Pouco sabemos a respeito, mas os italianos foram protagonistas das primeiras iniciativas propedêuticas que resultaram em manual de História, no Brasil, na segunda e terceira décadas do século XX. Isso vale para impressos formativos no ensino superior (veremos adiante). No que diz respeito às obras de síntese sobre a nação que encarnaram as primeiras “formas históricas”, as experiências datam de 100 anos antes e estiveram sob a orientação de intelectuais de Portugal, França, Inglaterra e Alemanha, na primeira metade do século XIX.
Nessas Histórias do Brasil, o presente e o passado do Reino Unido de Portugal (1808) e do país independente (1822) estiveram em jogo, sendo várias as tentativas de compendiar uma memória nacional. Algumas estavam alinhadas à História da Casa de Bragança enquanto outras serviram aos projetos comerciais dos alemães,[1] dos Estados francês e inglês ou aos radicais parlamentares nacionalistas brasileiros, [2] explicitando também as primeiras problematizações epistemológicas do século XIX. No mesmo período, houve também uma iniciativa inglesa, marcada pela idealização do passado medieval que estabelecia direta relação “entre superstição, gótico, antiquariato, catolicismo, Península Ibérica e Brasil.”[3]
Para V. Araujo e T. Cesar,[4] as primeiras iniciativas de modelização e autonomização da História no Brasil experimentaram os regimes “compilatório”, no primeiro terço do século, e disciplinar, nas décadas de 40 e 50 – tempo de fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB (1838) e da sua Revista (1839), como também, da produção e difusão da História Geral do Brasil (1854/1857), de F. A. Varnhagem.[5]
Na segunda metade do século XIX, o IHGB permaneceu como principal centro de produção e balizador de alguns princípios e práticas, como a opção pela História narrativa e a valorização do trabalho de heurística e de crítica de fontes. Até a instituição das Faculdades de Filosofia, o Instituto e a rede de instituições provinciais, criados mais ao final do século, predominaram na produção da memória.
Nesse momento, o Império teve ampliada a centralização do Estado. A discussão, entretanto, desloca-se para a formação da nacionalidade ou do povo brasileiro. Então, novamente, os Institutos subsidiarão a escrita com o estímulo à reunião de fontes arquivísticas, etnográficas, arqueológicas e à produção de memórias locais e biografias.[6]
A relevância dos Institutos Históricos nas Províncias e do IHGB na capital Rio de Janeiro raramente é contestada; todavia, sua positivação depende das várias acepções de identidade historiadora, profissional ou científica.[7] Nas primeiras histórias da historiografia do século XX,[8] as ideias de erudição e exame de minúcias eram padrão explicador e privilegiavam algumas unanimidades, como F. A. Varnhagen, C. de Abreu, J. Ribeiro.[9] Enquanto Varnhagen representou o passado nacional como continuidade da dinastia Bragança, o segundo enfatizou a descontinuidade e o protagonismo de tipos sociais, orientado por categorias evolucionistas e positivistas. O terceiro apropriou-se da Filosofia Especulativa da História de proveniência alemã para redesenhar a nação a partir de sentimentos localistas.
Trabalhos recentes citam os sem fama, ainda que registrados nas páginas da Revista do IHGB – P. B. J. de Souza (1896), J. R. C. Gomes (1911) e L. A. F. Gualberto (1906)[10] – e nos periódicos de cada instituição rival ao grêmio da Capital do Brasil: Institutos Históricos, Geográficos ou Arqueológicos dos estados do Ceará, Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul. Também exploram a extensão da representação Histórica às artes da pintura (a exaltação à monarquia de Pedro II, de M. A. Porto Alegre e F.-R. Moreau ) e da música (as óperas nacionalistas de A. C. Gomes).[11] Todos os citados historiadores – e dezenas de outros autores aqui omitidos – escreveram sobre o estatuto científico da História. Da mesma forma, pintores e compositores reproduziram algumas dessas representações, presença obrigatória nos livros didáticos do nosso tempo. No entanto, considerados os critérios dominantes de formação profissional, qualquer analista seria obrigado a concluir que nenhuma das iniciativas estaria relacionada à formação regular de profissionais que lidavam com representações do passado, como bibliotecário, arquivista e professor de História.
