Movimento Internacional da Educação Nova – VIDAL; RABELO (RBHE)
VIDAL, D. G.; RABELO, R. S. (Orgs.). Movimento Internacional da Educação Nova. Belo Horizonte: Fino Traço, 2020. Resenha de: PHILIPPI, C. C. Configurações, sujeitos e apropriações– notas sobre o livro “Movimento internacional da educação nova”. Revista Brasileira de História da Educação, v. 20, 2020.
Em que pesem as já existentes pesquisas historiográficas nacionais e internacionais a respeito do movimento de renovação escolar entre as décadas de 1920 e 1940, Diana Vidal e Rafaela Rabelo trazem ao tema novas perspectivas para entendimento e análise. Elas o fazem por meio da recente organização do livro Movimento internacional da educação nova, cuja publicação resulta de pesquisas vinculadas a diferentes projetos financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sua centralidade para os estudos na área é destacada já no prefácio de autoria de André Luiz Paulilo, para quem as “[…] perspectivas que o livro alcança não só atualizam problemas de pesquisa, [mas] também percebem aproximações entre grupos de intelectuais bastante heterogêneos e distinguem estratégias de consolidação de redes de circulação e difusão de modelos educativos e culturais” (Paulilo, 2020, p. 9).
Os capítulos trazem uma heterogeneidade de temas, escalas e sujeitos caros ao debate que se organizam em três blocos distintos: ‘sujeitos e redes’; ‘nacional e transnacional’; ‘propostas e apropriações’. No primeiro se aglomeram discussões em torno de trajetórias de educadores cujo papel foi central para a circulação da Educação Nova em diferentes países. Operam metodologicamente pelo estudo dos rastros de uma trajetória individual visando a constituição das redes a partir das quais tais sujeitos operaram. Em ‘nacional e transnacional’ se intenta rastrear as diferentes traduções dos princípios renovadores na América do Sul. Também nesse caso se privilegia o estudo da circulação internacional de ideias e sujeitos. Por fim, em ‘propostas e apropriações’ são aglomerados capítulos que tematizam os impactos da Educação Nova dentro e fora das instituições escolares.
É também cara às autoras a aproximação com as configurações sociais e políticas nacionais e internacionais. Nesse movimento, é possível delinear as esferas de ação de ligas e instituições específicas, tais quais a New Education Fellowship e o Bureau Internacional d´Éducation. Para seu entendimento, acionam o conceito de hub1, que entendem como um “[…] ponto de conexão de redes, local de encontro e passagem” (Vidal; Rabelo, 2020, p. 13). Constituiu-se, pois, como ponto de contato que permite convergências que colaboram para o entendimento das redes instituídas em torno da fórmula da Educação Nova e das ações feitas em seu prol como um dispositivo agregador.
Em ‘A seção brasileira da New EducationFellowship: (des)encontros e (des)conexões’, Diana Vidal e Rafaela Rabelo tematizam a instalação tardia de uma célula nacional da NEF2 no Brasil. A partir das movimentações engendradas em torno das tentativas de criação da seção mapeia-se a dinâmica da criação de redes – nem sempre convergentes – de educadores brasileiros. É em seus embates e rusgas que se afiançam constatações a respeito das disputas na busca por espaço dentro dos mesmos círculos de educadores brasileiros e estrangeiros3. A efetiva criação da seção, enfim, é condicionada pela aproximação entre Brasil e Estados Unidos em meio à configuração dada na Segunda Guerra Mundial. Também para Vidal e Rabelo (2020), a criação da referida seção deveu-se mais a essa aproximação do que propriamente a esforços de educadores nacionais. Tal cenário tem o efeito de favorecer a problematização das conexões que constituem a ampla rede de atores que a ele se vincularam, bem como de ressaltar a relevância das aproximações com os preceitos da Educação Nova e das viagens pedagógicas internacionais.
