“Os dois tributos” do Pastor Natanael Cortez: escrita de si, biografia e memória do Presbiterianismo | Marcos José Diniz Silva

“Os dois tributos” do Pastor Natanael Cortez: escrita de si, biografia e memória do Presbiterianismo | Marcos José Diniz Silva| Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v. 14, n.40, 2021.

 

“O mais célebre santuário do mundo”: romarias e o espaço sagrado no Santo Juazeiro (1920-1936) | Magno Francisco de Jesus Santos

“O mais célebre santuário do mundo”: romarias e o espaço sagrado no Santo Juazeiro (1920-1936) | Magno Francisco de Jesus Santos | Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v. 14, n.40, 2021.

 

 

Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial | Revista Brasileira de História das Religiões | 2021 (D)

Filosofia e Historia da Biologia 37 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Assim caminha a religiosidade. Imagem: ValmirSarmento.wordpress.com |

Apresentação

Nós só temos uma certeza

É que a vida tem um norte

Que nos leva para a morte

Faz parte da natureza

E nisso temos clareza.

No mundo qualquer sujeito

Tem tudo o mesmo direito

Não se fazendo mistério

– RICO OU POBRE, O CEMITÉRIO

RECEBE DO MESMO JEITO.

(Mote inspirado em Dalinha Catunda)

O ano de 2020 foi duramente impactado pela pandemia de Covid-19. Contaminação, isolamento, distanciamento social e mortes fizeram parte de nossa realidade nos últimos meses, afetando a todos ainda que de diferentes maneiras. Rituais foram interditados, reduzidos e ressignificados em alguns momentos e este local de despedida e homenagem foi esvaziado de sociabilidades e práticas religiosas, mas infelizmente ocupado pelos numerosos cadáveres vítimas dessa doença. Não apenas como um local cercado onde cadáveres são enterrados, o cemitério enquanto espaço para as manifestações religiosas também sentiu os efeitos dessa mudança recente, celebrações de devoções coletivas e individuais foram neste contexto interditadas. A sepultura enquanto signo da presença do morto para além da morte (ARIÈS, 1975) não pode cumprir plenamente sua função: ainda que continue afastando o cadáver agora contaminado, não permite rituais e simbologias que expressem essa passagem e recordação para os familiares e entes queridos.

Esta dimensão sagrada neste espaço de sepultamentos é encontrada em diversas culturas e é objeto de grande produção historiográfica no Brasil. Um de seus percursores é o sociólogo Clarival do Prado Valadares que na sua obra já clássica Arte e Sociedade nos Cemitérios Brasileiros enfatiza a transferência na crença de qualidades místicas dos mortos, ou a denominação de almas santas, que antes era limitada a padres para os mortos comuns com a laicização dos cemitérios (VALADARES, 1973, p.441). Sepulturas cujos mortos são dotados de algum tipo de santificação ou poder místico estão presentes em diferentes espaços e tempos. Devoções temporárias ou seculares não indicam um só modelo de morto. Do bandido à criança, vítimas de doenças, epidemias ou assassinatos, a diversidade no caráter do escolhido é tão ampla como a causa de seu falecimento. As formas de manifestação dessas devoções também são distintas, das mais comuns placas passando por gêneros alimentícios, objetos sagrados ou profanos, alguns permanecem e outros inéditos são acrescentados a este rol de ex-votos. A grande possibilidade de promessas, segundo Maia, indica como é a compreensão do milagreiro na vida desses devotos (MAIA, 2019, p. 127).

Essa espontaneidade devocional inspira a análise dessas práticas. Independente da vida ou do bom ou mau exemplo, da aprovação ou não de uma instituição religiosa, o milagreiro estabelece uma relação íntima com o devoto, um afeto concreto e sentido (ANDRADE JÚNIOR, 2008, p.97) Nesta chamada temática o objetivo geral foi reunir pesquisas que discutiram o cemitério para além desse espaço de sepultura dos mortos. Os textos aqui publicados procuraram identificar neste espaço as crenças, vivências e práticas religiosas articulando a necrópole com experiências variadas de devoção e representações individuais da fé.

Nessa perspectiva, reunimos textos que trazem contribuições para o debate do cemitério como espaço possível de múltiplas manifestações religiosas. Nossa amostra aqui publicada, indica as variadas possibilidades de abordagem dessa temática e a abundância de fontes e de pesquisas com diferentes interesses.

A chamada contém cinco artigos em que as relações entre as religiosidades e os cemitérios são pesquisadas a partir de abordagens específicas que apontam para as possíveis dinâmicas desse objeto de estudo. No primeiro artigo de Ludimila Campos, Piedade Mariana e hibridismo cultural na catacumba de Santa Priscila e no sarcófago de Adelfia (séc. III-IV) o processo de enterramentos subterrâneos na Roma Antiga e a mistura entre culturas pagãs e o cristianismo permitem ao pesquisador entender como certos elementos foram apropriados pela nova crença. As inscrições nos sarcófagos caracterizam a riqueza de fontes possíveis para evidenciar o hibridismo que é a marca dessas manifestações. O artigo demonstra como nestes espaços já existia uma religião mortuária pagã e que com o cristianismo essa cultura funerária recebeu novas particularidades.

O segundo artigo é marcado por um grande salto cronológico e espacial. Em Consolo escatológico: cemitérios, morte e porvir em relatos e obituários adventistas durante a Gripe Espanhola, Allan Macedo de Novaes problematiza a questão do espaço cemiterial para uma instituição religiosa em que tal aspecto foi pouco explorado. Sua grande contribuição nessa pesquisa está na análise de um conjunto riquíssimo de fontes que apresentam os cemitérios como espaços de disputa para os membros da Igreja Adventista neste contexto de epidemia, em que o evangelismo e a confirmação da doutrina indicam o predomínio dos ritos fúnebres dirigidos por consolo escatológico. O artigo questiona como a não crença no além e as narrativas apocalípticas influenciam os sentidos de morte e salvação que rondam o lugar do cemitério nas narrativas adventistas da Revista Mensal.

Os milagreiros de cemitério são o tema do artigo Maria Adelaide (XIX) e Antero da Costa Carvalho (XX) a religiosidade popular no espaço cemiterial de Jaciely Soares Silva. A questão da religiosidade popular é analisada a partir de dois estudos de caso um do Brasil e outro de Portugal. Nesta perspectiva, o artigo discute a devoção a Antero em Catalão-GO, Brasil, que em 1930 foi linchado pela população e, Adelaide, pertencente à freguesia de Arcozelo, em Portugal, exumada em 1916, muitos anos após seu falecimento e que seu corpo foi encontrado incorrupto. Casos distintos, em espacialidades distantes, mas que possuem pontos de união, manifestada principalmente pela superação de sua existência privada para a esfera de um sagrado coletivo. A dimensão da apropriação e ressignificação desses mortos constitui elementos de um poder popular de escolha de suas devoções. O protagonismo do devoto é enfatizado nestes dois exemplos.

Nós que aqui estamos a vós ajudamos é o artigo dos pesquisadores José Cláudio Alves de Oliveira e Edvania Gomes de Assis Silva. A comparação entre duas manifestações religiosas cemiteriais é apresentada no texto a partir das análises da devoção nos Estados Unidos no espaço da sala de milagres do cemitério de São Roque (Saint Roch), em Nova Orleans; e no Brasil, no Cemitério da Consolação em São Paulo, nos túmulos de Antônio da Rocha Marmo e de Maria Judith de Barros. O significado cultural do espaço cemiterial é abordado nessa análise que percebe na presença e riqueza de ex-votos a dimensão incontrolável da devoção aos mortos e sua capacidade de interceder nos pedidos dos vivos. Nesta pesquisa, a conexão entre morte ou morto e a graça que pode ser concedida evidencia os múltiplos sentidos dessa devoção. Maria Judith de Barros pode ser solicitada igualmente por estudantes que enfrentam concursos como Enem ou Vestibular e pessoas que estão com problemas conjugais ou desejam adquirir uma casa própria.

Finalizando o volume, contamos com o artigo Morte e cemitério na memória coletiva e identidade étnica dos pomeranos e seus descendentes no Brasil de Renata Siuda-Ambroziak e Cione Marta Raasch Manske. O objetivo deste artigo é refletir sobre o papel da morte e o local do cemitério na memória coletiva entre os pomeranos e descendentes assentados em Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo. A contextualização da inserção dessa comunidade e a articulação com a questão religiosa, já que se configurava em um grupo luterano, influenciaram a ênfase em aspectos étnicos que reforçassem as origens. Os três cemitérios analisados na pesquisa, exemplificam a manutenção das tradições, e também os conflitos entre questões identitárias e a nova realidade enfrentada pela comunidade.

A chamada temática procurou avançar na temática a partir de diferentes propostas teórico-metodológicas em que este espaço dos mortos, o cemitério, permite a compreensão de diversificadas formas de devoção e religiosidade, marcadas pela valorização deste espaço e da memória desse indivíduo morto. Esta dimensão do cemitério permite a compreensão das transformações nos processos do morrer e de nossa relação com os mortos, o que atrai, afasta ou leva ao total esquecimento uma devoção. Num momento tão trágico para a História da Humanidade e especialmente para o Brasil, pensar na valorização dos cemitérios, práticas de memória e o culto aos mortos é um desafio diário e uma forma de resistência.

O volume finda com artigos livres.

Dra. Adriane Piovezan (FIES – Faculdades Integradas Espírita)

Dr. Lourival Andrade Júnior (UFRN-CERES-DHC/Programa de Pós-graduação em História dos Sertões)


PIOVEZAN, Adriane Piovezan; ANDRADE JÚNIOR, Lourival. Apresentação – Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial. Revista Brasileira de História das Religiões. Marigá, v.14, n.40, p.5-8, maio / ago. 2021. Acessar publicação original [IF].

Acessar dossiê

Revista Brasileira de História das Religiões | Maringá, v.14, n.40. (S)

Publicado em 2021-04-26 | v.14, n.40 (2021)

CHAMADA TEMÁTICA | Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial

ARTIGOS LIVRES 

Piedade mariana e hibridismo cultural na catacumba de Santa Priscila e no sarcófago de Adelfia (séc. III-IV) | Ludimila Campos

Piedade mariana e hibridismo cultural na catacumba de Santa Priscila e no sarcófago de Adelfia (séc. III-IV) | Ludimila Campos | Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v. 14, n.40, 2021.

Experiências em Ensino de Ciências. Cuiabá, v.16, n.1, 2021.

Artigos

Publicado: 2021-04-25

Meridiano 47 – Journal of Global Studies. Brasília, v.22, 2021.

Artigos

Publicado: 2021-04-20

Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil | Yuko Miki

MIKI Yuko 2 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Yuko Miki | Foto: Fordham News |

MIKI Y Frontiers of citizenship Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialA especialização no campo das pesquisas históricas trouxe inegáveis avanços para o nosso conhecimento a respeito das indagações que fazemos sobre o passado. Ao lado desses avanços há armadilhas, quase que inevitáveis, especialmente para os historiadores em formação. É na definição dos recortes – seja ele espacial, cronológico, bibliográfico ou de grupos sociais – que se antevê o tamanho do cabresto que cerceia a visão do autor e retroalimenta interpretações de escolas clássicas. São recortes que não nascem livremente de perguntas – o único meio de dar unidade coerente à pesquisa, como ensinava Marc Bloch – e, sim, estão naturalizados pelos campos ou pelas instituições. No Brasil, uma das especializações mais curiosas é a que separa de forma extremamente rígida a história dos povos indígenas e dos escravizados afro-brasileiros. De modo geral, persiste a crença de que o avanço territorial da escravização afro-brasileira tinha como sua consequência o desaparecimento ou perda de importância dos povos indígenas. Os estudos sobre o século XIX vem sistematicamente negando essa perspectiva, mas muitas vezes também criando uma história dos povos indígenas no Império do Brasil quase autônoma à da escravização dos afro-brasileiros. [3]

Frontiers of Citizenship, de Yuko Miki, já mereceria ser saudado por explorar essa primeira “fronteira”: a que separa a história de afro-brasileiros e de indígenas no Império do Brasil. Mais uma vez, o olhar estrangeiro nos ajuda a questionar os cânones da história nacional. Miki nascida em Tóquio, mas há muitos anos radicada nos Estados Unidos, onde é professora da Fordham University (NY), conta ao longo do livro o seu estranhamento em ver a história desses dois grupos tão apartada. Por outro lado, o livro – e especialmente seus comentários de contracapa – lhe atribuem muitas vezes uma originalidade que não é verdadeira. Muitos pontos – sobretudo em relação à história dos povos indígenas – podem ser pouco conhecidos do público estrangeiro, mas são absolutamente sabidos entre os historiadores brasileiros. A despeito disso, o esforço em buscar uma única interpretação, ou mesmo pontos de encontros, para a história de indígenas e afro-brasileiros escravizados é um ganho real.

Desde o início o livro chama a atenção por essa fusão que não está apenas na capa – uma bela arte de sobreposição de imagens de indígenas e afro-brasileiros – mas por se tratar de um volume da “Afro-Latin America” da Cambridge que tem como recorte espacial o vasto território conhecido na historiografia por ser aquele que foi alvo de D. João, em 1808, para se fazer guerra aos indígenas botocudos. Poucos territórios têm tão marcadamente um tema e uma cronologia: a guerra justa contra os botocudos e o período de 1808 a 1831, quando esta prática é extinta pelo Parlamento. Quase que exclusivamente tratado pela historiografia sobre os povos indígenas, é centro de discussão para as políticas indigenistas e as modalidades de trabalho imposta a estes povos. [4]

Miki implode esses parâmetros. Em primeiro lugar, avança a análise até o final do Império, permitindo revelar um quadro de mudanças muito mais complexo do que aquilo que se vê apenas até 1831, passando inclusive pelo Regulamento das Missões (1845) [5], o movimento abolicionista e a própria abolição. Ainda mais importante, Miki tenta enxergar essa região – que ela chama de “Fronteira Atlântica”, algo que problematizaremos adiante – como uma espécie de síntese, de um laboratório do Império. Afinal, foi ali que se abriu no começo do século XIX uma política generalizada de extermínio indígena. É verdade que isto jamais foi suprimido no Império português, mas especialmente depois de Pombal as políticas que tentavam transformar os indígenas em portugueses tornaram-se centro da estratégia do Império na disputa por territórios com Madri.

Ao mesmo tempo, o espaço colonial é o símbolo de uma mudança política com a vinda da Corte, Corte que não valorizava mais “zonas tampão” – papel que o território e os botocudos tinham ocupado até 1808 para impedir o desvio de pedras preciosas. Ao invés disso, o que se precisava era expandir-se “para dentro”, feliz expressão de Ilmar Mattos que fará ainda mais sentido já no Império do Brasil. [6] A expansão agrícola na “Fronteira Atlântica” é acompanhada de tentativas de implementação de novas alternativas de propriedade e trabalho. A mais famosa dessas iniciativas é a Colônia Leopoldina, incentivada pela própria Coroa através da vinda imigrantes e a distribuição de pequenas propriedades. A rápida transformação dessa experiência em apenas mais uma grande monocultura tocada com braços de escravizados afro-brasileiros, somada ao fato de ter se tornado um dos símbolos da resistência escravista, é extremamente destacado pela autora. Em alguma medida, o tom pessimista de toda a obra é sintetizado no “fracasso” da Colônia Leopoldina em manter-se com o trabalho livre.

Ainda que não dito explicitamente, Miki parece descrever um processo de mudança que nunca ocorre totalmente, como se o peso do passado fosse intransponível. A polissemia da palavra fronteira é habilmente explorada pela autora. A “Fronteira Atlântica” é a região que estuda. Os indígenas e afro-brasileiros estão fisicamente nesta fronteira, mas a sua cidadania também está em uma fronteira mais intangível, em uma área difícil de saber com clareza quem está dentro e quem está fora. Ainda que se valendo de análises já bastante conhecidas – sobretudo, de Sposito e Slemian [7] – Miki faz uma problematização dessa questão, lembrando que a constituição brasileira não era racializada. Ou seja, não era a cor da pele que determinava os direitos políticos. Por outro lado, condições jurídicas intrinsicamente ligadas à condição de homens e mulheres não brancos – como ser escravo ou considerado “selvagem” no caso dos indígenas – excluíam essas pessoas do “pacto político”. É apenas no final do livro – já discutindo o abolicionismo e o final do Império – que Miki deixa explícito que a negativa de direitos políticos para indígenas e negros era um projeto e não uma deficiência do sistema. Nesse ponto, há uma perfeita sintonia entre os projetos que analisa para indígenas e para os escravos após a abolição: em todos esses casos jamais se pensa em entregar terras e autonomia a esses povos. Ao contrário, a condição de subordinados, tutelados por fazendeiros ou religiosos é vendida como a única forma para impedir que ex-escravizados ou indígenas se entregassem ao ócio. Um discurso que se sustentou por décadas – e no caso dos indígenas, por séculos – e que ela registrou ecoar até mesmo entre os mais radicais abolicionistas da “Fronteira Atlântica”.

Se ao discutir a extensão da condição de cidadãos para indígenas e afro-brasileiros, Miki consegue uma análise mais integrada, o mesmo não acontece a respeito de outros aspectos. O exemplo mais evidente nesse sentido é o uso desses homens como mão de obra. Há, evidentemente, a demonstração de que em todo esse território havia o emprego significativo de indígenas e afro-brasileiros. No entanto, este são universos que estavam no mesmo território, mas que a narrativa organiza em sistemas produtivos bastante distintos. Ou seja, o enfoque para os indígenas está, de modo geral, nas missões e os escravizados afro-brasileiros nas fazendas. A pureza dessas separações tão estanques é difícil de acreditar em um território como esse. Bezerra Neto já mostrou que as fazendas monocultoras do Pará, por exemplo, sempre foram tidas como tocadas por mão de obra exclusivamente escravizada afro-brasileira, mas na verdade dividia os campos com indígenas. [8]

Antes que se diga que se trata das “excentricidades” do Cabo Norte, Marco Morel, em belíssimo e recente trabalho sobre os botocudos, justamente mostra como a sua mão de obra era frequentemente requisitada para os mais diferentes tipos de trabalho, ocupando frentes inclusive no entorno da Corte. Além do trabalho em obras públicas, Morel dá vários exemplos de como eram recorrentes as denúncias do emprego de indígenas em fazendas em toda essa região, muitas vezes desviados de instituições públicas sob a alegação de que era um método de civilização mais barato. [9] Para além disso, Miki passa ao largo da discussão mais interessante da historiografia recente: aquela que implode a visão dicotômica que separava todo o trabalho no Brasil do século XIX nas categorias de trabalho livre ou trabalho escravo. Em vez disso, há uma gigantesca zona cinzenta – não só no Brasil, mas em todo o mundo – em que homens livres são obrigados a trabalhar sob as mais diferentes formas de coerção, inclusive físicas. [10] Indígenas e afro-brasileiros eram especialmente alvo dessas ações que Miki totalmente ignora no livro.

Por fim, há ainda uma última consideração geral: a ideia de classificar esta região de ataque aos botocudos como “Fronteira Atlântica”. Miki insiste muito na ideia da fronteira, certamente influenciada pela tradição americana e critica o pouco uso desse termo na historiografia brasileira. No entanto, esta designação parece ter muitas fragilidades: no Império do Brasil, no processo de “expansão para dentro”, a fronteira é o recorrente e não a exceção. Nesse sentido, a região estudada por Miki parece estar longe de ser algo particularmente singular.

Mais especificamente sobre a distribuição dos capítulos é importante salientar que as suas divisões são temáticas, ainda que de modo geral a evolução dos capítulos também siga em alguma medida um avanço cronológico. Assim, o primeiro capítulo explora as “fronteiras da cidadania”, enquanto o segundo busca dar uma interpretação ao que ela chama de “política popular” (em tradução livre). Nos capítulos seguintes, outros temas giram em torno de tópicos como a mestiçagem, a violência, os “campos negros” e o abolicionismo. Os capítulos podem ser lidos separadamente, quase sem prejuízo do seu entendimento, o que por sua vez revela um problema de coesão da obra no seu conjunto. Também é peculiar a mistura de abordagens mais “estruturais” – como as discussões da cidadania a partir de documentos do centro político do Império – com narrativas totalmente focadas na “agência”. Especialmente nesse último ponto a obra encontra mais dificuldades. Há alguns insights maravilhosos, mas custa enxergar que alguns eventos possam ser usados para generalizações reiteradamente feitas.

Apesar das críticas, Frontiers of Citizenship é um livro que provoca muitas reflexões e incomoda ao buscar análises de ângulos inusuais. Isso por si só já basta para merecer a sua leitura.

Notas

3. Entre outras novas evidências, percebe-se o uso da mão de obra indígena mesmo em regiões irrigadas com escravizados afro-brasileiros, como São Paulo ou mesmo a região do Vale do Paraíba, pelo menos até um determinado período. Entre outros, veja LEMOS, Marcelo Sant’ana. O índio virou pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016; DORNELLES, Soraia Sales. Trabalho compulsório e escravidão indígena no Brasil imperial: reflexões a partir da província paulista. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 38, nº 79, 2018.

4. Para uma síntese, SPOSITO, Fernanda. As guerras justas na crise do Antigo Regime português. Análise da política indigenista de D. João VI. Revista de História (USP), v. 161, p. 85-112, 2010.

5. Trata-se da primeira lei para os povos indígenas como validade em todo o território do Império.

6. MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e herdeiros: a trama dos interesses na construção da unidade política. Almanack Braziliense, n. 01, maio de 2005.

7. SPOSITO, Fernanda. Nem cidadãos, nem brasileiros. Indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-45). São Paulo: Alameda, 2012; SLEMIAN, Andrea. “Seriam todos cidadãos? Os impasses na construção da cidadania nos primórdios do constitucionalismo no Brasil (1823 – 1824)”. In: JANCSÓ, István (org.). Independência: História e historiografia. São Paulo: Editora HUCITEC; FAPESP, 2005.

8. BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão Negra no Grão Pará (séculos XVIII-XIX). Belém: Paka-tatu, 2012.

9. MOREL, Marco. A Saga dos Botocudos: guerra, imagens e resistência indígena. São Paulo: Hucitec, 2018.

10. Entre outros, MACHADO, André Roberto de A. O trabalho indígena no Brasil durante a primeira metade do século XIX: um labirinto para os historiadores. In: Henrique Antonio Ré, Laurent Azevedo Marques de Saes e Gustavo Velloso. (Org.). História e Historiografia do Trabalho Escravo no Brasil: novas perspectivas. 1ed.São Paulo: Publicações BBM / Alameda, 2020; Mamigonian, Beatriz G. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017; LINDEN, Marcel van der. Trabalhadores do Mundo: ensaios para uma história global do trabalho. Campinas: UNICAMP, 2013; STEINFELD, Robert J. The invention of free labor: the employment relation in English & American Law and Culture, 1350-1870. EUA, The University of North Carolina Press, 1991.

Referências

BEZERRA NETO, Jose Maia. Escravidao Negra no Grao Para (seculos XVIII-XIX). Belem: Paka-tatu, 2012.

DORNELLES, Soraia Sales. Trabalho compulsorio e escravidao indigena no Brasil imperial: reflexoes a partir da provincia paulista. Revista Brasileira de Historia. Sao Paulo, v. 38, nº 79, 2018.

LEMOS, Marcelo Sant’ana. O indio virou po de Cafe? Resistencia indigena frente a expansao cafeeira no Vale do Paraiba. Jundiai: Paco Editorial, 2016.

LINDEN, Marcel van der. Trabalhadores do Mundo: ensaios para uma historia global do trabalho. Campinas: UNICAMP, 2013.

MACHADO, Andre Roberto de A. O trabalho indigena no Brasil durante a primeira metade do seculo XIX: um labirinto para os historiadores. In: Henrique Antonio Re, Laurent Azevedo Marques de Saes e Gustavo Velloso. (Org.). Historia e Historiografia do Trabalho Escravo no Brasil: novas perspectivas. 1ed.Sao Paulo: Publicacoes BBM / Alameda, 2020.

MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e herdeiros: a trama dos interesses na construcao da unidade politica. Almanack Braziliense, n. 01, maio de 2005.

MOREL, Marco. A Saga dos Botocudos: guerra, imagens e resistencia indigena. Sao Paulo: Hucitec, 2018.

Resenha de MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. New York: Cambridge University Press, 2018.

SLEMIAN, Andrea. “Seriam todos cidadaos? Os impasses na construcao da cidadania nos primordios do constitucionalismo no Brasil (1823 – 1824)”. In: JANCSO, Istvan (org.). Independencia: Historia e historiografia. Sao Paulo: Editora HUCITEC; FAPESP, 2005.

SPOSITO, Fernanda. As guerras justas na crise do Antigo Regime portugues. Analise da politica indigenista de D. Joao VI. Revista de Historia (USP), v. 161, p. 85-112, 2010.

SPOSITO, Fernanda. Nem cidadaos, nem brasileiros. Indigenas na formacao do Estado nacional brasileiro e conflitos na provincia de Sao Paulo (1822-45). Sao Paulo: Alameda, 2012.

STEINFELD, Robert J. The invention of free labor: the employment relation in English & American Law and Culture, 1350-1870. EUA, The University of North Carolina Press, 1991

André Roberto de A. Machado – Universidade Federal de São Paulo, Departamento de História. Guarulhos – São Paulo – Brasil. Professor do Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. É graduado e doutor em História pela Universidade de São Paulo e realizou pós-doutorados no CEBRAP e nas universidades de Brown e Harvard. E-mail: andre. machado@unifesp.br


MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. New York: Cambridge University Press, 2018. Resenha de: MACHADO, André Roberto de A. Construindo fronteiras dentro das fronteiras do Império do Brasil. Almanack, Guarulhos, n.27, 2021.

Acessar publicação original [DR]

The Sacred Cause: The Abolitionist Movement – Afro-Brazilian Mobilization and Imperial Politics in Rio de Janeiro | Jeffrey Needell

NEEDELL Jeff1 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Jeffrey Needell | Foto: University of Florida |

NEEDELL J The saacred cause1 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialDevido às contradições que os formam, problemas históricos como a abolição da escravatura no Brasil são forçosamente de difícil resolução. Largo e plástico, o cativeiro moldou nossas relações econômicas, nossas tramas políticas e nossas regras de convivência. O escravo tornou-se ao longo do tempo, mas finalmente a um só tempo, mão de obra, mercadoria, insumo e derivativo financeiro. No campo político, fez das classes latifundiárias uma barreira intransponível para as dirigentes, quando não as forjou em simbiose. Delimitou por extensão o padrão de inserção internacional do país e regeu a vida social a ponto de definir quem era quem, aliviando apenas superficialmente os menos prósperos das misérias hierárquicas próprias a uma sociedade, igualmente por causa do cativeiro, formada a partir de desigualdades.

Jeffrey D. Needell , professor na Universidade da Flórida e também autor de A Tropical Belle Epoque (1987) e The Party of Order (2006), reorientou em The Sacred Cause sua já costumeira análise a partir das elites políticas, de modo a avaliar o Treze de Maio na perspectiva das inter-relações entre o movimento abolicionista, pelo baixo, e a vida parlamentar, pelo alto. Na complexidade multidimensional da escravidão, Needell autonomizou três variáveis e as aplicou a um espaço apenas, a Corte, porque julgada berço e cova do abolicionismo. O recorte temático e espacial atravessa o texto por inteiro e dá o tom dos porquês do Treze de Maio. À pergunta como foi possível a abolição quando o Estado era dominado por escravocratas? Needell responde: por obra de duas forças congraçadas – a saber, a solidariedade afro-brasileira e o movimento abolicionista – contra um reduto parlamentar, pelo resto, também pressionado pela Coroa.

Com o estilo ríspido que por vezes lhe é característico, Needell põe em xeque boa parte da historiografia que tratou do movimento abolicionista. Emília Viotti da Costa (1966), Robert Conrad (1972) e Robert Toplin (1972) não teriam logrado integrar o abolicionismo às urdiduras da alta política. Com os olhos voltados para os oprimidos e respaldados por interpretações materialistas, o que nem sempre foi o caso, não teriam compreendido, o que talvez não seja de todo justo, como o regime verdadeiramente funcionava. Seria esse o mesmo – e suposto – defeito de Angela Alonso (2015), malgrado o mérito de procurar entender o movimento abolicionista em escala nacional. A historiografia mais recente que se albergou na ideia de agência escrava, quer Needell, tampouco teria feito melhor, porque, calcada nos indivíduos, não teria assimilado o movimento em seu conjunto – mas foi essa a vocação dos agenciais?

Desejoso do inédito, Needell dividiu seu texto em sete capítulos, que, à exceção do quadro de socialização afro-brasileira composto no primeiro, seguem a ordem cronológica dos acontecimentos. O segundo traça o advento do movimento abolicionista, logo após a edição da Lei do Ventre Livre em 1871, até sua primeira derrota em 1881. Vislumbrando fases rápidas e movediças, Needell propõe no terceiro capítulo o soerguimento do movimento entre 1882 e 1883, particularmente em suas feições populares e suas solidariedades racialmente amplas. No quarto, discute o governo de Sousa Dantas, a posição agora mais contida, porque atenta à radicalização, de um monarca de claras tendências emancipacionistas e a saída paliativa da Lei dos Sexagenários, editada em 1885, com o retorno dos conservadores ao poder.

Daí em diante Needell presta-se à análise da resposta abolicionista à lei de 1885, procurando seu objeto – como nos outros capítulos – na imprensa, nos diários, nas memórias, nos relatórios oficiais e na troca de correspondências. Conclui o quinto capítulo com a implosão do bloco conservador e a decorrente intervenção abolicionista do Imperador, articulada de maneira a preservar o país de uma desestabilização final. Diferentemente dos Estados Unidos, onde a abolição ocorreu após severa guerra civil, Needell sugere uma saída relativamente pacífica para o trabalho livre no Brasil- implicitamente também por obra de um poder pessoal do monarca. Discutida a abolição propriamente dita no sexto capítulo, Needell argumenta no sétimo o resultante colapso da monarquia e, sobremaneira, o fracasso do movimento em lidar com a inserção do negro na sociedade de classes, malgrado ter sido transversalmente afro-brasileiro.

Porque permanentes no relato, são as três variáveis de Needell que interessam a esta resenha, e começaremos pela que talvez seja a mais polêmica: a solidariedade afro-brasileira na formação, na radicalização e nos estertores do movimento abolicionista.

Desde cedo, propõe Needell, escravos de diferentes nações encontraram meios para fazer suas próprias comunidades. Angolas, benguelas, cabindas, congos ou moçambiques importaram divisões étnicas que somente se desfizeram com o tempo, mas especialmente após o término do tráfico transatlântico em 1850. Socializados em irmandades religiosas e em confrarias políticas, os cativos moldaram progressivamente uma identidade afro-brasileira, em primeira instância, por oposição a outrem e, em segunda, pela partilha de experiências comuns – conceito que Needell, sem levá-lo até suas últimas consequências, parece tomar emprestado de E. P. Thompson. Transitando por uma Corte que não formou guetos, pelo menos para o autor, os escravos relacionavam-se com o operariado em constituição, também de origem negra. A troca teria amadurecido após a Lei Eusébio de Queirós (1850), não apenas em razão da diversificação da malha societária, mas sobretudo em consequência do aumento no preço do escravo. Sem recursos para diferenciar-se pela posse cativa, a classe popular encontrou-se tão desamparada quanto a igualmente afrodescendente classe média em suas expectativas de ascensão social, o que, sugere Needell, teria apenas redobrado a solidariedade racial.

Nesse enredo e à contracorrente do usualmente acreditado, o movimento abolicionista teria surgido afro-brasileiro desde o começo. A historiografia não teria suficientemente percebido – sequer Rebecca Bergstresser, cuja tese sobre a participação da classe média no movimento Needell apadrinha – um protocolo relacional do Império moldado para acobertar origens raciais, quando necessário. As plateias abolicionistas eram afro-brasileiras, argumenta o brasilianista norte-americano, e a inclemência das fontes quanto a isso apenas ratifica uma etiqueta que impunha mudez sobre a descendência negra de homens e mulheres de maior envergadura social – ou de potenciais lideranças abolicionistas, ainda que populares. É desses silêncios que emergem na análise de Needell novas figuras abolicionistas, pouco ou nada conhecidas do público especializado. Para além dos famigerados André Rebouças, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, tratados com rigor e à exaustão no texto, Vicente Ferreira de Souza e Miguel Antônio Dias teriam sido lideranças de proa, porque orgânicas – para retomar um conceito de Antonio Gramsci, ao qual Needell não recorre. Entre a novidade historiográfica e o embasamento material, o equilíbrio é por momentos imperfeito, visto que, especialmente no caso de Miguel Antônio Dias, as fontes parecem não ser satisfatórias o bastante para lhe dar o mérito que parece ter. O problema, no entanto, é pó de traque perto da imaginação que o bom historiador conduz entre as frestas dos documentos.

Mais quebradiço é o imediato pós-abolição de um autor que viu tanta solidariedade racial entre afro-brasileiros. Em parte, o movimento abolicionista teria fracassado em promover uma sociedade menos segregada após o Treze de Maio, porque, contrariamente à percepção corrente, o racismo não era vislumbrado pelos abolicionistas como barreira à mobilidade social ou como tema relevante em seu tempo. Se consentirmos com a interpretação, como pôde então a raça, na avaliação do próprio Needell, ser tão matricial na formação do movimento abolicionista? A incoerência, nos parece, poderia eventualmente ser melhor resolvida pela perspectiva de classes, que o autor realça e embaça, a depender do instante argumentativo. Por todas as evidências dadas no próprio texto, numa sociedade em que a imbricação das relações sociais nas econômicas, para recuperar um conceito de Karl Polanyi, expressava os pródromos da formação capitalista brasileira, raça e classe, assim como geração e gênero, combinaram-se nas hierarquias coletivas daquele tempo – muito largamente constituídas pela renda. Sintomaticamente, o negro que enriquecia embranquecia, o jovem que fazia fortuna amadurecia e a mulher que trabalhava empobrecia. Se afro-brasileiros como Rebouças, Vicente de Sousa e Patrocínio, na recomendação de Needell, agitaram-se contra a pobreza e a opressão, urbana e rural, no lugar de se apegarem ao racismo, foi porque os silêncios sobre a raça estavam encastelados na renda – que, antes de ser um critério, é um reflexo de um determinado lugar nas relações sociais que mercadorias produzidas e consumidas materialmente expõem.