Os Institutos não abriram cursos de Diplomática e Paleografia e até o embrionário “Gabinete de Numismática” do Museu Nacional contava com o pessimismo do Senado brasileiro em meados do século XIX. As escolas de Artes, em Olinda e no Rio de Janeiro, não contavam com cadeiras de “História”. Os discursos desses membros dos grêmios, por fim, figuraram marginalmente como introduções de livro estrangeiro de Teoria da História, apêndice de livro didático de História, necrológio, crítica-edição de fontes etc.[12]
Sobre os Institutos, não sobram poucas controvérsias. Evidentemente, os mesmos autores que enfatizavam o papel das Faculdades de Filosofia fundadas no segundo terço do século XX, sobretudo a da Universidade de São Paulo, lhes desferiram as maiores críticas, a exemplo de: ambiente de “tradição empírica”[13] e representante da “pré-história” da “produção historiográfica brasileira”.[14]
A maioria dos críticos, entretanto, reconheceu as singularidades do IHGB uma vez que lá conviviam diversas “modalidades discursivas”,[15]diversas “epistemologias” – o “pragmatismo” estadunidense, a metódica e o axiologismo francês e a crítica documental alemã, tudo isso combinado com certo culto ao beletrismo francófilo[16] – e diferentes “matrizes” historiográficas, desde o historicismo romântico de Varnhagen ao cientificismo naturalista de Capistrano de Abreu.[17] Com esses mesmos atores, o IHGB é sinônimo de “institucionalização do saber histórico” que não sofreu a concorrência interuniversitária, como na Europa.[18] O IHGB representa, enfim, a “institucionalização” da “pesquisa”[19] e da “reflexão”[20] históricas.[21]
As Faculdades de Filosofia encontram-se no final da fila como instituições produtoras de historiografia no início do século XX, simplesmente porque foram efêmeras e reduzidas diante dos Institutos Históricos Estaduais e mesmo do nacional IHGB. Isso ocorreu porque o governo monárquico, em domínio português ou na instituição do Estado Nacional, optou pela criação de faculdades isoladas de Direito e Medicina, escolas Militares (Exército e Marinha) e escolas de Engenharia e de Belas Artes. Dezenas de projetos de universidades foram recusados pelo parlamento ou pelo governo no mesmo século e as reivindicações constantes pela reunião das escolas em torno de uma Universidade no Rio de Janeiro, entre as décadas de 40 e 60 do século XIX. Quando vieram as primeiras universidades, as Faculdades de Filosofia não estavam presentes. A Universidade do Rio de Janeiro (1920), por exemplo, foi constituída pela agregação de escolas Politécnica, de Medicina e de Direito.
A ausência de demanda por formação especializada para o magistério também foi outro problema. Apesar de a História estar disciplinarizada nos ensinos primário e secundário (em algumas províncias, desde a instituição do Estado Nacional), os professores do curso secundário eram autodidatas até o início dos anos 1930. Apenas parte dos professores primários, em alguns estados, passavam por Escolas Normais (em funcionamento descontínuo, desde 1835) que assumiam diferentes configurações.
No secundário público e privado, preparatório para as faculdades de Direito e Medicina, os seus professores, também historiadores, em cada Estado, constituíam um cargo, geralmente, recrutado entre bacharéis em Direito e Medicina, engenheiros e oficiais militares que atuavam como produtores de livros didáticos e sócios dos Institutos Históricos e Academias de Letras. A formação “científica” estava sob o empenho assistemático de cada um – biógrafo, compendiador, cronologista, arqueólogo produtor de corografia local etc. A formação pedagógica seguia as crenças da competência individual, obtida na experiência diária ou, mesmo, pelo “dom”. Assim, desconsiderada a “institucionalização” de caráter academicista, os itinerários da História foram marcados pela instituição de cadeiras isoladas dentro dos pioneiros estabelecimentos de ensino superior “não profissionais”, ou seja, não voltados para as carreiras de Direito, Medicina, Engenharia etc.[22]
Há poucas razões para assegurar que tais cursos tenham sido os únicos entre 1870 e 1930, consideradas as inconsistências da legislação sobre ensino superior que só vai possuir um “estatuto” em 1931. Daí serem relacionados como “exemplos”, pois havia, em São Paulo, somente no ano de 1917, quase duas dezenas de estabelecimentos ofertando cursos superiores.[23] Esse número exclui instituições de formação profissional mantidas pelo Estado e se constitui, basicamente, de escolas, colégios, seminários e até uma Academia de Ensino Musical com todas as possibilidades de terem mantido uma cadeira de História (do Brasil, Universal ou Econômica, Eclesiástica, Sagrada, da Filosofia ou da Arte) em nível “superior”. Cadeiras de Didática Especial (de História ou de Metodologia do Ensino de História) e seus respectivos manuais somente serão criados na segunda década do século XX e em Escolas Normais preparatórias para os professores do ensino primário.
