Inteligência Artificial em ambiente científico
Exemplo de emprego da Inteligência Artificial (Midjourney) para otimizar um protesto contra as guerras
“Prompt: Uma história: Um retrato fotorrealista de um jovem menino iemenita, sentado em uma pilha de pedras em meio às ruínas de um prédio destruído, com o rosto manchado de sujeira e lágrimas. Ele veste uma roupa tradicional iemenita, rasgada e suja do conflito. No Ao fundo, uma paisagem urbana devastada por bombas e projéteis de artilharia é visível, com fumaça e chamas subindo à distância. O retrato captura a dor e o trauma dos civis iemenitas afetados pelo conflito, com os olhos do menino refletindo o medo e a incerteza de sua experiência. | Espero que este post possa espalhar alguma consciência e causar um momento de reflexão sobre as guerras na Ucrânia, Somália, Iêmen, Tigray, Mianmar, Síria, Afeganistão, Moçambique e Sudão do Sul. Essas imagens retratam a tragédia da guerra, mas as pessoas retratadas não são reais. Recordemos as verdadeiras vítimas do conflito e trabalhemos pela paz. Se quiser acompanhar meu trabalho, posto mais projetos no meu instagram: duba.arte.”
Colegas, boa noite!
A Pró-Reitoria de Pós-graduação e Pesquisa da UFS me fez um convite de fala e ofereceu um tema: “Inteligência Artificial em ambiente científico”. Como podem ver, é uma proposta genérica que compõe a mesa de duas comunicações mais específicas, proferidas pelos professores Carlos A. E. Montesco (DCC/UFS) e Paulo R. B. Silva (DLE/UFS).
Considerando a liberdade do convite, resolvi recortá-lo, traduzindo “ambiente” por campos de pesquisa e ensino. Aqui, abordo os dois ambientes em duas questões: 1. Que interesses movem alunos de doutorado que incluem Inteligência Artificial (IA) como objeto central ou tangencial de pesquisa, ou seja, quais habilidades humanas são transferidas para a IA? 2. Quais os impactos da IA no ambiente de ensino dos procedimentos e regras de validação científica, isto é, quais problemas e soluções são apresentados para responder à presença da IA no Ensino Superior?
Para responder à primeira questão, consultei 93 teses de doutorado defendidas nos anos de 2021, 2022 e 2023, no Brasil que incluem o descritor “Inteligência Artificial” nos registros do Banco de Teses e Dissertações da CAPES. (Clique aqui para acessar os registros consultados).
Para responder à segunda questão, consultei 14 textos publicados em livros-tese ou livro-coletânea de autoridades que tratam do ensino, pesquisa e desenvolvimento com IA e dos impactos da IA no Ensino Superior em cinco continentes.
A fala, por fim, é estruturada em duas partes, além dessa introdução: “IA como objeto de pesquisa no Brasil”; “IA no Ensino superior.” Nas conclusões, retomo as principais declarações dos dois tópicos e apresento algumas questões para a reflexão sobre o impacto da IA em nossa Universidade.
1. As Inteligências Artificiais como objeto de pesquisa no Brasil
Certamente, os colegas desta mesa fornecem definições de IA, o que me poupa tempo de fala. Aqui, basta compreendermos que as tentativas de designar a coisa formam um espectro que envolve “ciências de”, “ciência de”, “campo de pesquisa”, “disciplina do ensino superior”, “técnicas” e “técnica”.
EIas são, por exemplo: uma “constelação de tecnologias emergentes, incluindo robótica, aprendizado de máquina, computação em nuvem, genômica, impressão 3D, criptografia quântica, Telecomunicações 5 G” (Araya; Marber, 2023, p.1) ou “sistemas baseados em máquinas que podem […] fazer previsões, recomendações ou decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais.” (Shiorira; Holmes, 2023, p.138).
IAs são também uma “combinação de software e hardware capaz de executar tarefas que, [em geral] exigiriam a inteligência humana” ou “o esclarecimento do processo de aprendizado humano, a quantificação do processo de pensamento humano, a explicação do comportamento humano e a compreensão do que torna a inteligência possível.” (Lee; Qiufan, 2022, p.7).
Com esses e mais outros modos de designar a coisa, recém doutores de 49 áreas do conhecimento se empenharam em investigar as possibilidades de transferência de habilidades humanas às máquinas.
As duas habilidades majoritárias correspondem às principais tarefas do aprendizado em Inteligência Artificial (IA) e Aprendizado de Máquina (AM)[1]: descrever — identificar/diagnosticar (24%), explicar/prever (14%): avaliar (17%), aplicar (15%) e criar (20%).
