Posts de Itamar Freitas
Um feminismo decolonial / Françoise Vergés
Finalmente temos no Brasil o lançamento de um dos livros da cientista política e historiadora Françoise Vergès: Um feminismo decolonial, publicado pelo Ubu Editora. A tradução chega até nós um pouco mais de um ano após o seu lançamento em francês, e se mantém completamente atual – inclusive por conta do prefácio à edição brasileira, no qual a autora recoloca suas reflexões em meio à pandemia de Covid-19. Nascida em Paris, Vergès cresceu na Ilha da Reunião, um departamento francês localizado a leste de Madagascar, no Oceano Índico, e traz a experiência da colonização francesa no ultramar para o cerne de seu pensamento crítico.
Olhando a França a partir da África, a autora questiona o feminismo civilizatório que, em sua matriz burguesa e eurocêntrica, tem disseminado discursos sobre os direitos das mulheres e a igualdade entre os sexos, sem que as verdadeiras raízes das desigualdades sejam enunciadas e enfrentadas. Esse feminismo, que reivindica melhores postos de trabalho e direitos universais, tem se mostrado interessado no sucesso profissional e libertação das mulheres brancas, de classes médias e altas, e não tem encontrado maiores obstáculos em sua inserção na lógica neoliberal – sistema econômico e de valores que transforma o feminismo em mercadoria, a diversidade em retórica empresarial e se utiliza do trabalho das mulheres e dos homens racializados no exercício das tarefas que homens e mulheres brancas, que tiveram acesso à educação formal, se negam a fazer.
O feminismo proposto pela autora se opõe drasticamente ao cenário descrito acima. Vergès defende um feminismo capaz de enxergar as trabalhadoras e os trabalhadores que o capitalismo deseja que sejam invisíveis, mas que realizam o trabalho do qual depende toda a engrenagem do sistema. A autora nos fala das mulheres que exercem as tarefas de cuidado e reprodução: a limpeza, a alimentação e o cuidado com as crianças, os enfermos e os idosos. Mulheres em sua maioria racializadas, vivendo às margens da sociedade de consumo e sendo exploradas até a exaustão de seus corpos. Como as mulheres brasileiras que trabalham como empregadas domésticas, entre elas, mais de 70% ainda não têm os seus direitos assegurados. São principalmente mulheres negras, que não recebem hora extra, que ainda dormem em “quartinhos de empregadas”, que cuidam das crianças, cozinham e limpam a sujeira para que seus empregadores se dediquem a carreiras muitas vezes mais rentáveis do que o ofício ao qual elas dedicam a vida.
O feminismo decolonial proposto por Françoise Vergès nos possibilita compreender as bases dessa hierarquia social e os mecanismos para sua contestação. Um feminismo insurgente, que denuncia as mazelas da colonização europeia, seja nas Américas, na África ou na Ásia. Que reconhece o racismo como uma invenção destes processos históricos, uma peça fundamental para a consolidação do capitalismo como um sistema internacional de divisão do trabalho a partir da noção de que os povos do Sul global e seus saberes poderiam ser usados e descartados ao gosto dos povos do Norte. Um feminismo decolonial que reivindica o reconhecimento da racialização dos corpos como uma ferramenta de dominação e o epistemicídio, ou seja, a o extermínio de saberes, crenças e culturas como uma política deliberada de apagamento de povos e suas existências.
Para um feminismo que ainda seja potência de transformação da nossa realidade, Vergès nos fala de um movimento que não apenas reivindique a igualdade entre homens e mulheres – afinal, quem são os homens e quem são as mulheres que podem ser iguais? – mas, sobretudo que possa estar engajado na luta anti-imperialista, antirracista e anti-capitalista. E as armadilhas serão muitas em nosso caminho. Como nas décadas de 1980 e 1990, quando organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas realizaram várias conferências para discutir os direitos das mulheres e das populações e entre as propostas de empoderamento das mulheres constava a difusão do microcrédito. O empreendedorismo era o código para a expansão neoliberal sobre as mulheres dos países do Sul, empobrecidas pelo colonialismo e pelo imperialismo. Expansão e lucro para os bancos, endividamento para as mulheres.
Qual o lugar dos feminismos na sociedade brasileira atual? Como as mulheres são muitas e vivem em condições muito diferentes, também os feminismos precisam ser plurais. Contudo, se torna cada vez mais necessário um feminismo que reconheça o protagonismo das mulheres que sofrem com o cruzamento do machismo, do racismo, da misoginia, da transfobia, da homofobia e da exploração de classe. Um feminismo que saiba que “(…) a democracia ocidental não nos protegerá mais quando os interesses do capitalismo forem de fato ameaçados”. (VERGÈS, 2020: 37).
Géssica Guimarães – Professora Adjunta de Teoria da História e História da Historiografia da UERJ.
VERGÉS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: UBU Editora, 2020. Resenha de: GUIMARÃES, Géssica. Humanas – Pesquisadoras em Rede. 20 jul. 2020. Acessar publicação original [IF].
Ponta de Lança. São Cristóvão, v.14, n.26, 2020.
Ponta de Lança: Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura.
Dossiê Temático
- Dossiê: como as ciências sociais e humanidades veem, sentem e leem o território?
- Antonio Carlos Campos, Norberto Santos….
- Historia, identidad y cultura en un anclaje espacial: el paisaje y el territorio en el discurso de intelectuales chaqueños (Chaco, Argentina, 1870-1950).
- Maria Alejandra Zurlo…..
- PDF (Español (España))
- O Território dos Arquitetos
- Vítor Murtinho, João Paulo Cardielos…..
- Reflexões sobre os usos de Espaços Turísticos Patrimoniais na América Latina
- Cristiane Alcântara de Jesus Santos, Roseane Rezende de Freitas…..
- A racionalização urbana e o impacto dos espaços fortificados nas dinâmicas sociais da cidade
- Cristiano Ricardo de Azevedo Pacheco…..
- Um olhar sobre o pensamento geográfico da formação territorial de Itabaiana, Sergipe
- Fabrícia de Oliveira Santos……
- Gestão Territorial e Indicadores Sociais: o caso do IDH
- Daniel Godoy, Paulo Roberto Rodrigues Soares…….
Artigos – Fluxo Contínuo
- Juntas de historia locales, regionales y provinciales en la Argentina. Un recorrido historiográfico y reflexiones teórico-metodológicas para posibles abordajes
- Eduardo A. Escudero…….
- PDF (Español (España))
- Saúde mental na cidade de Feira de Santana, Bahia: análise de notícias, anúncios e serviços publicados no Jornal Folha do Norte (1909-1921)
- Ana Caroline de Souza Santana, Suzi de Almeida Vasconcelos Barboni…….
- “O regime do terror” e o insulto à civilização: notícias sobre o cangaço na imprensa cearense (1920-1930)
- Francisco Wilton Moreira dos Santos…….
- A capoeira Angola como espaço de resistência epistêmica: os cantos de capoeira como possíveis transmissores de uma cronosofia afro brasileira
- Ângelo Oliveira Gomes Teixeira, André de Lemos Freixo…….
- Limites do Termo de Responsabilidade: direito, teletrabalho e reforma trabalhista no Brasil
- Giovanna Martins Sampaio, Julio Cesar de Sá da Rocha…….
Resenhas
- Los rastros del imperio. El ideario del régimen en las películas de ficción del primer franquismo (1939-1951)
- José Antonio Abreu Colombri…….
- PDF (Español (España)).
Publicado: 2020-07-20
Historia y Espacio. Cali, v.16, n.54, 2020.
TEMA LIBRE
- Tema libre
- Historia y Espacio. Cali, v.16, n.54, 2020
- Imagen de la portada: Ministerio de Educación Nacional, Revista Rin-Rin. 4 (1936), p. 4
- Editorial
- El editor de revistas académicas: institucionalidad y responsabilidad
- Alfonso Rubio
Artículos
- Las nodrizas afrodescendientes en el Nuevo Reino de Granada siglo XVII: valor cultural y científico
- María Cristina Navarrete Peláez
- Justicia y ley en el Nuevo Reino de Granada, periodo borbónico
- Isidro Vanegas Useche
- Escollos y legados en la aplicación del armisticio de Trujillo en las provincias del sur de Colombia, 1820-1821
- Roger Pita Pico
- XMLPDF
- Tras bambalinas: museografía y proyección de imaginarios nacionales en las Exposiciones Históricas (Madrid 1892)
- Carmen Cecilia Muñoz Burbano, Paula Revenga Domínguez
- Petróleo y ciudad en la Patagonia argentina, 1907-1940
- Javier Eduardo Serrano Besil
- Indulgencias, coros y reconocimiento: La revista de misiones y las obras misionales pontificias en el mundo infiel, putumayo, 1925–1930
- Giovany Paolo Arteaga Montes
- Trasformando el país a través de la higiene. Las cartillas técnicas y la revista Rin Rin en las bibliotecas aldeanas de Colombia 1936-1938
- Willian Alfredo Chapman Quevedo, Jesús Ángel Castro Fontalvo, Ángela Lucía Agudelo González
- La revista Micro (1940-1949) y la crítica cinematográfica y radiofónica en Colombia
- Andrés Villegas Vélez, Catalina Castrillón Gallego
- Rasgos identitarios del discurso de la movilización Minga de Resistencia Social y Comunitaria
- William Bermeo Dagua
Reseñas
- Jorge Augusto Gamboa Mendoza. “Los muiscas y su incorporación a la monarquía castellana en el siglo XVI: Nuevas lecturas desde la nueva historia de la Conquista”. En: Diálogos y patrimonio cultural. Tunja: Maestría en Patrimonio Cultural, UPTC, 2015,94 p.
- Carlos Daniel Ortiz Caraballo
- Marilía Dalva Klaumman Cánovas. Santos e Imigração na Belle Époque. Os espanhóis – cotidiano urbano, práticas associativas e militância política (1880-1922). São Paulo: Universidade do São Paulo, 2017, 464p.
- Julián David Corredor Espitia
- Elizabeth Villa. Entre el vacío y la orfandad. Sociedad y prácticas culturales en Tijuana, 1942- 1968. Tijuana: Centro Cultural Tijuana, 2018, 233 p.
- Víctor Manuel Gruel Sández
Publicado: 2020-07-16
Cadernos de Pesquisa do CDHIS. Uberlândia, v.33, n.1, 2020.
A imagem “Ituiutaba 2017 1.JPG” é de autoria da blogueira fotográfica Maysa Samira Abrão, que gentilmente autorizou o uso para compor a capa dessa edição da Revista Cadernos de Pesquisa do CDHIS. A imagem é um registro fotográfico da 66° Festa em Louvor a São Benedito e Nossa Senhora do Rosário – XXX° Encontro Regional dos Ternos de Congos, Moçambiques, Marujos e Catupés. Jubileu de Diamante Irmandade de São Benedito de Ituiutaba, MG, no dia 22 de maio de 2017.
Mário Costa de Paiva Guimarães Júnior
Editorial
Apresentação
- Apresentação
- Gustavo de Souza Oliveira, Iara Toscano Correia
Arquivo, Documento e Memória
- Fontes Documentais de Acervos Escolares e o Ensino de História do Distrito FederalRelato sobre o Centro de Memória(s) do Elefante Branco
- Cristiane de Assis Portela
- Dossiê Patrimônio Cultural, lugares de memória e usos do passado
- Patrimônio Cultural ImaterialA Atuação do IPHAN e do IEPHA/MG
- Paulo Sérgio Silva, Ana Paula da SILVA
- Patrimônio CulturalDiálogos com a Memória e a História
- Francilene Ramos Lourenço Soares
- Tambores da Resistênciao Maracatu de Baque Virado como Patrimônio Cosmológico
- Walter Francisco Figueiredo Lowande, Camila Silva Bueno
- A Memória e a Experiência no Museu da MaréUma Narrativa de Resistência
- Luciana Mendes dos Santos
- Patrimônio Arqueológico Indígena no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba-MGAções de Preservação e Proteção de Acervos no Ambiente da Universidade Federal de Uberlândia
- Marcel Mano, Robson Antonio Rodrigues, Aurelino José Ferreira Filho
Artigo Livre
- Para Além das Portas e JanelasO caso do Museu de Arqueologia e Paleontologia de Araraquara (SP)
- Josiane Kunzler, Débora de Souza Simões , Natália Carvalho de O. Checchi , Robson Antonio Rodrigues
- O Museu da Cidade de Governador ValadaresEntre a Celebração do Passado e o Mito do Pioneirismo
- Lucinei Pereira da Silva, Lana Mara de Castro Siman
- A Transmissão de Memórias e o Espaço PúblicoA Paisagem Cívica da FEB em Juiz de Fora
- Rodrigo Musto Flores
Notas de Pesquisa
- O Poder Eclesiástico em Campanha (MG) e a Persistência do Patrimônio Edificado Religioso (1739-1825)
- Márcio Eurélio Rios de Carvalho, Weigson Fernando Ribeiro Lopes
- A Memória como Ferramenta Política(re)discutindo as Cotas Raciais no Brasil
- Régis Rodrigues Elisio
Relato de Experiência
- Lugares de MemóriaRelatos de Experiência de Criação de Espaços Carregados de História
- Valéria Zanetti, Maria Helena Alves da Silva, Maria Aparecida Papali, Ana Enedi Silva Prince
- Documentação Audiovisual de um Patrimônio Imaterial Ainda não InventariadoA Resistência Caiçara em Paraty
- Karina Passos de Abreu
- Projeto Conhecendo ItabiritoTurismo Educacional para a Educação Patrimonial
- Marcelle Rodrigues Silva, Carlos Alberto Antunes do Carmo, Luan Barbosa Ribeiro
Publicado: 15-07-2020
Crítica Histórica. Maceió, v.11, n.21, 2020.
Anarquismos: história e historiografia em perspectivas multidisciplinares e interseccionais
Editorial
Apresentação
- Apresentação
- Ana Paula Palamartchuk
Dossiê Temático
- Anarquismo italiano, transnacionalismo e emigração ao Brasil: Contribuições ao debate teórico
- Carlo Romani
- A bandeira negra entre outras: (trans) nacionalismo e internacionalismo na construção do anarquismo no Brasil (1890-1930)
- Kauan Willian Santos
- Nos bastidores de um jornal anarquista: as particularidades do processo de produção de um jornal libertário na Primeira República Brasileira (1900-1935)
- Lucas Thiago Rodarte Alvarenga
- Anarquia na Bahia (1920-1922) – militância, repressão e circulação geográfica na trajetória de Eustáquio Marinho
- Luciano de Moura Guimarães
- A Insurreição anarquista de 1918
- Hamilton Moraes Theodoro dos Santos
- Educação, sindicalismo revolucionário e anarquismo nos Congressos Operários Brasileiros (1903-1921)
- Antonio Felipe da Costa Monteiro Machado
- A condição social da mulher e o debate sobre gênero e patriarcado: contribuições de Maria Lacerda de Moura
- Tatiana Ranzani Maurano, Glaucia Uliana Pinto
- Apropriação e produção de teorias evolucionistas nos periódicos anarquistas brasileiros (1900-1930)
- Gilson Leandro Queluz
- Os estudos do crime sob a ótica de um anarquista: Pietro Gori e a revista Criminalogía Moderna
- Hugo Quinta
- Repassando a chama – sindicalismo e anarquismo na Alemanha, do período imperial até a segunda guerra mundial
- Moritz Peter Herrmann
- La Insignia e o Anarquismo: a experiência da guerra civil espanhola na poética de Léon Felipe
- Felipe Vieira Paradizzo
- A prática de luta armada da Organización Popular Revolucionária – 33 Orientales no Uruguai (1968-1972)
- Rafael Viana da Silva
- Manifestações de rua como laboratório político – 2013 e suas emergentes formas
- Flávio José de Moraes Junior
Fluxo Contínuo
- O fim do marxismo na historiografia brasileira?
- Ronaldo P. de Jesus
- Entre memórias e esquecimentos: participações dos/as jovens no Festival da Canção do sertão de Alagoas (1970 – 1990)
- Isabel Oliveira, Ana Maria Freitas Teixeira, Rosimeire Reis
- Passado, presente e futuro: revisitando as origens do Tenentismo e o nacionalismo autoritário das décadas de 1910 e 1920.
- Allony Rezende de Carvalho Macedo
Ensaios
- O candeeiro se apagou? A universidade brasileira sob fogo cruzado
- Antônio Fernando de Araújo Sá
Resenha
- Trabalhadores e trabalhadoras rurais boias frias: exclusão, imprensa e poder
- Aline Oliveira Silva
- O anarquismo rompendo o cerco
- Igor Ribeiro dos Santos
Publicado: 14/07/2020
A nova Razão do Mundo – Pierre Dardot e Christian Laval / Rodrigo Perez /
O livro é importante porque nos ajuda a entender as diversas variações da linguagem liberal. O neoliberalismo não esgota o liberalismo. É sua radicalização, sua versão eticamente perversa. Isso não significa que outros repertórios liberais não possam ser importantes na construção de um mundo socialmente mais justo.
Acessar publicação original
Revista História e Culturas. Fortaleza, v.8, n.15, 2020.
- Obra da Capa de Antonio Lopes.
- Titulo : Casa de Fazenda
- Dimensão : 90×60
- Técnica:Óleo s/tela
- Contatos 85 8502-0433
- Publicado: 2020-07-14
- Artigos
- APRESENTAÇÃO
- Altemar da Costa Muniz
- 01-06
- NASCER E VIVER: RIO GRANDE-RS, UMA CIDADE PORTUÁRIA
- THIAGO cedrez SILVA, EDGAR ÀVILA GANDRA, ELVIS SILVEIRA SIMOES
- 07-27
- INÍCIO DA PROPAGAÇÃO DO CRISTIANISMO NO JAPÃO NO SÉCULO XVIUM OLHAR SOBRE AS MISSIVAS ESCRITAS POR FRANCISCO XAVIER
- Willian Carlos Fassuci Larini, Sezinando Luiz Menezes, Célio Juvenal Costa
- 28-37
- ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA NA ESCOLA E O PAPEL DO PROFESSOR/HISTORIADOR
- Éder da Silva Novak, Luís César Castrillon Mendes
- 38-57
- DO DESENVOLVER AO PERECER CIENTÍFICO: NO QUE ISTO IRÁ DECORRER?
- Letícia Jorge, Luiz O. Q. Peduzzi
- 58-106
- “NÃO JOGUEI A COPA DE 1974 POR DESGOSTO COM O REGIME POLÍTICO DO PAÍS”: A DITADURA MILITAR E AS REPRESENTAÇÕES BIOGRÁFICAS DE PELÉ.
- Nathan Pereira Barbosa
- 107-134
- “EU SOU ELA, LILITH, CONCUBINA DA ESCURIDÃO, PRIMEIRA CRIMINOSA E AUXILIADORA DOS DEMÔNIOS”: O IMAGINÁRIO DA BRUXA NO MARTELO DAS FEITICEIRAS (SÉCULO XV).
- Gleudson Passos Cardoso, Gabrielle Abreu dos Santos
- 135-145
- ALIANÇAS E ROMPIMENTOS ELEITORAIS DO “CIDISMO” NO CEARÁ
- Emanuel Freitas da Silva
- 146-160
Grande Hotel Abismo: a Escola de Frankfurt e seus personagens | Stuart Jefries
Talvez só um jornalista experimentado como Stuart Jeffries – colunista do The Guardian – poderia fazer uma síntese tão completa de um objeto complexo como é o caso da Escola de Frankfurt. A experiência de traduzir assuntos ásperos para um público mais amplo foi decisiva para que Jeffries produzisse um livro com profundidade suficiente para atrair leitores mais exigentes e acessível o bastante para leitores iniciantes.
O título do livro, embora instigante, não descreve muito bem as intenções do autor em relação ao seu objeto. Ele foi inspirado numa crítica de Georg Lukács à ausência de um comprometimento efetivo dos criadores da teoria crítica com a práxis revolucionária, o que os tornavam comparáveis aos hóspedes de um fictício hotel situado à beira de um abismo, de onde se podia contemplar, de modo seguro e confortável, o mundo desabando. Portanto, a expressão “Grande Hotel Abismo” ironiza a sinceridade das ácidas críticas da Escola de Frankfurt ao mundo contemporâneo. Mas será que Stuart Jeffries enxergava os autores da escola como oportunistas e hipócritas que criticavam o sistema que sustentava o seu conforto apenas para marcar posição? Parece que não. Se um Adorno e um Horkheimer apenas se lamentavam à beira do abismo é porque eles se sentiam impotentes para interromper a catástrofe que visualizavam, tal qual o anjo da história evocado por Walter Benjamim. E mais: só o fato de mostrar um abismo onde a maioria das pessoas só enxergava diversão, por si só, já é um mérito suficiente. Leia Mais
Renato Kehl e a eugenia no Brasil: ciência, raça e nação no período entreguerras
O autor da obra é o historiador Vanderlei Sebastião de Souza, professor adjunto do Departamento de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), do Programa de Pós-Graduação em História pela mesma instituição e do Programa de Pós-Graduação em História Pública da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). É graduado em História (2002), com mestrado (2006), e doutorado (2011) em História das Ciências pela Casa de Oswaldo Cruz – Fiocruz.
Assim, o livro denominado Renato Kehl e a eugenia no Brasil: ciência, raça e nação no período entreguerras (2019), é dividido em quatro capítulos, sendo o prefácio da obra assinado pelo sociólogo Robert Wegner, professor do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/FIOCRUZ). Fazendo uma análise do processo metodológico instrumentalizado pelo autor, Robert Wegner afirma que “além de ser um livro bem escrito e embora denso, de agradável leitura, atinge uma técnica exemplo na articulação entre o desenvolvimento do argumento e a utilização das fontes” (p. 24-25). Leia Mais
Brasil em crise: o legado das jornadas de junho | David G. Borges e Victor Cei
A obra apresenta uma análise, sob a perspectiva de vários autores, do que se convencionou chamar de “as jornadas de junho de 2013”, fazendo referência aos protestos ocorridos no Brasil nesse mesmo período. Considerado como um dos maiores movimentos políticos da história, as manifestações deram início a uma crise política, que culminou na eleição presidencial mais acirrada do país.
A obra é composta dos seguintes autores e seus respectivos capítulos: Felipe de Aquino e Flávio Soeiro (Que país é este? Seminário sobre o pós junho de 2013), David G. Borges (As jornadas de junho de 2013: histórico e análise), Davis Alvim (“Destruir, para reconstruir”: a tática black bloc e a pedagogia das vidraças), Guilherme Moreira Pires (A palavra do poder que engole o poder das palavras), Marcelo Martins Barreira (Sem medo de ser… Megamanifestante feliz), Paulo Edgar da Rocha Resende (A tática black bloc e a liberação anárquica do dissenso) e Vitor Cei (Contra-isso-que-está-aí: o niilismo nas jornadas de junho), Leia Mais
Revista de História da UEG. Morrinhos, v.9, n.2, 2020.
Dossiê “A fotografia em instituições de memória”: experiências no Brasil e em Portugal
Imagem de Capa:
Floresta Amazônica, Pará (1974-2003). Foto de Claudia Andujar.
Fonte: galeriavermelho.com.br
Editorial
- “A fotografia em instituições de memória”: experiências no Brasil e em Portugal
- Rogério Pereira de Arruda, Ana Gandum
- e922000
Dossiê Temático
- “O ex libris da graça africana”: uma fotografia no contexto colonial português“The ex libris of African grace”: a photograph in the Portuguese colonial context
- Marcus Vinicius de Oliveira
- e922001
- Produção, usos e apropriações de uma imagem: o processo de iconização da fotografia da mulher de turbante, de Alberto HenschelProduction, uses and appropriations of an image: the process of iconization of the photograph of the woman in a turban, by Alberto Henschel
- Aline Montenegro Magalhães, Maria do Carmo Teixeira Rainho
- e922002
- A fotografia na história do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP)Photography in the history of the Museum of Modern Art of São Paulo (MAM-SP)
- Guilherme Marcondes Tosetto
- e922003
- Os negativos de vidro no fundo da gaveta (ou como a Fotografia na escola não é arquivo)The glass negatives at the bottom of the drawer (or as the School Photography is not an archive)
- Hugo Rodrigues Cunha
- e922004
- Um tesouro austro-brasileiro: compartilhando responsabilidades sobre a Coleção Mario BaldiAn Austro-Brazilian treasure: sharing responsibilities for the Mario Baldi Collection
- Marcos de Brum Lopes
- e922005
- Os olhares de Fatumbi: o lugar da fotografia na Fundação Pierre VergerFatumbi’s looks: the place of photography at the Pierre Verger Foundation
- Marilécia Oliveira Santos, Thiago Machado de Lima
- e922006
- Instituições de memória e acervos fotográficos: a experiência do Centro de Memória Cultural do Sul de MinasMemory institutions and photographic collections: the experience of the Centro de Memória Cultural do Sul de Minas
- Marcos Ferreira de Andrade
- e922007
- Imagens de povos indígenas: das fotografias do século XIX às fotografias de Claudia AndujarIndigenous peoples images: from the 19th century’s photographs to Claudia Andujar’s photographs
- Laila Zilber Kontic
- e922008
- Artigos (Tema Livre)
- Mulheres do Poti: transformação cerâmica e representações femininas no Poti Velho, Teresina, PiauíPoti Women: ceramic transformation and female representations in Poti Velho, Teresina, Piauí
- Alexandre Navarro; Amanda Lima da Silva
- e922012
- O tempo não para: presentismo e diferentes temporalidades no processo do envelhecimentoTime does not stop: presentism and different temporalities in the aging process
- Sandra Mara Dantas, Valeska Oliveira Ferreira
- e922013
- O Belo Sertão e os dizeres da convivência em certezas ventiladas de cores, sons e poesiaThe beautiful sertão and the words of acquaintance in ventilated certainties of colors, sounds and poetry
- Almair Morais de Sá
- e922014
- As práticas heréticas frente ao repúdio eclesiástico durante a Baixa Idade MédiaThe heretical practice in front of the Ecclesiastical Repudiation during the low average age
- Alexandre Firmo dos Santos
- e922015
- A criação da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe: um think tank econômico na periferia do capitalismoThe creation of the Economic Commission for Latin America and the Caribbean: an economic think tank on the periphery of capitalism
- Beliza Borba de Almeida, Ivan Colangelo Salomão
- e922016
- As mulheres na Guerra do Paraguai (1864-1870): o caso da Província de Mato Grosso (MT)The women in the Paraguayan War (1864-1870): the case of the Province of Mato Grosso (MT)
- Maria Augusta De Castilho, Adilso de Campos Garcia
- e922017
- Ambição, cobiça, maus procedimentos: as acusações da Câmara de Belém contra os Capuchos da Piedade (Século XVIII)Ambition, greed, bad procedures: the accusations of the Chamber of Belém against Capuchos da Piedade (18th century)
- Frederik Luizi Andrade de Matos
- e922018
- O retorno da agenda neoliberal: os “ultraliberais” e o ataque à Justiça do TrabalhoThe return of the neoliberal agenda: the “ultraliberals” and the attack on Labor Justice
- Victor de Oliveira Pinto Coelho
- e922019
- Gênero e cidadania: limites e possibilidades dos livros didáticos no ensino de históriaGender and citizenship: textbooks’ limits and possibilities for history teaching
- Renata Cavazzana da Silva
- e922020
- Breve panorama histórico do entrelaçamento entre museus, exposições e expografiaBrief historical overview of the intercross of museums, exhibitions and expography
- Alceu Paulo da Silva Neto, Priscila Almeida Cunha Arantes
- e922022
- O Ginásio Polivalente de Alfenas e os vestígios das práticas escolares (1971-1979)The Alfenas Multipurpose and the Remnants of School Practice (1971-1979)
- Juliana Miranda Filgueiras, Jorge Eduardo Lima Araújo
- e922023
- “Ouzarão vir furtar descaradamente, e buscar novos companheiros, quando ouzavão até pôr fogo ás Cazas”: escravizados em fuga na vila de São José de Macapá“They dared to shamelessly steal and seek new companions, when they dared to even set fire to houses”: enslaved on the run in the village of São José de Macapá
- Bruno Rafael Machado Nascimento
- e922024
- Atividades comerciais no contexto da economia de subsistência do século XIX em Goiás – BrasilCommercial activities in the context of the 19th century subsistence economy in Goiás – Brazil
- Tathiana Rodrigues Salgado
- e922025
- Mercadoras do sobrenatural: um estudo sobre mulheres cartomantes no Rio de Janeiro Imperial (1860-1869)Supernatural’s merchants: A study about female cartomancers in the Imperial Rio de Janeiro (1860-1869)
- Kathleen de Oliveira Maia
- e922027
Entrevistas
- Joaquim Marçal Ferreira de Andrade, pesquisador da Biblioteca Nacional (BN) e curador do portal Brasiliana Fotográfica
- Rogério Pereira de Arruda
- e922009
- Alexandra Encarnação, coordenadora do Arquivo de Documentação Fotográfica (ADF), Lisboa – Portugal
- Ana Gandum
- e922010
Resenhas
- SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Renato Kehl e a eugenia no Brasil: ciência, raça e nação no período entreguerras. Paraná: Unicentro, 2019. 330p
- Fernando Tadeu Germinatti
- e922011
- BORGES, David G; CEI, Vitor (Org.). Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Vila Velha: Praia Editora, 2015.
- Bruno de Araujo Azevedo
- e922021
- JEFFRIES, Stuart. Grande Hotel Abismo: a Escola de Frankfurt e seus personagens. Tradução: Paulo Geiger. São Paulo: Cia das Letras, 2018.
- Eliézer Cardoso de Oliveira
- e922026
Publicado: 2020-07-14
Revista M. Rio de Janeiro, v.5, n.9, 2020.
Dossiê 9: Doença e Morte
Editorial
- Editorial: v.05, n.09, jan./jun.2020
- Claudia Rodrigues, Mara Regina do Nascimento, Marcelina das Graças de Almeida
- Dossiê
- Apresentação do Dossiê 9: Doença e Morte
- Rachel Aisengart Menezes, Natalia Luxardo
- La muerte en la institución hospitalaria
- Mayleth Alejandra Zamora Echegollen, Roberto Manero Brito
- PDF (Español (España))
- Experiencia y finitud, un abordaje fenomenológico en mujeres que transitan cáncer de mama en el Área Metropolitana de Buenos Aires (Argentina)
- Leila Martina Passerino
- PDF (Español (España))
- Sobre a morte e o morrer: concepções de profissionais de saúde envolvidos em uma investigação sobre óbito infantil em Porto Alegre
- Maria da Graça Alexandre, Cristianne Maria Famer Rocha, Paulo Roberto Antonacci Carvalho
- Diretivas Antecipadas de Vontade e a concepção do protagonismo do enfermeiro na visão de estudantes de Enfermagem
- Maria Luzia Machado Godinho, Edison Luiz Devos Barlem, Jamila Geri Tomaschewsk Barlem, Laurelize Pereira Rocha, Silvana Bastos Cogo, Graziele De Lima Dalmolin
- “Lições sobre a Morte”: o discurso médico na obra de Pedro Nava
- Maria Alice Ribeiro Gabriel
Artigo Livre
- O escotismo e a morte em Portugal. A construção do imaginário “Eterno Acampamento”
- Paulo Oliveira Fontes, Gonçalo Brito Graça
- O que o Moridero, de Mario Bellatin, pode nos dizer sobre a morte e suas facetas na modernidade?
- Lilian Silva Pinto, Fábio Figueiredo Camargo
- Vozes Femininas do Sarau Noturno: refletindo a arte cemiterial sob a perspectiva das representações e olhares femininos
- Clarisse Ismério
Em campo
- A morte da criança hospitalizada: estratégias defensivas e de enfrentamento da equipe de enfermagem
- Silviamar Camponogara, Jeanini Dalcol Miorin, Gisele Loise Dias, Isis de Lima Rodrigues, Luísa Schirmann Vasconcelos, Ana Lúcia Uberti Pinheiro
Resenha
- Um lugar para morrer: experiências de morte domiciliar
- Edlaine Gomes
- A morte e a religiosidade no imaginário popular: o cemitério como local de culto e devoções marginais
- Julio Cesar Aguiar Santana
Publicado: 2020-07-13
Khronos. São Paulo, n.9, 2020.
Ficção científica e a história da ciência e da técnica
EXPEDIENTE
- · Expediente
- Lauro Fabiano Souza carvalho
- CHAMADA
- · Chamada para a próxima edição
- Lauro Carvalho
EDITORIAL
DOSSIÊ “FICÇÃO CIENTÍFICA E A HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TÉCNICA”
- · Narrativas do caos nas séries de TVuma análise da distopia em narrativas de ficção seriada
- Valmir Moratelli Cassaro
- · Transumanismo e modaciência ou Ficção científica?
- Francisco Rômulo Monte Ferreira, Bianca Neves Milani de Castilho
- · As possibilidades e tensões entre imaginação, ciência e tecnologia nas histórias da Futurian Society of New York
- Andreya Susane Seiffert
- · Um enlace entre ciência e literatura: o Somnium de Johannes Kepler
- Gustavo Santos Giacomini
- · Os opostos que não se opõemnarrativas de medo e êxtase sobre o fim do humano a partir da Singularidade tecnológica e de Black Mirror.
- Fabiano Galletti Faleiros
- · Encurtando distâncias na comunicação científica: da República das Letras a Perdido em Marte
- Carolina Sotério, Matheus Steigenberg Populim
- · Fato como ficçãorecontando as ciências, nos EUA do início do século 20
- Victoria Florio, Olival Freire Júnior
- · A história da epistemologia no cinemao percurso cético da protagonista do filme Contato
- Anna Carolina Velozo Nader Temporão
- · Por uma ficção científica ou uma ciência ficcionaljogos e disputas entre ficção, ciência e filosofia
- Alana Soares Albuquerque
ARTIGOS
- · Indígenas brasileiros e o uso das plantassaber tradicional, cultura e etnociência
- Jéssica da Silva Gaudêncio, Sérgio Paulo Jorge Rodrigues, Décio Ruivo Martins
- · As medicinas das Minas Gerais a partir de três manuais setecentistas
- Ana Carolina de Carvalho Viotti
- · Estevão Cabral (1734-1811) contra Newtonnotas sobre sua memória não publicada acerca da natureza da luz
- Breno Arsioli Moura
- · The right man in the right placeinterações entre gerência científica e formação profissional na indústria ferroviária paulista (1920-1950)
- Ana Torrejais
TRADUÇÃO
- · Carta de Berkeley sobre as erupções do monte Vesúvio
- Jaimir Conte
COMUNICAÇÕES
- · 15 anos da paleontologia molecularbreve histórico dos achados de tecidos moles não mineralizados em dinossauros não avianos
- Everton Fernando Alves
PUBLICADO: 2020-07-12
Revista do IHGPI | Teresina, v.7, n.1, 2017.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. Teresina, v.7, n.1, 2017.
Publicado: 2020-07-12
Artigos
- Família e poder no Piauípoder político e relações familiares no século XIX
- Marcelo de Sousa Neto | PDF
Apprendre. Archéologie de la transmission des savoirs – PION; SCHLANGER (APHG)
PION, Patrick; SCHLANGER, Nathan. Apprendre. Archéologie de la transmission des savoirs. Paris: La découverte, Paris, 2020. Resenha de: LEMENNAIS, Noémie. Association des Professeurs d’Histoire et de Géographie (APHG) 13 jul. 2020. Disponível em < https://www.aphg.fr/Apprendre-Archeologie-de-la-transmission-des-savoirs>Consultado em 11 jan. 2021.
Qu’est-ce qu’apprendre ? Qu’est-ce que savoir ? Qu’est-ce qu’un savoir ? Toutes ces questions recouvrent un phénomène complexe et mouvant faisant appel à de nombreux champs des sciences humaines. Ces interrogations sont aujourd’hui primordiales dans cette « société de la connaissance » qu’est la nôtre au XXIe siècle.
Le livre Apprendre. Archéologie de la transmission des savoirs (publié en juin 2020 aux éditions La découverte) permet d’approcher ces questionnements centraux aujourd’hui. Patrick Pion [2] et Nathan Schlanger [3] ont rassemblé les textes du colloque international « Transmettre les savoirs, archéologie des apprentissages » organisé par l’Institut national de recherches archéologiques préventives (INRAP) les 28 et 29 novembre 2017. L’ouvrage, de belle facture, propose 37 illustrations, et une bibliographie à la fin de chaque communication.
Ce recueil offre une approche transdisciplinaire pour éclairer et enrichir la réflexion sur ce que signifie « apprendre ». L’objectif principal est « d’étoffer le débat au-delà du cercle des spécialistes, en mêlant la voix singulière de l’archéologie, qui étudie la matérialité et la temporalité du passé à travers les traces des activités humaines » (p.15), et qui était restée jusqu’à présent peu audible sur ce sujet. Cet ouvrage est profondément pluridisciplinaire faisant intervenir aussi bien l’archéologie, que l’éthologie, l’anthropologie, l’histoire et la sociologie. L’ensemble des études présentées ont un point commun : l’importance de la matérialité même des informations, des savoirs et des savoir faire qui entraînent des changements et des transformations des conditions d’accès, économiques et psychologique à l’information, au savoir. Les contributions permettent également d’interroger sur des notions qui semblent évidentes aujourd’hui mais qui nécessitent une redéfinition : nature/culture ; acquis/inné ; expérience/science. Cet enrichissement de la réflexion se fait grâce à série d’études de cas permettant d’élargir l’horizon de la réflexion dans des contextes historiques, sociaux et culturels très variés, « car l’archéologie – tout comme l’anthropologie sociale et culturelle – s’avère un outil de décentrage et de défamiliarisation, en encourageant la connaissance de sociétés autres, soient-elles du passé ou du présent ». (p. 17)
Le livre est composé de quatre parties, dont une première introductive avec une préface de Dominique Garcia (Président de l’INRAP) et une introduction de P. Pion et N. Schlanger permettant de revenir sur les objectifs et la démarche de cet ouvrage.
Ensuite, il y a une ouverture de Christian Jacob [4] intitulée « L’économie sociale de la circulation des savoirs : perspectives anthropologiques ». Cette ouverture permet au lecteur non spécialiste de saisir les enjeux épistémologiques sur les questions de transmission, savoirs, et apprentissages. L’auteur propose une distinction entre les savoirs et ce qui se prête à la transmission à l’intérieur de ces mêmes savoirs. Il précise la dimension sociale des savoirs qui ont vocation à être partagés dans une société, amenant ainsi à une réflexion sur ce qu’est une économie des savoirs, puisque ceux ci possèdent une valeur, qu’elle soit marchande, symbolique ou culturelle. C’est parce qu’il y a cette valeur intrinsèque aux savoirs que se pose finalement la question de l’apprentissage et des modalités de celui-ci.
Après cette partie, le livre est divisé en trois parties abordant des thèmes complémentaires : Entre l’inné et l’intentionnel ; L’oral, l’écrit, l’image : diversité et complémentarité des supports ; et Apprendre et innover : stabilité et mutations des savoir-faire et des savoirs.
Dans la première partie plus théorique, Gaëlle Pontarotti [5] propose un article intitulé : « La distinction entre l’inné et l’acquis a-t-elle encore un sens ? ». Elle revient sur la distinction entre l’inné et l’acquis ancrée dans les traditions de pensée dans les sciences du vivant. Or, des recherches récentes mettent à mal cette opposition, pourtant souvent perçue comme centrale dans les processus d’apprentissage. G. Pontarotti analyse dans un premier temps les différents domaines où la dichotomie inné/acquis semble judicieuse, ensuite les éléments qui fragilisent cette distinction, pour enfin souligner la nécessité de dépasser cette opposition. Pour elle, il conviendrait plutôt d’utiliser la distinction entre « non appris » et « appris », voire même entre différents types d’ « appris » puisque le concept d’innéité est porteur de confusion tout en n’étant pas étayé d’un point de vue empirique.
Jean-Louis Dessalles [6] dans le deuxième article (« La transmission « naturelle » des savoirs » ») réfléchit sur les motivations de la transmission des savoirs dans l’espèce humaine, comportement au caractère contre-nature. La théorie darwinienne met à mal l’idée selon laquelle notre espèce produit des savoirs et les transmet dans l’optique de s’entraider. Pour expliquer cette opposition, l’auteur revient sur l’importance de la conversation spontanée comme source de savoir, et son caractère inattendu. L’objectif de ces conversations est de constituer un réseau social. Or, si de nombreux individus consacrent un temps important à l’apprentissage d’un savoir, d’un savoir faire c’est pour son utilité sociale, l’objectif étant de se distinguer. En donnant une information, on démontre que l’on détient cette information. Ainsi, Jean-Louis Dessalles met en valeur le rôle social de la transmission des savoirs plus que son utilité scientifique.
Blandine Bril [7] s’interroge, quant à elle, sur les savoirs et savoir-faire nécessaires à acquérir pour être expert dans un domaine précis, dans son article « Geste technique et apprentissage : une perspective fonctionnelle ». Elle revient tout d’abord sur les cadres théoriques dans les travaux des savoirs d’action et leurs apprentissages. Ensuite, elle analyse l’approche « cognitiviste » de ce processus, pour enfin s’interroger sur le rôle de l’environnement dans ce questionnement replaçant finalement l’homme dans un système plus large. L’ensemble de ces réflexions amène à se questionner sur la définition d’une tâche technique en termes fonctionnels, c’est-à-dire sa causalité.
Dans le quatrième et dernier article de cette partie, « Évolution de l’enseignement intentionnel », Anders Högberg [8] questionne l’évolution de l’enseignement intentionnel présent dans toutes les sociétés humaines. Mais cette compétence est très limitée, voire absente, chez les autres espèces. L’objectif est donc de s’interroger sur la part Homo docens de l’Homo sapiens. A. Högberg rappelle que l’enseignement intentionnel repose sur l’aptitude à saisir que quelqu’un d’autre ne sait pas comment faire telle chose, supposant donc la capacité à reconnaître des états mentaux. Ainsi, si l’enseignement non intentionnel existe chez d’autres espèces, la transmission culturelle de faits ou de concepts d’une génération à l’autre par le biais de l’enseignement intentionnel est unique à l’homme. Pour A. Högberg, le développement cognitif crucial lors de l’évolution humaine n’a donc peut-être pas été la fabrication ni l’usage d’outils (que l’on peut retrouver chez les chimpanzés), mais cette capacité à effectuer un transfert intentionnel de savoirs d’une génération à l’autre.
La deuxième partie de l’ouvrage, la plus longue, est constituée de neuf études de cas sur différentes aires géographiques, culturelles et historiques. Nous les présenterons donc rapidement, et nous insisterons sur l’utilisation possible pour le professeur d’histoire-géographie dans la préparation des programmes.
Olivia Rivero [9] ouvre cette deuxième partie avec son article « L’apport des analyses technologiques à l’étude des savoir-faire artistiques du Paléolithique ». L’objectif est de sortir de l’analyse artistique de l’art préhistorique, pour se concentrer sur l’étude de ces œuvres du point de vue de leur production et de ce qu’elles impliquent au niveau de l’individu, du groupe et de la société.
Ensuite, Maria-Iluminada Ortega-Cordellat [10] propose une étude intitulée « Niveaux de compétences et apprentissage de la taille du silex au Paléolithique supérieur : l’exemple des sites du Bergeracois ». Elle s’interroge sur les critères « vouloir-faire », « savoir faire » et « pouvoir faire » en synergie dans la taille du silex, production témoignant pour la première fois de l’existence de spécialistes.
Jean-Pierre Nguede Ngono [11] offre une analyse très intéressante sur « La transmission orale chez les Baka du Cameroun dans un contexte de mutations socio-environnementales ». Il revient sur l’utilisation de l’oralité pour transmettre les savoirs et savoir-faire dans les sociétés africaines, principalement chez les Baka, des Pygmés du sud-est Cameroun. Ces questions de transmission orale chez des peuples de chasseurs-cueilleurs, peuples dépendant écologiquement de leur environnement, se posent avec acuité dans un contexte de sédentarisation promulguée depuis 1955 et d’urbanisation grandissante. Cet article explique donc l’importance du milieu pour la transmission des savoirs dans un peuple. Il pourra intéresser le professeur préparant le programme de géographie en 1er pour le thème 4 : L’Afrique australe : un espace en profonde mutation, même si évidemment le Cameroun ne fait pas partie de l’Afrique australe, mais cela offrira un enrichissement de la réflexion sur les dynamiques actuelles en Afrique.
La quatrième article est celui de Patrick Johansson Keraudren [12] : « Le savoir et sa transmission dans la pictographie nahuatl, avant et après la conquête espagnole ». Il analyse dans cet article la question de la production, du maintien et de la transmission du savoir à l’époque précolombienne, ainsi que les conséquences de l’arrivée hispanique sur cette transmission à l’origine principalement orale et par l’image. Cet article est accompagné de très belles illustrations pour montrer l’évolution de ces pratiques.
Cécile Michel [13] propose, dans l’article « L’écriture cunéiforme au Proche-Orient antique : enseignement, apprentissage et acteurs », d’étudier les acteurs de l’apprentissage de l’écriture cunéiforme, c’est-à-dire, les maîtres et les élèves à travers un corpus de textes reconstituant des tablettes retrouvées.
Le sixième article est celui de Michel Bats [14] intitulé : « L’apprentissage de l’écrite en Gaule méditerranéenne protohistorique (VIe – Ie siècle avant notre ère) ». Cet article revient sur le développement de l’apprentissage et de l’utilisation de l’alphabet grec dans la langue gauloise à partir du IIIe siècle comme conséquence des échanges commerciaux autour de Massalia. Cet article permettra aux professeurs d’enrichir leur réflexion dans le cadre du programme de 2nd dans le thème 1 : Le monde méditerranéen, Chapitre 1 : La Méditerranée antique : les empreintes grecques et romaines. L’intervention de M. Bats offre un exemple de la construction d’un monde connecté par l’intermédiaire des connaissances, de la transmission des savoirs, et non seulement par la politique et les conquêtes.
Marc Smith [15] réfléchit sur l’évolution de l’apprentissage de l’écriture en France à travers les sources archéologiques dans son article « Les modèles d’apprentissage de l’écriture en France depuis la Renaissance ». L’intervention de M. Smith peut être utilisée par le professeur pour la préparation du chapitre « Renaissance, humanisme et réformes religieuses » du thème 2 du programme de 2nd. De fait, le programme invite à travailler sur l’imprimerie, les conséquences de sa diffusion et sur le nouveau rapport aux textes de la tradition. Cette intervention offre un exemple enrichissant sur la transmission du savoir et savoir-faire de l’écriture dans une France qui n’est pas encore majoritairement alphabétisée, mais dans laquelle l’écrit prend progressivement une place de plus en plus importante.
Gilles Bellan [16] conduit une analyse archéologique de l’école républicaine en France à la période contemporaine, offrant notamment des photographies d’écoles. L’article de G. Bellan peut être utilisé par le professeur pour compléter et alimenter sa préparation du chapitre « La mise en œuvre du projet républicain » du thème 3 en classe de 1er générale. Le programme invite à travailler sur le projet d’unification de la nation française autour des valeurs de 1789 et de ses modalités de mise en œuvre (symboles, lois scolaires). Cette analyse de l’archéologie scolaire constitue donc un parfait exemple de cette mise en œuvre de projet républicain à travers les symboles républicains que l’on peut retrouver dans les bâtiments scolaires, eux-mêmes représentatifs de l’évolution des politiques scolaires des différents gouvernements. L’unification de la nation passe également par une unification des modes de transmissions et d’apprentissages d’un projet commun.
Enfin, le dernier article de cette deuxième partie, est celui d’Aissa Kadri [17] « Transmissions des savoirs en situation coloniale : l’imposition du système d’enseignement français en Algérie ». Cet article passionnant enrichit clairement la réflexion du professeur d’histoire-géographie sur le processus multiforme de la colonisation de l’Algérie dans un domaine rarement abordé dans les programmes scolaires, celui de la transmission du savoir (ou non) dans le cadre colonial. Ce contrôle sur la transmission des savoirs fait partie intégrante des politiques mises en œuvre pour contrôler les populations sur place, c’est un aspect du colonialisme qu’il serait pertinent de faire travailler aux élèves de classe de 1er générale dans le chapitre « Métropole et colonies » du thème 3.
La troisième partie est composée de six articles portant sur la stabilité et les mutations des savoir-faire et des savoirs. Le premier article est celui de Valentine Roux [18] « Apprentissage et inventions : des individus qui font l’histoire ». Sont traitées dans cet article les questions de l’apprentissage et de la reproduction des tradition, ainsi que la relation entre apprentissage, expertise et inventions.
Joanna Sofaer [19] signe le deuxième article : « Créativité, apprentissage et « arts de faire » : une archéologie du quotidien à l’âge du Bronze à Százhalombatta-Földvár en Hongrie ». Elle revient sur les trois aspects du lien entre créativité et apprentissage, tels qu’ils sont accessibles dans les données archéologiques, afin de comprendre leur expression dans la vie quotidienne à l’époque de l’âge du Bronze.
La troisième contribution est celle d’Anne Lehoërff [20] « Savoir-faire métallurgique et savoir transmettre en archéologie ». Cet article s’intéresse aux traces laissées, volontairement ou non, par les hommes du passé, comme preuve pour pouvoir restituer la vie des sociétés. Or, ces traces sont le résultat final d’un processus beaucoup plus complexe, transmis au fil du temps à d’autres individus, conduisant à des évolutions. L’objectif est donc de s’interroger sur ces productions humaines, leur variabilité et les modalités d’apprentissage qui sont derrière.
Françoise Labaune-Jean [21] propose une étude sur les gestes de l’artisanat du verre durant l’Antiquité et le premier Moyen-Âge, le verre étant un des premiers matériaux de synthèse créés par l’homme. Les sources archéologiques récentes permettent de renouveler la géographie de cet artisanat, la connaissance des infrastructures, des techniques et donc de la transmission de celles ci.
Danielle Arribet-Deroin [22] signe le cinquième article de cette partie : « Appréhender les savoirs des travailleurs des grosses forges à fer de la fin du Moyen-Âge et de l’Époque moderne ». A travers l’exemple des travailleurs des grosses forges, elle s’interroge sur l’innovation de nouveaux savoir faire ou de savoirs pratiques tout en étudiant leur émergence et leur diffusion.
La dernière contribution à ce recueil est celle de Séverine Hurard [23], « Branle-bas de combat ! Apprentissage et préparation de la guerre de siège sous Louis XIV » à la suite de fouilles préventives en 2011-2012 du fort de Saint-Sébastien de Saint-Germain-en-Laye. Ces fouilles ont permis de révéler, aux archéologues comme aux historiens, un investissement dans la préparation à la guerre de siège, insoupçonnée jusqu’alors, permettant ainsi l’apprentissage de la guerre, mais aussi de l’altérité et de la vie en communauté.
En conclusion, Apprendre. Archéologie de la transmission des savoirs est un livre important pour remettre en perspective cette « société de l’information » dans laquelle nous vivons. Cet ouvrage montre au lecteur que les connaissances et les moyens d’y accéder ne sont pas une préoccupation récente. Il contextualise cette quête de la connaissance et du savoir très contemporaine dans un temps long, très long (3 millions d’années), et parfois même avant l’apparition de l’écriture qui n’est pas une condition nécessaire à la transmission des savoirs, contrairement à ce qui a été longtemps considéré. De plus, ces multiples études interrogent également sur la place de l’apprentissage, de la transmission de savoirs et savoir-faire dans l’identité humaine. La lecture de ces articles offre donc une réflexion riche et parfois émouvante au lecteur sur ce que signifie concrètement connaître et savoir, questionnement inhérent à tous. L’objectif du livre est rempli en démontrant l’intérêt incontestable de l’apport de l’archéologie dans ces études sur la transmission du savoir. Cet ouvrage s’inscrit également dans une des nombreuses missions de l’INRAP qui est la communication et la valorisation auprès du public de l’actualité des découvertes, ainsi que de leur analyse scientifique. Ainsi, cet ouvrage, en plus de présenter l’archéologie de la transmission des savoirs, participe également à son propre objet d’étude.