Entre o trabalho solitário dos historiadores e os empreendimentos coletivos dos Institutos Históricos e das Faculdades Livres de Filosofia, esses registros do ensino e da produção de impressos propedêuticos ainda são parcos e dispersos. Por ora, é possível destacar apenas três experiências que foram objetos de pesquisa rigorosa.[24] A primeira ocorreu na Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo – FFLSP, mantida pelos beneditinos desde 1908. A instituição era parte do projeto de implantação de uma Universidade Católica no Brasil, sob o modelo neotomista da Universidade de Louvain,[25] iniciado pelo Cardeal Mercier.[26] E viria reforçar o combate às “más ideias” como o materialismo, o evolucionismo, o monismo e o positivismo que circulavam entre os nascidos na última década do século XIX.[27]
Um ano depois de fundada, a Universidade de Louvain reconheceu os cursos de Filosofia e Letras e habilitou a Faculdade a conceder diplomas de bacharel aos que completassem o curso de três anos, e de doutor, depois de defender uma dissertação escrita.[28]As aulas ocorriam à noite, cinco vezes por semana, nas instalações do Mosteiro de São Bento. Eram gratuitas e buscavam atrair, principalmente, os alunos ou ex-alunos das faculdades de Direito, Engenharia e Medicina e os professores públicos diplomados [pelas Escolas Normais].[29]
A FFLSP também oferecia conferências abertas ao público, programadas pelo Centro de Filosofia e Letras, criado pela Faculdade. Entre 1912 e 1916, cinco das 21 conferências abordaram História do apóstolo São Paulo, de Florença e a Renascença, das Ruínas de Pompéia, da República do Paraguai e do Rio de Janeiro em 1816. Esta última foi proferida por Afonso de Escragnolle Taunay[30] que também ministrava o regular curso de História Universal.
Em 1912, Taunay já era professor do Ginásio São Bento, discípulo do consagrado C. de Abreu, membro do Instituto Histórico de São Paulo e articulista da Revista do IHGB. Das suas práticas como professor poucos registros foram colhidos. Sabemos que ele costumava incluir nas aulas algumas teses de Mommsen, e C. Cantu, no esquema preleção/arguição.[31] Além de alemães e do italiano, ele apegou-se à literatura metodológica francesa. É o que demonstra o texto da conferência inaugural do curso de História do Brasil,[32] em que expõe os princípios do método histórico, como era concebido na Universidade de Sorbonne no final do século XIX.
Na conferência “Os princípios gerais da moderna crítica histórica” (1912),[33] ele resumia trechos da Introdução aos Estudos Históricos (1898), mas omitia algumas posições de Langlois e Seignobos e reforçava outras tantas como a função do método no combate às explicações biológicas e evolucionistas. Na sua propedêutica, também expressava alinhamento à Monarquia de Pedro II e ao pontificado de Leão XIII,[34] citando-os como defensores da “verdade” ciceroniana e do “julgamento divino”.[35]
A segunda experiência propedêutica da História no ensino superior não chegou a gerar um manual, mas esteve relacionada às tentativas de implantação de uma Universidade, um Instituto de Altos Estudos ou um Centro de Estudos de Problemas Brasileiros (1911), no interior do IHGB. Em 1913, os cursos foram iniciados com o discurso sobre aspectos físicos do Brasil e as Histórias Econômica, Constitucional, Tributária, Diplomática e das Artes Plásticas. No ano 1915, L. Oliveira Lima[36] planejava uma Escola de Ciências Políticas e Administrativas para formar funcionários do Estado nos moldes da “École des Sciences Politiques” e “École des Hautes Études Commerciales”, de Paris, e “London School of Economic and Political Science”. Entre 1916 e 1918, essa Escola funcionou com o título “Academia de Altos Estudos”,[37] estimulando os membros do Instituto a transformarem-na em Faculdade de Filosofia e Letras destinada à formação dos professores do ensino secundário.
