Mulheres por dentro e por fora de África: caminhos e possibilidades no debate de gênero | AbeÁfrica | 2021

A ideia que esteve na origem do dossiê que aqui apresentamos foi gestada a partir de uma mesa coordenada por uma das coorganizadoras deste volume, Andréa Lobo, do título “Mulheres africanas vistas por mulheres brasileiras”, tendo integrado algumas das contribuidoras4. A proposta da mesa foi a de reunir e confrontar experiências empíricas de estudiosas brasileiras e africanas, no continente africano, tendo como foco principal destacar os processos de produção e reprodução social efetivado por mulheres no cotidiano de suas sociedades, bem como refletir sobre a produção de conhecimento de mulheres (e homens) africanos/as sobre suas próprias dinâmicas sociais. Nesse sentido, o nosso objetivo foi o de debater sobre o “feminino”5 a partir das perspectivas das mulheres, tanto no ambiente doméstico quanto no espaço público e comunitário. Foi possível vislumbrar, a partir das discussões, a forma como se configuram as relações sociais e de poder a partir de dinâmicas de gênero em contextos específicos africanos, ressaltando dimensões importantes como a da emancipação, a da autoconsciência e a da capacidade de agenciamento das mulheres africanas.

Cabe salientar que as percepções e abordagens trazidas por essa mesa permitiram aprofundar a compreensão não apenas da complexidade que caracteriza o campo dos estudos africanos e de gênero, que envolvem vidas, cotidianos e o imaginário de mulheres e homens africanas/os, pelo olhar delxs própri@s e/ou de outr@s. A partir de uma perspectiva comparada, foi-nos possível estabelecer algumas conexões interessantes bem como vislumbrar possibilidades de agendas comuns e experiências partilhadas: questões como a construção da autonomia no espaço público, a luta antirracista e a participação histórica das mulheres nas construções dos estados africanos independentes, tendo em conta as narrativas das mulheres e suas experiências e trajetórias, nos demonstraram que existem diálogos possíveis e utopias que poderão se transformar em realidades, ainda que precisemos aprofundar amplamente nossos conhecimentos sobre as tantas histórias das mulheres e suas vivências, a partir de suas próprias vozes. Leia Mais

AbeÁfrica. Rio de Janeiro, v.6, n.6, 2021.

VOZES, VIVÊNCIAS E SIGNIFICADOS. MULHERES AFRICANAS E PERSPECTIVAS DE GÊNERO. (Organizadoras: Andréa Lobo e Patrícia Godinho Gomes)

Expediente

Apresentação

 

Relativism in the Philosophy of Science | Mrtin Kusch

The Rehabilitation of the Uses of Relativism

Relativism in the Philosophy of Science, recently released in the Cambridge Elements series of the Cambridge University Press, offers a consistent and well-structured introduction to the study of the most effective forms of relativism in the last 50 years. However, the book goes beyond the usual expectations of introductions to any subject discussed: most introduction books present simplified and unreflective versions of the topic. Contrary to such reductionist approaches, condensed into the limited space of the 30,000 words allowed for the series’ books, Kusch presents an analysis that goes far beyond the set of addressed bibliography. The author transits through an infinity of titles chosen for his investigation with great competence, combining rigour and exactness when interweaving the different thinkers’ viewpoints, highlighting their due similarities and differences. Therefore, the restricted number of words in the edition and the extensive volume of sources – factors potentially prejudicial to the good progress of any intellectual production –, did not compromise the quality of the results achieved due to the author’s extensive knowledge of the subject. Based on the great intimacy with the object of study, Kusch went through the complex labyrinths of the theme with property and equipped with clear and objective language to facilitate the reader’s understanding of the density of the debate developed. Leia Mais

Boletim de História e Filosofia da Biologia. [?] v.15, n.2, 2021.

VOLUME 15, NÚMERO 2
JUNHO DE 2021

#vidas negras importam: racismos, violências e resistências nas dinâmicas do tempo | Revista Brasileira de História da Mídia | 2021

O ano de 2021 foi marcado pela crise sanitária provocada pela Covid-19. Mesmo assim, destacamos a centralidade do conhecimento científico em momento tão crucial para a história da Humanidade. Apesar das dificuldades, tivemos a oportunidade de conviver e aprender com as atividades remotas, inclusive aulas, assegurando o acesso à educação no ensino superior e na pós-graduação. Houve uma atenção à cultura científica em termos de produção acadêmica, com a continuidade das pesquisas, e quanto a sua divulgação, por meio de congressos e eventos ocorridos on-line.

Foi nesse contexto que a Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar) realizou, de forma remota, o XIII Encontro Nacional de História da Mídia, com a temática #vidas negras importam: racismos, violências e resistências nas dinâmicas do tempo. A ideia para a temática era possibilitar que os participantes do evento refletissem sobre o racismo estrutural e as suas interfaces com a mídia. Leia Mais

Estudios Filosofía Práctica e Historia de las Ideas. Mendonza, v.23, n.1, Jul. 2021.

Dossier

Entrevistas

Disputas monumentales. Escultura y política en el Centenario de la Independencia (Bogotá/1910) | Carolina Venegas

En el 2019 se conmemoró el bicentenario de la batalla de Boyacá (7 de agosto de 1819). El mismo año el Instituto Distrital de Patrimonio Cultural (IDPC) publicó un libro en el cual se examina, precisamente, el fenómeno social de las conmemoraciones. La obra de Carolina Vanegas1 aborda las disputas políticas y estéticas en torno a la representación del pasado durante el primer Centenario del grito de Independencia (1910), a través de un juicioso análisis de los monumentos emplazados en el espacio público bogotano con motivo de dicho festejo. De acuerdo con Mauricio Uribe2 , director del IDPC, la aparición del libro va de la mano con

Las acciones que la entidad adelanta a favor de la adopción, recuperación y conservación de las esculturas de Bogotá, pero especialmente de su entendimiento y apropiación por parte de la ciudadanía, todo esto en el marco de las celebraciones del bicentenario en la ciudad (p. 11). Leia Mais

Mulheres no mundo antigo/Mythos – Revista de História Antiga e Medieval/2021

A História é sempre escrita no presente, em mudança relacionada ao tempo, cultura, circunstâncias. Essa constatação tem sido feita também em diferentes momentos. O filósofo italiano Benedetto Croce é referência recorrente, mas Heráclito (πάντα χωρεῖ καὶ οὐδὲν μένει, “tudo muda, nada fica parado” (Platão Crátilo 402ª) e Ovídio (Met. 15, 165: omnia mutantur, nihil interit, “tudo muda, nada morre” tradução de Brunno Vieira) já iam na mesma linha. E o presente é sempre objeto de projetos de futuro, de busca de manutenção da situação ou de mudanças, em anseio de destruição ou de convivência, sem desconsiderar as gradações (Hartog 2020). As mulheres fazem parte dessa disputa (Harding et aliae 2019). No momento, contrapõem-se perspectivas e interesses a esse respeito. Há muitas variações, mas convém reconhecer ao menos algumas das posições mais relevantes e influentes, para além do bem e do mal. Umas pessoas consideram que as mulheres sempre foram dominadas, ao menos desde há milhares de anos (Beechey 1979). Outras defendem que elas foram beneficiadas pelos homens (Campagnolo 2019), desde sempre (sic!). Outras, ainda, que foram protagonistas, ainda que nem sempre reconhecidas como tal (Patou-Mathis 2020). Há todo tipo de meio termo entre essas perspectivas, na medida em que a realidade é sempre muito mais complexa do que qualquer abordagem possa dar conta (Weber 1949). Neste dossiê, tendo em conta isso tudo, enfatizamos o protagonismo feminino, em geral, e na Antiguidade, em particular. Leia Mais

Mythos – Revista de História Antiga e Medieval. Imperatriz, n4, 2021.

Dossiê “Do Bellus ao Bellum: (Inter)faces da Guerra na Antiguidade e no Medievo”

Edição IV – 2021

  • Álvaro Alfredo Bragança Jr.
  • Editorial: Entre Histórias: discursos sobre a guerra
  • Cleyton Tavares Silveira da Silva
  • Artífices da guerra, devotos do divino: Ethos marcial e religiosidade em Esparta (V-III a. C)
  • Daniela Lima Evangelista e Fabrício Nascimento de Moura
  • Governo do Imperador Alexius Comneno e a defesa de suas fronteiras no Império Bizantino – séculos XI e XII
  • Edileide Bodenhausen
  • Boudicca: a rainha guerreira
  • Edilson Alves de Menezes Junior
  • Dialética das relações pessoais da aristocracia: guerra, consenco e articulação (séculos XII-XIII)
  • Emerson Aparecido dos Santos
  • A interferência do Deus Pã na guerra em Dáfnis e Cloé
  • Gabriel Cabral Bernardo
  • Covardia coletiva e militarismo em Esparta
  • Hector Eliahou Leon Levy
  • Relações de poder no mundo egípcio: alianças e conflitos durante a XXV dinastia
  • João Batista da Silva Porto Junior Juliana Maria de Souza Xavier e Fabrício Nascimento de Moura
  • Castelos: a genealogia do símbolo arquitetônico do poder medieval entre a França e a Inglaterra
  • Juliana Maria de Souza Xavier e Fabrício Nascimento de Moura
  • A tradição militar na consolidação da dinastia Joseon – Coreia séculos XIV e XV
  • Macsuelber de Cássio Barros da Cunha
  • Augusto e a volta dos estandartes partos a Roma: representações imagéticas como estratégias de poder
  • Marcio Felipe Almeida da Silva
  • A fronteira elástica: um breve estudo sobre o alargamento do território castelhano nos tempos de Afonso X
  • Maria Fernanda Ribeiro T. M dos Santos
  • O conceito de Miles Sancti Petri nas correspondências de D. Afonso I (1143-1144)
  • Martín Miguel Vizzotti
  • Lucano y la degradación del concepto de virtus en el marco de la guerra civil
  • Ricardo Marques de Jesus e Adriana Zierer
  • O modelo ideal de um Bellator: a construção do “bom cavaleiro” no manuscrito da visão de Túndalo
  • Ruan Kleberson Pereira da Silva
  • Guerra na Assíria: soberania, ordem e equilíbrio no Império Neoassírio
  • Wellington José Gomes Freire e Márcio Ricardo Coelho Muniz
  • As ações militares da expansão imperial portuguesa no solo africano no século XV em Zurara

ARTIGOS LIVRES

  • Ellen Juliane Bueno dos Santos
  • História da Religião do Mediterrâneo Antigo e a importância de rever os conceitos
  • Guilherme Welte Bernardo
  • “Rômulo foi o primeiro a iniciar tal confusão”: o passado romano e a percepção da cidade de Roma na Cronografia de Miguel Pselo
  • José Roberto de Paiva Gomes
  • A tirania de Pisístrato e a produção de vasos áticos na Grécia arcaica
  • Nikita Chrysan da Silva Pires
  • Regência em tempos de guerra: o projeto do Gukansho e o uso da História na manutenção da tradição
  • Victor Hugo Sampaio Alves
  • Thor: um Júpiter escandinavo? Pensando as influências clássicas na descrição de Adão de Bremen acerca do deus

Publicado: 28.01.2022

Expedições. Morrinhos, v. 12 n. Fluxo Contínuo, 2021.

 

Revista História Hoje | São Paulo, v.10, n.19, jan./jun. 2021.

Editorial

Dossiê

Entrevista

História Hoje na sala de aula

Artigos

Resenha Crítica, Aracaju & Crato, n.3, 01 jun., 2021.

Ex voto Juazeiro do Norte CE Sonia Menezes 2013 Resenha Crítica

Edição n.3 (2021)

Resenhas


Dossiês


Sumários


Conheça a totalidade do acervo

Para adequado uso do espaço na página inicial deste blog, destacamos até  treze resenhas, cinco dossiês, cinco sumários correntes e cinco periódicos recentemente incorporados ao acervo em cada edição mensal do Resenha Crítica.

A quantidade de textos, porém, se altera à medida que incorporamos novos periódicos, retroativamente, aos nossos bancos de dados.

Para conhecer a totalidade das aquisições de resenhas, apresentações de dossiês e sumários, publicados originalmente no período 1839-2021, utilize os filtros da barra lateral.

Passagens – Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Niterói, v.13, n.2, maio / ago., 2021.

Editorial

Artigos

Resenha

Colaboradores deste Número

Publicado: 2021-05-31

O Poder Naval e as disputas pelo território no Brasil Colonial (1500-1808) | Navigator | 2021

O volume 17, número 33, 2021, da Revista Navigator traz para os leitores textos sobre eventos históricos dos séculos XVI e XVII que, em conjunto, integram o dossiê “O Poder Naval e as disputas pelo território no Brasil Colonial (1500-1808)”. O dossiê teve por objetivo trazer contribuições que cobrissem conflitos entre portugueses, espanhóis, franceses e neerlandeses pelo território do Brasil, com foco nos aspectos navais, econômicos e políticos.

A proposta do dossiê surgiu a partir de uma reflexão feita após a leitura de um dos capítulos de “Os holandeses no Brasil”, escrito pelo historiador inglês Charles R. Boxer em 1957. No texto, intitulado “O mar domina o Brasil”, Boxer, assim como em outros escritos de sua autoria, mostrou a centralidade da guerra naval para o desfecho de conflitos entre portugueses, espanhóis e neerlandeses nas Capitanias do Norte do Estado do Brasil e na sede do governo colonial, Salvador. Parte das lutas entre europeus no Brasil teve origem em fins do século XVI, na sequência da guerra de independência das Províncias Unidas contra o Império Habsburgo e expandiu-se para o ultramar, com grande intensidade, ao longo do século XVII, tendo amplitudes e repercussões locais, regionais, atlânticas e globais. Leia Mais

Navigator. Rio de Janeiro, v.17, n.33 2021.

Revista Navigator – Dossiê O Poder Naval e as disputas pelo território no Brasil Colonial (1500-1808)

Apresentação

Dossiê

Artigos

Documento

Publicado: 2021-05-31

Anuario de Historia Regional y de las Fronteras, Bucaramanga, v.26, n.2, July/Dec. 2021.

 Articles

Clío & Asociados. La Plata, n.32, ene./jun., 2021

Investigaciones

Propuestas y experiencias

Reseñas

Publicado: 2021-06-30

Revista de Arqueologia. Pelotas, v.34, n.2, 2021.

Editorial

  • Fernanda Codevilla Soares, Luis Cláudio Pereira Symanski, Rafael Guedes Milheira
  •  PDF

Artigo

Publicado: 2021-05-30

Revista Brasileira de Educação | Rio de Janeiro, v.26, 2021. (S)


Edição v.26 (2021)

Artigos

Resenha

Errata|     · texto em Português | Inglês  · Português ( pdf ) | Inglês ( pdf )

Canoa do Tempo. Manaus, v.13, 2021.

Experiências coloniais na África: Instituições, Dinâmicas e Sujeitos | Canoa do Tempo | 2021

A compreensão do processo de expansão colonial e dos processos coloniais no continente africano pedem, hoje mais do que nunca, uma abordagem que tenha em conta a sua complexidade histórica, a multiplicidade dos domínios em que se desenvolveram e a dificuldade crescente de operar sob uma visão unívoca desses processos. Logo, pensar esta complexidade convida-nos ao manejo de referenciais teóricos novos ou atualizados que os leitores poderão encontrar neste dossiê intitulado “Experiências coloniais na África: Instituições, Dinâmicas e Sujeitos”.

Os artigos que compõem esta publicação propõem uma reflexão em torno do contexto de expansão colonial e do conceito de “experiências coloniais”, sendo esta última uma ferramenta conceitual que oferece um enquadramento científico que vai além dos domínios estreitos dos “processos coloniais” e, sobretudo, das dicotomias simplistas que frequentemente tolhem as análises acadêmicas. Leia Mais

Lila em Moçambique | Adréia Prestes

A obra, que tenho o prazer de resenhar, “Lila em Moçambique”, de Andréia Prestes, com ilustrações de Camilo Martins, foi publicada em maio de 2020, com prefácio de Renato Nogueira, agradecimentos à escritora Sonia Rosa, a poetisa Maria Santiago e a professora Sandra Portugal, aos familiares e amigos que a motivaram trazer essa experiência de sua infância e de seus irmãos, filhos do casal Rosa e João Massena. A trajetória da família da autora que passou pela experiência do exílio, primeiro em Moscou, depois em Moçambique, tornou-se inspiração para essa obra que iremos conhecer um pouco melhor.

A autora vai narrar a história de Lila, a irmã mais velha, a quem ela dedica a obra (juntamente com seus filhos João e Rita), em sua busca em contar as memórias da infância. Leia Mais

Ars Historica | Rio de Janeiro, v. 21, jan./jun., 2021. (S)

v. 21 (2021)

Publicado em: 26 maio 2021.

Editorial | Luis Henrique Souza dos Santos, Eric Fagundes de Carvalho | PDF

Artigos

[História em Curso. Belo Horizonte] Anais do II Encontro Regional de História e Literatura: Memória e Esquecimento

Anais do II Encontro Regional de História e Literatura: Memória e Esquecimento, organizado pela Liberi Sapientia: Cursos Livres & Eventos Educacionais e o Grupo de Estudos em História e Literatura (GEHISLIT), vinculado ao Laboratório de Pesquisa Histórica (LAPHIS) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, realizado entre os dias 21 e 22 de Janeiro de 2021.

Edição completa

  • PDF
  • Apresentação
  • Minicursos .
  • Apresentação dos minicursos .
  • Resumo dos minicursos
  • Simpósio Temático: Vozes Esquecidas na Literatura e na História .
  • Apresentação do ST: Vozes Esquecidas
  • Comunicações do ST .
  • Simpósio Temático: Estudos Pós-coloniais e Decoloniais
  • Apresentação do ST: Estudos Pós-coloniais e Decoloniais .
  • Comunicações do ST
  • Simpósio Temático: Memória e Ficção .
  • Apresentação do ST: História e Resistência
  • Comunicações do ST
  • Simpósio Temático: Literatura e História: Diálogos com outras artes .
  • Apresentação do ST: Literatura e História
  • Comunicações do ST

Publicado: 26-05-2021

Resenhando. Alfenas, v.3, n.2, 2021.

TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIA

LITERATURAS

LINGUÍSTICA

ESTUDOS DE TRADUÇÃO

ENSINO DE LÍNGUAS E LITERATURA

ESTUDOS DE GÊNERO

Os estudos decoloniais centrados nas filosofias indígenas ameríndias | PerCursos | 2021

Este dossiê foi organizado por docentes que atuam com a temática indígena; o historiador Clovis Antonio Brighenti (UNILA), a advogada Rosane Freire Lacerda (UFPE) e o bioeticista Saulo Ferreira Feitosa (UFPE). A escolha do título, Os estudos decoloniais centrados nas filosofias indígenas ameríndias, tem como propósito promover diálogos inter epistêmicos que possibilitem uma interação entre os sistemas tradicionais de conhecimentos indígenas e os conhecimentos acadêmicos produzidos a partir de pesquisas científicas. Nesse sentido, espera-se que ele contribua com os processos de contestação e insubmissão à colonialidade do saber, na medida em que possibilite a visibilização de outros modos de existência construídos com base em filosofias próprias dos povos originários da América Latina e do Caribe.

Os artigos aqui reunidos têm em comum as novas abordagens possibilitadas pelas teorias decoloniais, a partir das perspectivas dos povos indígenas expressas em seus sistemas de vida: seus saberes, suas práticas, relações socioeconômicas, relações socioambientais e espirituais − enfim, um conjunto de conhecimentos específicos e diferenciados. Leia Mais

Whose land Is It anyway? a manual for decolonization | Peter McFarlane e Nicole Schabus

Como seria a vida se os colonizadores tivessem respeitado os povos indígenas desde o primeiro contato? Como as coisas poderiam ter sido diferentes se tivéssemos sido capazes de aprender uns com os outros desde o começo? Quando os primeiros colonizadores chegaram em Turtle Island1 , os povos indígenas partilharam generosamente seus conhecimentos sobre a terra para ajudar os recém-chegados a se adaptarem à nova vida. Imaginem se tivessem aprendido com os indígenas a respeitar a Mãe Terra. Imaginem se os lugares onde viviam os povos indígenas tivessem sido repartidos com base na igualdade que sempre sonhamos. Imaginem se os erros do passado pudessem ser reparados. Hoje, mesmo diante de todas as dificuldades, precisamos ousar acreditar que a mudança ainda é possível. Com essas indagações, Bev Sellars, a grande Chefe da Primeira Nação Xat’sull, prefacia o livro De quem é a terra, afinal? Manual para a descolonização, convidando a todos para nos armarmos de conhecimento e buscarmos o poder de transformá-lo em realidade. Esse é o propósito do livro: munir as pessoas indígenas e não indígenas de conhecimento a fim de que possam compreender os impactos da colonização e trilhar os caminhos para a descolonização, de modo a reparar os erros do passado e vislumbrar, no futuro, uma verdadeira reconciliação. Leia Mais

Percursos. Florianópolis, v.22, n.48, 2021.

Os estudos decoloniais centrados nas filosofias indígenas ameríndias

Editorial

Apresentação do Dossiê

Artigos Dossiê

Resenha

Entrevista

Artigos Demanda Contínua

Publicado: 2021-05-21

Masculinity and Danger on the Eighteenth-Century Grand Tour | Sarah Goldsmith (R)

Englishmen have always travelled. According to French Abbé Le Blanc, they travelled more than other people of Europe because `they look upon their isle as a sort of prison; and the first use they make of their liberty is to get out of it’.(1) For young elite males who travelled to France and Italy for up to five years, the Grand Tour was, most historians agree, ‘intended to provide the final education and polish’.(2) There is, however, less agreement about what that ‘education’ entailed. Most scholarly investigations have focused on the fashioning of Grand Tourists’ taste and connoisseurship, or on their learning to develop ‘social ease through exposure to different places and peoples.’(3) Stephen Conway’s suggestion that the Tour was ‘essentially a European education’ is compelling, given that eighteenth-century English aristocracy cultivated a ‘cosmopolitan cultural style’.(4)  The Tour, he argues, encouraged a ‘specifically European outlook’which included polish and refinement, appreciation of classical art and architecture, theatre and music as well as continental cuisine, wine and fashion.(5) Above all, elite youth went on the Grand Tour to perfect their French since it was spoken at all European courts and was the language of diplomacy.(6) No English gentleman could be considered accomplished if he did not speak French. All this education was ultimately meant to shape an individual who would be ‘resolutely British’ and understand classical civilization’s supposed commitment to public spirit’.(7)

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Ensino de História e Tempo Presente | Tempo e Argumento | 2021

História e Memória estão no centro de muitos debates atuais. O interesse pelo passado, expresso em mídias, na teledramaturgia, em temas e títulos de séries e filmes oferecidos pelas plataformas de streaming e em revistas especializadas no trato com o passado, alcança as discussões políticas. Os debates sobre o currículo de História, na Educação Básica e no Ensino Superior, convivem com as disputas por memória1 e com as demandas por outras perspectivas nas abordagens históricas. A rede mundial de computadores tem sido um espaço pródigo em formulações revisionistas que recusam os parâmetros e os procedimentos da pesquisa histórica2.