Disso sucederia a necessidade de reposicionar as classes imperiais, melhor revisitando suas respectivas instâncias de integração e interação social. Caberia também avaliar seus espaços organizativos, como as entidades mutualistas que fundaram e as sociedades políticas que compuseram. Assim a identidade racial expressaria sobremodo uma condição material que serviu de fundamento para uma coligação abolicionista socialmente larga. Parece-nos, pois, que a solidariedade do movimento não foi racial, mas antes socioeconômica e, efêmera como se mostrou, autorizada apenas pela associação popularmente ressentida entre os que possuíam escravos e os que dirigiam a economia política do Império. Nesses termos, a proposta conceitual de identidade afro-brasileira, para o Oitocentos, guarda menos relevância do que a equivalente norte-americana, mais rigorosa para uma sociedade amplamente menos miscigenada e juridicamente, naquele então, mais obstrutiva.

Se o fracasso do movimento, após o Treze de Maio, não se deveu ao suposto não-tema racial, consideramos mais oportuna a hipótese de Needell que enxerga os tolhimentos ao reformismo do pós-abolição no advento de um regime de ambição política e composição social, malgrado os ajustes, semelhantes às do derrocado. Ocorre que, e assim passamos às variáveis parlamentar e real, Needell tendeu a omitir as forças que – também abolicionistas, não obstante agendas e intensidades diferentes – remodelaram o país. Atento à atividade parlamentar e aos impactos determinantes de movimento no desfecho da abolição, traçando paulatina e seguramente as pressões abolicionistas sobre o gabinete de Paranaguá, as alianças com o de Sousa Dantas e a radicalização posterior à Lei dos Sexagenários, Needell inclinou-se a ver nos debates legislativos a vida de todo o Império. Emascaradas em fontes oficiais que não as delatam por inteiro, as movimentações dos cafeicultores paulistas, o calor da caserna e as apostas financeiras dos principais bancos do Império empalideceram frente a um decisivo movimento abolicionista. Quiçá excesso historiográfico de nosso tempo, a análise das estruturas produtivas e financeiras, assim como as alianças esporádicas e arrivistas do grande capital com a tropa, costumam cheirar a naftalina. Ganham toda a atenção em consequência os movimentos subalternos, quando em última instância não são variáveis relativamente autônomas, mas exteriorizações das contradições políticas, sociais e econômicas que os constituem.

Um pouco pelas mesmas razões, a Coroa como variável emerge com suas volições independentes na obra de Needell. Já havia sido o caso em The Party of Order, quando o autor se amparou na retórica dos conservadores, nomeadamente dos ortodoxos, para sugerir que eles teriam hostilizado o Ventre Livre devido a sua suposta inconstitucionalidade. Seria a lei, nessa leitura, obra da ingerência imperial. Needell estendeu a proposta de um poder pessoal do Imperador à década de 1880, matizando-o com as agitações abolicionistas, porém ao fim sem tirar-lhe o brilho. Na raiz da fórmula estão talvez as principais inspirações do autor: em linhas superpostas de influência, Roderick J. Barman (1999), Sérgio Buarque de Holanda (1972)Heitor Lyra (1938) e Joaquim Nabuco (1897), cuja história do pai, não à toa uma biografia, se presta em boa medida à ideia da força pessoal do monarca. Teria tido tanta influência emancipacionista o Imperador, sem as contradições que caracterizam o mundo escravista posterior à Guerra de Secessão (1861-1865) ou, ainda, sem àquelas que remodelaram os eixos econômicos nacionais, produtivo e financeiro, subsequentes à Guerra do Paraguai (1864-1870)? Quais os termos do poder imperial, se Needell viu o monarca avançar e recuar, tanto em função do movimento abolicionista quanto em razão, num exame provavelmente mais próximo de Ilmar Rohloff de Mattos (1987), da constante representação latifundiária na Assembleia Geral do Império?

Seja como for, o caso é que certamente, para o endosso ou a crítica, será custoso de agora em diante produzir relato qualquer sobre a abolição sem recorrer ao último livro de Jeffrey D. Needell – e a todos os outros que lhe serviram de fundamento ou ponto de partida. É uma obra de méritos, que, também voltada para o público norte-americano ou simplesmente estrangeiro, deverá encontrar no Brasil boa tradução.

Referências

ALONSO, Angela. Flores, votos, balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-1888). Sao Paulo: Companhia das Letras, 2015.

BARMAN, Roderick J. Imperador cidadao. Sao Paulo: Editora UNESP, 2012.

CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2016.

CONRAD, Robert. The Destruction of Brazilian Slavery, 1850-1888. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1972.

COSTA, Emilia Viotti da. Da senzala a colonia. Sao Paulo: Editora UNESP, 2012.

GOYENA SOARES, Rodrigo. “Estratificacao profissional, desigualdade economica e classes sociais na crise do Imperio. Notas preliminares sobre as classes imperiais”. Topoi, Rio de Janeiro, vol. 20, n. 41, pp. 446-489, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/2237-101×02004108

GOYENA SOARES, Rodrigo. Racionalidade economica, transicao para o trabalho livre e economia politica da abolicao. A estrategia campineira (1870-1889). Historia (Sao Paulo), Sao Paulo, vol. 39, 2020. http://dx.doi.org/10.1590/1980-4369e2020032

HOLANDA, Sergio Buarque de (org.). Historia Geral da Civilizacao Brasileira. Tomo II: O Brasil monarquico. Vol. 5: Do Imperio a Republica. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.

LYRA, Heitor. Dom Pedro II. Belo Horizonte: Editora Garnier – Itatiaia, 2020.

MARQUESE, Rafael e SALLES, Ricardo(orgs.). Escravidao e capitalismo historico no seculo XIX. Cuba, Brasil, Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira, 2016.

NABUCO, Joaquim. Um estadista do Imperio. Nabuco de Araujo: sua vida, suas opinioes, sua epoca. Paris, Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1898.

TOPLIN, Robert. The Abolition of Slavery in Brazil. New York: Atheneum, 1972.

YOUSSEF, Alain El. O Imperio do Brasil na segunda era da abolicao, 1861-1880. Tese (Doutorado em Historia Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas, Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, 2019

Rodrigo Goyena Soares – Universidade de São Paulo (USP). São Paulo – São Paulo – Brasil. Professor colaborador no Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), onde também realiza estágio pós-doutoral com apoio da FAPESP (processo n. 2017/12748-0), instituição à qual o autor agradece. Doutor e mestre em História pela UNIRIO, formou-se em Ciências Políticas na Sciences Po Paris, onde igualmente obteve mestrado em Relações Internacionais. Pesquisa atualmente a Proclamação da República no âmbito do pós-doutorado na USP.


NEEDELL, Jeffrey D. The Sacred Cause: The Abolitionist Movement, Afro-Brazilian Mobilization, and Imperial Politics in Rio de Janeiro. Stanford: Stanford University Press, 2020. Resenha de: SOARES, Rodrigo Goyena. Um solidário treze de maio os afro-brasileiros e o término da escravidão. Almanack, Guarulhos, n.27, 2021. Acessar publicação original [DR]

Escrevendo a história do futuro: a leitura do passado no processo de independência do Brasil | Cristiane A. C. dos Santos

SANTOS Cristiane1 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Cristiane Alves Camacho dos Santos | Foto: LabMundi-USP |

O livro de Cristiane Camacho dos Santos, adaptação de sua dissertação de mestrado (SANTOS, 2010), se propõe a identificar e analisar a utilização política de leituras sobre o passado da colonização portuguesa da América mobilizadas nos debates travados na imprensa luso-americana, entre 1821 e 1822. A autora argumenta que dentre os diversos sentidos atribuídos à colonização portuguesa da América, seu entendimento como empresa “exploradora” e “opressiva” balizou algumas das alternativas disponíveis aos agentes políticos durante o esfacelamento da unidade da monarquia portuguesa. E, em sendo assim, delineou os limites daquilo que era percebido como possível para alguns dos projetos políticos voltados ao futuro da América portuguesa, dentre os quais a ruptura política com Portugal e a independência do Brasil. Essa experiência do tempo, prossegue a autora, ocorreu concomitantemente à politização da identidade coletiva daqueles entendidos, gradualmente, como “brasileiros”. Em suma, trata-se da conversão do passado da colonização portuguesa da América em instrumento político de sustentação de projetos que inseriram a independência do Brasil no horizonte do possível, dando os contornos para a politização de uma nova identidade coletiva.

O livro é estruturado em três capítulos balizados por uma introdução e um epílogo. O primeiro capítulo versa sobre a experiência do tempo durante a crise do Antigo Regime em Portugal vivenciada por diferentes identidades políticas da América portuguesa. Nesse capítulo, ressalta a constituição da história luso-americana como uma parte específica e complementar da monarquia lusa, entre os séculos XVI e XVIII, a nova dignidade adquirida pelo território português da América com a transferência da Coroa em 1808 e sua correspondente inauguração de novas expectativas. No bojo dos acontecimentos ensejados pelo início da dissolução dos impérios ibéricos, constitui-se uma oposição semântica entre “colônia” e “nação” que encontrava respaldo concreto nas experiências engendradas a partir de 1808 e que delineavam a percepção de um “novo tempo” (SANTOS, 2017, 151-152). O capítulo dois debruça-se sobre as disputas semânticas acerca da presença portuguesa na América, cuja lógica de complementariedade, vigente no reformismo ilustrado, perde sua estabilidade na percepção contemporânea da valorização dos territórios americanos no início do século XIX. Neste capítulo analisa, a partir de cotejamento historiográfico, a importância da imprensa periódica na delimitação dos espaços públicos em 1821, seu potencial para investigações sobre identidades políticas em período de profunda transformação e, por fim, como a colonização portuguesa da América subsidiou a representação de certa unidade desses territórios, embora fosse cenário para disputas semânticas ambíguas. O terceiro e último capítulo, baseado em sólida análise documental, fornece respaldo à hipótese do uso político do passado durante o esfacelamento das condições de reciprocidade e compatibilidade entre Portugal e a América portuguesa, sobretudo a partir da conjuntura ensejada pelos decretos das Cortes de Lisboa de setembro de 1821. Aponta que o mês de dezembro daquele ano demarcou, nos periódicos analisados, a conversão do topos dos “trezentos anos de opressão” em leitura difundida do passado da colonização portuguesa da América como denúncia das arbitrariedades associadas à condição colonial (SANTOS, 2017, 199). Essa significação da experiência, exprimida nos jornais, tensionava identidades coletivas divididas entre “metropolitanos” e “colonos”, desdobradas, posteriormente, na oposição entre “portugueses” e “brasileiros”. Essa forma discursiva, portanto, sintetizava trezentos anos de história – sinal de encurtamento da experiência – sobre o denominador comum da “opressão” vinculada à condição colonial, cuja manutenção era, paulatinamente, associada aos interesses de portugueses peninsulares.

Em termos de método, Santos procede a uma análise de evocações do passado mobilizadas por diferentes impressos das províncias do Rio de Janeiro, Pará, Bahia e Pernambuco – com ênfase na primeira – que deram os contornos a diferentes características e aspectos dos usos políticos do passado pelos periodistas. A intenção da autora é inferir uma experiência do tempo a partir de elaborações e interpretações do passado que, exprimidas em jornais, integraram o debate político de múltiplos grupos e indivíduos da América portuguesa. Do ponto de vista teórico, Santos qualifica essas formulações sobre o passado como fontes capazes de indicar a tensão entre a experiência e a expectativa dos atores políticos, ou seja, permitem diagnosticar um certo passado e futuro presentes que desempenharam a função de guias parciais das atuações políticas. Além disso, concebe que a organização da tensão entre um conjunto de sentidos atribuídos a um passado e às perspectivas abertas de um futuro parcialmente novo contribuíram para a definição e politização de uma nova identidade coletiva, a “brasileira”, e a recomposição de outras preexistentes.

Por essas razões, Santos articula-se a diferentes campos historiográficos reunidos, principalmente, sob o escopo de uma teoria do tempo histórico e das identidades políticas coletivas. A principal teoria a subsidiar atualmente pesquisas sobre a experiência do tempo histórico é, direta ou indiretamente, tributária dos escritos do historiador alemão Reinhart Koselleck. De acordo com Koselleck, o tempo histórico é o produto da tensão, estabelecida na modernidade, entre experiência e expectativa, tensão que permite interpretar o entrelaçamento interno entre o passado e o futuro cuja dinâmica baliza as histórias vislumbradas pelos agentes sociais como sendo possíveis (KOSELLECK, 2006, 305-327). Em segundo lugar, outra tradição historiográfica à qual a autora se vincula refere-se à consolidada utilização de periódicos, ou jornais, como fontes históricas capazes de traduzir e produzir fenômenos políticos no passado (MOREL; BARROS, 2003, 11-50). Em terceiro lugar, Santos parte de premissas acerca da criação e transformação de diferentes identidades políticas elaboradas por autores como Tulio Halperín Donghi (DONGHI, 2015), José Carlos Chiaramonte (CHIARAMONTE, 1997), István Jancsó (JANCSÓ; PIMENTA, 2000) e João Paulo G. Pimenta (PIMENTA, 2015). Por fim, no relativo ao debate sobre as diferenças entre o Estado e a nação, adere às perspectivas adotadas por Anthony Smith (SMITH, 1997), em oposição à Eric J. Hobsbawm (HOBSBAWM, 1990), ao definir que o Estado não teria sido um demiurgo da nação, esta última seria o resultado da recombinação de elementos preexistentes – recordações históricas partilhadas, mitos de origem comuns, elementos culturais diversos, associação a um determinado território e etc. – que, em determinado momento histórico, teriam sido “outorgados” como sinais diferenciadores de uma nacionalidade (SANTOS, 2017, 210-213).

Essa arquitetura teórica e metodológica, informada por ampla historiografia, permitiu que os periódicos fossem considerados como vetores simbólicos das disputas políticas, portadores de discursos sobre o passado que, ao organizar seus significados, delimitaram o futuro possível da ação política, então conduzida por agentes cuja identidade coletiva era simultaneamente reposicionada mediante a sua experiência temporal. Esse complexo processo correspondia às dialéticas conflituosas da formação do Estado e da nação concomitantes à modificação do estatuto e da qualidade da História, doravante entendida como capaz de legitimar projetos políticos. Observando-se a sua trajetória de pesquisa, Santos associa-se diretamente ao ambiente intelectual ensejado pelo projeto coletivo denominado Formação do Estado e da nação, organizado no início dos anos 2000 e coordenado pelo Prof. Dr. István Jancsó, no Departamento de História da Universidade de São Paulo.

Embora o resultado atingido pela autora seja louvável, sobretudo em função de seu rigor teórico e analítico, algumas questões permaneceram irresolutas. A primeira delas refere-se a um aspecto cronológico relativo à dialética entre Estado e nação. De acordo com Santos, a independência do Brasil inaugurou o período de construção do Estado nacional, o qual, segundo afirma, prolongou-se de modo conflituoso até a década de 1850 (SANTOS, 2017, 208). Qual teria sido, então, o marco histórico a delimitar o fim do caráter “conflituoso” da relação entre o Estado e a nação? A importante demonstração de que a história colonial não foi o desenvolvimento natural da nação – ou de que a independência não foi seu resultado obrigatório -, mas sim parcialmente produto do manejo político do tempo, uma construção simbólica durante o acirramento das incompatibilidades de grupos da monarquia portuguesa, deixa em aberto a questão do corpo social. Noutros termos, os contornos iniciais da identidade política coletiva nacional “brasileira”, delineada nas trepidações políticas dos anos de 1821 e 1822, não buscou integrar a totalidade da população e, desse modo, aponta para uma das condições de compatibilidade entre a formação dos “brasileiros” e a manutenção reinventada da escravidão após a independência. Seria pertinente especificar os conjuntos sociais abarcados por esse uso político do tempo para, assim, diagnosticar os excluídos de uma identidade seletiva emergente que provavelmente condicionaria diversos conflitos entre o Estado e a nação. Por fim, observo que a ausência da incorporação da dissertação de mestrado de Rafael Fanni (FANNI, 2015), elaborada após a dissertação de Santos e antes de sua readaptação em livro – e que é abertamente tributária da interpretação de Cristiane Camacho dos Santos -, prejudicou a possibilidade de aprofundar o rigor e expandir a envergadura das constatações da autora.

Teórica e metodologicamente bem estruturado, o livro de Cristiane Camacho dos Santos representa uma contribuição historiográfica importante aos estudiosos da história social do tempo e da formação do Estado e da nação do Brasil. Um estudo acadêmico que, embora concentrado em cronologia curta, é capaz de demonstrar a espessura temporal subjacente aos discursos políticos veiculados em jornais durante o processo de independência do Brasil. Em suma, e utilizando o vocabulário de Koselleck, trata-se de uma boa demonstração acadêmica da interrelação entre a temporalização da política e politização do tempo devidamente mediadas por identidades políticas coletivas, cuja investigação é plenamente realizável através de periódicos contemporâneos.[1]

Nota

1. Esta resenha foi concebida durante os debates do núcleo de pesquisa “História do Tempo: teoria e metodologia”. <http://labmundi.fflch.usp.br/historia-do-tempo> Agradeço a Edú T. Levati pela correspondência das citações.

Referências

CHIARAMONTE, Jose Carlos. “La formacion de los Estados nacionales en Iberoamerica”. InBoletin del Instituto de Historia Argentina y Americana Dr. Emilio Ravignani, 3ª serie, 1º semestre de 1997.

DONGHI, Tulio Halperin. Revolucao e guerra: formacao de uma elite dirigente na Argentina criolla. Sao Paulo: Hucitec, 2015.

FANNI, Rafael. Temporalizacao dos discursos politicos no processo de Independencia do Brasil (1820-1822). 164 p. 2015. Dissertacao (Mestrado em Historia Social) – FFLCH, USP, Sao Paulo.

HOBSBAWM, Eric J. Nacoes e nacionalismos desde 1780. Rio de Janeiro: Terra e Paz, 1990.

JANCSO, Istvan; PIMENTA, Joao Paulo G. “Pecas de um mosaico: ou apontamentos para o estudo da emergencia da identidade nacional brasileira”. InRevista de Historia da Ideias. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, v. 21, 2000, p.389-440.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuicao a semântica dos tempos historicos. Rio de Janeiro: PUC-Rio, Contraponto, 2006.

MOREL, Marco; BARROS, Mariana Monteiro de. “O raiar da imprensa no horizonte do Brasil”. InPalavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do seculo XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.11-50.

PIMENTA, Joao Paulo G. A independencia do Brasil e a experiencia hispano-americana (1808-1822). Sao Paulo: Hucitec , 2015.

SANTOS, Cristiane Alves Camacho dos. Escrevendo a historia do futuro: a leitura do passado no processo de independencia do Brasil. Sao Paulo: Alameda, 2017.

SANTOS, Cristiane Alves Camacho dos. Escrevendo a historia do futuro: a leitura do passado no processo de independencia do Brasil. 186 p. 2010. Dissertacao (Mestrado em Historia Social) – FFLCH, USP, Sao Paulo.

SMITH, Anthony. A identidade nacional. Lisboa: Gradiva, 1997.

Thomáz Fortunato – Departamento de História da Universidade de São Paulo – São Paulo, SP, Brasil. Mestrando em História Social pela Universidade de São Paulo. Membro do Laboratório de Estudos sobre o Brasil e o Sistema Mundial e do grupo Temporalidad (Iberconceptos). Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. E-mail: thomaz.fortunato@usp.br


SANTOS, Cristiane Alves Camacho dos. Escrevendo a história do futuro: a leitura do passado no processo de independência do Brasil. São Paulo: Alameda, 2017. Resenha de: FORTUNATO, Thomáz. A politização do tempo histórico na Independência do Brasil1. Almanack, Guarulhos, n.27, 2021. Acessar publicação original [DR]

 

Becoming Free – Becoming Black: Race Freedom and Law in Cuba – Virginia and Louisiana | Alejandro de la Fuente e Ariela J. Gross

GROSS e LA FUENTE1 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Ariela J. Gross e Alejandro de la Fuente | Foto: Medium |

LA FUENTE e GROSS Beconing free1 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialEm tempos que reascendem os debates sobre o racismo institucional nas Américas, a publicação de Becoming Free, Becoming Black responde tanto às demandas do presente quanto aos dilemas que moveram as ciências humanas ao longo do século XX. Após décadas de pesquisas que revelaram as desventuras de sujeitos escravizados, pelo cotidiano do cativeiro e pelos labirintos jurídicos, Ariela Gross e Alejandro de la Fuente dão um passo à frente, assim como uma mirada atrás. Reivindicando teórica e metodologicamente uma história “de baixo para cima”, os autores revisitam os debates clássicos sobre a relação entre a escravidão, o direito e a constituição de diferentes regimes raciais no continente, ao empreender um ambicioso estudo comparativo sobre Cuba, Virgínia e Louisiana entre os séculos XVI e XIX. [3]

De partida, Gross e de la Fuente fazem de Frank Tannenbaum seu antagonista e, também, em menor grau, uma inspiração. Assim como em artigos publicados anteriormente, eles reforçam as críticas a Slave and Citizen, em especial às premissas teóricas, que atribuíram às normas escritas nas metrópoles um papel determinante dos rumos das sociedades coloniais. Igualmente contestada foi a projeção das diferenças raciais entre os Estados Unidos e a América Latina ao passado, como se decorressem de um devir inevitável, fundado pelos regimes jurídicos anglo-saxão e ibéricos. Por outro lado, tanto a historiografia revisionista (que preteriu o direito e a religião pela economia e a demografia) quanto os estudos recentes no campo da cultura legal, se limitaram a demolir o modelo de Tannenbaum, sem oferecer uma interpretação definitiva sobre as origens das diferenças raciais nas Américas. Assumindo o desafio, Gross e de la Fuente resumiram ainda na introdução seu postulado: não foi o direito da escravidão, mas o direito da liberdade o elemento crucial para a constituição dos regimes raciais no continente.[4]

Embora a maioria dos homens e mulheres escravizados jamais tenha rompido as correntes do cativeiro, a minoria que conquistou a alforria, constituindo comunidades negras livres, teria sido a chave para a construção da raça nas Américas. Gross e de la Fuente convidam o leitor a embarcar em uma longa jornada, que se inicia na travessia atlântica e na colonização de Cuba, Louisiana e Virgínia, perpassa as águas turbulentas da Era das revoluções, para enfim desembarcar nos regimes raciais do século XIX, cujos legados se estendem até hoje. Antecipando suas conclusões, os autores sustentam que as diferenças entre as três regiões não decorreram do reconhecimento da humanidade dos escravizados e tampouco da fluidez racial. O fator determinante teria sido o grau de sucesso das elites escravistas na imposição da relação entre branquitude e liberdade, e entre negritude e escravidão. O enunciado contém um dos principais manifestos políticos do livro, mas deixa uma questão em aberto-que será retomada adiante.

Os dois capítulos iniciais transitam pelas sociedades coloniais de Cuba, Virgínia e Louisiana, partindo do regime jurídico e da experiência espanhola das Américas. Embora as Siete Partidas reconhecessem a humanidade das pessoas escravizadas, o efeito prático do precedente social e legal dos ibéricos foi a definição prévia das distinções raciais por lei. A inversão do pressuposto de Tannenbaum é radical. A escravidão em Portugal e o princípio da limpeza de sangre na Espanha ofereceram aos ibéricos as pré-condições para o pioneirismo na criação de regimes legais racializados na América. Nesse ponto, os autores cederam em parte a Tannenbaum, identificando, na raiz romanista do direito ibérico, a alforria como instituição sólida. Mas incorporando as contribuições da historiografia recente, eles avançaram ao demonstrar como, em solo americano, foram os escravizados-no caso, os da ilha de Cuba-que fizeram da norma uma tradição e, por conseguinte, um direito.

Em paralelo, o colonialismo francês constituiu seu próprio regime no Caribe por meio das diferentes versões do Code Noir, que progressivamente restringiram tanto a alforria e os direitos das comunidades negras livres. À época da ocupação da Louisiana, a experiência e os precedentes normativos serviram à constituição do regime mais excludente do Império francês, mas que ainda assim não cerceou em absoluto a liberdade e o direito de negros livres, especialmente em Nova Orleans. A Virgínia, por sua vez não contou com precedentes legais ou experiências coloniais prévias. Sem incorporar os precedentes de Barbados e da Carolina do Sul, a colônia inglesa se converteu em uma espécie de laboratório, onde as diferenças raciais não estavam pré-determinadas jurídica ou socialmente. Invertendo mais uma vez as premissas de Tannenbaum, Gross e de la Fuente desvelam uma Virgínia relativamente aberta à prática da alforria e à formação de comunidades de negros livres no início do século XVII.

Privilegiando as fontes jurídicas, com destaque para as ações de liberdade, os autores esbanjam rigor metodológico sem comprometer a fluidez da narrativa de pessoas escravizadas que recorriam à justiça. Embora esse procedimento fosse comum nas três regiões no século XVII, ela se manteve constante em Cuba, enquanto rareou na Virgínia e na Louisiana no século XVIII, onde também aumentaram as restrições aos casamentos inter-raciais. De acordo com Gross e de la Fuente, essa progressiva distinção na trajetória das sociedades escravistas em questão não foi o resultado da pretensa benevolência ibérica, mas de razões econômicas, demográficas e de gênero. Eram principalmente as mulheres que conquistavam a alforria, predominantemente de forma onerosa, e consequentemente serviam à reprodução das comunidades negras livres. Os franceses precocemente haviam fechado o cerco às manumissões, embora incapazes de pôr fim à presença de negros livres em Nova Orleans. Enquanto isso, a Virgínia transitou gradualmente de uma sociedade desregulada para a mais restritiva das três, especialmente após a Rebelião de Bacon, em 1676.

Recuperando a interpretação de Edmund Morgan, segundo o qual as restrições visavam à solidariedade branca contra a aliança entre servos brancos, indígenas e negros, os autores acrescentam argumentos econômicos e políticos. A conversão da Virgínia em uma sociedade escravista começara antes mesmo da revolta, por conta do barateamento do preço de africanos em relação ao custo da servidão. Fortalecida, a elite virginiana conseguiu a um só tempo restringir as alforrias e solidificar a solidariedade branca na colônia, diferentemente de seus pares de Louisiana e de Cuba, que foram incapazes de abolir um precedente jurídico estabelecido. A consequência foi a formação de comunidades negras livres e miscigenadas de diferentes tamanhos nas três regiões, e não favorecidas pelas elites, mas maiores ou menores de acordo com sua capacidade de resistir aos esforços para evitá-las. No final do segundo capítulo, Gross e de la Fuente retomam sua hipótese, insistindo que as elites de Cuba, Virgínia e Louisiana tentaram igualar a raça negra à escravidão, pois enxergavam nos negros livres uma ameaça à ordem. As diferenças, contudo, não decorreram do precedente legal, mas das diferentes realidades sociais e demográficas que permitiram o maior sucesso na Virgínia e na Louisiana, e o menor em Cuba.[5]

Tema do terceiro capítulo, a Era das Revoluções consistiu no período de maior aproximação entre as três regiões, onde tanto as alforrias quanto as comunidades negras livres cresceram. Ao mesmo tempo, a escravidão avançou nos territórios, respondendo aos estímulos do mercado mundial. Em Cuba e na Louisiana, o paradoxo era apenas aparente, pois a alforria era uma tradição jurídica e socialmente vinculada ao cativeiro. Já na Virgínia a libertação de escravizados se associou ao ideário da independência. Enquanto as comunidades negras livres de Havana e de Nova Orleans eram fruto do Antigo Regime, a de Richmond respirava os ares da revolução. Consequentemente, as elites virginianas reagiram ao horizonte que se abria, seguidos por seus pares do Vale do Mississippi, recentemente integrados aos Estados Unidos e movidos pelos interesses açucareiros e algodoeiros. Entre 1806 e 1807, a promulgação do Black Code da Louisiana e de uma série de leis na Virgínia restringiram a alforria e os direitos dos negros livres, dando o tom de um regime racial que chegaria à maturidade em meados do século XIX, apartando em definitivo o modelo estadunidense do cubano.

O movimento esboçado nos Estados Unidos se agravou entre as décadas de 1830 e de 1860, das quais tratam os capítulos finais do livro. Neles, Gross e de la Fuente esboçam uma guinada metodológica, organizando-os a partir de eixos temáticos, em vez de compararem pormenorizadamente as ações de liberdade em cada um dos espaços. Nas páginas que seguem, os autores descrevem o recrudescimento das forças e discursos escravistas nos Estados Unidos, como reação ao avanço do abolicionismo e de revoltas como a de Nat Turner. A elite cubana enfrentou seus próprios inimigos, pressionada pela campanha da Inglaterra contra o tráfico de africanos e ameaçada frontalmente por um ciclo de resistência dos escravizados, que se estendeu da revolta de Aponte, em 1812, à de la Escalera, em 1844. As três elites compartilharam do temor de que se formassem alianças entre negros livres e escravizados, como ensaiado mais propriamente em Cuba. Por meio de leis restritivas à alforria, além de políticas de remoção das populações negras livres, para fora dos estados ou do país, as elites da Virgínia e da Louisiana deram passos largos no sentido da construção de um regime racial pleno, em que a negritude fosse sinônimo não apenas de degradação, mas do cativeiro. De acordo com os autores, houve esforços similares em Cuba, assim como ataques às comunidades negras livres, mas estes não foram sistêmicos ou capazes de cindir as mesmas linhas raciais dos Estados Unidos.

Na década de 1850, Cuba, Virgínia e Louisiana eram sociedades escravistas maduras, nas quais os negros eram tidos como social e legalmente inferiores. No entanto, o processo de destituição de direitos foi muito além nos Estados Unidos, dando forma a um regime racial particular, que destoava daqueles desenvolvidos na América Latina. Retomando o debate com Tannenbaum na conclusão do livro, Gross e de la Fuente, arrolaram as variáveis que incidiram sobre a diferenciação dos regimes nos três territórios. As tradições legais teriam tido o seu peso, embora não nos termos propostos em Slave and Citizen. Os ibéricos teriam sido pioneiros na criação de legislações raciais, mas o reconhecimento jurídico da alforria cindiu a brecha por onde mulheres e homens escravizados encontraram seus tortuosos caminhos para a liberdade. A agência dessas pessoas e a mobilização do direito “de baixo para cima”, portanto, teria cumprido um papel central, tão ou mais importante que o precedente normativo. Consequentemente, os negros livres de Cuba fizeram da tradição um direito e de suas comunidades uma realidade incontornável para a elite da ilha.

Nesse sentido, o fator determinante na formação dos diferentes regimes raciais, segundo os autores, foi o tamanho das comunidades negras livres, que pressionavam pelo reconhecimento de direitos e dificultavam o cerceamento das alforrias. Um segundo ponto levantado pelos autores foram os diferentes regimes políticos. A constituição de uma democracia liberal nos Estados Unidos entrelaçou os princípios da liberdade, da igualdade e da cidadania, tendo por contrapartida os esforços reacionários que negaram seu acesso à população negra. Enquanto a democracia branca se consolidava ao Norte, Cuba preservou sua condição colonial, assim como as hierarquias políticas locais. A liberdade de uma parcela minoritária de negros respondia antes a uma tradição do Antigo Regime do que à extensão da cidadania. Não havia necessidade de uma ideologia supremacista racial onde sequer vigia o pressuposto da igualdade.

Na conclusão, Gross e de la Fuente reforçam o postulado de abertura, segundo o qual as elites de Cuba, da Virgínia, da Louisiana buscaram constituir a dicotomia perfeita entre raça e escravidão. Frente à resistência das comunidades negras livres, nenhuma delas obteve o êxito pleno, mas as estadunidenses foram mais bem sucedidas. Não há dúvidas de que na Virgínia, na Louisiana e em grande parte do sul dos Estados Unidos, prevaleceram esforços nesse sentido. Mas a despeito de discursos e medidas legais apresentados pelos autores, não se depreende da narrativa e das fontes que a elite cubana tenha se dedicado à questão com o mesmo afinco. Em mais de uma passagem, Gross de la Fuente relativizam seu próprio enunciado, reconhecendo que as autoridades de Cuba preferiram não se contrapor à tradição legal e aos direitos de comunidades estabelecidas. Seguindo os passos dos próprios autores, é possível levar a questão além.

Se como dizem Gross e de la Fuente, os ibéricos foram pioneiros da constituição de regimes raciais legalizados, eles também foram os primeiros a conhecer os efeitos da alforria na escravidão negra nas Américas. A formação de comunidades negras livres não foi resultado de um projeto, mas das condições demográficas e da ação dos próprios escravizados. Por conseguinte, os ibéricos foram também os primeiros a usufruir desse arranjo social e racial que, na maior parte do tempo, contribuiu para a preservação do cativeiro. A proximidade entre negros livres e escravizados era um risco real, mas a experiência histórica revela que na maior parte das vezes, a aliança entre os livres de diferentes cores prevaleceu sobre a solidariedade racial, ainda mais em sociedades marcadas por um alto grau de miscigenação. O sucesso das elites estadunidenses em cindir as raças também conteve em si a chave de seu fracasso, reforçando a identidade e a solidariedade negra, que se voltaram contra a supremacia branca durante a Guerra Civil e tantas vezes após a abolição. Em contrapartida, o suposto fracasso da elite cubana, nos termos dos autores, conteve o segredo de seu sucesso. Afinal, o escravismo experimentado pelos ibéricos não foi apenas pioneiro nas Américas, mas o mais longevo, tendo perdurado em Cuba e no Brasil até o último quartel do século XIX. Não à toa, as elites desses países tantas vezes se valeram dos Estados Unidos como contraponto, para preservar suas próprias hierarquias sob o mito das “democracias raciais”.[6]

São os próprios autores que fornecem os dados e argumentos para esse breve contraponto. Em mais de uma passagem, eles descrevem a alforria como instituição escravista em Cuba, assim como reconhecem a hesitação das elites em cerceá-la. Ao enunciarem na introdução e na conclusão que as três elites escravistas compartilharam de um mesmo horizonte racial, Gross e de la Fuente miraram dois alvos. A crítica se voltou tanto às elites do passado, quanto aos discursos mais recentes que, na política e na historiografia, ainda se valem da escravidão e do racismo explícito nos Estados Unidos como um contraexemplo, a fim de sustentar a suposta benevolência do cativeiro e a pretensa harmonia das relações raciais na América Latina. A posição dos autores no debate público é mais do que bem-vinda, e contribui para a desmistificação do tema. De todo modo, o próprio livro revela como Cuba antecedeu e sucedeu o cativeiro na América do Norte, e como sua elite constituiu o seu próprio regime racial. Sem cindir a ilha entre o branco e o negro, ela preservou por mais tempo a escravidão valendo-se de um racismo velado, tão eficaz e talvez mais perverso que o estadunidense.