A movimentação dos atores políticos é também mapeada por Margarida Louro Felgueiras. Em ‘Dois portugueses no movimento internacional da Escola Nova: Faria de Vasconcelos e Antônio Prado’, ambos os sujeitos são colocados em relação e têm seus percursos internacionais mapeados. A autora, nesse movimento estabelece uma distinção entre a ‘Escola Nova’ como perspectiva e como movimento. Ao segundo credita a atuação de Adolphe Ferriére, responsável pela aglutinação de pessoas e políticas educativas em distintos países. É na elaboração dessa pedagogia que situa Portugal no século XX (Felgueiras, 2020, p. 49). No que se refere às trajetórias específicas dos sujeitos dos quais se ocupa, ressalta sua ocasional colaboração mútua, sobretudo no início do século, mas o posterior afastamento devido a divergências na atividade política (Felgueiras, 2020, p. 67).
É também na movimentação de um sujeito que Gary McCulloch se fia para rastreamento das formas pelas quais Fred Clarke contribuiu para a internacionalização de estudos e pesquisas educacionais. Ao tomar como fonte as ponderações e impressões feitas por contemporâneos, mobiliza seu arquivo pessoal e também os arquivos da Carnegie Corporation, do New Zeland Council for Educational Research e do Australian Council for Educational Research.O artigo traz o ganho de fazer pensar a internacionalização e globalização das iniciativas encabeçadas por Clarke antes dos governos nacionais e agências internacionais assumirem uma posição central nesse movimento. Traz também elaborações fortuitas sobre o papel da Educação Nova nos desdobramentos políticos da época. Para o autor, ela foi simultaneamente acionada como um fator de manutenção de continuidades e de estímulo a mudanças (Mcculloch, 2020, p. 90).
O bloco ‘Sujeitos e redes’ se encerra com o capítulo ‘Vertentes da Escola Nova em São Paulo: o ‘caso microscópico’ do Grupo Escolar Rural de Butantan’, de autoria de Ariadne Ecar e Diana Vidal. Nele, as autoras se utilizam da trajetória e das práticas da professora Noêmia Cruz para aquilatar discussões a respeito do ensino rural e das políticas públicas da educação no período. Rastreiam também as conexões entre as dimensões locais e transnacionais pelo estudo de suas práticas, o que permitiu perceber suas operações mesclando representações concorrentes de ensino rural e negociando seus significados (Ecar & Vidal, 2020, p. 108). Ressaltam, por fim, que os resultados da investida não assinalam para uma definição única de ensino rural, mas para um conjunto de entendimentos modulado também por pressões políticas específicas (Ecar & Vidal, 2020, p. 109).
Em ‘Nacional e transnacional’, Martha Cecilia Herrera, Silvina Gvirtz, Gabriela Barolo e Pablo Toro Banco se demoram sobre as reverberações do movimento pela Educação Nova na Colômbia, Argentina e Chile. Em ‘Apropriações e ressignificações da Escola Nova na Colômbia na primeira metade do século XX’, Martha Herrera sustenta que a maioria dos discursos educacionais do período no país retomou alguns dos postulados escolanovistas para elaboração de uma reforma da instrução nacional (Herrera, 2020, p. 115). Assim sendo, mapeia as distintas apropriações do movimento, situa suas imbricações e reconhece os embates entre os postulados escolanovistas e, sobretudo, educadores ligados à defesa da educação católica (Herrera, 2020, p. 124). Ainda para ela,
[…] Todas as tentativas de reformular os eixos sobre os quais a educação funcionava tiveram que passar, necessariamente, pela lógica do discurso da Escola Nova […]. É necessário entender esse movimento como uma corrente pedagógica cuja influência histórica e pertinência levou a colocar em circulação um ideário que […] foi apropriado e ressignificado em diferentes países do mundo […] (Herrera, 2020, p. 130).A heterogeneidade de tempos, espaços e ideias do movimento é também ressaltada por Silvina Givirtz e Gabriela Barolo.Ao abordarem o movimento em território argentino, demarcam como ponto comum entre suas diferentes expressões a afiliação a postulados reformistas de origem europeia (Gvirtz & Barolo, 2020, p. 133). As autoras investigam o impacto e o percurso do movimento no país, deixando claro que sua temporalidade não estabeleceu uma correlação linear com os tempos da história política, embora existam atravessamentos entre eles (Gvirtz & Barolo, 2020, p. 134). Operam, por essa via, uma análise que contemplou as configurações da macro e micropolítica. Na segunda esfera, destacam algumas alterações no cotidiano escolar e nos discursos docentes. Ressaltam, por fim, que o movimento propunha a melhoria da escola moderna sem, contudo, questionar suas bases. Ainda para elas, foi essa característica que configurou os limites do movimento no sistema educacional argentino (Gvirtz & Barolo, 2020, p. 152).