Assim, inspirada na Escola Normal Superior de Paris, a faculdade oferecia graus em Ciências Políticas e Sociais, Filosofia e Letras e Normal Superior, com habilitações, inclusive, em “Ciências Históricas e Geográficas. A faculdade encerrou suas atividades quatro anos depois, formando apenas uma turma de bacharéis. Não deixou muitos testemunhos das suas práticas didáticas e dos professores responsáveis por cada curso. Contudo, pelo Regulamento e programa relativo aos três anos do curso de “Ciências Históricas e Geográficas”, podemos perceber a prescrição de “Introdução aos estudos Históricos, Arqueologia, Numismática, Paleografia e Diplomática” como cursos conexos do segundo ano, junto à Geografia e Etnografia,[38] isto é, um núcleo de disciplinas metahistóricas na formação profissional docente.
A experiência paulista com os “Altos Estudos” nasceu em 1930 sob a forma de “Sociedade de Filosofia e Letras”, uma espécie de mantenedora da futura Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo.[39] Naquele ano, intelectuais brasileiros digladiavam-se em torno dos mais adequados modelos de formação de professores: o Teachers College estadunidense, a Escola Normal Superior francesa, a Faculdade de Filosofia alemã ou a Faculdade de Filosofia e Letras italiana.[40] Vitoriosa foi a experiência dos italianos, aqui defendida por U. Pizzoli, A. Piccarolo e Francisco Isoldi.[41]
Pizzoli era um pedagogo formado na Faculdade de Medicina e Cirurgia de Bolonha (1885), com experiências de pesquisa em Psicologia Experimental e Antropologia. Viera ao Brasil para observar o sistema de instrução de São Paulo (1914), quando anunciou a maior fragilidade do estado: a falta de uma “escola universitária de aperfeiçoamento pedagógico”.[42] Essas ideias, provavelmente, alimentaram o projeto de “Faculdade de Educação” planejada (e não executada) no Governo paulista de Washington Luís (1920). No programa, os legisladores prescreveram o ensino de História da Civilização Nacional e História da Filosofia no terceiro e último ano de um curso de três anos e um ciclo de conferências livres com preleções de “Crítica Histórica”.[43]
Piccarolo cursou Direito na Universidade de Turim, especializando-se em História da abolição da servidão feudal. Foi membro fundador do Partido Socialista Italiano – PSI[44] (1892) e chegou ao Brasil (1904) para dirigir o jornal Avanti!. Aqui, foi professor de História no ensino secundário e escreveu, entre outros textos, uma História das doutrinas políticas.[45]
Em 1908, convidado a fazer parte da Academia de Letras de São Paulo, ele esquivou-se com o seguinte argumento: “fundar uma Academia é, sem dúvida, obra benemérita e útil às letras pátrias. Muito mais útil, porém, seria fundar uma Faculdade de Letras e Filosofia de que o Brasil tanto necessita.” [46] E nessa empreitada engajou-se, planejando uma Faculdade ao modo corrente na Itália de onde sairiam os professores para as escolas secundárias e as Escolas Normais.
Para o currículo desse estabelecimento, além das cadeiras destinadas às seções de Línguas/Literaturas e de Filosofia, Piccarolo previa a oferta de “Geografia, História Antiga e Medieval e História Moderna, Paleografia, Heráldica, Numismática e Agiografia.”[47] A ideia foi aprovada como tese da Terceira Conferência Nacional de Educação (1929), mas permaneceu no papel voltando ao centro do debate quando uma comissão de intelectuais, liderados pelo então diretor da Faculdade de Medicina – Ernesto de Souza Campos – fundou, no prédio do IHGSP, a Sociedade de Filosofia e Letras de São Paulo – SFLSP (1930).