Nas derradeiras páginas do livro, Gross e de la Fuente alçam voo sobre os anos que se seguiram à abolição, contrastando os Black Codes e as Leis Jim Crow no Sul dos Estados Unidos com o relativo reconhecimento dos direitos dos negros em Cuba. Em seus termos, a transição da escravidão à cidadania resultou das lutas políticas dos negros de cada região. Nas entrelinhas, os historiadores convidam seus pares a desbravar o campo das relações raciais nas sociedades do pós-abolição, à luz de suas importantes contribuições. Trazendo mais uma vez Tannenbaum ao debate, Gross e de la Fuente concluem que o tecido de conexão entre o negro escravizado e o cidadão negro, no pós-abolição, não decorreu da relação entre “slave and citizen” mas de “black to black”. Como enunciado no título e na introdução, não teria sido o direito da escravidão, mas a mobilização do direito à liberdade pelos próprios sujeitos escravizados que selou o caminho para a construção, não só dos regimes, mas das identidades raciais. É possível questionar se o direito à liberdade existiria senão como contradição interna do direito da escravidão, em uma relação dialética. No entanto, foi por meio dessa inversão do prisma que Gross e de la Fuente miraram um velho debate sob um ângulo novo, trazendo à luz outros sujeitos e respostas.

Becoming Free, Becoming Black coroa os resultados de uma tradição historiográfica que trouxe à luz a complexidade da escravidão e das disputas sobre os sentidos da liberdade e da justiça nas Américas. Reivindicando os ganhos metodológicos e políticos da história “de baixo para cima”, e preservando no centro da narrativa os sujeitos escravizados e sua agência, Gross e de la Fuente deram um passo além. Instigados pelos debates postos no presente, ousaram revisitar os clássicos para oferecer respostas e questionamentos originais. Em tempos de crise das representações e de revisionismos históricos, Becoming Free, Becoming Black nos reabre uma janela ao passado, exibindo as raízes pérfidas de mazelas que ainda nos assolam. No entrepasso do caminhar de tantos homens e mulheres, os autores nos lembram das lutas pretéritas, e quiçá nos apontam possíveis caminhos para os embates que se anunciam no horizonte.

Notas

1. Universidade de São Paulo. São Paulo – São Paulo – Brasil.

2. Marcelo Ferraro é doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo e estuda a relação entre direito, violência e escravidão no Vale do Paraíba e no Vale do Mississippi no longo século XIX.

3. Apenas para citar a principal referência dos autores, ver Rebecca J. Scott, Degrees of Freedom: Louisiana and Cuba After Slavery. Cambridge, MA, 2005; e mais recentemente Scott, R., & Hébrard, J. Freedom Papers: An Atlantic Odyssey in the Age of Emancipation. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2012.

4. Frank Tannenbaum, Slave and Citizen. Boston, 1992). Sobre as publicações anteriores de Gross e de la Fuente, ver De la Fuente, Alejandro, & Gross, Ariela. (2010). Comparative Studies of Law, Slavery, and Race in the Americas. Annual Review of Law and Social Science, 6(1), 469-485. Gross, Ariela, & De la Fuente, Alejandro. (2013). Slaves, free blacks, and race in the legal regimes of Cuba, Louisiana, and Virginia: A comparison. North Carolina Law Review, 91(5), 1699. De la Fuente, A. (2010). From Slaves to Citizens? Tannenbaum and the Debates on Slavery, Emancipation, and Race Relations in Latin America. International Labor and Working Class History, 77(1), 154-173. De la Fuente, A. (2004). Slave Law and Claims-Making in Cuba: The Tannenbaum Debate Revisited. Law and History Review, 22(2), 339-369.

5. Morgan, Edmund. American slavery, American freedom: The ordeal of colonial Virginia. New York: W.W. Norton &, 2003.

6. A título de exemplo, ver os discursos de representantes de Cuba e do Brasil sobre a questão dos negros livres, assim como suas divergências, em Berbel, Marcia., Marquese, Rafael, & Parron, Tamis. Escravidão e política: Brasil e Cuba, c. 1790-1850. São Paulo: Editora Hucitec: FAPESP, 2010. Sobre o racismo em Cuba no século XX, é o próprio Alejandro de la Fuente que sustenta a interpretação aqui esboçada. Ver Fuente, Alejandro de la. A Nation for All: Envisioning Cuba. The University of North Carolina Press, 2011.

Referências

DE LA FUENTE, A. (2010). From Slaves to Citizens? Tannenbaum and the Debates on Slavery, Emancipation, and Race Relations in Latin America. International Labor and Working Class History, 77(1), 154-173.

DE LA FUENTE, A. (2004). Slave Law and Claims-Making in Cuba: The Tannenbaum Debate Revisited. Law and History Review, 22(2), 339-369

DE LA FUENTE, Alejandro, & GROSS, Ariela. (2010). Comparative Studies of Law, Slavery, and Race in the Americas. Annual Review of Law and Social Science, 6(1), 469-485.

GROSS, Ariela, & DE LA FUENTE, Alejandro. (2013). Slaves, free blacks, and race in the legal regimes of Cuba, Louisiana, and Virginia: A comparison. North Carolina Law Review, 91(5), 1699.

SCOTT, Rebecca. Degrees of Freedom: Louisiana and Cuba After Slavery. Cambridge, MA, 2005;

SCOTT, R., & HÉBRARD, J. Freedom Papers: An Atlantic Odyssey in the Age of Emancipation. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2012.

TANNENBAUM, Frank. Slave and Citizen. Boston, 1992).

Marcelo Rosanova Ferraro – Universidade de São Paulo. São Paulo – São Paulo – Brasil. Marcelo Ferraro é doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo e estuda a relação entre direito, violência e escravidão no Vale do Paraíba e no Vale do Mississippi no longo século XIX.


DE LA FUENTE, Alejandro; GROSS, Ariela J. Becoming Free, Becoming Black: Race, Freedom, and Law in Cuba, Virginia and Louisiana. Cambridge: Cambridge University Press, 2020. Resenha de: FERRARO, Marcelo Rosanova. O direito à liberdade e a dialética das raças nas Américas. Almanack, Guarulhos, n.27, 2021. Acessar publicação original [DR]

Carta Internacional. Belo Horizonte, v.16, n.1, 2021.

História e Direito: Reflexões Contemporâneas | Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade | 2020

A vida e a trajetória acadêmica dos pesquisadores repleta de simbolismos e superações, muitas vezes alterando as suas percepções, com o passar dos anos e a descoberta de novos elementos, alternam, complementam ou aperfeiçoam o seu próprio entendimento, conformando-se à realidade dos novos tempos, motivo pelo qual a atual edição da Revista Cordis refere-se ao Dossiê História e Direito: Reflexões Contemporâneas.

É essencial salientar que este periódico não realiza censura prévia do conteúdo dos artigos dada as diretrizes democráticas traçadas pelo editor e pelo programa de pós-graduação, sendo evidente que a responsabilidade pelas explanações, ideias, manifestações, opiniões é exclusiva dos autores dos artigos científicos, o que é exigível em um Estado Democrático de Direito de acordo com o princípio da liberdade de expressão e de livre pensamento, com adequada responsabilidade. Leia Mais

Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, v.2, n.25, 2020.

Dossiê: História e Direito: Reflexões Contemporâneas

Apresentação

Artigos

Poesias

Homenagem

Publicado: 2021-04-17

Diálogos. Maringá, v.25, n.1, 2021.

Literatura e Historia: testimonios y negaciones. Modos de significar el desborde y operaciones de exclusión.

Editorial

Mesa Redonda

Artigos

Publicado: 2021-04-16

Literatura e Historia: testimonios y negaciones. Modos de significar el desborde y operaciones de exclusión / Diálogos / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 27 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Moby Dick | Imagem: Letras In.Verso Re.Verso |

Los trabajos que se presentan en esta mesa redonda cuestionan, desde el análisis de producciones literarias específicas, los modos de representación de la realidad nacional con que los discursos oficiales escribieron su historia. Las nociones de desborde (Matos Mar, 2004) y negación (Kusch, 1975) en su relación dialéctica de oposición, contraste y tensión, estructuran las hipótesis de sentido que progresan, de manera fundamentada y certera, a lo largo de las investigaciones. De este modo, se hace evidente la manera en que el discurso historiográfico se asienta sobre parcialidades ideológicas que generan subalternidades. Sin embargo, por medio de una revisión atenta, concretamente desde la literatura y su específica habilidad de recrear imaginarios sociales, podríamos apropiarnos de los sentidos subliminales, de las voces silenciadas y de las identidades marginales que en ese espacio circulan.

La injerencia de la historia en la literatura, en consecuencia, hace visible la manera en que determinados sectores sociales hegemonizaban el poder de representación simbólica y excluían otras prácticas identitarias geoculturales. Nos referimos, concretamente, a esos colectivos que van a contramano del interés homogeneizador del Estado y generan, por esa cualidad intrínseca, malestar, incomodidad y rechazo. En este contexto, Domingo Ighina y Sabrina Rezzónico se encargan de mostrar cómo fueron operando los mecanismos discursivos e ideológicos de exclusión de esos sectores disidentes en la literatura argentina en el nacionalismo de la primera mitad del siglo veinte y en las nuevas configuraciones sociales motivadas por las transformaciones urbanas a finales del siglo XX y principios del XXI. No es casual que la novela de anticipación sea materia de análisis de sendas investigaciones ya que aquél género es ideal para describir imaginarios sociales y proyectar la crítica del presente hacia un futuro distópico. Leia Mais

Escrita da História. [?], v.7, n.13, jan./jun. 2020.

História da historiografia contemporânea: crítica, escrita e historicidade

EDITORIAL

APRESENTAÇÃO

DOSSIÊ: HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA CONTEMPORÂNEA: CRÍTICA, ESCRITA E HISTORICIDADE

ARTIGOS LIVRES

PUBLICADO: 16/04/2021

A verdade sobre a tragédia dos Romanov | Marc Ferro

O livro de Marc Ferro, A verdade sobre a tragédia dos Romanov2, já é provocativo pelo título. Em História, nos anos iniciais de formação, se aprende que a “verdade” não existe em estado puro, ou seja, ela é fruto de uma série de condicionantes que podem variar conforme a “lente” do pesquisador é manejada. A “verdade”, na pesquisa histórica, é sempre um juízo de algo a partir de um conjunto de fontes. No caso da obra de Marc Ferro, o termo ganha mais destaque se levarmos em conta que durante décadas se acreditou ou se divulgou, que toda a família do tzar Nicolau II, teria sido executada pelos bolcheviques e, de repente, surge a possibilidade de alguns de seus membros terem sido poupados. As filhas do tzar russo, Olga (22 anos), Tatiana (21 anos), Maria (19 anos) e Anastasia (17 anos), teriam sido poupadas do fuzilamento em julho de 1918.

As controvérsias a respeito do destino dos Romanov nos Urais começaram imediatamente após a divulgação da execução de Nicolau II. Em 23 de julho de 1918, os próprios bolcheviques, parte deles ao menos, noticiaram a morte do tzar no jornal Ouralski Rabotchi, no referido periódico o texto era claro ao dizer que o ex-soberano foi morto, sendo a esposa e os filhos levados para local seguro.3 Porém, em um documento atribuído a Trotski, Comissário da Guerra, este teria questionado Iankel Sverdlov4 sobre a família Romanov e foi informado de que todos estavam mortos. Leia Mais

Global History | Jürgen Osterhammel e Pierre-Yves Saunier

É de comum acordo entre os historiadores e as historiadoras que nossa disciplina tem sua história e que nossas perguntas para as fontes variam com o contexto, as sociedades e suas culturas. Desde a institucionalização da disciplina, com as escolas metódicas do século XIX, até as várias renovações historiográficas dos anos 70 a 90, cada epistemologia trouxe contribuições que enriquecem nosso campo. A partir disso, buscamos analisar o artigo Global History, de Jürgen Osterhammel junto ao comentário de Pierre-Yves Saunier, publicados no livro Debating New Approches to History. Leia Mais

Hydra. Guarulhos, v.5, n.9, 2021.

Em defesa do Patrimônio Natural: o historiador e o meio ambiente

Expediente

  • ·                  Expediente
  • Revista Hydra
  • PDF

Editorial

Artigos Livres

Notas de Pesquisa

Resenhas

Publicado: 2021-04-15

A política da fé e a política do ceticismo | Michael Oakeshott

Em meio ao turbulento cenário político que o Brasil tem vivido nos últimos anos, com a polarização do debate entre grupos de “direita” e de “esquerda”, é visível em muitos lugares o empobrecimento do repertório político e a baixa qualidade das discussões. Nesse sentido, a obra póstuma do historiador britânico Michael Oakeshott (1901-1990), produzida na década de 19502 e publicada pela primeira vez em 1996 pela editora Yale University Press, intitulada The Politics of Faith and The Politics of Scepticism, e publicada no Brasil, no ano de 2018 pela editora É Realizações, vem em boa hora para auxiliar na reflexão de acadêmicos e pesquisadores que discutem temas políticos e sociais.

Sobre Michael Oakeshott, ele nasceu no ano de 1901 na Inglaterra e estudou História na Universidade de Cambridge. Tendo sido professor por um curto período de tempo na Universidade de Oxford, Oakeshott se tornou professor catedrático de Ciência Política na London School of Economics e foi o responsável pela criação do curso de mestrado em História do Pensamento Político na instituição. Como pensador e escritor, podemos localizar as ideias e as obras do autor na chamada “tradição conservadora britânica”, que tem como principal herança ideias e conceitos provenientes da tradição filosófica “cética” e “empírica”. Leia Mais

Hipátia. São Paulo, v.6, n.1, 2021.

 

Em defesa do Patrimônio Natural: o historiador e o meio ambiente | Revista Hydra | 2021 (D)

Filosofia e Historia da Biologia 35 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Gucci Equilibrium | Foto: Divulgação |

Após um ano da pandemia de COVID-19, nos encontramos em um país desgastado pela má gestão do governo federal e pelo despreparo e desprezo do poder executivo. Os sintomas deste panorama não se restringem apenas à área da saúde pública, principal atingida neste contexto. A cada dia, vemos o crescente sucateamento da educação, o pífio investimento no campo cultural, o enfraquecimento das bases democráticas e o pouco caso na preservação ambiental.

Neste novo número da Revista Hydra, renovamos nosso compromisso com os temas mais urgentes sob o olhar crítico de pesquisadoras e pesquisadores da História e campos afins. Apesar do clima doloroso, é com imensa felicidade que apresentamos o dossiê Em defesa do Patrimônio Natural: o historiador e o meio ambiente. Leia Mais

Atlânticas: encontros entre mulheres africanas e da diáspora negra brasileira | Oficina do historiador | 2021

Oh paz infinita pode fazer elos de ligação numa história fragmentada.

África e América e novamente Europa e Ásia.

Angola, Jagas e os povos de Benin de onde vem minha mãe. Eu sou Atlântica”.

(Beatriz Nascimento)4

Este dossiê parte da referência e reverência à historiadora negra brasileira Maria Beatriz Nascimento (1942–1995). A intelectualidade produzida por Beatriz é ponto de partida para as confluências e conexões buscadas neste dossiê com o continente africano, em cujas terras a historiadora se fez presente corporal e mentalmente e dela produziu uma de suas obras referenciais, o filme Ôrí. Com texto e narração de Beatriz e direção de Raquel Gerber, Ôrí documenta os movimentos negros brasileiros entre 1977 e 1988, entre esses, organizações carnavalescas e bailes black, passando pela relação entre Brasil e África, tendo o quilombo como ideia central e apresentando, dentre seus fios condutores, parte da história pessoal de Beatriz, com narrações da mesma (RATTS, 2007, p. 28). É de fundamental importância que, no contexto de uma revista focada no conhecimento científico em História, coloquemos em primeiro plano uma grande teórica do pensamento negro brasileiro e diaspórico, cuja produção foi invisibilizada pelo racismo e pela branquitude acadêmica colonial. Que os textos de além-mares e terras africanas que se encontrarão com os textos da diáspora negra sejam abraçados pelas negras ideias de Beatriz. Façamos através e a partir de nós, cujo pensamento é prática e teoria, Atlânticas. Leia Mais

Oficina do Historiador. Porto Alegre, v.14, n.1, 2021.

APRESENTAÇÃO

DOSSIÊ: MÍDIAS E HISTÓRIA

DOSSIÊ: MULHERES ATLÂNTICAS

ARTIGOS

RESENHAS

Publicado: 2021-04-13

Mídias e História | Oficina do historiador | 2021

A proposta do dossiê Mídias e História foi motivada de um interesse específico d@s organizador@s 2 e, também, pela fundação, no ano de 2020, do Grupo de Trabalho História e Mídia (ANPUH-RS) do qual fazemos parte como fundadores. Desde o final do século XX, tem-se verificado uma significativa ampliação no âmbito historiográfico de pesquisas que utilizam as mídias como fonte e como objeto de pesquisa. Tais pesquisas têm mostrado uma gama ampliada de temas e de abordagens, evidenciando a riqueza do emprego dos meios de comunicação para a compreensão histórica do mundo.

Acompanhando esta tendência, percebemos uma considerável diversificação do instrumental teórico metodológico, que vem produzindo novas reflexões sobre o tema, especialmente aquelas que dizem respeito às suas relações com as diferentes formas de poder em conformidade com mecanismos hegemônicos de sua produção e sua circulação. Nesse sentido, percebemos que, nas pesquisas recentes, as formas de conceber as mídias, em especial, a imprensa, ora como “espelho da realidade” ora como simples instrumento de “manipulação de informação”, na defesa de interesses econômicos e políticos exteriores a seu campo de produção, estão sendo preteridas em relação às abordagens que privilegiam uma concepção de mídia como construtora de narrativas portadoras de visões de mundo. Cabe, ainda, salientar que as novas abordagens têm procurado reconhecer que os diferentes meios de comunicação buscam ocupar, de distintos modos e em diversos períodos históricos, como que, uma posição ativa na delimitação e na resolução dos temas politicamente relevantes e, assim, na constituição da memória e da identidade dos sujeitos. Leia Mais

Migrações: identidades, culturas e trajetórias / Aedos / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 26 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Migrações | Imagem: Fundação FHC |

Há pouco mais de um ano, nossos editores finalizavam o volume onze, número vinte e cinco, da Revista Aedos, já sob as recomendações sanitárias de isolamento social, fundamentais para o enfrentamento da pandemia de Covid-19. Este é o volume doze, vigésimo sétimo número desse periódico, e a terceira publicação finalizada, integralmente, sob tais circunstâncias. A crise sanitária persiste, acompanhada por uma dolorosa paisagem de mortes e destruição econômica e social. No Brasil, passado um ano dos primeiros alertas da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a disseminação em massa do novo coronavírus, ainda há uma assombrosa carência de políticas efetivas e coordenadas pelo governo federal para mitigar esses efeitos – o que nos lançou tragicamente ao epicentro da crise mundial nas últimas semanas. Enquanto estas palavras são escritas, o país beira as três mil mortes diárias, sem contar subnotificações, de um total de mais de trezentas mil vidas perdidas. Os profissionais da saúde encontram-se exaustos; por toda parte, faltam leitos e medicamentos essenciais para o tratamento dos pacientes.

Embora o vírus não descrimine ninguém, demonstrando como a comunidade humana é igualmente frágil, a desigualdade, segundo Judith Butler (2020, p. 60-62), que inclui “o nacionalismo, a supremacia branca, a violência contra as mulheres, as pessoas queer e trans, e a exploração capitalista”, atribui-lhe esse componente de modo cada vez mais “radical”. Ora, pois não seria ao menos emblemático que a primeira vítima notificada no Brasil tenha sido uma empregada doméstica de 63 anos? E, já que falamos disso, como não recordar, conforme Achille Mbembe (2020, p. 4), de “todas as epidemias imagináveis e inimagináveis que, durante séculos, devastaram povos sem nome em terras remotas”? Como esquecer das guerras e ocupações predatórias que mutilam e lançam milhares de pessoas a uma vida errante?1 Ou ainda, que tem a saúde e a expectativa de vida comprometidas pela “ação de empresas poluidoras e destruidoras da biodiversidade.” A propósito, na medida em que o vírus quebrava as barreiras do espaço e dos alvéolos pulmonares, as florestas brasileiras (os pulmões da Terra), juntamente com a sua fauna, arderam em chamas, tal qual qualquer imagem arquetípica do juízo final. A fumaça liberada daquele “inferno” transformou dia em noite.

Ainda que muitas vezes queiramos nos livrar do fato, é no mínimo lamentável tamanha destruição para “olharmos para a história humana como parte da história da vida nesse planeta”, como tanto insistiu Dipesh Chakrabarty (2013, p. 15). Nessa perspectiva, nos voltamos ao “corpo”, com seus medos, desejos e sensibilidades – e, agora, isolado; nos voltamos à experiência do “frágil e minúsculo corpo humano”, a que Walter Benjamin (1987, p. 114) tanto se esforçou para evidenciar no século passado. Diante de tamanha catástrofe, esperamos que os trabalhos reunidos em mais uma edição “pandêmica”, com um dossiê temático dedicado às migrações, identidades, culturas e trajetórias, possa talvez servir como um “sopro”. Não como aquele que vem da “tempestade do paraíso”, impedindo o “anjo da história” de Benjamin (1987, p. 226) de “acordar os mortos e juntar os fragmentos”; mas como o “(co)movedor”, no “jogo de palavras” de Alistair Thomson (2002, p. 359), toque da cítara dos aedos

Notas

1. Com a pandemia, segundo o último relatório de Tendências Globais (2020) do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “o número de pedidos de asilo registrados na União Europeia em março de 2020 caiu 43% em comparação com fevereiro, à medida que os sistemas de asilo diminuíram ou pararam com países fechando fronteiras”.

Referências

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987. v. 1.

BUTLER, Judith. El capitalismo tiene sus limites. In: AGAMBEN, Giorgio et. al. Sopa de Wuhan. Pensamiento contemporáneo en tiempos de Pandemias. [S.l.]: ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020.

CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da História: quatro teses. Sopro, São Paulo, n. 91, jul. 2013.

MBEMBE, Achille. O direito universal à respiração. N-1 Edições, São Paulo, 2020.

THOMSON, Alistair. Histórias (co)movedoras: História Oral e estudos de migração. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 44, p. 341-364, 2002.

UNCHR. Global Trends. Forced Displacement in 2019. The UN Refugee Agency, Genebra, 18 jun. 2020

Lúcio Geller Junior – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). E-mail: lucio.geller@gmail.com


GELLER JUNIOR, Lúcio. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v. 12, n. 27, março, 2021. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

História, Debates e Tendências | Passo Fundo, v. 21, n. 1, 2021.

 


História, Debates e Tendências. Passo Fundo, v. 21, n. 1, 2021.

Dossiê: História da Saúde e das Doenças: Instituições, Discursos e Relações de Poder | Publicado: 2021-01-04

Editorial

Dossiê


The Sexual Question: A History of Prostitution in Peru, 1850s-1950s | Paulo Drinot

A few years ago, while reviewing archival material on Valparaíso, Chile, I ran across reports of women engaging in sex work in temporary housing after the 1906 earthquake. The authorities quickly made it clear that sex work itself was not the main issue; much more important was where it was happening. I thought there was a much larger story to be told, but since I was researching a rather different topic, I took a picture and made a note of it. Paulo Drinot, in his new book The Sexual Question: A History of Prostitution in Peru, 1850s-1950s, takes on the subject of sex work in Peru and does so by drawing on an enormously wide range of sources, care for geography, and an attention to historical change from various angles. Leia Mais

Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância. São Paulo, v.2, n. Especial, 2021.

Estratégias Ativas na EAD: abordagem digital no processo de ensino e aprendizagem

Publicado: 2021-04-08

Artigos

Migrações Contemporâneas: Reflexões e práticas profissionais | José Sterza Justo e Mary Yoko Okamoto

Movimentos coletivos e deslocamentos individuais voluntários e forçados fazem parte da constituição da humanidade, entretanto, a intensificação do ir e vir no mundo atual tem se ampliado dado as condições sociais possibilitadas pela globalização e pelo avanço tecnológico dos meios de transporte e comunicação. Compreender essas dinâmicas, assim como os fluxos e refluxos, além das mobilidades geográficas e psicossociais, os trânsitos e as formações identitárias, são os objetivos centrais da obra Migrações contemporâneas: reflexões e práticas profissionais organizada pelos psicólogos José Justo e Mary Okamoto. O caráter interdisciplinar desse empreendimento, entretanto, justifica-se pela variedade de temas, enfoques, métodos e profissionais que fazem desta obra que veio à baila em 2019.

O primeiro capítulo, batizado Migrações, multiculturalismo e identidades: revisitando conceitos, produzido pelos psicólogos Marcelo Naputano e José Justo busca a partir de uma abordagem conceitual explicar as transformações e abrangências das concepções de cultura, fronteira e identidade. Leia Mais

Tempos Históricos. Marechal Cândido Rondon, v.25, n.1, 2021.

PÁGINAS INICIAIS

ARTIGOS

RESENHAS

RELATOS DE PESQUISA

TRADUÇÃO

Educação a distância e tecnologia digital: interação, atitude e aprendizagem | Agnaldo Oliveira

O autor, Agnaldo de Oliveira, é brasileiro, com doutorado em Matemática pela Unesp (Rio Claro – SP), docente da rede municipal de ensino de Campo Grande – MS, pesquisador nas áreas de Formação Continuada de Professores e de Tecnologias de Informação e Comunicação.

O presente livro é fruto da pesquisa de mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Nele, Oliveira analisa os estudos realizados sobre o uso de tecnologias digitais no ensino e aprendizagem de funções do primeiro e segundo grau na exploração de propriedades de triângulos e quadriláteros. Para este efeito, além de introdução e conclusão, dividiu a obra em três capítulos, a saber: 1. Formação de Professores e Tecnologias Digitais: interação, atitudes e aprendizagem, que corresponde ao referencial teórico, tendo optado pelos estudos sobre “estar junto virtual” e a atitude de “habitante”, e é partir deles que foi possível analisar as possibilidades de aprendizagens dos sujeitos com o uso do computador em ações na modalidade EaD; 2. Caminho Metodológico da Pesquisa, no qual delineia o caminho percorrido na investigação e a constituição do grupo de estudo, nomeadamente os participantes da ação formativa. Neste capítulo são também apresentados o ambiente virtual de aprendizagem (AVA), espaço em que ocorre o desenvolvimento da ação de formação, e a proposta de ação de formação; 3. Uma Experiência com Formação de Professores de Matemática em EaD: possibilidades de aprendizagem em AVA, no qual apresenta a análise de dados a partir de três categorias: aprendizagem do conceito matemático, aprendizagem na interação entre sujeitos e atitude do formador. Leia Mais

Ensaios de História. Franca, v.21, n.1 2020.

Artigos

Resenhas

Publicado: 2021-04-07

Boletim Historiar. São Cristóvão, v.8, n.01 (2021): Jan./Mar. 2021.

Artigos

Publicado: 2021-04-07

Manual de Arqueologia Pré-histórica | Nuno Ferreira Bicho

Introdução

Antes mesmo de ser considerada e nomeada como ciência efetiva, em meados do século XIX, a Arqueologia já intrigava e despertava a curiosidade e o fascínio de colecionadores e estudiosos. E isso teria se dado não pela sua teoria em si, mas pelo seu objeto de estudo: a cultura material, com objetos e documentos preciosos de um tempo passado. Sua construção como ramo do conhecimento perpassa, desta forma, as fronteiras do acatamento em uma única disciplina.

Em outras palavras, é uma matéria interdisciplinar tanto em sua prática2 quanto em sua própria concepção3. Entretanto, além de interdisciplinar, dialoga tanto com o ambiente acadêmico/intelectual, quanto com o ambiente leigo, pois seu acesso é majoritariamente visual, palpável, fazendo-se entender pelo grande público (e despertando a curiosidade deste mesmo por ser um contato com o passado, tão “remoto” e “desconhecido”). Leia Mais

 Ensaios de História. Franca, v.21, n.1, 2020.

Artigos

Resenhas

Publicado: 2021-04-07

 

Revista de Fontes. São Paulo, v. 7, 13, 2020.

Diplomática e História | 

Artigos |

Publicado: 2021-04-06

Histórias da pobreza no Brasil | Fabiano Quadros Rückert, Jonathan Fachini da Silva, José Carlos da Silva Cardoso e Tiago da Silva Cesar

A deflagração do estado de calamidade pública causado pela pandemia do Covid-19 trouxe à tona a reflexão sobre o complexo e multidimensional fenômeno da pobreza em países como o Brasil. A pandemia emergiu a necessidade de o Estado brasileiro intervir com um programa de assistência social provisório (medida contrariada e segurada até a último fôlego pelo presente Governo) de modo a conter o impacto do desemprego e da retração econômica gerada pela quarentena. Fato curioso é que este cenário instável forçosamente gerou um efeito colateral positivo, embora efêmero: a redução da taxa de extrema pobreza com a distribuição das parcelas do auxílio emergencial, a mais relevante diminuição ocorrida em quatro décadas conforme dados recentes da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2020). Por outro lado, o término deste auxílio emergencial, previsto para o final deste ano, já indica um retorno absurdo do fenômeno: cerca de 15 milhões de brasileiros serão devolvidos para a miséria, consequentemente devolvendo ao Brasil a trágica alcunha de “epicentro emergente da fome extrema”.

Neste cenário distópico, a leitura do livro “Histórias da Pobreza no Brasil” (Ed. FURG, 2019), volume 6 da Coleção Direito e Justiça Social, se torna praticamente obrigatória. Organizado pelos professores e pesquisadores Fabiano Quadros Rückert, Jonathan Fachini da Silva, José Carlos da Silva Cardozo e Tiago da Silva Cesar, a proposta da publicação foi compor uma obra que contemplasse diferentes escalas de análise sobre a pobreza associadas as particularidades históricas e socioeconômicas desde o Norte ao Sul do Brasil. Leia Mais

História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.13, n.25, 2021.

Direitos das Crianças e Adolescentes na América Latina – Homenagem a Profa. Esmeralda Moura (Edição Especial/2021)

Expediente

Editores RBHCS

Apresentação

Apresentação ao Dossiê

Dossiê

Artigos Livres

Resenhas

Publicado: 2021-04-05

Direitos das Crianças e Adolescentes na América Latina – Homenagem a Profa. Esmeralda Moura / Revista Brasileira de História & Ciências Sociais / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 33 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Meninos e meninas de rua ocupam o Congresso Nacional para aprovar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1989 | Foto: Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua |

Queridos e queridas leitoras, é com o coração contrito que apresentamos o dossiê temático intitulado Direitos das Crianças e Adolescentes na América Latina que trás junto a si o complemento Homenagem a Profa. Esmeralda Moura.

Homenagear alguém não deveria de ser esporádico ou surpreendente, ainda mais porque “flores” devem ser oferecidas em vida, o reconhecimento de ações especiais deve ser valorizado constantemente. Mas, há pessoas que marcam nossas existências de forma especial, Esmeralda Blanco B. de Moura foi uma delas. E o presente dossiê é dedicado ao seu legado.

A querida professora Esmeralda, com seu carinho, voz suave e doce, senso democrático e rigor científico, conseguiu cativar uma legião de pesquisadores a se interessarem por um seguimento da história que por muito tempo foi dado pouca ou nenhuma atenção: as crianças e adolescentes.

Profa. Esmeralda, juntamente com Maria Luiza Marcílio, Eni Samara e Mary Del Priore, todas docentes na Universidade de São Paulo (USP) e vinculadas ao Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina – CEDHAL/USP, tiveram a ambição de trazer luz para a história da família e da criança numa época em que poucos estudiosos tinham esses como objetos privilegiados de investigação.

Esta querida professora, que nos deixou no dia 03 de abril deste ano, era uma mulher combatente pela História e pelos direitos das crianças e adolescentes no Brasil, foi professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História Econômica da USP, Diretora do CEDHAL, uma das fundadoras do Grupo de Trabalho História da Criança e do Adolescente da Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil), tendo sido sua primeira coordenadora, e da Red de Estudios de la Historia de las Infancias en America Latina (REHIAL), ocupando inicialmente a posição de coordenadora brasileira.

Mesmo aposentada, ainda continuou lecionando, orientando, pesquisando e publicando suas descobertas, sendo que uma de suas últimas publicações se deu justamente no dossiê por nós organizados no volume anterior da RBHCS1.

Tínhamos escrito uma apresentação diferente, fazendo alusão aos dados relacionados a violência contra as crianças no Brasil e na América Latina nesses tempos pandêmicos, reforçando a necessidade de manutenção e ampliação da rede de proteção e assistências aos mesmos, discorrido sobre a importância dos 15 artigos reunidos neste dossiê, mas, com consentimentos os Editores deste prestigioso periódico, repensamos aquela apresentação para fazer algo mais pessoal e prestar essa justa homenagem a profa. Esmeralda e afirmar que seu legado continuará presente em mais gerações de professores e pesquisadores da história das crianças e dos adolescentes.

Saudades.

Rio Grande/RS-Recife/PE, Outono de 2021

Humberto da Silva Miranda

José Carlos da Silva Cardozo

Organizadores do dossiê temático

Humberto da Silva Miranda – Doutor e Pós-Doutor em História (UDESC). Professor Adjunto na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Docente Permanente do PPGE/UFRPE.

José Carlos da Silva Cardozo – Doutor e Pós-Doutor em História Latino-Americana (UNISINOS). Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Docente Permanente do PPGH/FURG.


MIRANDA, Humberto da Silva; CARDOZO, José Carlos da Silva. Apresentação do dossiê Direitos das Crianças e Adolescentes na América Latina – Homenagem a Profa. Esmeralda Moura. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.13, n. 25, Edição Especial [maio], 2021 Acessar publicação original [IF].

Acessar dossiê

Revista Brasileira de História da Ciência. Rio de Janeiro, v.13, n.2, 2020.

Historia Agraria de América Latina. Santiago do Chile, v.2, n. 01, april, 2021.

Presentación

Artículos

Reseñas

Folia Histórica del Nordeste. Resistência, n. 41, 2021.