Por fim, Pablo Toro-Blanco explora as mudanças demandadas dos docentes chilenos em termos afetivos, bem como sua interação com os crescentes graus de fundamentação científica do trabalhado professoral em‘Conselho de viajantes: a Escola Nova e a transformação do papel do professor no Chile (1920 – 1930) – um olhar conciso da história transnacional e das emoções’. Para tanto, entende a história transnacional como a história das conexões para além do âmbito nacional e operacionaliza a análise pela via de conceitos oriundos da história das emoções (Toro-Blanco, 2020). Em que pesem as distintas possíveis apropriações do arsenal pedagógico da Escola Nova, destaca a configuração de um cenário de mudanças de concepções sobre o fenômeno educativo no qual a psicologia infantil e juvenil assumiria um papel central (Toro-Blanco, 2020).
Geneviéve Pezeu inaugura o bloco ‘Propostas e Apropriações’ com o artigo ‘A coeducação vista pela Escola Nova nos anos 1920 e 1930 (entre Suíça, França e Alemanha) ‘. Nele, se pergunta a respeito dos posicionamentos a seu respeito por parte dos movimentos europeus pela Educação Nova. Para tanto, coloca em perspectivas algumas das ambiguidades encampadas em meio ao movimento sobretudo por Adolphe Ferriére (Pezeu, 2020). Mapeia os dois principais argumentos para definição do programa da coeducação no movimento escolanovista francês: o que mobilizou a regulamentação das relações sentimentais e o que avultou a idade ideal para o seu início. Situa uma configuração nacional e interacional que minou as experimentações inovadoras em prol da coeducação, o que fez com que suas iniciativas permanecessem na qualidade de exceções na França (Pezeu, 2020).
Ainda no movimento de análise das diferentes apropriações do escolanovismo, Maria del Mar Pozo Andrés aplica um modelo de estudo de suas recepções no capítulo ‘O método de projetos na Espanha: recepção e apropriação (1918 – 1936)’. Tal modelo estabelece fases para entendimento da recepção das propostas da Escola Nova no país, sendo elas a ‘observação’ da implementação dessas ideias nas escolas estrangeiras, a ‘tradução’ de obras clássicas, a ‘intepretação’ dos preceitos em obras independentes, a ‘adaptação’ dos conceitos e sua ‘apropriação’ pelo magistério, convertendo-se assim em uma cultura pedagógica compartilhada e popular (Andrés, 2020, p. 189 – 192). É esse modelo que a autora operacionaliza para abordar a construção do projeto como metodologia icônica da educação progressiva nos Estados Unidos e os posteriores significados em sua circulação e difusão para, por fim, perscrutar sua apropriação no cenário espanhol já nos anos 1930 (Andrés, 2020). Notifica uma rápida apropriação do método de projetos pelo professorado devido, entre outros fatores, a sua elasticidade conceitual e à possibilidade que imprimiu a um reduzido grupo de professores de produzir um conhecimento pedagógico (Andrés, 2020).
Por fim, o último capítulo do livro retoma o cenário brasileiro em estudo de Ariadne Ecar e Fernanda Franchini, de título ‘Esforços para uma educação nova em São Paulo: discursos e marcas na definição do cinema educativo (1920 – 1930)’. Nele, as autoras abordam apropriações de ideias estrangeiras a respeito do uso do cinema como recurso educativo e, em seguida, se debruçam sobre a instalação da ‘Exposição Preparatória do Cinema Educativo’ no ano de 1931, em São Paulo (Ecar & Franchini, 2020). Conforme as autoras, ela foi um recurso para convencimento a respeito da real possibilidade de uso do cinema como um eficiente recurso de ensino. Defendem ainda que, conforme a análise das fontes, o cinema na sala de aula definiu-se pelos propósitos de valorização dos processos produtivos e formação para o trabalho (Ecar & Franchini, 2020). Situam também os jogos de forças marcados pelos distintos projetos educativos nas décadas de 1920 e 1930, responsáveis pela progressiva centralidade que a instituição escolar assumiu como lócus de formação da nação (Ecar & Franchini, 2020).