Cet ouvrage fait finalement écho au nouveau programme de spécialité HGGSP de terminale qui porte dans le thème 6 sur « L’enjeu de la connaissance ». La lecture de certains morceaux choisis de ces articles (notamment l’ouverture de Christian Jacob) avec la réalisation d’une fiche de lecture par les élèves ne pourra qu’enrichir leur réflexion personnelle et scientifique sur un thème central dans nos sociétés du XXIe siècle.
Ce questionnement touchera également les professeurs de toutes les matières, tant ces questions sont au cœur de leur activité quotidienne. En effet, le livre permet au professeur de s’interroger sur son rôle dans la transmission du savoir auprès des élèves : que se passe-t-il entre les deux parties ? Cette lecture entraîne donc un questionnement réflexif sur notre métier, nos pratiques et les dispositifs mis en œuvre en classe.
Notes
[2] INRAP ; CNRS, UMR 7055 « Préhistoire et technologie », Nanterre [3] École nationale des Chartes, Paris ; UMR 8215 « Trajectoires », Nanterre [4] EHESS ; CNRS, UMR 8210 « Anthropologie et histoire des mondes antiques » [5] Université Paris-Diderot (Labex Who am I ?) ; Institut d’histoire et de philosophie des sciences et des techniques [6] Laboratoire traitement et communication de l’information, Telecom-ParisTech, Institut Polytechnique de Paris [7] EHESS [8] École des études culturelles et d’archéologie, faculté des arts et humanités, Université Linne, Kalmar, Suède ; Palaeo Research Institute, University of Johannesburg, Afrique du Sud [9] Université de Salamanque, Espagne [10] Institut national de recherches archéologiques préventives ; UMR 7041 « Archéologies et sciences de l’Antiquité », Nanterre [11] EHESS, Institut des mondes africains [12] Université nationale du Mexique, Mexique [13] CNRS, UMR 7041, « Archéologies et Sciences de l’Antiquité », Nanterre ; Université de Hambourg, Allemagne [14] CNRS, UMR 5140 « Archéologie des sociétés méditerranéennes », Lattes-Montpellier [15] École nationale des Chartes-PSL, Paris [16] INRAP [17] Université Paris VIII ; UMR 8235 « Laboratoire interdisciplinaire pour la sociologie », Conseil national des Arts et Métiers/ CNRS) [18] CNRS, UMR 7055 « Préhistoire et technologie », Nanterre [19] Université de Southampton, Royaume-Uni [20] Université de Lille ; Institut universitaire de France ; Conseil national de la recherche archéologique [21] INRAP [22] Laboratoire de médiévistique occidentale de Paris, UMR 8589, CNRS-Université Paris-1 Panthéon-Sorbonne [23] INRAP ; UMR 7041 Archéologies et sciences de l’Antiquité « TranSpheres » NanterreNoémie Lemennais – Professeure d’histoire-géographie au lycée Maxence Van der Meersch de Roubaix, doctorante en histoire romaine, HALMA – UMR 8164, Université de Lille.
[IF]História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.12, n.23, 2020.
Movimentos Sociais e Meio Ambiente (Jan-Jun/2020)
Expediente
- · Expediente RBHCS
- Editores RBHCS
Apresentação
- · Apresentação do Volume 12 Número 23 da Revista Brasileira de História & Ciências Sociais
- Denize Terezinha Leal Freitas, Fabiano Quadros Rückert, José Carlos da Silva Cardozo, Jonathan Fachini da Silva, Tiago da Silva Cesar
Apresentação ao Dossiê
- · Apresentação ao Dossiê Movimentos Sociais e Meio Ambiente
- Alfredo Ricardo Silva Lopes, Mário Martins Viana Junior
Dossiê
- · O Antropoceno como Regime de Historicidade
- Alfredo Ricardo Silva Lopes, Mário Martins Viana Junior
- · Os Movimentos Indígena e Ambientalista sob o viés de análise da História Ambiental: a repercussão no Ensino de História
- Poliene Soares dos Santos Bicalho, Maria de Fátima Oliveira, Fernanda Alves da Silva Oliveira
- · Movimientos socioambientales, decolonialidad e historia ambiental en los conflictos patagónicos en Argentina (1980-2003)
- Ayelen Dichdji
- · A História Ambiental da APA Floresta Manaós: um movimento pela defesa territorial e a emersão da Ciência Ambiental
- Fabiane Araujo Oliveira, Elizabeth Conceição Santos
- · Mapas Sociais: Subsídios para a elaboração do Plano de Gestão territorial e ambiental potiguara
- Alicia Ferreira Gonçalves
- · Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais em Mato Grosso: Patrimônio Cultural e Lutas Políticas
- Manuela Areias Costa, Luciano Pereira da Silva
- · Bordando a luta: O Coletivo de Mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens e as oficinas de Arpilleras como estratégia de mobilização social
- Monise Vieira Busquets
- · Contrainformação e conhecimento emancipatório como práticas educativas no enfrentamento da economia de desastres da mineração em Barcarena (PA).
- Eunapio Dutra do Carmo
- · Relações entre Estado e associações: origens de associações ambientais em Santos (SP)
- Olivia Cristina Perez
- · O duplo caráter do direito à existência: luta de classes e articulação estrutural das contrarreformas sociais, políticas e ambientais
- Gustavo Seferian
- · “O Mundo de 2020”: Relações sociais e meio ambiente na distopia de 1973.
- Franco Santos Alves da Silva
Artigos Livres
- · Uma “nova profissão”: A Fundação Rockefeller e a formação de profissionais para a saúde pública (primeira metade do século XX)
- Ana Paula Korndörfer
- · Gênero e o Declínio das Políticas Públicas
- Margarete Panerai Araujo, Kellen Cristina Varisco Lazzari
- · A Sociologia da Infância na contemporaneidade
- Marta Regina Brostolin
- · 1º Congresso Afro-Brasileiro (1934), biopolítica e democracia racial: implicações na educação contemporânea
- Mozart Linhares da Silva, Mateus Silva Skolaude
- · Luta armada das esquerdas e justiçamentos: um estudo de(o) caso (São Benedito-CE)
- Airton de Farias
- · Os Estados Unidos e a Inglaterra vistos pelo cinema soviético do stalinismo tardio
- Moisés Wagner Franciscon
Acadêmicos e Pesquisas
- · Percepção sobre as consequências e prejuízos de inundações: estudo aplicado em Pinhais, Paraná
- Murilo Noli da Fonseca, Larissa Maria da Silva Ferentz
Publicado: 2020-07-10
Apagando o incêndio: A crise financeira e suas lições – BERNANKE et al (FSPI)
Retrato de Ben Bernanke /en.wikipedia.org
BERNANKE, Bem S.; GEITHNER, F. Timothy; PAULSON JÚNIOR, Henry M. Apagando o incêndio – A crise financeira e suas lições. Sdt. Todavia, 2020. Resenha de: CUCOLO, Eduardo. Bombeiros’ de 2008 viam, antes da pandemia, arsenal anticrise dos EUA queimado. Folha de São Paulo – Ilustrada. 10.jul.2020.
No momento em que o mundo está diante da maior recessão econômica desde o pós-guerra, diversos governos têm recorrido ao receituário criado a partir da crise de 2008 e 2009, batizada nos EUA de a Grande Recessão, para evitar que a atual pandemia leve o mundo a uma nova Grande Depressão.
A forma como três gestores da maior economia do planeta lidaram com a última grande crise econômica é o tema do livro “Apagando o Incêndio – A Crise Financeira e suas Lições” (“Firefighting”, em inglês), lançado no Brasil nesta semana pela editora Todavia.
A obra traz o relato do então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Ben Bernanke, do secretário do Tesouro do governo George W. Bush Henry Paulson e de Timothy Geithner, presidente do Fed de Nova York na época da crise e sucessor de Paulson, na gestão Barack Obama.
O livro foi lançado nos EUA em abril do ano passado, quando a economia mundial dava sinais de desaceleração, mas estava longe da profunda recessão provocada pela pandemia do novo coronavírus.
Curiosamente, os autores afirmam que o país estava, em 2019, em uma posição de desvantagem em relação ao arsenal disponível para reanimar a economia no caso de uma nova crise. “Felizmente, antes da crise [de 2008], o arsenal keynesiano dos Estados Unidos estava razoavelmente bem abastecido. O Fed tinha muito espaço para reduzir as taxas de juros e buscar outras políticas monetárias expansionistas, enquanto o restante do governo tinha espaço orçamentário para empreender políticas fiscais expansionistas, como reduções de impostos e aumento de gastos.”
“Hoje, o arsenal keynesiano parece muito mais restrito, o que poderia ser uma desvantagem significativa numa crise séria”, afirmam.
Com a proposta de falar para o público leigo, a publicação faz um histórico de uma crise que, segundo os autores, foi inicialmente mais intensa que a Grande Depressão dos anos 1930, mas que foi debelada a partir do momento em que o governo dos EUA conseguiu deter o pânico e estabilizar o sistema financeiro.
Os três evitam o discurso de que foram os responsáveis por salvar o mundo do caos, ao destacarem frequentemente a importância de políticos democratas e republicanos terem se unido para “apoiar intervenções tremendamente impopulares, mas fundamentais”, como estatizar empresas quebradas e resgatar todo o sistema financeiro.
Dizem ainda que a reação à crise ficou marcada como uma ação para ajudar Wall Street no imaginário dos americanos, mas que “a única maneira de conter o dano econômico de um incêndio financeiro é apagá-lo, embora seja quase impossível fazer isso sem ajudar algumas das pessoas que o provocaram”. A opção, segundo os três, seria deixar que o país seguisse para uma longa recessão.
O livro é divido em cinco partes, seguindo a cronologia da crise, a começar pela raiz dos problemas: os novos produtos financeiros que ajudaram a aumentar os estragos causados pelo fim do boom do imobiliário nos EUA.
Para eles, tratou-se de um pânico financeiro clássico, uma corrida ao sistema financeiro desencadeada por uma crise de confiança nas hipotecas, alimentada pelo boom de crédito. Problemas que só puderam florescer graças à falta de regulação e a uma inovação —a securitização, mecanismo usado por Wall Street para fatiar e picar hipotecas a fim de transformá-las em produtos financeiros complexos que se tornaram onipresentes nas finanças modernas.
Os capítulos seguem as datas que marcam quatro períodos da crise: 9 de agosto de 2007, quando o BNP Paribas, maior banco da França, anunciou o congelamento dos saques de três fundos que detinham títulos garantidos por hipotecas subprime americanas; o colapso do Bear Stearns, em 14 de março de 2008; a quebra do Lehman Brothers, em 15 de setembro do mesmo ano (que os autores classificam como “O Inferno”); e a aprovação do programa que permitiu ao governo dos EUA comprar “ativos problemáticos” e iniciar o combate à crise. A recessão no país terminou em junho de 2009.
Em apenas um mês, a partir de setembro de 2008, ocorreram ainda a estatização das gigantes de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac, o colapso da corretora Merrill Lynch e o resgate da seguradora AIG para evitar uma falência ainda maior que a do Lehman.
Após uma rejeição inicial, que derrubou ainda mais os mercados, o Congresso americano aprovou um pacote de US$ 700 bilhões em apoio ao sistema financeiro. Isso tudo durante o período final de uma campanha presidencial.
“Ajudamos a formular a reação americana e internacional a uma conflagração que sufocou o crédito mundial, devastou as finanças globais e mergulhou a economia americana na recessão mais danosa desde as filas do pão e os cortiços dos anos 1930.”
O livro traz um anexo que explica a crise em gráficos e mostra em números como se deu a reação. Reação que garantiu mais de uma década de bonança à maior economia mundial. Nesse período, no entanto, os EUA não se preocuparam em restaurar o poder de fogo fiscal e monetário que poderia ajudar a enfrentar outra recessão.
Proféticos, os autores dizem que, “quando a próxima crise ou até mesmo uma recessão comum ocorrer, os formuladores de políticas terão muito mais dificuldade, tanto do ponto de vista político quanto econômico, para repetir a reação vigorosa de uma década atrás”.
[wd_asp id=18567]
História & Distopia: a imaginação histórica no alvorecer do século 21 / Julio Bentivoglio
Bentivoglio, animado pelas reflexões de Hayden White sobre a imaginação histórica e a nova filosofia da história (Cf.: WHITE, 2002), argumenta que uma inédita consciência historiográfica emergiria no alvorecer do século XXI, notoriamente pós-moderna e distópica. Isso significaria dizer, que a forma pela qual o historiador trata, enreda, e apresenta o passado que lhe é disponível, seria resultado de uma experiência da história determinada pela produção de um lugar deslocado, impróprio, fora do eixo e hostil, sendo analiticamente sintetizado pela noção de deslugar. O passado, longe de responder a uma verdade absoluta, é desprendido das coerções praticadas pelo método da ciência histórica, para se deslocar em diversos sentidos que lhe são atribuídos por narrativas, representações e simulacros.
Minha hipótese é a de que acompanhamos a emergência de um novo paradigma poético-linguístico, pré-crítico e meta-histórico. E que esse paradigma, no século XXI, é eminentemente distópico. Ou seja, a atual consciência na historiografia é um modo preciso de pensamento, cuja pré-elaboração do enredo de início é, em si mesma desconfiada, seja das capacidades científicas da história, seja das realizações da historiografia, seja das evidencias ou da materialidade do passado, seja das verdades produzidas pela história a ele. O passado tornou-se deslocamento, deslugar (BENTIVOGLIO, 2019, p. 58).
Tal definição de distopia como deslugar, é uma abertura para pensarmos a própria temporalidade do conceito, rompendo sua definição mais comum e imediata, que o coloca como o contrário da utopia. Nesse sentido, distopia não é apenas uma relação temporal distante entre futuro e presente, mas pode se caracterizar como uma irradiação de forças que deslocam um imaginário compartilhado sobre o passado irrevogável, admitindo dessa maneira, sua interferência assombrosa e fantasmagórica no presente. Considera-se, portanto, que a distopia na história remete a espectralidade de um passado-presente (cf: HARTOG, 2013; HUYSSEN, 2014). “A distopia não é uma antiutopia, ela é um deslugar, que não se encontra exatamente no futuro, mas, que pode estar em qualquer lugar, inclusive no presente e no passado” (BENTIVOGLIO, 2019, p. 96).
O trabalho de Bentivoglio, ao revisitar a formação da ciência histórica no século XIX, demonstra que a consciência historiográfica moderna estaria marcada por uma “tensão entre os objetivos utópicos e a adoção de práticas disciplinares distópicas” (BENTIVOGLIO, 2019, p.26). Esse conflito viria à tona com as reflexões epistemológicas que são caracterizadas como pós-modernas – como os passados práticos de Hayden White – que admitem uma ampla circulação do passado, destituindo assim, o próprio privilégio da historiografia em organizar arbitrariamente o passado. Bem como, as reflexões de Foucault sobre as condições de possibilidade que fundam a ciência histórica moderna.
Contudo, se o caráter distópico da moderna historiografia residia no método, hoje a distopia se autonomizou como imaginação histórica (o impacto dos sentidos da experiência da história sobre os modos de pensar) e consciência historiográfica (os artefatos e técnicas usados para conferir forma a uma narrativa). Nesse cenário, portanto, seria possível afirmar que assim como a utopia estava para a modernidade, a distopia está para a pós-modernidade. A história utópica, que transcorre sobre a racionalidade moderna, seria uma tentativa arbitrária de produzir sentido as metanarrativas do progresso e disciplinar o passado em um único regime de verdade. No sentido que submete o passado ao controle único do historiador sob as premissas de um regime de cientificidade de pretensão realista. O autor observa que a noção de objetividade do projeto historiográfico ocidental, caracteriza esse desejo da narrativa histórica em conhecer o passado como ele realmente foi ou de reconstruí-lo o mais fielmente possível através de modelos (métodos) científicos. A diferença decisiva entre uma história utópica e uma história distópica seria então que a natureza distópica da história de algum modo acaba por abalar não somente o mito fundador do passado, como o próprio mito de fundação científica da história na modernidade, porque se patenteia a existência de tantos passados quanto as obras de histórias serão capazes de produzir” (BENTIVOGLIO, 2019, p. 30).
Num panorama geral, o pequeno livro oferece uma densidade admirável. A quem interessar a leitura, encontrará um percurso de investigação que passa pelas raízes da literatura distópica; pela formação da ciência histórica no século XIX; pela crise de representação e o esgotamento das filosofias especulativas da história (o já conhecido debate sobre o fim da história). Tal caminho, que ao primeiro olhar pode parecer desconexo, é uma tentativa bem-sucedida de ilustrar que há sobre a historiografia, uma incidência de outro tipo de imaginação histórica, que se distancia do conceito moderno de história. Alguns aspectos dessa distinção podem ser abordados pela passagem do passado lugar ao passado deslugar; do regime de cientificidade ao narrativismo; da verdade absoluta aos confrontos de sentido sobre o passado; do modernismo ao pós-modernismo; do futuro aos passados-presentes; do otimismo ao ceticismo; enfim, da utopia à distopia.
O trabalho em questão também é importante pois se torna uma base teórica imprescindível para que a historiografia possa alcançar novos objetos de pesquisa. O objeto não deve ser apenas aquilo que esgotamos em análises exaustivas, como se fosse algo cristalizado no tempo e no espaço; uma historiografia que tem a distopia como parte fundamental de sua prática deve transformar o objeto naquilo que nos leva ao caminho do pensamento, da reflexão filosófica sobre nossas bases epistemológicas, e que principalmente, propõe questões ao tempo presente. Tais objetos não-convencionais fazem parte desse movimento de produzir a partir do estranhamento, de enxergar soluções a partir da catástrofe que se aproxima. É pensar o mundo contemporâneo de um lugar, ao mesmo tempo, perigoso e privilegiado. Somente assim, enxergando o passado a partir de outras perspectivas, poderemos conferir espessura a um presente fraturado e pensar sobre o que o futuro poderá vir a ser.
O livro de Júlio Bentivoglio, reforça que a distopia deve ser encarada como uma noção organizadora dos fenômenos do tempo presente. Não podemos mais acusa-la de extrapolar os limites da ficção e do real. É justamente essa preponderância em trazer à tona o absurdo, que constitui seu lugar como um potente meio de crítica ou de reflexão em relação ao nosso presente. Trata-se de questionar o real, tensionar o cotidiano e as relações socias já estabelecidas. Esse incomodo que é provocado pela agressividade da imaginação distópica deve assumir-se como um despertar para a historicidade que atravessa, dentre outras dimensões, o saber histórico. Perceber a relevância de elementos da vida contemporânea como a tecnologia, a vigilância, e a catástrofe, é interrogar, mas sobretudo, encarar os sentidos que compõem a experiência da história hoje.
Por fim, fica o convite à leitura desse livro que se torna uma referência de maior grandeza para aqueles interessados, principalmente, nos estudos em Teoria da História. Para além de sua amplitude argumentativa, o livro cumpre um papel importante na afirmação do protagonismo brasileiro como importante centro de pesquisa e reflexão teórica sobre a historiografia. Nele o leitor poderá encontrar as discussões mais atuais das pesquisas na área, juntamente com uma originalidade teórica, que confere ao texto aquilo que alguns historiadores ainda não entenderam muito bem: teorizar não é se limitar a comentar teorias alheias, mas sim traçar um diálogo sólido com a tradição e arriscar novas propostas e conceitos que movimentem a historiografia de seu lugar-comum.
Referências
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas de memória. Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de Arte do Rio, 2014.
WHITE, Hayden. Meta-história. São Paulo: Edusp, 2002.
Notas
1. Podemos citar teóricos da história como Ewa Domanska, Berber Bevernage, Sanjay Seth, Dipesh Chakrabarty, Ethan Kleinberg, Ivan Jablonka, Zoltán Simon, entre outros. No Brasil destaca-se a organização de pesquisadores em torno da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH), algo que tem promovido um avanço qualitativo nas pesquisas da área. Além do trabalho de Bentivoglio, devemos destacar as recentes pesquisas de Valdei Araujo e Mateus Pereira sobre o atualismo, e o importante livro A história (in)disciplinada, organizado por Arthur Ávila, Rodrigo Turin e Fernando Nicolazzi.
2. O gráfico pode ser visualizado neste link. Acesso em: 18/06/2020.
3. Podemos citar como exemplo dois movimentos principais que percorrem a filosofia do século XX, são eles: o pós-estruturalismo e o esclarecimento da Escola de Frankfurt.
4. Simultânea a escrita desta resenha, foi lançada a série de entrevistas Crise & Historicidade – uma iniciativa de LETHIS-UFES e do NIET-UFMG, em parceria com a HH Magazine: humanidades em rede – que tem como segundo episódio uma entrevista do professor Júlio Bentivoglio sobre a relação entre história, distopia, e crise. Ela está dividida em duas partes, as quais podem ser acessadas através dos seguintes links:
Episódio 02, Parte 01: https://www.youtube.com/watch?v=AzKFECirBIk
Episódio 02, Parte 02: https://www.youtube.com/watch?v=dGG-5ufAUs0
Revoluções no Atlântico: Brasil e Portugal na década de 20 do Oitocentos | Revista Ágora | 2020
No ano do bicentenário da Revolução de 1820, organizamos junto à Revista Ágora o dossiê “Revoluções no Atlântico: Brasil e Portugal na década de 20 do Oitocentos”. O decênio de 1820 foi marcado por diversos movimentos revolucionários em Portugal e no Brasil. A Revolução do Porto inaugurou a agenda de sublevações no mundo português, configurando-se acontecimento que influenciaria nos rumos políticos nos dois lados do Atlântico.
Inspirada em princípios liberais, o movimento iniciado na cidade de Porto, em poucas semanas alcançaria Lisboa e não tardaria a ser notícia também no Brasil. Verdadeira guerra literária fora travada na imprensa no Brasil e em Portugal. Periódicos e folhetos difundiam nova pauta política, ressignificando conceitos e divulgando novo vocabulário constitucional. Leia Mais
Ágora. Vitória, v.31, n.2, 2020.
Pós-abolição: sociabilidades, relações de trabalho e estratégias de mobilidade social
Ágora de debates
- Pós-abolição: sociabilidades, relações de trabalho e estratégias de mobilidade social
- Geisa Lourenço Ribeiro, Rafaela Domingos Lago
- Pós-abolição: sociabilidades, relações de trabalho e estratégias de mobilidade s
- O jogo político das lideranças do associativismo negro: alianças, conflitos e redes de proteção em Salvador na segunda metade do século XIX
- Lucas Ribeiro Campos
- Histórias do fogo: recordações familiares, racismo e o tempo do cativeiro sertanejo
- Carolina Pereira
- Desejos de liberdade: tutelas, fugas e a fundação da colônia orfanológica de Pindamonhangaba/SP (1888-1892)
- Mateus Henrique Obristi Castilho
- As famílias cativas de Itapemirim nos anos finais da escravidão (Província do Espírito Santo, 1872-1888)
- Laryssa da Silva Machado
- As disputas de narrativas sobre o “glorioso ato de 13 de Maio de 1888” nos jornais de Cachoeiro de Itapemirim-ES (1888-1889)
- Geisa Lourenço Ribeiro
- A inserção dos libertos no imediato pós-abolição no Espírito Santo (1889-1910)
- Rafaela Lago
- Mulheres e homens além da sala de aula: sociabilidades de docentes na Bahia entre a escravidão e o pós-abolição
- Jucimar Santos, Fabiano Moreira da Silva, Sivaldo dos Reis Santos
- Rei Congo foi pra guerra, ai meu Deus como será? Explorando experiências de negociação entre pessoas escravizadas e senhores na Insurreição do Queimado e na origem do ciclo folclórico das bandas de congo no Espírito Santo
- Michel Dal Col Costa
- As (im)possíveis relações entre a capoeira capixaba e o candomblé
- Juliana Almeida
Artigos
- O canto da blasfêmia
- Luiz Paulo Labrego de Matos
Resenha
- O pós-abolição no Brasil Meridional
- Carlos Eduardo Coutinho da Costa
- Pareceristas
- Pareceristas
Publicado: 08-07-2020
EaD em Foco. Rio de Janeiro, v.10, n.2, 2020.
Artigos Originais
- Metodologia para Pesquisa sobre Trabalho Docente em Contextos Inovativos de Ensino à Distância à Luz da Psicodinâmica do Trabalho
- Andressa Aguiar Araújo, Ana Cristina Batista dos Santos, Arthur Vítor Cruz Alencar, Paloma Alves Saraiva Teles
- Uso de Técnicas de Mineração de Dados na Extração de Sequências de Navegação de Estudantes de um Massive Open Online Course (MOOC)
- Napoliana Silva de Souza, Gabriela Trindade Perry
- Papel de Professor Tutor na Percepção de Discentes e dos Próprios Tutores
- Danielle Mello Ferreira, Luciana Mourão
- PDF – Informações Adicionais
- Realidade Aumentada e Interdisciplinaridade: o Uso do Aplicativo LandscapAR no Ensino de Matemática e Geografia
- Tarliz Liao, Jhonatas Mayke Junkes de Carvalho
- PDF – Inglês
- Uma Possibilidade para a Redução da Evasão em um Curso de Licenciatura em Matemática a Distância: a Proposta do GEPAM
- Neslei Noguez Nogueira, Rita de Cássia de Souza Soares Ramos, Denise Nascimento Silveira, Lúcia Renata dos Santos Silveira
- Formação de Professores: Metassíntese da Produção Acadêmica sobre o Curso de Pedagogia EaD
- Flavia Machado Fortes, Adair Nacarato
- Os Fatores Motivacionais de Escolha do Ensino a Distância: uma Abordagem sobre um Polo de Apoio Presencial de uma Instituição de Ensino Superior
- Mara Aparecida Barnaski Fagundes Fagundes, Jorge Oneide Sausen, Eusélia Pavaglio Vieira
- PDF – Informações Adicionais
- PDF – Inglês
- PDF – Additional Information
- Análise do Perfil dos Alunos Ingressantes de um Curso de Licenciatura em Química Semipresencial de um Polo do Sistema UAB: Um Guia Acerca das Publicações sobre o Tema em Questão
- Érica de Melo Azevedo
- Perspectivas para a Utilização do Meme na Elaboração de Materiais Didáticos para EaD
- Rute Grael Jorge
- Silêncio e Evasão na Educação a Distância: uma Experiência no Ambiente Virtual Schoology
- Leandro de Oliveira Silva, David Almeida dos Santos, Hellen Candida Alves
- Desafios da In(ex)clusão no Espaço da Educação Superior à Distância no Brasil
- Viviane Spadaro Di Gesú, Roberto Gimenez
- PDF – Inglês (English)
- Ensino de Relações Internacionais na Modalidade a Distância: Original Article a Experiência do Curso de Administração Pública Semipresencial
- Daniel Neto Francisco
- PDF – Inglês
- Motivação Discente no Ensino à Distância em Gestão Pública Sob a Ótica da Autodeterminação
- Ruy Fernandes da Silva Costa, João Rafael Martelo, Wagner Dantas de Souza Junior, Sidnei Celerino da Silva
- Análise Epistemológica do Currículo e das Ações Pedagógicas no Ensino Híbrido
- Jorge Maurício da Silva Brito, Edna Maria Biz Pasini
- PDF – Inglês
- Educação a Distância: uma Nova (e Única?) Oportunidade para Obter um Diploma
- Everton Garcia da Costa
- Museus de Ciência Espaços de Formação para Licenciandos
- Simone Pinheiro Pinto, Monica Dahmouche
- Percepções de Docentes sobre as Tecnologias no Ensino em Saúde
- Adriana Teixeixa Pereira , Simeão Donizete Sass, Dante Marcello Claramonte Gallian
- PDF – Informações Adicionais
- Escala de Determinantes da Evasão no Ensino a Distância (EDED): Proposição e Validação.
- Kelmara Mendes Vieira, Pedro Saulo Rocha Martins, Reisoli Bender Filho, Fernando de Jesus Moreira Júnior
- PDF – Informações Adicionais
- Letramento Digital: Fórum Colaborativo na Educação a Distância
- Raíssa Araújo Silva, Maria Cristina Leandro de Paiva
- A Utilização do Design Thinking pelo Designer Instrucional na Produção de Materiais Educacionais Destinados à Educação a Distância
- Humberto Costa, Tania Stoltz, Trajano Felipe Barrabas Xavier da Silva
- Pensando sobre o Uso das Tecnologias na Formação de Professores no Contexto EaD
- Paulo Sergio Schelesky, Ana Lúcia Pereira, Luciane Grossi
- Sistemas de Controle e Alinhamento Estratégico de Simons na Visão de Professores-tutores do Ensino a Distância (IES)
- Daniel Ferreira Santos, Ana Carolina Baggio Fabricio, Eduardo Damião Silva
Estudos de Caso
- Educação de Jovens e Adultos na Modalidade a Distância: Acesso, Permanência e Aprendizagem na Percepção dos Alunos
- Daniela Karine Ramos, Ana Lucia da Silva Bezerra
- Novas Tecnologias Aplicadas na EAD: um Estudo de Caso Sobre Retenção e Evasão Escolar no Ensino Superior
- Claudio Marcos Maciel da Silva, Jorge Vieira da Rocha
- Ensino Híbrido de Física para Ensino Médio Usando a Rede Social CUBOZ de Educação
- Jean Marcel Capuzzi, Carlos Alberto Moreira dos Santos
- Laboratórios Remotos como Alternativa para Atividades Práticas em Cursos na Modalidade EAD
- Juarez Bento da Silva, Simone Meister Sommer Bilessimo, Gisele Ramos Scheffer, Isabela Nardi da Silva
- O Curso de Licenciatura em Educação Física na Modalidade à Distância: Reflexões Sobre um Modelo de Vivência de Práticas Corporais
- Monica de Castro Mello Teruya, Renato Almeida, Zuleika Zamoner, Patrícia Ortiz Monteiro
- PDF – Instrumentos
- Cursos de Graduação em Fisioterapia na Modalidade a Distância no Brasil
- Erivaldo Santos de Lima, Vanessa Lôbo de Carvalho
- Recursos Educacionais Abertos no Ensino Fundamental Anos Iniciais: um Estudo entre Professores do Brasil e Estados Unidos da América
- Irene Zangalli , Ademir Aparecido Pinhellli Mendes
- Aspectos Relacionados à Aplicação de Videoconferências na Educação a Distância: Estudo de Caso da Universidade Virtual do Estado de São Paulo
- Lucas Alves Maroubo, Iago Dias dos Santos, Laize Sampaio Chagas e Silva, Pedro Henrique Bethônico Pinto Guimarães, Glauce Barbosa Verão
Revisões
- Aprendizagem Humanizada por meio do Ensino Híbrido
- Robert da Silva Soares Junior, José Lauro Martins
- PDF – Informações Adicionais
- PDF – Inglês
- PDF – Additional Information
- Evasão no Ensino Superior a Distância: Revisão da Literatura em Língua Portuguesa
- Alcimar Roberto Kowalski, João Mattar, Lohayny Costa Barbosa, Lilian Soares Alves Branco
- PDF – Inglês
- Educação Corporativa a Distância: uma Revisão Integrativa
- Vinicius Henrique dos Santos Gomes, Oilzon Inácio dos Santos Filho, Juliete Lizandra dos Santos Cavalcante, Gilberto Santana dos Santos Júnior
- Cursos Online Abertos e Massivos (MOOC) e o Ensino de Ciências: uma Revisão BibliográficaUna Revisión Bibliográfica
- Daniel da Fonseca Pereira, Maria Alice Veiga Ferreira de Souza
Traduções autorizadas
- Uma Análise de Currículo de Mídias Sociais para Cursos de Ensino e Aprendizagem
- Enilda Romero-Hall, Lilin Li
- PDF – Inglês
Publicado: 2020-07-07
Conversas sobre o Brasil – Géssica Guimarães, Leonardo Bruno e Rodrigo Perez / Rodrigo Perez / 07 jul 2020
Esse livro nos ajuda a entender como a Operação Lava Jato, nascida em 2014, se apropriou com sucesso de uma determinada interpretação do Brasil extremamente capilarizada no imaginário coletivo. Segundo essa interpretação, o Estado brasileiro é antro de corrupção.
Acessar publicação original
Revista de História Regional. Ponta Grossa, v.25, n.1, 2020.
Ficha Técnica
- Ficha técnica
- Alessandra Izabel de Carvalho, Robson Laverdi
Artigos
- O processo de retorno entre o Paraná e a Amazônia Legal (1980-2014): problemáticas territoriais e memória
- Jorge Pagliarini Junior
- Conflitos no campo do saber: universidades, historiadores e usos do passado na fronteira – Londrina, 1970-1980
- Gilmar Arruda, Wander de Lara Proença
- “O Rio Grande do Sul é a Hungria do Brasil, é a província em que todos sabem andar a cavalo”: turfe, hipódromos e modernidade em Porto Alegre nas últimas décadas do século XIX
- Cleber Eduardo Karls
- Nos pátios e salões: o associativismo nos arrabaldes de Bangu (1895-1929)
- Nei Jorge Santos Junior
- Poder e corrupção no futebol: memórias acerca da relação atleta-treinador sob o ponto de vista de futebolistas paranaenses
- Everton de Albuquerque Cavalcanti, Vinícius Machado de Oliveira, Juliano de Souza, André Mendes Capraro
- Ação policial, política, luta camponesa e violência na região contestada entre o Espírito Santo e Minas Gerais
- Edmilton da Silva, Maria Cristina Dadalto
- Comunidade Quilombola Invernada dos Negros e sua relação com o meio natural: um olhar da História Ambiental
- Eliane Taffarel, Samira Peruchi Moretto
- As disputas simbólicas entre Aragarças (GO) e Barra do Garças (MT) no contexto da Marcha para o Oeste
- Maria de Fátima Oliveira, Bruna Alves da Silva
- As doações testamentárias na cidade de Mariana entre os séculos XVIII e XIX
- Karina Aparecida de Lourdes Ferreira
- Legitimação de terras e propriedade colonial no Paraná provincial: Paranaguá – 1854-1887
- Caiubi Martins Dysarz
Publicado: 2020-07-17
Mulheres e Caça às Bruxas: da Idade Média aos dias atuais / Silvia Federici
Silvia Federici / Foto: DeliriumNerd /
Quando ouvimos falar de Silvia Federici, quase sempre lembramos de Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva, publicado pela primeira vez em 2004. No Brasil, foi traduzido pelo Coletivo Sycorax e publicado em 2017 pela editora Elefante. Esse livro, que teve uma ótima recepção, nos apresentou ideias ainda pouco difundidas por aqui. O impacto de Calibã e a Bruxa para o pensamento feminista foi tão grande que levou Federici a receber diversas solicitações para produzir um livro em que revisitasse algumas questões abordadas nele, mas com uma linguagem capaz de atingir um público mais amplo. Tais solicitações, somadas ao desejo da autora de continuar pesquisando aspectos da caça às bruxas, resultou em Mulheres e Caça às bruxas, lançado em 2018 e publicado no Brasil pela editora Boitempo em 2019.
Mulheres e Caça às bruxas é composto por sete capítulos, divididos em duas partes. Os capítulos são, em sua maioria, edições revistas de artigos e ensaios publicados anteriormente.
Na primeira parte, Federici dialoga mais especificamente com Calibã e a Bruxa, colocando a caça às bruxas dos séculos XVI e XVII na Europa no rol dos processos sociais que prepararam terreno para o surgimento do capitalismo, junto com o comércio escravista e o extermínio dos povos indígenas. Na segunda parte, Federici esboça novas investigações, trazendo para a conversa sociedades contemporâneas e “novas formas de acumulação de capital e caça às bruxas”.
Para a autora, as transformações sofridas pela Europa resultaram em um aumento vertiginoso de práticas misóginas e patriarcais, cujas consequências mais perversas foram a tortura e a morte na fogueira de milhares de mulheres acusadas de bruxaria. Federici tenta explicar como as mulheres passaram a ser vistas como ameaça à nova ordem que se impunha, passando a ser controladas, vigiadas e punidas. Ela aponta os cercamentos das terras a partir do final do século XV, como fundamentais para a compreensão deste processo e afirma que estes, somados ao crescimento das relações monetárias, resultaram em pauperização e exclusão social da população, sendo as mulheres as mais atingidas. Isso ocorre por múltiplos motivos.
As mulheres, que até então viviam em terras comunais, exercendo suas atividades coletivamente e gozando dos direitos consuetudinários, viram a privatização das terras desmantelar os laços comunais e toda uma rede de saberes compartilhados por elas, bem como a maneira como se relacionavam com a terra, a natureza e seus corpos, que nesse processo passam a servir à produção e reprodução da mão de obra. Para garantir a força de trabalho que serviria ao sistema capitalista, as mulheres foram confinadas no trabalho doméstico não remunerado, bem distante do trabalho coletivo praticado anteriormente.
Dessa forma, a autora relaciona a caça às bruxas à necessidade do controle da reprodução e, consequentemente, dos corpos das mulheres. Nesse sentido, é interessante notar que as mulheres mais velhas eram vistas como as mais perigosas e foram as mais perseguidas e mortas em países como a Inglaterra. As idosas, especialmente as sem família, foram as maiores vítimas da miséria e da exclusão social, sendo muito comum que se rebelassem contra essa situação praguejando, furtando, etc. Além disso, as mais velhas eram as grandes portadoras dos saberes sobre a comunidade e a natureza, saberes estes que poderiam “corromper” as mais jovens, ensinando-as sobre controle de natalidade, ervas abortivas e outros conhecimentos proibidos que iam contra as perspectivas das novas normas que pretendiam disciplinar os corpos para o trabalho.
Era preciso arruinar esses conhecimentos “mágicos” e garantir o total controle do Estado e da Igreja sob o comportamento sexual e reprodutivo das mulheres. Isso pressupunha interferir na maneira como elas se relacionavam entre si, estimulando as suspeitas e denúncias. Federici aprofunda o tema ao analisar as mudanças na Inglaterra entre os século XIV e XVIII, do termo “gossip” – equivalente à “fofoca” no português. A palavra, que na Idade Média remetia à amizade e solidariedade entre mulheres, lentamente adquire o significado pejorativo que conhecemos hoje, de conversa fútil, vazia e maledicente. Essa nova conotação é parte simbólica do processo de degradação, desvalorização e demonização das mulheres e dos saberes compartilhados entre elas, sendo a caça às bruxas o ponto alto dessa degradação.
A caça às bruxas é comumente considerada como “coisa do passado”, algo que entrou para o imaginário, sendo abordada em filmes, séries, romances, etc. muitas vezes de maneira folclorizada e estereotipada. No entanto, Federici argumenta que as novas formas de acumulação do capital – envolvendo desapropriação das terras, destruição de laços comunitários, intensificação da exploração e controle dos corpos das mulheres, etc. – vem resultando em uma nova onda de violências, principalmente nos países mais pobres, como da América Latina e África. Essa violência, na verdade, nunca teria cessado e, sim, se normalizado e adquirido outros formatos, como a violência doméstica, por exemplo, tão banalizada ainda hoje.
Entretanto, apesar do crescimento de organizações e lutas feministas no sentido de prevenir essa violência, o que assistimos nas últimas décadas, segundo a autora, ultrapassa a norma. Para ela, o aumento em todo o mundo de agressões, torturas, estupros e assassinatos de mulheres, atingem níveis de brutalidade que só vemos em tempos de guerra. É sobre essa escalada de violências que Federici fala na segunda parte de Mulheres e caça às Bruxas. Ela relaciona essa situação devastadora às novas formas de acumulação de capital e à “globalização”, que nada mais seria do que um “processo político de recolonização” (p. 94) que não pode ser alcançado sem o ataque sistemático às mulheres e seus direitos reprodutivos, especialmente mulheres negras, indígenas, racializadas e migrantes.
Uma das maiores expressões desse recrudescimento da violência contra as mulheres é a “nova” caça às bruxas que ganhou terreno a partir dos anos 80 em algumas regiões do mundo, como na Índia e em alguns países africanos. Federici finaliza seu livro discutindo esse fenômeno, principalmente na África, colocando-o no âmbito do enfraquecimento das economias locais africanas e à desvalorização da posição social das mulheres. Ela relaciona a caça às bruxas atuais com outros elementos de violência contra as mulheres na Índia, México, etc., analisando-os como efeitos da integração forçada das populações, notadamente das mulheres, na economia global, mas também da propensão dos homens de descarregarem nelas, especialmente em suas companheiras, as frustrações econômicas impostas pelo capitalismo, além da crescente presença de igrejas neopentecostais evangelizadoras em algumas regiões.
Por fim, Silvia Federici fala sobre o importante papel do ativismo feminista em relação à crescente violência contra as mulheres no mundo e, mais especificamente à caça às bruxas na África. Ela comenta o silêncio dos movimentos feministas sobre essa situação, que acredita representar um perigo para todas as mulheres, e propõe alternativas de luta. Essa luta, para ela, deve envolver críticas severas e ações contra as agências que criaram as condições para que tais fenômenos se tornassem possíveis, incluindo os governos africanos, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e até as Nações Unidas que, segundo ela “apoiam os direitos das mulheres da boca para fora” (p. 111). A defesa das mulheres, para Federici, são incompatíveis com o apoio e difusão de políticas neoliberais e os feminismos precisam cobrar das instituições que promovem tais políticas e silenciam diante de tamanha violência.
A caça às bruxas não é apenas uma realidade que ficou para trás. Em pleno século XXI, mulheres continuam sendo perseguidas, controladas, violentadas e mortas. Silvia Federici nos ajuda a compreender os processos históricos que geram essas violências ontem e hoje e, assim, barrar seus avanços. Para isso, é preciso manter viva a memória daquelas que perderam a vida e fortalecer as lutas das mulheres pelo fim dessas violências e do sistema que as concebe e reproduz.
Erika Bastos Arantes – Historiadora, mãe e feminista. Professora do departamento de história da UFF de Campos dos Goytacazes, onde coordena o grupo de estudos Gênero, Raça e Classe.
FEDERICI, Silvia. Mulheres e Caça às Bruxas: da Idade Média aos dias atuais. Tradução Heci Regina Cadian. São Paulo: Boitempo, 2019. Resenha de: ARANTES, Erika Bastos. Caça às Bruxas ontem e hoje. Humanas – Pesquisadoras em Rede. 06 jul. 2020. Acessar publicação original [IF].
Paideia – Revista de Educación. Concepción, n. 64, 2019.
El número 64 de la revista Paideia incluye un artículo que sigue la línea Editorial de nuestra revista desde hace años como es la comprensión lectora en escolares. Analía Palacios y Alejandra Pedragosa de la Universidad Nacional de La Plata, Argentina, con su artículo titulado “Niveles de consciencia metalingüística de estudiantes primarios y secundarios argentinos” evalúa competencias lingüísticas y metalingüísticas en una muestra amplia comprendida por 328 estudiantes que asisten a 12 aulas de distintos años escolares de una escuela de la provincia de Buenos Aires. Mediante la aplicación de un Test de Habilidad Metalingüística 2 – THAM-2, para niños de los 9 a 14 años, test validado al habla hispana, las autoras miden el nivel de consciencia implícita o explícita del lenguaje. El test evalúa los distintos niveles lingüísticos, desde el aspecto fonémico, léxico, gramatical hasta el semántico y pragmático.
Editorial
- Editorial
- Mabel Urrutia | pdf
- Trabajos de investigación
- NIVELES DE CONSCIENCIA METALINGÜÍSTICA DE ESTUDIANTES PRIMARIOS Y SECUNDARIOS ARGENTINOS
- Analia Palacios, M. Alejandra Pedragosa | pdf
- ARGUMENTACIÓN Y CIUDADANÍA: EL APORTE DE LA ESCUELA BÁSICA
- Fabiola Arriagada Masse, Jorge Osorio | pdf
- SABER PEDAGÓGICO EN EVALUACIÓN DEL PROFESORADO DE ESCUELAS VULNERABLES DE LA COMUNA DE ARICA Y SUS DEMANDAS A LA FORMACIÓN INICIAL DOCENTE
- Katherine Roberts-Sánchez, David Rodríguez-Gómez, Patricia Silva | pdf
- ASSESSMENT IN THE ENGLISH LANGUAGE CLASSROOM IN CHILE: EXPLORING THE WASHBACK EFFECT OF TRADITIONAL TESTING AND ALTERNATIVE ASSESSMENT ON SEVENTH GRADE STUDENTS
- Paola Muñoz, Mauricio Véliz-Campos, Leonardo Véliz | pdf (English)
- BULLYING: COMPRENSIÓN DEL FENÓMENO DESDE OBSERVADORES/AS EN UN COLEGIO DE LA COMUNA DE CONCEPCIÓN, CHILE
- Daniela Esquivel Suazo, Cristian Segura Carrillo | pdf
- Revisión
- EL PROFESIONALISMO DIALÓGICO COMO RECURSO PARA LA CONSTRUCCIÓN DE UN ROL DOCENTE TRANSFORMADOR
- Ignacio Figueroa Céspedes | pdf
- Reseña
- Profession: Being a teacher in Latin America, why was the prestige of the teaching profession in Latin America lost and how to recover it?Profesión: Profesor en América Latina, ¿Por qué se perdió el prestigio docente y cómo recuperarlo?
- Antonio Esquicha Medina | pdf
Publicado: 2020-07-06
Intelectuais e palavra impressa | Giselle Martins Venâncio
Redes de sociabilidade, geração e cultura política: conceitos que já não são mais desconhecidos dos historiadores brasileiros, dentre esses, pesquisadores que se lançam a investigações que tomam por objetos publicações literárias, culturais, jornalísticas, historiográficas e aqueles responsáveis pela sua produção ou difusão. Dentro deste panorama de pesquisa se apresenta o livro Intelectuais e palavra impressa. Lançada em 2016, a obra tem como organizadora Giselle Martins Venâncio, professora do departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora vinculada ao Núcleo de Pesquisa em História Cultural instalado nessa mesma instituição. Ao longo de sua trajetória como historiadora, Venâncio buscou investigar temas relativos à história da cultura escrita, tendo como uma das principais preocupações interrogar os usos sociais dos objetos impressos, bem como os conflitos e estratégias que podem nestas materialidades estarem inscritos.
Nota-se que a obra supracitada é fruto dos diversos trabalhos acadêmicos nos quais Venâncio esteve envolvida como orientadora. Os capítulos do livro são recortes de pesquisas, algumas concluídas e outras em andamento, que estão situadas nos mais diversos espaços acadêmicos da UFF, da graduação à pós-graduação e, portanto, têm como autores pesquisadores em diversos graus de formação (de graduandos a doutores) aglutinados em torno do tema da palavra impressa. Sendo assim, de uma maneira geral, o livro permite pensar em como a temática da Cultura Escrita em convergência com a História Cultural e Política é passível de ser abordada. Exibindo um breve panorama dos limites e das possibilidades que se abrem aos pesquisadores que investem nessas áreas de pesquisa e onde todos esses conceitos acima mencionados são de alguma maneira instrumentalizados, o livro proporciona reflexões que tangenciam, por exemplo, a forma de organização e ação de intelectuais ou dos grupos a eles vinculados. Leia Mais
Cadernos de História. Belo Horizonte, v.20, n.32 2019.
Temática Livre
Expediente
Editorial
- Apresentação
- Júlia Calvo
Temática Livre – Artigos
- Cartografia dos Atos Normativos do Ensino da Enfermagem antes da Lei Nº 775 de 1949
- Roberlandia Evangelista Lopes, Silvia Maria Nóbrega-Therrien, Maria Laiza de Souza
- Manicômio Adauto Botelho: a Psiquiatria em Goiás
- Éder Mendes de Paula
- Elisa Kauffman Abramovich: classe, gênero e identidade na vida de uma professora judia e comunista
- Guilherme Machado Nunes
- Malinche: o poder do feminino no entrecruzamento de Literatura e História a propósito de O que querem os deuses
- Dóris Helena Soares da Silva Giacomolli, Neuza Maria Correa da Silva
- As Revoltas Liberais de 1842 na perspectiva do historiador Lucio José dos Santos: usos e abusos da memória
- Luciana Coelho Gama
- Moniz Freire, 100 anos de “imortalidade”: história, historiografia, política e imaginário
- Leandro do Carmo Quintão
- Afinal, depopulação ou expansão demográfica? O esforço de construção do sistema de registros vitais em Minas Gerais, entre 1836 e 1850
- Mario Marcos Rodarte, Isabella Azevedo Oliveira
- Migração Negra: Um Estado da arte sobre a presença da população negra na Amazônia
- Francisco Pereira Smith Júnior, Ketno Lucas Santiago
- Heavy Metal Made in Minas Gerais: a construção de um movimento headbanger em Belo Horizonte nadécada de 1980
- Leonardo Henrique Alves de Lima Nascimento, Gleyber Eustáquio Calaça, Alexandre Magno Diniz, Julia Calvo
- Terror no Cone Sul: O fundamentalismo islâmico e o Caso Amia – 1994
- Paulo Roberto Alves Teles
Resenhas
- Entre ideias e letras grafadas: intelectuais, política e cultura escrita
- Karla Simone Willemann Schütz
Publicado: 06-07-2020
Mnemosine. Campina Grande, v.11, n.1, 2020.
Apresentação 08 – 10
ARTIGOS DO DOSSIÊ
- O Colégio Nossa Senhora Sant’anna e as práticas de educação feminina, em Aracaju – SE.
- Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas 11 – 24
- De pé no chão também se aprende a ler: das salas de estar das professoras leigas, aos acampamentos escolares de palha de coqueiro (1961-1964)
- Aliny Dayany Pereira de Medeiros Pranto 25 – 41
- Higienismo e Educação em grupos escolares pernambucanos (1911-1930)
- Adlene Silva Arantes 42 – 57
- Moral, higiene e propaganda esportiva: os filmes fixos relacionados ao corpo e à atividade física nos arquivos do cedrhe (século XX)
- Jacques Gleyse & Avelino A. de Lima Neto 58 – 70
- O grãozinho: de unidade federal de educação infantil à laboratório de ensino do curso de Pedagogia (1980-2013)
- Vivian Galdino de Andrade & Janiely da Costa Cunha 71 – 88
- Pedagogias do tempo: o jornal A Imprensa sob a direção do padre Luís Gonzaga de Oliveira (Paraíba, 1952-1965)
- Joedna Reis de Meneses & Júlio César Miguel de Aquino Cabral 89 – 96
- O TUCA como instituição de resistência: experiência teatral e militância estudantil na pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP (1964-1979)
- Francisco de Assis de Sousa Nascimento 97 – 104
- “Tratanto efficazmente de sua educação’: a Companhia de Aprendizes Marinheiros do Rio Grande do Norte (1872-1890)
- Azemar dos Santos Soares Júnior & Laelson Vicente Francisco 105 – 125
ARTIGOS DE FLUXO
- A interiorização do combate à sífilis na Paraíba (1923-1927)
- Rafael Nóbrega Araújo 126 – 142
- A “morte e a morte” de Luciene Colaço: um caso de feminicídio anunciado
- Eduardo Sebastião da Silva 143 – 158
- “Antigamente a gente aprendia a história contada pelos velhos”: ensino de História no Referencial Curricular Nacional para as escolas indígenas (1998)
- Vânia Cristina da Silva 159 – 167
ENTREVISTA
- Prof. Dr. Antônio Carlos Ferreira Pinheiro 168 – 173
DOCUMENTO HISTÓRICO – LIVRO DE CASTIGOS DA ESCOLA AGRÍCOLA VIDAL DE NEGREIROS NA CIDADE DE BANANEIRAS – PB
- Vivian Galdino de Andrade & Azemar dos Santos Soares Júnior 174 – 177
Publicado: 2020-07-06
Em Tempo de Histórias. Brasília, v.1, n.36, 2020.
