los oligopolios, ha contribuido a delinear la desigualdad, sin importar mayormente el período que se haga mención, pese a que en algunos ciclos su presencia ha sido mayor y más decisiva, logrando con ello que la distribución sea aún más regresiva. Eso explicaría que, en la actualidad, bajo gobiernos que nadie podría catalogar de oligárquicos, se han consolidado las brechas de desigualdad por más que muchas de éstas se encuentren afincadas en amarres económicos constitucionales de la dictadura (Gárate, 2012). A decir verdad, lo que Rodríguez hace es invitar a los lectores, y a los chilenos en particular, a entender que no solo trata de crecimiento, mercado o institucionalidad, por separado. Se trata, en términos mucho más profundos, de entender que el modelo de desarrollo económico está directamente interrelacionado con la democracia. “Por ello, quiénes desde las calles, la academia, la sociedad civil o los partidos políticos, denuncian hoy la elevada desigualdad que caracteriza a la sociedad chilena, reclaman mucho más que una reforma tributaria, mayor gasto educativo, mejores pensiones o una nueva ley sobre la financiación de las campañas electorales; están pugnando, en realidad, por un cambio en el modelo de desarrollo que dé lugar a una sociedad más justa y a una mejor democracia. Si habrán, o no de conseguirlo, el tiempo lo dirá” (268). Leia Mais

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.181, n.482 jan./abr. 2020.

Revista IHGB – Número 482

Carta ao Leitor

I – ARTIGOS E ENSAIOS

  • ARTICLES AND ESSAYS
  • O cônego José Ferreira de Matos contra os frades franciscanos: disputas pela direção da Ordem Terceira de São Francisco (Bahia, c. 1744-1748)
  • Canon José Ferreira de Matos versus the Franciscan Friars: Disputes for the Management of the Third Order of St. Francis (Bahia, c. 1744-1748)
  • William de Souza Martins
  • Ficção Imperial e a invenção de sertões “descobertos” no governo do Morgado de Mateus (1768-1770)
  • Imperial fiction and the fictive creation of “discovered” hinterlands in the government of Morgado de Mateus (1768-1770)
  • Denise A. S. de Moura
  • A retórica antiliberal durante a Guerra de Independência da Espanha: análise de dois periódicos servis e sua linguagem política
  • Antiliberal rhetoric during the Peninsular War: analysis of two servile journals and their political language
  • Bruno Santos Sobrinho
  • El destino de los viajeros por el Alto Rio Negro-Vaupés  y de sus colecciones etnográficas, 1783-1905
  • The destination of travelers in the Upper Rio Negro-Vaupés and their ethnographic collections, 1783-1905
  • Gabriel Cabrera Becerra
  • O “Areópago Brasileiro”: O Instituto Politécnico Brasileiro e a formação do campo da Engenharia Civil
  • The “Brazilian Aeropagus”: the Brazilian Polytechnic Institute and the Development of the Engineering Field
  • Pedro Eduardo Mesquita de Monteiro Marinho
  • Uma viagem de retorno traçando caminhos: O ingresso de Alfredo Taunay no IHGB
  • A Return Journey outlining paths: Alfredo Taunay’s entry into the IHGB
  • Wilma Peres Costa
  • Festa na Província do Piauí: o retorno do corpo de Voluntários da Pátria da Guerra do Paraguai em 1870
  • Celebrations in the Province of Piauí: the return of the Brazilian Volunteer corps from the Paraguay war in 1870
  • Johny Santana de Araújo
  • Estado confessional com liberdade religiosa: crença e culto na Constituição do Império Brasileiro
  • Confessional State with religious freedom: belief and worship in the Constitution of the Brazilian Empire
  • Daniel Machado Gomes
  • Repensando a Política Externa para a África no II Reinado
  • Rethinking Foreign Policy for Africa in the Second Reign
  • Frederico Antonio Ferreira
  • Caminhando em direção a um Direito Natural Ontológico
  • Towards a Natural Ontological Right
  • Cleyson de Moraes Mello
  • Do Paço ao Pão de Açúcar: A Exposição Comemorativa do Centenário da Abertura dos Portos às Nações Amigas no Rio de Janeiro, em 1908
  • From the Paço to the Sugar Loaf: The National Exposition in Rio de Janeiro in 1908 in Celebration of the Centenary of the Opening of Brazilian Ports to Friendly Nations
  • Maria Letícia Corrêa
  • Mônica de Souza Nunes Martins

II – DOCUMENTOS

  • DOCUMENTS
  • Escusamo-nos de lembrar ao Senhor Deputado: Memória sobre a Província do Espírito Santo às Cortes de Lisboa (1821)
  • We needless remind the Honorable Deputy: Memoirs on the restoration of the Province of Espírito Sancto to the Lisbon Courts (1821)
  • Adriana Pereira Campos
  • Kátia Sausen da Motta
  • Evolução, regulação e norma: o sexto discurso histórico da farmácia brasileira no Segundo Reinado
  • Evolution, regulation and norm: the sixth historical speech of the brazilian pharmacy in the Second Reign
  • Amanda Peruchi

III – RESENHAS

  • REVIEW ESSAYS
  • José Bonifácio de Andrada e Silva: a trajetória de um homem de carne e osso que ajuda a compreender a História do Brasil
  • Alex Gonçalves Varela
  • Normas de publicação
  • Guide for the authors

Kwanissa. São Luís, v.3, n. 6, 2020.

Apresentação

  • APRESENTAÇÃO
  • Márcio dos Santos Rodrigues
  • PDF

Artigos

Resenhas

La Rojeria. Esbozos biográficos de los comunistas mexicanos | Oscar de Pablo

Los trabajos orientados hacia elaboración de los estudios prosopográficos sobre la izquierda, y, en especial, sobre su sector comunista, merecen una bienvenida. Desde hace décadas existen tradiciones en este ámbito. Los investigadores conocen muy bien el Diccionario Biográfico del movimiento obrero francés escrito por Jean Maitron que luego fue la base para ampliarlo hacia varios volumentes del Diccionario Biográfico del movimiento obrero internacional. A su tiempo aparecieron obras valiosas de M. Drashkovitch y B. Lazitch, de J. Gotovic y M. Narinsky destinados a aclarecer esbozos de la vida de los militantes de la Internacional Comunista. Todos estos trabajos tuvieron una falla tremenda: las biografías latinoamericanas fueron presentados a cuentagotas lo que no debe sorprender dada la escasez de fuentes de archivo En gran medida este defecto fue corregido por varias ediciones del diccionario biográfico de la Comintern en América Latina elaborado por Víctor y Lazar Jeifets, sin embargo, este tampoco evitó una falla significativa: las biografías de personajes claves de izquierda que no tenían que ver con las actividades internacionales de tal o cual Partido Comunista, quedaron fuera del enfoque de los autores. Tarde o temprano la laguna historiográfica debería ser llenada. Ejemplos importantes de los estudios sobre el tema ya aparecieron en Argentina (el diccionario coordinado por H. Tarcus) y Guatemala (el diccionario elaborado por A. Taracena y L. Monteflores). Obviamente, no podría faltar México, el país donde se fundó la primera sección latinoamericana de la Comintern, aparecieron las dos primeras esctructuras continentales de la Internacional Comunista – el Bureau Latinoamericano de la III Internacional y la Agencia Panamericana, donde estuvo la sede del Comité Continental de la Liga Antimperialista de las Américas y de la Liga Nacional Campesina, tal vez, la más influyente asociación campesina en el hemisferio, en la década de los 1920s. México iba acoger a los Bureau del Caribe de la Comintern, del Socorro Rojo Internacional y de la Internacional de las Juventudes Comunistas, sin embargo, el giro ultraizquierdista del PCM, junto con las transformaciones profundas del regimen pos-revolucionario prevenieron esto. En los 1930s la izquierda tuvo nuevo auge, esta vez como fuerza aliada del gobierno nacionalista revolucionario de Lázaro Cárdenas, pero, en poco tiempo, el alza fue seguida por la baja y la marginalización de los comunistas dentro de los sindicatos, las purgas masivas dentro del PCM y su división en varios partidos de tendencia comunista. A lo largo de varias décadas, los comunistas no lograron restablecer su unidad y solamente en 1978 pudieron fundar el Partido Socialista Unificado de México. Al mismo tiempo, incluso divididos, los comunistas escribieron varias páginas gloriosas de su historia, como el movimiento ferrocarrillero de 1958-1959 y las protestas estudiantiles de finales de los 1960 e inicios de los 1970s. En 1989-1990 la izquierda comunista sumó sus esfuerzos a varios otros sectores dando inicio al Partido de la Revolución Democrática. La aparición del libro de O. de Pablo, en 2018, es muy simbólico, ya que coincide con el primer triunfo contundente de la izquierda en las elecciones presidenciales y legislativas en la historia de México. Leia Mais

Kwanissa. São Luís, v.3, n. 5, 2020.

Apresentação

  • APRESENTAÇÃO: A Kwanissa e o contexto da pesquisa africana e afro-brasileira
  • Sávio José Dias Rodrigues
  • PDF

Artigos

Historia y Grafía. México, n.55, 2020./ n.46, 2016.

Historia y Grafía. México, n.55, 2020.

Hayden White: apropiaciones actuales

Publicado: 2020-06-23

Historia y Grafía. México, n.54, 2020.

Entrecruzamientos del tiempo

Publicado: 2020-01-03

Historia y Grafía. México, n.52, 2019.

Violencia(s), movilidad humana y derechos humanos

Publicado: 2019-03-01

Vol. 2 Núm. 51, 2018.

Oratorianos y jesuitas. Una distante cercania

Publicado: 2018-07-01

Vol. 1 Núm. 50, 2018.

Blumenberg en perspectiva histórica

Publicado: 2018-01-01

Historia y Grafía. México, n.49, 2017.

Los jesuitas entre la historia intelectual y la historia de las prácticas en el mundo iberoamericano. Debates pasados, implicaciones contemporáneas

Publicado: 2017-07-03

Historia y Grafía. México, n.48, 2017.

ARTHUR C. DANTO

Publicado: 2017-01-01

Historia y Grafía. México, n.47, 2016.

LA CONQUISTA: ¿UN HOYO NEGRO EN LA HISTORIA DE MÉXICO?

Publicado: 2016-07-01

Historia y Grafía. México, n.46, 2016.

