Nas tramas da “cidade letrada”: sociabilidade dos intelectuais latino-americanos e as redes transnacionais | Adriane Vidal Costa

O movimento das ideias na América Latina (sua produção, circulação e apropriação) e a atuação dos sujeitos que lhes dão forma, os intelectuais, são agentes importantes para a compreensão da história da região e têm recebido atenção dos estudiosos há pelo menos algumas décadas. Sujeitos forjadores de discursos, os intelectuais agem na cultura (muitas vezes de forma estreita com o poder, como críticos ou sustentadores de sua ideologia), mobilizando signos para a transmissão de mensagens a serem decodificadas e/ou apropriadas. Na dinâmica entre matéria e subjetividade, operam a partir de relações, conectando espaços e sujeitos por meio de práticas individuais ou coletivas. As redes por eles gestadas transpassam frequentemente o espaço nacional, contribuindo para o questionamento da gênese de um pensamento, ao mesmo tempo em que possibilitam uma abertura contextual ao pesquisador que se debruçar sobre elas.

Essas reflexões são proporcionadas ao leitor de Nas tramas da “cidade letrada”: sociabilidade dos intelectuais latino-americanos e as redes transnacionais. Organizada por Adriane Vidal Costa, docente do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Claudio Maíz, professor titular em Literatura Hispanoamericana Contemporánea na Universidad Nacional de Cuyo (UNCuyo), a obra é uma iniciativa do Núcleo de pesquisa em História das Américas (NUPHA) e do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG, publicada no ano de 2018 como parte da coleção História da Editora Fino Traço. Leia Mais

Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea | David Le Breton

A obra analisada é: “Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea” sendo ela constituída por 223 páginas, e encontra-se dividida em 6 capítulos. David Le Breton é um professor de sociologia na Universidade de Strasbourg II e membro do laboratório “Culturas e sociedades na Europa”, do Instituto Universitário da França e do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Strasbourg. É um dos autores contemporâneos mais conhecidos por sua série de obras publicadas na França, como também por sua especialização em representações do corpo humano. Seu trabalho é sempre constituído por uma busca pessoal com raízes na adolescência, portanto, o autor tem grande influência nos estudos sobre o corpo e corporeidade (SOUZA, 2009).

Acredita-se que a obra de Le Breton a qual é tratada na presente discussão pode ser pensada na questão do indivíduo como um ser sem perspectiva e, portanto, fora dos movimentos de vínculos sociais. Isto é, o autor oferece uma compreensão do por que necessitamos do “desaparecer de si” temporariamente, para assim surgir a vontade de continuar viver, assim como desenvolvemos uma “paixão pela ausência”. Portanto, ao longo dessa resenha é perceptível uma referência as diversas formas do desaparecimento de si, perante a falta de desejos e da perca de perspectiva, isto é, as tentativas de fuga da realidade. Leia Mais

Clio – Revista de Pesquisa Histórica. Recife, v. 38, n.1, jan./jun. 2020.

Dossiê: Os desafios da pesquisa a partir do olhar do professor (a)-pesquisador (a): reflexões teórico-metodológicas sobre o campo do Ensino de História

Apresentação

  • Apresentação | Cristiana Ferreira Lyrio Ximenes, Juliana Alves de Andrade | PDF | 01-08

Dossiê

Artigos Livres

Resenhas

Arte e Historia | Artificios – Revista Colombiana de Estudiantes de Historia | 2020

La entrada, al cambio, sale por un poco más de sesenta mil pesos. Los horarios de visitas del museo suelen llenarse, por lo que las primeras entradas disponibles en línea aparecen para dentro de una semana, más o menos. Para ver la pintura toca hacer fila durante media hora. Aparece. El cuadro, que a esa distancia parece un punto, aparece durante treinta segundos y ya. El tumulto hace que, después de perder una buena parte de ese medio minuto intentando sacar algo de la obra, se termine perdiendo toda esperanza por poder distinguir algún detalle. Un punto. Un afiche. La foto obligatoria de todos los turistas que intentan cumplir con el requisito. El alivio que da haber madrugado para suavizar un poco el tiempo perdido en las filas.

La fama del cuadro se le debe en gran medida al robo cometido en 1911. Un empleado italiano del museo se lo llevó argumentando que un exponente del renacimiento italiano debía estar en Italia. A pesar de que el cuadro ya había pasado por las manos de líderes militares y nobles, este sólo fue puesto detrás de gruesas capas de vidrio blindado después de que, producto de la misma fama que empezó a gozar con el robo, se dieran unos cuantos intentos de vandalismo hacia este. Leia Mais

Circulación y apropiación de imágenes religiosas en el Nuevo Reino de Granada, siglos XVI-XVIII | María Cristina Pérez Pérez

En la última década, el interés por el estudio la imagen en el periodo colonial neogranadino, desde diferentes disciplinas y enfoques, ha aumentado. Nuevas miradas desde la historia, la antropología, y la misma historia del arte, han aportado valiosa información y reflexiones sobre la cultura visual de la época, pero al mismo tiempo han tendido a complejizar y abrir nuevas preguntas, actores y escenarios.

Más allá, de los ya clásicos trabajos de Santiago Sebastián, Luis Alberto Acuña o Gil Tovar, que enaltecían las figuras de grandes pintores, sin considerar del todo su realidad material o sus relaciones personales, las aproximaciones de Laura Vargas1, Olga Acosta2 , Jaime Borja3 o María Constanza Villalobos4 , entre otros, han hecho uso de importantes documentos o libros manuscritos, que han permitido comprender mejor el aprendizaje y la labor de los artesanos o artífices comisionados para hacer las imágenes o retablos, el funcionamiento ideológico de las pinturas o la importancia y circulación de los grabados europeos. Leia Mais

Trabalho e Migração (I) / Tempos históricos / 2020

Este Dossiê que entregamos aos leitores é também, em nossa compreensão, um documento histórico a respeito de assuntos, de abordagens, de métodos e de questões que ajudam a problematizar o Trabalho e a Migração. Os artigos selecionados ocupam dois volumes deste número da Tempos Históricos, fato que atesta o interesse pelo tema. Em boa medida, ele caracteriza o estado da discussão nas duas primeiras décadas do século XXI. A sua qualidade, como sempre, estará sob o julgamento criterioso do público interessado. Por isso, não resenharemos cada um dos artigos, como de praxe. Ao invés disso, apresentaremos uma visão dos pontos aludidos pelos autores. Fazemos um destaque especial a duas traduções inéditas publicadas neste número, os textos de John Steinbeck e Michael Merrill, que são precedidos de introduções específicas que dispensam comentários nesta apresentação.

No período de 2010 a 2019, houve aumento de 51 milhões de imigrantes, de acordo com ONU. Em 2019, os imigrantes representaram 3,5% da população mundial. Em 2000, eles eram 2,8%. Se somarmos as migrações inter-regionais e interestaduais de países onde for possível medi-las, o resultado fortaleceria o argumento de que trabalhadores migram o tempo todo. Sobre imigrantes ilegais (sem documentos), conforme a OIT, atualmente estima-se que há 258 milhões de imigrantes, incluídos nesses números 19 milhões de refugiados. Os imigrantes trabalhadores (a partir de 15 anos de idade) constituem 234 milhões desse grupo, representando 4,2% da classe trabalhadora mundial (também a partir de 15 anos de idade). Na Europa, cerca de 1 / 4 dos trabalhadores são imigrantes. Esses dados, embora estimados, atestam a presença significativa de imigrantes na Europa.

Há mais de 100 anos, Lenin explicou essa movimentação de trabalhadores como sendo resultante de enorme pressão do desenvolvimento imperialista do capitalismo. Inicialmente, ele argumentou que o capital busca ampliar a mais-valia e obter lucros maiores, barateando o custo da força de trabalho por meio da abertura de empresas em países considerados economicamente periféricos. Assim, apoiado no capital financeiro, existiria uma tendência de o capitalismo expandir as suas fronteiras para explorar trabalho barato onde houvesse. A avaliação de Lenin apontou para mercados de países menos desenvolvidos. Ao mesmo tempo, nesse plano do desenvolvimento econômico, a indústria e a lavoura recrutariam força de trabalho de outros lugares para suprir necessidades urgentes e formar um excedente disponível. Lenin entendeu e explicou esse processo histórico na década de 1910, mostrando como é que a mobilidade dos trabalhadores estaria cada vez mais influenciada pelo capital. É uma hipótese cuja validade empírica e teórica só fez crescer desde então.

Embora importantes, as estatísticas e as estimativas sobre as migrações seriam mais elucidativas se cotejadas e enriquecidas por investigações que consigam abordar e expor a condição do imigrante nos termos de como eles lidam com as experiências de migrar, de trabalhar e de viver em um tipo de exílio voluntário. Nessa direção, muitos estudos têm avançado para questões ligadas aos motivos da imigração, à estratificação dos imigrantes em faixa etária, gênero, condição social, escolaridade, à renda e remessa de dinheiro para familiares, às formas de entrada no país, o acolhimento, a legislação responsável pela concessão de vistos e outros assuntos pautados pelo dinamismo da realidade social.

Resultado ou causa disso são os grupos organizados institucionalmente no Brasil com interesse de estudar especificamente a migração em espaços e temporalidades diversos, alguns deles com certa articulação internacional. A intervenção acadêmica, principalmente, tem induzido a produção de dissertações e teses que já não só mapeiam permanentemente a migração, mas auscultam os trabalhadores que migram. Quando isso acontece, saímos de uma superfície relativamente segura para mergulhar em águas incertas, para as quais nem sempre estamos inteiramente equipados para sobreviver. Ouvir o que os imigrantes desejam falar, sem abandonar as indagações de nossos roteiros, requer o que os historiadores e demais estudiosos denominam de método, de paciência e de alguma sensibilidade.

A respeito dessas iniciativas, queremos sublinhar dois pontos. Greve na Fábrica, de Robert Linhart, publicado em 1977 (L’Etabli), ainda é uma das melhores referências de estudo sobre trabalhadores imigrantes reunidos em uma indústria. Encontramos nessa obra chaves de análise atuais para a pesquisa histórica e sociológica que esclarecem como a pesquisa pode compreender as relações de trabalho, a constituição da identidade, a formação de redes de solidariedade e a organização política e sindical, examinando de perto os diversos modos que os trabalhadores tratam suas experiências. O que temos a ganhar com Linhart é a possibilidade de tratar o trabalho e a migração (voluntária e involuntária) também em seus termos históricos, os quais são expressão de sentimentos como o medo, a solidão e a dignidade, por exemplo. De um ponto de vista geral, isso representa um esforço para investigar quais sentimentos movem ou imobilizam os trabalhadores em situações históricas específicas e, ao mesmo tempo, conectadas estruturalmente ao capitalismo. Isso nos leva ao segundo ponto.

Sendo a migração um tipo de mobilidade forçada pelo capital, é preciso identificar e analisar o processo de expropriação vivido pelo trabalhador que decide buscar outra região ou país. A noção de expropriação assumiu nos estudos de Marx um sentido continuado. Em apertado resumo, a história é a seguinte. Os camponeses haviam perdido muitos de seus direitos à terra desde os séculos XIV e XV na Inglaterra, e seguiram lutando e resistindo contra todo tipo de investida sobre seus modos de vida e de trabalho. O desenvolvimento do capital pressionou os camponeses (e artesãos) a subordinarem seu trabalho, sua forma de produção, seus modos de vida e a desbaratar a organização econômica e social dos camponeses que possibilitava resistir dentro desse processo. É uma história bastante conhecida e detalhada em diversos aspectos, principalmente por Edward Thompson, em A Formação da Classe Operária Inglesa e Tempo, disciplina do trabalho e capitalismo industrial, por Eric Hobsbawm e George Rudé, em Capitão Swing, por Raymond Williams, em O Campo e a Cidade, e por Peter Linebaugh, em Karl Marx, the Theft of Wood.

Uma dimensão atual da dinâmica de expropriação se dá quando o imigrante não tem a roupa certa, o corte de cabelo certo, não fala a língua certa, não tem o comportamento certo. Seu corpo inteiro, seus costumes e sua cultura tendem a ser estigmatizados de modo que pesa sobre eles uma pressão para expropria-los econômica e culturalmente. E semelhante aos camponeses que Marx estudou em pleno processo de luta contra a expropriação de seus direitos consuetudinários sobre a terra, trabalhadores imigrantes na atualidade enfrentam esse problema cotidianamente. E se reconhecermos uma dinâmica de expropriação de longo tempo que chega aos nossos dias, significa que é necessário pensar o trabalho e a migração como uma relação social tensa, conflituosa, contraditória e, portanto, como elementos históricos da luta de classes.

Esta ainda é a principal chave de análise para identificar e explicar a condição dos trabalhadores imigrantes.

Antônio de Pádua Bosi

Sérgio Paulo Morais


BOSI, Antônio de Pádua; MORAIS, Sérgio Paulo. Apresentação. Tempos Históricos, Paraná, v.24, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Trabalho e Migração (II) / Tempos históricos / 2020

Apresentamos a edição do 2º semestre de 2020 da Revista Tempos Históricos, periódico científico do Programa de Pós-Graduação em História e do Curso de Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Neste número, temos o prazer de publicar mais uma importante seleção de artigos científicos no campo das Ciências Humanas, majoritariamente da área de História; tal produção é fruto, essencialmente, de docentes e pósgraduandos de universidades brasileiras que estão em constante combate contra a perda de recursos pela educação pública, a deterioração das condições de trabalho e o descrédito enfrentado pela Ciência.

Neste número apresentamos também a segunda parte do Dossiê Temático Trabalho e Migração, organizados pelo Prof. Dr. Antonio de Pádua Bosi (Unioeste) e pelo Prof. Dr. Sergio Paulo Morais (UFU). Nesta seção, Guélmer Júnior Almeida Faria no artigo Redes sociais das / nas migrações tecidas em contextos de vida e trabalho de domésticas imigrantes, aborda aspectos importantes das relações de trabalho das domésticas do norte de Minas Gerais e da constituição de suas redes de sociabilidade. No artigo Migrantes Haitianos em Sinop / MT: direitos, trabalho e redes de sociabilidade, Ivone de Jesus Alexandre e Everton Neves dos Santos discorrem sobre a precariedade do trabalho dos imigrantes haitianos na cidade e a importância da igreja como espaço de sociabilidade deste grupo social. Ivna de Oliveira Nunes, em Ser mulher e migrante: debates sobre a divisão sexual do trabalho nos fluxos migratórios, dedica-se a abordar aspectos da intersecção entre gênero e mobilidade social a partir da condição de trabalho das mulheres imigrantes na perspectiva da divisão sexual do trabalho. Em Apropriações do trabalho rural e da migração no poema Martim Cererê e na Revista São Paulo, de George Leonardo Seabra Coelho, o autor baseia-se na perspectiva teórica de Roger Chartier para analisar as representações elaboradas por Cassiano Ricardo sobre aspectos da identidade paulista, especialmente relacionados à migração. Ainda nessa seção, Trabalhadoras domésticas: memórias, resistências e criação de direitos (São Paulo, Amazônia e tantos lugares, de um tempo recente e ainda agora) de Vanessa Miranda, Maria do Rosário da Cunha Peixoto e Nelson Tomelin Jr., apresenta pesquisa sobre o processo de construção de memórias das trabalhadoras domésticas – organizadas ou não – nos anos da Ditadura Militar (1964-1985). Por fim, Wellington Teixeira Lisboa debruça-se sobre o panorama histórico das migrações para a cidade de Santos / SP em As faces da cidade: migrações históricas no município de Santos / SP. Encerrando o dossiê, Luiz Sapia de Campos e Ema Cláudia Ribeiro Pires entrevistam Alberto Matos, militante de uma organização de apoio aos imigrantes na região do Alentejo, em Portugal, na seção Entrevista.

Nos Artigos Livres, o texto O “antigo” e o “novo” no debate da historiografia brasileira acadêmica (1961-1979), de Wesley Rodrigues de Carvalho, estabelece os usos das ideias de “novo” e antigo” nas produções acadêmicas oriundas das universidades brasileiras. A seção continua com o texto de Augusto Rodrigues de Assis Resende, O Império e as celebrações de Tiradentes, por meio do qual os usos políticos da Inconfidência mineira e da figura de Tiradentes são analisados em suas manifestações ainda no período monárquico. Já Regras para o trato virtuoso das vestes na Castella dos séculos XIV e XV, de Thiago Henrique Alvarado, nos mostra como as orientações e regras para a vestimenta de clérigos e leigos, entre os séculos XIV e XV, favoreciam o entendimento do que era ser um bom cristão.

Na sequência, Georgiane Garabely Heil Vásquez em Corpos imperfeitos: as teses médicas sobre infertilidade feminina apresentadas à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX demonstra que, de maneira geral, o entendimento da saúde reprodutiva das mulheres no início do século XX estava marcado por julgamentos morais. No trabalho Povos indígenas no vale do Rio Branco / Roraima na segunda metade do século XVIII: a construção de uma representação, Maria Luiza Fernandes, nos oferece um estudo sobre a representação dos indígenas da região em contraposição ao projeto colonizador português. Joice de Souza Soares, no artigo Em meio a cidadãos e soldados: o meio termo policial na regência do Império, avalia as questões do nascente Estado brasileiro, no início do século XIX, em relação à constitucionalização, à Justiça e à instituição policial. Ainda encontramos o artigo Práticas testamentárias em Mariana: os executores das últimas vontades nos séculos XVIII e XIX, de Karina Aparecida Lourdes Ferreira, que analisa as sociabilidades envolvidas na constituição e cumprimento de testamentos e sua relação com as próprias funções do documento. A reflexão de Ricardo Marques de Mello, em Funções contemporâneas do ensino de história no Ensino Médio de Campo Mourão – PR: a perspectiva dos estudantes, nos apresenta um panorama da compreensão da função da aprendizagem da História para os estudantes do Ensino Médio. Por fim, o artigo Os percalços da propriedade cafeeira: a transformação dos direitos de propriedade na formação e na reprodução das fazendas de café em Valença (Província do Rio de Janeiro, 1850-1888), de Felipe de Melo Alvarenga analisa a transformação dos direitos de propriedade após a promulgação da Lei de Terras de 1850. Encerramos a seção com o artigo Usos do passado nos animes japoneses: a presença de imagens míticas das deusas da destruição e do mito dos irmãos, em Naruto Shippuden, de Rodolfo Alexandre Melo Bastos e Daniel Lula Costa, que realiza um estudo sobre a relação entre os personagens do anime de origem japonesa e o uso de imagens mitológicas.

A leitura de Valney Mascarenhas Lima Filho na seção Resenhas apresenta a obra Ganhadores: a greve negra de 1857 na Bahia, de João José Reis, editada em São Paulo, pela Cia das Letras em 2019. Fechando a edição, apresentamos a importante Tradução do texto de Josep Fontana, Para que serve o ensino de História?, realizada por Sheille Soares de Freitas.

O Conselho Editorial agradece autores e pareceristas desta edição e deseja a todos(as) uma excelente leitura!

Conselho Editorial


Conselho editorial. Apresentação. Tempos Históricos, Paraná, v.24, n.2, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Caracterización técnica de la escultura policromada en la Nueva Granada | Yolanda Pachón

Una de las ideas más generalizadas que se ha tenido sobre la escultura de los siglos XVI al inicio del XIX en Colombia es que se trata de un campo poco estudiado, sin embargo, Yolanda Pachón en su imprescindible libro Caracterización técnica de la escultura policromada en la Nueva Granada evidencia el gran trabajo realizado durante décadas por restauradores y alumnos de la carrera de Restauración, tanto dentro del pionero Centro Nacional de Restauración de Colcultura como en su continuación dentro de la Universidad Externado de Colombia.

El mérito del libro no solamente se encuentra en la revisión de las historias clínicas de 172 obras que contaban con análisis de laboratorio (de una revisión inicial de 238) trabajadas por las instituciones antes mencionadas y también del archivo personal de la autora, sino en la capacidad de análisis y síntesis de la profesora Pachón para realizar la caracterización de la escultura neogranadina, campo que domina ampliamente. Leia Mais

Cadernos Pagu. Campinas, n.58, 2020.

 

Histórica. Lima, v.44, n.1, 2020.

Artículos

Entrevista

Reseñas

Patrimônio em transformação. Atualidades e permanências na preservação de bens culturais em Brasília | Sandra Bernardes Ribeiro e Thiago Perpétuo

Efemérides são boas ocasiões para se olhar algo novamente e refletir. É nesse sentido que vem o livro Patrimônio em transformação – atualidades e permanências na preservação de bens culturais em Brasília. Lançado pelo Iphan em 2017, o exemplar aparece em momento de tripla comemoração: sessenta anos do projeto vencedor de Lúcio Costa para a nova capital; trinta anos da inscrição do Plano Piloto de Brasília na lista de patrimônio cultural da humanidade da Unesco; oitenta anos da criação do órgão destinado à proteção patrimonial. Como o nome prenuncia, trata-se de uma obra sobre patrimônio, dedicada a olhar Brasília e a trazer para reflexão discussões sobre a cidade que vem se modificando e consolidando. A publicação mostra-se como boa forma de celebrar, uma vez que se insere de forma atual e propositiva no debate. E, o olhar que se lança sobre a cidade-patrimônio, nesta ótima coletânea de artigos, traz contribuições significativas para pensá-la.

A tônica da obra é dissociar-se da ideia de que o respeito ao patrimônio implica fixidez. Compreende-se a mudança como algo imanente à condição de cidade dinâmica, e a necessidade de revisitar Brasília é lida como um exercício fundamental para sua própria proteção. O assunto da preservação patrimonial de – e em – Brasília não é novo, mas muito do que se aborda, e como, coloca-se como leitura enriquecedora para quem lida com o tema ou se interessa por ele. Encaram-se transformações por que passam a cidade dinâmica, e não mais projeto, trazendo reflexões e deixando claro quais são as questões que estão na ordem do dia para o órgão do patrimônio e que, não por coincidência, guardam relação com as datas que festejam. Leia Mais

História Cultural do humor / Faces da História / 2020

O riso e o humor sempre fizeram parte da cultura humana. Apesar disso, foi só a partir da segunda metade do século XX que as narrativas humorísticas passaram a ser legítimo objeto de estudo para a historiografia, a partir do advento da história cultural do humor. Mesmo que, metodologicamente, o estudo da comicidade seja ainda campo de difícil aproximação para o historiador devido à fragmentação dos objetos, é sempre válido apostar em uma leitura atenta das fontes, dialogando livremente com perspectivas epistemológicas.

Daí porque é possível afirmar que o estudo do humor tem se mostrado cada vez mais pujante e merecedor de abordagens originais nas mais diversas áreas do conhecimento.

Pensando historiograficamente, ainda que tenhamos acesso a publicações mais gerais do século XXI, como por exemplo Uma história cultural do humor (2000), organizado por Jan Bremmer e Herman Roodenburg, História do riso e do escárnio, de Georges Minois (2003), e sobretudo o largo compêndio de estudos sobre humor organizado por Salvatore Attardo, The Encyclopedia of Humor Studies (2014), esses volumes possam figurar como parâmetros para o historiador do humor, destacamos que no Brasil o crescimento deste campo ainda é lento, apesar do trabalho pioneiro de Elias Thomé Saliba (2002) e da existência de grupos de pesquisa e seminários sobre comicidade, apontando que esta é uma linha de pesquisa repleta de possibilidades de trabalho.

Este dossiê especial da revista Faces da História pretende celebrar exatamente este momento da pesquisa sobre humor no Brasil, registrando seus diálogos sobretudo com a história cultural, mas abrindo também espaço a interlocuções com a filosofia, a linguística, a literatura, o cinema, a música e o direito. A generosa acolhida da equipe editorial ao tema proposto para o dossiê, portanto, é nosso primeiro motivo de agradecimento como editores.

O segundo foi a boa receptividade encontrada pela chamada de artigos, não só por historiadores, público-alvo da revista, mas também por pesquisadores de outros campos do conhecimento – todos, porém, com propostas extremamente interessantes e inventivas, vindas de diversas partes do país.

Nessa aventura interdisciplinar, a lógica que pretendemos seguir com a ordem de apresentação dos artigos não foi a simples cronologia dos fatos históricos abordados em cada um dos trabalhos. Como o dossiê é composto por abordagens que vão desde a Grécia antiga ao direito contemporâneo, optamos pela divisão em quatro blocos temáticos.

No primeiro deles, reunimos quatro artigos que combinam historiografia e análise literária.

Em Tenupá-Oikó: a filosofia do “Deixa Está” como proposta humorística para a construção da legislação brasileira pela ótica antropofágica de Clóvis de Gusmão, Heraldo Márcio Galvão Júnior, doutor em história pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), resgata um nome pouco estudado do modernismo brasileiro, jogando luz sobre um autor profundamente original que ainda não obteve o merecido reconhecimento. Clóvis de Gusmão utilizava o folclore amazônico – anedotas, em especial – com o objetivo de, nas palavras de Galvão Junior, compreender “a verdadeira brasilidade” e “reedificar as concepções de sociedade, de cultura e de política”, inclusive por meio da substituição da legislação vigente, que seria mera cópia de modelos europeus, por algo verdadeiramente nacional.

Outro autor relativamente pouco estudado é o objeto do artigo de Leandro Antônio de Almeida, doutor em história pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Depois, miseravelmente depois, só rindo: a sátira cômica de João de Minas nos anos 1930 escrutiniza a vida e a obra do pseudônimo de Ariosto Palombo, escritor de matizes inicialmente sertanistas que enveredou mais tarde pelo romance mais popularesco, contudo, sem jamais, abandonar a sátira política como elemento central de suas narrativas ficcionais. Almeida compara esses dois momentos da obra de João de Minas, refletindo sobre o papel do distanciamento na sátira e demonstrando como o autor mesclava os dramas de seus protagonistas com referências explícitas a acontecimentos políticos da época – tudo envolto numa atmosfera um tanto iconoclasta, num “universo regido pela busca […] de poder e dinheiro por meio da corrupção generalizada”.

Fechando o bloco concernente à literatura, Luís Felipe Gonçalves do Nascimento, mestre em história pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), apresenta A Ressurreição de Vitorino Carneiro da Cunha: humor e ironia na obra de José Lins do Rego. O artigo mostra como o escritor paraibano utilizou um dos protagonistas do romance Fogo Morto para ironizar a crítica literária da época, e em certa medida a si mesmo, na medida em que se tratava de personagem inserido na mesma oligarquia canavieira na qual o próprio José Lins do Rego havia crescido. O artigo propõe, com isso, uma leitura que ilumina de modo inspirado toda a obra do autor: “É esta tensão que faz de José Lins do Rego um escritor intrigante, no aspecto de falar ou não falar do mundo em que viveu, de representá-lo, ou, de maneira intencional, desmontá-lo com ironia”.

O segundo bloco traz artigos que avaliam o humor na imprensa, começando com mais uma contribuição nordestina. Em O Jornal O Norte e o pioneirismo do humor gráfico na imprensa paraibana, Rosildo Raimundo de Brito, doutor em história pela USP e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), analisou as edições que circularam entre 1968 e 1980 do primeiro periódico do estado a utilizar de modo consistente tiras e quadrinhos. Para se debruçar sobre as caricaturas do jornal, em especial sobre o personagem Zé da Silva, o autor parte da ampliação do conceito de “documento histórico” pela chamada “nova história cultural”, para concluir que “é possível, a partir das imagens, se conhecer a história social de um determinado tempo”, considerando que por meio delas é possível reconstruir acontecimentos “em toda sua espessura política, social e cultural” – como, por exemplo, as alusões feitas sobre a ausência de voto direto para presidente durante a ditadura civil-militar que governou o país de 1964 a 1985.

Já em “Adoradores de Baccho”: embriaguez, humor e ambivalência na imprensa pelotense (1930-1935), Thaís de Freitas Carvalho, mestre em história pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), retrata como o humor confere ambivalência ao retrato da vida noturna por dois jornais circulantes na cidade, que se equilibravam entre a condenação dos excessos alcoólicos por meio da derrisão e a celebração dos entreveros por meio de notas policiais bem-humoradas. A historiadora reconhece que “muitos dos causos e histórias vividas por entre bares e botequins permanecem inacessíveis aos historiadores”; porém, os fragmentos de brigas e vexames, que ganharam menções nos periódicos, permitem entrever e imaginar a dinâmica dessa sociabilidade, e o que ela revela a respeito do divertimento possível à classe trabalhadora pelotense da época.

No quarto bloco destacamos artigos que abordam o humor em narrativas musicais e cinematográficas, fontes caras aos estudos de história cultural e que aqui primeiro surgem com o artigo Humoristas-cantores: a comicidade na canção brasileira (1964-1985) entre tons de crítica e notas de acidez, de Gabriel Percegona Santos, mestrando em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nele, Santos propõe estabelecer um “diálogo entre a história cultural do humor no Brasil entre os anos de 1964 e 1985 e sua expressão musical”, abordando a comicidade em registros fonográficos de artistas como Ary Toledo, Paulo Silvino, Chico Anísio e Arnaud Rodrigues (Baiano & Novos Caetanos), destacando como tais críticas, porque vieram através do humor, não fizeram com que as obras fossem censuradas e nem “tornaram seus autores e intérpretes personagens visados pela ditadura”, como era comum na época.

O humor no cinema aparece representado em Cinema e consumo popular de pornochanchadas: da nudez explorada às representações femininas (1970), de Julio Eduardo Soares de Sá Alvarenga, mestre em história pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), e Pedro Vilarinho Castelo Branco, doutor em história e professor da mesma universidade. No artigo, os autores não só abordam o gênero pornochanchada em geral como também apresentam análises mais detalhadas das comédias eróticas Um Virgem na Praça (1973), de Roberto Machado, e Mulheres Violentadas (1977), de Francisco Cavalcanti, para discutir a questão da nudez naqueles filmes e, sobretudo, “a dominação masculina e as formas de resistência feminina” e, com isso, esboçar possíveis papéis das mulheres naquele gênero cinematográfico de alto consumo na década de 1970.

Inaugurando a última e mais interdisciplinar seção do dossiê, dedicada a outros campos do conhecimento, Walter Claudius Rothenburg, livre-docente em direitos humanos pela USP e professor da Instituição Toledo de Ensino (ITE), apresenta O humor e seus limites jurídicos – amparado sobretudo no caráter paradoxal da manifestação humorística, que caminha quase sempre no fio da navalha entre a proteção e a repressão por parte do ordenamento jurídico. Escrito em linguagem clara e acessível a não-juristas, o autor defende que o humor pode iluminar determinados fatos e questões sociais de modo inestimável, porém, “[q]uando inferioriza, quando agride, o humor discriminatório deve ser encarado pelo Direito como ilícito: uma manifestação intolerável de ‘discriminação recreativa’”.

Segundo consta na Encyclopedia of humor studies (ATTARDO, 2014, p. 120-7) o campo do humor infantil é um dos mais considerados como tema de estudo pelos pesquisadores da comicidade e neste dossiê ele está representado pelo artigo Da compreensão à produção de incongruências por uma criança pequena: dados de humor, de Caroline Prado Gouvêa, graduada em letras e mestranda na área de linguística pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Araraquara; Alessandra Del Ré, que é doutora e professora na área de linguística na UNESP / Araraquara, e Alessandra Jacqueline Vieira, que é doutora e professora do curso de letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Neste artigo, bastante empírico, as pesquisadoras se propuseram a considerar “o processo de compreensão e a produção das incongruências que vão produzir efeito humorístico no discurso” durante a interação com o outro. Essa pesquisa foi feita a partir da análise dos vídeos de crianças entre três e quatro anos de idade disponíveis no banco de dados do grupo NALingua (CNPq). Interessante é que os resultados parciais alcançados nesta pesquisa mais ampla na área de aquisição da linguagem infantil mostram que o humor estaria presente na fala da criança desde cedo.

Para finalizar nosso dossiê, apresentamos uma colaboração advinda da filosofia sobre a presença das narrativas cômicas na Antiguidade com o artigo A tripartição da retórica no cinismo de Diógenes de Sínope, de George Felipe Bernardes Barbosa, graduado e mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), que se propõe a analisar trechos da obra de Diógenes, o Cão. Considerando aspectos cômicos no cinismo, Barbosa defende que se “dissipa a ideia de que o filósofo é sempre a figura séria, presas em pensamentos transcendentais”. Além de divertida e surpreendente, essa contribuição também é enriquecida com uma linguagem erudita e reflexões pertinentes sobre gêneros textuais humorísticos como anedotas.

A pluralidade do dossiê que temos a satisfação de apresentar ao público leitor é, portanto, espelho das próprias possibilidades oferecidas pelas diversas formas de manifestação humorística. Atravessando gêneros e formatos, séculos e povos, o humor ainda se apresenta intrigante e aberto às perguntas que, espera-se, lhe sejam feitas com frequência cada vez maior.

Boa leitura!

Referências

ATTARDO, Salvatore (org). Encyclopedia of humor studies. New York: SAGE Publications, 2014.

BREMMER, Jan; ROODENBURG (Org). Humor e história. Uma história cultural do humor. Trad. Cynthia Azevedo; Paulo Soares. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 13-25.

MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio. Trad. Maria Helena O. Ortiz Assumpção. São Paulo: Editora Unesp, 2003.

SALIBA, Elias Thomé. Crocodilos, satíricos e humoristas involuntários: ensaios de história cultural do humor. São Paulo: Entremeios; USP-Programa de pós-graduação em história social, 2018.

SALIBA, Elias Thomé. Raízes do riso: a representação humorística na história brasileira da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Cia das Letras, 2002.

Camila Rodrigues – Doutora em história pela Universidade de São Paulo (USP) https: / / orcid.org / 0000-0001-5842-8737

João Paulo Capelotti – Doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) https: / / orcid.org / 0000-0003-3009-9729


RODRIGUES, Camila; CAPELOTTI, João Paulo. Apresentação. Faces da História, Assis, v.7, n.2, jul / dez, 2020. Acessar publicação original desta apresentação

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Usos e sentidos no Patrimônio Cultural no Projeto Porto Maravilha, Rio de Janeiro | Leopoldo Guilherme Pio

1. Do Patrimônio cultural ao Porto Maravilha

O livro de Leopoldo Guilherme Pio se constituiu em uma contribuição importante para se pensar o patrimônio cultural, atualização e sua utilização no contexto das transformações urbanas ocorridas ao longo da última década na região central do munícipio do Rio de Janeiro.

Cabe o apontamento da situação específica desta cidade, sendo fortemente caracterizada como uma metrópole que se desenvolveu a partir de um incremento de suas potencialidades como polo de turismo e de demais eventos, neste caso, esportivos. Desta forma, buscou-se reforçar as estratégias para tornar o Rio de Janeiro como um centro atrator de negócios e atividades correlatas.

Nesta direção, o autor destacou a preocupação central de sua proposta que consistiu em compreender como a memória, contida nos patrimônios históricos, foi utilizada como recurso no contexto da estratégia de revitalização e modernização da região, a partir da proposta de desenvolvimento do Rio de Janeiro.

Tal processo ocorreu a partir da atribuição a cultura e ao patrimônio novas competências para revitalizar áreas degradadas, promovendo uma melhor qualidade de vida. Posteriormente, decidiu-se pelo foco na utilização da categoria patrimônio cultural como um instrumento de promoção do desenvolvimento econômico no interior da proposta do Porto Maravilha.

Para obter este intento, Pio (2017) se utilizou da categoria Patrimônio Cultural como elemento constituinte do patrimônio, presente na cidade do Rio de Janeiro desde os anos 1990, seja, por meio do o projeto do Corredor Cultural, seja com a proposta de 1 instalação do Museu Guggenheim, já sinalizando para o atual 2 momento, mesmo que timidamente. Neste ponto, Pio (2017) considera em seu livro, os termos “usos e sentidos” funcionando como ferramentas que classificam “os principais significados do patrimônio: o patrimônio como oportunidade econômica; como capital de inovação; como instrumento de gestão do espaço público e como símbolo de harmonia social e qualidade de vida”. (PIO, 2017, p.6)

O emprego do patrimônio como ferramenta para se pensar a imagem da cidade como elemento a ser comercializado, inseriu em uma dinâmica de mercado ao destacar pontos positivos e omitindo os negativos. No caso em questão, serão desenvolvidos os pontos positivos que passaram a ser valorizados nesta nova lógica de utilização do espaço urbano.

Tal processo é compreendido pelo autor como “patrimonialização, ou seja, a produção de processos que criam patrimônios, neste caso, na região em que se localiza o Porto Maravilha, em que se destaca o Circuito Histórico Arqueológico de Celebração da Cultura Africana, como representante deste processo.

O próprio autor salienta que a “organização do patrimônio como ramo fundamental da indústria de lugares e do turismo é um indicador desta mudança de paradigma … que se constituiu em mais um legado do que de recuperação de uma herança”. (PIO, 2017, p.59).

Este posicionamento ressaltou a presentificação do patrimônio e da patrimonialização acabando por conectar patrimônio e “marketing das cidades”.

Tal conexão permitiu perceber a aplicação do patrimônio como instrumento que pode funcionar como um “atrativo locacional” (CICCOLELLA, 1996), ou seja, um potencial a ser explorado, neste caso, o patrimônio histórico como uma oportunidade de negócios, como defende Pio (2017).

A partir das linhas gerais do autor, é possível salientar dois pontos relevantes como a implementação de uma proposta de city marketing, termo defendido por Vainer (1999) e Sanchez (2001) e a ênfase em um patrimônio, associado as classes populares, que adquire uma nova funcionalidade.

A primeira delas explica-se pelo fato destes projetos serem elaborados a partir de premissas do city marketing, ou seja, baseado na proposta que adotou o desenvolvimento econômico a partir da valorização de atrativos locacionais que uma cidade possua. No caso carioca, a área a ser “revitalizada”, ou utilizando os próprios termos de Pio (2017), a receber novos “usos” como parte da região portuária do Rio que convencionou-se denominar como Porto Maravilha.

Como pontos a serem desenvolvidos a partir da reflexão de Pio (2017), podemos desenvolver uma intensificação do city marketing e uma “revitalização” que explora uma área “marginal” que compõe uma região mais ampla que possui um projeto com uma perspectiva mais global.

A primeira delas consiste em uma adaptação do “city marketing” para uma área periférica da região central, discutida por Pio (2017) de forma inovadora no seu foco na dinâmica cultural como indutor de desenvolvimento na região do Porto Maravilha.

Esta linha pode ser um caminho valioso, mesmo ao ser aplicado em uma área que possui forte tradição associada a cultura negra como a Pequena Àfrica que passaram a se revalorizados, 3 evidenciando a possibilidade de estimular outras culturas e/ou grupos sociais que não possuem voz, a destoarem dos projetos de city marketing que predominantemente valorizam cultura erudita ou o setor de negócios.

Nesta direção, a discussão de Pio (2017) sinaliza para o reforço na valorização da cultura, neste caso, popular como caminho para se pensar estratégias alternativas para discutir formas de estímulo ao desenvolvimento econômico.

Já o segundo ponto, pensado de forma complementar ao primeiro, trata da revitalização de uma área periférica do centro carioca, suscitando duas questões: o termo “revitalização”, colocado como se não existe vida anteriormente e que daquele momento em diante, tivesse “recuperado” a vida, ou como destacou ABREU (1998), pretendeu-se valorizar uma memória urbana, por meio da “valorização atual do passado” como observado na reflexão de Pio (2017).

Assim, a busca por valorizar o passado, representado na memória urbana, defendida por Abreu(1998), como forma de reforçar uma identidade, neste caso, aquela relacionada a cultura negra, que hoje, por exemplo, instalou-se nos bairros em questão, Saúde, Gamboa e Santo Cristo, como locais símbolos de uma cultura negra que foi recuperado, mas não se criou uma vida nova, mas reforçar a memória urbana relacionado a cultura negra que hoje se tornou um 4 local de valorização e de resistência deste grupo.

Desta forma, a reflexão de Pio (2017) contribui consideravelmente tanto por se referir a oferta de questões quanto na proposição de novos caminhos para discutir o patrimônio, sua re-elaboração e em sua inserção de uma lógica de “comércio” das cidades e de seus espaços diversos.

Notas

1 Consistiu em um conjunto de iniciativas, criadas na região central carioca no decorrer dos anos 1980 até o início dos anos 1990, em que foi incentivada a revitalização desta por meio da utilização de seu patrimônio artísticos, arquitetônico e cultural.

2 Foi uma proposta de revitalização da região portuária da cidade, criada no final dos anos 1990, por meio da implementação de equipamentos culturais como museus, centros culturais e congêneres que sejam indutores de desenvolvimento no entorno da região em que são instalados.

3Esta área foi uma área que possui uma tradicional ocupação de população negra a partir do século XVIII e que continuou no bairro, mas sem valorizar esta tradição, sendo está recuperada nas duas últimas décadas, pela ação do movimento negro.

4 Representado por um passado, que vai desde um local de chegada de escravos negros até locais de interação e de resistência de negros e de sua cultura.

Referências

ABREU, Maurício. Sobre a memória das cidades in Revista da Faculdade de Letras – Geografia, 1 ª série, volume XIV, Porto, p.77-97, 1998.

CICOLLELA, Pablo. Las metrópoles latino-americanas en el contexto de la globalizacion: las mutaciones de las áreas centrais in Para Onde – UFRGS, Porto Alegre, 9 (1), p.01-09, janeiro – julho de 2015.

SANCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades na virada do século: agentes, estratégias e escalas de ação política in Revista Sociologia e Política, Curitiba, 16, p.31-49, junho de 2001.

VAINER, Carlos. Pátria, mercado e mercadorias – notas sobre a estratégia discursivas do planejamento estratégico urbano in Anais dos VIII Encontro Nacional da ANPUR, Natal, 1999.

Fábio Peixoto – Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais. E-mail: fabiocope@gmail.com


PIO, Leopoldo Guilherme. Usos e sentidos no Patrimônio Cultural no Projeto Porto Maravilha, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gramma, 2017. Resenha de: PEIXOTO, Fábio. O patrimônio cultural no âmbito do porto maravilha: novos usos de “antigos” lugares. Urbana. Campinas, v.12, 2020. Acessar publicação original [DR]

 

Responsabilidades e Desafios para a consolidação da EaD | EmRede – Revista de Educação a Distância | 2020

O primeiro número de 2020 tem como título “Responsabilidades e Desafios para a consolidação da EaD”, tema do XVI Congresso Brasileiro de Ensino Superior a Distância (ESUD) e do VI Congresso Internacional de Educação Superior a Distância (CIESUD), realizados em novembro de 2019, em Teresina – Piauí – sob a coordenação da Universidade Federal do Piauí.

Como artigo de abertura, apresentamos o texto dos profs. Diogo Casanova, da University of West London e da profª. Teresa Pessoa do Departamento de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Seu artigo propõe um modelo pedagógico cujo objetivo é auxiliar o professor na proposição de atividades de aprendizagem tanto no ensino híbrido quanto na educação a distância (EaD), destacando a importância da formação pedagógica dos professores. Leia Mais

Extensão na Educação a Distância | EmRede – Revista de Educação a Distância | 2020

Esse dossiê temático tem a intenção de divulgar experiências de extensão universitária brasileiras que acontecem na modalidade a distância. Como sabemos, a Extensão é um dos pilares da Universidade, e de forma indissociável ao Ensino e a Pesquisa, contribui com a formação humana e com o desenvolvimento da cidadania e da sociedade.

A Resolução nº 7, de 18 de Dezembro de 2018 (MEC/CNE/CES), que estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), em seu Art. 3º define a Extensão na Educação Superior Brasileira como “a atividade que se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-se em processo interdisciplinar, político educacional, cultural, científico, tecnológico, que promove a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e os outros setores da sociedade, por meio da produção e da aplicação do conhecimento, em articulação permanente com o ensino e a pesquisa”. Por meio da extensão universitária é possível desenvolver ações que se originam do princípio da indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão, o tripé universitário, produzindo e compartilhando conhecimento junto à sociedade, transformando a realidade e aproximando a Universidade das pessoas. Leia Mais

Identidad. Educar en la memoria – Claudio Altamirano

ALTAMIRANO C Victor Hugo Morales entrevista a Claudio Altamirano Radio Continental AM 590 2017 Identidad

Victor Hugo Morales (esquerda) entrevista a Claudio Altamirano (direita) / Radio Continental AM 590 / 2017.

ALTAMIRANO C Identidad Educar en la memoria IdentidadALTAMIRANO, Claudio (2018). Identidad. Educar en la memoria. Ushuaia: UNTDF, 2018. 462 p. Resenha de: ZUBILLAGA, Paula. Clío & Asociados. La historia enseñada. La Plata, n.30, p. 172-174 Enero-Junio 2020.

¿Para qué sirve el conocimiento de las experiencias relacionadas a la represión estatal durante la última dictadura argentina? ¿Existe una relación directa entre la construcción de un futuro democrático, la posibilidad de un “Nunca Más” y la transmisión de memorias del pasado reciente argentino vinculadas a la represión y la violencia? Existe una creencia bastante extendida entre los integrantes de diferentes programas educativos que ligan el deber de memoria – ese imperativo categórico, ese deber y respuesta ética y moral – con la construcción de una sociedad y un futuro más democrático, sin violencias. Aquella exigencia de que no se repita, de la que nos hablaba Adorno en 1966 -aunque respecto a Auschwitz-, inunda diversos espacios formativos de nuestro país. De esta forma, hay una preocupación central por la transmisión de memorias a las nuevas generaciones, aquellas que no vivieron ese pasado, lo que otros han llamado la dimensión o función “pedagógica” de la memoria.

Es en ese contexto que debemos entender la edición de Identidad. Educar en la memoria, producto del trabajo de los integrantes del Programa Educación y Memoria del Ministerio de Educación de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires. Dicho Programa fue creado en el año 2008, atendiendo a lo establecido por la Ley de Educación Nacional Nº 26.206 sancionada en el año 2006, y enmarca su trabajo, a su vez, en lo dispuesto por las leyes 25.633 y 26.001 -promulgadas en los años 2002 y 2005 respectivamente- que establecen la conmemoración en todos los niveles del Día Nacional de la Memoria por la Verdad y la Justicia y el Día Nacional del Derecho a la Identidad. De esta forma, el Programa que coordina Claudio Altamirano desde su creación, tiene entre sus propósitos promover el debate y la reflexión acerca del pasado reciente argentino y fortalecer el respeto de los derechos humanos. El mismo organiza entrevistas y charlas con diferentes referentes del movimiento de derechos humanos en distintas instituciones educativas de nivel primario, secundario y terciario, por lo que los testimonios compilados en el libro aquí reseñado son fruto de esas actividades, dando como resultado una obra polifónica, en la que se incluye la voz de distintas generaciones.

El volumen es una actualización, revisión y ampliación de Relatos. Educar en la memoria, libro publicado en el año 2012 por la Biblioteca del Congreso de la Nación Argentina. Ambas ediciones fueron pensadas como material de difusión de los testimonios que incluyen, y como material de formación tanto para docentes como para estudiantes. Aquel primer estudio era más breve, incluía menos testimonios y contenía imágenes de las actividades en las cuales se desarrollaron las entrevistas y relatos testimoniales. Desde esa edición, fueron restituidas 25 nuevas identidades biológicas ocultadas desde la última dictadura -incluida la del nieto de la presidenta de Abuelas-, lo cual, sumado a nuevas actividades y proyectos pedagógicos en el ámbito de la capital federal, explica la necesidad de un nuevo libro que contenga esas historias y esas experiencias.

Identidad. Educar en la memoria contiene dos Prólogos, el primero está a cargo de la hace más de 30 años presidenta de Abuelas de Plaza de Mayo, Estela Barnes de Carlotto, y el segundo, a cargo de la docente Carmen Nebreda, miembro de la Unión de Educadores de la Provincia de Córdoba y ex diputada nacional, quien fuera la promotora de la versión preliminar del libro. La introducción y los distintos capítulos no tienen autoría, pero se entiende que fueron escritos en colaboración por distintos trabajadores del Programa, sobre la base de una investigación realizada 173 Altamirano, C… – Zubillaga por Sol Peralta y las propias preguntas que diversos estudiantes han realizado en las actividades desarrolladas desde el año 2008 hasta la actualidad.

El apartado “Las Abuelas van a la escuela”, luego de una breve reseña de la historia de Abuelas de Plaza de Mayo, incluye el testimonio de cuatro mujeres que integran la asociación y que han sido referentes de la misma: Estela Barnes de Carlotto, Delia Cecilia Giovanola, Buscarita Ímperi Navarro Roa y Rosa Tarlovsy de Roisinblit. El apartado se va construyendo entre el testimonio de cada una, narraciones complementarias del equipo del Programa y preguntas realizadas por estudiantes de distintos niveles del sistema educativo a las mismas. En los cuatro subapartados -uno por testimonio- se relata la vida de estas mujeres antes y después de la detención-desaparición de su hija o su nuera embarazada o de su nieta recién nacida -en tanto punto de inflexión-, las primeras acciones realizadas y el reencuentro con su nieto o nieta años después gracias a la lucha emprendida desde Abuelas de Plaza de Mayo. En los cuatro testimonios se advierte una naturalización del rol maternal femenino, una idea de haber hecho “lo que había que hacer” porque “cualquier mamá haría lo mismo”, cuando en verdad no todas las mujeres que tenían un familiar desaparecido -en este caso en particular el hijo, la hija, el nieto o la nieta- se organizaron y salieron a buscarlos públicamente. Asimismo, llama la atención que todavía se esquive hablar directamente de las organizaciones y de los proyectos políticos a los que adscribían los detenidos-desaparecidos y se utilicen fórmulas generales como “compromiso político” o “interés por lo social”.

“Las Madres van a la escuela” es el segundo apartado del libro, e incluye relatos sólo de mujeres que integran la organización Madres de Plaza de Mayo- Línea Fundadora. Recordemos que la misma surgió en 1986 como desprendimiento de la Asociación liderada desde 1979 por Hebe Pastor de Bonafini, tras debates y tensiones iniciados al menos desde el cambio de contexto político en 1983. El libro contiene así el testimonio de 16 integrantes del organismo, algunas de las cuales forman parte del pequeño grupo que se reunió por primera vez en Plaza de Mayo en abril de 1977, hecho que en la memoria oficial de la agrupación ha quedado como el momento fundacional, en el contexto de la última dictadura argentina. Estos testimonios destacan y reivindican la figura de Azucena Villaflor De Vincenti y mencionan algunos hitos y símbolos que las caracterizan a nivel nacional e internacional como organización de mujeres vinculada a la defensa de los derechos humanos. Además de los relatos sobre la organización, cada subapartado narra la historia de la detención-desaparición de su hijo o hija, las primeras búsquedas, los miedos iniciales y la fuerza que les dio unirse a partir de una pérdida particular y unas relaciones previas.

El tercer apartado, “Los nietos van a la escuela”, luego de una breve reseña de la Comisión Nacional por el Derecho a la Identidad, está integrado por 17 relatos de identidades restituidas gracias a la labor emprendida por sus familiares y por Abuelas de Plaza de Mayo a nivel nacional e internacional. La selección del universo de 130 casos resueltos por la organización es muy variada y va desde los primeros casos en dictadura, como el de las hermanas Ruarte Britos y Jotar Britos a figuras públicas conocidas, como el actual Secretario de Derechos Humanos de la Nación. De esta forma, compila la historia de hombres y mujeres a los cuales les fue restituida su identidad biológica en distintos momentos de su vida: en la niñez, durante la adolescencia o ya siendo adultos, con las complejidades que dicho proceso conlleva en cada etapa en particular. A la vez, muestra las características del plan sistemático de apropiación de menores y las complicidades civiles -médicos, enfermeras, parteras, trabajadores de la Casa Cuna y jueces- que permitieron que se implementara, aunque por supuesto la sustracción de menores durante la última dictadura no está ajena a ciertas prácticas y tradiciones de nuestro país. Los testimonios tienen en general dos momentos: la vida con los apropiadores -experiencia que supone la destitución de la identidad biológica, la familia de origen, la historia- y la restitución de la identidad falseada, entendida como sinónimo de libertad, reparación y verdad. No hay en general una visión romántica en los testimonios sobre el proceso de restitución y revelan las complejidades, miedos, culpas, rechazos iniciales, procesos internos y quiebres que debieron hacer, llegando a algunos a costarles más de una década sentirse “hijo de” y salirse del discurso del apropiador. Es que es evidente que este delito continuado tiene consecuencias que persisten en el tiempo y que debe atenderse y comprenderse en sus distintas dimensiones: psicológica, jurídica, genética y familiarmente, todas imbricadas entre sí.