Dossiê Dinâmicas das relações raciais nas diásporas africanas em perspectiva interseccional
Editorial
- · Editorial
- Artur Nogueira Santos e Costa
- Dossiê
- · Apresentação do Dossiê
- João Gabriel Nascimento Nganga, Jaciely Soares da Silva
- · As irmandades negras na encruzilhada do “sincretismo”leituras sobre o Catolicismo e as religiosidades afro-baianas nos séculos XIX e XX
- Mariana de Mesquita Santos
- · O Ponto Cantado de Umbanda como fonte para o Ensino de História
- Jaciely Soares da Silva, Admilson Eustáquio Prates
- · Congo, Congado, Congadastradição cultural afro-brasileira de resistência ao racismo e discriminação e os tempos de diásporas e escravidão
- Jeremias Brasileiro da Silva Brasileiro
- · A política da morte nos projetos abolicionistas de Andrade Corvo e Joaquim Nabuco
- Gabriel Felipe Silva Bem
- · Raçauma ferramenta de poder na construção das identidades e o pensamento de Geraldo Rocha
- Erica Naiara Ribeiro Borges, José Francisco dos Santos
- · Ideários Estéticos Afro-Atlânticos e DecolonialidadeUm estudo de caso em Jean-Michel Basquiat
- Hélio Ricardo Rainho
- · Black Arts Movement: “Expressar a verdade a partir dos oprimidos ou opressores?”
- João Gabriel Nascimento Nganga
- · O rap negro na cidade planejadaA música negra das periferias do Distrito Federal
- Eliane Cristina Brito de Oliveira
- · A Autoavaliação e Autodefinição de Carolina Maria de Jesus na obra Quarto de Despejo: diário de uma favelada
- Cristiane da Rosa Elias
- · Pelas ruas da cidadecotidiano e trabalho de mulheres negras em Belém (1888-1900)
- David Durval Jesus Vieira
- · Raça, gênero e maternidadeas mulheres escravizadas na proposta de emancipação gradual de José Bonifácio
- Caroline Passarini
- · Mulheres escravizadas e relacionamentos afetivospensando projetos amorosos e as masculinidades negras a partir da interseccionalidade (Cachoeira do Sul, século XIX)
- Marina Camilo Haack
- · Parda Liberta que Vive do Ofício de MeretrizGênero, raça e sexualidade em Goiás no século XIX
- Murilo Borges Silva
- · Corpos Fragmentadosa representação da raça e do corpo da mulher africana nos Cadernos Coloniais (1935-1941)
- Rannyelle Rocha Teixeira
- · Relações étnico-raciais e integração curricular no ensino das Ciências Humanas
- Guilherme Babo Sedlacek, Rodolfo Denk Neto
- · Ensino de História sob um olhar interseccionalconsiderações sobre relatos de estudantes negras do Sul do Pará
- Andréia Costa Souza , Dernival Venâncio Ramos Júnior
- · Cenário de uma Educação Étnico-Racial em movimento para o Século XXIações afirmativas ou medidas compensatórias?
- Cairo Mohamad Ibrahim Katrib, Tadeu Pereira dos Santos
- · Movimentos políticos negros no Atlânticoanálise de uma oficina pedagógica sob uma perspectiva antirracista e decolonial
- Clara Marques Souza
- · O que pode a cultura material enquanto fonte para o estudo da história afro-brasileira e africana nas escolas?Por um ensino de História pluriepistêmico
- Clarissa Adjuto Ulhoa
- · Os impactos da lei 10.639/03 nos cursos de Licenciatura em Letras da Universidade Federal de Catalão
- Maria Helena de Paula, Carolina Faleiros Felício
- · O jogo Mancala como estratégia pedagógica Etnomatemáticarelato de uma experiência numa turma de 2º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual “Professor Elídio Duque no município de Salinas-MG.
- Adriana Lúcia Brandão Diogenes, Graziele Santos Ferreira
- · As famílias cativas capixabas entre 1850-1871um comparativo entre as Regiões Sul e Central da província
- Laryssa da Silva Machado, Lucas da Silva Machado
- · Decifrando as fugas escravasnarrativas, senhores e fujões na cidade do Rio de Janeiro (1840-1850)
- Fernanda Cristina Puchinelli Ferreira
- · “Vá bater naquele negro que eu garanto”marcadores raciais na Bahia (1940 ”“ 1960)
- Diego Lino Silva, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes Oliveira
- · As desvantagens de ser invisívelUma reflexão sobre o racismo no Brasil
- Daiara Suellen Gabriel de Ávila
- · A invisibilidade dos negros na história de Gramado/RSlevantamento preliminar
- Alex Müller, Raimundo Nonato Wanderley de Souza Cavalcante
- · Um feriado a Zumbia tentativa de reconhecimento do 20 de Novembro em Porto Alegre (2001-2003)
- José Augusto Zorzi
- · As ações afirmativas e o sistema de costas raciaisresgate histórico ou reparação das desigualdades sociais?
- Ana Amélia Aquino Brito
- · Apontamentos sobre o apagamento da população negra no relatório da Comissão Nacional da Verdade – 2014
- Tairane Ribeiro da Silva
Artigos
- · Ciência de fatos ou método enganoso?A homeopatia nos Annaes Brasilienses de Medicina (RJ) e no jornal O Médico do Povo (RJ) entre as décadas de 1850 e 1860
- Vanessa de Jesus Queiroz
- · Por uma Pesquisa Histórica Comparada entre Museus Históricos Regionais ”“ Ceará/Goiás
- Daniel Barreto Lopes
- · O Imperialismo em sala de aulauma análise dos livros didáticos de História do PNLD 2020
- Thiago Sampaio
Resenhas
- · Gênero, agência escrava e estratégias de negociaçãoprocessos de abolição em Havana e Rio de Janeiro, século XIX
- Laura Junqueira de Mello Reis
- · A contribuição da História para o passado ou para o futurouma resenha de Como será o passado?, de Caroline Silveira Bauer
- Paula Franco
Publicado: 2020-07-04
IV Seminário Cearense de História da Matemática | Boletim cearense de educação e história da matemática | 2020
O Seminário Cearense de História da Matemática (SCHM) nasceu em 2014, como um evento dentro do recente criado Grupo de Pesquisa em Educação e História da Matemática (GPEHM), vinculado a Universidade Estadual do Ceará (UECE) e liderado por mim, professora recém contratada da universidade. O intuito inicial era fazer um evento regional que iria priorizar a divulgação de estudos e pesquisas sobre história da matemática a professores dos vários níveis educacionais, alunos de graduação e pós-graduação, bem como a todos os interessados nessa temática.
A primeira (2014) e a segunda (2016) edição do SCHM aconteceram em Fortaleza- CE, na UECE, atingindo o público de 210 participantes com 20 comunicações científicas e 280 participantes com 44 comunicações científicas, respectivamente. Em 2018, aconteceu no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), em Juazeiro do Norte, no Ceará, a terceira edição do SCHM e contamos com a participação de 200 inscritos com a apresentação de 26 trabalhos de comunicações científicas. Leia Mais
Trilhas da História. Três Lagoas, v.9, n.18, 2020.
A teoria da história e a história da historiografia ante os desafios contemporâneos: saber histórico, comprometimento ético e ativismos políticos
Apresentação
- Apresentação
- Luiz Carlos Bento, Wagner Geminiano dos Santos
Dossiê
- Rupturas na continuidade histórica e ação política: diálogos entre Hannah Arendt e Walter BenjaminRuptures in historical continuity and political actions: dialogs between Hannah Arendt and Walter Benjamin
- Mariana Amaral Folgueral
- Pós-Modernismo e Teoria da História: o relativismo revisitadoPostmodernism and Theory of History: relativism revisited
- Manoel Gustavo de Souza Neto
- Emergentismo e representância: o debate historiográfico entre White e RicoeurEmergentism and representance: the historiographic debate between White and Ricoeur
- Dagmar Manieri
- A subjetividade neoliberal contemporânea versus histórias baseadas na alteridade: identificação narrativa, linguagem e escrita da históriaContemporary neoliberal subjectivity versus histories based on otherness: narrative identification, language and history writing
- João Camilo Grazziotin Portal
- Interseccionalidade como categoria de análise na Revista Estudos Feministas (1992-2019)Intersectionality as analyze category in Revista Estudos Feministas (1992-2019)
- Janai Harin Lopes
- Paul Gilroy e a Black Britain: a figuração-performativa da narrativa e a escrita antirracista da históriaPaul Gilroy and ‘the Black Britain’: the figuration-performative of narrative and the writing of antiracist history
- Gabriel Gonzaga
- O que a COVID-19 tem a dizer aos historiadores? Uma breve reflexão sobre o presente e o futuro historiográficoWhat does COVID-19 has to say to historians? A brief meditation about the historiographical present and future
- Marlon Ferreira dos Reis
- Pensando o papel social do historiador a partir da publicação do Manifiesto de Historiadores no Chile (1998-1999)Thinking about the social role of the historian based on the publication of the Manifiesto de Historiadores in Chile (1998-1999)
- Lays Correa
- A cultura brasileira na síntese de Fernando de AzevedoBrazilian culture in the synthesis by Fernando de Azevedo
- Wilson de Sousa Gomes
- (In)Confiabilidade da Memória como Introdução à interpretação Temporal da Lembrança: um diálogo com Aleida Assmann(Un)Reliability of Memory as an Introduction to Temporal Interpretation of Remembrance: a dialogue with Aleida Assmann
- Rodrigo Tavares Godoi
Artigos livres
- A Feira Livre e a dinâmica sócio-espacial de Três Lagoas: horizontalidades e verticalidadesOpen street market and the social-spatial dynamics of Três Lagoas: horizontalities and verticalities
- Fernando Falco, Thiago Santos
- Entre Céus e Infernos: as fronteiras do EternoBetween heavens and hells: the frontiers of eternity
- Aécio Thiago Alves de Souza
- Livros didáticos: uma análise crítica de duas obras trabalhadas no nono ano do ensino fundamental e os caminhos percorridos para a construção do conhecimento históricoDidactics Books: a critical analysis of two works managed at the nine grade of elementary school and the ways to build the historical knowledge
- Maycon Regis Nogueira dos Santos, Hugo Alves Gonçalves
- Mapeamento Inicial do Acervo Escolar em Naviraí-MS (2017-2018): Um Instrumento de PesquisaInitial Mapping of the School Collection in Naviraí-MS (2017-2018): A Research Instrument
- Verônica Barbosa Andrade, Vivianny Bessão de Assis
Ensaios de Graduação
- A formação da identidade brasileira presentes em “Brasil na América” de Manoel Bomfim e “Populações Meridionais no Brasil” de Oliveira VianaThe formation of brazilian identity attendant in “Brasil na América” by Manoel Bomfim and “Southern Populations in Brazil” by Oliveira Viana
- Luana Dias dos Santos
- Considerações sobre o ensino de história a partir dos pressupostos de uma educação inclusivaConsiderations about history teaching from the assumptions of an inclusive education
- Andresa Fernanda Silva, Isabela Rodrigues Regagnan
Resenhas
- FAUSTO, Boris. O crime da Galeria de Cristal: e os dois crimes da mala. São Paulo, 1908-1928. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
- João Lucas Poiani Trescentti
- FEDERICI, Silvia. Mulheres e caça às bruxas: da Idade Média aos dias atuais. Traduzido por Heci Regina Candiani. 1° ed. São Paulo: Boitempo, 2019.
- Kathiusy Gomes da Silva, Mariana Esteves de Oliveira
Publicado: 2020-07-02
Big Data, pós-verdade e democracia | PerCursos | 2020
As tecnologias de informação e comunicação têm permitido capturar, armazenar e disseminar quantidades massivas de dados, sejam eles de indivíduos, governos ou corporações. Por seu volume e complexidade, tais dados exigem um tratamento cada vez mais sofisticado, o que traz novos desafios para diferentes profissionais, com destaque para cientistas da informação, programadores, estatísticos e matemáticos. Simultaneamente, o uso massivo desses dados no ambiente de negócios acende a luz de alerta para ameaças a direitos fundamentais dos cidadãos-consumidores. Dados pessoais são registrados de múltiplas formas e com frequência cedidos inadvertidamente, nas numerosas interações dos usuários da Internet. Com isso, os sistemas de monitoramento e vigilância se tornam uma constante, num fluxo quase indiscriminado entre as dimensões do público e do privado. Construir, analisar e controlar esses gigantescos repositórios de dados torna-se vital para conquistar ou assegurar hegemonias (econômicas, políticas, culturais) e exercer poder. Em paralelo, conjuntos expressivos de registros escritos, visuais e audiovisuais têm sido propositadamente disseminados, em larga escala, de forma errônea e distorcida, com grande peso na formação de opinião e, de forma bastante visível, enorme influência nos processos eleitorais recentes, em vários países, pondo em xeque os mecanismos tradicionais de garantias democráticas. Leia Mais
Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política | Evgeny Morozov
Inicialmente vistas como instrumentos de armazenamento de dados e facilitadores de comunicação, as plataformas midiáticas e digitais tornaram-se um “emaranhado confuso de geopolítica, finança global, consumismo desenfreado e acelerada apropriação corporativa dos nossos relacionamentos mais íntimos”, conforme aponta Evgeny Morozov (2018, p. 7), autor do livro aqui resenhado. Nascido em Soligorsk, na Bielorrússia, em 1984, estudou Economia e Administração de empresas na American University in Bulgaria, atuando como colaborador em jornais como The New York Times, The Economist, The Guardian.
Primeiro livro do autor publicado no Brasil, pela Editora Ubu, Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política, reúne textos produzidos por Morozov entre 2013 e 2018 (ano da publicação original do livro, em inglês), apresentando um prefácio inédito na edição brasileira. Os nove capítulos do livro conversam entre si, mostrando o impacto no nosso cotidiano causado pela cultura dos dados e a questão do digital. Já no prefácio, Morozov cita como exemplo o caso das eleições brasileiras de 2018, no qual se deu maior peso para a viralização de mensagens propagadas no ambiente virtual acerca dos candidatos à presidência, do que para sua devida compreensão, demonstrando o poder político e o papel determinante das redes. Leia Mais
Ser mãe é… A maternidade normalizada pelo discurso jornalístico | Ariane Carla Pereira
Qual a melhor temperatura para a água do banho? O que fazer se ele engasgar? Se eu comer abobrinha ele vai ter cólica? Essas, entre outras perguntas e respostas, a autora Ariane Pereira buscava em leituras de revistas especializadas, desde o momento em que descobriu sua gravidez, em 2006. Dos vários periódicos com que teve contato, destacou-se a revista Pais & Filhos, publicada pela editora Bloch, a qual dedicava-se mensalmente em publicações para quem espera e/ou tem um bebê.
Quatro anos mais tarde, os discursos da revista, que soavam como um manual da maternidade, foram dando espaço para o olhar analítico de uma jornalista e pesquisadora da área de comunicação. Assim, as inquietações da autora a levaram a examinar quatro décadas de publicações de Pais & Filhos (1968-2008), resultando em sua tese de doutorado em Comunicação e Cultura, defendida na UFRJ, em 2014. As mais de 450 edições do periódico foram foco de uma investigação que teve como principal objetivo analisar como os discursos jornalísticos são capazes de moldar a sociedade de uma determinada época, construindo práticas discursivas identitárias. Com efeito, a obra de Ariane Pereira pôs em debate os modos de objetivação/subjetivação da mulher, procurando pensar acerca de como o jornalismo intervém em práticas sociais e discursivas que condicionam a constituição da mulher-mãe na contemporaneidade. Identidades maternas que ora remetem à mãe capaz de resolver todos os problemas, movida pelo amor materno, incondicional; ora a uma mãe que busca a superação a todo instante, mas caso venha a fracassar, sua identidade é marcada pela culpa. Leia Mais
Percursos. Florianópolis, v.21, n.45, 2020.
Big Data, Pós-Verdade e Democracia
Editorial
Artigos Dossiê
- Nuvem : Plataforma : Extração
- Moysés Pinto Neto
- Democratização e Tecnocapitalismo: O Brasil na Era Neoliberal
- Giovanni Alves, Luís Henrique do Nascimento Gonçalves, Ana Celeste Casulo
- Big Data, Psicopolítica e Infoética: repercussões na cultura e na educação
- Valdeci Reis, Roberta Fantin Schnell, Ademilde Silveira Sartori
Tradução
- Big Data e ciência de dados: uma revisão crítica de questões para a pesquisa educacional
- Ben Kei Daniel, Tradução: Mirtes Dâmares Santos de Almeida Maia, Danilo Garcia da Silva
- Resenha
- Resenha do livro “Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política”
- Lucas Kammer Orsi
- Resenha do livro “Ser mãe é… A maternidade normalizada pelo discurso jornalístico”
- André Luís Andrade Silva
Artigos Demanda Contínua
- A articulação da nova direita no Brasil e seus impactos na educação pública
- Jéferson Silveira Dantas
- Presunção da culpa: racismo institucional no cotidiano da justiça criminal em Niterói (RJ)
- Ana Clara Davila Borges, Juliana Vinuto
- O campesinato em Limoeiro de Anadia/AL: estratégias de (re)criação pelo modo de vida
- Cirlene Jeane Santos e Santos, Roselma Lopes Ribeiro, Ricardo Santos de Almeida
- O eixo conurbado entre Maringá e Sarandi (PR): um estudo geoeconômico
- Jaqueline Longen Rossatto, Lisandro Pezzi Schmidt, Pierre Alves Costa
- A formação escolar secundária de agentes intelectuais no sul do Mato Grosso (1931-1961)
- Heloise Vargas de Andrade, Jacira Helena do Valle Pereira Assis
Publicado: 2020-07-02
Impressões Rebeldes. Niterói, v.8, n.2, jul./dez., 2020.
- 31 de maio 2022
- LIBERDADE PARA O PRÍNCIPE ENCOBERTO
- 29 de maio 2022
- PRÓXIMO DESTINO: OROBÓ LIBERDADE”
- 29 de maio 2022
- A GUERRA DE 1808-1824 (PARTE II)
- 29 de maio 2022
- A GUERRA DE 1808-1824
- 29 de maio 2022
- BATIZAR PARA (R)EXISTIR
- 29 de maio 2022
- É A VOZ DA MULHER
- 29 de maio 2022
- ANTÔNIO DA SILVA: UM AMOTINADOR, UM HEREGE
- 29 de maio 2022
- CABANAGEM: PLURAL E RADICAL
- 29 de maio 2022
- ASSUADAS NA AMAZÔNIA COLONIAL
- 29 de maio 2022
- CONVERSAS DE PRETOS E A “IMAGINADA
História das Mulheres, Gênero e Interseccionalidades / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2020
Concebemos esse dossiê em função da surpresa que tivemos com a imensa quantidade de textos que recebemos para a chamada “Ensino de História, História das Mulheres e Desigualdades Sociais”, publicada em setembro de 2020. Desse modo, selecionamos alguns trabalhos que não demonstravam alinhamento com todas as categorias da proposta inicial, mas ainda assim representavam enorme contribuição historiográfica. Esse conjunto de textos evidencia a diversidade de temas, abordagens e categorias que fazem parte dos campos da História das Mulheres e dos Estudos de Gênero.
São trabalhos que, em todas as suas diferenças, celebram na historiografia a pluralidade de narrativas, sujeitas e sujeitos, mostram aspectos das lutas feministas que se desvelam em cotidianos, trabalhos, escritas, rezas e partituras de piano, reunindo e inspirando forças motrizes para pesquisas futuras. Falamos de celebração enquanto afirmação, positivação realizada pela construção da compreensão de alteridades que extrapolam os espaços textuais e inundam discursividades e práticas cotidianas.
As leitoras e leitores encontrarão ainda neste dossiê outro traço de diversidade: ele consiste numa seleção de escritas de autoras e autores de diferentes regiões do país, os quais instigam reflexões sobre contextos históricos inscritos em temporalidades distintas. As condições de gênero em diálogo com as interseccionalidades de classe, etnia, idade, dentre tantas outras, investigadas nas pesquisas aqui apresentadas, narram resistências e feminismos que emergem na e da vida prática.
Estes textos representam o compromisso da organização desse dossiê com a diversidade da produção em História das Mulheres e Estudos de Gênero, com vistas à transformação social promovida pelo conhecimento histórico, produção essa formada por relações e posições políticas presentes na pesquisa, na escrita e no ensino da história.
Dividimos então, com imensa alegria e legítimo orgulho, o prazer dessas leituras, que evidenciam, pela pesquisa e escrita da história, lutas passadas, assim como batalhas travadas no tempo presente. Tempo que nos tem imposto desafios e adversidades, que tem nos lembrado o quão recentes são as conquistas e compreensões que questionam os determinismos de gênero, e, também por isso, são alvos de frequentes questionamentos e ataques. Deixamos, além do convite à leitura, o chamado à luta, esta que, como demonstra cada texto aqui presente, foi e é o caminho para a conquista e a consolidação de direitos que promovam a ampliação de uma cidadania plena.
Kênia Érica Gusmão Medeiros – Doutora em História pela Universidade Federal de Goiás – UFG (2019). Mestre em História pela Universidade de Brasília – UnB – (2011). Graduada em História pela Universidade Estadual de Goiás – UEG- (2008). Atualmente docente do quadro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG).
Gilmária Salviano Ramos – Doutorado em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (2015), com período sanduíche na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris (2013). Mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Graduação em História pela Universidade Federal de Campina Grande (2006). Professora Visitante do Departamento de História da Universidade Federal de Viçosa / MG.
Paula Faustino Sampaio – Graduada em Licenciatura em Historia pela Universidade Federal de Campina Grande (2006) e mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Atualmente, é Professora Assistente II da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Rondonópolis e cursa doutorado em História pelo PPGH / Universidade Federal da Grande Dourados.
MEDEIROS, Kênia Érica Gusmão; RAMOS, Gilmária Salviano; SAMPAIO, Paula Faustino. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 14, n. 28, jul. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]
História da Mídia e Saúde | Revista Brasileira de História da Mídia | 2020
Em plena pandemia do coronavírus, que completou mais de um ano e já vitimou mais de 2 milhões pessoas no mundo todo, discutir as relações entre a saúde e os processos comunicacionais é fundamental. Com o objetivo de aprofundar o debate sobre o assunto, a Revista Brasileira de História da Mídia publica, nesta edição, a primeira parte do dossiê História da Mídia e Saúde, que tem como editores convidados os professores Igor Sacramento e Wilson Couto Borges. O conjunto de textos selecionados lança luz sobre a história do presente, problematizando e analisando a pandemia do novo coronavírus, assim como desvela as relações entre mídia e saúde em momentos importantes do nosso passado recente.
Para pensar a pandemia do coronavírus em contraste com epidemias do passado, como a gripe espanhola, o artigo de Paulo Vaz, Nicole Sanchotene e Amanda Santos, que estudam a articulação entre sofrimento e futuro, traz relevantes contribuições. Em uma discussão metodológica, Maria Lívia de Sá Roriz observa as aproximações e distanciamentos entre as histórias de vida na pesquisa em comunicação e a abordagem de escuta realizada na clínica analítica. Leia Mais
Ensino e Pesquisa em História Antiga e História Medieval no Brasil | Politeia: História e Sociedade | 2020
Um mergulho na história antiga e na história medieval
A História Antiga e a História Medieval vieram para ficar. No Brasil, esses campos expandiram-se significativamente nas últimas três décadas, marcando presença em revistas especializadas, dossiês, livros autorais, coletâneas de artigos e em eventos acadêmicos de toda sorte. A História Antiga, legatária ou não das perspectivas marxistas, weberianas ou da Escola de Cambridge, conquistou espaços na universidade brasileiras e, como apontaram Margarida Maria de Carvalho e Pedro Paulo A. Funari, “os investigadores antiquistas escolherão seus métodos, técnicas e teorias de abordagem, associando tais interpretações à análise iconográfica e à cultura material” (CARVALHO; FUNARI, 2007, p. 15). A História Medieval, vinculou-se às três gerações da Escola dos Annales, estruturalistas ou não, assumindo escolhas semelhantes à História Antiga, e constituiu-se igualmente como uma espécie de manancial inesgotável de temas, métodos e abordagens teóricas, cuja capacidade é testar as identidades e alteridades com o passado, que ultrapassam a crença nas perspectivas temporais continuístas e baseadas em noções problemáticas tais como origem, sobrevivência, reminiscências ou herança (BASTOS, RUST, 2008, p. 187-188; SILVA, 2004, p. 87-107). Leia Mais
Anarquismos: história e historiografia em perspectivas multidisciplinares e interseccionais / Crítica Histórica / 2020
O anarquismo acabou. Viva o anarquismo!
Hoje engendra amanhã.
O presente projeta sua sombra
muito longe no futuro.
Emma Goldman, 1923.
O século XXI emerge com a efervescência de “novos” movimentos sociais: os movimentos antiglobalização, anticapitalista, Occupy Wall Street, a “primavera árabe”, as ocupações das praças e escolas por jovens estudantes, movimentos pela mobilidade urbana e, no Brasil, as “jornadas de junho” em 2013. São movimentos sociais ressignificados, horizontalizados, de ação direta, com agenda clara e específica ligadas a direitos sociais fundamentais: educação, saúde, transporte. Desses eventos, ressurgem elementos do tradicional pensamento anarquista, ressurgem movimentos que lembram o anarquismo histórico, seja lá o que isso signifique.
Concomitantemente, novas pesquisas, novas reflexões, novas abordagens, novos temas, novos recortes, novos sujeitos e outros tantos nem tão novos assim, começaram a elaborar aproximações entre o pensamento e a prática anarquista ao longo da história com demandas atuais, como as questões de gênero, especismo, questões ambientais e aquecimento global, discussões pós e decoloniais, raciais e étnicas. Há pesquisas e estudos que sistematizam a contribuição anarquista histórica para essas questões e vice- versa, que articulam a contribuição atual dessas questões ao pensamento anarquista. Em uma outra seara, porém não isolada, há pesquisas sobre as experiências de autogestão e formas horizontais e autônomas de gestão, como as fábricas recuperadas na Argentina e em movimentos e movimentações sociais nesse século. Há ainda o desafio do pensamento e do movimento anarquista diante do levante conservador recente, com destaque para apropriação do discurso libertário pelos ultraliberais, com o chamado anarco-capitalismo, por exemplo. Aqui, pesquisadores enfrentam o desafio entre a crítica à conciliação de classes proposta pelas esquerdas que foram vitoriosas recentemente (se expondo à traição) e à cooptação do discurso anarquista pela ultra direita e pelos neoliberais.
Ainda que o dossiê Anarquismos: história e historiografia em perspectivas multidisciplinares e interseccionais não tenha contemplado esse horizonte de expectativas, tal qual se apresentou na chamada de artigos, o resultado aqui apresentado diz muito sobre o estado da arte da pesquisa sobre o anarquismo na historiografia nacional e em como, algumas outras áreas das ciências humanas, têm se aproximado do debate e das aproximações teórico-metodológicas sobre o anarquismo.
Entre os artigos aqui organizados, abrem o dossiê dois textos de caráter teórico que, como recomenda a boa historiografia, intervêm diretamente na pesquisa empírica. O primeiro deles, “Anarquismo italiano, transnacionalismo e emigração ao Brasil: Contribuições ao debate teórico”, do historiador e professor Carlo Romani (UNIRIO), demonstra como, no entre séculos (XIX-XX), a formação de redes transnacionais entre os ativistas anarquistas, apesar de já bastante conhecida da historiografia, transforma-se em regra. Nesse sentido, Romani indica como a vinda de imigrantes anarquistas para o Brasil é parte constitutiva dessa história transatlântica e como, especialmente em São Paulo, esse encontro de anarquistas italianos permitiu a criação de grupos organizados em rede que foram determinantes para a difusão do anarquismo no Brasil no início do século XX.
O segundo, “A bandeira negra entre outras: (trans) nacionalismo e internacionalismo na construção do anarquismo no Brasil (1890-1930)”, do historiador Kauan Willian dos Santos (doutorando em História Social / USP), articula a conexão entre anarquismo, internacionalismo e transnacionalismo, a qual se organiza pela imigração, pelas redes de ativistas e pela circulação de ideias e experiências, durante a chamada Primeira República. Nesse sentido, traz à tona a visão de nação, nacionalismo, patriotismo e, aqui é importante ressaltar, a visão de raça de seus agentes, naquilo que orienta conceitos e práticas de classe, no interior do debate entre trabalhadores nacionais e estrangeiros. Sugere, então, a divisão em três momentos diferentes da história do anarquismo.
Em um segundo bloco, estão integrados os artigos que dizem respeito a desdobramentos e especificidades da história do anarquismo, no início do século XX, no Brasil. “Nos bastidores de um jornal anarquista: as particularidades do processo de produção de um jornal libertário na Primeira República Brasileira (1900-1935)”, do doutorando em História (UNESP / Assis-SP), Lucas Thiago Rodarte Alvarenga, apresenta as minúcias da produção de alguns jornais de propaganda anarquista, no início do século XX. Assim, demonstra como ativistas organizaram seus periódicos libertários da escolha temática à impressão, da tipografia à distribuição. Já Luciano de Moura Guimarães, também doutorando em História Social (PUC-Rio) e professor do Colégio Pedro II, apresenta uma instigante perspectiva sobre o movimento anarquista fora do eixo Rio-São Paulo, tradicionalmente espaços de excelência da historiografia sobre o tema. O artigo, “Anarquia na Bahia (1920-1922) – militância, repressão e circulação geográfica na trajetória de Eustáquio Marinho”, refaz os passos do anarquista Eustáquio Marinho na circulação de ideias e de como sua presença em Salvador- BA, após voltar de um período no Rio de Janeiro onde atuou nas greves de 1918 e da “Insurreição Anarquista” no mesmo ano, será importante para a organização do movimento operário soteropolitano. Participando ativamente da organização dos trabalhadores da construção civil e da transformação das estratégias de luta operária, no que podemos chamar de anarcossindicalismo de caráter revolucionário, foi protagonista da emergência do anarquismo na Bahia. Ao mesmo tempo em que acompanha a trajetória do ativista anarquista, o autor empreende uma análise bastante perspicaz da repressão policial que se seguia a cada ação dos trabalhadores na luta por direitos, através da grande imprensa.
Retomando a história da “Insurreição Anarquista”, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1918, Hamilton Moraes Theodoro dos Santos, doutorando em História Comparada (UFRJ), aprofunda as análises o sindicalismo revolucionário de inspiração anarquista e que teve papel central na organização do movimento operário brasileiro na Primeira República. Percorrendo os mecanismos de resistência direta ao capitalismo, o autor traça elementos de influência da Revolução Russa na articulação de novas perspectivas de organização e de ação do movimento operário. O artigo seguinte, “Educação, sindicalismo revolucionário e anarquismo nos Congressos Operários Brasileiros (1903-1921)”, do historiador (UFF) e mestre em Educação (UNIRIO), Antonio Felipe da Costa Monteiro Machado, retoma a organização dos três grandes Congressos Operários Brasileiros (1906, 1913 e 1920), a partir das propostas educacionais voltadas para os trabalhadores e seus filhos.
Fechando esse bloco, o artigo “A condição social da mulher e o debate sobre gênero e patriarcado: contribuições de Maria Lacerda de Moura”, das autoras Tatiana Ranzani Maurano (psicóloga e doutoranda em Educação / UNESP) e Glaucia Uliana Pinto (psicóloga e doutora em Educação / Unimep) apresentam aproximações entre a obra da anarquista brasileira Maria Lacerda de Moura e o debate sobre a condição feminina. Ancorando suas análises no materialismo histórico dialético, focam no livro Renovação, no qual Lacerda de Moura explicita como a mulher trabalhadora tem seu corpo subjugado e, por conta disso, seu lugar social é o da procriação e cuidado dos filhos. Único artigo escrito por mulheres sobre uma mulher anarquista, demonstra como ainda é preciso abrir fronteiras e derrubar muros para pensar na historiografia da desigualdade de gêneros e do papel das trabalhadoras na luta operária.
Os dois artigos seguintes empreendem análises sobre as influências teóricas no movimento anarquista da virada do século XIX para o XX. No artigo “Apropriação e produção de teorias evolucionistas nos periódicos anarquistas brasileiros (1900-1930)”, Gilson Leandro Queluz, mestre em História (UFPR) e doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), analisa a apropriação e produção de teorias evolucionistas presentes nos periódicos anarquistas brasileiros nas primeiras décadas do século XX. Segundo o autor, essa apropriação pelos movimentos anarquistas passou também pela crítica ao colonialismo autoritário, racista e hierárquico. Pensando a partir da ideia de hibridismo, o artigo nos brinda com um feliz encontro de ideias, as quais forneceram elementos para a produção de uma teoria crítica libertária a respeito da ciência.
Hugo Quinta, mestre em Estudos Latino-Americanos (UNILA) e doutorando em História (UNESP, campus de Assis), no artigo “Os estudos do crime sob a ótica de um anarquista: Pietro Gori e a revista Criminalogía Moderna”, examina os estudos do crime sob a ótica de Pietro Gori (1865-1911), personagem múltiplo, um anarquista-poetadramaturgo-advogado italiano que, entre 1898 e 1902, reside em Buenos Aires e ali funda a Criminalogía Moderna, primeira revista de criminologia da América Latina. O autor propõe uma análise “radiográfica” do trabalho de Gori sobre criminologia, ciência recentemente criada e ainda, naquele momento, em fase de consolidação. O artigo levanta indícios de como o anarquismo e a criminologia conviveram, às vezes não sem contradições, em um personagem tão múltiplo.
Fechando o dossiê, estão três artigos que articulam o (trans)nacionalismo no movimento anarquista em outros países e períodos. Abrindo este último bloco, o artigo “Repassando a chama – sindicalismo e anarquismo na Alemanha, do período imperial até a segunda guerra mundial”, do doutorando em História Moderna (JGU Mainz-Alemanha), Moritz Peter Herrmann, propõe-se a uma tarefa difícil, porém realizada com brilhantismo. O artigo parte da ideia de que pensar anarquia e anarquismo na Alemanha é sempre tomado por certo obscurantismo, como ele afirma, “tanto pelo suposto caráter nacional, como pelo fato de que a história da classe operária alemã ser dominada pela social-democracia, um movimento centralizador e estatista, defendendo o socialismo científico de Marx e Engels.” Nesse sentido, faz um esforço bastante interessante de mapear, entre fins do século XIX e início do XX, os projetos radicais rechaçados pela hegemonia da social-democracia, assim como os ativistas que se recusaram ao dirigismo e que, mesmo como minoria, tiveram papel importante nas lutas operárias e na formação do anarcossindicalismo alemão. Ao final, ainda, ganhamos de brinde a presença das mulheres no anarquismo alemão e como o debate já se colocava em termos de uma percepção da existência de uma dupla opressão para as mulheres trabalhadoras e anarquistas. Essa é uma pesquisa que precisamos fazer com urgência.
Viajando pela Europa e chegando no período entreguerras, encontramos o poeta anarquista espanhol, Léon Felipe. “La Insignia e o Anarquismo: a experiência da guerra civil espanhola na poética de Léon Felipe”, artigo escrito pelo mestre em Literatura (UFES), que além de professor da área é também advogado criminalista, Felipe Vieira Paradizzo, aborda a Guerra Civil Espanhola e a produção poética de Felipe e demonstra as relações estreitas entre o ativismo anarquista e a criação.
Fechando o bloco das experiências (trans)nacionais, no artigo “A prática de luta armada da Organización Popular Revolucionária – 33 Orientales no Uruguai (1968-1972)”, Rafael Viana da Silva, doutor em História (UFRRJ), busca analisar a formação e ação do “braço armado” da Federación Anarquista Uruguaya, em um período de endurecimento do regime constitucional. Pensando nas influências da Revolução Cubana na América Latina, o artigo busca suas interconexões com a prática guerrilheira uruguaia.
Aproveito a deixa e recomendo a resenha, que se encontra no final do dossiê, elaborada pelo mestrando em História (UFAL), Igor Ribeiro, da coletânea de artigos História do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária no Brasil: novas perspectivas (Curitiba: Editora Prismas, 2018), organizada por dois dos autores deste dossiê, Kauan Willian dos Santos e Rafael Viana da Silva.
Por fim, encerro esta apresentação com o artigo de Flávio José de Moraes Junior, mestre em História (UFRJ), “Manifestações de rua como laboratório político – 2013 e suas emergentes formas”. Analisando os mecanismos de comunicação entre diferentes grupos sociais nas manifestações de rua no Rio de Janeiro, entre 2013 e 2014, a partir de um contexto mais geral e inseridos nos movimentos “antiglobalização”, o artigo aponta para características de organização que tem como fundamentos na ação política, a horizontalidade. Ao mesmo tempo, tenta entender o surgimento da tática black bloc em meio à brutal repressão policial e a relação deles com “velhos” movimentos sociais e partidos políticos de esquerda.
Não à toa, a criminalização dos movimentos sociais ocorrida durante as “jornadas de junho” serviu também para disseminar “velhas” ideias de que o anarquismo é inimigo da sociedade e do estado. Mas o que fica é a certeza de que é da experiência de luta dos trabalhadores, daquele longínquo final do século XIX e início do século XX e que se segue, por onde encaramos o presente e miramos o futuro.
Ana Paula Palamartchuk
Julho / 2020
PALAMARTCHUK, Ana Paula. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 11, n. 21, julho, 2020. Acessar publicação original [DR]
Fascismos e novas direitas | Cantareira | 2020
Observamos, nos últimos anos, vitórias como a de Boris Johnson, no Reino Unido; a ascensão de Jean-Marie Le Pen, como grande figura na França; Viktor Orbán, porta-voz da anti-imigração na Hungria; a reeleição de Sebastián Piñera no Chile; o retorno de partidos neofascistas na Alemanha; Rodrigo Duterte, o fascista das Filipinas; e, entre muitos outros, as expressivas vitórias de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Essa guinada nos alerta para uma tendência na configuração da política mundial.
Em um contexto de crescimento de movimentos de extrema-direita pelo globo, as temáticas dos fascismos e das novas direitas vêm ganhando cada vez mais destaque e relevância nos debates acadêmicos. Seria o fascismo uma atitude desviante? Uma doença? Uma anomalia do sistema? Um retorno nostálgico a um passado “glorioso”? Além disso, seriam todas as direitas mais radicais, fascistas? Esta discussão foi objeto de grandes nomes dentro da historiografia e das ciências humanas e sociais, como Leandro Konder, Daniel Guerin, Ian Kershaw, William Reich, Antônio Gramsci, Umberto Eco, Hannah Arendt, Robert Paxtone e até mesmo, José Carlos Mariátegui. Cada um, a partir de diferentes abordagens –aproximadas ou discordantes –, elaboraram as suas perspectivas muitas vezes ancorados nas questões anteriormente apontadas.
A despeito das diferentes abordagens, bem como das análises de conjunturas, há um ponto em comum entre os autores: essas correntes, em geral, encontram terreno e se ampliam em cenários de crise, momento em que a classe dominada se sente atacada em todas as suas frações. Acreditamos que, diante da falta de horizonte, perda de status e déficit econômico, é comum que ideias salvacionistas sejam tentadoras. A percepção das causas de tantas perdas é deixada de lado em prol de uma luta contra seus efeitos.
Discursos que ressaltam problemas como: as crises econômicas e moral, a perda de status social e incompetência, a traição e fragilidade do governo etc., tornam-se demasiadamente atraentes para setores da sociedade que não se identificam com as transformações recentes. Assim, todos os medos sentidos são estereotipados na figura do “outro”, o qual, por muitas vezes, será compreendido como inimigo a ser combatido.
Ao analisar a ascensão tanto política, quanto eleitoral, de movimentos de extrema-direita, racistas, xenófobas ou, até mesmo, inteiramente fascistas na atualidade, Michael Löwy ressalta que a crescente emergência desses movimentos tem se dado principalmente em países inseridos no processo de internacionalização da economia e da tecnologia. No ápice do neoliberalismo e, portanto, da transnacionalização do grande capital, as tecnologias e os meios de comunicação também se desenvolveram de modo que abarcasse as novas dimensões das demandas impostas pelos interessados nesta transnacionalização e em suas novas dinâmicas funcionais. Antes, se por um lado, os meios de comunicação operavam de maneira verticalizada, partindo de um para muitos, e sendo unidirecional – como os grandes jornais impressos e os canais de radiodifusão. A internet, por outro, se conforma como uma enorme rede digital de troca de informação maciça, sendo menos centralizada, horizontal e multidirecional. É o que Manuel Castells denomina como “Mass Self-Communication”. Devido ao interesse dos movimentos de direita e extrema-direita contemporâneos em trazer a política para o cotidiano, esses grupos aplicam seus investimentos em canais populares de difusão da informação. Assim, expandem sua ação para a mídia digital, por ser moderna, de fácil acesso, de custo relativamente baixo de produção e ilimitada capacidade de difusão.
Ao considerar o papel das historiadoras e dos historiadores na análise destes fenômenos, o objetivo do dossiê é refletir, conceituar e problematizar a questão do fascismo e das novas direitas, reunindo pesquisas que os discutam e identifiquem suas particularidades, rupturas, continuidades etc. Agrupamos, desta maneira, uma coletânea de seis artigos – que perpassam desde as experiências do século XX até o tempo presente, em distintas partes do Globo –, diretamente associados aos temas centrais. Devido a sua pluralidade, estas produções estão ancoradas em distintas visões e tradições teóricas, com vista a ampliar um rico e diverso debate.
Contamos, no primeiro bloco de artigos, com fascículos acerca da experiência alemã, de essencial importância para a temática. Os autores, habilmente, levantaram questões de extrema relevância para qualquer discussão acerca do nazismo alemão e seus estudos, feito de maneira criteriosa. Karina Fonseca em Como a democracia em Weimar morreu: antirrepublicaníssimo e corrosão da democracia na Alemanha e a ascensão do Nazismo, relaciona a derrocada da República de Weimar aos discursos e práticas políticas antirrepublicanas e antidemocráticas que circulavam durante o período. Luiz P. Araújo Magalhães, em Intelectuais de extrema direita e a negação do Holocausto nos EUA dos anos 1960, analisa a formação de uma rede de intelectuais de extrema-direita estadunidense em torno da prática de negação do Holocausto. O texto defende a hipótese de que essa negação incorpora, informa e é informada por valores, visões do passado, esquemas de percepção e hábitos de pensamento desse campo político. Dessa forma, essa falsificação do passado nazista aparece como criadora ou reprodutora de comunidades de sentido e unidades potenciais de ação.
Breno César de Oliveira Góes oferece uma rica aproximação interdisciplinar entre história e a literatura no que concerne à experiência do Salazarismo em Portugal, fortalecendo o tema deste dossiê com o artigo Os fascistas que liam Eça de Queirós: estratégias da propaganda salazarista em torno de uma celebração literária. O texto analisa o plano original das celebrações oficiais do primeiro centenário de Eça de Queirós em 1945 e os motivos que causaram os descontentamentos da base de apoio do regime em relação a esse projeto. Dessa forma, o autor traz à luz o estudo de ditaduras fascistas na Península Ibérica, muitas vezes posposto pelas produções do nazismo alemão e do fascismo italiano de Mussolini.
O segundo e último bloco de texto se articula a partir da temática do avanço conservador e a articulação da direita no Brasil. Com o delicado e necessário debate sobre a educação em tempos de conservadorismo brasileiro, Eduardo Cristiano Hass da Silva e Gabbiana Clamer Fonseca Falavigna dos Reis, analisam em Avanço conservador na educação brasileira: uma proposta de governo pautada em polêmicas (2018) a superficialidade e apresentação polêmica das propostas educativas presentes no plano do atual governo brasileiro e retomam a importância do papel do intelectual no Brasil.
Na esteira das análises sobre a ascensão do conservadorismo brasileiro, os autores Giovane Matheus Camargo, Pedro Rodolfo Bodê de Moraes e Pablo Ornelas Rosa trazem à tona a importância que a Internet e o ciberespaço tomaram no campo político na contemporaneidade. A (des)construção da memória sobre a ditadura pós-1964 pelo governo de Jair Bolsonaro analisa as estratégias no meio digital para a difusão de uma determinada memória, ancorada no revisionismo histórico que as novas direitas brasileiras têm defendido para sustentar seus projetos de sociedade.
Finalmente, apresentamos duas entrevistas de conteúdo mais estritamente teórico. A primeira, apresenta o diálogo entre o entrevistador Sergio Schargel e o pesquisador multidisciplinar neerlandês e filósofo cultural Rob Riemen. As perguntas, levantadas por Schargel, esclarecem a abordagem do diretor do Nexus Institute, que através de uma tradição teórica consistente e calcada no liberalismo, recuperar a importância do conceito de fascismo e sua utilização na atualidade. A segunda, realizada pelas organizadoras do presente dossiê, foi realizada com docentes de países, vivências e perspectivas teóricas diferentes. A professora italiana Fulvia Zega (Università Ca’Foscari Venezia), e a professora brasileira Tatiana Poggi (IH / UFF), relataram suas posições sobre a ascensão conservadora no mundo, as possíveis particularidades no contexto da América Latina, a utilização do conceito fascismo e neofascismo, bem como de outros aprofundamentos.
O dossiê Fascismos e Novas direitas, nesta edição da Revista Cantareira, nasceu em meio à pandemia do coronavírus (COVID-19), uma crise sanitária internacional que, no contexto brasileiro, ganha o reforço de um Estado suicidário, para fazer menção às palavras de Vladimir Safatle. Como em outros governos – que vêm demonstrando uma preocupação desproporcional com a Economia –, o Brasil pretere a vida humana em nome de uma pretensa preocupação com os números. O intuito, portanto, é contribuir com a análise de acontecimentos recentes, discussões teóricas pertinentes e recuperação histórica das ciências humanas em geral, essenciais para a compreensão crítica do mundo em que vivemos. Através das ilações dos nossos autores, percebemos que não somente há um avanço fascista na política mundial, mas um intento de consolidar uma narrativa conservadora sobre a sociedade civil e a política, bem como das organizações alternativas mais conservadoras. Estes aspectos não são uma novidade do século XXI; tampouco, algo exclusivo ao século passado.
Boa Leitura!
Bárbara Aragon – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense.
Milene Moraes de Figueiredo – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
ARAGON, Bárbara; FIGUEIREDO, Milene Moraes de. Apresentação. Revista Cantareira, Niterói- RJ, n.33, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]
Diplomática e História | Revista de Fontes | 2020
Em uma obra clássica sobre História Econômica, Carlo Cippola, ao afirmar que a seriedade do historiador está relacionada ao rigor que emprega no tratamento das fontes documentais, ressalta a importância da crítica a essas fontes, entendida como
principalmente a interpretação literal dos textos (decifração), interpretação substancial ou de conteúdo dos mesmos, a determinação da sua autenticidade e a especificação do seu grau de fidedignidade. Os quatro processos são inextricavelmente interdependentes1. Leia Mais
¡Nunca más esclavos! Una historia comparada de los esclavos que se liberaron en las Américas | Aline Helg
Basado principalmente en bibliografía especializada producida en inglés, francés y español durante los últimos treinta años, este libro de la historiadora Aline Helg estudia la capacidad de acción política de quienes sufrieron la esclavitud en las Américas. Para ello, analiza los esfuerzos de los esclavos para alcanzar la libertad. La obra explora el periodo previo a la consolidación de las doctrinas y políticas abolicionistas del siglo XIX, llevando a los lectores por un recorrido de más de tres siglos entre 1492 y 1838. Si bien las sociedades esclavistas mejor conocidas (Cuba, Brasil, el Sur de Estados Unidos y Haití) cumplen papel protagónico, Helg entra también en detalle sobre las menos estudiadas (incluye a Colombia, Guadalupe, Barbados y Demerara). Se trata, por lo tanto, de una síntesis histórica comparada sobre hombres y mujeres cautivos que “por la fuerza, el sacrificio, la astucia, la paciencia o el azar, consiguieron obtener su libertad” (p. 10). Leia Mais
Un leviatán tropical: las redes clientelares de Trujillo en América Latina y el Caribe | Eliades Acosta Matos
El libro Un leviatán tropical: las redes clientelares de Trujillo en América Latina y el Caribe constituye un desdoblamiento de La telaraña cubana de Trujillo publicada por el historiador Eliades Acosta Matos en 2012.1 En ambos casos se destaca el interés por problematizar el estudio de las dictaduras con un enfoque de redes: una apuesta bastante productiva que permite comprender de manera más compleja las relaciones internacionales en el continente. En efecto, en Un leviatán tropical Acosta extiende su análisis a los conflictos, cooperación y relaciones del régimen con otras dictaduras y gobiernos democráticos de la región.
En la historiografía iberoamericana analizar las relaciones internacionales de los regímenes dictatoriales no es una propuesta nueva. Una revisión no exhaustiva permite localizar un interés creciente desde los años ochenta, posterior a la fundación de la revista Relations Internationales (1974) de Jean-Baptiste Duroselle y Jacques Freymond. En este sentido, se puede destacar el análisis sobre los conflictos y cooperación entre Argentina y Brasil o las alianzas entre Franco y Perón.2 En la misma línea, sobresalen las reflexiones sobre la propaganda y la acción o las relaciones exteriores del franquismo.3 Leia Mais
América y otros mundos. Itinerarios particulares y vínculos globales em la Edad Moderna (siglos XVI-XVIII) | Trashumante – Revista Americana de Historia Social | 2020
En las últimas décadas la historiografía ha intentado concretar enfoques trasnacionales, asumiendo que la comprensión de los procesos históricos requiere de una amplitud de miras incompatible con las demarcaciones geográficas, cronológicas y temáticas administradas desde esquemas nacionales. Asimismo, la complejidad en la construcción y exploración de nuevos objetos de conocimiento histórico ha conllevado la necesidad de ampliar las formas de estudiar el pasado. Por una parte, resulta necesario trascender los compartimentos estancos en que la historiografía especializó la disciplina durante el siglo XX. Fenómenos como la circulación de personas, de objetos, de saberes y valores imbrican aspectos sociales, políticos, culturales, económicos que no pueden soslayarse siempre que se busque comprender los fenómenos en su integridad. Por otra parte, las herramientas de la historia y su método de trabajo solo pueden alcanzar mayores cotas de análisis y reflexión si se emplean en diálogo con otros lenguajes, otras disciplinas. Leia Mais
A Descolonização Africana e suas Ideias Políticas / Ofícios de Clio / 2020
O presente dossiê tem como proposta refletir sobre os processos de descolonização do continente africano, compreendido especialmente entre as décadas de 1950 e 1970, considerando uma perspectiva das ideias políticas. Trata-se de olhar para a pluralidade de experiências descolonizadoras em um período-chave da formação política dos estados africanos, a partir de um olhar inspirado na história intelectual e / ou história dos conceitos.
Pretende-se colocar em pauta, ao público leitor, a descolonização do continente africano em diferentes abordagens. Para tal, o dossiê “A descolonização africana e suas ideias políticas” reúne pesquisas históricas a respeito das produções de intelectuais africanos e afro-diaspóricos, evidenciando suas perspectivas a respeito da descolonização, assim como o confronto e / ou comparação entre diferentes intelectuais que pensaram a descolonização para os contextos africanos e afro-diaspóricos.