A História Ensinada ocupa o centro desse debate político, pois, é considerada um espaço poderoso na transmissão de uma compreensão da vida social e de uma narrativa sobre os fatos sociais. Não por acaso, este debate e aquelas disputas e sugestões revisionistas coexistem com os questionamentos sobre a liberdade de ensinar e a defesa de uma Escola livre de ideologias e com manifestações de estranhamento a abordagens relativas à cultura afro-brasileira, às questões de gênero, ao trato da Ditadura Civil-Militar e suas violências e, sobretudo, à crítica abalizada pela crítica histórica. Leia Mais

The Hundred Year´s War on Palestine: A History of Settler Colonial Conquest and Resistance | Rashid Khalidi

A potente introdução de Rashid Khalidi neste livro, intitulado The Hundred Year´s War on Palestine: A History of Settler Colonial Conquest and Resistance, em tradução livre, A Guerra de Cem Anos na Palestina: Uma História de Conquista Colonial e Resistência, demonstra elementos relevantes para a compreensão histórica da Palestina, ao mesmo tempo em que fundamenta questões historiográficas para o estudo da temática. Rashid Ismail Khalidi, palestino nascido em Nova Iorque em 1948, consolida-se como um dos maiores especialistas da área, atualmente ocupante da cadeira de Edward Said, professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, na área de Estudos Árabes. Autor de diversos livros e artigos que tratam da construção nacional palestina, Khalidi inova ao propor, como enfatiza, uma produção de pesquisa acadêmica junto às reflexões em primeira pessoa, ao incorporar lembranças de eventos que presenciou, bem como registros materiais, como fotografias e documentos, pertencentes a ele e a sua família. Ao abandonar a impessoalidade da escrita acadêmica, o historiador palestino aproxima o/a leitora/a à compreensão de momentos decisivos da história palestina contemporânea, traçando a importância testemunhal de sua família em diversas situações – como, por exemplo, a troca de correspondências entre seu tio Yusuf Diya al-Din Pasha alKhalidi e Theodore Herzl, fundador do Sionismo. Ao delinear essas relações, no entanto, o autor ressalta que a sua história não é única, mas compartilhada por milhares de palestinos/as.

Do ponto de vista historiográfico, o livro traz novas dimensões ao propor, para cada um dos seis capítulos, o que denomina de pontos de inflexão (turning points), ou eventos, analisando os elementos que considera centrais para a conformação desta temporalidade de acontecimentos nos últimos cem anos da história da Palestina. Seguindo a sua proposta, Khalidi inicia a periodização a partir da Declaração de Balfour, de 1917, situando que este documento marca a delineação, de fato, do futuro Estado de Israel, com apoio da Inglaterra. Nesse sentido, no primeiro capítulo, intitulado The First Declaration of War, 1917-1939, ou A Primeira Declaração de Guerra, 1917-1939, o autor ressalta que na Declaração não há qualquer menção aos termos ‘árabes’ e ‘palestinos’ para se referir à comunidade existente, ainda que esta, naquele momento, fosse de aproximadamente 94% da população total do território (p. 24). Em suma, a Declaração solidificou um discurso que reconhecia apenas a comunidade judaica, concluindo que o não reconhecimento da população nativa esteve na base da política e da ‘questão’ da Palestina, além de concebê-la como amorfa e a-histórica. Leia Mais

I Encontro Cearense de Educação da Matemática | Boletim cearense de educação e história da matemática | 2021

Referências

[I Encontro Cearense de Educação da Matemática]. Boletim cearense de educação e história da matemática. Fortaleza, v.8, n. 23, 2021. Acessar dossiê [DR]

Transversal: International Journal for the Historiography of Science. Belo Horizonte, n.10, 2021.

Wittgenstein and the Sciences: History and Philosophy of Science and Science Education

From the Editors

Dossiers (Issue-specific topics)

Interviews

Book Reviews

Published: 2021-06-17

Medieval Welsh Genealogy: An Introduction and Textual Study | Ben Guy (R)

This substantial book does two jobs. It undertakes the first full textual study of Welsh genealogical literature in the Middle Ages, and it provides a new critical edition of the most important texts. In the second of these roles it replaces Peter Bartrum’s Early Welsh Genealogical Tracts (1966), the workhorse on which everyone relied till now. In the first role, however, it has no predecessor. Bartrum offered only a modest commentary and apparatus. That cannot be said of Ben Guy’s book. The task of reviewing this imposing volume calls to mind a certain early Welsh poem in which an inferior warrior takes on the hero, like ‘a shrew that scrabbled against a cliffside.’

Readers may want to know what is so important about genealogy, and also why such basic source criticism is still needed in 2021. Genealogical thinking pervaded medieval Welsh views of the past and there was a dedicated literature of genealogy from a quite early date. There is plenty of material, therefore, and the general shortage of historical sources from early medieval Wales means that genealogies play an outsize role in the reconstruction of the country’s political history. As to why the texts were still in such a deplorable state of confusion, that is a consequence of an abundance of material combined with a shortage of investigators. Few historians have the time or inclination for this work. The astonishingly productive Peter Bartrum was an amateur scholar who worked in his professional life for the Meteorological Office. He has had few emulators, though the name of David Thornton deserves honourable mention, and other historians have dealt with individual problems. As a corpus, however, the earliest Welsh genealogical literature has never been reduced to textual order – until now. Leia Mais

States of Exception in American History | Gary Gerstle e Joel Isaac

O termo “estado de exceção” possui longeva historicidade e tem se tornado cada vez mais recorrente na linguagem contemporânea. Recorre-se a ele frequentemente para se apontar condições da vida política e jurídica atual ressaltando-se um fato ou um processo excepcional que aparenta estar se naturalizando na sociedade. De certo modo, essa perspectiva possui elos com uma noção teórica e prática mais precisa de estado de exceção, mas não se resume a isso. Historicamente, a exceção é o meio pelo qual se busca defender a soberania ameaçada do Estado e de suas instituições, possibilitando, inclusive, a suspensão de alguns direitos e garantias. De tal modo, o estado de exceção está no limiar entre uma crise e práticas duradouras de governo, que podem, em última instância, se tornar ditaduras.

O estado de exceção, contudo, é fruto de um Estado de direito, que formula suas previsões de emergência para os momentos mais críticos de sua comunidade. Logo, ele deve ser uma situação temporária de restrição de direitos e de concentração de poderes. Por conta disso, o estado de exceção é distinto de ditaduras e de Estados totalitários, uma vez que a restrição de direitos e a concentração de poderes são inerentes a essas situações. Leia Mais

A Bailarina da Morte: a gripe espanhola no Brasi | Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling

Difícil imaginar uma época mais propícia do que a que estamos vivendo para o lançamento de um livro sobre uma pandemia. Com A Bailarina da Morte: a gripe espanhola no Brasil (2020), Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling retomam a parceria que produziu Brasil: uma biografia (2015), e apresentam um oportuno estudo sobre um acontecimento de fundamental relevância que evidenciou a profunda desigualdade social brasileira; o negacionismo por parte das autoridades e a falta de organização do Estado no combate à doença. Como se pode notar, são muitos os paralelos que se podem traçar com a tragédia em curso provocada pela covid-19 no Brasil, e obviamente isso não passou desapercebido pelas autoras. Fica claro, portanto, que são recorrentes as vezes em que as duras lições que a História brasileira nos ensina não são aproveitadas.

O livro é dividido em dez capítulos, sendo sete deles dedicados a apresentar um panorama de como as principais capitais brasileiras lidaram com a espanhola. É acompanhado também por diversas imagens que retratam as enfermarias, as autoridades sanitárias, as cidades à época e recortes de jornais com caricaturas, poemas, anúncios de remédios milagrosos e relatos do caos instaurado pela epidemia. Destaca-se que o Brasil era um país acostumado aos surtos epidêmicos, fossem eles ocasionados pela febre amarela, varíola, tuberculose, peste bubônica ou cólera. A então jovem República empreendera um esforço em mitigar tais males, através de expedições científicas nos então pouco desbravados sertões do país. Belisário Pena, Oswaldo Cruz e Carlos Chagas são nomes preponderantes dessa geração. O saneamento das cidades, que à época era sinônimo de ambiciosas reformas urbanas conforme os padrões europeus, expulsou a população dos centros das cidades para áreas afastadas sem as menores condições sanitárias, num verdadeiro “urbanismo de exclusão”. Além do caso notável do Rio de Janeiro, esse processo ocorreu em capitais como Recife, Salvador, Porto Alegre, Belém e Manaus. Leia Mais

A Arte da Guerra | Sun Tzu

Em julho de 2008, Adam Sun (1953-2008) publicava na Revista Piauí uma séria – e muito bem humorada – crítica as inúmeras traduções do livro Sunzi Bingfa 孫子兵法, tradicionalmente vertido para o português como A Arte da Guerra de Sun Tzu (Sun 2008). Adam Sun era chinês de nascença, mas foi criado no Brasil e dominava perfeitamente tanto português como chinês. Ele trabalhou como checador de jornais e revistas como Veja, Época e Piauí, função que tinha por objetivo avaliar a procedência e veracidade de informações, revisar equívocos de cronologia ou de citação e mesmo, se a construção do texto estava clara e conseguia entregar o conteúdo pretendido. Ou seja, Sun era um caçador de Fake News (muito antes delas virarem moda), acidentais ou não, que poderiam frequentar as redações onde trabalhara (Redação da Piauí 2008).

Com essas qualificações em mãos, ele decidiu investigar as centenas de versões do livro Sunzi Bingfa que existiam no mercado, para descobrir que não havia uma sequer que fosse uma tradução direta do chinês. Todas as versões disponíveis eram traduções de traduções, plágios e recriações, na sua maioria feita as pressas e de má qualidade. Um dos maiores sucessos editoriais no Brasil em termos de vendagem, A Arte da Guerra era, na verdade, um problema literário sério, e não podíamos contar com uma versão confiável do mesmo. Leia Mais

Palavras que resistem: censura e promoção literária na ditatura de Getúlio Vargas | Gabriela de Lima Grecco

A Secretaria de Ordem Pública do Rio de Janeiro, em setembro de 2019, por ordem do então prefeito Marcelo Crivella, realizou uma operação na Bienal do Livro com o objetivo de encontrar “material impróprio para crianças e adolescentes”. O livro em questão, uma HQ voltada ao público infantojuvenil, tinha uma cena de beijo gay. Foi a primeira vez que uma ação desse tipo aconteceu no evento, entretanto não foi a primeira vez que a literatura de diferentes estilos foi alvo de censura. Pinochet, no Chile, mandou queimar livros considerados comunistas, e a ditadura civil-militar no Brasil apreendia livros com temática política. Sendo assim, governos autoritários, ou não, utilizam da instituição do Estado para reprimir e censurar a cultura, e Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, não foi diferente. É essa temática que a historiadora e letrista Gabriela Grecco apresenta em seu livro Palavras que resistem: censura e promoção literária na ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945).

Diversas pesquisas sobre o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e a censura realizada durante o Estado Novo estão presentes na historiografia sobre a temática, entretanto a obra em análise vai além disso. Buscando a origem da censura no Brasil, a autora apresenta no seu primeiro capítulo, Censuras antes do Estado Novo, a estruturação da prática ainda no período colonial, assim como salienta que foi entre o período colonial e a emancipação política do Brasil que a liberdade de imprensa surgiu. Contudo, a autora não apresenta somente o período colonial como importante para entender a complexidade da participação da imprensa brasileira. Sob essa perspectiva, passando pelo período Imperial, as Regências, a República, a belle époque, a inauguração da Academia Brasileira de Letras, a política do café com leite, a Assembleia Constituinte de 1933, entre outros momentos significativos para a temática, ela demonstra com uma detalhada pesquisa que a relação entre o Estado e os escritos sempre foi constante. Leia Mais

História regional: convergências entre o local e o global | Carlos Eduardo Zlatic

A História regional tem ocupado as pesquisas acadêmicas de forma muito expressiva. É importante sinalizar que o regionalismo, tão silenciado por visões cada vez mais globalizantes, vem preencher lacunas deixadas por matrizes de pesquisa por vezes superficiais. Por outro lado, ainda é comum na academia a sobreposição entre conceito sobre História regional, História local e até mesmo macro-história. Neste sentido a presente obra vem delimitar muito bem o papel dos estudos em História regional no campo das pesquisas historiográficas. A obra apresentada possui uma organização em cinco capítulos, sendo cada capítulo organizado em subcapítulos. O cerne do livro pode ser percebido já em sua apresentação, quando o autor expõe sua observância no campo teórico-metodológico da História regional, além de buscar identificar análises e olhares voltados para o conceito de região. Neste sentido, para o autor, é importante o foco no estudo das regiões e territórios pois são onde ocorrem as ações dos atores sociais, seus afetos, trabalho e lazer.

A obra não se retém a pensar as regiões e territórios enquanto organizações estáticas, mas também possui a sensibilidade de buscar entender o mundo globalizado e suas fronteiras invisíveis. Para o autor a História regional tem como foco as regionalidades e suas especificidades sociais, políticas e econômicas. É importante perceber as relações diretas entre História regional e contextos mais amplos, como também o papel que a História regional possui no desenvolvimento de estudos globais, colocando em “xeque” visões deterministas. Leia Mais

Locus. Juiz de Fora, v. 27, n.1, 2021.

Dossiê – Visões da História Chinesa

Descrição da edição

  • Dossiê: Visões da História Chinesa (Vol. 27, n. 1, 2021);
    .Organizadores: André Bueno (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e Bony Schachter (Academia Yuelu, Universidade de Hunan);
    .Capa: Vista Chinesa em cartão-postal de 1911. Wikimedia Commons;
    .Capa e Concepção gráfica: Dalila Varela Singulane

Editorial

Apresentação

Dossiê

Resenha

Entrevista

Homenagem

A Bailarina da Morte: a gripe espanhola no Brasil | Lilia Moritz Shwarcz e Heloisa Murgel Starling

Difícil imaginar uma época mais propícia do que a que estamos vivendo para o lançamento de um livro sobre uma pandemia. Com A Bailarina da Morte: a gripe espanhola no Brasil (2020), Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling retomam a parceria que produziu Brasil: uma biografia (2015), e apresentam um oportuno estudo sobre um acontecimento de fundamental relevância que evidenciou a profunda desigualdade social brasileira; o negacionismo por parte das autoridades e a falta de organização do Estado no combate à doença. Como se pode notar, são muitos os paralelos que se podem traçar com a tragédia em curso provocada pela covid-19 no Brasil, e obviamente isso não passou desapercebido pelas autoras. Fica claro, portanto, que são recorrentes as vezes em que as duras lições que a História brasileira nos ensina não são aproveitadas. Leia Mais

A Arte da Guerra | Sun Tzu

Em julho de 2008, Adam Sun (1953-2008) publicava na Revista Piauí uma séria – e muito bem humorada – crítica as inúmeras traduções do livro Sunzi Bingfa 孫子兵法, tradicionalmente vertido para o português como A Arte da Guerra de Sun Tzu (Sun 2008). Adam Sun era chinês de nascença, mas foi criado no Brasil e dominava perfeitamente tanto português como chinês. Ele trabalhou como checador de jornais e revistas como Veja, Época e Piauí, função que tinha por objetivo avaliar a procedência e veracidade de informações, revisar equívocos de cronologia ou de citação e mesmo, se a construção do texto estava clara e conseguia entregar o conteúdo pretendido. Ou seja, Sun era um caçador de Fake News (muito antes delas virarem moda), acidentais ou não, que poderiam frequentar as redações onde trabalhara (Redação da Piauí 2008).

Com essas qualificações em mãos, ele decidiu investigar as centenas de versões do livro Sunzi Bingfa que existiam no mercado, para descobrir que não havia uma sequer que fosse uma tradução direta do chinês. Todas as versões disponíveis eram traduções de traduções, plágios e recriações, na sua maioria feita as pressas e de má qualidade. Um dos maiores sucessos editoriais no Brasil em termos de vendagem, A Arte da Guerra era, na verdade, um problema literário sério, e não podíamos contar com uma versão confiável do mesmo. Leia Mais

Quinto Sol – Revista de História. Santa Rosa, v.25, n.2, 2021.

mayo / agosto

Fotografía de tapa: Juan Bautista Antriao, Carmen Rail y descendencia. Costa del Lago Nahuel Huapi, Argentina, década de 1930, Archivos del Sur. Extraído de Historias de las familias mapuche Lof Paichil Antriao y Lof Quintriqueo. Mapuche de la margen norte del lago Nahuel Huapi, 2010, p. 175). Gentileza Sabrina Aguirre.

ARTÍCULOS

DEBATES, ENSAYOS Y COMUNICACIONES

RESEÑAS

PUBLICADO: 2021-05-10

Didática no cárcere II: entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo | Roberto da Silva (R)

A obra Didática no cárcere II: entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo foi organizada por Roberto da Silva e publicada, em 2018, pela Editora Giostri. Resulta de um processo coletivo de produção de conhecimento, que se iniciou com uma versão experimental de 2017, com tiragem limitada aos profissionais envolvidos – cujo contexto se relaciona a processo formativo desencadeado pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) em parceria com a Diretoria Regional de Ensino Centro-Oeste da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

A obra pauta-se no desafio de elaborar uma proposta metodológica destinada à educação nos espaços de privação de liberdade. É publicada após experimentação em salas de aula de unidades prisionais e de centros de internação de adolescentes em medida socioeducativa, resultando de uma experiência que envolveu cerca de cem profissionais da educação em doze meses de trabalho.

Esse processo iniciou-se no âmbito de um curso de aperfeiçoamento voltado a professores da rede estadual que atuavam em unidades do entorno do Campus Butantã, na capital paulista, onde se situa a FE-USP[1]. Destinou-se a oferecer conteúdos atualizados, bem como promover trocas de experiências e atividades em grupo voltadas à autoria coletiva, que refletissem cada componente teórico e suas didáticas, desdobrando-se em matrizes de aprendizagem.

O autor organizador da obra, cuja trajetória pessoal e profissional é diretamente relacionada à privação de liberdade, com vasta experiência, é doutor em Educação e lidera o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação em Regimes de Privação de Liberdade na FE-USP. Presidiu o referido curso, onde agregou pesquisadores e profissionais da educação básica e superior.

O título do livro, por si, levanta questões que se relacionam a inquietações decorrentes da prática docente e da pesquisa na área, sobretudo a partir da publicação, em 2010, das Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade pelo Conselho Nacional de Educação. Apesar do avanço normativo e da pretensa indução de políticas públicas, há limitantes estruturais e operacionais nesses espaços que incidem na prática educativa, razão pela qual há um desafio permanente que paira sobre o trabalho educacional. Diante disso, a obra aponta caminhos possíveis, com metodologias que incluem formas de se organizar e articular os componentes curriculares nas áreas do conhecimento, considerando-se as experiências prévias dos estudantes, bem como as peculiaridades do contexto.

O livro tem três partes. A primeira contextualiza a proposta pedagógica para docência em regimes de privação de liberdade, o perfil de escolaridade de jovens e adultos em privação de liberdade, além da fundamentação legal sobre o tema. A segunda parte reflete os marcos teóricos e metodológicos da proposta, pautados no universo, na natureza e no ser humano como matrizes de aprendizagem. A partir disso, são elaborados esquemas de análise e interpretação do ser humano e de mapas conceituais por área, em que os componentes teóricos e didáticos são refletidos, culminando nos processos de avaliação de competências e habilidades. Por fim, a terceira parte descreve o processo de criação coletiva, que em uma polifonia de vozes se encerra em relatos de experiências dos profissionais da educação participantes do curso e da elaboração da proposta.

Os fundamentos da proposta pedagógica remontam as categorias ontológicas e biológicas da aprendizagem humana, cuja “didática no cárcere” é pensada em torno da natureza. Referencia-se nos marcos da Pedagogia Social, cuja compreensão do processo educacional, da construção do conhecimento e da educação ao longo da vida é mais relevante que dominar códigos ou técnicas.

Considerando o contexto da privação de liberdade e o perfil das pessoas encarceradas – majoritariamente jovem, negro e com escolaridade básica incompleta – argumenta-se que é possível contribuir para o desenvolvimento das habilidades e competências sociais e socioemocionais, a partir da associação da dinâmica da vida natural e humana. Opta-se por uma abordagem que se traduza em múltiplas alfabetizações e que possibilite ao sujeito compreender a dinâmica da vida em suas variadas manifestações, isto é, exploram-se as leis naturais, as formas de organização e complexificação das plantas, animais e da sociedade. Entende-se que, assim, o sujeito poderá compreender o sentido e a singularidade da vida humana no contexto do mundo em que vive.

Portanto, a proposta parte da própria origem da vida, em que o humano se insere e decorre, para construir as bases matriciais de aprendizagem e fundamentar as competências e habilidades que comporão escolhas metodológicas suficientemente flexíveis, transversais e contextualizadas, dadas as peculiaridades da educação no espaço prisional – por exemplo, a rotatividade de alunos e as restrições de uso de alguns materiais.

A construção das matrizes de aprendizagem, por área do conhecimento, tem início em pressupostos do processo de compreensão do mundo natural. Por exemplo: a ideia de reinos na natureza e do átomo como partícula básica para a organização das moléculas, das quais originam todos os seres e suas diferenciações. São utilizadas palavras-chave das ciências da natureza, das quais decorrem conceitos e estruturas, para delinear as matrizes e se chegar às ciências humanas e sociais, matemática, linguagens e suas tecnologias. Isso explicaria o subtítulo da obra, “entender a natureza para entender o ser humano e seu mundo”.

Ao discutir possibilidades epistemológicas, a obra sinaliza que é possível inferir formas de pensar e agir e apresenta um quadro elucidativo dos esquemas de análise e interpretação do ser humano, composto por forma de pensar (exemplo: marxista), categorias de análise (explorador/explorado), gradiente de comportamentos e atitudes (contestação) e formas de solução (revolução).

Ainda, discutem-se componentes avaliativos que valorizam habilidades e competências sociais, com destaque para os saberes construídos no mundo do trabalho e da vida. Busca-se exaltar as trajetórias singulares de vida e seus percursos (biológicos, cognitivos e sociais), em estreita consonância com a perspectiva da educação ao longo da vida, que implica uma visão ampliada de aprendizagens nos diversos espaços e tempos – escolares e não escolares.

Quanto às contribuições do livro para a área, é preciso considerar que, após a garantia do direito à educação das pessoas em privação de liberdade no Brasil, novas questões emergiram, com ênfase em práticas e pesquisas direcionadas à implementação de políticas pelo Estado e à prática docente. Verifica-se que a maior parte das publicações relaciona-se ao campo das políticas públicas, dos estudos de caso, das experiências das redes de ensino e do estudo de representações de estudantes, docentes e gestores[2]. Apenas mais recentemente, fundamentos epistemológicos e metodológicos têm se apresentado, representando ainda um campo fronteiriço e em crescente discussão na educação[3]. Assim, na ausência de materiais didáticos e de pesquisas sobre metodologias de ensino voltadas aos contextos de privação de liberdade, a prática docente segue, em geral, caminhos entre a adaptação de materiais disponíveis e o planejamento individual.

Demonstra-se, na obra, um esforço em produzir um material que reúna um conhecimento relevante do ponto de vista teórico-metodológico – enfaticamente para e por docentes. Fica evidente o engajamento em agregar diferentes atores ligados à área, com destaque para a construção da obra no âmbito de um curso que indica a salutar complementaridade entre educação básica e superior e a imprescindível polifonia de vozes na educação.

Destarte, sua relevância assenta-se não apenas na apresentação de uma proposta pedagógica específica, mas no processo de elaboração coletiva de metodologias e abordagens avaliativas que levem em conta os sujeitos e o contexto do ensino. Em particular, vale destacar que os esquemas apresentados no livro para a construção de mapas conceituais das áreas do conhecimento, com indicação gráfica de temas e questões pedagógicas de cada área, representam um contributo valoroso à comunicação, à síntese e à reflexão conceitual no âmbito da organização didática.

Notas

1. Trata-se do curso Docência em Regimes de Privação de Liberdade, ofertado em 2017. Disponível em: https://uspdigital.usp.br/apolo/apoObterCurso?cod_curso=480200003&cod_edicao=16001&numseqofeedi=1. Acesso em: 15 mar. 2020.

2. Publicações na área da Educação, após vigência das Diretrizes Nacionais, focam nos desafios e nas perspectivas para a política de educação em prisões. Nesse sentido, os dossiês temáticos publicados pela Revista Em Aberto, do INEP “Educação em Prisões”, em 2012 (disponível em: http://portal.inep.gov.br/documents/186968/485895/Educa%C3%A7%C3%A3o+em+pris%C3%B5es/8b4d6cb0-12db-4ad8-87fc-47e7c52a6153?version=1.3, acesso em: 12 mar. 2020), pela revista Educação e Realidade, da UFRGS, em 2013 (disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/issue/view/2030, acesso em: 20 mar. 2020) e pela revista Cadernos Cedes da UNICAMP “Educação, Escolarização e Trabalho em prisões” em 2016 (disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622016000100001, acesso em: 02 abr. 2019).