LA ESCRITURA

Publicado: 2016-01-01

História oral e História pública: escutas sensíveis em tempos desafiadores [1] / Canoa do Tempo / 2020

Qual é a potência dos trabalhos que se comprometem com a história oral e a história pública? Por que, nos últimos anos, ambas têm se tornado tão presentes nas pesquisas historiográficas? Como afirmou Linda Shopes [2], esses campos ou práticas nem sempre se apresentaram de forma convergente e não devem ser entendidas como sinônimos. No entanto, quando parceiras, tornam-se práticas reflexivas, ou reflexões com consequências práticas, em que ao historiador é colocado o desafio de contribuir para a construção de uma ciência em meio a um processo dialógico e inclusivo com o público, aqui entendido como mais do que massa ou audiência. Esse público é compreendido como a sociedade plural, conflituosa e dinâmica que antecede a Universidade e a ultrapassa, cobrando dela a sua reinvenção no trabalho com o conhecimento, o que significa abrir-se a demandas de grupos que tiveram suas histórias, memórias e identidades invisibilizadas.

Vivemos, no decorrer dos séculos XX e XXI, ditaduras, discriminações sociais e catástrofes que tiveram efeitos sociais devastadores e colocaram os historiadores em posição de atenção ao seu próprio tempo, de forma a colaborar na criação de comunidades de contadores/testemunhos e de ouvintes; sujeitos diversos que exigiram e continuam a exigir o direito à memória a fim de cobrar reparações, pertencimentos e reconhecimentos. A história oral, como abertura à escuta ética, e a história pública, como atitude aberta a negociações na produção, na divulgação e no acesso ao conhecimento, tornaram-se emergentes em tempos de confronto por narrativas e usos do passado, com finalidades múltiplas e interesses políticos que colidem entre si, ora para conservar leituras e privilégios, ou para romper com processos de silenciamento estabelecidos por visões lineares e vazias de experiências. Leia Mais

Complexo madeira: região, fronteiras e diversidades / Canoa do Tempo / 2020

Nas últimas décadas, a concepção de História Regional passou a se constituir como importante campo de estudos ao valorizar espaços sócio-históricos considerados periferias dos centros de tomadas de decisões políticas. Ao privilegiar noções como região, território, fronteira, etnicidade, dentre outras, ela tem possibilitado a valorização de espaços até então invisibilizados por análises historiográficas generalizantes. Os desdobramentos destas últimas têm sido, em muitos casos, a construção de representações esvaziadas de especificidades sócio-históricas, as quais negligenciam as características de determinados espaços regionais marginalizados pelas estruturas das organizações sociais hierarquizantes e pelas tendências geopolíticas hegemônicas e homogeneizadoras.

Considerando as reflexões apresentadas pelo editorial da Revista de História Regional (RHR), periódico do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa, a noção de “região” pode ser concebida como “uma produção de diferentes grupos, classes e culturas que a constroem mediante determinadas vivências e representações. [Assim,] uma região é tanto um espaço físico, ambiental e material quanto um espaço imaginário, simbólico e ideológico. E uma dimensão é inseparável da outra”.1 Para Claude Raffestin, o “espaço” se constitui como um campo de possibilidades para a conformação do “território” e “falar de território é fazer uma referência implícita a noção de limite que, mesmo não sendo traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém com uma porção do espaço”. Assim, “a territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade [sociedade-espaço-tempo] do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral”.2

Nesse sentido, o presente dossiê se propôs a reunir trabalhos que se debruçassem sobre as especificidades presentes na região denominada por Alfredo Wagner Berno de Almeida, em 2009, de “A última grande fronteira amazônica”. Para este autor, é preciso pôr em evidência os antagonismos sociais existentes na região amazônica, sendo importante que apresentemos elementos comparativos entre as diferentes realidades vivenciadas por indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais e outros grupos sociais denominados formalmente pelos órgãos fundiários como assentados e agricultores familiares, além dos residentes em perímetro urbano. Isto porque de acordo com Almeida, o discurso da “vocação mineral, agropecuária e energética”, voltado para a materialização de projetos desenvolvimentistas gestados na Amazônia em forma de construção de grandes obras de infraestrutura como hidrelétricas, rodovias, ferrovias, portos fluviais, dentre outros cresce a cada dia, sendo que a região denominada de “O Complexo Madeira” não está dissociada desse fenômeno.

Assim, a tese de Almeida é de que a ação das agências multilaterais, os interesses neoliberais dos agronegócios e aqueles referidos ao que se denomina usualmente de globalização “não teriam derrubado a capacidade e o poder de intervenção do Estado na região amazônica, ao contrário, se associaram a ele numa poderosa coalisão de interesses”, concorrendo para o aumento da concentração fundiária e o crescimento dos conflitos agrários nas fronteiras amazônicas.3 Por outro lado, o respeito e a preservação da relação entre natureza e cultura, no que concerne ao modo como as populações tradicionais lidam com o meio ambiente, está pautada no artigo 216 da Constituição brasileira de 1988, o qual prescreve que é responsabilidade do Poder Público e da comunidade zelar pela preservação do patrimônio material e imaterial relacionado às referências identitárias e às memórias dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.4

Dessa forma, consideramos que as representações sobre esta parte da Amazônia compreendem diferentes espaços e perspectivas que informam particulares relações sócio-históricas desenvolvidas ao longo das relações de contato entre diferentes sujeitos e coletivos. Além disso, o espaço relacionado ao Complexo Madeira, inclui regiões fronteiriças entre os atuais estados do Amazonas, Rondônia e Acre, assim como áreas relacionadas ao Vale do Guaporé até a fronteira com a Bolívia, partindo de uma perspectiva que privilegia a História Regional e evidencia diferentes relações estabelecidas nesta parte da Amazônia brasileira. Assim, as propostas que compõem esse dossiê privilegiam características sócio-históricas específicas e particularizadas. Cada uma delas a seu modo apontam caminhos e rascunham interpretações que nos permitem evidenciar vestígios do cotidiano social nessa parte da Amazônia.

Seguindo essa linha, o texto escrito pelo professor do Departamento Acadêmico de História da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Dante Ribeiro da Fonseca, intitulado Santo Antonio do Rio Madeira: as ambiguidades de uma povoação amazonense do Mato Grosso e a Madeira-Mamoré, evidencia o processo de surgimento e a dinâmica das transformações ocorridas na povoação de Santo Antonio do Rio Madeira, assim como as mutações ocorridas desde o início da construção da ferrovia Madeira-Mamoré em sua relação com o colapso da economia da borracha no Vale Amazônico, num processo que mescla referências dos séculos XIX e XX. Dentre suas importantes contribuições está a evidenciação dos processos históricos que informam o modo como a povoação de Santo Antonio, que surgiu como uma localidade do Mato Grosso ocupada pelo Amazonas, hoje resiste como um bairro da capital do território do Guaporé, Porto Velho, RO.

Outro trabalho que evidencia processos que informam uma espécie de geografia humanística é aquele desenvolvido por Aleandro Gonçalves Leite e intitulado Sentidos colonizados: a Zona Sul de Porto Velho na redemocratização nacional. Nesta proposta, o autor analisa, através da imprensa periódica, o processo de formação discursiva da ideia de uma periferia da capital de Rondônia e apresenta elementos para refletirmos sobre o modo como os sentidos produzidos discursivamente pela imprensa dos anos 1980, no contexto de reabertura política no Brasil, influenciaram os processos de expansão urbana de Porto Velho, RO.

Partindo das concepções de patrimônio, memória e representações, apresentamos três trabalhos que nos permitem compreender o modo como a relação entre as culturais materiais e imateriais vêm se constituindo nessa região. O primeiro deles, produzido pelo professor Alexandre Pacheco e intitulado O patrimônio histórico da EFMM: entre a “política do precário” e o impacto da natureza (Porto Velho, 2007- 2017), traz como proposta a análise estética e histórica do complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), em Porto Velho, a partir dos resultados de sua revitalização/restauração, a partir de 2007, e os impactos decorrentes da chamada “Grande Enchente do Rio Madeira”, ocorrida em 2014. A ideia do autor é evidenciar como a inadequação das políticas patrimoniais de preservação da cultura material e os impactos dos fenômenos naturais têm concorrido para um processo de invisibilização da EFMM nos últimos anos.

Já o trabalho desenvolvido por Marcelo Leal Lima, intitulado A instalação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré em O mar e a Selva, de Henry Tomlison e Mad Maria, de Márcio Souza, apresenta o projeto cartográfico “Complexo Madeira”, considerando a EFMM através das cartografias literárias de Tomlinson e Márcio Souza.

A proposta do autor é enveredar pela literatura de modo a evidenciar o processo de construção dessa ferrovia em plena Amazônia e indicar possibilidades do uso da literatura como elemento indicador de novos olhares socio-históricos e político-culturais na região.

Em seguida, a pesquisadora Carmem Rodrigues, no texto intitulado Um experto em Amazônia? O Visconde de Balsemão e a representação da Amazônia portuguesa no mapa “Colombia Prima or South America”, faz uma análise sobre os agentes colonizadores que auxiliaram o geógrafo inglês William Faden a produzir seu grande mapa da América do Sul intitulado Colombia Prima or South America, publicado em 1807. A proposta da autora é verificar quem foram os oficiais portugueses que auxiliaram nesta produção e, através da análise de suas trajetórias, verificar de que modo eles contribuíram para a criação de representações cartográficas sobre a região amazônica.

O terceiro conjunto de artigos traz uma mescla de discussões referentes às fronteiras, colonizações, projetos desenvolvimentistas e seus derivados impactos socioambientais. Cada um deles, a seu próprio modo, problematiza as mudanças micro e macro relacionais ao Complexo Madeira em múltiplas escalas. O trabalho escrito por Antônio Cláudio Barbosa Rabello, intitulado Agentes e agências na construção da política mineral brasileira e da fronteira amazônica (1930-1960), traz elementos para refletirmos sobre a noção de “volatividade da fronteira amazônica”, entendendo-a como produto de relações sociais em permanentes disputas na condução das políticas de Estado.

O trabalho ainda evidencia que os argumentos utilizados pelos agentes da mineração são fundamentados na ideia de que há primazia das atividades de mineração em detrimento dos processos de industrialização entendendo a primeira como principal alternativa à independência econômica do Brasil ao mesmo tempo em que produzem diferentes interpretações sobre a Amazônia e seu papel enquanto fronteira de recursos minerais.

Em seguida, o professor Rogério Sávio Link, no texto intitulado A “Ferrovia de Labre” e a consolidação da última fronteira, problematiza o projeto colonizador de Antonio Rodrigues Pereira Labre para o Complexo do Madeira e para a última fronteira brasileira entre Brasil e Bolívia. Nele, o autor apresenta elementos que contribuem com as reflexões relacionadas à História Regional do Complexo Madeira e com a evidenciação de processos de colonização e demarcação daquilo que também denomina como a última fronteira brasileira.