O conjunto de textos proporciona uma interessante reflexão para os leitores no que tange a história intelectual e política, e abrange uma diversidade de trabalhos que desconstrói, por si, um olhar muitas vezes unitário que existe sobre o continente africano, trazendo uma multiplicidade de intelectuais e abordagens possíveis.
Entre os trabalhos realizados, destaca-se o foco que três autores deram especificamente ao caso moçambicano. Pedro Oliveira Barbosa, doutorando pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em “A política externa e o projeto nacional da Frelimo no cinejornal moçambicano Kuxa Kanema (1978-1981)” analisa o momento imediatamente pós-independência no país, quando, observada por meio do cinejornal estatal Kuxa Kanema, a Frelimo – então partido único em Moçambique – promoveu um projeto marxista-leninista, apelando ao apoio dos países do chamado “Bloco Soviético” no contexto da Guerra Fria. No início da década de 1980, entretanto, o partido observou o fracasso em sua busca por alianças, e precisou buscar novas alternativas e diversificar suas políticas do cenário internacional.
É justamente na sequência desse momento que se insere o trabalho do mestre pela PUCRS, João Antônio Batista Bertolotti, “Revista Charrua – relativizações das retóricas de intelectual revolucionário e literatura de combate (1977-1986)”. Nesse artigo, o autor demonstra que a partir do momento de enfraquecimento do projeto marxista em Moçambique, novas alternativas de linguagem literária também surgiram, contestando o papel exercido pelo Estado sobre a mesma até então, e propondo novas alternativas. É em meio a isso que surge o projeto da Revista Charrua, apresentado por ele.
Também com discussões relativas à literatura e política em Moçambique, Andressa da Silva Machado, licenciada em História pela PUC-RS e Especialista em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, apresenta o artigo “Desventuras do pós-independência em Moçambique: Nacionalismo, Guerra Civil e Memória Coletiva”. Este se debruça mais especificamente sobre um romance específico, Ventos do Apocalipse, da autora Paulina Chiziane. Por meio dele, pode-se observar não apenas a memória coletiva demonstrada pela autora em relação a Guerra Civil que assolou o país no período pós-independência, como as próprias contradições do projeto nacional estabelecido pela Frelimo no país.
Ainda sobre a região sul do continente africano, Gabrielle Rani Marinho Lima e Izabella de Souza Colino, ambas graduandas em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), oferecem o artigo “Uma África do Sul pós independência observada sob a perspectiva pós-colonial: da emancipação ao Apartheid”. Esse artigo aborda um caso bastante particular no continente africano, aquele da África do Sul, que, ao contrário dos demais países citados neste dossiê, tornou-se independente no início do século XX. Apoiando-se nos estudos pós-coloniais, em especial nas contribuições de Albert Memmi e Immanuel Wallerstein, entretanto, as autoras questionam aqui até que ponto essa descolonização pode ser considerada completa, e demonstram os limites do projeto sul-africano do Apartheid.
Nos próximos três artigos, os autores optaram por uma perspectiva comparativa, explorando de que forma diferentes intelectuais refletiram sobre a ideia política da descolonização, tanto em uma perspectiva nacional quanto transnacional. Cada um a seu modo e por diferentes vieses, tendo por eixo condutor a descolonização, demonstram convergências e divergências no pensamento político de africanos e afro-descendentes com diferentes formações e origens, demonstrando, em seu conjunto, a complexidade de elementos a respeito do tema aqui em pauta.
Bruno Ribeiro Oliveira, doutorando pela Universidade de Granada, no texto “Literatura, Linguagem e Descolonização em Ngũgĩ wa Thiong’o (Quênia) e Chinua Achebe (Nigéria)”, realiza uma análise entre as ideias de dois literatos contemporâneos, Chinua Achebe e Ngũgĩ wa Thiong’o, o primeiro queniano e o segundo nigeriano, demonstrando como estes refletiram sobre a produção literária colocando em debate a questão do uso da língua do colonizador no período pós-colonial. Ambos foram combativos em relação aos estados autoritários processados após as independências e utilizaram a literatura como forma de denúncia ante a persistência de problemas coloniais após as descolonizações. O autor realiza uma importante análise sobre o uso da língua e da literatura no que tange às descolonizações africanas, assim como demonstra de que forma estas são instrumentos políticos.
Camille Johann Scholl, doutoranda pela PUC-RS, em seu artigo “Léopold Senghor & Cheikh Anta Diop, rivais: Descolonização e Unidade Africana” olha para as negociações em prol das independências das colônias francesas capitaneadas de dentro do sistema colonial, apontando os diferentes projetos políticos federalistas em pauta, capitaneados por distintos partidos políticos, bem como apresenta as diferentes ideias sobre a descolonização e sobre a unidade africana entre dois conhecidos e renomados intelectuais senegaleses, Léopold Senghor e Cheikh Anta Diop.
Amilcar Alexandre Oliveira da Rosa, mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), no texto “Benjamin e Fanon: experiência e descolonização” realiza uma análise sobre a noção de experiência em Walter Benjamin e Franz Fanon, proporcionando ao leitor um olhar a respeito das relações de opressão e suas formas de combate, abordando as ideias destes dois intelectuais sobre a condição humana. O autor nos proporciona uma relevante reflexão para pensar a questão da modernidade, das trágicas relações suscitadas pelo colonialismo e de aspectos da construção das descolonizações – pelas lentes das obras de Benjamin e Fanon.
Assim, por meio desses sete artigos, é possível observar a existência de múltiplas abordagens possíveis sobre o pensamento político africano e afro-diaspórico no seu período de descolonizações. Para além de uma perspectiva que simplesmente submete essas ideias ao contexto global da chamada Guerra Fria, o que se percebe aqui é a existência de reflexões que passavam pela estética literária, pela construção de identidades nacionais e transnacionais, de modelos de governo e de desenvolvimento, e de contestação do próprio lugar em que o continente estava inserido. Combatendo um olhar único sobre o continente africano, o que esse dossiê apresenta de fato é a complexidade das ideias políticas existentes em diversas regiões do continente africano, que abrem espaço para variadas futuras pesquisas, necessárias para a compreensão do período.
Camille Johann Scholl – Técnica em Assuntos Educacionais da UFRGS e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) desenvolvendo a tese “Léopold Senghor e a Lusofonia”. Possui Mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e graduação em História (licenciatura e bacharelado) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Lattes: http: / / lattes.cnpq.br / 1239919512431547
Pedro de Oliveira Barbosa – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) com pesquisa relacionada ao pensamento socialista na descolonização africana. Possui Mestrado em História na mesma instituição, concluído em 2018, e graduação em História (licenciatura) também na PUCRS (2016). Lattes: http: / / lattes.cnpq.br / 8736658275450507
SCHOLL, Camille Johann; BARBOSA, Pedro de Oliveira. Apresentação. Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas -RS, v. 5, n. 9, jul./dez., 2020. Acessar publicação original [DR]
Visões da Idade Média | Ricardo Costa
Ricardo da Costa é historiador e trabalha com diversos temas sobre o passado e o presente da humanidade. Especialista em História Medieval, publicou mais de cem trabalhos, originalmente em revistas especializadas no Brasil, assim como no exterior. Formou-se em História, na Universidade Estácio de Sá, e tem Mestrado e Doutorado pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente, é Professor Titular do Departamento de Teoria da Arte e Música da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). É conhecido, sobretudo, por seus estudos acerca de Ramon Llull, tendo traduzido para o português diversas obras do filósofo catalão, o que possibilitou conhecer um pouco mais a respeito desse mundo medieval.
Em Visões da Idade Média, o (a) leitor (a) encontrará bem mais do que artigos, mas entrará em contato com as temáticas do medievo existentes nas fontes históricas, sob a ótica de um historiador, que tem se dedicado há muitos anos ao fortalecimento dos estudos medievais no Brasil. Costa dá vida às fontes pesquisadas e interpretadas, em que enchendo o leitor de curiosidade e questionamento. Cada capítulo mostra uma parcela do mundo medieval, embora não haja ali um enaltecimento do período, almejase na obra desmistificar os conceitos e interpretações equivocadas em relação à Idade Média. Trata-se de um livro instigante, que em suas mais de duzentas páginas brinda o (a) leitor (a) com uma escrita agradável e estimulante.
O livro Visões da Idade Média aborda de maneira interdisciplinar a História, a Literatura, a Filosofia e a Artes. Cada seção contém três artigos, exceto a última secção que consta quatro textos, sobre essas áreas cuja a leitura (sem esgotá-las) conduz-nos a reflexões críticas. Entre eles, há um artigo inédito escrito em coautoria com o Dr. Milton Gustavo Vasconcelos, o qual versa sobre a Inquisição, isto é, tema que, embora já muito comentado e analisado, mostrou-se passivo de interpretações questionáveis, que o apresentavam como uma espécie de resumo da Idade Média.
Neste sentido, o autor traz sua interpretação sobre a Idade Média, indo na contramão de distorções não apenas naturalizadas acerca desse período, mas por vezes aprendidas erroneamente. Trata-se de um período de mil anos, com uma variada história política, cultural, social, econômica que está presente, seja na Europa, seja nas possíveis raízes medievais observadas na história do Brasil (FRANCO JÚNIOR, 2001). Como afirma Marc Bloch, a história não é uma relojoaria, mas “[…] um esforço para um melhor conhecer uma coisa em movimento” (BLOCH, 1965, p. 29).
O texto de abertura é provocativo, porque os autores desfazem alguns mitos a respeito da Inquisição bastante cristalizados no imaginário popular. Iniciam o prólogo, em tom de brincadeira, por meio de um diálogo fictício. Nessa “conversa”, Costa e Vasconcelos são questionados por um sobre veracidade da pesquisa, e os autores prometem dizer apenas a “verdade” sobre a Inquisição. Assim, despertam no (a) leitor (a) a curiosidade de imaginar cada cena descrita no texto, pois, são analisadas com precisão de detalhes, o que torna o texto agradável e imaginativo.
Na seção História, o autor lança uma provocação, ao intitular um de seus capítulos Para que serve a História? Para nada…, através de tal indagação, não somente prende a atenção do (a) leitor (a), mas já o (a) induz a uma possível resposta. Ainda neste capítulo, Costa narra suas experiências pessoais como docente, na tentativa de responder o porquê de estudar essa disciplina tão questionada.
No mesmo capítulo, Ricardo da Costa, diz que a História possui uma grande divergência no que tange às teorias e métodos, pois não haveria um consenso sobre “a razão de ser” dessa disciplina. Para isso, lança mão de sete perguntas, ou melhor, “sete perguntas, ou melhor, sete respostas para sete perguntas criam esse impasse” (p. 64) nas palavras do autor. Em seguida, apresenta seu ponto de vista acerca desse impasse e infere que o “passado não tem relação (nem culpa) com nossas propostas utópicas de futuro. Para termos uma proposta de futuro, não é preciso conhecer o passado. Basta sonhar” (p.72).
O autor cita o historiador Eric Hobsbawm, ao destacar que atualmente a História é “revista ou inventada por gente que não deseja o passado real, mas somente um passado que sirva aos seus objetivos” (p. 72). Para Costa, esse é um ponto muito interessante, pois é defensor de que há um equívoco no uso do passado para a justificativa de uma visão de mundo.
Conclui este capítulo, afirmando que, se o conhecimento histórico não tiver como finalidade tornar melhor os indivíduos e suas relações, sua serventia será apenas de “acirrar conflitos e aumentar conflitos e aumentar a violência de uns contra outros” (p. 72). Expõe então sua opinião sobre a questão central desse capítulo: “quem ama e sempre amou a História não está, nem nunca esteve em crise. Da minha parte, eu nunca estive em crise por causa dela, muito pelo contrário, ela sempre me causou um imenso prazer, o verdadeiro prazer de conhecer” (p. 83).
No capítulo seguinte, o autor afirma que a História é fundamental para as relações cotidianas e amplia as possibilidades de sua compreensão, apresentando questões relevantes para o (a) leitor (a) se questionar e pensar sobre a “crise” dessa disciplina. Costa vai além das explicações consolidadas que concerne à função da História dentro da academia, abrindo assim um leque referente ao papel da História e do historiador. Desta maneira, chama a atenção para a ressignificação da escrita.
No último capítulo dessa seção, o autor analisa crônicas hebraicas e cristãs, por meio de um tema muito debatido na atualidade, a saber, o antijudaísmo. Sabe-se que no decorrer dos períodos históricos há episódios marcados por acontecimentos nem sempre favoráveis a determinados grupos. Nesse trecho da obra, o autor menciona as primeiras perseguições dos judeus, mostra a resistência franca contra este povo e apresenta sucintamente a relação da comunidade judaica com a Igreja Católica e as Cruzadas. Por fim, Costa trata de vários massacres sofridos por esse povo, revelando os rastros dos ressentimentos e preconceitos com o outro ao longo da História.
Na seção Literatura, Costa se debruça sobre as Sete Artes Liberais (c. 1304- 1307), de Dante Alighieri, em que o poeta por meio da alegoria trabalha filosoficamente o tema das Artes Liberais nos complexos e “imaginários céus da Astrologia”. O autor discorre sobre a poesia, a filosofia e o amor de modo reflexivo e crítico, bem como tece comentários, acerca do uso da poesia pelos medievos em seu trato com a ciência e a filosofia.
Em seguida, o autor aborda a relação entre sonho e história, a partir da obra O sonho (1399), de Bernat Metge, trazendo uma reflexão filosófica a respeito de sua relevância para a sociedade medieval. Com base ainda na obra de Metge e na novela Curial e Guelfa (c. 1460), Costa apresenta a condição feminina sobre a perspectiva dos homens, com destaque para opressão sofrida por elas, para sua personalidade medieval e a para a voz das mulheres nesta obra. Diz o pesquisador: “[…] nela são as mulheres as verdadeiras protagonistas do enredo” (p. 176).
Na penúltima seção, intitulada Filosofia, o autor escreve sobre o Inferno, uma temática indispensável para o entendimento do imaginário do homem e da mulher medievais. Diante disso, deparamo-nos com dois espaços essenciais para a compreensão de como pensavam e viviam os habitantes deste período e de suas perspectivas em relação ao Paraíso e o Inferno. A preocupação com destino após a morte era uma indagação no medievo, já que a Igreja Católica, com a sua doutrina, levava os fiéis a crer que o principal objetivo dos homens era aproximar-se do Reino Celeste (ZIERER, 2013, p. 31).
Costa analisa a visão sobre o Inferno na ótica do filósofo Ramon Llull (1232- 1316), o qual dedicou algumas de suas obras ao Além medieval. Para Costa, sem “[…] esse incisivo pano de fundo imagético, perspectiva transcendental, não é possível compreender a mentalidade medieval (grifo do autor, p. 190). Se na Contemporaneidade, e portanto, com o crescimento da laicização a descrição do Inferno ainda desperta medo e tormenta, para uma parcela da sociedade medieval, por sua vez, esse espaço era uma arma utilizada para regular o comportamento humano.
No capítulo seguinte, o autor analisa a terceira parte do Tratado da Obra dos Dias, de Teodorico de Chartres (c.1155), texto em que predomina uma abordagem filosófica acerca do criador, sob a perspectiva cristã. Para analisar a concepção da divindade nesse tratado, Costa retoma a filosofia clássica e se debruça sobre Platão, Sêneca dentre outros, que influenciaram o pensamento de Teodorico, nas questões relativas à esfera divina. Em sua investigação a respeito de Deus, Teodorico conciliaria: “[…] a verdade da Revelação cristã com a verdade científica de seu tempo (isto é, a das sete artes liberais). Para ele, não havia incompatibilidade entre a fé e a razão” (p. 222).
No último capítulo da seção Filosofia, Costa escreve sobre a disputa entre Bernardo de Claraval e Pedro Abelardo, não somente importantíssima no contexto medieval, mas portadora de reflexões interessantes no que se refere ao debate entre homens de natureza tão oposta. Nesse sentido, o autor apresenta o imenso sofrimento de Bernardo frente aos escritos de Pedro Abelardo. De acordo com Visões da Idade Média, Bernardo pediu que os bispos lessem nos escritos, pois “[…] estavam escritas coisas insólitas aos ouvidos e mentes católicas sobre a Santíssima Trindade, a geração do Filho e a precedência do Espírito Santo” (p. 228). Costa apresenta as interpretações da história que envolve Bernardo e Pedro Abelardo, na perspectiva histórica, filosófica e teológica. No mais, finaliza seu texto com o seguinte questionamento: “Até quando distorceremos a Histórica?” (p. 248).
No capítulo que abre a seção Artes, Costa discorre sobre as representações da vida camponesa na arte de Benedetto Antelami (c. 1150-1230). Essa arte dava vida às estações, às colheitas, à labuta do jovem e robusto camponês medieval. Costa ressalta que nessa produção artística há a presença do estilo românico provençal, algo presente nas obras de Antelami. Costa destaca que “[…] a história do campo, do campesinato, é a história de um mundo social quase sem história” (p. 256).
No capítulo seguinte, Costa realiza um estudo das representações do corpo no Retábulo de São João Batista (1425-1430), de Bernat Martorell. Analisa as expressões faciais, os gestos, as mãos, os detalhes de uma verdadeira obra de arte, que parecem ganhar movimento e vida diante de quem a contempla, diante dos sentimentos de medo, admiração, tristeza, dor, alegria e assombro. O penúltimo capítulo da seção Artes, Costa faz uma análise histórica do episódio bíblico de Susana e os anciãos, um texto interessante que versa sobre a contemplação da beleza.
No capítulo que encerra essa seção, o autor chama a atenção dos (as) leitores (as) e historiadores (as) para algo que ele define como importante, pois, quem se dispõe a pesquisar dada temática torna-se imperativo ter “paixão”, afinco, seriedade e não omitir os fatos. Costa ressalta a relevância de se livrar das armadilhas da seleção viciada dos textos, e o cuidado ao querer “ressuscitar” o passado, já que “[…] para se fazer uma boa e apaixonada História, o historiador deve sair de si mesmo, deve se tornar acessível e ir ao encontro do outro” (p. 325). Além disso, quem escreve tem que ter maturidade, saber observar e analisar a cultura de cada época, pois “[…] a História é para maduros” (p. 330).
Costa mantém e dá sequência à estrutura do livro anterior, intitulado Impressões da Idade Média, outra coletânea de artigos, fruto do seu trabalho intenso como pesquisador. A organização do livro contou com o auxílio de alguns dos seus alunos, que o ajudaram na escolha dos artigos e e na seleção dos textos que viriam a compor as quatro divisões da obra: História, Literatura, Filosofia e Artes, que foram divididas em quatro temas: História, Literatura, Filosofia e Artes. O autor coloca em prática, como já havia afirmado em outro texto, que a História pode extrapolar os seus limites através de áreas diversas: “Não só a Política, não só a Economia, mas a História conceitual, a Arqueologia, a Literatura, a Artes, o Clima, o Corpo, enfim, o tempo, em todas as suas ricas contradições, diversidades e paradoxos” (COSTA, 2016, p. 304, grifos do autor).
O autor aborda o que considera os principais temas que fazem parte da sua trajetória acadêmica. Deste modo, apresenta a sua perspectiva sobre a História, a sociedade e a cultura medieval, dentre outras temáticas que nos ajudam a compreender como foi forjada a sociedade ocidental. Os textos reunidos nesta coletânea de artigos têm em comum a preocupação de mostrar as inúmeras formas de interpretar o passado, assim como de compartilhar o conhecimento histórico, fruto de um trabalho árduo e minucioso, levado a cabo por meio de diversas fontes.
Sem dúvida, as reflexões do professor Ricardo da Costa contribuem para novas visões sobre a Idade Média, já que muitos categorizaram esse período como “Idade das Trevas”, negando neste a produção de conhecimentos, e a existência da cultura, do amor etc. Tais interpretações conservadoras apontavam a Igreja como detentora do saber, acusando a de esconder e barrar a ciência, com o intuito de explorar e manter os homens e mulheres medievais na ignorância. Infelizmente, muitos ainda são influenciados por essa visão preconceituosa.
Ademais, ao discorrer sobre o começo de sua trajetória acadêmica, não economiza críticas em relação à academia. Costa via-se como “um bom rebelde „pósaborrescente‟” e fala das “centenas de „leitores de orelha‟ e de resenhas de livros e que nunca leram um livro até o fim” (p. 63). A nosso ver, a afirmação do autor é parcialmente justificável e Costa recai em generalizações. Sabe-se que no Brasil, marcado pelas diversas desigualdades, muitas pessoas carecem de incentivo e condições de levar os estudos adiante, porém isso não é uma condição de escolha, mas fruto da realidade de miséria e falta de recursos.
O autor também fala da importância de relacionar o texto e imagem, sempre, no entanto, com sensibilidade e rigor. Além das ponderações aqui feitas, esta resenha é um convite à leitura da obra completa, para que os leitores tirem suas próprias conclusões e construam as suas próprias intepretações. É nesse sentido que o livro Visões da Idade Média, torna-se uma leitura indispensável para todos aqueles que pesquisam o período medieval, assim como todos (as) que são amantes do conhecimento e admiradores dessa época multifacetada e rica de transformações, conhecida como Idade Média.
Referências
BLOCH, Marc. A Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
COSTA, Ricardo da. As múltiplas Idades Médias de Jacques Le Goff (1924- 2014). Brathair, São Luís, (UEMA), v. 16, n. 2, p. 303-314, 2016.
COSTA, Ricardo da. Impressões da Idade Média. São Paulo: Livraria Resistência cultural, 2017.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade média: nascimento do ocidente, São Paulo: Brasiliense, 2001.
LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: Estampa, 2004.
ZIERER, Adriana. Da ilha dos bem-aventurados à busca do Santo Graal. São Luís: Ed. UEMA, 2013.
Natasha Nickolly Alhadef Sampaio Mateus – Doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História e Conexões Atlânticas: culturas e poderes (PPGHIS), da UFMA, sob financiamento Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). Mestra em História, Ensino e Narrativas pelo programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas (PPGHIST), UEMA; licenciada em História (UEMA); licenciada em Pedagogia e Bacharela em Teologia pela FATEH. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9634-665X E-mail: natasha_alhadef@hotmail.com
COSTA, Ricardo. Visões da Idade Média. 2ª ed. Santo André, SP: Armada, 2020. Resenha de: MATEUS, Natasha Nickolly Alhadef Sampaio. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.20, n.2, p. 275- 259, 2020. Acessar publicação original [DR]
El ABC de una paz olvidada. Tiempo de mediación en Canadá/1914
A diez años de la publicación en inglés de The Forgoten Peace. Mediation in Niagara Falls, 1914, del embajador Michael Small aplaudimos el lanzamiento de su versión en español. Los editores de Huitzils para su tiraje en castellano acertadamente recuperan en el título el acrónimo del ABC, (Argentina, Brasil y Chile) y juegan con el estribillo usado en el mundo editorial para señalar un texto que introduce a un tema. Considero que el trabajo de Small cumple sobradamente el propósito de presentar una narración esclarecedora, al tiempo que encuentra un nuevo acercamiento a las conferencias de Niagara Falls.
Se trata de un libro que viene a contribuir a la historia diplomática de la Revolución Mexicana en uno de sus acontecimientos menos atendidos. Niagara Falls fue un pretendido espacio de diálogo, impulsado por Argentina, Brasil y Chile y avalado desde Washington, en un esfuerzo de mediar en el “conflicto internacional” entre México y Estados Unidos, que había desembocado en la ocupación del puerto de Veracruz por parte de la flota estadounidense la primavera de 1914. Leia Mais
La Guerra Civil Española: estudios y reflexiones desde Chile | Juan Luis Carrellán Ruiz
La Guerra Civil Española fue uno de los acontecimientos políticos más relevantes del siglo XX, no solo para España y los bandos que se enfrentaron, nacionales y republicanos, o para el escenario europeo en momentos en que experimentaba una confrontación ideológica sin tregua en el periodo de entreguerras, y que de algún modo anunciaría la Segunda Guerra Mundial. Los ecos y resonancias de la Guerra Civil Española llegaron de modo directo a distintas regiones y países del mundo, especialmente a aquellos que han compartido con España una historia común. Este fue el caso de Chile, país lejano, ubicado en el extremo sur de América Latina, pero cuya elite política tenía como referencia la realidad política española. Este es el tema principal del libro La Guerra Civil Española: estudios y reflexiones desde Chile, editado por Juan Luis Carrellán y que reúne estudios de historiadores de los dos lados del Atlántico dedicados al alcance transnacional del conflicto armado español. Como otros países que habían sido parte de la América española, la referencia a la política europea, especialmente de España, fue uno de los rasgos de la cultura política chilena especialmente en el siglo XX. De distintos modos, la fractura sufrida por la sociedad española durante la década de 1930 se proyectó más allá del territorio europeo, encendiendo el debate político en Chile.
Si bien al territorio americano no llegaron las balas de la península, sí llegaron sus ecos, a través de las diversas formas que asumió el conflicto. Una de estas dimensiones fue la batalla ideológica, expresada en el conflicto a través de la prensa, la propaganda, así como la disputa entre los españoles residentes en Chile, a quienes el conflicto no dejó indiferente y rápidamente se identificaron con el bando republicano o el bando nacional. El conflicto también se proyectó a través de la memoria, que corría paralelo a la experiencia de los hechos y al propio trabajo historiográfico. Leia Mais
La transaction sociale. Un outil pour penser et dénouer la complexité de la vie en société | Jean Remy
El nombre de Jean Remy nos remite a una escuela de pensamiento social que nace en un contexto conflictual cuando la Universidad de Lovaina (Leuven), Bélgica, se divide en 1968, evidenciando las diferencias políticas y culturales existentes entre los flamencos y los valones. De esta manera la vieja universidad de Leuven siguió siendo fiel a su tradición lingüística flamenca, y los valones francófonos decidieron dar pie a la fundación de una nueva universidad acompañada de un proyecto urbanístico de ciudad universitaria dando origen a la Universidad Católica de Louvain-La-Neuve en 1972 (Laconte y Remy, 2020). Es en este contexto donde debemos fijar un primer episodio en la génesis de la transacción social. Un concepto que, en palabras del autor, se inspiró en sus trabajos sobre sociología del espacio y sociología de la religión. Fueron estos dos campos de investigación los que dieron las bases para la formulación teórica y metodológica de la noción de transacción social. Jean Remy falleció el pasado mes de octubre, 2019, días antes de tener la oportunidad de observar el inicio del estallido social en Chile, un país al que conoció muy bien gracias a la cantidad de estudiantes, investigadores(as) y académicos(as) chilenos(as) que formó en programas de licencia, magíster y doctorado en Louvain-la-Neuve como profesor de sociología y antropología.
Este libro está conformado por quince capítulos divididos en una primera parte introductoria y cuatro secciones que van desde la génesis de la transacción social hasta su aplicación, y su proyección, en diferentes dominios disciplinarios de la sociología, la antropología, el trabajo social y la ciencia política. Un conjunto de escritos diversos y profundos que responden a una comprensión de la sociedad frente a sus desafíos y la manera de enfrentarlos. Leia Mais
História do esporte / História – Questões & Debates / 2020
I
Embora ocorra uma confusão conceitual relacionada à gênese do esporte – seja no âmbito acadêmico ou leigo – em essência, confundindo práticas ritualísticas de civilizações antigas com as atividades corporais sistematizadas que surgiram, sobretudo, ao longo do século XIX, não há como negar que a ideia de competitividade tem uma origem remota. Provavelmente até mais distante do que os antigos jogos realizados nas diversas pólis gregas (o mais conhecido era, obviamente, aquele realizado em Olimpia) e os combates entre gladiadores (atividade de entretenimento popular pelos recônditos do mundo romano), a competição pode, de forma grosseira, remeter à luta por alimento, inclusive contra outras espécies. Talvez o ímpeto à competição esteja ali, impresso em nosso código genético, relacionado à adrenalina, aquele hormônio produzido pelas glândulas suprarrenais tão propalado por nos preparar para a movimentação intensa e súbita. Ainda no plano especulativo, é uma possibilidade que a descarga hormonal que nos levava a correr de um predador ou atrás de uma presa ou ainda a lutar pela sobrevivência ou por alimento, hoje, desnecessária, leve-nos a uma busca – tremendamente difícil de explicar – por uma espécie de catálise. Buscamos, despropositadamente, a prática física competitiva, mesmo que seja apenas para apreciá-la.
O que conhecemos, no seu formato acabado de hoje, como esporte – mesmo sendo registradas algumas iniciativas pontuais e prematuras no final do século XVIII – surgiu, considerando o seu volume, na segunda metade do século XIX, na Europa recém industrializada. Não se tem como negar que o processo de industrialização levou ao surgimento de grandes metrópoles que, por sua vez, foram ponto fulcral para que aquelas práticas físicas se desenvolvessem. Porém, atualmente, existem outros aspectos que são considerados pelos estudiosos dos esportes e práticas corporais, como fundamentais para que estes se transformassem em uma exibição de vigor físico, destreza e estética corporal de considerável impacto na sociedade contemporânea. O primeiro e mais evidente – e que, por incrível que possa parecer, passou desapercebido do meio acadêmico por um bom tempo – foi o avanço da tecnologia agrícola, o que permitiu que, ao menos a uma parcela considerável do mundo dito civilizado, houvesse um aumento do consumo alimentar. Não é de se estranhar, então, que durante a Idade Média, na Europa, fosse observada uma carência de atividades físicas (ao menos, as lúdicas sem propósito) tendo em conta que o consumo calórico médio era algo em torno de 1.500 calorias. Sabe-se hoje que consumo energético semelhante, perdurado por um tempo relativamente longo, leva à subnutrição. Logo, um indivíduo que mal tinha força para a labuta diária, não apresentaria, consequentemente, vontade de se exercitar além do necessário. O segundo aspecto foi o significado social que o tempo livre obteve na modernidade. Ter tempo disponível, seja para viajar com fins turísticos, praticar esportes ou exercícios físicos regularmente ou até mesmo para, simplesmente, “flanar” pelas cidades sem ter necessidade de um horário definido para o retorno, passou a ser um símbolo de status social. O golfe e o tênis, por exemplo, estão historicamente entre as modalidades mais elitistas e uma condição elementar para isso é que não existe uma definição precisa de tempo para duração de uma disputa. Uma partida pode durar quatro ou cinco horas e os competidores sabem desta possibilidade desde o início, sendo assim, são donos do seu próprio tempo. Não necessitam se preocupar em ter que interromper a prática no meio devido aos compromissos laborais típicos do dia a dia. Ao contrário, modalidades que caíram rapidamente no gosto popular – como o futebol americano, rúgbi, futsal e basquete – apresentam um tempo previamente definido, embora, para manter o senso de justiça, o cronômetro seja paralisado em momentos previstos nas regras. O futebol de campo foi mais longe: o tempo nunca para, então o praticante e / ou apreciador pode saber com a precisão variável de alguns poucos minutos (os acréscimos) o horário de início e encerramento da disputa.
O esporte, aquele surgido no novecentos, atualmente, galgou tamanha popularidade a ponto de ser considerado um fenômeno social. No início, tinha um interesse apenas restrito, o dos jovens (homens) praticantes em busca de um corpo estético renascentista, de sociabilidade e – com algumas exceções – de um símbolo de distinção social. Mas não foi necessário mais do que alguns anos para que passasse a angariar também apreciadores com outros perfis. É possível que este público interessado, os “simpáticos aos esportes”, reles apreciadores chamados de “a assistência”, fosse formado por minorias excluídas do processo: mulheres, idosos, deficientes, inábeis ao esforço físico, enfim. Só que a presença de interessados / curiosos, além dos próprios esportistas, nos locais de realização das práticas fez com que estas se transformassem em eventos sociais. Consequentemente, despertando também a atenção da mídia (ainda circunscrita aos diários e revistas). Quando a presença do público se avolumou, ganhou também outro significado: o de parte ativa do espetáculo esportivo. A “assistência” virou torcida.
Não é estranho, assim, que aqueles grupos minoritários, vetados na sociogênese da prática esportiva, gradativamente (e não na velocidade que gostaríamos), fossem incluídos e ganhassem o seu devido espaço. Além do crescimento do esporte de mulheres, também é sensível o crescimento do esporte para deficientes, sobretudo, nas últimas décadas. Hoje o esporte – com um pouco de otimismo – tem a capacidade de comportar a diversidade com dignidade e respeito. Embora existam inevitáveis aspectos biológicos que impliquem em subdivisões por sexo, peso, idade e até nível de rendimento – obviamente, variando de acordo com a modalidade – para assegurar condição de igualdade na disputa. Esta salutar diversidade se manifestou nas temáticas que compõem este dossiê, como será detalhado adiante.
Mas explicar o súbito e contínuo crescimento da popularidade do esporte talvez seja uma tarefa tão árdua quanto descobrir os motivos da queda de Roma. Dentre os principais aspectos que podemos, por enquanto, somente especular, constam: 1- o sentimento de pertencimento a um grupo, condição que, como explica a Psicologia Social, traz segurança; 2- a adequação ao discurso médico-científico, o qual considera o esporte um suposto meio à saúde (é fato que hoje o esporte de rendimento se afasta cada vez mais desta máxima); 3- a percepção generalizada de que o esporte segue (mesmo com vários desvios) princípios humanistas e civilizados; 4- estar, desde o início, coadunado a um dos valores mais marcantes nas sociedades contemporâneas, o de família.
É fato que tais aspectos, juntos a outros secundários, alçou o esporte a mais marcante atividade de entretenimento global. Seria inevitável que uma das consequências paralelas ao seu desenvolvimento e popularização fosse a sua expansão econômica e hoje podemos crer em uma quase inesgotável indústria de consumo do esporte. Além do consumo direto dos espectadores / torcedores, seja comprando ingressos e assistindo in loco ou pela TV e pelas emergentes plataformas digitais, existe um interesse cada vez maior por bens de consumo derivados: vestuário com alto recurso tecnológico; bebidas, alimentos e suplementos que aumentam o rendimento; equipamentos específicos a cada modalidade; o turismo com fins esportivos (tanto para assisti-los quanto para praticá-los); produtos ligados aos cuidados com o corpo (cremes, desodorantes, etc.); mídias diversas (revistas especializadas, programas de debates televisivos, lives em plataformas digitais); enfim tudo isto é avidamente consumido.
II
É certo que nem o mais bem informado cientista do mundo poderia antecipar, no findar de 2019, que teríamos, já no início de 2020, uma pandemia de impacto global. Tampouco que tal pandemia – entre consequências muito mais graves, como a morte de centenas de milhares de pessoas – poderia resultar no adiamento por um ano dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Nós, então, não poderíamos continuar a apresentação deste dossiê se não com adjetivos como inacreditável, terrível, lamentável e pesaroso.
Quando propusemos às editoras da Revista História, Questões e Debates a temática história dos esportes para um dossiê temático, a ideia era exatamente aproveitar a aproximação dos XX Jogos Olímpicos, aqueles que seriam realizados em agosto. A ideia foi bem aceita, a chamada do dossiê foi lançada e, mesmo sem a realização do principal evento esportivo do mundo, a recepção da proposta por parte de nossos pares foi amplamente aceita. Recebemos quase três dezenas de artigos sobre o tema, dos quais, preservando as normativas da própria revista, foram selecionados os onze que compõem o dossiê.
A nossa preocupação como organizadores foi, primeiramente, preservar a multiplicidade temática. Sabíamos que, ainda mais no Brasil, existe uma predominância do futebol como modalidade de maior popularidade e tal condição não poderia deixar de se refletir no meio acadêmico. Com o agravante de que a própria Revista História, Questões e Debates já havia publicado anteriormente um dossiê acerca do tema – Futebol, Sentimento e Política (2012), organizado por Luiz Carlos Ribeiro. Para o nosso alento – embora, inevitavelmente, o futebol tenha sido a temática central de maior predominância dentre as submissões – recebemos propostas ecléticas o que assegurou que o dossiê se concretizasse, efetivamente, como de história do esporte.
Abrimos o dossiê com o artigo mais panorâmico, mas no sentido mais rico que o termo possa significar. Com maturidade acadêmica e requinte intelectual, JeanFrançois Loudcher em Processo civilizador e transformações sociais: uma análise das teorias elisianas em relação às Ciências Sociais do Esporte, revisa as possibilidades de uso da teoria de Norbert Elias nos estudos acerca dos esportes. Loudcher não idealiza Elias, respeita-o como intelectual que formulou um modelo histórico / interpretativo das sociedades (principalmente as ocidentais), mas não nega suas limitações e fragilidades.
Prova da amplitude das temáticas presentes são os artigos sobre os esportes ditos californianos. Dropando sobre as pranchas: os impactos das transformações conceituais das práticas do surfe e do skate refletidos no anúncio do Comitê Olímpico Internacional, escrito por Monique de Souza Sant’Anna Fogliatto e José Carlos Marques, trata, evidentemente, da completude da esportivização de tais práticas. Pensar que o surfe e skate carregavam junto a si nos anos 1980 / 90 o ideário “estilo de vida”, cuja principal característica era a aversão às regras (basta lembrarmos do impactante Kids de Larry Clark ou do descolado Caçadores de Emoção de Kathryn Bigelow) e que hoje são modalidades olímpicas altamente regradas é uma mostra do constante movimento adaptativo dos esportes. Reforçando a condição inconteste de que o surfe galgou a condição de esporte, o texto de Pedro Cezar Duarte Guimarães e Rafael Fortes, A transmissão ao vivo de campeonatos de surfe pela internet: padrões televisivos, inovação e questões para a história do esporte, examina o uso (e popularização) da plataforma de transmissão online da World Surfing League, focando o estudo na bateria final do Corona Open J-Bay no ano de 2017.
O surfe é um esporte que exige, além do confronto com os adversários, uma rápida e harmônica relação com a natureza e sua condição inconstante. Mas desafiar a natureza já era uma ideia recorrente desde o surgimento do esporte. A natação – modalidade realizada hoje, sobretudo, no ambiente extremamente controlado das piscinas (com o adendo de que a Maratona Aquática em mar seja uma das provas olímpicas) – nos seus primórdios, era praticada em locais inóspitos. Dois artigos abordam o assunto. O primeiro, de autoria de Daniele Cristina Carqueijeiro de Medeiros, Evelise Amgarten Quitzau e Marcelo Moraes e Silva, A Travessia de São Paulo à Nado (1924-1944) e o processo de esportivização aquática paulistana, detalha como uma prática que nasce imbricada à máxima de desafio à natureza e superação pessoal começa a ganhar contornos esportivos na primeira metade do século XX. Mesmo focados no processo que tornava as exóticas travessias no Rio Tietê algo de maior seriedade, ao analisar os periódicos Correio Paulistano e A Gazeta, os autores conseguiram com maestria mostrar também a presença na época de um ideal estético, por eles chamado, com propriedade, de “cultura física”. O segundo artigo, Los Diferentes sentidos sobre la ‘naturaleza’ y su relación con la feminidad y la nacionalidade – la prensa y el primer cruce a nado del Río de La Plata, 1923, um estudo de caso feito por Pablo Ariel Scharagrodsky, foca no feito inédito realizado pela atleta Lilian Harrison. A superação do desafio inóspito por Harrison fez com que esta se tornasse um símbolo de mulher argentina moderna – aquela que poderia superar adversidades originárias da masculinização da natureza – como os jornais nacionais argentinos faziam questão de enfatizar.
Ainda na intensa década de 1920, período focal dos dois artigos da natação em rios, em Da celebração à comoção: os discursos da imprensa escrita paulista em relação a uma célebre luta de boxe, Rick Lise, eu (André Capraro) e Fernando Cavichiolli detalhamos um caso emblemático do boxe, a controversa luta entre o brasileiro Benedicto dos Santos e o italiano Ermínio Spalla. Transcendendo a própria prática do esporte, o confronto pugilístico demonstrou a volatilidade dos jornais brasileiros ao tratar de um incidente.
Como prática sociocultural, seria inevitável que o esporte também tivesse uma interface com a literatura. Centenas de obras literárias, cujo tema central é o esporte, são publicadas todos os anos mundo afora. Dentre os gêneros literários que se sobressaem, figuram aqueles de caráter híbrido, como a biografia e a autobiografia. Estes gêneros – ao lado da crônica, do romance histórico e do ensaio de cunho sociológico – são os memorialísticos. Com sofisticação acadêmica, circulando a análise entre os preceitos da Teoria Literária e da História, Elcio Cornelsen, em Memória e futebol no Brasil: escritas da vida de jogadores brasileiros, analisa 18 obras pertencentes a tais gêneros. Pesquisa robusta, com resultados inéditos.
Não faltaram no dossiê dois subtemas clássicos em se tratando de esporte: 1) a presença da mulher no esporte e 2) a proximidade do esporte – diríamos até que em uma relação simbiótica – com a ginástica. No artigo de Alice Beatriz Assmann, Ester Liberato Pereira e Janice Zaperllon Mazo, Personagens na rede: indivíduos, posições sociais e identidades construídas por meio do Turnen no Rio Grande do Sul, as autoras descrevem o surgimento e as nuances de uma prática física tipicamente alemã, amplamente aceita pelas comunidades teutas estabelecidas no Brasil. Focando no caso específico do Rio Grande do Sul e, sobretudo, na atuante figura de Jacob Aloys Friederichs, o texto conclui que, mesmo sendo uma prática que aceitava a competição, o seu caráter era mesmo o de integração e harmonia. Quanto ao avanço das mulheres no cenário esportivo, consequentemente, estabelecendo complexas relações entre gêneros, Ana Flávia Braun Vieira e eu (Miguel A. de Freitas Júnior), em Relações de poder entre os sexos nos Jogos Olímpicos: análise da participação das atletas brasileiras a partir da perspectiva sociológica de Norbert Elias (1920-2020), apresentamos uma reflexão sobre a presença da mulher brasileira no eventomor do esporte; aproximando-se metodologicamente, inclusive, da proposta analítica feita por Loudcher no texto de abertura.
Finalizando o dossiê temos como foco os atuais Jogos Olímpicos. Em um ensaio crítico e contundente, A (des)politização dos Jogos Olímpicos modernos, Luiz Carlos Ribeiro nos brinda com uma avaliação conjectural de três momentos emblemáticos do olimpismo: o início sob a égide do amadorismo e fair-play; os anos 1930, com o totalitarismo em ascensão, materializado na emblemática Olimpíada de Berlim (1936); e, por fim, o período no qual se tornou um palco para as tensões da Guerra Fria. O artigo escolhido para o encerramento foi The legacy of a cultural elite: the British Olympic Association, de autoria de Dave Day e Jana Stoklasa. A dupla descreve o desenvolvimento do esporte olímpico britânico, com ênfase na presença e controle exercido por uma elite cultural que tinha com princípio a ética do amadorismo. O texto exacerba a ideia de que, tratando-se de esporte olímpico, há um forte exercício de poder (e controle), na maioria dos casos, externo à própria prática, que idealiza um modelo amadorístico – porém, tal modelo, ao menos no caso britânico, é suscetível ao desempenho atlético.
Complementam esta edição da Revista História, Questões e Debates o artigo de Roberta Barros Meira e Daniel Campi, Uma nova paisagem açucareira: os técnicos versus os modos tradicionais de produzir açúcar na Argentina e no Brasil nas primeiras décadas do século XX, fruto de uma parceria acadêmica entre Brasil e Argentina; e a resenha de Maria Eloisa de Oliveira e Pauline Iglesias Vargas, Reflexões sobre uma das obras de Svetlana Aleksiévich: as memórias das crianças que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial, focadas no livro “As últimas testemunhas: crianças na Segunda Guerra Mundial”. Embora as obras de celebradíssima Nobel de Literatura, Svetlana Aleksiévich, não tenham relação explícita com a temática do dossiê, as resenhistas – também pesquisadoras do esporte – usam-nas como um exemplo para quem trabalha com a oralidade.
III
Durante a pandemia COVID-19 não há como negar que o esporte (de alto rendimento) assumiu a sua condição de protagonista entre as atividades de entretenimento. Prova é que tais práticas competitivas se tornaram foco de um amplo e acalorado debate.
As opiniões oscilavam radicalmente. De um lado aqueles que o viam como apenas mais uma atividade trivial e que, consequentemente, os seus agentes deveriam participar da quarentena como outros quaisquer; de outro, como contraponto, um grupo que o considerava uma forma de entretenimento televisivo fundamental, logo, elemento que poderia até colaborar para que as pessoas permanecessem em casa por mais tempo. Entre as posições extremas acima, outras tantas mais ponderadas apareceram.
Mas o debate não era somente se os treinos e campeonatos deveriam retornar e quando. Já em março o Comitê Olímpico Internacional foi duramente criticado por postergar em exagero o anúncio de cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Também causou polêmica a decisão do Ultimate Fight Championship, maior organizador de eventos de MMA, de recomeçar os combates sem público, só que no auge da pandemia nos Estados Unidos da América. Alguns poucos campeonatos que não foram cancelados também foram motivo de cobertura da imprensa – Cuba, Nicarágua, Bielorrússia, Cingapura, Taiwan, Burundi entre outros países não paralisaram as suas atividades esportivas. Assim como os posicionamentos contundentes de alguns atletas não se sentindo seguros para o retorno nos momentos definidos pelas instituições regulamentadoras (por exemplo, o caso NBA versus Lebron James). Enfim, raras exceções, o esporte, mesmo paralisado, nunca perdeu o protagonismo como a mais popular atividade de lazer / entretenimento.
O esporte é parte do nosso cotidiano. Não só do nosso, mas na verdade, do mundo todo. Nem mesmo os sherpas – pessoas de etnia de origem tibetana outrora desconhecida por viver na região do sopé nepalês do Himalaia – escaparam do impacto da indústria esportiva. Estes intrépidos “homens da montanha” agora são conhecidos mundialmente. Do best-seller No Ar Rarefeito de Jon Krakauer chegando à recente série Everest: o preço da escalada do Discovery Channel, os sherpas foram alçados à condição de heróis. Sua tarefa, em síntese, é viabilizar a estrutura para escalada e (não raro) resgatar atletas (a maioria, amadores) que se dispõem a pagar vultosas quantias às empresas que organizam excursões para a escalada e ataque ao cume do Everest. É fato que uma camada significativa da população global não tem predileção por esportes (seja para praticá-los ou assisti-los), porém, mesmo os avessos não conseguem se desvencilhar de sua presença.
Mas mesmo com toda a sua popularidade e altiva presença no globo, o esporte já parou. Parou em grandes e traumáticos eventos históricos. São os casos dos Jogos Olímpicos de Berlim (1916), cancelados por causa da Primeira Grande Guerra; ou os Jogos Olímpicos de Tóquio (1940) e Londres (1944), além das Copas do Mundo de Futebol de 1942 (provavelmente seria na Alemanha) e 1946 (provavelmente seria na Argentina), todos por causa da Segunda Guerra. Parou também durante o período de pandemia global da Gripe Espanhola, entre os anos de 1918-19. No caso brasileiro, vários campeonatos regionais de futebol foram cancelados e, para comoção geral, nem mesmo jovens atletas com elevada condição de saúde escaparam da impactante estimativa de 40 mil mortos pela Espanhola, apenas no Brasil. O esporte não parou, mas deveria parar em outras situações. É o caso, por exemplo, dos Jogos Olímpicos de Munique, quando um atentado terrorista promovido pela Organização Setembro Negro ceifou brutalmente a vida de atletas e treinadores da delegação de Israel. O esporte parou também no trágico acidente aéreo com o voo fretado pela Associação Chapecoense de Futebol em 2016. O impacto do acidente causou um luto nacional, mas foi deveras reconfortante a homenagem prestada pelos torcedores do Atlético de Nacional de Medellín – gesto que, sem dúvida, fez-nos lembrar o quanto o esporte nos une, mesmo na intensa dor. Nós, proponentes deste dossiê, não temos dúvida: parou e deveria parar por causa da pandemia COVID-19, mas irá se erguer novamente. “O show não pode parar!”
Não poderíamos deixar de agradecer as pessoas que colaboraram conosco na realização deste dossiê. Marcelo Moraes e Silva comprou a ideia e participou de forma tão ativa quanto nós da empreitada. Luiz Carlos Ribeiro, nosso eterno orientador, estimulou que tentássemos e confiou no nosso trabalho. Renata Senna Garraffoni era a editora da Revista História, Questões e Debates quando propusemos o dossiê e foi muito atenciosa com a transição. Mas o nosso maior agradecimento é a Priscila Piazentini Vieira, atual editora da Revista, sem a sua orientação, apoio e, sobretudo, paciência (ainda mais em época de pandemia) a concretização deste dossiê não seria possível.
André Mendes Capraro (Universidade Federal do Paraná)
Miguel A. de Freitas Junior (Universidade Estadual de Ponta Grossa)
Os organizadores
CAPRARO, André Mendes; FREITAS JUNIOR, Miguel A. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.68, n.2, jul./dez., 2020. Acessar publicação original [DR]
Trashumante – Revista Americana de Historia Social. n.16, julio/diciembre 2020.
- Ana Díaz Serrano y Gibran Bautista y Lugo
Investigación
Número temático: “América y otros mundos. Itinerarios particulares
y vínculos globales en la Edad Moderna (siglos XVI-XVIII)”
- Mandingueiros negros no mundo atlântico moderno
- De Panamá a Magallanes: pasajes-mundo y secretos…
- Cuatro historias de migración veracruzana…
- Los agentes de santa Rosa de Santa María…
Tema abierto
- La trayectoria política de Toribio Montes…
- Paisaje en tránsito. La capital de Aguascalientes…
- El “común” y su “vana filosofía”. Formación de sistemas…
- Guías de forasteros en la cultura de las formas impresas…
- Wilhelm Vallentin en Argentina (1904-1905)…
Reseñas
Andes – Antropología e Historia. Salta, v.31, n.1, 2020.
Artículos
- Las escrituras femeninas y el desafío de tomar la palabra en el Tucumán cultural de entresiglos
- Marcela Vignoli
- Prácticas, narrativas y temporalidad en Cusi Cusi (Rinconada, Jujuy): una mirada hermenéutica
- José María Vaquer, Facundo Petit de Murat, Martina Di Tullio
- Tambos perdidos, rutas olvidadas: nuevos aportes a partir del estudio del qhapaq ñan en la Quebrada de Humahuaca (Jujuy, Argentina)
- Pablo Adolfo Ochoa
- Hacia una metodología comprensiva de “lo rural”. Lecturas situadas desde el campo de la educación
- Néstor Hugo Romero
- La agencia indigena en contexto. El primer parlamento indigena de los Valles Calchaquíes (Tucumán) 1973
- Sandra Tolosa
- El modelo norteamericano como ideal en pugna: Entre la república cristiana y el reino de la libertad indómita (Buenos Aires, 1855-1860)
- Diego Castelfranco
- La larga duración del paisaje: un acercamiento a la multitemporalidad en La Paya, Valle Calchaquí, Salta
- Marina Sprovieri, Santiago Barbich, Sebastián Cohen
Reseñas
- El peronismo obrero. Consideraciones a partir del devenir político y sindical de los trabajadores de los frigoríficos
- Jacqueline Treccarichi
Saber hacer y decir en justicia. Culturas jurídico-judiciales en la zona centro-sur de Chile (1824-1875) | Victor M. Brangier
No cabe duda que, dentro de las vertientes historiográficas que han estado en boga durante los últimos años, la historia de la justicia aparece como una de las más fructíferas. En efecto, su desarrollo ha permitido construir muchos puentes entre la investigación histórica, el mundo jurídico, y su impacto en la sociedad, problema que ha llevado a la gestación de iniciativas y a la publicación de una serie de trabajos sobre este tema, que dan cuenta del gran potencial que posee esta temática, que en Chile cuenta con un acervo documental importante en lugares como el Archivo Nacional Histórico, que gracias a su gran cantidad de fuentes de carácter judicial le entregan al historiador elementos de análisis y soportes que, a partir de ellos, son necesarios para formular preguntas1.