A diferencia de los relatos previos del libro, en los testimonios de la generación de los hijos, se encuentra una mayor predisposición a señalar los espacios de militancia social y política de sus padres detenidos-desaparecidos: la Unión de Estudiantes Secundarios, la Juventud Peronista, la Juventud Universitaria Peronista, Montoneros, Agrupación Eva Perón, el Frente Argentino de Liberación, el Partido Revolucionario de los Trabajadores, el Ejército Revolucionario del Pueblo y el Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros. Algunos la mencionan reivindicándola y otros simplemente respetándola, sin adherir necesariamente a la misma ideología. En algunos casos, también se señalan los propios espacios de participación y pertenencia, dado que muchos de los narradores son o han sido legisladores, diputados o funcionarios del Estado nacional durante gestiones actuales y pasadas del peronismo.

El último apartado es el más breve y, bajo la denominación “Los referentes van a la escuela”, está destinado al testimonio de Adolfo Pérez Esquivel -presidente del Servicio de Paz y Justicia y Premio Nobel de la Paz- y de Cecilia de Vincenti, hija de Azucena Villaflor, reconocida como una de las fundadoras de Madres de Plaza de Mayo, detenida-desaparecida en diciembre de 1977. El primero es el único que logra apartarse de la experiencia de la última dictadura para hablar de derechos humanos en un sentido más amplio, incorporando a su relato fundamentalmente los derechos de los pueblos originarios, la nacionalización de los recursos energéticos y otras experiencias en América Latina. Dado que el título del apartado refiere a “referentes” llama la atención que no se incorporen otras figuras pertenecientes a otras organizaciones como la Asamblea Permanente por los Derechos Humanos, la Liga Argentina por los Derechos del Hombre o el Centro de Estudios Legales y Sociales, por mencionar sólo algunos de los que tienen actuación en la ciudad de Buenos Aires.

Lamentablemente el libro no incluye las fechas ni establecimientos donde se realizaron las entrevistas y relatos testimoniales. Tampoco puede saber el lector con qué preparación llegaron los estudiantes de los distintos niveles a las mismas, o qué sucedió después de la visita de esas personalidades del movimiento de derechos humanos argentino. De esta forma, es imposible saber cuál era el objetivo, el sentido pedagógico que se le quiso dar al interior de cada aula: ¿Formación cívica? ¿Conocimiento del pasado? ¿Reflexión crítica? Vale decir que transmitir información sobre lo ocurrido, en este caso en forma de testimonio vivo, no significa necesaria, lineal o directamente una formación cívica y democrática. Cuando el lector se encuentra con preguntas del estilo “¿Cuál era su comida favorita?” o “¿Puede contar una anécdota?”, es casi imposible no pensar que en muchos casos no se dimensionó la oportunidad de tener a un protagonista de la historia reciente de nuestro país en el aula para llevar adelante una reflexión crítica y comprensiva sobre nuestro pasado. Así, se dispersa u ocluye en algunas respuestas brindadas, la complejidad de la realidad socio-política en la que estuvieron inmersos los narradores. No obstante, consideramos que debe celebrarse que al menos existan estos programas educativos estatales que intentan acercar el pasado reciente argentino a distintas instituciones a través de algunos de sus protagonistas. Sería deseable que en futuras reediciones, además de incorporar nuevas experiencias de apropiación/restitución, y las referencias a las fechas y lugares donde tuvieron lugar los testimonios, se incorporen voces de otras organizaciones del movimiento de derechos humanos así como de integrantes de sus filiales en otras localidades, a fin de obtener un panorama más amplio de las luchas por la memoria, la verdad y la justicia en la Argentina.

Paula Zubillaga – IDH – UNGS/ CONICET. E-mail: paulazubillaga@gmail.com.

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Cartografías didácticas. Una propuesta de recursos para pensar las ciencias sociales en las aulas de primaria – BARGAS; GARCÍA RÍOS (CA-HE)

BARGAS, Esteban; GARCÍA RÍOS, Diego. Cartografías didácticas. Una propuesta de recursos para pensar las ciencias sociales en las aulas de primaria. Mar del Plata: Cartograma, 2020. 128 páginas. Resenha de: CÉPARO, Martín. Clío & Asociados. La historia enseñada. La Plata, n.30, p.169-171, Enero-Junio 2020.

El presente texto es resultado de la reflexión a partir de la experiencia de los autores como formadores y capacitadores de docentes sobre de la necesidad de poner al alcance de los colegas del nivel primario una compilación de múltiples recursos para pensar el trabajo áulico de las Ciencias Sociales. En este sentido, parten de la complejidad del contexto actual donde la inmensa cantidad de recursos circula por el mundo virtual, por lo cual los autores proponen diagramar y acercar al docente, una selección de materiales que le sean útiles para su tarea cotidiana sobre las temáticas que se abordan desde este espacio curricular. Es por ello que recuperan la necesidad de resignificar la potencialidad de los materiales audiovisuales que son apropiados por los niños y jóvenes, así también como la dinámica que poseen los recursos del ciberespacio y para los cuales los estudiantes tienen mayor afinidad, y ello los convierte en un buen punto de partida para promover un mayor acercamiento a un objeto de estudio.

Sin pretender ser ambiciosos, los autores reconocen los problemas que puede generar el trabajo con estos materiales dado la “inconmensurable cantidad de elementos que navegan en la virtualidad” y “la fugacidad” que poseen muchos de ellos, hoy presentes y mañana imposibles de encontrar (p. 9-10). Ante estas problemáticas presentan dos soluciones en esta obra: por un lado han realizado una selección y organización de recursos en relación a algunos contenidos que consideran relevantes en cada año del nivel primario y, por otro, incorporan un código QR para poder redirigir con rapidez al mismo y facilitar su accesibilidad a quien quiera buscarlo. Esto constituye un aporte no menor, que se complementa con un comentario o sugerencia para trabajar dicho material, lo cual por ser breve, orienta y guía al lector en su posible uso ya que como señalan, el libro no es “un recetario de aplicación mecánica” (p. 125) sino que cada docente puede emplear su propia impronta y adaptar el recurso para planificar y ajustar a sus necesidades.

En la organización del texto presentan un sintético pero actualizado apartado teórico que permite problematizar los sentidos y significados de lo que se considera un recurso didáctico en función de una flexibilidad y capacidad del docente para poder pensar los mismos sin ceñirse a categorizaciones o estructuras tradicionales. Luego proceden a una diagramación graduada de los mismos según sean destinados desde el primer al sexto año de la escuela primaria, para lo cual seleccionan algunas temáticas relevantes para su tratamiento encuadrados en los Núcleos de Aprendizajes Prioritarios nacionales y presentes en los diseños curriculares provinciales.

Para el Primer año se centran en el eje de “Sociedades y Culturas: Cambios y continuidades” sobre el cual se presentan recursos para desarrollar la vida familiar y social en el presente y el pasado cercano. Para ello presentan con sus respectivas imágenes y códigos QR los enlaces a textos breves, documentales cortos de YouTube, entrevistas, fotografías procedentes de colecciones, sugerencias de lecturas para docentes o para que puedan ser trabajadas con los estudiantes. También incorporan recursos para abordar la vida familiar y las relaciones durante la sociedad colonial, sin perder de vista la complejidad de la temática y alejándose de una mirada tradicional. En esta línea incorporan recursos para analizar los paisajes urbanos y rurales mediante imágenes, páginas web, canciones y audiovisuales atractivos que inician a los estudiantes en el planteo de dichos espacios y, 170 Bargas, E. y García Ríos, D… – Céparo que a su vez, permite profundizar algún aspecto de ellos como las formas de trabajo o las herramientas de uso en ellos.

Para el Segundo año recuperan dentro del mismo eje, las formas de organización de las familias en diversos contextos sociales, ocupándose particularmente de las últimas décadas del siglo XIX hasta mediados del siglo XX. Los recursos propuestos alternan desde soportes fotográficos de los diferentes tipos de viviendas, la lectura de un artículo de investigación que ofrece datos y descripciones muy ricas para poder trabajar con los estudiantes, pinturas de Berni y letras de tango. En otro apartado los autores indican algunas sugerencias para poder replantear los cambios y continuidades en las formas de comunicaciones en la sociedad, renovando la mirada y resaltando la importancia que cobra este contenido en las Ciencias Sociales. Luego recuperan recursos para poder aplicar sobre la producción y la relación con el mundo del trabajo, por lo que seleccionan materiales que contribuyen sin lugar a dudas a desarrollar una mirada crítica sobre la complejidad y los problemas que conlleva el modelo actual de distribución de recursos.

Para el Tercer año sugieren el abordaje sobre los pueblos originarios de nuestro país y sus avatares en diferentes contextos: prehispánicos, coloniales y en la actualidad. Se proponen audiovisuales, mapas y materiales de trabajo que evidencian los conflictos y reivindicaciones que vienen llevando a cabo como grupos minoritarios. Luego se suma la problemática de la migración corriendo el eje de la migración europea, que si bien es trabajada, se incorporan las migraciones limítrofes y las oleadas actuales permitiendo conocer así la complejidad de nuestra realidad. Para este año también se suman recursos para pensar los derechos de los niños y su construcción como ciudadanos activos; y los circuitos y cadenas productivas vinculados a las consecuencias ambientales, demostrando la tensión entre el accionar de los sujetos y la naturaleza en los ámbitos urbanos y rurales.

En el Cuarto año se profundiza la mirada sobre las civilizaciones precolombinas más desarrolladas hacia el S XV y su reacción hacia los conquistadores españoles. La selección refleja la multiperspectividad en relación a las fuentes propuestas pudiendo abordarse las cosmovisiones de los sujetos sin perder de vista el contexto del cual provenían y los conflictos que se producen en relación al espacio, al poder o entre las castas sociales llegándose incluso hasta el periodo revolucionario. Dentro de otras temáticas posibles para el mismo año se proponen algunos aspectos y características formales del sistema federal con fuentes gráficas muy atractivas que recuperan de primera mano a la Constitución Nacional. Para este año, también se incorporan fuentes audiovisuales, páginas web, bibliográficas y mapas para trabajar la dimensión espacial de los ambientes argentinos en relación a las actividades productivas y los recursos naturales.

Para el Quinto año tanto los contenidos como las situaciones de enseñanza se refieren al periodo de la crisis del orden colonial pasando por la revolución, la independencia y avanzando en los confitos posteriores hasta la construcción del Estado Nacional. Particularmente resulta interesante el trabajo delos recursos sobre la escala, ya que se seleccionaron materiales diversos que analizan el proceso de la doble revolución y su influencia en el Rio de la Plata, así como problemáticas que escapan a una línea cronológica con la que usualmente se suele presentar estos aspectos político-institucionales o económicos. En cuanto al espacio geográfico los autores proponen analizar diferentes formas de territorialización ofreciendo breves fragmentos de textos y secuencias de sitios educativos, así como pinturas y audiovisuales sobre el Mocase, favoreciendo la indagación sobre estas temáticas.

En el Sexto año, en relación a los contenidos históricos, se analiza el proceso de construcción del Estado nacional argentino para lo cual se incluyen fotografías sobre ciudades como Buenos Aires y Santa Fe que resultan representativas para el abordaje de la temática. También se presentan recursos sobre temáticas no tradicionales para el análisis del periodo como la Guerra del Paraguay, la epidemia amarilla, el primer censo nacional y la Conquista del Desierto, cruzando con procesos complejos como el modelo agroexportador y la inmigración masiva. Para este mismo año, pero referido al tiempo presente proponen el eje Democracias y dictaduras para reflexionar con diferentes propuestas acerca del 24 de marzo en particular, sobre la identidad, los centros clandestinos de detención mediante mapas, artículos y animaciones. Luego para abordar la cuestión cultural se incorpora el tema dela organización política, la integración latinoamericana y su diversidad cultural mediante canciones, páginas web y fotografías. Después se analiza este espacio en relación a los ambientes y problematizando el uso de los recursos naturales a través de las nociones de riesgo y vulnerabilidad que pueden trasladarse en clave comparativa a múltiples espacios y escalas.

La intención de los autores que se plasma en esta propuesta abre una amplia gama de alternativas a los destinatarios directos como pueden ser los docentes y estudiantes, así como a quien busca sumar e iniciarse en la comprensión de temáticas sociales desde un enfoque actualizado y renovado. Recuperamos la explicación de los autores acerca del título, ya que resulta ilustrativa en la metáfora de lo artesanal que resultaba cartografiar como modo de plasmar subjetivamente un espacio, seguir las direcciones que guía una brújula y poder explorar el mundo que nos rodea uniendo imágenes y textos, como los mismos mapas o portulanos que guiaron a exploradores a buscar nuevos territorios siglos atrás. Así tarea del docente en búsqueda de recursos para presentar y trabajar lo convierte en un artesano de la educación, por lo cual su propuesta áulica resulta única aunque emplee un mismo recurso didáctico.

Martín Céparo – Universidad Autónoma de Entre Rios. E-mail: martin_ceparo@hotmail.com

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Revista de História | Salvador, v.8, 2020


Revista de História. Salvador, v.8, 2020.

Expediente

  • EXPEDIENTE | Rafael Sancho Carvalho da Silva | PDF |

Editorial

  • EDITORIAL | Valney Mascarenhas de Lima Filho, Daniel Vital Silva Duarte, Rafael Sancho Carvalho da Silva | PDF

Artigos

Resenhas

  • RABELO-PINTO, FERNANDA. A travessia: Adoecer, viver e morrer na marcha imigratória para o Brasil (1890-1926). Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2017. 296 p. ISBN: 978-85-5996-380-9 | Raick de Jesus Souza | PDF
  • LA INTERRELACIÓN ENTRE LA CIUDAD DE MÉXICO Y SU AMBIENTE METROPOLITANO | Rubens Oliveira Santos

A filosofia natural de Benjamin Franklin: traduções de cartas e ensaios sobre a eletricidade e a luz | Breno Arsioli Moura

Em A filosofia natural de Benjamin Franklin, Breno Moura (2019) traz sete traduções de cartas e ensaios redigidos ao longo do século XVIII pelo filósofo natural norte-americano Benjamin Franklin. Além de traduzir os escritos, Moura discute o contexto das produções, a sua importância para a filosofia natural e as implicações que tais textos tiveram na vida de Franklin. Após uma breve apresentação com a síntese biográfica do cientista, o livro conta com dois capítulos introdutórios que ajudam o leitor a situar a relevância de Franklin na filosofia natural do século XVIII e na política dos Estados Unidos da América (EUA), explicando também o contexto dos estudos sobre a eletricidade e a luz naquele século. Em seguida, o autor expõe as traduções de seis cartas e um ensaio, precedidas por uma breve explicação acerca do conteúdo encontrado em cada obra, de forma a auxiliar o leitor na compreensão dos escritos. Por fim, Moura faz algumas considerações finais sobre a importância de se estudar a história de Benjamin Franklin para além de sua carreira política, entendendo que a “filosofia natural de Franklin influenciou gerações de filósofos naturais do século XVIII” (MOURA, 2019, p.145), ainda que esse lado de sua biografia seja geralmente simplificado em prol de sua imagem como homem político. Leia Mais

A trajetória de um libertário: Pietro Gori na América do Sul (1898-1902) | Hugo Quinta

Hugo Quinta publica sua obra como resultado de dissertação de mestrado defendida em 2017 no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos Latinoamericanos da Universidade Federal da Integração Latinoamericana (UNILA). O autor atribui ao italiano Pietro Gori (1865-1911) um papel de influência nos círculos intelectuais anarquistas, socialistas e da criminologia de Buenos Aires ao final do século XIX e início do século XX (2018, p.28-29), bem como de outros países da América Latina, quando veio da Itália em viagem que durou cerca de três anos. Vejamos um pequeno trecho da introdução da obra:

Um dos primeiros feitos de Gori ao chegar em Buenos Aires, em junho de 1898, é a fundação da CM [Criminalogía Moderna, revista]. Ele não abandona a militância e propaganda anarquista enquanto dirige a revista. Na verdade, a energia imprimida por ele está, supostamente, equacionada entre a militância, ciência e a arte. Ainda assim, o círculo de atuação não está restrito à cidade. Ele percorre o país a proferir conferências, a visitar prisões e a apresentar suas peças teatrais nos círculos filodramáticos anarquistas. Nesse viés […] buscamos compreender a polivalência de sua influência no campo intelectual e cultural anarquista em Buenos Aires (QUINTA, 2018, p.28-29). Leia Mais

Diálogos suburbanos: Identidades e lugares na construção da cidade | Joaquim Justino dos Santos, Raffael Mattoso e Teresa Guilhon

Pensar a construção da cidade a partir de seus espaços de exclusão social e marginalização das populações pobres, eis aqui o objetivo central e transversal da obra organizada em conjunto pelos pesquisadores e professores Joaquim Justino dos Santos, Rafael Mattoso e Teresa Guilhon e que conta com colaborações de diversos profissionais e estudiosos dos subúrbios cariocas, oriundos, esses últimos, dos mais variados campos de estudo e atuação profissional. Antes de começarmos a destrinchar a obra, gostaríamos de apresentar um pouco da trajetória dos idealizadores desse projeto. Joaquim Justino dos Santos é formado em História pela UFF, mestre e doutor em Urbanismo pelo PROURB/FAU-UFRJ, tendo atuado durante vários anos como gestor público; Raffael Mattoso é formado em História pela UFRJ, mestre em História Comparada pelo PPGHC-UFRJ, doutorando em História da Cidade pelo PROURB-UFRJ e professor das redes pública e privada do Rio de Janeiro; e, Teresa Gilhon é formada em Comunicação Visual pela UFRJ, mestre em Bens Culturais e Projetos sociais pela FGV e é atualmente pesquisadora associada ao Laboratório de Estudos Urbanos do Centro de Pesquisa e Documentação de História Comparada do Brasil (CPDOC). Além de artigos de alguns dos organizadores, a obra ainda traz colaborações de professores, arquitetos, geógrafos, historiadores e cientistas políticos. Com relação aos autores, destacaremos aqui apenas suas áreas de formação, a fim de clarearmos um pouco o local de fala dos respectivos colaboradores. Ressaltamos de antemão que, o caráter interdisciplinar, presente nesse empreendimento, não se dá apenas pela filiação intelectual e profissional de seus produtores, como também pela série de enfoques, conceitos e métodos que são empregadas nas construções das narrativas sobre os subúrbios cariocas. Leia Mais

De espaldas a Cristo. Una historia del anticlericalismo en Colombia/1849-1948 | Gustavo Arce Fustero

Gustavo Arce Fustero es un historiador y sociólogo español que tuvo una experiencia de estudios en Colombia a comienzos de la década de 2000. Mientras cursaba su maestría en la Universidad Industrial de Santander inició una interesante investigación sobre los imaginarios clericales y anticlericales en España y Colombia, que continuó y amplió en su tesis doctoral de la cual se deriva el libro que reseñamos.1

Se trata de un texto sustentado en una amplia bibliografía, así como en documentación hallada en el Archivo Central del Cauca (Popayán) y en diversos periódicos especialmente de Bogotá, Popayán y Bucaramanga. Se sirve además de panfletos, opúsculos y hojas sueltas que reposan en bibliotecas que no se mencionan. A nivel teórico la obra se basa en clásicos de la sociología y de la antropología de la religión y de la cultura, como Max Weber, Émile Durkheim, Clifford Geertz, Claude Lévi-Strauss y Norbert Elias. Leia Mais

Forbidden Passages. Muslims and Moriscos in Colonial Spanish America | Karoline P. Cook

El nuevo libro de Karoline Cook es más que bienvenido. Su razón es sencilla: hasta la fecha no existía una monografía sobre la inmigración morisca a las colonias hispanas en América durante los siglos XVI y XVII. Su justificación es más compleja, pero enriquecedora a la vez: el tema de los moriscos adquiere para la sociedad hispana y sus colonias de ultramar una relevancia específica, porque para entonces era deplorable tener un antepasado musulmán, judío, indígena o africano. Por tanto, las identidades se convertían en estrategias para camuflar, en la medida de lo posible, un pasado “impuro”. Un musulmán convertido al cristianismo se encontraba en la mira de la Inquisición por posible herejía, quedaba bajo la sospecha de impureza de sangre, lo que, a su vez, entorpecía el acceso al poder y lo hacía blanco de las redes de vigilancia de la Casa de Contratación que, de este modo, podía prohibir su migración a las colonias. El miedo fue el aliado más poderoso de este aparato normativo, que reducía a los moriscos a una categoría peyorativa equiparable con la desconfianza. Los musulmanes habían sido construidos como enemigos del pasado y presente a partir del espíritu medieval de las cruzadas. Con esta herencia, después de la Reconquista (1492), los levantamientos de las Alpujarras (1568-1571) y diferentes expulsiones fueron resignificados, también con ecos transatlánticos, como inasimilables, rebeldes y desleales. Se imaginaron como aliados del imperio otomano, cercanos a los bereberes del norte de África o, incluso, asociados con enemigos protestantes. Leia Mais

AbeÁfrica. Rio de Janeiro, v. 4, n.4, 2020.

Expediente

Dossiê

Artigos

Entrevistas

Traduções

Memória

Capa

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n.27, 2020.

2020 Edição 27

Sumário

CARTA DOS EDITORES: CIDADE ESVAZIADA.

  • João Carlos Nara Júnior & Nelson de Castro Senra

ARTIGOS

  • A FORÇA DA TRADIÇÃO: A HISTÓRIA FLUMINENSE E SUAS VARIAÇÕES HISTORIOGRÁFICAS
  • Paulo Knauss
  • A “PEQUENA MONTMARTRE” E A “PRINCESINHA DO MAR”: REPRESENTAÇÕES DOS BAIRROS DA LAPA E DE COPACABANA NOS ANOS DE 1960
  • Cláudia Mesquita
  • Muza Clara Chaves Velasques
  • AO REI DOS MÁGICOS: A LOJA CARIOCA QUE VENDIA O EXTRAORDINÁRIO NO SÉCULO XIX
  • Viviane Santos de Oliveira
  • NO RASTRO DO CONDE DE BOBADELA
  • Neusa Fernandes
  • 150 ANOS DO CENSO DA CORTE EM 1870. FIGUEIRA DE MELLO: FIGURA PÚBLICA EMINENTE
  • Nelson de Castro Senra
  • ESBOÇO TEMÁTICO
  • VEREDAS DA ARQUITETURA MODERNISTA NO RIO DE JANEIRO
  • Nireu Oliveira Cavalcanti
  • MIRAN DE BARROS LATIF – O TRÓPICO E A ARQUITETURA
  • Alex Nicolaeff
  • A PRESENÇA DOS CRISTÃOS-NOVOS NA COLONIZAÇÃO DO BRASIL
  • Marcelo Miranda Guimarães
  • RESENHAS DE LIVROS
  • HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO EM 45 OBJETOS
  • Elias Thomé Saliba
  • O RIO DE JANEIRO ENTRE CONQUISTADORES E COMERCIANTES: MANOEL NASCENTES PINTO (1672-1731) E A FUNDAÇÃO DA FREGUESIA DE SANTA RITA ……………………………………………………………………… 187 Denise G. Porto
  • “O REINO, A COLÔNIA E O PODER”, UM MARCO NA HISTÓRIA DE SÃO PAULO
  • Nireu Oliveira Cavalcanti
  • DISCURSOS E SAUDAÇÕES
  • DISCURSO DE POSSE NA PRESIDÊNCIA DO IHGRJ
  • Lená Medeiros de Menezes
  • RELATÓRIO DE NOSSA GESTÃO 2016-2019
  • Neusa Fernandes

O INSTITUTO MÊS A MÊS

O INSTITUTO MÊS A MÊS EM 2020 ..

QUADRO SOCIAL

QUADRO SOCIAL

A Revolução do Haiti e o Brasil Escravista: O que não deve ser dito / Marco Morel

A obra do historiador Marco Morel intitulada: “A Revolução do Haiti e o Brasil Escravista: O que não deve ser dito” é dividida em três partes, e se debruça sobre os efeitos da Revolução Haitiana de 1791 no Brasil. Na primeira parte do livro, o autor apresenta um esboço da história haitiana e um quadro cronológico dos principais eventos ocorridos a partir de 1492 na antiga colônia francesa quanto na portuguesa, fazendo referência à chegada dos espanhóis na “Hispaniola” e ao fim do tráfico negreiro a partir do tratado entre Brasil e a Grã-Bretanha, em 1826. Em seguida, o autor delineia o perfil de todos os líderes haitianos e suas ascensões no cenário revolucionário, analisando concomitantemente, as primeiras constituições do país caribenho, com destaque à classificação racial elaborada pelo colono Moreau de Saint-Méry, um dos aspectos fundamentais no processo revolucionário de 1791. A segunda parte apresenta uma visão panorâmica do olhar ocidental sobre a revolução, através das ideias dos abades franceses Henri Grégoire, François Raynal e De Prat, os mais influentes do período revolucionário. Além disso, o autor destaca a relação e os impactos do pensamento dos abades sobre o período colonial na América, especialmente no Brasil e no Haiti.

Na terceira e última parte do livro, Morel desenvolve o principal objetivo de seu trabalho, ou seja, uma investigação por meio de jornais sobre os efeitos da revolução haitiana no Brasil, ressaltando as atuações de vários brasileiros letrados e não escravizados que tiveram contato com os eventos da pérola das Antilhas. A menção final do título dessa obra chama nossa atenção “o que não deve ser dito” deixando subentendido que há ocorrências que não deveriam ser ditas [2]. Essa perspicácia da obra traz uma motivação a uma compreensão destes fatos latentes, muito embora, questões relativas à Revolução do Haiti de 1791, ainda são pouco estudadas no meio acadêmico brasileiro. Portanto, isso contribui de certa forma na relevância deste livro, que é considerado um dos primeiros (em sua maior parte) a compreender a Revolução de São Domingos de 1791.

Marco Morel é historiador e professor associado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, formado em Jornalismo e possui mestrado e doutorado em História. É importante sublinhar que o livro aqui resenhado vem apenas aumentar a quantidade de publicações do autor sobre o Haiti. Em 2005 publicou-se nos anuários dos Estudos Bolivarianos sua primeira produção a respeito do Haiti cujo trabalho estipulado A Revolução do Haiti e o Império do Brasil: intermediações e rumores. No mesmo ano, publicou na revista Almanaque Braziliense O abade Grégoire, o Haiti e o Brasil: repercussões no raiar do século XIX, onde parece ter iniciado os estudos sobre as relações dos eventos entre Haiti e o Brasil.

Ao dedicar mais de trezentas e quarenta páginas a revolução haitiana, suas diversas facetas e suas conexões, o autor discute os impactos e as influências da revolução haitiana no contexto do Brasil escravista. A referência aos impactos dos ocorridos da revolução liderada por Toussaint Louverture e Jean Jacques Dessalines da antiga colônia francesa na colônia portuguesa da América não é algo novo, pois, autores brasileiros como Sidney Chalhoub (1990) em Visões de liberdade[3], Luiz Mott (1988) em Escravidão, homossexualidade e Demonologia [4], Patrícia Valim em sua tese de doutorado de (2007) Da sedição de mulatos a conjuração baiana de 1798: a construção de uma memória histórica [5] e João José Reis (1986) em Rebelião escrava no Brasil [6], dentre outros e também inúmeros artigos, já haviam destacado a presença do que é chamado por Eugène Genovese [7] (1983) de “inspiração negra” em vários estados brasileiros durante o período escravista. Entretanto, a obra A Revolução do Haiti e o Brasil Escravista: O que não deve ser dito baseia-se em uma bibliografia diversificada e com uma presença significativa de documentos e autores haitianos, trazendo em seu conteúdo uma análise inovadora, além de ser um importante estudo dos efeitos causados pela Revolução do Haiti sobre a antiga colônia portuguesa, sobretudo no período pós-independência. Não por acaso, o autor estende suas análises até o período de 1825, um período importante na história pós independente do Haiti, que se viu obrigado a pagar uma alta indenização para que a antiga metrópole francesa pudesse reconhecer a independência da nova nação haitiana.

A obra traz para os leitores, especialmente os do meio acadêmico brasileiro, um debate sobre a classificação racial, um aspecto fundamental na compreensão dos principais eixos da revolução de 1791. A questão racial relembra Morel (2017) representa um ponto chave tanto na história de São Domingos como colônia, quanto na história do Haiti independente, ou seja, o autor reconhece, de certa forma, o papel central da questão racial no cenário colonial e revolucionário haitiano. No entanto ao analisar os conflitos internos (negros escravizados e mestiços livres de cor) e externos (contra a escravidão) na colônia, o autor mostra seu desacordo com o historiador Pauléus Sannon, no que se refere à ênfase dada por este autor aos aspectos raciais. Para Sannon [8] (1938) as inúmeras lutas sociais e políticas que se deram na colônia nesse período tiveram suas origens nos conflitos raciais ocorridos em São Domingos. Do mesmo modo, o historiador Gérard Barthelémy que publicou em 1989 Le Pays en de hors [9] na qual analisa o espaço rural haitiano do período pós-escravagista, alega que na colônia para o emancipado, a cor da pele constituiu-se em um estigma, marca indelével da infâmia, embora juridicamente ele fosse considerado livre. Nesta fronteira, onde os limites de cores são tão incertos quanto os limites das condições, às pessoas de etnias diferentes (do branco) entram no centro das contradições. Entretanto, segundo Morel [10] os diversos conflitos que ocorreram na parte francesa da ilha deveriam ser analisados a partir de perspectivas sociopolíticos. Isto é, esta visão enfatiza que a luta da população negra escravizada contra o sistema escravista e contra as políticas europeias eram centradas na luta pela ascendência social e político.

As notícias não fizeram esperar para chegar aos períodos luso-brasileiros, nos jornais como o Correio Braziliense e a Gazeta do Rio de Janeiro. A presença de vários traços dos eventos da revolução de 1791 já circulava nos territórios brasileiros e o nome do Haiti era referenciado tanto como exemplo de defesa da soberania quanto como exemplo de combate à escravidão. Morel nota que em 1805, um ano após a proclamação da Independência de São Domingos, as notícias já circulavam em terras brasileiras, especificamente no Rio de Janeiro onde os soldados de milícias usaram o retrato de Jean Jacques Dessalines, a maior figura nacional do movimento revolucionário haitiano. Nessa onda de inspiração haitiana em terras brasileiras, o cenário não era diferente nas regiões do Nordeste como Pernambuco e Sergipe. Entre 1818 e 1822, um pouco antes do surgimento da expressão haitianismo, foram registradas diversas referências ao Haiti. As referências expressam duas visões opostas. De um lado, expressava um certo desespero da parte dos senhores porque representava uma ameaça para o sistema escravista. De outro lado, ela simbolizava esperança aos escravizados.

A resistência de Emiliano Mundurucu e de seus próximos, o pastor Agostinho Pereira na cidade de Recife na Confederação do Equador contra a escravidão e o preconceito racial, confirmam as lutas e as ideias empregadas pelos líderes haitianos do período pós-independência de libertar as colônias ainda sobre a dominação europeia. Entre 1804 e 1816 os líderes da revolução de 1791 participaram de forma ativa à medida que ofereciam armas e munições na batalha para erradicar a escravidão na América espanhola. Isto permite entender que os líderes da revolução haitiana não limitavam as suas batalhas contra a colonização e a escravidão apenas no seu país, tratava-se de uma luta contra a escravidão, a desigualdade racial e contra todos aqueles que violavam os princípios gerais da liberdade humana. Em outras palavras, como assinala Buck-Morss, contra o sistema colonial no seu conjunto [11].

A leitura da obra em questão, instiga a perceber que as influências e a presença dos eventos da Revolução do Haiti resultaram em diversas consequências para o Brasil. O haitianismo no Rio de Janeiro, com efígie de Jean Jacques Dessalines nos peitos de escravizados, as notícias nos periódicos lusos brasileiros, as referências aos heróis da revolução entre pretos e pardos nas terras brasileiras, o medo causado nas elites econômicas, foram entre outros, indicadores que sugerem a pluralidade nas formas influenciadoras da revolução haitiana de 1791.

Notas

2. É importante sublinhar que na historiografia francesa e/ou haitiana, a referência a algo ocultado no processo revolucionário é geralmente relacionado à última batalha pela Independência do Haiti onde as tropas napoleônicas foram derrotadas em Vertières em 18 de novembro de 1803. Este fato foi ocultado pela historiografia francesa durante séculos, como é apontado por vários autores como Marcel Dorigny e Jean-Pierre Le Glaunec, em estudos mais recentes.

3. CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

4. MOTT, Luiz R. B. Escravidão, homossexualidade e demonologia. São Paulo: Ícone, 1988.

5. VALIM, Patrícia. Da sedição de mulatos a conjuração baiana de 1798: a construção de uma memória histórica. Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo: São Paulo, 2007.

6. REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês, 1835. São Paulo, SP: Brasiliense, 1986.

7. GENOVESE, Eugene D. Da rebelião a revolução. São Paulo: Global, 1983.

8. SANNON, Pauléus. Histoire de Toussaint Louverture. Port au-Prince, Haiti, 1938.

9. GERARD, Barthelémy. Le Pays en dehors; essai sur l’univers rural haïtien. Cidhca, Canada 1989.

10. MOREL, Marco. A Revolução do Haiti e o Brasil Escravista: O que não deve ser dito. 1. ed. Jundiaí. São Paulo: Paco, 2017, p. 96.

11. BUCK-MORSS, Susan. Hegel e Haiti. Novos estudos. 90-julho, 2011.

Breno Logis – Doutorando em História pela Universidade Estadual Paulista – Câmpus Assis-UNESP. Correio eletrônico: lesaged18@yahoo.fr.


MOREL, Marco. A Revolução do Haiti e o Brasil Escravista: O que não deve ser dito. 1. ed. Jundiaí. São Paulo: Paco, 2017. 348, p. Resenha de: LOGIS, Berno. História.Com. Cachoeira, v.7, n.13, 2020. Acessar publicação original [IF].

Cadernos de Clio. Curitiba, v.11, n.1, 2020.

EDITORIAL

Editorial | Rafaela Zimkovicz | PDF

ARTIGOS

RESENHAS

  • KIERNAN, Ben. Việt Nam – A History from Earliest Times to the Present. | Carlos Eduardo Bione Sidrônio de Lima | PDF
  • WACHTEL, Nathan. Paradis du Nouveau Monde. Paris : Libraire Arthème Fayard, 2019. | Heloisa Motelewski | PDF

História e Cinema / Em Tempo de Histórias / 2020

Apresentação

O dossiê História e Cinema reúne trabalhos que tematizam o cinema com base em diferentes aportes teórico-metodológicos, buscando pensar o filme como documento histórico que deve ser interrogado a partir da especificidade da linguagem cinematográfica, da história do cinema, das tradições cinematográficas e do contexto histórico e cultural de produção, assim como das formas de circulação e consumo das imagens. Assim, o dossiê contém artigos que investigam a circulação de memórias hegemônicas ou subterrâneas, do imaginário social e político em diferentes gêneros, ficção ou documentário, animação ou série televisiva, e em diferentes suportes, películas ou digital. Também apresenta pesquisas que situam as discussões sobre a historiografia do cinema e o mercado cinematográfico.

Organizamos o dossiê em séries temáticas, buscando aproximar os trabalhos a partir de temas ou metodologias de abordagem comuns. A primeira série de artigos versa sobre as questões que envolvem o debate sobre as relações étnico-raciais, com destaque para o racismo e a produção de imagens estereotipadas das subjetividades constituídas na diáspora africana, seja no cinema brasileiro, seja no cinema estadunidense. Como contraponto a essas imagens, o artigo A Colonialidade e a Emancipação no filme Emitai de Sembène Ousmane (Senegal, Anos 1970), de autoria de Vinícius Pinto Gomes, analisa o filme Emitai (1971), dirigido por Sembène Ousmane, a partir de um diálogo com os estudos pós-coloniais e decoloniais, buscando uma perspectiva africana sobre as lutas contra a dominação colonial em África. Além do filme, o autor apresenta um rico corpus documental constituído por entrevistas do diretor e cartazes do filme produzidos em diferentes países. Renata Barbosa Melo do Nascimento analisa As representações do continente africano no cinema através dos filmes Hotel Ruanda (2004) e O último Rei da Escócia (2006), ancorada nos estudos decoloniais, buscando apreender as confluências entre as obras quanto às imagens e lugares atribuídos às populações do continente africano e desvendando conexões históricas e culturais na produção de imagens eurocêntricas estereotipadas sobre o continente africano.

Vanessa de Araújo Andrade, no artigo E o Vento Levou: cinema, racismo e silenciamento sobre a abolição da escravatura na Guerra Civil dos Estados Unidos, analisa a intertextualidade entre o livro que deu origem ao filme clássico de 1939, os silêncios sobre o tema da abolição da escravatura nos EUA e a questão racial advinda da libertação dos escravizados. O artigo de Leonardo Bentes Rodrigues, Colonialismo como laboratório: “A Batalha de Argel” e a tortura como projeto de controle político, problematiza a relação do cinema com o processo de descolonização através do filme do diretor Gilles Pontecorvo de 1965, traçando vínculos entre as experiências de tortura nas colônias francesas e a consolidação de seu uso como controle político nos regimes autoritários na segunda metade do século XX. A circulação de memórias sobre o movimento negro estadunidense é analisada em El movimiento negro estadounidense y las batallas por la memoria: una mirada desde The Boondokcs, das autoras Tereza Maria Spyer Dulci e Vania Macarena Alvarado Sadivia. Partindo da premissa de que os produtos audiovisuais são lugares privilegiados para as “batalhas da memória”, as autoras analisam os principais marcos do movimento negro estadunidense e a criação e recriação de memórias presentes no quadrinho The Boondokcs (1996), e na série de animação The Boondokcs (2006), do criador Aaron McGruder.

Nessa primeira série, também encontramos os trabalhos de ensino e pesquisa realizados a partir do cinema brasileiro. O artigo Cinema, história e educação: racismo e ensino de História em O Assalto ao Trem Pagador, dos autores Jairo Carvalho do Nascimento e Genilson Ferreira da Silva, analisa o filme O Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias, em duas perspectivas: buscando evidenciar e problematizar questões raciais presentes no filme e sua relação com o seu contexto de produção, bem como apresentar as possibilidades pedagógicas para o ensino de História no Ensino Médio em cumprimento à lei 10639. O artigo O filme Quilombo: uma outra história negra, de Rafael Garcia Madalen Eiras, analisa o filme Quilombo (1984), do diretor Carlos Diegues, relacionando o tratamento da escravidão no filme, a história do cinema brasileiro nos anos 1970/80, a revisão historiográfica sobre a história da escravidão e as questões pautadas pelo movimento negro no contexto da redemocratização brasileira.

Bárbara Brognoli Donini, em O filme que sai do armário: o Cinema Lésbico a partir da obra de Adelia Sampaio, analisa o longa de ficção Amor Maldito (1984), da cineasta afrobrasileira Adelia Sampaio que versa sobre o amor lésbico, como marco na criação de um Cinema Lésbico no Brasil.

Fechando a série, o trabalho de Janailson Macêdo Luiz, Estou aqui fazendo um filme: relações étnico-raciais e lutas pela memória em Osvaldão (2014), aborda o documentário dos diretores Vandré Fernandes, Ana Petta, Fábio Bardella e André Lorenz Michiles, que narra a história de Osvaldo Orlando da Costa, um dos mais conhecidos personagens da Guerrilha do Araguaia (1972–1974). O autor problematiza as representações sobre a história de vida do guerrilheiro e a tematização das relações raciais, situando o filme nos debates historiográficos mais recentes sobre o regime militar e a questão racial.

A segunda série temática trata das relações entre cinema e memória e cinema e propaganda em regimes autoritários, por meio da ficção, do documentário, do cinejornal e do filme de propaganda. Vinícius Alexandre Rocha Piassi, em Hoje (2011) e Trago Comigo (2016): imagens da estranha alteridade do passado, analisa filmes da cineasta Tata Amaral que problematizam o passado autoritário da ditadura militar e o prolongamento de traumas no presente democrático. Vinícius Viana Juchem, no artigo Cinema na ditadura militar: uma análise do filme A freira e a tortura (1984), aborda o filme dirigido por Ozualdo R. Candeias, relacionando a produção cinematográfica da Boca do Lixo e o seu gênero mais famoso, a pornochanchada, e os atos de censura da ditadura militar. Beatriz Costa Barreto e Marília Romero Campos, em O que pode o cinema? História e política em Cabra marcado para morrer (1984) de Eduardo Coutinho, examinam a potência do cinema e a sua relação com a história, a política e a memória.

Andrei Chirilã, em O documentário Dzi Croquettes (2009) e a construção de uma memória marginal, do subterrâneo e do esquecimento sobre a contracultura na ditadura civil-militar no Brasil, aborda o documentário da diretora Tatiana Issa como elemento de resgate de uma memória na historiografia da contracultura na década de 1970, e como esta memória monumentalizada ignora os elementos conjunturais que permitiram a criação do Dzi Croquettes, além de, anacronicamente, construir o grupo teatral como a origem do movimento homossexual no Brasil.

Isadora Dutra de Freitas, no artigo Cinejornalismo em perspectiva histórica: trajetória e usos políticos no Brasil, analisa os usos políticos dos cinejornais em diferentes contextos históricos: Estado Novo a partir do Cinejornal Brasileiro, o período democrático e o Cinejornal Bandeirante da Tela, e os cinejornais da ditadura militar.

Alvaro Eduardo Trigueiro Americano e Letícia Barbosa Torres Americano, em Disciplina e ordem nas telas do Cine Jornal Brasileiro: os “sócios” do poder no Estado Novo, investigam a relação entre as Forças Armadas e o Estado Novo através da propaganda política nas edições do Cinejornal Brasileiro (1938-1946). Rebecca Ferreira Dias, em Perseguidos pela Nação, exaltados pelo Cinema: o comunismo em A Revolução de Maio, identifica as representações do comunismo no filme A Revolução de Maio, dirigido por António Lopes Ribeiro – o cineasta do Estado Novo português – e lançado em 1937.

Na terceira série, encontramos trabalhos que problematizam a relação entre cinema e cidade a partir da análise de documentários e cinejornais. Leila Saads, em Cinema e memória urbana: documentário Estrutural e narrativas sobre a consolidação da Cidade Estrutural – DF, tece narrativas possíveis sobre a formação da Cidade Estrutural a partir do diálogo entre o filme de Webson Dias, lançado em 2016, e a produção acadêmica sobre essa ocupação urbana, para compreender as disputas políticas e territoriais representadas no documentário e as imagens de cidade que emergem a partir dessas representações. Cristiane de Assis Portela e Anna Lorena Morais Silva, em Enunciando Contra-Hegemonias: Narrativas Candangas de Vaqueiros Voadores, analisam a narrativa do documentário Romance do Vaqueiro Voador, de Manfredo Caldas (2007), que rememora a construção de Brasília sob a perspectiva de trabalhadores que a edificaram. A película é baseada em poema-cordel homônimo, de autoria de João Bosco Bezerra Bonfim, e pode ser entendida como um contraponto aos discursos tornados hegemônicos nas narrativas sobre o Distrito Federal.

Alisson Oliveira Soares de Santana e Luís Vitor Castro Júnior, em Corpo- Cidade: uma análise do Filme “Um Crime Na Rua”, de Olney São Paulo, discutem o curta-metragem Um Crime na Rua (1955), de Olney São Paulo, gravado no centro da cidade de Feira de Santana, Bahia, refletindo sobre as experiências e as diversas manifestações dos corpos no espaço urbano. Vinícius da Cunha Bisterço, em Utopia e destruição, ruína e progresso: a condição de marginalidade social no filme A Margem (1967), de Ozualdo Candeias, problematiza a construção da experiência dos marginalizados no filme e sua perspectiva crítica acerca do processo de modernização da cidade de São Paulo intensificado a partir dos anos 1950.

Na quarta série apresentamos os trabalhos que propõem uma reflexão sobre a narrativa cinematográfica e a narrativa histórica. Yuri Leonardo Rosa Stelmach e Lúcio Geller Junior, no artigo O príncipe e o poeta: o passado russo e transcaucásio pelas lentes de Sergei Eisenstein e Parajanov, abordam os filmes produzidos na União Soviética, Alexander Nevsky (1938), de Sergei Eisenstein, e A Cor da Romã (1969), de Sergei Parajanov, e discutem como os passados russo e transcaucásio são construídos pelos cineastas e como tais narrativas se aproximam da escrita histórica. Vanda Fortuna Serafim e Gabriella Bertrami Vieira, em Filmar é escutar: história, documentário e a escuta sensível da alteridade em Santo forte (1999), relacionam as práticas do cinema documentário e a prática historiográfica a partir dos conceitos de “alteridade” e “sensibilidade”, discutidos por Sandra Pesavento e François Hartog. Bruno José Yashinishi, no artigo A relação Cinema-História: fundamentos teóricos e metodológicos, procura elucidar a possível relação entre narrativa histórica e narrativa cinematográfica, compreendendo que ambas são capazes de organizar o conhecimento e a consciência histórica.

Barbara Mangueira do Nascimento, em Imagem, montagem e história em Videogramas de uma Revolução de Harun Farocki e Andrei Ujică, propõe a análise do filme Videogramas de uma Revolução (1992), de Harun Farocki e Andrei Ujică, a partir da relação entre imagem, montagem e história, e da problematização das noções de tempo histórico.

A quinta série de artigos é composta por trabalhos que tratam o sertão como um tema recorrente na história do cinema brasileiro. Marcelo Fidelis Kockel, em História, sertão e devir-sensível em Cinema, aspirinas e urubus, propõe analisar as construções discursivas sobre o sertão, a história e o devir-sensível dos personagens que aparecem ao longo do filme Cinema, aspirinas e urubus (2005), do diretor Marcelo Gomes. O autor compreende o filme como o próprio acontecimento, singular na sua materialidade sensível, modulada, e não um enunciado de reconhecimento sobre algo que lhe antecede.

A partir de outra perspectiva teórica, Diogo Cavalcanti Velasco, em Áridos Movies: o encontro da metodologia de Pierre Sorlin com o cinema sertanejo nordestino autóctone, examina como, nos anos 2000, novas correntes de representação cinematográfica, em especial o grupo de cineastas do Nordeste, Marcelo Gomes, Lírio Ferreira, Paulo Caldas e Karim Ainouz, passam a produzir novas asserções sobre o sertão, ressignificando-o de acordo com um mundo contemporâneo globalizado, característico daquele contexto histórico. Daniel Ferreira da Silva, em O minimalismo absurdo na animação Morte e Vida Severina de Afonso Serpa, analisa a estética minimalista do Teatro do Absurdo empregada para transformar a peça-poema Morte e Vida Severina em animação cinematográfica 3D, focando em elementos sonoros e cores monocromáticas que universalizam o sertão através do sentimento de espanto, da sensação de silêncio e vazio e de uma monotonia existencial.

A sexta série é constituída por trabalhos que privilegiam a análise da música e da intertextualidade presente em diferentes gêneros. Hellen Silvia Marques Gonçalves, em O Jazz como Elemento Catalisador da Tragédia Grega, segundo Friedrich Nietzsche, no Filme Crise (1945) de Ingmar Bergman, analisa a música como elemento narrativo de destaque no filme do cineasta sueco. Felipe Nascimento de Araujo, em A Música Antiga como elemento narrativo no cinema: uma análise dos coros gregos em Electra, a Vingadora (1962) e Hércules (1997) da Disney, aborda o uso das performances musicais antigas através dos coros gregos como elemento narrativo no cinema em gêneros distintos, relacionando tais obras ao seu contexto social de produção. Franco Santos Alves da Silva, em Pink Floyd – The Wall: uma distopia do auto isolamento no longametragem de 1982, analisa a intertextualidade entre o disco The Wall (1979) e o filme Pink Floyd The Wall (1982), com destaque para o papel fundamental da música na construção de uma narrativa distópica.

A sétima série trata das possibilidades pedagógicas do cinema na formação de professores e na História Pública. Luis Fernando Cerri e Rosângela Maria Silva Petuba, em A operação do filme na formação de professores de História: uma experiência em licenciatura na UEPG (2016-2018), apresentam a experiência de formação de professores por meio da análise histórica e didática de filmes fundamentada nos métodos ativos e na abordagem dos filmes como fontes históricas a serem estudadas por professores e aluno. Josias José Freire Júnior, em História pública e cultura histórica na produção audiovisual contemporânea, problematiza significados das narrativas audiovisuais veiculadas pela série televisiva Guia Politicamente Incorreto (2017), em articulação com as discussões da História Pública, da didática histórica e da cultura histórica.

A oitava série é composta por trabalhos que tematizam a elaboração da memória e do passado a partir do estudo comparado entre filmes. Yuri Barbosa Resende, em Oscar Wilde vai ao cinema: a construção da imagem do dândi em ‘Wilde’ (1997) e ‘Velvet Goldmine’ (1998), discute a construção da imagem de Oscar Wilde realizada por dois filmes de gêneros distintos: a cinebiografia ‘Wilde’ (1997) e o drama musical ‘Velvet Goldmine’ (1998). Monaliza Caetano dos Santos, em Um vácuo construído sobre um vazio”: cinema alemão oriental e o conflito geracional a respeito do passado, analisa as tensões entre pais e filhos, na Alemanha Oriental, em torno da colaboração com o nazismo na Segunda Guerra Mundial, representadas em dois filmes produzidos na Alemanha Oriental, em 1968 e 1971. Andreza Santos Cruz Maynard, em Luta honrosa ou infernal? A Segunda Guerra Mundial a partir dos filmes KV-1: Almas de ferro (2018) e A Passagem (2019), analisa como um filme russo e um filme italiano recentes abordam a Segunda Guerra Mundial, observando como constroem a participação dos seus respectivos países de origem no conflito.

Na nona série, temos trabalhos que tratam da construção do feminino em um filme épico e em um filme bíblico. Ramiro Paim Trindade Junior, em Conservadorismo no Cinema dos anos 1980: análise do Filme “Excalibur, a Espada do Poder”, discute as representações dos(as) protagonistas no filme Excalibur, a Espada do Poder (1981), relacionando as construções negativas das protagonistas femininas ao conservadorismo estadunidense vigente no contexto de produção do filme. Talita Von Gilsa, em Maria Madalena no cinema: os filmes épicos bíblicos e a cinebiografia de 2018, analisa a representação de Maria Madalena nos filmes épicos bíblicos, O Rei dos Reis (1961) e A Maior História de Todos os Tempos (1965) e na cinebiografia Maria Madalena (2018), dirigida por Garth Davis.

A décima série versa sobre pesquisas que investigam o mundo do trabalho e as lutas políticas no século XX, e na contemporaneidade. Maurício Knevitz e Alexandre Moroso Guilhão, em Anarquismo, conciliação e conflito em La Patagonia Rebelde (1974), propõem um debate sobre o filme La Patagonia Rebelde (1974), dirigido por Héctor Olivera, baseado em um livro de Osvaldo Bayer, articulando as lutas dos trabalhadores no contexto histórico de produção do filme e os estudos sobre o anarcossindicalismo na Argentina. Cíntia Medina e Adriano Parra, em O fetiche da tecno-produtividade digital em Ken Loach: a uberização do trabalho no filme Você não estava aqui, procuram traçar de modo crítico o atual cenário de uberização do trabalho em curso a partir da estética e narrativa do diretor Ken Loach no filme Você não estava aqui (2018).

A décima primeira série reúne trabalhos que tratam do debate teórico sobre a historiografia do cinema, sobre o mercado cinematográfico e as leis de incentivo, e a análise da atuação do cineasta e as condições de produção em contexto histórico específico. Vanessa Helena Montenegro Brito, em El “giro historiográfico” en los estudios sobre el cine: rupturas y continuidades, apresenta um estudo comparativo entre o desenvolvimento da historiografia do cinema anglo-nórdico e a historiografia do cinema na América Latina e alguns trabalhos sobre os diversos caminhos e linhas de pesquisa em voga na mais recente historiografia do cinema na América Latina. Renata Santos Maia e Fernando Rodrigues Oliveira, em Antes e além das telas: economia e mercado cinematográfico em países da América Latina, analisam as relações econômicas e o funcionamento do mercado audiovisual com destaque para o mercado de distribuição de filmes e as disputas desiguais entre o cinema latino-americano e a indústria de Hollywood. Rosiel do Nascimento Mendonça e Sérgio Ivan Gil Braga, em Glauber Rocha e a autonomia relativa do campo artístico: o caso do documentário “Amazonas, Amazonas” (1966), discutem as relações entre o artista engajado politicamente e os poderes instituídos através do estudo da passagem de Glauber Rocha pelo Amazonas visando a realização de um documentário sob encomenda.