Em termos de descrição de fenômenos, citemos o trabalho de identificar “Zica vírus na saliva” (Georjutti, 2022), “as ações de jogo no Voleibol” (Rodrigues, 2022), de monitorar e combater a “obesidade” (Audibert, 2022), como também de identificar/reconhecer “padrões moleculares, clínicos e imunológicos” da Hanseníase (Souza M. L., 2021b).
A mesma habilidade é transferida à IA em termos de interpretar “imagens médicas” (Sousa, 2021a) e identificar “faltas em módulos fotovoltaicos” (Vieira, 2021). No Direito, os pesquisadores identificam e classificam “sentenças judiciais” (Castro Junior, 2021), “tendências e consequências da decisão” jurídico-penal” (Mota, 2022) e a apuração da “responsabilidade civil em sistemas de carros autônomos” (Bravo, 2021).
Em termos de previsão, a pesquisa em IA serve ao gerenciamento do “agronegócio na caatinga” (Borba, 2022), à investigação sobre a “mortalidade em recém-nascidos pré-termo de extremo baixo peso” (Matsushita, 2022), ao controle do desmatamento (Neves, 2022) e ao estudo sobre a “irradiância solar” (Muraikrischna, 2021).
A IA também servem na previsão da “resistência mecânica de concretos com materiais alternativos” (Silva, 2021c) e, ainda, para explicar “sobrevivência organizacional” (Paula, 2021) e a ocorrência “síndrome respiratória aguda grave” no SUS (Araujo, 2022).
Entre as demais habilidades humanas transferidas à IA estão: o avaliar, aplicar e o criar. Os pesquisadores brasileiros, por exemplo, desenvolvem ferramentas para avaliar a taxa toxicológica em insetos (Bernardes, 2021), a qualidade dos “recursos educacionais abertos usando métodos de processamento de línguas naturais” (Gazzola, 2021), e as “taxas de reconhecimento de imagens de edifícios” (Vasconcelos, 2022).
Outros trabalhos focam na efetividade da IA em Tribunais Brasileiro (Silva, 2022a), nos “limites éticos” dos usos da IA entre os agentes do direito (Junquilho, 2022), da IA como “sujeito de direito” (Divino, 2022) e, principalmente, no impacto da IA e da automação no mercado de trabalho e na desigual distribuição de renda (Meireles, 2022; Sousa R., 2022b).
A aplicação e a criação de ferramentas fecham nosso rol de exemplos. Da primeira, destacamos o emprego da IA na “retirada de peso corporal” (Calças Neto, 2021), na construção de cidades inteligentes (Oliveira, 2022a) e no gerenciamento do espaço aéreo (Baum, 2021).
Do segundo, exemplificamos com a modelagem agrometeorológica (Moraes, 2021), a criação de “composto” para o combate à “esquistossomose” (Moreira Filho, 2021), de software para o “controle de infecção hospitalar” (Lins, 2023), e de tutorias inteligentes personalizadas para a aprendizagem (Melo, 2021).
Além disso, pesquisadores se esforçam para criar ferramentas que produzam cenários (Boeira, 2021), “conteúdo de marketing para mídias sociais” (Santos, 2022) e “jornalismo em vídeo” (Barbizan, 2021).
2. As Inteligências Artificiais no Ensino Superior
Com a descrição do tópico anterior, já temos uma ideia da presença da IA no ambiente científico da Pós-Graduação. Já sabemos que ela cobre, somente nos últimos cinco anos, 49 áreas do conhecimento em dezenas de instituições de educação superior brasileiras. Nesses textos, percebemos algumas indagações sobre o impacto no interior das Universidades.
Contudo, é no trabalho coletivo de profissionais estabelecidos na área (professores de graduação e pós-graduação) que encontramos os mais sistemáticos estudos sobre o impacto da IA no Ensino Superior.
Em termos mais abrangentes, pesquisadores tratam da inserção da IA no Ensino Superior, atrelada ao perfil pedagógico do produto que elas oferecem à sociedade. Nesse sentido, pesquisadores, interrogam: como as universidades latino-americanas podem vencer o seu caráter tradicionalista e o fosso entre as demandas do mundo do trabalho focadas em IA?
Obviamente, as orientações ideológicas divergem no problema e na solução. Pesquisadores de centro-direita ou de direita, em termos econômicos, questionam: como a IA pode tornar as Universidades competentes na oferta de ensino que garanta a oferta de mão-de-obra exigida pelo mercado em termos de quantidade, qualidade e velocidade?