3. Nesse sentido, o artigo “Fundamentos epistemológicos para uma EJA prisional no Brasil”, de Roberto da Silva, na Revista Brasileira de Execução Penal, v. 1, n. 1, 2020. Disponível em: https://rbepdepen.mj.gov.br/index.php/RBEP/article/view/49. Acesso em: 30 abr. 2020.

Referências

SILVA, R. (org.). Didática no cárcere: entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo. São Paulo: Giostri, 2017. [ Links ]

SILVA, R. (org.). Didática no cárcere II: entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo. São Paulo: Giostri , 2018. [ Links ]

Carolina Bessa Ferreira de Oliveira – Doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). E-mail: cbessafo@gmail.com


SILVA, Roberto da. Didática no cárcere II: entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo. São Paulo: Giostri, 2018. Resenha de: OLIVEIRA, Carolina Bessa Ferreira de. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v.26, maio. 2021. Acessar publicação original [IF].

Cultura visual e construções de gênero | História Debates e Tendências | 2021

Mas, para sabê-lo, para senti-lo, é preciso atrever- se, é preciso acercar o rosto à cinza. E soprar suavemente para que a brasa, sob as cinzas, volte a emitir seu calor, seu resplendor, seu perigo. Como se, da imagem cinza, elevara-se uma voz: “Não vês que ardo?”

Georges Didi-Huberman

Neste número da revista História: debates e tendências, apresentamos o dossiê “Cultura visual e construções de gênero”, reunindo artigos que contemplam a intersecção entre estudos de gênero e visualidades em diferentes contextos de historicidades. Laçando mão de inúmeras tipologias de indícios (BURKE, 2004) visuais, especialistas abordam o tema a partir da fotografia, da história em quadrinhos, do cinema e das fontes literárias como meios para entender processos sociais pretéritos e contemporâneos, problematizando as formas como se inscrevem, se materializam e se naturalizam os indicadores de gêneros e sexualidades na cultura visual. Leia Mais

História, Debates e Tendências. Passo Fundo, v. 21, n. 2, 2021.

 

Dossiê: Cultura visual e construções de gênero

Editorial

Dossiê

Artigos Livres

Fontes Comentadas

Publicado: 2021-05-07

Antígona. Porto Nacional, v.1, n.1, 2021.

Classes, identidades e territórios: questões e debates.

Editorial

  • EDITORIAL
  • Vitor Hugo Abranche de Oliveira; Eça Pereira da Silva
  • pdf

Artigos

Publicado: 2021-05-06

The Red International of Labour Unions (RILU) 1920 – 1937 | Reiner Tosstorf

A obra Red International of Labor Unions (RILU) 1920-1937, de Reiner Tosstorff, é o maior esforço analítico conhecido, até agora, sobre a Internacional Sindical Vermelha (ISV), a chamada Profintern. Bastante ignorada, mesmo pelo público especializado no Brasil, a Profintern foi uma das maiores organizações subsidiárias da Internacional Comunista (Comintern). Fundada em 1921, colocada em serviço efetivo em 1922 e dissolvida em 1937, a ISV retratada por Tosstorff é parte também de um gigantesco esforço transnacional.

O livro está dividido em nove capítulos e é resultado de trabalho realizado para obtenção da livre-docência. Publicado inicialmente em alemão em 2004, o trabalho monumental terminou traduzido e publicado nos Estados Unidos em 2016 em um calhamaço de quase mil páginas. A quantidade de páginas, neste caso, é virtude. Não teria sido possível dispor ao leitor tantas minúcias de labor de pesquisa em menos páginas. Leia Mais

Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil | Marcelo Badaró Mattos

Marcelo Badaró Mattos é professor titular do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), pelo qual se doutorou. Trata-se de um dos mais importantes historiadores marxistas do país na atualidade, devido principalmente as suas contribuições à História social do trabalho, como o clássico Novos e Velhos Sindicalismos no Rio de Janeiro (1955/1988).2 Não obstante, tem trabalhos relevantes para o entendimento da teoria marxista e da História do tempo presente, campo ao qual pertence o livro Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil, publicado em 2020. Nesse mais recente estudo, o pesquisador tem como objetivo analisar fenômeno político da chegada de Jair Bolsonaro à presidência da República, tentando entender o caráter de seu governo e o seu papel na dinâmica da luta de classes no Brasil de hoje. O seu método consiste na busca de comparações entre o quadro atual e os fascismos históricos, o que o levou também a refletir sobre a nossa trajetória histórica desde o século XX, para o melhor entendimento do processo político brasileiro atual.

Antes de se debruçar especificamente sobre o governo Bolsonaro, autor inicia o primeiro capítulo, intitulado “Fascismos”, com as reflexões realizadas pelos militantes revolucionários que viveram os anos 1920 e 1930 e, portanto, estavam comprometidos com o combate a esses fenômenos políticos. Assim, mostra que Leon Trotsky, Clara Zetkin e Antonio Gramsci apresentaram análises concordantes quanto à existência: de um contexto marcado pela crise política (na dimensão da dominação de classe) e econômica (em nível internacional) que favoreceu a eclosão de tais movimentos; de uma base social de massas composta pela pequena burguesia e por assalariados médios, que contou ainda com a presença de setores do proletariado, apesar de os regimes políticos implantados beneficiarem o grande capital; de um sentido de classe visto também na violência e no terror exercidos contra as organizações dos trabalhadores; de um recuo dessas entidades diante das possibilidades objetivas de revolução, o que estimulou a adesão da pequena burguesia à ação contrarrevolucionária burguesa; e de uma complacência de setores do Estado precedente com os fascistas, notadamente, a polícia e o judiciário. De forma geral, também são coincidentes as recomendações no sentido da adoção de uma linha política de frente única para enfrentar essa ameaça aos operários (p. 12-41). Leia Mais

História do marxismo no Brasil | História & Luta de Classes | 2021

A corrente de ação e pensamento tributária à longa trajetória política e intelectual de Karl Marx e Friedrich Engels, desenvolvida por uma miríade de revolucionárias e revolucionários sob a sua inspiração, incorporada em diferentes organizações e reverberando em teorizações nos mais distintos campos, tem como uma de suas marcas a ampla difusão global. A circulação do marxismo acompanhou o próprio espraiar da sociedade burguesa: ao invadir todos os espaços do globo, não apenas a burguesia cria um mundo à sua imagem e semelhança, mas também desenvolve “um intercâmbio universal e uma universal interdependência das nações. E isso se refere tanto à produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma nação tornam-se patrimônio comum”1. Neste sentido, não é de estranhar que a ampliação das comunicações e migrações para a América tenha sido acompanhada de uma série de ideias radicais críticas que, enraizando-se no solo local, inspiraram a classe trabalhadora a não apenas pensar a sua inserção e situação em um mundo cada vez mais integrado pelo capital, mas também propor como superá-las.

Objeto assim longevo, a história do marxismo no Brasil não é tema novo na historiografia nacional. Esforços para a sua elaboração remontam às iniciativas de militantes diretamente envolvidos na formação da própria tradição marxista brasileira. É o caso de Astrojildo Pereira, um dos fundadores do PCB em 1922, que décadas após, já um experimentado quadro, narraria a trajetória da imprensa operária nos primeiros anos do século2. Discutir imprensa política é discutir esforço de organização a partir da circulação de ideias e da iniciativa de agitação e propaganda. É evidenciar como se trata de dar carne a um corpo de ideias, ou seja, tratar da própria constituição de um marxismo no Brasil e brasileiro. Leia Mais

Visões da História Chinesa | Locus | 2021

Tendo como motivo o 120º aniversário da imigração chinesa para o Brasil, esta revista convidou famosos sinólogos americanos, europeus e chineses, bem como estudiosos brasileiros engajados no estudo das relações sino-brasileiras para, por meio de uma coletânea de textos acadêmicos, comemorar esta ocasião auspiciosa. Esta publicação possui dois objetivos. O primeiro é parabenizar os chineses que vivem no Brasil e os brasileiros de origem chinesa. Por mais de 100 anos, os chineses vem enriquecendo vários aspectos da vida e cultura brasileiras. Os imigrantes chineses e seus descendentes brasileiros fizeram contribuições extraordinárias em termos de comércio sino-brasileiro, intercâmbios culturais, formação acadêmica e até cooperação política. Por exemplo, como Renata Palandri Sigolo e Luis Fernando Bernardi Junqueira apontam em “Entre agulhas e mãos: a ‘medicina chinesa’ no Brasil da década de 1970”, os imigrantes chineses que vieram para o Brasil desempenharam um papel crucial na divulgação da cultura da medicina chinesa. O segundo objetivo desta publicação é promover o interesse e a compreensão do povo brasileiro pela história, cultura, língua, religião e política chinesas. Embora a China seja o maior parceiro comercial do Brasil, a sinologia brasileira ainda está em sua infância. Diante da ascensão política, econômica e cultura da China, tanto os países ricos da Europa, e da América do Norte quanto o Brasil, que desempenha um papel de liderança na América Latina, precisam produzir um conhecimento acadêmico mais preciso e objetivo sobre a história e a cultura chinesas. Este é, sem dúvida, um conhecimento indispensável para pessoas envolvidas na política, comércio e empreendimentos culturais em alto nível. Leia Mais

Anuario del Instituto de Historia Argentina. Buenos Aires, v.21, n.1, mayo, 2021.

Artículos

Entre el acercamiento y la desconfianza. La radio en la revista Caras y Caretas en la década de 1930

Reseñas

Publicado: 2021-05-03

Tempo | Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021.

Volume: 27, Número: 1, Publicado: 2021

Artigo

Dossiê – Lugares de memória e de consciência na América Latina

Resenha

Historia y Espacio. Cali, v.17, n.56, 2021.

IGLESIA, RELIGIÓN E INDEPENDENCIAS EN HISPANOAMÉRICA

Iglesia, religión e independencias en Hispanoamérica

Historia y Espacio. Cali, v.17, n.56, 2021

Editorial

  • Editorial
  • José David Cortés Guerrero, Juan Camilo Galeano Ramírez
  • XML

Artículos

Reseñas

Publicado: 2021-06-03

Renaissance italienne et architecture au XIXe siècle. Interprétations et restitutions | Antonio Brucculeri e Sabine Frommel

Os múltiplos pontos de vista das vinte e duas contribuições (em francês, inglês e italiano) reunidas nessa obra coletiva referem-se, especificamente, à construção do conceito de Renascimento e à sua recepção no século 19, sobretudo na arquitetura, cobrindo também pesquisas relacionadas à história da arte, história do patrimônio, historiografia artística, história do colecionismo, história da edição e da fotografia, e história literária, acompanhadas de um caderno com 185 imagens em pb. Cruzando enfoques interdisciplinares os autores buscam renovar as perspectivas de análise consagradas na rica historiografia sobre a noção de Renascença e a problematizar situações, estudos de caso, enfoques monográficos, releituras de artistas e arquitetos, em torno do interesse pelo renascimento italiano ao longo do oitocentos em vários países. Leia Mais

Fundamentos de morfologia urbana | Stêl de Alvarenga Pereira Costa e Maria Manoela Gimmler Neto

Fundamentos de morfologia urbana, publicado em 2015 e reimpresso em 2017, apresenta noções gerais para os estudos de morfologia urbana, tratando-a como uma ciência que estuda a forma física, edificada das cidades, mas também os processos que a transformam. De maneira minuciosa, o livro enfatiza as linhas conceituais trabalhadas pelas Escolas de Morfologia Urbana Inglesa e Italiana. E, além delas, aponta alguns dos principais grupos e linhas de atuação na área. Destinado a estudantes, profissionais e pesquisadores ligados ao assunto, torna-se uma referência importante para situar os interessados nas possibilidades de abordagem e indicar os locais em que elas se concentram.

A autoria é da professora mineira Staël de Alvarenga Pereira Costa e de Maria Manoela Gimmler Nettto, sua orientanda de doutorado. Costa tem se destacado por sua contribuição para os estudos da Morfologia Urbana no Brasil, com atividades de docência e pesquisa. Na década de 1980, cursou o Mestrado do Centro Integrado de Desenho Urbano da Oxford Politécnica, atual Oxford Brookes University, juntamente com outros estudantes latino-americanos, sob orientação do professor britânico Ivor Samuels. No prefácio do livro, Samuels declara que a participação desses estudantes foi de grande valia para ampliação do estudo da forma urbana em Oxford à época. Segundo ele, até então, havia pouco contato entre os mundos acadêmicos dos geógrafos e arquitetos e urbanistas. Leia Mais

Tempos de Pandemia | Estudos Históricos | 2021 (D)

Bilros 3 Resenha Crítica
Pexels | Imagem: Juliana Vitoria – Reprodução |

Este número da Revista Estudos Históricos é marcado especialmente pela contemporaneidade e interdisciplinaridade de seus artigos. A ideia do dossiê Tempos de pandemia surge pela urgência de debates e análises científicas promovidos em diferentes áreas com o advento da pandemia de COVID-19, decretada mundialmente no dia 11 de março de 2020. Como resultado, temos uma edição robusta, composta de trabalhos com pontos de vista metodológico e temático diversos.

Como linha comum dos artigos, observamos o debate sobre o tempo em diferentes perspectivas. A própria edição deste número pressupõe uma reflexão sobre tempo, na medida em que reunimos nesse conjunto incursões acadêmicas desenvolvidas no auge da pandemia, no seio de seus acontecimentos. Encontramo-nos, ainda, sem respostas concretas e objetivas sobre o curso desse longo processo. Reflexões sobre o tempo histórico e sobre a produção de pesquisas científicas pela ótica dinâmica do momento histórico são fruto de debates e discussões de longa data.

O tempo social, como proposto por Fernand Braudel (1949), pode ser dividido metodologicamente em três momentos: média, curta e longa duração. O exercício de pesquisa deve, sempre, levar em consideração a construção e o recorte temáticos nessas três perspectivas, que caracterizam o tempo múltiplo, compondo as principais características do tempo social.

Em suma, temos a longa duração como o âmbito das estruturas, a média duração como o tempo das conjunturas e a curta duração como a medida da atualidade, da vida do dia a dia. Os artigos que compõem este dossiê sobre a pandemia, acontecimento histórico contemporâneo, assim como as pesquisas e as autorias, pode dar uma primeira impressão equivocada. O distanciamento analítico na área das ciências humanas, há tempos colocado como essencial para o desenvolvimento de pesquisas científicas, caiu por tese há algumas décadas, especialmente com a eclosão do campo da história do tempo presente.

Nesse bojo, temos a proposição do tempo histórico de Reinhart Koselleck (2014), o tempo estratificado, formado por diferentes camadas de tempo, independentes e interdependentes entre si, proporcionando a base reflexiva de continuidades e rupturas de processos históricos. A proposta de Koselleck subsidia as análises do tempo presente com base no entendimento desses processos como constructos sociais inter-relacionados, proporcionando a base analítica da compreensão de eventos contemporâneos por seus cientistas sociais.

O coletivo de reflexões analisa em sua complexidade questões estruturais como as desigualdades sociais da sociedade contemporânea, refletindo diretamente no acesso à educação e à saúde no Brasil e no mundo. Nesse conjunto, encontramos reflexões de longa duração com perspectivas históricas, demonstrando os impactos políticos e sociais da gripe espanhola de 1918 na sociedade, o processo de exclusão digital de setores sociais e seus impactos na educação à distância e a questão da aprendizagem, bem como os muros epidemiológicos construídos ao longo de décadas.

Encontramos também análises estruturais sobre as democracias latino-americanas e sobre os Estados Unidos, o impacto econômico em populações historicamente em situação de vulnerabilidade, apontando as continuidades de um processo histórico estrondosamente desigual. Ainda pensando na perspectiva da longa duração, vemos a construção da memória social ao longo dos anos e os desafios enfrentados pela gestão e recuperação de documentos produzidos em meio digital. Análises sobre a estrutura midiática brasileira e as fronteiras entre o público e o privado, a construção social de contextos afrorreligiosos e suas nuances políticas, a utilização midiática para defesa de pautas específicas e práticas culturais de uma sociedade em isolamento compõem o tempo histórico de longa duração presente neste dossiê.

No contexto de média duração, no tempo das conjunturas, podemos inferir importantes recortes com elementos de continuidades e rupturas subsidiando o estudo do tempo presente. Envolvendo elementos como os citados no contexto de longa duração, observamos o recorte analítico de média duração no que diz respeito à compreensão conjuntural dos temas em questão. Como linha comum aos artigos, observamos a reconstrução de contextos históricos anteriores à pandemia de COVID-19, buscando alinhar as expectativas de análise políticas, econômicas e culturais na camada mais ampla do tempo histórico a fim de reconhecer os aspectos atingidos pelo momento atual. A preocupação com o contexto histórico conjuntural é inerente e presente em todas as análises, independentemente do tema trabalhado. Ainda que pareçam temáticas bastante diferentes, os textos aqui reunidos nos permitem traçar um quadro conjuntural de extrema qualidade para compreender o advento histórico da pandemia, nosso elemento de curta duração.

Nesse ponto, vemos detalhadamente o recorte mais específico dos artigos. Em grande parte, o ano de 2020 atua como medida da atualidade. Seja no debate acerca de questões educacionais como nos artigos “Direito ou privilégio? Desigualdades digitais, pandemia e os desafios de uma escola pública”, de Renata Mourão Macedo, e “Aprendizagem histórica em tempos de pandemia”, de Cristiano Nicolini e Kenia Erica Gusmao Medeiros, cujos recortes dão conta da urgente mudança para o ensino a distância e suas consequências, seja no debate sobre questões culturais e de memória nos textos de Alejandra Josiowicz, “Humanidades digitais e literatura nas redes sociais: ‘um placebo sanador em tempos de COVID-19’”, o artigo de Isabella Vivente Perrotta e Lucia Santa Cruz, “Objetos da quarentena: urgência de memória”, e o texto de Vítor Queiroz, “Quando o ser-humano cria, Iku vem à Terra: as mediações de Exu, a onipresença da morte e a COVID-19 em dois contextos afrorreligiosos”.

Tratando especificamente de questões políticas e econômicas que envolvem a gestão da pandemia em países da América Latina, temos o artigo de Rafael Araujo e Érica Sarmiento, “A América Latina, a COVID-19 e as migrações forçadas: perspectivas em movimentos, muros epidemiológicos e sombrias imagens”, apontando as medidas atuais do tempo histórico e os reflexos na migração forçada de populações vulneráveis, e a contribuição especial de André Pagliarini, “Possible Futures: COVID-19 as Historical Turning Point”, recortando a análise específica sobre a importância desse debate para a historiografia presente.

Analisando especialmente o aspecto midiático da pandemia, temos os artigos de Flavia Pinto Leiroz e Igor Sacramento, “Cronotopias da intimidade catastrófica: testemunhos sobre a COVID- 19 no Jornal Nacional”, mostrando o recorte do maior jornal diário do Brasil e seus impactos sobre a relação entre público e privado em nossa sociedade, e o texto de Luciana Almeida, “Pandemia, ‘agro’ e ‘sofrência’: jornalismo, propaganda e entretenimento no debate público sobre o modelo agrícola”, mostrando a relação instantânea da pandemia na indústria cultural nacional.

Em entrevista concedida por James Green, realizada por mim e por Ronald Canabarro, em que aplicamos a temporalidade múltipla no decorrer das perguntas, buscou-se criar uma narrativa que abarcasse suas opiniões estruturais das sociedades brasileiras e norte-americanas, chegando às análises conjunturais mais recentes de ambos países de maneira que confluísse no momento atual da pandemia, suas consequências políticas, econômicas e culturais da COVID-19 no mundo pela ótica do historiador e militante norte-americano.

Quando falamos em tempos de pandemia, estamos definindo tempo como social, como o tempo composto de diacronias e sincronias, continuidades e rupturas. A urgência evidenciada pelas necessidades informacionais e analíticas, que perpassam diferentes temas, nesse último ano pandêmico pelo qual nossa sociedade passou em todo o globo estão reunidas nesse dossiê interdisciplinar e diverso que montamos. Nosso desejo é o de que possamos reler suas páginas como documentos históricos em alguns anos, proporcionando compreensões fundamentadas e científicas da história presente.

Por fim, e em nome da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC), prestamos nossa solidariedade coletiva às famílias de 3 milhões de pessoas1 em todo mundo vítimas da COVID-19.

Nota

1. Dados coletados em: https://www.worldometers.info/coronavirus/. Acesso em: 12 abr. 2021.

Referências BRAUDEL, F. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Paris: Armand Colin, 1949.

KOSELLECK, R. Estratos de Tempo: estudos sobre a História. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUC-RJ, 2014.

Martina Spohr – Doutora em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro (martina.spohr@fgv.br). Escola de Ciências Sociais, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


SPOHR, Martina. Editorial: Tempos de Pandemia. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 34, n.73, p.1-3, p.235-238, maio/ago. 2021. Acessar publicação original [IF].  Acessar dossiê

Uma ocorrência recorrente: bienais e exposições periódicas de arte contemporânea/ MODOS. Revista de História da Arte/2021

Após aproximadamente um ano da publicação da chamada de artigos para este dossiê, a pandemia da Covid-19 no Brasil atinge marcas desastrosas para o país, adensando uma crise que também afeta de maneira dramática o setor da cultura. Adiada para setembro de 2021, a 34ª Bienal de São Paulo pode ter as datas da sua inauguração alteradas mais uma vez, ampliando ainda mais um hiato que pode se igualar àquele de 1998-2002, causado na época pela polêmica ‘Mostra do Redescobrimento’. Aqui, mas também no exterior, não temos ouvido por parte das instituições promotoras de bienais e outras exposições periódicas de arte contemporânea, reflexões críticas acerca do cenário atual e dos desafios para o futuro das megaexposições1. No passado recente, a experiência de crises institucionais levou agentes culturais e curadores a repensarem o esvaziamento desses eventos. Em 2008, Ivo Mesquita chegou a propor uma ‘quarentena’ durante a 28ª Bienal de São Paulo, organizando uma exposição ‘arquivística’, acompanhada por uma série de encontros e debates para discutir o modelo bienal e propor reformulações à Fundação Bienal de São Paulo. No entanto, essas propostas de se repensar o modelo das bienais acabaram sendo deixadas de lado, e uma vez superada a crise, o sistema retornou ao seu funcionamento habitual. A crise atual sendo sem precedentes, o retorno à ‘normalidade’ pode ser quimérico, e o futuro das exposições é uma questão em aberto, que exigirá novas problematizações. Leia Mais

Ideias para adiar o fim do mundo | Ailton Krenak

Ailton Krenak, 66 anos, filósofo, escritor, jornalista, ativista e líder do povo krenak, é considerado um dos mais importantes pensadores brasileiros. Desde o seu discurso na Assembleia Nacional Constituinte em 1987, o intelectual indígena luta pelos direitos dos povos tradicionais indígenas, por política socioambiental e medidas assertivas sobre proteção ao planeta Terra. Leia Mais

Estudos em fonética e fonologia: quando múltiplos olhares se entrecruzam | LaborHistórico | 2021

Ao longo do tempo, os sons de uma língua podem mudar de diferentes formas. Por ser o tipo de mudança linguística mais facilmente perceptível e fartamente observado, a mudança sonora tem sido objeto de estudo mesmo antes do advento da Linguística moderna e do que, atualmente, se entende por Fonologia.

Desde o século XIX, o debate sobre questões sonoras nas línguas – desde a reconstrução das línguas “originais”, a partir do emprego do método histórico-comparativo, até a querela sobre o locus da mudança sonora (o som ou a palavra) – ganha espaço na literatura. Tanto na abordagem estruturalista quanto nos quadros teóricos pós-saussereanos, a proposta de métodos para a descrição de aspectos sonoros das línguas ganha relevo. Assim, a pluralidade de enfoques é uma marca registrada dos estudos em Fonética e Fonologia. Leia Mais

LaborHistórico. Rio de Janeiro, v.7, n. 2, 2021.