Assim, o dossiê cumpre o objetivo de apresentar a potência do campo de investigação História e Cinema.

Profa. Dra. Angela Aparecida Teles

Organizadora

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Relações raciais nas diásporas africanas em perspectiva interseccional / Em Tempo de Histórias / 2020

Apresentação

O dossiê Dinâmicas das relações raciais nas diásporas africanas em perspectiva interseccional reúne trabalhos que abordam temas relacionados às dinâmicas interseccionais de relações de raça nas diásporas africanas nos diferentes espaços e níveis de sociabilidade. Frantz Fanon aponta que “o racismo é uma chaga da humanidade. Mas é preciso que não nos contentemos com essa frase. É preciso procurar incansavelmente as repercussões do racismo em todos os níveis de sociabilidade” (FANON, 1980, p. 40). Para esse autor, a superação do racismo somente ocorrerá no momento em que se experimentar um processo de descolonização a partir de uma práxis anticolonial e emancipadora que envolva tanto os aspectos objetivos quanto os subjetivos da existência humana.

É nesse sentido que os artigos aqui selecionados para comporem o dossiê apresentam um campo fértil de debate no âmbito das relações raciais, com estudos e análises que tem como enfoque trabalhos que dialogam entre si e que permite a nós, leitores/as, importantes reflexões. Tais artigos têm em suas bases pressupostos teóricos que partem de outros “locais de saberes”, que não o continente europeu, de lugares que possibilitam a demolição dos muros historicamente construídos do patriarcalismo branco heteronormativo, para estimular um “descolonizar de mentes” (HOOKS, 1995) e a construção de pontes para novas epistemes.

Sendo assim, agrupamos os artigos por série, respeitando suas propostas de discussões e reflexões. A primeira série contém artigos que buscam desvelar, por meio de diferentes temas, metodologias e fontes de análise, os aspectos religiosos que dialogam diretamente com questões étnico-raciais. O artigo que abre as propostas de reflexão é intitulado As irmandades negras na encruzilhada do “sincretismo”: leituras sobre o Catolicismo e as religiosidades afro-baianas nos séculos XIX e XX, de autoria de Mariana de Mesquita Santos, que objetiva apresentar aos/às leitores/as uma nova forma de se interpretar as religiosidades afro-baianas, numa tentativa de desconstrução de antigos discursos e análises calcados em interpretações preconceituosas e racistas em torno dessa religiosidade. Ainda dentro da mesma abordagem, o artigo de Jaciely Soares da Silva e Admilson Eustáquio Prates discute e apresenta o Ponto Cantado de Umbanda como fonte para o ensino de História, como também propõe, a partir da música, o debater sobre a religiosidade de matriz africana no espaço da sala de aula. Por fim, o artigo Congo, Congado, Congadas: tradição cultural afro-brasileira de resistência ao racismo e discriminação e os tempos de diásporas e escravidão, de Jeremias Brasileiro da Silva, discorre sobre questões inerentes à prática da Congada no município de Uberlândia-MG, problematizando como a permanência do racismo perpassa relações sociais, culturais e religiosas, nas relações de lazer, de trabalho e de poder.

Na segunda série, apresentamos um conjunto de artigos que tem como debate central o discurso de pensadores que, em tempos e espaços diferentes, abordam a presença negra no Brasil. Para iniciarmos, o artigo A política da morte nos projetos abolicionistas de Andrade Corvo e Joaquim Nabuco, de autoria de Gabriel Felipe Silva Bem, propôs discutir, a partir de leituras desses abolicionistas, como seus discursos carregavam um ideal colonial que perpassava o pressuposto de um projeto de eliminação de indivíduos negros em prol de uma idealização de um modelo de sociedade. Ainda seguindo uma linha de análise de pensadores, o artigo intitulado Raça: uma ferramenta de poder na construção das identidades e o pensamento de Geraldo Rocha, de Erica Naiara Ribeiro Borges e José Francisco dos Santos, problematiza esses escritos colocando-os no campo de análise da construção da identidade pós colonial no Brasil mediado por um discurso positivo de mestiçagem que, em tese, apresentava o apagamento de negros e mestiços na formação da sociedade.

A terceira série de artigos é composta por textos entrelaçados pela cultura negra nos Estados Unidos da América e no Brasil. O primeiro artigo desta série é Ideários Estéticos Afro-Atlânticos e Decolonialidade: Um estudo de caso em Jean-Michel Basquiat, de autoria de Hélio Ricardo Marino Rainho, no qual sugere um estudo sobre as proposições do artista afro-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988) para problematizar o campo artístico hegemonicamente branco, ao mesmo tempo em que coloca em debate o apagamento, a invisibilidade e o primitivismo a legados artísticos afro-atlânticos. No artigo seguinte, Black Arts Movement: “Expressar a verdade a partir dos oprimidos ou opressores?”, do autor João Gabriel do Nascimento Nganga, é proposto um debate sobre o Black Arts Movement que surgiu em meados de 1960, nos Estados Unidos da América, com o intuito de estabelecer e consolidar a presença e vozes negras nas artes, em especial, no teatro e na literatura, tendo a África e suas diásporas como ponto de partida para a inserção nessas artes de referenciais simbólicos ignorados. O terceiro artigo desta série, O Rap negro na cidade planejada: A música negra das periferias do Distrito Federal, de autoria de Eliane Cristina Brito de Oliveira, coloca em debate os espaços destinados aos negros e brancos na cidade de Brasília-DF e a relevância do RAP como resistência e importante aliado na construção da identidade negra da juventude das periferias do Distrito Federal. Em sequência, temos o artigo, A Autoavaliação e Autodefinição de Carolina Maria de Jesus na obra Quarto de Despejo: diário de uma favelada, da autora Cristiane da Rosa Elias, que analisa a obra “Quarto de Despejo” de 1960 de Carolina Maria de Jesus a partir de uma visão interseccional proposta pelo feminismo negro com o intuito de perceber como o olhar oposicional se faz presente na obra de Carolina de Jesus e como essa é uma das representações de mulheres negras nesse contexto histórico Os artigos selecionados para a quarta série trouxeram para o debate a mulher negra com suas diferentes experiências históricas e sociais. Iniciamos com o artigo intitulado Pelas ruas da cidade: cotidiano e trabalho de mulheres negras em Belém (1888-1900), autoria de David Durval Jesus Vieira, que aborda a experiência da mulher no pós-abolição da escravidão atravessada por enfrentamentos relacionados ao racismo e às questões de gênero, em meio ao momento histórico de crescimento econômico e remodelação que a cidade vivenciava. Já o artigo Raça, gênero e maternidade: as mulheres escravizadas na proposta de emancipação gradual de José Bonifácio, de Caroline Passarini Sousa, a partir de uma minuciosa leitura da Representação a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura”, escrita por José Bonifácio em 1823, coloca no centro de leitura a mulher negra escravizada numa proposta de compreender qual o seu lugar no projeto de sociedade do século XIX. O artigo Mulheres escravizadas e relacionamentos afetivos: pensando projetos amorosos e as masculinidades negras a partir da interseccionalidade (Cachoeira do Sul, século XIX), da autora Marina Camilo Haack, problematiza um tema ainda muito recente dentro dos estudos sobre a escravidão, que são os relacionamentos afetivos entre escravizados, no entanto a autora paira seu olhar detalhadamente nos espaços afetivos sobretudo das mulheres. O artigo Parda Liberta que Vive do Ofício de Meretriz: Gênero, raça e sexualidade em Goiás no século XIX, de Murilo Borges da Silva, propõe analisar como as práticas discursivas e não discursivas, legitimadas por relações de saber e poder, produziram historicamente corpos femininos negros, sendo que tais discursos entonavam em uma maior vigilância e controle sobre as mulheres negras e pobres, com o objetivo de torna-las dóceis, úteis e ordeiras. Por último, o artigo intitulado Corpos Fragmentados: a representação da raça e do corpo da mulher africana nos Cadernos Coloniais (1935-1941), de Rannyelle Rocha Teixeira, traz como proposta de análise as imagens e os textos sobre como a raça e os corpos femininos das mulheres africanas eram representados nesses cadernos, os quais estavam intimamente relacionados às manobras e estratégias de poder em prol do projeto colonialista português.

Na quinta série de artigos, os textos têm como tema central a educação. O artigo que abre esta série é o Relações étnico-raciais e integração curricular no ensino das Ciências Humanas, de autoria de Guilherme Babo Sedlacek e Rodolfo Denk Neto, que abordam a temática da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena a partir da produção de material didático, de modo transversal e interseccional, nesta área para cursos de ensino médio técnico. No segundo artigo, temos o texto Ensino de História sob um olhar interseccional: considerações sobre relatos de estudantes negras do Sul do Pará, da autora Andreia Costa Souza e do autor Dernival Venâncio Ramos Júnior, que partem das discussões resultantes de uma pesquisa de mestrado no campo do Ensino de História, que teve estudantes negras como protagonistas, no qual o objetivo foi refletir sobre os sistemas de discriminação e opressão que estruturam a condição histórica da mulher negra, além de visibilizar vivências de estudantes negras a partir da perspectiva interseccional, para, assim, permitir uma maior aproximação da realidade das estudantes, a fim de criar futuras e novas narrativas na prática pedagógica do Ensino de História. Na sequência, o artigo Cenário de uma Educação Étnico-Racial em movimento para o Século XXI: ações afirmativas ou medidas compensatórias?, de autoria de Cairo Mohamad Ibrahim Katrib e Tadeu Pereira dos Santos, aborda as ações afirmativas, no tocante à inclusão e permanência dos ingressantes na educação superior, e problematiza os dados produzidos por órgãos públicos como Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE), a Agência Brasil, o Ministério da Educação (MEC) e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES). O quarto artigo, Movimentos políticos negros no Atlântico: análise de uma oficina pedagógica sob uma perspectiva antirracista e decolonial, da autora Clara Marques Souza, a partir de um aporte teórico decolonial, analisa a experiência da aplicação de uma oficina pedagógica de história no ensino básico, em duas turmas de oitavo ano do Ensino Fundamental II, sobre três movimentos políticos majoritariamente negros no Atlântico: a Conjuração Baiana (1798), a Revolução Haitiana (1791-1804) e a Conspiração de Aponte (1812). Em seguida, temos o artigo O que pode a cultura material enquanto fonte para o estudo da história afro-brasileira e africana nas escolas? Por um ensino de História pluriepistêmico, de autoria de Clarissa Adjuto Ulhoa, que defende que a cultura material, ao ser escolhida como fonte para o ensino da história e da cultura afrobrasileira e africana, tem o potencial de contribuir para práticas pautadas em pluriepistemologias. Em seguida, temos o artigo Os impactos da lei 10.639/03 nos cursos de Licenciatura em Letras da Universidade Federal de Catalão, das autoras Maria Helena de Paula e Carolina Faleiros Felício, que discute a aplicação da Lei 10.639/03 nos cursos de Licenciatura em Letras da Universidade Federal de Catalão, a partir da análise do Projeto Pedagógico dos cursos e dos horários semestrais de oferta de disciplinas, nos últimos dez anos. Fechando esta série de artigos, temos o texto O jogo Mancala como estratégia pedagógica Etnomatemática: relato de uma experiência numa turma de 2º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Professor Elídio Duque no município de Salinas-MG, de autoria de Adriana Lúcia Brandão Diogenes e Graziele Santos Ferreira, que, em seu artigo, faz uma abordagem entre as características étnico-raciais com os conceitos matemáticos, procurando iniciar uma modificação do pensamento eurocêntrico no contexto escolar em que esse trabalho foi realizado, bem como olhar para a ciência matemática para além de números e cálculos, no qual buscou-se fazer um paralelo entre os conceitos matemáticos e a questão étnico-racial, demanda necessária em função da implementação da Lei 10.639/03.

A sexta série de artigos se inicia com o texto As famílias cativas capixabas entre 1850-1871: um comparativo entre as Regiões Sul e Central da província, de autoria de Laryssa da Silva Machado e Lucas da Silva Machado, que analisam a composição das famílias cativas do Espírito Santo entre os anos de 1850 e 1871, datas marcadas pela promulgação das leis abolicionistas Eusébio de Queirós e Lei do Ventre Livre. Em seguida, temos o artigo Decifrando as fugas escravas: narrativas, senhores e fujões na cidade do Rio de Janeiro (1840-1850), da autora Fernanda Cristina Puchinelli Ferreira, que aborda a fuga de escravizados, no sentido de analisar os significados e sentidos que uma fuga tinha para os escravizados, senhores outros segmentos sociais. O terceiro artigo, “Vá bater naquele negro que eu garanto”: marcadores raciais na Bahia (1940 – 1960), de autoria de Diego Lino Silva e Clóvis Frederico Ramaiana Moraes Oliveira, versa sobre a trajetória de populações negras na Bahia entre as décadas de 1940 e 1960, tomando como referência a região de Feira de Santana, no qual utilizam processos criminais para debater os indicadores do uso e negação da cor preta como instrumento de criminalização ou aceitação dos sujeitos pesquisados.

A sétima e última série de artigos selecionados contribuem com a discussão em torno do preconceito do racismo histórico e socialmente construído no Brasil. Para tanto, o artigo intitulado As desvantagens de ser invisível: uma reflexão sobre o racismo no Brasil, de Daiara Suellen Gabriel de Ávila, aborda como a diáspora africana e a escravidão nas Américas alicerçou a construção e manutenção do racismo estrutural. Nesse sentido, a autora propôs apresentar tanto as diversas faces do racismo durante a escravidão e no pósemancipação, como também as estratégias usadas pelos mesmos para manterem não só a humanidade diante do sistema, mas também a cultura viva, ainda que de forma modificada. Já o artigo A invisibilidade dos negros na história de Gramado/RS: levantamento preliminar, autoria de Alex Juarez Müller e Raimundo Nonato Wanderley de Souza Cavalcante, debatem sobre a quase inexistência de registros acerca da presença negra no Sul do Brasil, e, na busca construir uma história que rompa com essa invisibilidade da e na História, os autores recorrem a lugares de memória, livros de memorialistas, fotografias e paisagens nunca tentativa de trazer para o tempo presente material que possa problematizar a efetiva presença e importância afro-brasileira na formação tanto no Sul, como também do Brasil. O artigo intitulado Um feriado a Zumbi: a tentativa de reconhecimento do 20 de Novembro em Porto Alegre (2001-2003), de José Augusto Zorzi, traz como foco de problematização o dia 20 de Novembro, e como essa data, ao ser projetada como feriado municipal, desencadeou uma série de debates e disputas políticas que evidenciaram dois blocos de discussão: o poder das agências negras e os limites políticos e ideológicos para o reconhecimento. Na sequência, o artigo intitulado As ações afirmativas e o sistema de costas raciais: resgate histórico ou reparação das desigualdades sociais?, de Ana Amélia Aquino Brito, propôs analisar a utilização de políticas de ação afirmativa para implementação de cotas raciais, tendo como ponto de problematização e questionamento se as cotas se referem a um resgate histórico das injustiças cometidas aos afrodescendentes pelo passado escravista ou se trata-se da reparação das desigualdades sociais dos grupos minoritários de negros, pardos e afrodescendentes. Por último, o artigo Apontamentos sobre o apagamento da população negra no relatório da Comissão Nacional da Verdade – 2014, autoria de Tairane Ribeiro da Silva, traz para a discussão o processo de apagamento da população negra durante a ditadura-militar no Brasil. A autora, além de apresentar qual a situação em que tais indivíduos viviam no período, propõe também dar visibilidade aos mesmo abordando seus perfis, atuação profissional e organizações políticas as quais participavam.

Portanto esse dossiê agrega uma série de proposta de discussão que tem como objetivo problematizar as Dinâmicas das relações raciais nas diásporas africanas, com investigações, perspectivas de abordagem teórica e metodológica múltipla e diversificada.

A leitura dos artigos nos apresenta tanto a necessidade de romper e desnaturalizar o racismo, como também indica novos caminhos para o entendimento do tema. Boa leitura!

Prof. Dr. João Gabriel do Nascimento Nganga

Profa. Dra. Jaciely Soares da Silva

Organizadores

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La paz olvidada. Políticos, letrados, campesinos y el surgimiento de las FARC en la formación de la Colombia contemporânea | Robert A. Karl

La paz olvidada es un libro importante desde muchos puntos de vista. El principal propósito de este trabajo es “restablecer las cargas” sobre un problema esencial: en la historia de Colombia no solo el conflicto armado ha sido importante, también lo ha sido la paz. El objetivo es saludable y cuenta hoy con mejor ambiente, pues en la actualidad la opinión académica que afirma esa proposición ya no es la de una simple minoría de estudiosos cuyo pensamiento se estimaba hasta ayer simplemente como la expresión de su “reformismo” y de su falta de “compromiso” con el país.

La pregunta esencial que puede plantearse un lector es por qué el peso fundamental que adquirió esa unilateral representación de la historia, punto sobre el que investiga de manera documentada la obra. Robert Karl plantea un asunto que me parece difícil de controvertir, por más que se pueda matizar: el peso exagerado que la opinión de cierto grupo de “hombres de letras”, casi siempre académicos reconocidos y juiciosos investigadores, ha tenido como voz pública y autorizada sobre el problema. Leia Mais

Memórias, Patrimônios e Narrativas / Ofícios de Clio / 2020

Existem três tempos, disse Santo Agostinho no livro XI de suas Confissões, “o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro. (…) O presente do passado é a memória; o presente do presente é a intuição direta; o presente do futuro é a esperança.” Assim também podem ser pensadas as relações entre memória, patrimônio e narrativa, uma vez que são fenômenos que adquirem sentido no presente, e mobilizam a percepção que se tem de passado e de futuro, seja como reconhecimento ou como promessa (RICOEUR, 2007). No mesmo sentido, a dimensão narrativa que envolve as noções de memória e de patrimônio lança luz sobre diferentes zonas de conflito e de reivindicações identitárias, manifestadas em lugares, discursos e celebrações.

Da mesma forma, cabe lembrar que a memória também é construída por meio de narrativas, que constituem discursos e organizam experiências, de modo a dar sentido à relação que uma coletividade estabelece com o seu passado. Essa relação está presente não apenas naquilo que se diz do passado, mas nos lugares, bens, saberes e fazeres reconhecidos como patrimônios.

Ainda que a noção de patrimônio, como herança, remonte a Antiguidade Clássica, é a sua dimensão política e suas interfaces sociais e culturais que interessam a esta discussão. De acordo com Josep Ballart Hernandez, o patrimônio é resultado de um ou mais processos de atribuição de valores socialmente construídos, em suas palavras:

El valor es una cualidad añadida que los individuos atribuyen a ciertos objetos que los hacen merecedores de aprecio. Estamos, pues, ante un concepto relativo que aparece y desaparece en función de un mareo de referencias intelectuales, culturales, históricas y psicológicas, que varia según las personas, los grupos y la épocas. (HERNÁNDEZ et al.1996, p. 215)

Esses valores resultam, por sua vez, do conjunto de memórias compartilhadas por uma coletividade, bem como dos hábitos e costumes consolidados em suas narrativas, rituais e lugares de memória (NORA, 1993). Assim, quando se propõe a discussão em torno das relações estabelecidas entre memória, patrimônio e narrativa, o que se está realmente propondo é um olhar sobre a construção, a difusão e a consolidação desses valores, que, em última análise, refletem a sociedade que os reproduz.

Nessa perspectiva, a memória é percebida não apenas como a capacidade de reconhecer e acumular uma lembrança, mas também como um processo de compartilhamento de representações sociais, as quais se manifestam de diferentes formas, desde o estabelecimento de cultos e práticas religiosas, até a superação de traumas e a reivindicação identitária. Dessa forma, como afirma Joel Candau (2012, p. 19), “Não há busca identitária sem memória e, inversamente, a busca memorial é sempre acompanhada de um sentimento de identidade”.

A importância da narrativa como um elemento de coesão tanto nos processos de patrimonialização, quanto nas buscas memoriais se faz evidente nos artigos que compõem este dossiê, demonstrando que a narrativa não se restringe ao gesto do testemunho, mas está imbricada nas práticas sociais e nos costumes consolidados por elas. Afinal, como afirma Bruner (1997, p. 152) “nuestra experiencia de los asuntos humanos viene a tomar la forma de las narraciones que usamos para contar cosas sobre ellos”.

Os artigos que compõem este dossiê discutem, cada um à sua maneira, as relações entre patrimônio, memória e narrativa. Podendo ser divididos em dois grupos: o primeiro, composto por artigos que discutem essas relações pelo viés da narrativa e dos seus desdobramentos como rituais e tradições; o segundo, composto por artigos que discutem a cultura material, expondo o modo como as coletividades se relacionam com as materialidades do seu passado. A seguir, conheça um pouco sobre cada um deles.

No artigo “Escrita, biografia e sensibilidade: o discurso da memória soviética de Svetlana Aleksiévitch como um problema historiográfico”, João Camilo Grazziotin Portal, mestrando da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) chama a atenção para a necessidade de se pensar o indivíduo como um elemento fundamental na construção da narrativa histórica, e o faz por meio de uma leitura crítica da obra de Svetlana Aleksiévitch. Nessa perspectiva, o autor discute os usos da memória enquanto fonte para o gênero literário testemunhal, abordando as noções de verdade e de testemunho no intricado limite entre a História, a Memória e a Literatura.

Com o mesmo propósito de buscar o indivíduo na construção da narrativa histórica, Vanessa dos Santos Bernardes, mestranda do Programa de Pós-Graduação (PPG) da Universidade Federal de Pelotas, em seu artigo intitulado “De soldado a santo: a história de Maximiano Domingos do Espírito Santo. ‘O homem com a grandeza de um coração bem formado’”, apresenta-nos a trajetória biográfica de um santo popular e seu legado para o imaginário social fronteiriço. Nesse artigo a noção de memória é discutida tanto em relação ao ritual de visitação / adoração ao túmulo de Maximiano, como ao compartilhamento de representações sociais referentes a sua importância para o protagonismo negro na região.

As narrativas religiosas e os rituais que as envolvem, também protagonizam o artigo “Narrativas da religiosidade popular em Bonito -MS: o mito de Sinhozinho, o santo (1940-2018)”, sob a autoria da doutoranda pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Layanna Sthefanny Freitas do Carmo. Com um olhar sensível à religiosidade popular e à dimensão mítica das narrativas sobre Sinhozinho, a autora expõe a persistência da memória pela tradição oral, bem como a importância de se considerar a literatura local como fonte.

Em “A comemoração como lugar de disputa: um estudo das mobilizações do passado pelos povos indígenas nas Comemorações dos ‘500 anos do Brasil’ (2000)”, Pedro Henrique Batistella, mestrando da UFRGS, apresenta uma profícua discussão sobre os usos políticos do passado no contexto de disputa pela memória que caracterizou as comemorações dos “500 anos do Brasil”. Com um olhar voltado às ações do e sobre o movimento indígena, o autor expõe as políticas de comemorações em suas dimensões de classe, raça, gênero e status de cidadania.

As questões metodológicas que envolvem a compreensão contemporânea dos discursos sobre gênero e sexualidade são o mote do artigo “Agripina e o diálogo com o poder: reflexões sobre gênero e sexualidade em / na Roma Antiga”, sob autoria de Caroline Coelho, aluna de graduação em História da UFRJ. Ao discutir a importância de Agripina como mulher politicamente ativa na biografia de Nero, a autora expõe as formas de poder que permeavam as relações de gênero no Império, bem como os silenciamentos e distorções acerca da construção da imagem de Agripina e das narrativas construídas sobre ela.

Os conflitos de memória e os processos de reivindicação memorial relativos a eventos traumáticos da história recente brasileira são as principais temáticas trabalhadas pelo mestrando da UNICENTRO, Bruno César Pereira, em seu artigo intitulado “O Massacre do Carandiru: entre apagamentos e exclusões, uma disputa pela memória”. Com o propósito de compreender as relações de disputa que envolvem as diferentes narrativas sobre o massacre do Carandirú, o autor busca, na produção bibliográfica e audiovisual produzida sobre o evento, expor as contradições existentes entre essas narrativas, bem como demonstrar as relações de poder e os silenciamentos decorrentes da consolidação dessas narrativas.

No artigo “Aproximação entre dois patrimônios: a construção narrativa dos Conventos Franciscanos nas Crônicas da Ordem no Período Colonial”, sob autoria de Rafael Ferreira Costa, também do PPG da UFPEL, a relação entre narrativa e patrimônio se dá no âmbito da escrita, isto é, na relevância do conhecimento preservado nas Crônicas Clássicas da Ordem dos Frades Menores de São Francisco no Brasil, para a compreensão dos processos de patrimonialização de seu espólio construtivo. O autor desenvolve, assim, uma discussão em torno do valor patrimonial das Crônicas e das edificações pertencentes à Ordem, expondo as construções narrativas que as conectam.

A relação entre os imigrantes espanhóis e a cidade de Belém do Pará, construída desde o processo migratório iniciado no século XIX, é o tema tratado por Aline de Kassia Malcher Lima, mestranda da Universidade Federal do Pará (UFPA), no artigo intitulado “Belém dos Imigrantes: espanhóis na capital paraense (1890-1920)”. Dessa forma, a autora propõe uma reflexão sobre a relevância das redes de sociabilidade e solidariedade construídas por esses imigrantes no cenário socioeconômico de Belém.

A relação entre cultura material e memória é o mote do artigo intitulado “Alinhavando as memórias: a apropriação do vestuário como objeto de recordação”, sob autoria de Laiana Pereira da Silveira, mais uma componente do PPG da UFPEL. Nele a autora discute a importância do vestuário como um objeto de recordação, sobre qual são estabelecidos vínculos identitários e de pertencimento. No mesmo sentido, a autora evidencia o papel evocador de memórias exercido pelo vestuário, enquanto objeto cotidiano que acompanha os indivíduos por toda a vida.

O necessário diálogo entre a Arqueologia e a História, para uma melhor compreensão dos processos de ocupação do território e de construção das estruturas sociais sobre as quais a sociedade brasileira está baseada, configura o mote do artigo intitulado “Cumaú ou Santo Antônio? Uma Abordagem Histórica Sobre o Forte no Igarapé da Fortaleza – AP”, sob autoria de Diovani Furtado da Silva, mestre pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Nele, o autor expõe a complexidade das narrativas construídas sobre o objeto analisado, isto é, o Forte Português construído sobre os vestígios do Forte Inglês, que por sua vez, foi construído junto a um assentamento indígena.

No artigo intitulado “Museu Imperial: narrar entre as reticências da memória e as exclamações da História”, Priscila Lopes d’Avila Borges, doutoranda da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), discute a relação entre memória, narrativa e patrimônio sob a perspectiva da educação em museus, questionando o uso pedagógico do museu e expondo os silenciamentos que podem decorrer de práticas equivocadas no relacionamento público-museu. O museu, enquanto lugar de memória, é apresentado pela autora como um universo potencial de aprendizagem, quando reconhecido como um campo de disputa e tensão entre memória e esquecimento.

Uma abordagem semelhante, relativa a comunicação entre público e instituições de salvaguarda, ou gestores patrimoniais, pode ser observada no artigo intitulado “A Importância do Inventário Participativo na Preservação do Patrimônio Cultural”, sob autoria da mestranda pela Universidade Federal do Pernambuco, Emanuelly Mylena Velozo Silva. Nele, a autora chama a atenção para a importância do inventário participativo como um instrumento cultural que aproxima sociedade civil e Estado ao longo dos processos de reconhecimento e salvaguardada do Patrimônio Cultural. Da mesma forma, aponta para a contribuição dessa forma de inventário para a valorização de tradições territórios e saberes negligenciados por formas mais convencionais de registro.

Ainda dentro de uma perspectiva crítica em relação à comunicação entre instituições de memória e seus públicos, o artigo “A pedagogia da memória através dos comentários do TripAdvisor: análise do Archivo Provincial de la Memoria, Argentina”, sob autoria de Carolina Gomes Nogueira, mestranda do PPG da UFPEL, propõe uma reflexão acerca da pedagogia da memória enquanto uma estratégia educativa adotada pelo Archivo Provincial de la Memoria, e seus desdobramentos nos discursos difundidos no ciberespaço. Assim, a autora traz para o campo do debate as conexões entre políticas de memória e justiça de transição, bem como sua relevância para a relação estabelecida entre os visitantes e a instituição de salvaguarda.

Por fim, cabe ressaltar que, como afirma Carlo Ginzburg (2007, p.8), “entre os testemunhos, seja os narrativos, seja os não narrativos, e a realidade testemunhada existe uma relação que deve ser repetidamente analisada”, e esta relação se faz ver, direta ou indiretamente, nas muitas formas como os indivíduos e as coletividades se relacionam com o seu passado. Os artigos que compõem este dossiê apresentam uma gama diversa dessas relações e, assim, contribuem para uma melhor compreensão do mundo enquanto espaço comum, neste tempo entre a memória e a esperança.

Referências

AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. Confissões. Tradução de Frederico Ozanam Pessoa de Barros. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

BRUNER, Jerome. La Educación Puerta de la Cultura. Madri: Visor, 1997.

CANDAU, Joel. Memória e Identidade. São Paulo: Contexto, 2012.

GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros: Verdadeiro, Falso, Fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

HERNÁNDEZ, Josep Ballart et al. El valor del patrimônio histórico. Complutum Extra, 6(11), 1996. P. 215-224. https: / / revistas.ucm.es / index.php / CMPL / article / view / CMPL9696330215A / 29835 Último acesso em 05 / 05 / 2020

MENDOZA GARCÍA, Jorge. «Las formas del recuerdo. La memoria narrativa». Athenea digital, [en línea], 2004, n.º 6, https: / / www.raco.cat / index.php / Athenea / article / view / 34157 [Consulta: 20-09- 2020].

RICOEUR, Paul. A Memória, a História, o Esquecimento. Campinas: Editora Unicamp, 2007.

Cristiéle Santos de Souza – Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural / UFPel.

Isabel Cristina Bernal Vinasco – Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural / UFPel.


SOUZA, Cristiéle Santos de; VINASCO, Isabel Cristina Bernal. Apresentação. Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas -RS, v.5, n. 8, jan./jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Trashumante. Revista Americana de Historia Social. n.15, enero/junio 2020.

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Direitos humanos e políticas de memória / História – Questões & Debates / 2020

O Dossiê que temos a satisfação de apresentar ao olhar crítico dos leitores da Revista História: Questões & Debates, reafirma nossas convicções sobre as exigências que a história nos impõe em não permitir apagamentos, silenciamentos, ocultações e censuras em face de experiências traumáticas que afetaram (e afetam) o cotidiano do Brasil e da América Latina. Elaborar o traumático por meio de um trabalho de memória, como destacou Elizabeth Jelin (2002), implica colocar uma distância entre o passado e o presente. Mas esta distância implica igualmente em não recusar as interações dinâmicas e as contínuas reapropriações que marcam as temporalidades históricas. Significa, ao contrário, recordar que algo ocorreu, e ao mesmo tempo, reconhecer a vida presente e os projetos futuros. Levando em consideração as circunstâncias políticas passadas e presentes que repercutem no modo pelo qual as nossas sociedades produzem suas representações; preocupados com os processos históricos que maximizam as situações de vulnerabilidade de grupos sociais e comunidades, e atentos à lição de Jelin, nossa crença é que são cada vez mais urgentes as reflexões que congregam o binômio “direitos humanos” e “memória”. Quer nos parecer, portanto, que tal urgência está plenamente contemplada no conjunto dos artigos que compõem este Dossiê. Um Dossiê tecido por narrativas plurais; construído pelas vozes da persistência, e, sobretudo, concebido pela coragem de não tangenciar ou se omitir diante da responsabilidade de enfrentarmos um duplo desafio: educativo e político.

É imperativo destacar dois aspectos. Primeiro, o potencial crítico e analítico alicerçado sob o binômio “direitos humanos” e “memória” e em seus desdobramentos temáticos possíveis, é o que temos nos empenhado em desenvolver no âmbito de uma rede de investigadores brasileiros e de outros países que, afortunadamente, tem se ampliado nos últimos anos, justamente, a partir de interesses comuns de pesquisa e pelo intenso grau de similitudes entre seus objetos de estudo. Destarte, os debates gerados no Grupo de Pesquisas DIHPOM (Direitos Humanos e Políticas de Memória), sob coordenação da pesquisadora e professora Marion Brepohl, têm auspiciado uma série de publicações e encontros científicos que contribuem para refinar e reformular as percepções sobre o mundo no qual atuamos. Em segundo lugar, reforçamos como estatuto epistemológico de nossas práticas, a opção por uma vertente profundamente crítica tanto em relação ao uso instrumental e etnocêntrico da noção de direitos humanos; quanto aos modismos que inflacionam e despolitizam o conceito multiforme de memória. É sob tal orientação que se organizam os nove artigos oferecidos ao leitor pelo Dossiê “Direitos Humanos e Políticas de Memória”.

No artigo que abre o Dossiê, de título “Desafios para a história nas encruzilhadas da memória: entre traumas e tabus”, Marcos Napolitano enfoca as categorias de trauma e tabu vinculando-as à análise dos processos de memorização e suas conexões com o conhecimento histórico, sobretudo, na apreensão dos períodos marcados por violências extremas. O autor constrói uma reflexão em que visualiza o “trauma” como categoria recorrentemente apropriada pelo campo de saberes historiográficos; enquanto o “tabu” é identificado como uma espécie de negação produzida pelos perpetradores das violências e seus herdeiros. Ambos são mobilizados para analisar e compreender as mutações na memória hegemônica da ditadura militar brasileira.

Em seguida, Diogo Justino no artigo “Uma responsabilidade pelo que não fizemos? A memória como fundamento da responsabilidade histórica em Walter Benjamin e Reyes Mate” explora as relações entre memória e história a partir de um diálogo entre Benjamin e Reyes Mate. Justino pauta sua análise pensando os vínculos entre passado e presente, centrais na reflexão do filósofo alemão, conectando-os com a noção de memória da injustiça como fundamento de uma ideia de responsabilidade histórica em Reyes Mate. O autor conclui que a operação de pensar o presente a partir do passado, incluindo as experiências de injustiça, é como pensar sobre as responsabilidades que as gerações do futuro possuem em relação às gerações do passado.

No terceiro artigo, “La violencia dictatorial y la violencia estatal de largo plazo en el Cono Sur de América Latina: entre lo excepcional y lo habitual”, o historiador argentino Daniel Lvovich propõe uma série de perguntas e vinculações entre as modalidades mais gerais da violência estatal contra a próprias populações, e as formas de violência especificamente políticas instauradas pelos estados nos períodos ditatoriais. Para Lvovich, a violência política representa a potencialização em escala geométrica da violência cotidiana previamente existente e que atinge as comunidades nacionais, tendo como alvos involuntários os setores mais vulneráveis da população.

Magdalena Figueredo Corradi e Fabiana Larrobla Caraballo, em “Una aproximación a la metodologia de investigación de los crímenes de lesa humanidad en las dictaduras del cono sur. La experiencia del Equipo de Investigación Histórica (EIH) – Uruguay”, tratam do processo de construção de uma abordagem metodológica cujo enfoque trandisciplinar, permite às autoras trazer ao leitor o exitoso trabalho realizado durante mais de quinze anos na investigação sobre os crimes cometidos pelo estado uruguaio dentro de seu território, e no marco do Plano Condor. O empenho sistemático no âmbito do EIH tem como princípios contribuir para os processos de verdade, justiça e reparação em relação às graves violações de direitos humanos cometidas pelas últimas ditaduras do século XX no cone sul, mas também almeja gerar um campo de estudo que possa ampliar o escopo de metodologias favoráveis ao trabalho dos investigadores.

As percepções do direito internacional humanitário quanto à reparação jurídica e ao direito à memória são desenvolvidas por Melissa Martins Casagrande e Ana Carolina Contin Kosiak, no artigo “Reparação jurídica e direito à memória: o papel das sentenças condenatórias internacionais e estrangeiras sobre desaparecimentos forçados”. As autoras propõem que sentenças condenatórias referentes às violações de direitos humanos cometidas em períodos ditatoriais têm um duplo papel: prover reparação jurídica às vítimas e / ou aos seus familiares; assim como produzir meios documentais que permitam o acesso ao passado contribuindo para a consolidação do direito à memória. O recorte temático mais específico repousa na atuação transnacional da Operação Condor e as suas responsabilidades no desaparecimento forçado de opositores das ditaduras na América do Sul entre as décadas de 1960 e 1990.

No artigo seguinte, de título “Los refugiados chilenos residentes en Argentina como un ‘problema de seguridad nacional’, 1973-1983”, Maria Cecilia Azconegui estuda as repercussões do golpe pinochetista no cenário político argentino. Azconegui explora os impactos provocados pelo ingresso de milhares de refugiados chilenos no território argentino, e analisa as mudanças nas percepções e nas políticas de governo com respeito a esses refugiados. A autora sugere que, gradativamente, os chilenos passaram a ser considerados uma ameaça cuja permanência na Argentina devia ser objeto de regulação, controle, e mesmo, repressão, eliminação física ou expulsão, a despeito dos mecanismos de proteção proporcionados pelo ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

Ao relacionarem as Comissões da Verdade e a literatura no artigo “Experiências de ditadura na Argentina e no Brasil: notas sobre a reelaboração da memória a partir da literatura”, José Carlos Freire e Alexandre Fernandez Vaz discutem aspectos gerais sobre a Justiça de Transição ocupando-se do papel assumido pela CNV – Comissão Nacional da Verdade implantada no Brasil em 2011. Em perspectiva comparativa, os autores refletem sobre a CONADEP na Argentina, e trazem à luz quais as possíveis contribuições da literatura de testemunho a partir de dois relatos: K. Relato de uma busca de Bernardo Kuncinski (2011), e Mi nombre es Victoria, de Victoria Donda (2009). Os autores concluem que tanto os trabalhos das Comissões instaladas nos dois países em temporalidades distintas, como a diferença entre as duas narrativas literárias sobre desaparecimentos evidenciam a dificuldade do Brasil em elaborar o seu passado ditatorial.

Na sequência, Leandro Brunelo e Angelo Priori no artigo “Resistência democrática versus graves violações dos direitos humanos durante a ditadura militar no Paraná: a atuação dos advogados na defesa dos presos políticos” problematizam o Inquérito Policial Militar 745 (IPM 745), que, durante a ditadura militar brasileira, apurou o envolvimento dos comunistas na suposta organização do partido no estado do Paraná em 1975. Os autores contrapõem as instituições políticas que controlam e formulam leis, e os advogados de defesa das pessoas presas que denunciaram as violações dos direitos humanos. Ao ressaltarem as disputas que ocorriam em um campo específico, o jurídico, Brunelo e Priori demonstram os modos pelos quais agentes díspares na escala do poder travaram uma batalha legal e jurídica, e, por sua vez, como os advogados valiam-se do mesmo substrato burocrático-legal fomulado pelo estado para tornar menos rígidos os limites da lei e do campo jurídico.

Encerra nosso Dossiê, o artigo escrito pela historiadora Carla Cristina Nacke Conradi: “Gênero, memória e ditadura: a militância política de Lídia Lucaski no Paraná”. Neste artigo, Carla Conradi aborda a complexa relação entre gênero e ditadura, partindo de uma escrita sobre a história da ditadura civil-militar no Paraná, por meio da memória autobiográfica de uma militante paranaense. A autora retrata o retorno que Lídia Lucaski faz ao seu passado e como esse relato está entrelaçado pelas análises que Lídia, a protagonista, tece sobre sua militância política. Conradi destaca que, muito mais do que narrar sua trajetória, Lídia problematiza a relação que tem no presente com sua memória, dimensionando sua capacidade de arquivar o passado ou de fazer apropriações das experências vividas.

Este volume da Revista História: Questões & Debates conta ainda com três artigos em sua Seção Livre. “Saber histórico e desenvolvimento das competências de leitura e escrita no currículo oficial do estado de São Paulo”, de Jorge Eschriqui Vieira Pinto, pelo qual o autor argumenta como o saber histórico de sala de aula a partir do desenvolvimento de leitura e escrita pode se tornar uma importante ferramenta cidadã dos alunos. Na sequência, Diogo da Silva Roiz e Tiago Alinor Hoissa Benfica, em “Elza Nadai: a formação da papisa do ensino de História”, apresentam a trajetória intelectual de Elza Nadai, no intuito de visualizar os locais institucionais e as proposições teóricas que edificaram a área de pesquisa de ensino de História. Por fim, no artigo “Estado do conhecimento sobre história da alimentação indígena no Brasil”, Tamiris Maia Gonçalves Pereira, Sônia Maria de Magalhães e Elias Nazareno discutem as recentes abordagens desenvolvidas no âmbito da História da Alimentação, com foco específico na alimentação indígena.

Os organizadores deste Dossiê desejam agradecer a contribuição de autoras e autores na concretização de mais esta edição da Revista, e, sobretudo, a generosidade pela qual as editoras acolheram a nossa proposta.

Uma boa leitura!

Angelo Priori (Universidade Estadual de Maringá)

Marcos Gonçalves (Universidade Federal do Paraná)

Silvina Jensen (Universidad Nacional del Sur)

Organizadores


PRIORI, Angelo; GONÇALVES, Marcos; JENSEN, Silvina. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.68, n.1, jan. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Verités et Légendes | J.-L. Brunaux

Os gauleses aparecem em diversos livros sobre Arqueologia e História Europeia Ocidental. Eles fazem parte da História da França e também nos referimos a eles quando falamos sobre celtas. Foram populações recorrentemente selecionadas para a construção do nacionalismo francês, como fez Napoleão III, em 1865, ao projetar seu rosto em uma estátua de bronze em Alésia. Ele também justificou as ações coloniais francesas (como na Indochina e no norte da África), afirmando que a dominação romana aos gauleses teria levado a civilização e a paz a essas populações. Além disso, podemos citar durante a Segunda Guerra Mundial, o caso de Marechal Pétain, que também se associou à figura de Vercingetórix, argumentando que se sacrificou pelo país, dentre diversos outros casos.

No geral, os pesquisadores dividem-se entre os que são a favor do uso das nomenclaturas Gália e gauleses, e os que são contra. Christian Goudineau é um nome de destaque dentro de uma visão mais cética. O autor apresenta esta visão em sua obra Par Toutatis: que reste-t-il de la Gaule? (2002a), argumentando que as populações locais da França não chamavam a si próprias de gaulesas. Além disso, o que chamamos de Gália seria apenas uma concepção geográfica criada por César durante as Guerras da Gália, até mesmo pela consideração de divisões territoriais tão rígidas. E também porque o que César retrata é apenas o território que ele conquistou (cf. GOUDINEAU, 2002b, p. 37).

Enquanto isso, Jean-Louis Brunaux pertence ao grupo que adota essa nomenclatura, junto a diversos outros pesquisadores de pré e proto-história europeia da França. Podemos citar a obra de Py (1993); Les gaulois du Midi: de la fin de l’Âge de Bronze à la conquête romaine; Dedet (2018), Coutumes Funéraires en Gaule du Sud Durant la Protohistoire (IXe-IIe siècle av. J.-C.); Férnandez-Götz (2014), Identity and Power: The Transformation of Iron Age Societies in Northeast Gaul; Dessenne (2011), Celtes et Gaulois: deux chemins vers l’au-delà; dentre diversas outras obras. Esta se trata da abordagem mais tradicional e recorrente até hoje.

Podemos observar reflexos da Arqueologia Social francesa nesse livro, tendo em vista que o foco da obra é decifrar quem são as populações chamadas de gaulesas. Apesar disso, o autor propõe teorizações próprias, como veremos, e não uma descrição da cultura material, como encontramos muitas vezes na produção arqueológica do país.

Brunaux já publicou diversos livros sobre os gauleses voltados para acadêmicos, como Les religions gauloises (2016), Guerre et religion en Gaule: essai d’anthropologie celtique (2004), Les Gaulois (2005), Les Druides (2006). A grande diferença deste livro é a proposta de responder quem são os gauleses a partir da colocação de perguntas, que muitas vezes aparecem correntemente no imaginário popular sobre as populações da Idade do Ferro da França (VIII-I a.C.). Assim, o autor busca desmitificar lendas, mal-entendidos e apontar que evidências concretas existem. Dentre elas, encontram-se: se os gauleses são os ancestrais dos franceses (“Les Gaulois sont-ils les ancêtres des Français?”), se os chamados gauleses possuíam bigodes e cabelos grandes (“Les Gaulois étaint-ils moustachus et chevelus?”) e se eles se embebedavam em banquetes gigantescos (“S’enivraient-ils dans des banquets gargantuesques?”). Estas questões também se tratam de assuntos que aparecem de forma corrente na documentação textual feita por gregos e romanos.

“Les Gaulois: Vérités et legendes” possui, além de uma introdução, vinte e nove capítulos. A quantidade deles deve-se justamente ao fato de que cada capítulo propõe a resposta de uma questão, cuja resolução é feita, na grande maioria vezes, a partir do cruzamento da documentação arqueológica e textual. Consideramos este um livro introdutório, tendo em vista que responde a questões relativamente básicas sobre as populações da Idade do Ferro da França, que seria também compreendido por pessoas que não possuem informações anteriores sobre o assunto.

Dentre as perguntas colocadas, destacaremos as que consideramos mais essenciais. Logo na introdução, Brunaux defende o uso do termo gauleses para todas as populações da Idade do Ferro da França (BRUNAUX, 2018, p. 11). Essa ideia também é reforçada no segundo capítulo, “Sont-ils gaulois ou celtes?”.

No primeiro capítulo, “Marseille-la-Grecque a-t-elle adouci la civilisation gauloise?”, Brunaux fala sobre a fundação da colônia grega de Massália no sul da França, e discorre sobre as consequências da interação entre gregos e as populações locais. Já no segundo capítulo, “Sont-ils gaulois ou celtes?”, apresenta sua interpretação sobre quem são os celtas e os gauleses. Ele assinala que a concepção de que, nos séculos XIX e XX, os celtas compunham uma mesma raça já foi totalmente superada (BRUNAUX, 2018, p. 29). Segundo seu ponto de vista, a única coisa em comum entre os celtas seria uma:

[…] estreita relação que eles possuíam com os gregos, os foceus de Marselha particularmente. Todos tinham ligações diretas ou indiretas com esses comerciantes. Ou organizavam o tráfego na Gália para eles: cuidavam do transporte, da descoberta de novos mercados. Ou produziam para atender a sua demanda: extraíam minérios, refinavam metais, fabricavam produtos semiacabados e exportavam parte de sua produção agrícola” (BRUNAUX, 2018, p. 30).

Brunaux considera também que os celtas eram populações confederadas vinculadas a interesses econômicos (BRUNAUX, 2018, p. 31). De maneira que “era então provavelmente o nome genérico que esses aliados se davam” (BRUNAUX, 2018, p. 31). Segundo o autor, as alianças que eles fizeram indicariam duas fases: uma diplomática com os foceus (para fluxo de mercadoria e proteção) que se converteu também em política (criação de grandes vias por esses territórios), e outra econômica (estando o poder dessas populações conectado aos seus contatos). Ademais, Brunaux defende que os celtas seriam uma parte dos gauleses, que ele acredita que formem um grupo mais amplo, ou seja, todas as populações que residiam no território chamado de Gália (BRUNAUX, 2018, p. 34). Menciona-se que os celtas se helenizaram “superficialmente” (BRUNAUX, 2018, p. 30). Ele não considera este termo como uma perda total do que ele chama de “personalidade” das populações locais.

O capítulo três intitula-se “Les invasions gauloises étaint-elles barbares?”. Nele, o autor se propõe a desconstruir a ideia de que essas populações seriam invasores bárbaros. Ele apresenta episódios de incursões violentas relatadas pela documentação textual, mas também a ideia de uma imigração e da criação de colônias, vinculada a uma movimentação de longo prazo, nos quais os já residentes abririam o caminho para que mais pessoas chegassem (cf. BRUNAUX, 2018, p. 38-39 e 45). Igualmente, defende que a ideia de invasões célticas, como uma movimentação populacional em massa, nunca aconteceu. Como o autor aborda, sabemos que a maior parte da população local da França era composta por agricultores, ligados à terra, e que o grupo que mais se movimentaria nessa região eram os guerreiros que atuavam como mercenários (BRUNAUX, 2018, p. 43).

Dentre esses capítulos, acreditamos igualmente que o nono merece destaque. Tendo em vista que, ao lançar a questão de se a Gália seria uma invenção de César, Brunaux defende sua ideia de que as populações locais do sul da França teriam consciência dos limites do território chamado de Gália (BRUNAUX, 2018, pp. 104- 105).

Do mesmo modo, consideramos relevante a problematização da ideia de que os chamados gauleses seriam os ancestrais dos franceses (capítulo 10), tendo em vista que essa se trata de uma seleção parcial da História da França para fins nacionalistas, sendo uma construção.

O capítulo vinte e quatro contribui, desmitificando a ideia de que a França na Idade do Ferro seria coberta de florestas, e que eles seriam bons selvagens, vivendo harmonicamente na natureza. Como Brunaux (2018, p. 248) aponta, o norte da França possui mais florestas atualmente do que na Idade do Ferro, e era bastante habitada, demandando grande quantidade de terras para agricultura.

Podemos dividir o restante da obra por temas. Da forma como os capítulos 7 e 12 abordam a aparência dos chamados gauleses, que como mostra o autor, não seriam gigantes e louros, como perdura no imaginário popular (BRUNAUX, 2018, p. 87-88).

Outra temática levantada sobre essas populações são suas inovações e tecnologias. Isso aparece nos capítulos 14, 15, 16 e 17. Assim, ele menciona como essas populações criaram a colheitadeira, arado, a cota de malha (coletes de pequenos anéis para proteção dos cavaleiros), o esmalte vermelho (para substituir o coral), a colocação de uma camada de estanho para recobrir vasos e também inovações na botânica. Também reproduziram novas espécies de animais a partir do cruzamento com animais importados (BRUNAUX, 2018, p. 171). Do mesmo modo, são mencionados como ótimos artesãos com metal e madeira. Essas informações são essenciais para a desconstrução da ideia dessas populações do sul da França como bárbaros.

Alguns aspectos importantes dessas sociedades também são mencionados nos capítulos dezoito e vinte e cinco, como o fato de que algumas mulheres possuíam um lugar privilegiado e de destaque nessas sociedades. Brunaux também retoma assuntos bastante recorrentes sobre os chamados gauleses, como os serviços mercenários (capítulo 6), banquetes (capítulo 13), os druidas (capítulos 19 e 20), Vercingetórix (capítulo 11), a conquista da Gália (capítulo 26), organização social (capítulo 25), “arte” (capítulo 29), dentre tantos outros.

A obra contribui para o assunto, pois recorrentemente contesta a documentação clássica (textos gregos e romanos), até mesmo pelo cruzamento com a Arqueologia, apesar de nem sempre uma problematização ser totalmente alçada. Um exemplo disso é que o autor concorda com a ideia de Pompeu Trogo, de que “os foceus suavizaram a barbárie dos Gauleses, e lhes ensinaram uma vida mais doce” (BRUNAUX, 2018, p. 22-23), e diz que Massália era a “principal inspiradora da civilização gaulesa” (BRUNAUX, 2018, p. 24). Dessa forma, podemos observar que apesar dos avanços apontados na obra para que a visão de barbárie dessas populações seja desmitificada, o autor não questiona completamente o discurso colonial de que os gregos levariam a civilização para a barbárie. Podemos dizer o mesmo quanto à consideração de um papel ativo das populações locais nas relações com os gregos, tendo em vista a insistência em chamar as relações interculturais locais de helenização, escolhendo uma palavra que continua a enfatizar apenas um lado desse contato, ao invés de buscar alguma mais precisa e representativa, denotando claramente uma troca entre ambas as partes.

Além disso, apesar do perigo de generalização apresentado pela obra, tendo em conta seu grande escopo, que não leva em consideração até mesmo as diversidades regionais, esta é uma boa obra introdutória e atualizada sobre o tema. Inclusive porque poderia ser lida e compreendida por pessoas sem conhecimento prévio sobre o tópico, e também pela revisão de pontos clássicos.

