Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo / Patrícia F. I. Lemos

Trata a obra acerca da destinação dos resíduos sólidos e as res­pectivas responsabilidades pós-consumo.  A autora levanta o questionamento sobre o que fazer com os resíduos não aproveitáveis, gerados após o consumo. A per­gunta, aliada às questões atinentes à sustentabilidade, embora afeta às ciências da natureza, tem repercussões de imensa relevância para o es­tudioso do direito, principalmente no caso do Brasil que ainda está se desenvolvendo em uma política eficiente para a gestão dos resíduos só­lidos.

A obra faz ainda uma abordagem específica da responsabilidade civil em relação a geração dos mais diversos resíduos sólidos após o seu consumo e as questões que norteiam as políticas de sustentabilidade e da gestão de resíduos, tanto no âmbito federal quanto local.

Inicialmente no Capítulo I a autora utiliza o Código de Defesa do Consumidor como parâmetro para demonstrar que um dos objetos da Política Nacional das Relações de Consumo é o atendimento das necessi­dades dos consumidores e da melhoria da sua qualidade de vida, o qual, segundo ela, justificaria a satisfação das necessidades do ser humano como um ato social.  Ainda segundo a autora, na busca insaciável pelos desejos pessoais, sejam físicos ou culturais, o consumo acaba por apresentar reflexos que ultrapassam a pessoa do consumidor, uma vez que a elevação do consu­mo, por conseguinte, aumenta a produção dos resíduos, principalmente no meio urbano, no meio ambiente, na saúde pública e, em última análi­se, na própria qualidade de vida.

Partindo da premissa do elevado consumo e com o consequente aumento dos resíduos, a autora questiona quem vai responder pelos danos provocados por tais resíduos e quais os limites da responsabi­lização prevista na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), bem como no ciclo de vida dos produtos.

É aí que entra a questão da responsabilidade pós-consumo e a im­portância do consumidor na sociedade moderna, pois segundo a Consti­tuição Federal, em seu artigo 225, todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e o consumo desenfreado afetaria direta­mente esse pressuposto.

Nesse sentido a autora aborda a questão da entropia e padrões de consumo para justificar tamanho aumento, dividindo em entropia fi­siológica, resultante da interação do homem com o meio ambiente, e entropia patológica, relacionada com o atual estilo de vida de consumo excessivo, informando que esse seria um dos maiores problemas da atu­alidade.

A obra também trata dos princípios aplicáveis à tutela dos resídu­os, tais como a dignidade da pessoa humana, direito à vida, bem como dos essenciais à gestão dos resíduos sólidos, como o desenvolvimento sustentável, que é viabilizado pelo controle da produção e do consumo; informação e participação, que impõem o dever de preservação do meio ambiente ao Poder Público e à coletividade; poluidor-pagador; preven­ção, dentre outros.

No Capítulo II, a autora destaca os resíduos sólidos e suas classi­ficações, adentrando em algumas legislações atinentes à questão dos resíduos sólidos, falando da competência legislativa prevista na Cons­tituição Federal, em seu artigo 24, bem como fundamentado no mesmo artigo quanto à competência da União para instituir as normas gerais, estabelecendo uma estratégia e os princípios de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos.

A autora também trata dos resíduos como bens socioambientais que, por sua importância para as presentes e futuras gerações, acabam por gerar responsabilidade do proprietário ou do possuidor, tanto nas condutas comissivas quanto omissivas, diferentemente do que acontecia no direito romano, quando havia a perda da propriedade via abandono.

Há ainda a abordagem da visão objetivista dos resíduos, o qual a autora adota, na qual os resíduos são quaisquer substâncias que o de­tentor tem intenção de se desfazer, independentemente de que sua des­tinação seja a valorização ou a eliminação, trazendo à baila a questão da logística reversa, com previsão na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que viabilizaria o manejo dos resíduos sólidos e o retorno dos produtos pós-consumo.

Após, a autora faz a evolução legislativa de resíduos regulamenta­dos, informando que já atento às modificações do meio ambiente decor­rentes do descarte do denominado “lixo social”, o legislador, no ano de 1975, iniciou a criação de mecanismos para tentar impedir ou atenuar a poluição provocada por atividades industriais e materiais tóxicos sem destinação adequada após o consumo.

Corroborando a supracitada afirmação, houve diversas normas que fizeram as abordagens dos resíduos, já na tentativa de se precaver para o futuro, dentre as quais se destacam a Lei 7.802/79, que trata dos agrotóxicos, a Lei 6.803/80, que traça as diretrizes para o zoneamento industrial, a Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), que tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualida­de ambiental propícia à vida e as diversas Resoluções do CONAMA que até hoje servem de parâmetro legal.

No Capítulo III, que é o foco do livro, a autora adentra na questão da responsabilidade civil pós-consumo, desde as premissas teóricas, dentre os quais o nexo de causalidade, os respectivos danos e algumas espécies de responsabilidades.

