Um dia, os homens apareceram sobre a terra. Os primeiros homens que os animais das florestas viram nas selvas e nas savanas foram aqueles que fundaram a maloca de Acupary.
Certo dia, entre os homens da maloca de Acupary, surgiu Karu Sakaibê, o Grande Ser. Não havia então sobre a terra outro tipo de caça a não ser o de pequeno porte, mas logo a caça grossa se multiplicou. E isso aconteceu por obra de Kary Sakaibê, que muito gostava daquele povo e não queria que ele passasse necessidade. Por isso ele ensinou a todos a arte da caça, a arte de unir-se aos animais a serem caçados de modo que aprendessem quais deles já estariam preparados para servir de alimento aos homens de Acupary.
Karu Sakaibê não tinha mãe nem pai, mas tinha um filho, que se chamava Karu Taru, e um ajudante a quem chamava Reru. Os três andavam pelo mundo sempre juntos procurando saber como se comportavam os homens.
De certa feita, tendo voltado da caçada de mãos vazias, disse Karu ao filho:
– Vá ver como estão os vizinhos. Parece que eles aprenderam bem as artes da caça que nós lhes ensinamos e abateram tanta caça que nã sabem o que fazer com ela. É bom que eles repartam com os outros.
Foi o pequeno Karu ao encontro dos parentes. Chegando lá disse aos caçadores tudo o que seu pai havia falado, mas os homens de Acupary não quiseram ouvi-lo e fizeram-no voltar ao pai Kary apenas com as peles e as penas dos animais que tinham matado.
Karu Sakaibê havia previsto que isso iria acontecer, pois sabia que os homens não conseguem viver com fartura sem se tornarem egoístas, mesquinhos e maus. É assim que nasce a rejeição das outras pessoas. Porém, não se sentiu irritado nem magoado com a ingratidão daquelas pessoas. Para dar mais uma oportunidade para que os caçadores reconsiderassem sua atitude, enviou pela segunda vez o pequeno Karu, que os advertiu e ameaçou com palavras muito duras ditas pelo pai. Mesmo assim aqueles homens não quiseram ouvi-lo e ainda fizeram troças sobre o poder de Karu Sakaibê.
Quando o filho retornou e contou-lhe tudo o que se havia passado, Karu Sakaibê ficou muito irritado com a atitude egoísta e mesquinha dos caçadores. Ainda assim resolveu dar uma terceira oportunidade aos caçadores. Por isso convocou mais uma vez o jovem e incumbiu-o da missão de convencê-los a cederem carne a seu pais, mas ele não teve êxito novamente e acabou escorraçado pelos moradores de Acupary.
Percebendo que aqueles homens e mulheres não o honrariam, o pai Karu ficou furioso. Pegou, então, as penas que haviam-lhe enviado e fincou-as uma a uma, pacientemente, ao redor da maloca de Acupary. E com um gesto brusco, acompanhado de três palavras encantadas, Karu transformou em porcos bravos todos os habitantes de Acupary – não só os homens que se tinham mostrado cruéis, mas também as mulheres e as crianças.
Em seguida, olhando para as penas que haviam fincado em redor da aldeia, ergueu a mão e moveu-a de um lado a outro do horizonte. A esse apelo inaudível ao ouvido humano, moveram-se as montanhas, e o terreno onde se localizava a maloca transformou-se numa enorme caverna.
Ainda hoje os Munduruku acreditam piamente que às vezes escutam, da entrada dessa gruta além da qual ninguém se arrisca penetrar, gemidos humanos que se confundem com brunhidos de porcos. É por isso que ninguém ousa entrar nessa caverna, pois ela esconde o mistério da nossa origem.
Desolado com os habitantes de Acupary, Karu Sakaibê resolveu partir daquela região, sempre acompanhado do fiel Reru, e enveredou pelos campos. Depois de dois dias de marcha, fatigado, parou num descampado. Nesse lugar, fez um gesto sagrado batendo o pé no chão, e uma longa fenda se abriu. O velho Karu dela tirou um casal de todas as raças: um de Munduruku, um de índios (porque os Munduruku não pertencem à mesma raça que os índios, mas são de uma essência superior), e um de brancos e um de negros.
Foi ali que Karu criou a humanidade pela segunda vez. Era um ugar que tinha um nome predestinado, Decodemo: lugar onde há macacos em abundância.
Índios, brancos e negros dispersaram-se cada um para um lado e foram povoar a terra com a sua descendência.
O quarto casal – o Munduruku – ficou em Decodemo. Os Munduruku de Decodemo não tardaram a tornar-se tão numerosos que, sempre que se punham a caminho para a guerra, a terra tremia, sacudida a até as entranhas. Em virtude disso nossos antepassados receberam o nome de Munduruku – que significa “formigas gigantes”. Por muitas e muitas luas nossos ancestrais foram os senhores absolutos de toda a região do rio Tapajós, onde desenvolveram um conjunto de práticas de sobrevivência e de guerra que amedrontava os inimigos.
Referências
MUNDURUKI, Daniel. Origem dos Munduruku. In: As serpentes que roubaram a noite: e outros mitos. Ilustrações das crianças Munduruku da aldeia Katô. São Paulo: Peirópolis, 2001.p.9-16.
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