Por fim, consideramos interessante a forma como o autor constrói a sua narrativa sobre quem eram os chamados gauleses, a partir de questões apresentadas em capítulos curtos, facilitando a leitura, enquanto nesse trajeto o pesquisador introduz o leitor a questões mais amplas, como religiosidade, contexto funerário, organização social, guerra, dentre outros. E assim, juntando as respostas dessas diversas questões, o autor nos permite a reunião da sua imagem e interpretação acerca de quem eram essas populações da Idade do Ferro da França.

Referências

BRUNAUX, Jean-Louis. (2016) Les religions gauloises. Paris: Biblis.

BRUNAUX, Jean-Louis. (2006) Les druides. Des philosophes chez les Barbares. Lonrai: Éditions du Seuil.

BRUNAUX, Jean-Louis. (2004) Guerre et religion en Gaule: essai d’anthropologie celtique. Paris: Errance.

BRUNAUX, Jean-Louis. (2005) Les Gaulois. Paris: Société d’édition Les Belles Lettres.

DESSENE, Sophie (coord.). (2011) Celtes et Gaulois: deux chemins vers l’au-delà. Soissons: Musée de Soissons.

FERNÁNDEZ-GÖTZ, Manuel. (2014) Identity and Power: The Transformation of Iron Age Societies in Northeast Gaul. Amsterdam: Amsterdam University Press.

GOUDINEAU, Christian. (2002a) Par Toutatis: que reste-t-il de la Gaule? Paris: Éditions Seul.

GOUDINEAU, Christian. (2002b) “Les Gaulois: récit d’une redécouverte.” Raison présente, n. 142, p. 31-38.

Thaís dos Santos – Mestre em História Social (PPGH/UFF/NEREIDA) ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3575-8300 E-mail: thaisrsantos@hotmail.com


BRUNAUX, J.-L. Les Gaulois. Verités et Légendes. Paris: Perrin, 2018. Resenha de: SANTOS, Thaís dos. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.20, n.1, p. 342- 348, 2020. Acessar publicação original [DR]

 Linguistic Bodies: The continuity between Life and Language – DI PAOLO et al (M)

DI PAOLO, Ezequiel; DE JAEGHER, Hanne; CUFFARI, Elena. Linguistic Bodies: The continuity between Life and Language. MIT Press, 2018. 414 pages. Resenha de: FIGUEIREDO, Nara Miranda. Manuscrito, Campinas, v.43 n.1 Jan./Mar. 2020.

INTRODUCTION

Di Paolo, De Jaegher and Cuffari begin the book by inviting the reader to see herself as a linguistic body. They list individual and social daily activities that are always permeated by reasons, emotions, choices, thoughts and mental conversations and ask what would be the best way to approach a linguistic body to talk about its nature. The authors’ choice is to explain, from the beginning, what linguistic bodies are. Therefore, the book is divided into three parts: In the first, the authors offer their definition of a body, in the second, they discuss what linguistic bodies are, and in the third they focus more specifically on how we become linguistic bodies and how the language we know is part of our actions. These three parts comprise a total of 12 chapters and 414 pages, including glossary, notes, bibliography and index, and are entitled ‘Bodies’, ‘Linguistic Bodies’ and ‘Living as Linguistic Bodies’, respectively.

The authors claim that the theory of linguistic bodies is the first coherent embodied and social conception of human language that doesn’t resort to mental representations in order to explain any cognitive processes, including language itself. In order to contextualize the work, we should briefly recall that since the sixties the brain has been conceived as the center of cognitive processing and that theories about cognition, strongly influenced by Fodor’s philosophy (19751983), sustained that cognitive processes are operations on mental representations of the world. Only in the eighties, under the influence of Gibson (1979), who argued that perception is ‘for action’, the representationalist conception began to lose space for less traditional conceptions that argued that cognition also occurs in the body (embodied), in the environment (embedded) and in action (enactive)1. The work of Varela, Thompson and Rosch (1991) is the main reference for embodied cognition and it provides the basis for the theory of linguistic bodies, which I call linguistic enactivism.

Linguistic enactivism, according to the authors, expands and deepens the enactive theory presented by Varela, Thompson and Rosch (1991), connecting dynamic explanations of action and perception to language. Its main aim is to show that the thesis of embodied cognition, contrary to what the critics of this conception suggest, can explain both basic skills, such as the sensorimotor ones, as well as higher skills, such as language. To provide this explanation, Di Paolo, De Jaegher and Cuffari stress that the distance between these two levels of cognitive activities has, until today, been little explored and that we can, at least in principle, imagine that they are of the same nature. Then, according to them, we need to significantly deepen our conception of the body (p.4). This is done in the book by exploring several concepts proposed by enactivism. The authors develop some of these concepts and present others and, after that, they present a conceptual model of cognition that leads us to the notion of linguistic agency, which is a key notion for considering reference, grammar, symbols and other features of language.

This review consists of a brief exposition of the book and offers a panoramic view of the theory. Following the structure of the book, I will first explain the authors’ notion of body, then refer to their notion of dialectics, after that I will expose the steps of the model and, finally, get to their conception of languaging.

THE THEORY

The authors start from the analysis of different traditional conceptions of the body: (1) the biological body, which is often considered from a purely functional perspective, and explains the development and functioning of parts essential to language, such as the brain, vocal structures, hearing, gestures, movements, etc.; (2) the situated body, which is anatomically structured and recognized by its patterns of action and linguistic behaviors; (3) the phenomenological body that, differently from functionalist conceptions, is considered from the experience of language in a world of sensations, feelings and emotions, such as desires, suspicions, care, love, confinement, respect, etc; and (4) the social body that is seen as an active body that acts socially, a body that not only uses language for communication, but that linguistically structures its practices, thoughts, rituals, places and institutions. This is a concept of corporeality as powers that spread from social practices among individuals with the development of skills (p.14).

However, the adoption of contextualized conceptions in which the body is considered only from one perspective is rejected by the authors because it is a type of “feeble pluralism lacking a theoretical core” (p.14). Thus, they seek a theoretical articulation that is capable of offering an understanding of the interconnections between the various dimensions of the body leading to the concept of linguistic bodies. This theoretical articulation has several key concepts2, among them, the concepts of precariousness, auto-poiesis, interest (concern), identity, adaptivity, autonomy, appreciation, adaptivity, agency, mastery, sense-making, social interaction, and, in my understanding, the concept of dialectics connecting them all.

Dialectics, roughly speaking, is not understood in the usual way, namely, as the confrontation of opposite sides of a debate, but as constant tensions that originate between multiple relations that constitute a system. These tensions are due to the disharmony and contradictions of operating trends between different parts, norms or functions (p.114) of the system. “When a passage out of a dialectical situation into another occurs, oppositions are transformed rather than equilibrated” (p.114).

The thesis presented in the book is that dialectical tensions occur between the most diverse opposing trends. At the corporeal level, they occur between and within the body’s own dimensions, which are: organic, sensorimotor and intersubjective. The organic dimension of the body is characterized by “anatomical structures or physiology, or as bundles of sensors, effectors, and neuromuscular tissues” (p.24), physicochemical processes of the organism, metabolic, immunological processes etc., and precarious processes of self-individuation and adaptive engagement (coupling) with the environment. These structures and processes can be, and in general are, explained by investigations in the natural sciences. The normativity of the organic dimension is the result of the interactions between these elements and processes. The sensorimotor dimension involves the processes of engagement (coupling) of the agent with the environment. These processes are not separated from neurobiological processes or from the relationships of organisms with other agents (p.21). Its normativity occurs due to these interactions. The intersubjective dimension is characterized by the agent’s interaction with other agents that relate to him/her not only as objects of contemplation, obstacle or use, but as powers of interpellation, which inquire him/her, ignore him/her, support him/her, respond to him/her, smile, cry, and share a world of activities and concerns with him/her (p.62).

Within the organism, dialectical tensions occur even between the tendencies of self-production and self-distinction. Every living organism is an autopoietic system. Autopoietic systems are autonomous, in the sense that they self-regulate, but they are not independent, as they need means for self-production. Autopoietic systems can be defined as networks of “biochemical processes organized in such a way that the operation of these processes” (p.329) support the organism and its relations with the environment. These processes involve the system’s self-distinction in relation to the environment, as well as the system’s self-production from the environment. Self-production is the process by which the system uses matter and energy, from the environment for its own self-organization; and self-distinction is the process of rejecting the matter and energy from the environment. Self-production and self-distinction interact dialectically by means of agency. This means that the organism adaptively regulates its coupling with the world selecting what it accepts and what it rejects from the world.

Dialectical tensions – and the overcoming of the tensions by means of transformations and mutual influences – constitute the normativity of a certain domain, which interacts with the normativity of other domains, ultimately resulting in the behavior that we observe in interactive encounters. This is why, in my view, the notion of dialectics is so important: because it identifies the very source of normativity.

Thus, we have individual normativity followed by interactive normativity, which is the idea that in social encounters, two or more organic systems self-regulate, for the interplay of their own sensorimotor normativities and the natural caring constitutes a dialectic tension, and the very interaction is dialectic. At this point, the concepts defining the organism and its interaction with the world and with others already give room to what is called sense-making, which is defined as “The active adaptive engagement of an autonomous system with its environment in terms of the differential virtual implications for its ongoing form of life. The basic, most general form of all cognitive and affective activity manifested experientially as a structure of caring.” (p.332). As sense-making can be done jointly and it is affected by coordination patterns, breakdowns and recoveries undergone during social encounters, participatory sense-making comes into play. Participatory sense-making is “the coordination of intentional activity in interaction, whereby individual sense-making processes are affected and new domains of social sense-making can be generated that were not available to each individual on her own” (p.73)

THE MODEL

The dialectical model of cognition3 presented by the authors starts from participatory sense-making and builds up through seven other dialectic steps leading us to the notion of linguistic agency. But it is not until chapters seven and eight that the reader can have an overview of these steps. Each step, as the authors mention in the description of the visual representation of the model, is a form of social agency, “it breaks into its main form of tension” (p.160) and generates, or leads to, the next step. From this point on, things start to get very interesting, for the authors resort to theories of language, developmental psychology, phenomenological analysis and empirical research and consider “work in conversation analysis, interaction studies, and ethnography (p. 341)” as source of empirical evidence about social interactions4.

I will briefly explain a couple of the key steps of the model and refer to the others. Participatory sense-making breaks into individual norms and interactive norms. As I mentioned before, individual norms are constituted by the essential tensions between self-production and self-distinction among the three dimensions of embodiment5. Each interactive situation has its own interactive norms, which are constituted by the combination of the individual normativities. In practical terms, a good example for this autonomous normativity of interactive situations is the narrow corridor case: linguistic body A wants to walk through a narrow corridor towards the exit of the building while linguistic body B is coming on the opposite direction, both people want to pass by each other, but they bump into each other a few times before being able to pass by, because the corridor is narrow and the space is restricted. Both agents, together, self regulate their actions, despite the fact that they are not explicitly intentionally coordinating6 their actions at first (p.142), otherwise they wouldn’t bump into each other.

From the tension entailed by participatory sense making, we get to social acts which split to the tension between spontaneous acts and partial acts. In a nutshell, this is the difference between acts that require feedback and acts that do not. For example, when greeting, linguistic body A expects to be greeted back by linguistic body B, while just stretching does not involve any kind of feedback. From this tension, there is the coordination of social acts, which splits into creative and recursive acts. Shortly, recursive acts reproduce previous acts and reiterate them, while creative ones are new. From this tension, we have the normativity of social acts which splits into local pragmatics and portable acts, which can be synthetized in acts that are meaningful only in specific groups – local – and acts that can be enacted in several groups – portable. Internal jokes are examples of local pragmatics, while greetings are examples of portable acts. This tension leads to communities of interactors. Its tension is between two kinds of roles: regulatory role and regulated role. There is a good example for this case: in face-to-face conversation, usually, people keep a certain distance from each other; this is co-regulated by the individuals in the situation they are living. If, for example, there is something preventing the understanding between them, linguistic body A can get closer to linguistic body B in an attempt to hear better – this is a regulatory act. It says that the conversation must be clearer or louder, it is almost like a requirement for the conversation to keep going. A regulatory act is, then, “(…) a partial act used in order to modulate, select, project, reject, or encourage other particular partial acts within a shared repertoire.” (p. 331). The regulated act, on the other hand, is the partial act that complements the regulatory act. Naturally, linguistic body B can enact another regulatory act to which linguistic body A will either conform or confront7.

The tension between regulatory and regulated roles leads to dialogue and recognition, the sixth step of the model. It splits into production of utterances and interpretation of utterances. Before referring to the tension, it is important to highlight that utterances are not understood as we traditionally do, namely, as statements that involve sentences in spoken or written language, nor as linguistic gestures. Although these can also be examples of utterances, utterances are essentially acts. An utterance is “A dialogic act, enacted asymmetrically through the actions of a mutually recognized producer and an audience.” (p. 332). They have a double dimension of meaning (p.175): they contribute to the co-regulation of interactive encounters, which is its pragmatic dimension, and they are meaningful due to how they relate to the participants of the encounters, which is its expressive dimension (p.176). As I just mentioned, the tension that happens in dialogue and recognition is between interpretation and production. Interpretation is the act of the listener (audience or apprentice) before the producer. Production is the act of a producer, which is someone who performs the utterance, before the audience. Thus, “The utterance as a whole is a social act in the sense we have given to this term: it is constructed as much by the audience as by the producer and may fail if the corresponding complementary acts are not coordinated” (p. 174).

From production and interpretation of utterances in a dialogue, we come to participation genres. “Participation genres encompass the practices and situated norms of different kinds of social interaction, a subset of which are Bakhtin’s speech genres.” (p. 179). Participation genres frame the production of utterances and what is required for interpretation, and they help to coordinate the regulation of social acts. They split into self-control and mutual interpretation. Mutual interpretation is the act of interpreting himself/herself and others. Self-control is the act of the producer when he/she interprets his/her own utterances due to dialogical regulation. “In other words, mutual interpretation leads to self-interpretation and to the self-regulation of utterance production” (p. 184) which leads to social self-control.

The final step of the model is reported utterances, which splits into incorporation and incarnation and it has a transformative potential that leads to a “new kind of embodied agency: linguistic bodies” (p.191). Reported utterances are “utterances that echo, reflect, refract, or somehow make use of other utterances, the producer’s own or those of others.” (p.187). It brings up “the producer’s interpretation of the utterances it repeats or reflects (Voloshinov 1929/1973, 117).” (p.187). Incorporation is when external processes become constitutive of a system; it is the appropriation of utterances of other agents by a linguistic agent. Incorporated utterances are a result of personal enactments and patterns of a community. These acts “may sometimes lie deep in the past of a community’s linguistic experience” (p.191) and they define a linguistic agent. Incorporation “entails the incarnation of other linguistic agents, their perspectives, attitudes, voices, gestures, movements, personalities, ways of relation and so on”8 (p.194). This is the paradox of linguistic bodies: “acts of utterance incorporation define a linguistic agent, but the process of incorporation simultaneously entails the incarnation of other linguistic agents” (p.194). This is explained by means of virtual dialogues. Self-directed utterances, “a social skill put to personal use” (p.125), entail a dialogic attitude, even when there is no actual interlocutor (or audience). Thus, virtual dialogues “can be enacted by a single linguistic agent if in addition to invoking the presence of (specific or indeterminate) others, these others are also incarnated-that is, ‘animated’ as agents and given a part in the construction of the virtual dialogue.” (p.194). The ongoing management of this last tension of the model, namely, incorporation and incarnation, defines a linguistic body.

Objectivity is another concept worth mentioning before we come to how the authors propose that grammar develops from the continuity between life and mind. The claim is that it has been part of the model all along as it emerges through collaborative processes of sense-making. Objectivity is conceived as “the activity of taking something as a thing, a this that is the object of our treating, doing, acting, or uttering”9 (p.200). The objectification happens when, by repeating an utterance we bring “that utterance to presence (i.e., to shared attention and awareness); in so doing, we have made it a possible object of shared regulatory action; and we have also opened up the possibility of appreciating the utterance, of letting it be, of lingering there with us.” (p. 203). The objectifying attitude is, then, “the practice of regulating other practices and experiences in a mutually constraining relation with sociomaterial conditions” (p. 203).

LANGUAGING

Let us now move to the emergence of language. First, in chapter nine, the authors consider how we become linguistic bodies. They suggest that “children even at or before birth, experience full linguistic engagement” (p. 258) and that we are always unfinished beings, “constantly in becoming” (p. 218). After that, in chapter ten, they consider how research about autism can help not only to improve the model but also in our understanding of autism and non-autistic linguistic bodies. In chapter eleven, they start exploring how language as we know it (when we study grammar, narratives, symbols and so on) emerges from our living practices. They say that “It is not the case that in considering grammar, symbol, convention, and written language (…), we have finally built our way up to the inevitable plane where ideal entities of higher-order cognitive abilities hang out ” (p.279). But in seeing the sensitivities and powers of linguistic agency throughout the book, we can consider words, syntax and symbols differently (p.279). In reference to Ochs (1996) and Sapir (1927), they say that grammar is immersed in social interaction and language interpenetrates with experience. Thus, the enactive take is probably “compatible with research that links grammar to a logic of practices, material structures and social relations” (p. 280). Besides that, linguistic enactivism adds that several phenomena, such as “Sensitivities to symbols, grammar, convention, regulation, narrative” (p.280) can be explored from a linguistic enactivist perspective which considers, “the joint structuring and mutual accommodation of repertoires, the normative regulation of interactive encounters (…)” (p.280), bodily, interactive and societal autonomy, and the tensions of incorporation and incarnation.

According to linguistic enactivism, grammar “can be understood as a dynamic and local organizing activity of linguistic bodies” (p. 281). Regulating patterns can be identified since the first tension described in the model, the tension between individual norms and interactive norms. The authors point out that “(…) unspoken regulative patterns (…) help coordinate the construction of utterances. Emergent grammatical patterns (…) are in essence no different from (…) more obviously embodied and interactive forms of coregulation” (p.287). Grammatical rules are the objectification of these patterns. The preferred word for talking about grammar is ‘grammaticalizing’, as much as ‘languaging’ “referring, regulating, judging, symbolizing, and sensitizing” (p. 293) which preserve “the materiality, agency, and susceptibility of these processes” (p. 293), while ‘reference’, ‘rules’, ‘content’, ‘symbol’ and alike keep the idea of language as a set of abstract rules, somehow independent of living bodies.

“Referring, then, is an emerging outcome of sense-making processes of linguistic bodies becoming together” (p. 295). And because “linguistic bodies also symbolize and interact with symbols as ‘products’” (p. 295) of the processes of becoming linguistic bodies, a “novel materiality, asymmetry, and temporality” (p. 307) emerges. One that allows us to enact ourselves “through engagements with the utterances of another” (p. 307) when writing and reading, for example, and to understand voices “uttered by no body” (p. 308), in advertisements, political messages, institutional rules, guiding symbols, norms in our communities and so on.

The book ends considering some ethical issues implied by the theory. Once we accept that we are intersubjective bodies, constantly interacting not only with other linguistic bodies but also with utterances that do not have a specific enunciator, such as the ones just mentioned, we immediately see that the essential character of living beings of caring about life “because we are precarious organic, sensorimotor, and intersubjective bodies” (p. 309), our embeddedness in a world of others, and our constant becoming by means or incorporation and incarnation leads us directly to the embeddedness of ethical concerns. Linguistic agency is a form of ethical agency because it “is only with the appearance of the critical and person-constituting powers of linguistic bodies that questions of what kinds of worlds we are building, for whom, and under what constraints and possibilities, first become issues in the history of life” (p. 10), and due to this, as put by Varela (1999a) “the turn toward concrete situated practices in the study of the mind should be accompanied by a similar turn toward concrete ethical know-how” (p. 350).

CONCLUDING REMARKS

In short, we are linguistic bodies because we are, even before birth, immersed in a world of others and of several needs and constraints for life maintenance. These conditions mean that things are inherently meaningful to us. What we traditionally understand as language, is a development of several layers of complexity in our forms of life.

The main points to be highlighted in this theory, in my view, are (1) the source of normativity in the dialectical tensions and its natural character; (2) the idea that life itself is a dialectic tension between self-production and self-distinction that involves selective opening and selective rejection (adaptive regulation) (p.40); (3) the explanation of how language, as we know it, emerges from this natural normativity, which encompasses the whole dialectical model; (4) the perspective that we are essentially social beings, and (5) that because things are essentially meaningful to us, including being bad or good, the theory also involves ethical issues and gives room for the development of ethical agency from an enactive perspective.

As mentioned more than once throughout the book, this is not a finished work. Several points need to be developed, complemented and corrected. Besides that, “the model is not meant to describe the unfolding of historical stages in the evolution of human language or the development of linguistic skills” (p.133). The theory aims at extending “the remit of enactive theory” (p.133) in exposing the logic of the activity of using language (p.133). Also, the authors “do not end the book (…) with broad enactive accounts of symbols or grammar” (p. 10), but, despite its unfinished character, one can see that this book is the result of many years of research and dedication. Some concepts can be explored in more detail if one looks for specific papers; I should mention the very concept of participatory sense-making (De Jaegher & Di Paolo, 2007), the concept of agency (Barandiaran, Di Paolo, & Rohde, 2009) and sense-making and language (Cuffari, Di Paolo & De Jaegher, 2015)10, but there are several references throughout the book.

It is a very dense book, the theory is intricate and sophisticated, but it is totally worth the reading. For those working on embodied cognition, either by endorsing it or by questioning it, this is a keystone work and it promises to shake up our conceptions. For those not specifically working on that, it might be a little challenging, but it certainly provides an entirely different conception of mind and life. This book offers an insightful and fascinating perspective on the long-standing problems of the relationship between body and mind.

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Notas

1We should also mention ‘extended’. It means that cognitive processes essentially involve our relation to things (our notebooks, for memory, for example) (Chalmers and Clark, 1998). Embodied, embedded, extended and enactive cognition comprise what is today called 4E cognition (Newen, Gallagher, & Bruin, 2018) and might even become 7E cognition (Johnson, 2018) if it comes to include emotional, evolutionary, and exaptative.

2Many of them are concepts borrowed or developed from enactivism, ultimately referring to the book ‘The Embodied Mind’ of Thompson, Varela and Rosch (1991). Some of them amount to other authors, like Hegel (1976)Jonas (19661968), Simondon (1957, 2005), Riegel (19761979), Harris (1981, 1996, 2004), and others. I won’t explain these concepts here.

3The theory of linguistic bodies as a whole aims to show “the logic of the activity of using language” (p.133). The dialectical model of how participatory sense-making leads to linguistic agency is part of the theory.

4Several references are provided in the book, I’ll name a few: Sacks (1992)Lakoff and Johnson (19801999Goodwin (1981986), Gibbs and Cameron (2008), Bakhtin (19841986), Goffman (1959)Voloshinov (1929)Du Bois 920140, Andrén (2017)Sapir (1927)Popova (2015). This short list is merely to give the reader a general idea of the amount of work on which the theory of linguistic bodies is based.

5Keep in mind that we are talking about situated (embedded) bodies, which interact constantly with others and with the world. These processes don’t start from the individual. They are constantly developing and immersed in networks of relations. The theory is an attempt to abstract and objectify parts of these processes which are constantly happening. As all abstraction and objectification, according to the authors, it has its limitations, and it will always have. It is worth noting that the very concepts of abstraction and objectification have its own specific definitions in the book. I am using them here according to these definitions.

6I would like to refer here to the important concepts of dissonance and synergy. Although I shall not go into the details here, these concepts are fundamental for explaining social interactions.

7‘Conform’ and ‘confront’ are not specific concepts used by the authors, just my words to explain the relation between the two roles.

8My italics

9My italics.

10One can also search online for talks given by the very authors which offer good overviews of their theory. I should specifically mention a couple of videos made exclusively to present their work in a symposium dedicated to the book, which was held during the 2nd Meeting on Cognition and Language, in 2019, and is available on youtube on the channel “Cognição & Linguagem” https://www.youtube.com/playlist?list=PLTpRvDsWfOhDMa5NpdqSPXE_OWu_1efV

Nara Miranda Figueiredo – University of Campinas. Center for Logic, Epistemology and History of Science. Campinas, SP. Brazil. naramfigueiredo@gmail.com

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Pavilhão Mourisco: singular e universal / História, Ciências, Saúde — Manguinhos / 2020

O lançamento deste dossiê integra-se às iniciativas institucionais de comemoração dos 120 anos da Fundação Oswaldo Cruz, que tem no Pavilhão Mourisco sua sede e seu símbolo maior. Em 2018, foram celebrados os 100 anos de conclusão dessa edificação, construída no início do século XX e desde então marcante na paisagem carioca. A Fundação Oswaldo Cruz sempre teve papel preponderante nas ações de saúde pública na América Latina, e constitui uma das mais importantes instituições de ensino, pesquisa e produção do continente em sua área de atuação.

Os artigos da seção “Análise” que compõem o dossiê procuram apresentar o edifício-sede da Fiocruz sob diferentes abordagens, como: o âmbito criativo e racional dos movimentos relacionados ao ecletismo e ao alhambrismo, como também ao higienismo, vigentes na passagem do século XIX para o século XX; a valorização do contexto de sua criação e idealização, fruto da relação profícua entre o cientista Oswaldo Cruz e o arquiteto Luiz de Moraes Júnior; a dimensão pedagógica das técnicas tradicionais da construção relacionadas à salvaguarda do patrimônio arquitetônico; as ações de preservação, a cargo da instituição desde sua declaração como patrimônio de relevância nacional, homologada em janeiro de 1981, por meio do processo n.1.037-T-80, de 17 de novembro de 1980; e sob a abordagem da proposta, em andamento, de sua inclusão na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco.

Integram ainda o dossiê as seções “Imagens” e “Depoimento”. Na primeira, apresenta-se, a partir da perspectiva da relação entre cultura fotográfica e vida institucional, o acervo sob a guarda da instituição que retrata, em imagens, a construção do Pavilhão Mourisco. A seção “Depoimento” relata a atuação, na gestão de Sergio Arouca (1985-1989), da arquiteta responsável por implantar e sistematizar as primeiras ações de recuperação desse inestimável patrimônio cultural, seguindo a metodologia da restauração crítica.

A relevância desse patrimônio transcende seus valores estéticos e históricos, tanto no contexto do desenvolvimento das ciências biomédicas no Brasil quanto no das transformações, no início do século XX, da cidade do Rio de Janeiro, designada, em 2020, a primeira Capital Mundial da Arquitetura e sede do congresso mundial da União Internacional dos Arquitetos, em sua 27a edição (Rio de Janeiro…, 18 jan. 2019).1

Nota

1 O evento estava previsto para acontecer em julho de 2020, mas, em virtude da pandemia de covid-19, foi adiado para 2021.

Referência

RIO DE JANEIRO… Rio de Janeiro é a primeira Capital Mundial da Arquitetura. Disponível em: <https: / / www.uia2021rio.archi / noticia_042_pt.asp>. Acesso em: 19 abr. 2020. 18 jan. 2019. [ Links ]

Inês El-Jaick Andrade – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: ines.andrade@fiocruz.br http: / / orcid.org / 0000-0001-9012-6421

Renato da Gama-Rosa Costa – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: renato.gamarosa@fiocruz.br http: / / orcid.org / 0000-0002-2569-0912

Sônia Aparecida Nogueira – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: sonia.nogueira@fiocruz.br  http: / / orcid.org / 0000-0002-1442-1960

ANDRADE, Inês El-Jaick; COSTA, Renato da Gama-Rosa; NOGUEIRA, Sônia Aparecida. [Pavilhão Mourisco: singular e universal]. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.27, n.2, abr. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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ANDRADE, Inês El-Jaick; COSTA, Renato da Gama-Rosa; NOGUEIRA, Sônia Aparecida. [Pavilhão Mourisco: singular e universal]. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.27, n.2, abr. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Sociologia Escolar: ensino/ discussões e experiências | Cristiano Botart das Neves

O livro que aqui resenhamos foi organizado por Cristiano das Neves Bodart, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), onde atua no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS/UFAL) e na formação inicial e continuada de professores de Sociologia. Bodart é criador e editor do blog Café com Sociologia e de outros projetos homônimos. Atualmente, ocupa a vice-presidência da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS) e vem se dedicando às pesquisas sobre o ensino de Sociologia, tendo nos últimos anos publicado diversos artigos e organizado vários livros sobre o tema.

A obra busca colaborar com o aperfeiçoamento do ensino da Sociologia Escolar e com a compreensão de seus sentidos, bem como com o compartilhamento de experiências docentes, indicações de usos de recursos didáticos e discussões em torno dessa disciplina. O lançamento da obra deu-se no Congresso Nacional da ABECS, no ano de 2018, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Leia Mais

História e Direito: perspectivas e representações / Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade / 2020

A História e o Direito são ciências muito próximas e interligadas na medida em que estudam as relações humanas sob perspectivas e representações diferentes, porém, convergentes, uma vez que o foco principal é, em ambos os casos, o ser humano.

Essas visões diferenciadas (histórica e jurídica) de uma mesma realidade social proporcionam, quando somadas, um aperfeiçoamento da concepção de sociedade e suas interações com as diversas realidades próprias de cada uma das ciências.

Devido à História e ao Direito conseguimos visualizar o passado e o presente de uma maneira complementar, com a possibilidade de aliar a experiência do passado à forma pela qual a sociedade constrói as normas que passam a regulamentar as condutas entre os diversos segmentos sociais.

Na presente edição almejamos, com a proposta do dossiê: História e Direito: perspectivas e representações, apresentar aos leitores as ponderações de historiadores e juristas sobre fatos e circunstâncias histórico-jurídicas em suas concepções peculiares, propiciando estimular o pensamento multidisciplinar em caráter interativo.

A multiplicidade de abordagens estimula o raciocínio analítico e viabiliza a construção de parâmetros novos para direcionar a pesquisa e a compreensão da sociedade enquanto elemento dinâmico e não meramente estático.

A lembrança é uma das maneiras de recuperar a História, festejando o Direito daqueles que merecem o devido reconhecimento, sendo oportuna a homenagem à Professora Dra. Maria do Rosario Valpuesta Fernández, ilustre Reitora da Universidad Pablo de Olavide, Sevilha, Espanha, catedrática e doutora em Direito, elaborada pela Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Dra. Arlete Assumpção Monteiro.

Na era contemporânea é essencial a amplitude de conhecimentos e compreensões das perspectivas e representações, por conseguinte, os estudos e ensaios constantes nesse periódico retratam aspectos peculiares com análise percuciente dos temas a seguir dispostos.

O ensaio intitulado “Sindicalismo no Brasil – Breve História – Convenção 87 da OIT” nos apresenta percucientes impressões do professor, ex-Ministro do Trabalho e ex-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Dr. Almir Pazzianotto Pinto, sobre os aspectos históricos e jurídicos do sindicalismo brasileiro.

O artigo científico designado “Tropeços éticos na rota da Justiça” fruto da experiência investigativa do professor, ex-Secretário de Educação e ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. José Renato Nalini, apresenta a experiência histórica aliada à prática jurídica sob uma perspectiva ética da atividade jurisdicional do Poder Judiciário.

As professoras e pesquisadoras Dra. Sílvia Maria do Espírito Santo e Dra. Cláudia Leonor G. A. Oliveiro tratam, no estudo intitulado “Sísifo e Pítia: a imagem da atuação do agente da preservação no direito ao patrimônio cultural”, das dificuldades e desafios na proteção do patrimônio cultural da sociedade, em que os aspectos históricos se entrelaçam com as normas tutelares de cunho jurídico.

O artigo “Os Direitos Humanos e a Perseguição Cristã Atual” é apresentado pelos pesquisadores Suzi Alves da Silva e Paulo Alves da Silva, que elaboram uma trajetória histórica dos Direitos Humanos e um breve relato histórico da perseguição cristã, desde suas origens. Ressaltam a importância da educação como um caminho para a garantia de direitos e o direito à liberdade religiosa para não se perpetuarem as restrições e violências à comunidade cristã motivadas pela fé.

Maria Candelária V. Moraes e Sandra Regina Colucci contribuem com a presente publicação com o artigo “Heleieth Saffiotti e a Violência Doméstica como Questão de Polícia e da Sociedade”. O artigo faz referência à Profa Dra. Heleieth Iara Bongiovani Saffioti, reconhecida internacionalmente pela sua produção intelectual. As autoras apontam que Saffioti nos ensinou a importância de se entender o desrespeito aos direitos humanos das mulheres para se compreender o fenômeno da violência em geral e a violência doméstica em particular. Destacam que a professora Saffiotti foi indicada ao prêmio Nobel da Paz, em 2006, pelo conjunto de suas ações e projetos, traduzidos em livros, artigos, palestras e seminários no Brasil e exterior.

No intuito de internacionalizar a revista com o acréscimo de observações de outras culturas e sociedades, o ensaio elaborado pelo Professor Catedrático de História do Direito da Universidade de Valladolid, Dr. Emiliano González Díez, intitulado “Reflexiones sobre Monarquía y Constitución en la España del siglo XXI”, nos traz noções sobre a monarquia espanhola e sua projeção ao longo dos anos segundo as necessidades do povo em contínua evolução e interação social ensejando, portanto, elucubrações a serem melhor compreendidas e compartilhadas pelos investigadores em geral.

Como elementos de documentação histórica, a crônica e a poesia também são instrumentos relevantes para a adequada compreensão da sociedade de determinada época e, por esse motivo, exigem a presença em uma edição como essa em que se pretende mesclar História e Direito, o que foi muito bem delineado por Maria da Glória Caxito Mameluque, na crônica “Minha história com o Direito”, e por Dione Navarro, na poesia “Direito Conquistado”.

Com todos esses elementos histórico-jurídicos, espera-se que os leitores possam aproveitar para tirar suas próprias conclusões sobre os temas ora dispostos e tão bem apreciados pelos ilustres autores e autoras que disponibilizaram seus conhecimentos graciosamente para nosso deleite, suscitando ponderações crítico-analíticas no intuito de aperfeiçoar constantemente o debate em todos os seus aspectos, uma vez que não existem verdades absolutas, mas sim pontos de vista de observadores que interagem mutuamente e nos possibilitam estimular indagações, propiciando a evolução conjuntural do pensamento lógicocientífico em um ambiente plenamente democrático.

Após essas explanações, vamos à leitura!

Arlete Assumpção Monteiro – Doutora em História Econômica, Universidade de São Paulo, Pós Doutora, Universidad de Salamanca (2017) e na Universidad Pablo de Olavide, Sevilha, Espanha (2005). Profa. Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Diretoria do CERU-Centro de Estudos Rurais e Urbanos-Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos de História Social das Cidades – PUCSP. Comitê Editorial da Revista digital CORDIS-PUCSP. Acessar ao CV: http: / / lattes.cnpq.br / 4850619417446841 ; https: / / orcid.org / 0000-0001-7322-1304 E-mail: arlete.as@gmail.com

Luiz Henrique Sormani Barbugiani – Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Antropologia pela Universidade de Salamanca. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Doutor em Administración, Hacienda y Justicia en el Estado Social pela Universidade de Salamanca. Prêmio Extraordinário de Tese de Doutorado em Direito da Universidade de Salamanca. Prêmio Extraordinário do Mestrado em Antropologia pela Universidade de Salamanca. Membro do Instituto Ibero-americano de Direito Processual. Membro da Sociedade Ibero-americana de Antropologia Aplicada. Membro Correspondente da Academia Bauruense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Acesso ao Lattes: http: / / lattes.cnpq.br / 5622648623853828 E-mail: henrluizsb@gmail.com


MONTEIRO, Arlete Assumpção; BARBUGIANI, Luiz Henrique Sormani. Apresentação. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade, São Paulo, n.24, 2020. Acessar publicação original [DR]

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O ensino de Humanidades nas escolas: Sociologia, Filosofia, História e Geografia | Cristiano das Neves Bodart

Possibilitar uma reflexão séria e profícua sobre os saberes oriundos daquilo que o campo científico convencionou denominar Humanidades, apontando a atualidade e as possibilidades das disciplinas que compõem esse diverso campo temático nas instituições escolares, bem como fundamentar a importância desses conhecimentos no cotidiano de milhões de jovens brasileiros é o que faz a obra organizada pelo professor Dr. Cristiano das Neves Bodart, intitulada “O ensino de Humanidades nas escolas”. Nela, podemos observar, através de sólidos diálogos teóricos, como Sociologia, Filosofia, História e Geografia, enquanto saberes específicos de dada área do conhecimento, representam não apenas uma forma de apreensão do mundo social legitimada pela ciência, mas também e, sobretudo, uma ação política de resistência. Leia Mais

Rumos da Sociologia na educação básica: ENESEB 2017/ reformas/ resistências e experiências de ensino | Haydée Caruso e Mário Bispo dos Santos

O livro abarca os Grupos de Trabalho do Encontro Nacional de Ensino de Sociologia na Educação Básica realizado no ano de 2017. O ENESEB ocorre com frequência bianual no contexto da Sociedade Brasileira de Sociologia.

Por tratar-se de uma coletânea de artigos, os textos apresentam de forma compacta, o resultado da reflexão realizada sobre o Ensino de Sociologia na educação básica, levando em consideração as conquistas e derrotas dessa disciplina nos últimos anos. São várias as possibilidades de investigar e analisar esse tema que vão desde uma revisão histórica da participação da Sociologia na educação básica passando por questões que envolvem a formação de professores até a formação política dos alunos de ensino médio. As análises podem discutir a relevância do ensino de Sociologia de distintas maneiras: nas licenciaturas e nas escolas através do PIBID, nas discussões sobre inclusão social, e ainda na utilização das novas tecnologias de informação. Leia Mais

Grecorromana, Revista Chilena de Estudios Clásicos. Santiago, v.2, n.2, 2020.

PRESENTACIÓN

ARTÍCULOS

RESEÑAS (Ver todas las reseñas)

NORMAS DE PUBLICACIÓN

Fragmento de Chile | Rodrigo Karmy Boltron

El presente libro reúne tres estudios/ensayos sobre tres intelectuales chilenos: Fernando Atria, Mario Góngora y Guadalupe Santa Cruz. Distintos, pero que tienen en común el haber pensado el neoliberalismo y el seguir haciéndolo pensable. “Fragmento de Chile es un conjunto de ensayos sobre las formas de violencia arraigadas en una perdida tierra al sur del planeta”, escribe Karmy.

La línea interpretativa consiste en revelar el postulado teológico detrás de cada autor, no como mero ejercicio de desvelamiento (un mostrar el enano metafísico que mueve el muñeco materialista), sino como el componente que posibilita la figuración de cada planteamiento, determinados por un inicial rechazo al neoliberalismo. Pero tanto como hacen posible pensarlo también marcan un límite, pues cada discurso, en la medida que asegura un sentido, nos condena también a un cierre que –en nuestra opinión– está determinado por la orientación la acción. Rodrigo Karmy dedica su último ensayo a Guadalupe Santa Cruz, en quien dicho postulado dice relación con el neoliberalismo como forma histórica del pastorado, que domestica bajo la prédica de la rentabilidad, frente a ello: “la escritura de Santa Cruz es la de una feliz ingobernabilidad que restituye justicia, que es pérdida y no acumulación” (p. 131). En el caso de Atria –el ensayo más provocador dado la contingencia nacional– se trataría “de una apuesta apofática por un Dios personal (…) que se proyecta en la concepción igualmente personal del pueblo. Este último puede desafiar la neutralización instigada por la Constitución de 1980 y recuperar así su carácter de agencia política sólo si se presenta bajo la forma de una persona. Sin embargo, nuestra tesis plantea que al circunscribir al pueblo bajo la forma de la persona, Atria limita las posibilidades de dicha potencia capturándola en un nuevo katechón”, un poder que contiene (pp. 31- 32). Leia Mais

Skyscrapers hide the heavens: a history of Indian-White relations in Canada | James Rodger Miller

É relativamente fácil encontrar livros que apresentam de forma compreensiva a história das relações entre povos indígenas brasileiros e colonizadores europeus. Dentre esses, podem-se destacar os fundamentais livros de Melatti (2014) e Almeida (2010). Com a obrigatoriedade legal do ensino da história africana e indígena nas escolas, houve um aumento de publicações sobre o tema voltadas para os ciclos iniciais de escolarização. No entanto, o mesmo não pode ser dito sobre livros que abordem a história de povos indígenas em outros países, tais como a Argentina e o Chile, ou mesmo os Estados Unidos da América.

A presente resenha almeja contribuir para diminuir esta escassez de referências ao apresentar para antropólogos, cientistas sociais, historiadores e cientistas políticos brasileiros a principal obra historiográfica sobre as relações entre povos indígenas e colonizadores europeus no Canadá. Trata-se de Skyscrapers hide the heavens: a history of IndianWhite relations in Canada (2017)3, de autoria do professor de história da Universidade de Saskatchewan, James Rodger Miller. O texto, publicado originalmente em 1989, encontra-se em sua terceira edição e foi um dos trabalhos reeditados pela University of Toronto Press por ocasião da celebração dos 150 anos do ato que estabeleceu o Canadá como estado-nação contemporâneo. Leia Mais

Sur y Tiempo. Valparaíso, v.1, n.1, enero/junio, 2020.

Editorial

Artículos

Reseñas

Protagonismos Indígenas no Espaço Escolar / Revista Espacialidades / 2020

A sociedade atual, cada vez mais heterogênea, tem mostrado a necessidade de reconhecimento e representatividade dos diversos grupos que a compõe e nos seus mais variados âmbitos, seja político, econômico ou cultural. No Espaço escolar não seria diferente, este que pode ser entendido como um espaço de vivências sociais capaz de amalgamar a diversidade existente, assume uma posição de extensão da sociedade e, portanto, também precisa assegurar o princípio da equidade. Desse modo, o presente dossiê visa trazer discussões que privilegiem a participação direta ou indireta dos povos indígenas no processo educacional, que entre lutas e desafios, tem consolidado importantes conquistas de direitos no Brasil, como por exemplo, desde a Constituição de 1988 até ao Decreto Lei nº 6861, de 27 de maio de 2009 – no qual aprovava e definia a organização da Educação Escolar Indígena –, passando pela Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008 com a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena na Educação básica da rede pública e privada.

No decorrer da História do Brasil, os índios tiveram lugares bem específicos, em grande medida aqueles de negação e esquecimento. Contudo, uma onda de movimentos liderados por grupos indígenas em prol da defesa de seus direitos ganhou ainda mais força durante a década de 1970, período que marcou o início das articulações sociais de resistência às políticas repressivas dos governos militares. Desde então, os índios têm buscado ainda mais assumir os rumos de suas próprias histórias, construindo suas narrativas, protagonizando-as, e efetivando sua participação nos mais diversos espaços.

Aqui, o fio condutor dos debates levantados será a noção espacial, em vista que esta constitui o foco e escopo da Revista. Portanto, através dos diálogos que intersecionam o Protagonismo indígena e o Espaço escolar, reforçar-se-á a importância de abordagens que tratem dos grupos indígenas e de suas demandas, principalmente, do dever de se oferecer elementos que corroborem para a construção de uma consciência social voltada ao respeito da alteridade no meio escolar. Sendo assim, esse dossiê torna-se pertinente no sentindo da valorização da educação pautada na diversidade sociocultural e linguística dessa parcela da população, na sua reafirmação identitária e na manutenção de sua cultura.

Destarte, as pesquisas apresentadas neste dossiê através de diferentes abordagens, metodologias, fontes e arcabouço teórico, cumprem com um objetivo em comum: servirem de contribuição para endossar os debates em torno dessa temática.

Abrindo o Dossiê temático, Arthur Ramalho Freire, mestrando em Antropologia pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB, contribuiu com sua pesquisa “As intervenções estatais na Educação Escolar Indígena: da colonização a política pública, uma análise bibliográfica”, na qual realizou uma discussão perpassando por diversos momentos históricos em que os índios do Brasil foram submetidos a ações educativas pelo Estado, muitas delas impositivas. Na ocasião, portanto, o autor tratou desde o ensino proposto nas missões jesuíticas até àquele operacionalizado pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Já no artigo “Educação escolar indígena: o processo de gestão como forma de organização e respeito aos conhecimentos”, escrito por Oséias Poty Miri Florentino, pedagogo pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, Mariana Ferreira Bayer e Suzete Terezinha Orzechowski, ambas Professoras do Departamento de Pedagogia da UNICENTRO. Os autores analisam a gestão democrática de escolas indígenas no município de Mangueirinha, no Paraná, sendo uma Guarani e outra Kaingang, identificando o envolvimento dos índios nesse processo através de visitas de campo e levantamento bibliográfico e documental.

Em sequência, há outro estudo em uma comunidade Kaingang, porém, localizada no município de Redentora, no Rio Grande do Sul. No trabalho “O espaço reservado à formação de professores em uma comunidade Kaingang”, os autores Juliana Tatsch Menezes, Especialista em Linguagem e Docência pela Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, Ânderson Martins Pereira, doutorando em Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e Ariane Avila Neto de Farias, doutoranda em Letras na Universidade Federal do Rio Grande – UFRG, por meio de entrevistas realizadas com Professores da Escola indígena, investigaram como se dava a prática do ensino de Língua Portuguesa e se essa atendia às determinações oficiais.

Em seguida, a próxima discussão visou elaborar mapas mentais da Reserva Indígena Caramuru Paraguaçu, no Sul da Bahia, afim de servir como material didático na escola indígena local. Portanto, o trabalho “Etnomapeamento na Reserva Indígena Caramuru Paraguaçu” foi resultado de uma pesquisa integrada por Adriana Silva Souza, graduanda da Licenciatura Intercultural Indígena no Instituto Federal da Bahia – IFBA, Campus Porto Seguro, juntamente com os Docentes da mesma Instituição de Ensino, Ana Cristina de Sousa, Carla Sandra Silva Camuso e Leonardo Thompson da Silva. O grupo de pesquisadores realizou um levantamento histórico da ocupação do território Pataxó Hãhãhãe, coletando dados referentes às construções espaciais desse povo que viessem a subsidiar o etnomapeamento.

Para encerrar esse dossiê temático, apresentou-se o artigo “O índio na escola do imperador: retomada de terreno por indivíduos que foram expulsos de seus espaços originais”, cujos autores, Marcello Miranda Ferreira Spolidoro e Beatriz Mota Ferreira, respectivamente, doutorando e mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, analisaram o aumento da comunidade indígena na instituição pública federal de educação Colégio Pedro II. Além da observação desse movimento, ao qual eles atribuíram como “retomada de terreno”, foi colocada em questão também a importância da descolonização do currículo escolar, objetivando a valorização de práticas pedagógicas contra-hegemônicas.

O presente volume contou ainda com outros quatro trabalhos na Sessão livre, sendo o primeiro deles de autoria de Thaina Morais Avelino Maia, mestranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, intitulado “Da cidade imaginada à cidade escrita: o espaço urbano na narrativa do livro Constantinopla (1889)”. Neste artigo, a autora propôs uma análise do relato de viagem do escritor italiano Edmondo De Amicis (1846-1908) à capital do Império Otomano e de suas impressões descritivas também imbuídas de suas leituras fantasiosas.

O artigo seguinte, “Integralismo ‘racial’: a figura do judeu no projeto nacional brasileiro de Gustavo Barroso (1930)”, de Cícero João da Costa Filho, Doutor em História pela Universidade de São Paulo – USP, versa sobre o caráter antissemita presente nas produções bibliográficas do chefe de milícias Gustavo Barroso (1888- 1959) e, em especial, daquelas que tratavam do seu projeto de nação baseado na elite e no estado forte. Cícero Costa Filho apresentou as concepções integralistas, as noções de raça e o conservadorismo que compunham as narrativas de Gustavo Barroso sobre como deveria ser o Brasil de acordo com sua visão.

Já Lucas Aleixo Pires dos Reis, graduando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, no artigo intitulado “O espaço senegambiano: uma percepção de conformação espacial a partir do comércio de ferro – século XVI” abordou a conformação das relações sociais na Senegâmbia através do comércio interno de ferro. Por meio da análise de relatos de viajantes, o autor problematizou a hierarquização existente entre povos ao norte e povos ao sul da região, baseando-se nos espaços sociais construídos durante o século XVI.

Por fim, Cristiane da Rosa Elias, mestranda em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, contribuiu com o seu trabalho “Língua, colonização e resistência: uma discussão sobre os usos da linguagem”. Nele, a autora objetivou refletir a respeito das formas de dominação exercidas sobre a linguagem, entendendo-a como meios de disseminação de modos de ser e pensar. Dessa maneira, associou as línguas africanas a uma alternativa de resistência desses povos, em enfrentamento ao sistema colonial e as estratégias de submissão dos grupos.

Esse volume também contou com a contribuição, na sessão “Entrevista”, do Professor José Luiz Soares ou Luiz Katu como é mais conhecido, sendo uma das principais lideranças indígenas do Rio Grande do Norte, cacique da aldeia Catu, que fica entre os municípios de Goianinha e Canguaretama, e é interlocutor não apenas dos Potiguara, mas também de outros povos indígenas do estado junto aos agentes governamentais. Essa entrevista compõe o trabalho de dissertação “‘Não há conflito se for feita releitura’: a experiência escolar dos Potiguara do Catu no contexto de convivência intercultural numa escola não indígena (Goianinha / RN, 2015-2019)”, de autoria de Tiago Cerqueira Santos vinculado ao Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA UFRJ / UFRN), e contou com a preparação, discussão e contribuições do professor Lígio José de Oliveira Maia, Professor Associado do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Como Professor e articulador de movimentos de luta, Luiz Katu detalhou as ações executadas na tentativa de dirimir os preconceitos e os estigmas sofridos, ressaltando a importância das Escolas Indígenas João Lino e Alfredo Lima, localizadas no estado Potiguar, e do seu exercício político também enquanto docente, assim como sua preocupação com o ensino da História nas escolas não indígenas. Além disso, a liderança concedeu informações sobre os desafios enfrentados e os avanços conquistados no Catu, e pontuou ainda as principais dificuldades que passam os alunos egressos das duas Escolas Indígenas da aldeia as quais ele leciona, após a conclusão do Ensino Fundamental I.

Sendo assim, o primeiro número de 2020 da Revista Espacialidades apresenta aos leitores e às leitoras um conjunto de artigos acompanhado de uma rica entrevista, afim de corroborar com o preenchimento de lacunas na historiografia referente ao protagonismo indígena, em especial no âmbito escolar. Através das investigações e pesquisas elaboradas pelos autores e autoras, estimulam-se os diálogos e as problematizações, e assim, enriquecendo os debates históricos.

O Editor Chefe e a Equipe Editorial da Revista Espacialidades desejam a todos uma excelente leitura!

Clara Maria da Silva (UFRN) – Vice Editora Gestora

Douglas André Gonçalves Cavalheiro (UFRN) – Editor

Edcarlos da Silva Araújo (UFRN) – Gerenciador do site

Lígio José de Oliveira Maia (UFRN) – Editor Chefe

Ristephany Kelly da Silva Leite (UFRN) – Editora Gestora

Rodrigo de Morais Guerra (UFRN) – Secretário de Comunicação e Mídias Sociais

Thiago Venicius de Sousa Costa (UFRN) – Editora de texto (normatização)

Victor André Costa da Silva (UFRN) – Secretário Geral


MAIA, Lígio José de Oliveira et al. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.16, n. 01, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Arte para primaria – HUERTA (I-DCSGH)

HUERTA, R. Arte para primaria. Barcelona. UOC (Manuales: Pedagogías Contemporáneas), 2019. Resenha de: JIMÉNEZ, Miguel Ángel Pallarés. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, v.98, p.87-88, jan./mar., 2020.

Aunque Ricard Huerta Ramón pertenece al mundo académico, puesto que es catedrático de Educación Artística de la Universitat de València, se identifica como trabajador de la cultura, educador y artista en Arte para primaria, obra que forma parte de la colección «Manuales (Pedagogías Contemporáneas)» de la editorial UOC. Esto le hace contemplar el albero desde una barrera más alta que la que brinda exclusivamente el aparato de la administración educativa superior; y así, desde el principio del texto, busca la complicidad de los docentes de primaria, que, con una oferta de formación más abierta, una dotación adecuada y una política curricular distinta, deberían ser los verdaderos puentes entre las artes y la educación. Del mismo modo, Huerta aspira a organizar actividades que capaciten a dicho profesorado, construyendo una red eficaz con entidades que priorizan la educación en las artes para fomentarlas (museos, centros socioculturales, certámenes artísticos, etc.), en un momento en el que el paradigma educativo venidero tendría que estar ligado a las nuevas tecnologías y a nuevos patrones de convivencia, inmersos en el multiculturalismo.

