Colegas, bom-dia!
A pedido da professora Margarida Oliveira, vamos explorar o “método histórico” em sua constituição e aplicação no Ensino Superior e na escolarização básica. Para melhor compreender o que faremos nas próximas oito horas, sugiro a leitura deste excerto do livro Uma introdução ao método histórico (Freitas, 2021, p.19-21), que define de modo minimalista Teoria da História e Método Histórico”.
Sejam bem-vindos”!
Um esclarecimento sobre os usos das palavras “teoria” e
“método”.
Neste livro, teoria é um tipo ideal minimalista, ou seja, conjunto de proposições generalizáveis relativas à invenção de um objeto e aos meios que viabilizam tal invenção. Teorias (neste livro) não configuram, necessariamente, um domínio do historiador ou uma disciplina, cujos objetos primeiros seriam coisas como paradigma ou matriz. Teorias são proposições articuladas que anunciam um propósito e/ou um meio de realização desse propósito.1
Quando, por exemplo, um escritor revela o desejo e a meta de estabelecer a História como ciência, de escrever a história da Alemanha ou da época moderna ele está a verbalizar proposições teóricas, isto é, a inventar (tratar) objetos designados “ciência Histórica”, “História da Alemanha” ou “História Moderna” e que podem ou não resultar na delimitação e/ou invenção de um campo ou domínio.
Quando esse mesmo escritor afirma que os meios para a construção da História da Alemanha e da História Moderna são (ou foram) os métodos “x”, “y” ou “z”, ele também está a verbalizar proposições teóricas. Em geral, os dois tipos de proposição – o que inventa um objeto e o que prescreve o meio de trazê-lo à vida – aparecem juntos e articulados (mesmo que não sejam originais o primeiro, o segundo ou ambos).
Pensar em fazer uma síntese sobre a História do Brasil ou mesmo a história de Dandara dos Palmares, por exemplo, exige uma reflexão verbalizada sobre os objetos (Brasil e Dandara) e os caminhos para inventá-los (methodos para a escrita de síntese da história do Brasil e methodos para a biografia de Dandara).2 Os dois tipos são (possuem o significado de) teoria. Mas os seus referentes (as palavras que suportam tal significado) nem sempre aparecem como “teoria”. O termo “método” é também expressão comum para significar a ação de inventar objetos e significar os meios de invenção de objetos (e vice-versa).
A opção por “teoria” ou “método” depende, então, das singularidades do vernáculo, dos jogos de poder entre disciplinas, de corporações profissionais, partidárias e religiosas e, até mesmo, da humildade de quem as emprega. Depende também das distâncias temporais entre os discursos instituidores e os discursos avaliadores da instituição de teorias e métodos.
A Introdução aos estudos históricos (1898), por exemplo, é tipificada por seus autores, Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos (1992, p.5), como um “ensaio sobre o método das ciências históricas” e julgada pelo resenhista Gabriel Monod (1909b, p.10) como o melhor livro de “teoria da História” publicado entre a última década do século XIX e a primeira década do século XX. A Apologia à História ou O ofício do historiador (1941) é tipificada por seu autor, Marc Bloch (2001, p.50), como um “memento de um artesão”, abaixo, portanto, de um “estudo dos métodos”, que ele declaradamente assume não possuir formação para fazer. Seu comentador José Carlos Reis, contudo, não hesita em afirmar que a Apologia é obra de teoria: “Bloch desenvolveu […] duas proposições inovadoras que caracterizarão a Escola dos Annales. Trata-se da nova concepção do objeto da história e do método retrospectivo”. (Reis, 2013, p.258).
Notas
[1] Para avaliar os limites e as vantagens da nossa abordagem, sugerimos compará-la com alguns dos vários significados de “Teoria da História” disponíveis na literatura: uma hipótese ou uma proposta de intervenção sobre os fatores e a mudança na experiência de determinado país ou do mundo (Zhao, 2015, p.29; Heller, 1993, p.337-9), um tipo-ideal que viabiliza a análise da obra histórica (White, 1975, p.18), uma disciplina universitária fundamental à formação do profissional de História (Rodrigues, 1969, p.440, p.444), um conjunto de “suposições” acerca do que se conhece sobre o tema, as questões que estruturam a investigação, natureza e localização das fontes, definição de atores e dos critérios de validação do conhecimento resultante da pesquisa (Fulbrook, 2002, p.4), um campo de estudos sobre a realidade e o pensamento histórico e o uso que as pessoas fazem do seu passado (Paul, 2015, p.14), “um campo” para a reflexão dialógica sobre problemas e conceitos da Epistemologia, Metodologia, Gnosiologia, Ontologia, Ética, Política, Estética e Linguística (Reis, 2019, posições 484 e 3839), “maneiras de ver o mundo”, “artefatos teóricos (conceitos, princípios e perspectivas)”, paradigmas (historicismo, positivismo ou materialismo histórico) e questões (Barros, 2017, posições 183, 377-381); e uma ciência sobre a Ciência da História (Rüsen, 2015, p.31-2). [2] O étimo latino “methodos” é um dos fundamentos para a significação do termo “método”. Com o sentido de caminho (“chemin”, “route”), do grego odos (Clédat, 1914, 213), está presente em vários idiomas: “Methode” (Al), “méthode” (Fr), “método” (Esp), “metodo” (It). Com o methodos e o seu significado mais abrangente, “caminho” (way, Weg, route, via e camino), designamos o nosso tipo ideal.Baixe os slides da aula sobre Introdução ao método histórico
Acesse a avaliação sobre crenças epistemológicas aqui.
Colegas do ProfHistória/UFRN que participaram das aulas das quais este texto foi um dos materiais discutidos 14/04/2023.
Referências
FREITAS, Itamar. Uma introdução ao método histórico (1870-1930). Aracaju: Criação, 2021. Para baixar este livro clique aqui.
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