Segundo a autora, a responsabilidade civil é fonte das obrigações de extrema relevância, estendendo seus efeitos sobre as relações obri­gacionais, sejam elas contratuais, decorrentes do descumprimento dos deveres relativos próprios das obrigações, ou extracontratuais, que de­correm da violação dos deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência que correspondem aos direitos absolutos.

A autora ainda destaca o nexo causal, desde o dano causado “cor­pore et corpori” à sua presunção, fixando ainda o nexo como elemento central da responsabilidade civil contemporânea, flexibilizados a servi­ço da prevenção e também como instrumento de proteção do indivíduo e seu meio.

Complementa ela que a ideia de uma responsabilidade preventiva não é nova, mas tem visto no desenvolvimento do nexo causal precioso fator de expansão, ao repousar as suas bases não mais em uma relação direta entre dano e agente, mas também na relação entre o dano e a po­tencialidade do agente de evitá-lo.

Tal função preventiva da responsabilidade civil, tão cara à proble­mática do pós-consumo, é, talvez, a mais representativa de uma flexi­bilização do nexo causal, em face da incapacidade da lógica natural de fornecer proteção a bens jurídicos tutelados por nosso ordenamento.

Por fim, a autora aponta o que chama de responsabilidade pós-con­sumo (do berço ao túmulo), destacando a importância dos gestores con­forme previsão expressa na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010).

Segundo ela, em matéria de pós-consumo, o ponto nodal é a res­ponsabilidade pelo ciclo de vida do produto: “do berço ao túmulo”. As­sim tal responsabilidade se dá na “série de etapas que envolvem o de­senvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final” (art. 3º, IV, PNRS).

A autora ainda expõe sobre a atuação do Poder Público que consi­dera fundamental na sistemática do pós-consumo, dividindo-a em com­petências legislativas, para elaboração de planos de resíduos sólidos nas esferas federal, estadual e municipal, estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, dentre outros; e material, com a utilização do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (SINIMA), de forma a viabilizar a correta destinação de resíduos e disposição de rejei­tos; monitoramento e fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária, dentre outros.

Há ainda a previsão de responsabilidade subsidiária do Poder Pú­blico, nos termos do artigo 29 da Lei n. 12.305/2010, de forma a mi­nimizar ou fazer cessar o dano quando tome conhecimento de evento relacionado ao gerenciamento de resíduos sólidos, lesivo ao meio am­biente ou à saúde pública, o qual a autora criticou o dispositivo legal, fundamentando que tal disposição enfraquece a sistemática da proteção integral e de responsabilidade compartilhada.

Por fim, a autora reitera a questão da logística reversa, que tem como fundamento a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, devendo ser entendida como um processo de planejamento, implementação e controle do fluxo efetivo e eficiente de matérias-pri­mas, do inventário em curso, bem como dos bens acabados e da infor­mação relacionada, desde o ponto de consumo até o de origem, tendo como propósito a recuperação de valor ou promoção até a sua disposi­ção final ambientalmente adequada.

Portanto, denota-se claramente pela obra e do atual momento em que todos vivem na sociedade contemporânea que com o crescimento das necessidades, básicas ou socialmente induzidas e a correspondente promoção do consumo geraram o aumento de resíduos, principalmente no meio urbano, com repercussões em toda a coletividade, com enfoque no meio ambiente e na saúde pública, o que afeta diretamente o padrão e qualidade de vida de todos.

A autora ressalta que se fazem necessárias atuações de caráter pre­ventivo, tais como educação ambiental, conscientização da população e a correta aplicação da questão envolvendo a responsabilidade civil para assegurar uma existência digna da sociedade como um todo, sempre respeitando a natureza e adotando padrões sustentáveis entre consumo e produção.

Assim, a responsabilidade pós-consumo está diretamente envolvi­da nas atividades econômicas, pois serve como instrumento de concilia­ção entre desenvolvimento e preservação ambiental e também não pode ser um empecilho para que não se possa promover o regular desenvol­vimento do país ou da localidade em que haja produção de resíduos só­lidos.

Conclui-se, portanto, que se faz necessária uma integração dos gestores de resíduos sólidos, nos termos estabelecidos na Lei n. 12.305/2010, para dar a adequada destinação ambiental dos mais di­versos resíduos existentes no pós-consumo, cada qual nos limites em que possa atuar, mas sempre cobrando e fiscalizando de todos e visando o futuro ambientalmente saudável.

Bruno César Andrade Costa – Mestrando em Desenvolvimento Regional da Amazônia (UFRR). Especialista em Direito Ambiental (FACINTER). Advogado na Seccional de Roraima (OAB/RR). Grad­uado em Direito (Faculdade Cathedral de Ensino Superior).

LEMOS, Patrícia Faga Iglesias. Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. Resenha de: COSTA, Bruno César Andrade. Responsabilidade civil pós-consumo. Examãpaku – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais, Roraima, v.8, n.3, 2015. Acessar publicação original. [IF]

Itamar Freitas

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