Já o trabalho redigido por Paula de Souza Rosa e Jéssyka Sâmia Ladislau Pereira Costa, intitulado O célebre Telesforo Salvatierra, o herói da terrível tragédia de Carapanatuba: conflitos pela posse de seringais e o mundo do trabalho no rio Madeira (1870-1887), analisa a trajetória do negociante e seringalista boliviano Manoel Telesforo Salvatierra no contexto de expansão conflituosa da fronteira extrativista desenvolvida na região. Ao refletir sobre os mundos do trabalho a partir de meados do século XIX, as autoras se propõem a reconstruir redes de relações familiares, econômicas e sociais estabelecidas por Manoel Telesforo na Bolívia e ao longo do Rio Madeira.

O trabalho que encerra esta apresentação é fruto uma excelente pesquisa desenvolvida junto aos pescadores do Rio Madeira, na região de Porto Velho. Intitulado Pescarias tradicionais da Cachoeira do Teotônio submersas pelas Usinas em Rondônia, os autores trazem à tona as transformações ocorridas na atividade de pesca de pequena escala, uma atividade de profunda importância histórica e que garantia segurança alimentar e renda para as comunidades desenvolvidas ao longo do Rio Madeira antes da construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Outra importância do trabalho está na evidenciação de que antes da construção das usinas, as atividades pesqueiras da região da Cachoeira de Teotônio se destacavam pela pescaria altamente adaptada à captura e produtividade. Nesse sentido, o objetivo do trabalho é descrever as mudanças socioambientais e históricas ocorridas nas atividades de pesca após a construção das usinas e nos indicar de que modo a alteração da condição da pesca pela modificação antropogênica do ambiente, aliado ao deslocamento de comunidades inteiras de suas regiões de atividades de sobrevivência tradicionais, altera as relações sócio-históricas entre sujeitos e coletivos e suas paisagens ao longo de gerações de pescadores.

Dessa forma, o dossiê reflete as diferentes tentativas de seus colaboradores e idealizadores para evidenciar um caleidoscópio de possibilidades de análise sobre uma região complexa e historicamente resultante de constantes transformações sóciohistóricas e geopolíticas. Não nos admiramos, nesse sentido, de que os trabalhos distribuídos ao longo desta publicação possam suscitar possibilidades de pesquisas futuras que privilegiem aquilo que se tem denominado a última grande fronteira amazônica. Com este dossiê, esperamos contemplar diferentes pesquisadores que se debruçam sobre essa região particular, denominada de “O Complexo Madeira”.

Notas

1As publicações feitas pela Revista de História Regional desde 1996 e demais informações sobre o periódico podem ser acessadas através do endereço: https://revistas2.uepg.br//index.php/rhr/index; Acesso em: 21 jan. 2021.

2 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder – Terceira parte: capítulo I – O que é o Território. Tradução: Maria Cecília França. São Paulo: Editora Ática, 1993, p. 153.

3 DE ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno. A última grande fronteira amazônica: anotações de preâmbulo. In. DE ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno (Org.). Conflitos sociais no” Complexo Madeira”. Manaus: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia/UEA Edições, 2009, p. 22. Disponível em: http://novacartografiasocial.com.br/download/conflitos-sociais-no-complexo-madeira/; Acesso em: 21 jan. 2021.

4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm; Acesso em: 21 jan. 2021.

Fernando Roque Fernandes Porto Velho – Inverno amazônico, 2021.

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[DR]

La racionalidad práctica en el debate Habermas-Gadamer | Edgar Rufinetti

Este libro de Edgar Rufinetti, resultado de sus investigaciones doctorales, se propone abordar el debate entre Hans-Georg Gadamer y Jürgen Habermas iniciado en 1967, concentrándose en la cuestión de la racionalidad práctica. Consecuentemente, la introducción ofrece un breve relato de la rehabilitación de la filosofía práctica que tuvo lugar en la segunda mitad del siglo XX, que ayuda a contextualizar el ámbito político intelectual en el que se produjo el debate. Allí, Rufinetti explicita su objetivo de “elucidar los estándares de racionalidad que resultan ‘adecuados’ para orientar la acción y la reflexión en el ámbito de la praxis” (p. 35). Con ese objetivo en mente, el debate que sirve de cuerpo a este trabajo se presenta dentro de un espectro más amplio de preocupaciones que se refieren a las condiciones en las que se produce la mediación que es objeto de las humanidades en general, dejando adivinar la conclusión a la que arribará, según la cual la razón práctica que viniera a disputar el lugar preponderante del positivismo en las ciencias sociales aparece siempre situada en el trasfondo del mundo de la vida, eludiendo cualquier intento de establecer un conjunto abstracto de referencias que permita el distanciamiento y la universalización de los presupuestos que orientan la tarea de la interpretación social. Leia Mais

¿Fue (in)evitable el golpe? Derechos Humanos: Memoria/Museo y Contexto | Mauro Basaure, Francisco Javier Estévez

El libro “¿Fue (in)evitable el golpe?” editado por Basaure y Estévez, se origina a partir de un seminario del mismo nombre celebrado en abril de 2017 en el Museo de la Memoria y los Derechos Humanos. Está compuesto de dos partes relacionadas entre sí, en donde la primera de ellas -desde la perspectiva de actores claves en tanto testigos y participantes del gobierno de la Unidad Popular (UP) y, por ende, poseedores de una memoria viva– aborda un análisis político extenso de los hechos y procesos sociales, tanto externos como internos, que articularon un momento tal que hiciera propicio un Golpe de Estado, y, al mismo tiempo, reflexionar sobre qué se pudo haber hecho distinto para evitar aquello. Por otra parte, la segunda sección del libro hace eco de las reflexiones y visiones propuestas en la primera parte para abordar de manera crítica la llamada controversia sobre si el Museo de la Memoria y los Derechos Humanos debiese o no contextualizar su muestra permanente. Controversia que nace de la crítica que demanda por una explicación de por qué terminó sucediendo el golpe, y no mostrar, así “solo una parte de la historia”. Demanda que emana de la derecha con fines justificatorios. En efecto, los siete artículos que componen la primera parte titulada ¿Fue (in)evitable el golpe? Respuestas de actores clave de la época de la UP (en donde también escriben los editores), conforman una especie de dialogo entre posturas que, aun perteneciendo a la izquierda política que le diera forma al gobierno, identifican y confrontan responsabilidades y autocríticas distintas entre sí. Andrés Pascal Allende, por ejemplo, en su aporte titulado No quisieron evitar el golpe, aparte de comenzar reafirmando que la responsabilidad directa del golpe es de quienes lo acometieron, identifica responsabilidades del gobierno en la medida en que no supo articular las demandas de un sujeto popular que exigía más radicalización en las propuestas que el mismo Allende consideraba debían ser graduales. Esto sumado a la no intervención de las fuerzas armadas, que necesitaban ser democratizadas ante las muestras que daban de estar cada vez más cómodas con la idea de un golpe, y del mismo modo, la ausencia de una voluntad política del gobierno por organizar la autodefensa e instrucción de las masas civiles para afrontar un eventual golpe que, así vistas las cosas, era predecible, pero totalmente contestable. Sergio Bitar (El gobierno de Allende era viable. ¿Por qué se tornó inviable?), en cambio, identifica que hubo condiciones propicias para un Golpe aceleradas por una pérdida de la capacidad de la conducción del proceso en marcha evidenciable en cinco factores: 1) la radicalización que proponían ciertos grupos y que los tornaban difíciles de manejar para Allende; 2) un manejo económico equivocado; 3) el quiebre entre partidos de izquierda y la DC; 4) una mala comprensión de los intereses internacionales, específicamente los intereses político estadounidenses y 5) subestimar la capacidad golpista de la derecha chilena. En el artículo titulado Los contextos del golpe y la consecuencia de Allende, de Ricardo Núñez, se enfatiza un tratamiento y estudio deficiente del contexto político global, donde no se asumieron con entereza ni las consecuencias de la guerra fría y de las pautas que aquello marcaba en las relaciones internacionales y dentro de la política nacional, ni las recomendaciones y observaciones que se hacían, preocupados, desde China o la URSS en cuanto al manejo de la revolución y la estrategia pacífica adoptada. Finalmente, Mariano Ruiz-Esquide (Cuando lo previsible se hizo realidad) argumenta que el escenario de un golpe se orquestaba desde antes de lo que se piensa, remontándose incluso al gobierno de Pedro Aguirre Cerda, que a los ojos de la derecha capitalista de la época y de las Fuerzas Armadas, era un serio problema. Lo mismo con el gobierno de Jorge Alessandri y los inicios de la reforma agraria, que se vio frenada y Alessandri obligado a transar con los Radicales para amortiguar el descontento de la derecha. Lo planteado por Ruiz-Esquide invita a un tratamiento más exhaustivo, y le imprime un valor histórico crítico más completo al diagnóstico de causas y responsabilidades de la izquierda. Una lectura equivocada de esta primera parte del texto, podría llevar a argumentar que se cae en una relativización de las responsabilidades directas del golpismo al intentar encontrar causas y responsabilidades en el actuar del gobierno, en tanto nada justifica una dictadura y sus horrores. Dicha lectura, a pesar de ser cierta sustancialmente (nada justifica realmente la dictadura que se vivió), es equivocada en este marco, pues la estructura que adquiere el libro no solo hace que sea una apreciación errada, sino que torna casi imposible asumir dicho objetivo. Queda claro, en todo momento, que no se trata de abrirse a la absurda posibilidad de la inevitabilidad del golpe, sino que, por el contrario, se trata de abordar de modo contrafactual la historia y “reflexionar sobre lo que no ocurrió para comprender lo que ocurrió efectivamente” (p.31), es una invitación a examinar los futuros posibles del pasado y no a alejar el foco de la discusión del hecho sabido de que “los golpes y cuasi golpes nacen de acciones deliberadas y completamente evitables” (p. 26). En la segunda parte del texto llamada Museo de la Memoria en controversia y el derecho a la memoria, en donde solo escriben Basaure y Estévez, se genera un fluido diálogo entre las reflexiones de la primera parte y los desafíos del Museo expuestos en la segunda. Dichos ‘desafíos’ responden a la crítica –bien extendida por los medios- de que el MMDH falla en su misión al no contextualizar su muestra permanente, es decir, al no referirse al proceso político que desencadenó el golpe. Esta crítica, que emana de los sectores de derecha, debe ser, sin embargo, asumida con cautela. Tal como indica Basaure en su intervención, el desafío es encontrar la manera de añadir museográficamente el contexto para que ello sea un aporte a la disputa por la memoria. Esta crítica de la derecha –aunque justificatoria, éticamente reprochable y pobre epistemológicamentese puede desarticular en dos vertientes, una ligada a la derecha pinochetista (crítica dura), que sitúa al contexto previo como indispensable para hacer entender que el golpe era necesario en tanto salvación de una guerra civil y, por ende, mucho de la dictadura estaría justificado; y por otra parte una crítica blanda, ligada a la derecha más liberal, que no desconoce las violaciones de DDHH, pero que si exige una mayor contextualización para entender el porqué de la polarización que se vivía en Chile. Asumir cualquiera de las dos críticas sería un error y atentaría contra el objetivo del Museo, pues, tal como dijo Estévez, el único contexto de la violación de los DDHH es la dictadura y eso no es justificable bajo ningún marco. De allí que dialogar con esas críticas deba ser tomado con cautela. Sin embargo, Basaure defiende la idea de que el MMDH puede y debe incorporar museográficamente una dimensión contextual sin necesariamente traicionar su misión, visión y función; es decir, sin tropezar con la contextualización que busca justificar el golpe como desea la crítica. La clave para aquello, afirma Basaure, es la palabra alemana para contexto: ‘Zusammenhang’, que tiene una doble significación en tanto refiere a lo que está relacionado, en contacto, cohabitando un espacio y/o tiempo, como también refiere a aquella relación causal o de la lógica causa-efecto, en donde dos fenómenos van juntos porque uno explica al otro. Ambas críticas de la derecha, por ende, buscarían establecer un contexto en su significado causalista y así justificar, en mayor o menor medida, el golpe y posterior dictadura. El desafío de la museografía es, precisamente, todo lo contrario: incorporar el contexto desde un sentido no causalista que permita vislumbrar los hechos y fenómenos que coexisten, sin que ellos se ordenen como causa-efecto, e intencionar una curatoría que empuje a la reflexión de que “el golpe es producto de una decisión golpista que resultó ser macabramente exitosa, y no de una crisis política y social, pues quienes acometieron el golpe siempre pudieron optar por no hacerlo” (p. 118). De esta forma no sólo no se traiciona la misión y visión del Museo, sino que también se refuerza, asumiendo los elementos históricos y políticos a favor del objetivo crítico y pedagógico que se propone el Museo, y participando de la disputa de otro terreno de la memoria que la izquierda normalmente ha dejado al sentido común: lo injustificable del golpe. Justamente por ello es que este libro adquiere relevancia. Pues aparece en un momento en donde el negacionismo y las expresiones del neofascismo chileno están cobrando auge. Aparece en un momento de sistemática violación a los DDHH en la Araucanía, de liberación de presos por crímenes de lesa humanidad, de la conformación de movimientos nacionalistas. Es en este contexto donde la pregunta por los errores y omisiones del pasado que se plantea este libro se torna importante y donde se asume el desafío de disputar cada espacio de memoria y desnudar como inmoral todo intento justificatorio del golpe de estado de septiembre de 1973. Leia Mais