Estudos em fonética e fonologia: quando múltiplos olhares se entrecruzam

Nota Editorial

Apresentação – volume 7, número 2

  • Danielle Kelly Gomes, Marcelo Alexandre Silva Lopes de Melo
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Artigos – Dossiê Temático

Artigos – Varia

Fontes Primárias

Los archivos. Papeles para la nación | Juan José Mendoza

Guiado por las preguntas que giran en torno a la actualidad de los archivos, el Doctor en Letras Juan José Mendoza, reflexiona en este libro sobre el lugar central que las memorias y el pasado reciente han cobrado en los últimos años de profundas transformaciones en las modalidades de circulación de las textualidades, en particular, a partir del advenimiento de internet en la década de 1990. Atravesadas por lo que el autor define como una “infernal técnica archivadora del presente”, Mendoza encuentra en las políticas de archivos desplegadas desde la Segunda Guerra Mundial, un acontecimiento historicista en el que el pasado se ha desenvuelto en coordenadas cuantitativas y cualitativas que lo vuelven inconmensurable, y por ello mismo, propio de novedosos cuestionamientos y urgentes indagaciones. Las reflexiones desarrolladas al respecto se encuentran estructuradas en la obra a partir de tres bloques dedicados a una diversidad de tópicos vinculados a la temática de los archivos, en los que las transformaciones tecnológicas que el presente informático nos ofrece se constituyen en su eje vertebrador, ya sea en su dimensión geopolítica, así como en el lugar de los archivos en la construcción de la nación literaria, para finalmente aproximarnos a la atención de las metodologías apropiadas para pensar a las textualidades en el marco de los cambios digitales señalados.

Después de ofrecer un mosaico de acontecimientos trágicos por los que atravesaron bibliotecas de diferentes partes del mundo en conflictos bélicos, en el primero de los capítulos: “La Edad de los Archivos”, Mendoza se detiene especialmente en las políticas llevadas a cabo por la empresa Google en su afán de acometer la mayor tarea de digitalización de libros de la historia de la humanidad para ponerlos en línea y volverlos accesibles a los internautas. La inevitable pregunta que surge es si como contraparte contamos en los países latinoamericanos con políticas de preservación propias, ya sean de carácter nacional o regional que funcionen como contrapeso de las iniciativas empresariales de las grandes corporaciones informáticas radicadas en los países centrales. Estas inquietudes se convierten en tópicos de suma pertinencia si ponemos en perspectiva que una de las consecuencias de la empresa llevada a cabo por el proyecto de biblioteca digital global de Google, supone la conformación de un canon que excluye las propias discusiones ideológicas y estéticas alrededor de los archivos, a la vez que invita a preguntarnos acerca de la ausencia de una consciencia documental hispanoamericana, la desidia archivística y la mercantilización de los criterios de selección de las obras que circulan por la red en el marco de la fusión entre capitalismo e informatización. Leia Mais

História indígena, agência e diálogos interdisciplinares/Acervo/2021

“História indígena, agência e diálogos interdisciplinares”, primeiro dossiê da revista Acervo a tratar da história dos povos originários no Brasil, nos dá a dimensão da significativa presença e atuação dos povos indígenas em nossa história. Ao agregar artigos que abordam temas, temporalidades e espaços diversos, destacando as agências indígenas dos séculos XVI ao XXI, esta edição evidencia o crescente avanço dos estudos sobre os indígenas na condição de sujeitos, cujas ações e escolhas influenciavam os rumos dos processos históricos. Fundamentados nas mais diversas fontes primárias e secundárias problematizadas à luz de análises interdisciplinares, os 28 artigos aqui publicados tratam de operações historiográficas e etnográficas que, no mais das vezes combinadas, revelam agências e trajetórias de homens e mulheres indígenas que vivenciaram realidades diversas em múltiplos processos de contatos interétnicos. Sem desconsiderar a extrema violência que caracterizou esses processos, historiadores e antropólogos desenvolvem narrativas inovadoras e decoloniais que demonstram as atuações políticas e culturais dos inúmeros e diferenciados povos que não se imobilizaram frente às incalculáveis agressões e ameaças com que depararam ao longo dos séculos. Leia Mais

Resenha Crítica, Aracaju & Crato, n.2, 1 maio 2021.

Acude Cedro Quixada Ce Sonia Menezes 2013 Resenha Crítica

Edição n.2 (2021)

Resenhas


Dossiês


Sumários


Conheça a totalidade do acervo

Para adequado uso do espaço na página inicial deste blog, destacamos até  treze resenhas, cinco dossiês, cinco sumários correntes e cinco periódicos recentemente incorporados ao acervo em cada edição mensal do Resenha Crítica.

A quantidade de textos, porém, se altera à medida que incorporamos novos periódicos, retroativamente, aos nossos bancos de dados.

Para conhecer a totalidade das aquisições de resenhas, apresentações de dossiês e sumários, publicados originalmente no período 1839-2021, utilize os filtros da barra lateral.

Iglesia y derechos humanos. Ley natural y modernidad política, de la Revolución francesa hasta nuestros días | Daniele Menozzi

En la segunda Audiencia General de agosto de 2020, el papa Francisco sostuvo que el coronavirus no era la única enfermedad que debía ser combatida. Para el Obispo de Roma, la pandemia visibilizó otras patologías de base, como “la visión distorsionada de la persona”, “que ignora su dignidad y su carácter relacional”. En este sentido, recordó que “la dignidad humana es inalienable, porque ha sido creada a imagen de Dios”, y apeló a la Declaración Universal de los Derechos Humanos como la referencia más cercana a ese principio. 1 Tal conceptualización había sido expuesta dos años atrás en la Conferencia Internacional “Los derechos humanos en el mundo contemporáneo: conquistas, omisiones, negaciones”, organizada por la Pontificia Universidad Gregoriana de Roma (Italia). En ocasión del septuagésimo aniversario de la Carta de 1948, el Sumo Pontífice sostuvo que la Declaración de la Asamblea de las Naciones Unidas reconoció “la igual dignidad de toda persona humana”, de las cuales derivan derechos fundamentales, “enraizados en su naturaleza” (es decir, en la “unidad inseparable de cuerpo y alma”), y deberes para con la comunidad.2

Ahora bien, ¿cuál es la interpretación que la Iglesia de Roma ha realizado sobre los derechos humanos? ¿Qué alcance ha tenido el documento adoptado por las Naciones Unidas en 1948 dentro del mundo católico? ¿Cuán restrictivo o novedoso es el pronunciamiento de Jorge Bergoglio? En Iglesia y derechos humanos. Ley natural y modernidad política, de la Revolución francesa hasta nuestros días, Daniele Menozzi nos brinda herramientas para ensayar algunas respuestas y formular otros interrogantes sobre estas cuestiones. Leia Mais

Fortineras, mujeres en las fronteras. Ejércitos, guerras y género en el siglo XIX | María Cristina Ockier

El presente libro recupera los resultados obtenidos en la tesis de maestría en género de Ockier. La autora se ha dedicado a la historia del alto valle del Río Negro, particularmente al período correspondiente a la “Conquista del desierto”, y en este trabajo continuó en esa línea de estudio en clave de género. En las últimas décadas los estudios en perspectiva de género se han incrementado y en gran medida se debe al esfuerzo de los movimientos feministas. Empero, los trabajos previos que refieren a las fortineras, las mujeres de las que se ocupa Ockier, se han limitado a un carácter sobre todo descriptivo, que sin duda han contribuido en el rastreo y conocimiento de las mismas al momento de elaborar el estudio más reflexivo y analítico que aquí se reseña. Ockier no solo va a dar cuenta de las actividades que realizaban dichas mujeres en los campamentos, sino que además devela el entramado de jerarquías y poderes en las relaciones sociales que se construyeron en base al patriarcado. Y en relación a ello observó cómo las mujeres resultaron desplazadas de las tareas socialmente consideradas de mayor relevancia, entre ellas la actividad militar.

El libro se estructura en tres partes. En la primera, que consta de dos capítulos, la autora se pregunta: “¿Dónde radica la particularidad del quehacer militar? En los fortísimos significados y representaciones de género que lo atraviesan” (p. 5). De este modo, pretende desmentir la idea biologicista de que las mujeres son incapaces de ejercer violencia. Concepto que ha conllevado a representar a las mujeres guerreras – Juana de Arco, las amazonas, Boadicea, entre otras– como figuras excepcionales, personajes románticos, no naturales. La autora realizó un recorrido histórico e historiográfico sobre diversos estudios que han analizado el papel de las mujeres en la guerra en diferentes contextos. Primeramente, lo hizo a una escala internacional e incluyó no solo relatos de mujeres occidentales, sino también orientales, para luego acercarse a los estudios latinoamericanos que han recuperado las voces de las mujeres que intervinieron en diferentes batallas, entre ellas: las amazonas, las paceñas, las cochabambinas que participaron en las Guerras de Independencia, las matriarcas, andarilhas y vivandeiras del Brasil que estuvieron en la Guerra del Paraguay, y las adelitas de la Revolución Mexicana. Asimismo, menciona a mujeres individuales, como Machaca Güemes, Juana Moro, Javiera Carrera y muchas más… Todas fueron enmarcadas bajo dos estereotipos o representaciones: de víctima o de bravura. El androcentrismo ha conllevado a crear esas imágenes dado que no es “natural” que una mujer tome las armas o ejerza la violencia. Leia Mais

Maquiavelo en la Argentina. Usos y lecturas, 1830-1940 | Leandro Losada

Desde su aparición hasta nuestros días, la obra de Nicolás Maquiavelo (1469- 1527) ha estado abierta a diferentes interpretaciones y ha generado escándalo en el mundo occidental por la contundencia con la que el autor expresó sus ideas. Maquiavelo no solo resulta familiar, incluso más allá del mundo docto, sino que está rodeado de suspicacia. En nuestro país, buena parte de los estudios acerca del florentino se han centrado en discutir su aporte a la Ciencia Política o el alcance de los conceptos vertidos en sus escritos, pero no existen análisis sobre su lectura en diferentes contextos históricos. En este sentido, el libro de Leandro Losada resulta un aporte original por cuanto propone abordar el pensamiento político liberal y antiliberal en Argentina entre 1830 y 1940 a partir de discusiones o alusiones explícitas sobre Maquiavelo.

Esta línea de investigación se inscribe en un proyecto mayor que el autor ha trabajado desde diversas aristas: el estudio del lugar de la élite patricia argentina desde la ley Sáenz Peña hasta la llegada del peronismo, focalizándose en las transformaciones que experimentaron estos actores en el pasaje de un mundo aristocrático a otro democrático, en cómo se alteró la relación entre estas élites y la sociedad en general, en cuáles fueron las razones de su declinación en términos sociales, simbólicos y políticos, y en cuál fue su pensamiento al respecto. Leia Mais

Migraciones en Argentina: una historia de largo plazo | María Dolores Linares e María Sívia Liscia

La obra que aquí reseñamos ofrece una rica variedad de estudios recientes abocados al tema de las migraciones en Argentina. Como las editoras mencionan en la introducción, las migraciones representan una problemática actual de gran relevancia: millones de personas se movilizan año tras año debido a guerras, conflictos políticos y otras catástrofes. A modo de ejemplo, en mayo de 2021, los medios internacionales señalaban la crisis migratoria de Ceuta, cuando aproximadamente 8.000 marroquíes ingresaron a territorio español en solo un día. Otra problemática actual que interpela este libro es la pandemia provocada por el coronavirus (COVID-19), ya que fue escrito y publicado en un contexto de confinamiento, cierre de fronteras y varias dificultades para atravesar límites fronterizos. El libro invita a reflexionar sobre antecedentes históricos de esta realidad que nos atraviesa y a profundizar, entre otros temas, en la relación migración-salud.

Migraciones en Argentina: una historia de largo plazo, compila una serie de trabajos presentados en las II Jornadas “Migraciones, instituciones y políticas: un enfoque interdisciplinario y de largo plazo” (UNLPam-CONICET), realizadas en septiembre de 2020 en Santa Rosa, La Pampa. El libro consta de dos partes; la primera gira en torno a temáticas históricas y se centra en las migraciones transatlánticas de fines del siglo XIX y primera mitad del siglo XX. La segunda parte se adentra en problemáticas migratorias contemporáneas. Con una perspectiva de largo plazo, pueden identificarse a su vez hilos temáticos y diálogos que atraviesan toda la obra. Algunos de ellos son: el estudio de las asociaciones abocadas a resolver problemas de salubridad y asistencia, derechos sociales y políticos de los/las migrantes, prácticas y discursos de exclusión/inclusión, emociones y vivencias que acompañan la experiencia de migrar, vinculación con políticas, normativas e instituciones estatales y territorialización. Leia Mais

Estudos Históricos v.34 n.73 2021 (S)

Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 34 n. 73 (2021): Tempos de Pandemia

maio – agosto

Editores

Bernardo Borges Buarque de Hollanda, João Marcelo Ehlert Maia e Thais Continentino Blank (professores doutores e pesquisadores do CPDOC/FGV, Rio de Janeiro, Brasil)

Conselho Consultivo

Angela Maria de Castro Gomes (UNIRIO e PPHPBC/FGV, Rio de Janeiro, Brasil) […]

Secretário

Taynã Martins Ribeiro

Editoração Eletrônica/Capa

Zeppelini Publishers

Revisão

Zeppelini Publishers

Pareceristas ad hoc

Américo Freire (FGV CPDOC); […]

Publicado: 20-05-2021

Edição completa

 PDF

Editorial

Tempos de pandemia

Martina Spohr |  PDF

Artigos

A América Latina, a COVID-19 e as migrações forçadasperspectivas em movimentos, muros epidemiológicos e sombrias imagens

Rafael Araujo, Érica Sarmiento |  PDF

Direito ou privilégio?Desigualdades digitais, pandemia e os desafios de uma escola pública

Renata Mourão Macedo

p.262-280

 PDF

Aprendizagem histórica em tempos de pandemia

Cristiano Nicolini, Kênia Érica Gusmão Medeiros |  PDF

Quando o ser-humano cria, Iku vem à Terraas mediações de Exu, a onipresença da morte e a Covid-19 em dois contextos afro-religiosos

Vítor Queiroz |  PDF

Objetos da quarentenaurgência de memória

Isabella Vivente Perrotta, Lucia Santa Cruz |  PDF

Humanidades digitais e literatura no Twitter“um placebo sanador em tempos de covid-19”

Alejandra Josiowicz |  PDF

Pandemia, “agro” e “sofrência”:jornalismo, propaganda e entretenimento no debate público sobre o modelo agrícola

Luciana Almeida |  PDF

Cronotopias da intimidade catastróficatestemunhos sobre a Covid-19 no Jornal Nacional

Flavia Pinto Leiroz, Igor Sacramento |  PDF

Colaboração Especial

Possíveis futurosCOVID-19 como ponto de inflexão histórico

Andre Pagliarini |  PDF (English)

Entrevistas

Entrevista com James N. Green

Martina Spohr, Ronald Canabarro |  PDF (English)

Divulgação

Teses e dissertações do Programa de Pós-graduação em História, Política e Bens Culturais (PPHPBC) do CPDOC/FGV defendidas em 2020 |  PDF

Agencias y funcionarios de la Argentina peronista (1944- 1955) | Hernán González Bollo e Diego Ezequiel Preyra

Este libro es una producción más que se suma al frondoso corpus de publicaciones que componen la colección “Convergencia. Entre memoria y sociedad”, editada por la Universidad Nacional de Quilmes y dirigida por la Dra. Noemí M. GirbalBlacha. Es otra obra que nos invita a reflexionar sobre el peronismo clásico en términos de continuidad con las gestiones gubernamentales previas. Los autores dialogan con las investigaciones que ponen en primer plano al Estado y estudian sus múltiples facetas: la conformación de agencias, los funcionarios y expertos que las transitaron, los saberes gestados en su interior, las capacidades estatales, entre otras. Asimismo, se vincula estrechamente con las indagaciones sobre los cuadros que conformaron las segundas líneas del liderazgo peronista.

De esta manera, Hernán González Bollo y Diego Ezequiel Pereyra historizan el proceso de conformación de un Estado planificador durante los gobiernos de Edelmiro Farrell (1944-1946) y de Juan D. Perón (1946-1955). El espinel que recorre el libro es entonces la conformación de ese Leviatán, cuyas dimensiones se vieron alteradas con la creación de Ministerios, Consejos, Direcciones y Secretarías, que incrementaron enormemente las capacidades administrativas del Estado. Con ese horizonte por delante, y utilizando herramientas teórico-metodológicas de la sociología histórica y la historia cultural, los autores reconstruyen las estructuras estatales enfocándose en la conformación de agencias y en los elencos de funcionarios y especialistas que las habitaron. Leia Mais

Internacionalismo e história global | Esboços | 2021

Nos últimos trinta anos, o campo da História Global tem fornecido meios para abordagens inovadoras tanto para antigos como para novos temas históricos. Este dossiê continua esta tradição ao focar as lentes da História Global no tema do internacionalismo, que foi marcado recentemente pelo ressurgimento do interesse acadêmico. Pesquisadores como Tiffany Florvil, Adom Getachew, Or Rosenboim, Glenda Sluga e Patricia Clavin ajudaram a ampliar o estudo do internacionalismo para além do Estado-nação, suas políticas externas e instituições internacionais (FLORVIL, 2018; GETACHEW, 2019; ROSENBOIM, 2017; SLUGA; CLAVIN, 2017). Ainda que seus trabalhos continuem engajados nos âmbitos da high politics, eles também introduzem novos atores e espaços, como os internacionalismos das teorias socialistas mundiais na Segunda Internacional (1889-1916), os debates internacionalistas concorrentes na Liga das Nações (1920-1946), e os internacionalismos anticoloniais e anti-imperialistas no contexto da solidariedade afro-asiática e da conferência de Bandung (1955). Novas pesquisas também levaram a discussões em torno do papel crítico desempenhado pelos movimentos transnacionais e transimperiais de mulheres, redes antirracistas e movimentos negros, movimentos globais pela paz, assim como diferentes religiões. Estes diversos temas ilustram as variadas formas de internacionalismo e têm desvendado a infinidade de imaginários políticos da esfera internacional que se desenvolveram durante o longo século XX ao lado e em competição com o nacionalismo e o imperialismo. Estudos recentes sobre internacionalismos também têm levantado novas questões, por exemplo, em relação a diferentes ideias de world making, sobre os meios de intercâmbio internacional e sobre as tensões, limites e exclusões inerentes ao internacionalismo. Estes debates contribuem para o crescimento e a solidificação da História Global como um campo. Leia Mais

El MPN y los otros. Partidos y elecciones en Neuquén/ 1983 a 2019 | Gabriel Rafart

En la provincia de Neuquén, el Movimiento Popular Neuquino (MPN) ganó todas las elecciones ejecutivas durante las últimas cuatro décadas. Diez triunfos electorales consecutivos que le otorgan una doble singularidad: no hubo alternancia en el poder y que se trate de un partido provincial el que protagonizó este largo ciclo hasta la actualidad. Singularidad que distingue a este distrito electoral en relación al concierto nacional. Por dicha razón, la provincia, pero en particular, el partido en el poder, han sido objeto de interés de numerosos investigadores regionales y nacionales, tanto desde la Historia como desde la Sociología o la Ciencia Política, entre otras disciplinas. En revistas, capítulos de libros y congresos, sobre todo durante el siglo XXI, se pueden encontrar estudios que desde diferentes perspectivas e intereses analizan algún segmento de dicha excepcionalidad.

Hace ya varios años, un reconocido politólogo se ufanaba en señalar lo que consideraba, en el marco de la crisis de la democracia de partidos, la pervivencia en el país de solo cuatro organizaciones que aún seguían sosteniendo como tales las características de esos partidos sólidos. Además del Partido Justicialista, la Unión Cívica Radical y el Partido Socialista, el cuarto componente de este selecto lote era el MPN. Dato que adquiere más relevancia aún si tenemos en cuenta que tras la feroz crisis de 2001, la política argentina se ha ido estructurando en la polarización de dos grandes opciones coalicionales: una liderada por lo que conocemos como kirchnerismo y la otra que se consolidó en torno a Propuesta Republicana (PRO). Leia Mais

Secuencia. México, n.110, mayo/agosto, 2021.

Artículos

Formulário médico. Manuscrito atribuído aos jesuítas e encontrado em uma arca da igreja de São Francisco de Curitiba | Heolisa Meireles Gesteira, João Eurípedes Franklin Leal e Maria Claudia Santiago

A interpretação e a materialidade de manuscritos da Época Moderna, conforme a preposição “da” atrás empregada, procura ressaltar que os manuscritos a serem analisados são provenientes do período situado, grosso modo, entre os séculos XVI e XVIII. Não raro esses textos chegam ao presente experimentando autorias diversas, além de intervenções de copistas, proprietários, restauradores e leitores. Portanto, os manuscritos não deveriam ser percebidos hoje como se estivessem simplesmente “na” Época Moderna – eis aí a sutil diferença. A perspectiva vincula-se ao tema da materialidade social, uma apropriação do trabalho de Donald McKenzie sobre a bibliografia entendida como sociologia dos textos (MCKENZIE, 2018). Os textos, enquanto tecidos com textura (conforme a origem latina das palavras), sejam manuscritos ou impressos, possuem uma materialidade a ser estudada. Mas sua matéria é também social e histórica, a ser considerada na análise de um artefato proveniente de outro tempo, que passa por metamorfoses até chegar ao momento atual. Decorre daí a importância de se abordar nas pesquisas o percurso dos documentos – manuscritos ou impressos – em meio a arquivos particulares ou públicos. É fundamental também lidar com as diferentes leituras, por vezes expressas no próprio corpus documental, do objeto, mediante comentários, anotações nas margens etc., ou quando os manuscritos são transcritos, editados e impressos em forma parcial ou integral e passam a ser comentados por leitores vários, assumindo divulgação mais ampla por meio de publicações. Leia Mais

Ganhadores: a greve negra de 1857 na Bahia | João José Reis

O livro Ganhadores: a greve negra de 1857 na Bahia foi lançado em agosto de 2019 e preenche uma importante lacuna da historiografia a respeito das greves promovidas por escravos ou libertos. Como homens e mulheres escravizados viveram o cotidiano da escravidão urbana? O autor, João José Reis (UFBA), especialista em contar como os escravos se revoltavam, nos oferece uma riqueza de detalhes sobre a vida desses homens que resistiram a uma maior exploração dos seus corpos numa grande cidade escrava. O final da história está no título do livro e representa o nome dado a esses homens que ousaram contra a municipalidade soteropolitana: ganhadores, pois também venceram uma batalha que durou 10 dias e que paralisou a cidade de Salvador. Além deles, com esse livro ganharam todos os interessados em discutir a escravidão, o trabalho, a liberdade e a cidadania negra no oitocentos. Leia Mais

Desenfrenada lujuria. Una historia de la sodomía a finales del periodo colonial | Pablo Bedoya

Desde las primeras reflexiones históricas sobre la homosexualidad de León Zuleta en los años de 1970, pasando por los enciclopédicos y eruditos trabajos de Ebel Botero en la década de 1980 hasta llegar a las continuas investigaciones de historiadores profesionales como Walter Bustamante y Guillermo Correa, podemos aventurar la hipótesis de que se ha consolidado una escuela de estudios históricos con alto compromiso político que se centran en la investigación de la homosexualidad en Medellín. Y si decidimos aceptar esta noción, es posible ubicar el libro Desenfrenada lujuria. Una historia de la sodomía a finales del periodo colonial del historiador y magister en Historia Pablo Bedoya en esta tradición académica. El libro, que es una adaptación de la tesis de maestría de Bedoya, se presenta como una respuesta urgente al aumento de discursos homofóbicos que retoman prejuicios antiguos en la actualidad. Desde un inicio el texto es claro en su proyección pública, una característica que es —afortunadamente— cada vez más común en una joven generación de historiadores e historiadoras preocupadas por la relevancia de sus trabajos para el presente.