A SFLSP tornou-se, então, a mantenedora da Faculdade Paulista de Letras e Filosofia, que funcionou entre [1931 e 1936]. Piccarolo era o seu secretário, O. Mota ensinava Português, A. Elis ensinava História e F. Isoldi ensinava “Introdução à História e Crítica Histórica” no terceiro andar da Escola Normal da Praça.[48]
O terceiro italiano, Francisco Isoldi, chegou ao Brasil em 1904. Era professor do ensino secundário e cursou Filosofia e Letras em Roma. Foi ardoroso defensor do ensino de humanidades, em oposição à implantação de cursos secundários centrados nas línguas modernas e ciências naturais. Isoldi justificava que o Grego e o Latim eram o único meio para colocar os alunos em contato com “o espírito helênico” que “conduz às fontes fecundas da primitiva humanidade.”[49] E assim ficou conhecido em São Paulo: erudito professor de História Universal, História do Comércio, Geografia, Grego e Latim, além de organizador de bibliotecas e membro do IHGSP.
Na faculdade do velho Piccarolo, Isoldi defendeu uma dupla finalidade para a “disciplina” História: “formar o professor e o estudioso”. Esse caráter o induziu a preparar dois cursos: “um monográfico e outro de metódica da ciência histórica”. O primeiro tinha o objetivo de “adestrar os jovens à avaliação crítica dos materiais documentários e a indicar as fontes”; o segundo foi planejado para “fazer com que os jovens desenvolvessem argumentos de que resultasse[em] conjuntos [de fatos] bem organizados.”[50]
Os cursos, ministrados em 1932, foram publicados no mesmo ano sob o título Preleções de Introdução à História e Crítica Histórica (1932).[51] No impresso, Isoldi estabeleceu distâncias entre o seu trabalho e as inovações historiográficas em curso – New History (EUA) – e reivindicou a instituição de um “seminário de estudos históricos” em São Paulo, ao modo dominante “na Alemanha e em outros países.”[52]
Notas
[1] Essa iniciativa é posterior aos citados adiante. Trata-se da História do Brasil (1860) de Gottfried Heirich Handelmann (1827-1891), [uma espécie de propaganda do Brasil como lugar para migrantes alemães]. Handelmann foi o primeiro a associar identidade nacional alemã à identidade nacional brasileira. Ambas se encontrariam no “contraste entre o sentimento da unidade nacional e o particularismo de cada província.” (Handelmann, 1931, p. iv).
[2] Araujo; Cesar (2018, p. 25-30). São os casos das iniciativas de escrita da História do Brasil empreendidas pelos franceses Alphonse de Beauchamp (1763-1832) e Ferdinand Denis (1798-1890), do brasileiro José da Silva Lisboa (1756-1835) e do inglês John Armitage (1807-1856).
[3] Iniciativa do inglês Robert Southey (1774-1843). (Varella, 2015, p.52; 59).
[4] Araujo; Cesar (2018).
[5] Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878); João Capistrano Honório de Abreu (1853-1927); João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes (1860-1934).
[6] Para a compreensão da centralidade do IHGB, os debates e os aportes teóricos empregados acerca da invenção do povo brasileiro, ver os trabalhos recentes de Oliveira; Gontijo; Franzine (2018) e Mollo; Turin; Nicolazzi (2018).
[7]Historiador é o que emprega tempo integral no “estudo da História” (Lapa, 1985, p. 65), o “intelectual” engajado no estudo dos problemas brasileiros (Gomes, 1996), o que incorpora no seu trabalho a “erudição”, “pesquisa detalhista”, “exame dos documentos”, “consulta de arquivos” e a “controvérsia minuciosa” sobre o registro e a interpretação de determinados eventos (Sodré, 1973, p. 222). Manuel Salgado Guimarães ([1987] 2011) afirmou que historiografia brasileira nasce com o Estado-nação, embora não possamos ver aí – alerta o autor – a emergência de uma profissão.
[8] O texto de Fonseca (1958, p. 6) sintetiza bem o que os historiadores da historiografia das primeiras três décadas legitimavam como “historiador”.
[9]João Capistrano Honório de Abreu (1853-1927). Francisco Adolfo de Varnhagen (visconde de Porto Seguro (1816-1878).