Artículos

Reseñas Bibliográficas

  • Reseña de la obra de María Inés Montserrat (2020). Pobladores de Luján: devoción, pestes y malones: 1700-1750. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Academia Nacional de la Historia. (270 pp.).
  • Gabriela de las Mercedes Quiroga |
  • Visor PDF
  • Descargar el archivo PDF
  • Reseña de la obra de Mónica Daldovo (2021). Formosa: de lo frustrado a lo logrado. Pervivencia de las Ligas Campesinas en las actuales políticas agropecuarias del Estado provincial. Rosario: Prohistoria. 103 pp.
  • Emilia Sol Delgado |
  • Visor PDF
  • Descargar el archivo PDF
  • Reseña de la obra de Pablo Lapegna (2019). La Argentina transgénica: de la resistencia a la adaptación, una etnografía de las poblaciones campesinas. Buenos Aires: Siglo XXI. 272 pp.
  • Darío Agustín Machuca |

Caminhos que levam à cidade. O protagonismo do IAB na politica urbana | Vera França e Leite

Recém-lançado em janeiro de 2021, por ocasião das Comemorações do Centenário do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), o livro Caminhos que levam à cidade – o protagonismo do IAB na política urbana brasileira, de autoria da arquiteta urbanista Vera França e Leite, examina com profundidade a trajetória e o empenho do Instituto, dirigido a proporcionar um ambiente urbano seguro, equilibrado, saudável e receptivo aos seus cidadãos e cidadãs.

Baseado originalmente em sua tese de doutoramento, os cinco capítulos e subcapítulos que compõem o livro permitem ao leitor percorrer um largo período da história do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, de 1953 a 1988, mediante uma linguagem de fácil assimilação e compreensão, visivelmente com o propósito de atingir um público que não se limita unicamente à categoria profissional de arquitetos e urbanistas. Com o mesmo objetivo, Vera desenvolve sua narrativa por um fio condutor, comprovando-a em documentos originais do acervo de IAB e outras fontes, onde destaca particularidades e, evidencia a continua persistência do Instituto em se fazer ouvir. Se em alguns momentos, particularmente após o golpe de 1964, essa persistência, pautada por uma atitude permanentemente crítica, porém propositiva, conviveu com difíceis e intrincadas negociações, mais das vezes improdutivas, por outro lado, o ideário construído pelo Instituto, notadamente a partir do III Congresso Brasileiro de Arquitetos – Belo Horizonte, 1953 –, possibilitou que os conceitos e os novos paradigmas formulados, alcançassem o êxito pretendido, no médio e longo prazo. Leia Mais

Leon Battista Alberti, humanismo e racionalidades modernas | Mário Henrique S. D’Agostino

O primeiro lanço de olhar sobre o título e o índice deste livro que o leitor possui à frente é provável que tenha suscitado em muitos uma tácita inquietação. De um pai florentino, Leon Battista Alberti nasceu em Gênova, no ano de 1404, e veio a falecer na caput mundi, em 1472. O que tem-nos ainda a dizer, sobretudo a nós, americanos do sul do equador, um autor vivido na Itália do século 15 – então constituída por uma miríade de senhorios em não menos numerosas variações dialetais –, notabilizado por verter i primi lumi aos alvores da Idade Moderna, porém logo obnubilado, como o fulgor de um átimo, por tantos cujos nomes mantemos mais acesos em nossa memória? No campo da política, seu princeps cedo perde posto para o maquiavélico; nas artes, sucessivos tratados há pouco ainda habitavam pranchetas e armários dos ateliês – os de Andrea Palladio e Jacopo Barozzi da Vignola na primeira fila, para atermo-nos aos mais “globais”. E não obstante podermos estender tal arrolamento a muitos outros domínios, é notório o exponencial incremento de interesse por nosso autor e sua obra. Prova disso se verifica na quantidade e na qualidade dos congressos e publicações a ele consagrados, particularmente nas duas últimas décadas – e não falamos só da Europa. No panorama brasileiro ou latino-americano, embora se advirta um pequeno aumento no número de títulos e eventos a ele dedicados, é inconteste o rumo dos ventos. Leia Mais

Revista Maracanan | Rio de Janeiro, n.26, 2021.


Revista Maracanan. Rio de Janeiro, n.26, 2021.

História Regional: novas perspectivas

  • A historiografia recente interpreta “região” como um conceito polissêmico, não apenas ligado a recortes espaciais, construídos por entidades político-administrativas, tais como os Estados-nacionais, como também a questões de identidade e de representação. O presente número da revista demonstra que a “História Regional” é um campo de pesquisa em franco desenvolvimento, partindo de problemáticas concernentes às relações entre espaço físico e espaço social, referendando que toda divisão regional parte de uma definição política. Os estudos aqui apresentados ressaltam a importância de estudos sobre o Brasil em suas múltiplas diversidades e abordagens, que vão além das esferas de poder mais tradicionais. A região também é percebida em sentido ampliado, evocando o campo das lutas simbólicas, a partir do qual, portanto, tornar-se-ia possível investigar aspectos relativos aos debates sobre identidade(s) e memória social. |

Expediente

Apresentação

Entrevistas

Dossiê

Notas de Pesquisa

Artigos

Traduções

Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v.47, n.1, 2021.

 

 

História pública e ensino de história | Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira

O estranhamento de todo dia para aqueles e aquelas que experimentam, seja na formação inicial ou continuada, seja no trabalho escolar ou na pesquisa acadêmica, o ensino de história como um campo de conhecimento, mas também de práticas profissionais, talvez seja muito semelhante à experiência de um estrangeiro olhando as suas fontes e os seus materiais, interagindo com os sujeitos do campo, buscando sempre autorizar a superação da dolorosa sensação de alheamento e exterioridade com a sua prática e a experiência que dela decorre. Quem sabe, eles não encontrem nesse belo trabalho organizado por Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira, com a contribuição de especialistas sempre (ou quase sempre) compartilhando a autoridade com professores de ofício da educação básica – via de regra experimentando percursos de formação continuada –, uma aliança generosa e solidária?

Que esta resenha possa somar-se a essa aliança potente, em uma perspectiva de compreensão narrativa e empatia (RITIVOI, 2018), assumindo um lugar de professor entre professores de História. Leia Mais

Historia Crítica. Bogotá, Núm. 80 (2021)

Dossier

Dossier

Publicado abril 1, 2021

Os arquivos na Cadeia de Produção do Conhecimento – Formação Profissional | Revista do Arquivo | 2021 (D)

Bilros 2 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial

Como acontece a produção do conhecimento humano? Eis aí um dos enigmas que perpassa quase toda a história. A cada resposta esboçada, novos questionamentos se impõem. Afinal, a sociedade humana, sob todos os aspectos, está em permanente mutação, especialmente no cultural. Portanto, esse será sempre tema oportuno, sobre o qual haverá muito o que se refletir e se escrever.

Esperemos que esta nossa edição nº 12 se apresente como mais um grão no debate sobre os saberes humanos.

INTRODUÇÃO AO DOSSIÊ

“…se a Arquivologia é muito antiga como prática, é recente como saber”. Esta afirmação é do texto introdutório de Mariana Lousada, que nos oferece uma apresentação sumular do desenvolvimento dos conceitos e conhecimentos da arquivologia. Trata-se de um bom aperitivo para esta edição que nos propõe reflexão sobre a produção do conhecimento na arquivologia.

A professora doutora Marcia Pazin Vitoriano foi a nossa entrevistada para tratar do tema do dossiê. Feliz escolha da nossa editoria, Pazin tem o perfil perfeito como atuante docente do curso de arquivologia, com larga experiência em organização de arquivos e produção intelectual sobre o tema do dossiê. Não bastasse tudo isso, a nossa entrevistada é colaboradora de longas datas do Arquivo Público do Estado de São Paulo e colaboradora e membro do Conselho Editorial da Revista do Arquivo. De forma objetiva e substancial, essa querida professora aborda temas candentes e polêmicos sobre o assunto.

ARTIGOS DO DOSSIÊ TEMÁTICO

Quatro são os artigos que apresentam bem distintas abordagens sobre o tema do dossiê temático, e se somam a outros dois que tratam de temas que não dialogam diretamente com o dossiê proposto, mas abrilhantam esta edição, colaborando com excelentes reflexões que expandem o nosso conhecimento sobre os arquivos e suas fontes de informação.

Atentem os leitores desta edição para a dimensão das questões levantadas pelo artigo assinado por Beatriz Carvalho Betancourt, Eliezer Pires da Silva e Priscila Ribeiro Gomes: “a formação em arquivologia contempla as atribuições profissionais? O que a regulamentação profissional e o mundo do trabalho demandam da formação? Como a análise entre currículo, legislação e concursos públicos contribui para a harmonização entre formação, profissão e trabalho no campo arquivístico brasileiro?”. Na busca de respostas a questões desse quilate os autores do artigo intitulado Recomendações para harmonização entre formação, profissão e trabalho no campo arquivístico brasileiro atingem o âmago do proposto pela chamada de artigos, apresentando excelente reflexão teórica fundamentada em “pesquisa documental e bibliográfica em arquivologia, educação, sociologia e história”.

A classificação é atividade essencial e central dos arquivos e, portanto, um dos conceitos articuladores da área da arquivologia, cujos “desdobramentos teóricos e metodológicos foram responsáveis por alçar a Arquivologia ao posto de disciplina científica”, conforme justificam as autoras do artigo intitulado A Função Classificação na Formação do Arquivista: Uma Análise Histórica dos Modelos de Ensino dos Cursos de Arquivologia do Sudeste do Brasil, assinado por Juliana de Mesquita Pazos e Clarissa Moreira dos Santos Schmidt. Fruto de investigação empírica, Pazos & Schimidt tecem ótima reflexão teórica sobre tema crucial da área, com a originalidade de pensá-lo sob ótica do ensino no nível superior, buscando “identificar os modelos de ensino dos conteúdos fundamentais relativos à função classificação”.

A Revista do Arquivo tem o prazer de anunciar a publicação de artigo que tem originalidade como ponto forte e oferecer ao público a primeira reflexão descritiva sobre aspectos da elaboração daquele que é o “primeiro curso técnico em arquivos do Brasil”, fruto de “uma parceria entre Arquivo Público do Estado de São Paulo e Centro Paula Souza”, conforme consta no título do artigo de autoria de Antonio Gouveia de Sousa, Fernanda Mello Demai, Noemi Andreza da Penha, Aline Santos Barbosa e Flávio Ricci Arantes. Eis aí um bom motivo para se multiplicar a reflexão sobre esse importante tema, que também aparece na citada entrevista de Márcia Pazin.

Outra abordagem inusitada é publicada por Ismaelly Batista dos Santos Silva, que nos oferece a oportunidade de reflexão sobre um assunto ausente como objeto de pesquisa, que aparece explicitado no título Consultoria arquivística: da contextualização ao planejamento do consultor. Ismaelly Silva ousa afirmar que seu objetivo é “estruturar ideias passíveis de serem convertidas em conhecimento explícito”, almejando, assim, “compor referência literária para aprendizagem de potenciais consultores na área de Arquivologia”. Confiram e avaliem os leitores.

AUTORES CONVIDADOS

Desta vez, publicamos três artigos na subseção autores convidados, com temas bem distintos, mas idênticos em qualidade e relevância.

A edição nº 12 da Revista do Arquivo tem a honra de publicar o artigo cujo título já divulga o trabalho de mais de uma década sobre O processo de atualização do Plano de Classificação e da Tabela de Temporalidade de Documentos da Universidade de São Paulo (USP): desafios e soluções heterodoxas, subscrito por Ana Silvia Pires, Johanna Wilhelmina Smit, Lílian Miranda Bezerra e Marli Marques de Souza de Vargas.

Utilizando-se de narrativa descritiva de um caso, o artigo disserta sobre um processo de trabalho específico e não expõe grandes reflexões teóricas. No entanto, trata-se de um texto original, de extrema relevância, capaz de gerar pulsantes debates no meio arquivístico e, acima de tudo, que demonstra o processo de aprendizagem, de acúmulo e de produção do conhecimento exemplares a partir do “chão” de arquivos, tendo como objeto instrumentos de gestão, que são uma das pedras de toque da arquivologia: o plano de classificação e tabela de temporalidade de documentos.

Pesquisadora do teatro brasileiro, pela segunda vez publicamos artigo de Elizabeth R. Azevedo1, agora sob o título A inserção do patrimônio artístico na estrutura universitária: o caso do centro de documentação teatral (USP). O artigo trata da criação e da trajetória do Centro de Documentação Teatral na ECA/USP, reflete sobre as escolhas teórico-metodológicas para sua constituição, sua relevância para a comunidade artística, sua importância para a preservação do patrimônio histórico e cultural, bem como sua inserção na estrutura da universidade.

Não são raros os exemplos de cooperação entre instâncias universitárias e instituições executivas do poder público com finalidade de compartilhamento de benefícios mútuos para usufruto do manancial informativo cultural dos arquivos. Mirem-se no Acordo de Cooperação firmado entre a Universidade de São Paulo, por meio da área de Filologia e Língua Portuguesa, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região e a Justiça Federal de Primeiro Grau de São Paulo e do Mato Grosso do Sul. O artigo sob o título Da arquivística à produção linguística: estudo interdisciplinar de um Summario de Culpa de 1892 é um exercício multidisciplinar de exploração conjunta de uma instigante peça de processo judicial do final do século XIX, assinado por Phablo Roberto M. Fachin, Vanessa M. do Monte, Sílvio de Almeida Toledo Neto, Ana Carolina E. P. do Amaral, Ana Laura M. Cinto, Carla A. di Lorenzo Midões de Mello, Heloisa Ribeiro Bastos e Luisa Biella Caetano. Mais uma boa oportunidade para rememorarmos as profícuas interfaces entre a linguística, história e arquivos, conforme já publicamos nas edições nº 1 e nº 4 deste periódico. Vale conferir.

RESENHA

A Revisa do Arquivo realizou esforço suplementar em decorrência do falecimento de Vicenta Cortés Alonso em 4 de janeiro passado e propôs a elaboração de resenha que abordasse a obra, parte da obra ou a vida intelectual dessa arquivista que nos lega produção vasta e fecunda. Tivemos a felicidade de receber a contribuição de Rafaela Basso, Diretora de Gestão e Preservação de Documentos e Informação no Arquivo Central da Unicamp, que engrandece esta edição com sua resenha intitulada Vicenta Cortés Alonso, uma vida dedicada à luta pelos arquivos. Com ela, fica aqui registrada a nossa singela homenagem.

INTÉRPRETES DE ACERVO

Essa seção traz relatos fascinantes sobre pesquisas em arquivos, com ótimos depoimentos de pesquisadoras com suas distintas experiências, apresentando objetos de estudos muito interessantes e dicas para quem se propõe a buscar informações nos labirínticos arquivos. Façam companhia às brilhantes historiadoras Marisa Midori, Marília Cánovas e Yaracê Morena.

PRATA DA CASA

Monitoria e fiscalização: funções inusitadas em instituição arquivística. É o título da matéria do Prata. O que faz um Núcleo com essas aparentes competências expressas na sua nomenclatura? Como assim, “monitoria”? Como assim “fiscalização”? Como atua esse setor? Ele pratica, de fato, o que propõe sua nomenclatura. O que se fiscaliza? Têm os arquivos públicos essa competência?

Leia a entrevista com o diretor da área, Benedito Vanelli, e tire suas dúvidas.

VITRINE

Nesta edição, um belo depoimento de uma pesquisadora que revela com paixão as suas experiências e descobertas nos arquivos sobre A indústria oleira da Vila de Piratininga. Ao final do texto de Edileine Carvalho Vieira fica aquela sensação de “quero mais”.

O segundo texto é de Isaura Bonavita que nos toca com sua refinada crônica memorialística sob o título Lembranças miúdas.

Conteúdo de qualidade.

Atentem. Comentem. Critiquem!


Apresentação. Revista do Arquivo, São Paulo, Ano VII, N. 12, abr. de 2021. Acessar publicação original [DR]

Narrativas (auto)biográficas no cinema | Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica | 2021

A temática “Narrativas (auto)biográficas no cinema” desperta e desafia diversas problemáticas inerentes às relações entre linguagem, pensamento, temporalidade, espacialidade e vida. Tratando de um conceito antigo, a história do termo “narrativa” produziu incontáveis polêmicas e nuanças quanto às suas possíveis definições. No campo das Artes, a narrativa implicou desafios poéticos e estéticos responsáveis por dúvidas e enigmas sobre o alcance de seu estatuto ontológico. Perguntas simplistas dirigidas às sete artes acerca de suas capacidades ou condições de produzirem ou de serem – ontologicamente – narrativas marcaram uma série de debates ligados a batalhas políticas e econômicas acerca da edificação de hierarquias relativas aos níveis do sublime acerca da representação suprema do bem e da beleza. Por vezes, a narrativa foi estabelecida como o critério fundamental para se definir classicamente a prática e a obra artísticas por excelência. Leia Mais

Propiedad agraria: sus dimensiones políticas, económicas, territoriales y culturales en México y Guatemala | Historia Agraria De América Latina | 2021

Durante el siglo XX y lo que va del actual siglo, en América Latina han ocurrido diversos e importantes cambios con relación a la propiedad de la tierra. Dichos cambios están asociados con la implementación de reformas agrarias de distinto carácter y alcances muy diferentes (México, Perú, Nicaragua, Honduras y Ecuador). Asimismo, con procesos de colonización promovidos o no por el Estado (México, Guatemala, Colombia y Ecuador); y, más recientemente, con programas de certificación parcelaria y apertura o ampliación del mercado de tierras (Guatemala, Perú, México, Nicaragua, Honduras). Estas transformaciones en la propiedad de la tierra han estado ligadas tambien a la creación de nuevas categorías socio-identitarias (ejidatarios, comunidades negras, colonos), o a nuevas modalidades de clasificación de la población (comunidades indígenas renombradas como comunidades campesinas), que han derivado en el surgimiento de nuevas comunidades políticas y en una permanente pero diversa interlocución con el Estado. Los cambios en la propiedad de la tierra también han estado vinculados a importantes transformaciones territoriales, derivadas de la redistribución de tierras, la ampliación de fronteras agrícolas, el desplazamiento de unos propietarios por otros vía el mercado de tierras y, en las últimas tres décadas, por la expansión constante de una agricultura extractivista que contribuye a generar numerosos desequilibrios regionales junto con ocasionar estragos socioambientales. Leia Mais

En el espejo haitiano. Los indios del Bajío y el colapso del orden colonial en América Latin | Luis Fernando Granados

 

Resenhista

Tony Wood – Princeton University.


Referências desta Resenha

GRANADOS, Luis Fernando. En el espejo haitiano. Los indios del Bajío y el colapso del orden colonial en América Latina. México City: Ediciones Eras, 2016. Resenha de: WOOD, Tony. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 197-200, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]

Mercado/ganado y territorio. Haciendas y hacendados en el Oriente y el Magdalena Medio antioqueños (1920-1960) | José Roberto Álvarez Múnera

 

Resenhista

Bebiana Rendón – Universidad Mayor y Universidad de Santiago de Chile (USACh).


Referências desta Resenha

MÚNERA, José Roberto Álvarez. Mercado, ganado y territorio. Haciendas y hacendados en el Oriente y el Magdalena Medio antioqueños (1920-1960). Medellín:  Universidad de Antioquia/ Faculdad de Ciencias Sociales y Humanas; Fondo Editorial FCSH; Editorial Universidad Pontificia Bolivariana, 2016. Resenha de: RENDÓN, Bebiana. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 205-208, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]

O protagonismo da Mulher Negra na Escrita da História das Áfricas e Améfricas Ladinas / Revista Transversos / 2021

“Nwanyi buaku” (a mulher é riqueza)

A mulher é riqueza, diz o provérbio Igbo. A maior riqueza, pois é a mulher que dá a vida, que planta os alimentos, que nutre a sociedade. A “unidade matricêntrica” é um traço que une todas as sociedades africanas, um legado civilizatório deste continente, concluiu Amadiume ao examinar os papéis sociais desempenhados pelas mulheres Nnobi, subgrupo Igbo. No dia-a-dia das comunidades, são as mulheres que garantem a existência da população e isso é amplamente reconhecido e venerado, como indica o ditado acima.

A grande importância que as mulheres africanas tiveram desde a Antiguidade é alvo de estudos há décadas. Desde a década de 1970, Cheikh Anta Diop apontou evidências de que as sociedades africanas pré-coloniais foram governadas por mulheres, o que ele enxergou ser o traço que unia toda a África Negra. Diop nomeou “matriarcado africano” o modelo caracterizado pela preponderância da agricultura, em que a mulher ocupa o centro enquanto detentora dos segredos da natureza e dos ritos de fertilização da terra. Mas o polímata senegalês chamou atenção que o matriarcado não pode ser entendido como o oposto do patriarcado branco Ocidental, o qual estabelece uma dicotomia entre feminino e masculino, oprimindo as mulheres e todos os valores/comportamentos relacionados ao feminino em benefício de um padrão masculinista-opressor da diversidade da existência, da vida. Não há essa matriz de poder dicotômica no matriarcado africano e sim uma complementariedade cosmogônica entre masculino e feminino, com efeitos diretos nas organizações sócio-hitóricas.

A História da África é repleta de exemplos de mulheres que assumiram a liderança política, militar, espiritual de suas sociedades. São elas as mais aptas a se comunicarem com as forças da natureza, a mandarem as chuvas descerem dos céus, a transmitirem conselhos dos antepassados. A espiritualidade africana, de forma geral, ancora-se em divindades femininas que trazem a fertilidade, a prosperidade, o equilíbrio: Auset, Mut, Maat (em Kemet, Egito Antigo), Oxum (Yorubá), Idemili (Igbo). Estas concepções cosmogônicas dão grande peso ao feminino, diferente das religiões monoteístas que exaltam UM Deus único, pai criador, associado ao masculino.

Assim, nas sociedades africanas pré-coloniais, as mulheres exerciam papéis sociais relevantes, não apenas nas altas esferas do poder político e espiritual, mas também na base, na estrutura de cada família, clã ou linhagem, eram as mulheres as responsáveis por transmitir os valores, as regras morais, princípios estéticos, técnicas de artesanatos como cerâmica, tecelagem, pinturas corporais, tranças etc.

Essa complementariedade entre masculino e feminino possibilitou diferentes atuações, organizações e expressões de poder relacionadas às mulheres. Na verdade, esse conceito de “mulher” enquanto determinismo biológico não pertence às sociedades africanas, como vem argumentando Oyèwùmí. O que quer dizer que a compreensão física do corpo pela modernidade Ocidental, seu dimorfismo sexual e seu padrão cis-heteronormativo, que formam “o que se entende por sexo biológico é socialmente construído” (LUGONES, 2008: 84). Inclusive a “ideologia de gênero” para as sociedades africanas tradicionais é bem mais fluída do que nas concepções ocidentais.

Na sociedade indígena, o princípio do sexo duplo subjacente à organização social foi arbitrado por um sistema flexível de gênero na cultura tradicional. O fato de o sexo biológico nem sempre corresponder ao gênero ideológico significava que as mulheres podiam desempenhar papéis geralmente monopolizados pelos homens ou serem classificados como homens em termos de poder e autoridade sobre os outros. Elas não eram rigidamente masculinizadas ou feminizadas, o colapso das regras de gênero não era estigmatizado. (AMADIUME: 1987, p. 8)

Contudo, séculos de escravidão, colonialismos, imperialismos transformaram os lugares sociais ocupados pelas mulheres africanas e suas descendentes em diáspora. Vamos observar na contemporaneidade: quais espaços e funções as mulheres negras ocupam nas sociedades atuais? Uma breve análise de dados sobre escolaridade, remuneração e violência doméstica, nos indica que, atualmente, as mulheres africanas e afro-diaspóricas estão nas bases das pirâmides sociais. Ou seja, com a imposição da civilização moderna-Ocidental como única possibilidade de organização social legítima, sua matriz de opressão (COLLINS, 2019) colonial, patriarcal, racista e cis-heterosexista, deixaram como legado a interseccionalidade de opressões que posicionou e continua posicionando as mulheres negras na base da subalternidade moderna-colonial.

A imagem da capa traz as mulheres Sam-sam, grupo de mulheres do vilarejo de Kabadio, Casamance, Senegal. Sam-sam reúne mulheres que já perderam pelo menos um filho – por aborto natural, no parto ou por doença- que performam ritos para garantir a fertilidade do grupo, a cura uterina e a cura de forma coletiva; configurando força, vitalidade e capacidade reprodutiva. Ao centro da imagem está Khadi Diabang, liderança que conduzia o banho de ervas Tiossane – que restitui o poder criador dos úteros.[1] Ela fez sua passagem em 2014. Ao lado esquerdo da imagem há uma criança, uma alusão à perda dos filhos. Esta fotografia é de autoria de Daniel Leite, que gentilmente nos cedeu para este dossiê, e integra o projeto humanitário em PermaKabadio. Daniel Leite reverte todos os lucros resultantes da venda de fotografias para a realização de projetos de permacultura no vilarejo, visando gerar renda para a comunidade e evitar a migração dos jovens.[2]

Este dossiê é mais uma contribuição ao movimento de de(s)colonização do saber ao visibilizar e legitimar, academicamente, as mulheres negras na História. Assim, assumimos o compromisso ético-político e acadêmico-científico de transgredir a tradicional monocultura do saber moderno-ocidental (SANTOS, 2002), apresentando diferentes protagonismos de mulheres negras da História da África e da Améfrica Ladina (GONZALEZ, 1988).

Tathiana Cassiano, em História das áfricas e literatura: as mulheres igbos na escrita literária de Flora Nwapa, problematiza os papéis sociais das mulheres Igbo, um dos três grupos mais expressivos numericamente na Nigéria, por meio da escrita literária de Flora Nwapa. Desconhecida no Brasil devido ao epistemicídio cristalizado em nossa produção de conhecimento, Flora Nwapa é reconhecida internacionalmente como uma das pioneiras no reconhecimento literário das mulheres africanas. Neste artigo, Tathiana Cassiano analisa personagens de seu livro: Eufuru, nos apresentando a Nigéria em meados do século XX não pela tradicional escrita da história, mas por outras relações de espaço-tempo-ser provenientes da cosmogonia Igbo, nas quais os colonialismos, as ancestralidades, os laços de linhagem, a educação e as relações sociais são analisados a partir do pensamento pós-colonial e decolonial, com destaque para o protagonismo das mulheres igbos.

A senegalesa Fatim Samb em: A experiência ilusória e a existência difícil das mulheres, analisa o impacto da migração de homens e jovens para as mulheres do Senegal a partir do romance “Celles qui attendent”, de Fatou Diome. A autora utiliza fontes etnográficas, históricas e literárias para tecer reflexões sobre o problema da emigração na África Ocidental, trazendo as vozes das mulheres que sofrem com a angústia de ver seu marido ou filho, ou ambos, não retornarem para casa.

Thuila Ferreira em: Sujeitas da própria história: influência, organização e movimentos de mulheres africanas, analisa a inserção política das mulheres em algumas sociedades africanas subsaarianas entre 1940 e 1990, a partir de fontes produzidas pelas próprias mulheres africanas. Nudez, magia, e rebeliões mostram as formas de agir e resistir encontradas por essas protagonistas, as quais potencializaram verdadeiras transformações em suas sociedades.

Marilda de Santana Silva nos brinda com reflexões e análises acerca da cantora Elisete Cardoso, a qual completaria cem anos em julho de 2020, por meio de cinco de suas canções. A autora do artigo, que também é cantora, apresenta trajetórias de mulheres negras e suas escrevivências (EVARISTO, 2006) por meio da música, possibilitando o reconhecimento e conhecimento profissional, intelectual e artístico dessas mulheres.

Ao apresentar a história da Dr.ª Carolina Maria de Azevedo, Jonê Carla Baião mobiliza histórias familiares como centrais na ressignificação da mulher negra e pobre no Brasil. Sua tia, tia Calu, somente conhecida nos hospitais e universidades, posto ter recebido o título de Doutora Honoras Causis pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, construiu um legado ao afirmar que “Se eles fazem mil, temos que fazer mil e um”. Assim, a autora apresenta densa reflexão acerca da mulher intelectual preta no Brasil.

Solange Pereira Rocha, Valéria Gomes Costa, Joceneide Cunha Santos e Iraneide Soares Silva discutem a trajetória histórica de grandes mulheres do século XIX: Catharina Mina (Maranhão), Thereza de Jesus de Souza (Pernambuco), Luiza (Paraíba) e Rozarida Maria do Sacramento (Bahia) são apresentadas como exemplos de mulheres negras que foram muito bem-sucedidas, ainda que pese o contexto da escravidão. As autoras analisam estas experiências, refletindo sobre suas capacidades de elaborar estratégias de sobrevivência, suas redes de solidariedade horizontais e verticais no período oitocentista.

Em “O farol que ilumina caminhos da Revolução moçambicana”: a imagem de Josina Muthemba Machel como instrumento Político (1975-1986), Júlia Tainá Monticeli Rocha apresenta por meio de diferentes documentos a presença feminina no imaginário popular de Moçambique durante o governo de Samora Moisés Machel, primeiro presidente de Moçambique e dos significativos militantes que aturaram na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) do período da luta anticolonial. Por meio de uma “política de memória” nos apresenta a presença feminina e de seu posicionamento político.

Ricardo Alexandre da Cruz traz a biografia de Eunice Prudente, a primeira professora da Faculdade de Direito da USP. Essa mulher de origem humilde enfrentou e resistiu a uma série de violências do entrecruzamento de opressões racistas e patriarcais da moderna-colonizada sociedade brasileira, conseguindo alcançar altas posições através de uma série de estratégias, analisadas pelo autor a partir dos conceitos proposto por Pierre Bourdieu.

Isadora Durgante Konzen, Karine de Souza Silva refletem sobre a participação das mulheres sul-africanas na luta contra o apartheid. As autoras apresentam uma análise de gênero das estruturas racistas e discutem o surgimento dos coletivos de mulheres e suas táticas de ativismo no processo de libertação nacional. Apresentam as características do “feminismo maternista” sul-africano e “maternidade combativa” como estratégia de luta.

Miléia Santos Almeida em “Mulheres negras sertanejas e suas relações afetivas sob a pena da lei” analisa processos criminais de defloramento, homicídio e lesões corporais protagonizados por mulheres pretas e pardas em Caetité, região do alto sertão da Bahia, nas primeiras décadas da República para refletir como essas experiências atravessam a existência feminina destoando-se dos padrões das classes dominantes.

Na seção “Experimentações”, Myriam Moise, em: Para uma nova genealogia da negritude, apresenta a participação das mulheres caribenhas na constituição do movimento: Negritude. Várias intelectuais da Martinica produziram escritos significativos, contudo seus nomes permanecem desconhecidos enquanto associamos automaticamente o movimento à Aimé Cessáire e Leopol Senghor. O texto traz o pensamento de Suzanne Roussi-Césaire e Paulette Nardal que refletiram sobre as questões da negritude na perspectiva de gênero, uma grande contribuição para se refletir sobre a invizibilização das mulheres nos diversos fóruns.

Na seção “Notas de Pesquisa” temos o texto Ocupando o terreno: revisitando “além dos significados de miranda: des/silenciando o ‘terreno demoníaco’ da mulher de calibã, Carole Boyce-Davies revisita o posfácio desta obra, publicada pela primeira vez em 1990, cujo texto em questão foi escrito por Sylvia Wynter. O livro figura como a primeira coletânea de textos voltados especificamente à pesquisas sobre escritoras afro-caribenhas. No artigo, a autora analisa o conceito de “terreno demoníaco” (demonic ground) do posfácio de Wynter, entendendo-o como uma ferramenta para pensar a presença/ausência da mulher negra e sua relação com a ontologia e episteme da modernidade-colonial; bem como as possibilidades de reconstrução de si por meio das outras formas de conhecer e ser abertas pelas práxis das mulheres que foram circunscritas no “terreno demoníaco”.

Agradecemos às p rofessoras Raissa Brescia dos Reis (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Taciana Almeida Garrido de Resende (Instituto Federal de Minas Gerais) pela tradução destes dois últimos textos e professora Vanicléia Silva Santos pela mediação com as autoras, permitindo a melhor democratização do acesso ao pensamento destas duas intelectuais afro-caribenhas que são importantes referências internacionais.

Uma vez no centro deste dossiê esperamos que a mulher negra no mundo, de modo geral, e, particularmente no Brasil, ocupe os lugares ainda negados econômica, social e politicamente. Na relação entre passado e presente podemos perceber a força da mulher negra no desafio cotidiano de sobreviver, viver… Saberes antepassados, ainda presentes, contribuem no processo de laços de solidariedade percebidos em pequenos gestos, nas comunidades, nas favelas, onde elas são a maioria a chefiar famílias.

Sendo riqueza, como afirma o provérbio Igbo que inicia essa apresentação, a mulher negra se ressignificou e se ressignifica na construção de identidades e na manutenção de memórias e histórias. E, nesse processo, contribuiu e contribui na construção de diferentes sociedades, entrelaçando suas ancestralidades africanas, apropriadas e reinventadas nas diásporas do continente americano. Mulheres, mães, filhas, esposas, trabalhadoras suportaram e suportam ainda muitas violências contra seus corpos e subjetividades.

Herdaram ofícios múltiplos, mas não entre os que detêm status social ou econômico. E ainda assim, subverteram a ordem construída e imposta desde o período colonial, no caso brasileiro. Mulheres como Lélia Gonzalez, filha de indígena doméstica e ferroviário negro, se tornou professora e intelectual de referência na luta contra o racismo. Assim como ela, muitas outras mulheres… Refletir a relação entre as antepassadas africanas e afro-brasileiras ou afro-americanas, nos permite conhecer a origem de tal riqueza que compõe as potencialidades sócio-históricas das mulheres negras. Potencialidades de lutas, de re-existências, de movimento, de reinvenção da história das Áfricas e das Améfricas Ladinas!

Notas

1. O banho Tiossane é uma tradição das mulheres Mandinga com poderes de cura para os úteros, restituindo a capacidade reprodutiva feminina.
2. Conheça mais sobre o projeto no Instagram @permakabadio. Para contribuir, visitem a @galeria_danielleite. Todo o valor arrecadado com a venda de fotografias é enviado integralmente ao vilarejo Kabadio, Casamance, Senegal.

Referências

AMADIUME, Ifi. Reinventing Africa: matriachy, religion and culture. London: Zed Book, 1997

AMADIUME, Ifi. Male daughters, female husbands. London: Palgrave Macmillan, 1987.

BELLO, Thomson Temitope. The Image of God and Image of Women in Africa: African Feminist Liberation Theology. In: FALOLA, Toyin; FWATSHAK, S.U. Beyond Tradition: African Women and Cultural Spaces. Trenton: Africa World Press, 2011. Pp.70-72.