Dejando clara su motivación, Bedoya establece tres objetivos investigativos que darán a su vez orden capitular al texto. El primero, es el estudio de la invención de la sodomía; el segundo, es el estudio de la puesta en práctica del marco jurídico que la criminaliza; y el tercero, es el estudio de lo que el llamará “márgenes de tolerancia” que se entienden como los marcos suprainstitucionales en donde se desenvuelve la noción. El límite espacial del trabajo, que no se menciona en el título de la obra, es el virreinato de la Nueva Granada, con alusiones a la Edad Media ibérica. Bedoya advierte que los documentos consultados no son un nuevo descubrimiento, pues ya han sido retomados por la historiografía que le antecede y que él reconoce como valiosa. Sin embargo, propone un análisis distinto al distanciarse de la centralidad de la transgresión de los análisis previos, que él aventura, obedece en parte a la naturaleza de las fuentes judiciales. El autor busca ampliar el panorama investigativo respecto a la trasgresión sexual al proponer una visión distinta del estudio de la sexualidad, para lo cual se remonta al debate entre esencialistas y constructivistas de la década de 1980, algo advertido por Guillermo Correa en su prólogo, que funciona como primer diálogo con la historiografía precedente. Leia Mais

Relações militares Brasil-EUA 1939/1943 | Giovanni Latfalla

É difícil imaginar, 75 anos após a vitória aliada na Europa, a vulnerabilidade militar dos Estados Unidos às vésperas do início da Segunda Guerra Mundial. Entre os anos de 1935 e 1939, por exemplo, o governo americano investiu somente 1,5 bilhão de dólares em suas forças armadas, enquanto o Reino Unido, a União Soviética e a Alemanha investiram, respectivamente, 2,5, 8 e 12 bilhões. Mesmo com o sinal de alerta disparado com a Crise dos Sudetos, em 1938, o Tio Sam demorou a iniciar seus preparativos para um novo conflito mundial iminente (LATFALLA, 2019).

Quando a administração federal do então presidente Franklin Delano Roosevelt (1882–1945) passou a considerar seriamente os Estados Unidos no cenário de uma nova guerra mundial, contudo, a história desse país, assim como das nações latino- -americanas, em especial o Brasil, não foi mais a mesma. Leia Mais

The Law of Nations in Global History | Charles Henry Alexandrowicz

Lançada em 2017 pela editora Oxford University Press, a obra The Law of Nations in Global History compreende um compilado de escritos do jurista e historiador polonês Charles Henry Alexandrowicz (1902-1975) publicados no período de 1951 a 1980. A coletânea, organizada por David Armitage e Jennifer Pitts, conta com 432 páginas e faz parte da coleção History and Theory of International Law, de iniciativa de Nehal Bhuta, Anthony Padgen e Benjamin Straumann. A série, que inclui outras publicações relevantes do campo do Direito Internacional Público (DIP), objetiva promover um fórum de debates historiográficos e teóricos, a fim de estimular a consciência histórica, na tentativa de revisitar o passado da matéria para melhor construir seu futuro.

Os organizadores pretenderam, ao publicar a coletânea de escritos de Alexandrowicz, dar maior visibilidade ao trabalho do autor e deixá-lo mais acessível ao público. Esta primeira edição conta com dois prefácios, sendo o primeiro do diretor da série, Benjamin Straumann, e o segundo de B. S. Chimni, professor e jurista de Direito Internacional filiado à escola Third World Approaches to International Law (TWAIL). O texto introdutório, de autoria dos editores da obra, expõe uma visão geral sobre a vida e o pensamento de C. H. Alexandrowicz, no qual o leitor é apresentado a diversos determinantes da biografia do autor que contribuíram para sua postura crítica com relação ao DIP. Leia Mais

Power in the Village: Social Networks/ Honor and Justice among Immigrant Families from Italy to Brazil | Maíra I. Vendrame

O livro de Maíra Vendrame, agora publicado em inglês, é uma versão reduzida de sua tese de doutoramento em história defendida em 2013 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O estudo tem como fio condutor a trajetória do padre Antônio Sório, imigrante italiano que se instalou no núcleo colonial de Silveira Martins, Rio Grande do Sul, na década de 1880. Quase vinte anos depois, em 1900, o sacerdote faleceu em decorrência de um grave ferimento no “baixo ventre”. A “morte trágica” gerou várias versões explicativas na comunidade, as quais foram utilizadas por Vendrame como motivação para adentrar no universo camponês e investigar os costumes do grupo. Desse modo, a morte de Sório aparece como pretexto para pesquisar temas mais amplos, como a emigração da Itália, questões de honra familiar e práticas de justiça camponesas que podiam ou não se relacionar com a justiça do Estado.

As versões sobre a morte do padre são apresentadas já no primeiro capítulo, intitulado Versions of a tragedy. Na noite em que Sório ficou ferido, ele estava em uma das ruas do núcleo colonial, a cavalo, provavelmente retornando para casa. As explicações que circularam entre a população de Silveira Martins defendiam que o sacerdote teria sofrido uma queda do cavalo ou sido vítima de uma emboscada com motivações políticas ou vingativas. Aqueles que afirmavam que havia ocorrido um crime político, sustentavam como mandante a maçonaria, pois essa se encontrava presente na comunidade e travava um conflito de ideias com Sório, defensor e representante da Igreja Católica. Por outro lado, as pessoas que acreditavam em um crime de vingança, declaravam que o pároco havia desonrado uma jovem do lugar. Como não foi aberto um processo judicial para investigar o ocorrido, que talvez pudesse apontar para uma única explicação, os diferentes relatos registrados em entrevistas orais, publicações periódicas e de padres e imigrantes locais, oferecem um horizonte de possibilidades. Leia Mais

Samba, caneta e pandeiro: cultura e cidadania no sul do Brasil | Karla Rascke Leandro

Construída enquanto ilha turística de Santa Catarina, um pedacinho da Europa e lar de uma açoraneidade, Florianópolis, é desvelada historicamente em Samba, caneta e pandeiro: cultura e cidadania no sul do Brasil através de fragmentos e marcas da presença de africanos e seus descentes. Suas experiências cotidianas, formações associativas, projetos de cidadania e manutenção cultural, são apreendidas frente a uma sociedade racializada e marcada pelos estigmas da escravidão, findada com o regime republicano, pautado nos ideais de progresso e civilização.

Em uma narrativa a contrapelo, menos do ponto de vista dos vencedores e mais pelo lócus das lutas, embates e disputas em torno de um cotidiano citadino, a historiadora Karla Leandro Rascke empreendeu esforços notórios numa pesquisa sobre agremiações organizadas por afrodescendentes na capital catarinente, entre os anos 1920 e 1950. O livro é oriundo da sua tese de doutorado que buscou investigar como diferentes associações de origem africana (clubes recreativos; blocos, cordões, ranchos e escolas de samba; grupos de cacumbi; irmandades religiosas; clubes de futebol; comunidades negras) empreenderam ações e articulações de solidariedade e sociabilidades. Leia Mais

História e visualidade no Brasil | Projeto História | 2021

O número 71 da Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História, da PUC/SP é dedicado as complexas relações entre a História e as visualidades no Brasil em diferentes períodos, regiões, grupos étnicos, registros e linguagens. Seguindo Michael Baxandall, interessou-nos uma história “historiadora” da arte, capaz de contemplar o contexto material de cada época, assim como as condições mentais, estéticas e culturais, atentos aos meios institucionais de produção e recepção das artes, em que as interfaces com o Estado e com públicos diversos fossem contemplados. As imagens e as obras de arte possibilitam um caminho de reflexão próprio que contribui para o estabelecimento de narrativas históricas plurais e diversas.

Abrimos o dossiê com o artigo de Elaine Dias e Natália Cristina de Aquino Gomes, intitulado O ateliê como autorretrato do artista: afirmação e tragédia nas artes e nos romances literários brasileiros, analisa as múltiplas facetas da representação do artista no ateliê em diferentes campos, como a arte, a literatura internacional e, ainda, a partir de exemplos brasileiros. Neste estudo, as autoras buscam explorar as intenções e diferenças que se podem verificar na composição dos artistas de suas imagens, mostrando como o local de trabalho dos artistas é também uma maneira de entender seu processo de criativo e modo como o local ocupado pelo artista na divisão social do trabalho é estabelecido. Leia Mais

História da Historiografia | Ouro Preto, v. 14, n. 35, 2021. (S)

Publicado em 2021-04-30 | v.14 n.35 (2001)

Expediente | Expediente

Editorial | Podemos discutir a avaliação aberta em uma disciplina conservadora?

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Artigo de revisão

O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920 | Carlos Fernando de Quadros (R)

Bilros 10 Resenha Crítica
O discurso de Lenin na fábrica Putilov em maio de 1917. Izaak Brodsky, 1929 | óleo sobre tela, Museu Histórico do Estado, Moscou. Reprodução: Hora do Povo |

SCOTT The common wind 25 Resenha CríticaCom “O horizonte vermelho. O impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul, 1917-1920” o historiador Frederico Bartz realiza importante contribuição a diferentes campos de investigação: a história do movimento operário, a história das ideias políticas, bem como a própria seara da história do Rio Grande do Sul. Não obstante, como o próprio autor atenta, o recorte regional deva ser matizado, pois, como o seu objeto impõe, há íntimas conexões entre a história gaúcha e a de outras regiões brasileiras e mesmo de paragens internacionais. Essa é uma distinção de cariz didático, pois um dos méritos do livro é justamente entender tais determinações em um todo articulado. Um momento histórico propício para isso é justamente a conjuntura estudada por Bartz, a do final dos anos 1910.

O momento era de intensas lutas sociais, com o protagonismo da classe operária nos centros urbanos, e de redefinições organizativas e ideológicas. Em tal processo, teve papel fundamental o impacto da Revolução Russa, vitoriosa em 1917. Esse impacto foi objeto de variadas expressões historiográficas, recenseadas por Bartz. É partindo de tal procedimento que seu estudo se distingue de uma divisão interpretativa dominante sobre o período, a qual ultrapassa o campo da produção historiográfica, remontando às próprias divisões políticas gestadas pouco após o processo em tela. Trata-se de duas leituras dicotômicas da adesão anarquista no Brasil ao exemplo russo: em suma, há quem creia que isso se deu por um “engano” dos militantes libertários de então, que desconheciam particularidades das medidas dos bolcheviques, cada vez mais opostas ao ideário ácrata; de outro lado, defende-se que a origem anarquista de parte relevante dos primeiros entusiastas da Revolução Russa se devia a debilidades organizativas do movimento operário de então. A adesão ao comunismo – que se gestou como ideologia no bojo da vitória de outubro –, especialmente com a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922, foi uma modernização política do proletariado brasileiro, que teria alcançado “a verdadeira consciência de classe”. Frederico Bartz critica os limites que ambas as perspectivas acarretam: ao contrário de uma tendência atenta a fatos ocorridos “em outro lugar”, de outra que valoriza ocorridos futuros, “em outro tempo”, ele propõe explicar os impactos da Revolução Russa “[…] a partir das tradições que estes militantes tinham e das lutas que travavam no momento” (p. 30).

Contribui para essa mudança na compreensão do processo o esforço do autor em estudá-lo no espaço do Rio Grande do Sul. Para tanto, atentou especialmente a um corpo documental que compreende jornais e revistas (não apenas gaúchos), panfletos, processos-crime e correspondências. Referências bibliográficas as mais variadas, reforçando o argumento referente à articulação de diferentes espaços. Para além da destacada produção gaúcha referente ao movimento operário, o autor também se apropria de clássicos da historiografia nacional e estrangeira, evidenciando a complexidade do fenômeno.

“O horizonte vermelho” é dividido em seis capítulos, todos intitulados a partir de frases extraídas da documentação consultada. O primeiro, “O círculo que se expande indefinidamente”, trata-se de uma contextualização da Revolução Russa de referência aos processos por ventura aludidos pelos militantes gaúchos estudados. Uma leitura dispensável, portanto, aos leitores familiarizados com o tema.

Em “Hosanna, Hosanna, filha da justiça que vem para nós em nome da liberdade”, o autor estabelece as bases de sua intepretação em torno de uma tradição de militância como terreno no qual as imagens dos ocorridos no Leste podiam vicejar de diferentes formas. Para tanto, foi condição sine qua non apresentar a configuração do movimento operário gaúcho a partir de suas organizações e órgãos de imprensa estabelecidos em 1917, remontando ao período de Proclamação da República. A rivalidade entre socialistas e anarquistas tem destaque aqui, especialmente no que toca às disputas em torno da Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS), sem deixar de discutir centros gaúchos importantes para além da capital. São levantadas as primeiras referências à Revolução Russa no espaço gaúcho e interpretadas a partir das diferenças entre mencioná-las em um comício ou em um texto de intervenção em um jornal, por exemplo. Bartz não omite o caráter indiciário das fontes em discussão, que explora seja na forma de sua circulação, seja no que há de revelador na linguagem e terminologias utilizadas. Expõe, assim, as divergências e similitudes nas primeiras apropriações da Revolução Russa pela militância gaúcha no ardente momento da greve de 1917.

No terceiro capítulo, “A humanidade é um turbilhão e o mundo um crepitar de chamas”, partindo de um maior manancial de documentos, o historiador atenta a um processo de efervescência de lutas operárias no Sul, o que conforma novas leituras do referencial russo. Fundamentalmente, o que ocorria na Rússia era tomado pelos militantes estudados enquanto uma manifestação da revolução mundial da qual os ocorridos gaúchos também eram parte. No exemplo russo, portanto, mais do que uma expectativa, havia uma marcha concreta em expansão, o que é demonstrado pelas publicações de notícias de outros episódios estrangeiros na imprensa estudada (Hungria e Alemanha). Ainda na toada de enfocar as manifestações jornalísticas, o autor relaciona as respostas da militância à apreciação da imprensa burguesa em torno da Revolução Russa. Denunciavam os interesses de classes de veículos como o Correio do Povo. Era uma denúncia que implicava na continuada defesa da experiência russa a partir de argumentos que visavam também legitimar o seu próprio projeto de revolução. Não era apenas o referido cariz burguês que era acusado, mas também as bases do noticiário, como “boatos infundados” e “fontes duvidosas” (p. 121). Por fim, Bartz se dedica à análise dos textos que expressam a “necessidade de analisar a nova situação” (p. 125), escritos que identifica como de opinião editorial, distintos pelo seu caráter “mais doutrinário e teórico do que propriamente informativo” (p. 126). É meritória a explicitação sutil e direta dos critérios de escolha do corpus inquirido. Identifica-se aí uma variedade de impressões, com predomínio das “[…] que ligaram a revolução às lutas políticas e econômicas dos trabalhadores organizados” (p. 136). Resulta-se da análise exposta uma demonstração da fraqueza de uma das hipóteses correntes sobre o fenômeno estudado (o apoio dos anarquistas brasileiros à Revolução Russa como fruto de equívoco).

Um momento destacável em “O horizonte vermelho” encontra-se no quarto capítulo, “Parecerá absurdo que um libertário que tem por lema a paz exclame: Salve a Revolução!”. A exposição aqui adquire caráter distinto, iluminando elementos já abordados, com a aproximação biográfica de militantes com diferentes inserções no processo. A variedade de apropriações que trazem da Revolução Russa é um elemento relevante à compreensão da pluralidade própria à experiência operária no período analisado e no Rio Grande do Sul: “[…] a aproximação com os ideais da revolução foi um processo diferente para diferentes sujeitos, que tinham histórias e tradições diversas” (p. 175). É assim que Bartz se volta para as figuras de Friedrich Kniestedt, Zenon de Almeida, Abílio de Nequete e Carlos Cavaco, sendo eles dois anarquistas, um livre-pensador e um socialista, respectivamente. Foram variadas as suas experiências militantes, para além de questões próprias às trajetórias de vida em geral, fato notório na importante apropriação étnica de Almeida e Nequete. Também foram diversificadas as formas com que travaram contato com as notícias da Revolução Russa e como as ressignificaram de acordo com a sua atuação e inserção política, configurando distintos caminhos no complexo processo que se desenrolava.

Em “A vossa fraqueza é filha da vossa divisão – uni-vos pois! E não haverá força alguma que possa vos enfrentar”, é observada a peculiaridade dos primeiros grupos comunistas gaúchos, a sua inserção no movimento operário local, bem como a sua relação com as organizações assemelhadas do centro do país – o que, por si só, implicou em se concentrar na rede de difusão de informações entre diferentes regiões, objeto histórico importante. Também se avalia como esses grupos participam em um novo tipo de ação política, indício das transformações de vulto em processo. No que toca às particularidades sul-riograndenses, o autor lembra que as associações operárias de cariz comunista surgem mais rapidamente em relação a outras regiões do Brasil, sendo este “o aspecto mais visível do impacto da Revolução Russa”. Bartz retoma experiências efêmeras citadas antes em seu livro, tendo em vista a devida fidelidade factual. Sua atenção às organizações de tipo novo reside no quanto elas expressam alterações em objetivos programáticos, bem em sua inserção nas lutas concretas do período. A variedade regional dos grupos comunistas originais demandou à pesquisa uma atenção dividida entre diferentes centros gaúchos. A relação dos primeiros comunistas do Rio Grande do Sul com seus congêneres de São Paulo e Rio de Janeiro é exposta a partir da narrativa de um episódio pouco lembrado pela historiografia brasileira como um todo: a insurreição de 1919. A experiência, de caráter revolucionário, é abordada especialmente no que toca os novos elementos nela atuantes, como o novo tipo de laços políticos que se estabeleciam e as novas leituras com que militantes como Abílio de Nequete travavam contato.

O último capítulo da obra tem por título “Não se pode descrever o que se passou na cabeça de boa parte de nossos velhos amigos – num piscar de olhos tornaram-se nossos inimigos”. Ele versa sobre um aspecto fundamental do objeto: o refluxo do movimento operário após o agitado triênio inaugurado em 1917 e a crise interna no bojo desse refluxo, manifesta pela radical cisão entre anarquistas e bolchevistas. A recepção do processo russo e de suas notícias estava no centro do conflito. No caso gaúcho, demonstra Bartz, é precoce o imbróglio, sendo “[…] provavelmente um dos primeiros estremecimentos do movimento operário brasileiro causados por este motivo” (pp. 226-227). Um processo mais complexo, contudo, do que as aparências podem sugerir. O autor contempla as experiências e tradições de classe locais, escapando de armadilhas próprias às memórias dos envolvidos, as quais discute com o devido cuidado analítico (pp. 238-239). Outro aspecto fundamental do momento de refluxo das atividades do movimento operário é identificado pelo historiador no esforço repressivo em curso especialmente a partir de 1919. Isso é comprovado por documentos policiais e noticiário da grande imprensa, nos quais localiza o empenho em não apenas desmerecer a experiência russa, mas especialmente criminalizar as associações operárias, que se manifestavam em um crescendo, tanto no vulto de suas atividades quanto na radicalização de sua linguagem. Por fim, apresenta-se o estudo das disputas internas do movimento operário gaúcho a partir das lutas desenvolvidas no seio das organizações locais, processo que o autor interpreta a partir da hipótese das sequelas da repressão há pouco citada, bem como das discordâncias em torno da atuação nas instâncias internas a esses trabalhadores. Essa explicação – não resta dúvida – reforça a constante matização de outras que atribuem as cizânias entre anarquistas e os recém constituídos comunistas apenas aos debates internacionais.

É relevante a leitura de “O horizonte vermelho” para todas e todos que se interessem não só pela história do movimento operário, mas também pela história política e das ideias no período abordado. O autor soube reutilizar em diferentes momentos de seu estudo as mesmas fontes, o que em nada tornou maçante a sua narrativa, pois interrogava-as de acordo com diferentes aspectos do complexo processo investigado, conseguindo, portanto, extrair distintas informações de um mesmo documento ao sabor da determinação à qual atenta. Elabora-se, assim, uma relevante explicação em torno de um momento decisivo na conformação de um importante ator da cena histórica brasileira que se desenvolvia.

Carlos Quadros – Doutorando em História Econômica e Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Substituto do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), Campus Itaquaquecetuba. E-mail: carlosfquadros@gmail.com.


BARTZ, Frederico. O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul, 1917-1920. Porto Alegre: Sulina, 2017. 319 p. Resenha de: QUADROS Carlos Fernando de. Um capítulo na história da esquerda brasileira: o impacto da Revolução Russa no Movimento Operário Gaúcho. Projeto História. São Paulo, v.70, p.340-345, jan. / abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

Escritas do Tempo. [Marabá], v. 3, n.7, 2021.

Dossiê – Amazônia, Fronteiras e Diversidades

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Publicado: 2021-04-30

Gordos, magros e obesos: uma história do peso no Brasil | Denize Bernuzzi de Sant’Anna (R)

SANTANA Denize 2 Resenha Crítica
Denise Bernuzzi de Sant’Anna | Foto: Editora Contexto |

SANTANA D Gordos magros e obesos1 Resenha CríticaSobre o corpo delineamos nossas identidades e, com ele, perfazemos as nossas vivências. Experimentamos nossas relações socioculturais com a pele e com todas as nossas marcas sensoriais: cheiramos, ouvimos, degustamos, tocamos e percebemos o mundo em suas multiplicidades com a história de nosso corpo, pelo o qual transparecemo-nos, também, por meio da arte, desde tatuagens e piercings a performances e marcas discursivas. Com o corpo, apresentamo-nos à vida. Porém, se aquilo que transmitimos com nossa imagem destoa do que é vigente, do que é a ‘voga’ de um tempo, vemos nossas identidades em xeque.

Nos aeroportos, nos parques, nas estações de trem e ônibus, pessoas que não se enquadram nos moldes – tracejados pelos cartazes, outdoors, variadas propagandas contemporâneas, embalagens e invólucros dos atuais espaços públicos – sentem-se fora de seu lugar: do obeso que, para se sentar em uma fileira num cinema ou num assento de ônibus coletivo, ouve as agressões e piadas sobre o seu tamanho, às magérrimas meninas, que são impulsionadas a seguir sempre magérrimas para serem aceitas em seus grupos sociais. As cidades do século XXI criam seus espaços de exclusão rotineiramente por meio de símbolos: semideuses personificados em roupas de marcas, ícones da perfeição estética que ditam os padrões de beleza e alimentos que são in [1] criam os cenários de estigmas sociais.

Como o gordo se sente nesse meio? Qual é a história da obesidade neste país? Que instrumentos a indústria alimentícia (com a força da indústria cultural da propaganda de massa) lança mão a seu favor? Não seriam antagônicas e incoerentes as imagens midiáticas que se proliferam no cotidiano das cidades, em relação aos corpos das pessoas? Do outro lado dos problemas relativos à obesidade, como a anorexia e a bulimia estão transformando mulheres, em especial jovens, em face ao estado de temor de serem percebidas como gordas?

Perguntas como essas são levantadas no livro de Denise Bernuzzi de Sant’Anna, Gordos, Magros e Obesos: uma história do peso no Brasil, publicado pela Estação Liberdade (2016, 184 p.). Professora e emérita pesquisadora livre-docente de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Denise B. de Sant’Anna, há alguns anos, dedica-se às pesquisas sobre a história do corpo, da higiene e das relações entre o corpo e subjetividade, destacando-se por seus artigos publicados nos mais acessados periódicos, além de suas organizações de livros históricos e sociológicos que trazem tais temáticas à vista da comunidade acadêmica.

Já na apresentação, a autora joga-nos em um acontecimento, no mínimo, ambíguo da vida na Corte: numa quermesse que se deu no Cassino Fluminense em 1886, a família imperial promovera uma festa que duraria dias, com toda a fartura de alimentos e com o intuito de arrecadar fundos para os mais desamparados e famintos da sociedade carioca. Regada de ceias gordurosas, vinhos e todas as formas de quitutes, os nobres e a realeza se fartaram no banquete, num desfile de seus corpos opulentos e vantajosos: “Os Orleans, Bourbons e Braganças ainda podiam sentir orgulho por serem pesados” (SANT’ANNA, 2016, p. 12). Era uma cultura alimentar do peso que se refletia como poder: no século XIX e no começo do século XX, a correlação entre o excesso ou baixo peso e a distinção de classe social era nítida.