Para mejorar el panorama en primaria, el autor propone reflexionar sobre la situación de las artes en la educación; alentar acciones de los colectivos interesados favoreciendo la participación de los individuos (incluso entre profesorado y alumnado entre sí) que integren entornos formales y no formales; incorporar plenamente las TIC; introducir las artes de forma transversal en el currículo y hacer crecer la confianza del profesorado, puesto que las artes siempre tuvieron características positivas. Además, Huerta desea buscar otros objetivos que exploten su potencialidad, como la educación en valores, el cultivo de la identidad y la preservación del patrimonio, o el desarrollo de un espíritu creativo, crítico y democrático, sensible con colectivos tradicionalmente transparentes (mujeres, homosexuales, etc.); y por supuesto explotar el toque transgresor que caracteriza a las artes, que es el aliado perfecto de la innovación en la escuela.

La adaptación de las prácticas docentes a los nuevos formatos tecnológicos es una de las claves, puesto que la cultura visual está transformando la educación en las artes, así como los aprendizajes estéticos, sin perder de vista su vocación humanista. Huerta propone aquí recurrir a temas éticos o filosóficos como elemento esencial del discurso educativo, incluso dejando a un lado cuestiones metodológicas que a veces obsesionan al profesorado. Asimismo, plantea trabajar con el lenguaje o con el idioma extranjero en el que se imparten las clases (inglés), con el alfabeto, con las tipografías, etc., en lugares de aprendizaje motivadores y espacios lúdicos adecuados para la enseñanza del arte, que no tienen por qué ser solo el aula, sino también enmarcarse en el entorno cercano o la propia ciudad donde se vive.

El autor reivindica la figura del docente que a su vez es artista e investigador, concepto artográfico que requiere implicación y espíritu crítico. También reclama al profesorado que sea creativo a fin de involucrar a los alumnos y alumnas, así como que sepa buscar el compromiso entre ambas partes en aras del buen desarrollo de la educación artística. Al respecto, Huertas propone un modelo curricular innovador –vibrante, según su definición– que integre las ideas de los colectivos interesados y que tenga en cuenta las realidades de cada lugar: un esquema poroso –en definitiva– que se amolde a los procesos particulares y genere una ciudadanía crítica. Para ello es necesario que la mirada se efectúe desde una perspectiva social, pues nuestro mundo es cada vez más complejo; así como que se transfiera a los profesores y profesoras de primaria la idea de que deben asumir su papel de investigadores en educación, dándoles confianza para que sus acciones puedan ayudar a la convivencia y el respeto a la diversidad.

Miguel Ángel Pallarés Jiménez – E-mail: miguelap@unizar.es

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Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém, v.7, n.3, 2020.

EDITORIAL

DOSSIÊ

DISCURSOS

 

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém, v.7, n.2, 2020.

EDITORIAL

ARTIGOS

RESENHAS

 

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém, v.7, n.1, 2020.

HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO E DO ABASTECIMENTO NA AMAZÔNIA

Edição comemorativa aos 120 anos do IHGP.

EDITORIAL

  • EDITORIAL
  • Alvaro Negrão Espirito Santo, Sidiana Ferreira Macedo
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Sobre o autoritarismo brasileiro / Lilia M. Schwarcz

Escravidão, Racismo, Mandonismo, Patrimonialismo, Corrupção, Desigualdade social, Violência, Raça, Gênero, Intolerância, Tempo Presente, Brasil, Século 19, Século 20, América

Nós, os brasileiros, somos como Robinsons: estamos sempre à espera do navio que nos venha buscar da ilha a que um naufrágio nos atirou (Lima Barreto, “Transatlantismo”, Careta).

Em tempos de retrocesso, em que a esperança parece ter fugido do coração dos homens, é preciso voltar ao passado. Em momentos históricos conflitantes, nos quais a histeria e intolerância tornam-se a tônica do cotidiano, é preciso entender onde erramos, reencontrarmo-nos com o mais profundo de nós. Em momentos de frivolidades, mesquinharias, total apatia ao saber e à cultura, é preciso um pouco mais de poesia, de literatura, arte, diálogo. Como diria o poeta: “Precisamos adorar o Brasil! Se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens, porque motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos” (ANDRADE, s.d., s.p).

É preciso tentar entender, em suma, os caminhos percorridos por nós, brasileiros, na construção deste país que ainda se faz muito desigual e injusto, é preciso que nós, historiadores, inventores do passado (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007), na lida com o seu inventariado, coloquemos a nu o Brasil, naquilo que ainda o faz um país do atraso e autoritário. Penso eu que foi essa responsabilidade, diante do caos, que provocou na antropóloga e historiadora brasileira, Lilia Moritz Schwracz, a necessidade de escrever uma obra como a que foi recém-lançada pela Companhia das Letras em 2019, intitulada Sobre o autoritarismo brasileiro.

No atual momento da história brasileira, discutir temas como escravidão, racismo, mandonismo, corrupção, desigualdade social, violência, etc, constitui-se como uma tarefa fundamental, como que um lembrete aos incautos sobre os verdadeiros dilemas do país. Como diria o velho historiador: “o papel do historiador é lembrar aquilo que a sociedade insiste em esquecer”.

O livro é curto, cerca de 255 páginas que se entregam à uma viagem ao Brasil profundo, revelando aspectos não tão somente de seu passado, mas demonstrando claramente como este passado ainda ecoa no presente, produz mártires, heróis e muitos esquecimentos ao longo de sua história. É válido ressaltar que alguns temas que aparecem no livro já foram discutidos pela antropóloga em alguns de seus outros livros e artigos, como o capítulo Escravidão e Racismo, que aparece na coletânea História da Vida Privada no Brasil (volume 4, 1998), ou como também de seu outro recente livro, escrito em parceria com Heloísa Starling, intitulado Brasil uma biografia.

O livro é dividido em duas partes: uma primeira contém oito capítulos com os temas: Escravidão e racismo; Mandonismo; Patrimonialismo; Corrupção; Desigualdade social; Violência; Raça e Gênero e; Intolerância. Na segunda parte um breve panorama sobre o nosso presente, intitulado Quando o fim é também o começo: Nossos fantasmas do presente.

Em uma proposta honesta, já na introdução podemos sentir a que vêm as páginas seguintes. A autora se posiciona diante dos fatos, toma partido, sua obra não se torna panfletária deste ou daquele lado, num país divido, mas propõe-se a ser mais que uma obra enunciativa, ela denuncia os mandos e desmandos pelos quais passamos ao longo de nossa história. E por falar em História, um aviso aos leitores: “história não é bula de remédio”. Isso para falar das várias vertentes que explicaram e explicam ainda hoje o Brasil, seja em suas teses validáveis, ou naquelas ainda hoje criticadas pela Academia, mas que fazem parte do imaginário popular acerca do país, algumas delas como a de democracia racial, difundida por Gilberto Freyre.

Naturalizar a desigualdade, evadir-se do passado, é característico de governos autoritários que, não raro, lançam mão de narrativas edulcoradas como forma de promoção do Estado e de manutenção do poder. Mas é também fórmula aplicada, com relativo sucesso, entre nós, brasileiros. Além da metáfora falaciosa das três raças, estamos acostumados a desfazer da imensa desigualdade existente no país e a transformar, sem muita dificuldade, um cotidiano condicionado por grandes poderes centralizados nas figuras dos senhores de terra em provas derradeiras de um passado aristocrático (SCHWARCZ, 2019, p. 19).

É em torno do binômio passado/presente que toda a narrativa do livro se dá. Parte-se do presente, do nosso presente, marcado por discursos autoritários, para mostrar-nos que sempre fomos autoritários, que as desigualdades entre nós, de tão oficializadas pelo Estado, já foram por nós naturalizadas, não nos causando estranhamento e apatia, pelo contrário, é dessa naturalização de tais características nossas que novos sujeitos autoritários surgem e ganham total apoio do povo, culminando numa perpetuação de nossas desigualdades, só que agora mais cristalizada, edulcorada, aceitável e demandada.

A historiadora nos faz lembrar que, diante de toda a história brasileira o tema da escravidão se coloca como um problema ainda não superado pela sociedade. O racismo advindo dela, como a posse de uma pessoa por outra, só geraria um regime nefasto e sanguinolento. Por isso, no livro abundam dados de pessoas que sofreram na pele os desígnios da escravidão na época de sua vigência, como também daqueles que, pós abolição, encontraram-se sem qualquer tipo de assistência por parte do Estado, culminando nos atuais atrasos vivenciados por nós até hoje, como a constituição segregadora de nossas cidades, regiões específicas delas nas quais eclodem violências fruto da desigualdade.

Ao longo de sua análise é possível notar a perpetuação de antigos sujeitos no cerne do estabilishment brasileiro. Figuras frutos das antigas oligarquias do baronato brasileiro que, incrustando-se na vida política de determinadas regiões brasileiras, formam verdadeiros clãs no Estado. Como é o caso da família Sarney, dos Gomes e até mesmo, atualmente, da família Bolsonaro, na realidade carioca. Esse mandonismo brasileiro é um dos motivos de seu atraso, uma vez que esses clãs têm o Estado como um campo seu, particular, em atendimento aos seus interesses privados.

Surge daí a evidente noção de Patrimonialismo que desemboca em diversos tipos de corrupção na República. No livro, fica demonstrado que a corrupção é a palavra-chave de nosso dicionário político ao longo da história, desde a primeira carta de Pero Vaz de Caminha até os recentes escândalos de corrupção que malogram os dias brasileiros. Tais atos políticos, naturalizados pelos brasileiros de parte a parte, fazem do Brasil o que ele é hoje; um país democrático, é certo, mas que a qualquer tempestade vê a sua democracia se esvaindo e não sente no povo a sua inspiração de esperança e futuro melhor, pelo contrário, o povo, aqui, parece ter cumprido sempre o papel de apoiador alienado dos interesses das elites do momento.

Hoje, saltam aos nossos olhos milhares de homicídios pelas grandes cidades brasileiras. Suas vítimas? Na maioria das vezes jovens negros, habitantes das favelas. Onde erramos nós? O que fez com que estes homens brasileiros, tão guerreiros e trabalhadores, brutalizarem seus olhares para a vida e morte do próximo? Gays, lésbicas, trans e tantos outros morrem brutalmente, silenciosamente, todos os dias, a cada minuto no Brasil, simplesmente por pertencerem a este ou àquele grupo a que chamamos “minorias”. Por serem minorias o Estado não os tem assistido de seus direitos, demandas, sonhos.

Raça e Gênero, outro problema tão grave, tão brutal, que parece ter se extrapolado no dia a dia brasileiro. Homens que têm em mente que suas parceiras são sua posse as matam, as encarceram e as agridem, física e existencialmente. Tudo se perdeu, as colorações político-partidárias parecem estar estampadas na face de cada um, sem diálogo, sem conversa, esquerda ou direita. Precisamos de mais poesia, de mais humanidade, de democracia e de história. “Precisamos descobrir o Brasil, escondido atrás as florestas, com a água dos rios no meio, o Brasil está dormindo, coitado, Precisamos colonizar o Brasil”.

Às vezes, na descoberta deste Brasil nos defrontamos com tão tristes histórias, a sua história, que a lida parece ser impossível. E nós historiadores, que nos posicionamos diante do caos, inventando e inventariando esse cipoal de tragédias por pouco perdemos as esperanças, de tão atacados, difamados, violentados que somos. Seja em nossos escritos, em nossos posicionamentos, em nossos recortes e escolhas, desvendemos o Brasil, esse jovem país, acossado por tantas precariedades. Este é o nosso papel, “farejar a carne humana”, numa história cada vez mais humana e voltada para os homens, problematizemos o Brasil, mesmo que seja sem esperança, vai que por aí, por sorte ou compaixão ela renasça novamente no coração dos homens. Não sei, na democracia tem dessas coisas!

Referências

ALBUQUERQUE JUNIOR. Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru, SP. Edusc, 2007.

ANDRADE, Carlos Drummond. Hino Nacional. Disponível em: https://www.escritas.org/pt/t/5668/hino-nacional . Acessado em: 30/08/2019.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

Marco Túlio da Silva – Graduado em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Membro do Núcleo de Estudos Históricos da Arte e Cultura (NEHAC-UFU). Bolsista CNPQ. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2763247048100798. E-mail para contato: marcotuliodasilva@hotmail.com.


SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. Resenha de: SILVA, Marco Túlio da. Autoritarismos e o Brasil: uma fissura no silêncio. Em Perspectiva. Fortaleza, v.6, n.1, p.339-342, 2020. Acessar publicação original [IF].

História das Relações Internacionais | Historiae | 2020

Em tempos de uma pandemia em escala global, parece muito apropriado refletir sobre certos temas de uma forma mais ampla. Diante da escala da crise que enfrentamos, com os seus possíveis desdobramentos, se torna bastante claro que apenas soluções globais serão capazes de promover a reconstrução econômica e social tão necessária ao mundo pós-pandemia. Dessa forma, o olhar histórico sobre as relações internacionais pode oferecer insights bastante valiosos para que possamos perceber como as relações entre os países e os atores não-estatais moldaram soluções para os dilemas do seu tempo. Assim sendo, este dossiê pretende proporcionar este espaço de reflexão, através de artigos que trabalham com a análise internacional.

Se faz muito importante reafirmar a importância do estudo da História das Relações Internacionais no contexto do século 21. Quarenta anos atrás, a história política foi declarada ultrapassada e pouco relevante, especialmente no âmbito da academia europeia. Olhando com o distanciamento que apenas o tempo proporciona, a história política (diplomática) estava realmente fossilizada em comparação aos métodos mais dinâmicos de análise empregados pela história cultural / social. Assim sendo, essa crítica feita por outros setores da História, proporcionou uma reflexão importante sobre a renovação da História Política. Leia Mais

Teatro(s) & práticas artísticas | ArtCultura | 2020

Em tempos ásperos de pandemia e de pandemônio, de vírus e de vermes instalados no Brasil e em outros cantos e recantos do mundo, a ArtCultura 40 está no ar. Mobilizamos, para tanto, uma ampla rede de colaboradores, que foi da retaguarda proporcionada por dezenas de pareceristas até 21 pessoas que atuaram na linha de frente desta edição, seja como autores ou organizadores de minidossiês. Elas se distribuíram pela Argentina e pelo Brasil, abarcando ao todo 14 instituições e 8 estados (Ceará, Minas Gerais, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo) de 4 regiões (Nordeste, Norte, Sudeste e Sul) do território nacional.

Sem colocar trancas no repertório temático, este número ― para não fugir ao que é próprio da ArtCultura ― se abre a leituras diversas de objetos diversos. Ele se inicia com a publicação de uma palestra acerca da trajetória da fotomontagem em terras brasileiras. Na seção Além-Brasil registra uma colaboração proveniente da Argentina para refletir sobre arquivos, arqueologia e resistência. Na sequência, acolhe dois minidossiês, organizados pelos editores da revista, que fazem ascender ao primeiro plano das discussões dois domínios de pesquisa que nos são muito caros. Teatro(s) & práticas artísticas, de um lado, e Cenas musicais alternativas, de outro, reúnem 8 contribuições. Leia Mais

Cenas musicais alternativas | ArtCultura | 2020

Em tempos ásperos de pandemia e de pandemônio, de vírus e de vermes instalados no Brasil e em outros cantos e recantos do mundo, a ArtCultura 40 está no ar. Mobilizamos, para tanto, uma ampla rede de colaboradores, que foi da retaguarda proporcionada por dezenas de pareceristas até 21 pessoas que atuaram na linha de frente desta edição, seja como autores ou organizadores de minidossiês. Elas se distribuíram pela Argentina e pelo Brasil, abarcando ao todo 14 instituições e 8 estados (Ceará, Minas Gerais, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo) de 4 regiões (Nordeste, Norte, Sudeste e Sul) do território nacional.

Sem colocar trancas no repertório temático, este número ― para não fugir ao que é próprio da ArtCultura ― se abre a leituras diversas de objetos diversos. Ele se inicia com a publicação de uma palestra acerca da trajetória da fotomontagem em terras brasileiras. Na seção Além-Brasil registra uma colaboração proveniente da Argentina para refletir sobre arquivos, arqueologia e resistência. Na sequência, acolhe dois minidossiês, organizados pelos editores da revista, que fazem ascender ao primeiro plano das discussões dois domínios de pesquisa que nos são muito caros. Teatro(s) & práticas artísticas, de um lado, e Cenas musicais alternativas, de outro, reúnem 8 contribuições. Leia Mais

Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.26, n.1, 2020.

Dossiê – Identidades e sexualidades hegemônicas e contra-hegemônicas. Feminidades e masculinidades em tempos autoritários

Descrição da edição

. Dossiê: Identidades e sexualidades hegemônicas e contra-hegemônicas. Feminidades e masculinidades em tempos autoritários (Vol. 26, n. 1, 2020);
. Organizadoras: Gabriela de Lima Grecco (Universidade Autônoma de Madrid, Espanha) e Sara Martín Gutiérrez (Universidade de Buenos Aires, Argentina);
. Gary LeGault – Marsha, Joseph e Sylvia marcham pela Sétima Avenida em 1973, 2016, lápis de cor sobre papel. Wikimedia Commons;
. Capa e Concepção gráfica: Dalila Varela Singulane;
. Designer da ilustração comemorativa aos 25 anos da Locus: Revista de História: Dalila Varela Singulane.

Editorial

Apresentação

Dossiê

Seção Livre

Resenha

Entrevista

 

Understanding Scientific Understanding – REGT (P)

REGT, H. W. Understanding Scientific Understanding. New York: Oxford University Press, 2017. Resenha de: POLISELI, Luana. Principia, Florianópolis, v. 24, n.1, p.239–245, 2020.

A discuss.o sobre compreens.o (i.e. entendimento) enquanto objetivo epistêmico da ciência é incipiente na filosofia da ciência1 e pode ser rastreada há algumas décadas principalmente com os trabalhos de Wesley Salmon (1984) e Philip Kitcher (1989). Nas abordagens desses autores a noç.o de compreens.o estava associada à natureza das explicaç.es científicas. Em decorrência desse pensamento, n.o há uma adoç.o generalizada ou tampouco um consenso na filosofia da ciência contemporânea sobre a natureza da compreens.o científica. O livro Understanding Scientific Understanding, escrito por Henk De Regt e publicado pela OUP oferece ao leitor frutíferas e atualizadas informaç.es, além de uma minuciosa discuss.o com quest.es de indiscutível importância a respeito desse tema t.o atual, como por exemplo, o que é compreens.o, quais os tipos de investimentos intelectuais associados e como ela difere da explicaç.o.

Hendrik (Henk) Willem De Regt é epistemólogo, historiador da física e filósofo da ciência. Bacharel em física pela Universidade Técnica de Delft (1983), Mestre em física pela Universidade de Utreque (1988), e Doutor em filosofia pela Universidade Livre de Amsterdam (1993), é hoje professor de Filosofia das Ciências Naturais, no Instituto para Ciência e Sociedade, na Universidade Radboud Nimega, Holanda. De Regt tem se dedicado à temática da relaç.o entre conhecimento e compreens.o há mais de 15 anos. Pode-se dizer que a teoria contextual da compreens.o científica desenvolvida pelo autor e apresentada nesta obra, deriva de seu programa de pesquisa “understanding scientific understanding” desenvolvido no período de 2001-2007, na Universidade Livre de Amsterdam, ademais, é fruto (em parte) de materiais publicados ao longo de sua carreira (i.e. De Regt 1996, 1997, 1999, 2001, 2004, 2006, 2009, 2014; De Regt & Dieks 2005 e tantos outros).

Understanding Scientific Understanding é um livro inteiramente dedicado à introduç.o e defesa da teoria contextual da compreens.o científica (CTSU). A compreens.o científica, nesta obra, é assumida como pluralista e independente de qualquer ⃝ modelo específico de explicaç.o por ser sensível ao contexto. Sendo pluralista, a compreens.o depende fortemente de teorias (hipóteses, argumentos, explicaç.es, etc.) inteligíveis ao cientista, essa inteligibilidade, por sua vez, pode ser aumentada de acordo com determinadas ferramentas conceituais como por exemplo visualizaç.o, causalidade, índex matemáticos, etc. que facilitariam o acesso à compreens.o. Com extensa e atualizada bibliografia, o livro possui oito capítulos dentre os quais tomo a liberdade de sintetizar como segue.

De Regt apresenta sua teoria (capítulo 2) trazendo uma contextualizaç.o filosófica e histórica da relaç.o entre CTSU e as demais teorias de explicaç.o científica (capítulo 3) mostrando as diversas estratégias que podem ser utilizadas para atingir compreens.o, dentre as quais o uso de ferramentas conceituais (capítulo 4) para o aumento da inteligibilidade de uma teoria (capítulo 5). Seguindo, o autor direciona seus leitores a uma vis.o aprofundada e minuciosa de estudos de caso na história da ciência, sobretudo a ciência física, para discorrer sobre como as ferramentas conceituais podem e auxiliam o aumento da inteligibilidade das teorias. Para tanto, utiliza os modelos mecânicos proeminentes no século XIX, sendo fortes representantesWilliam Thomson (Lord Kelvin), James Clerk Maxwell e Ludwig Boltzmann, para examinar como modelos mecânicos podem fornecer compreens.o, focando no caso da teoria kinética dos gases (capítulo 6). Traz também a transiç.o da física clássica para a física quântica no primeiro quarto do século XX, focando nas contribuiç.es e vis.es de Niels Bohr, Wolfgang Pauli, Werner Heisenberg e Erwin Schrödinger. De Regt, ent.o, analisa o debate sobre inteligibilidade da matriz mecânica e da mecânica de ondas para discutir a relaç.o entre visualizabilidade, inteligibilidade e compreens.o à luz do “eletron spin” e do diagrama de Feynman (capítulo 7). Conclui seu livro trazendo uma reflex.o a respeito da CTSU e sua relaç.o com quest.es sobre o relativismo e a normatividade nas práticas científicas (capítulo 8).

A compreens.o científica desenvolvida na teoria contextual da compreens.o científica e apresentada no livro “Understanding Scientific Understanding” é definida por Henk De Regt, como uma habilidade epistêmica e cognitiva alcançada quando o/a cientista é capaz de desenvolver explicaç.es inteligíveis (e por vezes derivar cenários preditivos) sobre o fenômeno que ele/ela está trabalhando2. A quest.o principal dessa obra é a ideia de que para se atingir compreens.o é primeiro necessário compreender as teorias usadas para se explicar os fenômenos, portanto, teorias precisam conter argumentos inteligíveis para que os cientistas as compreendam. Nas palavras do próprio autor “[o]nly intelligible theories allow scientists to construct models through which they can derive explanations of phenomena on the basis of the relevant theory” (p.92). É importante enfatizar duas coisas. Primeiro, De Regt n.o faz uma distinç.o entre teorias, leis, argumentos e hipóteses, pois segundo o autor, tal distinç.o n.o é necessária para esse contexto analítico. E segundo, a inteligibilidade defendida por ele depende do critério para compreens.o de fenômenos (CUP) e do critério de inteligibilidade de uma teoria (CIT), que seguem: CUP:3 um fenômeno P é compreendido cientificamente se, e somente se, existe uma explicaç.o de P baseada em uma teoria inteligível T e se adequa aos valores epistêmicos básicos de adequaç.o empírica e consistência interna.

CIT:4 uma teoria científica T (em uma ou mais de suas representaç.es) é inteligível para os cientistas (no contexto C) se eles conseguem reconhecer características qualitativas decorrentes de T sem desenvolver cálculos exatos.

O critério de inteligibilidade de acordo com a CTSU depende ent.o, n.o somente das qualidades de uma teoria per se, mas também do próprio cientista. A capacidade do cientista julgar a inteligibilidade de um argumento depende de suas habilidades e conhecimentos prévios. Neste cenário, o cientista precisa de ferramentas conceituais associadas à suas habilidades para usar uma teoria científica, seja para desenvolver uma explicaç.o, ou seja, para compreender um fenômeno. O autor ainda ressalta, através de exemplos na história da prática científica, que os cientistas escolhem as ferramentas mais adequadas para atingir seus objetivos, desenvolver explicaç.es e obter compreens.o. Sendo assim, o livro nos mostra coerentemente que existe uma variedade de ferramentas adotadas pelos cientistas as quais variam de acordo com a disciplina e o contexto histórico em quest.o. As ferramentas conceituais apresentadas ao longo do livro s.o visualizaç.o, visualizabilidade, raciocínio causal, unificacionismo, entre outros.

Ainda que essas ferramentas tenham sido citadas e exemplificadas sic passim, De Regt traz uma forte ênfase em duas, o raciocínio causal e a visualizabilidade. O raciocínio causal, segundo o autor, é uma ferramenta que permite o cientista tanto explorar a estrutura subjacente do mundo como aprimorar suas habilidades a respeito da prediç.o de sistemas específicos sobre condiç.es particulares. De Regt assume que essa noç.o está intimamente conectada à teoria manipulacionista da causalidade de Woodward (2003), pois defende que a compreens.o científica pode ser atingida através do sucesso em se responder quest.es sobre o comportamento de um sistema. Outras ferramentas associadas à causalidade seriam a produtividade e continuidade, que s.o claramente derivadas da nova filosofia mecanística5. Neste caso, a produtividade contínua é a capacidade de um sistema, um mecanismo causal, ser inteligível. A inteligibilidade por sua vez, depende da conex.o entre os estágios de um mecanismo, em outras palavras, a continuidade das aç.es entre os componentes. Sendo assim, um mecanismo é mais inteligível quando n.o há gaps ou caixas pretas interferindo na clara exposiç.o das relaç.es entre os componentes (Machamer, Darden & Craver 2000). Já a visualizabilidade e visualizaç.o s.o diferenciadas pelo autor como a primeira sendo a qualidade teórica capaz de aumentar a inteligibilidade, e a segunda como um guia para se atingir compreens.o científica. Para De Regt, teorias visualizáveis s.o comumente tratadas como mais inteligíveis quando comparada a teorias abstratas, isto porque cientistas, geralmente preferem um raciocínio visual na construç.o de explicaç.o de fenômenos, através do uso de representaç.es pictóricas e gráficas. Esse argumento é defendido mostrando casos diversos na história da física onde os cientistas contaram com o aporte visual para fortalecer suas teorias, exemplos incluem Erwin Schrodinger, o “eletron spin” e os diagramas de Richard Feynman.

No entanto, é interessante notar que visualizaç.o para a CTSU n.o é uma condiç.o necessária para compreens.o, mas sim possível. Por fim, o unificacionismo enquanto instrumento sustenta que as ferramentas conceituais n.o est.o isoladas umas das outras, ao contrário, elas podem auxiliar umas às outras para garantir a inteligibilidade necessária de uma hipótese, teoria ou proposiç.o.

Os critérios para compreens.o e inteligibilidade apresentados por Henk De Regt nesta obra formam a base para um framework sobre compreens.o científica na qual explicaç.o, compreens.o e prediç.o s.o objetivos epistêmicos inter-relacionados.

Uma vez que construir modelos e explicar fenômenos s.o as principais práticas em ciência, De Regt aponta claramente que os cientistas usam suas habilidades para compreender cientificamente um sistema em quest.o através da versátil habilidade em se utilizar as ferramentas conceituais apresentadas na obra e que, claramente, s.o sensíveis ao contexto.

Apesar do mérito, a obra deixa várias quest.es que requerem investigaç.es futuras.

Cito aqui alguns pontos. Primeiro, o autor negligencia exemplos de uma prática científica contemporânea para além das ciências físicas. Interessante saber se o critério de inteligibilidade bem como o uso de ferramentas conceituais também se adequam às diversas práticas científicas pertencentes a diferentes disciplinas para além dos estudos de casos históricos. Por exemplo, considerando a heterogeneidade na natureza dos dados aos quais os cientistas se debruçam qu.o adequada seria a teoria contextual da compreens.o científica quando aplicada a dados etnográficos, big data, inteligência artificial, entre outros? Segundo, como a compreens.o científica ocorre nas práticas inter- e transdisciplinares cujo desenvolvimento e construç.o de modelos também s.o práticas frequentes? E, terceiro, qual a relaç.o entre compreens.o científica e compreens.o pública da ciência? Seria possível ampliar o arcabouço metodológico proposto por De Regt de forma a contemplar ciência, tecnologia e sociedade? Todos estes pontos s.o questionamentos que requerem uma atenç.o especial e que de forma alguma coloca em xeque a qualidade da teoria contextual da compreens.o científica desenvolvida na obra.

Uma vez que a noç.o de compreens.o científica tem sido um tópico negligenciado por filósofos da ciência, De Regt nos brinda com Understanding Scientific Understanding.

Um livro ricamente produzido com exemplos da história da física e que conduz seus leitores a uma análise profunda sobre quest.es de indiscutível importância no que tange a natureza da compreens.o científica no contexto da prática científica.

Sendo assim, a teoria contextual da compreens.o científica nos serve n.o somente como arcabouço teórico como também de instrumento analítico. É, sem dúvidas alguma, um grande avanço para a filosofia da ciência, notavelmente reconhecido pela premiaç.o Lakatos Award 2019 (LSE 2019).

References

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Woodward, J. 2003. Making things happen: a theory of causal explanation. New York: Oxford University Press.

Notes 1Apesar dos debates sobre compreens.o serem incipientes em filosofia da ciência, as investigaç.es a respeito da relaç.o entre entendimento e conhecimento n.o s.o novas. Tradicionalmente as investigaç.es epistemológicas refletiam sobre a natureza e possibilidade de conhecimento como crença verdadeira e justificada de acordo com a definiç.o clássica elaborada por Sócrates nos diálogos de Plat.o Thaetetus e Meno (Baumberger, Beisbart & Brun 2017). Este fora o ponto de partida para as discuss.es epistemológicas contemporâneas sobre o problema do conhecimento, na qual o cerne, de uma forma geral, era a distinç.o entre crença e conhecimento verdadeiro. No entanto, o foco dessa discuss.o que permeia o conhecimento proposicional (Silva Filho, Rocha & Dazzani 2013) tem sido recentemente desafiado (Baumberger 2011), existe uma crescente defesa de que entendimento (aqui tratado como compreens.o) ao invés de conhecimento é o nosso principal objetivo cognitivo (Grimm 2006). Defensores dessa vis.o assumem que este posicionamento evita o problema do conhecimento (Kvanvig 2003, Pritchard 2010), identifica virtudes intelectuais (Riggs 2003), acomoda a ciência (Elgin 2007), e defende certa moral (Hills 2010).

2“Scientific understanding is an epistemic and cognitive skill reached when the scientist is capable to develop intelligible explanations (and sometimes derive predictive scenarios) about the phenomenon he/she is working” (p.xx).

3 “CUP: A phenomenon P is understood scientifically if and only if there is and explanation of P that is based on intelligible theory T and conforms to the basic epistemic values of empirical adequacy and internal consistency” (p.92).

4“CIT: A scientific theory T (in one or more of its representation) is intelligible for scientists (in context C) if they can recognize qualitative characteristics consequences of T without performing exact calculations” (p.102).

5Para mais informaç.es sobre a nova filosofia mecanística ver Glennan (1996), Machamer Darden & Craver (2000), Craver (2007), Illari & Williamson (2012), entre outros.

Agradecimentos A autora agradece a CAPES pelo apoio financeiro em forma de bolsa de doutorado (CAPES, código 001) e bolsa de doutorado sanduíche no exterior (PDSE – n. 88881.123457/2016- 01). Esta revis.o foi beneficiada por comentários de Felipe Rocha e em vers.es anteriores por Charbel Niño El-Hani e Federica Russo.

Luana Poliseli – Universidade Federal da Bahia, INCT / INTREE, BRASIL luapoliseliramos@gmail.com

 

 

 

 

Otras Geografías en Chile. Perspectivas sociales y enfoques críticos | Andrés Núñes, Enrique Aliste e Raúl Molina

En el año 2006, Joan Nogué1 y Joan Romero2 realizaron la edición y coordinación de una serie de trabajos que venían a mostrar la cara oculta de la globalización, a fin de conocer y comprender el complejo mundo que nos rodeaba. Lo que buscaban era poner sobre la mesa a aquellas expresiones geográficas caracterizadas por su apariencia invisible, intangible, efímera y fugaz para la Geografía académica: “invisibilidad, intangibilidad y efimeralidad (…) He ahí, tres categorías, tres dimensiones claramente marginales en geografía” (Nogué y Romero, 2006: 38). De esta manera, bajo la insignia de otras geografías, aparecían abordajes y temáticas que eran desconocidas, poco estudiadas o ignoradas por las corrientes hegemónicas del pensamiento geográfico. Así, las emergentes configuraciones urbanas y rurales, las nuevas formas de comprender la vulnerabilidad y el riesgo frente a catástrofes ambientales, la multiescalaridad de las relaciones de poder en la geopolítica de los recursos naturales estratégicos, la conformación de nuevas identidades colectivas, el comercio justo e injusto, la religión, la pobreza, el hambre, la subalimentación, el terrorismo, los desplazamientos forzados de población, los movimientos detractores de la globalización, las discapacidades, el cuerpo como sujeto y objeto geográfico, el género y también las sexualidades, entre otras más, eran algunas de las materias que componían este extenso entramado de otras geografías. Leia Mais

Entre a razão e a experiência: ensaios sobre tecnologia e modernidade – FEENBERG (FU)

FEENBERG, Andrew. Entre a razão e a experiência: ensaios sobre tecnologia e modernidade. Tradução, ensaios e notas adicionais de Eduardo Beira com Cristiano Cruz e Ricardo Neder. Vila Nova de Gaia, Portugal: Inovatec, 2019. Resenha de: SZCZEPANIK, Gilmar Evandro. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.21, n.1, p.124-126, jan./abr., 2020.

Trata-se de uma importante obra filosófica escrita em forma de ensaios sobre tecnologia e modernidade. A obra, publicada originalmente em 2010 pela MIT Press, ganhou uma versão em português de Portugal em 2019 cuja tradução foi realizada por Eduardo Beira, Cristiano Cruz e Ricardo Neder, que acrescentaram três ensaios introdutórios e esclarecedores àqueles ainda não familiarizados com os pressupostos filosóficos do autor. Os tradutores e ensaístas fornecem algumas chaves de leitura que são imprescindíveis para uma adequada compreensão dos pontos apresentados. Chama a atenção, por exemplo, que Feenberg desenvolve uma análise filosófica sob uma perspectiva crítica que, por sua vez, se distancia de uma abordagem pessimista, determinista e catastrófica da tecnologia. Embora sua concepção de tecnologia não seja tecnofóbica, o autor também não pode ser considerado um otimista ingênuo que tende a ficar encantado com as fartas maravilhas fornecidas pelo desenvolvimento tecnológico. Em vez de ficarmos inertes e/ou apartados do desenvolvimento dos novos projetos tecnológicos, somos incitados a participarmos das mais diferentes formas, pois, para Feenberg, a tecnologia não pode ficar restrita apenas aos tecnocratas; ela precisa ser democratizada e novos atores devem ser incluídos no processo de gestação, criação e desenvolvimento de novas tecnologias. Além disso, são apresentados a teoria da dupla instrumentalização e os elementos constitutivos da racionalidade sociotécnica. Trata-se de uma abordagem bastante ajustada e inspiradora que tranquilamente pode ser utilizada para pensarmos e compreendermos as relações entre ciência, tecnologia e sociedade no Brasil e na própria América Latina. A obra encontra-se dividida em três partes, sendo que cada uma delas contém três ensaios. Tais partes são precedidas por um prólogo de Brian Wynne e, ao final delas, há um posfácio de Michel Callon. Passo agora a apresentar as partes que compõem a obra de modo mais sistemático.

A primeira parte da obra é chamada de “Para além da distopia” e é composta de três capítulos, cujos títulos são: i) racionalização democrática: tecnologia, poder e liberdade; ii) paradigmas incomensuráveis: valores e ambiente; e iii) daqui a cem anos, revendo o futuro: a imagem variável da tecnologia. No primeiro capítulo, Feenberg (2019, p.27) “apresenta os temas centrais deste volume: distopia e democracia, a dupla dimensão – técnica e social – da democracia, a reforma ambiental dos sistemas técnicos e a contribuição do construtivismo social para a filosofia da tecnologia”. Além disso, combate tanto o determinismo tecnológico quanto o determinismo econômico, mostrando que o projeto da sociedade é politicamente contingente. Utilizando-se de exemplos históricos (p. ex., trabalho infantil, a regulamentação das caldeiras, etc..), o autor demonstra a ambivalência dos projetos técnicos e defende que a democratização da tecnologia não se resume à democratização do acesso aos bens de consumo, mas envolve necessariamente uma efetiva participação nas decisões tecnológicas. No segundo capítulo, Feenberg recusa a versão do ambientalismo pautado em trocas compensatórias, pois não acredita que seja possível e/ou adequado lidarmos com questões ambientais tendo como pano de fundo a relação entre custo e benefício. Como é característico de sua postura reformista e/ou reprojetista, Feenberg julga necessário incorporar valores sociais e ambientais em futuros códigos técnicos, sendo preciso até mesmo, em muitos casos, uma regulamentação, pois est a pode fornecer um cenário favorável à economia sem necessitar ainda de uma estratégia compensatória. “Não é o ambientalismo que irá empobrecer a nossa sociedade”, diz Feenberg (2019, p.80). O terceiro capítulo, por sua vez, estabelece uma análise crítica comparativa entre as utopias e as distopias tecnológicas dos séculos XIX e XX que tinham como propósito traçar o destino da humanidade mediado pelas tecnologias. Entretanto, utópicos e distópicos dos séculos passados não conseguiram prever em suas profecias os desdobramentos da moderna tecnologia e, por esse motivo, muitos de seus diagnósticos carecem de verossimilhança.

A segunda parte da obra é intitulada “construtivismo social” e contempla três capítulos (iv, v e vi), chamados, respectivamente: “teoria crítica da tecnologia: uma visão geral”; “da informação à comunicação: a experiência francesa com videotexto” e “tecnologia num mundo global”. No capítulo quatro, o autor parte dos estudos construtivistas da tecnologia para desenvolver sua teoria crítica e procura romper com a imagem de que a tecnologia é uma atividade independente do contexto social no qual ela é gestada e produzida, pois argumenta que os códigos técnicos sistematizam tanto a especificação técnica disponível quanto as exigências sociais. Em outras palavras, os códigos técnicos são estabelecidos pelos valores dos atores dominantes. Assim, compete à teoria crítica explicitar quais os atores e os valores que são predominantes nos projetos tecnológicos, pois as decisões tomadas nesse processo possuem enormes implicações políticas. Para Feenberg, as decisões tecnológicas não podem ser tomadas exclusivamente pelos tecnocratas, pois elas são ações de poder que acabam influenciando, direta e indiretamente, o restante da sociedade. Por esse motivo, faz-se necessário democratizar a tecnologia, e esse processo de democratização somente será possível através da inclusão de novos atores e de novos valores que sejam capazes de pensar para além das capacidades técnicas, abarcando, por exemplo, possíveis consequências sociais, culturais e ambientais.

O capítulo cinco destina-se a descrever de forma pormenorizada a relação entre a máquina e seus usuários a partir da experiência dos franceses com o minitel, uma primitiva rede de computadores que teve seu propósito inicial alterado: de um sistema de busca de dados para um sistema doméstico de bate-papo entre usuários anônimos que identificaram no artefato técnico um canal de paquera e de encontros sexuais. Em linhas gerais, pode-se dizer que o minitel é um dos casos favoritos (juntamente com a proibição do trabalho infantil e a regulamentação das caldeiras) utilizados por Feenberg para demonstrar o aspecto não determinista e construtivista dos projetos tecnológicos.

O sexto capítulo relata o processo de modernização tecnológica ocorrido no Japão, sendo est e um dos primeiros países não ocidentais a se modernizar. Para entender as transformações ocorridas no país do sol nascente, Feenberg recorre a Kitaro Nishida, tido como fundador da moderna filosofia japonesa, que esclarece, de forma pormenorizada, o processo de globalização e as transformações dos hábitos e da cultura japonesa, apontando também para as resistências e para as adaptações pelas quais a ciência e a tecnologia ocidental tiveram de passar para atender as necessidades dos japoneses. Em síntese, pode-se dizer que os valores que orientam as escolhas técnicas ocidentais eram quase imperceptíveis para os pertencentes a est a cultura, mas tornaram-se gritantes e, em muitos casos, incompatíveis quando a tecnologia ocidental chegou ao Japão.

A terceira parte do livro denomina-se “modernidade e racionalidade” e inclui os capítulos vii, viii e ix, cujos títulos são, respectivamente: “teoria da modernidade e estudos tecnológicos: reflexões sobre como os aproximar”; “da teoria da racionalidade à crítica racional da racionalidade” e, por fim, “entre razão e experiência”, capítulo est e que dá nome ao livro. No sétimo capítulo, Feenberg observa que as teorias da modernidade e as teorias da tecnologia realizaram grandes avanços nas últimas décadas, embora ainda permaneçam isoladas, mesmo tratando basicamente dos mesmos objetivos. O grande desafio apresentado pelo autor consiste em encontrar meios e desenvolver estratégias para que esses dois ramos possam se aproximar. O viés cultivado pelo autor para fazer essa ponte consiste na retomada das abordagens hermenêuticas comuns, nas quais “tecnologia” e “sociedade” não pertenceriam a esferas separadas, pois os seres humanos fazem, criam, desenvolvem tecnologias que, por sua vez, ajudam a moldar e a configurar os próprios seres humanos. Trata-se de um processo de “co-construção” tanto dos seres humanos quanto da própria sociedade.

No oitavo capítulo, Feenberg investiga os tipos de racionalidades existentes nas sociedades modernas, estabelecendo uma análise comparativa entre os modelos de racionalidades das sociedades pré-modernas. Ademais, introduz o conceito “racionalidade social” que se encontra fundamentada nos princípios de troca de equivalentes; classificação e aplicação de regras; e, por fim, na otimização do esforço e cálculo dos resultados. Além disso, chama a atenção para a teoria geral da instrumentalização e para os códigos de projeto que se referem à est andardização de sistemas racionais que são duráveis, mas passíveis de revisões devido àsalterações nas leis, nas condições econômicas, nos desejos públicos e no próprio gosto dos usuários e consumidores.

O nono capítulo trata da temática central da obra, a saber, da tecnologia como a aplicação da racionalidade técnica e científica tendo como pano de fundo o mundo da experiência cotidiana. Feenberg destaca que nas sociedades pré-modernas, por exemplo, o domínio do conhecimento e o domínio da experiência eram próximos, enquanto nas sociedades modernas tais domínios se encontram isolados. No intuito de promover uma adequada compreensão da técnica, Feenberg retoma as abordagens da essência da técnica de Heidegger e da transformação da técnica através da est ética de Marcuse para, a partir delas, tecer sua abordagem crítica e democrática em torno da tecnologia.

Em síntese, a presente obra de Feenberg mantém os pressupostos filosóficos de sua abordagem crítica presente em seus textos anteriores e enaltece os aspectos políticos e democráticos envoltos nas tomadas de decisões tecnológicas. Como muito bem observa Callon (p. 321) noposfácio de Entre a razão e a experiência, “não há democracia boa sem democracia técnica! Inversamente, não há boa técnica sem democracia”. Enfim, encontramos em Feenberg uma genuína e fértil reflexão filosófica sobre a tecnologia. Genuína, pois apresenta uma forma original de ver e compreender o processo tecnológico. Fértil, porque lança luzes sobre problemas e questões que ainda permanecem em aberto, desafiando a comunidade filosófica a encontrar respostas adequadas aos desafios suscitados pela tecnologia.

Gilmar Evandro Szczepanik – Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Unicentro/ PR – Universidade Estadual do Centro-Oeste. Guarapuava, PR, Brasil. E-mail: gilmarevandro@unicentro.br

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Entre a revolução dos costumes e a ditadura militar: as cores e as dores de um país em convulsão | Adrianna Stemy

RC Destaque post 2 11 Identidad

No panorama de estudos relativos a ditadura militar brasileira – e em especial no que tange as políticas de governo e aos aspectos culturais conservadores da época – foi lançado recentemente uma interessante contribuição da historiadora Adrianna Setemy, ela que é mestre e doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e com pós-doutorado na mesma instituição. Nessa obra a autora mostra com acuidade, como após o golpe de Estado de 1964 no Brasil, inúmeros fatores afetaram o comportamento das pessoas, desde o modo de se vestir, até as questões relacionadas a sexualidade, além disso, nesse mesmo interim ressalta que o mundo tomava conhecimento de uma gama de fenômenos que o abalaria, tais como: o término da Segunda Guerra Mundial, a luta dos direitos civis, a Guerra do Vietnã, da mesma maneira que, introdução da pílula anticoncepcional, a influência do rock, do movimento hippie e do uso de drogas faziam parte das manifestações políticas e culturais daquele momento. Leia Mais

Amazônica. Belém, v.12, n. 1, 2020.

Editorial

Dossiê

Tradução

Ensaios Fotográficos

Resenhas de Livros ou Teses

Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

SUMÁRIO | O MITO POLÍTICO COMO OBJETO DE REFLEXÃO HISTÓRICA | Alexandra Sablina do Nascimento Veras | | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

O objetivo desse ensaio é realizar algumas reflexões sobre o mito político. Para tanto, toma-se como base as leituras de Mitos e Mitologias Políticas, do historiador Raoul Girardet. A partir de duas mitologias políticas trabalhadas pelo autor, O Salvador e A Idade de Ouro, tem-se como escopo problematizar como o mito político pode ser apropriado pelos historiadores, não apenas como um dado empírico, como categoria de análise, mas como próprio objeto da narrativa histórica. – PALAVRAS-CHAVE: Mito Político; Crise; Processo. | Keywords: Political Myth; Crisis; Process.

OS RETRATOS ESCOLARES DO ÁLBUM DE PONTA GROSSA (1936): FOTOGRÁFICA PÚBLICA E DISCURSO INTELECTUAL | Audrey Franciny Barbosa | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

O objetivo do presente artigo foi analisar como se deu a representação fotográfica do campo educacional ponta-grossense no álbum comemorativo de 1936. O álbum em questão foi uma iniciativa do governo municipal para comemorar e apresentar a cidade sob a perspectiva do crescimento urbano e da modernidade. Entre os muitos retratos que compuseram o álbum, o campo escolar recebeu uma seção específica com retratos que buscavam “dar a ver” as escolas da Princesa dos Campos. Diante disso, o trabalho foi orientado pelas discussões da História da Educação, da História Cultural e da Cultura Visual, cujos conceitos de cultura escolar, representação visual e fotografia pública foram fundamentais para a análise das fontes. Corroborando com tal perspectiva, as discussões do campo da História Intelectual, sobretudo, as noções de mediadores sociais e obra intelectual, foram importantes para compreender a produção, as intenções e a circulação do álbum analisado. Palavras Chave: História Intelectual; História da Educação; Retratos escolares.

TEORIA DA HISTÓRIA: INDAGAÇÕES SOBRE O CAMPO DISCIPLINAR | Bruno José Yashinishi | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

O presente artigo consiste em reflexões e apontamentos sobre a Teoria da História enquanto um campo disciplinar. Valendo-se do referencial teórico selecionado se adotará a forma didática com que José D’ Assunção Barros (2011) orienta importantes reflexões sobre os diversos aspectos envolvidos na constituição e afirmação de um campo disciplinar de saberes e práticas, neste caso, o campo disciplinar da História. A indagação: “O que é Teoria da História?” será o norte condutor das reflexões aqui propostas, de forma que os dez pontos sobre a constituição de um campo disciplinar, apontados por Barros, sejam esclarecidos à luz dos autores referenciados nesse artigo. – PALAVRAS-CHAVE: Teoria da História; Campo disciplinar; Historiografia.

CARACTERÍSTICAS DA POSSE DE ESCRAVOS EM UMA ECONOMIA DE ABASTECIMENTO: SÃO LUIZ DO PARAITINGA NO PRIMEIRO QUARTEL DOS OITOCENTOS | Diego Alem de Lima | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

O presente trabalho buscará estabelecer uma análise acerca das características e padrões da posse da mão de obra escravizada, durante o primeiro quartel do século XIX (1798-1818), em uma vila paulista não diretamente relacionada com as atividades exportadoras da colônia: a pequena São Luiz do Paraitinga, no médio Vale do Paraíba. A partir da rica documentação das Listas Nominativas de Habitantes relativas aos anos de 1798, 1808 e 1818, tentaremos construir uma visão panorâmica do quadro escravista da localidade selecionada, a partir de dados relativos à concentração da mão de obra, entrada anual de indivíduos escravizados no universo da povoação, número de domicílios escravistas, tamanho médio dos plantéis listados e demais métricas que possam contribuir com nossa empreitada de nosso sobrevoo analítico. Na primeira etapa da diligência, proporemos uma breve descrição das origens da vila, bem como do lugar ocupado por ela no contexto histórico do Vale do Paraíba paulista à época. Concluída a contextualização introdutória, passaremos para a análise dos dados coligidos a partir da documentação na qual baseamos o estudo. Palavras Chave: Escravidão; História do Brasil; Demografia Histórica.

ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA NA BNCC PRIMEIRA VERSÃO | Jéssica Pereira Couto | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

A introdução de conteúdos pertinentes à história e cultura africana e afro-brasileira representa a superação de padrões eurocêntricos -que não valorizavam a diversidade étnico-cultural de nossa formação-, percebidos em materiais didáticos que não reconheciam a presença negra ou tratavam-na estereotipadamente.

O presente artigo tem como objetivo compreender como o ensino de História da África e do negro no Brasil é padronizado na BNCC primeira versão. Quais as disputas em torno do espaço que lhes é legado? Quais as impressões dos pareceristas sobre a temática africana e afro-brasileira? – PALAVRAS-CHAVE: BNCC; Ensino de História; África; Afro-brasileiros.

JABUTI NÃO NASCE EM ÁRVORE: APONTAMENTOS SOBRE AS ORIGENS DO MOVIMENTO BRASIL LIVRE | João Elter Borges Miranda | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

O Movimento Brasil Livre (MBL), em sua atuação doutrinária, tornou-se um dos principais grupos convocadores de manifestações de rua da direita no Brasil, a partir de 2014. O nosso objetivo aqui é refletir sobre o processo histórico que o originou, de forma a situá-lo teórica e historicamente. A nossa hipótese é que o MBL se origina no interior de um processo histórico de décadas de constituição do que, não raro, denomina-se “nova direita”, sendo o que o intelectual sardo Antonio Gramsci definiu como um aparelho privado de hegemonia (APH). Para dissertar a respeito, organizamos as ações do MBL cronologicamente, de forma a constituir uma narrativa do processo e, concomitantemente, buscamos traçar alguns elementos de contextualização. Identificamos que o MBL foi criado nas Jornadas de Junho de 2013 por integrantes do Estudantes Pela Liberdade, a versão local do Students for Liberty. Para melhor compreender as origens do MBL, traçamos ainda no primeiro momento do trabalho reflexões acerca da nova direita, com o intuito de entender o que a diferencia da direita anterior e em que momento se origina. – PALAVRAS-CHAVE: Movimento Brasil Livre; Aparelho privado de hegemonia; Ação doutrinária.

A HISTÓRIA DE 40 ANOS DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA-UEPG: THEMIS, PRÓ-EGRESSO E PATRONADO DE 1977 A 2017 | Kamile Aparecida Lemes de Lima de Almeida | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

A comunicação faz parte integrante da monografia de conclusão de curso de Bacharelado em História pela-UEPG. Ao qual se debruçou em traçar a trajetória do atual Programa Patronato Penitenciário de Ponta Grossa, desde sua criação em 1977 como Themis, posteriormente sua mudança para Pró-Egresso e atual Patronato. O objetivo da presente comunicação é realizar uma abordagem acerca da trajetória do Programa Patronato numa perspectiva histórica das dinâmicas locais de fiscalização e reinserção social. As fontes e a metodologia de pesquisa foram a análise documental a partir de alguns relatórios do Programa, e a análise bibliográfica realizada a partir de trabalhos já consolidadas sobre a atuação do projeto de extensão universitária junto a sociedade. Os resultados demonstram a importância social e cultural do trabalho do Programa Patronato, juntamente a importância da Universidade Estadual de Ponta Grossa como intuição pública produtora de saberes que possui atuações sócias junto à cidade de Ponta Grossa. Palavras Chaves: Extensão Universitária; Patronato; Justiça Restaurativa; UEPG.