[10]Segundo o Padre Belarmino José de Souza (1896, p. 287), o historiador seria o tradutor dos mortos e o amigo de Deus ou, na fala de um seu companheiro, um “asceta que medita”, um “homem espiritual pela aplicação da faculdade da alma” descobridora do verdadeiro, descobridor dos “fatos ocultos”, um benfazejo buscador de “mistérios do nosso Brasil” e de “memórias consoladoras”. João Ribeiro Coelho Gomes (1911, p. 639) faz uso de um certo finalismo “super-orgânico” e repousa o “objetivo da história científica” na compreensão das “origens” e da “marcha da civilização” e, também, na “causalidade fatal” do meio físico, interpretando a experiência de forma dualista. Luiz Antônio Ferreira Gualberto (1908, p.211-3) afirma que o historiador deve “reunir documentos, retificar datas e procurar por um trabalho meticuloso a exatidão absoluta”. Esse tipo de ação “cimenta a generalização”. Ainda assim, deve o historiador deixar as generalizações a cargo dos filósofos, como Vico e Litré. As “paixões humanas […] onde entram a sugestão, o contágio, a imitação, o exagero […] tudo isso concorre para desmanchar a mais bem arquitetada doutrina que tenha por fim explicar por uma lei os fatos históricos”.
[11] Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), François-René Moreau (1807-1860), Antônio Carlos Gomes (1836-1896). (Cardoso, 2011, p. 455-6).
[12]Pedro Augusto Carneiro Lessa (1906), João Ribeiro (1894; 1918), Capistrano de Abreu (1878).
[13]Canabrava (1972, p. 7).
[14]Arruda; Tengarrinha (1999, p. 49-51).
[15]Oliveira (2011, p. 25).
[16] Freitas (2010).
[17] Wheling (1994).
[18] Dihel (1998, p. 24).
[19] Rodrigues (1951, p. 38).
[20] Reis (2008).
[21] Nos últimos quatro anos, sofisticadas interpretações são responsáveis pelo recuo dos pontos de emergência sobre os traços diacríticos da historiografia e, com grandes doses de probabilidade, da identidade profissional do historiador brasileiro. Desse modo, são atribuídos ao IHGB a possibilidade de expressar a passagem de uma história filosófico-iluminista para uma história ciência-empírica (Guimarães, 2011, p. 72), a mudança do “padrão compilatório” para o “padrão disciplinar” – especialização e controle interpares sobre as atividades do historiador (Araújo, 2015, p. 395) e a mescla de oratória antiga e pressupostos modernos da autoridade, mediante os discursos de seus influentes dirigentes – Januário da Cunha Barbosa (1839) e Raymundo José da Cunha Matos (1863): “valorização e hierarquização das fontes”, “imparcialidade do historiador”, o “trabalho de equipe” e uso da “retórica”. (Cesar, 2011, p. 94).
[22] Trata-se, por exemplo, da cadeira de História do Brasil na Faculdade Eclesiástica de São Paulo, que oferecia o curso de Filosofia e funcionou de 1908 a 1914. (Lacombe, 1973, p. 151; Casali, 1998, p. 164-8). Na Faculdade Livre de Filosofia e Letras de São Paulo, mantida pelos monges beneditinos a partir de 1908 (Melo, 1975, p. 718), no Mackenzie College – que, além da História do Brasil, mantinha a “matéria” História Universal, ambas ministradas pelos professores S. M. L. Alvinhac e Cesar Antonelli (Paula e Silva, [1909], p.335-6; Almeida Prado, 1961), Francisco Isoldi (Esponsel, 1970, p. 119); Instituto Santa Úrsula, no Rio de Janeiro – com o professor Américo Jacobina Lacombe (Lacombe, 1976, p. 82); Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, fundada em 1933 – de cujas aulas (História Econômica do Brasil) surgiu o livro do mesmo nome, publicado por Roberto Simonsen em 1937. (Lacombe, 1973, p. 155).
[23] De Paula (1960, p. 277).
[24] Matos (1996, p. 294).
[25] Concretização de uma das teses do II Congresso Católico Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro, em 1908. (Lacombe, 1976, p. 81).
[26] Désiré-Félicien-François-Josep Mercier (1851-1926). Cardeal belga e doutor em Filosofia.