Ecología y subsistencia de los cazadores-recolectores en el Campo de Dunas del Centro Pampeano – NAHUEL (IA)

SCHEIFLER Nahuel A noticiasdoce.com .ar 2014

SCHEIFLER Nahuel A. Scheifler/noticiasdoce.com.ar/2014.

SCHIFLER N A Ecologia y subsistencia de los cazadores recolectoresSCHEIFLER A. Nahuel. Ecología y subsistencia de los cazadores-recolectores en el Campo de Dunas del Centro Pampeano. Buenos Aires. Sociedad Argentina de Antropología, 2019. 272p. Resenha de: FRONTINI, Romina. Zooarqueología en el Campo de Dunas del Centro Pampeano: nuevos aportes para comprender la subsistencia durante el Holoceno medio y tardio. Intersecciones en Antropología, Buenos Aires, v.1, n.21, p.113-114, 2020.

El libro Ecología y subsistencia de los cazadores-recolectores en el Campo de Dunas del Centro Pampeano, de Nahuel Scheifler, deriva de un trabajo de investigación de cinco años como parte de la tesis doctoral del autor. En él se aborda la subsistencia de los grupos nativos durante el Holoceno medio y tardío en el sistema Lagunar Hinojo-Las Tunas y en la Depresión de Vallimanca, sectores en los que las investigaciones sistemáticas eran escasas hasta el momento.

El libro se estructura en diez capítulos. En el capítulo 1, el autor realiza el planteo general del tema ubicándolo espacial y temporalmente. Sintetiza los antecedentes de las primeras investigaciones en el sector de estudio, desarrolladas a partir de la década de 1930, y enuncia los objetivos de la investigación. La aproximación al tema de estudio es realizada desde la zooarqueología, con énfasis en la tafonomía, lo que permite evaluar el grado de resolución e integridad de los ensambles bajo estudio.

En el capítulo 2, Scheifler expone que la ecología del comportamiento humano y, específicamente, el modelo clásico de amplitud de la dieta constituye el marco teórico y conceptual a partir del cual serán interpretados los datos. Este marco teórico, ampliamente desarrollado en arqueología, resulta operativo para evaluar las estrategias de adaptación de los grupos que habitaron el Campo de Dunas Pampeano en relación con las características y fluctuaciones del ambiente. De este modo, y sobre la base de información ambiental, biológica y etnográfica, el autor formula una jerarquización de los recursos animales de la Región Pampeana, en la cual el guanaco es la especie de mayor importancia, seguida por el venado de las pampas, el ñandú, el armadillo y otras especies de menor porte.

En el capítulo 3 se desarrollan la caracterización geomorfológica y ambiental del sector bajo estudio y las variaciones de las condiciones ambientales durante el Holoceno. Esta información es articulada con la historia del poblamiento humano en la Región Pampeana (Capítulo 4) y con la jerarquización de los recursos faunísticos presentada en el capítulo 2, para formular las hipótesis de trabajo (Capítulo 5).

La descripción de la metodología del análisis arqueofaunístico y tafonómico se presenta en el capítulo 6, e incluye una serie de herramientas metodológicas (índices de riqueza, heterogeneidad y equitatividad taxonómica) apropiadas para dar respuesta a las preguntas de investigación. En el capítulo 7, el autor presenta la información estratigráfica, cronológica y del contexto arqueológico de los tres sitios estudiados: La Susana 1, Huencú Nazar y Laguna Cabeza de Buey 1. Para cada uno de ellos se presenta apoyatura gráfica (esquemas de plantas de excavación, fotos de paisaje, gráficos de distribución de materiales) que facilitan el acceso a la información.

La integridad y resolución de los conjuntos arqueológicos es abordada a partir de la comparación de diferentes variables tafonómicas que permitieron establecer variabilidad en los conjuntos en relación con los procesos culturales y naturales de formación de los sitios (Capítulo 8). De este modo, el autor pudo identificar claramente el origen humano de ciertos restos y el rol mixto en la depositación de especies pequeñas.

En el capítulo 9 se desarrolla la contrastación de las hipótesis sobre la base de la información presentada, a partir de la comparación inter- e intrasitio desde una perspectiva temporal. De este modo, el autor da cuenta de las variaciones temporales ocurridas en la amplitud de la dieta de los grupos cazadores recolectores y su vinculación con las fluctuaciones en el clima y en la disponibilidad de los recursos de mayor rango.

En el capítulo 10, integra la información novedosa generada en este libro con los antecedentes regionales y discute, a la luz de las nuevas evidencias, los modelos de subsistencia propuestos para la región.

Múltiples aspectos de esta obra son destacables. Uno de ellos es que permite diversos niveles de lectura. Un primer nivel está vinculado estrictamente con la información arqueofaunística original presentada en este volumen, minuciosamente descripta y que resulta muy valiosa para llenar un vacío de información en las investigaciones de la Región Pampeana. De esta manera, la obra contribuye a avanzar en el conocimiento de los modos de vida de los grupos nativos durante el Holoceno. De las interpretaciones realizadas se pone de manifiesto que la relación de los grupos con su ambiente debe ser abordada y comprendida en rangos espaciales significativos para los hombres y que las unidades de análisis tomadas son pertinentes para dar cuenta de los mecanismos adaptativos en un área particular. Las decisiones humanas en el pasado generaron adaptaciones múltiples de acuerdo con las circunstancias puntuales.

Otro nivel de lectura, más general y que puede ser de interés para un público amplio y no especialista, está dado por la síntesis de la información arqueológica disponible sobre el poblamiento de la Región Pampeana. La manera de organizar la información constituye una adaptación de la propuesta de Zangrando (2009) e incluye una división de la historia en tres grandes etapas: Ocupación pionera, Regionalización e Intensificación, que resultan operativas para sistematizar la información disponible. De este modo, el texto resulta en un capítulo de síntesis actualizado y relevante para un público amplio que puede incluir estudiantes y jóvenes en formación.

Otro aspecto para destacar es que esta obra, tal como lo expresa el autor, no está cerrada, sino que constituye un punto de partida. Es el inicio, con sólidas bases, de propuestas interpretativas que contribuyen al conocimiento de la arqueología de la Región Pampeana pero que deben ser contrastadas y redefinidas con el avance de las investigaciones. Celebro las expectativas del autor para repensar sus propuestas cuando exista nueva información que ponga de relieve la característica dinámica del conocimiento científico.

Por último, tengo la convicción de que esta obra tendrá un rol destacado en la historia de las investigaciones en la Región Pampeana y se transformará en un texto de consulta permanente, y en un referente por su sistematicidad y claridad en la expresión de las ideas. Resulta un aporte de excelencia para la arqueología regional, ¡los invito a disfrutarla!

Romina Frontini – frontiniromina@gmail.com Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET), Departamento de Humanidades, Universidad Nacional del Sur, Argentina Zooarqueología en el Campo de Dunas del Centro Pampeano: nuevos aportes para comprender la subsistencia durante el Holoceno medio y tardío Intersecciones en Antropología, vol. 21, núm. 1, 2020 Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires

Referencias

Zangrando, A. F. (2009). Historia evolutiva y subsistencia de cazadores-recolectores marítimos de Tierra del Fuego. Sociedad Argentina de Antropología.