BEY, Aziza Braithwaite. The Role of Women in Kemet, Dogon, Mayan and Tsalagi Societies. Journal of Pedagogy, Pluralism, and Practice: Vol. 3: Iss. 3, Article 2. https://digitalcommons.lesley.edu/jppp/vol3/iss3/2

COLLINS, Patricia Hill. O pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo, Boitempo, 2019.

COQUERY-VIDROVITCH, Catherine. African Women: a modern History. WestView Press, 1997.

EVARISTO, Conceição. Becos da memória. Belo Horizonte: Mazza, 2006.

GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, RJ, n. 92/93, 1988.

LUGONES, María. Colonialidad y género. Tabula Rasa. Bogotá, nº09, p. 73-101 2008.

MONGES, Miriam Ma’At-Ka-Re. “Reflections on the Role of Female Deities and Queens in Ancient Kemet.” Journal of Black Studies, vol. 23, no. 4, 1993, pp. 561–570. JSTOR, www.jstor.org/stable/2784386..

OYEWÙMÍ, Oyèrónké. The invention of Women: making an African Sense of Western Gender Discourses. London/ Minneapolis: university of Minnesota Press, 1997.

VAN SERTIMA, Ivan. Black Women in Antiquity. (Revised Edition) Boston: Transaction Press, 1984

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 63, 2002.

Editoras

Profª Drª Marina Vieira de Carvalho: Doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com período sanduíche em Université Paris VII (Paris- Diderot), fomentado pela CAPES. Possui mestrado em História pelo PPGH / UERJ; Pós-Graduação Lato Sensu em História do Brasil pela UFF; Licenciatura e Bacharelado em História pela UGF. É professora do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre (CFCH/UFAC), coordenadora de pesquisa do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI/UFAC), pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos das Diferenças Desigualdades Sociais (LEDDES / UERJ) e ao Grupo de Pesquisa Descoloniais Carolina Maria de Jesus. Atualmente desenvolve pesquisas sobre de(s)colonialidades, com destaque para os femininos de(s)coloniais.

Profª Drª Iamara da Silva Viana: Professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Professora do Departamento de História da PUC-Rio. Doutora em História Política UERJ com estágio na EHESS/Paris (2016); Mestre em História Social UERJ/FFP (2009); Bacharel e Licenciada em História UFRJ (2004). Professora Colaboradora do PPGHC/IH/UFRJ; Coordenadora da Pós em África e Cultura afrodescente PUC-Rio, Pólo Duque de Caxias; Coordenadora do Laboratório de Ensino de História e Patrimônio Cultural (LEEHPAC/PUC-Rio); Pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente (NIREMA/PUC-Rio); Pesquisadora do Laboratório de Estudos de História Atlântica das Sociedades coloniais e pós-coloniais (LEAH/IH/UFRJ). Desenvolve pesquisa sobre Escravidão no Brasil no século XIX e suas conexões Atlânticas, Caribe Francês, Corpos escravizados e pensamento médico, Ensino de História, Cultura Material, Patrimônio Cultural e Relações étnico raciais.


VIANA, Iamara da Silva; BRACKS, Mariana; CARVALHO, Marina Vieira de. O protagonismo da mulher negra na escrita da história das Áfricas e Améfricas Ladinas. Revista Transversos. Rio de Janeiro, n. 21, p. 6-13, abr. 2021. Acessar publicação original [IF]

Acessar dossiê

Seeds of Empire: Cotton, Slavery, and the Transformation of the Texas Borderlands, 1800-1850 | Andrew Torget

Resenhista

Amie Campos – University of California. San Diego.


Referências desta Resenha

TORGET, Andrew J. Seeds of Empire: Cotton, Slavery, and the Transformation of the Texas Borderlands, 1800-1850. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2015. Resenha de: CAMPOS, Amie. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 201-204, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]

El río deja de ser. Introducción al estudio de la historia y la cultura contemporánea de la Amazonía peruana. | Ana Molina Campodónico, Ana VArela TAfur e Jorge Lossio Chávez

 

Resenhista

Adrián Lerner – Princeton University.


Referências desta Resenha

CAMPODÓNICO, Ana Molina; TAFUR, Ana Varela; CHÁVEZ, Jorge Lossio. El río deja de ser. Introducción al estudio de la historia y la cultura contemporánea de la Amazonía peruana. Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú; Instituto Riva Agüero, 2019. Resenha de: LERNER, Adrián. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 209-212, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]

Resenha Crítica. Aracaju & Crato, n.1, 1 abr. 2021.

Hospital Jose de Abreu Crato 1 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial

Edição n.1 (2021)

Resenhas


Dossiês

 


Conheça a totalidade do acervo

Para adequado uso do espaço na página inicial deste blog, destacamos até  treze resenhas, cinco dossiês, cinco sumários correntes e cinco periódicos recentemente incorporados ao acervo em cada edição mensal do Resenha Crítica.

A quantidade de textos, porém, se altera à medida que incorporamos novos periódicos, retroativamente, aos nossos bancos de dados.

Para conhecer a totalidade das aquisições de resenhas, apresentações de dossiês e sumários, publicados originalmente no período 1839-2021, utilize os filtros da barra lateral.

Revista do Arquivo. São Paulo, n.12, abr. 2021.

PÁGINAS INICIAIS

EXPEDIENTE

EDITORIAL | Sobre guerra, arquivos e produção do conhecimento | Marcelo Antônio Chaves |

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO AO DOSSIÊ

ARTIGOS

AUTORES CONVIDADOS

RESENHA

INTÉRPRETES DO ACERVO

PRATA DA CASA

VITRINE

IN MEMORIAM

Zika no Brasil: história recente de uma epidemia | Ilana Löwy

O livro de Ilana Löwy, lançado em 2019 pela coleção Temas em Saúde da Editora Fiocruz, faz um balanço das principais questões de saúde pública envolvendo a epidemia de zika no Brasil a partir de 2015 e a sua relação com os casos de microcefalia. Historiadora das ciências biomédicas e atualmente pesquisadora do Instituto Nacional Científico e de Pesquisa Médica da França (Inserm), Löwy apresenta diferentes ângulos científico-políticos dessa epidemia de forma didática, articulando uma questão fundamental: o que de fato conhecemos sobre a trajetória do vírus da zika no Brasil?

A autora articula as diferentes dimensões em um campo temático com o qual já possui bastante familiaridade. Exemplo disso são seus trabalhos anteriores sobre as práticas científicas e de saúde pública em relação à febre amarela – doença que também é transmitida pelo Aedes aegypti –, (in)visibilidades dos objetos das ciências biomédicas, diagnósticos e direito reprodutivo. Essas abordagens são mobilizadas com naturalidade e fluidez na sua proposta de uma história “recente”, como está no título, ou “do presente” e seus desafios ( Löwy, 2019 , p.13). Leia Mais

El dinero no es todo: compra y venta de sexo en la Argentina del siglo XX | Patricio Simonetto

Los arreglos por los cuales una o varias mujeres accedían a tener sexo con un varón o un grupo de varones a cambio de dinero o bienes variaron en el tiempo y el espacio. Las mujeres, mayormente jóvenes o menores de edad, podían complementar esta actividad, que podía ser ocasional, con otras vías para conseguir ingresos. Podían realizar los actos en sus domicilios, en los de los varones, en bares, sitios laborales o burdeles próximos a destacamentos militares. Con frecuencia hubo intermediación de otros varones – maridos, concubinos, rufianes, taxistas –, que se quedaban con parte del dinero, o a veces con todo. Los grados de coacción y violencia implicados en la actividad variaron. Su relación con policías, jueces y el servicio penitenciario parece haber sido frecuente. Catalogadas por los jueces como prostitutas, pocas veces y solo avanzado el siglo se nominaron a sí mismas ante la ley con dicho mote, definiéndose a partir de otras actividades ligadas a lo doméstico.

Como se desprende de este recuento, Patricio Simonetto (2019) ofrece una mirada de la compra y venta de sexo en la Argentina que no se pretende totalizante, exhaustiva ni oclusiva, sino que se presenta ante el lector o lectora como la unión de una serie de historias dispersas y en ocasiones inconexas, que el autor urde en una trama que sin pretensión de completitud, logra dislocar las miradas habituales con las que se ha pensado a dicha actividad y a quienes participaron en ella. Leia Mais

José Reis: caixeiro-viajante da ciência | Luisa Massarani, Mariana Burlamaqui e Juliana Passos

Tratar sobre a história da ciência e divulgação científica no Brasil perpassa por importantes colaboradores, entre eles, sem dúvida, José Reis (1907-2002). Com uma atuação ampla e longeva no cenário científico brasileiro, aposentou-se como bacteriologista do Instituo Biológico, foi fundador e secretário-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), integrante do Instituto Brasileiro de Educação, Cultura e Ciências (Ibecc), criador e editor do suplemento “No Mundo da Ciência” e diretor de redação da Folha de S.Paulo , divulgador da ciência em diversos veículos, como nas revistas Chácaras e Quintais, Ciência e Cultura e Anhembi , e no programa “Marcha da Ciência”, da Rádio Excelsior, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), além de um incansável ativista e incentivador pela melhoria do ensino de ciência nas escolas e da formação de futuros cientistas, promovendo o concurso “Cientistas de Amanhã” e feiras e clubes de ciências pelo país. É sobre essa trajetória que os livros José Reis: reflexões sobre a divulgação científica , de Luisa Massarani e Eliane Monteiro de Santana Dias, e José Reis: caixeiro-viajante da ciência , de Luisa Massarani, Mariana Burlamaqui e Juliana Passos, são dedicados.

Em comum, as duas obras são frutos do projeto Acervo José Reis da Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz), criado para promover a recuperação e preservação de todo acervo pessoal doado pela família Reis à Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz, em 2018, e para fomentar estudos sobre a história da ciência brasileira e da divulgação científica no país. As diferenças em cada obra encontram-se, sobretudo, pelo olhar direcionado pelas autoras ao conteúdo do acervo. Leia Mais

Ditadura/ anistia e transição política no Brasil (1964-1979) | Renato Lemos

Em tempos em que proliferam disputas narrativas e versões negacionistas a respeito da ditadura militar brasileira, a publicação do livro Ditadura, anistia e transição política no Brasil (1964-1979), do historiador Renato Lemos, chega em boa hora. Enquanto parte da população brasileira e políticos têm feito apologia do regime ditatorial, o autor expõe no livro o projeto daqueles que não agem assim por desconhecimento, mas sim por comprometimento com a face mais brutal da dominação burguesa no Brasil, como diz o professor Marcelo Badaró (UFF) no prefácio do livro.

Renato Lemos é professor titular de História do Brasil na Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordena o Laboratório de Estudos sobre os Militares na Política (LEMP/UFRJ)1. O historiador marxista defende o uso da nomenclatura “ditadura empresarial-militar” para designar o regime de 1964-1985, no lugar de “ditadura militar”, por entender que esta generaliza os militares, ao mesmo tempo em que oculta os vínculos de classe das lideranças civis beneficiadas pelo golpe. Leia Mais

Atas do Seminário Nacional de Arquivos Universitários | Unicamp

A contribuição de Vicenta Cortés Alonso para a área da arquivística internacional é inestimável. A arquivista espanhola começou sua carreira em Sevilha, mas sua atuação na área ganhou grande projeção internacional devido ao trabalho desenvolvido nas ‘missões arquivisticas’ promovidas pela Comissão Internacional de Arquivos, da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Pela OEA, atuou também na formação e capacitação de diversos profissionais da arquivística, não só na Europa, mas especialmente no continente americano, já que coordenou por mais de uma década, os Cursos de Especialização em Organização e Administração de Arquivos Históricos, realizados em vários lugares do mundo, como Espanha (Madrid), Estados Unidos e Brasil. Leia Mais

Cultura Visual / Estudos Históricos / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 25 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
[Cultura visual] | Foto: Plataforma 9 |

Este dossiê da Revista Estudos Históricos dedica-se ao tema da Cultura Visual.

Para a sua composição optamos por seguir os caminhos que começaram a ser traçados na origem desse campo, adotando uma perspectiva interdisciplinar e marcadamente política. A Cultura Visual enquanto campo de investigação e estudo institucionaliza-se entre as décadas de 1980 e 1990, quando teóricos ligados aos Estudos Culturais, seguindo os passos de Stuart Hall, passam a interrogar dentro de centros universitários as imagens e a visualidade modernas. Se essas duas décadas podem ser entendidas como o marco inicial do campo, vamos assistir nos anos seguintes a uma verdadeira explosão dos estudos das imagens. A Cultura Visual, ou melhor, as questões da visualidade, não são mais — isso podemos afirmar com certeza — domínio exclusivo da História da Arte. Os estudos visuais infiltraram-se e parecem ter criado raízes em áreas como a Antropologia, a História e a Sociologia.

A amplitude do campo foi o grande desafio que este dossiê precisou enfrentar. Como apresentar no reduzido espaço da revista um universo tão vasto? Como contemplar a diversidade de abordagens metodológicas e a heterogeneidade dos objetos estudados? Cabe lembrar que a Cultura Visual se interessa pelas imagens que habitam nosso cotidiano em seus mais variados formatos (fotografia, cinema, publicidade, televisão etc.), sejam elas imagens do passado que assombram o presente ou imagens do presente que conformam valores e identidades.

Na tentativa de enfrentar esse desafio acolhemos artigos que apresentam diferentes pontos de vista sobre objetos variados, mas que partilham um princípio comum: interrogam, sobretudo, a política das imagens. Na origem do campo da Cultura Visual está uma concepção construtivista da noção de representação. Como coloca Stuart Hall no clássico Cultura e representação (2016), no domínio da representação há sempre alguém que ganha e alguém que perde, alguém que ascende e alguém que descende, incluídos e excluídos (Hall, 2016).

Em meio à diversidade do campo da Cultura Visual identificamos um entendimento que permanece: as imagens são historicamente construídas e politicamente comprometidas. Para a composição do dossiê tentamos, na medida do possível, contemplar a multiplicidade do campo sem perder de vista esse princípio comum.

Os artigos que integram este número apresentam estudos de caso originais sobre o domínio do cinema, da fotografia, da história em quadrinhos, da televisão, da arquitetura, e desta nova modalidade de imagens desencarnadas, os memes. O primeiro bloco de artigos volta-se às imagens do passado. Transitando entre a História e os Estudos Visuais, as autoras e autores presentes nesse bloco examinam a origem, a circulação e a sobrevivência das imagens em arquivos físicos e imaginários. Um segundo conjunto de textos coloca questões às imagens do contemporâneo, seus modos de produção e suas vinculações identitárias.

Para encerrar o dossiê realizamos uma entrevista inédita com os pesquisadores Ana Maria Mauad e Maurício Lissovsky, referências nos estudos das imagens. Na entrevista, intitulada “Imagens Selvagens”, os pesquisadores abordam o percurso dos estudos visuais no Brasil, questionam o próprio conceito de Cultura Visual e apresentam-nos uma reflexão, por vezes ácida e provocadora, sobre o papel das imagens enquanto sujeitos da história no Brasil de 2020.

Desejamos a todas e todos uma excelente leitura.

Referências

HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2016.


BLANK, Thais. Cultura visual. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vl 34, n.72, p.1-3, jan./abr. 2021.

Antropología/problemáticas y debates. Para una sociedad en transformación | María Marta Mainetti

¿Hay espacio para aquello que ralentiza la comunicación, la tensión, la pregunta, el descontento? Algo de esto se pregunta Byung-Chul Han en una reciente entrevista (2020) para Zeit Wissen, revista bimensual alemana de divulgación científica. El filósofo asume la postura de que lo agrietado, las roturas, las lesiones, incluso las costuras quedan canceladas porque, en palabras del filósofo, hoy todo parece redondeado, pulido o suavizado. Se detiene a pensar que, en el mundo del Big Data, nos encontramos entre el ruido y el silencio, silencio-otro, puesto que no refiere a ese silencio elocuente que, al igual que la quietud, también produce lenguaje. En este sentido, Han enfatiza que la actual existencia resulta ser un tanto ruidosa, aunque sin palabras. Habrá información, sostiene, pero no conocimiento, puesto que el saber tiene una estructura temporal que abarca el pasado y el futuro, no sólo el presente. Este problema nos conduciría a la mudez y al desamparo. La crudeza del filósofo será apenas un disparador para reflexionar sobre el deseo y la posterior materialización de este libro, tanto o de igual modo que la escritura y la reflexión que ofrecen las y los autores al modo de actos contra-hegemónicos. Leia Mais

Um oceano, dois mares, três continentes | Wilfried N’Sondé

Sem fôlego! É assim que ficamos quando lemos, analisamos e refletimos sobre uma obra tão intensa e cativante como Um oceano, dois mares, três continentes, um romance histórico que nos transporta numa viagem ao século XVII, para o epicentro da maior catástrofe da humanidade: o comércio transatlântico. Ao narrar, embora de forma romanceada, a viagem do primeiro “embaixador do Reino do Kongo no vaticano” (p. 44), Wilfried Nsondé mostra, uma vez mais, que muito ainda está por descortinar não só em relação a essa figura emblemática da história do Kongo, mas sobretudo, em relação ao tráfico de escravos. A obra resulta da imaginação do autor para tecer as malhas do romance (histórico, porém romance), bem como do seu domínio histórico-científico na contextualização dos diferentes acontecimentos que, acreditamos, está assente num extenso e profundo trabalho de pesquisa em arquivos e literatura especializada.

Numa análise sócio-histórica completa, Nsondé apresenta o padre Nsaku ne Vunda, bacongo2,  nascido na aldeia de Boko, batizado António Manuel que, seduzido pelo catolicismo alimentado pelos missionários, envereda pela vida religiosa. É nessa condição, e enquanto pároco na sua aldeia natal, que é mandado chamar por sua majestade “Manzou a Nimi, rei dos Bakongo de ontem, hoje e amanhã, chamado também Álvaro II3 pelos seus irmãos cristãos desde o batismo” (p. 39), dando assim início à ação que se desenrola ao longo de toda a obra, numa concatenação perfeita de acontecimentos históricos devidamente referenciados e explorados. É esse descortinar de acontecimentos que nos permite dividir a obra em duas partes: a primeira, corresponde ao início da viagem de Nsaku ne Vunda do Kongo para o Novo Mundo (continente americano) e, a segunda, do Novo Mundo para o continente europeu. Leia Mais

África, Literatura e Cinema em Língua Portuguesa: Direito a um Olhar Descolonizado | AbeÁfrica – Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos | 2021

É com satisfação que apresentamos o quinto número da revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos, no qual se insere um dossiê sobre o cinema em países africanos de língua oficial portuguesa. Intitulado “África, Literatura e Cinema em Língua Portuguesa: Direito a um Olhar Descolonizado”, o dossiê teve como ponto de partida o simpósio “Literatura e Cinema”, realizado por via remota, nos dias 16, 17 e 18 de novembro de 2020, no âmbito do I Congresso Internacional do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ: Vozes e Escritas nos Diferentes Espaços da Língua Portuguesa.

Concebendo literatura e cinema como artes críticas e transformadoras, nosso simpósio pretendeu efetuar discussões a partir de comunicações que tecessem diálogos com a história, de modo a investigar como a literatura e o cinema de países africanos de língua oficial portuguesa pensavam a nação, após suas respectivas independências. Leia Mais

Pilquen. Buenos Aires, v.24, n.1, 2021.

Revista Pilquen. Sección Ciencias Sociales

  • Período enero-marzo Publicado 31/03/2021

ARTÍCULOS

RESEÑAS

PDF

PUBLICADO: 2021-03-31

Archivos de historia del movimiento obrero y la izquierda. Buenos Aires, v.9, n.8, marzo / agosto 2021.

Presentación

Dossier: Ensayos y debates sobre historia intelectual y marxismo

Artículos libres

Reseñas

Publicado: 2021-03-30

História Urbana Global | Esboços | 2021 (D)

A atual pandemia, causada pelo vírus da COVID-19 que se espalhou rapidamente pelo mundo, infectando mais de oitenta e duas milhões de pessoas e causando quase duas milhões de mortes em 2020, ilustrou de forma dramática a nossa realidade globalizada. Essa doença nova e altamente contagiosa manifestou-se primeiramente na cidade de Wuhan, na China. Dali disseminou-se por todos os cantos habitados do planeta ao ser transmitida de uma pessoa a outra, acompanhando viajantes que de Wuhan se dirigiram a regiões da Ásia, da Europa, das Américas, da África e da Oceania. O vírus, junto com seus hospedeiros, se moveu ao longo das mesmas rotas que conectam econômica, política, e culturalmente os diferentes continentes do globo.

Mas os surtos piores da doença ocorreram em cidades. A presença de aeroportos, portos, e outras centrais de transporte público, a concentração demográfica e a intensidade de atividades coletivas que caracterizam centros urbanos favoreceram o alto índice de contágio da doença em cidades diversas como Nova York, São Paulo, Madri, Londres e tantas outras. Os esforços feitos por governos municipais, regionais e nacionais para controlar a epidemia produziram imagens de cidades vazias, espaços públicos abandonados, e de uma quietude tão contrária à esperada natureza do espaço urbano, que paramos todos para olhar, admirados, o nosso mundo transformado pelo vírus. A nossa relação com o global se manifestou de forma tragicamente tangível em 2020. E durante um breve momento, as fotografias de espaços urbanos iconoclásticos, subitamente desprovidos de suas multidões e furor típicos, capturaram bem nossa sensação de isolamento e perda coletiva (KIMMELMAN, 2020).

O espectro da cidade transformada pela pandemia remonta à forte conexão que existe entre o urbano e o global. Se hoje o lugar que a cidade ocupa em complexas redes de movimentação e transmissão nos causa certa ansiedade, em outros tempos, quer passados ou recentes, foi exatamente essa função ou propriedade das cidades que moldou suas trajetórias históricas e fez delas lugares célebres. Se hoje vemos governantes, agentes de saúde pública e cidadãos esforçando-se para limitar ou regular melhor a passagem de pessoas, produtos e micro-organismos pelos espaços urbanos, esforços normalmente feitos no sentido oposto, de intensificar essas atividades, ajudaram a produzir o mundo globalmente interconectado no qual vivemos hoje.

A cidade na era da COVID também revela a profundeza das desigualdades e a assimetria de poder entre populações, sociedades e estados que o mundo moderno globalizado produziu. Ao começo da pandemia, houve aqueles que disseram que a nova doença seria o grande equalizador, uma vez que o vírus não diferencia os que infecta de acordo com raça, etnia, situação socioeconômica, gênero etc. Mas assim que a epidemia se tornou pandemia e começou a se espalhar e a matar suas vítimas em cidades mundo afora, essa visão do vírus igualitário precisou ser revisada. Populações urbanas pobres, majoritariamente formadas de minorias raciais e étnicas, se viram mais vulneráveis à contaminação, quer por causa da precariedade de suas condições de vida, quer pela necessidade de continuar trabalhando em funções que as expuseram à doença, quer pela falta de acesso a um sistema público de assistência à saúde (MARASCIULO, 2020). A complexidade do tecido urbano, irregular, segregado e desigual em sua composição social, econômica, política e cultural, se tornou explicitamente evidente. A pandemia revelou também desigualdades num nível transnacional. Um vírus de alcance global, que encorajou cooperação entre comunidades científicas e líderes culturais e políticos de vários países, produziu, no entanto, reações locais diversas, revelando as forças e fraquezas de sistemas políticos, sistemas de saúde, e sistemas de crença em diferentes nações e suas comunidades urbanas (WENG; NI; HO, 2020). A pandemia nos tem oferecido assim um exemplo de como, ao focarmos a cidade, conseguimos visualizar diversidade na forma como eventos e processos globais afetam indivíduos, grupos, localidades, e comunidades, criando muitas vezes hierarquias e realidades discriminadas.

Da mesma forma que podemos observar as complexas redes urbanas que animam trocas globais para entender a origem e progressão da pandemia da COVID-19, podemos também entender processos históricos globais diversos a partir do estudo de cidades. As cidades atuais agiram e agem como pontos de convergência e difusão do vírus. No passado tanto distante como recente, elas similarmente atuaram como pontos de articulação entre localidades, regiões, nações, continentes e oceanos. Enquanto aguardamos a produção em massa e distribuição mundial da vacina contra o COVID-19 – o que certamente se organizará em e a partir de cidades – vale contemplar o papel que as cidades ocupam em processos históricos globais. É essa a proposta do dossiê História Urbana Global.

Os nove artigos coletados aqui examinam a trajetória de cidades ao longo do século XX. Questões comuns à área de pesquisa da história urbana – políticas de urbanização, a administração e uso de espaços urbanos, acesso a moradias, e o consumo de arte e entretenimento – são abordadas numa perspectiva atenta ao fluxo global de ideias, práticas e produtos. Por outro lado, processos globais variados, desde a emergência do comércio internacional de marchands da arte até o impacto da economia da soja – perpassando ainda por políticas transnacionais de habitação, desenvolvimento econômico, e produção de petróleo – são examinados e ancorados em estudos de casos de cidades específicas. Conjuntamente, os trabalhos selecionados revelam a cidade ora como produto de forças globalizantes, ora como agentes e promotores de tendências globalizadoras. Sobretudo, eles distinguem a cidade como importante lente de análise do global. Populações, dinâmicas e espaços urbanos refratam e ampliam, assim como às vezes obscurecem ou ignoram, eventos e desenvolvimentos externos, revelando as múltiplas e complexas formas com que contexto, experiências, ideias, e ações tanto globais quanto locais interagem historicamente.

O interesse pela interseção histórica e historiográfica entre o global e o urbano tem crescido rapidamente desde a virada do século XXI. Essa tendência surgiu em parte em resposta a trabalhos produzidos no final do século XX por estudiosos da cidade. Sociólogos e geógrafos em particular nos chamaram a atenção para o fenômeno que eles cunharam de cidade global (SASSEN, 2013; CASTELLS, 1996; FRIEDMANN, 2002; BRENNER, 2004). Segundo eles, a cidade global, enquanto objeto de estudo, permite situar investigações sobre a globalidade de fenômenos e eventos da sociedade contemporânea em localidades específicas, ancorando-os em espaços físicos e atores sociais distintos para assim evitar narrativas abstratas e generalizadoras e facilitar uma análise crítica de suas causas e impacto. Essa literatura deu, portanto, continuidade ao importante trabalho intelectual de geógrafos como David Harvey (1973, 2003). Harvey investigou a cidade enquanto produto do capitalismo moderno e promoveu um engajamento crítico de urbanistas com a realidade urbana com o intuito de impedir a reprodução das desigualdades e assimetrias de poder que este criou. Esse debate acabou inspirando historiadores a questionar se a cidade global, essa entidade que se definiu a partir do diálogo entre espaço urbano local e das forças capitalistas e liberais globais recentes, não tinha suas origens ou seus homólogos em épocas anteriores (SAUNIER; EWEN, 2008; CLARK, 2013).

A emergência da História Urbana Global enquanto campo de investigação também deve muito aos esforços da história global que surgiu na segunda metade do século XX. Num momento político bastante influenciado pela virada teórica anti- e pós-colonial, historiadores buscaram examinar o passado de sociedades humanas numa perspectiva mais abrangente, que excedesse os limites da história nacional ou colonial. A história global enquanto abordagem desafiou narrativas históricas dominantes que tendiam a excluir ou silenciar experiências humanas e processos que não condiziam com o projeto civilizatório europeu ou seus agentes históricos (CONRAD, 2016; SANTOS JÚNIOR; SOCHACZEWSKI, 2018).

Ao oferecer a possibilidade de conceber outros recortes geográficos e temáticos, quer fosse o enfoque em regiões mundiais, quer oceanos ou redes comerciais em vez de nações ou impérios, quer fosse ainda o enfoque em estudo de gênero, raça, ou etnias, histórias globais permitiram a “provincialização da Europa”, como propôs Dipesh Chakrabarty (2000). Essa perspectiva elucidou a centralidade de regiões e populações não europeias às origens, dinâmicas, e impacto de eventos e desenvolvimentos históricos que marcaram o passado de sociedades humanas de forma ampla e abrangente. A cidade e o urbano se tornaram um outro possível recorte geográfico e temático para a abordagem global. O passado de redes urbanas que se estendeu pelo globo elucida, afinal de contas, complexas conexões e intercâmbios transnacionais que alimentaram sistemas econômicos, políticos e culturais em diferentes épocas históricas (KENNY; MADGIN, 2015). Práticas e políticas urbanísticas, assim como populações e espaços urbanos, fomentaram a troca e difusão de ideias e atitudes numa escala transnacional e mundial (KWAK; SANDOVAL-STRAUSZ, 2018). No trabalho de historiadores do urbano global, a cidade surge, portanto, como o sítio onde o efeito de transações econômicas, movimentos migratórios, ideologias políticas, e o investimento e busca de capital financeiro se traduzem da escala global à experiência local e onde realidades locais informam a natureza de trocas, fluxos, e práticas globais.

A promissora combinação do global e do urbano cria um novo campo de pesquisa temática, metodologia e abordagem historiográfica que traz, contudo, sua parcela de desafios. Tradicionalmente, a história urbana caracteriza-se por estudos densos, focados em localidades específicas e solidamente sustentados por pesquisas em arquivos urbanos. A história global, por sua vez, tende a traçar sínteses sobre processos históricos homólogos, passíveis de serem comparados em localidades distintas, ou evidentes ao longo de redes ou fluxos que conectam lugares, comunidades, atores históricos diversos. A tarefa de combinar a densidade analítica da história urbana com a abordagem ampla da história global pode parecer inviável. Um único historiador poderá se ver diante de imensos obstáculos: pesquisa em diferentes idiomas, tradições arquivísticas e historiográficas distintas, a dificuldade de acessar recursos de pesquisa e financiamento necessários. É nesse sentido que proponentes da História Urbana Global têm formado projetos colaborativos e redes de pesquisa internacionais, apoiando-se em suas diferentes áreas de conhecimento e compartilhando seu trabalho para promover um melhor entendimento da cidade enquanto possível objeto de estudo do global. Vale notar em particular os esforços do Global Urban History Project (GUHP), uma organização de historiadores dedicada à investigação de cidades enquanto criações e criadoras de fenômenos históricos de escala global (www.globalurbanhistory.org). Colaborações como o GUHP têm organizado conferências e facilitado publicações que reúnem historiadores de diferentes partes do mundo, trabalhando em tópicos e localidades diversas, para cultivarem juntos o potencial explicativo do urbano, a fim de entender o global e vice-versa.

Com esse dossiê, a Esboços: histórias em contextos globais se torna também uma plataforma colaborativa para a promoção desse diálogo produtivo entre a história urbana e global. Os textos aqui incluídos refletem a rica diversidade temática e metodológica possível dentro desse diálogo. Os episódios e casos explorados nesse volume revelam cidades que servem de nódulos coordenando e comandando forças históricas globais, espaços urbanos de fluxo de pessoas e produtos, e sítios de trocas, negociações e conflitos. Os artigos também ilustram possíveis usos de abordagens da história global no estudo do urbano: a abordagem comparativa, a introdução de diferentes modelos de difusão não centrados no eixo Europa−Estados Unidos, a inserção do local em contextos transnacionais e globais, e o papel do local no processo de mediação de forças e tendências globais. Em sua história geral do mundo moderno, Fernand Braudel se referiu a cidades como “transformadores elétricos”, intensificando ou moderando correntes externas, acelerando e orientando ritmos de vida coletiva e individual, e “incessantemente incitando” e realidade diária de sociedades humanas (BRAUDEL, 1973, p. 382). A metáfora de Braudel é traduzida em exemplos e exposições históricas tangíveis e reveladoras pelos autores do dossiê.

Em seu artigo “De la ciudad a la metrópole. Un enfoque desde México sobre um pasado global”, Carlos Riojas e Alejandro Arjona (2021) examinam o processo de metropolização que desde o início do século XX manifesta-se em centros urbanos mundiais. Produto da evolução demográfica que caracterizou o século passado – o acentuado crescimento da populacional em grandes cidades e a progressiva redução da população rural – este desenvolvimento urbano global não respeitou perspectivas eurocêntricas do conhecimento. A emergência da metrópole deu-se em diversos espaços sociais, políticos e econômicos que englobam países asiáticos, africanos e latino-americanos. O processo de metropolização, como mostram os autores, trouxe consigo inúmeros desafios que, por sua vez, reorientaram o nosso modo de pensar a cidade. Dentre estes, incluem-se o crescimento desordenado que agrava problemas habitacionais; desafios de logística de abastecimento; diferenças sociais; o aumento de contingentes populacionais vivendo à miséria; a precarização do transporte público; e problemas de saúde pública coletiva, como a atual crise global de COVID-19. Ao questionarem se a atual complexidade dessas metrópoles cria a necessidade de pensarmos uma forma alternativa de organizar atividades e trocas humanas, Riojas e Arjonas nos remetem ao trabalho da geógrafa Jennifer Robinson (2002). Em seu importante artigo “Global and World Cities: a view from off the map”, Robinson argumenta que o futuro das questões e soluções urbanas não mais se encontra nos modelos urbanísticos europeus. Riojas e Arjonas ilustram bem a necessidade de direcionarmos o nosso olhar a cidades como a Cidade do México.

Os problemas habitacionais derivados do crescimento urbano informam a discussão que Samuel Oliveira e Gabriela Gomes desenvolvem em seu artigo, onde eles comparam as políticas habitacionais das ditaduras brasileira e argentina na segunda metade do século XX. Ambos os governos elaboraram grandiosos projetos habitacionais para minimizar o impacto das habitações irregulares nos grandes centros urbanos, as favelas, no Brasil, e as villas misérias, na Argentina. Os programas imaginavam ser possível higienizar os centros urbanos levando essas populações para bairros mais afastados com a construção de moradias populares em bairros planejados.

Em sua análise, Oliveira e Gomes prestam a devida atenção às diferenças em formas de investimento que sustentaram os dois projetos. Mas eles também enfatizam o conservadorismo comum a políticas habitacionais moldadas pelo contexto político global da Guerra Fria, quando o enfoque em habitações populares era confundido com a suposta agenda comunista de governos populistas. O resultado foi o beneficiamento dos setores médios urbanos, os quais puderam acessar formas de financiamento da casa própria em números significativamente maiores do que membros dos setores populares, os alvos iniciais desses programas. Fica evidente, portanto, que as políticas habitacionais das ditaduras brasileira e argentina colaboraram para o aumento da segregação – racial e socioeconômica – do espaço urbano, reforçando a tese já apontada por Carl Nightingale (2012) sobre o papel segregacionista do setor imobiliário.