Críticos de centro-esquerda e esquerda, em termos econômicos, questionam: como adotar inovações da IA na Educação Superior e, ao mesmo tempo, conservar “o pensamento independente, identidades fortes e criativas”? Como defender a Universidade dos interesses econômicos (neoliberais) e da doutrinação mística do Vale do Silício pela divinização da tecnologia? Como combater as ameaças à privacidade dos alunos e à suspeita permanente sobre questões de plágio, por exemplo (Popenici, 2022, p.130–133)? Como encontrar tecnologias avaliadas de modo independente dos interesses das grandes corporações que as produzem (Shiorira; Holmes, 2023, p.148–149)?
Há um terceiro grupo de pesquisadores se ocupa de problemas de aprendizagem e do currículo: como evitar que as tecnologias desenvolvidas por grandes corporações comerciais perpetuem práticas pedagógicas ruins (pedagogias centradas no professor e o afastamento da agência do professor) (Shiorira; Holmes, 2023, p.148–149)?
Neste mesmo caminho, surge a questão mais contraditoriamente mais ingênua e a mais sofisticada: vai haver professor-robô? Os professores humanos perderão seus empregos a uma taxa de 50%, nos próximos cinco anos?
Quem apresenta as questões, certamente tem respostas, ainda que hipotéticas. Para a questão do atraso latino-americano, pesquisadores apontam soluções pendulares. Uns veem a adoção em massa das tecnologias, sobretudo em instituições privadas, como estratégia de redução de custos.
Outros veem a ação estatal como alternativa para a implantação de sistemas que prevejam evasão, reprovação e que auxiliem na aprendizagem autônoma do aluno.
Um exemplo dessas alternativas é a orientação de minerar dados educacionais para “descobrir…características individuais em seus alunos e em suas notas e processos específicos que influenciam a taxa de evasão”, pondo em prática “um modelo que prediz a evasão acadêmica e média de notas (GPA) de alunos graduados”. (Martínez-Navarro; Verdú; Moreno-Ger, 2021, p.199).
É também um exemplo a orientação de empregar os dados gerados pelos estudantes em atividades curriculares e extra-curriculares, provas, fóruns, uso de material didático para “prever o desempenho do aluno no início do processo de aprendizagem, comparando os padrões comportamentais de alunos atuais e antigos.” (Moreno-Ger; Burgos, 2021, p.244).
Idêntica saída é apontada pelos que denunciam o descompasso entre o que o mercado necessita e o que as Instituições formadoras entregam: a rápida adoção de tecnologias de IA e flexibilização de currículos.
Uma alternativa curricular citada vem do Instituto Tecnológico de Monterrey, no México. Ali, a meta é instituir novo modelo de formação superior (o Tec-21), privilegiando “aprendizagem baseada em desafios” a “flexibilidade” e a ideia de “professores inspiradores”. (Araya; Marber, 2023, p.23).
Sobre as salvaguardas do Ensino Superior em relação às investidas do Mercado, pesquisadores vão da harmonização de interesses aos fins utópicos. Da harmonização destaco a ideia de que a IA pode “corrigir essas falhas e transformar a educação”, criando um professor auxiliar de IA que automatize tarefas docentes impossíveis de cumprimento hoje.
Assim, em termos de estratégias de ensino e aprendizagem, os pesquisadores sugerem: corrigir “erros dos alunos, responder a perguntas comuns, passar lição de casa e provas e dar notas […] trazer personagens históricos à vida e interagir com os alunos” (Lee; Qiufan, 2022, p.132–133).
Também sugerem criar bots de bate-papo coletivo para o ensino (liberando o professor das respostas triviais), criar ferramentas de avaliação, ferramentas de inclusão (ritmos e insuficiências em habilidades), sempre com a participação humana ou seja, com o emprego de princípios éticos orientadores dos usos da IA. (Papaspyridis; La Greca, 2023, p.123–125).
No que diz respeito ao currículo, além do exemplificado com o Instituto de Monterrey, pesquisadores sugerem um desenho que privilegie a descarga de trabalhos do nosso cérebro e a criação de um cérebro estendido.
Por esse modelo, o currículo, tanto da escolarização básica como do Ensino Superior, deveria se orientar para a ampliação das capacidades do cérebro humano em termos de “recordar com precisão informações complexas, envolver-se em um raciocínio lógico rigoroso e compreender ideias abstratas ou contra-intuitivas”, que já são exigidas pela sociedade complexa.
Isso se faz “empregando habilmente as extensões mentais”, ou seja, “pensando fora do cérebro” (Paul, 2023, p.160): 1. usando tecnologia; 2. usando os nossos corpos (em sua capacidade de comunicação e de transformar “conceitos abstratos em termos concretos”); 3. usando o espaço físico (“transformar uma representação mental em foras e linhas”); 4. usando “a mente de outras pessoas” para “complementar nossa limitada memória individual” – “memória transativa”, via debates e conversas (Paul, 2023, p.162–162).