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Diálogos transatlânticos: relações e dinâmicas entre Portugal, África e América (séculos XVI e XIX) / Faces de Clio / 2020

A Revista Faces de Clio, periódico discente vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com grande satisfação, publica a sua 11ª edição com o dossiê temático “Diálogos transatlânticos: relações e dinâmicas entre Portugal, África e América (séculos XVI e XIX)”. O presente número reúne 18 trabalhos: 15 artigos vinculados ao dossiê e três artigos livres.

Com um tema há muito explorado por grandes nomes da historiografia, o dossiê reúne novas contribuições teóricas e metodológicas acerca das relações que se desenvolveram e se dinamizaram nas e entre as margens atlânticas daqueles espaços que um dia fizeram parte o Império Português. Nesse sentido, os trabalhos aqui publicados em muito contribuem para a percepção das dinâmicas dos aparelhos político-administrativos, das economias, dos cotidianos, das relações entre os homens e das manifestações culturais concebidos pelos intercâmbios entre Portugal, África e América entre séculos XVII e XIX. Visando facilitar a difusão dos nossos artigos, com grande alegria comunicamos que a Revista Faces de Clio está, agora, integrada ao novo Portal de Periódicos da Universidade Federal de Juiz de Fora. Com nosso novo site (OJS 3), passamos a administrar todo o fluxo editorial pela nova plataforma da revista, facilitando a comunicação entre autores, editores, pareceristas e leitores.

Abrimos esta edição com o artigo de Lucas Lixa Victor Neves “Um relato sobre a Restauração de 1640 no Rio de Janeiro: A importância da demonstração de lealdade à causa de d. João IV” partindo de uma discussão acerca do ambiente politicamente fragmentado no reino luso após o fim da União Ibérica (1580-1640), Lucas Neves reflete, por meio de um relato sobre a aclamação de D. João IV no Rio de Janeiro, sobre a importância de se propagandear méritos de determinados sujeitos em um momento de quebra de regime em Portugal.

Em seguida, no artigo “Entre mares e alteridades: Um mouro disfarçado nas galés portuguesas do seiscentos”, Thaís Tanure aborda a história do corsário muçulmano Amet e suas desventuras diante da Inquisição portuguesa em 1656. Tendo como fio condutor de sua pesquisa o processo inquisitorial de Amet, a autora o cruza com outras fontes documentais e conecta a história penal portuguesa à história do corso no Mediterrâneo, refletindo acerca das relações entre alteridade e Império.

Bento Machado Mota, no artigo “Ecos dissonantes no atlântico: fundamentos e limites do antiescravismo de Epifanio Moirans”, analisa as ideias antiescravistas de missionários capuchinhos em fins do século XVII a partir do livro La Justa defesa (1681), do capuchinho francês Epifanio Moirans. Trata-se de um registro incomum, no qual diversos argumentos contra a escravidão são abordados, por um lado, à luz de justificativas jurídicas relativas ao tráfico negreiro vindas de Roma e de teólogos europeus e, por outro, por meio dos relatos missionários católicos da América do sul.

Já no artigo “Cães danados, porcos vadios e formigas excomungadas: A convivência entre homens e animais à luz do direito do Antigo Regime”, Patrícia Ribeiro analisa um tema ainda pouco frequentado pela historiografia nacional, qual seja, os conflitos advindos das relações entre humanos e bichos no império português entre os séculos XVI e XIX. Trata-se de uma significativa contribuição aos estudos de Direito Animal, um trabalho original e de grande pertinência que, tendo como pano de fundo os vários dispositivos legais que se referiam a animais, preenche significativa lacuna de conhecimento neste campo.

Juntos, Diego de Cambraia Martins e Gustavo Meira Menino discutem sobre a circulação de pessoas e mercadorias nas rotas mercantis que convergiam para a Ilha da Madeira, na primeira metade do século XVIII. A partir de um estudo de caso que analisa a trajetória de um dos mais atuantes capitães de embarcação do período analisado, os autores demonstram a inserção desse espaço geográfico em relações diretas e indiretas com outras partes do mundo. A Ilha da Madeira, em uma perspectiva global, parte de “Uma Encruzilhada no Atlântico”.

O artigo de Fabricio Lamothe Vargas, que analisa e contextualiza a obra do português D. Luís da Cunha, “Instruções Políticas a Marco Antônio de Azevedo”, reflete também sobre a difícil situação de Portugal frente aos problemas enfrentados no final do século XVII e em inícios do século XVIII, tal como as tentativas do diplomata Luís da Cunha de encaminhar propostas para que tais entraves fossem superados. Nesse sentido, o autor destaca uma das principais e mais curiosas soluções inferidas português: a mudança da corte para a cidade do Rio de Janeiro e a tomada do título de imperador do Ocidente pelo rei D. João V.

Adentrando na primeira metade do século XIX, Luiz Gustavo Martins da Silva investiga aspectos da experiência política de exilados liberais na Europa e no Brasil que foram perseguidos pelo regime de D. Miguel entre os anos de 1826 e 1837, momento no qual se desencadeou também o maior exílio português do oitocentos. Busca-se, assim, abordar o exílio liberal português, o qual se direcionou para o Brasil, numa dinâmica transnacional e transatlântica.

Em “Às Margens do Império, por dentro dos sobados: Estratégias comerciais de sertanejos e centro-africanos no Planalto Central Angolano (décadas de 1840 a 1860)”, Ivan Sicca Gonçalves analisa, a partir dos relatos cotidianos de um comerciante residente em Angola, as mudanças sociais, políticas e econômicas que ocorreram no interior do continente, na chamada zona atlântica, a partir de 1836. Ao apontar as estratégias adotadas por este sertanejo, o autor demonstra a atuação de diversos agentes que estavam envolvidos nessa rede comercial, cujo centro era o reino centro-africano do Bié.

Frederico Antonio Ferreira investiga o episódio de dois grupos de luso-brasileiros que migraram, com a ajuda do governo português, da cidade de Recife para a região de Namibe e Huíla em Angola, em 1849. Dentro do novo modelo colonial implantado pelo governo português na África, estabeleceram um sistema de cultivo de cana-de-açúcar baseado na grande propriedade e na força de trabalho escrava, conforme o existente no Brasil, evidenciando as interações existentes entre Brasil, África e Portugal na metade do século XIX.

Em seguida, já na segunda metade do oitocentos, Laryssa da Silva Machado e Lucas da Silva Machado abordam, através do caso de Itapemirim, Espírito Santo, a complexa rede de tráfico de escravos que se configurou na região Sudeste após a promulgação da Lei Eusébio de Queirós. As inúmeras denúncias e correspondências relacionadas ao desembarque de africanos no litoral sul capixaba após 1850, enviados principalmente para as fazendas de café em Cachoeiro do Itapemirim, Zona da Mata mineira e região ao norte do Rio de Janeiro, demonstram que o problema que preocupava as autoridades do Império perdurou durante toda a década de 1860.

No artigo “O sagrado, o profano e o enfermo: A Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora”, Maciel Fonseca analisa o surgimento da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora na segunda metade do século XIX. Alicerçado em jornais de circulação da época, produções historiográficas locais e o uso do Estatuto e do Compromisso da recém-fundada instituição, o autor reflete sobre a dinâmica de funcionamento da associação cujo principal objetivo era socorrer os pobres e desvalidos na tentativa de aliviar a miséria humana.

A imigração portuguesa para o rio Madeira, no estado do Amazonas, entre 1840 e 1918, foi objeto de análise de Paula de Souza Rosa, doutoranda em Historia Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). No presente artigo, a partir da trajetória individual e coletiva de 91 sujeitos, a autora desvelou o perfil social dos imigrantes portugueses, as redes sociais que possibilitaram os múltiplos deslocamentos desses indivíduos, bem como os aspectos relativos ao papel desempenhado por eles em escala local e a nível global.

Tendo presente que o melhor antidoto contra a violência é a memória, e que a historiografia brasileira está recheada de silêncios, Bruno Zétola analisa a repercussão dos atos heroicos de Simão Salvador, um africano livre que na segunda metade do século XIX ganha as páginas dos principais jornais do país, e passa a ser reconhecido por associações civis e pelo próprio Imperador. O artigo, absolutamente instigante, resgata a história de um personagem pouco conhecido e estudado de nossa historiografia, e, com base em seus feitos, nos faz refletir sobre o lugar do negro no Império escravista brasileiro e as contradições de uma sociedade escravocrata que se vê obrigada a louvar um africano livre.

Ainda na segunda metade do século XIX, Cleudiza Fernandes de Souza apresenta-nos algumas reflexões acerca das possibilidades do cruzamento entre a História Atlântica e a historiografia de outros contextos, como o pós-abolição no Brasil, por exemplo. Assim, por intermédio de obras que tratam da questão das trocas atlânticas, comparações e seus desdobramentos, a autora discute sobre os desafios da contemporaneidade em unir estas duas abordagens historiográficas, os possíveis caminhos para o encontro das duas perspectivas e os ganhos advindos a partir desse cruzamento teórico.

Finalizando a sessão do dossiê temático, Leonardo Aboim Pires examina o impacto da Grande Depressão em Portugal num contexto de transição política entre a Ditadura Militar e o Estado Novo. Tendo o desemprego rural como objeto de estudo, o autor analisa este fenómeno de forma mais completa, refletindo sobre as circunstâncias em que ocorreu, suas consequências sociais, dinâmicas exógenas, mecanismos institucionais e de governação atuantes no período em análise.

Na sequência, a 11° edição da Revista Faces de Clio inicia a sessão de artigos livres com as contribuições do historiador Pablo Gatt, que, no contexto da antiguidade grecoromana, analisa a trajetória das representações acerca do corpo feminino, visto como herdeiro direto de Eva, cunhadas pelas filosofias pagãs, pelos discursos da Igreja cristã dos primeiros séculos, e dos discursos medievais, visto que o mesmo esteve dividido por uma linha bastante tênue.

Temática ainda pouco estudada na história da imprensa mineira, Michel Saldanha investiga a configuração político-doutrinária da imprensa periódica da província de Minas Gerais na década de 1860. Ao aprofundar a questão pesquisada com a utilização de fontes primárias, o autor verifica quais periódicos levantaram a bandeira dos partidos políticos de Minas Gerais, ou da Liga Progressista, e em quais ideias político-partidárias esses periódicos se apoiaram. Em síntese, compreende as principais tendências partidárias circuladas através dos periódicos na província mineira.

Encerramos esta edição com “Os bacharéis fardados: cor, meritocracia e mobilidade social na Escola Militar da Praia Vermelha (1870-1880)”, trabalho de Geisimara Soares Matos. Através de algumas trajetórias de ofício de militares, a autora analisa o discurso do mérito que foi praticado dentro da Escola Militar da Praia Vermelha. Ancorado a isso, o autor procura entender como a cor e a origem social dos alunos influenciava a prática do discurso da meritocracia na instituição.