A segregação também pode ser vista na longa duração, como nos mostra Nancy Kwak (2021) em seu excelente estudo sobre a informalidade urbana a partir do caso da cidade de Los Angeles. Em seu artigo, a autora explora aspectos cruciais das políticas habitacionais na capital californiana a partir de três períodos históricos. No período colonial, são destacadas as disputas pela posse e domínio territorial entre indígenas, mexicanos e os primeiros colonizadores norte-americanos, onde questões raciais importavam mais para determinar os direitos sobre às terras do que a própria lei. Essas tendências permaneceriam como regra ao longo do século XIX e primeiras décadas do século seguinte. Somente após a Segunda Guerra Mundial as políticas governamentais iriam prestar mais atenção para a presença da informalidade em determinadas regiões, como Chaves Ravine, espaço onde centenas de famílias residiam há décadas. Independentemente dos direitos de posse da terra, a legislação contra favelas (slums) foi acionada para intervir e remover essas populações de onde viria a ser construído o estádio de baseball dos Dodgers. O terceiro período analisado é o atual crescimento dos moradores de ruas no centro de Los Angeles, especialmente na área conhecida como Skid Row, que abriga milhares de pessoas morando em estruturas completamente improvisadas que desvalorizam uma região central da cidade. As atuais políticas governamentais parecem reproduzir as práticas segregacionistas de longa duração, a partir de princípios raciais e econômicos de exclusão que reforçam estigmas sociais. E o exemplo de Los Angeles nos lembra que a informalidade urbana, produto da forma com que populações locais se adaptam às forças excludentes do capitalismo e práticas imobiliárias globais, não é um fenômeno restrito ao suposto sul global.

O artigo de Katharina Schembs (2021) também propõe um questionamento da diferenciação entre o norte e o sul globais em estudos sobre o processo de urbanização. A partir de uma análise minuciosa de dezenas de revistas de arquitetura publicadas na América Latina entre as décadas de 1960 e 1970, Schembs analisa como o movimento desenvolvimentista latino-americano criou uma visão específica e dominante de cidade, distinta das compreensões francesas e norte-americanas de planejamento urbano que dominaram as décadas precedentes. A euforia desenvolvimentista, baseada apenas nos investimentos estatais, logo cedeu espaço para interpretações baseadas na teoria da dependência que explicavam o crescimento das desigualdades nos grandes centros urbanos ao inclui-las como elementos periféricos do sistema capitalista internacional. As noções típicas de cidades do “Terceiro Mundo” passaram a predominar nas publicações de revistas latino-americanas, o que não deixou de criar oportunidades para circular casos de projetos de desenvolvimento urbano originais na região, inclusive com práticas de cooperação Sul-Sul. No entanto, com a ascensão de governos autoritários na região a partir da década de 1960, essas práticas foram logo substituídas pelos princípios neoliberais que marcariam as políticas de planejamento urbano subsequentes.

O trabalho de Daniele Herbele Viegas (2021) dá continuidade, de certa forma, ao texto de Schembs com o estudo de caso sobre a transnacionalidade de políticas de planejamento e desenvolvimento das regiões metropolitana de Porto Alegre e do Vale do Rio dos Sinos. Viegas discute as influências tecnopolíticas em projetos envolvendo o Brasil e a República Federal da Alemanha (RFA) nos anos 1970. Partindo de um exame detalhado de relatórios empresariais, documentos estatais, entrevistas e uma variedade de referências bibliográficas, a autora explora as assimetrias nas circulações de tecnocratas e engenheiros de diferentes expertises. Esses profissionais ofereceram análises detalhadas de intervenções urbanas e ambientais para melhorar o desenvolvimento industrial, higienizar bairros e garantir a complementariedade entre espaços rurais e urbano. Viegas insere sua análise da estrutura de cooperação entre os dois países, e da negociação do significado e do valor da expertise alemã, em uma dinâmica de áreas de influências derivadas da Guerra Fria. Sua contextualização desses projetos revela elementos conceituais tributários de uma visão eurocêntrica que enxerga esses espaços urbanos de maneiras desiguais. Noções como “transferência de conhecimento”, desenvolvimento no “Terceiro Mundo” ou promoção de “Cidades Secundárias” são algumas dessas ideias e conceitos que pressupõem relações hierárquicas entre os espaços urbanos dos chamados norte e sul globais.

Enquanto Viegas adota uma abordagem transnacional para examinar a circulação e aplicação de concepções e práticas urbanísticas, Bruno Biasetto (2021) emprega uma perspectiva comparativa para estudar o fenômeno de boom towns ligadas à economia do petróleo. Nesse estudo de cidades outrora periféricas que assistiram um intenso crescimento populacional com o estabelecimento de complexas estruturas de extração petrolífera em suas regiões, Biasetto examina a relação entre pressões econômicas globais, interesses privados e políticas públicas no desenvolvimento de espaços urbanos. Durante a crise do petróleo nos anos 1970, cidades pequenas da província de Alberta e dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro tornaram-se peças centrais nas companhias estatais de petróleo dos dois países. No entanto, este desenvolvimento trouxe consigo diversos problemas sociais, habitacionais e, sobretudo, ambientais. Por mais que o Canadá tivesse órgãos públicos de controle e uma rigorosa legislação, as técnicas de extração e os problemas de longo prazo dos dejetos causaram diversos impactos ambientais, como poluição e chuva ácida. No caso brasileiro, a falta de transparência ditatorial somada à falta de controle regulador e a uma legislação omissa levaram a diversos casos de vazamentos de petróleo e a uma intensa poluição do ar, colocando diversas espécies do bioma em risco. A comparação entre Brasil e Canadá oferece um interessante paralelo de atuação governamental, independentemente da inclinação política deles. Se de um lado está um país desenvolvido com uma política liberal, do outro encontra-se um país em vias de desenvolvimento em meio a uma ditadura militar. Ambos, porém, não hesitaram em encontrar meios de sobreviver à crise petrolífera mundial a partir de uma ótica nacionalista, sem se preocuparem com os diversos impactos sociais, turísticos e ambientais nas regiões.

A cidade no século XX se tornou assim projeto, âncora, e palco para a realização das ambições de estados neoliberais e indústrias globais. Mas ali também se manifestaram as ambições de consumidores, artistas, e trabalhadores tanto urbanos quanto rurais. O papel do urbano no fluxo global de produtos culturais, práticas de lazer e debates políticos fez com que indivíduos e grupos que buscavam assegurar o seu lugar e direitos na sociedade contemporânea recorressem ao espaço urbano para reivindicá-los. Em seu artigo, Letícia Falabella Leme (2021) examina a centralidade de núcleos urbanos no processo de circulação de pessoas e produtos que favoreceu o mercado global da arte nas primeiras décadas do século XX. Focando uma época de ascensão dos fluxos de produção e consumo de obras de artes, a autora analisa a popularização da pintora francesa e expoente da tradição cubista Marie Laurentin nos grandes centros urbanos da França, da Alemanha, dos Estados Unidos e do Brasil. Destacada por sua inserção na vanguarda cubista, ao lado de nomes como Picasso, Braques e Gleizes, como também por uma persistente caracterização feminina da sua produção, Laurentin valeu-se de uma intrincada rede de críticos de arte e mercadores de diferentes nacionalidades, que favoreceram o reconhecimento de suas obras e a inserção das mesmas no mercado internacional de arte. Foi a partir dessa estratégia que suas obras figuraram entre importantes exposições em museus e galerias de cidades cosmopolitas que se afirmavam como grandes consumidoras de arte, tais como Paris, Berlim, Nova York, São Paulo e Rio de Janeiro.

Igualmente importante é pensar as cidades consumidoras de arte de formas integradas – para utilizar o conceito de Sebastian Conrad (2016) – explorando a sincronia de fenômenos globais em diferentes espacialidades. Em “Músicos e Orquestras do Primeiro Cinema em Greve”, Michel Mesalira (2021) discute movimentos grevistas no Rio de Janeiro, São Paulo e Chicago que se manifestaram concomitantemente nas primeiras décadas do século XX. Ele mostra que esses eventos sincrônicos precisam ser situados no contexto global do surgimento e da popularização do cinema, quando músicos e orquestras se tornaram peças essenciais a essa experiência urbana de lazer e entretenimento, mas foram excluídos dos lucros e do prestígio que a indústria criara. As estratégias de resistência, os recorrentes conflitos com empresários e proprietários dos cinematógrafos e as organizações sindicais dos músicos são algumas questões exploradas por Mesalira para ressaltar as semelhanças e diferenças no desenrolar de eventos em cada cidade. No entanto, o que chama atenção são os indícios de que essas práticas, conflitos, e negociações não se restringiram apenas às cidades analisadas, mas ocorreram também em outros lugares no mesmo período, configurando um potencial objeto de estudo da História Urbana Global.

O uso do espaço urbano para reivindicações trabalhistas e de direitos econômicos por grupos adversamente afetados por tendências e forças globais é também tema do artigo de Maira Eveline Schmitz (2021), “Fotografia e espaço público visual”. Schmitz desenvolve sua análise a partir de uma discussão de fotografias publicadas em jornais do Rio Grande do Sul que retratam manifestações de agricultores da soja contra políticas tarifárias do governo brasileiro que, em 1980, visaram desincentivar a exportação da safra local para garantir a oferta nacional do produto. Ao verem sua participação no comércio global da soja restringida e sua margem de lucro negada, trabalhadores rurais ocuparam espaços públicos em cidades como Santa Rosa para demandarem o fim dessa política que classificaram de confisco. A transformação da cidade em espaço de protesto, como mostra Schmitz, se concretizou mais plenamente com a circulação de fotografias registrando esses eventos. As imagens de espaços urbanos invadidos por manifestantes rurais, de ruas ocupadas por máquinas e passeatas, ordenaram a sequência de eventos e deram significado político ao ato de protesto. Imagens de agricultores e trabalhadores rurais tomando a cidade com o intuito de desafiar o estado, reconfigurou ainda narrativas sobre a relação entre populações rurais e urbanas e estruturas de poder. As fotografias analisadas por Schmitz criaram um espaço e acontecimento visual público onde a ligação entre o macro e o micro, o global e o local se manifesta e se resolve. Assim como as imagens fotográficas de cidades esvaziadas pelo isolamento social imposto pela pandemia atual do COVID-19, essas imagens de espaços urbanos ocupados em protesto refletem a confluência de fatores e agentes históricos diversos que em e a partir de cidades animaram, incessantemente, sociedades humanas passadas e presentes.

O diálogo entre a História Urbana e a História Global, na configuração desse campo da História Urbana Global está, ainda, no seu início. Mas alguns temas, métodos de pesquisa e análise, e teorias já vêm se estabelecendo, reforçados pelo seu potencial de elucidar o passado humano e produzir narrativas mais inclusivas e completas. Estes seriam o enfoque na cidade como lente analítica refratora de forças históricas transnacionais e globais; a preocupação em descolonizar a história e desafiar a diferenciação entre norte e sul global; a atenção aos vetores multidirecionais e a variações nas escalas de análises, do global ao local e vice-versa; e a colaboração entre pesquisadores para assegurar um melhor acesso a recursos linguísticos, arquivísticos e acervos historiográficos (DANTAS, 2018). Oferecemos esse dossiê, portanto, como recurso para os pesquisadores interessados em aprofundar esse diálogo, cada vez mais necessário, de “pensar as cidades como objetos que são formados e, ao mesmo tempo, formadores de fenômenos históricos globais em larga escala” (GUHP, 2021).

Referências

BIASETTO, Bruno Henz. Shock against nature: a comparative environmental history of oil drilling and oil Boomtowns in Brazil and Canada during the oil shock era (1967- 1981). Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 47, p. 115-134, Jan./Apr. 2021.

BRAUDEL, Fernand. Capitalism and Material Life, 1400-1800. London: Harper and Row, 1973.

BRENNER, Neil. New State Spaces: Urban Governance and the Rescaling of Statehood. New York: Oxford University Press, 2004.

CASTELLS, Manuel. The Rise of the Network Society. Oxford: Blackwell, 1996.

CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and History Difference. Princeton: Princeton University Press, 2000.

CLARK, Peter (ed.). The Oxford Handbook of Cities in World History. New York: Oxford University Press, 2013.

CONRAD, Sebastian. What is Global history? New Jersey: Princeton University Press, 2016.

FRIEDMANN, John. The Prospects of Cities. Minneapolis: University of Minnesotta Press, 2002.

DANTAS, Mariana. Considerações sobre a história global e história urbana global. In: ARAÚJO, Erick Assis de; SANTOS JÚNIOR, João Júlio Gomes dos. História Urbana e Global: novas tendências e abordagens. Fortaleza: Editora da Universidade Estadual do Ceará, 2018.

GLOBAL URBAN HISTORY PROJECT (GUHP). O que é a história urbana global? GUHP e a História Urbana Global: Redes de Pesquisa em Cidades Globais. Disponível em: https://guhp.clubexpress.com/content.aspx?page_id=22&club_ id=803980&module_id=296751. Acesso em: 30 jan. 2021.

HARVEY, David. Paris, Capital of Modernity. New York: Routledge, 2003.

HARVEY, David. Social Justice and the City. London: Edward Arnold, 1973.

KENNY, Nicholas; MADGIN, Rebecca. Cities Beyond Borders: Comparative and Transnational Approaches to Urban History. London: Routledge, 2015.

KIMMELMAN, Michael. The Great Empty. The New York Times. Nova York, 23 Mar. 2020.

KWAK, Nancy; SANDOVAL-STRAUSZ, A.K. Making Cities Global: The Transnational Turn in Urban History. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2018.

KWAK, Nancy H. Urban informality in the global north: a view from Los Angeles. Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 47, p. 182-196, jan./abr. 2021.

LEME, Letícia Asfora Falabella. Marie Laurencin no Brasil: imprensa, marchands e a circulação global da arte moderna entre centros urbanos. Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 47, p. 59-76, jan./abr. 2021.

MARASCIULO, Marília. Na pandemia de Covid-19, negros morrem mais do que brancos. Por que? Galileu. 30 mai. 2020.

MESALIRA, Michel. Músicos e orquestras do primeiro cinema em greve: de Chicago ao Rio de Janeiro (1903-1914). Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 47, p. 17-37, jan./ abr. 2021.

NIGHTINGALE, Carl H. Segregation: A Global History of Divided Cities. Chicago; London: The University of Chicago Press, 2012.

OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de; GOMES, Gabriela. Políticas habitacionais e modernização autoritária nas ditaduras do Brasil e da Argentina (1964-1973). Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 47, p. 38-58, jan./abr. 2021.

RIOJAS, Carlos; ARJONA, Alejandro. De la ciudad a la metrópoli: un enfoque desde México sobre un pasado global. Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 47, p. 135-162, jan./ abr. 2021.

Journal of Urban and Regional Research, Hoboken, v. 26, n. 3, p. 531-554, 2002.

SANTOS JÚNIOR, João Júlio Gomes dos; SOCHACZEWSKI, Monique. História global: um empreendimento intelectual em curso. In: ARAÚJO, Erick Assis de; SANTOS JÚNIOR, João Júlio Gomes dos. História Urbana e Global: novas tendências e abordagens. Fortaleza: Editora da Universidade Estadual do Ceará, 2018.

SASSEN, Saskia. The Global City: New York, London, Tokyo. 2. ed. Princeton: Princeton University Press, 2013.

SAUNIER, Pierre-Yves; EWEN, Shane. Another Global City: Historical Explorations into the Transnational Municipal Moment. New York: Palgrave Macmillan, 2008.

SCHEMBS, Katharina. The invention of the “third-world city”: urban planning in Latin America in the 1960s and early 1970s. Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 47, p. 77-92, jan./abr. 2021.

SCHMITZ, Maira Eveline. Fotografia e espaço público visual: a globalidade da soja e os protestos contra o confisco de Delfim Neto em Santa Rosa/RS (1980). Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 47, p. 163-181, jan./abr. 2021.

VIEGAS, Danielle Heberle. “Planejando o terceiro mundo”: transnacionalidade e circulação de ideias em experiências de planejamento urbano (Brasil-Alemanha Federal, décadas de 1960-1970. Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 47, p. 93-114, jan./ abr. 2021.

WENG, Shi-Hong; NI, Anna Ya; HO, Alfred Tat-Kei. Responding to the Coronavirus Pandemic: A Tale of Two Cities. The American Review of Public Administration, Hampshire, v. 50, n. 6-7, p. 497-504, 2020.

Mariana L. R. Dantas: Doutora. Associate professor, Ohio University, College of Arts and Sciences, History Department, Athens, OH, Estados Unidos.

João Júlio Gomes dos Santos Júnior: Doutor. Professor adjunto, Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Curso de História, Fortaleza, CE, Brasil.

Carl H. Nightingale: Doutor. Associate professor, University at Buffalo, College of Arts and Sciences, Department of African and American Studies, Buffalo, NY, Estados Unidos.

 


DANTAS, Mariana L. R.; SANTOS JÚNIOR, João Júlio Gomes; NIGHTINGALE, Carl H. A história urbana global: um chamado ao diálogo. Esboços. Florianópolis, v.29, n.47, jan. / abr. 2021. Acessar publicação original [IF]

Acessar dossiê

A arquitetura fractal de Antonio Gramsci: história e política nos Cadernos do cárcere | Marcus Vinícios F. S. Oliveira (R)

Antonio Gramsci, indubitavelmente, é considerado, por muitos, um dos teóricos mais importantes da tradição marxista do pós-Segunda Guerra Mundial. Milhares são as obras e dezenas são as teorias que procuram ver nos trabalhos gramscianos a chave interpretativa que auxilia na compreensão da dinâmica sociopolítica contemporânea. Por meio das mais diferentes linhas de pensamento, Gramsci está associado ao modo como o fazer e o pensar políticos estão relacionados a todo um arcabouço cultural, que envolve as sociedades atuais. Desse modo, seus escritos encontram-se muito mais associados aos estudos marxistas ligados à filosofia da práxis. Como exercício comparativo, podemos perceber uma clara diferença com relação às linhas de pensamento marxistas ligadas à teoria crítica. Generalizadamente, embora ambas deem uma importância significativa ao elemento cultural das sociedades modernas, os estudos gramscianos encontram na esfera da política e do universo do político, o lugar de confrontos e consensos para suas análises. No caso da Escola de Frankfurt, Adorno, Horkheimer, Marcuse, Benjamin, entre outros, o universo do político espraia-se em outras dimensões da contemporaneidade, como os meios de comunicação e o mundo da arte. Leia Mais

Inmigración pensamiento y nación: 1880- 1930 | Aquiles Castro e Ana Félix (R)

De acuerdo con Maria Ligia Coelho Prado, la idea de unidad regional nace con la propia emancipación. Pugna por borrar las diferencias y rechazar los conflictos en pro de una identidad homogénea favorable al dominio político. La pregunta por quiénes somos estaba presente en la Carta de Jamaica (1815), la respuesta originales y autónomos. Este horizonte modeló las tradiciones nacionales e inspiró a políticos, intelectuales y artistas que se manifestaron sobre el futuro ideal y la legitimidad de la nación emergente (PRADO, 2008, p. 597).

El nacionalismo de finales del siglo XIX, presente en la historiografía, el periodismo, la literatura y el arte, procuró la adhesión social a un proyecto común de nación mediante símbolos e imágenes nacionales. La élite intelectual, blanca y letrada, consideraba que “los negros, los indios, los mestizos, los pobres, las mujeres, los no propietarios, los campesinos” eran incapaces de entender la dimensión del proyecto político (PRADO, 2008, p. 600). Lo no blanco era considerado inferior, y la pigmentación de la epidermis, sinónimo de barbarie. Leia Mais

Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a distância. São Paulo, v.20, n.1, 2021.

Publicado: 2021-03-29

Artigos Originais

Relatos de Experiência

Resenhas

Revisão da Literatura

 

Qualcosa di meglio. Biografia partigiana di Otello Palmieri | Alfredo Miginini (R)

Filosofia e Historia da Biologia 8 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Otello Palmieri | Detalhe de capa |

SCOTT The common wind 11 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialLeggendo un lavoro di ricerca spesso ci si trova davanti ai risultati di un processo lungo e complesso in cui la soggettività del ricercatore solo di rado viene messa in risalto. L’impiego di fonti orali all’interno della ricerca storica ha contribuito a far emergere la consapevolezza di dover esplicitare la posizione di chi conduce la ricerca stessa, visto che è proprio l’incontro fra soggettività diverse a produrre le fonti che poi vengono usate [1]. Enrico Pontieri e Alfredo Mignini avevano ben chiaro questo impianto metodologico al momento di iniziare il lavoro che si sarebbe poi tradotto nel libro oggetto di questa recensione. In occasione di una precedente pubblicazione Mignini aveva già avuto modo di riflettere sulle modalità di raccolta e di uso delle fonti orali [2]. Più recentemente, come Pontieri, ha pubblicato un saggio all’interno di un volume sulla storia del Partito comunista italiano a Bologna [3]. Mignini fa parte da anni dell’associazione Storie in Movimento – che, fra le altre cose, pubblica «Zapruder. Rivista di storia della conflittualità sociale» – e in particolare della Redazione Web, di cui è co-coordinatore. Enrico Pontieri collabora con la Fondazione Gramsci-Emilia Romagna per la quale il 24 aprile del 2020 ha curato un appuntamento sulla storia della Resistenza.

Proprio la Resistenza è uno dei temi centrali del libro dei due giovani ricercatori, incentrato sulla storia di Otello Palmieri. Gli autori iniziano il racconto in ordine cronologico, partendo però dal loro punto di vista: dal primo incontro a Bologna con un conoscente di Palmieri, quando l’idea di realizzare un’intervista era già nell’aria ma non aveva ancora assunto un carattere definito, alla scoperta di nuove notizie sulla sua vita. Dopo le prime pagine sappiamo già che Otello Palmieri ha fatto per alcuni mesi il partigiano e che, a guerra finita da alcuni anni, è stato accusato di aver partecipato all’uccisione di un oste nel suo paese in provincia di Bologna, Oliveto. Proprio nel momento in cui la denuncia stava per trasformarsi in un mandato di cattura Palmieri lasciò l’Italia insieme a due suoi compagni per ritornare solo dopo aver ottenuto la sentenza di assoluzione. È proprio la sentenza il primo documento con cui gli autori si misurano: mettono in evidenza i tanti punti ancora poco chiari e iniziano a formulare alcune domande a cui però si può cercare di rispondere solo usando altre fonti, come le interviste allo stesso Palmieri. A questo punto gli autori portano il lettore a Oliveto e poi all’interno della casa di Palmieri a Crespellano, sempre in provincia di Bologna.

Si arriva così all’incontro e alla prima intervista: superata l’iniziale titubanza Palmieri inizia a raccontare, diventando in breve un fiume in piena, con i due autori che faticano a stargli dietro. Spuntano fuori anche due vecchie valigie riportate da Palmieri in Italia dalla Cecoslovacchia e piene di quaderni e di materiali utili. Arrivati a pagina 26 del libro sono già stati toccati i temi più importanti: la Resistenza e l’iscrizione al Partito comunista italiano, l’uccisione dell’oste di Oliveto, l’esilio in Cecoslovacchia, l’assoluzione, il ritorno in Emilia, il nuovo trasferimento in Svizzera. Tante cose, tutte insieme. Gli autori denunciano un certo smarrimento e forse per il lettore è lo stesso.

Decidono quindi di ricominciare da capo, dal 1927, anno della nascita di Otello Palmieri. Si arriva quasi subito a uno dei momenti chiave: il 17 agosto 1944 Palmieri, appena diciassettenne, venne catturato da un gruppo di repubblichini insieme ad altre persone e riuscì a sfuggire grazie all’aiuto di un medico e della sorella infermiera. Una volta tornato in paese si unì alla Resistenza. Gli autori però fanno notare come in alcuni documenti ufficiali Palmieri risulti partigiano già da prima del rastrellamento. È uno dei punti in cui Mignini e Pontieri tirano fuori le discrepanze fra ciò che ascoltano durante le interviste e ciò che risulta da altre fonti come il contenuto delle valigie conservate da Palmieri, documenti giudiziari e pubblicistica. Il pregio del metodo usato è di non arrivare a conclusioni affrettate o nette, mettendo però in evidenza i dubbi e cercando un modo per provare a scioglierli. Gli autori mettono quindi il luce la collaborazione che esisteva fra i partigiani della zona e i giovani del paese già prima del rastrellamento del 1944, soprattutto nel fornire informazioni sulla presenza di soldati tedeschi o repubblichini in zona [4]. La conoscenza reciproca facilitò l’ingresso di Palmieri fra i partigiani dove ottenne anche un nuovo nome, Battagliero (nome di un valzer emiliano e titolo del primo capitolo del volume). Palmieri a quel punto si trovò inserito in un gruppo in cui ci sono anche persone molto più grandi di lui e dei suoi amici: una di queste era Antenore Lanzarini, ucciso il 19 novembre 1944. Alla ricostruzione delle circostanze della morte di Lanzarini e alle due versioni proposte da Palmieri gli autori dedicano alcune delle pagine più interessanti del libro. Palmieri racconta poi dell’inverno del 1944 e dell’ordine del generale statunitense Harold Alexander di sospendere le operazioni belliche su larga scala durante i mesi più freddi dell’anno. Gli autori però non si accontentano e ottengono informazioni sugli spostamenti delle colonne partigiane e su delle azioni volte a recuperare delle armi o del cibo a Oliveto e nelle zone limitrofe. Si arriva quindi al momento che fin dalle prime pagine è sembrato essere una svolta nella vita di Palmieri: i giorni dell’attentato al segretario del Partito comunista italiano Togliatti (14 luglio 1948). Palmieri racconta dell’occupazione del municipio con le armi della Resistenza e il conseguente intervento del Pci di zona che riportò la calma a Oliveto e generò una certa frustrazione fra i militanti: la Rivoluzione non era all’ordine del giorno. Arrivati a questo punto l’oste del paese era già stato ucciso (4 dicembre 1945) ma sarà solo nell’estate del 1949 che Palmieri e altri due suoi compagni finirono per essere vicini all’arresto. La fuga avvenne appena in tempo e, grazie all’aiuto del Partito comunista, Palmieri e gli altri riuscirono a raggiungere la Cecoslovacchia. Una volta arrivato a Praga, Palmieri, come tutti i suoi compagni, dovette cambiare (di nuovo) nome e su indicazione del Partito comunista iniziò a chiamarsi Enrico Grassi, titolo del secondo capitolo del libro.

Qui gli autori ricostruiscono la vita di Palmieri e degli altri italiani costretti a rifugiarsi al di là della Cortina di ferro: l’apprendimento della lingua ceca e la scuola di formazione politica predisposta dal Partito con la conseguente delusione di Palmieri una volta capito che il Partito non li stava facendo studiare per fare la Rivoluzione in Italia, i rapporti con degli emigrati ideologicamente più convinti, la nascita della redazione della trasmissione radiofonica Oggi in Italia, lo stupore di fronte all’epurazione del segretario generale del Partito comunista ceco, Rudolf Slánský [5]. Finita la scuola Palmieri, in controtendenza rispetto alle scelte dei suoi compagni, scelse di iniziare un percorso di formazione professionale e venne impiegato in un’industria meccanica. Nel giro di due anni si trasferì in un’altra città e qui incrociò alcuni ex membri della Volante rossa, ex partigiani di area lombarda fatti scappare dal Pci in Cecoslovacchia per metterli al riparo da accuse di omicidi e di altri reati. Il soggiorno all’estero era però ormai prossimo alla fine: nel settembre del 1953, arrivata la notizia dell’assoluzione, Palmieri tornò in Italia, in apparenza senza esitazioni. Una volta arrivato in Emilia si sposò con Giovanna, la sua fidanzata storica. Sembrava il preludio a una nuova fase di stabilità e invece nel giro di pochi mesi la coppia si spostò di nuovo, questa volta per raggiungere la Svizzera. Gli autori dedicano alla ricostruzione del ritorno in Italia e della scelta di tornare a emigrare un “Intermezzo” in cui cercano di andare oltre la prima risposta data da Palmieri, ossia la necessità di guadagnare una somma per ripagare un debito contratto in occasione del matrimonio. Tramite un gioco di ipotesi e frasi prese dalle interviste i due autori ci restituiscono l’insoddisfazione di Palmieri per l’ipotesi di un «posto» fisso in Italia proposto dal Partito comunista emiliano contrapposto a un «lavoro» da cercare, forse da inventare e poi da praticare in Svizzera [6]. Si arriva così al terzo capitolo, intitolato Otti, diminutivo di Otello in tedesco. Qui la storia di Palmieri si lega a quella dell’emigrazione italiana in Svizzera: Palmieri trova lavoro, è apprezzato anche grazie alla formazione ricevuta in Cecoslovacchia e nel tempo rafforza la sua posizione, anche se nel paese elvetico non tutti vedevano di buon occhio l’arrivo di tanti lavoratori dall’Italia. Finisce per ammirare il paese in cui si è stabilito e nel quale però non rimarrà una volta raggiunta la pensione [7], momento di un nuovo ritorno in Emilia.

Il libro termina con il racconto di una passeggiata degli autori insieme a Palmieri a Oliveto, sui luoghi che sono stati lo scenario di una parte dei fatti descritti nelle pagine precedenti. Proprio nelle ultime righe Mignini e Pontieri riconoscono che diversi punti della storia non sono stati chiariti del tutto, ci sono ancora dei dubbi e non è stato possibile fugarli. Non si è riusciti a chiarire del tutto la vicenda dell’uccisione dell’oste e il ritrovamento di un faldone all’interno dell’archivio del Tribunale di Bologna con le carte del processo proprio nelle settimane di chiusura del lavoro si è scontrato con la quasi indifferenza di Palmieri che ha smorzato l’entusiasmo dei due ricercatori. Rimane il dubbio che in un archivio di Praga ci sia ancora l’autobiografia che al momento dell’arrivo in Cecoslovacchia il Partito comunista chiedeva agli emigrati di scrivere. Resta soprattutto il rammarico per un diario smarrito da Palmieri al ritorno dalla Cecoslovacchia. Rimangono poi altri punti non chiariti, altre strade non prese, altre domande non fatte o delle risposte non approfondite. Questo però è ciò che accade in ogni ricerca storica, anche se non sempre viene esplicitato e il lettore quindi può non accorgersene. Pontieri e Mignini si sono messi invece in gioco fin dalla prime pagine e, condividendo con il lettore la storia della ricerca e mettendo in mostra i limiti della stessa, hanno finito per scrivere un ottimo libro di metodo, godibile anche dal punto di vista narrativo.

Notas

1 PORTELLI, Alessandro, Problemi di metodo. Sulla diversità della storia orale, in BERMANI, Cesare (a cura di), Introduzione alla storia orale, vol. I, Storia, conservazione delle fonti e problemi di metodo, Roma, Odradek, 1999, pp. 149-166 (in particolare, pp. 160-161). Il contributo è stato originariamente pubblicato in Primo maggio, Saggi e documenti per una storia di classe, 13, 1979, pp. 54-60.

2 MIGNINI, Alfredo, Un lavoro da non sfruttare nessuno. Storie di vita dalla periferia di Bologna, Roma, Aracne, 2016. Si veda in particolare la parte introduttiva in cui l’autore riflette sull’uso delle fonti orali.

3 CAPUZZO, Paolo (a cura di), Il Pci davanti alla sua storia: dal massimo consenso all’inizio del declino. Bologna 1976, Roma, Viella, 2019.

4 MIGNINI, Alfredo, PONTIERI, Enrico, Qualcosa di meglio. Biografia partigiana di Otello Palmieri, Bologna, Pendragon, 2019, p. 43.

5 Ibidem, p. 102.

6 Ibidem, p. 138.

7 Ibidem, p. 166.

Alessandro Stoppoloni (Roma, 1989) è un archivista libero professionista. Si è laureato in scienze storiche nel 2015 nell’ambito del corso integrato italo-tedesco organizzato dall’Università di Bologna e da quella di Bielefeld con una tesi dal titolo Fra teoria e pratica: la psicologia politica di Peter Brückner (1966-1978). Per «Diacronie» si occupa di recensioni e cura saltuariamente le traduzioni dalla lingua tedesca.


MIGININI, Alfredo; PONTIERI, Enrico. Qualcosa di meglio. Biografia partigiana di Otello Palmieri. Bologna: Pendragon, 2019, 222p. Resenha de: STOPPOLONI, Alessandro. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, v.45, n1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].

#ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole | Federico Faloppa (R)

Filosofia e Historia da Biologia 10 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Federico Falopa | Foto: Piano P |

SCOTT The common wind 13 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialIl tema dei discorsi d’odio ha oramai una consolidata tradizione di studi, in particolare in campo sociale e giuridico [1]. Quel che appare realmente nuovo nel panorama degli hate speech è la pervasività e la rapidissima diffusione di questi stessi per effetto della diffusione che viene oggi consentita ai messaggi d’odio dai social network. È in questo contesto che si inserisce il libro del linguista Federico Faloppa [2], professore di Italian Studies and Linguistics all’Università di Reading, dedicato proprio al tema dei discorsi d’odio e alla loro proliferazione sul web. L’autore ci offre una prima, parziale, risposta agli interrogativi “Perché questo è avvenuto e perché si è verificato in questi termini”:

Usiamo in modo interconnesso i social media come strumento di supporto alle nostre reti sociali, di espressione della nostra identità e di analisi dell’identità altrui. Nel giro di pochi anni è decisamente cambiato il nostro approccio al mezzo, il senso della nostra comunicazione, il modo in cui produciamo i nostri messaggi. E questo – va da sé – vale anche per i messaggi che veicolano odio[3].

Il manuale, come viene definito il volume dall’autore nel sottotitolo, è diviso in cinque sezioni. La prima di esse (capp. 1 e 2) è dedicata a cercare di tratteggiare il significato di hate speech: una definizione che, sottolinea Faloppa, rimane problematica. Quella fornita dal Consiglio d’Europa può tuttavia costituire una base di partenza:

l’istigazione, la promozione o l’incitamento alla denigrazione all’odio o alla diffamazione nei confronti di una persona o di un gruppo di persone, o il fatto di sottoporre a soprusi, molestie, insulti, stereotipi negativi, stigmatizzazione o minacce tale persona o gruppo, e comprende la giustificazione di queste varie forme di espressione, fondata su una serie di motivi, quali la “razza”, il colore, la lingua, la religione o le convinzioni, la nazionalità o l’origine nazionale o etnica, nonché l’ascendenza, l’età, la disabilità, il sesso, l’identità di genere, l’orientamento sessuale e ogni altra caratteristica o situazione personale [4].