As iniciativas mais utópicas de modificação curricular e didática ficam por conta da transformação do professor humano em estimulador do pensamento crítico, criatividade, empatia e trabalho em equipe.
Para um dos pesquisadores consultados, “o professor será um esclarecedor quando um aluno estiver confuso, um confrontador quando o aluno estiver cheio de si e um confortador quando o aluno estiver frustrado”. O professor gerenciará “inteligência emocional, criatividade, caráter, valores e resiliência nos alunos”. Além disso, vai “dirigir e programar o professor e companheiro de IA de forma que atendam melhor às necessidades dos alunos.” (Lee; Qiufan, 2022, p.132–133).
Quanto à última questão, a que causa maior temor, pesquisadores respondem de modo esperançoso. Em primeiro lugar, milhões de pessoas perderão os seus empregos, mas milhões de outros empregos serão criados se o setor produtivo explorar as descobertas recentes da biotecnologia. “Até 60% dos insumos físicos da economia global poderiam, em princípio, podem ser produzidos biologicamente […] madeira, algodão e animais criados para alimentação (Chui et al, 2023, p.48). O Ensino Superior modificaria a sua estrutura de cursos nessa direção.
A outra ideia é direcionada aos Estados. Com os lucros da automação, as pessoas poderiam ser beneficiadas com bolsas para fazer cursos em áreas onde a máquina não pode substituir os humanos, como o cuidar das pessoas. Nesse novo regime econômico e social, o professor humano seria um estimulador do pensamento crítico, criatividade, empatia e trabalho em equipe.(Lee; Qiufan, 2022, p.132–133).
Conclusões
Nesta fala, tentei convencê-los de que a IA está no ambiente científico há 70 anos. Em se tratando de pesquisa científica produzida na pós-graduação, no Brasil, nos últimos seis anos, a IA frequenta 49 domínios, apresentando alternativas de diagnóstico e de previsão de fenômenos, e criação de ferramentas de uso cotidiano que cobrem as atividades de serviços, comércio e indústria, que suprem demandas da saúde, segurança, educação e lazer.
No ensino superior, a IA mobiliza preocupações com a maximização dos lucros do mercado, a redução da autonomia das Universidades, o desrespeito à privacidade e à liberdade de professores e alunos. Também mobiliza desejos e planos de usufruto racional e humano das IA e o seu auxílio para a extinção das mazelas centenárias das salas de aula, com destaque para o ensino centrado no professor e o consequente desprezo dos ritmos individuais dos alunos.
Ficam, portanto, essas declarações e questões como estímulo para pensarmos a sistematização da presença da IA no cotidiano da nossa Universidade Federal de Sergipe.
Até o espetáculo da impressa sobre o Chat GPT (apenas uma tecnologia de IA), pouca gente se interessava pela expressão. Hoje, sabemos que as IAs são extensões do nosso cérebro, usadas cotidianamente em todos os Campi quando, por exemplo, fazemos uma busca na Biblioteca, corrigimos um texto eletronicamente, manipulamos planilhas e, também quando escrevemos uma mensagem no Whats app, estabelecemos o itinerário do Uber ou marcamos um encontro no Tinder.
Por que teria de ser diferente a presença das IAs na escrita de planos de curso, itens de prova, correção de atividades, composição de textos, de revisões de literatura, de projetos de mestrado, de construção de filmes, músicas, imagens e histórias no interior da Universidade? Reflitamos a respeito.
Muito obrigado!
Nota
[1] “Processo de indução de uma hipótese (ou aproximação de função) a partir da experiência passada”. O conjunto de habilidades corresponde às “técnicas de AM na solução de problemas reais”, a exemplo de: reconhecer, prever, identificar, conduzir, jogar e explicar (FACELI, 2011, p.2–3).Referências
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Flagrantes do evento no qual este texto foi apresentado – “Os impactos da Inteligência Artificial, como o Chat GPT, na ciência. São Cristóvão-SE, 3/04/2023.
Prof. Carlos Alberto Estombalo Mntesco – Departamento de Computação/UFS
Alunos, técnicos, professores e convidados no auditório da Reitoria da Universidade Federal de Sergipe
(Da esquerda para a direita) Professores Renata Ferreira Costa Bonifácio, do Departamento de Letras Vernáculas, Paulo Roberto Boa Sorte Silva, do Departamento de Letras Estrangeiras, e Carlos Alberto Estombalo Mntesco – Departamento de Computação/UFS
Para saber mais e de modo fácil
Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. Inteligência Artificial em ambiente científico: pesquisa e ensino. Resenha Crítica. Aracaju/Crato, 3 abr. 2023. Disponível em <https://www.resenhacritica.com.br/todas-as-categorias/inteligencia-artificial-em-ambiente-cientifico-pesquisa-e-ensino/>.