El presente libro, escrito por Víctor Brangier, corresponde a un nuevo resultado que el desarrollo de este enfoque le ha entregado a la historiografía nacional. A través de estas páginas, el autor expone una amplia investigación, que está sustentada en una serie de juicios criminales provenientes de los fondos de juzgados de letras y del ministerio de justicia, y que tuvieron como escenario al Maule y Colchagua durante el siglo XIX. Desde la imagen del mundo rural que conformó al Chile decimonónico durante las primeras décadas de construcción republicana, Brangier aterriza su estudio, el que a pesar de tener como materia prima los expedientes judiciales, a lo largo del texto le da prioridad a los relatos que desde los casos obtiene, con el propósito de construir, a partir de ellos, las prácticas y valores de quienes eran los protagonistas de los conflictos, como una forma de darnos luces sobre la cultura jurídico-judicial que ellos manejaban. Leia Mais
Estragegias y recursos didácticos para la enseñanza de las Ciencias Sociales – HERNÁNDEZ CARRETERO
HERNÁNDEZ CARRETERO, A. M. (coord.). Estragegias y recursos didácticos para la enseñanza de las Ciencias Sociales. Madrid: Pirámide, 2019. Resenha de: JIMÉNEZ, Miguel Ángel Pallarés. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, v.100, p.84-85, jul./set., 2020.
Hay libros que nacen con el propósito de tender puentes, como es el caso del coordinado por Ana María Hernández Carretero, puesto que su texto aúna la tradición y la innovación para abordar la enseñanza de las ciencias sociales, la geografía, la historia y el patrimonio cultural y artístico. Su objetivo es claro: ser utilizado por futuros docentes –ahora en su faceta de estudiantes universitarios– y por profesionales en activo para facilitarles el desarrollo de estrategias educativas interdisciplinares desde un enfoque transversal, de manera que se favorezcan las competencias propias de la disciplina estimulando el desarrollo de actitudes sociales, democráticas y ciudadanas, de compromiso y actuación crítica. A tal fin, fue diseñada una nueva pasarela casi imperceptible en los temas tratados, de manera que algunas propuestas didácticas se plantean tanto para educación primaria como para secundaria, salvando de forma natural el corte entre estas etapas, lo que no es tan habitual en trabajos de este tipo.
El libro comienza con medios y herramientas que cuentan con un mayor recorrido académico y progresa hacia los que están relacionados con los avances tecnológicos, tan modernos, pero de uso generalizado en nuestra sociedad.
Así, la novela histórica se considera un recurso aplicado a la didáctica de las ciencias sociales puesto que se desarrolla la competencia espacial y temporal, y también la lingüística, de igual modo que se trabaja en educación infantil con el cuento histórico. Sin duda, en la misma línea del citado subgénero literario se halla el cine, de indudable valor didáctico para enseñar historia, identidad y valores; y, por supuesto, la educación artística, para la enseñanza de las ciencias sociales y la educación de la ciudadanía.
Está demostrado que el uso de fuentes históricas –en los diversos ciclos escolares– permite desarrollar habilidades intelectuales propias de la disciplina y facilita la comprensión de conceptos. Aunque es un recurso tradicional de la didáctica de las ciencias sociales, las tecnologías de la información han abierto nuevas posibilidades a la hora de realizar en Internet búsquedas documentales en el aula; y lo mismo sucede con los itinerarios pedagógicos y las salidas escolares, útiles pedagógicos que ya fueron impulsados por la Escuela Nueva, pero que se han visto enriquecidos en su diseño y gestión con las nuevas tecnologías.
El enfoque patrimonial conforma en esta obra un bloque central de tres capítulos, de modo que se considera el patrimonio histórico en la didáctica de la historia, con propuestas de salidas e itinerarios; la educación en valores a través del patrimonio urbano, donde se tratan género, identidad, interculturalidad y desigualdad, y se proponen líneas de actuación; y son definidos los escenarios para una educación patrimonial no formal, en los espacios clave de museos y centros de interpretación.
Otro recurso clásico en el estudio de la geografía –la cartografía– ha avanzado extraordinariamente a partir de las tecnologías de la información geográfica (TIG), lo cual, en el modelo educativo actual, es un elemento motivador que favorece la comprensión y el aprendizaje del espacio geográfico y desarrolla la sensibilización por el patrimonio cultural. Esa cantera de información en línea nos permite, en su variante estadística, manejar los indicadores en sus variables demográficas, sociales y económicas con objeto de estudiar cuestiones relacionadas con la geografía humana. La inclusión de tecnologías digitales en entornos de enseñanza-aprendizaje, independientemente de la etapa educativa en la que se desarrollen estos procesos, se concibe como un proceso incuestionable e inexcusable, dado que la revolución tecnológica ha provocado que la educación se vea inmersa en una fase de constante transformación y adecuación a la realidad social imperante; por ello, se entiende que el videojuego y las TIC son herramientas adecuadas para aplicar en el aula.
En definitiva, en esta obra se han recogido recursos tradicionales en el proceso de aprendizaje de las ciencias sociales, adaptándolos al aula y complementándolos con otros más innovadores a partir de las posibilidades que ofrecen las TIC; con estas herramientas y las estrategias metodológicas adecuadas, se busca alcanzar aprendizajes constructivos sólidos en dicha disciplina.
Miguel Ángel Pallarés Jiménez – E-mail: miguelap@unizar.es
[IF]
Sur y Tiempo. Valparaíso, v.1, n.2, julio/diciembre, 2020
Editorial
Artículos
- La prensa política de mujeres en el Cono Sur 1900-1950
- Cultura en Transición, música en Continuación (1989-2005)
- La despolitización mediática de la subjetividad mapuche
- ¿El país de los cuatro primeros? El problema del pragmatismo y los factores materiales en los estudios sobre la relación Chile-China
- Presencia de la Universidad de Chile en Valparaíso promediando el siglo XX (1940-1960). Antecedentes de la Universidad de Valparaíso
- El historiador del ludismo, Edward P. Thompson, y la “Economía moral de la multitud”
- La formación en economía social y solidaria. Algunos retos y desafíos pedagógicos y políticos vistos desde Francia
Reseñas
- Víctor M. Brangier, Saber hacer y decir en justicia. Culturas jurídico-judiciales en la zona centro-sur de Chile (1824-1875). Rosario, Prohistoria ediciones, 2019.
- El ABC de una paz olvidada. Tiempo de mediación en Canadá, 1914, de Michael Small (Huitzils, Ontario, 2019, 179 pp.).
- La Guerra Civil Española: estudios y reflexiones desde Chile, de Juan Luis Carrellán Ruiz (ed.) (Santiago, Centro de Estudios Bicentenario, 2017, 178 pp.)
- La transaction sociale. Un outil pour penser et dénouer la complexité de la vie en société , de Jean Remy (Éditions Érès, Toulouse, 2020, 495 pp.)
Topos e Tropos: as construções dos espaços nas narrativas literárias / Revista Espacialidades / 2020
Topos & Tropos: as construções dos espaços nas narrativas literárias é o dossiê temático que visa reunir artigos de pesquisas científicas que investigam os liames e distanciamentos entre os discursos literários e as narrativas históricas. A linguagem, por meio dos tropos – figura de linguagem – é o instrumento mais emblemático da alquimia humana, capaz de transmutar o imaterial em concreto e também sublimar todas as palavras que buscam a certeza de sua definição. O instrumento da linguagem, presente em obras literárias, permite verificar experiências de novas espacialidades, através das sensações cognitivas e das sensibilidades afetivas.
Os artigos selecionados para este dossiê analisam os espaços discursivos da linguagem moldando a historicidade do enredo. Por meio das narrativas cosmológicas e espirituais, da interioridade do sertão, do crescimento urbanístico, das relações de dominação política, étnicas, de gênero e da casa que para Gaston Bachelard em sua obra A Poética do Espaço é o nosso ponto arquimédico diante do mundo. Já o enredo literário, por meio do tropo linguístico, pode ser associado ao estilo de produção historiográfica.
Essa abordagem é, entre outras, resultado da investigação presente no quadro proposto por Hayden White ao analisar os tropos narrativos na meta-história, demonstrando uma relação entre as escolhas estéticas dos enunciados discursivos dos historiadores com suas perspectivas políticas. Por exemplo, a utilização do recurso estilístico da metáfora escrito em enredos historiográficos, correlaciona-se com as convicções políticas e epistemológicas que refletem o entendimento dos historiadores sobre o que é a História.
Todo historiador é um escritor e tal como o crítico literário Peter Turchi abordou em seu livro Maps of the Imagintation, todo escritor é um cartógrafo, pois se utiliza do conhecimento geográfico preexistente que, somado ao imaginário, constrói o espaço do enredo literário. Portanto, o historiador tem a sensibilidade e capacidade para investigar e ressignificar os acontecimentos de outrora estabelecendo relações entre o espaço, topos, e as figuras de linguagens, tropos presentes nos enredos das fontes consultadas: romances, contos, novelas, poemas, crônicas, cartas e diários.
Abrindo o dossiê temático temos o artigo de Larissa Cristhina Giron Ferreira, mestranda em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), intitulado Letras que subvertem: expressões da religiosidade feminina na Europa do século XVI, que descreve as experiências femininas durante momentos das Reformas Religiosas, no século XVI. Analisando as trajetórias de Jeanne de Jussie e Marie Dentière, uma freira e uma adepta do protestantismo calvinista, respectivamente. Neste trabalho são levados em consideração os artifícios que essas personagens utilizaram para refletir sobre o seu meio, sobretudo, a leitura, a escrita e as relações de gênero. Todos estes pontos estão inseridos em uma temporalidade da Europa francófona no século XVI, local que sofreu os impactos do poder de circulação de ideias viabilizado pela utilização da imprensa.
Paralelamente a esse processo de criação dos espaços por meio da escatologia, tem-se o artigo Catábase permanente na escrita romanesca do memorial de Aires: a tanatografia de um proscrito escrito por Augusto Rodrigues da Silva Junior, professor de Literatura Brasileira, da Universidade de Brasília (UnB) em parceria com Marcos Eustáquio de Paula Neto, mestrando em Literatura pela UnB. Nesse artigo os autores analisam a obra de Machado de Assis, Memorial de Aires (1908), sob a perspectiva da mundividência cínica expressa no diário do diplomata narrador. A catábase, narrativa mítica sobre a ida ao submundo, permite a composição do manuscrito enquanto proscrito e anotador da atualidade viva. A escrita do conselheiro é elaborada como um romance-diário, por intermédio da crítica tanatográfica, escrita sobre os falecidos, quando se realiza uma interpretação crítica do insulamento como estratégia de criação da narrativa que se revela cínica e irônica.
Contemplando ainda as discussões do dossiê, temos o artigo Dracula and Nineteenth Century Anxieties: reverse-colonization, homosexuality, female sexuality and madness, escrito por Erica Sudário Bodevan, mestra em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora de inglês pelo Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG), Campus Almenara. À luz do conceito de colonialismo reverso proposto por Stephen D. Arata, a autora aborda sobre a moralidade e as relações de gênero e sexualidade no romance Dracula de Bram Stoker (1897) inserido nas circunscrições espaciais da Inglaterra vitoriana. A obscuridade vampiresca seduz suas vítimas fazendo-as serem voluntariamente corrompidas, ato que representa as transgressões aos códigos cristãos estabelecidos pela moralidade vitoriana. Através do personagem estrangeiro do Drácula, natural da Transilvânia, evidencia-se as ansiedades inglesas do século XIX, em particular, os medos dos imigrantes realizarem uma colonização reversa por meio dos costumes e também, a sexualidade feminina, homossexualidade e os distúrbios psicológicos. Portanto, a derrota do vampirismo significa restaurar a ordem social legítima imposta pelo imperialismo da Era Vitoriana.
Em sequência, temos o artigo escrito em coautoria por Bárbara Inês Ribeiro Simões Daibert, doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Tatiane Carvalho de Morais, mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com o texto: Memórias apagadas: o abolicionismo e a voz-liberdade de Maria Firmina dos Reis no século XIX. O artigo analisa as narrativas de Maria Firmina dos Reis que tratavam da representação do preconceito estrutural e delimitações oriundos da escravidão vigente e da dominação patriarcal. Firmina, professora e afrodescendente escreveu ao longo do século XIX, estabelecendo a construção de um espaço social que refletia o racismo e o patriarcalismo dominantes, alterando diretamente a constituição do espaço dentro e fora de sua narrativa.
A partir de outra perspectiva, tomando como eixo central o conceito da topofilia, abordado pela geografia de Yi-Fu Tuan, que descreve sobre como são criadas as sensações de lugares por meio das afeições sentimentais, na qual concebem as paisagens naturais que são ressignificadas a partir de uma identidade regional. Nesse dossiê temos: o sertanejo, nas delimitações do semiárido cearense, tanto em Sobral como em Russas; as margens pernambucanas do Rio Capibaribe e o idílico interior de Guimarães Rosa.
Adiante temos o artigo A construção do espaço e da memória sonora da cidade de Sobral e da seca de 1877-1878 em Luzia-Homem, de Débora Maria Martins Braga, graduada em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Nesse artigo é analisado o processo de construção da memória sonora do período da Grande Seca na cidade de Sobral (CE), entre os anos de 1877 e 1878, a partir do romance naturalista-regionalista de Luzia-Homem de Domingos Olímpio. Essa análise histórico-literário compreende que a memória sonora é tida como um espaço de totalidade de sons que compõem a realidade, carregada de significados multiculturais e identitários compartilhados pelo grupo, neste sentido, encara a cidade como um espaço praticado e dinâmico.
Já sobre o ponto de vista de Russas (CE), será exposto por Ruan Carlos Mendes, doutorando em História Social pela Universidade Federal do Ceará, o artigo O tempo na escrita de um espaço: a cidade de Russas-CE na obra do escritor Airton Maranhão. Mendes pesquisa a obra literária de Airton Maranhão (1950 – 2015) e mostra como o autor constrói a memórias, atribuindo para a escrita a capacidade formuladora de sentidos para o passado e para as espacialidades, uma arte ficcional desejosa “de dar tempo ao espaço”. O autor analisa a concepção de temporalidade e memória na obra do escritor de Russas (CE) e compreende seus usos e acionamentos em uma prática de escrita pela qual visou dotar um espaço – o seu “torrão natal” – de uma inscrição na história.
Sobre a formação da espacialidade do Rio Capibaribe, temos o artigo Literatura e História na obra O cão sem plumas de João Cabral de Melo Neto, de Aurora Cardoso de Quadros, doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Nesse texto a autora analisa as representações narrativas do Rio Capibaribe, realizando sua crítica em uma perspectiva histórica e poética. Como resultado do estudo, pode-se entender a constatação de que a história está na poesia, como a poesia está na história, numa interação cooperativa e complementar.
E no caso da interioridade onírica, tem-se o artigo O Sertão de Guimarães Rosa e suas armadilhas: uma leitura de “-Uai, eu?”, escrito por Glener Ochiussi, doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). O artigo analisa o conto “-Uai, eu?”, publicado por João Guimarães Rosa em 1967. Refletindo por meio da história dos espaços sobre os distanciamentos e as aproximações entre o discurso literário e a narrativa histórica. O artigo aborda a possibilidade de utilizar a literatura como fonte histórica, com fundamento metodológico de A invenção do Nordeste e outras artes, de Durval Albuquerque Júnior (2011), problematizando a temática do espaço e sua respectiva importância para a interpretação de “-Uai, eu?”.
Nesse dossiê, tem-se artigos sobre as literaturas abordando as questões do autoritarismo nas áreas lusófonas: o Regime Militar no Brasil e os efeitos da ditadura salazarista nas ex-colônias lusitanas na África. A literatura também pode narrar sobre os espaços da dor, por meio das relações políticas que estabelecem novas formas de controle e dominação dos espaços. Observa-se a literatura como uma forma de descolonização do conhecimento, por meio da memória identitária e da resistência aos espaços de repressão.
O Brasil não é a Europa do Holocausto: K. – Relato de uma busca e uma nova perspectiva do Brasil durante a ditadura militar, escrito por Thaís Sant’Anna Marcondes, doutoranda em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense (UFF), aborda o livro K. Relato de uma busca de Bernardo Kucinski sobre a consideração da construção espacial do Brasil ditatorial pela narrativa. Observa-se os aspectos do livro que remetem ao universo labiríntico de Kafka, em O processo; a caracterização dos espaços marcados pela repressão; e o olhar crítico de estranhamento de um estrangeiro sobre a ditadura militar no Brasil. Para isso, a autora recorreu a definição de não-lugar desenvolvida por Augé (2009), a fim de pensar de que forma a ficção de Kucinski caracteriza alguns espaços da estrutura repressiva como locais de passagens que não criam identidades, nem relações, mas tensão solitária; locais onde o indivíduo precisa estar sempre provando sua inocência.
Já na perspectiva da literatura africana, segue o artigo A casa como espaço de materialização do processo de luto na poética de José Craveirinha, escrito por Nathália Soares Pinto, mestranda em Literaturas Africanas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), neste artigo a autora investiga o espaço da casa em poemas do livro Maria, do poeta moçambicano José Craveirinha e discute a relação concebida entre homem e espaço por intermédio da composição de um espaço literário que concretiza o luto. Já, sob a perspectiva psicanalítica de Freud, estabelece o espaço da casa como um território em que se materializa o luto após a perda do ser amado.
Ainda nessa abordagem, segue o artigo Homem, Águas, Fronteiras e Palavras: José Eduardo Agualusa e a construção da identidade em trânsito, escrito por Welligton Costa Borges, mestrando em História pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). A investigação busca analisar as possibilidades conferidas pela narrativa literária de um escritor luso-angolano a partir da abordagem de Stuart Hall sobre o “individuo fragmentado”. O objetivo é analisar a identidade do escritor, o angolano José Eduardo Agualusa de ascendência luso-brasileira, enquanto sujeito múltiplo tomando sua experiência de descentramento identitário: territorial e transnacional. Trata-se de perceber como sua obra faz um movimento que é um espelho e sua experiência de ampla circulação pelas nações lusófonos em uma gama extensa de países e línguas.
Por fim, a abordagem da literatura como a criação científica do espaço urbanista moderno, segue o artigo: Guiando os viajantes, ensinando os transeuntes: o porto de Natal no discurso de Manoel Dantas, escrito por Khalil Jobim, mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O autor analisa notícias publicadas no jornal A República para traçar as maneiras de percorrer a cidade de Natal no começo do século XX, a partir das ideias de intelectuais natalenses nesse período, procurando verificar de que maneira o porto de Natal passou a integrar tais itinerários de viagem no espaço citadino, pela visão de Manoel Dantas na obra Natal daqui a cinquenta anos escrita em 1909.
A “Seção Livre” deste Volume traz três artigos com temas que relacionam os conceitos de território, identidade, espaço, lugar e outros, que ajudam a conduzir importantes reflexões sobre temas como: a invisibilidade indígena, o apego emocional aos lugares com base na obra cinematográfica Aquarius (2016) e a construção do imaginário social sobre a criminalidade a partir do discurso médico.
O primeiro destes artigos é intitulado Território e identidade na ‘Terra mãe do Brasil’: a invisibilidade indígena na cidade de Porto Seguro – Bahia, dos autores Sebastião Cerqueira- Neto, doutor em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e professor do Instituto Federal da Bahia (IFBA); Ana C. Pinheiro bolsista PIBIC-EM / IFBA e Ricardo de Almeida Cunha mestre em Ciências e Tecnologias Ambientais pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), que tem como objetivo principal contribuir com a decodificação de uma dicotomia estabelecida entre território e identidade dentro de uma escala local. Uma das justificativas para a produção desta pesquisa leva em conta uma tentativa de invisibilização dos indígenas no território de Porto Seguro, sendo esta uma ação contínua e acentuada pela globalização do turismo de massa.
Em seguida, no texto Espaço, lugar e territorialidade: análises sobre apego emocional ao lugar com o filme Aquarius (2016), dos autores Maria das Graças Alencar Viana, bacharela em Saúde pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), e graduanda em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA); Liz Melo de Sá Barreto graduando em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFBA), e Diego Carvalho Corrêa, mestre em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), se discute por meio do longa-metragem Aquarius (2016) conceitos de espaço, lugar, territorialidade e apego aos lugares, tendo em vista as ações da personagem Clara, frente aos avanços da especulação imobiliária que atingiu a cidade de Recife (PE). Esta análise vê o edifício Aquarius, como um “lugar”, que se constituiu por uma consequência das relações do espaço e de suas percepções sobre ele. O apego evidenciado pela protagonista ao edifício foi a base para a materialização da territorialidade como sentimento de pertencimento e a razão pela qual ela resistiu às persistentes ofensivas da Construtora Bonfim.
Finalizando esta sessão o artigo de Patrick Moraes Sepúlveda, mestrando em História pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), versa Sob a ordem do progresso: A construção do imaginário social soteropolitano sobre a criminalidade a partir do discurso médico com o intuito de avaliar a introdução das teorias antropológicas na cidade do Salvador, em específico, a contribuição do Dr. Nina Rodrigues para a construção do imaginário social entre as décadas finais do século XIX e o início do século XX. Recorte em que se percebem mudanças na estrutura social e a ascensão da classe média, que sob a influência dos vislumbres ideários de progresso alterariam a configuração dos espaços urbanos e consequentemente o cotidiano da população local.
Sobre as últimas produções literárias acerca de espaços e as relações de identidade de gênero e sexualidade, a historiadora pesquisadora do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc-SP, Sabrina da Paixão Brésio, mestra e doutoranda pela Faculdade de Educação da USP, resenhou o romance de Nicole Dennis-Benn: BemVindos ao Paraíso (Here Comes the Sun). Traduzido para o português por Heci Regina Candiani, é o primeiro romance de Nicole Dennis-Benn e retrata sobre o cotidiano afetivo situado em Montego Bay, costa norte da Jamaica, através do olhar pós-colonial de quatro protagonistas negras: Margot (irmã mais velha), Thandi (irmã mais nova), Delores (mãe) e Verdene Moore (amante). A autora, Nicole Dennis-Benn, nasceu na Jamaica e mudou-se para os Estados Unidos aos 17 anos para cursar medicina. Fez mestrado em Saúde Pública, mas deixou sua atuação como pesquisadora na Universidade de Columbia para se dedicar à escrita. Lançou o romance em 2016, publicado pela Editora Morro Branco em 2018. A obra chamou a atenção da crítica especializada vencendo o prêmio Lambda Literary Award.
Finalizando este Volume da Revista Espacialidades na sessão “Entrevista”, recebemos valorosas contribuições do professor doutor Luiz de França Costa Lima Filho. Professor emérito do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ, que atua há mais de 50 anos nas áreas de Teoria da Literatura, Literatura Comparada e Crítica Literária, sendo também bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Nesta entrevista, Costa Lima discorre sobre sua trajetória de pesquisa nessas áreas; discute como a mímesis têm sido trabalhada em suas pesquisas; faz apontamentos sobre dilemas da pesquisa histórica que tem como fonte a Literatura; enquanto crítico literário faz colocações a respeito de como os escritores podem construir espaços que narram a história em suas obras e ainda esboça considerações sobre a presença e impacto da literatura nesse milênio.
O Editor Chefe e a Equipe Editorial da Revista Espacialidades desejam a todos uma excelente leitura!
Andressa Freitas dos Santos (UFRN) – Editora de texto (normatização)
Clara Maria da Silva (UFRN) – Editora Gestora
Douglas André Gonçalves Cavalheiro (UFRN) – Secretário Geral
Edcarlos da Silva Araújo (UFRN) – Secretário de Comunicação e Mídias Sociais
Francisca Rafaela Mirlys da Silva (UFRN) – Editora de texto (normatização)
Giovanni Roberto Protásio Bentes Filho (UFRN) – Editor
Lígio José de Oliveira Maia (UFRN) – Editor Chefe
Matheus Pinheiro da Silva Ramos (UFRN) – Editor
Rannyelle Rocha Teixeira (UFRN) – Editora
Ristephany Kelly da Silva Leite (UFRN) – Editora
Rodrigo de Morais Guerra (UFRN) – Editor
Thiago Venicius de Sousa Costa (UFRN) – Vice Editor Gestor
Tyego Franklim da Silva (UFRN) – Gerenciador do site
Victor André Costa da Silva (UFRN) – Editor
MAIA, Lígio José de Oliveira et al. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.16, n. 02, 2020. Acessar publicação original [DR]
Epistemologia e Escrita da História | Historiae | 2020
O presente dossiê da Revista Historiæ, possui como objetivo apresentar estudos que estão sendo realizados atualmente por pesquisadores e pesquisadoras que abordam, a partir de variados ângulos, questões relacionadas com a Epistemologia e a Escrita da História. Logo, os estudos em Epistemologia e Escrita da História solidificaram-se, a partir segunda metade do século XX, como um dos principais campos de pesquisa da historiografia. Desse modo, em diálogo com a Teoria Literária, a Filosofia Analítica e Hermenêutica, a Antropologia e as Ciências Sociais a indagação epistemológica e, também, sobre a escrita da História atravessou distintas transformações que suscitaram complexos caminhos e perguntas, em uma ampla variação de propostas metodológicas aprofundaram a investigação histórica.
Carlos Prado, no texto Braudel e a pluralidade do tempo: a história entre o estrutural e o factual, aborda como Fernand Braudel responde ao avanço do estruturalismo lévi-straussiano na década de 1950 a partir do tema da longa duração e de uma abordagem plural do tempo, buscando superar a oposição entre o estrutural e o factual. Primeiramente, apresenta o estruturalismo antropológico, ressaltando suas características e considerações diante do pensamento histórico. Num segundo momento, evidencia-se como Braudel se apropria do estruturalismo de Lévi-Strauss ao mesmo tempo em que o nega e apresenta a História como a ciência capaz de permanecer hegemônica entre as Ciências humanas, além de tratar do conceito de longa duração e da pluralidade temporal. Por fim, são traçadas algumas considerações sobre a ampliação da história estrutural, destacando sua diversidade e seus riscos, especialmente, o de produzir uma história imóvel. Leia Mais
Fronteiras, Migrações e Identidades nos mundos pré-modernos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2020
A Ciência da História está interessada em compreender como as sociedades, nas mais distintas temporalidades, produziram para si e para os outros, diferentes formas de orientação e sentido no tempo, tanto para ações individuais quanto para as coletivas. Trabalhando com os indícios documentais e diversas historiografias disponíveis, o historiador consegue propor análises e reflexões que objetivam compreender, entre tantas possibilidades, os mecanismos de identificação, regulamentação social, processos conflituosos ou diplomáticos entre diferentes grupos sociais ou sociedades distintas. Em tempos de interações e conexões entre o local e o global, as ciências humanas tem se dedicado cada vez mais aos estudos das fronteiras, processos migratórios e identidades, de modo a discutir como estes fenômenos relacionam-se com a produção de orientação e sentido no tempo.
O dossiê Fronteiras, Migrações e Identidades nos mundos pré-modernos, proposto pelos professores Dominique Vieira Coelho dos Santos (FURB / Blumenau) e Renato Viana Boy (UFFS / Chapecó), abre espaço para questões dessa natureza, contemplando reflexões interdisciplinares que debatam as complexas relações entre fronteiras, migrações e identidades nos mundos pré-modernos. Reunimos aqui um grupo de seis artigos de pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam ao estudo de temáticas situadas cronologicamente antes do período que chamamos de Modernidade, além de uma entrevista com o professor de História da África da Universidade Federal do Paraná, Otávio Luiz Vieira Pinto.
Dois artigos escolheram abordar a temática das sociedades pré-modernas enfatizando Roma Antiga. O primeiro deles, As trocas de correspondências entre Tibério César e a aristocracia senatorial durante seu afastamento para Capri (26 – 37 d.C.): uma análise dos crimes de traição nos Anais de Tácito, escrito por Rafael da Costa Campos, teve como objetivo expor a importância das trocas de correspondências como fundamental ferramenta política e administrativa do Principado. A análise ficou concentrada no período em que Tibério César se afastou de Roma e residiu na ilha de Capri (26 – 37 d.C.). O afastamento do princeps foi um marco de inflexão política em seu governo, e as trocas de correspondências apresentadas por Tácito em seus Anais expõem o seu impacto sob a aristocracia mediante a intensificação dos casos de acusações e condenações pelo crime de traição (maiestas). O segundo artigo, intitulado Uma República degradada: breve estudo da guerra de Jugurta de Caio Salústio Crispo, de Alice Maria de Souza, por sua vez, analisa a obra Guerra de Jugurta, de Caio Salústio Crispo, escrita durante o Segundo Triunvirato. Considerando os elementos exteriores ao texto em si – tais como contexto, objetivos do autor e gênero – interpreta o referido documento não somente como produto de apropriações do passado, mas, também como produtor de novas representações, servindo como veículo de transmissão e ressignificação da memória. Vemos, então, uma problemática envolvendo História e Memória. É o que faz Erick Carvalho de Mello, mas, agora, abordando a temática do celtismo e da celticidade. Sua reflexão, proposta no artigo O Mito e a cultura de memória Celtas: Uma convergência de imaginários, parte do campo da Memória Social, não da Ciência da História, mas, em um constante diálogo interdisciplinar, aborda o papel das diferentes apropriações do que se entende por “cultura celta” na formação das identidades nacionais de grupos como irlandeses, escoceses e bretões franceses. O autor procurou identificar como o mito do celtismo é construído na História recente e como a partir deste mito uma cultura de memória é formada e nos possibilita ter uma compreensão mais aprofundada sobre os conflitos históricos que esses grupos enfrentam hoje, sem deixar de dialogar com a forma como a temática tem sido tratada quando o foco são as populações prémodernas, se decidirmos denominá-las de “celtas” ou não.
O artigo Multiculturalidade e a Christiana Civilitas na Britannia de Guildas (s. VI), escrito a quatro mãos por Helena Schütz Leite e Renan Frighetto, se propõe a discutir sobre as transformações observadas no século VI na Britannia do século VI não sob o prisma da decadência e destruição do mundo romano no Ocidente europeu, visão muito presente na tradição historiográfica sobre o período. Diferente disso, os autores propõem, através do estudo da obra De Excidio Britanniae, de Gildas, perceber a pluralidade cultural que é possível observar ali, e a busca por uma identificação que aproximasse dos diferentes reinos da Britannia na Antiguidade Tardia.
Outro artigo que também lida com a questão das identidades e historiografia é A fronteira entre cristãos e muçulmanos: uma terra de ninguém?, escrito por Márcio Felipe Almeida. Entretanto, o ponto central das análises do autor está no espaço de fronteira disputado por populações cristãs e islâmicas no século XIII. Vale ressaltar que a fronteira, neste caso, não é uma linha divisória entre dois territórios, como se pode pensar à primeira vista. Diferente disso, neste artigo, Márcio Almeida discute a fronteira como sendo, ela mesma, um território pretendido pelos dois grupos em questão.
O último artigo deste dossiê é aquele que avança mais próximo do fim do período chamado de pré-moderno, intitulado A Colonização Oriental e os Processos de Reformulação Rural em Brandemburgo (séculos XII–XIV). Neste artigo, Álvaro Mendes Ferreira se dedicou a analisar o processo de transformações no espaço rural do Europa oriental, ocorridas no período assinalado, em virtude do processo de consolidação do regime senhorial. Tendo os processos na Marca de Brandemburgo como estudo de caso, o autor busca compreender como os vilórios eslavos se enquadravam neste cenário de transformações.
Por fim, apresentamos ainda uma entrevista com o professor Dr. Otávio Luiz Vieira Pinto, que tem dedicado suas pesquisas ao mundo persa e às trocas culturais entre os grupos da costa Suaíli, na África, e os grupos árabes e iranianos do Oriente Médio, entre os séculos VI e XI. Atualmente, Otávio Vieira Pinto é professor de História da África da Universidade Federal do Paraná, pesquisador do Middle Persian Studies (MPS) e do NEMED (Núcleo de Estudos Mediterrânicos), além de colaborador do projeto internacional Networks and Neighbours.
Além dos textos que compõem o dossiê, este número traz também dois artigos e duas resenhas. O artigo de Darlan Damasceno e Gilmar Arruda, intitulado Religiosidade e Natureza: imigrantes ucranianos e a transformação do meio ambiente (Paraná 1890-1915), aborda como a religiosidade dos imigrantes ucranianos atuou no processo de ressignificação e transformação do meio ambiente entre os anos 1890 e 1915, na região centro-sul do Estado do Paraná. As fontes utilizadas pelos autores, indicam que a religiosidade dos imigrantes foi fundamental no processo de (re)construção da realidade social nas colônias, e para moldar o modo de vida dos indivíduos através de esquemas de percepção inscritos em suas ações.
No texto de Cássila Cavaler Pessoa de Mello, De estrangeiro a cidadão: o processo de naturalização instaurado em 1832 e seus limites, a autora discute o processo de naturalização instaurado no Império do Brasil a partir da Lei de 23 de outubro de 1823. Aponta os motivos que estimularam os estrangeiros a buscarem o título de cidadão brasileiro e expõe os trâmites e as dificuldades enfrentadas por aqueles que optavam por se tornar cidadãos. O texto explora tanto a perspectiva estatal, quanto a dos indivíduos neste percurso.
Na seção resenha, temos dois instigantes textos. Um novo estudo sobre a vida de Marx, uma resenha de Daniel de Souza Lemos, trata da obra Karl Marx: uma biografia dialética, publicada no Brasil em 2019, de autoria de Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea e coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia do Departamento de História, na USP. O texto de Isabel Schapuis Wendling, intitulado Modelando Condutas: uma resenha da obra sobre os poderes nas escolas católicas masculinas no Brasil, resenha a obra Modelando Condutas: educação católica em escolas masculinas de Roseli Boschilia, publicada pelo museu Paranaense em 2018.
Este dossiê e os demais artigos que compõem o número 35 da Fronteiras: Revista Catarinense de História estão fundamentados na proposta de uma história plural, que dispõe de espaço às múltiplas possibilidades de análises históricas de populações, personagens e acontecimentos em tempos recuados, definidos aqui como pré-modernos até a atualidade mais recente, focos dos textos que se enquadram fora do nosso dossiê. Afinal, se a História é a Ciência dos seres humanos no tempo e quem faz História é como o ogro da lenda, que, ao farejar carne humana, vê ali sua caça, para lembrarmos uma célebre reflexão do medievalista francês March Bloch, não é possível nos contentarmos com qualquer narrativa supostamente historiográfica que deixe de contemplar estas outras dinâmicas espaço-temporais tão importantes para compreendermos nossa própria historicidade.
Desejamos uma proveitosa leitura!
Dominique Vieira Coelho dos Santos (FURB)
Renato Viana Boy (UFFS)
Organizadores do Dossiê
Samira Peruchi Moretto (UFFS) Editora
SANTOS, Dominique Vieira Coelho dos; BOY, Renato Viana; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.35, 2020. Acessar publicação original [DR]
História & visualidades | ArtCultura | 2020
Mesmo com o todavia
Com todo dia
Com todo ia Todo não ia […]
A gente vai levando
A gente vai levando essa chama
“Vai levando”
Chico Buarque e Caetano Veloso1
Com a edição n. 41, eis, uma vez mais, a roda da ArtCultura a girar. Com ela soa o sinal de partida para mais algumas expedições ao mundo da História. Atentos ao nosso toque de reunir, 15 colaboradores de 12 instituições do Brasil, França, México e Portugal responderam presente. Abaixo do Equador, em particular, registramos a contribuição de pesquisadores do Distrito Federal e dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Sergipe, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Leia Mais
Clio – Revista de Pesquisa Histórica. Recife, v. 38, n. 2, jul./dez. 2020
Dossiê: Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia – Parte 1
Apresentação
- Apresentação | Cristiano Luís Christillino, Maria Sarita Cristina Mota, Suzana Cavani Rosas | PDF | 1-6
Dossiê
- Esquecidos, desclassificados e sem razão de ser? Revisitando a historiografia para localizar o pobre no mundo rural | Júlia Leite Gregory | PDF | 7-24
- A política de mão de obra no império brasileiro: da conturbada unificação à precarização do trabalho livre | Leandro Neves Diniz | PDF | 25-52
- Ópio e açúcar: o capitalismo e suas drogas na super exploração dos trabalhadores rurais (Índia e Brasil, séculos XVIII-XIX) | Christine Dabat | PDF | 53-88
- Projetos de desenvolvimento para o Brasil: imigração, colonização e políticas públicas | Marcos Antônio Witt | PDF | 89-114
- O funcionamento da diretoria de agricultura e as solicitações de adiamento de prazo para medição entre 1873 e 1889 | Pedro Parga Rodrigues | PDF | 115-135
- “O tempo da província”: revisão bibliográfica crítica da política imperial no Brasil oitocentista | Kelly Eleutério Machado Oliveira | PDF | 136-161
- Rupturas e Continuidades na Assembleia Constituinte de 1823: a autoridade do monarca e o lugar do poder local | Glauber Miranda Florindo | PDF | 162-182
- As Câmaras e o Povo: a crise antilusitana de 1831 no interior da província da Bahia | Sérgio Armando Diniz Guerra Filho | PDF | 183-204
- O visconde da Parnaíba e a construção da ordem imperial na província do Piauí | Pedro Vilarinho Castelo Branco | PDF | 205-230
- Negócios de família: políticos, traficantes de escravizados e empresários pernambucanos no século XIX | Amanda Barlavento Gomes | PDF | 231-250
- Dos campos de batalha à Corte imperial: a relação entre o Visconde de Pelotas e o Marquês do Herval através de suas correspondências (1869-1879) | André Fertig, Guilherme Gründling | PDF | 251-277
- Médicos e engenheiros no Recife oitocentista: Higienismo, Implantação de Projetos Arquitetônicos e de Serviços Urbanos | Carlos Alberto Cunha Miranda | PDF | 278-302
- Homem de cor: as performatividades de um “mulato” frente ao racismo Doutor José Mauricio Nunes Garcia Junior (1808-1884) | Vandelir Camilo | PDF | 303-326
Artigos Livres
- “São os escritos que têm mais força e vida”: cultura escrita, imagens, circulação de saberes e de artistas nos quinhentos | Fernanda Deminicis de Albuquerque | PDF | 327-344
- Juristas em Lilliput: a interpretação da Lei das Contravenções Penais nas suas duas primeiras décadas de vigência (1940-1950) | Érico Teixeira de Loyola | PDF | 345-366
- Tempo e narrativa em Quéreas e Calírroe: helenismo e Império Romano | Igor B. Cardoso | PDF | 367-389
- O dispensário noturno antivenéreo: sífilis e reforma sanitária na Paraíba (1935-1940) | Rafael Nóbrega Araújo | PDF | 390-420
- O significado da transgressão no Grão-Pará do Diretório dos Índios (1757-1798) | Vinícius Zúniga Melo | PDF | 421-442
- Vigararia geral foranea e vigararia de vara: o funcionamento e localização de dois importantes órgãos da justiça eclesiástica na diocese de Pernambuco (1676-1750) | Gustavo Mendonça Santos | PDF | 443-473 | Sobre a Revista | Expediente | Suzana Cavani Rosas | PDF
As múltiplas facetas da alimentação na história / História e Cultura / 2020
Ao falarmos de estudos sobre a alimentação, do que estamos tratando? Ou melhor, do que é possível tratar? O presente dossiê traz algumas respostas. Mas, de antemão, é possível afirmar que a amplitude de espaços, estruturas, roupagens e significados da alimentação é enorme na historiografia dos últimos trinta anos. Vários objetos de interesse, recortes temporais, focos que se cruzam ou superpõem, temas que privilegiam tangencialmente questões do comer ou investigações integralmente dedicadas a ele. Os estudos podem se atentar aos alimentos em si, sua produção, aquisição, circulação, consumo, carência, representações, funções cotidianas, etc.; à nutrição, à dieta, aos modelos e sistemas alimentares, à culinária (a cuisine, a “cozinha” propriamente dita); aos hábitos à mesa, às práticas de comensalidade, aos espaços e equipamentos, contextos e agentes, aos próprios comensais; à fisiologia ou à dimensão cultural do gosto; podem se debruçar também sobre a educação, a segurança e as políticas alimentares, enfim. Essa amplitude, entre outros fatores, tem conferido fôlego aos estudos sobre a alimentação nas Ciências Humanas, evidenciando também a consolidação do caráter multidisciplinar desses estudos, do qual a História não se exime.
Comer conjuga natureza e cultura (MONTANARI, 2008; ROSSI, 2014, p. 29-33). É necessidade biológica evidente, mas os variados níveis de manipulação dos alimentos, assim como a eleição daquilo que se come, a partir de uma série de critérios possíveis, são condicionados por repertórios de práticas e pactos socialmente construídos e partilhados. A dimensão cultural da alimentação é, pois, fundamental. Assim, uma porção de perspectivas e abordagens se faz possível para pensar as estruturas, os costumes e as significações em torno do comer (POULAIN; PROENÇA, 2003, p. 365-386). A produção, o preparo e a utilização dos alimentos são considerados os mais antigos processos econômicos, ligados ao trabalho da terra e às trocas de gêneros essenciais como mercadorias. Foi da atenção dada à cultura material no âmbito da História Econômica que apareceram estudos dedicados aos espaços, equipamentos e utensílios associados à alimentação (BRAUDEL, 2005). Posteriormente, a percepção de que as formas de preparo e de consumo dos alimentos seriam manifestações de sentidos, valores, mentalidades, memórias, identidades, etc., também ampliou o leque de interesses e de questões elencadas a respeito do comer nas sociedades do passado. Atualmente, vê-se a articulação de noções biológicas às análises sociológicas, antropológicas e históricas – ainda que essas noções tenham fundamentações do nosso tempo presente, como as propriedades nutritivas dos alimentos, tornando sua mera projeção a recortes passados um problema metodológico. Vê-se também indagações de cunho filosófico sobre os aspectos e o valor do prazer em comer e beber, as virtudes morais da temperança e do excesso (COVENEY, 2006), a ética da alimentação, que inclui o respeito à vida animal enquanto fonte de alimento, a moralidade das modernas biotecnologias, entre outras questões (WOLFF, 2018).
No Brasil, pode-se afirmar que o “campo”, permitindo-nos assim chamá-lo, encontrase consolidado. Na esteira de esforços e incentivos nacionais por mais de duas décadas, o ano de 2020 assistiu à publicação do monumental História e Alimentação: Brasil, séculos XVI-XXI, livro organizado pelas professoras Leila Mezan Algranti e Sidiana Ferreira de Macêdo, contando com a participação de 33 pesquisadores de universidades de todo o país, autores de 29 textos que compõem uma amostragem robusta do estado da produção historiográfica sobre o tema. Também em 2020, a despeito dos obstáculos impostos pela pandemia de covid-19, o DIAITA – Patrimônio Alimentar da Lusofonia, grupo que une importantes pesquisadores do Brasil e de Portugal, e o Alere – Grupo de Pesquisa da História do Abastecimento e da Alimentação na Amazônia, da Universidade Federal do Pará, realizaram virtualmente seus sétimo e quarto colóquios, respectivamente, fomentando debates e reafirmando a disseminação e a consolidação dos estudos sobre a alimentação no país.
Sendo assim, neste dossiê, preterimos a postura de manifesto incentivo, comum a iniciativas similares em anos anteriores, preferindo tomá-lo também como amostragem e como avanço no que cremos ser uma fase de amadurecimento dessas pesquisas no Brasil: multidisciplinares, que lançam mão de ferramentas e procedimentos variados, interessadas em múltiplos objetos, conduzidas por historiadores de quase todas as regiões, em diferentes níveis de formação. Dada a abrangência da proposta e dos textos em resposta aqui reunidos, optamos por dispô-los cronologicamente, de modo a facilitar a leitores interessados em períodos e recortes específicos a consulta direta ao sumário. Contudo, nesta apresentação, trataremos, como dito, do conjunto de artigos como uma amostragem que reúne temas e perspectivas relevantes, e apontaremos diálogos possíveis entre eles, elucidando algumas das tais variadas facetas da alimentação que dão amplitude e sentido ao dossiê ora apresentado. Os temas e abordagens anunciados, por vezes, confundem-se – como é o caso da memória –, e não são as únicas possibilidades de agrupamento e coesão entre os textos coligidos. O leitor perceberá que alguns artigos são multifocais, e que também tangenciam assuntos comuns, atentos a questões similares, mas empregando abordagens variadas.
Acreditamos que a possibilidade de se pensar diversos temas, em diferentes períodos, tendo como ponto de partida e de diálogo o entendimento da alimentação como campo de construção e de disputa de memórias, assim como de tensões sociais, seja uma das particularidades do campo. Algumas das reflexões aqui reunidas sublinham a ligação fundamental entre alimentação e memória, uma vez que os gostos alimentares são construídos em um processo que envolve a memória afetiva e a memória social, enquanto outras tomam a(s) memória(s) como caminho para tratar de questões sobre o comer. Em Gente, meio e grupo: desvelando o espaço social alimentar de Milho Verde, 1950-1995, Vítor Sousa Dittz desenvolve reflexões sobre o sistema alimentar local a partir de uma abordagem etnográfica. O estudo, realizado com base na observação participante e na condução de entrevistas, tem como foco a memória alimentar dos moradores do bairro rural de Milho Verde, no município de Serro, em Minas Gerais. Dialogando com a concepção de “espaço social alimentar” de Jean-Pierre Poulain, Dittz sublinha as imbricações entre memória, matizes sociais e o acesso a determinados alimentos, como a carne e gêneros alimentícios não produzidos localmente. Ana Paula Benetti Machado e Éder da Silva Silveira, em Sobre sonhos e galinhadas: narrativas sobre comida e memória social, também se valem da memória social para refletir sobre a preservação e / ou o reconhecimento dos patrimônios gastronômicos locais em duas cidades gaúchas, a partir da análise de dois casos: os sonhos de Rio Pardo e a galinhada de Venâncio Aires. A pesquisa deriva de um projeto maior, intitulado Nossa culinária, nosso patrimônio, desenvolvido na disciplina de História da Alimentação: cultura e sociedade, do Curso Superior Tecnológico de Gastronomia da Universidade de Santa Cruz do Sul, e tem entre seus objetivos a produção, por parte dos alunos, de documentação audiovisual sobre patrimônios gastronômicos locais. A partir dessas mídias, produzidas entre 2015 e 2018, os autores refletem sobre a capacidade comunicativa da comida, ou seja, a habilidade de construir e transmitir narrativas, e discutem as contribuições das fontes audiovisuais e da memória social para a história da alimentação. Já Amanda Teixeira da Silva, em Almoçando entre os romeiros de Padre Cícero: memórias do escultor Agostinho Balmes Odísio sobre práticas alimentares no interior do Ceará (1934- 1935), analisa aspectos da alimentação sertaneja e suas representações através do olhar estrangeiro, considerando, além das diferenças culturais, as tensões sociais que enviesaram esse olhar. Tomando as memórias do italiano Agostinho Odísio como meio para tratar da alimentação, o texto inquire o estranhamento por parte do escultor frente ao novo paradigma alimentar com o qual se deparou ao mudar-se para Juazeiro do Norte, um estranhamento em boa parte marcado por anseios de distinguir-se dos demais habitantes daquelas paragens interioranas, que indicia também os parâmetros e valores tidos por Odísio como preferíveis, que são, de certo modo, memoriais.
O comer – o que se come, como se come, com quem se come – nos situa dentro de uma gama específica de lugares sociais e identidades possíveis (GOODY, 1995; MONTANARI, 2009). Isso não significa, entretanto, uma determinação fechada da relação entre comida e identidade: da mesma forma que um alimento pode assumir diversos significados através das formas de preparo e de consumo, as identidades também são repensadas e ressignificadas a partir de sua relação com os saberes e fazeres culinários. Em A invenção da gastronomia “típica alemã” na mídia impressa contemporânea do Vale Dos Sinos, RS, Brasil, Fátima Vitória Canha Blum e Ricardo Willy Rieth analisam a forma como a gastronomia rotulada “típica alemã” foi representada através da imprensa no Vale dos Sinos, entre 2015 e 2016, investigando a produção de sentidos e a ressignificação de identidades por meio da culinária. Atentam-se aos discursos textuais e imagéticos dos jornais para analisar o que se pensa e o que se propaga quanto ao que é tido como “ser alemão” na região sul, pondo em questão algumas noções homogeneizantes. Tomam o jornal como uma forma de “pedagogia cultural”, que ensina e convida à adesão aos modos identitários germânicos, enquanto discorrem também sobre processos de adaptação e hibridismo quanto a esses elementos veiculados como típicos. Partindo também de elementos da cultura alimentar local atrelada a noções identitárias, Marcus Pierre de Carvalho Baptista, Alcebíades Costa Filho e Francisco de Assis de Sousa Nascimento analisam a comida como marcador social no artigo Questões de identidade e distinção social através do consumo de caranguejo, peixe e caju no litoral piauiense na primeira metade do século XX. Lançando mão de jornais, livros de memória, documentos do poder executivo e crônicas de viajantes, os autores evidenciam os processos afetivos que ligam a comida a noções de pertencimento, destacando as tensões sociais e as disputas de poder enredadas na construção de identidades. A trajetória do consumo do caranguejo é particularmente ilustrativa, pois os autores traçam as modificações nos discursos sobre o alimento, do seu consumo entre os povos indígenas no período colonial até a sua associação com ideias de sofisticação e modernidade no início de século XX, veiculadas na imprensa piauiense. As tensões entre identidade e patrimônio também são expostas através da análise da trajetória de consumo da cajuína, que, assim como o caranguejo, teve suas origens ressignificadas de modo a atender a demandas identitárias específicas.
Questões relativas à disponibilidade e ao abastecimento de comida são privilegiadas há tempos pelos estudos sobre a alimentação. As investigações têm transposto questões econômicas por meio de indagações pertinentes a respeito da configuração social dos agentes e das estruturas envolvidas no aprovisionamento de espaços e públicos específicos, extraindo daí, também, respostas de cunho social e cultural. Em Cozinha mineira e abastecimento alimentar nos campos de Vila Rica de Ouro Preto nos séculos XVIII e início do século XIX, Maria do Carmo Pires analisa documentação administrativa variada para tratar do cotidiano da produção e do fornecimento de alimentos na região de Vila Rica de Ouro Preto, nas Minas Gerais, entre os últimos decênios do século XVIII e início do XIX. Atenta aos aspectos de construção do que atualmente é tido como culinária tradicional mineira – vemos novamente o interesse pela tradição e a identidade –, a autora observa as estruturas, os gêneros, os agentes e as regulamentações que permearam o desenvolvimento da rede de provisões que funcionava no entorno da vila, constatando também a longevidade de muitos alimentos da cozinha mineira, hoje considerados típicos na região. Similarmente interessados na organização e na importância das redes de abastecimento, Josenildo Américo Paulino e Bruno Augusto Dornelas Câmara tratam do fornecimento de gêneros de primeira necessidade na cidade do Recife, entre 1825 e 1835, a partir, principalmente, dos anúncios em jornais. No artigo A cidade do Recife e o abastecimento de gêneros de primeira necessidade (1825-1835), os autores contemplam a importância da entrada portuária de víveres como a farinha de mandioca e o charque, além de outros produtos importados, concomitante à vitalidade das roças e sítios circunvizinhos ou no interior da província de Pernambuco, fornecedores de complementação vegetal e láctea, para a subsistência dos recifenses. Um circuito composto, fundamental para a cidade. Everton Luiz Simon e Eliane Cristina Deckmann Fleck, em Territórios e saberes da alimentação: a produção e o consumo de cereais no Rio Grande do Sul oitocentista, debruçam-se sobre os relatos de quatro viajantes, Nicolau Dreys, Auguste de Saint-Hilaire, Carl Seidler e Robert AvéLallemant, que passaram pela província sul-rio-grandense entre os anos de 1817 e 1858. O texto exibe marcado interesse agrícola, sem deixar, todavia, de contemplar os costumes observados em torno dos gêneros tratados pelos autores. Simon e Fleck elencam as descrições das condições propícias do clima e da localização geográfica da província, onde cresceriam bem tanto itens locais quanto aclimatados, dos quais citam trigo, milho, arroz, centeio, cevada, aveia e trigo sarraceno. Entre o histórico dos cultivos e processamentos de cada tipo de grão, sua reputação e simbologia entre os grupos sociais da região, e os entraves de abastecimento em função dos diferentes direcionamentos das forças produtivas, o artigo ainda indica os princípios basilares e as adaptações culinárias dos agrupamentos de imigrantes alemães em torno de alguns desses cereais.