Per un ulteriore schema interpretativo utile a classificare i discorsi d’odio, Faloppa ci invita a guardare alla Pyramid of Hatred proposta dalla Anti-Defamation League e dallo Shoah Foundation Institute della California all’inizio del XXI secolo: in questa rappresentazione l’espressione di sentimenti negativi può giungere sino, al vertice della piramide, alla volontà di sterminio deliberata e sistematica, ultimo stadio prima della traduzione in realtà e pratiche concrete dell’hate speech. Dal punto di vista storico il secondo capitolo, “Genealogie”, ci aiuta a comprendere come ci troviamo di fronte a un fenomeno di lungo periodo: se è nella seconda metà dell’Ottocento che prende avvio lo studio sistematico delle espressioni offensive e discriminanti nei confronti di altri popoli, è di un secolo più tardi l’istituzione di strumenti volti a limitare il razzismo linguistico.

La seconda sezione (capp. 3 e 4) si sofferma invece sul quadro normativo e offre al lettore una vista d’insieme. Uno dei meriti principali del volume è infatti quello di analizzare in prospettiva comparata la situazione di diversi paesi, argomentando le ragioni per cui i legislatori hanno preferito muoversi in un senso estremamente permissivo – ad esempio, negli Stati Uniti, dove questo atteggiamento ha originato un vasto dibattito [5] – o ponendo maggiori limiti, come è avvenuto in Europa [6]. Si ha così l’opportunità di contestualizzare la situazione italiana confrontandola, ad esempio, con quella britannica, tedesca o francese. Quel che emerge è una pluralità di risposte, in cui molto spesso il risultato finale in termini normativi è frutto di una mediazione fra l’esigenza di intervenire e la tradizione culturale del singolo paesi in termini di libertà di espressione. L’equilibrio è sempre sottile perché, almeno nel caso italiano: «Quando […] l’espressione è discriminante, insultante, diffamante o quando sfocia in un’azione delittuosa può – deve – conoscere restrizioni, previste dalla legge» [7].

La terza sezione (capp. 5, 6 e 7) “Hate speech 2.0” ritorna sulla questione degli interventi normativi nel campo del discorso d’odio, in particolare sul web. È qui che troviamo il nucleo dell’analisi di Faloppa. Per comprendere il fenomeno l’autore si sofferma su due caratteristiche: da una parte la “virtualità” dell’hate speech, dall’altra la sua viralità. La mancanza di un rapporto diretto fra chi offende e chi viene offeso impedisce di prendere atto degli effetti innescati dall’espressione di odio: un meccanismo che genera un processo di progressiva deresponsabilizzazione. Deresponsabilizzazione che è anche alla base dell’atteggiamento di una parte della politica, che cavalca le espressioni d’odio per costruire il suo consenso e assicurarsi un tornaconto elettorale, come Faloppa evidenzia a più riprese [8]. Inoltre la viralità del messaggio – e la sua permanenza – creano effetti perniciosi, in grado di dar luogo a effetti duraturi e difficilmente reversibili perché replicabili e moltiplicabili quasi all’infinito, in un effetto “camera dell’eco”. L’odio, inoltre, sottolinea Faloppa, si dissemina in forma individuale e con maggior facilità, quasi per effetto di un riflesso condizionato, secondo la logica del re-post.

La quarta sezione (capp. 8, 9) è quella in cui emerge la forza dell’analisi di Faloppa, che tratteggia un’analisi quantitativa, ma soprattutto qualitativa del discorso d’odio sul web in Italia. Lo sguardo viene così spostato anche sui sotterfugi impiegati per veicolare messaggi d’odio: i grafismi, l’utilizzo di scritte apparentemente non offensive o persino l’impiego di alcuni font. Un tema che rappresenta un filone assai prolifico, come dimostrano recenti analisi, ad esempio, sui meme [9].

Gli ultimi capitoli del manuale (10, 11 e 12) sono invece dedicati al contrasto degli hate speech, alle strategie da impiegare. Faloppa, da linguista, osserva come sarebbe necessario guardare.

[…] proprio alle modalità – che passano attraverso il linguaggio e la sua dimensione pragmatica – si dovrebbe forse guardare con più attenzione. Non tanto lo studio dei possibili profili quanto l’analisi dei comportamenti e delle modalità in cui i messaggi d’odio vengono prodotti e diffusi mi sembra infatti offrire un approccio più funzionale e aderente alla realtà […] [10]

L’autore suggerisce di distinguere fra troll e odiatori seriali, odiatori occasionali e semplici follower: discriminare il profilo di chi sta esprimendo un sentimento negativo è utile perché sulle ultime categorie di haters è possibile agire, sostiene Faloppa, nell’intento di interrompere la spirale dell’odio.

Una considerazione non dissimile da quella sviluppata da Littler e Kondor riguardo all’islamofobia.

We also highlight the role that can be played by civil society organisations, in particular identifying the potential for social and economic pressure to be exerted against mainstream media forums promoting islamophobia, and for micro-targeting to be employed on social media to reach and challenge those who are most at risk of engaging in Islamophobic hate crime [11].

Il volume – come specifica l’autore – è largamente ispirato dalla riflessione collettiva sorta intorno al Tavolo per il contrasto ai discorsi d’odio: si può in qualche modo considerare come un manuale engagé, come dimostra proprio la quinta parte, più espressamente dedicata alle strategie da mettere in campo per contrastare i discorsi d’odio. Una parte dell’analisi che viene sviluppata è però un utile strumento anche per gli storici. Di fronte al fenomeno dell’hate speech diventa essenziale dotarsi degli strumenti cognitivi e interpretativi giusti per potersi orientare: se da una parte il tema del quantitativo si innesta su quello di lungo periodo dei discorsi d’odio [12], dall’altra per ogni studioso di scienze sociali diviene una necessità confrontarsi e gestire grandi quantità di dati [13].

Faloppa rimarca infine la labilità del confine fra discorso e crimine d’odio:

Spesso si sente dire – da chi vuole minimizzarne la portata – che il discorso d’odio è molto diverso dal crimine d’odio per il fatto che in un caso si tratta solo di parole (‘ma che cosa vuoi che sia’, ‘stavo scherzando’, ‘e che sarà mai, sono solo parole’), nell’altro di un atto di discriminazione vera e propria, o di un’aggressione fisica, che sarebbe cosa ben più grave al punto da condurre alla probabile istruttoria di un procedimento penale. Ma la differenza tra hate speech e hate crime, come sappiamo, è prevalentemente giuridica. […] Non si tratta tanto di ribadire – con John L. Austin e la sua «teoria degli atti linguistici» – che con le parole non solo si dice, ma si fa qualcosa. Si tratta piuttosto di considerare quale peso abbia l’hate speech tanto a livello individuale quanto a livello collettivo, colpendo indirettamente tutto il gruppo di cui fa o potrebbe far parte la persona aggredita. Si tratta di capire quali sono le sue conseguenze reali: nel breve, medio e lungo periodo [14].

Gestire questa mole di informazioni e saper individuare le linee di faglia su cui si muovono i sentimenti – grazie ai social media – è un’opportunità che si offre agli storici di oggi: sarà fondamentale, negli anni a venire costruire competenze e metodologie in grado di riuscire a raffinare l’indagine sociale. In questo senso libri come #Odio potranno rivelarsi non solo manuali per la resistenza, ma anche per la costruzione di una consapevolezza condivisa.

Notas

1. Cfr., tra gli altri: MATSUDA, Mari et al. (eds.), Words That Wound: Critical Race Theory, Assaultive Speech, and the First Amendment, Boulder (CO), Westview Press, 1993; HERZ, Michael, MOLNAR, Peter (eds.), The Content and Context of Hate Speech. Rethinking Regulation and Responses, New York, Cambridge University Press, 2012. In ambito storico gli studi si sono sinora concentrati sul tema del negazionismo, intimamente legato al tema del discorso d’odio.

2. Tra le pubblicazioni dell’autore sul tema del razzismo e dei discorsi d’odio: FALOPPA, Federico, : f mu z n d “d v ”, Alessandria, Edizioni dell’Orso, 2000; ID., Parole contro: la rappresentazione d “d v ” n ngu n n d , Milano, Garzanti, 2004; ID., Razzisti a parole (per tacer dei fatti), Roma-Bari, Laterza, 2011; ID., n un : ng n d un n , Roma, Aracne, 2013.

3. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole, Torino, UTET, 2020, cap. 6 “Tutta colpa della rete?”, par. “Odio onlife”.

4. Ibidem, cap. 1 “Definire il discorso d’odio”, par. “Una definizione di partenza”.

5. Cfr. fra gli altri: DELGADO, Richard, STEFANCIC, Jean, Must We Defend Nazis? Why The First Amendment Should Not Protect Hate Speech And White Supremacy, New York, New York University Press, 2018.

6. Si veda ad esempio la vicenda di Geert Wilders: HOWARD, Erica, Freedom of Expression and Religious Hate Speech in Europe, London – New York, Routledge, 2018, pp. 138-165.

7. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 4 “Il caso italiano”, par. “Alcune certezze e molti dubbi”.

8. Cfr. Le analisi sui tweet e i post di Matteo Salvini: ibidem, cap. 9 “Oltre il lessico”, par. “Noi, loro”.

9. TUTEN, Marc, HAGEN, Sal, «(((They))) rule: Memetic antagonism and nebulous othering on 4chan», in new media & society, 22, 12/2020, pp. 2218-2237.

10. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 11 “L’incognita delle emozioni”, par. “Haters and Co.”.

11. LITTLER, Mark, KONDOR, Kathy, Terrorism, h h nd ‘ umu v x m m’ n F k: udy, in ZEMPI, Irene, AWAN, Imran (eds.), The Routledge International Handbook of Islamophobia, London – New York, Routledge, 2019, pp. 374-384, p. 382.

12. Cfr. ad esempio: FINKELSTEIN, Joel, ZANNETTOU, Savvas, BRADLYN, Barry, BLACKBURN, Jeremy, «A Quantitative Approach to Understanding Online Antisemitism», in Arxiv.org, 5 settembre 2018, URL: < arXiv:1809.01644v1 > [consultato il 27 febbraio 2021].

13. SALGANIK, Matthew J., Bit by bit. L n ’ d g , Bologna, Il Mulino, 2020.

14. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 12 “Il bisogno di reagire”, par. “Dalla parte delle vittime”.

Jacopo Bassi ha conseguito la Laurea Triennale in «Storia del mondo contemporaneo» presso l’Università di Bologna sostenendo una tesi in Storia e istituzioni della Chiesa ortodossa dal titolo Tra Costantinopoli e Atene: Il passaggio delle d d ’E ’ mm n z n d Ch d G ‘P x ’ d 1928; presso lo stesso ateneo, nel 2008, ha discusso la tesi specialistica in Storia della Chiesa dal titolo Epiro crocifisso o liberato? La Chiesa ortodossa in Epiro e in Albania meridionale nel XX secolo (1912-1967). Attualmente collabora con le case editrici Il Mulino e Zanichelli. URL: < http://www.studistorici.com/progett/autori/#Bassi >


FALOPPA, Federico FALOPPA. #ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole. Torino: UTET, 2020, 291p. Resenha de: BASSI, Jacopo. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, n.45, v.1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].

US public diplomacy in socialist Yugoslavia 1950-70. Soft culture cold partners | Carla Konta (R)

Filosofia e Historia da Biologia 9 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Carla Konta | Foto: Narod HR |

SCOTT The common wind 12 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialDalla fine degli anni Novanta del secolo scorso, un numero crescente di studi ha affrontato il tema delle relazioni internazionali da una prospettiva diversa, non limitata alla dimensione della diplomazia tradizionale, ma diretta ad esaminare aspetti in precedenza trascurati, relativi ad esempio all’uso della cultura come strumento per promuovere l’immagine di un paese all’estero e quindi come risorsa essenziale nell’ambito della politica internazionale. La public diplomacy, insieme al soft power di cui questa rappresenta una delle principali espressioni, è così diventata la protagonista di un ricco filone di ricerche, animato in gran parte dalla storiografia anglosassone. Facendo spesso riferimento ai noti lavori di Joseph Nye, numerosi ricercatori hanno sviluppato su diversi versanti geografici e cronologici il tema del soft power, declinandolo principalmente attraverso la prospettiva della diplomazia culturale o, appunto, della public diplomacy, il cui rapporto con la cultural diplomacy è stato interpretato in modo non sempre univoco [1]. Una parte importante degli studi prodotti si è occupata, prevedibilmente, anche se non in modo esclusivo, del caso statunitense nel periodo della Guerra fredda: a tale proposito, il soft power, la diplomazia culturale e la public diplomacy erano visti come indispensabili risorse a disposizione della superpotenza americana per aumentare la propria influenza all’estero soprattutto in funzione di contenimento e contrasto dell’Unione Sovietica [2].

È in questa cornice che si colloca il volume di Carla Konta, ricercatrice formatasi alle Università di Fiume (Croazia) e Trieste, che ha già dedicato diversi studi in particolare alle relazioni fra Stati Uniti e Jugoslavia socialista, da una prospettiva spesso metapolitica, interessata in special modo alla dimensione culturale e all’interazione di idee e ideologie nella proiezione di una determinata immagine degli USA in Europa [3]. Il filo conduttore del volume, che analizza i rapporti fra Stati Uniti e Jugoslavia dal 1950 al 1970, è il soft power esplicato dalla public diplomacy statunitense nelle sue diverse articolazioni, ma in modo particolare l’azione esercitata dalle due agenzie protagoniste della propaganda culturale americana in Jugoslavia, l’USIA (United States Information Agency), che elaborava le linee strategiche da Washington, e l’USIS (United States Information Service), che operava sul territorio jugoslavo. Il volume fa in parte riferimento al filone di studi, ben rappresentato dalla storica serba Radina Vučetić, relativo al «Coca-Cola Socialism», ovvero alle modalità dell’adozione di alcuni aspetti del consumismo occidentale e in particolare americano nel contesto della Jugoslavia socialista, soprattutto negli anni Sessanta [4].

Il terminus a quo temporale da cui muove l’indagine è l’espulsione della Jugoslavia di Tito dal Cominform nel giugno del 1948 e il conseguente avvicinamento agli Stati Uniti, il cui obiettivo sarà, specialmente nella fase più acuta della Guerra fredda, durante le amministrazioni Truman e Eisenhower, di sostenere la Jugoslavia in funzione antisovietica [5]. Gli Stati Uniti però non si limitarono a supportare il regime di Belgrado dal punto di vista finanziario e militare, ma avviarono un’articolata politica di public diplomacy nel paese socialista, allo scopo di trasmettere una certa immagine dell’occidente filtrato attraverso il prisma dell’american way of life. Non si trattava di un compito semplice, perché la macchina del soft power doveva dimostrare la superiorità del modello americano, rappresentato sostanzialmente dal connubio fra libertà politiche e libertà economiche, senza tuttavia criticare direttamente il modello opposto, quello del socialismo pianificato. Condivisibile è l’impostazione del volume, per cui le attività di public diplomacy, che avevano effettivamente finalità di carattere propagandistico – portate avanti in modo spesso indiretto e allusivo – non possono essere sbrigativamente e superficialmente ridotte ad una manifestazione dell’imperialismo americano. Si trattava piuttosto di un delicato gioco delle parti fondato su un complesso equilibrio, per cui gli Stati Uniti tentavano di fare leva sulla diversità jugoslava e sulla sua peculiare collocazione internazionale per attirare a sé, per mezzo degli strumenti della cultura, la società e parti dell’intelligencija e della classe politica più giovane e aperta alle novità che giungevano d’oltreoceano. D’altra parte, la Jugoslavia accettava le attività americane in quanto aveva bisogno dell’appoggio di Washington e poiché teneva a dimostrare all’occidente le proprie peculiarità – l’autogestione, il «socialismo dal volto umano» –, che la distinguevano dal conformismo filosovietico dei paesi del «socialismo reale».

Tramite un approfondito lavoro di ricerca condotto principalmente negli archivi americani, serbi e croati e basato inoltre su un’ingente mole di documenti diplomatici editi, su una serie di interviste e sulla consultazione di periodici e letteratura specialistica, Carla Konta ricostruisce in modo puntuale e dettagliato l’evoluzione della public diplomacy americana in Jugoslavia, attraverso sei capitoli, più l’introduzione e la conclusione, in cui vengono analizzati tutti gli strumenti impiegati dalla propaganda culturale americana. Fra questi strumenti, gestiti dagli uffici dell’USIS attivi in Jugoslavia, vi erano le biblioteche americane, la distribuzione di riviste quali «Life», «Time», «Newsweek», oltre a riviste di moda – si scopre fra l’altro che degli abbonati alla stampa americana vivevano anche nei piccoli centri di campagna –; inoltre, la diffusione di musica americana (la sound diplomacy), attraverso le trasmissioni radio di Voice of America. L’atteggiamento delle autorità jugoslave era mutevole, per cui pur permettendo l’esplicarsi delle attività culturali americane, a volte si tendeva a stringere le maglie, ad esempio nei momenti di maggiore tensione internazionale, quando più forti erano le pulsioni antioccidentali alimentate dalla propaganda governativa: nel 1953-54 per la questione di Trieste o, successivamente, durante la guerra del Vietnam [6].

Uno dei maggiori pregi del volume di Carla Konta è proprio quello di evidenziare l’ambivalenza del rapporto fra Stati Uniti e Jugoslavia sul piano delle relazioni culturali: se da un lato ad esempio i film e le canzoni americane ebbero un grande successo – Tito stesso amava i film western e apprezzava la musica jazz e rock [7] –, dall’altro le autorità diffidavano di quel crescente successo in ampli strati della popolazione e in modo particolare fra gli studenti e gli intellettuali. L’appeal esercitato dagli Stati Uniti interessava gruppi sociali variegati: ad esempio, le donne che alla fiera americana di Zagabria potevano ammirare gli elettrodomestici di ultima generazione e i supermercati american style o gli studenti che grazie alle borse Fulbright o della Ford Foundation potevano entrare in contatto con gli ambienti più dinamici del mondo culturale e universitario statunitense.

Proprio il fatto che la Jugoslavia fosse una realtà socialista diversa e più aperta rispetto ai regimi comunisti dell’Europa orientale implicava quindi una maggiore possibilità di penetrazione dell’influenza americana – in particolare dal punto di vista culturale –, ma questo fatto a sua volta portava ad alimentare la diffidenza di una parte dei funzionari di partito per un’attività che minacciava di influenzare in senso filo-occidentale e anticomunista particolarmente le giovani generazioni. Tuttavia – sottolinea a ragione l’autrice – nonostante i dibattiti di carattere ideologico che caratterizzavano la parte più ortodossa del partito sull’incompatibilità fra marxismo e consumismo occidentale, era pur vero che proprio il consumismo, cui guardava l’economia di mercato socialista varata in Jugoslavia alla metà degli anni Sessanta, rendeva il modello americano particolarmente interessante agli occhi del regime di Tito. Non a caso, i primi supermarket aperti in Jugoslavia fra la fine degli anni Cinquanta e gli anni Sessanta – la «supermarket revolution» di cui parlava Dennison Rusinow [8] – si ispiravano precisamente a quel modello. Dopotutto, probabilmente fu in gran parte l’adozione dei paradigmi consumisti occidentali e quindi il raggiungimento di un relativo benessere, specialmente se paragonato agli standard di vita medi del «socialismo reale», ad aver consentito alla Jugoslavia di vantare, fra gli anni Sessanta e Settanta, una coesione interetnica che la crisi degli anni Ottanta avrebbe compromesso, dando il via alla dinamica che avrebbe successivamente portato all’implosione degli anni Novanta, lungo le linee di frattura dei contrapposti nazionalismi [9].

I rischi insiti nell’uso della categoria euristica del soft power, fra cui quello di sopravvalutare gli effetti della public diplomacy o della diplomazia culturale sulle realtà cui si rivolgono, sono evidenti [10]; d’altra parte, è necessario tener presente l’osservazione di Joseph Nye, secondo il quale lo scopo del soft power è di creare determinate condizioni che possono essere poi sfruttate sul piano politico, benché i concreti risultati politici delle attività culturali non siano agevolmente quantificabili [11]. Ad esempio, nel volume si evidenzia come molti importanti esponenti della dissidenza jugoslava, riunitisi fra gli anni Sessanta e Settanta intorno alla rivista «Praxis», avessero trascorso soggiorni di studio negli Stati Uniti, entrando così in contatto con pensatori marxisti quali Herbert Marcuse e Howard Parsons, che fra l’altro avevano a loro volta partecipato a un’edizione della scuola estiva organizzata dalla rivista sull’isola dalmata di Curzola [12]. Ma in quale misura questi e altri contatti fra intellettuali jugoslavi ed esponenti della cultura americana possano aver contribuito ad orientare i primi verso il dissenso politico non è dato appurare. Carla Konta dimostra di essere ben consapevole delle cautele epistemologiche indispensabili nel momento in cui ci si accosta a categorie concettuali quali il soft power e la public diplomacy, rendendo anche per questo motivo convincente l’impianto metodologico del suo lavoro, che contribuisce decisamente ad arricchire le nostre conoscenze sulla “diplomazia informale” statunitense nella Jugoslavia socialista.

Notas

1. SCHNEIDER, Cynthia P., «Cultural Diplomacy: Hard to Define, but You’d Know It If You Saw It», in The Brown Journal of World Affairs, XIII, 1/2006, pp. 191-203; GOFF, Patricia M., Cultural Diplomacy, in COOPER, Andrew F., HEINE, Jorge, THAKUR, Ramesh (edited by), The Oxford Handbook of Modern Diplomacy, Oxford, Oxford University Press, 2013, pp. 419-435; MELISSEN, Jan, Public Diplomacy, cit., pp. 436-452.

2. NYE, Joseph S., Soft Power. The Means to Success in World Politics, New York, Public Affairs, 2004; MELISSEN, Jan, The New Public Diplomacy. Soft Power in International Relations, London, Palgrave Macmillan, 2005; GRAHAM, Sarah Ellen, Culture and Propaganda. The Progressive Origins of American Public Diplomacy, 1936-1953, London-New York, Routledge, 2016; HART, Justin, Empire of Ideas. The Origins of Public Diplomacy and the Transformation of US Foreign Policy, Oxford-New York, Oxford University Press, 2013; GIENOW-HECHT, Jessica C.E., DONFRIED, Mark C. (edited by), Searching for a Cultural Diplomacy, New York-Oxford, Berghahn Books, 2010; CUMMINGS, Milton C., Cultural Diplomacy and the United States Government. A Survey, Washington D.C., Centre for Artists and Culture, 2003.

3. Ad esempio: KONTA, Carla, Eleanor Roosevelt in Yugoslavia Between Wedge Strategy and Cold War Internationalism, in FAZZI, Dario, LUSCOMBE, Anya (edited by), Eleanor Roosevelt’s Views on Diplomacy and Democracy. The Global Citizen, London, Palgrave Macmillan, 2020, pp. 65-82; ID., Nice to Meet You, President Tito… Senator Fulbright and the Yugoslav Lesson for Vietnam, in SNYDER, David J., BROGI, Alessandro, SCOTT-SMITH, Giles (edited by), The Legacy of J. William Fulbright: Policy, Power, and Ideology, Lexington, University Press of Kentucky, 2019, pp. 241-260.

4. VUČETIĆ, Radina, Coca-Cola Socialism. Americanization of Yugoslav Culture in the Sixties, Budapest-New York, Central European University Press, 2017 [ed. or.: 2012].

5. LEES, Lorraine M., Keeping Tito Afloat. The United States, Yugoslavia, and the Cold War, University Park (PA), Pennsylvania State University Press, 2005.

6. SLUGA, Glenda, The Problem of Trieste and the Italo-Yugoslav Border. Difference, Identity, and Sovereignty in Twentieth-Century Europe, New York, SUNY Press, 2001; MARK, James, APOR, Péter, VUČETIĆ, Radina, OSEKA, Piotr, «‘We Are with You, Vietnam’: Transnational Solidarities in Socialist Hungary, Poland and Yugoslavia», in Journal of Contemporary History, L, 3/2015, pp. 439-464; VUČETIĆ, Radina, «Yugoslavia, Vietnam War and Antiwar Activism», in Tokovi istorije, 2/2013, pp. 165-180.

7. KONTA, Carla, US public diplomacy in socialist Yugoslavia, 1950-70. Soft culture, cold partners, Manchester, Manchester University Press, 2020, pp. 64, 95.

8. RUSINOW, Dennison, Yugoslavia. Oblique Insights and Observations, essays selected and edited by Gale STOKES, Pittsburgh (PA), University of Pittsburgh Press, 2008, pp. 26-41.

9. LUTHAR, Breda, PUŠNIK, Maruša (edited by), Remembering Utopia: The Culture of Everyday Life in Socialist Yugoslavia, Washington, New Academia Publishing, 2010; PATTERSON, Patrick Hyder, Bought and Sold: Living and Losing the Good Life in Socialist Yugoslavia, Ithaca, Cornell University Press, 2011.

10. Ad esempio si veda KEARN, David W., «The hard truths about soft power», in Journal of Political Power, IV, 1/2011, pp. 65-85.

11. Cit. in KONTA, Carla, US public diplomacy in socialist Yugoslavia, 1950-70, cit., p. 171.

12. Ibidem, pp. 157-158.

Stefano Santoro è ricercatore (RTDb) in Storia dell’Europa Orientale al Dipartimento di Studi Umanistici dell’Università di Trieste, con abilitazione scientifica nazionale come professore associato. Fra le sue pubblicazioni: L’Italia e l’Europa orientale. Diplomazia culturale e propaganda 1918-1943 (Milano, FrancoAngeli, 2005), Dall’Impero asburgico alla Grande Romania. Il nazionalismo romeno di Transilvania fra Ottocento e Novecento (Milano, FrancoAngeli, 2014); a curato, con F. Zavatti, Clio nei socialismi reali. Il mestiere di storico nei regimi comunisti dell’Europa orientale (Milano, Unicopli, 2020).


KONTA, Carla. US public diplomacy in socialist Yugoslavia, 1950-70. Soft culture, cold partners. Manchester: Manchester University Press, 2020, 193p. Resenha de: SANTORO, Stefano. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, v.45, n.1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].

Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale | Maria Luisa di Felice (R)

Filosofia e Historia da Biologia 11 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Maria Luisa di Felice | Foto: FG |

SCOTT The common wind 14 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialMaria Luisa Di Felice, ricercatrice universitaria in Storia contemporanea presso la Facoltà di Studi umanistici dell’Università di Cagliari, oltre ad avere all’attivo una vastissima produzione scientifica e un percorso formativo e professionale in lettere e archivistica, dal 2009 è responsabile scientifico del progetto di ricerca su «Renzo Laconi, il politico e l’intellettuale. Studio e valorizzazione del pensiero e dell’opera». Un progetto di ricerca che ha realizzato l’obiettivo di recuperare, riordinare e inventariare l’archivio privato di Laconi, portando alla luce la rilevanza nazionale del suo contributo intellettuale e politico negli anni di attività all’Assemblea Costituente e alla Camera dei Deputati. Nel corso di tali ricerche, Di Felice ha pubblicato alcune prime monografie: Renzo Laconi. Per la Costituzione. Scritti e discorsi (2010) e Renzo Laconi, la formazione intellettuale e politica. Dagli anni giovanili alla nascita della Repubblica (2011) [1]. Il volume edito nel 2019 da Carocci – articolato in quindici capitoli e 685 pagine – «ha assorbito in sé anche i due precedenti» [2] e rappresenta l’ultima tappa di un lavoro biografico monumentale, corredato da fotografie e disegni realizzati dallo stesso Laconi, a coronamento di una esaustiva biografia intellettuale e politica sull’esponente comunista sardo. La messa a disposizione dell’archivio privato di Laconi e della sua biblioteca[3] ha contribuito in maniera determinante alla realizzazione dello studio. In particolare, il suo archivio personale – conservato presso la Fondazione Gramsci di Roma – rappresenta un’eredità politica e culturale ricchissima, con i suoi oltre cento Quaderni, definiti come un autentico «archivio nell’archivio». Laconi infatti aveva l’abitudine di annotare le proprie riflessioni, organizzandone in maniera sistematica la conservazione. Tra le fonti complementari si annoverano i fondi non ancora sufficientemente esplorati, come quelli del Gruppo parlamentare del Pci e del Consiglio regionale della Sardegna, accanto ad altri più noti (ad esempio: le carte della Direzione del Pci e dell’Archivio storico della Camera dei deputati). Il volume concretizza l’obiettivo di integrare le diverse opere parziali pubblicate nel corso degli anni [4], fornendo un quadro d’insieme, una visione organica di una biografia intellettuale e politica. I primi capitoli sono dedicati all’infanzia di Laconi a Sant’Antioco (CA), agli anni giovanili e universitari vissuti a Cagliari, dove si laurea in filosofia; al periodo in cui è insegnante a Firenze, all’adesione al Pci nel 1942 e all’esperienza come caporale nell’esercito dal 1943. Il libro si sofferma sul periodo di intenso impegno politico per la ricostruzione del Partito comunista nell’isola, all’indomani della caduta del fascismo: sul ruolo di segretario di federazione a Sassari e sulla partecipazione ai lavori della Consulta regionale sarda. L’opera sottolinea con precisione come il percorso di Laconi sia marcato al contempo dalla scelta di Gramsci come maestro, come guida intellettuale e umana [5], e dalla spiccata sintonia politica con la linea togliattiana. Eletto appena trentunenne all’Assemblea costituente (incarico per cui, nonostante la sua attenzione e sensibilità al movimento dei minatori del Sulcis-Iglesiente [6], lascia la fascia di Sindaco di Carbonia a Renato Mistroni), Laconi partecipa alla Commissione dei 75 nonché ai lavori del comitato di redazione, detto «dei 18», che materialmente ha il compito di tradurre le discussioni, svolte nell’Assemblea e nelle tre sottocommissioni, in puntuali enunciati normativi. Tale esperienza – sottolinea a giusto titolo Di Felice – rappresenta «la chiave di volta del suo percorso politico e intellettuale» [7]. Laconi contribuisce in maniera significativa e originale all’elaborazione della Costituzione italiana, facendosi portatore di idee innovative sul regionalismo e sulle tematiche autonomistiche, rivelatesi anticipatrici anche rispetto alla cultura politica del proprio partito. Dopo l’invito rivolto nell’aprile 1945 da Palmiro Togliatti ai «compagni sardi […] a comprendere che non devono avere nessuna paura di essere loro gli autonomisti, perché l’autonomia è una rivendicazione democratica rispondente agli interessi del popolo sardo» [8], Laconi è tra i pochi comunisti insulari a raccogliere l’esortazione del segretario nazionale, nonostante la posizione ferma e indifferente del Pci isolano. La linea autonomista del Pci diventa netta in seguito all’estromissione dei comunisti dalla coalizione di governo nazionale: nel 1947, sostiene Sircana, il partito diventa «paladino del decentramento regionale, considerandolo un fattore di equilibrio democratico perché avrebbe assicurato all’opposizione la possibilità di accesso alla direzione politica di ampie zone dell’Italia» [9]. La svolta in Sardegna è sancita dal II Convegno regionale dei quadri, tenutosi a Cagliari il 25 e 26 aprile 1947, in presenza del segretario Togliatti. È in questa fase che all’Assemblea costituente Laconi sostiene l’«apertura verso l’ordinamento regionale, purché non di tipo federale né omogeneo su tutto il territorio nazionale; differenziazioni tra le regioni; ostilità verso la frammentazione della potestà legislativa; ampia autonomia a Sardegna, Sicilia e regioni di confine con potestà legislativa primaria su alcune materie, escludendo in primo luogo quelle che avrebbero potuto essere oggetto di riforme strutturali; potestà legislativa più circoscritta alle altre regioni; assemblee regionali costituite nel rispetto della piena sovranità popolare […] contributo dello Stato allo sviluppo del Mezzogiorno attraverso la pianificazione economica» [1]0. Su quest’ultimo punto, a partire dal «Congresso del popolo sardo» nel maggio 1950, Laconi e i comunisti insulari si batteranno costantemente al fine di ottenere l’approvazione del «Piano di Rinascita economica e sociale della Sardegna», previsto dall’articolo 13 dello Statuto regionale, che avverrà soltanto nel 1962.

Per comprendere la rilevanza innovatrice del contributo di Togliatti e di Laconi al regionalismo e all’autonomismo sardo del Partito comunista – problematica alla quale l’opera di Maria Luisa Di Felice fornisce un contributo essenziale – può risultare utile la comparazione con la federazione còrsa del Partito comunista francese [11]. Nell’isola, situata a pochi chilometri a nord della Gallura, la distanza sul tema dell’autonomia è notevole (d’altronde, mentre lo statuto della Regione autonoma della Sardegna viene approvato nel 1948, bisognerà attendere il 1982 per il primo Statut particulier della Corsica). All’epoca della svolta autonomista del Pci sardo, la federazione comunista còrsa è manifestamente centralista e giacobina. L’organizzazione partitica ha raggiunto il suo apice, dopo essersi rafforzata esponenzialmente proprio negli anni della clandestinità e della resistenza, combattendo le pretese irredentiste e l’occupazione fascista dal novembre 1942 al settembre 1943. Tuttavia il Pcf còrso, rispetto alle federazioni del continente, presenta dei caratteri di originalità: l’isola viene definita una «piccola patria» all’interno della «grande patria» francese e, secondo la lettura storica dei comunisti insulari, il popolo còrso – mai sottomesso né all’invasione pisana, né a quella genovese e nemmeno alla Francia monarchica – con la rivoluzione del 1789 ha scelto di propria iniziativa di diventare repubblicano e francese.

Chiusa la breve parentesi comparativa, occorre ricordare che, in seguito all’approvazione della Costituzione italiana, Renzo Laconi si divide tra l’impegno di deputato (carica che ricopre senza interruzioni dalla I alla IV legislatura) e gli incarichi regionali. La sua attività politica è intensa e allo stesso tempo tormentata, segnata dall’aspra dialettica con Velio Spano, rivoluzionario di professione durante la clandestinità e segretario regionale del Pci nel decennio 1947-1957 [12]. Nel mese di dicembre del 1957 Laconi gli succede alla carica di segretario e resterà alla guida del Comitato regionale sardo fino al novembre 1963, periodo ampiamente documentato e descritto nei capitoli conclusivi della biografia. Laconi scompare prematuramente a Catania all’età di 51 anni, nel 1967.