A publicação ‘Movimento internacional da Educação Nova’ tem, pois, a relevância de não somente congregar estudos diversos sobre o tema, mas de elaborar uma profícua convergência de análises que permite aquilatar pontos de encadeamento centrais para o cenário educacional. Vale, nesse sentido, destacar a cuidadosa atenção dada à seleção de artigos e análises capazes de nuançar as configurações locais, regionais e internacionais. Essa atenção às diferentes escalas do movimento permitiu assinalar a atuação dos sujeitos políticos pela via das redes que mobilizaram, mas também perceber a formação de organizações institucionais em torno das bandeiras de renovação educacional. É também esse viés que torna possível perceber os significados em disputa e os pontos de estrangulamentos em meio à difusão internacional dos preceitos então defendidos.
Assim sendo, o livro vem para acrescentar perspectivar os movimentos renovadores e situá-los em sua configuração política e social sem, contudo, descuidar de suas apropriações. Vale também ressaltar o reiterado zelo em conceituar as diferentes faces da Educação Nova de acordo com os sujeitos que mobilizou e os territórios nos quais se embrenhou. Esse esforço, todavia, não teve a intenção nem tampouco o efeito de esgotar o tema ou de edificar um conceito estanque sobre as diferentes formas através das quais o movimento operou. Trata-se, portanto, de uma publicação que considera a produção historiográfica já solidificada a respeito do tema e convida a novas investidas de pesquisa e análise.
Referências
Andrés, M. M. P. (2020). O método de projetos na Espanha: recepção e apropriação (1918-1936). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 189-208). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Ecar, A., & Franchini, F. (2020). Esforços para uma educação nova em São Paulo: discursos e marcar n definição do cinema educativo (1920-1930). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 209-233). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Ecar, A., & Vidal, D. V. (2020). Vertentes da Escola Nova em São Paulo: o “caso microscópico” do Grupo Escolar Rural de Butantan (anos 1930-1940). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 91-112). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Felgueiras, M. L. (2020). Dois portugueses no movimento educacional da Escola Nova: Faria de Vasconcelos e António Sérgio. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 49-68). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Gvirtzm S., & Barolo, G. A Escola Nova na Argentina. Apontamentos locais de uma tradição pedagógica transnacional. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 133-152). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Herrera, M. C. (2020). Apropriações e ressignificações da Escola Nova na Colômbia na primeira metade do século XX. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 113-132). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
McCulloch, G. (2020). Fred Clarke, a Educação Nova e a internacionalização dos estudos e pesquisas em educação nos anos 1930. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 69-90). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Paulilo, A. L. (2020). Prefácio. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 7-10). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Pezeu, G. (2020). A coeducação vista pela Escola Nova nos anos 1920 e 1930 (entre Suíça, França e Alemanha). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 175-188). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Toro-Blanco, P. (2020). Conselho de viajantes: a Escola Nova e a transformação do papel do professor no Chile (1920-1930): um olhar conciso da história transnacional e das emoções. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 153-174). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Vidal, D. G., & Rabelo, R. S. (2020). A seção brasileira da New Education Fellowship: (des) encontros e (des)conexões. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 25-48). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Notas
[1] Ainda para as autoras, “[…] hub consiste em uma espécie de nó, que se situa no meio de várias trajetórias” (Vidal; Rabelo, 2020, p.13).2 Sigla comumente utilizada pelas autoras para se referirem à New Education Fellowsip.
3 A esse respeito, são delineadas duas linhas de tensões principais. Na configuração internacional se sublinhas as disputas entre a New Education Fellowship e o Bureau Internacional d´Éducation. Nacionalmente, as dissidências entre a Associação Brasileira de Educação e a Federação Nacional das Sociedades de Educação dão o tom do tensionamento.
Carolina Cechella Philippi – Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) vinculada à linha de pesquisa Educação e História Cultural. Pesquisadora junto ao Programa de Extensão e Pesquisa Historiar a educação. E-mail: carolinacechella@gmail.com