A DINÂMICA DA POLÍTICA OU UMA POLÍTICA DINÂMICA? ARRANJOS DA POLÍTICA CAJAZEIRENSE NA SEGUNDA METADE DOS OITOCENTOS | Maria Larisse Elias da Silva | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

Os arranjos políticos perpassam, ao longo dos séculos, os caminhos que produzem a história política do Brasil. Diversos vetores sociais serviram como ferramenta política, seja: famílias, Instituições ou partidos. Esses eram apropriados como forma de apoio aos interesses de grupos dominantes que possuíam poder político e econômico. Serge Berstein e Rodrigo Patto Sá Motta atentam para a atuação de fenômenos dessa natureza no Brasil, desde os tempos da Colônia e também durante o Império, período tratado neste artigo. Dito isto, este trabalho analisa como as práticas e representações políticas são produzidas por membros do partido Liberal em Cajazeiras/PB, durante as primeiras décadas do Segundo Reinado. Problematiza-se, portanto, como a ocorrência de tensões em âmbito local favorece a confluência entre práticas e representações políticas, deste grupo, a partir do que os jornais da época intitulam, por: “morticínio eleitoral”. Para alcançar os objetivos deste trabalho, selecionamos como fontes algumas edições do jornal, Cearense, que circularam na Província do Ceará, naquela época. A problematização do periódico versa sobre os modos como, as narrativas nele expressas, traçam uma fidelidade de sujeitos políticos à instituição partidária Liberal. – PALAVRAS-CHAVE: Segundo Reinado; Cajazeiras/PB; Política; Práticas e Representações.

CONSPIRACIONISMO E CONSPIRAÇÃO: DO DISCURSO ANTICOMUNISTA EXACERBADO À “DITADURA EMPRESARIAL MILITAR” DE RENÉ DREIFUSS | Victor Gabriel de Jesus Santos David Costa | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

Esse trabalho visa debater alguns dos produtos historiográficos mais utilizados para se pensar a Ditadura brasileira, de 1964, a fim de problematizar as mais variadas argumentações que compreendem o desmonte do Estado de Direito, enfatizando na mais famosa justificativa para implementação de tal golpe: a aproximação política de Goulart aos governos da União Soviética e de Cuba, bem como, de uma possível ameaça comunista oriunda das organizações sociais de determinadas guerrilhas urbanas e rurais. Além disso, busca-se discutir como a teoria do “Estado Ampliado” de Antonio Gramsci é de fundamental importância para compreender a complexidade de uma temática tão discutida nesses tempos de efervescência política, sendo utilizada, para pensar em tal perspectiva teórica, a obra “1964. A Conquista do Estado”, do cientista político René Dreifuss. Palavras Chave: Anticomunismo, Ditadura Empresarial Militar, Teoria Gramsciana.

REFLETINDO O PATRIMÔNIO CULTURAL NO BRASIL: RECONHECIMENTO E DEFINIÇÕES | Wesley dos Santos Lima | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

Analisar o monumento como patrimônio exige ponderar sobre suas variadas ramificações no campo da História cultural, como também da Geografia cultural. Entre signos e significações, estruturas e simbolismo, o patrimônio como área de pesquisa ganha espaço científico para problematizar sua definição e sua relação com as identidades e com a cultura. Nesse aspecto,

O presente artigo elabora uma reflexão em torno da discussão conceitual de patrimônio cultural no Brasil relacionado com as políticas públicas de conservação. Além disso, discorre sobre os monumentos como formas simbólicas espaciais, sendo, portanto, instrumento marcante da paisagem. – PALAVRAS-CHAVEs: Políticas Públicas, Patrimônio Cultural, Monumentos Históricos.

NARRANDO A VIAGEM E RECONFIGURANDO O HABITUS: A IMIGRAÇÃO ALEMÃ PARA O BRASIL NUM RELATO DE EXPERIÊNCIA | Zuleide Maria Matulle | Sobre Ontens. Paranavaí-Rio de Janeiro, v.1, jan./mar. 2020.

Estas páginas têm a finalidade de abordar as viagens transoceânicas e terrestres no contexto da imigração, tendo como fonte um diário escrito por Mathias Mibach, que veio da Alemanha para o Brasil em 1924, fixando-se na colônia São Miguel da Serra, em Porto União, Santa Catarina. O objetivo é explorar como o diário revela a viagem da Alemanha ao Brasil e o cotidiano dentro do navio (?). Quais as primeiras impressões do país e como ele captou as mudanças na sua condição de imigrante durante a viagem (?). Para isso estabelecemos um diálogo com as considerações de Pierre Félix Bourdieu e suas contribuições teóricas para as ciências humanas, isto é, os conceitos de “habitus” e “capital simbólico”. Espera-se que essa rápida incursão ao diário, as experiências e representações produzidas por Mathias Mibach, possam contribuir para a reflexão de como é complexa a dinâmica migratória e como ela é apreendida pelos sujeitos, bem como contribuir para o conhecimento sobre parte da história da imigração alemã para o Brasil. – PALAVRAS-CHAVE: Diário. Imigração. Viagem.

Bilros. Itaperi, v.8, n.16, 2020.

Apresentação

Artigos

Por uma história dos sertões: novas perspectivas e temporalidades sobre o “Brasil profundo” / História e Cultura / 2020

Falar sobre sertões permite destacar e tensionar categorias como lugar, paisagem e território. Os sertões nos levam também a refletir sobre passados, presentes e futuros. Mais ainda, os sertões podem ser concebidos como um eixo que articula essas duas dimensões: tempo e espaço. Conforme já sugeriram Johannes Fabian (2013) e Marshall Sahlins (1990), os contatos e, muitas vezes, os embates entre culturas diferentes, inscritas em espacialidades diversas, podem estimular reformulações na ordem temporal das sociedades. Pensar os sertões como ponto de encontro entre tempos e espaços, permite enriquecer e adensar as leituras sobre esse objeto, sobre suas representações, sobre os índices que o qualificam e caracterizam, e também sobre os indivíduos que o habitam e constroem. Afinal, onde se inicia o sertão? Quais são os seus limites? Quem o ocupa? Como apreendê-lo e representá-lo?

O dossiê que ora apresentamos procura debater essas questões. O sertão, como conceito, temática ou representação é um objeto que não cessa de se impor ao conhecimento humano em seu máximo potencial interdisciplinar, percorrendo diversos saberes e, complementariamente, vinculando-se às artes. Seja na história social, na ciência política, na literatura ou no cinema, para ficarmos apenas entre alguns dos artigos que compõem o número, o sertão nunca deixou de ser pensado e tematizado. O dossiê oferece, assim, através de abordagens múltiplas, como história oral, social, intelectual, política e religiosa, novas leituras que não apenas refletem sobre os sertões, mas que propriamente o concebem como um objeto passível de ser continuamente examinado e reexaminado. Daí, por exemplo, a predominância, nesse dossiê, de textos e objetos que abordam o sertão a partir de um recorte contemporâneo. Temos, assim, um sertão presente, um sertão que, sem desconsiderar a historicidade que o caracteriza, se faz presente.

Os artigos publicados foram agrupados em quatro categorias: Representações dos e sobre os sertões, Sertões como indutor de abordagens técnico-científicas, Sertões nas suas interfaces religiosas e, por fim, Espaços múltiplos do sertão. As divisões procuram apenas organizar os textos de modo a, talvez, complexificar e enriquecer sua leitura e compreensão. As categorias, portanto, não são pensadas como exclusivas ou excludentes. Pelo contrário, como o leitor e a leitora poderão verificar, os segmentos se superpõem, dialogam entre si e atestam a diversidade do próprio objeto.

Na categoria Representações dos e sobre os sertões, temos o artigo de Marcelino Gomes dos Santos, intitulado “Dos ‘Confins do Brasil’ às passarelas: os sertões na moda”. O texto destaca “novas formas de ver e dizer os sertões na contemporaneidade” e, para isso, recupera uma coleção de vestuário que (re)cria e reapresenta a imagem do vaqueiro na atualidade. A formulação extraída da conclusão do artigo nos parece adequada para encetar os textos do dossiê: “os sertões estão na moda”.

As imagens do sertão também são debatidas por Fabiana Alves Dantas no artigo “Celestino Alves: um poeta sertanejo e o dilema das secas”. Ao analisar a poética de Alves, no livro O Nordeste e as Secas, de 1983, a autora identifica um sertão associado a registros variados, como um espaço de seca e de chuvas, de sofrimento e de alegria. As intempéries que caracterizam a região também produzem um efeito duplo: se tornam a vida difícil, também são responsáveis por dotar o habitante desse território, o sertanejo, de força e resistência.

O artigo de Juliana Rodrigues Morais, intitulado “Um hermeneuta da tradição sertaneja: Ariano Suassuna e o Romance d’A Pedra do Reino”, apresenta uma perspectiva semelhante. O projeto de Suassuna é precisamente, como informa Morais, “defender, com sua arte, a cultura sertaneja”. A defesa, elaborada na obra Romance d’A Pedra do Reino, de 1971, promove não apenas uma visão renovada do sertanejo, mas também uma leitura alternativa para a história do Brasil, fundada num ponto de vista local e construída a partir da mescla entre o real e o mágico.

Enquanto o escritor Suassuna, conforme argumenta Morais, rompe com a historiografia tradicional, os documentaristas Geraldo Sarno e Jorge Prelorán procuram retomar obras clássicas de interpretação do Brasil e da Argentina para representar, respectivamente, o sertão brasileiro e o deserto argentino. Esse argumento é construído por Ana Caroline Matias Alencar no texto “Entre São Saruê e Vales Vizinhos das Nuvens: um estudo sobre as figurações espaciais do Cariri e de Humauaca”. Assim, nos médias-metragens realizados entre 1969 e 1970, Sarno e Prelorán reatualizam “tópicas discursivas e procedimentos interpretativos presentes nas obras de intelectuais outros”, como Euclides da Cunha e Domingo Faustino Sarmiento, para figurar e registrar as regiões do Vale do Cariri e da Quebrada de Humauaca.

A visão do sertão, contudo, não é apenas registrada pelos filmes. Ela é esculpida também nas estátuas e monumentos. No texto de Daniel Barreto Lopes, “Sertão monumental: considerações sobre a atribuição de valor de testemunho histórico”, os habitantes do espaço sertanejo, como o vaqueiro, enfrentam o risco do desaparecimento. A resposta ao perigo do esquecimento é dada, segundo Lopes, pela “monumentalização do sertão”, ou seja, por uma produção histórica e cultural que registra a memória e a torna visível em outros tempos, não apenas no presente, mas também no futuro. A categoria Representações dos e sobre os sertões, enfim, reúne artigos que transformam o sertão num objeto de registros múltiplos, oriundos da moda, da poesia, da literatura, do documentário e da estatuaria. A partir do território do sertão, ainda, os tempos são diversos: o presente da moda, o passado da história e da memória, o futuro que por meio da estátua e do documentário resguarda o que poderia desaparecer.

A segunda categoria Sertões como indutor de abordagens técnico-científicas, compreende textos que concebem o sertão como um território tanto marcado por mazelas como a seca, quanto caracterizado como índice de brasilidade e, portanto, um espaço que enseja intervenções técnicas e investimentos intelectuais. No artigo “Do vazio incógnito a problema nacional: o Nordeste brasileiro sob o olhar Politécnico, 1877-1909”, Yuri Simonini demonstra como o fenômeno da seca produziu iniciativas que procuravam não apenas estudar as então chamadas “Províncias do Norte”, quanto propor medidas e soluções para a região. O sertão aqui é visto como um desafio, um problema a ser superado. Daí a proliferação de estudos e registros que tanto embasaram e subsidiaram as ações técnicas e políticas, quanto permitiram que o Brasil passasse a “entender melhor seu território”, como aponta Simonini.

Entre as ações concebidas, encontramos a criação dos campos de concentração no Ceará, objeto do texto “O controle do espaço do Sertão: os campos de concentração do Ceará na seca de 1932” de Leda Agnes Simões de Melo. Tratou-se de uma resposta às secas, mas também de uma intervenção sobre a população, tanto que o projeto dos campos implementados pela Inspetoria Federal de Obras Secas (IFOCS) dispunha de finalidades civilizadoras e voltava-se, como argumenta a autora, para o controle de “regiões, corpos e mentes”.

No entanto, o sertão não era visto apenas como um obstáculo. No artigo “Euclidianismo, agenda cívico-letrada e a categoria de sertão em trânsito: o caso do CCEC (meados do século XX)”, de autoria de Caroline Aparecida Guebert, o sertão também é o lócus ou o símbolo da nação e da “brasilidade”. O texto encerra a categoria sobre os esforços técnico-científicos e demonstra como os integrantes do Centro Cultural Euclides da Cunha (CCEC), instituição paranaense, mobilizaram leituras específicas do espaço sertanejo para pensar o “Brasil profundo”. Esse investimento concebia Euclides da Cunha, conforme afirma Guebert, “como modelo do intelectual brasileiro, uma vez que sua obra fala do país que é rural e sua biografia reforça a interdependência entre a figura social do escritor investida como herói e o esforço pela obra da construção nacional”.

Outro tema presente nos artigos aqui reunidos, se apresenta sob a categoria Sertões nas suas interfaces religiosas. A religiosidade ocupa um lugar proeminente quando se trata de investigar o modo de pensar e agir de determinadas sociedades e o estabelecimento de um universo mítico que cria e dá sentido às práticas cotidianas. A dispersão do catolicismo pelo mundo determina e reforça hábitos e crenças que, por sua vez, são vivenciados pelos seguidores de diferentes modos, inclusive estabelecendo novos sentidos e práticas. O artigo de Ruan Carlos Mendes, “Maria das Quengas: devoção e cruz ‘perfumada’ nas narrativas dos fiéis”, trata do que o autor nomeia como “devoções marginais”, ou seja, aspectos da religiosidade que se constroem às margens do catolicismo dito oficial. No caso narrado, através das entrevistas aos devotos de Maria das Quengas, são discutidos elementos que levaram à criação da devoção e às denominações de “santa” ou “milagreira”, onde é perceptível a atribuição de significados que escapam aos cânones católicos que regem o processo de santificação.

No artigo de Jefferson Evânio, intitulado “A politização do sagrado no Agreste pernambucano, 1960-1980”, surge a simultaneidade e disputas de espaços e discursos entre o referido catolicismo oficial e sua versão denominada de popular. O autor mostra os mecanismos criados por distintos atores sociais para definir o que é sagrado, em concomitância com sua visão de mundo. Para Evânio, “O sagrado, longe de ser um dado da natureza, foi na região sistematicamente objeto de disputas. Instituído politicamente por homens e mulheres, sacerdotes e rezadores, todos ‘unidos’ e separados em função da vivência de sua fé no sobrenatural”.

A categoria Espaços múltiplos do sertão apresenta o sertão primeiramente sob a ótica da ocupação do espaço e sua integração na formação de uma identidade nacional. Laryssa da Silva Machado e Lucas da Silva Machado, em “Desbravando os sertões capixabas: a colonização do Vale do Itapemirim”, utilizam os recursos do campo da micro-história para mostrar como a colonização da região só ocorreu tardiamente e esteve vinculada à ideia de que os sertões seriam um local a ser conquistado.

A questão da ocupação e delimitação de espaços sertanejos, aparece sob outra perspectiva em dois trabalhos que tratam da ocupação da região Norte. O primeiro deles, escrito por André José Santos Pompeu e Wania Alexandrino Viana, parte da ideia de que o sertão é um “ambiente complexo, multifacetado”. Intitulado “Sujeitos sertanejos na Amazônia Colonial (séculos XVII e XVIII)”, os autores exploram o sentido da palavra sertão para o espaço amazônico, levando em conta aspectos militares e econômicos, procurando entendê-lo por meio das relações que se estabeleceram entre a corte real portuguesa, a ocupação estrangeira e portuguesa, a defesa das fronteiras e o desenvolvimento de um comércio transatlântico de produtos como as drogas do sertão. Ao longo do texto, uma ideia importante pode ser destacada – a “nova visão” de sertão, não apenas como interior, como local isolado, mas como estabelecedora de uma rede distinta de relações entrelaçadas, especialmente, pelas questões econômicas e militares, exploradas pelo autor nas fontes do período.

Benedito Emílio da Silva Ribeiro, em “Território, poderes tutelares e agências indígenas: análises preliminares sobre trânsitos, trocas e r-existências na fronteira Brasil-Guiana Francesa (1930-1945)”, pondera sobre a construção de um espaço marcado pelos contatos entre brasileiros, franceses e grupos indígenas, explorando especialmente como os últimos se apropriaram e subverteram a lógica de agenciamento, de sedentarização e civilização “imposta” pelo Estado brasileiro por meio de seus órgãos oficiais para, assim, atingirem seus objetivos ligados à manutenção da territorialidade, das suas relações sociais e cosmológicas.

Em seguida, temos o trabalho de Auricharme Cardoso de Moura, “O sertão de Minas irrigado: modernização agrícola e mundo dos trabalhadores”, que narra como a seca caracteriza e marca certos espaços geográficos, ao mesmo tempo em que mobiliza discursos que apagam e submetem “as experiências dos sujeitos a valores e hábitos considerados civilizados”. O projeto de integração nacional, dos diferentes espaços, mascarava as intenções capitalistas e de domínio de determinados grupos sociais. A dicotomia atraso e modernidade, legitimava a ação dos grupos dominantes, que viam a si mesmos como os responsáveis pela inserção da população sertaneja no tempo do progresso.

Finalmente, o artigo “A Liça e as representações em torno do sertão do Cariri Cearense: por uma história intelectual dos sertões”, de Johnnys Jorge Gomes Alencar, trata das representações em torno do conceito de sertão e como foram mobilizadas para a “construção de uma identidade para o Cariri cearense, enquanto região”, buscando se opor às concepções tradicionais de sertão. O Crato surge, assim, como um “oásis do sertão” em oposição ao entorno que seria atrasado, bárbaro e primitivo. Cabe ressaltar ainda que este trabalho se insere na perspectiva de um campo em desenvolvimento – o de uma história intelectual do sertão – visto que o termo, atualmente, é atravessado por uma multiplicidade de sentidos.

Como dito acima, as categorias apresentadas não visam impor limites aos textos, mas, ao contrário, estimular a leitura a partir de eixos que se cruzam e sobrepõem de modo a, potencialmente, ressignificar e complexificar as contribuições desse dossiê. Pensamos, por fim, que talvez seja possível conceber o presente número como uma contribuição para a “História dos Sertões como área de concentração específica”. Conforme proposta formulada por Evandro dos Santos (2019, p. 450), a ideia permitiria “estimular a produção de uma historiografia sobre os sertões e, mais ainda, desde os sertões”. O dossiê reúne, nesse sentido, pesquisadores e pesquisadoras de variados espaços regionais e lugares institucionais que concebem o sertão como um objeto múltiplo e complexo, simultaneamente fonte de inspiração e de desafios. O quadro que emerge dos artigos é vibrante. Em conjunto, o leitor e a leitora encontrarão um amplo estudo sobre as apreensões e caracterizações dos sertões, o que apenas atesta e reitera a atualidade e a riqueza do objeto.

Referências

FABIAN, Johannes. O tempo e o outro: como a Antropologia estabelece seu objeto. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

SAHLINS, Marshall David. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

SANTOS, Evandro dos. “Ensaio sobre diversidade historiográfica: como escrever (e reconhecer) histórias dos sertões a partir de novas e ‘velhas” epistemologias’. Sæculum – Revista de História, João Pessoa, v. 24, nº 41, p. 441-452, 2019.

Eliete Lúcia Tiburski – Professora Doutora (UFRGS)

Eduardo Wright Cardoso – Professor Doutor (Docente convidado – PUC-Rio)


TIBURSKI, Eliete Lúcia; CARDOSO, Eduardo Wright. [Por uma história dos sertões: novas perspectivas e temporalidades sobre o “Brasil profundo”]. História e Cultura. Franca, v.9, n. 1, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Desarrollo non sancto: la religión como actor emergente en el debate global sobre el futuro del planeta | Adrián E. Beling, Julien Vanhulst

La presente es una reseña del libro titulado “Desarrollo Non Sancto: la religión como actor emergente en el debate global sobre el futuro del planeta” coordinado por Adrián E. Beling y Julien Vanhulst. Esta obra fue editada en la Ciudad de México por Siglo XXI en el año 2019 y tuvimos el agrado de participar en su presentación en la ciudad de Mendoza y compartir con uno de los coordinadores. Leia Mais

How democracies die | Steven Levitsky

Justification of democracy has become an essential theme in the current literature on political philosophy. Different factors have created the conditions for this to happen, but mainly they can be resumed in two characteristics. On one side, that democracy is in crisis due to the rise of extremist politicians from every side of the political spectrum. On the other hand, due to the escalating polarization in some contexts, provoked by the increased economic discontent. It seems this is a moment of transition in which the interrogation for our fundamental values is at stake. Leia Mais

História das Propriedades e Direitos de Acesso / Revista Maracanan / 2020

A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo oficio é lembrar o que outros esquecem, tornam-se mais importantes do que nunca no fim do segundo milênio.1

Com essas linhas, logo na apresentação, o historiador britânico Eric Hobsbawm enumera suas angústias ao apresentar ao leitor A Era dos Extremos, obra publicada ao final dos anos 1990 propondo-se a discutir o próprio século XX. Pouco tempo se passou, algumas décadas apenas, e ao alvorecer do ano 2020 esta questão se apresenta ainda mais aguda. Em uma conjuntura na qual pesquisadores e temas de pesquisa são questionados (quando não perseguidos), revisitar o passado e construir interpretações segue como desafio aos historiadores e às historiadoras que se propõem a trazer aos leitores versões sobre um passado que se reflete na época que vivemos, em um variado grupo de temas de pesquisa.

O presente dossiê tem como propósito recuperar um conjunto de estudos voltados para uma temática tão antiga quanto atual. Tomando como fio condutor a história das propriedades e o direito de acesso, pretende-se contemplar uma variedade de trabalhos com recortes regionais e temporais distintos, apresentando perspectivas e análises com ênfase nos séculos XVII-XIX. Desta feita, o dossiê que por ora apresentamos reúne estudos que pretendem iluminar debates e reflexões acerca da propriedade de forma plural, expressando assim a multiplicidade dos estudos, sem jamais pretender esgotar as possibilidades de análises.

A propriedade é um termo tão naturalizado que muitas vezes, ao ser utilizado, o receptor logo se remete a um pedaço de terra, algo material ou, em outras palavras, a uma coisa ou bem tangível. O dossiê, entretanto, pretende inovar ao pensar em propriedade como um termo mais amplo, incluindo uma reflexão acerca da propriedade intelectual. A reflexão é relativamente recente, sobretudo no direito brasileiro, mas a discussão sobre o registro de patentes no Brasil remonta ao início do século XIX.

Entende-se como História Social das Propriedades a discussão realizada com base na dimensão histórica da noção de propriedade pelos diversos agentes da História. Neste debate estão envolvidas lutas por direitos ao acesso à propriedade em geral, incluindo reconhecimento não somente da posse de coisas materiais, mas também direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.2

A pluralidade das questões se expressa também quando o recorte está centrado na propriedade ou nas propriedades de terra, tema que acabou por ser foco das pesquisas incluídas no dossiê, sem se favorecer, entretanto, na predominância de uma única visão. Há reflexões sobre as relações de propriedade por meio da luta de roceiros, como forma de riqueza de setores mais abastados, como instrumento de ilegalidades para aumento de patrimônio, entre outras. A gama de estudos reunidos intenta servir como amostra do quanto o debate sobre a História Social das Propriedades no Brasil tem crescido e amadurecido. Reconhecemos que tais estudos procuram rumo próprio, sem ter que se ater ao provincianismo de acreditar que apenas os teóricos europeus servem como condutores e fiadores da temática para uma realidade específica (aliás, várias realidades) do gigante e diverso Brasil. A troca, cada vez mais proveitosa, entre os intelectuais nacionais nos vários encontros acadêmicos reforça a nossa capacidade de produzir conceitos e noções próprias com base nos fatos inerentes a nossa história, bem como da experiência deste vasto território.

Assim, o dossiê é composto por seis artigos, uma nota de pesquisa, uma entrevista e um depoimento. Procurando fugir de uma cronologia óbvia e privilegiando temas mais singulares na discussão sobre a História Social das Propriedades, inauguramos o dossiê com a análise apresentada por Leandro Miranda Malavota, “A Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e as patentes de invenção: tecnologia e propriedade no Império do Brasil”. Deslocando o foco sobre a ocupação do território e as relações de propriedade para os aspectos da atividade inventiva, o autor analisa o papel da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional no processo de concessões de patentes aos inventores de novos bens e técnicas de produção. Para tanto, examina os fundamentos técnicos, jurídicos e econômicos que sustentavam a atuação da SAIN em meio ao contexto da Segunda Revolução Industrial, trazendo aos leitores uma análise do conceito de propriedade no campo da propriedade intelectual e mostrando os desafios encarados por aqueles que queriam registrar suas invenções já no século XIX.

Trazendo o eixo dos estudos para a propriedade da terra e para o Norte do Brasil, o artigo “Fazendo divisas em terrenos alheios: um estudo preliminar sobre posse, propriedade da terra e conflitos em intendências municipais no Pará entre fins do século XIX e início do XX”, de Carlos Leandro Esteves, apresenta um debate acerca da intensificação dos conflitos por terra no Pará nas primeiras décadas da República. O autor reconhece a sobreposição de títulos de terras como grande problema a ser enfrentado em querelas que envolviam uma variada gama de agentes sociais, de fazendeiros e grandes herdeiros aos pequenos posseiros. Grupos sociais distintos que se enfrentavam em conflitos de forças desiguais.

Em “Um negociante das ‘Terras Frias’: uma análise das estratégias de aquisição fundiária do português Antonio José Mendes (Nova Friburgo, 1860-1914)”, Gabriel Almeida Frazão analisa uma região famosa pela colonização suíça e alemã a partir do protagonismo de colonos lusos. Frazão lança os olhares para a presença portuguesa expressiva na região, bem como o controle das riquezas por parte dessas famílias com base em estratégias matrimoniais.

Perseguindo um famoso personagem da literatura brasileira em sua trajetória como funcionário público, o artigo “A Diretoria da Agricultura sob a chefia de Machado de Assis: os processos de solicitação de compra de propriedade no Amazonas (1887-1889)”, de Pedro Parga Rodrigues, quantifica um conjunto de processos do fundo da Diretoria da Agricultura do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas entre 1887 e 1889. Elenca como a repartição tendeu a valorizar elementos do regime de sesmarias, o fundamento da posse e a capacidade para o cultivo, na aplicação da Lei de 1850, reconhecendo grupos hegemônicos sendo privilegiados em espaços de conflitos e disputas. E, mais importante, mostra uma face pouco conhecida do famoso literário brasileiro na sua profissão mundana.

Privilegiando escravos e homens livres e pobres para o centro de seu estudo, Maria Celma Borges debruça-se sobre as roças encontradas por caminhos e por quilombos em Mato Grosso na passagem da colônia para o império. A autora apresenta o artigo “Escravizados, pobres e livres e povos originários na história rural de Mato Grosso: as roças e a antítese da propriedade pelos caminhos e quilombos (séculos XVIII e XIX)”, trazendo à luz atores políticos menos favorecidos e desnudando nuances na construção das relações de propriedade que possibilitam a concepção do conceito para além do tripé “Latifúndio, Escravidão e Monocultura”, recuperando o debate sobre o abastecimento interno e a importância das roças na economia do Brasil.

Fechando o conjunto de artigos do dossiê, Ronaldo Vainfas & Márcia Motta partem da análise de uma fonte testamental para compreender a estratégia na formação de fortuna e constituição de um morgado como forma de proteger o patrimônio, não necessariamente territorial. Os autores assinam conjuntamente o artigo “Morgadios coloniais entre a nobilitação e o mercado: o testamento de Francisco Barreto de Menezes, restaurador do Recife em 1654”.

Esta edição é enriquecida ainda com mais três textos voltados ao tema do dossiê: uma nota de pesquisa, um depoimento e finalmente uma entrevista. A jovem pesquisadora Flávia Darossi parte da Guerra do Contestado, em Santa Catarina, para compreender a política fundiária nos anos anteriores ao conflito, com base na reconstrução de relações e discursos jurídicos em estudos de caso no município de Lages. Paulo Pinheiro Machado nos brinda com um depoimento que revisita sua trajetória de vida como professor e pesquisador do campesinato no Sul do Brasil. Em “Os camponeses: notas sobre rastros, indícios e experiências de pesquisa”, Pinheiro nos lembra da importância dos estudos sobre o rural, bem como o fato de que grandes momentos da história recente de nosso país tiveram a questão agrária e a propriedade territorial no centro do grande debate político.

Por fim, a professora catedrática de História do Brasil da Universidade de Coimbra, Margarida Sobral Neto, nos presenteia com uma entrevista na qual apresenta sua trajetória pessoal. De sua entrada na graduação, em pleno governo Salazar, até os desafios mais recentes, como o do lugar da mulher na universidade, assim como seu próprio tema de pesquisa, as relações de propriedade na época moderna.

O dossiê, portanto, intenta contribuir para a discussão da História Social das Propriedades e dos direitos de acesso por uma perspectiva mais ampla, reconhecendo a pluralidade e excelência dos estudos hoje desenvolvidos. Longe de avalizar qualquer ideia colocada aqui, o dossiê pretende sim registrar o convite para que sigamos ampliando as reflexões. Sem reducionismos ou dogmatismos, entendemos que os estudos voltados para a História Social das Propriedades no Brasil apresentam-se de forma plural, desenvolvendo perspectivas próprias, inspiradas por estudos consagrados, no Brasil e fora dele.

Esta edição conta ainda com cinco artigos livres, contribuições que somam colaborando para a pluralidade do debate científico. João Vitor Araújo & Marcelo de Souza Neto assinam em conjunto “Jurisdição e subordinação: tentativas de provincialização da Igreja no Piauí (1822-1830)”. Em mais uma proposta a quatro mãos, Monica Piccolo & Werbeth Serejo Belo voltam os olhares para uma reflexão sobre os Anos de Chumbo no artigo “Entre o ‘milagre econômico’ e o ‘quinquênio do ouro’: análise introdutória dos planos econômicos brasileiro e português (1968-1973)”. William Vaz Oliveira nos convida a transitar por dois tipos de discursos para compreender o indígena em “Índio do Brasil: um sujeito entre o discurso jurídico e o discurso médico-psiquiátrico”. Trazendo uma proposta de debate interdisciplinar, Francivaldo Alves Nunes observa o universo rural em “Experiências sociais rurais e as implicações dos silenciamentos: diálogos de história e sociologia”. Para fechar, Márcio Antônio Both da Silva assina “Sob o risco de Mesfisto. História agrária no Brasil: tragédias e esquecimentos”, revelando as angústias do estudo da história agrária nos tempos atuais.

Notas

1. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 13.

2. Disponível em: https: / / abpi.org.br / blog / o-que-e-propriedade-intelectual / . Acesso em 29 de dezembro de 2019

Marina Monteiro Machado – Professora Adjunta de História Econômica da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atuando na graduação em Ciências Econômicas e no Programa de Pós-graduação em História. Doutora, Mestre e graduada em História pela Universidade Federal Fluminense. Vice- Coordenadora do INCT – Proprietas, “História Social das Propriedades e Direitos de Acesso”. E-mail: marinamachado@gmail.com ORCID iD: https: / / orcid.org / 0000-0001-7093-3904 Lattes: http: / / lattes.cnpq.br / 5955676567988660

Carmen Alveal – Professora Associada de História do Brasil Colônia e História Agrária da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, atuando na graduação e no Programa de Pós-graduação em História. Philosophiae Doctor in History pela Johns Hopkins University; Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; graduada em História pela Universidade Federal Fluminense. É coordenadora do LEHSUFRN (Laboratório de Experimentação em História Social) e da Plataforma SILB (Sesmarias do Império Luso-Brasileiro). ORCID iD: https: / / orcid.org / 0000-0002-1202-0231 Lattes: http: / / lattes.cnpq.br / 1118391491224309


MACHADO, Marina Monteiro; ALVEAL, Carmen. Apresentação. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, n.23, 2020. Acessar publicação original [DR]

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História dos conceitos e história intelectual: conexões teórico-metodológicas / História – Debates e Tendências / 2020

A história dos conceitos e a história intelectual consolidaram-se, desde a segunda metade do século XX, como um dos principais campos de pesquisa da historiografia, dos seus focos e margens de inovação. Com efeito, sob o crivo e os desafios das ciências sociais, a tradicional história das ideias, desprovida de uma contextualização social, passou desde a década de 1950 por diversas mutações, geradoras de múltiplas vias e interrogações, num arco internacional de propostas metodológicas que tem enriquecido o debate sobre a História. Leia Mais

Conflitos agrários na América do Sul: história fundiária e agrária / História – Debates e Tendências / 2020

Pensar os conflitos agrários, em especial na América do Sul, sua relação com a história fundiária e agrária, em perspectiva local, regional e mundial, é premente e necessário à compreensão do aumento da fome e da desnutrição, em diversas sociedades. Atualmente, a fome atinge 820 milhões de pessoas, de acordo com o relatório da ONU publicado em 2019. Destes milhões de pessoas com fome, 513,9 milhões estão na Ásia (11,3% da população), 256 milhões na África (19,9%) e 42,5 milhões (6,5%) na América Latina e no Caribe, tornando-se, assim, o grande desafio para atingir uma das metas de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que prevê fome zero até 2030.[1]

Esse problema perpassa por reflexões e estudos histórico, sociológico, antropológico, entre outros, dos processos estruturais e simbólicos de exclusão social, fruto da história da ocupação espacial através do apossamento, da expansão, expropriação e dominação que, por sua vez, processaram-se sincronicamente ao projeto “civilizatório” e “modernizante” de racionalização econômica, bem como da relação entre o acesso à terra, o desenvolvimento e as revoluções agrícolas. Leia Mais

Brasil-Polônia: Diálogos Histórico-Culturais / História – Debates e Tendências / 2020

A exuberante paisagem da Baia de Guanabara se desvela ao olhar sensível e atento dos poetas. A poesia, aliás, assim como a música, nos servem de linguagem para descrever o indescritível. Temos aqui um paradoxo. A linguagem escrita e falada que comumente utilizamos para nos expressar, igualmente nos impõe limitações para descrever com clareza nossos sentimentos, percepções e emoções.

Talvez por isso Tomasz Łychowski utilizou a poesia como forma de registrar suas impressões ao aportar no Rio de Janeiro em 1949. O caminho feito pelo poeta imigrante foi o mesmo de grande parte dos poloneses que desembarcaram na costa brasileira em grandes contingentes a partir do século XIX. Para muitos, a etapa marítima da viagem iniciava-se nos portos de Bremen ou Hamburgo, a partir daí singravam o Atlântico em direção ao Brasil. Apesar de não constituir o destino final da maioria dos imigrantes, a chegada ao Rio de Janeiro certamente ocupava um lugar de destaque no imaginário das famílias, pois representava um marco nessa jornada rumo ao desconhecido. Era o início de uma nova etapa em suas vidas. A maioria deles jamais retornaria à sua terra natal ou veria seus familiares novamente. A tęsknota za domem [1] se tornou uma constante. Leia Mais

Amado Alonso en la Argentina | Miranda Lida

Después de consolidar una distinguida trayectoria como historiadora del catolicismo argentino, casi de un modo natural Miranda Lida fue virando el registro de su producción científica hacia la historia intelectual con sesgo transnacional. Ese derrame hacia temas en apariencia nuevos, contiene tanto su atención al pulso de la historia política, social y cultural de la Argentina, como su experiencia en el manejo de algunas de las múltiples interconexiones mundiales impulsadas por la Iglesia Católica –es que podría decirse, como el especialista en historia del catolicismo francés Étienne Fouilloux y el internacionalista Robert Frank, que no hay historia del siglo XX sin la intromisión del hecho religioso. Munida de ese rico bagaje, distintos trabajos muestran esta deriva hacia ámbitos que, por razones familiares, le son muy cercanos, inscribiéndose también allí su atención al Instituto de Filología, fundado en 1922 en la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires. Condensado dicho haz de propicias circunstancias en este breve y delicioso libro centrado en la figura de quién fuera su director entre 1927 y 1946, el español Amado Alonso, la autora reconoce la directa relación con su anterior obra Años dorados de la cultura. Los hermanos María Rosa y Raimundo Lida y el Instituto de Filología de la Universidad de Buenos Aires –enriquecido por la consulta de más archivos, epistolarios y fuentes. La perspectiva global en la que lo enmarca –que podría interpretarse como un ejercicio de transdisciplina–, supera el espacio cultural de la Buenos Aires de los años veinte, treinta y cuarenta, para extenderse a la vez por diversos circuitos que van de Europa a las Américas, de España a la Argentina, y por variados registros temporales, que atraviesan categorías históricas complejas –es decir, no simples– como hispanismo, americanismo, regeneracionismo, fascismo, franquismo, peronismo. Son aquellos tiempos de plurales iniciativas culturales sobre la Argentina y la región, provenientes de distintas naciones, como EEUU, Francia, Alemania, Italia, España, que apenas logran disimular propósitos de crear comunidades de intereses e identidades. Todo este recorrido se colige en los Agradecimientos y la Introducción, así como en las Fuentes y Bibliografía de la obra.

Los capítulos 1 y 2 exponen los nexos académicos y universitarios que operaron en el espacio iberoamericano en las primeras décadas del siglo XX favoreciendo una nueva vinculación en clave cultural, que Miranda Lida expone en la singularidad del caso argentino. La presencia de los inmigrantes españoles, el lazo vivo del idioma y los principios del movimiento reformista, ayudan a explicar la decisión del entonces decano Ricardo Rojas, empeñado en dotar a los tradicionales campos humanísticos, de mayores dosis de profesionalidad y cientificidad. El autor de La restauración nacionalista gestionó ante el erudito Ramón Menéndez Pidal el concurso del Centro de Estudios Históricos de Madrid y de los estudiosos españoles que desde allí ampliaban sus saberes en los principales núcleos universitarios europeos y norteamericanos. Tras una breve y controvertida dirección del catedrático Américo Castro, seguido de efímeras gestiones, el más eficaz organizador arribó desde una España regida por la “blanda” dictadura de Primo de Rivera, donde aún persistían ciertas dosis de convivencia, como lo demuestran los encuentros de Alonso con su embajador en Buenos Aires, el escritor tradicionalista Ramiro de Maeztu, de las que hace mención Lida. El joven filólogo se introdujo bien pronto en los círculos frecuentados por las clases cultas, en foros y tertulias literarias, replicando su voz en la prensa periódica. Argumenta que ello era acorde con la expectativa de jugar un papel público conveniente para consolidar los propósitos que albergaban junto con Menéndez Pidal. Con un creciente pero trabajado respaldo universitario y social, el hacer de Alonso hizo una diferencia notable, ampliando per se o a través de sus colaboradores, los estudios filológicos españoles hacia los temas latinoamericanos y particularmente, argentinos, con análisis sobre su léxico gauchesco, relevamientos fonológicos en zonas andinas, estudios del guaraní. También se prodigó con publicaciones y conferencias en asociaciones regionales españolas en la Argentina, en particular con la Institución Cultural Española. Si transitó el circuito cultural trazado entre Buenos Aires y La Plata, recorrió diversas universidades de la región, hasta que, como consigna Lida, en 1941 comenzó a relacionarse con las principales de los Estados Unidos, como Chicago, Columbia, Harvard, Princeton y Los Ángeles. Leia Mais

Tessituras – Revista de Arqueologia e Antropologia. Pelotas, v.8, n.1, 2020.

Dossiê: “As Ciências Sociais em tempos de pandemia: inquietações coletivas”

Parte I – Antropologia

  • Organizadores: Tiago Lemões, Guilhermo Aderaldo, Renata Menasche

Parte II – Arqueologia

  • Organiadores: Gustavo Peretti Wagner, Danilo Bernardo

Parte III – Antropología y COVID-19 desde el Conosur

 

Tessituras – Revista de Arqueologia e Antropologia. Pelotas, v.8, n.2, 2020.

Dossiê: “Antropologia Biológica”

  • A proposta deste Dossiê é reunir um conjunto de artigos que contemplem as diversas abordagens e linhas de pesquisa abarcadas no campo da Antropologia Biológica, que se dedica ao estudo da biologia humana e dos mecanismos de evolução biológica, herança genética, adaptabilidade, variação e variabilidade biocultural e contexto mortuário humano, com vistas à compreensão da natureza biológico-evolutiva e das interfaces biológico-culturais da espécie humana e de outras espécies de primatas, com importantes repercussões às pesquisas de áreas e disciplinas correlatas, incluindo a Antropologia e a Arqueologia. Dessa forma, e destacando as diferentes dimensões e campos da ciência antropológica, convidamos pesquisadoras e pesquisadores da área da Antropologia Biológica para que submetam seus trabalhos, considerando a relevância da difusão sistemática de pesquisas realizadas no âmbito dessas ciências e de seu contínuo desenvolvimento no cenário internacional e nacional – incluindo, nesse caso, o surgimento de novos centros de pesquisa relacionados ao tema no Brasil e a importância desse tema na formação de pesquisadores e no ensino a nível de graduação e de pós-graduação.

Editorial

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Artigos

Dossiê Antropologia Biológica

 

Procesos Históricos. Mérida, n.038 (19) 2020.

Julio-Diciembre 2020

Artículos

Memoria y Fotografía

Documentos

Obituario

 

Procesos Históricos. Mérida, n.037 (19) 2020.

Enero-Junio 2020

Editorial

Artículos

Reseñas bibliohemerográficas

Documentos

Almanack. Guarulhos, n.24, 2020.

Almanack. Guarulhos, n.24, 2020.

Palavras para debate

Dossiê

  • O URBANO E O GLOBAL NA ERA MODERNA EM UMA PERSPECTIVA COMPARATIVA | Dantas, Mariana; Hart, Emma
  • SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO E JAMESTOWN (VIRGINIA): HIPÓTESES PRELIMINARES SOBRE REBELIÕES, CIDADES E ESPAÇOS NAS AMÉRICAS (1660-1677) 1 | Figueiredo, Luciano
  • ATLANTIC AND LOCAL: SCALES OF INTERDEPENDENCE IN EIGHTEENTH CENTURY CHARLESTON, SOUTH CAROLINA | Hart, Emma
  • RIO DE JANEIRO AND THE SILVER MINING ECONOMY OF POTOSI: TRANS-IMPERIAL, GLOBAL, AND CONTRACTUAL APPROACHES TO SOUTH ATLANTIC MARKETS (18TH CENTURY) | Bohorquez, J.
  • GLOBAL PORQUE ESCRAVISTA: UMA ANÁLISE DAS DINÂMICAS URBANAS DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1790 E 1815 | Santos, Ynaê Lopes dos
  • GLOBAL CITIZENS: URBAN CITIZENSHIP IN THE CONSTRUCTION OF ENGLISH AMERICA | Musselwhite, Paul
  • THE PEOPLING OF AN AFRICAN SLAVE PORT: ANNAMABOE AND THE ATLANTIC WORLD | Sparks, Randy J.
  • COMÉRCIO TRANS-IMPERIAL E MONARQUISMO NO RIO DA PRATA REVOLUCIONÁRIO: MONTEVIDÉU E A PROVÍNCIA CISPLATINA (1808-1822) | Prado, Fabricio
  • UMA ECONOMIA EM OUTONO: TRABALHADORES ESCRAVOS LIGADOS AO LABOR | Caetano, Rodrigo
  • ORDENAMENTO TERRITORIAL DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS: MINAS GERAIS, SÉCULOS XVIII-XIX | Carrara, Angelo Alves; Machado, Pedro José de Oliveira
  • OS “PRIVADOS DOS REIS” E AS “PESSOAS PARTICULARES”: OS CONCEITOS DE PRIVADO E PARTICULAR NO ANTIGO REGIME PORTUGUÊS (SÉCS. XVII-XVIII) | Reis, Renato de Ulhoa Canto

Resenha

  • RELAÇÕES DE PODER NA CULTURA ESCRITA E VISUAL NO “LONGO SÉCULO XIX” BRASILEIRO | Silva, Lilian M
  • ANCESTRALIDADE NA HISTÓRIA E NA MÚSICA: O BERIMBAU/URUCUNGO NOS SÉCULOS XIX E XX NO BRASIL E EM ANGOLA | Rodrigues, Jaime
  • AUTONOMIA COMO AGÊNCIA: O CARÁTER POLIFACETADO DA HISTÓRIA DE LUTA INDÍGENA NO ESPÍRITO SANTO | Macedo, Camilla de Freitas

Hablando de historia. Lo cotidiano/las costumbres/la cultura | Pilar Gonzalbo Aizpuru

En enero de 2018 tuvo lugar, en El Colegio de México, el coloquio Hacia una NuevaHistoria de la Vida Cotidiana. En Donde Todos Tenemos Algo que Decir, organizado por elSeminario de Historia de la Vida Cotidiana que la misma institución alberga. Alencuentro concurrió una veintena de estudiosos de la cotidianidad: algunos, los más,habituales del seminario -y de sus publicaciones-; otros, los menos, participantesesporádicos en las actividades del grupo, estudiosos del pasado cuyos trabajos pueden,con cierta facilidad, englobarse en la temática general del seminario. Las conferenciasdictadas, repartidas en seis mesas, terminaron por integrarse en un volumen más de losque, desde hace tres décadas, edita el seminario;1 a la par, Pilar Gonzalbo -cabeza del grupo desde susprimeros momentos de existencia y coordinadora del coloquio- decidió tomar nota de laspreguntas formuladas por los asistentes, agregar las que, regularmente, llegaban a ellavía correo electrónico y redes sociales, y dar respuesta a todas a través de un librodonde, de paso, le permitiera presentar los conceptos que, en términos generales, rigensu quehacer historiográfico. El resultado de sus afanes es Hablando de historia.Lo cotidiano, las costumbres, la historia, al que se dedican estas breveslíneas. Leia Mais

Intersecções do exílio: redes artísticas transnacionais, associações e colaborações | MODOS. Revista de História da Arte | 2020

O dossiê Intersecções do exílio: redes artísticas transnacionais, associações e colaborações surgiu de nosso interesse mútuo pelo tema, que desenvolvemos em pesquisas e artigos recentes.

Considerando que processos de migração, no campo das artes, desempenham papel crucial na criação e difusão de ideias, conceitos e novas formas de expressão artística, rompendo barreiras entre “centro” e “periferia” e estilhaçando cânones e modelos, buscamos, com nosso dossiê, estimular o debate e a reflexão sobre a constituição de redes criativas e de coletivos artísticos ao redor do globo. Não se trata, evidentemente, de menosprezar os efeitos nefastos de migrações forçadas na vida de indivíduos, grupos sociais e comunidades, mas de discutir o potencial transformativo de intercâmbios diversos no campo das artes. Interessava-nos, em particular, discutir a formação de grupos formais ou informais que desafiaram narrativas historiográficas, sobretudo as produzidas no universo europeu e norte-americano, diversificaram formas de intervenção e exposição e definiram novas geografias de intercâmbio. Leia Mais

Pensar e fazer cidades: história urbana e patrimônio cultural | Temporalidades | 2020

A cidade, na sua forma contemporânea, apresenta uma série de desafios à pesquisa histórica. Primeiramente pelas múltiplas e diversas realidades que ela concentra, densamente, em um mesmo recorte geográfico, mas também pelas complexas temporalidades que a atravessam, pelo seu modo veloz de expansão e transformação, marcado por uma sucessão ininterrupta de obras, demolições, reformas e remoções. O primeiro olhar direcionado ao centro de uma grande metrópole, neste início de século XXI, avista um amontoado de edifícios imponentes, andaimes e guindastes. Uma paisagem de concreto, luzes e vidraças que, como diria Walter Benjamin, parece em certos aspectos “já ser uma ruína” antes mesmo de começar a desmoronar (BENJAMIN, 2013, p. 195). Leia Mais

Entrevistar ¿para qué?: múltiples escuchas diversos cuadrantes | Graciela de Garay Arellano, Jorge Eduardo Aceves Lozano

Cualquiera que se haya detenido un momento para apreciar el intrincado y bello trabajo puesto en la elaboración de un tejido, con seguridad ha experimentado el enorme placer de admirar, tanto con la vista como con el tacto, una obra de esta naturaleza: la maravilla de la forma y composición del entramado, las texturas, la diversidad de los colores, las figuras que se realizan o el tipo de hilado. No obstante, el espectador pocas ocasiones tendrá la oportunidad de presenciar de cerca el proceso de hechura, de contar con tiempo suficiente para observar cómo cada hebra se articula con la otra, o la creatividad, originalidad y habilidad de la artesana que lo urde. Leia Mais

Viagens e relatos: representações e materialidade nos périplos de latino-americanos pela Europa e Estados Unidos no século XIX | Stella Maris Scatena Franco

Por uma série de motivos, os livros de viagem têm despertado, ao longo do tempo, considerável interesse e conquistado gerações de ávidos leitores, estando como que inscritos na cultura ocidental. É extensa a lista de autores que marcaram época com seus relatos e ainda hoje são objeto da atenção de leitores e estudiosos, tais como Heródoto (séc. V a.C.), Marco Polo (1254-1324), Américo Vespúcio (1454-1512) ou Alexander von Humboldt (1769-1859). De formatos variados e natureza essencialmente híbrida, as obras que contêm relatos dos sucessos e desventuras dos viajantes por povos e culturas estranhos despertaram tamanho interesse basicamente por duas razões – especialmente nos últimos 500 anos: a) primeiramente, tendiam a satisfazer a curiosidade do público leitor europeu a respeito dos outros – fossem eles asiáticos, árabes, africanos ou nativos americanos – em meio à expansão comercial/colonial dos tempos modernos, por vezes afigurando-se como únicas formas de informação em um mundo sem cinema, rádio, televisão ou internet; b) segundo, tendem a abrir – em menor ou maior grau – uma porta para a intimidade do autor/viajante, revelando aspectos da sua subjetividade difíceis de se captar em obras diversas, de cunho ensaístico – e por isso ainda fazem sucesso nos dias atuais, ao lado dos diários pessoais e das autobiografias, propriamente ditas. Leia Mais

Transnational South America: Experiences, Ideas, and Identities, 1860s1900s | Ori Preuss

Transnational South America, de 2016, é o segundo livro publicado do historiador americanista Ori Preuss. Professor do Instituto de História e Cultura da Universidade de Tel-Aviv, Preuss estuda os intercâmbios transnacionais entre as capitais sul-americanas da passagem do século XIX para o XX. Trabalhando com fontes relacionadas ao fluxo de ideias e pessoas, o objetivo central dos trabalhos do autor tem sido analisar a formação histórica de um espaço denominado América Latina. Para isso, dialoga com o campo da História transnacional que, na última década, passou a questionar veementemente o conceito de Estado-nação como unidade de análise.

Imbricado na tarefa de construir categorias espaciais transnacionais cabíveis para a análise historiográfica, Preuss elegeu o processo de modernização do final do século XIX como o momento de intensificação das trocas entre os países então denominados latino-americanos. Seu grande desafio, contudo, é analisar a inserção do Brasil nesse espaço. Em Bridging the Island, publicado em 2011, o autor buscou percorrer a trajetória dos intelectuais que contribuíram para a formação de uma ideia de América Latina no Brasil. Já em Transnational South America, Preuss aumentou seu escopo ao propor um mapeamento da trajetória de ideias e pessoas que circularam entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires com o intuito de fortalecer laços latino-americanos. Leia Mais

¿Qué es el peronismo? – De Perón a los Kirchner, el movimiento que no deja de conmover la política argentina | Alejandro Grimson

A literatura sobre a vida, o legado e o impulso político gerado por Juán Domingo Perón (1895- 1974) é vasta e variada na Argentina. O ex-coronel do Exército governou o país por dois mandatos, entre 1946-55, e por pouco menos de nove meses, entre 1973-74, sempre eleito de forma consagradora. Sua influência na vida política nacional se consolidou por meio de uma presença marcante e, sobretudo, por uma ausência que contribuiu para a formação de um personagem mítico. Golpeado, alijado do poder e levado a um exílio compulsório de quase duas décadas, Perón deu origem ao movimento que se tornou uma espécie de eixo definidor da vida pública por mais de sete décadas e gerou a esperança da afirmação de um país soberano, que se pautaria pela justiça social e por oportunidades para todos.