Além da importância das estruturas e redes estáticas e estáveis de aprovisionamento, aguça-se a necessidade do manejo adequado de alimentos em situações instáveis, de crise, como as guerras. O abastecimento de combatentes e civis em períodos e locais comprometidos pelos conflitos, nos quais as carências básicas costumam ser acentuadas, também tem recebido atenção dos estudiosos. Sergio William de Castro Oliveira Filho e Luana Costa Pierre de Messias, em “Se as glórias militares matassem a fome”: a alimentação na marinha imperial brasileira durante a Guerra da Tríplice Aliança, tratam dos meandros do fornecimento de víveres aos combatentes na chamada Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870. A partir de relatórios, cartas, diários, memórias, ofícios e Ordens Gerais produzidos por oficiais engajados na contenda, os autores discorrem sobre os diferentes momentos e entraves do fornecimento de alimento aos marinheiros e soldados das forças brasileiras combatendo nas redes fluviais fronteiriças, sem esquecer das variedades mais comuns e das mais faltantes àqueles homens em campanha. Angela Bernadete Lima, enquanto isso, se preocupa com a parcela civil afetada por outro confronto, e se debruça sobre os espaços urbanos de cultivo de alimentos em Berlim, entre o ocaso e os anos seguintes à Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Lançando mão de documentação governamental, como normativas, portarias, folhetos e até livros de receitas oficiais, associados a jornais e fotografias, a autora destaca como a reorganização desses espaços, grosso modo, jardins e hortas, previamente cultivados e tidos como áreas verdes, de lazer e de provimento, em contraste ao cenário urbano fabril, foram fundamentais para a sobrevivência dos berlinenses durante e depois daquele conflito, graças às iniciativas locais da população e aos incentivos estatais.
Ao lado das redes e estruturas de abastecimento, podemos citar também as ordenações, regimentos, políticas e medidas pensadas e praticadas a fim de normatizar aquilo que se come, a forma como se come, os espaços em que se come, entre outras questões. Em Aspectos da história da alimentação escolar na Primeira República brasileira, Francine Nogueira Lamy Garcia Pinho e Silvia Alicia Martínez tratam dos debates a respeito da alimentação no ambiente escolar, dos esforços da sociedade civil no provimento dessa suplementação aos educandos e do entendimento e da extensão da participação estatal nessas iniciativas, nas primeiras décadas do século XX. Partindo de textos jornalísticos, relatórios governamentais e legislação da época, as autoras iluminam as discussões coetâneas sobre a importância da alimentação escolar, como forma de assistência aos alunos pobres que garantia frequência e permanência nas instituições de ensino, atreladas à concepção – permeada por ideais higienistas – da escola como um dos principais motores de transformação da sociedade, fundamental na superação dos atrasos econômicos, sociais e culturais da então jovem república. Já Vitória Diniz de Souza se debruça sobre a educação de mulheres na Escola Doméstica, instituição ímpar no Brasil, fundada em Natal, no Rio Grande do Norte, em 1914. A Escola, que também publicava sua própria revista, cujos textos são os principais documentos analisados pela autora, operava similarmente sob diretrizes de cunho higienista e mirava a formação de novas sensibilidades em suas educandas, pretendendo, com isso, incentivar a adoção de hábitos alimentares tidos então como apropriados. A autora nota o reforço dos papeis de gênero através da educação feminina e do entendimento do lar e, mais especificamente, da cozinha como o espaço de atuação privilegiado da mulher, a partir do qual, através da instrução doméstica adequada, ela poderia contribuir para o bem estar da sociedade, exercendo seu papel de “dona de casa cidadã”. Em Panelas sem tampas: apontamentos sobre a questão alimentar e a experiência dos africanos no espaço urbano de Luanda (1950-1970), Karina Helena Ramos observa o impacto das transformações da capital angolana e o espaço de ação da população nativa quanto ao que se comia e como se comia. Em um contexto de implementação industrial e de mobilização estatal portuguesa em meio a um impulso regulador e modernizante de suas colônias, políticas alimentares foram pensadas por instituições governamentais a partir de dados captados por centros de pesquisas e comissões, como a Provincial de Nutrição de Angola, em detrimento dos costumes da população. Essa dinâmica é o pano de fundo da análise da autora a respeito da experiência dos angolanos, que recorriam, por tradição, limitação financeira e resistência às políticas portuguesas, aos seus alimentos locais.
Acompanhando a educação e a legislação dos costumes, ordenamentos de outras naturezas também previam diretrizes alimentares – assim como a aplicabilidade dos alimentos a outras esferas do cotidiano. É o que nos mostra Vitória Maria Rodarte em Alimentação e saúde nos mosteiros cistercienses portugueses, ao tratar das prescrições e dos hábitos alimentares dos beneditinos da Ordem de Cister, a partir de livros de regras e usos monásticos, estatutos e ordenamentos que regravam a vida daqueles homens. A autora privilegia o mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, no século XV. Esses espaços de devoção e recolhimento também eram parada de acolhimento e assistência de doentes, onde os alimentos desempenhavam múltiplos papeis, do sustento dos monges à recuperação dos enfermos e à purificação das almas pecadoras, à luz da indissociabilidade da saúde do espírito da do corpo.
Um texto que conjuga várias questões e perspectivas, ilustrando a opacidade dos limites entre temas e abordagens que tratamos até aqui, é Práticas alimentares, hospedagem e peregrinação em duas cantigas de Alfonso X, o sábio, de Guilherme Antunes Junior, dedicado à alimentação dos peregrinos em Castela e Leão, no século XIII. O autor analisa as cantigas e também as iluminuras que as acompanham nos manuscritos, tendo em conta seu contexto de produção, sua dedicatória santa e os parâmetros comuns, na época, àqueles gêneros documentais, possibilitando uma série de reflexões acerca da correspondência entre o escrito e o ilustrado, entre a representação da palavra, da imagem e o tido como real na Península Ibérica baixo-medieval, e as perspectivas religiosas sobre os alimentos e as refeições. Ainda assim, o texto vai além, e tece um quadro em que os espaços e as disponibilidades alimentares na rota a caminho do santuário de Notre-Dame de Rocamadour, juntamente com os utensílios e os costumes à mesa, contemplam o que o autor declara uma “tríplice temática”, que une a peregrinação, a hospedagem e a materialidade das práticas alimentares.
Diante da variedade de temas e abordagens aqui evidenciados, da amplitude temporal e espacial contemplada pelos textos – do século XIII ao XXI, de Castela e Leão a Luanda, passando pelo Piauí, por Minas Gerais e pelo Rio Grande do Sul –, cremos que este dossiê elucide a robustez do campo de estudos sobre a alimentação no Brasil, reunindo também uma amostragem considerável das múltiplas facetas da alimentação na história. Desejamos, assim, uma boa e produtiva leitura!
Referência
ALGRANTI, Leila Mezan; MACÊDO, Sidiana da Consolação Ferreira de (org.). História e Alimentação. Brasil, séculos XVI-XXI. Belém: Paka-Tatu, 2020.
BELASCO, Warren. Food: the key concepts. Oxford-UK; New York City-USA: Berg, 2008.
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. Séculos XV-XVIII. Volume I: As estruturas do cotidiano: o possível e o impossível. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
COVENEY, John. Food, morals and meaning: the pleasure and anxiety of eating. Second edition. London-UK; New York City-USA: Routledge, 2006.
GOODY, Jack. Cocina, cuisine y classe. Barcelona: Gedisa editorial, 1995.
MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008.
_____ (org.). O mundo na cozinha: História, identidade, trocas. São Paulo: Estação Liberdade; Senac, 2009.
POULAIN, Jean-Pierre; PROENÇA, Rossana Pacheco da Costa. Reflexões metodológicas para o estudo das práticas alimentares. Revista de Nutrição, Campinas-SP, vol. 16, n. 4, out. / dez. 2003, p. 365-386.
ROSSI, Paolo. Comer: necessidade, desejo, obsessão. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
WOLFF, Francis. Três utopias contemporâneas. São Paulo: Editora Unesp, 2018.
Elisielly Falasqui da Silva – Professora Mestre (IFCH-Unicamp)
Gabriel Ferreira Gurian – Professor Mestre (FCHS-UNESP Franca)
SILVA, Elisielly Falasqui da; GURIAN, Gabriel Ferreira. Apresentação. História e Cultura. Franca, v.9, n. 2, 2020. Acessar publicação original
Almanaque da COVID-19: 150 dias para não esquecer / Mateus Pereira, Mayra Marques e Valdei Araújo
A pandemia do COVID-19 trouxe impactos profundos em nossa relação com o tempo. Antigos hábitos foram postos em suspensão, alterando o ritmo “normal” de nossa existência cotidiana. Confinados em casa, muitos reclamam do tédio, do tempo que parece não passar. Traçar planos para o futuro próximo tornou-se uma quase impossibilidade. Muitos esperam ansiosamente pelo retorno à “normalidade” da vida, mas, ao mesmo tempo, é evidente que o mundo porvir, embora imprevisível quanto aos seus contornos, será certamente diferente do mundo que habitávamos antes do início da pandemia. Governos e organizações internacionais se vêem diante da necessidade de tomar decisões urgentes e rápidas, mesmo com a grave incerteza que paira no horizonte.
Essa desorganização do tempo é ainda agravada por uma situação que caracteriza o nosso presente, a saber: a produção massiva de informações fragmentadas e que circulam em fluxo contínuo, 24 horas por dia, no qual o valor de verdade de uma notícia tende a ser confundido com o seu valor de novidade ou de atualização. Essa organização atualista[1] da informação dificulta a construção de quadros mais amplos e reflexivos sobre a situação presente, reforçando a sensação de desorientação e insegurança quanto ao nosso presente-futuro. A asfixia causada pela pandemia encontra, assim, um paralelo com o sufocamento causado pela “infodemia”, um fenômeno que os autores interpretam a partir da chave do atualismo. Leia Mais
Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v.4, n.2 jul./dez. 2020.
Editorial
Editorial | PDF
Apresentação
- O ensino de Sociologia frente aos desafios da sociedade do risco | Marcelo Pinheiro Cigales | PDF
Comunicação
- Ensino de Ciências Sociais: espaço de intervenção – ciência, educação, política | Amaury Moraes | PDF
- Relato de Experiênci
- O estágio em Sociologia: engajamento, estética negra e formação docente no Recôncavo da Bahia | Bruno Rodrigues Durães, Daniela Almeida Silva Silveira | PDF
Artigos
- Propostas curriculares para o ensino de Sociologia no Rio de Janeiro: balanço da produção acadêmica | Julia Polessa Maçaira, Alexandre Barbosa Fraga | PDF
- Sociologia do Ensino de Sociologia na educação básica: reflexões de uma discente da 1ª turma do PROFSOCIO UNESP Marília | Ana Beatriz Maia Neves | PDF
- Conteúdos de Sociologia no ensino médio: um estudo sobre livros didáticos e ENEM | Thiago Ingrassia Pereira, Carine Marcon | PDF
- Concepções ideológicas e pedagógicas de estudantes de Licenciatura em Ciências Sociais | Régis Leonardo Gusmão Barcelos, Daniel Gustavo Mocelin | PDF
- O ensino de Sociologia e a BNCC: esboço teórico para pensar os objetivos educacionais e intencionalidades educativas na e para além das competências | Cristiano das Neves Bodart | PDF
Entrevista
Épica II: Ovídio, Lucano e Estácio
Ao detectar a carência de materiais educativos voltados para o estudo das línguas e culturas clássicas na academia brasileira, Paulo Sérgio de Vasconcellos e Matheus Trevizam resolveram coordenar, junto à Editora da Unicamp, uma coleção intitulada Bibliotheca Latina. O intuito é reunir 19 títulos, voltados para diferentes gêneros literários praticados na Antiguidade. Em 2014, Vasconcellos lançou um trabalho sobre poesia épica, no qual estudou as epopeias de Ênio e Virgílio. Trevizam, no mesmo ano, publicou um livro sobre poesia didática (Virgílio, Ovídio e Lucrécio) e outro sobre prosa técnica (Catão, Varrão, Vitrúvio e Columela). No ano de 2016, Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni escreveram sobre historiografia (Salústio, Tito Lívio e Tácito) e Leni Ribeiro Leite tratou da épica pós-virgiliana (Ovídio, Lucano e Estácio). Um texto sobre epigrama (Catulo e Marcial), de Robson Tadeu Cesila, saiu em 2017. Os outros 13 volumes ainda não foram publicados, mas os coordenadores anteciparam os gêneros que serão abordados: Elegia, Lírica, Comédia, Tragédia, Diálogo filosófico, Bucolismo, Romance, Epistolografia, Tratados gramaticais, Sátira, Fábula, Tratados de retórica e Eloquência. A presente resenha, como o título anuncia, tem por objeto o livro Épica II: Ovídio, Lucano e Estácio. Sua autora, Leni Ribeiro Leite, é professora de Língua e Literatura Latina na Universidade Federal do Espírito Santo. Leia Mais
Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2020
A Revista Clio abre este número com a primeira parte do Dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia, que traz artigos voltados às interfaces entre o poder, as culturas políticas e a sociedade, a partir de perspectivas teórico-metodológicas que focalizem as rupturas, as permanências, os antagonismos e as ambivalências historicamente tecidas nas múltiplas formas de relações sociais entre as elites e as camadas populares no Brasil durante o século XIX, nas mais diversas dimensões de envolvimentos do poder e seus reflexos na sociedade e na economia. A inserção da esfera micro na dimensão macro, as atualizações e ressignificações do local e do regional diante das injunções produzidas pela dinâmica do global, como também apreender os processos e as tramas que singularizam as histórias do local e regional, e o espaço de negociação estabelecido pelos seus atores sociais instituídos nacionalmente. As práticas políticas, a cultura do clientelismo, a organização social e econômica, bem como a inserção e participação das famílias livres e pobres em meio ao universo escravista. As relações e articulações políticas, e econômicas, bem como o perfil dos movimentos sociais, entre os diversos atores, são fundamentais para entender a participação e o protagonismo político de diversos grupos de elite e das camadas populares no “longo século XIX”.
Os cinco primeiros artigos tratam do mundo rural no XIX, a partir do debate sobre o trabalho e as políticas de colonização. Abre esse bloco o artigo de Júlia Leite Gregory, Esquecidos, desclassificados e sem razão de ser? Revisitando a historiografia para localizar o pobre no mundo rural, que traz uma importante análise historiográfica sobre o universo das famílias de trabalhadores livres no meio rural nos séculos XVIII e XIX. Gregory focou sua investigação nos trabalhos que discutem as trajetórias e experiências dos lavradores na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, e mostra os avanços da historiografia em torno deste vasto grupo, que numericamente era maior do que o universo de trabalhadores escravos, mas que ainda apresenta várias lacunas em torno de temas importantes para a compreensão de um grupo complexo e heterogêneo, e que ainda constituem um campo “em aberto” às investigações dos historiadores.
Ainda sobre o universo das famílias livres e pobres do mundo rural no oitocentos, temo o segundo artigo de autoria de Leandro Neves Diniz, intitulado A política de mão de obra no Império brasileiro: da conturbada unificação à precarização do trabalho livre, que discute a precarização do trabalho livre na Paraíba após o fim do tráfico internacional de escravos na década de 1850. Diniz parte da análise do impacto das revoltas regenciais sobre o universo do trabalho livre, especialmente nas relações estabelecidas entre os pequenos lavradores e os grandes proprietários. A desarticulação do tráfico internacional tem destaque na análise de Leandro Diniz, que mostra que o fim da alternativa de renovação das senzalas, mesmo que pela obtenção ilegal de escravizados, criou uma série de ameaças aos libertos, além do direcionamento das políticas de estado para a solução da “crise de braços” para a contratação de imigrantes europeus, relegando-se a um segundo plano os lavradores livres e pobres nacionais. Um cenário que contribuiu para a precarização do trabalho livre no Brasil da segunda metade do século XIX.
As dinâmicas do mundo do trabalho e a superexploração de trabalhadores rurais são o tema do terceiro artigo do dossiê, de autoria de Christine Paulette Yves Rufino Dabat, intitulado Ópio e açúcar: o capitalismo e suas drogas na superexploração dos trabalhadores rurais (Índia e Brasil, séculos XVIII-XIX). Dabat realiza uma investigação comparativa entre o Brasil e Índia no “longo século XIX”, permitindo ao leitor uma boa experiência metodológica da história conectada, tão em voga em Portugal na atualidade. Nesse artigo são analisadas as cadeias produtivas do açúcar e do ópio e o impacto desses produtos no universo do trabalho. Esses dois produtos distintos em suas propriedades e efeitos foram utilizados na expansão na expansão industrial e colonial da Grã-Bretanha: o ópio para enfraquecer os trabalhadores chineses frente às imposições coloniais inglesas, o açúcar como fonte de energia para os trabalhadores na indústria.
Ainda em torno do debate sobre a questão da mão de obra e a colonização no Brasil oitocentista, temos em seguida o artigo de Marcos Antônio Witt, intitulado Projetos de desenvolvimento para o Brasil: imigração, colonização e políticas públicas, que analisa os projetos de imigração no Império do Brasil articulados com as mesmas políticas em curso nos países vizinhos, especialmente a Argentina, o Chile e o Uruguai. Witt discute esses projetos de colonização mostrando as suas várias faces: da questão da mão de obra às teses do “branqueamento”. Além disso, Witt inova o debate ao analisar os limites desses projetos no Brasil oitocentista, especialmente no caso da imigração alemã no sul do Brasil. As políticas imperiais em torno da imigração encontraram barreiras de origens diversas, que frearam os projetos do Império em torno da colonização europeia.
No processo de colonização o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas teve, a partir de 1860, um papel central. No quinto artigo dessa coletânea, Pedro Parga em seu trabalho intitulado O funcionamento da Diretoria de Agricultura e as solicitações de adiamento de prazo para medição entre 1873 e 1889, discute as políticas e o papel do órgão na promoção da colonização. Parga discute a atuação desta repartição nas solicitações de adiamento do prazo de medição e demarcação de terras e também na aplicação das leis agrárias oitocentistas. A investigação desses mecanismos permitiu uma análise dos interesses de grupos específicos articulados em tonos do Estado Imperial.
Em seguida temos um bloco de trabalhos voltados à História Política do Brasil Império. No sexto capítulo temos o artigo de Kelly Eleutério Machado Oliveira intitulado O tempo da província”: revisão bibliográfica crítica da política imperial no Brasil oitocentista, no qual analisa a abordagem historiográfica das províncias e das assembleias provinciais no debate sobre a construção do Estado nacional. Oliveira parte da discussão da obra de Francisco Iglésias sobre a Província de Minas Gerais que, para a autora, criou um divisor de águas na historiografia ao privilegiar a esfera da província na investigação. A partir da obra “Política econômica do governo provincial mineiro (1835-1889)” Kelly Oliveira percorre as obras herdeiras do legado de Francisco Iglésias, debatendo as correntes historiográficas formadas a partir das pesquisas em torno das administrações provinciais.
Em seguida temos o sétimo artigo, intitulado Rupturas e Continuidades na Assembleia Constituinte de 1823: a autoridade do monarca e o lugar do poder local, de autoria de Glauber Miranda Florindo, no qual analisa a estruturação do Estado brasileiro a partir da primeira constituinte do Brasil. Florindo parte da discussão da Constituinte de 1823 no que diz respeito ao debate em torno das administrações dos municípios e províncias. O autor mostra os caminhos percorridos em torno das reformulações das esferas municipais e provinciais, e como elas se apresentavam no debate em torno do pretendido equilíbrio dos poderes no arranjo monárquico-constitucional brasileiro. Glauber Miranda Florindo destaca em seu trabalho uma continuidade discursiva e prática, de alguns elementos oriundos do estado português antes da Constituição de 1822, a base da formação do Estado brasileiro. Florindo mostra as continuidades dos elementos basilares da velha ordem colonial na Constituinte do Brasil de 1823.
Sérgio Armando Diniz Guerra Filho, é o autor do nosso oitavo artigo, intitulado As Câmaras e o Povo: a crise antilusitana de 1831 no interior da província da Bahia, no qual analisa os acontecimentos políticos ocorridos no interior da província da Bahia que tiveram como pano de fundo a crise antilusitana de 1831. Guerra Filho centrou a sua análise na atuação das câmaras municipais, especialmente àquelas do recôncavo baiano, região de grande importância econômica e política para a Bahia. O autor trata das tensões e conflitos políticos ocorridos nestas localidades, demonstrando o impacto dos acontecimentos protagonizados pelos de setores populares nas deliberações das câmaras. Ainda discute a atuação política do povo em geral nesse processo, além dos posicionamentos das autoridades frente aos movimentos rebeldes de 1831 na Bahia.
Seguindo no debate sobre a política no Estado Imperial, o nono artigo cognominado O Visconde da Parnaíba e a construção da ordem imperial na Província do Piauí de autoria de Pedro Vilarinho Castelo Branco, no qual analisa a trajetória de Manuel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba, um dos personagens centrais da História do Piauí Oitocentista. Castelo Branco investigou a trajetória de vida do visconde, da sua construção a partir dos seus horizontes de expectativas no final do século XVIII, no Piauí. O autor mostra que, apesar das adversidades e das barreiras iniciais impostas pelos limites das suas redes de relações sociais, Manuel de Sousa Martins teve a oportunidade de utilizar as ferramentas de ascensão social presentes nas sociedades colonial e imperial, para si e sua parentela: poder, honra, prestígio social e patrimônio. Pedro Vilarinho Castelo Branco discute ainda a longevidade do visconde frente ao Governo Provincial do Piauí (1823-1843), mostrando várias faces da história política do Império na trajetória do Visconde da Parnaíba.
Amanda Barlavento Gomes é a autora do décimo artigo do dossiê, cognominado Negócios de família: políticos, traficantes de escravizados e empresários pernambucanos no século XIX. Gomes analisa a trajetória do comerciante pernambucano de grosso trato Francisco Antonio de Oliveira e seu filho Augusto Frederico de Oliveira, negociantes que aturam em diversos ramos do comércio e também no tráfico atlântico de escravizados. A autora mostra que em função da proximidade da Lei Antitráfico de 1831, eles diversificaram as suas atividades a partir de investimentos modernos de capitais e na fundação de empresas, contando com articulações políticas importantes dentro e fora do Império do Brasil. Amanda Barlavento Gomes analisou a atuação política desses personagens, que ocuparam os cargos de vereador e deputado geral, mostrando os mecanismos através dos quais eles defenderam os seus interesses familiares, especialmente a partir de suas redes de relações sociais com políticos e comerciantes, o elemento central para o sucesso financeiro da família.
Encerra esse bloco de trabalhos voltados à História Política o artigo de André Átila Fertig e Guilherme Gründling, intitulado Dos campos de batalha à Corte imperial: a relação entre os militares Visconde de Pelotas e Marquês do Herval através de suas correspondências (1869-1879). Fertig e Gründling abordam a trajetória política dos militares sul-rio-grandenses José Antônio Correa da Câmara (Visconde de Pelotas) e Manoel Luís Osório (Marquês do Herval) na segunda metade do século XIX, especialmente as suas articulações após a Guerra do Paraguai. Os autores investigaram as correspondências trocadas entre eles, tecendo uma interessante análise do fenômeno histórico do ingresso de militares no sistema político nas últimas décadas do Império do Brasil.
O décimo segundo artigo do dossiê é de autoria de Carlos Alberto Cunha Miranda, intitulado Médicos e engenheiros no Recife oitocentista: higienismo, implantação de projetos arquitetônicos e de serviços urbanos. Carlos Miranda analisa alguns aspectos dos saberes médicos na cidade do Recife, na perspectiva de implantação de um urbanismo higiênico no século XIX. Neste trabalho foi mostrado que o alto índice de epidemias e de insalubridade dos lugares públicos passou a preocupar os médicos, engenheiros e autoridades governamentais que, a partir daí, procuraram intervir no espaço urbano, nos novos prédios públicos, nos serviços de abastecimento de água e no saneamento, com o objetivo de modernizar a cidade e diminuir o perigo das epidemias que assolavam a Província de Pernambuco, especialmente a cidade do Recife no século XIX. Miranda discute a influência dos médicos e engenheiros nas construções de novas edificações e na implementação de serviços urbanos.
Encerra o Dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia o artigo de Vandelir Camilo, intitulado Homem de cor: as performatividades de um “mulato” frente ao racismo Doutor José Mauricio Nunes Garcia Junior (1808-1884). Camilo analisa a trajetória de vida de José Mauricio Nunes Gracia Junior, um homem de cor que, apesar das adversidades do racismo no XIX e ciente das suas estratégias de sobrevivência naquele meio, logrou a formação na Academia Médico Cirúrgica em 1831, e ainda alcançou a docência Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e na Academia de Belas Artes. Vandelir Camilo traz uma perspicaz análise de temas como a liberdade e cidadania no Brasil Império a partir deste estudo de caso.
Cristiano Luís Christilino – Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professor adjunto na Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: christillino@hotmail.com ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0002-9683-2885
Suzana Cavani Rosas – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professora associada na Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: suzanacavani@uol.com.br ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0001-5528-0909
Maria Sarita Cristina Mota – Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente é Investigadora Integrada do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia. E-mail: Sarita.Mota@iscte-iul.pt ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0002-1705-3999
CHRISTILINO, Cristiano Luís; ROSAS, Suzana Cavani; MOTA, Maria Sarita Cristina. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.38, n.2, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]
Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo. Jaguarão, v. 1 n. 2, 2020.
Dossiê: I Simpósio de História Antiga e Medieval da UNIPAMPA – Segunda Parte
- O EPISTOLÁRIO DE SIDÔNIO APOLINÁRIO ENTRE PRÁTICAS DE ESCRITA E REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS | Gabriel Reis | 16
- Autocriação e condição humana em Sófocles | Matheus Barros da Silva | 12
- John Rambo como Filoctetes | Presença de um mito grego em Rambo: Programado para Matar (1982) | | Mateus Dagios | 16
- A Representação de Helena de Troia nas Heróides de Públio Ovídio Naso | Letícia Schneider Ferreira | 9
- A cor azul como símbolo de poder | VALDRIANA CORREA | 12
Memória em Rede. Pelotas, v.12, n.23, 2020.
Editorial
- EDITORIAL – “CULTURA MATERIAL, ARQUEOLOGIA E PATRIMÔNIO”
- Rita Juliana Soares Poloni, Pedro Paulo A. Funari
Dossiê
- INTERVIEW WITH CORNELIUS HOLTORF
- Rita Juliana Soares Poloni, Pedro Paulo A. Funari
- PDF (ENGLISH)
- ARQUEOLOGIA, RECUPERAÇÃO DA MEMÓRIA E AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE: O CASO DO BAIRRO DA MOURARIA, LISBOA
- André Teixeira, Íris Fragoso, Leonor Medeiros
- AS PEDRAS DE AFALOICAI: A ARQUEOLOGIA COLONIAL E A AUTORIDADE DE OBJETOS ANCESTRAIS EM TIMOR-LESTE
- Ricardo Roque Roque, Lúcio Sousa Sousa
- RESTORATIVE JUSTICE? QUESTIONS ARISING OUT OF THE HOBBY LOBBY RETURN OF CUNEIFORM TABLETS TO IRAQ
- Neil Brodie
- PDF (ENGLISH)
- BENS INDUSTRIAIS PAULISTAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A VALORAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO DE EDIFÍCIOS INDUSTRIAIS
- Eduardo Romero Oliveira, Taina Maria Silva
- O TRAÇO DO MODERNO NO COMPASSO DA MEMÓRIA: ÍTALO CAMPOFIORITO E A CONSAGRAÇÃO DO PATRIMÔNIO MODERNISTA BRASILEIRO (1986-1997)
- Walkiria Maria de Freitas Martins
- OS ARCOS DO BIXIGA (SÃO PAULO): UM CASO DE INSTRUMENTALIZAÇÃO DE POLÍTICA DE MEMÓRIA
- Diego Vasconcellos Vargas, Martin Jayo
- NARRATIVAS PATRIMONIAIS E A CULTURA MATERIAL: O CASO DA PEDRA FUNDAMENTAL DAS ANTIGAS DOCAS DE D. PEDRO II
- Débora Rios, Maria Amália Silva Alves de Oliveira
- RECEPÇÃO GRECO-ROMANA EM CURITIBA: LITERATURA, PATRIMÔNIO E NOVAS ABORDAGENS DO CENTRO HISTÓRICO
- Renata Senna Garraffoni
- O PAPEL DAS MULHERES ANCESTRAIS NAS PINTURAS RUPESTRES DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA-PI, BRASIL
- Cristiane Buco, Gabriel Oliveira, Michel Justamand, Vitor Almeida, Antoniel Gomes Filho, Vanessa Belarmino
- OS CAÇADORES DA PRÉ-HISTÓRIA NAS PINTURAS RUPESTRES DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA – PIAUÍ, BRASIL
- Michel Justamand, Gabriel Frenchiani de Oliveira, Vitor Almeida, Valdeci Junior, Albérico Queiroz, Vanessa Belarmino, Antoniell Gomes Filho
Artigos
- MEMÓRIAS COMO MEIO DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS HISTÓRICOS
- Cyntia Simioni França
- APLICAÇÃO DO MÉTODO DA VALORAÇÃO CONTINGENTE (MCV): ESTUDO DE CASO DO MURAL “AS PROFISSÕES” DE ALDO LOCATELLI UM PATRIMÔNIO DA UFRGS
- Roberto Limia Fernandes, Judite Sanson Bem, Moisés Waismann
- O MONUMENTO AOS BANDEIRANTES EM GOIÂNIA E O MITO FUNDADOR DA NOVA CAPITAL
- Jordanna Fonseca Silva
- TRANSFORMANDO IMATERIAL EM TANGÍVEL: O CASO DA EXPOSIÇÃO “LUTAS: PATRIMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE”
- Leandro Paiva, Michel Justamand, Canmilla Mousse, Deise Lucy Montardo
Ensaios Visuais
- BUTIAZAIS – PAISAGEM CULTURAL DO RIO GRANDE DO SUL
- Adriana Aparecida Felini
Resenhas
Comunismo y clase obrera hasta los orígenes del peronismo | Hernán Camarero, Diego Ceruso
La publicación de un nuevo libro de la colección La Argentina Peronista reúne, de modo sintético y accesible, las principales tesis desarrolladas por Hernán Camarero y Diego Ceruso durante largos años, referidas a la experiencia histórica de las izquierdas y la clase trabajadora en la primera mitad del siglo XX argentino. Se trata de un trabajo en clave de difusión, centrado en el análisis del proceso de ascenso y ocaso de la influencia del Partido Comunista en la clase trabajadora, cuyo recorte se ubica entre el nacimiento de la organización y los orígenes del peronismo. Leia Mais
Quién es fascista | Emilio Gentile
Emilio Gentile cuenta con una reconocida trayectoria en todo el mundo por sus investigaciones acerca del fascismo. Es profesor emérito de la Universidad de Roma La Sapienza, miembro de la Academia Nacional de los Lincei y además ha sido premiado por la Universidad de Berna, por sus estudios sobre las religiones de la política. Quién es fascista fue publicado originalmente en italiano por Editori Laterza en 2019 bajo el título Chi è fascista. Mediante el formato de entrevista, aborda los usos del término fascista a lo largo de la historia contemporánea, especialmente de Italia, y las polémicas que lo han atravesado. Así, el autor propone aportar una mirada histórica del fenómeno que permita discernir las dificultades de hablar de fascismo en la actualidad política tanto italiana como global. La obra se organiza a través de un prólogo, seis capítulos, epílogo, índice onomástico, bibliografía y una nota del autor. Leia Mais
Un horizonte vertical. Paisaje urbano de Buenos Aires (1910-1936) | Catalina Fara
A principios del siglo XX, la ciudad de Buenos Aires atravesó vertiginosas transformaciones. No resulta casual que, frente a estos avatares, la historia política y cultural le haya prestado particular atención. Estas mutaciones fueron asociadas a la idea de progreso, marcado por un crecimiento urbano que produjo bienestar, pero que no dejó de suscitar vaivenes. Justamente, Catalina Fara, doctora en Historia del Arte (UBA), analiza estos procesos en su obra. Leia Mais
Prensa y política en Iberoamérica (Siglo XIX) | Alejandra Pasino, Fabián Herrero
La presente obra recopila estudios sobre prensa y política rioplatense producidos en el marco del proyecto presentado por la Universidad de Buenos Aires al Programa Universitario de Historia Argentina y Latinoamericana (PUHAL) del Ministerio de Educación y Deportes de la República Argentina. Leia Mais
La cuestión Malvinas en la Argentina del siglo XX. Una historia social y cultural | María Inés Tato, Luis Dalla Fontana
Esta obra, dirigida por Ma. Inés Tato y Luis Dalla Fontana, visibiliza la complejidad de la disputa soberana británico-argentina por las Islas Malvinas, a partir de una perspectiva social y cultural basada en conceptos como “cultura de guerra” -propuesto por S. Audion-Rouzeau y A. Becker- y “movilización”, de J. Horne. Leia Mais
Los radicalismos en la democratización política | Bernardo Carrizo
El libro examina la tensión entre radicalismos —en plural— en la compleja trama temprana de una inacabada y tensionada democratización política en la provincia de Santa Fe. Es producto de un riguroso programa de investigación, de un intenso trabajo sobre diversas fuentes, de una revisión bibliográfica del campo de las ciencias sociales y de la renovación historiográfica. Leia Mais
Educação Histórica. Curitiba, n.21, 2020.
- REVISTA DE EDUCAÇÃO HISTÓRICA – REDUH – LAPEDUH Número 21 / julho – dezembro 2020.
- APRESENTAÇÃO
- HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE NO ENSINO MÉDIO: UMA ABORDAGEM AMBIENTAL SOBRE A PESTE NEGRA EM SALA DE AULA Adonias Alfredo Carvalho 13
- FUTURA REPRESA DO RIO MIRINGUAVA E A HISTÓRIA AMBIENTAL: UM ESTUDO SOBRE O PENSAMENTO HISTÓRICO DOS JOVENS Alecsandro Danelon Vieira 23
- ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS PARA PROFESSORES E PROFESSORAS NO MUNICÍPIO DE CURITIBA Flavia Izabel Keske Cassemiro 36
- DITADURA MILITAR E O ENSINO DE HISTÓRIA: APROXIMAÇÕES ENTRE O CASO BRASILEIRO E O CASO CHILENO João Victor da Silva Pedrozo 47
- EXPLORAÇÃO DO RECURSO MINERAL E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NA HISTÓRIA LOCAL: ESTRATÉGIAS COGNITIVAS DE FORMAÇÃO DE SENTIDO Jucilmara Luiza Loos Vieira 58
- EXPERIÊNCIAS SOBRE USO DA CULTURA POP PARA ENSINAR SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A ALUNOS DE ENSINO MÉDIO DURANTE A PANDEMIA Luca Lima Iacomini; Nathália Santos Pezzi 68
- OS PROCESSOS CULTURAIS E A ATRIBUIÇÃO DE SENTIDO À PRÁXIS PEDAGÓGICA – HÁ POSSIBILIDADES DE TRANSCENDÊNCIA? Thiago de Carvalho Miranda; Maria Auxiliadora M. S. Schmidt 84
- RESENHA
- ASSMANN, A. Espaços da Recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011. Cristina Elena Taborda Ribas; Ana Claudia Urban 104
- REVISTA DE EDUCAÇÃO HISTÓRICA – REDUH – LAPEDUH Número 20 / janeiro – junho 2020.
- APRESENTAÇÃO
- O PLANEJAMENTO DE HISTÓRIA NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE FOZ DO IGUAÇU Carmo Bráz de Oliveira; Tiago Costa Sanches 12
- A LEI 10.639/03: O ENSINO DE HISTÓRIA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA Eloá Lamin da Gama 26
- A PRESENÇA DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA Fabio Ferreira; Maria Auxiliadora M. S. Schmidt 34
- TEATRO E ENSINO DE HISTÓRIA: O USO DE ROTEIRO NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM Maycon D. Bento; Tiago Costa Sanches 47
- BRANQUITUDE E EDUCAÇÃO HISTÓRICA: POSSIBILIDADES PARA A PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Rafaella Baptista Nunes; Ana Claudia Urban 59
- AS DIMENSÕES DA APRENDIZAGEM HISTÓRICA: DA INTERPRETAÇÃO DO PASSADO À APLICAÇÃO NA VIDA PRÁTICA Victor Batista de Souza 73
- ARTIGO DE DEMANDA CONTÍNUA
- TRUMP E A DISTOPIA FEMINISTA: ANÁLISE DO “CONTO DA AIA” COMO PROTESTO NA WOMEN’S MARCH Barbara Fonseca; Gabriella Daphne Pereira Ferreira 85
- RESENHA FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 55ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2017. João Victor da Silva Pedrozo 103
História Questões & Debates. Curitiba, v.68, n.2, jul. 2020.
História do Esporte
Apresentação Dossiê História do Esporte
- André Mendes Capraro, Miguel Archanjo de Freitas Junior
DOSSIÊ: HISTÓRIA DO ESPORTE
- Processo civilizador e transformações sociais: uma análise das teorias elisianas em relação às ciências sociais do esporte
- Jean-François Loudcher
- Dropando sobre as pranchas: os impactos das transformações conceituais das práticas do surfe e do skate refletidos no anúncio do comitê olímpico internacional
- Monique de Souza Sant’Anna Fogliatto, José Carlos Marques
- A transmissão ao vivo de campeonatos de surfe pela internet: padrões televisivos, inovação e questões para a história do esporte
- Pedro Cezar Duarte Guimarães, Rafael Fortes
- A travessia de São Paulo a nado (1924-1944) e o processo de esportivização aquática paulistana
- Daniele Cristina Carqueijeiro de Medeiros, Evelise Amgarten Quitzau, Marcelo Moraes e Silva
- Los diferentes sentidos sobre la ‘naturaleza’ y su relación con la feminidad y la nacionalidad. La prensa y el primer cruce a nado del río de la plata, 1923
- Pablo Ariel Scharagrodsky
- PDF (ESPAÑOL (ESPAÑA))
- Da celebração à comoção: os discursos da imprensa escrita paulista em relação a uma célebre luta de boxe
- Riqueldi Straub Lise, Fernando Renato Cavichiolli, André Mendes Capraro
- Memória e futebol no Brasil: escritas da vida de jogadores brasileiros
- Elcio Loureiro Cornelsen
- Personagens da rede: indivíduos, posições sociais e identidades construídas por meio do Turnen no Rio Grande do Sul
- Alice Beatriz Assmann, Ester Liberato Pereira, Janice Zarpellon Mazo
- As relações de poder nos jogos olímpicos (1920- 2020): uma análise da participação das atletas brasileiras sob a perspectiva teórica de Norbert Elias
- Ana Flávia Braun Vieira, Miguel Archanjo de Freitas Junior
- A (des)politização dos Jogos Olímpicos modernos
- Luiz Carlos Ribeiro
- The legacy of a cultural elite: the British Olympic Association
- Dave Day, Jana Stoklasa
- PDF (ENGLISH)
ARTIGOS
- Uma nova paisagem açucareira: os técnicos versus os modos tradicionais de produzir açúcar na Argentina e no Brasil nas primeiras décadas do século XX
- Roberta Barros Meira, Daniel Campi
RESENHAS
- Reflexões sobre uma das obras de Sveatlana Aleksiévitch: as memórias das crianças que sobreviveram a segunda guerra mundial
- Pauline Iglesias Vargas, Maria Eloisa de Oliveira
Albuquerque – Revista de História. Campo Grande, v. 12 n. 24, 2020.
Dossiê: Cultura e democracia: convergências, conflitos e interesses públicos
Dossiê
- Apresentação – Dossiê Cultura e Democracia convergências, conflitos e interesses públicos | Rosangela Patriota Ramos, Rodrigo de Freitas Costa, Thaís Leão Vieira | 6-11 |
- Narrar vidas, sem pudor e sem pecadoas carnes como espaço de inscrição do texto biográfico ou como uma biografia ganha corpo | Durval Muniz de Albuquerque Junior | 12-23 |
- A questão democrática em tempos de incertezas | Rosangela Patriota Ramos | 24-41 |
- Trabalho, imigrantes e política em “Greve na Fábrica”o maio de 68 para Robert Linhart | Antonio de Pádua Bosi | 42-61 |
- Paulo Freireo método de sensibilização, na educação, para analisar e compreender o contexto atual da Globalização | José Marin | 62-81 |
- | O homem de La Manchaaspectos da utopia no teatro musical brasileiro da década de 1970 | André Luis Bertelli Duarte | 82-96 |
- O teatro de rua e sua expressão políticaos primeiros anos do Grupo Galpão de Belo Horizonte (1982-1990) | Rodrigo de Freitas Costa | 97-108 |
- Autoritarismo e democracia nos filmes “Jânio a 24 Quadros” (1981, de Luís Alberto Pereira) e “Jango” (1984, de Silvio Tendler) | Rodrigo Francisco Dias | 109-125 |
- Democracia e arteas percepções da Lei Rouanet e o financiamento da cultura | Jacqueline Siqueira Vigário, Anna Paula Teixeira Daher | 126-139 |
Artigos
- O Partido Democrático Nacional de 1927 a 1929um estudo dos capitais familiares e políticos dos seus dirigentes | Natália Cristina Granato | 140-158 |
- A gentrificação do Bairro do Recife entre os anos 1980 e 2010 | Tarciso Binoti Simas, Sônia Azevedo Le Cocq Oliveira, Carlos Maviael Carvalho | 159-182 |
- Representações do Trabalho na Velhiceo que nos dizem os idosos de A Dona do Pedaço? | Valmir Moratelli | 183-197 |
- Princípios
- A ideologia da cultura brasileira nas universidadesinterlocuções entre Júlio de Mesquita Filho, Darcy Ribeiro e Paulo Duarte (1939-1978) | Francisco Adriano Leal Macêdo, Fábio Leonardo Castelo Branco Brito | 198-212 |
Entrevistas
- Entrevista com Maria Helena Capelato | Rosangela Patriota Ramos, Rodrigo de Freitas Costa, Thaís Leão Vieira | 213-219 |
Resenhas
- Velhas ideias sob novas roupagensresenha de El pueblo contra la democracia, de Yascha Mounk | Sergio Schargel | 220-224 |
- Rock, mídia e políticahistória numa perspectiva comparada | Edvaldo Correa Sotana | 225-228 |
Pareceristas desta edição | 229 |
Historia local y regional: balances y agenda de una perspectiva historiográfica | María Rosa Carbonari, Gabriel Fernando Carini
Esta obra presenta la convergencia temática del trabajo de investigadores de diferentes unidades académicas a lo largo del país, que se están abocando al análisis de lo local y regional con perspectivas teóricas y metodológicas que discuten con las interpretaciones oficiales y hegemónicas. Ha sido publicada recientemente por la editorial Uni Río de la Universidad Nacional de Río Cuarto (UNRC), en una colección que nació para conmemorar la década de las Jornadas de Divulgación en Historia Local y Regional del departamento de historia de la UNRC, donde los trabajos tuvieron su espacio inicial de difusión y discusión. Leia Mais
Revista de Economia Política e História Econômica. São Paulo, n.44, jul. 2020.
- Revisitando as Hipóteses de Manoel Correia de Andrade: a SUDENE e os Planos Diretores de 1961 a 1973
- Rafael Aubert de Araujo Barros
- Luiz Eduardo Simões de Souza
- O “PIL: Aeroportos” (2012-2016): a breve história da economia política de um programa
- Roberto Mauro da Silva Fernandes
- A Ideologia do Trabalhismo no Brasil no Século XXI
- Cássio Silva Moreira
- Conflito distributivo e inflexão na política econômica brasileira: análise do período 2005-2015
- Luciano Barros
- Uma breve história da ética do trabalho no mundo ocidental
- Alexandre Lyra Martins
- O fim do “laissez-faire”: uma releitura do artigo de Keynes pela perspectiva político-econômica sobre a Economia Liberal
- Anderson Nunes de Carvalho Vieira
- A filosofia utilitarista em economia e alguns de seus críticos
- Glaudionor Gomes Barbosa
- A produção de mais-valia e a valorização do capital na economia da dádiva: o caso dos jogos online
- Vinicius Aleixo Gerbasi
- Agnaldo dos Santos
- O problema da mão de obra chinesa: desafios e estratégias
- Jadenir Mendes Ribeiro
- Marcos Fábio Martins de Oliveira
- Os fundamentos do Império Português: séculos XV, XVI e XVII – ascensão e queda de um projeto estratégico de poder mundial
- João Miguel Villas-Bôas Barcellos
RESENHA: BOTTO, Mercedes I. La integración regional en América Latina: Quo Vadis? El Mercosur desde una perspectiva sectorial y comparada. Buenos Aires; EUDEBA, 2015.
La história como campo de batalla: interpretar las violencias del siglo XX / Enzo Traverso
Enzo Traverso / Foto: Estaeslalibreria /
A violência é um fio condutor viável para se compreender a historização do século XX? E ainda: o “campo de ruínas” em que consiste o século em questão oferece condições para a produção de conhecimento, enquanto fonte para reflexões no âmbito da Teoria da História?
As perguntas com que esta resenha se inicia podem ser respondidas por meio do livro La História como campo de batalla: interpretar las violencias del siglo XX, de Enzo Traverso, publicado originalmente L’histoire comme champ de bataille: interpréter les violences du XXe siècle, em Paris, em 2011, sem ainda tradução para o português. Objeto de investigação de um variado número de historiadores, o século XX se recusa a uma definição final: “A era dos extremos” (HOBSBAWM, 1995), “o tempo das crises” (REIS FILHO; FERREIRA ZENHA, 2000), “o século esquecido” (JUDT, 2010), “o século sombrio” (TEIXEIRA DA SILVA, 2004) são algumas das definições cunhadas pela historiografia recente. Traverso não destoa dessas acepções, definindo-o, sobretudo, como a era da violência, das guerras totais, das revoluções que naufragaram e das utopias que desmoronaram (TRAVERSO, 2012, p. 325).
Enzo Traverso é um historiador italiano – professor de Ciência Política na Universidade Cornell em Nova Iorque – conhecido, principalmente, por trabalhos acerca da primeira metade do século XX e de seus regimes totalitários. O livro objeto desta resenha é uma compilação de artigos de origens distintas que se relacionam por abordarem um mesmo objeto: os debates historiográficos em torno das violências do mundo contemporâneo, tendo como pano de fundo as interpretações globais do século XX como a idade das guerras, dos totalitarismos e dos genocídios. Desse modo, o autor problematiza os fenômenos político-ideológicos que influenciaram o desenrolar do conjunto de experiências que definem o status calamitoso desse século, como as Revoluções de 1789 e 1917, o Holocausto judaico e os movimentos anticolianiais.
O ponto de partida do historiador é o ano 1989, que, em seu critério analítico, não se inscreve na continuidade de uma temporalidade linear; ao contrário, indica um limiar, finaliza uma época para dar início à outra. A queda do muro de Berlim constitui um momentum de uma época de transição que mudou radicalmente a paisagem intelectual e política do mundo, modificando vocabulários e substituindo antigos parâmetros. Assim, conclui que 1989 alterou não apenas a geopolítica europeia, mas a maneira de interpretar e escrever a história do século XX (TRAVERSO, 2012, p. 15).
Entre as alterações mais significativas na operação historiográfica, o autor destaca três: o auge da História Global, o retorno do acontecimento e o surgimento da memória. São esses três momentos que estruturam os oito capítulos do livro. A História Global, ele explica, não é uma história das relações internacionais que analisa a coexistência e os conflitos entre Estados soberanos, mas um campo historiográfico que observa o passado como um conjunto de interações, de intercâmbios materiais e transferências culturais que estruturam as diferentes partes do mundo em um conjunto de redes. O retorno do acontecimento como foco de atenção dos historiadores, por sua vez, é apontado como um epifenômeno do fim da Guerra Fria em contraponto à sua redução a uma “agitación da superficie” levada a efeito pela perspectiva de longa duração. Finalmente, no período pós-Guerra Fria, vê-se a eclosão de uma infinidade de memórias, fruto das experiências pessoais das vítimas dos diferentes conflitos ocorridos ao longo do século, que assumirão um espaço privilegiado nas novas abordagens, tanto como fonte quanto como objeto de investigação histórica.
Estruturalmente, o “campo de batalha”, a que Traverso se refere no título da obra, forma-se no âmbito teórico de, pelo menos, dois modos: por um lado, Traverso evidencia que a verdade histórica está em constante tensão com a realidade; por outro, atesta a emersão de perspectivas conflitantes com as teorias tradicionais de interpretação dos fenômenos do século XX. Por exemplo, o entendimento que define as potências europeias como “centro do mundo” é relativizado, sugerindo reconsiderar o papel dos outros continentes no desenrolar dos eventos que marcaram o século XX.
No entanto, para o autor, escrever, tendo como ponto de partida metodológico a História Global, não significa simplesmente conceder maior importância ao mundo extra europeu em relação com a historiografia tradicional, mas sim mudar de perspectiva, multiplicar e cruzar pontos de observação (TRAVERSO, 2012, p. 17). Embora essa seja a defesa do autor, ele mesmo encontra certa dificuldade de pô-la em prática, visto que a centralidade de sua investigação está circunscrita à Europa, com exceção de algumas poucas passagens em que aborda algum aspecto relativo aos Estados Unidos. Mesmo o cruzamento de pontos de observação, como sugeriu, continua seguindo uma lógica essencialmente europeia, o que se revela, de algum modo problemático, no tratamento de um tema tão global quanto a violência.
No que diz respeito ao que considera outra mudança significativa, defende que o fim da Guerra Fria permite um paralelo entre a mudança geopolítica e o que se esboça ao mesmo tempo na historiografia. Traverso refere-se, nesse momento, à reavaliação do acontecimento na escrita da história. No livro, questiona a perspectiva de continuidade, alertando para a importância de se recuperar as inflexões da história. Para ele, o século XX se revelou como a idade das rupturas repentinas, fulminantes e imprevisíveis. As tendências estruturais criam as premissas de bifurcações, crises, cataclismos históricos (guerras, revoluções, violência em massa), mas não predeterminam seu desenvolvimento ou fim. A turbulência da Europa em 1914, a Revolução Russa, a chegada de Hitler ao poder, o colapso da França em 1940, o colapso do “socialismo real” no outono de 1989 representam rupturas que mudaram o curso do mundo, mas cuja emergência não era inevitável (TRAVERSO, 2012, p. 17).