Con un lavoro imponente, curato e approfondito, Maria Luisa Di Felice mette a disposizione degli studiosi quest’opera che rappresenta il «degno traguardo di numerosi anni di studio»13. La lettura non sempre è agevole, il testo a tratti risulta fin troppo scrupoloso, con dettagli e precisazioni talvolta evitabili. Ma complessivamente si tratta di un libro indispensabile non solo per la conoscenza biografica di Laconi, ma anche per approfondire la storia politica della Sardegna e del Pci sardo, nonché la questione del regionalismo e dell’autonomismo che ha profondamente marcato la storia insulare e nazionale.

Notas

1. LACONI, Renzo, Per la Costituzione. Scritti e discorsi, a cura di Maria Luisa DI FELICE, Roma, Carocci, 2010; DI FELICE, Maria Luisa, Renzo Laconi, la formazione intellettuale e politica. Dagli anni giovanili alla nascita della Repubblica, Roma, Carocci, 2011.

2. DI FELICE, Maria Luisa, Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale, Roma, Carocci, 2019, p. 17.

3. LAI, Gianna (a cura di), La biblioteca di Renzo Laconi, Cagliari, Cuec, 2020.

4. LACONI, Renzo, Parlamento e Costituzione, a cura di Enrico BERLINGUER, Gerardo CHIAROMONTE, Roma, Ed. Riuniti, 1969; LACONI, Renzo, La Sardegna di ieri e di oggi. Scritti e discorsi sulla Sardegna, 1945-1967, a cura e con introduzione di Umberto CARDIA, Cagliari, Edes, 1988; SCANO, Pier Sandro, PODDA, Giuseppe (a cura di), Renzo Laconi, Un’idea di Sardegna, Cagliari, Aipsa, 1998.

5. DI FELICE, Maria Luisa, «Il Gramsci di Renzo Laconi», in Studi e ricerche, I, 2008, pp. 213-228.

6. DI FELICE, Maria Luisa, «Fare politica: Renzo Laconi, i minatori e la lezione di Gramsci», in Le Carte e la Storia, 1/2015, pp. 99-116.

7. DI FELICE, Maria Luisa, Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale, cit., p. 15.

8. Ibidem, p. 97.

9. SIRCANA, Giuseppe, s.v. «Renzo Laconi», in Dizionario biografico degli italiani, vol. 63, Roma, Istituto della Enciclopedia italiana 2004.

10. DI FELICE, Maria Luisa, Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale, cit., p. 159.

11. Sul tema: DI STEFANO, Lorenzo, Le Pcf en Corse et le Pci en Sardaigne, 1920-1991: implantation militante, histoire électorale, identité insulaire, tesi di dottorato (in corso di redazione dal settembre 2018), UMR CNRS 6240 LISA, Università di Corsica.

12. Sul confronto fra Spano e Laconi: MATTEI, Sebastian, «Autonomia e rinascita. Velio Spano e Renzo Laconi nella Sardegna del secondo dopoguerra», in Studi storici, LIX, 2/2018, pp. 493-523. Su Spano: MATTONE, Antonello, Velio Spano. Vita di un rivoluzionario di professione, Cagliari, Della Torre, 1978; HÖBEL, Alexander, «Velio Spano», in Dizionario biografico degli italiani, Vol. 93, Roma, Istituto della Enciclopedia italiana, 2018; nonché il libro di memorie: GALLICO SPANO, Nadia, Mabrùk: ricordi di un’inguaribile ottimista, Cagliari, AM&D, 2005.

13. MINNUCCI, Virginia, «Recensione a DI FELICE, Maria Luisa, Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale», in Archivio storico italiano, 2020, pp. 666-667.

Lorenzo DI STEFANO (1989) È dottorando in Storia contemporanea presso l’Università di Corsica “Pasquale Paoli” con una tesi intitolata Le Pcf en Corse et le Pci en Sardaigne, 1920-1991: implantation militante, histoire électorale, identité insulaire. È stato operatore di servizio civile presso la Fondazione Gramsci di Roma, dove si è occupato della catalogazione del fondo librario di Paolo Spriano. Nel 2016 ha conseguito con lode la laurea magistrale in Scienze politiche presso l’Università degli studi di Teramo.


DI FELICE, Maria Luisa. Renzo Laconi. Una biografia politica e intellettuale. Roma: Carocci, 2019, 685p. Resenha de: DI STEFANO, Lorenzo. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, v.45, n.1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].

O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940) | Gabriel Lopes (R)

Filosofia e Historia da Biologia 2 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Gabriel Lopes | Foto: Academia.edu |

SCOTT The common wind 6 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialEm 1930, Raymond Shannon, entomólogo da Divisão de Saúde Internacional (DSI) da Fundação Rockefeller, verificou a presença, em Natal, do mosquito Anopheles gambiae, o mais letal vetor da malária na África. Nos anos seguintes, a espécie se alastrou por Rio Grande do Norte e Ceará, adaptando-se às condições geográficas e climáticas da região sem, no entanto, causar novos surtos de malária. Preocupadas com outras questões políticas e sanitárias, em particular a febre amarela, as autoridades brasileiras relegaram o combate ao “invasor africano” a segundo plano. As consequências não tardariam. Em 1938, o Nordeste foi palco da maior epidemia de malária já ocorrida nas Américas.

É a história da chegada, do “alastramento silencioso” e do extermínio do Anopheles gambiae do Brasil, nos anos 1930, que nos conta o historiador Gabriel Lopes (2020) em seu livro O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940), lançado pela Editora Fiocruz. Fruto de sua tese de doutorado, vencedora do Prêmio Oswaldo Cruz de Teses 2017, na categoria Ciências Humanas e Sociais, o livro articula com sucesso os aspectos políticos e científicos, bem como os condicionantes históricos e sanitários, que contribuíram para transformar a questão em um importante projeto de cooperação sanitária internacional entre o governo brasileiro e a Fundação Rockefeller, materializada na criação, em 1939, do Serviço de Malária do Nordeste (SMNE). Leia Mais

La solución del enigma botánico de las quinas. ¿Incompetencia o fraude? | Joaquín Fernández (R)

Filosofia e Historia da Biologia 6 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Cinchona calisaya. Ilustração do botânico alemão Hermann Adolf Köhler (séc XIX) e sua casca (à dir.) | Foto: QNI – SBQ |

SCOTT The common wind 7 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialEn historia de la ciencia, es difícil hacer aportes originales sobre temas muy analizados. Es el caso de la historia de las quinas, Cinchona spp., plantas medicinales sobre las cuales se han escrito miles de documentos. Si se hace una búsqueda en Google Scholar usando los términos “historia + Cinchona”, aparecen cerca de cinco mil documentos. En inglés son más de treinta mil, y, en francés, más de dos mil referencias.

Una consecuencia de tal profusión de trabajos ha sido una enorme cantidad de confusiones, malas interpretaciones, rectificaciones, entre otros. Por eso, puede ser difícil hilar la historia de las exploraciones, de las prácticas médicas, de actores, de cuestiones comerciales, y otros temas de la historia de esas plantas. Cuando nos aventuramos en el tema, tras leer algunos artículos y libros, creemos estar en conocimiento de los asuntos más importantes, pero pronto encontramos nuevas fuentes, primarias y secundarias, que refutan las interpretaciones y explicaciones previas. Un clásico en esa línea es el trabajo de Haggis (1941), que contribuyó con análisis decisivos para cuestionar definitivamente el mito de la Condesa de Chinchón, asociado con la planta. De ese modo, la historia de las quinas puede suscitar desesperados sentimientos de extravío entre los historiadores, casi tantos como los que enfrentan los taxónomos por el alto grado de hibridación de esas plantas. Leia Mais

A miscarriage of justice: women’s reproductive lives and the law in early twentieth-century Brazil | Cassia Roth (R)

Filosofia e Historia da Biologia 4 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Cassia Roth | Foto: UCLA |

SCOTT The common wind 8 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialDe autoria da professora doutora Cassia Roth, vinculada à Universidade da Georgia, nos Estados Unidos, a obra A miscarriage of justice: women’s reproductive lives and the law in early twentieth-century Brazil, publicada em 2020, aborda a tutela reprodutiva de mulheres pelo Estado, na primeira metade do século XX, na então capital federal, Rio de Janeiro. Ao longo de sete capítulos, Roth contribui para os estudos da história da saúde reprodutiva no Brasil e, a partir de uma produção multifacetada, oferece um diálogo interdisciplinar entre medicina, justiça, polícia e sociedade na prescrição de um modelo do exercício maternal.

Sustentada por uma análise criteriosa dos Códigos Penais e Civil, a obra inicia o argumento de que, durante a Primeira República e o período Vargas, a cidadania feminina só poderia ser exercida pela maternidade. A utilidade da mulher das classes pobres e urbanas seria a de reproduzir a mão de obra para o futuro da pátria. O funcionamento desse modelo se pautava em médicos, formados no bojo de instituições organizadas, que concediam explicações técnicas para o reforço do papel maternal, e juristas, que por meio das leis afirmavam a criminalização de práticas de controle de fertilidade e deram base para ações policiais atentas aos usos da sexualidade. Leia Mais

Nuestro viaje a la Luna: la idea de la transformación de la naturaleza en Cuba durante la Guerra Fria | Reinaldo Funes Monzote (R)

Filosofia e Historia da Biologia 7 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Reinaldo Funes Monzote | Foto: YU |

SCOTT The common wind 10 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialOs processos de transformação da natureza no século XX, sobretudo relacionado à revolução agrícola nesse período, continuam a instigar pesquisadores em diferentes disciplinas, e vêm ganhando destaque no campo da história da ciência, ou mesmo da história da agricultura. Ultimamente, a história ambiental tem procurado analisar essas transformações, sublinhando o papel governamental, de instituições, pesquisadores, políticos e ativistas. A própria natureza aparece como agente histórico em muitas dessas análises. Donald Worster (2020), mais recentemente, tem analisado a transformação da natureza como o avanço científico sobre o mundo pós-fronteira, que envolve tanto o desenvolvimento como as críticas à nova revolução na agricultura.

O tema da transformação da natureza é ainda urgente, pertinente e cheio de possibilidades. E o texto de Monzonte (2019) reforça essa assertiva, na medida em que se apropria das análises da geotransformação na construção do seu argumento, um desafio compartilhado com outros historiadores e cientistas sociais no estudo das transformações de paisagens e ecossistemas negligenciados e ameaçados, como o Cerrado brasileiro, por exemplo (Dutra e Silva, 2020). Apesar de os estudos agronômicos destacarem os avanços científicos na produção de grãos e commodities, essa realidade aponta para uma crise ambiental sem precedentes. Nesse sentido, a obra cumpre o importante papel de procurar evidenciar a instabilidade entre a busca pelo desenvolvimento econômico e a conservação dos recursos naturais. A despeito dos enredos político e geográfico de Cuba, o contexto da transformação da natureza não é visto apenas do ponto de vista regional, mas dialoga com contextos históricos globais, sem negar o valor histórico dos enredos regionais, detalhadamente apresentado por meio de ricas fontes documentais. E isso é muito bem orquestrado por Monzote, que transita confortavelmente na descrição da política local com as teorias do desenvolvimento na América Latina e os modelos de planificação do bloco socialista. Leia Mais

Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas. Londrina, v. 22, n. 1, 2021.

Artigos

Publicado: 2021-03-26

EaD em Foco. Rio de Janeiro, v.11, n.2, 2021.

Edição Especial – EaD em tempos de pandemia e pós-pandemia (Parte 2/2)

  • Neste número especial, vamos registrar, relatar e divulgar, em formato acadêmico, o impacto das experiências educacionais neste momento único da sociedade moderna. Os temas das contribuições são amplos, sempre relacionados ao eixo central das contribuições da EaD em tempos de pandemia.

Artigos Originais

Estudos de Caso

Revisões

Publicado: 2021-03-25

Historiae | Rio Grande, v.11, n.2, 2020.


Historiae. Rio Grande, v.11, n.2, 2020.

História das Relações Internacionais |

Públicado: 2021-03-24

Expediente

  • Rodrigo Santos de Oliveira | pdf

Apresentação

  • Bruno Biasetto, Fernando Comiran | pdf

Dossiê

Artigos


Historiae. Rio Grande, v.11, n.1, 2020.

Epistemologia e Escrita da História |

Públicado2021-03-24

Artigos

Expediente

  • Rodrigo Santos de Oliveira | PDF

Apresentação

  • Marçal de Menezes Paredes, Priscila Maria Weber | PDF

Dossiê

Artigos


Historiae. Rio Grande, v.10, n.1, 2019.

Rosa Luxemburgo, mulheres, liberdade e revolução |

Públicado2020-02-13

Equipe editorial

  • Rodrigo Santos de Oliveira | PDF

Dossiê


Historiae. Rio Grande, v.9, n.2 , 2018.

Culturas Políticas |

Públicado2019-11-21

Expediente

  • Equipe Editorial | PDF

Dossiê


Historiae. Rio Grande, v.9, n.1, 2018.

Documentos e Pesquisa |

Públicado2019-11-21

Expediente

Dossiê


Historiae. Rio Grande, v.8, n.2, 2017.

Mulheres, palcos e letras: evocando os 150 anos do nascimento de Mercedes Blasco |

Públicado2018-06-06

Apresentação

  • Rodrigo Santos de Oliveira | PDF

Dossiê


Historiae. Rio Grande, v.8, n.1, 2017.

História e suas interfaces |

Públicado2018-03-08

Apresentação

  • Rodrigo Santos de Oliveira |

Dossiê

Artigos


Historiae. Rio Grande, v.7, n.2, 2016.

Modelos autoritários e totalitários do século XX |

Públicado2017-03-04

Dossiê

Artigos


Historiae. Rio Grande, v.7, n.1, 2016.

História e Feminismos |

Públicado2017-03-03

Dossiê

Artigos


Historiae. Rio Grande, v.6, n.2, 2015.

Dossiê”Patrimônio Histórico e Ambiental” |

  • Públicado2016-02-02
  • Editorial
  • Carmem Gessilda Burgert Schiavon, Daniel Porciuncula Prado | PDF

Dossiê

Artigos


Historiae. Rio Grande, v.6, n.1, 2015.

História e Literatura |

Públicado2015-10-01

Ensaios

Documentos e Recensões


Historiae. Rio Grande, v.5, n.2, 2014.

Ditadura Militar |

Públicado2014-12-22

Expediente

  • Francisco das Neves Alves | PDF

Apresentação

  • Francisco das Neves Alves | PDF

Dossiê

Artigos


Historiae. Rio Grande, v.5, n.1, 2014.

Guerra do Paraguai |

Públicado2014-11-24

Expediente

  • Francisco das Neves Alves | PDF

Apresentação

  • Francisco das Neves Alves | PDF

Dossiê

Artigos

Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais. São Cristóvão, v.21, n.1, 2021.

Expediente

Editorial

Artigos Gerais

Publicado: 2021-03-23

História Pública e divulgação da história / Bruno L. P. de Carvalho e Ana Paula T. Teixeira

Copia de Mnemosine Revista Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Bruno Leal Pastor de Carvalho e Ana Paula Tavares Teixeira / Fotos: Comunicação Ages e Café História /

CARVALHO e TAVARES Historia Publica e divulgacao de Historia 1 Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialEste livro tem como proposta apresentar as experiências e as reflexões sobre as formas de divulgar o conhecimento histórico acumulado, demonstrando a ampliação dos suportes de circulação da produção historiográfica.

A obra é uma coletânea composta de seis capítulos e três entrevistas produzidas por historiadores, jornalistas e por gente que transita nesses dois campos. São profissionais com perspectivas históricas variadas, com diferentes experiências e inserções distintas como produtores/mediadores de representações da História. O conjunto dos textos deste livro compreende diferentes linguagens e suportes da História Pública, com discussões sobre como ampliar o acesso do conhecimento histórico pesquisado em revistas acadêmicas, livros, vídeos do Youtube, sites, museus e espaços públicos da cidade.

Os coordenadores Bruno Leal Pastor de Carvalho e Ana Paula Tavares Teixeira são investigadores da História Pública no Brasil e contribuíram neste volume para o desenvolvimento da temática ao colocar juntos colegas que trabalham a dimensão pública do conhecimento histórico. Leia Mais

The Common Wind: Afro-American Currents in the Age of the Haitian Revolution | Julius S. Scott (R)

Copia de SCOTT The common wind Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial
Julius Sherrard Scott / Foto: Scholars and Publics /

SCOTT The common wind Manifestações das religiosidades no espaço cemiterialProfessor emérito do Departamento de Estudos Afro-Americanos e Africanos da University of Michigan, nos Estados Unidos, Julius Sherrard Scott III doutorou- -se em 1986 na Duke University, em Ann Arbor, com a tese intitulada The Common Wind: Currents of Afro-American Communication in the Era of the Haitian Revolution. Com uma ligeira mudança no subtítulo, a tese ganhou o formato de livro em 2018: The Common Wind: Afro-American Currents in the Age of the Haitian Revolution. Os mesmos cinco capítulos da tese compõem o livro, acrescido de um prefácio escrito por Marcus Rediker, [1] professor da University of Pittsburgh, já bem conhecido do leitor brasileiro, com quem o diálogo e a perspectiva teórica da história vista de baixo são evidentes.

É difícil entender o intervalo de mais de trinta anos entre a defesa da tese e a impressão do livro, sobretudo porque o conteúdo manteve-se praticamente inalterado, porque o assunto é relevante e a narrativa é bem construída. Desinteresse editorial, desejo do autor em rever sua obra ou espera por um momento oportuno para reavivar a lembrança coletiva de que o Haiti ainda existe, como o terremoto de 2010, talvez possam ser elencados como hipóteses possíveis para essa longa espera. A bibliografia sobre o Haiti e, de forma mais ampla, o Grande Caribe, como Scott aborda no livro, não é extensa em inglês e é praticamente inexistente em português. [2] Por isso, talvez o primeiro ponto a ser destacado nesta resenha seja a necessária iniciativa de traduzir esse livro no Brasil, sem esperar a passagem de outras três décadas para que os leitores possam acessar uma experiência tão próxima à história colonial e imperial do país e tão inspiradora para os estudos históricos sobre a formação cultural brasileira e a história marítima ainda pouco praticada por aqui.

Chama a atenção a profusão e diversidade de materiais de que Scott se valeu para a escrita de sua história da circulação de ideias revolucionárias no Caribe setecentista: manuscritos oficiais de agentes da Coroa em arquivos espanhóis e cubanos, o mesmo tipo de fontes para a administração britânica em Londres e nas Índias Ocidentais, documentos de fundos privados em coleções estadunidenses, baladas cantadas por marinheiros negros e brancos em circulação por aquelas águas, narrativas de viajantes, propaganda abolicionista e jornais editados na América do Norte, nas Antilhas, no Reino Unido e na França. Exceto por periódicos que circularam em Portau-Prince e Cap Français, as fontes haitianas são praticamente ausentes do estudo, sinal de seu desaparecimento ou inacessibilidade ao longo da conturbada história humana e natural do país desde o século XVIII. “Pandora’s Box: The Masterless Caribbean at The End of the 18th Century”, o capítulo inicial, anuncia o contexto da ação revolucionária no Caribe. A perspectiva não é exatamente comparativa, mas leva em conta a diversidade de experiências coloniais e a grande expansão econômica baseada no boom da produção de açúcar na região. Aqui são consideradas também as formas de dominação oriundas de diferentes autoridades europeias a partir da vitória contra os piratas, bucaneiros e renegados que ocupavam aquelas ilhas e se organizavam por meio de regras próprias. Foi ao longo do século XVIII que a presença de escravizados africanos passou a se dar no Caribe de forma massiva – o que, se veio a transformar substantivamente a região, ao mesmo tempo manteve a imagem daquelas ilhas como lugares atrativos para desertores, escravos fugidos e toda a multidão de gente espoliada que pretendia viver sem obedecer às ordens de senhores.

O capítulo 2, “Negroes in Foreign Bottoms’: Sailors, Slaves, and Communication”, remete à visão de mundo de escravizados e seus senhores. Ambos reconheciam o potencial transformador do conhecimento das técnicas e formas de navegação. Tratava-se de algo perigoso e que criava homens insolentes, na visão senhorial, e que tendia para a construção de uma igualdade, no entendimento dos escravos. Olaudah Equiano, escravo marinheiro em meados do século XVIII e autor de uma celebrada autobiografia que parece guiar o capítulo, percebeu claramente que a mobilidade advinda dessa ocupação permitia certa igualdade com seus senhores, e não hesitou em “dizê-lo para sua mente”. Desgraçadamente para os senhores, muitos escravos com dificuldades de aceitar a disciplina que se lhes queria impor se engajaram no mundo do trabalho marítimo, inclusive porque seus senhores queriam se ver livres deles justamente por serem indisciplinados.

O terceiro capítulo, “The Suspense Is Dangerous in a Thousand Shapes’: News, Rumor, and Politics on the Eve of the Haitian Revolution”, pretende dar um aporte maior ao entendimento da revolucionária década de 1790 considerando seus antecedentes. O foco está dirigido à mobilidade de escravos, homens livres de cor e desertores militares e da marinha mercante que circulavam entre uma propriedade e outra, entre o campo e as cidades e entre as diversas ilhas, colocando em questão o controle social e a autoridade imperial. Ao fazer isso, alimentaram uma tradição de “resistência móvel” construída ao longo do Setecentos e que se radicalizaria nas décadas finais daquele século e no início do Oitocentos. As reações e tentativas de controle social mais severo por parte de autoridades metropolitanas e coloniais inglesas, espanholas e francesas são apresentadas nesse capítulo.

O capítulo 4, “Ideas of Liberty Have Sunk So Deep’: Communication and Revolution, 1789-93”, lança novas luzes sobre a repercussão da Revolução no Haiti nas demais ilhas. Ideias revolucionárias circularam não apenas em busca de adeptos, mas também como estratégia das autoridades imperiais em interação repressiva. Além de informações, oficiais baseados em uma ilha trocavam, com seus homólogos de outras Coroas, ajuda de todo tipo, militar inclusive. Os da Martinica pediram tropas ao governador de Cuba em 1790, diante das desordens que enfrentavam naquela colônia e da confusão revolucionária em que a própria metrópole francesa mergulhara em 1789, inviabilizando o envio de qualquer apoio. A causa da manutenção do controle social ultrapassava fronteiras linguísticas, imperiais e senhoriais. Mas os acontecimentos de 1789 e 1790 no Caribe, como afirma Scott, também ativaram as redes de comunicação afro-americanas. Se autoridades e proprietários ingleses, espanhóis e franceses construíram diálogos e articularam ações para se autopreservarem no Caribe ao longo do tempo, os escravos e homens livres de cor fizeram o mesmo.

O quinto capítulo, “Knows Your Interests’: Saint-Domingue and the Americas, 1793-1800”, concentra-se no impacto pós- -revolucionário nos impérios coloniais remanescentes e nos Estados Unidos. Porém, a amplitude geográfica do capítulo é menor do que o título promete. Houve mobilização militar nas colônias, num esforço para manter a ordem. Os escravos, por sua vez, mobilizaram- se e articularam ações que não foram apenas respostas ao aumento da severidade e da vigilância, mas que diziam respeito às suas próprias tradições organizativas. Esse processo foi intenso em Cuba [3], na porção oriental de Hispaniola, na Venezuela, em Curaçao e na Luisiana, apenas para mencionar algumas colônias em que a escravidão era a base da exploração dos trabalhadores. Desafortunadamente, a América portuguesa, maior colônia escravista do continente, ficou fora do quadro comparativo, decerto pela falta de domínio da língua portuguesa por parte do autor e pela reduzida bibliografia sobre a repercussão da Revolução Haitiana produzida no Brasil e em Portugal.

A circulação ou mobilidade espacial é o grande tema do livro. Negros africanos ou nascidos no Caribe e mestiços iam de uma colônia às outras, navegando distâncias que, embora relativamente curtas, lhes davam acesso a comunidades estrangeiras, com diferentes línguas e experiências de escravização e resistência. As oportunidades de disseminar conhecimentos e ideias e trocar informações objetivas não foram perdidas por aqueles escravos que se ganharam o mar e o mundo além do horizonte. O movimento dos navios e dos marinheiros oferecia não só oportunidades de desenvolver habilidades ou viabilizar fugas, mas criava formas de comunicação de longa distância e permitia que os afro-americanos transportassem, física e simbolicamente, seus modos de enfrentar as adversidades do cativeiro a outras partes, construindo resistências e concepções de liberdade globais.

A cultura marítima no Caribe era multirracial e multinacional. Escravos africanos ou nascidos nas colônias americanas eram partes importantes do contingente de trabalhadores do mar, mas o “submundo dos marinheiros” na região ao fim do século XVIII era formado também por milhares de britânicos e franceses. Tratava-se de uma população instável e que, por vezes, em razão de questões de mercado de trabalho ou de saúde, se estabelecia em alguma ilha à espera de melhores condições, enraizando- -se na cultura local de transitoriedade e de exposição às informações que circulavam rapidamente para os padrões daqueles tempos. No Caribe sabia-se dos acontecimentos das ilhas vizinhas, da Europa e da América do Norte: ali era a encruzilhada do mundo Ocidental, mais especificamente do hemisfério Norte, graças às correntes de comunicação estimuladas pela relativa proximidade, pelas facilidades da navegação e pelo aumento da atividade agroexportadora caribenha ao longo do século XVIII.

O axioma segundo o qual marinheiros eram desordeiros em terra encontrava plena comprovação no Caribe. Milhares de homens em trânsito representavam um problema para as autoridades locais responsáveis pela manutenção da ordem. Inúmeras leis foram postas em vigor para discipliná-los, do mesmo modo como se fazia para tentar regular a conduta dos escravos. Em tempos mais explicitamente conflituosos, como na Guerra dos Dez Anos (1780-1790), chegou-se a proibir que marujos britânicos nas Índias Ocidentais servissem a príncipes ou Estados estrangeiros. A proibição mostrou-se ineficaz.

A comparação entre escravos e marinheiros não é aleatória no trabalho de Scott. Ele nos deixa ver como ambos tiveram experiências em comum e causas pelas quais militavam juntos: o engajamento compulsório independentemente da condição, a submissão a punições arbitrárias, a pressão para embarcarem em navios mercantes contra sua vontade e a visão sobre ambos como perturbadores da ordem pública. Bom exemplo foi um ato policial de 1789, em Granada, prevendo penalizar escravos, mestiços livres e marinheiros que atentassem contra a própria saúde e a moral, porque seus comportamentos, vistos como dissolutos, eventualmente seduziam pessoas de outras condições.

Escravos e marinheiros conviviam a bordo, como tripulantes dos mesmos navios, mas a experiência também replicava em terra. Marinheiros eram os consumidores naturais das roças escravas caribenhas e, apesar do empenho policial, era difícil impedir que escravos lavradores ou em fuga fizessem comércio com marinheiros famintos e fragilizados depois de uma longa viagem, ávidos sobretudo por frutas e outros alimentos frescos. O contato e o convívio entre marinheiros e negros naquelas ilhas não tiveram apenas consequências econômicas, mas também forjaram elementos da cultura: muitas canções de trabalho populares no mar, disseminadas por marujos britânicos pelo mundo afora no século XIX, têm extraordinária semelhança com as canções escravas do Caribe. Scott afirma haver evidências consideráveis de que muitas canções podem ter se originado da interação de marinheiros e negros nas docas das Índias Ocidentais e que a teoria da origem e desenvolvimento das línguas crioulas no Caribe enfatiza o contato entre marinheiros europeus e escravos africanos e africano-americanos.

O ponto de intersecção de toda essa gente trabalhando em trânsito era Saint-Domingue, lugar de extraordinária diversidade de grupos de marinheiros europeus, a julgar pelos relatos do próprio ministério da Marinha francês na década de 1790. Mesmo com os monopólios coloniais e suas diferentes nomenclaturas (a flota espanhola, o exclusif francês, o British Navigation Act inglês), o contrabando grassava por ali, pondo em contato colonos europeus, marinheiros de diferentes metrópoles e escravos caribenhos e de variadas origens africanas. A razão dessa diversidade também entre os escravos, para além do tráfico direto com a África, era a sede por mão de obra em Saint-Domingue, o que fazia daquela colônia francesa um repositório de escravos fugidos a partir de 1770, vindos de Jamaica, Curaçao e, a julgar pela língua de alguns deles, também do Brasil. Muitos desses escravos em fuga se engajaram ativamente em rebeliões antes mesmo de 1789 e desempenharam papéis relevantes nos anos revolucionários – por exemplo Henry Christophe, segundo presidente do Haiti independente, nascido em St. Kitts, nas Índias Ocidentais britânicas.

O comércio e a circulação de marinheiros por aquelas bandas não só traziam notícias de fora como transmitiam ao resto do mundo o que se passava em Saint-Domingue. Scott reconhece que as revoltas de negros no Caribe em fins do século XVIII inspiraram os escravos nos Estados Unidos e em muitas das Antilhas. Em termos materiais, a afirmação encontra base no volume comercial entre Estados Unidos e Saint-Domingue em 1790: o montante das trocas, nessa altura, excedia aquelas feitas com todo o restante do continente americano, e era superado apenas pelo comércio com a Grã-Bretanha.

Scott foi um dos primeiros historiadores a identificar na mobilidade espacial advinda da navegação um importante indicador de autonomia e, eventualmente, liberdade para os cativos que conseguissem trilhar esse caminho. Os navios carregados de açúcar e rum circulando pelo Caribe possibilitavam escapar do rigoroso controle social existente nas sociedades escravistas e principalmente os navios menores eram vistos como instrumentos de fuga. Problemas diplomáticos e policiais decorriam dessa mobilidade não autorizada, mas o foco do autor se firma nos marinheiros e escravos desertores que elegeram as ilhas caribenhas como seus locais preferidos.

No Atlântico, mais do que em outros oceanos, e no Caribe, de forma concentrada, o comércio marítimo de longa distância e de cabotagem envolvia homens escravos e livres de cor. No caso dos escravos, envolvia também perspectivas de autonomia e liberdade dadas não só pela mobilidade como também pelas chances de se diluir em meio à multidão reunida nos portos, formada por indivíduos que, ao serem observados, não podiam ser definidos como livres ou cativos apenas pela cor de suas peles. Os mesmos jornais jamaicanos que publicavam anúncios de senhores vendendo negros especializados em trabalhos marítimos também publicavam anúncios de fuga de gente que certamente usara o mar como rota para desaparecer das vistas de seus senhores. Scott interpreta a “mística do mar” nas sociedades escravistas insulares do Caribe, ao salientar a vida a bordo de um pequeno navio de cabotagem ou do comércio intercolonial como uma alternativa atrativa à vida marcada pela hierarquia severa nas lavouras açucareiras. Mesmo escravos sem experiência marítima podiam conhecer alguns termos náuticos graças aos versos das canções populares e fingirem serem marinheiros livres. Ávidos por força de trabalho, os capitães dos navios quase nunca inquiriam cuidadosamente cada marinheiro engajado. Durante a década de 1790, antes e depois da Revolução de Saint-Domingue, sujeitos envolvidos no mundo do trabalho marítimo – marinheiros da navegação de longa distância, de pequenos navios de cabotagem no comércio intercolonial, escravos fugidos, marujos desertores brancos e negros – assumiram o centro do palco. No mar ou em terra, homens e mulheres sem senhores desempenharam um papel vital, espalhando rumores, reportando notícias e atuando como correia de transmissão de movimentos antiescravistas e, finalmente, da revolução republicana em curso na Europa.

A Revolução do Haiti tornou-se lendária não só porque foi a primeira experiência de liberdade coletiva e de construção de uma nação por ex-escravizados que retiraram à força seus senhores de cena, mas também pelo que representou como possibilidade na imaginação de escravos e senhores espalhados pelo mundo ocidental onde a escravidão era a base da acumulação de riquezas. A crença na determinação histórica, fruto da autocondescendência pela suposta descoberta de modelos explicativos eficazes, encontra nesta encruzilhada do Ocidente um incômodo para os historiadores mais seguros de suas opções teóricas. O passado torna-se sempre mais complexo quando é considerado da perspectiva de seus agentes.

Referências

ANDRADE, Everaldo de Oliveira. Haiti, dois séculos de história. São Paulo: Alameda, 2019.

FERRER, Ada. A sociedade escravista cubana e a Revolução Haitiana. Almanack, n. 3, p.37-53, jun. 2012.

FERRER, Ada. A sociedade escravista cubana na época da Revolução Haitiana. In: CUNHA, Olívia Maria Gomes da.

Outras ilhas: espaços, temporalidades e transformações em Cuba. Rio de Janeiro: Aeropolano/FAPERJ, 2010. p. 37-64.

GRONDIN, Marcelo. Haiti. Col. Tudo é História. São Paulo: Brasiliense, 1985.

JAMES, Cyril Lionel Robert [1938]. Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. São Paulo: Boitempo, 2000.

REDIKER, Marcus. O navio negreiro: uma história humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

REDIKER, Marcus; LINEBAUGH, Peter. A hidra de muitas cabeças: marinheiros, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

SCOTT, Julius S. The Common Wind: Afro- American Currents in the Age of the Haitian Revolution. Londres; Nova York: Verso, 2018.

Notas

  1. Autor de A hidra de muitas cabeças: marinheiros, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário (em parceria com Peter Linebaugh) (2008) e O navio negreiro: uma história humana (2011).
  2. Exceções são os livros de Grondin (1985); de Andrade (2019) e, é claro, a tradução muito tardia de James (2000), editada pela primeira vez em 1938.
  3. O impacto da Revolução do Haiti em Cuba pode ser conhecido pelo leitor brasileiro com mais detalhes pelos trabalhos já traduzidos de Ada Ferrer (2010 e 2012).

Jaime Rodrigues – Professor da Universidade Federal de São Paulo / Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas / Departamento de História, Guarulhos/SP – Brasil. E-mail: rodriguesjaime@gmail.com.


SCOTT, Julius S. The Common Wind: Afro-American Currents in the Age of the Haitian Revolution. Londres; Nova York: Verso, 2018. 246p. Resenha de: RODRIGUES, Jaime. Uma encruzilhada do Ocidente: o Caribe setecentista como espaço histórico Topoi. Rio de Janeiro, v.22, n.46, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

 

Elites estatais no Sul do Brasil: prosopografia da alta administração republicana no Rio Grande do Sul, 1889-1937  | Flavio Madureira Heinz e Marcelo Viana

Elites estatais no Sul do Brasil: prosopografia da alta administração republicana no Rio Grande do Sul, 1889-1937  | Heinz, Flavio MadureiraVianna, Marcelo | Topoi. Rio de Janeiro, v.22, n.46, jan. / jun. 2021.