O ex-presidente construiu as bases essenciais do Estado argentino, no momento em que a indústria e a classe operária urbana se consolidavam em meio à Guerra Fria. O peronismo é um caso clássico do que se convencionou chamar de populismo latino-americano 2 . Mas sua perenidade e multiplicidade de facetas são de difícil definição e tornam impossível encontrar algo semelhante ao redor do mundo. Há uma constante batalha pelos sentidos do peronismo, que garante sua sobrevivência não como corrente ou sentimento político, mas como espaço público de disputas. Leia Mais

Fidel Castro: biografia a duas vozes | Ignacio Ramonet

O livro escrito por Ignacio Ramonet é intitulado Fidel Castro: biografia a duas vozes e foi publicado em 2016 pela editora Boitempo. A obra é uma versão atualizada da primeira edição, publicada em 2006, e aborda a trajetória de Fidel Castro, que concretizou uma revolução em Cuba em 1959. O trabalho é fruto de 300 horas de entrevistas realizadas por Ramonet, que construiu uma destacada carreira como jornalista dirigindo o jornal Le Monde Diplomatique. As entrevistas foram realizadas entre 2003 e 2005, uma obra que, como o próprio autor nomeia, é uma espécie de “livro-conversa”.

Não são poucas as biografias de Fidel Castro, afinal esse foi o homem que comandou uma revolução na América Latina em meio à Guerra Fria e teve sempre como obstáculo os Estados Unidos, o país mais desenvolvido economicamente no continente americano. O livro de Ramonet se destaca pela casualidade de uma conversa, o que faz muitas vezes a leitora e o leitor estabelecer um grau de proximidade com os interlocutores, desejando que o entrevistador aprofunde algum tema, ou mesmo querendo fazer muitas perguntas sobre os diversos assuntos que são abordados no livro. Leia Mais

As raízes clássicas da historiografia moderna – MOMGLIANO (RETHH)

MOMIGLIANO, Arnaldo. As raízes clássicas da historiografia moderna. São Paulo: editora UNESP, 2019. Resenha de: SÁ, Charles Nascimento de. Historiografia clássica e os caminhos para a história moderna. Revista Expedições: Teoria e Historiografia, Morrinhos, v. 11, jan./dez. 2020.

Conta-nos François Hartog em seu livro “Crer em História” que os anos sessenta e setenta do século XX viram a ascensão do estruturalismo e da virada linguística no campo das ciências Humanas. As ideias de que a fala e a linguagem davam sentido à existência e ao entendimento humano ganharam força nas academias e entre pesquisadores. A noção de relativismo cultural na produção do saber histórico ganhou impulso com o chamado pós-modernismo. No campo da história uma das obras mais impactantes nessa discussão foi o livro “Meta-História” do historiador norte-americano Haydem White. Tendo originado um forte debate sobre o sentido da compreensão histórica e dos limites da escrita e da ciência nessa área, ele gerou forte reação por parte da comunidade acadêmica de Clio.

A primeira grande resposta, e que se tornou base para a contestação das ideias de White, veio do historiador italiano Arnaldo Momigliano. Coube a um artigo por ele escrito servir de base para a defesa do método e da pesquisa em História. Momigliano indicou que a ele “pouco importava que os historiadores usem a metonímia ou a sinédoque, ou qualquer outro tropo, o que importa é que suas histórias devem ser verdadeiras” (HARTOG, 2017, p. 86). Seu artigo foi utilizado por Eric Hobsbawn e Carlo Ginzburg, dentre outros, em produções que estes escreveram em defesa do conhecimento histórico.

Inicia-se essa resenha com uma indicação de Haydem White para chamar atenção da importância do professor Arnaldo Momigliano no campo da historiografia. Tendo cultivado uma formação das mais relevantes e extensas na História ele desenvolveu ampla gama de estudos sobre o método histórico, questões sobre as sociedades da Antiguidade e do Renascimento, bem como análises sobre Edward Gibbon e seu método. Monmigliano foi o que se chamou scholars, isto é, indivíduos possuidores de rara e ampla erudição, com leituras vastas sobre o campo da história e suas áreas correlatas. Foi um dos grandes expoentes da escola italiana ao lado de Croce, Bobbio, Ginsburg.

Este texto reporta-se a análise do livro “As Raízes Clássicas da Historiografia Moderna” publicado no Brasil pela Editora UNESP, com um total de 252 páginas, esta obra contém seis palestras feitas por Momigliano na Universidade de Berkeley na Califórnia na Sather Classical Lectures na década de 1960, nos dizeres do próprio Momigliano a participação nesses encontros “constituem uma célebre ocasião para encontros mais amplos. Tão célebre que já foi dito que um homem faz sua reputação ao ser convidado a ministra-los, e que a perde ao fazê-lo” (MOMIGLIANO, 2019, p. 242). O livro foi anteriormente publicado no Brasil pela editora EDUSC no ano de 2004 e em bom momento vem novamente a público pela UNESP.

Para consecução do volume o autor levou quase vinte anos, entre anotações, reescritas e citações. Os assuntos aí pontuados e discutidos concentram-se em questões sobre a Antiguidade clássica e os estudos sobre o mundo e a civilização grega e romana, sua cultura, sociedade, e, de modo particular, a gênese que estes povos desenvolveram na constituição do saber histórico. Para tal abordagem ganham escopo no livro a análise de diversos historiadores do período, com destaque para Tácito, Tucídides, Heródoto, Plínio – o jovem, Plutarco, dentre outros. Encontra-se aí também a abordagem sobre a importância dos antiquários para a historiografia da época moderna, e seu posterior declínio a partir da sedimentação da história enquanto ciência no século XIX e XX. Finalizando têm-se um estudo sobre a historiografia eclesiástica.

O livro abarca comentários e observações que transitam pelo Império Romano, pelas cidades gregas, pelo mundo persa, turco, Império Bizantino e pelos castelos e mosteiros da Idade Média. Em todas as seis palestras fica evidente as correlações envolvendo a constituição do pensar e do fazer histórico entre gregos e depois romanos e sua conexão com a noção de História que se mantêm ainda hoje.

O primeiro capítulo intitula-se “a historiografia persa, a historiografia grega e a historiografia judaica”. Diferente do que se defendeu entre alguns estudiosos, para Momigliano os gregos reconheciam o caráter não linear na história e não a entendiam como cíclica. Além disso, outro ponto que também sempre foi gerador de polêmicas e atritos foi sobre a contribuição de Heródoto e Tucídides para a história. Em sua análise o autor aponta diferenças e semelhanças entre os dois escritores. Se Tucídides foi sempre visto como mais metódico em seu trabalho, mais realista em sua abordagem, as ideias e temas tratados por Heródoto, muitas das quais cheias de alegorias e fantasias, não significam que ele acreditava naquilo que escrevia, o viés crítico e reservado do “pai da história” na apresentação de muitos de seus relatos é sinal, para Momigliano, de sua apreciação com ressalvas sobre aquilo que escrevia. Outrossim, a influência e importância da historiografia judaica no mundo antigo é aí indicada e discutida.

O livro esclarece, discute, noções e ideias subjacentes aos povos antigos, bem como àqueles do Renascimento adentrando na historiografia moderna. Em todo processo de análise o autor realiza uma metodologia de longa duração no estudo de temas e conceitos subjacentes ao conhecimento histórico. Estes assuntos foram desenvolvidos na Antiguidade, com sua influência se mantendo em debates e questões levantadas a posteriori.

No capítulo intitulado “A tradição herodotiana e tucididiana” ele esclarece que “ao combinar a pesquisa com a crítica da documentação, Heródoto amplia os limites da investigação histórica” (MOMIGLIANO, 2019, p. 69). Para ele o pai da história possuía um humanismo profundo e sutileza em suas reações aos assuntos por ele abordados. Já Tucídides, mais preocupado com seu universo geográfico e sob impactos das questões políticas de seu tempo, entende o passado como chave para compreensão da situação política de sua época afinal “o presente era a base para a compreensão do passado” (MOMIGLIANO, 2019, p. 74).

Outro tema a perpassar as palestras que compõem o livro encontra-se na discussão entre a história e sua escrita. Discorre o autor sobre influências, autores e escolas na produção deste saber. No texto sobre “Fábio Pictor e a origem da história nacional” Momigliano se adensa em uma discussão sobre noções historiográficas partilhadas na Antiguidade pelos judeus, gregos e romanos. Cada grupo é aí inserido dentro de sua filosofia e ideia de história. No universo da palavra, os judeus, que tinham como base a escrita para aceitação de sua fé, representaram um dos grandes vetores na produção do saber histórico no mundo antigo, até que, devido ao entendimento de que tudo já havia sido dito, sua produção histórica definhou.

Coube a gregos e romanos a continuidade dessa discussão. Entre os romanos, diversos historiadores se consagraram ao entendimento da história de Roma e seus feitos. Entre estes estava Quinto Fábio Pictor, cujas obras evidenciaram a influência da cultura grega no mundo romano. Ele foi um dos responsáveis por trazer essa influência para aqueles que em Roma se dedicavam aos estudos de Clio. No entanto, isso não foi o mais significativo neste autor. O que realmente chamava atenção em seus textos era que ele os escrevia em língua grega. Aliado a isso sua parcimônia e objetividade na apresentação de seus estudos ocasionou um debate em que se discutia se ele não estaria fazendo propaganda e não história.

Encerrando seu livro encontra-se o texto “As origens da historiografia eclesiástica”. Nesse artigo ele discute sobre Eusébio e sua história da Igreja, ao mesmo tempo em que aponta a impossibilidade de uma história ecumênica do cristianismo a partir do século VI, na época de Justiniano, devido as diferenças entre o Ocidente e o Oriente e ao fato de a religião cristã ter se tornado cada vez mais vinculada ao Estado nessas duas partes do mundo antigo.

Momigliano começa esse capítulo contando a trajetória do monge beneditino Benedetto Bacchini e sua descoberta da obra Il Giornale dei Letterati escrita no século IX e que ele, vivendo entre o final do século XVII e início do XVIII resgatou em uma biblioteca. Essa obra era importante por trazer a discussão sobre o pallium, insígnia dada pelo papa para confirmar a autoridade de um arcebispo sobre sua sé. Antes, tal feito era exercido também pelos imperadores.

Esse assunto que abre o artigo já é apontado por Momigliano como um relato de um autor de um texto pouco conhecido. No entanto, ele ressalta que o escreveu justamente para indicar como na história eclesiástica “um acontecimento do século V, relatado por um historiador eclesiástico do século IX, ainda tinha implicações práticas no século XVIII” continua ele informando que “os precedentes têm, evidentemente, importância para qualquer tipo de história, e não há nada no passado que em determinadas circunstâncias não possa provocar paixões no presente” (MOMIGLIANO, 2019, p. 212-213).

Destaca-se na citação acima um traço perene nos estudos historiográficos e no entendimento da própria noção de historiografia. O pensar e o agir nessa área estão em sintonia com a ideia de que seu saber se faz no interior da pesquisa e escrita da história (AROSTEGUI, 2006, p. 37). Esta apreciação está em consonância com o saber e as indagações do tempo presente. No caso específico da história eclesiástica Momigliano destaca ainda em sua abordagem que “em nenhuma outra história os precedentes significam tanto como na história eclesiástica. A própria continuidade da história da Igreja através dos séculos torna inevitável que qualquer coisa que tenha acontecido no passado da Igreja seja relevante para o seu presente” (MOMIGLIANO, 2019, p. 213).

Ao caminhar assim em todas as palestras proferida na Universidade de Berkeley, e no livro que elas originaram e que só veio a ser publicado após a morte do autor, este judeu oriundo da península itálica transita com maestria por temas e ideias que são fundamentais para o entendimento da noção de história e de historiografia. Passeando por indivíduos, povos, nações, livros e ideias que surgem em um período, influenciam autores e saberes em outros, são contestados por alguns pensadores, endossados por alguns e seguem como baluartes para novas descobertas.

O pensar histórico atrela-se a períodos e tempos que se esboçam em continuidades e rupturas que a presente obra, em sua abordagem sobre temáticas da Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna, leva-nos a contemplar o processo de gênese e revisões que consolidaram essa área do conhecimento humano. Neste livro é possível observar seu caminho das cidades gregas, dos escritos judaicos, da produção romana até os dias atuais.

Uma última indicação deve aqui ser feita. Na diagramação e revisão do texto a editora cometeu dois erros. Na página 208 colocou-se “crônica do século XIX” quando o correto seria século IX. Já na página 212 fala-se em “implicações práticas no século XIII” quando o correto seria século XVIII. Esses dois erros por certo comprometem a compreensão para quem estiver mais desatento, mas não desabonam o caráter e a importância do livro. Boa leitura.

Referências

ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: EDUSC, 2006.

HARTOG, François. Crer em história. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

Charles Nascimento de Sá –Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Assis). Mestre em Cultura e Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Professor de História da Bahia e Historiografia na Universidade do Estado da Bahia (UNEB/Campus XVIII/ Eunápolis).

História e Patrimônio documental / Manduarisawa / 2020

O dossiê “História e Patrimônio documental”, da Revista Manduarisawa, foi organizado pelos historiadores e arquivistas, Leandro Coelho de Aguiar1 e Renata Regina Gouvêa Barbatho2. O presente número reúne diferentes olhares que envolvem a temática, conseguindo promover debates e reflexões em relação às práticas históricas e a concepção do conceito de patrimônio documental, que para além de sua materialidade, é um produto das dinâmicas sociais e das relações de poder.

Por ser fruto de uma temática que envolve diferentes áreas, o dossiê pode ser contemplado pela presença de autores não só da História, mas de profissionais que atuam em arquivos, bibliotecas e museus, o que permitiu enriquecer a experiência e diversificar os discursos. Composto por uma entrevista, onze artigos temáticos no dossiê, dezesseis artigos livres e um relato de experiência, o número da revista aqui apresentado pode ainda ter seu conteúdo subdivido em três categorias nos escritos sobre o “Patrimônio documental”, visto que foram abordados estudos sobre histórias de instituições custodiadoras de acervos, e dos próprios acervos, tanto como fonte de pesquisa, quanto como objeto da pesquisa.

As práticas dos profissionais que atuam no auxílio da organização, preservação e difusão dos acervos ganharam, neste dossiê, grande destaque, visto que foi permitido que o patrimônio documental ganhasse novo contorno, não só como fonte para “revelar” diferentes aspectos da nossa história, como também para serem vistos como objetos que carregam consigo suas próprias trajetórias, como já dito.

Outro elemento que ganhou destaque nesta edição foi a possibilidade de se promover uma entrevista com o historiador doutor Vitor Manoel Marques da Fonseca, atualmente coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense e que atuou no Arquivo Nacional do Brasil por trinta anos, assim como representante do Brasil no Conselho Internacional de Arquivos e no Projeto Memórias do Mundo, da UNESCO. Compartilhar sua vivência nos permite grande aprendizado e compreensão de que o universo dos acervos documentais é complexo e exige resiliência.

No mais, é necessário agradecer a toda equipe necessária para que este número fosse possível existir, à equipe editorial, pela confiança em aceitar tal empreitada, aos pesquisadores, que se propuseram a enveredar na temática e escrever acerca do assunto e aos pareceristas, que de forma profissional atuaram dentro dos prazos e nos ajudaram a apresentar um conteúdo de acordo com desejado.

Uma leitura proveitosa a todos.

Cordialmente

Organizadores

Leandro Coelho de Aguiar – Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGH / UFAM) e professor Assistente da Faculdade de Informação e Comunicação, na mesma Universidade.

Renata Regina Gouvêa Barbatho – Doutora em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e servidora da Fundação Casa de Rui Barbosa, mas atualmente encontra-se cedida ao Arquivo Nacional do Brasil.


AGUIAR, Leandro Coelho de; BARBATHO, Renata Regina Gouvêa. [História e Patrimônio Documental]. Manduarisawa, Manaus, v.4, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR].

Acessar dossiê

Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v.4, n.1 jan./jun. 2020.

Editorial

Editorial |  PDF

Apresentação

Relato de Experiência

Artigos

Resenha 

Morfologia Histórica | LaborHistórico | 2020

Com o advento do paradigma estruturalista e, dentro dele (e a partir dele), embora com algumas exceções1 , a aceitação de uma leitura a-histórica do fenômeno linguístico (MARTÍNEZ, 1993 2 ; CARVALHO, 2008 3), o peso quantitativo e qualitativo dos estudos histórico-diacrônicos sobre a língua sofreu uma séria obnubilação (KABATEK, 2007 4; MATTOS E SIVA, 2008 5; ANDERSON, 2016 6; SIMÕES NETO; OLIVEIRA; SANTOS, 2019 7), só parcial e timidamente recuperado a partir das décadas de 70 e 80 do século passado, processo que continua em marcha até os dias atuais.

A morfologia histórica, como subdisciplina da linguística histórica, não foi poupada de tal descenso, tendo o seu cultivo quase que fenecido, na Ibero-România e em outras plagas (cf. PENA, 2009 8; cf. também BUENAFUENTES DE LA MATA, 2017 9). Não obstante, parece ela experimentar o reinício de uma discreta vitalidade nos últimos anos (BASILIO, 2009 10), talvez pela redescoberta (ou ênfase) de que a estruturação e o comportamento do componente morfológico (tal como os demais âmbitos do fenômeno linguístico) moldam-se em conformidade com as características enraizadas no fluxo temporal da língua (RIO-TORTO, 2014 11). Leia Mais

Arte, História e Escrita | LaborHistórico | 2020

A proposta de organização de um dossiê sobre as diversas relações possíveis entre arte, história e escrita responde ao interesse da revista LaborHistórico, publicação semestral on-line dos Programas de Pós-graduação em Letras Vernáculas e Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, um periódico que tem como foco estudos desenvolvidos a partir de fontes escritas nos quais se destaque o labor do historiador diante de seu material de trabalho. Focada nas áreas de Filologia e Linguística Histórica, a revista busca cada vez mais a interdisciplinaridade, promovendo números relacionados com áreas diversas, como a paleografia, a história, a literatura, a história social da cultura escrita, dentre outras.

Assim, este dossiê, intitulado Arte, História e Escrita, reúne vinte artigos de pesquisadores filiados a instituições do Brasil, Espanha, Argentina, Itália, México, Chile e Estados Unidos, principalmente relacionados com a História da Arte, que refletem sobre o labor do historiador da arte diante de suas fontes de trabalho. O próprio conceito de fonte escrita, sua definição, suas diferentes tipologias e caraterísticas se constituem como elementos vertebradores da reflexão, assim como os diferentes modos possíveis de tratamento destas fontes na Historia da Arte e sua importância para a construção da disciplina. Leia Mais

História e histórias do léxico: diferentes perspectivas | LaborHistórico | 2020

“[…] o léxico representa a janela através da qual uma comunidade pode ver o mundo, uma vez que esse nível de língua é o que mais deixa transparecer os valores, as crenças, os hábitos e costumes de uma comunidade […]” (OLIVEIRA; ISQUERDO, 2001, p. 9)1

Justamente por vermos o mundo de uma forma singular, através de janelas diferentes, este dossiê recebeu muitos textos sobre temas das ciências do léxico em diferentes perspectivas. O presente número da revista LaborHistórico inclui um dossiê temático sob o mote de “História e histórias do léxico: diferentes perspectivas”. A esse dossiê se somam, sob o mesmo tema, um glossário relativo a uma fonte linguística e, também, a resenha de uma obra de referência na área da Lexicologia.

No dossiê temático são reunidos 22 artigos que representam vários âmbitos, domínios e abordagens das chamadas “ciências do léxico” − lexicologia, lexicografia e terminologia, com as suas sub-especialidades −, abrangendo quer uma perspectiva diacrônica quer uma perspectiva sincrônica. Plasmada no índice, a organização dos textos obedeceu a uma dupla lógica: arrolar, por um lado, os trabalhos que tratam de problemáticas ou assuntos de cariz geral em algumas das três áreas acima mencionadas e considerar, por outro, tanto quanto possível, o arco cronológico contemplado em cada trabalho.

Assim, o dossiê abre com um artigo de Susana Maria Duarte Martins (Universidade Nova de Lisboa) sobre A definição enquanto elemento nuclear na organização do conhecimento: das teorias epistemológicas à formulação de definições em Língua Natural (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35130), trabalho no qual a autora tece considerações epistemológicas a propósito do conceito de “definição”, que é fundamental na investigação desenvolvida no âmbito das ciências do léxico.

A seguir, no trabalho intitulado Ideofones e realia em um dicionário bilíngue Santome/Português (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.33700), Gabriel Antunes de Araújo (Universidade de Macau, Universidade de São Paulo) detém-se na aplicação de dois conceitos linguísticos (“ideofone” e “realia”) a uma obra lexicográfica bilingue que confronta o crioulo sãotomense e o português.

Fenômeno transversal e comum às várias disciplinas que estudam o léxico, a variação lexical coloca problemas de várias naturezas não só aos lexicógrafos como a outros estudiosos do léxico, seja este considerado numa perspectiva histórica, seja numa perspectiva sincrônica. O artigo de Américo Venâncio Lopes Machado Filho (Universidade Federal da Bahia), Ivan Pedro Santos Nascimento (Universidade Federal da Bahia) e Lisana Rodrigues Trindade Sampaio (Universidade Federal do Recôncavo Baiano) contribui precisamente para a reflexão e problematização sobre a Variação lexical no contexto das obras lexicográficas (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.33469).

O contato entre línguas é outro aspecto transversal às disciplinas específicas do estudo do léxico, já que todas elas lidam com os efeitos do contato interlinguístico, vale dizer, da influência das línguas sobre outras. Desse fenômeno trata o artigo Vías de entrada de los lusismos al léxico español (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35098), de Alejandro Fajardo (Universidad de La Laguna), cujo foco está na influência do português sobre o léxico espanhol.

No âmbito da lexicografia, inscreve-se igualmente o trabalho Questões diacrônicas das Ciências do Léxico: a dicionarização de brasileirismos no campo semântico da fauna e flora (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.31887), de Manoel Messias Alves da Silva (Universidade Estadual de Maringá) e Luana Vitoriano (Universidade Estadual de Maringá), que, retomando um tema já clássico nos estudos lexicológicos e lexicográficos do português do Brasil – os “brasileirismos” –, se debruçam sobre o campo semântico da fauna e da flora.

Em seguida, no artigo Tendências metafóricas no léxico português: o que os dicionários não dizem (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35048), Esperança Cardeira (Universidade de Lisboa) e Alina Villalva (Universidade de Lisboa) tratam das tendências metafóricas no léxico português e trazem uma contribuição sobre um tópico candente nos estudos lexicológicos e lexicográficos do português.

Inscrito no domínio da morfologia lexical, o artigo O método histórico-comparativo e a sua validade para o estudo da morfologia lexical: síntese de uma proposta de aplicação ao galego-português e ao castelhano (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35118), de Mailson Lopes (Universidade Federal da Bahia), questiona o método histórico-comparativo como modelo para uma proposta de aplicação a duas línguas, o galego-português e o castelhano, procurando mostrar a validade do referido método.

Na área da lexicologia e, em concreto, no domínio da neologia técnico-científica e no da neologia expressiva (expressiva, humorística e lúdica), insere-se o estudo Renovação do Léxico no Português brasileiro e europeu. Da neologia técnico-científica à neologia expressiva, humorística, lúdica (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.33323), de Graça Rio-Torto (Universidade de Coimbra), que atenta no processo de renovação lexical tanto no português brasileiro como no português europeu.

No âmbito da lexicologia histórica, o artigo Léxico e História da Escravatura: reflexões críticas a partir de documentos históricos (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35125), de Eliana Correia Brandão Gonçalves (Universidade Federal da Bahia), trata do léxico relacionado com a história da escravatura no Brasil, baseando-se em documentos históricos relativos ao Brasil.

Exemplo de uma abordagem histórica em lexicologia, o trabalho Histórias de famílias de palavras: o caso de “laranja” e “cidra” (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35389), de Alina Villalva (Universidade de Lisboa), centra-se no estudo da história de famílias de palavras e, em concreto, nos casos das unidades “laranja” e “cidra”, constituindo um exemplo de investigação de microssistemas lexicais.

No âmbito da lexicologia inscreve-se também o estudo The magic words: Lexicon of the associative field of magic in the medieval cantigas (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35283), de Sandro Marcío Drumond Alves Marengo (Universidade Federal de Sergipe) e de Rafael Marques Ferreira Barbosa Magalhães (Universidade Federal da Bahia), que trata das palavras do campo da magia em cantigas medievais.

Ainda nessa área de especialidade, na interface filologia e ciências do léxico, integra-se a análise realizada por Fidel Pascua Vílchez (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Sermo de vinculis sancti Petri apostoli: un estudio sobre los folios 165v y 166r del manuscrito Ms528 de Cambrai (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.34383), sobre alguns fólios de um manuscrito latino do século XII de autoria desconhecida.

Também no domínio da lexicologia, o artigo de Renata Ferreira Costa (Universidade Federal de Sergipe), de Larissa Pinheiro Santos (Universidade Federal de Sergipe) e de Letícia Santos (Universidade Federal de Sergipe) (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35305) aborda um campo semântico específico, o do curandeirismo, com base inquéritos policiais do século XIX.

Tomando o jornal “A Tarde” (1914-2014) como corpus lexical, Liviane Gomes Ataíde Santana (Universidade Estadual de Feira de Santana) estuda a variação lexical e a implementação da mudança no campo semântico do roubo no material em apreço. O artigo A variação lexical e a implementação da mudança no campo semântico do roubo no jornal “A Tarde” (1914-2014) (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.34021) expõe os resultados do referido estudo.

O trabalho intitulado De “toxicomania” a “dependência química”: uma análise na perspectiva da lexicologia sócio-histórica (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.31526), de autoria de sete pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais – André de Sousa Figueiredo Freitas, Bárbara Vieira de Oliveira, Daiane Soares Bertolino, Leopoldina Aparecida Lopes, Mayta Ferreira Machado, Vinícius Ramede de Paula Pinto e César Nardelli Cambraia –, é um exemplo da uma perspectiva sóciohistórica no âmbito da lexicologia. Nesse artigo, os autores analisam o processo que, da “toxicomania”, conduziu à “dependência química”.

Centrado no romance “Cascalho”, o texto de Antonio Marcos de Almeida Ribeiro (Universidade Estadual de Feira de Santana) – Os tabus linguísticos no romance “Cascalho” de Herberto Sales (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35108) – trata de um problema linguístico e cultural que envolve a sexualidade: os “tabus linguísticos”.

De caráter lexicológico e dialetológico, o trabalho Pelos caminhos do Ceará, por meio das frestas do léxico (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35141), de Expedito Eloísio Ximenes (Universidade Estadual do Ceará) e de Ticiane Rodrigues Nunes (Universidade Estadual do Ceará), explora as “frestas do léxico” no território do Ceará por meio de duas fontes documentais de período distintos.

Da perspectiva dialetológica nos estudos do léxico, temos outro exemplo no trabalho As marcas regionais lexicais do português falado em Colíder – MT (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.34945), de Maria José Basso Marques (Universidade Federal de Mato Grosso) e de Manoel Mourivaldo Santiago-Almeida (Universidade de São Paulo), no qual os autores recenseiam e estudam os regionalismos do português falado em Colíder, no estado do Mato Grosso.

Em seguida, apresenta-se um trabalho sobre um outro campo das Ciências do Léxico. Da antroponímia, como especialidade no âmbito da onomástica, é exemplo o artigo Recuperando a história do léxico antroponímico brasileiro (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35110), de Juliana Soledade (Universidade de Brasília), que visa recuperar a história de parte do léxico antroponímico brasileiro.

Ainda na esfera da Onomástica, explorando a relação entre antroponímia e toponímia, Jeander Cristian da Silva (Universidade Federal de Minas Gerais) estuda a origem do nome “Betim”, um (antropo)topônimo (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.35087).

O artigo Contributos para o estudo da potamonímia portuguesa a norte do Mondego (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.33930), de Carlos Rocha (Ministério da Educação Portugal, Ciberdúvidas da Língua Portuguesa), também traz contribuições para os estudos onomásticos, de forma particular para os estudos sobre a potamonímia portuguesa a norte do Mondego, texto que representa o domínio especializado dos nomes de rios.

Por fim, Thyago José da Cruz (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) apresenta um trabalho Fraseografia: perspectivas históricas, contemporâneas e grau de autonomia (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.34767), que considera as unidades lexicais no plano fraseográfico, avaliando o seu grau de autonomia e trazendo achegas tanto históricas como contemporâneas.

Além dos artigos ora apresentados, o dossiê “História e histórias do léxico: diferentes perspectivas” inclui um glossário e uma resenha. O Glosario de términos astronómicos y astrológicos del Lybro de magyka (Ms. 5.2.32, Biblioteca Colombina, Sevilla) (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.34263), elaborado por Aléxia Teles Duchowny (Universidade Federal de Minas Gerais) e Giovana Figueiredo Santos (Universidade Federal de Minas Gerais), cuja função é registrar e popularizar itens lexicais, compõe-se de unidades extraídas do manuscrito quinhentista “Lybro de magyka”, da Biblioteca Colombina em Sevilha, Espanha. Já a resenha de Cezar Alexandre Neri Santos (Universidade Federal de Alagoas) apresenta e comenta, de forma crítica, a obra “The Oxford Handbook of Names and Naming”, editada por Carole Hough e publicada pela Oxford University Press, em 2016 (https://doi.org/10.24206/lh.v6i3.32696).

Para realçarmos os temas abordados neste volume, a partir da multiplicidade de domínios e de perspectivas no âmbito das ciências do léxico incluídos neste dossiê, elaboramos uma nuvem com todas as palavras-chave dos trabalhos aqui publicados, sendo que essas palavras foram visualmente hierarquizadas em função do número de ocorrências.

Esse infográfico nos permite reafirmar a diversidade temática de que o léxico é objeto, em “diferentes perspectivas” e, ao mesmo tempo, perceber as múltiplas convergências e cruzamentos possíveis/necessários nessa área de estudo.

Nota

1 OLIVEIRA, A. M. P. P. de; ISQUERDO, A. N. Apresentação. In: OLIVEIRA, A. M. P. P. de; ISQUERDO, A. N. (Orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. 2. ed. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2001.


Organizadores

Maria Filomena Gonçalves – Universidade de Évora.

Marcus Vinícius Pereira das Dores – Universidade de São Paulo.


Referências desta apresentação

GONÇALVES, Maria Filomena; DORES, Marcus Vinícius Pereira das. Apresentação. LaborHistórico. Rio de Janeiro, v.6, n.3, p. 10-15, set./ dez. 2020. Acessar publicação original [DR]

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Retrotopia | Zygmunt Bauman

As primeiras publicações do autor surgiram no Brasil, nos anos de 1970. Poucos textos foram traduzidos nas décadas seguintes, todavia ocorrendo uma inflexão editorial em 1998, com O mal-estar da pós-modernidade e Modernidade e holocausto. Alguns anos depois, com Modernidade Líquida, esse escritor polonês tornou-se conhecido e apreciado para além do ambiente acadêmico e começou a ser discutido como teórico da modernidade líquida. A partir de então, seus livros eram traduzidos aqui tão logo lançados originalmente na Inglaterra, onde lecionou. Duas características pouco comuns destacam-se: escritor prolífico e editoração rápida, ambas de alta qualidade. Mais de quarenta títulos estão publicados no Brasil. Retrotopia, lançado na Europa, em 2017, foi o último escrito pelo autor, falecido nesse mesmo ano.

Bauman expôs, ao periódico alemão Der Spiegel, em setembro de 2016, o projeto sobre o qual trabalhava e que se transformaria no livro. Terrorismo, crise financeira, estagnação econômica, desemprego e precariedade colocavam em xeque a ideia de progresso, destruindo esperanças e gerando desapontamentos: “uma vez que não consigo encontrar a felicidade no futuro, volto-me para o passado” (BAUMAN, 2016, p. 124). A rearticulação temporal quanto ao novo termo não era privilégio dos estudos do sociólogo polonês naquele momento. Enquanto Bauman rascunhava seu projeto sob o espírito de desencantamento, era lançado o livro de mesmo título escrito pelo norte-americano John Michael Greer. O romance futurista tem como cenário uma América do Norte esfacelada por conflitos e misérias. Em meio às novas repúblicas decadentes, somente uma alcança a prosperidade ao voltar-se para o passado na busca de modelos. Leia Mais

Os desafios da pesquisa a partir do olhar do professor (a)- pesquisador (a): reflexões teórico-metodológicas sobre o campo de ensino de história / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2020

Quem são e o que observam as(os) professoras(es)-pesquisadoras(es) de História? 1

Por isso, lhe digo: Professor: trate de prestar atenção ao seu olhar. Ele é mais importante que os seus planos de aula. O olhar tem o poder de despertar ou, pelo contrário, de intimidar a inteligência. O seu olhar tem um poder mágico! (ALVES, 2004, p.2).

Nos primeiros anos do século XXI, o educador Rubem Alves ao chamar atenção para a maneira como o professor vê a escola, os alunos e a prática docente, ele também advertia as instituições formadoras de professores e seus modos de educar o olhar desses sujeitos. Para o autor, os espaços de formação precisariam adotar como estratégia de resistência e sobrevivência aos ataques da mídia e dos grandes grupos econômicos a competência profissional do professor, o que chamou de educação do olhar. Essa pedagogia consiste, no exercício político e estético, em fazer com que o professor enxergue não só as limitações tão bem propagadas, mas, as potencialidades da rede de ensino.

Nesse sentido, o alerta sobre o cuidado que o professor deve ter com o seu olhar, surge num primeiro momento como uma crítica ao movimento de desvalorização e negação da capacidade intelectual e pedagógica do professor na década de 1990. Com a ascensão das políticas neoliberais no campo educacional, o professor passa a ser visto como o elemento mais frágil do processo educativo escolar. Para esses agentes, o motivo dos baixos indicadores na educação básica são os professores mal formados, pois, não sabem ensinar, por isso, as crianças não aprendem. Por isso, o escritor Rubem Alves, faz questão de enfatizar a necessidade de o professor estar atento ao seu modo de ver de modo que não reproduza esse negacionismo. Assim, essa preocupação desdobrou-se numa convocatória as instituições de ensino, na tentativa de fazer com que a formação inicial e continuada dos professores pudessem ter uma leitura mais ampliada do espaço escolar, de modo que, esses futuros profissionais não fossem ensinados a ver a precariedade e a ausência, mas, a presença e a abundância de práticas desenvolvidas por professores para reagir ao descaso e o abandono.

Na crônica intitulada o olhar do professor, embora, o escritor esteja preocupado com a necessidade de implementar uma nova ética e um outra estética nos cursos de formação de professores, de modo a ensinar a esse profissional, a ver a beleza, a alegria e a criatividade produzida por inúmeros profissionais que estão no chão da escola, ela também nos ajuda a pensar em outros deslocamentos que os profissionais da educação precisam realizar. Entre os inúmeros movimentos necessários, entendemos ser urgente, o professor precisa a aprender a realizar o movimento chamado por Paulo Freira de gnosiológico, ou seja, o professor precisa aprender a fazer a passagem de um olhar curioso para um olhar epistemológico. Para Freire, o movimento inicia com uma curiosidade simples, que “tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho chamando de „curiosidade epistemológica‟.” (FREIRE, 1996, p.31).

Logo, o trecho da crônica de Rubem Alves usado na abertura do presente dossiê além de problematizar a importância da formação social, política e cultural do professor para não excluir crianças e adolescente do processo de aprendizagem, ele nos permite fazer um exercício de reflexão sobre o processo de transformação do olhar do professor como professor-pesquisador que atua no campo da História e do Ensino de História. Desse modo, a apresentação estimula a investigação sobre o perfil do professor-pesquisador, o tipo de pesquisa desenvolvida pelo professor-pesquisador, as condições sociais e econômicas do professor-pesquisador para realizar a pesquisa, e, por fim, os laços existentes entre o movimento de formação de um grupo de professores pesquisadores de História e o movimento de professores das conhecidas escolas secundárias inglesas, cuja ação contribuiu para a criação do conceito de professores pesquisadores.

No primeiro momento, podemos pontuar que o campo da História tem utilizado a expressão Historiador (a) para designar as ações daqueles que realizam atividades de pesquisa, comunicação, curadoria e gerenciamento de acervo documental. O historiador de oficio é aquele que trabalha com documentos em arquivos para produzir conhecimento historiográfico. Conforme definiram as pesquisadoras Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen (2016), o historiador é um intelectual mediador da cultura, ou seja, aquele profissional voltado para produção e difusão do conhecimento histórico que tem um impacto direto ou indiretamente no contexto sociopolítico. Tal designação, embora reivindicada por todos os profissionais formados em História, quase nunca é empregada para denominar os licenciados em história que atuam na educação básica, pois, para o campo, o historiador é aquele que apresenta um trabalho historiográfico.

Nota-se em editais, circulares, cartazes, folders e demais documentos pedagógicos que o termo empregado para denominar o formado em História que atua na Educação Básica é professor de História. Do mesmo modo, percebemos que a expressão Historiador(a) também não tem sido utilizada para designar aqueles que estudam no Mestrado Profissional em Ensino de História (Profhistória) ou os já formados (mestres). E apesar da professora-pesquisadora Verena Alberti, demonstrar que o exercício dos professores de história em sala de aula se assemelha as atividades desenvolvidas pelos pesquisadores nos arquivos ou centros de memória, pois, “fazermos as escolhas, (…) temos alguns objetivos (aquilo que gostaríamos que nossos alunos aprendessem) e as etapas e métodos para alcançarmos esses objetivos. O resultado final não é um artigo, uma dissertação ou uma tese, mas um monte de vozes, gestos (…)”(ALBERTI, 2014, p.2), constatamos que o movimento de reconhecimento do trabalho do professor da educação básica como um trabalho intelectual ainda é pontual, e, que, a distinção entre os que produzem e os que ensinam história ainda se faz presente e candente no campo.

Nesse sentido, organizar um dossiê que propõe o debate sobre os desafios da pesquisa a partir do olhar do professor-pesquisador é explicar quem são e o que observam. Já que se trata de uma expressão pouco usual no campo da história e ensino de história. O termo professor-pesquisador surgiu em 1960 na Inglaterra a partir de um movimento docente que lutou contra as imposições dos órgãos do governo sobre o currículo do Ensino Secundário (FAGUNDES, 2016, p.284). O conceito professor pesquisador criado pelo professor Stenhouse (1975) e sistematizado pelo Schon (1983), nasceu do reconhecimento da prática de um grupo de professores que preocupados com a melhoria da aprendizagem dos alunos, organizaram-se politicamente e pedagogicamente para pautar o currículo que consideravam mais adequado. A definição currículo foi fruto da observação, reflexão e pesquisa dos professores londrinos.

No Brasil, o debate sobre o perfil e as ações dos professores-pesquisadores, iniciou em 1980 e ganhou força na década de 1990 no campo da Pesquisa em Educação. Tanto que, Paulo Freire será contundente em Pedagogia da Autonmia, ao afirmar que “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”(FREIRE, 1996, p.30). Os estudos da pesquisadora Fagundes (2016), apontam que o conceito de professor-reflexivo foi assimilado nas pesquisas educacionais brasileiras através do paradigma do professor reflexivo. Perspectiva preocupada em investigar os saberes construídos na ação(tácita e espontânea), pela característica do conhecimento produzido naquele determinado lugar, espaço e tempo.

No campo da História e Ensino de História, a repercussão do debate apresentou impactos distintos. Enquanto que, no campo da História o termo não é utilizado por conta da existência de um termo próprio e cuja preocupação concentra-se na legitimação desse lugar a partir do processo de regulamentação da profissão de historiador (FAGUNDES, 2017, p. 38), no campo do Ensino de História, começa a aparecer os primeiros sinais do uso do termo professor-pesquisador, embora o significado ainda esteja pouco definido. O termo vai aparecer como título de uma disciplina ofertada pelo Profhistória, programastricto sensu criado em 2014 com o objetivo de oferecer uma formação continuada “que contribua para a melhoria da qualidade do exercício da docência em História na Educação Básica” (SITE UFRJ / PROFHISTÓRIA).

Na ocasião, analisamos a ementa da disciplina “Metodologia no Ensino de História: o pesquisador-professor e o professor-pesquisador”, buscando observar os sentidos atribuídos pelo campo do Ensino de História ao termo professor-pesquisador. Conforme pontuamos, a presença do termo no campo tem pouca representatividade, embora haja uma disciplina. Os sentidos empregados pelo campo do ensino de história ao termo se aproxima da noção desenvolvida pelo pesquisador Stenhouse (1975), ou seja, o mestrando é estimulado a refletir sobre a escola, currículo, práticas e etc, conforme, pode ser observado na proposta da ementa: “O método de pesquisar História e o método de ensinar História. A pesquisa histórica no ensino de História. A importância do professor-pesquisador. A importância dos alunos-pesquisadores. A utilização de oficinas em sala de aula (…)”. (SITE UFRJ / PROFHISTÓRIA). Por fim, reconhecemos que o desdobramento social e político do termo ainda precisa ser ampliado. Haja vista que, fica claro para nós que, o professor-pesquisador retratado pelo campo é o professor da educação básica que está preocupado em problematizar questões que emergem do cotidiano escolar e do chão da sala de aula.

Desse modo, ao assumir um postura crítica as perspectivas tecnocráticas e instrumentais subjacentes que separam a conceitualização, o planejamento e a organização curricular da execução, o campo do Ensino de Historia inicia um movimento de reconhecimento do professor de história como intelectual, pesquisador e sujeito político que está preocupado em, conforme nos aponta Sebastian Plá “comprender mejor los procesos de construcción de significados sobre El pasado dentro de La escuela” (PLÁ, 2014, p. 163)

Dessa forma, o presente dossiê reuniu pesquisadoras (es) de diferentes regiões do Brasil, para pontuar as reflexões que o leitor irá encontrar no dossiê sobre as diversas perspectivas teóricas que influenciam na produção de sentido, os procedimentos e as estratégias de análise utilizados pelos diferentes pesquisadores da área de ensino de história, o impacto dos programas de formação docente (PIBID, Profhistória, Residência Pedagógica e PET) na produção e difusão do conhecimento histórico, os desdobramentos do diálogo entre história, educação, psicologia e antropologia no desenvolvimento de instrumento de pesquisa sobre ensino e aprendizagem, os fundamentos epistemológicos do campo.

O debate sobre a produção intelectual dos professores está organizado em duas partes. A primeira parte, os pesquisadores discutem a prática docente e a formação continuada desse professor(a)-pesquisador(a) e num segundo bloco sobre metodologias do ensino desenvolvidas em sala de aula para caracterizara perspectiva artífice do professor(a)-pesquisador(a) que estuda, ler, planeja, elabora e expõe ao público, no caso, os seus aprendentes.

Para acompanhar esse trabalho intelectual que é desenvolvido pelos professores(as), Rafael Monteiro de Oliveira Cintra, no texto intitulado Professores de História sob a perspectiva de Estética e Política em Jacques Rancière: reflexões sobre possíveis abordagens teóricas e metodológicas,traz uma reflexão sobreaulas de História a partir das noções de “Estética” e “Política” (re)definidas por Jacques Rancière. Para tal, explora práticas de uma professora de História do ensino básico de uma escola pública da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, buscando apresentar a potencia poética e intelectual do fazer pedagógico.

Em seguida, a professora Margarida Maria Dias de Oliveira e o professor Itamar Freitas de Oliveira, no artigo Desafios do mestrado profissional na reinvenção do campo do Ensino de História, abordam as alterações políticas e epistemológicas no campo do Ensino de História, provocadas pela organização em rede das instituições associadas ao Mestrado Profissional em História (PROFHISTÓRIA) no Brasil. Os autores analisam o currículo prescrito do curso para as disciplinas obrigatórias – Teoria da História e História do Ensino de História –, buscando identificar o comum nas propostas ao que se refere aos objetivos, objetos, assuntos e bibliografia.

Sobre o exercício intelectual na sala de aula, o dossiê traz uma discussão sobre ensino e imaginação. O professor Nilton Mullet Pereira, no trabalho O que pode a imaginação na aprendizagem histórica? Propõe um debate sobre o que se ensina e o modo como se ensina História na sala de aula da escola básica, a partir das contribuições do filósofo Henri Bergson e do teórico do campo da teoria da História, Hayden White. Tomando como base teórica esses autores, apresenta uma defesa de que a imaginação é um elemento importante na criação conceitual e na maneira de se relacionar com o passado e propõe uma discussão sobre os possíveis deslocamentos que parte do tempo cronológico da sala de aulaao tempo da imaginação.

No conjunto de textos que trazem uma reflexão sobre objetos, metodologias e estratégias produzidas e utilizadas pelos professoras(es) em / para sala de aula. Para falar sobre saber histórico escolar e a História da América Latina, o professor André Mendes Salles, no texto Saberes disciplinares da História e Formação de professores no Paraguai: Guerra da Tríplice Aliança em foco, aborda os saberes disciplinares de dois professores de História que atuam na Educação Básica no Paraguai, a partir da formação inicial e continuada desses sujeitos. Na ocasião, o estudo identifica a influência da formação inicial nos saberes da ciência de referência e pedagógicos sobre a Guerra da Tríplice Aliança.

Com relação a historiografia escolar e a prática docente, o texto intitulado Esfinge ou Caleidoscópio? O desafio da pesquisa em livros didáticos de História, produzido pela professora Helenice A. B. Rocha, traz um debate a partir da crítica aos estudos do Alain Choppin à pesquisa sobre o livro didático no Brasil, partindo do pressuposto de que o livro didático é o lugar de discursos didatizados sobre conhecimento da ciência de referência histórica.

O dossiê também apresenta um debate sobre as pesquisas realizadas no interior do programa em rede de pós-graduação strictum sensu – Profhistória. Desse modo, a professora Carmem Vargas Gil, no texto Investigações em educação patrimonial e ensino de História (2015-2017), apresenta o resultado da primeira etapa do projeto de pesquisa Ensino de História, Patrimônio e Cultura Digital (FACED / UFRGS), que visa identificar e analisar a produção de pesquisas em programas de pós-graduação em História e Educação do Brasil sobre a interface do ensino, tecnologia e patrimônio. A pesquisa apontou as abordagens da educação patrimonial no campo do ensino de História e como a escola tem se apropriado do debate sobre o tema.

As professoras Rosangela Celia Faustino e Luciana Helena de Oliveira Viceli, no texto – Ensino de História: possibilidades de diálogos entre escola indígena e escola não indígena para a construção da interculturalidade, trazem um debate sobre o ensino de história indígena para escolas não indígenas. Por fim, o professor-pesquisador Marcus Martins, no artigo Avaliação da aprendizagem no Ensino de História: entre “silêncios de” e “desafios para” um campo de pesquisa, problematiza como a avaliação das aprendizagens históricas tem sido abordada no campo do Ensino de História. Para tal, investigou no Banco da Capes e os anais do Simpósio Nacional de História da ANPUH / Brasil e dos eventos: Encontro Nacional Perspectivas em Ensino de História e Encontro Nacional Pesquisadores do Ensino de História-ENPEH o tema avaliação nos processos escolares e identificou que essa discussão não tem assumido lugar de relevância.

A partir dessas importantes investigações, voltadas para pensar o lugar do professor-pesquisador no ensino de história, consideramos esse o dossiê demonstra ser de grande valor para os estudiosos desse campo de pesquisa. Assim, aproveitem!

Nota

1. Para contribuir no processo de leitura da apresentação, haja vista o grande número de citações da expressão que designa a ação docente, nós, organizadoras do dossiê, recorremos ao seguinte recurso discursivo: onde se lê professor-pesquisador, entende-se professora-pesquisadora e professor-pesquisador

Referências

ALBERTI, Verena. O professor de história e o ensino de questões sensíveis e controversas. In: Seminário de História em Caicó. Rio Grande do Norte. 2014.

ALVES, Rubem. O olhar do professor. (Fragmento). Disponível em:https: / / contadoresdestorias.wordpress.com / 2012 / 02 / 19 / o-olhar-do-professor-rubemalves / Acesso em:10 / 07 / 2020, com adaptações.

FAGUNDES, Bruno Flávio Lontra. PROFHISTÓRIA, experimento sem prognóstico. Revista PerCursos, Florianópolis, v. 18, n. 38,p. 33 – 62, set. / dez. 2017.

FAGUNDES, Tatiana Bezerra. Os conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo: perspectivas do trabalho docente. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v. 21 n. 65 abr.-jun. 2016. p. 281-298.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.

GOMES, Ângela de C; HANSEN, Patrícia S. Apresentação. In: _______ (org). Intelectuais mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp. 7-37.

PLÁ, Sebastián. La enseñanza de lahistoria como objeto de investigación. Revista Secuencia, nº 84, p. 163-184, 2012.

Cristiana Ferreira Lyrio Ximenes – Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professora assistente da Universidade do Estado da Bahia. E-mail: cximenes@uneb.br

Juliana Alves de Andrade – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: julianadeandradee@hotmail.com


XIMENES, Cristiana Ferreira Lyrio; ANDRADE, Juliana Alves de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.38, n.1, jan / jun, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Memória em Rede. Pelotas, v.12, n.22, 2020.

Festa, Memória e Patrimônio

Editorial

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  • Eduardo Roberto Jordão Knack, Paula Godinho
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Dossiê

Artigos

Ensaios Visuais

Resenhas

Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo. Jaguarão, v. 1, n. 1, 2020.

Dossiê: I Simpósio de História Antiga e Medieval da UNIPAMPA

Artigos

Latencias y sobresaltos de la memoria inconclusa (Chile: 1900-2015) | Nelly Richard

Latencias y sobresaltos de la memoria inconclusa (Chile: 1900-2015) es el libro que Nelly Richard lanzó en agosto de 2017. Este trabajo se encuentra constituido por diez ensayos más un prólogo, todos ellos atravesados por la temática de la memoria social y política de Chile durante los veinticinco años que transcurren entre 1990-2015, considerando el fin de la Dictadura y los periodos de transición y post-transición.

Los términos latencias y sobresaltos hacen alusión a procesos que vive la memoria, a un cierto aplanamiento que sufre en determinados momentos de la historia para luego ser revitalizada o reactualizada como resultado de las operatorias de asociación que realiza. En otro de sus libros Richard dice entender a la memoria como aquella “[…] zona de asociaciones voluntarias e involuntarias” (2010, p. 16), por tanto, es un lugar por definición dinámico, en que su fuerza expresiva quedaría de manifiesto en el momento en que el recuerdo del pasado entra en diálogo con los sucesos del presente. Es justamente este ejercicio asociativo el que intenta poner de relieve la autora, en mayor o menor medida en cada uno de los diez artículos que componen el libro. Leia Mais

La Historia Indígena y sus abordajes contemporáneos a los procesosindígenas de la Patagonia (siglos XIX a XXI)/Revista de Historia/2020

En los ámbitos universitarios argentinos, durante la última década del siglo XX, quienes decidían como profesores/as de historia o historiadores/as estudiar a las poblaciones indígenas de Latinoamérica y, en particular, de la región patagónica, debían abocarse al estudio  del  período colonial. Esto,bajo  el  supuesto de que las sociedades  indígenas habitaban previamente los territorios luego definidos como nacionales, fueron constituidos como el “pasado” del estado argentino, no sólo temporal sino en términos de un efectivo discurso de civilización y barbarie. Leia Mais

Nova História militar / Antíteses / 2020

Nova História militar / Antíteses / 2020

A designação “História Militar”, como quase tudo em História, está sujeita a discordâncias, controvérsias e disputas. De fato, como gênero historiográfico, a História Militar surge no final dos Oitocentos, derivada das histórias nacionais, isto é, emerge como narrativa das guerras que deram origem e formação dos Estados Nacionais naquele período.

Como consequência, as doutrinas sobre a Guerra, a do militar prussiano Carl von Clausewitz e, especialmente a de Jomini, marcaram a compreensão da História Militar de uma perspectiva ciceroniana, isto é, uma espécie de “mestra da vida”. Tratava-se de compreender os “acertos”, mas principalmente os “erros” militares para corrigi-los tendo em vista a realização da guerra, conceituada como “continuidade da política por outros meios”, fórmula célebre em determinados meios civis e militares.

Neste sentido, a História Militar tinha um aspecto didático muito claro: ela propiciaria exemplos para a formação das novas gerações de militares. Exemplos de guerras bem ou mal sucedidas, mas também, de guerreiros heróis (modelos morais) que serviriam para inspirar as novas gerações de soldados. Assim, este tipo de história militar, configura uma espécie de repositório moral que se coloca no plano da memorialística, da mitificação, fruto de uma reconstrução do passado com finalidade doutrinária.