Esses questionamentos colocados pelo historiador são nítidos nos capítulos dedicados ao nazismo e à comparação dos genocídios, acontecimentos que, de acordo com suas proposições, condensam várias ordens de temporalidade. Se o caráter repentino da Shoah põe em questão os paradigmas da história estrutural; o extermínio nazista, como um ponto culminantemente paroxístico de um conjunto de tendências que remontam ao século XIX, exige uma abordagem fundamentada na análise de longa duração. Isso fez, consoante argumenta o autor, com que os investigadores fossem obrigados a renovar sua reflexão sobre a articulação das temporalidades históricas (TRAVERSO, 2012, p. 18).
Além do que já fora mencionado em relação às suas contribuições à Teoria da História, ou seja, a História Global e o retorno do acontecimento, a violência que atua como fio condutor das experiências históricas do século XX pode levar a historiografia a uma série de outros questionamentos. Entre eles, a implicação subjetiva do historiador, a localidade do discurso, o distanciamento entre o historiador e o objeto, e a intersecção entre história e memória.
No capítulo “Exilio e Violencia”, Traverso defende que uma história do pensamento crítico não pode ignorar a contribuição dos intelectuais exilados, pois eles são “sismógrafos sensibles” dos conflitos que atravessam o planeta (TRAVERSO, 2012, p. 237). Em 2004, já havia proposto algo semelhante sobre a contribuição dos exilados para a História do século XX. Na ocasião, salientou que um dia a história do século XX teria de ser relida por meio do prisma do exílio; do exílio social e político, mas também e, sobretudo, do intelectual (TRAVERSO, 2004, p. 05), tarefa à qual tem também se dedicado.
A posição de estrangeiros, de apátridas ou desarraigados resulta em um observatório privilegiado dos cataclismos que afetam o mundo. A distância, nesse entendimento, modifica as perspectivas, acentua ou neutraliza a empatia e o olhar crítico dos observadores. Em razão disso, o efeito do “estranhamento” pode revelar-se frutífero (TRAVERSO, 2012, p. 238), perspectiva explorada também por Carlo Ginzburg na obra “Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância”, em que propõe uma espécie de “hermenêutica da distância”.
A transformação de perspectiva gerada pela distância afeta a escrita da história, uma vez que modifica a própria concepção de história do autor. Ademais, faz com que ele reconheça a impossibilidade de desassociar a interpretação do passado de uma luta inscrita no presente, a partir da constatação de que “no hay historiador sin principio y sin visión del mundo” (TRAVERSO, 2012, p. 240).
Uma observação semelhante seria feita por Estevão Martins em um ensaio publicado em 2006 em que se dedicou a analisar o século XX. Martins aponta que tem-se no século XX três grandes veios de afirmação da elaboração teórica da história como ciência: 1) a primeira, até o início da década de 1930, que se dedica à legitimação da história diante do paradigma das ciências naturais experimentais; 2) a segunda, que vai da fundação dos Annales em 1929 aos anos 1960, que se imerge na pesquisa empírica, sem se embaraçar de considerações epistemológicas e 3) uma terceira, que nos interessa aqui, desde há cerca de meio século, que articula a fundamentação teórica com a realização prática, independente da filiação doutrinária eventual (MARTINS, 2006, p. 3). O itinerário da legitimação do conhecimento histórico em seu formato científico, defende Martins, é o desafio e a aventura da historiografia do século XX (MARTINS, 2006, p. 2).
Para Traverso, a concepção de história como um exercício puramente científico é questionável, já que a interpretação do passado acontece em relação com a condição social do historiador. Sobre esse tema, analisando a historiografia alemã, italiana e espanhola, o autor conclui que no exílio, por exemplo, “las fronteras entre el erudito y el militante se vuelven porosas” (TRAVERSO, 2012, p. 243). A consequência disso é que a condução da escrita da história como um “dever político” pode obstaculizar uma reconstrução mais profunda, bem como crítica do passado, embora seja capaz de revelar a maneira como as escolhas políticas e as experiências individuais dos historiadores interferem nas suas interpretações.
Por fim, Traverso propõe-se à recorrente e, ainda necessária, reflexão acerca dos pontos de convergência e divergência entre história e memória. A intersecção entre os dois conceitos se dá em razão de que tanto a memória como a escrita da história são modalidades de elaboração do passado. No entanto, não se tratam de conceitos iguais: a memória é um conjunto de recordações individuais e de representações coletivas do passado; enquanto que a história consiste em um discurso crítico do passado, uma reconstrução de acontecimentos passados tendente à exame contextual e à interpretação. As relações entre história e memória se tonaram mais complexas, às vezes difíceis, mas sua distinção nunca foi questionada, e seguem sendo uma conquista metodológica essencial nas ciências sociais (TRAVERSO, 2012, p. 282).
A dificuldade em separar história e memória caracteriza nossa época enquanto encruzilhada de diferentes temporalidades, lugar de olhos cruzados em direção a um “acontecido” vivo e arquivado ao mesmo tempo (TRAVERSO, 2012, p. 284). Além disso, caracteriza o historiador do tempo presente, que ora é testemunha, ora é investigador de um mesmo tempo. A escrita da história do século XX, reflete Traverso, é um exercício de “equilíbrio sobre uma corda suspendida entre estas duas temporalidades”. Por um lado, seus atores adquiriram, por sua qualidade de testemunhas, um status inquestionável de fonte para os investigadores; por outro, estes últimos trabalham sobre uma matéria que interroga constantemente suas vivências pessoais, questionando sua própria posição (TRAVERSO, 2012, p. 284).
Conclui o autor que, no cenário devastado que é o século XX em decorrência de guerras, totalitarismos e genocídios, a vítima passa a assumir a centralidade, dominando a nossa visão da história. Nessa reatualização de fontes, sujeitos e escritores, o passado e o futuro se cruzam, criando-se e reinventando-se se mutuamente. (TRAVERSO, 2012, p. 284).
Cabe-nos lembrar que é nesse mesmo século como defendeu Martins (2006, p. 2) “que se realiza a dupla afirmação do campo da história: 1) como capaz de produzir conhecimento confiável 2) porque dotou-se de um a sustentação teórica sólida”, em que pese o caráter mediado da experiência histórica. E ainda, é nele que vê-se crescer a “abordagem sistemática da historiográfica como objeto de pesquisa”. O século XX, na sua condição de campo de ruinas, provou-nos Traverso, é, sem dúvidas, produtor de conhecimento no âmbito da Teoria da História, e a violência um dos fios condutores possíveis (e recomendável) para compreensão dessa era devastada.
Referências
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Aarão; ZENHA, Celeste (orgs) O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
GINZBURG, Carlo. Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
MARTINS, Estevão de Rezende. História e Teoria na Era dos Extremos. Revista de História e Estudos Culturais, vol III, ano III, n. 2, abril/maio/junho 2006.
TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos (org). O século sombrio. Rio de Janeiro: Campus, 2004.
TONY, Judt. Reflexões sobre um século esquecido 1901-2000. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
TRAVERSO, Enzo. Cosmópolis figuras del exilio judeo-alemán. México: UNAM, 2004.
Thais Rosalina de Jesus Turial –Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade de Brasília (PPGHIS-UnB). Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/5421508661749527>. E-mail: turial.thais@gmail.com.
TRAVERSO, Enzo. La história como campo de batalla: interpretar las violencias del siglo XX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2012. Resenha de: TURIAL, Thais Rosalina de Jesus. A História é um campo de batalha. Em Perspectiva, Fortaleza, v.6, n.2, p.237-242, 2020. Acessar publicação original [IF].
María, signo de esperanza | Walter Kasper
Walter Kasper es, junto al Papa Benedicto XVI, uno de los grandes teólogos de nuestro tiempo. Después de ser profesor titular de dogmática de las Universidades de Münster y Tübingen, fue nombrado obispo de Rottenburg- Stuttgartt. Juan Pablo II lo creó Cardenal y Presidente de la Comisión para la Unidad de los Cristianos. Su obra teológica es inmensa, actualmente, la escuela de Teología de los Palotinos en Alemania se encuentra editando sus obras completas.
El autor intenta mostrar que María, la Madre de Jesús, ha sido para él siempre un signo de esperanza. Esta obra consta de siete capítulos. Al final de cada uno de ellos, Walter Kasper nos deja alguna oración o meditación mariana. Leia Mais
Estudios patrimoniales | José Nordenflycht Concha
En la nota introductoria de Estudios patrimoniales, su editor, José de Nordenflycht, esboza un escenario en el que la palabra patrimonio se ha vuelto presa de un fetichismo que ha nublado la pregunta por el sentido del mismo. Como consecuencia de este fenómeno, conceptos claves como ‘valor patrimonial’ o ‘preservación’ tienden a darse por sentado, asumiendo que existe un consenso generalizado en torno a ellos, cuestión que ignora las tensiones que les subyacen y que debiesen estar al centro de los estudios patrimoniales. Es precisamente esa la urgencia que recorre las tres secciones que dan forma a esta compilación: la necesidad de una reflexión epistémica en torno al patrimonio, la cual se hace aún más impostergable en el contexto local, donde “un campo asimilable a los estudios patrimoniales es apenas incipiente, disperso y difuso” (p. 14-15). Este volumen, por lo tanto, se puede entender como un aporte, desde distintas disciplinas, para el desarrollo de esta área de estudios en Chile.
La primera sección, “Patrimonio e historia”, presenta tres textos escritos por historiadores y que trazan una línea de tiempo para entender el surgimiento de la consciencia patrimonial en Chile. La contribución de Catherine E. Burdick hace un análisis iconográfico de tres imágenes del Convento de las Carmelitas Descalzas de San Rafael para argumentar que, durante el período colonial, existía una “concepción idílica” (p. 23) de este lugar y sus alrededores, los que han sido caracterizados generalmente como sectores marginales y de poco mérito. Esta apreciación positiva podría sugerir una cierta valoración patrimonial, que, a pesar de su carácter más bien rudimentario, funcionaría como antecedente para el desarrollo cronológico planteado más arriba. Por otro lado, los textos de Daniela Serra y Gonçalo de Carvalho abordan el tema desde la institucionalidad, centrándose en el rol que han tenido las exhibiciones y los museos en la evolución de la preocupación patrimonial en Chile. En el caso de Serra, destaca su estudio de la exposición del coloniaje de 1873, donde aborda los debates que surgieron entre el gobierno y la población a raíz de este evento. Esto último deja en evidencia que el patrimonio no se trata de un acuerdo exento de conflictos y que, la mayor parte del tiempo, está construido sobre tensiones que lo hacen un término en constante disputa. Esta examinación del vínculo entre Estado y patrimonio y las complejidades que allí surgen recurre en la contribución de Carvalho. A través de un contraste de las propuestas museográficas del Museo Histórico Nacional y el Museo de la Memoria y los Derechos Humanos —dos hitos fundamentales en este recorrido temporal—, el autor reflexiona en torno a los silencios que existen en ambos casos en torno al golpe militar de 1973 y cómo estos pueden incidir en el rol de estos espacios como mediadores con la sociedad. Leia Mais
Chile Constitucional | Juan Luis Ossa Santa
Desde el día 25 de noviembre de 2019 en que se pactó por los partidos políticos el «Acuerdo por la paz social y la nueva Constitución», se ha intensificado la producción de una rica literatura en torno al debate constitucional que ha vivido Chile durante los últimos años. Sin duda, uno de los aspectos más importantes a tener en cuenta durante los llamados «momentos constitucionales» 1 debe ser la identidad cultural de una nación. Las Constituciones tienden a ser herramientas cuyo articulado va moldeándose a través de los años, y como lo demostró hace poco el profesor de la Universidad de los Andes, Jaime Arancibia2, la Constitución de la República actual tiene integrado elementos que atraviesan toda nuestra historia como nación independiente. Y eso sólo en cuanto a nuestro escriturado constitucional, porque aún se mantienen vivas muchas prácticas y principios que vienen desde tiempos de la colonia y que siguen formando parte de nuestra idiosincrasia en el día a día.
La obra que reseño materializa un buen intento de rescatar lo anterior, en cuanto a tener presente el hecho de que cada generación contribuyó con lo suyo en la conformación de nuestra institucionalidad vigente. El historiador Juan Luis Ossa aporta con un trabajo importante para esta discusión, teniendo como objetivo «contextualizar los cuatro grandes procesos constituyentes de la historia de Chile (1828, 1833, 1925, 1980)» (p.12), los cuales erigieron los pilares de la arquitectura política chilena. A buena hora su intención se materializó en la realidad, ya que al comienzo del libro el autor cuenta que se encontraba en Londres investigando y escribiendo sobre el Chile de 1820 —período del cual nos hizo la promesa de un nuevo libro—, cuando recibió una llamada de Leonidas Montes, director del CEP (Centro de Estudios Públicos), quien lo animó a escribir el libro en cuestión. Trabajando a contra presión con el motivo de que la obra estuviese lista antes del plebiscito, y teniendo en cuenta la dificultad del tema, Ossa cumplió, y lo hizo de buena forma. Así, hoy Chile Constitucional se instala como una lectura referente para este proceso en el cual nos adentramos. Leia Mais
AA.VV. Manuscritos árabes en Marruecos y en España: espacios compartidos | Sexta Primavera del Manuscrito Andalusí
El congreso primavera del manuscrito Andalusí se consolida con la celebración de su sexta edición, convirtiéndose así una cita de interés por el rescate y difusión de los manuscritos en general y del andalusí en particular. El lema “Espacios compartidos”, es la particularidad que caracteriza esta sexta edición. Plantea una diversidad de espacios que comparten los manuscritos en Marruecos y España: espacios de temas, de composición y de conservación. Una primera parte principal que responde al lema de este volumen. Manuscritos marroquíes que llegan a España y manuscritos de autores andalusíes en Marruecos. Esta transferencia bidireccional tiene como objetivo común, la difusión, la conservación y la transmisión de un legado compartido. Manuscritos en diversos campos que se conservan en los dos países con influencia evidente de ese legado manuscrito. Siete son los trabajos que disertan sobre estos aspectos. En la parte árabe de este volumen, se recoge un estudio de conjunto sobre el legado manuscrito andalusí en el campo del derecho judicial y su influencia en la labor de legislación desarrollada en Marruecos. Las ciudades de Córdoba y Oujda fueron las elegidas para albergar este evento. La publicación de las actas de esta sexta edición “Manuscritos árabes en Marruecos y en España: espacios compartidos”, es fruto de la coordinación de la universidad de Jaén en cooperación con la Universidad Hassan II de Casablanca y con la participación de la Universidad Complutense de Madrid y la Universidad de Córdoba. La editorial Bouregreg se ha encargado de la publicación de las actas de este congreso bajo la supervisión científica de Mostafa Ammadi, Francisco Vidal Castro y María Jesús Viguera Molins. El libro tiene un total de 237 páginas, 192 en español y 45 en árabe.
Después de la introducción de los tres coordinadores, el profesor Mostafa Ammadi, de la Universidad Hassan II, abre esta sexta edición con una comunicación titulada “La dimensión espiritual y cultural de la caligrafía en algunos manuscritos de Tetuán”, en el que el autor y desde una perspectiva histórica, se detiene en la dimensión cultural y espiritual de la caligrafía de algunos manuscritos árabes de las bibliotecas patrimoniales de la ciudad de Tetuán, cuyos fondos conservan todavía un legado histórico valioso para los interesados sobre la caligrafía y el arte de escribir. Recordar, que destacadas personalidades y sus familias han tenido la generosidad de enriquecer los fondos de la Biblioteca General de Tetuán, como el caso de la Biblioteca de Muhammad al-Tanji, de Ahmad al-Rayhuni, de la familia tetuaní de los Skireg y de la familia Zuwak. Los manuscritos que albergan estas bibliotecas reflejan la historia de la caligrafía y del arte de escribir con letra artística. La temática compartida entre estos manuscritos es la jurisprudencia: tratados teóricos de la Saria, con sus abundantes comentarios, obras jurídicas prácticas de sentencias y casos, dictámenes o fetuas. El autor hace un repaso minucioso y bien referenciado a través de la historia de la evolución de la caligrafía árabe, sus características, materiales y sus diferentes estilos, resaltando la belleza de los estilos caligráficos y sus autores. Para acabar con indicaciones y análisis del estilo caligráfico marroquí a través de dos manuscritos donde convergen lo tradicional y lo moderno para fomentar los intercambios culturales en el espacio mediterráneo. Leia Mais
Atualismo 1.0 – Como a ideia de atualização mudou o século XXI | Mateus Pereira e Valdei Araujo
Entrevista do Plano Aberto (2019), com o historiador e professor da UFOP, Mateus Pereira, a respeito do cenário de manifestações no Brasil. youtube.com/
Com Atualismo 1.0. Valdei Lopes e Mateus Pereira, professores e pesquisadores da UFOP, propõem uma nova categoria para a Teoria da História. O debate concerne de imediato aos historiadores ocupados com a História do Tempo Presente, e há de interessar também a estudiosos do contemporâneo em quaisquer áreas das Ciências Humanas. Isso porque o que os autores buscam identificar, incialmente a partir da ressonância do termo uptdate e variações como updatism (que os autores traduzirão por atualizar ou atualização, respectivamente) no Google Ngram, posteriormente a partir de pesquisas quantitativas com dados da Hemeroteca da Biblioteca Nacional e do Jornal do Brasil, é um processo de aceleração da experiência do tempo que diz respeito a todas as dimensões da sociedade, e não apenas à maneira como lidamos com o passado. Diz respeito, inclusive, à forma como representamos para nós mesmos o presente e, logo, também à forma como organizamos nossas capacidades enquanto sociedade diante das demandas do aqui e agora da experiência histórica. Recuperando a boa lição de Marc Bloch, para quem não apenas o passado interessa ao historiador, mas de igual modo o presente e, principalmente, a articulação entre ambos, os autores falam “numa mudança sutil e subterrânea da experiência: um substantivo deslocamento nas formas modernas de significar o tempo histórico” (p. 31).
Esta mudança os autores especificam melhor ao ressaltar, ainda na introdução do livro, a forma como o conceito de atualização foi ganhando proeminência a partir dos anos 1960 e, principalmente, 1970, paralelamente a um crescente desgaste do conceito de progresso desde o pós-guerra. Leia Mais
Varieties of Monastic Experience in Byzantium, 800-1453 | Alice-Mary Talbot
En los años recientes se ha generado un interesante resurgimiento a nivel académico de los estudios medievales y bizantinos. En particular, los temas vinculados a la religiosidad y fe medievales siguen despertando el interés de connotados investigadores en los más prestigiosos centros académicos del mundo.
La autora de la obra que presentamos en esta reseña es la destacada bizantinista norteamericana Alice Mary-Talbot. Ella recibió su doctorado en Estudios Bizantinos por la Universidad de Columbia, en Nueva York (1970) y destacó por su labor académica, la traducción de fuentes al inglés, por realizar conferencias en diferentes universidades europeas y norteamericanas y también por ser una prolífica escritora. Sus temas de interés han sido la religiosidad del Imperio Bizantino y en particular, el desarrollo del monacato y la hagiografía. Ha sido editora ejecutiva del Oxford Dictionary of Byzantium, directora de la Academia Medieval de Norteamérica y directora emérita del Centro de Investigación Dumbarton Oaks, en Washington. Leia Mais
Historia Crítica. Bogotá, Núm. 77 (2020)
Dossier
- Martha Lux, María Cristina Pérez Pérez
- Los estudios de historia y género en América Latina
- https://doi.org/10.7440/histcrit77.2020.01
- PDF HTML
- Susana E. Matallana Peláez
- “Los indios de esta encomienda no tienen mujeres”: fertilidad y sistemas de género frente al colapso demográfico indígena. Tres casos emblemáticos
- https://doi.org/10.7440/histcrit77.2020.02
- PDF HTML
- Catalina del Mar Garrido Torres
- ¿Herederas de una degeneración atávica o víctimas de la miseria? Género y racismo en el discurso médico sobre la prostitución en Cuba, 1902-1913
- https://doi.org/10.7440/histcrit77.2020.03
- PDF HTML
- Yamila Liva, Guadalupe Arqueros
- Construcción de los géneros en la educación misional de Laishí (Formosa, Argentina, 1901-1950). Acercamiento desde el análisis de un corpus fotográfico
- https://doi.org/10.7440/histcrit77.2020.04
- PDF HTML
- Maria Victoria Streppone
- La construcción de modelos femeninos de Victoria Ocampo entre 1920 y 1940: reconsideraciones sobre Margherita Sarfatti y Virginia Woolf
- https://doi.org/10.7440/histcrit77.2020.05
- PDF HTML
- Santiago Joaquín Insausti, Máximo Javier Fernández
- De chongos y mayates: masculinidades y sexo heterosexual entre hombres en Argentina y México (1950-1990)
- https://doi.org/10.7440/histcrit77.2020.06
- PDF HTML
Publicado julio 1, 2020
Ideas, Visualidades Y Revoluciones | Intus-Legere Historia | 2020
El presente dossier reúne trabajos presentados en las XI Jornadas de historia del arte – ideas, visualidad y revoluciones, realizado en el Museo Histórico Nacional, en Santiago de Chile, entre el 2 y 3 de octubre de 2018, con organización y apoyo del propio Museo junto a Crea (Centro de Conservación, restauración y estudios artísticos), y el esfuerzo conjunto de las universidades Federal de São Paulo y Adolfo Ibáñez. En esta oportunidad el Encuentro propició la reflexión de un grupo de investigadores de diferentes lugares de Iberoamérica, sobre los procesos revolucionarios ocurridos desde fines del siglo XVIII, hasta las primeras décadas del XIX.
La reflexión ofrecida por estos trabajos nos lleva a volver a pensar en un período turbulento, de conjuras y rebeliones, en el que la representación visual del poder fue cuestionada y los debates por las soberanías territoriales dieron espacio al surgimiento de las naciones americanas. No obstante, la visión acá presentada no se propone solamente aproximarse a las conmemoraciones de eventos ocurridos hace poco más de dos siglos. Las representaciones del poder, o sus cuestionamientos, nos llevan de una orilla a la otra del Atlántico para actualizar las ideas que les dieron forma, desde una perspectiva que se nutre de la visión de la historia del arte, la cultura visual y la curaduría. De esta manera la reflexión histórica cobra una dimensión de actualidad, en un momento en el cual se presentan en Iberoamérica múltiples debates políticos sobre el rumbo de sus naciones, las necesidades de la celebración de los bicentenarios de sus independencias, o de los sueños truncos de revolución. Por ello la noción de representación es el eje sobre el que se proponen las miradas de los artículos del dossier, pues ese mecanismo en el que reside el poder de las imágenes, el juego de sus opacidades y transparencias es el terreno en el que puede pensarse en los procesos político/culturales cuya emergencia marcó la vida de nuestros países. No es un secreto que en los últimos años nuestro continente se ha vuelto a sacudir, entre debates políticos cuya fuerza confluye en el deseo de hacer posibles lo sueños fundacionales de las revoluciones bicentenarias, así como en la crítica hacia el nacionalismo de postín, de los desfiles, la manipulación de propaganda electoral y el festejo. Leia Mais
Amazônia: palco de lutas e reflexões | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2020
Do início da colonização aos discursos de suposta internacionalização e perda de soberania até o entrelaçamento do seu tempo e espaço ao capitalismo global, as lutas que ocorrem na Amazônia refletem uma história que pode ser compreendida em termos de confronto entre modos de vida. Para as pessoas que residem na região, os indicadores são de maior vulnerabilidade e desigualdade social, violência na zona rural e urbana, dificuldade de acesso a serviços públicos e risco de morte aos defensores dos direitos humanos.
Nos noticiários recentes sobre a região amazônica brasileira percebemos a preocupação com a política governamental de exploração e devastação sem precedente da região. É a lógica de “passar a boiada” e das queimadas que colocam em risco as vidas amazônicas. A ideia do progresso a qualquer custo recupera a sua força, eliminando-se a capacidade de resistência, seja institucional, seja através de possibilidades de participação democrática dos movimentos sociais. Por mais chocantes que possam ser os acontecimentos atuais, estes podem ser lidos como uma consequência da visão geral que diferentes governos de diferentes países da América Latina tiveram, ao longo de séculos, sobre a Amazônia. Os projetos de desenvolvimento e integração não se dão a partir dos povos que ocupam a região nas fronteiras, mas a partir de projetos que buscam explorar o território e as riquezas disponíveis na região. É o que podemos ver nos diversos ciclos de exploração da Amazônia que se renovaram no início do século XXI com a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), em nível internacional, e com os Planos de Aceleração do Crescimento (PAC I e II), em nível nacional. Leia Mais
Passado Abierto. Mar del Plata, n.12, 2020.
EDITORIAL
DOSSIER
- Peronismo y transporte. Infraestructura, tecnología y política de la movilidad durante los gobiernos peronistas de 1946 a 1955
- Dhan Zunino Singh, Maximiliano Velázquez
- PDF HTML
- Ir por la derecha. Políticas públicas y prácticas de movilidad a propósito del cambio de mano durante el primer peronismo
- Carla del Cueto, Valeria Gruschetsky
- PDF HTML
- El final de la primera empresa estatal nacional: la Administración General de los Ferrocarriles del Estado (AGFE)
- Elena Salerno
- PDF HTML
- Del prototipo… ¿a la producción? El desarrollo de material ferroviario en la planificación peronista (1946-1955).
- Daniel Cardozo
- PDF HTML
- «Hacia el soberano y próspero futuro de la nación». Los inicios de Fiat Concord en la Argentina del primer peronismo (1945-55)
- Camillo Robertini
- PDF HTML
- La aviación comercial como afirmación de la soberanía y de la integración del territorio. El transporte aerocomercial durante el peronismo (1945-1955)
- Melina Piglia
- PDF HTML
- Diseño y fabricación de aviones en Argentina: el primer Plan Quinquenal de Aeronáutica (1947-1951)
- Florencia Urcelay
- PDF HTML
ARTÍCULOS
- «Por la educacion publica». Estado, clero, y comunidades locales en la conformación del sistema escolar bonaerense (1854-1875)
- Lucas Bilbao
- PDF HTML
- Los raids aéreos de Eduardo Miguel Hearne: deporte, mercado y confraternidad sudamericana a comienzos de la década de 1920
- Pablo Ortemberg
- PDF HTML
- De responsabilidades y artilugios patronales: los empresarios azucareros frente a la justicia laboral. Tucumán durante el primer peronismo
- Florencia Gutiérrez, Emmanuel Emir Fernández Tomás
- PDF HTML
- Los Sacerdotes para el Tercer Mundo en Rosario, Argentina. Represión, Solidaridad y Derechos Humanos (1968-1983)
- Marianela Scocco
- PDF HTML
TALLER DEL HISTORIADOR
- Entrevista a la Dra. María Antonia Carmona Ruiz “Los Estudios Medievales: ayer y hoy”
- Gisela Beatriz Coronado Schwindt, Martina Díaz Sammaroni
- PDF HTML
- Reflexiones sobre divulgación histórica: el caso de la ficción interactiva
- Santiago Campana, Gopal Ezequiel Martínez, Ela Mertnoff
- PDF HTML
- El tiempo contra-fáctico: una historia de los posibles en los trabajos de Juan Carlos Torre
- Salvador Daniel Lima
- PDF HTML
- Historia de la infancia y los niños en el Perú, 1940-1970. Un balance bibliográfico
- Catherine Aristizábal Barrios, Ulrich Mücke
- PDF HTML
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
- Reseña de Rustoyburu, Cecilia (2019) La medicalización de la infancia. Florencio Escardó y la Nueva Pediatría en Buenos Aires. Buenos Aires: Biblos
- Matías Alvarez
- PDF HTML
- Reseña de De Paz Trueba, Yolanda (2019). Infancia, pobreza y asistencia. Argentina, primera mitad del siglo XX. Rosario: Prohistoria
- Paula Bontempo
- PDF HTML
- Una discusión en torno a la historia y la memoria de la niñez y la condición de los niños y las niñas. Reflexiones a propósito de El diario de Francisca de Patricia Castillo (Hueders, 2019) e Infancia / Dictadura de Patricia Castillo y Alejandra González (Santiago de Chile, LOM ediciones, 2019).
- Isabella Cosse
- PDF HTML
- Reseña de Bontempo, María Paula y Bisso, Andrés (editores) (2019) Infancias y Juventudes en el siglo XX. Políticas, instituciones estatales y sociabilidades. Buenos Aires: Teseo Press.
- Andrea Paola Gallo
- PDF HTML
- Reseña de Zapiola, María Carolina (2019) Los excluidos de la niñez. Menores, tutela estatal e instituciones de reforma (Buenos Aires 1890-1930).Los Polvorines: Ediciones de la Universidad Nacional de General Sarmiento
- Lucía Lionetti
- PDF HTML
- Reseña de Colangelo, Adelaida (2019). La crianza en disputa. Medicalización del cuidado infantil en la Argentina entre 1890 y 1930. Los Polvorines: Ediciones Universidad de General Sarmiento
- Cecilia Rustoyburu
- PDF HTML
- Reseña de Gentile, María Florencia (2017). Biografías callejeras: cursos de vida de jóvenes en condiciones de desigualdad. Buenos Aires: Grupo Editor Universitario
- Dulce Janet Rueda
- PDF HTML
- Reseña de Pastoriza, Elisa y Torre, Juan Carlos (2019) Mar del Plata, un sueño de los argentinos. Buenos Aires: Edhasa
- Carlos Larrinaga
- PDF HTML
- Reseña de Iñigo Carrera, Nicolás (2019). Estrategias de la clase obrera en los orígenes del peronismo. Buenos Aires: EUDEM y Grupo Editor Universitario.
- Facundo Iturburu
- PDF HTML
Revista de Ensino de Geografia. Uberlândia, v.11, n.21, jul./dez. 2020.
ARTIGOS
- O ENSINO DE GEOGRAFIA NO CURRÍCULO PAULISTA: ANÁLISE DE REFERENCIAIS E METODOLOGIAS INDICADAS PARA O TRABALHO COM A CARTOGRAFIA
- João Vitor Gobis Verges
Nivea Massaretto Verges
- GEOGRAFIA E LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA: REPRESENTATIVIDADE, IDENTIDADE E EMPODERAMENTO
- Maíra Suertegaray Rossato
- METODOLOGIA DO TRABALHO COM PROJETOS EM ESTÁGIO CURRICULAR DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA ARTICULANDO ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
- André de Azevedo Busato
Eliete Almeida dos Santos
Sérgio Luiz Miranda - PRODUÇÃO DE FANZINES COMO PROPOSTA METODOLÓGICA PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DE CONTEÚDOS DO CLIMA
- Darlan da Conceição Neves
- MÉTODOS ATIVOS NO ENSINO DE GEOGRAFIA: COLABORAÇÕES PARA A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
- Sandra Maria Campos Alves
Mara Renata Barros Barbosa - GEOTECNOLOGIAS E ESCOLA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Letícia de Souza Blanco
Diego Augusto Pereira da Costa Portella
Lucas Mendes Matias Sorrentino - ESCOLATLAS: UMA METODOLOGIA CARTO(GEO)GRÁFICA EM EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DOCENTE
Daniel Luiz Poio Roberti
Mara Edilara Batista de Oliveira
Eliane Melara - CARTOGRAFIA ESCOLAR NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE GEOGRAFIA NA ESCOLA ESTADUAL PAULO FREIRE EM BAIA FORMOSA-RN
- Larícia Gomes Soares
- CHEGADAS E PARTIDAS: MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS INTERNACIONAIS, DIREITOS HUMANOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM GEOGRAFIANO ENSINO MÉDIO
- Márcio Adriano Bredariol
- MEIO AMBIENTE EM FOCO: SENSIBILIZAÇÃO AMBIENTAL PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA EM LUCENA-PB
- Phellipe Cunha da Silva
Jadson de Jesus Santos - O TRABALHO DE CAMPO NA FORMAÇÃO DO GEÓGRAFO E A IMPORTÂNCIA DOS BARCOS REGIONAIS PARA SUA REALIZAÇÃO EM CURSOS NO AMAZONAS
- Camila de Oliveira Louzada
Armando Brito da Frota Filho
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PRÁTICAS
- REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Júlio de Souza Santos - ESTÁGIO DE OBSERVAÇÃO, COPARTICIPAÇÃO E REGÊNCIA NA GRADUAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES PARA O PROCESSO FORMATIVO
- Paulo Giovani de Andrade Aguiar
Nilcéa Santos Calmon - APLICAÇÃO DO JOGO PASSA OU REPASSA NO ENSINO DE CONTEÚDOS DA DISCIPLINA DE GEOGRAFIA
- Marcelo Yoichi Kitamura
Donizete Paulo Ribeiro
Paulo Henrique Marques de Castro - A TEORIA E A PRÁTICA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA GEOGRAFIA ESCOLAR: ENSAIOS EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE MANAUS-AM
- Marcos Almir Almeida de Souza
Patrimônio e Relações Internacionais / Locus – Revista de História / 2020
As relações internacionais ligadas à preservação do patrimônio mudarão em um mundo pós pandemia?
Como é de costume em épocas de crise, a COVID-19 evidenciou a
necessidade da existência da cultura para o aliviar o estresse de pessoas e
comunidades. Em um momento no qual bilhões de pessoas estão
fisicamente separadas umas das outras, a cultura nos une.
(Ottone 2020)
Em momentos de crise, pessoas precisam de cultura. É com esse chamamento que Ernesto Ottone, Diretor Assistente Geral para a Cultura da UNESCO ilustra o cenário em que vivemos no primeiro semestre de 2020. É esta a dimensão que os atores vinculados ao patrimônio mundial começam a tomar conhecimento. Atualmente, estamos enfrentando uma crise global diferente de qualquer outra que vimos neste século. Milhares de pessoas perderam a vida para o COVID-19 e muitas outras foram infectadas. Bilhões de pessoas agora tem estado confinadas em suas casas em todo o mundo. O impacto do COVID-19 provavelmente será sentido muito tempo após o término desta crise sanitária.
A UNESCO está incentivando os locais do Patrimônio Mundial e plataformas da UNESCO, como as Jornadas Europeias do Patrimônio Mundial, a oferecerem meios para as pessoas explorarem o Patrimônio Mundial em suas casas. Numa época em que bilhões de pessoas estão fisicamente separadas uma da outra, a cultura nos une, mantendo-nos conectados e diminuindo a distância entre nós. Então, diante dessa mudança na visão global, como ficarão os agora já “antigos” temas do patrimônio? Como não sair impactado dessa nova ordem mundial?
Em publicação recente, Guilherme d’Oliveira Martins convoca a atualidade do tema do patrimônio cultural e de seu valor econômico, afirmando a urgência em desenvolver a ligação entre o patrimônio comum, os valores humanos universais e o equilíbrio entre as diferenças (2020, 32). Num contexto de isolamento social imposto pela pandemia COVID-19 colocado à escala internacional urge questionar o lugar do patrimônio na sociedade. De acordo com o mesmo autor, “quando falamos de patrimônio cultural, há a tentação de pensar que falamos de coisas do passado, irremediavelmente perdidas num canto recôndito da memória coletiva” (Martins 2020, 33). Daí que anteveja que “a necessidade de promover a diversidade cultural, o diálogo entre culturas e a coesão social, (…) bem como, salientar o papel do patrimônio nas relações internacionais, desde a prevenção de conflitos à reconciliação pós-conflito ou a recuperação do patrimônio destruído” (Martins 2020, 33-34). Foi motivado por esta nova realidade que nasceu a ideia deste Dossiê. Provavelmente, as relações internacionais nunca mais serão as mesmas após essa pandemia e, por extensão, o patrimônio e sua gestão também não serão como antes.
A título de exemplo, recorde-se que os maiores museus do mundo disponibilizaram recursos digitais sobre as suas coleções que até então tinham o seu acesso condicionado. Nunca como antes a visita virtual teve tanto impacto, perante a impossibilidade colocada pela ausência de acesso físico causado pelo isolamento social. Diante de um cenário interconectado pela veiculação de informação (não raras vezes, na chave da inverdade), essa temática se apresenta como um dos domínios a ser debatido, pois tem atuado na compreensão de elementos variados, funcionando como embaixadores de novas demandas mundiais. O tema é não só atual, como de discussão urgente.
O imediatismo dos media e das redes sociais tem trazido novo olhar sobre o patrimônio em escala internacional. O registro e a notícia de catástrofes, recentemente reportadas como a dos incêndios do Museu Nacional do Rio de Janeiro ou da Catedral de Notre-Dame de Paris, ou das enchentes de Veneza, bem como as ações iconoclastas desenvolvidas em Bamiyan ou Mossul, só para referir alguns exemplos, tinham dado um novo lugar ao Patrimônio à escala das relações internacionais. Dois fatores se somam às assertivas elencadas acima. O primeiro diz respeito à incorporação crescente do patrimônio cultural em outras áreas do discurso internacional. O patrimônio cultural passou a ter maior visibilidade e participação relevante, muito por força da ação das redes sociais e dos media, havendo como consequência um avanço na presença de organismos de valorização nas mesas de negociação das políticas internacionais como jamais visto antes. O segundo se refere ao crescente poder econômico e político que países detentores de agendas preservacionistas desfrutam no cenário internacional.
À medida que o novo século se desnuda, a radiografia dessas relações de poder revela novos atores, espaços e representações. O patrimônio cultural tem se tornado um ator cada vez mais importante dos diálogos multilaterais e, como tal, faz parte do alargamento das ações no âmbito das relações internacionais. Daí derivam outros objetos de estudo, ainda pouco incorporados pela temática: as marcas de um soft power cada vez mais multilateralizado; as dinâmicas de hierarquização dos temas e critérios consagrados pelos órgãos de assessoria da UNESCO; a presença cada vez maior de temas que abordem as “africanidades”, “asianidades”, “latinidades” e os “orientalismos” (tão pouco explorados por nossos pesquisadores, dada a hegemonia da visão europeísta / estadunidense); dentre outros. Em consonância, sítios arqueológicos, museus, espaços culturais, organismos internacionais de preservação, Estados nacionais, atores da paradiplomacia, expressões de tradição, vivência e modos de se fazer, a dicotomia entre inflação e destruição de patrimônios, dentre outros elementos tornaram-se protagonistas dessas representações mentais sobre o patrimônio que tem se transformado constantemente. Apreender os mecanismos de compreensão dessa expansão temática favoreceria a montagem de novas valorações do patrimônio, nacional e internacionalmente. Acrescentamos a este cenário o mundo digital que, superando os constrangimentos de um isolamento social forçado à escala global se assume como o único veículo de visita e transmissão de conhecimento dos recursos patrimoniais.
Como se percebe, todas as temáticas elencadas faziam sentido em um mundo sem restrição social, isolamento compulsório e combate a um vírus letal. Os temas elencados neste dossiê, seguiram uma realidade anterior à pandemia. As preocupações, necessidades e objetos respondiam a um mundo complexo, mas conhecido. As regras do jogo eram todas acordadas. Agora, diante desse novo alinhamento, tudo muda, inclusive as relações internacionais e suas preocupações. Por este motivo, acreditamos que este Dossiê poderá colaborar para unirmos os dois mundos: o das preocupações pregressas e das novas necessidades. Não fazemos futurologia quanto ao universo da preservação dos patrimônios no mundo, mas sinaliza-se uma considerável modificação nas políticas públicas, no financiamento e na projeção de novas regras para um jogo que ainda não se saber jogar. Por este motivo, os textos selecionados para este Dossiê discutem realidades que provavelmente deverão também ser impactadas por esta mudança brusca nos caminhos recentes do mundo globalizado.
O texto de Amélia Polónia e Cátia Miriam Costa, Preservar patrimônios e partilhar memórias em cidades-porto latino-americanas. Um projeto em ação: CoopMar – Cooperação Transoceânica, Políticas Públicas e Comunidade Sociocultural Ibero-Americana analisa o projeto de uma rede de investigação e desenvolvimento financiada pelo CYTED (Programa Ibero-americano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento) que promove formas ativas de diplomacia científica, visando potenciar sinergias existentes entre vários parceiros em torno de uma agenda de “mar e sociedade para o desenvolvimento”. CoopMar dá prioridade à circulação de conhecimento entre diferentes atores (universidades, museus, fundações, empresas, instituições públicas e sociedade em geral) e visa contribuir para uma sociedade do conhecimento, transnacional e transdisciplinar. Assume a troca cooperativa de valores e visões como um valor intangível que funciona como capital social capaz de beneficiar cidades portuárias da região Ibero-latino-americana.
Frédéric Lerich discute em Regional Assets, Industrial Growth, Global Reach: The Case Study of the Film Industry in the San Francisco Bay Area, uma dimensão pouco conhecida do público. De acordo com Lerich, dentro da indústria cinematográfica dos EUA, Hollywood é uma (grande) árvore que esconde a floresta. De fato, além desse cluster poderoso e dominante, existem outras formas – embora menores – de indústria cinematográfica, particularmente em Nova York e São Francisco. O artigo enfoca o último e argumenta que o desenvolvimento da indústria cinematográfica na área da baía de São Francisco depende de ativos regionais específicos: (1) uma cultura alternativa, (2) uma cultura tecnológica e (3) uma experiência urbana única. O artigo se baseia na ideia de que São Francisco é um local acolhedor para filmar e produzir filmes e que, como corolário, hoje em dia acolhe um cluster industrial dinâmico e com vários locais. Destaca diferentes estratégias que visam promover o desenvolvimento de ativos regionais relacionados à indústria cinematográfica e questiona suas capacidades de recuperação destacando seus impactos na influência global de São Francisco.
Jaime Nuño González constrói uma narrativa envolvente ao analisar em Patrimonio Cultural y globalización: Trayectoria, proyectos y estrategias de la Fundación Santa María la Real (Aguilar de Campoo, Castilla y León. España), as dinâmicas de preservação em torno das ruínas de um mosteiro medieval situado na pequena localidade de Aguilar de Campoo (Palencia, Castilla y León. Espanha). Em 1977 uma associação foi formada com o objetivo de recuperar o monumento e transformá-lo no centro da dinamização cultural de uma região em crescente processo de despovoamento. A Fundação Santa María la Real, herdeira dessa associação, diversificou os setores em que atua, ampliando suas intervenções em toda a Espanha. Neste texto, González apresenta os projetos de gestão, comunicação e preservação da fundação, apontando os caminhos pelos quais essas ruínas se tornaram um dos mais proeminentes exemplos de preservação patrimonial ibérico.
Gilberto Marcos Antônio Rodrigues discute os impactos do Patrimônio cultural como inserção internacional de cidades. Em Política Externa de Cidades: Estratégia Internacional Modelada e Patrimônio Cultural aborda uma questão central: no caso de patrimônios culturais, sejam eles materiais ou imateriais, que não dispõem de valorização ou proteção nacional, como pode a cidade aproveitá-lo como vetor de uma ação internacional? No âmbito da dimensão cultural das relações internacionais de cidades, o patrimônio cultural é um vetor pouco explorado em sua potencialidade e capacidade de promover a inserção internacional local no Brasil. O objetivo do artigo é analisar como o patrimônio cultural pode ser transformado em recurso ativo para uma Estratégia Internacional Modelada (EIM) visando alavancar e apoiar a política externa de cidades médias ou pequenas no Brasil.
Em diálogo com o texto de Rodrigues, Gustavo de Jesus Nóbrega, perscruta o universo da paradiplomacia e apresenta os resultados parciais de pesquisa ligada ao projeto interdisciplinar “Os diversos usos dos espaços institucionais na preservação do Patrimônio Cultural”, na qual analisa o uso e a apropriação da Universidade de Coimbra (UC) e da própria cidade em questão por diversos agentes, a partir da apresentação da instituição de ensino como um Patrimônio Cultural da Humanidade e seus bens edificados como verdadeiros acervos de um museu a céu aberto. A hipótese levantada por Nóbrega em A Universidade de Coimbra e as diversas apropriações da chancela internacional de Patrimônio da Humanidade atribuída pela UNESCO, é que a nomeação pela UNESCO, em 2013, alavancou a iniciativa de utilizar a marca “Coimbra”, como um soft power que objetiva reestabelecer a notoriedade da cidade e da Universidade como espaços de ponta em nível mundial.
O artigo de Bruno Miranda Zétola, Troféus de guerra e relações diplomáticas examina as singularidades do troféu de guerra como patrimônio cultural e sua relevância para as relações diplomáticas. A partir de três estudos de caso, aponta-se para possíveis paradigmas do uso desse tipo de patrimônio como recurso de política externa. Troféus de guerra são uma categoria muito especifica de patrimônio, visto tratar-se de artefatos militares obtidos no campo de batalha e cujo valor cultural é aferido após sua apreensão. Prática recorrente desde a Antiguidade clássica, a obtenção e exibição de troféus de guerra nunca foi considerada ilícito internacional. Suas implicações para as relações internacionais, entretanto, podem ser significativas, consoante a valorização do artefato tornado troféu pelas narrativas historiográficas das sociedades que o perdem ou que o conquistam.
O Louvre, renomado museu e patrimônio francês, agora responde a um pedido do governo para aperfeiçoar sua interação e influência internacionais. A internacionalização do Louvre é, portanto, entendida não como a reputação do Louvre em nível internacional, mas como o uso dessa herança em estratégias políticas internacionais. O texto de Marie-Alix-Mólinier-Andlauer, Political Issues of the Louvre’s Internationalisation enfoca a internacionalização do Louvre desde os anos 2000. O Estado francês, através de sucessivos governos, vem mobilizando o Louvre, como intermediário em acordos internacionais. Este museu e instituição cultural tornou-se participante direto das relações internacionais francesas, o que motivou Andlauer a analisar as questões e controvérsias que cercam a estreita relação entre o Louvre e o Estado francês. Concluí este trabalho, uma análise do discurso da mídia francesa sobre a mobilização do Louvre pelo Estado o que revela tensões e controvérsias em torno da internacionalização de um dos museus mais famosos do mundo.
Se por um lado museus guardam estátuas (independentemente da discussão se devem ou não manter sob sua tutela peças controvertidas de origens, muitas vezes, duvidosas), por outro, em certas ocasiões, são palco de destruição e vandalismo. A onda de destruição de museus e estátuas locais realizados pelo DAESH (Estado Islâmico) na Síria e no Iraque não deve ser considerada simples ato de vandalismo ou ação iconoclasta com base em sua interpretação radical e distorcida do Islã. Tais atos ocultam um discurso complexo que deve ser compreendido no debate atual sobre a redefinição do patrimônio, particularmente de estátuas, questionada por representar um passado colonial ou autocrático que não é mais considerado digno de ser preservado e lembrado. Em Las estatuas también mueren. Patrimonio, museos y memorias en el punto de mira de DAESH, Jorge Elices Ocón apresenta o estado da arte deste debate focalizando a diferença notável entre as ações iconoclastas mencionadas no texto e as do DAESH. Para os terroristas, não há possibilidade de ressignificação das estátuas. Como vaticina Ocón, “não é um discurso de justiça, mas de ódio, e não busca apenas a morte de estátuas, mas a de pessoas e culturas”.
Para além da destruição, do tráfico ilícito de bens culturais e da revisão histórica de símbolos outrora extorquidos, um dos temas de maior visibilidade dentro das relações internacionais é o das solicitações de restituição de patrimônios espoliados. Colabora nesta temática o texto de Karine Lima da Costa que analisa a questão da restituição ou repatriação dos bens culturais, especialmente os artefatos da África subsaariana, a partir da publicação do Relatório Savoy-Sarr, concluído em 2018. Em, A restituição do patrimônio cultural através das relações entre a África e a Europa Costa aborda o caso dos bronzes do Benin, retirados da África no século XIX, e atualmente distribuídos em diferentes instituições museológicas, sobretudo na França e na Inglaterra. A repatriação e / ou restituição também diz respeito à uma mudança de atitude em relação ao tratamento e entendimento dos bens culturais, que deve considerar algo que, às vezes, parece ser esquecido nesse processo: o seu sentido coletivo. Por este motivo, são as novas formas de se relacionar com o patrimônio cultural que a problemática da repatriação convoca, pois ao falarmos de restituição estamos falando, também, de diplomacia. Essas formas não devem se limitar apenas ao retorno permanente, mas ao empréstimo, ao intercâmbio cultural, à circulação das obras – algo que já faz parte do cotidiano de muitas instituições museológicas, mas que são limitados por falta de acordos e cooperação entre os agentes envolvidos.
Em diálogo aberto com o texto de Costa, Manuel Burón Díaz, apresenta o caminho percorrido pelo patrimônio da Nova Zelândia, analisando o estudo da construção, intercâmbio, exibição, reclamação e restituição do patrimônio, por meio de uma leitura crítica do próprio estatuto de devolução. Para o autor, o patrimônio, os materiais que o compõem, assim como os significados que lhes damos, não são estáticos; variam com o tempo e, na sua mudança, desenham no mapa interessantes trajetórias. Neste texto, Díaz aborda como as recentes demandas da restituição patrimonial supõem um desdobramento mais atuante na alargada série de significados que atribuímos a certos materiais culturais, sublinhando como, na atualidade, a repatriação de certos objetos tem se convertido em uma importante ferramenta de relações internacionais. Cabezas y pájaros: La construcción y restitución del patrimonio en Nueva Zelanda é, portanto, uma busca por clarificar a ideia de que o patrimônio tem sido um instrumento fundamental para as relações diplomáticas, pois ao simbolizar diferentes desejos e atender a diferentes necessidades, regula os contatos entre culturas ou nações. Mas isso, adverte o autor, não deve fazer o observador cair no mais estéril relativismo nem no mais imóvel essencialismo cultural.
Em, Soft Power Mineiro: O edital Circula Minas (2015-2018) como medida de preservação e difusão nacional e internacional da cultura e do patrimônio de Minas Gerais, Vanessa Gomes de Castro e Thiago Rodrigues Tavares discutem o programa de internacionalização da cultura do estado de Minas Gerais, por meio do Programa Circula Minas. Os autores analisam os resultados e implicações do intercâmbio cultural patrocinado pela Secretaria de estado da Cultura de Minas Gerais, sobretudo, em relação ao patrimônio cultural, apresentando seus argumentos a partir de uma leitura crítica do conceito de soft power. Para os autores o Edital Circula Minas, ao receber e apoiar financeiramente projetos na área da cultura, possibilitou a participação da sociedade civil na salvaguarda dos bens culturais, mas, políticas culturais não podem ser apenas prerrogativa exclusiva do Estado e seus representantes, devendo envolver a participação da sociedade civil nas diversas etapas do processo de preservação, fato legitimado pelos dispositivos jurídicos internacionais.
O texto As timbila de Moçambique no concerto das nações, de Sara S. Morais discute aspectos do processo de patrimonialização das “timbila chopes” de Moçambique que culminou com seu reconhecimento como Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade em 2005, pelo Programa das Obras-Primas da UNESCO. Inspirada em análises sobre processos de objetificação e redução semântica implicados no reconhecimento oficial de expressões como patrimônio cultural, a autora abordo elementos da trajetória histórica e social das timbila para compreender seu lugar no imaginário nacional e sua escolha como o primeiro bem cultural imaterial em Moçambique consagrado em arenas internacionais. Enfatiza diversos elementos que localizam esse país africano no âmbito das suas relações internacionais; discutindo algumas das dinâmicas perpetuadas pelo colonialismo, traçando reflexões sobre a relação de Moçambique com a UNESCO, à luz da história política do país e de sua recepção em relação a certos critérios e entendimentos desse organismo internacional no que tange ao patrimônio imaterial. Destaca, por fim as interpretações dadas pelo Estado moçambicano aos ideais de participação social da UNESCO e mostra como o dossiê produzido pelo governo moçambicano utilizou o critério de autenticidade para justificar a escolha das timbila.