Por fim, gostaríamos de agradecer aos membros(os) da equipe editorial, ao conselho consultivo, aos pareceristas e autores(as), que participaram ativamente da construção deste dossiê. Aos leitores, que prestigiarão o nosso trabalho, ressaltamos que a História se faz, cada vez mais, através de um exercício democrático e de cidadania, constituindo-se como palco profícuo para novos debates e aprendizado. Desta feita, esperamos que a edição da Revista Faces de Clio que por ora se apresenta possa ampliar os conhecimentos e instigar novas pesquisas históricas. Seremos resistência.

A todos, o desejo de uma excelente leitura!


BÔSCARO, Ana Paula Dutra; FERNANDES, Bárbara Ferreira. Editorial Faces de Clio, Juiz de Fora, v.6, n.11, jan / jun, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Movimentos Sociais e Meio Ambiente / Revista Brasileira de História & Ciências Sociais / 2020

É com imenso prazer que trazemos a público o dossiê Movimentos Sociais e Meio Ambiente. A ideia de organizar um dossiê que concentrasse trabalhos focados na interrelação entre seres humanos e natureza se origina na percepção de uma demanda social improtelável. As dinâmicas humanas de apropriação do que convencionamos chamar de recursos naturais têm transformado as próprias relações sociais.

Agradecemos a Revista Brasileira de História & Ciências Sociais pela oportunidade de apresentar ao seu público leitor um dossiê que congrega trabalhos acadêmicos de qualidade e comprometidos com as urgentes demandas da sociedade. Agradecemos, ainda, às autoras e autores que submeteram seus trabalhos, fruto de pesquisas que foram desenvolvidas nos mais diversos âmbitos da vida acadêmica oriundos de diferentes regiões deste país e do exterior.

O dossiê Movimentos sociais e Meio Ambiente foi gestado por dois historiadores que percebem o valor da interdisciplinaridade na pesquisa tanto dos movimentos sociais, quanto na temática ambiental. Os trabalhos aceitos para publicação, depois da avaliação cega por pares, são fruto de arranjos interdisciplinares que exprimem a atual encruzilhada científica que está posta pela crise ambiental, uma vez que a vida em todas as suas tonalidades não respeita as fronteiras criadas pela ciência.

Destacamos que, apesar da crise ambiental afetar a todos os seres humanos, há de se ponderar sobre a forma com que os mais diversos grupos são prejudicados. As populações mais pobres acabam ocupando áreas sujeitas aos mais variáveis riscos ambientais, e, dessa forma, os resultados da produção de riqueza não são divididos universalmente. Há, portanto, uma heterogeneidade dos problemas oriundos desta crise e que toca sujeitos e territórios de maneiras diversas. De forma equivalente, há uma pluralidade de lutas e formas de resistência no contexto latino americano contemporâneo.

A presente edição (2020 / 1) tem a função de trazer exemplos destas formas de organização e luta social em face ao maior desafio que a espécie humana já enfrentou. Os trabalhos dão conta de questões que vão dos movimentos indígenas no Brasil até a falta de esperança expressa pelas obras distópicas do final do século XX. As mais diversas lentes (gênero, patrimônio cultural, decolonialidade, emancipação política, associativismo, direito à existência) são usadas para avaliar condições de vulnerabilidade, estratégias de articulação social e enfrentamento da atual crise ambiental.

O primeiro trabalho é dos organizadores do Dossiê, Alfredo Ricardo Silva Lopes e Mario Marins Viana Junior. O Antropoceno como Regime Historicidade avalia que a velocidade com que os seres humanos têm se apropriado de outros seres e elementos naturais resulta numa nova forma de compreender o tempo. Diferente da ideia progressiva e crescente estabelecida com a Revolução Industrial e Revolução Francesa, o tempo é agora materializado pelos limitados recursos naturais restantes. E a degradação do planeta é o cronômetro que marca a possível extinção humana e provoca a história e a historiografia em desafios teórico-metodológicos.

Em Os Movimentos Indígena e Ambientalista sob o viés de análise da História Ambiental: a repercussão no Ensino de História, Poliene Soares dos Santos Bicalho, Maria de Fátima Oliveira e Fernanda Alves da Silva Oliveira discutem as interrelações entre os movimentos indígena e ambientalista no Brasil. A preocupação com a natureza é avaliada nos diferentes grupos a partir dos discursos nos livros didáticos, tendo como objetivo a temática da preservação do meio ambiente.

Ayelen Dichdji analisa a percepção pública dos primeiros conflitos ambientais na Patagonia Argentina a partir da década de 1980 em Movimientos socioambientales, decolonialidad e historia ambiental en los conflictos patagónicos en Argentina (1980-2003). A autora avalia o surgimento da opinião pública sobre a exploração dos recursos naturais, através das páginas dos periódicos Clarín e La Nacion.

A Região Amazônica teve e tem marcada em todo seu processo histórico uma pluralidade de anseios de diversas fontes. Nesse contexto, Fabiane Araujo Oliveira e Elizabeth Conceição Santos examinam as memórias do processo de ocupação da Área de Proteção Ambiental Floresta Manaós (localizada na zona Centro-sul da cidade de Manaus-AM). Em A História Ambiental da APA Floresta Manaós: um movimento pela defesa territorial e a emersão da Ciência Ambiental foi observada a complexidade nos embates entre os mais diversos atores interessados na preservação do ambiente.

Alicia Ferreira Gonçalves evidencia em Mapas Sociais: Subsídios para a elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental potiguara a importância da produção de mapas sociais pelos indígenas Potiguara para gestão do próprio território. Nas observações da pesquisadora, a elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) fortalece a autonomia na gestão dos territórios indígenas em consonância com a proteção do ambiente.

Em Movimento Social de Pescadores e Pescadoras Artesanais em Mato Grosso: Patrimônio Cultural e Lutas Políticas, Manuela Areias Costa e Luciano Pereira da Silva trazem reflexões sobre o movimento dos pescadores e pescadoras artesanais, o meio ambiente e o patrimônio cultural imaterial. Na avaliação dos autores as políticas públicas para pesca que restringem o uso de utensílios comunalmente apropriados pelas pescadoras e pescadores colocam em risco o direito ao trabalho e a reprodução cultural do grupo.

A mobilização social das mulheres no Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) é estudada por Monise Vieira Busquets, em Bordando a Luta: O Coletivo de Mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens e as oficinas de Arpilleras como estratégia de mobilização social. A partir das reflexões das militantes e idealizadoras do projeto “Arpilleras, Bordando a Resistência” a autora destaca a resistência e organização como parte central da vida dessas das mulheres.

Eunápio Dutra do Carmo discute como o campo político da cidade de Barbacena-PA foi recomposto em função da mineração. Em Contra-informação e conhecimento emancipatório como práticas educativas no enfrentamento da economia de desastres da mineração em Barcarena (PA) o autor analisa atuação dos movimentos sociais na produção social da contra-informação no contexto da economia de desastre, no intuito de romper com a percepção tecnicista dos desastres.

Para avaliar o contexto do surgimento das associações ambientalistas, Olivia Cristina Perez destaca que as associações ambientais em Santos-SP surgem, em sua maioria, após os anos 2000. Em Relações entre Estado e associações: origens de associações ambientais em Santos (SP) fica evidente o papel do financiamento estatal para o financiamento das fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil.

Gustavo Seferian busca, a partir da tradição marxista no direito, evidenciar o duplo caráter do direito à vida. Em O duplo caráter do direito à existência: luta de classes e articulação estrutural das contrarreformas sociais, políticas e ambientais, o autor demonstra como as contrarreformas direcionadas aos direitos sociais guardam articulação estrutural com os ataques direcionados ao meio ambiente. Avalia ainda que a contraposição incisiva dos movimentos sociais na defesa de seus interesses imediatos se aglutina às bandeiras ecológicas.

A representação da distopia ambiental no cinema é examinada por Franco Santos Alves da Silva em “O Mundo de 2020”: Relações sociais e meio ambiente na distopia de 1973. Na observação do filme “O Mundo de 2020”, (Soylent Green, no título original), o autor discorre sobre a relação da narrativa distópica com a emergência das questões geopolíticas e ambientais da década de 1970.

Em suma, o conjunto de trabalho aqui reunidos tem ainda o propósito de provocar o leitor a um duplo-movimento. Aqueles e aquelas que estão distantes do debate sobre a questão ambiental e crise na qual estamos imersos poderão compreender a amplitude dos problemas pelo convite a se aproximarem das reflexões ora apresentadas. Por outro lado, há uma interpelação mais incisiva: a de fomentar aprendizados sobre distintas formas de lutas e resistências que, neste dossiê, incluem desde o debate sobre livros, filmes, documentos oficiais, etc., até as ações diversificadas de uma massa plural de sujeitos (indígenas, pescadores, camponeses, entre outros) que enfrenta amplos e diferentes conflitos ambientais na América Latina.

O dossiê Movimentos Sociais e Meio Ambiente, portanto, é um trabalho coletivo de pesquisadoras e pesquisadores engajados e preocupados com o tempo que nos resta e com o espaço que habitamos. Boa leitura!

Alfredo Ricardo Silva Lopes – Professor

Mário Martins Viana Júnior – Professor

Fortaleza – Campo Grande / Inverno de 2020.