Se assim fosse, porém, os historiadores contemporâneos pouco teriam a dizer sobre fenômenos militares. Mas felizmente não é o caso. A História Militar stricto sensu, isto é, enquanto campo historiográfico, emerge da ruptura da historiografia com a história nacionalista colocando em foco os homens, suas ações, dilemas e tragédias, com base em investigação temática e documental diversa e multifacetada. Assim não só aquela velha “história militar” se torna fonte e objeto de investigação, como também novos temas como as instituições militares, seu funcionamento e idiossincrasias, a vida dos soldados, o quotidiano das guerras, os estudos de gênero, focalizando a presença de mulheres e gays no âmbito das Forças Armadas, bem como a desconstrução das batalhas, dentre outras inúmeras problemáticas.

No caso do Brasil, a história militar tem especial interesse. Não porque o país tenha participado de extensas guerras. Ao contrário, stricto sensu podese dizer que a guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai foi, de fato, o único conflito externo travado pelo Brasil e com participações limitadas, mas de grande impacto interno, na I e na II Guerras Mundiais. O que também torna o estudo das questões militares no Brasil relevante reside na longa tradição de participação dos militares na política nacional.

Embora alguns analistas datem o início destas intervenções com o golpe militar que instituiu a República, este evento foi a manifestação pública de um processo que se desenvolvia, pelo menos desde meados do século XIX, acelerado pela crise provocada pelo conflito no Prata.

Recentemente, no período da assim chamada redemocratização brasileira, houve um renovado interesse nas discussões acerca da defesa nacional, e neste contexto, por iniciativa civil, foi criada a ABED- Associação Brasileira de Estudos de Defesa, que tem por objetivo o estudo de questões de defesa.

Por outro lado, além dos estudos de defesa, na ABED, formou-se também um grupo vinculado ao estudo da História Militar. Este grupo cresceu e adquiriu autonomia e dimensão suficientes para criar um Simpósio Nacional de História Militar em 2016, um Grupo de Trabalho de História Militar no âmbito da ANPUH- Associação Nacional de História em 2019 e, finalmente, desde o IV SNHM realizado na Universidade Estadual de Londrina, também em 2019, buscar a criação de uma Associação Brasileira de História Militar.

O que importa ao grupo de pesquisadores da História Militar é a colaboração acadêmica na área de História, da iniciação científica à pósgraduação. Isto tem promovido a aproximação dos historiadores que se dedicam à pesquisa dos fenômenos militares.

Finalmente, cabe destacar que o presente dossiê é parte das contribuições que a Universidade Estadual de Londrina e o Programa de Pós-Graduação em História Social têm dado continuamente à área. Em 2009, a UEL sediou o III Encontro da ABED. Naquele mesmo ano, foi publicado um dossiê sobre História e Defesa nesta revista. Em 2010, foi publicado um dossiê sobre os Cem Anos da Revolta da Chibata e, em 2014, um tematizando a Cultura Marítima. Além disto, em 2019 o Grupo de Pesquisa em Estudos Culturais Política e Mídia, o GT de História Militar da ANPUH do Paraná, o Departamento de História e o Programa de Pós Graduação em História Social organizaram, com a colaboração dos GTS de História Militar do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, o IV Simpósio Nacional de História Militar. Paralelamente, organizou-se o presente dossiê sobre a Nova História Militar.

Foi uma honra ter contato com a colaboração, na organização deste, dos professores António Manuel Fernandes da Silva Ribeiro do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas -Universidade de Lisboa e Francisco Eduardo Alves de Almeida da Escola de Guerra Naval, cuja presença aponta para uma ampliação da colaboração internacional no campo e com o Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina.

Não foi surpresa, assim, o grande número de artigos enviados para a Revista, num total de vinte e quatro. Difícil a tarefa de selecionar os onze textos aqui publicados e que constituem uma amostragem da excelência do campo.

Abrindo o dossiê, no texto “Na perda da opinião, arrisca-se um reino”, Marcello Loureiro analisa as condições da guerra nos séculos XVI e XVII, para compreender as tentativas de formação das opiniões durante os conflitos. Faz um balanço da historiografia acerca da questão da opinião coletiva na modernidade, seguido dos estudos de caso da monarquia portuguesa em torno da entrega de Pernambuco em 1648, mas elenca também exemplos da península itálica e da França, para concluir que é preciso superar a lógica de uma doutrina militar – especialmente a clausewitiziana – para se compreender os conflitos da modernidade.

Na sequência, Ana Paula Wagner e Bruno César Pereira no artigo intitulado “Que sendo de uma indispensável necessidade para a confecção do exército, em que consiste a manutenção e a defesa dos meus reinos: Notas sobre a nova forma de se fazer recrutas no Império Português (Século XVIII)”, analisam a reforma das formas de recrutamento paras as Tropas Regulares do Império Português, destacando as preocupações em delimitar o perfil dos homens a serem recrutados e as estratégias utilizadas por estes para eximir-se de sentar-praça.

Já Christiane Figueiredo Pagano de Mello, em seu texto “Política Militar Pombalina: nas áreas de alto e baixo risco de guerra” desvenda a estratégia ‘Defender para povoar’ da administração pombalina analisando os efeitos das reformas militares do período na região do Macapá, considerada como território de alto risco. Faz para isto, uma comparação com as regiões norte e centro-sul da América para compreender de modo mais amplo a política militar portuguesa nas suas colônias ultramarinas.

Por sua vez, Sérgio Willian de Castro Oliveira Filho, no texto “Em prol da moralidade e da disciplina: os oficiais do culto da Marinha imperial ente 1822 e 1865”, analisa – no contexto da institucionalização da Marinha – que pouco se fez para a efetivação de um Corpo Eclesiástico profissionalizado. Assim, recupera a atuação dos oficiais de culto da armada imperial e os discursos da imprensa e dos relatórios de ministros sobre estes oficiais e suas atribuições.

Em instigante artigo intitulado “Corrupção na armada imperial: fraudes no provimento de carvão para os navios de guerra da Marinha ( 1877-1879)”, Pablo Nunes Pereira e William Gaia Farias discutem o tema pouco explorado processos de corrupção no abastecimento do carvão para os navios de guerra situando-o em um contexto de transformações em máquinas de navegação, embarcações durante o desenvolvimento do capitalismo industrial da segunda metade do século XIX.

Ludolf Waldmann Júnior, analisa em seu artigo os Programas Navais da Argentina durante a Segunda Guerra Mundial, demonstrando que, inicialmente, os planos de renovação da esquadra foram feitos tendo em vista retomada da hegemonia argentina na América do Sul, numa complexa teia de relações que articulavam questões externas e internas. Ao longo da guerra, no entanto, e devido às mudanças tecnológicas na construção naval e nos armamentos, estes planos foram se modificando.

Entre 1937 a 1947, Apolônio de Carvalho filiou-se ao Partido Comunista do Brasil, lutou na guerra civil espanhola ao lado dos republicanos e engajouse na resistência francesa ao nazismo. A trajetória antifascista, bem como as memórias que produziu sobre esta militância é estudada por Marco Antonio Machado Lima Pereira, em envolvente artigo sobre este oficial do Exército, que lutou também na resistência à ditadura militar no Brasil e foi militante do Partido dos Trabalhadores desde sua fundação.

Rosemeri Moreira aborda em seu texto “Heroínas, gênero e guerras” as representações do feminino e das heroínas de guerra presentes na imprensa militar dos anos de 1942 a 1945. São analisadas diferentes publicações sobre as mulheres nas revistas militares: A Defesa Nacional; Nação Armada e Revista Militar Brasileira.

Em texto instigante, Francisco Cesar Alves Ferraz demonstra que o fato da composição racial da Força Expedicionária Brasileira – FEB, espelhar a estrutura multiétnica da sociedade brasileira, foi um resultado não planejado pelas autoridades do Exército. Estas desejavam uma composição de “elite” em termos físicos e de alfabetização, mas enfrentaram dificuldades – resistência mesmo – no recrutamento de membros das classes mais elevadas e da classe média brasileira predominantemente “brancas”, o que resultou em uma tropa mais diversa do ponto de vista racial.

Claudio Beserra de Vasconcelos em seu artigo sobre a Escola Superior de Guerra (ESG), analisa as políticas repressivas aplicadas a militares após o golpe de 1964, baseadas nas doutrinas de segurança nacional e de guerra revolucionária. Desvenda assim não apenas as fundamentações ideológicas e políticas, mas também os métodos e focos deste processo.

Finalmente, Francisco Eduardo Alves de Almeida, demonstra no seu artigo, o ainda pequeno número de trabalhos sobre História Naval nos meios acadêmicos, a partir de levantamento do catálogo de teses e dissertações da CAPES entre os anos de 2016 e 2018. Serve como estímulo aos pesquisadores a se debruçarem sobre a temática em seus trabalhos já que se trata de campo fértil e inexplorado pelos historiadores.

Há indícios notáveis de que os estudos de História Militar no Brasil têm enorme potencialidade e muito trabalho a fazer. Como se sabe, o futuro é imprevisível, mas por esta amostragem podemos ao menos divisar que o papel da História no processo de construção de conhecimento sobre os fenômenos militares, do passado e do presente, é fundamental para a democratização da sociedade brasileira.

José Miguel Arias –  Universidade Estadual de Londrina.

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Medievalismo (s), neomedievalismo e recepção da Idade Média em períodos pós-medievais / Antíteses / 2020

Em Busca dos Dragões: a Idade Média no Brasil

O que é medievalismo pós-colonial?

Em sua forma mais reconhecida, o medievalismo é o reaproveitamento de elementos considerados “medievais” em qualquer formato e época após o fim da Idade Média histórica. Essa cronologia histórica está associada aos anos 500- 1500 da era cristã e cobre desde a queda de Roma até o Renascimento. Nesta primeira posição teórica da disciplina, no entanto, os estudos do medievalismo pressupõem, por um lado, o fim da Idade Média e, por outro, um reuso consciente de que esta Idade Média constitui-se num período do passado, um período que deveria ter terminado para que o medievalismo propriamente dito pudesse começar. Leslie Workman estabeleceu essa separação no primeiro volume da revista Studies in Medievalism (SIM), onde observou que “o medievalismo só poderia começar, não simplesmente quando a Idade Média tivesse acabado, quando quer que tenha sido, mas quando a Idade Média foi percebida como algo no passado, algo que era necessário reviver ou desejável imitar” (WORKMAN, 1979, p. 1, tradução nossa). [3]

Essa separação em relação a um tempo que se encerrou e sua percepção como ocorrida no passado não é especialmente problemática para os centros hegemônicos de conhecimento. Para os centros hegemônicos, sua própria Idade Média é uma época histórica que já acabou e que está, em seu próprio imaginário, cuidadosamente colocada além da realidade cotidiana. Mas essa mesma posição teórica acerca do final do período medieval cria dificuldades nas áreas pós-coloniais ou no chamado mundo subdesenvolvido. As áreas póscoloniais são consideradas como carentes de um verdadeiro passado medieval europeu e, ao mesmo tempo, são em sua maioria vistas como sociedades atrasadas, sociedades anacrônicas onde continuam os modos de vida medievais que estão fora de sincronia com o presente. Como outros países do sul global, o Brasil sofreria de ambos os problemas, tanto pela falta de uma Idade Média própria que lhe permitisse estudar o “após” de uma autêntica era medieval, quanto pelo fato de grande parte de sua extensão continuar a ser considerada por muitos como uma sociedade ultrapassada que ainda vive dentro de uma certa Idade Média. Nessas condições, então, o que significa estudar “a Idade Média” e o medievalismo no Brasil?

Os estudos pós-coloniais podem nos ajudar a reconhecer as razões e diretrizes de tal projeto. Diante da noção mais comum nos estudos do medievalismo (de que há uma Idade Média histórica que é reutilizada e volta a se difundir após 1500), uma perspectiva pós-colonial sobre a disciplina e um compromisso explícito com localidades fora da Europa nos mostram um panorama distinto. Ao contrário da posição comum acima mencionada, estas localidades permitemnos perceber mais claramente que, antes que um reaproveitamento da “Idade Média” possa ocorrer, uma ideia prévia do que é a “Idade Média” deve ser criada para o seu consumo e sua nova difusão.

Como exemplo, podemos citar dragões. Não há dúvida de que os dragões jamais existiram, nem na época medieval ou antes dela, e que, como criaturas do universo fantástico, encontram-se tanto fora da Europa como em tempos anteriores à Idade Média, como no caso da China. É também notável, no entanto, que hoje em áreas cultural e economicamente hegemônicas os dragões se tornaram um elemento frequente em cenários “medievais”, não aparecendo menos que castelos, armaduras e monarcas. O medievalismo como disciplina, então, não é sobre se os dragões existiam na Idade Média real ou cronológica. O que o medievalismo aborda é o fato de que hoje os dragões se tornaram elementos comuns da ideia de “medieval” nas produções culturais do Atlântico Norte. Ressalte-se que os dragões não foram os elementos primários da ideia do medieval no século XIX, mas pode-se dizer que eles o são no medievalismo do século XXI no Atlântico Norte. O que podemos aprender com esses “dragões”, então, é que os elementos associados ao medievalismo mudam com o tempo e que devem ser formulados como “medievais” antes que possam ser difundidos efetivamente em um lugar e tempo específicos. Da mesma forma, este exemplo nos permite apontar que a necessidade de que um componente seja inventado como medieval antes que se possa usá-lo como medieval também se aplica a centros hegemônicos e a geografias que supostamente tiveram sua própria e verdadeira Idade Média. Em centros e geografias com passado medieval histórico, esses elementos não devem ser considerados ou tomados como mais “autênticos” ou menos inventados do que nas periferias. Em outras palavras, qualquer lugar e qualquer época terão que ter formulado e difundido seus próprios “dragões”—seus próprios elementos do que é “medieval” e com eles suas próprias versões e seus próprios reaproveitamentos locais do medievalismo. Um estudo de quais são as versões brasileiras de “o medieval” e, portanto, de quais são suas próprias formas de medievalismo, é o diálogo que começa a se realizar através desse dossiê.

Sendo um novo campo de estudos, este dossiê também mostra a tensão que existe entre as obras que acompanham os estudos do medievalismo tal como são definidos em suas versões anglófonas, e a compreensão pós-colonial mais ampla do campo no qual o Brasil, para seguir nossa própria metáfora, encontrará seus próprios “dragões”. Essas tensões e as dificuldades que o conhecimento hegemônico cria nas tradições pós-coloniais de conhecimento não são novas. Por exemplo, após um encontro em São Paulo em 2003, organizado por colegas europeus francófonos com o objetivo de aprender como era a Idade Média do “além-mar” da América do Sul, o professor francês Joseph Morsel se mostrou decepcionado devido ao caráter imitativo dos estudos medievais na América Latina. Ele observou que esses estudos usaram a mesma construção cronológica, os mesmos métodos e as mesmas metodologias possíveis que na Europa. Morsel reclama que, embora os ibero-americanos olhem para a Idade Média “do equador”, eles claramente não a vêem de forma diferente dos europeus ou oferecem algo que os europeus não tenham visto (MORSEL, 2003, p. 3). Ao contrário, os ibero-americanos teriam simplesmente importado as diretivas europeias para seus próprios estudos. O que, então, o Brasil pode oferecer se for apenas um derivado deslocado fazendo o mesmo e da mesma forma que os centros hegemônicos?

Como muitos neste dossiê reconheceram, uma boa resposta é o medievalismo. O medievalismo é uma forma produtiva e intelectualmente estimulante de lidar precisamente com o uso local do “medieval” e das funções que o medieval tenha exercido em um cenário específico como o Brasil. Porque o medievalismo está interessado no lugar e na época em que o medieval é difundido, seja na Austrália, França ou Brasil: que função ele teve? Por que foi usado? Com que efeitos? Quais foram as razões para inventar um determinado elemento como “medieval” em uma época e lugar específicos?

Estipulemos também claramente que os estudos de caráter derivativo não são um problema exclusivo do “equador” e são encontrados em universidades europeias, marcadas por um nepotismo evidente, ou em universidades do Atlântico Norte, onde a falta de financiamento suprime a maioria dos projetos de pesquisa mais inovadores. Há também uma certa facilidade em exigir desde os centros de produção intelectual que as periferias acadêmicas “nos surpreendam” e “nos deem” algo novo e desconhecido. Em sua forma mais crua, essas expectativas são transformadas em uma forma de extrativismo, em que geografias menos familiares fornecem uma “renovação” e novos materiais para localidades hegemônicas, estas já talvez sem brilho ou absortas em suas rotinas, mas ainda exercendo autoridade. Junto com o desejo de novidade, uma questão semelhante é que é muito fácil saber pouco ou nada sobre o que acontece e é feito nas periferias, exceto quando esses trabalhos se enquadram em contextos disciplinares reconhecíveis. Há, portanto, uma linha tênue que separa o fornecimento de produções acadêmicas que são “iguais”—e, portanto, imitativas e desinteressantes—e fornecer inovações acadêmicas que são demasiado “nicho” em um contexto disciplinar regido principalmente pela academia de língua inglesa.

A favor do neomedievalismo

Uma área em que os praticantes brasileiros estão se posicionando para mudar é a “controvérsia” entre o medievalismo e o neomedievalismo. O que hoje é conhecido como medievalismo no Atlântico Norte poderia facilmente ter sido conhecido como estudos do neomedievalismo. Para os estudiosos brasileiros, a questão do neomedievalismo ressurge porque “neo” é a terminologia mais óbvia e direta. Se essa terminologia tivesse sido incorporada nos centros hegemônicos, aqueles que estudam a Idade Média histórica fariam o chamado medievalismo— sentido que continua a ser corrente na América Latina—enquanto aqueles que estudam as reapropriações posteriores fariam o neomedievalismo. Se essa seria uma solução possível, por que falamos em medievalismo e não em neomedievalismo no campo anglófono e seus derivados?

Um dos motivos é que seu fundador nos Estados Unidos, Leslie Workman, chamou a disciplina de medievalismo e só fazia distinções entre os estudos medievais e o medievalismo, sem mencionar o “neo” e às vezes sem reconhecer abertamente a correlação entre medievalismo e classicismo. Assim, em entrevista no livro em sua homenagem, publicado na década de 1990, Workman associa os estudos clássicos aos estudos medievais, mas não identifica a existência do classicismo como um processo de criação do passado grecoromano, paralelo ao medievalismo como um processo de criação da Idade Média (UTZ, 1998, p. 446–447). Já em relação ao Brasil e a possibilidade de se optar pelo termo neomedievalismo na contramão de Workman, Clínio Amaral menciona em entrevista ao grupo de pesquisa Linhas, que sua importância no Brasil se deve ao uso dado em Travels in Hyperreality de Umberto Eco, uma figura fundadora da disciplina e cujo renome e reconhecimento superam Workman, principalmente no Brasil, onde a historiografia está mais voltada à Europa (particularmente à França) do que aos Estados Unidos. Disciplina em início de incorporação e, se necessário, contando com uma figura fundadora alternativa como Eco, o Brasil é terreno fértil para o restabelecimento do termo neomedievalismo como equivalente ao uso corrente encontrado na academia de língua inglesa e seus seguidores.

Sejamos também claros que na academia de língua inglesa o senso de medievalismo e neomedievalismo não é hermético nem desprovido de fissuras. Dentro dessa academia seria possível usar o termo medievalismo igualmente para se referir a “estudos medievais”, tanto por ser um termo generalizado quanto pelo fato de os estudos medievais também ocorrerem após a Idade Média histórica. Por outro lado, diante das investidas de uma cultura popular que mistura e reinventa radicalmente o significado de “medieval”, a academia anglófona têm se esforçado para manter o termo medievalismo intacto, referindo-se a produções que mantêm vínculos com “a verdadeira Idade Média”, enquanto ela, finalmente, inclina-se ao uso do termo neomedievalismo para aquelas produções mais desligadas do período histórico e que mostram um distanciamento lúdico em relação a este passado. Para quem se apegava ao uso original institucionalizado por Workman, o medievalismo entraria em diálogo com a Idade Média cronológica e seus elementos históricos, enquanto o neomedievalismo mostraria maior desconexão com estes, vinculando-se com produções que apenas produzem o “sentimento” do medieval.

Uma forma de esclarecer os limites e possibilidades das terminologias medievalismo e neomedievalismo é uma comparação com os termos muito mais familiares e comuns de classicismo e neoclassicismo. Como é bem conhecido das histórias culturais da literatura e da arte, o classicismo foi uma tentativa erudita de recuperação de traços culturais durante o chamado Renascimento, que seus praticantes associaram ao passado greco-romano e consideraram esquecidos após a queda de Roma: foi um renascimento, um ressurgimento da antiguidade clássica. Este sentido constitui um bom paralelo em relação ao chamado “Medieval Revival”, como o medievalismo foi chamado quando pela primeira vez se tornou objeto de estudo das Ilhas Britânicas: um movimento de retorno aos valores, estéticas e modos de vida do passado, associados à Idade Média histórica e que consideravam-se perdidos em meio à era industrial. Isso se torna visível, por exemplo, na restauração da cavalaria ou no retorno ao catolicismo no chamado Movimento de Oxford. Devemos já notar que em contraste com o “Medieval Revival” ou, se quisermos, o “renascimento medieval” das Ilhas Britânicas, os primórdios do “medievalismo” na América espanhola e portuguesa não apresentam um renascimento ou um desejo nostálgico de reviver o passado, mas uma forte rejeição dos elementos que associavam-se com o medieval. Na Ibero-América, então, as primeiras mobilizações foram desde o início formas do “neomedieval” no seu sentido de apropriação a-histórica: não ressurgimento de tempos acabados, mas mobilizações politicamente motivadas com pouco ou nenhum interesse na autenticidade de um passado histórico (ALTSCHUL, 2020). Mencionemos novamente que o termo usado para o renascimento da antiguidade clássica é classicismo, enquanto as reutilizações e reproduções do período clássico após o século XVIII são conhecidas como neoclassicismo. Em contraste com o Renascimento ou o classicismo, o neoclassicismo não busca a recuperação ou ressurgimento da antiguidade clássica, mas, em vez disso, volta a difundir, por suas próprias razões e motivos, certos elementos que permaneceram filiados à antiguidade: leis rígidas nas produções culturais, arranjos considerados racionais, estruturas imponentes, colunas e mármores em seus edifícios. As linhas gerais do neoclassicismo podem então fornecer uma analogia com o neomedievalismo: um uso posterior e remoto de um suposto revival original e que manipula e implanta elementos quase estereotipados que permaneceram afiliados a uma ideia da Antiguidade Clássica ou da Idade Média. Além do auxílio que essas analogias com respeito ao confuso termo medievalismo podem nos oferecer, o que é evidente é que há boas, ou talvez melhores razões para associar nosso campo ao termo neomedievalismo do que continuar com o uso já estabelecido, mas confuso, que vem até nós hoje através da academia de língua inglesa. Nesse sentido, é instrutivo observar que Workman, como vimos, não tinha em mente o conceito de neoclassicismo ou de “neo” como um equivalente que o teria ajudado a avançar do neoclassicismo ao neomedievalismo. Uma hipótese nesse sentido é que o neoclassicismo (como o barroco) não foi uma categoria primária na disciplina histórica, na qual se formou, como o é na história literária e na história da arte. Por outro lado, essa ausência do neoclassicismo como categoria cultural que pudesse funcionar como intermediária foi exacerbada pela importância central dada ao ditado de Lord Acton em 1859, e que se reproduz até hoje nos volumes de Studies in Medievalism. Como as epígrafes tornam explícito:

Dois grandes princípios dividem o mundo e disputam o domínio, a antiguidade e a idade média. Estas são as duas civilizações que nos precederam, os dois elementos que compõem o nosso. Todas as questões políticas e também religiosas se reduzem praticamente a isso. Este é o grande dualismo que permeia nossa sociedade (DALBERG-ACTON, 2010, p. 9, tradução nossa) [4]

Em suas origens, o uso dessa posição maniqueísta de Lord Acton foi uma exigência na busca por reconhecimento e aceitação de uma nova disciplina, e a elevação da Idade Média ao nível de uma Antiguidade de cuja importância ninguém duvidava. Mas o “medievalismo”, como o tratamos aqui, ficou refém nessa divisão dicotômica necessária em seus primórdios. A divisão categórica que continua nas epígrafes do SIM parece ter sido estabelecida como uma categoria elementar, levando Richard Utz e Tom Shippey, por exemplo, no volume em homenagem a Workman, a elogiar a frase de Acton por sua “abrangência definitiva” e a identificar uma “cisão clássico / medieval” (UTZ; SHIPPEY, 1998, p. 5, 10, tradução nossa) [5]. Essa cisão é problemática: ela estabelece apenas dois canais únicos que negam na prática que outras civilizações como o Islã ou o mundo pré-colombiano tenham contribuído com elementos essenciais para “nossa” civilização. Também, em relação ao tema que nos interessa agora, estabelece uma progressão temporal em que o medievalismo chega com a era romântica. [6] Um caso instrutivo dessa progressão e dualidade fundamental pode ser visto na explicação de William Calin no mesmo volume em homenagem a Workman. Ali, Calin explica que o medievalismo é “igual” ao classicismo, embora “seu oposto” e “seu contrapeso”, mas com a diferença temporal de que o classicismo foi uma invenção do início da modernidade, enquanto o medievalismo é uma invenção dos séculos mais recentes (CALIN, 1998, p. 451, tradução nossa). [7]

Mas são essas questões terminológicas mesquinhas e, em última análise, ninharias? A incorporação de uma nova disciplina é precisamente um daqueles momentos que podem se tornar oportunidades perdidas e posições imitativas e, portanto, decepcionantes do que poderia ter sido uma posição intelectual própria e, portanto, verdadeiramente inovadora. Voltando ao dossiê, então, e como vários de seus ensaios observam, não há razão para “transferir” as perspectivas da língua inglesa para novos territórios como o Brasil. Ao contrário, um verdadeiro desvio pós-colonial pode deslocar a disciplina para fora de seus canais usuais e oferecer uma transformação em como ela se entende; pode conter uma transferência que não é imitativa, mas segura em suas diferenças e perspectivas. O que se propõe aqui, sob o signo de uma transferência pós-colonial, é que a abertura dessa disciplina no Brasil possa ser pautada pelo neomedievalismo como termo mais preciso e adequado para examinar as invenções e os reaproveitamentos de elementos daquilo que em nossos próprios espaços e trajetórias têm sido associado ao “medieval”.

Por sua singularidade, o Brasil colocou desde cedo os pesquisadores interessados no passado medieval diante de um complexo dilema: afirmar a necessidade do estudo de uma Idade Média histórica em um país que não a havia experimentado; e, ao mesmo tempo, construir um discurso que equilibrasse a conexão com o passado medieval português sem perder a formação de uma identidade própria nos horizontes dos debates acadêmicos. Ao leitor desavisado, tal problemática parece longínqua, assentada sobre os momentos fundadores da disciplina histórica no território brasileiro. Todavia, um mero olhar para as discussões levantadas em torno da proposta da Base Nacional Curricular Comum, que excluía do conjunto de temas de ensino obrigatório da disciplina histórica aqueles referentes à Idade Média—entre outros, vale lembrar. O tom geral das críticas levantadas por especialistas do medievo nas diversas manifestações de desagravo à proposta do governo federal incluía sistematicamente a ideia de que o passado brasileiro se estenderia, de uma forma ou outra, sobre a Idade Média europeia através da colonização portuguesa. Seríamos, portanto, também medievais, no sentido de herdeiros de uma tradição transferida pelos colonizadores, a qual não somente justifica ainda o investimento em pesquisa na área, mas também a sua presença nos currículos de ensino obrigatório. Como tal noção persistente se formou na academia brasileira ao início do século XX é o tema do artigo que abre o dossiê aqui apresentado. Nele, Renan Birro aborda o tema dos colonialismos culturais e intelectuais—sobretudo o francês—na academia brasileira e seu impacto na construção dos elementos mais marcantes do medievalismo brasileiro, os quais ecoam ainda hoje na produção acadêmica e no ensino de história no Brasil.

Se Birro em seu trabalho nos apresenta tal diagnóstico, preciso e necessário para a tomada de consciência das relações coloniais que permeiam a intelectualidade brasileira—em especial aqui o medievalismo, Marcelo S. Berriel nos traz, em sua contribuição, uma proposta de aproximação a partir de uma abordagem decolonial. Em seu trabalho, Berriel faz confluir reflexões sobre as deficiências que o vínculo cego aos modelos euro-referenciados trazem à compreensão dos medievalismos brasileiros, por um lado, e as possibilidades que as propostas decoloniais podem trazer, a partir daquilo que o autor chama de empirismo radical e perspectivismo, ou seja, uma perspectiva que parte essencialmente da experiência brasileira para explicar seus próprios fenômenos, que são ao mesmo tempo próprios e diversos, variando desde a literatura de Suassuna, até o medievalismo religioso presente em movimentos ultra-conservadores. A relação entre medievalismo e religião é, sem dúvida, um campo novo dentro da própria área de estudos do medievalismo. Esse é o sentido do artigo apresentado por Maria Eugenia Bertarelli e Clínio de O. Amaral. Em um instigante trabalho a respeito da missa “Urbi et Orbi” do Papa Francisco os autores propõem estratégias para pensar as questões de temporalidade que marcam a prática religiosa do cristianismo e sua constante atualização do passado—também medieval.A partir dessa reflexão, partem então para a análise da missa de Francisco, encarando o conteúdo desta como expressão de uma postura profundamente marcada pelo medievalismo. Ao final de seu trabalho, os autores reforçam a necessidade da ampliação dos estudos do medievalismo em caráter multidisciplinar, assim como propõem, de maneira inovadora, a abordagem das expressões da religiosidade cristã essencialmente como manifestações do medievalismo no mundo contemporâneo. Uma abordagem decolonial acompanha também o trabalho de Otávio L. Vieira Pinto e sua excelente proposta de discussão do colonialismo acadêmico e do medievalismo em torno da história da África ao sul do Saara. A partir desse pressuposto, Vieira Pinto conclui que a ideia de uma África Medieval se concentra sobre o território Ocidental africano não por questões externas, vinculadas à práxis historiográfica (como o acesso a documentação), mas devido, sobretudo, às pressões (políticas) exercidas pelo colonialismo acadêmico, que reconhece ali a emulação de realidades europeias e suas categorias analíticas. Vieira Pinto aponta como a própria noção de uma Idade Média africana acaba por se constituir em uma expressão de “medievalismo de exportação” que atende somente os interesses da academia euro-referenciada e ocidental. Ao se pensar em uma história decolonial e globalizada, é preciso repensar, reforça o autor, as categorias de aproximação aos objetos de análise de modo a promover— em consonância com Berriel—um ambiente de pesquisa que parte da própria realidade estudada para identificar as suas categorias analíticas viáveis.

Essas importantes reflexões de caráter teórico em torno do medievalismo e seu impacto na análise histórica são acompanhadas no presente dossiê por um conjunto de estudos de caso referentes tanto à experiência brasileira, com Elton O. S. Medeiros e Douglas M. X. de Lima, quanto da Europa, com Daniele Gallindo-Gonçalves e Vinicius C. D. de Araujo. O trabalho de Elton Medeiros nos traz importantes contribuições para a intersecção entre medievalismo e educação no contexto brasileiro. Medeiros parte de uma análise de monumentos arquitetônicos da capital paulista que buscam referenciar um (suposto) passado medieval à época de suas construções no âmbito do modernismo. A partir de seus resultados, o autor propõe esses espaços do medievalismo como possíveis fontes para o ensino de história com base nas experiências da sociedade brasileira. De Lima, por outro lado, nos oferece uma análise a partir da noção do lúdico, embasando seu trabalho nas apropriações do passado medieval e suas representações em jogos de tabuleiros. O autor conclui que o medievalismo presente nessa plataforma reforça a construção de um simbolismo atrelado ao imaginário euro-referenciado. Assim, os aspectos do medievalismo se tornam visíveis em novos espaços da cultura de entretenimento, reforçando a sua universalidade enquanto proposta midiática, assim como os problemas que colocam para uma representação da Idade Média em consonância com os avanços da história global e as críticas decoloniais. Mudando o foco para o espaço europeu e para a política, Vinícius de Araújo apresenta nesse dossiê uma análise do medievalismo presente no nacionalismo italiano da Lega Nord e suas influências sobre a política e cultura italianas na contemporaneidade. Daniele Gallindo-Gonçalves, por sua vez, analisa o medievalismo das obras de Otto Rahn e como este influenciou o pensamento nazista em torno da temática do Graal e do catarismo. Ambos os trabalhos transitam em um campo muito fértil da análise do neomedievalismo: a política.

Como já afirmamos, a publicação do presente dossiê recebe um caráter fundacional da área de estudos no cenário brasileiro ao propor novas perspectivas de análise, a discussão de importantes aspectos teóricos, bem como a apresentação de contribuições fundamentais ao campo a partir de uma perspectiva original. Convidamos os leitores da Revista Antíteses a se debruçarem sobre os materiais aqui publicados e buscarem neles a inspiração para o desenvolvimento do campo de estudos do neomedievalismo no Brasil.

Notas

3. “medievalism could only begin, not simply when the Middle Ages had ended, whenever that may have been, but when the Middle Ages were perceived to have been something in the past, something it was necessary to revive or desirable to imitate”.

4. “Two great principles divide the world, and contend for the mastery, antiquity and the middle ages. These are the two civilizations that have preceded us, the two elements of which ours is composed. All political as well as religious questions reduce themselves practically to this. This is the great dualism that runs through our Society”.

5. “definitive comprehensiveness”; “Classical / medieval divide”.

6. Por muito tempo, essa sequência quase implícita tornou desconhecidos os medievalismos pré-românticos.

7. “Equal,” “opposite,” “counterweight.”

Referências

ALTSCHUL, Nadia R. Politics of temporalization: medievalism and orientalism in nineteenth-century south America. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2020.

CALIN, William. Leslie Workman: a speech of thanks. In: UTZ, Richard; SHIPPEY Tom (ed.). Medievalism in the modern world: essays in honour of Leslie J. Workman: with the assistance of L. Workman. Turnhout: Brepols, 1998. p. 451–452.

DALBERG-ACTON, John Emerich Edward, Lord. [Epigrafe]. In: FUGELSO, Karl. Defining neomedievalism(s). Cambridge: D. S. Brewer, 2010. (Studies in Medievalism, 19).

MORSEL, Joseph. Le moyen âge vu d’ailleurs. BUCEMA, [Paris], v. 7, p. 1–5, 2003.

UTZ, Richard. Speaking of medievalism: an interview with Leslie J. Workman. In: UTZ, Richard; SHIPPEY Tom (ed.). Medievalism in the modern world: essays in honour of Leslie J. Workman: with the assistance of L. Workman. Turnhout: Brepols, 1998. p. 433–449.

UTZ, Richard; SHIPPEY, Tom (ed.). Medievalism in the modern world: essays in honour of Leslie J. Workman: with the assistance of L. Workman. Turnhout: Brepols,1998.

WORKMAN, Leslie. Editorial. Studies in Medievalism, Cambridge, v. 1, n. 1, p. 1–3, 1979.

Nadia R. Altschul– University of Glasgow.

Lukas Gabriel Grzybowski – Universidade Estadual de Londrina

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Escrevendo a História Ambiental da América Latina: Processos de Ocupação, Exploração e Apropriação da Natureza / Estudos Ibero-Americanos / 2020

Tendo-se implantado no cenário acadêmico latino-americano apenas no início do século XXI, depois de já bem estabelecida nos Estados Unidos e na Europa, a história ambiental é um campo jovem da produção científica no subcontinente, mas podemos considerar que já dotado de firmes alicerces. Desde então, a pesquisa na área ganhou espaço nas instituições universitárias de muitos países, abrindo caminho para uma renovação dos horizontes teóricos, temáticos e interpretativos da historiografia. Sua presença tem se mostrado crescente em programas de pós-graduação, dando origem a grupos, laboratórios e centros de investigação, conduzindo à organização de sociedades científicas e eventos de dimensão variada. Ao estudar as interações ativas entre os agrupamentos humanos e os elementos da natureza, com base em abordagens dinâmicas que intersecionam áreas como a geografia, a biologia, a antropologia, os estudos culturais e a produção discursiva, a história ambiental mostra-se capaz de configurar objetos ainda não explorados e gerar perspectivas originais de leitura do passado.

No contexto latino-americano, o campo tem oferecido referenciais capazes de conduzir à problematização de diversos aspectos da trajetória desses países: os modos de exploração colonial do território e seus desdobramentos; a incorporação do imaginário da natureza nas culturas nacionais; a geração de ferramentas intelectuais e técnico-científicas para o escrutínio da base físico-geográfica das nações; a apropriação do território e dos elementos do ambiente como “recursos naturais” e “matérias-primas”; as formas de ocupação humana do espaço; os impactos ambientais da produção econômica e de suas externalidades; a circulação e a comodificação de espécies; os movimentos sociais conservacionistas e ambientalistas; os aspectos sensoriais, perceptivos e emocionais do contato com a natureza. Esses estudos caracterizam-se por seus aspectos interdisciplinares, seus diversificados temas, problematizações, bases conceituais, escalas de referência e delimitações espaciais, em uma demonstração da heterogeneidade e do dinamismo do campo.

Este dossiê apresenta uma amostra da produção contemporânea em história ambiental latino-americana. “A agricultura e floresta dos alemães no Brasil: mobilidade, conhecimentos e transfers no Urwald (século XIX)”, assinado por Eduardo Relly, abre horizontes inovadores para o campo. O autor questiona, sobretudo, o que denomina “nacionalismo metodológico”, perspectiva que conduz a uma abordagem estática da dimensão espacial, reduzindo o escopo das análises a referências territoriais estanques. No contexto da história das migrações em massa dos séculos XIX e XX, ele propõe uma abordagem transcultural em que a região e a localidade sejam trabalhadas a partir da dinâmica das construções e práticas sociais, que conduzem à constante reelaboração das fronteiras. Aplicando o conceito de transfers à história agrícola e florestal, ele enfatiza, ao contrário da definição do processo migratório como ruptura cultural, até hoje privilegiada, a necessidade de também atentar para os fluxos de informação e experiência entre o Brasil e a Europa, escrevendo a história de uma agropecuária, por exemplo, teuto-brasileira. Sua pesquisa esclarece que, para além da incorporação de técnicas e produtos agrícolas próprios da cultura brasileira, os imigrantes também aportaram conhecimentos europeus relacionados ao manejo do fogo e introduziram sementes e mudas de sua sociedade de origem. A própria escolha dos setores agropecuários a serem adotados por eles nas colônias refletiu, como observa o autor, afinidades culturais prévias.

Também em um contexto relacionado à colonização neoeuropeia, o trabalho de Claudia Schemes, Magna Lima Magalhães e Cleber Cristiano Prodanov, “Um rio, uma cidade: caminhos que se cruzam – São Sebastião do Caí (RS)” exemplifica a pesquisa em história ambiental urbana, estudando a relação de uma cidade com o rio que a cruza. Acompanhando a história do município pelo viés de suas interações com o rio Caí, o estudo explora os condicionamentos, limites e possibilidades por ele representados desde a ocupação europeia e, particularmente, desde a colonização da região por imigrantes alemães. As múltiplas dimensões da simbiose entre cidade e rio são descritas a partir do estudo do ordenamento espacial, das práticas econômicas, dos modos de ocupação e distribuição populacional ao longo de sua evolução histórica. À medida que aborda os resultados dessa interação, que compreendem o desmatamento das áreas ribeirinhas e o consequente assoreamento do rio, o estudo permite acompanhar as rotinas sociais e econômicas do município, que consagraram a navegação fluvial como fator de impulsionamento da atividade produtiva. Ao mesmo tempo, enfoca os prejuízos causados pelas enchentes periódicas, tão recorrentes que passaram a ser vistas tanto quanto eventos naturais como culturais. Ao longo do artigo, o panorama histórico permite descrever a dinâmica da relação entre o rio e o município, exemplificando a reciprocidade das interações entre sociedade e ambiente.

Questões similares são tratadas pelo artigo de Alfredo Ricardo Silva Lopes, “Uma história social dos desastres de 1974 na bacia do rio Tubarão (SC- Brasil)”, que analisa o impacto das enchentes e deslizamentos de terra então ocorridos na região catarinense. O autor reconstitui o evento conforme as narrativas de suas testemunhas, registradas pela imprensa e pela escrita memorialística locais. O estudo dessa produção textual permite observar o impacto imediato da catástrofe a partir dos modos de representação e significação da experiência, ao mesmo tempo que explicita as estratégias de mobilização empregadas para a reorganização da vida urbana em função da profunda crise social que se seguiu. As fortes ondas emigratórias foram sua manifestação mais visível, além do desalojamento, das dificuldades de subsistência, da desorganização das atividades produtivas, da generalização da violência e sua decorrente política de controle e repressão social. O autor demonstra como, com a reconstrução da cidade, obras públicas lograram manter sob controle uma região caracterizada como uma “bacia de inundação”, onde as condições geográficas apontam para um elevado risco de enchente. Para além da excepcionalidade do evento em questão, esse estudo de caso ilustra exemplarmente o dinamismo, a reciprocidade e a busca de um equilíbrio – por vezes precário – característicos da interação entre as sociedades e seu ambiente físico.

Compreendendo um âmbito geográfico mais amplo, o trabalho de Eduardo di Deus, “A borracha que apaga o café: notas para uma história tecnoambiental da seringueira em São Paulo”, aborda a expansão do plantio da Hevea spp no planalto ocidental paulista, desde as primeiras experiências como árvores laticíferas no final do século XIX até o auge da produção no final dos anos 1980. O trabalho reconstitui o processo de implantação da heveicultura em seus aspectos tecnológicos e produtivos, atentando também para fundamentos institucionais e econômicos, para sua articulação com a tradicional agricultura cafeeira e para a circulação internacional de informação e de meios tecnológicos no setor. Ao mesmo tempo, o estudo demonstra a centralidade das instituições de pesquisa e desenvolvimento agrícola do estado na prestação de assistência técnica aos produtores, enquanto atenta para as demandas do setor industrial, para as condições de manejo, transporte e processamento da produção. Como se vê, o artigo integra os múltiplos aspectos que condicionaram a produção da seringueira como alternativa econômica em São Paulo, demonstrando a importância de considerar os processos produtivos a partir das relações das sociedades humanas com os elementos ambientais, e identificando na apropriação de tecnologia os meios de sua viabilização.

Trazendo para o debate a delimitação de uma esfera regional de abrangência a partir de um bioma específico, o estudo “As fronteiras geopolíticas do condomínio panamazônico: observações epistemológicas” dedica-se a discutir o tema da incorporação da dimensão geográfica nas políticas públicas, segundo a obra de Carlos Moreira Mattos. Tomando como referência seus escritos sobre a Amazônia, Delmo de Oliveira Torres Arguelhes demonstra como, na visão do General, cabia trabalhar para a defesa do território amazônico através de programas de cooperação entre os países da região, no sentido de buscar o compartilhamento da responsabilidade sob sua administração, nas perspectivas do desenvolvimento e da integração regional. Seria necessário promover, simultaneamente, o fortalecimento de seus nexos com os estados brasileiros e a criação de diretrizes comuns para a gestão da Amazônia entre os países que dividiam seu território. Definem-se, a partir daí, tanto medidas diplomáticas de abrangência internacional, como a assinatura do Tratado de cooperação amazônica (1978), quanto a formação de uma infraestrutura de transportes e comunicação entre a região e os estados brasileiros. Através de uma abordagem que combina as teorias da geopolítica e das relações internacionais, o artigo reflete, assim, sobre as bases intelectuais das políticas públicas que, nas últimas décadas, intentaram imprimir ao território amazônico diretrizes institucionais de controle, ao mesmo tempo inserindo-o nas redes nacionais e internacionais de intercâmbio material e simbólico.

Outro dos grandes biomas brasileiros foi tematizado por Sandro Dutra e Silva e Altair Sales Barbosa em “Paisagens e fronteiras do Cerrado: ciência, biodiversidade e expansão agrícola nos chapadões centrais do Brasil”. O trabalho explora os recentes desenvolvimentos na produção de uma história ambiental do cerrado como sistema biogeográfico, enquanto promove uma reflexão sobre os danos a ele causados pelo recente avanço da fronteira agrícola em seu território, que demonstram o dramático processo de destruição de sua fisionomia primitiva, hoje residual. Os autores inventariam a produção acadêmica recente sobre a região, apresentando um retrato das transformações por ela experimentadas, sobretudo nas últimas décadas. Através de um viés ecológico, eles interpretam as interações entre os elementos constituintes desse sistema biogeográfico, demonstrando, por exemplo, o comprometimento da flora do cerrado pela extinção de elementos de sua fauna. Partindo de conceitos consagrados por textos clássicos da história ambiental, pela produção científica ligada à tradição dos naturalistas-viajantes e pelos trabalhos acadêmicos contemporâneos sobre o sistema, o estudo oferece um vasto painel da historiografia regional, culminando com a análise da situação contemporânea. No que toca ao processo recente de expansão da fronteira agrícola, os autores examinam os expressivos impactos ambientais da agricultura sobre o bioma, demonstrando os severos danos causados a seu equilíbrio ecológico, que abrangem o solo, a fauna, a flora, o clima e os recursos hídricos. O diagnóstico demonstra o comprometimento de seu patrimônio genético – e, consequentemente, de seu potencial farmacêutico –, apontando para a insustentabilidade desse modelo de exploração.

A incorporação de espécies vegetais exóticas, um dos fatores observados por Sandro Dutra e Silva e Altair Barbosa como uma das características da inserção do Centro-oeste brasileiro no mercado mundial de alimentos e energia, é o tema do estudo seguinte, de autoria de Marília Teresinha de Sousa Machado, José Augusto Drummond e Cristiane Gomes Barreto. O artigo “Leucaena leucocephala (Lam.) de Wit in Brazil: history of an invasive plant” busca analisar a dispersão da espécie, uma das mais invasivas do mundo, no território brasileiro. Os autores observam que o fenômeno da propagação de espécies fora de seu bioma nativo, intencionalmente ou não, representa uma das áreas de investigação mais relevantes na história ambiental para a abordagem das relações entre as sociedades humanas e o meio físico-natural. Considerando que a dispersão de plantas atende a diversos propósitos humanos, sua propagação na atualidade tem sido objeto de estímulo, considerada a facilidade com que se reproduz e sua utilidade econômica como forragem para a criação de gado. Sendo assim, essa pesquisa examina, em primeiro lugar, a chegada da espécie ao País, muito anterior à data em que foi introduzida oficialmente por uma instituição de pesquisa. Com base nesse estudo, são observados os padrões de sua difusão por grande parte do território nacional, chegando a atingir uma área de preservação, o Parque Nacional de Brasília.

O artigo seguinte também se debruça sobre uma espécie em particular. “História, ciência e conservação da onça-pintada nos biomas brasileiros”, de José Luiz de Andrade Franco e Lucas Gonçalves da Silva, faz um balanço da produção de informação científica sobre a Panthera onca e da atuação de entidades dedicadas a projetos efetivos voltados para sua conservação. Compreender a articulação entre a pesquisa e o conservacionismo é um dos objetivos alcançados pelo artigo, após uma caracterização da espécie e uma recensão historiográfica em que obras escritas por caçadores são identificadas como os primórdios da produção de conhecimento sobre a onça-pintada. Os autores demonstram que as iniciativas efetivamente dedicadas à pesquisa sistemática sobre a espécie datam da década de 1970, quando se iniciam os estudos sobre suas características ecológicas. Demonstrando o imbricamento entre a investigação científica e os projetos protetivos, já esses primeiros estudos apresentavam propostas de medidas conservacionistas. Esse aspecto seria uma constante também nos empreendimentos de cunho científico desenvolvidos no século XXI, quando se intensifica a atuação de entidades ambientalistas, centros de pesquisa ligados ao poder público, fundações e organizações não governamentais. Considerando a ameaça de extinção da espécie, sobretudo nos biomas da Mata Atlântica e da Caatinga, seus projetos têm alcançado, simultaneamente, repercussão acadêmica e colaboração de ativistas. O artigo nos permite também observar o diálogo entre a história ambiental e outras áreas do saber – em particular a zoologia, a veterinária e a genética –, e, também, entre ela e os movimentos sociais ambientalistas. Como concluem os autores, a ciência tem sido o principal instrumento para a conservação da espécie.

Desde o trabalho de seus pioneiros, o tratamento dos aspectos culturais e intelectuais da relação entre homem e natureza é uma das linhas mais produtivas da história ambiental, como demonstram os dois artigos seguintes do dossiê. Em “José Mármol e o ambiente brasileiro do século XIX visto por um exilado”, Amanda da Silva Oliveira e Maria Eunice Moreira empreendem uma análise dos aspectos identitários relacionados à elaboração, pelos intelectuais latino-americanos, de concepções acerca da originalidade da região. Nesse texto, elas analisam os artigos publicados pelo escritor argentino José Mármol durante seu exílio brasileiro, entre 1845 e 1846, e observam que suas impressões etnográficas difundem uma concepção paradisíaca da natureza, que lhe inspira sentimentos do sublime, em contraposição a visões da sociedade urbana como espaço conspurcado pelo cosmopolitismo. Em sua escrita, enquanto a natureza carrega as insígnias do americanismo, incorrupta, copiosa e opulenta, a sociedade, em contato com a cultura europeia, prendia-se a laços de dependência que inviabilizavam o projeto de uma identidade americana comum. Assim, observa-se na análise das autoras a plasticidade dos conceitos de natureza e cultura e sua capacidade de traduzir concepções e representações sobre a vida social que incorporam aspirações e projetos de cunho político-ideológico.

Também nessa categoria direcionada aos estudos da cultura e da vida intelectual, o trabalho de Rodrigo Antonio Vega y Ortega Baez, “Matías Romero, las ciencias geográfico-naturales y la transformación ambiental del sureste de México, 1870-1883”, ilustra a crença, pelos letrados latinoamericanos, de que o desenvolvimento científico proporcionaria a prosperidade econômica do País por meio de ações efetivas sobre o território. Caberia promover, segundo o político, o direcionamento das forças produtivas nacionais no sentido do fomento ao plantio de gêneros de exportação para os mercados norte-americano e europeu, por meio da ampliação e da diversificação da oferta. A base para tal seria a incorporação dos saberes da geografia e das ciências naturais, que conduziriam a uma racionalização das iniciativas econômicas. Em particular, buscavam-se plantas nativas ou aclimatadas que possuíssem alto valor comercial e que poderiam ser cultivadas em terras até então tidas como inférteis. Por meio de um trabalho de propaganda, Romero promoveu a divulgação dos conhecimentos adquiridos em suas leituras científicas, e que exploraram as possibilidades de uso produtivo de parcelas intocadas do território. Nessa análise de sua obra, Vega y Ortega Baez explora, assim, as bases intelectuais de uma transformação do meio ambiente mexicano a partir das últimas décadas do século XIX que estimulou a conversão de “terras ociosas” – selvas, bosques e manguezais – em campos agrícolas, conduzindo a uma sensível alteração da paisagem do País.

O dossiê finaliza com uma entrevista concedida aos organizadores por John Soluri, professor da Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Soluri narrou sua trajetória como pesquisador em história ambiental da América Latina e apresentou reflexões sobre diversos temas relativos ao campo: o estado atual da pesquisa; as áreas e temas mais promissores e imperiosos; perspectivas de investigação globais versus regionais e locais; as relações do conhecimento científico com os problemas sociais e ambientais do mundo contemporâneo; a história ambiental nos Estados Unidos; as oportunidades de intercâmbio entre pesquisadores e estudantes; a responsabilidade dos intelectuais. Ao final, refletiu sobre o significado da história ambiental no meio científico, suas particularidades, desafios e riscos.

Convidamos todos os leitores da revista Estudos Ibero-americanos a conhecer esse dossiê. Agradecemos aos autores que nos confiaram seus artigos e aos pareceristas que contribuíram anonimamente para sua apreciação e aprimoramento.

Luciana Murari – Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Professora da Escola de Humanidades e do Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orcid.org / 0000-0003-1517-1016 E-mail: luciana.murari@pucrs.br

Georg Fischer – Doutor em História pela Universidade Livre de Berlim. Professor associado da Escola de Cultura e Sociedade da Universidade de Aarhus, Dinamarca. orcid.org / 0000-0003-4791-5884 E-mail: fischer@cas.au.dk


MURARI, Luciana; FISCHER, Georg. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 46, n. 1, jan. / abr., 2020. Acessar publicação original [DR]

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