Encerra o Dossiê, o texto provocativo de Marcos Olender que aborda nova leitura sobre um dos documentos mais conhecidos da preservação do patrimônio. Para responder às indagações do presente e compreender as dinâmicas na construção do imaginário dos patrimônios mundiais, Olender retroage à icônica Carta de Atenas de 1931, produzindo uma leitura verticalizada dos bastidores do primeiro documento internacional referente à proteção do patrimônio histórico e artístico em âmbito institucional internacional. O texto “O abismo da história é grande o suficiente para todos”. Os primórdios da Carta de Atenas de 1931 e a afirmação da noção de patrimônio da humanidade aborda o processo histórico que constrói a conjuntura da elaboração do citado documento, iniciado no contexto da Primeira Grande Guerra e pela implantação de instituições que começaram a estruturação de uma política internacional de proteção ao patrimônio, na qual é destacada a preocupação pela conceituação de um patrimônio da humanidade.
As inquietações apresentadas pelos autores ajudaram na elaboração da entrevista transcrita neste volume. A premissa básica foi discutir: como a leitura de um observador do presente dá conta de compreender as mudanças que se aceleram no universo da preservação dos patrimônios em um mundo oscilante entre a perpetuação e efemeridade? Este foi o mote da entrevista com o historiador britânico, Peter Burke, interlocutor que buscou consolidar respostas concisas, “diante do tempo das indefinições”. Frente a um cenário interconectado e em função do caráter de “novidade temática”, como enxergar a crescente preocupação sobre a preservação do patrimônio em tempos que pendulam entre o esquecimento generalizado e a super produção de memórias? O patrimônio (sobretudo, o chancelado como mundial) tem força para ser combustível de mudança social e política? E diante da pandemia de COVID-19 e as sequentes restrições ao nível da acessibilidade, como fugir da “despatrimonialização” desses lugares? Estaremos já a caminhar para um tempo do “pós-patrimônio”? Responder a esses questionamentos não foi tarefa fácil, mas as respostas elencadas por Burke, podem nos auxiliar a compreender um pouco mais o cenário em que vivemos, independentemente da concordância ou discordância de seus posicionamentos.
Mesmo diante do imponderável, continuaremos trabalhando para que a temática ganhe cada vez mais destaque e que as mudanças que se projetam sejam assimiladas pelos temas correlatos à preservação do patrimônio cultural e seus aspectos internacionais. Conseguir responder ao questionamento central desse dossiê, se as relações internacionais ligadas à preservação do patrimônio mudarão em um mundo pós pandemia? nos parece precipitado. No entanto, a cada dia que passa projeta-se um cenário no qual o planeta e, por tabela, o próprio patrimônio mundial refletirão as mudanças ocorridas nas agendas dos governos, na preferência dos estudiosos e na dinâmica global de um mundo afetado em grande escala.
As palavras de Oliveira Martins, para quem: “o valor do patrimônio cultural, material e imaterial exige a aceitação da verdade dos acontecimentos, positivos e negativos, para que possamos ganhar em experiência, pelo ‘trabalho de memória’” (2020, 28), nos motiva a continuar preservando. Neste mundo, marcado por uma pandemia sem igual, cabe questionar os acontecimentos, buscar compreendê-los, criar deles memória patrimonial e, por meio da experiência obtida, abrir novos caminhos para a compreensão sobre nós mesmos. Certos estamos que tais caminhos jamais serão como antes, mas que o novo aprendizado venha carregado de significados para que saibamos dosar a preservação entre o novo e o ancestral. Que o patrimônio (elemento que transita entre a memória e a história) encontre nas agendas internacionais espaço de protagonismo, mediando as demandas existentes entre o local e o global, sem sobreposições ou prejuízos de nenhuma natureza. E não podemos deixar de lembrar, as palavras visionárias de Carlos Alberto Ferreira de Almeida (1998), publicadas em tempos tão diferentes daqueles em que vivemos, que “Patrimônio é tudo o que tem qualidade para a vida cultural e física do homem e tem notório significado na existência e na afirmação das diferentes comunidades” às mais diversas escalas. Se assim o é, também concordamos com este autor quando tão antecipadamente escreveu que
o Patrimônio não pode ser olhado apenas como uma reserva e, menos ainda, como uma recordação ou nostalgia do passado mas, antes, como algo que tem de fazer parte do nosso presente. O Patrimônio, para o ser, tem de estar presente e vivo, de algum modo (Almeida 1998).
O Dossiê que agora se dá ao prelo bem o reflete e demonstra. O patrimônio tem hoje um novo lugar: é um ator efetivo nas relações internacionais às mais diversas escalas. Alcançou este status porque não é mais uma reserva do passado. Está no presente e tem valores prospectivos.
Referências
ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de. Patrimônio. O seu entendimento e a sua gestão. Porto: Edições Etnos, 1998.
MARTINS, Guilherme d’Oliveira. Patrimônio cultural: realidade viva. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2020.
OTTONE, Ernesto. 2020. “Em momentos de crise, as pessoas precisam de cultura”. https: / / pt.unesco.org / news / em-momentos-crise-pessoas-precisam-cultura
Rodrigo Christofoletti – Professor de Patrimônio Cultural no curso de graduação e Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Líder do grupo de pesquisa Patrimônio e Relações Internacionais (CNPq). Conselheiro do COMPPAC – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico de Juiz de Fora. Colaborador do Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória” (CITCEM) – Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Doutor em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-CPDOC). Atua na interface entre História e Relações Internacionais com foco no patrimônio cultural. E-mail: r.christofoletti@uol.com.br https: / / orcid.org / 0000-0002-6346-6890
Maria Leonor Botelho – Professora Auxiliar do Departamento de Ciências e Técnicas do Patrimônio da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Diretora do Curso de Mestrado em História da Arte, Patrimônio e Cultura Visual. É investigadora do Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória” (CITCEM / FLUP). Com a Prof. Lúcia Rosas e o Prof. Mário Barroca, coordena a Enciclopédia do Românico em Portugal (2018-2021), no âmbito do protocolo de colaboração celebrado entre a FLUP e a Fundación Santa María la Real del Patrimônio Histórico, un Proyecto desde Castilla y Leon. Os seus interesses de investigação são a gestão do patrimônio, o patrimônio mundial, o digital heritage, a história urbana e a historiografia da arquitetura da época românica. E-mail: mlbotelho@letras.up.pt http: / / orcid.org / 0000-0002-2981-0694
CHRISTOFOLETTI, Rodrigo; BOTELHO, Maria Leonor. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.26, n.2, 2020. Acessar publicação original [DR]
Sociedades Asiáticas na Antiguidade / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2020
O estudo das sociedades asiáticas tem se mostrado um campo fértil e multifacetado. Foi o sinólogo Marcel Granet que apontou, em 1929, a impossibilidade de nos considerarmos especialistas em ciências humanas se nossos currículos continuassem a ignorar dois terços do mundo – ou seja, as civilizações de Ásia, África, Oceania e a América pré-colonial. De certa forma, essa ausência persiste na academia, com exceções pontuais. As iniciativas para estudar esse amplo e vasto “Oriente” tem surgido, com relativo constância, mas sem continuidade garantida. Arnold Toynbee (1986), André Gunder Frank (1998) e Jack Goody (2008) alertaram tacitamente a necessidade de reescrever a história mundial em novos parâmetros, redimensionando a perspectiva eurocentrada; Boaventura de Sousa Santos (2009) propôs, inclusive, que uma nova perspectiva epistemológica precisa desenvolver-se para dar conta de incluir e compreender as culturas americanas, asiáticas e africanas. Nesse sentido, as tentativas de explicar as civilizações orientais, a partir de um instrumental teórico tradicional, tem se mostrado pouco adequadas; e cumpre salientar que o desconhecimento sobre a antiguidade e durabilidade dessas tradições aumenta ainda mais essa lacuna, promovendo uma formação incompleta e restrita.
A iniciativa de formar um dossiê sobre as Sociedades Asiáticas na Antiguidade vem em resposta a essa premente necessidade, apontando caminhos para a pesquisa e para uma verdadeira e autêntica liberdade de pensar e conhecer. Nesse número, pretendemos promover um ponto de encontro entre os mais diferentes especialistas, abrangendo um amplo espaço geográfico e histórico que vai de Israel ao Japão. Nossa intenção é escapar ao Orientalismo, bem denunciado por Edward Said (1998), que homogeniza e estereotipa as culturas asiáticas. Buscamos apresentá-las em sua diversidade, originalidade e antiguidade, revelando aspectos culturais enriquecedores para nossa formação.
A necessidade de reescrever a história
A reescrita de uma história global depende, invariavelmente, do reconhecimento e inclusão das narrativas asiáticas na construção de uma nova cronologia histórica. Um currículo eurocentrado não mais se adéqua, nem se sustenta, diante das necessárias releituras que se impõe a partir de uma nova visão pluridiversa das fases históricas – na qual se destaca a disputa pela questão das origens e das hegemonias. Nesse sentido, a construção das histórias asiáticas (ou orientais), pela academia europeia, nasceu de um processo de exclusão e submissão. Como espaço de disputa genésica, no qual se impunha as visões coloniais e imperialistas do século 19, as civilizações de Ásia e África foram alocadas em segundo plano, servindo a uma hierarquização cultural imaginada, que punha o Ocidente Europeu no centro da estrutura histórica e na estruturação de sua periodização temporal e geográfica. As deformações históricas dessas culturas culminaram no fenômeno do Orientalismo, na já indicada acepção Saidiana. Foi nesse processo que Mesopotâmia, Israel e Egito foram construídos como antecessores préracionalizados da ascensão clássica e filosófica de Grécia e Roma, submetidos a um papel secundário. Em outra direção, Índia e China foram interpretadas como derivações migratórias e estagnadas de longa duração das antigas culturas mesopotâmicas, que persistiam em sobreviver na aurora no mundo contemporâneo (Lacouperie, 1880).
Uma visão diversa, multifacetada e integrada desse mundo antigo tem sido revelada gradualmente em duas frentes: o avanço paulatino das descobertas arqueológicas, que redimensionam nosso entendimento sobre as relações e sistemas materiais na antiguidade, e a construção de novas epistemologias, que agregam as contribuições dos sistemas de saberes não-ocidentais (Santos, 2009). No campo da cultura material, trabalhos basilares como de Amihai Mazar (2001), Finkelstein e Silberman em Israel (2003), Mortimer Wheeler (1968) na Índia ou Kwang Chang na China (1983), apenas para citarmos alguns poucos exemplos, revolucionaram a compreensão do passado dessas civilizações, revelando profundas assimetrias em relação à literatura. Por outro lado, os processos de independência afro-asiáticos, ao longo do século 20, renovaram os discursos de identidade e consciência histórica dos países descolonizados, e estabelecendo um ponto de partida para o resgate das culturas tradicionais (Chesneaux, 1977). Com base nesse renascença cultural, anunciada por Raymond Schwab (1950) e levada a cabo por vários intelectuais, as culturas afro-asiáticas buscaram retomar a posse de suas narrativas, redimensionado-as frente à história mundial. Martin Bernal (1987) mostrou a importância da cultura Egípcia para a formação do mundo grego, assim como Cheikh Anta Diop (1923-1986) reconectou a história dessa civilização com suas raízes africanas; Kavalam Panikkar (1977) e Romila Thapar (1978) ajudaram a renovar a escrita da história indiana e Bai Shouyi (1998) reescreveu a antiguidade chinesa a partir de uma interpretação original e diferenciada das teorias marxistas. Mais recentemente, Liu Xinru (2010), Raoul McLaughlin (2012), Peter Francopan (2019) Jared Diamond (2017) e Yuval Harari (2018) conseguiram incorporar algumas dessas novas leituras em uma narrativa histórica global bastante diferenciada daquela herdada do século 19.
Na dimensão curricular da História Antiga, começa-se gradualmente a contemplar outros espaços, tempos e civilizações, ampliando o escopo das relações culturais e materiais das civilizações ancestrais (Gebara, 2019). Necessário relembrar o esforço ingente de pesquisadores como Ciro Flamarion Cardoso (1942-2013) na área de Egito, Emanuel Bouzon (1933-2006) sobre Mesopotâmia e Ricardo Joppert (1979) na de China antiga, em trazer para o Brasil uma tradição de estudos orientais, produzindo materiais e formando quadros que pudessem superar nossa ausência notável na academia. O resgate das culturais orientais vem a reboque dessa mudança, que se estende há anos, e relevar a necessidade de estudá-las – tanto teoricamente quanto metodologicamente – representa um dos novos desafios epistêmicos para a área (Bueno, 2018). Cumpre salientar, pois, que a construção de um dossiê que expresse a diversidade das culturas não-europeias é saudada como uma iniciativa inovadora, que a revista Nearco abraçou nesse volume.
Apresentando as produções
Na definição das linhas gerais que norteariam a produção desse Dossiê, optou-se por delimitar, como critério fundamental, a avaliação e publicação de estudos que contemplassem culturas fora de um eixo eurocentrado. Por outro lado, a condição temporal de ‘antiguidade’, sincrônica (ou mesmo, anterior) aquela aplicada às culturas ocidentais, serviu de parâmetro para o estabelecimento de abordagens multitemporais e / ou paralelismos. Isso representa abarcar uma grande diversidade de civilizações, num espectro geográfico que vai do Oriente Próximo ao Extremo Oriente; contudo, nos permite apresentar uma série de ensaios especializados já em andamento, que desvelam as possibilidades de pesquisa para esse imenso campo.
Partindo de uma aproximação com os espaços geo-culturais, começamos a apresentação de nossos artigos voltados para o Próximo Oriente. A “antiguidade oriental”, classificação que abarca uma visão integrada da região do Levante e o do norte da África, foi adotada aqui para nortear os critérios de inclusão das pesquisas apresentadas. Em Formas de representação das candaces na cultura material em Kush (I AEC E I EC), de Fernanda Chamarelli, conheceremos mais sobre a presença do poder feminino na região de Kush, exercido pelas Candaces, senhoras ligadas às famílias dominantes locais, que redimensionam para nós as antigas relações de gênero e política. No domínio da história egípcia, Jorge Henrique Almeida nos traz, igualmente, uma contribuição fundamental sobre a obra de Cheikh Anta Diop, pensador africano crucial para uma nova compreensão da história do Egito enraizada nas tradições africanas, renovando tanto as narrativas sobre a egiptologia quanto da epistemologia da história, razão pela qual o ensaio se intitula O que aconteceu na história da ciência: a contribuição de Cheikh Anta Diop. Uma visão multifacetada do Egito resulta das diversas interpretações possíveis acerca dessa civilização, que vivenciou a colonização europeia de sua história.
Dentro do mesmo cenário, as civilizações da Mesopotâmia são examinadas por Priscilla Scoville e Simone Dupla. Essas duas destacadas pesquisadoras proporcionam leituras diferentes da ampla gama de temas que envolvem a história da região. Em Os Cassitas, Scoville apresenta e analisa a pouquíssimo estudada civilização dos cassitas, trazendo uma contribuição inovadora para nossa historiografia de antiguidade; já Simone Dupla, pesquisadora de larga experiência com questões de gênero e sexualidade na Mesopotâmia, nos traz um instigante texto sobre o papel do Sacerdócio feminino na Mesopotâmia, perscrutando as tradições religiosas da região.
Essa visão integrada do ‘antigo Oriente próximo’ nos leva igualmente a Israel, área de intensas disputas narrativas em razão de suas heranças religiosas, epicentro de revoluções no campo das crenças vivenciadas tanto por Ocidente com por Oriente. Janaína Zdebskyi, em seu texto As estrangeiras: registros sobre deusas e mulheres subversivas em excertos bíblicos nos traz uma reveladora pesquisa sobre o papel feminino nas tradições bíblicas, proporcionando uma leitura distinta e alternativa a uma epistemologia histórica androcentrada. Esse artigo dá continuidade a uma série de estudos empreendidos pela autora nesse sentido, consistindo em uma contribuição fundamental para um outro olhar sobre astradições da sociedade vetero-testamentária. Outro texto de escol é proporcionado por um dos maiores conhecedores da História de Israel antigo no Brasil, Josué Berlesi, que investiga a construção da ideia da divindade de Deus em “Javé é um”: apontamentos sobre o processo de construção do monoteísmo no antigo Israel.
No passo de um deslocamento geográfico gradual que agora realizamos, cumpre ainda assinalar a contribuição de Rodrigo Nascimento, Profetismo e Apocalíptica no Zand Ī Wahman Yasn, como uma das raras oportunidades que temos de entrar em contato com o mundo persa antigo, provida por um autor do seleto grupo de estudiosos de Pérsia em nosso país. A análise dessa importante peça da literatura Sassânida envolve conceitos religiosos que consideramos próprios do mundo Judaico-Cristão, mas que se revelam presentes em uma tradição religiosa distinta, com raízes igualmente ancestrais.
A Pérsia esteve intimamente conectada a Índia em função de um fundo cultural comum, derivado das migrações “indo-europeias” – termo de ampla abrangência para designar uma multidão de povos e movimentos migratórios que envolveria a Europa, as planícies do Irã e o norte da Índia. A construção da história indiana, porém, seria permeada por conflitos e hibridismos entre essas vagas de nômades e as populações autóctones que habitavam o subcontinente indiano, gerando sistemas religiosos e filosóficos próprios, que culminariam na formulação do Sanatana Dharma (ou, ‘Hinduísmo’) e de seus derivados, como o Jainismo e o Budismo. Esses sistemas constituiriam o alicerce formativo da civilização indiana, em que as concepções historiográficas tal como conhecemos foram substituídas por uma noção de manutenção das tradições, construindo uma experiência singular de história antropo-religiosa.
Dois textos se apresentam, aqui, promovendo uma releitura dessas tradições antigas da Índia nos dias de hoje. A renomada indóloga argentina Lia de La Vega, diretora da Associação Latino-americana de estudos afro-asiáticos (ALADAA) nos proporciona um instigante artigo, El budismo desde India hacia Sri Lanka: la donación (dana) y sus potencialidades comunitarias para el desarrollo, em que mostra as profundas conexões entre a espiritualidade budista e a construção de uma iniciativa para doação de olhos no Ceilão contemporâneo. Essa experiência revela como o projeto, de cunho médico e social, está permeado por uma discussão importante dos conceitos budistas fundamentais sobre a relação com o corpo. Em caminho similar, João Braatz, em “O Mahabharata”, de Peter Brook: reflexões sobre intermidialidade e “Orientalismo” em uma perspectiva pós-colonial, realiza uma análise da clássica epopeia indiana do Mahabharata e suas versões modernas no teatro e cinema, que trazem a luz um clássico da literatura mundial pouco conhecido no Brasil fora dos meios religiosos. Ambas as exposições de Vega e Braatz nos proporcionam um panorama fascinante da durabilidade das tradições indianas, suas mundivivências recentes e a compreensão de seus valores e ideias.
Em direção ao leste, chegamos agora na China, civilização cuja cultura desenvolveu-se relativamente afastada do eixo que conectava o Médio Oriente e a Índia. Temos a oportunidade, nesse Dossiê, de assinalar a presença de alguns destacados sinólogos de renome internacional, cujas pesquisas enriquecem ainda mais esse trabalho. O primeiro que gostaríamos de apresentar é Bony Schachter, pesquisador brasileiro que atualmente leciona sobre Daoísmo na China, integrando um seleto grupo de docentes estrangeiros habilitados e ensinar nesse país. Seu artigo, Esporte dos deuses: o ritual daoista visto sob uma perspectiva comparativa, nos revela como a antiga filosofia do Daoísmo, surgida em torno do século 6 AEC, transformou-se em um rico sistema religioso, cujas expressões contemporâneas encontram ramificações até mesmo no Brasil. sua preocupação é entender as transformações, os sentidos, significados e metodologias dessa religiosidade em franca expansão no mundo moderno.
O pensamento filosófico chinês antigo é contemplado em outro importante artigo, escrito pela sinóloga eslovena Jana Rosker. Ela é, sem sombra de dúvidas, uma das maiores especialistas deste campo na atualidade, sendo inclusive presidente da Associação Europeia de Filosofia Chinesa, e possuindo dezenas de artigos e livros sobre os mais diversos temas. Para o nosso Dossiê, ela preparou Classical Chinese Philosophy and the Concept of Qi, um texto específico sobre o polissêmico conceito de Qi (energia, vapor, sopro vital, entre outros), imprescindível para o entendimento das teorias filosóficas e médicas chinesas.
No mesmo campo, A “Total War”? Rethinking Military Ideology in the Book of Lord Shang, do eminente pesquisador israelense Yuri Pines nos proporciona uma importante apresentação sobre a questão do pensamento militar na China antiga, presente no livro Shang Yang (ou, O livro do Lorde Shang), clássico da filosofia chinesa muito pouco conhecido no Brasil. Pines tem uma vasta e internacionalmente referenciada produção sobre a história chinesa, voltada principalmente para o período da reunificação chinesa, entre os séculos 4 e 3 AEC.
Como havíamos indicado no início desse texto, uma nova visão do mundo antigo prescinde uma investigação de caráter mais integrador e global. Krisztina Hoppál é uma das mais importantes arqueólogas e historiadoras húngaras em atividade, cujas pesquisas estão voltadas para a comprovação material das relações entre Ocidente e Oriente desde a antiguidade. No ensaio preparado para esse Dossiê, Materials of Eastern origin discovered in the former territory of the Roman Empire, with India and China in focus: examples of direct and indirect interactions from an archaeological perspective, ela examina um conjunto de evidências materiais de origem asiática encontradas nas fronteiras romanas, analisando suas rotas de trânsito e funções simbólicas.
Junto a esse seleto grupo de autores, apresento igualmente um contribuição, China: uma arte para dois mundos, no qual busca-se examinar e compreender o papel da escrita e da pintura e suas relações com as práticas religiosas de evocação durante o período Zhou (notadamente no período dos século 4-3 AEC). A escrita chinesa possui uma estrutura distinta dos sistemas alfabéticos, possuindo implicações especiais para a construção do pensamento simbólico e da racionalização das ideias.
Fechando essa apresentação, Cultura material do Japão no período Kofun: um panorama introdutório, de Larissa Reddit, investiga um tema praticamente inédito no Brasil, relacionado à cultura japonesa: as tumbas do período Kofun, cujo formato e sentido são objeto de ricas discussões acadêmicas. O trabalho de Reddit, Cultura material do Japão no período Kofun: um panorama introdutório é absolutamente inovador, não tendo paralelo em nosso país, e representa uma contribuição significativa para os estudos japoneses desenvolvidos aqui.
A riqueza desse Dossiê resulta da mundiviviência de abordagens possíveis, que mostram os inúmeros pontos de abertura para acessar as civilizações asiáticas. Como podemos notar, os presentes textos resgatam as narrativas dessas culturas, desapropriadas de sua voz, e colocadas em segundo plano, como Jack Goody apontou. Se no Brasil persiste uma atitude arrivista quanto às novas dimensões da escrita histórica, Dossiês como este tornam-se uma ponte indispensável para começar a caminhada em direção aos estudos orientais.
Referências
BAI, Shouyi. An outline history of China (中国通史纲要). Beijing: Foreign Languages Press, 1998.
BERNAL, Martin. Black Athena: Afroasiatic Roots of Classical Civilization, Volume I: The Fabrication of Ancient Greece, 1785-1985. Rutgers University Press, 1987.
BUENO, André. Por que precisamos de China e Índia? In: BUENO, André & DURÃO, Gustavo. Novos olhares para os antigos: visões da antiguidade no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Edição Sobre Ontens, 2018.
CHANG, K. C. Art, Myth, and Ritual: The Path to Political Authority in Ancient China. Cambridge: Harvard University Press, 1983.
CHESNEUAX, J. O retorno do passado tradicional nas jovens nações da Ásia e África. In: SANTIAGO, T. (org.) Descolonização. RJ: Francisco Alves, 1977.
DIAMOND, Jared. Armas, germes e aço. Rio de janeiro: Record, 2017.
FINKELSTEIN, Israel & SILBERMAN, Neil. A Bíblia não tinha razão. São Paulo: Girafa, 2003.
FRANCOPAN, Peter. O coração do mundo: Uma nova história universal a partir da rota da seda: o encontro do oriente com o ocidente. São Paulo: Crítica, 2019.
FRANK, André Gunder. Reorient: Global Economy in the Asian Age. Oakland: University of California Press, 1998.
GEBARA, Uiran. ‘Outra história global é possível? Desocidentalizando a história da historiografia e a história antiga’ in Esboços, Florianópolis, v. 26, n. 43, p. 473-485, set. / dez. 2019.
GOODY, Jack. O roubo da História: Como europeus se apropriaram das ideias e invenções do oriente. São Paulo: Contexto, 2008.
GRANET, Marcel. A Civilização Chinesa. Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1979.
HARARI, Yuval. Sapiens: uma breve história da humanidade. Porto Alegre, L&PM, 2018.
JOPPERT, Ricardo. O alicerce cultural da China. Rio de Janeiro: Avenir, 1979.
LACOUPERIE, Albert Terrien de. Early History of Chinese Civilization. London: E. Vaton, 1880.
LIU, Xinru. The Silk Road in World History. Oxford: Oxford University Press, 2010.
MacLAUGHLIN, Raoul. Roma e o Oriente distante. São Paulo: Rosari, 2012.
MAZAR, Amihai. Arqueologia na Terra da Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2001.
PANIKKAR, Kalavam. A dominação Ocidental na Ásia. RJ: Paz e terra, 1977.
SAID, Edward. Orientalismo: a invenção do Oriente pelo Ocidente. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1998.
SANTOS, Boaventura de Sousa e MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009.
SCHWAB, Raymond. La Renaissance Orientale. Paris: Payot, 1950.
THAPAR, Romila. Ancient lndian Social History: Some lnterpretations. Delhi: Orient Longman, 1978.
TOYNBEE, Arnold. Um estudo da História. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
WHEELER, Mortimer. Índia e Paquistão. Lisboa: Verbo, 1970.
André Bueno – Professor Adjunto de História Oriental da UERJ, organizador do presente Dossiê. Aproveitamos o ensejo para agradecer a direção e a comissão editorial do periódico Nearco por oportunizar a realização desse volume, que julgamos necessário e urgente no atual contexto de renovação historiográfica.
BUENO, André. Apresentação. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade. Rio de Janeiro, v.12, n.2, 2020. Acessar publicação original [DR]
Bibliotecas y cultura letrada en América Latina: siglos XIX y XX | Carlos Aguirre e Ricardo D. Salvatore
La cuestión de la historia de las bibliotecas en América Latina remite a un espacio de conocimiento cuyo alcance y especificidad está en debate. Su trayectoria es algo zigzagueante. Asociada siempre a la historia del libro —de hecho, muchas de las cátedras en la academia que abordan estos estudios se denominan, a falta de mejor inspiración, “Historia del Libro y las Bibliotecas”—, no atrajo, sin embargo, la misma atención que esta. A la transformación conceptual y metodológica que ayudaron a propiciar Robert Darnton y Roger Chartier a mitad en la década de 1980 al sugerir la constitución de un nuevo y prometedor campo, la Historia de la Lectura, le siguió en toda Latinoamérica una expansión formidable de las pesquisas sobre las imprentas, las editoriales, las librerías y los lectorados. Muchos de estos tópicos constituían auténticas deudas historiográficas. En otros casos, el uso de esos marcos teóricos promovió, como era esperable, interpretaciones diferentes de aquellas que los viejos maestros —los Torre Revello, los Toribio Medina— habían dejado a su paso. Pero en esta renovación la historia de las bibliotecas no mereció el mismo cuidado. No es justo señalar que es un ámbito de vacancia, pues existen ya muy buenas obras individuales y colectivas que ofrecen cimientos sólidos. Y también es cierto que existen obras que abundan en descripciones incansables, sin programa ni rumbo. Al olvidar el compromiso interpretativo, al abandonar demasiado pronto el esfuerzo por situar la biblioteca en la trama densa de los circuitos culturales y políticos, al evitar sumergir su significación en el imaginario social, esas investigaciones no colaboraron con la formación de una trayectoria heurística, que es, después de todo y al fin de cuentas, lo que se requiere para la construcción de conocimiento. Probablemente, entonces, ese escaso poder de seducción que presentan muchas de las contribuciones realizadas hasta el presente, junto al hecho incontrovertible del estado de sujeción en el que permaneció la historia de las bibliotecas como apéndice de disciplinas de mayor prestigio académico —como la historia intelectual y la historia de la literatura—, obturaron la posibilidad de comprender los encadenamientos de sentidos producidos por ese fenómeno singular que es la biblioteca, que a muchos atrae y a todos desborda.
Bibliotecas y cultura letrada en América Latina, siglos XIX y XX, agrupa estudios que escapan de la anécdota y del detalle fútil para narrar diversas historias de bibliotecas y de colecciones particulares, en relación diacrónica y sincrónica con las circunstancias que las produjeron y, a la inversa, arrojan una lectura sobre el modo en que estas objetivaciones institucionales o personales —según el caso— contribuyeron a modificar y dar sentido a las realidades que las hicieron posible y que las proyectaron hacia el porvenir. Como requisito de toda empresa heurística y de toda labor editorial que procure y justifique la reunión ante las diversidades conceptuales y metodológicas que aportan los ensayos con distinta procedencia, Carlos Aguirre y Ricardo Salvatore presentan una periodización que se corresponde y se ajusta al contenido del libro, pero que es, al mismo tiempo, la que pudiera emplearse eventualmente para un programa de seminario. El punto de partida puede representarse como un pasaje: el que va de la acumulación libresca colonial a la constitución durante las revoluciones de independencia de las primeras bibliotecas públicas, formadas estas últimas con los retazos de aquellas e incrementadas en el tiempo con suerte dispar y bajo políticas sinuosas —o con ausencia total de ellas—.La historia que se abre con posterioridad a la dominación hispánica es, ciertamente, un momento traumático de la histórica política de América Latina, sumergida entonces en guerras civiles y combates varios por la imposición de modelos alternativos de gobierno. Leia Mais
Eslabones del mundo andino. Comercio, mercados y circuitos pecuarios en el Nuevo Reino de Granada y la Audiencia de Quito 1580-1715 | Yoer Javier Castaño Pareja
Eslabones del mundo andino es una obra dedicada a demostrar los intensos intercambios que, en el siglo XVII, se presentaban al interior y entre territorios andinos del Nuevo Reino de Granada y la Audiencia de Quito, áreas que, comparadas con Nueva España o Perú, parecían no importar a la Corona española. Para tal fin, Yoer Castaño se vale del estudio de las actividades relacionadas con la producción, distribución y consumo de ganado y sus derivados. Se trata de una investigación innovadora en cuanto a sus temáticas, escalas, fuentes, explicaciones y, sobre todo, por su ruptura con supuestos historiográficos tradicionalmente aceptados. Sus aportes han sido reconocidos con anterioridad a la publicación de este libro y desde su defensa en 2015 de su tesis de doctorado en Historia en El Colegio de México. La misma institución le otorgó el premio Adrián Lajous Martínez a la mejor tesis y, en 2016, la Fundación Alejandro Ángel Escobar le concedió Mención de Honor en la categoría de Ciencias Sociales y Humanas. Por las discusiones historiográficas que puede motivar esta publicación, cabe resaltar algunas de sus contribuciones puntuales.
Primero, superando el énfasis que tradicionalmente los colonialistas han hecho en la minería y, en ocasiones, la agricultura, Castaño resalta el papel vertebral de la ganadería en la economía neogranadina, su temprana expansión por los altiplanos y valles interandinos y sus vínculos (con frecuencia no dependientes) con otras actividades económicas. En el lapso 1580-1730, aunque la conexión y flujos entre las áreas productoras y consumidoras fue dinámica, según condiciones como los auges mineros, la fluctuación de la población, las sequías y las plagas de langosta, son claros los puntos principales de origen y destino. Como áreas productoras y abastecedoras de Quito y el Nuevo Reino de Granada se destacaron el valle geográfico del río Cauca (jurisdicciones de Cali, Buga, Caloto, Cartago y Roldanillo) y el alto Magdalena (jurisdicciones de Neiva, Timaná y La Plata). Como principales ejes articuladores del intercambio y el consumo figuraron, primero, los mercados permanentes en las dos ciudades capitales, Quito y Santafé; segundo, las áreas captadoras-redistribuidoras que eran centros de acopio para abastecer a otras zonas o lugares intermedios en el tránsito pecuario, como fueron Cartago, Cali, Popayán, Pasto e Ibarra; tercero, los mercados fluctuantes, con frecuencia zonas mineras que, mientras estaban en auge, atraían comerciantes de reses y productos pecuarios. Leia Mais
História em Revista. Pelotas, v.25, n.2, 2020.
Dossiê: Ensino de História e Educação em Tempos de Incerteza
Artigos
- FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ROMPENDO AS FRONTEIRAS HISTÓRICAS SOBRE O FAZER DOCENTE
- Shirlei Alexandra Fetter, Raquel Karpinski, Denise Regina Quaresma da Silva
- SER PROFESSOR DE HISTÓRIA EM TEMPOS DE CRIMINALIZAÇÃO DO FAZER DOCENTE
- Elvis Patrik Katz, Andresa Silva da Costa Mutz
- O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA: OS DESAFIOS DE UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA NA REGIÃO DE ERECHIM/RS
- Luciana da Veiga
- HISTÓRIA DA ÁFRICA E AFRO-BRASILEIRA: AUTONOMIA NO ENSINAR E APRENDER
- Aristeu Castilhos da Rocha
- ENSINO DE HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA ATRAVÉS DE MAQUETES DO LASCA-UFSM
- Valeska Garbinatto, André Luis Ramos Soares
- SABERES E VALORES DAS PESSOAS NEGRAS EM MOVIMENTO: ENSINAR HISTÓRIA EM COLETIVIDADES EMANCIPATÓRIAS
- Maurício da Silva Dorneles, Carla Beatriz Meinerz
- COMO TRABALHAR COM A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL PRODUZIDA NOS MUSEUS E EM OUTROS ESPAÇOS? UMA EXPERIÊNCIA ENTRE O MEMORIAL DA RESISTÊNCIA DE SÃO PAULO E O CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO POPULAR UP, CAPÃO DO LEÃO-RS
- Milena Rosa Araújo Ogawa, Amanda Nunes Moreira
- APRENDIZAGEM HISTÓRICA E GÊNERO: UMA EXPERIÊNCIA COM AULA OFICINA
- Amanda Nunes Moreira
- “NÃO É PRECISO QUEIMAR SUTIÃS EM PRAÇA PÚBLICA”: O DIA INTERNACIONAL DA MULHER ATRAVÉS DO JORNAL PIONEIRO
- Rúbia Hoffmann Ribeiro, Eliana Gasparini Xerri
- UMA IMAGEM VALE MAIS DO QUE MIL PALAVRAS: CONSIDERAÇÕES ACERCA DO USO DA FOTOGRAFIA NO ENSINO DA HISTÓRIA
- Isabella Czamanski Rota
Sujeitos, espaços e tempos históricos. Edição Especial: egressos do curso de História | Revista Historiar | 2020
Caros leitores da Revista Historiar apresentamos o número 23, de julho a dezembro de 2020, uma edição especial, diria até, celebrativa pela alegria de estarmos vivos e congratulando conquistas. Como as futuras gerações lerão o nosso tempo?
Aqui, no presente, percebemos como um ano de impacto mundial de saúde pública, pandemia causada pelo novo corona vírus (Covid 19), o que nos faz sentir os dramas de sua repercussão na vida cotidiana. “O dia em que a terra parou…”, como previu a música de Raul Seixas, em 1977. Leia Mais
Descobrimentos / Estudos Históricos / 2000
Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (II) / Vozes Pretérito & Devir / 2020
Arqueologia e Paisagem / Revista Mosaico / 2020
Os estudos sobre a paisagem se constituem hoje em um dos campos mais prolíficos e vibrantes da Arqueologia. Sua origem remonta à década de 1920 (ANSCHUETZ et al., 2001, p. 157), época em que se consolidaram os principais métodos e técnicas da disciplina, muitos deles ainda hoje empregados. Na sua trajetória, surgiram abordagens clássicas que influenciaram gerações de arqueólogos, do estabelecimento dos estudos sobre padrões de assentamento (WILLEY, 1953) à sua consolidação por meio de abordagens processuais (BINFORD, 1980) e funcionalistas (CLARKE, 1977); das abordagens distribucionais (DUNNELL, 1992) ao estudo das paisagens vividas e simbólicas (TILLEY, 1994; THOMAS, 2001). Essa trajetória, muito diversa, é uma prova indiscutível da sua energia, bem como do seu grande fôlego teórico e metodológico.
É admirável o projeto de perseguir uma definição ou paradigma que dê conta de abordar a paisagem pela Arqueologia da paisagem (ANSCHUETZ et al., 2001; ASHMORE, 2004) ou pela Geoarqueologia (GOLDBERG; MACPHAIL, 2007). É, todavia, inegável, e para além desse projeto, que é justamente dessa diversidade, em certo sentido difusa, que emana a sua vitalidade. É dentro desse entendimento que o dossiê Arqueologia e Paisagem foi organizado. Sua proposta fundamenta-se na ideia de que é a partir dos seus variados percursos que se abrem possibilidades para novas ideias, percepções e diálogos. Tendo isso em mente, nosso objetivo foi reunir trabalhos envolvendo a paisagem por meio de abordagens arqueológicas, sem que tivéssemos um compromisso estrito com recortes regionais, temporais, teóricos ou metodológicos. Traz essa proposta a vontade de transpor fronteiras tradicionalmente estabelecidas e, com isso, nos fazer olhar para o lado. Nossa crença é que a partir desse tipo de experiência podemos encontrar outras maneiras de interpretar as interações das pessoas com a paisagem.
Dos textos aqui reunidos, e levando em conta essa proposta, emergem alguns pontos que merecem ser destacados. O primeiro, bastante evidente no conjunto, diz respeito à capacidade da Arqueologia da paisagem para operar, seguindo uma prática corrente na Arqueologia, em conjunto com uma enorme variedade de campos dsciplinares. Alinham-se neste dossiê discussões desenvolvidas na interface com a geociências, botânica, arquitetura, museografia, etnologia e conservação.
É igualmente relevante a diversidade em termos dos conceitos empregados, que neste volume são claramente multidirecionais. Em Paisajes geoculturales de la region Este de Uruguay, Caffa, por exemplo, emprega o conceito de ‘paisagem geocultural’, de modo a buscar manifestações do binômio cultura / ambiente na região de Laguna Merín, Uruguai, tendo como foco a evolução geomorfológica da ecozona que favoreceu a ocupação e mobilidade dos grupos humanos. Em Bitucas e a materialização do equívoco: Qurna e suas paisagens potenciais, Pellini utiliza o conceito de ‘paisagens múltiplas’, no sentido de voltar-se às percepções locais de paisagem e, com isso, reconhecer mundos e experiências outros e alternativos à cosmovisão ocidental. Em Caminhos que levam à Glória: Villa Aymoré – apontamentos arqueológico-paisagísticos de um sítio histórico, Macedo e Andrade utilizam uma matriz conceitual denominada ‘arqueologia histórico-paisagística, que é voltada à análise de espaços edificados e baseada na capacidade da paisagem para produzir sentidos. Ao lado do uso desses conceitos, identifica-se neste dossiê análises clássicas e contemporâneas sobre a paisagem, com discussões que incluem temas como economia, território, mobilidade, constituições simbólicas, memória, poder, entre outros.
Destaca-se entre essas análises a capacidade para revelar práticas, processos e formas de constituição social insuficientemente explorados até aqui ou envolvendo sujeitos antes invisibilizados. Esse, por exemplo, é o caso das discussões realizadas por Pellini, que expõe o afastamento forçado da população qurnawi, que vive em Qurna, Egito, com vistas a atender interesses turísticos associados ao passado faraônico. Em A floresta como esconderijo: arqueologia da paisagem na mata Atlântica do Rio de Janeiro, Oliveira, Patzlaff e Scheel-Ybert revelam algumas das práticas associadas aos carvoeiros, que integrando os extratos menos favorecidos da sociedade brasileira nos séculos 18 e 19, tiveram suas trajetórias invisibilizadas nas fontes documentais. Nesse caso, esses autores se valem da grande capacidade da Arqueologia da paisagem para pensar a constituição de experiências espaciais ligadas a segmentos ou classes sociais particulares no Mundo Moderno (MROZOWSKI et al., 1989; SHACKEL; PALUS, 2006; O’KEEFE, 2009).
Este dossiê abre-se também para a proposta de utilizar a Arqueologia da paisagem e a Geoarqueologia como um laboratório voltado ao desenvolvimento de abordagens regionais. Em A paisagem como elemento de análise: mesopotâmia dos rios Araguaia e Peixe, Goiás, Rubin e colaboradores apresentam alguns dos resultados de um projeto sobre as populações pré-coloniais do Brasil Central, examinando por meio de um ensaio teórico e de natureza exploratória, as alternativas interpretativas do estudo paisagístico dessa região. Considerando elementos advindos das fontes orais, arqueológicas, geoarqueológicas e etnográficas, buscam identificar percursos possíveis, com vistas ao desenvolvimento de novas interpretações dessa paisagem.
Um ponto de interesse em relação aos estudos da paisagem e que, no caso deste volume, merece ser destacado, diz respeito à possibilidade de construções no tempo longo, o que em última análise nos estimula a olhar com atenção as complexas relações estabelecidas entre pessoas, o espaço e o tempo. Esse é o caso, por exemplo, do trabalho de Gonçalves, Abreu e Pereira intitulado Arrábida, território da espiritualidade: geologia, arqueologia e arte, no qual apresentam a longuíssima e impressionante trajetória do gênero Homo na Cordilheira da Arrábida, Portugal, e sua relação com essa paisagem ao longo do tempo. Em Aproximación geoarqueológica en los ciclos de poblamiento y abandono del Cauca medio colombiano, Echeverri estabelece uma correlação entre atividades vulcânicas, formação das paisagens, manejos de plantas e o povoamento inicial do médio curso do Rio Cauca, Colômbia, em um contexto em que eventos sísmicos também estão presentes.
Nas análises apresentadas neste dossiê, e ainda levando em conta a perspectiva do tempo, é relevante assinalar também as interpenetrações entre memória e paisagem, ou entre os elementos a eles relacionados. A paisagem pode inscrever processos de esquecimento e lembrança, pertencimento e negação, apropriação e controvérsia, aversão e afeto (DUNCAN; LEY, 1993; VAN DYKE; ALCOCK, 2003; JONES, 2007; KOHL et al., 2007). Isso implica diretamente a forma como se organiza, por intermédio da paisagem, o patrimônio material de uma dada sociedade, e interessa aqui notar que um dos fios condutores desses processos é o tempo. Pode-se perceber nas contribuições de Macedo e Andrade, bem como de Pellini, que a Arqueologia da paisagem não se apresenta apenas no sentido de revelar processos encobertos, mas também como uma ferramenta para a transformação, na medida em que é capaz de oferecer à sociedade elementos para novas formulações ligadas à memória. Em Museu, cultura material e gravura rupestre: a construção da paisagem no universo das coisas polidas, Marques, Veríssimo e Santos apresentam uma perspectiva também de interesse. Seu texto envolve o estudo de artefatos líticos pré-coloniais usados para polimento, encontrados na Serra Azul, Ceará, e que foram deslocados da paisagem, na medida em que alguns deles foram retirados do seu lugar de origem e expostos em um museu local. O estudo feito pelos autores, que é fundamentado em uma perspectiva simétrica, aponta para uma possibilidade interessante, na medida em que abre-se para a criação de uma narrativa que pode permitir inscrever lugares, artefatos e seus produtores em um mesmo regime de memória, sem perder de vista as suas trajetórias no tempo presente.
Associa-se ainda ao tempo as inúmeras relações entre as variantes que compõem um dado ambiente e a conservação de sítios arqueológicos. Em Paisagem, gravuras, problemas de conservação: um olhar sobre o sítio Poço da Bebidinha, Lage, Lage e Nascimento desenvolveram um estudo sobre a paisagem do Cânion do Rio Poti, situado entre o Ceará e o Piauí, e onde se localiza o sítio Poço da Bebidinha. A proposta dos autores na análise dessa paisagem foi entender os problemas de conservação que agem sobre esse tipo de sítio com o intuito de enfrentá-los.
Uma questão de ordem teórica ligada à relação cultura-natureza merece ainda ser contemplada, sobretudo em função da sua importância crescente na disciplina. Atualmente, dois desafios têm se apresentado aos estudiosos da paisagem na Arqueologia, sobretudo em algumas regiões das Américas. O primeiro desafio, que gradualmente vem sendo rompido, envolve o uso diferencial de paradigmas teóricos nas arqueologias histórica e pré-colonial, uma vez que, na primeira, têm predominado abordagens com uma orientação humanista, subjetivista e contextual, geralmente abrigadas no amplo guarda-chuva da arqueologia pós-processual, enquanto na segunda, têm predominado abordagens com uma orientação positivista, objetiva e cientifica. O segundo desafio, intimamente conectado a esse problema e cujas bases são claramente ontológicas, envolve, por um lado, uma preferência da Arqueologia histórica por análises envolvendo a denominada ‘paisagem social’, que geralmente está limitada ao ambiente edificado e onde quase que invariavelmente a cultura parece triunfar sobre a natureza. Por outro lado, na Arqueologia pré-colonial verifica-se uma predileção por análises voltadas ao que poderia ser denominado de ‘paisagem natural’ e que, muitas das vezes, dão aos elementos presentes no meio-ambiente um peso mais decisivo, na medida em que eles geralmente aparecem influenciando ou complicando certas práticas culturais ou sociais (SOUZA; COSTA, 2018).
A dicotomia cultura / natureza está não apenas presente na origem da Antropologia enquanto área do conhecimento, mas também no fulcro da constituição moderna (COLLINGWOOD, 1945; LATOUR, 1991). Seu enfrentamento na arqueologia passa, por exemplo, pelas escolhas que têm orientado os estudos sobre a paisagem nos termos acima expostos, o que, no nosso entendimento, precisa ser desafiado, em benefício de todos. Parte do problema reside no fato que, independente do contexto ou período que está sendo tratado, cultura e natureza se inter-relacionam de uma forma recíproca, permeável e sempre mutante. Para seu enfrentamento, faz-se necessária a compreensão de que a experiência na paisagem envolve, fundamentalmente, interações amplas entre as pessoas e o mundo. Conforme pontuado especialmente por Ingold (2000, 2011), nossa experiência na paisagem é um processo de coprodução que ocorre por meio de transformação mútuas e contínuas. Nos termos por ele colocados, o mundo é um local de misturas e entrelaçamentos. Nos cabe, portanto, analisá-las, não em termos de influências ou trocas, mas de constituições recíprocas, essencialmente híbridas.
No que se refere a essas questões, este dossiê oferece alguns elementos muito interessantes para repensarmos o que até aqui temos praticado. O trabalho realizado por Oliveira e colaboradores, por exemplo, traz para a Arqueologia histórica uma vertente, ainda que bem conhecida na Arqueologia pré-colonial, pouquíssimo explorada nesse campo e que inclui o estudo de espécies vegetais. Quando examinada de perto, a vegetação, ou em termos mais abrangentes, a ‘paisagem natural’, mostra-se para o caso dos contextos históricos, assim como em outros tantos, como um mosaico ecológico de usos pretéritos e, a nosso ver, parte indissociável da experiência moderna. Igualmente importante é a perspectiva assumida por alguns autores que levam em conta a ideia de coprodução entre pessoas e coisas, como nas discussões elaboradas por Rubin e colaboradores no seu trabalho sobre a paisagem dos rios Peixe e Araguaia, e Marques, Veríssimo e Santos, na sua análise sobre a Serra Azul.
Convidamos então os leitores a percorrerem este dossiê. Nossa proposta, em especial, é que façam isso pensando para além dos seus interesses de pesquisa mais imediatos. Estamos certos de que assim procedendo irão encontrar novas e produtivas possibilidades para pensar a paisagem por meio de uma perspectiva arqueológica.
Referências
ANSCHUETZ, Kurt F.; WILSHUSEN, Richard H.; SCHEICK, Cherie L. An archaeology of landscapes: perspectives and directions. Journal of Archaeological Research, v. 9, n. 2, p. 157-221, 2001.
ASHMORE, Wendy. Social Archaeologies of Landscape. In: MESKELL, Lynn e PREUCEL, Robert W. (ed.): A companion to social archaeology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 255-271.
BINFORD, Lewis R. Willow smoke and dog’s tails: hunter-gatherer settlement systems and archaeological site formation. American Antiquity, v. 45, n. 1, p. 4-18, 1980.
CLARKE, David L. Spatial archaeology. London, Academic Press, 1977.
COLLINGWOOD, Robin G. The idea of nature. Oxford, Claredon Press, 1945.
DUNCAN, James S.; LEY, David. Place / culture / representation. London, Routledge, 1993.
DUNNELL, Robert C. The notion site. In: ROSSIGNOL, Jacqueline; WANDSNIDER, LuAnn (ed.). Space, time and archaeological landscapes. New York: Springer, 1992. p. 21-42.
GOLDBERG, Paul; MACPHAIL, Richard. Practical and theoretical geoarchaeology. Oxford, Blackwell, 2007.
INGOLD, Tim. Being alive: essays on movement, knowledge and description. London, Routledge, 2011.
INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling & skill. New York, Routledge, 2000.
JONES, Andrew. Memory and material culture. Topics in contemporary archaeology. Cambridge, Cambridge University Press, 2007.
KOHL, Philip L.; KOZELSKY, Mara; BEN-YEHUDA, Nachman. Selective remembrances: archaeology in the construction, commemoration, and consecration of national pasts. Chicago, University of Chicago Press, 2007.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro, Editora 34, 1991.
MROZOWSKI, Stephen A. et al. Living on the Boott: health and well being in a boardinghouse population. World Archaeology, v. 21, n. 2, p. 299-319, 1989.
O’KEEFE, Tadhg. What landscape means to me. Landscapes, v. 10, n. 1, p. 123-130, 2009.
SHACKEL, Paul A.; PALUS, Mattew. Remembering an Industrial Landscape. International Journal of Historical Archaeology, v. 10, n. 1, p. 49-71, 2006.
SOUZA, Marcos André Torres de; COSTA, Diogo Menezes. Introduction: historical archaeology and environment. In: SOUZA, Marcos André Torres de; COSTA, Diogo Menezes (ed.). Historical Archaeology and Environment. New York: Springer, 2018. p. 1-15.
THOMAS, Julian. Archaeologies of place and landscape. In: HODDER, Ian (ed.): Archaeological theory today. Cambridge: Polity Press, 2001. p. 165-186.
TILLEY, Christopher Y. A phenomenology of landscape: places, paths, and monuments. Oxford, Berg, 1994.
VAN DYKE, Ruth M.; ALCOCK, Susan E. Archaeologies of memory. Malden, Blackwell, 2003.
WILLEY, Gordon R. Prehistoric Settlement Patterns in the Virú Valley. Bulletin. Ethnology, Bureau of American. Washington D.C., 1953.
Marcos André Torres de Souza – Doutor em Antropologia por Syracuse University, EUA. Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás. Graduado em Arqueologia pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. Professor Adjunto do Museu Nacional / Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Antropologia, Programa de Pós-Graduação em Arqueologia (PPGArq). Pesquisador do CNPq. E-mail: torresdesouza@yahoo.com
Julio Cezar Rubin de Rubin – Doutor em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Graduado em Geologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1988). Professor Adjunto I na Pontifícia Universidade Católica de Goiás dos cursos de graduação em Arqueologia e Biologia e dos Mestrados em Ciências Ambientais e Saúde e História. E-mail: rubin@pucgoias.edu.br
SOUZA, Marcos André Torres de; RUBIN, Julio Cezar Rubin de. Apresentação. Revista Mosaico. Goiânia, v.13, n.2, jul. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]