No primeiro capítulo, intitulado Triunfo da gordura e medo da penúria, vale destacar a notável pesquisa história da autora, buscando em fontes de jornais e revistas da época, como O Paiz, Fon-Fon, Careta, etc., material relevante para o entendimento das representações que o corpo de magros e obesos adquiriram com o decorrer do século XX (valendo-se das propagandas, charges, poemas, paródias e notícias). De um lado, o corpo gordo, algumas vezes, era representado pela imagem do animal para abate (o gordo era o ‘boi’, ‘o porco’, ‘o leitão’), por outras vezes, como elementos geométricos de circunferência ampla (eram os ‘homens-balões’ e as mademoiselles Zeppelin, ou senhoritas Zepellin); por outro lado, até meados do século XX, a imagem do homem gordo ainda resistia como símbolo da riqueza e ostentação. Entre as imagens circenses, cômicas e inusitadas do corpo de homens gordos e mulheres obesas, Sant’Anna (ibid., p. 24-25) aponta o fardo social que se representava nesse período histórico: o tamanho corporal como uma ranhura nas identidades de pessoas, que culminaria no crescimento da epidemia da obesidade no final do século XX e começo do século XXI.

Dos campeonatos de comida às mudanças do uso das palavras como ‘guloseima’, ‘gulodice’ e o aparecimento da palavra ‘gastronomia’ no vocabulário das cidades, o peso corporal, durante anos, demarcou as identidades sociais e de classe no país. De um lado, o gordo corpulento que possuía as economias para se abastecer, enchendo as prateleiras de seu “corpo-armazém” (ibid., p. 39); de outro, a figura do magricela, muito bem representada pela personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato, era percebida como a imagem do insalubre e sem prosperidade, alvo das propagandas inescrupulosas de elixires e xaropes messiânicos: como o remédio Sargol que “era possível encher o corpo e ganhar entre cinco e sete quilos de ‘carne sólida e permanente'” (ibid., p. 35). Válido ainda notar o trabalho investigativo de Sant’Anna sobre as ofensas direcionadas às pessoas magras deste período, além da crítica ao modo como se subjugavam as mulheres à função de reprodutora da família (ibid., p. 50), que eram válidas pelas suas ‘ancas’ bem torneadas.

Ao final desse capítulo, a autora retrata a imagem da ‘criança robusta’, divisora de águas da relação entre o gordo e o magro no imaginário cultural que havia se consolidado inclusive no cinema (o famoso filme O gordo e o magro, em inglês, The Lucky Dog, de 1921). Denise B. de Sant’Anna analisa também as imagens de bebês que deixaram “à margem da história e à sombra do sucesso os bebês e crianças julgados magricelas, assim como as mães que ignoravam as leis básicas da boa nutrição” (ibid. p. 59-60). De fato, os magros eram enxotados da representação de uma nação cuja imagem corporal era um desejado espelho da ‘robustez’.

Porém, com o avanço da industrialização no país, a percepção da imagem sobre o gordo será reinterpretada e redesenhada [2]. No segundo capítulo, Vergonha de ser gordo, a imagem do homem obeso é dada como descartável, inapta ao momento histórico em que o corpo (agora o ‘corpo-termodinâmico’, ‘corpo-máquina'[3]) se tornaria sinônimo de energia a ser bem empregada no progresso e na produtividade, especialmente, no dispêndio de forças e energias nas fábricas.

Após 1930, o corpo agora tinha à sua frente a figura do sportman, i.e., o homem esportista, saudável, aquele que seria esculturalmente preparado para os desafios da sociedade. O ‘corpo-armazém’ começava a ser questionado face aos perigos dos excessos do peso: o obeso se tornava um fardo estético e social. Surgem nos jornais os regimes e cardápios para emagrecer e a balança se tornaria o fantasma de muitos que destoavam da imagem sugerida pelas propagandas da época (ibid., p. 77).

A representatividade da ‘barriga’ dos brasileiros que a professora traz é considerável. Até a metade do século XX, ter uma barriga avantajada condicionava valores sociais, políticos e afetivos: relacionava-se com o status quo na figura de políticos; como a imagem do bem-sucedido; como o símbolo de um casamento feliz, em que o lar era bem abastado e abastecido; e como chamariz da economia local, representada pelos restaurantes que indicavam que ali se comia até “ter que abrir o cinto” (ibid. pp. 87-89).

Se de um lado, o grande peso corporal masculino foi mais resistente no século XX, a imagem corporal feminina tendeu a se transformar: é a passagem da imagem da ‘matrona’ do começo do século XX à delgada senhora do lar, aquela que não perde a graça da formosura do corpo esbelto, mesmo sendo relegada ao espaço privado e à reprodução da família. Tem-se, portanto, uma nova relação entre o corpo e a estética: é a explosão, nesse cenário, das cirurgias plásticas nas barrigas de mulheres que tiveram filhos, o aparecimento da lipoaspiração e a crescente exploração da imagem feminina para a criação de um padrão de beleza que só se consolidaria por meio das inúmeras dietas ofertas semanal ou diariamente em magazines, as revistas voltadas para as donas de casa da época.

É sobre isso que, no terceiro capítulo do livro, Do sonho da fartura à realidade das dietas, Denise B. Sant’Anna discorre. A primeira problemática se dá com relação às propagandas vinculadas à alimentação na metade do século XX: o american way of life (estilo de vida americano, estadunidense) cresce, consideravelmente, na sociedade brasileira, com a promoção de alimentos industrializados e uma variedade cada vez mais inovadora de aparelhos técnicos e eletrodomésticos voltados para o ambiente da cozinha de uma casa. Se se mudava, dia após dia, a estética da casa, principalmente, da arquitetura das cozinhas, a nova dona do lar também deveria se transformar, conservando a beleza estética e a elegância de uma mulher magra, como as propagandas em revistas dos anos 50 e 60.

O Brasil assistiu à ascensão das lanchonetes, nos anos de 1970 e 1980, e, com ela, a adaptação da alimentação de sua população, em especial, nos grandes centros urbanos. Um novo nicho mercadológico surge, o da alimentação das crianças: as pequenas bolsas de couro, que eram as lancheiras e merendeiras das crianças, darão lugar às de plástico e adesivadas com personagens do imaginário infantil, com garrafas térmicas e divisórias internas. Público-alvo de um mercado em expansão, as crianças tiveram sua alimentação redirecionada e recondicionada.

Ao lado dessa indústria de propaganda, o corpo feminino também era repensado: a moda excluirá os que não tinham o peso ideal, as farmácias passam a vender inúmeros produtos para o extermínio das celulites e remédios para emagrecimento, a comida diet e light (livre de açúcares e de baixa gordura) entrarão no jogo da luta contra o corpo obeso temido, e as revistas masculinas (como uma das mais conhecidas, a Playboy) celebravam, semanalmente, a estética da beleza corporal feminina a ser seguida. É a ambivalência da passagem histórica do corpo magro, antes execrado, agora o modelo idealizado de perfeição: “‘A magra de ruim’ aproximou-se da imagem dos bons hábitos alimentares. Também no universo erótico, a mulher emagreceu” (ibid. p. 120).

No quarto capítulo, Entre liberdades e patologias, as questões serão direcionadas à saúde do corpo: da obesidade, que é um fator crescente, verificado por dados e estatísticas na população brasileira, desde o final do século XX e começo do XXI, à presença dos corpos anoréxicos e do aumento da bulimia entre jovens.

Um número sem fim de dietas e remédios, a psicose da ‘lipofobia’ (o medo da gordura, de ser ou estar gordo), a preocupação com o meio ambiente e a alimentação, o mercado de inibidores de apetite, os adoçantes, as mudanças conceituais da nutrição (‘sobrepeso’, ‘obesidade mórbida’, ‘obesidade em graus’, etc.), a cirurgia bariátrica e os programas televisivos atuais[4] formam um cenário de temor ao peso, que estigmatiza aqueles que sofrem com a obesidade e cria um espetáculo do terror em jovens (em sua maioria, as mulheres), que se veem levadas a mudanças drásticas em sua alimentação, tornando-se anoréxicas ou sob o distúrbio da bulimia[5].

Emblemático, dualista, ambíguo: o corpo contemporâneo está no limiar de uma guerra simbólica. De um lado, o cortejo por uma sociedade mais ativa na saúde surge como uma saída para a luta contra o mal-estar com o corpo, por meio das inúmeras campanhas que apontam a necessidade de se exercitar continuamente, fazer caminhadas, corridas pelas cidades, passeios ciclísticos, além da ascensão das academias de ginástica e dos seus personal trainers (símbolos de profissionais que encenam uma perfeição estética a ser atingida). Do outro lado, encontram-se as explosões de lanchonetes, praças de alimentação [6] repletas de fast-foods [7], alinhadas ao encarecimento da alimentação saudável e ao tempo escasso para a massa populacional poder se cuidar. Com isso, vemos que a obesidade atinge proporções epidêmicas, principalmente, hoje, entre as famílias mais carentes, cujo acesso à alimentação fitness (saudável, natural, livre de gorduras e açúcares) é uma miragem.

Alimentar é, também, um espetáculo midiático. Sant’Anna apresenta, ao final, uma discussão sobre o aumento de programas televisivos de culinário, varandas gourmet e Food Trucks (carros que oferecem comidas rápidas, como hambúrgueres, lanches, bebidas alcóolicas, etc.), que oferecem mais do que o alimento: privilegiam a “experiência da alimentação” (ibid. p. 122), obviamente, a um preço mais ‘calórico’ do que em ambientes e restaurantes mais populares. Surge o ‘coaching alimentar’, que, mais do que o nutricionista, é símbolo do fetiche e da incapacidade de bem-estar autônomo com o corpo.

Do século XIX ao XXI, a passagem histórica sobre o corpo dos brasileiros é o sinal das transformações comportamentais e da cultura alimentar de um povo. Em O peso da história, último capítulo do livro, encontramos uma síntese da pesquisa histórico-discursiva da autora: as representações sobre o gordo e o magro, a mudança nos hábitos e na cultura alimentar brasileira, além da problemática da crescente obesidade nacional e os distúrbios da bulimia e anorexia.

De fato, os corpos de obesos, assim como o corpo marcado pela anorexia e bulimia, são representativos de um cenário de estigmatização. Diferentes, fora do padrão, alienados, espaçosos, desproporcionais e estranhos, tais pessoas convivem, cotidianamente, com os olhares maliciosos e preconceituosos.

A obesidade é uma distinção corporal que traz cenas repetidas de exclusão nas relações sociais, tanto na família, na escola, nas relações trabalhistas, na vida afetiva e sexual. O corpo obeso é percebido como corpo em negação, corpo estranho, sujeito à segregação e estigmas sociais: corpo transgressor, pois viola as regras de uma, dita, correta, boa e certa alimentação; que vive em eterno descontrole dos desejos, numa ansiedade constante, já que “o obeso (seu corpo o trai) passa por alguém que come mais do que os outros, mais do que o normal, numa palavra: mais do que sua parte” (FISCHLER, 1995, p. 74).

Assim, com Denise B. de Sant’Anna, aprendemos que o corpo é terreno de lutas simbólicas, com discursivas batalhas que encenam as representações em torno do que é o poder, o sucesso e a felicidade na sociedade. De fato, o livro Gordos, magros e obesos: uma história do peso no Brasil é uma obra referencial e que traz um estudo de significante valor e pauta para as discussões nas cadeiras das ciências humanas e sociais que voltam-se para as pesquisas das relações entre ‘corpo’, ‘história’ e ‘gênero’.

1. Em outras palavras, alimentos, roupas e acessórios que são aceitos socialmente; vale apontar que aqueles não os conhecem estarão out, fora dos padrões da, dita, normalidade.

2. Georges Vigarello (2012, p.10) assim sintetiza sobre a passagem da imagem do corpo gordo como símbolo de riqueza e poder para o de problemático: “(…) Prestígio e modelo mudaram: as antigas tabelas de alimentos empilhados desaparecem, o acúmulo alimentar já não é sinal de força, mas sim de descuido ou grosseria. A história do gordo está ligada a essas reviravoltas. O desenvolvimento das sociedades ocidentais promove o afinamento do corpo, a vigilância cerrada da silhueta, a rejeição do peso de maneira mais alarmada. O que transforma o registro da gordura, denegrindo-a, aumentando o seu descrédito e privilegiando insensivelmente a leveza. A amplitude do volume afasta-se cada vez mais do refinamento, enquanto a beleza se aproxima mais e mais do que é magro, esguio”.

3. O estudo de Denise Bernuzzi sobre essa passagem histórica da representação do corpo está inserido em “Corpo e História” (In: SANT’ANNA, 1995).

4. Por exemplo, ‘The Biggest Loser‘ (‘O Grande Perdedor’) e ‘Quilos Mortais, ambos transmitidos no Brasil pelo canal Discovery Home & Health.

5. Os casos apresentados por Sant’Anna (ibid.p. 147-148) retratam as mortes de duas modelos, Isabelle Caro, francesa, 28 anos, e Ana Carolina Reston, brasileira, 21 anos, ambas vítimas da anorexia.

6. Nos espaços de alimentação como praças, em shopping centers, perdemos nossa capacidade de se relacionar cultural, geográfica e sazonalmente com a comida.

7. Sobre a indústria do fast-food, o filme “A dieta do palhaço” (2004) apresenta uma experiência que retrata a precarização nutricional dos alimentos ricos em gordura, sódio e carboidratos. Fast-food é alimentação rápida, com alto teor calórico e de açúcares. Também é denominada de junkie-food, i.e., uma ‘comida lixo’.

FISCHLER C. Obeso Benigno, Obeso Maligno. In: SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de (org.). Políticas do Corpo. São Paulo: Liberdade, 1995. p. 69-82.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpo e história. Cadernos de subjetividade. Núcleo de estudo e pesquisa da subetividade – Programa de estudo de Pós-graduação em Psicologia Clínica – PUC/SP, 1995 (2), p. 243-266.

SUPER size me – A dieta do Palhaço. Direção de Morgan Spurlock. EUA: The Con, 2004. 1 DVD (98 min.)

VIGARELLO, G. As metamorfoses do gordo: história da obesidade. Petrópolis: Vozes, 2012

Renato Marcelo Resgala Júnior – Graduado em Letras pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Santa Marcelina em Muriaé-MG; Mestre em Letras pelo PROMEL: Teoria Literária e Crítica da Cultura, na Universidade Federal de São João Del Rei-MG; Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense – Darcy Ribeiro (UENF), em Campos dos Goytacazes -Rio de Janeiro. Membro do ATEGEN – Ateliê de Gênero do Centro de Ciências do Homem (CCH- UENF). Bolsista CAPES-Cnpq. E-mail: renatoresgalajr@gmail.com


SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Gordos, magros e obesos: uma história do peso no Brasil. 1. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2016. 184p. Resenha de: RESGALA JR Renato Marcelo. À mesa fata, a fome e a gula: corpos brasileiros e sua história, por Denise B. de Sant’Anna. Projeto História. São Paulo, v.70, p.346-354, jan. / abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

História e Fotografia – modos de ver e contemporaneidades | Projeto História | 2021 (D)

Projeto Historia Historia e fotografia1 Resenha Crítica

O caráter fluido da imagem fotográfica e a escrita da História são o tema deste dossiê. As interfaces históricas com a imagem técnica estática, analógica e/ou digital, são apresentadas em oito reflexões que emolduram discussões sobre as realidades e ficções erigidas a partir de recortes bidimensionais do mundo. Gestados em diferentes partes do Brasil, os artigos que seguem são um convite ao debate sobre modos de ver e regimes de visibilidade plurais.

A acuidade das histórias das imagens, de suas inscrições seminais, não compete a um consenso. Interessa-nos a partilha à Agamben sobre a contemporaneidade e o que nos cerca, nos aproxima, nos afasta. Interessa-nos o Kairós dos contos das imagens e seu tempo antagônico àquele de Cronos, a fim de evitar a nostálgica simbólica dos tempos idos e perceber o tempos vividos e não vividos por nós, suas agitações tempestuosas que incomodam e nos espaçam de uma noção de tempo peremptória.

A despeito de quase 200 anos de sua “descoberta”, a fotografia continua a despertar interesse e fascínio. Lançar luz sobre leituras imagéticas interseccionais, pois, se faz atual e urgente, especialmente diante da ascensão do seu alcance decorrente do ampliado acesso às mídias eletrônicas a um toque de distância, com a expansão de conexões sensíveis que ultrapassam mesmo a lógica dos hyperlinks e impactam nossos corpos.

Inicialmente, Boris Kossoy, pesquisador que figura entre os mais citados para pensar a fotografia no Brasil (Azoubel, 2019), problematiza a trama das representações fotográficas, suas realidades e ficções. Em “Fotografia e História”, ele examina de que forma a fotografia digital exacerba o potencial ficcional e estético das imagens e nos faz avançar sobre as reflexões que têm alicerçado investigações sobre o tema há mais de duas décadas.

Partindo dos “tipos” e “paisagens” contidos nos cartões-postais da coleção do cartofilista Augusto Oliveira, Cibele Barbosa reflete sobre um regime de visualidade marcadamente influenciado pela reprodutibilidade técnica da imagem. Em “De orientes e áfricas: visualidades coloniais nas imagens” ela sopesa tais registros para analisar o culto ao exótico e os olhares transnacionais sobre o “outro”.

Igualmente basilar para o estudo das imagens técnicas, a multitemática Lucia Santaella nos brinda com a discussão acerca dos registros gerados e/ou modificados com uso da tecnologia digital. Tratam-se, diz ela, de argumentos sobre as “incertezas conceituais acerca das categorias ontológicas e semióticas da fotografia” que decorrem de sua natureza metamórfica observada à luz da noção de “aparelho”, de Vilém Flusser.

Esse teórico é, aliás, a ponte para pensar o inconcebível na imagem de Joe Heydecker. Diogo Andrade Bornhausen apoia-se em escritos flusserianos ainda inéditos para tratar da fotografia como meio para uma crítica à imaginação banalizada por meio da problematização do fotodocumentário sobre as condições vividas pelo povo judeu no Gueto de Varsóvia (1941) como via para entendimento da realidade.

Rodrigo Leistner e Sílvia Mateus, por sua vez, ponderam sobre redes sociais, história e memória afrorreligiosa no que consideram híbrido de álbum fotográfico e diário: o Facebook. Ele e ela questionam como aquela comunidade faz uso dessa tecnologia para divulgação cultural de religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul a partir de uma vídeo montagem de várias fotografias antigas.

Na esteira da constituição da memória, Francisco Alves Gomes, José Victor Dornelles Mattioni e Maria Conceição de Sant’Ana Barros Escobar nos estimulam a refletir sobre a trajetória das fantasmagorias do passado no acervo da família Fortunato, constituído entre os anos de 1920 a 1990, suas fotografias, santinhos e recortes de jornais descartados, de São Paulo à Roraima.

Seguindo para Londrina, o Paulo César Boni compartilha entusiasmado relato sobre a história da cidade fotodocumentada de 2001 a 2020. O amor pelos espaços urbano e rural por meio de micro-histórias visuais plurais é arrazoado a partir das transformações paisagísticas eternizadas nos registros de projeto original desenvolvido pelo Curso de Especialização em Fotografia da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Finalmente, os contornos entre Arte e Imaginário são debatidos sob a égide das influências renascentistas sobre a fotografia jornalística contemporânea e a partir do pensamento da pensadora Susan Sontag. Em “Fotojornalismo: entre a História, a Arte e o documental”, Vinicius Guedes Pereira de Souza e Maria Eugênia Sá Martin da Natividade discorrem sobre como registros de crises nacionais e internacionais são inspirados e/ou derivados de obras clássicas que habitam o imaginário coletivo. Eis um menu de encher os olhos e provocar a mente, não?!

Na seção de artigos livres, encontram-se elencados quatro textos que versam sobre racismo e esporte, na pesquisa que aborda a Liga de Futebol que homenageia José do Patrocínio, de autoria de Christian Ferreira Mackedanz, Daniel Vidinha da Silva, Luiz Carlos Rigo. Nesse texto, a importância daquela liga é abordada no momento pós-abolicionista na cidade sul rio-grandense para os operários e negros de baixa rende em face ao elitismo local a partir da comunicação como objeto de pesquisa, por meio de jornais e periódicos.

Em seguida, Nelson Tomelin Jr. e Maria do Rosário da Cunha Peixoto escrevem sobre a cidade amazônica de Coari e o impacto resultante dos mutirões que pleiteavam moradia própria, advindos do campesinato em busca de solo firme, evitando os estragos das enchentes dos rios. Em “É Uma Comunidade. É Uma Coisa Comum”, os testemunhos orais e as memórias traduzem os modos de viver e ser desses trabalhadores.

Ainda sob a ótica da memória enquanto ethos, Marcella Gomez Pereira, Felipe Eduardo Ferreira Marta e Edson Silva de Farias lançam luz à formação de movimentos sociais e à reforma agrária na parte sul da Bahia: suas relações com as técnicas agroecológicas durante os processos de ocupação, bem como o papel da educação como ferramenta de transformação em contextos de conflitos de terras.

“E isto atéqui tive que vos escrever por vosso avisamento”, quarto e último artigo da seção, é assinado por Jerry Santos Guimarães e Marcello Moreira e versa sobre a análise do segundo cronista-mor da corte portuguesa, Gomes Eanes de Zurara, no período medieval.

Duas resenhas encerram este volume da Projeto História. Na primeira delas, “Um capítulo na história da esquerda brasileira”, o livro “O horizonte vermelho” é abordado. Publicado pela Editora Sulina, em 2017, e assinado por Frederico Bartz, o texto é enfocado por Carlos Quadros. Na sequência, a análise de “Gordos, magros e obesos”, de Denise Bernuzzi de Sant´Anna, publicado pela editora Estação Liberdade, em 2016, por Renato Marcelo Resgala Júnior em “À mesa farta, a fome e a gula”.

Desejamos que você, cara leitora/leitor, aprecie a leitura deste conjunto de ideias.

Até breve,

Estefania Knotz Canguçu Fraga (PUC-SP)

Maria Thereza Soares (IEMA/ UERJ)

Diogo Azoubel (Seduc-MA/PUC-SP)


SOARES, Maria Thereza; AZOUBEL, Diogo. Apresentação. Projeto História. São Paulo, v.70, p.3-6, jan. / abr. 2021. Acessar publicação original [IF]

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Amazônia, fronteiras e diversidades | Escritas do Tempo | 2021

Quais ventos são esses que trazem esse dossiê sobre a Amazônia na Revista Escritas do Tempo? São ventos que sopram o vigor e o frescor da produção do conhecimento histórico produzido nos programas de pós-graduação em História espalhados pela região amazônica! Sem dúvida este número da revista que apresentamos amplia um processo iniciado há algumas décadas atrás com a criação de programas de mestrado e depois de doutorado na UFPA e UFAM.

Hoje os programas de pós-graduação em História estão em inúmeras universidades públicas do outrora chamado Vale Amazônico, como é o caso da UNIFAP, da UNIFESSPA e da UFMA (que integra a região de abrangência da Amazônia Legal). O processo em questão impacta, de maneira decisiva, num conhecimento histórico sobre o passado amazônico que está a todo o momento sendo debatido e revisto, conectando experiências dos diversos centros produtores do saber histórico. Por essa razão esse dossiê celebra exatamente esse momento vivido por todos nós. Leia Mais

Patrimônios difíceis e ensino de História: uma complexa interação | Revista História Hoje | 2021 (D)

Campo de Concentracao PATU CE1 Resenha Crítica

Patrimônios difíceis e ensino de História: uma complexa interação Difficult Heritage and History Teaching: A Complex Interaction Cristina Meneguello* Daniela Pistorello** Os patrimônios difíceis – também conhecidos como patrimônios sombrios, dissonantes, marginais ou da dor – remetem a locais associados ao sofrimento, à exceção, encarceramento, segregação, punição e morte (LOGAN e REEVES, 2009).

Tais patrimônios podem reunir a função de memorial ou de local de peregrinação com a finalidade de rememoração coletiva e de reconhecimento de direitos e de reparação. Na forma de memoriais espontâneos, monumentos oficiais ou museus memoriais, esses lugares que se referem ao “passado que não passa” adquirem uma função de educação pública ou revitalização urbana (MENEGUELLO, 2014 e 2020). Tais patrimônios associam-se, ainda, à definição de dark tourism (ou turismo sombrio, FOLEY e LENNON, 1996): mais de um milhão de pessoas visita, anualmente, os campos de concentração nazistas; 200 mil pessoas por ano visitam a casa de Anne Frank em Amsterdam, Holanda. Ainda, os bens materiais e as memórias a eles associadas, quando não fazem parte da celebração tradicional do patrimônio nacional, podem ser considerados como patrimônios difíceis. Leia Mais

Ars. São Paulo, v.19, n.41, 2021.