LOPES, Alfredo Ricardo Silva; VIANA JÚNIOR, Mário Martins. Apresentação. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.12, n. 23, jan. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Militarización y formaciones armadas en América Latina durante las guerras revolucionarias/Historia Caribe/2020

La emergencia de los Estados Nacionales bajo moldes republicanos en Hispanoamérica, fue una experiencia inédita para los hombres y mujeres que desde diversos ángulos se enfrentaron a lo que hoy cierta historiografía denomina acertadamente un “experimento”. Sin duda, el modelo adoptado por las élites dirigentes de los territorios recientemente emancipados del imperio hispano durante buena parte del siglo XIX, fueron ensayos, al no existir en ese momento mayores referencias de una forma de organización política entre pueblo y gobernante, salvo buscarlas en el mundo clásico grecolatino y las ciudades Estado del Renacimiento, junto con algunas reflexiones de los teóricos del contractualismo e incluso de pensadores medievales. De hecho, el republicanismo como ideología había conquistado los salones de las Cortes reales de Europa occidental hacia la segunda mitad del siglo XVIII, convirtiéndose en el referente para criticar la corrupción y la venalidad del régimen, pero no proponía el cómo debía ser el gobierno, salvo mirar a la Roma clásica como la encarnación de tales principios1. Autores como Hilda Sabato y James Sanders, han señalado este carácter inédito y novedoso, así como también azaroso, que explica en cierta medida las crisis y la falta de legitimidad recurrentes que atravesaron los Estados Latinoamericanos, expresados en golpes de Estado, guerras civiles, cuartelazos, rebeliones, levantamientos armados, entre otras2. Leia Mais

China: influencias, debates y perspectivas desde la Revolución de 1949 hasta el presente/Revista Izquierdas/2020

En 2019 se conmemoraron setenta años de la Revolución China, una experiencia que ha recibido dispares y discontinuados análisis. Dicha situación ha empezado a revertirse parcialmente en los últimos años cuando, al compás de las transformaciones que se han producido en China tras la muerte de Mao Tse Tung y la ofensiva del gigante asiático en una nueva configuración económica y geopolítica, los estudios sobre dicho país y su papel actual ganaron relevancia. En ese marco, se han revisitado períodos anteriores y la Revolución China y el maoísmo han recobrado cierta atención en el campo académico, con obras que han legado nuevas perspectivas conceptuales al fenómeno. Leia Mais

Vida pública y carreras académicas en la Argentina de Entreguerras. Trayectorias de profesores de las Facultades de Derecho y Ciencias Sociales y de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires (1920-1940)/PolHis/2020

La Universidad de Buenos Aires, en tanto institución privilegiada para la formación y la reproducción de las elites sociales, políticas y culturales de nuestro país, ha revestido de una importancia considerable durante el siglo XX. Particularmente algunas de sus facultades, como la de Derecho y la de Filosofía y Letras, experimentaron transformaciones con el correr del siglo XX que permitieron que diferentes profesores universitarios y eminentes graduados participaran de discusiones sobre el funcionamiento de las instituciones políticas en tiempos de ampliación del sufragio y sobre el perfil que debería tener la Universidad posterior a la reforma en la sociedad argentina (Halperin Donghi, 1999; 2000; 2004a; 2004b; Persello, 2000; Tato, 2009; Roldán, 2006). Leia Mais

Classics in Britain: Scholarship/ Education/ and Publishing 1800-2000 | Christopher Stray

Este libro reúne una serie de artículos de Christopher Stray sobre varios aspectos de la enseñanza de los estudios clásicos y la erudición en los siglos XIX y XX en Gran Bretaña. A excepción de los capítulos 3 y 8, que son publicados aquí por primera vez, los restantes artículos vieron la luz previamente en otros libros y revistas. Sin embargo, en palabras del autor, este libro busca ser más que la suma de las partes. Incluye una bibliografía completa y un útil index nominum, que facilita mucho la tarea de consultar un libro voluminoso con información importante. Leia Mais

Educación, reproducción y alternativas contrahegemónicas/Revista Izquierdas/2020

Introducción

El objetivo de esta presentación es doble. Por un lado, intentamos proporcionar un marco global en torno a la disputa por la hegemonía en el campo educativo. De esta manera, el lector podrá comprender la inscripción de los artículos que componen el monográfico dentro de –o como proyección de- las tradiciones político-intelectuales que se han ocupado de esta problemática. Por otro lado, buscamos presentar y describir específicamente dichos artículos y la racionalidad que subyace en su ordenamiento. Leia Mais

Patrimônio Cultural, lugares de memória e usos do passado/Cadernos de Pesquisa do CDHIS/2020

As políticas patrimoniais no Brasil, por muito tempo, priorizaram a preservação de bens imóveis e objetos que representavam as elites e as instituições públicas e religiosas. Tal ação excluiu uma parcela significativa da população da nossa memória histórica. O que preservar e o que esquecer não é uma ação pacífica e, tão pouco, objetiva ou neutra. Nesse espaço de disputas, a história dos vencedores ditou as normas, assim, museus e outras instituições de memória priorizaram objetos que fortaleceram a representação de grupos que dominavam o cenário político. Negros, indígenas, mulheres, sertanejos, ribeirinhos, seringueiros, moradores de periferias e outros grupos foram deixados à margem da memória nacional e da preservação patrimonial. Leia Mais

Formación inicial docente: avances, nudos críticos y desafios | Sophia Austral | 2020

La formación inicial docente en Chile ha experimentado en las últimas décadas una serie de reformas, promovidas, en ciertos casos, desde las propias universidades, y en otras ocasiones, desde el Estado. En ambos casos, el objetivo ha sido el mismo, fortalecer de manera sustancial la calidad de la formación de profesoras y profesores. A pesar de ello, se mantienen múltiples nudos críticos en el sistema de formación inicial docente, así como una serie de desafíos de los que las universidades deben hacerse cargo.

En el presente dossier, se abordan temáticas que consideran diversas aristas de la formación inicial docente, en un proceso que abarca, temporalmente, una proyección más amplia que la mera duración de la carrera universitaria. En efecto, las instituciones formadoras de profesoras y profesores se encuentran hoy ante desafíos que hace algunos años no necesariamente asumían, pero que son actualmente insoslayables. Ejemplos de tales desafíos lo constituyen, por un lado, detectar tempranamente, durante la enseñanza secundaria, a estudiantes de buen rendimiento académico y motivados por la carrera pedogógica, con el fin de atraerlos. Por otro lado, en el extremo opuesto, desde el punto de vista temporal, se encuentra el desafío de establecer estrategias y dispositivos que permitan insertar de la manera más fluida posible a los recién egresados al mercado laboral. Leia Mais

Rio de Janeiro e a Cidade Global: Histórias comparadas de cidades na Era Moderna da Globalização / Almanack / 2020

Em seu livro, descrevendo os seis meses que passara no Brasil em 1846, o americano Thomas Ewbank escreveu que “os gritos em Londres são bagatelas quando comparados aos da capital brasileira. Escravos de ambos os sexos anunciam seus produtos em todas as ruas.” Quer fossem frutas ou vegetais; itens de vidro, porcelana ou prata; ou ainda sedas e jóias “tais coisas, e milhares mais, são vendidas pelas ruas diariamente”[5]. A comparação feita com Londres sugere que ao tentar traduzir a sua experiência com o Rio de Janeiro para os seus leitores, Ewbank achou necessário referenciar a cidade que, no imaginário Americano, estaria mais associada a um comércio urbano vibrante e abundância de mercadorias advindas de regiões mundiais mais diversas. Na mesma época em que Ewbank publicava seu livro, Friedrich Engels compunha sua obra A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, onde ele descreveu Londres como o centro comercial do mundo [6]. É pouco provável que Ewbank e seus leitores conheciam o texto de Engels, mas certamente saberiam da reputação da capital do império Britânico e do alcance global de suas instituições financeiras e mercantis. Ao comparar as duas cidades, Ewbank associava o Rio de Janeiro oitocentista à cidade global por excelência daquela época.

Para Ewbank, o ponto de comparação com Londres era a disponibilidade de qualquer produto comercial imaginável em qualquer momento que o cidadão urbano o requeresse. O Rio de Janeiro da metade do século XIX estava, de fato, inserido em uma complexa rede de trocas comerciais e financeiras que se estendia pelo interior do território brasileiro, pelo mundo atlântico, e além [7]. Assim como Londres, a cidade portuária brasileira atuava, desde o século XVII, como nódulo importante na rede de centros urbanos e portos que conectava diferentes cantos do mundo e promovia a movimentação global de produtos comerciais, ouro e prata, pessoas, ideias e práticas. Mesmo com as restrições econômicas e políticas de monopólio do antigo regime, diferentes historiadores apontam a participação crucial de comerciantes do Rio de Janeiro, e da cidade portuária em si, na circulação econômica no império português [8]. Mas não é somente a referência a mercadorias diversas que, na passagem do texto de Ewbank, ilustra as conexões transoceânicas que caracterizavam o Rio de Janeiro oitocentista. O breve comentário sobre escravos de ambos os sexos, encarregados de animar tantas trocas comerciais, invoca um outro lado do caráter transnacional ou global daquela cidade: o papel central que o Rio de Janeiro tivera no tráfego de africanos escravizados entre diferentes regiões do Atlântico e do Índico [9].

Essa curta passagem de Life in Brazil aponta, sem necessariamente se dar conta, para a globalidade potencial do Rio de Janeiro, ou seja, a centralidade da cidade em processos de circulação globais que animaram a definiram realidades do século XIX e experiências urbanas de viajantes, consumidores, e comerciantes grandes e pequenos, livres e escravos. A notável cacofonia da cidade, evidência de um setor comercial urbano ativo, representa mais do que conexões mercantis; ela invoca um ambiente urbano familiar, reconhecível. Descrições como essa, disseminadas por viajantes, indicam como o Rio de Janeiro contribuiu para reforçar a imagem do que era típico, esperado, ou desejado em uma cidade[10]. Contribuía assim para noções do urbano no mundo oitocentista.

A relação entre o urbano e o global é a questão histórica que esse dossiê propõe examinar. A fundação da cidade do Rio de Janeiro em 1565 é um dos eventos que marcou um primeiro processo histórico de globalização. A expansão marítima e projeto colonizador de Portugal, Espanha e, eventualmente, de outras comunidades europeias, integraram novas rotas Atlânticas, e mercados nas Américas, a existentes rotas marítimas e redes de trocas econômicas do Mediterrâneo e Oceano Índico. Os séculos XV ao XIX testemunharam, pela primeira vez, a circulação global de mercadorias e o contato entre as populações humanas de todos os continentes[11]. A articulação dessa rede global se deu nas águas e navios, feitorias e mercados, e nos vários centros de poder onde atividades mercantis e alianças políticas foram negociadas. Especificamente, grande parte desse processo se deu em cidades e vilas, tanto portuárias quanto algumas interioranas, onde atores urbanos moldaram espaços e práticas locais para manejarem melhor oportunidades e pressões criadas por forças e conexões globais. O urbano e o global, enquanto fenômenos históricos, interagiram de forma dialógica: dinâmicas urbanas sustentaram a criação de um mundo moderno globalmente conectado enquanto a movimentação global de pessoas, bens, ideias e práticas ajudou a definir realidades e imaginários urbanos. A perspectiva que salienta a interconexão entre a cidade e globalização—a cidade global—é corrente em estudos urbanos do fim do século XX e início de XXI[12].A adoção dessa mesma perspectiva analítica para o princípio do período moderno nos permite entender melhor o papel que cidades como o Rio de Janeiro e populações urbanas tiveram naquela era de globalização, assim como a maneira pela qual aquele momento histórico definiu a cidade.