[27] Relatório da FFLSP de 1916; Costa (1956, p. 389-90).
[28] No primeiro ano, somente a seção de Filosofia e Letras funcionou com os seguintes cursos: Lógica, Criteriologia, Ontologia, Cosmologia, Psicologia, Teodiceia, Filosofia Moral e História da Filosofia. Previa-se a abertura da seção de História para o ano de 1912 (Estatutos, 1912, p. 6). Enquanto não ocorria, a História Universal funcionaria como curso auxiliar para os alunos de “Filosofia e Letras”, podendo ser cursada em quaisquer dos três anos que duravam o curso.
[29] Casali (1998, p. 157-164); Muchail (1988); Matos (1936, p. 177-184).
[30] Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958). Historiador católico, professor da Faculdade de Filosofia dos Beneditinos, professor da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e diretor do Museu Paulista.
[31] Gontijo (1951, p. 445).
[32] Taunay (1914).
[33] A conferência foi proferida em 20 de novembro de 1912 e publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em 1914.
[34] O Papa Leão XIII publicou a Encíclica Providentissimus Deus (1893), que estimulou intelectuais católicos a investirem na pesquisa histórica sobre os escritos da Bíblia como reação aos estudos bíblicos racionalistas. No capítulo reservado ao trabalho da História, ele afirma: “Pode realmente admittir-se que nos códices escapassem algumas incorrecções devidas à incúria dos copistas, mas isto deve ser maduramente considerado e só admittido nos logares onde o erro é evidente. Pode ainda admitir-se que seja duvidosa a genuina lição dalgum logar e para esclarecimento da qual são de grande monta as regras duma boa hermenêutica, mas nunca será licito ou restringir a inspiração unicamente a algumas partes da sagrada escriptura, ou conceder que o auctor sagrado errou […] ora é impossivel que na inspiração divina haja erro, visto como a mesma inspiração só por si não somente exclue todo o erro, senão também que o exclue tão necessariamente quanto necessariamente repugna que Deus, Verdade summa, seja auctor de erro algum.” (Leão XIII, [1893] 1903, p. 41-2).
[35] Taunay (1914, p. 325; 344).
[36]Manuel de Oliveira Lima (1867-1928). Historiador e diplomata monarquista. Trabalhou em Londres, Berlin e Washington.
[37] Da Academia, foram professores: Jônatas Serrano (1855-1944), Fileno de Morais, Afrânio Peixoto (1876-1947) e Leopoldo de Bulhões.
[38] Guimarães (2000); Lacombe (1973, p. 152- 4; 1998, p. 201).
[39] Da primeira diretoria e comissões da Sociedade participaram Spencer Vampré, Artur Bitencourt, Henrique Gelnen, João Cruz Costa, Orlando Fonseca, Otoniel Mota, Artur Mota, Benedito Salgado, Lourenço Filho, A. Almeida Júnior, Francisco Isoldi e Raul Briquet.
[40] Campos (1954, p. 422). Antunha (1975, p. 31).
[41] Ugo Pizzoli (1863-1934). Antônio Piccarolo (1863-1947). Francisco Isoldi (1879-1960).
[42] Pizzoli (1918).
[43] Piccarolo (1929, p. 284).
[44] Partito dei Lavoratori Italiani.
[45] Hecker (sd).
[46] Piccarolo (1929, p. 274).
[47] Piccarolo (1929, p. 280).
[48] Matos (1986, p. 341).
[49] Isoldi (1928, p. 68).
[50] Isoldi (1932, p. 1).
[51] Na distribuição de cursos estavam presentes os obrigatórios História Antiga, História Medieval e Moderna, História da América e do Brasil, História da Educação, História da Filosofia, História das Religiões e os cursos livres História e Filosofia do Direito, História das Instituições Primitivas (Prof. Spencer Vampré). A. d’E. Taunay fazia parte do quadro, mas não encontramos informações sobre o curso que ministrou. (Tffani, 2011, p. 25-6).
[52] Isoldi (1932, p. 244).
Referências
FREITAS, Itamar. Institucionalização da História e profissionalização do historiador em países da Europa e da América (1870-1930) – Uma sintética introdução ao tema. Recife: Editora da UFPE, 2021. p.49-61.
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