EDITORIAL

  • Editorial
  • Cláudio Mubarac, Dária Jaremtchuk, Dora Longo Bahia, Liliane Benetti, Sônia Salzstein
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ENSAIOS VISUAIS

ARTIGOS

TRADUÇÕES

DIÁLOGOS COM A GRADUAÇÃO

PUBLICADO: 2021-04-30

Pacientes que curam: o cotidiano de uma médica do SUS | Júlia Rocha (R)

Bilros 4 Resenha Crítica
Júlia Rocha | Imagem: Canal Júlia Rocha |

Critica Historiografica capas 9 Resenha CríticaEstá expresso na constituição brasileira, conhecida como constituição cidadã, promulgada em 1988, que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” [2]. Entretanto, para que a saúde se tornasse direito de todos e dever do Estado houve um longo processo de reformas e lutas políticas e sociais. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o coroamento desse processo, já que a saúde como um direito da população pode ser acessada por meio dele um sistema que se pretende “público, universal e descentralizado” (PAIVA & TEIXEIRA, 2014). Fortalecê-lo, portanto, é assegurar que brasileiros e brasileiras possam exercer plenamente a sua cidadania.

O livro “Pacientes que Curam: O cotidiano de uma médica do SUS”, não narra uma experiência ou um ambiente exclusivamente de assistência hospitalar – como o título pode sugerir. Em vez disso, nos apresenta as vivências de Júlia Rocha – mulher, negra que trabalha como médica de família e comunidade no SUS [3] – com pouco mais de 10 anos de carreira. Graduada em medicina no ano de 2010 e com residência médica concluída em 2015, a autora destaca a partir de sua formação e experiência profissional que o “cuidado em saúde é algo impossível de se fazer só” (ROCHA, 2020, p: 301). Assim, embora o livro não faça referência à história institucional do SUS, ele nos apresenta questões fundamentais para a reflexão sobre a importância desse sistema e sua atuação diante das mais profundas contradições brasileiras. Leia Mais

Guerra Fria: História e Historiografia | Sidnei José Munhoz (R)

Bilros 5 Resenha Crítica
Sidnei José Munhoz | Foto: Jornal da UEM |

Critica Historiografica capas 10 Resenha CríticaA obra Guerra Fria: História e Historiografia, de Sidnei Munhoz, foi lançada em 2020 pela Appris Editora com o objetivo de apresentar não somente os principais eventos desse conflito que marcou o século XX (1947-1991), mas também um balanço historiográfico sobre o tema. O objetivo desse trabalho é resenhar esse livro, fruto de anos de pesquisa do autor, que se tornou um dos maiores especialistas sobre o assunto no Brasil.

Munhoz é pós-doutor pela Brown University e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em História Contemporânea e doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. É professor visitante sênior do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina e professor voluntário do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Maringá. Foi research student da The London School of Economics and Political Science (1995-1996). Dentre suas obras podemos citar Cidade ao avesso: desordem e progresso em São Paulo no limiar do século XX (2015), além de atuar como um dos organizadores da Enciclopédia de Guerras e Revoluções do século XX (2004) e do livro Impérios na História (2009). Por fim, atua como coordenador do Opening Archives Project em uma parceria com James Green e a Brown University. Leia Mais

Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 | Heather Dichter (R)

DICHTER Heather 2 Resenha Crítica
DICHTER H Soccer Diplomacy1 Resenha CríticaHeather Dichter | Foto: The Hithacan |

Nas últimas duas décadas, as pesquisas sobre a relação entre futebol e ciências sociais se desenvolveram de forma célere no Brasil. Um aspecto, entretanto, permaneceu à margem das principais monografias: estudos sobre diplomacia, relações internacionais e esporte (Suppo, 2012, p. 397-433). O impacto da chamada década esportiva,1 momento em que o esporte estava na ordem diplomática, não se refletiu no aumento de estudos sobre o assunto no país. Na literatura internacional, porém, o panorama é distinto. Em 2014, os historiadores Heather Dichter e Andrew L. Johns editaram Diplomatic games, livro sobre a relação entre esporte, agência estatal e relações internacionais. Na conclusão, Thomas Zeiler apontava uma lacuna: nenhum capítulo sobre futebol em um volume hegemonizado por historiadores dos Jogos Olímpicos (Zeiler, 2014, p. 443). Seis anos depois, em uma resposta à altura da provocação de Zeiler, Heather Dichter traz ao público nova coletânea – Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 – dedicada exclusivamente ao esporte mais popular do mundo.

Soccer diplomacy percorre contextos geográficos múltiplos – Ásia, África, Europa, Oceania, América do Sul, Estados Unidos e Caribe – para refletir sobre as relações entre futebol e diplomacia. No total, são dez capítulos, além de uma introdução e uma conclusão, escritos por pesquisadores de origens nacionais distintas. São mobilizados documentos dos arquivos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), da Federação Internacional de Futebol (Fifa), de ministérios das relações exteriores diversos e de federações esportivas nacionais e internacionais. Um dos principais méritos da coletânea é justamente o de pôr em diálogo os arquivos diplomáticos e os arquivos das instituições esportivas nacionais e internacionais. Com frequência, a ideia de autonomia dos esportes separou esses dois campos de investigação.

Refletindo o quadro da literatura internacional, há no livro o predomínio de uma abordagem que trabalha o futebol como instrumento político, o que, por vezes, tende a reduzi-lo a uma ferramenta política governamental. Um dos efeitos indiretos é a negligência do papel das emoções nas relações internacionais, campo que tem crescido nos últimos anos.2 Os sentimentos e os estereótipos nacionais possuem impacto na tomada de decisões políticas, por isso devem ser incorporados à análise. A redução do esporte a instrumento político termina por sobrevalorizar a racionalidade e a intenção dos atores políticos, além de reforçar uma visão das relações internacionais centrada no Estado.

Nesse aspecto, seria interessante retomar uma provocação feita por Sarah Synder: podem os historiadores das relações internacionais enxergar torcedores, jogadores e técnicos como atores diplomáticos? Pode-se falar do futebol como uma forma própria de diplomacia? (Snyder, 2020).A distinção metodológica feita por Peter Beck entre diplomacia do futebol (soccer diplomacy) e o futebol como diplomacia (soccer-as-diplomacy) pode ser útil. No primeiro caso, a diplomacia do futebol se dedicaria a pensar os usos que os Estados nacionais fazem do esporte. No segundo, o futebol como diplomacia pensaria os atores envolvidos no campo esportivo – clubes, torcidas, dirigentes, federações esportivas internacionais – na conformação de uma diplomacia de força própria. “Enquanto a diplomacia do futebol é uma área relativamente bem conhecida” – arremata o próprio Peter Beck – “o futebol como diplomacia […] é ainda um conceito emergente” (Beck, 2020, p. 227).

Na prática, entretanto, os conceitos se misturam. Basta pensar, por exemplo, que o papel da Fifa na organização de um arcabouço político internacional é tema onipresente no livro. À primeira vista, é digno de nota que a cronologia do livro se sobreponha à periodização do século XX esquadrinhada por Eric Hobsbawm (1994). Nela, o marco zero é a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Paul Dietschy reforça o argumento: “o período entre 1914 e 1939 é crucial para o desenvolvimento de uma diplomacia esportiva” (Dietschy, 2020). Não é coincidência, aliás, que esse período seja o de consolidação da Fifa. Na década de 1920, a Fifa salta para cerca de quarenta filiados, com representação política nos cinco continentes (Burlamaqui, 2020). Essa observação mostra como a gênese de uma diplomacia do futebol é fenômeno indissociável da arquitetura do sistema Fifa e, portanto, do futebol como diplomacia.

O crescimento da Fifa, por sua vez, é correlato à criação e à expansão do seu principal produto: a Copa do Mundo de Futebol Masculino. Três capítulos do livro – de autoria de Paul Dietschy, Brenda Elsey, e Euclides Couto e Allan Valente – trabalham diretamente a escolha do país sede para o torneio. Aqui, o tema em relevo são as estratégias de três países – França, Brasil e Chile – que se apresentaram como candidatos a receber a Copa do Mundo. Em primeiro plano, Dietschy observa a precocidade do investimento do Ministério das Relações Exteriores francês na diplomacia futebolística. Antes da Segunda Guerra Mundial, a Fifa contou com vários presidentes franceses, com ligação direta com o Quai d’Orsay. Dietschy destaca o papel de Jules Rimet na escolha da França como sede da Copa do Mundo em 1938. Por sua vez, Couto e Valente e Elsey refletem sobre o problema e o peso das identidades e dos estereótipos nacionais na disputa por esses torneios. Nos dois casos, a imagem construída internacionalmente e o apelo às características ditas intrinsecamente nacionais são determinantes. Em 1962, a imagem do Chile como um país estável, sem golpes de Estado ou levantes revolucionários, foi crucial para que os delegados da Fifa o escolhessem como sede da Copa do Mundo em detrimento da Argentina. Em 2014, o mito da democracia racial foi revisitado nos discursos do presidente Lula nos preparativos para a Copa do Mundo sediada no Brasil.

Outro campo temático explorado no livro é o da relação entre Guerra Fria e futebol. Não faz muito tempo o historiador Robert Edelman observou como o futebol permaneceu do lado de fora das narrativas sobre Guerra Fria (Edelman, 2018, p. 417-432). À primeira vista, como os Estados Unidos tinham pouco interesse no jogo, o futebol teria se mantido alheio ao confronto, enquanto os Jogos Olímpicos se converteram no principal local da disputa política entre as superpotências. Esse panorama começou a ser revisto desde a publicação de The global Cold War, de Odd Arne Westad (2005). Desde então, novas abordagens sobre o confronto – mais atentas às dimensões regionais do conflito – foram produzidas. Esse novo olhar sobre a Guerra Fria possibilitou rever o lugar do futebol nesse conflito.

Em The finest ambassadors: American-Icelandic football exchange, George Kioussis revisita o suposto lugar excepcional dos Estados Unidos, alheio à diplomacia do futebol durante a Guerra Fria. O capítulo mostra como o Departamento de Estado estadunidense também viu na diplomacia do futebol uma estratégia para disputar os “corações e mentes durante a Guerra Fria”. Kioussis faz um estudo de caso sobre uma turnê da seleção estadunidense à Islândia em 1955. Por sua posição geográfica, a Islândia era vista como aliado estratégico dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Uma das formas de conter a influência cultural soviética na região foi o envio da seleção de 1955 para a disputa de uma série de três partidas. No ano seguinte, os islandeses seriam convidados a visitar os Estados Unidos.

Descentrar o olhar euro-americano sobre a Guerra Fria é tema do texto de Erik Nielsen, Sheilas, wogs and poofters in a war zone, sobre um torneio amistoso vencido pela seleção australiana no Vietnã em meio à Segunda Guerra da Indochina.3 Ainda sobre Guerra Fria: o capítulo de Heather Dichter, “Football more important than Berlin”, por sua vez, fala sobre um problema comum: a restrição de vistos concedidos aos países do Leste Europeu. A política da Otan de não reconhecimento da Alemanha Oriental contrastava com os procedimentos adotados pela Fifa, que admitiu a associação da Alemanha Oriental em 1953. Vale dizer que a Fifa foi uma das poucas associações esportivas internacionais a aceitar imediatamente países como a Alemanha Oriental e a Coreia do Norte. Não raro, a política da Fifa contrastava com a postura dos governos nacionais, que restringia o acesso dos atletas às competições e não emitia vistos. Heather Dichter analisa, então, dois torneios juniores da Fifa que a Alemanha Oriental, embora classificada, não pôde disputar pela não emissão de vistos. Ela examina, então, como essa política da Fifa foi importante para revisão de medidas da Otan de isolamento da Alemanha Oriental. E provoca: se os países ocidentais falavam tanto em liberdade de circulação e criticavam a existência do Muro de Berlim, como conciliar este discurso com essa política de não emissão de vistos?

Vale mencionar ainda o capítulo de Roy McCree, “High Jack, soccer and sport diplomacy in the Caribbean, 1961-2018”. No pós-Segunda Guerra Mundial, a Fifa adotou o sistema confederativo, que organiza suas associações nacionais em continentes. A Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf) é responsável pela América Central, o Caribe e a América do Norte. O capítulo analisa como Jack Warner emergiu de uma pequena associação nacional – Trinidad e Tobago – para se transformar em um protagonista da política da Fifa nos últimos anos. McCree salienta a importância das divisões internas da Concacaf – o bloco caribenho, o bloco da América Central e a América do Norte – na importância da construção do poder de Warner, líder do bloco caribenho, responsável por 31 federações nacionais no Congresso da Fifa. É importante destacar que o texto é raro estudo sobre o papel das confederações na construção de uma ordem futebolística internacional. Para uma análise não eurocêntrica do sistema Fifa é preciso revisitar o papel histórico que as confederações desempenharam na produção desse modelo político internacional.

Uma última nota crítica. No livro, o futebol apresentado é tão somente o futebol de espetáculo-masculino. Para aludir a um conceito formulado pelo antropólogo Arlei Damo (2018), trata-se do futebol no singular, e não de futebóis, no plural. Pensar as relações entre diplomacia e o futebol praticado por mulheres, por exemplo, seria uma das formas de pluralizar o termo. A ausência desse tema é percebida pela própria organizadora Heather Dichter, que lamenta não ter sido capaz de incluir texto sobre a Copa do Mundo de Mulheres. Essa, entretanto, não seria a única forma de pluralizar o conceito. Uma dificuldade ainda maior é a de pensar o futebol como diplomacia às margens do sistema Fifa, além da fronteira construída por essa instituição. O desafio é trabalhar formas de futebol não vinculadas à ação estatal e ao sistema Fifa, como, para citar exemplos, o futebol de várzea, o futebol praticado por etnias indígenas, o futebol praticado por grupos LGBTQ e por associações internacionais de trabalhadores. São, em síntese, formas de pensar e fazer o futebol que operam às margens do sistema Fifa e, não raro, são produzidas em plano internacional e/ou transnacional.

A despeito dessa pequena observação, Soccer diplomacy é já obra incontornável aos interessados em investigar a história do futebol e as relações internacionais. Apresentando fontes inéditas e interessantes problemáticas metodológicas, o livro abre rotas importantes de investigação.

Referências

BECK, Peter. Conclusion: “Good kicking” is not only “good politics”, but also “good diplomacy”. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020, p. 221-251.

BURLAMAQUI, Luiz Guilherme. A dança das cadeiras: a eleição de João Havelange à presidência da Fifa São Paulo: Intermeios, 2020.

DAMO, Arlei. Futebóis: da horizontalidade epistemológica à diversidade política. FuLiA/UFMG (Belo Horizonte). v. 3, n. 3, p. 37-66, 2018.

DICHTER, Heather . (ed.). Soccer diplomacy: inter­national relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020.

DIETSCHY, Paul. Creating football diplomacy in the French Third Republic, 1914-1939. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020, p. 30-38.

EDELMAN, Robert. An interview with Robert Edelman. Kritika: Explorations in Russian and Eurasian History v. 19, n. 2, p. 417-432, 2018.

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

KEYS, Barbara. Henry Kissinger: the emotional statesman. Diplomatic History (Oxford). n. 3, p. 587-609, 2011.

SNYDER, Sarah B. Playing on the same team: what international and sport historians can learn from each other. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexing­ton: The University Press of Kentucky, 2020, p. 18-30.

SUPPO, Hugo. Reflexões sobre o lugar do esporte nas relações internacionais.Contexto Internacional(Rio de Janeiro). v. 34, n. 2, p. 397-433, 2012.

Luiz Guilherme Burlamaqui – Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB), campus Recanto das Emas. Brasília (DF), Brasil. luiz_burlamaqui@hotmail.com.


DICHTER, Heather. (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914.Lexington: The University Press of Kentucky, 2020. 286 p. Resenha de: BURLAMAQUI, Luiz Guilherme. Na encruzilhada: o futebol entre a história política e a diplomacia. Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

Lugares de memória e de consciência na América Latina | Tempo | 2021 (D)

O Espacio Memoria y Derechos Humanos1 Resenha Crítica

Desde as últimas décadas do século XX, mais especificamente a partir da queda do Muro de Berlim, do fim das ditaduras latino-americanas e do apartheid na África do Sul, podemos observar a expansão de políticas de memória em diversos países, cada um com sua temporalidade e suas prioridades. Nesse sentido, como a historiografia recente tem destacado, podemos constatar nas sociedades contemporâneas uma alteração nas relações com o futuro e o passado. O futuro, que era apresentado como o tempo das realizações e da afirmação do progresso, cedeu lugar a um tempo que reservaria maiores possibilidades de certeza e segurança: o passado.

As experiências traumáticas às quais se remetem, mormente a história do tempo presente, têm como uma das suas principais preocupações as ações que dizem respeito à transmissão da memória desses acontecimentos. Como transmitir o horror das experiências ditatoriais para quem não viveu o período? Como abordar um passado sensível com as novas gerações? Como construir o que chamamos de nunca mais em tempos de disputas de narrativas e negacionismos sobre o passado ditatorial? Por trás desse debate podemos identificar três objetivos centrais, a saber: a criação da empatia sobre as vítimas; a condenação de qualquer regime ditatorial; e a valorização da democracia e dos direitos humanos.

Para isso, é possível identificar políticas de memória empreendidas por governos comprometidos com essas questões, dentre as quais destacamos o incentivo ao ensino do tema na educação básica; a abertura de processos judiciais para agentes que praticaram graves violações dos direitos humanos; a localização e divulgação de arquivos; recuperação de espaços etc. Na maioria das vezes, essas ações são oriundas das pressões exercidas pela sociedade por meio de grupos de direitos humanos e/ou atingidos direta ou indiretamente pela ação das ditaduras, com o intuito de promover o que chamamos de dever de memória para com as vítimas.

Para o caso do nosso dossiê, a ênfase dos artigos aqui reunidos diz respeito à política de memória relativa a identificação e recuperação de espaços na América Latina onde ocorreram graves violações de direitos humanos ou que foram referências, seja para a resistência ou para a própria ditadura.

Ao falarmos sobre esses espaços, remetemos a dois conceitos-chave para a sua compreensão e que consideramos de fundamental importância destacar nessa apresentação. O historiador Pierre Nora foi o pioneiro nesse debate ao cunhar e consagrar a expressão lugares de memória na historiografia, quando coordenou a coletânea de textos Les lieux de mémoire, editada na França a partir de 1984. Segundo Nora, os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não existe memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter os aniversários, organizar as celebrações, pronunciar as honras fúnebres, estabelecer contratos, porque estas operações não são naturais (Nora, 1993, p. 13). A esse conceito acrescentamos a ideia de que podem ser também lugares de consciência. Segundo a International Coalition of Site of Conscience, organização mundial que reúne cerca de duzentos integrantes de mais de cinquenta países, os “sítios de Consciência vão desde os esforços de reestruturação de pequenas comunidades de sobreviventes, aos grandes projetos financiados pelo Estado que visam amplo alcance nacional”.[1] Para integrar a coalização, o lugar deverá interpretar a história por meio dos espaços históricos; envolver-se em programas públicos que estimulem o diálogo sobre questões sociais urgentes; promover valores humanitários e democráticos como função principal; e compartilhar oportunidades para a participação pública em questões levantadas no local.

Transformar um lugar de memória em também um lugar de consciência implica identificar, reconhecer e preservar esses espaços. E isso não ocorre sem embates políticos e sociais, disputas de memórias e (re)construções de novos sentidos para o passado e seus usos políticos. Esse processo mobiliza distintos agentes (públicos e privados; individuais, coletivos e/ou institucionais), que passam a atuar como “emprendedores de memória”, expressão cunhada por Elizabeth Jelin para designar os atores sociais que criam e executam projetos de memória (com um caráter coletivo) e lutam pela visibilidade de seus empreendimentos, pelo reconhecimento social e pela legitimidade política de suas narrativas do passado (Jelin, 2002, p. 48-49).

Nesse sentido, esses lugares são alvos de intensos debates sobre a sua recuperação, pois alguns ainda são ocupados pelas forças estatais ou são de propriedade privada, como a Casa da Morte, em Petrópolis, Rio de Janeiro. Implica também uma política de patrimônio histórico que reconheça aquele espaço e as ações que ali ocorreram como parte da história oficial do país. A questão do patrimônio vem acompanhada das ações de instituições como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que os reconhece não apenas como um espaço exclusivo de um drama nacional, mas algo que afeta toda humanidade. Ainda nos casos dos países da América Latina que integram o Mercosul, o Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos (IPPDH) publicou em 2012 o documento “Princípios fundamentais para as políticas públicas sobre lugares de memória” no qual reconhece a obrigação dos estados participantes em promover ações de caráter pedagógico sobre as ditaduras dos anos 1960 e 1970. Em paralelo e em diálogo com essas duas instituições foram criadas a Rede Sitios de Memoria em America Caribe (Reslac) e a Rede Brasileira de Lugares de Memória (Rebralume).

Além disso, abre-se um intenso debate sobre o que fazer com o espaço. Múltiplas vozes devem ser ouvidas na tentativa de construir um consenso sobre essa ocupação, suas atividades futuras, sobre como deve ser a estatização do horror e como falar sobre os que não estão, os desaparecidos e assassinados etc.

Tais espaços não devem ser pensados apenas como cenários onde as graves violações de direitos humanos ocorreram, pois, atualmente, são provas judiciais nos processos contra os perpetradores em países como Argentina e Chile. Eles cumprem também um importante papel no ensino do passado recente, não apenas recebendo estudantes, mas promovendo atividades e formação de professores. Por fim, muitas vezes integram o roteiro da secretaria oficial de turismo em diversas cidades. Segundo Teklik e Mesnard (2011, p. 101), o turismo de memória apresenta como elemento central o valor ético de resgate do passado. Lugares como Auschwitz e Treblinka, na Polônia; ou Ravensbrück e Sachsenhausen, na Alemanha; Espacio Memoria y Derechos Humanos Ex-Esma, na Argentina; Estádio Nacional, no Chile, recebem a cada ano cada vez mais visitantes interessados em saber mais sobre o que ocorreu ali e conhecer onde “a história aconteceu”.

Nessa perspectiva, o presente dossiê pretende apresentar um panorama da problemática relacionada aos lugares de memória e de consciência das ditaduras na América Latina, contribuindo para o fortalecimento de um debate importante no âmbito da historiografia contemporânea. Acreditamos que os artigos aqui apresentados possibilitarão aos leitores o contato com distintas abordagens sobre a temática, destacando a amplitude do conceito de “lugares de memória”, que não se restringem apenas aos espaços diretamente associados às práticas de violência e tortura que marcaram a estrutura e funcionamento dessas ditaduras no século XX. Além de apresentar reflexões sobre a diversidade desses lugares e distintos estudos de caso, outra contribuição desse dossiê é também destacar espaços e regiões pouco explorados pela historiografia relacionada ao tema no Brasil.

Nesse sentido, o dossiê se inicia com o artigo de Maura Leal da Silva e Janaína Valéria Pinto Camilo, intitulado “A Fortaleza de São José de Macapá: nos rastros das memórias, das prisões e torturas (1964-1973)”. No texto, as autoras analisam como essa fortaleza – uma construção militar do século XVIII, hoje tombada como Patrimônio Histórico Nacional – se tornou, durante a ditadura civil-militar brasileira, um dos principais centros de detenção e tortura de presos políticos em Macapá, capital do Amapá. A partir do Relatório Final e dos depoimentos coletados pela Comissão Estadual da Verdade do Amapá (CEV-AP), criada em 2013 e cujos trabalhos foram concluídos em 2017, o artigo destaca as prisões ilegais, as torturas físicas e psicológicas, as arbitrariedades e a violência praticadas nas dependências da Fortaleza de São José de Macapá e o reconhecimento institucional desse espaço amapaense como um lugar de memória da ditadura, contribuindo para os estudos sobre a ditadura brasileira fora do eixo Sul-Sudeste, bastante privilegiado nas pesquisas sobre o tema.