Interrogar o diálogo entre o urbano e o global a partir de trabalhos somente sobre o Rio de Janeiro não seria suficiente. Estudos individualizados de cidades frequentemente produzem biografias de centros urbanos que tendem a exagerar o distinto ou excepcional de uma localidade e ignorar importantes conexões com outras localidades ou contextos para além do contexto nacional ou imperial [13]. A história global, enquanto disciplina, encoraja comparações e contextualizações amplas que revelam sincronicidades históricas, novas geografias de análise que não a nação ou império, e conexões entre eventos distintos e diacrônicos14. Histórias globais urbanas oferecem também comparações e contextualizações férteis, capazes de produzir narrativas e análises inovadoras, porém ancoradas em localidades e experiências humanas tangíveis15. É em busca dessa perspective urbana global, e seu potencial para elucidar o processo de globalização durante o período moderno e a centralidade da cidade nesse processo, que o dossiê O Rio de Janeiro e a Cidade Global combina textos de pesquisadores de renome internacional sobre o Rio de Janeiro e sobre outras comunidades urbanas do mundo Atlântico. Juntos, os sete artigos aqui reunidos contribuem duas principais intervenções historiográficas: expandir o corpo literário ainda limitado que aborda o Rio de Janeiro como um importante estudo de caso para a discussão sobre a história urbana global e sedimentar a relevância de uma perspectiva comparativa e voltada para o período moderno para estudos de cidades como agentes de globalização.

O leitor encontrará aqui uma análise de processos históricos que marcaram os séculos XVII ao XIX centrada em comunidades urbanas do mundo Atlântico. Luciano Figueiredo e Paul Musselwhite avaliam a relevância histórica de cidades—Rio de Janeiro e James Town, e cidades do mundo Atlântico Britânico, respectivamente—na construção de uma geografia política imperial de proporções globais. Eles ressaltam a importância de populações urbanas para o processo de articulação e negociação de vínculos políticos e econômicos entre o velho e o novo mundos. Em particular, eles demonstram a atuação de espaços urbanos como forjas de identidades políticas e palcos de conflitos e confrontações que reconfiguraram a relação entre colônia e metrópole num contexto imperial influenciado por processos globais.

Jesus Bohorquez e Fabrício Prado examinam comunidades e redes mercantis centradas no Rio de Janeiro, Montevideo, Buenos Aires e além, e sua relevância para a organização de uma economia, assim como alinhamentos políticos, trans-imperiais. Eles exploram os esforços feitos pelas coroas portuguesa e espanhola para regulamentar e controlar uma economia cada vez mais globalizada e assim proteger seus interesses e dominação política. Ao focarem, porém, conexões comerciais entre diferentes cidades, eles demonstram que mais do que projetos imperiais, essas redes de troca se materializaram graças às ações de agentes econômicos e mercados coloniais. Essa análise revela ainda a necessidade de se pensar as conexões econômicas dessa região inseridas numa geografia global muito mais ampla do que o Atlântico Sul e mais influentes na maturação das ambições políticas regionais do que os ideais pro-independência da era das revoluções atlânticas.

Emma Hart, Randy Sparks e Ynaê Lopes dos Santos dedicam seus artigos a uma discussão de populações urbanas comumente marginalizadas em narrativas da formação do mundo Atlântico e de processos globalizadores: trabalhadores manuais, imigrantes voluntários e forçados, africanos e seus descendentes, pessoas escravas e libertas. Os séculos XVIII e XIX testemunharam a intensificação de trocas comerciais e movimento de populações ao longo de rotas Atlânticas organizadas em torno de algumas cidades específicas. Hart, Sparks e Santos examinam a trajetória de Charleston, na Carolina do Sul, de Annamaboe, na Costa do Ouro, e do Rio de Janeiro. Dialogando com a historiografia que explica a centralidade de cada cidade em termos das atividades econômicas e poder político de elites e populações europeias ou euro-descendentes, os autores demonstram que foram as diferentes iniciativas e prioridades de populações marginalizadas, de agentes econômicos africanos e de escravos negros que moldaram Charleston, Annamaboe, e o Rio de Janeiro, respectivamente. Esses grupos urbanos, repetidamente ignorados em histórias dominantes do mundo Atlântico, construíram espaços, mercados, e práticas urbanas que viabilizaram articulações econômicas, sociais, e culturais cruciais à constituição do mundo setecentista e oitocentista.

O presente dossiê, através da comparação implícita entre a cidade do Rio de Janeiro e centros e comunidades urbanas do Atlântico britânico, espanhol, e da Costa do Ouro na África, oferece uma nova perspectiva da relação entre o urbano e o global durante o período moderno. Por um lado, ele ilumina a relação dialógica entre dinâmicas e experiências urbanas e a formação de redes de contato e troca globais que marcaram aquela era histórica. Por outro, ele revela a relevância de cronologias, geografias, e atores históricos ao processo de globalização centrado na cidade—e portanto ao fenômeno da cidade global—que são pouco explorados na literatura corrente, a qual tem se preocupado mais em focar o chamado norte global durante o final do século XX e começo do XXI.

Notas

5. EWBANKS, Thomas. Life in Brazil, or, A journal of a visit to the land of the cocoa and the palm. New York: Harper & brothers, 1856. p. 92-93.

6. ENGELS, Friedrich. The Condition of the Working Class in England in 1844. London: Sonnenschein & Co, 1892. p. 23.

7. COSTA, Sérgio; GONÇALVES, Guilherme Leite. A Port in Global Capitalism: Unveiling Entangled Accumulation in Rio de Janeiro. London: Routledge, 2019.

8. FRAGOSO, João Luís. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. PESAVENTO, Fábio. “Para além do império ultramarino português: as redes trans, extraimperiais no século XVIII.” In: GUEDES, Roberto (org.). Dinâmica Imperial no Antigo Regime Português. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 2013. p. 97-111. GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Os ingleses no Rio de Janeiro da primeira metade do século XVIII: o caso da família Gulston, c. 1710-1720 – primeiras impressões.” In: MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; GUIMARÃES, Carlos Gabriel; RIBEIRO, Alexandre Vieira. Ramificações Ultramarinhas: Sociedade Comerciais no Âmbito do Atlântico Luso. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 2018. p. 93-114.

9. FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro, séculos XVIII e XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. BORUCKI, Alex. From Shipmates to Soldiers: Emerging Black Identities in the Río de la Plata. Albuquerque: University of New Mexico Press, 2015. p. 25-56.

10. MARTINS, Luciana de Lima. O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico (1800-1850). Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2001.

11. ABU-LUGHOD, Janet. Before European Hegemony: The World System A.D. 1250-1350. New York: Oxford University Press, 1989. CROSBY, Alfred. The Columbian Exchange: Biological and Cultural Consequences of 1492. Westport: Greenwood, 1972. PAGDEN, Anthony. Lords of All the Worlds: Ideologies of Empire in Spain, Britain, and France, c. 1500-c.1800. New Haven: University of Connecticut Press, 1995. RUSSELL-WOOD, A.J.R. The Portuguese Empire, 1415-1808: A World on the Move. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1998, p. 8-26.

12. SASSEN, Saskia. The Global City: New York, London, Tokyo. Princeton: Princeton University Press, 2013. TAYLOR, Peter; DERUDDER, Ben. World City Network: A Global Urban Analysis. London: Routledge, 2015. KING, Anthony. Writing the Global City: Globalization, Postcolonialism, and the Urban. New York: Routledge, 2016.

13. SAUNIER, Pierre-Yves; EWEN, Shane. Another Global City: Historical Explorations into the Transnational Municipal Moment. New York: Palgrave: 2008. NIGHTINGALE, Carl. Segregation: A Global History of Divided Cities. Chicago: University of Chicago Press, 2012.

14. CONRAD, Sebastian. What is Global History? Princeton: Princeton University Press, 2016.

15. ARAÚJO, Erick Assis de; SANTOS, João Júlio Gomes dos, Jr. (orgs.). História Urbana e Global: novas tendências e abordagens. Fortaleza: Editora UECE, 2018.

Referências

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Mariana Dantas – Ohio University. É autora do livro Black Townsmen: Urban Slavery and Freedom in the Eighteenth-Century Americas (2008). Ela foi a co-investigadora do projeto de rede de pesquisa internacional “Global City: Past and Present”, financiado entre 2015 e 2017 pelo Conselho de Pesquisa em Artes e Humanas do Reino Unido. http: / / orcid.org / 0000-0003-2691-5033

Emma Hart – University of St. Andrews. É autora dos livros Building Charleston: Town and Society in the Eighteenth-Century British Atlantic World (2010) e Trading Spaces: The Colonial Marketplace and the Foundations of American Capitalism (2019). Ela foi a investigadora principal do projeto de rede de pesquisa internacional “Global City: Past and Present”, financiado entre 2015 e 2017 pelo Conselho de Pesquisa em Artes e Humanas do Reino Unido. http: / / orcid.org / 0000-0003-0749-3701


DANTAS, Mariana; HART, Emma. O urbano e o global na era moderna em uma perspectiva comparativa. Almanack, Guarulhos, n.24, abr., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Resenhando | UNIFAL | 2020

Resenhando

A Revista Resenhando (2020-) da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL/MG) surgiu em decorrência da produção de resenhas advindas de um projeto anterior – Resenhando – , idealizado e promovido pelo grupo PET – Conexões de Saberes – Letras da instituição.

Tem como foco publicações de resenhas, originais e inéditas, escritas, majoritariamente, pelo público da graduação e da pós-graduação, não havendo restrições em relação às áreas do saber com as quais a língua(gem), nas suas mais variadas instâncias, possa dialogar.

No geral, apresentam-se produções escritas do gênero Resenha em temáticas que envolvem: Teoria e Crítica Literária; Literaturas; Linguística; Tradução; Estudos de Tradução; Ensino de Línguas e Literatura; História e Estudos de Gênero.

Objetiva-se, nesse contexto, ampliar a visibilidade dos estudos nos campos das Letras ou de áreas correlatas, promovendo uma difusão de saberes que, posteriormente, possa servir como referência a futuras pesquisas, dentre outras contribuições.

Para tanto, não há discriminação quanto à data de publicação das obras resenhadas, desde que estejam relacionadas ao escopo da revista.

Serão aceitas resenhas que estejam dentro da linha editorial e das regras e normas para publicação desta revista, que receberá, pela editoria, publicações de resenhas em fluxo contínuo.

A Revista Resenhando publica dois volumes a cada ano, podendo, eventualmente, publicar dossiês ou números especiais adicionais.

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