As políticas públicas de memória no Brasil e as lutas políticas e sociais para a identificação e reconhecimento dos lugares de memória da ditadura são o tema do artigo “Lugares de memória da ditadura: disputas e agenciamentos nos processos de construção do 1° BIB Barra Mansa-Rio de Janeiro e da Casa Marighella-Salvador”, escrito por Alejandra Magalhães Estevez e Priscila de Almeida Cabral. Também contemplando espaços territoriais pouco explorados pela historiografia especializada no tema, as autoras analisam a trajetória de lutas para a efetivação de dois lugares de memória: o antigo 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Exército, na cidade de Barra Mansa no sul fluminense, e a Casa Marighella, em Salvador, capital baiana. Nesse sentido, o artigo não só destaca os conflitos sociais, as negociações e os embates políticos envolvidos nesses processos ainda em aberto, mas também amplia as discussões sobre os lugares de memória, que não se limitam aos espaços associados diretamente às práticas de violações aos direitos humanos pela ditadura, mas contemplam também espaços associados às ações de militância política daqueles que, de distintas formas, resistiram à ditadura.

Além das dependências oficiais ou civis, utilizadas pelos órgãos de repressão, e das residências de militantes históricos que combateram as ditaduras, outros espaços, menos explorados pela historiografia, também merecem destaque entre os lugares de memória da ditadura, como os estádios de futebol, que, além de servirem como prisão para opositores políticos (como o Estádio Nacional, em Santiago no Chile, e o Caio Martins, em Niterói no Brasil), também foram utilizados, no Brasil, como instrumentos de construção de legitimidade por políticos ligados à ditadura, como destacam João Manuel Casquinha Malaia e Rafael Fortes Soares, em seu artigo “Brasil grande, estádios gigantescos: Toponímia dos estádios públicos da ditadura civil-militar brasileira e os discursos de reconciliação”. No texto, os autores analisam a construção de 14 estádios públicos estaduais com capacidade para mais de 40 mil pessoas, inaugurados entre 1964 e 1985, em sua maioria, com nomes dos governadores da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio à ditadura. Nessa perspectiva, o artigo debate como a nomeação, as disputas sobre as homenagens prestadas e a manutenção de nomes ligados à ditadura em espaços que se tornaram lugares de afeto de milhares de pessoas estão inseridas no complexo processo de (re)construção das memórias coletivas acerca da ditadura brasileira.

As disputas de memórias relacionadas aos lugares e às efemérides referentes ao período da ditadura civil-militar brasileira são o eixo condutor do artigo de Andréa Cristina de Barros Queiroz, “As memórias em disputa sobre a ditadura civil-militar na UFRJ: lugares de memória, sujeitos e comemorações”, que privilegia a trajetória da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacando como os espaços universitários também foram atravessados pela cultura política autoritária do regime. No texto, a autora analisa como essa centenária universidade, no contexto da modernização autoritária promovida pela ditadura brasileira, foi palco de censura, perseguição política e expulsão de alunos, funcionários e professores e de ações violentas das forças policiais, como no episódio da invasão, em 1966, da Faculdade Nacional de Medicina (FNM), na Praia Vermelha, cujo prédio histórico foi demolido em 1975. O texto também debate a demolição deste prédio como uma política de esquecimento promovida pela ditadura, que incluiu negociações e colaborações de parte dos dirigentes da instituição e da parcela conservadora dos docentes e técnicos que apoiavam o regime autoritário, bem como as recentes iniciativas da universidade na investigação das violações de direitos humanos sofridas por sua comunidade acadêmica e sua reparação no âmbito institucional, através das ações da Comissão de Memória e Verdade (CMV) da UFRJ, criada em 2013.

Encerrando esse dossiê, o artigo “Reflexiones en torno a los sitios de memória em Uruguay: las demarcaciones del paisaje represivo”, de Luciana Scaraffuni, propõe uma análise sobre os debates e embates políticos e sociais acerca das demarcações dos lugares de memória da ditadura – lugares da repressão ou da resistência – na cidade de Montevidéu, capital uruguaia, a partir da promulgação da “Ley de Creación de Sitios de Memoria Histórica del Pasado Reciente”, em 2018. No texto, a autora privilegia os debates sobre o antigo Cárcel de Punta Carretas, o histórico presídio de presos políticos no Uruguai que funcionou até 1986, sendo posteriormente demolido, abrindo espaço para a construção de um shopping center, o Punta Carretas Shopping, um dos mais badalados de Montevidéu. Até pouco tempo, não havia no local nenhuma demarcação que remetesse ao antigo presídio que ali funcionou e não era oficialmente reconhecido como um lugar de memória da ditadura no Uruguai. Somente em fevereiro de 2020 se colocou a pedra fundamental de um futuro memorial a ser construído na entrada do shopping em homenagem às centenas de presos políticos que por ali passaram. A autora ressalta que o processo de identificação, recuperação e ressignificação desses lugares é marcado pelo enfrentamento de diferentes setores da sociedade uruguaia e seus distintos interesses e concepções sobre uma cultura de memória ou de esquecimento acerca do recente passado autoritário do país.

Esperamos que esse dossiê colabore com o debate sobre o passado ditatorial em um momento em que vivemos um intenso debate revisionista e negacionista, assim como – em especial no caso brasileiro – incentive, e dialogue com, a recuperação e abertura de espaços, muitos dos quais já somamanos de disputas, como o prédio do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) na rua da Relação, no centro do Rio de Janeiro, e reforce não só a importância dos estudos historiográficos sobre a ditadura, mas também o papel significativo que os lugares de memória e de consciência podem exercer no ensino da história das ditaduras na América Latina e em ações pedagógicas que promovam, principalmente junto às novas gerações, uma cultura democrática e de respeito aos direitos humanos

Nota.

1. Ver: https://www.sitesofconscience.org.

Referências

JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria Colección Memorias de la Represión. Buenos Aires: Siglo XXI, 2002.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista Projeto História (São Paulo). n. 10, p. 7-28, 1993.

TEKLIK, Joanna; MESNARD, Philippe. El viaje a Auschwitz: turismo de la memoria o turismo cultural? In: FLEURY, Béatrice; WALTER, Jacques (Comp.). Memorias de la piedra Buenos Aires: Ejercitar la Memoria Editores, 2011, p. 99-116.

Samantha Viz Quadrat – Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói (RJ), Brasil. Email: samantha.quadrat@gmail.com.

Izabel Pimentel da Silva – Universidade do Estado do Rio de Janeiro-Faculdade de Formação de Professores (Uerj-FFP). São Gonçalo (RJ), Brasil. Email: belprisk@hotmail.com.


QUADRAT, Samantha Viz; SILVA, Izabel Pimentel da. Marcas territoriais do passado autoritário: lugares de memória e de consciência na América Latina. Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

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28 abr. 2021

A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica | Mariana Muaze e Ricardo H Salles (R)

MUAZE e SALLES Resenha Crítica
Mariana Muaze e Ricardo Salles | Foto: Divulgação

MUAZE e SALLES A segunda escravidao Resenha CríticaO desembarque do conceito de segunda escravidão na historiografia brasileira encontra importante expressão com a publicação do estudo crítico que, além da apresentação do historiador norte-americano Dale Tomich, reuniu quinze historiadores para o exame da relação entre capitalismo e escravidão no século XIX.

Denominada A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica, a coletânea é resultado dos trabalhos de pesquisas e discussões do grupo interinstitucional “O Império do Brasil e a segunda escravidão”, formado por pesquisadores da Unirio, Mast, UFF, USP, Unifesp, UFJF e UFSC e pelos integrantes do Laboratório de Estudos sobre o Brasil e o Sistema Mundial (Lab-Mundi/USP).

Se o propósito era pensar a porosidade do conceito de segunda escravidão, ele se configura na breve apresentação de Dale Tomich, que nos indica que “segunda escravidão é um conceito aberto que tem o objetivo de repensar a relação entre capitalismo e escravidão e as causas desta última no Oitocentos” (Tomich, 2020, p. 13). Pretendendo sublinhar que a abordagem da segunda escravidão trata “as relações escravistas históricas reais [que] são constituídas […] pela forma das relações senhor-escravo […] por processos de produção materiais específicos (açúcar, café, algodão) […] por sua posição relativa na divisão internacional do trabalho e no mercado mundial […]” (p. 14), realça que a origem do conceito é fruto da “insatisfação com histórias lineares da escravidão que a veem como incompatível com o capitalismo industrial e as ideias liberais de propriedade e liberdade” (p. 13).

É nesse quadro de “escravidão em interação com a construção dos Estados nacionais e com a expansão internacional do mercado escravista” (Muaze, Salles, 2020, p. 19) que se deve colocar o livro organizado por Mariana Muaze e Ricardo Salles. O que primeiro chama a atenção é que a coletânea tem como pilar central “o problema histórico de como a escravidão moldou o capitalismo brasileiro no século XIX e na atualidade” (p. 20). De fato, esse eixo central, colocando problemas, proporciona análises, revisões e novidades que enriquecem o conhecimento que se tem da escravidão.

A obra é dividida em quatro partes. Na primeira, aborda-se a constituição da “Segunda escravidão e o capitalismo histórico em perspectiva atlântica”. Seu mérito reside na estimulante e bem arejada exposição de Leonardo Marques sobre o percurso historiográfico das ideias que compõem o espectro analítico do conceito de segunda escravidão e sobre os desafios de integrar o mundo político e cultural nas narrativas de emergência e destruição da segunda escravidão. Além de contar com o “ensaio de historiografia” de Ricardo Salles, no qual direciona especial atenção para o debate sobre as relações entre capitalismo e escravidão, partindo da consideração de que nos Estados Unidos “o problema dessas relações se apresentou de forma mais aguda” (Salles, 2020, p. 27). Já no último capítulo da primeira seção, Rafael Marquese tece comentários críticos.

A segunda parte, “Segunda escravidão e diversidade econômica e regional”, reúne quatro trabalhos. No primeiro, Luiz Fernando Saraiva e Rita Almico, com o intuito de investigarem a associação entre escravidão e a modernização da economia brasileira no século XIX, identificam as relações entre as economias mercantis escravistas regionais e a segunda escravidão. Em seguida, Walter Pereira direciona especial atenção para o dinamismo econômico do município de Campos dos Goytacases, ao longo da segunda metade do século XIX. As reflexões críticas desses artigos condensam os comentários de Renato Leite Marcondes e Gabriel Aladrén.

Já a terceira parte confere centralidade à relação entre segunda escravidão e o período Colonial Tardio. Valendo-se dos artigos de Carlos Gabriel Guimarães e Carlos Leonardo Kelmer Martins e comentários de Rodrigo Goyena Soares, essa seção combina reflexões epistemológicas e resultados preliminares de pesquisa.

A última seção do livro apresenta discussões metodológicas. O debate gira em torno das possíveis articulações entre o micro e o macro. Em outras palavras, do entrelaçar das propostas advindas da segunda escravidão e da micro-história. Três historiadores, Mariana Muaze, Thiago Campos Pessoa e Waldomiro Silva Junior, se dedicam a esse esforço. No último capítulo, a historiadora Mônica Ribeiro de Oliveira elabora os comentários críticos sobre as proposições metodológicas.

Ricardo Salles, no primeiro capítulo, faz uma longa travessia historiográfica desde Graham, Genovese, Fogel e Engerman aos recentes estudos de Sven Beckert e Seth Rock­man. Retoma tradições de pensamento sobre escravidão e capitalismo: os esforços comparativos entre o “Velho Sul” e o Brasil; o problema das mentalidades ditas “mais racionais” diante dos comportamentos patriarcais de status e poder; a lucratividade, racionalidade e caráter capitalista da escravidão propostas pela New Economic History; os riscos dos excessos de empirismo ou de abstração teórico-metodológica no ofício do historiador; o capitalismo da escravidão de Rockman e Beckert; a centralidade da economia sulista norte-americana no desenvolvimento capitalista; a escravidão nos Estados Unidos face ao pacto político da estrutura de poder federativa; e, no caso brasileiro, o Império do Brasil e sua estrutura de poder unitária, assentada na difusão da escravidão por todo território, alicerçada na hegemonia política e social da fração da classe senhorial da bacia do Paraíba do Sul. E, por fim, a validade instrumental do conceito de segunda escravidão como uma estrutura histórica específica.

Salles aponta que o conceito de segunda escravidão “hibernou” entre 1988 e até fins da década de 1990. Em 1999, de maneira “pioneira e isoladamente” Christhopher Schmidt-Nowara valeu-se do conceito para analisar a escravidão cubana e porto-riquenha no Novo Império Colonial Espanhol do século XIX. Em 2004, o conceito desembarcou no Brasil. Rafael Marquese o empregou em Feitores do corpo, missionários da mente.

No plano da historiografia brasileira, subjacente a essa escolha conceitual, Salles indica que a apropriação do conceito de segunda escravidão relaciona-se diretamente ao “abandono do conceito de capitalismo” pelas correntes historiográficas do “sentido arcaico da escravidão brasileira e a historiografia com ênfase na agência escrava” (Salles, 2020, p. 36). O novo aporte não apenas conduz a análise para o dimensionamento do processo de longa duração e os quadros globais do capitalismo histórico como também para “a discussão da relação entre escravidão e desenvolvimento do capitalismo dependente, periférico e excludente no país” (p. 36).

No capítulo seguinte, cujo objetivo é aprofundar o debate historiográfico sobre escravidão e capitalismo, Leonardo Marques aponta limites e potencialidades do conceito de segunda escravidão. Valendo-se de amplo espectro historiográfico, perpassa o marxismo, a noção de sistema-mundo, Global History e a New History of Capitalism. A exposição reconhece como mérito da segunda escravidão, além de recolocar em cena o tema escravidão e capitalismo, o questionamento que ela oferece contra “o nacionalismo metodológico que ainda informa uma parcela importante da produção historiográfica mundial […]”. (Marques, 2020, p. 55). Para Marques, a contribuição historiográfica essencial é a visão integrada dos mútuos condicionamentos das três principais sociedades escravistas das Américas (Cuba, Brasil e Estados Unidos), pois permite reconstituir o lugar dessas sociedades no capitalismo global do século XIX. Tomando por base essa perspectiva, indica que, diante desse enquadramento analítico, ultrapassa-se o conceito de segunda escravidão, pois, nesse caso, “o procedimento sugerido por Tomich é mais importante do que o próprio conceito […]” (Marques, 2020, p. 68).

Como resultado dos dois capítulos iniciais, Rafael de Bivar Marquese propõe reflexões historiográficas sobre a escravidão histórica e o capitalismo histórico. Nesse debate, ganham contornos as divergências entre as interpretações de Ricardo Salles e Leonardo Marques. O dissenso centra-se na tensão entre o lugar dos Estados nacionais na especificidade das trajetórias dos espaços escravistas das Américas e a perspectiva de que o capitalismo como sistema transpõe fronteiras políticas e combina múltiplas formas de trabalho compulsório. Marquese sublinha, de um lado, a importância da profunda descontinuidade das trajetórias dos espaços escravistas na virada do século XVIII para o XIX, a “segunda escravidão” e, de outro, a integração da economia-mundo, novos espaços escravistas e as relações de produção, distribuição e consumo. Essa afirmativa desloca o olhar para as totalidades como interdependências mútuas, tais como as relações entre mercado mundial, divisão internacional do trabalho e o fenômeno do “ciclo britânico de acumulação”.

É nesse quadro do pensamento econômico que a coletânea avança para a segunda parte “Segunda escravidão e diversidade econômica e regional”. Os capítulos representam não apenas esforços analíticos que visam examinar de maneira integrada economias mercantis escravistas regionais, inovações tecnológicas, indústrias e segunda escravidão mas também nos revelam uma agenda de pesquisa, como nota Renato Marcondes. O texto “Raízes escravas da indústria brasileira” procura mapear a persistência da escravidão, diversidade regional e modernização da economia brasileira nos séculos XIX e XX. Com enfoque regional, o capítulo seguinte, de autoria de Walter Pereira, analisa a dinâmica econômica e da escravidão na bacia do rio Paraíba do Sul, suas atividades agrícolas e bancárias, inovações tecnológicas, ferrovias, embarcações a vapor e bondes.

Ao longo da terceira parte, no primeiro artigo de Carlos Gabriel Guimarães, o que se verifica é uma grande riqueza de análise que, apesar da advertência do autor que “as pesquisas nos arquivos ainda estejam no início”, revela a especificidade da inserção dos negociantes ingleses Joseph e Ralph Gulston e suas conexões globais financeiras e comerciais, em especial, com a comunidade mercantil lisboeta, carioca e africana.

Numa outra proposta, intitulada “O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob a égide mercantilista”, o historiador Carlos Kelmer Martins enfatiza, do ponto de vista teórico e metodológico, as interseções e diálogos entre as premissas do conceito de segunda escravidão, do mercantilismo e da complexidade política, social, cultural e econômica do sistema mundial setecentista. Rodrigo Soares, responsável pelos comentários críticos, considera que o mérito de Kelmer Martins “está na percepção da desigualdade entre as sociedades ou no seio de cada uma, como decorrência de uma forma combinada integrada” (Soares, 2020, p. 226).

Na quarta e última parte, intitulada “Segunda escravidão, micro-história e agência”, o que está em jogo no par macro e micro é um redimensionamento dos objetos e questões. Em todos os capítulos a abordagem é convergente. Reafirma-se o ofício do historiador como possibilidade de articulação da dimensão macroestrutural aos elementos da micro-história, assim como se procura sofisticar as pesquisas a partir do conceito de segunda escravidão. Mariana Muaze aponta caminhos para superar a incompatibilidade fundante entre a micro-história e a segunda escravidão. Em outra chave, Thiago Pessoa conjuga análise empírica, decorrente dos resultados de pesquisa no Arquivo Nacional, a abordagem metodológica da micro-história e as contribuições do conceito de segunda escravidão. Nesse movimento, valoriza as contribuições da redução de escala e as potencialidades da perspectiva global a fim de examinar a classe senhorial do Império do Brasil, as redes de negócios e sociabilidade, o complexo cafeeiro, o tráfico e a escravidão.

Por essas razões, Waldomiro Lourenço da Silva Júnior afirma que a segunda escravidão, como conceito analítico que abrange zonas de plantação mais dinâmicas e capitalizadas da economia global, em especial, no Brasil, o complexo cafeeiro, não estaria invalidada por não contemplar a escravidão urbana e portuária, a produção com pequenas escravarias voltadas para o abastecimento em Minas Gerais ou a indústria baleeira catarinense. Para o autor, a validade da noção de segunda escravidão configura uma “questão elementar de epistemologia” em que “a validade cognitiva de uma categoria de análise não se limita necessariamente às constatações empíricas que respaldaram a sua formulação” (Silva Júnior, 2020, p. 282). Portanto, as evidências da escravidão em economias como Minas Gerais, Santa Catarina ou de regiões portuárias ou urbanas seriam decorrência direta da dinâmica da segunda escravidão: “as outras formatações da escravidão só persistiram a longo prazo no Brasil porque existiu uma base material nuclear suficientemente sólida (a base da segunda escravidão), que garantiu, no campo político, as condições para sua perpetuação” (p. 282).

Como bem lembra Monica Ribeiro de Oliveira, apesar das contribuições de Muaze, Silva Júnior e Pessoa, os desafios postos pela articulação da micro-história à perspectiva macro permanecem em aberto.

De modo geral, o conceito de segunda escravidão, subjacente a todos os trabalhos do livro, nem sempre alcança o objetivo de dotar a obra de relativa unidade e também da porosidade conceitual desejada por Dale Tomich na apresentação. No entanto, certamente, alguns trabalhos ganharão espaço na historiografia, mais pelo valor do debate apresentado do que pelas conclusões.

É importante compreender que a obra reflete, ao mesmo tempo, o esvanecimento da história econômica, hegemônica por décadas na academia brasileira e em seus cursos de graduação e pós-graduação em história, e também sintetiza uma retomada.

Apesar dos novos horizontes metodológicos, a formulação do conceito de segunda escravidão (1988) é oriunda, em parte, no caso da interpretação sobre a economia brasileira, das ideias encontradas em Formação econômica do Brasil (1959) de Celso Furtado, um dos autores citados por Tomich no capítulo fundador do conceito de segunda escravidão. É no mínimo curioso que nenhum dos capítulos de A segunda escravidão e o império do Brasil em perspectiva histórica mencione o livro de Celso Furtado em suas referências bibliográficas, nem o possível impacto da interpretação de Furtado na gestação conceitual de segunda escravidão, ou associe o fato de que concepções furtadianas ganharam nova roupagem historiográfica.

Referências

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil [1959]. 15a ed. São Paulo: Editora Nacional, 1977.

MARQUES, Leonardo. Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 53-74.

MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

SALLES, Ricardo H . A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão: ensaio de historiografia. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 27-52.

SILVA J JÚNIOR, Waldomiro Lourenço da. A segunda escravidão: o retorno de Quetzalcoatl? In: MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 279-285.

SOARES, Rodrigo Goyena. Comentário: benefícios e limites da segunda escravidão como método para uma razão dialética. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria , 2020, p. 223-238.

TOMICH, Dale. The “second slavery”. In: TOMICH, Dale. Through the prism of slavery Lanham: Rowman & Littlefield, 2004, p. 56-71.

Télio Cravo – Pós-doutorando em História pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). São Paulo(SP), Brasil. teliocravo@gmail.com.


MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo H. . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica.São Leopoldo: Casa Leiria, 2020. 298p. Resenha de: CRAVO, Télio. Desembarque da segunda escravidão na historiografia brasileira. Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF]

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Um planejamento ortogonal guliveriano: uma leitura modular da Túrio do período clássico | Renan Falcheti Peixoto e Maria Beatriz Borba Florenzano

Um planejamento ortogonal guliveriano: uma leitura modular da Túrio do período clássico  | Peixoto, Renan FalchetiFlorenzano, Maria Beatriz Borba | Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan. / abr. 2021.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Projeto História. São Paulo, v.70, 2021.

JAN/ABR HISTÓRIA E FOTOGRAFIA – MODOS DE VER E CONTEMPORANEIDADES

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  • APRESENTAÇÃO
  • Estefania Knotz Canguçu Fraga, Maria Thereza Soares, Diogo Azoubel
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Resenhas

Publicado: 2021-04-28

Arte e Política: raça, gênero e nacionalidades | Faces de Clio | 2021

É com enorme satisfação que apresentamos a edição número treze da Revista Faces de Clio com o dossiê “Arte e Política: raça, gênero e nacionalidades”, contando com 12 artigos ligados à temática do dossiê e 5 artigos livres. Temos a proposta, nesta edição, de apresentar discussões que contribuam nas pesquisas e reflexões acerca da complexa e estreita relação da arte com a política. Novamente apresentamos pesquisas que se detém sobre os mais diferentes suportes, desde o videogame, a ópera e a literatura, passando pela performance, pela dança, arquitetura e pintura. No presente dossiê reunimos artigos ligados à temática da raça, do gênero e das nacionalidades, pensados todos, claro, através e, a partir, da arte!

Este é o terceiro volume da Revista Faces de Clio publicado durante a pandemia do coronavírus e gostaríamos de agradecer à equipe da Faces de Clio por todo empenho em continuar com as atividades da revista diante de um cenário desolador da pandemia e do desmonte da pesquisa e da ciência no Brasil. É na resistência que encontramos formas de continuar sobrevivendo e lutando por um país mais justo e igualitário. Agradecemos também aos pareceristas que contribuíram com a revista e nos ajudaram a manter a qualidade de nossa publicação. Leia Mais

Faces de Clio. Juiz de Fora, v.7, n.13, 2021.

Arte e política: Raça, gênero e nacionalidades

Editorial

Dossiê

Expediente

Artigos

Publicado: 2021-04-27

Religião, morte e cemitério na memória coletiva e identidade étnica dos pomeranos e seus descendentes no Brasil | Renata Siuda-Ambroziak e Cione Marta Raasch Manske

Religião, morte e cemitério na memória coletiva e identidade étnica dos pomeranos e seus descendentes no Brasil | Renata Siuda-Ambroziak, Cione Marta Raasch Manske| Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v. 14, n.40, 2021.